Memórias da Comunicação:
Práticas Persuasivas e Institucionais
Volume 3
Edição Especial
Chanceler
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Joaquim Clotet
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EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
Cláudia Peixoto de Moura
Maria Berenice da Costa Machado
ORGANIZADORAS
Memórias da Comunicação:
Práticas Persuasivas e Institucionais
Volume 3
Edição Especial
Porto Alegre, 2012
© EDIPUCRS, 2012
Capa:
Rodrigo Walls
Revisão de texto: dos autores
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: RODRIGO BRAGA
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M533
Memórias da comunicação : práticas persuasivas e institucionais
[recurso eletrônico] / org. Cláudia Peixoto de Moura, Maria
Berenice da Costa Machado. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Edipucrs, 2012.
v. 3
Edição especial.
Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/
ISBN 978-85-397-0262-6
1. Comunicação – Encontros. 2. Comunicação de Massa. I. Moura,
Cláudia Peixoto de. II. Machado, Maria Berenice da Costa.
CDD 301.14
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conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Conteúdo
prefácio........................................................................................................................ 11
josé marques de melo
Apresentação da Edição Especial............................................................................. 13
Cláudia Peixoto de Moura e Maria Berenice da Costa Machado
Capítulo i
Práticas Políticas e Ideológicas
A heroificação de Tiradentes: alternativa para a
política republicana.................................................................................................. 19
Lilian Muneiro
Um Novo Olhar sobre o DIP: uma revolução na arte da
propaganda e do marketing cultural..................................................................... 35
Carlos Versiani
O golpe da publicidade:
as marcas discursivas da ideologia autoritária................................................... 53
Daiane Fresinghelli e Mara Regina Rodrigues Ribeiro
O campo profissional de Relações Públicas e a
construção da imagem de um novo Brasil no período da
Transição Democrática: uma análise através da perspectiva
da Pesquisa Histórica (1984-1985).......................................................................... 65
Carla Lemos da Silva e Gisele Becker
Breve história dos slogans políticos nas eleições do
Brasil Republicano..................................................................................................... 75
Adolpho Queiroz e Carlos Manhanelli
Políticas de Saúde nas Campanhas Televisivas de Prevenção
à AIDS: controvérsias, acordos e alternâncias..................................................... 91
Preciliana Barreto de Morais
Capítulo ii
Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
A história dos jornais impressos no Litoral
Norte Paulista........................................................................................................... 109
Bruna Vieira Guimarães e Ricardo Reis Hiar
Comunicação empresarial nas décadas de 1930 e 1940:
o pioneirismo do C.T.I. Jornal.................................................................................... 141
Monica Franchi Carniello, Eliane Freire de Oliveira e Francisco de Assis
O Jornal NH e os anúncios publicitários
na década de 1960..................................................................................................... 163
Claudia Schemes e Denise Castilhos de Araujo
Aspectos históricos da TV Pública no Brasil........................................................ 179
Maria Érica de Oliveira Lima e Antonio Teixeira de Barros
A concentração midiática brasileira e a desejada
liberdade de expressão........................................................................................... 201
Fabiana Rodrigues
A mídia outdoor e a cidade....................................................................................... 209
Ana Paula Cesar Vaz Guimarães Nogueira
Capítulo iii
Práticas Discursivas e Acadêmicas
O circuito epistemológico dos estudos culturais:
quando a cultura dá voz à mulher.......................................................................... 227
Ana Luiza Coiro Moraes
Mulheres em imagens: significações atribuídas à
figura feminina na publicidade............................................................................... 253
Raquel de Barros Pinto Miguel
A publicidade e seus corpos punidos. A reação da
propaganda em oposição ao discurso publicitário
da ditadura dos Corpos Ultramedidos................................................................... 269
Selma Felerico
Semiótica da Cultura no Varejo de
Supermercado de Rede............................................................................................. 287
Desire Blum Menezes Torres
Os signos e o universo de discurso publicitário:as
contribuições semióticas de Cidmar Teodoro Pais.............................................. 307
Eneus Trindade e Maria Ângela Pavan
Os dez anos da habilitação em
Publicidade e Propaganda na UFC........................................................................... 331
Ana Danielle Cavalcante Menezes, André Marchesi de Camargo Neves,
Bárbara Figueiredo de Araújo, Débora Moreira Araújo e Glícia Maria Pontes Bezerra
Mapeamento e reflexão das ações comunicacionais
de uma universidade em construção..................................................................... 345
Flavi Ferreira Lisbôa Filho, Janiélli T. Ferreira Camargo,
Orlando Garcia Portela Júnior e Quelen Madlei Silveira de Bairros
Ensino e Prática de Relações Públicas:
memória do grupo de pesquisa................................................................................ 359
Cláudia Peixoto de Moura, Roberto Porto Simões
Capítulo iv
Práticas Persuasivas e Mercadológicas
100 Anos de Propaganda em Santos....................................................................... 379
Cinara Augusto E Marco Antonio Batan
Jotabê: agência de publicidade e promoções que deu início
à construção da marca de Calçados Azaléia....................................................... 397
Maria Berenice da Costa Machado e Marcelle Silveira dos Santos
Publicitários, go home!............................................................................................. 415
Marino Boeira
Os loucos anos 70 - quando as minhocas cantoras e um }
cowboy renovaram a propaganda de varejo no Paraná..................................... 425
Itanel Bastos de Quadros Junior
Sol e mar: sinta na pele esta magia........................................................................ 435
Silvia Helena Belmino
Publicidade e democracia:
regulamentação versus censura........................................................................... 453
Angela Lovato Dellazzana
Comunicação Integrada de Marketing – aspectos históricos
e teóricos sobre um pretenso novo conceito...................................................... 471
Luís Roberto Rossi Del Carratore
Capítulo v
Práticas Institucionais e de Relacionamento
Vídeo corporativo como instrumento
de comunicação interna........................................................................................... 497
Gilze Freitas Bara
Conversando com o jovem universitário – o uso de jogos
eletrônicos como estratégia de comunicação institucional........................... 513
Marcia Perencin Tondato
Ambiente Virtual como cenário de
interações comunicacionais: redes sociais, marca e
relacionamento com targets segmentados......................................................... 531
Luciana Fischer
Práticas de sociabilização na web: análise de perfil
comportamental e de consumo infanto-juvenil.................................................. 549
Helton Eduardo de Freitas, Luciana Fischer e Ricardo Machado Meneses
A Turma da Mônica Jovem: análise de conteúdo de uma
representação do adolescente brasileiro........................................................... 565
Rosane Palacci Santos
Alice na cidade do sol: um estudo de caso sobre o
lançamento do filme Alice no País das Maravilhas
na cidade de Natal..................................................................................................... 581
Aryovaldo de Castro Azevedo Junior e Lucimara Rett
Capítulo vi
Relatos de Pesquisa em Comunicação
Persuasiva e Institucional
Contornos da Pesquisa em História da
Publicidade e Propaganda........................................................................................ 597
Maria Berenice da Costa Machado
Relações Públicas e Comunicação Organizacional: a temática
memória institucional nas práticas acadêmicas de
um Grupo de Pesquisa................................................................................................ 609
Cláudia Peixoto de Moura
DADOS DOS AUTORES.................................................................................................... 629
Prefácio
Quando desafiei meus colegas gaúchos, na passagem deste século, para organizar e dinamizar os pesquisadores de História da Mídia na região, resgatando a memória comunicacional que me parecia
em perigo, nunca imaginei que o processo fosse tão rápido e prolífero.
Revisando os originais desta coletânea, dedicados ao tema
práticas persuasivas e institucionais, fiquei impressionado com a
agilidade dessa comunidade historiográfica. Mais do que isso, impactado pela liderança que colegas do núcleo gaúcho da primitiva
Rede Alcar exercem em plano nacional.
As duas organizadoras desta edição especial comprovam minha percepção: Maria Berenice da Costa Machado preside hoje a
Associação Brasileira de História da Mídia e Cláudia Peixoto de
Moura preside a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.
Trabalhando de modo articulado, essas jovens e promissoras acadêmicas demonstram capacidade de antecipação. Combinam o ofício historiográfico com a sensibilidade dos empreendedores, preparando o terreno para as duas efemérides inscritas no
calendário histórico brasileiro da comunicação.
Em 2014 teremos a convergência de dois acontecimentos que
mudaram a face do campo comunicacional. Dois centenários simultâneos, que sinalizam o fim da hegemonia jornalística em nosso universo profissional. Trata-se da fundação de dois campos que hoje
estão na vanguarda mundial: a propaganda e as relações públicas.
Refiro-me à criação da primeira agência de propaganda em
território nacional, a Eclética, bem como à instituição do pioneiro
serviço de relações públicas, o da Light, ambos em São Paulo.
Revisando os artigos aqui reunidos fica a impressão de que a
publicitária Berenice e a relações públicas Cláudia Moura prepararam a pauta para as celebrações do próximo ano. Seduzindo as novas
gerações para pesquisar o avanço desses dois campos interligados,
cujas raízes estão plantadas nos dois eventos citados, elas denotam
sabedoria cognitiva, ao juntar passado, presente e futuro.
Só me resta desejar boa leitura aos meus colegas, ensejando
que das suas reflexões brotem iniciativas capazes de sintonizar
as práticas de persuasão – tanto políticas quanto comerciais ou
institucionais e comunitárias – com as autênticas demandas da
sociedade brasileira.
José Marques de Melo
11
Apresentação da Edição Especial
Cláudia Peixoto de Moura e Maria Berenice da Costa Machado
A Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia – ALCAR tem registrado parte da memória da Comunicação
mediante as publicações digitais elaboradas pela Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - EDIPUCRS. O
primeiro volume foi lançado no evento regional de 2010, intitulado Memórias da Comunicação: Encontros da ALCAR RS, que está
disponibilizado como um e-book, na página da editora.1 Esta obra
divulga a produção acadêmica dos pesquisadores da ALCAR RS,
por meio dos resumos de estudos concluídos e em andamento, que
foram inscritos em 2007 e 2008, nos 1º e 2º Encontros do Núcleo
Gaúcho de História da Mídia. O segundo volume teve seu lançamento no evento regional de 2011, no 3º Encontro do Núcleo
Gaúcho de História da Mídia - ALCAR RS. O e-book Memórias
da Comunicação: Encontros da ALCAR RS – Volume 2 divulga a
produção acadêmica dos pesquisadores inscritos, com resumos expandidos de estudos concluídos e em andamento, no evento regional
de 2010, sendo disponibilizado, igualmente, na página da editora.2
O terceiro volume é uma Edição Especial, que relembra a criação do Núcleo Gaúcho de História da Mídia - ALCAR-RS, organizado
pelas então coordenadoras dos Grupos Temáticos História da Publicidade e da Propaganda e História das Relações Públicas, ambos da
REDE ALCAR, em 2007. A solicitação foi do prof. Dr. José Marques
de Melo, fundador da REDE ALCAR, que lançou como desafio organizar uma rede de pesquisadores envolvendo trabalhos desenvolvidos no Estado. Em 2012, as áreas de Publicidade e Propaganda e de
Relações Públicas mais uma vez estão unidas para a constituição de
um espaço dedicado à produção acadêmica e direcionado ao debate
de pesquisadores. O e-book Memórias da Comunicação: Encontros
da ALCAR – Volume 3 – Edição Especial possui um valor histórico,
uma riqueza temática, uma diversidade de questões, teorias e me1
(http://www.pucrs.br/edipucrs/encontrosalcarrs20072008.pdf)
2
(http://www.pucrs.br/edipucrs/encontrosalcarrs2010.pdf)
13
Apresentação da Edição Especial
todologias abordadas, reunindo textos completos de dois eventos – o
GT História da Comunicação Persuasiva e Institucional, ocorrido no
7º Encontro Nacional da Alcar, em agosto de 2009; e a Mesa Redonda
“Reflexões sobre os rumos das pesquisas em história da mídia”, no
que se refere aos estudos de Publicidade e Propaganda e de Relações
Públicas, apresentados no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História
da Mídia - ALCAR RS, que aconteceu em maio de 2012.
O 7º Encontro Nacional da Alcar, de 2009, foi realizado pela
Universidade de Fortaleza - Unifor, em Fortaleza/CE, ocasião em que
o GT História da Comunicação Persuasiva e Institucional abrigou
as pesquisas de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas.
Conforme a trajetória das áreas, em 2003, foi instituído o GT História da Mídia Persuasiva, que recebeu a denominação de GT História
da Publicidade e da Propaganda um ano mais tarde, permanecendo
até 2008. O GT História das Relações Públicas foi criado em 2004,
permanecendo igualmente até 2008. Isto ocorreu devido ao fato dos
GTs se unificarem em 2009, recebendo a nova denominação e contemplando os interesses de seus pesquisadores. A produção acadêmica das duas áreas, até 2008, está registrada em coletâneas distintas.
A área de Publicidade e Propaganda possui várias obras impressas,
lançadas a cada ano nos congressos nacionais. A área de Relações Públicas possui uma coletânea que reúne os textos resultantes dos cinco
encontros, em uma publicação eletrônica editada pela EDIPUCRS,
que se encontra no endereço: www.pucrs.br/edipucrs/historiarp.pdf.
O e-book Memórias da Comunicação: Encontros da ALCAR –
Volume 3 – Edição Especial dá continuidade a esta história, revelando uma parceria de sucesso entre as duas áreas. Também merece
destaque a Coleção Memórias da Comunicação, editada em e-books
pela EDIPUCRS, que contribui para a divulgação de pesquisas no
campo da Comunicação, da História e de áreas afins, fortalecendo os
estudos que envolvem a História da Mídia. Importa ainda destacar
o trabalho das professoras Maria Angela Pavan (UFRN) e Luciana
Fischer (PUC-Campinas), que reuniram os textos do referido GT, em
2009, e realizaram uma edição preliminar de um livro, para uma versão impressa em uma editora comercial. No entanto, por problemas
editoriais, de impressão e de distribuição, a obra não obteve o êxito
desejado. Com a finalidade de viabilizar a publicação, as organizado-
14
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
ras da Coleção Memórias da Comunicação, Cláudia Peixoto de Moura
(PUCRS) e Maria Berenice da Costa Machado (UFRGS), reeditaram
o material com outra estrutura em termos de capítulos e acrescentaram dois textos para a versão digital. O e-book foi organizado priorizando o viés histórico da pesquisa no campo da comunicação persuasiva, institucional, mercadológica e organizacional.
Os textos oriundos do Encontro Nacional da Alcar, de 2009, apresentaram aspectos relacionados ao tema central do evento – “Mídia alternativa e alternativas midiáticas”. Alternativa parece uma palavra
anacrônica no Brasil democrático. Ligada ao contexto da Ditadura Militar, serviu para qualificar parcela da imprensa que combateu, polemizou, fez ironia e graça sobre o regime e seus governantes, principalmente entre os anos 1960-70. O termo alternativa carece de revisão histórica
que permita iluminar ângulos para além da política e sua articulação
ao tempo presente permite (re)significá-lo. Os resultados apontam à
contemporaneidade e à possibilidade de associar alternativa para designar, por exemplo, conteúdos como os da blogosfera, ou mídias como
os jornais, canais de rádio e de televisão produzidos e operados por movimentos sociais, populares, de periferia e comunitários. Todos “meios e
mensagens” para sujeitos-cidadãos darem sentido e expressarem realidades e interesses que, geralmente, vão de encontro às pautas políticas,
econômicas e culturais da grande mídia e de muitos governos.
Alternativa no campo da comunicação persuasiva, empreendida por organizações e instituições, são estratégias criativas e de busca pela diferenciação, para captar atenção e provocar a identificação
juntos aos públicos-alvo dos seus objetivos. São ideias inusitadas, formatos ousados, plataformas inovadoras para veicular mensagens e
anúncios, pontos para estabelecer contatos, eventos para promover o
relacionamento ou a experiência com determinado produto, serviço ou
marca. Parte da atual amplitude conceitual de alternativa(s) pode ser
encontrada em textos desta obra coletiva, que contempla pesquisas
nas áreas da Publicidade e Propaganda e das Relações Públicas. Mais
do que valorizar o campo da comunicação institucional e mercadológica, esta produção fortalece a identidade e marca amadurecimento do
Grupo Temático, que olha, interroga, reflete, produz conhecimento e o
registra, em forma de livro disponibilizado nas mídias digitais.
15
Apresentação da Edição Especial
Este livro está dividido em seis capítulos com 35 textos escritos
por docentes, pesquisadores e seus bolsistas de iniciação científica, estudantes de pós-graduação e egressos da graduação, vinculados a Instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, nos estados do Rio
Grande do Sul, São Paulo, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraná, Santa
Catarina e Minas Gerais. O conjunto de pesquisas inscritas no Encontro Nacional da Alcar, de 2009, está reunido nas seguintes temáticas:
Capítulo 1 – Práticas Políticas e Ideológicas
Capítulo 2 – Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Capítulo 3 – Práticas Discursivas e Acadêmicas
Capítulo 4 – Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Capítulo 5 – Práticas Institucionais e de Relacionamento
O sexto capítulo - Relatos de Pesquisa em Comunicação
Persuasiva e Institucional - é composto por dois textos das organizadoras do e-book, apresentados no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de
História da Mídia - ALCAR RS, que aconteceu em 2012, com o tema
– “Perspectivas de Pesquisa: História da Mídia e Fronteiras”. O evento
foi organizado pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, em
São Borja/RS, e pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM,
caracterizando uma co-promoção. Contou com o apoio de órgãos como:
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS; Universidade da Região da Campanha – URCAMP; Instituto
Federal Farroupilha – IFF; Câmara Municipal de Vereadores de São
Borja; Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Eventos; Prefeitura
Municipal de São Borja. A Mesa Redonda “Reflexões sobre os rumos das
pesquisas em história da mídia” teve como integrantes: Maria Berenice da Costa Machado (UFRGS), Cláudia Peixoto de Moura (PUCRS)
e Mauro César Silveira (UFSC). Os pesquisadores abordaram estudos
referentes às áreas de Publicidade e Propaganda, de Relações Públicas
e de Jornalismo, respectivamente. Nesta Edição Especial participam os
textos identificados com as áreas de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas, envolvendo os tempos e lugares percorridos para (re)
constituir, evidenciar, qualificar a mentalidade e as práticas comunicacionais de sujeitos, de organizações e da própria sociedade brasileira.
16
cAPíTULO I
Práticas Políticas e Ideológicas
A heroificação de Tiradentes: alternativa para a
política republicana
Lilian Muneiro
Resumo
Tiradentes, resgatado da historiografia nacional, foi a panacéia
dos Republicanos para protagonizar o novo regime. A projeção dos interesses políticos imersos no nome do alferes pode ser evidenciada na medida em que é transformado em símbolo e exponibilizado pelos suportes
mediativos da época. Tiradentes se constitui em um dos estudos de caso,
dentro dos recursos mediativos do Estado Nação, que traduz o simulacro indispensável da figura do herói nacional, como requisito para a instauração efetiva do novo regime político e construção de outra narrativa
para o país. O artigo investiga o herói tendo em vista as características
políticas e culturais presentes em textos publicados pela imprensa e
também contidos na tela de Pedro Américo, Tiradentes Esquartejado, de
1893. O referencial teórico contempla as pesquisas de Carvalho (1990),
Cassirer (1968) Costa (2007), Lopes (1947), entre outros.
O herói necessário – breve contextualização
A constituição do Estado-Nação brasileiro registra a queda
do Poder Monárquico, em detrimento à ascensão dos militares, por
conta da Proclamação da República, em 1889, sem qualquer participação popular. Para que o Governo recém-implementado pudesse
prosseguir era necessário consolidar-se e manter a Unidade nacional, ameaçada com constantes Revoltas1. Essas duas tarefas, embora
prementes, só poderiam ser realizadas, de maneira exitosa, com a
adesão da população e de determinados setores vinculados à economia que, aos poucos, estruturava-se no País. Só assim seria possível
levar a República adiante, retirar o Brasil do atraso e implementar o
progresso, vital para o desenvolvimento industrial.
1
O Brasil já havia passado por várias revoltas internas envolvendo o antigo Governo. Em
1835 - Cabanagem; em 1837 - Sabinada; em 1838 - Balaiada. Houve também a Guerra do Paraguai de 1864 e a Batalha de Riachuelo, que colocavam em risco parte do território nacional.
19
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Embora a situação da Nação, de modo geral, fosse precária,
dada a falta de infraestrutura e a inexistência de qualquer política
voltada ao desenvolvimento nacional, havia discordâncias quanto ao
rumo que deveria ser dado ao Brasil. Enquanto alguns políticos preconizavam a República Francesa2 como modelo a ser seguido, outros
viam no Liberalismo econômico, em ascensão nos Estados Unidos, a
alternativa para impulsionar o País economicamente. De toda forma,
pensava-se em ‘modelos prontos’ e desconsiderava-se a possibilidade
da elaboração de um plano de gestão, próprio para o País, tendo em
vista aspectos relacionados à cultura nacional ou à adoção de alguma
experiência latino-americana, países vizinhos também colonizados.
Na tentativa de forjar uma imagem para o Brasil foram desconsideradas singularidades e características relacionadas à própria formação nacional - um país indígena, colonizado/explorado por brancos,
que contou com mão de obra, escrava, negra. O fato é que a República
precisava ser vista e reconhecida internamente. Enquanto que, externamente, o Brasil deveria ter uma nova identidade que não mais o vinculasse a Portugal. A República fez o que pôde neste sentido. Porém,
muitos problemas herdados da Monarquia continuaram sem solução.
Nesse sentido, os republicanos investiram em símbolos para
identificar o novo Regime e também caracterizar a jovem Nação através da moeda corrente, da formação de um mercado forte e, simbolicamente, com a adoção de uma nova Bandeira nacional, entre outros.
As escolhas não foram tranquilas, uma vez que o Governo português
havia deixado marcas profundas na memória social dos habitantes
do País. O Hino Nacional, que foi mantido, exemplifica vínculo estabelecido que não poderia ser rompido. Mas os republicanos viram,
particularmente, na figura do herói, a possibilidade de consolidar o
Regime político e, ao mesmo tempo, projetar os valores nacionais.
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi escolhido para
protagonizar o papel de herói nacional. Seu nome dissipou as animosidades entre os republicanos. Não havia um nome, na história
recente do País, que fosse, ao mesmo tempo, conhecido, que não causasse divergências políticas e nem tivesse tido ligações com o GoverA República Francesa também apresentava correntes diversas: do Positivismo de Comte às
ideias pregadas pelos jacobinos.
2
20
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
no Monárquico. Tiradentes, na realidade, foi uma panaceia. Toda a
midiatização realizada em torno de sua morte fez com que seu nome
não só fosse associado à barbárie cometida pelo Governo português,
mas se fizesse presente no imaginário social como um injustiçado.
A história de Tiradentes foi recontada e, nesse sentido, a
religião foi empregada para garantir a adesão por parte dos brasileiros. Villares o desenhou com traços que o remetiam à imagem
atribuída a Cristo, um salvador. Num País onde o Catolicismo era
a religião predominante, a imagem poderia ser facilmente identificada. Vale registrar que a Indústria de massa inexistia e que poucas pessoas eram alfabetizadas e tinham acesso à imprensa, frágil
e restrita, geralmente, aos grandes centros. Foi em torno do Panteão cívico que o Estado realizou a primeira mediação oficial e não mediu esforços para propalá-lo. Trata-se da difusão, em grande escala, da imagem de Tiradentes nos
mais variados suportes mediativos do final do séc. IXX, perpassando o séc. XX. A face do herói passou a ser exibida em pinturas
e esculturas. Seu nome foi empregado para nominar clubes, ruas,
praças e avenidas em todo o País. O Governo decretou Feriado nacional no dia 21/04, em alusão à morte de Tiradentes, e o designou
Patrono da Polícia brasileira. Além disso, financiou a publicação
de textos em jornais e concursos que enalteciam os valores que
preconizava. O fato é que a imagem de Tiradentes foi de grande
valia nos momentos de instabilidade política.
Tiradentes e a força do símbolo
A criação de um novo herói, superando o índio, que não mais
correspondia às necessidades do Estado, foi a alternativa adotada como mediação preponderante aos novos interesses políticos,
econômicos e culturais, de raiz hegemônica e totalitária. Através
de outro herói, a República poderia mostrar- se forte e presente.
Hall (2006) afirma que as primeiras fontes de identidade cultural
são provenientes das culturas nacionais. Nesse aspecto, o autor
concorda com Gellner (1983) ao declarar: “Sem um sentimento de
identificação nacional, o sujeito moderno experimentava um profundo sentimento de perda subjetivo” (Hall, 2006, p. 48).
21
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Para dar sentido ao novo Regime, buscou-se, primeiramente,
entre os integrantes da República, alguém que conseguisse protagonizar e atuar como tradução para o novo momento do País. Não havia
consenso entre os nomes sugeridos. Alguns não eram carismáticos; outros não tinham um passado de luta pela República ou força suficiente
para gerar identificação por todo o País. A única alternativa foi retroceder na historiografia nacional, em busca de um nome que tivesse peso
suficiente para carregar os ideais republicanos. Coube a Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes, protagonizar a República.
Tiradentes emergiu como elemento-chave para a República,
instaurada no Brasil em 1889. Transformado em herói, ajudou a legitimar a nova Nação, ao lado de outros elementos criados para dar um
novo rosto ao País, como a Bandeira e o Hino nacionais. O nome de Tiradentes era de convincente apelo popular: a extração de classe social
a que pertencia; seu enforcamento, que sensibilizava os católicos; e a
nobre causa da derrama que atingia a todos3. Carvalho (2007, p. 29)
diz que o herói “unia o país através do espaço, do tempo, das classes”.
Na tentativa de presentificar o herói, os republicanos publicaram
textos em jornais e edificaram monumentos em praças. Clubes foram
construídos, levando o nome de Tiradentes, nome que passou a fazer
parte das cidades de todo o País, em ruas e avenidas. A imagem de Tiradentes precisava ser idealizada, e o fato de não existir nenhum retrato
facilitou a modelação do herói, com os valores que o Regime pregava.
“Para os positivistas, boa parte dos republicanos, a idealização dos heróis ‘era regra da estética comtiana’; para os outros fazia parte da tentativa de criar o mito e o culto ao herói” (Carvalho, 2007, p. 29). Como ilustração, resgatamos trecho do artigo assinado pelo republicano Leôncio
Correia, no jornal Folha da Manhã, em 1926, que cultua o herói.
Tiradentes é em verdade um tipo perfeito de patriota
iluminado. Humilde de estirpe e de haveres como quase todos
os astros que governam a história universal – se pecou com o
transbordamento de frases ardentes, em cautela, atirada a todos os ventos foi por excesso de amor a causa que sublimou pelo
De acordo com registros, sabe-se que o plano dos Inconfidentes foi desmantelado pelo Governo através de denúncia de Joaquim Silvério dos Reis, e que Tiradentes foi o único integrante
do Movimento a ser enforcado e a ter o corpo esquartejado e espalhado pela região, fato que
horrorizou a população.
3
22
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
seu sacrifício, e que a sua vida, ao seu coração, a sua alma se
ligou como claridade a aurora, como a lua ao dia [...]. Nem uma
vacilação ao andar, nem um tremor na face, nem uma sombra
na fisionomia! Era como se levasse a imortalidade no olhar, a
glória na prece o céu em si.
O nome Tiradentes emergiu como símbolo necessário ao novo
Regime político, já que estabelecia ligação com os brasileiros, por
conta da barbárie de sua morte como inconfidente, 100 anos antes
da Proclamação da República, e seu nome não causava divergências
entre os republicanos. A imagem de Tiradentes constitui um dos
estudos de caso desta pesquisa, dentro dos recursos mediativos do
Estado-Nação que promove a figura do herói nacional como requisito
indispensável para a instauração efetiva do novo Regime político.
Tiradentes entrou em cena como argamassa aos valores republicanos, pouco antes da Proclamação, em 1889, atendendo aos preceitos positivistas4. Carvalho (1990, p. 10) lembra que símbolos e mitos podem tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses.
Foi o que aconteceu com Tiradentes.
Na medida em que o alferes era transformado em símbolo, em
virtude da sua morte brutal, e da divulgação dos republicanos que o
apresentaram com características que o assemelhavam a Cristo, percebemos a projeção dos interesses do Estado-Nação. O mártir entrou
em cena para formar uma atmosfera condescendente às pretensões
republicanas. Tiradentes, a partir daquela data, fazia-se visto não
somente como injustiçado pelo Regime político anterior, mas como
representante da República, Governo que não deixaria os brasileiros
4
A influência do Positivismo no Brasil previa a criação de proposta simbólica entre os cidadãos através de comemorações públicas e culturais. De acordo com Leal (2006, p. 67), os
mecanismos de sensibilização cívica que visam ao emprego de imagens e ritualizações foram
os mesmos empregados pelas estratégias de ação social de Comte, voltada aos operários, e aos
positivistas brasileiros “que se voltaram à cooptação de grupos mais intelectualizados”. Para
Grange (2000, p. 244 apud LEAL, 2006), Comte esperava sintetizar duas concepções opostas de
mediação social e da figuração artística que se reencontrarão e funcionarão espontaneamente:
a imagem cristã, a estátua alegórica republicana, a missa e a festa. No Brasil só faltava a imagem republicana. Leal (2006, p. 74) escreve que, a partir de 1884, Tiradentes foi incorporado no
que os positivistas chamam de festas sociolátricas. “Milliet, em sua tese, refere-se às festas a
Tiradentes, realizadas no período monárquico, sob iniciativa do Clube Tiradentes”. Em janeiro
de 1890, dois meses após a Proclamação da República, foi decretado o calendário de festas
nacionais e o dia 21/04, dia e mês da morte de Tiradentes, foi escolhido para celebrar os precursores da Independência brasileira, sintetizados no herói republicano.
23
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
entregues à própria sorte. O herói deveria emblematizar a promessa
de um Estado forte, que atenderia a todos.
Podemos afirmar que o primeiro impacto midiático, relacionado a Tiradentes, foi sentido pela barbárie do enforcamento e do horror difundido pelo corpo esquartejado e exposto em locais de grande
circulação. Em 1792, de acordo com Cavalcanti (Revista da Biblioteca
Nacional, 2007, p. 38), o cortejo de Tiradentes, no Rio de Janeiro, percorreu o Largo Carioca, o Largo do Rocio, a atual Praça Tiradentes
e a Rua da Lampadosa, hoje Avenida Passos. Carvalho (1990: 58)
afirma existirem documentos que registram o abalo causado, entre a
população da Capitania e da cidade do Rio de Janeiro, pelo processo
dos réus e por conta da execução de Tiradentes5.
O nome de Tiradentes era convincente por sua classe social; o
enforcamento, que estabelecia ligação com a doutrina católica; por conta
da apresentação da pintura do herói, que se assemelha à reconhecida
imagem de Cristo a caminho do Calvário; e o grande motivo que o levou
à morte; a rebeldia diante das determinações pela Coroa, em questão a
derrama. O tributo extra, estabelecido pelo Governo de Portugal, destinado a todos, atuou como elemento de mediação para a expansão do
nome de Tiradentes e o firmou como oposição ao contexto da época.
Porém Tiradentes não teve trajetória de herói em vida. Sabe-se que, antes de aderir ao Movimento, havia tentado, sem êxito,
carreira como militar e, antes disso, havia sido minerador, tropeiro,
proprietário de terras e de escravos. Em 1780, com 34 anos, arregimentou-se como soldado e, um ano depois, foi promovido a alferes.
Em 1788, após sua transferência para o Rio de Janeiro, através do
Exército, envolveu-se na Inconfidência contra a Coroa Portuguesa e,
um ano depois, foi preso como conspirador, no Rio de Janeiro. Em
1792, Tiradentes foi enforcado em praça pública e esquartejado.
A historiografia explica que o papel de Tiradentes na Inconfidência se restringia a divulgar os ideais e a transmitir recados
aos inconfidentes. É provável que ele nunca tenha participado efeLopes (1947) conta: Muita gente se retirou para o campo, ficando as ruas muito pouco frequentadas pela gente de mais destaque, e a consternação parecia que se pintava em todos os
objetos. Vista a sentença, atendia a atrocidade do crime, não restava mais nenhuma esperança
de remédio. Os infelizes já estavam mortos na cabeça de todos (p. 25).
5
24
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
tivamente do grupo de articulistas, com ideias para o Movimento. A
escolha de seu nome para o esquartejamento, a mando do Governo
português, deveu-se à sua popularidade, mais o fato de ser um dos
poucos que não tinha família influente e assim, não haveria novos
movimentos e nem problemas de ordem política.
A questão principal em torno de Tiradentes, como emblema republicano, está na gênese de seu estereótipo já que não havia características suficientes em sua biografia para torná-lo herói. Era preciso
que um panteão projetasse confiança no novo Regime e, sobretudo, crédito interna e externamente. Tiradentes viria preencher essa lacuna,
para que o Estado pudesse alcançar reconhecimento como autoridade
paternal e sólida. Assim, com base simbólica, seria possível forjar a imposição de uma ordem artificial, visto que a nação precisava de crédito.
O prestígio de que o Governo precisava obter, viria primeiramente da simulação de um Estado forte e da divulgação de uma
política social ampla. Nesse sentido, um herói, em questão Tiradentes, era visto como apaziguador das animosidades políticas, capaz de
desempenhar papel de integrador, um mártir cívico e religioso que
espelhava a República por todo o País.
Tiradentes: investimento midiático
Em 1890, foi decretado Feriado Nacional, em homenagem à
data de morte do novo herói, e espalhada a primeira imagem de Tiradentes, com barba e cabelos longos – similaridades com o retrato
atribuído a Cristo - em uma declarada tentativa de garantir a atenção das pessoas, tendo a religião como pano de fundo. Trata-se da
litografia, apresentada por Décio Villares, em 1890.
25
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Tiradentes de Décio Villares
A obra de Villares, Tiradentes, pode ser interpretada, tendo em
vista sua espacialidade6, que não deve passar despercebida já que a pintura não se limita a apresentar o retrato do panteão cívico, mas contribui para a difusão dos valores republicanos. Ferrara (2008) explica:
Valoriza-se aquela espacialidade como categoria de
análise quando ultrapassa a simples dimensão comunicativa
que atua como canal de intersubjetividade e sociabilidade e se
atinge a vinculação comunicativa que transforma suportes....
em meios produtores de mediação que criam atmosfera social,
responsável por comportamentos, valores, ambientes e convivência (FERRARA, 2008, p. 12).
Em Tiradentes, o herói republicano é apresentado no centro
da tela, tal quais os retratos do Sec. XVIII. Verificamos que a leitura da tela, extraída da construtibilidade, privilegia o modo ocidental, não da esquerda para a direita em horizontal, como seria
6
A espacialidade é caracterizada por Ferrara (2008) como fenômeno de manifestação comunicativa. De acordo com a autora, a espacialidade divide-se em três categorias: construtibilidade (processos culturais), comunicabilidade (processos culturais) e visibilidade (construção
sígnica). A teoria da espacialidade será abordada com mais ênfase no segundo capítulo desta
pesquisa, quando analisaremos outra pintura, de Pedro Américo: Tiradentes Esquartejado.
26
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
a leitura de um livro, mas do centro para a diagonal direita, com
projeção para a esquerda, com percurso que conduz o olhar até
o rosto de Tiradentes. A visualidade da obra, dado o cromatismo
presente, corrobora com o enaltecimento da face do panteão. Villares, ao adotar o azul como fundo, cor fria, mas que remete ao céu,
à salvação, enaltece as vestes do herói que, com cor clara, acentua
a luminosidade e projeta para a face do herói. Torna-se evidente a
comparação de Tiradentes a Jesus Cristo - não somente no modo
como é exposto, mas na adoção de traços que apontam semelhança
na face de ambos7. A comunicabilidade da obra deflagra a associação de Tiradentes com a religião católica, como um salvador,
emblema da ‘missão’ republicana.
O fato é que a imagem de Tiradentes passou a ser empregada pelo Estado sempre que foi necessário enaltecer o patriotismo,
para avalizar alguma alteração administrativa que exigisse adesão popular. A imagem foi também reproduzida em enciclopédias e
material didático, distribuído para todo o País. O investimento na
figura do herói foi feito de forma que a divulgação de seu nome fosse capaz de envolver público abrangente. Os militares faziam uso
da história do herói como elo entre o Estado e o povo e, para dar
continuidade à sua memória, Tiradentes foi nomeado patrono da
Polícia Militar, em dezembro de 1965, através de Decreto assinado por Castelo Branco. Trabalhos escolares eram solicitados, muitas vezes obrigatoriamente. Os jornais Folha da Noite, Folha da
Manhã que, posteriormente, foram comprados pela Folha de São
Paulo, entre 1926 a 1942, registraram notas e artigos, fomentando
o patriotismo em torno de Tiradentes e também as comemorações
feitas pelos quartéis, escolas e Repartições públicas.
7
De acordo com os Autos da Devassa, Tiradentes teria cor da pele morena e traços que caracterizariam seu rosto como “anguloso”.
27
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
O jornalista Plínio Salgado e o colega republicano Leôncio Correia enaltecem o herói com textos assinados. O primeiro, publicado
em 21/04/1925, no Jornal Folha da Noite, expõe o herói como patriota
e traz trechos de Salomão, lidos no dia da execução de Tiradentes,
que ironicamente se voltariam contra o Rei, pois “apuravam os ouvidos na sombra onde intenjava o espírito subterrâneo das aspirações
nacionais”. Para Leôncio Correa:
Tiradentes é, em verdade, o typo perfeito do patriota iluminado. Humilde de estirpe e de haveres, como quase todos os astros
que estellam o CEO da história universal, - se pecou, com o transbordamento de phrases ardentes, sem cautela atirada a todos os
ventos foi por amor a causa que sublimou pelo seu sacrifício, e que
a sua vida, ao seu coração, a sua alma se ligou como a claridade á
aurora, como a lua ao dia. (Folha da Manhã, 21/04/1926).
De 1931 a 1940, o herói é descrito, pelo historiador Leôncio
Amaral Gurgel, quase que ficcionalmente, no momento da morte. Segue fragmento da matéria:
28
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Soares Ferreira publicou texto no jornal Folha da Manhã,
edição do dia 21/04/1935, enaltecendo a coragem de Tiradentes, que
ocupava quase a totalidade da página, e só dividindo espaço com a
imagem do herói. Em 21 de abril de 1936, na mesma publicação, Tiradentes foi chamado protomártir da Independência.
Em 1938, a grande imprensa nacional limitou-se a comentar as
comemorações feitas ao dia dedicado a Tiradentes e, nos anos seguintes, 1939 e 1940, não foram feitas citações a Tiradentes nos dias 20, 21
e 22 de abril. Nos dois anos seguintes, a imprensa limitou-se a contar
as festividades feitas em escolas, faculdades, conservatórios de música
e órgãos públicos e, de 1943 a 1966, não existe qualquer menção a Tiradentes nas edições que poderiam contemplar a comemoração cívica.
Sabe-se que, de 1930 a 1945, houve a Revolução brasileira e, nos anos
seguintes, intensa repressão política que desarticulava a atmosfera de
prosperidade, implementada nos anos anteriores pelos republicanos.
Percebe-se que é, novamente, para justificar o Regime político que Tiradentes voltou a ser exponibilizado, depois de 13 anos de
ausência nos jornais, como manifestação voltada para as massas. De
1967 a 1982, Tiradentes teve assegurada sua presença nos jornais,
justamente no momento de instabilidade política, de mudanças impo-
29
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
sitivas com a instauração do Golpe Militar que exigia “aceitação” das
massas e, novamente, boa dose de patriotismo para levar adiante a
“nova proposta” para a nação. Entre editoriais, artigos assinados e pequenas notas, Tiradentes tem sua heroicidade e imagem questionadas.
Ora é engrandecido pelo seu “patriotismo”, mas como estratégia de crítica ao governo vigente; ora tem sua história de mártir didaticamente
resgatada e comentada, principalmente nos suplementos infantis, tal
qual construída nos primeiros anos republicanos. Essa diversidade de
opiniões demonstra a fragilidade de estrutura simbólica do País, aqui
exemplificado por Tiradentes como símbolo capaz de emblematizar um
regime que se rotulava forte e agasalhador. A atmosfera artificial, antes instaurada, passava a ser subvertida progressivamente.
Em 1970, a redação da Folha de São Paulo publicou uma reportagem intitulada “Tiradentes: o homem e o mito” e, como retranca,
“A controvérsia das barbas”. O pequeno texto, que não está assinado,
faz referência ao fato de um historiador mineiro ter afirmado que Tiradentes teria tido o rosto raspado ao ser conduzido ao patíbulo e que
a imagem de Tiradentes, com cabelos e barbas compridos, seria falsa
e, portanto, a imagem que conhecemos “teria sido forjada para criar
semelhança física entre ele e Jesus Cristo – acentuando-se assim o
paralelo entre o sacrifício do calvário e o drama brasileiro de 1792”.
No final do texto, o jornalista registrou a intervenção do Estado que
se posicionou na tentativa de manter a imagem do herói às similaridades de Cristo, que facilmente pode ser encontrada em enciclopédias e livros didáticos. Transcrevemos o final da matéria:
[...] mas o presidente Castelo Branco decidiu a questão: por decreto de 1956 determinou que a estátua de Tiradentes colocada
defronte ao antigo prédio da Câmara dos deputados, no Rio de
Janeiro, sirva de modelo para todas as efígies do herói. Com
isso resolveu-se ao menos essa questão: Tiradentes continuará
barbudo (Folha de São Paulo, 1970, p. 02).
Mediação retomada
Pesquisando os exemplares dos dias 21 e 22/04, existentes no
banco de dados da Folha de São Paulo (que abrange as publicações Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha de São Paulo, respectivamente),
desde que a República entrou em vigência, percebe-se que a intenção
30
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
de projetar o herói na mídia não foi de todo atingida, pois, para enaltecê-lo, o Estado teve que intervir com artigos e comemorações cívicas
até mesmo nas escolas. De acordo com matéria publicada pelo Jornal
Folha de São Paulo, de 21/04/1972 (p. 03), as escolas da Prefeitura de
São Paulo, por determinação do prefeito Figueiredo Ferraz, exigiram
trabalhos escritos dos alunos com alusão a Tiradentes. “[...] foram distribuídos as 237 escolas... cartazes alusivos à data e que serviram como
temática para o desenvolvimento dos trabalhos escolares”.
O ex-presidente José Sarney também se valeu da imagem feita em torno de Tiradentes. O político, que fora partidário da ditadura,
assumiu o Brasil após a morte de Tancredo Neves, homem público
que lutou contra o Regime militar até então em vigor, justamente
no dia 21/04/1985, mesmo dia e mês em que Tiradentes foi morto.
Nota-se que o herói republicano foi invocado para ajudar na sustentação da nova proposta política do Estado. A mensagem que se queria
passar, era, de certa forma, ingênua: Tiradentes morreu pelo povo.
Sarney seria o sucessor que levaria adiante as causas esquecidas, em
nome do povo. Até o ex-presidente da República, Itamar Franco, na
década de noventa, exibiu a imagem de Tiradentes, ao seu lado, nos
pronunciamentos televisivos. Itamar assumiu o País após o pedido de
afastamento do então presidente Fernando Collor de Melo, por conta
do impeachment proposto pelo Congresso Nacional.
Desde a apresentação de Tiradentes pelos republicanos, percebe-se o estabelecimento de uma programação com vistas à difusão
do nome e da imagem dele, especialmente em momentos de tensão
nacional. Toda a exposição de Tiradentes, fomentada principalmente
pelo Estado, deflagra a relação entre herói nacional (Tiradentes), mediação, mídia e consumo do herói, uma vez que as pessoas passavam
a compartilhar e aderir à atmosfera persuasiva montada.
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34
Um Novo Olhar sobre o DIP: uma revolução na arte
da propaganda e do marketing cultural
Carlos Versiani
A redoma de vidro: visões cristalizadas sobre o DIP na
historiografia brasileira
A Era Vargas é um dos períodos que suscitam mais polêmica na
produção historiográfica brasileira. Talvez não pudesse ser diferente,
pois foram mais de dezoito anos de governo (somando-se os períodos de
1930-45 e 1951-54), em que muitas transformações estruturais ocorreram no ambiente político, econômico e cultural do país. Transformações estas que são comumente estudadas a partir de cinco elementos básicos: industrialização, nacionalismo, trabalhismo, populismo e
autoritarismo. Para o bem ou para o mal, a figura de Vargas e o seu
projeto político são julgados a partir da ênfase dada a cada um destes
elementos, ou da relação existente entre eles. Também serão responsáveis por criar ou referendar juízos de valor contraditórios sobre Getúlio Vargas as distintas relações que o seu governo estabelecerá com
diferentes setores, segmentos sociais e regiões do país.
Não queremos aqui polemizar se, no cômputo geral, Vargas foi
bom ou ruim para o país; se o peso do desenvolvimento socioeconômico, da ampliação dos direitos sociais e trabalhistas, merece mais
destaque do que as práticas autoritárias do período do Estado Novo;
se Getúlio foi o “pai dos pobres” ou a “mãe dos ricos”; se o seu projeto nacionalista foi revolucionário ou conservador; se foi o defensor
da soberania e da cultura nacional ou o perpetuador no Brasil do
pensamento nazifascista. Todas estas discussões são muito profícuas,
e há campo fértil entre os vários ramos da pesquisa científica para
aprofundá-las. Nós aqui pretendemos analisar o contexto cultural do
Estado Novo, e em especial a atuação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), criado em 1939, tendo como foco principal de
análise as políticas culturais vinculadas a este instituto.
Segundo uma visão bastante corrente nos estudos sobre o DIP,
este órgão teria sido criado “com o objetivo de difundir a ideologia do
35
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Estado Novo junto às camadas populares”1. Este tipo de afirmativa
parece resumir exageradamente, de forma limitada, os objetivos estipulados e concretamente atingidos por este departamento, em seus
seis anos de existência. Objetivos estes implementados ou conduzidos
por 6 divisões (Divulgação, Rádiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo,
Imprensa e Serviços Auxiliares). A premissa de que o DIP servia à
ideologia do Estado Novo, difundindo-a junto às massas, é verdadeira.
Mas há que se indagar sobre a real abrangência da ideologia do Estado
Novo; sobre como se dava sua aproximação com as camadas populares;
sobre o que foi realmente produzido de forma inovadora no Brasil, em
termos de políticas culturais, a partir da atuação do DIP.
A linha política dos estudos realizados sobre o Departamento
de Imprensa e Propaganda, entendendo-o como um mero instrumento
do poder central, um sustentáculo do populismo e do autoritarismo
de Getúlio, encontra sua razão de ser principalmente nas atribuições
do DIP relacionadas à censura dos meios de comunicação, ou à publicidade da imagem do presidente como defensor da nação e pai do
povo brasileiro. O jornalista e escritor Joel Silveira, ironiza no livro “A
Fogueira” a forma como a imprensa nacional esteve amordaçada pela
censura oficial do DIP durante o Estado Novo: “... as notícias sobre o
Brasil não podiam ser mais risonhas. Estávamos vivendo num paraíso.
Nenhuma tragédia, nenhum crime, nada que perturbasse a ordem e
a paz impostas pela ditadura. Até mesmo a seca do Nordeste, que até
a véspera do Estado Novo era assunto prioritário dos jornais, que a
descreviam como uma das mais inclementes dos últimos anos, até ela
havia sumido do noticiário...”2.
Mais grave, porém, era a perseguição em relação à classe artística, aos intelectuais, aos jornalistas e empresários que trabalhavam no ramo das comunicações. Uma perseguição que não se limitava apenas à censura do que seria produzido, publicado ou divulgado.
Mas também se verificava no acionamento da terrível polícia política
do Estado Novo, em inquéritos que não raramente resultavam em
prisões arbitrárias, e incluíam algumas vezes a aplicação da tortura.
http://www.cpdoc.fgv.br, acesso em 10/7/2009. Esta mesma frase é exaustivamente reproduzida em dezenas de artigos sobre o DIP, na internet e em obras impressas.
2
Apud PASCHOAL, Francisco José. Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing
político” e da propaganda no Brasil. http://www.virtu.uff.br. Acesso em 10/7/2009.
1
36
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
É muito citada, para exemplificar a repressão aos jornalistas e intelectuais, a histórica prisão do escritor e jornalista Graciliano Ramos.
Mas devemos lembrar que esta prisão se deu no rastro da repressão
à intentona comunista de 1935. Nada teve a ver com o Estado Novo,
instituído em 1937, e muito menos com o DIP, criado em 1939. Em
1937, Graciliano Ramos já estava solto, e no ano da fundação do DIP
ele já trabalhava para o governo Vargas, como Inspetor Federal de
Ensino Secundário no Rio de Janeiro3.
É muito extensa a lista de artistas, arquitetos, poetas, escritores e jornalistas que colaboraram na política cultural e educacional do
governo Vargas, inclusive no período ditatorial do Estado Novo. Podemos citar Cândido Portinari, Cassiano Ricardo, Villa-Lobos, Mário de
Andrade, Menotti del Picchia, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Ciro dos Anjos, Nelson Werneck Sodré, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Oscar
Niemeyer, Lúcio Costa, Rodrigo Melo Franco de Andrade... Que tinham
na figura de Gustavo Capanema, Ministro da Educação entre 1934 e
1945, e do jornalista Lourival Fontes, que comandava o setor de Comunicação do governo Vargas entre 1934 e 1943, direções incontestes.
Há quem defenda que o intelectual, que de alguma forma integrasse o projeto cultural e educacional do Estado Novo, estivesse
condenado “a participar ou passar a ser considerado elemento subversivo contra o regime e o Brasil, sofrendo com prisões, perseguições,
exílios e torturas constantes”4. Este é um raciocínio teleológico e falso,
que não apenas reduz o valor da obra e biografia desses intelectuais,
como contribui para limitar a pesquisa sobre o alcance social das
políticas culturais implementadas no governo Vargas, o que inclui o
que foi gestado e produzido pelo DIP. É indiscutível a relação entre
o DIP e a política populista e autoritária do Estado Novo, mas não
podemos concordar que esta relação seja o bastante para explicar
e entender as transformações ocorridas na área cultural brasileira
a partir da atuação deste instituto. Muitas destas transformações
ocorreram também pelas demandas sociais existentes entre a classe
Ver biografia do escritor: www.sitedoescritor.com.br; www.infoescola.com/literatura.
Acesso em 11/7/09.
3
4
PASCHOAL, Francisco José. Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político”
e da propaganda no Brasil. http://www.virtu.uff.br. Acesso em 10/7/2009.
37
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
artística e intelectual: na área do cinema, da radiodifusão, da arte,
da propaganda, da cultura popular, do patrimônio histórico nacional.
A criação do DIP está dentro de um contexto ideológico maior,
que abrange também toda a direção nacionalista do governo Vargas.
Quando se colocou, por exemplo, pela primeira vez, como projeto
político governamental, a defesa do patrimônio histórico e cultural
brasileiro, isto se deu também como resposta a um novo conceito de
cultura brasileira que vinha sendo amadurecido desde o movimento
modernista. A revolução de 1930 fez reacender o projeto cultural nacionalista como bandeira política, passando a se estender como um
manto sobre os vários segmentos da sociedade. Como afirmou Maria
Helena Capelato, “a cultura foi entendida como suporte da política e,
nessa perspectiva, cultura, política e propaganda se mesclaram”5. O
nosso objetivo é entender melhor a tessitura desta mescla, e os frutos
sociais transformadores que dela nasceriam.
A teia e o tecido: refazendo os horizontes e os vértices
da cultura nacional
“Mil novecentos e trinta... O sentido destrutivo e festeiro do movimento modernista já não tinha mais razão de ser, cumprido o seu destino legítimo. Na rua, o povo amotinado gritava: - Getúlio! Getúlio!”6.
Assim Mário de Andrade descreveu a chegada de Getúlio ao poder,
após a Revolução de 1930. Neste depoimento, ele deixava entrever que
a partir de Vargas o modernismo não teria o sentido meramente “festeiro e destrutivo”, legitimando-se também como política nacional. E
Mário de Andrade não pensava assim porque fosse, desde o início, um
grande partidário e admirador de Getúlio Vargas. Mas porque ele compreendia que a revolução de 30, entre outras coisas, significava uma
ruptura com a visão hegemônica anterior da cultura brasileira, cujo
conservadorismo, elitismo e estrangeirismo os modernistas combatiam ferozmente em seus manifestos e revistas, desde a Semana de 22.
CAPELATO, Maria Helena. “O Estado Novo: O que trouxe de novo?” in FERREIRA, Jorge e
DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo:
do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
2003.
5
6
NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens dos nossos dias. Ed.15. São Paulo.
Scipione, 1995.
38
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
A política nacionalista de Vargas incorporaria, na área cultural,
muitas direções que foram colocadas pelos modernistas. De fato, o jornalista e escritor Mário de Andrade foi convocado em 1936 pelo Ministro da Educação e da Saúde do governo Vargas, Gustavo Capanema, a
abandonar o espírito “festeiro e destrutivo” dos modernistas e concretamente aplicar suas idéias na criação de um instituto destinado a “determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimônio artístico nacional”. Seria o SPHAN, atual IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional). Mário de Andrade, que então ocupava
o posto de diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, há muito
se tornara um grande pesquisar da cultura brasileira, principalmente
na área da música e do folclore nacional7. E aceitou o desafio.
O envolvimento dos modernistas com o patrimônio histórico nacional começara bem antes, em 1924, quando Mário de Andrade, Oswald de
Andrade e Tarsila do Amaral fizeram uma viagem pelas cidades coloniais
mineiras, e ficaram impressionados pela grandeza da arte e da arquitetura do barroco mineiro. Iniciaram então um movimento que acabaria levando o governo Getúlio Vargas a erigir a cidade de Ouro Preto à condição
de Monumento Nacional, em 1933. Assim como Mário de Andrade, outros
ilustres representantes do modernismo brasileiro passaram então a integrar o ministério da Educação, selando uma espécie de casamento entre
o movimento modernista e os projetos nacionalistas de Vargas na área
cultural. Em torno do SPHAN, nas décadas de 1930-40, foi reunida toda
uma geração de pensadores, escritores, arquitetos, historiadores e antropólogos brasileiros, como Lúcio Costa, Oscar Niemayer, Manoel Bandeira,
Carlos Drummond de Andrade e Gilberto Freyre.
Os modernistas eram sim, nacionalistas de primeira ordem.
Muitos manifestos, livros e revistas publicados nas duas décadas que
se seguiram à semana de arte moderna reafirmam a consolidação de
novas fórmulas de ver e representar a cultura brasileira. Ainda em
1925, o jovem Carlos Drummond de Andrade assim escrevia em A
Revista, publicação responsável pela divulgação do movimento modernista em Minas Gerais: “Será preciso dizer que temos um ideal?
Ele se apóia no mais franco e decidido nacionalismo. A confissão desEm 1929, Mário de Andrade já havia feito duas viagens ao nordeste, documentando a música
da tradição popular nordestina no seu Ensaio sobre a Música brasileira.
7
39
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
se nacionalismo constitui o maior orgulho da nossa geração, que não
pratica a xenofobia nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as
correntes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil cada vez
mais ao seu influxo, sem quebra de nossa originalidade nacional”8.
Não se pode atribuir como fonte do discurso nacionalista de
Vargas apenas o desejo de imposição do Estado e do governante sobre a nação. Dentro da ligação umbilical entre a estrutura material
e o universo da cultura, o nacionalismo econômico de Vargas, presente no processo de industrialização, estaria totalmente ligado ao
seu discurso nacionalista na área política e cultural. Neste sentido,
a ida dos modernistas para a repartição do SPHAN, não foi vã nem
ocasional. Estava se tornando realidade a crença difundida entre os
modernistas “de que era o Estado o lugar da renovação e da vanguarda naquele momento, assim como o vislumbre da possibilidade de
aplicar na realidade idéias de reinterpretação ou reinvenção de um
país que estavam sendo praticadas nas páginas de seus livros. Na implantação do ‘modernismo’ como dominante de uma política cultural,
conseguiram realizar o sonho de todo revolucionário: escrever simultaneamente o mapa astral e a árvore genealógica do país”9.
Pode se argumentar que o exemplo do SPHAN, como símbolo da
ligação intrínseca entre a política cultural de Vargas e as demandas da
sociedade, não pode se aplicar ao DIP, pelas diferenças de propósitos
na criação dos dois órgãos e por não haver entre eles qualquer vínculo
institucional. Ora, os propósitos do SPHAN, principalmente no que se
refere ao investimento na pesquisa sobre a cultura popular brasileira,
tarefa a que se dedicava, entre outros, Gilberto Freyre, estavam em
plena consonância com as atribuições do DIP, fundado em 1939, que
trazia em seu 14º tópico a incumbência de “promover, organizar, patrocinar ou auxiliar manifestações cívicas e festas populares”10. O que,
em ambas as frentes, cívica ou popular, se tornaria realidade.
Tomando como tema o cinema nacional, também verificamos
que a política cultural de Getúlio Vargas não obedeceu apenas aos
8
ANDRADE, Carlos Drummond. A Revista, Ano 1, n. 1, jul/ago 1925. Apud: BUENO, Antônio
Sérgio. O modernismo em Belo Horizonte: década de 20. Belo Horizonte: UFMG / PROED, 1982.
9
CAVALCANTI, Lauro (org.) Modernistas na Repartição. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2000.
10
http://www.cpdoc.fgv.br, acesso em 10 /7/2009.
40
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
interesses ideológicos do Estado, mas a uma demanda social, à exigência dos produtores e cineastas brasileiros. O grande precursor do
cinema nacional, Humberto Mauro, em 1932, lamentava as deficiências técnicas do cinema nacional, face ao americano, e a falta de
incentivos financeiros, alimentando a esperança de que, com apoio e
aprimoramento técnico, as salas pudessem exibir um conteúdo mais
nacional e menos estrangeiro: “O diretor de cena no Brasil ainda está
um pouco longe de conseguir realizar os seus filmes tal qual ele os
imagina, isto pelo fato de nossa indústria de filmes não contar com os
poderosos elementos econômicos e financeiros de que dispõe esta mesma indústria nos EUA (...) Temos que esperar pela produção regular e
continuada, fatores principais de que dispuseram os americanos para
fazer os seus filmes mais conhecidos entre os brasileiros do que o são
para nós os nossos próprios costumes”11.
No mesmo ano a atriz, produtora e diretora Carmem Santos
atentava para a dimensão educativa da cinematografia, preconizando a necessidade de realizar filmes que levassem mais cultura e sentimento cívico à população: “O Brasil precisa dos filmes educativos
para a instrução do seu povo. Além de estimular o patriotismo do
povo, o cinema brasileiro tem ainda a vantagem de tornar o Brasil
conhecido dos seus filhos de norte a sul, concorrendo assim para o
fortalecimento da unidade nacional”12. A fala de Carmem poderia
facilmente ser colocada na boca de Getúlio, justificando a futura política do DIP para o cinema nacional. Assim como a fala de Adhemar
Gonzaga, outro ícone da cinematografia brasileira, que faz menção
direta à relação entre cinema e propaganda: “Não vamos apenas produzir filmes com os méritos de serem feitos em casa, vamos produzir
bons filmes, com a vantagem de terem o espírito e o pensamento brasileiros. Não apenas para mostrar belezas naturais aos estrangeiros.
A propaganda será feita para uso interno mesmo, com idéias nossas,
mais avançadas, com objetivo de uma arte cinematográfica de mais
personalidade e ainda da educação do nosso povo. Cinema é imprensa com mais força que um exército...”13.
11
MAURO, Humberto. Cinearte, 314, 2/3/32, p. 9.
12
SANTOS, Carmem. A Cena Muda, 1/3/32, p. 32.
13
GONZAGA, Adhemar. Cinearte, 334, 20/7/32, p. 7.
41
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Os trechos citados, de três figuras proeminentes do cinema brasileiro, estão dentro de um contexto em que a classe dos produtores e
cineastas reivindicava maior espaço e apoio para a produção e exibição
dos filmes nacionais. Os produtores cinematográficos brasileiros, sob a
liderança de Roquette Pinto, elaborariam o Projeto de Lei de Proteção
à Indústria do Filme Brasileiro, reivindicando, entre outras medidas,
a adoção imediata da exibição obrigatória de filmes nacionais, além da
subvenção e premiação de filmes “falados em português e produzidos
no Brasil”.14 Em 1934, mesmo ano em que foi criado o Departamento
de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), precursor do DIP, veio o
decreto de Vargas atendendo às reivindicações da classe cinematográfica, incluindo a obrigatoriedade da apresentação de curtas metragens
nacionais antes da exibição de qualquer filme nos cinemas brasileiros.
Como agradecimento, os produtores e cineastas realizaram
uma homenagem a Vargas, que retribuiu com um discurso intitulado “O Cinema Nacional como aproximação dos habitantes do país”.
Neste discurso, são facilmente percebidas as “coincidências” entre o
discurso do presidente e as reivindicações dos seus interlocutores:
Para Vargas o cinema seria “o livro de imagens luminosas”, que educaria “sem exigir o esforço e as reservas de erudição que o livro requer
e os mestres nas suas aulas reclamam”, aproximando “os diferentes
núcleos urbanos no vasto território da república”15.
Todo este processo está narrado no estudo feito por Cláudio
Aguiar Silveira, no livro intitulado “O Cinema como Agitador de Almas”, em que procura situar melhor a produção cinematográfica brasileira dentro da política cultural presente no Estado Novo. Assim
expressa sua orientadora, Maria Helena Capelato, no prefácio: “O
autor teve a sensibilidade para perceber as mediações entre a política
oficial e a sociedade. Ao invés de se restringir à critica da produção
cinematográfica unicamente pelo ângulo da ideologia estadonovista,
indica de que forma muitas idéias foram produzidas por setores sociais ligados à cultura, apropriadas pelos interlocutores do governo
e retrabalhadas como proposta de Estado. Na verdade, ele não era o
Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros, Relatório de Diretoria, p. 23-7. In:
ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas. São Paulo: Ed. Annablume/
FAPESP, 1999.
14
15
42
Apud ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas, Ob. Cit.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
único produtor de objetivos em relação ao cinema; cineastas, atores,
educadores, participaram de um debate cultural amplo, no qual se
insere a atividade cinematográfica”16.
Desde o modernismo estava em construção no Brasil um novo
conceito de identidade nacional, elaborado através de manifestações
artísticas e literárias, mas também pelo trabalho árduo de pesquisadores. Colocava-se, pela primeira vez, como protagonistas, as matrizes culturais indígenas e africanas, e as manifestações da cultura
popular. O estudo destes elementos fundadores da identidade nacional encontraria abrigo e projeção na política nacionalista do governo
Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo (1937-1945), no rastro dos
institutos oficiais, uma gama de intelectuais e pesquisadores, ligados
à área cultural do governo ou independentes, buscava formular novos
modelos de compreensão da identidade cultural brasileira, atentando para o popular, para o regional e também para o processo de miscigenação que sempre caracterizou a formação da cultura nacional.
Como exemplo, podemos citar Gilberto Freyre, que em 1933 publicava Casa Grande e Senzala, um clássico no estudo do sincretismo entre a cultura africana e européia no período escravista. E na mesma
época o folclorista Luiz da Câmara Cascudo andava às voltas com as
suas pesquisas, para compor o seu Dicionário do Folclore Brasileiro.
O DIP, nas suas divisões de Divulgação, Cinema e Teatro, Radiodifusão e Turismo, contribuiu de forma contundente, tanto para
a proteção e preservação da cultura popular, notadamente de raízes afro-brasileiras, quanto para a sua difusão em todo o território
nacional, através de programas, eventos e projetos educativos. Diminuindo consideravelmente, pelos meios de Comunicação, as distâncias que impediam as várias regiões brasileiras de conhecerem o
que era produzido culturalmente em todo o Brasil. Neste sentido, a
propaganda oficial do DIP serviu não apenas à ideologia do Estado e
ao marketing político do governo Vargas, mas igualmente à produção
e ao marketing cultural, nas várias áreas da arte e da cultura nacional. As formas como evoluíram a propaganda e o marketing cultural
brasileiro, a partir da atuação do DIP (e dos institutos que o antecederam no governo Vargas), é o que procuraremos discutir a seguir.
16
ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas, Ob. Cit.
43
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Nas ondas do DIP: revoluções na arte da propaganda
e do marketing cultural
Uma das provas de que as políticas implementadas pelo governo Vargas através do Departamento de Imprensa e Propaganda não serviam apenas à ideologia e ao autoritarismo do Estado
Novo, mas que também respondiam aos anseios de segmentos sociais, está no fato de que muitos propósitos e atribuições daquele
instituto já estavam presentes nos órgãos que lhe antecederam, e
norteavam as relações entre o Estado e a sociedade na área da cultura, da arte e da propaganda. Em julho de 1931 foi criado o Departamento Oficial de Publicidade (DOP), vinculado ao Ministério
da Justiça e Negócios Interiores, atuando basicamente no setor de
radiodifusão. Uma década depois da primeira transmissão radiofônica no Brasil, em comemoração ao centenário da independência, o
DOP já estabelecia uma série de regulamentações para o setor, entre elas a permissão para a exploração de espaços comerciais. Os
primeiros “reclames”, como se chamavam as peças publicitárias,
abririam então as portas das emissoras para a injeção de recursos
das empresas, possibilitando um maior desenvolvimento técnico
e profissional, tanto da rádio e quando da publicidade brasileira.
É bom ressaltar que todo o desenvolvimento da propaganda nas décadas de 1930 e 40, se deu sem grandes conflitos entre
os órgãos governamentais responsáveis pelo setor (do DOP ao
DIP), e as agências de publicidade independentes. Ao final da
década de 30 estimava-se em 56 o número de agências privadas de propaganda em plena atividade no eixo Rio – São Paulo,
boa parte dela de multinacionais. Na primeira metade da década de 40 houve algumas dificuldades, não decorrentes de qualquer intervenção federal, mas dos impactos comerciais negativos
provocados pela segunda guerra mundial. Se havia censura em
relação ao conteúdo das reportagens jornalísticas, o mesmo não
ocorreu quanto ao conteúdo dos reclames, jingles e demais peças publicitárias exibidas nas rádios e nos jornais. Na verdade,
programas oficiais criados pelo DIP, como a Hora do Brasil e o
Repórter Esso, só favoreceriam o setor de publicidade brasileira. A estatização da Rádio Nacional, ocorrida em 1940, emissora
44
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
que liderou a era de ouro do rádio brasileiro, também contribuiu
para a ampliação do mercado publicitário, seja nos programas
musicais, informativos ou nas populares radionovelas 17..
Roquette Pinto, ao fundar em 1923 a primeira emissora, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, proclamara: “a rádio é a escola de
quem não tem escola”18. O seu propósito de fazer do rádio um instrumento a serviço da cultura e da educação popular só seria realmente atingido na década de 30 e 40, para o que teve papel decisivo
a intervenção positiva dos órgãos oficiais. Mas a decisão de ampliar
mais o universo de atuação do Estado na área da comunicação não
foi apenas uma decisão apenas política. Ela se deu a partir do desenvolvimento técnico e profissionalizante do rádio, do cinema, da
imprensa e da propaganda brasileira. Em 1934, foi criado, também
pelas exigências do mercado, o DPDC (Departamento de Propaganda
e Difusão Cultural), que expressava entre os seus artigos o propósito
de “estimular a produção, favorecer a circulação, intensificar e racionalizar a exibição em todos os meios sociais de filmes educativos”19.
As ações de Vargas em 1934 realmente trouxeram um avanço
considerável na produção cinematográfica brasileira, inclusive com a
criação de novas produtoras, como a Vita Films, de Carmem Santos e
Humberto Mauro. Em 1937 foi dado novo impulso ao cinema, com a fundação do Instituto Nacional de Cinema Educativo, presidido pelo antropólogo e produtor Edgar Roquette Pinto. A parceria futura entre o INCE
e o DIP, seria responsável pelo maior fomento da atividade cinematográfica brasileira, comprovando a aproximação entre a política cultural
estatal e as reivindicações dos representantes dos produtores culturais.
O DIP já delimitaria melhor, nos seus estatutos, os caminhos
desta aproximação, objetivando “estimular a produção de filmes nacionais; classificar os filmes educativos e os nacionais para concessão
17
Sobre o desenvolvimento da propaganda no Brasil, e suas relações com os órgãos estatais
nas décadas de 30 e 40, ver: CASTELO BRANCO, Renato; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS,
Fernando (Org.). Historia da propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990 e RAMOS,
Ricardo. Do reclame a comunicação: pequena historia da propaganda no Brasil. 3a ed., rev. e
atualizada. São Paulo: Atual Ed., 1985.
ROQUETTE PINTO, Vera Lúcia. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Revista da
USP, n.56, dez/fev – 2002/2003.
18
19
ROQUETTE PINTO, Vera Lúcia. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Ob. Cit.
45
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
de prêmios e favores; sugerir ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais para os filmes educativos e de propaganda,
bem como a concessão de idênticos favores para transporte dos mesmos filmes...”20. Estes objetivos foram realmente concretizados. Entre 1939 e 1945, centenas de filmes educativos, encomendados como
propaganda do governo Vargas ou independentes, foram realizados
com o apoio ou patrocínio do DIP. Ali não estava presente apenas
a ideologia do Estado Novo, mas a arte cinematográfica de centenas de diretores, produtores, atores e técnicos brasileiros. O crítico
e dramaturgo Mário Nunes, fundador da Associação Brasileira de
Críticos Teatrais, assim escreveu em crônica no Jornal do Brasil: “Getúlio Vargas fez ver aos exibidores que dispunham de tão maravilhoso
aparelho de propaganda, dele se utilizassem também, em prol do progresso do país, facultando às platéias que acodem aos seus estabelecimentos, Filmes educativos e de propaganda sanitária”21.
É claro que o apreço de Vargas pelo caráter educativo do cinema e dos meios de comunicação não encontrava explicação apenas no
propósito de levar educação e cultura ao povo brasileiro, mas ao poder
massificador que estes meios possuíam no condicionamento da opinião
pública. O governo Vargas tinha conhecimento e estava atento às ligações entre os meios de comunicação e a propaganda nazifascista na
Itália e na Alemanha. Principalmente nas transformações idealizadas
por Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do governo de Hitler,
em sua utilização da imprensa, rádio e cinema como veículos de doutrinamento ideológico. Já em 1934, o oficial de gabinete da Presidência
da República, Luiz Simões Lopes, escrevia a Getúlio Vargas, comunicando-lhe a impressão que tivera da viagem que fez à Alemanha: “O
que mais me impressionou em Berlim foi a propaganda sistemática,
metodizada pelo governo (...) Não há, em toda a Alemanha, uma só pessoa que não sinta diariamente o contado com o nazismo ou de Hitler,
seja pela fotografia, pelo rádio, pelo cinema, pela imprensa (...) A organização do Ministério da Propaganda fascina tanto que eu me permito
sugerir a criação de uma miniatura dele no Brasil...”22.
20
http://www.cpdoc.fgv.br, acesso em 10 /7/2009.
21
Apud SILVEIRA, Cláudio Aguiar. O Cinema como agitador de Almas, p. 78. Ob. Cit.
22
Apud SILVEIRA, Cláudio Aguiar. O Cinema como agitador de Almas, p. 79. Ob. Cit.
46
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O DIP com certeza se inspirou na experiência alemã, passando a atuar diretamente na produção de curtas-metragens de propaganda, através do Cinejornal Brasileiro, que ocuparia o espaço já destinado aos curtas brasileiros antes da exibição dos longas-metragens.
Os cinejornais exaltavam os feitos do Governo Vargas descrevendo
eventos, viagens, comemorações, em que o próprio presidente figurava como protagonista. E acabaram estabelecendo uma concorrência desleal com as produtoras independentes. Para compensar, o DIP
criou novos incentivos para a produção cinematográfica brasileira,
como a instituição da obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais
de longas-metragens em todas as salas de cinema.
Na verdade, os produtores e cineastas encontraram no DIP
mais um aliado que um inimigo, no favorecimento comercial, técnico e
artístico dos seus empreendimentos. A censura e exigências se davam
mais em relação aos filmes estrangeiros, pelo menos até a entrada do
Brasil na segunda guerra, quando ocorreu maior abertura comercial
às produções americanas. Há que se considerar também que o próprio
DIP e seus departamentos afiliados (DEIPs), em vários estados brasileiros, empregavam centenas de técnicos e profissionais do cinema,
do rádio, da propaganda; desenvolvendo por isto know-how na área
publicitária e cinematográfica brasileira. Um know-how público, não
secreto, que dialogava com os setores congêneres independentes.
A ligação do DIP com as manifestações de cultura popular e as
ações efetivamente realizadas como fruto desta ligação, muitas vezes
são menosprezadas em favor do argumento de que se tratava de uma
relação puramente ideológica, visando apenas propagar para as massas uma imagem positiva do governo Vargas. Mas como se pode negar,
por exemplo, o significado dos eventos, festivais e concursos patrocinados pelo DIP para a música brasileira, consagrando toda uma geração
de músicos e compositores? O samba, que hoje desfila pelas TVs, discos
e passarelas como símbolo de brasilidade, nem sempre foi considerado
música de qualidade, genuíno representante da cultura nacional. Os
primeiros sambistas do início do século XX no Rio de Janeiro, aliás,
eram perseguidos pela polícia, considerados marginais também pelo
preconceito racial. O samba só virou “oficialmente” brasileiro quando
desceu o morro, apareceu no rádio e na vitrola dos ricos, quando houve
a criação e o patrocínio estatal das primeiras escolas de samba, quan-
47
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
do os sambistas passaram a ser legitimados e reconhecidos através
das políticas culturais do Estado brasileiro.
Aí está o que chamamos de revolução do marketing cultural no
Brasil. A cultura brasileira, em suas diversas matizes populares, passou a ser, também através do DIP, pesquisada, difundida, valorizada
e “vendida” como identidade nacional. Mesmo aquelas manifestações
consideradas como marginais desde o período colonial. Getúlio Vargas,
em plena vigência do Estado Novo, assinará os decretos autorizando
a prática livre da religiosidade afro-brasileira, com a abertura pública
dos terreiros de candomblé, assim como autorizará a abertura das primeiras academias de capoeira, encerrando assim séculos de discriminação oficial contra manifestações originais da cultura afro-brasileira.
Na verdade, toda a musicalidade, religiosidade, culinária, folclore, manifestações trazidas ou criadas pelos índios, negros e descendentes foi ignorada até o século XX pela cultura oficial. Até que
intelectuais, artistas, políticos, pesquisadores, também a serviço de
órgãos estatais como SPHAN, o INCE, o INL (Instituto Nacional do
Livro), o DNT (Departamento Nacional de Teatro) e o DIP, criados
por Vargas, as tomaram como cultura genuinamente nacional. Não
podemos esquecer o pioneirismo das críticas que os modernistas em
1922 fizeram em relação às visões conservadoras, idealizadas e elitizadas sobre a arte e a cultura brasileira. Mas suas propostas, propondo enxergar na diversidade das expressões populares a verdadeira
dimensão e força da cultura nacional, agora teriam, efetivamente, a
oportunidade de se concretizar. E a política nacionalista de Getúlio
Vargas, em que pese toda a ditadura do Estado Novo, serviria de ponte para esta concretização.
É preciso romper com uma visão excessivamente estigmatizada sobre a cultura brasileira durante a chamada Era Vargas, como se
tudo fosse resultado de uma conspiração do Estado sobre a sociedade.
Até mesmo o grande incremento do Turismo nacional, cujas diretrizes
foram traçadas pelo DIP, pode ser entendido equivocadamente apenas
como estratégia de manipulação das massas em favor do Estado. É
como se a criação de museus, bibliotecas e centros culturais pelo Brasil
inteiro, a promoção do intercâmbio de manifestações culturais entre
as várias regiões, o apoio aos grupos musicais e folclóricos tradicio-
48
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
nais, a preservação do patrimônio das cidades históricas, entre outras
ações também promovidas pela Divisão de Turismo do DIP, não passassem de controle ideológico “das estruturas burocráticas preparadas
para manter a ordem e firmar diante da opinião pública a imagem do
presidente”23. Como se não significassem, por si sós, um avanço para o
desenvolvimento educacional e cultural de toda nação.
A revista mensal “Cultura Política”, publicada pelo DIP, vendida nas bancas de jornais das capitais brasileiras, circulou ininterruptamente entre março de 1941 e outubro de 1945, e não consta que as centenas de artigos escritos nestes quase cinco anos de existência visassem
somente a propaganda das ações de governo e da imagem de Vargas.
Artigos independentes sobre História, Música, Teatro, Cinema, Artes
Plásticas, Folclore, Cultura Regional, dividiam o espaço com artigos sobre Política Brasileira, estes sim, via de regra tendenciosos e propagandísticos do governo. Também não consta que os autores dos artigos fossem todos ideólogos do Estado Novo. A maioria absoluta não era. Entre
os mais frequentes colaboradores estavam, por exemplo, o historiador
marxista Nelson Werneck Sodré e o escritor Graciliano Ramos, que fora
preso pela polícia de Vargas após a intentona comunista24.
Em artigo intitulado “Os intelectuais e a política cultural do
Estado Novo” a historiadora Mônica Veloso analisa a vinculação dos
intelectuais com o regime de Vargas, afirmando que esta vinculação se
dava a partir de uma compreensão do Estado, também fundamentada
pelo DIP, que aos intelectuais caberia o papel de auxiliar da política governamental, no sentido de conduzir as massas ignaras rumo à
conscientização do valor da cultura nacional, do próprio sentimento
de nacionalidade. Os intelectuais seriam convocados a participar de
um “projeto político-pedagógico destinado a educar as camadas populares”, procurando “resgatar o espírito de grandeza subjacente às suas
manifestações”25. Sinceramente, não acreditamos que a ênfase nacio23
SANTOS FILHO, João dos. O Turismo na era Vargas e o Departamento de Imprensa e Propaganda. CULTURA, Ano 2, n. 2, julho/2008.
Todos os artigos de todos os números da revista Cultura Política podem ser consultados pelo
site http://www.cpdoc.fgv.br. Acesso em 23/7/2009.
24
25
VELLOSO, Mônica. “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”. In: FERREIRA,
Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional
Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Ob. Cit.
49
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
nalista da produção intelectual brasileira do início dos anos 40, explicitada nos artigos da revista “Cultura Política”, faça parte apenas de um
projeto político do Estado getulista. Modificando o sentido da rotação
do raciocínio da autora, poderíamos perguntar se o ideário cultural
nacionalista e popular do Estado Novo não é mais fruto das novas
inclinações da classe artística, científica e pensante brasileira, desde o
movimento modernista, do que o contrário.
Mesmo que se reconheça a camisa de força sob a qual esteve
a imprensa brasileira durante o Estado Novo, o que de resto acontece em qualquer ditadura; mesmo que se reconheça o uso indiscriminado da instituição oficial de propaganda para propagar aos
quatro ventos, nos quatro cantos do país, a exaltação da imagem
boa e positiva do líder do governo, o que de resto acontece em todas
as ditaduras populistas; não podemos por isto tapar os nossos olhos
e nossos ouvidos para a revolução que estava em curso na área da
comunicação e da produção cultural brasileira. Defendemos que
existiu um verdadeiro salto qualitativo com a criação do DIP, em
relação à arte, à técnica e ao alcance social da propaganda no Brasil; também quanto ao marketing e à projeção social das manifestações artísticas e culturais nacionais. O tamanho e a qualidade deste
salto merecem um estudo mais dedicado da historiografia brasileira
relacionada à mídia e à cultura no século XX.
Referências
ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas. São
Paulo: Ed. Annablume/FAPESP, 1999.
CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política
no varguismo e no peronismo. São Paulo: UNESP, 2009.
CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). 5.ed. Rio de Janeiro: Ed.
Bertrand Brasil S.A., 1988.
CASTELO BRANCO, Renato et alli. Historia da propaganda no Brasil.
São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
CAVALCANTI, Lauro (org.) Modernistas na Repartição. 2.ed. Rio de
Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2000.
50
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Cia.
Das Letras, 2006.
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930
ao Apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
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51
O golpe da publicidade:
as marcas discursivas da ideologia autoritária
Daiane Fresinghelli e Mara Regina Rodrigues Ribeiro
Resumo
O presente trabalho relaciona-se com o material de publicidade
veiculado pelo jornal a Folha de São Borja/RS, nos anos 70, que fazia
referência ao projeto de sociedade que se impunha no país desde 1964,
quando se instaura o regime militar. Faz-se a análise do conteúdo das
publicidades e aponta-se o discurso que se difunde naquele período.
Justifica-se este estudo, principalmente, porque os meios de comunicação foram usados pelo regime autoritário do Brasil como mecanismos
de reforço e legitimação da ideologia que o sustentava. Indica-se que
enquanto, por um lado, os meios de comunicação sofreram censura em
função do material informativo, evidenciando que existia uma forma
de controle sobre o que a sociedade deveria saber, por outro, se organiza um sistema de manipulação da informação que veicula uma aparente normalidade, refletida no crescente desenvolvimento econômico,
o qual trazia uma aura de modernidade e progresso. No entanto, o que
a sociedade vivia cotidianamente era o crescente fortalecimento do Estado ditatorial, que trabalhava com diversos meios para reprimir as
forças contrárias e mascarar a real situação da época.
Palavras-chave: comunicação persuasiva, política, história
Considerações Iniciais
O presente trabalho relaciona-se com o material de publicitário veiculado pelo jornal a Folha de São Borja1/RS, nos anos
O município de São Borja, situado na banda oriental do Rio Uruguai, foi fundado em 1682,
pelo Padre Jesuíta Francisco Garcia, que fez travessia do rio vindo de Santo Tomé, cidade de
fronteira da República Argentina com o Brasil, para estabelecer uma nova redução jesuítica.
Até 1998, a passagem para a cidade argentina de Santo Tomé era realizada pelo rio, através
de balsas que conduziam de carros a produtos/mantimentos. Em 1998, foi construída a Ponte
da Integração que liga, então, os dos países, através dos municípios de São Borja e Santo Tomé.
Sendo cidade de fronteira, a cidade de São Borja sempre foi considerada “zona de segurança
nacional”, designação esta que lhe caracterizou como um município com alta concentração de
1
53
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
70, que fazia referência ao projeto de sociedade que se impunha
no país desde 1964, quando se institui o regime militar. Faz-se a
análise do conteúdo das publicidades e aponta-se o discurso que se
difunde naquele período. Justifica-se este estudo, principalmente,
porque os meios de comunicação foram usados pelo regime autoritário do Brasil como mecanismos de reforço e legitimação da
ideologia que o sustentava. Indica-se que enquanto, por um lado,
os meios de comunicação sofreram censura em função do material
informativo, evidenciando que existia uma forma de controle sobre
o que a sociedade deveria saber, por outro, se organiza um sistema
de manipulação da informação que veicula uma aparente normalidade, refletida no crescente desenvolvimento econômico, o qual
trazia uma aura de modernidade e progresso. No entanto, o que a
sociedade vivia cotidianamente era o crescente fortalecimento do
Estado ditatorial, que trabalhava com diversos meios para reprimir as forças contrárias e mascarar a real situação da época.
A Folha de São Borja foi fundada em 24 de fevereiro de 1970
por José Grisólia, naquela época, já proprietário do jornal A Notícia, de São Luiz Gonzaga. Anos mais tarde, em 1976, a Folha de São
Borja foi adquirida por um grupo de sócios, tendo a frente o administrador de empresas Roque Andres, que passou a dirigir o jornal. A
Artes Gráficas São Borja LTDA é a empresa editora do veículo, que
mantém em funcionamento o jornal há 38 anos.2
No início de produção, a periodicidade do jornal era semanal, às
terças-feiras, em formato standart. Era dividido em cinco editorias principais: geral, policial, esporte, publicações legais e coluna social, composto de 12 páginas. Não se tem registro da tiragem do jornal na década.
Para o estudo que se realizou o universo de pesquisa é composto por
quatrocentas e oitenta edições. Tanto no acervo da Biblioteca Pública
Municipal quanto no Acervo do Jornal Folha de São Borja, os exemplares (dos anos 1970 e 1980) não estão completos, alguns estão danificados
em virtude do tempo e de manuseio e outras edições foram extraviadas.
quartéis militares e muitos cargos federais e estaduais importantes, relacionados à manutenção da segurança nacional.
2
54
Roque Andrés ainda é o responsável pelo jornal, juntamente com seu filho Humberto Andrés.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Folha de São Borja e a propaganda
O significado do termo publicidade deriva do latim publicus,
referente ato de tornar pública uma idéia. Coadunados com essa perspectiva tem-se que o regime de autoritarismo instituído pelo militares
desde 64 no Brasil fez uso da publicidade para difundir seu legado
através de mensagens veiculadas nos meios de comunicação de massa.
Nos exemplares analisados, encontrou-se uma construção
discursiva que contribui para apoiar as atitudes do governo federal.
O jornal surge em 1970, ano em que a economia do país estava em
plena euforia, sob a influência do milagre brasileiro. Segundo Boris
(2002, p. 268), “o período estendeu-se de 1969 a 1973, combinando o
extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixa de inflação. A inflação média anual não passou de 18%”. Explica-se o milagre através de dois fatores: disponibilidade de recursos
financeiros para empréstimos externos e investimentos de capital
estrangeiro. Este beneficiou a indústria automobilística no país que
liderou o crescimento industrial. Outro setor que se destacou foi
o das telecomunicações. Paradoxalmente, o crescimento econômico
nacional no período contribui para o desenvolvimento da imprensa,
contudo o governo a controlava através da censura.
O jornalismo impresso da Folha de São Borja, no interior do
Rio Grande do Sul, reflete os aspectos positivos da economia brasileira, tanto que as notícias trazem as ações do governo federal que
repercutem na cidade ou região como, por exemplo, a eletrificação
rural realizada a partir de um decreto federal, a campanha do Movimento Brasileiro de Alfabetização e semi-qualificação (Mobral),
que utilizaria o recurso do rádio para propagar o conhecimento e
alfabetizar cinco milhões de pessoas.
O custo do milagre econômico que se refletia no arrocho
salarial e na concentração de renda não era pauta, mesmo porque desde 1968, estava em vigor o AI-5, decreto que havia fechado o congresso nacional e iniciado a fase mais recrudescida do
regime ditatorial, instituindo para os meios de comunicação a
censura, em um primeiro momento, prévia e, a seguir, o que se
convencionou chamar de auto-censura. Com isto vários assuntos
eram proibidos entre eles: greves, atos de corrupção no governo,
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cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
crises políticas, as condições de vida do cidadão comum, como
indicam Romancini & Lago (2007).
Matérias sobre questões políticas surgem como notas oficiais
dentro de colunas assinadas. A política tem um caráter oficial. As
ações do governo federal são destaques, seja através de atividades
sanitárias realizadas pelo exército, que visavam prevenir doenças
através da educação do povo.
O material veiculado no jornal remete a uma normalidade, espécie da tranqüilidade geral, refletida no crescente desenvolvimento
econômico do país e do município. Destaca-se a alegria da população
envolvida com desfiles que comemoram os aniversários da “revolução”
ou o início de mais um ano letivo na faculdade, por exemplo. O discurso
produzido pela Folha reflete o que o governo federal queria legitimar: a
modernidade, o progresso e o desenvolvimento. No entanto, o que a sociedade vivia cotidianamente era o crescente fortalecimento do Estado
ditatorial, que trabalhava com diversos meios para reprimir as forças
contrárias e mascarar a real situação da época. Buscava-se consolidar
a imagem do regime, para tanto se fazia um processo de ocultação
e negação de informações. Até mesmo no jornal encontra-se justificativa para a censura aos meios de comunicação. Um exemplo disso é
a matéria publicada no início de 1971, intitulada “Jornais brasileiros
vivem um regime de auto-censura” (Folha de São Borja, nº56, p. 6), em
que se expressa o posicionamento de Manuel Nascimento Brito, diretor do Jornal do Brasil e presidente da Sociedade Interamericana de
Imprensa (SIP) quanto à censura. Segundo ele, a mesma é esporádica
nos jornais brasileiros e cresce em função das ações terroristas como
seqüestros e que “tão logo diminua a ação destes últimos, iremos recuperar a liberdade”. Explica também que as restrições à liberdade de
informação relacionam-se com assuntos de segurança nacional.
A intenção era divulgar uma perspectiva otimista e nacionalista do país, valorizando o Brasil como lugar de terra fértil e povo
trabalhador e aguerrido. Contribui para a assimilação dessa idéia
o fato do setor econômico estar vivenciando os reflexos do “milagre
brasileiro” – período de 1969 a 1973 “no qual o país obteve taxas de
extraordinariamente altas de crescimento econômico com uma inflação anual relativamente baixa” (Romancini & Lago, 2007, p. 136)
56
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Abreu (2005) explica que o modelo econômico então adotado levaria o Brasil a se tornar uma grande potência mundial e as campanhas publicitárias se destacavam por terem um cunho educativo ou
cívico. Os militares utilizaram largamente o “poder das imagens”, em
especial a televisão, para difundir suas propostas do “Brasil Potência”.
Fez-se por parte do governo militar um incremento na propaganda
política, utilizando-se de técnicas modernas de comunicação de massa.
Houve um esforço no sentido de mobilizar a sociedade em
torno de um projeto nacional de desenvolvimento, projeto esse
que daria legitimidade ao regime em nome da racionalidade da
administração e da eficácia da economia. (Abreu, 2005, p. 54)
Embora não seja material noticioso, o que se destaca nas páginas
do jornal a Folha de São Borja ao longo da década de 70 são as publicidades que ressaltam o desenvolvimento econômico do país e convoca a população principalmente a da zona rural a investir mais na produção. A
seguir tem-se o texto em que há um chamamento à aquisição de crédito:
Alimente quem lhe dá alimentos. Você pode exigir tudo
da terra. Mas dê algo em troca, além de amor. Dê fertilizante.
Corretivo de solo. Use sementes e mudas selecionadas. Inseticidas. O Governo oferece crédito fácil, com juros reduzidos, para
você adquiri tudo isto. [...] O Governo está convocando os agricultores a ganharem mais dinheiro. Plantando. Existem 90 milhões de brasileiros para consumirem a sua produção. E existe
um mercado externo que o Brasil quer invadir. Participe dessa
invasão [...] (Folha de São Borja, Ano 1, nº 2, p. 4)
Na construção da mesma foi usado um discurso deliberativo com
intuito de aconselhar para uma ação futura, no caso, participar do desenvolvimento do país, da construção de uma nova sociedade. Busca-se
através dessa técnica chamar a atenção do receptor e levá-lo a aceitação
do valor daquilo que está sendo proposto. A frase foi construída na ordem direta – Alimente quem lhe dá alimentos -. O texto se utiliza de um
aconselhamento ao agricultor - Você pode exigir tudo da terra. Mas dê
algo em troca, além de amor. – mas finaliza com um imperativo - Dê fertilizante, adquirira produtos para a terra e maquinários para o plantio.
