UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
DANIEL CARVALHO DE OLIVEIRA
A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O CARÁTER DE SEU
ENFRETAMENTAMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
FLORIANÓPOLIS
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
DANIEL CARVALHO DE OLIVEIRA
A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O CARÁTER DE SEU
ENFRETAMENTAMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Serviço Social da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientador: Prof. Marlon Garcia da Silva.
FLORIANÓPOLIS,
2013
Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, Departamento
de Serviço Social, Centro Sócio-Econômico, Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC.
BANCA EXAMINADORA:
________________________
ProfºMarlon Garcia da Silva
Orientador
_______________________
1ª Examinador
Profº. Dr. Ricardo Lara
Departamento de Serviço Social – UFSC
________________________
2ª Examinadora
Profª. Drª.Simone Sobral
Esse trabalho é dedicado ―in memorian‖ à
Maria de Lourdes Carvalho de Oliveira.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Estela Maris Machado pela paciência dispensada e à
José Roberto Lemes in memorian pelo incentivo ao saber, ao Instituto
Pandavas pelo ensino que prima pela autonomia e aos amigos Alceu da
Silva Júnior e Rodrigo Camara.
―Quem Samba Fica,
Quem não Samba vai Embora‖
(Carlos Marighella)
RESUMO
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. A Dependência Química e o Caráter de
seu Enfretamento pelas Politicas Públicas. Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
O presente trabalho constitui-se num aprofundamento de relevantes
questões levantadas durante a experiência de estágio, quando ficou
evidente a realidade de exclusão dos dependentes químicos nas políticas
públicas. Logo, o objeto do estudo centra-se na problematização da
condição do dependente químico e principalmente como o Estado
disponibiliza o enfrentamento para tal expressão da questão social.
Elementos e características que perpassam o universo dos usuários serão
arrolados, assim como a lógica proibicionista que perpassa a ―guerra às
drogas‖, guerra esta que surge e se mantém sem que existam estudos
científicos que respaldem as ações. Destaca-se a estigmatização social
praticada socialmente com a ―naturalização‖ da relação entre drogas e
violência social. Portanto, evidencia-se a necessidade de construção de
uma base científica que respalde os processos de trabalho das diferentes
profissões que estão no enfrentamento da dependência química. A
categoria profissional dos assistentes sociais – e especialmente os
envolvidos no processo de prevenção e/ou tratamento da Dependência
Química nas diversas Instituições que trabalham com esta questão –
deve estar em sintonia com as reais necessidades dos usuários, de forma
a proporcionar autonomia, a emancipação dos indivíduos sociais na
democracia e na luta pela efetivação dos direitos, e construção de
direitos sociais.
Palavras-chave:
Proibicionismo.
Dependência
Química,
Políticas
Públicas,
SIGLAS
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social
ANVISA – Agência Nacional Vigilância Sanitária
APS – Atenção Primária à Saúde
AVC – Acidente Vascular Cerebral
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensões
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CAPSad – Centro de Atendimento Psicossocial Álcool ou Outras
Drogas
CAPSi – Centro de Atendimento Psicossocial Infanto-juvenil
CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas
CEME – Central de medicamentos
CENTRO-POP– Centro de Referência para a população de rua
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CID-10 – Código Internacional de Doenças, 10ª Revisão
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CONAD – Conselho Nacional Anti Drogas
CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência
Social
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FUNABEM – Fundação Nacional Bem Estar do Menor
IAPAS – Instituto Nacional de Administração da Previdência Social
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
LSD – Dietilamida do ácido lisérgico
MDMA ou Ecstasy – 3,4-metileno-dioxi-metanfetamina
MTSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental
NAPS – Núcleos de Atenção Psicossocial
NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos
OBID – Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PAB – Piso da Atenção Básica
SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas
SNC – Sistema Nervoso Central
SNP – Sistema Nervoso Periférico
SRT – Serviços Residenciais Terapêuticos
SUS – Sistema Único de Saúde
THC – Tetrahidrocanabinol
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E OS
SINTOMAS NOS USUÁRIOS............................................................. 43
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 21
1
A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E AS CONSEQUÊNCIAS
SOCIAIS .............................................................................................. 25
2
HISTÓRICO
DO
CONSUMO
DE
SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS
NO
BRASIL
E
A
ALTERNATIVA
PROIBICIONISTA DO ESTADO ..................................................... 33
2.1
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: O DEBATE ACERCA DAS
CARACTERÍSTICAS E EFEITOS ................................................................... 42
3
O ENFRENTAMENTO PELAS POLITICAS PÚBLICAS DO
PROBLEMA SOCIAL DA DEPENDENCIA QUIMICA ................ 51
3.1
A POLÍTICA DA SAÚDE. .................................................................... 51
3.2
OS MOVIMENTOS DAS REFORMAS: SANITÁRIA, PSIQUIÁTRICA E AS POLÍTICAS
DE SAÚDE MENTAL ...................................................................................... 56
3.3
A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/A REDE ASSISTENCIAL PARA OS
USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS......................................................... 60
CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUEM SE (PRE)OCUPA COM A
DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL? CONTRIBUIÇÃO
PARA O DEBATE. .............................................................................. 69
REFERÊNCIAS .................................................................................. 81
ANEXOS .............................................................................................. 89
21
INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho para conclusão do curso de Bacharel
em Serviço Social é oriunda da seguinte percepção: a problemática
social da dependência química é potencializada pela opção de
intervenção pública estatal no que tange as políticas públicas para
enfretamento desta expressão da questão social, a opção pela lógica
proibicionista pautado no prisma da abstinência, como buscaremos
esclarecimento nesta monografia.
Esta impressão ocorreu principalmente quando da oportunidade
do processo de ensino aprendizado enquanto Estágio Obrigatório não
remunerado na Secretaria Municipal de Assistência Social do município
de Florianópolis-SC no programa: Centro Pop-Centro de Referência
para a população de rua, onde, a demanda reprimida era ignorada por
falta de instituições, projetos, programas para enfretamento desta
expressão da questão social. À rigidez e ao pragmatismo institucional
cabia no máximo o repasse das demandas a outras instituições com a
mesma incipiente disposição de acesso às Políticas Públicas.
Considerando que a questão das drogas ultrapassa as
determinações do consumo e das consequências biológicas que esta
prática humana pode causar para o indivíduo, a questão das drogas está
cada vez mais ganhando visibilidade social principalmente com a
potencialização da violência social e a relação estabelecida entre drogas
e violência, que ocorre também e principalmente com a agudização da
contradição capital x trabalho, com a reordenação do mundo do trabalho
e consequentemente da sociedade a partir do modo de produção que
delimita padrões de comportamento para utilização da força de trabalho
dos indivíduos em prol da manutenção da vigente organização social.
Trata-se de mudanças significativas na estruturação da sociedade
bem como da alocação de cada indivíduo na ―/.../repartição espacial das
classes sociais que se divide a sociedade /.../‖ (SANTOS, 1998, p. 82).
Milton afirma que
/.../ a cidadania /.../ mutilada e alienada está
relacionada diretamente com a pobreza e que
mesmo que o pobre esteja fora do sistema técnicoprodutivo, este é subtraído a possível consumidor:
do cidadão imperfeito ao consumidor mais que
perfeito /.../ (SANTOS, 1998, p. 83).
22
Os segmentos sociais de baixa renda, salvo escassas variações
pouco significativas, na realidade convivem com o cenário de exclusão
no que tange à viabilidade de projetos contidos nos textos oficiais
relacionados à dependência química, bem como acessibilidade e
efetividade nos existentes e praticados, vide exemplo na ‗tática
higienista‘ com vistas à ―limpeza‖ dos grandes centros urbanos, adotada
pelos gestores dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, em
suas respectivas ―cracolândias‖.
Portanto, as implicações negativas do consumo de drogas
evidenciam-se em todos os indivíduos, porém no que tange a
necessidade/falta de tratamento em instituições públicas, os indivíduos
―menos abastados‖ sofrem com a falta ou inexistência dos serviços
públicos, destarte, o protagonismo ímpar de instituições privadas
predominantemente de cunho religioso na seara de enfrentamento da
dependência química. Salientamos ser nosso objeto no presente trabalho
delimitar as possibilidades de tratamento da dependência química nas
políticas públicas, com foco nas políticas públicas de: saúde e
assistência social.
A temática da dependência química não interessa apenas aos
usuários, às famílias que têm dependentes químicos e aos agentes
estatais/ privados (e traficantes/ proibicionismo) que atuam nas políticas
sociais de saúde e assistência social. Contudo a compreensão global do
universo das drogas como dos usuários ainda está atrelada a conclusões
empíricas sobre a ação da droga e à avaliação de seus efeitos sociais e de
como lidar com eles.
Desde o advento da política global de ―guerra às drogas‖ que vem
sendo implementada desde a segunda década do século XX, os
problemas relacionados ao uso de psicoativos ilícitos só têm aumentado.
Passado quase um século de convívio do consumo massivo das drogas e
suas conseqüências, torna-se consenso que existe uma grande
dificuldade para se entender a ação da droga, o que se estende à
avaliação de seus efeitos sociais e de como lidar com eles.
No processo de ensino aprendizado de graduação em serviço
social há ênfase nas dimensões ético-política, teórica metodológica e
técnico-operativa que servem para orientar a formação dos assistentes
sociais, dimensões estas que privilegiam uma postura profissional crítica
acerca da realidade social na qual está inserido para propiciar a reflexão
em torno de temas transversais presentes no cotidiano profissional, e
criar situações de debate e reflexão sobre aquela referida realidade.
Portanto, o conhecimento sobre o ‗contexto global‘ do tema ―drogas e
23
dependentes químicos‖ torna-se necessário para atuação profissional no
Serviço Social brasileiro.
A intenção é a aproximação da situação concreta de um fenômeno
com alto grau de complexidade, dado, a incipiência científica de um
trabalho de conclusão de curso no que tange principalmente o tempo
reduzido para uma análise mais minuciosa, além da inexperiência
científica do autor, com intenção de apreensão tanto das reais
implicações da dependência química como dos desdobramentos
posteriores ao uso indiscriminado de substâncias químicas para os
usuários, bem como para a sociedade.
Acompanhando Martinelli (2002, p. 2), a presente pesquisa está
alinhada à ―/.../ perspectiva dialética com prisma do princípio da
realidade que busca as tramas o real, concreto, em movimento em sua
historicidade /.../‖, principalmente por ser a dependência química um
movimento da particularidade para a totalidade.
Para reconhecimento da realidade do universo das drogas e da
dependência química sob o prisma das políticas publicas no presente
trabalho, no capítulo 1, dedicaremos a descrever e refletir sobre as
necessidades e dificuldades pertinentes a dependência química, para
responder as reais demandas dos usuários que buscam atendimento. É
oportuno ressaltar que este trabalho não busca desvendar todas as
implicações no âmbito das políticas públicas sobre ―drogas‖ no Brasil.
No referido capítulo a intenção é a de contextualização das
substâncias químicas na sociedade, seu consumo e as determinações
sociais, políticas e econômicas que condicionam as necessidades dos
usuários dos projetos/programas pertinentes ao tratamento da
dependência química, com objetivo de introdução ao debate, buscando
informar sobre a lógica proibicionista que perpassa as políticas
relacionadas a esta expressão da questão social.
Além de situar a posição da categoria em relação aos processos
de trabalho dos assistentes sociais que estiverem no exercício
profissional lidando com esta realidade.
No capítulo 2 resgataremos o histórico do consumo de
substâncias psicoativas no Brasil e as posições do Estado em relação ao
fenômeno. A construção do entendimento de que a dependência química
deve estar alocada na seara da saúde mental, com a definição do
conceito drogas com aferição médica judicial, que no tensionamento dos
saberes acerca das substâncias químicas a medicina tem protagonismo,
não necessariamente com mais ou menos mérito, encontra se como as
24
outras áreas de atuação no tema procurando uma melhor compreensão
sobre a dependência química e as drogas.
Pontuar criticamente sobre o foco da ―Guerra às Drogas‖ nas
substâncias, em detrimento dos indivíduos que fazem seu uso.
Demonstrar ainda as características das substâncias químicas e seus
efeitos, situando o proibicionismo como lógica regente das políticas
públicas para enfrentamento da questão, com prisma da abstinência para
o ideal de tratamento; recuperação.
No capítulo 3 abordaremos o enfrentamento pelas políticas
públicas do problema social da dependência química a partir das
políticas de: saúde e assistência social, e os movimentos das reformas:
sanitária, psiquiátrica e as políticas específicas de saúde mental.
Por fim, desfechamos o trabalho delimitando a conjuntura atual
do enfretamento da dependência química no país, questionando: Quem
se (Pre)ocupa com a Dependência Química do Brasil? Buscaremos
demonstrar os parcos avanços registrados e a opção de alguns estados
por tratamentos compulsórios e involuntários e o posicionamento do
Serviço social brasileiro acerca do tema.
Assim como, apontar contribuições com o debate principalmente
a partir do recorte do serviço social com definição de um
posicionamento categórico e individual perante esta expressão da
questão social.
25
1
A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E AS CONSEQUÊNCIAS
SOCIAIS
As situações mencionadas na introdução instigaram o
esclarecimento das possibilidades de garantia de direitos sociais a um
cidadão que incorra na dependência química, visto serem esses
considerados hereges/párias passíveis de invisibilidade social em
decorrência de uma prática humana.
Ademais dos inúmeros e complexos fatores que condicionam
indivíduos a uma vida de negação, tal como se dá com os moradores de
rua que têm na dependência química mais um obstáculo para
sociabilidade, obstáculo este negligenciado por parte do Estado e por
vezes legitimado pelos veículos de imprensa e grande parte sociedade no
referente a prevenção, tratamento, recuperação, ao Estado cabe a
repressão como principal intervenção para esta ―moléstia social‖.
Sabemos que isso decorre dentre outras razões do não investimento nos
indivíduos que buscam reduzir os danos da drogadição ou parar com o
uso e abuso de drogas, e da não efetivação das políticas relacionadas
com a dependência química.
Destarte os juízos de valor que ocorram sobre o fenômeno, para
Carneiro (2005, p. 148) ―... as drogas são uma mercadoria que se
efetivam em um mercado por meio de relações humanas...‖ .Na presente
conjuntura, as expressões da questão social potencializadas pela
contradição vigente do capital/trabalho, têm colocado novos desafios
para o Estado que por sua vez se sustenta em uma base de apropriação
dos aparelhos sociais, em Marx, declara:
...a religião da mesma maneira que os demais
elementos burgueses /.../ os declarando apolíticos,
deixando os confiados a si próprios...ativos na
sociedade civil. A infraestrutura seria representada
pelas forças econômicas, a superestrutura,
representaria
as
ideias,
costumes,
instituições(políticas, religiosas, jurídicas, etc.)
/.../ (MARX, 2002, p. 13).
Para Netto (2002, p. 29), é importante pontuar a verdadeira
funcionalidade do Estado que é o condicionamento econômico e político
no campo burguês: ―‗/.../ É o que determina suas bases sociais de apoio
e recusa /.../‘‖. Esta posição crítica atenta ao possível erro de concepção
26
ao qual reservaria ao Estado a resolução orgânica dos problemas sociais,
posição esta consciente da necessidade de auto emancipação dos
cidadãos que necessitam:
/.../ emancipar politicamente, como para o Estado
que o emancipa e deve, ao mesmo tempo, ser
emancipado... Na mesma medida que ambos se
contrapõem eles se condicionam simultânea e
mutuamente /.../ (MARX, 2005, p.34).
