CALOR,
FADIGA E
HIDRATAÇÃO
BASIL RIBEIRO
TÍTULO: Calor, Fadiga e Hidratação
© 2010, Basil Ribeiro
© 2010, Texto Editores
REVISÃO: Eda Lyra e Texto Editores
CAPA: Luís Alegre
PAGINAÇÃO: Júlio Matias
1.a Edição: Outubro de 2010
ISBN: 9789724743479
Reservados todos os direitos.
Texto Editores, Lda.
[Uma editora do grupo leya]
Rua Cidade de Córdova, n.o 2
2610-038 Alfragide – Portugal
www.textoeditores.com
www.leya.com
ÍNDICE
Prefácio
19
1. Calor e exercício físico
21
1.1 Introdução 21
1.2 Aquecimento corporal 22
1.2.1 Exposição a ambiente quente 23
1.2.2 Taxa metabólica do exercício 23
1.2.3 A acção de toxinas (febre) 25
1.3 Agressão térmica 26
1.3.1 Cálculo do WBGT 26
1.3.2 Medição da temperatura corporal 27
1.3.3 Locais e técnicas 28
1.3.4 Temperatura corporal média 38
1.4 Termo-regulação 39
1.4.1 Sistemas de controlo 39
1.4.2 Hidratação 39
1.4.3 Fluxo sanguíneo cutâneo 40
1.4.4 Transporte do calor 41
1.4.5 Gradiente térmico 41
1.5 Mecanismos de arrefecimento corporal 44
1.6 A sudação 44
1.6.1 Introdução 44
1.6.2 Factores que influenciam a sudação 46
1.6.3 Consequências no volume sanguíneo 50
1.6.4 Taxa de sudação 51
1.6.5 Conclusão 52
2. Hipertermia e rendimento físico
55
2.1 Introdução 55
2.2 Hipertermia de esforço 61
2.3 Metabolismo energético 62
2.4 Temperatura ambiente e rendimento
2.5 Efeito de várias temperaturas ambiente
2.6 Hipertermia com desidratação
2.7 Hipertermia e rendimento anaeróbio
2.8 Mecanismo da hipertermia
2.9 Temperatura corporal na exaustão
2.10 Proteínas do choque térmico
2.11 Em resumo
60
64
65
66
66
68
70
71
72
74
76
77
3. Fadiga e exaustão
79
3.1 Introdução
3.2 Definição de fadiga / exaustão
3.3 Testes de avaliação da fadiga
3.4 Causa da exaustão: central ou periférica?
3.5 O sistema serotoninérgico
3.6 A actividade dopaminérgica
3.7 Os aminoácidos de cadeia ramificada
3.8 A interleucina
3.9 O glicogénio muscular
3.10 Temperatura crítica
3.11 Ingestão de líquidos
3.12 Imunidade
3.13 Em conclusão
79
80
80
81
97
99
101
105
106
107
111
112
113
4. A desidratação
115
4.1 Definição
4.2 Efeitos fisiopatológicos
4.3 Rendimento cognitivo
4.4 Desidratação voluntária
4.5 Efeitos da desidratação
115
116
118
118
119
2.3.1 Taxa de oxidação dos carboidratos
2.3.2 Ácido láctico
2.3.3 Influência do arrefecimento no lactato
2.3.4 Aclimatização e lactato
4.6 Sede ou desidratação?
4.7 Desidratação em ambiente frio
4.8 Desidratação até 3% do peso corporal
4.9 Desidratação superior a 3% do peso corporal
4.10 Desidratação superior a 6-7% do peso corporal
4.11 Perda de sódio pelo suor
4.11.1 As glândulas sudoríparas écrinas
4.11.2 Concentração de sódio no suor
4.11.3 Sódio e cãibras
4.11.4 Teste prático para medição do sódio no suor
4.11.5 Fibrose quística
4.12 Desidratação e exercício anaeróbio
4.13 Desidratação e desportos colectivos
4.13.1 Críquete
4.13.2 Futebol
4.13.3 Basquetebol
4.14 Ambiente hormonal
4.14.1 Hormona vasopressina ou antidiurética
4.14.2 Aldosterona
4.14.3 Sistema renina-angiotensina II
4.14.4 Peptídeo natriurético auricular
4.14.5 Prolactina
4.14.6 Insulina
4.15 Drift cardiovascular
4.15.1 Introdução
4.15.2 Causas directas
4.15.3 Etiopatogenia
4.15.4 O aumento da frequência cardíaca
4.15.5 A diminuição do volume plasmático
4.15.6 O fluxo sanguíneo cutâneo
4.15.7 Prevenção
4.15.8 Hidratação
4.15.9 O arrefecimento ao longo da prova
4.15.10 Cafeína
4.15.11 Implicação na prescrição do exercício físico
4.15.12 Conclusão
120
121
122
124
125
125
126
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155
155
157
158
159
159
5. A sede
161
5.1 Definição
5.2 Quando surge a sede?
5.3 Sede e ambiente frio
5.4 Sede e ingestão de líquidos
5.5 Quantificação da sede
5.6 Utilidade da sede
5.7 A opinião de Timothy Noakes
5.8 Sede e nadadores
5.9 O idoso
161
162
163
163
164
164
166
167
167
6. Clínica da hipertermia
e da desidratação
171
6.1 Introdução
6.2 Onda de calor e morte
6.3 Factores de risco
6.4 Idoso e risco de hipertermia
6.5 Risco de hipertermia na actividade laboral
6.6 Avaliação do atleta com doença pelo calor
6.7 Síndromas de agressão térmica
6.7.1 O rash cutâneo pelo calor
6.7.2 O edema
6.7.3 As cãibras
6.7.4 Síncope pelo calor
6.7.5 A exaustão ou colapso pelo calor
6.7.6 Lesão pelo calor
6.7.7 O choque térmico
