CARTA MENSAL
Maio de 2009
Por George Bezerra
Caderneta de Poupança
Quando o Ótimo se Torna um Problema – Explicando o Paradoxo
Desde o início da década de 1980 até o lançamento
do Plano Real, em 1994, o Brasil conviveu com taxas
altíssimas de inflação. Isto exigia que as taxas nominais
de juros também fossem muito elevadas, embora em
alguns períodos de curta duração a taxa real de juros
(o excesso da taxa nominal de juros sobre a inflação)
tenha sido baixa, ou até negativa. Esse tipo de ambiente
favorecia a ocorrência da chamada “ilusão monetária”,
fenômeno em que os poupadores têm a sensação
agradável de estarem obtendo altos retornos sobre
suas aplicações financeiras, sem levar devidamente
em conta, do outro lado, que os preços dos bens e
serviços também sobem num ritmo muito elevado.
Num ambiente como este, pessoas que usavam parte
ou a totalidade dos rendimentos nominais para gastos
de consumo acabavam por descobrir, com o tempo, que
suas poupanças financeiras estavam desaparecendo.
O Plano Real logrou, pela primeira vez em muitos anos,
baixar a inflação de modo consistente e duradouro. Mas
por várias razões a taxa real de juros teve que subir e
permanecer, até recentemente, entre as mais altas do
mundo. Quem têm sido os ganhadores e os perdedores
nesse tipo de ambiente econômico? A resposta é
bastante simples.
Taxas reais de juros altas beneficiam as pessoas
que auferem uma renda disponível superior aos seus
gastos de consumo. Ou seja, pessoas que conseguem
poupar. Ao longo do tempo, esta poupança acumulada
vai se transformando numa riqueza financeira, que
proporciona ao seu detentor uma renda cada vez maior,
ao ser aplicada a taxas reais de juros elevadas.
De outro lado, existem as empresas, que
necessitam tomar dinheiro emprestado para realizar
seus investimentos (construir e expandir fábricas e
empreendimentos em geral). Ao analisar a viabilidade
desses investimentos, um dos aspectos fundamentais
a ser tomado em conta é a comparação entre a taxa de
juros e a expectativa de retorno do investimento. Com
tudo o mais igual, quanto maior a taxa de juros, menores
os investimentos.
Ora, o crescimento de qualquer economia depende
dos investimentos. E a geração de empregos depende
do crescimento. Portanto, a redução da taxa real de juros
contribui para o progresso econômico e para a geração
de empregos.
A essa altura o leitor poderia concluir que o jogo está
empatado. Pois taxa de juros real alta é ruim para os
investidores e pessoas que precisam de emprego, mas
é bom para aqueles que dispõem de poupanças para
investir. Esta conclusão estaria completamente errada.
Em qualquer economia, no médio e longo prazos,
os benefícios oriundos de uma taxa real de juros baixa
são muito maiores que os prejuízos. A principal razão
para isto é que, como já vimos, com tudo o mais igual
os investimentos e o crescimento econômico serão
tanto maiores quanto menor for a taxa de juros. E
quanto maior for o crescimento da economia maior será
a disponibilidade de poupanças. Portanto, no médio e
longo prazo a queda da taxa de juros reduzirá o ganho
de cada um dos poupadores (por real aplicado), mas
aumentará o número de pessoas que podem poupar e
a poupança total. E a queda da taxa de juros e o maior
crescimento econômico também favorecem a melhoria
da distribuição de renda (inversamente, taxas reais
de juros elevadas e baixo crescimento econômico
foram algumas das principais razões pelas quais a
distribuição de renda no Brasil tornou-se uma das piores
do mundo).
Taxa real de juros alta é um remédio amargo, cuja
eficácia diminui com o tempo. É como uma antibiótico
que leva o organismo a produzir anti-corpos e que,
com o tempo, pode reduzir a imunidade e favorecer a
ocorrência de novas doenças.
Mas taxas reais de juros artificialmente baixas
também causam problemas, distorcendo a alocação dos
fatores de produção, a percepção de risco e o aumento
da inflação. Portanto, um dos importantes objetivos de
qualquer economia deveria ser reduzir ao máximo a sua
taxa real de juros neutra. Ou seja, aquela taxa real de
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juros que não contribui nem para aumentar nem para
reduzir a inflação. E do que depende esta taxa neutra de
juros?
Ao longo das últimas décadas a taxa real de juros
neutra no Brasil tem sido uma das mais altas do mundo.
As principais causas para isso têm sido: riscos elevados,
associados a vulnerabilidades nas contas externas e nas
contas fiscais; má qualidade e instabilidade da política
econômica; desrespeito a contratos (inclusive calotes
de dívida externa e perdas impostas aos financiadores
da dívida interna); taxa de poupança reduzida, etc.
Desde o lançamento do Plano Real, em 1994,
várias distorções como estas que comprometiam os
fundamentos da economia brasileira foram sendo
gradualmente corrigidos. E o governo Lula, ao contrário
do que muitos temiam, preservou ao menos os aspectos
mais relevantes de uma política econômica que passara
a contribuir para a redução das incertezas e dos riscos.
