UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES INSTITUTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS RESPOSTAS ÓSSEAS A CARGAS MECÂNICAS Jonas Lírio Gurgel Rio de Janeiro 2002 i RESPOSTAS ÓSSEAS A CARGAS MECÂNICAS Jonas Lírio Gurgel Memória de licenciatura apresentada ao Instituto de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Educação Física. Orientador Prof. Dr. Luiz Alberto Batista Rio de Janeiro 2002 ii DEDICATÓRIA Para meus Avós: Clélia Mendonça Lyrio Cruz & Roque Lyrio Cruz. iii AGRADECIMENTOS Este estudo, provavelmente, não poderia ser apresentado sem o auxílio de algumas pessoas. E, a meu ver, esta é uma excelente oportunidade de tornar tais agradecimentos públicos. Mesmo estando passível de omitir algum nome, gostaria de declinar os nomes das pessoas mais importantes nesta fase da minha formação acadêmica. Inicialmente, gostaria de agradecer à minha companheira, Flávia Porto Melo Ferreira, pelo total apoio e compreensão e por, através de infindaveis discussões acadêmicas, contribuir com seu intelecto e seus conhecimentos para a realização deste trabalho. Ao meu pai, Raimundo Nato Gurgel, pelo seu total apoio e auxílio, sem o qual seria impossível a realização deste estudo. A minha mãe, Prof. Dr. Maria Cristina Lírio Gurgel, pela dedicação e exemplo, e pela revisão lingüística deste trabalho. Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Luiz Alberto Batista, não só por me auxiliar através de suas valiosas interlocuções, mas por tentar me orientar, através de sua vasta experiência, em todos os âmbitos de minha vida. Ao Prof. Guilherme Locks, pela amizade e apoio, além, é claro, das valiosas observações, que só vieram a contribuir com o resultado final deste trabalho. A todos os membros do Laboratório de Biomecânica (LABIOM), Flávia Porto, Glauber Ribeiro, Janisol Junior, Daniel das Chagas, Letícia Brito, Kim Shung, pela amizade e colaboração através das inflamadas discussões acadêmicas que, por muitas vezes, travamos. E, por último, mas não menos importante, aos amigos que se encontram tão distantes, em terras portuguesas, Samantha e Alex, sem os quais nada disso teria sequer iniciado. A todos as pessoas que não foram aqui citadas, mas de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para esta etapa de minha formação acadêmica, o mais sincero obrigado. iv SUMÁRIO DEDICATÓRIA .................................................................................................................... ii AGRADECIMENTOS ......................................................................................................... iii SUMÁRIO .............................................................................................................................iv LISTA DE FIGURAS............................................................................................................vi RESUMO...............................................................................................................................vi ABSTRACT........................................................................................................................ viii INTRODUÇÃO ......................................................................................................................1 Capítulo I ................................................................................................................................3 ASPECTOS MORFOLÓGICOS E FISIOLÓGICOS DOS OSSOS......................................3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..........................................................................................4 EVOLUÇÃO DO SISTEMA ESQUELÉTICO .............................................................4 ESTRUTURA DO OSSO...............................................................................................5 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO FORMATO............................................................8 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À POROSIDADE .......................................................10 CLASSIFICAÇÃO NO NÍVEL TECIDUAL ..............................................................11 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À MATURIDADE .....................................................16 Capítulo II .............................................................................................................................21 MECÂNICA DOS TECIDOS ÓSSEOS ..........................................................................21 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................22 CONCEITOS BÁSICOS DE BIOMECÂNICA APLICADOS A MATERIAIS BIOLÓGICOS ..............................................................................................................22 PROPRIEDADES ELÁSTICAS DOS OSSOS............................................................29 MODELANDO O COMPORTAMENTO ELÁSTICO DOS OSSOS.........................40 PROPRIEDADES VISCOELÁSTICAS DOS OSSOS................................................43 POROELASTÍCIDADE ÓSSEA .................................................................................46 Capítulo III............................................................................................................................48 RESPOSTAS ÓSSEAS A CARGAS MECÂNICAS.......................................................48 MODELAGEM E REMODELAGEM ÓSSEA ...........................................................49 v MECANOTRANSDUÇÃO E TECIDO ÓSSEO .........................................................57 LEI DE WOLFF E OUTRAS TEORIAS DE REMODELAGEM ÓSSEA.................62 ATIVIDADE FÍSICA E RESPOSTAS ÓSSEAS ........................................................65 REPOSTAS ÓSSEAS A MICROGRAVIDADE.........................................................79 CONCLUSÕES ....................................................................................................................86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................88 vi LISTA DE FIGURAS Figura 1 ...................................................................................................................................5 Figura 2 ...................................................................................................................................7 Figura 3 ...................................................................................................................................9 Figura 4 .................................................................................................................................14 Figura 5 .................................................................................................................................15 Figura 6 .................................................................................................................................17 Figura 7 .................................................................................................................................18 Figura 8 .................................................................................................................................19 Figura 9 .................................................................................................................................20 Figura 10 ...............................................................................................................................28 Figura 11 ...............................................................................................................................28 Figura 12 ...............................................................................................................................30 Figura 13 ...............................................................................................................................32 Figura 14 ...............................................................................................................................35 Figura 15 ...............................................................................................................................36 Figura 16 ...............................................................................................................................37 Figura 17 ...............................................................................................................................39 Figura 18 ...............................................................................................................................47 Figura 19 ...............................................................................................................................49 Figura 21 ...............................................................................................................................54 Figura 22 ...............................................................................................................................56 Figura 23 ...............................................................................................................................59 Figura 24 ...............................................................................................................................60 Figura 25 ...............................................................................................................................63 Figura 26 ...............................................................................................................................70 Figura 27 ...............................................................................................................................74 Figura 28 ...............................................................................................................................75 Figura 29 ...............................................................................................................................75 Figura 30 ...............................................................................................................................80 vii RESUMO RESPOSTAS ÓSSEAS A CARGAS MECÂNICAS Autor: JONAS LÍRIO GURGEL Orientador: PROF. DR. LUIZ ALBERTO BATISTA O objetivo deste estudo foi o de averiguar com que tendências esta área de conhecimento, referente a respostas ósseas a cargas mecânicas, vem se desenvolvendo. Para tal, foi realizada uma busca nos principais portais de informação científica, dos quais foram retirados 678 artigos, dos últimos 10 anos, que abordavam a temática respostas ósseas a cargas mecânicas e a microgravidade. A partir desses dois grupos de artigos, foi retirada uma amostra, em que o critério inicial de escolha foi o de artigos de revisão. Depois de retirados esses artigos, o restante da amostra foi composta a partir de uma escolha aleatória ou randômica, em um total de 84 artigos. O conteúdo dos artigos da amostra foi submetido a uma análise, na qual se utilizou a técnica proposta por Laurence Bardin (1977). Adotamos como características de análise os achados e conclusões desses estudos e os objetivos pretendidos para as investigações, segundo proposta de Batista (2001). O conteúdo desta análise foi apresentado na forma de um texto lógico-científico, no qual foi dado um maior enfoque na parte da amostra composta pelos artigos de revisão. Aparentemente, tal área apresenta, no que tange aos objetivos, uma diversificação exacerbada de produto. Isto pode ser explicado pelo número de variáveis, ainda não totalmente compreendidas, no processo de remodelagem óssea - o que, sobremaneira, parece influenciar a produção nesta área de conhecimento. Com relação às conclusões, aparentemente não existe um fluxo de informação suficiente, ou não existe uma preocupação por parte dos pesquisadores em realizar um desenvolvimento vertical do conhecimento. Biomecânica óssea; cargas mecânicas; microgravidade; remodelagem óssea; propriedades de materiais biológicos. viii ABSTRACT BONE RESPONSES TO MECHANICAL LOADS Author: JONAS LÍRIO GURGEL Advisor: PROF. DR. LUIZ ALBERTO BATISTA The purpose of this study was a research of nowadays trends in the field of knowledge of bone responses to mechanical loads. A deep screening through a great number of scientific information sites in the Internet allowed to gather 678 papers/articles, published on the subject in the last 10 years. From the large group of articles an initial sample was selected under the criterium of reviewing articles. At the end, a randomic sample of 84 articles was obtained. A content analysis of these articles, as proposed by Laurence Bardin (1977), was applied. Conclusions of the works and objectives pursued by the investigations were the characteristics used for analysis, following techniques proposed by Batista (2002). The content analysis is presented in the form of a logical-scientific text. Apparently, the studied area presents a largely diversified product, explained by the number of variables, by no means completely understood, in the bone remodeling process. This seems to influence the production in this area of knowledge. As of the conclusions, it seems there not exists a sufficient flux of information, nor an effort of the researchers to reach a vertical development of knowledge. Bone biomechanics; mechanical load; microgravity; bone remodeling; biological materials properties. 1 INTRODUÇÃO O papel do exercício e de estímulos mecânicos em promover hipertrofia em tecidos moles já foram bem estudados, porém o papel do exercício físico e de estímulos mecânicos na hipertrofia e remodelagem do sistema ósseo está muito menos caracterizado (EL HAJ & Thomas, 1994). Apesar de existir uma vasta bibliografia referente a respostas ósseas a cargas mecânicas, não se pode precisar ainda com que tendências esta área de conhecimento vem se desenvolvendo. Tal fato deve-se à falta de pesquisas bibliográficas que organizem de maneira estruturada o corpo de conhecimentos já produzidos. Neste sentido, o objetivo deste estudo é o de averiguar com que tendências esta área de conhecimento, referente a respostas ósseas a cargas mecânicas, vem se desenvolvendo. Pretendemos realizar uma análise de conteúdo com o objetivo de delinear o estado da arte desse corpo de conhecimento. Do ponto de vista metodológico, realizamos uma busca nos principais portais de informação científica, dos quais foram selecionados 678 artigos que abordavam a temática. Esses artigos foram separados em dois grupos temáticos: respostas ósseas a atividade física e estudos relacionados a microgravidade. Pretendemos analisar os artigos que compõem uma amostra que teve, como critério inicial de seleção, o fato de esses artigos serem de revisão. Posteriormente, complementamos tal amostra com outros artigos, cuja escolha foi aleatória. A justicativa para os critérios dessa amostra deve-se ao fato, no caso dos artigos de revisão, à possibilidade de examinar um maior número de artigos que representassem, de maneira mais significativa, o corpo de conhecimentos; no caso da seleção aleatória, procurou-se, também, garantir a representatividade, do ponto de vista estatístico. Esse estudo, para fins de exposição , está dividido em três capítulos. 2 No primeiro, Aspectos morfológicos e fisiológicos dos ossos, procedemos a uma breve revisão da estrutura e função das células formadoras do tecido ósseo, suas características de acordo com sua função e localização no sistema esquelético, visando a um enfoque nas estruturas microscópicas formadoras do tecido ósseo e seus mecanismos de regulação. No segundo, Mecânica dos tecidos ósseos, abordamos a mecânica dos objetos deformáveis, a partir dos conceitos básicos de biomecânica aplicados a materiais biológicos. Examinamos, ainda, a bibliografia referente às propriedades elásticas, viscolelásticas e poroelasticidade dos ossos. No terceiro e último capítulo, Respostas ósseas a cargas mecânicas, revisamos o material referente a modelagem e remodelagem óssea, inclusive a lei de Wolff e outras teorias que abordam este processo, e a mecanotransdução óssea. Além disso, realizamos uma revisão dos artigos publicados acerca da atividade física a respostas ósseas e a relação entre esta e a microgravidade. Cumpre esclarecer que, à medida que procedemos à análise, tecemos considerações acerca do material examinado. Na conclusão, reunimos as principais idéias, avaliando as tendências desta área de conhecimento, no que se refere a respostas ósseas a cargas mecânicas. 