Portanto o próprio ‗avanço‘ das políticas públicas, inclusive na
seara da dependência química cabe a uma relação de interesse de
manutenção deste Estado liberal, logo, demanda da funcionalidade da
resolução dos problemas inerentes a dependência química a uma
necessidade de manutenção da ordem, como classifica Thompson,
(2007, p. 47), ―/.../ numa sociedade complexa, e hierarquizada, dita as
leis a classe que dispõe de poder /.../ com o propósito político de
assegurar a conservação do status quo socioeconômico /.../‖. Este poder
estatal é resultante de um ideário burguês que localiza no Estado a
resolução das contradições existentes na sociedade e no convencimento
que o ―... o exercício do ‗poder e necessário‘ e para o ‗bem‘ de todos
deve ser exercido...‖ (BAKUNIN, 1988, p.225).
O que nos faz entender que a efetivação de políticas públicas não
necessariamente garante o Estado de bem estar social tão pouco
individual, e que liberdade neste Estado e Sociedade (modo de
organização e produção) refere-se, de acordo com Marx (2005, p.34),
―/.../ a liberdade individual do direito do indivíduo delimitado, limitado
a si mesmo /.../ e não se baseia na união do homem com outro homem,
mas pelo contrário na separação do seu semelhante /.../, a limitação da
liberdade /.../‖.
À frente retomaremos a análise das políticas públicas no caso da
dependência química alocada mais especificamente na área da saúde
mental, que habitualmente dispõem de intervenções incipientes,
considerando, a complexidade do tema ―uso de drogas‖, principalmente
a dependência química (álcool e drogas ilícitas) determinando o cenário
de exclusão para com aos usuários de substâncias químicas e seus
familiares nas políticas públicas o que reflete na sociedade na situação
de endemia social que resultou principalmente a partir de advento do
consumo/dependência ao crack.
O presente desenvolvimento recorre à perspectiva crítica do
Projeto Profissional do Serviço Social brasileiro e a postura
27
radicalmente democrática no processo de trabalho dos Assistentes
Sociais que estão comprometidos, entre outros princípios com o do ―/.../
reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas
políticas a ela inerentes– autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais /.../‖ (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993).
Para Paiva e Sales este princípio relaciona-se na prática do
Serviço Social com a:
/.../ necessidade de liberdade não pode suplantar o
ideal da igualdade, a igualdade requer a liberdade e
vice-versa. Não se trata de uma concepção de
liberdade como a presente no liberalismo, que a
percebe apenas como livre arbítrio ou que coincide
das decisões individuais ,pois a experiência da
liberdade
se constitui como uma construção
coletiva ...contudo,esse pleito de consolidação da
liberdade na conjuntura da sociedade capitalista
limita a liberdade aos termos formais e jurídicos /.../
(PAIVA e SALES, 1997, p. 182)
O que pode gerar circunstâncias de impotência nos processos de
trabalho dos assistentes sociais desencadeando visões mecanicistas com
postura ora fatalista ora messiânica (Iamamoto, 1992, p.114), postura
esta que para Paiva e Sales (1997, p. 183) é ―/.../ fruto da inércia
conformada no interior do sujeito /.../‖. Para os profissionais do Serviço
Social é classificada por Marilena Chauí (1994, p. 357) como ―/.../ uma
situação em que diante das adversidades, renunciamos a enfrentá-la,
fazendo-nos cúmplices dela e isso não é o pior /.../. Pior é a renúncia da
liberdade /.../‖.
Outro princípio que perpassa o projeto profissional do serviço
social é o da ―... defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do
arbítrio e do autoritarismo...‖ (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993),
principalmente como ressaltam Paiva e Sales, considerando:
/.../ o passado recente da categoria dos Assistentes
Sociais, o final da década de 1970 até os dias de
hoje vem se posicionando contra todo tipo de
abuso de autoridade, torturas, violência doméstica
e urbana/social o que vincula a categoria na /.../
firme vinculação à luta em favor dos direitos
humanos /.../com um real posicionamento de valor
e respostas que ultrapassem o assistencialismo, o
28
imediatismo, a fragmentação /.../ (PAIVA e
SALES, 1997, p. 184).
Este desafio de desvelamento do real, no caso específico do
trabalho profissional dos Assistentes Sociais que se vinculam direta ou
indiretamente com a efetivação de direitos dos usuários de drogas e seus
familiares, das pessoas vivendo em situação de rua ou dos moradores de
comunidades que convivem com o tráfico de drogas, tais exigências são
ainda mais prementes e principalmente diante do entendimento
equivocado sobre a dependência química, reforçado pela incipiência
com quase ausência e estudos que abarquem esta temática. O que é
determinante para análises profissionais e posteriores intervenções
caracterizadas pelo despreparo técnico-científico. Este cenário é o
cotidiano da atuação profissional de variadas profissões que estão
inseridas no âmbito da dependência química, inclusive os assistentes
sociais
O discurso dominante, calcado na moralidade, na ideologia cristã,
legitimado por uma mídia que explora os aspectos mais degradantes da
dependência química, conduz o grande público a análises apaixonadas,
equivocadas, condicionando posteriores conclusões fatalistas como: as
drogas ilícitas, (na atualidade especialmente o crack), inevitavelmente
degeneram o caráter e o comportamento de seus usuários negando assim
totalmente a ―... multiplicidade de implicações sociais, econômicas,
familiares, psicológicas que determinam o grau de abuso e degeneração
que uma substância pura e simples pode causar para cada indivíduo...‖
(LENOIR, 1996, p. 63).
Nesse sentido, tais visões impedem qualquer possibilidade de
liberdade e de autonomia do usuário, criminalizando a conduta de uso de
substâncias ilegais, o que, por sua vez, autoriza e legitima o Estado, por
intermédio de seus agentes de segurança pública (repressão) e de
profissionais (da saúde, da assistência social), a decidir pelo
abrigamento e tratamento compulsórios. Deste modo se alimenta a
falácia da compreensão de que a dependência química é a motivação
maior da violência social, logo a questão e responsabilidade dos órgãos
estatais de segurança civil, os detentores do uso e monopólio da
violência, cabendo assim principalmente a repressão para a pseudo
―guerra às drogas‖ (BURGIERMAN, 2011, p. 42), como alternativa de
enfretamento da dependência química.
Enquanto o foco for às substâncias em face aos usuários, com tais
posições que reforçam a centralidade do debate nas substâncias
químicas e não nos indivíduos que fazem seu uso, a ―guerra às drogas‖,
29
como buscaremos demonstrar neste trabalho de conclusão de curso estão
condenadas ao infortúnio.
A não efetivação das garantias constitucionais das políticas sobre
drogas reflete diretamente nas classes subalternas (YASBEK, 1993),
considerando o protagonismo da iniciativa privada em clínicas de
tratamento de dependência química, o que para Pinheiro (1991,p.50),
este cenário de inconclusão dos direitos sociais constituídos garante os
segmentos populacionais afetados um ―/.../ regime de exceção paralelo
/.../‖ e mantém as ―/.../ formas de regime autoritário /.../‖
Além de condicionar a manutenção deste regime de exceção
paralelo, a legitimidade social que o Estado se respalda – inclusive
respaldo das classes populares afetadas – ressalta Pinheiro:
/.../ a tortura, a eliminação sumária de ‗suspeitos‘,
enfim, as práticas rotineiras de uma ‗pedagogia do
medo‘, sistematicamente aplicada às classes
populares: invasões de domicilio, batidas policiais
nas periferias (quase uma exclusividade),
espancamentos, sequestros, massacres, chacinas,
são visualizados como integrando a normalidade
pela maioria das populações/.../ (PINHEIRO,
1991, p.51).
Principalmente quando estas ações se deparam com indivíduos
envolvidos com drogas, ocorre uma ―natural legitimação‖ para o ‗bem‘ e
para o ‗mal‘. Por vezes advogados associam o consumo de drogas á
incapacidade de consciência, o que legitimaria todos os tipos de
ocorrências, dependendo da possibilidade/qualidade de defesa jurídica.
Alocando seus clientes como inimputáveis por considerar que o uso de
substâncias psicoativas desencadearia: anomalia psíquica, retardo
mental isentando indivíduos de responsabilidade penal por não poder
responder por si judicialmente.
Um problema principal que identificamos está no discurso e na
postura oficial do Estado que reforça a satanização das substâncias,
desfocando o âmbito dos usuários, o que ostenta um ‗repúdio retórico‘ e
prático, consagrando a ‗violência ilegal‘. Pinheiro (1991) associa este
contexto com o período da ditadura militar:
/.../ Ao saber que as mesmas práticas que no
período autoritário suscitavam protestos, marchas,
manifestações, quando os atingidos eram
30
indivíduos da classe média e da burguesia /.../ a
política de segurança pública nas suas linhas
gerais /.../ nos governos pós-transição política,
continua sendo a mesma da violência explícita e
ilegal da ditadura /.../ enriquecidas pelas
ilegalidades agregadas /.../ como a militarização
do policiamento ostensivo, contemplado na
Constituição de 1988 /.../. O Brasil jamais
renunciou nenhuma de suas ‗conquistas‘, desde, o
cassetete de borracha, passando pelo ‗pau de
arara‘ até a bateria para choques elétricos /.../
(PINHEIRO, 1991, p.53).
Para Netto
/.../ ao cabo do ciclo ditatorial, nenhum dos
grandes e decisivos problemas estruturais da
sociedade brasileira (que Florestan Fernandes,
reiteradamente,
chamou
‗descolonização
incompleta‘) estava solucionado, ao contrário:
aprofundados e tornados mais complexos /.../
(NETTO, 2002, p.15).
Trata-se de uma associação histórica praticada no ideário
social de que a dependência química potencializa a violência social,
sendo considerado um problema social. Para Lenoir (1996) o debate
acerca do tema deve primar pelo conhecimento científico:
... no senso comum, um problema social existe
simplesmente porque é um dado da realidade, algo
natural, mas cabe às ciências, principalmente às
humanas, buscar compreender os mecanismos
pelos quais o problema é instituído... (LENOIR,
1996, p.63).
Lenoir pontua que por ser considerada uma prática anti-social, a
oferta de tratamento a dependência química reproduz os modelos de
exclusão/separação do convívio social, como o tratamento de moléstias
com reprovação social, vide exemplo da hanseníase no início do século
passado, onde, os pacientes da doença eram excluídos do meio social.
Alternativas estas que violam direitos humanos.
Para o conjunto Cfess-Cress (2012) ,em um comunicado para
pontuar ao menos um posicionamento político da categoria, reforçando à
31
dimensão técnico-operativa dos assistentes sociais, com o prisma de
adequação aos princípios norteadores contidos no código de ética da
profissão no enfretamento da questão social, uma intervenção de forma
justa e democrática com a universalização do acesso e com a melhoria
da qualidade das políticas sociais, exige por parte dos assistentes sociais
uma:
/.../ capacidade crítica para compreender e
diferenciar as várias drogas, a diversidade de usos
e motivações, bem como os danos sociais e de
saúde decorrentes dessas práticas. Considerando
que a defesa pela vida está radicalmente da
ampliação e consolidação da democracia e da
cidadania /.../ (CFESS-CRESS, 2012, p1).
Sendo assim a alternativa proibicionista, com repressão como
enfrentamento está condicionada a determinadas classes sociais. Para
Carneiro(2005,p 151), a: ―/.../ proibição de determinadas substâncias
químicas potencializa o controle de hábitos, costumes, tradições,
práticas e comportamentos de camadas sociais historicamente
discriminados /.../‖, os associando com a marginalidade, principalmente
pela fragilidade de nossa democracia e ineficácia da distribuição da
riqueza socialmente produzida.
Em nome de um ideal falacioso de um ―mundo livre de drogas‖,
setores conservadores procuram impedir que o debate ganhe visibilidade
pública e política. Requisitam a responsabilidade pública em defesa da
saúde e do destino dos jovens, ―a velha e boa moral dos bons costumes‖,
obscurecendo as reais determinações sociais, econômicas e políticas,
subjetivas individuais/coletivas que, efetivamente, determinam a
trajetória trágica da vida concreta de parcela expressiva da população
brasileira usuária de substâncias químicas e cidadãos que necessitam da
efetivação dos direitos sociais, em forma de políticas sociais.
32
33
2
HISTÓRICO DO CONSUMO
PSICOATIVAS
NO
BRASIL
E
PROIBICIONISTA DO ESTADO
DE
A
SUBSTÂNCIAS
ALTERNATIVA
Ao contrário do que muitos acreditam, as drogas estão no meio
social desde o Egito antigo, em Roma, na Grécia, nas civilizações
asiáticas, sempre existiram o álcool, o ópio, a cannabis. Nas Américas
pré-colombianas, seus habitantes já se valiam do tabaco, de mascar
folhas de coca, de usar o extrato do cacto peyote, da mescalina e de
outras plantas alucinógenas. As drogas são antigas, mas seu uso massivo
é muito recente, há apenas um século começaram as grandes guerras
neste contexto histórico em que o consumo massivo foi acentuado
(CARNEIRO, 2005, p. 157).
A fim de apresentar uma breve referência do histórico do
consumo de drogas e sua regulação jurídica, como também suas
particularidades, segundo Fraga, a regulação jurídica acerca das drogas
começou:
/.../ no séc. XIX e mesmo em alguns casos mais
específicos, o início do século XX não havia em
nosso arcabouço jurídico uma lei que abordasse a
questão das drogas. Por outro lado, algumas
substâncias, principalmente os venenos, já tinham
sua venda controlada antes mesmo da nossa
independência, desde as Ordenações Filipinas,
ordenamento jurídico português, com validade no
território do Brasil Colônia já um item referido ao
uso e à posse de determinadas substâncias /.../
(FRAGA, 2010 ,p.28).
Fiore (2005) afirma que a 1ª lei da qual se possui registro
histórico sobre substâncias químicas (4 de outubro de 1830) ocorre na
Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que regulamenta a venda de
gêneros e remédios pelos boticários, onde:
/.../ proibia a venda e uso do pito de pango /.../
havia multa ao vendedor e três dias de cadeia aos
que usarem, explicitando-se aí escravos e demais
pessoas /.../ pois /... a maconha já antes de sua
proibição era diretamente associada às classes
baixas, aos negros e mulatos /.../ porém /.../ as
34
práticas específicas de classe e/ou raça que eram
vistas como perigosas /.../ (FIORE, 2005, p.263).
O ‗critério‘, por explicitar escravos, era certamente de ―controle
social", diz Fiore, demonstrando que pode haver na lei, inclusive, um
viés discriminatório. Segundo Fraga, o Código Penal do Império, de
1851, não tocava na questão de proibição, mas regulava o uso e a venda
de medicamentos, enquanto o Republicano e 1890, determinava uma
multa a quem vendesse ou ministrasse substância venenosa sem
prescrição nos regulamentos. ―/…/ É importante reparar a não referência
a determinadas substâncias como maconha, cocaína ou ópio /.../. O
decreto legislava com a utilização do termo substâncias venenosas e
atrelado, notadamente, à prática sanitária /.../‖.
Estudiosos das substâncias químicas mostram a participação do
Brasil no processo para jogar na ilegalidade o hábito de fumar maconha.
Por exemplo, após as Guerras do Ópio, no século XIX, houve diversos
encontros entre as nações para se discutir os procedimentos que os
países deveriam tomar para combater certos entorpecentes com
consequentes reuniões de 1909, 1911, 1912 e 1921, com destaque para
Convenção de Haia em 1912, também conhecida como primeira
convenção do ópio.
É quando o governo forma uma comissão de médicos, juristas e
autoridades policiais para estudo sobre o tema e possíveis mudanças no
código penal, entre os ilustres da comissão de ‗notáveis‘ estava Carlos
Chagas (chefe da saúde pública), pois o Brasil, embora tenha se
comprometido em cumprir o tratado de Haia, nunca o tinha feito
efetivamente. Com o fim da primeira guerra, as convenções foram
retomadas.
No ano de 1921, o governo brasileiro se viu obrigado a cumprir
seus compromissos internacionais; a primeira lei específica sobre drogas
no Brasil é sancionada pelo presidente Epitácio Pessoa. Trata-se do
decreto nº 4294, 6/07/1921. Carvalho afirma que o decreto, estabeleceu:
/.../ penalidades para os contraventores na venda
de cocaína, ópio, morfina e seus derivados; cria
um estabelecimento especial para internação dos
intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas;
estabelece as formas de processo e julgamento e
manda abrir os créditos necessários /.../
(CARVALHO, 2009,p. 12).
