UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
JAN MAGNO BOCK
ANÁLISE PERICIAL EM CARTÕES DE CRÉDITO
REFERENCIAL TEÓRICO
Ijuí
2010
1
JAN MAGNO BOCK
ANÁLISE PERICIAL EM CARTÕES DE CRÉDITO - UM
REFERENCIAL TEÓRICO
Monografia apresentada ao curso de Graduação de Economia
da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Economia.
Orientadora: Marlene K. Dal Ri
Ijuí
2010
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A Banca Examinadora abaixo-assinada aprova a Monografia:
ANÁLISE PERICIAL EM CARTÕES DE CRÉDITO
elaborada por
JAN MAGNO BOCK
como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Economia.
Ijuí (RS), 09 de junho de 2010
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
MSc. Marlene Köhler Dal Ri
Orientadora
_________________________________________
Prof.
Examinador Titular
3
AGRADECIMENTOS
À orientadora professora Marlene K. Dal Ri,
pelo incentivo, simpatia e presteza no auxílio às
atividades e discussões sobre o andamento e
normatização desta monografia de conclusão de
curso.
A todos os professores, pela dedicação e
entusiasmo demonstrados ao longo do curso.
À família, pela paciência em tolerar a
ausência, pelo apoio, carinho e amor proporcionados
ao longo dessa etapa e, acima de tudo, por terem
acredito em minha capacidade de enfrentar desafios
e superar adversidades.
E, finalmente, a Deus, pela oportunidade e
pelo privilégio que me foi dado em compartilhar esta
experiência, fruto dos ensinamentos obtidos ao
longo do curso e que me permitiram atentar para
temas, cuja relevância é inquestionável.
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RESUMO
O estudo em questão trata do aspecto jurídico do cartão de crédito emitido pelas
instituições financeiras no Brasil e os juros bancários praticados. A abordagem da questão
inicia-se com uma breve retrospectiva histórica, na qual se discorre sobre a origem e a criação
do cartão de crédito, análise da natureza jurídica dos juros bancários, bem como das teorias
que tratam dos efeitos do tema central dentro do quadro político-econômico atual. Trata ainda
dos princípios reguladores dos contratos sob a influência do ambiente político predominante.
Os novos institutos de controle de constitucionalidade trazidos a partir da promulgação da
atual Constituição são observados sob a ótica finalística, pretendendo solução de questão
controversa. Finalmente, apresenta desenvolvimento conclusivo sobre a questão-tema
principal, sintetizando as conclusões parciais formuladas durante o desenrolar dos estudos.
Palavras-chave: Cartão de Crédito. Juros Bancários. Perícia. Consumo.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8
1. REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................... 11
1.1 Cartão de crédito ............................................................................................................ 11
1.2 Perícia Econômica Financeira ........................................................................................ 13
1.3 Sociedade de consumo ................................................................................................... 14
1.4 Produto Interno Bruto..................................................................................................... 16
1.5 O Conceito e a Natureza dos Juros ................................................................................. 18
1.6 Regras contratuais do negócio ........................................................................................ 20
1.7 Sistema Financeiro ......................................................................................................... 22
1.8 Funcionamento do cartão de crédito ............................................................................... 24
1.9 Encargos, multas e juros................................................................................................. 28
2. METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................................... 32
2.1 Apresentação da Pesquisa............................................................................................... 32
2.2 Instrumentos de Coleta de Dados ................................................................................... 33
2.3 Caracterização da Região da Pesquisa de Campo............................................................ 34
3. ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................................................................... 35
3.1 Ação Revisional ............................................................................................................. 36
3.2 Práticas Abusivas ........................................................................................................... 37
3.3 A Ilegalidade da Cobrança ............................................................................................. 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 42
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 45
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LISTA DOS GRÁFICOS
GRÁFICO 1: EVOLUÇÃO DE CARTÕES E FATURAMENTO INDICADORES
ANUAIS 2000 A 2010
12
GRÁFICO 2: EVOLUÇÃO DE TRANSAÇÕES COM CARTÕES INDICADORES
ANUAIS 2000 a 2010
13
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LISTA DAS TABELAS
TABELA 1: HISTÓRICO DO CARTÃO DE CRÉDITO NA SUA ORIGEM
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TABELA 2: REVISIONAL DO CARTÃO DE CRÉDITO
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INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea tem como principal característica a cultura de consumo, a
partir da qual as pessoas associam felicidade e status com o ato de adquirir bens ou serviços.
O que possibilita o consumo de bens é o acesso ao crédito, disseminado no Brasil, nos últimos
anos, entre a população de baixa renda.
Se por um lado o acesso ao crédito viabiliza o consumo, por outro compromete a renda
de quem o toma, podendo conduzi-lo a uma situação de endividamento. O endividamento é
um reflexo da sociedade de consumo e caracteriza-se como um problema de ordem social e
não individual, que afeta consumidores e fornecedores em prol de um pequeno grupo de
fornecedores de crédito. No Brasil, esse fenômeno não tem, ainda, tratamento jurídico
específico.
O posicionamento da doutrina e dos Tribunais de Justiça, de alçada e do Superior
Tribunal de Justiça, quanto às controvérsias suscitadas sobre as cláusulas que geram excessiva
onerosidade, propiciou às pessoas físicas e jurídicas a possibilidade de ingressarem em juízo,
objetivando a revisão dos contratos em curso, bem como reaverem através da ação de
repetição de indébito o que pagaram indevidamente as instituições financeiras; na mesma
esteira, podem ser discutidas as questões que já se encontram na esfera judicial, mesmo na
posição de devedor. Cumpre ressaltar que a possibilidade do ajuizamento de ações, que
objetivam a readequação dos contratos, encontra guarida em vários diplomas legais.
Assim, o regime de capitalização mensal de juros abusivos é proibido, mesmo que no
âmago do contrato tenha sido acordado. A capitalização pode aparecer maquiada sob diversas
formas, sendo as mais usadas: o fator exponencial; a “Tabela Price”; o fator/coeficiente nos
contratos de leasing; o sistema SAC; os juros mensais em contas devedoras; as operações de
financiamento encadeadas e os indexadores unilaterais.
Infere-se, portanto, que as instituições financeiras ao formalizarem os diversos
contratos, cometeram lesão na “base contratual”, posto que não se possa auferir lucro com
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vantagem manifestamente desproporcional, se comparada com a prestação oposta, ou
exageradamente exorbitante, sob pena de caracterizar a lesão e desproporção quanto às
prestações envolvidas.
No caso dos cartões de crédito, nenhuma dúvida resta em ter a administradora
legitimidade em repassar aos seus titulares os juros incidentes sobre os financiamentos dos
saldos devedores. A questão que se coloca é o poder outorgado pelo usuário à administradora
para cobrar juros que os próprios bancos fixam de forma unilateral e abusiva para os cartões
de crédito.
A justificativa alegada pelas instituições financeiras para estabelecer a taxa de juros
em patamares que muitas vezes atingem o triplo da aplicada aos empréstimos pessoais é a do
risco diferenciado entre os contratos. Sucede que estamos lidando com relação de consumo,
em que o risco de empreendimento é inerente à atividade do fornecedor do serviço e não pode
ser transferido para o consumidor.
Ora, as instituições financeiras atuam no mercado financeiro, captando recursos dos
seus clientes e os emprestando aos consumidores dos seus serviços, visando aos lucros
decorrentes do spread resultante. Esses lucros, evidentemente, não podem ser exacerbados à
custa do consumidor, mediante o pagamento de taxa abusiva de juros, mas devem decorrer da
amplitude da rede que cada banco possui no mercado e da quantidade dos empréstimos que
faz.
À luz dessas considerações, nada explica ou justifica que a mesma mercadoria, objeto
dos serviços bancários, possa ter taxas de remuneração tão absurdamente diferenciadas em
relação ao universo indeterminado da clientela. Os que defendem a aplicação unilateral e sem
limite das taxas de juros para os empréstimos bancários tentam justificar que o mutuário
contrata livremente com os bancos, de forma que já sabe de sua onerosidade e, por isso, não
pode alegar sua abusividade.
Mais uma vez a questão comporta a invocação da natureza consumerista da relação e
os princípios da boa-fé objetiva. É indiscutível que os bancos são os que estabelecem as taxas
de juros dos cartões de crédito, e se o fazem em patamares tão elevados, sob o pretexto de
comportar tal modalidade de empréstimos um excessivo número de inadimplência,
evidentemente, está transferindo o risco do empreendimento para o mutuário.
O presente estudo justifica-se por ter como objetivo demonstrar, através do relato do
endividamento de pessoas físicas e/ou jurídicas com o cartão de crédito, cujas as dívidas
contraídas são motivadas principalmente pelo desemprego.
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A situação de endividamento é passível de reversão e até mesmo de proteção para que
isso não ocorra. O endividamento, principalmente com o cartão de crédito, vem preocupando
o país, pois o aumento constante das dívidas é surpreendente. Um dos motivadores desse
impacto na sociedade são as agressivas propagandas e o trabalho de marketing que as
facilitadoras de crédito vêm fazendo. Dentro do endividamento encadeado pelas pessoas
físicas, estas têm o Código de Defesa do Consumidor que dá plena base, assegurando o direito
dos consumidores na regulamentação da oferta e em favor do consumo e do direito de
arrependimento ou prazo de reflexão.
Não se pode duvidar de que os bancos, ao cadastrar seus clientes, têm pleno
conhecimento da capacidade financeira de cada um deles, das fontes de seus rendimentos e da
sua idoneidade nas relações comerciais e de consumo. Portanto, quando concedem
empréstimos, cheque especial ou aprovam emissão de cartões de crédito, as instituições
financeiras assumem o risco pela inadimplência e eventual falta de garantia do retorno do
investimento, inerente à sua atividade.
O que não podem e nem é lícito fazer é transferir esse risco para o universo dos
mutuários com a fixação de taxa de juros que ultrapassa os limites mínimos da razoabilidade.
Nesse aspecto, há de se ter como abusivos os juros praticados, cabendo realizar perícia, de
forma a impedir essa prática.
Em face da situação a cima descrita, formulou-se o seguinte problema para o estudo:
ao realizar uma revisão contratual de cartão de crédito, contestando a prática abusiva de juros,
cabe realizar perícia?
