Revista do IGP
Uma Discussão sobre o Fenômeno Needle Slap ...........3
Locais de Crime: Fatores de Riscos e Prevenção..........8
A Entomologia Forense como Ferramenta para
Locais de Crime no Rio Grande do Sul .........................13
Extração de DNA em Impressões Digitais
já Reveladas com Carbonato de Chumbo II,
Óxido de Ferro II e Ninidrina ........................................17
Circunstâncias Juridicamente Relevantes
em Perícias de Locais de Crimes
contra a Vida e em Armas de Fogo ............................. 23
A Respeito do Número de Pontos Característicos
Necessários à Afirmativa de Identidade .....................27
Mediação de Conflitos Organizacionais .....................30
Perícias e Argumentação – Anotações Preliminares ..31
A Era da Automação na Genética Forense .................34
Papiloscopia: uma Verdadeira Ciência ........................38
Aspectos Técnicos sobre o Dígito Verificador em
“Números de Chassi” e outras Informações
sobre este Código ........................................................43
Aspectos Gerais e Toxicológicos de Derivados
Anfetamínicos com Ênfase no
4-Bromo-2,5-Dimetoxi-Anfetamina (DOB) .................48
Proposta de Novas Figuras Anatômicas (bonecos)
para o Departamento Médico-Legal ...........................53
Critérios Quantitativos e Qualitativos acerca de
Pontos Característicos do Fragmento Papilar
no Confronto Papiloscópico .......................................56
Nº 4 - Janeiro 2011
1
Editorial
O Diretor-Geral do Instituto-Geral de Perícias, Áureo Luiz Figueiredo Martins, ao
término de seus 8 anos de gestão agradece aos servidores a colaboração e empenho diante
das metas propostas para o crescimento e desenvolvimento do IGP, sendo esta quarta
edição da Revista do IGP, criada em 2003, mais uma delas.
Ao retirar-se da direção geral do Instituto-Geral de Perícias deixa como legado, em
especial, a interiorização do IGP, com ênfase na criação das Coordenadorias Regionais de
Perícias, com implantação de Postos de Criminalística e reforço dos Postos Médico-Legal
e de Identificação; a implantação da carteira de identidade digital, agendamento eletrônico e emissão de atestados de antecedentes na internet; a modernização dos sistemas de
informática com a implantação do PGP - Protocolo Geral de Perícias, com formatador
de laudos e certificação digital; a recomposição do efetivo por concurso público, tendo
sido nomeados 303 em 2004 e 2005 e 254 novos servidores em 2009 e 2010, totalizando
557; a elaboração de projeto executivo do complexo do IGP em Porto Alegre, no valor
orçado em R$ 36.861.403,23, cadastrado no SICONV/SENASP/MJ em 12/07/2010,
sob o nº 81.293/2010; a remuneração, com o tratamento isonômico entre servidores do
quadro do IGP; o reconhecimento da Lei Britto e do risco de vida e criação da gratificação
de produtividade pericial por intermédio da lei nº 13.487, de 01/07/2010, regulamentado
pelo decreto nº 47.656, de 13/12/2010.
Para o Diretor Áureo Martins os pontos fortes do crescimento do Instituto-Geral
de Perícias durante a sua gestão concentram-se na interiorização dos serviços periciais,
no investimento contínuo em tecnologia, na recomposição do efetivo, no investimento
em capacitação para qualificação dos laudos periciais, na política de fortalecimento da
Perícia Oficial Gaúcha com reconhecimento nacional do trabalho pericial do IGP-RS e na
ampliação da frota de veículos e criação, em 2004, do Conselho Nacional dos DirigentesGerais de Órgãos Periciais Forenses.
Diante da experiência acumulada na trajetória percorrida, o Diretor Áureo Martins
também sugere como pontos a melhorar o espaço físico adequado na Capital, a atualização
do organograma do IGP, o aumento de recursos humanos, de estrutura física, de funções
gratificadas e de viaturas nos Postos do Interior e a melhoria dos salários dos servidores,
especialmente dos Auxiliares de Perícias.
Em sua despedida, o Diretor Áureo Martins salienta que todas essas realizações apenas foram possíveis devido à dedicação e zelo de todos os diretores, chefes de divisões e
servidores pelos interesses da instituição e também expressa o seguinte desejo:
Governadora do Estado do Rio Grande
do Sul
Yeda Rorato Crusius
Secretário da Justiça e da Segurança
Edson de Oliveira Goularte
Instituto Geral de Perícias
Rua Voluntários da Pátria, 1358 - 3º - Porto
Alegre - RS - 90230-010
Diretor-Geral
Áureo Luiz Figueiredo Martins
Corregedor
Velocino Camargo Neto
Supervisora Técnica
Maria Cristina Bottizzo de Farias
Diretor Administrativo
Eduardo Lima Silva
Departamento de Criminalística
Diretora
Eliana Sarres Pessoa
Departamento de Identificação
Diretor
Guilherme Ferreira Lopes
Departamento Médico-Legal
Diretora
Débora Vargas de Lima
Laboratório de Perícias
Chefe
Viviane Fassina
VIDA LONGA PARA A PERÍCIA OFICIAL GAÚCHA!
A Direção-Geral
Expediente
Conselho Editorial
Áureo Luiz Figueiredo Martins
Eduardo Lima Silva
Maria Cristina Bottizzo de Farias
Rafael Silva do Nascimento
Projeto Gráfico
Raquel Friedrich
Revisão
Gabriela Carvalho Pinto
Jornalista Responsável
Eduardo Lima Silva - Registro de
Jornalista Profissional Diplomado No 9.981
(DRT/RS - Ministério do Trabalho)
Diagramação
Rafael Silva do Nascimento
Formato
Digital em arquivo PDF, disponível
em http://www.igp.rs.gov.br
International Standard Serial Number
ISSN 1981-2780
Contato
[email protected]
3
Uma Discussão sobre o Fenômeno Needle Slap
Toresan, Wilson Juniora
Departamento de Criminalística, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Justiça e da Segurança,
Porto Alegre/RS
Resumo
O exame do mostrador de escala de valores do velocímetro de veículos participantes em acidentes de trânsito pode ser um
método simples e válido na determinação da velocidade de tráfego. Em colisões frontais de grande intensidade poderá ocorrer o
fenômeno conhecido como needle slap, no qual o material do ponteiro do velocímetro, no momento do impacto, interage com o
material do mostrador de escala, produzindo uma marca que poderá ser vista com ou sem o auxílio de equipamento de leitura. Essa
metodologia, em alguns casos, poderá ser a única possível para determinar a velocidade do veículo participante do evento. Casos
reais são apresentados para a validação das conclusões.
1. Introdução
O exame de vestígios produzidos nos mostradores de
escalas do painel de instrumentos teve suas origens nas investigações de acidentes aéreos. A utilização desta metodologia
no exame de automóveis em acidentes de trânsito é pouco
difundida e utilizada pelos peritos, devido ao desconhecimento da metodologia, à carência de laboratórios equipados e à
sobrecarga de trabalho.
O exame do mostrador de escala de valores do velocímetro de veículos participantes em acidentes de trânsito pode ser
um método simples e válido na determinação da velocidade
de tráfego. Em colisões frontais de grande intensidade poderá
ocorrer o fenômeno conhecido como needle slap, no qual o
material do ponteiro do velocímetro, no momento do impacto,
interage com o material do mostrador de escala, produzindo
uma marca que poderá ser vista com ou sem o auxílio de equipamento de leitura. Essa metodologia, em alguns casos, poderá
ser a única possível para determinar a velocidade do veículo
participante do evento.
2. Funcionamento do Velocímetro e Normas Reguladoras
Com diferentes materiais, cores e composições, necessários para uma distinção entre o ponteiro e as escalas, o mostrador
situado no painel de instrumentos do automóvel, o velocímetro,
indica a velocidade do veículo para o condutor. Nesse instrumento, costuma-se incluir também um hodômetro, que fornece a
quilometragem percorrida e um indicador de rotações de motor.
Atualmente, na maioria dos veículos comerciais, os tipos de velocímetros mais usados são o magnético e o eletrônico (motor
de passo). O tipo mais comum de velocímetro é dotado de um
ponteiro sobre uma escala circular ou em arco, mas às vezes o
indicador é digital.
No Brasil, a Norma NBR 7817, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), fixa as condições exigíveis
para a aceitação e o recebimento de indicadores de medidores
de velocidade (velocímetros), utilizados em veículos rodoviários
automotores.
3. Metodologia
Em colisões frontais de grande intensidade ocorrem desacelerações em um curto período de tempo. Nesses casos, os
ponteiros do painel de instrumentos, que mostram a velocidade
do veículo e a rotação do motor, podem interagir com o material
constitutivo do mostrador de escala no momento da colisão,
registrando a velocidade com que trafegava o veículo.
As formas encontradas de registros são: depósito de tinta
fluorescente ou outros tipos de fragmentos de material do ponteiro, marcas de abrasão (foto 1) e de deformação da superfície
do mostrador de escala (foto 2). Esses registros poderão variar
de intensidade e morfologia. Em veículos mais antigos poderá
ocorrer o acúmulo de pó no material do mostrador de escala,
que servirá como base para o registro do contato do ponteiro
do velocímetro.
4
Foto 1 – Marca de abrasão produzida pelo ponteiro do velocímetro (setas)
Foto 2 – Marca de deformação da superfície do mostrador de escala (setas)
Como as variáveis envolvidas nos acidentes de trânsito
possuem uma diversidade com elevado grau de complexidade,
cada evento produzirá fenômeno como o do mostrador do
painel de instrumentos.
Como em todas as metodologias forenses, deve-se procurar outros vestígios que auxiliem a confirmar e validar o valor
registrado pelo fenômeno needle slap. A comparação entre a rotação do motor, a marcha utilizada pelo condutor e a velocidade
registrada, e a aplicação dos tradicionais métodos de cálculo de
velocidade para comparação dos valores deve ser, também, um
objetivo sempre presente nos trabalhos periciais4, 7, 8, 9, 10, 11, 12.
A presente metodologia tem sido aceita pelas cortes americanas e utilizada e divulgada por pesquisadores importantes
no cenário internacional de trabalhos em acidentes de trânsito
como em relatórios da NTSB2 (National Transportation Safety
Board dos Estados Unidos) e pelo renomado especialista em
reconstrução de acidentes de trânsito John Daily.
Caso 1
Local: rodovia estadual RS 020, no município de Gravataí (foto 3).
Data e horário: 08/06/2010 às 7 horas da manhã.
Veículos: automóvel Chevrolet/Chevette e caminhão
Mercedes-Benz (foto 4).
Velocidade dos Veículos:
– Caminhão Mercedes-Benz: 80 Km/h (análise de
disco diagrama).
– Automóvel Fiat/Ducato: 78 Km/h (cálculo dimensionando as marcas de derrapagem produzidas, yaw
marks, ver foto 5, e análise por needle slap, ver foto 2 do
item Metodologia).
A experiência em realização de perícias em locais de acidente de trânsito tem propiciado encontrar o fenômeno needle
slap em mostradores de painéis de instrumentos.
A seguir apresentamos dois destes casos.
Estudo da dinâmica do evento: os exames periciais realizados indicam que a ocorrência de tráfego se deu quando
o caminhão trafegava no sentido Capital-Interior na rodovia
estadual RS 020, no quilômetro 14, no Município de Gravataí,
e colidiu contra o automóvel Chevrolet/Chevette, que invadiu a
contramão de direção. Os setores anteriores dos veículos foram
sedes da colisão. Os vestígios encontrados no local nos levam
a inferir que o automóvel perdeu a estabilidade ao retornar da
contramão de direção para a sua faixa de tráfego, iniciando
Foto 3 – Via onde ocorreu o acidente
Foto 4 – Veículos envolvidos no acidente de trânsito
4. Casuística
5
Foto 5 – Marcas de derrapagem produzidas pelo automóvel
Foto 6 – Vista do quilômetro 160 da rodovia federal BR 290
Foto 7 – Automóvel Fiat/Ducato
Foto 8 - Caminhão Mercedes-Benz
Foto 9 – Detalhe do caminhão Mercedes-Benz
Foto 10 – Van Kia/Besta
um movimento de derrapagem e adentrando na contramão
de direção novamente. O condutor do caminhão percebeu
que o automóvel estava adentrando na contramão e utilizou o
sistema de frenagem em localização anterior ao sítio de colisão,
localizado na faixa de tráfego de sentido Capital-Interior. Após
a colisão, o automóvel teve sua estrutura anterior esmagada
ao ficar sob a região anterior do caminhão, que ainda arrastou
o automóvel por aproximadamente 28 metros na direção do
terreno marginal, localizado à esquerda da pista.
Considerações sobre a velocidade do Chevrolet/Chevette:
a figura 1 – seta (ver item Metodologia) revela que o ponteiro
do mostrador de velocidade entrou em contato com o material
constituinte das referidas escalas. Destaca-se a nitidez com
que o material constituinte das escalas dos mostradores ficou
deformado. Foi possível aplicar outro método para estabelecer
um valor comparativo no qual trafegava o veículo, confirmando
o valor estabelecido a partir do fenômeno neelde slap.
Caso 2
Local: rodovia federal BR 290, quilômetro 160, no
6
tuinte das escalas dos mostradores. Não foi possível aplicar
outro método para estabelecer um valor comparativo no qual
trafegava o veículo.
5. Conclusão
Foto 11 – O fenômeno needle slap no painel de instrumentos do automóvel Fiat/Ducato
município de Arroio dos Ratos (foto 6).
Data e horário: 16/01/2010 às 7 horas da manhã.
Veículos: automóvel Fiat/Ducato (foto 7), caminhão
Mercedes Benz 1938 (foto 8 e 9) e van Kia/Besta
(foto 10).
Velocidades dos veículos:
– Caminhão Mercedes-Benz: 85 Km/h (análise de
disco diagrama).
– Van Kia/Besta: não determinada.
– Automóvel Fiat/Ducato: 85 Km/h (análise por needle
slap ver foto 11).
Estudo da dinâmica do evento: os veículos caminhão
Mercedes-Benz e Kia/Besta trafegavam na mesma direção e o
veículo Fiat/Ducato na direção contrária. Os vestígios direcionam que a Kia/Besta tenha invadido a contramão de direção,
colidindo o seu setor angular anterior esquerdo no setor posterior esquerdo do Fiat/Ducato. Devido à colisão, a Kia/Besta
teve a sua roda dianteira esquerda fraturada e a desarticulação
da ponta de eixo, não conferindo mais dirigibilidade ao veículo,
deixando marcas de pneu e sulcagem no asfalto. O Fiat/Ducato, devido à colisão sofrida próxima ao eixo traseiro esquerdo,
saiu da pista, perdeu a dirigibilidade e a estabilidade, e invadiu a
pista contrária, indo na direção do caminhão Mercedes-Benz. O
caminhão tentou uma manobra evasiva para a direita, invadindo
o acostamento, todavia não sendo possível evitar a colisão com
o Fiat/Ducato na sua lateral esquerda. Após a colisão, com o
movimento dos veículos, o Fiat/Ducato foi projetado para o
lado no qual trafegava inicialmente, caindo no barranco ao lado
da pista, imobilizando-se apoiado nas árvores.
Considerações sobre a velocidade do Fiat/Ducato: a foto
11 revela que os ponteiros dos mostradores de velocidade e de
rotações do motor entraram em contato com o material constituinte das referidas escalas. Existe coerência entre a velocidade
registrada (85 Km/h) e a rotação do motor (~2.800 RPM) para
uma 5a marcha. Destaca-se a nitidez com que o material de cor
vermelha dos ponteiros ficou depositado no material consti-
O exame do mostrador de escala de valores do velocímetro de veículos participantes em acidentes de trânsito pode ser
um método simples e válido na determinação da velocidade de
tráfego. Esta metodologia, em alguns casos, poderá ser a única
possível para determinar a velocidade do veículo participante
do evento.
A presente metodologia tem sido utilizada e divulgada por
pesquisadores importantes no cenário internacional na área de
acidentes de trânsito, como em relatórios da NTSB2 (National
Transportation Safety Board dos Estados Unidos) e pelo renomado
especialista em reconstrução de acidentes de trânsito John Daily.
O autor tem a opinião de que nenhuma metodologia deve
ser usada sem critérios responsáveis, nem mesmos as mais
tradicionais. Cada local de acidente de trânsito possuirá suas
características e peculiaridades. Cabe ao perito, conhecedor
das metodologias científicas de reconstrução em acidentes de
trânsito, analisar os problemas que lhe apresentam e decidir
aplicar ou descartar as possibilidades existentes.
Referências
1. NBR 7817. Indicador do Medidor de Velocidade (Velocímetro) e Distância (Hodômetro) de Veículos Rodoviários
Automotores. ABNT, Mar/83.
2. Highway Accident Report, NTSB/HAR-03/02,
PB2003-916202, Notation 7561. Ford Explorer Sport Collision With Ford Windstar Minivan and Jeep Grand Cherokee
on Interstate 95/495 Near Largo, Maryland February 1, 2002.
NTSB - National Transportation Safety Board, Washington DC.
3. UNDERRIDE NETWORK – Victims First. Disponível em: <http://www.underridenetwork.org/SafetyArticles/
SkidmarksofaDifferentSort/tabid/83/Default.aspx >. Acesso
em: 15 março 2010, 16:00.
4. DAILY, John. Investigating the Aggravated Vehicular
Homicide Case - A Guide for Wyoming Prosecutors.
5. MCCORMICK, Barnes Warnock and Papadakis, M. P.
Aircraft Accident Reconstruction and Litigation. Lawyers &
Judges, Third Edition, pg. 201.
6. TORESAN JUNIOR, Wilson. O Registro Permanente
do Ponteiro do Velocímetro de Veículos Automotores, após um
Evento de Colisão. Disponível em: <http://www.acrigs.com.
br/Artigos.htm>. Acesso em: 16 março 2010, 15:10.
7. ________. Metodologias para Cálculos de Velocidades
7
em Acidentes de Trânsito com Motocicletas. Disponível em:
<http://www.acrigs.com.br/Artigos/.pdf>. Acesso em: 16
março 2010, 15:10.
8. TORESAN JUNIOR, Wilson. Cálculo de Velocidade
para Veículos Equipados com Sistemas de Freio ABS. Disponível em: <http://www.acrigs.com.br/Artigos/.pdf>. Acesso
em: 16 março 2010, 15:10.
9. BAKER, Keneth S., Traffic Collision Investigation.
Northwestern University Traffic Institute, USA(1990).
10. FRICKE, Lynn B.. Traffic Accident Reconstruction.
Northwestern University Traffic Institute, USA(1990).
11. NEGRINI NETO, O. e Kleinübing, R.. Dinâmica de
Acidentes de Trânsito – Análises, Reconstruções e Prevenção.
Millenium Editora, 2ª Edição, Campinas/SP 2006.
12. ARAGÃO, R. F. Acidentes de Trânsito – Aspectos
Técnicos e Jurídicos. Millenium Editora, 3ª Edição, Campinas/
SP 2003.
Agradecimentos: aos colegas da Equipe de Acidentes de
Trânsito do Departamento de Criminalística do IGP/RS.
Autor
[a] Perito Criminal do Departamento de Criminalística do
IGP/RS, Equipe de Acidentes de Trânsito da Seção de Engenharia Legal; Engenheiro Mecânico e Doutor em Engenharia.
8
Locais de Crime: Fatores de Riscos e Prevenção
Dürks, Ricardo Tellóa
Coordenadoria Regional de Perícias de Passo Fundo, Posto do Departamento de Criminalística, Instituto
Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto Alegre/RS
1. Introdução
A atividade criminalística, de caráter multidisciplinar e
dinâmico, é realizada em qualquer ambiente físico que demande
investigação. Ao desempenho da atividade é intrínseco um elevado número de agentes de risco físicos, químicos, biológicos,
ergonômicos e mecânicos nocivos à saúde do profissional que
labuta nessa área. Por ser realizada nos mais diversos tipos de
ambientes e com uma variedade de materiais e objetos de difícil
previsão, os levantamentos periciais em locais de crime contra
a vida são os que apresentam maiores riscos à integridade física
e à saúde destes profissionais.
A legislação brasileira vigente atribui à Portaria nº 3214/78
do Ministério do Trabalho, contemplada pela Lei Federal nº
6514/77, as regras referentes à segurança e à saúde do trabalhador. Porém, de acordo com o item 1.1 da NR-1 desta portaria,
os Peritos Criminais, por serem servidores públicos estatutários,
não estão sujeitos aos preceitos estabelecidos na referida norma.
Caberia ao próprio Estado empregador definir medidas de proteção em relação aos riscos a que seus servidores estão sujeitos,
o que, na prática, não ocorre.
Como não há obrigatoriedade legal de cumprimento da
Lei nº 6514/77, não são realizados os devidos levantamentos
dos riscos existentes nem a elaboração de programas de prevenção de riscos ambientais, descritos na NR-9. Tampouco há a
constituição das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
(CIPAs), cujo objetivo é trabalhar para “a prevenção de acidentes
e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e
a promoção da saúde do trabalhador.” (BRASIL, 1978, NR-5,
item 5.1). Isso implica que os Peritos Criminais tornam-se os
únicos responsáveis pela manutenção de sua integridade física
no desempenho de sua atividade laboral.
O conhecimento dos riscos à que os agentes periciais estão
expostos em seu ambiente de trabalho é fundamental para a
garantia da saúde destes profissionais. Na literatura existente,
é grande a gama de materiais que abordam os procedimentos
a serem adotados pelos profissionais envolvidos em atividades
criminalísticas. Porém, em sua quase totalidade, tais procedimentos objetivam apenas a parte técnica da ação, suprimindo
as informações referentes à segurança laboral.
Diante disto, torna-se primordial a realização de estudos
sobre o tema da segurança no desempenho desta atividade, de
modo a subsidiar os profissionais com informações que levem
à adoção de atos seguros e que permitam a redução das exposições aos agentes de risco, preservando a integridade física e
prevenindo os acidentes de trabalho.
Neste artigo serão abordados apenas os temas relacionados
com a segurança do Perito Criminal no desempenho do trabalho em locais de crimes praticados contra a vida de pessoas,
excluindo-se as atividades de preparação de materiais, deslocamento da equipe, a execução de exames laboratoriais e os riscos
inerentes às atividades de elaboração dos relatórios, que, apesar
de importantes, apresentam riscos menores se comparados à
atividade de levantamento pericial propriamente dita.
2. Estudo dos Locais de Ocorrência de Crimes Contra a
Vida
No desempenho de suas funções, o Perito Criminal deparase constantemente com situações de eminente risco à sua integridade física e também à sua própria vida. Há casos relatados
de profissionais acometidos por doenças, que sofreram lesões
ou vieram a óbito em decorrência da exposição incautelosa a
fatores de riscos extremos que muitas vezes são desconhecidos
ou negligenciados pelos agentes, afoitos pela elucidação dos
casos investigados sob sua responsabilidade.
Das atividades desenvolvidas por estes servidores, é implícito que as executadas in loco são as que acarretam grande
quantidade de agentes de riscos à saúde dos profissionais. Destas
atividades de campo, as que mais apresentam fontes de riscos aos
Peritos Criminais são os denominados levantamentos periciais
em sítios de prática de crimes contra a vida, assim conhecidos
os locais de ocorrência de morte violenta, como homicídios,
suicídios e os ditos acidentes, assim chamados os casos aonde a
vítima vem a óbito em decorrência de incêndio, choque elétrico,
9
queda ou asfixia involuntária. Podem-se considerar também
locais de crime contra a vida os de ocorrência de tráfego que
resultarem em vítima fatal, haja vista a presunção pelo Código
de Trânsito Brasileiro que dessas ocorrências resultou crime de
homicídio, de caráter no mínimo culposo.
Da análise qualitativa dos locais de crimes contra a vida
pode-se definir como três os grandes geradores de riscos aos
profissionais que labutam na área pericial: as características do
local analisado, os materiais e objetos passíveis de serem encontrados e as situações adversas devido a fatores fisiológicos. Cada
um destes grupos geradores de riscos foi analisado com base na
redação dada pela Portaria nº 3214 da Lei Federal nº 6514/77,
estando os resultados obtidos listados nos itens a seguir.
3. Agentes de Riscos Devido às Características do Local
Analisado
São dois os tipos de ambientes passíveis de serem sítios
de investigação pericial: os locais fechados e os abertos, cada
qual apresentando agentes de riscos específicos inerentes às
suas características.
Os locais fechados caracterizam-se por serem ambientes
cobertos e de fácil isolamento, normalmente também de fácil
acesso. Nestes locais é possível aos Peritos Criminais depararemse com a existência de agentes de riscos químicos dispersos pelo
ambiente, como poeiras, gases tóxicos e produtos químicos em
geral, inclusive venenos, muitas vezes de difícil detecção prévia
e classificação pelo profissional no estudo do local. Há também
a possibilidade da existência de agentes de riscos biológicos em
decorrência da presença de parasitas como piolhos, pulgas ou
outros agentes transmissores de doenças que possam estar ali
presentes.
Em locais fechados observam-se também grandes quantidades de agentes de riscos mecânicos, a maior parte devido às
condições estruturais do imóvel em questão, que podem acarretar desabamento ou quedas de materiais, principalmente em
edificações antigas, em ambientes de obras civis ou em imóveis
incendiados. O risco de explosão e a existência de atmosfera
IPVS (imediatamente perigosa à vida e à saúde: locais de alta
concentração de contaminantes ou baixo teor de oxigênio) no
ambiente devido à presença de gases potencialmente causadores
destes fenômenos, apesar de em baixa probabilidade, também
existe, assim como há o risco da presença de animais ferozes,
peçonhentos ou venenosos que possam vir a atacar os profissionais da área pericial no desempenho de suas atividades.
Dentre os locais fechados, os que apresentam uma maior
gama de agentes de riscos danosos à saúde dos Peritos Criminais são as edificações sinistradas em decorrência de incêndios.