35
Os tratados que seguiram ao de Haia foram se tornando cada vez
mais rígidos o controle legal sobre as drogas até culminar na Convenção
Única dos Entorpecentes (1961). Esta convenção fez a classificação e
divisão das substâncias com consumo proibido, que na conjuntura
brasileira desencadeou, finalmente, em 1976, com o então Presidente
Ernesto Geisel que sanciona a Lei nº. 6.368/76 prevendo a criação, por
decreto, em seu artigo 3º, de um Sistema Nacional de Prevenção,
Fiscalização e Repressão.
Para Carvalho (2009,p.12), na prática, tratava-se de cumprir as
convenções de 1971 (Viena) e 1972 (Protocolo de Emendas à
Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 – Genebra) a Lei de
Tóxicos promulgada em 1976 (lei n.6.368) que passa a considerar
dependência psíquica e física, devendo ser determinada por critério
médico para decisão da justiça. A internação deixa de ser obrigatória,
sendo substituída por tratamento, além de definir as penalidades para
quem portar a droga para vender (art.12). E quem portar para consumo
próprio (art.16), a referida lei deixa a critério do Ministério da Saúde a
decisão sobre quais substâncias devem ser proibidas ou pela Anvisa
(Agência Nacional Vigilância Sanitária).
Praticamente, desde sua edição, diversos projetos foram sendo
apresentados para modificá-la, pois torna dúbio o entendimento de quem
é o usuário e quem é o traficante temos este impasse ―jurídico‖ desde
então condicionando a decisão de quem é usuário ou traficante ao poder
judiciário que determina esta diferenciação, considerando todos os
agentes públicos envolvidos no auto de atuação de cada indivíduo.
As alterações, só ocorreram em 1998 com o decreto nº. 2.632
criaram o Senad (Secretaria Nacional Anti Drogas) e Conad (Conselho
Nacional Anti Drogas) sendo que os dois órgãos formam o sistema
nacional antidrogas, que tem (teria) por meta: planejar, coordenar,
supervisionar e controlar as atividades de prevenção e repressão ao
tráfico ilícito, uso indevido e produção não autorizada de substâncias
entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica, e a
atividade de recuperação de dependentes (BRASIL, Ministério da
Saúde).
Aliás, um paralelo possível para Carneiro (2005) e sempre citado
com a história das drogas é a trajetória dos medicamentos, considerando
principalmente que as substâncias químicas são reguladas pelo órgão do
Ministério da Saúde-Anvisa, que regula a indústria dos medicamentos:
36
/.../ As drogas legais que alteram a consciência –
é interessante ressaltar – estão sempre entre as
mais vendidas, mesmo com todas as exigências
para a sua compra. O ansiolítico Rivotril ficou
em segundo lugar na lista de 2010 no Brasil, por
exemplo /.../ (CARNEIRO, 2005, p.2).
O professor Henrique Carneiro (CARNEIRO, 2005), no artigo
intitulado ―Drogas muito além da hipocrisia‖, citou o que para ele são as
razões para o sucesso dessas vendagens: o atual sistema de patentes, que
prioriza as grandes companhias farmacêuticas, em detrimento do
pequeno produtor que nunca fez segredo de suas descobertas; o
monopólio médico da prescrição, que deixa na mão de uma classe
específica o poder de receitar este ou aquele remédio; e o mercado
publicitário voltado tanto para quem toma como para quem ministra
esses medicamentos, criando ou, pelo menos, reforçando novas
demandas e necessidades.
Para Carneiro outra contrapartida indispensável [para o
crescimento dessas vendas de remédios legais] é:
/.../ a proibição concomitante do uso de diversas
plantas psicoativas de uso tradicional – como a
canábis, a papoula e a coca. As funções
psicoterapêuticas que estas têm em medicinas
tradicionais passaram a ser substituídas por
pílulas farmacêuticas /.../ sendo que o maior
número de usuários e dependentes de drogas na
sociedade contemporânea são os consumidores
de produtos da indústria farmacêutica /.../
(CARNEIRO, 2005).
Para Karam (2010), este movimento do Brasil tem como intuito a
adequação à política internacional de combate às drogas, a chamada
―Guerra às drogas‖:
/.../ a versão brasileira da globalizada ―guerra às
drogas‖ se revela explicitamente, já bem depois da
redemocratização, a partir de 1998, quando foi
criada a Secretaria Nacional Antidrogas, órgão
executivo do Conselho Nacional Antidrogas, ambos
dirigidos por generais do Exército e subordinados
ao Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, órgão que, sucedendo,
37
desde 1999, a Casa Militar da Presidência da
República, não perdeu o caráter militarista explícito
naquela. A própria denominação da Secretaria –
―Antidrogas‖ –, logo adotada por diversos órgãos
estaduais, já sugere uma visão distorcida e delirante
sobre as substâncias psicoativas, visualizadas,
militarmente, como se fossem o ‗inimigo‘ /.../
(KARAM, 2010, p.3).
Mas, a repressão militarizada se manifesta negativamente no
Brasil na regulamentação, segundo Karam, com o Decreto 5.144/04, que
dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. O referido Decreto
veio concretizar a previsão de abate de aeronaves suspeitas de ―tráfico‖
de drogas qualificadas de ilícitas, instituindo, de forma oblíqua, uma
verdadeira pena de morte (a morte sendo conseqüência praticamente
certa do abate da aeronave).
Para a magistrada, que é representante da LEAP-Brasil (Law
Enforcement Against Prohibition), a lei 11.343/2006 é apenas mais uma
dentre as legislações dos mais diversos países que, reproduzindo os
dispositivos criminalizadores das proibicionistas convenções da ONU –
Organização das Nações Unidas conformam a globalizada intervenção
do sistema penal sobre produtores, comerciantes e consumidores das
selecionadas substâncias psicoativas e matérias primas para sua
produção, que, em razão da proibição, são qualificadas de drogas
ilícitas.
E mantendo a criminalização da posse para uso pessoal, a Lei
11.343/2006 repete para Karam:
/.../ as violações ao princípio da lesividade e às
normas que, assegurando a liberdade individual e
o respeito à vida privada, estão ligadas ao próprio
princípio da legalidade, que, base do Estado de
direito democrático, assegura a liberdade
individual como regra geral, situando proibições e
restrições no campo da exceção e condicionandoas à garantia do livre exercício de direitos de
terceiros /.../ (KARAM, 2010).
Na vigente lei a simples posse para uso pessoal das drogas
tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam
um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que
não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao
38
indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais. Nos termos de
Maria Lucia Karam no conceito de democracia ao qual compreende que:
/.../ o Estado não está autorizado a penetrar no
âmbito da vida privada. Em uma democracia, o
Estado não está autorizado a intervir sobre
condutas de tal natureza, não podendo impor
qualquer espécie de pena,nem sanções
administrativas,nem
tratamento
médico
obrigatório,nem qualquer outra restrição à
liberdade
do
indivíduo.Em
uma
democracia,enquanto não afete concreta,direta e
imediatamente direitos de terceiros, o indivíduo
pode ser e fazer o que bem quiser /.../ (KARAM,
2010).
Mesmo considerando os avanços que podem ser observados,
conforme problematizaremos mais adiante, as recentes mudanças não
são significativas no conteúdo da legislação brasileira sobre drogas, no
que se trata de garantia de liberdade individual e na garantia cidadania
sob forma de acesso aos direitos sociais dispostos com uma legislação
que permanece alinhada ao discurso proibicionista.
A atenção à saúde deixa de ser uma espécie de apêndice dessa
política e se torna um tema cada vez mais relevante, ainda que persistam
as contradições imanentes de uma estrutura político-organizacional
militarizada para o enfrentamento das questões relacionadas às drogas.
Uma mudança refere-se à distinção feita entre as atividades antidrogas e
aquelas de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, e
incentivo as pesquisas relacionadas com a temática conferindo maior
destaque a estas últimas.
A Lei nº. 10.409/2002 37 afirma que ―o tratamento do dependente
ou usuário será feito de forma multiprofissional e, sempre que possível,
com a assistência de sua família‖. A referência às ações de redução de
danos sociais e à saúde é feita pela primeira vez na legislação brasileira
sobre drogas, cabendo ao Ministério da Saúde a sua regulamentação.
Com vários de seus artigos vetados, a vigência desta lei não revogou por
completo a Lei nº. 6.368/1976, especialmente no que se refere à
criminalização do porte de drogas ilícitas para consumo próprio.
A Política Nacional Antidrogas, instituída pelo Decreto nº.
4.345/2002, retrata o uso indevido de drogas como uma ameaça séria e
persistente à humanidade e à vida em sociedade, associando-o ao tráfico
de drogas e a outros crimes e modalidades de violência. Entre seus
39
pressupostos básicos, destaca-se aquele que traduz a essência da
perspectiva proibicionista em relação às drogas: ―buscar,
incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade livre do
uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas‘ /.../‖. (Brasil,
Ministério da Saúde).
Ademais, refere-se como necessário evitar a discriminação dos
indivíduos pelo fato de serem usuários ou dependentes de drogas e
garantir o seu direito à atenção a saúde especializada. Com a formulação
da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de
Álcool e outras Drogas, em 2003, admite-se o atraso histórico de
inserção do uso prejudicial e/ou dependência do álcool e outras drogas
na agenda da saúde pública.
Afirma-se a responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS),
em garantir atenção especializada aos usuários de álcool e outras drogas,
até então contemplada predominantemente por instituições não
governamentais, como as comunidades terapêuticas e os grupos de autoajuda e de ajuda mútua.
As diretrizes da política setorial de saúde prevê a construção de
uma rede de atenção a usuários de álcool e outras drogas valendo-se da
implementação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras
Drogas (CAPS-ad), que têm como função desempenhar papel
estratégico de ordenamento da rede em seu território de atuação,
promovendo a articulação necessária entre rede comunitária social e de
saúde para a integralidade da atenção e inclusão social de usuários e
familiares acompanhados. Logo na introdução do texto oficial da
política de saúde mental, álcool e outras drogas é pontuado a
necessidade de incorporar se às políticas inerentes a dependência
química as reais demandas deste público específico:
/.../ as políticas públicas relacionadas à prevenção
e uso de álcool e outras drogas têm
historicamente a abordagem predominantemente
psiquiátrica ou médica. As implicações sociais,
psicológicas, econômicas e políticas são
evidentes, e devem ser consideradas na
compreensão global do problema, pois o
contexto econômico e sócio-cultural de uma
comunidade
reveste
o
paciente
de
particularidades que precisam ser consideradas
pelo serviço de tratamento em uma dada região
40
de acordo com a necessidade /.../ (BRASIL,
2004).
A percepção distorcida da realidade do uso do álcool e drogas
promove a disseminação de uma cultura de combate a substâncias que
são inertes por natureza, fazendo com que os indivíduos e o seu meio de
convívio fiquem aparentemente renegados a um plano menos
importante. Portanto atribuir valor negativo a uma substância a ponto da
legitimação da satanização social da prática do uso de substâncias
psicoativas com negação de direitos sociais para os que fazem seu uso
acarreta principalmente uma ‗estigmatização social‘ com conseqüente
definição dos excluídos socialmente.
Para a compreensão de tal manifestação social o conhecimento
mínimo sobre esta substância faz-se necessário. O que determina esta
invisibilidade social derivada de uma estigmatização de uma conduta
principalmente é a opção pelo proibicionismo como principal alternativa
pública/estatal para controle/enfretamento da dependência química.
A ilegalidade de algumas substâncias químicas na sociedade
serve ao controle de práticas e comportamentos de segmentos sociais
historicamente discriminados e que são cotidianamente impelidos a
marginalidade. Portanto, o caráter ilícito de algumas drogas serve para
legitimar práticas violentas e violadoras de direitos por parte de
profissionais da segurança pública, da saúde, assistência social e da
educação.
Logo, o debate contemporâneo sobre os usos de drogas na
realidade brasileira tem profunda relação com o debate sobre a questão
social, diante do uso de drogas como prática social e das respostas
formuladas pela sociedade brasileira a essa antagonismo entre drogas
lícitas e ilícitas revela o lógica falaciosa e moralizante de uma
perspectiva ideológica que serve muito mais para controlar o
comportamento de determinados segmentos sociais do que, como
―pretende‖ as políticas sociais, reduzir danos sociais e de saúde
associados o consumo das drogas consideradas ilegais.
A guerra mundial contra as drogas completou um século. Ainda
que as resoluções da Primeira Conferência Internacional do Ópio de
1912, realizada em Haia, tenham sido praticamente abandonadas nos
anos conturbados entre as duas grandes guerras, o modelo ali esboçado
foi triunfante. Defendida, patrocinada e sediada pelos EUA, já sob a
coordenação da ONU, a Convenção Única sobre Entorpecentes, de
1961, implantou globalmente o paradigma proibicionista no seu formato
atual. Os países signatários da Convenção se comprometeram à luta
41
contra o ―flagelo das drogas‖ e, para tanto, a punir quem as produzisse,
vendesse ou consumisse.
Para Fiore o legado do proibicionismo será:
/.../ uma forma simplificada de classificar o
paradigma que rege a atuação dos Estados em
relação a determinado conjunto de substâncias
/.../ seus desdobramentos, entretanto, vão muito
além das convenções e legislações nacionais /.../
o proibicionismo modulou o entendimento
contemporâneo de substâncias psicoativas
quando estabeleceu os limites arbitrários para
usos de drogas legais/ positivas e ilegais
negativas /.../ entre outras consequências, a
própria
produção
científica
terminou
entrincheirada, na maior parte das vezes do lado
―certo‖ da batalha, ou seja, na luta contra as
drogas /.../ o proibicionismo não esgota o
fenômeno contemporâneo das drogas, mas o
marca decisivamente /.../ (FIORE, 2004).
Pode-se dizer que três conjuntos de substâncias e/ ou plantas
foram
eleitas
alvos-padrão
do
paradigma
proibicionista:
papoula/ópio/heroína, coca/cocaína e cannabis/ maconha. No prisma
financeiro a ONU estima que o mercado ilegal das substâncias
psicoativas ilícitas fatura cerca de 400 bilhões por ano o que representa
8% de todo comercio formal realizado no planeta. Zacconne (2009),
afirma que:
/.../ a política do proibicionismo pode ser
considerada um serviço a criminalidade /.../
enquanto nos meandros políticos internacionais
os
órgãos
oficiais
norte-unidenses,
principalmente o DEA (Drug Enforcement
Administration) tem persuadido departamentos
europeus a adotar suas táticas falhas e imposto as
ao terceiro mundo /.../ (ZACCONNE, 2009,
p.34).
Não se trata é uma questão de garantia dos direitos individuais a
questão que deve se regulamentar bases científicas para o enfrentamento
da dependência química. Pois as consequências da manutenção da
―Guerra as drogas‖ sob os ditames do proibicinismo tem implicações
42
infinitamente superiores e desproporcionais do que os efeitos biológicos
e sociais que as drogas podem suscitar.
2.1
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: O DEBATE ACERCA DAS
CARACTERÍSTICAS E EFEITOS
A seguir apresentaremos um breve panorama do debate sobre as
características e efeitos das substâncias psicoativas no ser humano.
Contudo, assinalamos desde já que a nosso entender é um equívoco
limitar o debate e focá-lo na substância em face aos usuários.
Para Fiore (2004) o termo ―droga‘‘ tem origem etimológica
incerta, e o seu significado, sob o ponto de vista farmacológico
contemporâneo, engloba todas as substâncias que provoquem alguma
mudança fisiológica num corpo sem ser fundamental para sua
sobrevivência, no conjunto de significados cotidianos que podem ser
apreendidos no linguajar comum e na mídia.
