PROJETO DE PESQUISAS
Relatório Técnico Final
Proc Nº: 46.2828/00-0
Título:
Geoeconomia do Gás Natural no Cone Sul
Instituições Executoras:
Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Centro de Estudios Urbanos y Regionales, vinculado ao Centro de Estudios
Avanzados da Universidad de Buenos Aires (UBA).
Equipe técnica:
Claudio Antonio Gonçalves Egler
Frederic Monie
Gisela Aquino Pires
Elsa Laurelli (CEUR)
Isabel Raposo (CEUR)
Elma Montana (CEUR)
Silvina Carrizo (CEUR)
Rafael Alves Montanha
- Professor Adjunto
- Coordenador
- Professor Visitante
- Pesquisador
- Professora Adjunta
- Pesquisadora
- Doutora em Geografia
- Colaboradora
- Doutoranda em Geografia - Colaboradora
- Doutoranda em Geografia – Pesquisadora
- Doutoranda em Geografia - Pesquisadora
- Estudante de Geografia - Bolsista
ii
APRESENTAÇÃO
O presente relatório técnico reflete a produção da equipe envolvida no projeto
“Geoeconomia do Gás Natural no Mercosul” , coordenado por Claudio A. G. Egler e
apoiado pelo CTPetro/CNPq, desenvolvido em colaboração entre o Laboratório de Gestão
do Território (LAGET-UFRJ) e o Centro de Estúdios Regionales y Urbanos (CERU),
vinculado ao Centro de Estúdios Avanzados da Universidad de Buenos Aires.
Os trabalhos envolveram pesquisadores e bolsistas das duas instituições em diversas
atividades, desde o levantamento e sistematização de informações estatísticas, cartográficas
e bibliográficas, até a apresentação de resultados em diversos fóruns científicos. Devido a
isto, podemos considerar seus produtos segundo duas categorias básicas: intrumentais e
finais.
Os produtos instrumentais, tais como bases de dados e sistemas de informações
geográficas, devem considerados no bojo da linha temática de pesquisas “Geografia
Econômica do Mercosul”, em desenvolvimento no LAGET e integrante do Programa de
Pós-graduação em Geografia da UFRJ (PPGG-UFRJ), e são utilizados como suporte ao
desenvolvimento de teses e monografias, bem como de pesquisas sobre o processo de
integração regional no Cone Sul da América.
Dentre os produtos intrumentais disponíveis no LAGET destacam-se as bases de
dados BRASIL, que reune informações socioeconômicas sobre os municípios brasileiros,
desde 1970 até os dias atuais e MERCOSUL, com dados principalmente da Argentina e
Chile, mas também Uruguai, Paraguai e Bolívia, desde 1980 ate 2000. Tais bases integram
o sistema de informações geográficas (SIG) CONE SUL, disponível no LAGET,que possui
bases cartográficas georeferenciadas em diversas escalas, desde 1:5.000.000 até 1:500.000,
com informações sobre limites territoriais, hidrografia, rodovias, ferrovias e utilidades,
dentre outras. Tal sistema foi transferido para as instituições que colaboram com o projeto:
o CEUR (Argentina) e o Centre de Recherches et Documentation sur l’Amerique Latine
(CREDAL), vinculado a Université de Paris III.
Essas bases e parte do SIG, principalmente o que diz respeito à atividade petrolífera
no Brasil, estão sendo disponibilizadas também através do Banco de Dados Ambientais
para a Indústria do Petróleo (BAMPETRO), em implantação no Observatório Nacional
(ON-MCT), com apoio do CTPetro/FINEP. Também considera-se como produto
instrumental do projeto, a construção de uma página Internet (www.geogas.ufrj.br), que se
propõe a divulgar dados e informações sobre a geoconomia do gás natural no Mercosul. Tal
página encontra-se em processo de remodelação para incorporar novas ferramentas de
consulta baseadas em softwares livres (My SQL e PHP), visando a servir como suporte à
pesquisa interativa entre as instituições participantes da rede.
Quantos aos produtos finais da pesquisas destacam-se diversos trabalhos
publicados, teses e monografias defendidas e participações em congressos e seminários.
Para sintetizar essa produção foi seleciodada uma coletânea de textos que ora é
encaminhada para apreciação do CNPq. Os dois primeiros, de autoria de Claudio A. G.
Egler (LAGET-UFRJ) apresentam uma visão geral da geoeconomia do Cone Sul e o papel
das redes logísticas na conectividade das principais cidades do Mercosul. Segue-se o texto
de Gisela A. Pires do Rio (LAGET-UFRJ), que apresenta os lineamentos centrais da
iii
Geopolítica Energética do Brasil nas últimas décadas. O Prof. Frederic Monié (LAGETUFRJ)discute a seguir os problemas associados a redefinição das redes logísticas no Brasil,
com especial atenção ao sistema portuário. Do mesmo autor é o artigo que faz uma análise
comparativa da atividade petrolífera no Mar do Norte, Golfo do México e América do Sul,
com especial atenção ao novo papel do poder local no Brasil, analisado em detalhes na área
de influência da Bacia de Campos.
A seguir é apresentado o trabalho de Silvana Carrizo, do CEUR-UBA, que discute o
papel do Gás Natural na Argentina. A Prof. Carrizo está desenvolvendo sua tese de
doutorado sobre essa temática no CREDAL e o texto aponta a orientação de suas pesquisas.
Na mesma direção, mas voltado para o papel das redes de energia nos vínculos entre
Argentina e Chile, apresenta-se o artigo da Prof. Elma Montana, vinculada ao CEUR, mas
atuando na Universidad Nacional de Mendoza.
Encerrando o relatório, incluiu-se o trabalho do Geog. Rafael Montanha, bolsista do
LAGET-UFRJ, que desenvolveu sua monografia de graduação sobre as redes logísticas no
Mercosul.
SUMÁRIO
GEOECONOMIA DO MERCOSUL: NOTAS PRELIMINARES ..................... 4
INTRODUÇÃO: .......................................................................................................... 4
TECNOLOGIA E INTEGRAÇÃO TERRITORIAL .............................................................. 7
A RETOMADA DA GEOECONOMIA ........................................................................... 13
INTEGRAÇÃO REGIONAL NO MERCOSUL ................................................................ 16
CONFLITOS E AJUSTES NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO CONE SUL..................... 19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 20
INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E REDES LOGÍSTICAS NO CONE SUL.... 25
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 25
INTEGRAÇÃO ECONÔMICA REGIONAL: ALCANCES E LIMITES .................................. 25
CONECTIVIDADE ESPACIAL E A DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO ................... 27
REESTRUTRAÇÃO PRODUTIVA E REDEFINIÇÃO DOS SISTEMAS ................................ 28
A AGENDA DOS EIXOS NACIONAIS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (ENIDS)
.......................................................................................................................................... 30
AS DIFICULDADES DA INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL ............................................... 38
AS REDES LOGÍSTICAS E SUA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL NO CONE SUL ................. 40
BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 48
ANEXO 1................................................................................................................ 50
ENERGIA NO BRASIL: CONTRADIÇÕES DE UM PROJETO
GEOPOLÍTICO INACABADO........................................................................................ 51
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 51
RAÍZES E ATUALIDADE ........................................................................................... 52
Ratzel e Kjellén: raízes ..................................................................................... 52
A atualidade: incertezas e pluralidade............................................................. 54
Brasil: a “cultura” geopolítica militar e a estruturação espaço .................... 55
CHOQUE VERSUS CONTRA-CHOQUE: DESDOBRAMENTOS GEOPOLÍTICOS ................ 58
A disputa entre cartéis ...................................................................................... 58
Políticas nacionais: interesses compartilhados ............................................... 61
O SISTEMA ENERGÉTICO NO BRASIL ...................................................................... 64
Os primeiros marcos jurídico-institucionais .................................................... 65
Consolidação e crise......................................................................................... 66
Cinco questões-chave para uma abordagem geopolítica da energia no Brasil
...................................................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 68
PLANEJAMENTO TERRITORIAL, MODERNIZAÇÃO PORTUÁRIA E
LOGÍSTICA. O IMPASSE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E NO RIO
DE JANEIRO...................................................................................................................... 71
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 71
2
TRANSPORTE E PORTOS NA ECONOMIA GLOBAL DE CIRCULAÇÃO .......................... 71
Reestruturação produtiva e nova economia dos fluxos .................................... 71
A redefinição da logística................................................................................. 72
RETÓRICA E PRÁTICA DAS NOVAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
NO BRASIL ......................................................................................................................... 73
REFORMA PORTUÁRIA E “INSERÇÃO COMPETITIVA” DO RIO DE JANEIRO NA ERA
GLOBAL ............................................................................................................................. 76
O PROJETO SEPETIBA: O TRANSPORTE CONTRA O TERRITÓRIO? ............................. 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 82
A INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS EM ESCALA MUNDIAL. UMA
VISÃO COMPARATIVA.................................................................................................. 84
MUDANÇAS RECENTES NA INDÚSTRIA PETROLÍFERA MUNDIAL .............................. 84
EXPLORAÇÃO OFF SHORE E ORGANIZAÇÃO REGIONAL: ELEMENTOS DE
COMPARAÇÃO .................................................................................................................... 86
A situação no México........................................................................................ 86
O caso do Mar do Norte ................................................................................... 89
REENGENHARIA INSTITUCIONAL NA ARGENTINA, NA VENEZUELA E NO MÉXICO:
ELEMENTOS DE COMPARAÇÃO. .......................................................................................... 91
Argentina: um exemplo de privatização total da cadeia petrolífera................ 92
Venezuela: fim do monopólio na produção e na petroquímica........................ 93
México: manutenção do monopólio sobre a produção .................................... 93
A BACIA DE CAMPOS. O TERRITÓRIO DA MUDANÇA NO CENÁRIO NACIONAL ........ 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 96
LA NUEVA DINÁMICA Y LOS NUEVOS DESAFIOS EN MATERIA DE
HIDROCARBUROS EN ARGENTINA. ........................................................................ 97
EVOLUCIÓN HISTÓRICA DE LA PRODUCCIÓN DE GAS Y PETROLEO EN ARGENTINA . 98
Consolidación de la red de gas en Argentina y su potencial expansion regional
...................................................................................................................................... 99
Los nuevos territorios de las redes de hidrocarburos .................................... 100
DESAFÍOS QUE OFRECEN LAS REDES EN EL CONO SUR ......................................... 102
REFERÉNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................... 103
LAS REGIONES ARGENTINAS FRENTE A LA AMPLIACIÓN DE LAS
REDES TRANSFRONTERIZAS DE ENERGÍA EN EL CONO SUR: MENDOZA:
¿BENEFICIOS LOCALES O ÁREA DE SACRIFICIO? ............................................. 104
LOS PRIMEROS SIGNOS DEL CAMBIO DEL MODELO ECONÓMICO ARGENTINO: LA
DESREGULACIÓN DEL SECTOR DE LOS HIDROCARBUROS .................................................. 104
Internacionalización y reestructuración de los actores del sector................. 105
LA RED HIDROCARBURÍFERA ARGENTINA ............................................................ 107
LA RED GASÍFERA TRANSNACIONAL..................................................................... 109
LAS REDES TRANSNACIONALES EN MENDOZA Y LA V REGIÓN DE CHILE ............ 115
Los proyectos de la integración energética.................................................... 115
LAS IMPLICANCIAS PARA LOS TERRITORIOS LOCALES .......................................... 117
REFERÉNCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................... 120
GASODUTOS NO CONE SUL: UMA REDE TRANSNACIONAL............... 121
3
CARACTERÍSTICAS DO GÁS NATURAL ................................................................. 121
DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DO GÁS NATURAL ....................................... 121
TRANSPORTE DO GÁS NATURAL: UM DESAFIOE ECONÔMICO............................... 123
Transporte via gasodutos ............................................................................... 123
Transporte via navios criogênicos: ................................................................ 124
A possibilidade dos combustíveis sintéticos ................................................... 125
A INTEGRAÇÃO DOS GASODUTOS NO CONE SUL DA AMÉRICA ............................ 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 135
4
Geoeconomia do Mercosul: Notas preliminares
Claudio A. G. Egler
Introdução:
A crise do padrão de acumulação, que vigorou na economia mundial desde o
imediato pós-guerra até o início dos anos 70, atingiu nações e regiões de modo desigual.
Enquanto crise da hegemonia norte-americana, ela se manifestou em fraturas irreversíveis
no espaço monetário supranacional fundado no dólar, enquanto moeda internacional,
forçando a reajustes drásticos na política monetária e cambial dos Estados nacionais.
Enquanto crise do padrão de concorrência intercapitalista, ela se manifestou no acirramento
do conflito entre grandes blocos de capital, deflagrando um processo de fusões e
incorporações de empresas multinacionais que alterou significativamente o planisfério
mundial da propriedade do capital. Por final, enquanto crise do padrão tecnológico fundado
na inesgotabilidade dos recursos naturais e na inexorabilidade das economias de escala,
enquanto fatores básicos para a produção competitiva em qualquer parte do planeta, ela
levou a obsolescência de antigas regiões industriais consolidadas e forçou a reestruturação
produtiva das economias nacionais, ampliando as exigências de intervenção do Estado, ao
mesmo tempo que reduzia sua capacidade de financiar o gasto público.
Isto pode ser atribuído a vários motivos. Em primeiro lugar, a redução do ritmo de
crescimento das economias nacionais e a generalização de formas de subcontratação entre
empresas permitem uma vasta gama de operações contábeis que levaram a uma substancial
perda da capacidade extrativa do Estado, junto com um aumento do desemprego nas
atividades e regiões tradicionais. Como conseqüência deste duplo movimento, houve um
crescimento desproporcional dos encargos sociais a um limite que inviabiliza qualquer política territorial de distribuição da renda com base nos instrumentos fiscais clássicos, acentuando, por outro lado, os conflitos distributivos regionais.
Em segundo lugar, embora o desenvolvimento de novos materiais e a flexibilização
dos processos produtivos tenha contribuído para reduzir a velocidade do processo de
concentração espacial da atividade industrial, ainda é prematuro para assumir integralmente
as teses de Markusen (1985), acerca da falibilidade do princípio da "causação circular" de
Myrdal (1957). A experiência recente não permite conclusões definitivas acerca da
tendência espacial das economias capitalistas avançadas, existem evidências que a
desconcentração da produção, quando ocorre, não é acompanhada pela descentralização da
gestão financeira e estratégica das empresas, que se baseia cada vez mais em redes
telemáticas para ampliar sua área de atuação e reduzir o tempo de decisão.
Por outro lado, o papel do Estado não pode ser desprezado na criação de novas
localizações industriais vinculadas às chamadas "novas tecnologias". Seja nas economias liberais, como os EUA, onde os gastos militares tiveram papel decisivo na formação do
"Silicon Valey", na Califórnia, ou da "Route 128", nos arredores de Boston. Nas economias
reguladas como a França, onde a política dos "technopoles" (pólos tecnológicos), como
Sophia-Antipolis, recebeu forte suporte de órgãos públicos, empresas estatais e garantia de
mercado civil e militar. Seja também nas economias de "capitalismo organizado" (Tavares,
1990), como o Japão, onde a política das "technopolis" (cidades tecnológicas), como
Tsukuba, constitui um elemento importante de reestruturação produtiva e de negociação
com as comunidades territorialmente localizadas.
5
Esta situação assume aspectos particularmente críticos quando a orientação da
política econômica caminha no sentido da integração supranacional, através da formação de
uniões alfandegárias e mercados comuns. O princípio da união alfandegária pressupõe a
adoção de um mesmo regime tarifário para as nações que a integram, abolindo as barreiras
entre elas e apresentando-se como uma entidade única perante o comércio internacional. É
um caminho que pressupõe a adoção de medidas visando uniformizar o espaço econômico,
reduzindo as formas espúrias de estímulo a produção, em favor daquilo que Fanjzylber
(1992) chama de competitividade sistêmica, baseada em formas sustentáveis de introdução
e absorção de progresso técnico.
Tais propostas de políticas públicas defrontam-se com interesses regionais
consolidados e todas atuam diretamente sobre as relações entre o mercado doméstico e o
mundial. Para compreendê-las é fundamental utilizar as três escalas de análise, articulandoas de modo dinâmico em torno da meta geral de superação da crise (Egler, 1992),
resguardando as características peculiares de redefinição de cada estrutura produtiva
regional e tendo como critério fundamental a ampliação do mercado nacional com eqüidade
social. É evidente que medidas destinadas a corrigir a extrema concentração de renda na
economia brasileira terão fortes efeitos multiplicadores sobre estrutura produtiva nacional,
entretanto isto não pode velar o fato de que o núcleo dinâmico do mercado doméstico,
capaz de lhe conferir um rítmo endógeno de acumulação, está fortemente ancorado nos três
principais complexos industriais: o metal-mecânico, o químico e o agroindustrial.
Esses complexos possuem ligações produtivas e, principalmente, financeiras que
extrapolam os limites do mercado doméstico e devem ser definidas em escala mundial. Isto
significa que seu comportamento depende das estratégias de concorrência de blocos de
capital que operam no sistema internacional e, embora estejam plasmados em diversos
territórios econômicos com é o exemplo do Brasil, avaliam suas posições no espaço
econômico global e buscam vantagens competitivas reais e potenciais naquilo que Michalet
(1989) chama de échiquier1 industrial mundial.
Os complexos metal-mecânico e
químico, foram objeto de profundas
transformações com a flexibilixação dos processos produtivos e o desenvolvimento de
novos produtos. A aplicação da microeletrônica e da gestão informatizada que alterou as
regras de concorrência em segmentos importantes da indústria metal-mecânica, assim como
a orientação preferencial do investimento na indústria química para a produção de
especialidades de alto valor incorporado, a chamada química fina, são tendências já
comprovadas no mercado mundial que dificilmente a economia nacional poderá passar ao
largo sem o risco de que as empresas que operam em seu mercado doméstico se
transformem em firmas marginais.
Existem fortes evidências de que as condições locais são importantes elementos de
atração de empresas de maior densidade tecnológica. Mais do que isto, dadas as condições
de mobilidade das plantas flexíveis e da integração através de redes de subcontradas
operando just in time (JIT), alguns segmentos destes complexos tem comportamento
locacional peculiar. Scott e Storper (1988: 31) mostram que a indústria eletrônica norteamericana teve seu foco original no Nordeste nos anos 50. No entanto, a partir da década de
sessente e, intensificado nos setenta, esta indústria mudou seu núcleo dinâmico para a costa
oeste. Diversos fatores explicam este processo desde qualificação da mão-de-obra até a
formação de complexos científicos-tecnológicos em torno de universidades ou institutos de
1 Tabuleiro de xadrez, tabuleiro de jogos.
6
pesquisa. No caso específico dos EUA existem fortes evidências da associação da indústria
eletrônica com o complexo industrial militar, principalmente o segmento aeroespacial, que
deslocou-se para o oeste em busca de áreas livres para testes e implantação de grandes
plantas. (Markunsen, 1986).
A dimensão territorial do desenvolvimento econômico tende a se alterar com a
difusão de métodos flexíveis de produção. Harvey (1989: 159-160) mostra o papel do
acesso ao conhecimento técnico-científico às novas formas de produção como instrumentos
fundamentais da concorrência inter-capitalista. Scott e Storper (1992: 13) distinguem a
configuração das regiões onde predominam as economias de escala daquelas onde a
flexibidade e as economias de escopo ou amplitude são dominantes. Eles reconhecem três
tipos de aglomerações definidas pela produção flexível:
1) as indústrias baseadas no trabalho especializado e diferenciação do
produto, como vestuário, têxteis, mobiliário, cerâmica, material esportivo. Elas apresentam
dois padrões básicos de localização, um coincide com o interior de grandes áreas
metropolitanas, como Paris, Londres ou Nova York, e a outra com antigos centros de
produção artesanal como na Terceira Itália, partes da França, Grécia, Portugal, Alemanha,
Espanha e Escandinávia;
2) as índústrias de alta-tecnologia que tendem a se localizar em zonas
suburbanas ou próximas às grandes metrópoles e também em áreas não industrializadas,
como o Sunbelt, nos EUA; Cambridge na Grã-Bretanha ou no Sul da
França;
3) Por final, as aglomerações de sedes de empresa e serviços financeiros são
encontradas no centro, ou próximos a ele, das grandes cidades mundiais, como Manhattan,
a City de Londres ou La Defense em Paris.
Esta classificação mostra que, embora os núcleos de decisão permaneçam
fortemente centralizados nas cidades mundiais, as atividades produtivas podem ser desconcentradas, desde que hajam conexões fáceis entre as unidades produtivas e os centros de
gestão e exista a disponibilidade de trabalho qualificado e uma base técnica adequada às
operações industriais. Estudos de campo realizados no Vale do Paraíba, entre as duas
grandes metrópoles nacionais do Rio de Janeiro e São Paulo, bem como nas suas
ramificações no Sul de Minas Gerais, mostraram que existem bolsões de trabalho
especializado e qualificado formados por formas pretéritas de industrialização - como é o
caso do Vale do Sapucaí (MG), que sediava antigas indústrias do complexo metalmecânico, inclusive ligadas ao setor militar como a fábrica de armas de Itajubá - que
fornecem mão-de-obra e base técnica para as novas fábricas do segmento eletro-eletrônico
e mecânico que estão se implantando recentemente na região. (Becker e Egler, 1989).
É importante que se frise que este processo não ocorre unicamente por fatores
espontâneos, ou seja pela atuação das 'livres forças do mercado'. As análises realizadas em
estudos comparativos entre o Brasil e a França mostraram que o Estado desempenhou papel
determinante na afirmação dos centros de produção com maior densidade tecnológica
nestes dois países, seja no segmento aeroespacial como ocorre em Toulouse e São José dos
Campos, ou eletroeletrônica e informática como em Grenoble e Campinas. Mais do que
isto, não se trata na visão corriqueira do Estado como o poder centralizado no nível mais
elevado da estrutura jurídica nacional, mas sim de uma ação conjunta das diversas esferas
de poder que envolve desde órgãos federais até entidades municipais ou comunais (Becker
e Egler, 1991).
7
Essa talvez seja a principal observação acerca da reestruturação produtiva e as
novas condições de operação do Estado. Não é mais possível que as fronteiras de
acumulação seja abertas apenas pelos investimentos concentrados em grandes projetos, é
necessária uma intensa cooperação entre as diversas esferas de poder para criar campos de
atração para o investimento produtivo, garantindo desde as obras de infra-estrutura até a
formação e qualificação da força de trabalho. Isto não é possível sem uma forte
participação e efetivo envolvimento das autoridades locais e regionais, o que coloca a
questão do federalismo em outro patamar, ultrapassando os limites dos ajustes políticos
para fincar raízes no terreno da geoeconomia (Egler, 1993).
Tecnologia e integração territorial
O ingresso no século XXI é um marco crucial na redefinição do papel dos territórios
nacionais no contexto global. Até então, o primado da geopolítica ressaltava aspectos como
extensão, contiguidade e posição, como elementos potenciais para construção e afirmação
do Estado-nação. Hoje, contudo, os fluxos de mercadorias, pessoas e informações não
respeitam fronteiras e apenas a posse sobre terras e águas, definidas por limites políticos
internacionais, não garante o efetivo domínio sobre o território.
A expansão das redes globais e a aceleração da velocidade em seus diversos
circuitos alteram constantemente as dimensões relativas dos territórios nacionais. Nesse
contexto, somente o conhecimento detalhado de suas condições naturais, sociais e culturais
pode garantir a verdadeira soberania. É a dimensão geoeconômica que assume importância
crescente no modo como os diversos espaços se inserem na economia mundial, em
permanente mutação. Para a geoeconomia, o território nacional não é um ente estático, mas
dinâmico, em sua forma, estrutura e organização.
Um exemplo flagrante dessa nova realidade é a Plataforma Continental do Brasil no
Atlântico Sul. Com uma superfície total de cerca de 4 milhões de km2, com dimensões
equivalentes à Amazônia brasileira, é dela que provêm a maior parcela da produção
nacional de petróleo e gás natural e onde estão suas principais reservas conhecidas. Essas
vastas e ricas extensões territoriais foram recentemente submetidas à jurisdição nacional,
com base na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar de 1982, que acordou
o princípio de que somente o conhecimento detalhado - tanto das potencialidades, como das
restrições ao uso sustentável dos recursos, permite a reivindicação da soberania sobre os
espaços marítimos.
A integração territorial manifesta a síntese concreta dos processos de divisão técnica
e social do trabalho, de concentração produtiva e de centralização financeira no território.
Desde logo é importante advertir que o conceito de território é distinto de uma visão
puramente espacial, ou mesmo regional, como o fazem os membros da "regional science"
de fundamento neo-clássico. O conceito de território pressupõe a existência de relações de
poder, sejam elas definidas por relações jurídicas, políticas ou econômicas. Nesse sentido é
uma mediação lógica distinta do conceito de espaço, que representa um nível elevado de
abstração, ou de região, que manifesta uma das formas materiais de expressão da
territorialidade, como o é, por exemplo, a nação.
Do ponto de vista da dinâmica territorial, vista aqui como motor do processo de
integração, é importante ressaltar e discutir dois níveis analíticos fundamentais e interligados. O primeiro é o das relações cidade e campo, que embora sejam tratadas conjuntamente
nos fundamentos do pensamento econômico, perderam grande parte de seu poder analítico
ao serem dividas em "ramos" distintos do conhecimento, como a economia rural e agrícola
8
e, seu quase reverso, a economia urbana e industrial. Aqui vale um contraponto: muito tem
sido atribuído à geografia acerca da imprecisão do conceito de região, como um ente
natural e histórico; entretanto desde a sua origem, enquanto conceito geográfico, Vidal de
la Blache afirmava, no início do século, que "cidades e estradas são as grandes iniciadoras
de unidade, elas criam a solidariedade das áreas". Neste sentido, a região é, antes de tudo,
um conceito síntese das relações entre cidade e campo, definindo-as e particularizando-as
em um conjunto mais amplo, que pode ser tanto a economia nacional, como a internacional.
Admitindo isto, é importante, desde logo, afastar qualquer viés fisiocrata acerca do
processo de formação das regiões. No capitalismo, as regiões não se formam a partir da
captura do excedente agrícola, como alguns ingênuos podem fazer crer. Novamente a
geografia nos ensina que a "região não criou a sua capital, é a cidade que forjou sua região"
e "a indústria e o banco, mais do que simples instrumentos desta construção, são o
verdadeiro cérebro dela" (Kayser, 1964: 286). Toda região possui um centro que a estrutura
e a manifestação mais concreta dos níveis de integração territorial em uma determinada
região é a consolidação de sua rede urbana. Na verdade, pode-se ir além disto: o próprio
estágio de desenvolvimento da rede urbana revela os níveis de integração produtiva e
financeira de uma região.
A literatura em geografia distingue três estágios de desenvolvimento da rede urbana
(Kayser, opus. cit.: 301). Primeiro a "semeadura urbana", onde o crescimento das cidades
se faz de modo relativamente autônomo, onde cada uma se limita a tentar controlar para si a
maior parte das relações com o campo vizinho. Neste caso seus vínculos são mínimos e a
divisão territorial do trabalho entre elas praticamente inexistente, a não ser entre cidade e
campo. O segundo estágio é o da "bacia urbana", quando as grandes cidades lançam sobre a
região a rede que drena para elas o máximo de riquezas. É o período onde o capital
mercantil é dominante e inicia a construção uma hierarquia urbana, que é resultante do
processo de concentração produtiva e centralização financeira na capital da região
mercantil. Do mesmo modo, a divisão territorial do trabalho começa a se esboçar entre as
atividades urbanas, iniciando um processo de especialização e diferenciação que resulta de
vantagens locacionais e históricas.
Por final, a consolidação da rede urbana corresponde ao momento descrito como
"industrialização do campo". É quando os fluxos entre cidades e entre elas e o campo são
estáveis e permanentes, formando uma estrutura dinâmica e individualizada que pode,
então, ser descrita como uma região territorialmente integrada. É importante frisar que
nesta estrutura não existe nada que leve a um pretenso equilíbrio interno ou externo, como
algumas formulações neo-clássicas da "regional science" tentam difundir. Embora alguns
modelos descritivos e dedutivos tenham sido formulados a partir de situações de equilíbrio,
como é o exemplo da célebre "teoria dos lugares centrais" de Christaller (1933), seu poder
explicativo é bastante limitado e estático, sendo incapaz de dar conta das diversas situações
no tempo e no espaço.
Estas observações podem ser ampliadas para a maioria das "teorias" de crescimento
regional, desde aquelas de fundamento keynesiano, como a "teoria da base de exportação",
como também aquelas de viés schumpeteriano como a concepção perrouxiana do
"crescimento desequilibrado". Não está entre os objetivos deste trabalho dar conta do
debate histórico acerca da dinâmica regional, apenas é importante frisar que boa parte das
componentes fundamentais desta dinâmica repousam nas relações que se estabelecem entre
cidades e entre elas e o campo. Isto é particularmente importante na análise do processo
contemporâneo de reestruturação econômica, onde novos padrões de integração produtiva e
9
financeira, estão redefinindo a estrutura das relações cidade e campo e contribuindo para a
reelaboração do desenho das redes urbanas regionais nas economias avançadas.
O segundo nível a ser trabalhado é o das relações entre centro e periferia, que neste
texto será assumido em suas dimensões originais, isto é como resultante da divisão territorial do trabalho, da concentração produtiva e da centralização financeira durante o
processo de formação do "mercado interno" para o capitalismo. Segundo Lenin (1899:
550), este processo "oferece dois aspectos, a saber: o desenvolvimento do capitalismo em
profundidade, quer dizer, um maior crescimento da agricultura capitalista e da indústria
capitalista em um território dado, determinado e fechado, e seu desenvolvimento em
extensão, quer dizer, a propagação da esfera de domínio do capitalismo a novos territórios."
Isto significa, em poucas palavras, que as relações centro-periferia são, desde a origem, um
processo dinâmico de aprofundamento vertical e expansão horizontal das forças produtivas
e das relações de produção capitalistas.
Isto foi percebido claramente por Prebisch em sua análise sincrônica da economia
mundial do pós-guerra, onde corretamente pôs ênfase na desigual velocidade de incorporação do progresso técnico nas diversas porções da economias capitalistas, que
resultavam em diferentes níveis de produtividade e, conseqüentemente, na deterioração dos
termos de intercâmbio entre centro e periferia. É importante, desde logo, afastar as
concepções neo-ricardianas da existência de "trocas desiguais" devido às diferentes quantidades ou remunerações do trabalho entre centro e periferia. Neste erro, apesar da
simplificação dualista, Furtado não incorreu quando atribuiu a origem das crescentes desigualdades regionais da renda entre o Nordeste e o Centro-Sul aos diferentes níveis e ritmos
de crescimento da produtividade em conseqüência da industrialização pesada.
Uma das sínteses mais fecundas entre a dinâmica centro-periferia e a questão do
progresso técnico foi aquela elaborada por Friedmann. A despeito de sua explícita
vinculação à concepção estéril da "teoria geral dos sistemas", Friedmann (1965) assume
que o desenvolvimento, que resulta da difusão do progresso técnico, se expressa em
mudanças estruturais no sistema espacial, que passa a se integrar através relações de
autoridade-dependência. Neste aspecto, ele é fiel à tradição da geografia política que, desde
Ratzel, define a área "core" como o centro de poder e de irradiação cultural no território
nacional2. Assim, as inovações principais ocorrem nas "core regions", ou centros, e todas as
outras áreas da economia nacional são regiões periféricas, definidas através de suas
relações de dependência com o centro3.
Friedmann (1971) propõe um modelo de desenvolvimento "equilibrado" que parte
de uma situação inicial, onde as inovações são concentradas em uma ou duas cidades para
onde convergem os recursos da periferia, sejam eles mercadorias ou força de trabalho, que
caracterizaria uma situação marcada pelo forte "desequilíbrio estrutural". À medida que o
progresso técnico se difunde pela periferia, a estrutura espacial tenderia para o "equilíbrio",
quando a integração nacional se faria através da multiplicação de "core regions" pela
periferia. Para ele, o caráter da política territorial deveria adequar-se a cada uma das fases
do processo de desenvolvimento, pois nos primórdios da industrialização haveria tendência
ao agravamento dos "desequilíbrios" regionais", fazendo com que a política regional
2 - Sobre o conceito de "core" e centro e periferia em geografia política e no pensamento de Ratzel,
vide Burghardt (1969) e Strassoldo (1985).
3 - Sobre as relações entre as análises de Friedmann e os pressupostos da Geografia Política ver
Becker (1972: 16)
10
procurasse reproduzir as metas setoriais nacionais dentro de cada região. Já no segundo
estágio, a industrialização passaria a ser limitada pelas dimensões do mercado na área
central, o que faria com que a política regional passasse a ser um instrumento de extensão
geográfica dos mercados e de racionalização do uso dos recursos naturais em todo o
território nacional, criando condições para que se estabeleça uma política explícita de
integração do mercado nacional4.
Aydalot (1976: 15-20) parte também da noção de progresso técnico para analisar a
dinâmica territorial das economias capitalistas. Para ele, "se considera-se que as
implicações do nivel tecnológico são essenciais, mais do que o nível de investimentos, as
transferências de excedente aparecerão menos importantes que as escolhas espaciais das
técnicas (...). Mais do que isto, sua visão do imperialismo está definida "pela aptidão do
capitalismo de impor uma divisão interespacial do trabalho tal que certos espaços tendem a
se especializar nos produtos que possuem uma forte dose de conhecimento, enquanto outros
se especializarão nas produções que exigem conhecimentos inferiores (...) Assim, a
conclusão é simples: "os espaços não se diferenciam mais sobre a base de seu estoque de
capital, mas em função das aptidões produtivas de sua força de trabalho, e de sua aptidão
em conceber bens novos e processos técnicos mais avançados".
Em sua forma geral, a concepção de Aydalot assemelha-se a visão do ciclo do
produto de Vernon embora reforçe o papel da qualificação da força de trabalho como
elemento de diferenciação no espaço econômico. Isto permite com que ponha ênfase na
mobilidade do trabalho e na transmissão inter-espacial das técnicas como elementos
fundamentais de integração territorial. Em sua visão, para que haja desenvolvimento, "o
trabalho caracterizado de maneira qualitativa e dinâmica (aptidão para a progressão)
tornou-se a variável estratégica." Em síntese a dinâmica territorial para este autor pode
assim ser resumida:
"Nas relações entre dois espaços quaisquer, há sempre uma parcela de
autonomia e uma parcela de integração. No correr do tempo, ao longo de um
processo secular, se produz um alargamento espacial das relações entre os espaços de
modo que os espaços anteriormente autônomos se aproximam (redução dos custos
das mobilidades, redução das 'distâncias' entre espaços, desenvolvimento das
informações, do conhecimento inter-espacial). Assim, em dinâmica de longo período,
dois espaços quaisquer passam, um vis-a-vis o outro, de um estado de autonomia a
um estado caracterizado pelas relações cada vez mais intensas, embora os
mecanismos da mobilidade continuem os mesmos."
Aydalot põe ênfase na "distribuição desigual das técnicas" porém não expõe quais
os fatores que a explicam, exceto um desenvolvimento originário também desigual. Neste
sentido, a mobilidade das atividades produtivas seria um fator de homogeneização, a longo
prazo, do espaço econômico através da difusão da técnica pelas suas diferentes parcelas.
Neste mundo construído pela solidariedade não existe espaço para a concorrência, assim é
fácil perceber a raiz de sua crítica aos autores marxistas que analisam o desenvolvimento do
capitalismo através de seus padrões de concorrência (mercantil, concorrencial e
4
Posteriormente Friedmann vai desenvolver uma visão mais abrangente da integração territorial
fundada na noção de desenvolvimento agropolitano, que se assemelha em linhas gerais à de desenvolvimento
sustentável. Para ele, a integração territorial diferenciaria-se da integração funcional, pois enquanto esta
última corresponde ao controle e à distribuição centralizada de recursos no espaço, a integração territorial
realça as noçòes de solidariedade no uso e apropriação do território. (Friedmann e Weaver, 1979).
11
monopolista), pois para ele "não é o capitalismo que se transforma, mas o quadro espacial
que se amplia" (op. cit.: 18), o que sem dúvida constitui uma curiosa forma de
'determinismo espacial' da dinâmica das economias capitalistas.
Do ponto de vista da concorrência inter-capitalista, uma das sínteses mais
elaboradas da dinâmica territorial no capitalismo foi aquela realizada por Holland (1976).
Partindo da crítica da visão neo-clássica de equilíbrio no espaço econômico, argumentando
sobre as teorias de crescimento polarizado de Myrdal e Perroux, Holland utiliza a teoria da
concorrência oligopólica de Sylos-Labini (1964) para ensaiar uma síntese entre os aspectos
micro e macro da dinâmica territorial através da definição do setor mesoeconômico. Para
ele:
"o grau de competição desigual entre grandes e pequenas firmas é tão
expressivo nas principais economias capitalistas que desqualifica toda a teoria regional fundada em modelos microeconômicos competitivos e suas sínteses em teorias
macroeconômicas. O que emergiu na prática leva a um novo setor mesoeconômico
entre o nível macro de teoria e política e o nível micro das pequenas firmas
competitivas." (op. cit.: 138).
O efeito regional da concorrência entre firmas meso e microeconômicas depende
diretamente da distribuição espacial das firmas e, em teoria, poderia se afirmar que:
"algumas regiões poderiam ganhar, a curto e médio prazo, se elas
conseguissem manter tanto a matriz, como as plantas subsidiárias de uma companhia
mesoeconômica que é capaz de proteger ou aumentar sua parcela no mercado
nacional através de aumentos de escala, inovações ou táticas de formação de preços
inter-firmas". (Op. cit.: 139).
No entanto, Holland parte do exemplo dos EUA para mostrar que as grandes firmas
nem sempre contribuem para integrar as regiões de um mesmo mercado doméstico, pois:
"quando companhia atingem lucros extraordinários devido a uma posição dominante no
mercado nacional, elas preferem localizar novas plantas em economias mais desenvolvidas
e com mercados que crescem mais rapidamente do que em regiões menos desenvolvidas de
sua própria economia." (Op. cit. 140). Isto se deve ao fato de que, em outros mercados, o
grau de competição oligopólica pode ser mais baixo ou que existem brechas a serem
ocupadas, o que pode conferir lucros extraordinários às empresas que atingirem posições
pioneiras em outras parcelas do mercado mundial.
A mesoeconomia, enquanto categoria analítica, é uma solução simplificadora para a
amplitude da concorrência em sua dimensão territorial, entretanto apesar disto e do
dualismo que emprega ao discutir seu papel na dinâmica das regiões mais desenvolvidas
vis-à-vis às menos desenvolvidas, Holland avança no sentido de territorializar as estruturas
de mercado nas economias capitalistas, mostrando como, em um sistema crescentemente
internacionalizado, a lógica do investimento privilegia os territórios econômicos que
possam garantir vantagens competitivas às grandes empresas que neles se instalam.
No sentido de avançar na compreensão do caráter destes territórios econômicos, que
apresentam a capacidade dinâmica de atrair novos investimentos, Storper (1991: 14) mostra
que os complexos territoriais, onde existe aglomeração industrial, "são o modo geográfico
pelo qual as economias externas de escala nos sistemas produtivos são realizadas pelas
firmas". Para ele existe uma forte relação entre as economias de aglomeração - e também
de urbanização - e o surgimento e desenvolvimento de novas indústrias. Citando o exemplo
do Silicon Valley nos EUA, Storper afima que "as cidades e regiões industriais emergem
quando a divisão social do trabalho se desenvolve no interior do sistema produtivo, e não
12
simplesmente porque estas cidades forneciam insumos e infra-estrutura para as firmas
industriais."
Esta é uma questão central quando se analisa capitalismos tardios e periféricos, pois
muito da história e da geografia da América Latina parte do pressuposto de que a indústria
nasceu como continuação do circuito mercantil-exportador através do processo de
substituição de importações. Como veremos adiante isto é apenas uma observação
superficial, pois a industrialização brasileira desdobra-se do circuito mercantil pela lógica
da acumulação e da valorização de capitais, e não pela mera conquista de fatias domésticas
do mercado mundial. Isto é fundamental para que se compreenda que a formação de um
complexo territorial das dimensões de São Paulo não representa apenas uma expressão
geográfica de economias de aglomeração, mas também - e principalmente - uma fonte de
crescimento da produtividade industrial, isto é de acumulação de capital no sentido
clássico. Para Storper (1991: 16):
"A dinâmica da industrialização está fortemente associada à urbanização,
porque as inovações técnicas no curso do desenvolvimento dos setores líderes são
freqüentemente conseguidos no interior de complexos urbano-industriais (...) A
complexidade das relações inter-firmas, combinada com as estruturas do mercado de
trabalho dos centros territoriais de crescimento, garante que o centro territorial será o
foco de inovações tecnológicas em produtos e processos."
Não se trata apenas da urbanização enquanto processo geral, pois a lógica da divisão
territorial e da concorrência no interior do conjunto dos setores produtivos dominantes faz
com que as cidades se organizem hierarquicamente em uma rede urbana, enquanto
expressão da integração territorial do mercado nacional. Storper associa a configuração da
rede urbana ao padrão de industrialização definido pelo conjunto dos setores dominantes,
visto como aqueles que empregam grande número de trabalhadores, possuem altas taxas de
crescimento do produto e/ou do emprego, dispõem de grandes efeitos propulsores nos
setores a jusante e produzem bens de capital ou bens de consumo de massa. Assim,
segundo este autor pode-se distinguir quatro fases distintas, que coincidem grosso modo
com os ciclos de inovação de Schumpeter.
"A idade têxtil do capitalismo no início do século XIX, a era do carvão-açoindústria pesada na virada deste século, ou o período de produção em massa dominado
pelos automóveis e bens de consumo duráveis nas décadas que se estendem entre 1920 e
1960. Agora, nós estamos entrando em um período por novas indústrias como a
eletrônica e novos setores de serviços como os serviços de apoio à produção." (op. cit.:
17)
Encerrando esta longa exposição, é importante observar que Storper procura
relacionar os padrões de integração, expressos fundamentalmente nos complexos territoriais
e na rede urbana, às diferentes fase do capitalismo industrial. Com isto, abre a possibilidade
de que a nova configuração produtiva que emerge da crise e reestruturação da economia
mundial na década de 70 venha a alterar a distribuição territorial do investimento, inclusive
nos países de capitalismo tardio e periférico, no processo que Richardson (1980) denomina
de "reversão da polarização", isto é a tendência a uma maior dispersão espacial do
investimento, revertendo os mecanismos concentradores que caracterizaria o período de
substituição de importações em direção a formas territoriais dispersas fundadas na
produção flexível.
13
A retomada da geoeconomia
O termo geoeconomia (Geoökonomie) foi utilizado originalmente pelos teóricos da
economia espacial na Alemanha para caracterizar o campo de conhecimento que procurava
introduzir a dimensão espacial como componente fundamental do raciocínio econômico.
Autores de Geografia Econômica (Wirtschaftsgeographie), tratavam a geoeconomia como
um ramo da economia, marcado pela excessiva abstração, bastante distinto do
conhecimento empírico sobre as condições geográficas da produção, distribuição e
consumo de bens na superfície da Terra, que era o tema central de seus trabalhos
científicos5
Hoje, no entanto, a formação dos blocos supranacionais, tais como a União
Européia, o Mercosul6 e o NAFTA7 define novos espaços econômicos, através de
instrumentos de política econômica, que vão desde a simples liberalização das trocas
comerciais entre os membros do bloco, como é o caso do NAFTA, pela a imposição de
Tarifas Externas Comuns (TEC), por formas integradas de regulação dos mercados de
trabalho, bens e capitais, até a definição de uma moeda comum, como é o caso do Euro,
tende a mostrar que o alcance dos instrumentos clássicos de análise da geografia econômica
e da geografia política são insuficientes para interpretar os aspectos dinâmicos da
configuração e da gestão do território nesta nova escala de operação das firmas e dos
Estados-nações, cujo objetivo principal passa a ser conquistar ou de preservar uma posição
vitoriosa no mercado mundial.8.
5
Vide, por exemplo, OTREMBA, Erich (1955).
Mercado Comum do Sul
7 Sigla em inglês de North America Free Trade Agreement, isto é Acordo de Livre Comércio da
América do Norte, também conhecido pela sigla francesa ALENA
8 Esta nova dimensão na atuação dos Estados-nações foi descrita como movida fundamentalmente
por aspirações geoeconômicas por LUTTWAK (1990, 1993 e 1999)
6
14
Tabela 1
Principais Blocos Econômicos
Blocos
APEC
ASEAN
CARICOM
Integrantes
Data da
Criação
Área Total
(em km2)
PIB total População
PIB per
(em
Total 1997
capita
milhões de
(em
(em US$)
US$ de
milhões)
1996)
43.631.917 15.528.539
2.238
6.938
4.342.410
673.248
487
1.382
421.796
15.086 *
6
2.514
17 países
1989
9 países
1967
12 países e 3
1973
territórios
CEI
12 países
1991 22.100.900
508.722
MERCOSUL
6 países
1991 13.765.669 1.129.078
(4 membros
plenos e 2
associados)
NAFTA
3 países
1988 21.315.771 7.770.986
Pacto Andino
5 países
1969
4.721.155
232.622
SADC
12 países
1992
6.926.394
170.260
União Européia
15 países
1957
3.235.972 8.398.165
*Excluindo as Ilhas Virgens Britânicas e as Ilhas Turks e Caicos
286
223,5
1.778
5.063
396
104
142
373
19.623
2.236
1.199
22.515
Fontes: Banco Mundial, Fundo das Nações Unidas para a População
A tabela a seguir
mostra a importância dos blocos geoeconômicos na economia mundial contemporânea,
onde é percebido que a maior parcela da produção e do comércio mundial se fazem intra e
inter blocos, embora com uma distribuição bastante desigual entre estes grandes conjuntos
econômicos. Neste cenário, a principal noção que serviu de base à geografia econômica,
isto é, o mercado nacional, tem hoje reduzido poder de explicação sobre o comportamento
dinâmico da produção e distribuição de bens, em grande parte devido às condições de
integração transfronteira das cadeias produtivas. Da mesma maneira, a noção de limites,
como uma linha divisória entre os territórios e mercados nacionais, perdeu boa parte de sua
eficácia devido a fluidez dos circuitos internacionais de bens e capitais.
15
Tabela 2
Indicadores de Blocos Econômicos Selecionados
Indicador
373
378
China
Mercosul Índia Rússia Mundo
Tigres
Asiático
s
126
249
1.222
215
936
148
5.768
6,5
6,6
2,3
4,3
21,2
3,7
16,2
2,6
100
4.446
2.111
717
607
283
173
69
158
10.615
42
19
6,7
5,7
2,7
1,6
0,7
1
100
8.654
7.932
4.600
961
701
874,6
310
441
29.200
29,6
27,2
15,7
3,3
2,4
3
1
1,5
100
União
Européia
População
(milhões hab.)