É utilizada uma argumentação ora racional ora emocional. A
racionalidade se destaca com o crédito facilitado por parte do governo
e a estatística de que existem mais de 90 milhões de pessoas prontas
57
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
para consumir. Além disso, há a possibilidade de um mercado exterior que pode ser conquistado. Aponta-se uma realidade, mercado nacional e uma promessa, o externo, construindo com isso uma imagem
de horizonte amplo e certo.
O argumento emocional é constituído a partir do laço de pertencimento que se tem com a terra, ela precisa ser acariciada, ser
bem tratada para que dê frutos, portanto “acaricie a sua terra com
um trator, ela vai responder produzindo mais”
Outro elemento que se destaca na construção do texto é a terminologia utilizada como, por exemplo, a termo convocação. Este é
próprio da linguagem militar, convocavam-se os jovens para o serviço
militar. Todavia a seguir é apresentada uma frase atenuante que sugere que o agricultor é convocado para ganhar dinheiro, mascarando
assim uma possível imposição ou obrigatoriedade. A palavra invadir
também ganha um significado peculiar. Para aquele período proteger-se das investidas estrangeiras e dos opositores era fundamental.
Abaixo, reproduz-se uma foto da publicidade em questão, veiculada na edição 14, em maio de 1970 e repetida por mais algumas
edições daquele ano.
Fonte: Jornal Folha de São Borja - Ano1 - Arquivo Público Municipal – São Borja/RS
58
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em outra publicidade indica-se que o futuro está no chão e
repete-se a mesma idéia de tratar bem a terra. No texto é utilizado
um argumento emocional de forma mais leve que o anterior, “cuide
com carinho do seu chão....” e as palavras invasão foi substituída
por conquista e traz termos provocativos como “não se contente”
– também existe o mercado exterior que o Brasil quer conquistar.
Relacionando essa idéia com a necessidade de participação de todos,
reforçando o caráter de unidade nacional.
Outra forma de elogiar as ações governamentais aparece
também em material publicitário, mas de empresas privadas. A
Emental Massey-ferguson, uma empresa de mecanização agrícola
e de transporte inclui no texto que o governo isentou do ICM – imposto sobre circulação de mercadorias – dos tratores, implementos e
máquinas agrícolas e destaca que isto é coerentes com os propósitos
revolucionários e que dessa forma a revolução chegou ao campo. Em
outra edição, já de setembro, o anúncio dessa mesma empresa traz
o seguinte chamamento: “Atenda ao apelo do governo: Plante mais”.
A seguir, tem-se a ilustração publicada na edição de 23 do jornal, que circulou em agosto de 1970.
Fonte: Jornal Folha de São Borja - Ano1 – Arquivo Público Municipal – São Borja/RS
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cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Ressalta-se nessa publicidade o uso da palavra revolução. Comumente um termo do discurso oposicionista, de esquerda, foi ressignificado
pelo regime militar brasileiro. A revolução foi feita em nome da democracia e contra as ameaças das ideologias socialistas segundo as autoridades
oficiais. O que se estava temendo nesse período era que as agitações geradas, por exemplo, pela Revolução Cubana – que entrava na fase mais
radical – influenciassem fortemente os destinos do Brasil. Então os militares tomam para si toda a carga ideológica da palavra e difundem os
ideais da revolução que eles engendram a partir de abril de 1964.
Na publicidade analisada a palavra é usada em negrito com
o corpo maior que o resto do texto dando assim um visível destaque.
Revolução não é negativa, traz progresso que chegará ao limite do
campo, da zona rural e que com isso o transformará.
O texto utiliza um discurso deliberativo direto e procura
mostrar aos agricultores que junto com a revolução chega o progresso ao campo e que por fim através da isenção de impostos a
produção terá possibilidade de crescimento. Incentivando assim
a aproveitarem as oportunidade e vantagens que só o governo federal poderia oferecer. A empresa, nesse caso, seria apenas uma
mediadora dos benefícios entre os produtores e o governo, por isso,
encarregar-se-ia de obter o financiamento e finaliza com um convite “Venha visitar-nos”.
Na propaganda reproduzida acima fica claro não só o discurso
ideológico do regime capaz de influenciar o material de uma empresa
provada, mas também a forma persuasiva que se utilizava para legitimar a ação do governo no país e ainda deixa evidente a adesão da
empresa Massey Ferguson nesse propósito uma vez que era uma das
maiores empresas de implementos agrícolas do país.
O desenvolvimento da indústria automobilística também
entra na pauta da Folha de São Borja quando se destaca a convenção que reuniu revendedores para apresentar modelos novos
de caminhões, camionetes e carros de passeio. Além disso, as publicidades ocupavam espaços nas páginas apresentando os veículos que estavam identificados com a família brasileira. A Empresa
Ford anuncia lançamento de “caminhões moderníssimos, prá motorista nenhum botar defeito”.
60
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O que se observa nas publicidades é um discurso desenvolvimentista que se reforçava e se reelaborava no Brasil desde 1930 e
que culmina na década de 60. Segundo Fonseca (2008),
Foi no governo de Getúlio Vargas, em 1928, que o desenvolvimentismo por primeira vez expressou-se de forma mais
acabada (...) configurando o embrião de nova relação entre Estado, economia e sociedade, ao sugerir que o primeiro deveria
estar à frente das duas últimas, como forma de estimular seu
desenvolvimento. (2008:17).
Esse autor ainda indica que a palavra desenvolvimento substitui gradualmente o vocábulo progresso nos discursos, mas manteve a noção de marcha progressiva, de evolução, de um destino
da história. A idéia de progresso adquire mais objetividade com a
substituição desse conceito pela noção de desenvolvimento e passa
a ser vinculada a índices de produtividade ou de renda, sendo este
último tomado por convenção, como um indicador confiável do grau
de crescimento alcançado por um sistema em um determinado tempo. Essa perspectiva atribui ao Estado um papel de agente ativo e
conforme Nisbet (1985, p. 304) “institui a intervenção política como
verdadeiro núcleo do progresso social econômico. (...) vê a utilização
direta dos poderes de planejamento, regulamentação e direção do
governo central como a chave do progresso.” Essa atitude Estatal
intensificaria e aceleraria o desenvolvimento. Todavia, o custo social de todo esse processo se mostra ao longo do tempo muito caro.
Segundo Martins (1999), o regime militar nesse período precisava consolidar um projeto de sociedade, uma visão de Brasil. Para
tanto utiliza de recursos dos meios de comunicação e associa crescimento econômico e autoritarismo político, em termos de causa e efeito,
buscando construir um consenso mínimo em relação ao seu projeto
desenvolvimento. Dessa forma, justificativa as medidas repressivas
impostas à sociedade brasileira apontando o suposto “sucesso” do modelo de desenvolvimento implantado pelo Estado. Martins (1999) frisa, porém, que apesar do acelerado crescimento econômico decorrente
de fatores internos e externos à nossa economia, o mesmo promovia
concentração de renda e, portanto, deixava à margem do “milagre” econômico a maior parte da população nacional. As publicidades com isto
difundiam um ideal, que estava bem distante da realidade. Vivencia-
61
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
va-se custo de vida elevado e arrocho salarial, principalmente depois
da euforia do milagre econômico.
Considerações finais
O jornal a Folha de São Borja trabalhou para mostrar o que
era legítimo dentro daquilo que estava marcado para ser percebido e
conhecido pela sociedade do interior do Estado.
Mesmo quando destaca a importância da existência de um
jornal no interior enfatizando que “nenhuma cidade pode prescindir
de um jornal”, coloca as questões políticas no rol dos temas traiçoeiros, afirmado que jornal que quer ter seus dias contados deve entrar
“pelos caminhos tortuosos e traiçoeiros da política”, isto porque nunca agradará a todos. Recomenda então, prudência e distanciamento:
“Assim, o mais prudente é o repórter abster-se de comentá-los. Quando muito, noticiá-los friamente, não deixando de modo algum transparecer por qual dos lados seu coração balança” (Folha de São Borja,
Ano 1, nº 16, p. contracapa). No caso da Folha de São Borja, o perfil de
empresa jornalística predominou na ação.
Ressalta-se, no entanto que, segundo Chaparro (2000), jornalismo é processo social da ação consciente – controlados ou controláveis – que combinam fazer e intenções, sendo estas inspiradas
nas razões éticas que dão sentido social ao processo. Ação jornalística esgota-se na finalidade de informar, tendo em vista o interesse
público e não o interesse de grupos transformados em interesse do
público. Por isso, a intenção precisa de um princípio ético ou de um
valor moral para escolher e administrar criativamente as técnicas
do fazer estético. Sem intenção coadunada com direito à liberdade
de opinião e de expressão, garantidos pela Declaração Universal
dos Direitos humanos, o jornalismo não se concretiza nem como
ação social nem como criação cultural, expressa-se simplesmente
como mais um exemplo histórico de reforço à ação arbitrária do regime militar vivenciado no Brasil ao longo mais de 20 anos.
Referências
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64
O campo profissional de Relações Públicas e a
construção da imagem de um novo Brasil no período
da Transição Democrática: uma análise através da
perspectiva da Pesquisa Histórica (1984-1985)
Carla Lemos da Silva e Gisele Becker
Resumo
Este estudo busca analisar o papel do campo de Relações Públicas, associado a mídia impressa, na construção de uma imagem positiva sobre o Brasil no momento de Reabertura Política (1984-1985). A
partir da Campanha Diretas Já, construiu-se um discurso midiático em
torno do cenário de esperança, através do qual o futuro do país poderia
ser dirigido por um presidente civil. Deixávamos para trás os anos de
Ditadura Militar. Neste sentido, busca-se analisar a interferência (ou
não) do campo de Relações Públicas na formação desta imagem do país
em um período onde se fazia necessário um comprometimento tanto
dos poderes públicos quanto da população em geral, da mudança dos
rumos da Nação. Para tanto, utilizaremos a metodologia da pesquisa
histórica construindo uma análise a partir da Revista Veja nestes anos
de transição democrática. Além da consulta de mídia impressa, a metodologia também será constituída de pesquisa oral com profissionais
de Relações Públicas atuantes no mercado.
Palavras-chave: Relações Públicas, História, Pesquisa histórica.
No momento de abertura política no Brasil, a partir do ano de
1985, com o final do regime militar, os brasileiros se questionavam
sobre os rumos que seriam tomados na política nacional a partir daquele momento, em clima de expectativa e euforia.
A respeito do governo Sarney (1985-1989), símbolo da reabertura
política no país, cabe destacar alguns comentários desse período histórico. Rapidamente podemos considerar algumas questões políticas, econômicas e sociais do mesmo. Conforme a memória e a história política da
época, esse governo ficou conhecido com o de “transição democrática”. A
expressão refere-se ao momento em que os militares tinham deixado o
65
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
poder e estavam de volta à caserna. Pelo lado dos civis, depois de uma
abertura “lenta, gradual e segura”, há o retorno da vida democrática no
país, com um civil - em eleição indireta - assumindo o poder no país1.
Além disso, podemos considerar também que essa transição não refletia
somente no âmbito do poder, mas sim em praticamente toda a vida nacional. Isso é, de uma forma ou outra a sociedade brasileira sentia essa
abertura e democratização do país. A passagem do poder aos civis também pode ser entendida no aspecto econômico. Isso porque ao longo do
chamado “Milagre Econômico” houve uma expansão geral da economia
brasileira bem como de serviços como um todo.
Dentro deste contexto, este artigo busca investigar qual a
participação do campo profissional de Relações Públicas no momento de transição para uma abertura democrática no Brasil. Após entrevistas com profissionais do campo e análise de artigos científicos
e fontes primárias impressas, aqui representadas pela Revista Veja,
nos deparamos com interpretações que suscitaram nosso questionamento. Se durante o regime Militar o campo contribuiu para a formação de uma imagem de um Brasil moderno e investidor em tecnologia, e no processo de lenta reabertura democrática, simbolizado
pelo governo Figueiredo, órgãos como o Secom foram importantes
na formação de uma imagem positiva sobre a presidência, como se
verificaria a atuação do campo no momento em que o primeiro civil
ocuparia a presidência da República após anos de ditadura?
Em fase inicial da pesquisa, onde este estudo se encontra
atualmente, nos debruçamos sobre exemplares da Revista Veja entre os anos de 1984 e 1985. É interessante notar o clima de euforia
instalado nas páginas da mesma, sinalizando para o clima de euforia em torno da mudança. Ao mesmo tempo em que o recém-eleito
por eleições indiretas Tancredo Neves é mostrado sorridente, anúncios publicitários o cercam de apoio durante a nova fase que o país
viveria a partir de então. Tornaram-se comuns anúncios de vários
setores da indústria nacional virem acompanhados de uma faixa
verde-amarela com os dizeres Muda Brasil.
1
Não é objetivo deste artigo discutir o processo de abertura política e sucessão presidencial
que foi marcada pela eleição indireta da chapa Tancredo Neves - José Sarney e pela morte do
primeiro antes de assumir o poder respectivamente. Com isso, José Sarney toma posse como
presidente do país depois de 21 anos de governos militares.
66
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Logo ao início de 1985, ano decisivo na trajetória política brasileira, todas as atenções são voltadas a Tancredo Neves e na expectativa de seus feitos até então. A edição 859, de fevereiro daquele
ano, dedica-se, em vários momentos, a tecer rasgados elogios ao presidente eleito, tanto em relação a imagem construída sobre ele no
país, quanto no exterior. Não bastasse o entusiasmo quanto ao que
poderia ser efetivamente realizado na presidência, muitas vezes as
abordagens feitas são de caráter pessoal à própria figura de Tancredo. Além de ser veiculada, com frequência, a imagem de um afável
governante, são feitos elogios até mesmo à forma como ele conduzia
as entrevistas concedidas. Dizia-se que Tancredo tinha a fórmula
ideal de conceder entrevistas, onde todos os repórteres encontravam espaço para fazer seus questionamentos e todos eram devidamente respondidos: Os jornalistas podem perguntar à vontade e o
presidente não sofre o constrangimento e responder praticamente
sufocado por uma bateria de microfones.2 Na mesma edição, Tancredo é fotografado ao lado de David Rockefeller, grande acionista
do Chase Manhattan Bank, que tece vários elogios ao presidente
eleito. Existe, neste momento, o intuito de mostrar a inferência da
imagem da presidência no Exterior. Pouco tempo antes, cabe ressaltar, foram capa da revista os dizeres Um novo Brasil no Exterior3.
2
Revista Veja, ed. 859, 20 de fevereiro de 1985, p.23.
3
Revista Veja, ed.857, 06 de fevereiro de 1985, capa.
67
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
FIGURA 1: Um novo Brasil no exterior.
Fonte: Revista Veja, ed.857, 06 de fevereiro de 1985, capa.
A quem caberia a elaboração deste material de cunho entusiasta, que se aproxima, até mesmo, das perspectivas de agendamento na mídia impressa? Durante o ano de 1985, a população
acompanhou pelas páginas da revista o calvário de Tancredo Neves, as diversas manifestações de apoio sentidas no mundo todo, e
as atenções voltadas ao governo Sarney. Este, também seria alvo
de apoio, sentido até o fracasso do Plano Cruzado. A motivação
deste estudo, portanto, se deu no sentido de verificarmos se o campo de Relações Públicas representou participação efetiva neste
processo, como já foi verificado em momentos anteriores da história do Brasil, ou se sua atuação sofreu deslocamentos.
68
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Estudo de Heloiza Matos sobre a trajetória das relações públicas aponta para deslocamentos na atuação de RP neste período.
A autora reforça a participação do campo durante o regime Militar,
contribuindo para a construção de uma imagem positiva do país. Entretanto, sinaliza para o fato de que a construção, no mesmo sentido,
elaborada nesta fase de transição democrática, especialmente a partir
de 1985, possivelmente se dá por outros caminhos. Neste período, seriam elaborados planos de comunicação, a partir da ação conjunta de
vários campos interligados, formando um plano de comunicação governamental: Publicidade e Propaganda, Marketing político e Relações
Públicas. Para a autora, “no início do processo de redemocratização,
durante o governo Sarney, foi pensado um plano de comunicação social
que pudesse criar uma identidade para o governo civil, após um longo
período de ditadura militar, e preparar a sociedade para a participação
neste processo de retomada democrática”4.
A partir daí, nos deparamos com a dificuldade de mapear o
que efetivamente coube a cada campo, e apontar com maior propriedade a específica atuação de Relações Públicas neste projeto.
Ao mesmo tempo, entrevista cedida por Jerônimo Braga5 às
pesquisadoras aponta outros direcionamentos. No período em foco
nesta pesquisa, estaríamos percebendo o nascimento do marketing
político, no intuito de reforçar a importância do momento vivido. Isso
também seria sentido através de um acompanhamento sistemático,
conforme observamos na análise da Revista Veja no ano citado, das
ações tanto do presidente eleito Tancredo neves quanto de seu sucessor José Sarney. Entre medidas vislumbradas, montagem dos ministérios e viagens de cunho diplomático, tudo é acompanhado pela
mídia de forma entusiasta e de maneira a dar apoio à presidência.
Entretanto, conforme nos foi salientado na entrevista, o campo de
Relações Públicas não teria atuado diretamente neste processo, sofrendo deslocamento para atuação junto à iniciativa privada.
4
MATOS, Heloiza. Das relações Públicas ao marketing público: (des)caminhos da comunicação governamental. In: Portal RP. Disponível em: <http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/projetosdepesquisao1/0078.htm>
Entrevista com o professor de Relações Públicas Jerônimo Carlos Santos Braga, em 18
de junho de 2009.
5
69
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Buscando um maior entendimento sobre a questão, um mapeamento sobre as atividades do campo de Relações Públicas revela que em 1985, no Estado de São Paulo instala-se o Sindicato dos
Profissionais Liberais de Relações Públicas. De acordo com Antonio De Salvo, presidente da Associação Brasileira das Empresas
de Relações Públicas em 1987:
Nos últimos anos, o mercado de Relações Públicas se desenvolveu muito graças à abertura democrática. Acredito que RP
seja hoje o setor de maior desenvolvimento da área de Comunicação. E esse desenvolvimento vai continuar e cada vez maior porque RP é atividade indispensável em um regime democrático6.
Ilustrando o que afirma, De Salvo fornece os seguintes dados:
em 1985, existiam no País, cerca de 30 assessorias de Relações Públicas que movimentaram, aproximadamente, 300 milhões de cruzeiros;
em 1986, o número de assessorias mais do que dobrou: 70, movimentando cerca de 800 milhões de cruzados.
Para Salvo (1987), “no regime democrático, o poder mais forte é a Opinião Pública. É indispensável, então, que toda a empresa
tenha um bom conceito perante a opinião pública e que saiba se comunicar adequadamente com todos os segmentos que formam essa
opinião”. O autor acredita que esses segmentos são a imprensa, o
governo, as entidades de classe, os sindicatos, os funcionários e todos
os públicos que influenciam a empresa.
“Para fazer isso, a empresa precisa usar técnicas adequadas e
essas são as técnicas de Relações Públicas. Por isso, acredito - acentua
de Salvo - que quando mais democracia tivermos, mais os profissionais e as empresas de RP vão ser necessários à conceituação institucional do empresariado junto ao mercado, junto à Opinião Pública”7.
Neste período, conforme afirma Braga, quando questionado
sobre a imagem do governo Tancredo, em que este foi feito um mártir, se foi atividade de Relações Públicas, lembrando que no regime
militar, a grande preocupação foi com a mudança de imagem do presidente Figueiredo, responde:
6
SINPRO. Disponível em: <http://www.sinprorp.org.br> Acesso em 10 de abril de 2008.
IX Catálogo Brasileiro de Profissionais de Relações Públicas 1987, disponível em: <http://
www.sinprorp.org.br/Memorias/memoria86-88-12.htm> Acesso em 15 de junho de 2009.
7
70
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Como eu enxergo a atividade de Relações Públicas não.
Não tinha esta visão das Relações Públicas, até por ser contra
o governo militar que usava. Era visto como uma coisa unilateral, ao meu ver, posso estar completamente errado. Aquele
esforço todo era um esforço de divulgação política, de valores
políticos, mas não ligados a um esforço de Relações Públicas e
sim um esforço de comunicação, de divulgação, de informação e
que usava muito os processos publicitários.
Braga também afirma que no final do governo Figueiredo, com
Marco Antônio Kramer, assessor de imprensa, começou a se interessar por estudar a opinião pública, aí começou a entrar Relações Públicas. Foi criada, naquela época, uma coordenadoria de pesquisa e
avaliação, cuja função era análise dos noticiários do Brasil inteiro,
quando se tirava as expectativas que se criavam na opinião pública
sobre assuntos ligados à presidência da república.
Em 1980, foi criado pelo Conselho Regional de Profissionais de
Relações Públicas – 2ª Região – São Paulo/ Paraná, o Prêmio Opinião
Pública – POP, sendo o reconhecimento mais cobiçado conferido aos
profissionais e empresas de Relações Públicas de todo o Brasil. Essa
iniciativa é de caráter exclusivamente cultural e sem fins lucrativos,
que visa distinguir, periodicamente, os melhores trabalhos de Relações Públicas, desenvolvidos em benefício de empresas e instituições
privadas ou governamentais do Brasil.
Estimula-se, com isto, o movimento geral da área e os
profissionais de Relações Públicas, que desenvolvem com competência, criatividade e profissionalismo, projetos de Relações
Públicas para os mais diversos segmentos de mercado, gerando
negócios e credibilidade para as empresas8.
Em 1985, temos várias premiações. O Programa Eco: Encontro de Comunicação e Orientação, da organização Caterpillar Brasil
S.A, tinha como profissional responsável Fábio França. O objetivo do
programa era o de estabelecer um canal de comunicação, através de
reuniões entre a diretoria e os funcionários, de forma a romper a distância existente entre a alta administração e os empregados. Desta
forma, com a constante evolução da comunicação interna, o trabalho
Disponível em < http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm> Acesso em 15
de junho de 2009.
8
71
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
de Relações Públicas é muito valorizado. Esta premiação foi na categoria Relações com o Público Interno.
Ainda em 1985, o Programa Lançamento do Ford Cargo, da
organização Ford do Brasil S.A., com o profissional Agostinho Edson Corrêa Gaspar, também foi premiado na categoria Relações
com o Público Consumidor.
A primeira dificuldade no caminho dos organizadores
da campanha promocional foi a imagem, revelada por uma pesquisa, da Ford Brasil como empresa produtora de automóveis.
Para os consumidores, fabricar veículos comerciais era atividade secundária da empresa. Além disso, era preciso inverter
uma tendência considerada histórica no mercado, de registrar
aumento de vendas apenas quando o produto deixa de ser novidade e consegue a confiança dos compradores. O terceiro tabu
também se referia aos consumidores, considerados conservadores que dificilmente mudam de marca. 9
A campanha foi considerada um sucesso, medida através das
vendas. A partir disto, foi montada uma campanha de sustentação
da imagem, de forma que o trabalho de Relações Públicas planejou
avaliações e divulgação sobre as vendas e exportações10.
Ainda na categoria Relações com o Público Consumidor, foram
premiadas as empresas Credicard S.A, e Capão Novo Empreendimentos Imobiliários.
Percebemos, até o momento, que as próprias transformações
pelas quais o país vinha passando implicariam, necessariamente, na
mudança dos rumos de campos profissionais e serviços como um todo.
Afinal, deixávamos para trás os tempos de autoritarismo e ufanismo:
Com a liberdade de imprensa, a sociedade, que já sentia o esgotamento do autoritarismo, passou a exigir muito mais
transparência. Começou-se a perceber que aquele estilo de comunicação vertical direta com o Poder Executivo, em gabinetes
fechados, estava com os dias contados. Os canais tinham de ser
mudados e ampliados. (KUNSCH, 1997, p. 31).
9
http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm
Disponível em < http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm> Acesso em 15
de junho de 2009.
10
72
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em janeiro de 1985, a Rhodia, aproveitando do fato de que as
comunicações começaram a se tornar mais estratégicas, criou uma
Gerência de Comunicação Social, sob a direção de Walter Nori, que
era responsável pela coordenação integrada de todas as atividades
desse setor, formada pelas divisões de imprensa (assessoria de imprensa e publicações), relações Públicas (projetos institucionais e
comunitários) e marketing social (publicidade, valorização do consumidor e pesquisa de mercado).
“Um aspecto (...) a ser ressaltado é a preocupação
daquela empresa em ordenar a comunicação empresarial”.
(KUNSCH, 1997, p. 32).
“A partir dali, não existem mais ações isoladas de comunicação. Tudo segue o posicionamento estratégico e mercadológico da empresa (...) arrebenta com as ilhas internas de
informação – guetos – entre todos os públicos de interesse (...)”
(NASSAR apud KUNSCH, 1997, p. 32).
E possível pensar, neste sentido que haveria de fato um
direcionamento maior de atividades das relações públicas para
atuação junto a empresas, entretanto, ainda fica, nesta fase da
pesquisa, uma carência de esclarecimentos quanto a atuação do
campo enquanto pertencente a esta plano de comunicação governamental. A fase de análise da documentação primária nos ressalta aos olhos algumas semelhanças em relação a discursos elaborados tanto nas edições de 1985 quanto de momentos imediatamente
anteriores. Mas se o campo de RP atuou mais efetivamente neste
sentido, contribuindo para a formação de uma imagem positiva de
um novo Brasil, imagem esta inclusive vendida ao Exterior, concomitantemente ao trabalho junto à iniciativa privada, é o que o
andamento deste projeto pretende revelar.
Referências
FAUSTO, Boris. História do brasil. São Paulo: Edusp, 1997.
KUNSCH, Margarida. Relações Públicas e modernidade: Novos paradigmas na comunicação organizacional. 3.ed. São Paulo: Summus, 1997.
73
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
MATOS, Heloiza. Das relações Públicas ao marketing público: (des)caminhos da comunicação governamental. In: Portal RP. Disponível em:
<http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/projetosdepesquisao1/0078.htm>
PORTAL RP. Disponível em < http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm> Acesso em 15 de junho de 2009.
IX Catálogo Brasileiro de Profissionais de Relações Públicas 1987, disponível em: <http://www.sinprorp.org.br/Memorias/memoria86-88-12.
htm> Acesso em 15 de junho de 2009.
SINPRO. Disponível em: < http://www.sinprorp.org.br> Acesso em 10
de abril de 2008.
Entrevista com Jerônimo Carlos Santos Braga, em 18 de junho de 2009.
Revista Veja, Ed. Abril, fevereiro a julho de 1985.
74
Breve história dos slogans políticos nas eleições
do Brasil Republicano
Adolpho Queiroz e Carlos Manhanelli
Resumo
Este artigo pretende recuperar a memória dos slogans eleitorais no Brasil, na ótica da propaganda política, mostrando de que forma, estas palavras ajudam na construção da imagem eleitoral e política dos candidatos. O estudo presente tem como objetivo a análise das
representações discursivas, políticas e dos valores contidos nos slogans
das eleições presidenciais, governamentais e municipais. Os resultados do estudo incidirão na análise da diferenciação discursiva, política,
ideológica e dos valores contidos nos slogans de campanha. Do ponto
de vista metodológico, este estudo utiliza a análise de conteúdo, percepções lingüísticas e visão histórica de sua evolução no Brasil.
Palavras-chave: slogans; propaganda política; Brasil; discursos.
Introdução
Embora a história da propaganda política no Brasil seja recente,
tem sido modesto o estudo e a recuperação das contribuições do slogan
como peça essencial de uma campanha política. Do humor dos tempos
da República Velha, que ironizava o candidato Artur Bernardes pelos
seus hábitos etílicos, imprimindo-lhe o rótulo de “Seu Mé” (“Seu Mel”,
utilizando-se o termo “Mel” ou “Mé” para qualificar quem tomava aguardente em excesso); passando pelo mais emblemático de todos, construído
para dar a Juscelino Kubitscheck de Oliveira a imagem de empreendedor, que faria o Brasil avançar “50 anos em 5”; ou ainda o popular “Lula
lá”, incentivando o candidato Luis Inácio Lula da Silva na sua campanha presidencial, deram aos slogans eleitorais uma configuração nova e
importante na história recente da propaganda política no país.
A definição sobre slogan está resumida em ser uma frase ou
sentença que defina as qualidades do produto. Um slogan é uma frase
de fácil memorização usada em contexto político, religioso ou comercial
75
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
como uma expressão repetitiva de uma idéia ou propósito.Um slogan
politíco geralmente expressa um objetivo ou alvo “Trabalhadores do
mundo, uni-vos!”1 enquanto um slogan publicitário é mais frequentemente usado como uma identificação de fácil memorização agregando
um valor único à empresa, produto ou serviço, sendo esse valor concreto ou não, como o exemplo da marca de cerveja “A número 1”.
Slogans variam do escrito ao visual, do cantado ao vulgar. Quase sempre sua natureza simples e retórica deixa pouco espaço para
detalhes e, como tal, servem talvez mais a uma expressão social de
propósito unificado, do que uma projeção para uma pretendida audiência. Slogans são atrativos particularmente na era moderna de bombardeios informacionais de numerosas fontes da mídia. A palavra vem de
slaugh-ghairm (se pronuncia slogorm), do gaélico escocês que designa
a expressão “grito de guerra”, como no filme conhecido Coração Valente2, que é uma das formas de representação do período em que surgem
os slogans, alguns dos quais pronunciados durante aquela produção.
O slogan publicitário é uma curta mensagem usada como
uma identificação de fácil memorização agregando sentido a um
produto ou serviço. O slogan compõe o que se chama de suporte
ou complementação de uma determinada mensagem. O brado de
guerra, grito usado nos antigos clãs para inspirar os seus membro
a lutarem pela preservação do grupo, adequa-se à guerra existente
no mercado e na disputa pelo consumidor.
Modernamente, a publicidade e a propaganda utilizam o slogan como forma de destacar os atributos, vantagens entre outras na
complementação de uma mensagem comercial. Na propaganda o slogan é uma frase mnemônica, tem finalidade de manter-se na mente
do consumidor ratificando certas características. São elas: a personalidade - que conceitua o produto frente ao seu usuário, por exemplo:
O slogan político”Trabalhadores do mundo, uni-vos!”, um dos mais famosos gritos de
protesto do socialismo, vem do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. A real
tradução é normalmente tida como “Proletários de todos os países, uni-vos!” É algumas vezes
estendida para “Trabalhadores do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões”, misturando as três últimas frases do Manifesto Comunista.A máxima socialista
foi adotada como lema da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, dissolvida no final
de 1991. Obtido em http://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalhadores_do_mundo,_uni-vos!
1
2
76
Braveheart (Coração Valente), 1995, EUA, direção de Mel Gibson.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
“Com o produto X, você vai ao sucesso!” - a identidade ou a denúncia
dos atributos do produto é uma das características mais importantes
somada à facilidade de memorização. O slogan está associado à imagem, à linguagem escrita e estética transcendendo a materialidade
o produto ou serviço, transformando-se no afirmativo indicador dos
atibutos enunciados no texto publicitário.
O bom slogan é curto e direto expressando a história, a psicologia, o conceito da marca, empresa ou produto e ou serviços3.
Os slogans usados nas campanhas eleitorais, devem se tornar o grito de guerra dos militantes partidários e, com certeza, não
saem da cabeça de nenhum iluminado. Os bons slogans derivam das
informações prestadas pelas pesquisas que detectam as qualidades
já enxergadas no candidato e as valorizam, ou apregoam um conceito que se deseje reforçar sobre o candidato ou sobre sua plataforma
proposta, ou um desejo, necessidade, anseio ou precisão da população
naquele momento. Ele pode até derivar de uma expressão que esteja
na moda na época de sua utilização, como: “Eu quero votar para Presidente” (Campanha Diretas Já em 1984).
Os slogans eleitorais devem ser de fácil lembrança, com palavras simples, conter o nome do candidato é desejável. Rimas, trocadilhos e palavras bem humoradas, ajudam no fator lembrança como:
Não vote em branco, vote Negrão de Lima (Campanha no Rio de Janeiro para Governador) e “Plante que o João Garante “ (Presidente
João Batista Figueiredo – 1980).
O slogan eleitoral ideal, é aquele que passa para a população
como um jargão popular, usado para expressar algum sentimento
(Por algum tempo a indignação com as campanhas eleitorais eram
expressadas com o famoso “Meu nome é Eneas”). O slogan pode também trazer um desejo que a população tenha manifestado possuir, em
tal grau que justifique sua presença.
Um benefício sempre será bem vindo na estrutura de um
bom slogan. “Vote para ser feliz” ou “Pra acabar com a molecagem”.Um bom slogan, também deve mostrar a diferença entre os
candidatos: “Vote no brigadeiro, ele é bonito e é solteiro” ”(Briga3
HTTP://www.wikipedia.org/wiki/slogan acessado em 28/11/2007.
77
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
deiro Eduardo Gomes, eleição presidencial de 1945) ou “Collor é
progresso” (Collor é progresso – ano 1989).
Além de tudo isso, um bom slogan deve transmitir um sentimento positivo sobre o candidato: “Collor, um novo tempo vai começar” (Collor é progresso – ano 1989).
A estratégia deve se fazer presente também na hora de se fazer
um slogan. As pesquisas em 1990 mostravam que a clase média tinha
medo de votar em Lula para Presidente. Assim nasceu o slogan que
combatia esse conceito “Sem medo de ser feliz” (Lula, eleição de 1990).
O ideal é que um slogan expresse o que está no inconsciente
coletivo da população e que possa maximizar esses sentimentos e
emoções já percebidos. Para isso, os futuros candidatos devem ser
orientados para antes de pensar em qual slogan utilizar, encomende uma pesquisa para saber qual a imagem que a população tem
dele. Quais as qualidades já são perceptíveis expontaneamente. A
partir do resultado desta pesquisa, é que se deve então, formatar
um bom slogan do que for mais forte nas possibilidades, como apresentamos acima (expressão da moda, desejo da população, qualidade do candidato, imagem, mostrar a diferença), não se esquecendo o
que faz a diferença em um bom slogan (fácil lembrança, expressar
sentimento, ser positivo e estratégico).
Abaixo apresentamos tabelas com alguns slogans conhecidos
e já citados e outros nem tanto:
Campanhas Históricas
Slogan
Ano
“Terra à vista!” - marinheiro na embarcação de Pedro Álvares Cabral - campanha de conquistas coloniais de Portugal que dá origem ao Brasil.
1500
“O petróleo é nosso” - Getúlio Vargas.
1950
Campanhas Militares
Slogan
78
Ano
“Brasil, ame-o ou deixe-o”
1970
“Ninguém segura este país”
1970
“Este é um país que vai pra frente”
1970
“Pra frente Brasil” - Copa do Mundo/México
1970
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
“Plante que o João Garante” - Presidente João Batista Figueiredo
1980
“Eu te amo meu Brasil”
1970
“As 200 milhas são nossas”
1970
Campanhas Estaduais
Slogan
Ano
“Ao ver o Pedro, levante o dedo” - campanha a deputado de Pedro Geraldo Costa
“Mais trabalho, mais oportunidades” - candidatura de Mendonça Filho, de Pernambuco
2006
“Novo Maranhão” – Jose Sarney, candidato a Governador do Maranhão
1996
“Novo Tempo” - Roseane Sarney, candidata ao Governo do Maranhão
2002
“Não vote em branco, vote Negrão de Lima” - campanha no Rio de Janeiro para Governador
“Os velhos de Brasília não podem ser eternos” - slogan do Deputado Federal Henrique, do Acre
“Tempo Novo” – Marconi Perillo, campanha ao Governo de Goiás
“Juntos vamos mais” - Paulo Hartung, Governador do Espírito Santo
2006
“O senador da União” – candidatura de Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco
2006
“ACM - Ação, Competência e Moralidade” - campanha ao Governo da Bahia por ACM
“Brasília nunca mais será a mesma” - Clodovil Hernandes, candidato a deputado federal
2006
“Alô Rocinha! Pobre vota em pobre. É nóis na fita!” - Mauro Galo
“Eu era feliz e não sabia” - slogan de uma das campanhas de Delfim Neto a deputado federal
1990
“O Paraná faz bem” - Álvaro Dias
“O Rio Grande em primeiro lugar” - Antonio Brito, do Rio Grande do Sul
“Paixão pelo Rio Grande” – Germano Rigotto
“Ajude um desempregado a virar deputado” - Lia Preto
“Seu voto? não chute...vote na Ruth”
“Pra seu governo, nem Miro, nem Sandra, Moreira Franco” – do Rio de Janeiro
Campanhas Municipais
Slogan
Ano
“O tostão contra o milhão” – campanha de Jânio Quadros a Prefeito de São Paulo
“Quem ama São Paulo, vota Paulo”.
“Foi Maluf que fez”.
“Trabalhador vota em trabalhador” - adotado pelos candidatos do PT
1953
“Rouba mas faz” - Ademar de Barros e Paulo Maluf.
O slogan oficial da campanha de Ademar era “Fé em Deus e Pé na Tábua”.
1950
1988
“Prefeito da paz” - slogan de Nion Albernaz, candidato em Goiânia
1966
1988
1980
‘‘Tá certo Paulo Roberto’’ - candidato a Prefeito de Rio Verde – GO
“Chega de malas, vote em Bouças”
“Linguiça neles!” - grito de guerra do candidato Lingüiça, de Cotia/SP
79
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
‘’Tudo Pela Dinha’’ - candidata em Descalvado, de Alagoas
‘’Não vote em A, nem em B, nem em C; na hora H, vote em Gê” - slogan em Carmo do Rio
Claro, do candidato apelidado de Ge
‘’Não vote sentado, vote em Pé” - em Hidrolândia/GO, de um candidato chamado Pé
‘’’Vote com prazer’’ - da cearense chamada Débora Soft, stripper e
estrela de show de sexo explícito
“Pedra no buraco e Pedro na Prefeitura” - campanha a Prefeito de Pedro Geraldo Costa
“Vote em Difunto, porque político Bom é político Morto” - em Mogi das Cruzes/SP, do candidato chamado Difunto
“Dos males o menor” - em Muniz Freire, do Espírito Santo, do anão
Celinho, candidato a vereador
“Chega dos mesmos” - de Francisco Rossi, Prefeitura de Osasco
1985
“Leve-me para a Câmara” - a modelo Núbia de Oliveira disputou uma cadeira de vereadora
pelo PL, de Uberaba/MG
2002
“Vote na filha do Rei, Jesus” - da filha do Pelé para vereadora, em Santos
2002
“Na hora de votar – CIMATI” – candidato a vereador na cidade de Dourados/MS, chamado Cimati
2002
Apelidos
Slogan
Ano
Toninho Ternura/Toninho Malvadeza, ACM (Antonio Carlos Magalhães/BA)
1975
FHC (Fernando Henrique Cardoso)
1990
JK (Juscelino Kubitshceck)
1955
O velho Gegê (Getúlio Vargas)
1940
Seu Mé (Artur Bernardes)
1920
Lula (Luis Inácio Lula da Silva)
1970
Clichês
São slogans/expressões comumente usadas em campanhas de
diversos níveis:
“Vamos ver (cidade) crescer, novos rumos”; “Por uma (cidade)
forte e humana”; “Porque (cidade) merece”; “(cidade), o futuro
é agora”; “Eu respeito (cidade)”; “(cidade) mais feliz, (fulano
de tal) já ganhou!”; “Não desperdice seu voto! (cidade) merece mais!”, “Compare os (número de candidatos da cidade). Vote
certo!”; “Voto nele!”; “Vote nele!”; “O povo no poder”.
Perspectivas metodológicas
Em termos metodológicos, na investigação presente optamos pela
utilização da análise de conteúdo, a partir do modelo de Espírito Santo
(2004), inspirada nos estudos de Berelson e Bardin, técnica que nos pro-
80
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
pusemos aplicar, tendo com consideração a sua adequação e tradição na
análise descritiva e também inferência de conteúdos comunicacionais
como os materiais de propaganda. Além desta, há incursões sobre as
definições teóricas sobre o slogan, a partir de Reboul (1975) e Lasswell
(1982); e uma visão lingüística, a partir das definições de Iasbeck (2002).
Depois disso, enveredamos pelas incursões sobre a evolução histórica da comunicação, conforme o projeto que vimos desenvolvendo sobre A história as eleições presidenciais no Brasil Republicano, sediado na
Universidade Metodista de São Paulo. Nesse sentido, o estudo clássico
desenvolvido por Harold Laswell e Sergius Yakobson, sobre “Os slogans
de 1º de maio na União Soviética, 1918/1943” (Lasswell, 1982), sugerem
igualmente a necessidade de releitura para o panorama contemporâneo
nacional, mostrando de que forma os slogans evoluíram em campanhas
nacionais no nosso país, rico em diversidade lingüística e cultural.
A técnica de análise de conteúdo - com raízes teóricas nos desenvolvimentos norte- americanos das décadas de 30 e, sobretudo, de 40 em
diante teve múltiplos contributos impulsionadores pioneiros, entre os
quais se destacou o de Bernard Berelson (Berelson, Salter, 1946)
Este autor é considerado um dos principais mentores daquela técnica nos EUA. Berelson produziu contributos no plano conceptual e empírico que marcaram a investigação social e política, não só no âmbito da
técnica de análise de conteúdo como também nos estudos de propaganda,
e nos estudos com base em sondagens e inquéritos sociológicos ligados aos
primeiros desenvolvimentos na área do comportamento eleitoral.
O impacto do modelo conceitual e metodológico de Berelson foi
significativo, durante várias décadas, não apenas nos EUA, mas conforme assinalou Bardin, em contextos como o francês. Segundo Bardin, pelo
menos até a década de 1970, os raros manuais que abordavam a técnica,
obedeciam de modo rígido ao modelo de Berelson [Bardin (1977) 1991]. A
partir dos anos de 1980, a perspectiva qualitativa da análise de conteúdo
passa a ser alvo de maior destaque conceptual assim como de desenvolvimento empírico. Múltiplos contributos de referência posteriores têm contribuído para a renovação dos enfoques técnicos da análise de conteúdo
(Krippendorf 1980; Weber 1990; Romero 1991; Altheide 1996).
Na aplicação presente da técnica de análise de conteúdo utilizamos a sua tipologia categorial baseada, sobretudo, na inferência
81
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
dos resultados, incidindo, assim, na sua vertente qualitativa. Pretende-se, do ponto de vista categorial e da inferência, a desmontagem
das tendências de comunicação constantes do corpus selecionado (a
mensagem dos slogans. Neste estudo não temos como objetivo o levantamento e inferência de natureza iconográfica dos materiais de
propaganda que constituem o todo textual de onde os slogans são
parte integrante. Como referido, este estudo tem em consideração
uma matriz sociológica, baseada na análise de conteúdo e, como tal,
não se enquadra na matriz teórica linguística que a análise textual
e discursiva podem fornecer. Embora o nosso objeto empírico, os slogans de campanhas eleitorais, tenha materialidade textual verbal.
No que se refere ao processo de codificação procedemos ao recorte
das unidades de análise, compostas pela palavra e pelo tema. Ainda no
âmbito do processo de codificação, a regra de enumeração utilizada é
de ordem qualitativa. Ou seja, a escolha das unidades de enumeração
é concretizada no levantamento e análise da presença ou ausência de
ocorrências com significado analítico, face aos objetivos propostos.
Para além da codificação, a outra operação técnica presente é a
categorização. Nesta optou-se por um sistema de classificação semântico, aliado a um procedimento designado ‘por milhas’ (Bardin 1977).
Optamos por este procedimento tendo em consideração a natureza rica, diversificada e extensa do material em análise. De modo concreto, este procedimento consiste no desenvolvimento do quadro categorial
à medida que se desenvolve todo o processo de investigação e amadurecimento das potencialidades de análise do material selecionado. Ou seja,
o processo de categorização é ditado, sobretudo, pelos contornos e especificidades do corpus, e procura um alinhamento analítico, de acordo com
a sua natureza comunicacional e significados simbólicos.
Desse modo, as operações de codificação e categorização foram concebidas pelos autores do estudo, com base no quadro contextual, temático e metodológico atinente ao estudo presente e de
acordo com o objetivo de análise proposto. O tratamento dos dados
foi efetuado, tal como referido, com base numa vertente categorial
e qualitativa da análise de conteúdo.
Do ponto de vista da validade do estudo investimos na clarificação dos procedimentos metodológicos utilizados, conscientes da especifi-
82
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
cidade da análise de conteúdo em termos técnicos, à semelhança do que
é perfilhado por outros contributos que se dedicam à investigação social
e a esta técnica (Bringberg, Mac-Grath, 1985; Bowen, Petersen, 1999).
O interesse dos autores nos temas da persuasão e propaganda políticas (Espírito Santo, 1997) assim como a sua atividade
docente e também de investigação, com recurso à análise de conteúdo (Espírito Santo, 2004), contribuiu para que o caminho percorrido pudesse ser delineado.
Do ponto de vista da fidelidade da análise perfilhamos a importância de se clarificar o conjunto de estratégias metodológicas seguidas para a sua concretização. No que se refere ao instrumento
conceitual de base deste estudo, que se consubstancia nas categorias,
conduzimos a sua formulação de modo a que as mesmas obedecessem
às cinco regras fundamentais que lhe conferem a sua fidelidade. São
estas a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade e a produtividade. Ou seja, tendo sido construída num sistema
que promoveu a sua flexibilidade e adaptação às particularidades e
riqueza do corpus em análise, a concepção das categorias de análise
obedeceu, igualmente, nos vários momentos da sua construção, às
regras acima referidas.
O slogan e a sua importância política e comunicacional
Como elemento essencial da mensagem em propaganda política, o slogan constitui a base analítica deste estudo. Em termos de
mensagem, a propaganda política assenta, fortemente, no valor dos
slogans e dos símbolos políticos, como elementos catalisadores da ação
política e eleitoral. Como tal, o slogan deve conter características que
desencadeiem a sua rápida memorização, do ponto de vista auditivo
ou visual. O êxito do slogan passa por aspectos como a simplicidade,
a graça, a graciosidade, a fonética. Por outras palavras, “o slogan tem
de conter um apelo, suficientemente, simples, facilmente, compreendido e susceptível de ser uma senha de coesão do grupo. Este grupo, o
dos apoiantes da força política quer-se o mais alargado possível, tanto
quanto possa permitir o acesso ao Poder” (Espírito Santo, 1997: 115).
O nosso interesse nas origens da cultura européia e na comunicação conduziu-nos a uma reputada especialista em sânscri-
83
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
to e a encontrar uma provável resposta, ainda mais longínqua,
do que a de Reboul, para as origens e o significado etimológico da
expressão slogan. Concluímos que existe uma forte possibilidade
de a expressão slogan ter a sua origem no sânscrito. Referimo-nos
à contribuição da Professora Doutora Maria Margarida Lacerda,
especialista em Sânscrito, reputada Professora Jubilada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, que afirma que as origens da palavra slogan advêm
da Língua da família hindo-hitita que é a forma mais antiga do
indo-europeu. Esta língua conservou-se durante cerca de um milênio na tradição oral e passou à escrita somente no II milênio d.C.
Esta língua hindo-hitita não é falada nem escrita, hoje em dia. A
língua indo-européia é ancestral, raiz e base originária de todos os
ramos linguísticos, situados no quadro do amplo contexto cultural
indo-europeu (Espírito Santo, 1997: 116).
Nessa perspectiva, o termo slogan viria do hindo-hitita, idioma no qual faz parte a expressão šloka que traduz a ideia de dístico,
ou seja, de dois versos formando sentido completo, os quais poderiam
estar inseridos em cânticos que ditos, repetidamente, constituíam
um apelo à concretização de boas realizações por parte dos seus emissores e, em última análise, para toda a comunidade.
Consideramos altamente provável que a expressão slogan tenha raiz no sânscrito, na expressão šloka, sendo que a fonética e o
significado associado à expressão original naquela língua clássica
apontam, fortemente, para tal constatação.
Tecnicamente, o slogan eleitoral traduz-se numa frase curta, a
qual contém uma componente promocional destinada a captar o interesse do eleitorado, sendo que o slogan, para além disso, pode conter
também palavras de ordem dirigidas à ação. Nem todos os slogans
contêm palavras de ordem. Para além do slogan, propriamente dito,
há ainda uma componente da mensagem ligada àquele, mas distinta,
que se concretiza no apelo ao voto, o qual é composto pelas frases que
contêm o nome do candidato e o imperativo verbal do voto neste.
O slogan funciona mais pelo seu significante do que pelo seu
significado. Do ponto de vista das representações discursivas o slogan assenta mais no seu caráter mobilizador e instrumental e menos
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
na sua capacidade de esclarecimento, do ponto de vista informacional. O slogan contém em si, geralmente, a idéia do todo do produto
político (no caso político) que procura promover, mas isso não significa que tenha, necessariamente, que remeter para o ideário político e
ideológico da força política em causa.
Como lembra Lasswell [(1949), 1979: 22], o slogan “é o grito de
guerra” e, como tal, o slogan deve apelar às emoções e levar à coesão.
O slogan funciona como um promotor de esperança, alento e empenho, em prol de uma causa e, como tal, gera uma adesão cujo caráter
incondicional é, geralmente, perfilhado pelos seus promotores.
Nesse sentido, para além da simplicidade, outra das características que confere funcionalidade ao slogan é a sua facilidade de reprodução oral, a qual, em última análise procura a promoção da unidade do
grupo, grupo este que pode ser tão amplo quanto à dimensão do Estado.
O slogan constitui um elemento natural à comunicação humana, com lugar no espaço social e político, desde tempos imemoriais. A
funcionalidade do slogan, do ponto de vista da comunicação, reservou-lhe lugar cativo e pouco alterado ao longo de, pelo menos, cerca de dois
milênios, a crer na sua antiguidade indo-européia. À entrada do terceiro
milênio, o slogan mantém-se no seu formato original, curto e pragmático, mas simultaneamente, catalisador, emotivo e aglutinador de massas.
No estudo que construiu, denominado A arte dos slogans, Luís
Carlos de Assis Yasbeck (2002: 27) afirmou que eles transmitem as
seguintes “sensações de verdade”:
a. Os slogans mais eficazes desprendem-se do caráter meramente referencial que os liga aos seus objetos, em vantagem
das conotações simbólicas;
b. Os slogans publicitários criam, provocam e/ou sedimentam
relações funcionais com os demais modos de pensar e agir que
estão presentes nos demais sistemas culturais;
c. Os slogans não necessitam alimentar-se de elementos periféricos da não-cultura sob pena de se tornarem excessivamente redundantes e, conseqüentemente, obsoletos.
Iasbeck classifica a família das imagens em cinco ramos, entendendo-se imagem como representação icônica que guarda do seu
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cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
objeto certa semelhança. E também reproduz os conceitos de que podem ajudar a valorizar e compreender melhor o papel dos slogans
não só em campanhas eleitorais, a saber:
4. As imagens gráficas, como pinturas, estátuas, desenhos,
5. As imagens óticas, aquelas geradas pelo espelhamento e pela
projeção,
6. As imagens perceptuais, as que nos vêm pelos dados dos sentidos ou perceptos ou pela identificação de sua aparência,
7. As imagens mentais aquelas dos sonhos, da memória,da lembrança, a imagem as idéias,
8. As imagens verbais, aquelas escritas pelas palavras, sugeridas
pelas metáforas.
(Iasbeck 2002: 30)
Vale lembrar também que os slogans se aproximam de outras
figuras de linguagem igualmente tradicionais, como refrões, adágios,
parêmia, jargão, clichê, divisa, lema, palavra de ordem e norma.
Na conclusão da sua pesquisa, Iasbeck nos mostra que o slogan é um texto que reúne, de forma compactada, uma série de informações que podem ser lidas de múltiplas formas, a saber:
a. Brevidade: frase sintética que contém, a princípio, apenas
termos e expressões absolutamente necessários;
b. Condensação: trata-se de um signo que reúne outros tantos
signos privilegiando em destaque aqueles julgados mais significativos pelo produtor, em função do público-alvo;
c. Autoridade: o slogan afirma alguma coisa, mesmo que o
faça negando com firmeza e determinação;
d. Prestígio: o enunciado busca, direta ou indiretamente,
atrair prestígio para o seu objeto, seja ele o produto, a marca,o
anunciante ou uma Idéia;
e. Anonimato: o leitor não é capaz de identificar com precisão o autor de um slogan, muito embora possa julgá-lo como o
anunciante (candidato) que assina a peça publicitária; mesmo
nesse caso, a “voz” do slogan não tem dono;
86
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
f. Ambigüidade: as várias vozes de um slogan fazem dele uma
curiosa e atraente forma de comunicação publicitária,
g. Humor: os slogans bem-humorados conseguem maior pregnância no leitor ou no ouvinte, facilitando a memorização e
instigando a repetição voluntária, o humor inteligente de um
slogan transfere prestígio e simpatia ao objeto enunciado;
h. Impacto: o slogan tende a quebrar a cadeia viciada da linearidade de forma a causar surpresa, privilegiando o inusitado,
tanto em nível sintático quanto semântico, pode provocar leituras curiosas e enriquecedoras;
i. Cadência: muitos slogans tiram grande proveito da cadência e da harmonia rítmica, através de intervalos regulares e
tonicidade proporcional, para que soem bem aos ouvidos, mesmo quando apenas lidos;
j. Comunicação imediata: um bom slogan pode até convencer
o leitor a complexas decifrações posteriores, mas ele não pode
deixar de possibilitar comunicação imediata, pois a velocidade
de uma leitura não suporta grandes reflexões;
k. Repetição: o slogan precisa ser de fácil repetição, ou seja,
necessita conter elementos que facilitem sua imediata memorização e não o tornem entediante após algumas repetições.
Para possibilitar tais efeitos, a harmonia e a cadência da frase,
aliadas à brevidade, são essenciais. (Iasbeck, 2002: 35)
Dimensões teórica e pragmática
Com as visões teóricas adotadas diante da modesta produção
acadêmica sobre slogans político-eleitorais, é possível perceber que
este estudo contribui para recompor parcelas da memória, com a captação dos slogans mais presentes em nossa história contemporânea,
quer seja em eleições presidenciais, estaduais, municipais ou nos que
viraram “clichês” de tanta utilização.
Tomando como parâmetros os conceitos sobre “imagens” e os
conceitos sobre “linguagens”, eis nossa visão sobre alguns dos slogans
mais importantes que recuperamos sobre as eleições presidenciais.
87
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Campanhas Presidenciais
Slogan
“Lula lá” – Lula, eleição presidencial
de 1989;
“Sem medo de ser feliz” - Lula,
eleição de 1989;
“Agora é Lula”– 2º Turno da eleição
presidencial de 2002;
Data
“Juntos chegaremos lá” – Afif
Domingos, eleição presidencial de
1990;
1989
2002
Brevidade/Cadência. Este slogan sintetiza no termo “ser feliz”, o sonho da maioria a população em
ter um candidato popular, possui ritmo próprio.
2006
Autoridade/humor. Com um fundo bem humorado, o slogan pedia que não se fizessem críticas
ao presidente, deixando o livre para cumprir
suas promessas de campanha.
1989
Repetição, este slogan foi utilizado pelo candidato
através da linguagem “Libras”, sinais gráficos para
surdos/mudos, inovando no processo. Sua característica de repetição foi essencial no processo.
Percepção
1989
Autoridade. Usando a imagem de que um “marajá” era um funcionário público que ganhava
muito e não trabalhava direito, o então candidato, reprisando a mensagem da “vassoura” de
Jânio, igualmente prometia limpar a corrupção
do funcionalismo público no país.
Metáfora
1989
Repetição/Humor. Com pequeno tempo no rádio
e televisão para popularizar seu nome, o candidato repetia e interpretava exaustivamente este
slogan, que beirava o ridículo, mas cujo resultado
em termos de memorização e eficiência foi ótimo.
Verbal
1984
Cadência/Condensação. A sociedade tinha como
anseio o fim do Regime Militar e este slogan
dava conta de construir esta perspectiva
Mental/Sonho
“Collor é progresso” – ano 1989;
“Um novo tempo vai começar” –
Collor em 1989;
“Caçador de marajás” – Collor em
1989.
“Meu nome é Enéas” –
campanha presidencial.
“Diretas já” - movimento pelas
Diretas, em 1984;
“Eu quero votar pra presidente” –
movimento pelas Diretas, em 1984;
“Tancredo já” –
campanha presidencial.
“Gente em primeiro lugar” – em
1994;
1994
Metáfora
Mental/Sonho,
Brevidade
Autoridade. Pobre em criação, o slogan priorizava indiretamente a questão social.
“O Brasil não pode voltar atrás.
Avança, Brasil” - reeleição de
Fernando Henrique, em 1998.
1998
Autoridade. O então candidato também queria
continuar governando, sem receber críticas pelo
que já tinha realizado.
“Queremos um País Decente” –
campanha de Geraldo Alckmin para
presidente
2006
Remete-se aos mesmos apelos de Jânio e Color,
de forma mais amena.
88
Imagem
Impacto, mostrando que o “lá” /Brasília seria a
meta a ser alcançada na eleição, para que finalmente um candidato popular rompesse o ciclo
de representantes das classes econômicas e/ou
militares que anteriormente governaram o país,
“Lula de novo, com a força do povo”
- campanha à presidência de 2006;
“Não troque o certo pelo duvidoso” e
“Deixa o Homem Trabalhar” - reeleição de Lula em 2006.
Linguagem
Verbal Mental/
Sonho
Verbal
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
“Varre, varre vassourinha” – Jânio
1960
Varrer a corrupção que assolava o país na época.
Autoridade, mostrando que com uma vassoura
na mão, objeto que a maioria da população
possuía em sua própria casa, seria possível com
a autoridade moral do candidato, acabar com a
corrupção no país.
“50 anos em 5” – JK
1955
Impacto. Com ele o candidato sugeriu ao povo
um tempo de progresso e muito trabalho.
Verbal
“Vote no Brigadeiro. Ele é bonito
e é solteiro” - Brigadeiro Eduardo
Gomes
1945
Prestígio, por ser “bonito e solteiro” significando que ele poderia ser um bom presidente por
estas razões.
Metáfora
“Ele voltará” – Movimento
Queremista, Getúlio Vargas
1945
Repetição/Prestígio. Como Getúlio já tinha sido
presidente e gozava de prestígio, a intenção era
fazê-lo retornar à presidência.
Mental.
Icônica/
Percepção
Análise
O que se percebe, então, na evolução do processo de comunicação
e linguagem/imagem, é que os slogans nas eleições presidenciais brasileiras assumiram papéis estratégicos que os confirmaram perante a
história. A repetição do combate à corrupção utilizada por Jânio e Collor,
é emblemática dos desafios no período. As sínteses “50 anos em 5”, “Diretas já”, “Lula lá” uniram sonoridade, ritmo e impacto. E, com certeza,
o slogan com a linguagem de “Libras”, do candidato Guilherme Afif Domingos, em 1989, foi emblemático do ponto de vista da inclusão social.
A repetição deu ao “Meu nome é Enéas”, a característica essencial para que o candidato obtivesse mais de um milhão de votos,
usando pouco mais de 30 segundos diários em suas peças de comunicação com a sociedade através do rádio e da televisão.
Se sob a ótica da linguagem da imagem as características dos
slogans se repetiram ao longo da história recente do país, do ponto
de vista da história da propaganda política, estas características se
ampliaram com o passar os anos. Se antes eram apenas impressos em
jornais, folhetos de divulgação impressa, foi com a chegada do rádio e
da televisão que os slogans – e ao lado dele os jingles – ajudaram a popularizar candidatos/candidaturas e foram a síntese necessária para
os processo comunicacional e a identificação da sociedade com os seus
candidatos preferidos.
89
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Referências
ESPIRITO SANTO, P. “A mensagem política na campanha das eleições
presidenciais: análise de conteúdo dos slogans entre 1976 e 2006”. In
Revista Comunicação & Cultura, no. 2, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Quimera, 2006. p. 83-101.
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de efeito do texto publicitário. São Paulo, Editora Anablume, 2002.
LASWELL, H. A linguagem da política. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 1982.
LESSA, O. Propaganda eleitoral, observações sobre a campanha política na eleição para governador de São Paulo em 1954. Rio de Janeiro,
Editora PN, 1955.
MAGALHÃES, C. & MOTA, A. Slogans, os 1000 melhores slogans da
propaganda brasileira. Rio de Janeiro, Letter editorial, 1991.
QUEIROZ, A. (Coord.). Marketing político brasileiro. Ensino, pesquisa
e mídia. Limeira, INTERCOM/ Cátedra UNESCO, Unigráfica. 2005.
REBOUL, O. O slogan. Editora Cultrix, São Paulo, 1975.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Slogan acessado em 28/11/2007.
90
Políticas de Saúde nas Campanhas Televisivas de Prevenção à AIDS: controvérsias, acordos e alternâncias
Preciliana Barreto de Morais
A entrada da AIDS no Brasil, no início dos anos 1980, refletiu as contradições e problemas sociais que já vinham se desdobrando
desde as últimas décadas. A urbanização e os processos migratórios da
década de 1970 reconfiguraram a geografia das cidades, estabelecendo
novas formas de convivência. O deslocamento da população rural para
os grandes centros e o seu rápido crescimento acirraram uma série de
contrastes e conflitos na reorganização do espaço urbano.
O predomínio de um modelo econômico vinculado às determinações das políticas financeiras internacionais também foi outro fator que interferiu de forma significativa no direcionamento das ações
na área da saúde. A luta no campo político pela efetivação de uma
democracia permanente, após vinte anos de ditadura (1964-1984), e
a busca interminável das pessoas por melhores condições de vida fragilizaram a crença nas instituições sociais, diante de tantas perdas e
frustrações acumuladas. Todos esses aspectos fizeram com que o País
atravessasse a década de 1980 e entrasse nos anos 1990 envolvido
numa profunda crise nas diversas áreas sociais.
Neste contexto, as autoridades responsáveis por desenvolver e
efetivar políticas públicas de saúde para a população, ao eleger prioridades e concentrar sua atenção em questões que correspondiam aos
interesses de grupos, negligenciaram os problemas mais urgentes no
campo das doenças. A AIDS expôs de forma trágica tal descompromisso. Doenças como tuberculose, difteria, desidratação infantil etc.,
e processos políticos como o movimento de eleição direta para presidente, denominado de Diretas Já no ano de 1984, dentre outros,
apareciam como os mais importantes a serem tratados e efetivados
como parte da transição para a democracia.
Tais preocupações no início da epidemia impossibilitaram
que vários grupos sociais soubessem e discutissem mais claramente sobre a AIDS. Este fato fez com que a doença se infiltrasse
91
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
rapidamente na vida das pessoas e limitasse a capacidade delas
responderem ao surgimento de uma patologia que se expandia por
meio da infecção como de perceberem a dimensão social, cultural e
epidemiológica que tal doença acarretaria.
A AIDS foi incluída no quadro de doença rara e associada a indivíduos pertencentes a segmentos sociais que gozavam de uma qualidade de vida privilegiada e adotavam comportamentos diferentes.
Os homossexuais masculinos com poder aquisitivo alto tornaram-se
o principal alvo de ataques preconceituosos.
Vários ministros da Saúde descreveram a Aids como
uma epidemia da elite privilegiada, viajada e em condições de
pagar suas próprias necessidades de tratamento médico e não
como um problema de saúde pública da população brasileira
de uma forma mais ampla (DANIEL e PARKER, 1991/1993 In:
PARKER, 1994, p. 90).
Em 1985, o Programa Nacional de Combate à AIDS ficou com a
incumbência de estabelecer um plano de metas de cinco anos que respondesse à epidemia. Segundo Parker (1994, p. 90), o Programa, que
ficou sob a direção da bióloga Lair Guerra de Macedo Rodrigues, “foi
marcado, de modo geral, por inconsistências e sucessos questionáveis”.
No ano de 1987/88, o Ministério da Saúde elegeu a educação e a informação como elementos fundamentais para o controle da epidemia.
A realização de uma comunicação preventiva, pelos meios de comunicação, entretanto, levou um tempo para ser implantada. A entrada
da AIDS no Brasil, nos primeiros anos da década de 1980, além de não
chamar de imediato a atenção das autoridades no sentido de vê-la como
uma doença grave, disseminou posturas discriminatórias e irresponsáveis. Arletty Pinel (1996) relata um fato que retrata de forma apropriada as situações, condutas e discursos que predominaram em tal época.
Na primeira década da Aids no Brasil, (...) entre as muitas histórias que poderíamos contar está a de Valter S. Gallego,
ex-presidente e atual consultor da diretoria do GIV (Grupo de
Incentivo à Vida), que há dez anos procurou o Instituto de Saúde
da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Ao final da consulta, recebeu da médica que o atendeu o aviso que tinha mais
quinze dias de vida e de que deveria deixar tudo preparado para
abandonar este mundo. Ele ainda lembra do que sentiu naquele
92
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
momento: ‘Saí de lá desesperado, mas não deixei de acreditar em
mim. Hoje ela é uma das médicas mais citadas nos programas de
Aids e eu vou muito bem, obrigado. Não dá para acreditar como
alguém pode predizer o que vai acontecer com o outro só porque
o diagnóstico é AIDS(...)’. (PINEL e IGLESI, 1996, p. 7-8)
A falta de agilidade e de um maior compromisso das políticas
de saúde, tão peculiares no início da epidemia de AIDS no Brasil, foram tornando-se menores à medida que a doença foi se intensificando
e ficando mais visível para a sociedade. A preocupação do Ministério da
Saúde, diante desse quadro, foi unir forças e procurar integrar o sistema
de saúde – SUS – em variadas frentes para barrar o avanço da doença.
A responsabilidade primeira no controle das DST e AIDS era
de incumbência das secretarias estaduais de saúde. As ações mais
efetivas se concentravam, principalmente, nos estados onde havia
maior incidência de casos. Com o desenvolvimento da AIDS em todo
o Brasil, as ações de prevenção e controle da epidemia ficaram cada
vez mais concentradas na Divisão de Dermatologia Sanitária da
Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. A criação do
Programa Nacional de DST e AIDS por essa unidade foi um marco
na pressa das políticas preventivas. Parker (1994, p. 92), analisando o resultado de tais iniciativas, ressalta que,
(...) pelo menos até certo ponto, foi possível unificar de forma
mais eficaz os serviços federais, estaduais e locais em relação
à AIDS do que em relação a quase todos os outros problemas
de saúde. Esta unificação nunca foi total, mas criou condições
que possibilitaram algum grau de cooperação. A formação de
uma Comissão Nacional de Combate à Aids, com a participação de representantes do sistema de saúde pública, bem
como da comunidade científica e de ONGs/Aids, criou um fórum para reunir diversos setores da sociedade brasileira e,
a despeito de suas diferenças, inaugurou o debate sobre o
desenvolvimento de respostas políticas eficazes à epidemia.
As estratégias de comunicação utilizadas pelo Ministério da
Saúde no enfrentamento da AIDS começaram a ter um tratamento
mais efetivo, somente nos anos 1986/87, no governo de José Sarney,
quando a AIDS já havia desenhado os contornos de uma epidemia.
O desconhecimento do vírus HIV pelo saber médico e a letalidade
imposta por ele, que se expressava por meio das mortes cotidianas
93
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
nos hospitais, interferiram de forma significativa nos discursos das
campanhas preventivas, que passaram a ser veiculadas, com maior
ênfase, nos meios de comunicação, a partir do início de 1988.
As primeiras campanhas transmitidas pela televisão ressaltavam as descobertas médicas da época sobre o vírus HIV e apontavam as principais formas de contaminação, com uma linguagem
simples e muitas vezes moralista. Em virtude de a contaminação
pelo HIV estar associada ao uso de drogas injetáveis, transfusão de
sangue e às práticas sexuais, estas últimas tornaram-se o foco de
anúncios também contraditórios. Os slogans de duas campanhas da
época - “O amor não mata” e “Não morra de amor” (PARKER, 1994)
- ilustram e representam momentos de acertos e controvérsias nessa trajetória composta por dramas, frustrações e conquistas.
A partir do ano de 1987, a camisinha passou a ser um dos elementos centrais do discurso das campanhas de prevenção à AIDS. O estímulo ao uso do preservativo tornou-se uma das bandeiras das políticas de saúde do Ministério no controle da doença. Com uma linguagem
didática para ensinar as pessoas a se prevenirem da doença, o slogan
chamava a atenção com a imagem da camisinha e os seguintes dizeres:
“AIDS, você precisa saber evitar”. A outra campanha se referia ao preservativo no próprio texto: “Camisinha – O Seu Grito de Liberdade”.
A visão da camisinha nos media produziu uma inquietação e
começou a criar uma certa familiaridade das pessoas com a imagem do
produto, antes só pensada na intimidade das alcovas. Dora Guimarães
(2001) ressalta, no entanto, que a preocupação entre os anos de 1982
a 1988, na cidade do Rio de Janeiro, voltava-se quase que exclusivamente para as notificações de casos de contaminação por transfusão
de sangue. A possibilidade dos companheiros das mulheres dos segmentos populares (universo da sua pesquisa) terem adquirido o vírus
de outra forma e contaminá-las foi desconsiderada pela investigação
epidemiológica, pelo fato de estes homens pertencerem a um universo
de condutas normativas – casados e heterossexuais.
A contaminação dos parceiros de tais mulheres pelo vírus da
AIDS e a transmissão da doença para suas partícipes eram associadas, no máximo, a relações sexuais com prostitutas. Uma investigação, entretanto, nas “quase 500 fichas notificadas de 1982 a 1988 no
94
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
estado do Rio “(...) havia somente um caso de mulher classificada
como ‘prostituta’, sendo as demais 44 infectadas registradas como
mulheres de vida ‘conjugal regular’” (GUIMARÃES, 2001, p. 24-25).
Paradoxalmente, ressalta a autora, no ano de 1988, “(...) a paisagem
urbana do Rio de Janeiro, na época, alardeava outdoors que estampavam o rosto de uma jovem branca, muito maquiada, evocando o
esteriótipo da prostituta, junto com a legenda: ‘Quem vê cara não vê
Aids. Use camisa-de-vênus’” (GUIMARÃES, 2001, p. 25).
Com a entrada do governo Collor em 1990, as políticas públicas
de saúde relativas à AIDS, que vinham se desenvolvendo no País, sofreram um impacto que comprometeu de forma significativa o andamento
do Programa. É importante ressaltar que a crise social, nessa época, se
aprofundou em todas as áreas, dada a recessão provocada por uma inflação sem controle e a falta de um direcionamento efetivo das políticas
pelo governo. A entrada de Alceni Guerra para o Ministério da Saúde
reforçou uma das características mais visíveis desse período: a preocupação em mostrar serviços que causassem impacto na população.
Uma das primeiras iniciativas do novo Ministro foi redefinir
tanto a organização e atividades que vinham se efetivando frente à
AIDS, como a própria proposta do Programa. Exigiam-se, então, atitudes mais combativas e mais agressivas frente à epidemia. A substituição de Lair Guerra por Eduardo Côrtes para assumir a direção
do Programa provocou uma onda de insegurança, principalmente nos
grupos que já vinham desenvolvendo e efetivando projetos e ações na
equipe do governo anterior. Segundo Parker (1994, p. 92),
(...) a indicação de Eduardo Côrtes – epidemiologista treinado
na Universidade de Califórnia, Los Angeles, mas sem nenhuma
experiência administrativa ou política anterior, para diretor do
Programa Nacional de Combate à Aids, marcaria uma mudança importante na resposta do governo federal à epidemia.
Nesse período, o PN de Combate às DST e AIDS se apresentava como uma das unidades mais representativas do Ministério da
Saúde e tinha realizado algumas conquistas substanciais, como
(...) a melhoria parcial da vigilância epidemiológica; (...) a publicação mensal e a distribuição ampla de um boletim epidemiológico contendo os casos relatados à Divisão Nacional de DST/
95
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
AIDS; (...) atividades de cunho educacional e (...) a criação da
Comissão Nacional de Combate à Aids para trabalhar em conjunto com a Divisão Nacional de DST/AIDS na elaboração de
um plano de ação em resposta à Aids (PARKER, 1994, p. 93).
Apresentando o argumento da falta de recursos, Alceni Guerra
diminuiu drasticamente o orçamento e o quadro de pessoal envolvido
com o Programa. Todas as atividades retrocitadas sofreram intervenção, ou seja, foram suspensas e substituídas. A nova coordenação tinha
como incumbência reorganizar-se e encontrar espaço entre as tantas
outras prioridades no campo da saúde. Tais medidas provocaram uma
estagnação do Programa, que praticamente ficou sem desenvolver atividades mais significativas no decorrer de todo o ano de 1990.
Em dezembro de 1990, foi lançada a primeira campanha
preventiva do governo Collor. Obedecendo à lógica da visibilidade
extrema e de uma composição agressiva – texto e imagem - a campanha foi realizada por uma agência de propaganda contratada
pelo governo e subsidiada por empresas privadas. Foi veiculada
em cartazes, outdoors, rádio e televisão.
As campanhas nos media impressos – cartazes e outdoors –
traziam a silhueta feminina e masculina com um círculo em cima
dos órgãos genitais de cada um, em forma de espiral, nos tons
vermelho e branco, imitando um jogo de tiro ao alvo. A ideia era
de chamar a atenção para o perigo das relações sexuais. Parker
(1994) acentua que, na televisão, a campanha reproduziu de maneira ainda mais agressiva a proposta do novo governo.
O programa de anúncios de televisão, ainda mais estarrecedor, começou com depoimentos de quatro pessoas – as três
primeiras contavam que tinham tido diversas doenças (sífilis, tuberculose e câncer) e, que, felizmente, estavam curadas, enquanto a quarta se identificava humilhadamente como um paciente
de Aids e lembrava ao público que sua doença era incurável. O
anúncio terminava com o seguinte slogan desconcertante: ‘Se
você não se cuidar, a AIDS vai te pegar’. (PARKER, 1994, p. 94).
A imagem e o conteúdo reproduzidos por tais campanhas foram duramente criticados pelos grupos ativistas da época, por discriminarem os doentes e disseminar o terror em relação à doença e às
vítimas. A AIDS era associada para a sociedade a todos os aspectos
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
que se contrapunham à possibilidade de vida. A morte era anunciada
como uma das primeiras ameaças trazidas pela doença, fato este que
viria surtiu um efeito devastador no imaginário coletivo, com desdobramentos danosos no que se refere ao preconceito das pessoas frente
à doença e aos doentes. O óbito social anunciado dos indivíduos vitimados pelo vírus HIV e a AIDS tornou-se um fato inconteste.
Diante de tal quadro, pode-se vislumbrar que os primeiros anos
da década de 1990 foram marcados por campanhas que apresentavam conteúdos inquietantes e contraditórios. No momento em que um
anúncio transmitia pânico e temor nas pessoas com tipos de mensagens como: “a AIDS mata sem piedade; não permita que essa seja a última viagem da sua vida”. Ao mesmo tempo, outro anuncio institucional procurava instigar o espírito de “solidariedade” frente às vítimas:
“Previna-se do vírus, não das pessoas”. As contradições que norteavam
o encaminhamento e formato de tais campanhas traduziam a inabilidade do governo Sarney em lidar com problemas sérios de saúde na
sociedade, que se intensificaram na gestão Collor de Melo.
Cabe, entretanto, ressaltar que a administração Sarney, mesmo
identificando-se por um slogan vazio - “Tudo pelo social” - e tendo desenvolvido ações muitas vezes controvertidas, conseguiu ainda dar um direcionamento às políticas relacionadas à AIDS e organizar o Programa
Nacional de Combate a tal epidemia. Com Fernando Collor, os tímidos
passos dados na gestão anterior quase ficaram paralisados. Durante os
seus quase dois anos de mandato, os problemas sociais foram se agravando e tornando-se visíveis em todas as áreas, denunciando a falta de
compromisso e de um plano de ação para a sociedade como um todo.
Logo após sua posse em março de 1990, o Plano Collor 1 foi posto
em ação. Tratava-se de medidas provisórias e decretos que autorizavam
o bloqueio de contas correntes e de poupança. Foi feita também a reforma monetária que substituiu o cruzado novo pelo cruzeiro, mantendo
valores equivalentes. Na cultura, foram extintas a Embrafilme, a
Funarte e a Lei Sarney, que designava recursos para as artes. Uma
quantidade considerável de funcionários públicos foi demitida. Em dezembro de 1990, foi lançado o Plano Collor 2, com novas medidas, entre
elas, privatizações, fim de estabilidade do funcionalismo e do ensino gratuito nas universidades (CARNEIRO, 1999, p. 55-56).
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cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
No final de 1991, a crise se expandiu e tornou-se incontrolável.
Desemprego, inflação, escândalos políticos, trocas de ministros e envolvimento de familiares e assessores em desvios de dinheiro público
levaram os partidos políticos e a população a se mobilizarem em prol
da renúncia do Presidente. O lema do conquistador espanhol Hernan
Cortés - “Vencer ou vencer”, utilizado como slogan do governo “collorido”
foi derrotado no dia 2 de outubro de 1992, quando Collor de Melo foi
afastado temporariamente do poder, registrando o primeiro caso de impeachment da história política brasileira (CARNEIRO, 1999, p. 55-56).
Nesse contexto, a área da saúde foi também bastante comprometida. O programa de estabilização econômica que se impôs de
1990 a 1991 determinou o congelamento de preços e salários, mas
autorizou, de forma irresponsável, o aumento nos valores de todos
os medicamentos utilizados no tratamento de infecções associadas
à AIDS. Para reforçar ainda mais o descompromisso em relação aos
problemas acarretados por tal doença, após realizar uma compra
do medicamento AZT e iniciar a sua distribuição nos hospitais, tal
iniciativa foi interrompida imediatamente e o remédio recolhido por
apresentar data de validade vencida (PARKER, 1994, p. 94).
Com o “pandemônio” que tinha se tornado a vida brasileira,
no final de 1991, o Programa Nacional de Combate à AIDS se encontrava bastante fragilizado. Eduardo Côrtes sofria críticas por demonstrar uma conduta incompatível com as necessidades que se impunham. Sua posição ambígua e indiferente diante da possibilidade
de o Brasil ser escolhido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
como um dos locais de teste da vacina contra HIV/AIDS causou inquietação, principalmente nos grupos ativistas.
O clima de instabilidade moral e econômica produzido
no País, reforçado pelas denúncias de corrupção e dos esquemas
fraudulentos do governo, comprometia os vários setores sociais.
A pasta da saúde não ficou incólume neste quadro. “(...) No início de 1992, quando, após uma série de acusações relativas à má
administração e corrupção dentro do Ministério da Saúde, Alceni
Guerra finalmente cedeu à crescente pressão pública e renunciou”
(PARKER, 1994, p. 95). Assumiu no seu lugar o médico cardiologista Adib Jatene. Uma das primeiras iniciativas do novo ministro
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
foi exonerar Eduardo Côrtes da direção do Programa Nacional de
Combate à AIDS e nomear no seu lugar Lair Guerra.
Esta retornou ao comando do Programa, com a incumbência
de recuperar o que havia sido feito na sua gestão e incrementar as
ações frente à epidemia. Mesmo em meio ao quadro político que se
configurava para a saída de Collor do poder, a equipe responsável
pelo Programa, então comandada por Lair Guerra, tomou iniciativas
e pôs em prática algumas atividades e medidas importantes referentes à AIDS, que se prolongaram até o ano de 1996. Dentre elas
incluíam-se: a organização de um sistema de vigilância epidemiológica mais eficiente, com a notificação regular de casos de contaminação
pelo HIV; a reconstituição do estoque de medicamentos básicos; a
proposta de um novo plano para as atividades preventivas e de educação, tendo como base o respeito e a responsabilidade com o doente e
a doença; o incremento das relações com as comunidades científicas,
grupos de pesquisa, organizações não governamentais e outros segmentos da sociedade civil envolvidos com o problema; a participação
nos protocolos de vacinas coordenados pela OMS; a reconstituição
e primeira convocação da Comissão Nacional de AIDS no governo
Collor; a formação de uma unidade dentro do Programa ligada diretamente às ONGs; a iniciação das negociações com o Banco Mundial
para financiamento de um projeto ousado e de grande amplitude na
prevenção e controle de AIDS (PARKER, 1994, p. 95).
Tais iniciativas foram bastante prejudicadas com as incertezas que se instalaram no País no final da administração Collor de
Melo. O Brasil encontrava-se com uma inflação de 25% ao mês, com
um quadro de recessão profundo que já se arrastava há três anos.
O PIB permanecia estagnado desde o início dos anos 1980. Um percentual significativo da população (75%) fazia um percurso inverso
em termos de mobilidade social: da pobreza relativa para a miséria
absoluta. O número de pessoas sem saber ler e escrever era calculado
em 20 milhões. 32 milhões de crianças e adolescentes perambulavam
entre favelas, cortiços e viadutos (CARNEIRO, 1999, p. 134). A esperança concentrava-se então em Itamar Franco, político sem grande
expressividade, mesmo tendo sido o vice-presidente de um governo
meteórico que primou pelo espetáculo.
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cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
Com a saída de Collor, Itamar Franco tinha como desafio
não só minorar a crise aprofundada pelo governo anterior como
também recuperar a moralidade que ficou bastante fragilizada no
País. Acreditava-se que as iniciativas do novo grupo que assumia o
poder fossem norteadas pela honestidade e eficiência. Mesmo procurando governar de forma responsável e transparente, entretanto, questões relativas às necessidades básicas de uma população
não podem ser resolvidas com boa vontade e/ou comportamentos
éticos. Estes seriam apenas uma das condutas necessária para que
a viciada cultura política brasileira pudesse dar alguns passos na
busca de melhorias.
O governo Itamar trabalhou para criar e manter uma imagem
de político honesto no imaginário do Estado brasileiro. A eficiência
nas resoluções dos problemas infraestruturais, no entanto, deixou
muito a desejar. Na área da saúde, a substituição de Adib Jatene por
Jamil Haddad, segundo Parker (1994), progressista, mas com fraca
habilidade administrativa, comprometeu o andamento do Programa
Nacional de Combate à AIDS durante todo o ano de 1993. As propostas tinham uma visibilidade maior do que uma efetivação de fato.
A incapacidade contínua do Programa Nacional de Combate à Aids de implementar até mesmos os programas mais básicos de prevenção e assistência – como uma campanha educativa televisionada em cadeia nacional – continua levantando a
dúvida sobre a determinação política da administração Itamar
Franco e seu comprometimento em confrontar a epidemia de
HIV/AIDS de frente. E a fragilidade das alianças políticas entre
o governo e os setores não-governamentais tem se tornado cada
vez mais aparente (PARKER, 1994, p. 96).
Em março de 1994, já no governo Fernando Henrique, os
problemas referentes à AIDS passaram a ser discutidos com maior
veemência. As descobertas científicas sobre o vírus HIV, testes e
medicamentos já se encontravam bastantes avançadas e as lutas e
reivindicações das organizações não-governamentais (ONGs) e outros grupos ativistas da sociedade civil frente à AIDS apresentavam
significativa visão pública. Tal conjuntura proporcionou a efetivação
de políticas públicas de saúde mais ousadas e comprometidas, dando
respaldo à realização de campanhas mais otimistas.
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Os teores de medo e intimidação presentes nas mensagens
de campanhas, como: “se você não se cuidar a Aids vai te pegar”, foram substituídos por anúncios que apresentavam conteúdos em que
a orientação do indivíduo para se defender da AIDS, concentrava-se
no estímulo à auto-estima, com a prática do sexo com segurança. De
1994 a 2002, as campanhas encerravam o anúncio informativo sobre a AIDS com slogans visuais ou verbais do Ministério da Saúde,
que ratificavam a mudança de abordagem e deixavam a marca deste
novo período. A campanha “Quem se ama se cuida” (1994/95) foi uma
das primeiras a corresponder a tal espírito.
Nos anos de 1995 a 1998, os slogans “Viva com prazer, viva
o sexo seguro” (1995), “Neste carnaval use camisinha, sexo seguro
é alegria geral” (1996) e “Converse com o seu parceiro. Seja viva.
Evite a AIDS” (1996) incentivavam a prática do sexo com descontração, responsabilidade e diálogo. Em 1999, tais aspectos, juntamente com a autoestima, continuaram sendo o carro-chefe das
propostas das campanhas do Ministério. Os slogans “Use sempre
camisinha, viver sem AIDS só depende de você” (1999) e “Converse
com quem você ama. A prevenção começa pelo diálogo” (1999) são
exemplos emblemáticos.
Os slogans das campanhas do ano de 2000 - “AIDS, prevenir
é tão fácil quanto pegar”; “Não leve a AIDS para casa. Camisinha,
quem ama usa”; “Não importa de que lado você está. Use camisinha”
e “Não importa com quem você transe, use camisinha”, alertavam
para a dimensão alcançada pela epidemia.
Em 2001 e 2002, os anúncios finalizavam com apelos condizentes com os novos tempos. Os slogans: “respeitar as diferenças é tão
importante quanto usar camisinha” e “realizar sonhos é da natureza
humana. Use camisinha” sugeriam que a quebra de preconceitos e as
várias possibilidades de realização no sexo relacionavam-se, necessariamente, a novas atitudes; ou seja, usar camisinha nas práticas sexuais passou a ser a condição de vanguarda em tempos de Aids.
Tal proposta já havia sido transmitida em 1999, quando a frase
final de uma das campanhas, mencionada pelo cantor Gabriel, o pensador, orientava, com o seguinte enunciado: “E para se proteger da Aids,
use a parte mais importante do seu corpo: a cabeça”, terminando com
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cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
o slogan “Camisinha, eu vivo com ela”. Em 2002, a ideia de segurança
no sexo foi consolidada com o slogan “Pra se prevenir use camisinha”.
As campanhas publicitárias de prevenção, as políticas de
saúde e as pesquisas, tratamentos e práticas preventivas no campo
médico continuaram, nos primeiros anos do século XXI, os modelos
de referência no controle de tal epidemia. Baseados em tais conhecimentos, os indivíduos são orientados à prevenção do vírus e da doença com o uso da camisinha e de orientações sobre o risco de contaminação mediante outros meios, como o uso de drogas injetáveis e
transfusões de sangue sem seringas descartáveis.
Os discursos das campanhas retrocitadas procuram corresponder às necessidades e situações de uma época considerada “pós-moderna”. O uso de termos e frases mais leves e sugestivos produz
efeitos de permissão para o sexo, tirando o peso de tragicidade, representado pela doença. As campanhas ministeriais imprimem ênfase à
informação da necessidade do uso da camisinha nas práticas sexuais.
Tal proposta, no entanto, mesmo tendo conseguido atingir razoável nível de entendimento da população sobre o problema, não é
sido suficiente para diminuir a vulnerabilidade dos indivíduos frente
ao vírus. Milhares de pessoas continuam tendo relações sexuais sem
proteção. Os indivíduos não morrem mais de AIDS, entretanto, ainda
continuam praticando sexo de risco. Diante de tal comportamento, o
vírus HIV vai encontrando “hospedeiros” com mais facilidade e ampliando o quadro de contaminação.
Pesquisa realizada nos países ricos do hemisfério norte, no
final da década de 1990, pelo Programa de AIDS das Nações Unidas
(UNAIDS) com relação ao comportamento sexual dos jovens em tempos de AIDS constatou, que
(...) uma educação sexual de boa qualidade tende a aumentar a responsabilidade diante do sexo, adiar o início da vida
sexual e diminuir a quantidade de sexo praticado por eles,
ao contrário do que muitos imaginam. Prevenção e técnicas
de comunicação podem ser ensinadas e devemos começar antes do início da vida sexual. Os modelos de prevenção mais
eficazes são aqueles que descrevem bem seus objetivos, estão baseados em teorias sociais da aprendizagem e levam
em conta o contexto social, considerando que os jovens são
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
diferentes entre si. São claros sobre os riscos de cada prática
e não usam meias palavras para ensinar como se proteger,
alimentando a franqueza na comunicação sobre o sexo (grifo
meu) (PAIVA, 2000, p. 281).
No Brasil, segundo Vera Paiva (2000, p. 282), mesmo com a utilização de alguns aspectos do modelo retrocitado “nas oficinas para
prevenção (...) são poucos ainda os recursos coletivos que apoiam a
maioria dos brasileiros na iniciativa de fazer sexo seguro”. Juntam-se a este dado a falta de uma educação preventiva continuada e o
sexualismo muito presente na cultura brasileira.
Pelo fato de os anúncios sobre a AIDS terem que se pronunciar sobre uma situação que reúne aspectos bastante controversos
como - doença incurável, sexo, prazer e precaução - as mensagens
finais das campanhas televisivas resolvem tal paradoxo com a seguinte fórmula: “você precisa aprender a transar com a existência da
AIDS” (Campanha, 1995). Significa que fazer sexo é permitido, mas
sem camisinha tornou-se um “risco de vida”.
Relações sexuais com penetração só devem realizar-se com a
utilização do preservativo de borracha, sem ele são estritamente desaconselhadas. O slogan: “Sexo sem camisinha nem pensar”, transmitido por uma das campanhas de 2002, tem sido o interdito e a preocupação principais presentes em todas as campanhas do Ministério
da Saúde, de 1987 até o último período momino de 2005. Diante de
tal quadro, as campanhas preventivas direcionadas às práticas sexuais limitam-se, no máximo, a transmitir mensagens que procuram
convencer os indivíduos a “transarem com responsabilidade”, significando que tal atitude inclui, necessariamente, o uso da camisinha.
Neste contexto, o exercício da sexualidade passou a ser regulado e normatizado de acordo com a moral, necessidades e costumes
de cada época. A positividade de tal controle consolida-se em laços
sociais e referências de condutas. Com a epidemia da AIDS, as orientações das interdições e possibilidades das práticas sexuais são de
competência da Ciência Médica, que centraliza suas preocupações
na quantidade de parceiros e tipos de comportamentos sexuais e na
adoção do preservativo. A sexualidade é vista, predominantemente,
no seu aspecto mensurável.
103
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
As campanhas televisivas contra a Aids transmitem tal discurso em um formato publicitário, direcionado para o estímulo do
sexo seguro com o uso do preservativo de borracha. Tal segurança
indica que as atividades sexuais, em tempos de AIDS, devem ser praticadas com poucos parceiros e, de preferência, nas relações heterossexuais com a proteção da camisinha. Por meio de anúncios que apresentam uma gama de situações em que as relações sexuais entre os
indivíduos são possíveis de ocorrer, as mensagens informam que tais
atividades são importantes na vida, mas que se podem tornar uma
ameaça, quando praticada à revelia de tais ensinamentos.
