‘‘No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando
para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade’’.
Chico Mendes (1944-1988)
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
1
Realização
Rua Castelo Branco, 380, Centro
69500-000 – Carauari-AM
www.asproc.org.br
[email protected]
Fone/Fax: (97) 3491-1023
Diretoria Executiva | ASPROC 2010-2014
Presidente
Manuel da Cruz Cosme de Siqueira
Vice-presidente
Manoel Silva da Cunha
Secretários
Raimundo de Lima da Costa (Primeiro secretário)
Raimunda Rodrigues Alves (Segunda secretária)
Tesoureiros
Margarete de Paula Gondim (Primeira tesoureira)
Elson Pacheco da Silva (Segundo tesoureiro)
Conselho Fiscal
Marta Salvino Carneiro
Raimundo Francisco da Silva de Assis
Antônio Sales de Oliveira
Maria Dulcinéia de Souza Lima (Suplente)
Francisco Raimundo Marreiro Figueiredo (Suplente)
Raimundo Antônio Brito de Oliveira (Suplente)
Equipe Técnica do Comércio Ribeirinho
Antônio Adevaldo Dias
Coordenador Executivo do Comércio Ribeirinho
Ana Alice Oliveira de Britto
Coordenadora Administrativa
Cláudia Ohana Araújo da Silva
Coordenadora Pedagógica
José da Silva Gomes
Técnico de Planejamento da Produção
John Lenon Dias
Controlador do Fluxo de Mercadorias e Produção
Lídia Alves da Lima
Educadora Popular
Diretor Executivo: Epifânio Leão
Editor: Antonio Ximenes
Subeditora: Jamile Galvão
Projeto e Edição Visual: Rodrigo Medeiros
Finalização do Projeto Gráfico: Hugo Furtado
Revisão: Jesua Maia, Ivaneide Lima
Fotografia: Érico Xavier, Antonio Iaccovazo e ASPROC
Textos: Antônio Adevaldo Dias da Costa e
Ana Alice Oliveira de Britto
Cantineiros
Antônia do Livramento Carvalho da Costa (Toinha)
Antônia Pedrina Albuquerque da Costa (Pedrina)
Cícero da Silva Medeiros
Claudeci Lopes Mendonça (Claudio)
Edivan Soares Macedo (Edinho)
Edvam Gomes Gondim
Francisco Célio Freitas e Silva (Célio)
Francisco da Costa de Souza (Chia)
Gaspareno Rufino Pontes (Pelado)
Ivanete Marreira de Figueiredo (Vana)
José das Chagas Gondim (Zé Nezinho)
Keliane de Souza Figueiredo (Kelly)
Maria das Neves Serafim da Silva (Neves)
Manoel Lima da Cunha (Emanoel)
Quilvilene Figueiredo da Cunha
Raimunda Antônia Melo de Souza
Raimunda Brito de Oliveira (Mundoca)
Raimundo de Lima da Costa (Ferro)
Ronaldo da Silva Feitosa
Zenildo Brito de Oliveira (Pedunga)
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
3
Glossário de Termos
ADS – Agência de Desenvolvimento Sustentável (AM)
ASPROC – Associação dos Produtores Rurais de Carauari
CNS – Conselho Nacional das Populações Extrativistas
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CRCS – Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
FDB – Fundação Banco do Brasil
FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IDAM – Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MEB – Movimento de Educação de Base
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ONU – Organização das Nações Unidas
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PREME – Programa de Regionalização da Merenda Escolar
RDS – Reserva de Desenvolvimento Sustentável
RESEX – Reserva Extrativista
SEARP – Secretaria de Estado de Articulação de Políticas Públicas aos Movimentos Sociais e Populares (AM)
UNB – Universidade de Brasília
Índice
Apresentação ........................................................................................................................................................... 7
1. Associação dos Produtores Rurais de Carauari........................................................................................................ 8
1.1. Contexto Histórico e Criação ................................................................................................................... 8
Depoimento Sebastião Pinto de Souza – Primeiro Presidente da ASPROC ................................................ 10
1.2. Missão, Visão de Futuro e Valores da ASPROC ....................................................................................... 11
Depoimento Elson Pacheco da Silva – Ex-presidente da ASPROC............................................................. 12
1.3. Conquistas ........................................................................................................................................... 13
Depoimento Manuel Cosme Siqueira – Presidente da ASPROC ................................................................ 16
2. Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário ...................................................................................................... 17
2.1. Antecedentes Históricos ........................................................................................................................ 17
2.2. Conceito .............................................................................................................................................. 17
2.3. Justificativa ........................................................................................................................................... 18
2.4. Objetivos ............................................................................................................................................. 19
Depoimento Adevaldo Dias – Coordenador do Projeto CRCS .................................................................. 20
2.5. Público Atendido .................................................................................................................................. 21
2.6. Localização dos Polos de Comercialização ............................................................................................. 22
2.7. Gestão com Participação Comunitária e Fortalecimento Organizacional ............................................................. 24
2.7.1. Mecanismos de Monitoramento e Avaliação do Processo ............................................................. 24
2.7.2. O Passo a Passo de uma Proposta Inovadora ............................................................................... 25
Depoimento Francisco Flávio F. do Carmo – Ex-presidente da AMARU ........................................ 27
2.8. Ganhos Econômicos dos Beneficiados .................................................................................................. 28
2.9. Infraestrutura de Produção e Comercialização Utilizada .......................................................................... 29
Depoimento Jaime do Nascimento Feitoza – Ex-seringueiro e agricultor. .................................................. 31
2.10. Ganhos Ambientais ............................................................................................................................ 32
Depoimento Manoel Cunha – Vice-presidente da ASPROC................................................................... 34
2.11. Acesso às Políticas Públicas ................................................................................................................. 36
Depoimento Raimundo Viana da Cunha – Vereador do PT eleito por Carauari ....................................... 37
2.12. Volume de Comercialização ................................................................................................................ 38
2.13. Evolução do Capital de Giro ................................................................................................................ 39
2.14. Produção Local ................................................................................................................................... 40
Depoimento Antônia Suzy Barros de Lima PT/AM – Vice-prefeita do município de Carauari ................... 42
2.15. Capacitações e Eventos ....................................................................................................................... 43
Depoimento John Lenon Dias da Costa – Controlador do Fluxo de Mercadorias e Produção ................... 48
2.16. Prêmios Recebidos .............................................................................................................................. 49
2.17. Campeonato de Futebol Masculino e Feminino do Comércio Ribeirinho ................................................ 51
2.18. Parceiros ............................................................................................................................................. 53
2.19. Conclusão .......................................................................................................................................... 54
Apresentação
Esta publicação apresenta os resultados de parte da trajetória percorrida pela Associação dos Produtores Rurais de
Carauari – ASPROC, com ênfase na proposta e resultados
do Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário, iniciado
em 2009, na região do Médio Juruá, no município de Carauari, com a participação direta dos trabalhadores rurais,
extrativistas e ribeirinhos da região.
Quando a ASPROC foi criada, em 1991, o principal
desafio da organização era se manter em uma região dominada pelo sistema econômico de “patrões”, enraizado,
há décadas na região e nas vidas das famílias isoladas e
dispostas fisicamente às margens dos rios. E se manter não
significava apenas envolver novos comunitários em torno
de uma causa, o que já era muito difícil, mas principalmente ter direito a ter direitos, sendo o primeiro deles a
liberdade de escolhas.
A luta e a participação dos comunitários locais, como
sujeitos de sua história em espaços coletivos de discussões
e deliberativos, e em diversos, processos de formação e
interação, com atores e parceiros diversos fizeram significativa diferença no dia a dia dos trabalhadores ribeirinhos,
que, até então, só conheciam as injustiças sociais a eles
impostas como a única forma de sobreviver em uma região
esquecida e que jamais havia experimentado os direitos e
garantias fundamentais, constitucionalmente, garantidos.
Hoje, a ASPROC apresenta um modelo de sucesso
do comércio ribeirinho. Após um longo período de lutas,
adaptações e conquistas, o processo de comercialização
em implementação, denominado Comércio Ribeirinho da
Cidadania e Solidário é uma efetiva proposta de transformação
econômica, social e ambiental positiva reconhecida.
E, para compartilhar as ações e resultados do comercio ribeirinho – enriquecido com a história da ASPROC, as
parceiras estabelecidas e a participação direta dos comunitários – com a sociedade em geral, este material foi estruturado para mostrar, de forma clara e evidente, uma proposta
viável de geração de renda e exercício da cidadania em regiões distantes e isoladas pelos grandes rios amazônicos: o
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
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7
1. Associação dos Produtores
Rurais de Carauari
1.1. Contexto Histórico e Criação
Até os anos 1980, as famílias ribeirinhas do rio Juruá eram
dependentes, economicamente, de “patrões” e regatões que
ditavam e gerenciavam o sistema econômico na região.
Com a crescente utilização do látex e valorização do mesmo no mercado internacional, no século XIX, houve, em vários momentos, migrações de nordestinos para a região, que
aqui passaram a utilizar técnicas indígenas para a extração da
seiva, transformada, posteriormente, em borracha. Este negócio era altamente rentável para os “patrões” que além de co-
8
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
mercializarem um produto rentável, o obtinham por meio
da mão de obra semiescrava dos habitantes locais.
Os chamados “patrões” se intitulavam donos das terras
da região, e, sob este pressuposto, se investiam do direito
de dominar os recursos naturais, as quais as famílias necessitavam para sobreviver, e de controlar as necessidades
básicas das populações locais que tinham a alimentação,
a saúde e o transporte precários e dependentes de uma
política de troca injusta.
Diante dessa realidade reproduzida durante décadas, a
sociedade civil organizada, em especial a iniciativa da Igreja Católica, que, no Brasil, após duas décadas de repressão
estava ainda mais obstinada em levar informação aos mais
desfavorecidos socialmente, incorporou uma força de trabalho
para fazer um enfrentamento aos “patrões” da região do Médio Juruá. Foi assim que o Movimento de Educação de Base
(MEB), com o trabalho de educação popular, proporcionou
aos ribeirinhos, semiescravos daquele sistema, uma tomada de consciência da necessidade da organização social
para a formação e empoderamento de sujeitos aptos a integrarem um processo de transformação da realidade.
Neste contexto, foi criada, em 1991, a Associação dos
Produtores Rurais de Carauari – ASPROC pelos próprios
trabalhadores ribeirinhos, com o objetivo de organizar e
comercializar a produção da região, de modo a garantir
renda familiar e conservar os recursos naturais que os mantêm, em um município com problemas típicos dos municípios da Região Norte: isolados e esquecidos pelos poderes
públicos que deveriam promover uma mínima estrutura de
subsistência à população.