6.7.8 A hiponatremia / sobrecarga de líquido
6.7.9 Hipernatremia
6.7.10 A rabdomiólise
6.7.11 Agressões gastrointestinais
6.8 Prevenção geral da agressão térmica
6.9 Avaliação das condições ambientais
6.10 A finalizar
171
171
172
174
177
177
181
181
181
181
190
191
196
196
212
223
224
226
231
233
233
7. Medidas para diminuir
a agressão térmica
235
7.5.10 Últimas notas
236
238
238
239
241
241
241
242
247
251
251
264
270
274
282
8. Aclimatização
285
8.1 Introdução
8.2 Aclimatização e aclimatação
8.3 Especificidade
8.4 Tipos de aclimatização
8.5 Adaptações fisiológicas
8.6 Vestuário impermeável
8.7 Aclimatização no idoso
8.8 Aclimatização em crianças e adolescentes
8.9 O sódio e outros electrólitos no suor
8.10 Duração do período de aclimatização
8.11 Início dos benefícios
8.12 Desaparecimento das adaptações
8.13 Recomendações para uma melhor
aclimatização
285
286
286
287
287
290
291
292
294
299
300
301
7.1 A hora do dia da actividade física
7.2 Vestuário
7.3 Condição física
7.4 Psicologia
7.5 O pré-arrefecimento
7.5.1 Introdução
7.5.2 Calor e rendimento
7.5.3 O armazenamento de calor
7.5.4 Resposta da frequência cardíaca
7.5.5 Análise da variabilidade da frequência cardíaca
7.5.6 Métodos de pré-arrefecimento
7.5.7 Efeito no rendimento físico
7.5.8 Eficácia no exercício de resistência
7.5.9 Pré-arrefecimento na patologia crónica
301
9. Água e sódio
303
9.1 Distribuição da água corporal
9.2 Necessidade diária de água
9.3 Ganho de água corporal
9.4 Perda de água corporal
9.5 O rim
9.6 Os principais electrólitos
9.7 O sal
303
304
305
306
307
307
308
10. Hidratação
311
10.1 Introdução
10.2 Definições do estado de hidratação
10.3 Factores que influenciam o estado de hidratação
10.4 Definição de desidratação
10.5 Tipos de desidratação
10.6 Sinais e sintomas da desidratação
10.7 Avaliação do estado de hidratação
311
313
314
315
316
317
317
318
323
326
330
336
336
337
337
338
339
340
340
342
344
352
352
354
355
10.7.1 Variação do peso corporal
10.7.2 Alterações analíticas
10.7.3 Saliva
10.7.4 Análise da urina
10.7.5 Bio-impedância eléctrica
10.7.6 Resumo final
10.8 Ingestão de fluidos
10.8.1 Introdução
10.8.2 O acto de beber
10.8.3 Os idosos
10.8.4 As mulheres
10.8.5 Ingestão ad libitum
10.8.6 A desidratação voluntária
10.8.7 Factores que influenciam a ingestão de fluidos
10.9 Esvaziamento gástrico
10.9.1 Introdução
10.9.2 Temperatura/volume da bebida e esvaziamento gástrico
10.9.3 Temperatura ambiente
10.11.3 Composição
356
358
361
362
362
364
365
365
365
366
11. Hidratação antes da actividade
física
367
11.1 Introdução
11.2 A hiper-hidratação prévia
11.3 A sobrecarga de sódio
11.4 Glicerol
11.5 Hiper-hidratação e termo-regulação
367
369
370
372
374
12. Hidratação durante o exercício
físico
379
10.9.4 Estado de hidratação prévio
10.9.5 Tipo de exercício
10.9.6 Composição da bebida
10.10 Intestino e cólon
10.10.1 Introdução
10.10.2 O estômago e o intestino são treináveis?
10.11 Bebida desportiva
10.11.1 Definição
10.11.2 Directiva da Comissão Europeia
379
380
381
385
387
389
391
392
393
396
12.10.1 Carboidratos 396
12.10.2 Sódio 403
12.10.3 Ingestão de outros nutrientes 406
12.1 Introdução
12.2 Objectivo da reposição hídrica
12.3 Vantagens da hidratação ao longo da prova
12.4 Factores que influenciam a escolha da bebida
12.5 Tipo de bebida
12.6 Volume de líquido
12.7 Importância da sede
12.7 Momento da ingestão
12.9 Desidratação voluntária
12.10 Composição
13. Hidratação após a actividade
física
13.1 Introdução
13.2 Importância do sódio e do volume ingeridos
13.3 Potássio na bebida
13.4 Tipo de bebida e diurese
13.5 Volume a ingerir
13.6 A via endovenosa
13.6.1 Discussão
13.6.2 Hidratação oral vs endovenosa
13.6.3 Aspectos éticos
13.7. Composição da bebida
13.7.1 Carboidratos
13.7.2 As proteínas na recuperação muscular
13.8 Leite
13.8.1 Reposição hídrica
13.8.2 Proteínas do leite
13.8.3 Leite e musculação
13.8.4 Leite achocolatado
13.9 Comida sólida
13.10 Álcool
13.10.1 Introdução
13.10.2 Efeito diurético
13.11 Cafeína
13.11.1 Introdução
13.11.2 O que é?
13.11.3 Consumo de cafeína
13.11.4 Farmacocinética
13.11.5 Mecanismo de acção
13.11.6 Efeitos no organismo
13.11.7 Ácidos gordos livres e cafeína
13.11.8 Carboidratos e cafeína
13.11.9 Electrólitos e cafeína
13.11.10 Aparelho digestivo e cafeína