% População
mundial
Comércio
(US$ bilhões)
% Comércio
mundial
PIB (US$
bilhões)
% PIB
mundial
NAFTA Japão
Fonte: FMI - Anual Report / FAO - FAOSTAT, 1994
Neste contexto, a categoria analítica que deve ser introduzida é a de mercado
doméstico9, onde o domínio é exercido de forma compartilhada por um grupo de firmas,
que operam em condições de concorrência oligopólica, que é dinamicamente diferenciado
do mercado mundial através do estabelecimento de barreiras à entrada através de
instrumentos de política econômica postos em prática pelo Estado-nação, ou por um
conjunto de Estados-nações, que não se resumem mais às tarifas, mas que se situam nas
condições de introdução de progresso técnico e no controle sobre as redes logísticas de
produção e distribuição de bens e serviços10. Assim, a noção de barreiras territoriais é
complementar à concepção clássica dos limites na definição do contorno do mercado
doméstico.
Do ponto de vista prático, o mercado doméstico é a parcela do mercado mundial,
que está sujeita a determinações de política econômica por parte do Estado-nação ou por
um acordo entre Estados-nações, que exerce domínio sobre as condições de concorrência
nele vigentes. Existem graus diversos de domínio, entretanto, do ponto de vista desta
análise, interessa considerar um aspecto importante: a capacidade de definir uma política
tarifária e uma política cambial próprias. Neste ponto, são diversos os fatores que atuam no
sentido de dar consistência ou fragilizar medidas de política econômica destinadas a
reservar o mercado doméstico, ou mesmo ampliar suas dimensões além das fronteiras territoriais de um Estado-nação através da integração econômica. Um destes fatores, cuja
dimensão territorial é fundamental é o poder político e econômico que dispõe certas frações
de capital de impor suas regras de articulação e integração com o mercado mundial.
Este processo se deve, em grande parte, às mudanças ocorridas nas condições
materiais da produção e distribuição de bens e serviços em função da aplicação da
microeletrônica e do processamento digital de informações nas diversas esferas de
produção e gestão, permitindo a coordenação, em tempo real, de atividades desenvolvida
em localizações as mais diversas, que podem ser integradas rapidamente pela padronização
e aceleração dos deslocamentos espaciais através das redes de transportes. A nova
9
10
Sobre a questão da relação entre mercado doméstico e mercado mundial ver EGLER (1993)
Os alcances da concepção geoeconômica sobre o território podem ser vistas em LOROT (1997)
16
configuração das estruturas produtivas ampliaram o papel da logística como instrumento de
manutenção do domínio sobre os mercados domésticos e de abertura de fronteiras no
mercado mundial através da extensão de novas redes.
A relação entre domínios e fronteiras passa a estar diretamente dependente da
consolidação e operação das redes logísticas, que não podem estar mais vistas como um
conjunto de redes separadas (energia, transportes, comunicações), mas sim uma estrutura
integrada, multimodal e interdependente, que é fundamental para garantir o controle sobre
porções selecionadas do território, que constituem os novos domínios, de onde se projetam
ramos ou linhas de expansão que abrem fronteiras em novas zonas de influência no
mercado mundial. Segundo uma concepção logística, competitividade está diretamente
vinculada, não apenas à densidade ou à extensão das redes, mas também à sua
confiabilidade, expressa na no seu caráter permanente e pouco vulnerável a perdas ou a
rupturas temporárias. Neste aspecto as redes técnicas mudam as distâncias relativas e as
condições específicas dos lugares. Se o estoque de riqueza pode ser considerado como
atributo do lugar, sua capacidade de gerar fluxos de renda está definida pelas condições que
o ligam aos outros lugares, isto é sua conectvidade às redes técnicas.
Por final, a introdução da dimensão geoeconômica traz a luz sobre um aspecto que
foi considerado de forma marginal na geografia econômica: a dimensão ambiental. A
geoeconomia introduz esta dimensão como uma variável importante da concorrência, seja
na medida em que a capacidade de suporte passa a ser um instrumento de regulação das
práticas econômicas, bem como a variável ambiental passa integrar as estratégias de criação
de barreiras à entrada através do estabelecimento de normas tais como a ISO 9.000 e a ISO
14.000. A introdução das barreiras ambientais pressupõe também a adoção de instrumentos
de regulação compatíveis com esta dimensão. Tais instrumentos podem prever o controle
sobre o estoque de determinados recursos em áreas sob o controle de algum país membro
do bloco, ou mesmo determinar a qualidade dos produtos dentro do bloco. É importante
também considerar esta dimensão no que diz respeito ao controle sobre os recursos
genéticos, naturais ou produzidos, que passa a integrar uma fronteira entre a tecnologia e a
ecologia.
Integração regional no Mercosul
O MERCOSUL constitui um ambicioso projeto de integração territorial,
relativamente independente dos planos norte-americanos para a América ao sul do Equador,
que se defronta com sérias dificuldades para sua efetiva implementação. O Tratado de
Assunção (1991), firmado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai prevê a criação de
uma união aduaneira, nos moldes definido por Viner (1950), que progressivamente se
ajustaria na consolidação de um mercado unificado, nos moldes adotados originalmente
pelo Tratado de Roma (1957) para a formação do Mercado Comum Europeu.
O tratado previa a data de 25 de janeiro de 1995 para a eliminação das barreiras
tarifárias e não-tarifárias entre os países membros, postulando a livre circulação de bens e
serviços no interior deste mercado doméstico supranacional que teria uma única tarifa
externa comum. Independente dos problemas derivados das políticas macroeconômicas dos
signatários do acordo, que diga-se de passagem não são poucos principalmente
considerando a diversidade de políticas monetárias e cambiais, a questão central reside nos
impactos que a unificação produzirá sobre as estruturas produtivas nacionais e sobre seus
segmentos regionais.
17
Dadas as características próprias das duas principais economias que buscam a
integração: o Brasil e a Argentina, os efeitos do mercado unificado serão particularmente
intensos nos respectivos complexos agroindustriais. Desde a metade dos anos oitenta o
Brasil vem aumentando significativamente suas importações de produtos agrícolas dos
demais membros do MERCOSUL. Em 1985, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai eram
responsáveis por cerca de um terço do fornecimento de bens agrícolas importados pela
economia nacional. Com um crescimento regular durante o último quinquênio, este valor
atingiu 60 % em 1990, principalmente em trigo, milho, soja e derivados da pecuária.
É importante observar que grandes empresas dos complexos químico e metalmecânico já estão definindo estratégias de operação para atuar no mercado supranacional.
A Scania, cuja fábrica na Argentina já foi concebida dentro desta visão, exporta motores,
eixos e outras peças e componentes para sua filial no Brasil. Na mesma direção, embora em
menor escala, a Volkswagen possui um esquema de complementação transfronteira com
um projeto de investimento, com valores superiores a US$ 200 milhões para a produção de
caixas-ponte na Argentina, com previsão de 90 % das vendas serem destinadas à montadora
no Brasil (Porta, 1991: 109-10).
No caso especial do Rio de Janeiro, a implantação de duas montadoras de automóveis
e caminhões: a Volkswagen e a Pegeout, nos municípios de Resende e Porto Real,
respectivamente, representam o resultado da aplicação do Regime Automotivo Brasileiro,
que prevê tratamento especial para as montadoras que se implantem no território nacional,
permitindo cotas de importações diferenciadas na escala do MERCOSUL, o que fez com
que a concorrência entre elas forçasse a uma mudança da escala de operação, isto é, do
mercado doméstico nacional para o MERCOSUL.
18
QUADRO 1 – MERCOSUL – Breve Histórico
1960
1967
1969
1980
1985
1986
1988
1990
1990
1991
1992
1993
1993-94
1994
1994
1994
1995
Assinatura do primeiro Tratado de Montevidéu, criando a Associação latinoamericana de livre comércio (ALALC);
Conferência de Punta del Este dos chefes de estado americanos; "mercado
comum latino-americano" em um intervalo máximo (não superior a) de 15
anos, a partir de 1970;
Criação do Grupo Andino, pelo Acordo de Cartagena;
Assinatura do segundo Tratado de Montevidéu, que criou a Associação Latinoamericana de Integração (ALADI);
Argentina e Brasil iniciam um processo de integração bilateral;
"Ato pela integração Brasil-Argentina (29 de julho): programa de integração e
de cooperação econômica de caráter "gradual, flexível e equilibrado";
"Tratado de Integração, cooperação e desenvolvimento" (29 de novembro)
entre o Brasil e a Argentina; criação de um mercado comum em dez anos;
"Iniciativa pelas Américas ", do Presidente George Bush: zona de livre
comércio do Alasca até a Terra do Fogo; o México é o primeiro candidato;
"Ata de Buenos Aires"(6 de julho): decisão de criar o mercado comum bilateral
Brasil-Argentina até 31 de dezembro de 1994;
"Tratado de Assunção"(26 de março) "para a constituição de um mercado
comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai até 31 de dezembro
de 1994; o tratado adota os mecanismos fixados no programa Brasil Argentina;
"Acordo de cooperação inter-institucional entre a Comissão das Comunidades
Européias e as instituições do Mercosul;
O Brasil propõe os acordos de livre comércio com os outros países da América
do Sul. Conclusão da negociação do NAFTA (ALCAN) entre o México, o
Canadá e os Estados Unidos, que entra em vigor em 1 de janeiro de 1994;
Negociações da tarifa exterior comum no Mercosul; listas nacionais de
exclusão;
O Brasil propõe uma área de livre-comércio na América do Sul (ALCAS);
"Summit of Americas"(9-11 de dezembro) em Miami, negociações para criar
uma zona de livre-comércio hemisférica antes de 2005;
"Protocolo de Ouro Preto" (17 de dezembro), que modifica o Tratado de
Assunção;
Entrada em vigor da união aduaneira (parcial) do Mercosul, ao 1 de janeiro, se
negocia conjuntamente com a UE e a OMC;
Esta mudança de escala afetou diretamente as redes logísticas regionais, desde os
portos até os sistemas de armazenamento e despacho. A ampliação da participação da FIAT
no MERCOSUL, com a integração produtiva de suas unidades fabris no Brasill e na
Argentina, fez com que os portos do Rio de Janeiro e Vitória e as rodovias que os ligam a
Belo Horizonte fossem transformados em extensões da própria fábrica, transportando
veículos montados, prontos para montagem (CKD) e partes, peças e componentes entre as
diversas unidades fabris.
Nesse quadro, os desdobramentos territoriais da integração econômica vão afetar de
modo desigual as economias regionais brasileiras, introduzindo transformações que podem
alterar s posições relativas entre elas. No caso do presente projeto de pesquisas, procurou-se
avaliar os impactos da integração econômica, através do MERCOSUL sobre a estrutura
produtiva dos complexos químico e metal-mecânico no Estado do Rio de Janeiro,
19
detalhando a escala geográfica de análise ao nível das áreas industriais do Médio Vale
Fluminense do Paraíba do Sul e Metropolitana do Rio de Janeiro, onde grandes projetos de
infra-estrutura, como o Porto de Sepetiba, e industriais, como a implantação da
Volkswagen, em Resende, e do Pólo Gás-Petroquímico, em Duque de Caxias, que
manifestam, não apenas um novo padrão tecnológico de operação industrial, como também
expressam novas formas de atuação dos governos estadual e municipais, que merecem um
estudo detalhado para avaliar seus efeitos sobre o desenvolvimento regional no Estado.
Conflitos e ajustes no processo de integração do Cone Sul
O processo de integração no Cone Sul da América, embora tenha realizado avanços
significativos do ponto de vista econômico, ainda encontra restrições quanto à produção de
conhecimento sobre suas reais dimensões. Isto é particularmente relevante no que diz
respeito às novas territorialidades engendradas pela formação de cadeias produtivas e redes
transfronteiriças, tanto formais como informais, que estão afetando, direta e indiretamente,
a vida de populações, tanto nas metrópoles como nas margens dos territórios nacionais dos
países signatários do Tratado de Assunção.
Diversos aspectos ainda continuam pendentes no que diz respeito aos avanços da
integração geoeconômica no Cone Sul. Do ponto de vista global, a proposta norteamericana de constituição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), unificando
tarifas e abrindo mercados desde o Alasca até a Terra do Fogo, enfraquece as alternativas
regionais de uma negociação em bloco, não apenas com os Estados Unidos, mas com a
denominada ‘Tríade’, isto é, incluindo a União Européia e o Japão. Estas negociações têm
encontrado dificuldades das mais variadas ordens, mas que em grande parte refletem
interesses domésticos, que não cedem os privilégios conseguidos. Este é, por exemplo, o
caso dos subsídios garantidos pela UE a certos produtos agrícolas sensíveis, como o açúcar,
o que tem feito com que a França vete sistematicamente qualquer possibilidade de
negociação direta entre a UE e o Mercosul.
O problema do açúcar também azeda as relações entre os dois principais parceiros
do Mercosul: o Brasil e a Argentina. Sob o argumento de que o Brasil fornece subsídios
indiretos à produção açucareira através do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), os
argentinos mantém uma sobretaxa sobre as importações de açúcar brasileiro que tem
servido para manter ainda em funcionamento a economia açucareira da Província de
Tucumán, que é incapaz de atingir os níveis de produtividade alcançados pelas usinas e
fazendas do Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Pode-se adicionar ao açúcar,
diversos outros produtos agro-industriais que são fontes potenciais de conflitos, como é o
exemplo dos lácteos e da soja.
No caso da soja, Brasil e Argentina são competidores diretos no mercado mundial,
já que as safras são coincidentes e ingressam ao mesmo tempo nos centros compradores. A
questão se torna mais complexa quando que se observa que a produção brasileira tem se
deslocado espacialmente da Região Sul para o Centro-Oeste, buscando inclusive novas
alternativas de saída para os mercados no hemisfério norte, a soja argentina conquistou seu
território sobre as áreas tradicionais de pecuária e tem elevado sua produtividade através da
introdução de sementes transgênicas, que já responde por cerca de 60% da produção desta
oleaginosa no território argentino. No Brasil, a controvérsia sobre a legalização dos cultivos
trangênicos ainda permanece, com setores sociais que se posicionam frontalmente contra
estas novas variedades. Independente destas posições, o uso de sementes transgênicas está
20
funcionando como um instrumento de segmentação do mercado mundial da soja, já que
enquanto a União Européia tem resistido a compra de soja geneticamente modificada, os
EUA o fazem sem nenhuma restrição.
Outro aspecto que tem separado Brasil e Argentina no cenário mundial é quanto ao
padrão monetário e as formas de administração de sua política cambial. Ambos os países
enfrentaram processos inflacionários crônicos desde o início da década de 80 e
experimentaram sucessivos planos de estabilização que modificaram profundamente os
respectivas moedas nacionais. A Argentina conseguiu atingir um padrão monetário estável
através da convertibilidade ao dólar e hoje propõe a dolarização total de sua economia,
através de um acordo monetário com os EUA, o que não tem sido aceito pelos norteamericanos, que não querem assumir nenhuma responsabilidade pela manutenção da
estabilidade monetária fora dos limites estritos do NAFTA.
Neste sentido, é importante destacar que os problemas financeiros no interior do
bloco conduziram a primeira crise econômica do Mercosul em seu conjunto, que não se
manifesta apenas na disparidade de políticas monetárias e cambiais dos países membros,
mas principalmente no complexo industrial mais integrado na escala supranacional, isto é o
metal-mecânico em seu segmento automotivo. As dificuldades enfrentadas pelo Brasil e
Argentina para renegociar um Acordo automotivo no âmbito do Mercosul refletem os
problemas de financiamento e estruturação do complexo ao nível do mercado integrado.
Firmas como a Volkswagen, a Ford, a Fiat, a Renaut, dentre outras, já estão implantadas
nos dois lados da fronteira e com cadeias produtivas que se complementam mutuamente. A
grande questão está em ampliar suas áreas de mercado para além do Mercosul, onde
certamente encontram a presença de concorrentes, principalmente japonesas, como é o caso
do Chile e do Peru.
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24
Figura 1
América do Sul
"
Caracas
Redes Logísticas e Principais Cidades
"
""
"
"
"Georgetown
"Paramaribo
"Caiena
Medelin
Bogota
Cali
"
Quito
Belém
Guaiaquil
"
Fortaleza
"
Recife
"
"
Salvador
Lima
"
"
Brasilia
La Paz
"
Belo Horizonte
"
Assunção
"
"
"
Rio de Janeiro
São Paulo
Curitiba
Tamanho Urbano (circa 1993)
""
"
Mendoza
Valparaiso
Santiago
""
Rosario
Cordoba
""
"
Porto Alegre
Montevideu
Buenos Aires
"
Até 500.000 hab.
"
Até 2.500.000 hab
"
Mais de 5.000.000 hab.
Legenda
Limites internacionais
Rios Principais
Rodovias Pavimentadas
Ferrovias
"
Cidades principais
km
0
200
25
Integração Econômica e Redes Logísticas no Cone Sul
Claudio A. Egler∗
Apresentação
O presente texto tem como objetivo discutir, do ponto de vista geoeconômico, o
processo de integração regional no Cone Sul da América, procurando analisar o papel
geoestratégico das redes logísticas e avaliando a conectividade do sistema de cidades em
construção na escala do Cone Sul.
Brasil e Argentina têm uma larga história de ajustes e conflitos em torno de seus
interesses geopolíticos sobre o Cone Sul do continente americano. Boa parte deste processo
se desenvolveu sobre dois cenários interligados: a Bacia do Rio da Prata e o Atlântico Sul.
Hoje, o MERCOSUL representa uma tentativa de estabelecer laços permanentes de
colaboração entre estas duas nações, entretanto, os principais problemas a serem vencidos
não se situam mais na órbita geopolítica, mas sim nos terreno da geoeconomia e se
manifestam em propostas distintas quanto às formas de inserção das respectivas economias
nacionais na economia mundial.
Tais propostas se expressam em um leque diferenciado de questões, que vão desde o
uso e gestão dos recursos naturais até sobre a propriedade e o controle sobre as inovações
tecnológicas. Neste trabalho serão discutidas algumas destas questões ao nível do Cone Sul
da América, procurando mostrar que se situam em um novo campo de forças, definido
pelas relações geoeconômicas entre os estados-nações, em suas diversas escalas de
operação, e as empresas transnacionais, que operam com redes produtivas que estendem-se
para alem das fronteiras nacionais.
Integração econômica regional: alcances e limites
O termo geoeconomia (geoökonomie) foi utilizado originalmente pelos teóricos da
economia espacial na Alemanha para caracterizar o campo de conhecimento que procurava
introduzir a dimensão espacial como componente fundamental do raciocínio econômico.
Autores de Geografia Econômica (Wirtschaftsgeographie), tratavam a geoeconomia como
um ramo da economia, marcado pela excessiva abstração, bastante distinto do
conhecimento empírico sobre as condições geográficas da produção, distribuição e
consumo de bens na superfície da Terra, que era o tema central de seus trabalhos
científicos.
A formação dos blocos supranacionais, tais como a União Européia, o Mercosul e o
NAFTA e com as propostas atuais de constituição de uma Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), unindo em um mesmo sistema de tarifas o território que se estende
desde a Terra do Fogo até o Alasca, define novos espaços econômicos, através de
instrumentos de política econômica, que vão desde a simples liberalização das trocas
comerciais entre os membros do bloco, como é o caso do NAFTA, passando pela a
imposição de Tarifas Externas Comuns (TEC) passando por formas integradas de regulação
dos mercados de trabalho, bens e capitais, até a definição de uma moeda comum, como é o
caso do Euro, tende a mostrar que o alcance dos instrumentos clássicos de análise da
∗
Território.
Professor do Departamento de Geografia e Pesquisador do CNPq no Laboratório de Gestão do
26
geografia econômica e da geografia política são insuficientes para interpretar os aspectos
dinâmicos da configuração e da gestão do território nesta nova escala de operação das
firmas e dos Estados-nações.
Neste cenário, a principal noção que serviu de base à geografia econômica, isto é, o
mercado nacional, tem hoje reduzido poder de explicação sobre o comportamento dinâmico
da produção e distribuição de bens, em grande parte devido às condições de integração
transfronteira das cadeias produtivas. Da mesma maneira, a noção de limites, como uma
linha divisória entre os territórios e mercados nacionais, devido a fluidez dos circuitos
internacionais de bens e capitais, perdeu boa parte de seu poder explicativo, na medida em
que os instrumentos clássicos de atuação do Estado-nação perdem seu poder de estabelecer
fronteiras, em função do poder que dispõem as firmas transnacionais para delimitar, através
de mecanismos econômicos, suas respectivas áreas de influência.
A categoria que deve ser introduzida é a de mercado doméstico, onde o domínio é
exercido por um grupo de firmas, operando sob condições de concorrência oligopólica, que
é dinamicamente diferenciado do mercado mundial através do estabelecimento de barreiras
à entrada de concorrentes através de instrumentos de política econômica que não se
resumem mais às tarifas, mas que se situam nas condições de introdução de progresso
técnico e no controle sobre as redes logísticas de produção e distribuição de bens e serviços.
Neste sentido, a noção de barreiras territoriais é complementar à concepção clássica dos
limites na definição do mercado doméstico para as firmas que nele operam e procuram
impedir a entrada de novos concorrentes.
Do ponto de vista prático, o mercado doméstico é a parcela do mercado mundial,
que está sujeita a determinações de política econômica por parte do Estado-nação ou por
um acordo entre Estados-nações, que exerce domínio sobre as condições de concorrência
nele vigentes. Existem graus diversos de domínio, entretanto, do ponto de vista desta
análise, interessa considerar um aspecto importante: a capacidade de definir uma política
tarifária e uma política cambial próprias. Neste ponto, são diversos os fatores que atuam no
sentido de dar consistência ou fragilizar medidas de política econômica destinadas a
reservar o mercado doméstico, ou mesmo ampliar suas dimensões além das fronteiras territoriais de um Estado-nação através da integração econômica. Um destes fatores, cuja
dimensão territorial é fundamental é o poder político e econômico que dispõe certas frações
de capital de impor suas regras de articulação e integração com o mercado mundial.
Esse processo se deve, em grande parte, às mudanças ocorridas nas condições
materiais da produção e distribuição de bens e serviços em função da aplicação da
microeletrônica e do processamento digital de informações nas diversas esferas de
produção e gestão, permitindo a coordenação, em tempo real, de atividades desenvolvida
em localizações as mais diversas, que podem ser integradas rapidamente pela padronização
e aceleração dos deslocamentos espaciais através das redes de transportes. É o que pode-se
denominar de estruturas produtivas multilocacionais.
A nova configuração das estruturas produtivas ampliaram o papel da logística como
instrumento de manutenção do domínio sobre os mercados domésticos e de abertura de
novas fronteiras através da extensão de novas redes.
As novas estruturas espaciais que estão se conformando nesse contexto
caracterizam-se por alterações significativas na divisão territorial do trabalho entre as
cidades que formam os sistemas urbanos nacionais.. As indústrias que foram os motores do
padrão “fordista” foram obrigadas a uma radical reestruturação de seu padrão, que passa a
27
ser caracterizado pela procura de formas de produção mais flexíveis e interconectadas,
além da utilização crescente de mercados de trabalho fragmentados.
Conectividade espacial e a divisão territorial do trabalho
Todas essas mudanças econômicas influenciaram a organização da hierarquia
urbana. Os grandes pólos industriais tradicionais geralmente entraram em declínio,
arrastando a região vizinha, apesar de algumas reconversões bem sucedidas. Paralelamente,
as novas formas de produção encontraram menos restrições na localização de suas
atividades. Apesar disso, assistimos a uma reconcentração espacial ligada aos imperativos
da organização industrial e a qualidade dos mercados do trabalho. A aglomeração espacial
permite reduzir os custos da troca, além de aumentar as externalidades positivas. Podem-se
também observar o desenvolvimento rápido de centros urbanos intermediários, cujo
crescimento está relacionado aos circuitos do capitalismo mundial, Muitas vezes, o
responsável pela difusão do crescimento não é mais a firma, mais sim o tecido produtivo e
gerencial, conformando o que se passou a denominar de “cidade-região”.
Neste ponto, assume especial importância a dimensão da conectividade entre as
cidades, que não depende mais da distância física entre elas, mas sim de uma estrutura de
fluxos mais ou menos estáveis, mantidos por agentes públicos e privados, que refletem –
não apenas as características do passado, mas também as novas formas de inserção no
mercado mundial. Estes fluxos são proporcionais a rede de influência que as cidades
exercem sobre o seu espaço imediato e pelo que deles recebem, que passa a ser um
elemento de posicionamento da cidade na estrutura urbana.
A operação multilocacional das firmas transnacionais é um dos fatores que explicam
a perda de capacidade fiscal e financeira dos Estados nacionais, que vêm reduzindo seu
poder regulatório sobre os mercados domésticos, com especial ênfase no esvaziamento do
papel da moeda, enquanto meio de definir o espaço das relações salariais.
Nesse contexto, novos instrumentos geoeconômicos são postos em prática para
tentar delimitar o território econômico. Dentre esses instrumentos, assume especial
importância a capacidade, tanto do setor privado, como público, de atrair e fixar fundos
financeiros globais. Esta capacidade, que assume sua expressão mais nítida nos diferenciais
de risco atribuídos pelas agências de classificação, é referenciado a partir da taxa de juros
praticada pelas autoridades monetárias norte-americanas.
A institucionalização da Organização Mundial do Comércio (OMC), em
substituição às periódicas rodadas do GATT, deu foro global a uma série de medidas
regulatórias das trocas internacionais, na sua grande maioria assimétricas em relação aos
países emergentes, que são obrigados a renunciar aos mecanismos de proteção de sua
matriz industrial, orientando-se para nichos onde podem contar com algumas “vantagens
competitivas”, que muitas vezes provêm apenas de sua dotação de recursos naturais.
Neste aspecto, a capacidade de delimitar um campo econômico relativamente
estável, capaz de atrair investimentos de capitais globais, passa a estar diretamente
dependente da consolidação e operação das redes logísticas, que não podem estar mais
vistas como um conjunto de redes separadas (energia, transportes, comunicações), mas sim
uma estrutura integrada, multimodal e interdependente, que é fundamental para garantir o
controle sobre porções selecionadas do território, que constituem os novos domínios, de
onde se projetam ramos ou linhas de expansão que abrem fronteiras em novas zonas de
influência no mercado mundial. Segundo uma concepção logística, competitividade está
diretamente vinculada, não apenas à densidade ou à extensão das redes, mas também à sua
28
confiabilidade, expressa na no seu caráter permanente e pouco vulnerável a perdas ou a
rupturas temporárias. Neste aspecto as redes técnicas mudam as distâncias relativas e as
condições específicas dos lugares. Se o estoque de riqueza pode ser considerado como
atributo do lugar, sua capacidade de gerar fluxos de renda está definida pelas condições que
o ligam aos outros lugares, isto é sua conectividade às redes técnicas.
Reestrutração produtiva e redefinição dos sistemas
As cidades desempenharam funções importantes no processo de ocupação do
território, servindo como sítios de suporte ao povoamento, centros de controle político e de
armazenamento da produção agro-extrativa, núcleos de conexão com os circuitos
mercantis, pólos de crescimento industrial e nós da redes financeira e informacional . Desde
o século XVI até os dias atuais, pode-se distinguir diversas formações territoriais, que
expressam as distintas relações entre cidade e campo e entre as cidades no processo de
desenvolvimento.
A primeira delas é a Formação Territorial Agromercantil Nacional, onde as
condições de controle do processo de acumulação se consolidam no território nacional, com
o campo constituindo-se como principal fonte de riquezas e a cidade seu locus de
comercialização, seja para o mercado mundial, seja para o mercado doméstico que começa
a se expandir. Os interesses urbanos estavam, predominantemente, representados pelos
comerciantes e funcionários do Estado.
A seguir a Formação Territorial Urbano-industrial Nacional, que caracteriza-se pelo
processo de industrialização que passa a determinar a lógica da acumulação endógena.
Pode-se distinguir três fases:
1. Fase da Industrialização Restringida, quando a lógica da acumulação ainda
dependia viceralmente da capacidade de exportar bens agrícolas, em função de sua
dependência da importação de bens de produção do mercado mundial.
2. Fase da Industrialização Pesada, onde o Estado foi responsável por uma
expressiva aceleração no ritmo de crescimento do mercado doméstico, que se expressa em
novas relações cidade/campo iniciando o processo de constituição da rede urbana integrada
a nível nacional. Esta rede era a expressão da do dinamismo do mercado doméstico, que
deu sustentação ao processo de industrialização;
3. Fase de Internacionalização Financeira, caracterizada pela crise e esgotamento
fiscal e financeiro do Estado Nacional, cuja capacidade de comandar o processo de
industrialização foi seriamente comprometido pelo endividamento interno e externo e a
lógica do investimento passa a ser diretamente comandada por empresas transnacionais e
pela presença do capital privado a elas associado. O período se caracteriza pela redução do
ritmo de crescimento das grandes metrópoles e pela emergência de novos centros
dinâmicos. Nesta fase, a orientação do processo de industrialização passa a responder à
dinâmica de uma estrutura de mercado que não está mais restrita às dimensões do território
nacional, mas orienta-se para a consolidação de cadeias produtivas, destinadas a ocupar o
mercado sul-americano e competir em escala mundial.
Neste sentido, embora prematuramente, seria possível definir a emergência de uma
nova Formação Territorial, cuja delimitação sugere dimensões transfronteiriças e cujo ritmo
de acumulação está determinado pela capacidade de conquistar fundos privados, seja no
mercado doméstico ou mundial, viabilizada - em grande parte, pelas políticas cambiais e
monetárias do Estado-Nação, que passa a cooperar e/ou competir com outros Estados-
29
Nações pela captura destes fundos privados. A título provisório podemos denominá-la de
Formação Territorial Urbano-financeira Supranacional.
Um novo quadro conceitual está se desenvolvendo que leva em consideração as
mutações ocorridas no processo mundial de urbanização nesses últimos anos. Podemos
observar a emergência de três novos conceitos. O primeiro se refere as redes ou sistemas de
cidades. Ele traduz muito bem as interações existentes entre as cidades e a importância
crescente da noção de circulação entre os pólos de crescimento. Essa abordagem evidencia
o progresso dos transportes e das telecomunicações numa época caracterizada pela
importância das circulações dos bens, das pessoas e cada vez mais das informações. Enfim,
o poder de difusão da inovação representa um fator essencial na dinâmica dos sistemas de
cidades. Esses processos, provocam três mutações significativas:
- a de hierarquização dos pólos de nível inferior devido ao crescimento regular das
relações horizontais entre eles. A conseqüência maior desse processo é a especialização
crescente das cidades intermediárias;
- a permanência e/ou reforço das polarizações nacionais tradicionais. As grandes
capitais são as cidades que beneficiam o mais do processo de mundialização da economia.
Assim trinta anos depois da tentativa de implementar pólos de equilíbrio territorial na
França, podemos observar que o peso de Paris na economia francesa aumentou;
- a emergência de metrópoles internacionais e de algumas cidades mundiais. A
primeira pode ser definida como uma cidade que participa plenamente das redes
econômicas, científicas e culturais supranacionais, graças a existência de serviços de alta
qualidade, de grandes laboratórios de pesquisa, de equipamentos culturais, a organização de
congressos e feiras internacionais etc.
Pode-se também ressaltar as mudanças na morfologia das redes de cidades. Se a
organização tradicional em teia de aranha é uma realidade na maior parte do mundo em
desenvolvimento, nos países industrializados, ao modelo chamado de hub and spokes
(núcleo e raios) desenha redes em forma de estrelas. Esse modelo é a representação espacial
dos maiores fluxos de bens, pessoas e de informações entre as grandes cidades que
atravessam espaços intersticiais incapazes de captar, mesmo que parcialmente, esses fluxos
que impulsionam o crescimento econômico. Falamos de um ‘‘efeito túnel’’ que gera zonas
de exclusão no espaço entres os pólos urbanos mais dinâmicos.
O segundo conceito de organização dos sistemas de cidades corresponde ao modelo
de metropolização que traduz a emergência de grandes centros urbanos, as vezes
qualificados de pós-industriais, que exercem uma polarização cada vez maior sobre
territórios cada vez mais amplos. Os geógrafos norte-americanos colocaram cedo em
evidência o processo de concentração-internacionalização do capital e a intensificação de
sua rentabilidade em conseqüência da nova distribuição das populações e das atividades
nas grandes metrópoles. Esses centros metropolitanos internacionais tem o verdadeiro
poder de comando dentro da economia-mundo contemporânea. Em efeito, eles privilegiam
as funções gerenciais, os serviços superiores (atividades financeiras, imobiliárias, serviços
informáticos, de consultoria, seguros, marketing etc.), as relações transnacionais, além da
inovação científica e tecnológica. Assim os empregos gerados por essas atividades são
tanto altamente qualificados, como também mais tradicionais e menos qualificados (
funções comercial e logística etc.). Esses últimos, são empregos que oferecem pouca
segurança aos trabalhadores, que são em maioria jovens e mulheres cujos salários são
normalmente inferiores remuneração metropolitana mediana.
30
Apesar de uma fragmentação social e territorial crescente, as metrópoles
internacionais se apresentam como os nós de múltiplas redes de comunicações materiais e
imateriais, que contribuem de maneira decisiva a reorganização do espaço em regiões de
influencia cada vez mais amplas. A polarização exercida pelas metrópoles internacionais é
ainda reforçada pela atração sobre as populações jovens que migram das cidades menores
em direção a essas aglomerações, que ainda oferecem uma perspectiva de remuneração
melhor, possibilidades de ascensão social, melhores possibilidades de acesso à infraestrutura e serviços urbanos, assim como equipamentos culturais e de lazer mais
sofisticados e diferenciados.
O novo modelo metropolitano de estruturação territorial, tende assim a recolocar em
questão o projeto de novas organizações urbanas estruturadas em torno do conceito de uma
difusão amplamente decentralizada da inovação tecnológica a partir de pólos de excelência
instalados em cidades intermediarias. A integração dessas últimas à rede das aglomerações
internacionais supõe infra-estruturas pesadas (aeroportos internacionais, teleportos etc.), um
parque imobiliário comercial de alto nível, redes de serviços de grande qualidade e
equipamentos culturais suscetíveis de atrair os executivos das firmas multinacionais. Nesse
sentido, uma transformação profunda da hierarquia urbana aparece ainda prematura mesmo
se as megacidades internacionais, as mais sujeitas as oscilações da conjuntura econômica
conhecem dificuldades (multiplicações das externalidades negativas) que favorecem um
certo processo de descentralização das atividades nas regiões limítrofes, como nas edge
cities.
A Agenda dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento
(ENIDs)
A formulação da proposta dos Eixos de Desenvolvimento origina-se de duas
vertentes básicas. A primeira diz respeito aos estudos do GEIPOT acerca dos principais
estrangulamentos dos chamados “corredores de transportes” necessários para reduzir o
“custo Brasil” que oneravam, e ainda oneram, as exportações de produtos do complexo
agroindustrial que, nas últimas décadas, conquistou definitivamente os Cerrados centrais
para a agropecuária tecnificada.
A segunda via foi gestada durante a passagem de Eliezer Batista da Silva pela
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR) durante o
Governo Collor, quando algumas de suas idéias assumiram a forma preliminar em um mapa
que indicava os principais corredores logísticos necessários, em sua concepção, para vencer
os gargalos internos de infra-estrutura e aumentar a eficiência da integração do território
nacional na economia mundial.
Posteriormente, em fins de 1994, este estudo foi apresentado a Fernando Henrique
Cardoso, que acabava de vencer as eleições e estava compondo sua equipe de governo e
colhendo propostas para o mandato que então se iniciava. Estas idéias tiveram acolhida na
equipe presidencial e passaram a integrar os esboços destinados a elaboração do Plano
Plurianual de Investimentos (PPA) para o período 1996-99, que quando veio a público, em
meados de 1996, recebeu a denominação de “Programa Brasil em Ação”, definido pelo
governo como um novo “Plano de Metas”, em uma referência tardia aos investimentos do
período Kubitschek que alavancaram a industrialização pesada no Brasil..
O PPA 1996-99 introduziu a noção de eixos de desenvolvimento, vistos como
instrumentos de integração nacional e continental e de redução dos desequilíbrios
31
espaciais11. Neste documento, os eixos são vistos como grupamentos de projetos de infraestrutura, voltados para “ a maior integração das regiões brasileiras e à abertura de novas
fronteiras de investimentos”. Esta “nova geografia econômica do País” partia do
pressuposto de que “a concentração e coordenação das intervenções em determinadas
regiões provocam impactos mais positivos sobre o restante do sistema econômico nacional
e regional do que uma atuação dispersa ou generalizada.”
Neste contexto, é notório que a concepção dos eixos representa uma redefinição
logística e uma ampliação espacial da noção dos pólos de desenvolvimento, bastante
generalizada no discurso oficial do planejamento brasileiro durante os anos setenta. A
grande diferença está em que para a visão dos pólos o destaque estava nos lugares, isto é,
nos centros regionais, de onde se difundiria o crescimento polarizado através das redes que
os conectavam a outros lugares.
Nos eixos de desenvolvimento, o foco se deslocou para as redes, cuja integração e
modernização passa a ser fundamental para a dinamização dos lugares, o que significa em
linguagem geoeconômica, privilegiar os fluxos em relação aos estoques. Esta visão poderia
estar coerente com as novas formulações da logística no que diz respeito ao aumento da
velocidade e a eficiência dos sistemas multimodais de transportes e comunicações,
entretanto nada está dito que signifique um ganho efetivo na renda e na qualidade de vida
dos lugares, cuja posição na estrutura espacial poderia, tanto ser reforçada, como assumir
uma situação marginal.
No PPA 1996-99 foram definidos cinco eixos de integração nacional e dois de
integração continental, são eles (Vide Figura 1):
a) Eixos Nacionais:
1. Eixo de integração norte-sul, destinado a fortalecer os meios de transporte
destinados ao escoamento da produção agroindustrial e agropecuária dos cerrados centrais,
envolvendo o oeste da Bahia, o sudoeste do Piauí, o su1 do Maranhão, o Tocantins e parte
do Estado de Goiás; Entre os principais projetos que foram considerados estão o trecho da
Ferrovia Norte-Su1 entre Imperatriz(MA) / Estreito (MA) e a Hidrovia do AraguaiaTocantins;
2 Eixo de integração oeste, destinado a consolidar o desenvolvimento das áreas de
expansão recente da fronteira agrícola do Pais, ligando os Estados do Acre e Rondônia com
os Estados da Região Centro-Su1 e Sul, passando pelo Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Os investimentos projetados concentravam-se no fortalecimento da malha ferroviária e na
restauração/reconstrução de rodovias troncais. O principal projeto é a implantação da
FERRONORTE, entre Aparecida do Taboado (MS) e Alto Araguaia (MT), que vem sendo
finalizado pela iniciativa privada. Destacava-se também neste eixo a construção do
gasoduto Bolívia-Brasil, que iniciaria-se com 32" de diâmetro em Rio Grande, na Bolívia,
alcança a fronteira com o Brasil no Mato Grosso do Sul (Puerto Suarez-Corumbá) e segue
com o mesmo diâmetro até Campinas (1.257 km no trecho Corumbá-Campinas). Daí,
divide-se em dois ramais principais com diâmetros de 24". O primeiro segue até
Guararema, em São Paulo, onde se interliga com o sistema de dutos da Petrobrás (São
Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte), e o segundo, até Porto Alegre, no Rio Grande do Sul
(Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas).;
11
Brasil, Ministério do Planejamento. Plano Plurianual 1996-99. Brasília, 1996, pg. 38
32
3. Eixos de integração do nordeste, voltado principalmente para a recuperação e a
expansão da base de infra-estrutura da Região, especialmente na área dos transportes. A
conformação de um corredor de transportes intermodal, baseado na revitalização da
Hidrovia do São Francisco, na modernização e ampliação da malha ferroviária,
particularmente pela implantação do trecho Petrolina-Salgueiro da Transnordestina, eram
os principais projetos, além da adequação e da ampliação do Porto de Suape (PE);
Figura 1
Brasil e América do Sul
Eixos de Integração Nacional e Continental
Legenda
Estados da Federação
Limites Internacionais
Boa Vista
!
% Capital Federal
Macapá
!
!
Belém
!
Sao Luis
!
Manaus
!
Eixos de Desenvolvimento
Fortaleza
!
Teresina
!
"
Natal
!
Joao Pessoa
!
Recife
!
Maceió
!
Aracajú
!
Porto Velho
!
Rio Branco
!
Palmas
!
Salvador
!
PERU
"
Brasília
Cuiabá
!
Capitais Estaduais
%
Goiânia
!
BOLIVIA
Principais Eixos
Saída para o Caribe
Saída para o Pacífico
Eixo Norte-Sul
Eixo Sul
"
Belo Horizonte
Vitória
!
!
Campo Grande
!
Rio de Janeiro
Sao Paulo !
!
PARAGUAI
"
CHILE
"
Curitiba
!
Eixo Sudeste
Eixo Nordeste
Eixo Oeste
Florianópolis
!
km
Porto Alegre
!
ARGENTINA
"
0
500
1000
URUGUAI
"
Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000
MPO - Plano Plurianual 1996-99
4. Eixos de integração sudeste. Os empreendimentos previstos contemplavam a
adequação da infra-estrutura rodoviária da Região. Os principais projetos visam reestruturar
e adequar a capacidade de rodovias troncais, destacando-se a duplicação da BR-381
(Fernão Dias), entre Belo Horizonte e São Paulo;
5. Eixos de integração sul, que envolviam intervenções para adequar as malhas de
transporte intermodais necessárias à melhoria dos eixos de articulação entre as Regiões
Sudeste e Su1 do Pais. Concentravam-se em rodovias integradoras, incluindo obras de
duplicação, restauração e reconstrução de rodovias existentes. O principal projeto foi a
duplicação das BR-116/BR-376/BR-101, entre São Paulo e Florianópolis. No setor
ferroviário, deu-se a prioridade à implantação da Ferroeste, ligando Guarapuava (PR) a
Dourados (MS), numa extensão de 645 km. Complementavam os investimentos nesses
eixos de integração as obras de adequação e modernização dos Portos de Paranaguá e Rio
Grande, de melhoria da navegabilidade nas Hidrovias do Paraná e do Paraguai, além da
construção da ponte entre São Borja (Brasil) e São Tomé (Argentina).
33
b) Eixos Continentais
1. Saída para o Caribe: os projetos considerados nesse eixo estavam voltados para
a consolidação de rodovias integradoras do Pais com os mercados do Caribe e Atlântico
Norte. O empreendimento mais importante era a complementação da pavimentação da BR174, entre Manaus (AM) e Caracaraí (RR);
2. Saída para o Pacífico: os projetos que foram previstos para este eixo estavam
direcionados para a consolidação da ligação com as fronteiras do Peru e Bolívia, que
favoreceriam a integração com esses países e o futuro acesso terrestre do Brasil a portos
localizados no Pacifico. Na área rodoviária, estavam previstas obras de construção e/ou
recuperação em trecho de 350 km de extensão da BR-317, que liga Rio Branco (AC) a
Assis Brasil (AC), na fronteira com o Peru. Deveria, também, ser construído trecho de 90
km de extensão, ligando Abunâ (RO) a Guajará Mirim (RO), na fronteira com a Bolívia.
Estavam também previstos investimentos na melhoria das condições de navegabilidade da
Hidrovia do Rio Madeira m obras de sinalização, balizamento, derrocamento e
desassoreamento.
Neste ponto, é importante frisar que as propostas do PPA 1996-99 se afastaram
bastante das concepções originais de Eliezer Batista. Isto é facilmente contatado em dois
aspectos fundamentais, quando se compara esse documento com o estudo publicado pelo
antigo presidente da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em 199712. O primeiro aspecto
decisivo é a controversa saída para o Pacífico.
Com o sugestivo título de Infra-estrutura para Desenvolvimento Sustentado e
Integração da América do Sul, o estudo elaborado por Eliezer Batista destaca a
importância do transporte marítimo por cabotagem na escala sul-americana e propõe a
constituição do que denomina de “cinturões de desenvolvimento” para a porção norte e
sudeste da América do Sul, como configuração espacial adequada a dar consistência ao
novo desenho logístico capaz de aumentar a participação do continente no comércio
mundial. Nesse projeto, considerando às limitações de custo-benefício econômico e,
principalmente, devido aos seus impactos ambientais, a alternativa de uma ligação
transcontinental por via terrestre entre o Atlântico e o Pacífico cortando a Floresta
Amazônica foi sumariamente descartada.
Na verdade, e é o segundo aspecto a ser destacado, a proposta de Eliezer Batista se
propõe a construir uma alternativa de integração logística da América do Sul que tenha
como ponto de partida o desafio da sustentabilidade ambiental, naquilo que denomina de
um novo paradigma de desenvolvimento. Neste ponto, as diferenças com a concepção e as
propostas do primeiro PPA do primeiro governo Cardoso são radicais, pois neste último a
dimensão ambiental é um apêndice aposto “ex post” à formulação dos eixos, considerada,
em muitos casos, como um elemento restritivo que deveria ser vencido pela capacidade
técnica dos formuladores e gerentes dos projetos.
Assim é sintomático que, enquanto o PPA 1996-99 considerasse o meio ambiente
como um programa a mais dissociado dos eixos de desenvolvimento, o estudo de Eliezer
Batista insistia que:
“O novo paradigma de desenvolvimento de infra-estrutura pode ser
denominado de eco-eficiência. Seus princípios fundamentais são eficiência e
12 Batista da Silva, Eliezer. Infra-estrutura para Desenvolvimento Sustentado e Integração da
América do Sul. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1997
34
sinergia. Ele procura promover padrões de desenvolvimento que forneçam o
retorno máximo dos recursos disponíveis a cada uma das nações da América do
Sul, ao enfatizar complementaridade, oportunidades de adicionar valor a
produtos da região, dentro da região, e operando de forma a maximizar a
eqüidade social e a proteção ambiental, tanto quanto a lucratividade. A longo
prazo, evitar o custo dos danos ambientais e sociais acentua a eficiência
econômica, além de ser a única abordagem que pode ser considerada ética e
justa (grifo nosso).” (Batista da Silva, 1997: 10-11)
O segundo Plano Plurianual de Investimentos (PPA 2000-03) do Governo Cardoso
foi precedido por um edital de contratação de serviços de consultoria especializada lançado
pelo BNDES, para o então Ministério de Orçamento e Gestão, destinado à identificação de
oportunidades de investimento públicos e privados nas áreas de influência dos Eixos,
definidos tout court, sem nenhuma adjetivação, que visassem a estimular o
desenvolvimento econômico e social dessas áreas com especial atenção aos
empreendimentos complementares ou relacionados ao “Programa Brasil em Ação”, isto é,
destinava-se a levar adiante o que havia sido iniciado com o PPA anterior.
