CLASSIFICAÇÃO DE GEOFORMAS LITORAIS ACTIVAS: PROPOSTA
METODOLÓGICA PARA ANÁLISE EM SIG
António Alves-da-Silva1, Fernando L. Costa2
1
-Instituto Geográfico Português (IGP)
Tel. (351)213819600, Fax (351)213819699, email: [email protected]
2-
Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), Trav. Conde da Ribeira, 9-B, 1º, 1300-
142 Lisboa, Portugal
Tel/Fax: (351) 213640046, email: [email protected]
Resumo
Com a banalização da utilização de SIG em processos de análise em Geomorfologia
Litoral, a inexistência parcial de conceitos precisos e definitivos globalmente aceites,
eventualmente normalizados, a sua materialização no terreno e uma certa falta de
conhecimento ou reconhecimento desta área científica, deve ser encarado como um
problema em aberto. Existe uma forte interdependência entre as formas do relevo ou
geoformas, que se materializa através de relações como trocas sedimentares e
energéticas que têm uma correspondência no espaço e no tempo, um determinado tipo
de equilíbrio e estabilidade que é reflectido nas geoformas litorais. É esta a perspectiva
de encadeamento e interdependência que confere à Geomorfologia Litoral um papel
relevante no conhecimento do litoral que deve ser a base sustentável de um bom plano
de Ordenamento neste espaço. Nesta comunicação é proposto um sistema de
classificação geomorfológica do litoral que permita dar um passo em frente na
conceptualização e integração da Geomorfologia Litoral como área científica parceira
do Ordenamento.
Palavras-chave: formas litorais, sistemas morfogenéticos, análise espacial, faixa
costeira, Ordenamento do Litoral
1. INTRODUÇÃO:
As formas de relevo do litoral espelham a acção conjugada dos agentes
morfogenéticos que actuam no litoral ao longo do tempo. Por isso tornam-se
indicadores excelentes na obtenção de informações relacionadas com o contexto
1
morfodinâmico recente. O litoral, do ponto de vista da dinâmica morfogenética pode
dividir-se em sectores essenciais que podem ter faixas de sobreposição (fig.1). O
primeiro, o litoral activo, é aquele onde as geoformas evoluem actualmente por
processos litorais. O segundo, o litoral herdado, situado na periferia do primeiro mas de
extensão muito variável e difícil de determinar, corresponde a anteriores posições do
litoral onde as formas já não evoluem por processos litorais, e um terceiro sector, de
transição, situado entre os dois anteriores, onde as formas evoluem por processos
mistos, tanto litorais como continentais (a sotamar) ou marinhos (a barlamar).
Litoral 2D
Faixa Costeira
Processos
Continentais
Processos
Marinhos
Processos Litorais
Nível de águas mínimas
sta
Nível de BM de águas vivas
a de
co
Nível médio
Li nh
Nível de águas máximas
Limite
interior
da influência
morfogenética
da cunha salina
(PONTO NULO ou NODAL)
do alcance da salssugem,
duna frontal, ou arriba
Área sempre imersa
Ambiente Marinho
Área sempre emersa
Nível de PM de águas vivas
Ambiente Continental
Fachada Costeira
Início da
interacção
entre o fundo
do mar e a ondulação
(PONTO DE OCLUSÃO
ou FECHO)
Figura 1. Faixas de morfodinâmica litoral em função da importância relativa
dos processos litorais.
Este tipo de zonamento, difícil de materializar no terreno, é necessário ser levado em
consideração para se conseguirem retirar com rigor os aspectos geomorfológicos
relevantes para o Ordenamento do Litoral, nomeadamente o tipo de dinâmica (erosiva,
acreciva ou de equilíbrio, e respectivos graus relativos de dominância e intensidade dos
processos litorais) e evolução provável da linha de costa em termos dos avanços ou
2
recuos previsíveis. Assim, a identificação e delimitação das diferentes formas no terreno
e a zona a que pertencem é a principal acção a levar a cabo.
Mas, para implementar esta tese, é necessário proceder a uma síntese conceptual das
formas litorais, o que se torna ainda mais imprescindível quando se pretende utilizar
tecnologias de informação geográfica (TIG) para o efeito, tendo em vista a construção
de sistemas de informação geográfica (SIG) para análise geomorfológica do litoral.
Neste campo, o modo de associação de atributos significativos a objectos localizados no
espaço geográfico deve ser possível, claro e objectivo (classificando ou quantificando),
de modo a tornar compreensíveis os processos de análise espacial que irão identificar
selectivamente as diferentes áreas significativas.
Apesar da existência de monografias e obras de inquestionável valor sobre geoformas
litorais, a falta de objectividade de alguns conceitos, o desencontro de outros, os
diferentes contextos em se abordam e, nomeadamente, o nível de detalhe com que são
tratadas, são argumentos que se podem invocar para explicar o facto de ainda não existir
uma norma de referência para classificação das geoformas litorais como tal. O problema
começa pela necessidade de definir aquilo que se considera ser espaço litoral, em que
contexto temporal isso sucede e ligar essa relação a conceitos como os de linha de costa,
faixa costeira e fachada costeira. Nesta perspectiva aqui abordada, o espaço litoral dirá
respeito ao litoral activo, onde as geoformas são actualmente geradas directa ou
indirectamente por processos litorais que lhes conferem toda a sua especificidade e que
reflectem o modo como esses processos actuam.
Citando Finkl (2004), apesar de ter havido várias tentativas ao longo do tempo para
resolver o problema da classificação e nomenclatura das costas, ainda não foi
encontrada uma completa solução consensual e satisfatória. Ainda segundo este autor,
editor da revista Journal of Coastal Research e director da Coastal Education and
Research Foundation, as necessidades complexas dos dias de hoje, requerem soluções
sofisticadas para cruzar e inter-relacionar problemas no litoral, que são facilitadas
pela organização de parâmetros biofísicos num todo coerente ou num esquema
universal. Este mesmo autor propôs uma classificação abrangente, com uma forte
componente geomorfológica que abarca o controle litológico, aspectos cronológicos,
processos de geodinâmica, grandes unidades de relevo e características morfogenéticas,
que adiante voltaremos a referir (Finkl, 2004).