Nestes locais sempre se observa a presença de altas temperaturas
e agentes químicos como fumos, gases e vapores, e é constante
também a presença de objetos potencialmente perigosos como
estilhas vítreas, latas com cantos vivos, pregos soltos ou fixados em porções de madeira espalhadas pelo solo, entre outros
materiais cortantes ou pontiagudos. Além destes, os riscos da
ocorrência de choques elétricos e do colapso da estrutura em
decorrência da diminuição de sua resistência devido à ação do
calor são outros fatores de risco iminente à saúde e à integridade física dos servidores envolvidos na análise de ambientes
incendiados.
Os segundos tipos de locais passíveis de ser sede de exame
pericial são os ditos locais abertos, que se caracterizam por não
possuírem barreiras físicas que impeçam a presença e o assédio
de terceiros ao sítio de interesse criminalístico, sendo, nesses
casos, de fundamental importância a presença de um número
de agentes policiais suficiente para fazer a delimitação da área
investigada e a contenção dos populares de modo a manter a
preservação do local. Estes locais podem ser classificados em
três tipos diferentes: os ambientes urbanos, os localizados em
áreas rurais e as vias de trânsito.
Ambientes urbanos apresentam basicamente riscos mecânicos em decorrência da possibilidade da presença de animais
ferozes soltos nas cercanias. Em locais situados em áreas rurais
há sempre a possibilidade da presença de animais peçonhentos e
venenosos, além de riscos relacionados à topografia do ambiente
em análise, uma vez que grande parte deles é de difícil acesso e
acabam por obrigar o perito a transitar por trilhas abertas em
meio a árvores em áreas de mata, escalar ou descer barrancos,
adentrar em áreas alagadas ou até mesmo atravessar cursos de
água objetivando a chegada ao local de interesse criminalístico.
As vias de tráfego, por sua vez, apresentam como maior
risco à integridade física o próprio trânsito de veículos pelo
local do fato. Além do risco mecânico de atropelamento, há
também o risco da presença de fluidos explosivos, inflamáveis
e por vezes também tóxicos emanados de veículos que estão
envolvidos na ocorrência investigada, principalmente quando
se tratar de ocorrência de tráfego.
A todos os locais abertos é intrínseca a exposição dos
Peritos Criminais a agentes de riscos físicos como calor, frio e
umidade, decorrentes das condições climáticas e das intempéries,
assim como a presença de radiações não-ionizantes proveniente
dos raios solares. O trabalho noturno nestes locais, devido à
baixa iluminação existente, potencializa a exposição aos riscos
ali presentes.
Deparar-se com um ambiente hostil é uma possibilidade
corriqueira que transforma o perito em alvo de desacatos ou
violência física por parte de algum delinqüente, que vê na atuação
do profissional um risco à sua liberdade. Do mesmo modo, pode
ocorrer a exaltação de algum familiar ou pessoa ligada à vítima
10
ao acompanhar o trabalho pericial, pois, no desempenho de sua
atividade, é necessário ao perito tomar certas atitudes que nem
sempre são compreendidas por quem está emocionalmente
envolvido com a vítima, como despir a vítima para proceder à
análise perinecroscópica ou executar a movimentação do cadáver
para prosseguir com a investigação.
4. Agentes de Riscos Devido a Materiais e Objetos
Examinando locais de ocorrência de crimes contra a vida,
o Perito Criminal encontra-se constantemente em contato com
materiais orgânicos potencialmente fontes de riscos biológicos.
Vísceras e outros fluidos corpóreos emanados da vítima corriqueiramente se espalham por grande parte do local examinado,
sendo difícil a não ocorrência do contato direto do profissional
com estes agentes biológicos.
Outra grande fonte de riscos são os objetos cortantes,
perfurantes ou perfurocortantes presentes no local do crime,
principalmente pregos, facas ou assemelhados e fragmentos
vítreos. Além do risco mecânico da produção de ferimentos
propriamente ditos, tais objetos se tornam fontes potenciais de
riscos biológicos, pois podem estar contaminados com material
orgânico da vítima ou com bactérias causadoras de doenças
como o tétano.
Análises de veículos automotores também acarretam
riscos aos peritos, principalmente devido aos agentes químicos
decorrentes da presença de óleos lubrificantes e combustíveis
e dos riscos mecânicos devido à presença de cantos vivos nos
diversos componentes constitutivos do veículo e na sua lataria.
A presença de armas de fogo em locais de morte também
representa grande risco tanto à integridade física dos Peritos
Criminais quanto de terceiros que estejam nas imediações do
local. É praxe estas armas de fogo encontrarem-se municiadas,
muitas vezes estando também armadas e prontas para efetuar
disparos, existindo aí um grande risco de ocorrência de um
disparo acidental quando do seu manuseio.
5. Riscos Devido a Fatores Fisiológicos
Atendimentos a locais de crime contra a vida sempre são
realizados em regime de urgência, em caráter de pronto atendimento, exigindo do Perito Criminal elevado grau de atenção,
observação e disposição física e mental, independentemente do
local ou período do dia em que o serviço demanda ser realizado.
A execução das atividades periciais traz intrínsecos agentes de
riscos ergonômicos potencialmente causadores de estresse e
fadiga física aos profissionais que labutam nessa área.
O desempenho da atividade pericial, pela responsabilidade
que lhe é cabida, e a complexidade demandada pelos exames
realizados, inferem em elevado e contínuo nível de atenção e
de esforço intelectual e mental pelos Peritos Criminais, o que
muitas vezes leva a quadros de estresse.
A constante pressão psicológica intrínseca ao grau de responsabilidade exigido, aliada às pressões externas causadas pela
necessidade de uma resposta concreta e ágil aos demais órgãos
de segurança aos quais a perícia criminal auxilia, e à sociedade em
geral ansiosa por justiça, é outra fonte geradora de estresse, assim
como a pressão muitas vezes gerada pela possível presença de
populares emocionalmente perturbados com os fatos ocorridos
nos sítios dos crimes investigados, que podem transformar em
hostil o ambiente analisado.
Outro potencial gerador de estresse e fadiga física é o
regime de trabalho imposto aos Peritos Criminais, realizado em
turnos de plantões que exigem do profissional disposição para
trabalhar em qualquer horário do dia ou da noite e sob qualquer
condição atmosférica.
Também a própria execução dos trabalhos periciais, por si
só, acarreta riscos ergonômicos aos profissionais, devido à assunção de posições desconfortáveis e de posturas prejudiciais ao
organismo, mas necessárias para o bom andamento da atividade.
Em situação de desgaste e tendo em vista a grande complexidade e a responsabilidade intrínsecas à atividade pericial, o
profissional acaba muitas vezes canalizando sua atenção apenas
à análise do sítio criminalístico, em detrimento da adoção de
medidas necessárias à preservação de sua segurança, o que
potencializa os riscos de acidentes.
6. Recomendações para a Segurança no Trabalho Pericial
O desempenho da atividade pericial criminal de campo,
pelos riscos inerentes aos locais e aos objetos citados nos
itens anteriores deste trabalho, traz implícita a necessidade
da utilização de equipamentos de proteção individuais (EPIs)
indispensáveis à segurança pessoal.
A constante exposição a fatores de risco, principalmente
os de natureza biológica, torna o uso de determinados EPIs
obrigatórios em todos os levantamentos realizados. Calçados
fechados e macacões de pernas e mangas longas com punhos e
tornozeleiras com elásticos são vestimentas de uso essencial em
todos os exames realizados em locais de crimes contra a vida,
pois os mesmos evitam o contato direto do Perito Criminal
com materiais biológicos, além de reduzir a probabilidade da
ocorrência de contágio por parasitas.
O uso de luvas de procedimentos também é fundamental
durante a realização do trabalho pericial pois, além de evitar a
destruição de vestígios importantes que possam estar presentes
no local (como impressões digitais), protegem o contato das
mãos do profissional com as fontes de riscos biológicas, sendo
11
também importante no manuseio de substâncias potencialmente
tóxicas. No trato com vísceras ou cadáveres em putrefação, é
prudente que o profissional utilize luvas de PVC, mais espessas
e resistentes que as retro citadas.
Outrossim, ao preceder a exames periciais, é imprescindível
que o Perito Criminal obtenha junto à autoridade policial solicitante informações suficientes sobre as características do sítio
criminalístico que possam indicar a possibilidade da existência de
agentes de risco. De posse destas informações, o perito dispõe
de subsídios para a escolha dos EPIs que serão necessários para
o desempenho seguro da sua atividade. As próprias características dos locais em questão, por si só, já definem a necessidade
obrigatória da utilização de alguns EPIs.
Em locais fechados, a real possibilidade da presença de
atmosferas asfixiantes, poeiras ou gases tóxicos confinados,
por exemplo, demanda a utilização de máscara de adução de
ar. Do mesmo modo, a informação sobre a provável presença
de gases combustíveis ou inflamáveis no local fornece requisitos para que o Perito Criminal tome as precauções necessárias
quanto aos procedimentos passíveis de serem executados em
ambientes com tal tipo de substância química, permitindo o
seguro desempenho da atividade investigativa.
Em ambientes onde haja a presença de entulhos é fundamental a utilização de calçados de segurança fechados, preferencialmente com o uso concomitante de palmilhas de aço ou
similares, de modo a evitar a produção de ferimentos nos pés
do profissional por pregos ou outros materiais perfurantes que
podem estar ali presentes. Da mesma maneira, a realização de
atividades em locais alagadiços requer o uso de vestimentas e
calçados impermeáveis.
Em ambientes fechados onde é verificada instabilidade
estrutural da edificação, como em obras civis ou em imóveis
sede de incêndio, é necessário fazer uso de capacetes de segurança, que protegem a cabeça do agente pericial contra impactos
decorrentes da queda de objetos.
Em edificações cuja estrutura se verifica instável, nos trabalhos em altura ou em atividades desenvolvidas em ambientes
externos de relevo acentuadamente íngreme, onde há o risco
iminente de queda, é primordial a utilização de corda salva-vidas,
equipamento trava-quedas e cinto de segurança.
Em edificações incendiadas, a utilização de luvas de
amianto também é de grande valia, haja vista que na necessária
remoção dos escombros são grandes as chances do contato
manual com estes materiais, que podem apresentar-se superaquecidos. O uso de respiradores purificadores de ar, com filtro
de classe P2, também é recomendado quando se verifica grande
quantidade de fumaça ou partículas em suspensão no ambiente
analisado. Também é de fundamental importância que se consulte a concessionária de energia elétrica local para verificar sobre
o correto desligamento da eletricidade do imóvel e eliminar a
possibilidade de ocorrência de choques elétricos.
A execução de levantamentos periciais em ambientes
abertos também demanda o uso de EPIs específicos. Trabalhos sob condições temporais adversas requerem a utilização
de roupas apropriadas, como capa de chuva ou agasalhos. O
uso de protetores solares, bonés ou chapéus com abas médias
ou largas durante o período diurno é importante para evitar a
incidência de raios solares quando em trabalhos a céu aberto.
Em ambientes noturnos ou de parca iluminação, a utilização
de lanternas potentes ou outros tipos de iluminação artificial é
essencial não só para facilitar o trabalho pericial como também
para auxiliar na segurança dos agentes.
A presença do Perito Criminal em vias de trânsito exige
o uso de coletes reflexivos, que facilitam a visualização dele
pelos motoristas que estão trafegando pela via, principalmente
à noite. É importante também que se faça uma boa sinalização
do local e se controle o fluxo de veículos, dessa forma reduzindo
a probabilidades da ocorrência de atropelamentos.
Além do uso dos EPIs acima citados, a atenção contínua ao
ambiente e adoção de procedimentos simples também resultam
em reduções significativa dos riscos de acidentes que podem
acometer os Peritos Criminais no desempenho de suas atividades.
As movimentações realizadas devem ser efetuadas sempre
com cautela. Em ambientes urbanos, a grande preocupação é
com os esbarrões em objetos presentes no local. Em ambientes
rurais, o deslocamento e as mudanças de nível acarretam em
elevado risco de queda, sendo necessário que o perito sempre
busque pontos de apoio devidamente resistentes e seguros antes
da efetiva realização de tal ação.
Também a presença inesperada de animais ferozes, peçonhentos ou venenosos em ação de ataque aos Peritos Criminais
pode ser evitada com a observação contínua das proximidades.
Quando o local apresentar grande risco da presença destes
tipos de animais, torna-se primordial a utilização de perneiras
ou caneleiras que protejam o profissional de ataques aos seus
membros inferiores.
Quando há a necessidade de manusear objetos potencialmente fontes de risco, sempre se deve ter o máximo de cautela.
No trato com materiais cortantes ou perfurantes, é indicado o
uso de luvas de PVC, preferencialmente as com forração de
malha, que apresentam maior resistência mecânica. Também,
o conhecimento das principais armas de fogo passíveis de
serem encontradas nos locais examinados, principalmente no
tocante aos seus mecanismos de desarme e desmuniciamento,
é essencial para a manutenção da segurança não só do Perito
Criminal, mas de todos aqueles que se encontram no local onde
este instrumento esteja presente.
É importante também que o perito nunca compareça
12
sozinho ao local de interesse criminalístico, de modo a reduzir
as chances de sofrer assédio violento por parte de terceiros,
que podem trazer risco à integridade física do profissional. Em
ambientes que potencialmente podem apresentar tal situação,
é indispensável, além da presença de outros agentes policiais
em número suficiente para garantir a segurança dos Peritos
Criminais, o uso de coletes abalísticos com, no mínimo, nível
II de proteção, além do porte de pelo menos uma arma de fogo
para defesa pessoal.
Apesar disso, torna-se fundamental que o Perito Criminal
esteja ciente dos riscos aos quais está sujeito no desempenho
de sua atividade, pois cabe a ele fazer a opção de não assumilos caso verifique que, mesmo com a adoção das medidas de
segurança à sua disposição, ainda se sinta exposto à situação de
risco iminente à sua vida ou à sua integridade física. Para isso, é
importante que a reflexão e a discussão dos aspectos relacionados à segurança no trabalho tornem-se uma prática contínua no
dia a dia dos profissionais ligados à área pericial, sendo da mesma
forma essencial a abordagem deste tema desde a formação do
profissional nos cursos ministrados nas Academias de Polícia
ou escolas assemelhadas.
7. Considerações Finais
Através da pesquisa realizada, pôde-se constatar que o
trabalho pericial desenvolvido em locais de crimes contra a
vida envolve uma elevada gama de riscos físicos, químicos,
biológicos, ergonômicos e mecânicos potencialmente causadores de danos à saúde e à integridade física dos profissionais
que desempenham esta atividade. A identificação destes riscos
através da delimitação dos ambientes, objetos e situações
passíveis de serem encontradas pelos Peritos Criminais no
desempenho de suas funções possibilitou a definição de
procedimentos que podem ser adotados pelos profissionais
e de EPIs necessários para a execução segura da atividade
demandada.
Como praticamente inexistem trabalhos que abordem a
questão da segurança do trabalhador no desempenho da atividade pericial criminal, são amplas as opções de estudos futuros
a serem desenvolvidos sobre o tema.
Além da questão dos riscos inerentes ao desempenho dos
levantamentos periciais em locais de crimes contra a vida, que
contemplam a maior gama de agentes de riscos dentre todas as
atividades criminalísticas desenvolvidas, é interessante a pesquisa
de riscos intrínsecos a outros procedimentos complementares
à atividade de campo propriamente dita, como na preparação
dos materiais, os decorrentes dos deslocamentos da equipe
até o local dos fatos, os exames laboratoriais e as atividades
administrativas, de pesquisa e de redação dos laudos periciais. É
interessante também o estudo de riscos atrelados às atividades
desenvolvidas pelos demais agentes vinculados à área pericial
criminal, como os Médicos-legistas, os Auxiliares de Perícia, os
Papiloscopistas e os Fotógrafos Criminalísticos.
Referências
Brasil. Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Altera o
Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho,
relativo à Segurança e Medicina do Trabalho. Diário Oficial da
União, Brasília, 23 dez. 1977.
_____. Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978, e alterações. Aprova as Normas Regulamentadoras – NR – do Capítulo
V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo
à Segurança e Medicina do Trabalho. Ministério do Trabalho,
Brasília, 06 jul. 1978.
DOREA, Luiz Eduardo Carvalho; STUMVOLL, Victor
Paulo; QUINTELA, Victor. Criminalística. 2. ed. Campinas:
Millenium, 2003. (Tratado de Perícias Criminalísticas).
ESPINDULA, Alberi. Perícia Criminal e Civil. 2. ed.
Campinas: Millenium, 2006.
REIS, Albani Borges dos. Metodologia Científica e Perícia Criminal. Campinas: Millenium, 2003. (Tratado de Perícias
Criminalísticas).
Autor
[a] Engenheiro de Segurança do Trabalho – Perito Criminal. Contato: [email protected]
13
A Entomologia Forense como Ferramenta para Locais de Crime no Rio
Grande do Sul
Silva, Evandro Gomesa
Seção de Levantamento de Locais, Departamento de Criminalística, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto Alegre/RS
1. Introdução
Os insetos já viviam na Terra antes do aparecimento dos
dinossauros. Surgiram há cerca de 350 milhões de anos. Os
artrópodes (grupo que engloba os insetos) foram os primeiros
animais a colonizar a terra firme. Além disso, estima-se que 55%
das espécies de seres vivos conhecidos e que 3 de cada 4 das
espécies de animais existentes sejam de insetos. Distribuem-se
por todo o globo terrestre, exceto nos pólos e oceanos. Toda essa
abrangência temporal/espacial permitiu o domínio do planeta
em número, biomassa e diversidade. Essas particularidades são
demonstração do imenso sucesso evolutivo desse intrigante
grupo animal e evidenciam a importância de conhecê-lo melhor
em nosso meio.
Apesar de toda a relevância biológica, não desfrutam de
boa fama entre os Peritos Criminais que trabalham nos locais
de crime. Talvez por estarem, os insetos, mormente ligados à
imagem de “vermes” rastejantes e moscas-varejeiras sobre cadáveres humanos em decomposição e, principalmente, ao odor
desagradável. Possivelmente por isso, pelo não treinamento e
carência de dados confiáveis, não ocupam lugar de destaque
entre os vestígios descritos e considerados nos trabalhos periciais. Por outro lado, há Peritos e pesquisadores que examinam
com especial atenção tais achados e admiram com entusiasmo
essa interessante fase do ciclo da vida, em que tais animais agem
como componentes vitais na seqüência de reciclagem natural
de matéria orgânica.
A Entomologia (ramo da Zoologia que estuda os insetos)
possui uma área que deveria ser mais bem conhecida pelos
Peritos Criminais que atuam em locais de crime contra a vida
humana. A Entomologia Forense (EF) é a ciência que aplica o
estudo dos insetos a procedimentos legais1. Atualmente, vem
crescendo o interesse de Peritos, pesquisadores e público em
geral pelo assunto, motivados pela natureza científica ou pelos
seriados televisivos que tratam da temática, de maneira, muitas
vezes, fantasiosa.
Existem aplicações da EF que não incidem estritamente na área criminal/médico-legal, como a EF Urbana (dano
por insetos em imóveis, p. ex.) e EF de Produtos Estocados
(contaminação por insetos em produtos comerciais, p. ex.)2.
O presente trabalho concentra o interesse nas aplicações nas
áreas da Criminalística e da Medicina Legal, em que um corpo
humano em decomposição pode tornar-se um verdadeiro
ecossistema. Diferentes autores trazem como início do uso da
Entomologia como ferramenta de apoio à elucidação de crimes
um caso acontecido na China, durante o século XIII, no qual
uma foice utilizada como arma mortal denunciou o autor do
crime ao atrair moscas que buscavam os vestígios remanescentes
da vítima no instrumento.
2. Ciclo de Vida
Podemos citar de um modo geral, sem avançar nos detalhes
que o assunto merece, que os principais freqüentadores de carcaças de animais em decomposição e de valor mais significativo
para a EF são os dípteros1 (grupo que engloba as moscas e os
mosquitos), além dos coleópteros (besouros em geral), em um
plano secundário. Dentre os dípteros, os que mais se destacam às
vistas em locais de crime são as moscas da família Calliphoridae,
que possuem um colorido metálico azul ou verde, as famosas
moscas-varejeiras. Além delas, há também as moscas da família
Muscidae, que inclui a mosca doméstica, e as moscas da família
Sarcophagidae – um nome bastante sugestivo – representadas
por animais com o dorso cinza e faixas longitudinais pretas,
além de abdome em padrão xadrez de tons similares ao dorso.
De maneira geral, fêmeas adultas colocam ovos sobre o
cadáver, preferencialmente nos orifícios naturais ou em lesões
provocadas por ações violentas. Os “vermes” nada mais são
que formas larvais, um estágio ainda imaturo, que apresentam
movimentação vermiforme e que são os responsáveis por obter
o máximo de energia do corpo putrescente para seguir o ciclo
até a vida adulta, passando antes pela fase de pupa, afastada da
14
Figura 1 – Representação geral do ciclo de vida de mosca da família Calliphoridae, mais
conhecida como mosca-varejeira
Figura 2 – Precipitação média anual no RS. Fonte: SEMC – Atlas Eólico do Rio
Grande do Sul – 2002. Elaboração SCP/DEPLAN 05/2004
carcaça (figura 1). Essa mudança relativamente rápida e intensa
de forma, estrutura e hábitos que ocorre durante o ciclo de vida
é conhecida como metamorfose.
realizadas nos países mais desenvolvidos para o nosso país tropical. Também há outras dificuldades no caso do Brasil, onde
encontramos enormes diferenças decorrentes das dimensões
continentais que existem aqui. Particularmente, no Rio Grande
do Sul, em função basicamente da latitude, há uma enorme
variação sazonal nos fatores que influenciam diretamente a presença e o ciclo de vida das espécies de interesse forense, o que
torna complexa e imprecisa a utilização dos dados de locais do
Brasil onde a EF está mais desenvolvida. É possível que nossos
achados tenham mais em comum com os trabalhos realizados
no Chile, Uruguai e na Argentina, do que com o restante do
Brasil. Dentro do próprio Estado existem algumas diferenças
consideráveis. As figuras com mapas a seguir exemplificam.
3. No Mundo, Brasil e Rio Grande do Sul
No mundo, principalmente em alguns países desenvolvidos
da Europa, da América do Norte e Japão, já há metodologias
estabelecidas, dados abrangentes e fidedignos, além de pessoal
habilitado para lidar com ocorrências que envolvam EF, o que
permite o largo emprego de tal conhecimento como ferramenta
na elucidação de casos que envolvam morte violenta. No Brasil,
como um todo, a aplicação da EF ainda é incipiente, apesar de
importantes avanços feitos por grupos de pesquisa acadêmica
(com carcaças de animais em sua maioria), alguns poucos ligados
às instituições de segurança pública. No Rio Grande do Sul, de
forma geral, é quase inexistente, apesar do enorme potencial de
recursos humanos e ambientais para seu pleno estudo/desenvolvimento, o que resulta no não aproveitamento de maneira
satisfatória, pela escassez de uma base de dados confiáveis e
pelo não treinamento de seus agentes, desse tipo de vestígio.
Diversos fatores bióticos e abióticos influenciam a presença
e o ciclo de vida dos insetos que freqüentam carcaças em putrefação, além do próprio processo de decomposição cadavérica.
Podemos citar: a riqueza/diversidade da entomofauna local, a
espécie animal a qual pertence a carcaça, o clima de um modo
geral, as características físicas do local onde ocorre tal interação, a distribuição das chuvas, fotoperíodo e, principalmente, a
temperatura3. Em razão desses fatores, não podemos extrapolar
diretamente a base de dados, os estudos e as análises que são
4. Aplicações
A aplicação clássica da EF é avaliar o chamado intervalo post
mortem (IPM), que nada mais é do que estimar quando a morte
ocorreu. Dado cuja importância tantas vezes se faz necessária,
exigindo uma aproximação tão exata quanto possível. Sem
dúvidas, um dos assuntos mais complexos da Medicina Legal4.
Apesar dos fenômenos cadavéricos, mesmo quando estudados
associados, levarem a um valor aproximado, indicando com
pouca e relativa precisão uma “janela” para o IPM, grandes
margens de erro nas estimativas são assumidas conforme
avança o processo putrescente. Assim, a metodologia usual de
cronotanagnose pode induzir a erros de estimativa nesses casos.
As técnicas entomológicas têm potencial de avaliar com maior
precisão o IPM em casos de longos lapsos temporais, agregando
mais peso à prova pericial, onde outros vestígios, no mais das
15
Figura 3 – Hipsometria (altimetria) do RS. Fonte: EMBRAPA – www.relevobr.cnpm.
embrapa.br. Acesso em: 15/10/2008. Elaboração SEPLAG/DEPLAN – 10/2008
Figura 4 – Temperatura média anual no RS. Fonte: Fonte: SEMC – Atlas Eólico do
Rio Grande do Sul – 2002. Elaboração SCP/DEPLAN 05/2004
vezes, acabam diluídos pelo tempo e não permitem estimativas
com acurácia.
O corpo humano em decomposição, enquanto ponto de
convergência da investigação criminal, atrai um conjunto faunístico interessado em utilizá-lo como fonte de recursos. Nesse
caso, o fascinante ciclo vital que move a reciclagem de matéria
possui um elo que pode ser usado como um tipo de relógio
biológico para estimar o IPM. Uma vez que o estudo do desenvolvimento do ciclo de vida da entomofauna cadavérica mostra
uma sucessão de fases (figura 1), cada qual transcorrendo em
um tempo determinado, não só em função da espécie biológica
em estudo, mas também pelas condições biogeoclimáticas da
região pesquisada, o tempo que progride após a morte pode ser,
pelos mesmos critérios e precisão, determinado.
Logo, uma base de dados abrangente da biologia das espécies de interesse forense que ocorrem em determinado local,
durante as diferentes estações do ano, nas diversas paisagens do
Estado, entre outras variáveis, seria requerida para possibilitar
tais inferências. No Rio de Janeiro, por exemplo, assume-se que
no primeiro dia da morte já ocorre ocupação do corpo por entomofauna cadavérica1. Durante os dias frios do rigoroso inverno
gaúcho, por experiência própria dos Peritos que atendem locais
de morte, sabe-se que podem transcorrer dias sem que nenhum
representante de EF se “atreva” a colonizar o corpo. São bases
informativas diferentes.