Este referido edital listava um conjunto de Eixos que já não correspondia
exatamente ao definido pelo PPA 1996-99, a saber:
1. Eixos da Amazônia:
1.1. Eixo de Saída Norte para o Caribe/ Rodovia BR-174; e
1.2. Eixo de Saída para o Atlântico – Hidrovias do Madeira e do
Amazonas;
1.3. Eixo Araguaia-Tocantins/ Ferrovia Norte-Sul e Ferrovia Carajás;
3. Eixos do Nordeste;
3.1 Eixo Costeiro do Nordeste;
3.2 Eixo do Rio São Francisco e;
3.3 Eixo Transnordestino;
4. Eixo do Oeste;
5. Eixos do Sudeste;
5.1 Eixo Centro Leste; e
5.2 Eixo de São Paulo;
6. Eixos dos Sul;
6.1 Eixo Costeiro do Sul;
6.2. Eixo da Franja de Fronteira;
6.3 Eixo da Hidrovia do Paraná-Paraguai;
É necessário destacar que, além do novo ajustamento geográfico da proposta dos
Eixos, o Edital eliminou a distinção entre os eixos nacionais e os continentais e retirou a
saída para o Pacífico, como objetivo estratégico, o que já representa um novo cenário
geopolítico para as pretensões brasileiras no contexto sul-americano.
Destaque também deve ser dado ao fato de que constituía uma das exigências do
edital, a elaboração de um banco de dados georefenciados, contendo mapas e indicadores
sobre os aspectos econômicos, sociais e ambientais e de INFORMAÇÃO E
CONHECIMENTO (destaque do edital), assim como os portfólios dos investimentos
públicos e privados identificados. Dadas as dimensões desta base de dados, sua função
representava um pré-zoneamento ecológico-econômico das áreas de influência dos eixos.
O edital foi vencido por um consórcio de empresas multinacionais, que adotou o
sugestivo nome de Consórcio Brasiliana, formado pelas consultoras Booz Allen &
35
Hamilton do Brasil Consultores Ltda e Bechtel International, Inc., alem do Banco ABNAMRO S.A., que se apoiaram em consultores de vários órgãos públicos e privados e,
segundo fontes oficiais, participaram do consórcio três universidades federais
(Universidade de Brasília, Universidade Federal de São Carlos e Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul), além de institutos de pesquisa, reunindo um total de19 coordenadores
e mais de 100 profissionais.
Os resultados deste estudo, que ainda são de circulação restrita, foram elementos
fundamentais para a constituição da Agenda dos Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento (ENIDs) que passou a compor as orientações estratégicas da Presidência
da República para a elaboração do segundo PPA do Governo Cardoso, que ora se encontra
em votação no Congresso Nacional, provocando sérios atritos na base governamental.
Esses resultados também já provocaram acirrados debates quando foram apresentados em
cada uma das regiões brasileiras, quando alguns governadores não aceitaram o portfólio de
investimentos públicos e privados proposto pelo Consórcio.
Não resta a menor dúvida de que um projeto que prevê investimentos da ordem de
US$ 165 bilhões provocaria debates acirrados, seja pela disputa regionalista dos fundos
públicos, seja por sua proposta de alocação regionalizada dos investimentos. Neste ponto,
há de se destacar que a concepção dos ENIDs considerou fundamentalmente os objetivos
logísticos nacionais, sem refletir sobre as estratégias regionais de inserção na estrutura
produtiva nacional e na economia global. Isto se torna flagrante quando se observa que, nos
resultados dos estudos, os Eixos passaram a conformar uma nova divisão territorial do
Brasil, que não expressa integralmente o recorte regional oficial, nem muito menos os
diversos agentes sociais envolvidos na gestão efetiva do território.
Para o Consórcio Brasiliana, os eixos passaram a se constituir em grandes regiões o que subverte as noções elementares de topologia, sem falar em geografia -, que dividem
o território nacional em 9 grandes áreas contíguas, que passaram a balizar as propostas de
políticas públicas no Brasil: São elas (Vide Figura 2),
Figura 2
Áreas de Influência dos Eixos Nacionais
de Integração e Desenvolvimento
RR
AP
PA
AM
MA
CE
RN
PB
PI
PE
AC
AL
SE
TO
RO
Arco Norte
Madeira-Amazonas
BA
MT
Áreas de Influência
Araguaia-Tocantins
GO DF
Oeste
Transnordestino
MG
ES
MS
SP
RJ
São Francisco
Rede Sudeste
Sudoeste
PR
Sul
SC
km
RS
0
Fonte: IBGE - Mapa da Série Brasil Geográfico - Escala 1:5.000.000
Relatórios do Consórcio Brasiliana
300
600
36
1. Eixos do Norte
1.1. Arco Norte; que corresponde à combinação de duas regiões
não contíguas, envolvendo basicamente os Estados de Roraima e Amapá. Essa
configuração teve origem no eixo sugerido pelo Edital, denominado Eixo de Saída
Norte para o Caribe/Rodovia BR-174, que se caracterizava por estabelecer uma
ligação entre a Zona Franca de Manaus, o Estado de Roraima e importantes zonas
de consumo da República da Venezuela e da Guiana, permitindo assim acesso
brasileiro a portos do Caribe, e posteriormente, o conceito original foi expandido
para incluir uma outra saída para o Norte, correspondente à área de influência da
rodovia BR-156, em implantação no Estado do Amapá. Segundo o Consórcio
Brasiliana, “a lógica dessa nova configuração - a única dentre os nove eixos
propostos que corresponde a um território não-contínuo - decorre da perspectiva de
uma futura interligação rodoviária no extremo norte do continente, aproveitando-se
as duas rodovias citadas, do lado brasileiro, a interligação rodoviária já existente
entre as capitais das três Guianas.”13.
1.2. Madeira-Amazonas; que afeta diretamente a porção
ocidental da Região Amazônica, cujos principais projetos são a Hidrovia do
Madeira e os Gasodutos de Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus, esse último ao
longo do Rio Amazonas. Além destas obras destaca-se a pavimentação de diversas
rodovias, tais como a BR-364 e a ampliação de aeroportos e terminais fluviais em
Manaus, Porto Velho e Santarém. Devido às dimensões da área territorial envolvida
por este Eixo , cerca de 2,7 milhões de Km2, quase 32% do território nacional, dos
quais 60% são cobertos por floresta densa e 38% são de uso especial (terras
indígenas ou unidades de conservação)14, pode-se avaliar os problemas associados à
sua gestão sustentável.
2. Eixos do Nordeste
2.1. São Francisco; afetando principalmente o Estado da Bahia,
sua estrutura vertebral principal de apoio em termos de transportes é constituída
pela Hidrovia do São Francisco, em toda sua extensão navegável, pelas rodovias
litorâneas BR 101 e BR 116 e pelas inúmeras transversais que partem de
Salvador/Feira de Santana em direção ao interior - notadamente o vale do São
Francisco - e por quatro portos marítimos: Aracaju, Aratu, Salvador e Ilhéus;
2.2. Transnordestino, afetando os estados do Ceará, Rio Grande
do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Segundo o Consórcio Brasiliana15, “a
exemplo do São Francisco, o Eixo Transnordestino foi configurado e delimitado
geograficamente a partir de um rearranjo territorial realizado nos três eixos
originalmente propostos para o Nordeste – São Francisco, Costeiro do Nordeste e
Transnordestino. Nesse processo, buscou-se garantir escalas mínimas para análise
das economias regionais associadas aos eixos”. O principal projeto deste eixo é
Ferrovia Transnordestina, em um trecho de 350 km, de Petrolina a Missão
13
Consórcio Brasiliana. Arco Norte – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo,
outubro de 1998
14 Consórcio Brasiliana. Madeira-Amazonas – Relatório Preliminar - Sumário Executivo,
mimeo, outubro de 1998
15 Consórcio Brasiliana. Transnordestino – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo,
outubro de 1998.
37
Velha/PE, passando por Salgueiro, além de várias obras de melhoria da rede viária e
de suporte à irrigação na zona semi-árida
3
Eixo do Sudeste
3.1
Rede Sudeste; originalmente denominado como Rótula pelo
Consórcio Brasiliana, mas que devido a impropriedade desse termo ao referir-se ao
núcleo urbano-industrial do país, foi posteriormente revisto16. A configuração da
Rede Sudeste substitui os dois eixos do Sudeste contidos na definição original
fornecida pelo Edital, o Eixo Centro-Leste e o Eixo de São Paulo. Segundo o
Consórcio Brasiliana, “a lógica dessa nova conceituação é integrar as áreas
pertencentes àqueles eixos que, pelas características de suas ocupações e das infraestruturas que lhe dão suporte, não constituem propriamente eixos, desempenhando,
na essência, a função de articulação nacional e internacional das demais regiões”17.
Dentre os projetos previstos para a Rede Sudeste destacam-se o Porto de Sepetiba,
além da ampliação e melhoria dos Portos de Santos e Vitória, construção e
melhoramentos de aeroportos, ramais ferroviários e rodoviários. A interligação com
o Gasoduto Brasil-Bolívia e o abastecimento a partir da Bacia de Campos possibilita
também a construção de diversas usinas termoeléctricas a gás natural para ampliar a
oferta de energia elétrica na Região. Especial atenção também foi dada ao sistema
de telecomunicação, com a interligação por fibras óticas entre as principais cidades.
4. Eixos do Sul
4.1. Sudoeste; formado por expressivas parcelas do Estados do
Paraná e Mato Grosso do Sul, outras de São Paulo, e partes menores de Goiás e
Minas Gerais, possui uma economia baseada na agroindústria, como sua principal
atividade produtiva, à qual estão associados os ramos industriais mais significativos
- produtos alimentares, bebidas, couros e peles, química e têxtil. A Hidrovia TietêParaná é a principal via troncal de transporte do eixo e seu papel é fundamental na
integração do Mercosul.
4.2. Sul; compreendendo integralmente os Estados do Rio Grande
do Sul e de Santa Catarina, e uma expressiva porção do Estado do Paraná.
Representa uma fusão dos eixos Costeiro do Sul e da Franja de Fronteira previstos
no edital. Dada a sua posição na fronteira meridional é considerado fundamental
para a integração econômica com o Uruguai e a Argentina. Seus principais
empreendimentos são a Rodovia do Mercosul, que atravessa longitudinalmente a
Região Sul, o Gasoduto Bolívia-Brasil e o Porto de Rio Grande;
5. Eixos do Centro-Oeste
5.1
Araguaia-Tocantins; este eixo está estruturado em torno da
infra-estrutura de transporte existente na região, envolvendo as instalações do
complexo portuário de São Luís, as ferrovias Carajás e Norte-Sul e as hidrovias do
Araguaia e do Tocantins. É considerado pelo estudo como “fator essencial da
integração intermodal entre o sistema rodoviário do Centro-Oeste e o ferroviário do
16 Neste aspecto, aparentemente a concepção original de Eliezer Batista de “cinturão” parece ser
muito mais adequada.
17 Consórcio Brasiliana. Rótula – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo, outubro de
1998.
38
Norte, permitindo o escoamento da produção agropecuária e agro-industrial dos
cerrados e mineiro-metalúrgica da Amazônia Oriental, através do porto de Itaquí.”18
5.2
Oeste; conceituado como elo de integração entre o extremo
oeste e a região central do País, viabilizado, fundamentalmente, pela rodovia BR364, que torna possível a ligação de áreas de fronteira agrícola e de atividades
agropecuárias com o resto do País através do entroncamento dessa rodovia com os
sistemas rodo, hidro e ferroviário das regiões Sudeste e Sul. Na definição do
Consórcio Brasiliana foram incorporadas adicionalmente as áreas correspondentes
ao antigo Eixo da Hidrovia do Paraguai/Paraná19, o que significa que este eixo afeta
diretamente o Pantanal e suas bordas;
Este quadro serviu de referência para a elaboração do “Programa Avança Brasil”,
que é o nome fantasia do Plano Plurianual de Investimentos 2000-03, que prevê
investimentos totais da ordem de R$ 317 bilhões nos próximos oito anos20, o que sem
dúvida significará uma mudança radical na estrutura produtiva nacional, com reflexos
diretos nas diversas economias regionais que o compõem.
As dificuldades da integração no Mercosul
Firmado em 1991, entre o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, o Tratado de
Assunção iniciou a construção do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), que constitui
hoje uma das mais importantes iniciativas de integração econômica das fora da influência
direta das economias mais industrializadas do mundo atual.
De modo diferente das tentativas anteriores, o Mercosul não partiu da iniciativa de
um foro supranacional para sedimentar suas propostas de construir uma união aduaneira
que envolvesse as duas principais economias da América do Sul: o Brasil e a Argentina. As
pressões resultantes do processo de mundialização do capital, genericamente definido como
“globalização” da economia, bem como as necessidades internas de expansão dos
respectivos sistemas produtivos nacionais, que foram duramente atingidos pela crise dos
anos oitenta, levaram Brasil e Argentina a superarem seus conflitos históricos em torno da
Bacia do Prata e buscarem soluções comuns para problemas semelhantes através da
cooperação e da integração econômica.
Nesta direção, o que originalmente envolvia apenas operações mercantis, como
compra e venda de produtos agroindustriais, nos quais as respectivas economias nacionais
possuíam vantagens comparativas, como é o exemplo do trigo da Argentina para o Brasil e
da carne de frango, no sentido inverso; foi sendo gradativamente intensificado através da
integração transfronteira das estruturas produtivas nacionais, o que já é flagrante nos
complexos metal-mecânico e químico, principalmente nos segmentos automobilístico e
petroquímico.
Diversos aspectos ainda continuam pendentes no que diz respeito aos avanços da
integração geoeconômica no Cone Sul. Do ponto de vista global, a proposta norteamericana de constituição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), enfraquece
18
Consórcio Brasiliana. Araguaia-Tocantins – Relatório Preliminar - Sumário Executivo,
mimeo, outubro de 1998
19 Consórcio Brasiliana. Oeste – Relatório Preliminar - Sumário Executivo, mimeo, outubro de
1998
20 Brasil, Presidência da República. Programa Avança Brasil. Brasília, mimeo, 1999. Pode ser
consultado no site do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (www.mpo.gov.br).
39
as alternativas regionais de uma negociação em bloco, não apenas com os Estados Unidos,
mas com a denominada ‘Tríade’, isto é, incluindo a União Européia e o Japão. Estas
negociações têm encontrado dificuldades das mais variadas ordens, mas que em grande
parte refletem interesses domésticos, que não cedem os privilégios conseguidos. Este é, por
exemplo, o caso dos subsídios garantidos pela UE a certos produtos agrícolas sensíveis,
como o açúcar, o que tem feito com que a França vete sistematicamente qualquer
possibilidade de negociação direta entre a UE e o Mercosul.
O Tratado de Assunção previu a data de 25 de janeiro de 1995 para a eliminação das
barreiras tarifárias e não-tarifárias entre os países membros, postulando a livre circulação
de bens e serviços no interior deste mercado doméstico supranacional que teria uma única
tarifa externa comum (TEC). Devido aos problemas derivados das políticas
macroeconômicas dos signatários do acordo, que, diga-se de passagem, não são poucos,
principalmente considerando a diversidade de políticas monetárias e cambiais entre os dois
principais parceiros do projeto de integração, observa-se que a meta da TEC Mercosul
parece estar a cada dia mais distante.
As políticas de estabilização postas em prática pelo Brasil e Argentina tem muitos
aspectos distintos, dos quais o mais evidente é a oposição entre a rigidez da
conversibilidade argentina vis-a-vis a flexibilização cambial total no Brasil. Entretanto,
embora com intensidades e horizontes temporais distintos, deve-se observar que em ambos
os casos existem traços comuns que convergem para o crescente endividamento e a grande
dependência de créditos externos.
Esta convergência na busca por fontes de crédito, para dar suporte ao processo de
estabilização monetária, acabou transformando Brasil e Argentina – e pour cause, o próprio
Mercosul, em competidores solidários no mercado financeiro mundial, onde disputam o
acesso aos fundos globais, ao mesmo tempo em que são solidários nos movimentos
negativos engendrados pelas crises que afetam a cada um deles.
Assim, a dificuldade de refinanciar a dívida argentina empurra a cotação do dólar no
Brasil, que por sua vez reduz a competitividade dos produtos argentinos no mercado
brasileiro. Nesse círculo vicioso, o bode expiatório passa a ser a tarifa externa comum, o
que compromete o Mercosul em sua essência básica, passando a constituir-se em um
arremedo de zona de livre comércio, eivada de conflitos, do Cone Sul da América, o que diga-se de passagem, fragiliza ambos parceiros diante das investidas norte-americanas para
a rápida implantação da ALCA.
Neste cenário conturbado, há de se considerar que a intensificação dos fluxos
econômicos, não apenas entre os integrantes do MERCOSUL, mas também com a Bolívia e
o Chile - que são membros associados, é uma necessidade basilar da própria denâmica
econômica, isto é da própria necessidade de garantir a oferta de insumos básicos, com
especial destaque para energéticos, o colocou na ordem do dia o problema das redes
logísticas de ligação continental no espaço sul americano (BATISTA DA SILVA, 1997),
desencadeando o processo de expansão e conexão entre estas distintas economias nacionais.
Assim, já se encontram em execução projetos que irão conectar o Sudeste Brasileiro
ao Pampa Argentino, como a ligação litorânea através da Rodovia do MERCOSUL ou pelo
interior do continente como a Hidrovia Tietê-Paraná, que fazem parte do projeto dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs) do governo brasileiro.
Da mesma maneira, troncos de transporte de energia estão sendo construídos, como
as linhas de transmissão que conectam Yaceretá-Apipé, entre a Argentina e o Paraguai, ao
sistema energético brasileiro e a entrada em operação do Gasoduto Brasil-Bolívia que vai
40
cortar as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil transportando e distribuindo gás
natural, que passa a ser uma alternativa, não apenas como combustível industrial, mas
também como insumo importante para a matriz energética brasileira, restringida que está
pela ausência de créditos de logo prazo para grandes investimentos hidrelétricos.
É nesse quadro que, as heranças do processo de industrialização tardia das economia
nacionais do Cone Sul deixa sua marca registrada no desenho das redes logísticas
disponíveis para a integração econômica supranacional. Ferrovias com diferentes bitolas,
hidrovias que ainda refletem disputas geopolíticas sobre o controle de bacias hidrográficas,
rodovias com obras de engenharias que não suportam o volume de tráfego internacional,
em suma, uma configuração espacial do sistema logístico que está profundamente marcado
pelas heranças da industrialização tardia e que exige uma grande engenharia de
financiamento para adequá-lo às demandas prementes de uma estrutura produtiva que está
começando a integrar-se para além das fronteiras nacionais.
As redes logísticas e sua configuração espacial no Cone Sul
A despeito dos problemas que dificultam o processo de integração ao nível
macroeconômico, resultantes da disparidade de políticas monetárias e cambiais postas em
prática pelos membros do grupo, a integração física das redes logísticas tende a avançar, em
grande parte devido às próprias necessidades materiais das principais economias que
conformam o Mercosul: Brasil e Argentina.
Para compreender este processo, procurou-se mapear as principais redes na escala
regional (ferroviária, rodoviária, energia elétrica e gasodutos) e as conexões entre as
principais cidades do Cone Sul, selecionadas a partir dos seguintes critérios: 1 -Possuir
mais de 100.000 habitantes no aglomerado urbano; 2 Ser capital de estado (Brasil),
província (Argentina) ou sede de região (Chile). A aplicação destes critérios resultou na
seleção de 139 cidades, vide Anexo 1, que formam o embrião do sistema urbano do Cone
Sul.
Observa-se que o desenho da rede ferroviária traz a marca da orientação das
economias agrário-exportadoras para os principais portos, formando verdadeiras bacias
urbanas, com especial destaque para o papel de Buenos Aires, no Pampa Úmido, e de São
Paulo-Santos, no Planalto Paulista. Destaca-se o papel da Bolívia, como zona de
convergência interior dos sistemas ferroviários comandados por estes dois grandes
complexos territoriais agrário-exportadores. (Mapa 1)
A integração dos mercados nacionais nas duas grandes economias do Cone Sul foi
feita através do padrão rodoviário, onde não apenas a indústria automobilística comanda o
processo de industrialização, mas também se manifesta espacialmente na rápida expansão
da malha rodoviária. Deve-se ressaltar a baixa densidade das redes nas regiões de fronteira
dessas economias: a Amazônia e a Patagônia, onde fatores geográficos e históricos
explicam a rarefação da população, que são, evidentemente, muito mais flagrantes na
Amazônia brasileira. (Mapa 2)
41
Cone Sul
Rede Ferroviária
Cone Sul
Rede Rodoviária
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Limites Internacionais
Ferrovia
Principais Cidades
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Limites Internacionais
Rodovia
Principais Cidades
0
Mapa 1
1000 Kilometers
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Mapa 2
1000 Kilometers
42
Cone Sul
Rede de Gasodutos
Cone Sul
Rede Elétrica
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Brasil
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Paraguai
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Uruguai
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Uruguai
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Chile
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Paraguai
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Gasoduto Troncal
Em operação
Em construção
Em projeto
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Principais Cidades
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Limites Internacionais
Linhas de Alta Tensão
Principais Cidades
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0
1000 Kilometers
Mapa 3
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Bolivia
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Mapa 4
1000 Kilometers
43
A consolidação da indústria pesada é um fator crucial para a diferenciação das
economias nacionais do Cone Sul, seja pelas dimensões que assume no Brasil, seja pelo
caráter concentrado que apresenta na Argentina. A rede elétrica expressa na distribuição
regional essas características, além de traços constitutivos da montagem do sistema, que no
Brasil foi orientado preferencialmente para a hidreletricidade, cujo apogeu se expressa na
construção da central binacional de Itaipú, que transforma o Paraguai em exportador de
energia, enquanto na Argentina é importante o papel da termoeletricidade na conformação
do sistema elétrico nacional. (Mapa 3)
O gás natural apresenta perspectivas de aumento acelerado de participação na matriz
energética mundial e a Argentina é um dos países do mundo de maior participação desse
combustível na oferta de energia primária, tendo iniciado a construção de seu primeiro
gasoduto em 1947. A difusão do gás natural como combustível no Brasil acelera-se com a
construção do Gasoduto Brasil-Bolívia, que já nasce como uma rede transnacional no Cone
Sul, onde a Bolívia reassume seu papel de interface na margem das redes brasileiras e
argentinas. (Mapa 4)
Em suma, as redes logísticas refletem em seu desenho, tanto aspectos históricos,
como também novas formas de articulação entre as economias nacionais. A compreensão
dessa dimensão espaço-temporal das redes é fundamental para o estabelecimento
depolíticas territoriais, na medida em que os eventuais gargalos que hoje apresente algum
dos sistemas logísticos, pode ter sido uma vantagem estratégica no passado
A análise da conectividade do sistema de cidades em formação no Cone Sul pode
contribuir para a compreensão da estrutura espacial em formação na escala supranacional,
apontando seus lineamentos principais e subsidiando políticas territoriais no sentido da
consolidação de um espaço de fluxos capaz de ampliar as dimensões do mercado doméstico
do bloco econômico, contribuindo para contornar possíveis gargalos que se formem no
processo de integração regional.
44
Cone Sul
Rede de Gasodutos
Cone Sul
Rede Elétrica
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Brasil
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Paraguai
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Paraguai
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Chile
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Uruguai
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Uruguai
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Limites Internacionais
Gasoduto Troncal
Em operação
Em construção
Em projeto
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Principais Cidades
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Limites Internacionais
Linhas de Alta Tensão
Principais Cidades
0
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1000 Kilometers
Mapa 3
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Bolivia
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Brasil
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Mapa 4
1000 Kilometers
45
Em termos geoeconômicos, as conexões ferroviárias são aquelas que trazem a
marca da hegemonia do capital mercantil. Apresentam baixa densidade no interior, são
concentradas nas regiões produtoras de bens agropecuários e, geralmente, fortalecem as
cidades portuárias. Mostram geoestratégias competitivas entre as duas potências regionais
para a projeção de seus domínios sobre a Bacia do Prata. (Mapa 5)
A geoeconomia da industrialização substitutiva de importações marca o padrão de
conectividade rodoviário, com destaque para a emergência de nós logísticos de apoio a
ocupação econômica das zonas de fronteira, como é o caso de Neuquén na borda da
Patagônia argentina ou Goiânia-Brasília no suporte logístico a ocupação da Amazônia. Do
ponto de vista geoestratégico, o padrão de conectividade da rede rodoviária mostra a
orientação preferencial da política territorial do Brasil e da Argentina para o processo de
integração nacional, decisivo na formação do mercado interno para a indústria. (Mapa 6)
As ligações aeroviárias já mostram a inserção dos países do Cone Sul em uma
economia globalizada, onde as conexões entre cidades já expressam fluxos financeiros e
informacionais. As conexões das duas principais economias do Cone Sul mostram
significativas diferenças, pois enquanto na Argentina é patente o papel dominante de
Buenos Aires na conectividade por avião entre as cidades, no Brasil observa-se a
emergência de Brasília como importante centro de conexão interregional. (Mapa 7)
46
Cone Sul
Conexões Rodoviárias
Cone Sul
Conexões Ferroviárias
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Conexões ferroviárias
Limites Internacionais
População circa 1950
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0 - 64.700
# 64.700 - 224.419
# 224.419 - 660.569
# 660.569 - 1.436.522
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Limites Internacionais
População circa 1970
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0 - 100.915
# 100.915 - 254.682
# 254.682 - 529.780
# 529.780 - 1.077.208
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1.077.208 - 2.791.972
# 2.791.972 - 8.461.955
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Conexões rodoviárias
1.436.522 - 3.026.195
# 3.026.195 - 4.748.723
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0
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0
Mapa 5
1000 Kilometers
Mapa 6
1000 Kilometers
47
Cone Sul
Conexões Aeroviárias
Cone Sul
Conexões Telefônicas
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Limites Internacionais
População circa 1980
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0 - 198.683
# 198.683 - 501.198
#
501.198 - 1.005.367
#
1.005.367 - 1.696.318
#
1.696.318 - 3.919.903
#
3.919.903 - 12.183.634
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Limites Internacionais
População circa 1995
57.651 - 228.326
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228.326 - 446.619
# 446.619 - 947.335
# 947.335 - 2.164.139
# 2.164.139 - 4.729.118
4.729.118 - 15.971.292
Conexões telefônicas
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Conexões Aeroviárias
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0
1000 Kilometers
0
Mapa 7
Mapa 8
1000 Kilometers
48
Breves Considerações Finais
A análise da estrutura espacial do Cone Sul, no que diz respeito às redes logísticas e
às conexões entre as principais cidades, aponta para a permanência de uma relativa
autonomia dos sistemas logísticos regionais, tanto no que diz respeito aos transportes,
como energia e telecomunicações, mostrando que o processo de integração regional das
redes físicas ainda encontra-se em sua fase inicial, embora apresente aspectos irreversíveis,
principalmente nas redes de transportes e energia.
Devido às características do passado agroexportador e a industrialização
substitutiva de importações que marcam a inserção dessas duas economias no mercado
mundial, o padrão de conectividade das cidades do Cone Sul ainda não apresenta uma
estrutura orientada para a integração continental.
Há um fortalecimento da conectividade no Arco Atlântico do Cone Sul, com um
aumento da importância dos fluxos marítimos entre os principais portos da região,
reforçada pelo adensamento da malha rodoviária, o que mostra uma tendência de rehierarquização da estrutura espacial da zona costeira e adjacências.
Referências Bibliográficas
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50
Anexo 1
As cidades selecionadas no Cone Sul, segundo os critérios apontados no texto,
foram:
Argentina (30 cidades):
Córdoba, Rio Cuarto, Santa Fe, Rosário, Mendoza, San Juan, San Luis,
Resistencia, Formosa, Santiago de Estero, Corrientes, Concordia, Parana, Posadas,
San.Fernando de Catamarca, S.S. de Jujuy, La Rioja, Salta, San Miguel de Tucuman,
Bahia Blanca, Mar del Plata, La Plata, San Nicolas, Buenos Aires, Santa Rosa,
Comodoro Rivadavia, Trelew, Neuquen, Viedma, Rio Gallegos.
Bolívia (6 cidades):
La Paz, Santa Cruz, Cochabamba, Oruro, Potosi, Sucre,
Brasil (105 cidades):
Ji-Paraná, Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Boa Vista, Belém, Castanhal,
Marabá, Santarém, Macapá, Araguaína, Palmas, Caxias, Imperatriz, Sao Luís,
Parnaíba, Teresina, Fortaleza, Juazeiro do Norte, Sobral, Mossoró, Natal, Campina
Grande, Joao Pessoa, Caruaru, Garanhuns, Petrolina, Recife, Arapiraca, Maceió,
Aracaju, Alagoinhas, Barreiras, Feira de Santana, Ilhéus, Jequié, Salvador, Vitória da
Conquista, Barbacena, Belo Horizonte, Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga,
Itabira, Juiz de Fora, Montes Claros, Poços de Caldas, Sete Lagoas, Teófilo Otoni,
Uberlândia, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Vitória, Cabo Frio, Campos dos
Goytacazes, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Volta Redonda, Araçatuba, Araraquara,
Bauru, Campinas, Franca, Guaratinguetá, Jundiaí, Limeira, Marília, Moji-Guaçu,
Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirao Preto, Santos, Sao José do Rio Preto, Sao
José dos Campos, Sao Paulo, Sorocaba, Cascavel, Curitiba, Foz do Iguaçu,
Guarapuava, Londrina, Maringá, Paranaguá, Ponta Grossa, Blumenau, Chapecó,
Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Joinville, Lages, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas,
Porto Alegre, Santa Maria, Uruguaiana, Campo Grande, Dourados, Cuiabá,
Rondonópolis, Anápolis, Goiânia, Rio Verde, Brasília,
Chile (16 cidades/aglomerações urbanas):
Santiago, Valparaíso/Vina de Mar, Concepcion/Talcahuano, Antofagasta,
Temuco, La Serena, Rancagua, Arica, Talca, Iquique, Chillan, Punta Arenas,
Quillota/La Callera, Osomo, Valdivia, Puerto Montt.
Paraguai (2 cidades):
Asunción, Ciudad del Este.
e
Uruguai (1 cidade):
Montevideo
51
Energia no Brasil: contradições de um projeto geopolítico
inacabado
Gisela A. Pires do Rio
Introdução
O que poderia, na atualidade, ser assinalado a respeito da geopolítica da energia?
Esta pergunta, sempre presente nos trabalhos que se dedicam a explorar o tema constitui
um duplo desafio. Por um lado, requer o esforço da clareza e da abertura intelectual para
que a análise possa ser conduzida de forma lógica e não como exercício de retórica ou
simples doutrina estruturada para justificar objetivos militares. Por outro, abre a
possibilidade de surpreender aqueles que insistem em imaginar a Geopolítica como um
simples atlas escolar das relações internacionais; perspectiva esta, aliás, favorecida, não
resta dúvida, pela ampla vulgarização dos sistemas de informação geográfica, fáceis de
serem usados, mas que requerem qualificação na interpretação das imagens por eles
produzidas.
Nos anos de 1990, Paul Claval (1994), entre outros, mostrou a “redescoberta” da
geopolítica21 e, em especial, da geopolítica como grade analítica que comporta elementos
fundamentais para a reflexão sobre as geo-estratégias de diversos atores e em várias
escalas de análise. Para este autora geopolítica retomou, curiosamente, importância no
exato momento no qual as ideologias do mundo bipolar teriam chegado ao seu fim. Mais
de vinte anos após o segundo choque do petróleo, uma série de questões no que diz
respeito à energia retornam à ordem do dia. Questões que podem, à primeira vista, parecer
semelhantes àquelas dos anos de 1970, nos impingindo o espectro do eterno retorno, são,
todavia, bastante diferentes. A geopolítica da energia assume, na atualidade, contornos
muito distintos dos anos anteriores. Não obstante algumas dimensões permancerem como
elementos de continuidade entre o passado e a conjuntura atual, há que se reconhecer
mudanças profundas no período atual. Algumas dessas mudanças interessam diretamente à
Geografia e, mais especificamente, à Geografia da Energia, campo do conhecimento que
vem se desenvolvendo no seio dessa disciplina desde os anos 1950 (Calzonetti e Solomon,
1985; Chapman, 1989).
Quais seriam então as questões que norteariam uma abordagem geopolítica da
energia no contexto atual, e, em particular, no contexto brasileiro. Existe hoje uma
geopolítica da energia no sentido da realização de práticas e representações espaciais tal
como houve entre as décadas de 1930 e 1960. Em havendo, qual o sentido a elas
atribuído? Quais os atores que hoje desempenham um papel fundamental em tais
representações? Sem pretender esgotar essas e outras tantas questões que emergem durante
a elaboração de um trabalho, este capítulo está organizado em três itens. Seu plano geral
apóia-se no conceito de geopolítica como pluralidade de práticas e representações
espaciais. Ao longo do texto essas práticas e representações são discutidas, tendo em vista
a atualidade dos problemas relacionados à energia. Observa-se mudanças profundas na
constituição e dinâmica dos diferentes sistemas energéticos. Um item introdutório discute
os fundamentos da geopolítica: conceitos e modelos dominantes. No segundo item
apresenta-se os desdobramentos geopolíticos dos dois choques do petróleo em termos de
coalizões de interesses e de disputa entre potências para assegurar o aprovisionamento em
energia. Cada um desses aspectos é articulado ao caso brasileiro. No terceiro item, discutese, ainda que de modo imperfeito, as condições de formação, as estruturas organizacional e
21
Além de Paul Claval, outros autores assinalam, igualmente, a retomada desse interesse (Agnew,
1998; Parker, 1998; O Tuathail e Dalby 1998; Taylor e Flint, 2000; Blouet, 2001).
52
funcional e os atuais pontos de estrangulamento do sistema energético no Brasil. Por fim, e
à guisa de conclusão, interroga-se sobre o futuro do projeto brasileiro, ou melhor sobre os
desdobramentos das práticas e representações espacias, portanto, dos níveis de análise para
uma abordagem geopolítica.
Raízes e atualidade
Este item trata, na realidade, de dois extremos do que poderia ser uma abordagem
linear da evolução do pensamento geopolítico e as diversos matrizes que lhe deram
sustentação. A opção aqui foi a de operar um corte temporal abrupto, sem, portanto,
transição. Como em certos filmes, passou-se de um plano a outro sem a gradação de luz
que nos levaria a inferir uma transição progressiva. Assim, tratar-se-á das origens do
pensamento geopolítico contemporâneo para, em seguida, apresentar algumas das mais
recentes contribuições sobre o tema.
Ratzel e Kjellén: raízes
O termo geopolítica, cunhado em 1899 por Rudolf Kjellén (1846-1922), tem suas
raízes etimológicas no grego clássico: Ge ou Gaia, a terra, e polis a cidade-estado. Na
representação clássica, Ge constituía a morada ou abrigo do homem, enquanto polis
significava controle e organização que tornavam possível o habitar, o viver. Se as raízes
etimológicas conduzem à idéia geral de que a derivação do termo geopolítica constitui a
representação das relações entre a terra e um sistema de organização político-social, as
implicações que dele decorrem vão além desta relação. Em sua definição original Kjellén
considerou geopolítica como a “ciência que concebe o estado como um organismo
geográfico ou como um fenômeno no espaço (Kjellén, 1899 apud Dodds, 2000:31).
Kjellén acrescentou `as categorias fundamentais da geopolítica, estado território e
localização, definidas por Ratzel, a forma como importante categoria que influencia o
comportamento do estado. Para Parker (1998) as implicações do conceito de geopolítica
encontram-se na compreensão de que o estado se constitui não apenas um fenômeno sobre
a terra, mas, principalmente, um fenômeno da terra; significando, portanto, que em sua
natureza, o estado é um componente do espaço geográfico. Resumidamente, a
interpretação de Parker apóia-se na idéia de que as interações entre circunstâncias políticas
e geográficas constituem uma totalidade em movimento e condicionam as relações interestados.
A construção do que se denomina geopolítica iniciou-se, contudo, com os trabalhos
realizados por Ratzel (1844-1904) nos quais os conceitos espaço vital, solo e território
desempenharam um papel fundamental. Para Ratzel, a “prática da geopolítica procura
estabelecer o controle nacional ou imperial sobre o espaço, bem como sobre os recursos, as
vias, a capacidade industrial e a população contidos num território” (Ratzel, 1896 apud
Blouet, 2001:7). Ou ainda “ a extensão do horizonte geográfico, uma consequência do
esforço mental e corporal de várias gerações, tem continuadamente provido novos
domínios para o crescimento territorial das nações” (Ratzel, 1896 apud Agnew et. al.
1997). Nessas passagens pode-se observar vários aspectos que constituiram as bases do
que, posteriormente, se tornou a doutrina geopolítica na Alemanha. O interesse maior
dessas passagens reside, para os objetivos aqui propostos, nos conceitos nelas assinalados
ou delas inferidos. Do espaço (boden) deriva o termo espaço-vital (lebensraum)22, isto é,
22 Deve-se observar que na composição da noção de espaço-vital o segundo termo nela empregado
refere-se ao território, atributo fundamental do estado como organização espacial (Ratzel, 1896 apud Agnew
et. al. 1997).
53
a área necessária para a vida de um estado23. Todo estado deveria assegurar, assim, seu
espaço-vital; sua sobrevivência e, por conseguinte, sua expansão, dependiam dessa área.
Na origem do trabalho de Ratzel, os estados corresponderiam a organismos que se adaptam
ao espaço que ocupam; o sucesso dessa adaptação delimita o território e aumenta o
espaço-vital. Assim, Ratzel diferencia espaço (boden) e território (raum) nos seguintes
termos: “o território de um estado não é uma área fixa em sua duração- como o estado é
um organismo vivo, ele não pode conter-se em limites rígidos...O crescimento dos estados
opera-se pela anexação de pequenos territórios...” (Ratzel 1896, apud Blouet, 2001: 29).
Esta diferença é importante, pois permite compreender não só os ideais e justificativas
político-científicas relacionados ao movimento de expansão e conquistas coloniais do
século XIX, em particular o alemão24, mas, igualmente, a influência dessas idéias no
estabelecimento e controle de mercados mais organizados.
A influência de Ratzel e Kjellén estenderam-se do final do século XIX `a primeira
metade do século XX e tiveram consequências importantes. Na Inglaterra, por exemplo,
Halford Mackinder (1861-1947) publicou, em 1904, o artigo intitulado The Geographical
Pivot of History. Neste trabalho Makinder considerava a possibilidade de domínio e
controle do mundo pela conquista do heartland25. Localizado na área compreendida entre
os rios Elba e Vístula, o heartland correspondia, na época, à posição geográfica central,
tanto em termos de disponibilidade de recursos (carvão mineral) como em termos de
acesso aos mercados euro-asiáticos que estavam se constituindo. A condição necessária
para que controle e domínio pudessem ser exercidos sobre esta área estava associada à
consolidação tanto de um estado suficientemente centralizado, como a de um aparelho
militar que assegurasse a “natural necessidade de expansão” de determinados estados
(Bassin, 1987).
Não se pode atribuir, contudo, tais ideais expansionistas, ou de domínio,
exclusivamente, à geopolítica alemã do final do século XIX e a seus desdobramentos na
década de 193026 com os trabalhos de Haushofer. As idéias de Mackinder, por exemplo,
influenciaram a geopolítica americana por um longo período. Esta influência foi
observada por O Tualhail (1992) e Agnew (1998). Ao reproduzir parte das bases da
estratégia geopolítica do governo Reagan, O Tualhail mostra a referência explícita `a
noção de heartland e sua aplicação na Asia Central, para prever `as possíveis
consequências para segurança americana, caso essa região, considerada estratégica, fosse
controlada por um estado (ou grupo de estados) hostil (is) aos Estados Unidos. O Tualhail
(1992) e Agnew (1998) consideram que essa concepção geopolítica constituiu, na
realidade, uma extensão da concepção que esteve presente durante todo o período da
Guerra Fria (1947- 1989), isto é, um modo de pensar institucionalizado para estabelecer, de
um ponto de vista auto-centrado, práticas de controle e domínio em escala internacional27.
23
Nota-se, aqui, uma clara influência das idéias de Darwin. Ratzel iniciou sua carreira nas ciências
naturais e, posteiormente, buscou aplicar alguns dos conceitos e princípios evolucionistas na geografia
humana (Heske, 1994: 205).
24 Como doutrina de Estado, a geopolítica teria sido levada às últimas consequências por Karl
Haushofer (1869-1946) para justificar a necessidade de uma luta permanente em dominar e controlar o
espaço-vital, para ele, a principal fonte de poder (Heske, 1987).
25 Deve-se lembrar que o trabalho de Mackinder está em oposição à tese defendida por Mahan, para
quem o domínio marítimo constituia uma importante fonte de poder internacional. O trabalho The influence
of seapower upon history, publicado em 1890, alimentou as aspirações expansionistas norte americanas no
sec. XIX: em 1896 o Hawaí foi anexado, e, em 1898, foram implantadas as principais bases militares
americanas no Caribe, inclusive a de Guantanamo (Blouet, 2001).
26 Durante longo tempo houve uma tendência a equiparar o pensamento geopolítico de Haushofer `a
doutrina do nacional-socialismo, Bassin (1987) apontou diferenças substantivas entre ambos.
27 Hoje vemos as consequências do financiamento e apoio norte-americano à “resistência
democrática” organizada pelos Talibãs.
54
Como pôde ser visto de modo bastante simplificado neste item, as raízes da
geopolítica estão ancoradas numa estrutura na qual o espaço (boden) representava a própria
vida, enquanto a fonte de poder provinha do controle do território (raum). Este
apresentava-se, na maioria das vezes, como realidade física, isto é, como localização de
recursos e como espaço politicamente organizado para implantação da infra-estrutura que
permitiria o deslocamento, no espaço, dos fluxos materiais e imateriais. Deve-se lembrar
que, até recentemente, as redes de infra-estrutura, inclusive a de energia, tinham na
contiguidade física uma condição necessária. Telégrafo, telefone, cabos submarinos, redes
ferroviária e rodoviária, rede de energia elétrica foram implantados por um palmilhar do
espaço físico, donde a “necessidade” de controlar e “proteger” regiões que assegurassem o
aprovisionamento em matéria-prima e representassem, ao mesmo tempo, mercado
consumidor, mais ou menos organizado.
A atualidade: incertezas e pluralidade
Até o final dos anos de 1960, as bases e desdobramentos da geopolítica tenderam a
enfocar, de modo quase exclusivo, as relações e disputas entre poderes hegemônicos em
escala internacional. Alguns autores, entre eles Agnew (1998), Taylor e Flint (2000) e O
Tuathail e Dalby (1998) chamam a atenção para os modelos geopolíticos estruturados28
que continham um apelo de estabilidade num mundo em rápida transformação. A
amplitude e velocidade das transformações expressas em termos de contração do espaçotempo, requerem o entendimento das diversas representações que produzem os espaços do
mundo político (Agnew, 1998). As definições do termo geopolítica foram revistas e
atualizadas por vários autores (Claval, 1994; Agnew, 1997 e 1998; Parker, 1998, Taylor e
Flint, 2000). No atual contexto, três definições podem ser destacadas:
• “estudo das relações internacionais sob uma perspectiva espacial” (Parker,
1998:5);
• “estudo da distribuição geográfica do poder entre estados, especialmente no
que se refere `a rivalidade entre os maiores poderes” (Taylor e Flint, 2000:
371).
• “estudo do impacto das distribuições e divisões geográficas no mundo
político” Agnew (1998: 2);
Essas definições tentam traduzir, na realidade, o movimento iniciado, na década de
1970, no qual a geopolítica estaria recuperando seu potencial como importante grade de
leitura para a análise das relações internacionais e das geoestratégias em diferentes escalas
(Claval, 1994). Em que pese a maior ou menor ênfase na escala internacional, questões
foram à essa escala articuladas no que diz respeito às ações militares e diplomáticas, aos
conflitos étnicos e religiosos, às representações espaciais, não obstante um tratamento
marginal. A tendência atual constitui, pois, na aceitação de incertezas de um mundo em
transformação, no reconhecimento da instabilidade dos processos sociais, políticos e
culturais em escalas distintas e na multiplicidade de construções políticas do espaço (O
Tuathail, 1997). Tendo em vista a magnitude das transformações, alguns autores propõe
uma periodização que possa indicar continuidades e rupturas na evolução do pensamento
geopolítico (Agnew, 1997 e 1998). O propósito de tal periodização seria permitir discernir
as distintas “ordens geopolíticas” que marcaram esse movimento ao longo do tempo e
estabelecer uma grade de leitura em termos de práticas e representações do espaço. Para
alguns autores, um movimento genuíno, posteriormente denomindo “nova geopolítica”
28 Considera-se modelo estruturado o conjunto de práticas, materiais e de representação do estado,
que definem suas relações com o território e com os demais estados. Nesta concepção dois grandes modelos
tornaram-se referência: Mackinder e Mahan.
55
(Parker, 1998) ou “geopolítica crítica” (Dalby, 1991; Blouet, 2001), teria emergido em
meados da década de 1970.
Para analisar e compreender as práticas e representações do espaço, Agnew (1998)
adota a seguinte periodização: geopolítica civilizatória (do início do século XVII até 1875),
geopolítica naturalizada (1875- 1945) e geopolítica ideológica (1945- 1989). Cada período
é definido pelos propósitos da ação do estado. Assim, durante a fase da geopolítica
civilizatória, as ações estavam concentradas na imposição da Europa como referência
política, econômica e cultural, num sentido de “superioridade”, dada pela identificação do
estado-nação como representação de uma organização particular e “superior” ao resto do
mundo. A geopolítica naturalizada corresponde ao período durante o qual o estado, já
consolidado, tornou-se predador e competidor. O caráter natural do estado e sua
necessidade de expansão foram cientificamente explicados e justificados. Finalmente, a
geopolítica ideológica caracterizar-se-ia por um amálgama de ideais, manipulação de
símbolos e estratégias para promover uma ordem social e cultural. Neste período, a
competição entre blocos se concentrou na disputa para organizar a economia internacional.
Parker (1998) e O Tuathail (1997) estabelecem cortes temporais similares no que
diz respeito `a ruptura essencial no modelo de organização da economia internacional a
partir da queda do muro de Berlim, porém reforçam a idéia de continuidade na definição
do objeto de análise e da metodologia naquilo que denominam geopolítica tradicional (sec.
XVIII até início dos anos de 1970). Para Parker a ruptura só poderia ser evidenciada
quando da mudança substantiva desses dois aspectos. Assim, uma geopolítica crítica teria
emergido na década de 1970, quando, efetivamente, ocorreu esta mudança29. Dalby (1991)
sugere que tais tranformações estão refletidas nos discursos impregnados de representações
que resultam em políticas e práticas espaciais decorrentes a) da ação das grandes
corporações na estrutura produtiva dos países subdesenvolvidos, b) dos atores públicos na
regulação das atividades econômicas, c) dos tratados e acordos internacionais e d) da ação
de atores sociais organizados. Igualmente assinalando um caráter inovador na temática das
representações, Dodds (1998) aborda a produção de imagens, isto é, o papel da iconografia
nas representações geopolíticas de lugares e fronteiras, internas e externas. As
características da geopolítica incluem elementos renovados em termos de centralidade dos
estados, da natureza das atividades exercidas no território, da conectividade (ou por sua
ausênciade) `as diferentes redes e, ainda, dos efeitos da informação e das tecnologias
militares no espaço (Agnew e Corbridge, 1995). Assim, os dois elementos essenciais para a
compreensão das múltiplas dimensões geopolíticas consistem nas práticas espaciais que
definem fluxos, interações e movimentos no espaço, e nas representações do espaço.
