A história social – questões gerais. (Drª Zélia Lopes da
Silva (Assis, 28/5/2004 )
Em 1994, fiz um balanço sobre o percurso da historiografia brasileira na
área de “história social”, indicando, na ocasião, algumas questões
intrigantes quando se pretendia demarcar o percurso do debate neste
campo. Diria que aquelas avaliações ainda não perderam a sua força,
embora tenha ficado ainda mais complexo com os vários rearranjos e
incorporações nas análises, de teóricos antagônicas entre si e distinto do
paradigma originário.
1- A primeira das questões sinalizava para o “movediço” campo
conceitual no qual se inseria os diversos tipos de fenômenos inscritos na
rubrica “história social”. Ali aparecia o movimento operário e as
rebeliões prisionais, os linchamentos, o movimento estudantil e de
mulheres, saques e quebra-quebras. A pergunta era: como pensar
algumas dessas manifestações coletivas, a partir do marxismo,
referencial paradigmático que se constitui em sua negação? Essa
corrente informou análises expressivas neste campo, confundindo-se
tais investigações com a própria vertente teórica que lhes deu suporte.
Antes de avançar, repassemos o próprio conceito visto por
pesquisadores como Maria Isaura Pereira de Queiroz.
• “Os termos “movimentos
sociais” supõem consciência
O conceito de > dos problemas vividos numa
estrutura sócio-econômica e
“movimentos
política injusta – a consciência
sociais”
sendo constituída justamente
da percepção e do
Maria Isaura
conhecimento
dessa
estrutura
Pereira de Queiroz,
e de seus efeitos, mesmo que
no livro História do
sob um modo de percepção
Cangaço, conceitua
religioso” (p.1- entrevista)
os “movimentos
• (Essa definição foi dada para
sociais” da seguinte
reafirmar que o cangaço não
maneira:
tinha esse perfil. Era mais uma
resposta à miséria).
A história social – questões gerais
• Voltando a questão inicial, diria que a análise de alguns
desses fenômenos sequer encontra amparo no âmbito desse
paradigma marxiano que colocava o operário fabril como seu
protagonista e o sujeito condutor do processo revolucionário.
Essa perspectiva informou as reflexões acadêmicas e
direcionou o caminho das lutas no campo das esquerdas por
muito tempo. O aparecimento de outros sujeitos em cena >
não rompeu com esse pressuposto que manteve sua primazia
no âmbito das investigações por muito tempo, uma vez que
ainda aparecia investido da missão de condutor do processo
revolucionário. Assim pensavam os intelectuais de
esquerda, até mesmo aqueles que passaram a contestar
certas leituras do marxismo e o chamado socialismo real,
como os ingleses integrantes da “new left”, a exemplo de
Christopher Hill, E. Hobsbawm, E. P Thompson.
A história social – questões gerais
• 2. O deslocamento do debate, fruto de enfrentamentos e
discordâncias dos comunistas europeus com os soviéticos >
deu origem ao interesse por questões/fenômenos inscritos no
âmbito da resistência individual e da revolta > inscrevendo
outros sujeitos e suas ações, fora do âmbito fabril, na
categoria de “movimentos sociais”.
• Essa reviravolta abriu espaço para estudos das multidões em
cena e para fenômenos qualificados de “pré-politico”,
ocorridos no campo, em experiências históricas distintas, com
foco, por exemplo, no “banditismo social” ocorridos no
México, no Brasil e, em outros países, mais remotamente.
Avaliação que tinha em vista à construção de alternativas
políticas envolvendo a aliança operário-camponês, motivados
pelas inquietações políticas da AL, em clara influência das
revoluções na China e em Cuba.
Redefinições teóricas
• A crise aberta no campo das esquerdas pela insurreição
na Hungria e a busca de alternativas políticas conduziram
os pesquisadores, notadamente os ingleses, à volta ao
passado; isso significou a descoberta dos fenômenos do
campo, como o “banditismo social”, como já foi
mencionado e, também, redefinições teóricas de
categorias como “classe” e “luta de classes”, reviravolta
que desloca, já naquele momento (1959), segundo De
Decca , o operário fabril do centro das investigações e da
condição de sujeito único do processo revolucionário.