Já a OMS (Organização Mundial de Saúde), que pode ser
considerada a maior referência internacional no que diz respeito aos
consensos científicos em medicina em seu ―capítulo V Saúde Pública‖,
define a lista de substâncias na Classificação Internacional de Doenças,
como ―CID-10-Transtornos Mentais e de comportamento‖, que inclui:
• álcool;
• opióides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias
sintéticas);
• canabinóides (maconha);
• sedativos ou hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos);
• cocaína;
• outros estimulantes (como anfetaminas e substâncias
relacionadas à cafeína);
• alucinógenos;
• tabaco;
• solventes voláteis.
Nicastri (2000) afirma que as substâncias químicas são
classificadas a partir da sua configuração jurídica e didática. As
substâncias químicas comercializadas de forma legal, com ou sem
restrições, são classificadas como substâncias químicas lícitas e as
substâncias químicas comercializadas ilegalmente são classificadas
como substâncias químicas ilícitas, de interesse didático. A classificação
é exercida considerando as ações aparentes das drogas sobre o Sistema
43
Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na
atividade mental ou no comportamento da pessoa que utiliza a
substância da atividade mental (Nicastri, 2000).
A partir destas classificações são subdivididas as principais
substâncias químicas: depressoras, estimulantes e perturbadoras da
atividade mental.
Para Nicastri (2000) a categoria substâncias químicas depressoras
inclui uma variedade de substâncias, que diferem acentuadamente em
suas propriedades físicas e químicas, mas que apresentam a
característica comum de causar uma diminuição da atividade global ou
de certos sistemas específicos do SNC.
Como consequência dessa ação, há uma tendência de ocorrer uma
diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da ansiedade, e é
comum um efeito euforizante inicial e, posteriormente, um aumento da
sonolência. No quadro que segue são apresentadas as substâncias
psicoativas e seus efeitos para o organismo.
DROGA USADA
PRINCIPAIS SINTOMAS E
SINAIS DE CONDUTA
Característica em
relação ao sistema
nervosos central
. Bastante
excitação.Risadas,Depressão,
sonolência, letargia. Perda de
iniciativa..Aumento de apetite,Olhos
vermelhos e pupila dilatada.Boca
Maconha, Skank.
seca.Tosse, bronquite, catarro.Perda da Drogas Perturbadoras da
Haxixe
memória.Alucinações
atividade mental
Outros derivados canábicos.
moderadas.Distúrbios na percepção do
tempo e do espaço. Diminuição da
coordenação motora.Queda de
rendimento escolar e do trabalho.
Confusão mental.Inquietação,
intranqüilidade,excitabilidade. apetite
Estimulantes, bolinhas,
sexual.Insônia.Hipercinesia,
Anfetaminas, Moderador de
hiperatividade.Falta de apetite e
apetite. Ecstasy.
emagrecimento.Alucinações e
paranóia.Dilatação das pupilas.
Cocaína
Crack
Mesclado = (maconha +
Crack/cocaína)
Grande excitabilidade e euforia.
Aumento da atividade motora.
hiperatividade. Possibilidade de
apresentar convulsões.
Drogas estimulantes,
atividade mental
Drogas estimulantes da
atividade mental.
44
Depressão,fadiga.Isolamento
emocional.Diminuição da
libido.medo.Palidez, dilatação das
pupilas.No caso de uso de crack:,falta
de ar, tosse,dores pulmonares,catarro
abundante, sonolência.Emagrecimento
e falta de apetite
Barbitúricos/Benzodiazepínic
os/Opióides.
Falta de equilíbrio, olhos vermelhos,
Solventes voláteis, cola de
sonolência. Nariz escorrendo e
sapateiro, B-25, outras colas e
vermelho. Tosse seca. Salivação
vernizes.
intensa. Confusão mental e agitação.
Éter, benzina, acetona,
Alucinações. Depressão e ansiedade
cheirinho da Loló e outros.
Lança-perfume.
Drogas Depressoras da
atividade mental.
Inicialmente euforia e perda de
limites.Depois da euforia: embriaguez,
sonolência, perda do controle
motor.Irritabilidade,
Drogas Depressoras da
angústia.Depressão e
atividade mental.
ansiedade.impotência, Insônia e
apatia,Olhos vermelhos, diminuição da
acuidade visual.
Hálito alcoólico.
Tabaco
Inicialmente: bem estar, mente mais
Cigarros
clara, menos depressão, menos
Cigarros de palha.
ansiedade, redução da fome. Na
Charutos.
abstinência: Humor deprimido.
Fumo de cachimbo.
Insônia. Irritabilidade. Ansiedade.
Fumo de mascar.
Inquietação. Aumento do apetite.
Rapé
Ganho de peso.
Quadro 1: Principais Substâncias Químicas E Os Sintomas Nos Usuários.
Fonte: Adaptado de Sergio Nicastri-Secretaria Nacional Antidrogas –
SENAD (2002), Série Diálogo, Publicação nº1.
Álcool
Cerveja
Cachaça
Vinhos
Vodka
Uísque
Licores
Segundo Fiore, a OMS define ―droga‖ como:
/.../ qualquer substância que, quando ministrada
ou consumida por um ser vivo, modifica uma ou
mais de suas funções, com exceção àquelas
substâncias necessárias para a manutenção da
saúde normal /.../ drogas são substâncias
45
utilizadas para produzir alterações, mudanças,
nas sensações, no grau de consciência e no estado
emocional /.../ (FIORE apud LEITE, 1999:26).
Entretanto, nenhuma delas poderia, segundo a OMS, ser
classificada, a priori, como patológica. Para Fiore:
/.../ além do próprio significado das substâncias.
A compreensão acerca das
‗conseqüências
sociais‘ é outra categoria que é incluída para
definição do conceito. Com a definição de uso
―normal‖ e uso nocivo: o uso abusivo no intuito
de dividir os usos não patológicos de ―drogas‖,
também outras classificações, como o ―uso
experimental‖, o ―uso ocasional‖ e o ―uso
recreativo‖. Todas essas tipologias buscam
classificar os usos possíveis de ―drogas‖ com
potencial de abuso e, portanto, ações que
acarretam, invariavelmente, algum tipo de risco
para a saúde /.../ (FIORE, 2004, p.4).
Na década de 1980, o psiquiatra americano Norman Zinberg
(1984), afirmava:
/.../ ser necessário diferenciar o ‗uso controlado‘
e ‗uso compulsivo‘ /.../ o primeiro teria baixos
custos sociais enquanto o segundo, disfuncional e
intenso, teria efeito contrário que distingue estes
dois tipos de uso e que o primeiro e regido por
regras, valores e padrões de comportamento
(rituais sociais) veiculados por uma subcultura
desenvolvida entre grupos de usuários /.../
(ZINBERG, 1984).
Edward MacRae relata que essa constatação a respeito da
importância dos fatores psicossociais na determinação do efeito do uso
de determinado psicotrópico é hoje reconhecida por grande parte dos
pesquisadores do assunto (por exemplo, Bucher, Olievenstein, Zinberg,
Grund,Well, etc.). Xiberras defende esta ideia:
/.../ De fato, tudo se passa como se a droga não
tivesse uma personalidade própria, ou um efeito
maior estritamente definido, fora de todo contexto
46
de utilização. Pois a prática da droga, ou seja, o
uso que e feito dela por um determinado
consumidor, parece mais determinante na
descrição dos efeitos provocados e pesquisados.
Aquilo que um usuário, mesmo isolado, espera da
droga, aquilo que supõe ou mesmo o que percebe
como efeito, depende estritamente do contexto
mais global da experiência/.../ (XIBERRAS, 1989,
p. 25).
Para Xiberras (1989, p. 29), esses controles sociais, sejam eles
formais ou informais, funcionariam de 4 maneiras: definindo o que é
uso aceitável e condenando os que fogem a esse padrão, limitando o uso
a meios físicos e sociais que propiciem experiências positivas e seguras,
identificando efeitos potencialmente negativos.
Enquanto para Zinberg (1984, p. 17), os padrões de
comportamento ditam precauções a serem tomadas antes, durante e
depois do uso: distinguindo os diferentes tipos de uso das substâncias,
respaldando as obrigações e relações que os usuários mantêm em esferas
não diretamente associadas aos psicoativos.
No caso do uso de álcool, por exemplo, os médicos costumam
apontar uma fração já bem conhecida de usuários problemáticos: 1 em
cada 10. Ou seja, 10%, no mínimo, dos indivíduos que bebem álcool
com alguma regularidade, terão algum nível de problemas com esse uso,
proporção que, aproximadamente, corresponde aos dados levantados nas
maiores pesquisas amostrais (CEBRID,2002).
Fraga, acredita que as pessoas sempre:
/.../ vão fazer uso de substâncias psicoativas /.../
independentemente de serem liberadas ou não
/.../ em vez de proibir, devemos tentar ‗reduzir
riscos‘ /.../. Vejamos, o álcool é uma droga e seu
uso abusivo faz mal, mas, hoje, há uma regulação
e são raros os comerciantes que vendem bebidas
para crianças e adolescentes, principalmente,
para
serem
consumidos
em
seus
estabelecimentos /.../ (FRAGA, 2000,p.53).
No entanto, para o sociólogo, ―/.../ qualquer criança ou
adolescente pode comprar droga com um traficante, pois sua venda não
é regulada /.../‖ (FRAGA, 2000), sugerindo a necessidade de políticas
47
públicas integradas para enfretamento das demandas inerentes ao
consumo de substâncias psicoativas.
Carneiro (2005) é ainda mais revolucionário: além da legalização
de todas as drogas, ele sugere o controle estatal da produção e do
comércio:
/.../ O conjunto das drogas legalizadas acabaria
com os efeitos nefastos do chamado
‗narcotráfico‘, encerraria a ‗guerra contra as
drogas‘, libertaria os prisioneiros dessa guerra:
em torno de metade da população carcerária tanto
nos EUA como no Brasil /.../ lá essa ―guerra‖ é
uma fonte de lucro para o sistema penal privado,
aqui, é um mecanismo de repressão social e
racial /.../. Reduziriam-se os danos sociais dos
usos problemáticos de drogas. Seriam
potencializados os usos positivos, tanto
terapêuticos
como
recreacionais
/.../
(CARNEIRO, 2005).
Como o objetivo deste presente trabalho é a delimitação das
possibilidades de inclusão dos usuários nas políticas públicas dispostas
no atual cenário proibicionista, a proposta do professor Carneiro alocase anos-luz distante do enfretamento contemporâneo das implicações
sociais do uso e abuso das drogas. No que tange ao orçamento, a
Secretaria Nacional Antidrogas dispõe de US$ 2 milhões por ano para
redução da demanda por drogas.
A menos que o governo invista mais na redução da demanda por
drogas, a situação continuará a se agravar. O orçamento tem sido o
mesmo nos últimos dez anos, provocando problemas em termos de
saúde e segurança públicas, além de não atender as prioridades do
público.
Ao analisarmos o fenômeno ―drogas‖ no contexto atual o que fica
evidente é a satanização acerca das substâncias psicoativas no discurso
midiático bem como no popular e principalmente com a sociedade.
Fraga argumenta que a mídia, ao exacerbar e relacionar a violência
social com as drogas e alocar os usuários de substâncias químicas como
possíveis e prováveis protagonistas desta violência social, constrói duas
coisas: ―/.../ o medo obsessivo /.../ que é um reforço da aversão ao outro
/.../‖ e o ― /.../ reconhecimento dos excluídos sociais /.../‖ (FRAGA,
2000, p.54). Sawaia (1999), analisa a exclusão social a partir da
48
categoria sofrimento ético-político, com propriedade para análise das
questões relacionadas a violência e medo social:
/.../ a exclusão vista como sofrimento de
diferentes qualidades recupera o indivíduo
perdido nas analises econômicas e políticas, sem
perder o coletivo /.../ e no sujeito que se objetivam
as várias formas de exclusão, a qual é vivida como
motivação, carência, emoção e necessidade do eu.
Mas ele não é uma mônada responsável por sua
situação social e capaz de, por si só superá-la. É o
indivíduo que sofre, porém, esse sofrimento não
tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades
delineadas socialmente /.../ (SAWAIA, 1999, p.
119).
Baierl (2004, p.65) afirma que ―/.../ no que tange medo,
poderíamos dizer que o medo social é um medo construído socialmente
e com fim último de submeter às pessoas a interesses próprios e tem sua
gênese na própria dinâmica da sociedade...‖. Medo este que em
Espinosa encontra definição: ―/.../ o medo é uma tristeza instável
nascida da imagem de uma coisa duvidosa /.../ e quando se retira a
dúvida o medo transforma-se em desespero /.../‖ (ESPINOSA, 1983, p.
183).
Vide o ideário social acerca dos usuários de Crack, os chamados
―nóias‖, os excluídos que excluem o ―direito a paz social‖ são
―responsabilizados‖ por inúmeras transgressões sociais desde tráfico de
drogas (inclusive com detenção de moradores de rua), assaltos, roubos,
furtos, assassinatos, estupros. Todas essas práticas são
motivadas/potencializadas para o senso comum com o entendimento de
que o uso de drogas, principalmente o crack, potencializa a violência,
está estabelecida uma relação ‗natural‘ entre drogas e violência para o
senso comum.
Procede para com os que não estão aptos a padronização de
comportamento, hábitos e costumes necessários ao modo de produção
vigente. A sociedade atual demanda indivíduos com perfil adequados
principalmente ao mercado de trabalho. Pois para Chasin (1988, p. 20),
―/.../ as ‗personae do capital‘ são menos ‗temerárias‘ e ‗sonhadoras‘, e
muito mais estreitamente ‗personae do capital‘, do que ‗personae‘ de
alguma lógica inovadora /.../‖.
Logo, ambos, a sociedade e o Estado conferem a esta gama social
dos usuários de substâncias psicoativas o ostracismo social no que se
49
refere à garantia de direitos relacionados à prevenção, tratamento,
recuperação aos que comentem abuso do consumo de substâncias
químicas e autonomia individual a cada cidadão.
50
51
3
O ENFRENTAMENTO PELAS POLITICAS PÚBLICAS
DO PROBLEMA SOCIAL DA DEPENDENCIA QUIMICA
3.1
A Política da Saúde.
Ao iniciar a exposição acerca da Política da Saúde no âmbito da
problemática social da dependência química faz-se necessário uma
sucinta contextualização histórica do tema Saúde Pública no decorrer da
história do Brasil pós Império, além de pontuar o entendimento sobre o
conceito Política de Saúde que segundo Luz (1994, p. 86) seria ―/.../ um
conjunto de formas de intervenção concretas na sociedade, que o Estado
aciona para equacionar o problema das condições sociais de existência
de grandes camadas populacionais /.../‖.
Ao definirmos como início da análise no contexto da RepúblicaVelha (1889-1930), quando a sociedade brasileira daquele período
organizava-se economicamente a partir do modelo agrícola que passou
da produção para mercado interno para a produção para a agroexportação, sendo o modelo econômico que caracterizava a organização
política econômica da sociedade onde o social não por coincidência já
era condicionado pela economia e política e com predomínio das elites
cafeeiras e pecuaristas nesta conjuntura deu início ao fomento das bases
para a industrialização.
A estrutura do sistema de saúde brasileiro foi formada com
variação público-privado em diferentes períodos históricos. No início do
século XX, campanhas realizadas sob moldes militares implementaram
atividades de saúde pública. A natureza autoritária dessas campanhas
gerou oposição de parte da população, políticos e líderes militares. Tal
oposição levou à Revolta da Vacina, em 1904, episódio de resistência a
uma campanha de vacinação obrigatória contra a varíola sancionada por
Oswaldo Cruz, o então Diretor Geral de Saúde Pública (BRAVO, 2008,
p. 88).