A informação de que a AIDS não tem cura e que sua transmissão pela via sexual pode ser evitada pelo simples uso do preservativo
afastou a ideia proibitiva das pessoas continuarem praticando sexo com
a existência do vírus HIV e da doença. A associação de tal doença ao
sexo pecaminoso e à morte como punição desloca-se para um outro tipo
de preocupação: a prática do sexo sem camisinha, que significa comportamento sexual de risco. Pelo fato de a publicidade ter como uma das
principais funções chamar a atenção do público para o produto ou ideia
ofertados por ela, a AIDS, como doença associada a incurabilidade, punição, sofrimento e possibilidade de morte, ficou em segundo plano. O que
passou a ser alardeado foi a forma de se precaver dela.
Desde quando a Medicina descobriu que a transmissão da doença ocorria em relações sexuais sem preservativo, as campanhas
preventivas de AIDS passaram a se pronunciar sobre sexo seguro,
comportamentos e situações sexuais de risco, utilizando seus elementos peculiares para divulgação, quais sejam: despertar o interesse
pelo assunto; estimular o desejo de usar a camisinha no ato sexual;
criar a convicção de que o preservativo de borracha é o melhor método de prevenção ao vírus e à doença e induzir os indivíduos à ação.
(VESTERGAARD e SCHRODER, 1988, p. 47)
O formato publicitário utilizado para corresponder a tal propósito elegeu e consolidou como eixo principal da sua composição mensagens visuais e verbais que oferecem como saída para a prática do
sexo, com prazer e liberdade, o uso imprescindível da camisinha. A
camisinha torna-se o elemento principal na composição de todas as
campanhas, que apresentam situações sexuais de forma generalista,
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
por intermédio de uma orientação e uso do preservativo, transmitida
para o público por anúncios imediatistas, impositivos, reducionistas,
contraditórios e ambíguos,
1. que apresentam uma heterogeneidade de temas, situações e
formatos, atenuando a gravidade e a complexidade da doença e
expondo tal realidade de forma fragmentada e alegórica;
2. que denunciam os conflitos de saberes e a diferença de interesses dos profissionais médicos (voltados para os problemas de
saúde) e publicitários (dirigidos para a criação e divulgação) responsáveis por ensejar, pelas campanhas, sentido para a população
sobre a gravidade da AIDS e a urgência de prevenção frente a ela;
3. que são transmitidos de forma contingente (carnaval e 1º de
dezembro) na televisão; e
4. que apresentam um “discurso econômico” sobre a condição
homossexual e não se pronunciam sobre a orientação bissexual, privilegiando o público heterossexual masculino, com
informações referentes a comportamentos e situações sexuais
peculiares a tal segmento.
Nas vinte e cinco campanhas analisadas, apenas em duas a homossexualidade se apresentou como possibilidade a ser considerada. A
primeira, transmitida no ano de 2000, trazia um jogral onde as personagens eram todos homens. Dentre todas as mensagens que compunham
o anúncio, uma delas destacava a seguinte informação: “(...) eu posso
pegar Aids porque eu gosto de homem”; intercalada pelo slogan: “Não
importa com quem você transe, use camisinha. Evitar o avanço da Aids
depende de você”; o texto continuava e a mensagem repetia-se com um
outro sentido: “eu posso passar Aids porque eu gosto de homem”.
A segunda campanha, que se propunha a tratar o tema de
forma mais explícita, foi transmitida no ano 2001. Denominada de
“Campanha Campainha”, a composição da peça procurou “naturalizar” a relação homossexual entre dois rapazes. A proposta apresentou a situação, tanto inofensiva aos bons costumes quanto caricatural e preconceituosa frente a realidade homossexual. Primeiramente,
o clima harmonioso reinante na família se contrapunha ao ar de austeridade do pai, quando informava para o parceiro a decisão do filho
105
cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas
de não querer mais vê-lo. E, segundo, pelo confinamento do rapaz em
um espaço, que se assemelhava a um quarto (associado, na história
da vida privada, como local onde expomos nossas fragilidades), onde
se encontrava acuado em um canto, com um semblante de ansiedade,
sobre o resultado de uma situação que lhe competia.
A complacência de todos os componentes nesta cena remeteu-me a uma análise de Michael Pollak (1990), quando indica que a dificuldade dos homossexuais assumirem sua orientação sexual, muitas
vezes, fazem os mesmos se submeterem às situações impostas pelos
papéis e normas sociais de condutas.
(...) chegar a transformar uma homossexualidade conhecida
numa homossexualidade aceita é tarefa difícil, que mobiliza
toda a energia do indivíduo. (...) Porque ela não corresponde
à ordem das coisas, muitas vezes sua orientação sexual faz o
homossexual duvidar de si mesmo e dessa ordem, o que o leva
a interiorizar uma obrigação de justificação de sua ‘diferença’
(POLLAK, 1990, p. 26-27).
Várias outras campanhas analisadas apresentaram movimentos enunciativos que misturavam, simultaneamente, doença, risco e
prevenção, com humor, alegria, sensualidade, tom jocoso, musicalidade e beleza. A realidade da AIDS, na sua maioria, foi transmitida pelo
grande “circo eletrônico”, permeada por imagens de atores, cantores
e figurantes, que falavam para o público sobre o problema, com seus
rostos e corpos esbeltos, sadios e bonitos por natureza, denunciando a
costumeira posição dos publicitários de que “a publicidade deve provocar o sonho, não o raciocínio” (TOSCANI, 2003, p. 53). Isto significa
que apresentar ideias para serem consumidas sobre uma situação
que assusta, inibe e incomoda, se torna deveras complicado no mundo da propaganda, que lança, permanentemente, mercadorias visíveis, personalizadas, que vendem felicidade.
Sexo de risco, transgressão, doença, incurabilidade, solidão e morte, na sociedade brasileira, são problemas dos outros. Tratá-los é de competência médica. Informar fica por conta de uma Publicidade criativa, que
cuida de transmitir as mensagens sobre a AIDS, de uma forma alegre,
estimulando as pessoas à autoestima e ao autocontrole nas práticas sexuais com o uso da camisinha, sem que precisem abrir mão do prazer, da
diversão. Entender tais mensagens e praticá-las é uma prova de sintonia
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
e de esforço compatível com os tempos “pós-modernos”. Como dizem os
slogans das campanhas apresentadas, “quem se ama se cuida”. “E viver
sem Aids só depende de você”. Afinal, “prevenir é tão fácil quanto pegar”.
Referências
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de Controle de DST/AIDS, 1993.
______. AIDS II – Relatório de Implementação – Acordo de Empréstimo Bird 4392/BR. Brasília. Secretária de Políticas de Saúde. Coord. Nacional DST/AIDS, 1998/2000.
______. Projeto de Sustentabilidade e Gestão Estratégica das
Políticas HIV/AIDS e outras DST – AIDS III. Brasília. Secretária de
Políticas de Saúde. Coord. Nacional DST/AIDS, 2001.
CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. O Governo Collor: 1990 – 1994.
Rio de Janeiro: Edições ISTOÉ, 1999.
GUIMARÃES, Carmen Dora. AIDS no feminino: por que a cada dia
mais mulheres contraem Aids no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.
PAIVA, Vera. Fazendo arte com a camisinha: sexualidade jovens
nos tempos de Aids. São Paulo: Summus, 2000.
PARKER, Richard. A construção da solidariedade: aids, sexualidade e política no Brasil. Rio de Janeiro, Relume-Dumará: ABIA: IMS,
UERJ, 1994.
POLLAK, Michael. Os homossexuais e a AIDS: sociologia de uma epidemia. Tradução de Paula Rosas. São Paulo: Estação Liberdade, 1990.
PINEL, Arletty, INGLESI, Elisabete. O que é Aids. São Paulo: Brasiliense, 1996.
TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri.
5.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
107
cAPíTULO II
Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
A história dos jornais impressos
no Litoral Norte Paulista
Bruna Vieira Guimarães e Ricardo Reis Hiar
Resumo
Resgate da trajetória dos jornais impressos no Litoral Norte
Paulista, do periódico Mar que circulou na cidade de São Sebastião
em 1893 ao Imprensa Livre, atual diário da região. Descrever quem
foram os jornalistas fundadores e como mantiveram os primeiros jornais na região, conhecer as linhas editoriais e cobertura jornalística
desses impressos são os objetivos dos autores. Este artigo também
propõe lançar um primeiro inventário dos jornais de caráter noticioso (e não segmentados) que circularam nas cidades de São Sebastião,
Ubatuba, Ilhabela e Caraguatatuba em 118 anos de história da imprensa na região. Utilizamos à metodologia da Pesquisa Histórica
tendo como base documentos, livros e os próprios jornais encontrados
em acervos e bibliotecas nas quatro cidades do litoral. Trata-se de
reunir num único documento em construção, os jornais periódicos
que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento comunicacional no litoral norte paulista.
Palavras-chave: história de jornais, imprensa paulista, imprensa no Litoral Norte, jornais de Caraguatatuba, jornais de São
Sebastião, jornais de Ubatuba, jornais de Ilhabela.
Introdução
Os jornais impressos noticiosos que circularam no Litoral
Norte do Estado de São Paulo de 1893 aos anos 1990 integram o
escopo principal deste artigo. A metodologia adotada foi a Pesquisa
Histórica por meio de documentos, livros e consulta aos periódicos
conservados nas bibliotecas e arquivos públicos nas cidades de Caraguatatuba, São Sebastião, Ubatuba e Ilhabela.
Na definição de José Honório Rodrigues (1982, p.21), Pesquisa
Histórica é “a descoberta cuidadosa, exaustiva e diligente de novos
109
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
fatos históricos, a busca da documentação que prove a existência dos
mesmos, permita sua incorporação ao escrito histórico ou a revisão e
interpretação nova da História”. Consiste na descoberta dos fatos, na
documentação, e no uso correto dos achados.
Para Richardson (1989, p.199), “a pesquisa histórica ocupa-se do passado do homem, e a tarefa do historiador, [...] consiste
em localizar, avaliar e sintetizar sistemática e objetivamente as
provas, para estabelecer os fatos e obter conclusões referentes aos
acontecimentos passados”.
Explicando as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, Antonio Carlos Gil (1989, p.48) afirma que “boa parte dos estudos
exploratórios pode ser definida como pesquisa bibliográfica”, justamente porque a pesquisa bibliográfica coloca o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito sobre os objetos pesquisados.
O levantamento sobre os primeiros jornais que circularam na
região foi feito também no Arquivo Público do Estado de São Paulo, na
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, quando os autores
deste artigo pesquisavam dados para suas dissertações de mestrado1.
Os autores encontraram no Arquivo Público de Caraguatatuba, exemplares do jornal A Voz do Litoral (circulou de 1953 a 1986),
O Atlântico (1963 a 1967), A Tribuna de Ubatuba (1966 a 1968), Expressão Caiçara (1984), 4 Estâncias (1984 a 1989), Jornal Impacto
(1975 a 1989), O Litoral Norte (1975 a 1989), Caraguatatuba (1978 a
1987), Radiolite (1982 a 1991), Jornal da Praia (1991), Tribuna Caiçara (1992), Folha de São Sebastião (1994), Imprensa Livre (desde
1995), Jornal Costa Norte (1996), e outros em circulação.
No Arquivo Histórico de São Sebastião estão catalogados exemplares do jornal O Continente (1913), O Martello (1916), O Atlântico
(1925), Litoral Norte (1936), A voz do Litoral Norte (1953), O Bandeirante (1956), O Bandeirante do Litoral (1975 a 1989), além dos perióA pesquisa foi feita nos anos de 2006 e 2007. No Arquivo do Estado de São Paulo, na Biblioteca
Nacional e na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, os autores não encontraram exemplares dos jornais pioneiros que circularam no litoral norte paulista,
somente coletaram dados em livros e documentos sobre a história da imprensa interiorana de
São Paulo.
1
110
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
dicos em circulação. Nas Bibliotecas Públicas de Ilhabela e de Ubatuba
os autores encontram somente exemplares dos jornais ainda em circulação, com pouquíssimas exceções como O Atlântico (1962).
Este artigo faz uma breve descrição dos jornais noticiosos2 que
estão em circulação e dos periódicos que tenham sido publicados por
pelo menos seis meses nas duas últimas décadas. Entre eles, o diário
Imprensa Livre e o mensal Sintonia Social, ambos de São Sebastião e
que circulam nas quatro cidades da região; o Diário do Litoral Norte
com circulação de terça a sábado; e o semanário Canal Aberto, os dois
últimos de Ilhabela; os semanários Noroeste News e Expressão Caiçara publicados às quintas-feiras em Caraguatatuba, o último com
edições semanais também em São Sebastião e Ubatuba; o semanário
A Cidade publicado aos sábados somente em Ubatuba; o Jornal Agito
de Ubatuba, com circulação de terça, quarta e quinta na própria cidade e com edição especial de sexta-feira vendida nas bancas da cidade
e com circulação no Litoral Norte e Vale do Paraíba.
Dentre os jornais que abriram e fecharam as portas nos últimos 20 anos estão o semanário Jornal da Vila (1992) de Ilhabela;
o semanário Correio do Litoral que circulou de 2003 a 2005 em São
Sebastião; o semanário Jornal A Cidade de Caraguatatuba (2004);
o quinzenal A Folha de Caraguá (2004 e 2005); Tribuna Caiçara
(1992); A Semana de Ubatuba (2002 a 2007)3, entre outros.
Paulo Sérgio Pinheiro, no prefácio do livro O Bravo Matutino
sobre a história do jornal O Estado de S. Paulo (CAPELATO e PRADO, 1980, p. XI), afirma que o uso dos jornais como fonte de documentação sobre a história republicana é usual, mas que “faltavam
trabalhos sobre os próprios jornais, especialmente os grandes jornais,
de prolongada participação na vida política brasileira. Não se tratava
simplesmente de fazer história da imprensa, mas de situar esses jornais como elementos atuantes no processo político global”.
2
Os autores não consideraram neste artigo os jornais de associações de classe, sindicais, de
igrejas, comércios e outros que circularam e ainda circulam na região, tais como: De praia em
praia - da Diocese de Caraguatatuba, Jornal da Associação Comercial e Empresarial nas quatro cidades, jornais ou revistas de Yacht Club, de aposentados etc.
As datas do início e do término das publicações foram obtidas por meio das entrevistas feitas
para elaboração deste artigo ou calculadas de acordo com os exemplares encontrados pelos
autores. Portanto, as datas são aproximadas.
3
111
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Se recortado para o âmbito regional, tal afirmação também
se confirma, quando os autores constatam a falta ou inexistência de
estudos sobre os jornais que contribuíram (e contribuem) para o desenvolvimento político e econômico no Litoral Norte Paulista.
Dos pioneiros aos jornais em circulação
A história da imprensa no litoral norte de São Paulo não é
diferente da história da imprensa brasileira. Apesar de o Brasil ter
sido descoberto no ano de 1500, a Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro
jornal impresso nacionalmente, esperou 308 anos para circular na
então capital brasileira (SODRÉ, 1999).
No litoral norte de São Paulo, a cidade de São Sebastião aparecia num mapa de 1502, registrado por Américo Vespúcio em uma
de suas expedições. A emancipação política aconteceu em 1636 e somente 257 anos depois, a cidade registrou o primeiro jornal a circular no litoral norte, Mar de 1893, seguido por Terra de 1894, como
registrado no capítulo “A Imprensa no Interior”, no livro “História da
Imprensa de São Paulo”, escrito por Freitas Nobre (1950, p.155-157),
presidente do Sindicato dos Jornalistas deste estado naquela época.
O Continente (16 abr. 1916); O Atlântico (21 jun. 1925); Litoral Norte (15 jul. 1936); A Voz do
Litoral (24 abr. 1955).
112
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Jornais extintos - O Martello (5 out.1916); O Bandeirante (11 mar.1962); Jornal Cidade de
Caraguatatuba (29 set. a 06 out.2004); A Folha de Caraguá (01 a 15 fev.2005); Correio do
Litoral (19 a 25 fev.2005).
O levantamento da imprensa paulista feito por Nobre (1950,
p.167), registrou jornais que circularam no Estado de São Paulo de
1823 a 1945. Neste período, ainda consta o registro do jornal Echo
Ubatubense em 1896, na cidade de Ubatuba.
Na obra “Imprensa do Interior – Um Estudo Preliminar” de
Gastão Thomaz de Almeida (1983, p.38), há outro levantamento dos
primeiros jornais nas cidades do estado de São Paulo, desde Farol
Paulista de 1823 aos periódicos da década de 1970. Neste período
constam os registros do Eco Ubatubense (sem o H na palavra Echo)
de 1896, e em São Sebastião, o primeiríssimo Mar de 1893.
Os autores deste artigo não encontraram exemplares dos dois
jornais pioneiros na região: Mar e Terra. Encontraram a descrição
apenas do Echo Ubatubense4, como segue abaixo. Portanto, a análise
e a descrição de Mar e Terra ficam para as próximas pesquisas.
A segunda cidade a se emancipar politicamente no litoral norte paulista foi Ubatuba, em 1638. Portanto, após 258 anos a cidade registrou o primeiro periódico impresso. Uma descrição do Echo
Ubatubense foi encontrada na obra “Ubatuba-Documentário”, de Washington de Oliveira (1977):
4
No livro “Ubatuba – espaço, memória, cultura”, os autores Juan Droguett e Jorge Otávio
Fonseca (2005, p.247) confirmam que manusearam exemplares do Echo Ubatubense, além de
constarem nas referências os jornais Cidade de Ubatuba e Tribuna de Ubatuba. Em 2007,
quando os autores deste artigo pesquisaram na Biblioteca no Centro de Ubatuba, não encontraram os exemplares, portanto eles devem estar conservados em outro local.
113
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Como poucas cidades de nosso Estado, e quiçá do Brasil,
Ubatuba contou com um bom número de jornais aqui editados.
A partir de 12 de outubro de 1896 circulou o primeiro deles,
o “Echo Ebatubense”, dirigido pelo Dr. Esteves da Silva e que
contou apenas um ano de existência (OLIVEIRA, 1977, p.192).
O segundo exemplar do Echo Ubatubense assim se referiu:
[...] saiu a luz a primeira folha imprensa em Ubatuba, o primeiro
número do “ECHO UBATUBENSE” e, lá fora, ouvia-se o espocar
dos foguetes, anunciando às 10 horas em ponto, que Ubatuba
tinha, dora em diante, um defensor de seus interesses legítimos.
O primeiro número foi enviado ao Sr. Campos Sales, presidente
do Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 1977, p.192-193).
Uma pequena biografia de “Filhinho”, como era conhecido
o farmacêutico, escritor e jornalista Washington de Oliveira, consta no livro “São Paulo – Litoral Norte”, de Lita-Jacques Chastan
(1983, p.93). Ele nasceu em Ubatuba em 31 de março de 1906, e ali
estudou até transferir-se para Pindamonhangaba, onde concluiu o
curso superior de Farmácia. Após breve permanência em São Paulo,
retornou a Ubatuba, e, além da atividade profissional, exerceu outras no plano cultural, político e social.
Washington de Oliveira casou-se e teve três filhos. Militou na
imprensa local, secretariando o “Semanário Cidade de Ubatuba”, e foi
correspondente dos grandes diários da Capital. Membro da Associação
Paulista de Imprensa; da União Brasileira de Escritores; fundador e
presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Ubatuba; ex-prefeito
de Ubatuba em 1936 e 1945; ex-vereador em diversas legislaturas; autor do livro “Ubatuba-Documentário”, utilizado neste artigo. Retornamos aos primeiros jornais e jornalistas ubatubenses mais adiante.
A terceira cidade a se emancipar politicamente no litoral norte foi Ilhabela, em 1806. No entanto, os autores não encontraram
registros de jornais editados na cidade antes do Jornal da Vila, em
1992. Sabe-se que O Atlântico, de 1961, e outros periódicos circularam na cidade nestas seis últimas décadas.
A quarta cidade a se emancipar na região foi Caraguatatuba em 1857. A cidade esperou 96 anos para registrar o primeiro periódico, A Voz do Litoral de 1953, que será descrito mais adiante.
114
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Tal jornal aparece citado no capítulo “Imprensa do Interior”, no livro
“Nascimento da Imprensa Paulista”, de João Gualberto de Oliveira
(1978), que ordenou os jornais pelo título, data da fundação e nome
do redator responsável, “dados que conseguimos obter em diversas
fontes, com a devida cautela (OLIVEIRA, 1978, p.161)”.
Em Caraguatatuba, Oliveira (1978, p.173) registra A Voz do
Litoral (sem data e citação de editor) e, O Atlântico de 1962 que tinha
como redator Manuel Esteves da Cunha Júnior. Em Ubatuba, constam Tribuna Caiçara – 1951 – José Pedro Saturnino; e O Atlântico
de 1961. No Litoral Norte, Oliveira (1978, p.211 e 184) cita os jornais
O Impacto – 1974 – José Carlos Barreto Barbosa; O Litoral Norte –
1974 e, O Litoral Norte de São Paulo – 1976 – Osvaldo Biel.
Jornais de São Sebastião
Em São Sebastião5 a imprensa foi inaugurada em 1893 com
Mar, seguido por Terra, de 1894. Na pesquisa para este artigo os
autores não encontraram os nomes dos fundadores, tempo de circulação e demais informações dos mesmos. Os autores encontraram no
Arquivo Histórico da cidade, exemplares de outros jornais pioneiros
que passamos a descrever, tendo como base as informações noticiosas
e editoriais contidas nestes periódicos.
O Continente foi fundado em 1913 por E. de N. Paulo, como
impresso na capa do jornal. O jornal que circulava em São Sebastião
tinha quatro colunas, formato tablóide, com quatro páginas semanais
impressas em gráfica própria. Noticiava acontecimentos locais como
inauguração de cooperativa agrícola (edição de 16 de abril de 1916),
visita de políticos entre outros assuntos locais.
Na parte de publicidade, constavam anúncios de farmácias,
armazéns, ranchos, companhias de navegação, comunicados de comerciantes e agradecimentos à população. Os autores não sabem
precisar a data em que o jornal parou de circular, mas o último exemplar consultado data de 1919, portanto circulou pelo menos durante
seis anos, passando por mudanças gráficas e editoriais identificadas
pelos autores nos exemplares consultados.
5
São Sebastião soma 73.631 habitantes (2009). A cidade está localizada há 209 quilômetros
de São Paulo. Disponível em: www.saosebastiao.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010.
115
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
O Martello como o nome diz, era um jornal crítico e literário,
abordava temas políticos em forma de prosa e versos. Tinha quatro
páginas, o tamanho era a metade de um tablóide – um panfleto. Na
capa da edição de 05 de outubro de 1916, consta Anno 1, número 16 e
editor “Zé Ninguém”, demonstrando que o jornal adotava uma linha
crítica, algumas vezes sarcástica. Os autores não sabem precisar a
data em que o jornal parou de circular.
O Atlântico, criado em março de 1925, era um semanário publicado aos domingos, com sede na rua Dr. Altino Arantes, n.24, em São
Sebastião, tendo como diretor Manuel Custódio de Matos e gerente Arthur de Freitas. O jornal era vendido por assinaturas, não usava fotos,
mas ilustrações com notas curtas sobre política e notícias em geral. O
jornal emitia opinião em artigos assinados, tinha quatro páginas com
quatro colunas cada, sendo a última página predominantemente de
anúncios. Os autores não sabem precisar até quando circulou.
O Litoral Norte circulou pela primeira vez em 15 de julho de 1936,
era quinzenal, tinha oito páginas e quatro colunas, sendo dirigido pelo
professor Henrique Rodolpho Penno e tendo como repórter Jorge de Castro. O jornal era propriedade de uma sociedade anônima, como consta na
capa, dispunha das editorias de política, economia, opinião, esportes, cultura e circulava em Ubatuba, Vila Bela (hoje Ilhabela), Porto Novo (bairro
da região sul de Caraguatatuba) e São Sebastião. Os autores deste não
sabem precisar o período em que o jornal circulou. No editorial “A nossa
aspiração”, no primeiro exemplar, o jornal conta a que veio:
Destituído de ostentações inexpressivas, o Litoral Norte
surge no terreno áspero do jornalismo com a sua simplicidade
natural e animada da mais sublime finalidade. Aos seus organizadores não move outro intuito que não seja o de bem servir
a coletividade exprimindo com carinhosa fidelidade as necessidades mais prementes que visem o bem estar dos habitantes
destas praias férteis. Todos problemas dependentes de solução
que estiverem no desenvolvimento celero das fontes econômicas e do invejável progresso do nosso litoral, serão debatidos
pelas colunas deste jornal com a serenidade aconselhável para
o sucesso de todas as campanhas nobres e produtivas. O “Litoral Norte” será o porta-voz de todas as pretensões justas do
povo desta região e o defensor desassombrado das aspirações
do nosso litoral (LITORAL NORTE, 15 julho 1936, editorial).
116
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
No editorial, consta também que o jornal é resultado de um
grupo de amigos:
Não foi sem algum sacrifício que o “Litoral Norte” surgiu á luz da publicidade. Por iniciativa de um grupo de amigos
dedicados desta zona uberrima, o nosso jornal veio preencher
uma lacuna dá muito observada. Reunindo energias e aproveitando entusiasmos, a ideia há pouco embrionária tornou-se
hoje uma esplêndida realidade. Na preparação da seletiva do
“Litoral Norte” muito se destacou o dinamismo extraordinário
de Agnello Ribeiro dos Santos, que contribuiu poderosamente
para a realização da obra ideada e efetivada com este número inicial. A parte intelectual e administrativa foi confiada ao
professor Henrique Rodolpho Penno, que muito espera deste
povo generoso e hospitaleiro para o desenvolvimento sempre
crescente do “Litoral Norte”, que representa a opinião autorizada da gente boa desta próspera região (LITORAL NORTE, 15
julho 1936, editorial)6.
O primeiro número de O Bandeirante data de 9 de setembro
de 1956, tinha oito páginas divididas em quatro colunas, com texto,
fotografias e ilustrações, formato standard, dirigido inicialmente por
A. Guimarães P. Dias e gerenciado por Alexandre Pinder. O nome do
jornal vinha acompanhado pela figura de um bandeirante e se denominava como “órgão dedicado aos interesses do Litoral Paulista”.
O primeiro editorial intitulado “Salva São Sebastião”, dizia:
Quando surge um jornal todas as atenções se voltam para
suas diretrizes e as indagações fervilham. E respondemos com fidelidade, que, outro empenho não temos, senão o de servir incansavelmente, a esta nobre gente. Não estamos presos a interesses
políticos de nenhum matiz, nem temos compromissos com pessoas
ou grupos econômicos, que nos desviem do caminho traçado. Nossos compromissos estão assumidos com o povo cujas reivindicações
pugnaremos (O Bandeirante, 09 de setembro de 1956, editorial).
As editorias do jornal estão assim descritas neste mesmo texto:
Veicularemos os assuntos sobre religião, economia e finanças; crônica feminina; política local, nacional e estrangei-
Os autores preferiram traduzir o editorial sem usar a grafia da época, como consta no original,
mas readequando-as a grafia atual das palavras. No entanto, as frases não foram alteradas.
6
117
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
ra; comércio; industria; agricultura e pecuária; associações de
classes e sindicalismo; esportes; queixas e reclamações; sociais;
recreação, urbanismo e turismo; cooperativismo e notícias várias, dentro, das possibilidades de um jornal pequeno, que há de
crescer, mercê da colaboração do povo, que é sempre acolhedor
[...]. (O Bandeirante, 09 de setembro de 1956, editorial).
Os autores deste artigo tiveram acesso ao exemplar de 11 de março de 1962, de O Bandeirante, ano VI, número 261, dirigido por Benedito
Alvarenga e Régis de Abreu, gerenciado por Geraldo Dória Abreu, com
novo layout, cujo nome do periódico vinha agora sem a figura do bandeirante. Este jornal circulou semanalmente por pelo menos seis anos.
O jornal Bandeirante do Litoral circulou na década de 1980, tendo como diretora-proprietária Luzia Santos Dias Antunes do Prado. A
tiragem variava de quatro páginas para mais. O jornal em formato tablóide explorava fotos na capa7, como no exemplar consultado que data
de fevereiro de 1982, além de anúncios na página final, e nas páginas internas, notícias gerais, coluna social, ronda policial e colunas de opinião.
Em 1994 foi criado o jornal Folha de São Sebastião. Os autores
não conseguiram ter acesso a exemplares do mesmo, e, portanto a
descrição fica para as próximas pesquisas.
Outro jornal semanal feito em São Sebastião foi o Correio do
Litoral que circulou nas quatro cidades da região de 2003 a 15 de julho de 2005. O jornal em formato Standard, colorido, variava de 14 a
20 páginas, dividido em cadernos e editorias. Tinha colunistas, classificados, reportagens especiais e notícias da região escritas por jornalistas, especificamente para o jornal8. Teve como diretor João Marcelo
de Vincenzo, substituído posteriormente por Carla de Vincenzo.
O Jornal Costa Norte circula semanalmente há 18 anos, com
edições aos sábados nas cidades de Bertioga (onde está a redação),
Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela, Bertioga, Guarujá, Santos, São Vicente e Cubatão. São 20 mil exemplares em formato
Standard com notícias das cidades citadas e editorias de Política, GeO exemplar do dia 27 de janeiro a 3 de fevereiro de 1982 estampava uma foto grande do governador da época, além de três fotos pequenas com chamadas na capa. O período de circulação
do jornal foi calculado de acordo com os exemplares encontrados.
7
A autora deste artigo trabalhou no Correio do Litoral em 2003. O jornal contava com site,
ainda disponível em: http://www.correiodolitoral.com.br/. Acesso em: 20 abr.2010.
8
118
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
ral, Opinião, Social, Esporte, Variedades, Classificados. Possui endereço eletrônico: http://www.costanorte.com.br.
O jornal mensal Sintonia Social, dirigido pela jornalista Nívia
Alencar, circula em São Sebastião desde julho de 2006 quando se chamava Construção Social, com enfoque em notícias de cunho social.
Em dezembro de 2006, o jornal passou a se chamar Sintonia Social.
São quatro mil exemplares, em formato germânico, colorido e com
oito páginas. Circula nas quatro cidades da região.
O jornal Chip News que originou o atual Imprensa Livre, foi
criado em 28 de outubro de 1986 pelo médico Lourival Costa Filho e
o engenheiro Marjan Kozlowski. Em dois anos, o jornal deixou de ser
gratuito, passou a circulação semanal e começou a ser vendido nas
bancas. Em 25 de outubro de 1989, tornou-se diário e passou a se chamar Imprensa Livre. Em 1994, o anuário da Associação Nacional de
Jornais (SOUZA; MACHADO, 1994, p.238), confirma que o Imprensa
Livre era impresso em formato Standard, sem cores e dirigido por
João Carlos Ferreira.
Em 2000, Lourival Costa Filho deixou o jornal que foi assumido pelo jornalista Henrique Veltmanque o dirigiu até 2006. Em
2007 o jornal foi comprado pela Riviera Group, um grupo de capital
português instalado em Santos, litoral sul de São Paulo. A tiragem
média diária é de 3 mil exemplares e o jornal conta com cinco jornalistas em sua redação9. A versão eletrônica (www.imprensalivre.com)
simplesmente reproduz as notícias da edição impressa. O Imprensa
Livre será amplamente analisado no próximo artigo dos autores sobre a imprensa no Litoral Norte Paulista.
Jornais de Ubatuba
Na cidade de Ubatuba10, o Echo Ubatubense dirigido por
Esteves da Silva, circulou pela primeira vez em 12 de outubro
de 1896, como confirmam Juan Droguett e Jorge Otávio Fonseca (2005) no livro “Ubatuba - Espaço, Memória e Cultura” que
Os dados são de 2009. Em 2010, o Imprensa Livre abriu a sua primeira sucursal em Caraguatatuba e contratou mais jornalistas.
9
10
Ubatuba tem 81.096 habitantes (2009). Localizada há 324 quilômetros do Rio de Janeiro e há
234 quilômetros de São Paulo. Disponível em: www.ubatuba.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010.
119
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
mostra o percurso histórico da imprensa na cidade, tendo como
base a obra de Washington de Oliveira (1977) já citada. Sobre o
Echo Ubatubense, eles acrescentam:
As colunas desse semanário falam de geografia, de mitologia, de literatura, de “higiene da alma” e oferecia um calendário de atividades e eventos da vida social, além de avisos
comerciais, o que indica a parceria para baratear os custos de
impressão, tiragem e circulação. Parece-nos que a intenção comunicativa deste jornal era educar a população carente de informação sobre o acontecer temporal; mas essa primeira forma
de mídia impressa teve curta duração, pouco mais de um ano de
existência (DROGUETT; FONSECA, 2005, p. 243).
O segundo jornal foi o Ubatubense com direção de Luiz Domiciano da Conceição Júnior, circulação semanal e que também não
teve vida longa (OLIVEIRA, 1977, p.193).
A próxima iniciativa foi O Fogo, jornal causticante, dirigido
por Paulo Egídio da Costa. O periódico era todo feito pelo diretor proprietário que escrevia, compunha, organizava e distribuía os exemplares. “O prelo e todos os utensílios desse jornal, menos os tipos,
foram fabricados pelas mãos de Paulo Egídio, que, aliás, era habilíssimo mecânico (OLIVEIRA, 1977, p.193)”.
Em seguida apareceu O Relâmpago sob a direção de Ernesto de
Oliveira, que, assim como o nome, teve pouquíssima duração na cidade.
Prevendo o fracasso do último, o mesmo Ernesto de Oliveira cria com
outro grupo de amigos O popular. “Não demorou muito para que Osmar
Amado da Cunha e Irineu Ferreira Gomes fizessem circular O Papagaio
em papel verde, para dar cunho original... (OLIVEIRA, 1977, p. 193)”.
Observamos que o início do jornalismo em Ubatuba remonta os fins do século XIX, começo do século XX, colaborando
com a implantação da República. Naquele então, não se falava
de nação e sim de Brasil como país, a ideia de nação era um
projeto a ser construído sob a consigna do processo. Dessa forma, os jornais traziam menos notícias, assumiam o papel educativo de formadores de opinião – porta-vozes das mudanças
que precisavam acontecer na mentalidade e no comportamento
dos habitantes de Ubatuba, em sintonia com o cenário nacional.
A finalidade dos jornais era política e o conteúdo dos mesmos,
doutrinário (DROGUETT e FONSECA, 2005, p.244).
120
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em 1º de novembro de 1905, Floriano Rodrigues de Morais
funda o jornal A Cidade de Ubatuba transferindo-o aos irmãos Ernesto de Oliveira e Deolindo de Oliveira Santos que deram continuidade a publicação por 25 anos, portanto até 1930.
Em 1914, o jornal O Lápis foi editado e escrito por Idomeu Ferreira Gomes, José Pedro Toledo e José Puccini, este último sobrinho-neto do famoso compositor italiano Puccini. O jornal cedeu lugar a O
Prego “mais áspero, mais ferino nas suas investidas... Sabemos também de um outro jornal, de tiragem irregular de um único exemplar,
que ia de casa em casa, às ocultas, quase a medo... Era O Lampeão, de
pavio curto e, por isso, de pouca duração (OLIVEIRA, 1977, p.194)”.
Em 1920, o engenheiro Jacundino Barreto, o professor Máximo de Moura Santos e o promotor Olegário de Toledo Barros fundaram O Arauto, passando Ubatuba a contar com dois jornais, considerando A Cidade. “Foram dois jornais da época que implantaram
uma verdadeira luta entre partidos políticos, em um espaço bastante
restrito, de um público não preparado para este tipo de discussão
(DROGUETT e FONSECA, 2005, p.245)”.
Em 1934 surge o semanário Ubatubense -o segundo com este
nome- criado por José Rosa e Carlos Gewe, sob a direção de Altino Simonetti. A década de 1940 não registra a existência de jornais devido
à conjuntura da Segunda Guerra Mundial.
Na década de 1950 veio O Atlântico, de Manuel Esteves da
Cunha Junior e Fernando Azevedo e A Tribuna Caiçara de Lycurgo
Barbosa Querido, passando por esta Thiago Darcy Castilho, Justo
Arouca, Rubens André Costilhas, Benedito Santos e outros colaboradores (OLIVEIRA, 1977, p.194). Na administração de Francisco Matarazzo Sobrinho, A Tribuna Caiçara e O Atlântico empenham-se em
ferrenha luta política e acabam desaparecendo frente ao cenário de
revolução e ditadura. Ubatuba passa sete anos sem ter jornal.
Na década de 1970, o jornal Maraberto é produzido por jovens
do grêmio estudantil.
Tais jovens tinham a missão de reivindicar a cidade e
suas tradições, o que pareceu ser o eixo propulsor do jornalismo
como instância mediadora do município até a década de oitenta.
Cabe mencionar a existência de um jornal regional produzido
121
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
também na década de setenta, em Caraguatatuba, denominado
O Litoral Norte, que incluía notícias de Ubatuba (DRAGUETT
e FONSECA, 2005, p. 245).
No livro “O Litoral Norte do Estado de São Paulo - Formação
de uma região periférica”, Armando Corrêa da Silva (1975) aponta
que 48,7% da população nas quatro cidades do litoral liam jornais
nos anos de 1970-1972. No entanto em 1973 afirma que “o Litoral
Norte não possui jornal local embora Caraguatatuba e Ubatuba possuam estações de rádio (SILVA, 1975, p.96)”. Pressupõe-se que os jornais lidos vinham da capital paulista.
No livro “São Paulo Litoral Norte - Caiçaras e Franceses”, Lita-Jacques Chastan (1992) registra sem precisar a data, a existência
do Jornal de Ubatuba, de propriedade de Nelson Del Pino, jornalista
correspondente de órgãos de imprensa na capital e que possuía uma
rede de oito jornais semanais.
O jornalista profissional Nelson Del Pino (independente) foi mais uma vez agraciado como o ‘Título social cidade de
Ubatuba’, que lhe será entregue neste dia 24 de outubro, no famoso Baile das Rosas, que este ano alcança seu XIII ano de realização. O jornalista foi distinguido através do item Imprensa,
que, através de uma comissão e intelectuais escolheu o Jornal
de Ubatuba como o melhor do ano (CHASTAN, 1992, p.129).
Registra-se que em maio de 1998, o tenente Samuel Messias de Oliveira (2001, p.32), no livro “Ilha Anchieta: rebelião, fatos
e lendas”, conta que editou cinco mil exemplares do jornal Notícias
Policiais Especial. E que o jornal despertou tanto interesse que ele
repetiu a dose e editou mais cinco mil, se referindo ao jornal que fez
com fotos de 1952, quando aconteceu a rebelião no presídio da Ilha
Anchieta. Esta publicação isolada não tinha periodicidade e, por isso,
não entra no inventário proposto neste artigo.
Na pesquisa feita por Juan Draguett e Jorge Otávio Fonseca
(2005, p.245-246), consta que no dia 26 de outubro de 1999 foi fundado
por Josias Sabóia o jornal A Semana que circulou durante cinco anos
(até outubro de 2004), quando passou a ser um jornal online semanal11.
11
A versão online do jornal A Semana deixou de ser atualizada na internet em 11 Outubro de
2007, Edição Nº. 344, Ano VIII, como pode ser conferido em http://www2.uol.com.br/jornalase-
122
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Na mesma linha, surge O Povo por um período breve, pois seu fundador Oswaldo Luiz foi trabalhar em outra publicação.
Em 2005, quando Draguett e Fonseca pesquisaram sobre os
jornais locais, existiam em Ubatuba três periódicos expressivos: A Cidade, Opinião e Agito Ubatuba. Cada um com seu estilo. O jornal Opinião, de circulação semanal na região, foi publicado por Oswaldo Luiz
e Denis Bomeisel em 2005, para que a população pudesse se expressar com liberdade. Os autores deste artigo não conseguiram localizar
exemplares deste, portanto presumem que o jornal deixou de existir.
Na descrição de Draguett e Fonseca (2005, p.246), o jornal A
Cidade, fundado em 1985 por Gilberto Bosco Ferretti, natural de Lorena, tem formato Standard, com impressão offset feita em São José
dos Campos. É semanal e distribuído aos sábados. No início, tinha
quatro páginas, hoje alcança 16, sendo duas páginas de classificados para publicação de editais da Câmara de Vereadores, proclamas,
anúncios de comércio e órgãos públicos.
Em 2010, o jornal A Cidade continua com 16 páginas, mas
o proprietário desde 1995 é Benedito Góis Filho também diretor
da Rádio Costa Azul, a mais antiga da cidade. Os três mil exemplares semanais são vendidos nas bancas da cidade aos sábados,
além das assinaturas anual e semestral. Em datas comemorativas
a tiragem sobe para cinco mil exemplares, capa colorida e tem
como jornalista responsável Hugo Simeão que acumula a função
de assessor de imprensa da Câmara de Vereadores. O site12 está
sem atualização há cinco anos.
Ainda na descrição de Draguett e Fonseca (2005, p.246), outro jornal em circulação é o Agito Ubatuba, lançado em 2004 com o
objetivo de fixar a imediatez dos acontecimentos na cidade: cultura,
lazer, história, turismo ou esportes são pautas que regem suas colunas. A tiragem inicial era de dois mil exemplares e distribuição
gratuita, tendo como diretor executivo o publicitário Ewald Martins
e diretora comercial Kaka Di Lorenzo.
mana. Estão disponíveis as edições anteriores, da 64 a 303. Acesso em: 18 abril 2010.
SEMANA (A). Disponível em: http://www2.uol.com.br/jornalasemana. Acesso em 18 abr.
2010.
12
123
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
O jornal ampliou os dias de circulação em 2009. A tiragem é
de mil exemplares de terça a quinta quando o jornal sai com 16 páginas, preto e branco, distribuído gratuitamente na cidade. Na edição
de sexta-feira, são 4.500 exemplares e o jornal conta com 40 páginas,
capa colorida, sendo geralmente 36 de notícias e anúncios e seis de
classificados, vendido nas bancas e distribuído também nas cidades
de Parati, Caraguatatuba, Pindamonhangaba, Caçapava, Taubaté,
São Luis do Paraitinga e São José dos Campos.
O jornal se diferencia dos demais na parte de classificados que
reúnem 17 imobiliárias e outros 350 anúncios, serviços e grande parte
dos editais da Prefeitura de Ubatuba. Geralmente a manchete é escrita
pelo proprietário Ewald Martins que publica também press-releases e
mantém colunas fixas, tendo como colaboradores secretários municipais
e outras personalidades locais. São 13 funcionários que trabalham no
jornal, com gráfica própria e que, portanto, imprime outras publicações.
Jornais em circulação - Agito Ubatuba (2 a 8 abr.2010); A Cidade (Ubatuba, 11 jul.2009);
Imprensa Livre (São Sebastião, 17 e 18 abr.2010).
124
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Jornais de Ilhabela
Em Ilhabela13 os autores não encontraram jornal feito na cidade antes de 1992, quando circulou o Jornal da Vila14 que em 1993 se
transformou na Revista da Ilha, uma publicação mensal da Estação
Arte, com tiragem de cinco mil exemplares, em papel sulfite, duas cores e 24 páginas. Os editores da revista eram Roberto Piedade, Martins Ramos e Amauri Pontieri. A revista circulou até 1996.
Em 1995, surgiu a Revista Ancoradouro, uma empresa familiar que dois anos depois adquiriu gráfica e, em 18 de maio de 1997
lançou o Diário do Litoral, atualmente com circulação de terça a
sábado, com tiragem diária de três mil exemplares. O jornal presta
serviço dos atos das administrações públicas, de Ilhabela e São Sebastião, com distribuição nas quatro cidades da região. É vendido em
banca e distribuído aos anunciantes e nos prédios públicos.
O jornal publica os editais da Prefeitura de Ilhabela. A parte jornalística é feita com a publicação dos press-releases das prefeituras da
região, além de coluna social e classificados. O Diário do Litoral passou
por duas reformas gráficas e a terceira está em andamento. O site http://
www.tvancoradouro.com.br/diario/ esta no ar desde 2007 e reúne o conteúdo de notícias do Grupo Ancoradouro que edita outras publicações.
Outro jornal feito em Ilhabela é o Canal Aberto, semanal, oito
páginas em tamanho germânico, com notícias produzidas pelo jornalista Fernando Siqueira, papel de revista, tiragem de três mil exemplares e distribuído gratuitamente no comércio, repartições públicas
e nas bancas. É um jornal político e apartidário, com trânsito livre
nos partidos políticos que se paga com a venda de anúncios. Tem credibilidade com a população que o considera um jornal sério.
Os fundadores do Canal Aberto foram Abílio Alves de Lima
Junior, Luis Antônio Braga de Siqueira, Nivaldo Simões e Fernando
Siqueira, este último pretende transformá-lo em bi-semanário. A versão impressa do jornal, com notícias exclusivas, é enviada por e-mail
Ilhabela possui 26.011 habitantes (2009). Está localizada há 217 quilômetros da cidade de
São Paulo. Disponível em: www.ilhabela.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010.
13
14
Os autores não manusearam exemplares do Jornal da Vila. Conseguiram as informações na
entrevista com Heloíza Gomes de Lacerda Franco, publicitária e proprietária do Jornal Diário do
Litoral (Grupo Ancoradouro), concedida por telefone a Bruna Vieira Guimarães, em 16 abr. 2010.
125
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
a oito mil moradores da cidade, região e de outros países que tenham
interesse em saber notícias de Ilhabela. O site http://www.jornalcanalaberto.com.br registra cerca de três mil acessos diários.
Jornais em circulação – Diário do Litoral (Ilhabela, 13 abr.2010) e O Ancoradouro (Ilhabela, Março 2010); Canal Aberto (Ilhabela, 16 abr.2010); Sintonia Social (São Sebastião,
dez.2006).
Jornais de Caraguatatuba
Em Caraguatatuba15, até 1953 apenas jornais vindos de outras cidades circularam no município. No livro “Fazenda dos Ingleses”, Marino Garrido (1988, p.60) confirma que os jornais Correio
Paulistano e O Estado de S. Paulo, ambos da capital, chegavam
a Caraguatatuba nas décadas de 1930 a 1980. O autor não cita
jornais regionais lidos na Fazenda dos Ingleses, mas cita que os
Pasquins, no qual o litoral norte “era mestre neste tipo de comunicação - os de Benedito Cruz caracterizavam-se pela mordacidade,
pela ironia, pela irreverência, pela malícia e até pela agressividade (GARRIDO, 1988, p.59)”.
Elaborados em forma poética, quase sempre em versos heptassílabos, os pasquins aproveitavam os assuntos do dia e eram afixados
15
Caraguatatuba conta com 96.125 habitantes em 2009 segundo o IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística). A cidade está localizada há 180 quilômetros de São Paulo, possui
uma história recente devido à catástrofe de 1967 que dizimou parte da população e dos documentos históricos. Disponível em: www.caraguatatuba.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010.
126
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
em paredes, no interior dos botecos, nos postes, distribuídos de porta
em porta, circulava de forma anônima em qualquer lugar político.
“Os Pasquins do Litoral Norte de São Paulo” foram objetos de
estudo de Gioconda Mussolini (1971, p.11) que os define como uma
“maneira típica do folk de expressar os ‘acontecimentos’ ou seja, as
próprias experiências do grupo, cuja importância era o consenso local
que definia, e não a seleção do historiador”.
Os pasquins abordavam os atos políticos, nas quatro cidades
da região. Circularam sorrateiramente nos municípios litorâneos
em decorrência das eleições de 1947. O objetivo era influenciar a
opinião pública sobre questões políticas locais. Com o passar do
tempo, as atividades dos pasquinzeiros se reduziram e a população
passou a dar mais ênfase à informação recebida por outras fontes
de informação (MUSSOLINI, 1971, p.11).
No livro “Santo Antonio de Caraguatatuba - Memória e Tradição de um Povo”, organizado por Jurandyr Ferraz de Campos (2000),
consta um capítulo sobre os Rádios e os Jornais que fizeram história
na cidade, escrito pela jornalista Adriana Coutinho e a historiadora
Luzia Rodrigues de Toledo Prado.
Elas afirmam que em 1953 foi editado o primeiro jornal caraguatatubense, A Voz do Litoral fundado por José Benedito Moreira e
Luiz José Moreira, com apoio de Irineu Meirelles e Altamir Tibiriçá
Pimenta que possuíam influência política partidária local. Os dois
últimos atuaram como redatores do semanário.
Irineu Meirelles atuou como diretor do jornal durante muitos
anos, “sempre respeitando por todos pelo seu princípio de integridade
e independência. Esta linha de austeridade, o jornal A Voz do Litoral
sempre procurou conservar, mesmo após a sua morte, ocorrida no ano
de 1980” (COUTINHO; PRADO, 2000, p.261).
Já Altamir Tibiriçá Pimenta, que além de ter sido um dos
fundadores, atuou como diretor e redator durante todo o tempo em
que o veículo circulou.
No período de 1956 e 1957, quando cumpriu seu mandato como Prefeito de Caraguatatuba, foi substituído pelo redator
Hugo O. Galvão da Silva, só voltando na década de 60, para
127
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
dar continuidade aos trabalhos da direção e redação do jornal
(COUTINHO; PRADO, 2000, p. 261).
A redação do jornal se localizava na Rua Santa Cruz, onde hoje
funciona a Tipografia Poloni que realizava os serviços de impressão
do jornal. A Catástrofe de 196716, que dizimou parte da população, fez
com que o jornal deixasse de circular semanalmente, passando a sair
dois números num só exemplar. Neste período o jornal foi reduzido
em número de matérias, devido à quase inexistência de colaboradores e de anunciantes, obrigando a direção tomar medidas de contenção de despesas (COUTINHO; PRADO, 2000, p. 261).
No ano seguinte o jornal volta à periodicidade semanal e no
final da década de 70, Altamir Tibiriçá Pimenta assume a direção
do veículo. O semanário exerceu suas atividades durante 35 anos,
até 1988. É considerado o jornal de maior repercussão na história
da cidade e por sua vez, Altamir Tibiriçá “passou boa parte de sua
vida escrevendo e, ao mesmo tempo, fazendo a história da imprensa
de Caraguatatuba. Faleceu em 9 de janeiro de 2000 (COUTINHO;
PRADO, 2000, p.262)”.
Antes, em 1984, enquanto proprietário de A Voz do Litoral Altamir fundou um novo jornal na cidade, 4 Estâncias que teve como diretor
Sebastião Souza Lemos. Circulou nas quatro cidades da região até 1989.
Entre outros veículos que fizeram parte da história da imprensa da região, por um período curto no tempo, está a Folha do Litoral
que circulou quinzenalmente no início da década de 1960, dirigido
por Pedro Cruso e gerenciado por José Moraes. O jornal contava com
colaboradores que moravam na cidade:
Osíris Nepomuceno Santana, Altamir Tibiriçá Pimenta,
José de Almeida Barbosa e Geraldo Nogueira da Silva, tendo
também como fotógrafo o Sr. Nelson Reising. Além destes, o
jornal contava com a importante participação de Elza Saraiva
Monteiro, responsável pela parte de literatura do jornal [...].
Não se tem conhecimento da data em que encerrou suas atividades (COUTINHO; PRADO, 2000, p.262-263).
16
A Tromba D’Água ou Catástrofe de Caraguatatuba aconteceu em 18 de março de 1967,
quando as chuvas que caíam na região provocaram muitos deslizamentos na Serra do Mar.
Toneladas de lama e vegetação avançaram sobre a cidade deixando centenas de mortos. O fato
foi noticiado em jornais no Brasil e no Mundo tornando a cidade mais conhecida.
128
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em 1973, circulou pela primeira vez o jornal Impacto, tendo
como diretor-proprietário Monteiro Junior que o adquiriu de José
Carlos Barreto. Durante exatos 20 anos, o jornal noticiou o que de
mais importante aconteceu na cidade e na região. Dentre os colaboradores, Monteiro Junior contava com a valiosa colaboração da esposa
Doroty Hertel Monteiro que fazia a coluna social do jornal (COUTINHO e PRADO, 2000, p.263).
Monteiro Junior possuía experiência jornalística por ter atuado no Correio Paulistano, Última Hora, fundou as revistas Mocidade,
City Show e o jornal Primeira Fila na cidade de São Paulo. Em Caraguatatuba atuou como locutor da Rádio Oceânica e trabalhou em O
Litoral Norte criado em 1974.
Lita-Jacques Chastan (1983) transcreve trechos de uma entrevista sobre a aquisição do jornal e a relação de Monteiro Júnior
com o Litoral Norte. Ele declarou:
Descobri Caraguá, meu grande amor, e fiz Rádio Oceânica (Programa Monteiro Júnior), e depois veio o jornal ‘O Litoral
Norte’ e, por fim, essa outra doença chamada ‘Impacto’, que adquiri numa brincadeira com seu ex-proprietário José Carlos Barreto, menos trouxa do que eu. Houve tempo em que fiz o grande
rádio (Rede Piratininga), na época de Miguel Leuzzi e Radamés
Lacava, além de Roberto Espíndola (então diretor comercial da
Piratininga), hoje, coincidentemente, em Caraguatatuba, como
diretor-proprietário da Rádio Oceânica (CHASTAN, 1983, p.129).
O Impacto teve um diferencial entre os jornais da região: começou a ser publicado numa escala invertida. Quando as atividades
foram iniciadas, a circulação era diária. Porém, devido a muitas
crises e mudanças, passou a circular semanalmente, depois quinzenalmente e enfim mensalmente. A última edição foi em 1993, ano do
falecimento do proprietário.
Este não foi o único jornal a ser fechado após o falecimento do
diretor-proprietário. Caso semelhante foi o do jornal O Litoral Norte,
fundado por Hugo José Apuléo e Germano Marcio de Miranda Schmidt em 1974. Hugo Apuléo era jornalista diplomado e acumulava experiência em jornais paulistanos como O Dia e Jornal de São Paulo.
Por meio de sua experiência, o tablóide sobreviveu em meio às crises.
129
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Além da circulação nas quatro cidades, O Litoral Norte chegava a Jambeiro, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga, São José dos Campos e Taubaté. O jornal tinha bastante influência em São Sebastião e
muitos apoiadores locais. Desativado no final da década de 1980. “A
existência destes órgãos, que sempre buscavam a verdade e o espírito da opinião pública, foi uma conquista para o desenvolvimento do
município de Caraguatatuba” (COUTINHO; PRADO, 2000, p.264).
No livro “Memorial de sua Excelência - história política de
Caraguatatuba”, Justo Arouca (2003, p.329) cita na bibliografia
jornais que circularam na cidade, tais como: A Voz do Litoral, da
Tarde, Expressão Caiçara, Folha da Baixada, Impacto, Imprensa
Livre, Noroeste News, O Defensor, O Dia, O Litoral Norte, Panorama Jornal, 4 Estâncias, Radiolit (1982 a 1991), Jornal, Tribuna
Caiçara (1992), e outros de circulação nacional.
Os autores deste artigo colheram declarações que evidenciam
a existência de outros jornais como Caraguatatuba (1978 a 1987),
Jornal da Praia (1991) que circulou principalmente em período eleitoral, o Mais Mais (anos 2000) e outros periódicos que serão analisados num próximo artigo acadêmico.
Em 1986, o jornalista Salim Burihan participou da criação do
Imprensa Livre. De 1984 a 1991 Salim Burihan trabalhou na sucursal no Litoral Norte, do Jornal ValeParaibano que tem sede em São
José dos Campos, e também foi correspondente do Jornal da Tarde e
do Estadão. De 1992 a 1997 trabalhou na Folha de São Paulo como
correspondente no Litoral Paulista, cobrindo de Guarujá a Paraty (litoral sul e norte de São Paulo).
Ainda nesta cidade, registra-se o jornal semanal A Cidade de
Caraguatatuba, publicado durante 56 semanas no ano de 2004. O
jornal de 20 páginas, formato tablóide, capa colorida, com caráter
explicitamente político, teve como diretor responsável o jornalista
Roberto Espíndola. Passadas às eleições municipais daquele ano, o
candidato apoiado saiu-se derrotado e o jornal deixou de circular.
De dezembro de 2004 a julho de 2005, circulou o jornal quinzenal
A Folha de Caraguá, em formato Standard, capa colorida, com oito páginas, se denominava “Jornal de Verdade”. Teve como diretores José Flávio A. Pierre, Marly Fabrette, Dorothy P. Pereira e Henrique D. B. Louro,
130
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
e como jornalista responsável à autora deste artigo. O jornal publicava
notícias escritas por estagiários e jornalistas da redação. Foi fechado
porque não conseguiu sobreviver apenas com a venda dos anúncios.
Jornais em circulação - Noroeste News (Caraguá, 15 abr.2010); Expressão Caiçara (Caraguá,
14 a 20 abr.2010); Jornal Costa Norte (Baixada Santista e Litoral Norte, 04 a 10 abr.2010).
Os dois jornais em circulação na cidade são os semanários Expressão Caiçara e Noroeste News17, ambos com tiragem de cinco mil
exemplares, oito páginas, utilizam os press-releases da Prefeitura de
Caraguatatuba e região.
O Expressão Caiçara foi fundado em 1982 por Salim Burihan e
Lázaro Macedo. Em 1984 foi vendido para Lúcio Fernandes e, posteriormente, para Roberto Espíndola. Hoje é dirigido pelo filho Carlos Roberto
Espíndola. O Noroeste News foi criado em 1997 por um grupo de amigos,
entre eles, Pedro Monte-Mór e César Jumana, este último atual diretor.
Ambos serão amplamente analisados no próximo artigo dos autores.
Conclusão
As quatro cidades da região levaram tempo entre a emancipação política e o registro dos primeiros jornais impressos localOs dois jornais disponibilizam no site o jornal em pdf. NOROESTE NEWS. Disponível em:
http://www.noroestenews.com.br/. Acesso em: 19 abr.2010. EXPRESSÃO CAIÇARA. Disponível em: http://jornalexpressaocaicara.com.br/. Acesso em: 18 abr.2010.
17
131
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
mente. São Sebastião esperou 257 anos para ter o jornal Mar em
1893, inaugurando a imprensa na região. Ubatuba levou 258 anos
para ver Echo Ubatubense publicado em 1896. Ilhabela esperou 186
anos para ver o Jornal da Vila de 1992. E Caraguatatuba aguardou
96 anos para ver impresso A Voz do Litoral de 1953.
Em 118 anos de imprensa no Litoral Norte de São Paulo,
poucos jornais perduraram por mais de uma década. As exceções
foram: A Voz do Litoral que circulou por 35 anos até 1986; Impacto
que circulou por 20 anos até 1993; O Litoral Norte que circulou por
15 anos até 1989; Expressão Caiçara que circula há 28 anos, desde 1982; Noroeste News que circula há 13 anos, desde 1997; todos
na cidade de Caraguatatuba. Em Ubatuba, o jornal A Cidade de
Ubatuba circulou por 25 anos até 1930; e o homônimo A Cidade,
circula há 23 anos, desde 1987. Em Ilhabela, o Diário do Litoral
completou 13 anos, em circulação desde 1997.
Em São Sebastião, os autores não encontraram bibliografia sobre
a imprensa na cidade e, portanto, a pesquisa teve como base os poucos
exemplares dos jornais encontrados, dificultando a precisão nas datas
de quando os mesmos foram fechados. O diário Imprensa Livre circula
há 24 anos, desde 1986, e o Sintonia Social, circula há 3 anos.
Quantitativamente, os autores catalogaram 13 jornais em São Sebastião, 14 jornais em Caraguatatuba, 22 em Ubatuba e 03 em Ilhabela.
Trata-se de um primeiro levantamento acadêmico, sujeito a atualização.
Dos 52 jornais inventariados, apenas sete existiram por
mais de dez anos. A maioria dos jornais fechou as portas porque
não conseguiu sobreviver com a venda de anúncios publicitários
e classificados. A situação se assemelha ao quadro econômico no
litoral norte, baseado no turismo, comércio e prestação de serviços,
sem a presença de um parque industrial.
Dentro os jornais que conseguem sobreviver com as atividades
jornalísticas e publicitárias estão o Grupo Ancoradouro com o Diário
do Litoral, Grupo Costa Norte de Comunicação com o jornal Costa
Norte, jornais Agito Ubatuba, Expressão Caiçara e Noroeste News.
Os anúncios publicitários e classificados desses jornais representam
40 a 50% do total de páginas da publicação e são preenchidos com os
editais das prefeituras, câmaras de vereadores e afins. Três destes
132
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
periódicos ampliaram nos últimos anos, os dias de circulação e a tiragem do jornal: Imprensa Livre, Expressão Caiçara e Agito Ubatuba.
Em três das quatro cidades da região, há gráficas que imprimem os próprios jornais: em São Sebastião tem a gráfica do
Imprensa Livre, em Ubatuba tem a gráfica do Agito Ubatuba e
em Ilhabela há a gráfica do Diário do Litoral. Em Caraguatatuba
existem gráficas, mas os jornais locais são impressos nas cidades
de São José dos Campos e São Paulo.
Qualitativamente, alguns jornais mantêm uma aproximação
com a política local, em favorecimento aos grupos políticos que estão
no exercício do poder. A relação entre os departamentos comerciais e
as redações desses poucos jornais é conflituosa. As notícias publicadas são baseadas, senão cópias dos press-releases enviados pelas assessorias de imprensa das quatro prefeituras, câmaras de vereadores
e órgãos públicos, sem qualquer verificação ou complementação das
informações. Exceção de reportagens de cunho investigativo publicadas no Imprensa Livre, Canal Aberto e outros.
Há bons exemplos de jornais que contrariam a situação
descrita acima. Por exemplo, o jornal Sintonia Social que não
tem o propósito de favorecer (e não favorece) grupos políticos que
estejam no poder. Neste jornal não existe conflito entre comercial
e redação porque o conteúdo editorial não é comercializado. O
lema do jornal é “Rumo à sociedade desenvolvida e solidária”, e
seu conteúdo beneficia trabalhos com enfoque social, especialmente de Organizações Não Governamentais. O conteúdo publicado não são cópias de press-release, mas reportagens e entrevistas em campo do próprio jornal, em sua grande maioria18.
Parte dos jornais em circulação tem endereços eletrônicos
na internet, mas não utilizam o potencial das mídias digitais, com
exceção do jornal Canal Aberto que envia o jornal semanal para
oito mil contatos, e o Grupo Ancoradouro que mantêm um site com
características de um portal de notícias da região. Os demais veículos utilizam a internet apenas para sobrepor o material impresso,
sendo que alguns mantêm os sites desatualizados.
Declaração da jornalista Nívia Alencar, proprietária do jornal Sintonia Social, enviada à
autora por e-mail em 22 jul.2010.
18
133
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Os autores acreditam que a curto e médio prazo não haverá
jornais com imparcialidade na região. A imprensa no litoral norte
retrocedeu ao longo do tempo. A região atraiu por muito tempo,
“aventureiros” da comunicação, interessados no lucro momentâneo, que acabaram retornando para as cidades de origem. Este
foi um dos fatores que explicam a vida curta de alguns jornais
impressos no Litoral Norte.
Quanto ao público leitor da região, é preciso criar hábitos de
leitura de jornais, tendo em vista as tiragens que não ultrapassa
cinco mil exemplares. A venda dos jornais regionais em banca no Litoral Norte é baixa e os leitores acabam optando por ler os “jornais
press-releases” de distribuição gratuita. Há carência de leitores críticos e que busquem informações completas de forma a contribuir
para o desenvolvimento da região.
O Litoral Norte Paulista abriga instituições de ensino superior,
mas apenas o Módulo Centro Universitário19 oferece a capacitação profissional em Comunicação Social. No primeiro semestre de 2008 teve
início em Caraguatatuba, a Faculdade de Comunicação Social com Habilitações em Publicidade e Propaganda, e Jornalismo. Nos anos seguintes, somente a faculdade de Jornalismo abriu novas turmas. A única
turma de Publicidade e Propaganda concluirá a faculdade em 2011.
A situação descrita evidencia que o nível de profissionalismo
na área de Comunicação na região tem muito que melhorar. O ritmo
do mercado de trabalho nos jornais do Litoral Norte é lento e não
acompanha o atual crescimento econômico e social nas cidades de
Caraguatatuba, São Sebastião, Ubatuba e Ilhabela.
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Entrevistas: - Ewaldo Carlos Martins Soares da Silva, diretor-proprietário do jornal Agito Ubatuba, entrevista concedida por telefone a Bruna Vieira Guimarães, em 20 abr.2010.
Fernando Siqueira, jornalista diretor-proprietário do jornal Canal
Aberto, entrevista concedida por telefone a Bruna Vieira Guimarães,
em 15 abr.2010.
Heloiza Gomes de Lacerda Franco, publicitária e proprietária do Jornal
Diário do Litoral/Grupo Ancoradouro, entrevista concedida por telefone a Bruna Vieira Guimarães, em 16 abr.2010.
Igor Veltman, ex-editor do Imprensa Livre, entrevista concedida por e-mail a Ricardo Reis Hiar, em 14 abr.2010.
Roberto Espíndola, fundador do Expressão Caiçara e de A Cidade de
Caraguatatuba, entrevista concedida pessoalmente a Ricardo Reis
Hiar, em 31 mar.2010.
Roberto José Arantes Monteiro, diagramador há 20 anos do jornal A
Cidade de Ubatuba, entrevista concedida por telefone a Bruna Vieira
Guimarães, em 15 abr.2010.
Anexo 1.
Cronologia histórica dos jornais no Litoral Norte Paulista
São Sebastião
Mar
138
Caraguatatuba
A Voz do Litoral
Ubatuba
Echo Ubatubente
(1893)
(1953 a 1986) = 35 anos de
circulação
Terra
Folha do Litoral
Ubatubense
(1894)
(1960)
(1898)
(1896 a 1897)
Ilhabela
Jornal da Vila
(1992) que se tornou a
Revista da Ilha (1993 a
1996)
Ancoradouro
(1995) e Diário do
Litoral Norte (1997
até hoje) = 13 anos em
circulação
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O Continente
(1913 a 1919 aprox.)
O Martello
(1916)
O Atlântico
(1925)
Impacto
(1973 a 1993) = 20 anos de
circulação
O Litoral Norte
(1974 a 1989) = 15 anos
em circulação
O Litoral Norte de São
Paulo (1976)
O Fogo
(1900)
(2007 até hoje) = 3 anos
em circulação
O Relâmpago
(1901)
O Papagaio
(1901)
(1936)
Caraguatatuba (1978 a
1987 aprox.)
Cidade de Ubatuba
(1905 a 1930) = 25
anos
O Bandeirante
Radiolit
O lápis
(1956 a 1962 aprox.)
(1982 a 1991 aprox.)
(Aprox. 1914)
O Bandeirante do
Litoral (1982)
4 Estâncias
O prego
(1984 a 1989)
(Aprox. 1915)
Litoral Norte
Canal Aberto
Chip News
(1986) que se tornou
Imprensa Livre
(1989 até hoje) = 24
anos
Jornal Costa Norte
(1992 até hoje) = 18
anos em circulação
Expressão Caiçara
(1982 até hoje) = 28 anos
em circulação
Jornal da Praia (1991)
O lampião
(Aprox. 1916)
O Arauto
(1920)
Folha de São
Sebastião
Tribuna Caiçara
O Ubatubense
(1992)
(1934 a 1939 aprox.)
Correio do Litoral
Noroeste News (1997
até hoje) = 13 anos em
circulação
Tribuna Caiçara
A Folha de Caraguá
O Atlântico
(2004)
(1961 a 1967 aprox.)
Cidade de Caraguatatuba
(2004)
A Tribuna de Ubatuba
(1966 a 1968)
(2003 a 2005)
Sintonia Social
(jul.2006 até hoje)
= 3 anos em circulação
(1951 a 1960 aprox.)
Maraberto
(1977)
Notícias Policiais
(duas edições únicas)
(1998
139
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
A Semana
(1999 a 2004) = 5
anos de circulação
Jornal de Ubatuba
(1992 aprox.)
O Povo (2004)
Opinião (2005)
A Cidade (1987 até
hoje) = 23 anos em
circulação
Agito Ubatuba (2004
até hoje) = 6 anos em
circulação
13 jornais
14 jornais
22 jornais
03 jornais = Total 52
As datas mencionadas indicam o ano de fundação e fechamento dos jornais. Os jornais em negrito estão
em circulação na data de revisão deste artigo, em outubro de 2010.
140
Comunicação empresarial nas décadas de 1930 e 1940:
o pioneirismo do C.T.I. Jornal
Monica Franchi Carniello, Eliane Freire de Oliveira e Francisco de Assis
Antecipando o futuro
Num período em que a comunicação empresarial ainda não havia
se configurado como atividade reconhecida pelas organizações, a Companhia Taubaté Industrial (CTI), empresa do segmento têxtil fundada
no final do século 19, em Taubaté (SP)1, editou, nas décadas de 1930 e
1940, um veículo jornalístico voltado para seus operários: o C.T.I. Jornal.
Além de ser distribuído gratuitamente aos funcionários da
fábrica, o jornal era encaminhado a instituições, repartições públicas e órgãos de imprensa de Taubaté e de diferentes Estados, além
de ser endereçado a outras companhias têxteis do exterior. Promovia, assim, o relacionamento com diversos públicos da empresa,
atualmente denominados de stakeholders.
Considera-se que, no Brasil, a comunicação empresarial só ganhou contornos mais nítidos no final da década de 1960, período em
que as empresas passaram a ser compreendidas como instituições
com forte relação com a sociedade (TORQUATO DO REGO, 2004, p.
2). É naquele momento que se inicia uma preocupação em contemplar, sob a ótica da comunicação, públicos distintos das organizações,
como os funcionários e os consumidores. Fazer o público interno orgulhar-se da empresa e os consumidores perceberem a qualidade dos
produtos fabricados tornou-se, portanto, objetivo comum a empresas
dos mais variados ramos.
Um dos fatores que reforçaram a delimitação desse campo da
comunicação social foi a chegada de multinacionais ao país. Essas
1
Município localizado a 123 km de São Paulo, a 280 km da cidade do Rio de Janeiro, a 90 km de
Ubatuba (Litoral Norte do Estado de São Paulo) e a 45 km de Campos do Jordão (Serra da Mantiqueira). É o segundo maior polo industrial e comercial do Vale do Paraíba, abrigando empresas
como Volkswagen, Ford, LG, Alstom e Usiminas, dentre outras, além do Comando da Aviação do
Exército. Seu nome origina-se da língua tupi, com a junção dos vocábulos taba e eté (aldeia elevada).
É terra natal do escritor Monteiro Lobato e dos apresentadores Hebe Camargo e Cid Moreira.
141
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
grandes empresas traziam consigo experiências, estratégias e técnicas de comunicação utilizadas em outros países, nos quais a área
já estava mais bem configurada.
A tese defendida nesta reflexão2 é a de que a CTI, ao editar
um jornal empresarial de grande expressão, no período mencionado
no início destas linhas, tornou-se uma das pioneiras no exercício da
comunicação empresarial do Brasil, antecipando algumas estratégias e técnicas que, posteriormente, seriam comuns à área.
Muito embora, naquela época, ainda não houvesse profissionais
especializados, e os conceitos, as terminologias, as estratégias, assim
como o próprio setor em questão, não estivessem teoricamente sistematizados, muitas das realizações da empresa taubateana – divulgadas
pelo jornal – revelam o embrião de recursos que até hoje são adotados
em setores de comunicação empresarial, ainda que com suas devidas
atualizações. Tratava-se, assim, de ações realizadas de modo instintivo,
assim como muitas atividades das habilitações da área de comunicação.
Comunicação empresarial no Brasil
Gaudêncio Torquato do Rego (2004, p. 2), como já foi dito, situa
as origens da comunicação empresarial no Brasil na década de 1960.
Para Wilson Bueno (2003, p. 5), no entanto, o conceito de comunicação empresarial surge na década de 1970, decorrente da inserção, em
empresas de pequeno e médio porte, de profissionais de comunicação
preparados, que se tornaram responsáveis por desempenhar atividades específicas de comunicação empresarial.
No entanto, não há como negar que, em momentos anteriores
a essa fase, existiram iniciativas e ações isoladas de comunicação em
algumas empresas, mas que raramente faziam parte de um planejamento estratégico de comunicação. Como diz o próprio Bueno (2003,
p. 4), “as atividades de Comunicação desenvolvidas nas empresas ou
entidades eram fragmentadas. [...]. Pode-se dizer mesmo que a comunicação era, quase sempre, uma atividade residual, exercidas em
muitas vezes por profissionais de outras áreas”.
É importante destacar que este texto compõe um projeto contínuo de recuperação da história
da imprensa do Vale do Paraíba, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (Nupec), da Universidade de Taubaté (Unitau), desde 1996.
2
142
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O começo das mudanças nesse cenário se deve, em boa medida, à Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de
Empresas (Aberje), fundada em 1967 e transformada, mais tarde, em
Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, mantendo sua
sigla original (MAFEI, 2004, p. 36). Desde aquela ocasião, a entidade fortalece, organiza e imprime uma função estratégica ao departamento de comunicação das empresas.
Contudo, é a década de 1990 o período de definitiva consolidação da área, que deixa de ser encarada como um conjunto de atividades fractais para tornar-se um processo integrado que direciona
o relacionamento entre empresas e seus públicos (BUENO, 2003, p.
7). Atualmente, a comunicação empresarial é considerada um setor
estratégico de uma organização e que deve ser trabalha da sob o paradigma da comunicação integrada.
Marcélia Lupetti (2007, p. 15-23) destaca que a comunicação
integrada é formada pelas seguintes esferas:
1. comunicação administrativa: busca viabilizar a comunicação
de todo o sistema organizacional de forma eficaz, baseada no sistema operacional administrativo;
2. comunicação interna: utilizada para viabilizar a interação
possível entre a organização e seus públicos internos;
3. comunicação institucional: voltada para a construção, a formação
e o fortalecimento de uma identidade e uma imagem corporativa;
4. comunicação mercadológica: toda a parte comunicativa destinada à divulgação publicitária dos produtos ou serviços de uma
empresa/organização, como a propaganda, a promoção de vendas, a venda pessoal, o marketing direto, ações de merchandising, eventos, entre outros.
Observando esse amplo cenário, James Stoner e R. Edward
Freeman (1999, p. 388) reforçam que a comunicação é vital nas organizações. É por meio dela que os administradores realizam suas funções cotidianas de liderança, organização, planejamento e controle.
Dentre as esferas da comunicação apresentadas acima, o
C.T.I. Jornal contemplou, de forma mais enfática, a comunicação
143
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
interna, uma vez que tinha como público primário os funcionários;
mas também se voltou à comunicação institucional, já que visava
construir um discurso positivo sobre a empresa, com o intuito de
gerar uma imagem percebida positiva aos leitores.
Como observa Paul Argenti (2006, p. 169), “a comunicação com
os funcionários não é mais uma função ‘não-essencial’, mas uma função comercial que impulsiona o desempenho e o sucesso financeiro de
uma empresa”. A leitura dos exemplares do C.T.I. Jornal faz notar
que a empresa sabia muito bem utilizar a comunicação para conseguir a adesão e a empatia dos seus colaboradores. Mesmo que diferentemente da atualidade, época em que a maneira com que empresas
se comunicam com colaboradores adquiriu novos delineamentos, em
função de uma série de fatores – como a mudança do perfil dos funcionários; a inevitável transparência e exposição das organizações; a
ampliação dos canais de comunicação em função do desenvolvimento
tecnológico das mídias; as mudanças na legislação trabalhista, entre
outros –, observa-se que a CTI, ainda que possivelmente de forma
não racionalizada, já cultivava uma visão da comunicação interna
como fator estratégico para a melhoria dos resultados da empresa.
Percebe-se, ainda, que o posicionamento do C.T.I. Jornal
consistia numa visão embrionária daquilo que, hoje, se entende
por “endomarketing”, para o qual a comunicação interna é a principal ferramenta. A meta do endomarketing é fazer com que funcionários conheçam a missão e os objetivos da organização na qual
trabalham, para que se sintam mais inseridos em seu contexto,
representem melhor a empresa perante seus clientes e assimilem
os valores da instituição. O resultado de tudo isso, sem dúvida,
traz resultados para a empresa, tanto em produtividade como em
imagem perante seus públicos (BEKIN, 1995, p. 69).
Companhia Taubaté Industrial: breve histórico
Fundada a 4 de maio de 1891, por Félix Guisard3 (1862-1942),
a Companhia Taubaté Industrial, popularmente conhecida pela sigla CTI,
A biografia do fundador da CTI foi recentemente contada por Cláudia Martins (2008) no
livro Félix Guisard: a trajetória do pioneiro da indústria taubateana, publicado pela Cabral
Editora Universitária.
3
144
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
foi instalada, na cidade cujo nome incorporou, para a produção de meias e
camisas de algodão. Com menos de uma década de existência, em 1898,
um incêndio destruiu parte das máquinas e do imóvel. Em pouco tempo,
entretanto, a empresa se reestruturou e passou a produzir, a partir de 1903,
tecidos lisos (morins), brins riscados e toalhas felpudas, produtos de muito
consumo na época. A partir de então, a fábrica prosperou e expandiu suas
instalações em uma área de mais de 75 mil metros quadrados.
Em 1910, foi construída a segunda fábrica da CTI, com 224
teares manuais para a produção do “Morim Ave Maria”, que se tornou seu principal produto. Já em 1912, foi a vez da implantação da
terceira fábrica, com 868 teares para a confecção de cretones.
Ao todo, o complexo industrial – com os três prédios fabris e mais dois prédios administrativos e sociais – ocupava
uma área de oito terrenos. A CTI chegou “a manter em atividade perto de 1.300 teares manuais, empregando mais de 2
mil operários, produzindo anualmente cerca de dez milhões de
metros de tecidos de algodão, que eram vendidos pata todos
os Estados do Brasil e exportados para os Estados Unidos”
(HOFF & RIBEIRO, 1997, p. 64).
No fatídico ano de 1929, a CTI foi afetada pela crise econômica
mundial deflagrada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York.
Mas os funcionários concordaram, voluntariamente, em trabalhar
duas horas a mais por dia, sem remuneração extra, para que a empresa pudesse saldar suas dívidas. Com esse episódio, é possível perceber
a relação de comprometimento entre funcionários e organização.
Superada a crise, a Companhia viveu seu apogeu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), empregando cerca de 2.400 pessoas, comercializando produtos de boa qualidade em grande quantidade e
alcançando posição de destaque na indústria têxtil da América Latina.
Até a década de 1950, a família Guisard controlou a
maioria das ações da empresa, mas, em 1953, a família Veloso
Borges, com empresas do Rio de Janeiro, adquiriu o controle de
96% das ações, mantendo o controle da C.T.I. até 1970, quando
a maioria das ações da empresa foi adquirida pela Companhia
Nacional de Tecidos ‘Nova América’, com sede também no Rio
de Janeiro (ANDRADE & ABREU, 1996, p. 266).
145
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
A Companhia Taubaté Industrial funcionou normalmente
até 1983, quando paralisou definitivamente suas atividades por ser
obrigada a requerer concordata preventiva em consequência da falência da Nova América, que acabou sendo incorporada ao grupo
Cataguases-Leopoldina, após leilão promovido pelo BNDS (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 1987. Seu
maquinário foi vendido, suas instalações desapropriadas e entregues à mercê da especulação imobiliária, o que resultou em abandono de alguns prédios importantes como patrimônio histórico e
cultural da cidade de Taubaté.
Percursos do C.T.I. Jornal
O C.T.I. Jornal foi criado em 1937, período da história do
Brasil conhecido como “Era Vargas”4, caracterizado, entre outros
fatores, pela promulgação das primeiras leis trabalhistas e pelo incentivo ao processo de industrialização e desenvolvimento econômico com ênfase no setor estatal.
A ideia do jornal partiu de um diretor da fábrica e também
jornalista, Oswaldo Barbosa Guisard, e de um secretário da empresa, João Dias Monteiro. A primeira edição data de 15 de abril de
1937, quando começou a ser distribuído com uma tiragem de dois mil
exemplares, superando as expectativas dos integrantes da diretoria
que deliberaram inicialmente confeccionar a metade desse número.
O projeto era, de fato, audacioso. E seus idealizadores assim o
queriam, como pode ser observado na ata de fundação do periódico,
publicada na edição de 15 de abril de 1938, na qual se lê o seguinte:
Aos seis dias do mês de março de mil novecentos e trinta e sete, reunidos na sala das assembléias e reuniões da Companhia Taubaté Industrial, os que subscrevem, constituídos
em Assembléia, deliberaram fundar um jornal intructivo e noticioso, destinado principalmente aos operários da Companhia
4
Termo relacionado ao governo de Getúlio Vargas, que dominou a política brasileira de 1930 a
1954, assumindo a presidência da República após a Revolução de 1930, governando até 1937, quando desfechou o golpe que instalou no país o regime ditatorial denominado Estado Novo. Em 1945,
foi derrubado por militares golpistas, mas retornou ao governo em 1951 até encerrar sua trajetória,
suicidando-se em 1954. Como chefe do Poder Executivo, promulgou as primeiras leis trabalhistas e
iniciou um processo de industrialização e desenvolvimento econômico com ênfase no setor estatal.
146
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Taubaté Industrial. [...] Tomando a palavra, o Presidente da
companhia, Sr. Alberto Guisard, disse que se congratulava pela
idéia da fundação do ‘C.T.I. Jornal’ de grandes finalidades, vez
que, abstraindo-se completamente de discussões sobre política
e religião, teria por fim elevar o operário dando-lhe meios de
conhecer os principaes aspectos do mundo em descrições sucintas divertindo-o ao mesmo tempo em sessões críticas e humorísticas, sem ofensas e sem malícia e instruindo-o através
de uma sessão de conselhos sobre técnica de fiação e tecelagem de algodão. Terminou por dizer que a Companhia Taubaté
Industrial, que no momento representava, apoiava totalmente
a idéia e se propunha mesmo a concorrer com as despesas de
papel e impressão para o jornal. A seguir, com a palavra o Dr.
Félix Guisard, diz que possuindo uma bem montada tipografia
com todo o material necessário, punha a mesma à disposição
do ‘C.T.I. Jornal’ que nela poderia ser feito sem ônus além do
papel e dos salários dos compositores e impressores, sendo que
a revisão caberia à direção do jornal.
O mesmo documento apresenta as “disposições gerais” do C.T.I.
Jornal, uma espécie de manual de conduta a ser seguido pelos redatores:
1º.- O jornal deverá ser legislado de acordo com as leis do país.
2º.- Será publicado uma vez por mês até estar organizado
para sair duas ou mais vezes por mês.
3º.- Será um jornal da C.T.I. e para a C.T.I., e suas colaborações só devem ser de pessoas da C.T.I., ou de pessoas notáveis em jornalismo, literatura ou ciências podendo abrigar
transcrições de artigos interessantes ou instructivos.
4º.- Sua tiragem será de mil exemplares, sendo 800 para
distribuição gratuita aos operários [...] e 200 para os diretores, pessoal do escritório, acionistas, autoridades e jornais.
5º.- Será reservado um espaço correspondente a uma página para anúncios de medicamentos, dentrifícios, etc., que se
publicarão a troco desses mesmos medicamentos, que serão
entregues ao redactor da ‘Seção médica’ para distribuição
gratuita entre operários.
6º.- São as seguintes seções obrigatórias do jornal:
Seção médica: conselhos sobre higiene, puericultura, ali-
147
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
mentação, etc., além do movimento mensal da farmácia e
consultório médico C.T.I.
Seção social: notícias sociaes referentes aos diretores, empregados e operários, com ligeiras crônicas.
Seção técnica: conselhos técnicos sobre fiação e tecelagem
de algodão, conhecimento de fibras, e transcrição de artigos
instructivos neste sentido.
Seção de teatro e cinema / poesia e literatura: nesta seção
colaborarão de preferência os operários da C.T.I., mas poderão ser transcritos poesias e escritos de outros autores.
Galeria: nesta seção serão publicados os retratos de uma breve
biografia dos diretores, empregados e operários mais antigos
e graduados. Deverá começar a Galeria pelo Sr. Félix Guisard.
História da C.T.I.: como indica o nome, esta seção deverá,
sob a forma de folhetim, publicar a história da Companhia
Taubaté Industrial.
7º.- Os redactores das seções acima desde já se obrigam a
apresentar suas colaborações dentro dos prazos que lhes forem concedidos.
8º.- Fica estabelecido que o jornal deverá sair no dia 15
(quinze) de cada mês.
9º.- A direção do jornal ficará a cargo dos Srs. Oswaldo Barbosa Guisard – Diretor Responsável –, João Dias Monteiro
– Secretário –, e Roberto Breterick – Gerente.
10º.- A revisão das provas, disposição do jornal, etc., cabem
à direção.
11º.- O jornal publicará também uma seção de atualidades
esportivas.
O jornal era impresso no formato 33 por 46 centímetros, com
variável número de páginas por edição, nunca inferior a oito, circulando em algumas edições com 16 ou até mesmo 24 páginas, com cinco
colunas fixas e fotografias reproduzidas em clichês5 de alta qualidade.
Clichês são placas de metal, geralmente feitas de zinco, gravadas fotomecanicamente, cuja
superfície apresenta todos os pontos que devem deixar impressão no papel, em relevo e em
5
148
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Desde o começo, o C.T.I. Jornal contava com reprodução de fotografias
(edição de 15 de maio de 1937)
sentido inverso à imagem original. São empregados em tipografia, para impressão de jornais,
revistas, livros, anúncios, folhetos, etc.
149
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Em ocasiões comemorativas, chegou a circular com tiragem
de três mil exemplares. Em alguns números, foi a ser impresso em
papel couché, o mesmo utilizado nos rótulos dos tecidos fabricados
pela Companhia Taubaté Industrial. Aliás, como determinado na ata
de criação, o veículo era impresso na oficina tipográfica da empresa,
que também imprimia as embalagens dos produtos. É possível observar, em algumas edições, os clichês originais do Morim Ave Maria ou
do Cretone Canário, produzidos pela CTI. Provavelmente, ocupavam
espaços em branco, os chamados “calhaus”6, ou simplesmente cumpriam a missão de realizar uma propaganda de apelo institucional.
Fato interessante é que o C.T.I. Jornal também tinha finalidade educativa e objetivo de integrar o operariado, fazendo-o
participar da “família ceteiense”. Nas páginas publicadas ao longo de quase dez anos, constante eram destacados poemas, cartas,
charadas e outros textos assinados por funcionários, assim como
algumas pequenas biografias na seção “Galeria C.T.I.”, que posicionava o funcionário e dava-lhe identidade dentro da empresa.
Outras seções do jornal eram a médica, a social e a técnica. A
primeira, redigida pelo médico e farmacêutico da empresa, apresentava conselhos sobre higiene e utilização de medicamentos, além de
relatar o movimento do atendimento médico realizado no mês. A seção social fazia o registro dos acontecimentos da fábrica, como, por
exemplo, a cobertura fotográfica das atividades dos funcionários na
colônia de férias de Ubatuba, os casamentos e batizados coletivos
promovidos pela empresa, entre outros. Já a seção técnica descrevia
algumas operações simples para melhorar as condições de trabalho
junto ao maquinário da empresa.
6
O termo “calhau” era utilizado em tipografia para designar os espaços onde os gráficos faziam encaixar pequenos textos ou clichês para o fechamento da página a ser impressa.
150
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
“Galeria C.T.I.”: vitrine para os funcionários
(edição de 15 de novembro de 1937)
151
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Era intenção da diretoria que o jornal instruísse e educasse, com
matérias úteis e de fácil assimilação aos leitores. Estes, de modo geral
alfabetizados, mas com pouca instrução formal, deveriam também possuir valores morais e contribuir para o desenvolvimento da personalidade “sem desvios ou complexos”. Os jornalistas do C.T.I. Jornal procuravam pautar os assuntos do cotidiano sempre com comentários, citações
ou exemplos de como os funcionários deveriam se comportar ou o que
deveriam ler ou fazer no seu horário de descanso. A empresa era sempre
colocada em alta, vista como um “bem maior”, e era representada pelo
seu fundador, Félix Guisard, que estava acima do bem e do mal.
Apesar de ser destinado à distribuição gratuita entre os funcionários, a partir da trigésima terceira edição – a de 15 de setembro
de 1939, o cabeçalho começou a indicar o valor das assinaturas e
dos exemplares avulsos. No entanto, é certo que tal comercialização
não rendeu bons frutos, conforme revela Mello Júnior (1983, p. 219):
“O irrisório valor certamente teria conotação com possíveis disposições arrocheantes do malfadado D.I.P. [Departamento de Imprensa e
Propaganda], vigentes nos ominosos tempos ditatoriais. O fato é que
jamais recebeu uma só assinatura”.
Em entrevista concedida, em 19977, ao Núcleo de Pesquisa
e Estudos em Comunicação (Nupec), da Universidade de Taubaté
(Unitau), o jornalista Geraldo de Oliveira, que trabalhou como redator do veículo de 1937 a 1946, explicou que o preço publicado na
capa era uma exigência legal da época, assim como a obrigatoriedade de publicar o expediente do jornal em toda edição. Inclusive,
uma das resoluções da ata de fundação definia que o periódico
deveria ser legislado de acordo com as leis do país e, segundo as
declarações de Oliveira, a diretoria fazia questão de cumprir todas
as exigências legais para sua circulação, a fim de que ele pudesse ser considerado, realmente, como o órgão noticioso oficial da
Companhia. Contudo, é valido ressaltar que o C.T.I. Jornal nunca
foi vendido, e sim distribuído gratuitamente aos funcionários, enviado a instituições, repartições públicas e órgãos de imprensa de
Taubaté e dos quatro cantos do Brasil, além de ser endereçado a
outras companhias têxteis do exterior.
7
152
Entrevista coletada por Eliane Freire de Oliveira.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Naquelas décadas, também, não havia crítica nem estímulo ao
pensamento aberto e democrático. As leis brasileiras eram tratadas
como um “grande monumento jurídico”. Não havia uma explicação
sobre a situação social do país, nem comentários sobre as mudanças
ocorridas após o golpe de Estado dado por Getúlio Vargas. Ao contrário, o poder central era elogiado e apontado como responsável pelo
crescimento do país e da própria empresa.
