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NOVA REGULAMENTAÇÃO DAS
RECOMPRAS DE AÇÕES
CRIA OPORTUNIDADES
A nova regulamentação de operações com ações de sua própria
emissão abriu para as companhias abertas um leque de possibilidades.
À primeira vista, salta aos olhos a maior complexidade da ICVM
nº 567, quando comparada à sua longeva antecessora, a ICVM nº
10, mas esta característica não deve nublar a mais potente inovação:
a ampla liberdade concedida aos órgãos da administração para
empregar as ações em tesouraria em variadas operações.
por FERNANDO DE ANDRADE MOTA
Para apreciar devidamente a extensão desta modificação na
norma, é preciso recordar que, anteriormente, negociações
feitas fora de bolsa de valores deveriam, como regra geral,
ser previamente aprovadas pela CVM. Tais pedidos tornaram-se usuais para a remuneração de administradores em
ações (havia autorização regulamentar específica apenas
para planos de opção), existindo também alguns precedentes de uso de ações como pagamento de preço em operações
de aquisição de empresas.
Naquele cenário, ainda que o uso das ações em operações que
demandassem a negociação privada pudesse ser permitido, enfrentava inconvenientes sensíveis para o ritmo dos negócios.
Em primeiro lugar, toda a operação que não tivesse sido previamente aprovada em termos análogos estava sujeita a razoável incerteza. Em segundo lugar, mesmo em relação àquelas
operações para as quais havia precedentes que forneciam razoável segurança quanto à sua aprovação, havia a incerteza
quanto ao momento de sua efetiva aprovação pela CVM.
Com a nova regulamentação, diversas operações que antes dependiam de aprovação pela CVM passam a ser aprovadas diretamente pelo Conselho de Administração ou pela Assembleia.
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O Conselho poderá, por exemplo, aprovar operações com privadas com ações de própria emissão em diversas situações. Em
outras hipóteses, será necessária a aprovação da assembleia.
Mesmo neste caso, porém, é possível que haja mais celeridade
no processo, e de todo modo a companhia poderá antecipar
com maior precisão os prazos envolvidos no negócio.
Com isto, as ações em tesouraria passam a representar uma
eficiente moeda de troca em operações celebradas pelas
companhias abertas. Deste modo, uma das grandes vantagens de uma companhia aberta com ações negociadas em
bolsa, que se encontrava trancada pela regulamentação, foi
liberada. Os efeitos não podem ser menosprezados.
No âmbito desta liberdade, porém, algumas operações literalmente permitidas pela norma devem ser avaliadas com
cautela. Em princípio, operações que não representem percentual significativo das ações em circulação, realizadas a
preços de mercado, sem a finalidade de alterar controle ou
administração, e que não envolvam partes relacionadas,
poderiam ser deliberadas livremente pelo Conselho de Administração. Isto poderia levar à conclusão de que um programa de recompra poderia ser executado integralmente de
forma privada, sem qualquer questionamento.
Neste caso, porém, a administração deverá ter cautela para
o risco de que se questione, por exemplo, o critério para a
seleção do acionista que terá suas ações recompradas.
A CVM, no relatório relativo a esta Instrução, destacou entender que as compras privadas de ações devem ser adotadas
em casos pontuais, e com justificativas específicas, não havendo expectativa de que venha a ser realizado “programa
de recompra” por meio de operações privadas:
“Além disso, com relação à preocupação expressa por alguns participantes sobre a equitatividade entre os acionistas, cabe destacar que, independentemente do ambiente em que sejam cursadas
as operações, os administradores estão sujeitos aos deveres fiduciários previstos nos art. 153 e seguintes da Lei nº 6.404, de
1976. Portanto, a mudança prevista na norma não deve
de modo algum ser interpretada como uma permissão
para que os acionistas sejam tratados de modo injustificadamente discriminatório.
“Nesse sentido, cabe ainda destacar que negociações de ações
fora de mercados organizados tendem a ocorrer em situações
pontuais e cujas justificativas poderão ser examinadas à luz
das informações previstas no anexo à norma. Não se espera
que companhias adotem “programas de recompra” de ações
por meio de operações privadas e eventuais negociações que
se aproximem de práticas dessa natureza serão objeto de análise diferenciada por parte da CVM.” (destacou-se)
Portanto, a finalidade da norma, ao permitir de forma razoavelmente abrangente negociações privadas, parece ser
abranger situações particulares, e não operações que, em
tese, poderiam ser cursadas em bolsa.
Ainda no âmbito da liberdade conferida pela novel regulamentação, cabe notar a admissão de negociações privadas,
mesmo sem aprovação por assembleia, quando destinadas
a cumprir planos de remuneração baseados em ações. Para
tanto, é necessário que o plano tenha sido previamente
aprovado em assembleia, e que contenha os parâmetros de
cálculo do preço de exercício das opções de ações ou do cálculo do preço das ações, conforme o caso.
No caso dos planos de outorga de opções, a definição do
parâmetro de cálculo do preço permite inferir qual o
benefício econômico decorrente da outorga de um
determinado número de ações, tendo em vista que este
benefício será muito diferente caso o preço seja, por
exemplo, de R$ 0,01 ou correspondente ao preço de
mercado em determinado período.
Quando se trata, porém, de outros modelos de remuneração
baseada em ações, o cálculo do preço de ações pode não ser
relevante. Com efeito, frequentemente tais planos determinam que o Conselho de Administração fixará determinado
número de ações a ser entregue aos beneficiários do plano,
sem que haja um pagamento em contrapartida por parte dos
beneficiários. Em tal modalidade de plano, a definição de um
determinado parâmetro de cálculo de preço não afetaria o
montante de ações a ser entregue aos beneficiários, justamente porque o preço das ações não determina nem a quantidade
de ações a serem entregues, nem tampouco o montante da
contraprestação a ser fornecida pelo beneficiário, tendo em
vista que não há previsão de pagamento em dinheiro relacionado a esta remuneração baseada em ações.
Em tais modalidades, a melhor interpretação parece corresponder àquela de que a finalidade da norma seria atingida
desde que o Programa, aprovado em assembleia, tenha fixado
o parâmetro para estabelecer a quantidade máxima de ações
que será objeto do Programa. Se a definição é com base em
um determinado valor em moeda, que será convertido em
ações, neste caso faz sentido que seja também fixado o parâmetro de cálculo do preço das ações. No entanto, se a definição for feita diretamente em número de ações, não seria
preciso estabelecer tal parâmetro do calculo do preço.
A ampliação da variedade de operações com ações próprias confere às companhias abertas maior flexibilidade em suas operações, com potencial de gerar benefícios significativos para o
mercado. Neste contexto, a nova regulamentação abriu diversas
possibilidades para que tais operações sejam desenvolvidas, sem
a necessidade de autorizações administrativas específicas. Por
outro lado, em se tratando de regulamentação que vem substituir a duradoura ICVM nº 10, é natural que novos questionamentos passem a surgir a partir de sua efetiva aplicação, como é o
caso do exemplo mencionado relativo aos programas de remuneração baseados em ações, para os quais um esclarecimento da
CVM acerca das situações em que realmente é necessário fixar
parâmetros de cálculo do preço das ações, e em que termos, fornecerá maior segurança para as operações. RI
FERNANDO DE ANDRADE MOTA
é bacharel em Direito, mestre e doutorando
em Direito Comercial pela Universidade de
São Paulo. Especialista em Direito Societário
pela Direito GV. Advogado em São Paulo.
[email protected]
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