O modelo de intervenção do Estado brasileiro na área social teve
início a partir de 1920 e 1930 , quando os direitos civis e sociais foram
vinculados à posição do indivíduo no mercado de trabalho. É quando
surgem as CAP‘s (Caixas de Aposentadoria e Pensões), em 1923, que
ficou conhecida como Lei Elói Chaves e que para Bravo (2008a, p. 90)
tornou-se o ―/.../ embrião do esquema previdenciário brasileiro /.../‖, que
52
direcionava as ações a questões de higiene e saúde do trabalhador, e era
dividida por empresas, financiadas por estas, pela União e pelo
empregado, com o sentido de garantir a capacidade de produção da
classe operária.
É relevante ressaltar que a grande parcela da população que não
era contemplada por esta lei e que eventualmente necessitasse de
assistência médica era "[...] obrigada a comprar serviços dos
profissionais liberais [...]" (PAIM, 1999), ou ainda, recorrer ao auxílio
das Santas Casas de Misericórdia, instituições de caráter filantrópico, na
sua maioria mantidas pela igreja católica e/ou com outras denominações
religiosas.
Westphal e Almeida (1995), concordam que o período
determinante no cenário político, como no econômico e social, no Brasil
iniciou em 1930 quando do governo federal por Getúlio Vargas.
Concomitante ao processo de industrialização e urbanização, nesta
conjuntura ocorrem as principais características da alteração da história
política no Brasil deste período, pois a implantação, manutenção e
desenvolvimento da chamada ‗era Vargas‖ dependiam de fatores
pontuais determinantes bem como a reprodução das necessidades
primárias/básicas da classe operária que naquele contexto mudava de
rural para urbano/industrial, onde a:
/.../adequação aos ditames econômicos, políticos,
financeiros da geo-política internacional tais
iniciativas de políticas sociais e de redefinição do
papel do Estado /.../ de maneira resumida, pode
ser
definido
como
de
promotor
do
desenvolvimento
(política
keynesiana)
e,
principalmente, de políticas publicas que
compensassem as perdas sofridas pelos indivíduos
no processo produtivo, perdas essas que não
podiam ser reparadas pelo salário:previdência
social, atenção medica, educação, transporte, lazer
e moradia passaram a ser, progressivamente,
entendidos como de responsabilidade do
Estado/.../ (WESTPHAL e ALMEIDA, 1995, p.
17).
No período Varguista podemos citar a criação do Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs), que vieram para substituir as antigas
CAPs e estender os benefícios para um número maior de trabalhadores.
53
Percebe-se que os serviços de saúde ainda estavam vinculados à lógica
de beatificação do trabalho/trabalhador.
O Ministério da Saúde também é uma criação do período
Varguista, em 1953, no seu segundo mandato, e surgiu justificado pelo
incremento considerável das ações de saúde. Daí a necessidade de uma
estrutura própria para fortalecer as ações em saúde pública, e o modelo
médico-assistencial privatista é implantado.
Em relação à dependência química, o Brasil adotou
progressivamente um modelo de prevenção alinhado à visão
proibicionista, centrado na ilegalidade das drogas, na repressão e na
abstinência. Tal processo se inseria em um projeto mais amplo de
modernização e no ideal civilizatório da sociedade brasileira que
despontava no discurso médico-intelectual. Contudo, a partir da Era
Vargas, o Estado passou a assumir duas formas de abordagem das
drogas: uma liberal, voltada para as drogas legais e outra,
intervencionista e punitiva, voltada para as drogas ilegais.
A partir de 1964, com o regime militar, o país foi governado
através da ditadura e os problemas estruturais além de não terem sido
resolvidos, agravaram-se. Para Bravo:
/.../o papel do Estado foi revisado, com a intuito
de potencializar o poder de regulação do Estado
sobre a sociedade e de amenizar os
tensionamentos sociais na sociedade brasileira
período da história do Brasil marcado pela
repressão e pela censura,civil e política nos uso
indiscriminado do monopólio estatal da violência
sob pretexto de ‗ordem social‘/.../ (BRAVO,
2008a, p. 93).
Na posterior década de 1970, o que caracterizava a Saúde Pública
era a lógica de Estado, enquanto financiador da saúde, através da
Previdência Social, e no setor privado e internacional, enquanto
prestador dos serviços médicos e produtor dos equipamentos e
medicamentos, respectivamente, características do já citado modelo
médico assistencial-privatista.
Nesta conjuntura, tem início um processo de questionamento da
política do governo em relação à saúde e de reforma na estrutura
organizacional nas políticas de saúde, o que gerou um movimento que
lutava pela Reforma Sanitária. Este movimento data do final dos anos
1970, o início da Reforma Psiquiátrica, cujo objetivo era a superação da
54
violência asilar e a proposta de uma nova forma de cuidado e tratamento
ao portador de transtornos mentais, como trataremos mais adiante.
A reforma do setor de saúde no Brasil estava na contramão das
reformas difundidas naquela época no resto do mundo, que
questionavam a manutenção do estado de bem-estar social. A proposta
brasileira, que começou a tomar forma em meados da década de 1970,
estruturou-se durante a luta pela redemocratização. Um amplo
movimento social cresceu no país, reunindo iniciativas de diversos
setores da sociedade, desde os movimentos de base até a população de
classe média e os sindicatos, em alguns casos associados aos partidos
políticos de esquerda, ilegais na época.
A concepção política e ideológica do movimento pela reforma
sanitária brasileira defendia a saúde não como uma questão
exclusivamente biológica a ser resolvida pelos serviços médicos, mas
sim como uma questão social e política a ser abordada no espaço
público. Professores de saúde pública, pesquisadores da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência e profissionais de saúde de
orientação progressista se engajaram nas lutas dos movimentos de base
e dos sindicatos.
Na década de 1980, especificamente em 1986 a 8ª Conferência
Nacional de Saúde aprovou o conceito da saúde como um direito do
cidadão e delineou os fundamentos do SUS, com base no
desenvolvimento de várias estratégias que permitiram a coordenação, a
integração e a transferência de recursos entre as instituições de saúde
federais, estaduais e municipais. Essas mudanças administrativas
estabeleceram os alicerces para a construção do SUS. Posteriormente,
durante a Assembléia Nacional Constituinte (1987-88), o movimento da
reforma sanitária e seus aliados garantiram a aprovação da reforma,
apesar da forte oposição por parte de um setor privado poderoso.
A Constituição de 1988 foi proclamada numa época de
instabilidade econômica, durante a qual os movimentos sociais se
retraíam, a ideologia neoliberal proliferava e os trabalhadores perdiam
poder de compra. Simultaneamente a essa reforma, as empresas de
saúde se reorganizavam para atender às demandas dos novos clientes,
recebendo subsídios do governo e consolidando os investimentos no
setor privado.
Para Teixeira, os principais aspectos da referida constituição
foram:
/.../O direito universal à saúde e o dever do
Estado, acabando com discriminações existentes
55
entre segurado/não segurado, rural/urbano; As
ações e Serviços de Saúde passaram a serem
considerados de relevância pública, cabendo ao
poder público sua regulamentação e controle;
Constituição do Sistema Único de Saúde,
integrando todos os serviços públicos em uma
rede hierarquizada e de atendimento integral, com
participação da comunidade/.../ (TEIXEIRA, 1989
apud BRAVO, 2008)
Segundo Paim (1999, p.11), o sistema de saúde brasileiro é ―/.../
formado por uma rede complexa de prestadores e compradores de
serviços que competem entre si, gerando uma combinação público
privada financiada sobretudo por recursos privados /.../‖.
O sistema de saúde tem três subsetores: o subsetor público, no
qual os serviços são financiados e providos pelo Estado nos níveis
federal, estadual e municipal, incluindo os serviços de saúde militares; o
subsetor privado (com fins lucrativos ou não), no qual os serviços são
financiados de diversas maneiras com recursos públicos ou privados; e,
por último, o subsetor de saúde suplementar, com diferentes tipos de
planos privados de saúde e de apólices de seguro, além de subsídios
fiscais.
A implementação do SUS começou em 1990, mesmo ano da
posse de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por
voto popular desde a ditadura militar. Este governo seguiu uma agenda
neoliberal e não se comprometeu com a reforma sanitária; na era
―Collor‖, em 1990, foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei
8.080/90), que especificava as atribuições e a organização do SUS.
Um novo plano de estabilização econômica (Plano Real) foi
introduzido em 1994, trazendo políticas de ajuste macroeconômico e
projetos de reforma do Estado. O então gestor federal Fernando
Henrique Cardoso-FHC foi eleito em 1994 (e reeleito em 1998),
promovendo novos processos de ajuste macroeconômico e de
privatização.
Com as impopulares medidas de FHC com privatização de
aparelhos públicos-estatais o norte da gestão do governo federal toma a
pretensa ―direção levogiro‖ com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva
(eleito em 2002 e reeleito em 2006). Paim sustenta que Lula manteve
alguns aspectos da política econômica de seu antecessor, mas suspendeu
as privatizações e, em seu segundo mandato, promoveu um ―/.../
programa desenvolvimentista...‖ (Paim, 2011, p.12).
56
Com a posterior eleição de Dilma Rousseff em 2010, que por sua
vez ganhou ―luz‖ no debate acerca das substâncias químicas quando
voltou atrás na decisão de nomear como gestor da Secretaria Nacional
de Políticas depois deste declarar à imprensa que o governo vinha
estudando mecanismos para diminuir o encarceramento em massa de
pequenos traficantes. Sugerido por documentos do próprio Ministério da
Justiça, o ex-secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, foi
"desnomeado" da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas antes de
assumir o cargo (Revista SEMENTE).
Paim argumenta que a saúde foi:
/.../o único setor que implementou uma
descentralização
radical,
com
importante
financiamento e ações regulatórias do governo
federal. A descentralização do sistema de saúde
foi a lógica subjacente da implementação do SUS;
para isso, foram necessárias legislação
complementar,novas
regras
e
reforma
administrativa em todos os níveis do
governo.Normas aprovadas pelo Ministério da
Saúde – destinadas a redefinir responsabilidades –
estabeleceram mecanismos de repasse financeiro
(como o Piso da Atenção Básica – PAB –, um
valor per capita transferido pelo Ministério da
Saúde aos municípios de modo a financiar a
atenção básica) e novos conselhos representativos
e comitês de gestão em todos os níveis de
governo/.../ (PAIM, 1999).
3.2
Os Movimentos das Reformas: Sanitária, Psiquiátrica e as
Políticas de Saúde Mental
No final da década de 1970 cresce a discussão sobre a
necessidade de reforma nas políticas de saúde e das práticas
governamentais que vieram sendo desenvolvidas até então neste setor.
Com este movimento de politização da Saúde composto por vários
representantes de organizações da sociedade civil que lutava por
melhorias/avanços na assistência à saúde prestada por parte do Estado
que agia de acordo com os interesses privados, ―/.../ o Estado utilizou
para sua intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política
57
assistencial ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal
/.../‖ (BRAVO, 2008a, p. 41).
Este movimento foi denominado: Reforma Sanitária e se propôs a
pensar e debater sobre as propostas governamentais oferecidas ao setor
como forma de alterar a situação da saúde pública no Brasil. Dos
personagens que entraram em cena nesta conjuntura para Bravo (2008a,
p. 42), destacam-se: movimentos sociais urbanos, sindicalistas,
profissionais de saúde, educadores e os partidos políticos de oposição.
A Reforma Sanitária desenvolvia a estratégia de reestruturação do
setor através do SUS, que tem como premissa a universalidade do
direito, um dos fundamentos centrais do SUS e contemplado na
Reforma Sanitária que significou principalmente um reordenamento das
relações entre Estado e sociedade civil, em que a participação popular
previa-se que seria o agente principal desta transformação da Política de
Saúde, estabelecendo uma proposta de mudança no cenário social no
Brasil.
Concomitante com este movimento e aglutinando forças sociais,
bem como perspectivas de construção de um modelo de saúde inclusivo,
Bravo, ressalta que:
/.../o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira,
fundado no final da década de 1970, constitui se
como uma opção de política de saúde específica
afim de propor a superação da prática asilar e das
denúncias
de
maus-tratos
institucionais,
reivindicava
outros e novos espaços para
tratamento de pessoas com transtornos mentais,
que não somente a
via de internação/.../
(BRAVO, 2008, p.43).
O movimento que se iniciou como expressão da categoria dos
trabalhadores do âmbito da Saúde Mental formou o Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), movimento que teve
ressonância nacional e que tinha como principais protagonistas os
integrantes do movimento sanitário, os pacientes psiquiátricos,
familiares, sindicalistas e profissionais de saúde.
Ambos os movimentos tiveram seu ápice em março de 1986 com
a 8ª Conferência Nacional de Saúde-CNS. Como resultado da 8ª CNS,
foi elaborado um relatório com a sistematização de recomendações de
mudanças para o setor de saúde, que deu origem ao Projeto de Reforma
Sanitária.
58
Em 1987, foi apresentada à Assembléia Constituinte, a proposta
de emenda popular, levada pelo médico Sergio Arouca, escolhido pela
plenária de saúde para representá-la na Assembléia. É realizada a I
Conferência Nacional de Saúde Mental, surge também o Movimento da
Luta Antimanicomial, que instituiu o dia 18 de maio como dia da luta
antimanicomial. Ainda no ano de 1987, surgem os primeiros serviços
alternativos à internação psiquiátrica, os Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS, e também a criação dos Núcleos de Atenção
Psicossocial – NAPS.
Foi em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que o
Sistema Único de Saúde foi criado e a Saúde inscrita na Seção II da
Constituição, que inicia seu artigo 196 definindo a saúde como direito
de todos e dever do Estado:
/.../Art.196°- A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação /.../ (BRASIL, 1988).
Grande parte das propostas apresentadas pelo projeto da Reforma
Sanitária foram incorporadas no Documento Constitucional. A partir de
então a política de saúde, junto com as políticas de previdência e
assistência social passam a compor o tripé da Seguridade Social, que
está inscrita no Capítulo "da Ordem Social" e que segundo a própria
Constituição Federal define como: "/…/ um conjunto integrado de ações
e iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar
os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social /.../"
(BRASIL, 1988).
O resultado destes movimentos desencadeou o SUS que foi
regulamentado em 1990 pela Lei Orgânica da Saúde, composta pelas
leis 8.080, de 19 de setembro de 1990 e 8.142, de 27 de dezembro de
1990.
Para Paim, podemos destacar entre seus princípios estão:
/.../a universalidade, reconhecendo a saúde como
um direito fundamental do ser humano e dever do
Estado; a integralidade, enquanto cuidado do
indivíduo como um todo, englobando ações de
promoção, recuperação e proteção da saúde; a
equidade, enquanto busca da diminuição das
desigualdades de acesso aos serviços de saúde; a
59
descentralização dos recursos, garantindo a
qualidade dos serviços próximos dos usuários que
deles necessitam; e o controle social, incentivando
a participação popular, criando canais de
participação da população na gestão do SUS,
através dos Conselhos Municipais, Estaduais e
Nacional/.../ (PAIM, 1999).
Tanto a Reforma Sanitária, bem como a reforma psiquiátrica,
surgiram da insatisfação/indignação coletiva com sucateamento dos
serviços de saúde que se potencializou principalmente pela participação
popular, característica acentuada dos movimentos sociais, que coincide
com o fim da ditadura militar, período das grandes manifestações
populares no Brasil, e o início da construção da democracia e da
participação social, impulsionada principalmente pela posterior
introdução dos capítulos da saúde, assistência e previdência social na
Constituição de 1988, que teoricamente garante os direitos sociais aos
cidadãos.
No âmbito da reforma psiquiátrica o pleito do movimento era a
construção de grandes estruturas hospitalares e manicomiais públicas
além de colocar em evidência e publicizar a denúncia de violência dos
manicômios privados e públicos, da supremacia de uma rede privada de
assistência às pessoas com transtornos mentais, a crítica ao chamado
saber psiquiátrico policialesco e a mercantilizarão da loucura.
As propostas da Reforma Psiquiátrica são potencializadas com a
realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental/1992, em
Brasília, a assinatura da Declaração de Caracas, em que o Brasil firmou
o compromisso de reorientar o modelo assistencial para a saúde mental,
seguindo uma tendência mundial e ainda uma maior definição da
política do Ministério da Saúde para a saúde mental.