13.11.11 Diurese e cafeína
13.11.12 Tolerância à cafeína
409
409
410
412
413
417
418
418
425
427
428
428
429
439
439
442
444
449
450
451
451
451
453
453
453
454
454
457
459
459
461
462
463
464
466
468
13.12 Conclusões 473
13.13 Recomendações da NATA
(National Athletic Trainers Association) 477
13.14 Recomendações da FEMEDE
(Federação Espanhola de Medicina Desportiva) 477
13.15 Resumo final 478
13.11.13 Rendimento físico
14. Gravidez
481
14.1 Introdução
14.2 Produção de calor materno
14.3 Taxa de sudação
14.4 Hipertermia e efeito teratogénico
14.5 Exercício físico e crescimento intra-uterino
14.6 Exercício dentro de água
14.7 Recomendações
481
482
483
483
485
486
487
15. Pediatria
489
15.1 Introdução
15.11 Recomendações da Academia Americana de Pediatria
489
489
493
495
499
502
504
506
507
507
507
508
508
510
511
Referências
513
15.2 Desvantagens na termo-regulação
15.3 Vantagens na termo-regulação
15.4 Agressão térmica
15.5 Influência no rendimento físico
15.6 Desidratação voluntária
15.7 Composição da bebida e ingestão voluntária
15.8 Aclimatização
15.9 Fibrose quística
15.9.1 Definição
15.9.2 Manifestações clínicas
15.9.3 Diagnóstico
15.9.4 Actividade física
15.10 A obesidade e a termo-regulação
Este livro é dedicado às minhas filhas Eva e Andreia, não só porque
abdicaram do nosso tempo, do tempo para estarmos juntos, mas também
porque me dão uma alegria enorme em ser pai.
Este livro foi feito também a pensar em todos aqueles que treinam
e competem, de modo mais ou menos intenso, em ambientes quentes,
fatigantes, desidratantes, para que possam prevenir a doença de causa
térmica, melhorar o rendimento e sentirem-se mais felizes durante a sua
actividade física.
Capítulo 18
Prefácio
Quando, há algumas semanas, o Dr. Basil Ribeiro me convidou a
escrever o prefácio desta sua nova obra Calor, Fadiga e Hidratação
achei que, além do imenso orgulho de poder prefaciar este seu livro,
alguém lhe teria soado ao ouvido sobre aquela epopeia que foi o
Campeonato Mundial de Futebol de Sub-vinte anos na Nigéria, em
1999, em condições quase surrealistas, com temperaturas que rondavam os 40 oC e onde a água, além de escassa, valia o preço do ouro.
Ditou o sorteio que a equipa nacional ficasse instalada em Enugu
(antigo Biafra), região marcada pelo peso da História, pela fome, por
atrocidades impensáveis. Valeu na altura a prospecção do terreno,
feita quatro semanas antes, e a constatação, antecipada, da realidade
que me levou a organizar, juntamente com os nossos impagáveis
cozinheiros, um «farnel» de dois contentores, onde não faltavam alimentos com cheiro a Portugal e cerca de 3000 litros de água lusitana. As críticas choveram, «o doutor está doido», mas foi a minha
teimosia que permitiu que atletas e comitiva pudessem ultrapassar
um campeonato do mundo que poderia ter tido consequências
médico-sanitárias muito preocupantes.
Não ganhámos títulos, nem sequer chegámos às meias-finais, mas
fomos campeões da prevenção, da organização, da logística, da higiene,
do rigor, num contexto de acompanhamento médico estreito, de
monitorização da fadiga, de controlo da hidratação e da adaptação a
temperatura e humidade do ar, verdadeiramente hostis.
É a compreensão desta «Operação Nigéria» que o Dr. Basil, colega e amigo, nos irá mostrar nesta obra de inquestionável valor didáctico, cuidada, globalizante e que, certamente, irá enriquecer, de uma
maneira marcante, a Medicina Desportiva, em Portugal.
Quem me dera poder ter lido este livro há 10 anos!
A Amizade e o Reconhecimento
Henrique Jones
Médico da Selecção Nacional de Futebol
Capítulo 1
Calor e exercício
físico
1.1 Introdução
A temperatura corporal interna, sujeita a um ritmo circadiano, é
regulada dentro de uma pequena amplitude que varia entre 0,3 e
0,4 ºC. Sobe durante o dia e diminui durante a noite. O conforto
térmico identifica o bem-estar perante determinada temperatura
ambiente, varia numa amplitude maior, sendo habitualmente desagradável fora do intervalo de 18 a 27 ºC, em que as mulheres são
mais sensíveis ao ambiente frio. Nos idosos, o ritmo circadiano está
mais avançado, tem menor amplitude e menor estabilidade, o que
poderá ser causado por menor resposta da termo-regulação à melatonina[359].