Ao tocar em temas mais densos como sindicalismo ou política
empresarial, o jornal utilizava uma retórica emocional. As matérias tratavam, na grande maioria dos casos, de temas ligados à fábrica e os assuntos abordados quase sempre envolviam o dia a dia dos operários e de
suas famílias. Ao falar da construção de um futuro conjunto residencial,
por exemplo, os redatores enfatizavam a importância dos operários se
tornarem proprietários e de economizarem para conseguir o intento: a
matéria afirmava que os diretores da empresa haviam decidido que chegara o momento para que seus funcionários se tornassem proprietários
de suas próprias casas. Na realidade, esta seria mais uma estratégia
para “prender” o operário a grande “família ceteiense”. Mas o assunto
não era abordado desta forma. O importante era economizar.
O mesmo tema também foi utilizado em outros momentos,
quando o veículo expunha a idéia que a diretoria havia tido de criar
um armazém onde os funcionários pudessem adquirir produtos alimentícios. A empresa iria descontar em folha de pagamento, e o limite para as compras seria imposto.
Em nenhum momento, o C.T.I. Jornal abordou de forma real e
concreta as relações entre patrão e empregado. Ao contrário, o patrão
– Félix Guisard – era sempre destacado como um homem de grande
bondade e com espírito aberto e fraternal. Ele seria o “grande pai” de
todos os funcionários; a empresa, a “mãe”; e os empregados, os filhos
que precisavam ser ensinados e educados. Por isso mesmo, os textos
publicados discutiam e reproduziam a ideologia da direção. Em diversos assuntos da política empresarial, o discurso utilizado controlava a
vida do operário de todas as formas, principalmente com relação à família, um dos pontos mais importantes que deveriam preservar e mencionar. Por diversas vezes, o núcleo familiar era citado com a finalidade
de preservar as tradições cristãs de boa convivência e comportamento.
153
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Félix Guisard: patrão e “pai” da família ceteiense
(edição de 22 de janeiro de 1941)
O C.T.I. Jornal teve uma duração expressiva, ainda que por pouco
menos que uma década. Encerrou com a edição de número 117, datada
de 20 de dezembro de 1946. Seu fim deve-se a divergências políticas en-
154
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
tre os diretores da fábrica e o diretor do jornal. Com o falecimento do de
Félix Guisard, em 1942, grande parte de benfeitorias conquistadas pelos
operários foram extintas, como a cooperativa de consumo, a orquestra
fabril e os programas sociais. A própria empresa começou a declinar no
aspecto cooperativo e o setor administrativo, talvez sem conhecimento
de uma estratégia comunicacional, passou a enxergar o periódico como
um veículo dispendioso e inútil para seu propósito.
Por conta disso, o jornal, de larga aceitação – não só entre os
operários da CTI, mas também entre outros cidadãos taubateanos –,
deixou de ser confeccionado. A gráfica onde era impresso foi desativada
em janeiro de 1947 e, desde então, nunca mais a empresa foi a mesma.
Fazer jornalismo naquela época era um desafio, mas a Companhia Taubaté Industrial, economicamente bem estruturada, garantia a impressão dos exemplares sem maiores problemas. A colaboração dos empregados fornecia pautas e recheava as edições com
a produção intelectual local.
Durante quase dez anos o C.T.I. Jornal foi um forte instrumento para estreitar relações entre patrões e funcionários. Jornalismo, capitalismo e poder atuavam juntos nas atividades industriais. O órgão noticioso de empresa tinha como característica
informar e formar a opinião do trabalhador: em suas páginas, o
operário poderia obter novos conhecimentos, recrear o espírito e
receber ensinamentos que lhe seriam úteis.
O conteúdo do C.T.I. Jornal
As considerações tecidas neste texto foram viabilizadas pelo
levantamento historiográfico de aspectos relacionados ao C.T.I. Jornal e pela leitura sistemática de seus exemplares, os quais estão disponíveis no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH)8
da Universidade de Taubaté. Essas observações possibilitam fazer
algumas considerações relacionadas ao papel estratégico daquele veículo, bem com sinalizam suas características principais.
8
Centro de referência cultural e de pesquisa histórica que privilegia a documentação da história de Taubaté e do Cone Leste Paulista (formado pelo Vale do Paraíba, pela Região Bragantina, pela Serra da Mantiqueira e pelo Litoral Norte). Conta, em seu acervo, com a coleção quase
completa do C.T.I. Jornal, além de vasto material documental e iconográfico da fábrica.
155
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Em primeiro lugar, há de se destacar que sua criação está
envolta no interesse da diretoria em formar funcionários interessados nos assuntos da empresa. Conforme seu editorial de inauguração, o objetivo do jornal era o de ser “um centro de congregação
de esforços visando difundir conhecimentos, estudos e ensinamentos de grande interesse para todos nós”. Essa visão sistêmica da
empresa está nitidamente exposta na frase final daquele texto
inaugural: “nós somos unidades do grande todo”9.
Publicada em caráter permanente, a seção “Galeria C.T.I.”
dava destaque a funcionários, independentemente do nível hierárquico que ocupassem no organograma da fábrica. Nesse espaço,
o discurso era sempre elogioso, com riqueza de detalhes e adjetivos sobre as trajetórias pessoais ali tratadas. Na edição de 15 de
abril de 1940, por exemplo, o operário João Baptista dos Santos é
destacado pelo fato de ter começado a trabalhar na empresa “com
menos de treze anos”, o que mostra que as leis trabalhistas ainda
estavam se delineando no Brasil. Aquele texto também reforçava
o fato de o funcionário participar das atividades esportivas promovidas pela CTI e de ser um “exemplar chefe de família”. Também
em evidência estão os números de dias em que ele trabalhou, entre
os anos de 1938 e 1940, ressaltando que o funcionário faltou apenas 8 horas, naqueles dois anos. A valorização desse e de outros
funcionários revelava, portanto, uma preocupação nítida com a integração e a motivação do público interno da Companhia.
Ainda no que diz respeito ao tratamento dado ao referido público, vale mencionar que não foram poucas as vezes em que a empresa interferiu diretamente no cotidiano de seus empregados. Em
dezembro de 1939, por exemplo, a CTI promoveu o casamento civil
daqueles que, até então, só estavam unidos pelos laços religiosos. Conforme noticiou o C.T.I. Jornal de 22 de janeiro de 1940, o interesse da
instituição era o de contemplar os operários para que estes pudessem
ser beneficiados pelas mudanças na legislação trabalhista, que havia
criado os Institutos de Aposentadorias e Pensões. Os operários que
não eram casados no civil tinham seus direitos dificultados.
Trechos retirados do texto “Primeiro Número”, publicado na edição de 15 de abril de 1937, à
página 1.
9
156
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Nesse caso, a CTI demonstrou preocupação em relação ao
cumprimento de exigências da legislação trabalhista. A questão
foi detectada pelo Departamento Pessoal, uma vez que a certidão
de casamento dos operários foi exigida pelo Instituto dos Industriários, para que os mesmos tivessem direito à aposentadoria no
futuro. De uma exigência legal, foi gerado um grande evento que
agradou aos funcionários e teve grande repercussão na cidade, gerando uma imagem positiva da empresa. Um exemplo de comunicação institucional e que avigorar a habilidade que a empresa
tinha para gerar satisfação do público interno.
Para o mesmo sentido acena uma matéria publicada em 15
de julho de 1937, intitulada “Férias em Ubatuba”. O texto aborda
as férias que a CTI havia promovido para seus funcionários em
uma colônia em Ubatuba, cidade do Litoral Norte de São Paulo. Mais uma vez atendendo às exigências da legislação, a fábrica
conseguiu extrapolar as obrigações legais, transformando-as em
ações que visavam fidelizar o operariado. As colocações ali expostas reforçam que, enquanto outras empresas dispensavam os funcionários para as férias em grupos, a Companhia Taubaté Industrial oferecia lazer coletivo, responsabilizando-se, inclusive, pelo
transporte dos funcionários até o Litoral.
157
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Colônia de férias: benefícios aos operários recebiam destaque no C.T.I. Jornal
(edição de 15 de julho de 1937)
158
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Outro ponto a ser levantado é que – considerando-se os padrões da época – o C.T.I Jornal pode ser considerado uma publicação
“bem feita”, em termos gráficos, sendo sempre preenchido com conteúdo fotográfico. Da primeira (15 de abril de 1937) até a sexagésima edição (5 de abril de 1942)10 foram publicadas 253 fotografias, as
quais reforçam valores e posicionamentos da diretoria da CTI.
Nessas imagens, por exemplo, salta à vista a aparição constante de membros da família Guisard, ora sozinhos, ora em grupos
familiares, fato que remete à ideia da “grande família ceteiense”,
à qual pertencem os Guisard e seus funcionários. A presença constante e repetitiva salienta a postura hierárquica ao mesmo tempo
em que promove aproximação do operariado. Não raro, esses personagens aparecem ligados a autoridades, especialmente políticas
e eclesiásticas.
Boa parte dos acontecimentos sociais registrados corresponde aos ideais cristãos da época (obediência às tradições impostas
pela Igreja Católica), mesmo que a diretoria tenha se comprometido, quando da criação do jornal, a não orientá-lo a qualquer discurso político ou religioso. Os eventos destacados nas imagens são
celebrações de primeira comunhão, casamento – como já descrito
–, celebrações de bodas e inaugurações.
As imagens de funcionários são destacadas na seção “Galeria
C.T.I.”, junto com os textos já mencionados. Em outras seções, os
funcionários só aparecem em casos de falecimento (dando a impressão de oferecer uma forma de reconhecimento por parte dos colegas),
ou ainda nas páginas destinadas à sátira e ao humor, nas quais as
fotografias são utilizadas de forma a ridicularizar determinadas figuras. Há ainda um destaque significativo à imagem feminina.
Possível precursor
Não restam dúvidas de que o C.T.I. Jornal consiste em uma
publicação jornalística empresarial, por enquadrar-se nas definições
dadas por Torquato do Rego (1978, p. 40-41), para quem
Embora o veículo tenha circulado regularmente até dezembro de 1946, as edições posteriores à última data citada encontram-se deterioradas, impossibilitando sua análise.
10
159
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
as publicações empresariais, enquanto veículos jornalísticos, devem ter periodicidade, isto é, devem aparecer em intervalos sucessivos e regulares. Precisam abastecer-se de fatos da atualidade
que formam o presente da empresa. Para assumir seu atributo
de universalidade, as publicações devem, em princípio, apresentar
informações sobre quaisquer áreas ou programas de interesse da
empresa e da comunidade. Por último, necessitam chegar ao público ao qual se destinam, devendo, assim, ser difundidas.
Porém, o que ainda gera incertezas é sobre o possível posto de
primeiro jornal empresarial do Brasil, que poderia ser atribuído a
uma primeira versão do C.T.I. Jornal, editada em 1918. Ocorre, contudo, que tal publicação só consta em registros bibliográficos e documentais, não tendo sido localizado um único exemplar que comprove
sua real existência, na data citada.
No trabalho de Pedro Giolo (1956, p. 47) – considerado o primeiro levantamento sobre imprensa em Taubaté –, há a seguinte
menção: “Neste ano de 1918, aos 12 de julho, circula o nº 8, ano 1, do
órgão crítico, humorístico e exclusivamente dedicado aos funcionários da Companhia Taubaté Industrial, ‘C.T.I. Jornal’, ao preço de $
1000 o exemplar, custando a assinatura, por mês $ 300”.
Antônio Mello Júnior (1983, p. 179) também alude à criação
de um C.T.I. Jornal em 1918, o qual foi mencionado por outra folha
criada naquele ano – A Brisa –, a qual tinha nítido tom humorístico e
“gosava [sic] de larga aceitação entre os operários da C.T.I.”.
Mas a referência mais significativa a esse fato pode estar no
próprio C.T.I. Jornal, mais precisamente na matéria de capa do nº
37, de 15 de abril de 1940, intitulada “Cumprindo um programa”.
Naquela edição, lê-se:
Não fora esta a primeira tentavia. [...] em épocas em
que se contam por decênios, tiveram existências efêmeras, o
primeiro ‘C.T.I. Jornal’, ‘O Operário’, ‘A Brisa’ e outros minúsculos semanários cujas vidas podem ser constatadas pelos que
as ignoram, através da bela realização que constitui o Museu
Histórico de Taubaté.
Se algum exemplar dessa primeira fase do C.T.I. Jornal fosse localizado, a publicação iria se antepor ao Boletim Light, criado em 1925 e apontado por Torquato do Rego (1987, p. 27) como
160
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
o precursor do jornalismo empresarial brasileiro, tendo circulado
durante três anos.
Estratégias de ontem e de hoje
Bueno (2003, p. 7) afirma que a comunicação empresarial contemporânea
se estrutura para usufruir das potencialidades de novas tecnologias, respalda-se em bancos de dados inteligentes, explorar a
emergência de novas mídias e, sobretudo maximizar a interface
entre as empresas, ou entidades, e a sociedade. Nesse novo cenário, passa a integrar o moderno processo de gestão e partilha
do conhecimento, incorporando sua prática e sua filosofia ao
chamado “capital intelectual” das organizações.
As raízes do processo identificado pelo autor estão nas atitudes pioneiras da comunicação nas empresas, como foi o caso do C.T.I.
Jornal e de outros veículos que antecederam as ações estratégicas
formuladas na década de 1960 e se atenciparam até mesmo ao alvorecer das publicações de empresa, ocorrido nas décadas de 1940
e 1950, segundo considerações de Torquato do Rego (1987, p. 26-27).
Observando os exemplares ainda existentes do C.T.I. Jornal,
não é difícil perceber que a Companhia Taubaté Industrial tinha habilidade para transformar obrigatoriedades – como, por exemplo, os
impostos pelas leis trabalhistas – em notícias que geravam uma imagem positiva da empresa. Desse modo, espelhava a imagem de uma
instituição preocupada com o bem estar de seus funcionários, reproduzindo o discurso getulista vigente.
Vale ressaltar, também, que o jornal contemplava diversos públicos – sociedade taubateana, empresas concorrentes, mídia etc. –
além do público primário, os funcionários, assemelhando-se ao que
prediz o conceito atual de stakeholders, para o qual o sucesso de uma
empresa depende da satisfação de todas as partes interessadas.
Referências
ANDRADE, Antônio Carlos de Argôllo; ABREU, Maria Morgado de.
História de Taubaté através de textos. Taubaté: Prefeitura Municipal de Taubaté/Minerva, 1996.
161
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
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TORQUATO DO REGO, Francisco Gaudêncio. Jornalismo empresarial: teoria e prática. São Paulo: Summus, 1987.
______. Tratado de comunicação organizacional e política.
São Paulo: Pioneira, 2004.
162
O Jornal NH e os anúncios publicitários
na década de 1960
Claudia Schemes e Denise Castilhos de Araujo
Resumo
Este artigo objetiva analisar como o Jornal NH e um de seus
fundadores, o jornalista Mário Alberto Gusmão, valeram-se da publicidade para a manutenção/divulgação deste periódico. Utilizamos
como fundamentação teórico-metodológica as discussões acerca da
biografia histórica, a qual vem sendo reconfigurada na atualidade. O
gênero biográfico dá maior atenção à atuação dos sujeitos na história,
levando em conta as suas representações sociais e encarando o biografado através de sua trajetória pessoal, como a via de acesso para
a compreensão de questões e contextos mais amplos, relacionando
a vida do sujeito com sua trajetória profissional. Utilizaremos, também, a Semiótica e a Análise de Discurso. Para esta análise, foram
selecionados anúncios publicitários do jornal mencionado no seu primeiro mês de publicação.
Palavras-chave: Publicidade; Jornal NH; biografia; semiótica; análise do discurso
Introdução
Atualmente, o gênero biográfico vem sendo reconfigurado pelos seus escritores (historiadores, jornalistas, literatos, etc.), provocando reflexões sobre suas produções, principalmente as relacionadas ao campo do conhecimento histórico. Ou seja, há tempos atrás,
o gênero biográfico era utilizado para promover e exaltar grandes
heróis nacionais, mas, hoje, ele é utilizado de maneira distinta.
A historiografia vem dando maior atenção à atuação dos
sujeitos na história. Não se valoriza mais apenas as grandes estruturas sociais e econômicas, principalmente depois do desenvolvimento da linha de pensamento chamada Nova História. Isto não
significa que a história deixa de se preocupar com as estruturas
163
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
mais profundas que compõem uma sociedade, mas que estas serão
buscadas a partir de um evento, uma vida ou uma prática social,
partindo-se da idéia de que não há um olhar homogêneo, absoluto,
ou seja, a “história global” foi substituída pela “história em migalhas” (REIS, 2000). Nesta, o historiador pode abordar qualquer
tema sob qualquer perspectiva.
Partindo desses pressupostos, podemos definir a biografia
como a história de um indivíduo redigida por outro, mas com a preocupação em revelar, não apenas a vida do sujeito biografado, mas a
relação de seus atos com os fatos históricos.
Em razão disso, a biografia histórica não se restringe mais em
apenas destacar os grandes feitos do sujeito abordado, mas também
deve levar em conta as suas representações sociais, encarar o biografado, através de sua trajetória pessoal, como a via de acesso para a
compreensão de questões e contextos mais amplos, combinando elementos biográficos com significados sociais.
O biógrafo precisa expressar ao leitor, através de sua narrativa biográfica, como o contexto histórico influencia os atos efetuados pelo personagem abordado. Para isso, deve ter o cuidado de
não apresentar a trajetória de seu personagem com uma coerência
linear, afinal, a existência de um indivíduo é sempre descontínua e
fragmentada. (AZEVEDO, 2000)
Em relação a isso, Schmidt (2000, p.63) defende a idéia de que
[...] os biógrafos não devem se fixar na busca de uma coerência linear e fechada para a vida de seus personagens, mas que
precisam, sim, apreender facetas variadas de suas existências,
transitando do social ao individual, do inconsciente ao consciente, do público ao privado, do familiar ao político, do pessoal
para o profissional, e assim por diante, sem tentar reduzir todos
os aspectos da biografia a um denominador comum.
Partindo dessas reflexões acerca da biografia histórica, realizaremos uma breve narrativa biográfica do fundador do Grupo
Editorial Sinos, o jornalista Mário Alberto Gusmão, para podermos
compreender, através desse sujeito, como se organizou a publicidade
nos primeiros tempos do Jornal NH, pois a necessidade de recorrermos a testemunhos, segundo Halbwachs (2006), reforça e completa
164
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
o que sabemos de um acontecimento sobre o qual possuímos alguma
informação, mas que ainda permanece obscuro em muitos aspectos.
A publicidade
A origem da publicidade está relacionada a uma demanda:
uma população com recursos considerados acima do nível de subsistência, com condições de adquirir produtos considerados desnecessários. Entretanto foi somente no século XVIII que essa população
tornou-se considerável e foi interpelada por anúncios de produtos
como café, chá, cosméticos, espetáculos, entre outros.
Observamos que somente no século XIX ocorreria a superprodução de mercadorias, a partir do desenvolvimento de tecnologia e de
técnicas de produção de massa, conforme Vestergaard; Schroder (2000).
Entretanto, o advento da televisão no século XX possibilitou aos consumidores maior contato com os produtos oferecidos pelas empresas, e
a publicidade, nesse momento, passou a ser utilizada com muito mais
frequência. Outro momento de grande desenvolvimento das ações publicitárias foi o pós-guerra (anos 50), em virtude da existência de consumidores com potencial de compra. Então, surgiu a necessidade de
aprimoramento, de dedicação e do desenvolvimento da publicidade, considerando os elementos que a compõe: o texto icônico e o texto verbal.
O mundo sugerido pelos anúncios publicitários normalmente
apresenta um lugar diferente da realidade vivenciada pelos receptores
desses anúncios, pois o que está presente na publicidade é o encanto,
e, talvez, até mesmo um mundo de faz-de-conta, onde o receptor é convidado a participar dele, através da aceitação do produto anunciado.
Diante desse mundo apresentado, o indivíduo, na maioria das
vezes, sente-se motivado ao consumo dos produtos oferecidos, pois com
eles será possível, também, adquirir certos bens simbólicos que estejam agregados ao produto. Assim sendo, a publicidade não quer vender
somente o produto, mas quer, também, comercializar conceitos de vida
que serão adquiridos pelo comprador, a partir do momento em que ele
se dispuser a gastar o valor necessário para adquirir o bem em questão.
Sabemos, também, da presença do onírico na publicidade,
ou seja, a promessa de concretização de sonhos, de desejos, propondo, muitas vezes, um mundo único, que vai ao encontro dos
165
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
receptores, sugerindo a possibilidade de satisfação dos desejos de
sua vida diária. Desejos os quais podem ser projetados para um
futuro (Vestergaard; Schroder, 2000) que se estabelecerá para o
indivíduo como uma busca constante, e, até mesmo, eterna, talvez
pela dificuldade de serem alcançados.
É preciso lembrar que a publicidade também pode sugerir o
consumo de certos comportamentos ou produtos, os quais servem
como passaportes para a inserção do consumidor em grupos sociais.
Mais uma vez, consome-se não só o objeto, mas toda a carga semântica que vem com esse objeto, presente nos anúncios publicitários.
Ao mesmo tempo em que a publicidade possibilita a construção de sonhos, de fantasias, ela tem como objetivo a venda de uma
imagem, a qual virá concretizada em um produto ou serviço. Muitas
vezes, a linguagem utilizada pela publicidade traz consigo a espetacularização, pois deve surpreender e divertir de uma maneira inusitada, delirante, engraçada. Toda essa fantasia, esse espetáculo criado,
apresenta a conivência do receptor, que compactua esse mundo criado pelas propagandas. A busca por essa fantasia, por essa imagem de
irrealidade, mas extremamente sedutora é constante, fazendo com
que o receptor esteja eternamente vinculado a essas propagandas,
porque o ideal que ele almeja jamais será alcançado, tal fantasia é
algo que está distante das possibilidades de alcance desse ser.
Essa possibilidade de ser alguém ultrapassa, muitas vezes, o
aconselhamento e torna-se um algoz que exige a assimilação de certas
características, as quais se tornarão o alicerce para a elaboração de identidades que variarão de acordo com o grupo de indivíduos. Dessa forma,
o indivíduo deixa de ser somente o seu grupo, mas passa a ser, também,
os conselhos, dicas, definições e tudo o mais que a publicidade insinua.
O grupo pode assumir a identidade sugerida pelo anúncio, adotando,
algumas vezes, características, gostos, idéias que nem passavam por sua
cabeça e que foram incutidos através da publicidade que o alcança.
O anúncio propõe, portanto, uma troca de identidades ao destinatário entre a sua identidade enquanto “ser no
mundo” e a identidade projetada de um destinatário, “ser do
discurso”. Ao propor esta troca, o anúncio diz-nos quem somos e como somos, ou seja, fixa os contornos da nossa própria
identidade[...]. (PINTO, 1997, p. 31).
166
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Através dos textos e das imagens postas nas publicidades,
somos levamos a agirmos, pensarmos e, até mesmo, sermos de
certas maneiras, de acordo com o que é sugerido na propaganda. Então, o que inocentemente nos parece uma possibilidade de
escolha, de ação, na verdade torna-se uma orientação ao modelo
que deve ser seguido, ou às atitudes que devem ser tomadas em
determinado momento. Pinto (1997) afirma que, muitas vezes,
os produtos passam de criaturas para criadores; isso quer dizer
que, na verdade, é o produto que criará, em seu consumidor, certas qualidades, ou melhor, o indivíduo é orientado pelos produtos, e não o contrário. Pinto sugere, inclusive, que a publicidade
poderia vender, também, as identidades dos indivíduos, pois devemos considerar a presença do espelhamento nas publicidades,
a qual serviria como reflexo para o consumidor.
Feita a ressalva, é significativo o fato de que a publicidade e
a propaganda mais do que vender produtos e serviços, atenta para
a construção/transformação/reafirmação de idéias, valores e padrões
de determinadas épocas.
Mário Alberto Gusmão e o Grupo Editorial Sinos
Mário Alberto de Paula Gusmão nasceu em 29 de junho de
1936 em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Por rebeldia adolescente,
parou de estudar antes de terminar o antigo ginásio e resolveu trabalhar. Seu primeiro emprego foi o de entregador do jornal “O Estado
do Rio Grande”, órgão do Partido Libertador, mas que, mesmo sendo
um periódico ligado a uma agremiação política, possuía muitos colaboradores importantes, como Raul Pilla e Paulo Brossard. Gusmão,
com esse emprego, poderia acompanhar os principais acontecimentos
políticos do Estado, o que muito lhe agradava.
Depois de algum tempo como entregador de jornal, trabalhou como vendedor de uma loja de calçados, mas logo voltou para
a área da comunicação, ingressando na Rádio São Leopoldo e criando, junto ao radialista Braz de Oliveira, o programa de auditório
“Carrossel da Cidade”, que apresentava cantores e humoristas da
região (Elis Regina, com seus 13, 14 anos participou do programa
acompanhada de sua mãe). Criou, também, o “Jornal Falado S 5”,
167
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
um noticioso diário totalmente realizado por ele, da redação das
notícias, às gravações de entrevistas. Além disso, colaborou, sem
remuneração, com dois jornais locais (Folha de São Leopoldo e Gazeta de Notícias) através de notas esportivas e de política local.
A idéia de criar um jornal surgiu depois que Gusmão saiu da
rádio e passou a trabalhar como secretário da Câmara de Vereadores
leopoldense. Em 1957, então com 21 anos e com o apoio do irmão Paulo
Sérgio, com 33 anos e trabalhando no setor coureiro, decidiram lançar
um jornal, já que não havia mais circulação de periódicos na cidade.
Segundo Gusmão (2006),
Passamos, então, a ter alguns encontros para planejar,
da forma mais incipiente (ou amadorística) possível, o novo sonho que surgia: o lançamento do jornal para suprir a lacuna da
cidade. Não tínhamos nenhum recurso e nem queríamos ter padrinhos políticos e empresariais. A idéia era no início trabalhar
sem remuneração, cada um continuando com seu rendimento
do outro trabalho, e buscar publicidade para pagar a impressão
do jornal e as demais despesas.
Numa sala de fundos emprestada, com uma equipe que começou a trabalhar sem remuneração, numa gráfica “de garagem” foi
acertada a primeira impressão do jornal.
[...] A composição era com os chamados ´tipos de caixa`,
onde para formar uma palavra, tinha que ser montado letra
por letra. Uma operação muito demorada, como demorada
também era a impressão do jornal, que utilizou uma máquina
que imprimia página por página, ou seja, para imprimir a folha branca do verso, havia necessidade de dobrar manualmente cada folha. (GUSMÃO, 2006)
Segundo Gusmão, foi assim que no dia 20 de setembro de
1957 “heroicamente” circulou o primeiro SL (nome do jornal que
faz alusão às iniciais de São Leopoldo). A primeira manchete - “Poderá ser solucionado um problema antigo: Telefones Automáticos
para São Leopoldo” - já deixava clara a linha editorial do periódico, a defesa dos interesses da comunidade. O SL circulou quinzenalmente por dez meses, quando passou a ser semanal.
168
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
A criação de um jornal na cidade de Novo Hamburgo (vizinha
a São Leopoldo) deu-se em função da sugestão de um empresário daquela cidade aos irmãos Gusmão. Segundo Mário, a idéia deixou-os
“eriçados”, pois eles poderiam se tornar “magnatas da imprensa, com
dois jornais semanais...”
O problema mais grave que os irmãos enfrentaram foi a falta
de verba para iniciar o novo empreendimento. Foi aí que surgiu a
idéia de vender anúncios publicitários para cobrir os custos da produção do novo periódico.
Segundo Gusmão, o primeiro contato se deu com uma pessoa
que tinha proximidade com os profissionais da publicidade, pois “fazia chapinhas de propaganda para serem projetadas nos cinemas
locais, antes de começar os filmes.” Essa pessoa indicou um jovem
conhecido seu que poderia vender anúncios, pois tinha um perfil
apropriado para tal ação. Os irmãos Gusmão marcaram um encontro com essa profissional (Nestor Fips Schneider), expuseram seus
propósitos, ofereceram 20% de comissão sobre os anúncios comercializados e, na manhã do dia seguinte Nestor “trazia o primeiro
anúncio com texto escrito em papel de embrulho [...] à tarde trouxe
mais dois. Um sucesso absoluto de vendedor”.
As fotos necessárias para o jornal foram cedidas gratuitamente pelo fotógrafo Alceu Feijó, que também se dispôs a escrever algumas crônicas, e a sede do jornal foi uma sala, mais uma vez de fundos,
cedida por uma loja de roupas em troca de anúncios publicitários.
Dessa forma, em 19 de março de 1960 circulou pela primeira
vez o Jornal NH1, que desde o seu primeiro número deixou claro que
Atualmente, segundo dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação), o Jornal NH é o
maior diário, em termos de assinaturas pagas, do interior do estado do RS. O Grupo Editorial
Sinos publica, também, revistas e jornais voltados para o setor coureiro-calçadista como a revista
Lançamentos e Lançamentos Componentes, Couros, Máquinas e Serviços, o Jornal Exclusivo, o
Exclusivo On Line, Portal do calçado e da moda, com notícias atualizadas diariamente, além dos
jornais VS, Diário de Canoas e ABC Domingo.O grupo ainda mantém um provedor de internet,
o Sinosnet, o Sinoscorp de internet corporativa, além de uma emissora de rádio, a ABC 900 AM.
Os jornais diários e o jornal e as revistas dirigidos ao setor coureiro-calçadista possuem o índice
de em torno de 95% de sua circulação em assinaturas. Os primeiros somam uma tiragem diária
superior a 63.500 exemplares, distribuídos em cerca de 45 municípios, uma área que compreende
a Região Metropolitana de Porto Alegre, Vale do Sinos, Vale do Caí, Vale do Paranhana, Serra
Turística e parte do Litoral Norte, o que representa 19,29% da população do Rio Grande do Sul,
que representam mais de 2 milhões de habitantes e uma das maiores rendas per capita do país.
1
169
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
seu envolvimento com a comunidade era seu objetivo primordial. O
que pretendemos, a seguir, é analisar os anúncios publicitários publicados no jornal nessa época.
Análise dos textos publicitários
Optamos por analisar os anúncios publicitários publicados no
Jornal NH no primeiro mês de sua publicação, ou seja, as edições de
19/03/60; 26/03/60; 02/04/60 e 16/04/60, correspondentes a primeira,
segunda, terceira e quinta edição2. Nessa época, a periodicidade do jornal era semanal. Além da análise desses textos, realizamos uma entrevista com Mário Alberto Gusmão, questionando-o, especificamente, a
respeito da produção e publicação dos anúncios publicitários no jornal.
Nas quatro edições selecionadas, foram contados 96 anúncios
publicitários, assim distribuídos: 24 na edição de 19.03; 23 na edição de 26.03; 26 na edição de 02.04; e 23 na edição de 16.04. Assim,
confirma-se o que Gusmão (2009) afirmou:
O jornal não tinha capital próprio, não tinha padrinho
político, não tinha grupo econômico atrás; como é que iria se
manter, como é que ele viveria? Através da publicidade e alguma pequena venda de assinaturas, ou de exemplares avulsos.
Mas isso representava, no início, 5% ou 3% da receita do jornal;
[...] bem no início, no primeiro ano. Então, mais de 95%, 97% da
receita para manter o jornal vinha dos anúncios. Daí a necessidade que nós tínhamos de buscar anunciantes [...].
Em relação aos produtos e serviços anunciados, observamos
a presença de materiais para calçado; curtumes; mecânicas; lojas de
vestuário; alfaiates; médicos; advogados; bebidas (cervejas e refrigerantes); restaurantes; bazares; transportadoras; seguradoras; fábricas
de calçados. Verificamos, assim, a estreita relação dos produtos anunciados com a produção econômica do Vale (calçados e curtumes), bem
como de profissionais liberais e comércio. Diante disso, podemos afirmar que a produção de discursos e sentidos, de acordo com Maingueneau (2002), mantém relação estreita com o contexto. Nesse momento, a
região vivia a expansão da indústria calçadista, o que gerava, também,
(www.gruposinos.com.br Acesso em 20/04/2009)
2
170
A edição n. 4 não foi encontrada no arquivo do Jornal NH, tampouco no Arquivo Municipal.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
o desenvolvimento da cidade, bem como a necessidade de profissionais
variados, os quais dessem conta das exigências da população.
No que diz respeito à estrutura textual desses anúncios, identificamos a recorrência da apresentação do nome do produto/serviço
anunciado, endereço desse serviço, loja ou fábrica. Ou seja, a construção textual desses anúncios reflete o que Gusmão (2009) afirmou:
[...] quem ajudava a fazer a arte dos anúncios era o Hubert Schneider.[...]. Existia naquele tempo, como meio de divulgação, a publicidade em cinema; que eram anúncios passados antes de começar
o filme - acho que hoje isso não tem mais -, e quem fazia isso em
Novo Hamburgo era o Hubert Schneider, que era o artista dessa
chapinha, acho que o nome era esse, chapinha de cinema. [...] Então nós fomos lá, o Paulo [Sérgio Gusmão] e eu, conversar com ele
para ver se podia ajudar também nessa questão do [Jornal] NH,
além de vender alguns anúncios se ele conseguisse.
Percebemos claramente o amadorismo que envolvia a produção dos textos publicitários, ou seja, na cidade de Novo Hamburgo não havia agências de publicidade, então, tais textos eram
construídos seguindo as regras da publicidade de cinema, ou muito próximos do formato de um cartão de visita.
Outro aspecto interessante mencionado por Gusmão foi o
fato das pessoas (comerciantes, industriais, profissionais liberais)
não terem o hábito de anunciarem. Então, os jornalistas tiveram
que “correr atrás dos anunciantes”, pois estes não vinham ao jornal.
De acordo com Gusmão (2009)
As empresas não tinham esse costume. Até tinha algumas empresas, isso é interessante, que no balcão dizia alguma
coisa do tipo: “essa firma não dá donativos nem faz anúncios”.
[...] havia poucas firmas naquela ocasião que tinham o hábito
de anunciar. Uma delas, se estou lembrado, era a Casa Cavasotto, essa tinha o costume de anunciar.
Nesse momento, percebemos que, apesar de haver uma população com recursos para o consumo de bens e serviços, os textos publicitários eram pouco explorados, refletindo, então, como característica
dessa população, a real necessidade para o consumo, ou seja, a pouca
influência da publicidade nas suas escolhas de compra.
171
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Gusmão (2009) relata a imensa dificuldade que teve, juntamente com seu irmão, para estimular os empresários da cidade a
anunciarem no Jornal NH.
Era uma tarefa gigantesca convencer as empresas a
anunciarem. Uma das coisas que fez o [Jornal] NH, desde o
início, foi vender a última página do jornal para as indústrias
calçadistas, em anúncios de página inteira. Então, aquilo tinha
um duplo sentido: primeiro de dar receita ao próprio jornal, que
era o nosso interesse direto, e o segundo interesse maior era o
de divulgar a indústria calçadista de Novo Hamburgo e da região a nível nacional. Então, o que se fazia: o exemplar do NH
era enviado para um número de lojas, que não vou me recordar
agora quantas eram, mil, duas mil, algo assim, em todo o Brasil.
Esse foi o primeiro contato publicitário de muitas indústrias
com as lojas de sapato de todo o país. [...]
O relato de Gusmão reitera a necessidade do espaço publicitário para a obtenção de recursos financeiros que mantivessem o jornal,
bem como a vontade expressa, várias vezes, de o jornal manter-se próximo da comunidade hamburguense. Maingueneau (2000) menciona o
aspecto financeiro que os discursos produzidos pela mídia têm, ou seja,
há a evidente necessidade de lucro nos veículos de comunicação.
O amadorismo do jornal também é perceptível na disposição dos anúncios publicitários. Esses textos não apresentavam lugar específico para serem publicados, no que se refere à disposição
nas páginas, então observamos anúncios nas páginas da direita e
da esquerda, no alto das páginas e, também, na parte de baixo. A
disposição dos anúncios também não tinha relação com as matérias publicadas, de acordo com Gusmão (2009)
Os anúncios não estavam organizados conforme o assunto do jornal. Eu não me lembro exatamente do número um,
mas logo em seguida nós criamos alguns locais específicos,
como, por exemplo, os anúncios de empregos ficavam sempre
no mesmo lugar para as pessoas se acostumarem a olhar direto naquele ponto do jornal. [...] depois isso se transformou nos
classificados, com empregos, negócios, etc. As participações sociais também tinham local definido, mas o resto era indeterminado, ou seja, o anúncio saía no local que tivesse página aberta,
disponível, sobrando.
172
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Ao observarmos os textos publicitários presentes nas primeiras edições do Jornal NH, pudemos constatar três formas de construção desses textos, os quais exemplificamos a seguir.
Figura 1 - Anúncios publicitários
Fonte: Jornal NH 02.04.1960, p. 4 e 5
Os anúncios da figura 1 têm como característica a objetividade na venda dos produtos, pois indicam a empresa ou o serviço de uma maneira bastante breve e objetiva. São compostos por
poucas palavras, cuja intenção é apresentar, de maneira clara, o
que está sendo vendido. É interessante observarmos que não há
relação entre os dois anúncios (temática) e, no entanto, ambos são
colocados um abaixo do outro, revelando, assim, a pouca experiência na disposição desses textos pelos jornalistas.
O anúncio da churrascaria revela o uso da figura de linguagem hipérbole, ou seja, o exagero, anunciando que os melhores
churrascos são oferecidos no restaurante, sendo que essa informação chamava mais a atenção do leitor do que o próprio nome do restaurante. São anúncios extremamente simples, com fontes claras,
apresentando, normalmente, o nome da loja ou do profissional em
caixa alta, com o intuito de destacar-se dos demais textos do jornal;
além disso, o uso do negrito é recorrente.
173
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Figura 2 - Anúncio publicitário
Fonte: Jornal NH 02.04.1960, p. 4 e 5
Outro tipo de anúncio publicitário encontrado no jornal são aqueles constituídos por linguagem verbal e pela linguagem icônica, como
o exemplo da figura 2. Observa-se que o texto verbal é extremamente denotativo, uma vez que apresenta a marca do produto anunciado,
bem como o endereço no qual o consumidor poderia adquirir tal produto.
Na verdade, esse texto serve como ancoragem referencial da imagem, a
qual também apresenta sentido denotativo. O texto icônico constitui-se
por duas imagens: a de um guaraná, e de um casal. O homem, presente
na imagem, veste-se com traje black tie, e a mulher tem seus cabelos
cuidadosamente presos, indicando a sofisticação da bebida, a partir da
associação com o termo “champagne”, presente no nome do guaraná.
Conforme mencionado por Gusmão (2009), podemos verificar que as
imagens, bem como a escrita das palavras, revelam o fato de tal anúncio
ser produzido de maneira artesanal. Apesar disso, observamos que a
marca da bebida encontra-se no canto inferior direito, local normalmente preferido para a disposição de uma marca, pois é o último lugar onde
o olhar do leitor se fixará. É interessante observar o uso da cor preta
como fundo, destacando a imagem do casal e das bebidas.
174
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Figura 3 - Anúncio Calçados Scout
Fonte: Jornal NH 02.04.1960, última página
O terceiro tipo de anúncio encontrado no jornal é o ilustrado
pela figura 3. É o anúncio de página inteira, que tinha por objetivo a
apresentação da indústria calçadista hamburguense, não só para a
cidade, mas também para outros lugares cujos jornais eram enviados.
175
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Nas edições analisadas, percebemos a presença de quatro
anúncios de diferentes empresas, três de calçados e uma de óleo de
peixe. Os anúncios seguem a mesma orientação gráfica: o nome da
empresa, a presença de imagens, um texto e o endereço da empresa.
Na figura 3, vemos que as imagens são registros fotográficos,
mas nos outros anúncios, as imagens são ilustrações. O uso da fotografia possibilita ao leitor a aproximação mais intensa com o anunciado, ou seja, a denotação presente nesse tipo de imagem permite
ao receptor que ele recrie a realidade anunciada com menor esforço
intelectual, passando a crer naquilo que lhe é mostrado.
Esse anúncio apresenta três fotografias, uma da fachada da
empresa, outra de uma sala de exposição de sapatos (dentro da empresa) e mais uma com os modelos de calçados produzidos. Além
disso, o anúncio traz um texto verbal, apontando as características
dos sapatos produzidos e o nome da empresa na parte inferior desse anúncio. Observamos a estreita aproximação da estrutura desse
anúncio com os elaborados atualmente, os quais optam por maior
número de imagens e pouco texto verbal.
Considerações finais
Com esse artigo, procuramos realizar uma breve análise sobre
a história da mídia local juntando três aspectos: a memória, resgatada através de uma autobiografia e uma entrevista; as primeiras
edições de um jornal de uma cidade do interior (que hoje é o maior
diário do interior do RS) e os anúncios publicitários apresentados
nessas primeiras edições do Jornal NH.
Foi a história da criação do jornal, contada por um de seus
fundadores, o jornalista Mário Alberto Gusmão, que nos permitiu
observar a importância da publicidade para a manutenção deste
periódico. Através da memória de Gusmão, tivemos acesso ao contexto da época, e pudemos relacionar o objeto de análise (anúncios
publicitários) com a história local, pois se uma totalidade concreta
passada não pode ser alcançada em sua forma original, ela pode
ser construída a partir de depoimentos e narrativas de pessoas que
viveram o momento e o interpretaram conforme suas vivências e
contribuições àquela realidade.
176
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Para Lozano (1998), a oralidade destaca e centra sua análise
na visão e na versão dos atores sociais, ou seja, é no âmbito subjetivo
da experiência humana, através dos depoimentos de quem estabeleceu relações com os fatos e até mesmo contribuiu para a concretização de algo, que centramos essa investigação.
O testemunho reforçou e complementou o que pudemos observar nas peças publicitárias dos anos 1960, ele nos trouxe novos
elementos e perspectivas que não se fizeram presentes em outras
fontes históricas a respeito da história da mídia em Novo Hamburgo.
Se observássemos apenas a quantidade de anúncios, não perceberíamos que havia uma grande resistência por parte de muitas indústrias em realizar anúncios, conforme relatou Gusmão. O número
relativamente alto de peças publicitárias (em média 23 distribuídas
em 10 páginas de jornal) poderia representar um grande interesse
nos anúncios, o que se confirma apenas em parte.
Já a precariedade dos anúncios se justifica pela absoluta falta
de profissionais da área da publicidade na cidade naquele período e
não pelo desinteresse em realizar um trabalho mais apurado do ponto de vista artístico e técnico.
Finalmente, podemos dizer que a publicidade veiculada no
Jornal NH, nas suas primeiras edições, vinha ao encontro do desenvolvimento econômico da cidade naquele momento, ou seja, ela
reafirmava valores e padrões ligados ao desenvolvimento do setor
coureiro-calçadista e suas atividades correlatas, bem como de lojas,
restaurantes e variados produtos, além de mostrar o crescimento de
uma classe média formada por profissionais liberais que se estabelecia na cidade em função do seu crescimento.
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177
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
GRUPO EDITORIAL SINOS. Apresenta dados e informações a respeito
do Jornal NH e outros veículos de comunicação de propriedade do grupo. Disponível em: http://www.gruposinos.com.br/ Acesso 12/08/2008.
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VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A Linguagem da propaganda. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
178
Aspectos históricos da TV Pública no Brasil
Maria Érica de Oliveira Lima e Antonio Teixeira de Barros
Resumo
O texto apresenta um levantamento preliminar sobre aspectos históricos da TV pública no Brasil, cujo marco foi a criação
das emissoras educativas, a partir da década de 1960, culminando
com as emissoras institucionais do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário na década de 1990. Discute a relação entre TV pública
e comunicação pública, a partir dos critérios estabelecidos pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco). A discussão é complementada com estudos de
autores contemporâneos, especialmente os franceses, como Pierre
Zémor, Boris Libois e Marc Ferry. Conclui que as emissoras brasileiras denominadas públicas ainda estão fora do escopo de mídias
públicas, no sentido estrito do termo. Seria mais adequado, portanto, classificá-las como veículos institucionais.
Palavras-Chave: comunicação pública, história da TV Pública; TV institucional.
Introdução
O que se denomina TV Pública no Brasil teve origem política, ou seja, a partir de iniciativas do Estado, com fins de propagar
idéias de interesse governamental. Assim surgiu a televisão pública
no Brasil, no âmbito da TV educativa. Muitas das emissoras tiveram
razões dessa natureza, determinando, assim, o histórico das TVs públicas com o atrelamento político. Outras, no entanto, tiveram raiz
no idealismo, na construção e força de personalidades que marcaram
época. A primeira emissora pública educativa a entrar no ar foi a
TV Universitária de Pernambuco, em 1967. Entre os anos de 67 a 74
179
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
surgiram mais nove emissoras educativas1. Muitas delas com vinculação e comprometimento dos mais diversos.
Nascida como televisão educativa no Brasil, a TV pública
tem em sua gênese a idéia de levar conhecimentos ao público que
não era atingido pela escola formal. Os telecursos e as propostas
de ensino à distância foram a tônica de suas primeiras décadas
de desenvolvimento. A maioria das emissoras surgiu por iniciativa de governos estaduais. Entretanto, com o passar do tempo,
a programação foi deixando de ser explicitamente educativa e
pedagógica, privilegiando conteúdos que serviriam como uma
forma de educação complementar.
Portanto, pensar em TV pública no Brasil é demarcar e contextualizar alguns programas que o governo criou no campo da
educação. Por exemplo, em 1972, quando o MEC implantou o Programa Nacional de Teleducação – PRONTEL – cujo objetivo era
atividades educacionais via televisão.
Não obstante, falar em TV pública é pensar no controle da radiodifusão brasileira. Cabe ao poder Executivo conceder e renovar as
concessões para a televisão, inclusive, como regulamenta o artigo 223 da
Constituição Nacional de 1988: “Compete ao Poder Executivo outorgar
e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.” (BRASIL, 1988, p.36).
Obviamente a televisão no Brasil nasceu privada e com forte influência
do modelo estadunidense, além, claro, do tino comercial.
As TVs públicas tiveram origem na Europa por iniciativa do Estado. Seja na França, na Alemanha ou na Inglaterra, todas nasceram
estatais, tendo o controle por parte dos governos nacionais. No pós-guerra o fortalecimento da democracia e da cidadania impôs o controle público da comunicação e maior participação da sociedade na gestão
TVE do Amazonas Fundação Pub. Estadual (Sec. Comunicação), TVE do Ceará Fundação
Pub. Estadual (Sec. Educação), TVE do Espírito Santo Fundação Pub. Estadual (Sec. Educação), TVE do Maranhão Fundação Pub. Estadual (Sec. Educação), TVU de Pernambuco
Universidade Federal (Ministério da Educação), TVE do Rio de Janeiro Fundação Pub. Federal (Ministério da Educação), TVU do Rio G. do Norte Universidade Federal (Ministério
da Educação), TVE do Rio G. do Sul Admin. Direta Estadual (Sec. de Educação), TV Cultura
de São Paulo Fundação Priv. Estadual (Sec. de Cultura).
1
180
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
das emissoras e a criação de conselhos representativos. Esse exemplo
se aplicou a BBC inglesa, France Televisón, RAI italiana, RTP de Portugal, ARD e ZDF, ambas na Alemanha, TVE espanhola, entre outras.
Na Europa, somente depois que surgiram as TVs comerciais.
Com base nesse escopo mais abrangente, discutimos neste paper, além dos aspectos históricos sobre as emissoras consideradas públicas no contexto brasileiro, a relação delas com os princípios e critérios que definem a natureza das mídias públicas. Nesta perspectiva,
um dos pontos enfatizados são os princípios e diretrizes definidos
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), em 2001, tais como: universalidade, diversidade,
independência e diferenciação, conforme serão explicados posteriormente. Também embasam a discussão proposta estudos de autores
reconhecidos da área de comunicação pública, especialmente os franceses, como Pierre Zémor, Boris Libois e Marc Ferry.
Antecedentes
Segundo Renato Ortiz (1987), a chegada da televisão no Brasil
coincidiu com o período da chamada “integração nacional” e afirmação de uma identidade do que hoje podemos pensar na cultura nacional. Em seu livro, “A moderna tradição brasileira”, Ortiz ressalta que
a construção da nacionalidade no País ainda era um projeto dos anos
30 a 50 e cuja indústria cultural era incipiente. Portanto, toda a integração nacional se concentrava no Estado que mesmo sabendo do potencial de comunicação de radiodifusão se manteve num discurso em
prol da coordenação e da disciplina dos veículos pelo poder central.
Foi essa centralização que permitiu, contudo, que os primeiros programas educativos fossem veiculados na televisão por
imposição do governo. Segundo Otondo (2002) em 1961, os Diários
Associados abriram espaço para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Com este espaço de cursos diários, foi assim o
primeiro momento para a criação da TV Cultura:
(...) Em 1967, o próprio governo comprou a emissora
dos Diários Associados, naquela época totalmente arruinada, e
com dívidas por toda parte. (...) Em 69, uma vez analisados os
problemas jurídicos e financeiros, o governo criou a Fundação
Padre Anchieta e a TV Cultura começou a funcionar, em 16 de
181
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
julho. Em 1975, sete dos 21 Estados brasileiros já tinham o seu
canal educativo regional estatal. (OTONDO, 2002, p. 271-272)
Como já ressaltamos, a intenção das emissoras públicas
educativas no Brasil foi predominantemente pedagógica, apesar
da natureza política. Segundo Otondo, “o primeiro público que se
pretendia atingir com isso era o dos 15 milhões de jovens e adultos
sem escolarização. Em 1971, os telecursos foram legalizados e concediam diplomas” (OTONDO, 2002, p.272). Essa ideia de educação
massificada mediante a televisão foi que permitiu ao governo chegar à população, desvinculando o caráter educativo do emocional,
das práticas sociais e cotidianas do telespectador. Esse fenômeno
não foi apenas brasileiro, mas segundo Gérman Rey (2002), envolve
também as televisões públicas na América Latina. O autor citado
definiu esse cenário, sendo que de um lado estavam os encaminhamentos e projetos de televisões comerciais, que ficavam com as emoções, o entretenimento, as narrativas, os dramas; e do outro, a televisão educativa que começou a reproduzir nas telas as metodologias
e didáticas empregadas na sala de aula. Para Rey,
a esquizofrenia foi rapidamente percebida: a escola e a televisão educativa pertenciam a um exterior longínquo e desvinculado das mudanças que estavam ocorrendo (sociedades mais
urbanas, variações de gênero, culturas juvenis em expansão),
enquanto que as televisões comerciais tinham um relacionamento muito mais forte com o público, ocupando um território
informativo, educacional e imaginário ao quais as televisões
educativas tinham renunciado, devido à ênfase colocada na
educação e nos seus mandatos de difusão (REY, 2002, p.92).
Na esteira das emissoras educativas e com a Lei do Cabodifusão (Lei 8977/95), no Brasil, a partir da década de 1990 foram
intensificadas as iniciativas dos poderes públicos de manter canais
diretos de comunicação com a população, sem a interferência dos
filtros dos veículos privados. Entretanto, tal fenômeno não é recente, especialmente no que se refere ao Poder executivo. Desde 1935,
o governo federal mantém o programa radiofônico A Voz do Brasil,
antes conhecido como Hora do Brasil, instituído pelo governo Getúlio Vargas, e que tenta fazer essa ponte sem mediações entre as
ações governamentais e os cidadãos.
182
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), principal iniciativa de Getúlio Vargas em comunicação.
Com o fim da era Vargas, em 1945, o programa passou à jurisdição da
antiga Agência Nacional, órgão do Departamento Nacional de Informações, que substituiu o DIP. Esse foi ainda o embrião da Empresa
Brasileira de Notícias (EBN), que produziu o programa a partir de
1962 até sua extinção quando da absorção de suas funções pela Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás) em 1984.
Historicamente, portanto, percebemos que a “vontade política
de comunicação” no Poder Executivo produziu diversas iniciativas.
Elas são importantes no entendimento da história de uma mesma
vontade política que emergiu posteriormente no Poder Legislativo
e no Poder Judiciário. Mas se a experiência do Poder Executivo com
televisão remete às décadas passadas, não se pode dizer o mesmo do
Legislativo e do Judiciário no País. As TVs legislativas e judiciárias
só se tornaram possíveis após a aprovação da Lei da Cabodifusão, de
6 de janeiro de 1995 (Lei 8977/95).
Já em 1995, no mês de novembro, a Assembléia Legislativa de
Minas Gerais iniciou as transmissões de suas atividades em canal
próprio de televisão. Naquele mesmo ano, o Senado aprovou um projeto de resolução que permitia a criação do canal de TV da Casa. Em
5 de fevereiro de 1996, a TV Senado iniciava suas transmissões. Dois
anos após, em 1998, era a vez da TV Câmara entrar no ar.
Antes da aprovação da Lei do Cabodifusão em 1995, o embrião
das TVs Legislativas já havia se formado. Desde 1993, o Senado Federal registrava as sessões e reuniões da Casa por meio de uma Central de Vídeo, que também produzia vídeos institucionais e distribuía
material para as televisões privadas. Desse ano até a data de inauguração do canal de televisão, a Central de Vídeo do Senado recebeu
investimentos de cerca de 8 milhões de dólares.
A televisão legislativa brasileira tanto pelo perfil de programação quanto pelo modelo de transmissão, seguiu o padrão do C-SPAN.
À época, o responsável pelo Projeto da TV Senado, Fernando César
Mesquita (Secretário de Comunicação Social do Senado na presidência
do senador José Sarney), foi a Washington (Estados Unidos) e acompanhou por uma semana o funcionamento da emissora norte-americana,
183
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
conforme ela cita o depoimento do senador José Sarney, inserido no
programa comemorativo dos 10 anos da TV Senado. A C-SPAN é uma
empresa privada de fins não-lucrativos, criada em 1979 pela indústria
estadunidense de TV a cabo como um serviço público. Segundo o site
da emissora, a missão do canal é oferecer acesso público ao processo
político. A C-SPAN não recebe financiamento do governo. O funcionamento da TV é pago pelas afiliadas do serviço de cabodifusão e satélites que apóiam a programação da C-SPAN (Santos, 2006)2.
Porém, a produção de material jornalístico institucional no
Congresso Nacional é anterior à criação da Central de Vídeo do Senado. Durante a Constituinte (1987/1988) foi produzido um telejornal
diário com dez minutos de duração que ia ao ar em um canal aberto.
O “Diário da Constituinte” foi a primeira experiência de telejornal
sobre o legislativo na TV aberta. O programa mostrava os bastidores,
notícias e entrevistas sobre os discutidos na Assembléia Constituinte. Esse projeto tornou-se o embrião da TV Câmara, criada em 1998.
Também criada em 1998, o canal Nacional Brasil (NBR), a
TV do Governo Federal, vinculada á Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, a emissora tem por missão informar
e noticiar as ações do Poder Executivo. A TV pode ser captada por
cabo ou por parabólica, além de ter sua programação retransmitida
por emissoras de sinal aberto em várias localidades do País. A NBR é
responsável pelo noticiário do Poder Executivo na Voz do Brasil.
O lastro das emissoras institucionais foi ampliado em 2002,
com a criação da TV Justiça pelo Poder Judiciário, representado pelo
Supremo Tribunal Federal. Com sede no STF, em Brasília. Além do
sistema a cabo e por satélite (DHT), o sinal da TV Justiça também
pode ser captado por antenas parabólicas. A TV Justiça confere espaço de divulgação institucional a todos os tribunais, além do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça, Ordem dos Advogados do
Brasil, associações de magistrados e congêneres.
Mesmo sendo uma origem limitada, foi a partir da rede de televisão educativa que os projetos de televisão pública começaram a criar
2
Tradução livre de “Our mission is to provide public access to the political process. C-SPAN
receives no government funding; operations are funded by fees paid by cable and satellite affiliates who carry C-SPAN programming”.
184
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
forma no Brasil. Juridicamente, o modelo da televisão pública no Brasil
não existia até a aprovação da Medida Provisória 398 de 10 de outubro de
2007 que depois foi substituída pela Lei 11.652, de sete de abril de 2008,
que instituiu os princípios e objetivos de radiodifusão pública e constituiu
a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), gestora da TV Brasil. A emissora surgiu como parte do processo de reestruturação da Radiobrás, que
deu lugar à EBC, à qual a TV Brasil é vinculada. A EBC alberga todo o
sistema de comunicação do Poder Executivo, com duas emissoras de TV
- o canal governamental Nacional Brasil (NBR) e a TV Pública, ou seja, a
TV Brasil, além de várias emissoras de rádio e a Agência Brasil.
A criação de fato e de direito da televisão pública no Brasil esbarra na discussão do próprio caráter público da radiodifusão no país.
O artigo 21 da Constituição Nacional classifica como uma das competências da União “os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens
e demais serviços de telecomunicações” (BRASIL, 1988, p.9) e o artigo
22 afirma e determina que compete privativamente a ela, legislar sobre
esses serviços. Portanto, cabe também à União, “outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora
e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos
sistemas privado, público e estatal” (BRASIL, 1988, p.36).
A ênfase aos programas educativos faz parte da própria finalidade da TV Brasil, conforme estabelece artigo 2º do Decreto 6.689/2008,
que inclui, entre outras metas, a “produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas”. Da
mesma forma, o artigo 3º do mesmo decreto define como um dos objetivos da emissora “oferecer mecanismos para debate público acerca de
temas de relevância nacional e internacional”. Uma análise exploratória da programação da emissora mostra que existe consonância com as
diretrizes estabelecidas pelo Decreto 6.689/08.
O aperfeiçoamento da gestão do relacionamento com seus públicos é outra prioridade da emissora. Por causa dessa prioridade, em
outubro de 2009, foi realizada pesquisa pelo instituto DataFolha3,
Conforme a pesquisa, a programação da TV Brasil tem 80% de aprovação entre seu público.
Na consulta estimulada (que menciona o nome do canal), 15% disseram já ter visto o canal e
10% declararam que assistem à programação frequentemente. Em relação ao perfil dos telespectadores, a maioria (79%) pertence às classes B (32%) e C (47%), é do sexo masculino (57%),
tem idade média de 39 anos e grau de escolaridade médio (46%), aos quais se somam 17% com
3
185
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
cujos dados revelam que um terço da população (34%) conhece e 10%
são espectadores assíduos da TV Brasil. Entre esses, a programação
foi considerada ótima por 22%, boa por 58% — totalizando os 80% —,
regular por 20% e ruim ou péssima por 1%4.
Outro aspecto relevante é que a TV Brasil é a única das
emissoras analisadas neste paper que conta com um Conselho
Curador, definido pela EBC como instrumento de controle social. O
conselho é composto por 22 membros: 15 representantes da sociedade civil, quatro do Governo Federal (representantes dos ministérios
da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Comunicação Social),
um de cada casa do Congresso Nacional e um dos funcionários da
empresa. Eles têm mandato de quatro anos, com renovação a cada
dois anos. É prerrogativa do Conselho Curador aprovar anualmente
o plano de trabalho da EBC, aprovar e observar a aplicação da linha
editorial e acompanhar a veiculação da programação.
Outro mecanismo de controle social destacado é a Ouvidoria
da EBC. A TV Brasil conta ainda com um serviço de atendimento ao
telespectador, vinculado à Ouvidoria. Ainda conforme o documento
disponível no site da EBC, a função da Ouvidoria é complementar a
atividade do Conselho Curador, recolhendo e buscando respostas da
diretoria executiva às críticas, reclamações e sugestões dos telespectadores, ouvintes e usuários dos canais da EBC.
De modo geral, o que se observa é que praticamente todas as
iniciativas e projetos de emissoras denominadas públicas conectaram-se à matriz da educação formal a matriz da alta cultura identificada por Fuenzalida e as emissoras passaram a cumprir a “(...) missão de dar educação, cultura, informação e entretenimento” (LIMA,
2003, p.67) a uma população que, segundo esses analistas, não tem
acesso a esses bens culturais de outra maneira. Apesar de o autor
admitir que a cultura não pode ser vista apenas como a “divulgação
dos produtos artísticos consagrados no mercado comercial da arte”
(LIMA, 2003, p.67), concordamos com a análise de Arlindo Machado
sobre essa vertente teórica segundo a qual
nível superior, segundo o Datafolha.
4
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/10/09/datafolha-publico-aprova-programas-da-tv-brasil-230565.asp).
186
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
(...) a única função respeitável que se pode esperar da televisão
é sua modesta contribuição no sentido de introduzir o público
leigo e bárbaro dentro do campo da cultura secular e legítima,
tarefa a que se dedicaram, durante várias, décadas, as emissoras e redes públicas culturais, como a BBC britânica, a PBS
norte-americana ou a NHK japonesa, entre tantas outras (MACHADO, 2001, p.23).
Apesar das nuances nas avaliações, grande parte dos estudiosos e dos profissionais que atuam ou defendem a televisão pública permanecem atrelados à “retórica da educação e progresso” de
que fala Sodré (1999, p.108), ainda que outros ingredientes sejam
acrescentados ao panorama. O que parece tumultuar a discussão é
a dificuldade dos analistas em admitirem que há possibilidades educacionais no entretenimento e que uma das formas mais fáceis de
promover o aprendizado é a utilização de estratégias lúdicas. Cabe
lembrar que, antes mesmo das educativas, a própria televisão no
Brasil nasceu como veículo de elite. Não por acaso a primeira transmissão tinha como objeto uma orquestra (MATTOS, 2002, p. 80).
Para Martín-Barbero (2002) a televisão pública se diferencia por “interpelar o público, incluindo o consumidor como cidadão”,
por estar vinculada “à renovação permanente das bases comuns da
cultura nacional”, e também pela “recriação audiovisual dos relatos
onde se contra a cultura comum” (2002 p. 57-61). Isto posto, que tanto
no Brasil, quanto no cenário latino-americano o sentido de público
sempre esteve vinculado e confundido com o Estado e com o que era
estatal (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 49).
Por fim, para Diego Cifuentes (2002) são três os fatores
que tornam necessária a permanência e existência de uma televisão pública conforme a origem histórica que temos: (1) A expressão da diversidade que constitui a Nação. Por sua natureza,
a empresa privada tem a opção legítima de expressar o ponto de
vista de seus proprietários, isto é, de um setor da sociedade, com
exclusão dos outros. (...) a televisão pública se justifica por se
constituir em garantia de expressão da diversidade. (2) A cobertura nacional e a expressão descentralizada da comunidade nacional. (...) (3) A experimentação, inovação e atenção aos públicos
minoritários (CIENFUNTES, 2000, p. 131-132).
187
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
As TVs Públicas se norteiam pelos princípios da Comunicação Pública?
Para se discutir as funções e o papel da TV pública no Brasil
são necessários uma breve abordagem sobre os princípios que regem
a comunicação pública, termo que começou a ser discutido há cerca
de 30 anos. Entretanto, ainda não há consenso sobre o seu conceito.
Elizabeth Brandão (2007) analisa a dificuldade de conceituação do
termo no Brasil e relaciona cinco áreas diferentes de conhecimento e
atividade profissional envolvidas: 1) comunicação organizacional; 2)
comunicação científica; 3) comunicação governamental; 4) comunicação política; 5) e comunicação comunitária. Brandão resume as diferentes formulações numa tentativa de síntese da comunicação pública como “um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o
governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construção
da cidadania” (2007, p.9). Ou seja, a comunicação pública vai além
da atividade praticada pelos órgãos governamentais5.
A transparência e a participação democrática na gestão dos
sistemas públicos de informação são apontadas por Zémor (1995)
como pilares da comunicação pública. São, portanto, os dois pré-requisitos para o pleno funcionamento desses sistemas, pois, tratam-se das colunas necessárias para garantir o interesse geral. Sem a
legitimidade do interesse geral, não é possível falar em comunicação
pública. Essa ênfase no interesse geral é justificada pelo autor pela
No Brasil, a Constituição de 1988 inclui o sistema público de comunicação em oposição clara
aos sistemas privado e estatal de mídia, sem, contudo, definir exatamente que tipo de veículo
compõe cada um dos sistemas. Desse modo, ainda que haja um certo consenso sobre a mídia
comercial (privada), a separação constitucional entre os sistemas público e estatal provoca
muitas controvérsias entre profissionais e estudiosos. Entre as divergências, está a inclusão
da comunicação praticada por órgãos estatais, sejam eles do Executivo, do Judiciário ou do
Legislativo, na categoria “pública”. A divisão prevista na Constituição aponta para a conclusão
de que o sistema estatal é gerido pelo governo, enquanto o sistema público é gerido por instituições da sociedade civil, sem a lógica comercial dos veículos privados, contudo. Tal conceito é
adotado pelo Glossário de Comunicação Pública (Duarte e Veras, 2006, p. 64) com a definição
de diferentes modalidades de comunicação pública (de patrocínio, de campanhas, institucional,
promocional, Terceiro Setor). Contudo, até mesmo os estudiosos do assunto incluem no ramo
da comunicação pública as emissoras de televisão dos estados (educativas), legislativas e universitárias, além das comunitárias e dos veículos das instituições não-governamentais e fundações (Silva, 2006, p. 57). Recentemente, participantes do 2º Fórum Nacional de TV’s Públicas,
realizado em maio de 2009 em Brasília, definiram que as emissoras do “campo público” podem
ser classificadas em estatais e não-estatais. A divisão tenta solucionar a controvérsia constitucional sem excluir da nomenclatura “pública” as emissoras geridas por órgãos do Estado.
5
188
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
natureza dos serviços públicos de informação, cujo domínio público
deve ultrapassar a esfera do Estado ou da instituição que produz
os conteúdos. Como se trata de uma comunicação que se situa no
espaço público, o olhar do cidadão é mais relevante do que o controle
do Estado. Neste pressuposto Zémor sustenta o argumento de que
assegurar o interesse geral implica, necessariamente, transparência.
Segundo Zémor (2009), uma das principais funções da comunicação pública é promover e fomentar o debate público, a fim de oferecer alternativas aos modelos midiáticos baseados no pensamento
único, nas dicotomias de pensamento e nos enquadramentos opinativos predeterminados por jornalistas, editores e proprietários dos veículos privados de comunicação. Os debates públicos são defendidos
por ele como elemento fundamental para o fortalecimento da esfera
pública, entendida como um espaço no qual as demandas e reivindicações se exteriorizam. A comunicação é um elemento indispensável
para a existência dessa esfera pública. Em sua visão, portanto, o debate público não apontará a decisão, apenas fará a concertação. “A
prática participativa aumenta a democracia”, complementa.
Ouvir as demandas, as expectativas e as interrogações do público, segundo Zémor, deve ser a função primordial da comunicação
pública. Além disso, a comunicação pública serve também para:
a. informar adequadamente o público, o que implica levar ao
conhecimento da população noticiário abrangente e contextualizado, além de prestar contas sobre os serviços prestados
pela instituição e valorizar a cultura dos receptores;
b. contribuir para assegurar e fortalecer as relações sociais
(sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência
do cidadão enquanto ator social e político);
c. acompanhar as mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social;
d. alimentar o conhecimento cívico.
Jorge Duarte também ressalta esse caráter participativo do
receptor da comunicação pública ao ressaltar que “comunicação
não se reduz à informação”, mas, ao contrário, “é um processo circular, permanente, de troca de informações e de mútua influência”
189
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
(Duarte, 2009). Por esse caráter democrático da comunicação pública, o autor sugere quatro eixos centrais de ação para os agentes
que lidam com o interesse público:
1. Transparência – atuação responsável no trato da coisa pública;
2. Acesso – sociedade precisa obter informações com facilidade;
3. Interação – criação, manutenção e fortalecimento de comunicação e diálogo;
4. Ouvidoria social – interesse em conhecer e compreender a
opinião pública.
Para estimular o debate público, é fundamental uma perspectiva interativa da comunicação. Zèmor destaca, em relação à comunicação pública, exatamente a complexidade da relação com o
cidadão receptor. Segundo sua análise, na comunicação pública o
cidadão é um interlocutor ambivalente. Enquanto eleitor, o usuário
do serviço público detém o poder de decisão junto a seu fornecedor,
pois é do legislador, do executivo federal, estadual ou municipal que
vem a autoridade e a legitimidade política das decisões tomadas pelos representantes do poder público. É, portanto, deste estatuto de
co-decisor que provém a ambivalência, talvez mesmo a ambigüidade, do usuário dos sistemas públicos de comunicação. A relação colocada com o cidadão pelos serviços públicos não tem a simplicidade
da relação comercial ou a clareza da relação contratual. Na verdade,
é a característica ativa do receptor que estabelece a comunicação.
Na visão de Pierre Zémor, portanto, a missão da comunicação pública não se resume a informar o público, mas também a
aproximar as instituições públicas da sociedade e do cidadão. Para
isso, as organizações devem, em sua avaliação, desenvolver campanhas de informação e ações de comunicação de interesse geral, a
fim de tornar conhecidas as instituições. Em suma, a comunicação
pública, em linhas gerais, é aquela que se volta para o interesse
público, não só ao oferecer informações, mas sobretudo, ao captar
e atender às demandas deste mesmo público, uma forma de contribuir para o fortalecimento das práticas de cidadania.
No caso específico da relação entre comunicação pública e cidadania, Boris Libois destaca uma série de equívocos, em diferentes
190
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
níveis. Um deles é do ponto de vista filosófico. A seu ver, a comunicação pública não pode ser concebida de forma meramente instrumental, visto que seu objetivo final é oferecer melhores condições para o
exercício da cidadania. Portanto, deve haver sintonia entre a instituição que presta os serviços de informações e seus públicos. Nesse aspecto, o ponto de vista de Libois converge com a visão de outro filósofo
europeu (embora não o cite), o alemão Jürgen Habermas6, em sua
teoria da ação comunicativa, idéia que encontra respaldo em vários
outros teóricos da linguagem, como Bahktin e Vygotski.
Nessa ordem de idéias, a comunicação pública, em linhas gerais, é aquela que se volta para o interesse público, não só ao oferecer
informações, mas sobretudo, ao captar e atender às demandas deste mesmo público. Como afirma Pierre Zémor, as mensagens são, em
princípio, emitidas, recebidas, tratadas pelas instituições públicas ‘em
nome do povo’, da mesma forma como são votadas as leis ou pronunciados os julgamentos. “Logo, esta comunicação se situa necessariamente no espaço público, sob o olhar do cidadão. Suas informações,
salvo raras exceções, são de domínio público, pois assegurar o interesse
geral implica a transparência” (Zémor, 1995, p.1). Cabe aos sistemas
públicos de informação, portanto, uma ação que envolva o cidadão de
modo diverso, “participativo, estabelecendo um fluxo de relações comunicativas entre o Estado e a sociedade” (Matos, 1999, p.1).
Para atender a esses objetivos, os sistemas públicos de comunicação e informação devem se pautar por critérios distintos dos
que regem a produção informativa na mídia comercial. Aliás, um dos
principais problemas desses sistemas é a adoção de critérios e padrões de divulgação da mídia comercial, especialmente no que se refere ao formato dos noticiários. Acerca desse equívoco, Libois (2002)
ressalta que, na maioria dos casos, os veículos públicos de informação
6
A reflexão de Jürgen Habermas pode ser utilizada na análise das diversas modalidades de
comunicação institucional, nos órgãos públicos, nas empresas privadas e no terceiro setor. O
agir estratégico (mundo sistêmico) é associado às funções estratégicas e táticas, como o planejamento da comunicação corporativa, a pesquisa de opinião, a auditoria de comunicação e a avaliação. O agir comunicativo (mundo vivido) é associado às práticas que estimulam a promoção
da cultura local, da cidadania e da responsabilidade social. Essa idéia é desenvolvida no ensaio
A teoria da ação comunicativa aplicada à comunicação institucional: a relação entre o sistêmico
e o vivido. In: KUNSCH, W. L.; KUNSCH, M. Relações públicas comunitárias: a comunicação
institucional numa perspectiva dialógica e transformadora. São Paulo: Summus, 2007.
191
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
parecem cada vez mais desconectados da opinião de seus receptores
e do ordenamento jurídico que regulamenta o setor.
Libois aponta a transposição de pressupostos da mídia privada
para os sistemas públicos de comunicação, o que contribui para reproduzir os vícios na transmissão de informações para os cidadãos, como o
agendamento e a tematização à moda dos veículos privados. Essa idéia
é reforçada por Jean-Marc Ferry, no prefácio do livro de Libois (p.5-8).
Em sua visão, a comunicação pública, ao copiar os padrões da mídia
privada, reitera e reproduz os vícios do mercado, considerados por ele
maléficos à cidadania. Ademais, passa a idéia para o público de que o
padrão ideal de comunicação é aquele realizado pela mídia comercial,
já que deve ser copiado. Com isso, os agentes dos sistemas públicos de
comunicação privam os cidadãos de serviços substancial e efetivamente diferenciados de informação, com maior aprofundamento na tematização, pluralidade de abordagens e diversidade de agendas.
Na mesma linha de raciocínio, Libois chama atenção para um
círculo vicioso da comunicação pública. O primeiro é inerente ao funcionamento do próprio setor público: são os vícios estatais a (procedimentos burocráticos) que dificultam a eficiência dos sistemas oficiais.
Na visão do autor, a comunicação pública não deveria se confundir
com administração pública, no sentido tradicional, que acarreta práticas paternalistas e assistencialistas que, em sua visão, predominam nos atuais serviços de comunicação oferecidos por organismos
públicos. De modo geral, esses organismos justificam a existência de
seus serviços com base no argumento de que a prática e as rotinas da
mídia privada concorrem para um tratamento episódico e fragmentado dos assuntos que poderiam favorecer o exercício da cidadania.
Marc Ferry aponta mais duas ordens de deficiências relacionadas à comunicação pública. A primeira diz respeito ao campo da
normatização. A seu ver, esta área específica não deveria ser regida
pelo direito privado. Ele defende a necessidade de ordenamento jurídico próprio para a comunicação pública, capaz de atender suas
especificidades. Tal medida, em sua análise, poderia trazer muitos
benefícios aos diferentes interesses dos cidadãos. A outra lacuna, na
visão de Ferry, está na concepção atual de liberdade de expressão,
geralmente associada à reivindicação da liberdade de expressão dos
192
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
jornalistas e das instituições de comunicação. Essa visão, no entendimento de Ferry, é simplista e burocrática. Além disso, contraria um
dos princípios básicos da comunicação pública, que é a liberdade de
expressão dos públicos. Como é entendida pela visão liberal da imprensa privada, essa noção de liberdade de expressão serve apenas
aos interesses econômicos das empresas de comunicação, as quais
reivindicam “uma liberdade privada, pois é a liberdade de expressão
dos patrões e dos jornalistas somente”, explica Ferry (p.5).
Um dos equívocos comuns no Brasil é considerar como emissora pública todas aquelas que são vinculadas a instituições públicas. Contudo, existem critérios específicos que devem ser considerados, conforme Sivaldo Pereira (s.d) tais como:
1. Cumprir o papel de dar visibilidade ao debate público;
2. Ter independência e autonomia, a fim de não sofrer ingerências políticas e governamentais;
3. Contar com instrumentos eficientes de participação do cidadão;
4. Contar com participação da sociedade em seu gerenciamento;
5. Estimular a produção independente de conteúdos, a fim de
contribuir para diversidade cultural.
Existem ainda cinco princípios da mídia pública, os quais foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2001:
1. Universalidade: idéia que a radiodifusão pública deve ser
acessível a todos os cidadãos no país. Segundo a Unesco (2001),
esta é uma meta que tem objetivo igualitário e democrático, pois
coloca todos os cidadãos em igualdade, independente do seu status econômico, social e cultural. A emissora pública estará voltada para toda a população e a partir daí deve-se atingir maior número de pessoas. Com isso não significa dizer que a radiodifusão
pública deve aperfeiçoar-se perante índices de audiência como
fazem as mídias comerciais. Devem sim esforçar-se para fazer a
totalidade de uma programação acessível aos telespectadores e
aos ouvintes. A Unesco (2001) também cita em documento que
isso não significa uma limitação a acessibilidade técnica, mas ga-
193
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
rante que todos possam compreender e acompanhar o conteúdo
divulgado. A programação de serviço público atendendo à democracia, ela passa ser “popular” no sentido de “fórum público” e
não restrita apenas a um grupo de cidadãos;
2. Diversidade: O serviço deve ser diversificado. A Unesco (2001)
destaca três momentos: no que se refere aos gêneros de programas;
no que diz respeito ao público e nos assuntos discutidos. Portanto, a radiodifusão pública deve refletir a diversidade de interesse
público. Oferecer diferentes tipos de programas numa transmissão clara. Evidentemente, alguns programas devem cumprir certo segmento, parte de público, mas com expectativas variadas. Ao
chegar atingir a todos, não mediante a cada programa, mas através
de toda produção, principalmente, pela sua diversidade. Pois com
a diversidade a radiodifusão pública deve responder aos variados
interesses do telespectador ou do ouvinte e a partir daí refletir a
riqueza de assuntos que estão na sociedade. Para Unesco (2001)
diversidade e universalidade são complementares na medida em
que se produzem programas voltados a segmentos como jovens,
idosos, crianças, enfim, uma comunicação para todos;
3. Independência: A radiodifusão pública se apresenta como um
fórum em que as idéias são expressas de maneira livre, onde as
informações, críticas e opiniões devem circular. Portanto, que a
liberdade da radiodifusão pública seja assegurada contra pressões comerciais e ingerências políticas. Com o mesmo efeito se a
informação da programação da emissora pública for influenciada
pelo governo, as pessoas também deixaram de acreditar;
4. Diferenciação: O serviço oferecido pela radiodifusão pública deve se distinguir de outros. Na programação de serviço público – na qualidade e caráter especial de seus programas – o
telespectador ou o ouvinte deve ter a capacidade de distinguir
este serviço. Não é apenas produzir programas que outros não
estejam interessados ou não possuem em sua grade de programação. É uma forma de fazer as coisas diferentes, sem exclusão de gênero e formato. Este princípio conduz as emissoras
públicas no sentido de inovar, criar novas faixas de horário,
definir o ritmo do audiovisual, novos gêneros.
194
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Ao propor esses princípios, o objetivo da Unesco foi oferecer
diretrizes aos gestores de mídias públicas, a fim de orientar a produção de conteúdos, a divulgação, a promoção da diversidade cultural, o
relacionamento com os públicos e a gestão dos veículos, de modo a garantir aos cidadãos diferentes enquadramentos e distintos enfoques.
Por outro lado, mesmo se pensássemos na mídia em geral,
sem o viés público, a própria Teorias da Comunicação e da Mídia
discutem modelos de relação de efeitos e impactos entre o sistema e os muitos outros setores da sociedade. Denis McQuail (2003)
analisou algumas relações básicas entre a comunicação social e a
sociedade. Mesmo não sendo a mídia de caráter público no sentido
de formação ou concessão, está se diz respeito à cultura de modo
a constituir uma fonte primária de definições e imagens de uma
realidade social e uma expressão de identidade partilhada; focos
de interesse providenciando o ambiente cultural e partilhado pela
maioria das pessoas muito mais do que qualquer outra instituição.
No que se refere à política a mídia tem se tornado um elemento essencial no processo democrático ao proporcionar um possível canal
de debate e por distribuir diversas opiniões e informações; um meio
de que o poder seja exercitado em virtude do acesso relativamente
privilegiado por parte dos agentes de governo e dos políticos têm
acesso legítimo e direto aos meios de comunicação. No que diz respeito à economia, a indústria da mídia com seu crescimento acaba
por diversificar e consolidar o seu poder no mercado.
Bem, se formos pensar do ponto de vista funcionalista, a mídia
seja ela televisão, rádio ou imprensa vem agindo como:
1. Uma janela sobre os eventos e a experiência que estende a
nossa visão, permitindo-nos ver por nós mesmos o que se passa,
sem referência de outros;
2. Um espelho dos eventos da sociedade e do mundo; implicando
uma reflexão fiel (não obstante da inversão e possível distorção da
imagem), apesar do ângulo e direcção do espelho serem decididos
por outros, e nós somos menos livres de ver o que queremos;
3. Como um filtro ou gatekeeper, actuando para seleccionar partes da experiência a que devemos prestar atenção e apagando outras vozes e perspectivas, quer deliberadamente quer não;
195
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
4. Como um sinal, guia ou intérprete, apontando o caminho e
ajudando a fazer sentido do que acontece que de outra forma seria um puzzle e algo fragmentado;
5. Como um fórum ou plataforma para a apresentação da informação e das idéias à audiência, muitas vezes como a possibilidade de obter resposta e feedback;
6. Como um interlocutor ou um parceiro informado na conversa
que não só passa informação, mas responde a questões de uma
forma quase interactiva (Faustino, 2006, p.48).
Portanto, pensar e fazer uma mídia pública significa relativizar-se perante a própria indústria da mídia que obviamente também estabelece, em tese, um compromisso com a audiência, mas
possui a referência perante o capital – o sistema econômico – e suas
variáveis estratégicas de consumo e de cultura. Por isso, as diretrizes da Unesco (2001) norteiam diretamente no fazer do serviço
público de rádio e de televisão. Estabelece, portanto, uma contra-hegemonia, podemos dizer assim, da produção e da programação
comercial. O sistema público precisa apresentar esses aportes como
dessemelhante do que já existe sem perder ou deixar de investir em
qualidades técnicas, conteúdo e estéticas.
Comentários Finais
Diante do exposto, cabe questionar se as emissoras de televisão denominadas (ou autodenominadas) públicas no Brasil não funcionam, na prática, como veículos de divulgação institucional. Uma
análise mais aprofundada sobre essa questão demandaria um estudo
detalhado sobre o perfil dessas emissoras, a programação, o conteúdo, o tipo de audiência e o relacionamento com os públicos.
Apesar da escassez de dados, uma rápida pesquisa de monitoramento das emissoras consideradas públicas no Brasil, o que se
observa é que há um predomínio de conteúdos de divulgação institucional, muito próximo da propaganda. Além disso, existe um destaque para a opinião dos próprios dirigentes dos canais, tanto na forma
de entrevistas, comentários sobre temas da agenda pública ou como
inserções de falas desses dirigentes sob o formato de noticiário.
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em alguns casos, percebe-se ainda uma nítida relação entre esses
veículos e as estratégias de conexão eleitoral e de captura do voto, como
analisa Maria Helena Weber (2007). Esses conceitos, amplamente utilizados na Ciência Política, a partir das formulações de David Mayhew
(1974), apontam para a atuação dos agentes políticos, sempre empenhados na sua própria reeleição ou na reeleição daqueles que podem mantê-los nos cargos que ocupam. No caso dos dirigentes de emissoras de TV
mantidas por instituições públicas, a programação segue estratégias
para conferir visibilidade às pessoas que fazem parte da elite dirigente
da instituição, bem como seus feitos políticos e administrativos. Assim,
as estratégias de divulgação se concentram em tornar públicas declarações sobre temas que possam ser de interesse dos atores políticos, como
forma de manter a conexão eleitoral e facilitar a captura do voto.
Portanto, o que podemos inferir é que, apesar da denominação, ainda não existem emissoras de TV no Brasil que possam ser
classificadas efetivamente como TVs públicas, visto que não atendem nem os princípios da comunicação pública, nem os critérios estabelecidos pela Unesco, conforme foram explicitados anteriormente. Assim, seria mais adequado classificar essas emissoras como
veículos institucionais de informação, talvez com algumas nuances
de comunicação pública, a depender do caso.
A exceção, talvez, seja a TV Brasil, emissora que mais se aproxima do perfil e tipologia de programação de uma TV pública, o que a
diferencia das emissoras do Legislativo e do Judiciário, com destaque
para a variedade de programação e a ausência de conteúdos institucionais. Apesar de algumas semelhanças de gêneros de programação,
tais como jornalismo, debates/entrevistas e programas culturais, percebe-se que existe diferença em relação aos conteúdos. Os noticiários
são abrangentes, com notícias nacionais, internacionais, além de noticiários referentes aos temas metrópoles brasileiras, como Notícias
do Rio. Os debates e entrevistas seguem a mesma orientação, sem se
limitar a conceder espaços para autoridades e ocupantes de cargos
públicos. Além disso, os conteúdos são generalistas e ancorados na
agenda pública nacional e internacional. Da mesma forma, os programas culturais são variados e primam pela representação da diversidade cultural brasileira, com espaço para filmes, documentários
e músicas da América Latina.
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cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Referências
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200
A concentração midiática brasileira e a desejada
liberdade de expressão
Fabiana Rodrigues
Os anos 1960 representam o boom dos meios de comunicação de
massa no Brasil, situação que entra em destaque logo após o golpe militar de 1964. Com a implementação do sistema comunicacional, diversos programas puderam ser vistos e ouvidos pelos variados segmentos
da nação. Valendo-se em grande parte do pretexto da construção do
desenvolvimento e da modernização aliados à segurança nacional, os
meios de comunicação tornaram-se prioridade no sistema militar.
Esse processo de modernização das comunicações, segundo
Muniz Sodré, “combinou tecnologia com interesses militares e comerciais”, tendo características transnacionais.
A forma como os meios de comunicação se expandiram e
cresceram no Brasil, teve paradoxalmente, sua ação centralizada
e controlada por poucos. Essa situação ocorreu mundialmente a
partir da segunda metade do século XX. A respeito disso Muniz
Sodré enfatiza que a imprensa escrita e a radiodifusão são setores extremamente “familiais”, pois (…) nove clãs controlam mais
de 90% de toda a comunicação brasileira. Trata-se de jornais, revistas, rádios, redes de televisão, com mais de 90% de circulação,
audiência e produção de informações (...) controlados pelo estamento dominante” (p. 43). O monopólio das comunicações durante
o período ditatorial e de arbitrárias concessões de radiodifusão,
tornam-se motivo de preocupação, pois “não se adquire apenas um
palanque midiático, mas quase um fórum de discussões políticas”
(GOMES, 1994, p. 63), visto que se intervém abertamente em questões das mais diversas, orientando-as com a “aprovação”da opinião
pública, para os caminhos e desfechos que interessam àqueles que
dominam e monopolizam a informação.
No Brasil há um ambiente extremamente favorável à concentração midiática. Muitos obstáculos contribuíram para que não
se tenha no Brasil um sistema de comunicação mais democrático e
201
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
voltado realmente aos interesses da população. Mas o grande impasse para a dinâmica do processo está na situação de que os meios
de comunicação são tratados como um negócio altamente lucrativo:
a difusão da comunicação fica concentrada em poucas redes, cujos
seus controladores são pequenos grupos empresariais, o que faz
prevalecer uma gerência de negócio público (o ato de comunicar)
extremamente próximo de um regime privado. Há uma supremacia do meio capitalista influenciando no que deve virar informação.
Contudo, o problema vai mais alem, pois na sua grande maioria,
esses grupos empresariais são formados por famílias, o que torna o
sistema cada vez mais dominante e oligárquico.
Para Venício A. Lima (2003) deve-se ficar atento à perigosa
perda de autonomia que ocorre devido à entrada de dos grupos multinacionais na área da comunicação regional e local. Em Maestrini
e Becerra (2003) são mencionados alguns fatores que seriam responsáveis pelo processo de concentração midiática: o salto tecnológico apoiado pela convergência de suportes e mecanismos de distribuição na esfera da informação e da comunicação; a deteriorização
das empresas públicas; as estratégias de mundialização dos grandes grupos do planeta e a expansão da publicidade como mecanismo
privilegiado do financiamento dessas atividades.
Estudos realizados por Caparelli e Lima (2004) relataram
que sete grupos controlam 80% de tudo que é visto, ouvido e lido
na mídia brasileira:
• A família Marinho que detém a liderança na TV aberta
(Rede Globo), ou melhor, as Organizações Globo de Televisão,
que são hegemônicas desde os anos 1970 até os dias atuais.
Tendo iniciado suas atividades em 1925 com o jornal O Globo,
que atualmente é o terceiro jornal em tiragem no país, as OG
conseguiram se manter no século XXI como o maior grupo dominante de mídia no Brasil. Possui cerca de 223 veículos próprios ou afiliados e a maior operadora e distribuidora de TV a
cabo (NET), também detém um dos mais acessados portais da
internet (Globo.com), uma produtora e distribuidora de cinema (Globofilmes), 30.1% das emissoras de rádio FM e AM (incluindo a rede CBN) e um sistema de produção de canais para
202
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
TV a cabo (GLOBOSAT). O faturamento das suas produções
no ano de 2007 foi de aproximadamente 7 bilhões de reais.
• A Igreja Universal do Reino de Deus é proprietária da segunda maior rede de TV do país (Record) e de outras emissoras menores, como a Rede Mulher e a Rede Família.
• A família Abravanel controla a terceira rede de emissoras
de televisão do país (SBT), mantém parcerias com produtoras
e estúdios de cinema multinacionais, alem de ter empreendimentos em outros setores da economia.
• Os Frias possuem o jornal mais lido do país (Folha de São
Paulo), um instituto de pesquisas de opinião pública (DataFolha), um jornal melhor, parte de um dos maiores provedores de
acesso e informação do mundo (UOL), uma agência de notícias
(Agência Folha) e metade de um dos mais influentes jornais de
economia (Valor Econômico), em parceira com o Globo.
• A família Saad controla a Rede Bandeirantes, as emissoras
da Rádio Bandeirantes AM e FM e detém ainda o Canal 21, de
grande penetração e alcance na capital paulista.
• Os Mesquitas são proprietários da segunda maior circulação em jornais do país (O Estado de São Paulo), dos tradicionais Jornal da Tarde e Rádio Eldorado FM, da Agência Estado
e de uma emissora de televisão no Maranhão.
Entre outras empresas que detém a concentração midiática
no Brasil, também pode-se destacar o Grupo Abril, pois: “é um grupo midiático brasileiro que tem características internacionais, com
conteúdo e proprietários estrangeiros, diferenciando-se assim dos demais. É o primeiro grupo a criar uma empresa de mídia no exterior e
o primeiro a receber capital estrangeiro”.1
Seis grandes conglomerados têm parceira com o Grupo Abril.
São eles: Time Warner, Walt Disney, News Corporation, Vivendi Universal, Viacom e Bertelsmann.
1
Eula Dantas Taveira Cabral. Artigo apresentado à Intercom – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006.
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cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
A empresa Time Warner, considerada um dos maiores grupos
midiáticos do mundo, utilizando sua empresa Time Inc, alia-se como
parceira do Grupo Abril na revista Estilo. Tal revista faz parte do
segmento feminino desde 1994, nos Estados Unidos. Da parceria com
Walt Disney iniciada em 1950, passou a comercializar a revista O
Pato Donald. Além da publicação quinzenal de Mickey e Zé Carioca,
e das revistas mensais Tio Patinhas e Superalmanaque.