Em abril de 2001, é promulgada a Lei Federal n° 10.216, que
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental
e define em seu artigo 3° a responsabilidade do Estado no
desenvolvimento da política de saúde mental com a devida participação
da sociedade e da família. É convocada a III Conferência Nacional de
Saúde Mental, em dezembro do mesmo ano.
Como resultado da Conferência foi elaborado o Relatório Final,
que confere aos CAPS o papel estratégico de direcionar as políticas e
programas de saúde mental, que orienta a construção de uma política de
saúde mental para os usuários de álcool e outras drogas, estabelece o
60
controle social como agente fundamental na garantia e efetivação das
propostas.
De acordo com a Reforma Psiquiátrica, a rede assistencial
proposta por esta política é baseada na criação de uma rede de atenção
aos usuários de modelo extra-hospitalar, inserido na comunidade, de
caráter interdisciplinar e que evita a cronificação dos pacientes e o
isolamento, bem como possibilitaria o acesso dos usuários nas políticas
específicas para a dependência química.
3.3
A Política de Assistência Social/A Rede Assistencial para os
Usuários de Álcool e outras Drogas
Para a contextualização histórica acerca da Assistência Social no
Brasil delimitaremos como início o período de 1930 a 1945 que,
segundo Draibe (1990) e Faleiros (2000), se pode caracterizar como
―/.../ anos de introdução da Assistência Social no Brasil /.../‖, pois, foi o
período dos avanços nos direitos sociais em vários âmbitos da vida
social em relação ao trabalho. Segundo Behring e Boschetti (2010, p.
106), o Brasil seguiu a referência de cobertura de riscos ocorrida nos
países desenvolvidos, numa sequência que parte da regulação dos
acidentes de trabalho, passa pelas aposentadorias e pensões e segue com
os auxílios maternidade, família, doença e seguro desemprego.
Em 1930 é criado o Ministério do Trabalho, em 1932 a Carteira
de Trabalho e a partir de 1933 o primeiro IAP-Instituto de
Aposentadorias e Pensões. Com isso foram se extinguindo aos poucos as
Caps. Desde o final do governo Vargas até a década de 1960 tinha-se a
pretensão de unificação da Previdência Social, aprovada como Lei
Orgânica da Previdência Social apenas em 1960.
Para Mota (2000), esse período é marcado pelo desenvolvimento
de uma gestão estatal de força de trabalho, que inclui as políticas sociais
e que incidia sobre ―/.../ a organização do mercado de trabalho, a
reprodução ampliada da força de trabalho e a regulação de normas de
produção e consumo /.../‖ (MOTA, 2000, p. 173).
Especificamente em relação à Assistência Social, Draibe e
Aureliano (1989) consideram difícil estabelecer um marco desta política
no Brasil devido o caráter fragmentado, diversificado, desorganizado,
indefinido e instável das suas configurações. A instituição que
centralizou em nível federal a Assistência Social foi quando da criação
da Legião Brasileira de Assistência-(LBA), em 1942, surge a ―tradição‖
61
de gestão da primeira dama na LBA, que neste caso foi exercida pela
Sra. Darci Vargas, instituição que no primeiro momento atendia as
famílias dos pracinhas envolvidos na Segunda Guerra. O que para
Behring e Boschetti (2010, p. 108), denota ―(...) as características de
tutela, favor e clientelismo em relação ao Estado e a sociedade no Brasil
(...)‖.
Em 1943 com a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, é
selado o modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento dos
direitos no Brasil, o que Santos (1987) caracterizou como cidadania
regulada. Para Boschetti (2006), embora esta classificação seja aceitável
e coerente com o contexto ela deixa de esclarecer que na ―evolução‖ das
conquistas dos direitos sociais não há cidadania sem regulação.
Considerando este cenário complexo, a expansão da política social no
Brasil foi lenta e seletiva, segundo Behring, marcada por
aperfeiçoamentos institucionais, como a separação dos Ministérios da
Saúde e Educação em 1953, e da criação de novos IAP‘s.
A disputa de projetos e concepções políticas implicou numa
letargia no campo das Políticas Sociais no contexto da ordem
democrática limitada, tanto que propostas oriundas desde o período
Vargas, a exemplo da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) e da
Previdência Rural que só foram aprovadas em 1963. Com o advento do
golpe militar em 1964 a ditadura militar reeditou a modernização
conservadora como via de aprofundamento das relações sociais
capitalistas no Brasil, de natureza claramente monopolista(Netto,1991),
reconfigurando a questão social que dispõe de enfretamento ora
repressivo, ora assistencialista, com o prisma de manutenção do controle
sob as forças operárias que despontavam neste contexto.
Para Faleiros (2000), ―/…/ as características da Política Social na
ditadura militar eram: perda das liberdades democráticas, de censura,
prisão e tortura para vozes dissonantes, o bloco militar-tecnocráticoempresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e
modernização conservadora das Políticas Sociais /.../‖. Para Behring
(2010), a unificação, uniformização e centralização da previdência
social no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966,
retiram definitivamente os trabalhadores da gestão da Previdência
Social, que passa a ser tratada de forma técnica e tutorial.
Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência
Social, incorporando a LBA, a fundação Nacional para o Bem Estar do
Menor (FUNABEM, 1965), a Central de Medicamentos (CEME) e a
Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev).
62
Segundo Behring e Boschetti (2010), esse complexo se transformou,
com uma ampla reforma administrativa, no Sistema Nacional de
Assistência Social e Previdência Social (SINPAS), em 1977, que
compreendia o INPS, o Instituto Nacional de Administração Médica
(INAMPS) e o Instituto Nacional de Administração da Previdência
Social (IAPAS).
Para Bravo (1996, 2000) esta associação entre Previdência,
Assistência e Saúde impõe não só uma forte medicalização da saúde
com ênfase ao atendimento curativo, individual e especializado em
detrimento da saúde pública, como já citado, como também estreita a
relação com a indústria de medicamentos e equipamentos médicos
hospitalares, orientados pela lucratividade. Como vemos, a
indissociação da tríade da Seguridade Social se dá em todos os âmbitos,
por vezes positiva, na essência negativa, com o final do período de
ditadura militar e com a transição para a intenção de democracia
participativa (pseudo-participativa = trabalho + consumo + dever
eleitoral!?).
Faleiros (2000) afirma ser uma das principais heranças do regime
ditatorial a aproximação do sistema norte-americano de proteção social
e o distanciamento do Welfare State europeu, e a ampliação dos acessos
públicos e privados, sendo que milhões de pessoas permaneciam fora do
complexo assistêncial-industrial-tecnocrático-militar que favorecia
principalmente trabalhadores formais.
Os anos 1980 do ponto de vista econômico foram denominados
como década perdida, com parcos avanços democráticos que
transpareciam no contexto como grande conquistas, muito em função
das lutas sociais, aspecto positivo da época que desencadeou a
Constituição de 1988. Estava em marcha à transição democrática
controlada pelas elites para evitar a constituição de uma vontade popular
radicalizada (SADER, 1990). Isso configurou o que O`Donnel (1988)
denominou de ―transição Transada‖ e Fernandes (1986, p. 18) chamou
de transição conservadora sem ousadia e turbulências. Segundo Behring
(2010), o texto constitucional evidenciou os tensionamentos para a
disputa de hegemonia, com avanços, a exemplo dos direitos sociais, com
a seguridade social contemplando direitos humanos e políticos –
Constituição de 1988 denominada de ―Constituição cidadã‖ pelo então
presidente da câmara de deputados no Brasil, Ulisses Guimarães.
Entretanto para Behring e Boschetti (2010), foram mantidos os
fortes traços conservadores, como o não enfretamento ao regime militar
bem como e principalmente com as consequências deste período de
exceção de diretos humanos e políticos (vide, a morosa ―comissão da
63
verdade‖ que apura os ―desaparecimentos‖ dos militantes políticos que
faziam oposição ao regime militar), período este delineado por:
/.../ medidas provisórias na ordem econômica /.../,
uma constituição pragmática e eclética que em
muitas ocasiões foi deixada ao sabor das
legislações complementares, com a busca de
soluções para os problemas essenciais do Brasil
deparam-se com uma espécie de hibrido entre o
velho e o novo /.../ mantendo o caráter
compensatório, seletivo, fragmentado e setorizado
da política social brasileira /.../ apesar do
agravamento das expressões sociais brasileiras /.../
(BEHRING e BOSCHETTI, 2010, p. 142-144).
Neste contexto decorre o conceito de seguridade social,
articulando as políticas de previdência, saúde e assistência social, e dos
direitos inerentes vide a cobertura previdenciária dos trabalhadores
rurais, e do benefício de prestação continuada (BPC) para idosos e
pessoas com deficiência (BEHRING, 2010).
A redemocratização vivida no país contrastava com a contra
reforma neoliberal em curso na geopolítica internacional. Com o fim da
chamada guerra fria e com a ascensão dos países ocidentais em face aos
países do bloco socialista a política brasileira se adequa à chamada
contra reforma neoliberal. Em regra se mantém a redução de direitos
bem como inconclusão das políticas públicas existentes, vide as que
articulam os projetos relacionados à dependência química,
condicionando as políticas sociais ao tensionamento entre as classes
sociais, mantendo e reforçando a característica de políticas: ações
pontuais e compensatórias, estabelecendo então o trinômio do ideário
neoliberal para as políticas sociais: a privatização, a focalização e a
descentralização (BEHRING, 2010).
Atendo-se à perspectiva de tratamento dos dependentes químicos,
a rede assistencial prevê tratamento nos diferentes níveis de proteção
contidos nas políticas públicas. Nesse momento importa destacar os
níveis de proteção do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS/2005), onde os usuários da Política Nacional de Assistência
Social (2004), dentre eles o dependente químico encontra respaldo legal
na:
64
- Proteção Social Básica: Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF); Serviço
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio
para Pessoas com Deficiência e Idosas.
- Proteção Social Especial de Média
Complexidade:
Serviço
de
Proteção
e
Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos
(PAEFI); Serviço Especializado em Abordagem
Social; Serviço de proteção social a adolescentes
em cumprimento de medida socioeducativa de
Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de
Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de
Proteção Social Especial para Pessoas com
Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço
Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
- E na Proteção Social de Alta Complexidade:
Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço de
Acolhimento em República; Serviço de
Acolhimento em Família Acolhedora; Serviço de
proteção em situações de calamidades públicas e
de emergências (SUAS-2009).
Este contexto atual, no qual as Políticas Sociais estão
condicionadas considerando a dependência química como uma
expressão da questão social que demanda políticas estruturantes,
principalmente nas Políticas de Saúde e Assistência Social, o cenário é
de desafios para ratificação do que está disposto em leis. Paiva (2006)
requisita ―/.../ a luta social para reconhecimento da dimensão coletiva
dos problemas sociais como construção social e econômica da sociedade
de classes, portanto, que independe das fragilidades pessoais, ou das
razões da natureza moral ou cognitiva, dentre outras subjetivações /.../‖.
Para Behring (2010) o principal desafio é a efetivação dos
conceitos fundantes do SUAS bem como do SUS na luta pela garantia
da: universalidade, equidade, integralidade das ações e participação dos
cidadãos, a idéia de assistência social e saúde pública e universal. A
contrapartida parece estar na prática que vêm sofrendo as políticas
publicas ―/.../ um processo de privatização passiva /.../‖ (DRAIBE,
1990) ou de democracia inconclusa (GERSCHMAN,1995).
O que reflete diretamente na inconclusão das políticas públicas
preconizadas no campo de tratamento, recuperação e reinserção social
dos usuários de substâncias químicas, principalmente considerando que
a política de saúde mental brasileira preconiza cuidado integral, para
65
objetivar promover a atenção aos usuários baseando políticas de saúde
para a atenção integral a usuários de drogas em evidências científicas e
principalmente com uma ação de base comunitária.
A rede de atenção à Saúde Mental é composta pelos Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), pelos Serviços Residenciais Terapêuticos
(SRT), pelas Unidades Básicas de Saúde, pela Estratégia de Saúde da
Família, Associações de bairro, escolas, igrejas, Ambulatórios e
Hospitais Gerais.
Em 2004 a Portaria n°336, determina sobre o espaço físico,
equipe profissional dos CAPS-AD (serviço especializado para usuários
de álcool e drogas) em municípios de 70.000 a 200.000 habitantes que
estes devem contar com espaço próprio e preparado para atender sua
demanda específica. A orientação é que os CAPS privilegiadamente
sejam localizados em bairros residenciais e suas instalações tenham
características de domicílios. Esses locais devem contar com os
seguintes recursos físicos: consultórios para atendimento individual, sala
para atividades em grupo, sanitários, refeitório, espaço de convivência e
área externa para oficinas, recreação e esporte.
Cada CAPS tem suas próprias características quanto aos tipos e
números de profissionais que irão compor a equipe, e todos os CAPS
devem obedecer à exigência da diversidade profissional determinada
pela legislação. Diversos profissionais de nível médio e superior podem
compor a equipe interdisciplinar de um CAPS, que podem ser: técnicos
e/ou auxiliares de enfermagem, educadores, artesãos, técnicos
administrativos e ainda equipe de serviços gerais, limpeza e vigilância,
de ensino médio. Já os profissionais de ensino superior são: os
enfermeiros, médicos, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos,
terapeutas ocupacionais, professores de educação física ou outros
necessários para as atividades oferecidas pelos CAPS.
Enfim, por falta de aparato legal não deve ocorrer falta de
tratamento da dependência química, a viabilização do texto legal
garantiria minimamente o princípio da intersetorialidade, o que não
necessariamente está ocorrendo com a dificuldade de inserção dos
usuários nas políticas/programas de tratamento e recuperação a
dependência química.
Assim sendo, é necessário que a rede de saúde esteja articulada
não somente aos serviços de saúde, mas também aos diversos
equipamentos da cidade, garantindo assim a promoção da autonomia e
da cidadania e a reinserção social de pessoas com transtornos mentais,
segundo o que preconizaria a missão dos CAPS, que seria favorecer o
66
exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e seus
familiares.
Portanto, os CAPS devem (deveriam) funcionar como
articuladores da rede, atuando na atenção direta aos usuários, articulados
às equipes de Estratégia de Saúde da Família e Agentes Comunitários de
Saúde. Mas também deveriam funcionar como estratégias de promoção
da autonomia e cidadania dos usuários, articulados aos serviços
existentes nas demais redes, como ―/.../ sócio-sanitárias, jurídicas,
cooperativas de trabalho, escolas, empresas, etc./.../‖ (BRASIL,
Ministério da Saúde, 2004).
Nesta direção a proposta dos CAPS é prestar atendimento à
população de seu território de abrangência, oferecendo
acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários, promovida
pelo acesso ao trabalho, ao lazer e através do exercício dos direitos civis
e fortalecimentos dos laços familiares e comunitários. As pessoas
atendidas nos CAPS são aquelas que apresentam intenso sofrimento
psíquico, que lhes impede de viver com qualidade, prejudicando em
vários aspectos da sua vida: a área familiar, do trabalho, financeiro e
econômico, suas relações com amigos e na comunidade. Este sofrimento
psíquico pode ser decorrente do abuso de substâncias psicoativas (álcool
e drogas).
Entretanto, passados quase uma década da sua implementação a
Portaria n°336 não deslanchou, segundo pesquisa que mostra que o
Brasil possui apenas um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e
Drogas (Caps AD) para cada 7 milhões de pessoas. O Estado do
Amazonas, por exemplo, não possui nenhuma unidade de Caps AD. A
pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios
mostrou que em 74% dos municípios do Brasil existem problemas
relacionados as drogas também mostrou que o crack começa a substituir
o álcool nos municípios de pequeno porte e áreas rurais e que uma pedra
custa menos de R$ 5.