O organismo funciona bem se a temperatura corporal variar apenas entre 36,5 e 40,0 ºC[21]. O calor, apesar de agradável, pode constituir um problema de saúde, especialmente quando o corpo
aumenta a taxa metabólica em ambiente quente, laboral ou desportivo. Com temperaturas do corpo superiores a 41 ºC, o Homem apenas consegue sobreviver durante curtos períodos de tempo, ao passo
que as proteínas começam a destruir-se quando a temperatura corporal atinge 45 ºC[21] [323]. Contudo, desde que adequadamente
Calor, Fadiga e Hidratação
protegido, o ser humano pode suportar temperaturas externas entre
-50 e +100 ºC. Para estar confortável e sem agressão térmica, o trabalhador (vestido) deverá estar num ambiente com uma temperatura de cerca de 20 ºC se trabalhar sentado ou em pé, mas a
temperatura poderá ser inferior se ele for mais activo[21]. Os sujeitos doentes (febre, infecções respiratórias, gastroenterites), os muito
novos ou os mais idosos, os fisicamente descondicionados e os não
aclimatizados são os que têm mais riscos[323]. Os idosos poderão
estar mais vulneráveis à hipo e à hipertermia nos períodos de stress
térmico endógeno e/ou exógeno[4], mas quando os efeitos das
doenças são minimizados a tolerância ao calor é pouco comprometida[124]. O organismo humano suporta melhor a hipotermia do
que a hipertermia, dado que esta é de mais difícil controlo e normalização[21].
Os atletas jovens também ficam vulneráveis quando praticam actividade física em ambiente quente. No torneio de futebol de Verão
(Julho), realizado nos EUA, verificou-se que nos anos com temperatura e humidade ambiente muito elevadas (1988 e 1995), a taxa de
novos casos de agressão/doença pelo calor aumentou em relação aos
anos ditos normais, e que as jovens atletas femininas tiveram a probabilidade 1,6 vezes superior em relação aos colegas masculinos de
contraírem doença causada pelo calor. As taxas globais ao longo de
10 edições foram iguais a 0,64 e a 1,45 por 1000 horas-jogador, respectivamente em rapazes e raparigas[126]. A prática desportiva com
valores de temperatura e de humidade relativa (HR) superiores a
35 ºC e 60%, respectivamente, criam condições ambientais de difícil
compensação por parte do organismo humano, que obrigam o atleta
a diminuir a velocidade de corrida para prevenir as lesões térmicas, e
os organizadores a cancelarem ou a adiarem os eventos desportivos[317]. De acordo com Nielsen, B., a possibilidade de comprometimento do rendimento e de aparecimento de agressão térmica está
apenas determinada pelas condições ambientais, pela intensidade de
esforço e pela produção de calor[317].
22
1.2 Aquecimento corporal
O aumento da temperatura corporal acontece mais frequentemente por[271]:
• exposição a ambiente quente;
• aumento da taxa metabólica pelo trabalho físico;
• acção de toxinas (febre), com consequente aumento do metabolismo.
1.2.1 Exposição a ambiente quente
A pele é aquecida através da exposição directa ao sol por acção
dos raios infravermelhos (energia radiante)[345]. O corpo também
aquece porque recebe calor do meio ambiente circundante mais
quente (calor exógeno)[323] [408]. Simultaneamente existe a radiação
ultravioleta que actua sobre os queratócitos cutâneos, os quais produzem a pró-opiomelanocortina. Esta aumenta a produção local de
␤-endorfinas, as quais têm efeito analgésico e eufórico, daí a sensação de bem-estar aquando da exposição à acção da luz directa do
Sol[345].
1.2.2 Taxa metabólica do exercício
O calor metabólico decorrente da contracção muscular, mas também do restante metabolismo celular, produz calor interno[323] [408].
A medição do consumo de oxigénio permite calcular a quantidade de
calor produzido internamente. O consumo de 1 litro de oxigénio
produz cerca de 4,8 kcal (2,4 mJ) de calor[21]. No adulto médio, a produção metabólica de calor no estado de jejum e em completo repouso é cerca de 60 a 70 kcal/hora, enquanto na actividade física intensa
pode ser produzido até 1000 kcal/h, onde mais de 90% do calor produzido tem origem muscular[39]. Durante a actividade física, 75 a 80%
da energia utilizada aparece sob a forma de calor, sendo a restante utilizada para a produção de movimento[153] [324] [408]. Astrand et al. referem que a eficiência mecânica (relação entre o trabalho externo e a
energia extra utilizada) varia entre 0 e 50% de acordo com o tipo de
exercício, sendo quase sempre inferior a 25%[21]. Comparado com o
stress térmico passivo, a formação de calor pela contracção muscular
dinâmica aumenta rapidamente a temperatura interna, a que se segue
o aumento adequado da taxa de sudação[402].
A temperatura corporal durante um jogo de futebol sobe tipicamente para 39-40 ºC (referido em[408]), dependendo naturalmente
das condições ambientais. No final de um jogo de futebol do campeonato da 1.a divisão, na Suécia, todos os jogadores tinham temperatura rectal superior a 39 ºC[25]. A desidratação também deve ser
considerada. Verificou-se um aumento de 0,28 ºC da temperatura
interna (e mais 7 batimentos cardíacos) acima do valor encontrado
no estado de eu-hidratação por cada 1% de aumento da desidratação corporal, durante a realização de exercício físico (50% do
VO2 máx.), em ambiente quente (40 ºC), por basquetebolistas[23].
O sujeito treinado perante a carga de treino elevada produz
grande quantidade de calor interno e pode demorar menos de 10
Calor e exercício físico
23
Calor, Fadiga e Hidratação
24
minutos para que a sua temperatura interna atinja 40 ºC, mesmo
com temperatura ambiente superior apenas a 25 ºC[333]. Mas quando
a produção metabólica de calor é superior à capacidade de perder
calor pela evaporação, a temperatura corporal sobe excessivamente
em relação à intensidade de esforço[317].