Da parceria com a News Corporation, de propriedade do empresário Rupert Murdock, há sociedade na programação exibida na
FOX e na impressão da revista em quadrinhos Os Simpsons. Com a
Viacom, desde 1990, é parceira na TV MTV e na TVA.
Da fusão com a Vivendi Universal, havia a sociedade com as
Editoras Ática e Scipione. Porém, atualmente, a sociedade ocorre apenas na revista mensal Pinte Legal com o Pica-Pau. Com o grupo alemão Bertelsmann, a parceria ocorre com a revista Superinteressante.
Também não se pode deixar de mencionar que seis das dez revistas
mais lidas no Brasil são do Grupo: Veja, Escola, Superinteressante,
Cláudia, Caras e Nova, sendo que Veja é considerada a quarta revista
semanal de informação do mundo e a maior fora dos Estados Unidos.
Com toda essa diversificação de atividades e investimentos, o
Grupo Abril se classifica em mídia impressa, audiovisual e interativa.
Em relação ä mídia impressa, seu mercado é de revistas, séries e obras
de referência. No caso do audiovisual, há discos, CD, vídeo e televisão
a cabo. Esse processo se constitui na chamada propriedade cruzada.2
Todas essas empresas, incluindo a radiodifusão, constituem-se
em capital estrangeiro, e, portanto, precisam estar com suas atividades aprovadas pelas leis brasileiras. Porém, a questão da internacionalização da mídia no Brasil é bastante controversa. A regulamentação
da entrada do capital estrangeiro foi elaborada em 20 de dezembro de
2002 pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
que decretou e sancionou a Lei 10.610, liberando a entrada de apenas
30% de capital estrangeiro. Também foram criadas obrigações para as
empresas de radiodifusão, como o dever de apresentar aos órgãos de
2
A propriedade cruzada ocorre quando um mesmo grupo midiático combina diferentes tipos
de mídia no setor de comunicações, por exemplo: TV aberta, TV por assinatura, rádio, revistas,
jornais, provedores de internet, etc.
204
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
registro civil e comercial, até o último dia útil de cada ano, declaração
de seu capital social; sendo que o Poder Executivo será o responsável
para requisitar das empresas e dos órgãos registradores as informações
e documentos necessários para a verificação do atendimento às regras
de participação societária.
Apesar da nova Lei ter sido aprovada e a entrada do capital
estrangeiro sido regulamentada, o cenário midiático brasileiro pouco
mudou. O Grupo Abril é o único, o qual se tem noticias até o momento, que fez uma parceria legal com os estrangeiros. A parceria foi de
R$ 150 milhões, o que equivale a 13,8% de seu capital. Tal percentual
não atinge os 30% da estimativa feita pela Lei sancionada.
Na radiodifusão brasileira não foram percebidas mudanças. O que
se pode comprovar é que três grupos familiares nacionais (Rede Globo,
Bandeirantes e SBT) estão presentes em quase 100% do território brasileiro, situação considerada inadmissível pelas Leis que regulamentam
o exercício da radiodifusão brasileira. No que tange os grupos regionais
como (Rede Brasil Sul, Organizações Jaime Câmara, Rede Amazônica de
Rádio e Televisão, Grupo Zahran e Verdes Mares), a dominação é de 70%
dos locais onde eles atuam, e isso vem a confirmar a grande influência
política exercida nesses lugares, bem como, a manipulação de opiniões.
Segundo Elvira Lobato,”os oligopólios se formaram através de
uma brecha deixada na lei. Ela fixou os limites por entidade e por
acionista, mas não previu um artifício simples: o registro de concessões
em nome de vários membros da família. O poder nas mãos de grupos
familiares na radiodifusão brasileira é uma penosa realidade da mídia
brasileira, pois dificulta a entrada de novas empresas, estilos e conteúdos no mercado, padronizando as notícias e também o entretenimento
da população, e ferindo, certamente, a democracia em nosso país.
A preocupante situação da propriedade cruzada
Devido às brechas deixadas na constituição, conforme foi argumentado por Elvira Lobato, há uma acentuada crise na concentração dos meios de comunicação que permanecem sob o comando de algumas mãos, o que torna preocupante a situação da mídia no Brasil.
A questão da propriedade cruzada em que os mesmos grupos controlam emissoras de televisão, jornais, revistas, portais na internet, etc.
205
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
torna o processo de concentração um fator de risco para a presença
da liberdade de expressão, pois o conteúdo produzido em um veículo
é apenas reproduzido em outro da mesma cadeia, dando uma falsa
impressão de credibilidade informativa. Isso possibilita ainda que
opiniões, valores, símbolos e versões de fatos que interessem aos grupos empresariais detentores sejam distribuídos de maneira realista e
uniforme por diversas vias, dando mais força à difusão de tais idéias,
aumentando seu alcance e sua penetração na sociedade, e, limitando
assim, a inserção de opiniões diversas no contexto social.
Considerações Finais
O não cumprimento das leis que regem a constituição brasileira
no que tange o processo de radiodifusão continua tendo como parâmetro
o monopólio da informação no Brasil por conta de determinados grupos;
grupos esses que são formados por empresários, políticos, donos de igrejas que freqüentemente usam determinados meios de comunicação, os
quais geralmente são donos, para disseminar idéias em causa própria,
esquecendo-se de que o sistema de comunicação é um bem público e
não uma empresa privada. Tal procedimento vai na contramão de uma
sociedade mais justa e que promove a liberdade de expressão entre seus
cidadãos. A liberdade, neste caso, apenas está presente em situações que
não prejudiquem os interesses daqueles que detém o poder da informação, decidindo veemente tudo que deve ser visto, lido e ouvido pela nação. O que se pode afirmar, com certeza, é que qualquer medida que seja
tomada para dispersar a concentração midiática, terá que enfrentar a
própria mídia, portanto, o ciclo é infinito. Nas palavras de Venício, “esta
é a realidade da mídia brasileira: concentrada e internacionalizada. E
sem sinais que indiquem mudança de rumo a curto ou médio prazo”.
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207
A mídia outdoor e a cidade
Ana Paula Cesar Vaz Guimarães Nogueira
Resumo
O outdoor, um dos representantes mais antigos da mídia exterior, cujas características foram moldadas pelo desenvolvimento
das técnicas gráficas e de criação que paralelamente ocorreu junto
ao crescimento da mídia das cidades. A implementação e uso de
programas gráficos na mídia exterior, ou melhor, no outdoor, possibilitou um salto tecnológico e se tornou muito atraente do ponto de
vista estético e plástico de suas mensagens. Faremos uma análise
da mídia e a influência da computação gráfica no seu desenvolvimento como meio de comunicação, trazendo-a até o contexto atual.
A implantação da Lei Cidade Limpa em janeiro de 2007 em São
Paulo que restringiu a publicidade externa na cidade, será mencionada. A lei foi como um marco de modificação na cidade de São
Paulo, não mais utilizada como suporte de comunicação através
da mídia exterior. Para concluir serão analisadas algumas novas
tendências de mídias e comunicação na cidade de São Paulo pós
Lei Cidade Limpa.
Palavras- chave: Outdoor, mídia exterior, computação gráfica e Lei Cidade Limpa.
O nascimento da mídia exterior
Não se sabe ao certo a origem da propaganda ao ar livre. A própria pré-história é repleta de inscrições nas cavernas. No Egito, os hieróglifos escritos nas paredes dos templos também já denotavam esta
forma exterior de exposição. Na Mesopotâmia, os comerciantes de vinho
anunciavam seus produtos em pedras talhadas em relevo, chamadas de
axones. Os gregos, por sua vez, gravavam suas mensagens em rolos de
madeiras, denominados cybers. Na Roma antiga a propaganda já era
mais próxima de nosso cartaz mural. Retângulos divididos por tiras de
metal e pintados em cores claras eram instalados sobre os muros. Sobre
eles, escrevia-se com carvão mensagens de venda de produtos.
209
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Segundo Sabadin e Agnaldo Pinheiro, no livro “Outdoor. Uma
visão do meio por inteiro”, foram encontrados 23 destes quadros destinados à propaganda em uma única rua das ruínas de Pompéia.
O cartaz, como hoje o conhecemos, só passa a existir quando a
impressão sobre o papel torna-se possível. Assim que se concretiza, a
Igreja e o Estado passam a utilizá-lo sob a forma de monopólio.
Em 1793, com a divulgação da litografia pelo austríaco Alois
Senefelder, a técnica de impressão de cartazes passa por forte aperfeiçoamento. O desenvolvimento da impressão litográfica possibilita
o desenvolvimento do moderno cartaz de arte, que vira objeto de interesse de artistas plásticos na segunda metade do século XIX.
A história registra o pintor Jules Cheret como o autor do
primeiro desenho litográfico em cores. Cheret reúne alguns colegas no projeto de transformar as ruas de Paris em galeria a céu
aberto, para atrair o público interessado no acesso à arte. Cartazes multicoloridos de autoria de vários artistas passam a ser
afixados nas ruas parisienses. O ilustre pintor Toulose Lautrec,
trabalhando como ilustrador e diretor de arte, desenvolve vários
cartazes para a divulgação dos espetáculos do Moulin Rouge. A
ligação entre arte e propaganda é estreita.
As obras de Cheret e Lautrec fornecem os alicerces para
uma nova forma artística. Na virada do século, o movimento mais
importante do design de cartazes é o “Art Nouveau”. A partir daí,
eclodem vários movimentos e escolas de design de cartazes, como
a “Bauhaus”, “Futurismo”, “Cubismo”, etc.
Exemplos de propaganda em cartazes de rua, precursores do
outdoor, podem ser encontrados centenas de anos atrás, apesar desta tornar-se mais comum e crucial nos últimos 100 anos. Segundo
Straubhaar e LaRose tem-se:
“No século XIX e começo do século XX, anunciantes
pintavam imagens promocionais de produtos, como tabaco,
nas paredes de estábulos. Aos poucos, os anúncios começavam a ser predominantes em jornais, revistas e, já em 1923,
também no rádio”. (2004: p:36).
210
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Com o passar do tempo a propaganda impressa toma um grande vulto pela sua importância no cenário urbano, o que possibilita
seu rápido crescimento.
Surgem agências para administrar contas de grandes companhias multinacionais e o setor publicitário se desenvolve com estreita relação com suas matrizes americanas.
A publicidade otimista do pós-guerra cresce, chegando até nós o
estilo de vida norte-americano. A presença de aparelhos eletrodomésticos nas casas é muito comum, mas com o suporte do crediário para alavancar este consumo. É o tempo em que proliferam as novelas de rádio,
as lojas de departamento e as empresas imobiliárias, que fazem bons
negócios. Grandes agências começam a aparecer na propaganda. Nelson
Cadena ilustra a situação pela qual a propaganda da época se define:
“The Propagander especializa-se em anúncios dos
concessionários de energia e bonde, movimentando grandes
somas de dinheiro.
É, sem dúvida a maior agência do país em faturamento e estrutura. Em seus escritórios são negociados espaços em
bondes garagens, prédios das companhias de luz, elevadores e
postes de parada e, ali mesmo, criados e produzidos os anúncios
com raras exceções.” (2001, p: 42)
Ortiz ressalta que em 1958 aproximadamente 8% do total das
verbas publicitárias é aplicado em televisão, contra 22% do rádio e
44% dos jornais. Ou seja, os meios mais tradicionais são mais utilizados pelas agências de publicidade da época. A televisão aproveita-se da intimidade com que passa a disputar o espaço doméstico e o
cotidiano de seus espectadores para crescer como meio publicitário.
Mesmo com o surgimento da TV, que desvia para si fortes investimentos feitos em campanhas publicitárias, os outdoors não deixam de ser utilizados pelo comércio e pelos governos por serem uma
mídia caracterizada pela comunicação direta.
211
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
A mídia outdoor e suas características
O outdoor, um dos representantes mais antigos da mídia exterior,
cujas características foram moldadas pelo desenvolvimento das técnicas
gráficas e de criação, paralelamente ao crescimento da mídia das cidades.
O termo outdoor, que deriva da expressão inglesa outdoor advertising tem em vários países do mundo o significado de propaganda
ao ar livre e é utilizado para designar qualquer propaganda exposta
ao ar livre – painel, letreiro luminoso, parede pintada, etc. – que se
caracterize por forte apelo visual e produza comunicação instantânea.
No Brasil, segundo o livro “Outdoor. Uma visão do meio por inteiro.”, publicado pela Central de Outdoor de São Paulo, o termo outdoor é utilizado, por costume ou convenção, para descrever uma mídia ar
livre específica: Tabuleta, em formato retangular, com dimensões padronizadas de nove metros de comprimento por três metros de altura.
Pode-se afirmar que o outdoor é uma propaganda ao ar livre,
mas não se pode afirmar que toda propaganda ao ar livre ou mídia
exterior seja outdoor.
Atualmente, é construído com chapas de aço galvanizado, pregadas sobre armações de suporte em madeira. Como acabamento, a
tabuleta é contornada por molduras, também construídas em chapas
de aço galvanizado, pregadas sobre ripas de madeira.
A área útil de uma tabuleta de outdoor está restrita às dimensões de 8,80m x 2,90m que, adicionadas às dimensões das molduras, perfazem os 9,00m x 3,00m, que definem as dimensões finais
padronizadas desta mídia. Sobre as chapas de aço galvanizado são
afixadas folhas de papel que, devidamente ordenadas, constroem a
imagem da mensagem a ser transmitida.
O conjunto de folhas de papel que compõem a mensagem
conta, na grande maioria das vezes, com trinta e duas folhas. Hoje,
porém, já existem empresas que imprimem a mensagem sobre 16
folhas duplas. Com isso, buscam reduzir o tempo de colagem e
os custos operacionais, mas tiveram de investir em impressoras
maiores e mais modernas, capazes de imprimir grandes formatos.
212
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em algumas campanhas publicitárias, o anunciante, com objetivo de despertar maior atenção do público, utiliza mensagens que
ultrapassam as dimensões padronizadas das tabuletas. Nestes casos,
é necessário que apliques sejam produzidos para serem instalados
adicionalmente ao corpo da tabuleta, de forma a aumentar sua área
de exposição. Estes apliques são confeccionados artesanalmente, pois
cada campanha demanda uma produção diferenciada.
As tabuletas são instaladas em áreas alugadas, às margens de
vias públicas ou em pontos de boa visibilidade e são regulamentadas
e controladas pelo poder público municipal, que estipula as taxas e
impostos locais aos quais a mídia está sujeita.
Segundo Fernando Cury, o outdoor teve sua inspiração no cartaz de rua, apesar de sua participação na cidade ser, hoje, muito mais
expressiva que do próprio cartaz.
“O cartaz original, de pequeno formato impresso, é o modelo inspirador do outdoor e outras peças publicitárias, como
as tabuletas (cartazes com moldura e pés) carregadas pelos homem-sanduíche, os painéis e os atuais banners promocionais.
Mas sua participação na paisagem não é a mesma, desde que,
há varias décadas, foram substituídos pelos outdoors, cartazes
de grande formatos.Os cartazes perderam também seus pontos
comerciais para esses.” (2004, p:59)
De forma geral, a mídia exterior tem crescido muito rapidamente, acompanhando, de certa forma, o crescimento das grandes cidades.
O outdoor, especificamente, é uma das mais representativas
mídias exteriores utilizadas atualmente pelo mercado publicitário.
Seu poder de comunicação é significativo, a ponto de ser tratado como
mídia convencional, ao lado de outras importantes mídias, como o
rádio, o jornal, a revista e a televisão.
No Brasil os primeiros outdoors, com formato oval pequeno, eram
usualmente afixados em postes. Alguns desses cartazes ganharam outros espaços, mais privilegiados, passando a ser instalados em plataformas e paradas de bonde pela Companhia de Cartazes de Bonde.
O crescimento desta mídia foi muito intenso, mas desordenado. A adoção, pelas empresas exibidoras, de orientações e de parâmetros distintos e individuais para a mídia, deixava clara a desordem
213
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
e remetia à sensação de falta de profissionalismo destas, impulsionando a concorrência predatória entre elas. A preocupação com esta
situação era latente entre os profissionais, pois se refletia de forma
negativa e agressiva nas ruas e avenidas das cidades, tanto devido ao
número excessivo de tabuletas, quanto à precariedade de sua manutenção e quanto à confusão visual que geravam.
Os problemas advindos dessa falta de padronização do meio e
o acirramento da disputa entre as empresas detentoras de pontos de
outdoor pelo controle desse interessante, crescente e rentável mercado,
fizeram com que essas empresas se unissem para criar normas específicas para a padronização de seus formatos e para a sua comercialização.
Hoje, este meio permeia todo o espaço das grandes metrópoles
e seus cartazes estão inseridos e absorvidos pela paisagem urbana.
Convive intensamente com o homem urbano, pois ele certamente já
leu, observou e percebeu um outdoor.
É um meio complexo na forma como atua, sendo coroado de êxito,
como um meio de divulgação e de informação, em muitas grandes cidades ao redor do mundo. Permite a continuidade da mensagem de produtos e serviços, quando inserido nas campanhas publicitárias destes.
É um meio democrático de comunicação de massa, pois a
maneira de expor suas mensagens permite o olhar de todos, sem
seleção de público. Segundo o autor Mizuho Tahara, no seu livro
“Contato imediato com a mídia”, as características mais marcantes deste cartaz de rua de 27 metros quadrados são: mídia eminentemente local, que permite alta freqüência de exposição e que
possibilita continuidade da mensagem.
Essas características também podem ser utilizadas para definir, de forma generalista, outras mídias ao ar livre, como o backlight,
o frontlight, a empena de prédio e o painel eletrônico que, por serem
derivadas do outdoor, exploram e utilizam seus principais aspectos,
Todas são mídias de grande impacto visual, que possibilitam
a fixação das mensagens próximas aos pontos de venda, podendo,
inclusive, acompanhar o consumidor até o local e hora da compra.
São muito utilizadas em campanhas locais, com o objetivo de atingir
pessoas em trânsito por localizações específicas.
214
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O outdoor tem custo alto de produção, pois utiliza muito
a produção gráfica, hoje onerosa no Brasil. Isto ocorre com mais
intensidade ainda no custo de produção de backlights e de frontlights que, apesar de não serem tão abundantes no espaço urbano
como o outdoor, tem, muitas vezes, maior área impressa e utilizam materiais de custo muito mais alto. Além disso, o outdoor, por
não permitir a transmissão da mensagem somente ao público-alvo
da campanha publicitária, aspecto importante no planejamento
de divulgação e comercialização de um produto a ser inserido no
mercado, implica em investimento maciço, quando utilizada como
mídia básica para campanhas nacionais, pois há a dispersão da
mensagem por todos os públicos.
A comercialização do cartaz de outdoor é feita por bi-semanas
(14 em 14 dias). O calendário com as bi-semanas de veiculação é pré-estabelecido e válido para o ano inteiro, sendo utilizado por todas as
empresas detentoras de pontos de outdoor na cidade.
A teoria da comunicação urbana, proposta por Massimo Canavacci, sugere uma relação de unidade e de conjunto, no tocante ao
outdoor, entre a publicidade e a cidade:
“Os grandes cartazes publicitários das ruas – os outdoors – são uma fonte tão inexorável quanto rentável de comunicação urbana. Neles é possível ler-se não só a mensagem
explícita, a que se destina a vender, mas também o sistema de
valores de uma determinada época, num especifico contexto
sócio-cultural. Este esquema de valores às vezes é partilhado;
muito mais freqüentemente, porém, a publicidade, em vez de
adequar-se aos sistemas que orientam as pessoas, antecipa-os
e até mesmo os produz.” (1993, p. 163)
É um meio de comunicação que considera que a leitura será
feita por observadores em movimento.
O outdoor, por suas características próprias, principalmente
pelo seu formato, é uma peça que busca aproximação de formas diferentes com cada categoria de observadores que por ele passa.
Quando o observador está na condição de motorista ou passageiro dos meios de transporte da cidade, para que a leitura e assimilação da mensagem sejam rápidas e claras no curto espaço de tempo
215
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
em que esta estará no campo de visão do observador, é necessário que
a velocidade máxima permitida na via em que o outdoor será instalado seja levada em consideração em sua criação.
Ao mesmo tempo, deve permitir boa leitura aos pedestres ou
transeuntes. Se por um lado, suas grandes dimensões fazem com que
ele chame a atenção durante a caminhada nos trajetos dos percursos urbanos, por outro, a desproporcionalidade de seu tamanho e sua
grande área de mensagem quando observado de perto, dificultam
sua leitura e seu entendimento. Este é mais um dos importantes elementos a serem levados em consideração em seu processo de criação,
tornando-o um desafio interessante.
Newton Cesar afirma:
Criar para outdoor não é o mesmo que criar para revista, jornal ou televisão. Quando o consumidor está lendo uma
revista ou um jornal, ele está em casa, no trabalho, no ônibus.
Tem tempo para prestar atenção em todos os anúncios que ele
quiser. Quando está vendo televisão, a tensão é ainda maior.
Com o outdoor, você tem, no Maximo, 8 segundos para atrair
a tensão desse consumidor. Neste tempo, é preciso agarrar o
consumidor e vender o produto, mesmo não estando no ponto-de-venda”. (2000, p:58)
O outdoor tem a necessidade de que sua mensagem seja
observada, lida e interpretada de forma rápida e objetiva, com comunicação instantânea.
Uma boa criação deve considerar o uso correto e equilibrado
das cores, a dimensão das imagens, a legibilidade dos títulos e a localização de logotipos. Apesar do seu grande formato, normalmente é
observado de longe. Por isso, suas mensagens devem ser simples, claras e curtas. O layout tem de ser objetivo, limpo e de fácil visibilidade.
Quando o observador está no trânsito, tudo acontece muito rápido à
sua volta. Dispõe de apenas 8 segundos para perceber a existência
do outdoor, observar sua imagem, ler seu título e subtítulo, entender
sua mensagem, interessar-se pela promoção que está sendo veiculada e anotar o telefone ou o site da empresa anunciante.
Por isso, utiliza-se hoje grande carga de criatividade em sua
confecção. O primeiro impacto na visualização de um outdoor é de
216
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
fundamental importância para a eficácia da comunicação de sua
mensagem. A diferenciação ganha destaque.
A utilização de apliques, acréscimos à área original da tabuleta, para aumentar o poder de exposição do outdoor, torna-se
cada vez mais comum, pois quebra a homogeneidade das dimensões da tabuleta tradicional, agregando elementos que dão uma
sensação de tridimensionalidade.
Essa mesma criatividade alavancou o surgimento de mídias
co-irmãs do outdoor, como os backlights e frontlights.
Se pensarmos em mídias com outros formatos, além dos backlights e frontlights, temos as empenas de prédio. Todas elas, assim
como o outdoor, seguem roteiros específicos de criação, estão expostas
ao ar livre, têm seus observadores circulando pelas ruas e estão visíveis por curto espaço de tempo no olhar destes.
Inicialmente caracterizadas pela utilização de iluminação noturna, quer seja a iluminação frontal dos frontlights, quer seja a iluminação
traseira sob mensagens translúcidas dos backlights, estas mídias fugiram à padronização do outdoor e ganharam formas e vida própria.
Diferentemente do outdoor que, por ter substituição das
mensagens de duas em duas semanas utiliza a impressão dessas
mensagens sobre folhas de papel, as mensagens dos backlights,
frontlights e empenas de prédio são mantidas por períodos muito
mais longos, necessitando, por isso, serem impressas sobre materiais mais nobres, que resistam à ação do clima durante todo período de sua exposição. A impressão dessas mensagens é feita sobre
materiais flexíveis, como a lona de vinil, lona de PVC, PVC auto-adesivo, lona transparente etc. Exceto pela variedade de formatos
e recortes, a criação destas peças é similar à criação de um outdoor.
Além disso, com a utilização de impressoras de grandes formatos, poucas emendas são necessárias para formar um painel gigante.
Imprime-se o material, fazem-se as emendas e depois se monta o
conjunto diretamente sobre a fachada de prédio, a estrutura do backlight ou sobre a estrutura do frontlight.
Todas essas mídias ao ar livre são elementos visuais que fazem parte do mobiliário da cidade, modificando-a, como se fossem ta-
217
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
pumes, expostos às dimensões do olhar, mas sem que as mãos possam
tocá-los. Escondem fachadas, alteram cenários urbanos, mascaram
realidades, apagam o brilho de referências urbanas.
Em substituição à realidade da cidade, atuam como divulgadores de produtos. Quando inseridos em planos de mídia de campanhas publicitárias, permitem a continuidade de uma mensagem, atuam como lembretes de estórias conhecidas, induzindo o observador à
lembrança de atitudes aprendidas.
Todos eles, mas principalmente o outdoor, pela quantidade de
exemplares expostos na cidade, são meios de comunicação popular,
de massa, que propõem, pela maneira como estão inseridos no espaço
urbano, uma democratização do olhar, sem seleção de público. Esta
característica os torna parte da paisagem urbana.
Beatriz Furtado explana de maneira clara a conjugação do outdoor com a vida da cidade:
“Há pouco mais de dez anos, os carros circulavam em
grande velocidade pelas largas avenidas das modernas metrópoles. Os out-doors invadiam a paisagem urbana. O propósito
desse tipo de comunicação era dizer a máxima quantidade de
informação, da forma mais direta possível, para possibilitar
uma leitura rápida que pudesse ser visualizada pelos velozes
transeuntes e os condutores/passageiros dos veículos. Os out-doors eram, pois,a a adaptação da comunicação urbana às vias
expressas.” (2002, p:20)
A criação do outdoor precisa ter um apelo diferente do apelo
de um anúncio a ser inserido, por exemplo, em uma revista, mesmo que faça parte da mesma campanha. Ele tem uma aproximação diferente com o público, pois precisa passar instantaneamente
a mensagem. Sua criação foi incorporada por outras mídias ao ar
livre, como a empena de prédio, o frontlight, o backlight e, mais
recentemente, o Painel Eletrônico.
Este último incorpora fortemente o princípio da agilidade.
Sua criação publicitária tem a mesma característica marcante encontrada nas outras mídias ao ar livre: mensagem sucinta, que possa
ser lida no trânsito. Textos curtos, mas que exprimam e carreguem
todo o conceito pretendido para a mensagem, como se quisessem
218
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
facilitar a vida do leitor, motorista ou transeunte. Suficientemente
clara, para que ela possa ser entendida e apropriadamente marcante, para que possa ser mantida na memória, mesmo de observadores envolvidos na pressa de suas atividades diárias.
A mídia exterior e a Lei Cidade Limpa
A paisagem da cidade de São Paulo mudou completamente desde 1° de janeiro de 2007 quando foi sancionada por Gilberto Kassab,
prefeito de São Paulo, a Lei Municipal n°14.223 /06 conhecida como
Cidade Limpa. O mercado publicitário sentiu os efeitos da lei. Tanto
anunciantes como as dezenas de empresas que trabalhavam com mídia exterior em São Paulo foram os primeiros a sentir este impacto.
A lei proíbe toda e qualquer forma de publicidade exterior, a
saber, painéis em fachadas de prédios, backligts e frontlights , bem
como anúncios publicitários em taxis, ônibus e bicicletas.
Após a lei, a cidade começou a passar a sensação de está desnuda, pois muitas das mensagens pareciam fazer parte de sua arquitetura e paisagem. Afinal, por vários anos os paulistanos se acostumaram às imagens, cores e luzes que monopolizavam a atenção de
motoristas, passageiros de transportes públicos e de transeuntes absortos pelos afazeres diários. Por outro lado, começaram a surgir aos
olhos os verdadeiros referenciais arquitetônicos da cidade, como seus
edifícios, monumentos e praças. Estes renasceram, tornando-se novo
objeto de observação e de apego, pois ficaram descobertos da roupagem que os escondia anteriormente, formada por anúncios e cartazes.
Desde a implementação da referida lei, alguns anunciantes
migraram para outras mídias e outros permaneceram na mídia exterior, mas utilizando espaços publicitários de outros municípios da
Grande São Paulo com vida comercial agitada. Municípios como Guarulhos, Osasco e São Bernardo do Campo, dentre outros, tornaram-se
suporte opcional para de publicidade exterior.
Entre as mídias que receberam migração de anunciantes,
vale ressaltar a mídia Indoor, desenvolvida em metrôs, ônibus, aeroportos, shoppings, estádios de futebol etc. Cresceu fortemente o
uso de mídias diferenciadas em pontos de venda e locais estratégicos. O aumento da utilização de peças publicitárias em transporte
219
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
público está sendo percebido pela população. Essa mídia continua
em desenvolvimento. A todo o momento ela é repensada, redefinida
e aprimorada pelas empresas de mídia e pelas empresas de transporte. Isto inclui a utilização de programação televisiva, tanto no
metrô como em alguns ônibus da cidade, com conteúdo composto
por notícias de esporte, cultura, cidadania, música etc. Seu conteúdo é elaborado pelas próprias empresas responsáveis pela mídia e é
adaptado às características de cada região da cidade.
A lei Cidade Limpa alterou os investimentos publicitários
do setor da mídia exterior. O Projeto Inter-meios realizou estudos
que demonstram esse impacto. Nele, identificou importante decréscimo de 16,33% no faturamento bruto das empresas que ofereciam, entre dezembro de 2006 e 2007 (Anexo 1), espaços de mídia
exterior ou Digital Out of Home.
Nos Estudos 2008 do Instituto Marplan (Janeiro/08 a Dezembro/08), realizado nos Nove Mercados do Brasil, nota-se que a mídia
outdoor tem penetração de 13% na Grande São Paulo, muito mais
baixa que a penetração desta mídia nos mercados da Grande Rio de
Janeiro (35%), Grande Recife (56%), Grande Porto Alegre (43%), Salvador (59%), Grande Belo Horizonte (53%), Grande Curitiba (43%),
Fortaleza (49%) e Brasília DF (43%).
Cabe ressaltar aqui o significado do termo penetração, muito
utilizado no meio publicitário segundo Tamanaha:
“O termo ‘penetração” foi emprestado da área de marketing que o utiliza para representar a quantidade de pessoas
que tem o hábito de consumir um produto e, e foi incorporado à
atividade de mídia em razão da metodologia de pesquisa adotada pelo Instituto Ipsos Marpaln, que, por meio de entrevista
pessoal e de um questionário. faz o entrevistado identificar os
meios e os veículos consumidos (....)
(....) penetração significa a quantidade em porcentagem ou o
número absoluto de pessoas de uma praça que consomem os
meios e os veículos, conforme o universo considerado, tais como
total geral da população, população por sexo, classe social e faixa etária”. (2006, p.20)”
220
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Além do faturamento, também tem caído a penetração da mídia outdoor na população. Estudo realizado pelo instituto Ipsos Marplan na Grande São Paulo mostra comparação entre os 4 trimestres
de 2007 e os 4 trimestres de 2008, mostra visível decréscimo da desta
mídia. Da penetração trimestral de 28%, 19%, 14% e 15% em 2007,
para 14%, 15%, 10% e 13% em 2008. Esta queda pode ser atribuída à
implementação da Lei Cidade Limpa.
O estudo realizado pelo Monitor Evolution, apresentado no Inter Meios (Anexo 2), também trás visão do impacto nos investimentos publicitários gerados pela aplicação da Lei Cidade Limpa. Ele demonstra que o investimento em mídia outdoor no ano de 2007 foi de
R$89.930.000,00 contra R$ 59.291.000,00 em 2008. Isto representa
38,5% a menos de investimento no decorrer do primeiro ano de Lei Cidade Limpa. É importante ressaltar que a Lei está em vigor somente
na Cidade de São Paulo, mas seu impacto foi sentido no Brasil inteiro.
O importante é perceber que a Lei Cidade Limpa possibilitou
novo olhar sobre a cidade de São Paulo. As empresas tendem a se
adaptar às condições do mercado. Para compensar a falta de placas
e outdoors, desenvolvem novas alternativas de mídias, não só para
persuadir as pessoas para o consumo, mas também para utilização
em campanhas de utilidade pública a serviço da população da cidade.
221
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
ANEXO I
Projeto Inter-Meios - Resumo da compilação dos dados do faturamento bruto –
Real(R$)2006/2007 - Mídia Exterior
222
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
ANEXO 2
Monitor Evolution, Inter Meios,
223
cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas
Referências
CADENA, Nelson Varón. Brasil 100 Anos de Propaganda. São Paulo: Edições Referência, 2001.
CAVEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. Ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Livros Studio
Nobel, 1997.
CESAR, Newton. Direção de arte em propaganda. São Paulo: Futura, 2000.
CURY, Fernando. Paisagens da Comunicação: um estudo para entender e classificar a comunicação exterior. Dissertação de Mestrado da Escola de Comunicação e Artes – ECA/USP. São Paulo, 2004.
FURTADO, Furtado. Imagens eletrônicas e paisagem urbana.
Dumará Distribuidora de Publicações Ltda. Rio de Janeiro, RJ. 2002
IPSOS. Estudos Marplan/EGM. Grande São Paulo. Consolidado 2008.
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.
PINHEIRO Agnaldo, SABADIN Celso. Outdoor, uma visão do meio
por inteiro. São Paulo: Central de Outdoor, 1990.
STRAUBHAAAR, Joseph; LAROSE, Robert. Comunicação, Mídia e
Tecnologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
TAHARA, Mizuho. Contato imediato com a mídia. São Paulo: Global, 1986.
TAMANAHA, Paulo. Planejamento de Mídia: teoria e experiência. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
http://midiadados.digitalpages.com.br/home.aspx ;29/06/2009;
26/07/2009
http://www.projetointermeios.com.br/template.aspx ;29/06/2009:
26/07/2009
224
cAPíTULO III
Práticas Discursivas e Acadêmicas
O circuito epistemológico dos estudos culturais:
quando a cultura dá voz à mulher
Ana Luiza Coiro Moraes
Resumo
O artigo reconhece a legitimidade epistemológica dos estudos culturais como sustentáculo teórico e metodológico para orientar pesquisas em comunicação, esboçando uma proposta de paradigma analítico pautado pelo mapeamento dos pressupostos dessa
corrente e de sua inserção na área das ciências sociais: dos autores
e obras seminais dos cultural studies aos métodos e técnicas de
investigação que vêm se consolidando nas práticas analíticas conduzidas sob sua orientação.Trata-se de encontrar uma linha de reflexão a partir dos padrões formadores dos estudos culturais, para
sugerir um modelo de análise do consumo cultural e aplicá-lo às
singularidades do discurso publicitário, que se move entre fatores
como o seu caráter persuasivo e o consequente apelo emocional
de seus enunciados e as marcas de herança histórica próprias dos
processos de estruturação social.
Palavras-chave: estudos culturais; teoria; metodologia; publicidade.
O artigo equaciona os elementos constitutivos do protocolo epistemológico que sustenta o caráter teórico-metodológico das
pesquisas em comunicação organizadas ao amparo dos estudos
culturais. Para tanto, institui sua linha de reflexão a partir do cenário histórico que remonta aos padrões formadores das práticas
de análise dos estudos culturais, que se efetivam nas tantas especificidades, particularidades e contextualizações de toda a sorte de
conjunturas sociais hoje articuladas em seu nome.
Isso implica pensar o campo da comunicação — e aqui, mais
especificamente, a práxis publicitária — no âmbito do que Giroux
aponta como a própria definição dos estudos culturais contemporâneos: o “estudo da produção, da recepção e do uso situado de
variados textos, e da forma como eles estruturam as relações so-
227
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
ciais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas
definições do eu” (GIROUX, 1995, p. 98).
Assim, este estudo se insere no debate conceitual que, antes
de tudo, visa legitimar a própria área da comunicação frente às ciências sociais, segundo categorias analíticas e procedimentos metodológicos dos estudos culturais, para investigar um objeto empírico,
o anúncio publicitário do produto para ondulação permanente Toni,
publicado pela revista O Cruzeiro, em 25 de junho de 1955. Ao analisar como o discurso publicitário atuava com identidades e diferenças,
apresentando a persona feminina protagonizando papéis sociais “desejáveis” para estimular o consumo; examina-se, também, o sistema
de representações da mulher na esfera produtiva da publicidade, em
um particular processo histórico de emergência de novos modos de
ver e sentir o mundo: o momento em que se romperia o sistema de
hierarquia nas relações de gênero, instituindo novos princípios reguladores do que doravante seria o conceito de feminino1.
O objetivo deste artigo, portanto, é investigar tanto os eixos
teóricos quanto o instrumental metodológico presentes na própria
gênese da área dos estudos culturais e consolidados ao longo das
muitas pesquisas no campo da comunicação, cuja utilização, mais
das vezes de caráter qualitativo e empírico, vem operacionalizando
o diálogo entre as estratégias de produção e o consumo cultural. Isso
significa trabalhar os fundamentos que qualificam os estudos culturais como uma teoria social crítica, como apontam Escosteguy e Jacks
(2003), sinalizando algumas das categorias teóricas que emergem da
leitura de seus clássicos, como o conceito de materialismo cultural,
de Raymond Williams, por exemplo, entretanto, considerando-o não
apenas como uma construção teórica, mas, seguindo a indicação de
Brennen (2003), como um específico método de análise.
O que leva o presente trabalho a organizar-se em três momentos. Em primeiro lugar, faz-se referência às problemáticas teórica e
Este artigo representa uma das produções do projeto de pesquisa O empoderamento social
da mulher pela via do ensino superior: o caso das Faculdades Franciscanas de Santa Maria,
realizado com o apoio do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). O desenvolvimento do
projeto contou com a colaboração da Profa. Me. Janea Kessler, cuja contribuição, neste artigo,
se faz notar na análise do anúncio publicitário que constitui o corpus da pesquisa. Também
colaborou, na coleta de documentos, o bolsista de iniciação científica Lucas Barbará Guillande.
1
228
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
metodológica associadas ao campo da comunicação, seguidos de uma
breve investigação crítica da natureza epistemológica de pesquisas
que se tornaram clássicos dos estudos culturais; para, depois eleger
algumas das categorias teóricas e procedimentos metodológicos que
possam contribuir para a composição de um guia básico de análises
sob a rubrica dos estudos culturais; e, finalmente, esboçar uma análise de um fenômeno midiático pertinente ao campo da publicidade,
sob as premissas — teóricas e metodológicas — de tal guia.
A comunicação e seus métodos, territórios, áreas, campos e guetos
Instigando as novas gerações de investigadores em comunicação a “romper as fronteiras do gueto acadêmico”, José Marques de
Mello apresentou, em 2005, Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação, obra organizada por Duarte e Barros. Ele alerta para a
necessidade de um redimensionamento da comunicação, “em diálogo
permanente com as outras áreas do saber”, que deve levar em conta, no entanto, a responsabilidade de produzir conhecimento crítico.
E para erigir tal conhecimento, o autor recomenda que se parta do
“pressuposto epistemológico de que o método de cada disciplina vai
sendo construído empiricamente” (MELLO, 2005, p. 5 e 12).
As observações desse autor, cuja atuação se confunde com a
própria trajetória da pesquisa brasileira em comunicação, justificam o percurso que aqui se faz, em busca de um paradigma analítico
que, reconhecendo a legitimidade dos estudos culturais como suporte teórico-metodológico de pesquisas em comunicação, se concretiza
a partir da análise de um anúncio publicitário. Por outro lado, tais
observações também delimitam o alcance da proposta aqui apresentada, pois que outras (e bem-vindas) pesquisas de natureza empírica,
no futuro, haverão de dar-lhe novas feições, da mesma forma que esta
construção conceitual se vale de aportes e avanços epistemológicos
já alcançados pelos autores que ora são parte da fundamentação do
movimento que se faz na tentativa de, se não romper as fronteiras
dos guetos acadêmicos, no mínimo, esgarçar-lhes os limites.
Assim, levando em conta posturas como a de Vera França,
que afirma que “o campo da comunicação ainda não constituiu com
clareza seu objeto, nem sua metodologia” (FRANÇA, 2002, p. 51);
229
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
atenta-se primeiramente para a própria natureza empírica dos fatos e processos que compõem os objetos de estudo das ciências sociais que, além disso, mais das vezes trabalham com variáveis de
difícil quantificação, o que leva ao predomínio de pesquisas qualitativas, em geral mais probabilísticas do que aquelas encontradas
nas ciências formais, por exemplo.
Particularizando a situação do campo da comunicação, além
da polissemia que se depreende da própria gênese da palavra (do latim communicare: “tornar comum”, “partilhar”, “repartir”, “associar”,
“trocar opiniões”, “conferenciar”), e da dimensão cotidiana e prosaica
que envolve trocas simbólicas e partilha de sentidos através da materialização de formas simbólicas; é possível considerar sob os seus
domínios cinco territórios, conforme define Lúcia Santaella (2001),
tendo em vista os elementos do processo comunicativo: 1º)Mensagem
e códigos; 2º) Meios e modos de produção das mensagens; 3º) Contexto
comunicacional das mensagens; 4º) Emissor ou fonte da comunicação; 5º) Destino ou recepção da mensagem.
Se para reconhecer os campos da comunicação, Santaella
considera que a grande área é composta por esses territórios, ela
propõe ainda que há interfaces entre eles. Para a autora, tais territórios ou campos têm a função de ancorar a área, entretanto,
cada um deles mantém interrelações com os demais, gerando outros arranjos, através de interfaces: das mensagens e suas marcas;
das mensagens com o seu modo de produção; das mensagens com
o contexto; dos meios com o contexto; das mensagens com o sujeito
produtor; dos meios com o sujeito produtor; do contexto com o sujeito produtor; da mensagem com seus receptores; dos meios com a
recepção das mensagens; do contexto com a recepção; e do sujeito
produtor com a recepção (SANTAELLA, 2001, p. 93).
Assim, em um breve exercício para localizar o alcance epistemológico dos estudos culturais, é possível pensar que se os exemplos
clássicos do primeiro território da comunicação ― mensagem e códigos
― são identificados com os aportes teórico-metodológicos da análise
de discurso e da semiótica; a interface desse território com o do destino ou recepção, por exemplo, é sistematizada no clássico ensaio de
230
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Stuart Hall (1980), sobre o modelo de codificação/decodificação2 das
mensagens que, anos mais tarde, o próprio autor revisitaria:
O momento da codificação não surge do nada. Cometo um
erro ao desenhar um diagrama, contendo somente a metade superior. Se você está fazendo um circuito, você deve desenhar um
circuito; portanto, eu devo mostrar como a decodificação entra na
prática e no discurso que um repórter está colhendo. O repórter
está captando algo do mundo pré-significado com o objetivo de significá-lo de uma nova maneira [codificando] (HALL, 2003, p. 364).
Mas é o texto apenas um conjunto aberto, algo semiótico que pode ser decodificado de qualquer modo? Nem tanto:
isso implica uma questão de poder. Alguém tem de controlar os
meios de significar o mundo. Muitas pessoas lá fora não têm outra forma de conhecer o mundo a não ser através do significado
que se comunica a elas (HALL, 2003, p. 368).
Por seu turno, no contexto dos estudos de recepção se constituíram alguns dos clássicos dentre as pesquisas sob o manto dos estudos culturais, a maior parte delas voltando-se a, no mínimo, também
investigar os contextos e modos de produção das mensagens. Contudo, antes de dedicar atenção a tais trabalhos e a sua contribuição
para formar o campo que se estabeleceria a partir dos cultural studies britânicos, busca-se a sistematização de uma proposta de “filiação metodológica” para os estudos culturais, a partir do método dialético, tradicionalmente utilizado em pesquisas das ciências sociais.
O conceito de dialética remonta a Platão, que utilizava a palavra no sentido de “arte do diálogo”. Sinônimo de “lógica” na Idade
Média; a concepção moderna de dialética, de acordo com Gil (2006),
consolida-se com Hegel: “Para esse filósofo, a lógica e a história da
humanidade seguem uma trajetória dialética, nas quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas contradições, que
passam a requerer solução” (GIL, 2006, p. 31).
No entanto, a percepção hegeliana da dialética é de “natureza
idealista, ou seja, admite a hegemonia das idéias sobre a matéria”,
2
O ensaio original “Encoding/Decoding” foi publicado em 1980, em uma coletânea de artigos
editada conjuntamente pelo Centro de estudos culturais Contemporâneos de Birmingham (que
Hall presidiu, entre 1968 e 1979) e a Hutchinson Editores, de Londres. Há tradução para o
português na obra referendada na bibliografia deste artigo Da diáspora.
231
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
salienta ainda o autor lembrando que foi a crítica de Marx e Engels
sobre tal concepção que estabeleceu novas bases conceituais, justamente invertendo a construção de Hegel, “admitindo a hegemonia da
matéria em relação às ideias” (GIL, 2006, p. 31). Trata-se, na visão de
Marx e Engels, de um materialismo dialético, fundamentado em três
grandes princípios:
a. A unidade dos opostos: Todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são organicamente únicos
e constituem a indissolúvel unidade dos opostos. Os opostos
não se apresentam simplesmente lado a lado, mas num estado
constante de luta entre si. A luta dos opostos constitui a fonte
do desenvolvimento da realidade.
b. Quantidade e qualidade são características imanentes a todos
os objetos e fenômenos e estão inter-relacionados. No processo
de desenvolvimento, as mudanças quantitativas graduais geram
mudanças qualitativas e essa transformação opera-se por saltos.
c. Negação da negação: A mudança nega o que é mudado e o
resultado, por sua vez, é negado, mas esta segunda negação
conduz a um desenvolvimento e não a um retorno ao que era
antes (GIL, 2006, p. 31-32).
O método dialético, após as incorporações do pensamento de
Marx, supõe que o conhecimento da estrutura dos acontecimentos
de âmbito social é o suficiente para a compreensão do movimento
de transformação histórica, pois a descrição de fatos que se sucedem de forma cronológica no plano superestrutural seria um
trabalho superficial e inútil.
Além disso, tal descrição não proporciona a compreensão das
efetivas fontes das mudanças sociais, que seriam de ordem estrutural. Yamauti lembra que, em razão deste princípio da dialética, o
método esboçado por Marx recebe críticas por incorrer em determinismos: “Os homens fazem a história, porém sem terem consciência
e domínio sobre o movimento inexorável imposto pelas contradições
de ordem estrutural existentes em cada modo de produção”. Contudo,
sob o ponto de vista deste autor, a interpretação do método também
deve ser dialética. Para ele, Marx acreditava que a luta de classes
era a fonte de produção do movimento histórico da humanidade, isto
232
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
é, as relações entre agentes sociais, e não movimentos cegos das estruturas, é que constituem-se nas fontes motrizes da História. Por
isso, avalia Yamauti, Marx produziu “algumas interpretações de tipo
conjuntural que demonstram como os conflitos entre classes podem
determinar o movimento que se percebe na superestrutura de uma
formação nacional”. Daí, ainda de acordo com este autor, surge uma
complexa questão teórica: “partindo dos princípios do materialismo
histórico, seria possível localizar e compreender os vínculos dialéticos
que existem entre as contradições de caráter estrutural e o movimento que se efetiva cotidianamente no plano superestrutural?” O autor supõe que sim, porque nos períodos de latência das contradições,
o que ocorre no plano conjuntural “poderia ser compreendido como
uma sucessão de reajustamentos efetuados no plano superestrutural
por agentes sociais em conflito” (YAMAUTI, 2006, p. 244).
Dado esse breve histórico sobre o desenvolvimento do método
dialético, justifica-se a aplicação de tal metodologia neste estudo, especialmente se considerada a construção conceitual do materialismo
cultural de Raymond Williams que, em clara analogia ao materialismo histórico de Marx, se insere no processo de amadurecimento das
reflexões de cunho marxista que fundamentaram todo o pensamento
reunido sob o manto dos estudos culturais, como já se comentou em
outro momento:
Ao longo da obra de Williams e de seu contato (e discussão) com o pensamento de Lukács, Brecht, Althusser, Escola de
Frankfurt, Círculo de Baktin e, especialmente, a partir do conceito de hegemonia, de Gramsci — retomado por Williams como
noção central na descrição do processo de produção e reprodução
da cultura —; consolida-se sua concepção de ‘materialismo cultural’, cujo objetivo é definir a unidade do processo sócio-histórico
contemporâneo e especificar como o político e o econômico podem
e devem ser vistos nesse processo (MORAES, 2004, p. 141-143).
Um breve histórico de clássicos que formaram
novos paradigmas de pesquisa
Havia uma nova visão de mundo instituída no final da década
de 1950, transitando entre a rigidez e o utilitarismo dos aparatos
ideológicos de que se valia a incipiente esquerda inglesa da época de
233
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Williams. Este gênero de intervenção contestatória, aliás, comporia o
arcabouço reflexivo da geração de desse autor que, identificada com
a New Left inglesa, buscou explicitar a força das estruturas políticas
e históricas nos produtos e produções culturais, incorporando alguns
conceitos, como o de hegemonia, de Gramsci. O que veio a permitir, de
acordo com ESCOSTEGUY (2001, p. 98), “uma formação teórica mais
flexível do que aquela fundamentada no estruturalismo marxista”.
Williams foi um dos ativistas mais destacados da New Left, o
movimento político e intelectual surgido nos anos 1950 que, segundo Cevasco, em seu primeiro momento, tentava “através do programa
materialista, compreender a realidade da experiência da vida sob o
capitalismo na sua feição britânica pós-imperial”. A autora conta ainda que, impulsionados pelo Partido Comunista, proliferavam os New
Left Clubs, ambientes de discussões sobre o marxismo, “que também
funcionavam como lugares de disseminação das artes: a literatura dos
Angry Young Men, o Free Cinema sendo desenvolvido por Lindsay Anderson, o New Drama, de um Arnold Wesker, e a música — o jazz (...)”,
além da atuação institucional da New Left na educação para adultos. A
revista New Left Rewiew e a editora Verso formavam a via impressa do
“bem-sucedido projeto intelectual de atualização do marxismo na e a
partir da Grã-Bretanha”, acrescenta ainda Cevasco (2001, p. 123-124).
Williams se engajou especialmente na segunda fase da New
Left, compartilhando um tipo de postura intelectual que inscreveu o
seu trabalho como importante fator das mudanças radicais na crítica
da cultura que, sob a rubrica cultural studies, a partir daquela geração de ingleses foram mundializadas nas décadas seguintes.
Cevasco apresenta um Williams preocupado “com a cultura
popular, com a análise dos efeitos da nova sociedade das mídias e das
maneiras de se combater as formas de dominação cultural”; mas ao
mesmo tempo reconhecendo retratados nos mais variados veículos
midiáticos (do livro à televisão) os elementos de um processo social
material que, todavia, incorporava significados e valores de indivíduos e grupos, com eles interagindo. E é importante ressaltar que quando Williams falava em “artes emergentes”, referindo-se ao cinema e
a outras formas de comunicação dirigidas às massas, ele rompia com
uma tradição intelectual que se assentara no cenário cultural inglês
234
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
entre os anos de 1930 e o segundo pós-guerra, reunida, principalmente, em torno de Leavis e do grupo sob sua liderança na revista
Scrutiny, cujas funções incluíam “combater o rádio, o carro e o cinema
(CEVASCO, 2001, p. 125)
Foi necessário trilhar um longo caminho, de definições de cultura como um “veículo do processo de instrução, da experiência da
literatura” e, como testemunha Williams, também “da desigualdade”, até pensá-la como força produtiva, como postulou o conceito de
materialismo cultural do autor (WILLIAMS, apud CEVASCO, 2001,
p.1213). Para Cevasco, é nesse sentido que o materialismo cultural
responde “a desdobramentos reais das relações sociais que alteram a
consciência prática em que está assentada a teoria”. Na interpretação da autora, é um objetivo metodológico do materialismo cultura:
“definir a unidade qualitativa do processo sócio-histórico contemporâneo e especificar como o político e o econômico podem e devem ser
vistos nesse processo” (CEVASCO, 2001, p. 147).
Descrever este amálgama como uma relação de dependência ou de segunda ordem entre a produção cultural e a econômica é certamente falsear o que se constata na análise das
práticas culturais em um mundo em que se tornou impossível,
observando, por exemplo, o uso dos novos meios de comunicação, em especial a televisão e o cinema, e as mudanças formais
da propaganda e da imprensa; separar as questões ditas culturais das políticas e econômicas. (CEVASCO, 2001, p. 148).
Essas contribuições podem ser entendidas dentro dos princípios ordenadores de todo o primeiro projeto dos cultural studies que,
segundo Schwarz, foi suportado pela “transposição das coordenadas
qualitativas — estéticas e éticas — associadas à crítica literária para
a prática das culturas vivas ou populares” (SCHWARZ, 2000, p. 47).
Raymond Williams, Richard Hoggart e Edward Thompson são
apontados como fundadores dos cultural studies britânicos, por sua
contribuição teórica e metodológica para a transformação radical do
conceito de cultura. Esses autores, das primeiras gerações emergentes
da classe operária inglesa para o ambiente acadêmico, beneficiados
3
Na bibliografia de Cevasco: Williams, Raymond. Drama: from Ibsen to Brecht. London: Chatto & Windus, 1987 [1968].
235
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
por melhorias nas políticas públicas para a educação, por isso mesmo
estavam aptos a falar “de um lugar diferente”. Entretanto, esse lugar
não se conquistou sem conflitos, sem negociação, em seus textos, eles
“expressavam, sobretudo, as tensões de estudantes de origem popular que, ao completar sua formação universitária, debatiam-se em
uma ambivalente identidade cultural constituída por dois mundos
antagônicos” (COSTA, 2000, p. 21-28).
Por suas origens, suas análises agregaram o ponto de vista
de autênticos integrantes da cultura “plebéia”, não colocados “cautelosamente” à distância, sem contato direto com seus temas, ao contrário, articulando experiências e vivências do próprio entorno social. Por outro lado, por sua formação, eles reuniram condições para
afastarem-se das definições elitistas defendidas pelos principais intelectuais da época e, ao mesmo tempo, sedimentar um referencial
teórico que levou à compreensão da cultura como a esfera do sentido
que unifica os setores da produção e das relações sociais e pessoais.
A importância dos textos inaugurais desses autores é destacada na Cartografia dos estudos culturais promovida por Escosteguy (2001), e no texto de Stuart Hall (2003 [1980], que analisa os
paradigmas sob os quais se movem os cultural studies. Escosteguy
aponta os três textos surgidos entre o final da década de 1950 e o
início dos anos 1960, que Hall qualifica como “seminais e de formação”: The Uses of Literacy (1957), de Richard Hoggart, Culture and
Society (1958), de Raymond Williams, e The Making of the English
Working-class (1963), de E. P. Thompson.
Hoggart descreveu as mudanças na vida das classes proletárias inglesas do pós-guerra, uma história cultural que em parte foi
elaborada através da própria percepção e de experiências pessoais. Na
segunda parte do livro, porém, ele se concentrou nas mudanças trazidas pelos meios de comunicação de massa, analisando publicações
populares — produzidas sob a organização comercial, em larga escala
e em busca de lucro — e seus efeitos sobre os consumidores. Para entender as razões pelas quais as pessoas elegiam como prediletas algumas produções culturais e não outras, Hoggart concluiu que, antes de
tudo, é preciso atentar para o seu interesse “pelos pormenores mais
insignificantes da condição humana”, que parte do pressuposto de que
236
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
“a vida humana em si é fascinante”. (HOGGART, 1973 [1957], p. 144).
Ele acreditava que tais particularidades, apreendidas pela indústria
cultural, constituíam-se em matéria-prima para o sucesso dos produtos dirigidos às massas: da radionovela ao fait divers.
É também por todas estas razões, e não por esnobismo,
que os indivíduos do proletariado tanto apreciam os folhetins radiofônicos passados num meio pequeno burguês, os quais refletem geralmente as minúcias da vida quotidiana. E são ainda estas razões que levam os jornais de grande tiragem a apresentar
as notícias em estilo de ficção de baixo nível (HOGGART, 1973
[1957], p. 145).
É preciso salientar, no entanto, que a virada de paradigma
que o lançamento de The Uses of Literacy significou na investigação
dos produtos midiáticos não foi estabelecer uma nova maneira de
relacioná-los às audiências. Suas análises sobre os livros, jornais, revistas e canções “preferidos do povo” centraram-se na natureza, nas
condições e nos interesses envolvidos nesse tipo de produção, bem
como nas repercussões de seu consumo, em termos dos apelos à sexualidade, à violência ou pela própria gratuidade de tais hábitos de
leitura. O novo foi considerar essa produção como cultura.
Além disso, sua tentativa de investigar os efetivos significados
dos relatos colhidos nas pesquisas de campo que realizou resultou de
certa forma na metodologia que doravante marcaria os estudos culturais. Mais do que a minuciosa pesquisa que procedia, ele aconselhava:
Devemos tentar ver, para além dos hábitos, aquilo que
os hábitos representam, ver através das declarações e respostas o que estas realmente significam (significado que pode ser
oposto a essas próprias declarações), detectar os fatores emocionais subjacentes a expressões idiomáticas e práticas ritualísticas (HOGGART, 1973 [1957], p. 20-21).
Bem mais tarde, em 1985, Ien Ang, indonésia radicada na Holanda, publicou os resultados de sua pesquisa sobre a “preferida do
povo” à época, a série norte-americana Dallas. Em Watching Dallas,
soap opera and the melodramatic imagination, estudo de recepção
onde Ang investigava “os mecanismos” pelos quais seria despertado o
prazer (por identificação melodramática) nas audiências, foi quebrada
a tradição de análises sempre centradas em textos, através da inter-
237
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
pretação de uma produção áudio-visual, que se dirigia especialmente
às mulheres (ANG, 1985, p. 9).
A soap opera Dallas retratava uma família de texanos ricos,
mas problemáticos, abordando questões como alcoolismo, depressão e
o mundo dos negócios. Foi um sucesso entre as audiências do mundo
todo. Decidida a investigar as razões dessa popularidade e a fonte de
sua fruição, Ang mandou publicar um anúncio em uma revista feminina, declarando que gostava de assistir à série, mas muitas vezes
percebia nas pessoas “reações estanhas com relação a isso”, e convidando os leitores da publicação a participarem de seu estudo: “Alguém gostaria de me escrever e contar por que também gosta ou não
gosta de assistir ao seriado? Pretendo incorporar essas reações em
minha tese universitária. Favor escrever para...” (ANG, 1985, p. 10).
As 42 cartas que ela recebeu (39 delas respondidas por mulheres) foram a base do seu trabalho, inscrevendo definitivamente na
pauta dos estudos sobre cultura aquilo que até então era depreciado
como “conversinhas de mulher”. Mary Ellen Brown observa que Ang
considerou as cartas mais como “discurso social” do que simples “bate-papos” e que as maneiras pelas quais as mulheres apossam-se do
prazer dessas “conversinhas” pode significar ganhar voz, apossar-se,
na verdade, de um “capital cultural”. Ela acredita que a prática diária
de apossar-se do prazer é um ato político para as mulheres, que, em
geral, funcionam socialmente como doadoras e não como tomadoras
de prazer. Apossar-se do prazer, apesar da construção social negativa
em torno das soap operas ou de outros produtos culturais herdeiros
do folhetim do século XIX (em sua fase de decadência, ressalte-se),
para Brown significa posicionar-se diante de normas estabelecidas
reivindicando o próprio espaço. E, “como as mulheres são silenciadas
em muitos aspectos das interações sociais, reivindicar o próprio espaço equivale a ganhar a própria voz” (BROWN, 1994, p. 75).
Embora na superfície pareça que as mulheres estão apenas consumindo as soap operas [novelas] e os produtos que elas
anunciam, se usarem as próprias tramas dessas novelas para
questionar em vez de confirmar o seu status, então elas estarão reestruturando para si mesmas as normas ideológicas. As
construções sociais e culturais de ‘romance’ e ‘família’, no caso
das mulheres, são centrais para o controle da representação da
238
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
mulher na sociedade. Quando as representações patriarcais são
aceitas sem questionamentos, a posição das mulheres na sociedade permanece sem mudanças. É somente com o questionamento dessas representações que o controle hegemônico pode
mudar (BROWN, 1994, p. 131) 4.
Nessa direção também aponta Kellner, quando apela por um
estudo “cultural, muilticultural e multiperspectívico” que, ao argumentar sobre a necessidade de estudos culturais contextualizados
através de uma “crítica diagnóstica”5; alerta para o fato de que os
produtos da cultura da mídia “não são entretenimento inocente”, têm
cunho ideológico e “vinculam-se a retóricas, a lutas, a programas e a
ações políticas” (KELLNER, 2001, p. 123).
Já a proposta do circuito cultural (du Gay e outros pesquisadores, 1997), como um protocolo que integra os espaços da produção
e da recepção/consumo, segundo Escosteguy enfraquece “a premissa
de ‘autonomia relativa’ entre eles”. Articulando consumo, produção,
regulação, identidade e representação, o circuito cultural de du Gay
e outros (1997) não privilegia qualquer dessas esferas para examinar
os sentidos atribuídos aos produtos culturais, mas as considera inseparáveis da própria noção de circuito (ESCOSTEGUY, 2008, p. 10).
Lembre que isso é um circuito. Não conta onde você inicia, dado que se tem de fazer toda a volta, antes do estudo estar
completo. E mais: cada parte tomada do circuito reaparece na
próxima. Então, tendo iniciado na Representação, as representações tornam-se um elemento na parte seguinte, isto é, de como
as identidades são construídas. E assim sucessivamente. Nós separamos essas partes do circuito em diferentes seções, mas no
mundo real elas continuamente se sobrepõem e entrelaçam de
modo complexo e contingente. Contudo, elas são as partes que
tomadas em conjunto compõem o que nós entendemos por um
“estudo cultural” de um objeto particular (du GAY, 1997, p. 4)6.
4
A tradução é nossa.
Uma boa aplicação da crítica diagnóstica de Kellner a objeto empírico pode ser encontrada
no trabalho: ANDROVANDI, Adriana. A favela no horário nobre da TV aberta brasileira: uma
análise da novela “Duas Caras”. Diss. (Mestrado em Comunicação Social) – PUCRS/FAMECOS. Porto Alegre, 2010. Documento impresso e eletrônico, disponível em: http://tede.pucrs.br/
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2928. Acesso em 07.09.2010.
5
6
A tradução é de Escosteguy (2008, p. 10).
239
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Na interpretação de Escosteguy, o espaço da produção inserido no circuito cultural “extrapola o entendimento de que se
incluiria aí apenas a produção, entendida de modo convencional
como procedimentos necessários para criação propriamente dita
de um artefato/produto”. A noção de produção, no circuito cultural, aciona também distintas narrativas que se associam a esta
criação, e incluem variadas práticas utilizadas na produção destes
mesmos produtos (ESCOSTEGUY, 2008, p. 10).
Incluindo o consumo em diálogo com as estratégias de produção, e dessa forma aplicando a já citada sugestão de Santaella sobre
as interfaces dos territórios da comunicação ao circuito cultural; é
possível articular a reflexão sobre o discurso publicitário não apenas
como uma “maquiavélica” proposição de produtores ávidos por lucro,
mas considerando os padrões de consumo que formaram consumidores cuja competência cultural decodifica essas esferas produtivas e aí
busca determinadas identidades.
Em ensaio justamente intitulado “Identidade e diferença”,
Woodward analisa a questão sob o ponto de vista dos processos envolvidos na produção de significados, que ela acredita serem engendrados por meio de “sistemas de representações” conectados com os
diversos posicionamentos assumidos pelos sujeitos, no interior de
“sistemas simbólicos”. Então, conclui que a construção das identidades, para além do conforto das estruturas geradoras de sentido, conta
com a diferença como elemento central.
Os sistemas sociais e simbólicos produzem as estruturas classificatórias que dão certo sentido e certa ordem à vida
social e as distinções fundamentais — entre nós e eles, entre o
fora e o dentro, entre o sagrado e o profano, entre o masculino
e o feminino — que estão no centro dos sistemas de significação da cultura. Entretanto, esses sistemas classificatórios não
podem explicar, sozinhos, o grau de investimento pessoal que
os indivíduos têm nas identidades que assumem. A discussão
das teorias psicanalíticas sugeriu que, embora as dimensões
sociais e simbólicas da identidade sejam importantes para
compreender como as posições de identidade são produzidas,
é necessário estender essa análise, buscando compreender
aqueles processos que asseguram o investimento do sujeito
em uma identidade (WOODWARD, 2000, p. 67-68).
240
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Assim, além de considerar que “a produção e o consumo não se
configuram como esferas separadas, mas, sim, são mutuamente constitutivas”, como ressalva Escosteguy (2008, p. 10), no caso da reflexão
sobre as estratégias de produção que engendram o discurso publicitário, além da identidade é preciso ainda acrescentar outro elemento
do circuito cultural. Trata-se da representação que sobrepõe significados aos produtos e às produções, de tal forma que o sentido não
se engendra no próprio produto (ou produções), mas na forma como
ele é representado discursivamente. Dessa forma, os novos sentidos
que dimensionam as questões culturais por seu papel constitutivo na
vida social, na visão de Hall, nada mais são do que reconhecer que:
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles
que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado
que os seres humanos utilizam para definir o que significam as
coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em
relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão
sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que toda
ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam
ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de
significação (HALL, 1997, p. 16).
No entanto, considerando, por exemplo, o objeto de análise deste estudo, as estratégias produtivas que legitimam o discurso publicitário, há outro elemento do circuito cultural cuja análise se torna crucial. Trata-se da regulação, que de certa forma hierarquiza as relações
entre cultura e poder, pois se os estados (e órgãos como o CONAR7,
no caso da publicidade) propõem normas e leis reguladoras; outros
poderes, como o econômico, tendem a “desregular” a ordem posta em
determinados momentos culturais, trazendo para a cena os imperativos do mercado que, através da natureza persuasiva desse discurso,
passam a integrar o protocolo de “necessidades básicas” dos consumidores. Esta esfera é a da regulação, que “incide diretamente na constituição das subjetividades e, portanto, das identidades”, pois esta forma
7
Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária.
241
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
de regulação pretende que o sujeito receptor “internalize as condutas,
normas e regras, regulando-se a si mesmo”. De acordo com ESCOSTEGUY (2008, p. 11-12): “É nesse sentido que se efetiva o poder da mídia,
penetrando nos modos de ser”.
Por isso, se este trabalho elege as categorias analíticas e os
procedimentos metodológicos encontrados no campo dos estudos
culturais, é porque os identifica como pistas para a percepção das
questões postas no âmbito da cultura e sua íntima associação com os
modos de produção e de consumo midiático do campo publicitário
em que se inserem os seus objetos deste estudo.
Isso porque essas contribuições dos estudos culturais (dos
seus pioneiros às atuais pesquisas vinculadas à área) aportaram às
análises na área da comunicação dizem respeito, principalmente, à
inclusão das produções “de massa” na análise do que constitui os contextos culturais, inserindo os hábitos de entretenimento das classes
“ordinárias” na própria conceituação do que é cultura.
Todavia, para tanto, considerando o público-alvo do anúncio
que compõe o objeto deste estudo, também é necessário contar com
parâmetros de análises como os que procederam à desmistificação
de preceitos que avaliavam determinadas produções (e seu debate)
tão somente como “conversinha de mulher”, para invocar questões
ligadas à fruição e prazer, sem necessariamente ligá-las à literatura,
às artes plásticas ou à música “de qualidade”.
Padrões que formaram as práticas de análise dos estudos culturais, desde suas origens, e que se constituem em um acervo que atende
tanto a necessidades teóricas para a fundamentação teórica de pesquisas na área da comunicação, quanto a exigências de ordem metodológica:
dos instrumentos analíticos que emergem das categorias teóricas, como
a noção de imaginação melodramática de Ang, por exemplo, ao método
que, herdeiro do método dialético, se configura como uma atualização do
materialismo dialético de Marx, o materialismo cultural, de Williams.
Por isso, eles são invocados para a análise do anúncio de meia página do produto para ondulação permanente Toni, publicado pela revista O Cruzeiro, em 25 de junho de 1955 (p. 20). Neste, a protagonista Dorinha, candidata sempre recusada a uma “colocação” como secretária é
instada por uma amiga a mudar os cabelos para conseguir um emprego.
242
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Para além dos diplomas: análise de um anúncio publicitário
O anúncio obtido na revista O Cruzeiro, de 25 de julho de
1955, dentre as 168 unidades direcionadas às mulheres (de meia
página ou página inteira) coletadas pela pesquisa, é o único desse exemplar que tem explícito, em seu conteúdo, apelo à mulher
profissional. Sua estrutura de narrativa é linear e, a partir de um
problema exposto no título, o anúncio se desenvolve verticalmente em cinco blocos de informações, em uma sucessão de quadros
ilustrados com desenhos, cenas espelhadas com textos, na forma
de um diálogo entre duas personagens. Tal configuração remete
às fotonovelas consumidas à época e ao comentário de Hoggart
sobre a apreensão, por parte da indústria cultural, de tramas que
remontam a situações que, antes de se constituir em fuga à realidade quotidiana, partem do princípio de que essa realidade é intrinsecamente interessante. Essas produções, eivadas daquilo que
o autor chama de “efeito ‘oh! ah!’”, que vem da literatura de cordel
e do folhetim, atribuem, de acordo com o autor, “ênfase especial ao
pormenor humano, que pode ou não ser dramatizado por adjunção
do crime, do fator sexual ou do esplendor que caracteriza a vida
de determinadas camadas” (HOGGART, 1973 [1957], p. 144-145).
A fotonovela é uma narrativa curta, unindo texto e imagem,
formatada em uma sequência de quadrinhos, a cada um desses fotogramas correspondendo um plano de ação disposto em uma fotografia legendada por balões com as ‘falas’ das personagens. Há também
um narrador, cujos textos elucidam o leitor sobre a ação, mas também emitem juízos de natureza moral e fornecem justificativas para
a atuação das personagens, controlando a evolução da história.
Sua origem remonta à década de 1940, na Itália, para suprir
dificuldades de acesso do público ao cinema ou à recém-surgida televisão, o que explica que as fotografias utilizem planos e enquadramentos semelhantes aos usados nos filmes. Assim, as primeiras
fotonovelas foram adaptações de filmes de sucesso, protagonizadas
por atores famosos; mas logo se tornaram independentes do cinema,
assumindo identidade própria: tramas sentimentais, em linguagem
ilustrativa e redundante o suficiente para evitar conflitos e as eventuais dúvidas de leitoras de pouca escolaridade, a quem eram trans-
243
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
mitidos princípios éticos, morais e sociais semelhantes ao sistema
de valores que regera o romance-folhetim do século XIX.
A fotonovela chega ao Brasil em traduções das ‘cinenovelas’
italianas. A primeira revista brasileira dedicada ao gênero foi Capricho, lançada junho de 1952, pelo fundador da Editora Abril, Victor
Civita. A ela seguiram-se as revistas Ilusão, Contigo, Sétimo Céu e
Grande Hotel, que apresentavam “fotonovelas e informações para o
público feminino”, em títulos como Corações enamorados, Vingadora
de seu amor, Amada e perseguida, Do ódio nasce o amor. As imagens
abaixo são da revista Sétimo Céu, com registro até a década de 1980.
Figura 1. Sétimo Céu nº. 304, 1981 - Especial Roberto Carlos, 1962.
Os textos e os atores dessas produções ainda eram versões
das italianas, mas, além da matéria especial com Roberto Carlos, da
Sétimo Céu, formatada como uma fotonovela, como se vê na figura 1,
acima, em 1967; na Melodias, a revista da mocidade, especializada
em fotonovelas e notícias sobre celebridades do mundo da música, o
cantor participaria de uma produção com o seguinte enredo: uma história de Natal, sobre um menino de quatro anos que teve realizado o
seu maior sonho — conhecer o ‘Rei’.
O título da peça publicitária, localizado no topo do anúncio,
Falta-lhe algo, Dorinha, além dos seus diplomas!... é visualizado
entre duas figuras femininas em uma cena que seria um encontro
entre duas amigas; uma delas aparenta levar uma xícara em direção ao rosto; a outra, com o braço possivelmente apoiado em uma
mesa fora de cena, e também com uma xícara à sua frente, olha
para a primeira, com uma das mãos apoiando o rosto, com expressão pensativa. As figuras das mulheres estão representadas quase
de frente para o observador.
244
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Na sequência e abaixo dessa primeira cena, a figura à esquerda permanece sentada, parcialmente de costas para o observador,
enquanto a outra, (Dorinha) está em pé e com as mãos na cintura,
olhando para a amiga e de frente para o leitor. O cenário é uma sala,
ao fundo das personagens há um sofá, uma mesa de apoio e quadros
na parede. O texto que acompanha, no lado direito da ilustração, é: É
verdade! De que me valem anos de estudo, cursos de esteno-datilografia, etc? Diariamente percorro escritórios e companhias em busca de
emprego, mas nem me deixam abrir a boca. Sempre a mesma ladainha: “A vaga já foi preenchida”. Hoje, tentarei pela última vez...
Ao estabelecer a situação de conflito, da mesma forma que a
escolha de uma formatação idêntica a das fotonovelas, o anúncio apela à imaginação melodramática de suas leitoras, cujas competências
e habilidades de decodificaras da mensagem se construíram no âmbito do consumo do circuito cultural que inclui a ficção legatária do
folhetim em sua esfera produtiva.
O bloco abaixo desse apresenta primeiro o texto: Ouça, Dorinha: - Que lhe adianta ser a melhor secretária do mundo, se não
consegue oportunidade para demonstrar suas aptidões? Você precisa
apresentar-se melhor. Esses cabelos descuidados lhe dão um aspecto
desagradável. Por que não experimenta “TONI” para fazer uma ondulação permanente a frio? Vou ajudá-la. A ilustração ao lado desse
texto mostra a amiga quase abraçando Dorinha, de perfil para o observador, e Dorinha, com expressão pensativa (dedos tocando o queixo) e olhar vago, de frente para o leitor. Neste ponto do diálogo entre
as amigas, os sistemas sociais e simbólicos que produzem as representações de distinção entre o masculino e o feminino, lembrados por
Woodward (200), se fazem presentes. Trata-se de estabelecer o quanto a “aparência” dos cabelos de uma candidata a emprego legitima
um sistema que se regulamenta, ao final do anúncio, na hierarquia
estabelecida entre patrão e empregada.
O terceiro bloco dá sequência ao diálogo, quando mostra, à esquerda, a ilustração: estão as duas mulheres em outro ambiente onde
se percebe uma penteadeira (com o frasco do produto sobre ela) com
espelho, uma parede com janelas de vidro; no primeiro plano, estão
as duas mulheres. Dorinha está com parte do cabelo enrolado em
245
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
objetos cilíndricos (como rolos) e a amiga enrolando mais uma mecha
de cabelos. Ambas estão quase de frente para o observador e Dorinha parece satisfeita. Acompanha, à direita da ilustração, o seguinte
texto: É simples. Primeiro, enrola-se o cabelo com estes onduladores
plásticos. A seguir, aplica-se a loção onduladora de acordo com as instruções que acompanham o estojo. E pronto. Boa sorte, querida!
O último bloco de informações no anúncio apresenta Dorinha
em primeiro plano e de frente para o leitor, com cabelos crespos bem
penteados e sorridente, à frente de uma máquina de escrever. Ao fundo, vê-se a figura de um homem de terno (provavelmente o patrão),
sentado junto a uma mesa de escritório, com papel e caneta à mão.
À direita da ilustração, o texto: “Ao uso de ‘TONI’, a famosa permanente a frio, que se faz facilmente em casa, com o auxílio de uma
amiga, devo, além de ótima colocação, estes belos cabelos suavemente
ondulados, que me permitem os mais lindos penteados”. Esse bloco
ocupa uma área maior que os demais e evidencia a figura da mulher,
visivelmente satisfeita com o resultado do uso do produto. Abaixo do
bloco de texto está colocado o logotipo do produto, apoiado em uma
forma circular impressa em cor preta (única cor utilizada no anúncio) e parcialmente oculta pela figura de uma embalagem do produto,
configurando-se como uma assinatura do anunciante. Abaixo desse
conjunto e próximo à embalagem está o fechamento do apelo publicitário: Ondulação permanente em casa.
Em termos gráficos, o anúncio reflete algumas características
apontadas anteriormente: sua estrutura é linear e o texto é explicativo em uma narrativa também linear. O argumento textual, pode-se
dizer, é extenso e, ainda assim, é apoiado pelas imagens que exemplificam as ações desenroladas em todo o anúncio. Trata-se de uma
abordagem argumentativa típica pelo que se pôde observar na caracterização de época e da presença feminina como consumidora ― do período que é o foco deste estudo. A figura da amiga, que se depreende
ser usuária do produto anunciado, reforça a estratégia argumentativa do testemunhal no anúncio e indica à leitora que o consumo, no
plano do imaginário, está atrelado à confiança em tal produto que,
além de proporcionar uma melhor aparência, traz, em consequência
direta, um trabalho condizente com as suas expectativas.
246
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Ressalte-se que profissão de secretário só foi regulamentada no
Brasil pela Lei 7377, de 30/09/85 e pela Lei 9261, de 10/01/96, quando passam a ser considerados: a) Secretário Executivo, o profissional
diplomado por curso superior de Secretariado; e b) Técnico em Secretariado, o profissional portador de certificado de conclusão de curso
de Secretariado em nível de 2º grau. Portanto, o anúncio se refere à
função de secretária que era exercida por mulheres que para tanto
cursavam datilografia e estenografia, habilidades técnicas adquiridas
em cursos de curta duração que no anúncio, no entanto, são tratados
com o status de diplomação.
A posição da mulher na sociedade já começara a ser equacionada por abolicionistas ferrenhas como Francisca Amália de Assis
Faria, Anna Benvinda Ribeiro de Andrade, Narcisa Amália, Maria
Thomásia e a compositora carioca Chiquinha Gonzaga, ainda no final do século 19. Mas, nos primeiros anos do século 20, acentuava-se:
em 1906, o Rio de Janeiro sediou o I Congresso Operário Brasileiro,
no qual ficou estabelecida a necessidade de maior organização das
mulheres em sindicatos; no ano seguinte, uma greve de costureiras
deflagrou uma série de movimentos em favor da jornada de trabalho
de 8 horas; e, em 1917, as mulheres adquiriram o direito de ingressar
no serviço público. Em 1919, a Conferência do Conselho Feminino da
Organização Mundial do Trabalho, com participação das brasileiras
Bertha Lutz e Olga de Paiva, aprovou o “salário igual para trabalho
igual”. De acordo com o registro do Conselho Estadual dos Direitos
da Mulher/RJ (CEDIM):
Em 1920, as mulheres chegam ao movimento sindical.
Em 1933, Carlota Pereira Queiróz torna-se a primeira deputada
brasileira; um ano mais tarde, a Assembléia Constituinte assegurava o princípio da igualdade entre os sexos, o direito ao voto
feminino, a regulamentação do trabalho feminino e a equiparação salarial entre homens e mulheres. A repressão desencadeada
pelo Estado Novo em 1937 provoca um refluxo no movimento
feminista que só volta a ganhar intensidade em 1949, no Rio de
Janeiro, com a criação da Federação de Mulheres do Brasil. Na
década de 50, a mulher marca presença efetiva nos movimentos políticos. Devido ao Golpe de 64 e à repressão militar, só na
década de 70 é que se retoma o processo de reorganização dos
movimentos feministas no país.
247
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Para Zaíra Ary, a singularidade fundamental do ser humano
que marca de maneira distinta o próprio “projeto humano subjetivo”
se constrói a partir da especificidade sexual masculina e feminina.
Segundo esta autora, “na dependência das circunstâncias individuais
e coletivas, biográficas e históricas, ao mesmo tempo culturalmente
seme­lhantes e diversificadas”, a subjetividade pode ser tomada como
paradigma epistemológico para esclarecer e sublinhar uma “diferenciação cultural específica ao masculino e ao feminino na maneira de
estar no mundo”. Citando Silvia Lempen-Ricci, Ary aponta as especificidades de gênero pela distinção entre “a responsabilidade feminina
com a perpetuação da vida e com a gestão do quotidiano” e “o projeto
masculino de transcendência do quotidiano” (Ary, 2000, p. 35-36).
As mulheres não têm “mais vivido” do que os homens,
mas o vivido que constitui a sua identidade de mulheres não
suporta ser rejeitado nas margens insignificantes dos grandes projetos humanos, porque ele é a condição mesma de seus
desdobramentos. (...) É o confinamento das mulheres na imanência que sempre foi a condição de possibilidade do desdobramento da transcendência masculina (LEMPEN-RICCI,
apud ARY, 2003, p.36).
Finalmente, atenta-se ao caráter regressivo do anúncio da ondulação a frio da Toni, que investe na identidade e identificação feminina a partir do estereótipo da “boa apresentação” em detrimento da
formação (seja ela de nível superior, médio ou apenas treinamento de
habilidades), quando os cabelos ondulados passam a ser mais importantes do que os diplomas da protagonista do anúncio. Mas, registre-se, também, que Dorinha é interpelada pelo discurso persuasivo do
anúncio publicitário a partir de sua expectativa de conseguir um emprego. Em outras palavras, transcender o confinamento histórico e
inserir-se nos grandes projetos humanos de seu tempo.
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251
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
ANEXO Nº 1
Anúncio de meia página, Toni (produto para ondulação permanente) p. 20, da revista
O Cruzeiro, de 25 de junho de 1955.
252
Mulheres em imagens: significações atribuídas à
figura feminina na publicidade
Raquel de Barros Pinto Miguel
Mulheres em imagens
Mulheres, mulheres e mais mulheres. A figura feminina é
representada inúmeras vezes nos mais de oitocentos anúncios encontrados em vinte edições da revista Capricho pertencentes às décadas de 1950 e 19601. Examinar a forma como essas imagens são
apresentadas nos anúncios publicitários permite o acesso às transformações de hábitos e comportamentos, especialmente em meados
dos anos 1960, diante da efervescência dos movimentos culturais, do
movimento feminista, da revolução sexual, das conquistas efetivadas
pelas mulheres. Este exame das publicidades possibilita, outrossim,
que se constate as permanências no que concerne às relações de gênero e, principalmente, aos lugares destinados às mulheres que viveram esta passagem dos anos 50 para os anos 60.
O traço: as mulheres nos anúncios
Os anúncios coloridos foram, lentamente, conquistando espaço nas páginas da revista desde a primeira edição analisada,
pertencente ao ano de 1956. Da mesma forma, a fotografia, aos
poucos, passa a ser utilizada pela publicidade como um recurso,
onde predominava o uso de imagens desenhadas.
Ainda com relação ao uso, pela publicidade, de desenhos ou fotografias para ilustrar seus anúncios, é possível perceber que durante
o final dos anos 50, até meados da década de 60, mesmo quando o recurso utilizado era a fotografia, esta trazia imagens femininas que mais
pareciam desenhadas do que reais: a pele parecendo um veludo, sem
As reflexões que serão aqui desenvolvidas têm origem na pesquisa que realizei no doutorado, na qual tomo a revista Capricho (e, consequentemente, os anúncios nela divulgados) como
um “lugar de memória”. Nesta pesquisa tive como fontes de informação exemplares originais
da Capricho pertencentes ao período entre as décadas de 1950 e de 1960, assim informações
colhidas em entrevista com três mulheres que foram leitoras desta revista na época referida.
1
253
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
qualquer imperfeição, as sobrancelhas apresentando um desenho impecável, os cabelos milimetricamente penteados. Mas, em meio a tanta
perfeição, o grande destaque ficava por conta dos lábios e das unhas, esses ostentavam cores e brilho jamais vistos na “vida real”. As bocas parecem desenhadas (em algumas fotos fica claro que elas realmente foram
retocadas), ostentando, na maior parte das vezes, um reluzente batom
vermelho. Já as unhas, sempre bem feitas, longas e pintadas, muitas
vezes em composição com a cor usada nos lábios. Segundo definição de
Morin, esta mulher modelo teria a aparência de “boneca do amor”.2 Não
importava a atividade que estivesse sendo desempenhada: lavando roupa, costurando, cozinhando ou namorando. Independente da situação as
mulheres exibiam-se impecáveis, desde os pés até a cabeça.
E por falar em aparência, o exame dos anúncios publicitários
pode, também, nos informar a respeito dos padrões de beleza vigentes nas décadas de 1950 e 1960.3 Nos anos 50, por exemplo, a maior
parte dos anúncios preconizava que a beleza estaria ao alcance de
todas as mulheres e, mais do que isso, seria uma obrigação.
“A beleza é obrigação. A mulher tem obrigação de ser bonita. Hoje
em dia só em feio quem quer. Essa é a verdade. Os cremes protetores
para a pele se aperfeiçoam dia a dia. Agora já temos o creme de alface
“Brilhante” ultra concentrado que se caracteriza por sua ação rápida
para embranquecer, afinar e refrescar a cútis. Depois de aplicar esse creme, observe como a sua cútis ganha um ar de naturalidade encantador
à vista. A pele que não respira, resseca e torna-se horrivelmente escura.
O creme de alface “Brilhante” permite à pele respirar ao mesmo tempo
que evita os panos, as manchas e asperezas e a tendência para pigmentação. O viço, o brilho de uma pele viva e sadia voltam a imperar com
o uso do Creme de Alface “Brilhante”. Experimente-o. É um produto do
Laboratório Alvim & Freitas.” (Capricho, março de 1958, p.86).
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Vol.1: Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007. p.141.
2
3
Podem ser citadas duas autoras que desenvolvem interessantes reflexões acerca deste
assunto: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In: ______. (org.) Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. OLIVEIRA, Núcia Alexandra Silva. Representações da beleza
feminina na imprensa: uma leitura a partir das páginas de O Cruzeiro, Cláudia e Nova
(1960/1970). In: FUNCK, Susana B.; WILDHOLZER, Nara (orgs.). Gênero em discursos da
mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.
254
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
E ainda: “Rugól. 2 cremes em 1. Limpa e embeleza a cútis. Dá
maravilhosa brancura e explendor de juventude. Mantém em segredo sua idade!” (Capricho, maio de 1956.).
Além de valorizarem a juventude, a beleza está associada a uma
cor alva, limpa, imaculada, fina, fresca, brilhante. Ficando explícito, em
ambos os casos, a altivez da pele branca em detrimento da pele negra: é
a brancura encantadora e desejável versus a pele “horrivelmente escura”. Acrescentando um dado a esta questão, ressalto que entre todos os
anúncios por mim examinados ao longo das vinte edições da revista Capricho que fizeram parte do meu corpus de análise, em nenhum anúncio encontrei a figura de uma mulher negra. O mais próximo foi numa
propaganda do guia Quatro Rodas, presente na Capricho da segunda
quinzena de dezembro de 1969, que trazia como introdução: “Os monumentos da Bahia. Se v. ainda não comprou a Edição Especial Quatro
Rodas Turismo Bahia, olha o que v. está perdendo.” (p. 79). Seguida por
uma seqüência de fotos de uma mulata de biquíni branco, cabelos longos
e soltos, em poses sensuais. Ou seja, quando uma mulher negra aparece,
aparece como um produto a ser consumido. Especialmente pelo fato de
ser a ilustração de uma revista voltada, principalmente na época, para o
sexo masculino, como era a Quatro Rodas. A mulata, assim, não aparece em outras propagandas da revista, em propagandas voltadas para a
leitora da Capricho, por talvez se acreditar que ela não seria uma figura
com a qual estas leitoras se identificariam, uma vez que está longe da
“altivez, do brilho e do esplendor de uma pele branca”.
Durante os anos 50, também era freqüente os anúncios de produtos de beleza e de higiene se valerem da imagem de estrelas de
Hollywood para venderem seus produtos. O caso mais emblemático
é o dos sabonetes Lèver, que trazia o slogan: “Preferido por 9 entre
10 estrelas do cinema”, trazendo, em seus anúncios, atrizes como
Sandra Dee, Bárbara Rush e Martha Hyer. A presença de estrelas
internacionais nas páginas da Capricho, mostram o crescimento da
influência norte-americana na cultura brasileira e, mais do que isso,
está associado ao sonho brasileiro de ser moderno e civilizado, de
inserir-se na “vida moderna”4, copiando hábitos e comportamentos
oriundos da “civilização” estadunidense.
4
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Op. Cit., 2005
255
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
As mulheres exibidas em anúncios dos anos 50, e também do
início dos anos 60, retratavam o ideal da “moça prendada moderna”,
uma vez que deveriam estar atentas aos cuidados da casa, dos filhos,
do marido devendo, ainda, manter-se sempre belas. Para conseguirem
cumprir todas essas tarefas, as mulheres contavam com importantes
aliados: batedeira, máquina de lavar roupa, sabão em pó e enceradeira
de um lado, e cremes contra rugas, sabonetes perfumados e poderosos
dentifrícios de outro. Como observado quando discuti a passagem do
uso de desenhos por fotografias pelas publicidades, as mulheres não
pareciam reais, tamanha a perfeição que apresentavam.
Na década de 1960, principalmente a partir da segunda metade desta década, percebe-se uma maior descontração nas fotografias
que ilustram os anúncios. No lugar do laquê, os cabelos aparecem
molhados ou soltos ao vento. As bocas e unhas já não têm o destaque
de antes, o belo passa a ser associado à naturalidade, a uma imagem
de mulher mais próxima da realidade.
A partir dessa época, de acordo com Sant’Anna, os anúncios
começam a sugerir, com maior freqüência, o prazer de estar consigo,
o contentamento em cuidar do próprio corpo. O cenário para estas
transformações compreenderiam tanto os movimentos de libertação
da década de 1960 e a contracultura, quanto o desenvolvimento da
publicidade, da cosmetologia e da indústria da beleza.5
Nesse sentido, pode-se pensar que não apenas as mudanças culturais participaram destas transformações na publicidade,
mas, também, o próprio desenvolvimento das técnicas fotográficas,
com o surgimento de recursos inovadores nesta área. Recursos estes que permitiram, por exemplo, captar detalhes de uma foto feita
em movimento, modificando, assim, aspectos importantes na história da fotografia e, consequentemente, da publicidade. Sant’Anna,
ao refletir a este respeito, afirma que a aparência descontraída,
presente em várias fotos que ilustram anúncios de meados dos
anos 60 em diante, não necessariamente significa o fim do ato de
posar, tão caro nas fotografias anteriores a este período, mas sim
a sua renovação. Dessa forma, as imagens descontraídas exigem,
também, que sejam pensadas, posadas e construídas, sinalizando,
5
256
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
assim, para a existência de “maneiras históricas de posar, ou seja,
um trabalho minucioso sobre o corpo”6.