O caminho do debate
Assim, o percurso historiográfico da história social no
Brasil, acompanha com certo atraso esse debate e foi
empurrado pela luta contra a ditadura e pelos
movimentos sociais emergentes. Os seus estudos,
entre os historiadores tem inicio nos anos 1970 e vem
no rastro da institucionalização da chamada História
Social, inicialmente preocupada com os fenômenos
sociais urbanos, em particular, com as manifestações
operárias, provenientes do mundo do trabalho fabril.
• As preocupações assentam-se em questões suscitadas
com o golpe de 1964 que deu origem a mudanças de
enfoque historiográfico e recolocou em questão a
história brasileira, autoritária e excludente, com foco
nas elites. Portanto, trazem as marcas do engajamento
político dos intelectuais nos embates da conjuntura.
Os movimentos sociais no Brasil – a
trajetória do debate
• Foi nesse contexto que os estudos sobre os
segmentos populares ganharam relevância,
evidenciando as dificuldades enfrentadas por
tais segmentos — do campo e da cidade —
para expressar os seus interesses e
descontentamentos, mesmo no decurso da
República, que continuou tratando as suas
demandas, com a mesma intolerância e
violência dos períodos iniciais.
Os movimentos sociais no Brasil – a trajetória
do debate
• Sem canais legitimados nas próprias instituições
republicanas para expressar tais interesses, quando o
fizeram foram interpretados como elementos
dissolventes e destruidores da ordem pública, já que a
própria carta republicana estabelecia a distinção entre
cidadãos ativos e passivos, o que definia uma clara
hierarquia para a plenitude dessa atuação, indicando
a não superação de concepções que continuavam
reiterando a ausência de um “povo”, na base da
sociedade brasileira. Tal compreensão pautava-se
pelos parâmetros definidos para a nação, a partir do
modelo liberal à moda americana, que se apoiava no
entendimento do preceito de liberdade, que nos
cânones modernos, significava o direito privado de ir e
vir.
Os movimentos sociais no Brasil
trajetória do debate
• como informa Marco Antonio Villa,
em Canudos. O campo em chamas
• Exemplo disso, são os “levantes” e
figura como um tema quase
manifestações populares nos
esquecido da História do Brasil;
primeiros anos da República, como
quando é citado, aplica-se a ele a
a guerra entre as Forças Armadas e
categoria de “messianismo”,
os seguidores de Antonio
epíteto que desqualifica a luta de
Conselheiro, no sertão da Bahia,
milhares de sertanejos na defesa
entre os anos de 1894 a 1896 e a
de uma nova ordem social. Explica
revolta da vacina, em 1904, na
o autor que cem anos depois de
própria capital federal.
serem exterminados pelo Exército
• Essa revolta contra a vacina,
Brasileiro, Antonio Conselheiro —
assumiu na produção
Antonio Vicente Mendes Maciel —
especializada, o estatuto de
e os principais líderes de Belo
protesto urbano que colocou em
Monte, ainda são considerados
xeque as desventuras autoritárias
fanáticos e loucos.
da política de saúde pública
republicana. Já Canudos, quando • VILLA, Marco A. Canudos.O campo
em chamas. São Paulo: Brasilienese,
foi lembrado ficou circunscrito a
1982(?)
uma rápida menção nas análises
mais gerais sobre esses anos. Ou,
Os novos sujeitos em cena
• Assim, refletir sobre o aparecimento desses novos sujeitos,
homens e mulheres, na cena brasileira e na historiografia, na
área de História, no final dos anos 70 pode ser feito a partir
de dois grandes eixos:
• 1) os movimentos sociais, que emergiram a)de forma
organizada ou não e vinculados alguns à instituições formais
tais como: partidos, sindicatos e associações e se
expressaram a partir de protestos em espaços públicos, por
meio de greves, quebra-quebras, e ainda, as rebeliões
prisionais, que ocorreram nos espaços fechados como as
prisões.
• 2) O outro eixo voltou-se para o estudo da resistência de
sujeitos, contra situações que violavam os seus direitos
elementares de sobrevivência e que foi detectada na esfera
da vida privada ou no âmbito das relações de trabalho, nem
sempre visíveis nos circuitos mais amplos da vida social.