Brasil: a “cultura” geopolítica militar e a estruturação espaço
Poucos países prestam-se à análise geopolítica como o Brasil. Verdadeiro
laboratório para a realização de manipulações espaciais, isto é, criação de espaços
estratégicos escolhidos para exercerem determinada funcionalidade, segundo objetivos
políticos precisos (Machado, 1982), o país realizou uma integração territorial sem
precedentes na sua história. Este aspecto, exaustivamente desenvolvido por Becker (1982),
indica que segmentos consideráveis do espaço foram objeto de manipulações via alocação
de investimentos, interferências diretas e indiretas que consolidaram uma estrutura espacial
particular, com a criação de enclaves territoriais articulados diretamente `as escalas
nacional e internacional, sem a mediação da escala regional. Em alguns casos, como os
grandes projetos implantados na Amazônia, constituiu-se numa nova escala de gestão
(Becker, 1986). No que diz respeito `a sua determinação espaço-temporal, a Amazônia
29
A publicação da revista Hérodote, sob responsabilidade de Yves Lacoste e colaboradores, é
considerada o marco desta geopolítica crítica.
56
representou, em vários sentidos, inclusive para a geração de energia, o “espaço de projeção
do futuro” (Becker, 1997).
Tal como em vários países, a geopolítica foi, no Brasil, objeto de estudo e prática,
principalmente, no âmbito das forças armadas. Como doutrina militar, sustentou
concepções, objetivos e metas de expansão e consolidação dos limites territoriais
brasileiros. Desde o século XIX, é possível identificar um projeto de expansão e
consolidação desses limites em direção `a Amazônia, como, por exemplo, a aquisição do
território que, hoje, constitui o estado do Acre. No âmbito da Escola Superior de Guerra
(ESG), a geopolítica assumiu definitivamente o contorno de prática de intervenção em
escala infra-nacional para controle efetivo do território e desenvolvimento de um projeto
militar nacional (Hepple, 1986a). Na ESG, a atuação e influência do general Golbery do
Couto e Silva foi inconteste. O desenvolvimento de uma visão oficial ou, como era ali
considerada, de uma “geopolítica brasileira”, efetuou-se pela substituição do tratamento
tradicional de rivalidade entre estados pela tese do inimigo interno30 e estabeleceu a
doutrina de segurança nacional (Couto e Silva, 1967) para justificar medidas de
intervenção direta, planejamento e políticas de ocupação e integração do território
nacional. Tratava-se, evidentemente, de adequar o território `as possibilidades de
investimentos ofertadas naquele momento pelo mercado e pelas agências internacionais de
desenvolvimento.
Adequar o território `as possibilidades de investimentos externos traduziu-se na
implantação de uma base material constituída pelas redes de infra-estrutura. Retoma-se,
aqui, o que foi mencionado anteriormente sobre as redes de comunicação que exigiram,
para sua implantação, um palmilhar do espaço físico. Tal proposta foi consubstanciada pela
delimitação de áreas cuja funcionalidade era definida de acordo com o projeto de
desenvolvimento do sistema produtivo. Este projeto viabilizou, entre os anos de 1960 e
1970, a criação de economias externas, induzindo a localização de investimentos de capital
privado, nacional e internacional. Em outros termos, foram definidas áreas estratégicas
tanto do ponto de vista do suprimento em energia, como do ponto de vista da localização
dos investimentos produtivos31.
A lógica de integração nacional, consubstanciada por uma demanda externa efetiva
em recursos minerais e energéticos, acelerou as ações de intervenção do Estado por meio
de políticas de multiplicação e renovação de inversões em áreas de conflito e em áreas
consideradas vazias ou com baixa densidade populacional. Esses investimentos
concentraram-se na implantação de redes de transportes e comunicação e na abertura de
frentes pioneiras de povoamento que atendiam aos objetivos de integração e ocupação do
território e de segurança nacional (Couto e Silva, 1967). A existência de recursos minerais,
por exemplo, tornava-se assunto de interesse nacional, na medida em que poderiam
propiciar a criação de espaços estratégicos e, ao mesmo tempo, abafar os conflitos em
escalas infra-nacionais. Vários projetos exemplicam este aspecto, particularmente o projeto
Grande Carajás, na Amazônia Oriental.
Naquele contexto (1960 e 1970), além da ocupação do que se considerava áreas
vazias ou semi-vazias, a diversificação da estrutura econômica foi contemplada com
investimentos nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul. A indústria constituiu-se na atividade
que comandou o projeto de crescimento econômico do país. O ciclo de investimentos
privilegiou a dotação de infra-estrutura e a concessão de incentivos fiscais e creditícios por
30 Na década de 1960, a Guerra Fria acentuou a polarização hegemônica entre União Soviética e
Estados Unidos. A opção da elite brasileira (grupo de tecnocratas, líderes políticos, experts em política
externa e seus acessores imediatos) foi a do alinhamento ao bloco americano. No rastro deste alinhamento, as
crises internas foram tratadas como ameça `a segurança nacional, pois estariam vinculadas ao movimento de
expansão soviética na América Latina.
31 Os complexos metal-mecânico e petroquímico ilustram esse último tipo de investimento.
57
parte do setor público. Essas medidas objetivavam a redução dos custos de produção para o
setor industrial que, diante das condições ofertadas, deveria adquirir maior capacidade de
reinversão. As concepções de geopolítica e de geoestratégia que fundamentavam tais ações
tentavam, assim, estabelecer um padrão de alocação de recursos e de localização das
atividades econômicas (Couto e Silva, 1979). Nesse modelo, a infra-estrutura de energia
assumiu maior importância como indutora do processo de crescimento econômico. O
imperativo geopolítico consistia, portanto, em assegurar a estabilidade necessária para que
a integração econômica, territorial e funcional entre as diferentes regiões pudesse ser
efetivada.
As ações e políticas estabelecidas ao longo daquelas duas décadas criaram
diferenciações significativas no espaço brasileiro. Tais diferenciações remetem, de fato, `a
perspectiva da intervenção, intrinsecamente seletiva em seu conteúdo, resultante, em
grande medida, de investimentos de caráter estruturante, espacialmente concentrados e
concentradores. No que diz respeito `a dotação de uma rede de energia, cabe lembrar que a
redução das restrições técnicas para o estabelecimento de linhas de transmissão `a longa
distância não representaram, no caso do Brasil, uma distribuição mais equilibrada da
energia elétrica entre as diferentes regiões. Ao contrário, elas significaram a possibilidade
de transferências de grandes blocos de energia de um ponto a outro do território. Mais
ainda, a implantação da rede de transmissão energia elétrica foi parte integrante de um
conjunto de ações com elevado grau de irreversibilidade que, no curto e médio prazos,
atribuiu uma funcionalidade aos diversos segmentos espaciais, como será visto mais
adiante.
Para a geração de energia, o “espaço de projeção do futuro” foi sendo
progressivamente incorporado pela implantação das Usinas Hidroelétricas como Tucuruí e
Balbina, o início da construção das usinas de Babaquara, Camargo, Peixe, Serra da Mesa
e as usinas projetadas para entrarem em funcionamento no final da década de 1990, como
Santa Isabel, Boa Esperança, Cana Brava, Foz do Bezerra32 (Pires do Rio, 1989). As
matrizes de interação espacial, abaixo apresentadas, fornecem uma indicação da
funcionalidade das regiões Amazônica e Sul projetadas como espaços estratégicos para
exercerem a função de supridoras de energia. Os dados nelas assinalados remetem ao Plano
2010, elaborado pela Eletrobras no final dos anos de 1980.
Quadro 1: Fluxos Elétricos Inter-regionais previstos para 2005 (MW ano)
De
Para
N (+ MA)
NE (-MA)
SE+ CO (-MS)
S (+MS)
N (+ MA)
NE (-MA)
0
320
0
0
3.300
0
0
0
SE+ CO (-MS)
S (+MS)
6.300
0
0
2670
Nota: N (+MA): região Norte e Maranhão; NE (-MA): região Nordeste, excluído o estado do
Maranhão; SE + CO (- MS): regiões Sudeste, Centro Oeste, excluído o estado do Mato Grosso do Sul; S (+
MS): região Sul e estado Mato Grosso do Sul.
Fonte: Eletrobras, Plano 2010 apud Pires do Rio, 1989.
32
Muitas dessas UHEs tiveram sua construção interrompida durante os anos de 1980 devido `a
erosão da capacidade de financiamento do setor elétrico.
0
0
0
0
58
Quadro 2: Fluxos Elétricos Inter-regionais previstos para 2010 (MW ano)
De
Para
N (+ MA)
NE (-MA)
SE+ CO (-MS)
S (+MS)
N (+ MA)
NE (-MA)
0
0
0
0
6.030
0
0
0
SE+ CO (-MS)
S (+MS)
12.250
0
0
1760
Nota: N (+MA): região Norte e Maranhão; NE (-MA): região Nordeste, excluído o estado do
Maranhão; SE + CO (- MS): regiões Sudeste, Centro Oeste, excluído o estado do Mato Grosso do Sul; S (+
MS): região Sul e estado Mato Grosso do Sul.
Fonte: Eletrobras, Plano 2010 apud Pires do Rio, 1989.
Merece atenção as projeções, já naquela época, do montante de transferências de blocos de
energia, configurando, do ponto de vista dos requerimentos futuros em energia, os espaços
estratégicos. Houve, naturalmente, revisões das projeções contidas no Plano 2010, mas
todos os planos que a ele sucederam estavam marcados pela intensidade da crise
econômica, pela instabilidade institucional e pela desvalorização intencional dos recursos
que estavam nas mãos do Estado33. Os fluxos de energia, provenientes das regiões Norte e
Sul em direção ao Sudeste e Centro-Oeste, foram parcialmente realizados, reafirmando o
padrão de concentração existente. Independentemente das alterações na magnitude dos
fluxos de energia, a premissa de transferência de energia elétrica, portanto a atribuição da
funcionalidade permaneceu inalterada. Nesse sentido, duas idéias-chave merecem ser
destacadas: em primeiro lugar, a escala de interconexção do sistema de energia elétrica e,
em segundo lugar, a restrição aos sistemas isolados. Para viabilizar as transferências de
energia, a lógica de operação do sistema só poderia ser nacional. Os sistemas isolados eram
percebidos como restrições ao projeto modernizante de integração nacional, pois não
operavam em escala suficiente para atrair investimentos.
Choque versus contra-choque: desdobramentos geopolíticos
Desde o final do século XIX, as questões geopolíticas concentraram-se, conforme
foi mencionado anteriormente, na disputa entre potências por áreas de influência que
representavam, na realidade, mercados supridores de matérias-primas e consumidores de
bens manufaturados. Esta divisão territorial do trabalho, consolidou, portanto, uma
estrutura espacial complementar e desigual em escala internacional. Condicionantes
tecnológicos, econômicos e financeiros que permeam toda estrutura espacial apontam, no
entanto, para questões sobre apropriação dos recursos e requerimentos em energia,
articuladas `as demais escalas geográficas.
A disputa entre cartéis
Do ponto de vista estritamente tecnológico, a principal transformação no início da
Revolução Industrial consistiu na possibilidade de alteração do tipo de energia empregada
nas atividades de produção e de transformação. Em outros termos, as atividades produtivas
deixaram de usar um fluxo intermitente de energia (moinhos de vento, tração animal) e
passaram a trabalhar com um fluxo contínuo de energia (vapor). Considerando-se que a
demanda no processo produtivo não é, a priori, por este ou aquele energético, e sim por
calorias, a opção de utilização de uma ou outra fonte é histórica e geograficamente
condicionada. Assim, a utilização do carvão como fonte de energia gerou um “mercado
33
Desvalorização esta acentuada durante o governo Collor.
0
0
0
0
59
cativo” para as companhias que atuavam verticalmente integradas e condicionou,
igualmente, tanto o funcionamento como a estrutura do aparelho produtivo da época.
De modo semelhante ao que ocorreu no período da Revolução Industrial, a
substituição do carvão pelo petróleo representou uma mudança tecnológica de grande
amplitude. A necessidade de um substituto que apresentasse custos inferiores de transporte,
melhores condições de armazenamento e poder calorífico superior levou `a substituição
progressiva do carvão pelo petróleo, estabeleceu novos padrões técnicos de produção com
desdobramentos na estrutura do aparelho produtivo em diferentes escalas (Pires do Rio,
1989). O avanço tecnológico, permitiu, assim, que lugares até então desprovidos de
interesse mais imediato, assumissem importância estratégica para o aprovisionamento de
energia em escala mundial, passando a constituir os principais pontos de origem dos fluxos
internacionais (especificamente, neste caso, o Oriente Médio).
Tal transformação, fez com que a energia, sobretudo no que tange ao controle dos
fluxos de energia primária, assumisse contornos de questão geopolítica. Esta mudança teve
implicações importantes no que diz respeito ao controle das áreas que dispunham de
reservas suficientes para suprir a demanda de energia. Deve-se lembrar que desde os
movimentos emancipatórios do pós-guerra, a presença in loco do estado colonial não
representava mais uma condição necessária à segurança de suprimento em energia e em
outras matérias-primas. Nas áreas que dispunham de reservas suficientes para suprir a
demanda em petróleo dos países industrializados, um novo tipo de agente econômico
assumiu o seu controle com o intuito de assegurar o fluxo contínuo de energia: as grandes
companhias petrolíferas.
Uma diferença siginificativa entre a estrutura da indústria de carvão e a estrutura da
indústria de petróleo marcou a geopolítica internacional. De modo distinto do que ocorreu
com a indústria do carvão, a indústria de petróleo emerge sob condição de monopólio.
Desde a formação da Standard Oil, do grupo Rockfeler, até a formação do cartel das Sete
Irmãs (EXXON, TEXACO, MOBIL, GULF OIL, CHEVRON, BRITISH PETROLEUM E
SHELL) esta indústria sustentou-se pelo uso de mecanismos como barreiras à entrada de
novos concorrentes, controle dos mercados consumidores e neutralização dos custos de
transporte (Chevalier, 1986). Individualmente ou via cartel, essas companhias constituíram
atores fundamentais da dinâmica da indústria de petróleo, sobretudo a partir dos anos de
1960. A descoberta de grandes reservas no Oriente Médio permitiu que essas empresas
organizassem, pela capacidade financeira e tecnológica de que dispunham, todo o setor
petrolífero dos países que compõem a região. De início, controlando toda a cadeiaextração, transporte, refino e comercialização de petróleo e derivados- as Sete Irmãs foram
se concentrando nas etapas mais rentáveis, “deixando” a extração para empresas estatais
que começavam a se constituir.
A OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo)34, criada em 1960,
constituiu-se como nova força que, opondo-se ao cartel das companhias de petróleo, entrou
na disputa pelo controle das reservas e da exploração de petróleo. Congregando, na época,
os principais países produtores de petróleo, a OPEP adotou uma estratégia própria de
nacionalização dos campos pretrolíferos, assumindo o controle da produção. O marco do
fortalecimento da OPEP corresponde ao ano de 1969, quando a Líbia conseguiu assumir o
controle de suas reservas e impôs o pagamento de impostos para a extração de petróleo. A
posição privilegiada deste país em termos de proximidade do mercado da Europa
Ocidental, bem como a qualidade do óleo cru (leve e pouco sulfuroso), favoreceram sua
estratégia de apropriação de parte da renda petrolífera aí gerada. Essas conquistas
34 Os países fundadores da OPEP foram: Irã, Iraque, Kuweit, Arábia Saudita e Venezuela.
Posteriormente ingressaram no cartel: Indonésia, Libia, Argélia, Catar, Emirados Arabes Unidos, Nigéria,
Gabão e Equador (utiliza-se, propositadamente, a nomenclatura da época).
60
engendraram um movimento importante de nacionalização das reservas nos demais paísesmembro. Evidentemente, condições externas e internas permitiram que, paulatinamente, a
OPEP fosse fortalecida e pudesse adotar uma estratégia agressiva de redução da produção,
provocando uma situação de escassez relativa: o primeiro e segundo choques do petróleo,
respectivamente em 1973 e 1979.
Os efeitos dos dois choques são mais do que conhecidos: redução ritmo das
atividades econômicas em escala internacional, grande volume de excedente, inflação. No
longo prazo, porém, tais efeitos foram minimizados pela própria atuação das Sete Irmãs:
investimentos em novas áreas produtoras (principalmente exploração em plataformas
continentais), ampliação da capacidade de refino nos países-sede e concentração nas
atividades de transporte e comercialização de derivados. Assim, o excedente dos produtos
refinados era destinado ao mercado mundial, inclusive países da OPEP, o que assegurou
`as companhias uma parcela significativa da renda petrolífera, ou nas palavras de Soja
(1983) uma transferência geográfica de valor35. Importa, nesse contexto, salientar que a
atuação das companhias foi potencializada pela possibilidade de controle dos fluxos que
conectavam (e conectam) áreas estruturadas por uma organização espacial desigual mas
combinada, condição necessária para que se realize a transferência geográfica de valor.
A partir da segunda metade da década de 1980, os investimentos efetuados na
exploração em águas profundas, o aumento da eficiência energética do aparelho produtivo
das economias mais dinâmicas e a diversificação da matriz energética dessas mesmas
economias exceram um papel importante na neutralização das estratégias da OPEP. Os
dados da época ilustram a capacidade de controle conquistada pela OPEP e sua posterior
erosão: quando do primeiro choque do petróleo, a OPEP detinha 53% da produção
mundial; no final dos anos de 1980, quando os resultados dos investimentos em novos
campos, da diversificação da matriz energética dos principais mercados consumidores, do
aumento da eficiência energética do aparelho produtivo puderam ser observados, sua
participação relativa havia sido reduzida para 35% (Pires do Rio, 1989).
No que diz respeito à atuação das grandes companhias, os dois choques acabaram
por viabilizar uma reestruração nas suas respectivas estratégias. As atividades de
exploração e de produção foram total ou parcialmente substituídas pelas atividades de
pesquisa e serviços em tecnologia, tanto para a indústria do petróleo como para a indústria
de novas fontes de energia, em especial a indústria nuclear. A mudança fundamental reside
no fato de que as companhias passaram a contar com mecanismos de tarifários e royalties,
implantados para financiar a diversificação da matriz energética em vários países.
Indiretamente, o controle sobre esses mecanismos tarifários e de financiamento operaram
via empresas de equipamentos especializados para o setor de energia. Este ponto é
importante, pois foi através dessas empresas que as grandes companhias de energia
puderam criar fluxos complementares e, ao mesmo tempo, ter acesso ao financiamento
internacional que priorizou o financiamento em equipamentos para o setor de energia em
detrimento dos investimentos em prospecção e exploração (Niosi, 1988).
Em países como o Brasil, por exemplo, os dois choques desencadearam os
investimentos em atividades de prospecção e produção em águas profundas. Os elevados
investimentos, com recursos provenientes do mercado financeiro internacional, foram
realizados pela Petrobras, detentora, na ocasião, do monopólio das atividades de produção
e refino. Excluídas dessas atividades, as companhias asseguraram um outro tipo de
mercado, igualmente vantajoso, o mercado de aditivos e da indústria petroquímica, além,
evidentemente, do fornecimento de bens e equipamentos específicos para a indústria do
petróleo, de eletricidade e nuclear.
35
Transferência geográfica de valor consiste no mecanismo através do qual o valor produzido numa
área é parcialmente realizado e, portanto, contribui para a acumulação em outra (Soja, 1983).
61
Deste painel resultam dois elementos essenciais com desdobramentos geopolíticos
importantes. O primeiro deles refere-se à constiuição e operação da OPEP que se contrapôs
ao cartel formado pelas grandes companhias de petróleo. O confronto entre esses dois
cartéis, um tipo de confronto entre organizações, portanto, bem distinto dos conflitos entre
estados, nos termos da “geopolítica clássica”, resultou na possibilidade de ingerência,
principalmente em países subdesenvolvidos, nas decisões de política energética. Isso
porque as soluções de transferência de tecnologia avançada que viabilizassem o aumento
da oferta interna de energia reforçaram o padrão de transferência geográfica de valor. O
segundo elemento refere-se, por conseguinte, à disputa entre companhias, assistidas pelos
atores públicos dos respectivos países-sede, por mercados organizados de onde seria
possível a drenagem de recursos financeiros. O Programa Nuclear Brasileiro consiste num
dos exemplos mais significativos do imbricamento de questões ditas setoriais com
desdobramentos geopolíticos de segunda ordem.
No quadro atual novos elementos apresentam desdobramentos geopolíticos. O
aumento dos preços do petróleo em 1999 foi rapidamente neutralizado, ou melhor, não
teve a repercussão do primeiro e segundo choques, seja pelas dificuldades da própria OPEP
(fragilidade interna, precariedade de organização para enfrentamentos de longo prazo)
(Sidaway, 1998), seja pela relativa autonomia das economias ocidentais no que toca ao
suprimento de petróleo pela OPEP. Além disso, outros elementos do processo de tomada
de decisão das corporações interferem nas ações e representações geopolíticas. Em
primeiro lugar, as companhias vinculadas ao setor de energia vêm se tornando multiutilities, o que, em outras palavras, significa uma alteração em suas respectivas estratégias
e características de atuação. Em segundo lugar, a abertura de mercados em expansão, via
privatização e quebra de monopólio, para investimentos nas indústrias que operam em
rede, principalmente em países subdesenvolvidos36, acaba minimizando os efeitos de ondas
especulativas, como aconteceu em 1999/2000.
Políticas nacionais: interesses compartilhados
Os efeitos dos choque abriram caminho para que segmentos do espaço passassem a
ser dirigidos por uma lógica de interesses compatilhados que acabou por criar enclaves
territoriais. Esses enclaves foram hierarquicamente organizados e definidos segundo sua
funcionalidade, grau de modernização e conexão com o mundo. Potenciais locais e
regionais foram categorizados segundo a funcionalidade que poderiam desempenhar num
sistema competitivo. Nesse sentido, as diferenças locais e regionais puderam ser
valorizadas diante do quadro de crise internacional e, por conseguinte, passaram a
constituir potencial de competitividade. Nas regiões com atributos valorizados pelo cenário
internacional, isto é, dotadas dos recursos suficientes que permitissem e justificassem sua
exploração, foram construídas vantagens competititivas, em diferentes escalas, num jogo
geopolítico de coalizões relativamente estáveis (Pires do Rio, 1994). Ao contrário do que
se supõe, polaridades do tipo interno e externo, nacional e internacional foram
paulatinamente nuançadas pela emergência de fluxos, conectividade e redes (Castells,
1999). A partir de fragmentos de política energética de diferentes países como Brasil
(Quadro3), Japão, Estados Unidos e ex-URSS (Quadro 4), traça-se um esquema
comparativo que coloca em relevo a convergência entre os respectivos “interesses
internos” e “externos”, mediados pela construção de vantagens competitivas. Trata-se, na
realidade de indicar como fluxos, interações, movimentos e estratégias foram
espacializados.
No caso do Brasil, de todos planos e programas de governo, o II PND constitui,
ainda hoje, uma refência fundamental em termos do tratamento da energia como questão
36
O Brasil, entre outros, consiste num exemplo típico desta abertura de mercado.
62
geopolítica em escala nacional e sua articulação com o contexto internacional. Elaborado e
implementado num contexto de crise de energia, as diretrizes, metas e objetivos buscavam
conciliar os imperativos de segurança nacional, infra-estrutura em energia para assegurar o
crescimento industrial que se pretendia acelerado, com o intuito de superar a “fronteira
entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento” (Brasil, 1974). O quadro a seguir ilustra
esses aspectos.
Quadro 3: Síntese da política de energia contida no II PND
Objetivos
Linhas de Ação
Aumento da oferta interna
de petróleo
Substituição dos derivados
de petróleo por outras
fontes de energia
Redução da dependência de
fontes externas de energia
Redução da demanda de
petróleo
Emprego intensivo de energia
de origem hidráulica
Aumento da capacidade
instalada e expansão dos
sistemas de transmissão e
distribuição de energia
hidroelétrica
Expansão e modernização da
produção de carvão
Utilização de novas fontes de
energia
Expansão da utilização de
minérios energéticos nucleares
Desenvolver poder de
competição em processos
industriais intensivos em
energia elétrica
Programa ampliado de
energia elétrica
Pesquisa para ampliação
da utilização do carvão e
de subprodutos
Programa de
financiamento direcionado
para fontes alternativas
Produção de minérios
energéticos nucleares
Fonte: Pires do Rio, 1989.
Medidas
Programa de prospecção, produção de
petróleo; Programa de Xisto
Eletrificação de ferrovias;
deslocamento do transporte de massas
para os setores ferroviário, maritimo e
fluvial; Programa Nacional de
Transportes Coletivos em áreas
metropolitanas (metro; trens
suburbanos); Programa Nacional do
Alcool
Política de preços de derivados:
eliminação de subsídios; limitação do
horário de funcionamento dos postos
de gasolina; tributação para lanchas
de passeio; punição para ônibus e
caminhões com motores
desregulados; limite de velocidade em
estradas; adoção de tecnologia
poupadora de energia na indústria.
Incentivo à indústria de alumínio.
Programa de eletrotermia
Construção de grandes centrais
hidroelétricas (Itatipu, Itumbiara,
Xingu, Salto Santiago); estudos de
viabilidade de Tucuruí e São Felix;
construção da terceira central nuclear
Programa de carvão
Pesquisa em fontes não convencionais
Pesquisa, lavra, instalação de usinas
de concentração de urânio
63
Quadro 4: Síntese dos elementos de política de energia da Ex-URSS , EUA e Japão
País
Objetivos
Aumento da produção de energia
Aumento da eficiência no uso da energia
Ex-URSS
Aumento (ou manutenção) das
exportações de energia para entrada de
divisas
Estabilidade na oferta de energia para
prevenção de escassez e flutuação de
preços
EUA
Segurança no aprovisionamento de
energia (fontes domésticas e externas) a
custos suportáveis
Intensificar a diversificação da matrix
energética ampliando a utilização de
fontes alternativas e intesificar a
conservação
Segurança no aprovisionamento de
energia
JAPAO
Redução da dependência do petróleo
Aumento da eficiência no uso da energia
Linhas de Ação
Aumento da produção de gás natural
(30%), eletricidade (20%) e petróleo
(3%)
Redução do consumo médio de
energia
Substituição entre energéticos
liberando para exportação gás natural,
carvão e petróleo.
Desregulamentação da indústria de
energia e maximização do papel das
forças de mercado; esforço em
pesquisa e desenvolvimento;
manutenção das reservas estratégicas
Apoio a programas de estabilização
do cenário internacional; incentivar a
produção de fontes nacionais; abertura
para exploração das plataformas
continentais
Desenvolvimento do tripé
conservação, carvão e energia
nuclear;
Diversificação das áreas supridoras de
energia; promover a cooperação
internacional
Aumentar o uso de carvão, uranio e
GNL
Pesquisa e desenvolvimento em oferta
e consumo; reduzir as indústrias
energético-intensivas; substituição de
equipamentos
Fonte: Chapman, 1989.
Da comparação entre os quadros apresentados, resulta que o domínio das políticas
de energia estende-se além dos respectivos espaços nacionais. O cruzamento dos elementos
da política do Japão com a síntese da política brasileira, no mesmo período, fornece
indicações precisas dos interesses compartilhados por esses dois países e suas implicações
nos médio e longo prazos. De um lado, o Brasil afirma sua capacidade em criar fronteiras
para investimentos, num longo processo de construção de vantagens competitivas apoiado
em recursos naturais, recursos infra-estruturais e financeiros, que integravam um ciclo de
investimentos a cargo, quase exclusivamente, do setor público (Pires do Rio, 1994). Nesse
sentido, a articulação dos investimentos realizados na cadeia do alumínio na Amazônia
Oriental retraram com particular evidência o imbricamento dessas respectivas políticas de
energia. Participando dos investimentos na Albras-Alunorte, via NAAC, consórcio de
empresas, traders e agentes de financiamento, o Japão realizou o objetivo de aumentar a
eficiência interna de energia pela exportação de indústrias intensivas em energia (Pires do
Rio, 1994). Do lado do brasileiro, a abertura de uma fronteira de investimentos, a
64
Amazônia Oriental, para a implantação da cadeia completa da indústria de alumínio
(Mineração Rio do Norte- Alunorte– Albras) prestava-se aos objetivos de intensificação do
uso de hidroeletricidade e expansão do parque de geração de energia elétrica pela
construção de grandes UHEs, neste caso Tucuruí.
De modo diferente, as políticas de energia dos EUA e da Ex-URSS deixam entrever
os conflitos potenciais, e reais, no que diz respeito, de um lado, ao apoio norte americano à
“estabilização do cenário internacional”, e, de outro, a vulnerabilidade da Ex-URSS em
termos de capitais, necessitando, portanto, assegurar tanto o ingresso de capital, como sua
área de influência para garantir o suprimento interno de energia, as exportações e os
mercados consumidores complementares. Um ponto de convergência entre as políticas
soviética e japonesa merece atenção. O Japão passou a representar um mercado
consumidor importante para as exportações de petróleo, o que ia ao encontro dos
interesses japoneses em diversificar as áreas supridoras de petróleo. Ainda do lado
soviético, a extensão da rede de gasodutos até a Grécia e Turquia abriam perspectivas de
exportação para o mercado da Europa Ocidental.
A habilidade em transformar as dificuldades impostas pela conjuntura de crise
consistiu, nos exemplos analisados, na organização de uma base material soldada por dois
conceitos geoestratégicos: coalizões por interesses compartilhados e projeção no cenário
internacional. As coalizões por interesses compartilhados permitiram o desenvolvimento
de alianças com atores distintos, mas com peso suficiente para atender as necessidades de
capital requeridas por essse tipo de investimento, tanto por recursos próprios como, e
sobretudo, pela capacidade em alavancar recursos financeiros no mercado internacional. A
projeção no cenário internacional assume expressão pelo deslocamento de tropas militares
para assegurar a coerência de uma ordem dominante, ou para “conquistar” uma posição
competitiva no mercado internacional.
O sistema energético no Brasil
Um sistema significa a interrelação de elementos constituindo uma entidade ou
unidade global formada pela permanente interação desses elementos. A noção de
interrelação traduz um processo contínuo de trocas mútuas e múltiplas que o caracterizam
como unidade em constante transformação (Morin, 1977). Sua dinâmica reside na
interdependência dos diferentes elementos. Estes e as formas a eles associadas,
organizadas em estruturas, simples ou complexas, têm por finalidade a orientação dos
fluxos que percolam no interior do sistema, e para ele se dirigem, vindos do “exterior”.
Cada sistema passível de delimitação pode ser considerado um sub-sistema do sistema
social no qual se insere, produzindo e reproduzindo um aspecto, material ou imaterial, do
sistema social que o engloba.
O sistema energético, desse ponto de vista, pode ser definido pela conexão de
recursos energéticos com as necessidades em energia através de diversos canais (Del Valle,
1980). Como parte do sistema social, o sistema energético pressupõe formas organizadas
em estruturas que condicionam a direção e intensidade dos fluxos de energia. Pelas
interações com os sistemas “externos” (produtivo e social), o sistema energético apresenta
desdobramentos de ordem técnico-financeira e no padrão de consumo, modelando seu
comportamento.
Num sistema energético, a estrutura é constituída pelo quadro jurídico-institucional
que o delimita, pelas unidades de produção e geração, conectadas a pontos, áreas e centros
de transformação e de consumo por meio de uma rede de comunicação e transmissão e,
finalmente, pela lógica de indústrias em rede. Esta última deveria, pelo menos em tese,
assegurar a excepcionalidade da energia em relação aos demais insumos produtivos. pois
trata-se de um bem de consumo coletivo. A rede de comunicação contempla, além das
rodovias, ferrovias e hidrovias, uma rede de dutos e linhas de transmissão específica para o
65
transporte de energia. Esta malha de dutos e linhas de transmissão assegura os fluxos que,
não sendo simétricos, são direcionados segundo as necessidades criadas pelo sistema social
e produtivo, englobando, portanto, atividades produtivas e não produtivas (Pires do Rio,
1989). Este último aspecto é relevante, pois traduz, efetivamente, o significado da energia
não como uma commodity, mas como recurso para atender as condições mínimas de
higiene e saúde da população, ou seja, como bem coletivo que pressupõe universalidade a
seu acesso e não rivalidade no seu consumo.
Os primeiros marcos jurídico-institucionais
Os marcos jurídico-institucionais consistem, no contexto deste trabalho, no
conjunto de instituições que asseguram a articulação das estruturas funcional e
organizacional do sistema energético. Entende-se como estrutura funcional as formas que,
conectadas, sustentam a geração, o transporte, a transformação de energia primária em
secundária, e o atendimento da demanda. A estrutura organizacional é circunscrita pelos
atores que interferem na realização das funções, isto é, o ator público, as companhias de
energia, e atores sociais. Esses marcos refletem, pois, uma lógica e racionalidade que
definem objetivos e transformam, no tempo e no espaço, as estruturas delas resultantes. O
agente público pôde atuar, assim, segundo duas modalidades distintas: como regulador e
como agente econômico.
Sinteticamente, pode-se considerar que o quadro jurídico-institucional que ofereceu
suporte `a consolidação do sistema energético no Brasil começou a ser construído nos anos
de 1930, quando foram adotados, em 1934, o Código de Aguas e o Código de Minas e, em
1938, quando foi criado o Conselho Nacional de Petróleo (CNP). Além dessas intituições,
o Estado passou a atuar diretamente na geração e transmissão de energia elétrica através de
empresas públicas, de âmbito regional, criadas para esta finalidade. A fundação da CHESF,
em 1946, constitui um bom exemplo desta segunda modalidade de atuação.
No contexto do imediato pós-guerra, o estabelecimento de um quadro institucional,
mesmo que precário, constituía uma restrição à atuação do capital externo na exploração de
recursos minerais e na produção de energia. O ressarcimento ao Brasil dos empréstimos
efetuados durante a Segunda Guerra, via financiamento de obras de infra-estrutura e
indústrias de base (CSN e ACESITA, por exemplo), teve nas missões de “cooperação
técnica” os argumentos para assegurar parte de um mercado em crescimento. As
recomendações das missões Cook e Abbink, realizadas, respectivamente, em 1943 e 1948,
insistiam na necessidade de uma abertura ampla do espaço nacional aos investimentos
diretos nesses setores da economia (Pires do Rio, 1989).
Este quadro definiu, por um lado, os limites necessários para a realização de dois
objetivos de política de crescimento industrial: segurança de aprovisionamento em energia
e a demarcação, no campo jurídico-institucional, das diretrizes gerais que deveriam
regulamentar a atuação do capital externo em setores considerados estratégicos. A empresa
pública concentrou, por outro lado, sua atuação nas áreas consideradas pouco rentáveis e,
por conseguinte, de reduzido interesse para o capital privado. Apesar do crescimento
constante dos investimentos públicos, o setor de energia representou 16% do total de
investimentos efetuados no período 1949-1953 (Egler, 1987). No que diz respeito `as
fontes de energia consideradas modernas, derivados de petróleo e hidroeletricidade, seu
ingresso na matriz energética do Brasil só pode ser observado de modo definitivo quando
da implementação do Plano de Metas (Martin, 1966). Os estudos que se reportam a este
período (Martin, 1966; Egler, 1987; Oliveira e Araújo, 1983) constatam ainda a expressiva
expansão do consumo de energéticos “modernos”, comandada pelo setor industrial;
mudança importante, pois até então o consumo era conduzido pelos setores residencial e de
transportes. O Plano de Metas configurou, portanto, um ponto de inflexão na matriz
energética. Esta inflexão teve desdobramentos no quadro institucional que ganhou em
66
complexidade com a criação, em momentos diferentes, de empresas públicas de energia
para atuarem em escala nacional: Petrobras, em 1954, e Eletrobras, em 1962. Evidemente,
o modelo federativo, suficientemente concentrado, buscou, desde o Estado Novo, um grau
elevado de uniformidade no que tange às decisões de políticas setoriais e que tiveram
rebatimento sobre todo o território.
A autonomia das empresas no que tange à definição de tarifas sempre foi reduzida.
Para as tarifas de energia elétrica, preços, alíquotas e impostos que sobre elas incidiam
eram definidos pelo extinto DNAEE (Departamento Nacional de Aguas e Energia
Elétrica). De modo semelhante, os preços, impostos e normatizações sobre os derivados de
petróleo eram definidos pelo CNP. Este quadro institucional passou a atuar, todavia, como
força de inércia para remoção de pontos de estrangulamento estrutural. Entre 1980 e 1994,
as tarifas de energia elétrica e os preços dos derivados foram usados como instrumentos de
política anti-inflacionária, provocando uma degradação na capacidade de autofinanciamento das empresas que atuavam nas respectivas indústrias. Este quadro
permaneceu praticamente inalterado até os anos de 1990, quando da implementação das
reformas administrativas nas duas últimas gestões de Fernado Henrique Cardoso. Nesse
período, as mudanças no quadro jurídico-institucional contemplaram os seguintes aspectos:
a) supressão dos órgãos definidores de preços e tarifas (DNAEE e CNP), b) criação das
agências setoriais (ANEEL, ANP), c) privatização de segmentos da cadeia de energia
elétrica, e d) quebra do monopólio nas atividades de prospecção e exploração de petróleo e
de comercialização de derivados.
Consolidação e crise
Reflexo do movimento nacionalista presente desde a década de 1930, a montagem
do quadro jurídico-institucional representou mudanças significativas na estrutura espacial
do país. A criação da Petrobras e da Eletrobras estava associada ao controle, por parte do
Estado, dos recursos que eram estratégicos para o crescimento de uma economia, cada vez
mais, caracterizada por sua dinâmica urbano-industrial. A diferença fundamental entre
essas duas empresas residiu na atribuição do monopólio para a Petrobras. A Eletrobras, ao
contrário, constituiu-se como holding do setor elétrico, assumindo a coordenação das
atividades financeiras das empresas federais e estaduais que atuavam nos mercados
periféricos, enquanto a área de maior dinamismo, o eixo Rio-São Paulo, era atendida pela
Ligth37, empresa privada de capital estrangeiro. A Petrobras representa, basicamente, o
início da indústria do petróleo no Brasil, enquanto a Eletrobras, entra numa indústria já
organizada, embora deficiente em termos de atendimento `a população.
Como os investimentos em energia são capital-intensivo e constatemente excedem,
em muito, a capacidade interna de financiamento, os recursos provenientes das agências
internacionais de financiamento sempre influenciaram as decisões de localização dos
investimentos. Assim, os investimentos da Petrobras se concentraram na ampliação da
capacidade de refino, parte da indústria de petróleo que, na ocasiaão, contava com a
participação do capital privado. Segmento mais dinâmico dessa cadeia, as refinarias
implantadas pela Petrobras representaram um aumento significativo na oferta interna de
derivados para os vários ramos da atividade industrial: em 1957 as refinarias da Petrobras
representavam 65% da produção de derivados realizada no país (Martin, 1966).
No que diz respeito ao setor de energia elétrica, a existência de empresas do porte
da Light dificultaram bastante a criação de uma empresa pública de atuação em escala
37 A história da Light ilustra com clareza a evolução da estrutura organizacional do setor elétrico.
De companhia de capital canadense, a Light foi nacionalizada pouco antes de terminar sua concessão para
ser, posteriormente privatizada. Para os consumidores atendidos por esta empresa, a privatização representou
a perda substancial na garantia do fornecimento de energia elétrica e o aumento substancial das tarifas. Os
frequenstes cortes no fornecimento de energia elétrica antecederam, em muito, `a atual crise.
67
nacional. De modo diferente do que ocorreu no setor de petróleo, a participação do capital
privado no setor de energia elétrica esteve mais presente. Desde a elaboração do Programa
de Ação Econômica do Governo (PAEG), em 1964, aventava-se a possibilidade de
privatização desse setor (Pires do Rio, 1989). As fontes internacionais de financiamento,
principalmente o Banco Mundial, recomendavam, entretanto, que esses investimentos,
dada a magnitude por eles requerida, fossem executados pelo setor público.
Todo o processo de consolidação do sistema energético esteve associado `a
construção de um espaço sistêmico que conferisse significado à experiência de integração.
O modelo centralizador e concentrador guardava, nesse sentido, uma coerência interna. De
modo substancialmente diferente do II PND, os programas, políticas e ações
sistematizados no Brasil em Ação e, na sua segunda versão, o Avança Brasil, a reação do
setor privado aos estímulos ofertados por esses programas restringiu-se à participação nos
leilões de privatização. Do conjunto de compromissos fixados na agenda pós-privatização,
apenas o aumento das tarifas públicas, sem a correspondente melhoria e ampliação dos
serviços em áreas carentes dessa infra-estrutura, foi efetivado.
Sinteticamente, as bases materiais que propiciaram o sistema energético foram
estabelecidas pelos princípios elementares do funcionamento de indústrias em rede:
conectividade, instantaneidade, e simultaneidade. A conectividade foi assegurada pelas
redes de dutos e linhas de transmissão, específicas para transporte de energéticos, pelas
demais vias de comunicação que ligavam as unidades de geração aos pontos de estoque e
de redistribuição. Como foi anteriormente observado, a lógica dessa conexão foi guiada
pela integração em escala nacional. Por outro lado, essas redes técnicas favoreceram,
também em escala nacional, a oferta quase instantânea de energia (Dias Leite, 1999).
Finalmente, o pressuposto de atendidmento extensivo ao conjunto da população está
vinculado ao princípio de simultaneidade, ou seja, o consumo de energia por vários
agentes ao mesmo tempo. Concretizado na escala nacional, nas escalas regional e local,
esses princípios elementares não podem ser, contudo, observados.
Além disso, um outro aspecto deve ser evidenciado: o sistema não está mais
circunscrito aos limites administrativos do território. Os fluxos, movimentos e
transferências de energia dependem da articulação em escalas mais amplas, ou melhor com
novos níveis regionais. O trajeto do gasoduto Bolívia-Brasil retrata essa mudança: a
funcionalidade anteriormente atribuída prioritariamente à Amazônia passa agora a ser
exercida por uma região fora do domínio adminstrativo e institucional do estado brasileiro.
Por outro lado, as próprias exigências das indústrias em rede no que se refere às condições
mínimas requeridas, elevada densidade de consumidores para extensão da rede,
minimização do tempo de entrega da energia (instantaneidade), não importando a
distância, e a redução de custos e riscos na realização e operação do investimento, sugere a
continuidade da polarização e desigualdade em termos de execução da missão de serviço
público. Na escala urbana a rede complexa de distribuição que permitiria atender
consumidores residenciais e industriais, em continuidade, é limitada em sua extensão. Na
escala regional, as áreas cortadas pelo gasoduto são igualmente pouco densas em termos de
atividades econômicas.
Todo o debate dos anos de 1990 concentrou-se na incapacidade do ator público em
realizar tais princípios. A abertura à concorrência das indústrias em rede modificaram
substancialmente as estruturas organizacional e funcional do sistema de energia. Todavia,
os recentes acontecimentos e a ameaça de racionamento de energia colocam importantes
questões no que diz respeito às exigências de manutenção do serviço público, essencial
para funcionamento da economia e para o atendimento das necessidades básicas da
68
população38. A crise de fornecimento de energia expôs com clareza a fragilidade estrutural
sobre a qual se assenta a infra-estrutura de acesso aos bens de consumo coletivo.
Cinco questões-chave para uma abordagem geopolítica da energia no Brasil
A trajetória percorrida neste capítulo buscou mostrar tanto do ponto de vista
conceitual como empírico que uma abordagem geopolítica e, em particular da geopolítica
da energia no Brasil, abre um vasto campo para uma análise mais compreensiva das
práticas e representações espacias. Cada aspecto abordado requer a consideração de
respostas coletivas num processo de gestão, distante, portanto, das práticas exclusivamente
intervencionistas ou das práticas governadas estritamente pelas estratégias companhias que
controlam os fluxos e movimentos de energia. Da análise aqui apresentada cinco questõeschave estariam ligadas ao desenvolvimento de um modelo mais descentralizado e
cooperativo do sistema energético, envolvendo uma dimensão geopolítica.
• No curto prazo e médio prazos, sem folgas no sistema para acompanhar os
surtos intermitentes de crescimento e minimizar os problemas, mais que
decantados, de redução dos níveis pluviométricos, qual seriam as
possibilidades efetivas de inserção de consumidores e de áreas, até o
presente, excluídas das redes técnicas?
• A estrutura organizacional tornada um campo de forças pela introdução da
concorrência significou apenas uma partilha cartorial dos mercados
geográficos, quais os possíveis impactos na dinâmica espacial?
• A incapacidade de estabelecer políticas alternativas de longo prazo tornouse um dado estrutural, o que representaria, em termos de dinâmica espacial,
a perda da coerência sistêmica?
• A prestação de serviço público tornou-se objeto de comportamentos
estratégicos das mais diferentes companhias, que modificações tais
comportamentos trazem para o conteúdo de fluxos e movimentos, categorias
de consumidores e áreas beneficiadas (e/ou não beneficiadas) pelos
serviços?
• A perda de coerência sistêmica está presente ainda na fragmentação da
coordenação de conjunto segundo o modelo das agências que, sem
experiência de planejamento estratégico, mesmo setorial, tornam-se
vulneráveis às pressões dos novos agentes, como definir uma coordenação
que assegure tal coerência se o cerne do problema se deslocou para as
estratégias individualizadas das companhias em detimento da missão de
serviço público?
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71
Planejamento territorial, modernização portuária e logística.
O impasse das políticas públicas no Brasil e no Rio de Janeiro*
Frédéric Monié∗∗
Introdução
A globalização reativa a competição entre os territórios para a captação de fluxos
de bens, capitais e informações que circulam em volumes cada vez maiores no espaço
econômico mundial. Por isso, atores econômicos e políticos fluminenses organizaram-se ao
longo dos anos de 1990 no sentido de reposicionar seu estado no jogo econômico macroregional e global. Este projeto de inserção competitiva do Rio de Janeiro nos circuitos
comerciais e produtivos globais, idealizado numa conjuntura caracterizada pela crise do
modelo industrial-desenvolvimentista, aposta, em particular, na dotação da economia
regional em equipamentos e infra-estruturas de ultima geração e em mudanças de ordem
institucional que permitem captar volumes crescentes de fluxos materiais e imateriais.
A redefinição dos sistemas de transporte e portuário, caracterizados por custos
operacionais elevados e precárias condições de funcionamento, surgiu então como uma
prioridade para a qualificação do espaço produtivo fluminense, ao ponto que a
modernização das infra-estruturas de comunicação tornou-se um quesito fundamental para
fazer do Rio de Janeiro o elo estratégico de inserção do país no novo cenário global.