Partindo dessas premissas, a abordagem da questão inicia-se com uma breve
retrospectiva histórica, na qual discorre sobre a origem e a criação dos juros, análise de sua
natureza jurídica, bem como das teorias que tratam dos efeitos do tema central dentro do
quadro político-econômico atual. Os juros bancários são examinados em seus fatores
constitutivos, com também são abordados os princípios reguladores dos contratos sob a
influência do ambiente político predominante. No que tange à aplicação da norma
constitucional limitadora, apresenta e analisa os argumentos prós e contras apresentados na
doutrina.
11
1. - REFERENCIAL TEÓRICO
1.1 - CARTÃO DE CRÉDITO
O cartão de crédito é uma criação relativamente recente, tendo surgido no início do
século XX. A primeira idéia a se assemelhar com os atuais cartões de crédito foram os
“cartões de credenciamento” emitidos por alguns hotéis europeus, a partir de 1914, para
identificar seus bons clientes. Os fregueses habituais recebiam um cartão, que serviria como
sua identificação nas futuras hospedagens, e que garantiria vantagens como deixar débitos
pendentes para pagamento na próxima estada no hotel.
A partir de 1920, redes de postos de gasolina nos Estados Unidos, como a Texaco e a
Exxon, passaram a emitir cartões semelhantes. Mas só depois da II Guerra Mundial surgiram
os primeiros cartões de crédito propriamente ditos, tais como os que conhecemos hoje,
emitidos por uma empresa especialmente criada para este fim. Os bens não são adquiridos
junto à empresa emissora do cartão, mas em uma rede de empresas afiliadas a ela. A emissora
do cartão é mera intermediária, financiando as vendas feitas junto às afiliadas.
O primeiro cartão de crédito desse tipo foi o Diners Club, surgido em 1949.
Inicialmente restrito a uma rede de hotéis e restaurantes afiliados, o leque de opções logo se
estendeu a diversos tipos de empresas.
Em 1958, a American Express, originalmente uma agência de viagens, também criou
um cartão semelhante. A partir daí, começaram a surgir várias outras empresas com a mesma
finalidade. Em geral, a empresa emissora do cartão se associa a um banco ou outra instituição
financeira, responsável pelo financiamento do crédito aberto para os titulares dos cartões.
Hoje, a grande maioria dos cartões é emitida por empresas associadas a bancos, ou
pelos próprios bancos, que criaram empresas próprias de cartões de crédito. Existem ainda os
cartões emitidos por um banco ou por um grupo de bancos para uso do crédito bancário do
cliente, que não se enquadram no conceito estrito de cartão de crédito. Esse tipo de cartão se
utiliza do saldo em conta do corrente do cliente, e pode estar ou não vinculado ao uso do
“cheque especial”. O pioneiro nessa modalidade foi o Franklin Bank, dos Estados Unidos, em
1951.
O cartão de crédito adquiriu grande relevância no panorama jurídico-econômico, pelas
intrincadas relações jurídicas a que pode dar margem e pela sua grande frequencia de
utilização, o que demonstra a necessidade de seu estudo e regulamentação.
12
O cartão de crédito representa uma verdadeira revolução no comércio, pela enorme
expansão do crédito que possibilita. Além disso, incentiva a circulação da moeda e impulsiona
o comércio e o desenvolvimento econômico.
Diferentemente do cheque, o cartão não exige provisão de fundos. O financiamento é
facilitado e dispensa a necessidade de prévia habilitação do cliente perante uma instituição
financeira antes de cada compra.
Além das vantagens já citadas no gerenciamento de despesas e no parcelamento de
compras, possibilita saques de emergência e tem ampla aceitação no comércio, facilitando
inclusive compras no exterior.
O mercado de cartões e meios de pagamento começou 2010 dando sinais de que este
será um ano movimentado, com uma nova dinâmica competitiva. Empresas anunciaram
parcerias para iniciar na atividade de credenciamento e bancos devem investir em novos
produtos e serviços, entre outras perspectivas.
Os números já refletem as tendências deste novo cenário: o faturamento total do setor
aumentou em 22%, no comparativo entre janeiro de 2009 e o mesmo mês de 2010. Os cartões
de rede e loja tiveram o melhor desempenho, com aumento de 14%, ou 24 mil plásticos. Já os
cartões de débito tiveram variação de 7% (15,8 mil), e os de crédito registraram aumento de
9% (12 mil).
Dados da Abecs mostram que, em janeiro de 2010, os cartões de redes e lojas foram os
mais emitidos, com um aumento de 15% no faturamento na comparação com janeiro de 2009.
Essa é uma tendência que deve se consolidar cada vez mais. Hoje, há instrumentos mais
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eficazes de análise de crédito, melhores serviços, bem como uma gestão do relacionamento
com o cliente, de produtos e de fidelização específicas, que impulsionam o setor.
O cartão tornou-se uma ferramenta importante para o varejista, como instrumento de
relacionamento e de fidelização. Trata-se de uma plataforma de crédito, também por meio de
compras a prazo, crédito rotativo e outros serviços financeiros.
1.2 - PERÍCIA ECONÔMICA FINANCEIRA
A expressão Perícia advém do Latim: Peritia, que em seu sentido próprio significa
conhecimento, experiência. Fonseca, citando Alberto revela: “A partir do século XVII, criouse definitivamente a figura do perito como auxiliar da justiça, e ao perito extrajudicial,
permitindo assim a especialidade do trabalho judicial”.
O perito utiliza-se de técnicas, conhecimentos de ciências, da metodologia e práticas
profissionais para prestar serviços de qualidade. Para obter a qualidade, o economista deve
estar sempre se especializando, pois a conquista de serviços depende tanto do custo quanto da
qualidade dos serviços que são oferecidos. A qualidade dos serviços pode ser entendida não
só pela boa técnica, deve-se considerar, também, a necessidade e a satisfação do cliente, pois
a mesma vem quando o cliente perceber que o resultado do seu pedido ficou de acordo com o
esperado.
Em cenários de instabilidade econômica e de políticas macroeconômicas que resultam
em descontrole da taxa de inflação e juros, as empresas, assim como as pessoas, cada vez
mais percebem o real valor do dinheiro nas diversas transações realizadas nos diferentes tipos
de mercado do dinheiro. Ainda que as transações necessitem de contratos entre as partes para
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configurar a negociação, o perito econômico-financeiro exerce um papel de extrema
relevância e que tem, dentre vários objetivos, encontrar subsídios para responder aos órgãos
competentes se as negociações estão de acordo com os objetivos e desejos das partes.
A função do perito econômico-financeiro é atuar de maneira imparcial e elaborar seus
laudos de forma a facilitar a interpretação, o entendimento do conteúdo e com demonstrações
alusivas a todos os critérios e valores apresentados em seus trabalhos, atuando na esfera
judicial e extra-judicial, sempre considerando seu compromisso maior, que é o esclarecimento
da verdade.
1.3 - SOCIEDADE DE CONSUMO
O consumo tornou-se um ato natural e corrente na vida de todas as pessoas. Os
produtos necessários para a sobrevivência humana, que antes eram artesanais, agrícolas,
manufaturados ou obtidos pelo escambo, hoje são produzidos em série, aos milhares, nas
fábricas com baixo custo e alto preço final.
Em uma economia globalizada, o acesso irrestrito a todo tipo de produto fabricado
com alta tecnologia modifica a vida em sociedade e faz com que surjam novas necessidades
para os consumidores.
Para entender o endividamento, é preciso compreender a cultura de consumo da
contemporânea sociedade de consumo. Há diversos estudos doutrinários que tentam definir o
fenômeno denominado consumo, contudo, não há um consenso nem uma teoria conclusiva a
respeito.
A sociedade de consumo é, antes de tudo, uma realidade coletiva, em que os
indivíduos (fornecedores e consumidores) e os bens (produtos e serviços) são engolidos pela
massificação das relações econômicas: produção em massa, comercialização em massa. Nessa
relação massificada, os agentes não mais se conhecem como outrora, na sociedade pessoal,
pré-industrial. A sociedade de consumo do século XXI tem o “traço do anonimato”. Essa
sociedade também se caracteriza, segundo Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin,
“pela complexidade e variabilidade de seus bens, pelo papel essencial do marketing e do
crédito e pela velocidade de suas transações”.
Nas palavras do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo
Teixeira:
[...] se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece
a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem
maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações
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jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do
comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em
que? presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países,
sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no
forte mercado consumidor que representa o nosso País. O mercado consumidor, não
há como negar, vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por intensa e hábil
propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de
procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais,
e com relevo, a respeitabilidade da marca. (2000, p.296)
Nesse contexto, encontram-se os consumidores, anônimos, desprovidos de
informações, pressionados pela urgência vinculada às promoções e “bombardeados” pela
propaganda, que acabam lançando mão de crédito fácil, para se apropriar de bens que trazem
consigo os “prazeres emocionais” e o status social.
Sujeitos às duras regras de mercado, os consumidores se tornam indefesos diante de
um sistema complexo que os envolve na hora de adquirir produtos e serviços. O
endividamento pode ser uma consequencia do consumo de bens e serviços tornando-se
crônico quando compromete a renda do devedor como até superá-la a ponto de este já não ter
mais condições de quitar o débito.
As estratégias de marketing, conhecendo e estudando os desejos dos consumidores e a
situação econômica, investem no “poder de sedução”, que, no processo de eleição e seleção
efetuada pelos consumidores, tem o maior peso. Alguns autores chegam a afirmar que a
sedução, na pós-modernidade, é uma nova forma de exercício de poder, pois para tudo já é
necessário contar com a aquiescência e o consentimento do cidadão – cliente – consumidor,
cujo voto econômico ou monetário se solicita.
A publicidade, sem fronteiras, utiliza todos os meios para convencer os consumidores
a adquirirem determinado produto, trabalhando de forma exaustiva as ofertas, sempre
vendendo mais que um produto, mas subliminarmente, uma idéia, uma filosofia, um ideal ou
um status. Uma pessoa, ao comprar um produto ou contratar um serviço, normalmente,
desconhece a complexidade do ato que está praticando. A decisão pelo consumo passou por
diversos processos individuais e sociais que conduziram a esse desfecho. O consumidor
também ignora a natureza contratual, ainda que não-escrita, do ato praticado, suas causas,
consequencias e, especialmente, o reflexo social de sua escolha.
Nessa sociedade de consumo, até mesmo os serviços essenciais – antes patrocinados
pelo Poder Público – hoje estão nas mãos da iniciativa privada, prestados sob altas tarifas e
sem opções “populares” no que tange ao preço praticado.
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Como dito, o ato de adquirir produtos ou serviços é um fenômeno complexo, repleto
de nuanças jurídicas e significados políticos, sociais e culturais. Sendo assim, consumir não se
trata mais de um ato de liberdade, mas de uma adesão a contratos, condições, taxas e
encargos, cujo consumidor não tem escolha e, para viver dignamente, considerando o mínimo
para isso (água, luz, alimentação, vestuário e transporte), precisa lançar mão de crédito,
acabando por se endividar.
O endividamento, portanto, é uma “doença de consumo” que tem como causa o
complexo sistema mercadológico das atuais sociedades de consumo. E o remédio, por se
tratar de uma “doença social”, deve ser concedido pelo Estado, por meio de sua intervenção,
com o intuito de equilibrar as relações de consumo com base nos princípios constitucionais e
consumeristas.
1.4 - PRODUTO INTERNO BRUTO
O Produto Interno Bruto (PIB) representa a soma de todos os valores e serviços finais
produzidos numa determinada região, cidades, estado ou país, durante um determinado
período. Na macroeconomia, o PIB é um dos indicadores utilizados para calcular a atividade
econômica de uma região.
O PIB é uma medida de fluxo de produção por um determinado tempo, por isso, ele
não considera estoques de capital (economia), que em última instância são importantes
componentes determinantes dos fluxos de produção como, por exemplo, capital social, capital
humano, capital natural, etc.
O Produto Interno Bruto, segundo Froven, 1999, p.28, avaliado a preço de mercado:
[...] é determinado em um período de tempo calculado através da média de todos os
bens e serviços finais produzidos dentro do território nacional. O período de tempo
inclui somente a produção corrente de um ano, por exemplo, incluindo somente bens
e serviços produzidos nesse período. São considerados bens e serviços finais
somente aqueles produzidos na formação de outros bens. Como esses bens são
vendidos a preço de mercado, eles variam de preço. Se a população começasse há
trabalhar mais horas por dia, ganharia mais e o PIB aumentaria, e as pessoas
estariam melhores porque estariam ganhando mais.
Portanto, o PIB exclui as transações intermediárias, é medido a preço de mercado e
pode ser calculado sob três aspectos:
Na ótica da produção, o PIB corresponde à soma dos valores agregados líquidos dos
setores primários secundário e terciário da economia, mais os impostos indiretos, mais a
depreciação do capital, menos os subsídios governamentais.
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Na ótica da renda, é calculado a partir das remunerações pagas dentro do território
econômico de um país, sob a forma de salários, juros, aluguéis, lucros e royalties distribuídos;
somam-se a isso os lucros não distribuídos, os impostos indiretos e a depreciação do capital e,
finalmente, a subtração dos subsídios.
Na ótica do dispêndio, resulta da soma dos dispêndios em consumo das unidades
familiares e do governo, mais as variações de estoque, menos as importações de mercadorias
e serviços e mais as exportações. Sob essa ótica, o PIB é denominado Despesa Interna Bruta.
Através do PIB pode-se determinar o PIB per capita, o qual é obtido dividindo-se o
valor do PIB pela população. O PIB per capita não é uma medida de renda pessoal, porque no
PIB não é considerado o nível de desigualdade de renda de uma sociedade.
O PIB, embora seja um indicador linear, pode demonstrar o quanto cada indíviduo
receberia se a produção interna bruta fosse distribuída igualmente entre seus habitantes.
Com isso, a renda, que é a soma dos rendimentos pagos aos fatores de produção para
obter o produto num determinado período, está composto em aluguéis, lucros, salários, juros e
royalties. A Renda Nacional é a soma de todas as rendas recebidas pelos proprietários dos
fatores de produção utilizados no ano, ou seja, o custo de fatores, salários e ordenados, juros,
aluguéis, lucros e royalties, mais as transferências do Governo para o setor privado.
A riqueza de um país não está caracterizada pela quantidade de recursos minerais
existentes em seu subsolo, mas sim, pela capacidade que o país tem de gerar, continuamente,
um volume de produção crescente por pessoa, ou seja, per capita. Não há como gerar um
volume de produção sem uma correspondente geração de renda. À medida em que se aumenta
um nível de produção através de novos investimentos, aumenta-se também o nível de renda na
economia.
Na economia, ao se gerar um volume de produção, gera-se, em consequencia, uma
renda correspondente, que por sua vez transforma-se em capacidade de compra das pessoas.
Para aumentarmos a capacidade de compra da economia ou a demanda agregada, a economia
terá que, necessariamente, aumentar a produção para que haja um aumento da renda, portanto,
aumentando a demanda.
A melhoria da qualidade de vida das pessoas obtém-se através de um crescimento
contínuo da renda numa taxa maior de crescimento da população, ou seja, através da renda per
capita.
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1.5 - O CONCEITO E A NATUREZA DOS JUROS
O instituto dos juros, em tempo de globalização, deve ser analisado sob prismas
econômicos, políticos e jurídicos. Essas três áreas interagidas deveriam trazer a paz e a justiça
almejadas, evitando-se as infindáveis discussões.
A taxa de juros praticada em um país age como regulador do crescimento econômico,
da estabilidade ou da instabilidade desse crescimento, da inflação e das causas de
desemprego.
Uma vez que os economistas divergem sobre o grau de importância da taxa de juros
sobre as questões acima expostas, veremos os pontos mais importantes de duas visões
econômicas: neoclássica e keynesiana.
Na visão dos economistas neoclássicos, se o mercado de fundos de empréstimos for
deixado livre, a instabilidade é passageira. A oscilação das taxas de juros incentiva ora a
poupança, ora o investimento. O desemprego é voluntário, dependendo unicamente daqueles
que desistem de trabalhar porque o salário não cobre a desutilidade do trabalho ou o ócio
perdido.
A teoria geral de Keynes conferiu completude ao conceito econômico de juro,
apresentando-o como instrumento de políticas de desenvolvimento econômico com
manipulação da oferta monetária disponível.
A teoria keynesiana diz que não haverá igualdade entre poupança e investimento se o
mercado atuar livremente, devendo o Governo intervir para evitar que a instabilidade se
transforme em crise. Isso porque o poupador renuncia à liquidez não só pela rentabilidade
oferecida, mas devido à incerteza do retorno de seu investimento no mercado. Havendo mais
gente poupando que consumindo ou investindo na economia, haverá excesso de mercadoria,
que provocará suspensão ou redução na produção e, consequentemente, o desemprego. Na
hipótese oposta, isto é, quando há excesso de procura, ocorre a inflação, ou seja, aumento de
custos.
Na teoria keynesiana, a moeda e o crédito bancário são importantes para estimular a
atividade econômica. O investimento depende da rentabilidade esperada que deve ser superior
ao custo. Quanto menor a taxa de juros em concessão de crédito bancário, maior a
possibilidade de haver interessados em investir.
A ciência jurídica define juros como frutos civis produzidos pelo uso do dinheiro.
Juros constituem, pois, obrigações acessórias e decorrem de uma obrigação principal. Os
elementos obrigacionais dos juros, na qualidade de acessórios e fungíveis, são acrescidos da
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remuneração pelo consumo da coisa e cobertura do risco do credor na concessão do crédito,
que pode variar com maior ou menor segurança ao mutuário, conforme a situação dos
negócios.
A política une as duas ciências, economia e direito, para avaliar a taxa de juros como
incentivo ao capital estrangeiro, necessário a este país. Para atrair capitais e aumentar o saldo
positivo de reservas, o Governo pode manter as taxas de juros do país altas em relação às
taxas de juros do exterior.
Considerando que o investidor estrangeiro só optará em aplicar seu capital em um país
que tem uma dívida externa de curto prazo muito elevada, se estimulado por uma alta taxa de
juros, as atuais taxas de juros praticadas no Brasil estariam justificadas. Porém, o combate a
essa especulação financeira foi a razão demagógica que levou o constituinte a incluir a
matéria em tela no texto constitucional.
O objetivo precípuo do banco comercial é proporcionar o suprimento oportuno e
adequado dos recursos necessários para financiar, a curto e médio prazo, o comércio, a
indústria, as empresas prestadoras de serviços e as pessoas físicas. Para atender o seu objetivo,
o banco comercial pode: descontar títulos; realizar operações de abertura de crédito, simples
ou em conta corrente; realizar operações especiais, inclusive de crédito rural, de câmbio e
comércio internacional; captar depósitos à vista e a prazo fixo; obter recursos junto a
instituições oficiais; obter recursos no exterior, para repasse; efetuar operações acessórias ou
de prestação de serviços, inclusive mediante convênio com outras instituições. A captação de
depósitos à vista, livremente movimentáveis, é atividade típica de banco comercial,
configurando-o como instituições financeiras monetárias.
Os bancos comerciais, ao emprestar, multiplicam a quantidade de moeda criada pelo
Banco Central do Brasil (BACEN), o que impede que as taxas de juros praticadas pelas
instituições financeiras sejam desvencilhadas da taxa de juros que o Governo oferece aos
investidores nacionais e estrangeiros. Essa taxa tem o objetivo de regular a oferta de dinheiro
no país e, por conseguinte, controlar a inflação, além de tentar atrair recursos internos e
externos para financiar investimentos no país e rolar a dívida do governo.
A taxa de juros praticada em um país age como regulador do crescimento econômico,
da estabilidade ou da instabilidade desse crescimento, da inflação e das causas de
desemprego. São os instrumentos econômicos os únicos capazes e necessários para fortalecer
o mercado abalado por crises internacionais.
Quando falamos em oferta de moeda, estamos nos referindo ao volume de papelmoeda em poder do público e aos depósitos à vista nos bancos comerciais. Outrora, quando a
20
moeda consistia basicamente em metais preciosos, como ouro ou prata, as pessoas que
detinham essas riquezas confiavam em uma instituição e ali depositavam suas reservas por
motivo de segurança em troca de um recibo de depósito. O estoque de moeda correspondia,
então, ao ouro monetário que as pessoas guardavam consigo e ao que depositavam nessas
instituições.
Com o passar do tempo, os recibos de depósitos passaram a circular e a serem usados
para efetuar pagamentos, assumindo a função de moeda. Os guardiões, sabendo que os
estoques não seriam demandados simultaneamente, passaram a emprestar partes desses
depósitos a terceiros, sob a forma de juros, propiciando-lhes ganhos extras.
O processo acima descrito é semelhante ao que ocorre nas instituições financeiras
hoje. O BACEN estipula um percentual sobre os valores recebidos em depósito pelos bancos
comerciais que será recolhido como a reserva (compulsório), permitindo que o excedente seja
emprestado, sob a forma de empréstimos bancários.
Os bancos, após o advento do Plano Real (1994) e o controle da inflação, passaram a
ganhar muito menos com o floating (ganhos com a inflação) passando a obter seus lucros com
o spread, que é a diferença entre as taxas pagas para capturar recursos e as cobradas nos
empréstimos.
Hoje, os spreads estão em patamares bastante elevados, mesmo concebendo que os
juros cobrados pelas instituições financeiras incluem, além dos juros básicos, a inadimplência,
os custos administrativos e operacionais, o lucro e também os impostos (IR, IOF, etc).
Considerando que o lucro médio dos bancos é de 18% do spread, determinadas
operações são mais dispendiosas, outras mais lucrativas. O custo administrativo é sempre
percentualmente maior quanto menor o montante da operação. De qualquer forma, a redução
dos juros ao tomador não depende de uma medida isolada.
1.6 - REGRAS CONTRATUAIS DO NEGÓCIO
O endividamento reflete, também, a falta de informação ou, ainda, de reflexão na hora
da aquisição, pelo consumidor, que acaba atendendo aos apelos publicitários e firmando
contratos de empréstimo, por impulso, sem observar as regras contratuais do negócio jurídico
que firmou, ainda que não escrito.
Os consumidores, muitas vezes, não percebem a gravidade dos compromissos que
estão assumindo. Na maioria das vezes, não lhes é oportunizada a leitura do contrato que rege
o empréstimo, e os folhetos explicativos apenas enfocam as “vantagens”, omitindo os juros e
21
encargos, por exemplo. Percebe-se, com isso, uma tentativa de doutrinação das pessoas ao
consumo.
Em consulta realizada com acadêmicos da Unijuí, com o objetivo de conhecer melhor
a dinâmica local das relações de consumo, a fim de dar início à ações comprometidas com as
necessidades
e
especificidades
dos
consumidores
locais.
Quanto
aos
contratos,
aproximadamente 15% dos entrevistados declararam que sempre lêem os contratos antes de
assinar, no entanto, aproximadamente 85% consideraram que os contratos não são fáceis de
entender.
Os contratos são importantíssimos para regular as relações de consumo, pois devem
expressar os direitos e obrigações das partes (consumidor e fornecedor), porém, de nada
adiantam se não forem acessíveis ao consumidor, ou seja, se não forem redigidos como
determina o Código de Defesa do Consumidor, de uma forma que permita sua compreensão.
Pelas declarações dos entrevistados podemos perceber que os contratos, em geral, não estão
cumprindo o seu papel já que a informação não é efetivamente assimilada pelo consumidor.
A publicidade, à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pode ser entendida
como toda informação difundida com o objetivo de promover a aquisição de um produto ou
prestação de um serviço.
A publicidade relacionada à concessão de crédito tem maior exigência no sentido de
prestar uma informação completa sobre a negociação. O contrato de crédito é uma espécie de
contrato pós-moderno, denominado pela doutrina como “cativo de longa duração”:
Trata-se de uma série de novos contratos ou relações contratuais que utilizam os
métodos de contratação de massa para fornecer serviços especiais no mercado, criando
relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores
organizados entre si e com uma característica determinante: a posição de “catividade” ou
“dependência” dos clientes, consumidores.
O consumidor, após firmar este tipo de contrato de serviços, passa a uma posição de
dependência e já não poderá desistir antes do prazo estipulado sem que sofra grave prejuízo
financeiro.
Deriva do princípio consumerista da boa fé objetiva o dever de informação. Quando se
trata de contratos de crédito regidos por instituições bancárias e afins, a esse dever se agrega a
obrigação de aconselhar, por parte do fornecedor, o consumidor que, leigo, deposita sua
confiança.
A obrigação de informar e aconselhar se baseiam na confiança necessária que o
consumidor deposita no profissional que detém os conhecimentos técnicos da operação de
22
crédito ofertada. Duas características marcam o correto cumprimento desses deveres anexos à
boa fé: a veracidade e a lealdade.
Se pelo dever de informação os fornecedores de crédito têm obrigação de comunicar a
taxa real anual dos juros, pelo dever de cooperação estão obrigados a certificar-se de que o
consumidor compreendeu o complexo cálculo que resultou na formação das parcelas e se está
adequado às condições financeiras do consumidor.
Descumprir esses deveres importa ferir o princípio da boa fé que norteia as relações
consumeristas no Brasil e, portanto, macula essa negociação, podendo ser tida como nula caso
submetida ao Poder Judiciário.
Nos contratos de crédito, por força do princípio da boa fé objetiva, através dos deveres
de informação e cooperação ou conselho, os fornecedores devem avaliar a condição
econômica do tomador de crédito e prescrever-lhe a melhor condição. Também devem se
manter comprometidos com o curso desse contrato, obrigando-se a readaptar as condições
caso for percebida alguma inadequação.
1.7 - SISTEMA FINANCEIRO
O sistema financeiro também é entendido em Keynes (Ano, p.) sob uma forma que se
opõe à teoria clássica. As conclusões dos autores clássicos (como David Ricardo) culminam
em um sistema entendido dentro da dinâmica dos fundos emprestáveis. O sistema financeiro
aparece como mero intermediador das intenções de agentes superavitários e deficitários
(níveis de poupança e investimento). Nessas condições, o nível de poupança e a taxa de juros
são determinados de maneira exógena ao sistema financeiro (dependem das variáveis reais
que determinam a taxa de juros). A única influência possível sobre essas variáveis estaria
ligada a ineficiências do sistema, que impedissem temporariamente o equilíbrio.
Nas teorias keynesiana e pós-keynesiana, atribui-se um caráter ativo ao complexo de
instituições financeiras; elas são entendidas como agentes que buscam maximizar seus lucros
e que influenciam tanto a captação de recursos como a liberação e restrição de crédito. A
compreensão keynesiana dos juros está integrada à concepção de sistema financeiro, como
elemento de coerência do modelo. Como a diferente concepção sobre os fenômenos de
poupança e investimento remove o potencial dessas variáveis para explicar a formação da taxa
de juros, a preferência pela liquidez tem que ocupar o vazio teórico então criado.
Keynes aplicou a sua teoria da preferência pela liquidez ao comportamento dos
bancos, e explicou o processo de decisão na composição de seus ativos. Os bancos têm à sua
23
disposição opções de aplicação que variam quanto aos graus de liquidez e rentabilidade (essas
duas variáveis apresentam um comportamento quase sempre inverso). O deslocamento de
uma posição de maior liquidez para uma de maior rentabilidade depende das expectativas do
banco sobre a evolução da economia. Em cenários otimistas, há maior busca de rentabilidade,
o que favorece a concessão de crédito para empresários, com prazos mais longos; em cenários
pessimistas, os bancos buscam segurança contra a incerteza, e aplicam em títulos do governo
e operações de curto prazo.
Evidencia-se que a maneira pela qual os bancos estruturam seu ativo não garante à
concessão de crédito a medida exata que a produção pode requerer e se rejeita a idéia de
comportamento puramente passivo dos bancos.
Hyman Philip Minsky (1919-1996) contribui para a análise das estratégias dos bancos
com a inclusão de uma nova decisão a ser tomada por essas instituições com a evolução do
sistema financeiro: a administração do seu passivo. Os bancos, principalmente após a década
de 1960, passaram a tentar influenciar o comportamento dos depositantes, para aumentar a
captação de recursos de modo a atender ao máximo as oportunidades de lucro permitidas
pelos ativos.
Outro aspecto a ser analisado para o entendimento das operações dos bancos é a
natureza dos recursos que eles colocam à disposição dos tomadores de crédito. A concepção
clássica é de que os bancos apenas tornariam disponíveis recursos captados anteriormente, por
depósito de poupanças. Entretanto, os keynesianos identificam a possibilidade de os bancos
promoverem depósitos apoiados apenas na criação de obrigações contra eles próprios, ou seja,
“promessas de entrega de meio circulante”. A emissão dessas “promessas” estaria limitada
somente à capacidade do banco de cumprir com as demandas diárias de retiradas de depósitos
(que normalmente representam apenas uma fração do total de depósitos operados pelo banco).
Essa última forma dá aos bancos a capacidade de criação endógena de moeda, essencial para a
compreensão do circuito de financiamento característico do atual estágio da economia
capitalista.
A teoria de origem keynesiana, ao identificar a criação de recursos antes da poupança,
reverte a causalidade entre poupança e investimento. Este passa a depender apenas da
disposição dos empresários a investir e da preferência pela liquidez do sistema bancário, pois
a oferta de moeda pode ser adequada a qualquer necessidade. A poupança atua apenas para a
distribuição da renda ao final do ciclo da produção.
Esse primeiro passo, para a viabilização financeira do investimento, é realizado na
forma de empréstimos de curto prazo para as empresas. O desafio seguinte que os investidores
24
encontram é compatibilizar a sua estrutura de endividamento com o período de maturação dos
seus investimentos.
1.8 - FUNCIONAMENTO DO CARTÃO DE CRÉDITO
O funcionamento do cartão de crédito pode ser explicado por meio de uma série de
contratos interligados materialmente entre si, embora formalmente separados.
A administradora emite, em favor de uma pessoa física (titular), um cartão de crédito,
pessoal e intransferível, que lhe permite pagar suas contas numa rede de estabelecimentos
afiliados, sendo que estes são reembolsados posteriormente pela administradora, descontada
uma porcentagem de remuneração, e a administradora cobra, em relação jurídica autônoma, as
dívidas ao titular, além de uma taxa anual.
A empresa administradora ocupa a posição central, como verdadeira intermediária nas
relações jurídicas oriundas do cartão de crédito. Em suma, há quatro contratos: o primeiro,
entre o titular do cartão e a administradora (fase 1); o segundo, entre esta e cada empresa
afiliada (fase 2); o terceiro, entre a administradora e a instituição bancária (fase 3) que
financia as vendas realizadas por meio do cartão; e um quarto contrato, entre o titular do
cartão e cada afiliada (fase 4) em que comprar ou locar serviços.
Este último contrato tem os caracteres do de compra e venda (ou do de locação de
serviços, se for o caso), porém com uma particularidade: se para a afiliada há a obrigação de
entregar a coisa, para o titular não há obrigação de entregar o preço, mas tão somente de
emissão de um título pro soluto contra a administradora. O titular não paga diretamente à
afiliada, quem a paga é a administradora. Por isso, não há propriamente uma compra e venda
a crédito a ser paga por um terceiro, mas uma promessa de fato de terceiro, pelo titular, em
vista de uma contraprestação a ser paga pela afiliada.
Vemos aí uma promessa de fato de terceiro, e não uma compra e venda com seu
sinalagma característico. A afiliada, normalmente, não tem qualquer ação contra o titular. O
25
titular se obriga a pagar perante a administradora. Só a esta cabe cobrá-lo em caso de
inadimplemento.
A administradora abre, em prol do titular do cartão, um crédito pessoal, até certo valor
limite, para ser utilizado na rede afiliada durante um mês. Ao fim do mês, o titular deve saldar
a parcela gasta deste crédito, e o crédito retorna ao valor limite.
Dessa forma, o pagamento efetivo pelo titular do cartão pode ser feito, dependendo do
caso, até 30 dias após a compra, sem juros. O titular pode optar também pelo crédito rotativo,
pagando apenas uma parcela do débito e financiando o restante com juros.
Trata-se, pois, de um característico contrato de “serviço de crédito”, tal como se refere
o art. 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90):
[...] serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Portanto, este contrato é
considerado relação de consumo, por força da lei.
É também um contrato de adesão típico, tal como descreve o Código de Defesa do
Consumidor (CDC), em seu art. 54:
[...] contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos
ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo, pois as cláusulas são impostas unilateralmente pela administradora, sem
que o titular possa influir substancialmente em seu conteúdo. Portanto, suas
cláusulas devem ser interpretadas restringindo-se o princípio da autonomia da
vontade, no sentido de reequilibrar a hipossuficiência do titular.
O contrato entre titular e administradora pode ser cancelado em várias situações, a
pedido de qualquer uma das partes. O titular pode pedir o cancelamento quando lhe aprouver;
a administradora, em caso de inadimplemento, ou caso seja ultrapassado o limite mensal de
crédito. O cartão deve ser cancelado também em caso de extravio ou de falsificação.
Nesta relação, a administradora recebe uma porcentagem de cada fatura emitida pela
afiliada, e esta lucra com o agenciamento de clientes. Muito se tem discutido na doutrina
acerca da natureza jurídica deste contrato. Para uns, é promessa de fato de terceiro; para
outros, estipulação em favor de terceiro. Alguns o veem como uma sub-rogação convencional,
outros ainda como uma comissão mercantil.
Os que o classificam como contratos de mandato, em nome do titular, se enganam,
pois a dívida paga pela administradora é própria, materialmente diferente daquela contraída
pelo titular junto à administradora. Prova disso é que suas condições de pagamento e até seu
valor podem ser diferentes dos originais.
26
Também não se trata de contrato de abertura de crédito, como outros erroneamente
dizem, mas sim, contrato entre titular e administradora e não entre esta e a afiliada. Fran
Martins diz que:
“[...] se trata de uma cessão de crédito, pelo qual a afiliada (cedente) transfere o
crédito à administradora (cessionário), independentemente de anuência do titular (cedido).”
Penalva Santos se opõe, apontando que:
[...] a causa do crédito da administradora é diferente do da afiliada. A causa do
crédito da administradora é a abertura de crédito em favor do titular; já a do crédito
da afiliada é a compra feita pelo titular cuja contraprestação é devida pela
administradora. Uma evidência de que as causas são formalmente diferentes é que
seus valores e forma de pagamento não são necessariamente os mesmos. (1996,
p.133-40)
Em posição semelhante, outros autores dizem ser o contrato uma assunção de dívida,
também chamada expromissão, em que o titular (devedor) transfere sua dívida à
administradora (expromitente) independentemente da anuência da afiliada (credor).
Ora, o que faz esta teoria, em relação à anterior, é apenas inverter o ponto de vista, se
acima fala de um crédito, aqui se fala de um débito. As mesmas críticas expostas acima valem
também neste caso.
Na verdade, a administradora paga uma dívida própria, assumida no contrato com o
titular, e não uma dívida cedida pela afiliada. A administradora não assume a posição do
titular, nem da afiliada, mas se submete a um regime peculiar, em virtude dos contratos
assumidos com titular e afiliadas.
A grande maioria das administradoras são empresas associadas à instituição financeira
ou mesmo criadas e mantidas por ela. Por isso, esse contrato se realiza, no mais das vezes,
através de meras transações internas da corporação financeira.
Há administradoras de cartões de crédito, tais como a Diners Club, que se mantêm
desvinculadas de um banco só, preferindo manter-se independentes.
Podemos dizer que se trata de um contrato pelo qual a afiliada entrega um bem ao
titular, que promete, em troca, adimplir suas obrigações para com a administradora, para que
esta pague o preço à afiliada.
Por outro lado, se a afiliada não entrega o bem, ou este é defeituoso, o titular deve
cobrar
diretamente
daquela.
Nos
contratos,
costuma
constar
uma
cláusula
de
irresponsabilidade da emissora pela qualidade, quantidade e preços dos bens. O documento
assinado pelo titular no momento da solicitação do cartão de crédito é apenas uma minuta do
contrato. O contrato completo, com todas as condições, fica registrado em um cartório de
27
registro de títulos e documentos, geralmente na cidade da sede da matriz da administradora,
sendo apenas referido nas últimas cláusulas do contrato de solicitação.
O art. 46 do Código de Defesa do Consumidor garante que:
“[...] os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores,
se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os
respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e
alcance.”
A orientação mais honesta seria que a administradora, espontaneamente, fornecesse
uma cópia do contrato registrado em cartório no momento da assinatura da solicitação do
cartão.
A declaração de ter recebido cópia do contrato registrado em cartório público, cujos
termos o embargante aceitou e ratifica, dispensa a assinatura no contrato padrão, onde estão
estabelecidas as condições de funcionamento do sistema, às quais fica sujeito o aderente. Na
prática, na maioria das vezes, o titular não tem acesso ao contrato completo, e, quando o
solicita, encontra severos óbices na sua obtenção.
Atualmente, as administradoras vêm cobrando juros reais nas taxas “de mercado”, de
até 12% ao mês. Eis o controvertido art. 192, §3º, da Constituição de 1988:
As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações
direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores
a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime
de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
Esclareça-se, desde já, que “juros reais” são aqueles que representam ganho efetivo, ou
seja, o que sobeja da mera correção monetária (denominação foi alterada para atualização
monetária). A correção monetária foi instituída no Brasil pelo artigo 185 da Lei 6.404/76.
Com as altas taxas de inflação e com a evolução das necessidades de informação, passou a
apresentar distorções, tendo falhas nas demonstrações de resultado e somente no ano de 2000
a denominação correção monetária foi alterada para atualização monetária pela resolução
CFC número 85/2000. A posição mais comum prega que o §3º do art. 192 da Constituição
Federal não é norma auto-aplicável, por se subordinar à exigência do caput, que prevê lei
complementar para reger o Sistema Financeiro Nacional. Assim se pronunciou, por maioria
apertada, o Supremo Tribunal Federal em uma ação direta de inconstitucionalidade relativa a
parecer normativo da Consultoria Geral da República:
Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do Sistema Financeiro
Nacional estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância
do que determinou no caput, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a
eficácia imediata e isolada do disposto em seu §3º, sobre taxa de juros reais, até
porque estes não foram conceituados.
28
Assim, as administradoras de cartões de crédito seriam autônomas para fixar os juros
que bem entendessem. Contudo, os juízes mais sintonizados com o espírito social da proteção
ao hipossuficiente e da sua missão de coibir abuso do poder econômico vêm se pronunciando
pela vedação da usura.
Vê-se claramente, da simples interpretação literal do citado §3º do art. 192, que o
preceito aí contido não é norma de eficácia contida ou restrita. O §3º carrega determinações
próprias, autônomas, não subordinadas à lei prevista no cabeço. O próprio José Afonso da
Silva, o “pai” da distinção entre normas de eficácia plena e as de eficácia contida e restrita,
tem se pronunciado reiteradamente pela auto-executoriedade do §3º:
Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal
autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar.
Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem
referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade
imediata.
Os juros limitam-se à 12% ao ano (CF/88, art. 192, parágrafo terceiro, que tem
eficácia plena e imediata), permitida a capitalização anual. A decisão se refere à vedação do
anatocismo, ou seja, a capitalização dos juros. Aplica-se, na espécie, o disposto no art. 4º da
velha Lei de Usura (Decreto 22626/33), ainda em vigor:
“É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de
juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.”
Crescem na doutrina as opiniões no sentido de que as administradoras de cartões de
crédito não possuem natureza de instituição financeira, e, por tal motivo, não se subordinam
ao mencionado art. 192 da Constituição Federal de 1988, mas sim às limitantes do Código
Civil e da Lei da Usura.
Contudo, há outro aspecto a considerar. Sendo nula a cláusula de mandato concedida
pelos clientes à administradora para a contratação de crédito junto às instituições financeiras,
consequentemente a operação de crédito fica limitada aos juros civis, pela natureza não
financeira da pessoa que necessariamente integra o polo ativo da relação.
1.9 - ENCARGOS, MULTAS E JUROS
Um dos aspectos mais polêmicos decorrentes da utilização do cartão de crédito, e com
certeza o de maior relevância para o mundo jurídico, é justamente a cobrança, pelo emissor,
29
de encargos, juros e multa contratual, incididos nas hipóteses de o associado não efetuar o
pagamento integral da dívida ou decidir optar pelo seu parcelamento.
Excelentíssimo Juiz de Direito do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. Pedro Luiz Pozza
aduz que:
[...] no Brasil, com o advento da Lei n. º 4595/94, que dispõe em seu art. 4º, inciso
IX, competir ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros e demais
encargos cobrados pelas instituições financeiras construiu-se orientação pretoriana
no sentido de que estariam essas, a partir de então, fora do alcance dos tentáculos do
art. 1º do Decreto n.º 22626/33 – chamada Lei de Usura – consolidando-se tal
posição na Súmula n.º 596 do STF, que assim prescreve: “as disposições do Decreto
n.º 22626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas
operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema
financeiro nacional”.
Destarte, em 06/10/88 foi aprovado o Parecer Normativo SR n.º 70, da Consultoria
Geral da República na qual:
[...] ficou estabelecido o entendimento oficial da Administração Pública Federal,
refletindo, em conseqüência, junto ao Banco Central do Brasil, autarquia reguladora,
disciplinadora e fiscalizadora das instituições financeiras – que de imediato expediu
circular no sentido de ainda vigoraram as normas anteriores à Constituição Federal
de 1988 – de que a disposição constitucional, limitadora da taxa de juros por elas
cobrada, não era autoaplicável, carecendo da edição de lei complementar, nos
termos do art. 192, caput, do novo texto constitucional”.
Portanto, é função do próprio Banco Central do Brasil autorizar, bem como
fiscalizar as instituições financeiras que emitem cartões de crédito, vez que apenas
estas é que podem conceder financiamentos nos casos em que há a opção do
associado em financiar o saldo devedor da fatura. Porém, esta atribuição não incide
nas empresas administradoras de cartões de crédito.
Antes mesmo da decisão unânime da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no
que tange à aplicabilidade da Lei n.º 8.078 de 1990 nas operações de crédito bancário,
tratarem-se de relações de consumo, já sustentava o advogado Leandro Cardoso Lages que:
[...] na maioria das vezes, o cliente não recebe uma cópia do aludido contrato, e
mesmo quando lhe é apresentado, ele se encontra eivado de cláusulas em desacordo
às normas estipuladas pelo Código de Defesa do Consumidor, de difícil
compreensão, e que não explicitam de forma clara como os juros são aplicados, já
que estes geralmente são capitalizados, caracterizando o anatocismo, isto é, a
cobrança de juros sobre juros, aplicando-se o fator compensatório várias vezes sobre
um único valor de forma que o montante inicial sofra uma excessiva onerosidade,
prática esta vedada pela Lei de Usura em seu art. 4º: “É proibido contar juros dos
juros, esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos
líquidos em conta corrente de ano a ano”.
Quanto a isso, já pregava o eminente Jurista José Afonso da Silva a respeito dos juros
limitados:
Está previsto no parágrafo terceiro do artigo 192 que as taxas de juros reais, nelas
incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente
referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano;
a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em
30
todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Esse dispositivo causou
muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade.
Todo parágrafo tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém
autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa.
Veja-se, por exemplo, o parágrafo primeiro do mesmo artigo 192. Ele disciplina o
assunto que consta dos incisos I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são
autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica
sujeita às limitações impostas no citado parágrafo. Se o texto em causa fosse inciso
de artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do
que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas tendo sido organizado num
parágrafo, com normatividade autônoma, sem ferir a qualquer previsão legal
ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. Juros reais os economistas e
financistas sabem que são aqueles que constituem valores efetivos, e se constituem
sobre toda desvalorização da moeda. Revela ganho efetivo e não simples modo de
corrigir a desvalorização monetária. As cláusulas contratuais que estipularem juros
superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será
considerada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos
que a lei dispuser. Neste particular, parece-nos que a velha Lei de Usura (Decreto
22.626/33) ainda está em vigor.
(Direito Constitucional Positivo, 6ª Edição, Editora LTR, 1190, p. 694-695).
E muito mais grave é a situação das empresas administradoras não integrantes do
sistema financeiro nacional, pois como bem explica Fran Martins:
“[...] de acordo com o que se vê das relações das partes no contrato que dá lugar à
emissão de um cartão de crédito não-bancário, há uma prestação de serviços feita pelo
emissor ao portador.”
(Cartões de Crédito, Natureza Jurídica, Forense, Rio, 1976, p. 87).
Logo, a relação entre a empresa administradora e o associado é de prestação de
serviço, ensejando a incidência do Decreto 22.626/33, uma vez que a Lei 4.595/67 afastou a
incidência de juros legais tão somente sobre as operações realizadas por instituições
financeiras públicas ou privadas, o que implica dizer que não houve alterações quanto às
demais pessoas jurídicas.
Malgrado o exposto, há se ressaltar o advento da Medida Provisória n.º 1.963-17,
publicada em 31 de março de 2000, que derrogou, no que se refere às instituições financeiras,
a norma da Lei de Usura. Por conseguinte, a incidência de juros sobre juros se revestiu de
licitude com o art. 5º da referida Medida Provisória:
“Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.”
Há se concluir, pois, que o assunto ainda é deveras controverso, e tamanha é sua
complexidade que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu serem os
Juizados Especiais Cíveis incompetentes para julgar ações que versem sobre anatocismo
(DOU de 16/11/99). Ainda assim, a maioria dos doutrinadores é favorável à limitação dos
juros constitucionais em 12% ao ano, independentemente de se tratar de empresa
31
administradora ou de instituição financeira, aplicando-se a regra também aos contratos de
adesão das administradoras de cartões de crédito, principalmente no tocante ao sistema
rotativo.
A edição da Emenda Constitucional n.º 40, de 29 de maio de 2003, alterou a redação
do art. 192 da Constituição Federal para:
O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento
equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o
compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis
complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro
nas instituições que o integram.
Revogando todos os incisos, será necessário aguardar a edição de lei complementar
que discipline a matéria. Enquanto isso, a discussão está longe de ter fins nos nossos tribunais.
32
2. - METODOLOGIA DA PESQUISA
Todo trabalho acadêmico-científico necessita de estruturas metodológicas para traçar a
meta de seu autor. A metodologia é a parte que organiza os dados já coletados e planeja como
adquirir novas informações. Ela auxilia na busca e na ampliação dos dados de forma
organizada, sem haver perda de tempo, de recursos e de objetivos. A partir dos procedimentos
metodológicos estabelecidos é que se dará a análise dos resultados da organização a serem
trabalhados.
Roesch (2000, p. 118) salienta:
“Uma variedade muito rica de situações problemáticas apresenta-se nas organizações.
Estas oportunidades ou problemas podem ser explorados e analisados de forma mais completa
por meio do uso de métodos e técnicas.”
A investigação documental, segundo Vergara (2002):
“[...] é realizada a partir de documentos conservados no interior de órgãos públicos e
privados de qualquer natureza, ou com pessoas: registros, informações em disquetes,
regulamentos, ofícios, ficha cadastral e outros.”
Também, segundo a autora, a pesquisa bibliográfica é o estudo sistematizado
desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas.
Fornece instrumental analítico para qualquer outro tipo de pesquisa, mas também pode
esgotar-se em si mesma.
Assim, este capítulo se propõe a descrever a sistematização do trabalho e os
procedimentos e técnicas utilizadas na coleta de dados, bem como a análise pericial efetuada.
2.1 - APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
O presente trabalho trata do aspecto metodológico e teórico inerente a uma revisional
pericial, que tem como objeto de seu trabalho a análise do endividamento das pessoas com a
utilização do cartão de crédito, prática esta que vem gerando aumentos excessivos de dívidas.
Deseja-se aqui investigar como a teoria econômica interpreta esse fenômeno e como é
possível rever dívidas que supostamente possam ser indevidas. Para os fins desta pesquisa, a
análise será descritiva, pois busca estudar e descrever um modelo de perícia em cartão de
crédito.
Os sistemas financeiros assumem um papel de alta relevância na teoria econômica
sobre o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo. Seja como desenvolvimento natural
33
do sistema capitalista (e solução temporária para a contradição da estagnação do capital) na
teoria marxista, ou como elemento de flexibilização do crédito (que permite a precedência do
investimento sobre a poupança) na teoria pós-keynesiana, os sistemas financeiros alteram
significativamente o funcionamento da economia e as fontes de instabilidade à qual ela está
sujeita. Um dos méritos de ambas as teorias é identificar a possibilidade de crises financeiras
em uma economia capitalista, fato que não é explicado ou reconhecido por outras correntes.
A exposição das idéias será, portanto, organizada em quatro níveis: o conceito e teoria
de juros, a sociedade de consumo, a compreensão do cartão de crédito e o modelo pericial.
Com isso, será realizada uma tentativa de identificar como através do sistema financeiro, as
instituições, que formalizam os diversos contratos, cometem lesão na “base contratual”, posto
que não possa auferir lucro com vantagem manifestamente desproporcional, se comparada
com a prestação oposta, ou exageradamente exorbitante, sob pena de caracterizar a lesão e
desproporção quanto às prestações envolvidas.
A pesquisa é predominantemente bibliográfica e documental, e a forma de análise e
interpretação dos dados dar-se-á por meio de referencial do Código de Defesa do
Consumidor, a Constituição Federal, bem como das formas de concessão de crédito pelas
instituições financeiras, e ainda através de dados coletados em órgãos reguladores do sistema.
Através da pesquisa, buscou-se chegar a uma sistematização qualificada dos dados obtidos,
que servirá de ferramenta e não para solução final de um problema.
2.2 - INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
Os métodos de análise das informações a serem utilizadas, bem como seus respectivos
instrumentos de coleta de dados, se realizaram através de pesquisas bibliográficas, um estudo
sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes
eletrônicas. Fornece instrumental analítico para qualquer outro tipo de pesquisa, mas também
pode esgotar-se em si mesma.
Afinal, o que interessa de fato é verificar e apresentar um modelo de uma revisão
pericial para que os profissionais desta área possam utilizar quando necessário, verificando a
metodologia necessária para seus trabalhos periciais.
34
2.3 - CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO DA PESQUISA DE CAMPO
O modelo teórico apresenta uma simulação de um cartão de credito utilizado por um
usuário que não pode pagar os valores cobrados, ao longo do período de outubro de 1997 a
setembro de 1998, resultando em uma cobrança cada vez maior de sua dívida, principalmente
no que se refere aos juros capitalizados, taxas e comissão de permanência que compõem a
dívida deste cartão.
Toda a documentação segue um modelo real de endividamento, cujos dados
originários, por questões éticas, foram mantidos em sigilo, usando-se apenas para o modelo
proposto, dentro do período acima mencionado, os valores que foram utilizados para a
análise.
Assim, este capítulo se propõe a descrever a sistematização do trabalho e os
procedimentos e técnicas utilizadas na coleta de dados.
35
3. - ANÁLISE DOS RESULTADOS
Toda a revisional de dívidas com cartão de crédito inicialmente deverá ocorrer via
judicial, através de uma petição por um profissional da área, que irá entrar com ação contra o
banco e ou agente financeiro credenciado, para revisão de contrato de cartão de crédito,
contestando, dentre outras práticas abusivas, juros capitalizados, indexadores ilegais e
comissão de permanência.
Tomando como base um exemplo de cartão de crédito, conforme anteriormente
mencionado o sigilo da instituição e autora, os valores cobrados e solicitados para serem
revisionados assim se apresentam:
TABELA 1 - HISTÓRICO DO CARTÃO DE CRÉDITO NA USA ORIGEM
MÊS/ANO
HISTÓRICO
out/97
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
nov/97 Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Anuidade
Valor Pago
dez/97
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Anuidade
Valor Pago
jan/98
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Anuidade
Valor Pago
fev/98
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
mar/98 Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
abr/98
Saldo Anterior
TRANSAÇÕES
SALDO
R$ 857,46
R$ 0,00
R$ 89,94
R$ 300,00
% mensal
% anual
10,4891%
231,0047%
13,3797%
351,2554%
22,8810%
1085,2669%
14,8474%
426,5662%
19,6478%
760,7109%
18,1664%
641,1907%
R$ 647,40
R$ 0,00
R$ 86,62
R$ 18,00
R$ 160,00
R$ 592,02
R$ 343,80
R$ 135,46
R$ 18,00
R$ 400,00
R$ 689,28
R$ 202,56
R$ 102,34
R$ 18,00
R$ 400,00
R$ 612,18
R$ 471,66
R$ 120,28
R$ 400,00
R$ 804,12
R$ 508,20
R$ 146,08
R$ 600,00
R$ 858,40
36
mai/98
jun/98
jul/98
ago/98
set/98
out/98
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
SALDO DEVEDOR
R$ 569,40
R$ 199,40
R$ 400,00
1126,2139%
19,3269%
733,4150%
19,7823%
772,3962%
19,4824%
746,5391%
13,8435%
373,9151%
11,5268%
270,2962%
R$ 1.227,20
R$ 310,28
R$ 237,18
R$ 400,00
R$ 1.374,66
R$ 806,24
R$ 271,94
R$ 500,00
R$ 1.952,84
R$ 599,80
R$ 380,46
R$ 700,00
R$ 2.233,10
R$ 15,98
R$ 309,14
R$ 0,00
R$ 2.558,22
R$ 0,00
R$ 294,88
R$ 0,00
=
R$ 2.853,10
Compras/Saques
=
R$ 4.685,38
Juros/Encargos/Mora
=
R$ 2.373,72
Valor Pago
=
R$ 4.260,00
Anuidade
=
R$ 54,00
SALDO DEVEDOR S/ ENCARGOS
=
R$ 425,38
SALDO DEVEDOR c/ ENCARGOS
=
R$ 2.853,10
TOTAL
23,2293%
3.1 - AÇÃO REVISIONAL
Deve ser apresentada a identificação da parte devedora, onde a autora contraiu a
dívida, apresentar contrato de cartão de crédito e considerações sobre documentos referentes à
dívida. Neste caso, a autora usou o referido cartão por um longo período, sendo que este
estava originalmente vinculado à conta corrente.
A autora manteve até a data em estudo, os pagamentos sempre em dia, quando, a partir
de então, notou que quanto mais pagava, maior era o seu saldo devedor. A partir daí,
demonstrar em tabela a discrepância entre o valor cobrado com encargos, juros e mora, e o
37
total devido sem os mesmos encargos, juros e mora. Observar-se-á, que esses cálculos são
feitos a partir da fatura com vencimento.
Conforme o Código de Defesa do Consumidor e legislação específica preveem, a
obrigação da ré é apresentar as faturas discriminadas de todo o período da vigência do
contrato com os valores especificados a fim de tornar claro o valor real devido pela autora, os
juros, encargos e mora também discriminados com sua origem mês a mês.
Informar se a autora buscou junto à administradora de cartões uma proposta de acordo
para reduzir o seu saldo devedor. Se obteve sucesso, nesse caso serão infrutíferas suas
alegações. O direito da autora é legalmente amparado pela carta magna de 1988, pela lei
4595/64, pelo decreto 22.626/33, artigo 1 o, pela jurisprudência do nosso tribunal, bem como
pela doutrina emanada pelos nossos jurisconsultos.
3.2 - PRÁTICAS ABUSIVAS
Capitalização de juros: forma de cálculo de juros compostos, em que os juros se
integram ao capital e sofrem incidência de nova parcela desses encargos.
Cláusula Mandato: Condição em que o financiado outorga uma procuração (mandato)
para a instituição financeira ou empresa a ela coligada criar um título de crédito em nome do
financiado e seus garantidores, pelo valor que a instituição pretender cobrar. Prática vedada
pela Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça.
Indexadores alternativos: Possibilidade de escolha unilateral por parte da instituição
financeira, do indexador (ou pseudo-indexador) que melhor atenda aos seus interesses.
Flutuação de taxas: Possibilidade de majoração periódica das taxas de juros pactuadas
em um contrato, sem qualquer interferência do financiado alterando, dessa forma, cláusula
essencial do negócio.
Comissão de permanência: Prática de cumular essa verba moratória com outros
encargos que são excludentes (juros contratuais, multas, honorários, etc). Da mesma forma,
em se tratando de taxa de juros, não se admite a cobrança de forma capitalizada como
usualmente ocorre.
No que tange aos contratos de adesão, é claro especificar que todos os contratos
devem ser revistos quando tornarem-se excessivamente onerosos, e ainda, que as cláusulas
abusivas devem ser desconsideradas pelo consumidor.
Na apresentação desse contrato a requerente teve a sensação de impotência diante do
poder econômico, devido ao fato de as grandes entidades comerciais praticarem cada vez mais
38
abusos, sem qualquer punição, ao contrário sendo cada vez mais protegidas. Os cidadãos
mantêm-se quase sempre inertes frente aos prejuízos que sofrem. O Direito considera a
desigualdade entre as partes de um negócio jurídico, mas isto não ocorreria se o poder
econômico pudesse ser contrabalanceado por possibilidades de escolha oferecidas a parte
contratante menos favorecida.
A Constituição Federal em seu art.170 prevê a proteção econômica aos menos
favorecidos, valorizando o trabalho humano e assegurando existência digna a todos, seguindo
vários princípios, entre eles a proteção ao consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor, foi criado devido ao reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor, tendo como função social promover a realização dos ideais de
convivência do homem. Estabeleceu órgãos e mecanismos de tutela, proscreveu práticas
comerciais e contratuais abusivas.
A necessidade de esclarecer quais são os mecanismos de defesa que o consumidor tem
ao seu alcance e tornar conhecidas todas as práticas comerciais e contratuais abusivas é
imprescindível para tornar equilibradas as relações comerciais do nosso País.
A expressão contrato de adesão tem sentido mais estreito. Tem sido empregada para
designar a pré-constituição unilateral do conteúdo dos contratos similares, neles se inserindo
as cláusulas uniformes que não podem ser rejeitadas. Outros lhe emprestam significado ainda
mais restrito, reservando-a para as relações jurídicas nas quais a posição de superioridade do
predisponente permite, em princípio, a imposição de cláusulas atentatórias do equilíbrio
normal entre os contratantes.
Não parece razoável esse estreitamento. É a forma do consentimento que identifica
mais rapidamente a figura jurídica do contrato de adesão se, obviamente, a predisposição
unilateral do seu conteúdo for realizada para contratos em massa.
Afinal, a aceitação em bloco de cláusulas pré-estabelecidas significa que o
consentimento sucede por adesão, prevalecendo a vontade do predisponente que dita a sua lei,
não mais a um indivíduo, senão a uma coletividade indeterminada. Não importa, desse modo,
que as cláusulas pré-determinadas integrem, mediante incorporação ou remissão, o conteúdo
de todos os contratos. Nem se altera o fenômeno por ser a predisposição obra de terceiro,
como na hipótese de provir de regulamento do poder público. Visto sob o ângulo da formação
dos vínculos pessoais, patenteia-se o mesmo processo de estruturação, por quanto mais uma
das partes adere a cláusulas, que tem de aceitar globalmente, não participando na sua
formação. Em todos esses casos, a expressão contrato de adesão, consagrada pelo uso, pode
ser mantida, a despeito das objeções que levanta.
39
Assim, é interessante para aqueles que têm sua dívida aumentada, e muito, em virtude
de juros estratosféricos, que busquem rever e analisar judicialmente suas dívidas e o modo
como as mesmas vêm se reproduzindo. É bem provável que o valor já pago, e que ainda vem
sendo cobrado, tenha excedido o valor real devido.
Dessa forma, no caso em estudo percebe-se que a autora foi lesada pela cobrança
ilegal de juros abusivos e cumulados, conforme pode depreender-se nos juros calculados e
debitados nas faturas mensais referentes ao uso do cartão de crédito, pelo que urge sua
revisão, para que os mesmos tenham o cálculo e projeção sob a égide da lei pátria.
É de se estranhar que as administradoras de cartões de crédito cobrem juros muito
superiores aos 12% ao ano da lei, uma vez que não podem alegar sequer que se usam do juro
do dinheiro emprestado para pagar seus aplicadores, pois na realidade a administradora não
presta serviço bancário, e seus serviços são cobrados tanto do usuário como do conveniado à
administradora do cartão de crédito.
A autora pretende, pois, pagar juros justos e legais, que não foram capitalizados
indevidamente. Na espécie, não existe nenhuma legislação que permita ao sistema financeiro
sobrepor-se à Lei Da Usura, muito menos as administradoras de cartão de crédito, que não
pertencem ao sistema financeiro de aplicações. Por conseguinte, nenhuma disposição permite
que sejam cobrados juros acima dos determinados, quer pela lei de usura, quer pela
constituição federal.
3.3 - A ILEGALIDADE DA COBRANÇA
Ao perito cabe assistir o juiz nas questões técnicas postas no julgamento, assegurar às
partes igualdades de tratamento, zelar pela rápida solução de litígio, prevenir ou reprimir
qualquer ato contrário à dignidade da justiça e tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
Com esse enfoque, na tabela 2, com a revisional efetuada, é possível demonstrar que
as cobranças da taxa de juros apresentadas na tabela 1 foram abusivas, impossibilitando à
autora efetuar os pagamentos de modo a quitar sua dívida.
TABELA 2 – REVISIONAL DO CARTÃO DE CRÉDITO
MÊS/ANO
HISTÓRICO
out/97 Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
TRANSAÇÕES
R$ 0,00
R$ 8,57
R$ 300,00
SALDO
% mensal
R$ 857,46
1,0000%
% anual
12,6825%
40
nov/97
dez/97
jan/98
fev/98
mar/98
abr/98
mai/98
jun/98
jul/98
ago/98
set/98
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Anuidade
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Anuidade
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Anuidade
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Saldo Anterior
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
R$ 566,03
R$ 0,00
R$ 5,66
R$ 18,00
R$ 160,00
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
1,0000%
12,6825%
R$ 429,69
R$ 343,80
R$ 4,30
R$ 18,00
R$ 400,00
R$ 395,79
R$ 202,56
R$ 3,96
R$ 18,00
R$ 400,00
R$ 220,31
R$ 471,66
R$ 2,20
R$ 400,00
R$ 294,17
R$ 508,20
R$ 2,94
R$ 600,00
R$ 205,31
R$ 569,40
R$ 2,05
R$ 400,00
R$ 376,77
R$ 310,28
R$ 3,77
R$ 400,00
R$ 290,82
R$ 806,24
R$ 2,91
R$ 500,00
R$ 599,96
R$ 599,80
R$ 6,00
R$ 700,00
R$ 505,76
R$ 15,98
R$ 5,06
R$ 0,00
R$ 526,80
R$ 0,00
R$ 5,27
41
out/98
TOTAL
Valor Pago
SALDO DEVEDOR
Compras/Saques
Juros/Encargos/Mora
Valor Pago
Anuidade
R$ 0,00
=
=
=
=
=
SALDO DEVEDOR S/ ENCARGOS
=
SALDO DEVEDOR c/ ENCARGOS
=
R$ 532,07
R$ 4.685,38
R$ 52,69
R$ 4.260,00
R$ 54,00 Obs.: a taxa de 12 % ao
ano proporcional a 1% ao
R$ 52,69 mês resulta na taxa
efetiva de 12,6825% ao
R$ 532,07 ano.
A dívida que a autora tinha com a administradora era de R$ 2.853,10, com encargos.
A partir da revisional apresentada, foi possível diminuir a sua dívida para R$ 532,07,
possibilitando o seu pagamento. Caso o saldo fosse positivo, a devolução dos valores
cobrados a mais, deveriam ser devolvidos com atualização monetária, e muitos casos, juros
sobre o valor. Neste caso, não é possível verificar em que a administradora do cartão de
crédito se baseou na cobrança da taxa de juros, que variou em mais de 230% ao ano, em todos
os meses.
Assim, a presente monografia busca evidenciar a importância da utilização dessas
informações para o segmento desta atividade, para que todos possam se beneficiar. Fica a
possibilidade de se agregar cada vez mais informações como as que ora são apresentadas.
42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cartão de crédito é uma ferramenta importante para o varejista, como instrumento de
relacionamento e de fidelização. Trata-se de uma plataforma de crédito, também por meio de
compras a prazo, crédito rotativo e outros serviços financeiros que tornaram-se indispensáveis
para o mundo corporativo de hoje, pois eliminam os riscos associados com a realização em
dinheiro e para fazer compras mais fáceis em momentos cruciais e prova ser uma vantagem
para as equipes de gestão de negócios na maioria dos estabelecimentos.
O principal objetivo de investir em um cartão de crédito é ser capaz de cuidar das
despesas relacionadas com a ausência ou a falta de verbas. A maioria das empresas de cartão
de crédito utiliza-se deste para fazer ofertas atrativas aos seus clientes, para atraí-los a fazer os
investimentos com a instituição financeira.
O cartão é uma alternativa segura para o dinheiro, é um meio de pagamento que
permite, de forma muito rápida e prática, adquirir produtos e/ou serviços através do débito ou
crédito direto na conta corrente. A utilização do cartão permite ao portador um controle mais
adequado das despesas, além de evitar quaisquer problemas com cheques ou riscos de portar
dinheiro, pois seu uso sempre requer a digitação de uma senha pessoal para que qualquer
transação de compra seja efetivada.
Por outro lado, a expansão da concessão de crédito para pessoas físicas e/ou jurídicas,
a sua proliferação nas camadas mais carentes financeiramente resultam na contrapartida, que é
o endividamento. São diversos os serviços de crédito e, cada vez mais, aumentam em número
e modalidades, no mercado de consumo.
Cumpre ressaltar que o percentual de juros exigido pelas instituições financeiras por
mês supera o que se paga, por ano, ao poupador, pois o rendimento de uma caderneta de
poupança gira em torno de 6% ao ano. Até mesmo os investimentos que têm maior
rentabilidade hoje em dia, como o CDB e os fundos de renda fixa, não superam a taxa dos
43
13% ao ano, mais atualização monetária pela TR, conforme se verifica nos informativos
econômicos dos jornais.
Assim, o lucro da instituição é enorme, pois as pessoas sempre tentam buscar a
quitação, até em acordos pagando, mais que os 12% ao ano, juros remuneratórios que estão
em consonância com o entendimento deste trabalho.
Quanto maior for o endividamento da população pela contratação de crédito, maior
será o crescimento da inadimplência. Como num círculo vicioso, o endividamento com a
aquisições a prazo ou tomada de empréstimo, quando mal planejado, conduz à
impontualidade. Nesse momento, deflagra-se o maior lucro das instituições que concedem
crédito, porque fazem incidir encargos exorbitantes sobre a parcela em atraso,
impossibilitando sua quitação e alterando o valor de todas as demais parcelas em um efeito
dominó.
Com a capitalização mensal dos juros, vedada por lei, a dívida, em poucos meses, se
torna impagável. Para fazer frente a esse endividamento, os consumidores apelam para novos
empréstimos e limite de cheque especial ou cartão de crédito, o que, por fim, poderá conduzilos a um endividamento crônico, sem volta.
Nas compras efetuadas a prazo, o consumidor compromete sua renda sem prever o
advento de alguma situação inesperada, que demande dispêndio monetário ou interrupção da
renda percebida, gerando endividamento.
Em verdade, a popularização do crédito, com o acesso de pessoas de baixa renda a
esse serviço, não atende aos interesses destas, mas as torna reféns de uma estratégia para obter
maior lucratividade. O crédito nas mãos de pessoas sem educação para utilizá-lo é tão
perigoso como entregar um revólver nas mãos de uma criança para que ela se defenda de um
assalto.
Vivemos na época da velocidade, quando as relações entre as pessoas ocorrem com
uma imensa rapidez e complexidade. A cada dia, o consumidor se depara com inúmeras
novidades, e muitas vezes anseia por elas. Novos produtos e serviços são lançados e
envolvem novas técnicas e estratégias.
Defender o consumidor, nesse contexto, é sempre um grande desafio, seja para os
órgãos públicos, seja para as entidades civis de defesa do consumidor. Dentre todas as
políticas públicas possíveis na nossa sociedade, a prevenção me parece ser a mais adequada.
Evitar um dano é sempre mais eficaz que buscar a reparação. A prevenção é compatível com a
velocidade vertiginosa da nossa sociedade, pois nos dá respostas rápidas e eficazes.
44
O trabalho visou a contribuir para a discussão em torno de mudanças, com certezas
necessárias, para que a indústria brasileira de cartões, considerada ainda jovem, quando
comparada com outros mercados mais desenvolvidos, continue crescendo e beneficiando de
forma consistente os consumidores, o comércio e o governo. Para tanto, entende-se que o
diálogo entre todas as partes envolvidas é fundamental para que as ações de melhorias sejam
adequadas ao atual estágio da indústria, caminhando, assim, a um bom termo para todos.
O resultado desta investigação contribuiu para melhor identificar e analisar os riscos
que este mercado apresenta. Como acadêmico do curso de Economia, e na busca de poder
inserir meu nome no rol dos peritos o que o curso que ora estou concluindo me permite, tenho
me empenhado cada vez mais na busca de maior conhecimento. E este estudo representou
novos conhecimentos, de grande valia.
45
REFERÊNCIAS
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ANDRADE, Paulo Gustavo Sampaio. Cartões de crédito. Teresina: Jus Navigandi, 1998.
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Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007, p.254.
BULGARELLI, Waldirio. Questões contratuais no Código de Defesa do Consumidor. 2ª
Ed. São Paulo: Editora Atlas, 1998.
CARPENA, Heloísa; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta
para um estudo empírico e perspectiva de regulação, São Paulo: RT, 2005.
CARVALHO, Fernando J. Cardim de. Economia monetária e financeira: teoria e política.
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CHICK, Victoria. Macroeconomia após Keynes: um reexame da teoria geral. Rio de Janeiro:
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GOMES, Orlando. Contratos. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo:
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2005.
MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Direitos do consumidor
endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: RT, 2006.
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