A obra de Oliveira-Costa e colaboradores, a única do gênero no país, traz um apanhado de alguns usos práticos da EF,
em casos particulares, que vão desde a identificação do morto
por técnicas de DNA da vítima extraído dos insetos, passando
pela forma como ocorreu a morte pela análise toxicológica das
larvas ou pupário, pelo local onde teria ocorrido a morte, visto
que algumas espécies são endêmicas, por identificar se a morte
foi violenta, pela análise de contaminantes de chumbo nas larvas
em torno das feridas. Outras aplicações da EF também seriam
possíveis, como avaliar a origem de entorpecentes (maconha)
pela identificação dos insetos que são prensados junto com a
droga e indicariam a área de cultivo, pelo efeito de endemismo,
além de maus-tratos a crianças e incapazes pela verificação de
larvas de dípteros encontradas no conteúdo das fraldas, o que
indicaria um período de ausência de atenção básica e abandono.
5. Perspectivas
Um levantamento preliminar entre os Peritos do IGP
lotados em Porto Alegre e que atuam em locais de morte ou
de atentado contra a vida humana mostrou que de 3 a 10%
dos locais atendidos possuem potencial para a utilização de
EF como ferramenta prática para descrição e ponderações nos
trabalhos periciais. No entanto, a inexistência de treinamento e
estudos basais e confiáveis reprime em parte a possibilidade de
inferências relativas, já que seria mais um vestígio interessante
a considerar. Entre nós, a EF já começa a ganhar projeção.
Ademais, a divulgação dessa ciência no âmbito policial é quase
inexistente e menos ainda na esfera dos tribunais.
Por outro lado, a EF como um todo começa a se consolidar no país; enquanto algumas unidades da Federação estão
com estudos mais adiantados, outros Estados estão iniciando
seus projetos. As pesquisas nesses lugares são conduzidas com
carcaças de animais, principalmente porcos domésticos. No
entanto, já se conhece que a colonização do corpo pode ocor-
16
rer de maneira diferente, não sendo possível a correlação com
alguns casos humanos. Visto o potencial exposto no presente
trabalho, cabe ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul
investir nesta área. Uma possibilidade existente e singular, além
de ser pouco dispendiosa, é a criação de uma (ou mais) body farm,
ou fazenda de corpos, que são locais destinados a deixar por
conta de todos os fatores naturais a decomposição de corpos
humanos5. Isso possibilitaria o acompanhamento e estudo in
loco de todos os fenômenos bióticos e abióticos envolvidos no
processo de decomposição. Os diferentes órgãos que compõem
o IGP (além de instituições acadêmicas) poderiam realizar seus
estudos nas suas áreas de abrangência, fato que geraria uma base
de dados essencial para ser utilizada no futuro. Peculiaridades
bioéticas e legais, uma vez observadas, não impedem o trabalho,
visto que a escassez de dados sobre EF não permite grandes
conclusões a respeito do tema.
À parte as novas máquinas e dispositivos que surgem
em nossa área de atuação quase que diariamente, nada foi
desenvolvido que supere a perspicácia e poder de associação de inteligências multifatoriais que o ser humano
possui. Quando isso vem acompanhado de tecnologia, as
possibilidades tornam-se imensas, para dissabor daqueles
que ficam contra a apresentação da verdade. Acreditamos
que, levando em consideração tudo que foi colocado até
aqui, os “vermes” rastejantes e moscas-varejeiras possam
ser vistos de uma forma diferente, mais perspicaz, quando
os encontrarmos novamente, visto que são geradores de
abundantes associações.
Referências
1. OLIVEIRA-COSTA J. Entomologia Forense: Quando
os Insetos são Vestígios. Campinas, SP (2007), Millennium
Editora.
2. LORD W.D. & STEVENSON J.R. 1986. Directory of
forensic Entomologists. Def. Pest Mgmt. Info. Anal. Center(eds),
Washington: Walter Reed Army Medical Center, 42 pp.
3. WALLA R., FRENCHA N. and K.L. MORGANA.
Effects of Temperature on the Development and Abundance
of the Sheep Blowfly Lucilia sericata (Diptera: Calliphoridae).
Bulletin of Entomological Research (1992), 82:125-131.
4. FRANÇA G. V. Medicina Legal. Rio de Janeiro, RJ (2008)
8ª Ed. Guanabara Koogan.
5. MERTENS J. Lessons From the Body Farm. Law Enforcement Technology Volume:30 Issue:6 Dated:June 2003
Pages:32 to 38. Ronnie Garrett (ed).
Autor
[a] Perito Criminal.
17
Extração de DNA em Impressões Digitais já Reveladas com Carbonato
de Chumbo II, Óxido de Ferro II e Ninidrina
Luciana Brum Pinheiroa; Paulo Eduardo Raimannb
Seção de Perícias Papiloscópicas, Departamento de Identificação, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da
Segurança Pública, Porto Alegre/RS
Resumo
Este trabalho tem como objetivo identificar se existe DNA na impressão digital após a mesma ser revelada com Carbonato de
Chumbo II, Óxido de Ferro II e Ninidrina, que são os reagentes químicos mais usados na papiloscopia para revelação de impressão digital.
Essa investigação é de grande relevância para a ciência forense, não apenas como possibilidade de apreensão de novas tecnologias, mas
também para saber se são práticas e mesmo viáveis para a utilização em campo pelos papiloscopistas que atuam diretamente na cena do crime.
Para que não houvesse prejuízo de evidências, é preciso que se esclareça que foram submetidas ao exame de DNA as impressões latentes coletadas, e que após escaneamento e análise, verificou-se que não continham elementos suficientes – doze pontos
característicos – que as tornariam passíveis de confronto, tendo sido descartadas.
Palavras-chave: DNA, LCN, impressão digital, Papiloscopia
Abstract
This work aims to identify whether DNA can be found on a fingerprint after its revelation with the ninhydrin, Lead II carbonate
and iron oxide II, which are chemicals used in papiloscopy for reavealing fingerprints.
This research is very relevant to forensic science, not only as a possibility to seize new technologies, but also to know if it is
practical and feasible for using in the field, by papiloscopists that act directly on the crime scene.
In order to not exist any injury on evidences, it must be cleared that the collected latent prints were submitted to DNA examination and after scanning and analysis, it was found that they did not contain sufficient elements – the twelve characteristic points,
that would qualify for confrontation. Because of this, the possibility was discarded.
Keywords: DNA, LCN, fingerprint, Papiloscopia
1. Introdução
Dos métodos de identificação forenses, a análise das
impressões digitais é a técnica mais antiga e melhor conhecida,
sendo muitas vezes utilizados métodos com reveladores em pó
para visualização por ser de fácil aplicação, barato e oferecer
resultados imediatos. Recentemente, em razão do advento
de procedimentos tecnológicos mais sensíveis e específicos
começou-se a usar o seqüenciamento de DNA como método
auxiliar. As regiões de Short Tandem Repeats (STR), constituídas
tipicamente de variações de 3 a 7 pares de base, promovem
um meio efetivo para identificação pessoal.
O seqüenciamento pode ser concluído amplificando o
genoma de DNA usando a reação em cadeia de polimerase
(PCR) (STEIN, 1996).
Segundo Archer et al. (2005), as impressões digitais
contêm, em concentrações variáveis, ácido palmítico, ácido
esteárico, ácido tetradecanóico, ácido palmitoleico, ácido oleico, escaleno e colesterol. Com o envelhecimento da impressão
digital ocorre inicialmente um aumento na concentração dos
ácidos graxos, supostamente devido à quebra dos ésteres e
triglicerídeos em ácidos graxos, seguido pela diminuição da
concentração por mecanismos de degradação. O padrão da
variação da concentração de ácidos graxos saturados e insaturados é aumentar, aproximadamente, durante quinze dias e
depois diminuir, principalmente se forem armazenados fora
do abrigo da luz.
2. Elementos Técnicos
Os elementos técnicos foram chamados por Francis
Galton de Minutiae e, pela definição de Codeço (1992), são
18
Figura 1 – Foto de uma impressão digital antes da coleta (Manual Técnico de Datiloscopia, IIFP, RJ, 2002)
“elementos anatômicos existentes nas cristas papilares, variáveis na sua apresentação”; também baseado em Khedy
(1968), “são certos acidentes que se encontram nas cristas
papilares” – ponto, ilhota, cortada, início de linha, fim de linha,
bifurcação, confluência, encerro, duplo encerro, desvio, arpão,
travessão/emplame e cicatriz, que são elementos adotados
pelo DI/IGP/RS.
Carlos Khedy, em seus ensinamentos, deixa claro que “os
Papiloscopistas têm a propriedade de estabelecer a identidade
de uma impressão digital” (KHEDY, 1968). Não existe um
método de base científica válido para o requerimento de um
número mínimo de pontos característicos que devem estar
presentes em duas impressões digitais a fim de estabelecer
uma identificação positiva (Comitê Internacional, 1973)
(OLSEN, 1978).
O desenho digital é a figura formada pelas cristas papilares da falange distal, ou seja, o datilograma ou impressão
digital é a reprodução do desenho digital (KEHDY, 1957),
visualizado na figura 1.
O datilograma é constituído pela impressão das cristas
papilares da falange distal. Nas linhas impressas encontramos
os pontos característicos, particularidades morfológicas que
permitem distinguir, entre si, as impressões digitais e pequenas falhas, correspondentes aos poros, aberturas dos canais
sudoríparos. As linhas impressas do datilograma estão separadas por intervalos decorrentes dos sulcos interpapilares ou
intercristais existentes no desenho digital. Temos também a
classificação em tipos e subtipos. Embora os subtipos possam
ser desdobrados em diversos outros, este sistema de classificação apresenta-se limitado, de modo que a classificação de
uma impressão digital em tipo, subtipo e outras diferenciações
existentes não são suficientes para a afirmativa de identidade de
uma pessoa. Isso ocorre simplesmente porque, sendo o corpo
humano simétrico, os desenhos digitais também o são, o que
justifica a preferência de ocorrência de determinados tipos e
subtipos de impressão digital, bem como a sua desobediência
a métodos estatísticos (ARAÚJO, 1960).
Para a afirmativa de identidade de uma pessoa recorre-se,
então, aos pontos característicos que, por serem acidentais nas
impressões digitais, não obedecem a qualquer simetria. Além
disso, os pontos característicos são imutáveis e se distribuem
aleatoriamente em uma impressão digital, sendo passíveis,
portanto, de análise estatística. A aplicação simultânea da chave
de classificação (tipos fundamentais – identificação genérica;
subtipos – identificação específica) e a análise dos pontos
característicos (identificação individualizadora) tornaram a
impressão digital o instrumento mais seguro, simples, barato
e confiável de identificação humana atualmente em uso (RIO
GRANDE DO SUL, 2008).
De uma maneira genérica, o procedimento que a perícia
realiza pode ser sintetizado da seguinte forma: a) o Levantamento Pericial Papiloscópico, que é o conjunto de técnicas e
procedimentos objetivando a localização, revelação, registro
e coleta de impressões papilares. Hoje, o Levantamento Pericial Papiloscópico realizado por Papiloscopistas consiste
na descrição minuciosa do local, como vias de acesso, modus
operandi, como se encontra o local, vestígios e indícios, gerando um documento chamado de Auto de Verificação do
Emprego de Violência; b) em seguida se aplica o reagente
pó ou químico, as impressões latentes são examinadas e o
Papiloscopista analisa se há pontos suficientes para confronto; caso haja, é feita a coleta, acondicionando-as para o
transporte em suportes próprios para impressões latentes; c)
após isso, essas impressões são levadas ao laboratório, e em
seguida são escaneadas e armazenadas na forma de arquivos,
para segurança das impressões latentes. Caso haja suspeitos,
sendo indicados por meio de ofício pela autoridade policial,
é realizado o confronto das impressões coletadas com as
pertencentes ao suspeito, sendo este o momento em que se
busca encontrar doze pontos característicos idênticos entre
as impressões questionadas e a constante de fichas individuais
datiloscópicas. Em não havendo suspeitos, a impressão latente
é submetida ao sistema Automated Fingerprint Identification System
(AFIS) Criminal (RIO GRANDE DO SUL, 2008).
Quando os fragmentos papiloscópicos coletados são
submetidos à pesquisa no AFIS, o sistema pode reconhecer,
por pontos de similaridade, que o fragmento questionado
converge para a imagem da impressão digital de algum dedo
da ficha individual datiloscópica civil ou criminal que possui
um número identificador, pertencente a alguém. Nesse caso,
confronta-se o fragmento questionado (figura 2) com a imagem da impressão digital do dedo aposta na ficha individual
datiloscópica (figura 3) do Registro Geral (RG) e verifica-se
19
Figura 2 – Fragmento de impressão digital questionado coletado em vidro móvel de porta
Figura 3 – Polegar direito da Ficha Individual datiloscópica de RG nº. 999999
lateral dianteira direita de um veículo – parte externa
Figuras retiradas de um Laudo Pericial Papiloscópico, de numeração confidencial, elaborado pelo Departamento de Identificação – Seção de Perícias Papiloscópicas em Veículos – Porto Alegre/RS.
se os mesmos apresentam pontos característicos coincidentes,
em número suficiente para tornar inequívoca a constatação
de que se trata da mesma impressão digital (RIO GRANDE
DO SUL, 2008)
3. Short Tandem Repeats (STR)
Marcadores short tandem repeats (STR) são regiões do DNA
com seqüências que se repetem em tandem de tamanho de 2 a
5 pares de base (HAMMOND et al., 1994). São regiões altamente polimórficas e capazes de gerar genótipos de amostras
com pouco material através das amplificações multiplex, isto é,
várias regiões de STRs sendo amplificadas em conjunto, com um
amplo tamanho de fragmentos de DNA produzidos (amplicons)
usando a reação em cadeia da polimerase (PCR)(BUTLER et
al., 2001).
Atualmente, já existe também a técnica de STR no cromossomo Y onde é possível traçar a linhagem paterna de um
indivíduo, e também um perfil masculino no caso de análise
de mistura de perfis, muito comum em casos de estupro. Há
também o exame do DNA mitocondrial, um DNA não nuclear,
presente nestas organelas, que revela a linhagem materna, pois
é transmitido em sua totalidade pela mãe para toda a sua prole.
Porém, por estar em haploidia, a hereditariedade não é mendeliana, não proporcionando um poder de identificação individual
elevado, quando comparado com o dos STRs.
Recentemente, com o uso da técnica dos miniSTRs, que
utiliza um conjunto primers, permite a obtenção de produtos de
amplificação de tamanhos mais reduzidos, quando comparados
com os amplicons produzidos pelos STRs de kits comerciais. Isso é
devido à movimentação dos primers, para que estes fiquem o mais
próximo possível das regiões de repetição do STR (WIEGAND
et al., 2001; TSUKADA et al., 2002) para que os fragmentos
amplificados possuam uma gama de tamanhos ideais para um
determinado multiplex (BUTLER et al., 2003).
Com as modernas tecnologias da PCR é possível detectar
amostras de DNA mesmo em quantidades muito pequenas,
como num simples contato cutâneo, no qual se pode transferir
material suficiente de DNA para seqüenciamento STR onde as
impressões digitais são possíveis fontes de extração de DNA
para investigações forenses (SCHULZ e REICHERT, 2002).
O desenvolvimento do sistema de múltiplos primers de STR
permite a amplificação simultânea de mais de 10 locus STR em
um único procedimento e possibilita obter material de qualquer
fonte biológica (BALOGH et al., 2003).
Em condições de laboratório torna-se mais fácil a extração
de DNA, uma vez que trabalhando em locais de crime pode haver contaminação do material coletado, como por exemplo, nas
impressões digitais de várias pessoas; o DNA pode vir da saliva
e outras células, mesmo com um simples toque. O método de
identificação de DNA não deve substituir o método clássico do
sistema Vucetich. Porém, o ideal seria que ambos se complementassem para que a investigação pudesse proporcionar resultados
mais seguros e confiáveis (SCHULZ e REICHERT, 2002).
É ponto controverso na literatura se o uso de reveladores
possa vir a ter efeito negativo na análise de impressão digital.
A amplifição de DNA pode ser realizada no STR autossômico
e no DNA mitocondrial de indivíduos que tocaram objetos
independente do tempo de duração do toque. No caso forense
as impressões digitais não são visíveis, por isso são utilizados
20
reagentes químicos; entretanto, este procedimento pode diminuir a possibilidade de seqüenciamento de DNA (BALOGH
et al., 2003).
Quando as impressões digitais são apostas, não somente
secreções glandulares são depositadas, mas também celulas
epiteliais ficam na superfície. Cada célula epitelial contém cerca
de 5 ng de DNA nuclear que pode ser usado para amplificação
por PCR. O sistema multiplex de STR genotipa múltiplos locus
usando pequenas quantidades de DNA (aproximadamente
1ng/μl). A habilidade de extração de DNA por esse método
é possível até o sexto dia após a aplicação do reagente (YU e
WALLACE, 2007).
De acordo com os estudos de Lowe et al. (apud PHIPPS
e PETRICEVIC, 2007), os indivíduos podem ser diferenciados
por sua tendência em depositar DNA quando em contato com
algum objeto. Phipps e Petricevic (2007) demonstraram que a
lavagem das mãos diminui o depósito de DNA na superfície
tocada. Quanto mais tempo se passar desde a lavagem das mãos
até o toque no objeto, maior a quantidade de DNA que pode ser
transferida para o objeto tocado. Além disso, a mão dominante
transfere, de modo estatisticamente significativo, maior número
de alelos do que os observados pelo toque da mão não dominante. Outros dados relevantes desta pesquisa mostram que: (1) as
pessoas depositaram mais DNA das mãos dominantes do que
não dominantes; (2) uma transferência secundária de DNA é
possível, mas não provável; (3) a definição de Lowe para um bom
“depositador” de DNA tornou-se inviável para pesquisa e, (4)
o depósito de DNA por um indivíduo é um assunto complexo
que depende tanto da característica do próprio DNA quanto das
atividades realizadas por este indivíduo antes de tocar o objeto.
Demir e Semizoglu (2003) escreveram métodos para preservar as impressões digitais em fitas adesivas utilizando fontes
de luzes forenses, cristais de violeta genciana, cianoacrilato e
outros reveladores. Seus estudos mostraram que o DNA foi
subseqüentemente extraído, amplificado e seqüenciado em 11
locus de STR. O uso de métodos de purificação pós-PCR aumenta em quatro vezes a intensidade do sinal fluorescente em
relação aos produtos não purificados. Dentre os métodos de
purificação de PCR pode-se citar o de filtração, de membrana
sílica gel e a hidrólise enzimática de componentes (SMITH e
BALLANTYNE, 2007), bem como Chelex 100 5% e membrama concentradora Microcom Y M-100 (ZAMIR, COHEN
e AZOURY, 2006).
4. Técnicas de Revelação de Impressões Latentes
Existem três tipos de impressões papilares: visíveis, modeladas e latentes (ARAÚJO, 2008). Esta pesquisa tem interesse
nestas últimas, cujas caracterizações serão mais aprofundadas.
As impressões latentes são aquelas deixadas pelo suor em um
substrato qualquer, imprimindo-lhe indelevelmente o desenho
papilar. Tais impressões papilares são as mais comuns em um local de delito e a sua revelação só poderá ser efetuada mediante o
emprego de técnicas adequadas, as quais se dividem em técnicas
físicas e técnicas químicas. A primeira está atrelada à aderência
de materiais inertes à parte aquosa das impressões papilares;
enquanto a segunda está alicerçada na interação química de um
reagente com componentes específicos do suor presente nos
desenhos papilares. Estas técnicas utilizam os reveladores sólidos
(pós: Carbonato de Chumbo II, Óxido de Ferro II, negro de
fumo, sudan III, flor de enxofre, o licopódio e pós magnéticos),
os reveladores líquidos (drogas e substâncias químicas: solução
alcoólica de sudan III, solução de ácido pícrico, solução de ácido
ósmico, ou preparados especiais, como reativo de Weighert e
outros) e os reveladores gasosos (vapores de substâncias químicas: vapor de iodo, ácido clorídrico, nitrato de prata, éster de
cianocrilato, ninidrina e análogos). Também não se pode deixar
de citar as técnicas modernas baseadas em laser.
As impressões latentes são as mais difíceis de serem encontradas em local de crime. Diferentes métodos físicos e químicos
podem ser usados para visualizar esses tipos de impressões.
Aplicar várias técnicas e usar mais que um reagente são fatores
que aumentam a qualidade da impressão digital a ser examinada.
Contudo, é importante não escolher ou usar o método errado
que possa prejudicar a aplicação de uma outra técnica que pode
ser usada depois (CIHANGIROGLU E SAYIGI, 2003).
Para revelação latente, destacam-se como reveladores a
ninidrina, o Carbonato de Chumbo II e o Óxido de Ferro II.
A ninidrina foi descoberta em 1910, sendo também chamada
de “púrpura de Ruhermann”, e seu nome oficial é hidrato de
triketohidrindeno. O seu princípio de atuação é a reação com
os aminoácidos contidos na impressão latente, sendo que a
maior parte dos fluidos corporais (leite, sêmen, suor, sangue,
etc.) reagem com o composto químico da ninidrina, que após a
aplicação apresenta uma cor violeta, e geralmente é utilizada em
superfícies absorventes, porosas e especialmente em papéis. A
sua composição química é etanol, xileno e ninidrina. O Carbonato de Chumbo II (PbCO3) e o Óxido de Ferro II (FeO) são
usados como pós reveladores de impressões papilares, pois eles
aderem às substâncias úmidas deixadas pelas secreções contidas
nas papilas dérmicas; portanto, sua eficiência está relacionada
ao tempo em que a impressão foi produzida, apresentando
os melhores resultados em impressões recentes, e geralmente
são utilizados em superfícies lisas, às quais aderem melhor
(ARAÚJO, 2008).
Para análise dos dados coletados, serão levados em conta
esses últimos reveladores, porém ressalta-se que há outros
reagentes como amido black, DFO, microsil entre outros. A
21
ninidrina é usada mundialmente nos laboratórios de criminologia
para revelação de impressões digitais em superfícies não porosas.
Entretanto, um novo reagente, 1,2 – indanediona parece produzir revelação de maior qualidade comparada com os reagentes
clássicos em superfícies porosas e materiais porosos sensíveis
ao calor (YU e WALLACE, 2007).
Sabe-se que quanto mais porosa seja a superfície, haverá
mais aderência celular, com a qual se obtém maior quantidade
de DNA. Entretanto, para a papiloscopia, quanto menor a porosidade da superfície, mais nítidas são as cristas da impressão
digital (YU e WALLACE, 2007).
Segundo Stein (1996), o material biológico contendo DNA,
assim como o sangue e a saliva, não é afetado pelo uso do
cianoacrilato, violeta genciana, ninidrina e carbonato amórfico.
A ninidrina reage com os aminoácidos encontrados nos
resíduos das impressões latentes formando um componente
violeta, tornando visíveis as cristas em tons avermelhados ou
marrons (BARBARO et al., 2004).
Na pesquisa de Peuziat e colaboradores (2003) observou-se
que a ninidrina foi utilizada para analisar a impressão digital em
superfícies porosas, porém com resultado inferior ao Tetróxido
de rutênio e o cianoacrilato. Este estudo foi realizado com base
em cartões magnéticos e notou-se que não houve danificações
dos dados dos cartões pela análise da impressão digital.
O estudo de Cihangiroglu e Sayigi (2003) que analisou a
revelação de impressões em papel branco, papel fotográfico e
madeira, revelou que a ninidrina foi altamente efetiva nos dois
primeiros e que o pó foi altamente eficiente nas três superfícies
tanto nos aspectos de conveniência de aplicação quanto na
velocidade de revelação.
Payne e colaboradores (2003), ainda ao analisar a revelação
de impressões com Condor (revelador químico desenvolvido
nos Estados Unidos), perceberam que as impressões em jornal
tratado com ninidrina e DFO, e as impressões em papel branco
e amarelo tratados com ninidrina foram de melhor proveito
para detecção para o revelador químico; do contrário, muitas
impressões consideradas difíceis em determinadas superfícies
puderam ser reveladas com esta técnica. O uso de pincéis de
aplicação de pós forenses pode ser fonte de contaminação de
DNA se cuidados de descontaminação não forem providenciados. Segundo Proff et al. (2006), 86% dos pincéis testados em
seu experimento foram fonte de contaminação com misturas
de DNA obtidos em várias cenas de crime anteriores.
5. Conclusão
Este trabalho apresenta uma proposta altamente relevante,
visando uma possível ferramenta alternativa para a elucidação
de casos forenses nos quais envolvam análise de impressões
digitais já reveladas com diferentes reagentes químicos, possibilitando, além da identificação papiloscópica, a sua individual
identificação baseada na genética molecular através da análise de
DNA realizada com o auxílio de Kits de STRs e MiniStrs. Para
que estas análises possam ocorrer, devem-se evitar contaminações cruzadas dos materiais relacionados à coleta das impressões
fazendo o uso da autoclave para a esterilização de materiais como
pincéis e fitas adesivas. No decorrer deste trabalho, verificou-se a
necessidade de se elaborar um modelo experimental prático, para
avaliar a real possibilidade do seu sucesso. Assim, já está sendo
desenvolvida no Laboratório de Genética Humana e Molecular
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul a
análise de extração e amplificação preliminar de amostras de
impressões digitais reveladas com uso de Kits de STR e MiniStr,
apresentando um resultado favorável à expectativa de proposta
do estudo ora apresentada.