No sentido de um dos pilares da reforma psiquiátrica de 2001,
que prevê internação apenas em casos extremos, o Caps AD promove o
acompanhamento clínico, tratamento ambulatorial e a internação de
curta duração de pessoas com transtornos pelo uso de crack e outras
drogas. Atualmente, existem 268 Caps AD no País.
Como afirma Amarante (2007), é o protagonismo daquele que
anteriormente era apenas um ‗paciente‘. No projeto terapêutico o
usuário pode ser indicado a participar das atividades nos regimes
Intensivo, Semi-Intensivo e Não-Intensivo, conforme determina a
Portaria UM n°3361:
67
Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento
diário, oferecido quando a pessoa se encontra com
grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou
dificuldades intensas no convívio social e
familiar, precisando de atenção contínua. Esse
atendimento pode ser domiciliar, se necessário;
Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade
de atendimento, o usuário pode ser atendido até
12 dias no mês. Essa modalidade é oferecida
quando o sofrimento e a desestruturação psíquica
da
pessoa
diminuíram,
melhorando
as
possibilidades de relacionamento, mas a pessoa
ainda necessita de atenção direta da equipe para se
estruturar e recuperar sua autonomia. Esse
atendimento pode ser domiciliar, se necessário;
Atendimento Não-Intensivo: oferecido quando a
pessoa não precisa de suporte contínuo da equipe
para viver em seu território e realizar suas
atividades na família e/ou no trabalho, podendo
ser atendida até três dias no mês. Esse
atendimento também pode ser domiciliar (Portaria
GM1336 disponível na Cartilha do MINISTÉRIO
da SAÚDE: Saúde mental no SUS: os centros de
atenção psicossocial, 2004).
O usuário pode chegar ao tratamento nos CAPS de duas
maneiras: por busca espontânea, procurando diretamente o serviço, por
indicação de familiar e amigos, ou encaminhado por algum serviço da
rede de atenção, mais habitualmente pela Estratégia de Saúde da
Família. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o
tratamento de transtornos mentais leves na Atenção Básica, integrando
as equipes de Saúde da Família e de Saúde Mental, seguindo a lógica
matricial (Matricialidade Familiar).
68
69
CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUEM SE (PRE)OCUPA COM A
DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL? CONTRIBUIÇÃO
PARA O DEBATE.
O universo que compreende a formulação de uma possível
resposta para esta pergunta perpassa por uma multiplicidade de
instituições públicas e privadas, profissionais de variados saberes, o que
garante uma intervenção multidisciplinar, embora por vezes desfocada
do saber científico e amparada por práticas ―empíricas‖ de tratamento e
enfretamento da dependência química.
Desta forma atualmente diversos profissionais estão envolvidos
neste enfretamento à problemática da dependência química entre os
quais: enfermeiros, médicos, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais,
agentes de saúde, agentes de segurança pública bem como terapeutas
corporais, voluntários geralmente ligados a instituições religiosas que
figuram com protagonismo neste universo que engloba a dependência
química. Contudo, a variedade de perspectivas teóricas e políticas destas
distintas profissões por vezes crivam/condicionam as intervenções.
Esta multiplicidade de profissionais principalmente se deve ao
afastamento do ideário de satanização que os dependentes químicos
sofrem, posto que, conforme demonstramos, atribui-se ao vicio/adicção
um caráter degenerador do caráter/personalidade dos indivíduos, o que
os condicionam como ―persona no grata‖ em seus convívios sociais,
configurando-os como não-cidadãos, considerando a dificuldade de
acesso às políticas públicas instituídas, bem como a dificuldade de
viabilização do que se preconiza nas políticas específicas para
dependência química.
À medida que o conceito de dependência química passa a
privilegiar o comportamento compulsivo diante da substância, em lugar
das manifestações orgânicas do uso abusivo das substâncias químicas
ocorre à aproximação dos profissionais envolvidos no enfretamento a
dependência química ao saberes científicos, entretanto, sem abandonar
concepções/formas de tratamento empíricos que flertam coma a utopia.
Pois os tratamentos ainda se baseiam no ideal de abstinência como
indicador de recuperação.
Enquanto uma gama menos representativa politicamente procura
mediar a dependência química não focando o consumo e atendo-se ao
uso abusivo, está posta uma distinção de perspectivas e tratamentos
(MASUR, 1992).
70
Uma forma de exposição deste antagonismo entre perspectivas
diversas pode ser observada em relação aos dois modelos preventivos e
teoricamente opostos: um deles estimula o ―Não às Drogas‖ e a ―Guerra
às Drogas‖, enquanto o outro focaliza a prevenção do uso abusivo das
mesmas, privilegiando a redução de danos a drogadição que acarrete
males sociais e/ou físicos para os usuários/dependentes químicos.
Beatriz Carlini, em: ―A Escola e as Drogas: Realidade Brasileira
e Contexto Internacional‖, argumenta que há de se distinguir as duas
perspectivas. Enquanto a primeira utiliza os modelos de
amedrontamento, apelo moral/ético/religioso, treinamento para
resistência, resignação, pressão de um grupo, e orientação/cuidados
familiares, a segunda corrente estaria empenhada em reduzir os riscos
que o abuso de drogas pode causar tanto para o indivíduo como para a
sociedade, em temos práticos privilegiando cinco modelos:
conhecimento científico, educação afetiva, oferecimento de alternativas,
educação para a saúde e modificações na estrutura de educação
(CARLINI, 1992).
Em relação à preocupação com a temática da dependência
química sob o prisma do usuário, a Secretária do Estado do Paraná de
Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Maria Tereza Uille Gomes
propõe revisão do combate ao crack e ao enfretamento às drogas,
principalmente com a diferenciação do usuário e do traficante, com
definição de critérios para encarceramento de suspeitos de tráfico de
drogas. Segundo Gomes, é necessário repensar o papel da prisão na
política de criminalização das drogas, especialmente em relação ao
microtráfico, vinculado diretamente à dependência química. A secretária
argumenta: ―/.../ polícia, justiça e cárcere não resolvem os problemas de
segurança‖.
Ela defende que, além dos números, é preciso conhecer em
detalhes quem são os presos.― Assim vamos entender que traficante não
é uma massa homogênea e vamos poder identificar quem são os
dependentes econômicos e os dependentes sociais do tráfico...‖. Para
Gomes, /.../ A lei brasileira diferencia usuário de traficante, mas os
juízes não têm parâmetro claro que permita essa diferenciação no
momento de aplicar a pena /.../estabelece que, no momento da prisão,
devem ser levados em consideração natureza e quantidade da substância
apreendida;o local e as condições em que se desenvolveu a ação; as
circunstâncias sociais e pessoais; e a conduta e antecedentes do agente
/.../.
A secretária citou uma pesquisa feita pela Secretaria dos Direitos
Humanos do Paraná em duas unidades de prisão feminina no Paraná
71
segundo a qual mais da metade das detentas foram presas por portar
pequena quantidade de drogas: 163 mulheres presas, 80% tráfico de
drogas, destes 60% com pequena quantidade de 10 a 30g.
A luz do debate neste sentido demonstra-se o caráter
discriminatório no que tange à condição social de cada um. Se uma
pessoa da classe média, num bairro também de classe média, for
encontrada com determinada quantidade de droga, poderá ser mais
facilmente identificada como usuário (e, portanto, não será submetida à
prisão) do que um pobre, com a mesma quantidade de droga, em seu
bairro carente. Neste exemplo, confirma-se a seletividade secundária.
Vale transcrever a experiência do delegado carioca Orlando Zaccone e
membro da LEAP-Brasil:
/.../ um delegado do meu concurso, lotado na 14ª
DP (Leblon), autuou, em flagrante, dois jovens
residentes na zona sul pela conduta descrita para
usuário, porte de droga para uso próprio, por
estarem transportando, em um veículo importado,
280 gramas de maconha (...), o que equivaleria a
280 ―baseados‖ (...) o fato de os rapazes serem
estudantes universitários e terem emprego fixo,
além da folha de antecedentes criminais limpa, era
indiciário de que o depoimento deles, segundo o
qual traziam a droga para uso próprio era
pertinente/.../.
A decisão do delegado de polícia citado serve para confirmar a
conclusão de Zaconne:
/.../ A visão seletiva do sistema penal para
adolescentes infratores e a diferenciação no
tratamento dado aos jovens pobres e aos jovens
ricos, ao lado da aceitação social que existe quanto
ao consumo de drogas, permite-nos afirmar que o
problema do sistema penal não é a droga em si, mas
o controle específico daquela parcela da juventude
considerada perigosa /.../ (ZACONNE, 2007,p. 20).
Após o advento da lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2003 a
criminalização das drogas e as políticas de tolerância zero levaram a um
aumento acentuado da população carcerária. No Brasil, desde a entrada
em vigor da nova legislação sobre as drogas, em 2006, a população
72
carcerária subiu 37%. Isso pode ser explicado pelo fato de grande parte
das pessoas presas desde então acusadas de tráfico de drogas serem rés
primárias, como mediu pesquisa da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), divulgadas em 29 de junho passado, o Encontro
Nacional sobre o Encarceramento Feminino revelou realidade
semelhante.
Das 15.263 mulheres que passaram nos últimos cinco anos a
fazer parte da população carcerária brasileira, 9.989 (65%) foram
acusadas de tráfico de drogas. ―Basicamente são mulheres não brancas,
têm entre 18 e 30 anos e baixa escolaridade‖, afirmou a ministra do
Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon, corregedora nacional de
Justiça. Para a Secretária de direitos humanos do Estado do Paraná, a
partir da experiência de trabalho na questão das drogas em visitas a
presídios, manicômios judiciários, ela pode presenciar ―/.../as maiores
violações de direitos humanos em sua trajetória profissional/.../‖. A
Secretária de Justiça/PR destaca:
/.../ é preciso olhar as drogas sob diversas óticas
/.../ sob a ótica econômica, analisando a questão
da renda ilícita; outra é trabalhar com o viés do
tratamento da dependência, envolvendo a
educação e o trabalho, em vez de só utilizar a
prisão como se fosse solução ao problema /.../
também devemos analisar a ausência de
efetivação dos programas governamentais
previstos em lei/.../.
Com outra linha de pensamento o deputado federal-RS, Osmar
Terra, autor do projeto de lei 7663/2010, que prevê a internação
involuntária de dependentes, solicitada pela família e decidida pelo
médico, Terra destacou que o texto prevê a classificação de drogas e o
aumento de penas para traficantes, introduz a baixa compulsória de
dependentes, estabelece uma rede de atendimento com organizações
governamentais e não-governamentais e cria incentivos para reinserção
social.
Enquanto estes incentivos estatais não chegam, estados como São
Paulo, Rio de Janeiro e Bahia já praticam as internações involuntárias
(sem anuência do usuário e sim dos familiares), compulsórias (com
decisão judicial sem anuência dos familiares e usuário – CRATOD).
O que o CNS-Conselho Nacional de Saúde repudia amplamente:
73
/.../A implantação de uma política que cuide dos
usuários e suas famílias é defendida pelo
conselho, que repudia a prática da internação
compulsória e involuntária, deixando claro que
estas não se constituem como serviços e têm
servido para limpar as cidades e não para cuidar
dos usuários /.../. Reconhecemos que a situação
requer cuidados e medidas capazes de promover
acesso à cidadania e reafirmamos que o
recolhimento forçado viola direitos humanos e
sociais. E, o que violenta, não trata nem inclui /.../.
E como defende o consultor legislativo Sérgio Fernandes Senna
Pires (Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília), que afirma:
―/.../ não existe desintoxição compulsória ou tratamento compulsório...‖,
apontando para a necessidade de estruturação das políticas públicas,
destacando o estado de Alagoas como principal Estado com o
enfretamento da dependência química que ganha visibilidade positiva. O
Secretário de Estado de Promoção da Paz, Jardel Aderico, destacou os
avanços que podem ser percebidos a partir da adesão ao programa. ―. O
comportamento em rede, possibilitando um atendimento de forma mais
linear ao invés de ações isoladas de cada pasta.
Podemos dizer que começamos a construir uma agenda positiva
de atenção ao usuário, principalmente pelos debates primarem pela
buscam um grande monitoramento da expansão da rede de atendimento,
para que todos os serviços cheguem de forma igualitária aos usuários e
às comunidades. Tendo como grande foco a avaliação das ações com
técnicos envolvidos na execução das ações – políticas de saúde,
assistência social, prevenção, segurança pública e garantias de direitos.
Ainda mediando às considerações finais e pontuando acerca do
cenário atual do enfrentamento a dependência química, podemos
destacar o surgimento de estruturas/instituições que estão sendo
atualmente criadas principalmente no maior Estado da federação São
Paulo, o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras
Drogas) é uma instituição que surge inda sob a lógica do proibicionismo
entretanto com maior foco no indivíduo, mesmo considerando a
possibilidade de internação compulsória, já refutada neste trabalho
acadêmico, a criação destes espaços deve ser pontuada.
Em recente entrevista (ARRUDA, 2013, FOLHA de SP), o
desembargador Samuel Karasin é juiz responsável pelo Cratod-Luz e
por ordenar tratamento à dependentes em situação de risco, a chamada
74
internação compulsória, que ainda não aconteceu: ―... A questão da
internação compulsória é excepcional. Então nós estamos aqui para
avaliar e garantir eventuais direitos que a população tenha com relação a
acesso ao sistema de saúde...‖, afirma Samuel Karasin. O governo de
São Paulo afirma ter 876 vagas para internação, espalhadas por 15
cidades.
No Cratod, os dependentes esperam até dois dias pela vaga. Para
um universo estimado de 1% da população (41 milhões) podendo ter
implicações negativas com o uso abusivo. Os recursos humanos do
Cratod contam com: 8 assistentes sociais, 2 psicólogos e uma equipe de
enfermagem, 26 médicos (neurologistas, psiquiatras e clínicos), com
objetivo de proporcionar agilidade na triagem, esclarecer dúvidas dos
dependentes e familiares, e orientar na resolução dos problemas
enfrentados. É solicitado um histórico do caso de dependência química
no momento do preenchimento da ficha (saude.sp.gov.br).
No dia 13.02/2013 foi inaugurada a unidade social do Cratod que
é um espaço com uma área externa ao prédio destinada exclusivamente
ao atendimento social a dependentes químicos e familiares. A nova
unidade vai aprimorar a comunicação entre parentes, dependentes
químicos e funcionários das Secretarias do: Desenvolvimento Social, da
Saúde e da Justiça.
Contudo, em âmbito nacional segue a necessidade de conclusão
dos textos oficiais já mencionados além da criação de condições a partir
de base científica para enfretamento racional do cenário, este
enfrentamento demanda políticas estruturantes nos campos de saúde
mental, assistência social, educação e segurança pública, considerando,
por exemplo, que já na constituição de 1988 está previsto no artigo 243
parágrafo único que todo dinheiro apreendido no combate ao tráfico
deve ser empregado para custeio do Aparelho de tratamento e
recuperação de dependentes químicos.
Em relação à questão das drogas em âmbito global a ONU
instituiu a Comissão Global de Política sobre Drogas, que conta com o
ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, entre outras autoridades de 17
países. Na América Latina existe a Comissão Latino-Americana sobre
Drogas e Democracia, ‗chefiada‘ pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso e com a participação dos ex-presidentes do México Ernesto
Zedillo e da Colômbia César Gaviria. Seu objetivo foi avaliar a eficácia
e impacto das políticas de combate às drogas e formular recomendações
para políticas mais eficientes, seguras e humanas.
Constata-se neste momento final do presente trabalho um estado
de negligência no que se refere ao enfretamento das políticas públicas
75
no que tange a conclusão das diversas possibilidades inseridas em leis
arroladas acima no processo de ensino-aprendizado enquanto estudante
de Serviço Social, bem como, as possibilidades que foram esquecidas
neste esforço de compreensão acerca deste universo das drogas
enfocando o usuário.