3 Capítulo I ASPECTOS MORFOLÓGICOS E FISIOLÓGICOS DOS OSSOS 4 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Neste capítulo encontra-se uma breve revisão da estrutura e função das células formadoras do tecido ósseo, suas características de acordo com a sua função e localização no sistema esquelético e, ainda, uma prévia do conhecimento emergente na regulação molecular do sistema esquelético. Não objetivamos dar um enfoque aprofundado na macroestrutura óssea, mas sim nas estruturas microscópicas formadoras do tecido ósseo e seus mecanismos de regulação. EVOLUÇÃO DO SISTEMA ESQUELÉTICO Com o aumento do tamanho dos animais, houve a necessidade de um arcabouço de apoio rígido tal como as estruturas esqueléticas do corpo. O notocórdio foi o primeiro tipo de material esquelético dos vertebrados. Este consiste de uma haste resistente, contudo flexível, percorrendo todo o comprimento do corpo, ao longo das costas e por baixo do cordão nervoso (ROMER, 1975 apud ÄSTRAND, 1977). Sendo assim, o notocórdio caracteriza-se como a medula espinhal primitiva, aparecendo após dezesseis dias de desenvolvimento embrionário. (WHITING, 2001.) O notocórdio contribuiu para o enrijecimento do corpo e para apoiar muitos órgãos, além de servir como ponto de inserção para os músculos do tronco. (ÄSTRAND, 1977) O aparecimento do notocórdio permitiu facilidade para a mobilidade, aprimoramento da acessibilidade das reservas minerais armazenadas nos ossos e participantes dos processos metabólicos e bioquímicos do corpo. (ÄSTRAND, 1977). Apesar do corpo humano apresentar a medula espinhal primitiva apenas no início de seu desenvolvimento embrionário (WHITING, 2001), por muito tempo o notocórdio foi o elemento funcional dos vertebrados. Posteriormente, novos materiais esqueléticos surgiram como as cartilagens e os ossos, ambos formados por tecido conjuntivo, diferindo, entretanto, significativamente quanto à sua natureza e aos seus aspectos. (ÄSTRAND, 1977). 5 ESTRUTURA DO OSSO O osso é um tecido conjuntivo especializado e caracteriza-se como o tecido mais duro, forte, resistente e rígido do corpo. (WATKINS, 2001; WHITING, 2001) A estas características deve-se ao sal ósseo, uma substância basal que consiste de uma combinação de pirofosfato de cálcio e carbonato de cálcio, com quantidades menores de magnésio, sódio e cloro (ALEXANDER, 1975 apud WATKINS, 2001) combinado com o colágeno. Sendo o colágeno responsável pela propriedade elástica do osso, esta permite a absorção de um impacto súbito sem quebra. Figura 1 o sistema músculo-esquelético é imprescindível para o corpo, tanto do ponto de vista biomecânico quanto metabólico. Este é, basicamente, composto de ossos individuais e tecido conectivo, que é um dos principais componentes das articulações(JEE, 2001). Através da função estrutural, o osso é fundamental para locomoção, respiração e proteção dos órgãos internos. Através da função metabólica, atua como reservatório de cálcio e fósforo (Nobrega, 2000). 6 Segundo Watkins (1999: 66), “O esqueleto executa três principais funções”: 1-Age como um arcabouço de sustentação para o resto do corpo. 2-Age como sistemas de alavancas nas quais os músculos podem puxar de forma a estabilizar e mover o corpo. 3- Protege certos órgãos. por exemplo o crânio protege o cérebro, a coluna vertebral protege a medula espinhal; o arcabouço costal auxilia na proteção dos pulmões e coração”. 7 CLASSIFICAÇÃO DO OSSO - PERSPECTIVA MACROSCÓPICA DO OSSO Do ponto de vista macroscópico, os ossos podem ser divididos em dois principais grupos: o esqueleto axial e o esqueleto apendicular. O esqueleto axial consiste de 80 ossos, englobando o crânio, a coluna vertebral e as costelas. O esqueleto apendicular adulto consiste de 126 ossos que configuram os membros superiores e inferiores. Os ossos variam, consideravelmente, de tamanho e formato, existindo quatro categorias gerais de formato: ossos longos, ossos curtos, ossos chatos e ossos irregulares. Alguns ossos podem pertencer a mais de uma categoria, como é o caso dos pequenos ossos do punho que são categorizados como curtos e irregulares (WATKINS, 2001). Figura 2 8 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO FORMATO a. OSSOS LONGOS (ou tubulares): compõem a estrutura do chamado esqueleto apendicular. São formados por uma diáfise, constituindo o corpo cilíndrico do osso, e os tubérculos (ou tuberosidades ou côndilos), em suas extremidades. Possuem, ainda, uma cartilagem articular que envolve cada côndilo, com a função de proteger as extremidades de desgastes pelo contato com outros ossos (SALTER, 2001). b. OSSOS CURTOS (ou cuboidais): Sua forma se aproxima a de um cubo e incluem apenas os ossos do carpo e do tarso. Possuem limitados movimentos de deslizamento e a função de absorver impactos (SALTER, 2001). c. OSSOS PLANOS (ou chatos): Como sugere o nome, estes ossos possuem o formato achatado, como o caso das escápulas, costelas, patelas e alguns ossos do crânio. Possuem a função de proteger os órgãos internos e tecidos moles, além de oferecem amplas áreas de inserção para músculos e ligamentos (Watkins, 2001). d. OSSOS IRREGULARES: Estes ossos caracterizam-se por apresentarem formas diferentes e funções específicas. As vértebras são ossos que apresentam formas irregulares e funções especiais, por isso são classificadas como ossos irregulares. Elas fornecem o canal ósseo protetor para a medula espinhal, inclusive, oferecem vários processos para inserção de músculos e ligamentos, além de sustentarem a carga da parte superior do tronco. 9 Figura 3 10 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À POROSIDADE Segundo Hall (2000), os ossos, ainda, podem ser classificados quanto à sua porosidade: a. OSSO CORTICAL (ou compacto ou lamelar ou denso): correspondem a 5 a 30% do volume do osso ocupado por tecido não- mineralizado (WHITING, 2001). b. OSSO ESPONJOSO (ou trabecular ou cancellous): corresponde a 30 a mais de 90% do volume do osso ocupado por tecido não- mineralizado (WHITING, 2001). Encontrado em regiões de maior stress do corpo, com resistência à aplicação de cargas pesadas, como o colo do fêmur (Loveridge, 2000). A maioria dos ossos do corpo humano possui, em sua estrutura óssea, a camada externa composta de osso do tipo cortical com tecido esponjoso subjacente a esta parte compacta. É importante ressaltar que ambos são anisotrópicos, quer dizer que estes ossos oferecem graus de resistência e rigidez diferentes em resposta às forças aplicadas em diferentes direções. O tecido ósseo é mais forte para suportar stress compressivo e mais fraco para resistir a stress tangencial. 11 CLASSIFICAÇÃO NO NÍVEL TECIDUAL WHITING (2001) propõe, ainda, a classificação dos ossos no nível tecidual: a. OSSO TRANÇADO: Suas células são depositadas rapidamente de maneira desorganizada em arranjos de fibras colágenas e de osteócitos1. Embora apresente conteúdo mineral semelhante aos dos ossos primário e secundário, seu padrão de desorganização e as proporções mais baixas de proteínas não-colágenas reduzem a força mecânica desse osso em comparação ao osso primário e secundário. O osso trançado pode ser depositado novamente, mesmo na ausência de um osso ou modelo cartilaginoso preexistente. (Martin e Burr, 1989 apud WHITNG, 2001) O osso trançado proporciona apoio mecânico rápido e temporário, como em situações pós-lesão traumática, devido à alta relação de volume célula-para-osso. No adulto, geralmente, este osso não está presente a não ser em calos de fraturas, em áreas de ossificação endocondral ativa e em algumas patologias esqueléticas. (WHITING, 2001) b. OSSO PRIMÁRIO: Este tipo de osso inclui vários outros tipos, cada um com forma e função específicas. Substitui o osso trançado ou cartilagem, durante a maturação óssea, fornecendo ao esqueleto maduro a rigidez funcional apropriada. É formado por múltiplas camadas finas de matriz óssea e células organizadas circunferencialmente ao redor das superfícies endósteas ou perióstea2. Encontrado no osso do tipo esponjoso, apresenta poucos canais vasculares, o que proporciona uma arquitetura muito densa (WHITING, 2001). 1 Os osteócitos são osteoblastos maduros localizados no interior da matriz óssea responsáveis pela manutenção do osso (BILEZIKIAN, 2002). 2 O endósteo e o periósteo são as membranas que constituem o osso (WHITING, 2001). 12 c. OSSO SECUNDÁRIO: O mecanismo de controle diferente do osso do tipo primário pode ser responsável pela deposição endóstea ou perióstea do osso primário versus a deposição intracortical do osso secundário, durante a remodelagem. O osso secundário somente é depositado durante a remodelagem e substitui o osso primário preexistente (WHITING, 2001). 13 CLASSIFICAÇÃO DO OSSO - PERSPECTIVA MICROSCÓPICA DO OSSO Do ponto de vista microscópico, os ossos consistem basicamente de componentes orgânicos (20-25% do seu peso), e de componente inorgânico (70% de seu peso), e de água (5% de seu peso). O componente orgânico é, em sua maioria, colágeno tipo I, mas também inclui células ósseas e uma pequena quantidade de proteínas nãocolágenos, que é muito importante biologicamente. O componente inorgânico é formado de minerais – em sua quase totalidade, de cristalline calcium hydroxyapatite (Genant et al 1991, Apud Khan et al., 2001). O tecido ósseo é formado pelas células osteoclastos, osteoblastos e os osteócitos. A dinâmica destas células permite que os ossos difiram entre si, mesmo apresentando características comuns ao tecido ósseo. Isto poderia ser facilmente percebido. Se todos os ossos do corpo fossem sólidos e compactos, eles seriam demasiadamente pesados em proporção às necessidades de força. Além disso, estas células possuem a capacidade de se transformarem de uma forma em outra, visto o alto grau de relação entre elas (ÄSTRAND, 1977). OSTEOCLASTOS: São células bipolares que apresentam um “bordo em escova” e um bordo basal. Responsáveis pela função de reabsorção óssea, o “bordo em escova” permite que seus prolongamentos penetrem na superfície onde está ocorrendo a reabsorção. Já o bordo basal fica em contato com gordura ou tecido medular. Os osteoclastos formam um grupo heterogêneo de células multicelulares ricas em enzimas lipossômicas, como a catepsina e fosfatase ácida (OLIVEIRA, L.G., 2002). Estas células secretam ácidos, colagenases, pirosfatases e outras enzimas que descalcificam e hidrolisam a matriz orgânica (OLIVEIRA, L.G., 2002; BANDEIRA, 2000). 14 OSTEOBLASTOS: São células ósseas responsáveis pela fase de formação do osso. (ÄSTRAND, 1977; BANDEIRA, F., 2000). Os osteoblastos sintetizam colágeno do tipo 1 e proteínas que são depositadas na superfície óssea, de forma orgânica, formando a matriz osteóide3. (ALBERTS et al, 2002) Poucos osteoblastos ficam presos à matriz em mineralização transformando-se em osteócitos, enquanto a maioria sofre apoptose4. Estas células possuem receptores para diversos fatores que influenciam a sua atividade, como hormônios sexuais, hormônio de crescimento (GH), etc. (BANDEIRA, F., 2000). Com o envelhecimento, ocorre a diminuição da produção de osteoblastos pela redução da produção das suas células precursoras (ÅSTRAND, 1977). Figura 4 3 O mesmo que matriz óssea (Khan et al., 2001). Apoptose: Também conhecida como morte celular programada. As células cometem suicídio pela ativação de um programa intracelular de morte para contribuir no controle da população das células de um organismo juntamente com o controle da divisão celular. (ALBERTS et al, 2002) 4 15 Figura 5 OSTEÓCITOS: São células com processos longos e ramificados que preenchem cavidades (lacunas) numa densa matriz feita de fibras colágenas, espalhadas numa substância primordial amorfa (cimento) que está impregnada com complexos de fosfato de cálcio (ÅSTRAND, 1977). São células ósseas derivadas dos osteoblastos, enterrados na matriz óssea5, ligados entre si por projeções formando canalículos. Podem sintetizar colágeno e controlar a mineralização dentro de sua lacuna. São responsáveis pela manutenção do osso como tecido vivo e secretam enzimas que iniciam a reabsorção, podendo estar envolvidos no paratireoidismo, doença de Paget, e osteoporose por desuso (OLIVEIRA, 2002). 5 “A matriz do osso consiste de uma rede regular,densa e em camadas de fibras de colágeno mergulhadas em uma substância basal dura e sólida.”(WATKINS, 2001, p. 117) 16 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À MATURIDADE Com relação à maturidade do tecido ósseo, o osso pode ser classificado como: a. OSSO IMATURO (ou não-lamelar ou reticular ou fibroso): Corresponde ao primeiro osso formado pela ossificação endocondral durante o desenvolvimento embrionário sendo, posteriormente, substituído pelo osso maduro. b. OSSO MADURO (ou lamelar): Caracteriza-se pela disposição concêntrica das camadas microscópicas ou lamelas e pela formação dos sistemas haversianos ou ósteons, ficando dispostos de forma alinhada para a perfeita circulação do sangue no interior da densa camada cortical. Os ossos corticais e esponjosos são também classificados como ossos maduros (SALTER, 2001). Como já observado, um mesmo osso pode ser composto por parte de tecido trabecular e parte de tecido cortical. Durante o crescimento e desenvolvimento do osso, o tecido ósseo é depositado de maneira a maximizar a resistência do osso. Tomando, como exemplo, o osso longo, o desenvolvimento de uma diáfise oca, com densidade e espessura maiores que nas epífises, é explicado pelo fato desta estar sujeita a maiores cargas devido à aplicação de forças por inclinação, torção e pressão. Por outro lado, as diáfises são menos elásticas que as epífises, já que é essencial este componente para o amortecimento (transmissão de pressão) ou minimização das pressões e impactos sofridos pelas articulações. Estas diferenças se dão pela alteração da concentração e formação do tecido ósseo nestas estruturas: as epífises são compostas por osso compacto e se fundem, nas extremidades, para osso trabecular (WATKINS, 2001). 17 Figura 6 A unidade básica estrutural do osso compacto é o sistema de Haversian ou ósteon. No centro de um ósteon há uma artéria ou veias, e vasos sangüíneos são conectados pelos canais de Volkmann (FUNG, 1993). 18 Figura 7 Os ósteons formam uma coluna de osso consistindo de 3 a 9 camadas concêntricas de osso, circundando um canal haversiano. Os anéis concêntricos de osso são as lamelas; o canal haversiano é central. Importante ressaltar é que as lamelas são formadas com fibras de colágeno e sal ósseo entre elas, o que lhes dão as propriedades de resistência (rigidez) e elástica (WATKINS, 2001). 19 Figura 8 A mecânica e a morfologia do ósteon diferem quanto aos ossos primários e secundários. Os ósteons primários parecem ter canais vasculares menores e menos lamelas comparados aos ósteons secundários, por isso serem maiores que eles. No ósteon secundário, o grande canal central corresponde ao Canal de Haversian. A grande diferença talvez seja que o ósteon primário não apresenta linhas de cimento (linhas reversas) por não desenvolverem remodelagem óssea (NIGG & HERZOG, 1999). 20 Figura 9 21 Capítulo II MECÂNICA DOS TECIDOS ÓSSEOS 22 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Inicialmente, ao pensarmos acerca das propriedades mecânicas de qualquer material, seja este biológico ou não, devemos compreender algumas características que consideramos como sendo básicas ao entendimento deste capitulo. A disciplina da mecânica, uma subárea da ciência Física, lida com os efeitos das forças sobre os materiais (Cowin, 2001). O que nos concerne neste capítulo é a mecânica dos objetos deformáveis, em particular dos ossos. CONCEITOS BÁSICOS DE BIOMECÂNICA APLICADOS A MATERIAIS BIOLÓGICOS Segundo Cowin (2001), os ossos são objetos físicos que obedecem às leis da mecânica. As primeiras leis da mecânica, no que concerne a objetos deformáveis, como os ossos, são as três leis de movimento, de Sir Isaac Newton (1687), e a lei da elasticidade de materiais sólidos descritos por Robert Hooke (1678). Porém, antes de referenciarmos as leis básicas da mecânica newtoniana, é necessário delinearmos certos conceitos. Um conceito básico inicial para tal discussão seria o conceito de elasticidade; para tratar destes conceitos devemos recorrer à obra de Timoshenko (1958), na qual o autor coloca que: “A propriedade dos corpos voltarem à forma original, após a retirada da carga é chamada de elasticidade”. E ainda: “Admitamos que um corpo é composto de pequenas partículas ou moléculas, entre as quais estão atuando forças. Estas forças moleculares opõem-se à mudança de forma que as forças exteriores tendem a produzir. Se estas forças exteriores são aplicadas no corpo, suas partículas deslocam-se e os deslocamentos mútuos continuam até que seja estabelecido um equilíbrio entre as forças interiores e exteriores. Diz-se então que um corpo está em estado de deformação”. 