Porém, pretendemos aqui demonstrar que a eficiência no escoamento dos fluxos não pode
representar um fim em si na medida em que a competitividade econômica depende cada
vez mais da capacidade dos atores regionais de mobilizar os recursos oferecidos pelos
territórios.
Em conseqüência, a valorização dos fluxos de mercadorias depende sobretudo da
qualidade das interações entre os atores, pressupondo um ambiente produtivo capaz de
atender demandas que superam a simples eficiência técnica das redes de comunicação.
Assim, além da fluidez das circulações, a produtividade da cadeia logística depende em
proporções crescentes das relações entre o segmento transporte e os serviços de apoio ao
comércio e à produção que agregam valor ao fluxo. No entanto, as políticas públicas
promulgadas nos anos 1990 no Brasil e no Rio de Janeiro no intuito de modernizar as
infra-estruturas de transporte e os portos ilustram a dificuldade de levar em consideração
estas variáveis e de operar a transição rumo a uma definição da logística como mobilização
de competências técnicas e sociais a serviço do desenvolvimento dos territórios.
Transporte e portos na economia global de circulação
A economia mundial passa atualmente por um profundo processo de reestruturação
que se traduz em particular pela emergência de novos territórios produtivos, por um forte
crescimento do comércio internacional e pela adoção de novos métodos de gestão dos
fluxos. Essas mudanças implicam em uma reconfiguranção dos sistemas de transporte em
virtude do caráter cada vez mais complexo das demandas dos agentes econômicos e, de
modo mais geral, das exigências impostas pelo novo modelo de acumulação flexível.
Reestruturação produtiva e nova economia dos fluxos
Nas décadas do pós Segunda Guerra mundial, o fordismo, articulado em torno do
tripé produção-consumo de massa-intervenção do Estado e centrado, ao mesmo tempo, na
* Capitulo do livro: Monié, F & Silva, G – org. – (2003): A mobilização produtiva dos territórios.
Instituições e logística do desenvolvimento local. Rio de Janeiro, DP&A Editora (no prelo).
∗∗ Professor adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Pesquisador do CNPq pelo Laboratório de Gestão do Território – LAGET-PPGG/UFRJ..
72
fábrica industrial e no território nacional, garantiu crescimento econômico e
desenvolvimento social aos países centrais (BOYER, 1990; HARVEY, 1989). No final dos
anos 1960, este modelo começou a apresentar sinais de esgotamento: declínio relativo dos
ganhos de produtividade; saturação dos mercados de bens de consumo; oscilações
quantitativas e qualitativas dos mercados que colocam em questão a rigidez da produção e
da relação salarial; contestação crescente da organização do trabalho industrial e da
sociedade de consumo. Mas, numa conjuntura mundial cada vez mais incerta, a restauração
das margens de lucro mediante uma nova corrida às economias de escala parecia inviável.
O desafio consistiu, então, no re-estabelecimento de altos níveis de rentabilidade
mediante um intenso processo de reestruturação do trabalho e da produção (LABTeC,
1999). A diminuição, pelas grandes empresas, dos custos de produção, obtida, em
particular, através da substituição do trabalho pelo capital, da externalização crescente das
funções de produção ou da re-localização de parte do aparelho produtivo, geralmente em
direção a países emergentes, representou uma primeira mudança fundamental em relação
ao modelo de acumulação fordista39.Uma segunda característica do capitalismo pósfordista reside na segmentação e na diferenciação dos mercados provocando uma
concorrência acirrada entre as firmas na busca de novos nichos de consumo. Essa
tendência supõe, de um lado, um aumento dos investimentos em pesquisa e
desenvolvimento e, de outro, a adoção de novos padrões de gestão a fim de atender as
demandas, sempre mais complexas, de um número crescente de clientes. Assim, segundo
VELTZ (1996), assistimos à transição de uma economia de massa para uma economia de
variedade e de fluidez, que transforma a densidade e a qualidade das interações em fator
central da produtividade dos territórios.
Além disso, a própria natureza dos fluxos sofreu grandes transformações nestes
últimos anos. Os fluxos da economia pós fordista são caracterizados pela diminuição das
quantidades de mercadorias transportadas, pelo aumento das distâncias percorridas e pela
diferenciação da gama de produtos que circulam. Essas mudanças supõem a adoção de
novos padrões de gestão, sobretudo o just-in-time, que permitem conceber, vender,
produzir e distribuir os produtos em tempo ágil e em escala global. Essa evolução exige
uma grande adaptabilidade da cadeia de transporte frente à rápida mudança qualitativa dos
fluxos exigindo cada vez mais pontualidade, qualidade e segurança na circulação.
Paralelamente, a estratégia de multilocalização de sua base produtiva adotada pelas firmas
dos países desenvolvidos contribui para o forte aumento das trocas inter e intrafirmas,
reconfigurando, assim, a geoeconomia do comércio internacional. Por isso, a noção de
circulação torna-se uma questão central desse modelo pós-fordista que vende a mercadoria
antes de sua produção e impõe uma reorganização completa dos sistemas de transportes
nos seus aspectos infra-estruturais, institucionais, gerenciais e operacionais.
A redefinição da logística
Neste contexto a emergência de novos espaços econômicos e as novas formas de
concorrência entre as firmas conferem à competitividade da cadeia logística um papel de
destaque no cenário econômico global. VELTZ (1996: 200) aponta assim o fato que a
interconexão das operações de produção e de circulação em grandes escalas e o aumento
dos critérios de competitividade, assim como os prazos e a qualidade do serviço projetam
a gestão dos fluxos internos e externos - antigamente função de intendência de segundo
nível - ao centro da estratégia das firmas. Essa gestão da circulação revela-se
particularmente complexa devido à pulverização espacial do processo de produção, às
exigências do just-in-time e à variedade dos produtos transportados. Esses fatores supõem
39
Os economistas regulacionistas falam em flexibilidade defensiva para caracterizar a busca
sistemática de diminuição dos custos de produção. Ver LIPIETZ & LEBORGNE (1994).
73
arquiteturas logísticas hierarquizadas, articulando redes primárias (onde os fluxos estão
concentrados) e redes secundárias de desconcentração e redistribuição (VELTZ, 1996:
201). As plataformas logísticas se multiplicam e aparecem, cada vez mais, como um
elemento central dessas novas arquiteturas operacionais e gerenciais. As plataformas têm
por função básica operações de armazenagem e gestão das mercadorias, por produtos ou
lugar de destino, que requerem em particular a adoção de métodos de gestão complexos e o
uso de programas informáticos sofisticados. Mas, uma plataforma pode também agregar
valor aos fluxos, através de operações de embalagem, etiquetagem, manutenção,
segmentos de fabricação fina, entre outros. (BOLOGNA, 1998). Ou seja, a logística não se
limita somente ao transporte e aos seus serviços anexos – manutenção, armazenagem, etc.
Graças às possibilidades abertas pelas novas tecnologias da comunicação e da informação
ela posiciona-se como instrumento privilegiado da imbricação das esferas do consumo, da
produção e da distribuição. A logística, antes “fechada”, definida segundo uma perspectiva
funcionalista centrada na eficiência de cada segmento operacional – produção industrial,
transporte – abrange hoje um universo aberto de potencialidades indispensável para a
organização da produção em escala global.
A capacidade de criar sinergias entre atores e articular estas diferentes esferas
confere então à cadeia logística eficiência e produtividade. Dentro dessa cadeia, o setor dos
transportes passa por uma profunda reformulação tecnológica, institucional e, sobretudo,
organizacional. Em primeiro lugar, o crescimento do comércio, a dificuldade de imobilizar
produtos de alto valor agregado, a minimização dos estoques das empresas e a lógica do
fluxo intensivo exercem uma pressão considerável sobre o setor, cuja produtividade é
determinante para a competitividade dessa economia da circulação. Em segundo lugar,
além da eficiência e da rapidez na circulação, os atores econômicos impõem igualmente
imperativos em termos de redução dos seus custos de transporte. A modernização da
gestão das operadoras, o progresso tecnológico e a qualidade das infra-estruturas
permitiram reduzir consideravelmente os custos do setor ao longo das últimas décadas. No
entanto, redução dos custos e melhoria do desempenho operacional dos vetores e dos
pontos nodais da economia de circulação não podem constituir a finalidade exclusiva das
políticas públicas de desenvolvimento territorial. Além disso, a inserção na globalização
não deve limitar-se a um simples projeto de captação dos fluxos do comércio internacional
sem preocupação com a inscrição territorial desta adaptação ao novo capitalismo global.
As orientações recentes das políticas territoriais no Brasil ilustram ao nosso ver a
dificuldade de definir um projeto de desenvolvimento inovador ancorado na mobilização
dos recursos oferecidos pelos territórios.
Retórica e prática das novas políticas de desenvolvimento territorial
no Brasil
No caso específico do Brasil, duas dinâmicas incentivaram, a partir do início dos
anos 1990, atores econômicos e autoridades políticas a preocupar-se com a elaboração de
novas orientações em termos de desenvolvimento territorial após mais de uma década de
inércia. Por um lado, o esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentista e o discurso
do governo federal relativo à inserção competitiva do país na globalização atualizaram a
necessidade de adequar a estrutura de circulação terrestre às novas demandas da economia
nacional, macro-regional e global. Do outro lado, o debate referente à organização do
território brasileiro ganhou uma nova dimensão, em função das perspectivas abertas pela
construção do Mercosul e da ambição do Brasil de se posicionar como a grande potência
regional da América do Sul. Ou seja, existem tendências integracionistas evidentes no que
diz respeito à emergência e a consolidação de novas articulações produtivas e geopolíticas
do país com o sub-continente e com o mundo (COSTA: 1999).
74
Estas dinâmicas se revelaram determinantes para estimular uma reflexão sobre o
tipo de planejamento territorial mais adequado ao novo contexto econômico e geopolítico.
Observamos, assim, a emergência de novas demandas que dizem respeito, em primeiro
lugar, a circulação dos fatores de produção numa economia cada vez mais aberta sobre o
exterior mas cuja base infra-estrutural de circulação continua caracterizada por uma grande
precariedade em todas as modalidades. Ou seja a luta contra o chamado “Custo Brasil” se
revelou neste momento decisiva para justificar a retomada dos grandes investimentos infraestruturais e re-atualizou, em particular, a necessidade de reestruturar e modernizar o setor
dos transportes. O “Custo Brasil” é, com efeito, compreendido como um conjunto de
gargalos – institucionais, operacionais etc. – que encarecem os custos de produção das
firmas e afetam, conseqüentemente, sua capacidade de competir com suas concorrentes
estrangeiras no âmbito de uma economia em processo de abertura e profunda
reestruturação. Ou seja, este custo por onerar as exportações representaria o maior
obstáculo à inserção do Brasil no novo cenário global, esta última sendo concebida como
um simples processo de articulação nos fluxos do comércio internacional que supõe então
a identificação de elos (as grandes metrópoles e seus serviços) e de vetores (infraestruturas de comunicação) suficientemente eficientes para se tornar competitivo
(COCCO: 2001). A aplicação de algumas receitas universais – desregulamentação,
privatizações de monopólios estatais, modernização das infra-estruturas de comunicação –
deveria então garantir uma maior competitividade da base produtiva nacional num
contexto mundial cada vez mais concorrencial.
Paralelamente, a reflexão sobre a organização do território brasileiro ganhou novos
contornos em função do novo contexto geopolítico continental. COSTA (1999) sublinha
assim de que maneira este último estimula uma re-conceituação de sistemas de circulação
terrestre que foram concebidos como instrumentos a serviço da integração nacional e da
contenção do expansionismo das potências regionais rivais – no caso do Brasil,
principalmente a Argentina. A segregação das redes de circulação multiplicou as
disjunções físico-operacionais como ilustra o caso da largura diferenciada das bitolas
ferroviárias entre os diferentes países da América do Sul (COSTA: 1999). A eliminação
destas rupturas violentas na circulação de mercadorias e pessoas constitui então hoje um
desafio para o subcontinente num contexto caracterizado pelo aumento das interações e
pelo dinamismo crescente de algumas regiões fronteiriças.
O novo ambiente geopolítico regional e o projeto de combate ao “Custo Brasil”
foram então determinantes para a retomada das discussões acerca de um projeto de
desenvolvimento territorial para o país, num contexto de estabilização econômica e
financeira e de crescente retirada do Estado da esfera produtiva direta. A adequação das
infra-estruturas de comunicação às novas articulações produtivas e comerciais que se
consolidam nas escalas macro-regional (em particular Mercosul) e intercontinentais foi
então considerada prioritária. A elaboração dos Programas Plurianuais de
Desenvolvimento Brasil em Ação (1996/99) e, num segundo momento, Avança Brasil
(2000/03), que marcam um ajuste conceitual das políticas territoriais a algumas das
exigências do novo paradigma produtivo e geopolítico, constituiu então uma resposta a
estas novas demandas. Estes planos apresentam assim avanços conceituais em relação aos
corredores de exportação concebidos durante a segunda metade dos anos 197040. Em
primeiro lugar, a política federal articula-se doravante a interesses regionais localizados
(no caso do Rio de Janeiro, o Conselho Coordenador das Ações Federais) que legitimam,
de certa maneira, grandes empreendimentos que a “sociedade local reivindicava há muito
tempo” mas que nunca foram implementados, como o porto de Sepetiba no caso da
40
Concebidos pelo GEIPOT estes últimos tinham como vocação principal o escoamento da
produção do complexo agro-industrial nacional em direção aos portos marítimos.
75
metrópole fluminense (COCCO: 2001). Em segundo lugar, os investimentos contemplam,
além das infra-estruturas de transporte, de telecomunicações e energia, setores como a
educação, a saúde e a habitação41.
A nova política de desenvolvimento territorial apresenta então avanços conceituais
nítidos em relação aos conceitos de pólos de desenvolvimento e de corredores de
exportação que constituíam tradicionalmente o pano de fundo das políticas federais de
ordenamento do território na era nacional-desenvolvimentista. No intuito de delinear uma
“nova geografia econômica e social” do país, os PPAs desenham os chamados Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento – ENID – que pretendem articular todas as
escalas geográficas – incluindo o Cone Sul e o resto do subcontinente – graças a uma
abordagem mais reticular do planejamento; promover novas formas de gestão dos projetos
públicos; estimular a multimodalidade de transporte, etc. Após um levantamento exaustivo
das potencialidades produtivas, assim como dos gargalos técnicos e sociais apresentados
por cada eixo, o governo federal se propõe, através dos PPAs a aplicar, em parceria com a
iniciativa privada, investimentos ao longo de cada um dos 12 Eixos que cobrem a
totalidade do território nacional. Ou seja, estamos diante de uma nova abordagem,
relativamente dinâmica, que levanta a possibilidade de mobilizar recursos produtivos
localizados para gerar novas fontes riqueza e alimentar macro-vetores de circulação.
No entanto, apesar dos avanços mencionados, a nova política de desenvolvimento
territorial traz problemas decorrentes de certas ambigüidades e lacunas na própria
concepção do “novo planejamento territorial” e de um descompasso nítido entre a retórica
conceitual (freqüentemente inovadora) e a prática do planejamento (freqüentemente
conservadora). As limitações da nova política de ordenamento do território aparecem,
assim, na sobrevivência do determinismo tecnológico e do caráter funcionalista que a
caracterizaram durante a era industrial. Para BRANDÃO & GALVÃO (2003), estas
limitações aparecem na própria concepção dos Eixos, elaborados como misto de regiões de
planejamento e corredores de transporte stricto sensu. Os mesmos autores ressaltam que,
no final dos anos de 1990, a crise financeira e as taxas de crescimento inferiores às
expectativas incentivaram o governo federal a priorizar alguns grandes projetos e a
esvaziar em conseqüência o PPA. Este último se tornou então num conjunto de
empreendimentos de grande porte42 e de grande visibilidade, associado a uma ampla
campanha de marketing. Este rumo contribuiu para transformar a modernização das infraestruturas físicas de transporte – sobretudo rodovias, ferrovias, portos- numa prioridade
absoluta para as autoridades federais e seus relais regionais. Finalmente, a opção em favor
da grande obra fez ressurgir a “ideologia” do impacto estruturador das infra-estruturas,
compreendidas como os instrumentos mais adequados para promover o desenvolvimento
sócio-econômico e inserir o país nos fluxos da globalização. Nestas condições, o
ordenamento do território, continua sendo apreendido em escala macro, de forma
extremamente verticalizada – de cima para baixo – e na base de variáveis operacionais que
ilustram uma grande preocupação com a captação e a redistribuição dos fluxos – materiais
e imateriais – do comércio internacional. Não existe nenhuma preocupação em pensar uma
logística aberta e transversal que se fundamenta na mobilização produtiva dos territórios.
Porém, tornar a economia brasileira mais competitiva no cenário global exige a elaboração
de novos arranjos gerenciais, institucionais e tecnológicos suscetíveis de substituir o
simples trânsito de mercadorias por estratégias voltadas para a valorização desses fluxos.
À estas ambigüidades conceituais convém acrescentar outras limitações que
relativizam o caráter inovador das políticas recentes de desenvolvimento territorial. A
41
Na sua primeira versão o plano Brasil em Ação contempla investimentos em 42 projetos
considerados prioritários sendo 26 deles de cunho infra-estrutura l e 16 de cunho social.
42 Para uma apresentação dos grandes programas infra-estruturais do Brasil em Ação e Avança
Brasil ver COSTA (1999).
76
defasagem entre a retórica inovadora do Brasil em Ação e do Avança Brasil e a
implementação destes programas aparece, por exemplo, no esvaziamento do discurso sobre
a centralidade da questão ambiental ou da dimensão democrática no novo planejamento
territorial brasileiro. Apesar de considerar a conservação do meio ambiente um vetor de
geração de emprego e renda e não um empecilho ao desenvolvimento43, o que significa a
introdução inédita da variável ambiental num programa deste porte, os estudos
preliminares realizados neste sentido, assim como as realizações posteriores, desmentem
em grande parte essa proposta. Os impactos da regularização do sistema AraguaiaTocantins e da hidrovia Paraná-Paraguai sobre os Cerrados e o Pantanal, que podem
segundo EGLER (1999) inviabilizar um verdadeiro projeto regional de desenvolvimento,
foram subestimados ou, em certos casos, ignorados. Da mesma forma, a preocupação com
a “pesca esportiva” no Centro Oeste contrasta, por exemplo, com a ausência da questão da
contaminação dos mananciais e do esgotamento dos recursos hídricos no Distrito Federal e
Entorno (EGLER: 1999). Podemos, também, mencionar que a valorização da
biodiversidade como vetor de desenvolvimento acabou escamoteada pela prioridade
outorgada a realização de grandes obras conforme ilustra o caso do Rio Madeira cuja
vocação parece não extrapolar até agora o simples escoamento da soja produzida na
Chapada dos Parecis.
Podemos, enfim, observar uma real dificuldade de superar a lógica tecnocrática que
caracterizou o período desenvolvimentista. Ou seja, os PPAs ilustram a incapacidade
notória de democratizar o planejamento territorial, que já vinha sofrendo no Brasil um
certo desgaste na sociedade por ser associado por muitos aos grandes empreendimentos do
período militar (COCCO: 2001 & BRANDÃO & GALVÃO: 2003). As ambigüidades
conceituais e os descompassos entre uma retórica inovadora e uma prática conservadora do
planejamento territorial aparecem, ao nosso ver, claramente nas orientações que dizem
respeito a modernização do sistema portuário brasileiro em geral e, em particular no
projeto de ampliação e reestruturação do porto de Sepetiba no Estado do Rio de Janeiro.
3. As ambiguidades do planejamento territorial no Rio de Janeiro: o exemplo do
“projeto Sepetiba”
No Rio de Janeiro também o projeto de inserção competitiva na globalização
produziu um consenso em torno de um “Custo Rio de Janeiro” que representaria o maior
empecilho para o ingresso da metrópole e do Estado no novo cenário global. As precárias
condições de circulação e os altos custos operacionais dos portos e das redes rodoviária e
ferroviária foram assim considerados determinantes para a desqualificação do ambiente
produtivo regional numa conjuntura exigindo redes técnicas cada vez mais eficientes e
sofisticadas. Em conseqüência, a aplicação de algumas soluções universais permitiria
construir um sistema logístico regional suscetível de re-dinamizar a economia fluminense.
Assim, a partir de 1995, as ferrovias, os principais eixos rodoviários e os portos públicos
foram privatizados, reestruturados e modernizados e grandes empreendimentos foram
lançados.
Reforma portuária e “inserção competitiva” do Rio de Janeiro na era
global
A abertura comercial e a redefinição da posição do Rio de Janeiro em relação aos
fluxos do comércio mundial atualizaram então, nos últimos anos, o debate relativo a
modernização e a ampliação da capacidade do complexo portuário regional. Este último44
43
Ver a apresentação do Avança Brasil no site do Ministério do Planejamento: www.mpo.gov.br
O sistema portuário fluminense compreende os portos do Rio de Janeiro, de Sepetiba, de Angra
dos Reis, do Forno (em Arraial do Cabo) e de Niterói, além de diversos terminais privativos, entre os quais
os da MBR (em Mangaratiba) e da Petrobrás (em diversos lugares do Estado).
44
77
beneficia-se de uma localização excepcional no maior complexo urbano-industrial da
América do Sul que, num raio de cerca de 500 km, responde por aproximadamente 70% do
PIB brasileiro. Mas, apesar dessa posição estratégica, os portos fluminenses se deixaram
distanciar por seus concorrentes, como Santos e Buenos Aires, que se adaptaram à nova
conjuntura econômico-comercial internacional, apostando, em particular, no dinâmico e
lucrativo mercado da movimentação de contêineres. Ao contrário, a atividade portuária
fluminense continua largamente dominada pela movimentação dos granéis sólidos
(sobretudo carvão e ferro) e líquidos (particularmente o petróleo e seus derivados) de um
grupo relativamente restrito de grandes empresas industriais (Petrobrás, CSN, MBR,
Ferteco, etc.). Essa predominância da movimentação de commodities contradiz, então, uma
tendência atual do transporte marítimo internacional, caracterizado pelo aumento dos
fluxos de produtos manufaturados e pela a unitização das cargas. Apesar da modernização
recente dos terminais da Ponta do Caju, o complexo portuário do Rio de Janeiro ainda não
se adaptou a essas mutações globais e continua responsável por apenas 15% da
movimentação nacional de contêineres.
No intuito de modernizar e adaptar os portos45 às atuais transformações da
economia portuária, as autoridades brasileiras promoveram uma reorganização
institucional, físico-operacional e gerencial a fim de eliminar os gargalos que afetam
tradicionalmente sua produtividade. A defasagem tecnológica, que se manifesta num grave
déficit competitivo na operação de cargas conteinerizadas, a legislação trabalhista, que
contribuiu também a encarecer a atividade portuária posicionando os portos fluminenses e brasileiros em geral - entre os mais caros do mundo, e a não coordenação de vários atores
institucionais na atividade portuária foram apontados como principais responsáveis da
precariedade das operações portuárias.
Para conferir maior eficiência ao setor, as Leis de Modernização dos Portos de 1993
e 1996 reformularam a atividade mediante profundas reformas institucionais e
operacionais. Entre as mudanças introduzidas cabe mencionar a descentralização da
administração dos portos da esfera federal para a estadual; a transformação da Companhia
Docas em Autoridade Portuária; a criação de novos órgãos de gestão encarregados da
administração da mão de obra e a privatização da atividade portuária. As novas leis
extinguem assim um regime articulado em torno de monopólios de administração,
operação portuária e gestão da mão de obra. Apesar da complexidade dessa reengenharia e
das dificuldades para implementar o novo modelo, os terminais privatizados registraram
ganhos expressivos de produtividade. É o caso dos terminais de contêineres do porto do
Rio de Janeiro, arrendados em 1997 aos grupos Multirio (Tecon 1) e Libra (Tecon 2), que
conseguiram diminuir significativamente o custo de movimentação das caixas e o tempo de
permanência dos navios nos quais46. Esses avanços permitiram aos terminais cariocas de
ganhar novos mercados: o Tecon 1 é, por exemplo, responsável pela logística do transporte
dos componentes do modelo Classe A da Mercedes entre Bremerhaven e fábrica da firma
em Juiz de Fora. Paralelamente, os novos operadores cariocas apostam numa atividade
crescente de transhipment47 com os demais portos do Mercosul, como o ilustram acordos
firmados com os portos de São Francisco do Sul e Montevidéu.
45 Os portos brasileiros são responsáveis pela movimentação de aproximadamente 95% das
exportações do país.
46 Segundo Luiz Henrique Carneiro, da Multirio, a adoção de novos critérios gerenciais e os
investimentos em equipamentos portuários se traduziram por uma diminuição significativa do custo de
movimentação dos contêineres no Tecon 1que passou de 600 reais por unidade em Março de 1999 para
150/160 reais no final do mesmo ano. Comunicação no seminário internacional Cidades, Portos e
Desenvolvimento Local, LABTeC-UFRJ, Rio de Janeiro, 22-23 de Novembro de 1999.
47 O transhipment consiste na redistribuição de fluxos em direção a portos de menor porte e/ou
apresentando condições operacionais que não atendem as demandas dos armadores.
78
O projeto Sepetiba: o transporte contra o território?
Além destas mudanças institucionais e gerenciais, a reorganização do complexo
portuário fluminense inclui o projeto de ampliação e reestruturação do porto de Sepetiba.
Localizadas no município de Itaguaí, a cerca de 70km do centro do Rio de Janeiro, as
instalações portuárias foram inauguradas em 1982 no intuito de integra-las ao parque
industrial do oeste metropolitano e ao complexo gás-químico a ser implantado na região. A
idéia inicial do governo federal consistia em criar um complexo portuário e industrial nos
moldes dos grandes projetos europeus e japoneses de siderurgia ou química litorânea dos
anos 1960 e 1970. Mas, ao longo dos anos 1980, o porto de Sepetiba limitou-se
basicamente à movimentação de carvão mineral para a usina da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), em Volta Redonda. As novas instalações portuárias atenderam então
essencialmente as necessidades da firma siderúrgica fluminense.
No início da década seguinte, atores econômicos e políticos regionais começaram a
se organizar no âmbito do Conselho de Coordenação das Ações Federais no Estado do Rio
de Janeiro, propondo-se a reverter o declínio da economia fluminense captando, para isso,
investimentos federais de grande porte (SILVA, 1997). O projeto de reestruturação e
ampliação do Porto de Sepetiba foi escolhido como uma das prioridades48 para reerguer a
economia fluminense e logo integrado ao programa Brasil em Ação. Para seus
idealizadores, a nova plataforma portuária faria do Rio de Janeiro o elo estratégico da
inserção do Brasil nas redes comerciais e logísticas globais. O projeto do Conselho de
Coordenação foi endossado pela Companhia Docas que fomentou um discurso oficial
apontando a necessidade do Brasil dotar-se de um hub port49 a fim de concentrar e
redistribuir os fluxos terrestres e marítimos de mercadorias da costa leste da América do
Sul. Segundo a CDRJ, o porto de Sepetiba disporia de vantagens locacionais e físicooperacionais indispensáveis para a implementação do projeto. A localização do hub
próximo do coração econômico do cone sul; a disponibilidade de uma ampla retroárea
portuária e de um canal de acesso marítimo suscetível de receber navios de última geração,
constituíam vantagens competitivas decisivas justificando, assim, investimentos de grande
porte. Além disso, mediante a aplicação de recursos suplementares nas redes ferroviária e
rodoviária, Sepetiba passaria a dispor de uma excelente acessibilidade em relação ao porto
do Rio de Janeiro que apresenta dificuldades no escoamento de suas cargas. O governo
federal investiu, numa primeira fase, na dragagem do canal de acesso, no aterramento do
retroporto e na construção de um Cais de Uso Múltiplo incluindo um terminal de
contêineres, cujo potencial de movimentação alcança cerca de 1 milhão de TEUs50 ao ano.
Graças a essas novas instalações, Sepetiba deveria movimentar, num prazo de 20 anos,
cerca de 600 000 contêineres e 100 000 veículos por ano, além de granéis sólidos e grãos
(CDRJ: s/d)51. Além da ampliação das infra-estruturas, aposta-se no arrendamento do porto
à iniciativa privada e no recurso as novas formas de gestão da mão de obra, ambos
previstos pela Lei de Modernização Portuária de 1993.
Todavia, os acontecimentos posteriores contradisseram o projeto inicial que
apostava num porto concentrador de última geração na medida em que os principais
beneficiários do processo de arrendamento dos terminais existentes foram grandes grupos
industriais fluminenses - a CSN e a CVRD – do ramo da siderurgia e da mineração. Em
1997, a siderúrgica obteve a concessão do terminal de minérios, que já era responsável
48
Segundo os idealizadores do Conselho, o Teleporto do Rio de Janeiro e a Bacia petrolífera de
Campos deviam ser os demais investimentos prioritários para o Estado.
49 O hub port tem por função a concentração e a redistribuição, para portos secundários, portos
secos, etc., dos fluxos das grandes corredores marítimos.
50 O TEU ou EVP (Equivalente Vinte Pés) é um contêiner padrão de 20 pés (2,4x2,4x6,1m).
51 Uma segunda etapa prevê a transformação de Sepetiba em mega-hub dotado de cerca de vinte
terminais de contêineres (LABTeC:1999).
79
pelas importações de carvão destinadas à usina de Volta Redonda. No ano seguinte, as
duas firmas formaram a Sepetiba Tecon para operar o terminal de contêineres. O último
terminal foi arrendado pela Valesul, que deve usá-lo para importar alumina. A Ferteco é,
por sua parte, responsável pela construção de um terminal privativo também dedicado à
movimentação de granéis sólidos. Ou seja, o conjunto dos terminais será operado por
grupos industriais regionais que não têm a priori o perfil adequado para transformar
Sepetiba num mega-hub. A presença maciça da CSN, que já figura entre os maiores
acionistas da operadora ferroviária MRS Logística, indica, ao contrario, que os
investimentos na plataforma portuária inserem-se numa estratégia de integração vertical na
busca de economias de escala através do domínio completo da cadeia produtiva da firma52.
Podemos então observar um descompasso evidente entre um discurso que privilegia
a opção do megaporto concentrador de cargas e uma configuração físico-operacional que
posiciona Sepetiba como um equipamento a serviço de um universo restrito de clientes
atuando essencialmente no mercado siderúrgico (LABTeC, 1999). Com efeito, a CSN
nunca se beneficiou das vantagens competitivas oferecidas pela operação das próprias
infra-estruturas de transporte e portuárias. Além disso, a proporção de produtos
siderúrgicos conteinerizados tende a crescer significativamente, o que representou um
estímulo suplementar para a empresa siderúrgica fluminense de ingressar na atividade
portuária. Mas qualquer que seja a configuração definitiva do porto de Sepetiba no longo
prazo - porto industrial integrado ou hub port - cabe questionar a relevância de tais
investimentos no que se refere ao desenvolvimento sócio-econômico que o porto iria,
segundo o discurso oficial, promover no oeste metropolitano.
O modelo de porto concentrador ganhou força nesses últimos anos nas grandes
rotas comerciais marítimas devido a estratégia dos grandes integradores que selecionam
um número cada vez menor de escalas, o que implica em navios e instalações portuárias de
grande capacidade. As plataformas concentradoras, nos moldes dos hubs de Algeciras e
Gioia Tauro53, inserem-se na estratégia global das firmas multinacionais que concebem o
porto como simples lugar de trânsito das mercadorias de uma modalidade de transporte
para outra. Dessa maneira, os impactos em termos de desenvolvimento regional são
mínimos. Além disso, esses portos geram pouco emprego, devido ao elevado grau de
automação das instalações que requerem uma mão de obra qualificada e pouco numerosa.
O porto concentrador configura-se assim como equipamento desterritorializado que capta
fluxos comerciais internacionais e os redistribui sem nenhum processo significativo de
agregação de valor (BAUDOUIN, 1999).
Do seu lado, os portos industriais clássicos apresentam uma configuração
operacional e gerencial específica da era desenvolvimentista onde era mantido ‘‘um perfil
altamente setoriarizado, ou seja, segmentado e direcionado à movimentação de tipos
específicos de carga, sem se mostrarem muito flexíveis às variações da natureza do
produto, às modificações da tecnologia dos transportes ou às alternativas do mercado. Em
síntese, o porto da era fordista caracterizava-se por ser uma prótese das linhas de
montagem fabris. O valor e os empregos concentravam-se nas economias de escala
proporcionadas pelos grandes pólos industriais. Uma correlação imediata ligava os
volumes de produção aos níveis de emprego e renda gerados’’ (COCCO & SILVA, 1999:
12). Além de simbolizar uma época específica do processo de desenvolvimento das forças
produtivas, esse modelo do complexo industrialo-portuário, concebe o porto como simples
aparato tecnológico, administrado de maneira autônoma em relação a metrópole, e cuja
função reside na garantia de uma circulação fluída das cargas entre o navio e as fábricas.
52
Essa estratégia foi em particular idealizada por Eliezer Batista da Silva quando ele dirigia a
CVRD.
53Essas
Calabria.
plataformas são respectivamente localizadas no estreito de Gilbratar e na região italiana da
80
Nessas condições, a questão da relação porto/território permanece não resolvida (DE ROO,
1999)54.
A resolução dessa questão coloca-se como um desafio central numa época
justamente caracterizada pela volta das metrópoles (VELTZ) que ocupam um lugar de
destaque no atual processo de globalização, concentrando cada vez mais riqueza e poder de
decisão. Nesse cenário, o modelo da cidade portuária, nos moldes do Northern Range
europeu por exemplo, aparece como mais promissor em termos de desenvolvimento local.
Nesse caso, fala-se em cidade-portuária, ‘‘ou seja, por um lado um porto que encontra nas
redes sociais urbanas os recursos empresariais para aprimorar seus serviços (e otimizar
sua capacidade de gerar valor e emprego) e, por outro, uma cidade que recupera sua
relação histórica (e não apenas paisagística) com o mar’’ (COCCO & SILVA, 1999: 20).
Esse modelo supera, então, a visão do porto como instrumento tecnológico para atrela-lo
aos serviços de apoio a produção e ao comércio, oferecidos pela metrópole que torna-se
uma verdadeira plataforma logística inserida nas redes empresariais locais, regionais e
globais. Nessa configuração, o porto insere-se numa comunidade portuária metropolitana
que mobiliza suas competências produtivas para, além de captar os fluxos da globalização,
valorizar a esses fluxos55.
No caso do processo de modernização do complexo portuário fluminense,
dominado pelo projeto de ampliação e reestruturação do porto de Sepetiba, as orientações
seguidas até agora apostam numa dinâmica inversa com a criação de um porto inserido na
cadeia produtiva de um ator central – limitando assim as perspectivas de definição de
estratégias alternativas de desenvolvimento local (LABTeC, 1999); o afastamento desse
porto do centro metropolitano transformando-o num enclave sem relações com seu entorno
imediato56 e uma configuração operacional defasada em relação as demandas cada vez
mais complexas do espaço produtivo. Nesse contexto, podemos nos questionar a propósito
das potencialidades oferecidas pelo porto do Rio de Janeiro que, após ter sido previamente
condenado na base de problemas de acessibilidade rodoviária e técnico-operacionais
(particularmente a insuficiência do calado), foi ignorado pelos idealizadores do programa
de modernização do complexo portuário regional. No entanto, o aumento na
movimentação de contêineres e veículos, observado a partir de 1999, testemunha que o
porto apresenta um potencial de desenvolvimento significativo na base da atual capacidade
instalada. Em primeiro lugar, os investimentos a serem realizados na dragagem do canal de
acesso, na acessibilidade rodoviária e ferroviária e na organização do retroporto são
evidentemente essenciais57. Em segundo lugar, a qualidade e a diversidade dos serviços
prestados pela economia metropolitana constituem o maior trunfo do porto, na medida em
que, como já foi mencionado, a logística portuária não se limita mais ao simples
equacionamento de problemas infra-estruturais e supõe uma mobilização das competências
oferecidas pelos atores locais. A mobilização dessas potencialidades no âmbito de uma
comunidade portuária58 fluminense representa, então, um parâmetro essencial para uma
54 Os casos franceses de Dunkerque ou Fos-sur Mer ilustram o descompasso que pode existir entre a
grande zona industrialo-portuária e a metrópole vizinha (DE ROO, 1999)
55 Cabe ressaltar que nesse modelo, o sucesso do porto não se mede aos volumes de cargas
movimentadas, mas a qualidade dessas cargas, as que contêm mais valor agregado sendo mais indicadas para
gerar renda e emprego na economia metropolitana.
56 Nesse caso, a cidade é somente apreendida como um empecilho a fluidez das circulações
materiais.
57 Vale, todavia, lembrar que os investimentos em dragagem, aterramento do retroporto e construção
da RJ-109 realizados no âmbito do projeto de ampliação e reestruturação Sepetiba indicam que problemas de
ordem operacional e de acessibilidade não foram nesse caso considerados redibitórios para o
desenvolvimento futuro da atividade portuária.
58 Para uma apresentação do conceito de comunidade portuária ver o artigo de Michèle Collin no
presente livro.
81
inserção realmente produtiva do Rio de Janeiro na economia de circulação. No entanto, a
reforma portuária ilustra, ao nosso ver, a dificuldade de romper com os métodos e as
finalidades do planejamento características do modelo nacional-desenvolvimentista.
Convém enfim acrescentar que as concessões ao novo rumo da economia global aparecem,
do seu lado, bastante ambíguas por limitar-se a um projeto de captação de fluxos da esfera
mundial e desterritorializada de circulação das mercadorias sem preocupação nenhuma
com a circulação produtora de riqueza na esfera territorializada que integra produção,
consumo e distribuição.
Considerações Finais
Os processos de globalização e de abertura comercial impõem ao Brasil e ao estado
do Rio de Janeiro novas exigências no que se refere à circulação dos fluxos materiais e
imateriais. Uma maior eficiência do setor dos transportes deve contribuir para eliminar
gargalos que prejudicam a competitividade da economia. Por isso, os investimentos em
infra-estruturas portuárias e de transporte sinalizam avanços, pois propiciam maior
capacidade, melhores condições de circulação e baixos custos operacionais aos operadores.
Porém, o atual processo de reestruturação dos espaços produtivos supõe uma ruptura com
as políticas setoriais herdadas de um modelo desenvolvimentista em crise. Na medida em
que ‘‘o território entra doravante no jogo econômico como matriz de organização e de
interações sociais e não mais, em primeiro lugar, como estoque de montagem de recursos
técnicos’’ (VELTZ, 1996: 10), assistimos à transição progressiva de um modelo
privilegiando as grandes obras, para um novo paradigma, valorizando, em primeiro lugar, a
subjetividade dos territórios. Apesar disso, as políticas públicas continuam negando as
potencialidades produtivas dos territórios em beneficio de investimentos de grande porte
que apostam nos chamados impactos estruturadores das infra-estruturas de comunicação.
No Rio de Janeiro, o consenso em torno dos efeitos desencadeadores da expansão do porto
de Sepetiba sobre a economia regional, assim como o perfil dos concessionários privados
das rodovias - predominantemente grandes empreiteiras - e das ferrovias - mineradoras e
siderúrgicas -, ou seja empresas ligadas às atividades industriais mais tradicionais, ilustram
a dificuldade de se pensar um projeto logístico inovador. No estado, como no Brasil em
geral, ainda prevalece uma visão da finalidade do transporte profundamente marcada pela
ideologia do transitismo que apreende a matriz de transporte como um simples instrumento
técnico a serviço de um ‘‘domínio do fluxo, instantâneo e universal [...que acaba...]
negando definitivamente qualquer subjetividade territorial’’ (BAUDOUIN, 1999: 28).
Essa abordagem funcionalista da atividade continua amplamente compartilhada por
autoridades que promulgam políticas setoriais de cunho essencialmente infra-estrutural,
sem real estratégia de agregação de valor aos fluxos de mercadorias.
Ou seja, para muitos, o conceito de logística consiste ainda numa mera articulação
entre as infra-estruturas básicas e os recursos oferecidos pela telemática que garante a
fluidez da circulação. Como já foi mencionado, se a instantaneidade e a continuidade do
trânsito revelam-se efetivamente indispensáveis para atender aos princípios da produção
just-in-time em diversos ramos industriais, o desafio da logística abrange objetivos que
supõem novos arranjos técnico-institucionais. Assim, ‘‘os sistemas de transportes não
ligam mais, entre eles, mercados urbano-industriais homogêneos. Ligam, sim, específicos
segmentos de mercados e, portanto, realidades produtivas e comerciais cada vez mais
heterogêneas’’ (LABTEC, 1999: 37). Nesse contexto, a localização das atividades não é
mais tributária do desempenho meramente técnico dos transportes, e, sim, da capacidade
de elaborar uma verdadeira logística territorial mobilizando os recursos econômicos,
sociais, políticos e culturais localizados, a serviço das redes materiais e imateriais que
qualificam a competitividade regional. Essa evolução supõe, então, abordagens que
rompem com a lógica que presidiu a organização do setor na era industrial no sentido de
82
uma crescente valorização das competências territoriais. A relação transportes/território
transforma-se assim radicalmente. O território não se apresenta mais como uma base física
indiferenciada voltada ao trânsito dos fluxos, multiplicando os ‘‘efeitos túneis’’
(chanelization) entre grandes centros de produção e/ou de consumo. Hoje, ao contrário, a
qualidade das interações entre os atores da cadeia produtiva, os processos de organização,
de comunicação, de cooperação representam um desafio central para qualificar a
competitividade das economias regionais (VELTZ, 1996), medida a partir de sua
capacidade de gerar renda e emprego. Por isso, políticas setoriais desvinculadas das
realidades territoriais aparecem cada vez mais inoperantes num cenário econômico que
posiciona os transportes como elo estratégico, mas não necessariamente determinante, da
logística territorial. Essa mudança implica sobretudo políticas de valorização integrada de
todas as competências oferecidas pelo território e voltada para um desenvolvimento local
integrado.
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84
A indústria de petróleo e gás em escala mundial. Uma visão
comparativa
Frédéric Mónie
Mudanças recentes na indústria petrolífera mundial
Entre a descoberta e a exploração dos primeiros poços de petróleo e os anos
1920/30, o controle do “ouro preto” se tornou fundamental numa civilização que
transformou rapidamente este recurso natural na sua principal fonte de energia. As grandes
companhias petrolíferas que emergiram então dominaram rapidamente a exploração e a
produção de petróleo graças à formação de um poderoso cartel59 onde os interesses
geoeconômicos das firmas correspondiam perfeitamente aos interesses geopolíticos dos
países centrais.
No entanto, os períodos 1920/30-1980/90, foram marcados, nos países produtores,
por uma presença crescente do Estado na cadeia produtiva petrolífera que enfraqueceu
relativamente o poder das 7 Majors. Os paises semiperifericos produtores de petróleo, que
abrigam as maiores reservas, tentaram então se organizar no intuito de nacionalizar a
exploração, o refino e a comercialização do petróleo. Estes objetivos foram alcançados
através da:
- multiplicação de medidas visando a limitar a participação do capital externo no
setor;
- criação de Companhias estatais em todos os grandes países produtores60;
- promoção de estratégias visando a criação de cadeias produtivas integradas
mediante investimentos na indústria para-petrolífera, em infra-estruturas de grande porte –
redes de dutos, portos, etc.; ou no transporte marítimo.
Vale ressaltar que, apesar das motivações ás vezes variadas dos governos, as
orientações então seguidas pelas nações produtoras (países da península arábica, Argélia,
Líbia, Iraque, Irã, México, Venezuela, Argentina, etc.) se inserem num contexto mais geral
caracterizado pelo crescimento rápido do consumo nos países centrais, de um lado, e pela
tentativa de organização dos paises semiperifericos em prol de uma nova divisão
internacional do trabalho. Estes paises pretendem, para isso, usar o controle das riquezas
nacionais como um meio de acumulação de renda redistribuído, em seguida, pelo Estado
em investimentos na base produtiva – como grandes projetos infraestruturais nas áreas da
energia e dos transportes – e na indústria nacionais. Desta forma, as nações produtoras
poderiam promover formas mais autônomas de desenvolvimento industrial e equipara-se
em relação aos paises do núcleo orgânico.
A melhor ilustração desta tendência reside na criação da Organização dos Países
Produtores de Petróleo61 – OPEP – que foi determinante neste embate crescente entre
países produtores e grandes firmas privadas dos países centrais. È durante a década de 70
que este conflito alcançou seu auge. Os países árabes produtores passaram então a usar o
petróleo como arma na luta travada contra o Estado de Israel. Em conseqüência, nesta
década, as guerras israelo-árabes, se traduziram por uma explosão do preço do petróleo e
um aumento significativo da renda dos países produtores preço do petróleo. Paralelamente,
com o prosseguimento do processo de nacionalização do setor as companhias nacionais se
59
O Cartel é então dominado por 7 “majors”: Standart Oil, Chevron, Exxon, Mobil e Texaco nos
Estados Unidos; Royal Dutch Shell e British Petroleum na Europa.
60 INOC no Iraque; Saudi Aramco na Arábia Saudita; NIOC no Irã; Pemex no México; PDV na
Venezuela, Sonatach na Argélia, etc.
61 A OPEP foi criada no início dos anos 1960
85
tornaram atores fundamentais da cadeia petrolífera mundial e passaram a serem
responsáveis por cerca de 2/3 da produção mundial nos anos 1970 (ANP: 1999).
No entanto, a partir do final dos anos 1970, alguns fenômenos prefiguram a
emergência de novas relações de força na geoeconomia e na geopolítica do setor
petrolífero mundial. Em primeiro lugar, os países consumidores adotaram políticas
energéticas visando a diminuir o consumo de petróleo – programas de equipamento em
usinas nucleares e fontes de energia alternativa; inovações da indústria, em particular
automobilística, etc. Em segundo lugar, os países consumidores diversificaram suas fontes
de abastecimento, em particular em direção aos novos países produtores62 como a Nigéria,
o Cazaquistão, a Venezuela, o México, o Brasil, a Indonésia ou as Bacias Congo e do Mar
do Norte, etc. A abertura recente de novas bacias de produção provocou um aumento da
concorrência e uma diminuição da renda diferencial apropriada pelos países produtores
(ANP: 1999).
Com a inversão das relações de força entre produtores e consumidores os preços
diminuem de 70% durante o “contra-choque” do período 1985-1993. Este processo
desestabilizou os países produtores – aumento da dívida, dos déficits públicos, etc. – mas
também o sistema financeiro internacional. Neste contexto, a maior parte dos países
produtores promoveu uma série de transformações estruturais no sentido da
desregulamentação do setor, a da privatização das Estatais e da abertura a concorrência das
atividades petrolíferas. Conseqüentemente surgiram então novos dispositivos institucionais
no intuito de redefinir o papel do Estado neste contexto de liberalização-globalização do
setor. As mudanças intensificam a concorrência, mas também promovem novas formas de
cooperação entre países produtores e entre firmas. Estas últimas também definem suas
prioridades e suas estratégias no sentido de uma regionalização crescente de suas
atividades mundiais e de uma integração internacional da cadeia produtiva mediante um
processo contínuo de concentração63. Estas estratégias e novas redes produtivas permitem
diminuir os riscos geopolíticos e os custos globais logísticos e de produção das atuais
majors petrolíferas (CARROUÉ: 2002).