Carauari é um município localizado às margens do rio
Juruá – rio mais sinuoso do mundo, distante de Manaus,
em linha reta, 782 km e pelo rio 1540 km, com Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,599,
abaixo da média brasileira, que é de 0,730, e uma população de 25.774 habitantes (IBGE/Censo 2010).
No passado, esta realidade era bem pior, e foi assim
em meio a um cenário desfavorável socialmente, que a
ASPROC se consolidou. Ao longo destes 22 anos, a Associação tem contribuído significativamente com a conquista
de melhorias ambientais, econômicas e sociais pelas famílias que residem nesta região. Esta contribuição acontece
principalmente de duas formas: I – pautando discussões
para proposições e reivindicações de políticas e programas
de interesse da base, nas áreas social, econômica e ambiental, e II – executando ações e projetos definidos em
assembleias pelos moradores da região.
A ASPROC é hoje uma organização local que propõe
discussões em nível local, regional e nacional para as populações tradicionais locais, por meio de parcerias, e suscita
discussões pertinentes às políticas de educação, saúde, organização e comercialização da produção e infraestrutura
junto aos governos Municipal e Estadual para as comunidades ribeirinhas da região.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
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Depoimento
Sebastião Pinto de Souza
Primeiro Presidente da ASPROC
“Antes acordava às duas horas da manhã para trabalhar, retornando apenas às três da tarde. Trabalhava apenas
com a companhia de Deus e a constante pressão de ter que
produzir para poder alimentar minha família. Me considerava escravizado. Éramos obrigados a comprar as mercadorias do patrão e vender a produção para ele e, caso não
a vendêssemos, corríamos o risco de sermos expulsos da
terra onde morávamos. Dentro de minha casa tinha apenas
a rede na qual dormíamos, e, pelo preço que vendíamos a
mercadoria, não poderia ter mais que aquilo”.
Esse relato é do senhor Sebastião Pinto de Souza, de 58
anos, morador da Comunidade do Roque, eleito o primeiro
presidente da ASPROC, mas a realidade em que ele vivia foi
transformada pela união de pessoas que, não conformadas
pela forma que viviam, se mobilizaram e, em um esforço
coletivo, criaram aquela que é a mãe de muitos filhos, a
Associação dos Produtores Rurais de Carauari.
Seu Sebastião relata que, na época em que presidiu a
Associação, as dificuldades eram muitas: cumprir com os
pagamentos dos aluguéis da sede em Carauari, difícil acesso a outras organizações e dificuldade no transporte da
produção e dos produtos para as comunidades pela falta
de barco próprio.
Mas, hoje em dia, é com muita alegria que este trabalhador destaca as evoluções realizadas pela Associação.
“É muito bom poder olhar para as conquistas que a Associação obteve ao longo dos anos. Hoje temos uma sede
própria, um barco que comporta 40 toneladas, um capital
de giro de mais de R$ 600 mil, cantinas com mercadorias
que nunca pensávamos que teríamos como comprar, onde
só tínhamos acesso se comprássemos dos regatões e por
um preço de uma saca de farinha para duas latas de leite.
Hoje, vendemos uma saca de farinha para a ASPROC por
um valor correspondente a 18 latas de leite e, dentro de
nossas casas, temos freezer, televisão, máquina de lavar e
ninguém mais precisa dormir em rede, pois todos dormem
em cama, com a certeza do compromisso de que tudo que
produzirmos a ASPROC vai comprar a um preço justo pelo
suor que derramamos’’.
10
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
1.2. Missão, Visão de Futuro e
Valores da ASPROC
Como fruto do amadurecimento da ASPROC, no ano de 2009 foi definido e aprovado, em Assembleia Geral, o Planejamento Estratégico, que passou a orientar as ações da organização para os próximos anos e definiu, de forma participativa, a Missão, Visão e Valores da Associação, a saber:
MISSÃO
Organizar e representar os trabalhadores rurais na luta pela garantia dos direitos, viabilizando processos de organização e comercialização da produção solidária e sustentável, para a geração de renda e melhoria da qualidade de vida com
a conservação dos recursos ambientais.
VISÃO DE FUTURO
Ser referência em gestão, organização e comercialização da produção solidária e sustentável, com associados participando, estruturas suficientes e adequadas para cumprir sua missão e recursos ambientais utilizados racionalmente.
PRINCÍPIOS E VALORES
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Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
11
Depoimento
Elson Pacheco da Silva
Ex-presidente da ASPROC
“Hoje, não existe mais a obrigação de vender para o
patrão. A liberdade que conquistamos beneficiou todos os
ribeirinhos’’.
Liberdade essa que as novas gerações de filhos dos pioneiros da construção da ASPROC poderão usufruir, graças
à luta de pessoas como o Sr. Elson Pacheco que foi preso
e quase morto por acreditar em que estava lutando e construindo.
“Os patrões não gostavam de ver a forma como estávamos nos organizando, o meu, na época, chegou a contratar um índio que foi criado entre os brancos para me matar,
o mesmo desistiu e depois me contou. Outra vez fui preso
por 24 horas, por exigir do meu patrão os meus direitos
quando ele queria me expulsar da terra onde eu morava
com minha mulher”.
Foi durante a presidência do Sr. Elson Pacheco que o
novo modelo de comercialização foi iniciado, e ele ressalta
as melhorias que foram conquistadas para os ribeirinhos:
“As pessoas antes só sabiam trabalhar e obedecer ao patrão. Se você prestar atenção, hoje elas têm em suas casas,
que não são mais cobertas de palha, televisão, freezer, fogão a gás, não fazem mais açaí na mão porque têm máquina, e ninguém rema mais, todos têm um motor”.
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1.3. Conquistas
Ao longo dos últimos 22 anos, a Organização estabeleceu um processo de desenvolvimento, cravado de lutas e conquistas, em busca da melhoria da qualidade de vida das populações ribeirinhas do Médio Juruá com base na valorização
do ser humano, preservação do meio ambiente e fortalecimento da organização.
Não necessariamente na mesma proporção e ordem, as lutas e conquistas andam sempre juntas desde o princípio
da ASPROC, que, com a proposta de romper, coletivamente, com o sistema socioeconômico desigual estabelecido na
região, alcançou a liberdade de participar de forma justa das relações econômicas na região.
No passado e no presente, todas as conquistas da Associação consolidam a capacidade crescente da organização de
promover a mobilização social, estabelecer parcerias, gerenciar processos organizacionais, executar e monitorar ações e
atividades previstas e identificar oportunidades, que podem ser confirmados pelas conquistas descritas, a seguir:
CONSERVAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS
A ASPROC, desde a sua origem, sempre esteve atenta à
conservação dos recursos naturais locais, pois estes recursos são os principais meios de sobrevivência local. Dentre
os principais recursos destacam-se os lagos, protegidos
desde os anos 1980 por iniciativa da prelazia de Tefé, por
meio da conscientização dos moradores sobre a importância da preservação.
Além de coordenar os trabalhos, a Associação articulou parcerias para viabilizar as condições para que a
preservação dos lagos fosse realizada, diariamente, pelos
comunitários. Esta iniciativa impediu o saqueamento em
massa dos lagos por invasores, possibilitou a reprodução
das espécies e criou as condições mínimas necessárias
para o manejo dos lagos com a despesca de pirarucus e
tambaquis. A proteção de praias de desova de quelônios,
foi mais uma forma da ASPROC resistir contra a captura
desenfreada de quelônios no Médio Juruá e o consumo dos
ovos destas espécies. Um trabalho, que começou de forma
voluntária, ganhou credibilidade e recebeu o apoio do Programa das Nações Unidas (PNUD) em 2000. Prevalece, até
os dias de hoje, mantido por programa de governo, com
surpreendentes resultados.
Cada praia preservada no Médio Juruá pode ser considerada, em certos aspectos, como um santuário ecológico
cheio de vida, com uma diversidade de espécies de quelônios e aves que se reproduzem visivelmente a cada ano.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
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CRIAÇÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS
DE USO SUSTENTÁVEL
Foram criadas a Reserva Extrativista (Resex) do Médio
Juruá em 1997, a primeira desta categoria no Amazonas,
e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari, em
2005, que juntas totalizam mais de um milhão de hectares
de áreas protegidas para o uso sustentável dos ribeirinhos
do município de Carauari.
Estes dois grandes trunfos ambientais estabeleceram
um novo modelo de gestão dos recursos naturais da região
e uma nova ordem social com a abertura de novas perspectivas de investimentos e implementação de políticas
públicas.
Apesar dos muitos desafios a superar na gestão destes
espaços, são considerados uma das maiores conquistas da
luta dos ribeirinhos dessa região. Na tentativa de garantir
uma gestão mais democrática possível, com apoio do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a Associação coordenou,
em parceria com o IBAMA, o processo de instalação do
Conselho Deliberativo da RESEX.
MORADIA E FOMENTO À PRODUÇÃO
EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS
Reconhecimento dos moradores da Reserva Extrativista
(Resex) do Médio Juruá, como beneficiários dos Programas
de Reforma Agrária (primeiro reconhecimento no Brasil
dentro de Unidades de Conservação), proporcionando à
ASPROC, em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), investimentos para a
produção sustentável e a construção de moradias dignas
para os ribeirinhos. Já foram mais de 300 habitações construídas.
14
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
SANEAMENTO BÁSICO
Nos últimos cinco anos, a Associação vem implementando, com apoio da Petrobras e da UNB, em comunidades da Resex do Médio Juruá e RDS Uacari, uma das ações
mais eficientes de saúde já recebidas pelos ribeirinhos da
região. Trata-se de sistemas de saneamento básico, por
meio dos quais é garantida a instalação de mecanismos de
esgoto sanitário, a disposição de resíduos e abastecimento
de água potável, o gerenciamento do sistema e a promoção
de ações de acompanhamento parasitológico e educação
ambiental/sanitária nas comunidades. Este projeto, na primeira comunidade já avaliada, provou ser viável ao reduzir
significativamente doenças causadas por verminoses.
PROMOÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
O esforço da ASPROC em organizar os processos produtivos e de comercialização, por meio da dinamização
nos processos de comercialização da produção, da busca
e conquista de novos mercados para os produtos da agricultura familiar e extrativistas, do incentivo à diversificação
e ao aumento da produção com oferta de melhores preços
e infraestrutura – associados a outras conquistas sociais,
rompeu o subdesenvolvimento na região do Médio Juruá e
possibilita o aumento da renda familiar. Tais processos – os
consolidados e os em consolidação – têm levado comunidades ribeirinhas à autossustentabilidade e ao fortaleci-
mento dos princípios da autogestão e do uso sustentável
dos recursos naturais. A Implantação do Projeto Comércio
Ribeirinho da Cidadania e Solidário (CRCS) viabilizou a
garantia da comercialização da produção sustentável dos
ribeirinhos da região, sem que estes percam tempo e recursos no processo de comercialização, já que o CRSC garante
a comercialização nas próprias comunidades, com preço
de mercado, e oferece gêneros alimentícios básicos aos ribeirinhos no preço do comércio mais barato da sede do
município, distante até quatro dias das comunidades. Este
projeto dobrou o poder de compra dos ribeirinhos, historicamente explorados e marginalizados.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
15
Depoimento
Manuel Cosme Siqueira
Presidente da ASPROC
“O Comércio Ribeirinho representa para mim a melhoria da qualidade de vida das comunidades, e que luto
porque vejo como eram as comunidades sem as ações da
ASPROC e ao ver todas as melhorias alcançadas e projetos
implantados sinto forças para fazer ainda mais”. Manuel
Siqueira, presidente da ASPROC.
Manuel Siqueira era adolescente quando morava com a
família na Comunidade Gumo do Facão e viu o pai, senhor
Raimundo Siqueira, se tornar parte do conselho fiscal da
ASPROC e pôde, desde cedo, participar das lutas travadas
pela Associação em prol dos direitos dos ribeirinhos. No
ano de 2004, ocupou a função de tesoureiro e foi eleito por
duas vezes presidente da Associação nos anos de 2006 e
2010.
Manuel recorda: “fiquei muito feliz em saber que estava
ajudando a construir e a gerir a Associação, foi uma grande
experiência. O maior desafio como presidente é administrar
para a comunidade, fazer um trabalho eficiente para que
os associados tenham uma avaliação positiva do trabalho
desenvolvido, além de buscar o aumento da quantidade de
produtos comercializados nas cantinas e tornar o modelo
autossustentável’’.
A gestão de Manuel à frente da diretoria se encerra no
primeiro semestre deste de 2014. Ele deixa uma mensagem
para os associados e os que não conhecem o trabalho desenvolvido pela ASPROC:
“Se você analisar, a estrutura que a Associação conquistou é grandiosa, um sonho que se tornou real, o poder de
compra do ribeirinho foi dobrado. Os polos de comercialização, o prédio próprio em Carauari, as casas de farinha
higienizadas, o barco da Associação, o aumento no capital
de giro, tudo isso é dos associados e fruto do trabalho e
da dedicação deles. Peço que continuemos a valorizar a
organização e a acreditar que a ASPROC, com a ajuda dos
parceiros, fará ainda mais”.
16
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2. Comércio Ribeirinho da
Cidadania e Solidário
2.1. Antecedentes Históricos
Um dos principais e maiores problemas das comunidades isoladas da Amazônia está associado à falta de oportunidades para comercializar a produção sustentável das
comunidades ribeirinhas. Esta situação levava as famílias a
não produzir em excedentes para comercializar e fazia com
que as mesmas deixassem de consumir produtos importantes para uma vida saudável, pois não tinham condições
financeiras para adquiri-los.
A única oportunidade de venda era quando barcos dos
regatões entravam pelos rios e chegavam à região para comercializar produtos provenientes de atividades ambientalmente
não recomendáveis como a pesca predatória, a caça comercial
de animais silvestres, extração ilegal de madeira e captura de
quelônios. Pois estes produtos tinham mercado certo.
muito tempo longe do seu local de trabalho, na busca de
mercado.
Associados a esta impossibilidade de comercialização da
produção sustentável, viviam a: I – falta de planejamento da
QSPEVÎÍP ** o MJNJUBÎÍP OP HFSFODJBNFOUP EP QSPDFTTP EF
produçãoDPNVOJUÈSJB***oGBMUBEFFTUSVUVSBQBSBQSPEV[JSF
DPNFSDJBMJ[BSBQSPEVÎÍPMPDBM*7oSFTUSJÎÍPEPNFSDBEPMPDBM
QBSBDPNFSDJBMJ[BSPTQSPEVUPTEBSFHJÍP7oCBJYBRVBMJEBEF
EPTQSPEVUPTEBBHSJDVMUVSBGBNJMJBS7*oGSBHJMJEBEFOPTJTUFma de comunicação nas comunidades ribeirinhas.
Estes problemas foram identificados pelas comunidades. Em cada evento coletivo das comunidades eram discutidos, inclusive, formas de superá-los, mas só a partir do
ano de 2009 os próprios ribeirinhos encontraram a forma
mais eficaz de combatê-los.
2.2. Conceito
Comércio ribeirinho é o jeito próprio da ASPROC e dos
ribeirinhos do Médio Juruá de produzir, vender, comprar e
trocar o que precisam para viver, onde não existem mais
exploradores nem explorados, numa relação de cooperação, autogestão e de fortalecimento das comunidades.
Os regatões, ainda presentes na região, são pequenos
comerciantes que se deslocam em barcos regionais pelos
rios, vendendo mercadorias industrializadas por preços
exorbitantes, no mínimo duas vezes o valor vendido na
cidade, ou pela troca por recursos naturais. Ou seja, este
sistema de trocas injustas deixava as famílias em situação
de insegurança alimentar pela exploração a qual estavam
submetidas.
Nesta região, esse processo de exploração se agravava
em função do isolamento das comunidades ribeirinhas. A
distância entre o rural e o urbano, neste caso, chega a 52
horas de viagem de barco. Os custos de deslocamento da
produção inviabilizavam qualquer atividade econômica.
Além do alto custo de deslocamento, para escoar a produção até os centros urbanos, o ribeirinho tinha que ficar
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
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2.3. Justificativa
Diversos são os fatores que justificam a necessidade
da criação de um projeto como o Comércio Ribeirinho da
Cidadania e Solidário. Um dos principais motivos é a grande distância entre os trabalhadores rurais e um mercado
justo em potencial. No caso dos associados à ASPROC,
esta distância pode chegar a quatro dias de viagem até o
mercado consumidor mais próximo, a sede do município
de Carauari.
As longas viagens acabam gerando um alto custo de
deslocamento para que os ribeirinhos comercializem a produção deles. E, como os trabalhadores não possuem recursos para pagar o deslocamento, acabavam ficando reféns
dos regatões, que praticavam preços altos nas vendas do
leite, feijão, arroz etc., ou aceitavam como moeda de troca a produção dos ribeirinhos, sempre subavaliada. Se os
trabalhadores se recusassem a estabelecer a relação injusta
de negociação da produção, eram induzidos a venderem
produtos ilegais, mais valorizados no mercado. Assim, os
crimes ambientais se tornaram comuns na região.
Devido a essa realidade, as condições de comercialização dos ribeirinhos eram inviáveis. Apesar de já ter havido
tentativas anteriores, por parte da ASPROC, em estabelecer
um modelo de comercialização que modificasse esse cenário, a Associação não tinha condições de custear viagens
mensais, por isso as realizava com um grande intervalo
entre si.
Mediante a proposta de melhorar as condições de vida
das pessoas que residem nas comunidades ao longo do
Médio Juruá, de forma que não fosse necessário o deslocamento dos mesmos para a cidade, chegou-se ao atual modelo de comercialização vigente em Carauari: o Comércio
Ribeirinho da Cidadania e Solidário.
18
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2.4. Objetivos
O objetivo maior do Comércio Ribeirinho é viabilizar
oportunidades de geração de renda nas comunidades ribeirinhas de baixa renda, elevando os ganhos familiares e
promovendo a cidadania na região, através de processos de
organização, gestão e comercialização da produção sustentável. Para tal, o projeto deve ser capaz de:
t Comercializar, de forma coletiva, a produção das coNVOJEBEFTSJCFJSJOIBTQPSQSFÎPKVTUP
t (BSBOUJSBTFHVSBOÎBBMJNFOUBSEBTGBNÓMJBTSJCFJSJOIBT
t Capacitar os próprios ribeirinhos no processo de autogestão de processos produtivos e de comercialização
DPMFUJWB
t Agregar valor à produção sustentável das comunidades ribeirinhas, por meio da melhoria da qualidade dos
QSPEVUPT
t Viabilizar estruturas de produção e comercialização
DPMFUJWBTEPTQSPEVUPTTVTUFOUÈWFJTEBSFHJÍP
t Contribuir com a manutenção da cobertura vegetal e
SFEV[JSPEFTNBUBNFOUP
t Reduzir a pressão sobre os recursos naturais explorados de forma insustentável e ilegalmente, por meio do
GPNFOUPBQSPEVÎÜFTTVTUFOUÈWFJT
t Fortalecer o processo de organização comunitária dos
ribeirinhos.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
19
Depoimento
Adevaldo Dias
Coordenador do Projeto CRCS
“A participação vale a pena, vale a pena acreditar, o impossível não existe. Ao compararmos a situação que essas
populações viviam com a que vivem agora, vemos um salto
significativo e que mostra que a luta vale a pena. A qualidade de vida das pessoas pode melhorar a partir do momento
em que elas acreditarem que podem lutar por isso. Nunca
vou desistir de lutar, a luta vai até o fim da vida”, relata
Adevaldo Dias, pós-graduado em Gestão Ambiental, natural do antigo seringal Mari-Mari, atual comunidade São
Raimundo, no Médio Juruá e um dos pais do novo modelo
de comercialização posto em prática através do Comércio
Ribeirinho.
Conhecedor dos problemas e das dificuldades que afligem a vida dos seus conterrâneos, sempre atuou em movimentos que lutam em prol da melhoria da qualidade e na
busca de uma vida digna às populações que habitam as
comunidades ao longo do rio Juruá, seja pelo sentimento
de quem cresceu e viu de perto as dificuldades, ou pelo
compromisso de cargos que ocupa. A sua história é construída de passagens pelo MEB (Movimento de Educação de
Base da Igreja Católica), 1992-2003, onde buscava despertar nas pessoas a reflexão sobre o meio onde estavam inseridas, para que elas pudessem encontrar os problemas e as
DBVTBTFDPOTUSVJSVNBTPMVÎÍPQBSBTBJSEBRVFMBTJUVBÎÍP
pela coordenação do Centro Nacional de Populações Tradicionais ligado ao IBAMA e pela Secretaria de Articulação
de Políticas Públicas aos Movimentos Sociais e Populares
(SEARP) do Governo do Estado, em 2009, onde tinha a
responsabilidade de formular e ligar as organizações às políticas públicas.