23 A partir destas colocações e de conceitos clássicos da mecânica, podemos concluir que a capacidade elástica de um corpo depende da energia potencial de deformação, na qual, quando as forças externas a que este corpo está sendo submetido cessarem, ou forem gradualmente reduzidas, a energia potencial de deformação, que pode ser recuperada sob a forma de trabalho exterior, irá fazer com que o corpo retorne totalmente ou parcialmente a sua forma inicial. Sabemos, também, que a mecânica clássica ou mecânica newtoniana é por vezes criticada no meio científico, isto devido ao fato desta não ser aplicável da mesma maneira a qualquer sistema de referência. Essa crítica fica muito clara no princípio da relatividade restrita ou princípio da relatividade einsteiniana: “As leis da física devem ser as mesmas quando se passa de um sistema de referência a outro, animado, em relação ao primeiro, de um movimento de translação retilíneo e uniforme” ( Fonseca, 1968). Podemos concluir com isso que a mecânica clássica possui algumas limitações, porém também sabemos de suas aplicabilidades. Neste sentido, Batista (1996), ao discutir a questão da mecânica clássica no campo da biomecânica, apresenta a possibilidade de se trabalhar com conceitos simplificados no processo de ensino-aprendizagem. Da mesma forma que autores como Hall trabalham alguns conceitos simplificados, como é o caso do conceito de rapidez, ao introduzir o conhecimento da Biomecânica. Neste caso em questão, uma proposta de progressão pedagógica é seguida na área de conhecimento da biomecânica, não que este conhecimento esteja errado em sua natureza, mas que a margem de erro gerada por tal procedimento não é significativa, se a natureza do conhecimento for respeitado. Esta questão, segundo Batista (2001), tem a ver com a aplicabilidade do conhecimento. O autor parte do princípio de que aplicabilidade seja uma qualidade do conhecimento científico, um valor epistemológico. A aplicabilidade denota a possibilidade de um determinado grau de conhecimento especifico ser usado em uma atividade de contexto prático, promovendo resultados positivos no processo. Neste sentido, a mecânica clássica tem total validade em nosso campo de conhecimento, se formos cautelosos em sua aplicação. Dessa forma, Lopes Apud Fonseca (ano) coloca que os princípios da mecânica são válidos se não forem aplicados a fenômenos óticos e eletromagnéticos. Concluímos, 24 então, para a especificidade dos conhecimentos tratados por nós neste estudo, que a mecânica clássica é válida às aplicações que aqui propomos. Retomando a mecânica newtoniana, que será objeto de nosso estudo, as seguintes leis de Newton são a base da mecânica clássica: 1- O corpo se mantém parado ou em movimento a uma velocidade constante em linha reta, a não ser que este seja submetido a uma força. Este princípio é conhecido como lei da inércia (Cowin, 2001). Já segundo Hall, S.J. (1991) inércia no sentido amplo significa resistência à ação ou à alteração. Da mesma forma, a definição mecânica é de resistência à aceleração. Inércia é a capacidade de um corpo manter seu estado atual de movimento, estando ele parado ou movendo-se a uma velocidade constante. Embora a inércia não tenha unidades de medida, a quantidade de inércia que um corpo possuí é diretamente proporcional a sua massa (Smith et al. 1997). 2- Quando uma força age sobre um objeto, a aceleração experimentada pelo objeto é inversamente proporcional a sua massa, diretamente proporcional à magnitude da força, e ocorre no sentido da força. Conseqüentemente, para uma massa constante, quanto maior a força, maior será a aceleração e, para uma força constante, quanto maior a massa, menor a aceleração (Watkins, 2001) . A força total atuando sobre um corpo também pode ser descrita como sendo igual à massa deste corpo, vezes a sua aceleração; isto é f = ma, na qual f e a são vetores orientados na mesma direção (Cowin, 2001). 3- Se um corpo exerce força em um segundo corpo, o segundo corpo exerce uma força no primeiro que é de igual magnitude e direção, porém de sentido oposto ao da primeira força. Esta é a lei da ação e reação (Cowin, 2001). A lei de Hook (1678 apud Cowin 2001) diz que existe uma relação linear entre a força aplicada e a deformação de um objeto sólido. Segundo Timoshenko (1958), esta lei foi determinada através de experiências diretas relativas à distensão de barras prismáticas; estabeleceu-se, para vários materiais estruturais, que o alongamento de barra, entre certos limites, é proporcional à força de tração. A lei experimental de Hook pode ser representada pela seguinte equação: į = Pl ⁄ AE 25 Na qual: P = força que produz a distensão da barra; l = comprimento da barra; A = área da seção transversal da barra; į = alongamento total da barra; E = constante elástica do material, chamado módulo de elasticidade. As leis de Newton e Hook formam os alicerces da mecânica dos objetos elásticos. O comportamento mecânico dos ossos em situações normais e patológicas é um tanto quanto similar ao comportamento mecânico de qualquer objeto elástico (Cowin, 2001). Para melhor compreensão do que venha a ser força, tomemos como parâmetro as conceituações abaixo propostas: Watkins (2001) conceitua força como “aquilo que altera ou tenta alterar o estado de movimento de um corpo”. Barhan (1978) a conceitua como sendo “Simplesmente, qualquer influência que apresente tendência de causar ou alterar o estado de movimento ou a forma de um corpo”. Zatsiorsky (2002) conceitua força como “a medida de ação de um corpo em outro. Força é um vetor quantitativo. A força pode ser tratada como um vetor fixo, que é definido por sua magnitude, direção, sentido e ponto de aplicação. Quando a força é considerada um vetor deslizante, a linha de ação da força mais do que o ponto de aplicação define a força. Forças são consideradas vetores deslizantes quando o corpo de interesse é rígido e a resultante dos efeitos externos são investigadas mais do que as forças internas e a deformação”. A partir desses conceitos, podemos classificar as forças em externas e internas. Segundo McGinnis (2002), “As forças internas são aquelas que agem dentro do objeto ou sistema cujo movimento está sendo investigado” e “as forças externas são as forças que agem em um objeto como resultado de sua interação com o ambiente que o circunda”. Porém é importante mencionarmos a ressalva que Nigg et al. (2000) realizam ao conceituar o que venha a ser força externa e interna. Os autores colocam que a notação interna e externa depende do sistema de interesse, que é determinado de maneira arbitrária. Sendo assim, as forças são definidas como sendo externas ou internas, dependendo do sistema de referência de interesse. As forças externas podem, ainda, ser classificadas como de dois tipos: forças de contato e forças de campo. (Watkins, 2001; Zatsiorsky, 2002; Hall, 2000). Segundo Watkins (2001), “as forças de contato resultam do contato físico entre os objetos e as forças de atração tendem a fazer com que os objetos movam-se um em direção 26 ao outro, estando ou não em contato”. Neste caso a conceituação proposta pelo autor necessitaria de relacionar uma terceira força que seria a força de repulsão, que está relacionada com o eletromagnetismo, sendo que esta não será por nós, aqui, abordada. Ao discutirmos acerca dos efeitos das forças em materiais biológicos, principalmente nos ossos, conceitos como stress e strain6 são essenciais para uma abordagem mais aprofundada. Neste sentido, El Haj & Thomas (1994) conceituam a implicação de uma força mecânica (ou carga) podendo, simplesmente, ser descrita como a deformação da forma ou das dimensões de um material (strain). A força a que este material resiste a essa deformação é, então, denominada stress (Frost, 1988 apud El Haj & Thomas, 1994). Segundo Cullinane & Einhorn (2002), strain pode ser conceituado como “a medida de deformação resultante de qualquer stress, quando normalizada pela configuração original do espécime, é chamada strain. Strain não é uma grandeza dimensional e pode ser expresso como o percentual de alteração da dimensão original ou configuração angular desta estrutura”. E conceituam stress como sendo uma força interna de um corpo que tende a resistir a uma força externa. Segundo os autores: “Stress é igual em magnitude, mas oposto em sentido à força aplicada e é distribuído sob a área da seção transversa do osso. Isto é expresso em unidades de força (N) por unidades de área (m²)“ (Cullinane & Einhorn, 2002: 18). Esta relação pode ser expressa pela formula: ı=F/A Em que: ı = stress; F = força que está sendo aplicada; A = área da seção transversa do corpo. Ao revermos a obra de Currey (1984), verificamos que o autor ressalta o fato de que, primeiramente, strains se referem a alterações no comprimento em direções particulares e, em segundo lugar, que os strains nos dizem nada, diretamente, sobre as forças que os causaram. Porém, podemos utilizar essas alterações na dimensão, posicionamento, estado de movimento ou forma dos materiais, para estimar a que forças estes materiais foram submetidos. Este procedimento é conhecido como análise dinâmica 6 Optamos neste estudo, por utilizar algumas nomenclaturas em inglês, devido ao fato de não termos uma nomenclatura bem determinada de certas terminologias em português. 27 inversa7 e é um procedimento comumente utilizado no campo de conhecimento da biomecânica (Hamill e Knutzen, 1999; Rose & Gamble, 1998; Viel, 2001; Enoka, 2000). Convém lembrarmos que alguns fatores envolvidos na aplicação de forças influenciam as repostas dos corpos a cargas8. Esses fatores podem ser descritos como sendo a magnitude, localização, direção, freqüência, duração, variabilidade e ritmo de aplicação da força. E, dependendo de como algumas destas características são manipuladas, as cargas a que os corpos são submetidos podem ser classificadas como uniaxiais ou multiaxiais (Whiting & Zernicke, 2001). Com relação aos tipos de stress, estes são geralmente classificados como tensão, compressão e cisalhamento (Watkins, 2001; Whiting & Zernicke, 2001). O stress por tensão se desenvolve em resposta a cargas que tendem a alongar ou esticar o tecido. A compressão resulta de uma carga que empurra as extremidades do tecido, fazendo com que elas se aproximem. O cisalhamento ocorre quando forças em paralelo agem sobre um corpo de maneira a produzir uma angulação ou um deslizamento entre as duas superfícies (Zernicke & Whiting, 2001). 7 Análise dinâmica inversa pode ser conceituada como uma abordagem que calcula as forças a que um corpo foi submetido, através das alterações apresentadas por este corpo (Zatsiorsky, 1998). 8 Carga – uma força ou combinação de forças aplicadas a um corpo (Watkins, 2001). 28 Figura 10 Figura 11 29 PROPRIEDADES ELÁSTICAS DOS OSSOS Materiais biológicos possuem uma complexa relação entre stress e strain. A pele, por exemplo, se deforma rapidamente quando submetida a cargas relativamente baixas, enquanto que os ossos possuem, consideravelmente, uma maior resistência interna e com isso apresentam uma menor tendência de deformação (Zernicke & Whiting, 2001). Os ossos, como qualquer outro material na natureza, quando submetidos a forças, podem apresentar aceleração, deformação ou ambas. De certa forma, uma força externamente aplicada pode ser direcionada em qualquer ângulo, produzindo padrões de stress complexos. O stress de inclinação (bending stress), por exemplo, é produto da combinação de forças de tensão do lado convexo da estrutura ou material, e compressão do lado côncavo. A torção produz stress de cisalhamento (shear stress) por todo o comprimento do material, no qual o stress de tensão o alonga e o stress de compressão o encurta. Inclinar em duas direções simultaneamente, mesmo que agindo em uma forma regular de feixe cantiléver9, pode ser combinado para criar um padrão de stress ainda mais complexo. Estes efeitos complicadores são ainda mais aparentes em formas irregulares como, por exemplo, nos ossos (Cullinane & Einhorn, 2002). 9 Feixe cantiléver – feixe projetando-se de uma parede ou de uma estrutura estável para dar suporte (Santos, S.M.G., 1959). 30 Figura 12 31 Um estudo realizado por Liu et al. (1999) pesquisou as propriedades mecânicas anisotrópicas do osso lamelar, usando miniaturas de amostras de inclinação cantiléver. As variáveis pesquisadas foram o módulo de flexão e a resistência até o ponto de ruptura das amostras de tecido ósseo lamelar circunferencial da tíbia de babuínos. Os dados foram obtidos de amostras em três direções ortogonais que demonstraram características anisotrópicas. As vantagens de tais amostras em miniatura (150 µm de diâmetro e 2 mm de comprimento) incluem a possibilidade de coleta em volumes consideravelmente pequenos com estruturas heterogêneas, como ossos osteonais (osteonal bone), ou estudar materiais biológicos, que não são avaliáveis em grandes volumes para análises mecânicas convencionais. Quando relacionamos as cargas a que os ossos são submetidos e a deformação apresentada pela estrutura óssea, o resultado pode ser graficamente demonstrado na forma de uma curva da carga em função da deformação. Essa curva é conhecida por curva cargadeformação e é muito boa para dar uma idéia grosseira do que está acontecendo, mas não nos permite atribuir quaisquer valores a variáveis que nos diriam alguma coisa sobre as propriedades mecânicas da peça em teste. Isto, porém, pode ser facilmente remediado. A força / (área da seção transversa) é a normal do stress agindo por toda a seção, na qual não há stress de cisalhamento. Similarmente, o aumento do comprimento da parte da peça de teste que está sendo mensurada, dividida pelo comprimento original, é o strain. Então a curva de carga-deformação pode, com um mínimo de aritmética, ser transformada em uma curva stress-strain, sendo que esta simplicidade não pode ser aplicada a sistemas de cargas mais complexas como inclinação e torção (Currey, 1984). 32 Figura 13 Em um teste típico de encurvamento, quando um osso é submetido a uma carga inicial, a curva de carga-deformação é côncava na direção do eixo da carga. À medida que a carga aumenta, a carga e a deformação aumentam de maneira relativamente linear, obedecendo à lei de Hook. A inclinação desta região linear está relacionada com a rigidez do osso, que é uma medida de resistência ao encurvamento. O limite proporcional marca o final da região linear. No caso do osso compacto, o limite proporcional e o limite elástico em geral estão intimamente relacionados. O limite elástico demarca a transição entre o comportamento elástico do osso e sua região plástica. Quando a resposta do osso penetra na região da deformação plástica, aumentos cada vez menores na carga produzirão aumentos 33 cada vez maiores na deformação dessa estrutura. No caso desta carga parar antes de alcançar o ponto de falha ou ruptura, porém já tiver alcançado a região de deformação plástica, o material não mais retornará a sua forma original (Whiting & Zernick, 1998). Neste sentido, um estudo importante foi realizado por Osvalder et al. (1990) que procuraram estimar a força máxima de resistência da coluna lombar em flexão. Este estudo determinou que o conteúdo mineral ósseo nas vértebras aparenta ser um bom indicador da resistência máxima destes ossos. A aplicabilidade de tal estudo seria o de servir como ferramenta esclarecedora para as respostas da coluna lombar a cargas, de maneira a esclarecer a biomecânica de certos acidentes como, por exemplo, acidentes automotivos. Este estudo é um exemplo de aplicações das curvas de carga-deformação e de stress-strain na pesquisa do comportamento mecânico das estruturas ósseas. As informações obtidas pela curva stress-strain devem ser consideradas, mas não podem ser incondicionalmente generalizadas. Os ossos, como a maioria dos materiais encontrados na natureza, são anisotrópicos. Um material é anisotrópico se suas propriedades mecânicas são diferentes, quando mensuradas em diferentes direções (Nigg & Herzog, 1999). É importante precisarmos o fato de que a curva stress-strain de um material anisotrópico é determinada pelo valor do módulo de Young10 em uma direção, mas pode ser diferente em diferentes direções (Currey, 1984). Segundo Nigg & Herzog (1999), as propriedades mecânicas dos ossos diferem de acordo com sua função, localização, morfologia e a direção da carga a que este material está sendo submetido. Análises da resistência dos ossos podem ser realizadas de maneira semelhante a muitos materiais da engenharia (Fung, 1993). Segundo Cowin (2001), o teste universalmente utilizado para determinar as propriedades mecânicas de um material é o teste de tensão uniaxial. Nesse teste, uma amostra do material, na forma de uma haste com uma seção transversa quadrada ou circular, é sujeita a uma deformação axial no sentido de seu eixo longitudinal. 