CAPTAÇÃO E REUTILIZAÇÃO DA ÁGUA PRECIPITADA EM ÁREA URBANA Lázaro Costa Fernandes 1 e Anna Paula Bourdon1 RESUMO Este estudo avalia a utilização da precipitação sobre áreas urbanas, para a irrigação de um jardim hipotético presente em uma unidade multiresidencial. Tal uso, diminui a vazão nas galerias da cidade e diminui o desperdício de água tratada. Pode também valorizar o condomínio devido ao paisagismo. Assim, foi necessário implantar um reservatório de captação de chuva sob a área do prédio. Para que o reservatório seja o menor possível sem provocar estresse hídrico ao jardim foi constatado que sua área deve ser de 25% a 33% da área total. ABSTRACT This study evaluates the use of the precipitation over urban areas for the irrigation of a hypothetical garden present in a multiresidential unit. This use, reduce the outflow in the galleries of the city and reduce the wastefulness of treated water. It can raise the condominium value too due to the external view. Thus, it was necessary to implant a reservoir of rain captation under building area. So that the reservoir as small as possible without provoking hydrical stress to the garden was evidenced that its area must be 25% to 33% of the total area. Palavras chave: Precipitação, área urbana e irrigação. INTRODUÇÃO A reserva de água própria para consumo do planeta tem sido tema de várias discussões pelo fato de se encontrar em extinção. Assim sendo, torna-se necessário o racionamento do uso deste recurso natural necessário à humanidade. A água potável somente é necessária para ingestão e higiene humana. Por isso, parte da água utilizada nas residências não necessitava se encontrar em seu grau último de tratamento. Esse mau uso se transforma em desperdício. Uma conseqüência imediata da captação e utilização das águas pluviais é a diminuição da vazão na rede de águas públicas pluviais e conseqüente diminuição da probabilidade de enchente urbana. 1 Mestre Ciências Atmosféricas em Engenharia junto ao Programa de Engenharia Civil. Professor de Engenharia Ambiental do Instituto de Educação Superior Celso Lisboa. Rua 24 de Maio 797, Sampaio, RJ. CEP: 20950-091. Tel: (21) 2501-4722. [email protected]. Este trabalho enseja sugerir um sistema de captação de águas pluviais por um sistema de drenagem interno de cada habitação multifamiliar. Tal questão consiste na captação desse volume de água que cai sobre a estrutura do prédio e direciona-lo para um reservatório no subsolo para armazenamento e aproveitamento. Captar e armazenar a precipitação constitui reserva de água para uso em vários fins como, irrigação de jardins (foco principal do estudo), lavagens de carrocerias e descargas dos vasos sanitários, entre outros. METODOLOGIA Para avaliar a estocagem e o uso da água precipitada sobre determinado lote para irrigação de um jardim, foi analisado um ano com alta taxa de precipitação anual e outro com baixa taxa de precipitação anual. Ambos foram retirados de uma serie histórica de 29 anos (1975-2003) para a localidade de Campos de Goytacazes. A respeito da área do lote, as relações validas serão as que seguem, AT = AS + AC (1) AC = K.AS (2) Onde AT é a área total do lote; AC, área construída e AS, área do jardim. Para o cálculo do volume armazenado na parte construída, a formulação da relação entre o volume armazenado e a lâmina precitada é dada por: ΔVC = AC.P (3) ΔVC = K.AS.P (4) Nas formulas (3) e (4), P a precipitação diária. Para simplificar os cálculos, o volume será transformado em lâmina de água, dividindo o volume pela área AS, dessa forma, a altura de água armazenada por m2 de área se torna: ΔLC = K.P (5) Para a parte do jardim, o balanço hídrico apresentado é uma adaptação da formula encontrada por Sedyiama et. al. (1997): ΔVS = AS.P – AS.ET – VR + IR (6) Aqui, ΔVS é a variação do volume de água armazenado no solo; ET, a