A aplicação da Geomorfologia Litoral ao Ordenamento, deve ser vista numa
perspectiva integrada como nível de desagregação do sistema ambiental. Deve no
3
entanto constituir uma preocupação inicial, mesmo básica, uma vez que todas as acções
relacionadas com o ordenamento vão assentar, em primeira análise, sobre o solo, isto é
sobre as formas de relevo. O apelo à necessidade de integração interdisciplinar da
informação geográfica no ordenamento e gestão do litoral (Rocatagliatta, 2004), faz
com que a referência explícita à Geomorfologia Litoral, esteja ausente na maior parte
dos casos, embora essas referências existam, como é o caso de Al-Bakri (1996) que
refere que o Planeamento costeiro deve ser sustentado numa base geomorfológica:
descrição das geoformas, dos sedimentos e dos processos. Normalmente as unidades de
análise espacial fixadas para o Ordenamento do litoral são determinadas quase sempre
por critérios que, só por mera coincidência, correspondem a limites naturais com um
determinado significado, pois, em geral, atende-se mais a critérios jurídicoadministrativos ou de conveniências circunstanciais, ou são meramente empíricos, o que
contraria uma visão universal da ocupação do espaço mais consentânea com a visão
sistémica da sua organização real. Neste contexto, à partida, fica limitada a
compreensão das interacções sistémicas, uma vez que não se procura a integração no
mesmo espaço dos elementos que o compõem, ainda que numa escala contextualizada.
O projecto europeu para a Gestão Integrada da Zona Costeira (GIZC), em 1998, foi ao
encontro das necessidades de recolha de indicadores para uma classificação costeira
referida no Relatório Anual do European Topic Centre of Marine & Coastal
Environment (ETC- Izzo, 1996). Prevendo uma organização comum europeia da
legislação sobre o ordenamento e gestão do litoral, a União Europeia para a
Conservação do Litoral (EUCC) esboçou uma metodologia de classificação da linha de
costa europeia, com alguma preocupação em termos geomorfológicos (Comissão
Europeia, 1999), que parece ajustada para resultados em mega escalas (inferiores a
1:1000.000). Prevê o relacionamento entre características geológicas, oceanográficas e
as várias paisagens, formações, sistemas e grupos litorais de tipos de habitat a partir dos
quais se elaborou uma classificação preliminar de litoral. É, no entanto, redutora em
relação aos factores que utiliza, pois estão ausentes aspectos importantes como a
altitude e a distância ao mar. Os critérios de avaliação usados e os tipos de fachada
costeira relacionados sintetizam-se na tabela da figura 2.
4
Figura 2. Tipologias de Sistemas Costeiros, segundo a EUCC (1999, trad.).
No entanto, esta classificação não deixa de parecer ajustada, tendo em consideração
que se propõe apresentar resultados em mega escalas (inferiores a 1:1000.000), como é
o caso do mapa Coastal Geomorphology and Slope Class e do Coastal Systems of
Europe.
As primeiras classificações feitas no sentido do estabelecimento de uma hierarquia de
formas litorais, enquadram-nas com fenómenos eustáticos (Valentin, Johnson, 1952;
Valentin, 1952; Cotton, 1952; Strahler, 1986), tectónicos (Inmann, Nordstrom, 1971;
Strahler, 1986), estados evolutivos do relevo (Valentin, 1952), aspectos estruturais
(Guilcher, 1954), características da margem continental (Inmann, Nordstrom, 1971);
com aspectos morfogenéticos (Shepard, 1971), aspectos integrados (Johnson, 1919); ou
morfosedimentológicos (May e Hansom, 2003), grau de consolidação dos materiais
(Owens, 1994), tipo de linha de costa quanto à exposição e granulometria (South
Florida Regional Planning Council, 1984). No entanto, os factores que têm em
consideração são difíceis de quantificar e muito menos de materializar no terreno
através da sua cartografia para poderem ser de algum modo indicadores para o
Ordenamento. Existem ainda várias classificações costeiras recentes, como a do
Programa de Geologia Marinha e Costeira dos Serviços Geológicos dos Estados
Unidos, voltada essencialmente para a relação entre a Geomorfologia e a actividade
antrópica, tendo em vista a avaliação de riscos (fig.3).
5
Figura 3. Classificação da Geomorfologia Litoral, segundo os USGS,
como base preliminar para avaliação do risco relacionado com a actividade
antrópica (USGS, 2004, trad.).
Mais objectiva é a classificação utilizada no projecto Coastline 2000, inspirado no
professor Albert Steers e na sua filosofia relativamente à educação sobre Geografia do
Litoral, que teve como finalidade mobilizar jovens para fazerem um levantamento do
litoral tendo em vista a sua sensibilização para o problema da conservação deste espaço
como património paisagístico nacional do Reino Unido (fig. 4).
Tecnicamente passou pela criação de uma base de dados, contendo características do
litoral e dados resultantes de análise espacial e inquéritos. Esta classificação
geomorfológica, foi assim usada directamente para uma acção de ordenamento ainda
que não fosse exactamente esse o seu objectivo fundamental.
6
Figura 4. Classificação Costeira do Projecto Coastline 2000
(trad.) Anglia Campus.
Noutra perspectiva, Short (1999), propôs uma classificação baseada nas propriedades
energéticas da costa relativamente à ondulação, definindo categorias em função do seu
efeito na deflecção da ondulação, segundo a figura 5.
Esta classificação é no entanto efectuada para suportar a classificação de praias e
formas associadas, não sendo por isso generalizável.