A intensidade do esforço condiciona a produção de calor interno.
Quanto maior a intensidade do exercício, maior é a quantidade de
calor produzido[21]. A produção metabólica de calor em consequência da contracção muscular aumenta a carga térmica interna que é
proporcional à intensidade do exercício [85]. O calor produzido
durante o exercício físico intenso é 15 a 20 vezes superior ao produzido em repouso e pode aumentar a temperatura corporal 1 ºC cada
cinco minutos de actividade física, se não houver remoção adequada
do calor[7]. Esta conclusão tem grande importância prática, pois percebe-se que a inactividade física é um péssimo modo de perder
peso, uma vez que o gasto energético é mínimo (corresponde à
energia contida numa maçã média). Produz-se vinte vezes mais
energia na actividade física máxima, 75% da qual é convertida em
calor em vez de trabalho mecânico[27].
O modo de execução do exercício físico influencia a produção de
calor metabólico, pois verificou-se que no teste em cicloergómetro,
em compartimento quente (36 ± 0,3 ºC; 29 ± 1% HR), realizado
por 7 ciclistas treinados (27 ± 0,6 anos de idade; VO 2 máx.=
= 4,3 ± 0,1 l/min.), para a mesma quantidade de trabalho realizada,
a temperatura rectal subiu mais (p < 0,05) quando o exercício foi
realizado com intensidades variáveis (⌬ 1,6 ± 0,1 ºC) do que quando foi executado com carga constante (⌬ 1,3 ± 0,1 ºC) ao longo
dos 90 minutos de prova[299]. Isto é, apesar da mesma produção de
calor interno (mesma carga de trabalho), o armazenamento de calor,
com consequente aumento da temperatura interna, foi superior com
a realização do exercício de intensidade variável (1,5 minutos a 90%
do VO2 máx. alternando com 4,5 minutos a 50% do VO2 máx.). Esta
conclusão tem implicações práticas, pois dever-se-á aconselhar as
pessoas mais vulneráveis ao calor a praticarem exercício físico de
modo contínuo, evitando os curtos períodos de maior/alta intensidade (vulgo «séries») nos ambientes quentes. Naquele estudo verificou-se que a temperatura corporal e o armazenamento de calor
foram superiores (26%; p < 0,05) no exercício de intensidade variável, o mesmo acontecendo no final com a concentração plasmática
de lactato e com o índice de esforço fisiológico (calculado a partir
da temperatura rectal e da frequência cardíaca)[299].
A realização de exercício em bicicleta de modo intermitente, três
períodos de 30 minutos seguidos de intervalos de 15 minutos,
provocou menor acumulação térmica interna, apesar das taxas de
produção de calor terem sido semelhantes durante os três períodos
de actividade. Verificou-se que a quantidade adicional de calor acumulado no corpo após o primeiro ciclo de exercício/repouso foi
significativamente inferior após o 2.º e o 3.º ciclos de exercí cio/repouso. Ou seja, ao longo dos três ciclos verificou-se aumento
do armazenamento de calor e da elevação da temperatura interna,
mas a dimensão do aumento foi progressivamente menor no 2.º e
no 3.º ciclos, o que foi devido a maior capacidade corporal em dissipar calor durante o período do exercício. Apesar do calor acumulado
no final de cada um dos períodos de exercício ser progressivamente
maior, a taxa de perda de calor em cada um dos períodos de repouso
foi igual, o que levou os autores a sugerirem a existência de factores
de origem não térmica na modulação do controlo térmico para a
perda de calor corporal nas sessões intermitentes de actividade
física[223].
O tamanho corporal tem implicações na produção metabólica de
calor, observando-se que os atletas mais leves produzem menos calor
metabólico para qualquer velocidade de corrida. Por outro lado, a
perda de calor depende da área da superfície cutânea. De acordo
com estes conceitos, e segundo os cálculos de Dennis, S. C. et al., o
corredor de 45 kg pode manter o balanço térmico ao correr a maratona em 2h13, enquanto o corredor mais pesado apenas o poderá
fazer em 3h28, num ambiente quente e húmido (35 ºC; 60% de
HR)[108]. A temperatura interna de jogadores de futebol americano,
no início do treino intenso (95 minutos de duração), realizado em
Junho, aumentou rapidamente em 10-20 minutos para 38,3-38,8 ºC
e depois para 39,4-40,2 ºC[124].
Em resumo, quanto maior a velocidade de corrida e maior a
dimensão corporal, maior será a produção de calor metabólico[298] [324]. Os atletas que necessitam de menor taxa metabólica
para executar o seu desporto, assim como os de menor tamanho e peso, são os que produzem menos calor para ser dissipado através da pele, pelo que tolerarão com mais facilidade
valores de humidade relativa superiores[317].
1.2.3 A acção de toxinas (febre)
O terceiro elemento que compromete a homeostasia térmica interna é a doença[413], a qual poderá originar febre (e/ou hipo-hidratação). A tríada constituída pelo ambiente quente, exercício físico e
febre constitui uma associação muito perigosa para o corpo humano
que se vê incapaz de controlar a temperatura interna por falência da
Calor e exercício físico
25
termo-regulação. Se se associar a desidratação, que nestas condições
acabará por surgir, então estão criadas as condições para o choque
térmico iminente. A desidratação origina diminuição do volume
sanguíneo, com consequente hemoconcentração[181] e maior esforço
cardiovascular devido à diminuição do volume sistólico[391].