A pluralidade dos movimentos sociais
• Do ponto de vista conceitual, a primeira dificuldade a
enfrentar foi a pluralidade desses movimentos sociais que
emergiram em manifestações distintas e díspares, envolvendo
sujeitos de múltiplas vivências como os escravos, os
trabalhadores fabris, os presos, as mulheres, os anônimos da
multidão envolvidos em saques e quebra-quebras. Enfim, os
desclassificados e excluídos de quaisquer benefícios
oferecidos pela sociedade que manifestaram a sua exclusão
pela simples presença incômoda, nos espaços públicos,
mendigando o pão de cada dia, mas que podem integrar
movimentos de protestos, já que fazem parte da vulnerável
plebe despojada de quaisquer direitos. Como equacionar
essas diferenças e quais as possibilidades de aproximação
entre eles?
• E, também, esclarecer em que contexto o interesse por seu
estudo tornou-se possível.
OS MOVIMENTOS SOCIAIS CHEGAM A CENA PUBLICA E A
ACADEMIA
• Assim, os movimentos sociais urbanos explodiram no cenário
público, e também, na academia no final dos anos de 70.
• Porém, essa trajetória de pesquisa NÃO COMEÇOU NA
ACADEMIA. Os primeiros estudos sobre os operários
brasileiros foram originários de seus próprios quadros de
militantes e trouxeram a marca dessa inserção.
Posteriormente, o deslocamento das reflexões para o
mundo acadêmico reafirmou esse alinhamento, como bem
lembrou Hobsbawn*, até mesmo em aspectos que se
constituíam em suas limitações e alvo de críticas daqueles
militantes, tendência essa evidenciada em vários países.
• -------------------------------------------------------------------------• * HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho.
Os estudos sobre os operários
• Embalados por sinais que evidenciavam certa
abertura política, esses estudos sobre questões
sociais emergiram no cenário acadêmico
resultante de certa esperança de retomada da
democracia no país, e junto com ela, uma outra
história que recuperasse a dimensão plural das
vivências dos brasileiros e não apenas das elites
que haviam dirigido os destinos do país desde
sempre.
• Entre os cientistas sociais o interesse pelo assunto
apareceu ainda nos anos 60.
• Na área de História, a história operária, ganhou
destaque nessas reflexões ainda sob a influência do
ideário marxista, que mantinha a mística de serem
tais sujeitos — enquanto classe — investidos na
missão de condutores do processo revolucionário,
idéia tributária do debate que buscava compreender
o golpe de 1964 e o fracasso da tão sonhada
revolução, nos anos subseqüentes. Afinal, as
indagações que circulavam eram muitas, seguindo
outros caminhos, distintos das abordagens das
ciências sociais.
Os primeiros trabalhos sobre os operários no campo da
História
• Assim, no campo da História, os primeiros trabalhos
enfocando os movimentos sociais e a história
operária, datam do início dos anos de 1980, E ESTÃO
INTIMAMENTE ARTICULADOS ÀS TEMÁTICAS
DESENVLVIDAS NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DA UNICAMP, criado em 1976 que se voltam para
aspectos diversos das vivências das classes populares,
no campo e na cidade.
• As primeiras defesas produzidas naquele programa
discutem o mundo trabalho durante o século XIX
(BARREIRO, J.C.), e aspectos diversos da experiência
operária, de finais do século XIX a década de 70 do
século XX.
A história dos operários – os primeiros
trabalhos
• Como mencionado, embora também enfoquem o
século XIX, uma parte significativa aborda diferentes
aspectos da história operária, do período inicial da
República aos anos 30 do século XX, em diversas
partes do Brasil, tais como: o movimento operário do
Rio de Janeiro, de Juiz de Fora/MG, de Pernambuco e
São Paulo. Este último estado foi bastante
contemplado nas pesquisas, em parte como uma
decorrência do acervo Edgar Leuenroth, que
concentrava farta documentação — a imprensa
operária — das várias correntes políticas que organiza
os trabalhadores, notadamente, em São Paulo.
A História operária – a primeiras pesquisas
• Essas pesquisas abordaram aspectos múltiplos das
relações de trabalho, entre diferentes categorias e
abrangem o processo de trabalho na indústria têxtil
paulista (Ribeiro, 1988), às manifestações públicas dos
operários, através de greves, que se posicionam sobre
as diretrizes que interferem nas relações interclasses,
com a definição da legislação trabalhista no início dos
anos 30 (SILVA, 1990); a vida operária fora da fábrica
(GUZZO DECA, 1987), o perfil dos trabalhadores em
serviços (CRUZ, 1990), o papel da mulher na sociedade
e no mundo do trabalho (RAGO, 1985), e também, a
questão operária dos anos 70 (MARONI, 1982).