evapotranspiração; VR, o volume excedente retirado do solo; IR, o volume de água irrigado utilizando a água presente no reservatório de captação da precipitação sobre a área construída. A equação de evapotranspiração utilizada é a FAO56-Penman-Monteith (Allen et. al., 1998). Fazendo VR = AS.LR (sendo LR a lâmina de água em excesso) e dividindo a equação acima por AS, pode calcular a altura de água armazenada no solo por m2 como sendo: ΔLS = P – ET – LR + ir (7) Nessa nova formula, ΔLS é a variação da altura de água armazenada no solo; ir, a lâmina de água irrigada utilizando a água presente no reservatório de captação proveniente da precipitação sobre a área construída. Para a lâmina excedente e de irrigação é necessário inserir as variáveis capacidade de água disponível (CAD) e água facilmente disponível (AFD), citado por Pereira et. al. (2002). A CAD é a altura máxima que o solo pode disponibilizar em seu reservatório. Para tanto, os solos orgânicos são aqueles os quais têm os maiores valores de CAD, chegando a 200 mm. Esses solos são leves é têm sua densidade aproximadamente igual a da água. Tais solos, mesmo repletos de água, representam pouca carga para uma laje de suporte que possa ser construída para a instalação do jardim. A AFD é uma porcentagem da CAD que é facilmente captada pelo vegetal. Cada vegetal tem maior ou menor facilidade de obtenção da água contida no solo, sendo tal acesso diretamente relacionado com o sistema radicular do mesmo. O vegetal utilizado no estudo é a grama. Tal escolha é vantajosa em relação à evapotranspiração, por ser essa vegetação considerada padrão e, assim sendo, evita correções na formula de equação de evapotranspiração de referência e também pelo fato de, para esse vegetal, a AFD é estimada em 50% da CAD (Pereira et. al., 2002). Logo, a AFD para o estudo é de 100 mm. Com tais definições, a lâmina retirada será nula (LR = 0) quando a altura de água no solo for inferior a CAD (LS<CAD). Quando a altura do reservatório do solo for superior a CAD (LS>CAD), essa diferença determina a lâmina retirada (LR = LS – CAD) e a altura do reservatório será igualada a CAD (LS = CAD). A quantidade de água irrigada será definida como sendo a diferença entre a CAD e a AFD (ir = CAD – ADF). Apenas haverá demanda de irrigação quando o reservatório estiver com altura de água igual à AFD. Ao se chegar nesse nível critico, uma bomba recalca a água do reservatório da água da área construída, para repor o nível do reservatório do solo até uma lâmina igual a CAD. Caso a quantidade de água contida na cisterna de captação na área constituída não seja suficiente, esvaziara-se esta cisterna para que se possa abastecer o máximo possível a área irrigável. Dessa forma, um reservatório subterrâneo será dimensionado, através do máximo e do mínimo de precipitação anual da serie de 29 anos de dados. O volume do reservatório de precipitação da área construída servirá apenas utilizado para a irrigação do jardim. Para isso avaliar o volume necessário para o armazenamento faz-se variar a razão entre a área construída e a área do jardim. Tal proporção está expressa pela variável K. RESULTADOS Iniciando a discussão dos resultados, a Figura 1 mostra os valores de precipitação diários para os 365 dias do ano mais chuvoso e do ano menos chuvoso, registrados nos 29 anos disponíveis. O acumulado anual esteve em 1377,3 mm para o ano chuvoso e 719,8 mm para o ano seco. A precipitação máxima foi registrada com valor de 89,8 mm para o ano chuvoso e 41,0 mm para o ano seco. Houve 218 dias sem precipitação no ano chuvoso, enquanto no ano seco, 261 dias. Em vermelho consta a precipitação do ano menos chuvoso, em preto, a precipitação do ano menos chuvoso. Figura 1: Séries de precipitação diária para o ano mais chuvoso e menos chuvoso. Passando a análise para o resultado do ano menos chuvoso, a Figura 