A reestruturação das atividades petrolíferas em nível mundial não se dá, no entanto,
de forma homogênea. Os novos arranjos institucionais apresentam características
diferenciadas que resultam geralmente do processo de formação e desenvolvimento do
setor petrolífero próprio a cada país produtor, mas também de considerações políticas
internas ou geopolíticas internacionais. Alguns como a Argentina optaram para uma
privatização completa do setor. No Brasil e na Venezuela, as firmas estatais coabitam
doravante com grandes grupos privados, nacionais e estrangeiros. O fim do monopólio se
traduziu pela introdução de novos métodos de regulação, incluindo em particular,
mecanismos de distribuição de royalties. Enfim, em diversos países produtores, como o
México, apesar de uma tentativa de modernização e liberalização do setor, a estatal
continua tendo o domínio quase exclusivo sobre boa parte da cadeia produtiva64.
As reservas mundiais de petróleo alcançaram em 2001 a marca de cerca de 1 trilhão
de barris. O subsolo do Oriente Médio, que dispõe das maiores reservas, abriga 685,6
62 Na maioria dos casos estes países não pertencem a OPEP que entrou em crise a partir dos anos
1980 devido as divisões crescentes dos países árabes membros da organização cada vez mais divididos entre
“repúblicas progressistas” e “monarquias conservadoras pró-americanas”. A partir de 1999, a OPEP voltou,
no entanto, a apresentar uma coesão maior que se traduziu por um aumento substancial dos preços nos anos
seguintes.
63 Cinco grandes grupos - Exxon Mobil, Shell BP, Amoco, Texaco, Chevron e Total FinaElf
dominam hoje a produção e dispõem das maiores reservas de petróleo e gás natural.
64
O processo de re-engenharia institucional no México, na Venezuela e na Argentina é
apresentando com mais detalhes adiante.
86
bilhões de barris contra 96 bilhões para a região América Central e do Sul e, mais
especificamente, 3 bilhões para o Brasil. No que diz respeito a produção, que alcançou no
mesmo ano o patamar de 74,5 milhões de barris por dia, ela se revela atualmente bastante
estável. Os países de Oriente Médio continuam ocupando uma posição de destaque apesar
de um ambiente geopolítico regional particularmente desfavorável que obrigou a vários
cortes na produção nos últimos anos. Ao contrario a produção de petróleo registra um
crescimento rápido nos paises da Ásia Central da Ex- União Soviética. No Brasil também
observamos um aumento regular da produção que cresceu de 5,2% entre 2000 e 2001.
No que tange as capacidades mundiais de refino, os paises centrais (Estados
Unidos, União Européia e Japão) compartilham o domínio sobre esta atividade com a exUnião Soviética e a China. Vale ressaltar que os paises do Oriente Médio ocupam uma
posição secundaria apesar dos investimentos pesados realizados na Arábia Saudita e nos
Emirados Árabes Unidos.
Reservas, produção e capacidade efetiva de refino de petróleo por região –
2001 (Em bilhões de barris)
Região
Reservas
América do Norte
Américas Central e
63,9
96,0
Europa
Ex-União Soviética
Oriente Médio
África
Ásia Pacífico
Total
Fonte: ANP (2002)
18,6
65,4
685,6
76,6
43,7
1 049,8
Produção
Capacidade
de refino (mil b/d)
14 040
20 134
7 001
6 429
do Sul
Exploração
comparação
off
shore
e
organização
6 809
8 652
22 234
7 815
7 944
74 495
regional:
16 374
8 695
6 634
3 080
20 859
82 205
elementos
de
A situação no México
No seu processo de industrialização, o México experimentou no século XX três
grandes momentos: o primeiro centrado em torno de Monterrey e das indústrias do aço e
do vidro; o segundo, a partir dos anos 1920/30, que teve como placo privilegiado o
planalto central e o velho eixo colonial Puebla-Veracruz, deu origem a um parque
industrial voltado para os bens de consumo; o terceiro se traduziu pela emergência de uma
nova geração de atividades industriais a partir do petróleo. O boom petrolífero mexicano
teve desde então impactos muito profundos sobre o processo de industrialização e de
organização do território nacional. Sob o impulso do Estado Federal, o petróleo deu origem
a um parque industrial para-petrolífero e automobilístico de grande porte; alavancou a
construção de uma malha viária densa e de qualidade assim como de uma rede de dutos
que interligam as áreas produtoras aos grandes centros consumidores65 e marcou
significativamente a matriz energética. Além disso, a renda petrolífera, mas também o
“direito ao endividamento” (BATAILLON) conferido pela existência de grandes reservas
de petróleo no país, foram usados pelo governo federal para importar bens de capital para a
65
Somente o Noreste do país não é servido pelos gasodutos da PEMEX.
87
indústria nacional; lançar grandes programas de urbanização nas principais capitais e
expandir as redes técnicas.
Os Estados do Golfo do México foram, e continuam sendo, os mais diretamente
afetados pelos impactos do boom petrolífero dos anos 1970. A faixa litorânea destes
Estados, forma hoje, um espaço bastante dinâmico onde a exploração segue um duplo
gradiente Norte/Sul e terra/plataforma continental. A exploração on shore, que começou no
sul do Tamaulpas no início do século XX, transformou nas décadas seguintes a conurbação
Tampico/Ciudada Madero num centro industrial e portuário de grande porte. Em seguida, o
Estado de Veracruz, mais ao Sul, se tornou o segundo grande centro da economia
petrolífera do Golfo do México. A cidades de Coatzaolcos se firmou então como principal
centro logístico e industrial da região. Enfim, a partir dos anos 1970, o centro de gravidade
se deslocou ainda mais em direção ao Sul e a plataforma continental com a expansão da
produção de petróleo e gás natural off shore. As cidades de Campeche e Tabasco são os
centros regionais mais dinâmicos.
Segundo Musset (1999), o boom do petróleo teve impactos consideráveis em
termos de organização regional nos Estados do Golfo do México, na medida em que o
centro de gravidade da região se deslocou em primeiro lugar em da serra direção as baixas
terras tropicais do litoral, tradicionalmente negligenciadas devido ao seu clima quente e
muito úmido considerado insalubre. Em segundo lugar, a região foi dotada de grandes
equipamentos industriais e infra-estruturais, alterando profundamente a hierarquia dos
centros regionais e suas respectivas articulações com o resto do país e o mundo e
produzindo paisagens bastante semelhantes caracterizados por:
- campos de exploração percorridos por densas malhas de pistas e canalizações,
- grandes equipamentos industriais: refinarias, complexo químicos e petroquímicos;
- uma rede de dutos e equipamentos que abastecem o interior do país,
- um porto que funcionava inicialmente para a exportação de petróleo como no caso
de Tampico (sul do Tamaulipas). Ao contrario, no Sul do Golfo do México os portos das
áreas produtoras que combinam produção on e off shore como Cotzacoalcos no estado de
Veracruz e Dos Bocas – plataforma do sistema Tabasco-Campeche – desempenham
funções mais sofisticadas de apoio a logística a produção off shore, além da exportação de
petróleo, da movimentação de carga geral, etc.
- e, sobretudo, de uma cidade moderna geralmente constituída pela “fortaleza” dos
funcionários da estatal Pemex cercada dos bairros precários dos operários da construção
civil, dos trabalhadores que vivem “a jusante” dos salários do petróleo, etc. (BATAIILON:
1991). Algumas cidades foram criadas ex-nihilo em torno da indústria petrolífera – como
Ciudad Pemex no estado de Tabasco – outras passaram por um crescimento muito rápido e
desordenado gerador de profundos impactos ambientais e de formas exacerbadas de
segregação sócio-espacial – como Tampico, Ciudad Madero, Poza Rica, Ciudad Del
Carmen, etc.
A exploração do petróleo, em particular nos anos 1970, provocou então mudanças
muito mais profundas na organização do espaço regional do Golfo do México do que na
Bacia de Campos. A ação dos atores centrais – governo federal; Pemex e sindicato dos
petroleiros foi, no caso mexicano, determinante em muitos aspectos. Contrariamente ao
Brasil, o Estado apostou logo na constituição de cadeias produtivas a jusante do petróleo
na região, o que se traduziu por investimentos maciços em centros industriais – refino e
química em particular e em infra-estruturas de distribuição e exportação. Os impactos
foram, em conseqüência, maiores e mais duráveis, no que diz respeito a emergência de
novos centros urbanos que se constituíram ou cresceram em torno destas atividades. No
caso fluminense, os impactos sócio-econômicos mais significativos são registrados em
Macaé. A cidade se tornou nos últimos anos o principal pólo logístico e de serviços de
apoio à produção de petróleo na Bacia de Campos. Seu papel é hoje fundamental na
88
administração da interface continente/plataforma continental e nas articulações da Bacia
com o resto do mundo, via a metrópole do Rio de Janeiro. No entanto, os impactos – não
somente econômicos, mas também sociais, culturais e políticos – se revelam muito
menores do que no litoral do Golfo do México que experimentou, conforme foi
demonstrado, um violento processo de industrialização e urbanização.
No que diz respeito aos velhos centros urbanos, que funcionavam como tradicionais
lugares centrais, observamos seu re-posicionamento na hierarquia urbana, sem que eles
passam, no entanto, por um processo de decadência absoluto. A evolução das cidades de
Veracruz e Campos apresenta, assim, alguns pontos comuns como a inserção limitada na
economia petrolífera e a manutenção de um peso ainda relevante na política e na cultura.
Vale ressaltar que Veracruz e, em menor escala Vilahermosa, souberam captar
indiretamente benefícios da renda petrolífera e investir na produção de amenidades, sem
portanto, sofrer impactos negativos provocados pela indústria do petróleo nos seus maiores
centros.
Do ponto de visto institucional, as configurações apresentadas pelas duas regiões
são também bastante diferenciadas. No México os investimentos na indústria petrolífera;
nas infraestruturas de comunicação, mas também urbanas em certos casos, foram
realizados em grande parte pelo Estado mexicano, diretamente ou pelo viés da Pemex e do
sindicato dos petroleiros66. Neste contexto, as autoridades locais nunca participaram de
forma relevante dos processos de decisão relativos ao futuro da região. A partir dos anos
1980, numa conjuntura caracterizada pela contestação crescente ao “Estado-PRI” e pela
organização crescente da sociedade civil, a tutela centralizadora e autoritária exercida pelo
Estado e seus apêndices locais foram cada vez mais contestados. Os conflitos se
multiplicaram em primeiro lugar em torno dos enormes impactos ambientais da exploração
on shore, das indústrias e da construção de infraestruturas de transporte sobre a fauna e a
flora. A área de conurbação Campeche-Tabasco foi, neste sentido, a mais afetada com a
poluição de amplas áreas de mangue e lagoas.
Nas cidades, o caráter caótico da urbanização provocou inúmeros conflitos em
torno do uso do solo; as disparidades entre os funcionários da Pemex e os demais
trabalhadores geraram tensões na sociedade local; a inflação provocada pela injeção
maciça de dinheiro na economia local e o padrão de consumo dos trabalhadores do
petróleo afetaram a qualidade de vida dos mais pobres e a corrupção crônica das
autoridades contribuiu, ainda mais, para a degradação das relações entre sociedade local e
atores exógenos (MUSSET: 1999). No estado do Rio de Janeiro, algumas destas tensões já
podem ser observadas nas cidades mais impactadas pelo aumento da produção de petróleo,
em particular em Macaé onde os intensos fluxos migratórios dos últimos anos; o
crescimento dos fluxos de mercadorias na área urbana; a inflação; o aumento dos níveis de
poluição; a saturação de alguns equipamentos públicos, etc. provocam questionamentos
por parte da sociedade civil, mas também das autoridades locais, excluídas de alguns dos
processos de decisão estratégicos para o futuro da cidade. No entanto, contrariamente ao
México, as prefeituras da Bacia de Campos dispõem aqui de uma margem de manobra
maior oriunda do recebimento de royalties que contribuem hoje para parte expressiva das
receitas municipais. Isto, além de abrir janelas para a promoção de programas e projetos de
desenvolvimento, representa um fator decisivo para atenuar os conflitos latentes entre
atores nacionais, e futuramente globais, e locais.
A exploração do petróleo do Golfo do México coloca então em evidência alguns
dos desafios postos pelo desenvolvimento de uma indústria intensiva em capital e
altamente impactante sobre o meio ambiente e em termos de organização do espaço. Em
66
Parte da renda é redistribuída diretamente para o sindicato que dispõe do monopólio da
distribuição de emprego e “a jusante” domina a vida política local via o Partido Revolucionário Institucional.
89
primeiro lugar estamos em presença de uma indústria cujos atores organizam o espaço de
forma extremamente seletiva e extrovertida. As regiões produtoras aparecem assim como
“campos de fluxos” que articulam equipamentos extremamente sofisticados – plataformas;
portos; heliportos; redes de dutos; estações de processamento, etc. – que funcionam
freqüentemente como simples de centros de captação e redistribuição destes fluxos de óleo,
mercadorias, homens, informações.
O exemplo do Golfo do México traz enfim ensinamentos no que diz respeito ao
futuro das regiões produtoras após o esgotamento das reservas de petróleo e gás natural.
No México, a diminuição da produção nas áreas históricas de exploração e a tentativa de
reestruturação da Pemex provocaram, a partir da metade dos anos 1980, uma crise de
confiança que não parou de se agravar colocando assim em evidência as dificuldades de
reconversão experimentadas por espaços onde a grande maioria da população vive da
redistribuição direta e indireta da renda petrolífera. A incapacidade de planejar em longo
prazo a reconversão destes espaços altamente dependentes de uma atividade representa
então um desafio central para as regiões produtoras. No caso da Bacia de Campos, a
redistribuição dos royalties para as prefeituras poderia estimular a formulação de projetos –
municipais e consorciados – alternativos de desenvolvimento através de formas de
planejamento integradas, horizontais e democráticas valorizando as potencialidades
produtivas existentes na região. Por enquanto a formulação de tais projetos é ainda
inexistente.
O caso do Mar do Norte
O Mar do Norte representa de certa maneira um paradigma no que diz respeito à
prospecção e exploração de petróleo off shore. Desde o final dos anos 1950, o gás natural e
o petróleo vêm sendo explorados nos Mares de Noruega e Barents com tecnologias cada
vez mais sofisticadas segundo um gradiente Sul/Norte que leva hoje as companhias
petrolíferas a operar em condições extremas, acima do 60º paralelo Norte, entre as Ilhas
Shetland e o litoral norueguês67. Os Noruegueses já planejam para as próximas décadas a
exploração das reservas localizadas acima do círculo polar, assim como das imensas
reservas localizadas ao largo das Ilhas Rockall, em pleno Atlântico. Por enquanto, o Mar
do Norte produz cerca do terço do consumo europeu e é responsável por cerca de 24% da
produção mundial em alto mar. Os grandes beneficiários da exploração são a Grã Bretanha
e a Noruega, com respectivamente aproximadamente 2,5 e 3,4 milhões de barris por dia em
2001 (ANP: 2002).
O sistema espacial do petróleo do Mar do Norte se organiza de forma bastante
semelhante no mar e no continente em torno de equipamentos sofisticados a começar pelas
plataformas, centros de vida e produção onde as distâncias mais significativas são
percorridas verticalmente entre instalações de produção propriamente ditas; lugares de
trabalho e repouso; espaços residenciais; heliporto; central elétrica alimentada pelas sobras
de gás natural, etc. Nas imediações da plataforma, bóias de carregamento e atracação;
enormes tanques de estocagem da produção e a torre de flash que queima o gás não
aproveitado completam a paisagem. (MARCHAND & RIQUET: 1996). A plataforma e
seus anexos podem abrigar até 2.500 pessoas, são abastecidas em trabalhadores, máquinas,
peças de reposição, alimentos, etc. por uma frota marítima e aérea de grande porte. Das
plataformas o petróleo e o gás natural são escoados por tubos até Aberdeen na Escócia,
Stavanger na Noruega ou para o terminal marítimo de Sullom Voe nas ilhas Shetland.
A organização do espaço litorâneo do Mar do Norte decorre da ação de Estados que
souberam valorizar os potenciais oferecidos pelo litoral e o mar: pesca; transporte
67
As plataformas gigantes do Troll norueguês foram por exemplo projetadas para resistir a ventos
de até 300 km/h e as ondas gigantes que caracterizam as tempestades do Mar do Norte.
90
marítimo; controle dos estreitos; comércio internacional; indústria naval; petróleo e gás
natural. Ou seja, nesta região do mundo o elemento marítimo sempre foi apreendido como
um vetor de desenvolvimento e não como um obstáculo ao desenvolvimento. Isto
contribuiu a transformar o mar num agente de produção do espaço marítimo e também
terrestre. O crescimento da produção off shore de petróleo e gás natural contribuiu para
aumentar o grau de integração do mar a economia nacional de diversos países em
particular a Noruega e a Escócia. As políticas de gestão do território portam a marca desta
integração como o ilustram os investimentos em redes de transporte e a reestruturação
recente das indústrias marítimas. Os espaços terrestres da economia petrolífera se
configuram como nós de captação e redistribuição de fluxos de petróleo e gás natural,
trabalhadores, mercadorias e informações que regulam as articulações mar/continente e
com o resto do mundo. Estes espaços são caracterizados por seu elevado nível de
tecnicidade. Alguns como Sullon Voe nas ilhas Shetland ou Flotta nas ilhas Órcadas são
essencialmente pontos de transbordo; outros como Stavenger ou Morgstad no litoral
norueguês, por exemplo, já são complexos industrial-portuários de grande capacidade
(MARCHAND & RIQUET: 1996).
Em função da própria evolução da exploração assistimos, como no Golfo do
México e na Bacia de Campos a mudanças na hierarquia dos centros urbanos litorâneos.
No que diz respeito a evolução da hierarquia portuária observamos por exemplo que os
portos que souberam se inserir no dispositivo logístico da exploração, do refino e da
distribuição do petróleo do Mar do Norte conseguiram escapar a desclassificação num
setor que sofreu grandes mudanças a partir de meados dos anos 1970.
No Reino Unido o declínio do carvão e o crescimento paralelo da produção de
petróleo e gás natural favoreceram o litoral oriental em detrimento da fachada atlântica. O
primeiro foi assim equipado em terminais portuários; pólos indústrias (6 refinarias tratam
petróleo britânico e norueguês) e unidades de construção de material destinado a
exploração off shore que dinamizaram bastante o litoral escocês entre Edimburgo e
Lerwick (Shetland) que forma a frente pioneira do petróleo onde salários e as criações de
empresas são mais altos que a média nacional e onde a taxa de desemprego é inferior a da
resto do país. O coração energético britânico se deslocou então progressivamente do Norte
para o Sul e do Oeste para o Leste. Seus centros dinâmicos são cidades como Edimburgo,
Inverness, Dundee, Clyde e, sobretudo, Aberdeen, capital nacional do petróleo e do gás
natural que organiza a logística do setor. Nesta última cidade o petróleo foi responsável
pela criação de cerca de 65.000 empregos diretos e indiretos. Vale, no entanto, ressaltar
que as autoridades foram ás vezes cautelosas em termos de gestão do território e não
acompanharam sempre as mudanças na geografia da energia. Isto explica que as ilhas
Shetland e Òrcadas não foram equipadas em unidades de refino para não prejudicar as
refinarias mais meridionais (MARCHAND & RIQUET: 1996).
Na Noruega, país tradicionalmente voltado para seus horizontes marítimos, a
indústria petrolífera substituiu nos anos 1970 o transporte marítimo de longo curso, cujos
armadores perderam espaço frente a seus concorrentes asiáticos, como locomotiva da
economia nacional. Durante muito tempo, a Noruega se limitou na prospecção e na
exploração do petróleo sem investir no refino e no processamento do óleo que era
transportado para as refinarias escocesas. As dificuldades de instalação de dutos a 700 m
de profundidade contribuíram para este estratégia. No entanto, as inovações tecnológicas e
a vontade da Statoil de diversificar suas atividades na petroquímica impuseram
investimentos pesados numa rede de dutos e unidades industriais que foram localizadas
próximas a Stavanger, transformando a cidade na Aberdeen norueguesa (MARCHAND &
RIQUET: 1996). Por sua parte, os grandes armadores se reconverteram freqüentemente no
transporte de gás, produtos químicos e no abastecimento das plataformas assim como na
91
produção do material flutuante de altíssimo valor agregado necessário para a prospecção e
a exploração dos sítios petrolíferos (MARCHAND & RIQUET: 1996).
Num litoral profundamente marcado pela erosão glaciária o eixo Stavanger –
Bergen apresenta-se como a frente pioneira terrestre da economia petrolífera e de seus
desdobramentos logísticos e industriais. Portos, terminais de dutos, heliportos, canteiros
navais, unidades de refino e petroquímicas contestam hoje a macrocefalia exercida
tradicionalmente por Oslo. A crescente concentração de redes técnicas e indústrias na área
ampliou velhos fenômenos de polarização e contribui para aumentar as desigualdades entre
o litoral sudoeste, integrado ao espaço europeu, e as regiões mais setentrionais. Stavanger
em particular atraiu nos últimos anos trabalhadores das regiões periféricas e da Finlândia,
empresas atuando direto e indiretamente na indústria petrolífera provocando inflação,
especulação imobiliária e levantado a questão dos riscos de uma área cada vez mais
dependente de uma mono-atividade. Por isso, na medida em que a maioria do petróleo está
sendo exportada68, o estado norueguês dispõe de uma renda considerável usada para
investir nas redes de comunicação em todo o país e na diminuição das desigualdades
regionais. Os investimentos realizados no Mar de Barents, além do círculo polar, ilustram
assim a dupla vontade do Estado de prospectar novas reservas e incluir as populações do
Norte a economia petrolífera diminuindo assim as desigualdades entre o litoral do Sudoeste
e as regiões mais setentrionais (MARCHAND & RIQUET: 1996).
No que tange aos impactos ambientais da exploração do petróleo do Mar do Norte,
estamos em presença de uma configuração bastante diferente da Bacia de Campos com um
mar pouco profundo e “alimentado” em poluentes por áreas litorâneas que são entre as
mais urbanizadas e industrializadas do mundo. No alto mar os acidentes foram
extremamente raros, mas de grandes proporções como no caso da plataforma 14 do campo
de exploração Ecofisk Bravo onde 3.000 ton./dia de petróleo vazaram durante 8 dias
provocando uma mancha de mais de 200.000 ha mas contribuíram para a emergência de
movimentos ambientais determinantes para a adoção de normas anti-poluição e para a
instalação de um sistema de monitoramento do mar (MARCHAND & RIQUET: 1996).
A grande singularidade do Mar do Norte em relação ao México e ao Brasil reside
certamente no fato de ser um campo de experimentações tecnológicas extremamente
avançadas. Nas últimas décadas, os países e as companhias que ali operam fomentaram
assim cadeias produtivas constituídas por atividades de alto valor agregado. Quatro países
presentes no Mar do Norte, a Noruega, a Grã Bretanha, a Finlândia e a França, produzem
assim um material de alto valor tecnológico adaptado a condições de exploração extremas:
navios a posicionamento dinâmico; câmeras de televisão submarinhas; robôs submarinhos,
etc. no intuito de explorar reservas hoje difíceis de acesso e, em longo prazo, nódulos
polimetálicos nas grandes profundezas. Além disso, Noruegueses e Britânicos exportam
serviços altamente qualificados para o mundo inteiro nas áreas de segurança; da sísmica,
etc. A Finlândia, que se especializou na construção de navios quebra-gelo e na prospecção
em alto mar, domina, do seu lado, as mais sofisticadas técnicas de hidrodinâmica. Ou seja,
a constituição de verdadeiras cadeias produtiva representa um diferencial em termos de
geração de empregos de alto nível e de renda nos grandes centros logísticos do petróleo do
Mar do Norte: Aberdeen; Bergen, Oslo, etc..
Reengenharia institucional na Argentina, na Venezuela e no México:
elementos de comparação.
Na América Latina, a produção de petróleo foi, geralmente, a partir dos anos 1930
até os anos 1990, dominada pelas companhias estatais – Petrobrás no Brasil; Pemex no
68
Privilegio único na Europa onde os demais produtores destinam o petróleo em prioridade para o
consumo interno.
92
México, YPF na Argentina; PDV na Venezuela ou Enap no Chile – que dispunham de um
monopólio sobre a produção, o refino e a distribuição. Estas firmas, que exploravam ás
vezes reservas consideráveis, demonstraram uma eficiência econômica e financeira e uma
capacidade de inovação tecnológica variáveis. Em muitos casos, as estatais eram
administradas segundo critérios mais políticos do que técnicos a ponto de formar –
sobretudo no México e na Venezuela “estados dentro do estado” (MUSSET: 1999). As
dificuldades provocadas por esta situação foram determinantes para incluir o setor nos
grandes programas de reformas estruturais empreendidas no final dos anos 1980. A partir
deste período o setor do petróleo passa por um processo de reformas em particular
institucionais sem precedente no intuito de melhor a competitividade das firmas; atrair
capital externa; estimular a inovação tecnológica e diminuir a dívida pública num contexto
de elevação tendencial das taxas de juros (ANP: 1999)69.
Argentina: um exemplo de privatização total da cadeia petrolífera
Dos grandes produtores latino-americanos a Argentina foi o primeiro país a adotar
medidas visando a liberalização do setor no início da década de 90. Este país foi na
primeira década do século XX pioneiro no que diz respeito à criação de uma companhia
estatal sem, portanto, que esta opere em situação de monopólio como foi o caso no Brasil,
na Venezuela e no México. O governo argentino sempre priorizou a estratégia da busca de
auto-suficiência por motivos evidentes de segurança nacional. Porém, este objetivo nunca
foi alcançado o que motivou constantes – e nem sempre coerentes – mudanças na
engenharia institucional do setor petrolífero (ANP: 1999). Em 1967, a primeira grande
onda de medidas visando a desregular a indústria petrolífera – exploração, transporte e
distribuição – abriu de forma muito mais ampla o setor a empresas privadas no intuito de
diminuir a dependência energética do país.
Nos anos 70, o ambiente político nacional e as novas condições geoeconomicas
externas – caracterizadas em particular pelos desdobramentos do boom do preço do
petróleo – se traduziram por um questionamento crescente da abertura do setor e por uma
diversificação da matriz energética a fim de diminuir a dependência da Argentina em
relação ao petróleo70. Uma década depois, em 1988/89, num contexto agora marcado pela
diminuição contínua do preço do petróleo e por políticas bem sucedidas de diminuição
relativa do consumo e de diversificação do aprovisionamento nos países centrais, o
governo lançou um amplo processo de liberalização e modernização do setor visando a
diminuir de forma drástica a participação do Estado e atrair volumes crescentes de
investimentos privados (ANP: 1999). A exploração, o refino, o transporte e a distribuição
foram, assim, largamente abertos ao setor privado. Do seu lado, a estatal YPF, herdeira da
primeira companhia de Estado criada na América latina, foi privatizada em 1993. A exestatal foi então profundamente reestruturada e adotou um padrão de gestão empresarial
que aumentou sua eficiência produtiva. A YPF passou, paralelamente, a operar na
Colômbia, na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Por enquanto a reestruturação profunda
do setor e a entrada das grandes firmas se traduziram pela entrada de novas tecnologias de
prospecção e a exploração; pela recuperação de jazidas consideradas esgotadas assim como
pela exploração de novas reservas off shore (MUSSET: 1999).
69
A parte relativa as mudanças institucionais ocorridas no setor petrolífero latino-americano se
inspira nas suas grandes linhas do trabalho realizado para a Agência Nacional do Petróleo por Eliana
Fernandes e Joyce Perin Silveira (ANP: 1999).
70 O desenvolvimento sistemático do uso – residencial e industrial – do gás natural data assim deste
período, o fez da Argentina – contrariamente ao Brasil – um grande e precoce consumidor de gás.
93
Venezuela: fim do monopólio na produção e na petroquímica
Entre os anos 1930 e 1970, a Venezuela se firmou como um dos grandes produtores
e exportadores mundiais de petróleo. O país ficou então extremamente dependente das
exportações que lhe forneciam mais de 90% de suas receitas. Neste período as
multinacionais exerceram um domínio quase absoluto sobre a produção, o refino e a
distribuição. No entanto, o país, fundador da OPEP, experimentou neste período um
desenvolvimento peculiar do seu setor petrolífero. Nos meados da década de 40 o Estado
começou a intervir como regulador estabelecendo uma política tarifaria e de retribuições
(royalties) e obrigando as firmas estrangeiras a reinvestir na cadeia produtiva petrolífera
cerca de 50% do seu lucro liquido. Esta política serviu posteriormente de modelo para
inúmeros países produtores. (ANP: 1999).
Contrariamente ao México e a Argentina, a criação da estatal venezuelana ocorreu
muito tarde (1960) e não foi inserida num grande projeto em prol da nacionalização do
setor. Foi o boom do petróleo da década seguinte que estimulou o governo a nacionalizar o
setor a fim de fixar no país uma fatia maior da renda petrolífera. Em 1976 a recém criada
PDVSA obteve o monopólio sobre as atividades. No entanto, como no México e na
Argentina, a inflexão do preço do petróleo e a crise econômico-financeira dos anos 1980,
incentivou as autoridades a definir uma nova política para o setor petrolífero. Em meados
da década seguinte, a abertura da atividade marcou a volta dos grandes grupos
multinacionais no país após um período relativamente curto de monopólio absoluto. A
nova engenharia institucional abre assim um amplo leque de possibilidades para a
iniciativa privada – acordos de cooperação; joint venture; associações estratégicas, etc. –
sem que o Estado abre mão de seu papel através das normas de regulação; da política fiscal
ou das próprias operações da PDVSA (ver ANP: 1999). A transformação progressiva da
estatal em firma global produtora, processadora e distribuidora de petróleo caracteriza,
segundo ANP (1999), a singularidade do processo de reestruturação do setor na Venezuela.
O objetivo do governo com esta reforma consiste em garantir ao país sua renda petrolífera
num contexto marcado pela descoberta de novas reservas e pelo aumento da produção71.
México: manutenção do monopólio sobre a produção
Conforme foi mencionado anteriormente, no México a exploração comercial do
petróleo começou na primeira década do século XX. Na época o país experimenta
mudanças profundas em função do processo de modernização dos governos de Porfírio
Diaz72 e da primeira fase de industrialização centrada na região de Monterrey. A indústria
do petróleo apresenta então a dupla característica de operar sob o domínio quase exclusivo
de firmas anglo-saxônicas e estar voltada para a exportação. Após 1917, a Revolução não
alterou de forma significativa este quadro geral até o final dos anos 1930 quando foi
lançado pelo presidente Lazaro Cardenas um grande programa de nacionalização da
indústria petrolífera. A estatal Pemex foi criada em 1940 e se tornou imediatamente um
dos símbolos da revolução.
Nas décadas seguintes o petróleo foi essencial para modernizar as estruturas
produtivas nacionais podendo financiar o processo de industrialização e equipamento do
país em infra-estruturas modernas (BATAILLON: 1992). Neste período a produção era
então voltada para o mercado interno. No entanto a má administração da Pemex, atuando
como “estado dentro estado”, assim como o esgotamento progressivo do modelo nacional71 A atual conjuntura política no país pode se traduzir por mudanças profundas na organização
interna da PDVSA cujo poder a assimila freqüentemente a um “estado dentro do estado” que nunca foi um
instrumento a serviço da redistribuição da renda petrolífera. Além disso, a instabilidade política já diminuiu o
volume de investimentos aplicados no setor nos últimos meses.
72 Porfírio Diaz, fortemente inspirado pelas idéias positivistas, governou, direta ou indiretamente, o
México entre 1876-1910, promovendo um processo de modernização conservadora do país.
94
desenvolvimentista contribuiu decisivamente para a crise do setor petrolífero mexicano a
partir do final dos anos 1960 (ANP: 1999).
Nos meados da década de 1970, a descoberta de novas reservas no istmo de
Tehuantepec foi determinante para o aumento da produção, das reservas comprovadas e a
aplicação de investimentos na capacidade de refino do país. Porém, esta nova conjuntura
não foi aproveitada para reestruturar o setor no sentido de eliminar os gargalos
organizacionais que foram decisivos para a deterioração da indústria petrolífera. Ao
contrario, a explosão da produção de petróleo aumentou ainda mais o poder político e
financeiro da companhia e do sindicato dos petroleiros que adquiriram maior autonomia
em relação ao Estado (MUSSET: 1999).
Nos anos 1980, num contexto de crise aguda da economia e das finanças
mexicanas, a Pemex e os sucessivos governos não conseguiram potencializar os efeitos
tradicionalmente desencadeadores da renda petrolífera. No final da década, enquanto o
preço do petróleo e sua participação nas exportações mexicanas diminuíam, o governo
federal tentou reestruturar o setor petrolífero através da diminuição do papel da Pemex na
cadeia setorial, mas também de sua influência social e política nos níveis regional (Golfo
do México) e nacional.
A primeira brecha no monopólio da Pemex foi aberta pelas discussões sobre a
Alena que se traduziram pela divisão da firma em 4 sociedades especializadas em 1992 exploração e extração; refino; gás e petroquímica de base e petroquímica – coordenadas
por um órgão central que gera os serviços administrativos (MUSSET: 1999). A estatal
começou nesta época a operar em parceria com diversos grupos privados estrangeiros
como a Shell ou a Repsol através de contratos de serviço (ANP: 1999). No entanto, a
resistência da sociedade e da própria companhia obrigou o governo a alterar a agenda da
re-engenharia liberalizante do setor petrolífero. Além disso, num momento de graves
dificuldades financeiras, o governo queria garantir o domínio sobre grande parte da renda
petrolífera. Por isso, a Pemex não foi privatizada, se mantendo hoje como uma das maiores
produtoras de petróleo do mundo, e o processo de abertura do setor a concorrência foi
muito tímido.
A Bacia de Campos. O território da mudança no cenário nacional
A atividade de exploração de petróleo e gás em águas profundas é relativamente
recente no Brasil. O conjunto das bacias sedimentares começa ser explorado no final dos
anos de 1970 como resposta aos dois choques do petróleo. Naquele período a base material
do sistema energético apoiava-se na energia hidroelétrica e no refino de petróleo. Este
último integrava, e ainda integra, a matriz energética como principal fonte de energia
importada. Atualmente, as importações de petróleo correspondem, em média a 550 mil
barris/dia, para cobrir a defasagem entre a produção nacional, da ordem de 1.500 mil
barris/dia, e o consumo, em torno de 1,9 milhão barris/dia.
Naquele momento consolidou-se o quadro institucional no qual as políticas
públicas de energia que fundamentaram a expansão do sistema energético. Nesse sentido, a
adequação da oferta de energia às demandas dos sistemas produtivos constituiu a
preocupação fundamental daquelas políticas. A partir da segunda metade da década de
1970, a conjuntura internacional de elevação dos preços do petróleo no mercado
internacional exigiu mudanças importantes no direcionamento da política de energia no
Brasil. Nesse período, os objetivos dessa política privilegiaram a redução da oferta da
dependência de fontes externas de energia, uso intensivo de energia de origem hidráulica e
diversificação da matriz energética. Assim, as respostas aos dois choques do petróleo
foram definidas em dois registros complementares: de um lado, assegurar a estratégia de
desenvolvimento do país e, de outro, viabilizar a realização dos objetivos propostos pela
implantação de planos, programas e projetos, ligados ao setor.
95
No que diz respeito à estratégia de desenvolvimento, os pontos essenciais
englobavam: a) segurança de abastecimento em energia, b) disponibilidade interna de
recursos energéticos e c) atendimento dos requerimentos em energia do setor produtivo.
Esses pontos ilustram bem a prioridade estabelecida, ou seja, diante das restrições da
conjuntura de crise, a condição necessária para o desenvolvimento apoiava-se na redução
da dependência de fontes externas de energia, em torno da qual eram estruturadas todas as
demais ações. Lembra-se que fontes externas de energia diziam respeito, especificamente,
ao petróleo.
No tocante aos Planos, Programas e Projetos, isto é, o conjunto de propostas que
ordenam as ações para viabilizar as estratégias, concentrou-se na oferta interna de energia,
sendo, portanto, direcionados para segmentos específicos do sistema energético:
basicamente energia elétrica e produção de petróleo. Desse modo, os PPPS implantados na
ocasião contemplaram os seguintes aspectos: prospecção em águas profundas, política de
preços de derivados do petróleo, programa de substituição de sistemas termoelétricos,
programa nuclear, programa de ampliação do uso de carvão. Sinteticamente, os PPPs
reforçavam os objetivos da política nacional de energia, a saber: controle da oferta de
energia, diversificação da matriz energética e melhoria da eficiência energética dos
sistemas de produção.
O regime de monopólio sobre a exploração e produção de petróleo e o controle dos
preços dos derivados formavam os principais marcos do quadro institucional no qual a
política acima descrita foi implementada. Além disso, a expansão e reestruturação da
Petrobras obedeceram à lógica de qualquer grande empresa de petróleo: verticalmente
integrada (exploração- produção- refino, distribuição de derivados- petroquímica de base e
de produtos finais), criando um espaço que articulava, em escala nacional, vários pontos do
território. As reformas macroeconômicas operadas na década de 1990, e que resultaram na
quebra do monopólio da exploração e produção de petróleo, abriram o setor para a
concorrência, obrigando a Petrobras a definir como vetores estratégicos para 2010 os
seguintes pontos: a) expansão das reservas, b) ampliação de sua capacidade de logística; e
c) fortalecimento da capacitação tecnológica. Tal estratégia tem rebatimentos na Bacia de
Campos na inserção dessa área no cenário nacional.
No território brasileiro situam-se 29 bacias sedimentares, cujo potencial estimado
em exploração de petróleo varia entre 14 e 177 bilhões de barris equivalentes de petróleo
(Horta, 2002). A Bacia de Campos é, atualmente, responsável por 90% das reservas de
petróleo e 47% das reservas de gás natural (Horta, 2002). A produção de petróleo foi sendo
consolidada à medida que o avanço tecnológico permitiu o aumento substancial do número
de poços explorados em águas profundas e ultraprofundas. Em 1978 a profundidade da
lâmina d’água para exploração era de 200m. Em 2000 as perfurações encontram-se em
torno de 1.500 m de profundidade.
No que diz respeito à produção de petróleo offshore, a produção total do Brasil foi
da ordem de 452 mil barris/dia, em 2000. Desse total, a Bacia de Campos corresponde a
80% da produção e, esses dados indicam a inserção dessa bacia como principal área
produtora de petróleo no cenário nacional. O quadro atual resulta dos investimentos
realizados no passado e possui relação direta entre governo federal centralizado e as
políticas públicas que, na sua esfera, contaram com agentes bem organizados e
estruturados, como a Petrobras.
A síntese apresentada indicou o contexto econômico e institucional no qual foram
decididos os investimentos realizados nas diferentes bacias sedimentares. Ao longo da
costa, os resultados dos investimentos em prospecção offshore representaram a construção
de estruturas específicas que se sobrepuseram àquelas já existentes. Nesse sentido, há um
processo de desestruturação e reestruturação que tem sua expressão na forma de inserção
96
das distintas regiões no cenário nacional. Como expressão desses elementos podemos
diagnosticar uma dupla inserção: estratégica e funcional.
Inserção estratégica: trata-se de um espaço que se organiza em consonância com
os interesses nacionais, constituindo-se assim, em espaço estratégico para o cumprimento
dos objetivos de política energética. Como espaço que se estrutura na interface terra-mar,
“traz o mar para dentro do território”, cria importantes elementos de diferenciações
espaciais na escala regional, em função da distribuição dos investimentos na base logística
para a produção, e exerce influência numa área que vai além daquela onde se localizam os
equipamentos vinculados à exploração, tancagem, beneficiamento dos recursos explorados.
Inserção funcional: como decorrência da inserção estratégica, principal área de
reserva e produção de petróleo e gás, e dos investimentos realizados, rede de dutos que
viabiliza a conexão com as unidades de refino, localizadas próximas aos centros
consumidores, a Bacia de Campos caracteriza-se, do ponto de vista funcional, como
supridora de energia primária.
O fim do regime de monopólio não altera a modalidade de inserção da Bacia de
Campos no cenário nacional. Inserção estratégica e inserção funcional tendem, ao
contrário, serem reforçadas. A mudança opera-se, contudo, na ampliação do número de
agentes envolvidos e na abertura de arenas de negociação para projetos de
desenvolvimento regional.
Do exposto, é possível reconhecer algumas tendências decorrentes dessas duas
modalidades de inserção. São elas: a) articulação em rede entre a zona de produção,
processamento, de refino e cidades portuárias de porte variado, cuja lógica atende aos
requisitos do sistema energético em escala nacional; b) dificuldade por parte municípios
integrantes das zonas de produção principal para o desenvolvimento de cadeias produtivas
que poderiam sustentar as economias locais, quando do esgotamento das reservas; e c)
fragilidade das estruturas locais face aos imperativos econômicos das empresas e
instituições extra-locais que atuam nos diferentes municípios; d) as zonas de produção
principal integram um espaço onde os fluxos materiais e financeiros são, na sua maior
parte, mundiais, sem que os rebatimentos no território sejam da mesma magnitude; e) os
royalties favorecem certa polaridade, mesmo que restrita ou parcial, dos que abrigam a
infra-estrutura de apoio à produção offshore .
Referências Bibliográficas
ANP (1999): A reforma do setor petrolífero na América Latina: Argentina, México
e Venezuela. Agência Nacional do Petróleo, Rio de Janeiro.
ANP (2003): Anuário estatístico do petróleo e do gás natural 2002. Agência
Nacional do Petróleo, Rio de Janeiro.
BATAILLON, C. et al. (1991): Amérique Latine. In: Brunet, Roger (org.): Géographie
Universelle, Paris, Hachette/Reclus.
CARROUÉ, Laurent (2002): Géographie de la mondialisation. Coleção U, Armand
Colin, Paris.
MUSSET, A et alli (1999): Les puissances emergentes d´Amérique Latine.
Argentine, Brésil, Chili et Mexique. Paris, Armand Colin.
MUTIN, Georges (2001): Géopolitique du Monde Árabe. Col. Carrefours de
Géographie, Ellipses, Paris.
97
La Nueva Dinámica y los Nuevos Desafios en Materia de
Hidrocarburos en Argentina.
Silvina Cecilia CARRIZO*
Una nueva dinámica se aprecia en las redes de hidrocarburos en Argentina. En su
formación convergen transformaciones mundiales/regionales y nacionales/locales. Estas se
conjugan y movilizan mayores flujos de gas y de petróleo sudamericanos, en particular en
el Cono Sur. Retomando expresiones del profesor Alain Vanneph, el impulso provocado
por esos cambios, que se imprime sobre las actividades, se traduce en la “explosión de la
oferta” y la “implosión de la demanda” en Argentina.
Evolución de la producción del petróleo y del gas en los países del Cono Sur. Elaboración :
SCC. Source : OLADE.
Estas dos fuerzas se retroalimentan en la búsqueda de un equilibrio. De un lado, la
oferta se multiplica, en un aumento de la producción, en la diversificación de productos
promoviendo el empleo de gas y en la incorporación de nuevos espacios en la producción
y para la distribución. Del otro lado, la demanda aumenta con el crecimiento de la
capacidad de consumo de los antiguos usuarios, en la reconversión del consumo
energético promoviendo el gas y en la apertura de nuevos espacios. Comparando los
alcances nacional y regional de estos tres últimos procesos, los mayores desafíos se platean
en la relación con los países limítrofes. En ellos las redes de hidrocarburos, particularmente
las de gas, están menos consolidadas. Por lo tanto, y frente a los crecientes potenciales de
consumo, Chile y Brasil buscan desarrollar sus redes, convirtiéndose en los principales
interesados por los hidrocarburos “vecinos”, lo que plantea una disputa particular entre los
recursos argentinos y bolivianos. Ahí, es clave ganar los espacios ávidos de hidrocarburos.
Para ello incide de una parte , la competitividad de los productores –los que se localizan
estratégicamente en varios de los países-, y de la otra parte, influye la capacidad de
reacción y la voluntad política de acción, de otros actores que vislumbren en su avance
oportunidades de desarrollo.
El presente artículo se centra en lo acontecido en Argentina, y sus cambios y su
posición en la disputa por el rol de productor de hidrocarburos para el MERCOSUR. En
particular se hace referencia a la densificación y modernización de la malla de
infraestructura – maniobra de base en una estrategia expansiva. Pues cuando ocurre la
desregulación, la desmonopolización y la privatización, los nuevos actores despliegan el
abanico de posibilidades nuevas de operación. En él las inversiones físicas son esenciales
para ejecutar la estratégica “explosión de la oferta”, encarada por los nuevos actores,
mayoritariamente privados y extranjeros, buscando las nuevas oportunidades al interior y
exterior del país. Ciertas oportunidades son captadas por ellos a partir de la construcción o
*
Doctorante IHEAL-CREDAL-CONICET
98
modernización de infraestructura, mientras que varias oportunidades permanecen latentes,
visibles en los proyectos y estudios ideados.
Hacia los años 90, la desregulación de las actividades petrolera y gasíferas, la desmonopolización y la privatización de las empresas dan curso a una serie de cambios que
activan un aumento acelerado de la producción de hidrocarburos. Hasta ese momento,
la actividad estaba dominada por YPF y Gas del Estado. Esas empresas públicas, utilizadas
como instrumentos de políticas antiinflacionarias o de redistribución de ingresos, no fueron
capaces de beneficiarse adecuadamente de sus recursos. En el caso del petróleo, la
desregulación significó la liberalización de precios y el acceso masivo de de capitales
privados hasta la privatización completa de YPF. En el caso del gas, ella implicó la
privatización de Gas del Estado dividida en tres sectores –producción, transporte y
distribución-. En cuanto a Energas (Ente Nacional Regulador del Gas) deviene la
institución responsable de determinar los precios de transporte y de distribución, mientras
que los precios de la producción responden al juego de la oferta y la demanda. Estos
cambios modifican la producción petrolera y gasífera, provocando un crecimiento de la
actividad por el que Argentina alcanza su autoaprovisionamiento y logra exportar a varios
países. Con una tasa de crecimiento del 8,5% anual, hoy la producción se encuentra 50 %
sobre aquélla de 1991. Solo, el sector de hidrocarburos contribuye con el 8% del PBI.
También capta el sector el 5% de la inversión. Esta en parte se destina a tecnología que
aumente los rendimientos, por ejemplo en perforaciones de largo alcance para la
explotación de yacimientos marítimos desde las costas o en la recuperación de zonas
“consideradas” extinguidas.