7
Figura 5. Classificação de propriedades energéticas do litoral, segundo Short
(1999, modif.)
Por fim, destaca-se a mais recente proposta, por Charles Finkl (2004), que efectuou
uma classificação abrangente e detalhada, baseada no que designa por unidades
morfológicas (tabela da Figura 6). Pretende reunir, sintetizar e melhorar algumas das
principais classificações até então conhecidas, integrando os princípios de base das
classificações mais antigas com os das mais recentes que, segundo o autor, são mais
viradas para formas e materiais (observáveis no campo) do que para aspectos mais
subjectivos como estruturas emergentes ou submergentes (Finkl, 2004). Propõe-se por
isso estruturar uma classificação unificada e visa tornar-se universal e aberta no sentido
de poder receber modificações ou ser completada à medida que os conhecimentos vão
avançando, tendo como propósito o estabelecimento de estruturas taxinómicas de
Geomorfologia Litoral segundo um determinado escalonamento articulado, que permita
cartografar os elementos em várias escalas articuladas.
8
Figura 6. Classificação Costeira de Finkl (2004, traduzida, simplificada e
esquematizada por Alves-da-Silva, 2005)
Estas estruturas, não são baseadas no que cada forma em si representa, mas num
agrupamento de parâmetros que refere como necessários à classificação da
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Geomorfologia do litoral, como as diferenças de litologia no que diz respeito à
coerência das estruturas; posição cronológica relativa; processos zonais geodinâmicomorfoclimáticos onde se inserem; grandes tipos de relevo (unidades morfo-estruturais) ;
características morfogenéticas do relevo e elementos do relevo e superfícies
geneticamente homogéneas. Considerando a litologia à parte, tudo o restante é
encadeado segundo uma escala de análise crescente, do mais abrangente para o maior
pormenor.
Usando um complexo processo dedutivo, esta classificação não se enquadra nos
mesmos propósitos defendidos neste trabalho, já que pretende enquadrar as formas
litorais em grupos taxinómicos mais abrangentes do que as próprias formas, não as
definindo num quadro dos sistemas geomorfológicos, embora isso possa estar
subjacente.
Recentemente, o Ministério do Ambiente e Ordenamento criou um grupo de trabalho
para delinear as bases estratégicas da GIZC nacional cujas conclusões foram publicadas
em 2007. Aí reconhece-se implicitamente a dificuldade que existe em definir
objectivamente conceitos relacionados com o espaço litoral e a sua delimitação,
propondo algumas definições e delimitações que não vêm acrescentar nada de novo ao
já estabelecido, até porque não é possível fazê-lo de modo a convergir num só,
conceitos que têm diferentes significados conforme os objectivos e interesses. Mas o
objectivo deste grupo de trabalho não teve um propósito de índole exclusivamente
geomorfológica.
Pode concluir-se que existe uma certa preocupação, ainda que muitas vezes latente, em
introduzir aspectos relacionados com a Geomorfologia na caracterização e classificação
do litoral. Conforme se defendeu antes, o relevo é a base física do Ordenamento e é por
aí que a delimitação do litoral deve começar. Não sendo um processo inquestionável,
obedecendo a 3 princípios é possível materializar-se no espaço limites naturais com
alguma precisão:
1-Limitar o espaço a barlamar ao nível a partir do qual é possível encontrar geoformas
emersas ainda que efémeras (zero hidrográfico - ZH);
2-Limitar a sotamar pela linha de águas máximas (5m - NAM);
10
3-Efectuar a identificação, delimitação e caracterização de sistemas elementares
activos dentro dos limites definidos.
Nesta base estrutural, parte-se para uma proposta metodológica de classificação do
espaço onde ocorrem formas litorais activas que, uma vez cartografadas e
caracterizadas, possam suportar pesquisas espaciais, determinar relações topológicas
significativas e constituir-se numa ferramenta sólida de estudo e análise da situação
presente, da evolução das formas litorais, da dinâmica que as condiciona e da realização
de previsões.
2. METODOLOGIA:
2.1 Dimensionamento da área de classificação
Numa primeira fase, é necessário materializar no terreno a definição de espaço litoral,
com a complexidade que lhe está associada, e que obriga à busca de parâmetros
integradores e simultaneamente identificáveis, bem como à concretização e
harmonização escalar de conceitos geomorfológicos mal concretizados e seu
encadeamento numa perspectiva sistémica.
Em primeiro lugar, é imprescindível limitar geograficamente o espaço de análise, que
deve corresponder à área onde é máxima a probabilidade de ocorrência de formas
litorais activas, isto é, aquelas cuja evolução e perfil são determinados por factores
litorais, nomeadamente pela acção do mar. Este espaço, ou faixa de morfogénese litoral
activa, tem dimensões variáveis e flutuantes que decorrem dos diferentes níveis do mar
significativos, sendo o mais baixo, o ponto de oclusão, que corresponde à profundidade
de fecho. O espaço que se estende de mar para terra deste ponto até ao nível de águas
mínimas, é dominado por processos essencialmente marinhos e as formas litorais só
começam a ter condições para se formarem, acima deste nível, onde os processos
marinhos alternam com os sub-aéreos que vão ganhando importância crescente até ao
nível de águas máximas, acima do qual passam em geral a ter preponderância completa.
Assim, o limite interior, é definido pela linha de águas máximas, isto é, pelo alcance
superior em terra da água do mar com competência morfogenética, e pela faixa
adjacente onde dominam os processos sub-aéreos, cuja acção é limitada pela ocorrência
ou ausência de dunas litorais. Pode assim considerar-se que o litoral geomorfológico
activo corresponde à totalidade da faixa definida entre o ponto de oclusão e o limite
interno do campo dunar litoral. As formas litorais ocorrem essencialmente entre o nível
11
de águas mínimas e o limite interior das dunas litorais, funcionado a linha de águas
máximas como esse limite, caso não existam dunas (fig1.