10 Modulo de Young – é o valor da representação gráfica do ponto onde ocorre a inflexão inicial da curva stress-strain. Este é uma propriedade dos materiais de modo que independe do tamanho da amostra para ser mensurado (Cowin, 2001). Podendo ser representado matematicamente pela formula: E = ı / İ Na qual, E = modulo de Young; ı = stress; İ = alongamento da haste por unidade de comprimento. (Timoshenko, 1958) 34 Cowin (2001) sugere, para este teste, uma representação mais simplificada de strain como uma matriz simétrica dos componentes tensores, a qual é denotada por E: ª E11 E12 E13 º E= «« E12 E 22 E 23»» «¬ E13 E 23 E 33»¼ Os elementos E11, E22 e E33 na diagonal da matriz são chamados de strain normal, e os elementos fora da diagonal E12, E13 e E23 são chamados de strain de cisalhamento. No teste de tensão, outra propriedade a ser comentada é a razão Poisson, que é a tendência de um material sólido manter seu volume total quando é deformado (Cowin 2001). No advento da realização do teste de tensão, os lados da haste irão apresentar uma tendência de aproximação e a parte superior e inferior da haste uma tendência de se afastar. Em outras palavras, o prolongamento produzido pela força axial f1 será acompanhado pela contração em cada uma das direções transversais. Essa contração é chamada de strain lateral na direção associada. Também há um strain na direção e2 e outro na direção e3. O valor absoluto da razão entre o strain lateral e o strain axial é chamado de razão Poisson; então, duas razões Poisson podem ser definidas como duas contrações laterais (Cowin 2001): v12 = -E22 / E11, v13 = -E33 / E11. Esta propriedade é muito importante para uma compreensão do comportamento mecânico dos materiais e, principalmente, no estudo do comportamento mecânico, quando estes materiais estão submetidos a cargas dinâmicas. 35 Figura 14 Logo, ao determinarmos a relação stress-strain de uma amostra óssea, devemos levar em consideração suas propriedades anisotrópicas. Neste sentido, Schneck & Bronzino (2000), nos alertam para o fato de que a propriedade anisotrópica do tecido ósseo cortical tem sido descrita na forma de dois arranjos simétricos. O que aparenta, inicialmente, ir de encontro aos métodos de tratamento que seriam mais adequados às características do material biológico, objeto de nosso estudo, os ossos. Lang (1969), Katz e Ukraincik (1971), e Yoon & Katz (1976,a,b) Apud Schneck & Bronzino (2000) consideram o osso como sendo transversalmente isotrópico11, e os eixos de simetria como sendo um único eixo. Qualquer pequena diferença entre os eixos longitudinal e transverso, devido ao aparente gradiente de porosidade do lado do periósteo e do endósteo, foi desconsiderada por ocorrer essencialmente devido a imperfeições do tecido, o que não altera a simetria básica. Para um material isotrópico, a matriz Cij é dada por: 11 isotrópico – são materiais que apresentam as mesmas propriedades elásticas em todas as direções. (Timoshenko, 1958) 36 0 0 0 º ª C11 C12 C13 «C12 C11 C13 0 0 0 »» « «C13 C13 C 33 0 0 0 » [Cij]= « » 0 0 C 44 0 0 » « 0 « 0 C 44 0 0 0 0 » « » 0 0 0 0 C 66¼» ¬« 0 Onde C66 = ½ (C11 – C12). Dos doze coeficientes diferentes de zero, somente cinco são independentes. De qualquer forma, Van Buskirk & Ashman (1981 apud Schneck & Bronzino, 2000) usaram pequenas diferenças nas propriedades elásticas dos materiais entre os eixos longitudinal e sagital, para postularem que os ossos são materiais ortotrópicos. Isto requer que nove das doze constantes elásticas sejam independentes. Logo, a matriz pode ser representada da seguinte forma: 0 0 0 º ª C11 C12 C13 «C12 C 22 C 23 0 0 0 »» « «C13 C 23 C 33 0 0 0 » [Cij]= « » C 44 0 0 0 0 » « 0 « 0 C 55 0 0 0 0 » « » C 66¼» 0 0 0 0 ¬« 0 Figura 15 37 Figura 16 A simetria ortotrópica pode ser compreendida como a propriedade mecânica possuída por um material à semelhança de uma amostra de tecido de vegetal de uma árvore. A cada ano um novo anel laminado se forma ao redor do núcleo central, e os eixos do material simetricamente se alinham nas direções tangente e normal ao crescimento dos anéis ou laminas, de maneira a alongar o eixo do cilindro da árvore. Muitos tecidos de plantas, tecido ósseo e produtos de certas laminações industriais e processos de formação de metais apresentam o mesmo tipo de simetria. Formalmente, simetria ortotrópica, pode ser conceituada por três planos mutuamente perpendiculares de simetria espelhada. As normais destes três planos formam o sistema de coordenadas simétricas da simetria ortotrópica e, relativo ao sistema de coordenadas, existem apenas nove constantes elásticas ortotrópicas independentes (Cowin 2001). Ao estudarmos materiais anisotrópicos devemos levar em consideração que sua representação matricial possui vinte e uma (21) constantes elásticas independentes, podendo ser representada por: 38 ª C11 «C12 « «C13 [Cij]= « «C14 «C15 « ¬«C16 C12 C13 C14 C15 C16 º C 22 C 23 C 24 C 25 C 26»» C 23 C 33 C 34 C 35 C 36 » » C 24 C 34 C 44 C 45 C 46» C 25 C 35 C 45 C 55 C 56 » » C 26 C 36 C 46 C 56 C 66¼» O que acaba por acarretar uma relação altamente complexa para o controle e tratamento destas variáveis. Isto faz com que este tipo de modelo seja utilizado somente quando imprescindível à compreensão do comportamento mecânico das estruturas, objeto de estudo (Rubin et al. 1993). O que talvez esteja relacionado com o grande número de trabalhos que estudaram as estruturas ósseas de maneira simplificada, analisando-as como estruturas isotrópicas (Spilker et al.,1992). 39 Figura 17 40 MODELANDO O COMPORTAMENTO ELÁSTICO DOS OSSOS Para que seja possível compreender o que representa o uso de um ou outro modelo, no entendimento de um determinado fenômeno, faz-se necessário conceituar de maneira clara o que venha a ser tal procedimento. Neste sentido, segundo Nigg & Herzog (1999) “modelar é a tentativa de representar a realidade, é comumente utilizado quando o entendimento de um determinado fenômeno se torna difícil. Um modelo aparenta ser uma ferramenta poderosa para aumentar a compreensão dos mecanismos, e foi aplicado, comumente, em muitas situações diárias e ou em situações de pesquisas. O poder de modelagem é incrementado reconhecidamente em pesquisas no campo da biomecânica. Modelar, combinado com dados experimentais, se torna uma poderosa ferramenta científica”. Podemos notar na literatura pesquisada, que existem diversas abordagens para o estudo dos tecidos ósseos, dependendo da complexidade dos modelos, das diferenças morfofuncionais e mecânicas das amostras pesquisadas, entre diversas outras razões. Miller et al. (2002) realizaram um estudo no qual a adaptação do osso trabecular foi pesquisada, utilizando um modelo de material ortotrópico. Neste estudo, os autores criticam o fato de que a maioria dos algoritmos de adaptação, que tentam explicar a conexão entre a morfologia óssea e cargas mecânicas, assumem que os ossos são efetivamente isotrópicos. Segundo os autores, um modelo de material isotrópico pode explicar a distribuição da densidade óssea, mas não a estrutura e o padrão do osso trabecular, que claramente apresenta uma significância mecânica. Por esses motivos os autores optaram por utilizar um modelo de material ortotrópico para predizer as propriedades do osso trabecular da porção proximal do fêmur. Os achados de tal estudo demonstraram que a resistência direcional local, o grau de anisotropia e a distribuição da densidade são comparáveis à morfologia real de um fêmur. Logo, este algoritmo proposto pelos autores se mostrou comprovadamente válido para predizer alterações reais em ossos. Cowin (2001) analisou um estudo de Sevostinov & Kachanov que descreve a matriz óssea como sendo isotrópica. Os autores do estudo sugerem que, se as particulares constantes elásticas forem mensuradas, então será possível calcular a porosidade de 41 diferentes tipos de cavidades: canais haversianos (haversian canals), lacunae do osteon (osteons lacunae), canais e canalículos de Volkmann (Volkmann’s canals/canaliculi). Cowin (2001) ressalta o fato, que é de conhecimento geral, que os ossos são estruturas elasticamente anisotrópicas. Porém a maioria dos achados sobre a anisotropia óssea não explicita distinção entre anisotropia da matriz e anisotropia de todo tecido ósseo. O que Sevostinov & Kachanov realizaram foi produzir resultados que sugerem não ser necessário considerar a matriz como sendo nada mais do que isotrópica. Porém, se a contribuição da matriz para a anisotropia é substancial, isto poderá fazer com que o cálculo da porosidade de diferentes componentes, sugeridos por Sevostinov & Kachanov, seja extremamente difícil, se não impossível. Outro importante estudo, realizado por Augat et al (1997), no qual foram analisadas 97 amostras cúbicas de osso trabecular humano, através de tomografia computadorizada, objetivou determinar a correlação entre as propriedades anisotrópicas de várias amostras de ossos e a densidade mineral óssea (BMD). O estudo teve como resultados evidências de que existe uma relação entre propriedades mecânicas dos ossos e a BMD, a qual se apresentou maior em locais onde a anisotropia era menos pronunciada (porção proximal do fêmur) ou um tanto mais uniforme (vértebras). Os achados sugerem que a BMD pode ter um maior sucesso para determinar as propriedades mecânicas na principal direção de carga, o que tem grande relevância em uma perspectiva de aplicação clínica. Ao buscarmos trabalhos que revisassem a temática deste capítulo, encontramos na obra de Schneck & Bronzino (2000) uma excelente fonte de referência. Os autores realizaram uma revisão do assunto de 1964 a 1993. A apresentação de tal temática segue uma perspectiva histórica dos estudos. Segundo os autores, “Currey (1964) foi o primeiro pesquisador a apresentar idéias preliminares sobre a modelagem óssea como um material composto de uma simples linear sobreposição de colágenos e cristalline calcium hydroxyapatite. O mesmo autor alguns anos depois (1969) tentou estudar a orientação desses cristais usando um modelo proposto anteriormente por Cox (1952) para compostos fibrosos reforçados. Katz (1971) e Piekarsky (1973) mostraram que modelos compostos apresentavam certas limitações no uso de combinações lineares no estudo do módulo elástico ou comportamento elástico”. 42 Schneck & Bronzino (2001), ao analisar os estudos de Bonfield e Grynpas (1977), que compararam seus resultados experimentais para o módulo de Young com a curva teórica predita pelo modelo de Currey (1969), repararam que a falta de acordo entre os estudos, levou Bonfield e Grynpas a concluírem que se fazia necessário um modelo alternativo que levasse em consideração a dependência na orientação do módulo de Young. Esta tentativa inicial de um modelo hierárquico micro-mecânico das estruturas ósseas vem sendo estudado de maneira mais sofisticada, usando tanto modelos computacionais micromecânicos de elementos finitos (Hogan 1992) quanto a teoria da homogenização proposta por Crolet et al. (1993). Com base na revisão realizada por nós e na obra de Schneck & Bronzino (2001), podemos concluir que maiores melhorias deverão ser realizadas para que haja um melhor entendimento da estrutura organizacional dos tecidos ósseos em um nível molecular e estrutural. Até que isso ocorra, estaremos passíveis de cometer graves erros no processo de modelagem e no estudo do comportamento mecânico de tais estruturas. 43 PROPRIEDADES VISCOELÁSTICAS DOS OSSOS Os ossos, da mesma forma que todos os outros tecidos biológicos, são materiais viscoelásticos. Para estes materiais, a lei de Hook para materiais elásticos lineares pode ser substituída pela equação constitutiva que inclui uma dependência temporal na propriedade do material (Schneck & Bronzino 2000). Segundo Cullinane & Einhorn (2002), “Um material viscoelástico exibe diferentes propriedades mecânicas quando o fluxo do material é submetido à manutenção de um stress em diferentes taxas de cargas”. Para que seja possível uma melhor compreensão desta propriedade, podemos realizar uma analogia com a água. Imagine que um indivíduo coloque a mão vagarosamente em um recipiente cheio de água. O que ocorrerá será que sua mão submergirá no meio líquido, sendo que este não apresentará grande resistência. Porém, se o indivíduo der um tapa na superfície da água, irá encontrar grande resistência. Este fenômeno advém do fato de que o material (água, neste exemplo) de certa forma flui sob uma carga aplicada. Então, se aumentarmos a razão da carga ou strain, reduziremos o tempo para que o material flua, aumentando o módulo elástico do material, enquanto reduzirá significativamente a rigidez definitiva (Cullinane & Einhorn 2002). A resposta de um material viscoelástico é sempre tempo-dependente. Entretanto, a resposta real depende do tipo de carga. Quando um material viscoelástico for submetido a uma pressão constante (menor que a fadiga por complacência12), deforma assintoticamente com o tempo – ele gradualmente deforma-se em um índice progressivamente decrescente até um ponto no qual a deformação cessa. Essa propriedade dos materiais viscoelásticos é chamada de arrasto13. Se a carga for, então, removida, o material gradualmente restaura suas dimensões originais (Watkins, 2001). Se um material viscoelástico for deformado (dentro de sua amplitude elástica) e então mantido na posição deformada, a pressão experimentada por ele diminui 12 Complacência – O inverso de dureza, deformação por unidade de pressão (Watkins, 2001). Arrasto – A propriedade de materiais viscoelásticos de deformar-se assintoticamente a um carregamento constante (Watkins, 2001). 