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Autores
[a] Papiloscopista. Bióloga, especialista em Biologia e
Genética Forense (PUCRS). Contato: luciana-pinheiro@
igp.rs.gov.br
[b] Papiloscopista. Mestre em Biologia Molecular e Celular
pela PUCRS e Professor do curso de especialização em
Biologia e Genética Forense (PUCRS). Contato: [email protected]
23
Circunstâncias Juridicamente Relevantes em Perícias de Locais de Crimes
contra a Vida e em Armas de Fogo
Silva, André Luiz Martinelli Santosa
Seção de Química-Legal, Departamento de Criminalística, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança
Pública, Porto Alegre/RS
Resumo
A criminalística, enquanto ciência autônoma, se utiliza de ferramentas técnico-científicas com o objetivo de atender a finalidades
jurídico-penais, quais sejam, estabelecer a materialidade e, se possível, a autoria do delito. Assim sendo, torna-se de vital importância
que, ao executar a perícia em locais de crimes contra a vida e em armas de fogo, o Perito Criminal esteja atento àquelas circunstâncias
que são juridicamente relevantes no tocante à apuração da responsabilidade subjetiva dos agentes, com vistas à posterior responsabilização penal mediante a adequada dosimetria da pena. Desse modo, o presente trabalho apresenta uma série de circunstâncias
as quais se deve dar atenção ao se efetuar perícias em locais de crimes contra a vida, classificando essas circunstâncias em grupos, e
analisando as possíveis repercussões jurídicas da sua ausência ou coleta inadequada/incompleta por ocasião do exame pericial. Chegase a essa relação e classificação mediante a inferência das circunstâncias concretas a partir da análise da legislação pertinente, uma vez
que a relevância penal de uma ação ou omissão encontra-se na dependência direta de sua perfeita adequação ao tipo penal. Ademais,
apresenta-se também uma série de elementos aos quais se deve dar atenção ao se efetuar perícias em armas de fogo. Toda essa análise
é efetuada considerando-se o disposto no Código Penal e no Código de Processo Penal, em particular no tocante aos tipos penais e
dosimetria da pena, além do Estatuto do Desarmamento, em particular no tocante aos tipos penais previstos naquele diploma legal.
Palavras-chave: crimes contra a vida, armas de fogo, Criminalística
1. Introdução
Em sua atividade cotidiana, o Perito Criminal utiliza-se de
um conhecimento técnico na análise do corpo de delito, com vistas
à produção do Laudo Pericial. No entanto, ocorre muitas vezes de
se superestimar ou de se sobrevalorar a análise técnico-científica
na perícia, em seu todo ou em alguns pontos. Pretende-se aqui
discorrer brevemente a respeito da natureza e finalidade da perícia
criminal, relativizando-se a relevância acima citada, restituindo-se
o seu valor devido.
Resgatando a conceituação da criminalística elaborada pelo velho mestre e decano Eraldo Rabello, em sua obra Curso de Criminalística,
cuja última edição é datada de 1996, temos que, em suas palavras:
a criminalística é uma ‘disciplina (1) técnico-científica por
natureza e jurídico-penal por destinação (2), a qual concorre
para a elucidação e a prova das infrações penais e da identidade dos autores respectivos (3), através da pesquisa, do
adequado exame e da interpretação correta dos vestígios
materiais dessas infrações (4)’.
Ora, podemos discernir dentre os elementos constituintes
desta definição cinco componentes básicos e distintos. E não poderia ser diferente, posto que, já desde os tempos de Aristóteles,
o Estagirita havia reduzido todo o conceito a um determinado
número de elementos fundamentais (os quais seriam quatro para
Aristóteles, aos quais a Escolástica acrescentou posteriormente
mais um): a causa material, a causa formal, a causa eficiente, a
causa instrumental (ou exemplar) e a causa final. Assim sendo,
qualquer coisa seria necessariamente reduzida a esses cinco
elementos para a sua definição. A causa material diria respeito
àquilo de que a coisa é feita, a causa formal diz respeito à essência
da coisa, a causa eficiente diria respeito a quem gera a coisa, a
causa instrumental ou exemplar diria respeito a como a coisa
é gerada, e a causa final diria respeito ao objetivo da coisa. A
seguir-se esse paradigma, teríamos que o período identificado
ao término com o número 1 consistiria na causa material, aquele
com o número 2 a causa formal, o com o número 3 a causa
final e aquele com o número 4 a causa instrumental. Como
pode ser visto, nessa estrutura proposta ficaria faltando a causa
eficiente, que vem a ser o estado, o qual é o único legitimado
24
em nosso ordenamento para a persecução penal e a obtenção
da prova penal. No que diz respeito à causa material, ao invés de
uma disciplina, a criminalística poderia ser entendida, segundo
alguns autores, como sendo uma ciência autônoma. No entanto,
essa pequena divergência não é significativa para o escopo do
presente trabalho, ao qual interessa mais chamar a atenção para
a finalidade da criminalística, qual seja, a garantia da persecução
criminal.
2. A Conduta Juridicamente Relevante e a Prova Colhida
na Perícia
A conduta humana juridicamente relevante no que diz
respeito a crimes é aquela que atinge um bem juridicamente
tutelado. Tal responsabilidade é, via de regra, subjetiva, qual
seja, restringe-se ao autor do ato, comissivo ou omissivo. E
a adequação do ato àquele previsto no tipo penal deve ser
perfeita. A prova pericial, em nosso sistema jurídico, faz parte
do conjunto probatório destinado a fornecer elementos para a
convicção fundamentada do juiz no processo penal a respeito
do thema probandum (TOURINHO FILHO, 2010, p. 553). É
da essência da prova pericial o estabelecimento da materialidade
do delito (SILVA, 2009, p. 2); no entanto, havendo elementos
a serem levantados no corpo de delito, os quais possam estabelecer um nexo causal que possa nos levar à autoria dos atos
criminosos, seja em um contexto de perícia percipiendi ou perícia
deduciendi (CAPEZ, 2007, p. 320), deve o perito recolhê-los,
analisá-los e listá-los em seu laudo pericial, tirando conclusões
dos mesmos ou não, conforme o caso. Trata-se aqui, portanto,
da coleta de circunstâncias (ou vestígios) que possam vir a se
configurar como evidências ou indícios (RANGEL, 2010, p.
483). Devido à grande variabilidade do comportamento humano,
não é possível se chegar a um rol exaustivo de circunstâncias
relevantes, uma vez que este é múltiplo, passível de um número
infinito de possibilidades e variações. No entanto, ele pode ser
agrupado em determinadas categorias, dentro das quais possam
formar um grupo.
Aqui cabe uma digressão a respeito da metodologia científica, no que diz respeito ao raciocínio lógico, seja ele indutivo ou
dedutivo, conforme pode ser visto na página 36 da obra de Reis
(2005). No raciocínio lógico dedutivo, parte-se de uma premissa
maior, e cotejando-se essa com uma premissa menor, obtém-se
a conclusão ou a síntese. Já no que diz respeito ao raciocínio
indutivo, partindo-se de dados particulares, suficientemente
constatados, infere-se uma verdade geral, não contida nas partes
anteriormente examinadas. Propõe-se, portanto, a aplicação do
raciocínio lógico indutivo para o estabelecimento de classes de
circunstâncias juridicamente relevantes.
Interpretando-se a legislação criminal, no tocante não só
aos artigos do Código Penal (CP) que dizem particularmente
respeito aos crimes contra a vida, que são os seus artigos de
número 121 a 128, mas também aqueles mais gerais, que dizem respeito à dosimetria da pena, quais sejam, os artigos 59
a 76 do mesmo código, poderíamos classificar os elementos
juridicamente relevantes a serem colhidos no local de crime
contra a vida entre as seguintes classes: aqueles elementos que
dizem respeito ao animus, à intenção, ou à motivação do autor
do delito, outros elementos que dizem respeito à maneira ou
o modo como o delito foi intentado, e outro que diz respeito
às conseqüências do delito. A primeira das classes citadas seria a
de mais numerosos exemplos no texto da norma, como, por
exemplo, o homicídio praticado à traição ou emboscada (inciso IV, § 2°. do artigo 121). A classe dos elementos que dizem
respeito ao modo ou à maneira viriam em segundo lugar, com
uma menor expressividade no texto legal, podendo-se citar, no
entanto, o inciso III do § 2° do artigo 121 do CP, o emprego de
fogo ou explosivo. Por fim, entre as conseqüências do delito se
encontrariam poucos exemplos, entre eles o artigo 127 do CP
(penas aumentadas em caso de lesão grave ou morte). No caso
da lesão grave e morte, indispensável se faz o laudo emitido
pelo perito médico-legista (vide AVENA, 2006, p. 209-210).
É interessante salientar aqui que, de modo geral, a perícia é a
coleta dos elementos mais objetivos do delito, ou seja, aqueles
elementos mais materiais, externos ao sujeito, sendo aqueles
elementos mais subjetivos, mais do mundo interior da pessoa,
e via de regra oriundos de oitivas e depoimentos pessoais, da
alçada da polícia judiciária. Assim sendo, a classificação proposta
acima diz respeito aos elementos objetivos colhidos no local.
Além disso, o primeiro grupo estaria mais associado à autoria do
delito, enquanto os outros dois grupos estariam mais associados
à materialidade do delito. E não poderia deixar de ser assim, pois
essas são as elementares da denúncia e posterior responsabilização penal, conforme é previsto no artigo 41 do Código de
Processo Penal. Sendo o direito um sistema, segundo uma visão
mais moderna dessa ciência, não devem existir internamente no
mesmo contradições, ou seja, não seria admissível que a coleta
de vestígios no local de crime fosse centrada em circunstâncias
não relevantes. E tal fato coloca também em relevo a importância
do trabalho do perito.
Um caso particular, a ser salientado, que é associado à primeira classe acima descrita, diz respeito aos vestígios objetivos
do concurso de agentes, ou seja, a pluralidade de agentes dotados
do animus criminoso, a qual possibilitaria a aplicação do artigo 29
do Código Penal, o qual trata justamente do concurso de agentes.
Por fim, retomemos a questão dos conceitos de vestígios
e indícios. De modo geral, os vestígios são todos os elementos
encontrados no local do crime, e que podem estar associados
ao mesmo. O trabalho do perito é centrado justamente na
25
coleta desses, e sua análise crítica com vistas a elencar aqueles
que são efetivamente relevantes, quais sejam, aqueles que lhe
permitem reconstituir a dinâmica dos fatos, os quais são os
indícios (conforme DOREA et al., 2005, p. 76; GUIMARÃES,
2007, p. 362). É sobre estes que se aplica a classificação anteriormente proposta.
2.1. Alguns Exemplos de Elementos Previstos em Lei e como Correspondem a Elementos Concretos Verificados no Local
Devido à diversidade da conduta humana, já citada anteriormente, não seria possível listá-la em toda a sua amplitude.
No entanto, o resultado do processo indutivo aqui estabelecido,
reduzindo-a a um número limitado de classes (três), nos pode
auxiliar na determinação dos elementos que são relevantes
para serem coletados no local de crime. A continuidade do
processo corporifica-se em uma nova operação lógica, agora
dedutiva, partindo-se das classes aqui definidas, utilizadas como
premissa maior, e utilizando como premissa menor o vestígio
encontrado. Uma vez que se possa chegar a uma conclusão como
conseqüência do processo lógico, o vestígio seria relevante. O
processo lógico inverso, qual seja, o raciocínio indutivo, também
seria admissível.
Um exemplo concreto que poderia ser citado seria aquele
em que fossem encontrados vestígios da obstrução de um
caminho normalmente utilizado pela vítima de um homicídio,
os quais poderiam levar-nos ao estabelecimento de um animus
necandi qualificado pelo emprego de emboscada ou traição.
Um outro exemplo poderia ser aquele de em um local de
crime contra a vida, ser constatada a impossibilidade de defesa
da vítima, caso no qual seria aplicada a mesma qualificadora do
caso citado acima, in fine, entretanto.
É interessante fazer um cotejo entre as circunstâncias
agravantes previstas na parte geral com aquelas qualificadoras do
tipo penal do homicídio, constantes da parte especial, constatar
a quase coincidência entre as mesmas, em seus incisos e letras
iniciais, e a importância de colhê-las em sua totalidade, uma vez
que uma circunstância que não entra como qualificadora do
delito pode ser considerada como agravante, podendo-se dizer
o mesmo das circunstâncias atenuantes.
3. Circunstâncias a Serem Observadas nas Perícias de
Armas de Fogo
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar de que os crimes aqui
abordados são aqueles previstos no assim chamado Estatuto do
Desarmamento, ou seja, a Lei Federal n. 10.826, de 22/12/2003,
a qual é a norma jurídica em vigor atualmente no que diz respeito aos crimes vinculados às armas de fogo, tendo deixado
os atos criminosos aqui citados de serem previstos na Lei de
Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3688, de 03/10/1941)
para serem regulados no citado estatuto. O estatuto está embasado em uma forte restrição ao comércio, à posse e, enfim,
à existência de armas de fogo em mãos de particulares, tendo
por base a idéia de que se restringindo a sua existência se combateria um importante fator de incremento da criminalidade,
contrapondo-se às penas relativamente leves previstas na Lei
das Contravenções Penais.
Pode-se afirmar que a maior parte dos elementos típicos
dos delitos do Estatuto do Desarmamento não serão aferidos
em outro lugar que não seja in loco, e, nesse caso, eles podem se
confundir com aqueles elementos a serem colhidos em local de
crimes contra a vida. Inclusive, pode-se citar o fato de se portar
arma de fogo desmuniciada, o que descaracterizaria o crime,
em algumas recentes decisões jurisprudenciais. No entanto,
existem alguns elementos que serão produzidos em laboratório, na bancada onde esteja trabalhando o perito voltado para
a perícia interna.
Como primeiro requisito para o enquadramento legal no
estatuto, deve o perito constatar que efetivamente se trata de
uma arma de fogo, uma vez que existem diversos simulacros de
armas de fogo que são extremamente fiéis, em sua reprodução,
às armas de fogo verdadeiras. Não se tratando de uma verdadeira arma de fogo, é possível afastar-se a agravante do roubo,
prevista no inciso I do parágrafo 2°. do artigo 157 do Código
Penal (vide JESUS, 2007, p. 595; NUCCI, 2007, p. 704).
Em um segundo momento, há que se constatar a sua
funcionalidade, uma vez que, se uma arma de fogo não é
funcional, não é possível enquadrá-la entre os crimes previstos no estatuto, conforme é exigido pelo artigo 175 do CPP.
Cabe salientar que esses elementos devem ser necessariamente colhidos e atestados por perito criminal, uma vez que
assim o exige a lei, e que a sua constatação por profissional de
outro cargo (policiais, por exemplo) é uma possível fonte de
nulidades para o inquérito policial e a respectiva ação penal.
3.1. Elementos Colhidos na Perícia e Crimes em Espécie
De um modo geral, os crimes previstos no Estatuto do
Desarmamento possuem circunstâncias que tem mais a ver com
os elementos indicadores da maneira ou modo do ato praticado
pelo agente, sendo aqueles elementos mais próprios do animus
em número bem menor, e aqueles associados a causas de redução de pena inexistentes, existindo causas de aumento de pena
derivadas de elementos de maneira ou modo. Entre os crimes
do primeiro grupo, pode-se citar o disparo de arma de fogo
em lugar habitado, do artigo 15, entre os do segundo grupo o
comércio ilegal de arma de fogo, e entre os casos do terceiro
26
grupo os artigos 19 e 20 do citado estatuto.
No que diz respeito à referência feita pelo estatuto às
armas de fogo de uso permitido e restrito, trata-se de uma
norma penal em branco, havendo a necessidade da remissão
ao Decreto n. 3665, de 20/11/2000 (também conhecido
como R-105), particularmente aos seus artigos 15, 16, 17 e
18. A razão do estabelecimento do uso restrito seria devido
à potencialidade lesiva das munições e seu poder de parada,
conforme pode ser visto nas tabelas apresentadas na obra de
Tocchetto (2005, p. 171, 172, 180, 185) e de Vidrio (2007, p.
196 e 197), e pela portabilidade/manuseabilidade de armas
de caça de maior calibre com o cano em dimensões reduzidas. Assim sendo, fica patente a importância da correta
avaliação da medida dos canos de armas de caça e avaliação
dos respectivos calibres. É importante ressaltar que a simples
supressão ou alteração da marca, numeração ou qualquer sinal
de identificação do fabricante permite o enquadramento do
autor do ato nas mesmas penas da posse de arma de fogo de
calibre restrito (que são penas mais gravosas). Assim sendo,
a simples supressão da marca do fabricante ou do número de
montagem já representa um agravante considerável da pena. A
referência ao período “qualquer sinal de identificação” amplia
a punição à supressão, não só relativamente ao número de
série, mas também a qualquer outro elemento de identificação,
incluindo-se aí o assim chamado “infratambor”, ou número de
montagem, o qual a rigor não é um número de identificação
da arma. Também no que diz respeito aos logotipos institucionais e números de patrimônio, ou “número de carga”, os
quais são elementos passíveis de identificação da arma, seria
aplicável essa pena maior. Além disso, inovações levadas a
cabo na arma, com vistas a aumentar a sua potencialidade, que
porventura tornem a arma semelhante àquelas de uso restrito,
também são elementos importantes a serem colhidos (como,
por exemplo, a instalação de “mira laser” – inciso XVIII do
artigo 16 da R-105 – ou o torneamento de câmaras de modo
a admitir munição mais potente, etc.).
4. Conclusões
Conforme o exposto na introdução, o presente trabalho
teve o objetivo de estabelecer a importância da coleta de elementos essenciais nos locais de crime contra a vida e nas perícias
em armas de fogo. Tendo por base a legislação vigente, foi
apresentada uma proposta de classificação desses elementos em
três grandes classes (no que diz respeito a crimes contra a vida)
ou duas (no que diz respeito aos crimes associados à armas de
fogo), a partir das quais se busca esclarecer e facilitar a busca
de vestígios relevantes e essenciais nesses tipos de crimes. A
importância da discussão levada a cabo aqui reside no fato de
que a qualidade da prova produzida é um fator crucial na efetiva
e adequada responsabilização penal. Elementos não colhidos
ou mal colhidos podem levar a nulidades, más interpretações
e errôneas avaliações dos fatos. Uma mais efetiva coleta de
vestígios sobre o corpo de delito, exigidos para a correta caracterização do tipo penal nos levará, certamente, mais próximos
da consecução do ideal de justiça.
Referências
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal para
Concursos Públicos. 2. ed. São Paulo: Método, 2006. 519p.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 741p.
DOREA, Luiz Eduardo, QUINTELA, Victor, STUMVOLL, Victor Paulo. Criminalística. 3 ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2005. (Tratado de Perícias Criminalísticas, v. 1).
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.). Dicionário
Técnico Jurídico. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2007. 560p.
JESUS, Damásio E. De. Código Penal Anotado. 18.ed.,
atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 1185p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 3ª.
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007. 1072p.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17ª. ed. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2010. 1066p.
REIS, Albani Borges dos. Metodologia Científica e Perícia
Criminal. Campinas, SP: Millennium Editora, 2005. 232p. (Tratado de Perícias Criminalísticas, v. 12).
SILVA, André Luiz Martinelli Santos. O Laudo Pericial
e a Adequação Jurídica dos Seus Quesitos. In: CONGRESSO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA, XX – CONGRESSO
INTERNACIONAL DE PERÍCIA CRIMINAL, III. João
Pessoa. Anais...João Pessoa: ABC, 2009 (CD).
TOCCHETTO, Domingos. Balística Forense: Aspectos
Técnicos e Jurídicos. 4ª. ed. Campinas, SP: Millennium Editora,
2005. (Tratado de Perícias Crminalísticas, v. 4).
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de
Processo Penal. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 999 p.
VIDRIO, Octávio Cibrián. Balística Técnica Y Forense. 1ª.
ed. Buenos Aires: Ediciones La Rocca, 2007. 576p.
Autor
[a] Engenheiro Civil e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais,
Especializando em Direito Penal e Processual Penal, Perito Criminal
do Instituto Geral de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul.
27
A Respeito do Número de Pontos Característicos Necessários à Afirmativa
de Identidade
Mallmith, Décio de Mouraa
Departamento de Criminalística, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública,
Porto Alegre/RS
1. Introdução
Em Papiloscopia é corrente a utilização de doze pontos
característicos para se afirmar que determinada impressão
digital, ou fragmento dela, pertence a certo indivíduo. Esta
aparente invariabilidade dos doze pontos característicos sempre
nos pareceu duvidosa, o que nos levou a buscar os fatores que
firmaram esta crença entre nós.
Nesta busca, deparamo-nos com um trabalho realizado
pelo Perito Roberto Thunt, denominado “Das razões pelas quais
uma impressão digital isolada, mesmo incompleta, é suficiente
para estabelecer a identidade. Do valor da prova Dactiloscópica.”, inserido na publicação “Arquivos da Polícia Civil de São
Paulo”. O Dr. Thunt, utilizando uma demonstração de seu
colega, Dr. Edmur de Aguiar Whitaker, expõe, demonstra e
atualiza os cálculos primeiramente implementados pelo Victor
Balthazard (1872 – 1950), professor de medicina forense da
Université Sorbonne (Paris – França).
Neste artigo, de fato, uma releitura de um similar de igual
título, publicado em 1987, efetuamos uma análise do trabalho
do Dr. Thunt, no que tange ao número de pontos característicos
necessários à obtenção de uma positiva de identidade.
2. A Fórmula Utilizada por Balthazard
O trabalho de Balthazard, como também as ulteriores
demonstrações do Dr. Whitaker e do Dr. Thunt, parte das
seguintes premissas:
1º – Considera que os pontos característicos distribuem-se
de forma aleatória pela estampa digital.
2º – Considera quatro espécies de pontos característicos:
bifurcação, que se dirige da esquerda para a direita e da direita
para a esquerda; princípio de linha, com as mesmas direções.
3º – Fixa a quantidade média de cem pontos característicos para um datilograma, dividido-o, imaginariamente, em
cem quadrículos uniformes e situando cada um dos pontos
característicos num destes quadrículos (figura 1).
Os termos originalmente utilizados pelo autor diferem
ligeiramente dos empregados por nós, senão, vejamos, a bifurcação que se dirige da esquerda para a direita e da direita para
a esquerda e o princípio de linha, com as mesmas direções,
correspondem, nesta ordem, à bifurcação, à confluência, ao
início de linha e ao fim de linha.
A escolha específica destas quatro espécies de pontos
característicos, embora pareça arbitrária, justifica-se por dois
fatores:
• os tipos de pontos característicos escolhidos são os
mais freqüentes nos datilogramas;
• a maior parte dos demais tipos de pontos característicos podem ser expressos como uma combinação dos
pontos característicos escolhidos.
O processo de Balthazard, basicamente, considera o
tipo de ponto característico e a sua localização na impressão
digital. Assim, se examinarmos um único quadrículo e se nele
existir um único ponto característico, então, relativamente
a este quadrículo, poderemos ter 4 impressões digitais distintas: uma que possui uma bifurcação (A), uma que tem
uma confluência (B), uma que possui um início de linha (C)
e uma que tem um fim de linha (D). O desenho da figura 2
ilustra esta situação.
Agora, se considerarmos dois quadrículos, sabendo-se que
isoladamente cada um deles pode gerar 4 impressões digitais
diferentes, teremos, combinando ambos, 4 X 4 = 16 impressões
digitais distintas. Considerando-se três quadrículos, obteremos
16 X 4 = 64 possibilidades de diferentes datilogramas. O mesmo
procedimento repete-se até abranger todos os cem quadrículos.
Denominando-se a quantidade de possíveis impressões
digitais distintas de “n”, o número de tipos de pontos característicos diferentes considerados de “p” e a quantidade de
quadrículos abrangidos de “i”, chegamos à expressão:
28
Figura 1
n = pi
Figura 2
(1)
Deste modo, considerando-se todos os cem quadrículos,
teremos n = 4100 = 1,61 X 1060 possíveis impressões digitais
diferentes. Frisa-se que o resultado obtido está expresso em
notação científica por se tratar de um número gigantesco, sendo
inapropriado grafá-lo da forma convencional. Observa-se também que tal número se encontra muito além da nossa capacidade
de avaliar quantidades.
Pelos cálculos apresentados, só haverá probabilidade de
encontrarmos duas impressões digitais com todos os pontos
característicos coincidentes, tanto no que se refere ao tipo de
ponto característico, quanto no que diz respeito à sua localização,
se considerarmos um conjunto que contenha mais do que 1,61
X 1060 impressões digitais. Na prática, trata-se de uma impossibilidade matemática, haja vista que o número de elementos
que deveriam compor o universo de pesquisa é tão grande que
supera os desenhos digitais existentes nos dedos das mãos de
todos os habitantes do nosso planeta por um fator de 1049!
3. Aplicação da Fórmula aos Fragmentos de Impressões
Papilares
Quando dispomos de apenas um fragmento de impressão
digital, a questão assume outros contornos lógicos, embora a
abordagem matemática faça uso da mesma fórmula (1) explicitada na seção anterior.
Neste caso, desejamos determinar a quantidade de pontos
característicos mínimos que deve possuir um fragmento papilar
para que NÃO exista a probabilidade de se encontrar mais
de uma impressão digital, num conjunto dado, com pontos
característicos coincidentes aos do fragmento pesquisado. O
termo “coincidente” refere-se, neste contexto, àqueles pontos
característicos que, além de serem do mesmo tipo, ocupam a
mesma posição relativamente ao todo considerado.
Relendo-se a questão pelo prisma matemático, procuramos
o termo “i”, a quantidade de pontos característicos coincidentes, existentes num dado conjunto de “n” impressões digitais,
considerando-se “p” tipos de pontos característicos distintos.
Conhecemos “n”, que nada mais é do que o total de habitantes
multiplicado por dez, número de dedos que normalmente as
pessoas possuem em ambas as mãos, bem como sabemos o
valor de “p”, fixado em 4; basta-nos, portanto, explicitarmos
a variável “i” para resolver o problema. Para tanto, faz-se necessário efetuarmos algumas transformações na fórmula (1),
conforme se segue:
n = pi → log n = log pi → log n = i log p
Assim:
i = log n/log p
(2)
Considerando-se a população mundial atual, cerca de
6.857.742.898 habitantes, conforme estimativa do U.S. Census
Bureau (Escritório do Censo dos EUA) para a data de 23 de
julho de 2010, às 15h52min UTC, teremos:
n = 6.857.742.898 X 10 = 68.577.428.980 = 6,858 X 1010
habitantes
p=4
i=?
Aplicando-se estes dados à expressão (2), obtemos:
i = (log 6,858 X 1010) / (log 4) = 17,999 pontos característicos coincidentes.