Há ainda que referir a dificuldade de identificação dos limites extremos (águas
máximas e mínimas), de modo sistemático e coerente. O problema é controlável
considerando apenas uma faixa de probabilidade máxima definida entre o zero
hidrográfico (ZH), que corresponde aproximadamente ao nível de baixa mar de águas
vivas, e a curva de nível dos 5 metros, que se considerará um limite convencional, dada
a fraca probabilidade do mar ultrapassar esta altitude.
Admite-se assim que a maioria das formas litorais se localiza entre o nível a partir do
qual a plataforma continental pode ficar emersa e termina onde os processos litorais
deixam de ter influência visível na morfogénese. No primeiro caso, afere-se esse limite
ao ZH e, no segundo, à curva de nível dos 5 metros. Neste contexto, o espaço resultante
corresponderá não só ao de maior probabilidade de ocorrência de formas litorais como
ao de formas com uma morfogénese litoral preponderante. Uma excepção deve, no
entanto, ser salvaguardada a das dunas litorais, que podem encontrar-se em áreas muito
acima do nível interno referido. Para tal, há que efectuar uma verificação caso a caso
(fig. 7).
Figura 7. Delimitação do espaço de localização de formas litorais activas na Zona
Costeira. (NAm- nível de águas mínimas; BMAV – Nível de baixa-mar de águas
vivas; BM – Nível de baixa-mar; NM – Nível médio do mar adoptado; PM –
12
Nível de preia-mar; PMAV – Nível de preia-mar de águas vivas; NAM – Nível de
águas máximas); ZH – Zero hidrográfico
Nos estuários, deltas e superfícies lagunares em geral, os limites internos devem ser
re-equacionados, nomeadamente determinando o alcance máximo da penetração da
cunha salina, os ápices nos estuários e deltas, e os limites nas margens para os quais se
deve ter em conta a influência relativa do mar. Neste caso há que considerar o efeito das
marés e da sobrelevação potencial provocada por caudais de cheia que se lhes podem
associar. Nos casos em que existe uma barreira artificial no interior a aferição destes
limites torna-se fácil. Caso contrário, a presença ou ausência de formas fluvio-marinhas
pode permitir essa identificação, mas considerando a maré como factor de penetração da
influência do mar, então o limite interno pode estender-se por dezenas de quilómetros
para o interior. Ainda assim, por si só, a onda de maré não origina formas litorais no
interior dos estuários sem a presença de água salgada.
Neste contexto Alves-da-Silva (2005) propôs uma hierarquização sistemática de
formas litorais, que congrega 4 níveis, da forma mais simples à mais complexa
(excluindo as microformas) em função das dimensões visíveis, sem perder a noção de
continuidade no espaço e no tempo, onde cada elemento deve ser considerado como um
sistema geomorfológico (fig. 8):
Figura 8. Níveis de Hierarquização propostos para classificação de geoformas litorais.
- O nível inferior, de sistemas elementares, corresponde às formas cujos elementos são
entidades morfologicamente homogéneas, individualizáveis na paisagem;
- O nível médio, de sistemas compostos, inclui formas que integram pelo menos, dois
sistemas elementares;
13
- O nível superior, de sistemas complexos homogéneos ou heterogéneos, integra mais
de dois sistemas elementares que, no conjunto, funcionam como um só, para a
individualização da sua forma, necessariamente complexa ou, integrando conjuntos de
vários sistemas elementares que interagem entre si ou são interdependentes, mas cujo
resultado não é, em primeira análise, uma nova forma. Dentro deste conjunto, ainda se
pode partir para um nível mais abrangente em termos de escala, o das grandes fachadas
litorais que, no global, são conjuntos de sistemas, que podem ser individualizados
respeitando uma certa homogeneidade morfológica, claramente condicionada pelas
características lito-estruturais comuns, e que caracterizam a paisagem ao longo de áreas
mais ou menos extensas.
Procura-se estabelecer um esquema lógico que permita suportar um SIG visando a
pesquisa de formas e a sua relação espacial, tendo em vista a constituição de uma BDG
orientada para a análise geomorfológica, mas também utilizável em processos de
avaliação no Ordenamento do Território, já que o significado da presença de
determinada
geoforma
num
determinado
local,
implica
considerar
aspectos
condicionantes do Ordenamento como por exemplo a origem dinâmica dessa forma; a
sua evolução passada e presente, circunstâncias que vão permitir fazer previsões sobre o
modo de evolução daquele espaço e os riscos relativos decorrentes da sua potencial
ocupação. É necessário desenvolver e promover uma relação causal entre
Geomorfologia e Ordenamento do Território. Neste caso, a causa é a forma de relevo; o
efeito é que tratando-se de uma forma de relevo concreta, então está-se perante
condições específicas que devem condicionar o ordenamento: uma dinâmica
sedimentar, um elo do sistema, que determinam cuidados particulares para
comportamentos e respostas particulares. Por exemplo, a presença de uma praia implica,
de entre outros aspectos, considerar no seu ordenamento as condições morfodinâmicas
genéricas da sua origem, as suas ligações como sistema aberto e dependente e o seu tipo
e estado de equilíbrio, estável ou instável, dinâmico ou estático, segundo o conceito de
Summerfield (1993). Só deste modo se poderão fazer avaliações integradas de custos
versus benefícios e de impactos, uma vez que qualquer intervenção tem necessariamente
um qualquer impacto no sistema. Outro exemplo, a simples construção de um apoio de
praia pode desestabilizar todo o sistema morfo-sedimentar, caso a sua posição possa
prejudicar a transferência de sedimentos de uma praia para uma duna. A intensidade
desse impacto pode ou não provocar reajustes no seu equilíbrio, devendo tal facto ser
previsto com fiabilidade.