13 44 assintoticamente com o tempo, até um momento no qual não ocorrerá mais diminuição da pressão. Essa propriedade destes materiais é conhecida por relaxamento da pressão. Se a carga for então removida, o material restaura gradualmente sua forma original (Watkins, 2001). Para os materiais viscoelásticos, o presente estado de deformação não pode ser determinado completamente, a não ser que toda a história de carga seja conhecida (Setton et al., 1993). Um sólido linear elástico pode dizer que possui uma simples memória: ele se lembra apenas de uma configuração, apenas o estado neutro, ou seja, sem deformação de seu corpo. Materiais viscoelásticos não se comportam desta maneira, eles se lembram do passado. A relação carga-deflexão de um material viscoelástico pode ser obtida pela integral de convolação (Parsamian, 2001). A convolação de duas funções é matematicamente definida por: t C (t ) f (t ) u g (t ) ³ f ([ ) g (t [ )d[ 0 Segundo Parsamian (2001), algumas características de materiais viscoelásticos são: “(i) se submetidos a um stress constante, o strain aumenta com o tempo; (ii) Se o strain for mantido constante, o stress reduz com o tempo (relaxamento da pressão); (iii) A rigidez efetiva depende da razão da aplicação da carga; (iv) Se cargas cíclicas forem aplicadas, histerese (atraso na fase) ocorrerá, levando a uma dissipação de energia; (v) ondas acústicas experimentam atenuação; (vi) a restituição de um objeto seguido de um impacto é menor que 100%; (vii) ocorre resistência de fricção durante o rolamento”. Lakes e Katz (1974 apud Parsamian, 2001) aplicaram a superposição da integral de Boltzman: t T ij (t ) ³C f ijkl (t W ) dH kl (W ) dW dW como uma equação que descreve o comportamento viscoelástico do osso em compressão e concluíram que esta não se aplica a toda a amplitude de freqüência de cargas. Eles estenderam este trabalho em uma série de artigos para condições de cargas de torção biaxiais (Lakes et al., 1979 Apud Parsamian, 2001), concluindo que as equações não 45 lineares viscoelásticas constituídas eram a melhor descrição dos efeitos não lineares observados experimentalmente. Em atividades corriqueiras, os ossos são sujeitos a taxas de strain abaixo de 0.01/s, nas quais o módulo de elasticidade do material e de força máxima do osso é aproximadamente proporcional à taxa de strain elevada à potência de 0,06 (Einhorn et al. 1992, apud Cullinane & Einhorn 2002). Devido a essas características, a taxa de strain e a direção em que a carga é aplicada devem ser especificadas, quando se descrevem as características do comportamento do material ósseo (Cullinane & Einhorn 2002). A complexa arquitetura dos ossos pode causar um comportamento viscoelástico, ampliando os vários processos que ocorrem em determinadas escalas. Sasaki et al. (1993 apud Parsamian, 2001) argumentam que o colágeno na forma de proteína pode permitir um aumento do comportamento viscoelástico. Com isso os autores especularam que o comportamento de relaxamento de pressão pode ser devido ao colágeno. Estudos realizados por Lakes & Saha (1979 apud Fung 1993) demonstraram em uma escala grosseira, algumas variáveis, como as interfaces das junções celulares entre as lamelas, que podem ser responsáveis por este comportamento viscoelástico. Outras hipóteses foram levantadas, como a influência das propriedades piezoelétricas do osso, porém nos estudos de Lakes e Katz (1979a apud Parsamian, 2001) tal propriedade demonstrou-se não significativa para o comportamento viscoelástico ósseo. Com base na revisão realizada em nosso estudo, os efeitos viscoeláticos dos tecidos ósseos estão, consideravelmente, documentados, porém os mecanismos que contribuem para este comportamento ainda se apresentam de maneira obscura na literatura. Para uma melhor compreensão deste fenômeno e das variáveis que o determinam, ainda se faz necessária uma série de estudos, e que alguns modelos, ainda utilizados, sejam revistos. Somente a partir de um corpo de conhecimento sólido será possível compreender tal fenômeno em sua total complexidade. 46 POROELASTÍCIDADE ÓSSEA Segundo Cowin (1999), a poroelasticidade é uma teoria bem desenvolvida da interação das fases fluida e sólida de um meio poroso de fluidos saturados. Esta propriedade é amplamente utilizada em geomecânica e tem sido aplicada ao osso por muitos autores nos últimos 30 anos. A aplicação da poroelasticidade a estruturas ósseas difere da forma de aplicação a tecidos moles de duas importantes maneiras. Primeiramente, as deformações nos ossos são pequenas se comparadas com as que ocorrem em tecidos moles, consideravelmente grandes. Em segundo lugar, o módulo de bulk da matriz óssea mineralizada é aproximadamente seis vezes mais rígido que o de um fluido, enquanto que o módulo de Bulk do tecido mole da matriz, e da água contida nela, é quase o mesmo. A poroelasticidade e a eletrocinese podem ser usadas para explicar os potenciais gerados por strain em ossos úmidos (Cowin, 1999). O que fica evidenciado é que estes potenciais podem ser usados como uma ferramenta efetiva em estudos experimentais acerca do fluxo local de fluídos nos ossos, o que pode acabar por acarretar uma série de resposta às questões ainda não totalmente esclarecidas como, por exemplo, os mecanismos de remodelagem óssea. Biot (1941 apud Parsamian, 2001) generalizou a teoria da consolidação, desenvolvida por Von Terzaghi, por estendê-la a uma perspectiva tridimensional e por estabelecer equações válidas para qualquer variação arbitrária de carga por um determinado intervalo de tempo. A teoria foi amplamente aplicada a problemas da mecânica de rochas. Ossos humanos são um meio poroso de fluido-saturados, e a teoria do meio de Biot foi aplicada ao osso por muitos autores em décadas passadas (Tate, 2001). 47 Figura 18 Um importante estudo, que recebeu uma atenção especial por nós, foi a pesquisa desenvolvida por Steck et al. (2000), na qual os autores desenvolveram um modelo matemático do deslocamento dos fluidos nos tecidos ósseos estimulados por cargas mecânicas. O estudo teve como principal achado que o deslocamento dos fluidos é influenciado pelo modelo de parâmetros do módulo de Young, razão Poisson e porosidade. Este estudo representa para a área um grande passo em direção ao entendimento dos deslocamentos dos fluidos nos ossos, quando estimulados por cargas mecânicas, usando modelos teóricos, no qual o enfoque é o de entender a relação entre carga mecânica e modelagem e remodelagem óssea, além de adaptações funcionais. 48 Capítulo III RESPOSTAS ÓSSEAS A CARGAS MECÂNICAS 49 MODELAGEM E REMODELAGEM ÓSSEA O desenvolvimento do esqueleto depende de uma série de fatores, dos quais alguns ainda não são totalmente compreendidos, principalmente no que diz respeito aos mecanismos mecânicos que influenciam e regulam tal processo (Lyall & El Haj, 1994). Por volta da terceira semana de vida uterina (dentro do útero), o esqueleto do embrião inicia o seu aparecimento sob a forma de blocos e de placas de tecidos. Os blocos e placas consistem em sua maior parte de cartilagem hialina. Pela oitava ou nona semana de vida intra-uterina, as formas dos ossos embrionários são similares a seu formato adulto eventual (Williams et al., 1995 apud Wilkins, 1999). Podemos compreender modelagem óssea como sendo o acréscimo (formação) de osso novo, enquanto que remodelagem envolve a reabsorção e a (re)formação do osso. Existem algumas diferenças evidentes nos dois processos, como, por exemplo, o fato de que a modelagem pode ocorrer em diferentes ritmos e constitui um processo contínuo que pode ocorrer sobre qualquer superfície óssea para produzir um aumento efetivo do osso (Whiting & Zernick 2001). Figura 19 O processo de formação óssea é conhecido por ossificação ou osteogênese. A ossificação das membranas fibrosas descritas por Jee (2001) é chamada de ossificação intramembranosa, e a ossificação da cartilagem hialina é chamada de ossificação 50 intracartilaginosa ou endocondral. Ambas as formas de ossificação são similares e produzem o mesmo tipo de tecido ósseo (Watkins, 2001). Segundo Sikavitas et al. (2001), o processo de crescimento ósseo começa com a formação de ossos do tipo trançado (woven bone). Esse processo de formação óssea endocondral, que ocorre inicialmente na embriogênese, começa quando as células tronco mesenquimais (MSCs), células progenitoras que podem se diferenciar em osso ou em células formadoras de cartilagem, iniciam a diferenciação em condrócitos e secretam matriz cartilaginosa. Durante este período, as células continuam sua divisão. De modo que, quando elas passam por diferentes estágios, secretam diferentes moléculas e, eventualmente, perdem a capacidade de se proliferar. Também durante este período, começam a surgir as camadas do periósteo por volta da metade do osso longo. Rapidamente, após o aparecimento do primeiro osso, os condrócitos são envoltos pelo periósteo, entrando no estágio final de desenvolvimento e começam a hipertrofiar os condrócitos, que produzem proteínas importantes para a calcificação da matriz. Então, células que promovem fagocitose degradam algumas células do periósteo ósseo e as reabsorvem para o interior da matriz. Até este ponto do processo de desenvolvimento, o tecido é avascular, mas, após a reabsorção da matriz, começam a aparecer os primeiros capilares (Weinans et al., 1992; Sadegh et al., 1993). Ambas, vascularização e migração fagocítea são mediadas por sinais bioquímicos, os quais são enviados pela matriz cartilaginosa hipertrófica (Felig & Frohman, 2001). As células que migraram para a cartilagem hipertrófica trabalham para criar uma cavidade medular altamente vascularizada. Neste momento, uma nova gama de MSCs começa a se diferenciar em osteoblastos (células formadoras do tecido ósseo) que proliferam e passam a formar a matriz óssea e a cartilagem ossificada (Khan et al, 2001), eventualmente até remodelam a camada do periósteo. Foi demonstrado que existem dois principais pontos de regulação para o desenvolvimento dos osteoblastos (Caplan & Boyan, 1994, pud Sikavitas et al., 2001). Próximo ao final da proliferação dos osteoblastos, ocorre o aumento da transcrição genética de proteínas associado com a matriz óssea (Currey, 1984). A calcificação da nova matriz sinaliza o movimento através do segundo ponto de restrição, o qual aparentemente produz proteínas no novo osso maduro, assim como osteocalcin (Rubin et al., 2001). 51 É importante estarmos alertas para o fato de que, durante a modelagem óssea, os osteoclastos e os osteoblastos não são ativos ao longo da mesma superfície, sendo que a absorção pode ocorrer ao longo de uma cortical e a deposição ocorre ao longo da outra. O estímulo que desencadeia a modelagem ainda continua sendo obscuro (Whiting & Zernick 2001). Um terceiro tipo de formação óssea é chamado de formação oposicional. Este processo de formação ocorre durante o crescimento em espessura, ou perímetro dos ossos e durante a remodelagem óssea. Neste caso, os osteoblastos se juntam aos ossos já existentes e secretam matriz, geralmente em camadas. Todos esses três tipos ocorrem constantemente, e um osso em particular pode ser formado através de qualquer um desses processos (Li, 2001). Figura 20 52 Outro aspecto importante no que diz respeito à modelagem óssea é o processo de calcificação. Quando ocorre a formação óssea, o predominante colágeno é secretado pelos osteoblastos que estão realizando a calcificação. Os osteoblastos ficam separados pela matriz de calcificação. Estes ficam presos em espaços chamados lacunas (lacunae). Os osteoblastos presos são, a partir deste momento, denominados osteócitos (Wilmore & Costil, 2001) e perdem gradualmente a capacidade de produzir matriz. Essas células se comunicam com outros osteócitos, através de longos processos (caniliculi ou canalículos), que são organizados apenas após a calcificação (Sikavitas et al., 2001). Existe um atraso entre a criação da matriz óssea e a calcificação. A mineralização do woven bone (osso trançado) ocorre de 24-74 horas após a criação da matriz. Existem dois momentos da matriz de mineralização: transformar nucleação dos cristais de fosfato, seguido do crescimento destes cristais (Nelson & Cox, 2000). A nucleação pode ocorrer de duas maneiras: homogeneamente ou heterogeneamente. A primeira é a formação de cristais através da supersaturação do ambiente local se apropriando dos íons. Supõe-se que isto pode ocorrer nas vesículas da matriz. Estas são formadas por uma membrana de vasos de origem celular. O transporte ativo (bomba de íons) pode ser usado para aumentar a quantidade de cálcio e de fosfato nas vesículas, para elevar a supersaturação. Em compensação, as vesículas da matriz podem proteger intermediações instáveis, fazendo, desses pontos, locais perfeitos para a nucleação. Cristais são encontrados primeiramente na face interna da membrana, isto talvez ocorra devido a phosphastidylserine (PS), que é um fosfolipídio (Nelson & Cox, 2000), o maior componente da membrana, conhecido por ter uma alta afinidade com o cálcio (Sikavitas et al., 2001). Se a formação cristalina nas vesículas da matriz for mediada por PS, isto pode ser um exemplo de combinação de mecanismos de nucleação homogênea/heterogênea. Nucleação heterogênea ocorre somente em superfícies onde há interação e onde os íons reduzem o requerimento interfacial de energia, de modo que a nucleação possa proceder em concentrações que são menor que a supersaturação. Para que isto ocorra, o agente nucleador heterogêneo necessita ter uma forte afinidade com os íons do cristal e uma favorável topografia, de modo que um cluster nuclear seja facilmente formado. O colágeno 53 sozinho não atende a nenhum destes requerimentos, porém certas proteínas não colágenas (NCPs), como a osteonectin e algumas fosfoproteínas, apresentam uma alta afinidade por cálcio (Sikavitas et al., 2001). Quando o woven bone é formado e calcificado, é remodelado para formar o osso lamelar maduro. Em grande escala, ambos woven bone e osso lamelar podem ser encontrados tanto em ossos trabeculares quanto corticais (Nigg & Herzog, 1999). O osso lamelar é gerado mais vagarosamente que o woven boné, e é menos mineralizado. As fibras colagenas são mais finas e apresentam um direcionamento preferencial que altera entre layers e lamelas. Essas lamelas podem ser depositadas em uma superfície plana ou concentricamente, se forem adicionadas em volta de um vaso sanguíneo. Em um sistema com lamelas concêntricas, os vasos sanguíneos são concentrados em um canal central denominado canal haversiano (Haversian Canal) (Huiskes et al. 2000). Canalículos se estendem do canal central de modo a poder nutrir osteócitos. Um canal central e os seus osteócitos associados recebem a terminologia de osteon. O canal central eventualmente se junta a um canal de Volkmann, que corre perpendicular aos canais centrais, e os conecta à superfície do periósteo (Sikavitas et al., 2001). O estágio final de remodelagem converte algum osso lamelar concêntrico em sistemas haversianos (osteons secundários). A lamela próxima ao vaso sanguíneo é retirada e novo osso é acrescentado concentricamente. Esta interface entre o osso novo e o antigo é a cement line. É importante levarmos em consideração a diferença nas propriedades mecânicas dos diversos tipos de osteons. Através de estudos, desde 1964, Ascenzi et al. (apud Guo, 2001) realizaram um mapeamento das propriedades mecânicas elásticas para stress de compressão e torção dos diversos tipos de osteons. Logo, para cálculos de resistência a nível microscópico, é necessário levarmos em consideração tais achados. 54 Figura 21 Devido às áreas de sobreposição do osso com fibras colágenos orientadas de maneiras diferentes, o osso lamelar/haversiano é menos flexível que o woven bone. No osso lamelar concêntrico, a orientação dos osteons proporciona resistência à torção e compressão. Quando o osso lamelar sofre uma fratura, isto geralmente ocorre ao longo da cement line mais do que nos osteons, o que pode promover deflexão da propagação das fissuras, de modo que a fratura em um osteon não é rapidamente espalhada por todo o osso (Sikavitas et al., 2001). O osso lamelar é formado pelo processo de remodelagem óssea, que é um processo de combinado de formação e absorção óssea. As células primárias envolvidas neste processo são os osteoblastos, formadores de tecido ósseo, e os osteoclastos que são células que absorvem os ossos. O processo inicia-se com a absorção do osso velho, incluindo a matriz e os osteócitos expirados. Os mecanismos que iniciam tal processo ainda são objeto de estudos e ainda não são totalmente compreendidos (Ewers, 2001). Segundo Sikavitas et al.(2001), o processo de remodelagem óssea pode ser sintetizado em cinco fases distintas: 1. Estado de descanso: A superfície do osso é coberta por células inativas. Células formadoras de osteoblastos estão presas na forma de osteócitos com a matriz mineralizada. 55 2. Ativação: Estímulos hormonais ou físicos sinalizam monócitos mononucleares e macrófagos para migrar até o local de remodelagem e se diferenciarem em osteoclastos. Locais com microfraturas ou microdano aparentemente exibem uma certa predisposição para a remodelagem óssea. 3. Reabsorção: Osteoclastos começam a remover material ósseo orgânico e mineral e a formar uma cavidade de forma e dimensões características, chamadas de lacuna de Howship, no osso trabecular, e cutting cone no osso cortical. Quando esta cavidade alcança uma profundidade de aproximadamente 60 µm da superfície no osso trabecular e 100 µm no osso cortical, a reabsorção no local cessa. 4. Reverso: Osteoclastos desaparecem e células macrófagos lisas mononucleares afins reabsorvem a superfície, despejando uma substância similar cimentar que irá colar o osso novo no velho. Pré-osteoblastos começam a aparecer. Esta fase é caracterizada por fatores que estimulam os osteoblastos a se proliferarem, incluindo fatores do crecimento como o insulin growfactor II (IGF-II e o TGF-ȕ). 5. Formação: Osteoblastos diferenciados preenchem a cavidade de reabsorção e começam a formar novos osteons em um processo de dois estágios. Primeiramente eles depositam osteoid (na sua maioria colágeno do tipo I). A taxa de colocação de matriz é muito elevada no início, e os ostoblastos ficam densamente agrupados em colunas. A mineralização do osteoid começa quando a cavidade está preenchida com 20 µm de material, na qual a velocidade de deposição mineral, excede a taxa de mineralização da matriz e continua, substancialmente, com uma taxa mais lenta, mesmo após o termino da síntese da matriz, até que a superfície óssea alcance o estado original de repouso. 