A classe operária chega à academia
• Essas pesquisas da área de História, diferentemente do
que ocorria entre as ciências sociais — que se
preocupavam com a fragilidade ou não dessa classe, a
heterogeneidade de sua formação e a precária
participação política na cena brasileira (*) —, se
encaminharam no sentido de tentar compreender o
tipo de formação dessa classe operária, o seu modo de
vida, suas aspirações políticas, e as lutas travadas ao
longo de sua existência.
• -------------------------------------------------------------------------• (*)Nessa perspectiva podemos identificar as pesquisas
de Leôncio Martins Rodrigues, José Albertino
Rodrigues, Maria Hermínia Tavares de Almeida, entre
tantos outros.
As abordagens...
• Além dos enfoques diferenciados, é importante assinalar
que nessas abordagens os marcos sobre a história operária
que foram definidos em antes e depois de 1930 foram
abandonados; evidencia-se, em contrapartida, a postura
crítica em relação a tal recorte que passava por certa
descaracterização da experiência operária sob orientação
das correntes libertárias, vistas como desagregadoras da
própria classe, pelo excessivo caráter econômico de suas
demandas, e pelo radicalismo de sua atuação no espaço
público, com ênfase na ação direta. Além disso, há também
a desmistificação de 1922, data de fundação do Partido
Comunista do Brasil, como o marco re-orientador das lutas
operárias, e uma contundente crítica a visão do “partidoconsciência”, que informava as análises dos cientistas
sociais, sobre o movimento operário brasileiro.
As influências....
• Esses trabalhos acompanhando o debate internacional
tiveram múltiplas inspirações e, alinhamentos políticos,
embora inicialmente, a leitura das obras de Michelle Perrot
e Hobsbawm — notadamente Rebeldes Primitivos e alguns
dos textos posteriormente publicados em Mundos do
Trabalho — tenham sido fundamentais para alguns
pesquisadores. Esses autores expuseram suas pesquisas na
UNICAMP no final dos anos 70, trazendo contribuições
significativas, ao alargar o debate para além do mundo
fabril. Em suas reflexões, apontaram, entre outros aspectos,
os limites de estudos que ficassem circunscritos ao
movimento operário, tomando as posições de uma parcela
da classe pelo seu conjunto, ou ainda, o estudo de suas
instituições, tais como sindicatos e partidos.
Redefinições teóricas
• Porém, em meados da década de 80, as influências foram
outras. A leitura dos autores que integraram o grupo
socialismo ou barbárie, e também, as obras de Michel
Foucault e E. P. Thompson tiveram uma importância enorme
nas reflexões de pesquisadores desse final de década,
diferentemente daqueles anteriormente citados, indicando
divergências políticas que traziam subjacentes as rupturas
decorrentes das avaliações negativas em relação aos
caminhos tomados pelo chamado socialismo real,
desencadeados pelas rebeliões nos países do Leste europeu
que culminaram na invasão da Hungria pela União Soviética.
• A partir daí houve paulatino afastamento de temários antes
consagrados como objetos de reflexão.
• Os balanços feitos pela historiografia brasileira esclarecem
pouco em relação a tais questões, já que o foco é a afirmação das
“crises de paradigmas” diversos sem maiores detalhamentos.
• Nessa direção podemos arrolar reflexões de Claudio Batalha,
autor que ganhou projeção nesse tipo de balanço e nos estudos
sobre o “mundo do trabalho”. Informa o autor que as avaliações
feitas nos últimos anos sobre o que se produziu a respeito da
história operária indicam, além de certo lamento, o desinteresse
de pesquisadores e do público, em relação ao assunto que saiu
de foco com a emergência de muitas crises — de paradigmas, do
socialismo, do sindicalismo — que marcaram o final dos anos
1980 e início dos 90.
As avaliações historiográficas
• Claudio Batalha, descontando os exageros e omissões,
indicou, igualmente, os caminhos dessa produção(*),
informando que a década de 1980 foi um período de grande
prestígio, mas também de perda de interesse ou glamour, e
de pulverização da história do trabalho.
• Ao mesmo tempo, observa que as suas fronteiras tornaramse difusas com sua diluição na história urbana, história das
mulheres e, também, ampliam-se os seus recortes
cronológicos para os séculos anteriores e para a atualidade.