14
A clarificação de conceitos relacionados com formas litorais e a sua associação a
dinâmicas litorais foi estabelecido em Alves-da-Silva (2005, cap.2). O passo seguinte
refere-se ao esquema de classificação imbricado que assenta nos objectivos sequenciais
de: a) definir o espaço a classificar; b) identificar sistemas geomorfológicos
elementares; c) conceber pesquisas espaciais para determinação de relações topológicas
e identificação de sistemas de complexidade superior; d) consolidar uma BDG que
suporte o acompanhamento da evolução das formas inicialmente identificadas; e) propor
o SIG como ferramenta de suporte a estudos de Geomorfologia e de Ordenamento do
Litoral.
Como caminho a seguir, procede-se ao estabelecimento de uma base conceptual
homogénea que, numa perspectiva sistémica, vise a associação de tipos morfológicos a
processos, com vista à melhor compreensão do funcionamento dos sistemas
geomorfológicos do litoral e dos fenómenos naturais, como reflexos dos processos que
intervêm no sistema onde se inserem.
O conceito de geoforma litoral deve surgir sempre no contexto de um determinado
sistema geomorfológico, ligado a determinada entidade lito-estrutural, actuado por
processos e dinâmicas litorais que lhe conferem determinadas características específicas
ao nível do aspecto morfológico, geometria e dimensões. Esse mesmo significado pode
ser utilizado para constituir uma estrutura classificativa capaz de introduzir de modo
organizado e hierarquizado, os aspectos geomorfológicos essenciais, útil, por exemplo,
para em acções de ordenamento integrado ou, simplesmente, tendo como propósito
contribuir simplesmente para a organização e sistematização do conhecimento científico
no campo da Geografia Física.
Existem abordagens concretas aos conceitos de geosistemas ou sistemas elementares
(Christopherson 2008 a,b) bem como à sua modelação (Anderson, 1988).
Sabe-se ainda que as geoformas litorais são, simultaneamente, parte constituinte e
produto do subsistema ambiental que é o sistema litoral, que tem como elemento
preponderante o mar e a sua acção modeladora caracterizada por processos de erosão,
transporte e deposição de características específicas. Como resultado, as geoformas
litorais reflectem um tipo dinâmica (erosiva ou acreciva) que presidiu à sua génese, e o
estudo da sua evolução mostra o modo e o grau com que essa dinâmica se transforma de
acordo com o estado de equilíbrio que controla o sistema.
Nesta base, está a ser estruturado no IGP, um projecto cujo objectivo é construir um
SIG que permita identificar todas as geoformas litorais dentro dos parâmetros propostos,
15
tendo em vista não só o inventário em si, mas sobretudo a análise espacial e temporal
que irá permitir avaliar periodicamente a evolução do espaço litoral e o tipo de
processos localizados que presidem à morfogénese.
Em Geomorfologia do litoral, existem diversas classificações de formas litorais, mas
não há uma de tal modo abrangente, que permita o estabelecimento cognitivo (no
sentido de ser perceptível, imediatamente compreensível) de relações geográficas
formais que possibilitem uma integração plena da Geomorfologia nos processos de
avaliação ambiental, pilares fundamentais para um ordenamento de sucesso.
Por outro lado, a informatização e a criação de sistemas de informação
computadorizados, carecem de bases de dados estruturadas de modo a permitir
estabelecer com precisão as tais relações geográficas que sustentarão essa avaliação
ambiental.
O aspecto essencial desta caracterização pretende, entre outros aspectos, dar ênfase às
relações sistémicas entre geoformas.
Assim, apresentam-se em seguida os esquemas tipológicos de referência ao projecto.
A figura 9 mostra algumas das relações possíveis entre sistemas geomorfológicos
litorais.
Figura 9. Sistemas geomorfológicos litorais: exemplos de possíveis
relações de interdependência entre sistemas homogéneos.
16
A relação de vizinhança entre dois sistemas elementares, de acordo com a noção de
sistema, pressupõe desde logo a existência de relações mútuas de interdependência.
Estas relações podem ser de natureza simbiótica, no sentido que ao desaparecer um dos
elementos o outro deixa de ter condições para prosseguir a sua morfogénese natural,
passando a entrar em rotura ou a encontrar um equilíbrio diferente que aponte noutra
direcção em termos de evolução como forma de relevo. Esta noção é de extrema
importância para o ordenamento do litoral, implicando um alargamento do campo visual
e do espaço de intervenção para além dos seus limites. Isto não significa que não
existam relações entre dois elementos que não sejam vizinhos no espaço. A noção de
sistema defendida, faz pressupor que essas interacções não só existem, como se podem
estender indefinidamente no espaço e no tempo, com maior ou menor intensidade.
Inclusivamente, a "morte" de uma forma pode ser induzida naturalmente pelo próprio
sistema geomorfológico. Aliás, de uma maneira geral e numa lógica Davisiana, a
geodinâmica externa aponta por exemplo para a eliminação de tudo o que é saliente.
A proximidade no espaço entre duas entidades morfológicas implica e significa
certamente uma intensidade de relações mais forte e com níveis de interdependência
maiores, nomeadamente ao nível da faixa de contacto entre tais sistemas elementares
adjacentes.
2.2 Identificação e classificação de sistemas elementares e compostos
O esquema de classificação de formas litorais assenta no princípio da existência de
uma relação sistémica de interdependência entre elementos que constituem sistemas
geomorfológicos que controlam a sua evolução. Comandados e condicionados pela
acção diferenciada dos agentes morfogenéticos no espaço, no tempo e na intensidade
com que actuam, existem múltiplas combinações de sistemas geomorfológicos e não é
possível abordar neste trabalho todas elas. Há no entanto alguns fundamentais, que
representam a esmagadora maioria das combinações e que dão origem à maior parte das
fachadas litorais em toda a Terra. Trata-se dos sistemas compostos de praia e de arriba.