56 Figura 22 57 MECANOTRANSDUÇÃO E TECIDO ÓSSEO A capacidade dos tecidos ósseos em alterar sua massa e estrutura em resposta a demandas mecânicas é uma propriedade conhecida há bastante tempo, porém os mecanismos celulares envolvidos em tal processo continuam sendo pobremente entendidos. Durante os últimos sete anos, muitos progressos foram realizados nessa área (Li, 2001). Estes estudos enfatizaram o papel dos osteócitos como um sensor mecânico celular (Takagaki, 2002), e a porosidade lacuno-canicular como a estrutura que media a sensibilidade mecânica (Quin et al, 2001). Aparentemente, o strain derivado do fluxo de fluido intersticial, através da porosidade, aparenta ativar os osteócitos mecanicamente, assim como assegura o transporte dos nutrientes moleculares de sinalização celular. Desuso e sobreuso parecem ter efeitos no ganho e perda óssea local; o ambiente de microgravidade aparenta estar conectado com a perda de massa óssea (Li, 2001). Segundo Kunnel (2001), as respostas metabólicas à estimulação mecânica estão relacionadas com a ativação de um caminho especifico de sinalização conhecido por “mechanotransduction pathways”(MP). A identificação destes MP pode nos levar a uma possível intervenção farmacológica para aumentar a massa óssea em condições como a osteoporose e na cura de fraturas (Range et al.). Muitos mediadores bioquímicos envolvidos no processo foram sugeridos. Entre eles, as prostaglandins, o óxido nítrico (Lanyon, 1994), o Ca+2 (Tagaki, 2002), e moléculas intracelulares, incluindo o PKc ( Proteína Kinase C). Cada um desses mediadores pode gerar mais do que um MP, e as moléculas reguladoras específicas, que são responsáveis pela sua produção ou mobilização, ainda não foram totalmente elucidadas (Kunnel, 2001). A transdução pode ser conceituada como a transformação de um tipo de energia em outro, sendo que o agente deste processo recebe a terminologia de transdutor (Kuphaldt, 2002; Groes, 2001). Os transdutores são amplamente utilizados em pesquisas em biomecânica (Nigg & Herzog, 1999), assim como em outras áreas, como engenharia elétrica e eletrônica (Kuphaldt, 2002). 58 A mecanotransdução, segundo Li (2001), pode ser conceituada como o processo pelo qual a energia é convertida em energia elétrica ou em sinais bioquímicos. Em princípio os osteócitos são provavelmente as células mecanosensitivas, e forças físicas, incluindo gravidade, tensão, compressão e cisalhamento, influenciam o crescimento ósseo( Prat et al, 1994). Kunnel (2001) coloca que a mecanotrandusção é o processo no qual “é presumido que cargas mecânicas aplicadas ao osso são transduzidas através do esqueleto via sinais mecânicos que são detectados por determinadas células que levam a geração de sinais bioquímicos que regulam a formação e reabsorção óssea”. Alguns estudos foram realizados relacionando a freqüência de vibrações e suas repostas osteogênicas no tecido ósseo, na qual impactos de grande magnitude a 30 Hz apresentaram a principal causa em danos ósseos e articulares. Estes mecanismos também parecem estar ligados a mecanotransdução (Griffin, 1996). Para Parsamian (2001), quatro hipóteses foram propostas para explicar os mecanismos pelo quais as células sentem cargas mecânicas: o efeito piezoelétrico (Tanaka, 1998); o stress gerado por potenciais (Saltstein et al, 1987; Salzstein and Pollak, 1987; Starkebaum et al., 1979 apud Parsamian 2001), o stress de cisalhamento de fluidos nas células ósseas na porosidade vascular e o stress dos fluidos nos processos dos osteócitos nos canalículos (Ingber, 1998). INSERIR ESQUEMA p. 28-2 bone mechanics handbook Os mecanismos piezoelétricos e eletrocinéticos são mecanismos propostos para explicar o efeito eletromecânico (potenciais), primeiramente observados por Yasuda (1953, apud Cowin 2001). Potenciais eletromecânicos são comumente chamados potenciais de geradores de stress (stress-generated potencials) e são as voltagens induzidas pela deformação mecânica dos fluidos saturados ósseos (van der Meulen & Huiskes, 2002). A tabela proposta por Parsamian (2001) demonstra os tamanhos da diversas regiões ósseas que contêm uma quantidade de fluido significativa. 59 Figura 23 Se levarmos em conta a teoria de que os fluidos têm um papel importante na mecanotransdução, então os osteócitos com suas redes de canais são células mecanoreceptoras ósseas (Sikavitas et al, 2001). Neste sentido, alguns experimentos realizados por Wang et al. (1993 apud Kunnel, 2001) sugerem que um mecanismo de mecanotransdução é a junção de células à matriz extracelular, de modo que o strain mecânico no meio seja transduzido por toda a célula, através do citoesqueleto, até o núcleo (Burger, 2001). 60 Figura 24 61 O óxido nítrico (ON) é um radical livre de vida curta, que está envolvido na homeostase cardiovascular, neurotransmissão (Bear et al., 2002; Lent, 2001) e função imune (Sem et al, 2000). Tem sido mostrado que o ON desempenha um papel importante na regulação molecular de formação e reabsorção óssea. ON tem efeitos nas células dos osteobastos e osteoclastos e representa uma das moléculas produzidas pelo osteobasto, que diretamente regula a atividade do mesmo. NO é produzido pela oxidação da L-arginina por uma família de isoenzimas, a síntese de óxido nítrico (Kunnel, 2001). Outro aspecto importante é a teoria proposta por Banes et al. (1995 apud Kunnel, 2001), a qual propõe os termos autobáricos para descrever o processo de auto-carga em que as células aumentam o estado de stress através de contração, aplicando, assim, carga às células adjacentes, por contato direto ou através da matriz. Os autores previram que o setpoint de manutenção do estado de stress basal era afetado por um contínuo sinal mecânico, como deformações que ativavam os caminhos de sinalização. 62 LEI DE WOLFF E OUTRAS TEORIAS DE REMODELAGEM ÓSSEA A lei de Wolff é comumente considerada como um discurso filosófico para o efeito de que, no decorrer do tempo, a carga aplicada ao osso vivo influencie a estrutura do tecido ósseo. Mas, quando Julius Wolff declarou tal lei, ele foi além do discurso filosófico, o que ele declarou foi rigoroso ou uma lei matemática. Do século XIX até o XX, muito se argüiu sobre o fato de que a forma rígida ou matemática da arquitetura trabecular, promulgada por Wolff, não era válida (Cowin, 2001). A falsa premissa proposta por Wolff era de que o osso trabecular era um material isotrópico, no qual existiria uma relação homogênea entre as linhas de stress e a linearidade elástica. A partir de tal premissa, vários autores modernos realizam críticas severas a estas falhas. Os principais autores que tecem estas críticas são Bertram & Swartz. Eles sugerem que a comunidade de pesquisadores de tecidos ósseos podem estar observando diversos novos fenômenos e estarem atribuindo isto à lei de Wolff (Cowin, 2001). Na mesma direção de tais críticas vai o estudo de revisão de Frost (2001) que apresenta uma abordagem histórica do desenvolvimento e avanços na área dos tecidos ósseos, criticando as principais teorias e procurando determinar até que ponto estas teorias são ainda aplicáveis ao estudo dos tecidos ósseos. Segundo Frost (2001), uma das traduções da lei de Wolff do alemão para o inglês, apresentada por Rash & Burke (1962, apud Frost, 2001), determina que: “toda mudança na forma e função do osso ou na sua função apenas, é seguida de certas mudanças definitivas na sua arquitetura interna, e igualmente define alterações na sua conformação externa, de acordo com as leis matemáticas.” A partir deste fragmento da lei de Wolff e com base nos estudos de Cowin (2001) e Frost (2001), podemos traçar algumas críticas. Primeiramente a lei de Wolff descrevia possíveis alterações ósseas, mas não os mecanismos que realizam estas alterações, como, por exemplo, as características morfofuncionais dos diversos tipos de tecidos (Rho et al, 2002; Pothuaud et al. 2002). Hoje, devido aos avanços na área, já sabemos que existem 63 diferenças significativas nas estruturas ósseas e, também, que modelos isotrópicos de estruturas ósseas, que não respeitam as diferenças entre os diversos tipos de tecidos ósseos, apresentam uma aplicabilidade consideravelmente limitada (Yener & Fyhrie, 2001; Kopperdahl & Keaveny, 1998; Stein et al. 1998). Segundo Frost (2001), posteriores evidenciais começaram a resolver essas limitações, o que acarretou o desenvolvimento do Utha paradigm (UP) da fisiologia do esqueleto, que aparentava ter evidenciais e idéias multidisciplinares. Esta nova teoria, além da característica fundamental de ser multidisciplinar, apresentava uma preocupação de aplicabilidade clínica. Na tabela abaixo, encontram-se os fenômenos que tal teoria tentou elucidar: Figura 25 64 Podemos concluir, com base nas obras pesquisadas, que a lei de Wolff ainda apresenta validade, porém, como qualquer lei científica, é passível de fatores limitantes de sua aplicabilidade. Novas teorias mais modernas surgiram a partir da lei original, procurando elucidar os problemas ainda inerentes da área. Podemos perceber que ainda existe uma forte linha de cientistas que apresentam uma preocupação meramente descritiva dos fenômenos, não contribuindo para sua real compreensão.(Lenthe & Huiskes, 2002; Linden et al, 2001; Bini et al., 2002) 65 ATIVIDADE FÍSICA E RESPOSTAS ÓSSEAS No campo da biomecânica aplicada ao esporte, tomando como base a revisão realizada por Batista (1996), vemos um grande número de estudos que pesquisaram as forças que atuam nos corpos dos indivíduos, nas mais diversas modalidades desportivas. Porém a grande maioria destes estudos apenas limitou-se a calcular as magnitudes de forças a que os corpos desses sujeitos eram submetidos, ao invés de estudarem também os efeitos que estas cargas realizam nas estruturas dos tecidos destes indivíduos. O que de certa maneira pode ter ajudado a criar uma lacuna nesta área de conhecimento, existindo uma situação onde alguns estudos avaliaram os efeitos de cargas invitro e invivo, porém em condições controladas de cargas uniaxiais. Poucos estudos realizaram um mapeamento das forças durante a atividade física e seu efeito nas estruturas ósseas, ou mensuraram as propriedades e respostas ósseas insitu durante a atividade física. Na área do treinamento desportivo, vemos um grande número de estudos acerca dos efeitos fisiológicos dos exercícios físicos (Fleck & kraemer,1998; Kraemer, 2001; Badillo & Ayestarám, 2000; Weineck, 1999), porém ainda encontramos muito pouco material sobre os efeitos mecânicos de tais cargas no organismo destes indivíduos. E, ainda, do ponto de vista dos efeitos adaptativos destas cargas sobre as estruturas ósseas, existe uma carência ainda mais significativa (Khan et al., 2001). Essas adaptações durante a atividade física ainda são carentes de estudos, tanto em nível macroestrutural, quanto no dos mecanismos de adaptação microestruturais. Porém, obras como a de Baechle & Earle (2000) e instituições respeitadas como o American College of Sport Medicine (ACSM) apresentam, de maneira simplista, parâmetros para a prática da atividade física voltada para a saúde óssea. Todavia, esses parâmetros ainda são passíveis de questionamentos, principalmente com relação à magnitude de carga ideal e de sua freqüência para a promoção de uma melhor saúde óssea (Couteix, 2001; Wheeler et al, 1995). Outro fator ainda não totalmente elucidado advém do tipo de estímulo. Como, por exemplo, o efeito das vibrações na articulação do cotovelo durante a execução do exercício rosca bíceps (Ribeiro et al., 2002). Se pensarmos em relação à evolução do treinamento 66 desportivo, no que diz respeito a hipertrofia muscular, área em que existe uma produção considerável de material (Bompa, 2002; Bacurau et al., 2001; Stiff & Verkhoshansky, 2001), podemos perceber que, acerca dos fatores mecânicos que estimulam as adaptações destes tecidos, e principalmente no que diz respeito as microestruturas, os mecanismos responsáveis por tais adaptações ainda não foram completamente elucidados. Um clássico exemplo de tal lacuna de conhecimento está relacionado com a hiperplasia muscular e os fatores que influenciam tal adaptação (Gurgel et al., 2002b). Neste sentido, sob uma perspectiva epistemológica, ao nos referimos ao treinamento desportivo, fica evidenciado um corpo de conhecimento ainda fundamentado em dados empíricos e de “senso comum”. Para melhor compreendermos a discussão entre o conhecimento científico e o senso comum, faz-se necessária uma compreensão de determinados conceitos como o de objetividade científica e convicção subjetiva. Segundo Kant (apud Popper,1972), o termo objetivo serve para identificar que o conhecimento científico deve ser justificável, independentemente de capricho pessoal; uma justificação será objetiva se puder, em princípio, ser submetida à prova e compreendida por todos. Se algo for válido para todos que estejam na posse da razão, seus fundamentos serão objetivos e suficientes. Já o termo subjetivo se refere a nossos sentimentos de convicção (de vários graus). Porém o autor alerta que razões objetivas também podem atuar como causas subjetivas de juízo, na medida em que possamos refletir acerca dessas razões, deixando-se convencer de seu caráter cogente. Kant (apud Popper, 1972) foi o primeiro a reconhecer que a objetividade dos enunciados científicos está estritamente relacionada a teorias, com o uso de hipóteses e de enunciados universais. Além disso, o autor alerta para o fato de que um determinado fenômeno, mesmo que ocorra com uma determinada freqüência, para ser considerado como científico deve ser posto à prova, porém até que o seja, este conhecimento colocar-se-á, em princípio, como intersubjetivamente suscetível de prova. O que vemos no atual estado da arte do treinamento desportivo é que os conhecimentos comumente considerados como válidos, em sua maioria, na melhor das 67 hipóteses, não passam de conhecimentos intersubjetivamente suscetíveis de provas, e ainda não apresentam características que os classifiquem como científicos. Outro fator agravante desta realidade advém do fato de que alguns conceitos do treinamento desportivo estão fundamentados nas épocas em que não existia uma preocupação com a validação científica, e estes conceitos e pseudo-teorias ainda fundamentam grande parte do corpo do conhecimento do treinamento desportivo. Estes fatos evidenciam uma necessidade de revisão dos fundamentos do treinamento desportivo, antes que possamos considerar esta área interdisciplinar de conhecimento como sendo uma ciência, o que claramente acarretaria grande empenho de tempo e de trabalho, além de esbarrar possivelmente em forte resistência por parte da comunidade que lida diretamente com esta área de conhecimento (Gurgel, 2002a). Neste sentido, este capítulo se propõe a realizar uma revisão de parte do material, publicado no portal científico do science direct, que constitui parte do corpo de conhecimento da biomecânica aplicada ao estudo mecânico dos tecidos ósseos. Não com o objetivo de elucidar tais dúvidas, mas principalmente de questionar alguns modelos que vêm sendo amplamente utilizados na prescrição de exercícios voltados à melhoria da saúde óssea. Se, como está na lei proposta por Wolff, os ossos se acomodam a cargas impostas a eles, a massa óssea de steady-state deve refletir a sua história de carga, princípio que é aplicado quando se compara massa óssea entre indivíduos, diferentes ossos entre os indivíduos e até diferentes regiões de um mesmo osso. Um corpo de conhecimento considerável já confirmou tal premissa. Estes estudos são geralmente de dois tipos: comparação entre massa óssea de atletas e a massa óssea de controles sedentários e descrições entre nível de atividade física ou fitness e a massa óssea da população em geral (Marcus, 2002). Segundo Courteix (2001), o desenvolvimento do esqueleto sofre grande influência genética. O pico de massa óssea alcançado por um indivíduo também é influenciado pelo controle de determinados fatores: 68 ¾ Fatores nutricionais (cálcio, vitaminas, etc.) (Hardman, 2000; Samnegård et al., 2001; Carruth & Skinner, 2000; Tamaki et al., 1998; Ming et al., 2000, Antonio et al., 2000) ¾ Fatores do estilo de vida (tabagismo, alcoolismo ou