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Saber: Compreensão
Temática: Violência
ENSINAR A COMPREENSÃO: UM DOS SABERES INDISPENSÁVEIS À
EDUCAÇÃO DO PRESENTE FACE ÀS VIOLÊNCIAS
LIRA, Adriana 1 – UCB
[email protected]
FRANÇA, Carla Cristie2 – UCB
[email protected]
ARAÚJO, Lucicleide3 - UCB
[email protected]
Financiamento: UCB e UNESCO
RESUMO
O presente artigo destaca a urgente necessidade de ensinar a compreensão como
condição básica e medida mais acertada para a escola fazer diferença face às violências
no contexto escolar e consequentemente fora dele, e, então, cumprir a sua missão no que
se refere à efetivação plena do direito à educação e à preparação dos indivíduos para o
convívio em sociedade.
Palavras-chave: Violência. Ensino. Compreensão. Convivência.
INTRODUÇÃO
Há três décadas, as violências tornaram-se um grande desafio para a sociedade
brasileira, atingindo escolas públicas e privadas que demonstram quase sempre,
despreparo e fragilidade. As violências tomam proporções cada vez maiores, fazendo
vítimas os diferentes atores. Assim, pesquisadores que acreditam ser a educação a base
para uma sociedade mais justa e sem violências, buscam identificar que ações podem e
devem ser emergencialmente implementadas por gestores e educadores e, desta forma,
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Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB), professora adjunta e pesquisadora da Cátedra
UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da mesma Universidade.
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e 3 Mestrandas em Educação pela Universidade Católica de Brasília, professoras adjuntas da mesma Universidade.
Nota: Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado em Educação do Programa Stricto Sensu da Universidade
Católica de Brasília desenvolvida sob a orientação do Prof. Doutor Candido Alberto da Costa Gomes como forma de
aprofundamento dos dados de pesquisa realizada pela Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da
UCB, coordenada pelo mesmo professor.
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contribuir para garantir uma educação de qualidade para todos, como enseja o presente
artigo. Verifica-se, principalmente, ser o cotidiano das escolas públicas o mais atingido
pelas violências. Todavia, as escolas aparecem não apenas como vítimas das violências
de seu meio, mas também, como laboratórios de violências sejam por meio de atitudes
contra os alunos (violência simbólica) ou pela banalização das ocorrências que
fomentam ainda mais as ocorrências, agravadas pela priorização de um ensino sem
aplicabilidade para os estudantes que acaba por favorecer os conflitos. Tendo em vista a
necessidade de reversão deste paradoxo ocorrente cotidianamente nos espaços escolares
e a urgente superação das violências, constata-se a emergência de uma educação para
compreensão a qual envolva a escuta sensível na relação dialógica entre os sujeitos, no
sentido de se perceberem como seres interdependentes para a preservação de si mesmo,
da vida do outro e do planeta.
Em solicitação à UNESCO, Morin (2004) apresentou sete eixos para a
educação do futuro no presente, como possibilidades de caminhos a todos aqueles que
fazem educação e se preocupam com o futuro das crianças e adolescentes do planeta
que habitamos. No entanto, no presente artigo discutiremos o sexto saber “Educar para
a compreensão humana” que, em outras palavras, traduz-se em colocar-se no lugar do
outro e não desejar para o outro o que não se desejaria para si mesmo. Ou seja, uma
compreensão que parte do eu (de si mesmo) para o tu (o outro) legitimando-o, como
Maturana e Varela (1999) e Moraes (2003) assim nos ensinam. Processo que se
estabelece sempre de modo intersubjetivo, na relação dialógica com o outro, buscando
identificar-se à medida que se projeta no lugar do outro pela comunicação interior e
exterior, de aprofundamento e compreensão do sentido dos fatos, dentro de um contexto
mais amplo que os envolvem.
É preciso considerar que no processo de interação entre os indivíduos em uma
organização, a convivência não é plana. E, por não saber lidar com essa situação, que
traz em si toda uma complexidade, os sujeitos perdem a compostura e o equilíbrio
emocional (CASTRO SANTANDER, 2005) e, uma vez não mediados, tais conflitos
resultam em práticas violentas com o aumento de atos infracionais, contravenções e
crimes no interior das escolas.