A isto se somou o crescimento mundial e o aumento do
preço das commodities observado de 2003 a 2007, que
teve um impacto extremamente positivo sobre dívida
externa e o balanço de pagamentos brasileiros. Dessa
forma foram sendo criadas as condições para reduzir,
de forma gradual, mas consistente, a taxa real de juros
neutra no Brasil, ao longo dos últimos anos.
Efeitos da Crise Econômica Mundial
A crise provocou uma grande queda da demanda,
da atividade econômica e do emprego de mão de obra
em todo o mundo. Neste ambiente, o risco de alta da
inflação deixou de existir, levando os bancos centrais
a promoverem fortes reduções das taxas de juros
(nos Estados Unidos e no Japão as taxas nominais de
juros foram reduzidas praticamente a zero). Portanto,
no mundo inteiro as taxas reais de juros caíram
temporariamente a níveis inferiores às taxas neutras de
médio e longo prazo. No Brasil, portanto, a uma tendência
que já estava em andamento de queda da taxa neutra de
juros somou-se o efeito da crise externa. Isto significa
que a taxa real de juros terá que cair para um nível até
mesmo inferior àquele que poderá ser sustentado no
médio prazo. Paradoxalmente, esta queda da taxa de
juros transformou-se (ou foi transformada) num sério
problema político para o governo.
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O Imbróglio da Caderneta de Poupança
A Lei 8.177, de 01 de março de 1991, estabeleceu
que a remuneração da caderneta de poupança teria dois
componentes: 1º) uma Taxa Referencial, calculada por
meio de uma fórmula matemática. Simplificadamente,
esta fórmula assegurava que a remuneração nominal
da poupança subiria com a alta da inflação e das
demais taxas de juros, de certa forma preservando a
sua rentabilidade real; 2º) a esta Taxa Referencial era
acrescida uma remuneração mensal fixa de 0,5% ao mês.
Além disso, isentou-se a remuneração da poupança do
imposto de renda e ainda se lhe assegurou a garantia
do governo para valores até sessenta mil reais por
depositante.
Esta fórmula era perfeitamente adequada para um
ambiente de taxas de inflação elevadas. Mas agora
que a inflação tende a se consolidar em níveis de taxas
mensais significativamente inferiores a 0,5% ao mês,
e ainda se lida com os efeitos baixistas da crise a que
nos referimos anteriormente, impõem-se as seguintes
alternativas: 1ª) caem as demais taxas de juros, mas
a rentabilidade da poupança assegura um piso líquido
de 0,5% ao mês, tornando-se a mais atraente de todas
as aplicações de renda fixa na economia; 2ª) o fato
de existir este piso para a rentabilidade da poupança
determina que se respeite um piso também para toda a
estrutura de taxas de juros da economia. E como estas
demais alternativas sofrem a incidência de imposto de
renda e não têm garantia sobre o principal, este piso,
em termos brutos, teria que ser bem mais elevado
que 0,5% ao mês (este piso mais elevado teria que ser
mantido inclusive para a taxa básica de juros SELIC,
que é decidida a cada 45 dias pelo banco central, que é
sempre o nível mais baixo de toda a estrutura de taxas
de juros da economia); 3ª) faz-se uma mudança na lei
8.177 de modo a permitir que a rentabilidade nominal da
poupança possa passar a ser inferior a 0,5% ao mês.
A adoção da primeira alternativa carrearia um grande
volume de recursos de outras aplicações para a poupança.
Mas como os recursos da poupança estão vinculados
ao financiamento da casa própria, isto resultaria em
carência de recursos para o financiamento em diversos
setores e excesso de recursos se acumulando nas
cadernetas de poupança. Portanto, esta alternativa
criaria desequilíbrios insuportáveis entre a oferta e a
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demanda de fundos em diferentes setores da economia.
A segunda alternativa exigiria que o governo mantivesse
em níveis artificialmente elevados toda a estrutura de
taxas de juros da economia, o que também deve ser
descartado por absurdo.
Resta a terceira alternativa, que seria diminuir o piso
da rentabilidade nominal da poupança, como única forma
de tirar proveito das condições que foram cridas para que
toda a estrutura de taxas de juros da economia pudesse
ser reduzida.
Ocorre que mais de 90 milhões de brasileiros têm
aplicações nas cadernetas de poupança, o que corresponde
a mais de 70% do número de eleitores. E a oposição já
estava se animando diante da possibilidade de acusar
o atual governo de ter “mexido” na poupança, reduzindo
o seu piso de rentabilidade, e associando tal medida
à violência e arbitrariedade que foi cometida no Plano
Collor. Às vésperas de uma eleição presidencial, o chefe
do Executivo não vacilou: determinou peremptoriamente
que seus assessores econômicos recolhessem suas
entusiastas propostas de alterar a lei que rege a
remuneração da poupança e inventassem outra fórmula
para viabilizar a queda das taxas de juros (pela qual há
décadas empresários e o próprio governo ansiavam no
Brasil).