Evolución histórica de la producción de gas y petroleo en Argentina
Con el crecimiento de la explotación sin la inversión paralela en exploración ha
descendido el horizonte de actividad -momento en el que las reservas se extinguirían de no
variar las condiciones de producción actuales- a 10,9 años para el petróleo y a 16,2 para el
gas en Argentina. Estas cifras se encuentran entre las menores en América del Sur. Sin
embargo, estas comparaciones pueden variar en tiempos cortos. Puesto que la definición
del horizonte involucra en teoría una inmovilidad técnica, económica y política que en la
realidad, no resulta tal. Su desplazamiento puede ser continuo, en función de los
descubrimientos de nuevos yacimientos o de los avances tecnológicos que permitan la
99
recuperación de otros antiguos. Por supuesto que esta “movilidad”, también es hipotética, y
depende de las condiciones “físicas73” de las cuencas y de las decisiones políticas que
continúen fomentando la localización de la inversión en un sitio, de ahí la disputa suscitada
entre las provincias petroleras argentinas.
Consolidación de la red de gas en Argentina y su potencial expansion regional
Si la oferta se fortalece, en la diversificación de productos lo hace
fundamentalmente, desarrollando la potencialidad del recurso gasífero. Mundialmente
existe una tendencia a incorporar en la oferta de hidrocarburos, volúmenes cada vez
mayores de gas. Al respecto, Argentina ha demostrado precocidad como productor y
consumidor de gas. Su mercado interno data de mediados de siglo XX. El recurso fue
promovido por el Estado, de tal manera que alrededor del 45% de la energía nacional es
satisfecha con este recurso; este porcentaje sólo es alcanzado por los Países Bajos y Rusia.
En términos absolutos, Argentina produjo 34 billones de m3 en 1999, ubicándose en
duodécimo lugar mundial y utilizó ese año, 33 billones de m3 de gas natural, cantidad
semejante a la empleada por Francia y Holanda (38), México (35), Venezuela (32) o los
Emiratos Arabes (31). Una limitación a la expansión interna de gas han sido las
restricciones a su entrada en sitios donde se promovían otros combustibles desarrollados
localmente. Pero la desregulación general habida en Argentina, posibilitaría
paulatinamente el ingreso del gas en todas las provincias, creándose para los operadores de
gas, nuevos mercados internos. Frente a un mercado interno consolidado, la propagación
en el contexto nacional no deja de ser tradicional sino que resulta más bien la continuación
de un “plan”. En cambio la incursión en el mercado regional representa una dinámica
nueva, aún cuando cuente con no pocos antecedentes. Porque los intercambios en materia
energética han sido múltiples. La experiencia más remarcable está en materia de
hidroelectricidad74 pero en hidrocarburos no faltan ejemplos, pues de hecho durante
décadas, Bolivia ha provisto gas a la Argentina, quien a su vez ha suministrado petróleo y
derivados a Uruguay y Paraguay. Estos flujos al interior del MERCOSUR se aceleran con
la eliminación de las restricciones estatales75 a la exportación de gas y de petróleo. Para
ellos quedan como principales limitaciones la capacidad de producción y la de transporte.
Pero sorteando esto, nueva tecnología y nueva infraestructura se introducen en el circuito
permitiendo recuperar más hidrocarburos y alcanzar mercados distantes. Así, a un siglo de
haberse descubierto oficialmente el petróleo, la Argentina consigue invertir el desequilibrio
en la balanza comercial de hidrocarburos, exportando a distintos sitios en el mundo.
La complejidad del transporte de gas vuelve difícil su exportación más allá de los
países de América del Sur, mientras que sus derivados líquidos y los del petróleo y éste
mismo avanzan sobre todos los continentes. Es por supuesto el servicio al MERCOSUR,
que genera los mayores cambios, no sólo por el aumento de los volúmenes a aprovisionar y
73
Por ejemplo, la cuenca austral dispone de reservas grandes recientemente explotadas con la
tecnología más moderna invertida por actores extranjeros privados, mostrando una reproducción acelerada de
las mismas y la interacción de actores de actores de orígenes diversos que desarrollan la potencialidad vista.
En contraste, la cuenca del Golfo de San Jorge siendo la primera oficialmente explotada se encuentra en fase
de recuperación secundaria, donde si bien la extracción es rentable el arraigo es menor vislumbrándose un
paulatino desplazamiento hacia el oeste.
74 La primera obra importante de integración energética regional es la interconexión del proyecto
hidroélectrico Acaray (Paraguay) con la provincia de Misiones (Argentina). Más tarde, entre el Uruguay y la
Argentina, la Central Hidroeléctrica Salto Grande surge como el primer complejo binacional, seguido por el
de Itaipú, entre Brasil y Paraguay y aquel de Yaciretá, entre Argentina y Paraguay.
75 La exportación y la importación de hidrocarburos y de derivados son exentas de retenciones,
derechos o tarifas. El Poder Ejecutivo se reserva el poder establecer restricciones a la exportación con un
preaviso de 12 meses.
100
las expectativas, pero también por la necesidad de realizar nuevas inversiones de
infraestructura.
Los nuevos territorios de las redes de hidrocarburos
Si la oferta se fortalece también por un mayor alcance espacial, esto lo logra
fundamentalmente mediante las numerosas obras que encauzan los nuevos flujos de
hidrocarburos. Si bien la salida de petróleo y derivados, se realiza fundamentalmente por
medios marítimos o viales, dos conductos importantes ligan Argentina con Chile, un
oleoducto de 15 MMm3/día de P. Hernández a Concepción y un poliducto de 600km por el
que podrían circular 5MMm3/día de gas líquido desde Loma La Lata (Provincia de
Neuquén) a Bahía Blanca (Provincia de Buenos Aires). Este último, a pesar de situarse en
territorio nacional, sirve directamente a la exportación puesto que forma parte de un
proyecto regional76 que tiene entre sus objetivos estratégicos, proveer gas líquido a Brasil.
A diferencia de los oleo y poliductos, los proyectos y obras de gasoductos son numerosos.
De Argentina a Chile, desde 1997 a hoy se han puesto en operación seis gasoductos; en la
región austral, hay dos, uno alimenta una planta de methanol en Punta Arenas y otro
refuerza su aprovisionamiento desde San Sebastian77; en la región central otros dos
gasoductos78 de gran envergadura alimentan dos centrales de ciclo combinado (un tercero
estudiado no fue justificado a partir de la construcción de aquellos) y en la región norteña,
la minería y la generación eléctrica son servidas por otros dos gasoductos. Entre Argentina
y Brasil, hay en construcción un gasoducto de Uruguayana a Porto Alegre. Luego
existen dos grandes ideas, una, el gasoducto del MERCOSUR, que liga Curitiba a la
cuenca neuquina; otra, el gasoducto Transiguazú, que vincula San Pablo al Noroeste
argentino. Hacia Uruguay, parte de Paraná un gasoducto que llega a Paysandú,
analizándose su extensión a Brasil, y está en construcción, el gasoducto Cruz del Sur a
Montevideo, diseñado para ser prolongado a Porto Alegre. Así, diversos estudios
alternativos toman curso que pretenden, desde el sur argentino o desde el Noroeste
argentino, alcanzar San Pablo. Entre ellos, sobresalen el proyecto de un gasoducto desde
Tierra del Fuego, puesto que el San Martín tiene colmada su capacidad de transporte, y
otros proyectos para reforzar para el suministro a Brasil (incluso invirtiendo el sentido del
gasoducto existente). El interés por los mismos puede cambiar rápidamente en este
contexto “volátil” del negocio de los hidrocarburos, en el que Argentina por ejemplo, vio
aumentar súbitamente su competencia al duplicarse las reservas probadas de Bolivia79.
Ante la velocidad en los cambios de escenario y para continuar fortaleciendo la dinámica
en los intercambios energéticos, importa la reacción y la acción de los actores
involucrados, en particular del Estado frente a obras no abordadas por el privado.
La red de hidrocarburos viene a complementar un sistema anterior de transporte, el
fluvio-marítimo que también se vio afectado por las medidas de descentralización del
76 Proyecto MEGA, concebido por YPF, DOW INVESTMENT ARGENTINA S.A. (subsidiario de
DOW CHEMICAL COMPANY) y por BRASOIL ALLIANCE COMPANY (subsidiario de PETROBRAS)
implicó además, la construcción de una planta de separación de gas en Neuquén, de una usina de
fraccionamiento en Bahía Blanca y de instalaciones para depósito y expedición de los productos.
77 Methanex I et II
78 El gasoducto TRANSGAS por YPF, ASTRA, SAN JORGE, PLUSPETROL y BRIDAS de
Argentina, asociados a BRITISH GAS, TENNECO de los Estados Unidos y ENAP de Chile y el gasoducto
GASANDES por COMERCIAL DEL PLATA y TECHINT de Argentina, NOVA CORP de Canadá,
GASCO y CHILGENER
79 El descubrimiento fue realizado por la empresa francesa Total, el segundo productor de gas en
Argentina.
101
Estado nacional de los años 90. Su reestructuración implica principalmente, la gestión80 de
una segunda modernización de los puertos que en su mayoría databan de más de un siglo.
El objetivo de la misma es alcanzar un funcionamiento competitivo en términos de rapidez,
minimización de costos y eficacia, con una renovación institucional y de recursos humanos
y con inversiones en infraestructura.
Mapa: Red de hidrocarburos en América del Sur. Elaboration: SCC
No es en la modernización portuaria que las terminales cambian de forma de operar
sino que habiendo Argentina, desarrollado la capacidad de exportar, en sus puertos tradicionales puertas de acceso de petróleo y de combustibles- el tráfico cambia el sentido
de su flujo. Desde Buenos Aires al igual que desde otros puertos centrales –Bahía Blanca,
Rosario y La Plata- se exportan los derivados que procesan las refinerías y las
petroquímicas ubicadas en su proximidad. El petróleo bruto se exporta principalmente por
los puertos patagónicos. También se realizan intercambios a través de los ríos Paraguay y
Paraná que representan ejes de integración en la región. Hoy, la «Hidrovía» es un
programa compartido por Argentina, Brasil, Bolivia, Paraguay y Uruguay para facilitar el
80
Los puertos son concesionados o transferidos a las provincias, quienes pueden optar por el
sistema de administración que consideren convenientes. Así la provincia de Buenos Aires otorga autonomía a
los puertos de Bahía Blanca y La Plata, mientras otras provincias como Chubut conservan la administración
de los puertos fijando las políticas y prioridades en función del conjunto. En consecuencia, la
descentralización de las actividades portuarias ha significado una complejización del sistema, con respuestas
diferentes, según cada provincia.
102
transporte fluvial de Puerto Cáceres (Brésil) a Puerto Nueva Palmira (Uruguay) que
constituye otro medio de circulación de hidrocarburos.
Desafíos que ofrecen las redes en el Cono Sur
La escena descripta de la expansión de la oferta argentina es función de demandas
existentes, importantes desde los países vecinos que –a excepción de Bolivia- son
crecientes importadores de hidrocarburos. En el marco del MERCOSUR, se abre la
posibilidad de interconexión con ellos. Así, Argentina se convierte en el segundo
proveedor de Brasil, dadas su producción insuficiente y su demanda creciente en los
sectores industrial y doméstico, en los cuales el gas tiene una participación mínima que el
Estado busca aumentar. Uruguay, no poseyendo ni gas ni petróleo, debe importar el total
necesario y ocasionalmente sus derivados. Así por ejemplo en 1994, cuando su refinería
cerró por reestructuración, Argentina le proveyó 56% de los productos comprados.
Paraguay, como Uruguay, no posee reservas de hidrocarburos. Alrededor de la mitad del
petróleo y la mayor parte de los derivados provienen de Argentina. Chile particularmente,
produce gas y petróleo. Pero para servir al sector minero, las industrias y las residencias
encuentra más rentable importarlos desde las cuencas neuquina, cuyana o noroeste que
desde sus propios yacimientos australes, cuya producción incluso le resulta insuficiente81.
A mayor desarrollo económico de estos países, mayor consumo energético y
mayores las oportunidades para los productores en Argentina, quienes se benefician ya, de
una tendencia a aumentar la participación del gas en la generación de energía. En la
generación de electricidad y especialmente, en el servicio residencial, Argentina tiene un
desarrollo importante, en tanto que sus vecinos buscan ahora la reconversión de sus
sistemas. En la modernización de sistemas eléctricos, el gas juega un papel estratégico ya
que con la utilización de turbinas a gas82, éste se vuelve un recurso ideal para la generación
de electricidad. El rendimiento de las mismas y la menor contaminación provocada las
hace competitivas, beneficiadas además de una mayor rentabilidad por la disponibilidad
actual y el menor costo del gas. El sector doméstico, es por doquier un espacio a ocupar
por el gas natural. Entonces si la demanda de hidrocarburos crece fundamentalmente con el
incremento de la capacidad de consumo, la reconversión del mismo y la apertura de otros
espacios, se comprueban las oportunidades que Argentina halla a escala regional.
Este avance de las redes argentinas de hidrocarburos por su aprovechamiento
intenso, su extensión y su modernización, tiene el freno en la no realización de ciertas
obras de gran envergadura posibles y/o necesarias. Dos obstáculos fuertes acarrean tal
inacción. Uno, el financiamiento de las mismas. Porque si bien entran en el sistema
nuevos actores y se fortalecen otros que ya operaban en Argentina. Estos dejan desiertos
ciertos espacios de la oferta, puesto que las inversiones necesarias para satisfacer una
demanda, que es real, no resultan suficientemente atractivas –tal vez seguras- para ellos
que pueden localizar sus esfuerzos en otras partes del mundo. Otro límite, la falta de una
voluntad política de intervenir en la compensación de tal “incapacidad”, en un momento
en que diversas oportunidades quedan latentes por producciones aún extensibles en
demandas presentes insatisfechas, crecientes y ampliables y una posibilidad de mayor
integración regional, ya ejemplar en materia energética. Conocidas las potencialidades del
sector y los posibles proyectos, cabe preguntarse por las pérdidas ante su no ejecución.
81 A diferencia del resto de países del Cono Sur, históricamente Bolivia provee gas a Argentina.
Esta relación comienza en 1972, pero en la última década toma proporciones cada vez más reducidas.
82 En general, se opta por la generación de energía próxima al yacimiento cuando la distribución
eléctrica es cercana y por el transporte del gas a través de grandes distancias cuando el destino de la
electricidad es más lejano.
103
Referéncias Bibliograficas
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despliegue territorial de la reestructuración económica y los procesos de
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104
Las regiones argentinas frente a la ampliación de las redes
transfronterizas de energía en el Cono Sur: Mendoza: ¿beneficios
locales o área de sacrificio?
Elma MONTAÑA*
La transformación del sector de la energía en Argentina en los 90, en particular la
de los hidrocarburos, se produjo a partir de la conjunción de una sumatoria de factores: las
nuevas reglas impuestas por la desregulación del sector, la llegada de nuevos capitales, la
tendencia en los países del Cono Sur a la reconversión energética de los derivados del
petróleo al gas natural (que se explica doblemente por factores ambientales y económicos)
y que da lugar a la oportunidad de negocios de exportación-importación, todo esto en el
marco de procesos de integración. Este panorama determinó el auge de proyectos
tendientes a crear redes transfronterizas para el transporte de hidrocaburos y también de
interconexiones eléctricas. El trabajo presenta una síntesis de estos proyectos y el mapa de
estas redes en el Cono Sur.
Paralelamente, los territorios regionales, y en este caso Mendoza, apuestan cada vez
con más énfasis a los procesos de integración en los distintos niveles como oportunidad para
su desarrollo o supervivencia en el modelo derivado de la reestructuración económica global.
Las redes transfronterizas de energía son vistas como pasos importantes de esta estrategia.
¿Cuáles serían las consecuencias de este proceso a nivel del territorio mendocino? ¿Cuáles
son los grados de injerencia de la sociedad local con respecto a las decisiones en torno a
estos proyectos? ¿Cómo se articulan las nuevas actividades ligadas a la construcción y
posteriormente a la explotación de estos ductos con las actividades regionales preexistentes?
¿En qué medida estos proyectos reportan beneficios a la economía local y a las condiciones
en las que viven los mendocinos? ¿Estos proyectos, fortalecen los vínculos de cooperación
transfronteriza entre Mendoza y la V Región? ¿Constituyen, efectivamente, un elemento
significativo en la estrategia de desarrollo regional en torno a la integración, o sólo se trata de
asumir los costos (principalmente ambientales) de "lugar de paso" para aportar a beneficios
extraregionales o de una escala mayor? ¿La solidaridad territorial entre regiones, requiere
"áreas de sacrificio"?
Los primeros signos del cambio del modelo económico argentino: la
desregulación del sector de los hidrocarburos
Ya en 1976, durante la dictadura militar, se produjo en Argentina la apertura a
convenios con particulares para la explotación de petróleo. Estos dan inicio a una etapa de
aumento sostenido de la producción, pero no es hasta 1989 que el gobierno de Menem
inicia una transformación profunda del sector que da a la iniciativa privada un
importantísimo rol que contrasta incluso con las fuertes regulaciones que caracterizan a los
sectores petroleros de los países centrales.
La transformación del sector del gas natural se produjo a partir de la liberalización
del sector petrolero. Los decretos de desregulación petrolera hacían referencia tangencial al
gas natural y la libre disponibilidad que se determinaba para los hidrocarburos líquidos
afectaba también a los gaseosos. Por otra parte, la Ley de Reforma del Estado
(privatizaciones) incluía el servicio de distribución de la empresa estatal Gas del Estado.
En el caso del sector eléctrico, la apertura del mercado se produjo después de dos décadas
*
CONICET-CRICYT
105
(las de los 70 y 80's) durante las cuales, en el marco de estrategias de sustitución de
importaciones, las políticas energéticas en el Cono Sur privilegiaron las inversiones en la
generación de energía eléctrica83. Frente a un aumento de las demandas que crece más allá
de la ampliación de la oferta, las alternativas que el sector ha explorado son el incremento
y la potenciación de las centrales térmicas, la reducción de pérdidas del sistema y el
aumento de la eficiencia energética. Pero la vía más exitosa en los años recientes ha sido la
de generación de energía eléctrica a partir de gas natural, lo que pone nuevamente en
primer plano la cuestión de los hidrocarburos y del gas natural en particular.
Los aspectos relevantes de las reformas del sector hidrocarburífero argentino
podrían agruparse en cuatro tipo de acciones:
• Las privatizaciones que afectaron no sólo la propiedad/uso de los recursos energéticos
sino también los activos "de superficie" necesarios a la explotación
• Cambios en la organización institucional de los circuitos energéticos y nuevos marcos
regulatorios para el sector que redefinen el rol del Estado y que deberían equilibrar los
intereses de oferentes y demandantes
• La previsión (al menos en el texto de las normas) de las implicancias ambientales de la
actividad
• La integración de redes de transporte y distribución a partir del fomento de la inversión
privada.
Con distintas modalidades y a partir de situaciones de base distintas, las reformas
en la Argentina han tenido su correlato en los distintos países de la región. Chile tiene su
mercado de crudo y derivados desregulado y Bolivia, con la sanción de la nueva Ley de
Hidrocarburos (abril de 1996) avanza en la misma dirección. En el caso de Uruguay, la
empresa petrolera ANCAP ejerce (en virtud de una ley) el monopolio de la refinación y
distribución. Por el contrario, el mercado petrolero brasileño está totalmente regulado. La
empresa estatal Petrobrás ejerce el monopolio de hecho de la exploración, la producción y
la refinación y está obligada, como contrapartida, a cumplir con los objetivos de
autoabastecimiento interno.
Internacionalización y reestructuración de los actores del sector
Los cambios en las reglas del juego constituyeron fuertes incentivos para la atracción
de empresas extranjeras. Sin embargo, a la hora de desembarcar en Argentina, no podían (en el
caso de la extracción de hidrocarburos) comprar áreas de reserva, ya que éstas estaban
concesionadas: YPF (la ex-petrolera estatal) y otras firmas cubrían ya la totalidad del mapa
conocido. La estrategia principal fue, entonces, comprar compañías argentinas con áreas
concesionadas. Las locales, por otra parte, presionadas por la competencia creciente, no podían
apostar a un crecimiento individual y gradual sino que debían salir a buscar en la región las
nuevas oportunidades que se habían tornado más difíciles en el mercado argentino. Incluso la
ya privatizada YPF debió supeditar su crecimiento a una estrategia orientada al Cono Sur,
aunque por motivos diferentes: en el proceso de privatización se había establecido que YPF no
podría superar el 45-50 % del mercado nacional por lo que, aun con extensas áreas de reserva a
explotar, YPF compró una empresa estadounidense84 con intereses internacionales.
Durante los años previos a la crisis del 2000 cuando el ciclo petrolero general,
analizado en función de las relaciones producción/oferta - demanda/consumo -
83
En América Latina, las cobertura de los servicios eléctricos pasó del 40 al 70% entre 1970 y
84
Se trata de Maxus, empresa que ya operaba en Bolivia, Ecuador, Venezuela, EE.UU. e Indonesia.
1990.
106
reservas/stocks, y las condiciones del mercado internacional85 determinaban un escenario
de precios bajos (al que contribuía, en alguna medida, la consciencia general sobre las
consecuencias ambientales de la utilización del petróleo), las empresas se esforzaban por
minimizar costos a través de la incorporación de innovaciones tecnológicas86, nuevas
modalidades de gestión de reservorios y de recuperación asistida de las reservas así como
nuevas estrategias de gerenciamiento que reducen los períodos de maduración de las
inversiones. En un mercado nacional abierto a los capitales extranjeros y en creciente
internacionalización, las empresas argentinas se veían presionadas hacia una mayor
competitividad o, de no ser posible, hacia la venta y/o fusión. Esta situación se veía
agravada por la baja productividad de los yacimientos argentinos en comparación a los de
otras regiones productoras87. La tendencia era a la integración vertical y a las alianzas
estratégicas en las que el interés no era ya el petróleo o el gas sino el negocio energético en
su conjunto.
En el campo eléctrico merece una mención particular el caso de las empresas
chilenas llegadas a la Argentina que destacan por pertenecer a un país del Cono Sur y de
una región vecina a Mendoza y por haber sido las primeras en introducirse al mercado en
vías de privatización en 199288. Las ventajas comparativas de estas empresas por sobre las
locales y las extranjeras podrían haber estado relacionadas con los hechos que Chile las
había familiarizado con un marco regulatorio similar al que se estaba implementando en
Argentina en aquella época y en su experiencia en un mercado a la escala del argentino.
Así, y a diferencia de lo que podría ocurrir en otros sectores de la actividad
económica, las alianzas por fusión, partnership o conformación de Unidades Transitorias
de Empresas (UTE) son situaciones comunes en el mercado energético argentino, llegando
a asociarse en un proyecto empresas que son competidoras en otro segmento del
mercado89. Se constituyen así en actores con fuertes influencias en la determinación de las
reglas del mercado y, en particular, con gran poder de negociación con el Estado.
El mapa de los agentes privados del sector se vuelve así complejo: los viejos
(locales y foráneos), los extranjeros recién llegados, los emergentes por algún tipo de
asociación, y estos cambios tienen derivaciones sobre los niveles de encadenamiento
horizontal y vertical de la actividad y plantean nuevas relaciones de poder entre los actores
privados y también con relación al estado y los consumidores.
Este proceso de mayor demanda de escala de las empresas se ha visto incrementado
con la proliferación de redes transfronterizas, particularmente de gasoductos, que se asocian
a compromisos de exportación a largo plazo y hacen imprescindible las inversiones en
85
entre las que se incluyen mayores costos por exigencias ambientales y escasez del crédito debida
a menores expectativas de ganancia.
86 sísmica en tiempo real, software en tres dimensiones
87 La productividad media por pozo que en Argentina es de 59 barriles por día (similar a la de los
EEUU) llega a 4.000 en Kuwait, a 7.500 en Irak, a 9.500 en Irán y a más de 11.000 barriles/día en Arabia
Saudita.
88 Se trata de los dos principales grupos de generación eléctrica de Chile, Chilgener y Endesa Chile,
que se introdujeron rápidamente en el segmento de la generación termoeléctrica.
89 Algunos movimientos dan cuenta de los procesos en curso: YPF (cuyo paquete mayoritario está
en manos de Repsol) compró Maxus; Pluspetrol y Astra (Arg.) se unieron a Repsol (Esp.); Repsol se
introdujo en la refinación y comercialización de naftas con EG3, en la distribución de gas natural por red con
Metrogás y en el fraccionamiento y distribución de gas licuado de petróleo con Algás y Poligás Luján;
Bridas (Arg.) se vinculó a Amoco (EEUU) dando lugar a Panamerican Energy; Babcock Wilcox (gestora de
proyectos energéticos) llegó a la Argentina asociada a Endesa, Astra (Arg.) y Bridas (Arg.) en el proyecto de
la central térmica de ciclo combinado de Dock Sud, Buenos Aires; Petrobrás compró a la argentina Pérez
Companc.
107
prospección y exploración, los eslabones más caros y riesgosos de la cadena de producción
de hidrocarburos.
La red hidrocarburífera argentina
Como país productor de hidrocarburos y en el marco de políticas de sustitución de
importaciones, la Argentina había desarrollado en décadas anteriores una nutrida red de
ductos que le permitían transportar la producción desde los centros productores ubicados
en regiones periféricas a los puntos de transformación cercanos a los mercados
consumidores del frente fluvial-litoraleño, donde también se localizan los puertos
La red consta de 2.897 Km. de poliductos/oleoductos interprovinciales y 2.865 de
oleoductos provinciales.
Recursos petrolíferos y gasíferos en la Argentina
Petróleo
Gas natural
Reservas
Producción
Reservas
Cuenca
Producción
(millones de
(millones de (miles de millones de
(barriles/día)
barriles)
m3/día)
m3)
Noroeste
17.400
160,7
215
5.100
Cuyana
77.000
181,3
24
29
Neuquina
158.000
630,5
1.240
11.353
Golfo
San
85.400
389,3
200
450
Jorge
Austral
139.000
208,2
576
3.520
Total
476.800
1.570,0
2.255
20.452
Fuente: Carta Petrolera, Año 1, Nº 1, noviembre de 1991
108
Red de oleoductos y poliductos argentinos
Tipo
N
º
P 1
P 2
P 3
Interprovinciales
P 4
P 5
F 6
O 7
O 8
O 9
0
O 1
1
O 1
2
Lon
Diá
g
m.
(Km
(cm)
)
Salta - Córdoba
Campo
Durán
– Pérez Companc
1.10
32,4
Montecristo
9
Córdoba - Santa Montecristo - San Lorenzo Repsol-YPF
32,4 379
Fe
(pto.)
Mendoza - San Luján de Cuyo - Villa Repsol-YPF
36,6 338
Luis
Mercedes
San
Luis
- Villa
Mercedes
– Repsol-YPF
32,4 320
Córdoba
Montecristo
San Luis-Buenos V. Mercedes - Dárs. Repsol-YPF
32,4 699
Aires
Inflamables
Buenos Aires
La
Plata
Dársena Repsol-YPF
93,4 52
Inflamables
Neuquén
- Puesto Hernández-Luján de Repsol-YPF
40,6 525
Mendoza
Cuyo
Neuquén
Puesto Hernández – Allen
40,6 230
Neuquén
Plaza Huincul – Allen
27,3 137
NeuquénAllen
Puerto
Consorc
Bs. Aires
Rosales
io Oldeval
5,6
13
Neuquén-Bs. Aires Plaza Huincul - Puerto
35,6 647
Rosales
Buenos Aires
Puerto Rosales - La Plata
YPF
81,3 584
Provincias
vinculadas
Localidades
Vinculadas
Inte
Pcia. de Neuquén 1
Puesto
Hernández
rO
VIII Región de
3
Concepción
nac.
Chile
Empresas
operadoras
–
YPF (58%) ENAP (Ch) Inter Río
40,6
415
Notas: O: Oleoducto; P: Poliducto; F: Fueloducto
Fuente: Elaboración sobre la base de artículos de la revista Carta Petrolera y Boletín Informativo Techint
109
Localidad
Campo Durán
Luján de Cuyo
Plaza Huincul
Bahía Blanca
Galván
La Plata
Dock Sud
Campana
San Lorenzo
YPF Dock Sud
Sol Solano
Dapsa Lomas
Refinerías
Provincia
Empresa
Salta
Repsol-YPF
Mendoza
Repsol-YPF
Neuquén
Repsol-YPF
Buenos Aires Isaura
Buenos Aires ESSO
Buenos Aires Repsol-YPF
Buenos Aires Shell
Buenos Aires ESSO
Santa Fe
Repsol-YPF
Buenos Aires Otras
Otras
Otras
BPD
15.111
83.652
17.074
10.638
7.190
181.215
59896
55.647
23.615
97
74
46
Con anterioridad a la desregulación del mercado y a la privatización, la empresa
estatal YPF efectuaba el proyecto, financiación, construcción y operación de los ductos.
Actualmente la red se encuentra bajo administración y operación privadas, sujetos a un
régimen de acceso abierto restringido. El Estado otorga la concesión de transporte, regula
el funcionamiento y las tarifas y regula y fiscaliza todo lo relativo al cuidado del medio
ambiente y la seguridad. Las futuras ampliaciones de la red, hoy cercana a los niveles de
saturación, son materia de decisión de los capitales privados.
La red gasífera transnacional
Implementadas las reformas de la década del 90, la internacionalización del sector
requiere de la complementación de los países del Cono Sur en un modelo en el que la
magnitud de los mercados ampliados constituya un escenario de negocios atractivo para los
inversores. Las interconexiones y ductos transfronterizos se han multiplicado y se han
incrementado los intercambios entre los países dando lugar incluso a variaciones en la
matriz energética, particularmente en el caso de aquellos países importadores de energía
que tienden a pasar de los combustibles fósiles a la utilización de gas natural para
consumos directos (industriales, residenciales u otros) o para la generación de energía
eléctrica. En este sector, la integración física materializada por gasoductos, oleoductos y
líneas de interconexión eléctrica han contribuido a perfilar un mercado energético regional
en expansión.
Ya son varios los gasoductos en plena operación y son numerosos los proyectos en
diversos grados de avance.
111
Gasoductos y oleoductos transfronterizos en el Cono
T
NOMBRE
91
G Yabog
CARACTERÍSTICAS
TECNICAS
Capacidad: 6 Mmcd93
$92
•
330
Inauguración
prevista para
fines de 1999
(estimación a
fines de 1998)
Proyectado
para 1 Mmcd
18
A licitar
20"
• 2.65 Mmcd • Capacidad: 8,5
por un plazo
Mmcd
de 15 años
• En marzo de 2000
está transportando 2 Mmcd
• 986
Mmc/año
Estimada
entre
350 y
400
Entró en funcionamiento en
el segundo
semestre de
1999
20"
Cap.:6 Mmcd
OBJETIVO
CABECERA TERMINAL RECORR
LONG DIAM
EXPOR
Exportación de gas de Bolivia al N
argentino. Es posible que en el futuro se
revierta el flujo con exportaciones de
Argentina a Brasil a través de Bolivia
Alimentar las nuevas centrales de ciclo
combinado que construyen Electroandina
y Edelnor en las localidades de Tocopilla,
Mejillones y Coloso p/ atender las
crecientes demandas de electricidad de las
empresas mineras del N de Chile
Santa Cruz
(Bolivia)
Yacuiba
(Argentina)
541
Km.
24'
2200 m3/año
Campo Durán,
Tarta-gal,
Pichanal
(Provincia de
Salta, Arg.)
Cruce de
los Andes
por el paso
de Jama
(4270
msnm)
1050
Km.
20' /
24"
• 307 Mmcd
por 17 años
• 1350
Mmc/año
G De la Puna
Provisión de gas a los emprendimientos
mineros de la puna salteña,
abastecimiento de un parque industrial
minero (a construir) en Pocitos
Río de los
Burros (Salta,
Arg.)
Loc. de Tocopilla, Mejillones y Coloso en la
costa del Pacífico (II Región de Chile
Salar del
Hombre
Muerto
200
G Atacama
Alimentar con recursos gasíferos
provenientes de la cuenca noroeste de
Argentina la central eléctrica de Mejillones. Otros clientes potenciales:
minería, fundición y refinerías de cobre
Mejillones
Coronel
Cornejo (Salta, (Chile)
Argentina)
S. Antonio
de los Cobres, Olacapato, Pocitos
Cruce de
los Andes
por el paso
de Jama
G Nor-Andino
G Bolivia-Chile
Bolivia
90
Villamontes,
Tocopilla,
Mejillones
928
Km.
(531
Arg.,
411
Chil.)
700
Sur90
Además de las dificultades propias del cruce
de la cordillera, el trazado
incluye el cruce de varios
ríos y rutas importantes
• Cap.: 6 Mmcd
ESTADO
EMPRESAS INVOLUCRADAS
En operación
• Gasoducto Nor-Andino es una
firma integrada por Tractebel
(Bélgica) y Enerpac (Chile), entre
otras
• Construcción: Techint
• Consorcio integrado por CMS
Energy (EEUU) y Endes (Chile)
• Exportación autorizada a Pluspetrol
Energy SA y Astra CAPSA de
Argentina
Elaboración propia en base a artículos periodísticos de los diarios Uno y Los Andes (Mendoza), La Nación y Ámbito Financiero, El Cronista (Buenos Aires), de las
revistas Mercado y Mercado Cuyo, Novedades Económicas, Boletín Informativo Techint, FIGUEROA DE LA VEGA, F. (1999), MONTAMAT, D. (1997) y entrevistas a
informantes clave.
91 Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto)
92 En millones de dólares
93 Millones de metros cúbicos diarios
Página 111 de 139
112
T
NOMBRE
94
G GasAndes
OBJETIVO
CABECERA TERMINAL RECORR
LONG DIAM
EXPOR
Transporte de gas de las cuencas
gasíferas del sur argentino con destino
a la generación de energía en Chile
(Central Nueva Renca) y al uso
urbano por red
La Mora
(Malargüe,
Mendoza,
Argentina)
San
Bernardo,
Santiago de
Chile
Cruce de
la frontera
por el
paso
Cajón del
Maipo
(3400
msnm)
776
Km.:
150
chilenos y
315 argentinos
24"
• 2738
m3/año
• Total autorizado de
5,9 Mmcd
Provisión de crudo para los usos cercanos a la ciudad de Concepción y
reducción de los costos de
importación de Chile
Puesto
Hernández
(Neuquén,
Argentina)
Ciudad de
Concepción
(VIII Región
de Chile)
Cruce por
el paso
ButaMallín
(1950
msnm)
424
Km.
16'
G Del Pacífico Abastecer con gas de la cuenca
neuquina (Arg.) el sector industrial
(celulosa, papel, cemento, acero,
vidrio) y posiblemente una central
termoeléctrica de Concepción
Neuquén
(Argentina)
Ciudad de
Concepción
(VIII Región
de Chile)
530
Km.
20" /
24"
G GasPacífico
Loma de la
Lata
(Neuquén,
Argentina)
O EstenssoroPedrals
(Oleoducto
Trasandino)
94
Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto)
En millones de dólares
96 Gasoducto y ramales
95
Página 112 de 139
Puerto de
Talcahuano
(Chile)
Paso de
Buta-Mallín (1950
msnm)
139
Km.
24"
• 1825
Mmc/año
• Volumen
autorizado
de 5 Mmcd
hasta un
total de
20000
985
Mmc/año
CARACTERÍSTICAS
TECNICAS
$95
ESTADO
EMPRESAS INVOLUCRADAS
• Capacidad: 8 Mmcd
• Bombeo 5 millones de
80696
Inaugurado el
7/8/77
• Gas Andes conformada por
Novacorp-International
TransCanadá , 56,5% (Can),
Chilgener , 15% y Metrogás 15%
(CH) y Cía. Gral. de
Combustibles (Arg.), 13,5%
• Exportación: P. Santa Fe, Total,
Bridas y Repsol-YPF
• Construcción encomendada a
consorcio Techint - CPC SA
Techint lideraba el consorcio integrado por SADE (Arg.) y Sigdo
Koppers y Belsaco (Ch)
m3 diarios con capacidad
máxima de transporte de
20 mill. de m3
• Construcción avanzada
por parte de Electrogás de
un ramal de 115 Km. y 100
mill que abastecerá la V
Región
Tres estaciones de
215
bombeo (en Arg.):
Puesto Hernández ,
Pampa de Trill y La
Primavera y sus correspondientes nuevas líneas
de alta tensión
350
• Cap.: 6 Mmcd
• Se prevén ramales
para abastecer a Los
Angeles, Arauco, Lirquén, Nacimiento y otras
ciudades
Inaugurado el
15/2/94
En proyecto
con estudio de
factibilidad
• Construcción y explotación:
acuerdo y fusión de los consorcios
Transgas (Enap, El Paso y RepsolYPF) y Gas Sur (Nova y Gasco)
• Exportación: YPF
• Distribución residencial a cargo de
Gasco Concepción
• Distribución industrial: Sociedad
de Gas Natural
Trabajos próximos a su
inicio a fines
de 1998
• Gas Pacífico integrada por
Nova Gas Internacional, El Paso
Energy, Gasco, ENAP, RepsolYPF)
• Construcción: Techint
113
T
NOMBRE OBJETIVO
97
G Magallanes I
CABECERA TERMINAL RECORR
EXPOR
3
Cullen
(Argentina)
Cabo Negro
(Chile)
90 Km. 10"
730 m /año
105
Km.
985 Mmc al
año 2000
G Magallanes
II
Alimentar la planta de metanol de la
empresa canadiense Methanex
S. Sebastián
(Argentina)
Cabo Negro
(Chile)
G ColónPaysandú
( del litoralPuente Internacional
Alimentación de la fábrica de alcoholes y la planta de cemento Portland
de la ANCAP en Paysandú. Obras
complementarias permitirán la
alimentación de otras industrias y la
ciudad de Paysandú
Colón (Entre
Ríos,
Argentina)
Paysandú
(Uruguay)
G Cruz del Sur
LONG DIAM
Cruce del
Río Uruguay por
puente
Gral.
Artigas
Buenos Aires Montevideo
(Argentina)
(Uruguay)
20"/
16"
26 Km. 8"
215
Km.
10"
CARACTERÍSTICAS
TECNICAS
Capacidad: 2 Mmcd
$98
ESTADO
EMPRESAS INVOLUCRADAS
6,5
En operación
desde dic.
1996
• Propietaria del ducto: RepsolYPF y Enap (Ch)
• Exportadora: Repsol-YPF
Capa3cidad: 2,9 Mmcd
30
Inag. prevista
para marzo/99
• 137 m3/año • Capacidad: 0,4 Mmcd
• Vol. auto- • Para la distribución se
rizado: 0,2
Mmcd hasta
total de 730
Mmc
730
Mmc/año
estiman ramales de 20
Km.
•
• Cap.: 2.5 Mmcd
• Posibilidad de extender el gasoducto 920
Km. hacia el norte hasta
Porto Alegre (Br) sujeta
a la autorización de la
Agencia Nacional del
Petróleo, previéndose
una entrega de 6 Mmcd
en esa ciudad.
G Austral
T
NOMBRE
10
Vincular la cuenca austral de
Argentina con Porto Alegre pasando
por Buenos Aires
Cuenca
austral
(Argentina)
OBJETIVO
CABECERA TERMINAL RECORR
97
Porto Alegre
(Brasil)
3700
Km.
Inaugurado el
23/10/98
Inversión
total99
: 100
• Cap.: 31 Mmcd
• Se prevé entregar 5
36" /
30"
EXPOR
CARACTERÍSTICAS
TECNICAS
Licitación p/
construcción y
operación
ganada a
principios de
1998
• Construcción-operación: consorcio integrado por British Gas
(40%), Panamerican Energy de
Arg. (40%) y ANCAP, empresa
estatal de Uruguay (20%)
• Distribución en Montevideo:
Gaseba (Gaz de France, 51%;
Acodike de Uruguay, 15%;
Empresa Privada de Gas de
Argentina, 25% y Bridas de Arg.,
9%)
Proyecto con
estudio de
factibilidad.
Mmcd en Bs.As., 2.5 en
Montevideo y 16 en
Porto Alegre
LONG DIAM
• Empresas exportadoras: YPF (2
Mmcd) y Sipetrol (0.75 Mmcd)
Exportación realizada por
PetroUruguay
$101
ESTADO
EMPRESAS INVOLUCRADAS
Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto)
En millones de dólares
99 Construcción y explotación de gasoducto troncal, gasoductos de aproximación para abastecer consumos residenciales, comerciales, industriales, de servicios y de
generación eléctrica, así como la instalación de una estación de transferencia, de plantas de regulación de presión y del sistema de comunicaciones.
100 Tipo: O (oleoducto); G (gasoducto)
101 En millones de dólares
98
Página 113 de 139
114
G LitoralSubfluvial
Es una extensión del Troncal Entrerriano de Argentina para suministrar combustible a una central
eléctrica uruguaya
Es una extensión del Troncal Entrerriano de Argentina para suministrar combustible a una central
eléctrica uruguaya
Llevar gas de la cuenca noroeste de Arg. a
las provincias de Formosa, Chaco,
Corrientes y Misiones y a Asunción del
Paraguay con destino final en los estados
de Río Grande do Sul, S. Catarina y
Paraná en Brasil p/ abastecer consumos
residenciales, industriales y de generación
electrica
G Gaucho
G del
Mercosur
G TransChaco
G BoliviaBrasil
Alimentación de la zona sur de Brasil con
gas proveniente de yacimientos
bolivianos. Mercado prioritario: industrial
p/ sustituir gas licuado, diesel y leña.
Electrobrás estudia la instalación de
centrales termoeléctricas
G La Paz-Ilo
Gasoducto
Troncal
Entrerriano,
E. Ríos (A)
Gasoducto
Troncal
Entrerriano
Casablanca
(Paysandú,
Uruguay)
1,3
Km.
12"
730
Mmc/año
• Capacidad: 2 Mmcd
Uruguaiana
(Uruguay)
440
Km.
24"
2.5 Mmcd
• Cap.: 3 Mmcd
• Estudios para exten-
Provincia de
Salta
(Argentina)
San Pablo
(Brasil)
Santa Cruz
(Bolivia)
Asunción
(Paraguay)
Santa Cruz
(Bolivia)
Ref.Paulinha
(Sao Paulo,
Brasil)
La Paz
(Bolivia)
P
amisea
(Perú)
P
erú- Brasil
102
103
C
amisea
(Perú)
Sin recompresión y ramales
Monto de las inversiones bolivianas
Página 114 de 139
derlo hasta Porto Alegre
Ilo (Perú)
C
erúBolivia
Empresa exportadora: RepsolYPF
S
anta Cruz
(Bolivia)
M
anaos
(Brasil)
Por
Asunción
del
Paraguay
Pto
Suárez,
Corumbá,
C.Grande,
Tres
Lagoas,
Campinas
3115 /
3515
Km.
30" /
36"
1350
Mmc/año
Capacidad: 25 Mmcd
1500
(estimada)
846
Km.
18"
Cap.: 6,9
Mmcd
2.4 Mmcd a incrementarse en 10 años
hasta 3.3 Mmcd
EstiProyecto con
mada
estudio de
en
factibilidad.
182102
3061
Km.
32'
2190
• Capacidad: 30 Mmcd 460
• Derivaciones previstas 103
a Belo Horizonte y P.
Alegre
400
Km.
1500
Ton/año
Capacidad: 4,1 Ton
150
(estimada)
Proyecto con
estudio de
factibilidad.
Previsión de
conclusión de
obra en el 2000
Proyecto promovido por el consorcio AEC Pipelines de Canadá,
Mobil Corp. de EEU, Marubeni
Corp. De Japón y Petrolera Argentina San Jorge
Acuerdo firmado entre los dos
países en 1996 prevé construcción
y explotación por parte de
privados
Inaugurado en
febrero de
1999
• Participación accionaria: AFP
(25,5%), Enron/Shell (59,5%),
Petrobrás (9%) y British Gas, El
Paso y BHP (6%).
• Construcción: Techint
Proyecto con
estudio de
factibilidad.
Ejecución estaría a cargo de
Willbros de EEUU
Las redes transnacionales en Mendoza y la V Región de Chile
Separadas por la Cordillera de los Andes pero conectadas por el Corredor Bioceánico
Central en el paso más transitado de la frontera argentina-chilena (paso Las Cuevas, sistema del
Cristo Redentor), la provincia de Mendoza en Argentina y la V Región de Chile son territorios
fuertemente marcados por su condición de fronteras y por un proceso histórico que las ha
vinculado con anterioridad a los hoy activos procesos de integración en los ámbitos nacional,
regional y local. Desde épocas coloniales, ya sea por haber estado estrechamente vinculadas o por
haberse dado la espalda, las dos regiones han compartido destinos comunes a partir de los cuales se
ha construido el territorio a ambos lados del actual límite internacional, particularmente en los
espacios cordilleranos marcados igualmente por un medio natural inhóspito y de extrema
fragilidad. La integración energética en el Cono Sur y el desarrollo de las redes transfronterizas de
energía constituyen un caso más de una reterritorialización que redefine la geografía de las
regiones.
Para comprender cómo se articulan los territorios locales en sus vínculos transfronterizos es
necesario considerar a la V Región en el marco de la "Macrozona Central" de Chile104 que incluye
además de la V Región (de Valparaíso), la del Libertador Bernardo O'Higgins y, de manera
destacada, la Región Metropolitana en la que se localiza Santiago, la capital nacional. La Región
Metropolitana no se extiende hasta la frontera argentino-chilena pero su importancia política y
administrativa, su dinamismo económico y su posición relativa con respecto al Corredor
Bioceánico Central la convierten en una pieza insoslayable a la hora de considerar los territorios
involucrados en la integración transfronteriza y los nuevos grandes proyectos generados en el área.
Ha sido justamente el gran mercado localizado en Santiago de Chile en primera instancia y en la
Macrozona Central en segundo término el imán que ha determinado la localización de inversiones
para el transporte de gas a través de la Cordillera de los Andes.
Los proyectos de la integración energética
El gasoducto "GasAndes"
El gasoducto GasAndes fue construido con el objetivo de transportar el gas producido en La
Mora, departamento de Malargüe, al sur de la Provincia de Mendoza (que pertenece a la cuenca
neuquina) con destino a la localidad de San Bernardo, en la Región Metropolitana de Santiago de
Chile. La Región Metropolitana105 se encuentra embarcada en una profunda transformación de su
matriz energética determinada en gran parte por los graves problemas de contaminación
atmosférica. El objetivo es reducir o estabilizar los consumos de petróleo en favor del gas natural,
primeramente en la generación de energía eléctrica y posteriormente en usos industriales y
residenciales, para lo cual se encuentran en construcción vastas redes de distribución. Este mercado
es objeto de interés del consorcio GasAndes, liderado por la canadiense Novacorp e integrado
asimismo por otras empresas entre las que se cuentan argentinas y chilenas.
La provincia es receptora de este proyecto en carácter de espacio de paso entre un
yacimiento productor (Loma de la Lata, en Neuquén, Argentina) y un mercado consumidor en la
Región Metropolitana de Chile. Uno de los factores cruciales para la viabilidad del proyecto fue
justamente (según fuentes del consorcio106) un factor ajeno a Mendoza: asegurar el suministro de
gas de la cuenca neuquina para los compradores chilenos.