Apesar da presença de imagens que apresentam mulheres
mais ágeis, descontraídas, flexíveis e mais naturais; a tônica do
embelezar-se, ou do cuidar da casa, com a finalidade de garantir
ou manter um bom casamento, continua a vigorar entre os anúncios publicitários presentes nas páginas da Capricho. Exceções vão
aparecer no final dos anos 1960 com alguns anúncios abordando o
cuidado com a beleza atrelada à satisfação pessoal, enfatizando a
individualidade e a liberdade, em lugar da felicidade conjugal.
Dois anúncios ilustram estas transformações ocorridas com
relação às imagens femininas exibidas na publicidade. O primeiro
(de 1960), da máquina de lavar roupas Brastemp traz o protótipo da
mulher moderna prendada: bem arrumada, de salto alto, fazendo
uma pose que parece ter sido calculada nos mínimos detalhes, desde a posição dos pés até a maneira como as mãos estão colocadas ao
longo do corpo e sobre a máquina de lavar. Já o segundo anúncio (de
1968), do talco Lux, apresenta uma mulher sensual, com apelo erótico, representando uma Eva com uma maçã na boca, o símbolo do
pecado (o texto do anúncio brinca com esses elementos ao fazer uso
das palavras: pecado, mulher, violentamente feminina). Certamente a mulher também está posando, entretanto, seus gestos são mais
flexíveis, seus cabelos estão soltos e cuidadosamente despenteados,
seu traje bem mais informal quando comparado ao da mulher moderna prendada. É uma imagem de mulher totalmente diferente
das apresentadas pelos anúncios do final dos anos 50 e do início
da década seguinte, mas que ainda traz indícios de um cuidado de
si para o outro, como a imagem sedutora, a promessa de uma pele
macia, atraente, “violentamente feminina”, e a sugestão de que na
corrida pela conquista do sexo oposto, ao usar o talco Lux, a mulher
começa com uma “terrível vantagem”. Guardadas as devidas proporções, esta mulher fatal do talco Lux não difere muito da moça
encantadora dos produtos Cashmere Bouquet.
6
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Propaganda e História: antigos problemas, novas questões.
Projeto História. São Paulo, (14), fev. 1997, p.92.
257
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
A mulher moderna e outras personagens
A vida moderna era tida como um ideal a ser perseguido pelas
leitoras da Capricho. Aliás, não apenas por elas, uma vez que este era
o zeitgeist da época. Nas décadas de 1950 e 1960 os bens de consumo
colados à imagem do moderno, do novo e do inédito, eram oferecidos a
homens e mulheres tão modernos quanto e que respiravam os novos
ares do progresso 7.
Esta ênfase dada ao moderno, ao novo, à qualidade, tão comum nas publicidades direcionadas às leitoras da revista Capricho,
caminha ao lado do processo de modernização para o qual as mulheres estavam sendo chamadas a participar. Ou seja,
(...) a contribuição feminina para a modernização da sociedade
partia do privado (suas casas deveriam ser equipadas com os
mais modernos tipos de eletrodomésticos) para posteriormente
alcançar o público (sua aparência deveria ser bela e construída
com os novos cosméticos, mais elaborados e feitos a partir das
mais avanças pesquisas, como prometiam os anunciantes)8.
Em especial no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, no
ritmo do término da II Guerra Mundial, enfatizam-se os ideais de
domesticidade e dependência das mulheres, uma vez que elas precisavam deixar os postos de trabalho e retornarem ao lar. A presença
de propagandas de eletrodomésticos, por exemplo, vai ao encontro da
chegada de novidades para o lar, que ocorreu ao longo dos anos 1950,
momento de acelerado crescimento econômico9, estando em consonância com o clima de “modernização” que estava no ar. Entram em
cena, conquistando as donas de casa, especialmente as de camadas
médias, as seguintes novidades: enceradeira, geladeira, ferro elétrico,
batedeira de bolo, aspirador de pó, liquidificador, entre outras “maravilhas da vida moderna”. Esta ênfase no moderno, no novo, salienta
as qualidades do novo em detrimento do velho, dos produtos tidos
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”: publicidade, Cultura de Consumo e Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São
Paulo: HUCITEC, 1998.
7
8
OLIVEIRA, Núcia Alexandra Silva. Op. Cit., p.193
MELLO, João Manuel C. de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando A. (org.) História da vida privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 559-658.
9
258
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
como do “tempo da vovó”10, estratégia utilizada por vários anúncios
presentes nas edições da Capricho da época aqui analisada. Aliás,
recurso utilizado ainda atualmente no meio publicitário.
A propaganda da geladeira Clímax Vitória Super Luxo, exibida na Capricho de 1960 ilustra este ideal de domesticidade e de
dependência das mulheres, assim como a vinculação destas com um
lar equipado com o que há de mais moderno.
Este anúncio, ocupando duas páginas, traz como ilustração,
em primeiro plano, um casal quase se beijando, em segundo plano,
duas crianças, um menino e uma menina, brincam felizes ao redor da
nova geladeira que está na cozinha da casa. Ao lado, fora desta cena,
tem uma ilustração da geladeira aberta. Como texto introdutório:
“Seu lar é seu mundo... V. deve tornar êsse mundo cada vez melhor!
V. deve dar-lhe um Clímax Vitória super Luxo uma vitória do coração no ‘Dia das Mães’”. Seguindo com o seguinte texto: “Seu pequeno
mundo é a casa...- é ali que Ela passa a maior parte da vida, cuidando
dos filhos e zelando pelo bem estar de toda a família, É justo que Ela
tenha todo o conforto a cercar-lhe os dias de dona-de-casa operosa e
atenta aos mínimos pormenores. É justo que ela tenha orgulho em
servir bem às suas amigas... às visitas – que também são suas. É justo que Ela possa atende-lo, quando V. deseja obsequiar seus amigos
com “algo” bem geladinho... É justo e merecido enfim, que V. dê a Ela
todo o conforto que é também seu e de toda a sua família!” O anúncio
é complementado com várias informações técnicas a respeito do produto anunciado11.
A intenção do anúncio é a venda deste produto para o dia das
mães. De acordo com o texto, ele parece dirigir-se para o marido, dando-lhe inúmeros argumentos que justifiquem ser a sua esposa e mãe
de seus filhos, merecedora de uma geladeira Climax Vitória Super
Luxo. O fato de o anúncio apresentar um texto dirigido aos homens
não é algo comum nas propagandas desta revista, uma vez que tem
as mulheres como público alvo. Como se trata de um presente para o
10
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Op. Cit.
Textos longos, técnicos e explicativos são marca nos anúncios dos anos 50 e início dos anos
60. Ao longo desta última década vão perdendo espaço para textos mais ágeis, curtos e objetivos.
11
259
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
dia das mães, é provável que ele esteja escrito desta forma para que
a mulher, ao lê-lo, mostre-o ao marido. Cabendo, dessa forma, a ele a
decisão pela compra ou não do produto.
O texto destaca a ligação da mulher com seu lar, exaltando
sua dedicação para com os filhos, para com a casa e para com o marido. Ou seja, mostra que ela tem cumprido direitinho seu “dever de
casa” merecendo, portanto, ganhar um belo presente no dia das mães.
Presente este que, de acordo com o próprio texto, não será usufruído
apenas por ela, mas sim por toda sua família.
A título de especulação, a imagem do quase beijo do casal dá a
entender que não se trata de um beijo de parabenização pelos dias das
mães, mas sim um beijo de agradecimento, ou seja, ela agradecendo
a ele pelo presente. Digo isso ao reparar nos lábio de ambos: os lábios
dele estão retos, como que à espera do beijo, já os dela fazem um biquinho, como se o beijo fosse iniciativa dela. Mais uma vez é importante
frisar a presença de uma “família ideal”: pai, mãe e um casal de filhos.
Com relação, mais especificamente, ao estilo mulher moderna
prendada, são inúmeros os anúncios que poderiam ser citados como
exemplo, desde perfumes e sabonetes até geladeiras e enceradeiras.
Apresentarei, inicialmente, uma propaganda do absorvente íntimo
Modess de 1962 que retrata como seria o dia de uma mulher moderna.
O anúncio traz como título “O dia na vida de uma jovem mãe”.
Seguindo-se o seguinte texto: “Valéria é uma jovem dona-de-casa e
mãe. O dia de uma dona-de-casa começa bem cedo: 6 horas. E após
o banho do bebê, as tarefas se sucedem... preparar mamadeiras, arrumar a casa, planejar as refeições. Hoje Valéria vai às compras na
feira. Eficiente e moderna, não permite que o fato de estar “naqueles
dias” interfira em suas atividades. Ela sabe que a super absorvência
e a impermeabilidade de Modess “Pétala Macia” lhe oferecem a maior
segurança, por várias horas. Valéria recebe as amigas para o chá. Elas
admiram sua boa disposição e desembaraço. Certamente... porque Modess “Pétala Macia” é leve, macio e dá completa liberdade de movimentos. Não se deixa notar, mesmo sob os vestidos mais justos. Valéria hoje
não dispensaria sua geladeira, liquidificador e tantos outros confortos
da vida moderna. Prática, ela também está atualizada no seu cuidado
íntimo – prefere Modess “Pétala Macia”. Custa menos do que um vi-
260
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
dro de esmalte... e é tão mais importante! O jantar está pronto. Que
dia cheio! Mas, um banho morno e alguns minutos devolvem a Valéria
sua melhor aparência. Ela usa o absorvente Modess “Pétala Macia”...
tão mais prático e higiênico – usa-se uma só vez e joga-se fora. É bem
discreto... Não há nada para lavar. A vovó ficará com o bebê, enquanto
Valéria e o marido vão ao cinema. Noutros tempos, ela nem pensaria
em sair “naqueles dias”. Mas agora, com sua tranqüilidade assegurada
por Modess “Pétala Macia”, Valéria é sempre uma boa companhia. –
Todos os dias de sua vida são assim dinâmicos e ativos. E sempre que
necessário Modess “Pétala Macia” fará com que você também se sinta
mais tranqüila e despreocupada. Experimente ainda este mês.”
Vejo, neste anúncio, um “prato cheio” para inúmeras discussões. Com relação ao que se está discutido no momento, ele traz um retrato do que era esperado de uma mulher moderna na época: dona de
casa exemplar, mãe dedicada, esposa presente, aparência impecável,
dona do que há de mais moderno tanto para auxiliá-la em casa, quanto
nos cuidados consigo mesma. O que havia sido citado, quando descrevi
que a mulher exibida no final dos anos 50 e início da década seguinte
apresentava-se sempre bem arrumada, batom nos lábios e unhas bem
feitas, independente da tarefa que estivesse desempenhando, é verificável neste anúncio: na primeira cena, ao alimentar seu bebê logo pela
manhã, Valéria está maquiada, delineador nos olhos, batom nos lábios
e um belo coque feito com seus longos cabelos. Não há uma cena onde
a nossa dona-de-casa não esteja impecavelmente arrumada.
O Modess entra em cena como mais um dos confortos da vida
moderna proporcionados às mulheres. Confortos, estes, que além de
facilitarem suas vidas, ainda possibilitam que as mulheres modernas
possam desempenhar, com maior sucesso, os seus papéis de esposa e
de mãe. Afinal, por estar usando Modess “Pétala Macia” Valéria pôde
ser uma boa companhia a seu marido, mesmo estando “naqueles dias”.
O destaque ao novo e ao moderno é evidente neste anúncio. O
uso de palavras como: eficiente, moderna, liberdade, conforto, vida moderna, atualizada, melhor aparência, prático; apontam para tal fato.
A ligação entre novo, modernidade e o papel social que se esperava
das mulheres é perceptível, também, em anúncios de eletrodomésticos.
Não se pode falar em mulher moderna sem falar nos eletrodomésticos.
261
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Trago, como exemplos, dois anúncios: um de aparelhos da
Arno e outro de aparelhos da General Eletric. O primeiro é ilustrado por uma moça vestida de noiva, segurando em suas mãos o
buquê de flores e uma enceradeira envolta em um laço cor de rosa,
assim como todos os outros aparelhos eletrodomésticos presentes
no anúncio: liquidificador, aspirador de pó e uma batedeira, estando esta última no colo de uma senhora sentada em uma poltrona,
senhora que parece ser a mãe ou a sogra da noiva. O texto que
acompanha o anúncio é o seguinte: “Quem dá Arno acerta sempre!
Para um lar que está se formando agora... ou para a dona de um
lar que já se formou há muito tempo... não há outro presente tão
desejado, útil e oportuno como êstes belíssimos Aparelhos Arno.” O
texto é complementado por informações a respeito de cada um dos
aparelhos, terminando com a frase “Os presentes Arno agradam
mais porque são mais úteis”.
A publicidade da General Eletric dá destaque a alguns aparelhos de sua linha, que aparecem ilustrando o anúncio: grill automático, fritadeira automática, enceradeira, e três tipos de ferro
de passar roupa. Logo abaixo estão duas mulheres elegantemente
vestidas, sentadas frente a uma mesa bem arrumada, tomando um
café. A presença de um gato na cena nos faz supor que este encontro seja na casa de uma delas. Elas estabelecem o seguinte diálogo:
“Querida! Como você consegue participar tão ativamente da vida
social sendo uma dona-de-casa?” A amiga responde: “Atualizei-me,
meu bem! Com aparelhos portáteis G.E. reduzi ao mínimo minhas
preocupações caseiras!”
Essas duas publicidades são emblemáticas quanto ao tom
presente nas páginas da revista Capricho até meados de 1960.
Uma revista que tinha, na época, como público alvo mulheres casadas ou casadoiras, moças de família que almejavam constituir
um lar equipado por aparelhos modernos que lhes ajudasse nas
suas principais tarefas: ser esposa, dona-de-casa e mãe.
Os eletrodomésticos estão relacionados também a uma outra
questão, a que Figueiredo12 se refere como uma transformação com relação à percepção do tempo. Nesta nova percepção do tempo, a diminuição
12
262
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op. Cit.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
do tempo demandado para a realização de uma tarefa, passa a ser visto
como um investimento. Esta otimização do tempo, associada aos modelos fordista e taylorista de modos de produção no trabalho, enraizou-se
tanto na política, haja vista a promessa de Jucelino Kubitschek de fazer
o Brasil crescer cinqüenta anos em cinco, quanto em anúncios dos mais
variados produtos. Os eletrodomésticos servem como exemplo, tal como
pode ser percebido nas duas publicidades seguintes.
Um anúncio do fogão Brastemp apresenta uma jovem bem
arrumada: salto alto, saia plissada, cabelos penteados, unhas longas,
batom vermelho; sentada em uma cadeira, com as pernas cruzadas,
uma das mãos sob o queixo. Abaixo da cadeira encontram-se livros de
receita jogados despretensiosamente. Como texto: “Sou uma dona-de-casa moderna. Quero aparelhos eletro-domésticos que não tomem o
tempo de meus deveres familiares e sociais. Acompanho o que há de
mais avançado em arte culinária. Quero alimentos fritos, cozidos e assados adequadamente. Pensando nisso é que prefiro o fogão Brastemp.
Claro: o fogão à gás Brastemp Imperador tem detalhes de funcionamento ideais para a cozinha moderna e a satisfação da família.” Em
caixa alta segue a frase “Pensar em satisfação é comprar Brastemp!”
Na seqüência é apresentado um texto informativo sobre o produto.
Juntando imagem e texto, pode-se presumir que a moça encontra-se sentada na cadeira, pois seu fogão Brastemp Imperador
permite que ela descanse enquanto ele faz o serviço. Assim, ao adquirir um fogão, ela adquire o tempo que ele lhe poupa, tempo que
ela pode aproveitar da maneira que melhor lhe convier que, no caso,
parece ser em atividades familiares e sociais.
O mesmo pode ser dito a respeito de um anúncio da máquina
de costura Vigorelli, onde prazer e trabalho aparecem como inversamente proporcionais: “Seu prazer cresce... Seu trabalho decresce.”
O crescimento do prazer está associado ao aumento do tamanho e
de nitidez da imagem de uma mulher sorridente, enquanto a diminuição do trabalho está retratada na imagem na máquina de costura. E, logicamente, quanto menos trabalho, de mais tempo livre
dispõe a mulher moderna.
Mas para que tanto tempo livre? De acordo com Figueiredo,
tempo livre estaria associado ao lazer e este, por sua vez, ao consu-
263
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
mo, sendo esta relação construída entre os anos 50 e 60. Destarte,
“o consumo aparecia assim como o meio pelo qual o homem [sic.] se
liberta do trabalho e, ao mesmo tempo, significa sua recompensa”13.
As publicidades encontradas nas páginas da Capricho reforçam o papel atribuído às mulheres de “compradora oficial”14 da
família. Haja visto que, ao longo dos anúncios analisados, foram
encontrados não apenas produtos voltados para uso pessoal das
mulheres, mas também artigos infantis, para casa e, até mesmo,
para os homens, como é o caso da revista Quatro Rodas e de diversos cursos profissionalizantes que trazem profissões que na época
eram, eminentemente, desempenhadas pelo sexo masculino. Um
exemplo claro está no anúncio do talco Johnson para adultos, com
o exórdio “Ela compra... e êle gosta.” Ilustrado por uma mulher
envolvendo seu marido, como a uma criança, mostrando-lhe o perfume do talco. O que mostra que além de compradora oficial, caberia à mulher o papel de protetora da família, papel este explorado
pelas publicidades presentes em revistas femininas.
Por tudo o que pôde ser visto até o momento, a função da mulher estava, de fato, relacionada ao trabalho doméstico. São poucas
as referências feitas, na revista, ao trabalho feminino fora de casa.
Nos anúncios publicitários este tema é ainda mais raro. A exceção
fica por conta do grande número de anúncios de cursos profissionalizantes, apesar de que estes, como dito anteriormente, fossem
mais voltados para os homens e não necessariamente tratassem de
trabalho fora de casa, uma vez que eram cursos por correspondência e que, aqueles voltados para as mulheres, como corte e costura e
culinária, poderiam servir não apenas para o trabalho fora de casa,
mas sim para enriquecer as prendas domésticas das donas-de-casa.
A presença de anúncios de produtos destinados aos homens
nas páginas da Capricho pode indicar um certo poder das mulheres perante o sexo oposto. É atribuída agência a estas mulheres,
uma vez que a elas é confiada a tarefa de repassar tais informações aos seus maridos, filhos ou irmãos.
13
FIGUEIREDO. Op. cit, p.81.
14
CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2006.
264
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
No final da década de 60, mais especificamente a partir de
1966, alguns anúncios de produtos para o sexo feminino passam a
utilizar textos e imagens que sinalizam para esta agência das mulheres. Certamente, a maior influência para propagandas que adotem
esse tom, vem do movimento feminista. Dois anúncios servem como
exemplo: o primeiro, publicado em 1966, do absorvente íntimo Modess e o segundo de produtos para maquiagem Angel Face.
A propaganda de Modess é ilustrada por uma jovem tocando
violão em meio a uma roda de amigos. O clima é de descontração,
alegria e prazer. A moça é a protagonista; é para ela, e dela, que a
publicidade se dirige, com o seguinte texto: “Tope a vida todos os dias!
Os bons momentos não escolhem dia nem hora. Um bom programa
pode coincidir com aquêles dias... e você não pode “desafinar”. Esteja
“em tôdas”, sinta-se moderna, livre, confiante – usando Modess Pétala Macia. Modess é seguro, prático e confortável. Com Modess, todos
os dias são dias normais. Use Modess Pétala Macia – e esqueça o
calendário.” Se compararmos este ao outro anúncio de Modess analisado anteriormente encontraremos, em comum, as unhas longas
e bem feitas de suas protagonistas e o uso do termo “aqueles dias”
para se referir à menstruação. No restante eles se diferem, e muito.
Aquele traz uma mulher preocupada em estar bem “naqueles dias”,
pois precisa desempenhar uma série de funções: cuidar de seu bebê,
cuidar dos afazeres domésticos, receber bem suas amigas e ser uma
boa companhia para seu marido. O presente anúncio, por sua vez,
exibe uma jovem preocupada em estar bem “naqueles dias”, pois quer
aproveitar a vida, sentir-se segura, confiante, livre e confortável. O
benefício é único e exclusivamente para ela, é um cuidar de si legítimo, e não um cuidado de si para o outro. É uma mulher com poder de
escolha, e suas escolhas são para ela.
A segunda publicidade, do pó compacto Bege Dourado da
marca Angel Face, é ilustrada, primeiramente, pela foto de estojos
do pó em três tonalidades diferentes. Logo abaixo há uma grande
foto de uma mulher maquiada, lábios e unhas em tons de rosa, cabelos penteados; segurando um estojo de base. Ao lado estão três
fotos menores exibindo as seguintes cenas, com a mesma mulher
como protagonista: mulher dirigindo um carro levando, de carona,
dois rapazes, ela aparenta estar compenetrada e eles interessados
265
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
no passeio; mulher, em pé, tocando violão e um homem atrás dela
a observando de forma carinhosa; por último, a mesma mulher e
um rapaz sentados, à beira mar, ela tomando algo utilizando um
canudo e ele segurando seu copo e conversando com ela, rostos bem
próximos. Como texto: “É a moderna maquilagem Bege Dourado de
Angel Face para deixar ainda mais bonita sua carinha de anjo”.
Este anúncio, ao contrário da publicidade dos absorventes Modess, onde fica clara a agência atribuída à jovem; é um tanto ambíguo, a começar pelas imagens. A foto maior poderia ilustrar qualquer
anúncio dos anos 50 e início dos anos 60, uma vez que apresenta
uma moça bonita, bem arrumada, maquiada, rosto angelical, aliás,
em sintonia com o nome da marca. Já as outras cenas, especialmente
as duas primeiras, mostram uma mulher, de fato, protagonista, o que
não é nada comum nas propagandas exibidas pela Capricho, uma
mulher “dirigindo” sua própria vida, destacando-se entre os homens
não apenas por seu rostinho angelical, mas por suas atitudes. Talvez
o jogo que o anúncio queira fazer esteja na expressão “carinha de
anjo”: ela de fato tem uma carinha de anjo, mas é só a carinha. As
fotos menores contradizem a maior, aquela que parecia ser uma moça
prendada, na verdade é uma moça de atitude, que tem autonomia e
que sabe fazer suas escolhas. Na verdade, esse anúncio traz cenas de
sedução e romance, assim como muitos outros, entretanto, a forma
de seduzir, adotada pela mulher, difere das adotadas na maioria dos
anúncios. Aqui ela não seduz por ter apenas um rosto bonito, uma
pele acetinada ou um perfume encantador, mas sim por demonstrar
segurança, confiança e autenticidade.
A ambigüidade presente neste anúncio parece nos lembrar
que as mudanças acontecem de maneira lenta e gradual, valores
antigos convivem com valores atuais, muitas vezes se reeditando,
apresentando-se sob nova roupagem. Se esta convivência entre valores de diferentes épocas pode atravessar décadas, o que dizer de um
período, como a passagem dos anos 50 para os anos 60, onde grandes
transformações estão sendo gestadas e paridas?
Esta miscelânea de valores, hábitos e costumes retrata as
transformações culturais de uma época. Indicam, também, que estas mulheres sempre coexistiram e continuarão coexistindo indepen-
266
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
dente do momento, sem esquecer, certamente, das singularidades de
cada época. Coexistência, esta, que marca a plasticidade, os diferentes tons e matizes que enriquecem e dão graça e movimento à história das mulheres. História esta cercada de improvisos, imprevistos,
poesia e imagens tão diferentes e coloridas quanto as formadas por
um caleidoscópio15. História que pôde ser acompanhada com o exercício realizado diante dos anúncios presentes nas páginas das edições
da revista Capricho. Exercício que parece não ter fim: quanto mais se
olha para os anúncios, quanto mais se escreve a respeito deles, mais
aspectos saltam aos olhos. Imagino que isso seja “culpa” da polissemia presente nas imagens e nos textos, como bem discute Barthes16.
A partir das discussões aqui tecidas, é possível perceber o
quanto os anúncios estavam a serviço da manutenção e da construção de certos hábitos, atitudes e valores relacionados ao ideal
de mulher apregoado na época. Isso é uma constatação importante, uma vez que através da entrevista que realizei com as três
leitoras da revista Capricho pude perceber a força da publicidade, de suas imagens, de seus “chavões”. Ela atuou, certamente,
como um significativo “lugar de memória” para minhas entrevistadas. Percebi, também, o quanto os anúncios fizeram parte
da vida destas mulheres, participando da constituição de suas
subjetividades, contribuindo na construção do que era esperado
das mulheres que viveram entre as décadas de 1950 e 1960. Através de seus textos e suas imagens, as propagandas encantaram e
envolveram mulheres, conquistando consumidoras que associam
os produtos a experiências íntimas por elas vividas.
Referências
BARTHES, Roland. Rhétorique de l’image, In: Communications, No. 4,
Paris: Seuil, 1964.
CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo:
Ática, 2006.
MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. De ‘moça prendada’ à ‘menina-super-poderosa’: um estudo sobre as concepções de adolescência, sexualidade e gênero na revista Capricho (1952 - 2004).
Dissertação de Mestrado. UFSC: Pós-Graduação em Psicologia, 2005.
15
16
BARTHES, Roland. Rhétorique de l’image. In: Communications, No. 4, Paris: Seuil, 1964.
267
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça
velha, azul e desbotada”: publicidade, Cultura de Consumo e Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São Paulo: HUCITEC, 1998.
MELLO, João Manuel C. de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e
sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando A. (org.) História da vida
privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. pp. 559-658.
MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. De ‘moça prendada’ à ‘menina-super-poderosa’: um estudo sobre as concepções de adolescência, sexualidade
e gênero na revista Capricho (1952 - 2004). Dissertação de Mestrado.
UFSC: Pós-Graduação em Psicologia, 2005.
MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. A revista Capricho como um “lugar
de memória” (décadas de 1950 e 1960). Tese de Doutorado. UFSC: Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas, 2009.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Vol.1: Neurose. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007. p.141.
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na imprensa: uma leitura a partir das páginas de O Cruzeiro, Cláudia e
Nova (1960/1970). In: FUNCK, Susana B.; WILDHOLZER, Nara (orgs.).
Gênero em discursos da mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz
do Sul: EDUNISC, 2005.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Propaganda e História: antigos problemas, novas questões. Projeto História, São Paulo, (14), fev. 1997, p.92.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In: ______. (org.)
Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.
268
A publicidade e seus corpos punidos. A reação da
propaganda em oposição ao discurso publicitário da
ditadura dos Corpos Ultramedidos.
Selma Felerico
Introdução
O corpo que exorbita é
o corpo espetacular
das imagens mídias.
Lucia Santaella
O texto propõe uma reflexão sobre as transformações e significações do corpo na contemporaneidade – geradas pela desenfreada obsessão das mulheres em obter um corpo magro – e a reação da sociedade, com propagandas em oposição à ditadura da magreza. Trata-se de
uma pesquisa de caráter teórico e sua aplicação a um corpus definido,
baseada em diversos autores como: David Le Breton, Denise Bernuzzi
Sant’Anna, Jean Baudrillard, Joana Novaes, Mirian Goldenberg, Michel Focault, Nizia Villaça, Tânia Hoff e Wilton Garcia, entre outros,
no que se refere à compreensão do corpo e da mídia, bem como no entendimento de conceitos sobre beleza e bem estar. Para tal análise fez-se necessário um levantamento documental de anúncios publicitários
que tem como tema central combater a anorexia e a bulemia feminina.
Constata- se que a propaganda provoca a reação da sociedade por meio
de movimentos prós e contras suas campanhas publicitárias.
Noções sobre a sociedade terapêutica, da abundância e do consumo
Meu corpo inventou a dor
A fim de torná-la interna.
Carlos Drumond de Andrade
A significação da sua existência é uma decisão própria do indivíduo e não mais uma evidência cultural, afirma Le Breton (2007). O
corpo é o símbolo principal de si mesmo. Portanto é necessário construí-lo com medidas extremas! “Seu proprietário, com olhos, fixos nele
mesmo, cuida para torná-lo seu representante mais vantajoso. As con-
269
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
dições sociais e culturais dos indivíduos certamente matizam essa consideração” (LE BRETON, 2007, p. 31). Para o autor, o corpo representa a principal estrutura simbólica entre todas as outras, tornando-se
uma escrita altamente reivindicada e fundamentada no imperativo de
se transformar, de se modelar e de se colocar no mundo.
“O corpo tornou-se um empreendimento a ser valorizado da
melhor maneira possível à mercê de seus sentimentos estéticos. O
selo do domínio é o paradigma da relação com o próprio corpo no
contexto contemporâneo” (LE BRETON, 2007, p. 31-32). Para o indivíduo é essencial administrar seu corpo, como são gerenciados seus
outros patrimônios, e dos quais a apresentação estética deste corpo
se aproxima cada vez mais.
Segundo Baudrillard (2005) o princípio da propriedade privada aplica-se também ao corpo, à prática social e a representação imagética que dele se tem ideia. As estruturas de produção e de comércio
induzem o sujeito a uma dupla prática do seu próprio corpo: como
capital e como fetiche (ou objeto de consumo).
Em tal cenário, o papel reservado às indústrias da beleza é o de garantir a materialidade da tendência de comportamento que – como todo traço comportamental e/ou simbólico
no mundo contemporâneo – só poderá existir, se contar com um
universo de objetos e produtos consumíveis (Castro, 2003, p.
109). Em função disso, multiplicam-se as academias, os spas, os
centros estéticos, as clínicas de embelezamento, os tratamentos fisioterápicos técnicas de ginástica, no alongamento, relaxamento e outras tantas novidades que não cessam de surgir.
(SANTAELLA, 2004, p. 128).
O corpo longe de ser negado ou omitido, necessita ser construído (tanto no sentido econômico como na concepção psíquica do termo)
com muita determinação. A saudabilidade e a beleza, é que orientam
a redescoberta e o consumo do corpo.
A beleza tornou-se para a mulher um imperativo absoluto e religioso. Ser bela deixou de ser efeito da natureza e
suplemento das qualidades morais. Constitui a qualidade fundamental e imperativa de todas as que cuidam do rosto e da
linha como sua alma. Revela-se como signo de eleição ao nível
do corpo – no industrial, é a intuição adequada de todas as vir-
270
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
tualidades do mercado. Signo, portanto, de eleição e salvação:
a ética protestante não anda longe. A verdade é que a beleza
constitui um imperativo tão absoluto pelo simples fato de ser
uma forma do capital... A beleza reduz-se então a simples material de signos que se intercambiam. Funciona como valor/ signo.
Pode, portanto, dizer-se que o imperativo da beleza é uma das
modalidades do imperativo funcional – o que vale tanto para os
objetos como para as mulheres (e os homens) – sendo que toda
a mulher se tornou esteta homóloga do designer ou do estilista
na empresa (BAUDRILLARD, 2005, p.140 - 141).
Para Baumann, em Vida para consumo (2008), a “sociedade de
consumidores”, promove e estimula a escolha de um estilo de vida e
uma estratégia existencial hiperconsumidora, que rejeita todas as outras opções culturais. A estética corporal é privilegiada como o maior
bem de consumo. Ela não faz distinções entre idade, sexo ou classe
social. Todos são condicionados a responder aos apelos publicitários,
que apresentam soluções de praticidade, de sucesso e de felicidade.
Os consumidores são bombardeados por mensagens e sugestões de
que precisam se equipar com um ou mais produtos se quiserem alcançar a posição social desejada e manter a autoestima. Caso contrário, os indivíduos, de todas as idades e classes sociais irão sentir-se
inadequados, deficientes e abaixo do padrão aceitável de beleza. “A
sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua
a não-satisfação de seus membros (BAUMANN, 2008:64)”. E o consumo é a motivação que acelera o desenvolvimento da humanidade.
Agora, a troca das mercadorias envolve a troca de
imagens e de experiências corporais em um nível qualitativamente diferente em relação ao passado: tudo gira em redor
do corpo (...) o próprio ato de troca pode ser descuidado para
desenvolver e encorajar consumos e consumações voyeuristas
(CANEVACCI ,2001, p. 239-240).
O corpo, tão ovacionado na contemporaneidade, encontrou no
consumo um estilo de vida saudável e hedonista, em uma sociedade
terapêutica ( BAUDRILLARD, 2005, p.177-178), que se ocupa continuamente do corpo e que considera o indivíduo um paciente virtual,
sendo necessário crer que o corpo está doente e que deve ser tratado
com produtos e serviços ideais para a sua saúde. Os anunciantes se
consideram os missionários do bem-estar e da prosperidade geral e
271
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
para eles, o consumidor tem necessidade de ser consolado. Alguém
tem que zelar por ele. A publicidade tem como objetivo alimentar o
mito desta sociedade doente, mais sob o ponto de visto funcional que
orgânico. É com satisfação e otimismo que os produtos são apresentados com a tarefa de curar os corpos da sociedade.
A ideologia de uma sociedade que se ocupa continuamente do indivíduo culmina na ideologia da sociedade que trata a
pessoa como doente virtual. De fato, torna-se necessário acreditar que o grande corpo social se encontra muito doente e que os
cidadãos consumidores são frágeis, sempre à beira do desfalecimento e do desequilíbrio para que em toda a parte, junto dos profissionais, nas revistas e nos moralistas analistas, se empregue
o seguinte discurso “terapêutico (BAUDRILLARD, 2005, p. 177).
Nessa sociedade adoentada, o indivíduo busca aprimorar seu
desempenho, engolindo suplementos alimentares e consultando médicos de diversas especialidades, para remediar os seus hábitos de
vida e gerar novas práticas de consumo. Urge reeducar a alimentação, reduzindo a ingestão de gorduras, sal, calorias, entre outros e ingerindo medicamentos anunciados, ironicamente, em nome da saúde.
O corpo é o grande espetáculo que o homem pode apresentar a
sociedade. ”Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação (DEBORD, 1967, p.13)”. O corpo-espetáculo, excessivamente
exposto, é dilacerado em imagens que se confundem no imaginário coletivo. Assim como os produtos têm um ciclo de vida, os corpos também
se mantêm por pouco tempo na mídia. “Há uma obsessão pela novidade: corpos aparecem e desaparecem. A banalização e o desgaste, decorrente da repetição da mesma informação, resultam em esquecimento”
(HOFF, 2005). O embelezamento representa mais do que acabar com a
feiúra, ele busca retardar o envelhecimento, a negação da morte.
Numa tentativa de autovalorização, o mundo das aparências criado pelos sistemas da moda e da publicidade se apropria da permanência do objeto artístico, fazendo constante referência e buscando inspiração em obras de artes consagradas. No
entanto, tais esforços não conseguem sobreviver ao imediatismo
de uma sociedade que se rende aos fenômenos midiáticos. A necessidade de se expor em conformidade com os padrões corporais
de momento, busca sua validação em representações de mitos televisivos e imagens que são efêmeras ao extremo, caracterizando
272
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
assim a obsolescência do corpo, que passa a estar em constante
necessidade de atualização (BARATA, 2004, p. 392).
A publicidade, a moda e seus corpos doentes
A abstinência proporcionava a sensação de
ser mestre, e não escravo, do corpo.
Mary Del Piore
O ineditismo disputa o mercado diariamente. Surgem novas
estilos, velhas gerações se aposentam. Fazer parte de um grupo ou de
uma tribo sem ser confundido, é condição primordial, principalmente
em grandes centros urbanos. “É necessário conseguir marcar o traço
da coletividade: grau de pertença que indica o lugar do enunciado.
Diante disso, deve-se apurar a onda da moda (GARCIA, 2005:70).”
Para Gontigo (2002), a construção de uma identidade social feminina
registra e decodifica marcas sociais que se exprimem por meio de
diferentes valores estéticos e incorporamA moda passou não só a ditar o que vestir, mas também que
corpo exibir. Cada vez mais o discurso mercadológico da indústria da
beleza ganha espaço na mídia. Não se encontra mais um físico típico
da mulher local ao folhear uma revista ou zappear a televisão. Nota-se um padrão feminino de medidas ultramedidas, decodificados em
cabelos, roupas e acessórios, que se confundem mundialmente.
A partir do século XXI, com a aceleração do processo de globalização, as mercadorias de diversos países passaram a ser trocadas facilmente, surgindo assim necessidade de criar um corpo único, livre de
formas étnicas, valores culturais e normas sociais que formem o padrão
de beleza de cada país, ou de cada cultura. O tema corpo na sociedade
atual mistura-se ao universo do consumo e movimenta o mercado, propiciando a venda de inúmeros produtos. Surgem novos corpos continuamente. Esta multiplicidade de representações na publicidade sugere
que: o imaginário do corpo brasileiro se transforma, nos vários períodos
da sociedade, significações ganham re-significações, mas não são eliminadas e a linguagem da propaganda brasileira revela as representações
do imaginário do corpo feminino, retrata a identidade cultural da sociedade e reconta a nossa história. Privilegia-se a aparência como um fator
fundamental para o reconhecimento social do indivíduo.
273
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
De fato, a prevalência da aparência é, de um lado, uma
realidade (um conjunto de realidades) suficientemente verificada para que seja levada a sério. E, de outro lado, uma
constante antropológica que se encontra em lugares e tempos
diversos. Isso também é preciso lembrar. A teatralidade (espetacularização) dos corpos que se observa hoje em dia é apenas
a modulação dessa conduta: a forma esgota-se no ato, é uma
eflorescência, basta-se a si mesma. Inúmeros são os domínios
onde isso é observável. Nos que fazem disto profissão, com certeza: da moda à publicidade, passando pelas diversas imagens
midiáticas (MAFFESOLI, 1996, p.155).
Cada indivíduo é reconhecido por seu sucesso corporal e considerado responsável (ou culpado) por sua juventude, beleza e saúde:
só é feio quem envelhece e não se cuida. Todos devem descobrir em
si mesmo a sua imagem atraente. As suas imperfeições devem ser
tratadas e corrigidas. “O corpo torna-se capital, cercado de enormes
investimentos (de tempo, dinheiro, entre outros). O corpo “em forma”
se apresenta como um sucesso pessoal, ao qual qualquer homem ou
mulher deve aspirar “ (GOLDENBERG E RAMOS, 2002, p. 9). Para
a autora tornou-se o “corpo-capital”. E constata que atrizes e modelos
adquiriram status de celebridade, na última década.
... mulheres adquiriram status de celebridade na última década e passaram a ter uma carreira invejada (e desejada) pelas
adolescentes brasileiras. Ganharam um “nome”, a partir de seu
capital físico. O corpo, no Brasil contemporâneo, é um capital,
uma riqueza, talvez a mais desejada pelos indivíduos das camadas médias urbanas e também das camadas mais pobres,
que percebem seu corpo como importante veículo de ascensão
social. É fácil perceber que a associação “corpo e prestígio” se
tornou um elemento fundamental da cultura brasileira (GOLDENBERG, 2007, p.12 e 13).
Os meios de comunicação sempre colaboraram com essa preocupação corporal identitária, e de acordo Sant’anna (2005), durante décadas até os anos 50, muitos conselhos estéticos foram criados
por homens. Em sua maioria, médicos e escritores moralistas, para
quem a aparência feminina deveria revelar uma alma pura, condição ideal para manter o corpo limpo, belo e fecundo. Para a autora,
as décadas de 50 e de 60 representaram um período de transformações aceleradas na história do embelezamento brasileiro, com a
274
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
ampliação do mercado de produtos industrializados ligados à higiene e aos cuidados pessoais, iniciando uma verdadeira batalha, uma
luta pessoal contra a feiura. Clarice Lispector, com o pseudônimo
de Helen Palmer, também, foi uma mentora feminina e no dia 14 de
setembro de 1959 publicou no Correio da Manhã:
Viver mais... E ser mais jovem.
Mas você pode conservar-se jovem, por muitos e muitos
anos. A mocidade é uma atitude positiva. Não é fugindo da velhice,
tentando fingir que não a sente nem a conhece, que a evitamos.
Mas enfrentando-a com as armas da inteligência e do bom tempo. Como? Agindo assim: – Não cultive lembranças desagradáveis.
Não se abandone à inatividade, ausente de vida e seus problemas. _Cuide de sua alimentação, que ela seja rica em proteínas,
racional, excluindo dela, o mais possível, as gorduras, o álcool, os
alimentos que provocam prisão de ventre e engrossamento de sangue. – Apresente-se fisicamente bela, dentro das condições de mulher vivida e não se ridicularizando fantasiada de jovem de vinte
anos. – Cultive o bom humor e a alegria de viver. (LISPECTOR
apud NUNES, 2008, p. 61).
As revistas femininas têm papel fundamental na vigilância e
na reconstrução do corpo da mulher, privilegiando o controle corporal
em diversas publicações, com títulos imperativos formados por frases
em que dieta, controle de peso, sacrifício e fome são palavras comuns
nas capas, como por exemplo: “Atire a primeira balança quem nunca
passou por esta situação. Dez entre Dez mulheres perdem o sono
por causa do peso (Boa Forma, edição nº 390, março/06)”; “Em vez de
brigar com a genética, invista nas áreas sobre as quais tem poder de
transformação” (Nova, edição nº 395, agosto/06); “É pecado ser bonita? Cuidado com os mitos que levam à autosabotagem. Você alimenta
algum deles?” (Nova, edição 405, junho/07).
Já a Boa Forma tem uma sessão permanente, denominada “Eu
consegui”, que mensalmente traz matérias como: “Emagreci devagar,
mas aprendi a comer direito” (edição nº 254, julho/08); “Abandonei a
junk food e emagreci” (edição nº 253, junho/08); “Emagreci com a Dieta
do K” (edição nº252, maio/08); “Controlei o efeito sanfona com a ajuda de
uma nutricionista” (edição nº 251, abril/08); “Fiz dieta trabalhando em
restaurante” (edição nº 250, março/2008); “A vontade de usar piercing
275
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
me fez emagrecer” (edição nº 249, fevereiro/08); Controlei a compulsão
alimentar com atividade física” (edição nº 247, dezembro/2007); “O spinning me ajudou a secar 15 quilos” (edição nº244, setembro/2007); “Um
biquíni novo me ajudou a emagrecer” (edição nº242, julho/ 2007); “Só
emagreci depois que me chamaram de gorda” (edição nº 240, abril/07);
“Troquei o chocolate pelo prazer de usar p.” (edição nº 237, janeiro/07).
São manchetes que estabelecem a disciplinarização corporal em nome
da beleza e que esta seja uma obrigação para as mulheres.
Deve-se lembrar que a privação alimentar é a punição mais conhecida para que o físico se aproxime da alma, considerada a salvação
do homem, segundo a historiadora Mary Del Priore (2006), desde a
Idade Média. Havia os que jejuavam à base de pão e água – em alguns
casos passavam dias somente bebendo água; os que ingeriam líquidos
fétidos e os que engoliam somente as hóstias consagradas. A abstinência proporcionava a sensação de ser mestre, e não escravo, do corpo. No
século XXI, uma forma de privação tornou-se conhecida na mídia e tem
presença cativa no mundo da moda: a anorexia. “Ela é observada como
um modo de expressão da dor, com sua linguagem própria e gramática
corporal recém-percebida pelos médicos” (DEL PRIORE, 2006, p. 13).
As dietas e a magreza começaram a ser preocupações femininas quando as mulheres ocidentais receberam o direito do
voto em torno de 1920, entre 1918 e 1925, a rapidez com a qual a
nova forma linear substituiu a forma mais cheia de curvas é surpreendente. Na regressão dos anos 50, por pouco tempo as formas
cheias naturais à mulher puderam ser apreciadas mais uma vez,
porque as mentes dessas mulheres estavam ocupadas na reclusão
doméstica. No entanto, quando as mulheres invadiram em massa
as esferas masculinas, esse prazer teve de ser sufocado por um
dispositivo urgente social que transformaria os corpos nas prisões
que seus lares já não eram mais. (WOLF, 1992, p. 244).
Além da mídia, a moda também fez dos corpos magérrimos
o ideal do imaginário feminino e somente no século XXI passou
a dar mais atenção à anorexia nervosa, problema que há muito
rondava as passarelas. “O aumento significativo do número de pacientes com Anorexia Nervosa nas últimas décadas leva a pensar
numa verdadeira “epidemia” do transtorno alimentar” (WEINBERG; CORDÁS, 2006, p. 17).
276
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Gordon et Al. (1989) dão especial atenção ao relacionamento entre os pais e a anorexia dos filhos ou mais especialmente, das filhas. Acreditam que além da pressão pela magreza, das questões da puberdade e da adolescência, o fator mais
importante, com consequências corrosivas para a menina, seria
o modo como os pais se comportam frente aos papeis masculino
e feminino, particularmente em como o papel da mulher é manifestado nesse relacionamento... Os autores sugerem padrões
de perfeccionismo e autosacrifício da mãe, combinado com uma
postura paterna de indiferença, que faz com que a maturidade sexual se transforme em algo particularmente ameaçador,
especialmente nas meninas. Sob uma solicitude e deferência
aos outros, particularmente ao seu mando, é possível perceber
na mãe uma impaciência e ressentimento que não são expressados. Frequentemente esta mulher é casada com um homem
que é incapaz de receber. Este mando mostra sua desconfiança
pelas mulheres desvalorizadas e exigindo deferência e lealdade
inquestionáveis de sua esposa e filhos. No entanto, a intensa
lealdade dessa mãe e filho, assim como a ênfase familiar na
fachada de harmonia e solidariedade, impede que essa menina
questione abertamente o comportamento da mãe, assim como a
identificação com sua mãe impede que ela questione o comportamento do pai. (WEINBERG; CORDAS, 2006, p. 92).
Sant’anna (2005) questiona se amamos ou aceitamos os obesos, pois assistimos hoje a um discurso que pouco privilegia as grandes silhuetas. Segundo a autora, em algumas culturas a magreza
torna-se próxima do antigo imaginário da higienização e da pureza,
constituído pela obsessão diante da transparência e o repúdio à acumulação, um fascínio pela superficialidade e a praticidade. “Nelas,
o corpo magro evoca uma economia de tempo para quem o aprecia:
olha-se mais rápido um magro do que um gordo, diria um desses padres ou cientistas fascinados por higiene” (SANT’ANNA, 2005, p. 23).
No Brasil, essa preocupação estabeleceu-se também. De acordo com uma pesquisa nacional (2010), as jovens magras preferem
perder mais peso para conquistar um corpo considerado ideal. Foram
aplicados 2.442 questionários, por estudiosos da Universidade de São
Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),
junto a estudantes de 37 universidades do país. Além de constatar
que 64,2% das jovens estão insatisfeitas com a aparência, o estudou
mostrou que o padrão almejado não é o saudável e sim o magro.
277
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Quando as pessoas falam que eu estou muito magra,
eu considero um incentivo para tentar emagrecer ainda mais”,
confirma a estatística a estudante de São Paulo, Livia Riboldi
Silva, 23 anos, 1,69 de altura e 51 quilos, índice já considerado
“muito magro” para a altura. “Controlo alimentação, faço exercício físico e acho que vou morrer fazendo dieta. No fundo, todo
mundo é assim,” diz a jovem que agora não quer “secar” mais,
porém, sempre passa longe do bolo de chocolate1.
Os resultados do padrão comportamental revelam que a situação não é nada confortável para a saúde das mulheres brasileiras.
Entre as pesquisadas, 26% têm comportamento de risco para o transtorno alimentar, que inclui fazer dietas quando o peso é proporcional à estatura, fazer críticas constantes a
alguma parte do corpo e diminuição gradativa das atividades
sociais. “Reunimos várias outras pesquisas também feitas com
universitárias de outras partes do mundo, e o maior índice de
comportamento de risco que encontramos foi no Paquistão e nos
Estados Unidos. Em ambos, a taxa foi de 20%”, completa a especialista – Marle Alvarenga, nutricionista da USP2.
A obsessão com o corpo ultrapassa o limite da vaidade e tem
forte impacto nas práticas sociais e na saúde do país.
As jovens podem deixar de frequentar praias, piscinas,
festas, locais com outras pessoas e até fazer exercícios com
medo da exposição. Elas podem até limitar a vida sexual, ficar
anêmicas e desenvolver problemas de saúde, completa Marle
Alvarenga 3
Deve-se reconhecer que alguns movimentos em favor da saúde
das mulheres têm ocorrido, mas ainda ocupam um pequeno espaço no
calendário do mundo fashion. Em setembro de 2007, cinco modelos
tiveram suas participações vetadas em Madri, por causa do peso. Elas
Depoimento de uma estudante na pesquisa citada. Disponível em:<http://www.tvcanal13.
com.br/ noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373.asp>. Acesso
em: 20 de junho de 2010.
1
2
Uma das autoras da pesquisa. Disponível em: <http://www.tvcanal13.com.br/noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373.asp>. Acesso em: 20 de junho de
2010.
3
Disponível em: <http://www.tvcanal13.com.br/noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373.asp>. Acesso em: 20de junho de 2010.
278
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
tinham um Índice de Massa Corpórea (IMC)4 inferior a 18, sendo que
o ideal equivale a cinquenta e seis quilos para 1,75 cm de altura. Já
na Inglaterra, as modelos devem apresentar um atestado médico para
comprovar que não sofrem de distúrbios alimentares, segundo uma recomendação do Conselho de Moda Britânico. No entanto, o relatório do
Inquérito sobre a Saúde das Modelos, iniciado em março de 2007, não
chega a recomendar a proibição das chamadas modelos tamanho zero
(o equivalente ao tamanho 32 para adulto no Brasil) nas passarelas.
Durante a Semana da Moda, em Milão, em setembro de 2007,
uma campanha publicitária italiana, criada pelo fotógrafo Oliviero
Toscani – conhecido por suas propagandas polêmicas para a marca
Benetton nos anos 80 e 90, com imagens marcantes e inquietantes,
abordando temas como Aids, guerra e racismo, entre outros – chocou
modelos e estilistas europeus. Nas ruas, um outdoor estampava uma
modelo nua, pesando apenas 31 quilos, com o título “Não Anorexia”.
Segundo Toscani (2007), a campanha foi um marco na publicidade
da moda européia, poucos anunciantes têm a coragem de fazer uma
mensagem tão agressiva. Para o fotógrafo, pode-se fazer algo interessante e tirar vantagens econômicas ao mesmo tempo. A publicidade
contou com o aval do Ministério da Saúde, pois cerca de dois milhões
de italianos sofrem de anorexia e bulemia. Porém, após uma semana
de veiculação nas ruas, o outdoor foi retirado, com o argumento de
que a imagem agredia sociedade. O principal jornal da Itália – Corriere Della Sera – se recusou a publicar a foto. Na França, os outdoors foram vetados. A justificativa era de que a imagem era imoral.
A magérrima modelo do outdoor lembra um corpo cavernoso: “Como
metáfora do corpo, a caverna grotesca tende a se parecer (e, no sentido metafórico mais grosseiro, identificar) com o corpo feminino anatomicamente cavernoso” (RUSSO, 2000, p.13).
Em 2006, o governo italiano, a Federação da Moda italiana e
a Associação Alta Moda - que reúne os estilistas italianos que apresentam suas coleções em Roma e Milão - adotaram o chamado “Manifesto antianorexia”, a fim de impor um modelo de beleza saudável,
4
O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma fórmula que indica se um adulto está acima do
peso, se está obeso ou abaixo do peso considerado saudável. A fórmula para calcular o índice é:
IMC = peso/ (altura)2, sendo considerado pela Organização Mundial da Saúde o limite mínimo
de peso 18; peso normal, entre 18,5 e 25; acima do peso: 25 e 30; e obeso acima de 30.
279
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
generoso e mediterrâneo, que proíbe contratar modelos menores de
16 anos, estabelecendo ainda que as candidatas apresentem certificados médicos sobre a não existência de problemas alimentares.
Outras mensagens dessa natureza foram feitas no século XXI
e merecem ser citadas nesse trabalho, como uma campanha sueca
de 2006, idealizada pela Organização contra Anorexia e Bulimia da
Suécia, ao mostrar de uma forma realista o problema da anorexia.
Serve também de alerta para quem sofre da doença, mas ainda não
buscou tratamento. O filme publicitário, exibido na MTV sueca, traz
o depoimento trágico de uma modelo anoréxica, olhando-se no espelho e se vendo cada vez mais gorda. A garota realmente sofre de
anorexia e sua participação no vídeo fez parte da sua terapia para
a recuperação. Mais uma vez, a imagem sinaliza um corpo grotesco e cavernoso, metaforicamente resignificado em um esqueleto. Ele
encontra-se a mercê do Outro do espelho que, de forma imperativa,
revela à modelo uma jovem gorda, fértil e provedora, que não mais
representa a feminilidade da mulher.
A anatomia aqui tem um valor de destino... Apenas sua
presença já gera um incômodo, uma desordem na situação das
interações sociais mais comuns. O emaranhamento fluido da palavra e do corpo, da distância e do contato com o Outro depara
com a opacidade real ou imaginária do corpo e suscita um questionamento angustiado sobre o que convém ou não fazer. (LE
BRETON, 2007, p. 87).
Há também um anúncio tcheco, veiculado em 2007, intitulado
Perfect girl. Treat with Caution, low durability – “Garota perfeita.
Trate com cuidado, curta durabilidade” – que tem como imagem a
figura da boneca Barbie magérrima, com uma aparência de anoréxica dentro de um esquife rosa. Essa boneca foi chamada de Anabell,
dando nome a uma organização tcheca de apoio às pessoas com distúrbios alimentares, como bulimia – doença em que a pessoa força o
vômito após as refeições – e anorexia – quando o indivíduo deixa de
comer por achar-se obeso. A Perfect Girl reproduz as consequências
de se adotar os padrões estéticos de magreza extrema. Sem glamour,
a boneca simboliza a expulsão da beleza do corpo feminino. A fome
hoje é um texto de cultura a ser aprendido pela fêmea desde cedo.
280
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Criadas para competir, desde as suas recordações da mais
tenra infância, elas associarão a feminilidade com a privação. A
fome já está sendo erotizada para as meninas de hoje como uma
porta para a sexualidade adulta. (WOLF, 1992, p. 286).
Em janeiro de 2009, com o objetivo de divulgar o trabalho de apoio
e tratamento para mulheres que sofrem de bulimia, foi criada uma peça
publicitária para banheiros femininos de bares, universidades e colégios
na Alemanha. A ideia é alertar as jovens, que provocam o vômito para
manter a forma, que a bulimia tem cura. Foram colocados adesivos estilizados, em forma de vômito rosa, divulgando a ProMaedchen de Dusseldorf5. “A anorexia, a bulimia e as fixações na ginástica descarregam e
amortecem a frustração da claustrofobia que acompanha a triste conscientização pela garota de que o mundo não é como ela imaginara e o
que ela acabara de herdar está fechado” (WOLF, 1992, p. 87).
Para concluir essa série de campanhas contra a anorexia, a Magersucht6 – ONG alemã – enviou para grandes nomes do mundo fashion
um cinto rosa, com quatro furos sinalizando as estações: primavera, verão, outono e inverno. O penúltimo furo, em forma de cruz, é uma alusão
à magreza exagerada promovida pela indústria da moda. Também consta um folheto explicando como a moda pode influenciar no aparecimento
de doenças como a bulimia e a anorexia. A ideia não foi bem recebida
pelas celebridades, mas ganhou grande repercussão na mídia alemã.
O valor da informação saudável tornou-se um poder contraditório sobre o corpo. Segundo Weinberg e Cordás (2006), a divulgação de doenças relacionadas com os transtornos alimentares pode ter
efeitos diversos. E tais transtornos parecem ter invadido as camadas
economicamente mais desfavorecidas da população. “Os dados mostram que, pelo menos no Brasil, cresce o número de pacientes com
transtornos alimentares entre a população de baixa renda, inclusive
entre meninas das classes elevadas” (GONZAGA; WEINBERG, 2005
apud WEINBERG; CORDÁS, 2006, 102).
É um programa voluntário, sem fins lucrativos, na Alemanha, com o intuito de incentivar a
autoajuda para adolescentes e mulheres. Disponível em: <http://www.promaedchen.de/>. Acesso em: 20 de maio de 2009.
5
Associação com um projeto voluntário de incentivo à autoajuda para pacientes e seus familiares, fornecendo informação sobre transtornos alimentares. Disponível em: <http://www.
magersucht.de>. Acesso em: 22 de abril de 2009.
6
281
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Em 1997, Carter, avaliando um programa de prevenção
em transtornos alimentares aplicados em escolas, cujo objetivo
era a redução da restrição alimentar, concluíram que o programa apresentou resultados surpreendentes. Inicialmente constatou-se não só um aumento no conhecimento do transtorno,
como também uma diminuição dos comportamentos dietéticos.
No entanto, esses efeitos tiveram curta duração, uma vez que no
acompanhamento efetuado seis meses depois foi detectado um
aumento na restrição alimentar, se comparado com os dados de
base. Esses achados sugerem que a intervenção foi contraproducente, já que levou a um aumento na restrição alimentar. Isto
significa, segundo os autores, que programas de prevenção nas
escolas podem causar mais danos do que benefícios. O resultado
obtido foi exatamente o oposto do que esperavam conseguir e é
causa de preocupação, dado que dieta entre meninas adolescentes aparentemente aumenta o risco do desenvolvimento de um
transtorno alimentar. (WEINBERG; CORDAS, 2006, p. 103).
Enfim, são mensagens que merecem um olhar atento da sociedade. “Impotentes para suportar as faltas, os sujeitos caem no desespero, na tristeza ou se entregam às compulsões. O tempo é o da
urgência, e a única saída é “emagrecer rapidamente” – a espera virou
sinônimo de desespero” (NOVAES, 2006, p. 61).
Concluindo os corpos em oposição
Meu corpo apaga a lembrança
Que eu tinha de minha mente.
Carlos Drumond de Andrade
A linguagem da propaganda brasileira revela as representações do corpo no imaginário feminino, retrata a identidade cultural da sociedade e reconta a nossa história. Muitas vezes ela
constrói o corpo padrão a ser seguido pelas mulheres e pensado
nessa ditadura imposta ao corpo.
Os padrões de beleza são tão imperiosamente obedecidos que, por mais que variem as mulheres fotografadas, nas
imagens, todos os corpos se parecem. O que se apresenta aí
é o corpo homogeneizado como lugar de produção de signos:
o mesmo olhar sob o mesmo tipo de maquiagem, os mesmos
lábios enxertados como manda o ideal de sensualidade do
momento, o mesmo tamanho de sorriso, as mesmas poses, a
282
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
onipresença da quase nudez, a nudez sem estar na nua, somo
se estivesse. (SANTAELLA, 2004, p. 129)
O imaginário do corpo brasileiro se transforma, aparecem significações e novas práticas culturais. São textos que tem no corpo
signos representativos da cultura contemporânea.
As imagens dos corpos imaculadamente lisos e sem defeitos interpela-nos pelos quatro cantos: nas capas de revistas
e seus interiores, nos outdoors, nos programas televisivos e suas
publicidades que os acompanham, nas telas do cinema, enfim, são
corpos que nos espreitam para saltar diante do nosso olhar em todos os lugares. É tal a força subliminar dessas imagens que, mesmo quando se tem consciência do poder que elas exercem sobre o
desejo, não se está livre de sua influência inconsciente.
A mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos, massificou a paixão pela moda e tornou a aparência uma
dimensão essencial na sociedade do espetáculo. Para muitos especialistas, a mídia pode ser considerada uma vilã. Mas é preciso reconhecer que a mídia também é a principal responsável pela exposição dos
problemas relacionados a manter uma vida saudável e bem como os
transtornos alimentares para toda a sociedade, inclusive em camadas de níveis socioeconômicos mais baixos.
Deve ser reafirmada a hipótese levantada no inicio deste projeto: a propaganda provoca a reação da sociedade por meio de movimentos prós e contras suas campanhas publicitárias.
Entre os cobiçados modelos exibidos e o corpo vivo – corpo
sujeito à fadiga, ao suor, ao cheiro, aos entreveros do cotidiano, à
dor, aos circuitos incompreensíveis das pulsões, aos solavancos das
paixões e à opacidade do desejo – abre-se um fosso do qual emerge
o corpo como sintoma da cultura. (SANTAELLA, 2004, P. 131).
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285
Semiótica da Cultura no Varejo de
Supermercado de Rede
Desire Blum Menezes Torres
Resumo
Com a chegada do autosserviço, promoveu-se uma ruptura na comunicação interpessoal e o momento de ir às compras condicionou as pessoas ao encontro não com o outro, mas com as mercadorias. O presente artigo tem o objetivo de analisar aspectos da semiótica
da cultura, com base na mestiçagem cultural, nos supermercados de
rede nacional e estrangeira, tendo como foco a comunicação destinada
ao público consumidor. A metodologia deste trabalho se baseia em um
estudo exploratório. A característica da investigação para o conhecimento da realidade refere-se a um estudo qualitativo, direcionado a
demonstrar e interpretar o objetivo proposto. Os métodos de análise
consistem na observação empírica e no registro fotográfico, tendo como
base os autores Latour, Canevacci, Ferrara e Rennó, que conduzem a
análise da cultura urbana sob o ponto de vista da observação da imagem. A linguagem do supermercado de rede prioriza o contexto econômico e exclui o fator social, a memória do espaço, o entorno urbano e as
relações sociais de troca, caracterizando-se como um Não-lugar.
Palavras-chave: comunicação; supermercados de rede; semiótica da cultura; mestiçagem cultural.
Fronteiras Mestiças
Segundo Lotman (1996, p. 26) “La frontera del espacio semiótico no es un concepto artificial, sino una importantíssima posición
funcional y estructural que determina la esencia del mecanismo semiótico”. Funcionalmente, a fronteira define-se como “[...] un mecanismo bilingüe que traduce los mensajes externos al lenguaje interno
de la semiosfera y a la inversa.” (ibid., 1996, p. 26).
Nos centros urbanos, há limites que consistem em demarcações entre as fronteiras e os espaços, presentes, internamente, na
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cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
divisão em bairros e, externamente, na separação entre as cidades
próximas. Vemos, assim, que paralelamente aos limites há encontros
e, conseqüentemente, mesclas que dão origem aos traços mestiços da
população. Laplantine e Nouss (s/d, p. 82) comentam sobre a abrangência e a complexidade na conceituação da mestiçagem:
mestiçagem, que não é substância, nem essência, nem conteúdo,
nem sequer a forma que contém, não é, pois, em rigor, “alguma
coisa”. Ela só existe enquanto exterioridade ou alteridade, ou
seja, de um outro modo, e nunca no estado puro, intacto ou equivalente ao que fora anteriormente. Mas, não sendo identidade,
também não é alteridade, antes identidade e alteridade combinadas, intricada inclusive no que recusa a mistura e procura
torna-se distinto. Dito de outra forma, a mestiçagem não possui
nada de certeza do sentido nem do desespero do não-sentido. É
o sentido e o não-sentido entrelaçados.
O termo mestiçagem, segundo Gruzinski (2001, p.62), condiz
com “[...] as misturas que ocorrem em solo americano no século XVI
entre seres humanos, imaginários e formas de vida, vindos de quatro
continentes – América, Europa, África e Ásia”. Esse autor comenta
como esses encontros e mesclas surgem e promovem novos formatos
sociais, bem como suas interações com a cultura local.
Dessas novas interações apontadas por Gruzinski (2001), Pinheiro (1994, p. 46) destaca o aspecto intrínseco alojado nos processos
mentais nas civilizações presentes na América Latina, “[...] pois nosso
sistema neurossensorial é o lugar motriz do entrecruzamento das suas
contribuições, nos cinco sentidos e em todo o cérebro e corpo.” Por isso,
qualquer linguagem executada nesse território (comércio, gastronomia, arte, vestuário, arquitetura, paisagismo etc.) não resulta de uma
formação individual, e sim de composições de fatores convergentes e
eliminatórios, e também das particularidades de cada indivíduo. Visto
que um determinado contexto cultural ou a cultura de um indivíduo
resultam de “[...] combinações infinitas que podem ser produzidas fora
de nós, mas também em nós.” (LAPLANTINE; NOUS, s/d, p. 76)
Segundo Gruzinski (2001, p. 44), a mestiçagem na cultura tem
encontrado estrutura na sociologia “[...] sensibilizada pela mistura
dos modos de vida e imaginários [...]”. Pois, as mesclas que surgem
destes encontros, com o transpassar entre as fronteiras, promovem o
288
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
surgimento de uma nova linguagem, uma nova configuração. “Os elementos opostos das culturas em contato tendem a se excluir mutuamente, eles se enfrentam e se opõem uns aos outros; mas, ao mesmo
tempo, tendem a se interpenetrar, a se conjugar e a se identificar”.
(GRUZINSKI, 2001, p. 45). Gruzinski (2001, p. 320) sustenta que a
mestiçagem não é um estado excepcional das interculturas, promovendo o caos, mas, sim, que é uma condição constante de tais relações. “As mestiçagens nunca são uma panacéia; elas expressam combates jamais ganhos e sempre recompensados.” O sistema urbano é
semelhante à mestiçagem, com mesclas culturais de várias origens,
promovendo nesse ambiente um vasto território de linguagens.
Nesse vasto território, Barbero (2004, p. 20) aponta aspectos
da complexidade na mestiçagem cultural utilizando recursos de linguagem e cartográficos (crônicas e mapas), descreve fronteiras existentes, transponíveis, que se fundem e forma novas linguagens: “[...]
as demarcações entre mapa e crônica não estão claras e existe um
especial sabor que resulta dessa mistura [...]”.
Vemos, por esse enfoque, que o termo “mestiço” pode ser utilizado para traduzir as cidades. Ao transitar pela cidade é possível
perceber mesclas heterogêneas formadas nos encontros desses elementos, que se juntaram na formação de outro elemento – uma nova
linguagem, constituída de aspectos diversos e possíveis de serem lidos. Certeau (2005, p. 176), que também faz uso de mapas, explica os
processos de caminhar na cidade: “[...] reportar-se em mapas urbanos
de maneira a transcrever-lhes os traços (aqui densos, ali mais leves)
e as trajetórias (passando por aqui e não por lá).”
Lotman (1996) comenta o aspecto da tradução de um ambiente que pertence à semiosfera: “[...] todos los mecanismos de traducción que están al servicio de los contactos externos pertenecen a
la estructura de la frontera de la semiosfera. La frontera general de
la semiosfera se interseca con las fronteras de los espacios culturales particulares”. E que a penetração do externo no interno exige
“filtros adaptativos“: [...] la penetración de lo externo en lo interno,
a filtrarlo y elaborarlo adaptativamente” (p. 26). A cultura pelo caráter territorial é a proposta para a tradução do externo-interno
apresentada por Lotman, e a fronteira adquire, nesses contextos,
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cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
sentidos espaciais elementares, principalmente em regiões de acentuada diversidade cultural e formações de domínio, como nas cidades e no comércio de supermercados de rede.
Com base em Barbero (2004, p. 110), a cultura é a forma de
compreender as linguagens existentes. Para esse autor “[...] um novo
modelo de análise que coloca a cultura como mediação, social e teórica, da comunicação com o popular, que faz do espaço cultural o eixo
desde o qual encontrar dimensões inéditas do conflito e vislumbrar
novos objetos a pesquisar”. Barbero exemplifica a música como uma
forma de compreender a América Latina, constituída pela fusão da
música andina com a negra, mantendo características de ambas –
produzida, assim, por mestiçagem e não por abandono. Laplantine e
Nouss (s/d, p.25) comentam também sobre a característica intrínseca
das civilizações da América Latina, a mestiçagem:
As sociedades da América Latina, longe de serem animadas por uma lógica de ruptura e de pureza hostil à miscigenação,
constituem-se como prolongamento do Velho Continente e vão
criar sociedades de transição, aquilo a que poderíamos chamar
espaços intermediários entre os Índios, os Negros e os Europeus.
No espaço social o bairro carrega vários agrupamentos de linguagens e expressões culturais, “[...] território de lançamento da resistência e da criatividade cultural.” (BARBERO, 2004, p. 146). O bairro
tem, então, a função de “mediador” entre a esfera privada da casa e a
pública da cidade, “[...] proporcionando algumas referências básicas
para a construção de um “nós”, de uma “socialidade” mais ampla que a
familiar e mais densa e estável que a imposta pela sociedade” (p.147).
Já as cidades são constituídas pela junção de pessoas em um determinado território, e as suas divisões ou “fronteiras” por bairros vão sendo
concebidas conforme seu crescimento habitacional, industrial e comercial. Uma das formas de entender a cidade, segundo Delgado (2007,
p. 12) é a descrição de um espaço urbano que: “[...] genera y donde se
genera la vida urbana como experiencia masiva de la dislocación y del
extrañamiento, en el doble sentido del desconocimiento mutuo y de los
resortes siempre activados de la perplejidad y la estupefacción.”
A proliferação de emaranhados de relações citados por Delgado (2007, p. 12) é formada pelos “[...] usos, componendas, impostacio-
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
nes, rectificaciones y adecuaciones mutuas que van emergiendo a cada
momento, un agrupamiento polimorfo e inquieto de cuerpos humanos
[...]”. Um aspecto que sinaliza a complexidade existente nos espaços
urbanos é a perenidade na formação dos grupos e o outro é o distanciamento nas relações nas quais estão embutidos os significados de poder.
Ahí se mantiene una interacción siempre superficial, pero
que en cualquier momento puede conocer desarrolos inéditos. Espacio también en que os indivíduos y los grupos definen y estructuran sus relaciones con el poder, para someterse a él, pero también
para insubordinársele o para ignorarlo. (DELGADO, 2007, p. 15)
Os intercâmbios entre os participantes e os ambientes dão origem a novos textos, sendo possível que ”[...] no sólo relaciones de semejanza, sino también determinada diferencia” (LOTMAN, 1996, p. 32). Ou
seja, a reunião de fatores promove diferentes diálogos, formados tanto
da heterogeneidade como da homogeneidade de elementos. Os intercruzamentos entre as igualdades e as diferenças são componentes para a
criação de novas estruturas. O diálogo, segundo Lotman (1996, p. 42) é o
“[...] fundamento de todos los procesos generadores de sentido”.
Os diálogos existentes nas fronteiras das cidades requerem,
para a sua compreensão, além do ritmo da leitura, que se entenda o
ambiente urbano como “produtor e participante”, ou seja, emissor e
receptor da mensagem. A linguagem urbana é produzida por várias
formas de comunicação não verbal, sendo uma delas o formato das
suas construções. (FERRARA, 1998, p. 12). As cidades são formadas
de construções horizontais ou verticais, por causa de seus vários entornos: histórico, geográfico, climático, sociocultural, econômico e político.
Mas, em razão da escassez da espacialidade, fruto do crescimento da
concentração urbana, as edificações verticais têm predominado.
A característica urbana do texto não-verbal enfatiza sua
característica eminentemente espacial e antilinear, ou seja, é um
espaço dominado pelo pluriespaço, conseqüentemente da necessidade de criar espaço pela falta de espaço, e que caracteriza a cidade vertical em substituição à horizontal. (FERRARA, 1988, p. 12)
A formação do ambiente urbano não é pautada em estruturas
de projetos urbanísticos, mas em uma constante dialética autoadministrada. “El espacio urbano no es el resultado de una determinada
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cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
morfología predispuesta por el proyecto urbanístico, sino de una dialéctica ininterrumpidamente renovada y autoadministrada de miradas
y exposiciones”. (DELGADO, 2007, p.13-14) O planejamento urbano é
um aspecto relevante e necessário, mas não deve “enrijecer” as pessoas.
Ocasionalmente, surgem barreiras que impedem e inibem a expressão
e a locomoção nos espaços. Os movimentos do homem urbano passam
a ser padronizados, induzidos e controlados. “Las ciudades pueden y
debem ser planificadas. Lo urbano, no”. (DELGADO, 2007, p. 18).
Segundo Certeau (2005, p. 188), “[...] a própria relação das práticas do espaço com a ordem é construída. E em sua superfície, esta ordem se apresenta por toda parte furada e cavada por elipses, variações
e fugas de sentido [...].“ Vê-se então, em muitas situações, discursos
que prometem priorizar as condições de acesso do homem aos espaços da cidade, mas com práticas que favorecem as estâncias de grupos
com poder econômico e político. Como exemplos, temos as ruas que são
fechadas para a construção de condomínios fechados e estabelecimentos comerciais (shopping, redes de supermercados etc.), a extinção ou
redução do espaço das praças para a construção de ruas e avenidas, os
bairros que são fechados por canteiros ou têm suas ruas diminuídas
para impedir a circulação de caminhões e ônibus do transporte público.
Assim, é possível ver uma interface entre as variações que
produzem a linguagem expressa nos preenchimentos dos espaços urbanos: a dominação. Existe uma cumplicidade entre o dominador e
o dominado, que é um elemento importante para se entender os processos de comunicação existentes nos espaços urbanos. “Compreender a comunicação significa, então, investigar não só as argúcias do
dominador, mas, também, aquilo que no dominado trabalha a favor
do dominador, isto é, a cumplicidade de sua parte, e a sedução que
se produz entre ambos [...]” (BARBERO, 2004, p. 21). Certeau (2005)
reforça o que Barbero apresenta sobre o posicionamento adotado por
muitos “dominados”, tipificando os consumidores, que são bombardeados por apelos publicitários com ofertas de produtos que supram necessidades e desejos, geradores de consumos em excessos e desnecessários. Certeau, então, apresenta o outro lado desses consumidores:
[...] diante de uma produção racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção de
tipo totalmente diverso, qualificada como “consumo”, que tem
292
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
como característica suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas “piratarias’, sua clandestinidade, seu murmúrio incansável, uma suma, uma quase-invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por produtos próprios
[...] mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos.
(CERTEAU, 2005, p. 94)
Outra constatação de Barbero sobre a cidade é o fato de ela
não ser apenas “[...] um “espaço ocupado” ou construído, mas também
um espaço comunicacional que conecta entre si diversos territórios
e os conecta com o mundo” (p. 292). Ficam nítidas as relações existentes entre a comunicação e a cidade, que podem ser entendidas em
duas das três dimensões do campo da comunicação. O Território da
Cidade, em que se “[...] configuram novos cenários de comunicação
dos quais emerge um sensorium novo, cujos dispositivos-chave são a
fragmentação – não só dos relatos, mas da experiência, da degradação social – e o fluxo: o ininterrupto fluxo das imagens na multiplicidade de telas – de trabalho e ócio – enlaçados”; e o Espaço do Mundo
que se refere à extensão qualitativa ou quantitativa dos estados nacionais, transitando pelo internacional (político), e do transnacional
(empresa) ao mundial (tecnoeconomia). A terceira dimensão, o Tempo
dos Jovens, condiz com a dificuldade existente na conversa entre gerações. (BARBERO, 2004, p.37). Para Certeau (2005, p. 2002), o efeito
do espaço das cidades produz “[...] operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidades polivalentes de programas conflituais ou de proximidades contratuais”.
Assim, a abordagem da cultura na comunicação refere-se
a uma primeira desterritorialização, que Barbero (2004) conceituou de “o território da cidade”, e abre campo à pluralidade de
atores e suas dinâmicas. Na América Latina, destacaram-se duas
hegemonias: a norte-americana e a francesa. A literatura dedicada aos meios de comunicação de massa prioriza a demonstração da
“[...] qualidade, inegável, de instrumento oligárquico-imperialista
de penetração ideológica, porém quase não se ocupa de examinar
como são recebidas suas mensagens e quais os efeitos concretos
disso” (BARBERO, 2004, p. 215). O processo de urbanização na
América Latina evolui em três direções: 1) alcance de melhores
condições de vida para as maiorias; 2) implantação da cultura do
293
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
consumo vinda dos países centrais; e 3) adoção das novas tecnologias, conforme assinala Barbero. (2004, p. 282-283)
[...] As novas tecnologias da comunicação que exercem pressão
para uma sociedade mais aberta e interconectada, agilizam os
fluxos de informação e as transações internacionais, revolucionam as condições de produção e de acesso ao saber, mas ao mesmo tempo apagam memória, ameaçando as identidades [...]
Apesar dos “clássicos” terem entendido e aceitado que o caráter lúdico é um dos componentes de qualquer cultura, herdamos
“[...] uma concepção ascética que condenou o ócio como tempo do
vício, e uma crítica ideológica que confunde a diversão com a evasão alienante”. Esses conceitos foram gerados a partir da massificação e mercantilização de ambos, promovidos pela indústria
cultural. (BARBERO, 2004, p. 227).
O espaço urbano: supermercado de rede
Pode-se compreender esse preenchimento do espaço “como processo em constante convergência e conversão de significados, o uso não
se amolda a normas, estatutos ou códigos, mas é, antes, fala subversiva
e marginal pela maneira como preenche o espaço urbano de inusitados
significados e gera a imprevisibilidade de outros usos [...]”, algo que
não ocorre nos supermercados de rede. (FERRARA, 1986, p. 120)
Segundo Rennó (2002, p. 42), a organização dos espaços nos
supermercados obedece a certa padronização internacional e, por
isso, eles “vendem” uma imagem de higienização que vai ao encontro
de valores sociais considerados positivos, além de promover a idéia
de que estão sujeitos ao controle da sociedade. Ou, nas palavras da
autora: “o espaço higienizado dos supermercados, um exemplo típico
de arquitetura globalizada, reflete um sistema de valores que, em um
primeiro momento, oferece assepsia”, mas, em contrapartida, acarreta o empobrecimento do comércio e o esvaziamento das relações.
Os varejos de rede caracterizam-se por operar em mais de
uma loja, sob a mesma direção. Geralmente, a marca do estabelecimento é conhecida em várias regiões do país e, muitas vezes, até
no exterior, pelo fato de seus proprietários serem estrangeiros ou
mesmo pela abertura de filiais em outros países.
294
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Muito forte é o sentido do planejamento nos supermercados de
rede (desde as etapas de concepção até o seu funcionamento). Traço de
um sistema bastante prescritivo e previsível, principalmente na ordem
e gestão do tempo. Segundo Gruzinski (2001, p. 59), possuímos “[...]
uma herança positivista que alimenta uma visão do tempo baseada
na linearidade”, baseado na existência de uma ordem para as coisas.
Esse autor comenta que, ao contrário disso, “[...] a mobilidade das misturas e a interpretação das temporalidades lembrem a
imagem da desordem”. Santos (2007) observa que a função do planejamento é um mecanismo que garante, dentro da lei e da ordem,
um mínimo de segurança e estabilidade, a serviço da proteção da
segurança física das pessoas e da propriedade, além da promoção do
investimento privado.
Segundo Rennó (2002, p. 43), “os funcionários, treinados para
bem atender, com seus uniformes e discursos padronizados, acabam
por gerar a sensação de impessoalidade ao simular a naturalidade e
a espontaneidade nas relações”. E, adiante, acrescenta que “as relações sociais são pensadas como sistemas que podem ser controlados
e sistematizados de antemão, uma idéia equivocada e que acaba por
tornar mecânico o atendimento cordial reservado pelos funcionários
de um supermercado”. Dessa perspectiva, não há lugar para o acaso
tão comum no cotidiano.
Supermercado de Rede: Indústria do Consumo
O movimento de abertura de lojas não ocorre mais para atender a demandas de mercado, e sim para arrebatar clientes de outros
estabelecimentos. Underhill (1999) acrescenta que o elevado número
e diversidade de veículos de informação, propagando a cada dia um
maior número de mensagens publicitárias com apelo para o consumo, constituem um fenômeno tão poderoso que está enfraquecendo,
inclusive, marcas consagradas por décadas de uso.
[...] assistimos à erosão da influência das marcas. Não que as
marcas não tenham valor, mas esse valor deixou de ser a força
cega que costumava ser. Isso significa que, embora a atribuição
de marcas e a propaganda tradicional fortaleçam a percepção
da marca e a predisposição para comprar, esses fatores nem
sempre redundam em vendas.
295
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
De acordo com Levy e White (2000), antes de 1930, a maior
parte dos alimentos era comprada em pequenas mercearias de vizinhança, pertencentes e operadas por famílias. Após esse período,
foi criado o autos-serviço. Rennó (2006, p. 54) relata que o autosserviço originou-se nos Estados Unidos, “inicialmente em 1912,
mas que se firmou somente após a Grande Depressão de 1929,
impulsionado pela necessidade urgente de redução de custos e manutenção das vendas na época”. As mercadorias foram aos poucos
sendo expostas mais próximas do cliente que passou a ter mais liberdade para escolher exatamente o que desejava. As listas, antes
entregues a um balconista para que ele pegasse todos os itens localizados do lado interno do balcão e aos quais o cliente não tinha
acesso, agora ficavam em poder do cliente: nasce o autos-serviço,
ao mesmo tempo em que “morre” a figura do atendente.
A retirada da figura do vendedor/balconista da relação comercial afetou a estrutura organizacional das lojas porque “[...] repropôs
toda a forma de relações de compra, ao eliminar a linha divisória
que havia entre o consumidor e o produto, que antes era mediada
pela figura do vendedor” (RENNÓ, 2006, p. 58). O autos-serviço gerou
grandes ganhos econômicos, alavancou o crescimento do número e da
diversidade de itens adquiridos, em razão da compra não planejada,
fenômeno que recebeu nome de compra por impulso.
Estímulos são utilizados no comércio para a promoção das vendas, condicionando o homem à busca constante, às vezes excessiva e
paranóica. Segundo Arendt (2005, p. 17), “os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição da sua existência”. A autora ressalta que
toda experiência vivida pelo ser humano passa a fazer parte dele como
se o ato de conhecer despertasse o interesse, a necessidade e o desejo,
colocando-o num circuito ou processo que culminará no ato da compra.
[...] consumidor não é um processo isolado: relaciona-se
com todos os contextos sociais. Suas representações, seus valores
perpassam as diversas esferas de atividade. O processo de consumo revela-se como um conjunto de comportamentos com os quais
o sujeito consumidor recolhe e amplia, em seu âmbito privado, do
modo que ele for capaz de ressignificar, as mudanças culturais da
sociedade em seu conjunto. (BACCEGA, 2008, p. 3)
296
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Atualmente, nos supermercados, os espaços são planejados
para favorecer o fator econômico sem qualquer preocupação com as
relações de trocas que permeavam as relações comerciais no passado. Tudo é planejado e executado para gerar consumo. Tem-se,
assim, uma grande Indústria do Consumo. Identificar as estratégias adotadas nesses locais e analisar essa indústria consumista
– representada pelos supermercados – é a tarefa que este estudo
se propõe a realizar. Conforme demonstrado, o autosserviço gerou o
fenômeno da compra por impulso, isto é, a aquisição de produtos a
mais que o planejado e/ou necessário.
Aquisição que é atribuída à velocidade do sistema. Segundo
Baccega (2008, p. 2), existem o desenraizamento e a velocidade no
lugar de duração que “[...] atingem diretamente o processo de produção-distribuição-consumo. Os produtos precisam ser rapidamente
consumidos para dar lugar a outros produtos que seguirão a mesmo
trajeto”. Junto com a velocidade e o desprendimento produzido nos
espaços, os modos de consumo tendem a uma planificação, como pode
ser visto nos supermercado, e esses ambientes representam o pensamento sobre os espaços como não-lugares. (CERTEAU, 2005)
A idéia do não-lugar é outro fator que explica a homogeneidade criada nas redes de supermercados. Augé (2001, p. 43) destaca
que “o sistema massificante instituído pelos não lugares, por meio
de sua estrutura pretensamente global, acaba criando uma homogeneização que desvaloriza o espaço que se cria” e acarreta perda da
individualidade de cada lugar: “o domínio de várias metrópoles pelos
não-lugares é parte desta grande proposta urbanista atual, que relaciona diretamente evolução com desterritorialidade, ou perda das
diferenças individuais de cada lugar”. (AUGÉ, 2001, p. 45). Constata-se, então, que as redes varejistas se apropriam de espaços urbanos
sem a preocupação de manter a memória local.
As fronteiras do riso e da oralidade
Constata-se o “riso de plástico” nos supermercados de rede,
que, para Pinheiro (1994, p. 35), tem a ver com “[...] o riso que
não ri (ainda que a boca se contorça), aquele que se dá a partir de
uma carga diluidora de repetições afirmativas sobre o mesmo: riso
297
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
familiar, conciliatório, que exige do falante e do ouvinte o conhecimento do que já é conhecido”. Semelhante ao que é manifestado
nos mecanismos de segurança citados por Underhill (1999), nas
ações de promoção dos produtos e nos atendimento em balcões e
caixas encontra-se uma expressão de contração e relaxamento dos
músculos faciais, de forma rápida, automática, controlada e sem
sentimento, um riso programado.
O que não é visto nesses estabelecimentos é outro tipo
de riso – o “dialógico”, mas, sim, a seriedade, que para Bakthin
(2000) é “monológica”. Pinheiro (1994, p. 36) explica o riso dialógico: “[...] obriga-nos a sair do lugar, deslocar a tradição do sistema. Desse modo, o riso inclui sempre a sadia consciência da
queda de algo que se pretendia imutável sobre qualquer assento
estável”. Já a seriedade é um texto disciplinado, típico dos modos
de produção em série, do ambiente fabril que os supermercados
de rede representam. Esse ambiente é projetado para que as pessoas produzam ações com seriedade, característica da busca da
perfeição e da sincronia nos movimentos, como ginastas olímpicos, que, mesmo na dor, expressam o sorriso no final da apresentação, semelhante são os funcionários do varejo que, após uma
longa jornada de trabalho, ainda necessitam expressar esse riso
plastificado, pois assim foram orientados.
Mas há também o riso da contraversão do sistema, expresso
com ironia pelos funcionários, que às vezes comentam questões da
empresa com os clientes: vontade de sair, em razão da falta de condições no ambiente de trabalho – jornada de trabalho interminável,
trabalho em fins de semana e feriados, baixa remuneração, falta de
estrutura física e psicológica. Algo que é manifestado por esse riso
e oralmente em rápidas conversas em momentos onde existe certa
disposição do ouvinte/ cliente em ouvir.
Zumthor (1993) apresenta a oralidade a partir da função do
intérprete/ narrador e do ouvinte como fonte primeira de toda forma
de comunicação, e destaca a performance do intérprete na força de
disseminar o texto oral, pois o significado semântico do texto não
está na voz, mas na ação materializada do discurso, na maneira como
ele é transformado em voz. O autor destaca, também, a importân-
298
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
cia das condições adequadas para captar a mensagem e da empatia
do ouvinte. Assim, nas redes de supermercado, as rápidas conversas
dos funcionários com os clientes ocorrem em raros momentos, pois os
pontos de contato, na maior parte das vezes, são em locais de grande
acúmulo de pessoas e de fiscalização, como nos caixas registradores.
A comunicação entre os consumidores nas redes de supermercados ocorre sem interação entre as pessoas. Palavras até são
ditas, mas a velocidade devido a velocidade e volume de pessoas
e da estrutura como um todo, faz cm que as pessoas pronunciem
palavras sem notar com quem estão falando, são expressões curtas
ditas na maioria das vezes sem olhar para a pessoa, algo superficial, automático, passageiro, descomprometido. Como exemplo:
próximo, mais alguma coisa?, obrigada, volte sempre, bom dia, débito ou crédito?, débito, crédito, até logo, tchau.
Estar nesses locais é “[...] executar a tarefa do consumo, e o
consumo é uma passatempo absolutamente e exclusivamente individual” (BAUMAN, 2001, p. 114). As relações são planejadas e
treinadas, como o “riso”, não é condizente com o ambiente dialógico
expresso por Pinheiro (1994), e com o ambiente mestiço todos os
países latinos pertencem.
Metodologia e análise do corpus
Adota-se a fotografia como suporte de construção do corpus.
As imagens são selecionadas e seu significado é definido. As conclusões são obtidas pontuando o significado levantado em cada exemplar fotográfico. A subjetividade do olhar do fotógrafo, neste caso, é
incorporada como elemento da vastidão das possibilidades presentes.
Sobre esse papel da fotografia, assim se expressa Morin:
A mais banal das fotografias detém ou apela para uma
certa presença. e isso sabemo-lo e sentimo-lo nós, uma vez que
conservamos conosco, em nossa casa, as fotografias e as exibimos, não só para satisfazer a curiosidade de estranhos, mas
também pelo prazer evidente de nós próprios as contemplarmos uma vez mais, de nos reconfortarmos com a sua presença,
de as sentirmos ao pé de nós, conosco, dentro de nós, pequenas
presenças de algibeira ou de apartamento, ligadas à nossa pessoa ou ao nosso lar. (MORIN, 1970, p. 25)
299
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Os estudos realizados com o objetivo de encontrar estratégias
eficazes para transformar as pessoas em receptores passivos de propagandas, alcançaram um nível muito sofisticado. Um desses estudos se refere aos primeiros contatos dos clientes nas lojas: entradas
e estacionamentos. Underhill (1999, p.46) chama estes espaços de
“zonas de transição”, ou “pista de pouso”, onde o cliente passa a ser
“ambientado” para comprar, ou melhor, é formatado e padronizado.
“[...] quanto mais rápido as pessoas andam, menor seu campo de visão periférica e com isso não localizam as informações a sua volta”
(UNDERHILL, 1999, p. 45).
Para minimizar esta situação, a loja coloca as informações
(ofertas, cartões de compra, crédito, normas de segurança, produtos,
etc.) em grandes materiais e tamanhos de letra, de forma sintética,
na tentativa de redução da “zona de transição”. Após o público ter
percorrido este espaço, encontrará em cada área, ações e configurações destinadas a colocar, em suas mentes, o desejo de adquirir os
produtos. Um dos mecanismos utilizados pelos supermercados nos
locais de entrada dos clientes é o uso de escada rolante que, muito
além de uma preocupação com o conforto, está embutindo um mecanismo de agilizar o acesso à loja de quem está “fora” para “dentro”.
a) Visão de uma “zona de transição” pela
escada rolante com utilização de cartazes,
contendo ofertas.
b) Nesta imagem, a “zona de transição” aproxima a escada
rolante a funcionários do setor de guarda-volumes e
embalagens.
Figura 1
300
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
A preocupação com a ergonomia dos clientes foi destacada por
Underhill (1999) como estratégia de aquisição dos produtos. Um exemplo é o treinamento dado aos funcionários para oferecer cestas a qualquer cliente que entra nas lojas, ou carrinhos e cestinhas bem próximos
de seu campo de visão, para que com as mãos livres, ou mais descansadas, possam ter “fôlego” para carregar mais produtos até os caixas. Para
Underhill (1999, p. 53) “a matriz mais complexa de traços anatômicos e
comportamentos humanos que determinam como fazemos compras”, e
complementa dizendo que quanto mais confortável, fácil e prática possível for a experiência de compra, mais produtos serão vendidos.
a) Visão de uma área no estacionamento em que os
carrinhos de compra já se encontram disponibilizados
aos clientes.