determinadas terapias médicas que podem ter um efeito deletério no aumento ósseo) (Owino et al., 2001). ¾ Atividade física que é, com a gravidade, o principal mecanismo de força aplicado ao osso (Cole et al., 1996; Chou et al., 2001). A carga mecânica induzida pelo exercício influencia a massa óssea (Laynon, 1984; Whanlen et al., 1988, Whanlen et al., 1984 apud Courteix 2001). Neste sentido, Duncan et al (2002) apresentaram um estudo no qual a densidade mineral óssea de garotas adolescentes atletas foi relacionada com os tipos de exercícios e a força muscular. O estudo comparou diversas modalidades como natação, ciclismo e corrida. O estudo em questão encontrou diferenças significativas entre o grupo que treinou corrida. Isto, segundo os autores do estudo, pode estar relacionado com o fato do estímulo da corrida ser associado com um local específico mais largo de massa mineral óssea (BMD) do que a natação ou o ciclismo, que apresentam uma distribuição anatômica das cargas mais generalizada. Já outro estudo realizado por Courtiex et al. (1998) pesquisou os efeitos da prática de atividades esportivas intensas na BMD de meninas pré-púberes. Este estudo não encontrou diferenças significativas entre o grupo controle (sedentárias) e o grupo que praticava natação. A BMD do grupo de ginastas foi estatisticamente maior do que do grupo controle para rádio não dominante, vértebras L2-L4 e colo do fêmur. Idênticos resultados foram encontrados quando os dados relativos a BMC foram ajustados à massa corporal. Com isso, os autores concluíram que a atividade física em crianças pode ser um importante fator na aquisição mineral óssea em garotas púberes, somente se o esporte induzir stains significativos durante um programa de longa duração. Um estudo realizado por Coxam et al (1998), procurou averiguar os efeitos de exercícios de resistência no metabolismo ósseo, em sete competidores da “Chamineige 96”, que participaram de corrida, moutain bike e skiing durante um período de sete dias. Tal prova não aparentou influência significativa na remodelagem óssea, já que não apresentou 69 efeito na concentração plasmática de osteocalcin, ou de cálcio urinário e na excreção de deoxypyridinoline. Kersting & Brüggemann (1999) estudaram a variação das forças de impacto sobre o calcâneo, durante a corrida, endo que o teste biomecânico demonstrou que não houve relação entre a rigidez do solado médio e o impacto externo ou interno nos pés dos indivíduos. Parâmetros ósseos demonstraram diferenças específicas em todos os grupos que foram submetidos a corridas com impactos intermediários. Com base em tais informações, os autores concluíram que as variações observadas refletem mudanças metabólicas na medula óssea, que aparenta ser afetada pela magnitude do impacto e que este não pode ser caracterizado como sendo algo negativo. Wheeler et al (1995), investigaram o efeito de exercícios com características cíclicas de carga, no caso em questão a corrida na resposta óssea de ratos. Os resultados encontrados pelos autores indicam que a adaptação óssea ocorre devido a um ambiente propício de cargas, aumentando a densidade óssea, aumentando a área cortical, aumentando a rigidez, reduzindo a capacidade de absorver energia e reduzindo o angulo de giro durante a corrida. Exercícios de alta intensidade reduzem a força máxima que ossos podem suportar; exercícios de longa duração fazem o osso ficar mais quebradiço. 70 Figura 26 71 A metodologia utilizada por estes estudos, para a mensuração das capacidades ósseas, com exceção dos estudos realizado por Wheeler et al (1995) e por Kersting & Brüggemann (1999), teve como base a densidade mineral óssea obtida através do método Dual Energy X-ray Absorptiometry (DEXA), sendo este método o mais comumente utilizado em estudos clínicos (Gowin et al., 2001; Armstrong et al. 2000) . Porém, devemos lembrar que um aumento significativo da densidade mineral óssea não serve como parâmetro determinante de que o osso em questão ficou mais ou menos resistente (Khan et al., 2001; Stenström et al, 2000; Felsenberg & Gowin, 1998). Força e saúde óssea são termos que diferem de massa mineral óssea, pois um osso pode manter sua massa, porém realizar mudanças estruturais capazes de melhorar suas capacidades de resistir a cargas em determinadas direções (Cowin, 2002; Aerssesens et al., 1998). Podemos concluir que ainda não existe um consenso em relação à adaptação dos tecidos ósseos a vários tipos de estímulos oriundos das mais diversas atividades. Os benefícios ou malefícios de tais estímulos ainda não são totalmente compreendidos, o que dificulta a possibilidade de, desde já, determinarmos um programa definitivo para melhoria da qualidade óssea. Em contrapartida, todos os estudos apresentados até aqui nesta revisão encontraram diferenças significativas nas respostas ósseas, quando submetidos a cargas significativas, além de diferenças na qualidade óssea de atletas e não atletas (Conroy et al, 1993), sendo que o estudo realizado por Coxam et al (1998) não encontrou nenhuma alteração óssea em resposta aguda à atividade física. Tal resultado pode ser explicado pelo fato de que sete dias podem ser um período muito curto para que houvesse uma adaptação significativa, ou então as variáveis determinantes de atividade osteoblástica utilizada em tal estudo podem não ser as mais recomendadas, já que existe um atraso significativo na formação óssea em comparação com a absorção (Sikavitas et al., 2001). Outro aspecto importante a ser levantado é que tal estudo não foi realizado em um ambiente controlado laboratorial, mas sim durante uma competição de sete dias, o que, de certa forma, pode ter sido um fator de dificuldade no controle das variáveis e na obtenção das amostras do estudo. 72 Outro estudo realizado por Verhaeghe et al (2000) procurou avaliar o efeito do exercício e do desuso, na massa óssea e na competência biomecânica, em ratas fêmeas diabéticas, durante um período de oito semanas. Tal estudo não encontrou um aumento significativo na massa óssea das amostras submetidas à atividade física, no caso a corrida, porém encontrou diferenças significativas na redução de perda de massa óssea em amostras submetidas ao desuso de seus membros inferiores. Já o estudo realizado por Witzke & Snow (2000) encontrou um efeito significativo na resposta óssea de adolescentes, porém, para que estes efeitos ocorram, faz-se necessário que estes estímulos sejam continuados durante um longo período e que as magnitudes de strains sejam significativas para promover tais alterações. Hawkins et al. (1999) procuraram avaliar os efeitos do treinamento excêntrico no aumento específico da resposta osteogênica. Os autores, com base nos achados, concluíram que o treinamento excêntrico é mais osteogênico do que exercícios concêntricos, porém tal resposta ocorreu somente em locais específicos, o que de certa forma coloca determinadas restrições à prescrição deste tipo de exercício. Este achado pode ser confirmado nos estudos realizados por Mosekilde et al (1999), Banu et al (1999) e Banu et al.(2001), que concluiram que, dependendo dos estímulos a que os organismos eram submetidos, a resposta óssea ocorria de maneira diferenciada em diferentes locais, sendo que, quando utilizaram uma combinação de hormônios e de atividade física, aparentemente tal efeito foi reduzido. Os estudos de Robling et al. (2002) e de Kersting & Brüggemann (1999) também procuraram classificar as magnitudes ideais de carga para promover uma melhor adaptação óssea. O primeiro estudo supracitado avaliou o efeito de estímulos curtos e mais freqüentes nas estruturas ósseas. Neste estudo, os autores concluíram que programas de exercício humano, que objetivem a manutenção ou aprimoramento da massa óssea, podem ter um maior sucesso, se o regime diário de atividade for dividida em várias sessões por dia, o que é, em nossa perspectiva, um importante achado para a prescrição de atividade física, visando a uma melhora da saúde óssea. 73 No que diz respeito à magnitude, tal variável já fora objeto de vários estudos, apresentando um enfoque mais específico, realizados nas últimas duas décadas (Marcus, 2001). Vários modelos já foram propostos para tentar explicar a resposta óssea a cargas. Muitos destes indicadores demonstram respostas adaptativas e levam a uma função objetiva. Esta função pode ser a razão do pico de stresses que um osso pode tolerar (ponto de ruptura ou falha) ou, como proposto por Fyhrie & Carter (1986, apud Marcus 2001), a densidade energética de strain, conceituada como a concentração de energia mecânica latente em um material. A otimização do strain parece para ser um mecanismo atrativo, na perspectiva de que a formidável uniformidade característica da magnitude dos strains ósseos experimentados por diversos animais durante suas atividades cotidianas (Marcus, 2001). Foram realizados estudos analisando as diversas magnitudes de strain, nos quais segundo Rubin & layon (1984, apud Marcus, 2001) variavam de 2000-3500 microstrain, como pode ser observado na tabela abaixo: 74 Figura 27 Algumas questões com relação à tipologia dos strains são o principal foco desta discussão. No que diz respeito a magnitudes das cargas, um importante estudo revisto por nós foi o realizado por Judex & Zernicke (2000), que procurou identificar se protocolos de exercícios de alta intensidade e longa duração podem ter efeitos de degradação na morfologia mecânica de ossos imaturos. Este estudo em questão apresenta um importante 75 significado para os profissionais que trabalham com desporto de alto rendimento, principalmente em modalidades onde ocorre uma especialização precoce dos atletas (Bompa, 2002b) ,como é o caso da ginástica olímpica (Weineck, 2000). Nesta modalidade em questão, os atletas em sua maioria não possuem ossos maduros, de modo que as cargas a que estes indivíduos são submetidos podem agredir as placas epifisárias de crescimento, trazendo possíveis distúrbios de crescimento (Salter, 2001). Este estudo verificou, com base nas evidências encontradas, que reduzindo o número de ciclos de carga pode-se estimular uma resposta adversa previamente observada neste modelo aplicado a corridas de longa distância. Este estudo serve como suporte para a teoria de que os estímulos mecânicos gerados pela atividade física devem diferir dos estímulos a que os indivíduos estão cotidianamente sendo submetidos, para que os estímulos venham a induzir adaptações significativas. Figura 28 Figura 29 76 Nesta mesma direção, o trabalho realizado por Pattin et al. (1996) estudou a propriedade mecânica cíclica de degradação durante a fadiga por carga, em ossos corticais. Este estudo avaliou mudanças no módulo secante e no comportamento de dissipação da energia cíclica durante fatiga induzida por cargas axiais controladas em espécimes de osso cortical. Os achados desse estudo são muito importantes, e iremos aqui relatá-los de maneira um pouco mais aprofundada. Estes achados sugerem que o modulo de degradação secante e a dissipação de energia cíclica são consideravelmente aumentados quando os níveis de carga estão acima do limiar de strain prejudicial ao osso cortical, ou seja, de 2500 µm e 4000 µm na fadiga compressiva e por tensão, respectivamente. As fadigas por tensão e por compressão produzem diferentes formas de módulos de degradação em níveis de carga acima de tal limiar. Os ossos se comportaram de maneira similar a um material linear viscoelástico abaixo desse limiar. O que já era um resultado esperado, se formos analisar o comportamento da curva stress-strain de ossos corticais (Currey, 1984). A energia cíclica de dissipação foi proporcional a potência de 2,1 da faixa de magnitude efetiva de strain aplicada para todas as cargas abaixo de 2500 µm. Acima desta magnitude, a fadiga a cargas por tensão causou uma dissipação de energia cíclica proporcional à potencia de 5,8 da faixa de magnitude efetiva de strain. Já a fadiga por compressão causou uma dissipação de energia cíclica proporcional à potencia de 4,9 da faixa de magnitude efetiva de strain aplicadas para cargas acima de 4000 µm. A dissipação de energia diária em todos os testes de fadiga em um único nível de carga ficou contida na mesma lei de potência, na qual o número de ciclos antes que ocorresse a fratura, foi a potência de 0,6. Com isso, podemos dizer que níveis de carga de 2500 µm para tensão e 4000 µm para a compressão são faixas de cargas observadas em todos os animais, e este fenômeno pode ter um importante papel em iniciar a resposta de remodelagem óssea. Já estudos realizados por Whalen & Carter (1988, apud Marcus, 2001) introduziram um modelo para comparar os relativos efeitos de intensidade de carga e número de ciclos na resposta óssea. Este modelo pode elucidar a discussão que traçamos até agora no que diz respeito à magnitude da carga, a taxa de strain, além de outros fatores até aqui por nós debatidos. Tal modelo foi determinado com base nas equações: 77 >STIM @fs1 n1 s2 n2 ... sn nn ou >STIM @f¦ sn nn Na qual STIM = constante de estímulos diários; s= magnitude das cargas; n= número de ciclos. A partir desta equação os autores derivaram a expressão para aproximar a aparente densidade (p) da história de carga,. Sugerindo a seguinte equação: pf >¦ n1s mi@ 1/ 2m na qual, p = densidade aparente; m = representa o fator de massa; s = magnitude das cargas; n = número de ciclos. Para uma melhor compressão de tal modelo, vamos usar um exemplo prático. Vamos supor que um indivíduo com massa corporal de 70 kg, ande durante uma hora todos os dias. Se m = 1, e a magnitude e o número de cargas têm igual efeito no estímulo de stress, então andar duas horas por dia será equivalente a andar uma hora com uma mochila de 70 kg nas costas. Se m < 1, o número de ciclos devem ser mais efetivos do que o aumento da magnitude de carga, mas se m > 1, a magnitude da carga será fator preponderante. Baseados em uma análise cuidadosa de dois estudos publicados, em que o estímulo de corrida foi imposto, os autores foram capazes de predizer valores para ‘’m’’ de 2 a 6. Logo, os autores concluíram que a intensidade da carga é muito mais importante do que o número de ciclos neste caso em questão. Com base no material revisado por nós até aqui, este modelo aparenta apresentar uma importante correlação com os atuais achados na literatura científica. Esse modelo poderá servir como uma possível ferramenta na compreensão dos mecanismos que influenciam as respostas ósseas a cargas mecânicas, de modo a servir como um referencial para o controle e prescrição de atividades físicas, visando a uma melhoria da saúde óssea. 78 Neste sentido, a principal e clássica discussão apresentada por vários autores (Kunnel, 2001) no que concerne à estimulação da atividade osteogênica, visando a uma melhoria da saúde óssea, é mais complexa do que simplesmente afirmarmos que esta ou aquela atividade é melhor no que concerne ao número de ciclos ou à magnitude de cargas. Esta relação, ao contrário do que é prescrita por parte das instituições respeitadas, ligadas a área da saúde, não depende única e exclusivamente de aspectos fisiológicos, mas sim primordialmente de características biomecânicas. A partir de um tratamento mais sério acerca das variáveis que influenciam as propriedades mecânicas ósseas, e de uma maior gama de estudos, com um enfoque mais específico é que seremos capazes de reduzir esta lacuna existente nesta área de conhecimento. Talvez a partir desse momento, possamos vir a tratar com respeito e a seriedade que merecem a prescrição da atividade física, quebrando com os paradigmas existentes em nossa área, que nos assombram e que, infelizmente, muitas vezes são perpetuados por colegas de nossa própria classe. 