Em todas as fachadas litorais marítimas, o contacto entre o mar e a terra é feito através
de uma praia ou através de uma arriba. Os sistemas de praia são essencialmente
acrecivos, enquanto os de arriba são eminentemente erosivos. Podem ainda combinar-se
ambos os sistemas.
17
2.2.1 Sistemas de arriba
Os sistemas elementares de arriba, que se materializam em formas de arriba, são por
natureza, resultantes da acção dos agentes erosivos sobre relevos rochosos préexistentes que vão sendo talhados segundo o tipo e intensidade desses agentes litorais
que sobre eles actuam. A sua situação actual permite verificar se as condições que os
originaram se mantêm direccionadas para o mesmo propósito (erosão) ou se, pelo
contrário, o sistema foi alterado ou atingiu um determinado estado de maturação que
aponte para um equilíbrio no balanço sedimentar. No primeiro caso, uma plataforma
rochosa com alguns recifes e blocos soltos, adjacente a uma arriba, indica, à partida, que
o processo erosivo se mantém em desenvolvimento. Por outro lado, a existência de
praias consistentes junto à base das arribas, pode indiciar o fim do recuo das arribas por
processos marinhos e o início da sua fossilização caso haja a formação de uma sistema
dunar na antepraia ou simplesmente a sua estabilização, passando a evoluir por
processos continentais. A figura 10, tipifica um sistema de arriba activo.
Figura 10. Tipologia de litoral de arriba (genérico) segundo Brigs (et al, 1997) in
Haslett (2000, adap.).
Para além da arriba propriamente dita, individualizável e que corresponde ao grande
degrau sobranceiro ao mar, existe todo um conjunto de formas associadas à sua
evolução que, no seu todo constituem o que se designa por sistema composto de arriba,
cujas diferenciações morfológicas são essencialmente decorrentes da natureza geológica
18
da rocha em que a arriba é talhada. Das muitas combinações morfológicas passíveis de
ocorrerem passam a sintetizar-se as principais na figura 11.
Figura 11. Sistemas de arriba – exemplo de combinações morfológicas possíveis a
partir de uma arriba ou arriba com vertente costeira: as setas indicam a possível
presença a barlamar do sistema de onde partem.
Os sistemas de plataforma rochosa-arriba, são os sistemas de arriba mais comuns, mas
existe uma enorme diversidade de circunstâncias capazes de fazerem variar a própria
evolução do sistema em si.
O processo de formação de plataformas rochosas é condicionado pelo aumento do seu
comprimento. À partida, quanto maior for o comprimento da plataforma rochosa, em
média, menor será a energia da ondulação que vai chegando à base da arriba para a
erodir. Se houver evolução desta por acção de processos sub-aéreos no topo e os
materiais erodidos se depositarem na base, então o seu processo de evolução vai sendo
ainda mais retardado. Haslett (2000), refere esse feed-back negativo da energia da
ondulação em plataformas rochosas. Mas o processo é ainda condicionado pela
rugosidade e declive. A arriba pode sofrer erosão basal, somente na preia-mar, caso a
19
plataforma rochosa seja inclinada. Por outro lado, pode haver ilhéus, escolhos, franjas
ou barras de recifes residuais de dureza, ligados ao substrato rochoso ou ainda matacães
ou blocos de grandes dimensões desprendidos da arriba que exercem sobre o mar um
efeito de barreira, dissipando também a energia da ondulação, pelo menos enquanto
estão emersos. Uma terceira situação, onde a plataforma rochosa está sempre imersa, a
energia da ondulação pode ser ainda menos significativa, caso a profundidade seja
suficientemente grande para evitar o rebentamento das ondas na base das arribas,
limitando assim o efeito erosivo. Como consequência desta dissipação de energia,
podem formar-se praias junto às arribas.
Quando se fala em sistemas praia-arriba, está a considerar-se um sistema de arriba e
não de praia, enquanto se trata de um sistema erosivo. Caso se forme um sistema dunar
na antepraia, na base da arriba, será de considerar que a arriba passa a evoluir por
processos sub-aéreos, embora alguns destes processos, como a haloclastia, sejam
litorais, e passa a ser uma forma morta ou herdada. O sistema dunar, pode mesmo
instalar-se no topo da arriba. No primeiro caso, os sedimentos de praia (areias, cascalhos
e calhaus), havendo condições morfológicas e hidrodinâmicas para o fazer, depositamse na base das arribas, podendo ser remobilizados e atirados contra a própria arriba
acentuando o efeito abrasivo da ondulação e dos fenómenos de quarrying que possam
ocorrer. Por outro lado, se houver uma deposição massiva, é possível que se forme uma
praia extensa sobre a plataforma rochosa e a arriba só seja alcançada em situações
extremas. Ainda, noutra circunstância, não existindo plataforma rochosa, e numa
situação de equilíbrio sedimentar dinâmico, a taxa de evolução de uma arriba por
factores litorais é pouco significativa. Mesmo em costas de erosão acentuada, tais
sistemas podem formar-se em reentrâncias na fachada rochosa dos litorais onde, se não
houver intervenção de organismos fluviais, há tendência para se originarem circulações
celulares de sedimentos, alcançando-se um estado de equilíbrio do balanço sedimentar
ou seja, forma-se um sistema sedimentar semi-fechado. É o caso das praias encastradas
e das praias de bolso, que são sub-sistemas em equilíbrio contidos num litoral de
arribas.
Havendo muitas variantes e configurações morfológicas de sistemas de arribas, salvo
algum fenómeno paroxísmico, a sua morfologia resulta sempre do balanço energético
entre os processos sub-aéreos, marinhos e outros processos litorais, actuantes numa
determinada rocha com uma constituição morfo-lito-estrutural, mais ou menos
homogénea ou heterogénea, mais ou menos fracturada, regular ou irregular. Dependem
20
ainda do tipo e amplitude da maré, sendo de prever que quanto menor o seu período e
maior a sua amplitude, maior será o desgaste. A posição destes sistemas relativamente
ao nível da água e ao alcance da ondulação também é significativo, bem como a sua
exposição relativamente à incidência dessas ondas e das correntes de deriva litoral
originadas pela difracção destas.