Como os pontos característicos, pelo viés probabilístico,
são entes discretos, ou seja, não admitem a forma fracionária,
assumimos “i”, por aproximação, como sendo igual a 18 pontos
característicos coincidentes.
Portanto, a certeza matemática de que um dado fragmento de impressão papilar é parte integrante de determinada
29
impressão digital somente é obtida, atualmente, se entre ambos
existir pelo menos 18 pontos característicos coincidentes. Subsidiariamente, entre eles não pode haver, ainda, nenhum ponto
característico discordante.
4. Considerações Finais
Rápida leitura do exposto mostra-nos que em nenhum
momento foi fixada a quantia de doze pontos característicos
coincidentes como sendo imprescindível para a obtenção de uma
positiva de identidade. Tal fixação resulta de grosseira generalização, originária de um cálculo, diga-se de passagem, correto,
realizado em determinada época e considerando a população
de nosso planeta naquela data. Convém salientar, também, que
no artigo do Dr. Thut, em momento algum, há menção a um
número fixo de doze pontos característicos.
Desprende-se do texto, pelo contrário, que o número de
pontos característicos coincidentes necessários à afirmativa
de identidade é diretamente proporcional à quantidade de impressões digitais consideradas, e inversamente proporcional ao
número de tipos de pontos característicos diferentes levados em
conta. Nesta perspectiva, se agruparmos aos tipos de pontos
característicos considerados um tipo menos freqüente, como,
por exemplo, um empalme, uma cortada ou um encerro, poderemos baixar sensivelmente o número de pontos característicos
coincidentes necessários para uma positiva de identidade. Por
outro lado, se restringirmos o conjunto de impressões digitais
pesquisadas, como, por exemplo, considerando-se apenas os
habitantes do nosso país, do nosso Estado ou da nossa cidade,
também é possível chegarmos a uma positiva de identidade
com um número menor de pontos característicos coincidentes.
É fácil verificar, ainda, que, como o tempo está intimamente atrelado ao crescimento demográfico e este diretamente
relacionado à quantidade de impressões digitais passíveis de
comporem nosso conjunto de pesquisa, uma “POSITIVA”
dada, por exemplo, há uns trinta anos atrás, estará sujeita hoje
a não ter o aval da matemática e, conseqüentemente, como
prova material, poderá não surtir os efeitos jurídicos que antes
produziu. Assim, uma afirmativa de identidade só é válida em
sua própria época!
Salientamos, também, que os cálculos apresentados alicerçaram-se somente nos pontos característicos, desconsiderando
outros fatores relevantes da prática papiloscópica, como a classificação fundamental do sistema Vucetich, a chave classificatória
de subtipos, a albodatiloscopia e estudos inerentes à poroscopia,
entre outros. Claro que estes fatores, combinados à abordagem
via pontos característicos, resultarão numa significativa redução
do número de pontos característicos necessários a uma positiva
de identidade. Deve-se, por esta razão, analisar-se individualmente cada caso, sem conceitos preestabelecidos.
O assunto, por instigante, suscita interpretações diversas;
não ousamos e nem pretendemos, por este motivo, abrangêlo de forma definitiva neste artigo. Pelo contrário, estamos
abertos a comentários, sugestões, dúvidas e críticas, sejam elas
construtivas ou não.
Referências
MALLMITH, D. M. A Respeito do Número de Pontos
Característicos Necessários à Afirmativa de Identidade in Boletim Informativo da Associação dos Papiloscopistas do Rio
Grande do Sul. Ano 1, no 4, Julho/Agosto, 1987.
THUNT, R. Das Razões pelas quais uma Impressão Digital
Isolada, Mesmo Incompleta, é Suficiente para Estabelecer a
Identidade. Do Valor da Prova Dactiloscópica in Arquivos da
Polícia Civil de São Paulo. São Paulo: s/d.
U.S. Census Bureau, disponível em http://www.census.
gov/main/www/popclock.html, acesso em 23/07/2010.
Autor
[a] Perito Criminalístico do Departamento de Criminalística do Instituto-Geral de Perícias – SSP/RS. Físico. Bacharel
em Direito. Especialista em Psicopedagogia. Especialista em
Gestão de Segurança na Sociedade Democrática. Mestre em
Sensoriamento Remoto. Contato: [email protected]
30
Mediação de Conflitos Organizacionais
Pires, Jarbas Pitaguary Machadoa
Departamento Médico-Legal, Instituto Geral de Perícias – Secretaria da Segurança Pública, Porto
Alegre/RS
A mediação é um processo comunicacional no qual o
mediador atua como facilitador do diálogo, levando as partes à reflexão. Busca-se mudança de consciência das partes
envolvidas em determinado conflito. E estas constroem o
entendimento, se for esta a vontade das partes. Na mediação ambos devem sentir-se ganhadores com o acordo que
mutuamente os satisfaça. Nossa cultura privilegiou o ganhar
e perder. Na mediação ambos são ganhadores, ambos saem
do processo satisfeitos. O diálogo transformador objetiva,
essencialmente, facilitar a construção colaborativa de novas
realidades. O que precisamos no diálogo é o que poderíamos
chamar de momentos imaginários nos quais os participantes
se unem para desenvolverem novas visões de uma realidade.
Estes momentos imaginários não só alçam as sementes para
a co-construção, como também modificam posições dos
participantes de defensiva para colaborativa. À medida que os
participantes se movem em direção a um objetivo em comum,
eles redefinem o outro, estabelecendo o trabalho base para
uma concepção de nós. Em termos práticos, a mediação de fato
dá ênfase forte em encontrar opções mutuamente aceitáveis. As partes
podem ser encorajadas a ouvir e a entender os pensamentos
e sentimentos um dos outros sobre a situação, a gerar opções
múltiplas e a trabalhar juntas para chegar a um entendimento
que seja bom para as partes envolvidas em situação de conflito.
Se for da vontade buscar o entendimento e isso for alcançado,
ambos saem ganhadores. Trabalhar em ambiente com menor
situação de conflito é trabalhar contente e satisfeito. Um grupo
de trabalho torna-se uma equipe quando existe:
A Habilidade de trabalhar com outras pessoas na direção
de objetivos comuns, multiplicando-se esforços para que
todos possam desenvolver-se continuamente e juntos
prosperarem rumo ao sucesso e à felicidade. (Marques)
Bibliografia
SCHIMNITMAN, Dora. Novos Paradigmas em Mediação.
Arte médica, 1999.
Autor
[a] Assistente Social/Mediador Psicossocial – DML
31
Perícias e Argumentação – Anotações Preliminares
Lima Filho, Oscar Carvalho dea
Departamento Médico-Legal, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto Alegre/RS
1. Introdução
Um ponto capaz de congregar amplo consenso é o de ter-se a
atividade pericial como exercida de acordo com padrões racionais. Seria de todo estranhável o perito fundar suas conclusões em elementos
oníricos ou no canto dos pássaros. No campo da perícia a serviço do
Juízo penal e prestada pela Administração espera-se que fundamentos
científicos constituam o cerne das constatações periciais.
A razão, desde os antigos, tem forte identificação com o
discurso, o “logos” grego é razão e é também fala. Expressa por
palavras, vale-se de instrumento problemático, são dotadas de
ambigüidade – uma mesma palavra conota diferentes objetos (a
mesa de refeições e a mesa diretora dos trabalhos), a depender
do contexto – e de vagueza: expressam noções difíceis de precisar; quantos fios de cabelos perdidos autorizam a considerar,
apropriadamente, alguém calvo?
Inclusas no âmbito do discurso, as perícias são espécie de
comunicação, a mais inevitável das atividades humanas, mesmo
aquele que não se comunica, comunica isso. O conteúdo das
comunicações, as mensagens, pressupõe emissores e receptores,
cada qual com expectativas, capazes de serem confirmadas ou
frustradas (FERRAZ JR., 2003). Racional o discurso, há que considerar exigências não só quanto à consistência dos argumentos,
como também relativas às regras de procedimento, suficientes
para garantir as expectativas dos receptores quanto à clareza e
atenção às finalidades da perícia. Portanto, nas perícias judiciais,
importará o manejo de informações da área de atuação do perito e
de conhecimentos jurídicos, integrados todos por alguma atenção
à racionalidade argumentativa.
Tendo em conta estas considerações preliminares, o texto
pretende examinar algumas vicissitudes decorrentes do caráter
racional argumentativo presente nas perícias, partindo de exemplos nos quais conclusões periciais são suportadas por argumentos
de diferentes naturezas e refletindo quanto às repercussões desse
fato na sua clareza e precisão.
2. O Espaço das Perícias no Ordenamento Jurídico
No comum das vezes, as perícias visam a auxiliar o Juízo
penal, figurando os peritos entre os auxiliares da justiça (Código de Processo Penal, título VIII). O exercício da jurisdição
conforma-se ao direito fundamental ao devido processo legal
(CF, art. 5º, LIV), compreendendo todas as garantias legais
oferecidas aos litigantes, dentre elas o direito ao contraditório
e à ampla defesa – esta de status constitucional – e a motivação
de todas as decisões judiciais.
Simplificadamente, a atividade do juiz inclui atribuir à
determinada situação fática o direito aplicável. Exceto nas
situações que a lei especifica, como no caso de legislação estrangeira, o direito não depende de prova, é tido por conhecido
pelo julgador. A prova, portanto, diz respeito à situação fática
sob exame. A certeza quanto aos fatos da causa é mais exigente
em matéria penal do que na equivalente civil. No Juízo cível, a
prova não incide sobre os fatos a respeito dos quais as partes
estejam acordes. Assim, se o autor alega não ter recebido a
coisa e o réu admite não tê-la entregue, se tem por provado
o não recebimento. Em questões penais, nem a confissão do
réu é suficiente como meio probatório, a ponto de dispensar
provas adicionais.
Exemplo da maior exigência probatória se constitui a necessidade de realização de exames de corpo de delito naqueles
que deixarem vestígios (CPP, art. 158). Trata-se, então, do exame
desses vestígios o desiderato dos peritos em geral e dos peritos
oficiais em particular, detalhadamente normatizados quanto a
sua realização (CPP, artigos de 158 a 184). Embora o juiz não
esteja vinculado a uma prova específica, nem haja hierarquia
entre os diferentes meios de prova, o exame de corpo de delito
ocupa papel destacado, podendo a sua ausência implicar nulidade
do processo (CPP, art. 564, III, b).
Algumas peculiaridades dos exames de corpo de delito
justificam a ênfase atribuída pelo legislador na sua disciplina.
Os peritos, como os juízes, estão equidistantes dos fatos e das
partes, não tendo, e não podendo ter, qualquer interesse pessoal
na causa. Submetem-se às mesmas restrições a que estão submetidos os juízes quanto às hipóteses de impedimento e suspeição
(CPP, artigos 279 e 280) (TOURINHO Fº, 1998). Além disso,
suas conclusões, via de regra, apóiam-se no pensamento científico, não acessível ao juiz na sua integralidade, iluminando o
32
objeto examinado mais intensamente do que podem fazê-lo os
não versados nas questões técnicas pertinentes.
Os exames contêm o relato fático obtido pelo perito no
momento da sua realização, a descrição dos achados periciais e
as respostas às perguntas formuladas pelo solicitante da perícia.
Entre a descrição e as respostas, pode haver esclarecimentos
suficientes para justificar aquelas ofertadas em face da descrição
feita. Nas perícias mais freqüentes, há quesitos tidos como formulados pelo solicitante, o dispensando de formulá-los a cada
vez. São os denominados “quesitos oficiais”, cujas respostas
são úteis para orientar o juiz na adequada tipificação do delito
e na verificação da existência de circunstâncias que agravem ou
qualifiquem o tipo penal.
Nas perícias de lesões corporais (e em outras), deve o
perito, respondendo aos quesitos oficiais, dizer se o meio ou
instrumento causador do dano foi de caráter cruel e, nos exames
de conjunção carnal, se há sinais de conjunção carnal, antiga ou
recente. Pressupõe a resposta ter havido ofensa à integridade
física ou à saúde do periciado e ter-se determinado o meio ou
o instrumento causador, no primeiro caso, e não ser virgem
a periciada, no segundo. Não se tratando destas hipóteses, a
resposta estará, por óbvio, prejudicada.
A reflexão em torno destes quesitos e de suas respostas
possíveis leva até a seguinte constatação: no caso das lesões
corporais, as justificativas dos peritos para concluir pela presença
de lesão produzida por determinado meio ou instrumento ou
para verificar a presença, no conteúdo vaginal da periciada, de
espermatozóides (um dos sinais de conjunção carnal recente),
decorrem de raciocínios apoiados nas ciências; já as justificativas para qualificar de cruel o meio lesivo ou para concluir pela
materialidade e recenticidade da conjunção carnal estão muito
mais baseadas em questões práticas, no que habitualmente ocorre, e menos em conclusões científicas. É evidente afastar-se a
crueldade no caso de múltiplas lesões contusas em uma criança,
se estas tiverem decorrido não de espancamento relatado no
histórico, mas de um atropelamento culposo, ou a ocorrência
de conjunção carnal recente, se o gameta masculino observado
através de estudo citológico do conteúdo vaginal da periciada,
tiver sido carreado para os seus genitais através de uma seringa,
por exemplo. Num e noutro caso, os achados periciais podem
ser idênticos, quer tenha atuado uma ou outra causa, decorrendo
a conclusão pericial não de uma concreta observação do perito,
mas do caráter indicial do achado pericial.
3. O Espaço dos Argumentos
As diferenças apontadas conduzem às diferenças argumentativas que embasam diferentes afirmações periciais e justificam
algum detalhamento no seu exame.
Habitualmente o perito se expressa por proposições, atos
de fala que admitem a atribuição de valor veritativo, de verdadeiros ou de falsos. A assertiva: “A ferida é contusa” pode ser
qualificada como verdadeira ou falsa de uma forma que é de
todo impossível para a frase: “Vamos ao cinema?”. Proposições
enlaçadas por algum nexo – de causalidade, finalidade, conseqüencialidade, quantidade, por exemplo – permitem alcançar
conclusões, estas, também, proposições. Esses conjuntos de
proposições constituem-se em argumentos sempre que pretenderem justificar o valor de verdade de determinada proposição
(RUAS, 2004).
Quaisquer conclusões melhor se justificam se confortadas por argumentos consistentes, formados por premissas
verdadeiras e construídos utilizando forma válida. A forma
dos argumentos é objeto de estudo da lógica, nas suas diversas
variantes e leva em consideração a operacionalidade de axiomas
lógicos, como o da identidade, da não contradição e do terceiro
excluído. Para os nossos fins, é significativo considerar dois
grandes grupos de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos.
Dedutivos são os argumentos válidos nos quais, se as
premissas forem verdadeiras, a conclusão não pode ser falsa.
(SALMON, 1978). Diz-se que a verdade das premissas é conservada na conclusão. Exemplifica-o o silogismo categórico:
“Todo A é B. X é A. Logo, X é B”. São argumentos que, mais
do que persuadir, demonstram. A constatação laboratorial
da presença de gameta masculino no conteúdo vaginal mais
facilmente deixa-se reconduzir a esta forma: “Toda célula com
características morfotintoriais a, b, c é um espermatozóide. No
conteúdo vaginal da periciada há célula com as características
a, b, c. No conteúdo vaginal da periciada há espermatozóide”.
No passo seguinte, o de afirmar que, devido à presença do espermatozóide, isto é sinal de conjunção carnal recente no caso
considerado, não temos como garantir a verdade da premissa
maior correspondente: “Toda presença de espermatozóide na
vagina é sinal de conjunção carnal recente”, já que é possível,
embora improvável, a presença de gametas masculinos no trato genital feminino chegados ali por outros meios. Diga-se o
mesmo no caso de meio cruel, tomando-se agora as premissas
maiores “Toda lesão com características a, b, c é uma lesão
contusa” e “Em toda a lesão contusa com características d, e,
f incide meio cruel”.
Vê-se, portanto, que os argumentos capazes de justificar
a recenticidade da conjunção carnal ou a crueldade do meio
nos casos tomados como exemplos deverão ser de caráter não
dedutivo, estarão fundados em razões estatísticas, do que é
mais comum ocorrer, tendo em conta os fatos tais como foram
relatados ao perito, sabendo-se que este não dispõe de instrumentos para aferir a veracidade dos relatos que lhe chegam. São
conclusões mais prováveis do que certas, mais persuadem do
33
que demonstram e cedem em face de melhores razões. Não se
está a dizer que não devem compor conclusões periciais, a lei
expressamente prevê o valor probatório dos indícios (CPP, art.
239), o que elas impõe são cuidados de outra ordem.
A racionalidade argumentativa exige não somente o uso de
argumentos consistentes, como também atenção às expectativas
do interlocutor. Para tanto, é sempre possível alternar o discurso
teórico com o prático, promover discurso sobre a análise da linguagem ou discorrer sobre a própria teoria do discurso, quando
necessário para obter-se maior clareza. (ATIENZA, 2002). Logo,
cabe ao perito explicitar as transições havidas.
As expectativas dos destinatários das perícias correm no
sentido das conclusões periciais derivarem do conhecimento
técnico do perito, da sua autoridade. De fato, o perito, entre
descrever um achado e defini-lo como lesão produzida por determinado instrumento, omite a premissa consistente em toda
teoria de traumatologia forense e médica em geral que suporta
a sua conclusão. Nem poderia não fazê-lo, pois isto conduziria
a uma regressão ao infinito, com justificações de justificações
de justificações. Logo, a autoridade do perito compõe o teor
argumentativo das perícias, sem que isso tenha necessariamente
caráter falacioso. No campo dos argumentos não dedutivos, há
espaço para os de diversos tipos; este texto, na sua introdução,
por exemplo, inicia enunciando uma conclusão – que perícias
são racionais – amparada por um único argumento: o absurdo
da hipótese oposta (“reductio ad absurdum”). O que importa
é o perito assinalar a separação entre as suas conclusões decorrentes do conhecimento técnico de que dispõe daquelas cujo
acesso o perito e os destinatários da perícia estão em igualdade
de condições para atingir.
Quando o perito deixa de justificar suas conclusões cientificamente e passa a fazê-lo com argumentos de caráter não
dedutivo, práticos, sem sinalizar a troca havida – e a sinalização
pode constar de ressalva na discussão presente no laudo pericial,
ou como adendo à resposta do quesito, dizendo estar-se levando
em conta o que habitualmente acontece – pode conduzir os destinatários da perícia a concluírem, inadvertidamente, estarem em
face de conclusão sustentada por argumentos científicos, com
maior grau de certeza. Em outras palavras, podem supor que o
perito “sabe”, de uma forma não disponível para os demais, que
o espermatozóide presente no trato genital da periciada resulta
de conjunção carnal ou que determinadas lesões decorrem
necessariamente de crueldade. Assim, toma-se por recente (e,
portanto, existente) a conjunção carnal ou cruel o meio lesivo
não porque existam indícios suficientes neste sentido, mas
porque o perito autoritativamente o afirma.
4. Considerações Finais
Partindo da função da perícia no ordenamento jurídico
pátrio, tenta-se inserir o raciocínio pericial no âmbito do discurso prático geral, considerando a atenção às suas exigências
para que a perícia melhor atenda aos seus fins. Mais do que
regras jurídicas, são normas advindas da inserção das perícias
no campo do discurso prático que indicam o dever do perito
de incluir nas suas justificativas aquelas relativas à natureza dos
argumentos que as sustentam. Tais providências permitem
separar as conclusões que decorrem da aplicação de princípios
científicos, próprios da competência específica do perito, daquelas sustentadas por argumentos práticos, como a crueldade
dos meios lesivos, nas quais o raciocínio pericial não é dotado
de maior autoridade, via de regra, do que o procedido por não
especialistas. A reflexão sobre estes aspectos pode também
servir para alertar quanto à necessidade de agregar à medicina
legal e à criminalística alguma teorização sobre argumentação,
matéria menos discutida na literatura da área.
Referências
ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. Madri: Landy,
2002.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do
Direito. São Paulo: Atlas, 2003.
RUAS, Paulo. Conceitos Básicos de Lógica. www.criticanarede.com. Lisboa, 2004.
SALMON,Wesley. Lógica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
TOURINHO Fº, Fernando da Costa. Processo Penal. São
Paulo: Saraiva, 1998.
Autor
[a] Perito Médico-Legista, especialista em Ginecologia
e Obstetrícia, bacharel em Direito. Contato: oscarclf@terra.
com.br
34
A Era da Automação na Genética Forense
Albuquerque, Trícia Cristine Kommersa; Kortmann, Gustavo Lucenab; Maier, Polyana Sartoric
Laboratório de Perícias, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto Alegre/RS
Talvez em nenhuma outra área da ciência a evolução da
tecnologia venha sendo tão rápida quanto para as ciências
biológicas. Enquanto em 2002 ainda não havia sido anunciada
a publicação do genoma humano, hoje em dia alguns laboratórios já são capazes de sequenciar aproximadamente 12
genomas humanos por dia1. A velocidade de processamento de
amostras biológicas é uma tendência presente em quase todas
as novas tecnologias desenvolvidas na biotecnologia aplicada.
Nesse sentido, o Laboratório de Perícias tem contado com o
apoio financeiro da Secretaria Nacional de Segurança Pública
do Ministério da Justiça (SENASP-MJ) e do Fundo Estadual
de Segurança Pública (FESP-RS) para a modernização de suas
plataformas técnicas.
No período de sua criação, o Setor de Genética Forense
do Laboratório de Perícias/RS dispunha apenas de géis de
poliacrilamida corados com nitrato de prata e dois termocicladores para realizar as identificações humanas e as comparações
criminais, tecnologias que se tornaram obsoletas à medida que
surgiram os sequenciadores automáticos e a eletroforese capilar.
Em 2001, a aquisição da plataforma ABI 310 (figura 1A) e o
uso de sistemas multiplex de STR marcados com fluoróforos
permitiu maior sensibilidade e rapidez no processo de produção
e detecção dos perfis genéticos. Posteriormente, em 2005, a
aquisição da plataforma ABI 3100-Avant (figura 1B), dotada de
4 capilares, permitiu a genotipagem e o sequenciamento de um
maior volume de amostras, possibilitando um processamento de
qualidade e atendimento à crescente demanda recebida pelo Setor. O incremento na capacidade produtiva pôde ser observado
através do crescimento no número de laudos gerados pelo Setor.
O aumento da capacidade de análise dos perfis genéticos
decorrentes da automação do sistema de detecção e a difusão
da cultura da análise de DNA dentro da Segurança Pública/RS
gerou uma demanda que necessita da inovação tecnológica. Isso
pôde ser evidenciado pelo crescente número de solicitações de
análises genéticas de vestígios biológicos por parte da autoridade
policial, bem como através do aumento nas coletas de amostras
forenses pelos peritos do Departamento Médico-Legal e do
Departamento de Criminalística. Tais fatores produziram uma
nova necessidade dentro do Setor: a automação do processo de
extração de DNA das amostras forenses.
Atualmente existem diversas plataformas de extração
automatizada de DNA disponíveis no mercado, cada uma com
seu conjunto de especificidades. Apesar disso, todas apresentam
capacidade de extração rápida de DNA, sem risco de contaminação ou de troca entre amostras. Estas plataformas são
classificadas em dois grupos:
– Personal Automation: instrumentos que realizam extração/
purificação de ácidos nucléicos, funcionando com kits dedicados
à função ou às características da amostra. (figura 2). Exigem
envolvimento direto do perito;
– Liquid Handling Instruments: equipamentos programáveis
e/ou pré-programados, realizam a extração dos ácidos nucléicos,
além de diversas tarefas do laboratório (figura 3).
Existem laboratórios forenses que apresentam total automação do processo analítico, sem interferência humana do
início da extração até a análise dos perfis genéticos obtidos
(figura 4). Tais laboratórios exigem a presença constante de
profissionais técnicos capazes de solucionar pequenos problemas no sistema, além de programas periódicos de manutenção
preventiva.
Em novembro de 2009, o Laboratório de Perícias do IGPRS, juntamente com os laboratórios forenses da Polícia Federal e
dos Estados da Bahia e de São Paulo, participou de um teste com
a plataforma de automação HID EVOlutionTM System2, que foi
instalada para o teste no Laboratório de Biologia e Bioquímica
do Instituto de Criminalística de São Paulo. Tal plataforma
possui placas que comportam até 96 amostras biológicas que
são movidas entre os módulos de maneira automatizada e não
retroativa, o que diminui drasticamente o número de etapas
de intervenção humana, bem como a chance de erro de identificação, de troca ou de contaminação. Apresenta também a
capacidade de integrar os processos de extração, quantificação
e amplificação, através da pipetagem automatizada e da normalização das amostras. O teste realizado em São Paulo, no período
de 25 a 27 de novembro de 2009, consistiu no processamento de
145 amostras forenses variadas (dentes, ossos, tecido muscular,
35
Figura 1 – Plataformas de sequenciamento. A) ABI 310 e B) ABI 3100-Avant, ambos
da empresa Applied Biosystems
unhas, manchas de sangue e saliva) de 79 casos aguardando
análise no Laboratório do IGP-RS (casos abertos entre 2003
e 2009 contendo amostras forenses em quantidade suficiente
para replicação do exame). No Setor de Genética Forense, as
amostras selecionadas foram previamente aliquotadas, identificadas e acondicionadas para transporte.
Durante o teste as amostras foram extraídas conforme
protocolo para o kit PrepFilerTM próprio para HID EVOlutionTM
System, quantificadas para DNA humano através do sistema
Quantifiler® Human3 no qPCR - AB 7500, normalizadas para
amplificação com AmpFlSTR® IdentifilerTM4e analisadas pelos
sequenciadores automáticos ABI PRISMTM 3130 e ABI PRISMTM 3100-Avant Genetic Analyzer, com auxílio dos softwares
3130 Data Collection v.2.0, Run 3100-Avant Data Collection
v.2.0 e GeneMapper ID v.3.2 (figura 5).