Ainda na SEARP em 2009, na reunião da diretoria da
ASPROC, na gestão do Sr. Elson Pacheco, Adevaldo apresentou aos diretores e membros da Associação, um projeto
com uma nova formatação do modelo de comercialização,
os primeiros esboços do que um dia se tornaria o Comércio
Ribeirinho da Cidadania e Solidário. Com o projeto aprovado e viabilizado economicamente, Adevaldo recebeu a
proposta para trabalhar na Associação como coordenador
de projetos e capitalizador de recursos.
“Me sinto realizado em poder colaborar com o ambiente de onde vim, faço o que realmente gosto. Acredito nesse
projeto. Vendo os avanços que houve na vida dos ribeirinhos sinto muito orgulho e isso só me faz ter a certeza da
missão que tem que ser cumprida”.
20
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2.5. Público Atendido
Os principais beneficiados pelas ações do comércio ribeirinho moram em comunidades formadas exclusivamente por populações ribeirinhas (área rural), das margens do
rio Juruá, distantes até 52 horas de viagem de barco da
sede de municípios. Estas populações, na maioria descendentes de nordestinos, são denominadas tradicionais por
habitarem nesta região há mais de três gerações e terem
desenvolvido, com o passar do tempo e a mistura de culturas, um jeito próprio de viver.
Conforme dados oficiais (IBGE, 2010), a renda per capta dos beneficiados é, em média, R$ 92,00/mês, um sétimo
da média brasileira e um quinto do Amazonas.
São 55 comunidades que variam de 3 a 100 famílias
cada uma, tendo, em média, 5 pessoas. A educação segue o modelo multisseriado para os ensinos fundamental
e médio oferecido na modalidade à distância para metade
das comunidades que apresentam essa demanda. O atendimento à saúde na própria comunidade acontece, em média, uma vez por ano e, em caso de urgência, o paciente é
deslocado até a sede do município.
Nem todos os moradores desta região estão atualmente associados à ASPROC, mesmo assim, todos são beneficiados pelas ações do Comércio Ribeirinho da Cidadania
e Solidário.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
21
2.6. Localização dos Polos de
Comercialização
A experiência da ASPROC com o apoio no transporte e
comercialização da produção dos comunitários e os resultados obtidos, por meio do deslocamento de dois em dois
meses até as comunidades com a proposta de canalizar a
produção até o mercado consumidor, a fez construir um
novo modelo de comercialização, com a fixação de pontos
de atendimento aos moradores das comunidades ao longo
do rio. A partir desta proposta, deliberada em assembleia e
com apoio financeiro de parceiros e patrocinadores, foram
construídos 14 entrepostos de compra e venda, também
denominados cantinas, em localidades estrategicamente
escolhidas, mais o polo sede em Carauari, que recebe toda
a produção após as viagens de comercialização.
BAUANA 23H
SÃO RAIMUNDO 29H
Abrangência, localização
e distância dos polos em
horas/barco da Sede do
Município
SANTO ANTÔNIO 33H
MARACAJÁ 39H
BARREIRA
DO IDÓ 27H
CHUÉ 30H
BOA VISTA 43H
CACHOEIRA 46H
BOCA DO XERUÃ 52H
22
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
POLO SEDE / CARAUARI
NOVA ESPERANÇA 12H
NOVO HORIZONTE 11H
GOIABAL 9H
ROQUE 14H
Para a escolha dos locais de instalação dos entrepostos/
cantinas foram considerados os aspectos organizacionais
relevantes das comunidades e geográficos dos comunitários, como a participação ativa na Associação, o interesse
pelo projeto, a disposição em ajudar e a distância da comunidade em relação às comunidades vizinhas, já que a
área é extensa e a densidade demográfica baixa. O desafio
era fazer com que as 600 famílias espalhadas em, aproximadamente, 500 quilômetros de extensão, em mais de 50
comunidades, tivessem o mais próximo possível de si, um
polo de comercialização, considerando a inviabilidade de
colocar um polo em cada comunidade.
Cada entreposto mede cerca de 80 m², espaço este dividido entre o local para atender os ribeirinhos e para armazenar a
produção local e as mercadorias levadas até eles.
BOM JESUS 21H
Famílias
Atendidas
17
Pessoas
Beneficiadas
Comunidades
Atendidas
85
03
Novo Horizonte
Nova Esperança
Roque
44
229
03
32
160
01
62
322
01
5
6
Bom Jesus
Bauana
40
200
03
63
252
08
7
8
Barreira do Idó
31
155
02
São Raimundo
Chué
36
39
180
195
02
04
Santo Antônio
Maracajá
Boa Vista
35
35
175
175
03
06
55
275
06
Cachoeira
Boca do Xeruã
TOTAL
44
220
07
30
156
04
563
2779
55
Nº
1
2
3
4
9
10
11
12
13
14
Comunidade/Polo
Goiabal
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
23
2.7. Gestão com Participação
Comunitária e Fortalecimento
Organizacional
Uma das principais peculiaridade do Comércio Ribeirinho é que se trata de uma iniciativa das comunidades
ribeirinhas do Médio Juruá para si próprias, por meio de
uma organização civil, que há mais de vinte anos luta pela
melhoria da qualidade de vida da própria base.
Desde a concepção desta proposta, as comunidades
beneficiadas participam efetivamente desta iniciativa. Foi
em uma assembleia de moradores que os comunitários definiram as diretrizes para o funcionamento deste modelo de
comercialização solidária.
A superação dos desafios em prol da promoção de mecanismos eficazes de geração de renda, principalmente dos
desafios decorrentes das fragilidades inerentes ao processo
de comercialização da produção comunitária, era um desejo antigo das famílias ribeirinhas do Médio Juruá.
No entanto, não foi de uma hora para outra que se
chegou a este momento de maturidade e sucesso. Foram
inúmeras as vezes e por vários anos, em assembleias e reu-
2.7.1. Mecanismos de Monitoramento
e Avaliação do Processo
A metodologia de monitoramento e avaliação tem por finalidade garantir a participação dos comunitários neste processo, de forma a assegurar a geração de informações importantes e necessárias para auxiliar os gestores nas tomadas de
decisões para o sucesso desta iniciativa participativa. Entre os
principais mecanismos de monitoramento, destacam-se:
ASSEMBLEIA ANUAL COM TODOS
OS COMUNITÁRIOS
Uma vez por ano todos os participantes do projeto, que
são os moradores das comunidades ribeirinhas, são convidados a participar de uma assembleia geral. Neste evento, são
avaliados as diretrizes e resultados e redefinidas as regras de
funcionamento para o próximo ano.
ENCONTRO TRIMESTRAL COM
DIRETORES E EQUIPE TÉCNICA
A cada três meses, reúnem-se os diretores da ASPROC
com a equipe técnica do projeto e os cantineiros. Neste evento, são avaliados os processos e resultados do período em
questão e, a partir da interpretação dos dados da avaliação,
são projetadas as ações para o trimestre seguinte.
PESQUISAS DE SATISFAÇÃO
A cada seis meses é aplicado um questionário dirigido a
25% dos beneficiados do projeto, com o objetivo de monitorar e avaliar aspectos específicos ao funcionamento do Comércio Ribeirinho junto aos comunitários e subsidiar as decisões
dos diretores da organização.
PRESTAÇÃO DE CONTAS MENSAL
niões comunitárias, que a organização pautou discussões
voltadas para o estabelecimento de processos de organização, gestão e comercialização da produção sustentável.
É fácil perceber a participação dos comunitários em todas
as etapas do processo. Além de beneficiadas diretamente
pelas ações do projeto, as comunidades participam diretamente do planejamento e da execução das atividades e
também do processo de monitoramento sistemático do
projeto realizado pelos diretores da Associação, conforme
metodologia discutida e elaborada de forma participativa.
24
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
Uma vez por mês é realizada uma criteriosa prestação de
contas pelos administradores locais dos entrepostos, com o
objetivo de permitir o monitoramento e controle dos volumes
comercializados, dos estoques de mercadorias e produção, da forma de gestão em cada um deles e a identificação do resultado do
período. Os dados referentes à prestação de contas são repassados pelos cantineiro para a equipe técnica da sede, por meio
do sistema de radiofonia serem instalados em cada cantina.
Estes dados, após sistematizados por uma equipe na sede, são
apresentados e avaliados nos encontros trimestrais da diretoria e
utilizados no planejamento das próximas viagens de escoamento
e abastecimento dos entrepostos do Comércio Ribeirinho.
2.7.2. O Passo a Passo de uma
Proposta Inovadora
Pelo fato de ter sido idealizado pelos e para os próprios comunitários, coletivamente organizados, o Comércio Ribeirinho é concretizado por meio de um processo
de simples compreensão e fácil aplicabilidade, com custos reduzidos e impactos sociais positivos. É em meio ao
modo de vida tradicional que surgiu e se consolida esta
proposta de desenvolvimento inovadora capaz de reverter
problemas sociais, econômicos e ambientais próprios da
região do Médio Juruá.
Ainda na fase de concepção da proposta, foram considerados critérios geográficos, nível de organização comunitária e o número de famílias residentes na região do Médio
Juruá, de forma que o Comércio Ribeirinho fosse uma solução adequada para a geração de renda na região. Após discussões participativas e a avaliação da realidade, a ASPROC
identificou a área atendida em 14 sub-regiões e cada uma,
denominada de polo, recebeu a instalação necessária para
realizar as ações de comercialização propostas pelo Comércio Ribeirinho.
Cada um destes polos tem um entreposto, também
chamado de cantina de comercialização, que possui radiofonia, sistema de energia solar, computador e impressora sob
o gerenciamento de dois comunitários capacitados para desempenhar tal função. Chamados também de cantineiros,
estes comunitários são da mesma comunidade onde funciona
o polo gerenciado por eles, o que facilita o atendimento que
ocorre, normalmente, três vezes por semana.
Vale ressaltar que a escolha dos cantineiros de cada
polo é feita pelos moradores daquela sub-região que levam
em consideração alguns critérios, como o comprometimento e o envolvimento do comunitário com a organização, noções básicas de escrita, leitura e matemática.