Figura 2
b) Nesta imagem, os carrinhos de compra se
acham no percurso entre o estacionamento e o
acesso ao setor de compras. O primeiro contato
do cliente com a loja é influenciado por essa
disponibilização.
Os sentidos humanos (tato, visão, paladar, audição e olfato) são
estimulados de várias maneiras no varejo, com grande destaque nos supermercados. Na área mercadológica, estes estímulos recebem o nome
de marketing sensorial ou marketing experimental (KOTLER, 2006;
UNDERHILL, 1999). O objetivo é fomentar o processo da compra por
meio de ações que envolvam os seus sentidos. Assim, o paladar é despertado com degustações; o olfato com aromas conforme a preferência
feminina ou masculina, idosos, jovens, adultos – ou voltado a despertar
a fome; a audição pela escolha da música ambiente: de manhã, para
despertar, e no final do dia, para desacelerar, acalmar. Nesse campo, há
também o anúncio de produtos e ofertas que soam pelos alto-falantes.
O tato é estimulado com demonstrações e manuseio de produtos, como também pela refrigeração que o cliente irá sentir se for um
301
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
dia de clima quente. Há o contato físico com equipamentos da loja:
vestiários, bancos, carrinhos, cestinhas, sacolas, etc., e a visão é atraída
pelo design dos produtos, das embalagens, pela diversidade e variedade, publicidades e promoções da loja, exposição dos preços, lay-out dos
produtos e da loja com a visualização do que o cliente está adquirindo.
Há também, por outro lado, os aparatos de preservação deste
sistema urbano, principalmente nos grandes supermercados: câmeras
de vigilância de longo alcance e precisão, e cumprimentos na entrada
por funcionários. Saudações vindas, muitas vezes, de senhoras de idade a serviço da inibição de furtos no interior da loja. Segundo Underhil
(1999, p.48) “especialistas em segurança afirmam que o modo mais
fácil de desencorajar roubos em lojas é fazer com que os vendedores
reconheçam a presença de cada freguês com um simples oi”.
a) Supermercado com área do estacionamento contendo
informações sobre o sistema de segurança.
b) Nesta imagem, a câmera de segurança
encontra-se na entrada principal juntamente
com adesivo de uma empresa de segurança
terceirizada.
c) Outro exemplo de estacionamento
com recurso para ser monitorado.
Figura 3
302
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Observa-se assim, que por trás de ações como o riso, cumprimento e entrega de cestinhas pelos funcionários estão práticas
a serviço de alguma tarefa sendo executada. Pode-se dizer que as
redes supermercadistas se caracterizam como um grande celeiro de
disseminação da padronização de relações enrijecidas do comércio,
propiciada por mecanismos de tensão do dentro e o fora; e que outrora estas relações eram carregadas de significados de amizade, conhecimento e trocas sociais como se pode ver em feiras livres e nos
mercados públicos, conforme aponta Rennó (2006).
O espaço dos supermercados de rede tem seus holofotes para
os produtos e a comunicação interpessoal nula ou limitada. Entre os
passos apressados e as disputas pelo espaço no estacionamento, carrinhos de compra e nas filas, as pessoas são alvos a serem vencidos e
não para se relacionar.
Considerações Finais
O propósito da pesquisa que sustenta esses resultados é o de
analisar e avaliar os impactos do novo ambiente de comunicação que
se forma a partir do conceito de autosserviço. Os supermercados modernos são um não-lugar porque as pessoas não desenvolvem relacionamento com os atendentes ou proprietários como ocorria no tempo
das quitandas, feiras e mercearias. Esta forma de comércio não foi
extinta e ainda é possível ver o evidente contraste.
A coleta de dados terá prosseguimento e avalia-se a existência
ou não de mesclas culturais no supermercado de rede como componente de várias séries culturais (comércio, gastronomia, música, arquitetura, vegetação, vestuário, oralidade), com base na semiótica da
cultura. Conclui-se com mais uma avaliação, desta vez buscando verificar o grau em que o supermercado de rede fomenta o esvaziamento das relações: analisado como uma indústria do consumo, reforçado
pelas diretrizes do marketing e pelo antagonismo que despersonifica
a feição de comunicação produzida por essas redes.
As análises contribuem na compreensão em que medida a
apresentação da informação, dos espaços e dos objetos nos supermercados se configuram como um sistema voltado somente para o
contato das pessoas com mercadorias e não com outras pessoas – e
303
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
também até que ponto as redes reforçam a padronização existente
nesse sistema, pela produção em série desse formato.
As necessidades individuais não são objeto de atenção desse
sistema; nomes e fisionomias dos clientes são desconhecidos e, quanto não, o tratamento dá essa conotação, pois há falta de cumprimento
ou de flexibilidade no atendimento a alguma necessidade específica,
como no caso de esquecimento do cartão para o pagamento das compras, em que o cliente não pode levá-las pela falta de confiança do
sistema na sua palavra de que voltará para pagar. Baudrilard (p.
65) comenta que nas sociedades de consumo “[...] não há lugar para
as finalidades individuais, mas só para as finalidades do sistema.” O
cliente, então, volta para casa, pega o seu cartão e volta para pagar;
só assim pode levar suas compras. O sistema teve sua necessidade
atendida, e a do cliente foi desconsiderada.
Apesar de as redes analisadas serem uma empresa estrangeira ou brasileira, elas se mostram iguais, independentemente da
variável nacionalidade. Em todos os aspectos analisados, a ordem e o
tempo podem ser vistos, fatores estes que Gruzinski comenta serem
frutos de uma herança positivista, em que as coisas seguem um tempo linear, baseado na existência de uma ordem para as coisas. Assim,
o contrário disso é a condição em que “[...] a mobilidade das misturas
e a interpretação das temporalidades lembrem a imagem da desordem” (2001, p. 59). A rejeição à desordem ilustra a oposição do sistema de supermercado de rede a formas mestiças, o que configura uma
oposição ao próprio ambiente latino no qual se instalaram. É um sistema que desconhece ou ignora o fato, apresentado por Gruzinski, de
que “[...] misturas e mestiçagens perdem, o aspecto de uma desordem
passageira e tornam-se uma dinâmica fundamental” (p. 59).
É evidente que pelo número de frequentadores e pela necessidade de um atendimento rápido e ágil, o autosserviço se mostra
eficaz. Ele é acompanhado de uma tecnologia que permite não enfrentar filas na hora do caixa ou deixar de sofrer grande demora
nesse momento, como ocorria na época do recebimento manual. No
entanto, a linguagem do supermercado de rede, tanto nacional como
estrangeiro, prioriza o contexto econômico e exclui o fator social, a
memória do espaço, o entorno urbano e as relações sociais de troca
304
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
– algo sem dúvida capaz de produzir impactos que merecem avaliação permanente, tendo grande aporte na base da semiótica da
cultura, como se propôs neste artigo instigar.
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cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
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306
Os signos e o universo de discurso publicitário:as
contribuições semióticas de Cidmar Teodoro Pais
Eneus Trindade e Maria Ângela Pavan
Resumo
Entre os principais textos produzidos pelo lingüista e semioticista da Universidade de São Paulo, Cidmar Teodoro Pais, destacam-se dois artigos, que consideramos fundamentais para a compreensão
das noções de signo e de universo de discurso aplicados ao mundo da
publicidade. Esses trabalhos são: Algumas reflexões sobre os modelos
em Lingüística, publicado na Revista Língua e Literatura (1980) e
Aspectos de uma tipologia dos universos de discurso, publicado na
Revista Brasileira de Lingüística (1984). Nenhum dos dois textos estuda a publicidade em si, mas ambos permitem conexões de fundamento estruturalista com o universo sígnico da publicidade e da propaganda. Além de trazer as contribuições de Cidmar Teodoro Pais,
ressaltamos que esse texto busca destacar, no diálogo entre Pais e
outros autores, as dimensões do signo, do conhecimento até chegar
na conformação do universo de discurso da publicidade.
Palavras-chave: publicidade; universo de discurso; signo;
produção de sentido.
Introdução
Entre os principais textos produzidos pelo lingüista e semioticista da Universidade de São Paulo, Cidmar Teodoro Pais, destacamos
dois artigos que, ao nosso ver são fundamentais para a compreensão
da noção de signo e de universo de discurso aplicados ao mundo da publicidade. Esses trabalhos são: Algumas reflexões sobre os modelos em
Lingüística, publicado na Revista Língua e Literatura (1980) e Aspectos de uma tipologia dos universos de discurso, publicado na Revista
Brasileira de Lingüística (1984). Nenhum deles aborda a publicidade
em si, mas ambos permitem conexões de fundamento estruturalista
com o universo sígnico da publicidade e da propaganda.
307
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
O primeiro texto aborda a noção de signo e nos permite construir dentro da vertente estruturalista e pós-estruturalista a noção
contemporânea de signo publicitário. Já o segundo, permite-nos, a
partir de um paralelo com autores filiados aos estudos interdiscursivos da linguagem, compreender dentro da semiótica a dimensão de
universo discursivo publicitário.
Desse modo, além de trazer as contribuições de Cidmar Teodoro Pais, ressaltamos que esse texto busca destacar no diálogo entre
Pais e outros autores as dimensões do signo, sua história e sua relação com o conhecimento, até chegar a definição da noção de universo
sígnico do discurso da publicidade e da propaganda.
A noção de signo e sua evolução
Ao lermos o texto de Pais (1980), mergulhamos em uma peculiar abordagem da história dos signos e percebemos que desde os primórdios da existência da humanidade, o homem sempre
buscou formas de se comunicar, de expressar tudo que via, ouvia,
sentia, de maneira que se pudesse mostrar e transmitir aos seus
semelhantes suas descobertas, seu conhecimento, seu aprendizado
cotidiano na vida em sociedade.
Esse partilhar se dá na mediação de um conjunto de signos ou
códigos, que são resultantes da legitimação social de um sistema sígnico, que leva a um repertório comum, acessível e utilizado por todos
os indivíduos de uma mesma cultura, sociedade ou grupos específicos. Nesse sentido, as línguas devem ser percebidas como um tipo de
código bastante sofisticado, pois segundo Pignatari (1970, p. 19-20), a
diferença entre as línguas e demais códigos elaborados tecnicamente
para fins específicos, é que as línguas seriam códigos de maior complexidade, pois possuem aspectos socioculturais.
Mas o que é o signo que constitui os códigos e as línguas? Em
sentido mais amplo, o signo pode ser definido como algo que está no
lugar de outra coisa, uma representação do que existe, mas está ausente, sendo substituído por outro que não é o objeto em substituição,
mas apenas uma representação deste.
Existem muitas definições de signos. Todavia, o conceito de
signo a ser utilizado neste trabalho, por uma coerência com o traba-
308
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
lho de Pais, fundamenta-se na noção de signo dada por Hjelmslev,
que diz que o signo é constituído pela articulação de duas grandezas,
o conteúdo e a expressão. São functivos que ele denominou de funções
semióticas. O estudo do dinamarquês partiu das proposições sobre o
signo realizadas pelo lingüista suíço, Ferdinand Saussure (Hjelmslev, 1975, p. 53-64). Esclarecemos que a explicação referente a esses
conceitos e funções semióticas se encontra mais à frente, neste texto.
Mas voltando a Pais (1980), ele nos faz perceber que desde a
Antiguidade, os intelectuais se preocupavam com a reflexão sobre
esse elemento (signo), suporte de toda e qualquer forma de comunicação. De acordo com os vários períodos da história da civilização,
como demonstraremos, a noção de signo está relacionada com a visão
de mundo de uma determinada época e, consequentemente, a noção
de conhecimento de um período também seguirá essa tendência, pois
se as pessoas em momentos históricos percebem o mundo de formas
distintas, os paradigmas do conhecimento mudam também.
Para explicar a questão colocada anteriormente, faz-se necessário apresentar o que Pais (1980) denomina de processos de conhecimento humano e o seu entendimento do conceito de metateoria.
Os processos de conhecimento se dão por dois caminhos: o
da racionalidade e o da não racionalidade. No primeiro, temos a
filosofia e a ciência com seus métodos (indutivo e dedutivo), sendo
ciência o estudo dos dados observáveis. Nos processos não racionais,
a intuição, o afeto e a fé se manifestam como formas legítimas para
alcançar o conhecimento, sendo estes últimos os meios de se conhecer os dados não observáveis.
Durante a história, podemos notar que houve períodos em que
os métodos da não-racionalidade prevaleceram em detrimento da racionalidade e vice-versa. Por exemplo, na história do mundo ocidental, na Idade Antiga, prevaleceu o pensamento racional, em conseqüência da apologia ao homem. Já na Idade Média prevaleceram os
métodos não racionais, em função do predomínio de um pensamento
orientado pela fé na religião Católica.
A partir desses dois exemplos, pode-se pensar no conceito de
metateoria que, grosso modo, pode ser entendido como a teoria “mãe”
de uma época, a qual reflete as idéias, o modo de percepção dos indi-
309
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
víduos em um determinado contexto (social, cultural, político, histórico etc.), como no caso do antropocentrismo para a Antiguidade e do
teocentrismo para a Época Medieval nos exemplos citados.
É importante registrar, para compreensão desse processo evolutivo das reflexões sobre o signo e as epistemes, ao longo da história,
que as primeiras teorias a respeito do signo, dentro de uma dimensão
assumida como semiótica, só vão surgir realmente a partir do final do
século XIX e início do século XX.
Embora os fatos anteriores sejam verdadeiros, de um modo
instigante, a abordagem de Pais (1980) retorna à Antiguidade e às
suas respectivas noções de signo e conhecimento nas civilizações, sobretudo com foco naquelas que deram as bases do pensamento ocidental, Grécia e Roma, nos convidando a entender a noção de signo
a partir da origem e do sentido da palavra conhecer, que em grego é
traduzida na palavra episteme, cujo significado pode ser dado como
“aquilo que se coloca acima do objeto”.
Em uma reelaboração dessa definição, Aristóteles diz que episteme “é o saber, é a projeção do homem sobre os objetos no mundo”. Sobre
a noção de signo clássica, ver Aristóteles (1963). Ou seja, trata-se de um
saber constituído pela linguagem e projetado sobre as coisas existentes
o mundo, num ato constante. É um conceito dinâmico que pode ser comparado à idéia de Foucault (1995, p. 87-88) sobre episteme, que percebe
as palavras e os nomes das coisas existentes no mundo como o modo
como as culturas vêem os signos, o que pode servir para a determinação
de critérios para estudos comparativos entre várias culturas existentes
no mundo, viabilizando a criação de tipologias das culturas.
Foucault (1995), assim como Pais (1980) coloca a importância
de um estudo taxionômico das representações das culturas, considerando que essas representações se viabilizam por meio de signos,
instaurados em sistemas de produção e circulação de sentidos. E uma
vez que se classifiquem tais sistemas, poderemos realizar um estudo
tipológico do universo representativo de uma dada cultura, pois sua
produção sígnica, ou simbólica, traz consigo a ideologia, os valores, ou
seja, as visões de mundo das culturas que representam.
Com essas informações podemos observar os paradigmas de
episteme (conhecimento), ao longo da história do homem. Dessa ma-
310
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
neira, iremos retomar a noção desse paradigma na Idade Antiga,
quando chegarmos à Renascença. Assim, parte-se para a apresentação do paradigma no mundo medieval.
Na Idade Média, o paradigma era o do mundo teocêntrico e,
portanto, predomínio dos métodos não racionais, já que a explicação
pela religião, a fé em Deus – um dado não observável – mas que de
modo afetivo e pela fé na crença de sua existência, tinha seu sentido
aceito como a explicação maior para os fenômenos do mundo.
O conceito de signo nesse período tem origem no pensamento
sobre o nominalismo dado em Platão, “o signo é a parte visível de um
mundo espiritual maior invisível”, esse é um conceito metonímico, pois
o signo é parte do objeto ou realidade que representa. Platão, nos livros da República, para chegar a essa definição opõe o mundo em duas
partes: o mundo de Apolo ou Apolíneo, o mundo das idéias, da verdade,
do espiritual; e o mundo de Dionísio, o mundo da aparência, das coisas.
O signo é parte das coisas existentes, no mundo medieval. Só Deus vê
mundo como ele é. Os homens vêem o mundo semioticamente constituído, ou seja, a partir de suas projeções em cima das coisas, como disse
Aristóteles. Por exemplo: a palavra amizade é a parte material – do
mundo da aparência – de algo que é nobre, verdadeiro, intangível, que
pertence ao mundo de Apolo, a relação que se estabelece com a pessoa
amiga. Ver sobre estas colocações (Pais, 1980, p. 92-93).
Entendemos que ao expor o pensamento de Platão sobre o
signo, pensamento este que foi recuperado na Idade Média, caracterizando a noção de signo daquela época, Pais busca justificar as razões da metateoria do teocentrismo, já que o signo tem sua explicação
maior em Deus e a parte material desse signo é referente ao mundo
dos homens, ou das coisas, como diria Platão.
Já no Renascimento, que foi uma grande revolução em toda a
conjuntura estrutural da sociedade, houve a necessidade de se romper com o mundo medieval, que era pequeno, o que trouxe novas concepções ideológicas e uma nova visão de mundo. Surge uma nova
noção de signo e de episteme.
Com as novas descobertas, o mundo se tornava maior e necessitava de paradigmas cujos limites de espaço e tempo, tinham que ir
além do feudo. O modelo de administração de novo mundo que surgia
311
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
era baseado no Antigo Império Romano, pois esse povo sabia conquistar, manter e administrar seu império. Daí a razão de se ter explicado
a noção de signo e episteme, na Idade Média, antes da Idade Antiga,
pois, na Renascença, os paradigmas da Antiguidade são recuperados.
Vivia-se uma época de novas descobertas científicas e de expressão comercial promovida pela política econômica mercantilista, desenvolvimento da classe comercial, a burguesia, e surgimento dos primeiros
Estados nacionais, sob o regime monárquico, dos reinados absolutistas.
Para continuar o projeto da nova época, o homem da Renascença se inspira no modelo da cultura clássica greco-romana.
Essa escolha se deu em conseqüência das características dos
processos de dominação cultural e econômica promovidos por essas
civilizações. Os romanos tinham um grande exército, porém, melhor do
que isso era o seu processo de educação (copiados dos gregos), pois eles
acreditavam que, por meio da homogeneização do processo de comunicação do processo de comunicação, o uso de uma língua igual (o latim)
faria com que os povos conquistados “amassem” o seu dominador.
A retomada dos valores da cultura greco-romana na Renascença leva ao resgate do conceito de episteme na Antiguidade clássica. O mundo renascentista é, como na Idade Antiga, antropocêntrico,
“o homem é a medida de todas as coisas”, frase grega do filósofo Protágoras, que demonstra que o homem é o critério. Resgata-se também
o conceito clássico de beleza. O belo para os gregos se confunde com o
bom, o belo também é a medida e a proporção, ou seja, é o equilíbrio,
a racionalidade. E como o homem era a medida de todas as coisas, ele
era o bom, o belo, o justo, o útil e o necessário. (Pais, 1980, p.92).
O signo, então, é “a representação adequada do mundo natural” e passa a ser visto como condição de comunicação. Ele tem
por função representar outro, permitindo falar in presentia – aquilo que está presente – do que está in absentia – aquilo que está
ausente. (Pais, 1980, p. 92-93).
O homem no Renascimento compreendia o mundo pela racionalidade. Mas se levarmos essa racionalidade a sério, podemos observar que a noção de signo nesse período leva a uma reflexão sobre
o que devia ser essa “representação adequada” das coisas? Alguns
pensadores da linguagem consideram os signos, ou os nomes das coi-
312
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
sas, como tendo suas origens por meio de um consenso social ou por
analogia com aquilo que representam.
Por exemplo: a relação entre a mesa-objeto e a mesa-palavra
é puramente convencional. Já as onomatopéias seriam exemplos de
signos naturais, por se tratarem reprodução dos sons dos animais.
Contudo, o galo faz “cocorocó” em português e “cicirici” em francês,
o que mostra quanto é difícil determinar qual seria essa “representação adequada” do mundo natural. Esse é um problema ainda não
solucionado pela semântica e pela semiótica. (Pais, 1997a).
Cada língua cria seus nomes para as coisas, dá o seu recorte
cultural. A língua não é apenas uma lista de nomes, mas sim uma
lista de nomes pertinentes à maneira como uma cultura vê o mundo
que a cerca. Isso demarca a capacidade do homem, como ser capaz de
criar e se ordenar social e culturalmente de formas distintas. Com isso,
segundo Pais (1997a), podemos compreender que a determinação dos
nomes das coisas se dá numa tensão de significação entre arbitrariedade e motivação. Foucault (1995, p. 73-82) também trata da questão
com uma abordagem semelhante, ao discutir a representação do signo.
Mas é interessante observar, para além dos problemas da tensão de significação entre motivação e arbitrariedade que pode gerar
discussão sobre os nomes das coisas no mundo e nas culturas, que
com a concepção clássica (Antiga) de signo, vem a concepção clássica
de língua. Os sábios de Alexandria (maior universidade do mundo
antigo de origem grega) diziam que a língua tinha três fases – nasce
rude, chega ao apogeu e depois decai -, isso porque a língua é percebida em virtude de uma analogia com os estágios de desenvolvimento
político-econômico do Império Grego, no caso, sendo considerada pelos governantes um instrumento de dominação, como já se colocou,
quando se falou de educação, no processo de homogeneização e dominação cultural promovido pelos romanos, pelo fato de ela (a língua)
encerrar em si os valores culturais de uma sociedade. Por isso que a
política de idiomas é do Estado. (Pais, 1980, p.91-92).
As informações do parágrafo acima, bem como as que o seguem, são fundamentais para compreensão do processo de dominação, por meio das linguagens, promovido pelos agentes envolvidos na economia global na contemporaneidade, que se dá via
313
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
processo de mundialização da cultura, especificamente no que se
refere, por exemplo, ao entendimento da língua inglesa como língua universal para o domínio comercial, cuja estratégia já era utilizada muito antes do Império Romano. Além disso, o parágrafo
faz a ponte da discussão sobre a relação analógica entre língua,
enquanto linguagem e linguagem publicitária, sendo esta última,
juntamente com o inglês, utilizada como “língua franca do capitalismo”, ou seja, como instrumento de dominação do sistema global.
Os sábios em Alexandria criaram a concepção clássica de língua, sabendo a diferença entre ciência básica e ciência aplicada. Ou
seja, saber e aplicação do saber. E dão subsídios também que se fazem necessários para a compreensão do como e o porquê da língua
se tornar instrumento de dominação das culturas e daí sua íntima
relação com os estudos sígnicos, já que a língua é o sistema sígnico
mais usado na comunicação entre os homens. (Pais, 1980, p.90-92).
Os gregos fizeram uma analogia da língua com a condição
política e cultural do Império Grego, já descrita. A partir daí, surgiram os primeiros gramáticos do mundo ocidental, pois a gramática, que é uma aplicação do saber, é baseada na construção
e desempenho da língua na fase do apogeu de um império. Isso
explica, por exemplo, o fato de se estudar na tradição educacional
os autores do período “clássico”, numa tentativa de conservar e
manter o idioma da fase do apogeu, a partir do momento em que
um império entra em decadência. (Pais, 1980, p.90-92).
Essa gramática surge a partir de estudos filológicos da língua
grega, na Alexandria, e ganha mais adeptos durante o declínio do
Império Romano a partir das invasões bárbaras1.
A discussão sobre a gramática é retomada no Renascimento
e questionada nos fins da Idade Moderna pelos pensadores do mosteiro de Port-Royal, no século XVII (Rousseau, Montesquieu, Voltaire), que se refugiaram da perseguição dos reis absolutistas naquele
local. Esses pensadores eram contra a ideologia e o regime político
da época. Foram eles que estruturaram o pensamento da Revolução
1
Quanto ao surgimento de uma gramática, sabe-se que bem antes dos gregos e dos
romanos, na região da Índia, a cultura sânscrita já desenvolvia estudos de gramática
e fonética. Ver (SCHNAIDERMAN, 1979, p.11).
314
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Francesa. Para eles a língua tem um sentido político, é lógica e por
isso perfeita. A lógica utilizada é a formal do verdadeiro e do falso
(presente em Aristóteles e São Tomás de Aquino). Esse princípio,
anteriormente citado, sobre a língua, também está aperfeiçoado em
Descartes e também em Chomsky2, cuja reflexão chega ao ponto
máximo do desenvolvimento do que ele chamou de gramática gerativo-transformacional no século XX, na qual ele afirmava que todas
as línguas possuem mecanismos comuns universais que regem seus
processos de articulação. (Pais, 1980, p.92-93).
Mas voltando à discussão sobre as idéias dos pensadores de
Port-Royal a respeito das gramáticas, eles afirmavam que o discurso
dos homens mostra muitos defeitos – o que Chomsky chamava de
queda do desempenho (no ato de fala), gerando uma nova episteme,
pois a língua seria uma dádiva de Deus e o ato da fala, realizado
pelos seres humanos, seria passível de erros. Deus seria a última
explicação da natureza do signo. Como esses pensadores eram humanistas e, portanto, racionalistas, com concepções antropocêntricas,
eles estudariam o desempenho da língua, o discurso, o ato de comunicação entre os seres. (Pais, 1980, p.93).
A crítica dos pensadores de Port-Royal consistia na afirmação
de que o discurso humano é falho, é fruto do pecado, das injustiças
sociais. Para eles a gramática normativa seria uma forma de disfarçar as injustiças sociais dando a impressão de que a população fala
da mesma forma que a elite. Assim, se as pessoas tivessem acesso ao
conhecimento, elas dominariam a língua perfeita e não precisariam
das regras de uma gramática.
Saindo da crítica às gramáticas e da apresentação das noções de
signo e episteme da Antiguidade até a Renascença, passando pelo final
da Idade Moderna com os pensadores de Port-Royal e início da Idade
Contemporânea, chega-se ao século XIX e identifica-se, pelo desenvolvimento humano, que as metateorias vigentes no período eram o positivismo e a metáfora biológica, concebida pela teoria darwiniana. Naquela
época, o fenômeno da língua é percebido como um ser que nasce, cresce,
reproduz e morre, de certa forma até bem semelhante à analogia das
fases da língua, proposta pelos gregos do mundo helênico de Alexandria.
2
Sobre este assunto ver CHOMSKY (1972).
315
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Mas a diferença básica está no aspecto evolucionista e biológico restrito dessa metáfora, levada ao pé da letra, pois, para os
pensadores desse período, as línguas mais evoluídas tenderiam a
prevalecer sobre as menos evoluídas, estabelecendo uma relação,
entre as línguas, ecossistêmica (biológica) e não social. A Lingüística já existia enquanto ciência desde 1794 e, em 1840, é incorporada ao quadro das humanidades, vivendo sua grande fase conhecida como Lingüística Histórico-Comparativa.
A partir do século XVII, ocorrem muitas mudanças de epistemes e a Lingüística aos poucos emerge enquanto ciência dos fenômenos da língua. Notaremos que os estudos dos signos estarão
associados à questão da língua que seria, na concepção dos teóricos do século XIX, o sistema de signos privilegiado para as comunicações humanas. Por isso, deveria ser a base para o estudo dos
outros sistemas de comunicação. Em função disso, achamos necessário apresentar essas concepções de língua ao longo dos contextos
históricos. (Cf. Pais, 1980, p.93-95).
A noção de signo nesse período é muito simplista, “signo é signo de alguma coisa”, o que possibilita formular uma lista de nomes
das coisas que existem. Esse contexto determinava a visão, historicista, evolucionista e positivista, que vigorava no século XIX.
Mas é no meio desse contexto positivista que surgirão, quase que sincronicamente, em espaços distintos, as principais teorias
a se preocuparem com o estudo dos signos. Essas novas ciências
são uma decorrência histórica dos processos de proliferação de linguagens, códigos e meios de reprodução destes, após a Revolução
Industrial, resultante de uma espécie de surgimento de uma consciência semiótica de alguns intelectuais das primeiras décadas do
século XX.
O interesse particular desta reflexão dá-se pelos estudos desenvolvidos pelo lingüista Saussure, o qual deu origem a uma nova
concepção de lingüística e batizou a ciência a se preocupar com o
estudo dos signos de Semiologia.
Diferentemente de outras abordagens semióticas como a semiótica de Charles Sanders Peirce, Saussure, que vinha da tradição
da Lingüística Histórico-Comparativa, trabalhou com noções dicotô-
316
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
micas: língua/fala; sintagma/paradigma; sincronia/diacronia e significante/significado. Ver (Saussure, 1973).
Ele previu uma nova concepção da ciência no âmbito epistemológico que chocava com a visão positivista do início do século
XX, pois para o lingüista a língua evoluía no seio da vida social.
Essa perspectiva teórica só seria aceita nos anos 40, com o resgate
de suas idéias na vigência do Estruturalismo. Sua teoria considera
a língua, o signo lingüístico, o mais importante sistema de signos,
já que toda a experiência humana é organizada e significada pela
língua (metalinguagem de toda e qualquer língua). O lingüista
acreditava que a língua possui mecanismos gerais e princípios do
seu funcionamento que são comuns a todas as línguas.
Sendo muito criticado, Saussure, apesar de sua inovação epistemológica ao reconhecer as dinâmicas sociais das línguas, apresenta
incoerências na sua teoria que valem ser enumeradas. Trubetzkoy
(lingüista russo, do Círculo Lingüístico de Praga) critica Saussure
pelas suas relações dicotômicas. O significado e o significante, na concepção saussuriana, seriam, respectivamente, um conceito, a idéia,
a representação mental que se tem de um objeto; e outro seria uma
imagem acústica – a materialidade física do signo. Isso pelo fato de
o lingüista, ao pensar sua teoria, ter-se prendido ao signo lingüístico,
pois, se estivéssemos falando do signo visual, essa materialidade física não seria uma imagem acústica.
A língua, em Saussure, está para o significado e a fala para o
significante. Trubetzkoy coloca que a língua é um sistema abstrato
não podendo ser observada diretamente, pois ela é geral, social. A
fala é particular, individual e concreta, pode ser observada e registrada (Pais, 1980, p.98-99).
Este pensamento segundo Pais, de certa forma se assemelha
aos pensadores de Port-Royal, como foi apresentado anteriormente,
quanto se tratou da crítica às gramáticas. A Língua é uma dádiva
de Deus. Dessa forma, ela pode ser entendida como algo abstrato.
O ato de fala, que é humano, ou o desempenho do sujeito falante
de uma língua é que pode ser falho. E esse ato de fala pode ser registrado e estudado. Já a língua é um sistema virtual em potência,
um conjunto de possibilidades. Com isso, Saussure se esqueceu de
317
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
estabelecer as relações de significado e significante de língua e significado e significante de fala.
Fazendo uma síntese simplificada desses comentários, Trubetzkoy conclui que nem todo significante é uma imagem acústica – essa
seria o significante específico da fala no signo lingüístico. O significante em outros sistemas semióticos nem sempre se traduz numa
imagem acústica. O significado de língua é uma semântica possível
de dar sentido, já o significado de fala são as interpretações de um
significado mais genérico dado pela língua e recortado no ato da fala,
é a semântica do discurso. Nem sempre o significado será um conceito, ele pode ser considerado uma função. E isso gera a problemática do signo em Saussure que ligaria necessariamente o signo, como
conceito a um referente externo, o que torna o signo arbitrário igual
ao conceito positivista, criando um aspecto inconsistente de sua teorização que abandonava o referente do signo, por entender que a
realidade extra-lingüística, a qual o signo representa, não teria seu
estudo dentro das competências desta ciência (a lingüística).
É o dinamarquês Hjelmslev, já citado, que propõe dar solução
para essas questões. A partir das críticas de Trubetzkoy, Hjelmslev
elabora uma teoria da linguagem, na obra intitulada Prolegômenos:
por uma Teoria das Linguagens (1975). Hjelmslev substitui as noções de significante e significado, respectivamente, para as noções
de expressão e conteúdo, os quais terão suas respectivas formas e
substâncias, de acordo com suas naturezas. O sentido em Hjelmslev
está determinado por uma função matemática, que ele classificou
como “função Semiótica”, que se estabelece pela relação |R| do plano da expressão |E| com o conteúdo |C|:
(∂) = R |ERC| (função Semiótica – Denotativa)
Dessa função resultam mais duas outras funções que decorrem
das possibilidades de articulação entre os planos da |E| e do |C|. A
primeira função, já apresentada, configura a presença do sentido denotado ou “função denotativa”, isso quer dizer que para uma expressão
tem-se um referido conteúdo. Exemplo: nos comerciais de varejo, em
geral, todos os signos são utilizados na R |ERC|, praticamente não
existe um significado além daquele mais óbvio que é logo percebido.
318
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
A segunda função semiótica é a “função conotativa”, ela ocorre
quando a primeira função semiótica torna-se conteúdo de uma nova
função semiótica.
(∂) = |ERC| R C (função Conotativa)
Para exemplificar a ocorrência desse fenômeno, observamos
as mensagens publicitárias que criam um ambiente que representa
o real, o cotidiano, mas a utilização de determinados objetos, roupas,
tons de iluminação criam uma atmosfera ambiental que quer significar muito mais que uma simples descrição de uma situação (denotação), possui um significado ou conteúdo além, um estilo de vida.
Assim, percebe-se que a R |ERC| (relação expressão com relação a
outros conteúdos), estabelecida entre os diversos signos do comercial,
torna-se conteúdo do anúncio. Ou seja, conotação da relação conteúdo
e expressão, denotativa, constituída pelas formas e substâncias de
todos os elementos sígnicos que a compõem.
A última função é a “função metassemiótica”. Ela acontece
quando uma função semiótica torna-se expressão de outra função.
Exemplo: os casos de merchandising em telenovelas, ou seja, os elementos sígnicos da telenovela enquanto |ERC| tornam-se expressão
de um comercial dentro da telenovela, que por sua vez, caracteriza
outra R |ERC|. Matematicamente essa função estaria representada
da seguinte maneira:
(∂) = [ERC] R E (função metassemiótica)
Essas funções podem coexistir numa mesma mensagem e o
grau de complexidade da articulação e combinação simbólica de qualquer sistema de significação, publicitário neste caso, é definido pelas
funções semióticas, propostas por Hjelmslev, que pode ser considerado o inspirador da semiótica.
A partir dessas críticas e reformulação, a Semiologia saussuriana é relançada nos anos 40, na corrente teórica do Estruturalismo,
a metateoria vigente neste período era a Sociologia. O Estruturalismo surge para corrigir as falhas de Saussure, mas acaba por gerar
sérios desvios epistemológicos. As principais diferenças entre a Semiologia de Saussure e a Semiologia Estruturalista são:
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cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Semiologia
Estruturalismo
signo como objeto de estudo
signo como objeto de estudo
sincronia – diacronia
sincronia
língua – fala
língua
enunciado – enunciação
enunciado
Para os estruturalistas a Semiologia está inserida na lingüística. Eles abandonam a diacronia e se limitam a estudar a língua e
não a fala, o enunciado sem a enunciação. Era como se eles tivessem
resgatado o ideal positivista do final do século XIX e início do século
XX. Ao relançarem as idéias de Saussure, os estruturalistas queriam
conciliar a proposta deste com as novas circunstâncias históricas,
sem as características perversas da Lingüística Histórico-Comparativa, que se apoiava no positivismo e na metáfora biológica de Darwin. Mas nesse período, já nos anos de 1950, surge o movimento
neo-positivista que se apoiava no behaviorismo de Skinner.
A língua – o signo lingüístico – era o modelo de análise para os
outros sistemas sígnicos. É sobre o paradigma, o eixo da fala, que se
construirá um sintagma, o eixo da língua, que engloba as regras de uso
dos elementos paradigmáticos para que se ordenem numa seqüência
lógica, sintagmática, capaz de produzir algum sentido. Sobre os conceitos de sintagma e paradigma, ver Barthes (1994, p.63-94). Esse modelo
foi amplamente utilizado pelos estruturalistas. Assim, Christian Metz
analisou o cinema e Ronald Barthes analisou a moda e a publicidade,
demarcando os primeiros estudos da linguagem e do signo na publicidade, pela abordagem semiótica que ficou conhecida como semiologia
estrutural. Ver sobre a influência desta corrente nos estudos semióticos da publicidade, o artigo de Souza e Santarelli (2008).
Mas Hjelmslev, juntamente com Jackobson (1969), ao criticar
Saussure modificam também a noção de sistema, que era dinâmico em
Saussure, para uma concepção de sistema, passando essa dinâmica para
o objeto, o signo. Esses confundiam sistema com estrutura. A concepção
atual dos sistemas semióticos é dinâmica e suas estruturas também.
Essas alterações, como já falamos, geram profundos desvios
epistemológicos sobre a teoria, que só começa a ser revista a partir
dos anos 60, quando os estruturalistas entram em crise e a sociologia
deixa de ser a metateoria, cedendo seu lugar para o conjunto da tota-
320
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
lidade das ciências humanas. A confusão entre sistemas e estrutura
é solucionada com o pós-estruturalismo. Para este texto os sistemas
sígnicos são sistemas abertos e, enquanto sistemas fazem circular
sentido/informação; eles são sistemas auto-reguláveis e auto-alimentáveis. Ou seja, eles são dotados da capacidade de se ajustar, no nível
da estrutura, em função de ruídos ou interferências eternas, que fazem com que o sistema se atualize, pois só pela auto-alimentação e
pela auto-regulagem é que os sistemas conseguem se manter vivos,
em funcionamento. Sobre os conceitos citados, referentes à teoria dos
sistemas, registra-se a obra do biólogo francês Atlan (1993, p.36-53).
O importante, a partir do novo movimento semiótico, é respeitar toda e qualquer produção cultural do homem em sociedade.
Proposta esta que confrontava com outra metateoria coexistente, a do
neo-positivismo/behaviorismo.
Dessa idéia de respeito à diversidade da produção cultural
do homem, que leva por conseqüência ao respeito à riqueza de produção dos vários sistemas de significação e de construção de sentidos – comunicação – e modos de organização social, é que surge a
semiótica contemporânea, inclusive desde a década de 1970 no primeiro Congresso Mundial de Semiótica em Paris, os pesquisadores
entram num consenso e recomendam que todas as nomenclaturas
antigas das vertentes de estudos dos signos (semiologia, semianálise...) sejam abolidas, utilizando-se o nome semiótica para todas
as abordagens de estudos dos signos.
Essa nova fase da Semiótica, liderada por Algidas Julien Greimas, vem com a proposta de observar e estudar todos os processos
semióticos – de significação – e seus discursos dialeticamente articulados, dentro de um processo de produção de sentido nas culturas.
Estamos falando dos ramos de estudos sígnicos Pós-Estruturalistas
denominados: Sociossemiótica, Semiótica Narrativa e Discursiva,
Semiótica das Culturas, Semióticas das paixões, Semiótica tensiva,
Semiótica Plástica e figurativa, Semiótica da expressão que foram
além das noções de análise pautadas na contação e denotação, amplamente aplicadas aos estudos da retórica e da linguagem publicitária, inaugurados por Roland Barthes e trabalhados em Duran,
Péninou, Eco e Joly nos anso 60 e 70, como discutem Souza e San-
321
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
tarelli (2008). Ao superarem a contribuição dos autores citados, os
pesquisadores herdeiros do trabalho de Greimas, propuseram uma
primeira modelagem de análise semiótica que articulava os sentidos das marcas e da publicidade com o marketing dentro de uma
perspectiva dos sentidos da vida cultural de consumo como texto/
discurso. Tal contribuição materializa-se, sobretudo, nos trabalhos
de Jean-Marie Floch (1990) e Andrea Semprini (1995).
E para dar desfecho a este histórico da evolução dos diversos
ramos da ciência da linguagem, além das vertentes citadas, a maioria com origem francesa, surge também na década de 1960, outra
corrente de estudos dos sentidos, denominada Análise do Discurso,
também de linha francesa. Os analistas do discurso, como Michel
Pêcheux, entre outros, criticam a semiótica por entender que os estudos semióticos se limitam demais ao que o texto diz, herança metodológica estruturalista, causada pela ausência de diacronia nos estudos
sígnicos, ou seja, a famosa crítica do “texto pelo texto”, isolando a
produção de sentido do seu contexto sociocultural histórico.
Em função disso, os analistas do discurso vão fundamentar-se
filosoficamente nas idéias de interdiscurso de Pêcheux e de dialogia
de Bakhtin e vão priorizar em suas análises sígnicas o signo verbal,
trazendo a perspectiva histórica e ideológica dos textos/discursos,
também presente na semiótica contemporânea, só que marcada pela
influência teórica do materialismo-histórico do marxismo, presente
na obra de Bakhtin e de Pêcheux, este último discípulo de Althüsser,
realizador de primeira grande reinterpretação da teoria marxista.
Ainda nos anos 60, no continente americano, o Pós-Estruturalismo se espalha e chega aos Estados Unidos, mas lá é batizado com
outro nome, Desconstruction, cuja tradução é Desconstrução, tomando rumos bem divergentes das escolas francesas, passando a fazer,
também, uma investigação filosófica da linguagem sob a perspectiva
da pós-modernidade e resgatando a Semiótica de Charles Sanders
Peirce. (Santaella, 1996, p. 109-113).
Após esse resgate histórico, cabe esclarecer que, não seria possível neste texto esboçar todos os modelos de análise da linguagem publicitária, nem foi este o intuito. Outro dado a se considerar é que, diferentemente do comum no meio acadêmico, este trabalho tem seu recorte
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
teórico nas tradições da semiótica francesa, mas não nega as contribuições que essas vertentes trouxeram à pesquisa na área da linguagem.
Com isso, defende-se aqui um pensamento semelhante ao adotado por
Cidmar Teodoro Pais que favorece uma semiótica plural que se complementa não só a partir das contribuições obtidas com a diversidade dos
olhares teóricos sobre o signo em cada vertente, mas principalmente
com as aquisições de outras ciências: a antropologia, a física, a biologia,
a psicologia, as ciências sociais, a filosofia, entre outras, reconhecendo
o âmbito epistêmico de cada uma delas e completando o nosso conhecimento a partir de seus métodos, cobrindo as lacunas umas das outras,
pois uma teoria não esvazia por si só a riqueza de um objeto de estudo.
Na intenção de concluir, eis aqui o signo publicitário
e seu universo de discurso
Assim, podemos definir à luz da discussão anterior o que seria
uma semiótica da publicidade, seus signos e seu universo de discurso.
Como ponto de partida, devemos entender que em um estudo
de produção de significação de qualquer sistema de comunicação, a
ciência matriz é a Semiótica, pois para (ECO, 1980, p.5-6), a Semiótica seria a ciência que se dispõe a estudar todos os sistemas sígnicos
e os processos de significação e produção de sentidos.
Compreender a produção da mensagem publicitária a partir
da sua complexidade semiótica: articulação e combinação de signos
de natureza verbal e não-verbal,
(...) é um exercício dirigido à percepção, pois ao dar-se conta
da lógica dos diferentes sistemas sígnicos que constituem estes
diferentes domínios da prática semiótica, a teoria contribui não
só para a desconstrução de um complexo (a publicidade), mas
também consegue de um modo particular suas constantes reelaboração. (Duarte,1991, p.114)
Mas antes de se entrar nessas discussões é importante lembrar que, quando se faz um estudo sobre significação e produção de
sentido na construção simbólica da publicidade, não podemos esquecer de citar as construções de Hjelmslev e Barthes no campo das relações expressão/conteúdo e as funções semióticas que daí se originam
(conotativa, denotativa e metassemiótica), como já foi discutido.
323
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Percebe-se então que a publicidade é um sistema semiótico
híbrido e sincrético3 que se caracteriza pela produção de um discurso
peculiar que se distingue das demais produções discursivas, dentro
de um contexto macrossemiótico, em relação aos outros discursos
existentes e produzidos na sociedade.
Híbrido porque suas expressões são de várias naturezas sígnicas e sincréticas porque essa variedade de expressões sígnicas estaria agindo na isotopia de um mesmo conteúdo, evocando as várias
sensibilidades humanas, a partir dos discursos. Ou seja, direcionando as expressões para um campo comum do conteúdo do texto.
Portanto, operando uma adaptação do signo de Hjelmeslev _
│C│ R │E│ (que deve ser entendido também como unidade mínima de
todo e qualquer texto e, por isso, o signo também é texto) _, compreendemos que o texto publicitário é composto em seu conteúdo pelo somatório da totalidade das expressões que o constitui, considerando-se nesse processo a natureza híbrida e sincrética de tais mensagens.
Signo/texto publicitário = |C| R | ∑ | E|
Tal afirmação pode ser feita pautada também nas idéias da sociossemiótica proposta por Greimas, um dos idealizadores da Semiótica narrativa e discursiva, quando este autor ao discutir a “Semiótica e
Comunicações Sociais”, considera a existência de uma “Sociossemiótica
Discursiva”, uma vez que ele reconhece a ocorrência de grupos semióticos que utilizam “socioletos” e produzem discursos sociais. As formas
de comunicação, num painel geral, levam à sugestão da análise dessas
microssemióticas-objetos, os diversos discursos produzidos na sociedade, verificando quais as condições específicas de suas constituições.
Falamos nas colocações acima, de um ramo da Semiótica, a
Sociossemiótica, que tem o objetivo de estudar diversos universos de
discursos, não literários, produzidos na sociedade. Dizemos não literários pelo fato de a literatura ter efeito apenas sobre um indivíduo
– o leitor – e não um efeito sobre a coletividade.
3
Hjelmslev (1975) define sincretismo como sinônimo de híbrido. Contudo, temos algumas restrições a essa sinonímia, pois discursos híbridos implicam na relação de matrizes de linguagens
diferentes (verbais e não verbais). Já os discursos sincréticos eles evocam outras sensações
pela linguagem, mas os discursos sincréticos não são necessariamente híbridos. O sincretismo
na literatura só se verifica em linguagem verbal, por exemplo, e não há hibridismo entre as
matrizes de linguagens.
324
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em função dessas colocações, recorremos ao segundo texto
mencionado na introdução desta reflexão que se refere aos estudos de
Cidmar Teodoro Pais sobre as tipologias dos universos de discursos,
onde o autor conceitua universo de discurso como sendo
(...) um conjunto de combinações sígnicas manifestadas e possíveis de serem manifestadas que tendem ad infinitum e está
sujeito às normas discursivas – definidas pelas características
constantes em relação às variáveis – configurando critérios de
equivalências, pelo qual é lícito reunir diferentes discursos (individuais) manifestados, discurso-ocorrências, numa classe de
equivalência discursiva, o universo de discurso considerado (...)
que cai numa rede de relações virtuais entre os diversos discursos (manifestados n sociedade), devendo considerar ainda,
as relações que se instalam entre os textos (semióticos) desses
diversos discursos. (Pais, 1984, p. 44-45).
Esses universos de discursos, na prática, correspondem aos
discursos jurídico, publicitário, religioso, pedagógico, científico, jornalístico, tecnológico, ético, entre muitos outros existentes na sociedade,
os quais estão em constante processo de interação. Assim, cada um
desses discursos segue estruturas de poder que instauram nos sujeitos
(indivíduos executores dos discursos em um percurso narrativo), por
meio de modalidades – entendendo modalidade como algo estabelecido na intenção dos discursos, pois modalidades são metatermos cujos
sentidos estão além dos percebidos strictu senso -, a produção de um
poder-saber, poder-fazer, poder-querer, poder-dever, poder-crer, poder-ser,
que caracterizará a ordem do discurso. Ver Pais (1997b, p.46-47)4.
Em termos da definição do que seria o universo de discurso publicitário, pode-se atribuir essas constantes a determinadas
construções sígnicas de tais mensagens, como os pack shots (assinaturas, mostrando sempre marcas ou produtos), iconografias publicitárias, ou seja, textos que fazem, através dessas combinações
sígnicas, referências aos produtos e por isso são reconhecidos como
publicitários. Quanto às variáveis, pode-se dizer que elas são os elementos dos outros universos de discursos que atuam em um univer4
Neste artigo Pais define que os discursos seguem uma estrutura de poder, que pode ser
compreendida como a estrutura moral de um discurso, ou seja, é intenção do discurso, sua
modalidade, um poder-ser, poder-querer, como está demonstrado acima.
325
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
so de discurso, mas que não servem como critérios de equivalência
que permitiam classificar por tal combinação sígnica um determinado universo de discurso. Ou seja, uma cena de café da manhã e
outra de uma pessoa andando na praia não configuram necessariamente uma constante que sirva para classificar tal enunciado como
um discurso publicitário, pode ser uma telenovela, um filme etc.
Desse modo, a teorização apresentada por Pais permite observar o discurso publicitário a partir das suas relações modais
com os outros sistemas discursivos. Essas relações modais acontecem de duas formas:
A sobredeterminação modal, quando um discurso desencadeia
outro, por exemplo: cria-se uma nova lei que deve ser aplicada pelo
judiciário (discurso jurídico poder-fazer-dever), a qual – a nova lei –
deve ser cumprida por todos os cidadãos e instituições do país, assim,
entra em ação o discurso burocrático (poder-fazer-fazer) um discurso
manipulatório que obriga os indivíduos a cumprirem a lei, independentemente de suas vontades.
E a sobremodalização, que ocorrem quando modalidades discursivas interagem e agem em conjunto, por exemplo, discurso científico (poder-fazer-saber) associado ao discurso religioso (poder-fazer-crer), pode-se estar tratando da teologia.
Tal formulação teórica demonstra que a semiótica francesa
(com seu caráter teórico intradiscursivo), buscou modos de superar
seus limites, demarcados na critica feita pela Análise de discurso
de linha francesa (com seu caráter teórico interdiscursivo), pois de
algum modo a definição de universo de discurso e os conceitos de
sobredeterminação e sobremodalização apontam para a dinâmica
das relações entre discursos e gêneros, uma vez que o universo de
discurso estaria compatível com as idéias de campo discursivo proposta por Dominique Maingueneau (1989), da Análise de Discurso,
quando este autor considera que o estudo das relações entre os gêneros em um dado discurso, dá-se por meio da observação dos campos discursivos e das posições assumidas em um dado campo, pela
manifestação das vozes (efeitos polifônicos) dos sujeitos envolvidos.
O que também dialoga com o conceito de dialogismo e de gêneros
discursivos defendidos por Bakhtin (1975).
326
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Se os conceitos não são exatamente equivalentes, eles são certamente parecidos e possibilitam o entendimento e o diálogo entre
abordagens interdiscursivas e intradiscursivas, o que para o universo de discurso da publicidade mostra-se como algo rentável, no campo
de investigação sobre a produção de sentido dos discursos midiáticos,
como práticas sociais/discursivas.
Mas o fato principal a ser considerado é que a noção de signo
explicada por Pais, bem como sua noção de universo de discurso,
aplicam-se com muita clareza ao universo da linguagem publicitária, demonstrando de modo pertinente pela a história do signo e
do conhecimento humano, no contexto da semiótica, as potencialidades dos estudos sobre o papel social da linguagem publicitária
na dinâmica do mundo global, o que abre espaço para outro artigo.
Tal abordagem também dialogaria com outras formulações
teóricas de Pais, a partir do que ele considerou como sendo a semiótica das culturas, onde o objeto, o universo de discurso publicitário tem uma atuação marcante, pelo fato do consumo ser um
traço identitário constitutivo das sociedades contemporâneas,
mas que aqui ficaram restritas às noções de signo e de universo
de discurso da publicidade e propaganda, pois, como defendia o
próprio Cidmar Teodoro Pais, as fronteiras entre a publicidade
(discurso sobre as mercadorias) e propaganda (discurso difusor
de ideologias, estão hoje cada vez mais tênues, quase invisíveis,
o que impossibilita entender esses conceitos de forma isolada e
endossa a sinonímia que se consolida na cultura deste subcampo
da comunicação, que hoje se transfigura em múltiplas expressões midiáticas e nos obriga a pensar no sentido de publicidade
e propaganda como algo que se publicisa, não mais nos formatos
tradicionais da publicidade, mas sim como algo que se dá por inúmeras formas de promoção, de tornar público e de divulgação de
ideias no âmbito da vida social, hoje mais do que nunca marcada
pela midiatização, ou seja, o fenômeno da discursivização da vida
social que aqui foi visto na perspectiva teórica da mediação sígnica da publicidade e da propangada.
327
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
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Os dez anos da habilitação em
Publicidade e Propaganda na UFC
Ana Danielle Cavalcante Menezes, André Marchesi de Camargo Neves,
Bárbara Figueiredo de Araújo, Débora Moreira Araújo e Glícia Maria Pontes Bezerra
A formação em Publicidade e Propaganda no Brasil
O ensino de Publicidade e Propaganda no Brasil foi iniciado
dentro das próprias agências de Propaganda, podendo ser citada
a Eclética como a primeira agência criada no território brasileiro.
Posteriormente, chegam ao Brasil o Departamento de Propaganda
da General Motors, agência J.W.Thompson e Ayer, que estimulam o
aprendizado prático de propaganda dentro das agências. Os profissionais que aí trabalhavam vinham de diversas áreas, como direito,
economia e arquitetura, pois não haviam profissionais especializados
em Publicidade e Propaganda, afirma Durand (2006).
Segundo Durand (2006), as agências começaram, então, a ser
uma espécie de escola para os profissionais que trabalhavam com publicidade, treinando as técnicas diretamente no mercado, muito embora isso significasse uma perda de tempo e dinheiro para as agências.
Na década de 50, o desenvolvimento da propaganda ocorrido
devido o desenvolvimento da indústria e do consumo motivou o Museu
de Arte de São Paulo – MASP - a criar o I Salão Nacional de Propaganda, dirigido por Pietro Maria Bardi. Em seguida, Durand (2006) afirma
que muitos cursos incluíram em seus currículos cadeiras relacionadas
à Publicidade e Propaganda, como, por exemplo, Arte Publicitária.
A partir daí, muitas escolas de Publicidade e Propaganda foram
sendo fundadas. Em 1952, foi dado início ao primeiro curso de propaganda com as seguintes disciplinas: Psicologia, Técnicas de Propaganda, Técnicas de Esboço (Layout), Arte Final, Produção e Arte Gráfica,
Redação, Rádio, cinema e TV, Mídia, Estatística (pesquisa de Mercado)
e Promoção de Venda. O curso inicialmente funcionava no MASP, porém, a procura foi tão grande que precisou mudar para uma nova e
maior sede e passou a ser conhecido como Escola de Propaganda de
331
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
São Paulo – EPSP. Em 1961, recebe o título de Escola Superior de Propaganda de São Paulo – ESP. Já em 1978, o curso introduz o ensinamento do Marketing no currículo, deixa de ter dois anos e passa a ter
quatro anos de duração e recebe o nome de ESPM – Escola Superior de
Propaganda e Marketing. (José Carlos Durand, 2006, pp. 438)
Durante os anos 80 e 90, as grades curriculares de muitos
cursos ainda passavam por adaptações as constantes transformações decorrentes do desenvolvimento que o Brasil inteiro estava
sofrendo. Assim, as Instituições de Ensino Superior – IES – procuravam meios para adaptarem-se as novas realidades de Mercado
existente. Foram convocados inúmeros seminários e debates para
analisar a melhor estrutura da graduação.
Com a Comunicação Social não foi diferente. Lutou-se bastante por modificações no Currículo Mínimo, aprovado pela Resolução
nº 02/84. E em 2001, com o Parecer nº 492/01, foi possível observar
que o Conselho Nacional de Educação – CNE – pôde estabelecer uma
maior flexibilidade na estrutura dos cursos possibilitando adequações de acordo com as demandas de cada um.
Em 2001, com o Parecer nº 492/01, foram regulamentadas as
habilitações do Curso de Comunicação Social em: Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Produção Editorial, Radialismo (Rádio e TV) e Cinema, e possibilitou liberdade para a criação
de novas habilitações, estas também tendo que estar de acordo com
as normas do CNE, segundo Dias (2003).
Os prêmios oferecidos e o reconhecimento que os profissionais de criação foram adquirindo no mercado publicitário, foram
gerando uma grande procura pelos cursos em todo o Brasil e a
concorrência pelas vagas dos cursos de Publicidade e Propaganda
foi ficando bastante alta.
Verificamos que em 1972 havia um registro de 46 escolas de Comunicação Social em funcionamento no Brasil (PINHO, 1998, p. 160) envolvendo todos os segmentos da área.
Atualmente é possível encontrar 75 cursos diferentes na área
de Marketing e Publicidade, a qual agrega os segmentos: Marketing e Propaganda, Mercadologia, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Já no segmento de Jornalismo e reportagem, verificamos o funcionamento de 300 cursos, distribuídos
332
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
nos segmentos: Cinema e Vídeo, Comunicação Social (redação e
conteúdo), Jornalismo, Produção Editorial, Radialismo e Rádio
e Telejornalismo (Samia Cruañes de Souza Dias, 2001, p.105).
Em 2009, segundo o site UOL Vestibular, a Universidade de
São Paulo (USP) disponibilizava 50 vagas para o curso de Publicidade e Propaganda e a concorrência por cada vaga foi de 40,6
candidatos, a maior concorrência comparando todos os cursos da
Instituição. Já em 2010, o curso de Publicidade e Propaganda da
Universidade Federal do Ceará (UFC) teve a concorrência de 17,2
pessoas por vaga, dentre as 50 ofertadas e 861 inscritas neste mesmo vestibular 2010.1. (Coordenadoria de Concursos na UFC, 2010).
Tal concorrência já foi maior, mas podemos justificar esse declínio
em decorrência da abertura de novos cursos na Universidade Federal do Ceará, tais como Cinema e Audiovisual.
Surgimento do Curso de Comunicação no Ceará
A criação de um curso de Jornalismo começou a ser pensada
em 1937 em uma sessão na Associação Cearense de Imprensa (ACI)
que hoje é uma das instituições mais importantes do Estado. Fundada em 14 de julho de 1925, no Governo de Marcos Peixoto, pela iniciativa de repórteres, auxiliares de redação, jornalistas praticantes ou
avulsos, não eram jornalistas de formação teórica, e sim de prática. A
ACI foi um dos órgãos mais importantes para a criação do jornalismo
e do curso de comunicação no Ceará.
Segundo Sá (1979), apesar de não terem sido tomadas providências no sentido de concretizar nessa empreitada, a ACI continuou
a empreender ações a fim de criar o curso de Jornalismo. Durante
toda a década de 1950, buscou criar a primeira escola de Jornalismo
junto à Faculdade Católica de Filosofia. Em 1964, foram oferecidos
dois cursinhos de Jornalismo para iniciantes de curta duração e, em
1965, realizava-se o primeiro Curso Livre patrocinado pela Universidade Federal do Ceará, resultando na criação do Curso de Jornalismo
que começou a funcionar em 1966. Sá (1979, pp. 74) mostra que “a
formação do profissional de Imprensa se fazia cada vez mais imperativa e o Brasil tinha absoluta consciência dessa necessidade.” O
Ceará não fugiu dessa visão e desse objetivo e tudo fez no sentido de
também possuir a sua Escola de Jornalismo.
333
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Na verdade, só houve a realização de um curso livre em Fortaleza, os outros dois empreendidos pela ACI com participação atuante
de Adísia Sá eram cursos de jornalismo para iniciantes, o que a jornalista faz questão de deixar claro.
O curso de Jornalismo no Ceará veio para suprir a necessidade
de se preparar profissionais para um mercado de trabalho que crescia
cada vez mais rápido. Também aqui, houve a passagem por um período de jornalismo boêmio, e que, aos poucos, foi trocado pelo jornalismo empresarial, deixando cada vez mais de absorver profissionais que
agissem segundo seus impulsos criativos. O mercado de trabalho, com
a industrialização, demandava um preparo antecipado, daí a necessidade dos cursos. Sá (1979) ressalta também a importância de se dar
uma formação ética, científica e jurídica para os ingressantes na área.
A importância de se falar dos cursos de Comunicação Social
reside no fato de que eles acompanham bem de perto a formação do
profissional ao longo do tempo. Foram eles que acabaram por influenciar a formação dos mais variados tipos de jornalistas, resultando em
uma pluralidade de identidades dessas pessoas.
Já o curso de Publicidade e Propaganda surgiu no contexto
da cidade de Fortaleza por uma exigência de uma maior qualificação
no mercado de trabalho. Segundo o Projeto Pedagógico do Curso de
Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda da
UFC (2004), por falta de profissionais adequados o mercado publicitário se valia de trabalhadores de várias áreas, como jornalismo ou
outros até mesmo sem formação acadêmica.
No cenário local, quem primeiro atende a essa necessidade
acadêmica do mercado é a Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
fundando seu curso de Publicidade e Propaganda já em 1997. Diferente da UFC, a Unifor funda um curso específico em Publicidade e
Propaganda, formando, dessa forma, publicitários, enquanto na UFC
formam-se comunicólogos habilitados em publicidade e propaganda.
A UFC justifica a implementação da habilitação segundo alguns
pressupostos que, diante de sua filosofia e das necessidades identificadas no mercado, contribuem de forma eficiente para a boa formação
do profissional em questão, como a ética e a livre expressão do profissional; participação nas transformações sociais, políticas e culturais
334
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
assim como também, o estímulo ao envolvimento em projetos e grupos
de pesquisa. Estes pontos norteadores partem do princípio de que não
basta ao profissional de publicidade a abrangência em conhecimentos
técnicos, mas o conhecimento e o envolvimento real em todo contexto
no qual o mesmo está inserido. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004)
A Universidade Federal do Ceará apresenta ainda os objetivos que
sua habilitação em publicidade e propaganda visa alcançar. São estes:
• Formar profissionais capazes de interagir no cenário profissional e no mercado de trabalho;
• Estimular o exercício de uma visão crítica e criativa sobre
os fatos e evidências ocorrentes na sociedade;
• Conscientizar acerca da importância da educação continuada;
• Preparar um profissional ético, competente, com capacidade
de saber-pensar-atender-transformar as demandas/necessidades do mercado, bem como intervir e transformar a realidade;
• Estimular a busca por atividades de pesquisas e o interesse
pela docência. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, pp. 10).
A missão da habilitação em Publicidade e Propaganda da UFC
é formar profissionais éticos, atualizados com as novas tendências do
mercado, assim como também, de seus aparatos técnicos e com consciência crítica diante da realidade local, regional e nacional, “tendo
como preocupação central (...) formar pessoas/profissionais que não
se limitem apenas ao exercício técnico-profissional, mas a uma atuação ético-política, comprometida com as transformações qualitativas do mundo em que vivemos”. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, pp.
16). Diante de tais características a Universidade Federal do Ceará
desenvolve o perfil do profissional que deseja entregar ao mercado
visando suprir as necessidades urgentes do mesmo. Dentre as características deste profissional encontram-se as seguintes:
• Domínio das linguagens dos meios de comunicação e as novas tecnologias relacionadas ao exercício da profissão, sendo
capaz de adaptar-se a processos de experimentação e inovação;
335
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
• Acompanhamento do trabalho dos departamentos de criação, produção e pesquisa, analisando e comparando potencialidades do mercado a que se destina o produto ou serviço;
• Elaboração de estratégias de lançamento e sustentação de
produtos e serviços, através do levantamento das expectativas
do mercado a que se destinam;
• Confecção dos custos e dos orçamentos das campanhas publicitárias, otimizando a relação custo vs. benefício;
• Planejamento e execução de campanhas publicitárias em
meios de comunicação. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, p. 11)
Quando se trata da área de atuação do profissional formado, o
projeto pedagógico proposto pela universidade ressalta que os campos de atuação do profissional formado no curso são as agências de
publicidade, as assessorias de empresas, os veículos de comunicação,
as ONG’s e as universidades e centros de pesquisas, para os que seguirão carreira acadêmica.
Sobre agregar valores e disciplinas diversas para uma formação mais completa e eficiente de seus profissionais, o Projeto Pedagógico da habilitação na UFC diz:
A formação de um repertório de informações diversificadas, da moda à religião, do futebol à tecnologia de ponta, é
de fundamental importância para a formação do profissional
de comunicação, indiferentemente da área em que atua ou
do nível de especialização que possui. (P.P. PUBLICIDADE
UFC, 2004, pp. 21).
Pode-se destacar que a Universidade Federal do Ceará traz em
sua filosofia uma grande atenção quando se trata de pesquisa e produção teórico-acadêmica, incentivando seus alunos a escreverem sobre
o que produzem, a questionarem as produções atuais e a vivenciarem
a pesquisa em sua área de comunicação de forma autêntica e transformadora, dessa forma, a UFC tem seu olhar bastante voltado para
o pensamento crítico da realidade em que o profissional está inserido.
Atendendo à crescente demanda do mercado, posteriormente,
outras faculdades da cidade passaram a ofertar cursos na área de Pu-
336
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
blicidade e Propaganda. Em 2004, é implantado o curso na Faculdade
Integrada do Ceará (FIC); também em 2004, a Faculdades Cearenses
(FAC); em seguida, 2005, a Faculdades Nordeste (FANOR); em 2006,
a Faculdade 7 de Setembro (Fa7) inaugura o seu curso de Publicidade e Propaganda; no ano de 2008, é a vez da Faculdade Católica do
Ceará; e a mais recente, 2009, a Faculdade de Fortaleza (Fafor). Ao
todo são oito (8) faculdades que oferecem o curso de Publicidade e
Propaganda na cidade de Fortaleza.
a. A tradição do curso de Jornalismo
O curso de Comunicação Social da UFC funcionou como curso
polivalente durante 23 anos. Em 1987 foi aprovado pelo CEPE/UFC
o sistema de habilitações e logo em 1988 foi implantada a habilitação
em Jornalismo ficando as demais, radialismo e publicidade e propaganda, para posterior implantação. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004).
A habilitação em Publicidade e Propaganda só foi implantada
dez anos depois, em 1998. Dessa forma tal habilitação nasceu quando
já havia uma tradição da anterior, em jornalismo. Assim, a habilitação em publicidade e propaganda passou por muitos desafios para
conseguir se consolidar como habilitação, já que a habilitação em Jornalismo era consolidada e a nova habilitação foi criada num período
muito difícil para a universidade pública brasileira de escassez de
recursos humanos e materiais.
O curso de Comunicação Social na UFC existiu sem a Habilitação em Publicidade e Propaganda durante os seus 33 primeiros
anos, de tal forma que muitos alunos que buscavam essa formação se
viam obrigados a cursar Comunicação Social (polivalente) e, posteriormente, Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.
Os profissionais que trabalhavam no mercado publicitário cearense vinham de formações diversas, como o próprio Jornalismo,
ou até mesmo sem nenhuma formação superior. O Mercado exigia,
portanto, profissionais que tivessem uma discussão acadêmica a respeito o fazer Publicidade.
b. A criação da habilitação em Publicidade e Propaganda na UFC
337
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
O processo de implantação da habilitação se deu, em especial,
a partir da mobilização dos estudantes de Jornalismo que criaram
a campanha “Publicidade na UFC é só propaganda” e chamaram a
atenção da Administração Superior da Universidade.
Em 1998, alunos, servidores e professores iniciaram discussões que visavam implementar a habilitação em Publicidade e Propaganda no Curso de Comunicação Social da UFC. Seguindo as Leis
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e as recomendações apresentadas pelo relatório da Comissão de Especialistas que
sistematizaram as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Comunicação Social e suas habilitações, foi autorizada a abertura da habilitação em Publicidade e Propaganda na UFC no ano de 1998 e no mesmo ano foram abertas inscrições para o curso no vestibular da UFC.
A primeira turma matriculada iniciou as aulas no primeiro semestre
de 1999, e possuía 25 alunos.
Porém, com a criação da habilitação e todas as dificuldades
enfrentadas durante o início do seu funcionamento, como a falta de
professores especializados na área e deficiência na estrutura laboratorial do curso, se formou uma imagem externa negativa da habilitação na UFC. Assim, muitos estudantes ingressavam na habilitação
com receio e outros desistiam do curso após o ingresso, o que gerou
um alto índice de evasão nas primeiras turmas.
Os anos iniciais foram marcados pela falta de materiais básicos para o funcionamento adequado do curso, ausência de professores
com vivência e conhecimento sobre a área, pela grande quantidade
de professores substitutos (na época eram treze), muitas aulas não
aconteciam por falta de estrutura, não havia computadores nem estúdios onde os alunos pudessem praticar a teoria, não havia assistência estudantil de qualidade, chegando a ter em um ano apenas um
bolsista no curso. Iniciou-se então um processo de luta pela aquisição
de materiais estruturais e ampliação do corpo docente efetivo. Esse
período coincidiu com o processo de sucateamento das universidades
federais brasileiras, as quais tiveram uma grande redução nos investimentos e na contratação de professores. Segundo Cunha (2003),
com a tentativa de redução de gastos com as universidades e centros
universitários, estas passaram por um processo de desvinculação
338
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
entre ensino, pesquisa e extensão, causando grandes perdas para a
qualidade do ensino no Brasil.
Hoje, após algumas reformulações na estrutura, aquisição de
novos equipamentos e contratação de professores especializados na
área, a habilitação em Publicidade e Propaganda da UFC vem se
consolidando e sendo cada vez mais reconhecida. O curso forma comunicólogos, só que comunicólogos com habilitação em publicidade e
propaganda ou jornalismo.
Uma das grandes mudanças vividas na habilitação foi a reformulação da grade curricular em 2006, com a criação de disciplinas
que antes não eram contempladas no currículo, tal como Direção de
Arte e Redação Publicitária, além da possibilidade de realização do
Projeto Experimental em Publicidade e Propaganda, que antes não
era previsto. Além disso, a estrutura física da Publicidade na UFC
teve uma grande melhoria. Foram contratados os primeiros professores formados em publicidade e propaganda ou estudiosos do assunto,
alguns formados no próprio curso. Aparelhos como câmeras de vídeos, gravadores e computadores foram adquiridos.
Também podemos destacar que dentro dos seus 45 anos de
existência do curso de Comunicação, foram desenvolvidos projetos de
alta relevância para os estudantes e para o curso em si, promovendo
uma maior integração entre universidade e aluno. Projetos como o PETCOM, Bawbu’siu, Liga Experimental de Comunicação, PARC, Oficina de Quadrinhos, TVez e GRIM, funcionam de forma a estimular o
aluno a aplicar os conteúdos aprendidos em sala de aula, como os projetos que surgiram dentro do PETCOM: PETv, CineCOM e o GENT.
O Balbucio (ou Bawbu’siu) foi criado em 2003 e é vinculado à
Universidade Federal do Ceará como Projeto de Extensão. O grupo
realizou mais de 40 apresentações de performances e instalações em
diversos eventos cearenses, além de ter promovido dois seminários
sobre a produção artística em seus diversos aspectos.
Criada em 2007, a Liga Experimental de Comunicação surge
da necessidade e pressão dos alunos da UFC em ter uma agência
que tivesse fins práticos, aproximando os estudantes da realidade do
mercado. Atende tanto a necessidades de comunicação de instrumentos dentro da UFC como a ONG’s, com o objetivo gerar benefícios às
339
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
organizações que não possuem renda para a realização de projetos,
firmando-se como uma via de mão dupla, que permite aprendizado
aos alunos e soluções para as empresas que são clientes.
Mais um projeto de extensão do curso de Comunicação Social, a Oficina de Quadrinhos foi iniciada com o professor Ricardo
Jorge. Os alunos aprendem desde as noções básicas do tema, técnica de redação de roteiros e diagramação de páginas, até a sua fase
final de produção e publicação.
O PARC (Programa de Assessoria Técnica e Sócio-Cultural às
Rádios Comunitárias do Ceará), criado em 1987, pela professora Márcia Vidal Nunes, desenvolve atividades em Comunicação Comunitária/
Popular/Alternativa. Caracteriza-se pela realização de discussões nas
comunidades, objetivando aprimorar as informações surgidas nesses locais e permitindo uma maior compreensão da importância dessa mídia
para os moradores das localidades trabalhadas. Outro programa de extensão voltado para a compreensão das mídias é o TVez, educação para
uso criativo das mídias, surgido da preocupação das professoras Luciana Lobo (psicologia) e Inês Vitorino Sampaio (comunicação) com a forma que o indivíduo “lê” e interpreta a mídia televisiva. Desde 2005, são
desenvolvidas oficinas, debates e apresentações de trabalho em diversas
comunidades, discutindo psicologia, comunicação e educação.
O Grupo de Pesquisa da Relação Infância Adolescência e Mídia, GRIM, composto por alunos da graduação e do mestrado de Comunicação Social, objetiva discutir e debater a ética da comunicação
voltada para a criança e para o adolescente. O projeto há mais de 10
anos auxilia na formação de alunos através da iniciação à pesquisa,
orientação de monografias e acompanhamento na elaboração de artigos científicos para congressos.
Tais melhorias têm o objetivo de formar além de excelentes
publicitários, profissionais críticos, que reflitam a sociedade e que
possam unir os ensinos teóricos à prática.
Princípios esses que estão refletidos no Projeto Pedagógico da
habilitação em Publicidade e Propaganda:
• Comprometimento com a ética e a liberdade de expressão,
possibilitando uma ação técnica fundada em princípios teóri-
340
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
cos-metodológicos que assegure uma sólida formação para o
exercício profissional, como também o exercício da livre criação e expressão de idéias.
• Participação das transformações sociais, políticas e culturais, dando condições aos profissionais, para o aperfeiçoamento
da sua capacidade crítica, proporcionando-lhes a possibilidade
de atuar e de transformar a realidade do mercado de trabalho,
tendo em vista os avanços tecnológicos e os interesses sociais,
os políticos e os culturais da maior parte de população.
• Incentivo a cultura acadêmica por intermédio da integração dos alunos a grupos de pesquisa, monitorias e participação em projetos de iniciação à pesquisa. (P.P. PUBLICIDADE
UFC, 2006, pp. 9)
Hoje o Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda tem professores efetivos e substitutos especializados na área, 264 alunos matriculados, 180 alunos formados e
mais de 50 bolsistas.
A estrutura física conta com quatro laboratórios (Redação e
Produção Gráfica, Fotografia, Produção Radiofônica e Produção Televisiva) e quatro salas de áudiovisuais.
A matriz curricular da habilitação em Publicidade e Propaganda exige do aluno que ele cumpra uma carga horária de 3504
horas (219 créditos1), sendo 10 créditos de disciplinas opcionais ou
livre e 10 créditos de atividades complementares (cursos, eventos,
projetos, artigos, movimento estudantil) além de 96 horas destinadas
ao estágio obrigatório.
Para o futuro
Em 2008, o Curso de Comunicação Social da UFC passou a
fazer parte do Instituto de Cultura e Arte (ICA), mudando sua estrutura hierárquica, antes submetida ao Centro de Humanidades
e ao Departamento de Comunicação Social, este último deixa de
1
De acordo com o regimento da Universidade Federal do Ceará, um (1) crédito equivale a 16
(dezesseis) horas/aula.
341
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
existir e tem como substituto no organograma da Universidade a
Coordenação do curso.
Com essa mudança, o curso irá ser transferido para um novo
prédio, no Campus do Pici, onde terá instalações mais adequadas
para o seu funcionamento.
O Instituto uniu os cursos de Artes Cênicas, Cinemas e Audiovisual, Comunicação Social, Educação Musical, Estilismo e Moda,
Filosofia e Gastronomia. Futuramente, em 2011, o Curso de Dança
será também incorporado. Com o intuito de desenvolver o ensino,
a pesquisa e extensão no segmento das artes no Estado, especializando o ensino, Custódio Almeida (também pró-reitor de Graduação
da UFC) foi indicado pelo Reitor, Professor Jesualdo Pereira Farias,
para a diretoria do ICA.
As mudanças nas diretrizes curriculares dos Cursos de Comunicação Social estão sendo discutidas nacionalmente através do
Ministério da Educação e deverão apontar grandes transformações
no perfil da formação em comunicação.
Referências
Coordenadoria de Concursos na UFC, 2010 – www.ccv.ufc.br
CUNHA, Luiz Antônio. O Ensino Superior no Octênio FHC. Educ. Soc.
Campinas, vol. 24, n. 82, p. 37-61, abril 2003.
DURAND, José Carlos. Educação e Ideologia do talento no mundo da
Publicidade. Escola de Administração de Empresas, Fundação Getúlio
Vargas. Centro de Estudos de Cultura e do Consumo, janeiro de 2006.
DIAS, Samia Cruañes de Souza. A Criação da habilitação Publicidade e
Propaganda no Brasil: seus problemas e soluções. UMESP. 2001
PINHO, J.B. Trajetória e demandas do ensino de graduação em Publicidade e Propaganda no Brasil. In: Publicidade: análise da produção
publicitária – org. Paulo Rogério Tarsitano. Mauá, SP: P. R. Tarsitano, 1998. Apud, DIAS, Samia Cruañes de Souza. A Criação da habilitação Publicidade e Propaganda no Brasil: seus problemas e soluções.
UMESP. 2001
342
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social – Habilitação em
Publicidade e Propaganda da UFC (2004). Disponível em: http://www.dcs.
ufc.br/arquivos/PP_Comunicacao_Social_Publicidade_e_Propaganda.pdf
SÁ, Adísia. O jornalista brasileiro: Federação Nacional dos Jornalistas
Profissionais, de 1946 a 1999. Fortaleza: Edições Fundação Demócrito
Rocha, 1999.
UOL Vestibular. Publicidade e propaganda lidera a concorrência do
vestibular 2009 da USP. Disponível em: http://vestibular.uol.com.br/ultnot/2008/11/07/ult798u23729.jhtm Acesso em 20 de março de 2010.
343
Mapeamento e reflexão das ações comunicacionais
de uma universidade em construção
Flavi Ferreira Lisbôa Filho, Janiélli T. Ferreira Camargo,
Orlando Garcia Portela Júnior e Quelen Madlei Silveira de Bairros
Considerações iniciais
1
A Universidade Federal do Pampa (Unipampa) conta atualmente com 43 cursos de graduação, distribuídos em seus dez campi. Esse
artigo trata de como se dá a comunicação na Unipampa, pois devido
a sua intermunicipalidade e as distâncias geográficas que separam os
campi, a comunicação deve ser considerada de forma estratégica.
A preservação do discurso como unidade de comunicação
tanto entre os campi, como internamente em cada campus e com a
sociedade se faz necessária, para construir, reforçar e preservar a
identidade da instituição.
Segundo Torquato (1986, p. 52-53) “(...) a eficácia da organização depende, fundamentalmente, do conjunto harmonioso que
se instala, tendo como pólo uma estrutura de coordenação para as
operações de comunicação organizacional.” Para o referido autor a
comunicação transformou-se na peça base das instituições, mantendo a ordem de desenvolvimento e expansão. Além, de preservar
e reforçar pontos específicos da identidade institucional, fazendo
com que todos trabalhem em torno de uma missão. Então, a comunicação desperta assim, um fluxo positivo com o propósito de
influenciar o crescimento interno, externo e integrado da organização que dela melhor apropriar-se.
A fim de iniciar a reflexão para a construção de uma política
de comunicação para a Universidade Federal do Pampa realizaram-se entrevistas semi-estruturadas com os dirigentes dos dez campi,
que constituem a universidade, ou com servidores indicados por eles.
As entrevistas foram gravadas e posteriormente decupadas. A partir
1
Este estudo é fruto de um trabalho investigativo realizado durante o ano de
2007 e 2008.
345
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
delas se fez o mapeamento das principais falas dos entrevistados com
o propósito de conhecer as necessidades, prioridades, semelhanças
e particularidades comunicacionais dos dez campi da Universidade.
A comunicação integrada nas organizações: definições conceituais
O modelo da Comunicação Integrada tem sido estudado no
Brasil prioritariamente no campo da Comunicação Empresarial. De
acordo com Scroferneker (2006, on-line), Kunsch e Torquato destacam-se por suas pesquisas nesta área, constituindo-se em referências para os estudos de comunicação organizacional. A preocupação
centra-se em estabelecer a abrangência do seu campo, assim como
atribuir-lhe posição estratégica nas organizações.
Para Kunsch (1999) a comunicação integrada deve ser entendida como uma filosofia, capaz de nortear e orientar toda a comunicação que é gerada na organização. Considerá-la desta forma é também
condição ímpar para que a comunicação seja fator estratégico no desenvolvimento organizacional.
Entende-se por comunicação integrada aquela em que
as diversas subáreas da Comunicação atuam de forma sinérgica. Ela pressupõe uma junção da comunicação institucional,
da comunicação mercadológica e da comunicação interna, que
foram o composto da comunicação organizacional. Este deve
formar um conjunto harmonioso, apesar das diferenças e das
especificidades de cada setor e dos respectivos subsetores. A
soma de todas as atividades redundará na eficácia da comunicação nas organizações. (KUNSCH, 1997, p. 115)
A relevância da comunicação integrada se atribui ao fato
dela permitir elaborar uma política global, dotando de coerência e
coesão os programas de comunicação, por meio de uma linguagem
comum e de um comportamento organizacional homogêneo. Vejamos a seguir como se caracterizam as comunicações nas organizações segundo Kunsch (1999):
• a comunicação institucional é responsável pelo burilamento da imagem corporativa, construindo a credibilidade da organização e consolidando sua personalidade;
346
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
• a comunicação mercadológica centra-se no objetivo de vendas. Vincula-se ao marketing, à promoção, às feiras, à propaganda comercial, ao merchandising etc.;
• a comunicação interna busca uma maior integração dentro
da organização, pois procura a satisfação dos interesses dos
funcionários e da corporação, a partir do diálogo, da participação e da troca de informações. Busca valorizar o colaborador
como cidadão; e
• - a comunicação administrativa relaciona os fluxos (descendente, ascendente, lateral e diagonal), os níveis (intra, inter,
grupal e coletivo) e as redes (formal e informal), que permitem
o funcionamento de todo sistema de comunicação na ambiência da instituição.
Na ilustração a seguir evidenciam-se algumas ferramentas da
comunicação integrada:
Comunicação Integrada
Composto de Comunicação
Comunicação Organizacional
Institucional
- relações públicas
- marketing social
- marketing cultural
- jornalismo
- assessoria de imprensa
- identidade corporativa
- propaganda institucional
Interna
- utiliza metodologias e
técnicas da comunicação
institucional e da mercadológica, mas voltada
para o público interno
Administrativa
- fluxos
- rede formal
- rede informal
- veículos
Mercadológica
- marketing
- propaganda
- promoção de vendas
- feiras e exposições
- marketing direto
- merchandising
- venda pessoal
Adaptado de Kunsch (1997).
Torquato (2002, p. 35), por sua vez, afirma que a comunicação
organizacional “(...) é a possibilidade sistêmica que, integrada, reúne
as modalidades de comunicação cultural, comunicação administrativa, comunicação social e sistemas de informação”.
Este autor considera a comunicação institucional e a mercadológica como comunicação social, na qual estão contempladas as áreas
de jornalismo, relações públicas, publicidade, editoração e marketing.
347
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
A comunicação administrativa, segundo Torquato (2002,
p.45) são:
(...) normas, instruções, políticas comerciais/negociais, políticas de desempenho de pessoal, políticas de promoção, políticas
salariais, políticas de gestão/organização/modernização, regulamentos, portarias, avisos, informações sobre novos lançamentos, programas, produtos e/ou serviços, mudanças institucionais
e programáticas, projetos de expansão/racionalização da rede,
movimentos negociais, resultados de campanhas.
A comunicação interna se desenvolve paralelamente à comunicação administrativa, e tem como missão básica “contribuir para o
desenvolvimento de e a manutenção de um clima positivo, propício
para o cumprimento das metas estratégicas da organização” (TORQUATO, 2002, p. 54). Além de incluir o sistema de informação como
uma quarta forma de comunicação, na qual estão agregadas as informações armazenadas em bancos de dados.
Apesar das diferentes terminologias utilizadas, ambos os autores
enfatizam a necessidade da comunicação ser pensada de forma integrada e como uma ferramenta estratégica pelas organizações. Desta forma,
ela contribui para o desenvolvimento e a eficácia organizacional.
Apresentação dos resultados
a. Necessidades, semelhanças e particularidades
As principais semelhanças identificadas entre os campi da
Unipampa foram a falta de um profissional específico para área de
comunicação, o que acarretou em acúmulo de funções para determinadas pessoas ou até mesmo na não atribuição de um responsável
para cuidar da comunicação. Ao mesmo tempo, isto aponta para a necessidade de se ter responsáveis para exercer a função de comunicação, tal como uma assessoria de comunicação. Contudo, tratando-se
de uma universidade pública todas as contratações se dão através de
concursos públicos, que, por sua vez, dependem de deliberações dos
Ministérios da Educação e do Planejamento.
Também se verificou a necessidade de se ter uma identidade
visual que represente a Universidade, pois eram usadas as marcas
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade
348
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Federal de Pelotas (UFPel), pois a Unipampa configurava-se como
extensão delas. Em outras palavras, por meio de acordos de cooperação técnica firmado entre as referidas universidades e o Ministério
da Educação se deu a implantação do que veio a ser a Unipampa.
Tanto UFSM quanto UFPel ficaram com a incumbência de implementar cinco campi cada uma e seus primeiros cursos de graduação.
Em janeiro de 2008 foi sancionada a Lei de criação da Unipampa e a
partir de março a Universidade passou a ter uma logomarca própria.
Contudo, outras necessidades foram geradas, como a unificação do
papelório, material de expediente, sinalização, entre outros.
No que diz respeito à criação e produção gráficas dos campi,
constatou-se que o trabalho geralmente é feito por algum docente,
aluno ou funcionário. Salvo casos mais específicos, como em Santana
do Livramento, cujas impressões e arte gráfica são feitas pela UFPel.
Já, no campus de Uruguaiana havia um patrocínio da Prefeitura
para a realização tais atividades.
Quanto à imprensa, foram identificadas relações bem específicas da Instituição, estando diretamente vinculada à gestão de cada
campus e a cidade em que está situado.
No campus de Alegrete observa-se um posicionamento muito
positivo da imprensa em relação à imagem da Unipampa. Os jornais
dão destaque para toda informação referente à Instituição, assim como
as rádios que, até então, sempre se disponibilizaram à Universidade.
Em São Gabriel estabeleceu-se “parceria” com apenas um jornal, embora os releases fossem encaminhados para todo. Uma espécie de vínculo informal, pois as notícias da Unipampa são divulgadas
sempre pelo mesmo veículo.
Em Santana do Livramento, o campus enviava para uma rádio
e um jornal específicos, considerando que assim, atingiriam o público
desejado, em função da área de abrangência dos veículos. Porém, com
relação ao meio televisivo os gestores dizem: “Não tínhamos tanto
acesso ao pessoal que fazia reportagem na RBS, diferente de agora
com o Eduardo (nova equipe), que já veio nos procurar.”
Segundo os dirigentes de Itaqui, “o espaço midiático que temos
é dos três jornais, embora um não permita a aproximação, pois acredita que somos aliados da Prefeitura, outro é mais receptivo desde o
349
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
início, já publicou até foto na capa da festa de um ano da Unipampa
de Itaqui e o outro está mais receptivo no momento”.
Em São Borja os gestores declararam que, “(...) na abertura
do primeiro semestre, em outubro de 2006, nós fizemos um convite
para todo o pessoal da imprensa para o primeiro dia de aula, todos
compareceram e nós fizemos uma lista com o nome das pessoas que
estavam representando os veículos, pegamos os e-mails e toda a vez
que precisamos divulgar uma informação usamos o mailing”.
A presença da imprensa no campus de Caçapava do Sul é pouco expressiva pelo que foi destacado na entrevista. O diário de Santa
Maria fez contato por telefone apenas uma vez para saber sobre o andamento das obras. Após isso, houve um chamado do campus para que
a imprensa viesse cobrir a aula inaugural, mas ela acabou por não ir.
Com relação ao campus de Bagé, “nunca houve negativa da
mídia, quando pedimos espaço, são receptivos. Tivemos apenas um
problema de sensacionalismo em um programa de rádio, mas agora o
programa não está mais no ar”.
Em Uruguaiana foi destacada uma relação instável com a imprensa, principalmente local, pois “a imprensa só aparece quando se
tem um fato polêmico para explorar”.
Em Dom Pedrito a Rádio FM, por ter uma característica mais
comercial, percebe-se certa dificuldade de acesso por parte do campus.
“Já nas outras duas rádios locais, há uma preocupação social mais evidente o que resulta em uma parceria”. Outra particularidade relevante
é que no campus Dom Pedrito há a tentativa de “estreitar as relações
com a comunidade” através da criação do “Cinepampa”, com a projeção
de filmes, dentro do espaço físico da Unidade, para a sociedade pedritense. O campus conta também, com um espaço semanal gratuito de
15 minutos na rádio Sulina, chamado Momento Unipampa.
Em Jaguarão destacou-se que é preciso encontrar uma abertura pelas diversas mídias presentes como, rádio, jornal, televisão, internet, entre outros, para que a comunicação com a sociedade e com
os outros campi da Unipampa seja presente e mostre a grandeza que
a Universidade representa, destacando a qualificação e o potencial do
corpo docente e dos funcionários técnico-administrativos em educação.
350
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Em relação aos eventos oficiais promovidos pelas unidades, foi
expressa a vontade de se ter um profissional específico para tratar
deste tema, mas na ausência desse profissional e com a necessidade
de realizar esse tipo de trabalho, verificou-se que os campi encontraram saídas diversas. Em São Borja, por exemplo, realizou-se uma
atividade complementar de graduação – ACG de 30 horas direcionada aos acadêmicos com a intenção de qualificá-los na organização de
eventos. “Os alunos que fizeram aprenderam a fazer o cerimonial e
protocolo, enviar releases, fazer o checklist dos eventos, etc.” (Gestores de São Borja). Os outros campi pediram para que houvesse uma
espécie de treinamento para organização de eventos, pois na maioria
os eventos são organizados por docentes, discentes e funcionários,
que nunca tiveram formação ou aproximação com a área.
b. Prioridades de comunicação
Considerando-se o pressuposto que é preciso comunicar,
sobretudo, internamente, como estímulo ao diálogo e à troca de
informações, na busca pela qualidade (KUNSCH apud MILEIDE,
2007), os funcionários assumem papel importante, pois contribuem para a formação, reforço e preservação imagem da instituição em tempo integral. Neste sentido, é oportuno que os servidores públicos do quadro da Unipampa tomem conhecimento que
qualquer tipo de ação pode interferir na imagem da Universidade.
Por esse motivo, o processo de gestão da comunicação interna em
cada uma das unidades é de suma importância, além de diminuir
a circulação de mensagens equivocadas. Mas, devem-se envolver
outros atores, como os acadêmicos, por exemplo.