O Serviço Social brasileiro ganhou notabilidade com a
contribuição nas conquistas sociais no passado recente do Brasil, tanto
que para Francisco Oliveira, que ressalta esta importância ―/.../ deve-se
dizer que sem os assistentes sociais a criação e a invenção de direitos no
Brasil não teriam conhecido os avanços que registra...‖. Contudo,
salienta: ―... a categoria do Serviço social não é um bloco homogêneo,
em que todos mantêm a mesma concepção de direitos, cidadania, e
políticas públicas...‖. Para Behring, (2010, p. 192), ―mesmo com o
reforço de orientações contidas no Código de Ética, na Lei de
regulamentação da profissão e nas diretrizes curriculares da Abepss /.../
que não se contenta com o modelo capitalista do estado de direito/.../‖,
os desafios para enfrentamento das questões sociais ainda disputam a
concepção teórica dos processos de trabalho dos assistentes sociais.
Para Guerra (2007,p.1), os projetos profissionais:―/.../ devem
necessariamente incorporar as necessidades, os valores, e os anseios
universais referentes a sociedade/.../‖
Desta feita considerando as condições objetivas e subjetivas nos
processos de trabalho dos assistentes sociais é requisitado uma ―/.../
postura investigativa /.../ pautada em uma teoria crítica e inclusiva que
busca compreender a sociedade capitalista para além da sua aparente
naturalidade, suposta liberdade e igualdade formal de condições /.../ com
o desafio central para o assistente social, que é o de fazer a crítica dos
fundamentos da cotidianidade tanto daquela em que presta serviço, o
que significa examinar os fundamentos, analisá-los, reconhecê-los para
transcende-los.
Consciente que a não resolução das necessidades coletivas e
individuais humanas é prática dos Estados Nações e que liberdade na
sociedade capitalista está diretamente vinculado aos interesses pessoais,
a liberdade a propriedade privada ou o direito humano da liberdade) que
para Marx (2005,p.34) ―/.../nada mas é que o reconhecimento do
individuo egoísta, burguês/.../‖ .
Entretanto a constatação de um estado de exceção paralelo para a
população usuária de substâncias químicas. Para Sposati, este estado de
exceção está condicionado ao:
76
/.../O empobrecimento da população devido ao
achatamento salarial e à ampliação do processo
migratório, a periferização do assentamento
espacial dos trabalhadores, o ambíguo sentimento
político de descrédito do Estado, ao mesmo tempo
de nele residir a possível solução dos problemas
cotidianos, marcam a vivência dos...mais
pauperizados/.../ (SPOSATI, 1988, p. 159).
Com intenção de contribuição para o debate acerca das
substâncias psicoativas, seu consumo e implicações sociais desta
prática, e finalizando esta breve sinopse acerca do enfrentamento das
políticas públicas nesta expressão da questão social, lamentando os
caráter conservador atrelado a perspectiva proibicionista, a principal
corrente neste cenário, principalmente por ser consequência do caráter
conservador do projeto neoliberal, que para Iamamoto se expressa:
/.../de um lado, na construção do ordenamento
capitalista e das desigualdades sociais a ele
inerentes tidas como inevitáveis, obscurecendo a
presença viva dos sujeitos sociais coletivos e
suas lutas na da história; e, de outro lado, em um
retrocesso histórico condensado no desmonte das
conquistas sociais acumuladas, resultantes de
embates
históricos
das
classes
trabalhadoras,consubstanciadas nos direitos
sociais universais de cidadania, que têm no
Estado uma mediação fundamental. As
conquistas sociais acumuladas são transformadas
em ―ou dificuldades‖, causa de ―gastos sociais
excedentes‖/.../ (IAMAMOTO, 1992).
Ao tratar das discussões a respeito do uso de substâncias
psicoativas, o estado de perplexidade causado pelos diversos usos dessas
substâncias e as consequências sociais infelizmente explicitam mais
questionamentos/dúvidas do que respostas. Conforme diz Mandon:
/.../Existe uma quase impossibilidade até mesmo
indecência – ao falar da droga /.../ os médicos
ainda não são capazes de compreender como e
por que uma droga é toxicomanogênica. O
mesmo acontece com os sociólogos que não
conseguem explicar como e porque uma pessoa
77
torna-se toxicômana. Os drogados não nos
respondem.
Não
existe,
na
realidade,
conhecimento
sobre
a
droga:
apenas
competências cruzadas/.../ (MANDON, 1991, p.
231).
Convicto que a ―Guerra às Drogas‖ sob perspectiva proibicinista
gera danos sociais absurdamente desproporcionais ao mal que qualquer
substância psicoativa pode causar, aos indivíduos e a sociedade,
mascarando as reais determinações econômicas, políticas e
principalmente sociais com posterior enfrentamento condicionado a esta
lógica.
Atento para o desafio dos assistentes sociais da quebra do estigma
social atrelado a história dos usuários dependentes químicos e a partir da
realidade nos processos de trabalho dos assistentes sociais, desvelar as
reais determinações que abarquem a dependência química possibilitando
a construção coletiva de políticas públicas para mediação/enfretamento a
dependência química, respostas estas que devem igualar-se à intensidade
da complexidade contida na questão.
Pereira (2000) destaca que nos processos de trabalho dos
assistentes sociais, no campo da saúde mental onde está alocada a
dependência química torna-se:
/.../importante que os profissionais da área de
saúde mental, de modo especial os assistentes
sociais em sua intervenção junto à família,
atentem para esta realidade, para que propiciem
àquela, possibilidades de superar as dificuldades
vividas no convívio com o membro portador de
transtorno mental, dividindo com eles o tempo de
cuidar, através da oferta de serviços de atenção
psicossocial diário, oferecendo-lhe o apoio
necessário dos serviços para lidar com o estresse
do cuidado e convidando-o a participar da
elaboração dos serviços e de sua avaliação (e aqui
não só a família, como também os próprios
usuários)/.../ (PEREIRA, 2000, p. 254).
Bisneto (2007) sugere ao profissional do serviço social o
reconhecimento das fragilidades existentes no campo de Saúde Mental:
/.../É necessário ao assistente social reconhecer
seu próprio valor, saber o que está fazendo, criar
78
um discurso profissional, publicar ideias, lutar por
seus princípios, faze0r alianças, se expor
profissionalmente em Saúde Mental. É claro que o
profissional de campo precisa contar com a
colaboração de seus colegas de academia: a
universidade também deve desenvolver esse
discurso profissional com pesquisas, aulas,
extensão, publicações, conferências entre outros
recursos/.../ (BISNETO, 2007, p. 145).
Além disso, desvelar as implicações institucionais e além dos
atores sociais envolvidos. Para Zaluar é necessário:
/.../a compreensão dos valores culturais das
instituições do Estado. Mais especificamente as
visões de mundo, aqui incluído as relações de
lealdade e as normais sociais, que orientam e
estruturam a tomada de decisão dos atores
estatais... compreensão dos incentivos e das
visões de mundo dos agentes do Estado, deve ser
analisado a tomada de decisão desses atores.
Nesta análise, o observador/analista deve levar
em consideração que os atores tentam escolher a
alternativa que mais maximiza os seus objetivos
e benefícios. Soma-se a isso, através de uma
análise empírica da dinâmica de uma (ou várias)
organização criminosa, a identificação das peças
que fazem parte dos mecanismos do crime
organizado/.../ (ZALUAR, 2012).
Este cenário desafia não apenas profissionais envolvidos no
enfrentamento desta expressão da questão social, mas todo e qualquer
cidadão a se colocar a problematizar esta situação, sob pena do
agravamento da epidemia de consumo de crack, bem como da
dependência química, ampla e principalmente com os abusos, massacres
em periferias, chacinas, encarceramentos sumários, universo de
constante violência que condiciona incontáveis indivíduos a um descaso,
invisibilidade social/estatal legitimada pelo uso ou abuso de uma
substância química.
Por fim, considerando outras questões necessárias a este debate,
que infelizmente não puderam ser aprofundadas no presente trabalho,
afirmamos ser eminente a demanda de construção de uma teoria que
79
contemple na sua complexidade a dependência química, como também o
seu significado.
Especificamente para os assistentes sociais a necessidade de
interação com as reais necessidades dos dependentes químicos bem
como da questão das drogas, possivelmente surge a necessidade de
formação continuada em Serviço Social no que tange às drogas,
dependência química e violência social.
Pois enquanto a dependência química for especialmente
degenadora das populações de baixa renda das: favelas, cortiços,
conjuntos habitacionais, morros, a dependência química será desafio a
ser enfrentado. Marighella (1999, p.547), no contexto de luta contra o
regime de ditadura militar, período este que neste trabalho foi
considerado análogo(minimamente) do Estado de exceção paralelo que
estão condicionados atualmente os dependentes químicos, argumentava
que o modelo de enfrentamento daquele período que para a analogia
com a dependência química, seria privilegiar as reais necessidades dos
usuários demandando a união dos /.../ grupos com atuação de baixo para
cima... uma coordenação ativa ... que leva a ação para diante...a partir da
ação...ações em conjunto mesmo atentos que no Estado liberal segundo
Lênin (1988, p.115) ―/.../ é impossível exaltar a ‗paz social‘ e a
possibilidade de evitar tormentas sob a ‗democracia‘ /.../‖.
Ainda relembrando Marighella (1999): ―/.../ De todo modo, o
problema é quem samba fica, quem não samba vai embora/.../e vale
mais a disposição/.../‖.
80
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89
ANEXOS
Jão (Dmn)
Respeito vai, logo cola a ofensa
Intolerância, basta resolver na violência
Vergonha sentença, humilhado segue o fraco
Treto não foi pã, se fudeu foi zuado
Julgado, culpado sem direito a recorrer
Pro cê vê, ter dinheiro é diferente de poder
Vem trator passa em cima, vai faz chacina
Noite cai vão atrás te caçar de carabina
Preparado pro combate pra num toma prejuízo
Será que você tá preparado pro inimigo?
Sentado na calçada, você e seus amigo
Moscando na tragada, mosco mó delirio
Céu enfumaçado, cachimbo cagueta
Acendeu poluiu, consumiu aí já era
Qual é a sua meta? Muleke me explica
Enquanto o mundo gira, você fuma e parasita
Vida na periferia, tá pensando o que?
Não se programou, vacilou vai sofrer
Contar com a sorte por aqui só se for loko
Corre que seu berço não é de ouro
Pra onde você vai desse jeito jão?
Desnorteado na nóia, o mais bandidão
Pensando que tá bom, usa droga e fala gíria
Vai se liga, vai se liga(x2)
Ó liga lá, veja só quem é o troxa
As 10 da manhã zóio azul tira onda
No bar, na porta da facul sentado a mesa
Playboy ri à toa, maconha e cerveja
Se dedicar pra que? se é tudo gozolândia
Rezo pro pai morre, zóio azul qué herança
E vc tá no plano de quem? ou do que?
90
Bem loko, fudido, sorrindo por quê?
Pra resolver, quer PT, justo, quem se liga
Pra onde vc for sua cor atrai policia
Barão faiz lei pra te fude, vc num entende?
Que o peso do martelo pra nois é diferente
Dinheiro sem poder num adianta
Fiança livra um, mais de mil vai pra tranca
Enquadra nossos moleke, para um qué
Muitos querem, veja bem
Preto e pobre na cadeia aos 16
Se a ideia convém nesse momento então me escuta
Esquece os B.O., tira a touca esconde as luva
A vida é muito mais cabulosa que cê pensa
Sai dessa, mó grupo, maluko se orienta
Refrão(x2)
Supere a ilusão e o veneno, só veneno
e toda fantasia que está vivendo
Quem falou que proceder é desse jeito, jão?
Que vacilão é quem um diploma na mão?
Sempre quer o melhor, mas é o pior
Faz da vida um nó, a gente assim, cedo vira pó
Um disperdicio só, viver é coisa melhor
Da mó dó, o sofrimento que faz ao redor
Zé Povinho qué o seu sucesso (abraça)
Esse caminho o final é cara na vala
Tem outra forma de respeito, morô
Mostrar a si mesmo como virar o jogo
Moral verdadeira, viver sem fronteira
Da vida derradeira, uma lembrança passageira
Vai brilhar na multidão na hora certa
Somente os escolhidos, bem disse o poeta
Esperto e preparado para guerra, sincera
Aquela que liberta o coração e a mente da merda
Olha os patrício, veja bem quem se ferra
Pelo amor, já num basta a miséria?
Migalha é anistia, doação pra família
91
Alimento hoje e a morte no outro dia
Os coxinhas cada veiz mais violentos
De segunda a segunda, os dias são sangrentos
A mãe acende vela, reza, faz promessa
O pai é mais frio, vive em estado de alerta
Mas vc num se interessa, jão
Pra onde vai, já foram uma pá de irmão
Refrão(x2)
92
Marvada Pinga(Inezita Barroso)
Com a marvada pinga
É que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meu taio
Pego no copo e dali num saio
Ali memo eu bebo
Ali memo eu caio
Só pra carregar é que eu dô trabaio
Oi lá
Venho da cidade e já venho cantando
Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho trupicando, xifrando os barranco, venho
cambetiando
E no lugar que eu caio já fico roncando
Oi lá
O marido me disse, ele me falo: "largue de bebê, peço por favô"
Prosa de homem nunca dei valô
Bebo com o sor quente pra esfriar o calô
E bebo de noite é prá fazê suadô
Oi lá
Cada vez que eu caio, caio deferente
Meaço pá trás e caio pá frente, caio devagar, caio de repente, vô de
corrupio, vô deretamente
Mas sendo de pinga, eu caio contente
Oi lá
Pego o garrafão e já balanceio que é pá mor de vê se tá mesmo
cheio
Não bebo de vez porque acho feio
No primeiro gorpe chego inté no meio
No segundo trago é que eu desvazeio
Oi lá
Eu bebo da pinga porque gosto dela
Eu bebo da branca, bebo da amarela
Bebo nos copo, bebo na tijela
E bebo temperada com cravo e canela
93
Seja quarqué tempo, vai pinga na guela
Oi lá
Ê marvada pinga!
Eu fui numa festa no Rio Tietê
Eu lá fui chegando no amanhecê
Já me dero pinga pra mim bebê
Já me dero pinga pra mim bebê e tava sem fervê
Eu bebi demais e fiquei mamada
Eu cai no chão e fiquei deitada
Ai eu fui prá casa de braço dado
Ai de braço dado, ai com dois sordado
Ai muito obrigado!
94
Vida Marvada (Renato Teixeira-Rolando Boldrim)
Corre um boato aqui donde eu móro
Que as mágoas que eu choro são mal ponteadas
Que no capim mascado do meu boi
A baba sempre foi santa e purificada
Diz que eu rumino desde menininho
Fraco e mirradinho a ração da estrada
Vou mastigando o mundo e ruminando
E assim vou tocando essa vida marvada
É que a viola fala alto no meu peito humano
E toda moda é um remédio pros meus desengano
É que a viola fala alto no meu peito, mano
E toda a mágoa é um mistério fora desse plano
Prá todo aqueles que só fala que eu não sei vivê
Chega lá em casa pruma visitinha
Que no verso e no reverso da vida inteirinha
Há de encontrar-me num cateretê
Há de encontrar-me num cateretê
Tem um ditado dito como certo
Que o cavalo esperto não espanta a boiada
E quem refuga o mundo resmungando
Passará berrando essa vida marvada
Cumpadi meu que inveieceu cantando
Diz que ruminando dá pra ser feliz
Por isso eu vagueio ponteando
E assim procurando minha flor-de-liz
95
Que beleza é saber seu nome
Sua origem, seu passado
E seu futuro
Que beleza é conhecer
O desencanto
E ver tudo bem mais claro
No escuro... (Tim Maia-Que Beleza)
É! A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito...E a vida!
E a vida o que é?Ela é maravilha
Ou é sofrimento?Você diz que é luta e prazer ...O que é? O que é?
Meu irmão...(Gonzaginha-O que é O que é)
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A dependência química e o caráter de seu enfrentamento pelas