2 mostra a evolução da lâmina presente no reservatório no decorrer do período. No cálculo da variável foi levada em conta a retirada da água necessária à irrigação do jardim. Os valores assumidos de K estiveram no intervalo entre 10 (área construída 10 vezes maior que a área de jardim) e 1 (área construída igual à área de jardim). Conforme a figura, nota-se que a altura de água no reservatório aumenta com o avançar do ano, chegando a 6,2 metros de coluna de água no fim do ano com K = 10. De outra maneira, quando K = 1, o reservatório permanece vazio na grande maioria de ano, inclusive, causa seria dificuldade de manutenção do reservatório de água do solo. Com esse valor de K, a altura de água no solo permanece do dia 21 de março ao dia 2 de novembro abaixo da AFD. O valor K = 3 é aquele que não ofereceu perigo de estresse hídrico para a planta e apontou a menor coluna água armazenada no reservatório com lâmina máxima de 1,16 m. Figura 2: Coluna de água armazenada no reservatório da área construída. Ano menos chuvoso. A lâmina anual retirada do solo que é conduzida para a rede de drenagem do sistema pluvial da cidade foi de 119,4 mm para os valores de K maiores e igual a 3. Tal valor representa 16,59% do total anual de chuva. Com o valor de K = 2, a lâmina drenada foi de 72,8 mm. Já com K = 1, a lâmina drenada foi de 0,93 mm em todo o ano. A Figura 3 mostra a variação da coluna de água acumulada no decorrer do ano mais chuvoso. Em um lote com K = 10, o reservatório atinge uma coluna de água de 13,27 m no último dia do ano. Assim como no ano mais seco, o reservatório aumenta o seu volume de água com o passar dos dias. Para esse período, o reservatório fica vazio somente quando K = 1. Nessa configuração, o reservatório seco entre os dias 13 de fevereiro e 8 de abril e 29 de junho e 22 de outubro, provocando dias com reservatório do solo abaixo de AFD. Com o valor de K = 2, diferentemente do ocorrido com o ano seco, não houve qualquer restrição para o armazenamento do solo, terminando o reservatório da área construída com 2,25 metros de água. Figura 3: Coluna de água armazenada no reservatório da área construída. Ano mais chuvoso. A lâmina retirada para a rede de drenagem neste ano foi contabilizada em 381,2 mm para K igual e superior a 2, essa altura de água representa 27,68% da precipitação anual. Com K = 1, o valor da lâmina retirada esteve em 266,0 mm. Apesar de gerar uma lâmina retirada parecida, tal coeficiente aponta perigo de estresse hídrico para a vegetação. CONCLUSÕES Foi analisado o reaproveitamento da precipitação ocorrida sobre um lote urbano para a irrigação de um jardim dentro do terreno. A cisterna a ser colocada para captar toda a precipitação sobre a área construída teve seu dimensionamento avaliado. Para uma área construída 10 vezes maior que a área do jardim, gerou-se uma coluna de água armazenada entre 6,2 e 13,3 metros. Para que haja pouca água no reservatório e ainda sim atender as exigências hídricas do jardim, o valor de K deve estar entre 2 e 3. O que representa uma área de jardim entre 25% e 33% da área total do lote. Entretanto, uma construção onde o valor de K seja superior a 3, não necessariamente deve utilizar seu reservatório apenas para irrigação de jardins. Este pode usar seus 6 metros ou mais de coluna excedente para outros usos, como vaso sanitário ou limpeza de carro e do pátio, promovendo a reciclagem de água. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLEN, R.G., PEREIRA, L.S., SMITH, M., 1998, Crop evapotranspiration, FAO Irrigation and Dranaige paper 56. 1ed. Roma, FAORome. PEREIRA, A.R., ANGELOCCI L.R., SENTELHAS P.C., 2002, Agrometeorologia Fundamentos e Aplicações Práticas. 1 ed., Guaíba, Editora Agropecuária. SEDYIAMA, G.C, VILLANOVA, N.A, PEREIRA, A.R., 1997, Evapo(transpi)ração. 1 ed., Piracicaba, Editora Universitária ESALQ.