A infraestrutura e o pessoal capacitado reduzem significativamente os riscos no processo de comercialização e
dão à equipe gestora maior segurança ao deflagrar, na sede
do município, os próximos passos, necessários para que a
estrutura estabelecida nos polos tenha utilidade e atenda
às demandas de comercialização dos moradores locais. Assim, são realizadas as seguintes atividades:
I
de preço no atacado em Manaus, o que possibilita à Associação optar pelo fornecedor que oferecer o preço mais barato no mercado. Após a compra da mercadoria, que pode
ocorrer em vários estabelecimentos, ela é enviada por balsa
até a sede do município de Carauari, trajeto que dura, em
média, 8 dias. Ao chegar no porto de Carauari, a mercadoria
é transferida para o barco da ASPROC que segue viagem por
um período de mais 12 dias para abastecer os 14 entrepostos.
II
VIAGENS DE ABASTECIMENTO DOS
ENTREPOSTOS E ESCOAMENTO
DA PRODUÇÃO
As viagens dentro do processo de comercialização,
acontecem a cada dois meses e têm o objetivo de visitar,
por um período de 12 dias, os 14 entrepostos para entregar
as mercadorias adquiridas em Manaus e receber a produção armazenada nas cantinas. Assim, o abastecimento dos
entrepostos e as orientações sobre eventuais dúvidas que
os cantineiros tenham ou tiveram para o fechamento das
prestações de contas ocorrem na subida do barco. Na descida, quando o barco já está vazio, é feito o embarque da
produção para ser levada à sede do município. Esse etapa
é concluída com a chegada do barco em Carauari, onde
a produção é desembarcada e entregue no polo sede. O
resultado da viagem é sistematizado em um relatório pela
equipe da viagem e entregue ao presidente da Associação.
COMPRAS DE
MERCADORIAS
A aquisição das mercadorias que irão abastecer cada
entreposto é feita com base na demanda mensal de cada
sub-região. Os itens e quantitativos correspondentes compõem uma lista de compras utilizada para fazer pesquisa
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
25
III
COMERCIALIZAÇÃO NOS
ENTREPOSTOS COMUNITÁRIOS
O atendimento nos entrepostos acontece três vezes
por semana. Nestes dias, acordados previamente entre os
beneficiados do polo, o entreposto fica à disposição do
ribeirinho que tanto pode adquirir as mercadorias trazidas
de Manaus como comercializar a própria produção classificada, medida, pesada, registrada e paga pelo cantineiro.
Com base no valor da produção apresentada no entreposto, o ribeirinho tem a opção de adquirir, na mesma hora,
mercadorias industrializadas, sem perder a viagem e muito
menos ter que ir até a cidade para fazer as compras. A produção comercializada pelos comunitários fica armazenada
no entreposto até ser transportada na próxima viagem do
barco.
IV
COMERCIALIZAÇÃO DA
PRODUÇÃO NO POLO SEDE
Agora que as etapas intermediárias do Comércio Ribeirinho foram realizadas e a produção está armazenada no
polo sede, é hora de comercializá-la no atacado e varejo, na
própria sede da Associação, denominada polo sede. Para
tal, é feito o registro da comercialização diária. A produção
não consumida pela sociedade local é oferecida em outros
mercados, principalmente os institucionais como o PAA,
PREME etc. O recurso da venda destes produtos transforma-se em capital da Associação para fazer a compra de
mercadoria em Manaus para a próxima viagem, e assim são
dados os próximos passos para a viagem de comercialização.
V
PRESTAÇÃO DE CONTAS DOS
ENTREPOSTOS COMUNITÁRIOS
É feita mensalmente, a fim de subsidiar as decisões
administrativas da Associação quanto à eficiência do gerenciamento financeiro do Comércio Ribeirinho. Estes
procedimentos compreendem desde a sistematização da
comercialização de cada comunitário e levantamento físico
do estoque, até o preenchimento de planilhas e o encaminhamento das informações ao polo sede, que pode ser
feito em meio físico ou pelo sistema de radiofonia instalado
no entreposto.
26
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
VI
PRESTAÇÃO DE CONTAS
MENSAL DO COMÉRCIO RIBEIRINHO
A prestação é composta pela sistematização do movimento financeiro de cada entreposto, incluindo o polo
sede. A partir deste procedimento, a ASPROC acompanha
o desenvolvimento e os avanços do Comércio Ribeirinho e
toma decisões necessárias para o aprimoramento do mesmo.
Depoimento
Francisco Flávio F. do Carmo
Ex-presidente da AMARU
(Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva
de Desenvolvimento Sustentável Uacari)
O investimento que os associados fizeram para que a
ASPROC pudesse colocar em prática o novo modelo de
comercialização através do Comércio Ribeirinho não foi só
com sua força de trabalho, mas também financeiro. Francisco Flávio, associado da ASPROC há dezesseis anos, era
o presidente da AMARU na época que a mesma doou R$
40 mil à Associação, além de também fazer parte do grupo
de 19 pessoas que usou o nome para realizar empréstimos
pessoais junto aos bancos, no valor de R$ 2 mil, para compor a outra parte do capital de giro inicial do projeto.
“O investimento de R$ 40 mil que a AMARU fez para
possibilitar com que a ASPROC compusesse o capital de
giro para dar início ao Comércio Ribeirinho, se deu por
acreditar na proposta apresentada e por saber que as mesmas pessoas que são atendidas pela AMARU seriam pelo
Comércio Ribeirinho, e que elas só teriam a ganhar. Sintome orgulhoso de ter feito o empréstimo em meu nome no
banco que a ASPROC pagou em um ano”, afirma Flávio.
Flávio, que atuou na ASPROC durante o ano de 2012
no projeto SANEAR, fala da importância das cantinas nas
comunidades: “O projeto começou com 30 itens básicos,
hoje ampliados para mais de 150, isso para que os ribeirinhos tivessem mais alternativas de compras e para que não
precisassem fazer um alto investimento para ir até a cidade
adquirir os produtos. É extremamente satisfatório ver a alegria deles ao receber no barco os novos itens na cantina’’.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
27
2.8. Ganhos Econômicos
dos Beneficiados
O mais impactante benefício é a oportunidade gerada a
mais de 500 famílias ribeirinhas, que hoje comercializam a
produção familiar no próprio local de trabalho. Os comunitários que antes se deslocavam até 52 horas de viagem,
com alto custo de combustível e perda de tempo para ir até
a cidade comercializar seus produtos, hoje estão, no máximo, a uma hora de um entreposto onde comercializam
a produção no preço de mercado e adquirem mercadorias
industrializadas no mesmo preço do supermercado mais
barato da sede do município.
A partir de uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e pela Secretaria de Estado de Articulação de Políticas Públicas aos
Movimentos Sociais e Populares (SEARP), em agosto de
2009, constatou-se que com a implantação do Comércio
Ribeirinho os comunitários dobraram o poder de compra.
Os mesmos produtos que antes eram adquiridos por R$
100,00 nos regatões, passaram a ser comprados com apenas R$ 51,00, por meio do Comércio Ribeirinho. Abaixo, a
tabela ilustra muito bem este fato.
Comparação de Preços dos Regatões
com o Comércio Ribeirinho Solidário
Nº
Descrição
Unid.
Regatão
(R$)
Diferença (%)
1
Açúcar
kg
2,60
1,70
53
2
Café
kg
23,00
13,00
77
3
Sal
kg
2,00
0,70
186
4
Sabão em barra
kg
4,50
2,40
88
5
Sabão em pó
cx
5,80
3,20
81
6
Leite em pó
pct
3,00
1,70
76
7
Leite em pó
lta
15,00
8,80
70
8
Bolacha
pct
5,00
2,00
150
9
Feijão
kg
7,50
2,90
159
10
Gasolina
lt
6,50
3,50
86
11
Diesel
lt
4,50
2,95
53
Total da Diferença em %
Fonte: CNS/SEARP, agosto de 2009
28
Comércio
Ribeirinho
Solidário (R$)
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
98
2.9. Infraestrutura de Produção e
Comercialização Utilizada
Viabilizar estruturas de produção e comercialização
coletiva é um dos objetivos do Comércio Ribeirinho para
incentivar a produção sustentável nas comunidades ribeirinhas, geralmente, desprovidas de infraestrutura e com
pouco acesso às tecnologias de produção.
A ASPROC entende que a aquisição de infraestrutura
e o aperfeiçoamento da mesma são um dos pilares para a
melhoria da qualidade da produção e, consequentemente,
do sucesso do Comércio Ribeirinho que coloca no mercado produtos de melhor qualidade e leva às comunidades maior potencial de transporte e atendimento aos
comunitários.
Nos últimos anos, aquisições importantes foram feitas
pela Associação, que as têm disponibilizado ao uso coletivo como meio de fortalecer os processos produtivos e de
comercialização gerenciados pelo Comércio Ribeirinho.
Institucionalmente, a ASPROC adquiriu uma nova
sede, com mais de 500 m², no Centro de Carauari. O que
permite à Associação um espaço próprio para acomodar a
equipe de trabalho, atender os associados, realizar reuniões
e armazenar a produção trazida nas viagens de comercialização. Essa sede representa uma conquista muito importante, pois no seu início, no ano de 1990, quando começava a se estruturar, a ASPROC foi despejada de um prédio
público que utilizava, pelo simples interesse do prefeito, a
época, em demoli-lo.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
29
Ainda na sede do município, a ASPROC dispõe de ferramentas necessárias para que a equipe realize as atividades diárias, como computadores, notebooks, impressora,
telefone, fax, datashow, mesas, cadeiras e armários.
Já os 14 entrepostos de comercialização receberam
igualmente uma estrutura suficiente para atender às demandas do Comércio Ribeirinho. Em cada polo é encontrado em funcionamento um notebook, um nobreak, uma
impressora, um sistema de radiofonia e um sistema de
energia solar gerada por painéis fotovoltaicos para manter
a comunicação periódica entre o entreposto e a sede, e o
funcionamento dos equipamentos de informática, além de
escrivaninha e cadeiras para atender o ribeirinho.
No que diz respeito à estrutura de transporte que faz
com que a produção chegue de forma segura e periódica à
sede, a ASPROC dispõe de dois barcos com capacidade de
juntos transportarem 60 toneladas, duas voadeiras e um
caminhão para o transporte da produção na área urbana da
cidade de Carauari.
Para o fortalecimento da estrutura de produção, foram
adquiridos mais quatro tablados de secagem de sementes,
instalados estrategicamente nas comunidades de Flores,
/PWB &TQFSBOÎB F -JCFSEBEF VNB FNQBDPUBEPSB FRVJQBda onde é feito o empacotamento da farinha que vem das
DPNVOJEBEFTDPNBNBSDB"4130$TFJTDBTBTEFGBSJOIB
higienizadas com 140 m² cada, um flutuante no porto de
Carauari com 96 m², onde são ancorados os barcos e voadeira e armazenada a produção dos entrepostos antes de
embarcarem pra Manaus.