• -----------------------------------------------------------------------------• (*)BATALHA, Cláudio. A Historiografia da classe operária no
Brasil: Trajetória e tendências. In: FREITAS, Marcos Cezar
(Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo:
Contexto, 1998, p. 145-158.; História do Trabalho: um olhar
sobre os anos 90. História. São Paulo: Editora UNESP, v. 21, p.
73-87, 2001.
As avaliações historiográficas
• Na mesma medida, observa Batalha,
consolida-se a crítica aos limites da produção
centrada no eixo Rio/São Paulo, na análise
da História do trabalho, discussão aberta
com o livro História da Indústria e do
trabalho no Brasil (das origens aos anos
vinte), de Victor Leonardi e Francisco Foot
Hardman (FOOT, F. LEONARDI, V. História da
Indústria e do trabalho no Brasil (das origens
aos anos vinte). São Paulo: Global, 1982).
A análise de Claudio Batalha
• Mesmo assim, Batalha* ainda detecta um certo vigor, ao sinalizar
para a continuidade das pesquisas, apesar de reconhecer a
pulverização dos enfoques, com temas cada vez mais específicos.
• Em texto publicado em 2001, na revista História, chega a duvidar
da dimensão das crises assinaladas, considerando-se a ampliação
das pesquisas para outros estados do país, as inovações no uso
de (novas) fontes e o tratamento inovador na abordagem dos
mesmos materiais, que indicam a vitalidade desse campo de
reflexão e não o contrário.
• Ao avaliar os questionamentos feitos, indica o texto Escravidão,
cidadania e história do trabalho no Brasil,publicado em 1998*, de
Silvia Lara, que rediscute a periodização que define a história do
trabalho a partir de 1888.
• ------------------------------------------------------------------------• *BATALHA, Cláudio. História do Trabalho: um olhar sobre os anos
90. História. São Paulo: Editora UNESP, v. 21, p. 73-87, 2001.
Os questionamentos de Silvia Lara -1998
• Sílvia H. Lara* questiona os marcos dessa história que
costuma iniciar no final do século XIX ou nas primeiras
décadas do século XX, e é identificada com a história do
trabalho livre, o que contém um elemento de exclusão
ao deixar de fora o trabalhador escravo. Em relação a
esse aspecto, cabe ressaltar que tal questionamento
não é novo e já fora abordado no texto “Instituições,
trabalho e lutas de classe no Brasil do século XIX”, de J.
C. Barreiro, publicado em 1987 pela Revista Brasileira
de História (colocar o trecho), embora a autora não faça
nenhuma menção.
• -------------------------------------------------------------------• *(LARA, Sílvia H. Escravidão, cidadania e história do
trabalho no Brasil. São Paulo: Projeto História, PUC/SP,
v. 16, p. 25-38, 1998.)
Os questionamentos de Silvia Lara -1998
• Essa demarcação, segundo Lara, ocorreu inicialmente
no campo da historiografia da transição que se propôs
estabelecer uma teoria explicativa para a “passagem”
do mundo da escravidão — composto de seres
coisificados — para o universo do trabalho livre
assalariado, no qual poderíamos encontrar sujeitos
históricos. Ou seja, nessa versão radical o negro escravo
desaparece da história, e o imigrante europeu ocupa o
seu lugar. Essa perspectiva é reiterada nas análises mais
amplas, de historiadores, de cientistas sociais e de
sindicalistas, tornando “a história dos trabalhadores no
Brasil cativa de uma ruptura radical”.
Os questionamentos de Silvia Lara -1998
• Esse deslocamento se desdobra para as análises das lutas dos
trabalhadores que tem como protagonistas apenas os imigrantes
brancos e europeus, firmando-se a convicção que não existiam
“trabalhadores nacionais” no mercado formal de trabalho. Essa
suposição não corresponde aos resultados das pesquisas atuais que
identificam esses trabalhadores em funções que exigiam pouca
qualificação, como carregadores (nas feiras e nos portos), ou
trabalhando nos serviços públicos como varredores de rua, lixeiros,
ou ainda, nos trabalhos pesados nas fábricas, como bem demonstram
George R. Andrews, no livro Negros e brancos em São Paulo. 18881988, e Carlos José Ferreira dos Santos em Nem tudo era italiano. São
Paulo e pobreza (1890-1915) o que é possível inferir que tenham
participado em algum momento nas mobilizações políticas que
ocorreram em diferentes categorias, algumas delas provavelmente
com a presença de negros, como era o caso dos serviços de limpeza
pública na cidade de São Paulo, e também, como estivadores no
porto de Santos. - ANDREWS,
Balanço crítico sobre as exclusões
historiográficas
• Acrescentaria. Ao voltarmos nossa atenção para o
trabalhador do campo, as exclusões e silêncios são
contundentes. O mesmo poder-se-ia dizer, naquele
momento (1998), em relação à participação política
da mulher na cena brasileira que sequer era
mencionada nas análises mais gerais, e se tornaram
tão invisíveis quanto os negros que desapareceram”
da história republicana. Essa situação, na
atualidade, inverteu-se, com os vários trabalhos que
abordam tanto a presença da mulher no cenário
brasileiro quanto dos negros, nas múltiplas
dimensões de suas vidas.
