CARLOS DE OLIVEIRA E O NEO-REALISMO
Aluna: Carolina Barra
Orientador: Izabel Margato
1- Introdução
A proposta para esse primeiro ano de pesquisa foi o estudo das obras do escritor Carlos
de Oliveira e sua participação dentro no movimento neo-realista português. Dentre os
objetivos estavam: estudar a obra Uma Abelha na Chuva, identificar nela os traços que a
aproximam das considerações teóricas acerca do neo-realismo; produzir, a partir da leitura de
outros romances do autor, como Pequenos Burgueses e Casa na Duna, uma leitura
aprofundada de Carlos de Oliveira e mapear as relações entre as obras ficcionais selecionadas
e a autobiografia do autor utilizando crônicas do livro O aprendiz de feiticeiro.
A leitura aprofundada do livro Uma Abelha na Chuva, bem como a análise das
considerações teóricas acerca do neo-relismo, foram objetivos alcançados com êxito, que
serão detalhados neste relatório. Além disso, a leitura de outros romances do autor contribuiu
consideravelmente para ampliar o conhecimento acerca da sua produção teórica e sua
contribuição sociocultural. No entanto, o estudo detalhado sobre O aprendiz de feitceiro e
suas relações com a obra ficcional de Carlos de Oliveira não foi concluído, visto que, para
tanto, era preciso conhecer bem o autor e sua obra. Uma vez que, neste primeiro ano de
pesquisa, foi possível realizar um estudo amplo acerca de Carlos de Oliveira, no segundo ano
de prosseguimento desta pesquisa será possível então atingir o outro objetivo de mapeamento
das relações entra as obras ficcionais e o livro O aprendiz de feiticeiro.
2- Carlos de Oliveira e o Neo-realismo
Carlos de Oliveira é um escritor português que viveu entre os anos de 1921 e 1981. Sua
produção é vasta e conta com romances, poesias e crônicas, que discutem questões de suma
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importância para a sociedade portuguesa e para a escrita como um todo. Além de trabalhar o
processo de escrever, seus livros refletem sua preocupação com o social e trata de assuntos
como a luta de classes, a decadência da aristocracia rural e da burguesia, além de retratar e
criticar a parcela da sociedade portuguesa interesseira e opressora.
Diante dessas características, Carlos de Oliveira se encaixa dentro no movimento neorealista, que se inicia, em Portugal, no início de 1940, com a publicação da obra Gaibéus de
Alves Redol. A Literatura neo-realista não visava ficar apenas na folha de papel, mas agir
como um transformador da sociedade, denunciando as injustiças sociais e conscientizando o
papel do povo nas mudanças. Dessa maneira o neo-realismo é denominado muito mais como
um “movimento” do que um “período artístico”. Sobre o neo-realismo, Manuel Gusmão
destaca em seu livro:
tal movimento não pretendia ser uma escola literária nem, muito menos um
regresso ao realismo de oitocentos, nem um novo aspecto do modernismo,
nem a dogmática imposição de certos assuntos, de certas personagens, de um
esquema ou esquemas de avaliação e exposição, mas qualquer coisa tão
vasta e revolucionária como o Renascimento o fora nos tempos da gloriosa
afirmação do mundo agora em decadência (Mário Dionísio apud GUSMÃO,
1982, p. 19)
O termo “escola literária” nos remete ao fato do instituidor do Estado Novo ter sido
António de Oliveira Salazar, um professor que governava um país onde uma significante parte
da população era analfabeta e manipulada pelo governo ditatorial. Diante desse cenário seria
importante um papel “educativo” vindo do movimento das artes. No entanto, o neo-realismo
não tinha essa proposta “educacional” e sim renascentista: fazer renascer o país.
Carlos de Oliveira não só faz parte desse movimento como tem um papel importante
dentro do desejo de renascimento de Portugal.
3- Uma abelha na Chuva
Uma Abelha na Chuva foi publicado no ano de 1953, sendo, então, o último livro
ficcional escrito dentre os três lidos nesse ano de pesquisa. Nessa época, Portugal ainda estava
sob o regime ditatorial governado por Salazar.