Em pouco tempo, a produção da ASPROC não só aumentou em quantidade como também em qualidade necessária para a agregação imediata de valor na produção local, crescente na região atendida pelo Comércio Ribeirinho.
E isso só foi possível com a aquisição de uma estrutura previamente identificada para atender às demandas crescentes
do processo de produção e comercialização.
30
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
Depoimento
Jaime do Nascimento Feitoza
Ex-seringueiro e agricultor
Morador da Comunidade do Roque
A ASPROC, através do Comércio Ribeirinho, além de
oferecer produtos de primeira necessidade nos Polos de
Comercialização, também efetua a compra de vassouras,
cestos e remos, possibilitando aos ribeirinhos complementarem a renda.
Seu Jaime Feitoza de 68 anos, morador da Comunidade do Roque, criou oito filhos com o resultado do que
ganhava como seringueiro e agricultor. Hoje, aposentado,
aproveita o tempo livre para fazer remo, ofício esse que
aprendeu com o irmão há muitos anos.
“Nesses quase setenta anos, vi muitas coisas acontecerem nessa região. Vi essa comunidade nascer no meio
da mata, as dificuldades em comprarmos um quilo de açúcar dos regatões e a forma como trabalhávamos, sempre
dependentes do que era pago pela nossa produção pelos
patrões, e, hoje, temos as cantinas onde podemos comprar o que precisamos e ainda posso vender meus remos e
até uma farinha quando venho a fazer. Tudo que vejo hoje
conquistado me alegra’’, destaca seu Jaime.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
31
2.10. Ganhos Ambientais
Um grande ganho ambiental com à implantação do Comércio Ribeirinho foi a redução do desmatamento e da pressão sobre os recursos naturais, antes explorados de forma insustentável e ilegal, como a caça de animais silvestres, pesca
predatória, extração de madeira sem manejo etc. O Comércio
Ribeirinho não comercializa produtos que degradam o meio
ambiente, mas incentiva a produção sustentável e dá condições para práticas sustentáveis, como a proteção e manejo de
lagos, manejo de sementes oleaginosas e extração de látex
para a produção de borracha natural. O fato é que os ribeirinhos têm migrado das atividades predatórias ao meio ambiente para práticas produtivas sustentáveis.
Em 2011, duas comunidades iniciaram o manejo de lagos
para fins comerciais, principalmente do pirarucu devidamente licenciado pelo IBAMA. Em 2012, esse número aumentou
para oito comunidades, com tendência de crescer ainda mais
o número de comunidades envolvidas e o volume de peixes
manejados.
32
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
Neste período, 105 novas famílias incluídas na atividaEFQSPEVUJWBEFCPSSBDIBOBUVSBMGBNÓMJBTDBQBDJUBEBT
OPQSPDFTTPEFGBCSJDBÎÍPEFGBSJOIBEFCPBRVBMJEBEF
GBNÓMJBT DBQBDJUBEBT FN NBOFKP EF MBHPT QFTTPBT JOformadas sobre os processos de manejo florestal e as conEJÎÜFTQBSBSFBMJ[BÎÍPEFTUBBUJWJEBEFFDPNVOJUÈSJPT
capacitados no processo de manejo florestal, em parceria
com o IDAM.
Ainda se pode citar a proteção de dez lagos comunitários, com a finalidade de manejo, o monitoramento das
171 estradas de seringa, nas comunidades, e as 38,95
toneladas de pirarucu, manejadas por meio das licenças
expedidas pelo IBAMA-AM (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Amazonas). Contabilizando também a contagem de pirarucu em
58 lagos, totalizando 9.446 peixes que parte será despescada a partir de 2013.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
33
Depoimento
Manoel Cunha
Vice-presidente da ASPROC
“Sou grato ao trabalho da ASPROC junto às comunidades ribeirinhas. Se não fosse a coragem das lideranças em
enfrentar sem desistir do sonho e ideal, não teríamos hoje
a qualidade de vida como podemos desfrutar no Médio
Juruá, e ainda existiria a exploração por parte dos patrões’’.
Manoel Cunha, vice-presidente da ASPROC.
Nascido no seringal São Rumão, Manoel trabalhou até
os 35 anos com a extração de borracha e participa da diretoria da ASPROC desde 1999, quando foi presidente da
Associação, sendo eleito nos três últimos mandatos como
vice-presidente.
“Quando criamos a RESEX, o nosso conflito não era
por terra e nem por madeira, era pela pesca. Queríamos
terminar com a forma como as grandes empresas pesqueiras de Manaus e de Belém saqueavam todos os lagos da
região”, destaca Manoel.
A ASPROC trabalhou de forma concreta para que pudesse se tornar viável o que se tem hoje por manejo de
lagos e realizou um trabalho junto às comunidades para
que os lagos fossem manejados.
Em 2008, nasceu a ideia de gerar renda com o manejo,
em 2009 houve muita discussão, aprendizagem e contagem e, em 2010 e 2011, as primeiras comunidades a iniciarem o manejo de lagos foram: São Raimundo na RESEX
e Chibauazinho na RDS Uacari. De acordo com Manuel,
o Comércio Ribeirinho atuou em todas as áreas do Médio
Juruá, desde a organização social, produção, preservação
ambiental e pesca.
Com o apoio da ASPROC e dos parceiros, em 2011
foram retirados dos lagos manejados apenas pela comunidade do São Raimundo 168 pirarucus, sete toneladas, e em
2012, cerca de onze toneladas.
O objetivo desta experiência, ainda restrita a algumas
comunidades, é o de estimular a participação das outras
comunidades no processo de manejo e comercialização, o
que foi alcançado. Em 2012, além da participação do Chibauazinho também teve Morada Nova, Fortuna, Caroçal,
Nova Esperança e Roque, que apenas retirou o pirarucu
para alimentação. Atualmente, 90% das comunidades estão em processo de monitoramento para, no futuro, chegar
ao manejo.
34
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
BOAS PRÁTICAS DE MANEJO DA SERINGUEIRA E DE
PRODUÇÃO DE BORRACHA NATURAL NO MÉDIO JURUÁ-AM
1.
Extrair o látex apenas em seringueiras com 90 cm
de rodo.
2.
Cortar os cipós que atrapalham o desenvolvimento
das seringueiras.
3.
Usar, a cada ano, no máximo 50% da grossura da
seringueira para a extração do látex.
4.
Realizar raspagem na seringueira de forma leve, retirando apenas o lodo da madeira.
5.
Manter, sem uso, a metade da seringueira que foi
usada no ano anterior.
6.
Evitar a extração do látex em seringueiras com doenças nas folhas e/ou no caule.
7.
Dar intervalo de, pelo menos, dois dias para retornar a extrair látex na mesma estrada.
8.
Evitar os tipos de cortes conhecidos como cara de
gato” e “sustenido”.
9.
Deixar, no máximo, um centímetro de distância entre os riscos de cortes nas seringueiras.
10. Evitar
cortes profundos que ultrapassem toda a
espessura da casca da seringueira.
11. Utilizar uma caixa de coagular diferente e menor
que a caixa de prensar a borracha.
12. Cortar a borracha em pedaços pequenos, após coagular e antes de prensar, para secar melhor.
13. Deixar a borracha na prensa, com alta pressão, por
no mínimo, 12 horas.
14. Lavar bem a borracha depois de tirá-la da prensa.
15. Por a borracha para secar, pelo menos, 3 dias antes
de guardá-la ou amontoá-la.
16. Comercializar
a borracha apenas quando estiver
bem seca.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
35
2.11. Acesso às Políticas Públicas
Com o intuito de responder antigas demandas e reivindicações sociais dos trabalhadores rurais, o governo criou programas específicos que, aos poucos, foram incorporando as
especificidades da região. No caso dos moradores do Médio
Juruá, por exemplo, as demandas vão desde o acesso à saúde
e educação ao preço justo de produtos extrativistas.
Abaixo, programas vigentes que os ribeirinhos do Médio Juruá têm acessado por meio de intervenções feitas
pela ASPROC:
t Créditos de fomento à produção e à habitação
Dirigidos aos beneficiários dos Programas de Reforma
Agrária, executados via INCRA. 70% dos beneficiários
deste projeto se enquadram neste critério por estarem
em duas Unidades de Conservação de Uso Sustentável,
nas quais seus moradores são reconhecidos como beOFåDJÈSJPTEB3FGPSNB"HSÈSJB
t Subvenção Estadual da Borracha – Lei estadual que
concede R$ 1,00 por quilo de borracha produzido e comercializado. A região do Médio Juruá é onde está concentrado um dos maiores potenciais de borracha natural
da Amazônia. Esta política é implementada pela Agência
EF%FTFOWPMWJNFOUP4VTUFOUÈWFMEP"NB[POBT"%4
t Subvenção Municipal da Borracha – Lei municipal,
funciona igualmente à estadual, concede R$ 1,00 por
quilo de borracha produzido e comercializado. É impleNFOUBEBQFMB1SFGFJUVSB.VOJDJQBMEF$BSBVBSJ
t Política de Garantia de Preço Mínimo aos Produtos da Sociobiodiversidade – Implementada pela
CONAB. Nas comunidades do projeto, esta política já
beneficia, através desta prática, os produtores de borracha, e poderá se estender, em breve, para os extrativistas de açaí e óleos vegetais, pois a legislação garante preço
NÓOJNPBFTUFTQSPEVUPTEFHSBOEFQPUFODJBMOBSFHJÍP
t Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – Implantado pela Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB), este programa compra os produtos alimentícios dos produtores familiares e doa para entidades
sociais, escolas, pastorais, entre outros. É um importanUFNFSDBEPQBSBPTQSPEVUPTEPQÞCMJDPEFTUFQSPKFUP
36
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
t Programa de Regionalização da Merenda Escolar
(PREME) – Executado pela ADS, o programa compra 43
itens de produtos alimentícios para fornecer a alimentação
EBTFTDPMBTFTUBEVBJTFEB1SFGFJUVSBEF.BOBVT
t Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
Determina que, ao menos, 30% da alimentação escolar
deve ser adquirida de produtores da Agricultura Familiar.