Das 145 amostras analisadas, 53 apresentaram perfil genético completo enquanto 20 apresentaram perfil incompleto, resultando na obtenção de perfil genético na metade das amostras
forenses analisadas (figura 6). Logo, em apenas 3 dias, através
do uso da automação, foi possível concluir 46 dos 79 casos
selecionados. Para a conclusão de igual quantidade de casos, os
peritos do Setor de Genética Forense levam aproximadamente
45 dias, por meio dos equipamentos disponíveis.
A rapidez no processamento de diferentes amostras e
obtenção dos perfis genéticos, a redução do custo por amostra
processada e o menor risco de contaminação e troca foram
Figura 2 – Plataformas do tipo Personal Automation
somente algumas das vantagens que puderam ser percebidas
a partir do uso dessa plataforma de automação. Além disso,
através da automação, o perito fica disponível para a execução
de tarefas estratégicas que tangem ao serviço técnico especializado (como o processamento de amostras críticas e limitantes)
e de produção intelectual (como a análise e interpretação dos
resultados e a elaboração do laudo pericial).
Atualmente o Laboratório de Perícias só processa os casos
denominados “fechados”, que são aqueles que têm amostras
questionadas (cuja origem é desconhecida) e as amostras de
referência (provenientes de indivíduos que as fornecem para
comparação). Essa medida tornou-se necessária devido à falta de
recursos para a realização da genotipagem de todas as amostras
recebidas no Setor, bem como à incapacidade de comparação
entre perfis genéticos diante da ausência de um software próprio
para este fim. Entretanto, com a assinatura do termo de cooperação técnica entre o governo brasileiro e o governo americano
em maio de 2009, além da participação do IGP-RS na Rede
Integrada de Bancos de Dados de Perfis Genéticos e consequente recebimento do software CODIS, a análise de amostras
forenses independentemente das referências tornou-se viável,
possibilitando um novo fluxo para processamento de todas as
amostras recebidas no Setor.
Além disso, através da integração do CODIS (banco de
dados nacional de DNA) com uma plataforma de automação, seria possível o processamento de todas as amostras que
chegassem ao setor independentemente da presença de uma
referência.
A difusão do conhecimento acerca do DNA na elucidação
de crimes por meio de diversos meios da mídia, bem como o
reconhecimento da importância desta análise realizada no Laboratório de Perícias do IGP no cenário da segurança pública
do Rio Grande do Sul acarretou um aumento exponencial de
solicitações de perícias envolvendo este exame pericial. A demanda gerada já há algum tempo necessita de ferramentas que
vão além do incremento no número de peritos. Assim, o teste
realizado com automação em comparação com o cenário atual
36
Figura 3. Plataformas do tipo Liquid Handling Instruments
encontrado mostrou que o aumento da capacidade analítica do
Setor só decorrerá da implantação de um sistema automático
de extração de DNA e pipetagem. Dessa forma, diante da crescente demanda do Laboratório de Perícias, urge a necessidade
que o Instituto Geral de Perícias do RS implante a automação
a curto prazo. Se a perícia dentro da Secretaria de Segurança
Pública do Rio Grande do Sul surge como um estandarte do
desenvolvimento técnico-científico, é preciso que uma acompanhe o progresso da outra, para que a verdade não seja vítima
do retrocesso e da lentidão.
Referências
1. Advances in Genome Biology and Technology conference: http://www.genomeweb.com/sequencing/agbt-complete-
genomics-sketches-route-1m-human-genomes-discusses-earlycustomer-, acessado em 28 de julho de 2010.
2. http://www3.appliedbiosystems.com/cms/groups/
applied_markets_marketing/documents/generaldocuments/
cms_053735.pdf, acessado em 28 de julho de 2010.
3. GREEN RL, ROINESTAD IC, BOLAND C, HENNESSY LK, Developmental validation of the quantifiler realtime PCR kits for the quantification of human nuclear DNA
samples. J Forensic Sci. 2005 Jul; 50(4):809-25.
4. COLLINS PJ, HENNESSY LK, LEIBELT CS, ROBY
RK, REEDER DJ, FOXALL PA. 2004. Developmental validation of a single-tube amplification of the 13 CODIS STR loci,
D2S1338, D19S433, and amelogenin: the AmpFlSTR Identifiler
PCR Amplification Kit. Journal of Forensic Sciences, Nov;
49(6):1265-77.
Figura 4 – South African Police Service Forensic Science Laboratory, o primeiro laboratório forense totalmente automatizado para a análise de DNA sem intervenção humana
37
Figura 5 – Representação esquemática dos procedimentos realizados durante o teste com
automação
Figura 6 – Resultados obtidos após extração de DNA automatizada através da plataforma HID EVOlutionTM System
Autores
[b]Perito Químico-Forense. Contato: gustavo-kortmann@
igp.rs.gov.br
[c] Perito Químico-Forense. Contato: polyana-maier@
igp.rs.gov.br
[a] Perito Químico-Forense. Contato: tricia-albuquerque@
igp.rs.gov.br
38
Papiloscopia: uma Verdadeira Ciência
Dias, Celsoa
Seção de Arquivo Datiloscópico, Departamento de Identificação, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da
Segurança Pública, Porto Alegre/RS
Resumo
O reconhecimento de alguma área do saber como sendo, ou não, uma ciência depende primeiramente de sua estrutura lógica,
metodológica e de seu conteúdo empírico. Além disso, o contexto em que está sendo analisada esta disciplina, isto é, a comunidade
de conhecimento na qual está inserida, o momento em que ocorre o pleito e os agentes envolvidos neste processo são variáveis
importantes. A astrologia, por exemplo, já foi considerada uma ciência; hoje, se encontra fora dos currículos universitários. Assim,
o reconhecimento como sendo científica alguma área do saber está relacionado a aspectos intrínsecos e extrínsecos aos parâmetros puramente científicos. Neste artigo, apoiados na noção de paradigma de Thomas S. Kuhn, procura-se discutir a questão da
cientificidade da Papiloscopia, ciência que investiga a individualização humana a partir da análise das cristas de fricção da pele ou
dermatóglifos, principalmente das impressões dactiloscópicas, que são fundamentais na identidade individual e na perspectiva de
elucidação de eventos criminais.
Palavras-chave: Papiloscopia, ciência, método científico, paradigma
1. Introdução
A curiosidade e as aplicações das impressões digitais são
muito antigas e os vestígios deste interesse podem ser observados desde as antigas civilizações1 que delas se utilizavam com
objetivo da identificação de indivíduos envolvidos em transações
públicas e privadas. Estas primeiras utilizações já pressupunham
a possibilidade de individualização através das impressões
digitais, mas ainda estavam longe de imaginar a multiplicidade
de usos que delas poderiam ser feitas a posteriori. A autenticação do documento de divórcio na China, no século sétimo, e
a legalização de documentos de analfabetos no século nono
na Índia, foram exemplos importantes do uso das impressões
digitais na antiguidade.
Apesar do uso bastante comum das impressões digitais
no mundo antigo, foi só a partir do século dezessete, com as
pesquisas de Marcello Malpighi, na Universidade de Bologna,
fazendo uso da recente tecnologia do microscópico, que foi possível uma primeira descrição científica das impressões digitais.
Sua aplicabilidade como parâmetro de identidade civil e criminal
estavam ainda longe de ser plenamente utilizados.
Mesmo com uma aplicação ainda embrionária e, portanto,
subutilizada, as impressões digitais já se encontravam presentes
no primeiro método científico de identificação adotado na Fran-
ça no século dezenove. Desenvolvido por Alphonse Bertillon,
a Antropometria era constituída de elementos biográficos, de
medições corporais, como as dimensões da cabeça, por exemplo,
fotografia de frente e de perfil e as impressões digitais dos dedos
polegar, indicador, médio e anular direitos. Neste sistema, as
impressões digitais ainda desempenhavam um papel secundário.
Utilizado inicialmente na França e, posteriormente em toda a
Europa, no Brasil o sistema de Bertillon, ou Bertillonage, chegou
em 1894. Apesar de sua complexidade, nas primeiras décadas do
século vinte alguns problemas passaram a ser percebidos neste
método. Dificuldades de classificação e a ampliação em escala
geométrica do número de identificados nos arquivos levaram
o sistema à exaustão.
Uma nova ciência, contudo, a Papiloscopia, encontrava-se
em plena gestação e viria, em pouco tempo, suplantar Le Bertillonage. A confiança de que as impressões digitais constituíam-se
num método absolutamente seguro de individualização era
há muito admitido, no entanto faltava um sistema eficiente de
classificação a partir do qual os indivíduos pudessem ser indexados e suas fichas acessadas com celeridade. Esta preocupação
e o desafio que ela impunha impulsionavam as pesquisas neste
sentido e, como ocorre eventualmente na história das ciências,
dois artigos científicos foram produzidos e publicados quase
simultaneamente; a primeira contribuição propondo um sistema
39
de classificação para as impressões digitais foi Henry Faulds, em
1880, na revista Nature e, um mês após, na mesma publicação,
William James Herschel divulga artigo semelhante, no qual
também tratava da mesma questão. Os primeiros passos para o
desenvolvimento de um sistema de classificação das impressões
digitais haviam sido dados. Mas coube, enfim, a Francis Galton
comprovar cientificamente as “intuições” de Faulds e Herschel;
ele acentuou os postulados da Papiloscopia: sua perenidade,
unicidade e imutabilidade. Ou seja, que as impressões digitais
são perenes, que elas não mudam no decorrer da vida de um
indivíduo e que são únicas, não havendo duas iguais, sendo que
um mesmo indivíduo possui nos dez dedos uma dezena de
impressões digitais diferentes. Francis Galton fixou, por fim,
determinados parâmetros classificatórios os quais permanecem
válidos ainda hoje.
Até neste momento, de acordo com os pressupostos de
Thomas S. Kuhn expressos na seminal obra As Estruturas das
Revoluções Científicas, a Papiloscopia, enquanto ciência, ainda se
encontrava num momento pré-paradigmático, ou seja, havia
muitas proposições a respeito de seus elementos, mas esta protociência carecia ainda de uma fundamentação que a tornasse
consenso entre os praticantes. Segundo Kuhn:
Quando, pela primeira vez no desenvolvimento de uma
ciência da natureza, um indivíduo ou grupo produz uma
síntese capaz de atrair a maioria dos praticantes de ciência
da geração seguinte, as escolas mais antigas começam a
desaparecer gradualmente. Seu desaparecimento é em parte
causado pela conversão de seus adeptos ao novo paradigma.
(KUHN, 1987, p. 39)
O passo final, a partir do qual é gerado o consenso entre
praticantes da Papiloscopia, é dado por Juan Vucetich Kovacevich que consolida os fundamentos desta prática científica.
Desde então, a não aceitação da Papiloscopia como ciência, e
seus profissionais como verdadeiros Peritos só pode ocorrer
por desinformação ou má-fé.
Nascido no extinto império austro-húngaro e naturalizado
argentino, Juan Vucetich Kovacevich representa, para a ciência
papiloscópica, o papel de ser o gênio da espécie, ou seja, aquele
que traçou e determinou os caminhos da nova ciência criminal, a
Papiloscopia. Depois de conhecer o trabalho de Francis Galton,
Vucetich cria o seu sistema de classificação e arquivamento,
neste momento ainda submisso ao sistema de identificação
de Bertillon. O nome inicial da nova disciplina escolhido por
Vucetich foi icnofalangometria, depois trocado para dactiloscopia. Simultâneo ao desenvolvimento do Sistema de Vucetich, o
inglês Edward Richard Henry também desenvolveu seu sistema
de classificação e, em 1900, lança a obra Classification and uses of
finger prints, cujos parâmetros se baseavam em valores numéricos. Este sistema era constituído de 1.024 classificações, tendo
sido adotado primeiramente na Índia, na época colônia inglesa,
em substituição à Antropometria, vindo a ocorrer mais tarde
também em toda a Grã-Bretanha.
No Brasil, a identificação papiloscópica foi adotada nas
primeiras décadas do século vinte, como parte da identificação
antropométrica, como demonstra o texto, do Decreto 4.764,
art. 57, parágrafo único, de 5 de fevereiro de 1903.
Esses dados serão na sua totalidade subordinados à classificação datiloscópica, de acordo com o método instituído por
D. Juan Vucetich, considerando-se para todos os efeitos, a
impressão digital como a prova mais concludente e positiva
da identidade do indivíduo, dando-se lhe a primazia no conjunto das outras observações, que servirão para corroborá-la.
Ao chegar ao Brasil, a identificação fundamentada na nova
ciência, a Papiloscopia, já se encontrava amadurecida e com
seus postulados bem definidos, a saber: as impressões digitais
são perenes, universais, variáveis e classificáveis. Sua perenidade
significa que elas duram por toda a vida do indivíduo; a universalidade dá conta do fato de ela estar presente em todos os seres
humanos; sua variabilidade implica que ela jamais se repete em
indivíduos diferentes e, por fim, a classificabilidade quer dizer
que uma impressão digital pode ser catalogada segundo seu tipo
e, assim, arquivada e localizada quando necessário.
Neste estágio, pode-se afirmar que a Papiloscopia já pode
ser entendida como sendo o que Kuhn chama de ciência normal.
Isto é, possui a qualidade de uma disciplina que já fixou um
paradigma e está pronta para resolver os “quebra-cabeças”, problemas que estão previstos por aquele paradigma. Afirma o autor:
A ciência normal consiste na atualização dessa promessa,
atualização que se obtém ampliando-se o conhecimento
daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando-se a correlação entre esses
fatos e as predições do paradigma e articulando-se ainda
mais ao próprio paradigma. (KUHN, 1987, p. 44)
Mas a aceitação da Papiloscopia como sendo uma ciência
e o reconhecimento de seus praticantes – os Papiloscopistas –
como sendo cientistas, isto é, Peritos nesta área, está longe de
ser consenso. Esta discordância, no entanto, não é uma questão
metodológica, lógica, ou teórico-empírica e está mais ligada a
uma reserva de mercado. Para alguns peritos praticantes de
disciplinas de outras áreas da Criminalística, o Papiloscopista
seria apenas um auxiliar no local de crime. Isto é tão absurdo
como considerar o matemático auxiliar do físico ou o biólogo,
40
um assessor do médico.
Neste artigo, o objetivo é reafirmar a condição de ciência
da Papiloscopia e que os profissionais que nela atuam são Peritos
na arte da identificação através das impressões digitais. Portanto, não basta para a Papiloscopia reiterar seus pressupostos,
mas também deve afirmar-se em um contexto no qual outras
forças mais tradicionais e poderosas insistem em obstaculizar
esta compreensão.
2. O que é uma Ciência
Definir com clareza o que é uma ciência é uma tarefa que
divide os filósofos e historiadores da ciência, não é tão simples
como pode parecer. Nos manuais de História da Ciência, podese encontrar capítulos sobre Ciência primitiva (pré-histórica),
Ciência Egípcia, Ciência Grega, Ciência Medieval etc. No entanto,
nestes diferentes momentos da civilização esta prática apresentava contornos bastante distintos da concepção moderna de
ciência. Na pré-história, a fabricação sistemática de ferramentas
obedecia a determinadas normas, como bem mostram os achados
arqueológicos, mas será que isto permite afirmar que houve uma
ciência paleolítica ou neolítica? E as pirâmides do Egito, só foram
possíveis com muito conhecimento de matemática e arquitetura
da época, mas será que é plausível falar de uma ciência egípcia?
Por fim, as grandes catedrais medievais, que mesmo sendo o
templo da fé, é um testemunho ainda maior do conhecimento
de engenharia da ciência de seu tempo, pela sua imponência e
beleza; pode-se assim aludir-se a uma ciência medieval? Portanto,
em todos os tempos, o homem produziu e acumulou conhecimentos que podem ou não ser considerados como manifestações
do pensamento científico. Mas neste artigo, por uma decisão
que pode ser considerada tão arbitrária quanto qualquer outra,
considera-se ciência, fundamentalmente, a prática de busca da
verdade, por caminhos empíricos e racionais e que levam em
conta alguns dos principais postulados do método científico.
Método científico é a lógica geral, tácita ou explicitamente
e empregada para apreciar os méritos da ciência como
um conjunto de normas-padrão que devem ser satisfeitas,
caso se deseje que a pesquisa seja tida por adequadamente
conduzida e capaz de levar a conclusões merecedoras de
adesão racional. (NAGEL, 1967, p. 19)
É a partir da modernidade, com a falência das explicações
de cunho puramente teológicos, que o fazer científico triunfa
num contexto de expansão das universidades. Mesmo que muitos sábios responsáveis por descobertas importantes estivessem
fora das faculdades, foi no interior destas que se desenvolveram
as comunidades científicas. Estas redesenharam os saberes,
consolidando algumas novas disciplinas – a astronomia, a
química, mais tarde a sociologia etc. – descartando outros saberes como a astrologia e a alquimia, por exemplo, redefinindo
assim o sentido da ciência moderna. O critério para definir o
que é ciência, desde então, passou a ser a presença do método
científico, principalmente aquele forjado por Descartes. No
entanto, fatores extracientíficos, isto é, de cunho social, desde
então, também contribuíram para se atribuir ou não o estatuto
de cientificidade a algumas disciplinas.
A partir do final da Idade Média, e por toda a modernidade, percebeu-se um esgotamento das explicações teológicas até
então amplamente vigentes, abrindo espaços para as explicações
filosóficas e científicas que inicialmente ainda formavam uma
totalidade. É neste momento que a Terra deixava de ser o centro
do universo e passava a ser apenas um minúsculo planeta girando
na órbita do Sol. Mais tarde descobriu-se que o homem – até
então criatura criada à imagem e semelhança de Deus – era
um animal que evoluíra como todas as demais espécies, tendo,
conforme mostrou Darwin, um ancestral comum aos macacos.
Tais descobertas, ao deslegitimarem estas verdades, lançaram
dúvidas sobre todo conhecimento existente até então.
Para que as ciências modernas passassem a ocupar um lugar
de destaque no conhecimento ocidental, necessitaram provar
que tinham condições de descrever e explicar os fenômenos
aos quais se dedicavam a partir do critério da racionalidade que
passou, desde então, a reger o mundo. Neste sentido, a alquimia
perdeu lugar para a Química moderna, a astrologia foi relegada
a um segundo plano e a Astronomia, a partir de Galileu, passou
a imperar como a ciência que melhor descrevia e explicava os
eventos celestes.
Ainda que o método Cartesiano venha sofrendo – principalmente na segunda metade do século vinte – severas críticas,
ele permaneceu por três séculos como sendo o método científico
por excelência, e hoje, qualquer perspectiva metodológica que
venha se apresentar necessitará dialogar com o legado cartesiano, mesmo que para contestá-lo. E todas estas metodologias,
cartesianas e não-cartesianas são as bases do pensamento e da
prática científica contemporânea. Em suma, a ciência que aqui
é considerada é um produto cultural da modernidade.
Aceitar que esta ou aquela disciplina apresente ou não
o estatuto de uma ciência depende, fundamentalmente, do
paradigma em vigor e este paradigma é formado por critérios
lógicos, teóricos, empíricos, crenças e interesses de toda a ordem.
3. Papiloscopia: uma Ciência de Verdade
Apesar de estar sendo desenvolvida e praticada há mais
de um século, a Papiloscopia tem necessitado sistematicamente
comprovar o seu estatuto científico. Mesmo tendo a convicção
41
que tal questão está superada, vale retomar esta tarefa mais uma
vez. A Papiloscopia é a ciência que estuda a possibilidade de individualização das pessoas através do estudo das cristas de fricção da
pele, ou seja, as impressões digitais. Propõe ainda a organização
de um sistema de identificação baseado nos desenhos papilares
presentes, fundamentalmente, nas extremidades dos dedos, mas
também na palma das mãos e na planta dos pés e sua utilização
na investigação criminal. É através da análise e da comparação
das impressões digitais que se originou esta ciência, o mais eficaz
método de identificação humana. A Papiloscopia é a ciência que
tem por objetivo, através do estudo detalhado destes desenhos
papilares, o estabelecimento da individualização humana e a análise dos vestígios papiloscópicos encontrados nos locais de crime.
Seguindo os passos da perícia papiloscópica é possível revelar o seu inquestionável procedimento científico. O primeiro passo
da perícia é a recuperação de fragmentos de impressão digitais
em locais de crime; o segundo passo é a pesquisa; o terceiro é
a determinação da autoria e, por fim, a elaboração do laudo
pericial papiloscópico. Este roteiro, de certa forma simplificado,
foi analisado pelos Peritos Papiloscopistas do Grupo de Estudo
Técnico-científico do Instituto de Identificação do Distrito Federal, com o objetivo de comprovar, mais uma vez, a cientificidade
da Papiloscopia. Do dedicado e competente trabalho deste grupo,
resultou o artigo Ciência e Papiloscopia. Segundo as autoras, Ludmila
Fernandes e Thalyta Oliveira, seguindo proposição da Associação
Internacional de Identificação, ou seja, que “a Papiloscopia é
uma ciência, pois segue um método científico chamado ACE-V
(Analysis, Comparison, Evaluation and Verification), o qual se levanta
uma hipótese e tenta prová-la a partir da experimentação”.
A metodologia ACE-V ou ACA-V em Português (Análise,
Comparação, Avaliação e Verificação) que, de certa forma, é
uma fórmula simplificada do método científico cartesiano e
pode determinar a cientificidade desta disciplina. Traçando um
paralelo entre a metodologia ACA-V e a perícia papiloscópica
tem-se o seguinte resultado.
A primeira etapa, a Análise, destacam as autoras, a impressão digital deve ser estudada e classificada conforme os
parâmetros da ciência.
não de prosseguir a respectiva pesquisa cujo sucesso depende,
inicialmente, da qualidade da impressão pesquisada.
A etapa de Comparação inicia quando se estabelece as
características do fragmento a ser comparado ou pesquisado.
Decidindo-se pela qualidade da impressão que se pretende investigar, passa-se, então, a comparar a impressão desconhecida,
por um lado, e a impressão conhecida, presente nos arquivos
ou remetida como suspeito pela autoridade.
(...) envolve uma avaliação das propriedades e atributos
das características de uma impressão digital desconhecida,
decidindo, com objetividade, se há informações visíveis
quanto à clareza e distorções destas características. É uma
etapa importante e minuciosa quando o nível de clareza
E, por fim, na etapa de Verificação cabe a um segundo
perito refazer todo o percurso do primeiro Papiloscopista com
o objetivo de verificar que o procedimento foi realizado de
forma correta. Enfatizam as autoras do artigo que “o processo
de confirmar uma individualização foi criado para demonstrar
que o método é repetitivo, confiável e válido” (p. 33). Continuam as autoras:
não for o ideal (...) Ao fim desta etapa, o perito decidirá se
há qualidade e quantidade suficiente de informações para
justificar uma comparação. (p. 31)
Culminará esta etapa com a decisão sobre a viabilidade ou
(...) esta fase é um processo interativo, o qual se compara
a impressão suspeita com a impressão conhecida, focando
nas características identificadas na fase anterior (detalhes
nível 1, 2 e/ou 3). É recomendado que a comparação ocorra
da impressão desconhecida para a conhecida, ou seja, a de
menor qualidade para a de maior qualidade, geralmente,
haja vista as características observadas na primeira servirem
como uma medida de controle para ser testada contra uma
impressão conhecida. (p. 33)
Nesta etapa, as características das impressões são observadas, isto é, os seus principais atributos e daí parte a decisão em
forma de uma hipótese para dar sequência à pesquisa.
A terceira etapa, que é a da Avaliação, o Perito vai selecionar as áreas comuns das duas impressões, a desconhecida e
a conhecida, passíveis de comparação, e parte para a definição
para analisar se realmente se trata da mesma impressão digital.
(...) A individualização é declarada quando há a constatação de um acordo de correspondências em número e
significância, o que representa uma afirmação certa que
um particular fragmento ou impressão latente foi formado
pelas impressões papilares de certa pessoa. A fase de Avaliação engloba as etapas do método científico: “Previsão”,
“Experimentação” e “Conclusão/Validação” da hipótese.
Ao formular uma decisão de estabelecer uma Tentativa
de Conclusão, o perito aplica o raciocínio dedutivo para
“Prever” o resultado, a partir da avaliação dos detalhes de
nível dois no mínimo. (p. 32)
O segundo perito seguirá todos os passos anteriores da
metodologia ACAV sem qualquer expectativa, fazendo
42
um estudo cego, desvinculando seu resultado da primeira
conclusão. O processo de confirmar uma individualização
foi criado para demonstrar que o método é repetitivo,
confiável e válido. (p. 33)
Enfim, a exposição apresentada evidencia que a dúvida
sobre a cientificidade da Papiloscopia não pode ser de cunho
metodológico, teórico ou empírico. Todos os questionamentos
sobre estes aspectos estão suficientemente bem dirimidos no
trabalho anteriormente exposto. A metodologia ACA-V, como
se viu, retoma o método científico em seus principais passos
e detalhes e sua aplicação na investigação papiloscópica é a
segurança que este procedimento é cientificamente correto.
4. Conclusão
A necessidade de que uma determinada disciplina seja reconhecida como sendo uma ciência reflete, como foi destacado,
aspectos intrínsecos e extrínsecos à ciência. Em primeiro lugar,
em nossa sociedade que se estruturou a partir de pressupostos
racionais, o conhecimento cientificamente produzido adquire
um estatuto de verdade que não é conferido a qualquer outra
forma de conhecimento, seja religioso, artístico ou fi losófico.
Sob certo aspecto, em muitas instâncias da vida social, afirmar
a cientificidade significa estar dizendo a verdade. Contudo, a
verdade científica se constitui num tipo de verdade, legitimada
por um método que a constitui de uma série de qualidades. A
verdade científica, assim, possui algumas formas de comprovação (cientificamente), pode ser reproduzida e, ainda, funcionar,
quando transformada em tecnologia, sendo também importante para o desenvolvimento da produção de bens.
Considerar uma forma de conhecimento científico é
alçá-lo a um patamar no qual apenas os especialistas podem
intervir. Uma forma de conhecimento científico pode ser a
qualquer momento acionada para legitimar algumas decisões
que podem ou não ser socialmente válidas.