O livro começa com o personagem Álvaro caminhando pesadamente. Já nesse primeiro
capítulo, conseguimos caracteriza-lo como vagaroso e pesado: “sempre no mesmo passo
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oscilante e pesado, como se o levasse a custo o vento que arrastava no chão as folhas quase
podres dos plátanos” (OLIVEIRA, 2003, p.8).
No segundo capítulo, vemos a conversa entre o diretor da Comarca e Álvaro, que quer
publicar no jornal uma confissão de um roubo que realizou juntamente com a esposa. Ele
alega querer fazer a confissão para acertar as contas com Deus, o que inicialmente sugere que
pensemos que o faz por um motivo nobre. No entanto, logo entramos em dúvida se ele está
sendo movido por culpa e arrependimento de seus atos. Para refletir sobre isso podemos
voltar ao primeiro parágrafo do livro:
Pelas cinco horas duma tarde invernosa de outubro, certo viajante entrou em
Corgos, a pé, depois de árdua jornada que o trouxera da aldeia do Montouro,
por maus caminhos, ao pavimento calcetado e seguro da vila (OLIVEIRA,
2003, p.7).
A ênfase do autor aos “maus caminhos” pode ser uma indicação de que os motivos que
levam o personagem a Corgos não são nada nobres, o que faz com que pensemos que sua
motivação não é um desejo de redenção, mas sim um sentimento de ódio e desejo de vingança
à esposa juntamente com o medo do inferno, que vemos mais explicitamente nos capítulos
mais avançados. Também podemos ver o sentimento de vingança quando o diretor, tentando
convencer Álvaro a não publicar a confissão, o leva a imaginar a reação de sua esposa ao ler o
jornal com a tal confissão. Ao evocar tal pensamento, Álvaro sorri pela primeira vez,
demonstrando sua alegria no suposto desespero de Maria dos Prazeres. No decorrer da trama
esse desejo de vingança de Álvaro vai se tornando ainda mais evidente diante de suas ações.
Ao que o diretor tenta convencê-lo de se confessar sem escândalo, o personagem
responde: “Deus escreve direito por linhas tortas. Talvez seja o escândalo que Ele quer”
(OLIVEIRA, 2003, p. 12). Antes que a conversa dos dois se alongue, a esposa chega ao jornal
de surpresa e não permite a publicação. Diferente de Álvaro, que é descrito com
características de lentidão e passividade, Maria dos Prazeres aparece enérgica e controladora.
E como que o personagem não conseguira a publicação e o escândalo, consegue Carlos
de Oliveira o escândalo através de Uma Abelha na Chuva. Podemos interpretar essa passagem
como uma justificativa de seu livro. Uma Abelha da Chuva é o escândalo que não saía no
jornal. Durante o Estado Novo os meios de comunicação, como, por exemplo, o jornal, eram
altamente censurados e o movimento neo-realista se propunha a renascer Portugal, se
propunha a ser esse escândalo necessário para o renascimento.
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Sem a publicação desejada, Álvaro Silvestre volta para casa com a esposa e começamos
a acompanhar o relacionamento desgastado e o dia-a-dia frio desses dois personagens:
Negociou o casamento da filha com os Silvestres do Montouro, lavradores e
comerciantes: sangue por dinheiro (a franqueza dum homem sem outra
alternativa); assim seja, concordou o pai de Álvaro Silvestre, compra-se
tanta coisa, compre-se também a fidalguia. (OLIVEIRA, 2003, p. 20).
Nota-se que Maria dos Prazeres representa a decadência da aristocracia que precisa
recorrer a burguesia, representada por Álvaro. No decorrer da leitura conseguimos perceber o
casamento como um simples negócio.