2.2.2 Sistemas de Praia
Os sistemas de praia são neomórficos e centram-se na forma principal de praia.
Resultam da existência de balanços sedimentares positivos que conduzem à deposição
de sedimentos móveis alóctones que se consolidam como forma em bacias de recepção
rochosas pré-existentes. São totalmente dependentes da ondulação e da disponibilidade
de sedimentos, sendo influenciados pelas marés e vento ou ainda pelo tipo e calibre dos
sedimentos, biota, temperatura do ar e água e química da água. Estendem-se desde a
profundidade de fecho, a partir da qual a energia da ondulação é capaz de transportar
sedimentos móveis para sotamar, e o limite superior da deriva de praia, que é o limite da
acção sub-aérea da ondulação e do transporte de sedimentos e constitui a transição para
o domínio dos processos sub-aéreos (Short, 1999). Nesse espaço existe uma série de
sub-sistemas cujo zonamento é variável nas suas dimensões. A figura 12, mostra a
tipologia de um sistema de praia.
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Figura 12. Tipologia de um sistema de praia.
Consideram-se somente como sistemas de praia os de acumulação cuja praia seja o
elemento principal e, como tal, os sistemas de praia-arriba, serão considerados como
sistemas de arriba. Pelo contrário, os sistemas de praia-duna-arriba, já se incluirão nos
sistemas de praia, uma vez que a arriba já não evolui por processos marinhos, e o
sistema litoral é de acumulação, portanto de praia. Tal como nos sistemas de arriba se
geram uma série de formas particulares relacionadas com a morfodinâmica destes
sistemas, nos de praia sucede o mesmo, obedecendo ainda a um zonamento mar-terra
segundo o qual surgem na posição relativa adequada à sua morfogénese.
A figura 13, mostra as principais combinações de formas em sistemas de praia.
Figura 13. Sistemas de praia – exemplo de combinações morfológicas
possíveis a partir de uma praia: as setas indicam a possível presença a
barlamar do sistema de onde partem.
Praticamente, não se pode falar de sistemas de praia isolados, pois uma praia surge
quase sempre associada a outro sistema geomorfológico adjacente. No entanto, nas
flechas e nalguns tipos de barras, podem surgir praias isoladas. Mas o mais comum é o
sistema praia-duna que é dominante na esmagadora maioria dos litorais de acumulação.
A praia húmida, superfície da praia correspondente à faixa entre marés, está
diariamente sujeita a variações de perfil, pelo menos devido à acção da maré. A praiaseca, só alcançada pela água do mar em situações extremas, está sujeita à acção do
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vento que mobiliza os sedimentos mais finos que vão originar a formação de dunas a
sotavento. Estas são posteriormente colonizadas por vegetação. Também aqui, existe
um feed-back negativo do sistema em relação à razão de energia necessária para mover
os sedimentos: à medida que as dunas vão sendo colonizadas, a sua tendência para se
fixarem é maior pois será preciso mais energia eólica para as mover e fazer progredir
para o interior. Por sua vez a energia aí também é menor pois, em geral, a faixa costeira
é uma zona de geração de vento por excelência, dado que é um interface entre duas
unidades de calor específico diferente, originando com frequência elevados gradientes
de pressão na camada limite da atmosfera, no sentido mar-terra e ao longo desse
interface. Assim, a sua periferia é também por excelência uma faixa de perda de energia
eólica e, por consequência, uma zona de deposição e formação de dunas.
Para além dos sistemas de praia e de arriba, existem outros compostos como os sistemas
biogénicos automórficos de coral ou ainda os de inundação que têm como elemento
central um corpo de água. Os mangais podem ainda ser referidos como casos
particulares de sistemas de pântano litoral, que surgem nas regiões tropicais. O aspecto
antrópico deve ainda ser considerado como elemento perturbador do sistema natural que
nele interfere decisivamente.
2.3 Identificação e classificação de sistemas complexos e fachadas litorais
Existem sistemas complexos homogéneos e heterogéneos. Os primeiros constituem-se
como formas individuais, mas são constituídos por duas ou mais formas elementares, ou
mesmo por sistemas compostos, cuja disposição resulta de uma conjugação de factores
geográficos que lhes confere essa individualidade em que o todo constitui por si só uma
única forma. Incluem-se neste grupo formas como sistemas de barreiras, estuários,
deltas, sistemas lagunares, atóis, entre outros. Por outro lado, da associação sistémica de
formas pode não resultar nenhuma forma complexa individualizável, constituindo assim
sistemas heterogéneos, apesar das relações que os elementos estabelecem entre si. Os
sistemas de praia e de arriba associados a dunas e plataformas rochosas respectivamente
são exemplos deste tipo.
Os conjuntos de sistemas geomorfológicos podem constituir-se em grandes unidades
de paisagem que caracterizam áreas extensas da fachada litoral, reflectindo um conjunto
de dinâmicas particulares em conjuntos lito-estruturais particulares que se podem
classificar, conforme mostra a tabela da figura 14.
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Figura 14. Relação de tipos de fachadas costeiras e tipos de sistemas geomorfológicos
litorais.
A classificação e individualização de grandes fachadas litorais, em função dos
sistemas geomorfológicos elementares, compostos e complexos que a constituem, é
então voltada para a localização de conjuntos paisagísticos tanto quanto possível
homogéneos. Para além da sua natureza erosiva (costas de erosão), ou acreciva (costas
de acumulação), deverão ainda ser considerados aspectos determinantes como o nível de
antropização do litoral, de modo a definir e distinguir as costas naturais das
artificializadas.