Não basta que uma disciplina apresente todos os requisitos
formais, teóricos, empíricos e metodológicos de uma ciência
para que esta seja reconhecida como tal, ela necessita de legitimação social e reconhecimento dos pares. Sua legitimação,
além de epistemológica, é também social. Determinada área do
saber e/ou fazer poderá não alcançar este reconhecimento se
houver forças sociais, isto é, grupos com poder de pressão e influência social que, por alguma razão, tenham interesse em barrar
o reconhecimento da cientificidade de determinada disciplina.
Conforme o resultado apresentado pelo grupo do Departamento de Identificação do Distrito Federal, é inútil não reconhecer na Papiloscopia uma ciência de verdade, pois apresenta todos
os requisitos e que seus profissionais, os Papiloscopistas, são
Peritos Legítimos como em outras áreas. Mas como também foi
destacado inúmeras vezes neste texto, tal aceitação e legitimação
não dependem apenas desta condição teórico-metodológica e
empírica, interferem também outros interesses que atuam como
vetores que se opõem a este reconhecimento. Isso evidencia que,
quando os interesses em jogo não são puramente científico, as
partes interessadas podem sustentar pontos de vista tacanhos
que, aos olhos dos mais sensatos, evidencia uma posição que
afronta a inteligência.
Referências
DESCARTES, René. Discurso do método. Porto
Alegre: L&PM, 2008.
FERNANDES, Ludmila. OLIVEIRA, Thalyta.
Ciência e Papiloscopia. Revista Papiloscopia Forense,
Brasília, s/d, p. 28.
KUHN, Thomas S. As estruturas das revoluções
científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
NAGEL, Ernest. Ciência Natureza e Objetivo. In:
MORGENBESSER, Sidney(Org.). Filosofia da Ciência. São Paulo: Cultrix, 1967.
Notas
1) http://www.morpho.com – acessado em 02/8/2010.
Autor
[a] Papiloscopista, Mestre em Antropologia e Doutor
em Comunicação Social.
43
Aspectos Técnicos sobre o Dígito Verificador em “Números de Chassi”
e outras Informações sobre este Código
Franck, Paulo Ricardo Osta
Departamento de Criminalística, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto
Alegre/RS
No Brasil, infelizmente, o roubo e o furto de veículos são
uma endemia. Os destinos dos veículos furtados são o desmanche para a venda de peças e componentes (normalmente
compradas por certo tipo de cidadão de bem, que não se importa
em comprar peças oriundas de furto, roubo ou latrocínio, não
tendo o discernimento elementar de que pode ser a próxima
vítima e não se importando eticamente em utilizar em seu veículo componentes sujos de sangue), clonagem e mesmo desvio
para países vizinhos.
Nos casos de roubo e furto de veículos, a Criminalística
atua num primeiro momento através dos exames tradicionais
em local de latrocínio, roubo, furto ou arrombamento, e, num
segundo momento, através da identificação correta dos veículos
e dos componentes objeto de crime. Para esta segunda etapa
do trabalho são utilizados os conhecimentos da Engenharia
Automotiva e de outras disciplinas pertinentes, a serviço da Lei.
O principal meio para a identificação de um veículo é
através do VIN, Vehicle Identification Number, impropriamente
referido como VIN Number em alguma literatura e conhecido e consagrado no Brasil como Número do Chassi, por ser
usualmente gravado em baixo-relevo e através de punção nesta
parte do veículo. Nota-se que a placa identificadora é uma
identificação externa ao veículo.
A gravação de um número de série no chassi existe desde
que Daimler e Benz construíram os seus primeiros veículos, mas
cada fabricante utilizava seus próprios padrões, que foram convergindo para um identificador alfanumérico de 17 caracteres,
em que as letras “O”, “I” e “Q” não são utilizadas para que não
se produza confusão com os algarismos “0” e “1”.
Após 1981 o VIN foi normatizado pela ISO1 que, com
algumas variações regionais, é a norma utilizada por todos os
fabricantes de importância, obedecendo aos padrões (standard)
definidos por aquela entidade, que atualmente são: ISO 3779,
Road Vehicles – Vehicle identification number (VIN) – Content and
structure (Ref. ISO 3779 – 1983 (E)); ISO 3780, Road Vehicles
– World manufacturer identifier (WMI) code (Ref. No. ISO 3780 –
1983 (E)) e ISO 4030, Road Vehicles – Vehicle identification number
(VIN) – Location and attachment2.
Como exemplo brasileiro, temos: 9BF ZF10B7 5 8270662,
onde 9BF é Ford do Brasil, ZF10B7 é a descrição do veículo,
5 é o ano do modelo e os demais são dígitos complementares.
O VIN é composto conforme seções descritas no Quadro 1.
A Society of Automotive Engineers (SAE), entidade norte-americana, é a responsável para definir os três dígitos de identificação
global do fabricante, WMI, classificados por região e país, no
qual o primeiro caractere representa uma região automotiva, que
pode ser um país ou conjunto regional destes, como por exemplo
Estados Unidos (1, 4 ou 5), Canadá (2), México (3), Japão (J),
Coréia do Sul (K), Inglaterra (S), Alemanha (S ou W), Itália (Z),
Brasil, Colômbia, Paraguai, Uruguai e Trindade e Tobago (9).
Na prática, é mais prático utilizar o Quadro 2, que nos dá
direto o fabricante e onde 9X-92, por exemplo, significa 9X,
9Y, 9Z, 90, 91 e 92.
No Quadro 3, sobre este assunto, listamos as principais
procedências mundiais de veículos.
Descrição do Veículo (Vehicle Descriptor Section)
A quarta até a nona posição é utilizada para, em código,
de acordo com os regulamentos e sistemáticas variáveis de
fabricante para fabricante e de país para país, para identificar o
tipo do veículo, e pode incluir informações sobre a plataforma
do automóvel usado, o modelo ou o estilo. Cada fabricante tem
um sistema exclusivo de utilizar este campo, mas os principais
fabricantes usam, desde os anos 1980, a oitava posição para
identificar o tipo de motorização.
Dígito Verificador na Posição 9
Por exigência dos governos dos Estados Unidos e da Europa, os fabricantes passaram a utilizar como dígito verificador
global o número do chassi na nona posição. Este conhecimento
44
Quadro 1
Quadro 3
Quadro 2
pode ser bastante útil para identificar possíveis casos de
falsificação de documentos, nos casos em que um número
ficto de chassi é criado e aposto em documentação veicular
em branco ou outra técnica de falsificação. Nesses casos a
fraude poderia ser sugerida a partir de uma simples verificação deste dígito.
O cálculo do dígito verificador é feito obedecendo os
seguintes passos:
Passo 1
Deve-se substituir os caracteres alfabéticos por algarismos
de acordo com o Quadro 4.
Passo 2
Cada algarismo do VIN convertido deve ser multiplicado por um peso, exceto, obviamente, a nona posição, ou, se
preferirem, multipliquem a nona posição por zero, conforme
Quadro 5.
Passo 3
Os produtos devem ser somados.
Passo 4
A soma deve ser dividida por 11, por divisão inteira.
Passo 5
O resto da operação anterior é o dígito verificador. Se
o resto da divisão por 11 for 10, deve-se utilizar como dígito
verificador o caractere “X”.
45
Quadro 3 - Continuação
Quadro 3 - Continuação
O resultado desta operação, para veículos recentes, deve ser
igual ao caractere gravado na nona posição. Se não for, podemos
começar a pensar na hipótese de fraude na documentação do
veículo e na gravação do número do chassi.
O fato positivo para aplicação em atividade pericial é que,
apesar desta metodologia não ser obrigatória no Brasil, algumas
montadoras a utilizam aqui para manterem compatibilidade
com o enorme mercado norte-americano. Estudos preliminares
indicam que a Volkswagen e a Ford do Brasil, entre as grandes
montadoras, estão seguindo esta metodologia3.
Quadro 3 - Continuação
Ano do Modelo
O décimo caractere é destinado ao ano do modelo do
veículo, que não deve ser confundido com o ano de fabricação,
também de acordo com o Quadro 6.
O décimo caractere é reservado para gravar a informação
sobre a planta em que o veículo foi produzido.
E finalmente, os caracteres da posição onze até a posição
dezessete são utilizados para gravar o número seqüencial do
bem produzido (VIS – Vehicle Identification Section).
46
Quadro 3 - Continuação
Quadro 4
Quadro 5
Posição
Quadro 6
Quadro 3 - Continuação
Conclusão
A conferência do dígito verificador segundo o método
apresentado pode ser atividade útil na investigação policial e na
própria perícia, nos casos de falsificação que envolva também o
documento. Não tem, porém, aplicação nos casos de clonagem,
pois nestes o número de chassi clonado é um número de acordo
com a regra de formação de VINs.
Referências
– ISO 3779, Road Vehicles – Vehicle identification number
(VIN) – Content and Structure.
– ISO 3780, Road Vehicles – World Manufacturer Identifier (WMI) code.
– ISO 4030, Road Vehicles – Vehicle Identification Number (VIN) – Location and attachment.
Notas
1) International Organization for Standardization (ISO) é
47
a maior organização existente para elaboração de
normas técnicas internacionais, tem sede em Genebra e congrega 163 países, com uma associação por
país. No caso brasileiro, somos representados pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
2) World Manufacturer Identifier.
3) Até a data de 23/07/2010, fechamento de matérias
para esta revista.
Autor
[a] Perito Criminal, Engenherio Mecânico – artigo revisado pelo Perito Marco Antônio Aurélio Cúrcio.
48
Aspectos Gerais e Toxicológicos de Derivados Anfetamínicos com Ênfase no 4-Bromo-2,5-Dimetoxi-Anfetamina (DOB)
Franck, Maria Cristinaa
Laboratório de Perícias, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto Alegre/RS
1. Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), qualquer
substância capaz de modificar a função de organismos vivos,
resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento,
pode ser denominada droga. Drogas de abuso são substâncias
psicoativas que alteram o humor, o nível de percepção ou o
funcionamento do sistema nervoso central (SNC), alterando o
comportamento e a cognição. Drogas psicotrópicas são aquelas
que possuem grande propriedade reforçadora, sendo passíveis
de auto-administração, ou seja, aquelas que levam à dependência
(CARLINI et al., 2001).
De acordo com o efeito que causam, as drogas psicotrópicas podem ser classificadas como estimulantes, depressoras
ou perturbadoras do SNC (CARLINI et al., 2001). Drogas
depressoras são empregadas em casos de epilepsia, insônia
ou excesso de ansiedade, pois diminuem a atividade do SNC,
causando sonolência e lentificação psicomotora. Drogas estimulantes aumentam a atividade do SNC, melhorando o estado de
vigília e, em doses elevadas, podem causar nervosismo, delírios e
alucinações. Drogas alucinógenas são substâncias perturbadoras
do SNC, mimetizam psicoses e, mesmo em doses baixas, causam
ilusões e paranóia (CARLINI et al., 2001; O’BRIEN, 2001).
Alguns derivados anfetamínicos podem ser considerados,
simultaneamente, estimulantes do SNC e alucinógenos (LARANJEIRA et al., 1996), conforme a estrutura química e o grau
de substituição da molécula, sendo utilizados de maneira ilícita
por toxicômanos, esportistas e estudantes (OBERLENDER
et al., 1995).
2. Derivados Anfetamínicos
Apesar de ter sido sintetizada no final do século XIX, a
anfetamina tornou-se popular dentre os usuários de drogas
somente na década de 30, devido à facilidade de produção,
presença de efeitos duradouros, custo acessível e caráter legal
do consumo. A utilização de anfetamina permaneceu em evi-
dência até a sua restrição de uso, que ocorreu na década de 60.
Em conseqüência da popularidade e do atual caráter ilegal, a
anfetamina e seus derivados (figura 1) passaram a ser produzidos
em laboratórios clandestinos.
As anfetaminas alucinógenas são drogas sintéticas, também
chamadas de designer drugs, desenvolvidas mediante uma pequena
modificação na estrutura química da molécula principal (fiscalizada), no intuito de obter propriedades farmacológicas similares,
porém com maior potência e burlando a legislação (BALIKOVÁ, 2005; CODY, 1990; CHRISTOPHERSEN, 2000).
Essas drogas apresentam a facilidade de serem consumidas
via oral e possuírem uma aparência discreta, o que facilita o
tráfico e dificulta a fiscalização (COSTA et al., 2007).
Numerosas mortes já foram relatadas em conseqüência do
uso de derivados anfetamínicos e os laboratórios clandestinos
estão continuamente lançando novos produtos (CHRISTOPHERSEN, 2000).
3. Relação Estrutura e Atividade
A atividade biológica da anfetamina e de seus derivados
está associada ao diferente padrão de substituição no núcleo
fundamental. O efeito estimulante e prolongado dos derivados
anfetamínicos é explicado pela presença do grupamento amínico
na cadeia lateral, o que impede a ação da monoaminoxidase
(MAO). Também contribui, nesse sentido, a ausência de hidroxilas no grupo fenil, impedindo a ação da feniloxidase presente
no fígado e no intestino (ROBINSON e BERRIDGE, 1993).
Já a atividade alucinógena por via oral provém da presença
de uma amina primária separada do anel fenil por dois átomos
de carbono, pela ligação de grupamentos metoxi nas posições
2 e 5 do anel aromático e por um substituinte hidrofóbico na
posição 4. A presença de uma metila na posição alfa ao átomo
de nitrogênio é reportada como sendo responsável pelo aumento
da potência e da duração do efeito (EWALD et al., 2006).
Os derivados anfetamínicos também apresentam ação
anorexígena e, em função disso, algumas substâncias, como
49
Figura 2 – Estrutura química da anfepramona e do femproporex, respectivamente
Figura 1 – Estrutura química da anfetamina e de seus derivados
a anfepramona e o femproporex (figura 2), são utilizadas na
terapêutica.
As anfetaminas possuem, em geral, um mecanismo de ação
que envolve vários sistemas neurais, como o dopaminérgico,
serotoninérgico, adrenérgico e o noradrenérgico (ROBINSON
e KOLB, 1997).
4. DOB
O DOB (4-bromo-2,5-dimetoxi-anfetamina ou brolanfetamina) é uma substância alucinógena que foi sintetizada
por Alexander Shulgin em 1967 (EWALD et al., 2006) e que
apresenta fórmula molecular C11H16BrNO2, massa molecular
274,15 g/mol e número CAS 64638-07-9. Na forma de hidrocloridrato, o DOB apresenta-se como um pó cristalino branco
solúvel em clorofórmio, etanol e metanol e insolúvel em éter.
Assim como o LSD, o DOB não é sensível à luz ou ao calor
e não requer embalagem especial ou refrigeração (DELLIOU,
1983). Apresenta máximo de absorção em 293 nm (na região
do ultravioleta (UV)) e 5412 de absortividade molar (BAILEY
et al., 1976).
O DOB apresenta um centro quiral, assim como a maioria
dos agentes psicotomiméticos, sendo o isômero R (figura 3)
efetivo na dose de 0,5 mg, mais potente que o isômero S e que
sua forma racemato (BARFKNECHT e NICHOLS, 1971).
A ação psicotrópica do DOB é maior do que a dos outros
derivados anfetamínicos polimetoxilados, pois a sua degradação
é mais lenta, comparada aos derivados sem a presença de halogênios na estrutura química (WINEK, et al., 1981).
O DOB já foi apreendido na forma de cápsula aparentemente vazia devido à pequena quantidade de substância
presente e, em função disso, é chamado de “cápsula do vento”
ou “cápsula do medo”.
A dose usual de DOB via oral varia de 1 a 3 mg e os seus
efeitos começam a surgir entre 1 a 3 horas. Os efeitos perma-
Figura 3 – Configuração mais ativa do DOB
necem estáveis por 6 h e podem durar de 18 a 30 horas. Como
os efeitos levam algum tempo para aparecer, o usuário pode
acabar ingerindo uma segunda dose, o que aumenta muito a
possibilidade de intoxicação (COSTA et al., 2007).
Alguns dos efeitos do uso de DOB são: sensação de bemestar, aumento da energia, aumento da capacidade visual e auditiva e aumento da percepção de cores e texturas (BALIKOVÁ,
2005; COSTA et al., 2007; DELLIOU, 1980; 1983; GHYSEL,
2004; NICHOLS, 2004; OBERLENDER et al., 1995). O álcool
pode potencializar os efeitos do DOB (DELLIOU, 1983).
A overdose pode ser alcançada pela ingestão de 3 a 8 mg
de DOB. As características do quadro de intoxicação são: taquicardia, convulsão, hipertensão, midríase, câimbras, vômitos,
diarréia, psicoses com agitação, sensação de pânico e de formigamento nos membros (vasoconstricção nas extremidades),
perda de memória, desorientação, comportamento irracional e
violento, episódios de despersonalização, rigidez muscular, arritmias, hemorragia cerebral e hipertermia, podendo levar o usuário
a óbito (BALIKOVÁ, 2005; COSTA et al., 2007; DELLIOU,
1980; DELLIOU, 1983; GHYSEL, 2004; OBERLENDER
et al., 1995; UTRILLA, 2000). O tratamento inclui sedação
pela administração intravenosa de diazepam ou haloperidol
(DELLIOU, 1980; 1983).
Há relatos de que o DOB vem sendo apreendido desde
1972 nos Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália, Reino
Unido e Alemanha. Nos Estados Unidos, há registros de morte
pela ingestão de 30 a 35 mg de DOB (DELLIOU, 1980; 1983;
GHYSEL, 2004).
Os primeiros casos documentados de intoxicação por
DOB ocorreram na República Tcheca. Dois homens ingeriram
um pó branco e cerca de 15 minutos após a ingestão apresentaram intensa alucinação, seguida por vômitos e inconsciência.
Um dos indivíduos apresentou acidose metabólica e foi a óbito
após 6 dias de internação hospitalar. O nível sérico de DOB
foi determinado por meio de cromatografia a gás com detecção
50
Tabela 1 – Sistemas cromatográficos utilizados para determinação de DOB em materiais não-biológicos
DIC = detector de ionização de chama; EM = espectrometria de massas; NPD = detector de nitrogênio e fósforo
de espectrometria de massas (CG-EM-SIM) após uma reação
de acetilação. O paciente que sobreviveu apresentou 13 ng/
mL e o paciente que não sobreviveu apresentou 19 ng/mL
(BALIKOVÁ, 2005).
O DOB já foi apreendido no Brasil (MALDANER, et al.,
2005), mas ainda não no Rio Grande do Sul.
5. Pesquisas Toxicológicas
O surgimento de novos derivados anfetamínicos renova o
interesse no desenvolvimento de métodos definitivos de identificação. A ressonância magnética nuclear (RMN) é um método
adequado para diferenciar regioisômeros, mas não é comum em
laboratórios de toxicologia forense, além de não ter aplicação
em amostras biológicas. A análise de designer drugs depende muito
de métodos cromatográficos, bem como da espectrometria de
massas (DERUITER et al., 1998).
Para detectar derivados anfetamínicos em urina, pode-se
utilizar a triagem imunológica (CODY, 1990; NORDGREN et
al., 2005; TOENNES et al., 2000) e a imunofluorescência polarizada (FPIA) que detecta menores concentrações em relação
ao teste anterior. Existem ainda sistemas por cromatografia a
líquido de alta eficiência (CLAE) para detecção, identificação e
análise semiquantitativa de drogas em urina e soro (FELSCHER
e SCHULZ, 2000).
Anfetaminas podem ser detectadas em sangue através da
extração em fase sólida com posterior análise por CLAE acoplado a detector de espectrometria de massas (EM) (SILVA et
al., 1998). Em comprimidos, metilenodioxianfetaminas podem
ser determinadas, com alta seletividade, por CLAE com detector
de fluorimetria (FOGLIATTO, 1998) e por cromatografia a gás
(CG) com detector de nitrogênio de fósforo (NPD) e de EM
(FLÓREZ, 1997).
Os métodos cromatográficos para a análise de DOB em
materiais não-biológicos podem ser vistos na Tabela 1.
O DOB na presença do reagente de Marquis apresenta uma
coloração amarelada, que lentamente se torna esverdeada e, em
seguida, azul. Pode-se detectar a presença de aminas primárias
por infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) e por
cromatografia em camada delgada (CCD) utilizando como
eluente metanol amoniacal, ou acetato de etila-ciclohexanohidróxido de amônio-metanol-água (70:15:2:8:0,5) ou, ainda,
clorofórmio-metanol (8:1) e como reveladores fluorescamina, luz UV e iodoplatinato acidificado (COLE et al., 2002;
DELLIOU, 1983; GIROUD et al., 1998; RAGAN et al., 1985).
O reativo de Mecke’s produz uma coloração esverdeada que
passa, lentamente, a amarelo e, em seguida, a azul na presença
de DOB. Por RMN observam-se o anel fenil tetrasubstituído e
dois grupos metoxi (COLE et al., 2002; GIROUD et al., 1998;
RAGAN et al., 1985).
As dimetoxianfetaminas apresentam espectro de massas
muito similares (fragmento de razão massa carga (m/z) 44, que
corresponde ao íon imina CH3CH=NH2+, comum a todos
compostos 1-fenil-2-aminopropanos), sendo necessário empregar métodos cromatográficos para diferenciar compostos
isômeros de posição.
Por CG-EM, os fragmentos contendo Br são facilmente
identificados pela proximidade da razão isotópica do Br79 e
Br81, fazendo com que haja dois picos no espectro. Podem ser
utilizados, também, reagentes de derivatização por acetilação ou
metilação para análise de derivados anfetamínicos (COLE et al.,
2002; GIROUD et al., 1998; RAGAN et al., 1985).
Torna-se fundamental a identificação estrutural de compostos de forma inequívoca, pois existem 16 formas possíveis
51
de isômeros dimetoxianfetamínicos monobromados no anel
aromático. O espectro de massas, devido aos dois isótopos do
bromo, permite o reconhecimento e a distinção de compostos,
entretanto, não define em qual posição no anel aromático há
esse halogênio (BAILEY et al.,1976).
O espectro de massas do DOB apresenta a seguinte fragmentação iônica (m/z): 44 (pico base), 77, 91, 105, 215, 217, 230,
232 e 273. Os picos 230 e 232 são relativos ao íon C9H10BrO2,
resultante da fissão da ligação beta e a expulsão do C2H6N.
Embora a CCD e a CG sejam excelentes para screening de
derivados bromo-dimetoxianfetamínicos e a EM seja útil para
identificar a presença de bromo e dar a massa molecular, essas
técnicas não distinguem os isômeros do DOB. O UV e o FTIR
podem ajudar na diferenciação dos derivados análogos bromodimetoxianfetamínicos (DELLIOU, 1983).
6. Considerações Finais
Apesar de o DOB ser conhecido desde 1967, somente
nos últimos anos ele tem reaparecido, inicialmente na Europa e
Estados Unidos e, recentemente, no Brasil. As drogas sintéticas
têm ganhado espaço por serem mais facilmente produzidas e
traficadas, quando comparadas à maconha e à cocaína. Por
enquanto, o DOB ainda é desconhecido pela maior parte da
população brasileira e seu uso se restringe aos adolescentes de
classe média e alta.
Casos de intoxicação por DOB ainda são raros e ele não
está incluído nas rotinas toxicológicas, dificultando o tratamento (BALIKOVÁ, 2005) e a determinação da causa mortis.
Em função disso, devemos considerar a possibilidade de que
o número de intoxicações por DOB pode ser mais expressivo,
tendo em vista o desconhecimento da droga e a imprecisão
dos diagnósticos.
Além disso, essas drogas sintéticas apresentam outro
grande problema, a presença de impurezas, substâncias remanescentes da síntese caseira ou subprodutos, cuja toxicidade é
desconhecida e os danos ao organismo imprevisíveis.
Por fim, os laboratórios forenses precisam estar continuamente aprimorando suas técnicas, para que a perícia seja capaz
de detectar o maior número de derivados anfetamínicos tanto
em amostras apreendidas quanto em matrizes biológicas.
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Autora
[a] Perita Químico-Forense. Contato: maria-franck@igp.
rs.gov.br
53
Proposta de Novas Figuras Anatômicas (bonecos) para o Departamento
Médico-Legal
Costa, Sérgio da Silvaa
Departamento Médico-Legal, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da Segurança Pública, Porto Alegre/RS
Resumo
O presente trabalho trata de propor melhoria no ambiente de trabalho no Departamento Médico-Legal do Rio Grande do Sul
através da substituição dos desenhos que ilustram as descrições de lesões no corpo humano por outros com atributos desejáveis
como exatidão e coerência, ressaltando-se o objetivo primordial que é a clara transferência de informação à autoridade requisitante.
Palavras-chave: figuras anatômicas, bonecos, desenhos, DML, IML
1. Introdução
Por décadas o IML (hoje Departamento Médico-Legal
– DML) do Rio Grande do Sul vem utilizando figuras anatômicas (chamadas de bonecos) para ilustrar as lesões causadas
geralmente por projetis de arma de fogo nos corpos das vítimas. É clara e sensata a orientação 8.1 contida no Manual de
Rotinas1: elaborar sempre as figuras anatômicas em cadáveres
baleados. No entanto, não apenas os bonecos atualmente
em uso mostram limites muitas vezes equivocados para as
diversas regiões do corpo como também esses limites variam
de um boneco para outro. Assim, um determinado ponto
na pele poderá estar em uma ou outra região, dependendo
do boneco utilizado – uma confusão perfeitamente evitável.
Além disso, a falta do boneco impresso torna muitas vezes
imperativo a multiplicação dos bonecos por fotocópia.
Algumas gerações de fotocópias bastam para acinzentar e
mesmo enegrecer o fundo, aumentando a confusão. Knight2,
salvo o primeiro desenho (pág. 2) mantém uma abordagem
esquemática nos desenhos do corpo humano. Já Robinson3
apresenta uma gama de mapas do corpo humano, desenhados
à mão. Também à mão são os desenhos mostrados nos livros
de Fávero4, Gomes5 e Croce6 com as dificuldades pictóricas
próprias desse método. Briscoe7 demonstra a superioridade
do desenho realizado com o auxílio de um computador. Mais
detalhes são possíveis, porém mais tempo é despendido,
dependendo da experiência de quem desenha. As vantagens
são: facilidade de uso e de fazer mudanças, possibilidade
de experimentar e resultado de aspecto profissional. Os
problemas são: limitações do programa, lentidão de alguns
programas, tempo empregado em figuras complexas, distração do objetivo (comunicação clara e simples) pelas agruras
do programa.