Esta política tem sido outra oportunidade de comercializar a produção deste projeto por meio da Prefeitura de
.BOBVTFFTUÈFNEJTDVTTÍPOB1SFGFJUVSBEF$BSBVBSJ
t Isenção de ICMS à comercialização dos produtos
extrativistas – É um Decreto Estadual e mais um incentivo para a produção sustentável de produtos que a
SFHJÍPEPQSPKFUPUFNFNQPUFODJBM
t Planos de Gestão da RDS Uacari e da RESEX do
Médio Juruá – São duas unidades de conservação de uso
sustentável, onde 70% do público desse projeto estão situados. Estes planos permitem e incentivam a execução de
atividades de geração de renda nas comunidades.
Depoimento
Raimundo Viana da Cunha
Vereador do PT eleito por Carauari
Ele é conhecido na Câmara Municipal de Carauari como
o porta-voz dos movimentos sociais, das organizações de
base e um defensor ferrenho dos projetos desenvolvidos
pela ASPROC. Eleito vereador em 2008 e reeleito em 2012,
é fruto da mobilização dos próprios ribeirinhos em poderem ser representados junto ao poder legislativo local.
‘‘Nasci na Comunidade Mandioca, fui seringueiro e testemunha da forma como os moradores das comunidades
ao longo do rio Juruá viviam, participei de movimentos
de jovens na comunidade, assembleias e reuniões da ASPROC, vi e participei dessa luta para construir uma vida digna
para os ribeirinhos, e sinto-me bastante agradecido em poder,
hoje, representá-los na Câmara’’, conta o vereador.
Raimundo é autor do Projeto de Lei que cria a subvenção municipal da borracha, que paga o valor de R$ 0,70 por
quilo de borracha produzida e comercializada pelos seringueiros, e afirma: “Conseguimos a aprovação na Câmara
e o prefeito de Carauari sancionou tornando Lei e, em um
ano de vigência, o projeto estimulou a produção de borracha elevando de 14 toneladas em 2009 para 52 toneladas
no ano seguinte e a intenção do segundo mandato é elevar
o preço para R$ 1,00 a cada quilo. O projeto já foi alterado
e o prefeito já sancionou’’.
Na viagem de comercialização no mês de fevereiro/2013, se licenciou por 13 dias das suas funções na
Câmara para acompanhar o barco da ASPROC e, junto à
vice-prefeita, Suzy Barros, para fazer um levantamento para
apoiar a Associação na implantação de projetos, pagamento do Bolsa Família nas cantinas, através da instalação de
Correspondente da Caixa, projeto de moradia popular e da
então criada Secretaria do Interior e Desenvolvimento Rural.
Raimundo tem familiares que moram na Comunidade
do São Raimundo e fala da importância das cantinas para
os habitantes do local. “Vejo a alegria deles em poder comprar nas cantinas sem precisar ir a cidade ou serem obrigados a negociar com os regatões, vender o que produzem e
encomendar geladeira, motor, fogão, e pagar por isso um
preço justo”.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
37
2.12. Volume de Comercialização
O volume de comercialização é monitorado permanentemente pela Associação. Todas as informações e análises financeiras obtidas são utilizadas como argumentos
fundamentados na tomada de novas medidas pela equipe
gestora do projeto com a participação dos associados em
eventos coletivos. Esse monitoramento permite à ASPROC
visualizar, ano a ano, a evolução do índice de comercialização e, consequentemente, a identificar variantes que
podem influenciar no crescimento, ou não, deste índice.
Em 2012, por exemplo, houve uma queda no volume
de comercialização em decorrência da utilização da mão de
obra local na construção de obras na comunidade Bauana
e Campina e na abertura de picadas para instalação do Programa Luz para Todos, em 2011. O produtor teve menos
tempo para fazer plantio de roça a ser colhida na safra do
ano seguinte.
O acompanhamento constante é um dos procedimentos necessários para o sucesso dos procedimentos de gestão do projeto, pois a identificação de situações inesperadas e imprevisíveis no âmbito do Comércio Ribeirinho evita
gastos desnecessários e situações irreversíveis.
Volume de produtos comercializados anualmente pela ASPROC
R$ 1000.000
934.936
842.479
R$ 800.000
701.133
R$ 600.000
R$ 400.000
R$ 200.000
80.000
Média
até 2008
170.177
Ago-Dez*
2009
2010
2011
2012
*Início do Comércio Ribeirinho
38
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2.13. Evolução do Capital de Giro
O poder de compra do ribeirinho se multiplicou de
uma forma significante, melhorando a qualidade de vida
para os moradores do Médio Juruá, que passaram a ganhar
mais e pagar menos. Este fato é promovido pela política do
Comércio Ribeirinho que estabelece preços justos no processo de comercialização. O exemplo concreto do sucesso
desta prática de geração de renda é o crescimento do capital de giro que subsidia toda a logística, compra e venda
realizada no âmbito do Comércio Ribeirinho, que, a cada
dia, aumenta a capacidade de atendimento da ASPROC.
Evolução do Capital de Giro (R$)
R$ 700.000
654.979
R$ 600.000
R$ 500.000
493.351
457.318
R$ 400.000
366.059
306.182
R$ 300.000
R$ 200.000
196.371
R$ 100.000
112.126
dez/12
jun/12
dez/11
jun/11
dez/10
jun/10
dez/09
ago/09
80.000
(Em 2012 o capital foi para R$ 654 mil)
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
39
2.14. Produção Local
A principal atividade econômica ribeirinha do Médio
Juruá é agroextrativista, com ênfase no extrativismo vegetal
e na agricultura de subsistência de várzea e de terra firme.
O CRCS valoriza esta prática econômica de caráter sus-
40
tentável, ao incentivar ações de geração de renda de baixo
impacto ambiental e alto valor social. Veja abaixo produtos
comercializados na região:
Farinha
Borracha
Murumuru
Andiroba
Jerimum
Açaí
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Banana
Mel de Abelha
Melancia
Paneiro
Remo
Vassoura de Cipó Titica
Peixe Seco
Pirarucu Manejado
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41
Depoimento
Antônia Suzy Barros de Lima
Vice-prefeita do município de Carauari (PT/AM)
“O Comércio Ribeirinho é a concretização de um sonho, é sinônimo de dignidade, mais vida justa ao ribeirinho
que se tornou parte de um projeto de grandes proporções
que é a ASPROC, que assumiu a responsabilidade de construir meios para alcançar uma melhor qualidade de vida’’.
Vice-prefeita de Carauari, Suzy Barros.
A vice-prefeita do município de Carauari, Suzy Barros,
32, é formada em Ciências Políticas pela UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e professora concursada
licenciada do Estado. Iniciou sua história através de lutas
travadas pela liberdade dos povos ribeirinhos ao longo do
Médio Juruá, há treze anos, a partir da participação ativa
na equipe do MEB (Movimento de Educação de Base da
Igreja Católica), no qual esteve presente nas decisões que
possibilitaram ao Comércio Ribeirinho se tornar o que hoje
é uma alternativa de vida concreta para os comunitários.
No ano de 2006, trabalhando na Secretaria de Estado
e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, assumiu
a coordenação da RDS Uacari (Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari), no Médio Juruá, onde desenvolveu
ações próximas e em consonância com a ASPROC.
A parceria da prefeitura do município de Carauari com
a ASPROC proporcionou o investimento de recursos na
construção de três Polos de Comercialização no início do
projeto, em 2009.
A vice-prefeita destaca que o Comércio Ribeirinho abriu
um leque de oportunidades para as comunidades no Médio
Juruá, viabilizando alternativas econômicas e produtivas e
que a ASPROC é parceira do poder municipal no que tange
à melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos.
42
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2.15. Capacitações e Eventos
Com o intuito de formar a população ribeirinha em temáticas pertinentes à realidade local e construir, a partir da reflexão da própria realidade, planos de trabalho, monitoramentos e avaliações, foram realizados capacitações e eventos com
apoio e participação de diferentes parceiros do Comércio Ribeirinho. Estes momentos foram decisivos no fortalecimento
da ASPROC enquanto organização formada e gerida pela própria base e, consequentemente, na definição de propostas
participativas e transparentes.
Tais ações configuram-se como uma das estratégias de fortalecimento e concretização do Comércio Ribeirinho voltadas para a promoção contínua de capacitações e fóruns de debates para todos os associados de forma coletiva e restrita,
quando voltada para públicos específicos envolvidos no projeto, como lideranças, diretores, comunitários e gestores.
Veja algumas das capacitações e eventos que fizeram parte da agenda da ASPROC nos dois primeiros anos de implementação do CRCS:
Capacitação em Processo de Comercialização
Com o intuito de capacitar os administradores, também chamados de cantineiros, dos entrepostos de comercialização, e a equipe que atua no processo de comercialização, controle e gestão dos entrepostos, foram realizadas duas
oficinas de caráter sequencial com a participação de, em média, 32 pessoas.
Para facilitar aos gestores o uso dos equipamentos eletrônicos inseridos no processo com o apoio do CRCS e o conhecimento do Sistema de Gestão da Comercialização – SGC, as capacitações ocorreram no auditório da Secretaria Municipal
de Assistência Social – SEMAS, na sede do município de Carauari.
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
43
Reuniões com gestores do projeto CRCS
Realizadas trimestralmente, as reuniões contaram com a presença dos membros da diretoria da ASPROC, dos cantineiros e da coordenação do projeto CRCS, somando cerca de 40 pessoas.
O objetivo principal das reuniões era avaliar as ações da ASPROC, em especial as referentes à implementação do
Comércio Ribeirinho e planejar as ações para o trimestre seguinte.
/PTEPJTBOPTEPQSPKFUPGPSBNSFBMJ[BEBTTFUFSFVOJÜFT‹OB#BTFEB3%46BDBSJo$PNVOJEBEF#BVBOB‹OB$PNVOJEBEF4BOUP"OUÙOJPEP#SJUP$BSBVBSJ".‹OP"VEJUØSJP.VOJDJQBMEF$BSBVBSJ‹OB$PNVOJEBEF4ÍP3BJNVOEP$BSBVBSJ".‹OP$FOUSP.VMUJVTP$BSBVBSJ".‹OB$PNVOJEBEF4BOUP"OUÙOJPEP#SJUP$BSBVBSJ".‹OBTFEFEB"4130$
Capacitação em Boas Práticas de Fabricação de Farinha
O CRCS promoveu a formação de 225 comunitários em Boas Práticas de Fabricação de Farinha com o objetivo de capacitar
os participantes no processo de produção da farinha e garantir uma produção de boa qualidade, aceitável no mercado e produzida com base nos princípios de proteção ao meio ambiente.
As capacitações foram realizadas nas comunidades Pupuaí, Nova Esperança, Roque, Bauana, São Raimundo, Vila Ramalho
(Chué), Ouro Preto, Tabuleiro, Anaxiqui (São José) e Cachoeira.