1.3 A agressão térmica
A agressão térmica depende de quatro factores, que em conjunto
formam o índice WBGT (wet bulb globe temperature), usado para
determinar a quantidade de actividade que pode ser realizada em
ambiente quente[39] [323]:
1) humidade relativa (quantidade de vapor de água no ar);
2) radiação solar, do chão ou de outras fontes;
3) temperatura do ar;
4) velocidade do ar/vento.
1.3.1 Cálculo do WBGT
Determina-se a partir das temperaturas wet-bulb (wb), dry-bulb
(db) e black-globe (bg) (várias referências citadas em[39]):
WBGT = 0,7 Twb + 0,2 Tbg + 0,1 Tdb
onde Twb é o indicador da humidade relativa, Tbg é a temperatura
ambiente e Tdb é o parâmetro quantificador da radiação solar[452].
Quando não existe energia radiante, Tdb é igual a Tbg e a nova fórmula é[384]:
Calor, Fadiga e Hidratação
WBGT = 07 Twb + 0,3 Tdb
26
Esta fórmula dá grande importância à humidade ambiente
(0,7 Twb) e à evaporação do suor na perda de calor corporal. Quanto mais suor não evaporado ocorrer, mais a temperatura corporal se
eleva o que, por sua vez, induz mais sudação (sem evaporação consequente) e consequente desidratação corporal[452].
O parâmetro Twb é medido num termómetro que está envolvido
num pano bem molhado e não imerso em água, enquanto o Tbg é
medido após a introdução do termómetro num globo preto, de metal,
estandardizado. Estes dois parâmetros medem-se com exposição solar
directa. O Tdb refere-se à temperatura do ar medida à sombra, por um
termómetro não exposto directamente à radiação solar[11].
A utilização deste índice para alterar as actividades físicas nos
ambientes de alto risco, eliminou virtualmente as mortes relacionadas com a agressão térmica nos recrutas marines dos Estados Unidos
da América (referido em[39]). Recomenda-se que não se realizem
eventos de resistência quando este índice for superior a 28 ºC[323],
mas aquando da utilização de muita roupa ou equipamento aquele
valor deve ser inferior[39]. A Associação Canadiana de Atletismo
recomenda que uma corrida longa deve ser cancelada se o índice
WBGT for superior a 26,7 ºC[39], enquanto o Colégio Americano
de Medicina Desportiva nas directrizes de 1996 põe como limite o
valor de 28,0 ºC (risco «Muito perigoso»), aconselhando o adiamento da prova, já que o risco de exaustão pelo calor ou de choque térmico é muito elevado. Quando o risco é «Alto» significa que os
problemas médicos podem surgir, pelo que especialmente os atletas
sensíveis ao calor e à humidade não devem participar na prova.
O indicador de risco «Baixo» não garante que aqueles problemas
médicos não possam surgir, apenas indica que o risco é baixo[11].
WBGT e risco de stress térmico
[11] [384]
ºC
temperatura < 18
18 > temperatura < ou = 23
23 > temperatura < ou = 28
temperatura > 28
RISCO
Baixo
Moderado
Alto
Muito perigoso
O exército israelita exige que este parâmetro seja avaliado de
3 em 3 horas sempre que se verifiquem treinos no exterior em
ambiente quente e, apesar de estar relacionado com desconforto térmico, o WBGT é de fácil utilização no terreno[129].
1.3.2 Medição da temperatura corporal
A medição da temperatura corporal constitui um parâmetro fisiológico de grande importância clínica, especialmente nos doentes bastante doentes[311], mas também para a vertente investigacional ao nível da
fisiologia do esforço. A medição manual frequente pode tornar-se
incómoda para os doentes e trabalhosa para os técnicos, pelo que o
advento dos sistemas automáticos sem fios permite a monitorização
confortável da temperatura corporal, para além de permitir o registo
contínuo, o armazenamento dos dados e a posterior análise[311] [451].
Calor e exercício físico
27
A temperatura corporal pode ser medida em graus Celcius (oC),
do Sistema Métrico Internacional (valores de congelação e de ebulição iguais a 0 oC e a 100 oC, respectivamente), ou em graus
Fahrenheit (ºF), utilizado nos EUA, com valores de congelação e de
ebulição iguais a 32 oF e a 212 oF, respectivamente.
Utilizam-se as seguintes fórmulas para conversão de:
• oC em oF = [(oC × 9) / 5] + 32
• oF em oC = [(oF – 32) × 5] / 9.
Tabela de correspondência de alguns valores de temperatura:
ºC
ºF
ºC
ºF
35
36
37
38
95,0
96,8
98,6
100,4
39
40
41
42
102,2
104,0
105,8
107,6
Calor, Fadiga e Hidratação
1.3.3 Locais e técnicas
28
A medição da temperatura corporal varia com o local e com o
método de medição, assim como é influenciada pela temperatura
ambiente[311]. Pode ser medida na profundidade, internamente, e
corresponde à chamada temperatura do core, ou pode ser medida
numa localização mais superficial (cutânea, axilar, timpânica, oral),
sendo esta mais influenciada pela temperatura ambiente e é menos
reprodutora da temperatura verdadeiramente interna. A temperatura
interna é o melhor indicador fisiológico para prever a exaustão iminente decorrente da exposição ao stress térmico, e a incidência da
exaustão pelo calor aumenta com a temperatura interna [390] .
A medição das temperaturas timpânica, oral ou axilar não são um
bom método para a medição da temperatura interna, particularmente no contexto de choque térmico[27], ao passo que a medição da
temperatura por scanning temporal não deve ser usada[252].
a) Temperatura cutânea
A temperatura medida na superfície cutânea é cerca de 4 a 5 ºC
inferior em relação à temperatura medida no interior do corpo, isto
é, alguns centímetros sob a pele. Mas no estado febril, ela é semelhante à temperatura rectal[61]. É medida em várias localizações
cutâneas (testa, braço, antebraço, tórax, costas, coxa e perna) através
de eléctrodos sensores colados à pele[159].
A empresa americana VitalSense® produz um eléctrodo cutâneo
(Wireless Dermal Temperature Patch) que é hipoalérgico, à prova de
água e de fácil utilização. Tem 57,2 mm de diâmetro, 5,3 mm de
espessura e pesa 7,5 gramas. O eléctrodo é activado pelo receptor/
/monitor externo e possui uma bateria com duração para 10 dias
após a activação. Este monitor (120 x 90 x 25 mm, 200 g) acompanha o doente ou o atleta, fornece informação em tempo real e serve
de interface para o computador. A vida média da bateria para 10
sensores cutâneos é cerca de 10 dias e diminui com o aumento do
número de sensores[451].
O sistema CADI ThermoSENSOR foi produzido em Singapura
e funciona de modo semelhante, com a vantagem da reutilização dos
eléctrodos cutâneos, os quais emitem cada 30 segundos através de
rádio-frequência individual para um computador que esteja próximo
do doente. As dimensões do eléctrodo são iguais a 36 mm (diâmetro), 11,6 mm (altura) e o peso sem a bateria é igual a 10 gramas.
A bateria dura um ano com utilização contínua. Tem sensibilidade
de leitura igual a 0,2 ºC. O eléctrodo é resistente à água e pode ser
lavado através da imersão numa solução desinfectante. No centro do
eléctrodo existe o sensor térmico, que é colocado sobre um fino
plástico adesivo hipoalérgico, não estando assim em contacto directo
com a pele. Depois, o eléctrodo é fixado à pele com outra camada
do mesmo adesivo. Para que o sistema dê leituras estáveis é necessário que esteja bem aderente à pele e seja permitido algum tempo
para o seu aquecimento. Contudo, não só esta técnica pode interferir
com outros dispositivos que utilizem a rádio frequência para a emissão de dados, como eles próprios podem interferir com os dados da
temperatura cutânea. Por outro, este sistema não deve ser usado em
doentes portadores de pacemaker ou com desfibrilhador interno
automático[311].
Numa enfermaria pediátrica de um hospital de Singapura foi
realizado um estudo em 109 crianças, dos 6 meses aos dezasseis anos,
nas quais foram medidas as temperaturas timpânica com termómetro
auricular (Braun ThermoScan) e axilar com termómetro digital,
assim como a temperatura cutânea com o sistema ThermoSENSOR, em que o eléctrodo foi colocado no abdómen inferior,
2 a 6 cm abaixo do umbigo dependendo do tamanho da criança.
Foram obtidas três séries de leituras para cada doente, em que cada
série era constituída por uma leitura de cada técnica. Os valores
obtidos com este eléctrodo diferiram dos valores da temperatura
timpânica (–0,23 ± 0,47 ºC, n = 271) e dos da temperatura axilar
Calor e exercício físico
29
(+0,21 ± 0,46 ºC, n = 270), enquanto os valores da temperatura
timpânica diferiram dos valores da temperatura axilar (+0,43 ±
± 0,42 ºC; n = 315). Os autores concluíram que os resultados obtidos com o ThermoSENSOR foram comparáveis aos obtidos com as
outras duas técnicas de medição[311].
Para determinação da temperatura cutânea média usam-se fórmulas com calibração de área:
• Fórmula de Ramanathan[146]
= 0,3 (T tórax + T braço) + 0,2 (T coxa + T perna)
• Fórmula de Burton, de 1935 (referida em[18] [19])
= 0,5 Temp. costas + 0,36 Temp. coxa + 0,14 Temp. antebraço
A medição da temperatura cutânea poderá não reflectir os efeitos
da aclimatização. Após 14 dias de exercício (60 minutos, 60% do
VO2 máx.) verificou-se diminuição (p < 0,01) na temperatura rectal, ao passo que não houve diferenças na temperatura cutânea, em
repouso (34,2 ± 0,7 e 34,4 ± 1,02, antes e depois, respectivamente)
ou ao 40.º minuto do exercício realizado em ambiente quente e
húmido (36,09 ± 1,09 e 36,11 ± 1,35)[379].
Calor, Fadiga e Hidratação
b) Temperatura axilar
30
Esta é medida na axila alguns minutos após a introdução do termómetro digital ou de vidro na axila. A utilização de termómetros de
vidro na axila nas crianças é perigosa e, apesar da facilidade de utilização desta técnica, não deve ser usada. Mede um valor que é inferior à
temperatura oral e rectal, pelo que é desprovida de rigor científico,
mas tem certamente utilidade clínica. Num estudo realizado em mais
de 300 crianças e adolescentes internadas num hospital, com idades
compreendidas entre 4 e 14 anos, e após mais de 3000 medições, os
autores chegaram à conclusão de que havia grande discrepância entre
a avaliação axilar e as avaliações rectal e oral, independente da idade
dos avaliados, com diferenças que aumentaram com o aumento da
temperatura corporal e com influência da temperatura ambiente,
embora de modo não significativo. Os valores da temperatura oral
foram inferiores aos valores obtidos com a medição da temperatura
rectal. Os autores concluíram que embora seja um método conveniente para ser utilizado na idade pediátrica, ele não tem a mesma
fiabilidade que a medição das temperaturas oral e rectal, as quais subiram mais rapidamente durante os episódios febris[133]. Noutro estudo
realizado em sobreviventes de paragem cardíaca, verificou-se que os
valores da medição da temperatura axilar apresentaram pior correlação com os valores da temperatura medida na bexiga ou no sangue,
comparativamente aos valores obtidos com a medição da temperatura
esofágica[110].
A utilização de termómetro digital ou de vidro (mercúrio) não
parece ser indiferente. Foram feitas 30 medições de temperatura corporal de três modos: temperatura interna, axilar com termómetro
digital e de mercúrio. A medição com este dispositivo apresentou
melhor correlação em relação à medição da temperatura interna,
comparativamente com a medição digital (r = 0,87 vs r = 0,90),
com média das diferenças superior (0,33 vs 0,19 ºC), o que levou os
autores a concluírem pela qualidade da medição da temperatura axilar, mas aconselhando a utilização do termómetro de mercúrio sempre que fosse necessária a medição mais rigorosa da temperatura
corporal[156].
c) Temperatura timpânica
A medição da temperatura timpânica é de muito fácil aplicabilidade e fornece resultados em poucos segundos. Foi verificado num
estudo que a aplicação correcta do aparelho no canal auditivo externo forneceu valores não influenciáveis pelo arrefecimento facial
com água fria, assim como os valores registados em onze sujeitos
(36,83 ± 0,20 ºC) foram iguais aos valores obtidos no esófago
(36,87 ± 0,16 ºC), pelo que os autores concluíram que a medição
da temperatura timpânica é uma boa medida da temperatura
interna[387]. No entanto, Astrand et al. referem que esta medição não
reflecte a temperatura verificada no centro respiratório[21].
Em sujeitos paraplégicos deve ser usada a medição da temperatura timpânica já que foi demonstrado que a medição da temperatura
rectal é inadequada para medir a temperatura central em paraplégicos durante o exercício físico. Sujeitos paraplégicos (VO2 máx. =
= 39,9 ml/kg/min.), com níveis de lesão iguais a T5-T10/T11, realizaram em tapete rolante um teste físico através da propulsão da
cadeira (60 a 65% do VO2 máx., durante 45 minutos). Noutro estudo, não foram encontradas diferenças nas respostas da temperatura
timpânica entre os sujeitos paraplégicos e os sem paralisia, no teste
de esforço (60 minutos, 60% do VO 2 máx.). Contudo, durante
o período de recuperação, a temperatura timpânica dos sujeitos
paraplégicos foi superior (p < 0,05) em relação aos sujeitos não paraplégicos[350].
Calor e exercício físico
31
Calor, Fadiga e Hidratação
d) Temperatura rectal
32
A temperatura rectal é ainda o método gold standard de medição
da temperatura interna (do core) perante a agressão térmica, em atletas e trabalhadores[7], mas geralmente é um grau inferior à medida
no esófago[53]. Em repouso é ligeiramente superior à temperatura do
sangue, semelhante à temperatura hepática, mas ligeiramente inferior
(0,2 a 0,5 ºC) à temperatura cerebral onde se encontra o centro
regulador da temperatura. Contudo, já durante a actividade física ou
perante a exposição ao calor, a temperatura cerebral é superior à
temperatura rectal[21]. É medida com um sensor flexível posicionado
a 15 cm do esfíncter anal[299].
Nos doentes com lesão medular poderá não ser um método muito
fiável devido à menor capacidade para regular o fluxo sanguíneo abaixo do nível da lesão medular[151]. No final do teste de esforço, a temperatura esofágica foi significativamente superior à temperatura rectal,
pelo que aquela dará melhor estimativa do valor da temperatura
interna nesta população específica de atletas[151]. Também existem
diferenças em relação à temperatura cutânea. Durante o exercício realizado com os braços, em ambiente neutro (21,5 ºC), os sujeitos paraplégicos apresentaram resposta da temperatura timpânica igual aos
não paraplégicos, mas a resposta da temperatura cutânea medida na
perna foi diferente. Foi inferior em repouso (1,3 ºC) e aumentou
com o exercício físico, ao passo que nos sujeitos sem paralisia a temperatura cutânea medida na perna diminuiu, e continuou a diminuir
durante o período de recuperação seguinte[349]. Apesar das eventuais
limitações, a palpação da pele sob os braços ajudará na monitorização
da temperatura corporal nos atletas paraplégicos[39].
A temperatura rectal parece ser específica da população estudada,
pois tem-se verificado que em repouso a temperatura rectal é superior nos residentes em climas tropicais relativamente aos residentes
em climas temperados, assim como se verificou que a temperatura
média durante o dia era superior em vietnamitas em comparação
com os japoneses, o que poderá sugerir que o termóstato esteja
regulado para temperatura superior nos residentes em climas quentes. Seria indicação de aclimatização, com redução da sudação em
repouso, causando poupança de água corporal[379].
A partir da temperatura cutânea e da temperatura rectal pode ser
calculado o conteúdo de calor corporal total em repouso através da
fórmula de Burton, A. C., 1935 (referido em[21]):
= [0,83 × peso (kg)] × [(0,65 × Temperatura rectal) +
+ (0,35 × Temperatura cutânea)]
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Calor, Fadiga e Hidratação