104
Esta Macrozona Central representa el 55% de la población y el 62% de la producción de Chile.
Posteriormente se sumó la V REgión de Chile con las ciudades de Valparaíso y Viña del Mar
106 Citada en: "Chile inició obras del gasoducto", en: diario Uno, Mendoza, martes 24 de octubre de 1995.
105
115
Con un trazado de 776 Km., el gasoducto tiene su punto de origen en la localidad de La
Mora, en el departamento de Gral. Alvear, en Mendoza, y atraviesa los departamentos de San
Rafael y San Carlos en un tramo de 315 Km. hasta cruzar la frontera por el paso Cajón del Maipo a
3400 m.s.n.m., desde donde recorre otros 150 Km. pasando por San Gabriel hasta llegar a su
destino en San Bernardo, en la Región Metropolitana. En La Mora no hay yacimiento sino una
planta compresora sobre el gasoducto Centro-Oeste, el que une la cuenca neuquina con Villa
Mercedes, en San Luis, con San Jerónimo en plena pampa húmeda y desde donde diversas
conexiones abastecen el área central de Argentina. Este es el mismo gasoducto que, a partir de una
planta compresora en Beazley (San Luis), deriva un ramal hacia el Area Metropolitana de Mendoza
y de allí a San Juan.
Los únicos factores del proyecto negociados en Mendoza fueron los relativos a la
preservación del medio ambiente, ya que el trazado involucra el cruce de nueve cursos de agua
entre las cuales se cuentan dos cruces del río Diamante, uno de ellos aguas abajo de la
desembocadura del lago, a 1.800 m.s.n.m., sobre tierras de la Reserva de la Laguna del Diamante,
área natural protegida de jurisdicción provincial.
El proyecto contemplaba diversos pasos alternativos para el cruce de la cordillera principal:
por Las Cuevas (paso Cristo Redentor), la ruta Molina (al E de Rancagua), la ruta Piuquenes y la
ruta Maipo, que fue la seleccionada finalmente.
La fundación ambientalista local Cullunche y un diputado provincial se opusieron
públicamente a que el trazado atravesase la Reserva de la Laguna del Diamante, poniendo la
discusón en el ámbito público. El diputado y un joven mendocino, ex guardaparques, presentaron
una denuncia a la Fiscalía de Estado por posible daño ambiental, en un intento de lograr un desvío
de la traza hacia una alternativa más al norte, por la ruta Piuquenes, con mayor costo de obra. A
raíz de estas acciones, la empresa fue conminada a presentar una Manifestación de Impacto
Ambiental que resultó en un informe general107 sobre el cual se basó el gobierno para autorizar de
manera general el tendido. Finalmente la empresa ofreció algunas medidas de mitigación del
impacto, el trazado fue aceptado, la construcción iniciada y el gasoducto se encuentra hoy
funcionando.
Gasoducto de la V Región de Chile
Habiendo llegado Gas Andes a la Región Metropolitana y ya avanzado el proceso de
reconversión energética hacia el gas natural, se ha previsto la construcción de un ramal que,
continuando la traza hacia el litoral pacífico llevará gas natural a la V Región, precisamente al Area
Metropolitana de Valparaíso que comprende las ciudades de Valparaíso, Viña del Mar, Con Con y
Quilpué. Se trata de un tendido de 115 Km. por los valles centrales chilenos a cargo de la empresa
chilena Metrogás que atenderá las demandas industriales de estos centros urbanos así como dos
centrales termoeléctricas. Su construcción se encuentra avanzada. Chile avanza así la transformación
de su matriz energética sobre la base de un mercado desregulado que le permite negociar libremente
sus suministros futuros de gas natural.
Poliducto Luján de Cuyo – V Región de Chile
En el primer semestre del 2000 se anunció el proyecto de un nuevo corredor de gas
transnacional que, con cabecera en el departamento de Luján de Cuyo, en Mendoza (en donde se
encuentra el Parque Industrial Petroquímico), llegaría a la Región Metropolitana y la V Región de
Chile. El proyecto surge de una alianza estratégica entre la empresa Repsol-YPF y la Empresa
Nacional de Petróleo (ENAP) chilena que consistiría en un intercambio de activos. se entregaría una
porción del mercado chileno a Repsol-YPF, la empresa argentina efectuaría inversiones en las
107
El informe no contempla la ley provincial que declara la zona protegida en el año 1994.
116
refinerías chilenas Petrox y Con Con (cordinadas por la ENAP) y se efectuarían aportes chilenos en
Luján de Cuyo (coordinados por Repsol-YPF). El posible acuerdo se encontraba en etapa de
evaluación por parte del Ministerio de Economía y Minería de Chile.
Proyecto de interconexión eléctrica "InterAndes"
La idea de una interconexión eléctrica entre Mendoza y Santiago (de una inversión
estimada de 42 u$s108) no se ha concretado todavía en un proyecto ejecutivo. Este vínculo
permitiría la interconexión de la macrozona central de Chile, la más demandante de energía, al
sistema eléctrico provincial y, por su intermedio, al Mercado Eléctrico Mayorista de alcance
nacional.
Las implicancias para los territorios locales
Los gasoductos, como manifestaciones físicas de un mercado transnacional de energía, son
escasamente perceptibles por parte de la sociedad mendocina. En el caso de Mendoza, como en el
de otras regiones sobre la Cordillera de Los Andes, éstos discurren sobre espacios semidesérticos
que se encuentran escasamente ocupados y que no están presentes en el imaginario social regional.
Los impactos directos de estos proyectos se refieren a aspectos ambientales particularmente
críticos en ecosistemas frágiles y con la dificultad adicional que los riesgos presentes o los daños
ocasionados no son fácilmente determinables, ya que en territorios con accesibilidad restringida y
en materias reservadas a especialistas, los mecanismos de evaluación y control de los impactos
ambientales no son fáciles de corroborar.
Más allá de la percepción social, Mendoza importa aproximadamente el 90% del gas que
consume, por lo que acceder a mercados transfronterizos no tiene valor para su estrategia comercial
ni para el desarrollo de los operadores locales del sector. A diferencia de Neuquén, en donde sí
existen fuertes excedentes de gas exportables, Mendoza funciona como un mero soporte de
conexión entre proveedores y consumidores extraregionales de gas natural. Distinto sería el caso
del poliducto Luján de Cuyo – V Región de Chile que permitiría la exportación de productos con
valor agregado mendocino, potenciando el Parque Industrial Petroquímico localizado en Luján de
Cuyo, al sur del Área Metropolitana. El gasoducto transnacional no incrementa los flujos que
Mendoza "importa" por el Gasoducto Centro-Oeste, por lo que aquel tampoco incide en mayores
opciones para el abastecimiento del mercado local.
En cuanto a los beneficios factibles de obtener en las etapas de construcción de estas obras,
los montos comprometidos son muy altos e implican requerimientos de escala y un grado de
especialización que excluye a las empresas locales.
¿Son útiles estos proyectos en el reforzamiento de la cooperación interregional y/o
transfronteriza? Aparentemente, no: la cooperación entre Mendoza y la V Región de Chile no tiene
en su agenda el comercio de gas natural que es un asunto que se acuerda entre chilenos y
neuquinos. El gasoducto Gas Andes ni siquiera ha generado un acercamiento entre Mendoza y
Neuquén, dos provincias argentinas que aunque poseen problemáticas compartidas y podrían
beneficiarse de estrategias comunes, nunca se han reconocido como potenciales aliadas para
enfrentar los desafíos de los mercados ampliados.
Además de los efectos deseables o no deseables, se ponen en franca evidencia los escasos
márgenes de maniobra de los poderes locales (estatales y otros) para decidir y manejar los
conflictos asociados de la instalación de estas redes.
108
Según MONTAMAT, Daniel Gustavo (1997), "Energía: la agenda pendiente del Cono Sur", en: Boletín
Informativo Techint, Nº 290, abril-junio, p. 43.
117
En los grandes proyectos de redes transnacionales, de energía y especialmente de transporte
de cargas, se advierte la competencia de los territorios locales por atraer una gran obra. En el marco
de las transformaciones globales de la economía y la necesidad de activar la economía regional, un
emprendimiento transfronterizo es percibido localmente como una posibilidad de montarse a la ola
del nuevo modelo, como un "polo de desarrollo" que traerá beneficios. En plena disputa por la
inversión y frente a la ausencia de una estrategia regional socialmente compartida, no se discute el
hecho de que ciertos sectores quedan marginados o incluso pierdan sus espacios en la actividad
económica local, no se discuten tampoco los posibles impactos negativos de esta obra; esa sería
una etapa posterior a resolver por el "vencedor", quien logró atraer la inversión. La utilización de
estos argumentos por parte de políticos y formadores de opinión por cuestiones de imagen o para
decidir contiendas partidarias es frecuente y confunde a la opinión pública. Las voces que advierten
la necesidad de reflexionar sobre las condiciones en las que estos proyectos se desarrollarían
aparecen como retrógradas o atadas a intereses consolidados. Algo similar ocurre con la defensa
del medio ambiente, que aunque muchas veces está viciada de "ecologismo", puede ofrecer
alternativas para encontrar maneras más sustentables de dar respuesta a las necesidades de
crecimiento económico con equidad y respeto por factores ecológicos y objetivos de desarrollo
social. En el caso de los proyectos de infraestructuras de transporte, esta situación se ve agravada
por la idea de que estas obras automáticamente permitirían sacar ventaja de "la posición estratégica
de Mendoza", sin advertir la posibilidad de que el territorio provincial se convierta una tubería
pasante que facilite los flujos en la escala Cono Sur sin mayores repercusiones positivas en la
escala local y sin tener en cuenta que la misma puerta que abre las posibilidades es la vía de
entrada de la competencia.
¿Debería Mendoza "sacrificarse" aceptando ciertos costos para contribuir a una solidaridad
territorial que, con objetivos de cohesión económica y social, permita que regiones productoras
puedan abastecer a regiones consumidoras? La respuesta podría ser afirmativa si las características
particulares de los proyectos aportan a la atenuación de las desigualdades territoriales y no a su
profundización (no es lo mismo un ducto para transportar crudo que uno para productos
elaborados, ni un origen-destino que otro, por ejemplo). Del mismo modo, se podría pensar en
promover estos mecanismos de transferencia y/o compensación si están enmarcados en estrategias
territoriales y procesos de integración y cooperación acordados y con objetivos compartidos de
reequilibrio interregional.
Con relación a las interacciones global-local, el caso mendocino avalaría la hipótesis que
los grandes proyectos no se definen solamente en un análisis costo-beneficio, sea éste regional o
nacional, económico o social, de desarrollo integral o sectorial, de corto o largo plazo, sino por la
puesta en juego y oposición de intereses y actores que, con existencias e interrelaciones cuya lógica
se define en un contexto político, económico y social extrarregional, se manifiestan en torno a los
proyectos localizados. En todo caso, antes de consentir en la realización de uno de estos grandes
proyectos, sería necesario explicitar y analizar estos costos y beneficios y contrastarlos en el marco
de estrategias legítimas.
El sector energético constituye efectivamente una pieza del mayor interés para analizar las
transformaciones territoriales asociadas a los procesos de integración en el Cono Sur por múltiples
causas. En primer lugar porque se ha transnacionalizado tempranamente; luego porque las redes
construidas constituyen manifestaciones espaciales que desestiman bordes administrativos y
naturales, transforman fronteras y representan grandes trabajos y fuertes inversiones en espacios
marginales de escasa ocupación y alta fragilidad ambiental. Además, porque el sector energético
constituye un rubro importante en los procesos de integración en curso. Finalmente, porque la
incidencia de lo energético en otros sectores de la economía determina que las transferencias entre
regiones podrían traducirse en beneficios ambientales y económicos para todo el Cono Sur. Pero la
liberalización del mercado no basta: será necesario avanzar en la armonización de las políticas y
118
los acuerdos en torno a una estrategia común para que los "sacrificios" de unos se traduzcan en
beneficios para muchos y para que la solidaridad territorial sea un camino de ida y vuelta.
Ya en la escala nacional y regional y en cuanto a las implicancias con relación a la
explotación del recurso, cabe mencionar que las reservas de gas son abundantes, pero no se las está
reemplazando al ritmo de la producción: se consume más de lo que se incorpora a las reservas
remanentes. El horizonte de reservas (en años) de la Argentina es notablemente inferior al de otros
países de la región.109
Producción anual de gas (1999)
y horizonte de reservas
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Venezuela
México
Argentina
Brasil
Producción 1997(en millones de metros cúbicos)
Bolivia
Colombia
Chile
Horizonte de reservas (años)
Fuente: FIGUEROA DE LA VEGA, Francisco (1999), "Perspectivas del
comercio de gas natural en América Latina y el Caribe",
en: Comercio Exterior, Vol. 49, Nº 11, México, noviembre de 1999.
De no mediar un cambio importante, esta situación se agravará con el cumplimiento de los
compromisos de exportación a los que obligan los nuevos gasoductos construidos y proyectados, a
Chile (petróleo de la cuenca neuquina) y a Brasil (cuenca noroeste) y las inversiones efectuadas en
plantas de ciclo combinado para la generación de energía eléctrica en Argentina, Chile y, en menor
grado, en Uruguay y Brasil.
Asegurar futuros volúmenes de producción requiere mayores inversiones en prospección y
exploración para sumar metros cúbicos a las reservas probadas. El interrogante aquí es como se
prevería el reemplazo de las reservas en un contexto de reducción de ganancias por parte de las
empresas a causa de mayores costos financieros y bajos precios del petróleo.
El negocio del gas era muy próspero para las empresas mientras que las tarifas se ajustaban
con la inflación de los EE.UU. y en la Argentina había deflación110. Pero la situación cambió
bruscamente con la devaluación de fines de 2001, el congelamiento tarifario y la creciente
morosidad de los ususarios: ahora empresas transportistas y distribuidoras están empeñadas en
recomponer sus rentabilidades, aumento de tarifas de por medio. En la negociación con el Estado
justifican la suba de tarifas aduciendo que deben hacer frente a deudas contraídas en el exterior (en
dólares). El análisis del comportamiento empresario muestra que las concesionarias han financiado
los generosos dividendos repartidos entre sus accionistas con deudas contraídas a tasas bajas.111
109
Cálculos efectuados sobre la base de consumos de 1997
Fueron esas las condiciones que hicieron que actores internacionales hiciesen fuertes inversiones en un
país política y económicamente inestable como la Argentina.
111 Desde el incio de la concesión hasta setiembre de 2001, Transportadora de Gas del Sur (TGS) de Enron y
Pérez Companc (Petrobras) había distribuído utilidades por 1.397 millones de pesos (o dólares) al mismo tiempo que
acumulaba deuda por 1.080 millones. Metrogas (operada por British Gas) en la ciudad de Buenos Aires, que se declaró
en default en 2002 por no poder cumplir con obligaciones crediticias sobre 413 millones de deudas, había repartido
utilidades por 430 millones desde el momento de la concesión.
110
119
Por otra parte, en el marco de grandes demandas, la cuenca neuquina experimentaría mayor
presión sobre sus reservas (las de menor costo de explotación) y habría que prever la movilización
de las grandes reservas comprobadas de la Cuenca Austral (en el mar) a mayores costos y la
necesaria ampliación de la capacidad de los ductos troncales argentinos.
En fin, más allá de la emergencia de nuevas oportunidades de negocios y el florecimiento
de las inversiones en proyectos de gran envergadura, se hace cada día más evidente la urgencia de
planificar el manejo de los recursos naturales (y los servicios públicos derivados) y, de manera
complementaria, la necesidad de establecer objetivos energéticos comunes en el marco de políticas
energéticas concertadas en el Cono Sur.
Referéncias Bibliograficas
BENKO, Georges y Alain LIPIETZ (1992), Les régions qui gagnent, Presses Universitaires de France,
Paris, Francia.
FIGUEROA DE LA VEGA, Francisco (1998), "Perspectivas del Comercio de gas natural en Ámérica
Latina y el Caribe", en: Comercio Exterior, Vol. 49, Nº 11, noviembre de 1999, pp. 1015-1024.
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(Buenos Aires)
120
Gasodutos no Cone Sul: uma Rede Transnacional
Rafael Alves Montanha
A produção e o consumo de gás natural apresentam tendência de crescimento em todo o
mundo). O Cone Sul da Américas não é exceção, apesar da crise econômica que assola o bloco
regional. O gás natural, como veremos adiante, é um energético, que possui vários usos, desde
insumo industrial, combustível automotivo, aquecimento residencial, passando por geração de
energia elétrica através das termelétricas. O gás natural possui vantagens comparativas em relação
às outras fontes energéticas como o fato de ser menos poluente, ter preço mais competitivo, além
de, no contexto regional termos relativa abundância deste integrante da matriz energética.
Há que deixar claro que não estamos falando apenas de um produto e sua rede. O energético
é uma ramificação de uma grande indústria, a indústria do petróleo, mas que ao longo do século
XX foi ganhando alguma autonomia com as consecutivas altas do petróleo e novas tecnologias de
prospecção e transporte do produto. Podemos hoje afirmar que existe uma indústria do gás natural,
a qual usa-se muito a sigla (IGN). Usarei também a sigla (GN) quando estiver me referindo ao gás
natural
Na indústria do petróleo há duas fases distintas: upstream e downstream. A primeira traduzse em exploração e produção propriamente dita. A segunda fase corresponde ao transporte, refino e
distribuição. O gás natural como um ramo da indústria do petróleo passa por estas duas fases, só
não necessitando do refino.
Características do Gás Natural
O gás natural é um hidrocarboneto que pode ser encontrado isolado ou associado ao óleo,
sendo um combustível limpo em relação a outros hidrocarbonetos, pois possui pouco enxofre e
emite baixas quantias de óxidos carbônicos. Não há necessidade de estocagem no próprio local de
consumo. Uma das principais vantagens do GN é a não necessidade de refino, o que realmente
diminui em muito o custo final do produto.112
Após o que foi apresentado o parágrafo acima se pode passar a falsa impressão de que o
GN apenas tem vantagens e não há problemas quanto à utilização destes. Entretanto, a IGN tem um
grande problema logístico-econômico que é justamente o transporte deste, dois terços do preço do
energético é constituído pelo transporte. Isto se explica pela baixa densidade energética que possui
o GN, tendo que transportar grande quantidade e investir muito na infra-estrutura de compressão
do gás, para poder vender razoáveis quantidades de energia. A passagem de ALMEIDA (2000),
exemplifica bem o que digo:
“A desvantagem básica do gás natural é sua baixa densidade calórica. Ou seja. Uma mesma
quantidade de energia. Ou seja, uma mesma quantidade de energia na forma de gás natural ocupa
um volume cerca de mil vezes superior à energia na forma de petróleo. Isto implica num
grande custo para seu transporte em grandes distâncias e distribuição para os
consumidores finais”. (pp. 3, grifo meu).
A indústria do gás natural, como já dito acima, expandiu-se muito com as crises do Petróleo
de 1973 e de 1979. Mas também há defensores professos do GN que afirmam que o energético será
o sucedâneo do petróleo ao longo do século XXI.
Desenvolvimento da Indústria do Gás Natural
A primeira empresa criada no ramo do gás natural aconteceu na Inglaterra em 1812, a
London Westminster Gas Light and Coke Company. O Brasil chegou a utilizar o gás natural para a
112
A Petrobrás vende US$ 2,50 o milhão de Btu.
121
iluminação pública, sua principal utilidade até início do século XX: 113 ainda no Império na
iluminação da cidade do Rio de Janeiro promovida por uma empresa do Barão de Mauá.114
Há que ressaltar a existência de dois tipos de gás pertencentes à indústria do petróleo, o
manufaturado conhecido como (GLP) – gás liquefeito de petróleo – e o gás natural em si. O gás
natural é um produto em si, ou seja, não é derivado. Encontra-se associado ou não ao petróleo nas
jazidas. (ver figura adiante na página). Só nos anos de 1950, o gás natural ultrapassou em venda o
gás manufaturado. Isto ocorreu nos EUA quando novas tecnologias de transporte e dutos mais
resistentes à pressão surgiram. O transporte ficou mais barato.
O novo contexto geopolítico a partir da década de setenta também impulsionou a IGN, pois
os países centrais, que tentavam diminuir sua dependência em relação a petróleo oriundo do oriente
médio, passaram a ver no GN uma alternativa. Outro fator que também ajudou o crescimento do
consumo do gás natural foram as novas políticas ambientais em favor de combustíveis menos
poluidores. As novas tecnologias entram em grande parte no transporte, aumenta-se cada vez mais
a pressão interna nos dutos, possibilitando assim, transporte de maiores quantidades de gás
acarretando maiores economias de escala.
Outra vantagem que pode ser ressaltada é a produção de energia elétrica através das
termelétricas bem próximas aos centros de consumo. Ou seja, não há grandes perdas na
transmissão até o usuário final. Juntam-se às termelétricas o processo de co-geração, o qual
alcançam-se um aproveitamento energético de até oitenta e cinco por cento. O processo de cogeração é a utilização do calor e do vapor d’água liberado pela turbina da termelétrica para
utilização da indústria. Exemplo é a da empresa Rio de Janeiro Refrescos (Coca-cola) no Rio de
Janeiro, que utiliza o calor gerado pelas turbinas para aquecer líquidos durante o processo
produtivo.
MAPA 1
113
Eletricidade tirou o mercado de iluminação pública do gás natural.
Palestra proferida pela Dra. Maria das Graças Pena Silva da empresa (Redegasenergia), em 17/09/2002 no
Fórum de Gás Natural – RJ.
114
122
Transporte do Gás Natural: um desafioe econômico.
Como o gás natural tem baixa densidade calórica, realmente o transporte assume o papel
mais oneroso na IGN. Como já dito, dois terços do preço final do produto se devem ao transporte.
Há dois modos em concorrência para a condução do produto. O primeiro se dá através de
gasodutos, o segundo através da liquefação. Sendo esta mais cara é utilizada para transportar o
energético para regiões onde o local de extração e o de consumo, geograficamente, não se pode
fazer por gasodutos. Exemplo clássico é o consumo gás natural consumido pelo Japão onde o
exportador é nada mais que o Chile.
Transporte via gasodutos
Focando no primeiro método, os gasodutos estão em grande avanço e articulação entre si,
pois para a lógica capitalista, em que os mercados cada vez mais se expandem, o não há outra
alternativa senão a integração.O processo de integração de blocos regionais supranacionais
promovido em grande parte pelo processo de mundialização do capital, genericamente chamado de
globalização, também contribui para a junção dos gasodutos (CHESNAIS, 1996).
O transporte do gás natural dá-se nos gasodutos através de compressores. O gás é
comprimido e assim desloca-se pela tubulação e ao percorrê-la sofre atrito e também perda de
pressão. Sendo assim tem que ser novamente comprimido para poder continuar a se deslocar.
Quanto à estocagem, o gás é retirado dos dutos nos momentos de pico, alta utilização, e nos
momentos de baixa utilização é injetado Os gasodutos estocam grande quantidade de gás para
poder atender a demanda rapidamente, assim como num modelo just in time, atendendo ao modo
de acumulação flexível.
Há uma pressão mínima contratual com que as operadoras trabalham. Mas em média, a
pressão se dá na ordem de 100 a 150 kg/cm2. Nos meios urbanos, por motivo de segurança as citygates115 reduzem esta para 5 ou 6 kg/cm2. [ABREU et MARTINEZ, (1999)].
A rede de gasodutos imobiliza muito capital sobre o território, porém, em contrapartida,
tem baixo custo operacional e de manutenção. Não há como ter uma visão, que não seja multimodal das redes logísticas, exemplo claro é a dos gasodutos. Por mais que a distribuição dos
gasodutos seja rígida, atendendo a determinados centros urbanos e excluindo outros, esta rede só
opera com segurança e viabilidade econômica atualmente, estando atrelada à outra rede, a de
telecomunicações. Esta sim, bastante flexível.
Todo o transporte, controle e coordenação do transporte do gás natural é feito de um ponto
no território que acompanha, via telecomunicações, a quantidade de gás que está passando em cada
medidor, seja este de pressão ou de volume. A informação que passa por estes medidores é enviada
através de satélite, ou de cabos de fibra ótica, sinais de rádio, internet para um centro de controle
situado a muitos quilômetros de distância. Por exemplo, o Gasbol – Gasoduto Brasil-Bolívia, tem
seu centro de controle localizado no Rio de Janeiro, embora este não perpasse o território
fluminense. Provavelmente este ponto de controle é situado no estado do Rio de Janeiro por nele
estar a metrópole onde está localizada a Petrobrás.
“... sistemas integrados de monitorização e controle da rede de transporte de gás,
denominado SCADA (Sistema Supervisor de Controle e Aquisição de Dados). Estes sistemas
funcionam como uma espécie de piloto automático das redes de transporte de gás, uma vez que
permitem a operação centralizada dos dutos a partir de um centro de controle capaz de acionar
todos os dispositivos de controle e monitorização ao longo da rede de dutos. O SCADA reúne
dados sobre o produto transportado através de sensores eletrônicos distribuídos ao longo da rede de
transporte e proporcionam controle remoto dos dispositivos mecânicos e eletrônicos responsáveis
pelo controle da rede (válvulas, bombas e compressores)”. (ALMEIDA, Op. Cit).
115
City-gates são pontos de redução de pressão, próximos aos centros consumidores já preparando o gás
consumo.
123
A partir da citação acima infere-se que é extremamente relevante, no mínimo ter uma
“indústria” de softwares para acompanhar o processo de expansão e a necessidade de controle
sobre gasodutos. O controle via telecomunicações permite uma monitoração cada vez mais precisa
e acompanhada por trabalhadores mais qualificados, ou seja, engenheiros especializados ao invés
de técnicos. Possibilita a detecção automática de vazamentos e verificação do estado de corrosão
dos dutos. Portanto, o que exemplificamos de forma clara é que as redes logísticas são multimodais e complementares, exigindo não apenas uma ampla e eficiente infra-estrutura, como
também qualificação profissional para lidar com estas redes cada vez mais complexas e que
exigem agilidade e rapidez na tomada de decisões.
Traço um esquema abaixo onde tento demonstrar o modo de como é feito o transporte do gás
natural via gasodutos, o espaçamento entre os compressores varia entre 150 e 600 Km (ABREU et
MARTINEZ (Op. Cit):
Figura 1: Variação de pressão no transporte de gás natural dentro de gasodutos
Fonte: ALMEIDA (2000)
Transporte via navios criogênicos:
O gás natural também pode ser transportado por navios criogênicos, também conhecidos
como metaneiros – metano é o principal componente do gás natural. Para transportar o gás natural
é necessário liquefazê-lo sendo para isto necessário reduzir sua temperatura à –162ºC. Ao
liquefazer o gás natural diminui-se seu volume em 600 vezes, uma ordem de grandeza
significativa. O grande problema do gás natural liquefeito (GNL) é que este imobiliza uma
quantidade muito grande de capital, porque seu transporte e sua cadeia produtiva são mais
complexos do que a do GN tornando mais oneroso o transporte por criogênicos do que por dutos.
Embora nos últimos anos perceba-se um ganho de escala significativo, o transporte de GNL só é
efetivado quando não há possibilidade econômica ou técnica de transportá-lo via dutos. (ver figura
adiante do processo logístico do GNL).
124
Figura 2: O sistema logístico do gás natural liquefeito
Outro obstáculo a ser superado pelo transporte do GNL é a logística dos portos para
atenderem aos grandes metaneiros que transportam material, que necessita de muita segurança para
evitar acidentes. Os portos do Cone Sul, realmente, não possuem tal logística e garantias para um
eventual revés que ocorra. O porto tem que praticamente parar todas as outras operações para
atender, exclusivamente, ao navio criogênico que esta aportando. Mas o cenário não é tão sombrio
quanto demonstro. Só para apresentar um dado: desde 1978, o GNL teve o custo diminuído em
30% vis à vis o GN. Esse por sua vez diminuiu seu preço em 60% desde 1985.
A possibilidade dos combustíveis sintéticos
Existe viabilidade técnica de fazer combustíveis sintéticos de gás natural (CSGN), através
de processos químicos como o FISCHER-TROPSCH116. Podemos obter através do gás natural,
derivados de petróleo de alto valor no mercado, como a gasolina, o diesel ou o nafta. Pode-se
também obter metano através da biodigestão, ou seja, utilizando o lixo urbano, o grande problema
é a falta de subsídios e de consciência ambiental.
A grande vantagem é que os CSGN, embora não são tão poluentes, já que são livres de
enxofre. Estes não são competitivos economicamente com os derivados diretos do petróleo. Com a
alta do galão do petróleo devido às sucessivas crises e também um aumento reduzido das reservas
petrolíferas provadas117, poderemos em algumas décadas estar perfeitamente usando CSGN como
fonte energética. Empresas como Exxon/Móbil, Shell, Chevron e Texaco já desenvolvem
intensivas pesquisas para o desenvolvimento dos combustíveis sintéticos com o intuito de reduzir
seu custo. Em momentos críticos, de colapso energético, ou em que se necessita muito de energia
utilizam-se combustíveis alternativos, a história no mundo demonstra isto:
116
Ver Abreu et Martinez (Op. Cit): 39.
Há que fazer uma observação neste ponto, reservas provadas é a quantidade de petróleo e/ou gás que se
pode extrair de um campo de petróleo, e não a quantidade propriamente existente nas jazidas. Atualmente, com a
tecnologia existente, o aproveitamento em um campo de petróleo se dá na ordem de 30%.
117
125
“Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha para movimentar as suas forças
armadas, produziu combustíveis artificiais similares aos derivados de petróleo (a partir do
carvão mineral), utilizando processo semelhante ao que ocorreu na natureza, em face da
dificuldade de acesso às fontes de petróleo. A África do Sul procedeu da mesma forma, sob
o boicote de petróleo, durante o Apartheid”.[ABREU et MARTINEZ (Op. Cit.): 12].
Para terminar este tópico, traço o processo de distribuição até o consumidor final, de todos
os tipos de gás natural. Necessário ressaltar a importância das UPGNs (Unidades de Processamento
de Gás Natural) onde o gás é tratado, sendo seco, ou seja, separa-se o metano e o etano, além de ser
tirada a umidade e vários outros compostos corrosivos, que destroem com grande voracidade os
gasodutos. Na figura, a UPGN será apresentada como um quadrado negro, escrita acima apenas a
palavra “tratamento”.
Figura 3: Distribuição dos tipos de GN até o consumidor final
A Integração dos Gasodutos no Cone Sul da América
A partir deste ponto vamos aumentar nossa escala cartográfica de análise, ou seja, vamos
focalizar nosso estudo em uma região geográfica menor, o bloco regional supranacional Cone Sul.
Esta região econômica apresenta crescimentos significativos tanto no consumo quanto na produção
de gás natural. A título de exemplo, o consumo entre 1971 e 2000 cresceu em torno de 736 % e a
produção 748 %. Em comparação com os vinte maiores utilizadores do energético, o consumo e a
produção, no mesmo período, cresceram respectivamente 239 % e 271 %.
126
MAPA: 2
127
MAPA 3
128
Os dados demonstram que o bloco econômico tem uma dinâmica própria.
Apesar das crises econômicas que assolam a região desde a década de setenta com a
crise do petróleo e elevação das dívidas externas assim como o decênio de oitenta
considerado como a década perdida pelo baixíssimo crescimento e até mesmo
estagflação. Em outras palavras: não apenas o Cone Sul, mas todo o subcontinente
latino-americano endividou-se externamente com os altos juros praticado pelo sistema
financeiro mundial e tiveram suas respectivas inflações acrescidas em escala
vertiginosa,118 além de não terem crescimento econômico. A década de noventa foi a
década do neoliberalismo, onde a dívida avançou mais ainda, o crescimento continuou
estagnado, mas tivemos reduzida de forma significativa a inflação. Demonstro na
passagem abaixo a importância da integração geoeconômica, ou seja, não apenas o
Estado, mas o mercado agindo em prol da unificação do Cone Sul:
Em associação, a YPF, a Petrobrás e a Dow estão implantando na Província de
Neuquén, uma unidade de secagem119 de GN, denominada Projeto Mega, onde o etano
e os hidrocarbonetos mais pesados serão separados do gás seco e conduzido em dutos
separados, até Bahia Blanca. Aí será feito o fracionamento desta corrente, sendo o etano
destinado à Central de matérias-prima da Dow de Bahia Blanca, e o GLP e a gasolina
natural resultantes, exportados para o Brasil. Solução semelhante deve alimentar o Pólo
Gás Químico do Rio de Janeiro. No futuro, algo similar deverá acontecer com o duto de
secagem do GN da Bolívia. (ABREU et MARTINEZ, Op. Cit.).
Percebe-se nos mapas 2 e 3, que no hemisfério sul apenas três países têm
relevância neste setor: Argentina, Indonésia e Austrália. Enquanto no hemisfério norte,
dois países com relevância na indústria do petróleo, EUA e Grã-Bretanha são, por sua
vez, os maiores produtores e consumidores de gás natural.
No Cone Sul, como já ressaltado, a integração dos gasodutos apresenta-se em
forte arranque, principalmente, com o (Gasbol), Gasoduto Brasil-Bolívia, o maior da
América Latina. Gasoduto com 3150 Km de extensão, sendo destes 557 em território
boliviano e 2593 em território brasileiro. Este perpassa quase cinco mil propriedades em
cento e trinta e cinco municípios brasileiros localizados na core área brasileira
responsável por 75% do PIB brasileiro, podendo transportar um volume de 30 milhões
de m3/ dia.
Analisando cada país do bloco, verifica-se que a Bolívia é país chave na
integração regional dos gasodutos, pois além de ter grandes reservas provadas, fica no
centro do subcontinente, localizando-se na interface de Brasil e Argentina, as duas
maiores economias da região econômica. O país boliviano também exporta GN para a
Argentina para o Chile, através do gasoduto troncal.
O Chile tem produção na Patagônia exportando bastante GNL para o Sudeste
asiático através de navios criogênicos e também importando da Argentina, através de
gasodutos. (MACHADO et alii, 1999). É um país que também aponta crescimento no
consumo do energético nos últimos anos.
118
119
Lembro-me de um número que decorei fácil, em dezembro de 1989 a inflação foi de 89%.
Secagem refere-se a separação que é feita nas UPGNs do metano e do etano
130
Mapa 4
Na Argentina, pioneira na utilização do gás natural, seu primeiro gasoduto foi
inaugurado em 1947. Tem a maior produção e o maior consumo do subcontinente.
Apresenta uma infra-estrutura importante, que permite abastecer tanto o consumo
interno como a possibilidade para exportar para países vizinhos como o Brasil. Já que
tocamos no nosso país, faço uma articulação que acredito ser importante ressaltar.
O Brasil possui 25.000.000 de veículos dos quais 150.000 utilizam (GNV) – Gás
Natural Veicular, já a Argentina possui uma frota de 6.000.000 em que 700.000 rodam
em GNV. Vamos raciocinar de modo bastante simples:12% da frota Argentina é movida
por GNV. Se considerarmos que o Brasil alcançará o mesmo percentual, o Brasil estará
rodando com 3.000.000 de veículos com GNV. Isso pode ser alcançado em um curto
espaço de tempo.
O país vizinho tem 40% dos veículos rodando a diesel, que é de difícil conversão
para o gás, e muito caro. Ou seja, dos 6.000.000 de veículos argentinos apenas 3.600.00
são passíveis de conversão, o que representa 20% da frota. O Brasil tem um desprezível
número de carros movidos a diesel, pois o uso de diesel para veículos leves é proibido,
logo a maioria dos carros são passíveis à conversão. Se adotarmos uma política com
130
131
escopo de alcançar os mesmos vinte por cento, que é o máximo possível no país platino,
teremos um mercado de 5.000.000 de veículos!!!
Mas para atingirmos este percentual precisamos superar alguns óbices. O
primeiro é constituirmos uma rede de gasodutos intra-metropolitana com alto poder de
compressão para atendermos com qualidade o consumidor final. O segundo é a
constituição de postos pelo Brasil atendendo com qualidade os futuros clientes. Acredito
que este não será um grande problema. O terceiro seria a de termos carros diretos de
fábrica apoiando-se já no modelo bicombustível. A FIAT e a Volkswagen prometem
modelos para breve. (só não sei o quanto é o breve deles). Há uma outra vantagem que
são os kits de conversão, que estão se espalhando de forma até razoável pelo país
através de pequenas oficinas.
Agora, tenho que ressaltar uma grande lástima para a integração regional do
subcontinente que é a não unificação das válvulas de abastecimento. A Argentina e a
Bolívia utilizavam válvulas com diâmetro de 12,7 mm, enquanto que no Brasil o
diâmetro se dá na ordem de 11,1 mm, ou seja um veículo movido a GNV que saia do
Brasil em direção à Argentina não conseguirá abastecer lá e vice-versa, pois as válvulas
são incompatíveis. Será que este subcontinente é composto de mentecaptos econômicos
regionais?
A Argentina, como já afirmado, é o principal protagonista na IGN dentro do
contexto do Cone Sul. O GN tem uma participação de 52% em sua matriz energética e
junto com a Bolívia, de grande uso, além de ter grandes reservas comprovadas de GN.
(Ver gráficos IV. 1 e IV. 2 adiante).
GRÁFICO: CONE SUL
MATRIZ ENERGÉTICA – COMPOSIÇÃO - 2000
100%
5%
3%
10%
90%
22%
18%
20%
32%
20%
80%
6%
32%
5%
19%
70%
52%
5%
16%
60%
3%
0%
26%
Otros
24%
50%
Hidro
Gás
54%
40%
Petróleo
65%
30%
63%
56%
49%
20%
41%
40%
0%
10%
14%
0%
Argentina
Brasil
Chile
Bolivia
Paraguai
Uruguai
Mundo
Fonte: IAGP/BP
No Brasil, a rede de gasodutos vem se ampliando no sul do país com a ligação
com a rede troncal Argentina, através da cidade de Uruguaiana e desta para Porto
Alegre, que a exemplo do distrito de Campos Elíseos, município Duque de Caxias (RJ),
está construindo um pólo Gasquímico.
131
132
Voltando a Argentina, esta tem cinco gasodutos e é, realmente, o país com maior
savoir-faire mercado sul-americano. Tem suas quatro maiores bacias gasíferas
(Neuquina, Noroeste, San Jorge e Austral) conectadas por rede de Gasodutos (WEIS,
2001). A Argentina tem grande importância no cenário latino-americano.
Gás Natural na Argentina:
A Argentina possui grandes reservas de gás natural contidas em suas bacias
gasíferas, estas tanto onshore como offshore.120 No Cone Sul da América é o primeiro
país em quantidade de reservas, com viabilidade de ser explorado. Possui o suficiente
para o consumo interno e ainda encontrando-se, em condições de ampliar bastante suas
exportações, fato que já está ocorrendo. Por estas características reveladas acima
podemos dizer que o país platino é um importante player para a promoção da integração
dos gasodutos com os países vizinhos.
Como o país argentino possui, além de grandes reservas, um bom know-how no
tratamento do gás, conhecimento de suas reservas que, além de muito grandes, têm alto
grau de octanagem, o que facilita e desonera o custo de sua extração e assim atrair
investimentos. A tabela abaixo divulgará a quantidade de gás natural que cada bacia
platina possui:
GRÁFICO: CONE SUL
RESERVAS COMPROVADAS DE GN - 2000
729.215
800.000
700.000
518.500
600.000
500.000
Reservas de gás (bilhões m3)
400.000
226.000
300.000
200.000
96.000
100.000
0
ARGENTINA
BOLÍVIA
BRASIL
CHILE
Fonte: IAPG/BP AMOCO
Observa-se na tabela uma enorme quantidade de gás a ser explorado. Outro
ponto que merece atenção é o volume contido na Bacia Neuquina. Esta bacia que fica a
oeste da Grande Buenos Aires e a leste de Santiago do Chile, duas metrópoles de
poderio industrial e concentração populacional podem portanto utilizar-se destas
grandes reservas
120
Onshore refere-se à exploração de gás ou óleo em terra; offshore à exploração em mar.
132
133
TABELA: 1
RESERVAS DE GÁS COMPROVADAS NA ARGENTINA (BILHÕES DE
M3 )
Ano
Austral
Cuyana
Neuquina Noroeste
San Jorge Total
1995
115.848
861
294.711
113.245
10.867
535.532
1996
136.347
855
343.802
122.145
16.148
619.297
1997
155.479
662
338.315
173.883
17.883
685.602
1998
160.301
806
329.158
172.063
21.469
663.797
1999
158.023
821
357.206
153.429
17.105
686.584
2000
171.437
879
377.118
146.444
33.337
729.215
FONTE: Instituto Argentino del Petróleo e del Gas – Sistema de Información de
Petróleo y Gas
.
A extração que se faz do gás que, como dito acima, pode ser tanto em terra como
em mar serve para o consumo de vários setores, entre eles incluído o industrial. Para
este especificamente, o gás serve como material de queima, aquecimento de caldeiras e
para indústrias que são intensivas em calor. Produtos como o etano, butano e propano
são também obtidos do gás extraído o que para, o setor industrial, possui grande valia.
Utiliza-se o gás para distribuição residencial também.
O gás é obtido nas cinco bacias gasíferas que possui a Argentina. Estas são: a
Noroeste, Neuquina (produção de 60% do gás platino), Cuyana, Golfo de San Jorge e
Austral. A produção do gás serve basicamente ao país e para exportação aos países
vizinhos, embora exista exportação do gás já liquefeito para outros países como Japão e
Austrália.
A distribuição interna deste produto é feita por duas empresas: TGN
(Transportadora Gás Norte) e a TGS (Transportadora Gás Sul). O sistema é composto
por cinco gasodutos centrais espalhando o gás por todo o país platino. O transporte
supera a marca de cem milhões de metros cúbicos diariamente.
A TGN transporta mais de cinqüenta e quatro milhões de metros cúbicos dia
sendo possuidora de dois gasodutos. O gasoduto Norte, que possui extensão de dois mil
e cem quilômetros é ligado a bacia Noroeste e fazendo distribuição pelo norte do país.
Possui também o gasoduto Centro-Oeste com extensão de mil cento e trinta
quilômetros, este é ligado à bacia Nequina. Este espalha seu produto pela Grande
Buenos Aires em conjunto com o Norte, eixo industrializado do país.
A TGS faz a difusão do gás pelo sul da Argentina através de três Gasodutos
centrais o Neuba I e o Neuba II, somando-se a estes o San Martin. San Martin e é o de
maior extensão alcançando a marca de três mil cento e noventa e dois quilômetros é
ligado a três bacias: a Cuyana, a Austral e a de San Jorge. Os gasodutos Neuba I e II
respectivamente medem mil duzentos e três quilômetros e mil trezentos e trinta e quatro
quilômetros. Estes dois últimos gasodutos estão atrelados a bacia Neuquina.
Os gasodutos argentinos têm um transporte facilitado por terem grande pressão
variando de 15kgf/cm2 a 25kgf/cm2 enquanto a média brasileira dá-se em torno de 2 a
8kgf/cm2, isto realmente desonera o transporte do gás na Argentina.
O consumo do gás é extremamente difundido, por ter sido escolhido como a
principal fonte na matriz energética argentina. Como já dito acima é extremamente
133
134
utilizado pelas indústrias intensivas em calor e como matéria-prima para produtos que
alimentarão a indústria platina. A utilização também é feita de forma residencial, ou
seja, para cozimento e o aquecimento, Argentina tem uma grande malha para difusão do
gás para uso residencial.
GRÁFICO
Matriz Energética Argentina - 2000
60%
50%
52%
40%
40%
30%
20%
5%
3%
Gás
Petróleo
Outros
Hidro
10%
0%
FONTE: BP Amoco Statistical Review of World Energy – 2000
O gás natural como combustível para automóveis é utilizado na Argentina.
Apenas 12% da frota total platina, ou seja, setecentos mil veículos, utiliza o gás como
combustível. Além do mais, 40% dos veículos argentinos são movidos a diesel o que
dificulta a conversão para gás natural, pois é muito mais complexa e cara. No Brasil a
maioria da frota é movida à gasolina o que facilita a conversão. Utilizando a mesma
marca argentina, 12% de automóveis movidos a gás natural teremos 3.000.000 (três
milhões) de autos rodando a gás, um mercado realmente muito promissor.
Além do consumo interno, a Argentina exporta bastante gás natural e a tendência
com a integração dos gasodutos é de aumento. Totalizando suas exportações no Cone
Sul, o país platino exporta 62% para o Brasil, 20% para o Chile, 13% para o Uruguai e
5% para o Paraguai.
Na Argentina várias empresas transnacionais atuam em larga escala, depois das
privatizações ocorridas na década de noventa promovida pelo Governo Menén. As
principais empresas são: a British Petroleum (inglesa), REPSOL YPF (espanhola),
ENRON (americana), EL PASSO (americana), e Corp (japonesa). Infere-se então que o
mercado argentino já é bastante dividido pelo oligopólio do gás. A Petrobrás também
tem inserção no mercado argentino produzindo componentes, matéria-prima para a
indústria (metano, butano, propano, etano) na refinaria de Bahia Blanca. Também há um
transbordamento do capital transnacional atuante na Argentina para o Brasil; a Repsol já
possui ativos na REFAP (Refinaria Alberto Pasqualini) localizada no Rio Grande do
Sul. Observa-se, desta maneira, que as empresas tenderão a alçar sua atuação no Brasil.
134
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O órgão responsável pela regulação do setor de gás natural na Argentina é o Ente
Nacional Regulador de Gás (ENARGAS). Este órgão é ligado diretamente ao poder
executivo federal e tem seus funcionários nomeados por este, mas antes passa pela
aprovação do Congresso Nacional. Tem este órgão como dever, primeiramente,
defender o direito dos consumidores, este é a sua primeira obrigação. Entre outras, estão
a de racionalizar o uso do gás natural, promover a proteção do meio ambiente, assim
como a competitividade entre os atores que atuam no mercado, impedindo crises de
oferta e demanda. Outra questão, que é de fundamental importância, é a garantia de
preços a nível internacional.
Considerações Finais
O mercado regional de gás natural tem um volume considerável, apresentando
grande potencial para o incremento deste energético no Cone Sul da América. A
demanda para o Brasil deve crescer bastante em virtude da ausência de crédito de longo
prazo para investimentos hidrelétricos. A produção de energia através das termelétricas
exige um investimento menor. Logo o retorno vem de modo mais rápido, embora vis à
vis com a hidroeletricidade os preços marginais cresçam bastante. (EGLER, 2001b).
Bolívia e Argentina apresentam destaque para dotar o mercado energético gás
natural, pois o primeiro país apresenta além de altas reservas, uma produção muito
maior que seu consumo interno, além de ficar na interface das duas maiores economias
do bloco econômico. Já o segundo país é protagonista na indústria do gás natural, pois
possui uma logística já implementada e um know-how adquirido.
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Geoeconomia do Mercosul: Notas preliminares