44
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
Seminário de Manejo Florestal Comunitário
Para discutir os procedimentos e o papel de cada instituição envolvida no manejo comunitário, na região, foi realizado um
Seminário de Manejo Florestal Comunitário. Apesar do desafio imposto pela burocracia necessária para a realização do manejo,
este momento oportunizou subsídios às organizações locais para compreender como pode ser realizado, na prática, o manejo
florestal na região do Médio Juruá.
O seminário ocorreu na Base da RDS Uacari – Comunidade Bauana com a participação de 96 pessoas.
Encontro de Capacitação da Diretoria
Além das reuniões periódicas, a diretoria da ASPROC participou de encontros de capacitações referentes ao processo de
gestão do Comércio Ribeirinho, realizados na Comunidade Santo Antônio do Brito e no Centro Multiuso/Carauari-AM.
Os eventos contaram também com a participação dos cantineiros envolvidos diretamente na implementação do projeto
como administradores dos entrepostos de comercialização. Em média, 40 pessoas participaram de cada encontro.
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
45
Seminários de Manejo e Proteção de Lagos
O compromisso dos ribeirinhos do Médio Juruá com a proteção dos lagos da região criou a demanda de atividades de planejamento e formação comunitária em manejo dos lagos. Neste sentido, foram realizados dois seminários de Manejo e Proteção
de Lagos no Médio Juruá.
O primeiro, realizado na Base da RDS Uacari – Comunidade Bauana, teve a participação de 51 pessoas de comunidades
ribeirinhas com potencial para o manejo de pirarucu em 2012 e compromisso com o uso sustentável dos recursos.
Com uma discussão mais avançada sobre o manejo de lagos, o segundo seminário oportunizou debates e esclarecimentos referentes às normas e procedimentos técnicos sobre o manejo de lagos e, também, o planejamento do manejo de pirarucu para 2013.
Realizado no Auditório Municipal de Carauari, o segundo seminário contou com a presença de 58 pessoas, entre comunitários e
parceiros, todos comprometidos com a implementação de ações contínuas de proteção e manejo de lagos na região do Médio Juruá.
Capacitação em Monitoramento, Contagem e Manejo de Lagos
Em 2011, aconteceu a primeira experiência positiva na região de despesca em lagos de manejo de pirarucu. Na ocasião, 60
comunitários foram orientados quanto ao processo de contagem de pirarucu.
Em 2012, além da contagem, 174 comunitários da RDS Uacari e RESEX do Médio Juruá receberam capacitação sobre o
processo de monitoramento de manejo de lagos.
46
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
Encontro de Avaliação e Planejamento de Manejo de Lagos
Após o manejo de lagos, realizado em 2012 nos lagos do Médio Juruá, foi realizado um encontro para avaliar as ações
do manejo e planejar as próximas ações para 2013.
O evento aconteceu no Auditório Municipal de Carauari com a participação de 60 pessoas.
Seminários de Desenvolvimento Sustentável
O primeiro Seminário de Desenvolvimento Sustentável, realizado em 2011, na sede do município, com a participação
de 270 pessoas, entre comunitários e parceiros, promoveu a discussão de alternativas de desenvolvimento local sustentável e deliberou sobre assuntos, programa e projetos conduzidos pela ASPROC na região do Médio Juruá.
Já o segundo Seminário, realizado na comunidade São Raimundo, com a participação de 337 pessoas foi um momento de avaliação e divulgação dos resultados do Comércio Ribeirinho, discussão de alternativas de desenvolvimento local
sustentável e deliberação sobre as demais ações conduzidas pela ASPROC.
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Depoimento
John Lenon Dias da Costa
Controlador do Fluxo de Mercadorias e Produção
Para que a viagem de comercialização seja realizada
com sucesso e que todas as cantinas tenham a quantidade de produtos que necessitam, John Lenon, que trabalha
desde 2011 na ASPROC, completa a equipe realizando
com excelência a função de conferir e controlar o fluxo de
mercadorias e produção. “Tudo é muito bem organizado e
dividido, a quantidade e os produtos”, afirma Jhon.
Além de beneficiar os associados, o projeto Comércio
Ribeirinho gera empregos com a contratação de mão de
obra para realizar as viagens. John ressalta o quão importante é para ele o trabalho:
“Tenho parentes que moram ainda nas comunidades
atendidas pelo Comércio Ribeirinho. É através desse projeto que consigo ter uma renda fixa e me manter. É gratificante ver a alegria que os ribeirinhos têm ao receber as mercadorias, ajudando até a carregar a mercadoria do barco para
as cantinas. É claro que sempre almejamos crescer mais
profissionalmente, mas se eu puder continuar contribuindo
na história que a ASPROC está construindo em melhorar a
vida das pessoas, ficarei realizado”.
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Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2.16. Prêmios Recebidos
A concretização do Comércio Ribeirinho e os resultados positivos desta proposta inovadora e ousada deu à ASPROC, nos
últimos anos, maior visibilidade e reconhecimento pelos trabalhos iniciados ainda em 1991, quando a Associação foi criada.
Hoje, os moradores do Médio Juruá são, reconhecidamente, no cenário municipal, estadual e federal, exemplo de
como a organização social pode mudar a vida de comunidades isoladas, próprias da região amazônica. Confira as premiações já recebidas pela ASPROC:
Prêmio Fundação Banco do Brasil
de Tecnologia Social
A ASPROC inscreveu o Comércio Ribeirinho para participar do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia
Social que busca tecnologias sociais já aplicadas, implementadas em âmbito local, regional ou nacional, efetivas
na solução de questões relativas à alimentação, educação,
energia, habitação, meio ambiente, recursos hídricos, renda e saúde.
Após um criterioso processo de avaliação, a proposta
do Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário foi premiada, em 2011, compondo assim o Banco de Tecnologias
Sociais (BTS), da Fundação Banco do Brasil.
Prêmio ODM
(Objetivos de Desenvolvimento do Milênio)
A ASPROC, por meio da prática Comércio Ribeirinho
da Cidadania e Solidária, recebeu das mãos da presidenta
da República, Dilma Rousseff, o Prêmio ODM Brasil, pelo
reconhecimento do trabalho que faz para ajudar a acabar
com a fome e a miséria no mundo (objetivo 1 do ODM).
Foram 1.638 práticas inscritas e apenas 20 selecionadas.
O Prêmio ODM Brasil é uma iniciativa pioneira no mundo e foi criado em 2004 com a finalidade de incentivar
ações, programas e projetos que contribuem efetivamente
para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), estabelecidos pela ONU, em 2000.
O prêmio é coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República, em parceria com o Programa Nacional
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e com
o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade. A
coordenação técnica do Prêmio é de responsabilidade do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
49
Lideranças da ASPROC, em Brasília, com a presidenta
Dilma Rousseff na cerimônia de entrega do prêmio ODM
Mérito Ambiental da
Assembleia Legislativa
Mérito ao Desenvolvimento Sustentável
da Câmara de Vereadores de Carauari
A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, por
iniciativa do deputado Luiz Castro, prestou, em 2012, homenagem à Associação dos Produtores Rurais de Carauari
na passagem da Semana do Meio Ambiente, em reconhecimento a sua relevante contribuição para o racional e inteligente uso dos recursos disponibilizados pela natureza ao
povo do Amazonas.
Por iniciativa do vereador Raimundo Cunha, a Câmara
homenageou, em 2012, a ASPROC pelo reconhecimento local
do trabalho da Associação de Carauari por atuar em favor de
questões ambientais, sociais e econômicas importantes para
a geração de renda e, consequentemente, para o desenvolvimento do município.
50
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
2.17. Campeonato de Futebol Masculino e
Feminino Comércio Ribeirinho
Em 2012, a ASPROC organizou o Primeiro Campeonato de Futebol Masculino e Feminino Comércio Ribeirinho com
a participação de todos os 14 polos mais a sede, totalizando 30 times: 15 femininos e 15 masculinos.
Com o intuito de incentivar a participação de todos, vencedores até o terceiro lugar, das duas categorias, são premiados no campeonato. A proposta é que o torneio seja realizado uma vez por ano e que os jogos ocorram nas próprias
comunidades por ocasião de grandes eventos, como assembleias e seminários.
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
51
O objetivo dessa atividade é propiciar aos comunitários beneficiados pelo Comércio Ribeirinho e à equipe de trabalho
da ASPROC a oportunidade de participar de atividades lúdicas e de integração.
2.18. Parceiros
Um dos primeiros desafios enfrentados pela ASPROC foi o estabelecimento de parcerias. Apesar de surgir com o
apoio do Movimento de Educação de Base (MEB), a organização sabia que para dar passos largos em relação ao fortalecimento organizacional, não bastavam apenas a boa vontade e a mobilização da base, mas eram necessários parceiros de
organizações públicas e privadas que pudessem, de alguma forma, contribuir com o alcance dos objetivos da Associação.
Revestida deste entendimento e de um trabalho sério, comprometido com o desenvolvimento social, econômico e
ambiental, a Associação estabeleceu parcerias com órgão de assistência técnica, de implementação de políticas públicas e com
empresas privadas interessadas em produtos extrativistas, a saber:
Ministério do
Desenvolvimento Agrário
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Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
53
2.19. Conclusão
Há mais de duas décadas, a Associação dos Produtores
Rurais de Carauari (ASPROC) acompanha a história das
populações tradicionais do Médio Juruá e faz dessa história
a sua própria história. Conforme as informações e ilustrações contidas na presente publicação, não há dúvidas de
que a ASPROC se consolidou pautada nos desafios, conquistas e sonhos do povo ribeirinho, sempre como parceira
e confiante no poder da organização social.
E, apesar das dificuldades inerentes à realidade social
e econômica impostas às populações que vivem às margens dos rios na Amazônia, a compreensão da importância
da coletividade e da participação do homem e da mulher,
como sujeitos aptos a reescreverem a sua própria história,
foi o que fez a força e a diferença na superação de muitos
desafios nesta região.
O atual momento, marcado pela consolidação do Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário é, certamente,
mais um dos desafios da ASPROC enquanto idealizadora
e gestora de um processo que respeita a vida simples do
ribeirinho e promove, de um jeito bem próprio, a comercialização sem depender de qualquer forma de interferência de
práticas econômicas desiguais e exploradoras, mas voltada
para a promoção contínua de atividades de cooperação,
autogestão e fortalecimento das comunidades.
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Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário
Geração de Renda com Sustentabilidade na Região do Médio Juruá
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Relatório Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário