REVISTA PRÓ-CIÊNCIA
Título Original: Revista Pró-ciência, v. 6, n. 8 – julho/
dezembro, 2010.
Editor
André Figueiredo
Editoração Eletrônica
Ana Paula Cunha
P956
Pró – Ciência: Centro Universitário Moacyr
Sreder Bastos. ---v.1, n.1, (1997) – Rio de Janeiro:
Publit, 201l.
Semestral
ISSN 1413-8344
Suspenso de 1998 – 2008
CDD 001.05
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Arte
Departamento de Marketing
Sumário
Palavras do editor.......................................................7
Apresentação..................................................................9
DOSSIÊ: A PESQUISA COMO INSTRUMENTO
TRANSFORMADOR DO CONHECIMENTO...........15
Balanced Scorecard: uma proposta de aplicação integrada
ao plano de desenvolvimento institucional de um Centro
Universitário particular.
Andréa Borges Brito...............................................................17
Crianças, mulheres e idosos: um estudo sobre vítimas
invisíveis.
Maria Carolina de Almeida Duarte, Cleyde Alves da Silva,
Rafaelle Sá da Costa, Daniel da Silva Cangerana e Sandra Lúcia
Gonçalves.................................................................................42
Os efeitos biopsicossociais da síndrome de Burnout nos
docentes de ensino superior do UniMSB.
Vicente Alberto Lima Bessa, Rosa Maria Donadello Diogo,
Ana Carla Cavalcante de Medeiros e Juliana Cristina Rezende
Grechi...........................................................................................79
Os registros de batismo na Paróquia de São João Baptista do
Presídio (1810-1820): a busca por registros indígenas.
Vlademir José Luft......................................................................96
ARTIGOS................................................................................124
Usucapião especial na vertente do Estatuto da cidade.
David Augusto Fernandes ......................................................125
Dragões e áspides: Franciscano Antônio de Lisboa/Pádua e o
retrato dos blasfemadores da fé no Século XIII.
Jefferson E. S. Machado...........................................................148
O reconhecimento da União homoafetiva e as implicações
práticas e sociais decorrentes.
Luciana França Oliveira Rodrigues e Amanda Pessoa
Parente........................................................................................159
Habilidade de liderança: ferramenta substancial no alcance
dos objetivos empresariais. Pedro Alessandro Calaça.........................................................188
Revista Pró-Ciência
Palavras do Editor
C
om imensa satisfação apresentamos à comunidade acadêmica mais um número da Revista Pró-Ciência, do Centro
Universitário Moacyr Sreder Bastos reunindo um dossiê intitulado
“A pesquisa como instrumento transformador do conhecimento”,
bem
como, artigos de autoria de docentes e discentes dos Cursos
de
Administração,
Direito, Fisioterapia e História.
A Revista, também, publica artigos de professores de outras
instituições fazendo tornar realidade o intercâmbio cultural necessário ao meio acadêmico. A troca de idéias visa a aprimorar
debates de temas atuais e polêmicos de forma geral, fomentando
a formação de massa critica na graduação e pós-graduação.
A Revista, de caráter interdisciplinar, está aberta à publicação
de artigos, resenhas de livros, resumos de monografias, dissertações e teses, além de resultados de pesquisas.
Importante ressaltar o incentivo dado pelo Magnífico Reitor
Adilson Rodrigues Pinto que não mediu esforços para a concretização deste trabalho.
A Revista Pró-Ciência, do Centro Universitário Moacyr
Sreder Bastos será publicada nas formas impressa e eletrônica,
esta será disponibilizada no site institucional: <http://www.msb.
br>. Essa forma de publicação visa a ampliar a divulgação das
publicações produzidas.
Agradecemos a todos os autores que nos enviaram artigos.
Parabéns a todos.
Rio de Janeiro, julho de 2011.
7
Professor Bruno Corrêa Bastos
Editor
Revista Pró-Ciência
Apresentação
A
Revista Pró-Ciência, do Centro Universitário Moacyr Sreder
Bastos avança para mais um número, reunindo o produto
da dedicação de professores e alunos desta e de outras IES.
Apresenta artigos e resultados de pesquisa nas seguintes áreas: Administração, Direito, Educação, Fisioterapia e História.
A Revista será publicada nas formas impressa e eletrônica,
objetivando ampliar a troca de conhecimentos com maior número de leitores e autores que pretendem publicar seus artigos e
pesquisas sobre relevantes temas.
Fica evidente a coerência das políticas de ensino, pesquisa e
extensão, realidade demonstrada pelos artigos publicados. Dessa
forma, a iniciação científica está consolidada na IES e tem contribuído para a formação de novos pesquisadores comprometidos
com a transformação da realidade social vigente. A produção do
conhecimento no meio acadêmico não pode prescindir de um
programa de pesquisa que propicie a participação de docentes e
discentes via iniciação científica.
Agradecemos a todos os autores que nos enviaram artigos,
bem como ao Magnífico Reitor Prof. Adilson Rodrigues Pinto
e ao Pró-reitor Acadêmico Prof. Bruno Corrêa Bastos que não
mediram esforços na busca de artigos
Esperamos contar com novas contribuições para os próximos números.
Rio de Janeiro, julho de 2011.
Professora Maria Carolina de Almeida Duarte
Coordenadora de Pesquisa
9
Revista Pró-Ciência
Dossiê: A pesquisa como instrumento
transformador do conhecimento
Andréa Borges Brito, em “Balanced Scorecard” uma proposta de
aplicação integrada ao plano de desenvolvimento institucional de um Centro
Universitário particular” apresenta resultados de uma pesquisa que
visa a demonstrar um sistema de medição de desempenho baseado nos conceitos do Balanced Scorecard (BSC) integrado ao
PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional ) de um Centro
Universitário Particular. A pesquisa aponta a perspectiva financeira dos alunos, sociedade, perspectiva dos processos internos,
aprendizado e crescimento. O estudo visa a promover a melhoria constante das IES, criando valores sólidos para seus alunos.
Maria Carolina de Almeida Duarte, Cleyde Alves da
Silva, Rafaelle Sá da Costa, Daniel da Silva Cangerana e
Sandra Lúcia Gonçalves no artigo intitulado “Crianças, mulheres
e idosos: um estudo sobre vítimas invisíveis” apresentam resultado de
pesquisa realizada na Baixada Fluminense e Copacabana bairro
localizado na cidade do Rio de Janeiro, onde foi dado destaque
ao trabalho da Delegacia de Proteção ao Idoso. A pesquisa visa a
dar visibilidade às vitimas invisíveis, sobretudo crianças, mulheres
e idosos, sujeitos da “cifra oculta da delinquência” e, além disso,
propõe medidas para combater tais tipos de violências.
Vicente Alberto Lima Bessa, Rosa Maria Donadello
Diogo, Ana Carla Cavalcante de Medeiros e Juliana Cristina
Rezende Grechi em “Os efeitos biopsicossociais da síndrome de Burnout
nos docentes de ensino superior do UniMSB” apresentam resultados de
pesquisa sobre a síndrome de Burnout. A população-alvo do
11
Revista Pró-Ciência
estudo foram professores do Centro Universitário Moacyr Sreder
Bastos. Os autores concluem sobre a necessidade de prescrição
de exercícios preventivos no horário em que o docente entra na
instituição, ou seja, antes do início da aula.
Vlademir José Luft, no artigo intitulado “Os registros de batismo
na Paróquia de São João Baptista do Presídio (1810-1820), a busca por
registros indígenas” apresenta pesquisa sobre o referencial histórico
dos grupos indígenas Puri, Coroado e Coropó. O período avaliado
pelo autor é entre 1810 a 1820. A pesquisa é realizada em registros
de batismo que compõem o arquivo paroquial da Igreja de São
João Batista, antiga paróquia de São João Baptista do Presídio,
Zona da Mata Mineira, no atual município de Visconde do Rio
Branco. Muitas pistas são fornecidas a respeito dos indígenas Puri,
Coroado e Coropó. Assim, muitos questionamentos surgem
abrindo vasto campo para pesquisadores.
12
Revista Pró-Ciência
Artigos:
David Augusto Fernandes, escreve sobre “Usucapião especial
na vertente do Estatuto da cidade” o artigo descreve sobre a importância do usucapião especial individual de imóvel urbano e o
especial coletivo como instrumentos de política urbana dirigida a
camada populacional carente. Para o autor, o Estatuto da Cidade
veio ocupar uma lacuna no meio jurídico, com nítido sentido
social no que diz respeito a questão da moradia
Jefferson E. S. Machado, em “Dragões e áspides: Francisco
Antonio de Lisboa/Pádua e o retrato dos blasfemadores da fé no século
XIII” avalia as figuras mitológicas do dragão e da áspide
que povoam os sermões de Antônio de Lisboa/Pádua, frei
franciscano que se destaca por sua pregação eloqüente. O frade
através da simbologia enfoca alguns problemas que a Igreja
Romana enfrentou. Importante ressaltar que Antônio de Lisboa
esteve na linha de frente de missão evangelizadora.
Luciana França Oliveira Rodrigues e Amanda Pessoa
Parente, no artigo “O reconhecimento da União homoafetiva e as implicações práticas e sociais decorrentes” avaliam a situação jurídica e social
dos companheiros homossexuais. O assunto é polêmico e gera
reações da Igreja, do Judiciário e de parcela da própria sociedade que não aceitam os avanços do reconhecimento das famílias
homoafetivas. O preconceito e a intolerância são os principais
empecilhos nos corações e mentes das pessoas que não aceitam
tais relacionamentos.
13
Revista Pró-Ciência
Pedro Alessandro Calaça, no artigo “Habilidade de liderança:
ferramenta substancial no alcance dos objetivos empresariais” apresenta
como tema central a questão da liderança. A pesquisa do autor
revela características do Stakeholders e as ações de liderança e a
Coaching conhecido como o novo paradigma de liderança. Assim, de acordo com a análise do autor, o líder deve sempre encorpar, motivar e transmitir técnicas que melhorem a capacidade,
habilidade e atitudes da equipe na busca de novas oportunidades. De acordo com o pensamento do autor, somente evoluímos
quando participamos da evolução de outras pessoas.
14
Revista Pró-Ciência
DOSSIÊ: A PESQUISA COMO INSTRUMENTO
TRANSFORMADOR DO
CONHECIMENTO
15
Revista Pró-Ciência
Balanced Scorecard: uma proposta de aplicação integrada
ao plano de desenvolvimento institucional de um Centro
Universitário particular
Andréa Borges 1
Resumo
O credenciamento ou recredenciamento
das Instituições de Ensino Superior
está vinculado a elaboração e execução
de um Plano de Desenvolvimento
Institucional(PDI).Frenteàimportância
deste mecanismo no contexto atual
das IES, observou-se a necessidade
de se estabelecer formas eficazes para
promover o acompanhamento de sua
implantação. Neste sentido, este estudo
teve como objetivo geral propor um
sistema de medição de desempenho
baseado nos conceitos do Balanced
Scorecard (BSC) integrado ao PDI.
Para tanto, realizou-se uma pesquisa
de natureza aplicada, com abordagem
qualitativa, utilizando-se como meios
investigativos um estudo de caso em
um Centro Universitário particular. Os
resultados desta pesquisa demonstram
que é possível acompanhar a execução
do PDI por meio da utilização da
metodologia do BSC.
Abstract
The accreditation or reaccreditation of the
Instituições de Ensino Superior (IES - Higher
Education Institutions) is linked to the
development and implementation of a Plano
de Desenvolvimento Institucional (PDI Institutional Development Plan). In face of
the relevance of this mechanism in the current
IES environment, there was a need to establish
effective ways to promote the monitoring of
its implementation. Thus, this study aimed at
proposing a performance measurement system
based on the concepts of the Balanced Scorecard
(BSC) integrated to the PDI. For such purpose, an
applied research with a qualitative approach was
carried out, and the investigation method used was
a case study in a private University Center. The
results of this research have demonstrated that the
implementation of the PDI can be followed up by
means of the use of the BSC methodology.
Palavras - chave:
Plano de Desenvolvimento
Institucional. Balanced Scorecard.
Instituição de Ensino Superior.
Keywords:
Institutional Development Plan Balanced
Scorecard. .Higher Education Institutions.
Administradora formada pelo UNIMSB e especialista no MBA Gestão da Qualidade pela Universidade Federal Fluminense, é professora de Desenvolvimento
Gerencial do Curso de Administração do UNIMSB.
1
17
Revista Pró-Ciência
Sumário: Introdução; 1. Revisão de literatura; 1.1 Planejamento
Estratégico; 1.1.1 Planejamento Estratégico em Instituições de Ensino Superior; 1.2 Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI; 1.3 Balanced
Scorecard – BSC; 1.3.1 Mapa estratégico; 2 Estudo de caso; 2.1 Proposta
do BSC para o Centro Universitário; 2.1.1 Classificação dos objetivos nas
perspectivas do BSC; 2.2 Construção do mapa estratégico; Considerações
finais; Referências bibliográficas.
Introdução
Em menos de duas décadas o setor do ensino superior privado no Brasil vivenciou um processo de expansão acelerado,
caracterizado pelo aumento do número de IES particulares e de
cursos e, conseqüentemente, pela ampliação do número de vagas
oferecidas nestas instituições.
Estas mudanças fizeram com que as IES particulares mergulhassem em um ambiente altamente competitivo e experimentassem com mais profundidade as regras do mercado, que pareciam
até bem pouco tempo não afligi-las.
Para assegurar a qualidade do ensino das vagas oferecidas pelas IES brasileiras, o Ministério da Educação (MEC) em sintonia
com a legislação estabelecida pelo Governo Federal desenvolveu
uma série de mecanismos de avaliação que servem de base para
o processo de credenciamento ou recredenciamento destas instituições. Entre estes, destaca-se o Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI), criado pela Portaria n.º 637, de 13 de junho
de 1997 (BRASIL, 1997).
O PDI, conforme o art. 6 da resolução nº 10, de 11 de junho de 2002 (Brasil, 2002), representa um compromisso da IES
com o Ministério da Educação. Nele devem ser estabelecidos
os objetivos e as metas que nortearão no desenvolvimento das
atividades da IES, sua expansão e a ampliação da oferta de novos
cursos e de novas vagas no ensino superior.
18
Revista Pró-Ciência
Os custos para atender às exigências do MEC são altos e não
há mais espaço para erros. Para se manter no mercado de forma
competitiva, é preciso que as IES planejem e executem estratégias, vinculadas a mecanismos de acompanhamento da implementação dessas, a fim de verificar em tempo hábil, mudanças
de rumos necessárias para a consecução dos objetivos e metas
previstos em seu PDI.
Considerando a importância do cumprimento do PDI nos
atos autorizativos que permitirão à IES continuar exercendo suas
atividades, a questão principal desta pesquisa é: como acompanhar a execução dos objetivos e das metas institucionais propostos no PDI de um Centro Universitário particular? E o objetivo
é propor um sistema de medição de desempenho gerencial para
o acompanhamento da execução dos objetivos estratégicos de
um Centro Universitário particular, estabelecidos no seu Plano
de Desenvolvimento Institucional. Limitando-se à proposição
de um BSC com base no PDI de um Centro Universitário particular, para o período qüinqüenal 2008 a 2012.
Com relação a metodologia esta pesquisa caracteriza-se como
aplicada por gerar conhecimentos para aplicação prática, objetivando a solução de um problema específico. O seu caráter qualitativo vem do fato de que existe uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito, de não requerer a utilização de métodos e
técnicas estatísticas e de se tomar o ambiente natural como fonte
direta para coleta de dados. Em relação ao objetivo, a pesquisa é
exploratória, porque visa proporcionar maior familiaridade com o
problema, no intuito de torná-lo explícito ou construir hipóteses,
a partir de levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas
que vivenciem a questão estudada (SILVA; MENEZES, 2000).
Em relação aos procedimentos técnicos, a pesquisa classificase como um estudo de caso por conter resultados provenientes
do levantamento de dados específicos de um período de tempo
definido, relativo ao planejamento estratégico e ao plano de desenvolvimento institucional do Centro Universitário, onde foi
realizado o estudo.
19
Revista Pró-Ciência
1 Revisão de literatura
1.1 Planejamento Estratégico
A partir da década de 1950, os desafios no mercado dos negócios foram se tornando cada vez mais simultâneos: a necessidade
de reativação do espírito empreendedor, de resposta à intensidade crescente da competição em nível mundial, e de envolvimento em nível social quanto à determinação de como a empresa
deve ser gerida, e de que papel deve desempenhar na sociedade
pós-industrial. (ANSOFF; MCDONNELL, 1993, p. 26).
Outra característica marcante de século vinte tem sido
a aceleração tanto da incidência quanto da difusão da
mudança. A mudança tornou-se menos previsível e as
surpresas passaram a ser mais freqüentes. (ANSOFF;
MCDONNELL, 1993, p. 34).
Essas mudanças geraram uma preocupação com as relações
existentes entre a organização e o seu meio, servindo de base
para a elaboração de um modelo de planejamento que incorporasse uma análise racional das oportunidades e das ameaças
geradas pelo ambiente, em consonância com os pontos fortes
e fracos da organização. Assim, ao final da década de 1960 os
estudos do russo H. Igor Ansoff originaram o planejamento estratégico, que vem sendo amplamente utilizado até os dias de
hoje. (RODRIGUES, 2006, p.26).
O planejamento estratégico representa um processo destinado
a garantir um ajustamento entre os objetivos e os recursos
da organização, e as demandas de um ambiente externo em
constante mutação. Neste sentido, Drucker (1984 apud Braga e
Monteiro, 2005, p.19), define planejamento estratégico como:
[...] processo contínuo de, com o maior conhecimento possível do futuro considerado, tomar decisões atuais que envolvem riscos futuros aos resultados esperados, organizar
as atividades necessárias à execução das decisões e, através
20
Revista Pró-Ciência
de uma reavaliação sistemática, medir os resultados face às
expectativas alimentadas.
Oliveira (2004 p.34) salienta a complexidade do planejamento, pois o mesmo deve ser elaborado a partir de um conhecimento sobre o futuro traçará um estado desejado, também futuro, a
partir de uma avaliação de alternativas a serem seguidas para se
alcançar esse estado. Tudo isso dentro de um contexto ambiental
interdependente e altamente mutável.
Assim, o objetivo do planejamento pode ser definido como
o desenvolvimento de processos, técnicas e atitudes administrativas, as quais proporcionam uma situação viável de avaliar as
implicações futuras de decisões presentes em função dos objetivos empresariais que facilitação a tomada de decisão no futuro,
de modo mais rápido, coerente, eficiente e eficaz (OLIVEIRA,
2004, p. 36).
1.1.1 - Planejamento estratégico em Instituições de Ensino Superior
O setor do ensino superior, até o fim da década de 1980,
apresentava um cenário estável, com níveis de competitividade
muito baixos, decorrentes do lento crescimento vivenciado pelo
setor até então e pelo fato de que a demanda suplantava a oferta.
Este cenário, fez com que os gestores das IES brasileiras não
se preocupassem tanto em aprimorar seus processos gerenciais
(CARDOSO, 2006, p.52). Desta forma, no Brasil, os primeiros
registros de implementação de planejamento estratégico em
instituições de ensino superior ocorreram na década de 1990
(GIANOTTI, 2004).
No entanto, ainda no ano de 2004, mesmo tendo o setor passado por um período de crescimento acentuado, gerando níveis de
instabilidade e de competitividade altíssimos, os estudos de Braga
e Monteiro (2005, p.25), revelavam que menos de 20% da IES
particulares brasileiras possuíam um planejamento estratégico.
21
Revista Pró-Ciência
1.2 - Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI
O PDI é um documento que identifica a Instituição de Ensino Superior, no que diz respeito à sua filosofia de trabalho,
à missão a que se propõe, às diretrizes pedagógicas que orientam suas ações, à sua estrutura organizacional e às atividades
acadêmicas que desenvolve e/ou que pretende desenvolver. O
PDI identifica a instituição junto ao MEC, constituindo-se no
principal instrumento para as avaliações de credenciamento e
recredenciamento da instituição e, de autorização e renovação de
reconhecimento dos cursos de graduação (BRASIL, 2004).
Elaborado para um período de cinco anos, o PDI traz em sua
composição os objetivos e metas que a IES se compromete a realizar durante este período, de modo a assegurar que o seu desenvolvimento se dê respeitando os critérios mínimos de qualidade exigidos
pelo MEC. Neste sentido, o PDI representa uma carta de compromisso firmada entre a Instituição e o MEC (BRASIL, 2004).
A partir da promulgação da Lei Nº 9.394 - Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB) - em 1996, foram publicados diversos dispositivos legais relacionados ao PDI e sua importância
no processo regulatório das IES, mas foi com a publicação da
Resolução CNE n. 10, de 11 de junho de 2002 (Brasil, 2002), que
oficial e efetivamente se condicionou uma série de restrições a
todos os tipos de Instituição de ensino superior, caso as mesmas
não apresentassem seu PDI.
Para Cardoso (2006, p.51), esta obrigatoriedade imposta pelo
governo às IES proporcionou aos gestores destas instituições um
“despertar” para o processo de aprendizagem de procedimentos
administrativos relevantes a condução mais ampla deste tipo de
negócio. Este fato tem tornado o PDI uma ferramenta de gestão
bem adequada ao ambiente competitivo e turbulento do presente.
Para o autor, “o resultado deste processo, ainda em curso, é altamente positivo, porque tem induzido a uma maior profissionalização das IES, fundamental à sua sobrevivência e crescimento”.
22
Revista Pró-Ciência
No entanto, Schmitt e Mafra (2003, p.8) observam que o planejamento estratégico é um documento mais completo que o
PDI, em nível de gestão, e deve servir de base para a construção
do mesmo. Ainda segundo os autores, o PDI por si só não leva
a Instituição a um pensamento estratégico.
Sobre esta afirmação, Cella (2006, p.75) corrobora comentando que:
Uma IES, para elaborar o seu PDI deverá desenvolver inicialmente o seu Planejamento Estratégico Institucional.
Portanto, além das exigências legais, uma instituição que
não identificou: a sua missão, a visão de futuro, os valores
institucionais, as oportunidades de mercado, as ameaças da
concorrência, os seus pontos fortes, as fraquezas internas,
as opções estratégicas, os objetivos estratégicos e seus projetos estratégicos, dificilmente sobreviverá neste ambiente
de altíssima competitividade e incertezas, que é o setor da
educação superior particular.
Para elaborar o PDI, a instituição deve lança um olhar crítico sobre o presente e traçar metas realistas para o futuro, baseadas no seu
planejamento estratégico. Essas metas imprimem direção à gestão
dos cursos e programas e, mediante acompanhamento e avaliação,
permitem que a sociedade tenha uma percepção clara e articulada
dos rumos acadêmicos da instituição. (GIANOTTI, 2004, p.108).
Entende-se assim que um PDI coerentemente elaborado em
função de análises realizadas no planejamento estratégico da IES é
extremamente importante. No entanto, deve-se ter em vista que a
consecução dos objetivos e metas propostas neste plano é tão importante quanto a sua elaboração para que a Instituição possa criar
valores verdadeiros para a sociedade e para os seus mantenedores.
1.3 - Balanced Scorecard - BSC
Medidas de desempenho oferecem importantes sinais para a
organização, comunicando às pessoas como elas estão se sain-
23
Revista Pró-Ciência
do e se estão integradas ao todo para a consecução dos objetivos
organizacionais (HRONEC, 1994, p.5). No entanto, medidas exclusivamente financeiras atuam de forma reativa retratando apenas os
acontecimentos passados, sendo inadequadas para orientar e avaliar
a trajetória que as organizações da era da informação devem seguir
na geração de valor futuro (KAPLAN; NORTON, 1997, p.8).
[...] os indicadores contábeis e financeiros tradicionais, como
retorno sobre investimento e lucro por ação, às vezes emitem
sinais enganosos para fins de melhoria contínua e inovação –
atividades exigidas pelo ambiente competitivo da atualidade.
Os indicadores tradicionais de desempenho financeiro funcionaram bem na era industrial, mas estão em descompasso
com as habilidades e competências que as empresas tentam
dominar hoje. (KAPLAN; NORTON, 2000, p.118).
As abordagens de caráter unicamente financeiro não eram mais
capazes de informar aos gestores o “quanto” da estratégia2 estava
sendo efetivamente realizada e “quais” os aspectos dessa estratégia
não estariam atingindo os resultados previamente almejados. Desta
forma, em meados dos anos 1990, o Instituto Nolan Norton, uma
unidade de pesquisa da KPMG, patrocinou um estudo, de duração
As origens da palavra estratégia remontam aos gregos e a suas experiências militares. A raiz de estratégia vem de strategos, que se referia, inicialmente, a um cargo, o
do general no comando de um exército. Posteriormente, passou a significar a arte
do general, ou seja, as habilidades psicológicas e comportamentais com as quais
exercia seu papel. Ao tempo de Péricles (450 a.C.), passou a significar habilidades
gerenciais (administração, liderança, oratória, poder). E, à época de Alexandre (330
a.C.), referia-se à habilidade de empregar forças para sobrepujar a oposição e criar
um sistema unificado de governo (MINTZBERG; QUINN, 2001, p. 20).
Atualmente, estratégia pode ser definida no mundo empresarial como um padrão
ou plano que integra as principais metas, políticas e seqüências de ações de uma
organização em um todo coerente (MINTZBERG e QUINN,2001 p.19) .
Wright et al. (2000, p.24) complementam o conceito de estratégia destacando que
refere-se aos planos da alta administração para alcançar resultados consistentes
com a missão e os objetivos gerais da organização.
2
24
Revista Pró-Ciência
de um ano, intitulado Measuring Performance in the Organization of the
Future. Este estudo resultou no Balanced Scorecard – BSC (KAPLAN;
NORTON, 1997, p.VII).
[...] o Balanced Scorecard indica os conhecimentos, habilidades
e sistemas de que os empregados necessitarão (perspectiva
de aprendizado e crescimento) para inovar e desenvolver as
capacidades e eficiências estratégicas certas (perspectiva dos
processos internos), capazes de fornecer valor específico
ao mercado (perspectiva do cliente), que por fim resultará
em maior valor para os acionistas (perspectiva financeira).
(Kaplan; Norton, 2000, p. 76).
No entanto, Kaplan e Norton (1997, 2000) ressaltam que o
BSC não é um simples painel de indicadores financeiros e nãofinanceiros: os objetivos e medidas devem ser articulados e coerentes, e se reforçar mutuamente, de forma a gerar consistência.
O BSC deve tornar explícitas as relações entre os objetivos e as
medidas nas diversas perspectivas, gerando uma cadeia de causa
e efeito que as permeia e identifica como cada perspectiva impacta as demais.
O BSC traduz a missão e a estratégia da organização em objetivos e medidas, distribuídos nestas quatro perspectivas, criando
assim, uma estrutura que possibilita comunicar a missão e a estratégia, a partir da utilização de indicadores, que irão informar aos
funcionários os vetores do sucesso atual e futuro. Para Kaplan e
Norton (1997, p. 10), este processo ocorre por meio das respostas às seguintes questões feitas para cada perspectiva: a) Para sermos bem sucedidos financeiramente, como deveríamos ser vistos
pelos nossos acionistas? b) Para alcançarmos nossa visão, como
deveríamos ser vistos pelos nossos clientes? c) Para satisfazermos
nossos clientes e acionistas, em que processos de negócio devemos alcançar a excelência? d) Para alcançarmos nossa visão, como
sustentaremos nossa capacidade de mudar e melhorar?
25
Revista Pró-Ciência
Figura 1 - Perspectivas do BSC
Fonte: Adaptado de Kaplan; Norton, 1997, p.10
O método de mensuração de desempenho é realizado a partir
do desdobramento das perspectivas que compõem o BSC em objetivos, indicadores, metas e iniciativas estratégicas (ver figura 3).
No desdobramento das perspectivas em objetivos, definem-se
os indicadores e as iniciativas estratégicas. Os indicadores possuem
metas que são confrontadas com o ambiente real. A periodicidade
de monitoramento e revisão de cada indicador é definida conforme a natureza específica de cada um. Cada indicador do BSC é
desdobrado em iniciativas estratégicas necessárias para o alcance
das metas traçadas. As iniciativas são responsáveis pela obtenção
dos resultados e, por conseguinte, a execução da estratégia.
1.3.1 - Mapa Estratégico
As quatro perspectivas em que o BSC está fundamentado são
interligadas por meio de relações de causa e efeito entre os seus
26
Revista Pró-Ciência
objetivos. Buscando tornar estas ligações mais claras, para auxiliar os executivos na definição da estratégia, Kaplan e Norton
desenvolveram uma forma de representação gráfica dessas conexões: o mapa estratégico.
Kaplan e Norton (2004, p. 10) afirmam que “o mapa estratégico representa o elo perdido entre a formulação e a execução da
estratégia”, oferecendo um método uniforme e consistente de
descrição da estratégia, que facilita a definição e o gerenciamento
dos objetivos e indicadores das quatro perspectivas.
O mapa estratégico é a representação gráfica das relações de
causa e efeito entre os componentes da estratégia de uma organização, permitindo que se descreva de forma consistente e uniforme a estratégia, o que facilita a definição e o gerenciamento
dos objetivos e indicadores.
Neste sentido, toda a medida do BSC deve estar integrada em
uma cadeia de relações de causa e efeito que comunica estratégia
da empresa às unidades do negócio.
O sistema de mensuração deve explicar as relações (hipóteses) entre os objetivos (e as medidas) nas diversas perspectivas, de modo que possam ser gerenciadas e validadas. O
sistema deve identificar e tornar explicita a seqüencia de hipóteses sobre as relações de causa e efeito entre as medidas
de resultado e os vetores de desempenho desses resultados
(KAPLAN; NORTON, 1997, p.155-156).
A partir da missão, visão e valores organizacionais, esses mapas descrevem as quatro perspectivas do BSC e a relação entre
elas, traduzindo a estratégia em planos de ação, facilitando sua
avaliação e ajuste.
2 Estudo de caso
A instituição em estudo é um Centro Universitário particular,
sem fins lucrativos localizado no estado do Rio de Janeiro. Com
41 anos de existência, iniciou suas atividades em 1969 como fa27
Revista Pró-Ciência
culdades isoladas oferecendo os cursos de Administração e Ciências Contábeis. Em 2003, consolidou um grande objetivo de
seus fundadores, sendo credenciada como Centro Universitário.
Conforme o seu Relatório Parcial de Avaliação Institucional,
em agosto de 2009, o Centro Universitário possuía em seu quadro funcional 183 docentes, 135 funcionários técnico-administrativos e 3.625 alunos distribuídos em 11 cursos de graduação.
2.1 - Proposta do BSC para o Centro Universitário
Em 2007, o Centro Universitário, com o apoio de uma consultoria externa desenvolveu o seu primeiro Planejamento Estratégico. Neste mesmo ano, elaborou o segundo PDI que está em
vigor desde o ano de 2008 até o ano de 2012. A elaboração deste
PDI se deu para atender ao processo de recredenciamento do
Centro Universitário junto ao Ministério da Educação (MEC).
O acompanhamento do PDI tem sido promovido por meio de
reuniões semestrais entre a Pró-reitoria Administrativa, a Pró-reitoria Acadêmica e a Coordenação da Comissão Própria de Avaliação Institucional (CPA). Nestas ocasiões, a Coordenação da CPA
apresenta um relatório contendo uma análise qualitativa dos objetivos alcançados no período em relação ao previsto, até então.
Não foram observados nos documentos analisados, nem nas
entrevistas realizadas com os dirigentes do Centro Universitário,
uma forma sistematizada de avaliação do desempenho destes
objetivos. Tão pouco foram previstos no próprio PDI os indicadores que seriam utilizados para acompanhar a implementação
dos objetivos institucionais propostos neste documento.
2.1.1 Classificação dos objetivos nas perspectivas do BSC
Para a classificação dos objetivos descritos no PDI, foi realizada uma reunião com os dirigentes do Centro Universitário
onde foram apresentados os conceitos do BSC, com o intuito de
28
Revista Pró-Ciência
se classificar os objetivos nas perspectivas do BSC. Nesta ocasião, foram definidas as seguintes perspectivas: (1) – Perspectiva
Financeira; (2) – Perspectiva dos Alunos/ Sociedade; (3) – Perspectiva dos Processos Internos; e (4) – Perspectiva do Aprendizado e Crescimento.
A adaptação da Perspectiva Clientes, no BSC original proposto por Kaplan e Norton, para a Perspectiva Aluno/Sociedade é
justificada pelo tipo específico de clientes atendidos em IES.
Com relação aos indicadores institucionais, estes foram construídos em conjunto entre a pesquisadora e os dirigentes do Centro Universitário. No entanto, foi convencionado para este trabalho utilizar o termo Mecanismo de controle em lugar de indicadores.
Esta adaptação justifica-se pelo fato do BSC proposto estar em
nível Institucional, onde alguns objetivos não possuem formas
quantificáveis de mensuração, sendo o termo, na visão da autora,
mais adequado para avaliar de forma quantitativa ou qualitativa,
segundo seja o caso, a consecução dos objetivos do PDI.
Os quadros 02, 03, 04 e 05 apresentam a proposta do BSC
gerada a partir desta reunião. Onde, os quadros 02, 03, 04 e 05
correspondem respectivamente à perspectiva financeira, a perspectiva dos alunos/sociedade, perspectiva dos processos internos e a perspectiva do aprendizado e crescimento. Os objetivos
estratégicos elencados nestes quadros foram extraídos do PDI,
conforme o quadro 1 apresentado na seção 3.2.1.5.
29
Revista Pró-Ciência
PERSPECTIVA FINANCEIRA
OBJETIVO
ESTRATÉGICO
MECANISMOS DE
CONTROLE
METAS
1 - Reduzir a inadimplência
em 30%;
19 – Melhorar os re- 2 - Ampliar a receita em 10%
sultados financeiros por ano;
3 – Aumentar em 20% a rentabilidade por curso. 16 – Reduzir os
custos internos
- Percentual de inadimplência
trimestral;
- Receita anual;
- Rentabilidade por curso, por
semestre. 1 - Reduzir até 10% dos custos
internos relativos à telefonia,
- Índice de redução dos custos
ao consumo de energia elétrica
internos, por semestre
e aos demais produtos utilizados na Instituição. - Taxa de trancamentos e cance04 – Reduzir os 1 - Reduzir os índices de evasão lamentos no período (categoriíndices de evasão em 30% nos dois primeiros zados por motivo), por trimestre
discente
períodos de cada curso
- Taxa de abandonos, por trimestre
1 - Implantar seis cursos de gra02 – Ampliar a
duação tecnológica, dois cursos - Número de cursos implantados
oferta de cursos de
de Licenciatura e dois cursos de na graduação, por semestre.
graduação
Bacharelado 1 - Aumentar o número de alunos ingressantes em 50%;
2 - Recuperar 25% dos alunos
- Número de alunos ingressan03 – Aumentar a evadidos.
tes (categorizados por tipo de
captação de alunos 3 - Aumentar em 30% o núingresso), por semestre.
mero de alunos Portadores de
Diploma de nível superior e
transferências externas. 05 – Implantar cur- 1 - Implantar, pelo menos dois
- Número de cursos implantados
sos de Pós-gradua- cursos em cada área do conhena pós-graduação, por semestre.
ção lato sensu. cimento. Quadro 1 - Objetivos da Perspectiva Financeira
Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro
Universitário e nas entrevistas
30
Revista Pró-Ciência
PERSPECTIVA DO ALUNO / SOCIEDADE
OBJETIVO
ESTRATÉGICO
METAS
MECANISMO DE
CONTROLE
1 - Ampliar em 100% o número - Número de atividades de
07 – Ampliar a oferta de
de atividades de extensão ofere- extensão oferecidas por seatividades de extensão
cidas à comunidade.
mestre
1 - Desenvolver, no mínimo
cinco projetos de cunho artístico-cultural;
08 – Promover o de2 - Desenvolver, no mínimo,
senvolvimento cultural,
dois eventos esportivos por ano
artístico e esportivo da
na Instituição;
região
3 - Patrocinar, no mínimo, duas
ações culturais regionais por
semestre. - Número de projetos de
cunho artístico-cultural desenvolvidos por ano;
- Número de eventos esportivos realizados por ano;
- Número de projetos culturais patrocinados
1 - Reduzir em 80% o número
de reclamações e recorrência
12 – Aumentar a satisfa- feitas por alunos;
ção do aluno
2 - Alcançar índice de 80% de
satisfação dos alunos com relação aos serviços prestados.
- Número de reclamações e
recorrências recolhidas pela
Ouvidoria;
- Índice de satisfação do
aluno na Avaliação Institucional.
1 - Atender plenamente os critérios quantitativos recomendados pelos MEC;
2 - Aumentar a satisfação por
13 - Melhorar a quali- parte de alunos, professores e
dade da biblioteca
funcionários com relação aos
serviços da biblioteca;
3 - Aumentar em 15% os investimentos para atualização e
ampliação do acervo.
- Número de reclamações recebidas por parte de alunos,
professores e funcionários;
- Índice de satisfação com os
serviços da biblioteca;
- Índices quantitativos recomendados pelos MEC;
- Número de livros adquiridos/ ano;
- Percentual do orçamento
geral/custeio investido em
compras de livros e periódicos.
1 - Ampliar em 15% o espaço
físico construído na sede;
17 – Melhorar a quali- 2 - Adequar e recuperar 70% dos
dade dos espaços físicos espaços físicos;
3 - Aperfeiçoar 100% dos espaços físicos. - Área construída por semestre;
- Número de espaços físicos
recuperados, por ano;
- Número de espaços otimizados, por ano.
31
Revista Pró-Ciência
- Número de projetos de extensão realizados junto à comunidade por semestre
- Índice de veiculações da
instituição na imprensa, com
1 - Aumentar a visibilidade e o ênfase em projetos desenvol15 – Fortalecer a imareconhecimento da marca insti- vidos junto à sociedade;
gem institucional
tucional. - Índice de acessos e opiniões na página do Centro Universitário;
- Relação de candidato versus vaga e origem dos vestibulandos.
Quadro 2 - Objetivos da Perspectiva dos alunos/sociedade
Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário
e nas entrevistas
PERSPECTIVA DOS PROCESSOS INTERNOS
OBJETIVO
ESTRATÉGICO
METAS
1 - Aumentar em 20% o desempenho acadêmico dos
alunos;
01 – Melhorar a qualidade
2 - Obter nota superior a 3 no
do ensino
ENADE de todos os cursos;
3 - Aumentar em 20% a taxa
de Conclusão da Graduação
MECANISMO DE
CONTROLE
- Nota do ENADE
- Índice de desempenho
acadêmico dos estudantes
- Taxa de Conclusão da
Graduação
1 - Otimizar a carga horária
- Média de carga horária
09 – Otimizar o quadro de em sala de aula de todos os
em sala de aula dos dodocente
docentes em tempo integral e
centes por semestre
parcial.
- Percentual de processos
14 – Melhorar o fluxo dos 1 - Otimizar 100% dos procesinternos
reformulados
processos internos
sos internos.
por semestre
18 – Modernizar os siste- 1 – Atualizar e integrar 100% - Número de sistemas aumas de Informação
dos sistemas auxiliares.
xiliares integrados
Quadro 3 – Objetivos da Perspectiva dos Processos Internos
Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário
e nas entrevistas
32
Revista Pró-Ciência
PERSPECTIVA DO APRENDIZADO E CONHECIMENTO
OBJETIVO
ESTRATÉGICO
METAS
MECANISMO DE
CONTROLE
06 – Promover o
desenvolvimento dos
programas de iniciação
científica
1 - Desenvolver, pelo menos dois programas de iniciação científica em cada
curso de graduação;
2 - Expandir em 30% a
publicação da produção do
conhecimento científico
3 - Promover dois eventos
anuais para divulgação dos
trabalhos
- Número de programas de
iniciação científica por curso;
- Número de professores e
alunos envolvidos nos programas de iniciação científica;
- Número de publicações da
produção do conhecimento
científico por ano;
- Número de eventos promovidos para difusão dos resultados das pesquisas por ano.
1 – Melhorar a atuação de
10 – Promover o desen100% do corpo docente e
volvimento do corpo
técnico-administrativo de
docente e técnico-adminacordo com as demandas
istrativo
institucionais.
- Número de funcionários
treinados por semestre;
- índice de satisfação dos
alunos com os serviços prestados;
1 - Aumentar para 80%
11 – Aumentar a satisfa- Índice de satisfação do coros índices de satisfação do
ção do corpo docente e
po docente e técnico-admicorpo docente e técnico adtécnico-administrativo
nistrativo.
ministrativo.
Quadro 4 – Objetivos da Perspectiva do Aprendizado e Conhecimento
Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário
e nas entrevistas
33
Revista Pró-Ciência
2.2 Construção do mapa estratégico
A proposta do BSC do Centro Universitário, vista na seção
anterior, apresentou os objetivos institucionais dispostos nas quatro perspectivas: financeira; alunos/sociedade; processos internos;
aprendizado e crescimento. No entanto, esta proposta não deixa
explícitas as relações de causa e efeito entre os objetivos.
Com o objetivo de tornar mais clara a estratégia do Centro
Universitário, tendo como base a proposta do BSC, chegou-se à
estrutura do mapa estratégico por meio do estabelecimento das
relações de causa e efeito entre os objetivos institucionais. Desta
forma, é possível que se identifique de forma visual, as relações
de causa e efeito responsáveis pela tradução dos objetivos em
resultados.
As relações causais da perspectiva do Aprendizado e Crescimento procuraram assegurar o capital intelectual e intangível
necessários à execução dos processos internos com a máxima
eficiência e eficácia. Já, as relações estabelecidas na perspectiva
dos Processos Internos, foram estabelecidas de modo a adequar
às necessidades dos clientes (alunos), permitindo que a instituição crie valor para os mesmos. Na perspectiva dos alunos/sociedade, as relações estabelecidas procuraram garantir a satisfação
dos mesmos, o que possibilitará melhores resultados financeiros
e a projeção da instituição junto à sociedade.
A figura 10 mostra o Mapa Estratégico Institucional elaborado pela autora e validado junto aos dirigentes da instituição.
34
Revista Pró-Ciência
Figura 2 – Mapa estratégico do Centro Universitário
Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário
e nas entrevistas
35
Revista Pró-Ciência
Considerações Finais
Esta pesquisa teve como objetivo propor um sistema de medição
de desempenho gerencial, baseado nos conceitos do Balanced Scorecard
(BSC), para um Centro Universitário particular, tendo como ponto
de partida os objetivos, metas e iniciativas previamente definidos
em seu PDI. Para que este objetivo fosse atingido, estabeleceu-se
uma referência conceitual sobre as seguintes práticas de gestão:
Planejamento Estratégico, Plano de Desenvolvimento Institucional
e Balanced Scorecard. E, além desta pesquisa bibliográfica, foi realizado
um estudo de caso.
Constata-se que diante da importância do cumprimento do
PDI para atos autorizativos que permitirão à IES continuar
exercendo suas atividades, existe a necessidade de se estabelecer
formas sistematizadas de acompanhamento do mesmo. Neste
sentido, com base nos resultados apresentados e nas abordagens
teóricas da revisão da literatura, foi possível responder a questão
que deu início a esta pesquisa. Ou seja, por meio da construção
de um sistema de medição de desempenho baseado nos fundamentos do BSC e de um mapa estratégico é possível acompanhar a consecução dos objetivos institucionais previamente
estabelecidos no PDI.
Entende-se que a utilização do BSC e do Mapa Estratégico
proposto para o Centro Universitário estudado possibilitará o
alinhamento dos esforços da comunidade acadêmica no sentido
de promover o seu desenvolvimento, definindo com clareza a
proposição de valor pretendida aos clientes (alunos) e à sociedade, os processos internos necessários ao atendimento dessa
proposição de valor e os ativos intangíveis, que serão a base para
a execução desses processos de forma excelente.
Por fim, conclui-se que mesmo considerando a vocação social, as IES devem estar atentas às questões relacionadas à sua
sustentabilidade. Nesse sentido estas instituições não diferem
das demais empresas, devendo, por meio da adoção de práticas
36
Revista Pró-Ciência
de gestão consagradas em outros segmentos, adaptadas às suas
realidades, promover a melhoria constante da qualidade de sua
gestão e de seus resultados, criando assim valores sólidos para
seus alunos, a sociedade e seus mantenedores.
37
Revista Pró-Ciência
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41
Revista Pró-Ciência
Crianças, mulheres e idosos:
um estudo sobre vítimas invisíveis
Maria Carolina de Almeida Duarte 3
Cleyde Alves da Silva 4
Rafaelle Sá da Costa 5
Daniel da Silva Cangerana 6
Sandra Lúcia Gonçalves 7
Resumo
Abstract
O estudo aqui apresentado versa sobre
vítimas
invisíveis,
especificamente
crianças, mulheres e idosos que vivem
na Baixada Fluminense e na cidade do
Rio de Janeiro, onde foi dado destaque
ao trabalho da Delegacia de Proteção ao
Idoso de Copacabana. De acordo com
seu relato fica evidente que as vítimas
sofreram caladas por algum tempo sem
procurar a Polícia, demonstrando que,
durante essa fase, a violência ficou oculta
das instituições encarregadas de controlar
o crime: a Polícia, o Ministério Público e
o Judiciário.
The study presented here deals with
invisible victims, specifically the children,
women and the aged who live in the Baixada
Fluminense (Fluminense Lowlands), in
the city of Rio de Janeiro, where the work
at the Protection to the Senior Citizens in
the Copacabana Precinct was prioritized.
According to this account it is clear that the
victims kept silent for some time without
looking for the police, demonstrating that
during that stage violence at institutions
was out of sight of institutions in charge of
controlling crime: the Police, Public the
Attorney’s Office and the Legal Department.
Palavras - chave:
Keywords:
Vítimas invisíveis. Crianças. Mulheres. Invisible victims. Children. Women. Senior
Idosos.
Citizens.
Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho/RJ, Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Especialista em Pesquisa Social pela Universidade Federal de Mato Grosso, Professora Adjunto IV, aposentada pela UFMT, Professora na Universidade Iguaçu/ RJ e no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos.
4
Mestra em Direito pela Universidade Iguaçu/RJ, advogada, Professora na
UNIG/RJ.
3
42
Revista Pró-Ciência
Sumário: Introdução; 1 O problema; 1.1 Hipóteses; 1.2 Linha de
pesquisa; 2 Análise teórica e dados concretos das vítimas invisíveis; 2.1
Crianças; 2.1.1 Casos concretos; 2.2 Mulheres; 2.2.1 Casos concretos;
2.3 Idosos; 2.3.1 Casos concretos; 4 Metodologia, universo da pesquisa e
população-alvo;; 5 Análise de resultados e considerações finais.
Introdução
A presente pesquisa tem por objeto o estudo das vítimas invisíveis que fazem parte da “cifra oculta da delinquência” e dos
processos de vitimização primária (danos psíquicos, físicos e
sociais), secundária (vítimas do sofrimento adicional provocado
pelas instâncias que controlam o crime: Polícia, Ministério Público e Judiciário) e terciária (vítimas da falta de amparo dos órgãos
públicos e dos grupos sociais).
Este estudo terá como universo de pesquisa a Baixada Fluminense e o bairro de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro-RJ,
bairro com o maior número de idosos do país. O estudo versa,
especificamente, sobre três categorias de vítimas invisíveis: crianças, mulheres e idosos, sujeitos da “cifra oculta da delinquência” que
não informam e/ou demoram a informar à Polícia os crimes de
que foram vítimas. Tais pessoas muitas vezes não reportam o crime à Polícia por sofrerem ameaças dos seus agressores, por não
confiarem na polícia, por terem medo de entrar numa delegacia
ou por não possuírem condições físicas ou mentais para denunciar os agentes que as vitimizam. Sabe-se que frequentemente as
vítimas são tratadas com desconfiança. Finalmente, muitas víti-
Mestranda em Psicanálise pela Universidade Veiga de Almeida, Especialista em
Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes, Professora da
Universidade Iguaçu/RJ, advogada e Orientadora Jurídica do Centro de Referência
Especializado da Assistência Social (CREAS).
6
Aluno bolsista.
7
Aluna colaboradora.
5
43
Revista Pró-Ciência
mas não acreditam no Judiciário, sobretudo pela morosidade da
Justiça, fato ocorrente tanto no sistema jurídico-penal brasileiro,
quanto em outros países (grifos nossos).
A análise teórica da invisibilidade social, no campo da delinquência revela a existência de vítimas, sem consciência de vitimização. A população alvo deste estudo está restrita a crianças,
mulheres e idosos, vítimas invisíveis e silenciosas que sofrem todas
as formas de violência (grifos nossos).
A pesquisa envolve a análise dos tipos de violência que agridem direitos fundamentais da pessoa humana consagrados na
Constituição da República Federativa do Brasil, na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em Tratados Internacionais e em inúmeras leis, entre elas: o Estatuto do Idoso (Lei nº
10.741/2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/1990) e a lei que disciplina a violência doméstica e familiar, denominada Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
Ademais, a Criminologia, a Vitimologia e a Política Criminal
cada vez mais nos indicam que, para a compreensão e controle da
criminalidade, é imprescindível o estudo de seus autores e vítimas.
De forma geral, a criminalidade real que ocorre na Baixada Fluminense e na cidade do Rio de Janeiro é a quantidade de delitos
verdadeiramente cometida. No entanto, sabe-se que as estatísticas
oficiais só revelam a criminalidade legal. Segundo Lola Aniyar de
Castro (1983, p. 6), as estatísticas oficiais só registram casos em
que houve condenação. Entre a criminalidade legal e a real há uma
enorme quantidade de casos não conhecidos e esta diferença é
denominada cifra obscura, cifra negra ou delinquência oculta. Tal
fenômeno é preocupante e existe em todas as cidades, motivando
o presente estudo de sua incidência na Baixada Fluminense e na
Delegacia de Idosos, em Copacabana/ RJ.
Assim, a pesquisa justifica-se plenamente por se tratar de uma
reflexão sobre tipos de violência praticada nestas localidades e,
sobretudo, por versar sobre problemas criminológicos que envolvem direitos humanos (linha da pesquisa – Direito Penal, da
44
Revista Pró-Ciência
Universidade Iguaçu, com viés nas questões ligadas aos Direitos
Humanos). Trata-se de uma proposta coerente com o oportuno
pensamento de Álvaro Mayrink da Costa (1982, p. 854): “onde
estiver o homem, acompanha-o seus Direitos Humanos”.
Em paralelo a esta pesquisa importante e oportuna, projetada
e desenvolvida por professores e alunos do Curso de Direito da
Universidade Iguaçu, são apresentadas sugestões de como lidar
com o problema em questão, do ponto de vista de apontar políticas públicas adequadas para instruir e resguardar essas vítimas
invisíveis e, finalmente, buscar a punição aos crimes dessa cifra
oculta de delinquência. Pretende-se tornar visível a invisibilidade
dessas vítimas.
1 - O problema
As ideias e os resultados dos estudos acima expostos dão margem a que se pergunte: qual o motivo principal que leva muitas
vítimas, entre elas, crianças, mulheres e idosos da Baixada Fluminense e cidade do Rio de Janeiro, a não procurar a Polícia para
reportar violências sofridas? Se o fazem, por que não registram a
ocorrência logo no primeiro ato praticado pelo agressor? Com
base nestas questões fundamentais e na revisão de literatura sobre o tema, outros desdobramentos nortearam a pesquisa:
a) a vítima não acredita no trabalho da polícia?;
b) a vítima é parente ou amigo do agressor?;
c) a vítima não dispõe de provas?;
d) a própria vítima tem passado criminoso e, por isso, não
quer se expor à polícia?;
e) a vítima é desestimulada a registrar a ocorrência?;
f) a vítima não acredita na eficiência do Judiciário (Justiça)?;
g) a vítima tem medo de novas violências do agressor?
45
Revista Pró-Ciência
1.1 - Hipóteses
Hipótese 1: Quanto maior descrédito da população em relação à Polícia, maior o número de cifra oculta da violência.
Hipótese 2: Quanto maior a cifra oculta da delinquência,
maior o número de vítimas invisíveis, sobretudo crianças, mulheres e idosos.
Hipótese 3: Quanto maior o medo da vítima em relação ao
agressor, menor o número de denúncias à Polícia.
1.2 - Linha de pesquisa
Direito Penal, especialmente nos aspectos ligados à Criminologia, à Vitimologia e à Política Criminal.
3 - Análise teórica e dados concretos das vítimas invisíveis
O estudo sobre a violência contra crianças, mulheres e idosos
está necessariamente ligado à problemática da invisibilidade social e da cifra oculta da delinquência.
O primeiro passo é conceituar o que se entende por invisibilidade social, na perspectiva da situação das vítimas. A invisibilidade social, para Júlia Sá Pinto Tomas (2010, p. 1), é oriunda do
desprezo social e do não-reconhecimento do ser humano pelos
grupos sociais. Na sociedade contemporânea, dominada pelo
ponto de vista ocidental, ser invisível significa ser inexistente ou
insignificante. Para a autora, existem duas possibilidades de o
indivíduo ser invisível: por um lado, pode ser um ato voluntário,
por outro, pode ser o ato de “não-ver”, numa perspectiva coletiva e partilhada, dando origem à alteridade invisível.
Fernando Braga da Costa (2004, p. 63) assevera que a invisibilidade pública se caracteriza pelo “desaparecimento intersub-
46
Revista Pró-Ciência
jetivo de um homem no meio de outros homens”. O resultado
desse processo é visto pelo autor como um problema crônico
nas sociedades capitalistas, em que o fenômeno da humilhação
social é construído e reconstruído ao longo de muitos anos no
cotidiano das classes pobres. A invisibilidade social é um dos
componentes da criminalidade oculta, tanto vítimas como criminosos ficam apagados, enfim, ausentes da estatística oficial da
criminalidade.
Observa Lola Aniyar de Castro (1983, p. 67; 69; 70) que a
diferença entre a criminalidade legal, a aparente e a real traz à
discussão as estatísticas oficiais que não revelam o total de crimes cometidos numa sociedade. Na realidade, afirma a autora, a
delinquência oculta seria muitíssimo maior do que diz respeito à
aparente. Os fatos não são levados pelas vítimas ao conhecimento da polícia por diversas razões:
[...] 1. o fato não é percebido pela vítima como criminoso;
[...] 2. por desconfiança ou aversão à polícia; 3. por simpatia
para com o acusado; 4. porque a comunidade a que pertence é contrária a denúncias; 5. por temor a represálias; 6. por
ver a condenação que se infringiria como algo mais grave
do que o dano sofrido; 7. para evitar ser implicado no caso
[...] casos de delitos sexuais (entre parentes ou entre estranhos, especialmente violações ou casos de adultérios); porque há possibilidade de obter a reparação por outra via.
No mesmo sentido, Wagner Cinelli de Paula Freitas (2004, p.
154) ensina que haverá sempre delitos que não são descobertos
e as razões do silêncio das vítimas são variadas: 1 - o delito pode
não ser percebido pela vítima; 2 - determinada conduta, embora
criminosa, pode ter aceitação pelo grupo, a exemplo do jogo
do bicho; espancamento do filho pelos pais a título de “educação”; 3 - o criminoso é parente ou amigo da vítima; 4 - a vítima
considera que o delito sofrido é de pequena importância; 5 - a
vítima receia sofrer represálias; 6 - a vítima se sente constrangida
com o ambiente da delegacia policial; 7 - a vítima não confia na
47
Revista Pró-Ciência
polícia; 8 - a vítima não dispõe de provas; 9 - a própria vítima
tem passado criminoso e não quer se expor perante a polícia; 10
- a vítima sente vergonha pelo delito sofrido; 11 - a vítima ou um
terceiro soluciona o crime; 12 - a vítima é desestimulada a registrar
a ocorrência pela própria polícia. Assim, continua o autor, surge a
denominada “cifra oculta”, representada pelos crimes não reportados à polícia que gera uma imensidão de vítimas silenciosas.
O mesmo autor assinala que os estudos a respeito da
vitimização surgiram nos Estados Unidos a partir da década
de 1960. Entre eles destaca-se uma pesquisa intitulada National
Crime Victimization Survey (NCVS), publicada anualmente pelo
Bureau de Estatística do Departamento de Justiça dos Estados
Unidos desde 1973. No estudo, os pesquisadores informam que
dois terços dos entrevistados que afirmaram ter sido vítimas de
crime não registraram a respectiva ocorrência policial.
Afirma Paula Freitas (2004, p. 154) sobre pesquisa realizada
pela Rape, intitulada Abuse & Incest National Network (RAINN),
que visava a orientar vítimas de crime sexual. Tal pesquisa destaca que no ano de 2001, apenas 39% das vítimas de delitos sexuais procuraram as autoridades para reportar os crimes sofridos.
Esse silêncio é, sobretudo verificado nesse tipo de delito, pois a
vítima entende tratar-se de uma questão privada. Além disso, ela
teme a represália por parte do criminoso.
O medo povoa o imaginário social das vítimas invisíveis. A
questão da cultura do medo é avaliada por Barry Glassner (2003,
p. 39) ao afirmar que a própria criação das crianças é povoada de
temores. Para ele a cultura do medo “cresce cada vez mais por
meio de correntes de temores e contratemores”, e mais: o medo
prolifera por meio de um processo de troca. O autor declara
que há na sociedade capitalista verdadeiros vendilhões do medo.
O medo é um forte componente da Política Criminal do Movimento de Lei e Ordem que promete segurança social nos projetos políticos e campanhas eleitorais. Como afirma o sociólogo
Zygmunt Bauman (2009, p. 55), “nossos medos são capazes de
48
Revista Pró-Ciência
se manter e se reforçar sozinhos. Já têm vida própria”. O autor
assinala que grandes lucros podem ser gerados pela indústria do
medo. Para Bauman “o capital do medo” pode dar origem a
lucros políticos e comerciais, sobretudo nos meios de comunicação de massa. A mídia contribui e reforça a produção do medo.
Assim, as vítimas preferem calar a ficarem expostas.
3.1 - Crianças
A violência contra crianças e adolescentes é objeto de estudo em vários países. Paulo Sérgio Pinheiro (2010)8 informa que,
segundo estudo realizado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre a violência contra crianças e apresentado à Assembléia Geral, existem diversos tipos e escalas de violência contra
crianças no mundo todo. A tipificação inclui violência física, psicológica, discriminação e maus tratos. Ela vai de abusos sexuais
em casa a castigos corporais e humilhantes na escola; do uso de
restrições físicas em casa à brutalidade cometida pelas forças da
ordem. Além disso, há significativa participação das lutas travadas pelas gangs nas ruas onde as crianças brincam e trabalham. O
mencionado estudo aborda alguns ambientes nos quais ocorre a
violência, dando ênfase à casa (da própria família) e à escola.
Assinala o referido autor que as estatísticas incluídas no estudo revelam dados alarmantes. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS) estima-se que em 2002, cerca de 53
(cinqüenta e três) mil crianças entre 0 - 7 anos de idade foram
vítimas de homicídio. Dados da Organização Mundial do Trabalho (OIT) revelam que 5,7 milhões de crianças realizam trabalhos forçados ou em regime de servidão. Destas, 1,8 milhões
estavam envolvidas em prostituição e pornografia e 1,2 milhões
foram vítimas de tráfico no ano de 2000.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Violência contra criança. Disponível em: <http://
www.unicef.pt/pagina_estudo_violencia.php>. Acesso em: 20 abr. 2010.
8
49
Revista Pró-Ciência
O estudo da ONU também assinala que muitas crianças internadas em centros de detenção são frequentemente vítimas de atos
de violência por parte dos funcionários das instituições, sob forma
de castigo ou controle. Em 77 países os castigos corporais e outras
formas de punições violentas são aceitos como medidas disciplinares legais em instituições penais. As marcas físicas, emocionais e
psicológicas da violência podem ter sérias implicações no desenvolvimento da criança, na sua saúde e na capacidade de aprendizagem.
Alguns estudos mostram que o fato de ter sofrido atos de violência
na infância está relacionado com comportamento de risco no futuro
(consumo de álcool, drogas, criminalidade etc.) e doenças como depressão, problemas cardiovasculares e até mesmo o suicídio9.
Outro tipo de violência discutida na atualidade é o bullying.
Não existe tradução direta para a palavra bullying. Nos ensinamentos de Lélio Braga Calhau (2009, p. 6), bullying “é um assédio
moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir
a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de
forma repetida”. Segundo o mesmo autor, o bullying pode ser conhecido por outras expressões, entre elas: assédio moral, mobbing
(Noruega e Dinamarca), mobbning (Suécia e Filândia), harassment
(EUA), acoso (Espanha) e outras denominações.
Lélio Braga Calhau (2009, p. 7) assinala que existem alguns critérios fundamentais para diferenciar o bullying de outras formas
de violência e de brincadeiras próprias da infância e adolescência.
Os critérios citados pelo autor são oriundos da pesquisa de Dan
Olweus, na Universidade de Bergan, na Noruega, realizada no período de 1978 a 1993. Os critérios mais presentes são: ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo;
desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ausência
de motivos que justifiquem os ataques. O autor acrescenta ainda
que devem ser observados os sentimentos negativos e as sequelas
emocionais sofridas pelas vítimas do bullying.
9
PINHEIRO, Paulo Sérgio, op. cit.
50
Revista Pró-Ciência
Os participantes do bullying estão divididos da seguinte forma: agressores, vítimas, espectadores passivos e vítimas agressoras (grifos
nossos). Nas palavras de Cleo Fante (2005, p. 73), o agressor é
aquele que vitimiza os mais fracos (membro de família desestruturada, com pouco ou nenhum relacionamento afetivo, os pais
exercem sobre eles uma orientação deficitária, existe por parte
dos pais comportamentos agressivos ou violentos para solucionar conflitos); o agressor pode ter a mesma idade ou um pouco
mais velho que suas vítimas; costuma ser alguém de mau-caráter,
impulsivo e irrita-se com facilidade; custa a adaptar-se às normas; não aceita ser contrariado e pode valer-se de artimanhas nas
avaliações. O agressor é considerado malvado e mostra pouca
ou nenhuma simpatia com suas vítimas. Adota condutas antissociais, incluindo o roubo, o vandalismo, o uso de álcool e tem
especial atração por más companhias. Enfim, os bullies são pessoas que gostam de poder e de controle.
As vítimas do bullying, segundo a mesma autora, são geralmente eleitas pelos agressores como alvo de seus ataques. Assim, tais
agressões não têm motivo específico. O alvo do bullying são alunos
considerados pela turma como diferentes: os tímidos, retraídos,
submissos, ansiosos, temerosos, com dificuldade de defesa, de
expressão e de relacionamento. Além dessas características, Cleo
Fante aponta outras como as doenças de raças, opção sexual, desenvolvimento acadêmico, sotaque, maneira de ser e de se vestir.
Os alunos ou os profissionais que se destacam no meio, também
são comumente “eleitos” para serem vítimas de bullying.
Para Fábio Barbirato (2009, p. 7), o bullying tem efeito nefasto na educação e na autoestima de uma criança ou adolescente,
agravado ainda mais em uma cultura social como a nossa, que
estimula a ascensão de uns, em demérito de outros.
Os agressores (bullies) praticam as agressões morais ou físicas;
as vítimas servem de alvo dos ataques, os espectadores passivos
são as testemunhas silenciosas que estabelecem relações com
o(s) agressor(es) e a(s) vítima(s). Existem, também, as vítimas-
51
Revista Pró-Ciência
agressoras. São pessoas que foram vítimas e se transformaram
em agressores, ou seja, passaram a reproduzir o comportamento
dos bullies que as agrediram. Em geral são aqueles que se munem
de armas e explosivos e vão até a escola em busca de justiça.
Usam da vingança matando o maior número de pessoas e por
fim suicidam-se (FONTE; PEDRA, 2008, p. 60).
O filme Elefante, de Gus van Sant, vencedor da Palma de
Ouro em Cannes, mostra com exatidão como a vítima de bullying
pode se transformar em algoz: os meninos ridicularizados na escola como fracassados decidem metralhar os colegas de escola.
Detalhe: o filme é inspirado em um caso real americano.
O dia a dia nas escolas é marcado por vários tipos de violência
oculta, como agressões físicas, bem como por “microviolências,
ou seja, atos de incivilidade, humilhações e falta de respeito”.
A violência tem como umas das causas as discriminações geradas por preconceitos de diversas ordens: condições socioculturais, identidades sexuais são motivos para brigas, humilhações
e exclusões que ocorrem nas salas de aula e pátios de colégios
(ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2010, p. 191).
As autoras também comentam a violência de gênero (idem, p.
199), e alertam que as rotulações sociais passam pelas escolas. A
homofobia, dessa forma, não é apenas representada por agressões, mas é também uma forma de obrigar as vítimas a ficarem
na invisibilidade, ou seja, “no armário”, o único espaço legítimo
da homossexualidade. [...] a auto-exclusão de homossexuais também aparece, especialmente como forma de defesa (ibidem, p.
203). Salientam as autoras que a segregação que fere a dignidade e gera baixa autoestima são reproduzidos tanto por alunos,
quanto por professores. Os seguintes xingamentos contra homossexuais apontados como exemplos pelas referidas autoras:
52
Revista Pró-Ciência
Biroba
Bicha
Barbie girl
Boi de cana
Gay
Lacraia (em referência à drag queen carioca, dançarina de funk)
Lagartixa (para lésbicas)
Maria macho
Maria João
Mulherzinha
Precioso
Princesa
Sapatão
Viado
Fonte: RITLA, pesquisa Revelando tramas, descobrindo segredos:
violência e convivência nas escolas, 2008.
Nota: Apelidos retirados das questões abertas do questionário
e dos grupos focais.
Allan L. Beane (2009, p. 53) avalia o papel da escola que muitas vezes não dá a devida atenção aos problemas do bullying, mesmo quando as crianças informam aos adultos sobre a situação. O
autor relata o seguinte: “uma mãe me contou sobre um incidente
no qual o aluno que cometeu suicídio deixou um bilhete, relacionando os nomes dos que o haviam maltratado, e a escola não fez
nada para punir esse comportamento”.
A pedofilia é outro tipo de violência a ser investigada com
maior rigor. Embora não seja tipificada como crime pelo Código
Penal brasileiro, hoje a conduta do pedófilo pode ser subsumida
no delito de estupro de vulnerável, tipificado pela recente Lei
nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, na qual foi criado o art. 217
A -“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos; Pena – reclusão de 8 (oito) a 15
(quinze) anos.”
Rogério Greco (2010, p. 621) entende que a pedofilia é um
dos crimes que nos causam asco e nos fazem sentir repulsa. O
autor ensina que o comportamento daquele que mantém relacio53
Revista Pró-Ciência
namento sexual com crianças pode tranquilamente ser amoldado
ao conceito de estupro de vulnerável.
A jornalista Geralda Doca (2010, p. 5) afirma que a OIT, num
relatório que é feito há quatro anos, demonstra que 115 milhões
de meninos e meninas estão “submetidos às piores formas de
trabalhos, que violentam os direitos fundamentais da criança
(em atividades expostas a riscos), como pedir esmolas, tráfico de
drogas, exploração sexual e outros atos ilícitos.”
No campo da legislação, Andreucci (2010, p. 81-82) ensina
que o Estatuto da Criança e do Adolescente é um diploma legal
que está em conformidade com a Convenção sobre Direitos da
Criança, de 20 de novembro de 1989. O autor, ao relatar um
breve histórico sobre as doutrinas referentes a menores, aponta a
Doutrina do Menor em Situação Irregular, a Doutrina do Direito Penal do Menor, que inspirou o Código Criminal do Império
(1830), o primeiro Código Penal Republicano (1890) e o Código
de Menores (1927).
O primeiro Código de Menores brasileiro assinalava apenas
medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos
considerados infrações penais. Além disso, introduziu normas de
proteção do menor em situação irregular, ao estabelecer medidas de
assistência ao menor abandonado e proibir o trabalho do menor de
doze anos e trabalho noturno ao menor de 18 (dezoito) anos.
Em 1979, é publicada a Lei nº 6.697, intitulada Código de
Menores, que adota nos seus dispositivos a doutrina do menor
em situação irregular, embora existam tratados inspirados na
Doutrina da Proteção Integral. A proteção se estendia ao menor
carente, abandonado, infrator, bem como aquele que estivesse
em situação irregular.
No ano de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Paris, estabelecia o direito, cuidados
e assistências especiais aos menores. Na mesma esteira, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida
como Pacto de San José da Costa Rica, assinala que toda criança
54
Revista Pró-Ciência
tem direito às medidas de proteção requeridas por sua condição
de menor.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com base na
Doutrina da Proteção Integral que visa a tornar crianças e adolescentes sujeitos de direitos semelhantes aos adultos, apresenta
sua origem no art. 3º, que dispõe o seguinte:
A criança e o adolescente gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei
ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a
fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
3.1.1 - Casos concretos
A seguir são transcritos alguns fatos narrados em boletins de
ocorrência, que servem para melhor ilustrar a crueza dos casos
analisados durante a pesquisa:
OCORRÊNCIA 238/2011 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Fato comunicado em sede policial pela mãe da menor vítima, acerca das
condutas do padrasto.
Procedimento ainda na fase de verificações das informações, visando a
conclusão em tempo próximo.
Nomes retirados da dinâmica para manter-se o sigilo das partes envolvidas,
podendo ser revelado caso se faça contato e entrevistas pessoais no sentido da
pesquisa.
55
Revista Pró-Ciência
Dinâmica “Trata-se de comunicação de ESTUPRO DE VULNERÁVEL, comunicado pela mãe da menor vítima, em desfavor do marido. Informa que é
casada há 5 anos, mas a menor vítima não é filha dele. Informa que ontem,
durante o banho, sua filha contou que por algumas vezes seu padrasto teria
mexido “nas partes dela”, referindo-se a genitália feminina da menor, tendo ele
ainda mandado ela mexer “nas partes dele”. Informa que conversou com ele já
à noite, não tendo ele negado ou confirmado, apenas começado a chorar. Pelo
fato resolveu efetuar a comunicação, recebendo ciência da necessidade de fazer
os exames no IML e no Centro de Prevenção à Saúde da Criança e Adolescente, visando corpo de delito e laudo psicossocial. Comunicante ficou ciente das
medidas protetivas da Lei 11.340/2006, mas afirmou não ter interesse em pedir
neste momento, alegando que possui um filho com o marido e assim não desejar o afastamento judicial. Desta forma lavra-se a comunicação.”
OCORRÊNCIA 179/2011 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Fato comunicado em sede policial pelo Conselho Tutelar, acerca das
condutas da mãe e do padrasto.
Nomes retirados da dinâmica para manter-se o sigilo das partes envolvidas,
podendo ser revelado caso se faça contato e entrevistas pessoais no sentido da
pesquisa.
Dinâmica“Ocorrência de ESTUPRO DE VULNERÁVEL e AMEAÇA
confeccionada em conjunto com o CONSELHO TUTELAR DE BELFORD
ROXO, estando presente a Conselheira de Plantão. As menores chegaram hoje
24/01/2011 em sede policial com a avó para comunicação, mas já estão sob
atendimento do conselho tutelar desde quinta-feira, dia 20/01/2011, estando
hoje a conselheira presente para acompanhar a ocorrência e retirar as guias
de exame de corpo de delito. A informação é de que as menores chegaram
na casa da avó em 20/12/2010, mas somente 30 dias depois o conselho foi
comunicado, tendo logo então encaminhado para registro de ocorrência. As
duas meninas relatam que o PADRASTO abusava sexualmente delas (tendo as
menores 12 e 11 anos de idade), tendo até mesmo tido conjunção carnal com a
mais velha. Relatam ainda que o casal proferiu ameaça de morte às menores,
caso contassem algo para alguém e falassem no assunto. Pelo fato foi gerada
a presente comunicação, tendo a avó assinado como representante-legal e a
conselheira como testemunha de comunicação. Foram geradas as guias do
IML. Conselho informa que já foram gerados os devidos encaminhamentos,
sendo neste momento gerados os encaminhamentos da DEAM ao novo NACA
(CASCA), bem como ao Hospital da Posse e ao IML para exames, entregues à
conselheira, para juntada aos demais já confeccionados. Cadastradas medidas
protetivas perante a mãe e o padrasto, para encaminhamento ao forum.”
56
Revista Pró-Ciência
Maio de 2010 – 00802/2010
Delito de ESTUPRO DE VULNERÁVEL que fora levado ao conhecimento do Estado através da genitora da vítima que contava com 6 (seis) anos de
idade, apontando o pai da criança como autor da conduta delituosa, acerca de
fatos provavelmente ocorridos em datas diversas do ano de 2009, meses antes
do comparecimento em sede policial.
Segundo a representante-legal, somente ficou sabendo dos fatos no final
de semana que esteve na delegacia, justificando-se que foi somente neste momento de separação que sua mãe e sua empregada contaram do que sabiam,
informando-a que a menor teria sido molestada sexualmente pelo pai durante os
momentos em que com ela ficava sozinho, especialmente durante os banhos.
A menor relatou à avó e à empregada algumas condutas do pai, como o
dia em que durante o banho, ambos pelados, teria ele “passado o lulu em seu
bumbum, desculpando-se dizendo ter confundido com o sabonete”. Em outro
momento teria ele “colocado as mãos da vítima em seu lulu, que era grande e
duro”. Contou por fim que seu pai “machucava sua xoxota e ficava gemendo
com a boca”.
Ouvida a empregada, contou que ouvira os fatos diretamente da criança,
complementando ainda com mais um dado, que o pai “beijava sua xoxota”,
sendo “xoxota” o termo usado pela vítima para referir-se a seu órgão genital.
Relatou por fim que a menor, em companhia de seu filho da mesma idade, em
um dia em que brincavam na piscina, teria dito “seu filho tem um lulu pequeno,
o do meu pai é grande e duro, eu já coloquei a mão”.
Ouvida a avó, confirmou também em declarações o que a neta havia contado, justificando não terem falado antes para sua filha, pois, poderiam sofrer
algum tipo de represália do imputado autor, enquanto ele ainda morava sob o
mesmo teto de sua filha, mãe da menor.
O pai e acusado pelo crime esteve presente após solicitação e tomou ciência do
conteúdo do procedimento, sobre o qual passou a relatar. Demonstrou-se extremamente surpreso com o que lhe estava sendo imputado, negando veementemente ter
tido qualquer contato físico com teor sexual em relação a sua filha. Em declarações,
confirmou porém que ficava sozinho com a menina e lhe dava banhos em algumas
ocasiões, mas justificando-se ter feito a conduta normal de um pai qualquer.
A menor encontra-se sob atendimento psicossocial de um grupo de apoio oficial existente na Baixada Fluminense, local em que está tendo a atenção necessária para dirimir a
problemática do caso em tela, não havendo ainda laudo final sobre os atendimentos.
O AECD (auto de exame de corpo de delito) deu negativo para conjunção
carnal e negativo para ato libidinoso.
A justiça, baseada na Lei 11.340/2006, decretou a medida protetiva de proibição de
aproximação, até que se finalize os autos e se esclareça a verdade real ainda pendente.
57
Revista Pró-Ciência
Dezembro de 2009 – 01983/2009
Delito de ESTUPRO DE VULNERÁVEL, sendo 3 (três) vítimas menores,
irmãs, filhas da então comunicante. Uma de 9 anos, outra de 7 anos e a mais
nova de 6 anos de idade.
O imputado autor é o marido da avó das meninas, considerado como um
verdadeiro avô consangüíneo.
Em comunicação, disse que sabia do fato há 2 (dois) meses, mas não o fez
visando a não exposição das crianças em processo judicial, apesar de saber que
se trata de processo indisponível a sua vontade, apesar de ser a mãe, pelo fato
de a lei assim determinar.
Esclareceu que o Conselho Tutelar recebeu uma “denúncia anônima”, motivo de seu comparecimento no órgão citado, onde recebeu o encaminhamento
para registrar os fatos e abrir a ação competente.
As menores contaram à mãe que o “avô” nunca “enfiou” nada nelas, mas
sempre passava as mãos pelo corpo das crianças e também lhes passava
“algo duro”. Em sede policial, porém, contaram que teria ocorrido penetração
e contato sexual em si, dizendo ainda que os fatos ocorriam em momentos em
que tinham de ficar a sós com o avô, no interior da residência.
Após o comparecimento, o imputado autor negou todas as acusações, justificando ter para mais de 20 netos e nunca ter sido “acusado” de nenhum fato
ilícito contra qualquer um deles, não entendendo o porquê de estar sendo “acusado” pelas menores. Disse que saiu do local e está residindo em casa diversa,
até que se esclareçam os fatos.
As crianças encontram-se sob atendimento psicosocial de um grupo de
apoio oficial existente na Baixada Fluminense, local em que está tendo a atenção necessária para dirimir a problemática do caso em tela, não havendo ainda
laudo final sobre os atendimentos.
Os AECD´s (auto de exame de corpo de delito) deram negativo para conjunção carnal e negativo para ato libidinoso.
Não foi solicitado o pedido de medida protetiva pela representante-legal.
3.2 - Mulheres
A violência doméstica, ou a violência de gênero contra a mulher foi tolerada por muito tempo, em nome da autoridade cultivada pela sociedade machista. Segundo a presidente do Conselho
58
Revista Pró-Ciência
Estadual dos Direitos da Mulher de Mato-Grosso Ana Emília
Iponema Brasil Sotero (2010, p. 1), o Estado, em geral, reluta
para entrar na privacidade familiar. Porém, com os direitos constitucionais de igualdade de gênero entre homens e mulheres, é de
fundamental importância a preservação dos direitos individuais
no interior da família. A autora considera a violência doméstica
como um atentado aos direitos humanos.
Para Saffioti (2004, p. 44), a violência de gênero “teoricamente engloba tanto a violência de homens contra mulheres quanto
a violência de mulheres contra homens, uma vez que o conceito
de gênero é aberto”. Já Andreucci (2010, p. 616) assevera que a
violência de gênero é uma das formas mais preocupantes de violência, pois, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local
onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuo.
O Brasil, a Espanha e a Mongólia estão entre os países de
legislação mais avançada no mundo para coibir este crime, segundo relatório anual do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas Para a Mulher da Organização das Nações Unidas
(UNIFEM/ONU) de 2008 a 2009.
Como antecedentes da Lei Maria da Penha, podemos apontar
a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e erradicar a
Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará em
1994 – promulgada pelo Decreto n° 1.973/1996). Em 2002, o
Brasil tornou-se signatário da Convenção para Eliminação de
Todas as Formas de discriminação contra as mulheres, promulgada pelo Decreto n° 4.377/2002. Nas palavras de Sotero (2010,
p. 1), ocorreu verdadeira articulação das mulheres brasileiras para
a redação do documento reivindicatório para a IV Conferência
Mundial das Nações Unidas (18 de dezembro de 1979) sobre a
mulher, realizada em Beijing, China. Foram realizados 91 eventos, envolvendo mais de 800 grupos femininos em todo o País.
A Conferência em Beijing marcou o reconhecimento definitivo
do papel social e econômico da mulher, consagrou todas as conquistas das mulheres; sobretudo o princípio da universalidade
59
Revista Pró-Ciência
dos direitos humanos e o respeito à especificidade das culturas.
O Presidente Lula sancionou 7 de agosto de 2006 a Lei nº
11.340, a Lei denominada Maria da Penha, criando mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Necessário mencionar que Maria da Penha Fernandes, de acordo
com Andreucci (2010, p. 616), era uma biofarmacêutica residente em Fortaleza, Ceará. No ano de 1983 ela foi vítima de tentativa de homicídio pelo marido, à época, professor da Faculdade de
Economia, Marco Antônio H. Ponto Viveiros. A vítima recebeu
um tiro nas costas que a deixou paraplégica. Condenado em duas
ocasiões, o réu não chegou a ser preso. Maria da Penha, indignada com a situação, procurou auxílio de organismos internacionais, culminando com a condenação do Estado brasileiro, em
2001, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por
negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a tomada de providência a respeito do caso.
Andreucci (2010, p. 621) explica as formas de violência doméstica e familiar de acordo com o art. 7º da
Lei Maria da Penha:
a) violência física – que compreende como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde
corporal;
b) violência psicológica – trata-se de conduta que
causa dano emocional e diminuição de autoestima
ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento. Alguns atos podem causar a violência psicológica: humilhação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de
ir e vir ou qualquer outro meio que possa causar
prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
60
Revista Pró-Ciência
c) violência sexual – significa qualquer conduta que
visa a constranger da vítima a presenciar, a manter
ou participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, coação ou uso da força. Engloba nessa violência o ato do sujeito ativo induzir a
vítima a comercializar sua sexualidade, que impeça
de usar qualquer método contraceptivo e atos que
limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais;
d) violência patrimonial - é aquela na qual o agressor usa de conduta com objetivo de reter, subtrair,
destruir parcial ou total seus objetos, instrumentos
de trabalhos, documentos pessoais, bens, valores e
direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
e) violência moral – trata-se de qualquer conduta
que possa ser subsumida como crimes de calúnia,
difamação ou injúria.
Importante ressaltar que, pelo Princípio da Especialização, a
Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a mulher estabelece,
no art. 14, a criação, pela União, no Distrito Federal e Territórios,
e pelos Estados, dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária, com competência
cível e criminal (integram a Justiça Comum Estadual) para
processo, julgamento e a execução das causas decorrentes da
prática de violência doméstica e familiar. Além disso, a Lei prevê
que os atos poderão realizar-se em horário noturno, conforme
dispuserem as normas de organização judiciária (ANDREUCCI,
2010, p. 626).
Para Ângela Weber e Gina Costa Gomes (2010, p. 92), a Lei
Maria da Penha representa um marco importante de proteção
integral em relação à integridade física, moral, intelectual e emocional. No entanto, são necessários meios para a devida efetiva-
61
Revista Pró-Ciência
ção da Lei. Para elas, “o enfrentamento da violência de gênero
contra a mulher poderá contribuir não só para instrumentalizar
ações efetivas nesse campo, como para aperfeiçoar as medidas
já existentes”.
3.2.1 - Casos concretos
Neste tópico são relatados alguns casos de violência doméstica contra mulheres.
Novembro de 2009 – 01744/2009
LESÃO CORPORAL comunicada em final do mês de Novembro de
2009, imputando o fato ao namorado, com quem se relacionava há 4 (quatro)
anos seguidos.
Em declarações contou que já fora agredida por 4 (quatro) vezes, tendo na
última vez, antes da comunicação, seu namorado quebrado sua mandíbula durante uma série de agressão física praticada dentro de sua casa.
Disse que nunca efetuou comunicação e nunca fez a abertura formal de
processo por temer seu consorte, mas que desta vez daria uma finalização na
relação e no comportamento doentio de seu namorado.
Apresentou o filho como testemunha de todos os ocorridos e em especial,
do fato recente comunicado.
Solicitou ordem de afastamento e proibição de aproximação à justiça, pedido este devidamente entregue na Vara de Violência Doméstica por jurisdição,
ficando o pedido sob análise do juízo a quo.
Ouvido o namorado, confirmou as agressões atuais e passadas, justificando
o comportamento agressivo dizendo que a vítima assim também age.
Na mesma semana, a comunicante retornou em sede policial solicitando
o arquivamento do procedimento, não desejando mais o seguimento do feito na
justiça, alegando motivos pessoais. Contudo, recebeu ciência do Artigo 16 da Lei
11.340/2006, que a renúncia não pode ser efetuada em sede policial e tão somente
em juízo, após ouvido o MP e em audiência especialmente marcada para este fim.
O AECD foi entregue pelo IML com informação positiva para agressão
física.
62
Revista Pró-Ciência
Dezembro de 2009 – 01851/2009
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro apresentou o casal em sede
policial, com a informação de AMEAÇA DE MORTE do homem para com a
mulher.
A mulher contara que o ex-companheiro era um homem violento, tendo
assim fugido e passado a residir em local para ele não informado, contudo,
pelo comportamento doentio acabou descobrindo a moradia e lá comparecido,
proferindo então as ameaças citadas em termos.
Não havia contudo testemunhas oculares, somente o casal.
Fora lavrado o registro e instaurado o devido inquérito policial, ficando a vítima
ciente de que deveria em data marcada em mandado, apresentar a testemunha citada
em seu termo, para instruir os autos e o pedido de afastamento do ex-companheiro.
Mulher fez a solicitação de medida protetiva em ocorrência, contando já
haver ocorrências passadas durante os anos de relacionamento, sem contudo poder informar o destino de cada procedimento, justificando não ter ido ver
e nunca ninguém ter avisado acerca do andamento.
Passados dias sem o comparecimento e sem a justificativa da mulher comunicante, foi então um contato efetuado com a casa de parentes, quando então
passaram a informação de que o casal, novamente juntos, estavam passeando
em cidade do litoral.
O procedimento continua pendente para apresentação da testemunha intimada.
Em suas declarações relatou ainda que o marido era uma pessoa violenta
e já havia matado uma pessoa há 17 anos atrás, após uma briga e ser também
contrariado.
Disse que tal fato ocorrera no estado do Pará, mas não cedeu maiores detalhes, somente que fugiram para o Rio de Janeiro, sem ele ser identificado pela
polícia, ficando impune à ação penal.
Complementou dizendo que já havia sofrido TENTATIVA DE HOMICIDIO anterior, quando durante uma discussão doméstica o marido, novamente com uma faca, desferiu um golpe contra a comunicante, tendo porém
uma vizinha entrado na frente, pegando nela a facada direcionada à mulher,
dizendo por fim que a vizinha não morreu.
Especificamente foi perguntado o porquê de ter mantido o relacionamento apesar
a primeira tentativa de homicídio, tendo pensado por alguns momentos e dito não
saber responder. Foi ainda perguntado se houve procedimento criminal sobre o segundo fato e se procurou orientação jurídica ou a delegacia de polícia, respondendo que
fugiram do local, a comunicante com o marido e as crianças, não tendo assim sequer
pensado em procurar uma delegacia e denunciar seu marido, mantendo a união.
A filha foi ouvida em declarações e confirmou os fatos narrados.
63
Revista Pró-Ciência
O autor prestou declarações posteriormente, alegando que havia uma
desconfiança de estar sendo traído, apesar de estar separado, dizendo ainda
que no dia da tentativa de homicídio encontrou um homem na casa, o que o
deixou transtornado e cego, confirmando que tentou por fim matar a mulher,
mas parou ao ver a filha se aproximar, quando então correu do local para não
ser preso.
A vítima e a filha desmentem a presença de um homem no local.
Novembro de 2009 – 01815/2009
HOMICÍDIO TENTADO.
Mulher vivia há 22 anos com o companheiro, com quem tinha filhos.
Estava separada nos últimos 2 meses, mas ele continuava a freqüentar a casa
da ex-companheira, sob alegação de visita aos filhos, apesar da vontade contrária
da mulher.
No dia da tentativa de homicídio, o homem insistiu em ter com a mulher
uma conversa sobre a união de 22 anos e iniciou uma vontade interna de voltar e
manter o relacionamento, restabelecer a relação na casa outrora familiar.
A vítima informou que não estava desejosa de ter aquela conversa, pois em
sua cabeça já estava com a situação resolvida, quando então, por insistir em não
conversar com o homem, veio a ameaça de morte verbal “então eu vou matar
você”.
A mulher disse que o homem foi até a cozinha e voltou com uma faca nas
mãos, conseguindo lhe desferir um golpe pelas costas.
A vítima gritou, o que alertou uma das filhas, 15 anos de idade, tendo ela
chegado até o local em que os pais estavam, vendo ainda o pai correr da casa
com a faca nas mãos, ajudando então no socorro da mãe ao hospital mais próximo, para procedimentos.
64
Revista Pró-Ciência
Agosto de 2010 – 01325/2010
LESÃO CORPORAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Relatou relacionamento de 8 (oito) anos com o homem, afirmando que já
havia sofrido muitas agressões físicas, além de fatos verbais.
Em especial disse que já havia comparecido em sede policial antes da
comunicação de Agosto/2010, mas que sempre desistiu de dar início ao procedimento penal, justificando que seria para não vir a prejudicar o companheiro,
autor das agressões, que foram baseadas em socos e chutes, levando até mesmo
a comunicante a desmaiar em dado momento do ocorrido.
Fora questionada como poderia, como vítima, prejudicar seu companheiro,
pois ela própria estava sendo prejudicada, tendo respondido para não prejudicar com processo e anotação na ficha criminal devido a trabalhos do
companheiro.
Agosto de 2009 – 01226/2009
LESÃO CORPORAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Mais uma vítima que relatou desmaio pelas agressões sofridas, bem como
não sendo o primeiro evento, tendo esta 5 (cinco) anos de relacionamento.
A vítima foi questionada sobre o número de vezes que já sofreu agressão
física, tendo respondido ter sido entre 5 (cinco) e 10 (dez) vezes, não se lembrando ao certo.
Menos de 30 dias depois, após não ter o autor comparecido na delegacia,
mesmo sendo intimado, foi efetuada uma ligação telefônica para o autor, quando então a própria vítima atendeu a ligação, esclarecendo que havia mantido o
relacionamento.
Menos de 2 (dois) meses depois, a comunicante/vítima compareceu de
forma espontânea na delegacia e solicitou atendimento.
Durante o novo atendimento relatou que estava em sede policial com o
objetivo de arquivar o processo, demonstrando o desejo de não mais seguir com
o procedimento iniciado.
Contudo, tomou ciência de que seu processo não poderia ser parado na
delegacia de polícia e que a Lei 11.340/2006 permitia a renúncia em juízo, contudo, em audiência especificamente destinada para esta finalidade, após ouvido
o Ministério Público e antes do órgão oferecer a denúncia, peça inicial da fase
judicial do procedimento, quando então não mais poderia parar o feito.
Deixou a sede policial cientificada da legalidade procedimental.
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Revista Pró-Ciência
Agosto de 2009 – 01168/2009
LESÃO CORPORAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
AMEAÇA DE MORTE.
A condição especial desta vítima foi sua declaração que estava há 8
(oito) anos tentando dar fim ao relacionamento.
Disse então que há 8 (oito) anos tenta acabar com o namoro, afirmando não
conseguir, alegando para tal as ameaças constantes que vem sofrendo ao longo
dos tempos.
Mais uma vítima que relatou agressões passadas e até mesmo com desmaios a até mesmo um chute em seu órgão genital, o que causou complicações
inflamatórias sérias.
O autor, intimado e ouvido, negou todas as acusações lhe imputadas, contudo, testemunhas foram ouvidas e confirmaram a versão contada pela vítima.
3.3 - Idosos
O Estatuto do Idoso, Lei n° 10.741, de 1º de outubro de
2003, adotou, segundo Andreucci (2010, p. 366), a doutrina da
proteção integral. O Estatuto abandona o sistema de fornecimento de eficácia, próprio do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor, para proteger
em tipos penais autônomos, bens jurídicos relevantes como a
vida, a integridade física, a saúde, a liberdade, a honra, a imagem,
o patrimônio do idoso, que é considerada a pessoa com idade
igual ou superior a 60 anos. Foi tipificado o abandono do idoso
em hospitais, casas de saúde, entidade de longa permanência, ou
congêneres. Da mesma forma, merece destaque especial à omissão de socorro ao idoso, cujo crime está tipificado no art. 97.
A integridade física é bem jurídico tutelado no Estatuto, visando a proteger o idoso com idade igual ou superior a 60 anos
a “condições desumanas ou degradantes”, ou quando obrigado
a fazê-lo, “privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis”,
bem como “sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado”.
Esse crime recebe qualificação do legislador se dele decorrer
morte ou lesão corporal de natureza grave.
O patrimônio do idoso é protegido pela nova Lei, quando
66
Revista Pró-Ciência
este “sem discernimento de seus atos” for induzido a “outorgar
procuração para fins de administração de bens ou deles dispor
livremente”.
Segundo Andreucci (2010, p. 367), o Estatuto do Idoso modificou vários artigos do Código Penal e da legislação especial,
sempre visando à proteção integral à pessoa com idade igual ou
superior a 60 anos.
O Ministério Público tem poder fiscalizador sobre a violência
contra idosos, além disso, “o agente que impedir ou embaraçar
ato do representante do Ministério Público ou de qualquer agente
fiscalizador” pode ser criminalmente responsável, imputando-lhe
a pena de seis meses a um ano de reclusão e multa (art. 109).
3.3.1 - Casos concretos
São relatados alguns casos de violência a idosos e o registro
para o encaminhamento do processo:
COMUNICAÇÃO EM 02/09/2009
Título da Ocorrência: Estupro
Denúncia anônima à Ouvidoria Geral que ensejou o processo onde o noticiante informa que a idosa de 81 anos, doente mental e usuária de remédios para
dormir, estaria sofrendo abuso sexual por parte do filho que reside com ela,
pois ele manteria relações forçadas com a mãe. Além disso, informa que os
outros filhos da idosa, que também residem com ela seriam alcoólatras e nada
auxiliariam a mãe, o que contribui para a aparência de poucos cuidados que ela
apresenta. Fato ocorrido no Bairro de Vila da Penha, área da 27ª DP.
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Revista Pró-Ciência
Título da Ocorrência: Discriminar Pessoa Idosa - Ameaça
Comunica a idosa e vítima que o seu filho, em 29 de setembro do presente ano, por volta das 19:00 h ofendeu-a dizendo para ela:”SUA MALUCA,
SUA DOIDA, VOCÊ NÃO VALE NADA, VOCÊ NÃO PRESTA, TODA A
VIZINHANÇA JÁ LHE CONHECE, EU SOU HERDEIRO E NINGUÉM
ME TIRA DAQUI !”, além de dizer também: “SEU EU SAIR DAQUI A
SENHORA VAI SE ARREPENDER !”. Não houve testemunhas do fato, que
ocorreu na residência da comunicante, localizada em Padre Miguel, circunscrição da 34ª DP e do XVII JECRIM. Segundo a comunicante as ofensas por
parte de seu filho são constantes e sempre ocorrem quando ele está alcoolizado e o mesmo em outras ocasiões já disse para ela:”VAI SE FUDER,
VAI TOMA NO CÚ!”. A comunicante deseja utilizar as medidas protetivas
que a lei lhe faculta.
COMUNICAÇÃO EM 14/10/2010
Título da Ocorrência: Discriminar Pessoa Idosa - Ameaça
Narrou a comunicante/vítima, residente à Avenida Marechal Fontenelle, localidade Vila Malet, bairro Jardim Sulacap, município do Rio de Janeiro, que
no dia 13/10/2010, cerca das 21h, foi mais um a humilhada e ameaçada por seu
filho e pela esposa deste. A comunicante disse não mais suportar as humilhações e ameaças de seu filho e da nora. Área da 33ª D. P.
COMUNICAÇÃO EM 12/02/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso
A vítima compareceu nesta Especializada comunicando que seu filho de
criação contraiu empréstimo no Banco Itaú em nome da comunicante sem autorização, e tem utilizado o cartão bancário da comunicante, bem como entrou
em um consórcio para a aquisição de um automóvel, sendo que no que diz
respeito ao consórcio, a comunicante conseguiu cancelar a compra.
COMUNICAÇÃO EM 04/02/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso
Narrou a comunicante que sua mãe [...], nesta data com 76 anos de idade e
residente na localidade de Gardenia Azul, bairro Jacarepaguá, está sendo vítima de desvio de seu benefício, no valor aproximado de R$5.200,00 (cinco mil
e duzentos reais) mensais, por parte do irmão da comunicante. Área da 32ª DP.
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Revista Pró-Ciência
COMUNICAÇÃO EM 08/03/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso
A comunicante comparece para informar que sua mãe, de 80 anos de idade,
está sem alimentação em sua casa, pois a irmã da comunicante está de posse
de todos os documentos da idosa , inclusive do cartão de benefícios dela. Segundo a comunicante, sua irmã está com a curatela provisória do irmão deficiente,
de 56 anos de idade, cujo prazo termina em fins deste mês, início de abril; a
idosa que antes se alimentava com “quentinhas” que eram entregues na sua
casa, agora não tem o que comer, pois a filha interrompeu o pagamento das
quentinhas e disse à pessoa que as entregava que não mais o fizesse, pois ela
mesma faria, fato que não está ocorrendo; por outro lado a comunicante tenta
levar comida de sua casa, uma vez que reside próximo, mas a mãe, por estar
depressiva, devido a ausência do filho, não aceita a comida. A comunicante
teme pelo bem estar de sua mãe e já tentou levar a mãe para sua casa, mas esta
foge e retorna para a dela.
COMUNICAÇÃO EM 08/03/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso
A comunicante comparece para informar que sua mãe, de 80 anos de idade,
está sem alimentação em sua casa, pois a irmã da comunicante está de posse de
todos os documentos da idosa , inclusive do cartão de benefícios dela. Segundo a
comunicante, sua irmã está com a curatela provisória do irmão deficiente, de 56
anos de idade, cujo prazo termina em fins deste mês, início de abril; a idosa que
antes se alimentava com “quentinhas” que eram entregues na sua casa, agora não
tem o que comer, pois a filha interrompeu o pagamento das quentinhas e disse à
pessoa que as entregava que não mais o fizesse, pois ela mesma faria, fato que
não está ocorrendo; por outro lado a comunicante tenta levar comida de sua casa,
uma vez que reside próximo, mas a mãe, por estar depressiva, devido a ausência
do filho, não aceita a comida. A comunicante teme pelo bem estar de sua mãe e
já tentou levar a mãe para sua casa, mas esta foge e retorna para a dela.
COMUNICAÇÃO EM 30/03/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso
A neta comparece para comunicar que sua avó, idosa de 93 anos de idade,
teve seus bens e rendimentos utilizados por um dos filhos dela, aproximadamente desde 2003, quando este vem se utilizando de procurações e renovando-as para movimentar a conta bancária dela e até a venda do único imóvel da
idosa. As pensões da idosa somam um total de aproximadamente R$ 22.000,00
e o imóvel foi vendido por R$ 330.000,00 e ainda segundo a comunicante informa e de acordo com os contra cheques da idosa, há empréstimos num total
aproximado de R$ 220.000,00.
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Revista Pró-Ciência
COMUNICAÇÃO EM 10/05/2010
Título da Ocorrência: Abandonar Idoso.
Trata-se de expediente oriundo do MPRJ em que denuncia maus-tratos a
idosa de 80 anos de idade, residente em Pilares - RJ, praticado pela filha. Menciona que a idosa mora sozinha e possui doença gravíssima no joelho direito
que impede sua locomoção. Ela não está em sã consciência e sofre de esquecimento. A denunciada não toma postura para cuidar da mãe, inclusive não a
visita. Permite que sua progenitora fique sem alimentação e com roupa suja
de fezes e urina. A idosa não toma a medicação diária, possui pensão, mas
não se sabe quem administra.
COMUNICAÇÃO EM 10/05/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso.
Trata-se de expediente oriundo do MPRJ em que a denunciante comunica que a idosa vítima estaria sofrendo maus-tratos por parte de sua neta, e,
estaria tendo seus proventos desviados pelo pai da neta, genro, além de
sofrer xingamentos e a ser mantida em cárcere privado. Fato ocorrido no
Maracanã. ÁREA DA 18ª DP.
COMUNICAÇÃO EM 10/05/2010
Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso.
Comunica ocorrência de abandono e desprovimento. Informa que desde maio de 2009, encaminhou sua mãe em estabelecimento de repouso para
idosos, providência tomada em acordo com seu único irmão, de forma que dividissem os custos da clínica. Esclarece que todos os pagamentos referentes à
sua cota ideal, qual seja 50%, foi entregue pela comunicante ao seu irmão, mas
que este apoderou-se das quantias, efetuando apenas pequenos pagamentos, no
sentido de ganhar tempo e esconder o que acontecia à comunicante. Esclarece
que a partir de junho do corrente, o engodo veio à tona, pois a comunicante foi
chamada naquele estabelecimento de repouso, e cientificada de um débito da
ordem de R$ 15.000,00. Diante de tal situação, o comunicante assumiu a dívida
oriunda de sua cota parte não cumprida, prontificando-se a, doravante, efetuar
os depósitos em dia. Entretanto, seu irmão até hoje não efetua os pagamentos
acordados em sua totalidade, o que acarreta em uma “bola de neve “ de dívidas,
causando transtornos à toda a família, sobretudo ao bem estar de sua mãe idosa.
Que não admite esta situação de descaso e abandono por parte de seu irmão.
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Revista Pró-Ciência
4. Metodologia, universo da pesquisa e população-alvo
A pesquisa é qualitativa, na qual consta a investigação da legislação e da casuística em livros, revistas especializadas e jornais.
O Curso de Direito da Universidade Iguaçu promoveu palestra sobre a temática na qual professores e alunos pesquisadores apresentaram os primeiros resultados da pesquisa, mediante
um relatório parcial. A seguir, tomando por respaldo a pesquisa
bibliográfica, os pesquisadores/alunos partiram para a pesquisa
de campo, tomando como fonte inquéritos, procurando sempre
preservar o anonimato das vítimas. Aliás, muitos processos correm em segredo de justiça, logo, fica proibida a divulgação de
nomes de autores e vítimas.
Cabe destacar que os inquéritos policiais e atendimentos realizados incluem: a comunicação do fato através do registro de
ocorrência, das solicitações técnicas efetuadas ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) da Polícia Civil do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto da Polícia Civil
do Estado do Rio de Janeiro (IMLAP), a juntada das peças técnicas recebidas meses depois da comunicação, as declarações posteriores de testemunhas e de imputados autores dos crimes comunicados e a confecção de relatório final de inquérito, que remete o
procedimento ao Ministério Público Estadual para análise.
O universo do presente estudo é a Baixada Fluminense, local
onde está a sede da Universidade Iguaçu (UNIG), especificamente no município de Nova Iguaçu, e Copacabana, o qual, conforme já mencionado, é o bairro da cidade do Rio de Janeiro que
possui maior número de idosos no Brasil, no qual foi criada uma
Delegacia Especializada para Idosos. A população-alvo estudada
é formada por crianças, mulheres e idosos que foram vítimas de
violências durante o período de dois anos, entre janeiro de 2008
a janeiro de 2010.
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Revista Pró-Ciência
5 Análise dos resultados e considerações finais
A primeira fase do projeto envolveu a revisão teórica sobre
doutrina jurídica e áreas afins, em livros, revistas, jornais e artigos publicados na internet.
O Curso de Direito da UNIG promoveu palestra sobre a temática no dia 16 de setembro de 2011, às 14 horas, no auditório
do bloco K da Universidade Iguaçu, para apresentar uma comunicação sobre a pesquisa, com a participação de professores e
alunos bolsistas envolvidos no projeto. O evento foi amplamente divulgado aos alunos da IES e comunidade de forma geral.
Na análise exploratória realizada em campo avaliamos 100
comunicações de ocorrências referentes a 2009, 2010. Identificamos 21 comunicações nas quais foi revelada a existência das
vítimas invisíveis: crianças, mulheres e idosos. Tais comunicações foram relatadas acima, nos quais colocamos grifos para
demonstrar que a vítima passou algum tempo na invisibilidade
até a “denúncia” à Polícia. São vítimas que sofreram por longo
tempo vários tipos de violências. No entanto, preferiram ficar
caladas, ou não tinham condições de denunciar à polícia, sobretudo crianças e idosos.
A violência oculta, não faz parte das estatísticas oficiais, tem
como sujeitos tais vítimas, que muitas vezes não têm consciência
plena da própria situação. Os dados da pesquisa revelam que,
na violência contra criança, a ausência de denúncia da agressão
à polícia se deve ao fato de a vítima ou familiares terem medo
do agressor. A revelação ou “denúncia” seria motivo para novas
agressões. Além disso, observa-se um protecionismo por parte
das mulheres em relação aos padrastos, parentes ou maridos que
praticam atos de violência sexual.
A pesquisa sobre violência doméstica revela que a vítima demora a comunicar o fato às autoridades competentes. Algumas
delas quando comunicam os fatos, dias ou meses após retornam
a coabitar novamente com o agressor. A omissão das mulheres
vítimas de violência doméstica ocorre devido à esperança de que
72
Revista Pró-Ciência
o agressor possa mudar seu comportamento ou por medo de
novas agressões.
Com relação à vitimização dos idosos, se constatou que, na
maioria dos casos, devido a problemas de saúde e idade avançada, eles não revelam as agressões às autoridades. Assim, as denúncias são geralmente feitas de forma anônima por parentes e
vizinhos. Ficou evidenciado que os agressores são os próprios
parentes.
Os relatos não registram opiniões sobre o trabalho da polícia, nem do Judiciário. Possivelmente, esses dados só seriam
revelados em entrevistas com as vítimas das agressões, trabalho
praticamente impossível diante da obrigatoriedade de sigilo.
Cabe ressaltar que as políticas públicas para controlar esses
tipos de violência estão, primeiramente, no campo educacional.
As escolas devem adotar um sistema de apoio psicopedagógico
no sentido de alertar pais e autoridades sobre crianças vítimas de
violência. A escola é onde a criança passa grande parte do tempo
e é o local no qual ocorre parte dessas violências. Porém, os próprios professores vêm sendo vítimas de violência por parte dos
alunos. O medo e a impunidade também imperam nas escolas. A
denúncia dos agressores deve ser incentivada pelas autoridades
competentes. Os julgamentos devem ser rápidos. A Polícia, o
Ministério Público e o Judiciário devem adotar um intercâmbio
para agilizar as ações para punir e proteger tais vítimas.
73
Revista Pró-Ciência
Referências
ABRAMOVAY, Miriam; CUNHA, Anna Lúcia; CALAF, Priscila
Pinto. Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas. 2. ed., Brasília: Rede de Informação Tecnológica
Latino-americana (RITLA); Secretaria de Estado de Educação
do Distrito Federal (SEEDF), 2010.
ALBERGARIA, Jason. Criminologia. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE,
1988.
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78
Revista Pró-Ciência
Os efeitos biopsicossociais da síndrome de
Burnout nos docentes de ensino
superior do UniMSB
BESSA, Vicente Alberto Lima 10
MAINI, Rosa Maria Donadello Diogo 11
MEDEIROS, Ana Carla Cavalcante de 12
GRECHI, Juliana Cristina Rezende 13
Resumo
Abstract
O objetivo geral do estudo foi investigar
se os docentes do UniMSB manifestaram
para Síndrome de Burnout e apresentar as
recomendações da intervenção da Fisioterapia em situações as quais a síndrome esteja presente. A amostra não-probabilística
totalizou 42 professores com participação
esclarecida e autorizada, que respondeu ao
questionário Jbelli. Após análise dos dados
constatou-se que o estágio 2 da síndrome
manifestava-se em 31 % dos professores e
o estágio 3 em 7,1 %. Considerando que
a manifestação e a limitação da Síndrome
de Burnout requerem medidas preventivas e tratamento específico multidisciplinar, é possível destacar a importância da
intervenção fisioterapêutica na melhora da
qualidadade de vida dos professores, diminuindo os níveis de estresse, o quadro de
dor generalizada, entre outros.
The general objective of this study was to
investigate whether the faculty members at
UniMSB have reported Burnout Syndrome
and have presented the physical therapy recommendations in situations that have a positive diagnosis of the syndrome. The non-probability sampling included 42 teachers with
informed and consented participation who
responded the Jbelli questionnaire. After the
data analysis, it was concluded that stage 2
of the syndrome affected 31% of the teachers
and stage 3 affected 7.1% of them. Taking
into account that the manifestation and the
constraints imposed by the Burnout Syndrome require specific treatment and multidisciplinary preventive measures, the weight of
physiotherapy intervention to improve the
life quality of faculty members can be highlighted, reducing their stress levels, the widespread pain conditions, among others.
Palavras - chave:
Keywords:
Síndrome de Burnot. Fisioterapia. Quali- Burnout Syndrome. Physiotherapy. Life quality.
dade de Vida
Mestre em Ciência da Motricidade Humana, Professor das seguintes instituições:
Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), Centro Universitário Celso Lisboa.
10
79
Revista Pró-Ciência
Sumário: 1 Situação problema; 1.1 Hipóteses do estudo; 1.2 Objetivos
gerais; 1.3 Objetivos específicos; 1.4 Justificativa; 2 Revisão de Literatura;
3 Metodologia; 3.1 Questionário preliminar de identificação da Burnout; 4
Análise dos resultados; Considerações finais; Referências bibliográficas.
1 Situação do Problema
A Síndrome de Burnout pode se desenvolver em diversas categorias profissionais, dentre elas, a categoria dos professores,
profissionais da saúde, policiais, agentes penitenciários, entre
outros. Esta síndrome também é conhecida como síndrome do
esgotamento profissional, pois provoca uma exaustão física e
emocional que começa com um sentimento de desconforto e
paulatinamente evolui à proporção que a vontade de lecionar
gradativamente diminui, e segundo a UNESCO afeta mais de
55% dos professores brasileiros (CURY, 2007).
O quadro clínico desta síndrome é caracterizado, na maioria
das vezes, pela carência de alguns fatores motivacionais: energia,
alegria, entusiasmo, satisfação, interesse, vontade, sonhos
para a vida, ideias, concentração, autoconfiança e humor
(BRENNINKMEIJER e VANYPEREN, 2003).
A pessoa com a Síndrome de Burnout não consegue desenvolver sua atividade profissional adequadamente, pois percebe que
não pode dar mais de si a nível afetivo. Percebe esgotada a energia
e os recursos emocionais próprios, além de aparecer sentimentos
de endurecimento afetivo, “coisificação” da relação desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas, e de cinismo às pessoas destinatárias do trabalho (usuários/clientes). Portanto, o seu
envolvimento pessoal no trabalho entra em decadência.
Mestre em Ciência da Motricidade Humana, Professora do Centro Universitário
Moacyr Sreder Bastos
12
Aluna do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos
13
Aluna do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos
11
80
Revista Pró-Ciência
É necessário enfatizar que a Síndrome de Burnout tem afetado os docentes de forma mais insidiosa que os profissionais de
saúde e este fato coloca a docência como um profissão de alto
risco. (FABER, 1999). É sabido que a síndrome pode afetar mesmo os docentes extremamente motivados, quando reagem ao
estresse laboral intensificando a carga de trabalho até o colapso.
Por isso, há um consenso que define essa reação como resposta
particular ao estresse laboral crônico, e que difere do estresse
relacionado à vida fora do ambiente de trabalho.
Baseado no exposto surgiu a seguinte situação problema: será
que os professores de ensino superior no Centro Universitário
Moacyr Sreder Bastos apresentam a saúde ocupacional livre da
Síndrome de Burnout?
1.1 Hipóteses do estudo
Hipótese afirmativa
• Os docentes de ensino superior do UniMSB apresentam a
Síndrome de Burnout.
Hipótese nula
• Os docentes de ensino superior do UniMSB não apresentam a Síndrome de Burnout.
1.2 Objetivos gerais
• Investigar se os docentes de ensino superior do UniMSB
apresentam a Síndrome de Burnout.
• Apresentar recomendações da intervenção primária e secundária da fisioterapia em situações nas quais a Síndrome de
Burnout esteja presente.
81
Revista Pró-Ciência
1.3 Objetivos específicos
• Colher informações sobre o estado de saúde dos docentes
do UniMSB concernentes a Síndrome de Burnout.
• Identificar o grau da Síndrome de Burnout na amostra que
compõe o estudo.
• Investigar na literatura na área de saúde as recomendações
da aplicação da fisioterapia como procedimento de promoção e
prevenção da Síndrome de Burnout.
• Descrever os procedimentos fisioterapêuticos de ação secundária que podem ser aplicados aos portadores da Síndrome
de Burnout.
1.4 Justificativa
A Síndrome de Burnout possui quatro estágios de evolução
e para cada um deles, é necessário fazer um programa de tratamento diferenciado, seja preventivo ou curativo. Assim sendo,
deve-se investigar literatura vigente na área de Saúde a respeito das recomendações da aplicação da fisioterapia como procedimento de promoção e prevenção da Síndrome de Burnout.
Acrescenta-se a orientação
de programas bem definidos sobre as atividades do cotidiano e atividades de vida profissional, com intervalos adequados;
quanto à diferenciação de competência e competição; com relação a busca de qualidade nas relações inter-pessoais; ao que tange à prática de atividades físicas e às possibilidades de mudanças
referentes ao estilo de vida.
Visto que a Síndrome de Burnout pode gerar sérios problemas à saúde do professor, desde uma dificuldade em lembrarse de fatos recentemente ocorridos até o suicídio. Ela, também,
conduz ao afastamento temporário ou a desistência do magistério. Desta forma, a fisioterapia poderia atuar prevenindo a síndrome ou colaboraria na cura do seu portador.
82
Revista Pró-Ciência
Portanto, o presente estudo se justifica na medida em que
além de permitir a manutenção do docente no exercício do magistério, algo necessário ao desenvolvimento do país, melhoraria
a qualidade de saúde dos docentes.
2 Revisão da literatura
Em 1970, o psicanalista nova-iorquino Hebert J. Freudenberg
definiu a Síndrome de Burnout ou síndrome do esgotamento profissional como “um estado de esgotamento físico e mental no
qual a etiologia esta diretamente relacionada a vida profissional”
(KRAFT, 2006). O termo que originou a síndrome é o resultado da composição entre duas palavras em inglês, burn (queima)
e out (exterior), caracterizando um tipo de estresse profissional,
durante o qual a pessoa consome-se física e emocionalmente, o
que resulta em exaustão, comportamento hostil e irritação.
A presente síndrome pode afetar vários grupos de profissionais, dentre eles os professores de ensino superior. Há estudos
bem abrangentes dos quais destaca-se uma pesquisa realizada
na região metropolitana de Porto Alegre-RS, com uma amostra
constituída por 563 professores que exercem atividade docente
em instituições privadas de ensino de educação básica e superior.
Este estudo realizou uma análise fatorial que identificou os três
fatores correlatos às três dimensões originalmente identificadas
pelo Inventário de Burnout de Maslach (MBI): exaustão emocional, despersonalização e realização profissional. Ele também
apresentou os modelos que explicam as etiologias e consequências desta síndrome em professores de instituições de ensino
(CARLOTTO e CÂMARA, 2004).
É importante ressaltar que a Síndrome de Burnout é constituída, segundo Maslach e Leiter (1999 apud SARRIERA, 2010), por
três dimensões: a exaustão emocional que pode ser compreendida como a falta de energia e sentimento de esgotamento afetivo;
a despersonalização, ou seja, o estabelecimento de relações inter-
83
Revista Pró-Ciência
pessoais de forma fria, caracterizando insensibilidade emocional;
e a baixa realização pessoal, que é resultado da autoavaliação negativa e falta de motivação para o trabalho.
No município de Duque de Caxias / Rio de Janeiro, uma
pesquisa com 71 professores de oito escolas constatou que 100%
apresentavam transtornos mentais em consequência da despersonalização apurada. Os participantes da pesquisa ainda culpam
as pessoas, os alunos, os colegas, a direção e o Estado pelo seu
estado de saúde (FERENHOF e FERENHOF, 2002 apud BARASUOL, 2004, p 49).
Estudo realizado em Porto Alegre / Rio Grande do Sul com
190 docentes foi constatado baixo nível de exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal no
trabalho (CARLOTTO e PALAZZO, 2006). Também há outro
estudo realizado com uma amostra de 12 docentes de ensino
superior da Uni-Inhumas / UEG, o qual averiguou que 57% da
amostra apresentaram um grau alto a médio de exaustão emocional; 18%, um grau alto à médio de despersonalização e 44%
grau alto a médio de reduzida realização profissional.
Na rede municipal de ensino São José / Santa Catarina realizou-se estudo sobre a Síndrome de Burnout em professores de
Educação Física e sua possível influência na prática pedagógica.
Embora o estudo tenha sido realizado com uma amostra pouco significativa, ou seja, apenas 5 professores, o seu resultado
revelou a incidência da síndrome em 4 docentes, pelo fato de
apresentarem elevada pontuação para as dimensões de exaustão
emocional (EE) e despersonalização (DE) e baixa pontuação
para realização profissional (RP). Constatou-se, também que os
valores encontrados nas dimensões de EE, DE e RP são superiores aos valores de estudos realizados com docentes de cursos
de graduação em Educação Física (MOREIRA et al., 2008). Todavia, outro estudo feito com 157 professores de Porto Alegre
constatou que 36,9% dos participantes apresentaram nível alto
para exaustão emocional (MOREIRA et al., 2009).
84
Revista Pró-Ciência
O estudo de Moreira et al. (2008) destacou que as condições
de trabalho têm afetado a prática pedagógica, acrescentando
dentre os fatores mais negativos no ambiente escolar, a falta de
recursos pedagógicos, a estrutura/espaço físico inadequada, barulho, falta de compromisso do aluno/família, direção não atuante e péssima acústica. E alertou para a necessidade de ações de
prevenção e intervenção para amenizar possíveis situações que
levem ao desencadeamento da síndrome, como também auxiliar
o professor no seu ambiente laboral.
Torna-se evidente que a Síndrome de Burnout tem se manifestado de forma mais acentuada, No Brasil ela é reconhecida como
um problema de saúde ocupacional, sendo enquadrada no Regulamento da Previdência Social, na parte específica que trata dos
transtornos mentais e do comportamento relacionados com o
trabalho (Grupo V do Código Internacional de Doenças, CID103), em 18 de junho de 1999 (FERENHOF e FERENHOF,
2002) – (Quadro 1).
Quadro 1 – CID 10
AGENTES ETIOLÓGICOS
OU FATORES DE RISCO DE
NATUREZA OCUPACIONAL
DOENÇAS
XII – Sensação de Estar Acabado . Ritmo de trabalho penoso (Z 56.3)
(Síndrome de Burn-Out, ou Síndrome . Outras dificuldades físicas e mentais
do Esgotamento Profissional (Z 73.0) relacionadas ao trabalho (Z 56.6)
Fonte: SABATOVSKI e FONTOURA (2001, p.289)
É necessário enfatizar que a Síndrome de Burnout pode evoluir em quatro estágios, que são (CURY, 2007):
85
Revista Pró-Ciência
• Primeiro Estágio
– Falta ânimo para ir ao trabalho;
– Surgimento de dores genéricas e imprecisas nas costas e
na região do pescoço e coluna;
– Profissional sente-se mal, mas não conhece a exata razão disso.
• Segundo Estágio
– Relação com os companheiros de trabalho torna-se difícil;
– Surgem pensamentos neuróticos de perseguição e trapaça com relação à equipe de trabalho, fazendo com que a
pessoa pense em mudar de setor ou até de emprego;
– Faltas e pedidos de licença médica cada vez mais frequentes; e
– A pessoa recusa-se a participar das decisões em equipe.
• Terceiro Estágio
– Perda de habilidade e capacidade para realização das atividades cotidianas do trabalho;
– Erros são mais freqüentes;
– A pessoa fica desatenta e distante;
– Doenças psicossomáticas, como alergias e picos de pressão
arterial começam a surgir junto com a auto-medicação;
– Inicia-se ou eleva-se o consumo de bebidas alcoólicas
como fuga;
– Despersonalização, ou seja, a pessoa fica indiferente em
suas relações de trabalho.
• Quarto Estágio
– Alto grau de alcoolismo;
– Uso freqüente de drogas lícitas e ilícitas;
– Aumento dos pensamentos de auto-destruição e suicídio;
– O exercício da profissão fica comprometido e o afastamento do trabalho é inevitável.
86
Revista Pró-Ciência
Considerando a gravidade da síndrome ao afetar o profissional de educação, faz-se mister desenvolver estudos que possam
identificar de forma precoce o seu surgimento e medidas de intervenção para evitar o seu desenvolvimento.
Neste ponto a fisioterapia pode atuar com procedimentos fisioterapêuticos de ação secundária que podem ser aplicados aos
portadores de Burnout, tais como: fisioterapia respiratória (exercícios que ajudem à controlar a respiração à ponto de conter a
ansiedade, como por exemplo o Peak Flow); massoterapia, mecanoterapia; acupuntura, auriculoterapia, shiatsu, RPG, Pilates,
hidroterapia entre outros.
3 Metodologia
O presente estudo realizou-se no Centro Universitário
Moacyr Sreder Bastos, uma instituição de ensino superior no
Bairro de Campo Grande, no município do Rio de Janeiro. A
seleção dos participantes foi intencional e a amostra do tipo
não probabilística foi constituída pelos professores de ensino
superior da instituição que lecionam disciplinas no 2º semestre
de 2010, totalizando 134 professores.
Os professores foram convidados a participar de forma voluntária, sendo garantido sigilo quanto à sua participação e assegurado que os dados seriam utilizados somente para fins da investigação, conforme termos de consentimento (Anexos I e II).
A pesquisa utilizou o método de Survey para obter informações sobre características, ações ou opiniões dos participantes, por
meio de um instrumento de pesquisa, denominado de questionário Jbeili para identificação da Burnout, baseado no Maslach Burnout
Inventory - MBI (apud PINSONNEAULT; KRAEMER, 1993).
O questionário é composto por 20 perguntas, as quais devem
ser respondidas através da marcação de um “X” em uma das
colunas que possuem graduação de 1 a 5. Cada graduação faz
alusão a indicadores de frequência da sintomatologia apresentada, conforme pode-se observar a seguir.
87
Revista Pró-Ciência
3.1 - Questionário preliminar de identificação da burnout
Elaborado e adaptado por Chafic Jbeili, inspirado no Maslach
Burnout Inventory – MBI
MARQUE “X” na coluna correspondente:
1- Nunca | 2- Anualmente | 3- Mensalmente |
4- Semanalmente | 5- Diariamente
Nº
Características psicofísicas em relação ao
trabalho
1 Sinto-me esgotado(a) emocionalmente em relação ao meu trabalho
2 Sinto-me excessivamente exausto ao final da minha jornada de trabalho
3 Levanto-me cansado(a) e sem disposição para realizar o meu trabalho
4 Envolvo-me com facilidade nos problemas dos
outros
5 Trato algumas pessoas como se fossem da minha
família
6 Tenho que desprender grande esforço para realizar minhas tarefas laborais
7 Acredito que eu poderia fazer mais pelas pessoas
assistidas por mim
8 Sinto que meu salário é desproporcional às funções que executo
9 Sinto que sou uma referência para as pessoas que
lido diariamente
10 Sinto-me com pouca vitalidade, desanimado(a)
11 Não me sinto realizado(a) com o meu trabalho
12 Não sinto mais tanto amor pelo meu trabalho
como antes
13 Não acredito mais naquilo que realizo profissionalmente
88
1
2
3
4
5
Revista Pró-Ciência
14 Sinto-me sem forças para conseguir algum resultado significante
15 Sinto que estou no emprego apenas por causa do
salário
16 Tenho me sentido mais estressado(a) com as pessoas que atendo
17 Sinto-me responsável pelos problemas das pessoas que atendo
18 Sinto que as pessoas me culpam pelos seus problemas
19 Penso que não importa o que eu faça, nada vai
mudar no meu trabalho
20 Sinto que não acredito mais na profissão que
exerço
Totais (multiplique o numero de X
pelo valor da coluna)
◊Some o total de cada coluna e obtenha seu score
Os resultados foram analisados de acordo com a pontuação
obtida, sendo que há 5 resultados possíveis, a saber:
• De 0 a 20 pontos: Nenhum indício da Burnout.
• De 21 a 40 pontos: fase 1 da Burnout, procure trabalhar as
recomendações de prevenção da Síndrome.
• De 41 a 60 pontos: fase 2 da Burnout, procure ajuda profissional para debelar os sintomas e garantir, assim, a qualidade no
seu desempenho profissional e a sua qualidade de vida.
• De 61 a 80 pontos: fase 3 da Burnout. Procure ajuda profissional para prevenir o agravamento dos sintomas.
• De 81 a 100 pontos: fase 4 da Burnout. Você pode estar
em uma fase considerável da Burnout, mas esse quadro é perfeitamente reversível. Procure o profissional competente de sua
confiança e inicie o quanto antes o tratamento.
89
Revista Pró-Ciência
Após contabilizados os dados individuais, procedeu-se a análise dos mesmos,sendo obtida a média aritmética simples e o
desvio padrão, que é uma medida dispersão estatística.
4 Análise dos resultados
Dos 134 docentes que poderiam compor a amostra e
responder ao questionário, um total de 42 foi respondido, porém
foram considerados 41 que estavam preenchidos adequadamente
(gráfico 1). Um questionário foi inutilizado, pois a participante
não respondeu todas as questões. Desta forma, a amostra foi
composta por 31,3% dos docentes do Centro Universitário
Moacyr Sreder Bastos. Destaca-se que 68,7% dos questionários
não foram devolvidos mesmo após terem sido novamente
apresentados ao grupo selecionado para a pesquisa.
Gráfico 1: Correlação entre o resultado
das respostas e os participantes
Verificou-se que apenas 2,4% dos participantes não apresentavam nenhum indício da Burnout. Todavia, 59,5% dos questionados, apresentou indícios de possibilidade de desenvolver a síndrome. Este pode ser considerado o primeiro estágio da doença
e neste caso os principais indicadores são: falta ânimo para ir ao
90
Revista Pró-Ciência
trabalho; surgem algias genéricas e imprecisas nas regiões cervical e/ou torácicas; a pessoa se sente mal, porém não conhece a
exata razão disso.
Constatou-se que 31% dos investigados apresentavam a
síndrome no seu segundo estágio, o que já causa um prejuízo
qualitativo no desempenho profissional e na qualidade de vida.
Neste estágio é possível observar que a relação entre os colegas
de trabalho começa a ficar difícil; podem aparecer sensação de
perseguição e trapaça com relação à equipe de trabalho, fazendo
com que a pessoa pense em mudar de setor ou até de emprego;
torna-se mais comum a falta e justificativa de afastamento por
motivos de saúde; a pessoa torna-se mais resistente a participar
das decisões do grupo.
Apenas 7,1% dos participantes apresentaram a síndrome no
seu terceiro estágio. Entretanto, este estágio já é bastante preocupante, pois há perda de habilidade e capacidade para realização
das atividades cotidianas do trabalho; há aumento de erros durante a realização de tarefas devido a perda de atenção; a pessoa
fica indiferente em suas relações de trabalho; além de surgimento de doenças psicossomáticas e hipertensão arterial; e em alguns casos se inicia ou se eleva o consumo de bebidas alcoólicas
como fuga.
Não foi constatada a existência da síndrome no seu quarto
estágio no grupo pesquisado, embora um participante tenha se
aproximado desse estágio. Todavia, considerando que 97,6% do
grupo apresentou algum dos estágios da Síndrome de Burnout,
recomenda-se a adoção de medidas preventivas para evitar novos casos e evolução dos já existentes.
É mister destacar que a Síndrome de Burnout, pela sua própria característica, oferece barreiras às boas relações interpessoais. Por sua vez, a carência de suporte social no trabalho e da
cooperação dos colegas podem agravar ainda mais a doença no
trabalhador. Por outro lado, os vínculos entre os companheiros,
quando bem estabelecidos podem proteger o docente da sín-
91
Revista Pró-Ciência
drome, especialmente em duas das suas formas de expressão:
exaustão emocional e reduzida realização profissional.
Sabe-se que os vínculos criados entre a equipe de trabalho
permitem que o trabalhador se proteja mutuamente. Por isso, os
vínculos devem ser estimulados pelos gestores. Além deste procedimento, outros podem ser adotados, tais como: ações educativas, nas quais os docentes devem ser esclarecidos a respeito da
síndrome e do estágio no qual aqueles avaliados se encontram.
Neste caso, o grupo participante que apresentou indícios da síndrome deve procurar orientações profissionais para avaliar mais
adequadamente a sua condição de saúde.
Exercícios respiratórios e de relaxamento corporal são extremamente recomendados, pois ajudam a superar fisiologicamente
as consequências da resposta ao Burnout, mais objetivamente as
síndromes de hiperventilação e respiração insuficiente. Além de
diminuir a tensão que se produz na situação de Burnout, partindo da diferenciação tensão-relaxamento e ensinando a pessoa a
relaxar-se ao detectar esta tensão.
O fisioterapeuta também pode fazer orientações quanto a
postura no desempenho da atividade profissional e prescrever
exercícios para serem realizados antes e após as aulas. Uma rotina pode ser estabelecida no horário de entrada dos professores,
com a realização de pelos menos cinco minutos de exercícios
preventivos realizados em grupo com os docentes. Este seria
um momento de fortalecer as relações entre o grupo e evitar as
doenças ocupacionais músculo-esqueléticas.
92
Revista Pró-Ciência
Considerações finais
A saúde do professor deve ser alvo de preocupação junto às
instituições de ensino e do Governo, pois trata-se de uma classe
de trabalho responsável pela transformação da sociedade.
Em novo estudo foi verificado que a síndrome de Burnout
começa a dar indícios de manifestação em parte da amostra, embora não se tenha avaliado clinicamente os seus integrantes. O
estágio 1 predominou em relação ao estágio 2, conforme os indicadores do questionário Jbelli. Portanto, uma ação preventiva é
extremamente recomendável a fim de preservar a saúde dos docentes e consequentemente aulas de melhor qualidade das aulas.
Diante da diversidade dos sinais e sintomas, o seu tratamento
requer intervenção multidisciplinar nos diversos níveis de atuação, sendo viável a atuação do fisioterapeuta.
93
Revista Pró-Ciência
Referências
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95
Revista Pró-Ciência
Os registros de batismo na Paróquia de
São João Baptista do Presídio (1810-1820): a
busca por registros indígenas
Vlademir José Luft 14
Resumo
Abstract
Trabalhando na busca de referencial
histórico e arqueológico dos grupos
indígenas Puri, Coroado e Coropó, debruçamo-nos, neste momento, nas fontes paroquiais geradas pela paróquia de
São João Baptista do Presídio, no atual
município de Visconde do Rio Branco,
Zona da Mata Mineira, no período de
1810 e 1820, onde aparecem referencias da presença destes grupos indígenas, em registros de batismo.
Engaged in the pursuit of historical and archaeological references of Indian groups Puri, Coroado and Coropó, we are, at this point, examining
the religious sources generated by the Parish of
São João Baptista do Presídio, in the current
municipality of Visconde do Rio Branco, in the
region in the Brazilian State of Minas Gerais,
known as Zona da Mata. The registers date back
to the years between 1810 and 1820, and they
bring references to the presence of the mentioned Indian in baptismal records.
Palavras - chave:
Keywords:
Índios. Zona da Mata Mineira. Arqui- Indians. Zona da Mata Mineira. Parish Archives.
vos Paroquiais.
Trabalhando na busca de referencial histórico (documental)
e arqueológico (cultura material) dos grupos indígenas Puri, Coroado e Coropó15 desde 1992, quando da criação do Programa Arqueológico Puri-Coroado (PAP-C), debruçamo-nos neste
14
Doutor em História Social, Professor do UniMSB, [email protected]
Para a grafia dos nomes dos grupos indígenas, seguimos a convenção estabelecida pela Associação Brasileira de Antropologia - ABA, em 1953, onde normatiza
que os nomes de povos e de línguas indígenas sejam empregados na forma invariável, sem flexão de gênero e número. In: Revista de Antropologia, volume 2,
número 2, USP, São Paulo, 1954, pp. 150-154
15
96
Revista Pró-Ciência
momento, nas fontes geradas em paróquias da Zona da Mata
Mineira, onde aparecem referencias da presença destes grupos.
É desta forma, por entendermos, como SILVA (2008)16, que “As
informações registradas nos assentos de batismo nos ajudam com o apoio de
outras fontes (registros de casamento, de óbitos e inventários post-mortem) a
constituir e compreender a sociedade e seu comportamento num determinado
período.” é que o texto que ora apresentamos, tem por finalidade
fazer uma nota, prévia, acerca dos trabalhos realizados no “arquivo”
paroquial da Igreja de São João Baptista, antiga Paróquia de São
João Baptista do Presídio, localizada em Visconde do Rio Branco17.
Composto por 61 livros de registro de batismo, por 25 livros
de registros de casamento e 9 de livros de registro de óbitos, o
referido “arquivo” está sob a guarda do atual vigário local, o
padre Volnei Ferreira Noro, que por sua vez está sob a jurisdição da Diocese de Leopoldina-MG e da Arquidiocese de Juiz de
Fora18 , tendo assumido seu posto em 10 de janeiro de 2006, em
lugar do então padre José Carlos Leite.
Embora guardados sem o devido cuidado (principalmente
no que diz respeito a fatores técnicos, como temperatura,
umidade e manuseio), para documentos gerados à praticamente dois séculos, os livros encontram-se em condições
razoáveis de preservação e guarda. O acesso aos mesmos,
depois de estabelecidos os motivos e a forma de trabalho,
pode ser considerado bom.
SILVA, Sidney Pereira. Os registros de batismo e as novas possibilidades historiográficas, In: Revista eletrônica história e-história (http://www.historiaehistoria.
com.br/), em 21 de julho de 2008, publicação organizada com o apoio do núcleo
de estudos estratégicos / arqueologia, UNICAMP.
17
O município de Visconde do Rio Branco conta hoje com as paróquias de São
João Batista e de São Sebastião, esta última instalada em 1998 no bairro do Barreiro e comandada hoje pelo padre Silas ...
18
Até de 1964, esta Arquidiocese estava sediada em Mariana - MG.
16
97
Revista Pró-Ciência
É possível constatar que com o passar do tempo, estes registros passam a ficar mais simples e com variações no que
tange à grafia e à tinta utilizada. Verifica-se, diante disso, que
são constantes, a partir dos registros do ano de 1814, as mudanças do responsável pelo registro. Também pode-se verificar que a deterioração dos livros está avançando, o que,
diante da leitura dos registros, devido a este estado e às dificuldade colocadas, uma vez que alguns trechos ou palavras
estão ilegíveis, borradas ou danificadas, fomos levados, para
identificar as informações faltantes, a usar “asteriscos (***)”
sobrescritos.
Os registros de batismos, constantes neste “arquivo”, têm
por data inicial, 20 de dezembro de 1810. Seu primeiro livro,
registrado como B-01, tem seu último registro à folha 81,
com data de 10 de maio de 1818. Até o registro datado de
22 de julho de 1811, os assentamentos são assinados pelo
“cura”19 Marcelino Reis, que a partir de então passa a assinar
como “vigário”20 .
O livro dois, registrado como B-02, foi aberto em 18 de
setembro de 1822, tendo por local Mariana e assinatura de
Marcos Antonio Monteiro. Sobre este livro, vale ressaltar que
o mesmo passou, em 3 de setembro de 1823, por “visitação
de superiores religiosos”, conforme registro da página 39.
As assinaturas dos registros de assentamentos de batismos
deste livro foram feitas, também, pelo “vigário” Marcelino
Reis. No que diz respeito ao livro B-01, não há registro de
abertura.
Termo de caráter religioso, que significa padre. De acordo com o Dicionário
Aulete Digital, é um substantivo masculino, originário do latim “curae”, que
significa “Vigário de aldeia, de paróquia.”
20
Religioso católico que exerce funções em determinado local e por determinado
tempo. De acordo com o Dicionário Aulete Digital, é um substantivo masculino, originário do latim “vicarium”, que pode significar o “Padre que dirige uma paróquia
19
98
Revista Pró-Ciência
Na análise dos referidos livros, tem sido comum encontrarmos registros de batismo incompletos e fora de ordem,
possivelmente por ter sido realizado sem o devido registro.
Como exemplo podemos citar:
• No termo de abertura do livro B-02, lê-se a data de 18 de
setembro de 1822, apesar de a data do primeiro assentamento de batismo ser de 3 de maio de 1818.
• Os registros de assentamento de batismo de números 8 (de 8
de outubro de 1798 - Joanna - pais José Botelho de Mendonça
e Gertrudes Maria do *** Santos), 9 (dos últimos dias de agosto de 1802 - Barbara - pais Manoel Leni da Silva e Barbara Maria de Araujo), 10 (de 1 de dezembro de 1800 - Thereza - pais
Manoel Dias de Carvalho e Quitéria Rodrigues de Alencar), 11
(de *** de agosto de 1801 - João - sem pai e com mãe solteira
e parda) e 12 (de 12 de agosto de 1797 - Anna - pais Manoel
*** Gomes e Rita Francisca de Jesus), do livro B-01, além de
aparecem fora da ordem, são de anos anteriores à abertura dos
livros de batismo paroquiais e de seus respectivos registros.
• Na página 29, do livro B-01, onde lê-se registros de assentamento de batismo até o mês de maio de 1816, apresenta,
em seu verso, registros do mês de novembro e dezembro, retomando, a seguir, os registros do mês de maio. Neste caso,
constata-se que além de ter ocorrido um “pulo” de cinco meses nos registros, demonstra que os registros estariam sendo
realizados em datas posteriores a data de acontecimento.
Em relação aos realizadores dos batismos, aparecem os padres, co-adjuntos, Justino José de Freitas, *** João de Freitas,
José Lopez de Meirelles, Manoel Gonsales Fontes e Manoel
Antonio Brandão.
A partir do ano de 1814, são constantes os registros de batismo realizados em casa, quando encontra-se a observação de que
o assentamento fica sob condição de verificação de veracidade
para obter a validade necessária, conforme exemplos a seguir:
Aos vinte e sete de março de mil oitocentos e quatorze nesta
paróquia de São João Baptista do Presídio solenemente baptisei
99
Revista Pró-Ciência
debaixo de condição a Manoel filho de Antonio Alves Moreira por duvidar do baptismo feito em casa por Maria Rosa
de Lima de quem me informei foi nascido no primeiro de
fevereiro próximo e lhe pus os santos oleos foram padrinhos
Francisco Caetano de Almeida e a dita Maria Rosa todos desta
freguesia, o vigário Marcelino Reis.
José filho legítimo do Capitão Manoel Lima da Silva e de D.
Barbara Maria de Araujo foi baptisado solenemente nesta
freguesia de São João Baptista nesta Capella curada pelo
reverendo José Lopez de Meirelles aos *** dias de novembro do anno de mil setecentos e noventa e tres foi padrinho
José Antonio Lima por não apparecer este assento no livro
competente para ceder a necessaria informação e despacho
o abri neste, o vigario Marcelino Reis.
Neste tipo de batismo, costumam aparecer como realizadores o
Alferes Antonio Coelho, Maria Rosa de Lima, Josefa Maria de Jesus,
Victoria da Silva, Josefa Maria de Jesus e João Ribeiro de Siqueira.
Além disso, encontramos dentre os registros de assentamento
de batismo, no ano de 1814, um assentamento onde um, ou ambos, os padrinhos de batismo são representados por procuração:
Aos dois de outubro de mil oitocentos e quatorze nesta
matriz de São João Baptista baptisei solenemente e pus os
santos oleos a Eulalia filha legitima de Francisco Ferreira de
Araujo e de Thomazia Maria da Silva nascida de trinta dias
forão padrinhos o soldado pago Francisco Ronaldo da Silva
e D. Maria Victoria de *** por procuração que apresentarão
digo *** procurador o Capitão Guido Thomas Marliere
todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis.
Outro registro merecedor de atenção foi observado no registro de assentamento de batismo onde o vigário Marcelino Reis
possuía a propriedade de escravo:
Aos vinte e um de dezembro de mil oitocentos e quatorze solenemente baptisei e pus os santos oleos a Anna filha
natural de Francisca crioula escrava minha nascida de dose
100
Revista Pró-Ciência
dias forão padrinhos Antonio Rodrigues Ferreira e Maria
Rosa de Andrade todos desta freguesia, o vigário Marcelino
Reis.
Além deste, também já havíamos registrado em assentamento de batismo de 18 de abril de 1812, que “... senhorinha filha de
Romana crioula escrava ...”, que tinha por madrinha “... Maria escrava
minha ...”, do vigário.
A mesma observação serve para o que acontece no registro
de assentamento de batismo onde o Diretor (Geral de Índios)21 ,
José Ferreira da Silva, possuía a propriedade de escravos:
Aos vinte e sinco de dezembro de mil oitocentos e quatorze
nesta matriz de São João Baptista solenemente baptisei e
pus os santos oleos a Anna filha legitima de José Pardo e
Maria crioula escrava do Director Jose Ferreira da Silva nascida de oito dias forão padrinhos Marianno escravo de João
Luiz da Motta e Jacinta crioula escrava do mesmo todos
desta freguesia, o vigário Marcelino Reis.
Antes de mencionarmos a respeito dos registros de indígenas, vale citar que:
• seis registros do livro B-01 não são de moradores locais, mas
de outras Freguesias22 como as de Piranga, Sumidouro, Pomba
e Guarapiranga;
O Regulamento das Missões, Decreto nº 426, de 24 de julho de 1845, baixado
pelo Imperador D. Pedro II, cria a figura do Diretor Geral de Índios, determinando, em seu artigo 1º que “Haverá em todas as Províncias hum Director Geral de
Índios, que será de nomeação do Imperador.” e que, artigo 2º, “Haverá em todas
as aldeas hum Director, que sera de nomeação do Presidente da Província, sob
proposta do Director Geral.”
22
No Brasil até a proclamação da república, o termo freguesia foi utilizado da mesma forma que em Portugal, de forma não haver distinção entre o termo utilizado
na estrutura civil (administrativa) e na estrutura religiosa (igreja), principalmente
pelos estreitos laços mantidos entre Estado e Igreja. Representam a menor parte
da estrutura. Na primeira as províncias eram divididas em municípios e estes em
freguesias. Na segunda, as freguesias normalmente correspondiam às paróquias.
21
101
Revista Pró-Ciência
• pouco freqüente nestes registros é o fato de escravos relacionados como padrinhos;
• assentamento de batismo onde a criança, de mãe escrava, foi
declarada, no batismo, forra e liberta. Ressaltamos que, além da data
(1816), esta é uma região onde o escravo é concorrido e valorizado.
Aos vinte de março de mil oitocentos e dezeseis nesta matriz
de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos oleos
a Francisco filho de Vicencia crioula solteira escrava de Thereza
Maria de Souza que o deo por forro e liberto declarando que como
tal fosse baptizado de doze dias forão padrinhos e testemunhas
Francisco Cardoso e Theodora Maria todos desta freguesia, o
vigário Marcelino Reis.
• Somente em 1813 aparecem os primeiros registros de batismo constando data de nascimento:
Aos sinco de março de mil oitocentos e quinze nesta matriz
de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos oleos a Maria filha de Maria Caetana índia nascida de
quinze dias forão padrinhos João Luiz da Mota e Beatriz
crioula escrava do Furriel José Lucas todos desta freguesia,
o vigário Marcelino Reis.
Aos nove de agosto de mil oito centos e treze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei e
pus os santos óleos a Emeria filha legitima de *** e Correa
de Meirelles e de Clara Maria do Espírito Santo nascida a
quatorze de julho passado forão padrinhos Manoel Vieira
de Andrade e D. Anna Joaquina da Fraga ambos deste presídio, o vigário Marcelino Reis.
Aos dezenove de septembro de mil oito centos e treze nesta
parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei
e pus os santos óleos a João adulto preto congo escravo
de Felisberto *** da Silva morador na freguesia da Pomba
forão padrinhos Francisco de Paula Pacheco e Theresa
Maria de *** desta freguesia.
102
Revista Pró-Ciência
Finalmente, no que diz respeito aos indígenas, temos:
• Registro de assentamentos de batismo de índio “Pory” ou
“Pori”, conforme registros que seguem:
Aos does de abril de mil oitocentos e quinze nesta matriz
do Presídio São João Baptista e pus os santos oleos a Adam
*** indio Pory forão padrinhos Antonio de Meirelles Pinto
e Elena Rosa de Jesus todos desta freguesia, O vigário
Marcelino Reis.
Aos deseseis de maio de mil oitocentos e quinze nesta matriz
do Presídio solenemente baptisei e pus os santos oleos a Lina
*** india Pori educada em caza de Eduardo João dias forão
padrinhos Francisco de Paula Pacheco e Maria Eduarda
todos desta freguesia, O vigário Marcelino Reis.
• Registro de assentamento de batismo condicional de índia
“adulta”, da nação “Pory” e batizada em casa conforme registro
que segue:
Nesta matriz de São João Babtista do Presidio solenemente
baptisei e pus os santos oleos como baptismo condicional
a Maria adulta de nação Pory existente em caza de Maria
Ferreira por *** do baptismo conferido em caza por
Thomé Correa de quem me informei forão padrinhos o
dito Thomé Correa e Bernardina Maria do Espírito Santo,
O vigário Marcelino Reis.
• Registro de assentamento de batismo de “índia Pori”, adulta
e educada conforme relato:
Aos dezesseis de maio de mil oitocentos e quinze nesta matriz do presídio solenemente baptisei e pus os santos oleos
e Lina *** índia Pori educada em caza de Eduardo João
Dias forão padrinhos Francisco de Paula Pacheco e Maria
Eduarda, o vigário Marcelino Reis.
103
Revista Pró-Ciência
• Registro de assentamento de batismo de “índio Pori”:
Aos sete de junho de mil oito centos e treze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei e pus
os santos óleos a Fidelis filho de pay incógnito de nação
Pori pousado posto em cidade Manoel dos Santos Gato
desta freguesia forão padrinhos Felisberto Jose da Silva da
freguesia da Pomba e Maria Rosa desta freguesia o vigário
Marcelino Reis.
Aos dezesseis de janeiro de mil oitocentos e quatorze solenemente baptizei a pus os santos oleos nesta igreja de São
João Baptista a João e Maria filhos de Antonio da Silva e
de Roza indios forão padrinhos Manoel Marques França
soldado pago e Francisca Maria do Nascimento todos desta
freguesia, o vigário Marcelino Reis.
Aos dezenove de janeiro de mil oitocentos e quatorze nesta
paroquial igreja de São João Baptista solenemente baptizei
e pus os santos óleos a Manoel filho de Antonio Francisco
de Paula e de Maria Angélica índios forão padrinhos ***
Jose de Souza e Maria Angélica todos desta freguesia, o
vigário Marcelino Reis.
A primeiro de janeiro de mil oitocentos e quinze digo
quatorze nesta matriz de São João Baptista solenemente
baptizei e pus os santos óleos a Luiz filho de Luiz e de Anna
índios idem a Antonio filho de Manoel Pereira e de Thereza
forão padrinhos de ambos Manoel José de Freitas e Florinda
Maria do Espírito Santos, o vigário Marcelino Reis.
Aos dezenove de janeiro de mil oito centos e onze nesta
parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei
e pus os santos óleos a Nicolao filho natural de Francisco e
Anna Maria índios Croatos forão padrinhos João Lopes da
Rocha e Maria Freire de Andradas todos desta freguesia o
cura Marcelino Reis.
104
Revista Pró-Ciência
Aos vinte de oito de janeiro de mil oito centos e onze nesta
parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei sub
conditione e pus os santos óleos a Maria filha natural de Manoel da Costa e de Clara índios Croatos foi padrinho Luis Gomes que baptisava em casa e me informão sobre baptismo os
julguei duvidoso todos desta freguesia o cura Marcelino Reis.
Além disso, em alguns dos registros de assentamento de
batismo de índios “Pory” ou “Pori”, realizados no livro B-02,
apresentam, em sua grafia, um símbolo, na forma de assento
circunflexo, sobre a letra “i”23 , bem como nos registros de assentamentos de batismo de 15 de agosto de 1819, do livro B-02,
consta que o índio batizado tem uma extensão ao nome, como
um sobrenome, de “***”, onde seus pais são “applicados ***”.
Antes de encerrar esta “nota prévia” sobre os trabalhos que estão
sendo realizados no “arquivo” paroquial da Igreja de São João Baptista, antiga Paróquia de São João Baptista do Presídio, localizada em
Visconde do Rio Branco, apresentamos uma tabela (anexo 1) que nos
dá conta da dispersão de registros de assentamentos de batismos, com
ênfase aos registros de índios, no período de 1810 a 1820.
Destes dados, numa primeira análise, pode-se observar que a
população de escravos e índios batizados, a partir de 1815, está
em torno dos 60% dos registros; que a população índia é igual ou
superior, em relação aos números absolutos, à negra, na aceitação
deste ritual católico para esse período; que no número absoluto
de batizados do sexo masculino em relação ao do sexo feminino
existe um ligeiro favorecimento para o sexo masculino.
Vale ressaltar também que baseado em parecer da Mesa de
Desembargo do Paço (anexo 2)24 , datado de 18 de maio de 1809,
desta forma “î”
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Conjunto documental: Consultas da Mesa
do Desembargo do Paço, Notação: códice 149, volume 01, Data-limite: 1808-1814,
Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço, Código do fundo: 4k, Argumento
de pesquisa: instrução pública, Data do documento: 18 de maio de 1809, Local:
Rio de Janeiro, Folha(s): 29 e 29v.
23
24
105
Revista Pró-Ciência
a partir do pedido feito por moradores da então capela curada da
Nova Aldeia dos Índios Coroados do Presídio São João Batista,
devido ao aumento populacional local (superior a 1.300 pessoas,
sendo mais de 800 portugueses e 500 índios), há uma solicitação
para a implementação de uma cadeira de primeiras letras, o que
permite entender os percentuais de índios e negros presentes
nos livros de registro paroquiais da referida capela, que somente
a partir da Lei de 16 de março de 1839 (anexo 3)25 , sancionada
pelo então Presidente da Província de Minas Gerais, Bernardo
Jacintho da Veiga, o então povoado de São João Batista do Presídio, composto pelas freguesias de São João Batista do Presídio,
de Santa Rita do Turvo e de Arrepiados, é elevado à categoria de
vila, pertencente à comarca do Rio Paraibuna.
Além disso, ao analisarmos os dados coletados até esta etapa
de trabalho, constatamos que, no que refere-se aos registros de
assentamento de batismo de índios:
• Em 68 registros de batismo não aparece o nome
do pai;
• Em 3 registros de batismo não constam o nome
do batizado;
• A predominância de nomes de procedência cristã,
onde: 26 são Maria; 25 são José; 25 são João; 18
são Antônio; 16 são Anna; 7 são Francisca e 6 são
Francisco;
• 16 nomes são de procedência portuguesa, sendo
10 como Manoel e 6 como Joaquim;
Carta de Lei, que eleva a Vilas as Povoações do Bonfim, Santa Bárbara, Presídio,
Caldas, Oliveira e Formiga, estabelecendo os limites dos respectivos Municípios, cria duas novas Câmaras, suprime o Lugar de Juiz do Cível do Termo
de São João del-Rei e regula a nomeação dos Juizes de Direito e dos substitutos,
contendo outras disposições como nela se declara.
25
106
Revista Pró-Ciência
• 67 dos registros de assentamento de batismo apresentam uma extensão em seu nome, como que um
sobrenome que poderia identificar a tribo da qual pertenceriam. Este mesmo fato se observa seja no nome
do batizado, seja dos pais e/ou dos padrinhos.
Da associação entre batizados e pais, observa-se que:
1. Antonio Francisco e Joaquina, por duas vezes
foram pais de filhas chamadas pelo nome de Anna
2. Cipriano e Lucianna, por duas vezes foram pais
de filhos chamados pelo nome de Antônio ***
3. Domingos Pereira e Maria Angélica, por duas
vezes foram pais de filhos chamados pelos nomes
de Casemiro e de Catharina ***
4. João e Maria, por três vezes foram pais de filhos
chamados pelos nomes de Floreanna, Floreanno e
Florentino
5. Manoel Dias e Joanna, por duas vezes foram
pais de filhos chamados pelo nome de João ***
6. Victorianno Lima e Lucianna Rita, por cinco
vezes foram pais de filhos chamados pelos nomes
de Serafim, Severina, Severino, Silvana e Thereza
7. Patrício e Thereza, por duas vezes foram pais
de filhos chamados pelo nome de José
8. Ignácio e Francisca, por duas vezes foram pais
de filhos chamados pelos nomes de Constantino e
Custódia ***
9. Anna, por duas vezes foi mãe de filhos chamados
pelos nomes de Prudente ***, com paternidade de
Silvério, e Quintiliana com paternidade de Silvério
da Silva. Neste caso é provável que no momento do registro possa ter sido omitido o restante do
nome do pai, que poderia ser da Silva
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Revista Pró-Ciência
10.Maria Joanna, por duas vezes foi mãe de filhos
chamados pelos nomes de Joaquina, com paternidade de Jerônimo, e Joaquina, *** com paternidade de Jerônimo Dias. Neste caso é provável que
no momento do registro possa ter sido omitido o
restante do nome do pai, que poderia ser Dias.
11.Francisca, por duas vezes foi mãe de filhos
chamados pelos nomes de Prudente ***, com paternidade de Luis Antonio, e Quintiliana com paternidade de Luiz Antonio. Neste caso é provável
que no momento do registro possa ter acontecido
erro na grafia do nome Luis ou Luiz.
12.Maria Moreira, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Matilde e Paulino,
na primeira com paternidade de Severino Leme e
na segunda com paternidade de Severino Lima.
Neste caso é provável que no momento do registro
possa ter havido um erro na grafia, que poderia ser
Severino Lima ou Severino Leme, muito provavelmente Severino Lima, uma vez que Leme não é
nome comum por entre os moradores da região
13.Joaquina, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelo nome de João, na primeira com paternidade de Lucas, e na segunda com paternidade
de Lucas João Luis. Neste caso é provável que
no momento do registro foi omitido o restante do
nome do pai, que poderia ser João Luis.
14.Micaela, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Felipe e Felisberto, na primeira com paternidade de Januário e na segunda
com paternidade de Januário Pires. Neste caso é
provável que no momento do registro foi omitido
o segundo nome da pai, quando do registro do primeiro filho, que poderia ser Pires.
108
Revista Pró-Ciência
15.Antonio Roza, por duas vezes foi pai de filhos
chamados pelo nome de Antonio, na primeira com
maternidade de Maria Antonia, e na segunda com
maternidade de Maria. Neste caso é provável que
no momento do registro foi omitido o segundo
nome da mãe, que poderia ser Antonia.
16.Francisco, por duas vezes foi pai de filhas chamadas pelo nome de Clara, na primeira com maternidade de Maria Geralda, e na segunda com maternidade de Maria. Neste caso é provável que no
momento do registro foi omitido o segundo nome
da mãe, que poderia, perfeitamente, ser Geralda.
17.José da Fonseca, por duas vezes foi pai de filhas chamadas pelo nome de Joanna, na primeira
com maternidade de Maria Angélica, e na segunda
com maternidade de Maria. Neste caso é provável
que no momento do registro foi omitido o segundo
nome da mãe, que poderia ser Angélica.
18.Manoel, por duas vezes foi pai de filhos chamados pelo nome de João, na primeira com maternidade de Maria Dias, e na segunda com maternidade
de Maria. Neste caso é provável que no momento
do registro foi omitido o segundo nome da mãe,
que poderia ser Dias.
19.Manoel Alves, por duas vezes foi pai de filhos
chamados pelo nome de João, na primeira com maternidade de Francisca Lopes, e na segunda com
maternidade de Francisca. Neste caso é provável
que no momento do registro foi omitido o segundo
nome da mãe, que poderia ser Lopes.
20.Maria Francisca, por duas vezes foi mãe de
filhas chamadas pelos nomes de Joaquina, com
paternidade de Manoel Marques, e Joaquina ***
com paternidade de Manoel Marques Correa.
109
Revista Pró-Ciência
Neste caso é provável que no momento do registro
possa ter sido omitido o restante do nome do pai,
que poderia ser Correa.
Diante disso, acerca dos pais, pode-se considerar que:
• Felícia de Freitas e Felicia Freitas, que aparecem
com a maternidade em três dos registros de assentamento de batismo, poderiam ser a mesma pessoa,
desde que tenhamos associado a ela a paternidade.
Além disso, a partir desta maternidade, pode-se inferir que um dos registros sem a paternidade declarada, ou “... de pay incógnito ...” possa ser declarada
com a paternidade de José Novaes, que também
passa a ter, em seu nome, três dos registros de assentamento de batismo, bem como retirado de um
de seus registros o “de” de ligação entre o primeiro
e o último nome.
• A mesma situação considerada para Felícia Freitas
e José Novaes poderia acorrer com Clara e Manoel
da Costa, ou seja, a partir desta maternidade, podese inferir que um dos registros sem a paternidade
declarada, ou “... de pay incógnito ...” possa ser declarada com a paternidade de Manoel da Costa, que
também passa a ter, em seu nome, dois registros de
assentamento de batismo.
• Outra situação da mesma ordem poderia estar
ocorrendo com Anna Maria e Francisco, ou seja,
a partir desta maternidade, pode-se inferir que um
dos registros sem a paternidade declarada, ou “... de
pay incógnito ...” possa ser declarada com a paternidade de Francisco, que também passa a ter, em seu
nome, dois registros de assentamento de batismo.
110
Revista Pró-Ciência
• Devido a estas observações, dos 10 (dez) registros
de assentamento de batismo sem a paternidade, ou
“... de pay incógnito ...”, passam a ser em número
de 7 (sete)
Sobre os padrinhos pode-se observar que:
• 12 registros de assentamento de batismo aparecem sem o padrinho
• Por 6 vezes aparece como sendo João Ferreira da
Silva
• Por 5 vezes aparece como sendo Bernardo Martins
de Azevedo
• Por 4 vezes aparece como sendo João Luiz da
Mota (sendo que 2 vezes como Mota e por 2 vezes como Motta); como sendo José Caetano Diniz
(sendo que apenas 1 vez como José Caetano); como
sendo Manoel José de Freitas; como sendo Antonio
Rodrigues de Aguiar (sendo que 2 vezes como “de”
e 2 vezes sem “de”);
• Por 3 vezes aparece como sendo Sebastião da
Costa; como sendo Francisco Miguel Gonçalves
Nere (sendo que 1 das vezes como Nery); como
sendo Francisco de Paula Pacheco; como sendo
Francisco Alves de Souza (sendo que apenas 1 vez
como Francisco Alves);
• Por 2 vezes aparece como sendo João Ferreira
da Cruz; como sendo José Ferreira da Silva; como
sendo José Lucas; como sendo João Antonio da
Silva; como sendo Geraldo Rodrigues de Aguiar;
como sendo Felisberto Soares Ferreira; como
sendo Domingos de *****; como sendo Dezidério
Gomes; como sendo Antonio Rodrigues Ferreira;
como sendo Antonio Pereira da Silva; como sendo
Antonio Luis Pacheco; como sendo Antonio
111
Revista Pró-Ciência
da Costa Lima; como sendo André Rodrigues
Bragança; como sendo Alexandre Gonçalves de
Mattos (sendo que 1 das vezes sem o “de Mattos”);
como sendo Bonifácio Martins;
Sobre as madrinhas pode-se observar que:
• 20 registros de batismo aparecem sem a madrinha
• Por 34 vezes aparece como sendo Thereza Maria
de Jesus
• Por 21 vezes aparece como sendo Maria Rosa de
Andrade (sendo que 2 vezes a madrinha de batismo
aparece como Maria Rosa)
• Por 14 vezes aparece como sendo Anna Roza
(sendo que 1 vez como Anna Roza de Jesus)
• Por 11 vezes aparece como sendo Maria Geralda
• Por 8 vezes aparece como sendo Libânia Camila
(sendo que 4 vezes como Libânia Camila da Cunha)
• Por 6 vezes aparece como sendo Maria Thereza
(sendo que 2 vezes como Maria Thereza de Jesus)
• Por 5 vezes aparece como sendo Maria Rita de
Cássia; como sendo Anna Maria (sendo que 2 vezes
como Anna Maria de Jesus)
• Por 4 vezes aparece como sendo Thereza Lucas;
como sendo Maria Vicência de Andrade
• Por 3 vezes aparece como sendo Vicência Ignácia
da Silva; como sendo Maximianna da Costa; como
sendo Maria Patrícia; como sendo Maria Angélica
(sendo que 1 vez como Maria Angélica da Luz);
como sendo Luciana Maria do Espírito Santo; como
sendo Florência Ignácia da Silva; como sendo Nana
Joaquina (sendo 2 vezes Anna Joaquina de Jesus);
como sendo Francisca Roza (sendo que 1 vez como
Francisca Roza de Jesus)
112
Revista Pró-Ciência
• Por 2 vezes aparece como sendo Vicência (sendo
que 1 vez como Vicência de Freitas); como sendo
Quitéria Maria do Espírito Santo; como sendo
Maria Vicência Rodrigues; como sendo Maria
Quitéria (sendo que 1 vez como Maria Quitéria
de Jesus); como sendo Maria Pereira; como sendo
Maria Antonia; como sendo Joanna Baptista; como
sendo Gertrudes Maria do Espírito Santo; como
sendo Francisca Maria (sendo que 1 vez como
Francisca Maria de Jesus); como sendo Florinda
Maria do Espírito Santo; como sendo Emerenciana
Clara; como sendo Emerenciana Francisca (sendo
que 1 vez como Emerenciana Franscisca da Silva);
como sendo Clara Maria do Espírito Santo; como
sendo Maria Victoria Marliere
Destes registros de assentamento de batismo, formaram par,
como padrinhos:
• Por 7 vezes Anna Roza & João Caetano Diniz
• Por 4 vezes Maria Geralda & Jerônimo Alves da
Costa e Thereza Lucas & José Lucas Pereira dos
Santos
• Por 3 vezes Maria Rita de Cássia & Antonio
Rodrigues de Aguiar e Luciana Maria do Espírito
Santo & Bernardo Martins de Azevedo
• Por 2 vezes Esmênia Clara & Sebastião da Costa;
Florinda Maria do Espírito Santo & Manoel José de
Freitas; Francisca Roza & Antonio Pereira da Silva;
Joanna Baptista & Francisco de Paula Pacheco;
Lucianna Joaquina Teixeira & Francisco Miguel
Gonçalves Nere; Maria Patrícia & Antonio da
Costa Lima; Maria Vicência de Andrade & Manoel
José de Freitas; Maria Vicência de Andrade & João
113
Revista Pró-Ciência
Ferreira da Silva; Thereza Maria de Jesus & André
Rodrigues Bragança; Vicência Ignácia da Silva
& João Ferreira da Silva; Maria Rosa de Andrade
& Bonifácio Martins; Maria Rosa de Andrade &
Felisberto José da Silva; Maria Rosa de Andrade &
Guido Thomas Marliere; Florência Ignácia da Silva
& Joça Ferreira da Silva; Clara Maria do Espírito
Santo & José Correa de Meirelles; Maria Thereza &
Bernardo Martins
Vale ressaltar que aparecem sem seu parceiro (padrinho ou
madrinha), por 6 vezes Maria Rosa de Andrade e Anna Roza
e por 2 vezes Anna de Souza; Vicência Ignácia da Silva; José
Ferreira da Silva; José Ferreira; João Luiz da Motta; Domingos
de ***.
Em decorrência da associação de batizados e seus padrinhos
e madrinhas, observa-se que alguns deles aparecem em repetidos
registros, tais como:
1. Maria Rosa de Andrade com 17 registros de
assentamento de batismo, dos quais 2 vezes em
companhia com Bonifácio Martins, 2 vezes com
Felisberto José da Silva, 3 vezes com Guido Thomas
Marliere e 4 vezes sem a designação de padrinhos.
Vale ressaltar que em 2 registros aparece apenas o
nome de Maria Rosa, os quais consideramos serem
também madrinha Maria Rosa de Andrade. Também
é pertinente dizer que em alguns casos a grafia de
Rosa aparece com “S” e em outras com “Z”.
2. Anna Roza de Jesus com 7 registros de assentamento de batismo, dos quais 4 vezes em companhia com José Caetano Diniz, sendo que n´uma delas o mesmo aparece apenas como José Caetano. Os
outros 3 registros estão sem o nome do padrinho.
114
Revista Pró-Ciência
É pertinente dizermos que em alguns casos a grafia de
Rosa aparece com “S” e em outras com “Z”.
3. Libania Camilla da Cunha com 4 registros de
assentamento de batismo. Vale ressaltar que em 2
registros aparece apenas o nome de Libania Camilla,
os quais consideramos serem também madrinha
Libania Camilla da Cunha.
4. Thereza Maria de Jesus com 16 registros de
assentamento de batismo, sendo que em 15 eles o
padrinho é diferente. Em um deles não aparece o
nome do padrinho.
5. Florência Ignácia da Silva com 3 registros de
assentamento de batismo, dos quais 2 em companhia com Joca Ferreira da Silva e 1 vez sem a designação de padrinho.
6. Maria Geralda com 4 registros de assentamento
de batismo, dos quais 2 vezes em companhia com
Jeronimo Alves da Costa, vez com Geronimo Alves
da Costa e 1 vez com Geronimo ***. Devido ao
formato dos registros, passaremos a considerar que
todos os 4 têm como padrinho Jeronimo Alves da
Costa.
7. Maria Theresa com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Bernardo
Martins.
8. Maria Theresa de Jesus com 2 registros de
assentamento de batismo, tendo como companhia
a Antonio Gomes dos Santos n´um deles e João
Lopes da Rocha n´outro.
9. Theresa Maria de Jesus com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia
Lucas José de Araújo n´um deles e Guido Thomas
Marliere n´outro. Nesse ponto, é relevante ressaltar que devido aos vários “enganos”, “erros” e/ou
115
Revista Pró-Ciência
“problemas” verificados quando da leitura dos registros de assentamento de batismos paroquiais da igreja de São João Batista do Presídio e que têm provocado “interpretações”, nos fazem acreditar que Maria
Theresa de Jesus e Theresa Maria de Jesus sejam a
mesma pessoa e que também seja muito provável ser
Maria Theresa a mesma pessoa, o que faria com que
Maria Theresa de Jesus apresentasse em seu nome 6
registros de assentamentos de batismo.
10.Maria Victoria Marliere com 2 registros de
assentamento de batismo, tendo como companhia
Francisco Romualdo da Silva n´um deles e Guido
Thomas Marliere n´outro.
11.Bernardo Martins com 2 registros de assentamento de batismo, em companhia com Maria Theresa.
12.Bonifácio Martins com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Maria
Rosa de Andrade.
13.Felisberto José da Silva com 2 registros de
assentamento de batismo, tendo como companhia
Maria Rosa de Andrade.
14.Francisco Romualdo da Silva com 2 registros
de assentamento de batismo, tendo como companhia
Maria Paulo n´um deles e Maria Victoria Marliere
n´outro.
Também vale ressaltar, neste momento, uma observação feita por SAINT-HILARE (1975), quando de sua passagem pelo
Quartel do Canto da Serra de São João, em visita à Aldeia de
Santo Antonio, na província de Minas Gerais, em sua primeira
viagem, em 1816-1817, pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais:
116
Revista Pró-Ciência
O ajudante do comandante me acompanhava; era um homem excelente; os índios pareciam considerá-lo seu pai, e
era o padrinho de quase todos os seus filhos. Essa boa gente o viu chegar com o maior prazer e receberam-no da melhor maneira possível. A nossa chegada, uma velha mulher
nos trouxe aipins assados debaixo da cinza, e outros índios
tentaram fazer-nos aceitar cereais e penas.
Esta constatação, associada aos registros na Paróquia de São
João Baptista do Presídio, poderiam estar nos apresentando uma
prática “comum” entre os índios aldeados e convertidos ao cristianismo na Província de Minas Gerais e quem sabe no Brasil.
Diante destas primeiras análises, algumas questões surgem e
nos indicam um caminho a seguir: Onde estariam os registros
anteriores a 20 de dezembro de 1810?; Onde viviam estes índios?; Quantos eram estes índios?; Estes índios eram da mesma
tribo?; Estes índios viviam em uma mesma aldeia ou em aldeias
distintas?; Estes índios, se viviam em aldeias distintas, quantas
eram estas aldeias?
Da mesma forma, outros dados ainda seguem em analise. Seriam eles, as listas de nomes dos batizados, de nomes dos pais e
das mães e de nomes dos padrinhos e das madrinhas.
117
Revista Pró-Ciência
Referências
LUFT, V. J.; AMANTINO, M. S.; MACEDO, J. de. Programa
Arqueológico Puri-Coroado: elementos para uma tipologia de
suas fontes históricas, In: Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa
Histórica, n. 12, Curitiba: SBPH, 1997, pp. 91-95.
LUFT, V. J.; AMANTINO, M. S.; ALBERTINI, A. I. M.. Programa Arqueológico Puri-Coroado, In: Anais da VIII Reunião
Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Coleção Arqueologia
1, v. 2, Porto Alegre: PUC-RS, 1996, pp. 623-628.
SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e
Minas Gerais, Coleção Reconquista do Brasil, v. 4, Belo Horizonte – São Paulo: Ed. Itatiaia-EDUSP, 1975.
SILVA, S. P. da. Os registros de batismo e as novas possibilidades historiográficas, In: Revista Eletrônica História e-história, Publicação organizada com o apoio do Núcleo de Estudos Estratégicos / Arqueologia,
Campinas: UNICAMP, ISSN 1807-1783, 21 de julho de 2008.
118
Revista Pró-Ciência
ANEXO 1
livro ano
registro
índios
total
%
fem mas
1
1.810
13
1
7,69
1
0
1
1.811
62
15
24,19
7
8
1
1.812
84
12
14,28
5
7
1
1.813
97
24
24,74 11
12
1
1.814
99
35
35,35 12
23
1
1.815
114
39
34,2
15
24
1
1.816
95
23
24,2
15
8
1
1.817
108
40
37,03 15
24
1
1.818
132
41
31,06 23
15
2
1.819
127
36
28,35 17
19
2
1.820
135
26
19,26 13
13
1.066
292
18,04 134 153
ANEXO 2
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
Conjunto documental: Consultas da Mesa do Desembargo
do Paço
Notação: códice 149, vol. 01
Data-limite: 1808-1814
Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço
Código do fundo: 4k
Argumento de pesquisa: instrução pública
Data do documento: 18 de maio de 1809
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 29 e 29v
119
Revista Pró-Ciência
O povo da capela curada da Nova Aldeia dos Índios Coroados do Presídio de São João Batista, pede em razão do aumento
da sua população, chegando ao número de mais de oitocentos
portugueses, e quinhentos índios, se estabeleça uma Cadeira de
Primeiras Letras, para ensino da mocidade.
Parece a Mesa, que o requerimento merece ser deferível,
porque constando da informação o estado florente daquela
povoação, nada é mais coerente às Paternais Intenções de Vossa
Alteza Real do que promover o ensino, e educação pública
dos seus fiéis vassalos, estabelecendo mestres, onde forem
necessários, e muito mais, quando o que pede o Povo do Lugar de
S. João Batista é de Primeiras Letras, e por isso o mais necessário,
como a base mais segura de toda a Literatura, e absolutamente
precisa para qualquer gênero de vida, e para todos os estados
da Sociedade Civil, merecendo além disto muita contemplação
o ser a Povoação de que se trata, composta tão bem de índios
já aldeados, e civilizados, a quem cumpre fazer amar a instrução
nacional, para se tornarem cidadãos úteis, e verdadeiramente
Vassalos Portugueses, o que se conseguirá por meio da mistura
de Nacionais e Índios, e por uma igual educação. Por estes tão
justos, como úteis motivos, mui dignos da Real consideração se
deve criar a cadeira de Primeiras Letras na forma da súplica, com
o ordenado, que vencem os demais professores da capitania de
Minas Gerais, provendo-se pelo Governador e Capitão General,
de acordo com o Reverendo Bispo, para ser confirmado por esta
Mesa, como é por Vossa Alteza Real decretado, que decidirá com
tudo o que for mais justo.
Rio de Janeiro em 18 de maio de 1809.
S. A. R Como parece. Palácio do Rio de Janeiro 20 de maio
de 1809.
120
Revista Pró-Ciência
ANEXO 3
Carta de Lei, que eleva a Vilas as Povoações do Bonfim, Santa
Bárbara, Presídio, Caldas, Oliveira e Formiga, estabelecendo
os limites dos respectivos Municípios, cria duas novas Câmaras, suprime o Lugar de Juiz do Cível do Termo de São João
del-Rei e regula a nomeação dos Juizes de Direito e dos substitutos, contendo outras disposições como nela se declara.
Bernardo Jacintho da Veiga, Presidente da Província de Minas Gerais: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Legislativa Provincial decretou, e eu, sanciono a Lei
seguinte:
Art. 1º - Ficam elevadas à vilas as seguintes povoações:
§ 1º - A do Bonfim, compreendendo no seu Município
a freguesia do mesmo nome, e as da Piedade da Paraopeba, e de
Mateus Leme.
§ 2º - A de Santa Bárbara, compreendendo no seu município
a freguesia do mesmo nome e as de São João Batista do Morro
Grande, de São Miguel do Paracicaba e de Catas Altas de Mato
Dentro.
§ 3º - A de São João Batista do Presídio, compreendendo no
seu município a freguesia do mesmo nome e as de Santa Rita
do Turvo e de Arrepiados.
§ 4º - A de Caldas, compreendendo no seu município
a freguesia do mesmo nome, e as de Cabo Verde, e de São José
e Dores dos Alfenas. A Serra dos Campos servirá de limite
entre este município e o da Campanha pelo lado da Freguesia
de Santana do Sapucaí.
§ 5º - A de Nossa Senhora da Oliveira, compreendendo no
seu Município a Freguesia do mesmo nome, e as do Amparo e
do Passa-Tempo.
§ 6º - A de São Vicente Ferrer da Formiga, compreendendo
no seu Município a Freguesia do mesmo nome, e as de Piumhi e
Bambuí, com a denominação de Vila Nova de Formiga.
121
Revista Pró-Ciência
Art. 2º - Os habitantes dos novos municípios são obrigados
a construir à sua custa as Casas para Sessões das Câmaras Municipais e dos Conselhos de Jurados, e cadeias seguras, conforme
os planos que forem determinados pelo Governo.
Art. 3º - Enquanto os habitantes dos novos municípios não
puderem construir as Casas, de que trata o Art. 2º, servirão para
o exercício das funções municipais e judiciárias, e para Cadeias
quaisquer Edifícios próprios, ou arrendados pelos mesmos
habitantes para este fim, contanto que tenham as comodidades indispensáveis; e proceder-se-á à instalação das vilas logo
que os seus habitantes mostrarem ter as ditas Casas.
Art. 4º - Haverá em cada um dos Municípios novamente
criados um Escrivão de Órfãos e dois Tabeliães do Público,
Judicial e Notas: o 1º escreverá na Provedora de Capelas e Resíduos, e o 2º nas execuções Cíveis e Crimes.
Art. 5º - A Freguesia de Itajubá fica desmembrada do
Município da Vila da Campanha, e unida ao da Vila do Pouso
Alegre.
Art. 6º - Além das Comarcas ora existentes, nessa Província,
são criadas as seguintes:
§ 1º - A do Rio Grande, compreendendo os Municípios
de Tamanduá, de Oliveira, e da Vila Nova de Formiga.
§ 2º - A do Rio Verde, compreendendo os Municípios da
Campanha, Baependi e Aiuruoca.
Art. 7º - A Vila do Bonfim pertencerá à Comarca do Ouro
Preto; a de Santa Bárbara à Comarca do Rio das Velhas; a do
Presídio à Comarca do Rio Paraibuna; e a de Caldas à Comarca
do Rio Sapucaí.
Art. 8º - Fica suprimido o lugar de Juiz de Direito do Cível
na Cidade de São João del-Rei.
Art. 9º - A preferência garantida pelo Art. 4, da Lei
Provincial nº 72 aos Juizes de Direito Substitutos para serem
nomeados efetivos, regular-se-á pela sua antigüidade.
122
Revista Pró-Ciência
Art. 10o - No provimento dos Juizes de Direito Substitutos
serão preferidos os Bacharéis formados em Direito, que houverem servido de Juizes Municipais, e de Promotores Públicos.
Art. 11o - Ficam revogadas as disposições em contrário.
Mando, portanto, as todas as Autoridades, a quem o
conhecimento, e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nela se contém. O
Secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Governo, na Imperial Cidade do Ouro
Preto, aos 16 de março de 1839.
Bernardo Jacintho da Veiga - Presidente da Província de Minas Gerais.
123
Revista Pró-Ciência
ARTIGOS
124
Revista Pró-Ciência
Usucapião especial na vertente
do Estatuto da cidade
David Augusto Fernandes 26
Resumo
Abstract
O presente artigo apresenta de uma forma
geral, o Estatuto da Cidade que veio
ocupar uma lacuna no mundo jurídico,
tecendo uma teia a fim de que as anomalias
ou a ausência em diversos setores da
cidade fossem formatadas e atendidas em
conformidade com esta lei. Apresentando,
também, de forma específica o usucapião
especial individual de imóvel urbano e
especial coletivo apresentado no Estatuto
da Cidade.
This article presents a general view of the
Estatuto da Cidade (City Statute) that fulfilled
a gap in the legal world, weaving a web so that
anomalies or absence in various sectors of the
city were formatted and treated in accordance
with this law. It also demonstrates specifically
the legal rights that derive from the occupation
of a property as a result of long-time, open,
notorious adverse possession of it (usucapião)
in both individual case of urban real estate
units and the collective case as presented in
the City Statute.
Palavras - chave:
Usucapião; Estatuto da Cidade.
Keywords:
Usucapion; City Statute.
Delegado da Polícia Federal. Professor de Direito Internacional Público/Privado,
Direito Penal. Mestre e Doutorando em Direito. E-mail: david.daf@ dpf.gov.br.
26
125
Revista Pró-Ciência
Sumário: Introdução; 1.Usucapião; 2.Usucapião Especial Individual de imóvel urbano; 2.1 Definição; 2.2 Fundamento; 2.3
Pressupostos; 2.4 Aquisição do Direito; 2.5 Título do domínio;
2.6 Direito do herdeiro; 3 Usucapião Especial Coletivo; 3.1 Definição; 3.2 Características; 3.3 Fundamento; 3.4 Requisitos;
3.5 Condomínio indiviso especial; 3.6 Sucessão de posses; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
Introdução
O direito de superfície pode ser interpretado na perspectiva
da concessão, da cisão e do usucapião. O interesse deste trabalho
é enfocá-lo na perspectiva do usucapião, tomando-se por base o
Estatuto da Cidade, regulamentado mediante a Lei n.º 10.257, de
10 de julho de 2001. A mencionada Lei, em seus artigos 9º e 14,
elencou, entre os instrumentos da política urbana, o usucapião
especial do imóvel urbano. É particularmente nessa perspectiva
instrumental que se aborda a matéria, sem, contudo, perder de
vista suas matrizes conceituais materiais.
O Código Civil apresenta o usucapião como uma forma de aquisição de domínio pela posse prolongada. Na mesma esteira, Caio
Mario da Silva Pereira27 expõe que “a aquisição da propriedade ou
outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei”. Constata-se, portanto,
que dois são os elementos básicos, essenciais, para a aquisição por
usucapião: posse e tempo. Exige-se, ainda, o animus domini.
Pode-se conceituar o usucapião como a aquisição do domínio
ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante posse mansa e
pacífica, com ânimo de dono, durante o tempo estabelecido em
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais. v. 4, p. 119.
27
126
Revista Pró-Ciência
lei. Esta conceituação está calcada, de forma geral, na apresentada por Modestino, no Digesto28. Neste sentido, é o caso de se
indagar: por que a posse continuada, pelo tempo estabelecido
em lei, leva ao usucapião?
Salles29 expõe que todo bem móvel ou imóvel deve ter
uma função social. Vale salientar que deve ser usado pelo proprietário, direta e indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o
dono abandona esse bem, se se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário, poderá, com
tal procedimento, facilitar a outrem a oportunidade de se apossar
do referido bem. Essa posse mansa e pacífica por determinado tempo levará à aquisição da propriedade por quem seja seu
usuário, porque interessam à coletividade a transformação e a
sedimentação de tal situação de fato em situação de direito.
Argumenta Salles30 que à paz social interessa a solidificação
daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a
em situação de direito, inibindo-se, assim, a incidência da instabilidade do possuidor que poderia eternizar-se, levando a discórdias e conflitos que afetem a harmonia da coletividade. Assim, o
proprietário desidioso, ao não cuidar do que é seu, ao deixar seu
bem em estado de abandono, mesmo sem a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo se
apossado da coisa mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a
como se sua fosse.
Usucapio est adiectio dominii per continuationem posessionis temporis lege definite, ou seja, usucapião é a aquisição do domínio pela posse continuada por um
tempo definido. (MODESTINO. Digesto, Livro 41, Título III, frag. 3)
28
SALLES, José Carlos Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 2. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 26.
30
SALLES, José Carlos Moraes, op. cit., p. 27.
29
127
Revista Pró-Ciência
1 Usucapião
O usucapião31 é um instituto extremamente complexo, de origem na Roma antiga e que até hoje é palco de discussões doutrinárias. Foi regulado na antiguidade pela Lei das XII Tábuas,
que sagrava o usucapião de bens imóveis (dois anos) e móveis
(um ano), prazo este prorrogado, posteriormente, para dez anos
entre os presentes e vinte entre os ausentes.
Outras leis, da mesma forma, vieram regulamentar o usucapião
e, mesmo sendo um instituto tão antigo, gera polêmica até hoje.
Carvalho Filho32 alude a que o usucapião constitui modalidade de aquisição da propriedade em virtude da ocorrência de
prescrição aquisitiva. O núcleo conceitual básico é representando
pelos fatores posse e tempo, mas a lei, dependendo da modalidade de usucapião, pode reclamar a presença de outros requisitos.
O usucapião enseja a aquisição da propriedade móvel e da
propriedade imóvel33. Vários são os fundamentos éticos para a
adoção do usucapião, por vezes ligados ao direito subjetivo de
propriedade, e em outras associados à função social da propriedade. O correto é que para alguns o instituto se justifica em face
do abandono da coisa pelo antigo dono; para outros, no grau de
certeza de que se deve revestir o direito de propriedade; e para
Conforme FERRAZ, Sergio. Estatuto da Cidade. DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sergio (Coords.). Estatuto da Cidade. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006,
p. 139: À celeuma sobre a nomenclatura “a usucapião” ou a indicação “o usucapião” Clóvis Beviláqua preferia “usocapião” a “usucapião”, mas a maior parte da
doutrina tem optado por atribuir à palavra o gênero feminino, quase sempre forte
na sustentação de que as palavras latinas da terceira declinação, com o nominativo
terminando em “io”, invariavelmente eram femininos. Há, contudo, relevante corrente que sustenta o gênero masculino do vocábulo, inclusive porque os substantivos portugueses terminados em “ão” a esse gênero habitualmente pertencem.
32
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3. ed.
rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.122.
33
Os artigos 1238 a 1243 do Código Civil regulam o usucapião de bens imóveis, ao
passo que os artigos 1260 a 1262 tratam do usucapião de bens móveis.
31
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outros, ainda, na segurança social e no aproveitamento econômico do bem usucapido.
Doutrinariamente o usucapião tem sido classificado em três modalidades. A primeira é o usucapião extraordinário, marcado pela só
exigência da posse em determinado prazo e pela dispensa do justo
título e boa-fé. A segunda é o usucapião ordinário, em que, além do
tempo e da posse, são exigidos o justo título e a conduta de boa-fé.
E concluindo, há o usucapião especial, cuja linha marcante consiste
na posse e na finalidade do uso do bem, finalidade esta em que
está envolta a função social exigida para o instituto da propriedade,
como consagrada no art. 5º, XXIII, da Carta Magna34 .
O usucapião especial de imóvel urbano enquadra-se no usucapião especial, face a seu caráter social. Por meio dele é possível
buscar a concretização da justiça social, permitindo-se alcançar
passo a passo o longo percurso necessário à redução das desigualdades entre as camadas da sociedade35 .
2 Usucapião especial individual de imóvel urbano
O presente instituto veio trazer a paz social, tanto almejada
pela sociedade, mas propriamente de uma camada da população
que sem meios para a aquisição de um imóvel urbano para moradia, por vezes se utiliza deste descrito no Estatuto da Cidade.
2.1 Definição
É aquele que o possuidor adquire o domínio de imóvel, com a
dimensão máxima de 250 metros quadrados, em que resida sozinho
ou com a família por cinco anos no mínimo, sem interrupção, sem
oposição e sem que seja proprietário de qualquer outro imóvel.
PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 115-120.
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 123; FERRAZ, Sergio, op. cit.,
p. 139.
34
35
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2.2 Fundamento
O objetivo do presente instituto é que o possuidor-usucapiente,
além da aquisição do domínio sobre o imóvel do usucapido em virtude da posse no prazo estabelecido na lei, também leva ao seu fim
social, que se revela pela aquisição do direito por parte do usucapiente e pela adequação do imóvel às regras de política urbana da
cidade. Além disso, impõe-se o atendimento de alguns requisitos
especiais previstos em lei para propiciar a aquisição do domínio.
No âmbito do Estatuto da Cidade, o usucapião especial de
imóvel urbano é o instrumento jurídico pelo qual o possuidor adquire o domínio de imóvel, atendido o descrito no tópico acima.
É salutar lembrar que a Constituição de 1946 foi a primeira a tratar
do usucapião especial de imóvel urbano e rural, estipulando o prazo
de dez anos (art. 156, § 3º). Entretanto, um dos requisitos era o de
que o possuidor tivesse tornado produtivo o imóvel, razão pela qual
foi o instituto, denominado de usucapião pro-labore. A Constituição de
1967, porém, não contemplou essa modalidade de usucapião.
A atual Constituição abordou o instituto no art. 183, estando
este dispositivo também inserido no capítulo dedicado à política
urbana, que constitui a fonte constitucional do usucapião especial de imóvel urbano36 .
Conforme salienta Carvalho Filho37, essa modalidade de usucapião foi disciplinada no Estatuto da Cidade entre os artigos
9º e 14, configurando-se como diploma regulamentar do citado
mandamento constitucional.
Não bastasse o profundo impacto de tudo quanto já operado de novidade,
precedentemente referido, a isso veio juntar-se a decisão do constituinte de alargar
a boa experiência do usucapião pro labore do campo , fazendo-o também incidir na
cidade. Dessa opção surgiu o art. 183, da Carta Maior, de alcance tão amplo quanto
seu congênere rural (cabendo lembrar que nem um nem outro incidem sobre bens
públicos, por taxativa exclusão constitucional), com os perfis próprios às específicas
preocupações que aqui comparecem. (FERRAZ, Sergio, op. cit., p. 140-141).
37
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 124.
36
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O Código Civil vigente contempla, também, a figura do usucapião especial para fins de moradia, em seu art. 1.240, sendo
que a única diferença na redação entre o art. 9º do Estatuto e o
disposto no Código Civil encontra-se na referência ao objeto do
usucapião. O Código Civil simplesmente alude à “área urbana”,
enquanto no Estatuto é feita menção à “área ou edificação urbana”. É salutar consignar que o projeto do Código é anterior ao
projeto do Estatuto.
A natureza jurídica do usucapião especial de imóvel urbano
possui duas vertentes. A primeira trata de importante instrumento
de política urbana, pois visa à regularização fundiária de imóveis
situados na zona urbana, sobretudo aqueles localizados em áreas de comunidades de baixa renda38. A indefinição a respeito do
domínio de imóveis urbanos atenta contra o processo de urbanização, e o usucapião serve exatamente para eliminá-la, proporcionando grau de desejável certeza ao sistema da propriedade urbana.
A segunda apresenta o usucapião como poderoso instrumento de
justiça social, permitindo àqueles que fazem do imóvel urbano o
centro de sua moradia e de sua família a aquisição do domínio
como compensação pelo uso efetivo, ininterrupto e imune a qualquer oposição. E, conforme preceituado no parágrafo único, do
art. 1º do Estatuto, os objetivos de política urbana consistem em
proporcionar segurança e bem-estar aos cidadãos.
2.3 Pressupostos
O usucapião urbanístico configura-se ante o cumprimento de
determinados pressupostos. Sem que estejam presentes, não se
completa o ciclo de elementos componentes do substrato fático
do direito.
Observe-se que o legislador não fixou com exatidão o que seja baixa renda,
ficando o critério de especificação de tal conceito a cargo de quem for analisar o
caso em concreto.
38
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O primeiro pressuposto jurídico é a posse (grifo desse trabalho). Não caindo no dilema entre a teoria subjetivista e a objetivista, verifica-se que o Código Civil utilizou o pensamento
de IHERING39, ou seja, o segundo, apesar de ter alguns tons da
teoria subjetivista. O Código, em seu art. 1.196, define a posse
como o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes ao domínio ou propriedade.
Interessante observar que a regra contida no Estatuto apresenta-se aparentemente mais afinada com a teoria subjetivista da
posse, ao estabelecer, no art. 9º, que “aquele que possuir como
sua área ou edificação [...]” adquirirá o domínio do imóvel urbano. Conforme salienta Carvalho Filho40 o texto parece deixar
claro que será exigida a prova do animus domini. Ou seja, não
bastará o poder de fato que o possuidor exerce sobre o imóvel
(corpus), mas será preciso também que esse poder seja exercido
com a convicção de que o imóvel é seu. Aqui o que a lei impõe é
considerar sua posse com a noção material de ocupação – noção
despedida de subjetivismo. No mínimo terá o possuidor situação
de certeza jurídica potencial, isto é, a expectativa de que em algum momento poderá ser reconhecida, em seu favor, a propriedade do imóvel em que reside ou outra situação jurídica pela qual
se lhe assegure a permanência do status quo.
Como segundo requisito exposto na lei há a presença do pressuposto temporal (grifo deste trabalho): o prazo da posse deve
alcançar no mínimo cinco anos. Como o usucapião urbanístico é
especial, justifica-se o período menos extenso da posse, se comparado com os estatuídos no Código Civil. Não custa lembrar
o fim social do instituto, no caso a moradia do possuidor ou de
sua família, isso sem contar a importância da regularização fundiária dos imóveis urbanos. No caso em comento, a posse deve
IHERING, Rudolf von. In: MORRIS, Clarence. Os grandes Filósofos do Direito. São
Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002, p. 400/4008.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 126
39
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ser contínua e pacífica, ou seja, exercida sem interrupção e sem
oposição do proprietário.
Há também o pressuposto territorial (grifo deste trabalho).
Só podem ser objeto do usucapião especial urbanístico os imóveis
de até 250 metros quadrados. Imóveis com área superior a essa
poderão enquadrados no usucapião extraordinário ou ordinário,
adotando-se para tanto os respectivos prazos. O imóvel deve ainda caracterizar-se como urbano; se o caso for de imóvel rural, a
dimensão territorial será diversa: 50 hectares (art. 191, CF/88).
O quarto pressuposto é o finalístico (grifo deste trabalho):
o imóvel só pode ser utilizado pelo possuidor ou por sua família
para moradia. Face ao aludido, é vedado, para fins do usucapião
urbanístico, que o possuidor utilize o imóvel para locação ou
como estabelecimento comercial, ressalvado, neste último caso,
o fato de ser a moradia o objetivo básico da utilização do bem.
Em relação ao possuidor, a lei refere-se a “sua moradia ou de sua
família”. A melhor exegese é no sentido de que o usucapião será
viável mesmo se o possuidor abandonar sua família, hipótese
em que o título de propriedade será conferido à esposa, companheira ou conviventes, conforme preceito da Lei nº 9.278, de 10
de maio de 1996, que regula a união estável descrita no art. 226,
§ 6º , da CF/88.
Por derradeiro, há o pressuposto patrimonial (grifo deste
trabalho): o possuidor não pode ser proprietário de qualquer
outro imóvel, urbano ou rural. Pode ocorrer que o possuidormorador tenha a posse de outro imóvel. Em tal situação nada
impede a pretensão de usucapir o imóvel em que reside, pois
o outro, por não ser sua moradia, nem ser objeto de domínio,
será insuscetível de ser adquirido por ele por meio do usucapião
especial.
133
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2.4 Aquisição do Direito
O direito de propriedade é adquirido no usucapião pelo preenchimento de certos elementos que formam o substrato fático
do direito. Consumando-se o substrato fático, nasce o direito
subjetivo.
No usucapião especial de imóvel urbano, consagrado no art.
9º, § 2º, do Estatuto, o reconhecimento desse direito somente
se dará uma vez, desde que o possuidor-morador preencha os
requisitos para adquirir a propriedade. Neste mesmo diapasão, se
o possuidor-morador se transformar em proprietário e alienar o
imóvel, vindo, posteriormente, a exercer a posse em outro imóvel urbano, usado para sua moradia, não poderá, após o prazo de
cinco anos, reivindicar o domínio desse imóvel. Face ao fato de
que o direito de propriedade, no usucapião urbanístico, exaurese com uma única aquisição.
Tal premissa não impede que o interessado venha a adquirir o
direito de propriedade por este instituto. O que a lei inibe é que
venha a adquirir imóvel urbano por meio do usucapião especial.
Ou seja, nenhum impedimento haverá para a propriedade ser
adquirida pelo usucapião extraordinário ou ordinário, hipóteses
em que o possuidor terá de cumprir prazos mais longos para ver
reconhecido o domínio.
O fundamento da limitação consiste na natureza singular do
usucapião especial urbano. O alvo do instituto, como se tem observado, tem nítido sentido social e se afigura eminentemente
protetivo em favor daquele que exerce a posse do imóvel para
sua moradia. Daí o legislador não ter deixado margem para eventual desvio de perspectiva. A ser admitido o reconhecimento do
direito por mais de uma vez, poderiam pessoas menos escrupulosas empregar artifícios fraudulentos para configurar mais de
uma posse-moradia e adquirir várias propriedades. A aquisição
teria então finalidade especulativa e não protetiva, como foi o
objetivo do instituto.
134
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2.5 Título do domínio
Lastreado pelo parágrafo 1 º, do art. 9 º, do Estatuto da Cidade, observa-se a descrição de que o título de domínio será outorgado ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente
do estado civil41.
A norma deve ser interpretada em consonância com o fim
social do usucapião especial urbano. Sendo assim, a aquisição
do domínio constitui forma de proteção do possuidor e de sua
família. O beneficiário, portanto, não é apenas o possuidor como
integrante da família, mas a própria família.
Conforme acentuado por Carvalho Filho42, o título deve ser
conferido ao homem ou à mulher isoladamente se a posse-moradia for exercida isoladamente, sem outros integrantes familiares.
No caso de possuidor casado no regime da comunhão de bens,
o título pode ser outorgado ao marido ou a mulher sem qualquer
problema, já que se comunicam os bens adquiridos na constância
do casamento e a propriedade e posse dos bens serem comuns.
Idêntica solução se processa se o regime for o da comunhão
parcial: o bem imóvel também entra para o patrimônio comum
do casal, vez que a aquisição pelo usucapião especial constitui
fato eventual. Entretanto, se a posse do morador, bem como os
demais requisitos, se tiver completado antes do matrimônio por
esse regime, a aquisição do bem terá por título causa anterior ao
casamento, hipótese em que o bem não entra na comunhão. O
título nesse caso deverá ser conferido exclusivamente ao cônjuge
que tiver exercido a posse do imóvel.
Se o regime for o da separação total, o título deve ser outorgado apenas ao cônjuge que iniciou a posse no imóvel, caso o início
O art. 1.240, parágrafo 1º, do vigente Código Civil, tem idêntica regra, quando
trata do usucapião especial para fins de moradia.
42
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p.129.
41
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se deu antes do matrimônio. No caso de o casal ter iniciado a posse em conjunto, antes ou depois do matrimônio, o título há de ser
atribuído a ambos os cônjuges, já que naquele regime matrimonial
os patrimônios, como regra, permanecem separados.
Tratando-se de união estável, o título deve se conferido,
como regra geral, a ambos os companheiros, presumindo-se que
ambos iniciaram juntos a posse do imóvel. Mas aqui se ressalva a
mesma hipótese relativa ao momento da aquisição do direito. Se
a aquisição do domínio se completou antes de iniciada a união
familiar, o título será outorgado ao companheiro que tiver sido
o titular da posse anterior. Não obstante, cabe aqui produzir a
prova de que o direito foi adquirido antes de iniciada à união43.
2.6 Direito do herdeiro
O direito do herdeiro descrito no parágrafo 3º, do art. 9º, do
Estatuto testifica que, se o possuidor falece no curso do prazo
para a consumação do usucapião, a lei assegura ao herdeiro o
direito de continuar de pleno direito, com o período da posse
considerado até a aquisição do domínio.
O presente fundamento é de simples alcance. A posse do
imóvel é destinada à moradia do possuidor e da família. Ressalta, pois, o núcleo familiar em relação à figura do possuidor.
Dessa maneira, o falecimento do possuidor não desfaz o núcleo
familiar; desfalca-o apenas. Mais do que justa, então, é a continuação da contagem do prazo prescricional em favor da família, de
modo a propiciar a aquisição do domínio.
Como leciona Carvalho Filho44 ,o herdeiro legítimo continua
a posse de seu antecessor, portanto é ele o destinatário do direito. Entende-se, porém, que a posse só terá prosseguimento com
o herdeiro quando anteriormente não houver composse entre
43
44
Art. 1.725 do Código Civil.
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p.131.
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o marido e a mulher, ou entre companheiros. Caso faleça um
deles, a posse deverá prosseguir em favor do supérstite, e não
do herdeiro, salvo se o próprio supérstite tiver a qualidade de
herdeiro legítimo.
Em suma, o herdeiro continua a posse do antecessor, se a
posse deste for exclusiva e não compartilhada com seu composseiro. É o caso da mãe possuidora-moradora, sem marido ou
companheiro, que tenha um filho: falecendo ela com quaro anos
de posse do imóvel, o filho, como herdeiro legítimo, poderá contar esse período para que, com mais um ano, se complete o prazo
para a aquisição da propriedade. Se forem vários os herdeiros
legítimos, terão estes a composse do imóvel.
Salles45 afirma que o Estatuto não faz diferença entre sucessor universal e o singular, tendo ambos direito subjetivo à
continuação da posse, desde que resida no imóvel à ocasião da
abertura da sucessão.
3 Usucapião especial coletivo
O inovado instituto lançado pelo Estatuto da Cidade veio de
encontro a uma camada da população de baixa renda, desassistida
pelo poder público e, que não tendo com quem contar permanecia
por décadas em aglomerações urbanas, sem o devido documento
probatório da posse do bem e, também, sem quaisquer garantias.
A lembrança do legislador, na inserção deste tópico foi muito benéfica. Trataremos a seguir do usucapião especial coletivo.
3.1 Definição
É a aquisição conjunta do domínio, por pessoas integrantes de
comunidades de baixa renda, quando se afigura impossível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor (art. 10, do EC).
45
SALLES, José Carlos Moraes, op. cit., p. 217.
137
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3.2 Características
A característica principal dessa modalidade de usucapião
consiste na circunstância de que a aquisição é coletiva, beneficiando em terrenos situados em área urbana superior a 250 metros quadrados. Como os terrenos ou o tipo de construção não
propiciam um dimensionamento específico para cada possuidor,
não haveria outro meio de regularizar a propriedade senão pelo
usucapião coletivo.
O usucapião coletivo, em virtude de seus fins, se enquadra
como modalidade de usucapião especial. Ao mesmo tempo, representa mecanismo de política urbana pelo qual se propicia a
regularização da propriedade urbana. Outro parâmetro é o aspecto social, pois beneficia comunidades de baixa renda. Assim,
pode-se dizer que o usucapião coletivo tem a natureza de usucapião especial instituído como instrumento de política urbana e
de justiça social.
3.3 Fundamento
Inova o legislador ao introduzir este instituto no sistema de
aquisição da propriedade pela prescrição. Não porque não se conhecesse o usucapião requerido por indivíduos que exerciam a
posse em conjunto, mas sim porque o usucapião coletivo agora introduzido tem caráter urbanístico e se configura como instrumento de política urbana para atender à população de baixa renda.
A norma foi inspirada na necessidade de regularizar o domínio de áreas em que os possuidores não conseguem identificar
os terrenos ocupados, fato bastante conhecido em comunidades de baixa renda. O processo de posse em tais aglomerações
urbanas faz-se ao largo de qualquer regramento jurídico, mas é
inegável que o fenômeno decorrente das numerosas posses não
poderia ser relegado pela ordem jurídica.
138
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O fundamento da norma reside exatamente na justiça social,
espelhada pela aquisição do domínio, por possuidores e terrenos
urbanos, em razão do decurso de certo tempo. Não é por outra
razão que esse tipo de estratégia constitui diretriz da política urbana, como está descrito no art. 2º, XIV, do Estatuto.
Conforme salienta Mattos46, também deve ser considerado que
esta inovação do legislador demonstra uma economia no procedimento a ser adotado perante o Poder Judiciário, visto que em
uma só ação todos os interessados deduzem sua pretensão. Para
os moradores, a facilidade consiste em poderem ser representados
por sua associação, que tem a missão de representá-los em juízo,
como já acentuou acertadamente a doutrina especializada.
O presente instituto não contempla pessoas com status social diverso daquele em que se situam indivíduos de baixa renda.
Nunca se pode esquecer do objetivo social dessa forma de aquisição da propriedade, e por essa razão não podem pessoas de
uma melhor condição social socorrer-se do usucapião especial
coletivo para ampliarem mais ainda seu patrimônio.
Outro pressuposto específico decorre da relação entre o possuidor e a área objeto da posse. Na esteira do art. 10, do Estatuto,
só se aplica o instituto nos casos em que não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Essa é realmente a
situação que ocorre nas comunidades de baixa renda. A agregação
dos indivíduos à comunidade se processa sem qualquer pré-requisito e a posse vai sendo exercida em cada área sem haver prévia
definição de sua metragem. Se numa comunidade, por exemplo,
os indivíduos exercerem a posse sobre terrenos com definição clara, sendo possível identificar o possuidor e a área que ocupa, não
incidirá o usucapião coletivo, mas sim o individual.
MATTOS, Liana Portilho. Nova ordem jurídico-urbanística: função social da propriedade na prática dos tribunais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 86.
46
139
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3.4 Requisitos
Aliado ao exposto no item anterior, o Estatuto considerou ainda
alguns requisitos a serem observados para o usucapião coletivo.
Conforme o preceito legal, a área a ser usucapida coletivamente tem que ter mais de 250 metros quadrados. A fixação
da área mínima não foi uma boa opção do legislador. O real
fundamento dessa modalidade de usucapião deveria ser apenas
a impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados, e não
também a limitação da área. Poderão surgir efeitos injustos para
posseiros urbanos. Assim, se uma área de 250 metros quadrados,
por exemplo, for objeto de várias posses, em espaços não identificados para cada possuidor, não poderá ser objeto de usucapião
coletivo, nem do usucapião individual, já que para este é necessário identificar o terreno sob a posse do morador.
Outro requisito é o período da posse: da mesma forma que
no usucapião urbano individual, o prazo é de cinco anos, devendo a posse ser ininterrupta e sem oposição. O objetivo da posse
há de ser, da mesma forma, a moradia do possuidor.
Faz-se necessário ainda, que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. A exigência é a mesma
que foi descrita para o usucapião individual. Entretanto, como
se verificará mais à frente, aqui poderá surgir alguma dificuldade
no que se refere à fração ideal a ser atribuída a cada possuidor
(art. 10, § 3º), se houver entre os possuidores algum que seja proprietário de outro imóvel e que, por isso mesmo, não pode ser
beneficiado com a aquisição da área em que exerce a posse.
Aplica-se ao interessado no usucapião coletivo a mesma restrição dirigida àquele que pretende o reconhecimento do usucapião individual, previsto no art. 9º, § 2º, do Estatuto: o direito não poderá ser reconhecido mais de uma vez. Apesar de a
restrição não ter sido incluída no art. 10, relativa ao usucapião
coletivo, é clara a disposição contida no texto constitucional (art.
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183, § 2º), onde a Constituição não faz distinção entre o usucapião individual e o coletivo, limitando-se a tratar do usucapião
especial como instrumento de política urbana. Logo, não poderia a lei suprimir restrição definida no mandamento constitucional. Deve-se entender, pois, que não pode pleitear o quinhão do
usucapião coletivo o possuidor que anteriormente já tiver sido
beneficiado pelo instituto47.
Também deve ser assinalado que, embora repugnasse ao espírito
jurídico romano, nas origens, a idéia de condomínio, com a expansão do colonialismo do império a noção exclusivista se foi abandonando. A acomodação, a início, pretoriana, não tardou. À fórmula
peremptória do Digesto, seguiu-se a conveniente construção da
idéia de condomínio indiviso extensivo, com a atribuição ideal de
uma fração do todo a cada condômino. E o conceito de propriedade condominial, com essas feições, existe entre nós desde muito,
estando enraizado no Código Civil (artigos 1.314 e seguintes).
De sorte, se há propriedade condominial coletiva, pois não há
razão jurídica para se inadmitir a aquisição coletiva da propriedade, inclusive pela via do usucapião, inexistindo qualquer vedação a
isso no inciso XXII, do art. 5 º, da Constituição da República48.
3.5 Condomínio indiviso especial
A aquisição coletiva dá origem a um condomínio indiviso especial, conforme preceitua o art. 10, § 4º, do Estatuto. Por ser
condomínio indiviso, a ele se aplica os artigos 1.314 e seguintes
do Código Civil, quando compatíveis com a especificidade do
Estatuto da Cidade.
Como especial que é, o condomínio do art. 10, do Estatuto,
tem a vocação da durabilidade no tempo. Sua extinção só é posCARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 135.
FERRAZ, Sergio, op. cit., p.144. Sergio, op. cit., p.146.
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 137
47
48
141
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sível, e desde que aprovada por no mínimo dois terços dos condôminos (art. 10, § 4º), no caso de urbanização da área supervenientemente à constituição do condomínio. Havendo decisão
condominial neste sentido, admitir-se-á a divisão ou a extinção
do condomínio especial. É que se tem em mente o dado de que
a urbanização acresce valor ao bem, podendo inclusive beneficiar diferentemente os condôminos – circunstâncias essas que
alteram profundamente a situação econômico-funcional de fato
que justificara sua criação, e o dinamismo de sua administração,
levando o afastamento da incidência dos artigos 1.320, 1.323,
1.325, todos do Código Civil49.
Salienta Carvalho Filho50 que a indivisibilidade ou a inextinguibilidade do condomínio não se confunde com a divisão ou
a extinção ideal do terreno atribuída a cada condômino. Para
exemplificar: se um condômino é proprietário da fração de 1/50
do terreno, pode ela transformar-se e duas frações de 1/100,
seja causa mortis ou inter vivos a sucessão. No caso de herança, os
herdeiros serão coproprietários da fração. Assim, ou permanecem com o domínio da fração ideal que resultou da herança ou
podem aliená-la em conjunto ou separadamente para outrem,
passando então o adquirente a ser o novo proprietário da fração
originária ou da decorrente da subdivisão.
A administração do condomínio é encargo que se origina naturalmente da situação da copropriedade de frações ideais. É que,
além dos interesses individuais dos condôminos, existem outros
que pertencem à coletividade condominial em conjunto. Desse
modo, é preciso que se estabeleça a gestão do conjunto condominial até como forma de prevenir conflitos entre os moradores.
Com base no art. 10, § 5º, do Estatuto, as deliberações concernentes à administração do condomínio especial deverão ser
49
50
FERRAZ, Sergio, op. cit., p.146.
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 137.
142
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tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes. A lei
é omissa a respeito, mas seria muito recomendável que os condôminos se reunissem para eleger um síndico, tal como ocorre
nos condomínios verticais em geral. A ele caberia convocar a
assembléia de condôminos para tratar de assuntos de interesse
comum. A presença dos condôminos é fundamental, já que as
decisões dependem apenas de maioria simples, ou seja, aquela obtida pela maioria dos presentes. Inexiste, pois, quórum de
presença, mas apenas quórum de decisão. Cabe representação
do condômino na assembléia por procurador com os poderes
específicos para tal fim.
A deliberação, tomada de acordo com os requisitos que a lei
estabeleceu, tem o condão de obrigar a todos os demais condôminos, incluindo-se não só os que discordaram da maioria, como
também os que não compareceram. Para estes, que depois não podem reclamar das decisões adotadas, trata-se de ônus natural derivado de sua ausência. No caso de recalcitrância desse grupo em
observar a decisão condominial, é cabível, não havendo composição entre os interessados, o recurso à via judicial, nela podendo ser
formulado pedido de que o réu seja obrigado a respeitar a decisão
da maioria dos condôminos na forma do que dispõe a lei51.
3.6 Sucessão de Posses
O Estatuto em comento admitiu a sucessão de posses, condicionando-as que sejam contínuas e ininterruptas (art.10, § 1º).
Com base neste dispositivo, o possuidor pode acrescentar sua
posse à do antecessor para completar o prazo de cinco anos exigido para a aquisição do domínio. Como a lei não impõe qualquer restrição a respeito, pode haver mais de dois possuidores.
Sendo ininterruptas as posses, o sucessor tem o direito de contar
o período de posse dos antecessores.
51
CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 138.
143
Revista Pró-Ciência
Observe-se que, diversamente do que contempla o art. 9º,
§ 3º, do Estatuto, usucapião individual, a continuação da posse não depende apenas da relação sucessória. Significa que um
possuidor pode até mesmo alienar seu direito de posse para que
o adquirente prossiga na contagem do prazo quinquenal. Aqui
não se trata apenas de sucessão causa mortis, mas também a que
se processa inter vivos.
A sucessão de posses tem de ser contínua. Havendo qualquer
interrupção, a nova posse terá de obedecer ao prazo legal de cinco anos. A continuidade da posse é matéria de prova, de modo
que poderá ser objeto de discussão no curso da ação judicial em
que o possuidor pretende o reconhecimento do usucapião.
Quanto à ocorrência de herança, é de se considerar que o
herdeiro tenha direito à sucessão na posse sem a restrição prevista no artigo supramencionado para o usucapião individual,
segundo o qual a continuação da posse só é admitida se o herdeiro residir no imóvel no momento da abertura da sucessão. No
usucapião coletivo inexiste tal limitação. Nem a Constituição a
menciona. Assim, não se podendo dar interpretação extensiva a
mandamentos restritivos, não deve incidir no usucapião coletivo
a exigência prevista para o usucapião individual no que se refere
ao herdeiro.
144
Revista Pró-Ciência
Considerações finais
O Estatuto da Cidade, no que concerne ao usucapião, na modalidade implantada, veio fornecer um meio de atendimento a
uma camada populacional carente e que não possuía uma via
eficaz para alcançar sua moradia.
O alvo do instituto, como se tem observado, tem nítido sentido social e se afigura eminentemente protetivo em favor daquele
que exerce a posse do imóvel para sua moradia, fazendo com
que o legislador não tivesse deixado margem para eventual desvio de perspectiva. A ser admitido o reconhecimento do direito por mais de uma vez, poderiam pessoas menos escrupulosas
empregar artifícios fraudulentos para configurar mais de uma
posse-moradia e adquirir várias propriedades. A aquisição teria,
então, finalidade especulativa e não protetiva, como foi o objetivo do instituto.
Inova o legislador ao introduzir este instituto no sistema de
aquisição da propriedade pela prescrição. Não porque não se conhecesse o usucapião requerido por indivíduos que exerciam a
posse em conjunto, mas sim porque o usucapião coletivo agora
introduzido tem caráter urbanístico e se configura como instrumento de política urbana par atender à população de baixa renda.
Atrelado a isto o fato de serem estabelecidos pressupostos
para serem alcançados pelo pleiteante mereceu, por parte do legislador, uma grande sensibilidade quando cercar-se de algumas
exigências para que os oportunistas não possam se utilizar deste
instituto para lucrar.
Verifica-se que o texto do Estatuto da Cidade não é explicito
no sentido de informar o conceito do que seria baixa renda, sendo esta avaliada pela autoridade julgadora, no momento de sua
manifestação em algum processo.
De uma forma geral, o Estatuto da Cidade veio ocupar uma
lacuna no mundo jurídico, tecendo uma teia a fim de que as anomalias ou a ausência em diversos setores da cidade fossem for-
145
Revista Pró-Ciência
matadas e atendidas em conformidade com esta lei. A sua implementação ainda não foi plenamente executada, pouco existindo
ou inexistindo jurisprudência que trate dos pontos mencionados
no corpo da lei. Mas no decorrer dos anos espera-se que o Estatuto seja aplicado e cumprido conforme a lei promulgada.
146
Revista Pró-Ciência
Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentário ao Estatuto da Cidade. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris 2009.
FERRAZ, Sergio. Estatuto da Cidade. In: DALLARI, Adilson
Abreu; FERRAZ, Sergio (Coord.). Estatuto da Cidade. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2006, p. 131/142.
IHERING, Rudolf von. In: MORRIS, Clarence. Os grandes Filósofos do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.400/4008.
MATTOS, Liana Portilho. Nova ordem jurídico-urbanística: função
social da propriedade na prática dos tribunais. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006.
MODESTINO. Digesto, Livro 41, Título III, frag. 3.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais,
SALLES, José Carlos Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 2.
ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. 147
Revista Pró-Ciência
Dragões e áspides: Franciscano Antônio de
Lisboa/Pádua e o retrato dos blasfemadores
da fé no Século XIII
Jefferson Eduardo dos Santos Machado 52
Resumo
Abstract
A Igreja Romana passou por profundas transformações entre os séculos XI
e XIII. Entre elas, está o surgimento de
uma nova maneira de se viver a fé. Entre
o final do XII e todo o XIII surgiram grupos que reivindicaram a Igreja o retorno
a forma de vida dos primeiros cristãos.
Entre esses grupos está o fundado por
Francisco de Assis. Antônio de Lisboa/
Pádua foi um dos que ingressaram nas fileiras da Ordem dos Frades Menores em
busca de viver esse novo frescor religioso. Esse frade português destacou-se na
pregação contra a heresia cátara e o relaxamento dos costumes dos membros da
Igreja. Para isso, escreveu um manual de
sermões, que entre muitas peculiaridades,
tem na linguagem simbólica das bases da
construção do seu discurso. Nesse artigo,
veremos de que forma o religioso utilizou
a simbologia do dragão, um dos grande
símbolos medievais e elemento fundamental nos Bestiários medievais.
The Roman Church underwent deep changes
between the 11th and 13th centuries. Among
them is the emergence of a new way of experiencing faith. Between the end of the 12th and
the whole 13th centuries groups emerged claiming the Church should come back to early
Christians’ way of life. Among those groups is
the one founded by Francis of Assisi. Among
those who joined the ranks of the Order of
Friars Minor in an attempt to live this new
religious freshness was Antônio de Lisboa/
Pádua. This Portuguese friar was prominent in
preaching against the albingensian heresy and
the desertion of customs by the Church. For
this purpose, he wrote a manual of sermons,
which, among many peculiarities, applies the
symbolic language to the groundwork of his
speech construction. In this article, we will
examine how the priest used the symbolism of
the dragon, one of the great medieval symbols
and a key element in the medieval bestiaries.
Palavras - chave:
Keywords:
Idade Média. Franciscanos. História da Middle Age. Franciscans. History of the Church.
Igreja.
Bacharel em História pela UFRJ e Mestre em História Comparada, pelo Programa de
Pós Graduação em História Comparada da UFRJ. Além disso é Pesquisador Colaborador do Programa de Estudos Medievais da UFRJ, com o projeto “Pregação dos Frades
Menores no Século XIII” . Atua também como professor Assistente no UniMSB.
52
148
Revista Pró-Ciência
Antônio de Lisboa/Pádua, o primeiro mestre de teologia
franciscano, nasceu em Lisboa entre 1190 e 1195. Em terras lusas estudou na escola episcopal da Sé de Lisboa, no Mosteiro de
São Vicente de Fora e no maior de todos os mosteiros de seu período, o de Santa Cruz de Coimbra. Tornou-se cônego regrante
de Santo Agostinho e sacerdote.
Como cônego Fernando, após alguns anos de vida religiosa
regrante, passou a criticar o cotidiano da vida religiosa, ou seja,
os regrantes já não viviam tal como ordenava a sua Regra. Diante
desta realidade, após alguns contatos com os Irmãos Menores,
que sempre iam mendigar no mosteiro em que vivia, estabeleceu
uma certa comparação entre as duas formas de trilhar os caminhos do Evangelho. Esta confrontação ficou ainda mais latente
quando passaram por Portugal os primeiros mártires franciscanos que tinham como destino final o Marrocos. Como o lisboeta
pôde conhecê-los antes de sua ida e, certamente, ficou impactado com o retorno de seus restos mortais, que foram enterrados
em Santa Cruz, quis imediatamente tornar-se frade menor.
Como franciscano, Antônio distinguiu-se por sua pregação
eloquente contra os excessos dos religiosos e como combatente voraz das ideias contestadoras, principalmente as pregadas e
praticadas pelos cátaros, aos quais ele dedicou boa parte de seu
apostolado, com objetivo de convencê-los a retornar ao seio da
Igreja Romana. A sua fama de bom pregador e servidor da Santa
Sé fez com que Francisco de Assis o nomeasse o primeiro mestre
de teologia da Ordem dos Frades Menores. Sua principal incumbência passou a ser a formação de um novo modelo de pregador
franciscano, que ao invés de utilizar-se só do seu exemplo pessoal, pudesse contar com um arcabouço intelectual que melhor o
fundamentasse contra o grupo herético em questão, que possuía
membros bem instruídos e preparados para debater intelectualmente sobre suas crenças e criar embaraços aos novos religiosos.
Dentro deste ideal de formar novos pregadores para a ordem,
o frade começou a redigir sua maior obra, os Sermões Dominicais
149
Revista Pró-Ciência
e Festivos. Os Dominicais foram escritos entre 1227 e 1230 e os
Festivos, entre o outono e o inverno europeu de 1230-1231. Estes sermões não foram exatamente os que Antônio pregou, pois
trata-se, na verdade, de um manual para pregadores da ordem e
que poderia ser consultado por leigos cultos e religiosos de outras instituições. Seus propósitos, nesta obra, são essencialmente
religiosos e morais. Os Sermões consistem, então, em um guia
prático que, ao mesmo tempo, é uma compilação teórica, doutrinária e um tratado moral, contendo informações de um mestre
experiente no ofício da pregação.
O franciscano utilizou em suas obras a pregação moralizante,
tendo como base as características dos animais. Em sua obra
sermonária, Antônio citou 99 bestas diferentes, em sua grande
maioria com a finalidade de exercitar a exempla, prática muito
comum nos textos medievais. O que nos chama atenção é que
muitas destas características são humanas, muitos destes animais
são de regiões distantes da Europa e, portanto, distante da realidade do autor, e outros nem existem. Por isso direcionamos
nosso olhar para as obras que são conhecidas como Bestiários
Medievais e que foram de grande circulação entre aqueles que
viveram no período.
Michael Arnott e Iain Beavan definem o gênero literário conhecido como Bestiário como uma coleção de descrições curtas
que tratavam do que se entendia como características dos animais
na Idade Média, fossem eles reais ou imaginários, incluindo dados
sobre plantas e pedras, acompanhados por uma explicação moralizante53. Desta forma, segundo esta publicação, eles não podem
ser classificados e interpretados como textos “científicos”.
Os bestiários, como são conhecidos por nós hoje, surgiram
na Inglaterra nos séculos XII e XIII, como uma compilação de
ARNOTT, M., BEAVAN, I., GEDDES, J., The Aberdeen Bestiary: an Online Medieval Text. Computers & Texts [CTI Textual Studies Newsletter], n. 11. 1996
53
150
Revista Pró-Ciência
várias fontes anteriores, tendo como base principal o Physiologus.
Este texto constituía-se em uma série de descrições moralizantes
de animais reais ou imaginários, que buscavam dar um ensinamento cristão apoiado, geralmente, em citações bíblicas. A verdadeira finalidade da obra era a exposição das características dos
animais como exempla54.
Podemos afirmar que tais obras tornaram-se muito populares
em seu período, pois seus relatos eram divertidos e as ilustrações, criativas, feitas para serem ferramentas didáticas, a fim de
auxiliar os povos simples a apreender as lições de forma mais
abrangente.
Todas as criaturas tiveram o mesmo tratamento nos Bestiários, fossem animais, plantas ou pedras reais ou imaginárias, porque a moral da história era o que deveria ser focalizado e apreendido pelo homem medieval. Como não havia nenhuma maneira
de verificar os fatos, não havia nenhuma razão para que o leitor
duvidasse da existência das criaturas, cujos nomes originavam-se
de fontes consagradas, como Aristóteles e Plínio.
Ao contemplarem a natureza, os homens medievais procuravam interpretações alegóricas e simbólicas, a fim de perceber nelas uma instrução moral para conhecer a conduta correta que os
homens deveriam ter, como tudo a sua volta. Vale destacar que,
para os medievais, cada elemento da natureza era visto como um
microcosmo de uma ordem maior, na qual todos se integravam:
o cosmo. Assim acreditava-se, inclusive, que os nomes das criaturas tinham significado, tanto que ganharam grande ênfase nas
etimologias no medievo55.
Nesse trabalho abordaremos a figura mitológica do dragão e
da áspide. Essa escolha vem da semelhança entre as duas bestas,
pois segundo os manuais o medievais a áspide é um dragão pe-
Disponível em: http://bestiary.ca/index.html. Acesso em: 6 abril. 2006
Disponível em: <http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/britannia/anglo-saxon/flowers/ bestiary.html>. Acesso em: 17 jan. 2005.
54
55
151
Revista Pró-Ciência
queno. Além disso, vamos tratar aqui apenas dos sermões criados para a pregação durante a quaresma.
Para a Igreja Católica Apostólica Romana, a Quaresma é
o período de quarenta dias que antecede a Páscoa Cristã.
Para os cristãos, essa seria a festa da ressurreição de Cristo.
Tal evento aconteceu depois de uma seqüência de fatos
que definiu o começo da crença dos seguidores de Jesus.
Porém, a origem de tal momento litúrgico confunde-se
com os costumes da religião judaica. Isto porque a Paixão
de Cristo ocorreu durante o Pessach, palavra hebraica que
significa passagem e se refere à libertação do povo hebreu
que era cativo no Egito. São oito dias de celebração que
formam um dos maiores feriados religiosos do judaísmo.
Essa festa era antecedida de 40 dias de resguardo do corpo em relação aos excessos, para rememorar os 40 anos
passados no deserto.
O número quarenta (40) pode simbolizar espera, preparação, provação ou castigo e marca a história da salvação. Este
número é utilizado, também, para assinalar o final de um
ciclo, o período de uma mudança radical que produzirá uma
outra ordem de ação e vida. Os exemplos constantes na Bíblia são muitos: os quarenta dias do dilúvio, que são transição purificadora entre a antiga e a nova aliança figurada pela
arca; a própria quaresma, que prepara a ressurreição pascal
e dura quarenta dias; a pregação de Jesus durante quarenta
meses; sua ressurreição depois de passar quarenta horas no
sepulcro; e sua permanência entre seus discípulos, durante
os quarenta dias que precederam sua ascensão56.
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de
Janeiro: José Olympo,1992, p. 757.
56
152
Revista Pró-Ciência
Segundo os bestiários, O dragão era considerado a maior de
todas as serpentes, na verdade de todos os seres vivos que para
os medievais existiam. Os gregos o chamavam draconta, e este foi
traduzido para o latim com o nome de draco57.
Quando o dragão saia da cova, ou mesmo voava, o ar ao seu
redor ficava quente. Tinha crista, boca pequena e um estreito
lábio através do qual todo o alimento vai para a língua. Apesar
disso, sua força não estava nos dentes, e sim na cauda, e fazia
mais danos com seus golpes que com suas bicadas. Assim, era
inofensivo no que tange ao veneno. Porém, diziam que necessitava do veneno para matar, já que, se ele se enroscava em torno
de alguém, o matava. Nem mesmo o elefante se via protegido
contra o tamanho de seu corpo, pois o dragão, que ficava de
espreita junto aos caminhos por onde passavam os elefantes, enlaçava suas patas com um nó, graças à sua cauda, e os matava
por asfixia58.
O demônio, que era o maior de todos os répteis, era como
esse dragão. Saía abaixado de sua toca e lançava-se ao espaço, e o
ar em torno a ele se inflamava, pois o demônio, ao elevar-se das
regiões inferiores, se convertia em um anjo de luz e enganava os
nécios com falsas esperanças de glória e gozo terreno. Se dizia
que tinha uma crista ou coroa, porque era o rei da soberba, e sua
força não estava nos dentes, e sim na sua cauda, porque enganava
aos que atraia com artimanhas, destruindo sua fortaleza. Deitava
escondido junto aos caminhos por onde passavam, porque seu
caminho para o paraíso estava obstaculizado pelos seus pecados,
e os estrangulava até matá-los. Pois se alguém cai preso nas redes
do crime, morre, e vai sem dúvida para o inferno59.
MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/drago.htm>.Acesso em: 26 jul. 2007.
58
MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/drago.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007.
59
Cambridge. In: MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval, op. cit., p.
180-181.
57
153
Revista Pró-Ciência
O dragão não matava homem algum, senão que o devorava
lambendo-o com a sua língua60. O dragão era um animal de corpo enorme, de aspecto terrível, com uma boca grande e muitos
dentes, olhos flamejantes e de grande comprimento. No começo era uma serpente, e com o passar do tempo se transformou
em dragão e trocou de forma; sobre esse assunto, falava-se que:
“Quando a serpente encontrava oportunidade, virava dragão”.
Quando a serpente alcançava trinta metros de comprimento e
aos cem anos de idade, a chamavam dragão; e seguia crescendo
gradualmente, até que se convertia de tal forma que os outros
animais se aterrorizavam ao vê-la.
Segundo os medievais, Deus todo Poderoso a lançava ao mar; e
também no oceano aumentava o seu tamanho, de forma que excedia
dez mil metros; e nasciam duas pequenas asas como a um pé, e seus
movimentos causavam as ondas do mar. E quando o dano que faziam
resultava em manifestação no mar, Deus Todo Poderoso o enviava à
morte, e um vento a lançava a terra. Comer o coração do dragão aumentava a valentia; quem o comia vencia os animais. Se amarrasse seu
couro a um enamorado, este ficaria apaixonado. O estado de qualquer
lugar que se enterrasse sua cabeça se tornaria agradável61.
Quando o dragão tinha sede, ia direto em busca de um formoso manancial de água pura, limpa e saudável; porém antes, na
verdade, vomitava em uma vala. Quando estava limpo e purificado do veneno, poderia então beber com toda segurança. Os fiéis
deveriam imitar aos dragões: quando iam à igreja escutar a palavra de Deus: não deveriam levar nenhuma cobiça ou avareza;
deveriam purgar-se de todo vício, mediante à confissão. Então
poderiam entrar no templo a orar e escutar a palavra de Deus62.
Importados da Índia não só de Plinio, mas, também de Solino, esses animais no balanço entre o real e o fabuloso, cruzaCambrai. In: MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval, op. cit., p. 181.
Nuzhat. In: MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval. Op. cit., p. 181-182.
62
MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/drago.htm> Acesso em: 26 jul. 2007
60
61
154
Revista Pró-Ciência
ram-se nos mosteiros europeus de Cluny, Fulda, Reichenau, San
Gallo, Montecassino, S. Vicente com outros monstros, diabos e
dragões nascidos das penas de ganso de monges solitários, dando origem a uma fauna mais fantástica e monstruosa na qual real
existência acabaram por crer.
Áspide era um pequeno dragão, que às vezes era representado como quadrúpede outras como bípede. Desse réptil se contava que era muito sensível à música. Por evitar a suas irresistíveis
tentações ele ficava surdo encostando uma orelha na terra e bloqueando a outra com a ponta da calda. O único meio de capturar
um áspide era o canto, porém o animal era muito cuidadoso ao
ponto de fazer-se surdo para evitar os mágicos encantos que
tendem a tirar-lhe a coroa63.
Os teólogos medievais, viram na áspide o pecador que tapa
as orelhas à palavra da vida; era a imagem daqueles que se recusavam a praticar e escutar a palavra de Deus. Esse réptil é uma
variedade do dragão que saiu das antigas culturas orientais para
povoar o imaginário do Ocidente medieval. Sob a forma de serpente se apresentou a Eva, considerada a primeira pecadora. Daí
o famoso verso bíblico: “Tu te arrastarás sobre teu ventre e comerás pó todos os dias de tua vida. (Gen. 3, 14). Com este texto
de gênesis se explicava no medievo que a partir dali ela perdeu as
patas, e se transformou de dragão em serpente: variação muito
antiga, retratada seja nas tradições hebraicas ou nas gregas64.
Antônio usou as bestas da mesma forma que muitos outros autores, ou seja, para ele deveriam simbolizar as práticas, sejam elas
virtuosas ou não, dos homens medievais e representar elementos
espirituais, da doutrina católica ou bíblicos, entre eles a própria
representação do mistério cristão da Santíssima Trindade.
MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/aspide.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007.
64
MORETTI, loc. cit..
63
155
Revista Pró-Ciência
A partir daqui, discutiremos como o frade, através da simbologia dos animais, tratou alguns problemas que a Igreja Romana
passava naquela momento histórico.
Aqui trataremos de um ponto fundamental da história do
frade menor Antônio. Como já vimos anteriormente, o religioso esteve na linha de frente da missão evangelizadora da Igreja
Romana que buscava combater o avanço dos cátaros e fortalecer
o poderio da instituição junto aos fiéis. Então seria esperado que
em seus sermões ele tecesse críticas aos inimigos da fé católica.
O religioso afirma, no primeiro sermão da quaresma, que “a
mente ou a consciência do pecador é covil de dragões pelo veneno do ódio e da detração”65, indicando que muitos ouvintes
acabavam convencidos pelos pecadores, que nós identificamos
como uma referência aos hereges. Os fiéis ficavam “inebriados e
intoxicados” pelo que ele chama de “fel de dragões”. Dessa forma, procura sublinhar que, a pregação, a murmuração e a maledicência daqueles que se rebelavam contra a autoridade da Igreja,
faziam com que as populações dos locais por onde o pregador
passava ficassem envenenadas contra a instituição.
O dragão era considerado, como já apontamos na primeira
parte desse capítulo, a maior das serpentes, por isso era visto
como experiente e que sabia muito bem enganar suas presas. Ao
falar de detração, Antônio também faz referência à característica
dessa besta de matar os homens somente pela língua. Assim, utilizando a simbologia do dragão, Antônio busca demonstrar que
os hereges eram o diabo e matavam os fiéis quando os convencia
através de seu discurso.
Outra colocação interessante do frade é que o seu vinho é fel
de dragões e veneno incurável das áspides66. Podemos aqui, primeiramente, observar uma distinção. Quando os dragões são citados,
Santo Antônio. Sermão do Primeiro Domingo da Quaresma In: REMA, Henrique
Pinto. Santo Antônio: Obras Completas. op. cit, p. 96.
66
Idem.
65
156
Revista Pró-Ciência
o franciscano está tratando de pessoas do alto clero e que de
certa forma tem uma proeminência social. Entendemos, então
que áspides, que como informamos acima são dragões menores,
possam ser religiosos e pessoas de menos influência que também
espalham informações diferentes da que a Instituição Romana
desejava.
Antônio usava palavras duras para despertar em seu público
um sentimento de temor face aos hereges, estimulando uma reforma dos hábitos do clero e a uma conversão ao catolicismo.
Busca inculcar na população, através da pregação dos franciscanos a idéia de que quem pregava contra o que Roma queria era
um agente demoníaco.
157
Revista Pró-Ciência
Referências
BESTIÁRIOS MEDIEVAIS. Disponíveis em: <http://bestiary.
ca/beasts/beast78.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007.
FOREVILLE, R.. (Gd.): Lateranense IV. Vitória: Eset, 1973.
HEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympo,1992, p. 757.
ISIDORE OF SEVILLE.Disponível em: <http://bestiary.ca/
beasts/beast78.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007.
LIBELLUS DE NATURA ANIMALIUM. Disponível em:
<http://www.bivir.com/ DOCS/NORM/ bestiario.html>.
Acesso em: 26 jul. 2007
MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval. Madrid:
Edições Siruela, 1986.
PHYSIOLOGUS. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/Immaginario/indice.htm> . Acesso em 22 nov. 2005.
PLINY THE ELDER. Disponível em: <http://bestiary.ca/beasts/beast78.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007.
REMA, Henrique Pinto. Santo Antônio: Obras Completas. Porto:
Lello & Irmão, 1987.
158
Revista Pró-Ciência
O reconhecimento da União homoafetiva
e as implicações práticas e sociais
decorrentes.
Luciana de França Oliveira Rodrigues 67
Amanda Pessoa Parente 68
Resumo
Abstract
O presente estudo visa analisar a situação jurídica e social dos companheiros
homossexuais. O artigo avalia as situações sob a ótica da Igreja, dos Tribunais,
bem como dos países que vivenciam essa
realidade. Ademais, busca confrontar as
disposições da Constituição da República Federativa do Brasil com a realidade,
estabelecendo uma interpretação sistemática, afim de conferir legitimidade
àquelas famílias homoafetivas. Os avanços são inúmeros, porém ainda há situações em que imperam preconceito e a
intolerância.
This study aims to analyze the legal and social status of homosexual partners. The article
evaluates those situations from the perspective
of the Church, the Courts, as well as countries
where people are familiar with this behavior.
Moreover, it seeks to confront the provisions
of the Constitution of the Federative Republic
of Brazil with reality, establishing a systematic interpretation in order to give legitimacy
to those homoaffectional families. There are
several advances, but there still are a few situations in which prejudice and intolerance
prevail.
Palavras - chave:
Keywords:
União homoafetiva. Homossexualidade. Homoaffectional Union. Homosexuality.
Preconceito.
Prejudice
Doutoranda em Direito, pela Universidade Gama Filho, Mestre em Direito pela
Universidade Iguaçu e professora do Curso de Direito da Universidade Iguaçu e
da Uniabeu – Faculdades integradas.
68
Especialista em Direito Público pela Universidade Iguaçu e professora do Curso
de Direito da Universidade Iguaçu/ RJ.
67
159
Revista Pró-Ciência
Sumário: Introdução; 1. Conceito e antecedentes históricos da família, união estável e união homoafetiva; 2. Conflitos entre as disposições da
CRFB/88 e a união homoafetiva; 3. A Igreja e as uniões homoafetivas; 4.
Notícias do direito estrangeiro; 5. O comportamento dos Tribunais brasileiros; 6. Direitos adquiridos como entidade familiar; Considerações finais;
Referências bibliográficas.
Introdução
A temática da sexualidade vem revestida frequentemente de
certo tabu que, por vezes, restringe a discussão ao que se considera trivial na sociedade, provocando inquietações e curiosidades. A homossexualidade sempre foi vislumbrada como traço de
personalidade, algo inerente à pessoa, e, por essa razão, alvo de
estigmatização, por fugir à regra do que se espera como comportamento adequado e padrão.
O presente artigo traz à discussão não apenas questões ligadas
aos direitos dos que nessa condição se encontram, mas também
a realidade de sua convivência no seio da sociedade. Parte-se do
princípio que as distintas formas de expressar e vivenciar o afeto
e as diferentes maneiras de compartilhar a vida com o parceiro
ou a parceira emergem e demandam reconhecimento jurídico e
da coletividade.
A relação entre pessoas do mesmo sexo sempre existiu na
história da humanidade, sendo um fato da vida, lícito e relativo
à esfera privada de cada indivíduo. Cada vez mais um número maior de pessoas tem assumido publicamente sua condição
de homossexualidade e se dedicado a relacionamentos afetivos
profundos, estáveis e duradouros. Prova disso é Censo de 2010
divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando se constatou o expressivo número de
60 mil casais homossexuais vivendo no Brasil, apesar de se saber,
na prática, que esse número é infinitamente maior.
160
Revista Pró-Ciência
A preocupação com a regulação das uniões homossexuais integra a pauta do pensamento jurídico mundial. Hoje, vários países
já deixaram "cair a venda" outrora existente de ignorar os vínculos
homoafetivos. Os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo
sempre existiram e, dia após dia, demandam soluções judiciais e
legislativas. Democracias constitucionais como a do Brasil reconhecem cada vez mais que as reivindicações dos homossexuais
são baseadas em direitos constitucionais fundamentais alicerçados, por sua vez, no respeito aos direitos humanos.
1 Conceito e antecedentes históricos da família, união
estável e união homoafetiva.
A referência a pessoas do mesmo sexo que se relacionam
afetivamente é antiga na humanidade. Ouve-se falar, inclusive
em relatos bíblicos69, a existência de homossexualidade. Apesar
de esse tipo de relação ser antigo, e já ter sido tratado de forma aberta em vários momentos da história, o tradicionalismo
familiar sempre impediu que a ideia de um relacionamento de
pessoas do mesmo sexo aflorasse. Ainda hoje, época em que
a modernidade e os avanços tecnológicos propiciam mudanças
tão profundas no meio social, há quem não aceite a homossexualidade como uma situação que estabeleça um vínculo gerador
de família70, nos mesmos moldes de uma família71 convencional
criada por heterossexuais.
Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a Bíblia faz menção aos atos homossexuais. A primeira referência ao homossexualismo está no livro de Gênesis,
quando os habitantes das cidades Sodoma e Gomorra tentaram violentar sexualmente dois anjos com aparência humana. Assim a Bíblia menciona, em Gênesis
19, a exigência dos homens da cidade que tentavam invadir a casa de Ló, onde os
anjos se hospedaram: “Onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua
casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles.”
70
“A formatação da família não decorre exclusivamente dos sagrados laços do
matrimônio. Pode surgir do vínculo de convívio e não ter conotação de ordem
sexual entre seus integrantes. Tanto é assim que a Constituição Federal esgarçou
69
161
Revista Pró-Ciência
O vínculo familiar é formado por motivações psicológicas,
afetos, desejos, dependência econômica, com divisão de direitos
e obrigações. Ele sofre transformações desde o período romano,
conhecido como o berço do Direito moderno, passando pela
concepção religiosa da era cristã matrimonializada, monogâmica
e sacralizada, até os dias atuais, quando a família monoparental
formada por um dos pais e filhos é protegida. No entanto, relações antigas entre pessoas do mesmo sexo com prole de um
deles ou até por meio de adoção faz com que os novos direitos
criem vulto.
As famílias72 formadas por pessoas do mesmo sexo ou homoafetivos73 (expressão já popularizada) têm a mesma estrutura
e reciprocidade entre seus membros que a da família tradicionalmente instituída. Partindo desta percepção e principalmente do
o conceito de entidade familiar para albergar não só o casamento, mas também a
união estável e a que se passou a ser chamada de família monoparental: um dos
pais com a sua prole”. (DIAS, Maria Berenice. Família ou famílias? Disponível
em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/fam%EDlia_ou_familias.pdf>
Acesso em: 22 de abr. 2011.
71
Segundo Engels, em A origem da família, da propriedade e do Estado, a evolução da
sociedade humana passou por três fases distintas. A primeira se estabeleceu pelo
estado selvagem, a segunda pela barbárie e a terceira pela civilização. Trata-se de
vínculo social que compõe a estrutura do Estado. O termo surgiu em Roma, mas
as concepções variam conforme a evolução da sociedade e das culturas. Caio Mário da Silva Pereira considera “família o conjunto de pessoas que descendem de
tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-se o cônjuge, aditamse os filhos (enteados), os cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos
irmãos e os irmãos do cônjuge (cunhados)”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 5, p. 13.
Expressão foi criada por Maria Berenice Dias. Segundo a autora, esta foi a forma
encontrada para evidenciar que as uniões homoafetivas estão compreendidas no
conceito de entidade familiar e, como tal, são merecedoras da especial proteção do
Estado. (DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009, p. 7.
73
Expressão também criada por Maria Berenice Dias. (Idem).
72
162
Revista Pró-Ciência
que já se tem discutido nos tribunais, acredita-se não haver mais
um conceito predefinido de família74.
O vínculo familiar era formado nos termos da concepção
judaico-cristã a partir do casamento entre pessoas de sexo oposto. No entanto, interesses diversos fizeram com que várias famílias (noção atual) fossem criadas em relações de fato conhecidas
como união estável75, as quais depois de várias reivindicações
sociais passaram a gozar de proteção legal. A união de homoafetivos também já está encontrando reconhecimento nos tribunais76. É fato que ainda não há uma regulamentação da situação
“O conceito de família, expresso na Constituição da República, está atrelado aos direitos e garantias fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa
humana, sendo, pois, inconcebível a distinção entre modelos familiares, não havendo como restringi-las a formas predefinidas [...]”. (TJMG, Apelação Cível nº
1.0145.07.411192-6/001, Relª Desª. Evangelina Castilho Duarte, 14ª Câmara Cível, public. 09/03/2010)
75
“[...] relacionamento entre um homem e uma mulher que pretendem formar uma
entidade familiar sem as formalidades atribuídas a uma casamento [...]” (CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável: requisitos e efeitos
pessoais. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 67. “[...] o vínculo afetivo entre homem e
mulher, como se casados fossem, com as características inerentes ao casamento, e
a intenção de permanência de vida em comum.” (CAHALI, Francisco José. União
estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 87. “[...] a união estável
é a convivência entre homem e mulher, alicerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando à constituição de família[...].” VIANA, Marco Aurélio
S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 29.
76
“À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais
heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os
princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido
dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a
mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à
época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve
o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da
norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não
pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito [...]”. (TJMG,
Apelação Cível Reexame necessário, n° 1.0024.06.930324-6/001, Rel Des. Heloisa
74
163
Revista Pró-Ciência
como pretendida, mas muito se tem discutido e há muito que
normatizar. É importante frisar que, independente de aspecto
religioso, cultural, social, estético, consequências jurídicas existem e devem ser tuteladas a fim de se proteger a dignidade dos
envolvidos.
A atração de pessoas do mesmo sexo já teve várias conotações
ao longo da história, doença, perturbação, maldição77 e o que todas têm em comum é a suposta probabilidade de cura. Durante
duas décadas a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou
internacionalmente a tendência homossexual como doença, mediante sua Classificação Internacional de Doenças (CID).
A CID nº 9 era de 1975 e nela o homossexualismo aparecia como um diagnóstico psiquiátrico, no capítulo das doenças
Combat, 7ª Câmara Cível, public. 27/07/2007). “[...] A união homoafetiva merece
proteção jurídica, ainda que não encontre no ordenamento jurídico em vigor regramento legal específico, porquanto traz em seu bojo a hodierna concepção de família que leva em conta os laços afetivos que unem essas pessoas em vida comum,
bem como os princípios constitucionais da liberdade, da igualdade, da dignidade
da pessoa humana e da proibição de discriminação por motivo de orientação sexual [...]”.(TJDF, Rec. 2010.01.1.013690-7, Ac. 481.435, 2ª T. Cív., Rel. Des. Waldir
Leôncio Júnior, p. 22/02/2011). “Aplicação das regras da união estável às relações
homoafetivas, mormente quando as conviventes se uniram como entidade familiar
e não como meras sócias. Lacuna na lei que deve ser dirimida a luz dos princípios
gerais e do direito comparado. Impossibilidade de dar tratamento diferenciado entre união heterossexual e união homossexual, eis que a própria Constituição veda
expressamente a segregação da pessoa humana por motivo sexo, origem, raça,
cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. [...]”(TJRJ, AC 000730938.2003.8.19.0204, 19ª C. Cív., Rel. Des. Ferdinaldo Nascimento, j. 28/09/2010).
“[...]Não é possível ignorar a situação de fato - notória e ampla existência de relações homoafetivas na sociedade contemporânea - e condenar os sujeitos de tais
relações a uma situação jurídica manifestamente prejudicial simplesmente em razão da opção sexual assumida [...]”. (TJMG, Reex. Nec. 1.0024.08.256048-3/001.
Rel. Desa. Albergaria Costa, j. 23/07/2009). “Restando devidamente comprovada
a existência, por mais de quatro anos, de relação de afeto entre as partes, numa
convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência, deve ser mantida a sentença que reconheceu a união estável. “[...] (TJRS, AC
70016660383, 8ª C. Civ., Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. 26/10/2006).
77
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 45.
164
Revista Pró-Ciência
mentais e no subcapítulo “Dos desvios e transtornos sexuais”.
Em 1985, numa de suas revisões periódicas, a OMS deixou de
classificar o homossexualismo como doença por si só, para classificá-lo como “sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais”, ou seja, passou a ser considerado um desajustamento
social decorrente de discriminação política, religiosa ou social.
Em 1995, na última revisão da CID, o sufixo “ismo”, que significa “doença” foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa
modo de ser. Essa é a razão pela qual não mais se deve usar o
termo homossexualismo, mas sim homossexualidade. (Grifos
deste trabalho).
Como classificação das tendências homossexuais, podem
ser encontradas as expressões “reprimidos”, “enrustidos” e
“afeminados”78. Para os primeiros, têm-se aqueles que, na busca
de ocultarem seus reais desejos pelo mesmo sexo, recusam-se a
ceder, levando-os a uma vida triste e solitária, cheia de ansiedade
e agressividade, ao revelar quadros psicossomáticos crônicos79.
Os enrustidos revelam uma aparência de bissexual, pois embora
assumam em alguns momentos sua tendência homossexual, por
vezes comportam-se como pertencendo ao sexo biológico. Se
eventualmente casam ou têm filhos, terão grandes chances de
fracasso. Os chamados afeminados são aqueles que assumem sua
preferência e, por esta razão, conseguem se impor perante a sociedade, participando e muitas vezes encabeçando movimentos
contra a discriminação aos homossexuais, ficando em evidência
perante a sociedade e, com isso, sofrendo maior discriminação.
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 51.
Trata-se de doença física que exige um atendimento psicológico/psicanalítico,
podendo se manifestar em diversos sintomas que constituem o nosso corpo como,
por exemplo, gastrointestinais (úlcera, gastrite, retocolite); respiratórios (asma,
bronquite); cardiovasculares (hipertensão, taquicardia, angina); dermatológicos
(psoríase, dermatite, vitiligo, herpes, urticária, eczema); endócrinos e metabólicos (diabetes); nervosos (enxaqueca, vertigem); das articulações (artrite, artrose,
tendinite e reumatismos). Disponível em: <http://www.palavraescuta.com.br/
perguntas/o-que-e-doenca-psicossomatica>. Acesso em: 23 jun. 2011.
78
79
165
Revista Pró-Ciência
Contudo, independente de terminologia ou classificação, o fato
é que, como já mencionado, as uniões homossexuais constituem
realidade que não pode ser ocultada do contexto social e jurídico.
À convivência entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de
família, tem de ser atribuída normatividade talvez idêntica à da
união estável, ao relacionamento afetivo entre homem e mulher,
com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que vários direitos fundamentais das pessoas envolvidas sejam suprimidos.
2 Conflito entre as disposições da CRFB/88 e a união
homoafetiva.
A família, que é a base da sociedade, goza de proteção especial do Estado80. Nos termos da atual Carta Magna, é formada
após o casamento, mas a união estável entre homem e mulher e
o vínculo estabelecido entre um dos pais e os filhos também são
reconhecidos como entidade familiar. Não há mais a necessidade
da existência de filhos para a família ser formada. No entanto,
prevalece a exigência da união entre pessoas de sexo distinto.
Alguns matizes constitucionais devem ser levados em conta no
estudo da união homoafetiva. A dignidade da pessoa humana, a
igualdade, a liberdade, além do direito à identidade sexual são princípios destacados por Maria Berenice Dias81 . A República Federativa
do Brasil, sendo um Estado democrático, não pode deixar de dar
efetividade aos princípios e direitos fundamentais previstos em sua
Magna Carta. O art. 1º, III, da CRFB dispõe como valor fundamental a dignidade da pessoa humana. Segundo Luís Roberto Barroso,
trata-se de expressão nuclear dos direitos fundamentais82.
Art. 226 da CRFB/88.
DIAS, Maria Berenice, op.cit., 2009, p. 101.
82
BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das
relações homoafetivas no Brasil. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br/pt/
profissionais/advogados/roberto/artigos_diferentes.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011.
80
81
166
Revista Pró-Ciência
Valorizar o ser humano sem discriminação de raça, cor, credo,
idade, o fato de ser homem ou mulher já é prerrogativa constitucional. Maria Celina Bodin de Moraes aduz que, será desumano, isto
é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder
reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto83.
Também sobre a idéia da dignidade da pessoa humana,
Carmem Lúcia Antunes Rocha pontua ser pressuposto da idéia
de justiça humana, isto porque se trata de condição superior do
homem como ser de razão e sentimento. A dignidade, segundo
a autora, independe de merecimento pessoal ou social. Não há
necessidade de empenho para merecê-la, pois é inerente à vida,
é direito pré-estatal84.
A dignidade é ínsita ao homem e sequer deveria ser
normatizada. Mas, como o desrespeito impede tratamento
humanitário do outro, o ordenamento jurídico serve para impor
a proteção. O problema então passa a ser o da aplicação efetiva.
Ingo Wolfgang Sarlet contribui para o esclarecimento da questão,
ao afirmar tratar-se a dignidade da pessoa humana de qualidade
intrínseca e distintiva que deve ser reconhecida em cada ser
humano. Tal assertiva, segundo o autor, implica um complexo
de direitos e deveres fundamentais, os quais asseguram a todos
de ato de cunho degradante ou desumano85.
Em se tratando de ser humano, independente da orientação
sexual escolhida, o respeito é fundamental. Para os que pensam
ser um mal tal situação diferenciada, e mesmo se assim fosse,
atinge ou atingiria apenas os envolvidos e mais ninguém.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo: Renovar,
2009, p. 85.
84
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a
exclusão social. Revista interesse público, São Paulo, ano 1, n. 4, out./dez. 1999, p. 26.
85
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006, p. 60.
83
167
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A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma, no art. 1º, que “todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito de fraternidade”.
A Constituição da República proclama tratamento isonômico a
todos, sem distinção no âmbito social. Luís Roberto Barroso86 diferencia a igualdade da igualdade perante a lei. Discute o autor a necessidade de aplicação da lei conforme a semelhança das situações.
Logo, se há tratamento jurídico para pessoas de sexo oposto que
convivem maritalmente por meio da já regulamentada união estável, por que não dar o mesmo tratamento para aqueles que vivem
em união homoafetiva, já que o motivo que os une é o mesmo,
com efeitos econômicos e sociais tais como aqueles comprovadamente existentes entre o homem e a mulher?
A igualdade pede a realização, sem exceção, do direito existente, sem consideração da pessoa: cada um é, em forma, igual,
obrigado e autorizado pelas normalizações do direito. Tais preceitos servem para elucidar o fato de que nenhum ser humano
pode sofrer tratamento desumano ou degradante. A orientação
sexual deve ser respeitada à medida que este fato pertence ao
foro íntimo de cada indivíduo.
Não há como impor jeito de ser87 ; não há como discriminar
escolhas, por mais que aos olhos da maioria pareça diferente; não
há como afetar direitos da personalidade; não há como se sentir
alheio a uma situação sempre presente ontem, hoje e sempre.
Por mais que o legislador esteja andando na contramão da direção da história, pessoas estão sendo afetadas por sua omissão.
86
87
BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 14.
DIAS, Maria Berenice, op. cit . 2009, p. 58.
168
Revista Pró-Ciência
3 A Igreja e as uniões homoafetivas
Outro ponto a ser explorado na abordagem do tema diz
respeito à opinião da Igreja com relação aos homossexuais. À
primeira vista, a imagem da Igreja Católica é associada ao conservadorismo e intolerância, quando considera as relações homossexuais verdadeira perversão, em razão do que diz a Bíblia
em Levítico, 18:2288. Em decorrência disso, a condenação à homossexualidade, como forma de preservar o grupo étnico, baseada no Gênesis e na história de Adão e Eva89.
No entanto, em 18 de fevereiro de 2008, o presidente da
Conferência dos Bispos da Alemanha, Robert Zollitsch, declarou-se a favor da união civil dos homossexuais, tendo afirmado
em entrevista concedida à revista Der Spiegel que, na verdade, se
trata de uma questão da própria realidade social: se há pessoas
com esta orientação, o Estado deve adotar uma legislação correspondente. Contudo, Robert Zollitsch considera errada a idéia
de “casamento homossexual”, devido à própria concepção do
matrimônio, essencialmente heterossexual90.
Embora haja divergência de opiniões, o fato é que ainda há
muita resistência por parte da Igreja, seja Católica ou Protestante, em virtude das próprias tradições já consolidadas. São Tomás
de Aquino justificava o sexo com sinônimo de procriação. O
casamento era considerado um remédio de Deus para preservar
o homem da impudícia e da luxúria91. A Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), quanto à decisão do Supremo
Tribunal Federal, se manifestou da seguinte forma:
“Com o homem não te deitarás como se fosse mulher, é abominação”.
DIAS, Maria Berenice, op.cit., 2009, p. 38.
90
Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/ArtigoList.
php?page=2&>. Acesso em: 23 jun. 2011.
91
DIAS, Maria Berenice, op.cit., 2009, p. 39.
88
89
169
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Nós, Bispos do Brasil em Assembléia Geral, nos
dias 4 a 13 de maio, reunidos na casa da nossa Mãe,
Nossa Senhora Aparecida, dirigimo-nos a todos
os fiéis e pessoas de boa vontade para reafirmar o
princípio da instituição familiar e esclarecer a respeito da união estável entre pessoas do mesmo
sexo. Saudamos todas as famílias do nosso País e as
encorajamos a viver fiel e alegremente a sua missão.
Tão grande é a importância da família, que toda a
sociedade tem nela a sua base vital. Por isso é possível fazer do mundo uma grande família.
A diferença sexual é originária e não mero produto
de uma opção cultural. O matrimônio natural entre
o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural. As Sagradas Escrituras, por sua vez,
revelam que Deus criou o homem e a mulher à sua
imagem e semelhança e os destinou a ser uma só
carne (cf. Gn 1,27; 2,24). Assim, a família é o âmbito adequado para a plena realização humana, o
desenvolvimento das diversas gerações e constitui
o maior bem das pessoas.
As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou
predominante pelo mesmo sexo são merecedoras
de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo
de discriminação e violência que fere sua dignidade
de pessoa humana (cf. Catecismo da Igreja Católica,
nn. 2357-2358).
As uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo
recebem agora em nosso País reconhecimento do
Estado. Tais uniões não podem ser equiparadas à
170
Revista Pró-Ciência
família, que se fundamenta no consentimento matrimonial, na complementaridade e na reciprocidade
entre um homem e uma mulher, abertos à procriação e educação dos filhos. Equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza
a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma.
É um fato real que a família é um recurso humano e social incomparável, além de ser também uma
grande benfeitora da humanidade. Ela favorece a
integração de todas as gerações, dá amparo aos doentes e idosos, socorre os desempregados e pessoas
portadoras de deficiência. Portanto têm o direito de
ser valorizada e protegida pelo Estado.
É atribuição do Congresso Nacional propor e votar
leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos
ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites
de sua competência, como aconteceu com a recente
decisão do Supremo Tribunal Federal. Não é a primeira vez que no Brasil acontecem conflitos dessa
natureza que comprometem a ética na política.
A instituição familiar corresponde ao desígnio de
Deus e é tão fundamental para a pessoa que o Senhor
elevou o Matrimônio à dignidade de Sacramento.
Assim, motivados pelo Documento de Aparecida,
propomo-nos a renovar o nosso empenho por uma
Pastoral Familiar intensa e vigorosa92.
Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/site/eventos/assembleia-geral/6533nota-da-cnbb-a-respeito-da-decisao-do-supremo-tribunal-federal-quanto-a-uniaoentre-pessoas-do-mesmo-sexo>. Acesso em: 23 jun. 2011.
92
171
Revista Pró-Ciência
Da manifestação emitida pela CNBB se extrai que, não obstante a Igreja repudie qualquer forma de discriminação, é a favor
da constituição tradicional de família, conforme seus preceitos
religiosos.
4 Notícias do Direito estrangeiro
A homossexualidade já é reconhecida legalmente em vários
países, como se verá adiante e o Brasil já caminha, ainda que a
passos curtos, para tentar consolidar a situação daqueles que há
muito vêm reivindicando o reconhecimento dos seus direitos.
Afinal, utilizando a expressão de ordem para o moderno Direito
de Família, as relações familiares se constituem com base no afeto e tão nobre sentimento, que une as pessoas, não faz distinção
de sexo. Pelo contrário, está presente nas mais variadas formas
de se gostar. E, quando duas pessoas se unem em prol de um
fim comum, que é a constituição de uma família, elas merecem
o respeito e o reconhecimento legal, a fim de poderem gozar da
proteção oferecida pelo Estado à família, conforme prescreve o
artigo 226 e seus parágrafos da Constituição da República Federativa do Brasil.
Os primeiros países a aceitarem a união civil entre casais homossexuais foram os seguintes: Dinamarca (1989), permitindo
inclusive a troca de nome; Noruega (1993), permitindo o registro
civil, com direitos quase iguais; Suécia (1994), legalizando a situação dos homoafetivos com direitos iguais aos dos heterossexuais;
em 1996 foi a vez da Islândia, da Hungria e da Groenlândia aprovarem leis que garantem às pessoas do mesmo sexo que se relacionam, os mesmos direitos das pessoas casadas; Holanda (1998),
conferindo direito à saúde, educação e benefícios trabalhistas, e
tendo, em 2001, tornado possível também o casamento93.
93
DIAS, Maria Berenice, op. cit ., 2009, p. 63-64.
172
Revista Pró-Ciência
Posteriormente, outros atores da comunidade internacional
também aderiram ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais: Finlândia, Inglaterra e Portugal, em 2001; Alemanha, em
2002; Luxemburgo, Austrália e Itália, em 2004; Nova Zelândia,
em 2005; República Tcheca e Cidade do México, em 2006; Suíça,
em 2007; Uruguai, em 2008. Alguns estados dos Estados Unidos
da América também conferem direitos aos casais homossexuais,
como Massachusetts, Connecticut, Nova Jersey, New Hempshire, Havaí, Califórnia, Maine, Columbia, Washington e Oregon, cada estado com suas peculiaridades. No dia 24 de junho
de 2011, o Senado de Nova Iorque aprovou o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, recebendo o nome de Lei de Igualdade
Matrimonial (Marriage Equality Act), aprovada por 33 votos contra 29, após uma série de modificações no projeto original.
Entretanto, alguns países, além de não legalizarem, punem
aqueles que se assumem homossexuais, como é o caso dos países islâmicos e mulçumanos, bem como grande parte dos países
do Oriente Médio.
Em Uganda, muitos gays já foram achincalhados e até atacados, além de serem obrigados a viver quase clandestinamente
num país onde não se reconhece a homossexualidade como direito humano. Em reportagem exibida no Fantástico em 25 de
abril de 2010, jovens relataram a discriminação que sofrem por
serem homossexuais, como é o caso de Frank Mugisha, de 28
anos, um dos líderes do movimento gay no país, que previne:
“Eu acordo todo dia sem saber o que vai acontecer comigo”94.
Enquanto em diversos lugares do mundo, os homossexuais vêm
conquistando direitos como casar e adotar crianças, na África
mais de 30 países consideram crime ser gay.
Em 17 de junho de 2011, a BBC Brasil noticiou o caso em
que a Justiça italiana está obrigando um casal a se divorciar conDisponível em :<http://fantastico.globo.com/Jornalismo/
FANT/0,,MUL1578920-15605,00.html>. Acesso em: 25 abr. 2010.
94
173
Revista Pró-Ciência
tra a própria vontade, depois que o marido trocou de sexo e se
tornou mulher. Segundo informações contidas no noticiário:
Alessandro Bernaroli, de 40 anos, se submeteu a
uma operação de troca de sexo em 2009, quatro
anos após ter se casado no civil e no religioso. Ele
passou a se chamar de Alessandra e não tinha a intenção de se separar da esposa. Nem ela dele.
Em outubro do ano passado, um tribunal de Modena, cidade onde foi celebrado o casamento, reconheceu que o casal tinha o direito de permanecer
unido legalmente. Agora, uma sentença do tribunal
de apelação de Bolonha, onde eles moram, impôs o
divórcio, alegando falta de diversidade sexual entre
os cônjuges.
O problema surgiu quando Alessandra foi regularizar seus documentos com a nova identidade feminina na prefeitura. Um funcionário anulou o casamento alegando não ser possível legalizar a união
entre duas mulheres.
“Pensei que fosse suficiente mudar o nome na certidão de casamento, mas eles decidiram que a gente
tinha que se separar”, disse ela à BBC Brasil.
Segundo o advogado do casal, embora a legislação
italiana não reconheça os casamentos entre pessoas
do mesmo sexo, não há lei que os obrigue a se divorciar sem o próprio consentimento.
“A lei de ratificação da identidade sexual não prevê a dissolução automática do casamento. E ainda
que a mudança de sexo seja motivo para pedir o
174
Revista Pró-Ciência
divórcio, ele deve ser solicitado pelo cônjuge”, explicou o advogado Michele Giarratano ao jornal La
Repubblica.
O casal se considera vítima de discriminação. “É
uma situação intolerável, pois não se julga com base
na legislação existente, mas sim no preconceito. Não
queremos que nosso casamento tenha uma definição: homossexual, transexual ou heterossexual, mas
continuar vivendo como antes”, diz Alessandra.
Agora os advogados entrarão com um recurso no
tribunal de última instância, cuja sentença definitiva
deve sair em 4 ou cinco anos. “Enquanto isso, não
sabemos se somos casados ou não, o que podemos
e o que não podemos fazer. Isto fere nossa dignidade ”, reclama.
Caso a última sentença seja negativa, Alessandra
disse que pretende recorrer à Corte Européia de
Direitos Humanos e pedir asilo político a um país
membro da União Européia. Ela é também ativista
de um grupo que defende os direitos dos homossexuais e afirmou que deseja transformar seu caso
numa batalha pelos direitos de todos.
“Queremos que a Itália seja como o Brasil, por
exemplo, onde as pessoas do mesmo sexo já podem
conviver legalmente”, afirma95.
Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/bbc/justica+italiana+
obriga+casal+a+se+separar+apos+marido+mudar+de+sexo/n1597033692023.
html>. Acesso em: 23 jun. 2011
95
175
Revista Pró-Ciência
Analisando a notícia, verifica-se o problema psicológico criado para as pessoas que, ao mudarem de sexo, tentam consolidar
uma identidade que já possuem. No entanto, ao se afirmarem
civilmente, se deparam com outros dilemas criados pela própria
legislação, uma vez que esta autoriza a modificação da identificação civil, mas não prevê soluções para situações como a citada.
A Organização das Nações Unidas (ONU) também está engajada no repúdio à discriminação contra os homossexuais. Em
17 de junho do corrente, o Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas aprovou uma resolução histórica destinada a
promover a igualdade dos indivíduos sem distinção da orientação sexual. Pela primeira vez, o grupo condenou discriminações
baseadas em orientação sexual. A resolução recebeu 23 votos
favoráveis, 19 contrários e três abstenções. A resolução afirma
que "todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz
respeito a sua dignidade e seus direitos e que cada um pode se
beneficiar do conjunto de direitos e liberdades [...] sem nenhuma
distinção". Com a edição desta resolução, a ONU contribui para
a implementação de legislação de reconhecimento das uniões
homoafetivas em países que ainda não as aceitam.
5 O comportamento dos Tribunais brasileiros
Não se podem discutir as decisões dos tribunais brasileiros, sem
antes trazer à baila a última decisão do Supremo Tribunal Federal
que, no dia 5 de maio de 2011, escreveu um novo capítulo da história do Direito brasileiro, ao reconhecer as uniões homossexuais
como uniões estáveis equiparadas às uniões heterossexuais, conferindo a proteção do Estado dispensada às entidades familiares.
Ao dar ao artigo 1.723 do Código Civil a interpretação conforme
a Constituição Federal, a Suprema Corte preencheu a lacuna antes
existente, acabando com injustificável omissão legislativa, geradora de ódio, discriminação e preconceito.
176
Revista Pró-Ciência
Diante da inexistência de legislação infraconstitucional regulamentadora, devem ser aplicadas analogicamente ao caso as
normas que tratam da união estável entre homem e mulher, devendo-se frisar que a Suprema Corte não concedeu o direito ao
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, tampouco interferiu nos sacramentos da igreja com relação ao casamento religioso, mas apenas reconheceu às uniões homoafetivas o status de
união estável, com os direitos e as obrigações dela decorrentes.
Esclareça-se, por oportuno que não há qualquer necessidade
de edição de nova lei para tratar especificamente da adoção por
casais homoafetivos. O Estatuto da Criança e do Adolescente
afirma, em seu texto o artigo 42, § 2°, que, para a adoção, basta
que o casal comprove o casamento ou a união estável. Com o
reconhecimento das uniões homoafetivas como uniões estáveis
protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, o processo de
adoção ficará, sem sombra de dúvida, muito mais fácil.
Destaque-se, ainda, que, a partir da decisão do STF, basta que
o casal homossexual tenha em mãos um comprovante de sua
união estável (contrato particular de união estável ou escritura
pública declaratória de união estável) para requerer o reconhecimento dos direitos dela decorrentes, entre eles direitos previdenciários, sucessórios, alimentares, regime de bens e partilha,
adoção, entre tantos outros96.
Entretanto, a histórica decisão do órgão máximo do Judiciário não impediu o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, de Goiânia,
de anular a união civil de um casal homossexual. Na decisão,
o juiz de Goiás contestou o Supremo, e disse que a Corte não
tem competência para alterar normas da Constituição Federal.
O artigo 226 traz em seu texto que, “para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
Disponível em: <http://pub.oab-rj.org.br/index.jsp?conteudo=15222>. Acesso em: 20 jun. 2011
96
177
Revista Pró-Ciência
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão”.
Esta seria a norma que o juiz entendeu inviolável. Villas Boas
afirmou que a decisão do STF "ultrapassou os limites" e é "ilegítima e inconstitucional"97.
Ainda sobre o caso, a corregedora do Tribunal de Justiça de
Goiás, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, cassou a decisão do juiz que anulou a união estável do casal homossexual e
proibiu os cartórios do Estado de emitir outros contratos de união
estável. O caso será levado para a Corte Especial do Tribunal, que
irá decidir se instaura um processo disciplinar contra o juiz.
Recentemente, em decisão inédita o Superior Tribunal de Justiça reconheceu união homoafetiva, pós-morte, a um casal do
Mato Grosso. Eles conviveram por 18 anos, até 2006, quando
um dos parceiros faleceu. A decisão é da lavra de Nancy Andrighi, onde a relatora afirmou ser incontestável a convivência
pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de
constituição de família.
6 Direitos adquiridos como entidade familiar
A despeito de não haver, ainda, uma lei que regulamente a
união estável homoafetiva no Brasil, a última decisão do Supremo Tribunal Federal, fez eclodir para os companheiros homossexuais, direitos análogos aos concedidos a companheiros heterossexuais, nos termos do artigo 1.723 e seguintes do Código Civil.
No entender de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona98, seria uma
hermenêutica que na verdade respeita o fato jurídico de união
estável em si, por tratar-se de união informal, despida de soleDisponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/06/21/corregedora-do-tj-cassa-decisao-de-juiz-que-anulou-uniao-homoafetiva-em-goias.jhtm>.
Acesso em: 24 jun. 2011.
98
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito
civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 6: Direito de família: as famílias em perspectiva
constitucional. p. 485.
97
178
Revista Pró-Ciência
nidade e intervenção estatal na sua constituição e se caracterizar
como um fenômenno eminentemente social e sem formalidade.
Com o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familia, surge para essas famílias direitos pessoais (direitos
e deveres recíprocos) e direitos patrimoniais (alimentos, regime
de bens e direitos sucessórios). Nesse aspecto, a legislação previdenciária andou a passos largos em 2000, quando editou a Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, estabelecendo
procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios
previdenciários ao companheiro ou companheira do mesmo. Independentemente da orientação sexual que o Direito Civil confere às uniões do mesmo sexo, a legislação previdenciária optou
por proteger o dependente – homossexual – com o benefício
alimentar, afastando eventuais impedimentos de ordem puramente civil.
Quanto à adoção, ainda é tema objeto de grande celeuma,
tendo em vista os obstáculos que a Justiça impõe àqueles que,
na condição de homossexuais, pretendem adotar. Na verdade, a
questão toda é muito mais psicossocial do que jurídica, pois os
defensores da proibição argumentam que a inserção da criança
no seio de uma família “não convencional” de pais do mesmo
sexo seria uma má influência para ela e tal experiência poderia fazê-la enfrentar discriminação perante a sociedade e/ou influenciá-la em sua orientação sexual. O ministro Luiz Felipe Salomão,
no Resp 889.852, julgado em 27 de abril de 2010, a respeito da
adoção, proferiu o seguinte julgado:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE
DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E
A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE
DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS
179
Revista Pró-Ciência
MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE
SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS
VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.
1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de criança por parte de requerente que vive em
união homoafetiva com companheira que antes já
adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento.
2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras,
sobretudo as culturais e as relativas aos costumes,
onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal.
3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia
do direito à convivência familiar a todas e crianças e
adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se
em motivos legítimos".
4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer
outros, até porque está em jogo o próprio direito de
filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer
indivíduo.
5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de
menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos
180
Revista Pró-Ciência
das crianças, pois são questões indissociáveis entre si.
6. Os diversos e respeitados estudos especializados
sobre o tema, fundados em fortes bases científicas
(realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em
que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que
serão inseridas e que as liga a seus cuidadores".
7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da
requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido,
bem como parecer do Ministério Público Federal
pelo acolhimento da tese autoral.
8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa
situação como a que ora se coloca em julgamento.
9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer
prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se
elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o
deferimento da adoção é medida que se impõe.
10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a
realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira,
responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete
a responsabilidade.
11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas
181
Revista Pró-Ciência
mulheres de mães e são cuidadas por ambas como
filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em
suas criações.
12. Com o deferimento da adoção, fica preservado
o direito de convívio dos filhos com a requerente
no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos
adotandos em convênios de saúde da requerente e
no ensino básico e superior, por ela ser professora
universitária.
13. A adoção, antes de mais nada, representa um
ato de amor, desprendimento. Quando efetivada
com o objetivo de atender aos interesses do menor,
é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda
se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados
do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29
de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção,
86% das pessoas que desejavam adotar limitavam
sua intenção a apenas uma criança.
14. Por qualquer ângulo que se analise a questão,
seja em relação à situação fática consolidada, seja
no tocante à expressa previsão legal de primazia à
proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais
vantagens para os adotandos, conforme preceitua o
artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro
prejuízo aos menores caso não deferida a medida.
15. Recurso especial improvido.
182
Revista Pró-Ciência
Do julgado apresentado, pode-se concluir que a
adoção, por ser um ato de amor e forma de imitar a família biológica, não pode sofrer restições de
modo a retirar da criança uma vida digna e confortável. Além de proporcionar a efetivação de direitos
sociais básicos como a educação, moradia, lazer e
consequentemente a diminuição da quantidade de
crianças abandonadas em abrigos.
Considerações finais
O presente artigo buscou tratar de assunto cuja discussão
vem sendo amplamente enfocada nos mais diversos segmentos
sociais. No entanto, foi objeto de estudo o aspecto jurídico e
social, numa tentativa de demonstrar o desenvolvimento e atuais considerações a respeito das uniões entre pessoas do mesmo
sexo. Para tanto, utilizou-se da instituição família desde a sua formação tradicional até a constituição familiar moderna, deixando
de unir apenas os componentes pai, mãe e filhos, para autorizar
inclusive sua formação por pessoas do mesmo sexo.
Apesar de a Carta da República autorizar a união apenas entre pessoas do mesmo sexo para a preservação da dignidade da
pessoa humana, os tribunais estão decidindo, com base nos princípios da não discriminação e, em especial, da igualdade substancial, pelo reconhecimento das uniões homossexuais como
entidade familiar para fins de proteção do Estado, com todos os
direitos inerentes à tradicional união estável.
Embora contra a discriminação de qualquer natureza, a Igreja
preserva a tradição e o ideal de não aceitar o reconhecimento de
uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,
por ser contra os preceitos religiosos.
No Direito estrangeiro se vislumbrou a maior aceitação que
a proibição desta entidade familiar e o quanto a comunidade internacional tem sido favorável ao reconhecimento, não só das
183
Revista Pró-Ciência
uniões homoafetivas, como também do casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo, como foi o caso da recente aprovação
pelo Senado de Nova Iorque da chamada Lei de Igualdade Matrimonial (Marriage Equality Act).
Não obstante as críticas, no Brasil houve um grande avanço com a última decisão do Supremo Tribunal Federal, quando
se reconheceu como entidade familiar as uniões homoafetivas,
conferindo os mesmos direitos previstos no Código Civil para
a união estável, ou seja, direitos pessoais e patrimoniais. Tal decisão, associada a outros casos isolados no mesmo sentido – o de
conferir legitimidades às uniões homoafetivas –, só reforça a consolidação da tendência à legalização dos direitos homoafetivos.
Por oportuno, conclui-se que a efetivação dos direitos fundamentais não pode ficar à disposição da vontade ou da inércia
legislativa, sobretudo quando se tratar de direitos pertencentes a
minorias estigmatizadas pelo preconceito, devendo o Estado fazer seu papel de ente democrático, que é o de acolher as vítimas
da intolerância e discriminação, e não o de rejeitá-las.
184
Revista Pró-Ciência
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187
Revista Pró-Ciência
Habilidade de liderança: ferramenta
substancial no alcance dos objetivos
empresariais
Pedro Alessandro Calaça 99
Resumo
Abstract
A abordagem sobre a influência do
líder nos resultados empresariais deve
ultrapassar defesas empíricas, sendo
uma ferramenta de alcance dos objetivos
nas instituições diversas. Em pesquisa
realizada por Vicente Falconi (nomeado
uma das 21 maiores autoridades mundiais
em gestão empresarial pela American
Society for Quality), foram constatados
resultados significativamente superiores
onde havia presença de líderes atuantes e
carismáticos. A pesquisa foi qualitativa e
quantitativa, tendo utilizado como objeto
de estudo, duas plantas de uma fábrica de
pneus no Estado de São Paulo. Provouse a importância que deve ser dada pelas
empresas, hodiernamente, ao seu capital
intelectual e aos Stakeholders, através
das ações de liderança e coaching.
The approach to the influence of the leader
in business results must go beyond empirical
defenses, as it is a tool to achieve objectives in
different institutions. In a research conducted
by Vincent Falcone (considered one of the
21 world’s leading authorities on business
management by the American Society for
Quality), significantly higher results were found
where there were action-oriented, charismatic
leaders. The research was qualitative and
quantitative, having taken two plants of a tire
industry in São Paulo as its object of study.
The conclusion was that nowadays companies
must give much importance to their intellectual
capital and stakeholders through leadership
and coaching actions.
Palavras - chave:
Keywords:
Liderança atuante. Stakeholders. Capital Action-oriented Leadership. Stakeholders.
Intellectual capital. Coaching.
intelectual. Coaching.
MBA em Administração de Empresas e Negócios pela FGV/EBAPE, Administrador, Especialista em Estratégia Empresarial, Planejamento Organizacional e
Gestão de Pessoas. Consultor de empresas, palestrante e professo. Extensões em
Recursos Humanos na Califórnia e Marketing em Londres. Velejador e professor
de navegação, Capitão amador pela Capitania dos Portos do Rio de Janeiro. Diretor de empresa de serviços desde 1998. Sabático em 2005, atuando como consultor de empresa de serviços no complexo Disney World, Flórida.
99
188
Revista Pró-Ciência
Sumário: Introdução; 1- Fundamentação teórica; 2 - O líder nasce
pronto ou pode ser formado?; 3 - O capital intelectual e os Stakeholders;
4 – Coaching; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
Até o início da década de 1980 era comum a preocupação
dos empresários com seus maquinários, imobilizado, instalações
prediais e arquivos. O mundo evoluiu, o imobilizado, nos dias
de hoje, é passível de cobertura por parte de seguradoras. Ao
mesmo tempo, a chamada “mão de obra” de obra cedeu lugar,
em importância, ao capital intelectual.
Nos dias atuais o empresário vai para a sua casa ao final do
expediente, e não mais se preocupa com seu imobilizado, mas pergunta-se: “será que meus empregados virão trabalhar amanhã?”.
Descoberta a importância desses stakeholders, surgiu a necessidade de cuidar dos mesmos de uma forma mais criteriosa, evitando
fuga de talentos e consequentes prejuízos, tanto no atendimento
ao cliente quanto no alcance de objetivos empresariais.
Surge então um olhar mais acurado sobre a importância do
líder nas organizações. Este é o agente que consegue resultados por meio das pessoas, criando metas críveis e desafiadoras,
promovendo o treinamento e o desenvolvimento da equipe, estabelecendo melhoria contínua, promovendo meritocracia, decidindo com base em fatos e dados e que, por fim, seja o exemplo
a ser seguido, sendo esse processo o diferencial na geração dos
resultados organizacionais.
Liderança é a habilidade de influenciar pessoas a agirem entusiasticamente na busca de objetivos para o bem comum.
(HUNTER, 2007, p.25).
189
Revista Pró-Ciência
1 Fundamentação teórica
A importância da habilidade de liderança, na consecução dos
objetivos empresariais e no próprio dia a dia das pessoas, tem sido
deixada de lado desde épocas passadas até os dias atuais, como se
estivéssemos tratando apenas de auto-ajuda ou o que valha.
A liderança é um processo chave em todas as organizações.
O administrador deveria ser um líder para lidar com as
pessoas que trabalham com ele. A liderança é uma forma
de influência. A influência é uma transação interpessoal
em que uma pessoa age para modificar ou provocar o
comportamento de outra pessoa, de maneira intencional.
(CHIAVENATO, 2009, p. 453).
O líder é a referência, a pessoa que mostra o caminho, que
influencia a equipe na busca, que investe tempo para estar com as
pessoas, para desenvolvê-las e mostrá-las o caminho do sucesso.
A liderança é o fator mais importante numa organização.
Sem esta não acontece nada. Liderar é bater metas consistentemente, com o time fazendo certo. Um bom líder deve
conseguir resultados por meio das pessoas, logo o líder
deve investir um tempo substancial no desenvolvimento do
seu time. (CAMPOS, 2009, p. 82)
O líder não faze exatamente o que a equipe quer mas sim o que
equipe precisa para, assim, gerar resultados que serão bons tanto
para a empresa quanto para o indivíduo, nessa difícil equação que
tenta fechar os interesses entre indivíduos e organizações.
Em função de objetivos definidos de forma unilateral,
visando apenas os lucros organizacionais, os indivíduos
acabam não tendo vida fora das organizações, prejudicando
a família, o lazer, a cultura e outras vertentes da vida. Nesse
caso, é imprescindível a figura do líder, que vai equilibrar
objetivos da empresa com os objetivos do indivíduo.
(FOGUEL, 1995, p. 57).
190
Revista Pró-Ciência
A primeira abordagem de que se tem notícia, surgiu com os
resultados da famosa experiência de Hawthorne, realizada na década de 1930 para pesquisar o efeito das condições ambientais
sobre a produtividade do pessoal, no sentido de dar importância
ao fator humano na organização e a necessidade de humanização
e democratização das organizações. É um marco importante na
Teoria da Administração, pois, mesmo que de forma ainda empírica, inicia nas organizações o enfoque humanístico, quando
Elton Mayo e Kurt Lewin, precursores da Escola das Relações
Humanas, lançaram-se em complemento à Teoria Clássica, que
alicerçada sobre as obras de Taylor e Fayol, imperava tranqüilamente nas três primeiras décadas do século passado.
As principais contribuições da Teoria das Relações Humanas
se concentram no esforço pioneiro rumo à humanização das
empresas: a ênfase nos grupos sociais, nas comunicações, na
motivação, na liderança [...] (CHIAVENATO, 2011, p. 36).
Algumas conclusões de Hawthorne: o trabalho é uma atividade tipicamente grupal; o operário não reage como indivíduo
isolado; a tarefa da administração é formar líderes capazes de
compreender, comunicar e persuadir; e a pessoa é motivada essencialmente pela necessidade do trabalho em equipe.
Com o impacto da Teoria das Relações Humanas, os conceitos antigos, tais como: organização formal, disciplina, departamentalização; passam a ceder lugar para novos conceitos
como organização informal, liderança, motivação, grupos sociais e recompensas.
Como conseqüência dessa teoria, surgem os líderes a fim de
melhorar o tratamento dado às pessoas e propiciar um ambiente
motivacional de trabalho mais favorável e amigável.
Em seguida, a Teoria Comportamental, descendente da Escola das Relações Humanas, mantém o foco nos aspectos comportamentais, buscando em seus estilos de administração, desenvolver a motivação individual nos participantes das organizações,
e reduzir os conflitos entre os interesses individuais e organiza191
Revista Pró-Ciência
cionais. A seguir, o Desenvolvimento Organizacional, surgido
recentemente, e apoiado na Teoria Comportamental, utiliza-se
do investimento em modificações comportamentais, aliadas às
estruturais, em suas estratégias de mudança organizacional.
Clássicos da gestão estratégica e da administração também
apontam para o líder como uma figura central nas estratégias.
Napoleão Bonaparte citava que somente o exemplo pode levar as pessoas à seguirem seus passos. Uma criança vai seguir
sempre o que damos de exemplo e não o que falamos para a
mesma fazer, quebrando de vez o mito do “faça o que eu digo
mas não faça o que eu faço”
Conheço apenas uma única forma de liderar, que é pelo
exemplo. (MAQUIAVEL, 2000, p. 169).
O mesmo vale para a cultura empresarial, um líder com brilho nos olhos, que age de acordo com o que preconiza é muito
mais efetivo que qualquer outro.
Outra característica importante no líder é saber fazer aflorar
o que cada um tem de melhor.
Um hábil empregador de homens usará o prudente, o bravo, o cobiçoso e o burro. (TZU, 2010, p. 27)
Um líder com suas habilidades bem desenvolvidas vê talento
onde todos estão vendo defeitos, pois achar defeitos nos outros
qualquer um o faz, porém achar virtudes é para os sábios e, saber
usá-las, para os nobres.
2 O líder nasce pronto ou pode ser formado?
Sendo liderança uma habilidade e, sendo a habilidade algo
que pode ser desenvolvido, podemos concluir que, sim, o
líder pode ser formado. (HUNTER, 2007, p.27).
O autor cita o exemplo de uma criança de dois anos tentando usar
pela primeira vez o papel higiênico. É uma ferramenta nova, estranha
àquele ser mas que depende de uma habilidade a ser desenvolvida.
192
Revista Pró-Ciência
Quando o navegador Cristóvão Colombo, no século XV, queria encontrar um caminho para as índias, que fosse diferente do
que passava pelo cabo das Tormentas, propôs uma idéia absurda para a época, navegar infinitamente, acreditando que a Terra
fosse redonda. Colombo estava tão obcecado pela idéia, que esse
sonho fez com que o mesmo desenvolvesse uma habilidade que
não tinha: a liderança. Tal habilidade fez com que o mesmo tivesse convencido a rainha da Espanha a financiar a viagem, além
de convencer também uma equipe de marinheiros, considerados
loucos, pois “todos sabiam” que a Terra era quadrada, e o mar
despencava como uma cachoeira em algum ponto do horizonte,
além das criaturas horríveis que ali habitavam.
Podemos observar então a importância dos objetivos, dos
sonhos na vida das pessoas e das organizações, servindo como
alavanca no desenvolvimento de habilidades que nos levarão ao
alcance do que desejamos. Os sonhos estão para a alma assim
como o alimento para o corpo.
[...] Existem certas necessidades que são aprendidas e adquiridas
socialmente através da interação com o meio ambiente. As pessoas
que demonstram forte necessidade de realização são particularmente responsivas aos ambientes de trabalho nos quais podem atingir o
sucesso através de seus próprios esforços. Na realidade, a motivação
pela realização é, em grande parte, uma teoria para empreendedores.
(CHIAVENATO, 2010, p. 104).
Não podemos negar que algumas pessoas são carismáticas
por natureza, mas, inclusive nestes, o espírito de liderança pode
e deve ser refinado e potencializado. Esse é o papel do Coaching:
o novo paradigma da liderança. A palavra deriva do inglês (coach
– treinador) e denota a ação de treinar, e na vertente gestão de
pessoas, de desenvolver as habilidades que formarão líderes para
as organizações.
Construir competências para a formação de um líder é
um processo contínuo, que exige investimentos em autoconhecimento, empatia, saber ouvir, paciência, abnegação,
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Revista Pró-Ciência
conhecimento, inovação, metodologia, foco, enfim, um trabalho de lapidação [...]. (SENGE, 2006, p. 75).
O tema liderança é muito estimulante. Sempre nos perguntamos: de que é feito um líder? Administradores e profissionais
de todos os níveis em todos os setores se interessam por essa
questão. Acreditam que a resposta proporcionará melhora no
desempenho da organização e no sucesso das carreiras pessoais.
Esperam adquirir as habilidades que transformarão um gestor
"mediano" num verdadeiro líder transformador.
Sim a liderança pode ser ensinada e aprendida. A liderança
parece ser a convocação de habilidades possuídas por uma maioria, mas utilizada por uma minoria. É, porém, algo que pode ser
aprendido por qualquer pessoa, ensinado a todos, não devendo
ser negado a ninguém.
Como então desenvolver habilidades em liderança? Um líder
é alguém que influencia os outros a alcançar objetivos. Quanto
maior o número de seguidores, tanto maior a influência. E quanto mais bem-sucedida a realização de metas importantes, tanto
mais evidente a liderança. Deve-se explorar, além dessa definição
simples para se captar o estímulo e a perplexidade, que os seguidores devotados e estudiosos da liderança sentem quando deparam com um grande líder em ação, bem como entender o que os
líderes das organizações realmente fazem, ou o que é necessário
para ser referência quando o assunto é liderança.
Para que nos tornemos líderes, capazes de atuar em qualquer
ambiente, seja na vertente organizacional ou na família, algumas
habilidades precisam ser desenvolvidas, sendo elas, segundo
HUNTER, 2007. P. 35.
Paciência: desenvolver o auto-controle.
Bondade: dar atenção, apreciação, incentivo.
Humildade: ser autêntico, sem pretensão ou arrogância.
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Revista Pró-Ciência
Respeito: tratar todos como pessoas importantes.
Abnegação: contribuir para que os outros alcancem seus
objetivos.
Perdão: desistir de ressentimento quando prejudicado.
Honestidade: gerar sentimento de confiança.
Compromisso: honrar o combinado, sustentar as escolhas.
Serviço e esforço: pôr de lado o próprio ego em função do
bem comum.
3 O capital intelectual e os Stakeholders
O novo mundo e a globalização impõem às organizações a
necessidade de absorção de um grande volume de informações
e, para que isso aconteça, a mesma depende do mais valioso bem,
que são as pessoas, capazes de transformar informações em conhecimento, gerando resultados competitivos para as empresas.
O início da década de 1990 marca o começo da terceira
etapa do mundo organizacional. É a era da informação,
que surge com o tremendo impacto provocado pelo desenvolvimento tecnológico e com a chamada tecnologia da
informação. A nova riqueza passa a ser o conhecimento – o
recurso mais valioso e importante -, substituindo o capital
financeiro. Em seu lugar, surge o capital intelectual. (CHIAVENATO, 2010, p. 186)
Temos então, a necessidade das pessoas serem vistas como
seres humanos que pensam e têm capacidade para fazer uma
organização dar resultados satisfatórios ou resultados desastrosos. A diferença entre um e outro resultado está na liderança.
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Revista Pró-Ciência
O capital humano é intangível e não pode ser gerenciado da
mesma maneira que as empresas gerenciam cargos, produtos
e tecnologias. Uma das razões para isso é que são os funcionários, e não a empresa, os detentores do capital humano. Ao
saírem funcionários valiosos de uma empresa, eles levam
consigo seu capital humano, e qualquer investimento que a
empresa tenha feito no treinamento e desenvolvimento dessas pessoas fica perdido para ela. (SENGE, 2006, p. 116).
Para termos uma idéia da importância dos líderes na sociedade do capital intelectual, em pesquisa recente realizada pelo
consultor Vicente Falconi (nomeado uma das 21 maiores autoridades mundiais em gestão empresarial pela American Society for
Quality), em empresas com 20 ou mais fábricas em locais distintos, algumas unidades vão bem, outras nem tanto, verificada
maior presença de líderes atuantes e carismáticos nas que obtém
melhores resultados.
Resumo da pesquisa
Plantas/fatores
Planta 1
(Fábrica na capital
paulista)
Planta 2
(Fábrica no interior
paulista)
Efetivo total (pessoas)
425
422
Área construída (m²)
9600
9100
Investimentos em 2007
(em milhões de R$)
1,5
1,5
Gerentes
26
24
Departamentos
18
19
Volume de produção
(em quantidade de pneus)
72600
84300
Índice de desperdício (%)
18
7
Resultado operacional
(em milhões R$)
5,2
7,6
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Revista Pró-Ciência
Ao observar os resultados obtidos, conforme demonstrado
acima, Falconi e sua equipe perceberam que não havia justificativa técnica para tal discrepância.
Em pesquisa de clima organizacional, constatou-se que a
liderança na planta 2 possuía 84% de aprovação, enquanto na
planta 1 a aprovação era de apenas 36%.
Pode-se dizer então, através de pesquisas de campo, que uma
liderança efetivamente conectada às realidades e necessidades
dos Stakeholders (Todos os agentes que influenciam e são influenciados pelos resultados nas empresas, por ex. empregados,
governo etc.), gera resultados substancialmente superiores nas
organizações.
4 Coaching
O mercado chama de Coaching o novo paradigma da liderança. A palavra deriva do inglês (coach – treinador) e denota a ação
de treinar, e na vertente gestão de pessoas, de desenvolver as
habilidades que formarão líderes para as organizações.
E como funciona o coaching? Nesse processo, o líder não é
apenas o que sabe utilizar uma equipe em benefício da empresa,
e sim uma pessoa que atua encorajando, motivando, transmitindo técnicas que melhorem capacidade, habilidades e atitudes de
cada indivíduo na equipe, de forma personalizada, concomitantemente com os interesses da empresa. É o líder que ensina a
pescar, mas além disso, ensina também a cuidar do rio para que
não falte peixe.
No coaching, são levantados os pontos fortes e os pontos a
desenvolver no liderado em relação ao meio que atua, e definido
um plano de ação que permita alcançar os resultados desejados,
com prazo determinado, recursos necessários e o comprometimento frente ao “projeto”.
Dentre os aspectos mais utilizados pelo líder no processo de
coaching estão.
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Revista Pró-Ciência
 Melhoria da auto-estima;
 Desenvolvimento de habilidades neuro-lingüísticas;
 Empatia - colocar-se mentalmente no lugar dos
outros, entendendo melhor as pessoas e adotando
melhores posturas;
 Administração do tempo – um dos tesouros
deste milênio;
 Técnicas de melhor relacionamento interpessoal e networking;
 Estabelecimento de planos de metas pessoais;
 E quaisquer outras ações, a serem listadas em
avaliação específica, que contribuam com a evolução do indivíduo.
Com o foco em objetivos individuais, o coaching busca o desenvolvimento de competências para as vivências pessoais e
profissionais. A empresa ganha ao desenvolver um líder que vai
influenciar e motivar a equipe ao alcance dos objetivos.
Não podemos acreditar que o talento das pessoas será desenvolvido por si só, ou que as competências necessárias podem
sempre ser trazidas do mercado.
O coaching tem obtido crescente aceitação no meio empresarial porque é um dos investimentos de Desenvolvimento
Organizacional mais atrativos na relação custo-benefício. Um
trabalho sério de coaching é focado em resultados, tanto para o
indivíduo quanto para a empresa em que o mesmo atua.
A revista Fortune 500 publicou um estudo buscando calcular o
ROI (Retorno sobre Investimento) de um programa coaching de
executivos. O programa produziu um ROI de 529%, cinco vezes
mais sobre o valor investido. As principais fontes de valor foram:
aumento de produtividade (53% dos executivos), aumento
da qualidade (48%), melhoria na organização (48%), melhoria no atendimento ao cliente (39%), aumento da retenção
dos executivos (32%), redução de custos (23%), melhoria
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Revista Pró-Ciência
no relacionamento entre subordinados diretos (77%), melhoria
no trabalho em equipe (67%), melhoria no relacionamento com
pares (63%), aumento da satisfação no trabalho (61%), redução de conflitos (52%) e aumento do comprometimento
com a organização (44%).
A idéia básica em qualquer trabalho de coaching é desenvolver
pessoas, torná-las críticas, pensantes, ensinando-as a pescar ao
invés de dar o peixe.
Considerações finais
Além dos resultados organizacionais serem incrementados
através da liderança e motivação das equipes, liderar consiste
em uma atividade nobre e muito gratificante, pois somente evoluímos de verdade quando participamos da evolução de outras
pessoas.
Tecnicamente, os profissionais estão ficando muito parecidos. O que os diferencia e destaca um do outro, é a capacidade
de relacionar-se, de ter empatia, de conviver em equipe. Atualmente, os fatores subjetivos da vida profissional, representados
em ações como: não saber ouvir, ser negativo, ser inflexível nas
opiniões e valores, ser medíocre, ter dificuldade para se comunicar e ser temperamental, são aspectos cruciais para o sucesso
na carreira. O coaching, além de trabalhar para eliminar tais comportamentos, visa expor o leque de oportunidades que existem
e que podem ser exploradas no desenvolvimento do indivíduo e
no alcance de seus objetivos.
Liderança e relações entre pessoas, logicamente, existem
desde que a humanidade habita o planeta, porém, nos últimos
tempos, o tema vem despertando uma abordagem mais técnica,
recebendo maior atenção por parte dos didatas e das instituições
preocupadas com um mundo a cada dia mais competitivo, relevando sua atual importância no contexto organizacional.
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