Os trabalhos sobre os afrodescendentes
• Em relação aos homens e mulheres negros, os
trabalhos enfocando diversos aspectos de suas
vivências enquanto cidadãos da república são cada
vez mais freqüentes. Eles cobrem um espectro
espacial amplo, que vai de norte a sul do país e não
apenas concentrado no eixo Rio/São Paulo. Nessas
regiões, as pesquisas já mapearam as vivências
negras, recuperando suas lutas pela sobrevivência e
inclusão no mundo dos brancos, suas práticas
culturais , lúdicas e religiosas, promovidas por
instituições próprias que organizaram a comunidade e
serviram de biombos e deram suporte aos negros para
resistir contra o fardo de seu passado escravo e os
preconceitos que “os tornaram invisíveis”, e cidadãos
de segunda classe.
As pesquisas sobre os afrodescendentes no
período republicano
• Os textos já conhecidos são significativos e
podemos citar alguns, a saber: José Murilo
de Carvalho, em “Os bestializados. A
república que não foi”, que embora trate de
questões mais amplas, aborda a presença do
negro na cidade do Rio de Janeiro, inclusive
participando ativamente de manifestações
de rua, como a revolta da vacina.
As pesquisas sobre os afro-descendentes
• Além dele, temos o artigo de Mônica Velloso, As tias bahianas
tomam conta do pedaço (1990); e de outra área: Claudia Matos,
Acertei no milhar. Malandragem e samba no tempo de Getúlio
(1982). Em São Paulo: O livro de Jeffrey Andrews, Negros e
brancos em São Paulo. 1888-1988 (1998); MORAES, José Geraldo
Vinci de. Metrópole em Sinfonia. História, cultura e música
popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade,
2000; QUINTÃO, Antonia Aparecida. Irmandades negras: Outro
espaço de luta e resistência. (1870-1890). São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2002; Carlos José Ferreira dos Santos. Nem
tudo era italiano. São Paulo e Pobreza (1890-1915). São Paulo:
Annablume/FAPESP, 1998; e de outras áreas os mais conhecidos:
BASTIDE, R. – A imprensa negra do estado de São Paulo. Estudos
Afro-Brasileiros. São Paulo: Perspectiva, p. 129-156, 1973; Iêda. M.
Britto. Samba na cidade de São Paulo (1900-1930): um exercício
de resistência cultural. São Paulo: FFLCH/USP, 1986; FERNANDES,
Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. São
Paulo: Dominus/Editora da USP, 1965.
As pesquisas sobre as mulheres
• Já os pesquisadores que tratam a participação
política das mulheres, no decorrer da República,
têm se dedicado aos períodos mais recentes da
história brasileira, com ênfase nos anos 60, talvez
pelo seu intenso envolvimento nas manifestações
de protesto contra a ditadura, e inserção na
guerrilha, desafiando os mitos em relação à
fragilidade feminina.
As pesquisas sobre as mulheres
• Porém, essas investigações não ficaram restritas
apenas aos temas da atualidade. Vários trabalhos
abordaram diferentes aspectos da história e da vida
das mulheres, merecendo destaque o livro História
das mulheres no Brasil (1997), organizado por Mary
Del Priori(*), por reunir textos de vários autores que
vêm estudando questões diversas envolvendo o
mundo feminino, do período colonial à atualidade,
em espaços distintos do país.
• --------------------------------------------------------------• (*)DEL PRIORI, M. (Org.) História das mulheres no
Brasil. São Paulo: Editora UNESP/Contexto, 1997.
As pesquisas sobre as mulheres
• As lutas travadas pelas mulheres brasileiras, do século XIX aos anos
40 do século XX foram abordadas por June E. Hahner, no livro
Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no
Brasil. 1850-1940(*), no qual a autora discute, a partir de extensa
pesquisa em variada documentação, a trajetória e a luta percorrida
pelas mulheres brasileiras visando sua emancipação, tais como: o
direito aos estudos, inclusive universitário, ao exercício de qualquer
profissão, e ao voto, reivindicações consideradas fundamentais para
sua emancipação, e conquista da cidadania plena.
•
•
•
------------------------------------------------------------------------------------(*)HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino. A luta pelos direitos da mulher no
Brasil. 1850-1940. Florianópolis: Editora Mulheres, 2003.
As pesquisas sobre as mulheres
• A lista de estudos já é significativa, da mesma forma a existência
de grupos organizados de pesquisadores que militam em
diversas frentes, em fóruns diversos, e em diferenciados níveis
pelo Brasil afora, inclusive com imprensa própria, como é o caso
de Cadernos Pagu que se encontra no Scielo, Editoras específicas
(Mulheres/SC).
• Os temas pesquisados são variados, voltando-se para aspectos
diversos e, também, as especificidades de situações decorrentes
das atividades desempenhadas pelas mulheres tais como: a
imprensa feminina, estudos dedicados a categorias até não
pesquisadas como as domésticas, as mulheres cientistas e os
sindicados criados e dirigidos por mulheres, como em Ibitinga/SP
redefinindo as relações de trabalho no setor de bordados.
• Os enfoques teóricos são diversos. As autoras transitam por
teóricos e paradigmas distintos, certamente influenciadas por
concepções que se beneficiaram com as mudanças no campo
historiográfico que trouxeram as questões de gênero para o
centro do debate.
Considerações finais
• Enfim, creio ter retraçado os caminhos do debate, feito pela
historiografia, nos últimos anos sobre as pesquisas no campo da
historia social e no seu âmbito os movimentos sociais no Brasil. É
digno de nota os deslocamentos de enfoques teóricos, pouco
explorados nesses balanços.
• Ariscaria dizer, apesar do núcleo dessa reflexão ser de 2004, que a
trajetória das pesquisas não apresenta modificações significativas,
apesar dos estudos estarem ampliados para todo o Brasil, fruto da
expansão dos programas de Pós-Graduação na área de História, em
diversos estados brasileiros, trazendo novas abordagens de
aspectos e de categorias de trabalhadores, temas e fontes diversas
até então não investigados.
Considerações finais
Porém, em alguns programas há linhas de pesquisa que se dedicam aos estudos
de temáticas vinculadas à história social, subordinadas ao título genérico de
“mundos do trabalho”, como é o caso da UNICAMP/SC envolvendo sujeitos
diversos e suas práticas políticas e culturais. Esse grupo tem uma produção
sistemática e dinâmica, com participação em fóruns distintos, inclusive na
ANPUH, mantendo a revista Mundos do Trabalho( feita pela Programa de PósGraduação de UFSC), cuja origem é o Grupo Temático, institucionalizado na
ANPUH.
2. No Rio Grande do Sul também o temário tem sua vitalidade, a partir de autores
que continuaram a desenvolver suas pesquisas, com foco de irradiação a partir da
própria Pós-Graduação.
Esse GT agrega pesquisadores que promovem atividades diversas, além dos
encontros acadêmicos, com produções coletivas como a elaboração do Dicionário
do Movimento Operário, a partir dos Estados brasileiros. Já foi publicado pela
Perseu Abramo o primeiro volume relativo ao Rio de Janeiro, a 2ª parte de
responsabilidade de Claudio Batalha.
Considerações finais
A mesma questão projetou-se nas pesquisas que enfocam
as questões de gênero, como já assinalei anteriormente.
Nesses temas surgidos inicialmente no âmbito da história
social e, posteriormente, deslocados para “história
cultural”, “história das mulheres”, as imagens como
fontes ganharam projeção, em especial a caricatura, não
por modismo mas porque elas estão presentes na
imprensa que deu suporte aos próprios movimentos
sociais ao longo do tempo.
A autora (Zélia Lopes da Silva)Assis, maio de 2011
•
Bibliografia
• BATALHA, Cláudio. História do Trabalho: um olhar sobre os anos 90. História. São
Paulo: Editora UNESP, v. 21, p. 73-87, 2001.
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Apresentação-A história social em debate.