A ginástica desenvolvida pela equipe econômica e o
anúncio confuso das complexas alternativas que foram
desenvolvidas e aprovadas tiveram péssima repercussão.
Tanto que chegaram a produzir significativa queda da
captação dos depósitos nas cadernetas de poupança,
exatamente num momento em que ela se tornava
relativamente mais atraente. Diante da confusão o governo
recuou e decidiu adiar a implementação de quaisquer
medidas relacionadas a essa matéria.
O que Deverá Ocorrer
A pequena história descrita acima é um exemplo prático
de um fato amplamente conhecido: as indicações que
emergem da boa análise econômica como as melhores
para a sociedade no médio e longo prazo nem sempre
correspondem aos interesses eleitorais dos políticos,
especialmente no curto prazo. E diante deste conflito
costumam prevalecer os interesses eleitorais.
É óbvio que os mais de 90 milhões de pequenos
poupadores que investem nas cadernetas de poupança
se sentiriam imediatamente prejudicados pelo governo,
se ele viesse a reduzir o piso da rentabilidade nominal
da poupança. Mas os ganhos para toda a sociedade que
adviriam da queda das taxas de juros só seriam percebidos
no médio e longo prazo, mesmo assim de forma difusa. O
efeito sobre a votação do governo nas próximas eleições
seria muito relevante (ainda mais quando exacerbado pela
exploração desonesta da oposição).
O atual governo adoraria se pudesse transferir este
problema para o próximo, a partir de 2011. Mas isto não
será possível. Certamente antes de 2010 a taxa básica de
juros precisará cair para um nível que exigirá também a
queda da rentabilidade nominal da poupança. De acordo
com nossa previsão para a trajetória de queda da taxa
SELIC, que descreveremos resumidamente a seguir,
esta necessidade de adotar medidas para lidar com a
rentabilidade “excessiva” da caderneta de poupança deverá
acontecer já a partir de agosto do corrente ano.
E um aspecto irônico desta história é que esta
situação poderá ser temporária. Pois ainda existe uma
alta probabilidade de que, quando a crise econômica for
superada, a taxa de juros neutra de equilíbrio no Brasil
voltará a se mostrar, ainda durante alguns anos, superior a
0,5% ao mês, o que afastaria a necessidade de se alterar a
regra de remuneração da poupança.
O governo tenta ganhar tempo para identificar um
momento mais favorável no Congresso e também
para ensaiar uma melhor apresentação ao público das
alterações que colocará em vigor. A rentabilidade mínima
de 0,5% ao mês será preservada e os demais ajustes não
poderão ser muito diferentes do que já foi anunciado.
A alteração definitiva, que se tornará necessária num
cenário (altamente desejável) de que a taxa de juros
neutra no Brasil permaneça abaixo de 0,5% ao mês, ficará
para o próximo governo.
Nossa Avaliação sobre as Próximas Decisões
do COPOM
Esperamos uma queda do PIB brasileiro no primeiro
trimestre da ordem de 2% sobre o último trimestre de
2008 (na série dessazonalizada) e pouco inferior a 3%
sobre igual trimestre de 2008. Trata-se de uma queda
ainda muito forte. Por outro lado, nossa leitura dos
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indicadores disponíveis sugere que o fundo do poço da
atividade industrial ocorreu no primeiro trimestre, mas que
a recuperação na margem se dá a um ritmo muito lento,
que torna muito difícil a perspectiva de um crescimento
positivo para o PIB em 2009 (na verdade, acreditamos
numa queda da ordem de 2%).
que cabe uma pequena mudança no ritmo de redução da
taxa de juros. Por este motivo, mantemos nossa atribuição
de maior probabilidade a uma queda de 75 pontos nesta
reunião de junho. Mas consideramos que é também
significativa a probabilidade de que o ritmo de queda de
100 pontos ainda seja mantido.
As expectativas de inflação indicadas na pesquisa
Focus e nossas próprias avaliações indicam que ainda há
espaço significativo para a queda da taxa de juros sem
comprometer a meta central de 4,5% para o corrente ano
e para 2010.
No nosso cenário de maior probabilidade vislumbramos
mais duas quedas adicionais de 50 pontos nas reuniões de
julho e setembro, encerrando o atual ciclo de afrouxamento
monetário com a taxa nominal de juros em 8,5%.
Por outro lado, é fato que os indicadores de atividade
econômica no mundo e no Brasil melhoraram sensivelmente
desde a última reunião do COPOM. Portanto, tendo em vista
a queda acumulada de juros já efetivada e as conhecidas
defasagens dos efeitos da política monetária, achamos
Finalmente, acreditamos que em 2010 a economia
brasileira (e mundial) ainda terá um crescimento
significativamente abaixo do potencial, o que fará com que
a taxa de juros permaneça neste nível pelo menos até o
primeiro trimestre do ano que vem.
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