Conseguia recordar ainda com uma agudeza incrível a onda de sentimentos
contraditórios que a arrastara vagarosamente ao altar, a amarga obediência
aos pais e o desejo de os ajudar, a curiosidade e o medo, o medo e um pouco
de esperança; avançava pelo braço do pai, toda de branco, entre um
murmúrio de órgãos e vozes sussurradas; sorria, mas dentro de si ia
nascendo um grito, um grito sempre reprimido; a chuva caía com certeza, no
passado e agora (OLIVEIRA, 2003, p. 22).
Álvaro Silvestre ainda tenta uma aproximação da esposa, que se coloca inalcançável
para o marido e é apaixonada pelo cocheiro Jacinto, que tem um relacionamento com Clara,
trabalhadora da casa.
O casal Jacinto e Clara contrasta com o casal principal do livro. Vemos, de um lado, o
amor de Jacinto e Clara que sonham em fugir juntos, casar e dividir uma vida feliz; e de outro
lado vemos o casamento falido de Álvaro Silvestre e Maria dos Prazeres, que só existe por
puro interesse e nenhum sentimento verdadeiro.
Devido ao interesse de Maria pelo cocheiro, Álvaro, por ódio à esposa, revela o
romance de Jacinto e Clara para o pai da moça, o que resulta no assassinato de Jacinto e,
então, no suicídio de Clara, que a essa altura está grávida.
Jacinto e Clara é o casal coadjuvante da história, mas isso acaba se invertendo ao longo
do romance. Os dois representam o povo trabalhador dominado pela aristocracia e pela
burguesia. A história dos dois é o “escândalo” que modifica a vida do casal Álvaro e Maria
dos Prazeres e move o livro. Eles são a razão dessa história ser contada, tanto que é no
momento em que Clara se suicida que o romance acaba por não ter mais razão de continuar.
Os dois passam então a ter o papel de casal principal, que no início do livro parecia pertencer
a Álvaro e Maria.
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Esse fato nos indica a motivação neo-realista de Carlos de Oliveira ao escrever Uma
Abelha na Chuva, livro que mostra que o elemento principal da sociedade são os
trabalhadores explorados, que só poderão ser felizes quando não mais explorados pelas
classes dominadoras.
Da mesma maneira como o autor se aproxima do movimento neo-realista ele também
vai além. Carlos de Oliveira não se limita a tratar de questões políticas e sociais, visto que em
seus romances aparecem questões mais gerais. Uma Abelha na Chuva é um ótimo exemplo.
Apesar de ter uma tese neo-realista o romance aborda questões tais como o cotidiano de um
casamento falido e o ciúme.
4- Conclusão
No último parágrafo do livro encontramos o porquê dele se chamar Uma Abelha na
Chuva:
Por hábito, lançou os olhos às colmeias, que lhe ficavam mesmo em frente,
dez ou doze metros, se tanto, e viu uma abelha voar da Cidade Verde. (…) A
abelha foi apanhada pela chuva: vergastadas, impulsos, fios do aguaceiro a
enredá-la, golpes de vento a ferirem-lhe o voo. Deu com as asas em terra e
uma bátega mais forte espezinhou-a. Arrastou-se no saibro, debateu-se
ainda, mas a voragem acaou por levá-la com as folhas mortas (OLIVEIRA,
2003, p. 132).
Podemos entender esse parágrafo como uma representação do livro. Abelhas são
conhecidas por serem trabalhadoras e podem estar representando a classe trabalhadora que, no
momento, passa por uma chuva sem conseguir resistir. E mesmo com a abelha sendo
arrastada junto com as folhas mortas ainda fica a esperança, visto que a chuva sempre passa e
o sol volta.
5- Bibliografia
GUSMÃO, Manuel. A poesia de Carlos de Oliveira. Lisboa: Seara Nova; Comunicação,
1981.
MASSAUD, Moyses. A literatura portguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2006.
OLIVEIRA, Carlos de. Casa na Duna, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1983.
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_____________. O aprendiz de feiticeiro. Lisboa: Seara Nova, 1973.
_____________. Pequenos Burgueses, Coimbra Editora, 1948.
_____________. Uma Abelha na Chuva. Lisboa: Assírio & Alvim. 2003.
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