Nesse sentido, urge, nos espaços escolares, ações que se voltem para a
promoção de diálogos de conscientização sobre a solidariedade entre os sujeitos com a
vida e a morte, “como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da
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humanidade” (MORIN, 2004, p. 93). Sendo esta uma das finalidades da educação do
presente, requer, intersubjetividade e compreensão que pede abertura do coração,
simpatia e generosidade para com o próximo. Um saber para se pensar e se colocar em
prática nos contextos escolares do presente, como possibilidade de construção de um
futuro com pessoas mais conscientes, humanas, emocionalmente saudáveis e que
primam, principalmente, pela vida em plenitude (cf., p. ex., MORIN, 2004; MORAES,
2008).
É, pois, a dificuldade de conviver com o outro que se tem repercutido no
Distrito Federal e em todo o Brasil a ideia de que as escolas têm se tornado territórios de
violências.
METODOLOGIA
Realizada no primeiro semestre de 2008, em quatro cidades satélites da
periferia de Brasília, a pesquisa de natureza descritiva e exploratória, caracteriza-se
como um estudo de casos múltiplos, não representando, porém, a situação geral da
Unidade Federativa. A partir de uma abordagem quanti-qualitativa, a amostra envolveu
1004 informantes entre gestores, professores, estudantes, policiais e servidores de cinco
escolas do ensino fundamental (5º ao 9º ano e aceleração da aprendizagem) dos turnos
matutino e vespertino.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Resultados da pesquisa corroboram em grande parte a literatura, já que esta
evidenciou que sendo o conflito constante nas relações humanas, faz-se necessário
aprender a tratá-lo, evitá-lo, se possível, e resolvê-lo tão logo aconteçam, para preservar
o clima escolar (JARES, 2002). Essas são ações para construir um clima agradável, de
autoridade e confiança, em que o estabelecimento educacional se torne um laboratório
vivo para aprender a conviver tanto na homogeneidade quanto na diversidade, o que só
é possível por meio da escuta sensível, isto é, do ensino à compreensão.
As falas dos vários atores são pertinentes e, se reunidas, poderiam indicar
algumas alternativas relevantes aos gestores tomaram decisões. No entanto, adotavamse medidas por ensaio e erro, tornando os atores ainda mais desacreditados. Ignorando a
percepção dos envolvidos, gestores tomavam decisões pouco eficazes e até mesmo
perigosas para a superação das violências. Por exemplo, atividades de convivência,
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sugeridas pelos estudantes, eram impedidas no afã de evitar conflitos entre eles, não
permitindo, portanto, que eles aprendessem a conviver em grupos, isto é a tolerar,
respeitar as diferenças e o outro.
Os informantes confirmaram viver sob constante clima de tensão e hostilidade,
fugindo ao que se espera da escola. Contradições de informações revelam a falha na
comunicação organizacional, quando se prefere insistir num jogo de culpabilização pela
ocorrência de violências. Os estudantes quando indagados sobre as violências
intraescolares reconheciam que eram as pessoas as responsáveis por tornar esse espaço
violento: “Tipo assim, não é que a escola em si seja violenta, mas os alunos não sabem
resolver as coisas na conversa, entendeu? É só na base da porrada eu acho que isso
poderia ser evitado, com o diálogo” (Aluna, Grupo focal, Escola 2).
A pesquisa revela em números e palavras a necessidade de reformulação dos
currículos convencionais de modo a ensinar o aluno a compreender o outro, por meio de
uma escuta sensível e o reconhecimento das relações de alteridade. Tais aspectos,
amplamente discutidos e recomendados na literatura, são ignorados por boa parte das
escolas que dizem lutar para superação das violências, quando ilusoriamente se insisti
em um ensino conteudista e descontextualizado: “Os professores só dão dever e a nossa
missão é só copiar, copiar, copiar e só isso” (Aluna, Grupo focal, Escola 3). Além dos
estudantes, professores e servidores apontaram que a comunicação organizacional
deveria ser melhor observada pelos gestores.