2. Materiais e Métodos
Figuras precisas mostrando o corpo humano em diversas posições para evidenciar as regiões em apreço foram
desenhadas usando a computação gráfica, objetivando-se
uma representação esquemática. Naqueles bonecos em que
se fez necessário mostrar os dois lados do corpo, a imagem
foi simplesmente copiada em espelho. Durante a confecção
do boneco, a espessura de cada linha pôde ser observada e
variada à vontade. Optou-se por imprimir os bonecos em cor
laranja devido ao contraste marcante dessa cor com o azul
ou preto da caneta normalmente usada pelo perito médicolegista para desenhar as lesões. Além disso, a fotocópia da cor
laranja resulta em um tom cinza bem evidente. Os resultados
podem ser vistos nas figuras 1 a 6.
3. Discussão
A razão da existência do DML está no auxílio que a
perícia dele emanada provê à autoridade, geralmente ao
inquérito policial. Porém, o inquérito policial não tem finalidade em si mesmo senão que se trata de um passo crucial
de recolhimento de provas para o julgamento no fórum.
O laudo pericial constitui-se em evidência precisa e, pela
minuciosa elaboração, muitas vezes é irrefutável até as últimas instâncias. Portanto, é imprescindível que o desenho
54
Figura 1 – Cabeça de lado
Figura 2 – Sola dos pés
Figura 4 – Axila
Figura 3 – Corpo de lado
Figura 6 – Genitália masculina e feminina
55
projetis de arma de fogo, são propostas. Tais desenhos são
produzidos através da utilização da computação gráfica visando a uma maior exatidão e clareza, sem descuidar da coerência,
simplicidade, praticidade e reprodutibilidade. A nova cor
proposta (alaranjado) facilita sobremaneira o contraste com
a cor da tinta da caneta utilizada pelo perito para desenhar as
lesões. Portanto, pode-se prever uma melhora significativa na
comunicação entre a perícia médica produzida pelo DML e o
leitor-alvo que vem a ser a autoridade requisitante.
Referências
Figura 5 – Cabeça de Frente
que ilustra a descrição do perito médico-legista seja exato e
coerente. Os desenhos utilizados até agora não preenchem
esses requisitos e precisam ser substituídos. Os novos desenhos aqui apresentados buscaram as seguintes qualidades,
em ordem de importância:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Exatidão
Coerência
Clareza
Simplicidade
Praticidade
Reprodutibilidade
1. Manual de Rotinas do Departamento MédicoLegal, Corag, Porto Alegre, 2005, pp. 26-8.
2. KNIGHT B. Lawyer’s Guide to Forensic Medicine, 2nd Ed., Cavendish Publishing, London, 1998,
pp. 1-10.
3. ROBINSON SP. Principles of Forensic Medicine,
Oxford University Press, 1996.
4. FÁVERO F. Medicina Legal, 12ª ed., Villa Rica,
Belo Horizonte, 1991, pp. 244-5.
5. GOMES H. Medicina Legal, 26ª ed., Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1989, pp. 318-328.
6. CROCE D. Manual de Medicina Legal, 4ª ed.,
Saraiva, São Paulo, 1998, pp. 136-145.
7. BRISCOE, MH. Preparing Scientific Illustrations,
2nd Ed., Springer-Verlag, New York, 1995, pp.
157-8,161.
4. Conclusão
Autor
Novas figuras anatômicas (bonecos) para ilustrar as
descrições de lesões, particularmente aquelas provocadas por
[a] Perito Médico-legista.
56
Critérios Quantitativos e Qualitativos acerca de Pontos Característicos
do Fragmento Papilar no Confronto Papiloscópico
Martins, Darian Beckera; Nascimento, Rafael Silvab
Seção de Perícias Papiloscópicas, Departamento de Identificação, Instituto Geral de Perícias, Secretaria da
Segurança Pública, Porto Alegre/RS
Resumo
Este trabalho busca discutir os conceitos, as técnicas e os procedimentos adotados no processo de confronto papiloscópico.
A convenção, amplamente adotada, que determina a necessidade de uma quantidade mínima de pontos característicos para a realização de uma individualização pode ser questionada tanto por seu caráter matemático e histórico quanto por estudos conduzidos
por instituições internacionais da área.
Além do aspecto quantitativo, também podemos discutir os critérios qualitativos utilizados. O papilograma questionado, objeto
da análise, cumprindo os requisitos que o tornam apto ao confronto papiloscópico, ainda deve passar pelo exame do especialista para
que resulte em uma individualização positiva. Os critérios de avaliação podem e devem ser discutidos.
Palavras-chave: confronto papiloscópico, pontos característicos, regra dos 12 pontos, convicção do especialista
1. Introdução
O objetivo do especialista em impressões digitais, em última análise, é individualizar, de forma inquestionável, através
das cristas de fricção ou cristas papilares existentes na palma
das mãos e planta dos pés dos seres humanos.
Este especialista atua na área civil, garantindo a unicidade
na emissão do documento de identidade, o armazenamento das
impressões digitais e dos dados biométricos de indivíduos; já na
área criminal, atua através da revelação e coleta de fragmentos de
impressão digital em local de crime, buscando a identificação da
autoria do delito; e no post mortem, revelando a identidade de corpos encontrados sem vida, através da recuperação da epiderme
de forma a proporcionar a coleta da digital. Em todos os casos,
o especialista utiliza diversas técnicas e procedimentos, baseados
no rigor técnico e na objetividade do conhecimento produzido
ao longo de mais de um século da utilização, com sucesso, do
método papiloscópico na individualização de seres humanos.
Nas três áreas que dividem a atuação do especialista – civil,
criminal e post mortem – a individualização se confirma através
da comparação – confronto – entre a impressão padrão e a
impressão questionada, analisando as cristas papilares.
É justamente esse processo de confronto que, ao longo
da história da Papiloscopia, gera discussão entre os que procuram quantificar o número de elementos mínimos necessários
para realizar uma individualização, estabelecendo um fator de
probabilidade, e os que não utilizam esse fator como sendo
determinante, avaliando, além do critério numérico, a forma
das cristas, a raridade, o contorno e outros elementos que serão
discutidos, para produzir seus laudos papiloscópicos.
Assim, fica estabelecido um critério subjetivo que divide
os especialistas em impressões digitais. É sobre esse tema que
iremos apresentar nossos argumentos.
Ao contrário do senso comum na área, não existe norma,
resolução, determinação ou declaração, nacional ou internacional, que estabeleça um número mínimo necessário de pontos
característicos para que se realize uma individualização positiva.
Por outro lado, vamos apresentar alguns documentos que
afirmam o oposto.
2. Avaliação do Fragmento de Impressão Papilar
Por definição, um fragmento de impressão papilar é a impressão cuja parte que permite sua classificação (determinação
do tipo fundamental) está ausente ou incompleta. É dividido
entre digital, palmar e plantar (ARAÚJO, 2004).
Em confronto decorrente de perícia em local de crime,
a impressão questionada quase sempre é um fragmento de
impressão papilar. Para utilizá-lo em um estudo é preciso,
primeiramente, certificar-se de que ele seja próprio para submissão a um confronto papiloscópico. Para isso, é necessário
assegurar-se de que:
57
Figura 1 – Detalhes da cristas papilares
• tenha sido obtido legalmente;
• tenha sido levantado por especialista habilitado;
• seja oriundo de local, material, objeto, documento pertinente ao caso que se deseja investigar;
• observância da cadeia de custódia1;
• exiba minúcias epidérmicas perenes suficientes
para uma individualização.
Em nossa discussão estamos abordando o último item.
Para ser objeto de comparação em um estudo de determinação de identidade, um fragmento deve ser considerado apto
pelo examinador. Seu grau de experiência e sua capacidade
de discernir a informação são determinantes na seleção desse
fragmento. Muitas vezes, esse profissional herda os critérios de
seleção que lhe foram incutidos ao longo de anos de prática e
de convivência com colegas que desenvolviam aquela tarefa
e nunca foram questionados. Os critérios devem contemplar
fatores como o grau de nitidez da imagem, o número de linhas papilares visíveis, a ausência de deltas2 ou do núcleo e a
avaliação do conjunto das minúcias, que discutiremos a seguir.
Por não considerar o conjunto desses critérios, não raramente
observamos o descarte de fragmentos papilares que, para outros
examinadores, teriam elementos técnicos suficientes para uma
individualização bem-sucedida.
3. Pontos Característicos e Minúcias
Toda a individualização passa por uma análise dos pontos
característicos, que são certos acidentes que se encontram nas
cristas papilares (KEHDY, 1968). Chamamos de minúcias todos
os detalhes contidos em uma impressão digital (figura 1).
Podem-se considerar minúcias:
• tipo fundamental;
• tendência e orientação das linhas;
• características das cristas (forma, contorno e
espessura);
• configuração do delta;
• linhas albodatilares (KEHDY, 1962);
• cicatrizes;
• poros (tipo, formato, tamanho e posição) (figura 2);
• os próprios pontos característicos.
Figura 2 – Detalhes dos diferentes formatos de cristas e tamanhos e formas de poros
Então, os agrupamentos de pontos característicos, as cicatrizes dérmicas, as configurações individuais e coletivas, regionais
e totais das linhas e suas interações e os diferentes graus de
frequência e ou raridade dos pontos característicos constituem
elementos de análise. Na interpretação de fragmentos, incluemse ainda a correta leitura das distorções impressas ao fragmento
por meio de excesso ou escassez de pressão do dedo sobre o
suporte primário ou por movimentação, seja circular, seja retilínea, seja curva, do dedo quando da criação do papilograma
e a mensuração de alguma eventual falha leve no processo de
levantamento daquele vestígio que lhe reduza qualidade.
Avaliando todos esses elementos já fica claro que, meramente, o número de pontos característicos, por si só, não se
constitui em fator exclusivo num estudo de determinação de
identidade. Porém, todos os cientistas que apresentam teorias
matemáticas, baseadas em probabilidades, que tentam determinar um número mínimo necessário para uma individualização,
têm seus estudos baseados, exclusivamente, no número de
pontos característicos, desprezando todos os demais elementos
individualizadores disponíveis em uma impressão digital.
4. O Confronto Papiloscópico
O confronto de impressões papilares é a direta observação,
lado a lado, de minúcias papilares em duas impressões para
determinar se as mesmas estão em concordância, baseado em
similaridade, sequência e relação espacial (SWGFAST, 2006).
Todo confronto papiloscópico é realizado entre papilogramas que são impressões digitais que apresentam campos de
observação suficientes para que sejam examinados seus elementos classificadores (ARAÚJO & MORAIS, 2007).
A comparação se dá entre:
– impressão padrão – é a impressão de origem certa, de
autoria conhecida, cuja identidade não está sendo objeto de questionamento. Serve de base de comparação
com a impressão questionada (quando da confecção de
uma carteira de identidade, por exemplo) (ARAÚJO,
2007).
– impressão questionada – é a impressão de autoria desconhecida, cuja identidade se pretende estabelecer. Ex.:
impressões levantadas em locais de crime, impressões
58
apostas em documentos em que seja suscitada dúvida
quanto à identidade do autor (ARAÚJO, 2007).
Geralmente, na impressão questionada, por motivos
óbvios, são escassos os pontos característicos e se detectam
distorções das mais diversas, além de sujeira, cortes gravados
pelo relevo da superfície de que foi extraído e, ainda, interferências variadas.
Fica clara a importância de manter profissionais qualificados na tarefa de obtenção de padrões para que eles tenham
a qualidade necessária, já que tal procedimento tem relação
direta com o resultado do confronto. Ao especialista que
realiza o confronto, salvo raros casos em que se faça possível
uma nova coleta de padrões (quando um suspeito está sob
custódia, por exemplo), cabe utilizar o material que lhe seja
apresentado.
5. A Regra dos 12 Pontos
Mesmo aqueles que, dentro das ciências forenses, não
pertencem ao domínio de conhecimento da disciplina de
Papiloscopia, conhecem a regra dos 12 pontos. Sabe-se que é
necessário, no mínimo, 12 pontos para podermos fazer uma
afirmativa de identidade. Diz-se que existe convenção internacional a respeito ou que os tribunais exigem os 12 pontos em
um laudo papiloscópico. Não é verdade. Mesmo após extensivos
estudos, ninguém sabe ao certo a origem dessa determinação.
Há diversas especulações.
A chamada “regra dos 12 pontos” (12 Point Rule) é possível
que tenha sido determinada em função de superar as 11 medidas
utilizadas por Bertillon para realizar uma identificação (KINGSTON & KIRK, s/d). As próprias 11 medidas de Bertillon
são de razão desconhecida.
É em 1914 que, pela primeira vez, surge um documento
referindo essa regra. Edmond Locard, francês, considerado pai
da poroscopia, em 1914, publicou o artigo La Preuve Judiciaire
par les Empreintes Digitales em Lyon, onde apresentou sua teoria
que ficaria conhecida como Teoria Tripartite:
1. Se mais de 12 pontos característicos estão presentes e a digital está clara, então a certeza de
identidade é indubitável.
2. Se 8 ou 12 pontos estão envolvidos, então o caso
está no limite e a certeza de identidade dependerá:
da qualidade da impressão digital; da raridade do
tipo em questão; da presença do núcleo e\ou
do delta da impressão; da presença de poros; da
perfeita e clara identidade em relação aos sulcos
e cristas, a direção das linhas e o valor do ângulo
nas bifurcações. Nestes casos, a certeza é obtida
somente após uma discussão por um ou mais
especialistas competentes e experientes;
3. Se um número limitado de pontos característicos
estão presentes, o fragmento de impressão digital
não pode fornecer certeza para a identificação,
mas apenas presunção proporcional ao número
de pontos característicos disponíveis e deles
identificados.
A primeira parte da teoria é que acabou ficando mais
conhecida. O interessante é que o texto se refere a “mais de 12
pontos” o que seria, no mínimo, 13. Já a segunda parte adianta
exatamente o que se propõe atualmente, ou seja, a avaliação
completa do conjunto de minúcias. Por fim, a terceira parte foi
a que acabou sendo abandonada. Na maioria das disciplinas da
prática de criminalística, opiniões qualificadas (opiniões de probalidade) são dadas como evidência. Isso não se aplica no caso
de individualização por impressões digitais. Há um consenso
na disciplina que a evidência apresentada deve ser uma opinião
de certeza e não algum grau de probabilidade.
Em seu artigo, Locard não deixa claro de que forma chegou a essas conclusões, desqualificando sua teoria como sendo
embasada cientificamente (KINGSTON & KIRK, s/d).
Porém, parece que sua teoria acabaria por determinar a
postura adotada pela maioria dos especialistas na primeira metade do século 20, tanto na Europa como nos Estados Unidos
e no Canadá (CHAMPOD et al., 2004).
6. A Determinação através do Fator de Probabilidade
Muitos estudiosos da matemática, ao longo da história,
tentaram apresentar, sem sucesso, uma solução estatística,
encontrando a probabilidade de duas impressões diferentes
se assemelharem em certo número de pontos. A divergência
entre os resultados dos estudos é a constatação da falta de uma
prova definitiva.
Francis Galton acreditava que a chance de uma mesma
impressão digital ser produzida por dedos diferentes é de 1 em
64 bilhões (GALTON, 1892). Já Balthazard sugeriu, em seus
cálculos, que a probabilidade seria de 1/4100, aproximadamente
1,606 x 1060, ou seja, um número absurdo (KINGSTON &
KIRK, s/d). Wentworth encontrou a probabilidade de 1,15 x1099.
Utilizar quaisquer desses cálculos como base para quantificar um número mínimo de pontos característicos para realizar
uma identificação positiva é um exercício de especulação, já que
nenhum é reconhecido como prova.
Para os que não resistem em tentar encontrar um número
que assegure, através da matemática, suas individualizações,
59
Tabela 1 – Probabilidade de pontos coincidentes em impressões de diferentes dedos
Figura 3 – Individualização realizada com 8 pontos característicos
pode-se propor uma teoria que seja plausível. Foi o que fez o Papiloscopista Policial Federal Clemil José de Araújo, do Instituto
Nacional de Identificação do Distrito Federal (ARAÚJO, 2003).
Seu artigo refere um exercício interessante, apresentado a seguir.
Usando a teoria matemática das probabilidades, podemos
definir que se um evento pode ocorrer de “a” formas e falhar
de “b” formas, sendo cada hipótese igualmente provável, a
probabilidade de ocorrência é de “a/a+b” e de não ocorrer é
de “b/a+b”. Podemos aplicar essa fórmula para a ocorrência
de pontos característicos nas cristas papilares.
Uma impressão pousada apresenta, em média, 50 linhas,
sendo cada uma delas, em média, com 35 pontos característicos
(CHATERJEE & HAGUE, 1988). Assim, a probabilidade de
ocorrência de um ponto característico numa correspondência
exata de local na impressão digital de outro dedo é de 1/1+49 ou
1/50 e de não ocorrer é de 49/1+49 ou de 49/50. Levando em
consideração 35 pontos característicos por linha, a probabilidade
de uma impressão apresentar coincidência de todos os pontos
característicos será de (1/50)35. Assim, 1 em cada 5.035 dedos
tem a chance de ter todos os pontos característicos coincidentes.
Sob o mesmo raciocínio, a probabilidade da ocorrência
de um único ponto característico em impressões de diferentes
dedos, em exata correspondência, é de (1/50)1, de dois pontos
característicos é de (1/50)2, que é igual a 1 a cada 2.500, de três
pontos será de (1/50)3, ou 1 a cada 125.000 dedos tem a chance
de apresentar três pontos característicos coincidentes, o que é
equivalente a 6.250 pessoas, assumindo que cada uma possua
20 dedos, incluindo os das mãos e o dos pés. A continuação do
raciocínio nos leva aos números da Tabela 1.
Assim, podemos dizer que para encontrarmos sete pontos
característicos, teríamos que contar com pouco mais de 39 bilhões de pessoas, números muitas vezes maior que a população
mundial atual.
Não foi considerado o fato de alguns pontos serem mais
raros que outros, nem as possibilidades de variação de direção
e sentido de determinados pontos. Nem foi mencionado que
nenhuma linha papilar é igual à outra, pois os poros sudoríparos,
sua posição e formato, constituem elementos individualizadores
e são objetos de estudo da poroscopia.
7. A Convicção do Especialista
Mais recentemente, vem surgindo um entendimento
que privilegia o discernimento do especialista em detrimento
do estabelecimento de um número de pontos característicos
que, sendo atingidos, determinem uma identificação (Figuras
3, 4 e 5).
7.1 Resolução de 1973 da IAI
Em 1970, na ocorrência da 55ª Conferência Anual da Associação Internacional de Identificação (IAI), foi nomeada uma
comissão para realizar um estudo sobre o assunto. O resultado
do estudo foi apresentado em 1973, na 58ª Conferência, em 1
de agosto de 1973, na forma de Resolução:
A Associação Internacional de Identificação, reunida em
seu 58º Conferência Anual em Jackson, Wyoming, nesse
primeiro dia de agosto de 1973, baseado em estudo de três
anos de seu Comitê de Padronização, declara que não existe
base válida, até o presente momento, para exigir que um
número mínimo predeterminado de pontos característicos
devem estar presentes em duas impressões a fim de estabelecer um identificação positiva. A referência anterior a
pontos característicos aplica-se igualmente a impressões
digitais, impressões palmares, impressões plantares do
corpo humano. (Identification News, 1973)
7.2 Declaração de Ne´Urim
Em 1995, a Polícia Federal de Israel sediou o Simpósio
Internacional sobre Detecção e Identificação de Impressões
em Ne´Urim. Os participantes foram selecionados a partir
de 21 nações diferentes. O relatório final foi aprovado por
unanimidade e assinado, posteriormente, por 28 especialistas de 11 países: Austrália, Canadá, França, Hungria, Israel,
Países Baixos, Nova Zelândia, Suécia, Suíça, Reino Unido e
pelos Estados Unidos da América. Segue o trecho do texto
que contém a resolução:
60
Figura 4 – Impressão padrão
Não existe base científica para exigir que um número
mínimo predeterminado de características das cristas
papilares devam estar presentes em duas impressões a fim
de estabelecer uma identificação positiva. (Journal of Forensic
Identification, 1995)
Em países onde se estuda profundamente a Ciência Papiloscópica há mais de 100 anos, como Estados Unidos, Canadá
e Inglaterra, não se adota a exigência de número mínimo para
o processo de individualização de uma impressão, ficando de
acordo com as resoluções internacionais a respeito. Também
não possuem exigência mínima os Países Baixos, Reino Unido,
Austrália e Suíça.
7.3 Resolução de 2010 – IAI
Baseado nos avanços da ciência e da pesquisa científica, em
16 de julho do corrente ano, foi definido pela Associação Internacional de Identificação, na Conferência Educacional Anual
em Spokane, Washington, um conjunto de determinações que
revogam as resoluções de 1979 e de 1980. Dentre elas, temos:
Modelos matemáticos não podem ser utilizados como
únicos determinantes para concluir que as cristas papilares
possuem uma fonte comum. O uso de modelos matemáticos não isenta a responsabilidade do examinador por suas
opiniões de perito. (IAI Resolution, 2010)
Figura 5 – Impressão questionada, individualizada com 9 pontos com a impressão padrão
de pontos, seja ele qual for, bem como havendo um modelo
matemático vigente que estabeleça uma relação estatística entre
número de pontos característicos e repetibilidade de impressões
digitais, esse último, sozinho, não é o suficiente para respaldar
a opinião do perito. Nem o isenta da responsabilidade de produzir uma falsa individualização, atendendo a esse critério. É a
supremacia da convicção do especialista.
8. Conclusões
O objetivo desse trabalho é apresentar elementos para que
se discutam os critérios atualmente estabelecidos, questionando
os paradigmas da disciplina de Papiloscopia e deslocando o
especialista em impressões digitais de sua zona de conforto.
Não há justificativa para que, sem discussão, se permaneça
endossando procedimentos, técnicas e conceitos já descartados
por sociedades mais desenvolvidas em nossa área de atuação que
estudam profundamente nossa ciência há mais de um século.
No Brasil, já há diversas unidades da Federação que se
baseiam na convicção profissional do técnico especialista em
detrimento à superada e suposta necessidade de 12 pontos característicos para individualização de papilogramas. Esta postura
é a de instituições que são reconhecidas por serem referências
na área, dentre as quais figuram a Polícia Técnica Civil do Distrito Federal, a Polícia Técnica Civil do Estado de São Paulo e
a Polícia Técnica Federal.
Referências
Avançamos então para o outro extremo desse paradigma.
Não só não se pode invalidar uma individualização realizada
por especialista qualificado, independente de número mínimo
ARAÚJO, Álvaro Pasceres. Pequena Enciclopédia
Dactiloscópica. São Paulo: Tip. Do Departamento
61
de Investigações, 1949.
ARAÚJO, Clemil José de – A Matemáticas das
Impressões Digitais, Impressões - Brasília INI/DF,
[2003].
_________. Perícia Papiloscópica, Técnicas de Papiloscopia, Brasília, DF: Departamento de Políticas,
Programas e Projetos/SENASP/MJ, 2009.
ARAÚJO, Clemil José de; Morais, Jurema Aparecida
Pereira de. Técnicas de Papiloscopia. Brasília: SENASP/MJ, 2007.
CHAMPOD, Christophe; Lennard, Chirs; Margot,
Pierre; Stoilovic, Milutin - Fingerprints and Other
Ridge Skin Impressions - 2004.
CHATERJEE Salil Kumar e Richard V. Hague –
Finger Print or Dactiloscopy and Ridgeology – Índia,
1988 – pag 156 - 158.
COSTA, Nadiel Dias da. Nas Entranhas da Ciência
Papiloscópica Surge a Convicção do Especialista,
Pesquisa bibliográfica realizada pelo Perito Papiloscopista Nadiel Dias da Costa no período de 2002/2006.
Brasília, DF. DPETP – Seção de Laboratório / II /
DPT / PC / DF.
GALTON, Francis: “Finger Prints” Macnillan and
Co. London and New York, 1892. Cap. VII pg 110.
TUTHILL, Harold and GRAEME, George - Individualization: Principles and Procedures in Criminalistics, 2ª edition – 1994.
IAI Resolution - http://www.latent-prints.com/
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- acessado em 20/07/2010.
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- Committee of the International Association for
identification, 1973 – pag. 14.
Journal of Forensic Identification, Ne’Urim Declaration. The Official Publication of the International
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pag. 578-584.
KEHDY, Carlos. Elementos da Criminalística – 1968
– 1ª edição.
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Paulo: Serviço gráfico da Secretaria da Segurança
Pública, 1962;
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LOPES, M.; GABRIEL, M. M.; BARETA, G. M.
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OLIVEIRA, M. G., Ladeira, M., Araújo, M. E. C.
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Anais do I Congresso Internacional de Crimes Cibernéticos - ICCyber 2004. Brasília.
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Ridge Analisys, Study and Technology) – Quality
assurance guidelines for latent print examiners – em
http://www.swgfast.org/Resources/100716_IAI_
Resolution_2010-18.pdf. acessado em 20/07/2010.
SWGFAST – Quality Assurance Guidelines For Latent Print Examiners - 9/28/06 ver. 3.0.
Notas
1) Cadeia de custódia: é um processo usado para
manter e documentar a história cronológica da
evidência, para garantir a idoneidade e o rastreamento das evidências utilizadas em processos
judiciais (LOPES, GABRIEL e BARETA, 2006).
2) Delta: é um ponto de encontro dos três sistemas
de linhas (basilar, marginal e nuclear), formando
pequenos ângulos ou triângulos nas cristas papilares (ARAÚJO, 1949).
Autores
[a] Papiloscopista. Contato: darian-martins@igp.
rs.gov.br
[b] Papiloscopista. Contato: rafael-nascimento@igp.
rs.gov.br
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nº 4 - jan/2011 - Instituto Geral de Perícias