79 REPOSTAS ÓSSEAS A MICROGRAVIDADE Neste capítulo pretendemos realizar uma revisão de parte do material produzido nos últimos dez anos que tratam basicamente dos efeitos da microgravidade na massa óssea, seus mecanismos reguladores e os métodos preventivos dos efeitos maléficos de tal exposição. Perda de massa óssea constitui o principal, mais conhecido e o mais estudado efeito patológico da conseqüência da exposição de humanos à microgravidade (Doty & Seagrave, 1999; Schneider et al. 1995). Há mais de uma década que o alvo das pesquisas é a compreensão deste fenômeno, elucidando o que ainda está incompleto no conhecimento celular e molecular da regulação óssea, e nas suas respectivas intervenções preventivas (NASA, 2000). Podemos entender a microgravidade como sendo a virtual ausência de gravidade encontrada no espaço (Ruttley et al., 2001). Essa condição promove alterações expressivas na massa óssea, onde ocorre uma redução significativa, além de atrofia muscular, que promove fraqueza e cansaço, redução na freqüência cardíaca, alterações na mecânica ventilatória pulmonar, além de alterações nos mecanismos de equilíbrio, principalmente afetando o sistema vestibular (Taylor, 1993). Desde o advento da formulação da lei de Wolff (Frost, 2001), que passou a ser mais conhecida a capacidade de os ossos se adaptarem a cargas mecânicas. Esta propriedade passou a ser utilizada amplamente em ortopedia. Brevemente resumida, o seu significado seria que o osso irá modificar sua massa e arquitetura para se adaptar às forças a que ele é submetido, provendo um máximo de resistência com um mínimo de material (Currey, 1984). A perda de massa óssea, causada por paralisia e imobilização, está bem documentada e seletivamente afeta os ossos imobilizados (CSBM, 1998). Essa perda óssea está associada a uma perda muscular e de força e é resultado, em parte, da redução da tensão muscular continuamente exercida pela ação da gravidade. Estes tipos de modelos são utilizados devido ao fato de representar um custo mais baixo para o estudo do efeito da ausência de cargas sobre o organismo ( Holton & Globus, 1998). 80 Figura 30 Para Turner (2000), o que influencia a atividade óssea não é a gravidade, mas sim a força peso. Para o autor, ainda não existem estudos realizados acerca do efeito da gravidade em outros planetas, nos ossos. Com exceção da lua, o homem nunca esteve em outro corpo celeste. Porém estudos em ambientes simulados de microgravidade, como, por exemplo, em vôos que simulam tais ambientes (na verdade há gravidade), o que ocorre é que a velocidade de deslocamento do corpo é a mesma que a aceleração da gravidade. Com isso o indivíduo que é submetido a esta condição está sentindo uma ausência de peso. E o peso é que impõe uma carga, segundo o autor, que promove adaptação ao tecido ósseo. Tal explanação do autor nos parece mais um ensaio filosófico, pois a força peso depende de duas variáveis, sendo que uma delas é a aceleração da gravidade. No exemplo em que o autor relaciona o fato de que em vôos, onde a microgravidade é simulada, na verdade o indivíduo não apresenta peso, porém a gravidade existe. Porém, a força peso depende de dois fatores: massa corporal do indivíduo e aceleração da gravidade. Logo, como a força peso é dependente da aceleração da gravidade, e os seres humanos apresentam uma limitação considerável de mudar rapidamente sua massa corporal, tal teoria proposta pelo autor não faz qualquer sentido. 81 Em estudos com humanos acamados, o balanço mineral ósseo e a excreção de produtos da degradação do colágeno mostraram que a imobilização causa destruição, que é detectável em poucos dias (CSBM, 1998). Um estudo realizado por Fulford & Lewis (1996) procurou identificar os efeitos da microgravidade na ativação e no crescimento dos osteoblastos. A partir dos achados deste estudo, podemos concluir que estímulos de crescimento dos osteoblastos em microgravidade resultam numa redução de crescimento, causando redução de utilização de glucose e redução na síntese de prostoglandin, que altera significativamente a actina nos osteoblastos do citoesqueleto. Outro estudo que procurou averiguar o efeito do crescimento dos osteoblastos em ambiente de microgravidade foi o realizado por Fulford et al. (1998). Os achados indicaram que os osteoblastos são mais lentos para entrar no ciclo celular em microgravidade, sugerindo que a ausência da força da gravidade por si só já é um fator preocupante em missões espaciais. Os dados deste estudo suportaram a hipótese formulada pelos autores de que a resposta biológica básica ocorre no nível celular e molecular do tecido submetido à microgravidade. Fitzgerald & Fulford (1996) realizaram um estudo que teve como objetivo, observar alterações na expressão mRNA de células osteoblásticas a uma carga gravitacional de um lançamento simulado. Com base nos resultados, foi percebido que pequenas magnitudes de carga, como as experimentadas nos lançamentos espaciais, podem alterar os níveis de mRNA significativamente, o que permite concluir que os efeitos de carga gravitacional acarretaram um aumento significativo da atividade óssea. Dois estudos, porém, procuraram avaliar o efeito da atividade osteoblástica relacionada com hormônios do crescimento (insulin like grow factor – IGF). O primeiro realizado por Drissi et al. (1999), procurou estudar os mecanismos determinantes da ausência de carga na formação óssea e, para tal, utilizou-se do padrão temporal dos níveis de mRNA para o IGF-I. Com base nos resultados, o padrão associado bifásico da expressão do IGF-I/IGF-IR, marcadores de atividade osteoblástica, e a atividade osteoblástica apresentada sugerem que o IGF-I apresenta um importante papel na sinalização do efeito 82 local da ausência de carga na formação óssea. Enquanto que o estudo realizado por Kumei et al.(1998) procurou averiguar o efeito modulador das proteínas IGF e o receptor glucocorticóide nos osteoblastos. Os resultados encontrados foram que os níveis de mRNA receptor glucocorticóide nas culturas no espaço foram aumentados por três a oito vezes em quatro dias se comparados aos controles na terra. O que aparenta ser um forte indicador dos mecanismos que a ausência da gravidade estimula, ou seja, um indicador de osteopenia. Dois estudos (Guignadon et al. 1997; Berezovska et al., 1998) demonstraram que os osteoclastos em ambiente de microgravidade apresentam menor atividade do que em ambiente com gravidade terrestre. Estes dados aparentam representar uma redução significativa de atividade óssea, que pode estar relacionada com uma redução ainda maior da atividade osteoblastica, podendo acarretar um balanço ósseo negativo agravando a condição de osteopenia. Colleran et al.(2000) estudaram as alterações na perfusão esquelética em ambiente simulado de microgravidade. Os dados encontrados por tal estudo demonstraram que ambientes simulados de microgravidade alteram a perfusão óssea, e essas alterações correspondem a mudanças induzidas pela ausência de carga na massa óssea. Esses resultados suportam a hipótese de que alterações no fluxo sanguíneo ósseo promovem um estímulo para a remodelagem óssea. O efeito da microgravidade na resposta óssea, durante períodos de longa duração, foi objeto de interesse de três estudos, de todos os artigos que fizeram parte de nossa amostra. O estudo realizado por McCarthy et al. (2000) encontrou dificuldade em avaliar os resultados devido às limitações da metodologia empregada, que no caso foi o DEXA. Já o estudo de Vico et al.(2000) e o estudo Taylor (1993) a partir dos achados, concluíram que no espaço, retirado o treinamento físico, a perda de massa óssea começa a ser considerada patológica após o retorno a um ambiente com gravidade significativa. E ainda conclui que contramedidas deveriam ser tomadas para que os astronautas continuassem funcionais, quando voltassem a uma ambiente com gravidade significativa. 83 Neste sentido, quatro foram os estudos encontrados que são relacionados ao tema de contramedidas, dentro das quais está a atividade física em ambiente de microgravidade, que será o principal foco desta discussão. O primeiro estudo, objeto de nossa análise, foi o realizado por Baldwin et al (1996). Estes autores concluíram que, aparentemente, exercícios de contramedidas, que apresentam um grande elemento de resistência, se comparados com as atividades de resistência, podem provar-se benéficos ao sistema músculo esquelético. Segundo os autores, muitas questões se mantêm passíveis à investigação científica, com o objetivo de identificar protocolos mais eficazes de contramedidas, para que com isso se chegue à era das grandes explorações espaciais. Outro estudo foi o realizado por Goodship et al (1998) que avaliou os benefícios de estímulos de curta duração com altas freqüências e magnitudes de strain. Com base nos resultados encontrados, ficou evidenciado que padrões de carga com alta magnitude de strain e com uma alta freqüência são importantes na manutenção da massa óssea de indivíduos submetidos à microgravidade. Outro estudo foi o de Ruttley et al (2001), no qual foi testada uma nova máquina de exercício físico que não depende da gravidade, chamada Constante Force Resistance Exercise Unit (CFREU). Os resultados encontrados neste estudo indicam que o CFREU provou ter um potencial viável de exercício de resistência de contramedida ao descondicionamento físico do sistema músculo esquelético, devido à microgravidade. E por último, o estudo de Covertino & Sandler (1995) que realizou uma revisão dos principais métodos de contramedidas e dos efeitos da microgravidade no organismo humano. Na análise que fazem, os autores realizam um levantamento dos principais equipamentos mais utilizados e ou métodos de exercícios de contramedida, sempre levando em consideração os fatores que influenciam a escolha de uma ou outra tecnologia, dos quais os principais são limitações de carga e de espaço. Mandar 1 kg de massa para o espaço custa em média o equivalente a 1 kg em ouro. Os métodos mais utilizados são: 1. Cilo ergômetros - São um método conveniente de teste da capacidade dos membros superiores, porém apresentam a desvantagem de não estimular 84 muito a hipertrofia óssea, além de serem módulos relativamente pesados, mesmo com a redução significativa de peso dos modelos antigos para os novos, de 40 kg para 10 kg. 2. Esteira – Segundo o autor a esteira permite um trabalho aeróbico mais intenso, além de permitir que o indivíduo corra em posição de bipedestação. Apresenta a vantagem de estimular de maneira mais significativa as estruturas ósseas. Tem a desvantagem de serem equipamentos que exigem um espaço considerável para utilização (109 cm, 34 cm, 72 cm), além de apresentarem em média 80 kg de massa. 3. Aparatos de treinamento de força - Estes aparatos têm uma utilização limitada, pois não é possível mensurar e controlar de maneira satisfatória a resistência que eles oferecem. São mais utilizados como cargas para os membros superiores. Apresentam a vantagem de serem leves e podem ser utilizados em parceria com outros equipamentos. 4. Eletroestimulação – São exercícios comumente utilizados em grandes grupamentos musculares, visando principalmente combater a atrofia muscular. São equipamentos que exigem muito cuidado em sua utilização para que trabalhem dentro dos limiares de conforto. São utilizados geralmente em uma freqüência de 60 Hz ou com estímulos de 4 s e intervalos de 0.3 s, duas vezes por dia, em um ciclo de 4 dias, onde 3 indivíduos se exercitam e 1 não. Podemos concluir, com base em nossa revisão, que muito pouco se faz para elucidar as dúvidas referentes aos efeitos da ausência da gravidade no organismo humano e as possíveis medidas para evitá-los. Neste sentido, faz-se necessário um maior número de estudos e grupos de pesquisa interdisciplinares, pois conhecimentos obtidos de outras áreas aparentam, nesta revisão, não serem aproveitados, o que pode ser um fator dificultador do avanço do conhecimento desta área. 85 METODOLOGIA DO ESTUDO Para esse estudo, foi realizada uma busca nos principais portais de informação científica, dos quais foram retirados 678 artigos, dos últimos 10 anos, que abordavam a temática respostas ósseas a cargas mecânicas. Esses artigos foram separados em duas temáticas: respostas ósseas a cargas mecânicas, no caso específico, a atividade física e estudos relacionados à microgravidade. Outra temática que seria abordada neste estudo refere-se às doenças ósseodegenerativas, com um enfoque principalmente na osteoporose, porém, devido às limitações de tempo e recursos impostas a este estudo, não foi possível realizar, também, tal revisão. A partir desses dois grupos de artigos, foi retirada uma amostra, em que o critério inicial de escolha foi o de artigos de revisão. Após retirados esses artigos, o restante da amostra foi composta a partir de uma escolha aleatória ou randômica, em um total de 84 artigos. O conteúdo dos artigos da amostra foi submetido a uma análise, na qual se utilizou a técnica proposta por Laurence Bardin (1977). Adotamos como características de análise os achados e conclusões desses estudos e os objetivos pretendidos para as investigações, segundo proposta de Batista (2001). E o conteúdo desta análise foi apresentado na forma de um texto lógico-científico, no qual foi dado um maior enfoque na parte da amostra composta pelos artigos de revisão. 86 CONCLUSÕES Neste estudo, tivemos a possibilidade, partindo de uma perspectiva epistemológica, de averiguar as tendências em que a área de conhecimento referente a respostas ósseas a cargas mecânicas vem se desenvolvendo. Aparentemente, tal área apresenta, no que tange aos objetivos, uma diversificação exacerbada de produto. Isto pode ser explicado pelo número de variáveis, ainda não totalmente compreendidas, no processo de remodelagem óssea - o que, sobremaneira, parece influenciar a produção nesta área de conhecimento. O enfoque dado neste estudo demonstrou, com relação às conclusões, que aparentemente não existe um fluxo de informação suficiente, ou não existe uma preocupação em realizar um desenvolvimento vertical do conhecimento. Isto fica claro, quando observamos uma gama de estudos que, no decorrer do tempo, se repetem, ou seja, apresentam os mesmos objetivos. Tal fato seria justificável se a preocupação da produção fosse a de elucidar questões passíveis de prova, ou retestar uma teoria em um meio ou população diferente. Porém, lacunas nesta área estão presentes no corpo de conhecimento, como, por exemplo, os mecanismos celulares envolvidos na atividade de remodelagem óssea que continuam sendo pouco entendidos, embora exista um crescimento no número de pesquisas com este enfoque. Os mecanismos que estão envolvidos na regulação óssea certamente necessitam de mais estudos. Por outro lado há pesquisas, principalmente com caráter descritivo, presentes de maneira significativa no corpo de conhecimento. Foi possível observar que muitas pesquisas se utilizaram de uma metodologia ineficaz para a averiguação de suas hipóteses, como foi o caso da maioria dos estudos, ao buscar os efeitos benéficos da estimulação mecânica na qualidade óssea. A grande maioria utilizou equipamentos de densitrometria óssea, o que de certa forma tem uma aplicabilidade muito reduzida no que tange a determinar ou avaliar as alterações microestruturais da arquitetura óssea. Por exemplo, dois indivíduos que apresentam a mesma densidade óssea, podem possuir capacidades ósseas distintas a cargas mecânicas. Neste sentido, boa parte dos estudos foram realiazados in vitro ou ex vivo, o que de certa maneira altera as qualidades mecânicas ósseas, trazendo como possível conseqüência equivocados, inaplicáveis a situações nas quais as cargas costumam ocorrer. resultados 87 Por outro lado, parece existir uma dificuldade muito grande na realização de estudos in vivo e, principalmente, in situ, devido ao fato de que os métodos, comumente utilizados para avaliar os efeitos das cargas mecânicas nas estruturas ósseas, são invasivos, ou seja, exigem, em sua maioria, procedimentos cirúrgicos, o que dificulta significativamente sua aplicação. Alguns estudos mais recentes, no entanto, valem-se de métodos não invasivos, como é o caso, por exemplo, do aumento na produção de estudos que utilizam acelerômetros de superfície ou vibrômetros, visando à mensuração das cargas mecânicas às quais as estruturas são submetidas. Neste sentido, se o atual corpo de conhecimento continua a apresentar uma clara preocupação em elucidar certas teorias, valendo-se para tal de modelos que respeitam as características da arquitetura morfofuncional e mecânica óssea, estudos que visem a uma análise de conteúdo são ferramenta fundamental para a identificação de lacunas presentes no corpo de conhecimento. Nosso estudo pretendeu apresentar esta contribuição. 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AERSSENS, J.; BOONEN, S.; LOWET, G.; DEQUEKER, J. Interspecies differences in bone composition, density, and quality: potential implications for in vivo bone research. In: Endocrinology, Vol. 139, Nº 2, pp. 663-670, 1998. ALBERTS, Bruce et al. 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