Além da promoção das atividades de convivência, necessárias para que os
estudantes aprendam a resolver seus conflitos, é preciso acompanhar os alunos,
conforme recomenda Gomes (2005), mediá-los e oferecer-lhes um ensino em que eles
exerçam seu protagonismo e sejam capazes de refletir e dialogar sobre assuntos
emergenciais tais como violências, drogas, racismo, sexo, desigualdades e tantos outros,
despertando o senso crítico e a sensibilidade. Todavia, o ensino oferecido aos estudantes
pouco tem permitido que eles exponham seus pensamentos, ou mesmo reflitam sobre
esses temas. Ao se observar o nível de comunicação nessas organizações é possível
compreender o insucesso das ações escolares frente às violências e na resolução de
outros problemas como, por exemplo, o fracasso escolar, já que não estão organizadas
de modo a favorecer o diálogo. Assim, aspectos como a ociosidade, a falta de
motivação, envolvimento e compromisso do corpo discente, aparecem como fatores que
promovem os desentendimentos. Relatos dos estudantes, nos grupos focais, revelaram
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que o diálogo pouco acontece na escola e muitos gostariam de ser ouvidos: “[A] gente
tem muito prá falar e pouca gente prá ouvir. A gente quer diálogo dos pais, do
professores” (Aluna, Grupo focal, Escola 4). Não havendo boa comunicação entre eles
(estudantes) e os adultos, as relações eram altamente conflituosas.
Uma das escolas, também em situação de risco (Escola 4), apesar de não ser
um modelo de sucesso, vivenciava problemas idênticos às demais instituições
pesquisadas. Mas, por promover uma educação mais humana, sensível e formativa
obteve melhores resultados. Enfatizando a convivência entre os atores, desenvolvendo a
escuta sensível e propiciando a compreensão superava o clima de conflito. Todos
tinham vez e voz no Conselho Segurança Escolar (CSE) para efetivação do Projeto
Segurança Escolar do Ministério Público do Distrito Federal. “É nesses encontros
mensais do CSE que a gente determina quais os problemas e o que a gente pode fazer
para melhorar” (Orientadora Educacional, Entrevista, Escola 4). Verificou-se que
sensibilização e compreensão entre os estudantes, por meio das atividades curriculares e
os momentos de convivência, foram aspectos fundamentais para que a Escola 4
alcançasse resultados satisfatórios na superação das violências. Todavia, esses aspectos,
na maioria das escolas pesquisadas (Escolas 1, 2, 3 e 5), passavam despercebidos pelos
gestores e equipe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o crescente número de violências ocorrentes no cotidiano das escolas e
em nosso redor, não se pode mais continuar adotando medidas paliativas e
experimentais. Como afirma Gomes (2005), a escola não pode tudo, e embora não seja
ela a única responsável, pode um pouco mais. Ensinar a compreensão é, sem dúvida,
uma das medidas mais acertadas no processo de superação das violências. Contudo, os
conflitos, tidos comumente como problema, devem ser vistos como oportunidades de
formação individual e social nesta minissociedade que é a escola. Para tanto, é preciso,
conforme destaca Gomes (2005), educar não apenas por palavras, mas, sobretudo, por
exemplos.
REFERÊNCIAS
CASTRO SANTANDER, Alejandro. Analfabetismo emocional. Buenos Aires: Bonum,
2005.
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GOMES, Candido Alberto. A educação em novas perspectivas sociológicas. 4. ed. São
Paulo: E.P.U, 2005.
JARES, Xesús Rodrigues. Educação e conflito: guia de educação para a convivência.
Porto: Asa, 2002.
MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases
biológicas da compreensão humana. 5. ed. São Paulo: Palas Athena, 2001.
MORAES. Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Rio de
Janeiro: Vozes, 2003.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8. ed. São Paulo:
Cortez; Brasília: UNESCO, 2004.
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