Nesta classificação devem ainda distinguir-se os domínios morfogenéticos que
decorrem da acção relativa do mar, das marés e dos agentes continentais. podendo
distinguir-se assim os domínios marinho, fluvio-marinho, e lagunar. Aspectos
morfométricos como a altura relativa da costa, são ainda utilizados como critérios de
referência para classificação.
Os sistemas geomorfológicos litorais não se confinam à fachada marítima, mas
também aos estuários, deltas e áreas lagunares ou pantanosas. Em geral, estas
superfícies constituem sistemas complexos, envolvendo um conjunto de sistemas
morfogenéticos elementares que, no seu todo, constituem uma forma particular do
litoral, que se passam a referir no ponto seguinte.
24
3 - ELEMENTOS DO TERRENO PARA IDENTIFICAÇÃO DE FORMAS
LITORAIS EM SIG
De acordo com os pressupostos definidos, esboça-se em seguida um esquema
classificativo para implementação em SIG, identificando os atributos capazes de
permitir uma caracterização do litoral do ponto de vista geomorfológico (formas
activas) que sirva de referência:
I. SE: DESIGNAÇÃO DO SISTEMA GEOMORFOLÓGICO ELEMENTAR. Após a
delimitação do espaço litoral de acordo com os critérios definidos, sobre a base de
georeferênciação espacial, é identificada cada forma elementar: arriba, plataforma
rochosa, praia, duna, pântano, laguna, recife, depósitos de vertente costeira e, caso
exista dentro dos limites definidos, a plataforma litoral (Esta forma de relevo, sendo
herdada, portanto não activa, é considerada unicamente para enquadrar as formas
activas). Por inerência a cada uma destas formas está associado um processo
morfogenético.
II. PG: PROCESSO MORFOGENÉTICO, associado à sua génese que pode ser de
erosão, acumulação, ou inundação no caso das lagunas. Também a cada processo
está associada uma determinada:
III. DL: DINÂMICA GEOMORFOLÓGICA DO LITORAL, por definição activa, mas
que em casos particulares pode ser de transição, inactiva, ou herdada.
A partir desta base, passa-se para o preenchimento de campos relacionados com
atributos que irão permitir fazer uma caracterização detalhada das formas litorais e,
mais tarde, servir de referência para elementos de ligação para pesquisas espaciais no
SIG. Esses elementos são:
IV. GL1: CONFIGURAÇÃO MORFOLÓGICA, aspecto relativo das formas;
V. GL2:CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA, identificação de aspectos geométricos
das formas
VI. GL3:CARACTERÍSTICAS DIMENSIONAIS, relação de grandeza dentro de um
mesmo tipo de forma;
VII. GL4:EXPOSIÇÃO RELATIVA/DINÂMICA, discriminação das formas em função
da sua exposição relativa aos agentes litorais, o que pode dar indicações sobre a
maior ou menor rapidez de evolução de cada entidade. Este parâmetro é
complementado pela:
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VIII. GL5:POSIÇÃO RELATIVA, identificação da posição da forma, em relação ao mar
ou se não se encontra em domínio marinho;
IX. GL6:LITOLOGIA, determinação da resistência relativa de uma forma em função da
natureza da rocha em que é talhada. Esta informação, tanto quanto possível, deve ser
complementada com a relativa à:
X. GL7:ESTRUTURA, que corresponde à forma e disposição relativa das rochas. No
caso de dunas, a informação deve estar relacionada antes com a densidade da
vegetação e, nos pântanos com a estratificação definida na bibliografia
XI. GL8:ESTABILIDADE. Este parâmetro pode ser avaliado pelo observador no
sentido de dar indicações sobre a:
XII. D:DINÂMICA ACTUAL e os processos pelos quais as formas evoluem
actualmente.
Por fim, utilizando as ferramentas dos SIG, é possível ainda obter de modo semiautomático ou automático, uma série de parâmetros relacionados com:
M: MORFOMETRIA, como sejam áreas e volumes, declives e altitudes.
4 - CONCLUSÃO
A aplicação desta proposta estruturante, prevê-se que seja um procedimento adequado
para identificar e agrupar atributos num modelo de análise espacial de Geomorfologia
do litoral. Ainda que este assunto tenha sido abordado de uma forma muito superficial,
esta síntese deve ser entendida como um esforço no sentido de tornar objectivas as
relações entre as formas, as designações e o seu contexto. Para que este nível de detalhe
seja possível obter, é necessário efectuar um árduo trabalho de inventariação e
classificação, só possível com recurso a meios tecnológicos de recolha sistemática e, em
simultâneo, de grande precisão como por exemplo o LIDAR com componente
batimétrica.
Apesar dos constrangimentos previsíveis, esse nível de discriminação deve ser um
objectivo a atingir, podendo esta síntese servir de fonte de inspiração para se produzir
informação geográfica proprietária. Contendo objectos espaciais directamente
relacionados com as formas litorais, com atributos bem definidos. A base de dados
geográfica obtida sustentará processos de análise espacial sólidos, de modo a que estes
possam ter aplicação directa em estudos e planos de ordenamento do litoral.
Como se referiu, esta tentativa de síntese, não visa substituir os actuais sistemas e
modelos de classificação das formas litorais e fachadas costeiras, mas tão somente
26
mostrar o esforço que deve ser feito para se constituir um SIG coerente. A sequência de
pontos apresentada, formas de relevo simples como sistemas geomorfológicos
elementares, formas compostas como sistemas geomorfológicos heterogéneos ou
complexos e, por fim, fachadas costeiras como conjuntos morfológicos litorais
particulares, procura sugerir um caminho a seguir em termos de classificação
hierarquizada, para se encarar a Geomorfologia Litoral numa perspectiva sistémica e
encadeada, analisável em SIG. O Pleno conhecimento do território deve ser um
princípio incontornável para que haja desenvolvimento regional sustentado. Este
trabalho procura contribuir para que este preceito seja seguido
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