Quanto à integração entre os campi, ela deve ser planejada,
estruturada e posta em prática, pois, é fundamental se conhecer e
reconhecer-se, para conseguir se tornar conhecida e reconhecida externamente. Ou seja, precisa-se pensar uma política de comunicação
que atenda as especificidades de uma universidade multicampi para
que a Unipampa se fortaleça como Instituição de Ensino Superior.
“Faz-se necessária a troca de figurinhas, pois a dificuldade de
alguém daqui pode ser a do outro de lá e pode ser solucionada em
grupo. Temos que funcionar integrados ainda mesmo que as áreas não
sejam comuns, pelo menos a gente terá a certeza de que não estamos
351
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
trabalhando sozinhos. Isto fortaleceria muito mais os nossos vínculos e
a estabilidade do quadro da Unipampa.” (Dirigentes de Itaqui).
A necessidade de integração pode ser constatada na seguinte
frase: “ocorre perda de oportunidades, todos os dias enquanto não nos
conhecermos” (Gestor de Bagé, referindo-se a Unipampa como um
todo). Essa integração faz-se fundamental para consolidar a imagem
da Unipampa, não mais como unidades isoladas, mas como uma instituição em prol de um só objetivo. A partir de formas de comunicação
integrada é pode-se divulgar os princípios, os valores e o compromisso
da Instituição de forma consciente e segura, pois temos a “Unipampa
como identidade a se consolidar.” (Dirigentes de São Borja).
Embora exista uma logomarca, esta deve ser divulgada, se
fazer conhecer. E isso se dá, através da imprensa e de ações publicitárias conjuntas. Talvez, por isso, o monitoramento das informações
que são divulgadas sobre a universidade seja de extrema relevância.
Como sugere o Gestor de Jaguarão, “é importante saber o que sai, o
que a comunidade fica sabendo, porque é aí, que nós saímos da universidade e entramos na comunidade”.
Cabe salientar que é preciso divulgar os cursos ofertados, valorizando a qualificação do quadro de docentes, além de destacar a
importância da Universidade Federal do Pampa para o desenvolvimento das cidades e da região em que seus campi estão localizados,
enaltecendo a sua contribuição para a sociedade. “Temos que mostrar
o que é feito dentro da universidade” (Dirigentes de Alegrete).
A exemplo disto, podemos citar o vestibular 2008 da Unipampa, que poderia ter sido melhor divulgado nas mídias. Isto pode ter
acarretado na diminuição do número de candidatos por vaga. Como
sugere os dados do campus de São Borja, que em 2006 havia uma
procura de 3,5 candidatos em determinado curso e em 2008 “1,5
candidatos por vaga, isso não existe em lugar nenhum (...) depois
de um ano de trabalho era para ter aumentado a procura e ela diminuiu.” (Gestores de São Borja). Esta não opção pela Unipampa também se refletia no número de desistências e nos constantes pedidos
de transferências para outras universidades públicas federais, que
já tem seus nomes consolidados. A implantação de uma universidade faz exigências pontuais aos seus gestores e é neste sentido que
352
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
a comunicação pode contribuir, a partir de um gerenciamento adequado do processo comunicacional, por exemplo.
Interpretação e análise dos dados
A comunicação é o ponto central deste estudo, isso não é por
acaso, já que nos dez campi que compõem a Unipampa foram identificadas dificuldades nessa área. Estabelecer uma política comunicacional para uma instituição não é uma tarefa fácil, e isso se complica
ainda mais quando se trata de uma universidade multicampi, como
acontece com a Unipampa. Portanto, o trabalho de construção dessa
política deve ser elaborado com reflexão e discussão entre profissionais, gestores e demais envolvidos, para que se possam suprir as necessidades da Universidade e de seus campi.
Com a criação de uma marca própria para a universidade,
acredita-se que isto contribuirá para a geração de uma unidade visual. Contudo, falta a consolidação efetiva dessa marca junto à comunidade das regiões em que a Unipampa se faz presente. Com uma marca forte e uma boa divulgação de todos os eventos e ações dos campi,
a Universidade começa a demonstrar suas condições de assumir seu
lugar de importância e de relevância social.
Não obstante, o resultado da imagem que é passada para a comunidade é um reflexo das ações que são realizadas internamente. Logo, a
instituição deve preocupar-se com o gerenciamento da comunicação interna, de seus fluxos, níveis e redes, pois a comunicação entre docentes,
acadêmicos, técnico-administrativos, deve ser fluente. Para tanto, deve
ser feito o uso de todos os recursos e instrumentos que a comunicação
oferece, o que vem acontecendo apenas em alguns campi da Unipampa
e mesmo assim com uma certa deficiência, como se pode observar.
Além disto, cada campus deve ter um servidor responsável pela
comunicação, para que os funcionários não acumulem funções, contudo isto ainda não acontece em nenhum dos campi. Essa carência acaba
interferindo no relacionamento com a imprensa local. Vale mencionar
que o gerenciamento desse contato é fundamental quando pensamos
na comunicação externa da Unipampa para com os municípios e região.
A exemplo disto, alguns campi enfrentam dificuldades na comunicação
com a imprensa. Para uma universidade em implantação, esclarecer
353
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
para a sociedade, que a universidade conta com o apoio da prefeitura,
mas que é independente da mesma, já que é uma instituição federal,
pode ajudar no relacionamento dos campi com a imprensa.
A Unipampa como universidade federal deve estar em jornais,
rádios e televisão, não para fins comerciais ou meramente ilustrativos, mas para mostrar o compromisso público que uma instituição da
sua envergadura tem com o local, o regional e o nacional. A Unipampa precisa ser vista, ouvida e sentida pela comunidade e uma das
formas de se fazer isso é através das mídias locais. Pela ausência de
um responsável pela comunicação, certas atividades não são feitas ou
são feitas de forma inadequada.
Outro elemento comunicacional que influencia na imagem
da Instituição são os cuidados com o protocolo e o cerimonial dos
eventos realizados pelos campi. Poucas são as unidades que consideram estas formalidades em seus eventos, vai de regra, por desconhecimento. As que fazem, contam com o apoio de pessoas de
fora da Unipampa que tem certo conhecimento nesse sentido, ou
então, improvisam uma organização com os alunos do campus, o
que deve ser considerado. Já que demonstra a disponibilidade dos
gestores e de seus acadêmicos na construção de uma boa imagem
para a Instituição.
Nas prioridades destacadas pelos gestores dos campi ressaltam-se: o aprimoramento de comunicação interna, da relação com a
imprensa ou com os diversos públicos e o concurso de profissionais
para o exercício do trabalho de comunicação.
Propostas de ações
“O cerimonial de um evento como a Semana Acadêmica, deve
ter certa formalidade, por exemplo, quando se recebe um convidado
de fora, por mais que a pessoa não seja atida a questões de cerimonial
e protocolo, temos que considerar o cargo que a pessoa ocupa, quem
deve ser chamado primeiro, quem compõe a mesa de autoridades,
quem é que fala, qual a ordem, etc.” (Gestores de São Borja).
Em vista disso, propõem-se um treinamento para servidores dos
dez campi sobre organização de eventos com a convenção de um protocolo base a ser seguido por todas as unidades e com isso, manter a unicida-
354
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
de de discurso na Unipampa. Proposta esta, que minimiza a ausência de
um profissional específico da área, mas de maneira alguma o substitui.
A consciência de que o discente colabora para a construção da
imagem deve ser despertada pela Universidade através de uma proposta de motivação ao orgulho do acadêmico. Esse incentivo pode se
dar, através de um espaço para a exposição de trabalhos, realizados
pelos acadêmicos, no próprio site da Unipampa ou de eventos que enalteçam o que é feito na e pela Universidade. Até mesmo, para que os
campi saibam o que está sendo produzido pelos discentes e servidores
dos demais campi. Como sugere Matos apud Mileide (2007, on-line),
“À medida que o público interno é estimulado a participar encontra
abertura para dar sua opinião, sente-se mais valorizado e motivado.”
Devido ao modo como alguns discentes vêem a Unipampa,
apenas como uma porta de entrada para o ensino superior e assim
que possível pedem transferência para uma universidade já consolidada, faz-se irrefutável o esclarecimento de que a imagem da Unipampa está se constituindo aos poucos e que os discentes devem se
conscientizar que eles são parte e contribuem nesta construção.
Com o intuito de diminuir a pouca concorrência pelas vagas,
sugere-se que a Unipampa deixe de realizar seu vestibular em data
concomitante ao das grandes universidades, assim maximiza a oportunidade dos candidatos escolherem a Universidade.
Como a Unipampa é consideravelmente nova, é imprescindível esclarecer a que cada curso se refere, utilizando recursos
desde a internet até a visita às escolas locais. Pois, muitas vezes,
as pessoas entram na academia sem ter noção de que sua graduação consiste e acabam se evadindo.
Nos próximos processos seletivos de acadêmicos a Unipampa
pode usar a descentralização de forma positiva, explorando as relações com as escolas de ensino médio dos municípios e da região.
Também é preciso investir em publicidade para fortalecer a
imagem da Unipampa, destacando o potencial do quadro de docentes,
pois são em sua grande maioria doutores.
Ao pensar comunicação externa os campi precisam da imprensa. Fazer um mailing com contatos das pessoas dos veículos é
355
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
um começo. Na comunicação inter-campi é preciso aproximar mais
as unidades. Eventos de integração, pesquisa, entre outros agregam
valor à instituição.
As parcerias com os órgãos públicos devem ser mantidas e os
campi que não as possuem devem tentar criá-las. É inevitável também, orientar os campi para uma comunicação interna mais adequada. Um processo organizacional que conecte cada setor e que a comunicação entre eles seja sempre de forma fácil e segura.
Considerações finais
Conclui-se que a comunicação institucional não tem como princípio engessar os colaboradores, mas orientá-los para uma boa prática
comunicacional, tanto interna (direção, docentes, discentes, técnico-administrativos), como externa (imprensa, sociedade em geral), e
inter-campi (entre as unidades da Unipampa), através de princípios
e valores previamente definidos, que devem perpassar os discursos da
instituição. Assim, a unicidade da comunicação pode ser mantida, refletindo na consolidação da imagem desejada pela Unipampa.
Percebe-se ainda que devido ao modus de ver de alguns acadêmicos e a pouca concorrência por vaga é imprudente não se ter uma comunicação estruturada, já que, a Unipampa possui grandes “concorrentes”
próximas com a imagem já consolidada como a UFSM, a UFPel e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que vem a reforçar
a importância de uma comunicação interna e externa integrada.
De acordo com Baldissera (2000, p. 15), “(...) reforçar e preservar a identidade organizacional serve para atingir a estabilidade
necessária ao equilíbrio do grupo.” Isto se constrói também por meio
de uma identidade visual e da unidade de discurso, que deve ser disseminada para a comunidade dos dez campi.
Igualmente fica a sugestão de que antes de trabalhar a visibilidade externa, é preciso que a comunicação interna e a inter-campi
funcionem como recursos institucionais estratégicos da organização.
Pois, se a instituição não estiver integrada, ela “dificilmente conseguirá impulsionar um processo de mudanças com eficiência e bons
resultados.” (MATOS apud MILEIDE, 2007, on-line). Bem como, todos que compõem a universidade, têm que estarem cientes do seu
356
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
papel e das responsabilidades que isso acarreta. Neste sentido, a implantação de uma política institucional de comunicação contribuirá
com estas definições e clareza de papéis.
Referências
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Unisinos, 2000.
BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: teoria e pesquisa. Barueri, SP: Manole, 2003.
KUNSCH, Margarida M. K. Planejamento de relações públicas na
comunicação integrada. 4.ed. revisada, atualizada e ampliada. São
Paulo: Summus, 2003.
______. Relações públicas e modernidade: novos paradigmas na
comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997.
______. Gestão integrada da comunicação organizacional e os desafios
da sociedade contemporânea. In: Comunicação e sociedade. São
Bernardo do Campo: Universidade Metodista de são Paulo (UMESP),
n.º 32, 2º semestre de 1999, pp 71-88
MILEIDE, Aline. A comunicação interna e o endomarketing
como fatores estratégicos nas organizações. Disponível em:
<http://www.webartigos.com/articles/2621/1/a-comunicaccedilatildeo-interna-e-o-endomarketing-como-fatores-estrateacutegicos-nas-organizaccedilocirces/pagina1.html>. Acesso em: 27 junho 2008.
PIMENTA, Maria Alzira. Comunicação empresarial. São Paulo:
Alínea, 1999.
SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade. Perspectivas teóricas da
comunicação organizacional. Disponível em: <http://www.eca.usp.
br/alaic/boletin11/cleusa.htm> Acesso em 28 de setembro de 2006.
TORQUATO, Gaudêncio. Comunicação empresarial/comunicação institucional. São Paulo: Summus, 1986.
______.Tratado de comunicação organizacional e política.
São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
357
Ensino e Prática de Relações Públicas:
memória do grupo de pesquisa
Cláudia Peixoto de Moura, Roberto Porto Simões
O texto apresenta a memória do Grupo de Pesquisa ´Ensino e
Prática de Relações Públicas´ - GPEP, criado dentro de um programa
de pós-graduação, stricto sensu, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul – PUCRS. É um relato das atividades concretizadas pelo grupo, caracterizado como uma rede de investigação
científica estruturada e vinculada ao Programa de Pós-Graduação
em Comunicação Social – PPGCOM.
A PUCRS iniciou seu curso de mestrado em 1994, com duas
áreas de concentração. Uma era específica para as relações públicas, sendo denominada “Comunicação e as organizações”. Sua
linha de pesquisa foi intitulada “Comunicação e poder nas organizações”, tendo como ementa “examinar o fenômeno do relacionamento da organização com seus públicos inseridos na conjuntura
sócio-cultural-política de uma região, país e mundo”.
Em 1999, com a implantação do curso de doutorado, passou
a existir apenas uma área de concentração, “Comunicação, cultura
e tecnologia”, que abrigava duas linhas de pesquisa, sendo que a de
“Comunicação e práticas sociopolíticas” envolvia as questões de relações públicas, na medida em que “estuda os processos e papéis da
comunicação nas relações sociopolíticas nas organizações e aqueles
revelados pelas mídias, considerando o tempo e o espaço nos quais
estão inseridos os contextos e as circunstâncias específicas”1. Em
2003, seu nome foi alterado para “Práticas sociopolíticas nas mídias
e comunicação nas organizações”, permanecendo até 2007.
Houve uma reformulação em 2008, ocasião em que a área
de concentração passou a denominar-se “Práticas e culturas da
comunicação”. A linha de pesquisa também foi modificada para
“Práticas profissionais e processos sociopolíticos nas mídias e na
comunicação das organizações”, na qual a produção acadêmica do
1
Site www.capes.gov.br.
359
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
GPEP está inserida. A apresentação do grupo de investigação e o
mapeamento da produção acadêmica serão expostos a seguir, contemplando a diversidade dos seus resultados.
Apresentação do GPEP
O ‘Grupo de Pesquisa Ensino e Prática de Relações Públicas’ – GPEP foi criado pelos professores doutores Cláudia Peixoto de Moura e Roberto Porto Simões, congregando pesquisadores
estudantes do PPGCOM, em nível de doutorado e de mestrado,
da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS, PUCRS. Está
vinculado à Plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq, desde 2002.
A produção acadêmica do GPEP é caracterizada pela diversidade de enfoques, conforme as óticas de seus pesquisadores. As temáticas específicas ficam subordinadas aos interesses dos integrantes
do grupo, que abordam os assuntos de forma explicitada nos títulos e
nos conteúdos da documentação, utilizando métodos adequados para
nortear o desenvolvimento das investigações. O desafio é realizar
pesquisas voltadas para o conhecimento de Relações Públicas.
Assim, o GPEP está empenhado em fundamentar uma teoria para Relações Públicas. O compromisso científico está alinhado
à premissa de que a teoria e as práticas desta área do conhecimento só poderão se desenvolver em uma comunidade de pesquisadores
identificados com Relações Públicas, envidando esforços para o seu
embasamento como uma ciência aplicada.
O GPEP trata de elaborar uma rede teórica específica (conceitos, definições e princípios) para o ensino e para a prática de Relações
Públicas, sustentada na premissa de que a atividade é a gestão de
relacionamentos. Visa atingir suas metas por meio de uma série de
subprojetos a serem realizados periodicamente. Os subprojetos estão
vinculados aos seguintes objetivos:
1. apropriar-se da definição e dos princípios para a área de Relações Públicas;
2. caracterizar o papel da informação como matéria-prima
da atividade;
360
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
3. concretizar a definição operacional da atividade nas funções:
a.diagnosticar a dinâmica do processo do sistema organização-públicos e prognosticar o estado futuro do sistema;
b.assessorar as lideranças organizacionais quanto aos
programas de ação organizacional;
c.implementar programas de comunicação que expliquem ou justifiquem a ação organizacional.
4. fundamentar o ensino e o currículo para a formação acadêmica em Relações Públicas.
Os resultados dos esforços dos pesquisadores que integram o
GPEP podem ser observados nos diversos estudos desenvolvidos. Como
produção acadêmica dos estudantes que já participaram do GPEP, foram elaboradas Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado, no
PPGCOM. Os trabalhos envolveram questões relacionadas aos objetivos do GPEP e estão disponíveis no site criado com a finalidade de
divulgar o grupo, no endereço: www.pucrs.br/famecos/pos/gpep
O site do GPEP é uma fonte de informação identificada com
as questões do ensino e da prática de Relações Públicas. Disponibiliza para o acesso público vários arquivos de trabalhos científicos em
forma digital, possibilitando consultas aos documentos produzidos
pelos pesquisadores – doutores e mestres - do grupo. A finalidade
é divulgar e disseminar a produção acadêmica originada no GPEP,
preservar e registrar sua memória em um espaço de documentação
virtual. O layout do site foi elaborado em 2007, por Carla Schneider,
enquanto bolsista do Curso de Mestrado do PPGCOM. A configuração criada para a página inicial está reproduzida a seguir:
361
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Figura 1: página inicial do site do GPEP
O site foi redesenhado em 2009, pela então mestranda Silvana
Sandini, em função das atualizações necessárias. A cada ano, mais Teses
e Dissertações são defendidas, constituindo a produção acadêmica gerada pelos alunos do PPGCOM. A identificação dos enfoques possibilita
a inclusão dos trabalhos em algum dos tópicos da estrutura do GPEP.
A maior parte dos trabalhos apresenta uma fundamentação teórica e
procedimentos característicos da pesquisa empírica. As temáticas abordadas envolvem as práticas profissionais e os processos ocorridos na comunicação das organizações, visando a construção de relacionamentos.
Mapeamento da produção acadêmica
A estruturação de uma rede teórica para o ensino e a prática da atividade de Relações Públicas está baseada na relação de
poder entre as organizações e seus públicos, pela visão da comunicação. Relações Públicas é entendida como a gestão da função
organizacional política, que foi aprofundada na proposta de uma
relação política para microempresas, por meio de um estudo comparativo de seus processos e programas. Também enfocou a ótica
da relação política, em especial da micropolítica, entre a organização e seus públicos. Possibilitou identificar a definição e a nature-
362
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
za do conceito informação, adequado à área de Relações Públicas,
e seu papel na teoria e na prática desta atividade.
Os fundamentos científicos de algumas áreas do conhecimento
deram sustento teórico ao estudo, sendo utilizado o conceito de cooperação como objetivo ou meio para a atividade. Os conceitos da Teoria
da Cooperação, elaborados por inúmeros cientistas, foram aplicados
em Relações Públicas, podendo deslocar o seu status como executante de tarefas, com os instrumentos de comunicação, à posição de
um profissional de assessoria político-econômica. Há, portanto, uma
contribuição da Teoria dos Jogos para a teoria e prática de Relações
Públicas. Simões estabelece para a área uma definição operacional
(como se exerce a atividade) e uma definição conceitual (o que são
Relações Públicas). A definição operacional explica como a atividade
de Relações Públicas é exercida, analisando tendências (diagnóstico),
prevendo conseqüências (prognóstico), assessorando o poder de decisão e implementando programas planejados de comunicação.
Um mapa foi elaborado para representar as relações existentes
entre os objetivos do GPEP e a produção acadêmica resultante das
Teses de Doutorado e das Dissertações de Mestrado, além dos projetos
desenvolvidos pelos professores do grupo. Assim, é possível observar
a inclusão dos estudos em uma rede teórica específica para o ensino e
para a prática de Relações Públicas, com a seguinte estrutura:
363
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
Figura 2: Estrutura do GPEP conforme seus objetivos
Para cada um dos tópicos indicados no mapeamento, há estudos
desenvolvidos que possibilitam a fundamentação de aspectos teórico-empíricos para Relações Públicas. A produção acadêmica do GPEP,
desde sua criação, em 2002, até 2008, é de 33 teses e dissertações, mais
cinco projetos de pesquisa. Este período constitui a primeira fase da produção acadêmica do grupo, por isso sua memória está sendo relatada.
A partir de 2009, a segunda fase do GPEP tem início com o
fortalecimento de aspectos vinculados ao espaço digital, à memória
institucional, à formação acadêmica, que podem ser observados em
alguns trabalhos desenvolvidos nos dois últimos anos. O foco atual
do grupo está identificado com os tópicos: concretização da definição
operacional da atividade nas funções; fundamentação do ensino e do
currículo para a formação acadêmica em Relações Públicas, que contarão com uma produção acadêmica específica envolvendo os aspectos a serem fortalecidos.
364
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O mapeamento da produção acadêmica do GPEP, de 2002 a 2008,
relativo à sua primeira fase, será exposto de acordo com os objetivos do
grupo. Cinco (5) projetos de pesquisa foram desenvolvidos por professores. As investigações enfocaram ‘A pesquisa em Relações Públicas: métodos e técnicas que orientam a investigação na área’; ‘A pesquisa empírica em Portais Corporativos: a prática na mídia digital’; ‘O papel da
informação na teoria e na prática de Relações Públicas’; ‘A contribuição
da Teoria dos Jogos para a Teoria e Prática de Relações Públicas’. Além
das referidas investigações, houve um projeto integrado de Relações Públicas, em parceria com o Comunication College, da Ball State University - BSU, localizada na cidade de Muncie, estado de Indiana – USA, que
foi desenvolvido com alunos de graduação da universidade americana
e da FAMECOS/PUCRS. A responsabilidade do projeto coube à professora doutora Ana Maria Walker Roig Steffen, colaboradora do GPEP.
Cada projeto de pesquisa está relacionado a um dos objetivos do grupo.
Quanto à produção acadêmica dos estudantes do PPGCOM,
vinculados ao GPEP, há 11 Teses de Doutorado e 22 Dissertações
de Mestrado, defendidas no período de 2002 a 2008. Cada trabalho igualmente pode ser relacionado a um dos objetivos do grupo,
representando a construção de uma rede teórica específica para o
ensino e para a prática de Relações Públicas. Os tópicos indicados
no mapeamento e os respectivos trabalhos desenvolvidos serão
apresentados a seguir, com uma breve descrição.
1) Apropriação da definição e dos princípios para a
área de Relações Públicas
Há sete (7) teses e dissertações produzidas com aspectos teóricos para fundamentar conceitos, princípios da atividade, no sentido
de contribuir ao ensino e às práticas inerentes ao processo de comunicação e de relacionamento.
• A contribuição da Teoria dos Jogos para a compreensão da
Teoria de Relações Públicas: uma análise da cooperação (tese)
- buscou fundamentar a teoria e a prática de Relações Públicas na Teoria dos Jogos. Do ponto de vista conceitual, Teoria
dos Jogos pode ser entendida como a teoria das interações estratégicas e das escolhas.
365
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
• Modos de percepção de Relações Públicas: o significado do
conceito público (tese) - explanou o estilo de pensamento da
comunidade científica de Relações Públicas, mediante a revisão do conceito público, inserido nessa área do conhecimento.
• O conceito stakeholder na teoria e na prática de comunicação
em Relações Públicas (dissertação) - o constructo stakeholder
mereceu atenção face à sua relevância em Relações Públicas,
para identificar como os profissionais e professores de Relações
Públicas utilizam este termo em suas atividades, focando a teoria de públicos e a prática de comunicação na atividade.
• O ato estético na atividade de Relações Públicas (dissertação) – abordou os aspectos Éticos na atividade de Relações Públicas, complementando a estrutura teórica desta
área do conhecimento.
• A contribuição da psicologia social para a teoria e prática da
atividade de Relações Públicas (dissertação) - identificou a contribuição da Psicologia Social por meio da teoria da atitude, para
o ensino e para a prática da atividade de Relações Públicas.
• Comunicação e poder na empresa familiar (dissertação) investigou a empresa familiar e a família, tendo como inquietude a necessidade de perceber de que maneira o processo de
comunicação e as variáveis de poder influenciam o processo de
relacionamento entre os sistemas familiar e empresarial.
• A atividade de Relações Públicas sob enfoque ecológico
(dissertação) – utilizou premissas da ecologia para verificar
as inter-relações estabelecidas entre as organizações, seus públicos e a sociedade. A proposta prevê que fenômenos como
a interdependência, a cooperação, o equilíbrio, a interação, a
adaptação e a qualidade de vida dos seres humanos deverão
estar sempre presentes na gestão da atividade.
366
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
2) Caracterização do papel da informação
como matéria-prima da atividade
São cinco (5) teses e dissertações que enfocaram a informação,
seu fluxo, seu modelo para aplicação em processos de comunicação,
seu papel na atividade, além de sua análise para compreensão das
relações e do sistema organização-públicos.
• A agenda setting e a comunicação nas organizações: um
encontro possível (tese) - explorou o fluxo de informação e a
geração de conhecimento em um portal corporativo.
• Uma modelagem matemática da informação em Relações Públicas: aplicação na rede de comunicação do Campus Zona Norte,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (tese)
- com simulação computacional em processos comunicativos.
• Relações Públicas e ouvidoria: cidadania e poder dos públicos (dissertação) - referiu-se aos estudos da ouvidoria e
seu papel como instrumento de Relações Públicas, segundo
a estrutura da teoria da função organizacional política, na
qual há uma aplicação técnica.
• Comunicação em Relações Públicas: o discurso da atividade
na geração de mitos (dissertação) – identificou como ocorre a
utilização dos mitos na atividade de Relações Públicas, se estão relacionados à questão da narração.
• A análise de conjuntura em Relações Públicas: contribuições para o diagnóstico da relação poder/comunicação no sistema organização-públicos (dissertação) - buscou criar um referencial teórico metodológico para a aplicação desta análise,
à luz da atividade de Relações Públicas, para compreender os
atores, os interesses e as relações de poder implicados em determinado sistema político.
367
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
3) Concretização da definição operacional da atividade
nas três funções especificadas abaixo:
a. Diagnóstico da dinâmica do processo do sistema
organização-públicos e prognosticar o estado futuro
do sistema
Dois (2) trabalhos fazem parte deste tópico, nos quais a pesquisa qualitativa é a o procedimento para aplicação de investigações
que observam a relação entre os públicos e a organização.
• O diagnóstico aplicado às Relações Públicas: uma análise
de seus aspectos teóricos e empíricos (tese) – apresentou uma
proposta para a aplicação do diagnóstico que revela as condições gerais da instituição e da situação de comunicação exercitada entre públicos e organização.
• O grupo focal como técnica de pesquisa no diagnóstico de
Relações Públicas (dissertação) - com uma retrospectiva histórica da pesquisa em comunicação e em Relações Públicas,
priorizou a investigação de cunho qualitativo.
b. Assessoramento das lideranças organizacionais quanto aos programas de ação organizacional
Foram classificadas cinco (5) teses e dissertações, envolvendo
programas de relacionamento, sua interação por meio da mídia, estratégias de comunicação, e políticas adotadas.
• O relacionamento com públicos como estratégia de comunicação nas organizações (tese) - envolveu Relações Públicas e
Marketing de Relacionamento.
• A interação e o relacionamento nas ‘Pílulas da Qualidade’:
um caso de Relações Públicas na internet (dissertação) - estabeleceu um vínculo entre os conceitos interação e relacionamento para a aplicação na mídia digital.
• A comunicação no processo de legitimação do Sistema de
Crédito Cooperativo – SICREDI (dissertação) - verificou como
a comunicação contribui para o processo de legitimação do sis-
368
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
tema de crédito cooperativo. Buscou identificar as formas simbólicas, por meio da legitimação, como modo de operação da
ideologia, utilizando as estratégias de construção simbólica,
racionalização, universalização e narrativização.
• A responsabilidade social como estratégia da atividade de
Relações Públicas: um estudo de caso na indústria de calçados
Azaléia – Parobé/RS (dissertação) - visou identificar a política
de responsabilidade social, sua natureza e características, além
de sua utilização como instrumento de Relações Públicas.
• Comunicação e poder no trabalho voluntário: uma visão sobre o AFS Intercultura Brasil (dissertação) – considerou os
relacionamentos estabelecidos entre os voluntários de uma
organização sem fins lucrativos.
c. Implementação de programas de comunicação que
expliquem ou justifiquem a ação organizacional
O maior número de trabalhos foi observado neste tópico,
onde há nove (9) teses e dissertações. Com o foco na implementação, foram abordados programas de comunicação no âmbito interno
organizacional, no âmbito das mediações públicas, como um instrumento de poder alinhado à estratégia, na mediação de conflitos e
crises, na formação da memória institucional, na integração com o
marketing, nas relações internacionais das organizações, nas relações com o poder judiciário, no planejamento estratégico.
• O planejamento da comunicação interna em redes de intranet: um estudo em uma universidade comunitária no RS
(tese) – apresentou a proposta de um modelo para as práticas
comunicacionais no âmbito interno de uma organização.
• Gestão da comunicação na esfera pública municipal: estudo
das mediações de Relações Públicas nos municípios do Estado
do Rio Grande do Sul (tese) - abordou a questão da função política em ambientes participativos.
• Comunicação como instrumento de poder para efetividade
da estratégia: estudo de caso de organização hospitalar (tese) -
369
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
abordou a comunicação como instrumento deliberado de poder
para a sua composição, decomposição e recomposição no âmbito das organizações. Os seus principais componentes foram
analisados na sua individualidade, bem como, integrados, com
a possibilidade de seu alinhamento às estratégias.
• Relações Públicas e a perspectiva sistêmica de mediação no gerenciamento de conflitos e crises organizacionais
(tese) – identificou a perspectiva sistêmica de mediação
no gerenciamento de conflitos e crises organizacionais e
apresentou a orientação paradigmática dos profissionais
de Relações Públicas (na realidade investigada) na condução destes processos.
• O uso dos instrumentos de Relações Públicas na construção
da memória institucional: estudo de caso FENADOCE – Feira
Nacional do Doce (dissertação) – abordou a atuação profissional para a formação da memória de um evento, a partir de
instrumentos de comunicação.
• Relações Públicas na comunicação integrada ao marketing (dissertação) – discutiu a eficácia da comunicação e da
gestão de relacionamento da organização, considerando o
mix de marketing utilizado para o relacionamento com os
clientes, que expõe o público à imensidão de mensagens,
conteúdos e estratégias.
• Relações Públicas internacionais: o caminho das organizações brasileiras na internet (dissertação) - apresentou
aspectos da comunicação internacional, das relações internacionais e das relações públicas, com a observação de sites
de organizações na internet.
• A comunicação no poder judiciário: um estudo do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (dissertação) - considerou os
fundamentos teóricos das áreas de Comunicação Social e do
Direito para a análise.
370
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
• O processo de comunicação no planejamento estratégico Estudo de caso: Hospital São Lucas da PUCRS (dissertação)
- examinou as fases do processo estratégico e comunicacional em uma organização hospitalar.
4. Fundamentação do ensino e do currículo para a formação acadêmica em Relações Públicas
O último tópico englobou cinco (5) teses e dissertações, com
as temáticas voltadas à análise da bibliografia adotada no ensino,
sua fundamentação teórica, suas abordagens, além dos processos comunicacionais no ambiente acadêmico, incluindo um inventário da
produção em nível de pós-graduação.
• O estudo da bibliografia na disciplina: ‘Teorias de Relações Públicas’ dos cursos de Relações Públicas brasileiros - uma análise
das obras básicas utilizadas na disciplina (tese) – identificou como
o ensino de Relações Públicas é realizado. A preocupação da pesquisa foi verificar que teorias estão sendo usadas e se de fato há
um estudo da teoria de Relações Públicas, um paradigma teórico.
• A teoria e o ensino de Relações Públicas na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS e na Faculdade de Língua e Literatura Estrangeira de UDINE: um estudo comparativo (dissertação) - apresentou um estudo comparativo da teoria e do ensino
de Relações Públicas no Brasil e na Itália, verificando quais as
aproximações e os distanciamentos existentes entre as duas instituições, com uma pesquisa aplicada junto a alunos e docentes.
• Enfoques teóricos predominantes em Relações Públicas: um estudo das monografias de conclusão de curso da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA (dissertação) - identificou as abordagens
existentes nos trabalhos de graduação da área de Relações Públicas.
• Fluxos de informação X relações de poder: uma análise nos
laboratórios experimentais do Curso de Comunicação do Centro Universitário FEEVALE (dissertação) - verificou o processo comunicacional e a ação organizacional em um ambiente
onde há o exercício de poder.
371
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
• Pesquisa em Comunicação Social: um inventário das teses e
dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação da FAMECOS/PUCRS (dissertação) - classificou os referenciais teórico-metodológicos da produção acadêmica dos alunos do Programa.
A memória do grupo contém apenas uma breve síntese das
teses e dissertações, mas os textos completos estão disponíveis na
biblioteca da PUCRS e no site do GPEP. O registro da referida produção acadêmica contou com o apoio da bolsista de iniciação científica,
Daiane de Freitas Oliveira, que participa de um projeto de pesquisa.
Considerações sobre a trajetória do grupo
Para finalizar, a trajetória do Grupo de Pesquisa Ensino e Prática de Relações Públicas – GPEP caracteriza-se por envolver questões referentes ao processo de investigação em Comunicação Social e
em Relações Públicas, visando a compreensão do exercício do poder
inerente entre as organizações e seus públicos. O ensino e a prática
de Relações Públicas, como uma atividade gestora de relacionamentos, são enfocados nos estudos que possuem desdobramentos.
Cada um dos objetivos do GPEP foi trabalhado resultando em
uma produção acadêmica que ampliou as discussões existentes em
Relações Públicas, com abordagens de diferentes aspectos e adoção
de diferentes áreas do conhecimento. Conforme Lopes (2003: 290291), a formação de pesquisadores e a prática científica estão articuladas à experiência e aos recursos dos diversos ramos e enfoques,
confluindo para uma produção acadêmica fortalecida. É nesse campo
acadêmico da comunicação que a graduação e a pós-graduação realizam investigações, possibilitando uma ampliação do domínio dos
saberes, cujos “assuntos estudados apontam para uma configuração
transdisciplinar”, ou seja, além de juntar e articular disciplinas diferentes, conjuga os saberes visando uma resposta.
O avanço nos estudos está relacionado à apropriação dos aspectos teórico-metodológicos que possibilitam o desenvolvimento de investigações consistentes na área. “As interfaces são estabelecidas preferencialmente com as ciências humanas e sociais (filosofia, ética, estética,
história, política, economia, sociologia) e com as ciências sociais aplicadas (ciências da informação, administração, educação, direito)” (Lopes,
372
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
2003: 292). As referidas interfaces podem ser observadas nos trabalhos
do GPEP, que revelaram novos assuntos, novas abordagens e ângulos,
em busca da consolidação de um referencial científico. Nas referências
bibliográficas, há uma relação das publicações, das teses de doutorado
e das dissertações de mestrado realizadas pelos participantes do GPEP.
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cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
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375
cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas
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7. HEINRICH, Ana Geni dos Santos. (2006) A comunicação
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instrumentos de relações públicas na construção da memória
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376
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
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377
cAPíTULO Iv
Práticas Persuasivas e Mercadológicas
100 Anos de Propaganda em Santos
Cinara Augusto E Marco Antonio Batan
O desafio do projeto de apresentar ao público a evolução da comunicação em Santos através de registros de cem anos da propaganda
produzida na cidade ou dirigida de fora aos seus habitantes era adotar
um critério de seleção desses anúncios e cartazes históricos uma vez
que, por definição, a mostra comporta limitado número de exemplares
em exibição. A escolha simplesmente por padrões estéticos nos parecia
insuficiente para esclarecer sobre a importância da presença da comunicação publicitária no processo de modernização urbana ocorrido em
Santos a partir do final do século XIX, com ênfase no século XX.
Assim, o critério adotado para a representatividade das peças
de comunicação no estudo do papel da propaganda dentro da história
de Santos como coadjuvante essencial da liderança santista e sua influência no Brasil foi selecionar anúncios e cartazes a partir de marcos das mudanças econômico-sociais ocorridas na sociedade santista
em direção à modernidade, considerando a própria ruptura física da
cidade com o período colonial.
Lançar uma luz sobre o peso de Santos na história brasileira com base no conteúdo da comunicação publicitária veiculada no
período pesquisado é o propósito deste estudo, considerando que a
investigação de determinados produtos da comunicação – no caso a
propaganda – constitui-se em fonte concreta para a análise dos principais traços da cultura, da história e da organização político-econômica da sociedade que a produziu, situando-se os objetos de análise,
assim, dentro das relações sócio-econômicas em que são produzidos
e recebidos, revelando a personalidade da Cidade e desvendando sua
responsabilidade no desenvolvimento brasileiro.
Com base no levantamento de documentação bibliográfica, na
pesquisa da produção publicitária publicada em importantes revistas e jornais locais de arquivos tradicionais como o da histórica Sociedade Humanitária e do centenário Jornal A Tribuna de Santos e,
ainda, com a contribuição de exemplares do acervo de historiadores
e pesquisadores da história santista foi montada uma exposição com
379
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
40 banners de grandes dimensões (1,70m x 1,90m), apresentando 140
peças publicitárias no período entre o final do século XIX e o final do
século XX. Os objetivos iniciais são preservar essas peças, os arquivos digitais das respectivas artes para impressão, e funcionar como
referência para um banco de dados específico no acervo da Fundação
Arquivo e Memória de Santos (FAMS), órgão municipal empenhado
em preservar a história da Cidade.
O motor da iniciativa, objetivo maior do planejamento da mostra no Teatro Coliseu (1924) foi a idéia de que seria possível restituir
aos moradores e turistas a visão, hoje pouco observada, do papel da
cidade de Santos como ponto de partida para o desenvolvimento nacional em diversas áreas, porque a iniciativa parece indispensável para
fortalecer o orgulho do santista como cidadão, partindo do pressuposto
de que esse sentimento é poderosa motivação para realizações, ações
de solidariedade, participação e crença no futuro, desejáveis em especial em momentos de crise, como esta de âmbito mundial que produz
reflexos em todos os níveis da escala social de modo coletivo e pessoal.
Aumentar a noção ou conhecimento de que a ousadia santista
foi determinante para a evolução brasileira sob a perspectiva histórica é, assim, significativo para atenuar o desânimo do cidadão pelos
desafios e destinos da Cidade. O comprometimento com a missão de
manter a memória viva em benefício das novas gerações que define a FAMS e que igualmente orienta este trabalho, insere-se na expectativa de contribuir para o fortalecimento da cidadania santista.
O estudo beneficia-se, inclusive, da iniciativa generosa da FAMS de
popularizar a história através de um evento cultural e, ao mesmo
tempo, do incentivo à realização da pesquisa científica necessária ao
projeto com o suporte técnico de sua equipe de captação e tratamento
de imagens, o que facilitou a coleta e resgate dos dados.
Assim, buscando inclusive evidências das mudanças no espaço
organizado e construído na cidade capazes, segundo os historiadores,
de configurar as relações sociais e explicar as condições de vida e etapas da evolução das cidades, foram coletados nos arquivos e acervos
particulares referidos anúncios e dados dos caminhos do desenvolvimento físico, econômico e social de Santos e das realizações que a
levaram a representar papel importante na história do Brasil.
380
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O próprio crescimento da liderança de Santos na região por
suas atividades de comércio e serviços tendo à frente a evolução do
Porto e a conseqüente ampliação do mercado consumidor - composto
por expressivo número de trabalhadores portuários e suas famílias
com acesso em primeira mão a produtos estrangeiros e informações trouxeram exigências de comunicação e o consequente avanço da propaganda. O desenvolvimento santista, então, é explicado inicialmente
pelas atividades de importação e exportação, do açúcar ao café, com
os representantes comerciais de diversos produtos estrangeiros valorizados pelos consumidores brasileiros anunciando em Santos, em São
Paulo e em outras praças do País desde o século XIX. A importação
de cervejas, anunciada em jornais como O Estado de São Paulo desde
1894 é um exemplo, enfatizando a empresa santista como único importador de cervejas no Brasil. (ABRIL CULTURAL, 1980, 10)
Mas o desenvolvimento santista também é explicado, desde o
início do século XX, pela existência de empresas como a Companhia
City. Fundada em Londres (Inglaterra), a The City of Santos Improvements & Company Ltd. (conhecida como City) era destinada à exploração de serviços públicos em Santos e tornou-se responsável pela
modernização dos serviços de transporte, iluminação, água e gás, durante décadas, desde 1880. A City assumiu as mudanças como concessionária principal dos serviços públicos municipais e estaduais tendo
papel fundamental na transformação da realidade urbana santista. E
foi pioneira no principal esporte brasileiro: em Santos, no ano de 1929,
a City iluminou o primeiro campo de futebol da América do Sul para
jogos noturnos. A City anunciava todos os seus serviços na imprensa
santista, como no exemplo constante na Mostra de 2009, em anúncio
na Revista Flama de 31 de março de 1924. (ROQUE, 2009)
Esse desenvolvimento é explicado, também, pelo saneamento
da planície encharcada e insalubre a partir de 1907, com os nove
canais que, partindo da praia, permitem o livre curso das marés e
das águas da chuva pelas avenidas, enxugando a cidade, em obra
complexa do brilhante engenheiro Saturnino de Brito, incluindo a reforma completa das instalações familiares de esgoto como raramente existem hoje até nas capitais dos estados brasileiros. Explica-se,
também, pela construção dos jardins da praia, a partir da década de
1920, hoje reconhecidos como um marco mundial em jardim de orla.
381
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
E pela abertura das avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias
no começo do século XX, que permitiu a expansão das atividades profissionais e a conquista de novos espaços habitacionais valorizando a
orla da praia e substituindo os antigos palacetes coloniais pelos prédios de apartamentos que hoje caracterizam as moradias de Santos,
também se justifica a evolução urbana em Santos. Os empresários da
construção foram erguendo modernos edifícios desde 1941, data em
que foi veiculado o anúncio de início das obras do primeiro prédio de
condomínio em Santos (A TRIBUNA, de 27 de abril de 1941, página
12). Vinte anos depois, a moderna estrutura necessária ao gás liquefeito em instalações centralizadas, que chegou primeiro aqui, mostra
a continuidade do contexto expansionista, conforme anunciado no
jornal. (A TRIBUNA, de 14 de dezembro de 1960, página 3)
A Avenida Ana costa foi a primeira artéria santista a receber iluminação elétrica pública, em 15 de agosto de 1903. A segunda foi a Avenida Conselheiro Nébias, em 14 de setembro do mesmo ano lembrando
que na capital de São Paulo a iluminação elétrica começou dois anos
depois, em 1905, e em 1916 ainda havia 8.605 lampiões a gás e apenas
864 lâmpadas elétricas na cidade de São Paulo, registrando-se no Rio
de Janeiro, com seis lâmpadas, a primeira utilização elétrica de rua no
Brasil, em 1879. Esses dados também colocam Santos na vanguarda da
modernidade no Brasil. Junte-se a essa importante melhoria urbana o
sistema de bondes elétricos, implantado na Avenida Ana Costa por volta
de 1910. Na Mostra da FAMS, a coleção de cartazes de bonde, do acervo
do historiador paulista Waldir Rueda, demonstra a importância do mercado consumidor santista para os anunciantes nacionais.
Na década de 60 o comércio de Santos apresenta um movimento de grande expansão para os bairros da cidade, com novos
espaços sendo abertos no Gonzaga, onde nasceu a Cinelândia santista nos anos 70 com oito enormes cinemas, e no Boqueirão, com o
Supercentro Comercial, considerado o primeiro shopping do País,
onde o Mercado das Liquidações anunciava desde 1965. Em 1968
a loja de eletrodomésticos A.D.Moreira, que já era anunciante de
peso, dá o maior impulso também para o desenvolvimento comercial
da Vila Mathias, criando um novo pólo de consumo na cidade com o
auxílio da propaganda. (CLÃ, 1967, 1968, 1972).
382
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Destaque fundamental merece a Companhia Construtora de
Santos, empresa do santista Roberto Cócrane Simonsen, engenheiro
civil formado pela Escola Politécnica de São Paulo. Roberto Simonsen desenvolveu importantes missões oficiais na Europa e Estados
Unidos e foi o fundador da primeira Escola de Sociologia Política
existente no Brasil. Economista e financista de altos recursos técnicos ocupou cadeira no Senado da República e pertenceu à Academia
Brasileira de Letras. A Construtora de Santos, presidida por ele, fez
jus ao nome e foi grande responsável pelas transformações da cidade: edificou prédios, como os Palácios da Bolsa do Café (1922) e da
Associação Comercial de Santos (1924), modernos edifícios residenciais e monumentos, como o da Independência (1922) e o Panteão dos
Andradas (1923). Abriu e calçou vias públicas importantes e mudou
o modo de vida santista. Durante uma década, a Construtora de Santos dedicou-se à cidade. Depois, construiu quartéis do Exército pelo
País e executou obras e serviços em dez Estados brasileiros.
Roberto Simonsen foi reconhecido propulsor das indústrias
paulistas e por isso criou e tornou-se presidente da Federação das
Indústrias Paulistas (FIESP), reforçando os laços de Santos com São
Paulo. A Construtora de Santos ganhou prestígio nacional e deu origem a diversas empresas em Santos, São Paulo e Brasil, associando-se
à Companhia Imobiliária Nacional, do Rio de Janeiro. Passando a financiar indústrias, a sua seção de construção ficou a cargo da associada Sociedade Construtora Brasileira, dirigida por antigos engenheiros
da empresa. A Construtora de Santos também anunciava sua qualificação por contar com engenheiros, arquitetos, construtores, materiais
importados e a diversidade de seus serviços, como no exemplo extraído
da Revista Flama de 24 de setembro de 1923. (ROQUE, 2009)
Mas nada era fácil para Santos. Para percepção mais clara
das dificuldades em todas as frentes da vanguarda santista é fundamental destacar a responsabilidade dos empreendedores locais pelo
avanço no setor aéreo nacional com a Panair. Pioneira, a americana
Panair começou no Brasil fazendo o transporte aéreo de correspondência pelo litoral entre Santos e Belém (PA) com hidroaviões em
1929. Já em 1931 expande suas linhas para o transporte de passageiros. Em 25 de agosto de 1934 na Revista da Semana (RJ) a Panair
apresentava o Brazilian Clipper, “O maior avião comercial do mundo”
383
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
e anunciava o início breve da novidade no serviço “transportando com
excepcional conforto 32 passageiros”. Com isso, a Panair incentivou
a construção de aeroportos nas pequenas cidades do interior do país.
(ABRIL CULTURAL, 1980, 69).
Nacionalizada em 1942 e já sofrendo concorrência de empresas
como a paulista VASP, que inaugurou em 1949 a linha São Paulo-Santos-Rio, só a Panair do Brasil operava rotas internacionais, conquistando de 1950 a 1963 o primeiro lugar entre os serviços aéreos no País. A
Panair foi fechada pelo regime militar em 1965, no auge de sua vida
empresarial. Suas rotas foram entregues à VARIG (RS), que começou a
operá-las no mesmo dia, graças à inacreditável intervenção do governo
militar decretando a extinção sumária da Panair, que era de propriedade dos empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen,
este último dono também da líder TV Excelsior, que foi igualmente fechada, e sobrinho de Roberto Simonsen, da Construtora de Santos.
Apesar de seu pioneirismo aéreo, até hoje Santos não conseguiu ver realizada a implantação de um aeroporto que seria complemento estratégico para o Porto e incentivo indispensável para
o turismo regional, nacional e internacional. Conversando no bar
(Saudades dos aviões da Panair), de Milton Nascimento e Fernando Brandt, na magistral interpretação de Elis Regina em 1974,
foi criada dez anos depois do golpe de 64 e tornou a extinção da
Panair símbolo nacional da prepotência militar, para não deixar
esquecer esse tempo, conforme Nei Duclós (18.05.2009). A música/
letra tem tudo a ver com Santos, referindo-se à Panair e aos bondes, absolutamente integrantes da identidade santista, ainda que
não conste tenha sido essa a intenção dos autores mineiros.
Em Santos, segundo depoimentos emocionados de familiares
de antigos funcionários da empresa municipal de bondes, os veículos
foram destruídos a machadadas no interior das oficinas, com a última
linha sendo extinta em 1971. Em 1965, o ex-secretário da Segurança
do Governo do Estado de São Paulo, general Aldévio Barbosa Lemos,
assumiu o conselho diretor da empresa de transportes santista (trazido pelo próprio prefeito Silvio Fernandes Lopes) começando a paralisação gradual do serviço de bondes. Nessa ocasião, a frota da autarquia
municipal de transportes era constituída por 80 bondes, 17 trólebus e
384
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
8 ônibus. Somente poucas unidades sobraram escondidas sob sucata
pelos funcionários inconformados, na garagem da empresa.
Duclós (18/05/2009), poeta e jornalista, faz a leitura da letra
de Brandt, enfatizando que ela trata poeticamente da ditadura:
“Lá vinha o bonde no sobe e desce ladeira”. Os bondes
não poluíam, eram uma maravilha urbana. A ditadura cuidou de
destruir tudo, embalada pelo precedente aberto pelo JK, que sucateou toda a linha férrea brasileira num acordo de gaveta com
os gringos, para ficarmos totalmente dependentes da gasolina
e do óleo diesel. “E o motorneiro parava a orquestra um minuto./ Para me contar casos da campanha da Itália/”. O motorneiro
tinha a manha de parar o bonde (a “orquestra” era o barulho
do veículo) para conversar com os passageiros. O que ele conversava? Sobre a campanha da Itália. Qual foi ela? A da FEB –
Força Expedicionária Brasileira, criada por Getúlio Vargas para
combater o nazi-fascismo na Europa. Havia uma linhagem da
memória: o veterano de guerra contava histórias para o menino
na viagem de bonde. Isso chama-se civilização brasileira. “E de
um tiro que ele não levou/levei um susto imenso nas asas da Pan
Air”. O tiro que ele não levou significa que sobreviveu. É parecido
com o grande peixe que escapou: a aventura é contada por meio
do drama, do suspense, despertando a curiosidade. O fato relembrado é quase uma anedota. O humor grudado à dor. E o verbo
“levar” aqui serve para fazer a ligação da cena do bonde com a do
avião. O susto do veterano diante da morte, que repassa ao menino, levanta vôo nas asas da mítica companhia, a que representa
o Brasil assassinado. É hora do garoto se assustar. O susto que
ele - e o resto do país - levou. “Descobri que as coisas mudam e
que o mundo é pequeno nas asas da Pan Air” (...).
Antes disso, os cassinos santistas também permitem entender
os motivos que levaram a cidade à modernidade adiante dos outros
municípios brasileiros, como atração turística especial no litoral paulista. Das primeiras décadas do século XX até 1946, quando os jogos
de azar foram proibidos no Brasil, todos os grandes hotéis santistas
tinham cassino. Os cassinos santistas, com sua época de ouro entre
os anos 30 e 40 eram ponto de encontro da alta sociedade, políticos, empresários, turistas e aventureiros da Baixada Santista e da
Capital. E anunciavam constantemente no meio impresso como, por
exemplo, o Hotel dos Bandeirantes na Revista Flama de setembro
385
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
de 1922, Capa, Miramar na Flama de 25 de janeiro de 1923, Parque
Balneário Hotel na Flama de maio de 1937, página 10, Casino Ilha
Porchat na Flama de dezembro de1938, página 58, e Atlântico Hotel
na Flama de dezembro de 1938, página 65. (ROQUE, 2009)
Os amores e as alegrias santistas refletem-se igualmente na
publicidade. É exemplar a paixão dos pioneiros santistas que introduziram o surf no País tornando Santos “o berço do surf no Brasil”,
da construção da primeira prancha para o esporte por jovens amadores, em 1937, ao I Campeonato Nacional Aberto de Surf em julho
de 1977, no Quebra-Mar, com apoio da Secretaria de Turismo, Jornal
A Tribuna e Rede Globo de Televisão, anunciado em cartazes mais
de quarenta persistentes anos depois. O patrocinador foi a Confecções Taylor, que lançava moda no Rio e mantinha o Surf Team Taylor
(CLÃ, 1977). Com apoios como esse o esporte deu ao País nomes respeitados internacionalmente, como o surfista profissional santista
Picuruta Salazar, que há décadas é recordista de títulos e hoje leva
adiante a escolinha de surf que montou no Quebra-Mar, em Santos.
Deve ser lembrado, por outro lado, o forte setor bancário erigido na esteira do comércio do café ainda vigoroso nos anos da década
de 60. S. Magalhães, Casa Bancária Faro & Cia. (Flama, janeiro de
1955) Banco da Economia, Banco de Santos, Casa Bancária Coelho
(Flama, 19 de outubro de 1952 e acervo da Clã em 1970), Banco Leme
Ferreira, Corretoras Estímulo (Clã, 1970), Direção, Casa Branco, Cia.
Santista de Crédito Predial, com escritórios em São Paulo, Sorocaba,
Campinas e Paranaguá (Flama, agosto de 1939, página 9), Poupança
APE, o mercado financeiro de Santos até a década de 70 era o terceiro maior do estado e estava entre os dez maiores do País (ROQUE,
2009). As instituições financeiras santistas anunciavam regularmente. Ao longo dos anos, declinaram ou foram vendidas para grandes
instituições nacionais em expansão, demonstrando as perdas econômicas de Santos pós 1964.
É memorável ainda a participação santista nos cinquenta anos
da Bossa Nova com dois grandes festivais universitários que são parte
representativa dos eventos que movimentaram a cena cultural brasileira nos anos 60. Os Sambeco (sigla formada de Samba e Economia,
samba da Faculdade de Economia origem dos universitários envolvi-
386
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
dos) foram organizados na raça por Carlos Eduardo V. Mesquita, jovem de 19 anos ligado ao meio musical, para o Centro Acadêmico Visconde de São Leopoldo da Faculdade de Economia de Santos em 1964
e 1965, o primeiro no Cine Caiçara e o segundo no Cine Iporanga, com
a participação de grandes estrelas da música popular brasileira.
Jair Rodrigues e Elis Regina cantaram juntos pela primeira vez no primeiro Sambeco, em 1964, partindo pouco tempo depois
para as apresentações conjuntas de grande sucesso nacional com o
show Dois na Bossa e o LP gravado ao vivo no Teatro Paramount, em
São Paulo, para a gravadora Phillips, em 08 e 12 de abril de 1965,
e o programa de TV O Fino da Bossa e os discos dele resultantes,
hoje discografia clássica da MPB. O elenco todo do primeiro Sambeco, conseguido com a ajuda do empresário e na época pistonista do
conjunto de Luis Loy, Dagmar, era composto por Elis, que trouxe os
seus próprios músicos, Jair, Os Cariocas - estrela máxima na época Zimbo Trio, Paulinho Nogueira, Milton Banana Trio e Milton Banana
Quinteto com Raulzinho e Hector Costita, e Alaíde Costa.
O segundo Sambeco teve Wilson Simonal como genial Mestre
de Cerimônias encantando a platéia lotada. As apresentações foram
anunciadas, conforme o cartaz: Show da Boite Zum Zum–Rio, Edu Lobo,
Nana Caymmi, Tamba Trio, Jongo Trio, Baden Powell. Mas Baden chegou atrasado e não cantou. Segundo Mesquita, o programa não foi totalmente cumprido: “Acontece que o Baden chegou na última música do Simonal reconhecendo que não dava mais, pediu desculpas, ficou contente
em não se falar em multa, e nós ainda mais porque o público estava feliz
e esgotado e sem o seu cachê pagamos tudo e saímos zerado para comer
um sanduíche no Almeida”. (MESQUITA, 22.09.2008, 3).
Mas a música tocava forte no coração dos santistas. Inclusive o
rock, na década de 60. “Santos, além de celeiro de vários artistas, espalhou o rock para todo o País a partir das influências americanas que
chegavam pelo Porto”. O músico veterano Gennaro Ricardo, que tocou
na primeira formação da Blow Up, banda ícone na Cidade, inclusive
nas bocas nos anos 60 (famoso perímetro de bares e boates da agitada
e internacionalmente famosa noite santista, no Centro) esclarece: “Os
marinheiros traziam long plays e standard plays para a gente. Jimmi
Hendrix também chegou por aqui por meio das bocas” (FAGUEIRO,
387
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
12.07.2009, E-1). A vida noturna em torno do cais teve influências diversas na Cidade e no País. Em 20 de julho de 1959, há 50 anos, o dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen aportou em Santos trazendo
na bagagem a primeira máquina elétrica de tatuagem. “Lucky Tatoo”
fez o maior sucesso, de início com marinheiros, prostitutas e pessoal do
cenário artístico underground. Mas introduziu e ajudou a popularizar
a milenar arte no Brasil (VAIO, 18.07.2009, B-5). Essa efervescência
artística e cultural influenciava a propaganda, refletindo-se na moderna linguagem de anúncios e cartazes a partir dos primeiros anos da
década de 60. (AUGUSTO, 2009)
Nos anos 60 a McChad e seus jeans inovadores viraram mania
de santistas e turistas. A empresa do santista Roberto Chaddad, hoje
presidente da Abravest (Associação Brasileira de Vestuário), anunciava seus produtos em jornal e fazia também propaganda institucional até em cartazes. Como no cartaz do aniversário de 50 anos,
quando mostrava seus jeans em foto avançada para a época, com um
casal sensualmente agarrado tomando o cartaz por inteiro, em ângulo de corte que não revela rostos, ela nua da cintura para cima, cabelos estrategicamente escondendo os seios (ou não passaria naqueles
tempos de censura oficial), e ele segurando com mão forte a etiqueta
da grife presa a uma corrente. “Guds mostra toda sua força”, dizia e
mostrava corajosamente para a juventude santista. (CLÃ, 1979)
Os melhoramentos urbanos fazendo a evolução dos espaços e
a abertura da Via Anchieta são pontos essenciais do desenvolvimento
urbano em Santos. A Via Anchieta foi construída num momento, pós
Segunda Guerra Mundial, em que o Brasil enfrentava dificuldades
para firmar sua economia. A idéia de acelerar o crescimento do Porto
de Santos através da construção da Via Anchieta passava pela necessidade brasileira de encontrar soluções para o desenvolvimento nacional. Antigamente as mercadorias chegavam a Santos por meio do Caminho do Mar, perigosa via de mão dupla que era a forma de transpor
o desnível de pouco mais de 700 metros entre Santos e São Paulo. Já
na década de 40, esta rota não suportava a demanda do cais santista.
A nova estrada reforçou o status de Santos como cidade casada com a Capital. Com a segunda pista inaugurada em 1953 a Anchieta teve a sua capacidade de vazão esgotada no final da década de
388
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
60. Mas sua construção permitiu passar de 830 mil veículos no início,
em 1947, a um fluxo de dez milhões de veículos por ano na atualidade. Hoje, o trajeto pelo complexo Anchieta-Imigrantes, esta última
entregue completa em 28 de junho de 1976 com túneis e viadutos de
grandes extensões sucessivos criando uma espécie de “estrada artificial”, leva em torno de 50 minutos, lembrando que a primeira descida
de automóvel da Serra do Mar, de São Paulo a Santos pela estrada
velha, durou dois dias e meio, em 1908. (AEAS, 2001, 50)
Independentemente, a Via Anchieta ficou conhecida nacionalmente com a música do “Rei” Roberto Carlos As curvas da estrada de
Santos, gravada em 1969, e depois sucesso nacional também na voz
de Elis Regina. Mas as temíveis curvas pertenciam mesmo à estrada
velha, hoje interditada ao tráfego e ao público, apesar dos diversos
monumentos históricos no caminho.
A construção das ferrovias, a implantação da estação ferroviária no último quarto do século XIX, e a extensão e reforma do Porto
já haviam consolidado anteriormente em Santos suas funções comercial e portuária, ou seja, sua condição de “porta de entrada do mar e
do sertão” a serviço do País, favorecida por sua condição geográfica
privilegiada tanto em relação ao mar quanto em relação à serra, o
que faz do santista um cidadão comprometido com a cidade mesmo
quando se distancia, trabalhando ou vivendo longe dela.
Desse modo, com marcos de cidade burguesa e capitalista, mas
fortemente conscientizada por um sindicalismo poderoso moldado no
trabalho braçal no cais do porto - que lhe valeu o apelido de “Cidade Vermelha” e intensificou a repressão dos governos militares desde 1964 até
os anos 80 – abriu-se o caminho para a evolução urbana desenvolvida
em Santos ao longo do século XX. Em 1983 começou a construção do inovador cemitério vertical Memorial, um marco no serviço funerário que
antes de virar record mundial provocou enorme polêmica nos jornais
com matérias e anúncios. Refletidos na comunicação publicitária até na
estética das mensagens, diferenciadas com a produção gráfica encomendada em São Paulo (AUGUSTO, 2009), esses fatos são parte importante
da história da participação santista no progresso brasileiro.
Nesses cem anos a propaganda registrou seu profundo envolvimento com a Cidade em mensagens institucionais e comerciais
389
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
que refletem o modo de vida, as lutas, as conquistas, os avanços, as
alegrias e tristezas do povo santista. Nos anúncios de revistas e jornais incorporando a moderna linguagem de comunicação publicitária, os diversos movimentos estéticos característicos da Belle Époque foram apropriados no Brasil por artistas e profissionais atentos
às tendências mundiais da arte, trazendo referências à propaganda
santista. Influências estéticas do Realismo, Impressionismo, Simbolismo, Pontilhismo e Art Noveau, este último com sua exuberância decorativa, formas ondulantes, contornos sinuosos e composição
assimétrica, prolongaram-se de 1889 até 1922.
No conteúdo continuava a valorização das coisas santistas. O
sabor da cerveja depende da água com que ela é feita, aprendeu o
Brasil. E o sabor da cerveja brasileira foi, durante anos, especialidade da água de Santos. Desde as nascentes do Monte Serrat, origem
da Fonte do Itororó cantada até hoje na música do folclore brasileiro, a água de Santos era famosa no Brasil por ser pura e cristalina,
garantindo o sabor e a qualidade de cervejas e refrigerantes aqui
industrializados, como a cerveja Braz Cubas (A TRIBUNA, de 06 de
setembro de 1931, página 12). A água santista, nos anúncios de refrigerantes, era o principal argumento de vendas. (A TRIBUNA, de 26
de setembro de 1931, página 13)
Tônico dos músculos e dos nervos, com qualidades terapêuticas que seriam recomendadas pelos médicos de família eram os argumentos dos guaranás nas primeiras décadas do século XX (Flama,
20 de outubro de 1923). As cervejas eram anunciadas como “alimento
líquido” nutritivo para enriquecer o sangue e estimular o apetite, para
mulheres, doentes e crianças, na amamentação, em anemias e para a
saúde fraca. O apelo à saúde evidencia alguma resistência do consumidor da época em relação ao consumo de bebidas industrializadas
(Flama, outubro de 1931), conforme Roque (2009). No segmento das
cervejas, entretanto, o Brasil deve muito a Santos. Empresas de importação e exportação anunciavam informando e educando o gosto do
consumidor em todo o Brasil desde o século XIX. Como a importadora
santista Gustavo Backheuser em O Estado de São Paulo de 26.02.1894
(ABRIL CULTURAL, 1980, 10). A importância desse ramo de atividade depois estabelecido com fábricas em Santos, inclusive na aquisição
de maquinário para a indústria cervejeira no Brasil, pode ser avaliada
390
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
na contribuição para o desenvolvimento dos principais fabricantes da
época. Como a Companhia Antarctica Paulista S/A, que tinha entre
seus sócios importadores santistas. Unida à rival Brahma em 1999 a
empresa deu origem à AMBEV, hoje uma potência cervejeira mundial.
O cartazismo santista também divulgou momentos importantes da Cidade, comemorando as conquistas do Santos (CLÃ, 1978) e,
especialmente dando voz ao terceiro setor, com suas entidades que
continuam até hoje reafirmando na prática o compromisso expresso
em latim no lema gravado no brasão da Cidade, símbolo da história
e das tradições de Santos, “Patriam Charitatem et Libertatem Docui”, que significa “À Pátria ensinei a caridade e a liberdade”. Cunhada pelo historiador Afonso d´Escragnolle Taunay, a frase refere-se à
instituição da primeira Santa Casa de Misericórdia do Brasil e da
América do Sul e às lutas santistas pela Independência.
Em mensagens institucionais e de promoção das mais diversas
causas sociais, cartazes divulgam festas populares, encontros políticos
e profissionais, eventos, esporte, cultura, lazer e necessidades específicas como doação de sangue para hospitais, de córneas para o Banco
de Olhos, iniciativas de sindicatos e dos clubes de servir, como os Rotary Club de Santos e região. Como o cartaz em preto e branco para
a Instituição Braille de Santos com a foto da jovem em pontilhismo
que oculta e alerta, olhos imersos na dramática escuridão, com o título
“Alguém está de olho no seu Certificado de Compras de Ações”, e o subtítulo “Ajude-a”. Pela aplicação no Fundo Decreto Lei 157 uma forma
simples e eficaz de ajuda à instituição foi informada aos santistas, com
a colaboração em primeiro lugar da publicidade. (CLÃ, 1975)
Dificilmente as agências de propaganda santistas deixam de ter
algum cartaz entre seus trabalhos. Em vitrines de lojas ou indoor em
instituições públicas, nos ônibus, cartazes sobre saúde, educação, cultura, esportes, shows, cartazes são utilizados de maneira significativa em
Santos. Muitos eventos fazem uso unicamente de cartaz para informação geral, limitando ao mínimo o alcance da comunicação. Como peça
única de propaganda, com forte predomínio da imagem, informação sintética e utilização interna e externa ampla, pode-se registrar a existência do cartazismo santista como modalidade de arte publicitária com
características próprias, onde o apelo visual divide com o texto a res-
391
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
ponsabilidade pela transmissão da mensagem. Lastimavelmente, esse
material raramente é preservado, mesmo em arquivos particulares.
A Clã de Publicidade, cujo acervo foi bastante utilizado na Mostra, em seus mais de quarenta anos de atuação em Santos inúmeras
vezes foi solicitada a desenvolver campanhas e cartazes até pelo envolvimento direto nas causas santistas e com instituições de servir. A
agência acostumou-se a propor iniciativas em favor da Cidade, uma
atuação profissional que as pioneiras agências de propaganda santistas defendiam desde os anos 60. Presente na maioria dos veículos de
comunicação da região, a campanha da Clã (1995) pela reabertura do
deteriorado Museu de Pesca de Santos, hoje restaurado e em completo
funcionamento, é um exemplo marcante da união da propaganda com
as reivindicações da cidade. Em exemplo anterior de que a publicidade
santista é engajada e solidária encontra-se o projeto da Clã para a
Gráfica Apolo, visando destacar Santos sob ângulos diferentes daqueles que as fotos conhecidas até o final da década de 70 costumavam
mostrar, dotando a Cidade de material de divulgação renovado.
Sob o tema “Você fica sempre com a melhor impressão” enfatizando os serviços gráficos anunciados e, ao mesmo tempo, destacando
Santos por sua beleza, a idéia era comemorar os vinte anos de atuação do anunciante com fotos surpreendentes de Araquém Alcântara. Nas lentes do fotógrafo santista hoje mundialmente reconhecido
Santos foi retratada de forma magnífica em dois cartazes. Um, colorido, trazia a foto do Iate Clube de Santos do alto, com os barcos enfileirados em visão pouco familiar aos próprios santistas, até porque
o clube de barcos das elites santista e paulista fica na vizinha cidade
do Guarujá. A outra, em preto e branco, mostra uma popular catraia
no canal da região do Mercado, que liga Santos a Guarujá pelo lado
do Porto. Paisagem tão modesta e comum aos olhos dos santistas
que muitas vezes a sua beleza passa despercebida. Daí a escolha das
fotos de Araquém Alcântara revelando na propaganda uma cidade
digna de ser olhada sempre com atenção. (CLÃ, 1979)
E sabendo falar com os santistas a propaganda conquista a
sociedade e permanece mostrando retratos de uma época. Como no
clássico exemplo a seguir, que conclui este ensaio. Segundo o estudioso Nelson Verón Cadena (2008) os versos que popularizaram o Rhum
392
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Creosotado em anúncio de bonde, “o maior “recal” da propaganda brasileira na primeira metade deste século” (refere-se ao século XX) são de
autoria do poeta santista Martins Fontes, sob encomenda da agência
de propaganda do também poeta Bastos Tigre, onde Fontes trabalhava. Tigre era homem de múltiplos talentos e especializado em slogans
publicitários, tornando-os mundialmente famosos, exemplo de “Se é
Bayer é bom”. Daí a sextilha de Martins Fontes ser atribuída ao dono
da agência até por sua bisneta, o que não é incomum acontecer na propaganda brasileira dentro da hierarquia profissional.
A ilustre propaganda continua suscitando a polêmica da
autoria porque sobrevive afetivamente na memória popular de
maneira rara, Até mesmo o farmacêutico dono da empresa anunciante é dado como autor dos versos, porque, ao contrário do verdadeiro autor, assumiu publicamente a autoria. Na época havia preconceito contra intelectuais (poetas e escritores, principalmente)
envolvidos com a propaganda. Isso fazia com que os artistas mais
respeitados não revelassem a sua atuação em publicidade, vista
como “atividade menor”. Freqüentador das rodas literárias do Rio
Antigo, Fontes fazia publicidade no anonimato, como outros poetas que trabalhavam em propaganda. O que não impedia que seu
trabalho fosse testemunhado e reconhecido. Os versos do poeta
santista para o Rhum Creosotado sobreviveram ao produto e são
hoje integrantes da memória coletiva brasileira:
Veja ilustre passageiro / o belo tipo faceiro / que você
tem ao seu lado. / E no entanto,acredite, / quase morreu de
bronquite / salvou-o o Rhum Creosotado.
Pelo encantamento que continuam provocando em todo o Brasil os versos de Martins Fontes contribuem para destacar a qualidade da propaganda praticada na Cidade mesmo sem estar dirigida
exclusivamente aos santistas – visto que seu veículo de comunicação
(daí a nomenclatura que define os espaços de transmissão-transporte
da mensagem até a atualidade, sem sinônimo correspondente) era o
bonde, transporte público de passageiros por excelência da planície
santista, propiciando uma coleção considerável de anúncios representativos da presença da propaganda na vida da Cidade. Martins
Fontes, um dos grandes poetas santista, foi amado por seus Poemas e
393
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Canções e como médico caridoso. E não fez por menos na propaganda,
com inesquecível popularidade.
Referências
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
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DUCLÓS, Nei. Blog. A fala oculta. Disponível em http://www.consciencia.org/neiduclos/A-FALA-OCULTA-CANCAO-MEMORIA-E-RESISTENCIA/
MELLO, Gisele Homem de. “Modernização da cidade de Santos (SP) no
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http://www.unisantos.br/mestrado/gestao/egesta/artigos/150.pdf
http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0306.htm
http://www.der.sp.gov.br/malha/historico_rodovias.aspx
395
Jotabê: agência de publicidade e promoções que deu
início à construção da marca de Calçados Azaléia
Maria Berenice da Costa Machado e Marcelle Silveira dos Santos
Introdução
Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa sobre a história e a memória da comunicação publicitária em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Os primeiros esforços foram no sentido de
identificar e cadastrar as agências de publicidade da cidade, fundadas
a partir da década de 60. Concluída a tarefa, optamos por nos concentrar no viés histórico, procurando entender quem foram os precursores
da atividade, o que os motivou para o empreendimento, como se estabeleceram e deram continuidade ao negócio relativamente novo no
cenário local/ nacional. Ao focarmos as agências pioneiras, destacamos,
também, as suas particularidades e peculiaridades. E este é o objetivo
principal deste capítulo dedicado à Jotabê/ Jotacê, atual Supernova.
Como metodologia de trabalho, além da revisão bibliográfica
e documental, seguimos o método da História Oral1 e entrevistamos,
a partir de um roteiro semi-estruturado, o fundador da Jotabê, Jones Batista2 e alguns dos seus parceiros e funcionários: Alceu Feijó3,
Abelar Noschang4 e Vera Adams5. Os depoimentos que registramos
formam um conjunto de fatos históricos que serão articulados e com-
1
História é uma palavra polissêmica e pode ser entendida como: “ciência ou disciplina do
acontecido, isto é, história-conhecimento; história como notícia dos fatos e história como fatos
acontecidos, ou seja, história-processo” (FÉLIX: 2004, p. 24).
Jones Batista - Radialista e publicitário, fundador das agências Joba, Jotabê e Jotacê, esta
última em sociedade com o publicitário Clóvis Noschang. Atualmente, participa da Supernova,
agência conduzida por seu filho, Jones Batista Júnior.
2
3
Alceu Mário Feijó – é fotógrafo e diretor de fotografia do Jornal NH, junto com Pedro Adams
Neto fundou a Ledercap, primeira agência registrada em NH.
Abelar Noschang – Irmão de Clóvis começa na publicidade como criador, acompanha
Clóvis na Jotacê e torna-se seu sócio na Proptop. Atua como designer gráfico em projetos
arquitetônicos e publicitários.
4
5
Vera Adams - Formada em Letras pela Unisinos, trabalhou como redatora na Proptop e na
Progesp. Atua como produtora e consultora de moda e comunicação no mercado hamburguense.
397
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
preendidos através da narrativa dos sujeitos, suas memórias6, seus
pontos de vista acerca de um passado que é sempre complexo. Assim,
não pretendemos fazer uma historiografia oficial, mas destacar informações que possam contribuir e legar referências para os campos da
Comunicação e da História, bem como ao mercado publicitário.
Apresentamos, inicialmente, os fundamentos da comunicação publicitária, através da revisão dos conceitos de Publicidade
e Propaganda, agência e atividades promocionais: construção de
marca, promoção de vendas/concurso e merchandising, a partir
dos autores Dionísio, Ferracciù, Pinho, Ribeiro, Sampaio, Santos,
Sant’anna. Seguimos com a contextualização sócio-histórica de
Novo Hamburgo, baseada em Petry e Schütz, e as configurações
do mercado de comunicação local. Na parte final, recuperamos a
trajetória da Jotabê: sua equipe, contas, principais ações e realizações promocionais, com destaque para a relação da agência com a
indústria de calçados Azaléia.
Os fundamentos da comunicação publicitária
Entre as muitas linguagens da comunicação estão a Publicidade e a Propaganda (PP)7, que designam esforços persuasivos ideológicos: no caso da Propaganda, sem fins comerciais e sob qualquer
formato; já a Publicidade liga-se à persuasão de caráter comercial,
visando promover bens, serviços, ideias, marcas, personalidades e
eventos através de anúncios pagos, veiculados nos meios de comunicação de massa ou da forma direta, por um anunciante-patrocinador
identificado (SANT’ANNA, 1996, p.16-36; BROCHAND, 1999, p.4446). Ambas estão a cargo de profissionais e das agências que devem
buscar, através das técnicas de persuasão, chamar a atenção, fazer
o público-alvo se identificar com a mensagem para, através dela, influir na sua conduta ideológica e/ou comercial. Como ferramentas do
A memória liga-se à lembrança das vivências, só existe quando laços afetivos criam o pertencimento ao grupo: “a história capta e estuda memórias; constrói-se também com elas, mas
história e memória não são sinônimas. Estudar memórias sociais é abordar também história e
temporalidades” (FÉLIX: 2004, p. 42).
6
7
Embora as considerações epistemológicas sobre Publicidade e Propaganda, no mercado brasileiro tais conceitos são usados indistintamente. Neste texto optamos pela fidelidade ao modo
como foram empregados pelos depoentes.
398
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
composto promocional de Administração e Marketing, a Publicidade
e Propaganda precisam atender às necessidades mercadológicas de
divulgação e promoção sendo poderosas alavancas para o desenvolvimento das organizações, das causas e das pessoas envolvidas.
Agências de Publicidade e Propaganda
Agências são as empresas que têm a função de mediar o processo de comunicação entre os que produzem e/ou comercializam bens ou
serviços, os fornecedores técnicos da publicidade, os veículos de comunicação, e os potenciais consumidores. Elas se dividem, basicamente,
nos setores de atendimento, planejamento, mídia, criação, produção,
administrativo-financeiro. Cada um desses departamentos realiza trabalhos específicos e requer profissionais com características próprias.
A história da publicidade no Brasil e os primeiros conceitos
do que seria uma agência tiveram início no começo do século passado, em 1914, com a Eclética Publicidade, que é considerada a primeira agência de publicidade do Brasil. Mais de cinqüenta anos depois, através da Lei Federal nº 4.680, regulamentada pelo Decreto nº
57.690 de 1º/02/1966 a atividade e o perfil das agências de publicidade foi finalmente traçado, definindo-as como segue:
A agência de publicidade é pessoa jurídica especializada
na arte e técnica publicitária que, através de especialistas, estuda,
concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes-anunciantes, com o objetivo de
promover a venda de produtos e serviços, difundir ideias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições colocadas
a serviço deste mesmo público (SANT’ANNA, 2002 pág. 241).
Neste período a propaganda brasileira se fortaleceu, desmanchando os conglomerados norte-americanos e sendo criadas as primeiras grandes agências genuinamente brasileiras como a Mauro
Salles, SGB, DPZ, MPM e Alcântara Machado. Com o tempo, novas
estratégias foram implantadas e estudos realizados, ampliando e
qualificando ainda mais a atuação das agências, tornando-as gerenciadoras da imagem e verdadeiras aliadas dos anunciantes. Atualmente, tudo o que está relacionado à comunicação de uma empresa,
do planejamento estratégico, passando pelo cartão de visitas, aos
comerciais para televisão, são da responsabilidade das agências,
399
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
que precisam ser competentes numa atividade que seus clientes-anunciantes não estão aptos a fazerem sozinhos.
Novo Hamburgo e o mercado de comunicação no sul do Brasil
Novo Hamburgo (NH) é um complexo demográfico com prédios modernos, mais de 250 mil habitantes, e tem na cadeia coureiro-calçadista a base da sua economia. A cidade é um dos mais importantes pólos industriais e comerciais do estado do Rio Grande do Sul
(RS), localizada no Vale do Rio dos Sinos, região metropolitana de
Porto Alegre e distante 45km da capital gaúcha. A força da economia
reflete-se no campo da comunicação e o município conta com centenas de anunciantes (indústrias, comércio, prestadoras de serviços,
instituições do poder público, políticas, esportivas, culturais, educacionais, entre outras), o Grupo de Comunicação Sinos e outras mídias
independentes, escritórios e representantes de veículos estaduais e
nacionais, cerca de 50 agências de publicidade, dezenas de fornecedores de serviços, como gráficas, estúdios fotográficos, produtoras de
áudio, vídeo e web, e o curso de Comunicação Social da Feevale, formando publicitários, jornalistas e relações públicas.
Voltando aos primeiros anos da década de sessenta, período de
ouro da publicidade brasileira, observamos que coincide com um ciclo
de prosperidade em Novo Hamburgo: a indústria coureiro-calçadista
está em franco crescimento, há expressivas melhorias urbanas e a cidade assiste, ainda, a criação da FENAC (Feira Nacional do Calçado)
e a fundação do Jornal NH, pelo Grupo Sinos, que passa a produzir
e a veicular, preferencialmente, informações locais/ regionais, circula
por grande parte do território nacional, apóia os potenciais anunciantes e estimula a profissionalização das agências de publicidade.
Tais condições favorecem que alguns jovens da cidade, já envolvidos
com o campo da comunicação, como o fotógrafo Alceu Mário Feijó8, o
radialista Jones Batista e Pedro Enio Schneider9, estudante de Belas
Referência sobre a agência fundada por Feijó: MACHADO Maria Berenice e SANTOS, Marcelle. LEDERCAP: agência pioneira em Novo Hamburgo. In: Adolpho Queiroz e GONZALES, Lucilene (Orgs.). Sotaques Regionais da Propaganda. São Paulo: Arte & Ciência, p. 105-121, 2006.
8
Referência sobre a agência fundada por Schneider: MACHADO Maria Berenice e SANTOS,
Marcelle. New PS, the oldest: a trajetória da mais antiga agência de publicidade e propaganda
em atividade no estado do Rio Grande do Sul. In: Adolpho Queiroz. (Org.). Propaganda, Histó-
9
400
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Artes e estagiário da Standard Propaganda, em Porto Alegre, se lançassem em novos empreendimentos e abrissem suas próprias agências de publicidade para atender às demandas do mercado.
A fundação e os primeiros anos da Jotabê
Ao fundar a Jotabê, Jones Batista, então com 26 anos, trabalhava havia uma década como radialista e acumulava a função de
corretor de anúncios, o que o aproximou da publicidade: “eu aprendi
muito nesses dez anos de rádio, senti que realmente a propaganda
dava um retorno extraordinário”. De acordo com Batista, os primeiros tempos não foram fáceis, mas os resultados foram gratificantes,
parte deles devido aos funcionários que o ajudaram e aos clientes que
o prestigiaram: “a Jotabê proporcionou muita coisa boa pra nossa região também, em termos de divulgação” (BATISTA, 2005).
A agência não foi uma ideia exclusiva dele, mas foi ele quem
lutou para estabilizá-la:
a agência começou com o Jones, e o Jones começou a criar situações para que ela se desenvolvesse. Porque eu era radialista,
trabalhei dez anos nas Emissoras Reunidas, no tempo do Sr.
Arnaldo Balvé (...). Em determinado momento, o tio da minha
esposa, Leopoldo Márcio Petry (filho de Leopoldo Petry, primeiro prefeito de NH) perguntou a ela ‘porque o Jones não põe uma
agência de propaganda?’ E ela falou pra mim ‘porque você não
monta uma agência de propaganda?’ Uma agência de propaganda... comecei a pensar (...) (BATISTA, 2005).
Batista reconhece que foi um desafio: “eu não tinha muita noção, comecei a falar com pessoas de propaganda, que tinham agências de propaganda. Sabia que existia a MPM10, mas não sabia como
funcionava uma agência”. Naquela ocasião valeu-lhe a experiência
de radialista, pois realizava muitos contatos com o comércio quando
era atendimento da rádio. O jovem resolveu abraçar a ideia e disse: “Quer saber uma coisa? Eu vou montar essa agência!”. Preparou
ria e Modernidade. Piracicaba: Editora Degaspari, p. 101-120, 2005.
10
MPM – agência fundada em 1957, no RS, por Mafuz, Petrônio e Moreira, para atender a
conta da Ipiranga, expandiu-se por todo o território nacional, tornando-se até a década de 1990
a maior agência brasileira. Posteriormente foi vendida para o Grupo Multinacional Lintas.
Atualmente, a marca opera ligada ao grupo do publicitário Nizan Guanaes.
401
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
tudo, fez o coquetel de inauguração, convidou o prefeito, demais autoridades e os dois irmãos Gusmão, diretores do Jornal NH. O empresário observa que fez tudo sozinho e sem capital:
o capital que eu tinha era da minha família (...) e eu jamais poderia imaginar o quanto eu precisaria para montar essa agência, pra fazer essa agência funcionar como agência mesmo. Eu
levava a coisa muito a sério, assim como sempre foi minha vida
particular, queria que a empresa seguisse o meu íntimo, aquilo
que eu sempre imaginava, que eu acreditava ser em termos de
empresa e família. Daí eu sai da rádio e montei a agência (BATISTA, 2005).
Sobre a primeira localização da Jotabê, Batista recorda que
Níveo Friederich, que era o prefeito de NH na época, tinha um escritório ao lado do antigo Café Avenida11 e que foi ele quem lhe cedeu a
sala para a agência. Mas a maior dificuldade foi encontrada junto aos
anunciantes, pois
eles não tinham aquela visão ainda de propaganda. Publicidade para eles era gasto, não era investimento. Falava em propaganda, publicidade pra eles, eles corriam com a gente. Eu tinha
que criar uma situação, na época, para capitalizar a agência e
mostrar a essa gente da região que a propaganda é a alma do
negócio, que eles precisavam aparecer para vender mais. Aí eu
comecei a pensar... e sabe de uma coisa, eu vou fazer um concurso. E fiz o Concurso VRS [o Concurso Vale do Rio dos Sinos será
detalhado mais adiante] para integrar a região, ofereci para o
comércio, para indústria e para as prefeituras (BATISTA: 2005).
A montagem da equipe
Nos primeiros anos da Jotabê, Batista fazia tudo sozinho,
desde o atendimento aos clientes, até a administração financeira da
agência. Aproximadamente três anos depois, ele identificou o talento
criativo de Clóvis Noschang12 quando ele era cartazista de uma loja
no centro da cidade. Depois daquela loja, segundo Jones, ele foi traPonto no coração da cidade, onde se reuniam empresários e prefeitos da região para conversar e fazer negócios.
11
Clóvis Noschang – publicitário que atuou no mercado hamburguense e foi sócio de Batista
na Jotabê, transformada, então, em Jotacê. Posteriormente, saiu e fundou as agências Proptop
e Progesp onde trabalhou até falecer, em 1991.
12
402
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
balhar em uma agência de Porto Alegre: “Rapaz novo, inteligente e eu
pensei: vou contratar esse rapaz, mas eu tenho que oferecer alguma
coisa a ele, senão, ele não vem, pois estava bem em Porto Alegre”
(BATISTA, 2005). O irmão de Clóvis, Abelar, recorda que em Porto Alegre o criativo esteve na Símbolo Propaganda, na Agência Um,
de Jesus Iglesias, na Standard Propaganda e na revista Granja na
área de programação e que teve um convite para ser diretor de arte
da Standard de Curitiba: “Jones Batista, que farejava muito bem os
bons profissionais, soube que o Clóvis estava para ir para Curitiba,
o procurou e fez uma proposta muito boa para ele ser sócio e diretor
de arte na Joba. Então ele veio para Novo Hamburgo e me chamou
para ir trabalhar com ele, isso foi em 1971” (NOSCHANG, A.: 2007).
Para atrair Noschang de volta a NH, Jones lhe propôs sociedade: “Como a agência era 100% minha, eu cheguei para ele e falei: olha
Clóvis, eu te dou 20% da agência, mas eu não quero saber de mais
nada. A responsabilidade da criação, da parte de arte, é contigo, e tu
podes contratar quem tu quiseres (...) (BATISTA: 2005). Jones lembra que Clóvis tinha receio da mudança, mas que ele tinha certeza
de que ia dar certo, pois já tinha alguma experiência na atividade e a
sua agência, a Jotabê, já estava dando certo: havia sido realizado um
concurso para capitalizar a empresa, e ele tinha capital de giro para
propor alguma coisa concreta a uma pessoa que viesse incrementar o
trabalho e o faturamento. Nasce, então, a sociedade de Jones Batista
e Clóvis Noschang, que durou cerca de dez anos (BATISTA: 2005).
Jotacê, a parceria entre Jones e Clóvis
Jones observa que com a chegada de Clóvis ele transforma a
Jotabê em Jotacê, o que deixa o novo sócio mais seguro. Sobre a divisão das tarefas, o empresário recorda que Noschang fazia a redação
dos anúncios e às vezes a mídia, junto com ele. Em seguida, o novo
sócio traz o irmão, Abelar Noschang, para a função de arte-finalista
e ele assume a direção de arte. O empresário lembra o excelente ambiente de trabalho e lamenta a carga de obrigações e responsabilidades de uma agência, que é muito grande: “(...) o diretor têm que pensar em tudo, na administração, no cliente, no fornecedor, e os veículos
pressionando para anunciar” (BATISTA: 2005).
403
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
A Jotacê atendia a diversas contas, entre elas Azaléia (esta indústria e um dos seus produtos, o tênis Olympikus, serão estudados
em um tópico seguinte) e Ortopé13, que mais tarde tornaram-se grandes anunciantes. Mas naquela ocasião, as verbas eram reduzidas: “A
gente tinha que pensar muito porque a verba na época era pequena,
não existia uma verba definida do cliente. Simplesmente eles iam
liberando, a gente ia apresentando custos, ou ele cortava, ou deixava
aquele custo que a gente apresentava” (BATISTA, 2005).
Começaram a vir outras contas e a Jotacê solidificou-se em
termos de agência:
Eu sempre tinha duas ou três duplas de criação, porque
nós tínhamos muitas contas de calçado e para não se confrontar, porque a linha é praticamente a mesma de calçados de mulheres, eu tinha que ter duas ou três duplas de criação e dava
uma conta para cada uma das nossas duplas de criação, e sempre deu certo. Eu sei que hoje é complicado e se tu quiseres uma
conta expressiva, tem que trabalhar só com ela naquela linha.
O cliente não vai aceitar um concorrente na mesma agência
(BATISTA, 2005).
Vera Adams é uma das jovens publicitárias que foi atraída pelas contas e pelos anúncios veiculados pela Jotacê. Ela foi até lá, em
1976, como ela mesma recorda, na “cara de pau”, e disse para Clóvis:
Ó, eu quero trabalhar aqui (...) Clóvis era uma figura,
né? Ele disse: ‘Tá’, não teve muito problema, aí eu comecei a
trabalhar com ele. (...). Ele tinha uma dupla, ele era o criador e
passava o texto e, mais ou menos o que ele achava para o Abelar. Clóvis trabalhava com simbiose, era muito legal de ver. Eles
me aceitaram e começaram a me passar bastante trabalho, ele
queria um sangue novo. Sei lá... foi muito bom. A gente atendeu
a Azaléia, tênis Olympikus (ADAMS, 2006).
Ações e peças promocionais para consolidar o empreendimento
Jones Batista, mesmo sem formação específica em publicidade, incrementou os serviços da sua agência, recorrendo a diversas técnicas e estratégias de comunicação promocional. A primeira
A Ortopé foi um dos maiores fabricantes nacionais de calçados infantis, liderou o mercado
nas décadas de 70 a 90. Deixou de atuar por problemas com o fisco.
13
404
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
que abordaremos é a promoção de vendas, esta de acordo com Ferracciù, “não implica propriamente vender, mas diligenciar, esforçar, empenhar-se através de qualquer ideia ou ação para que isso
aconteça”. O autor observa que a função básica da promoção de
vendas é coordenar esforços para facilitar o trabalho do pessoal de
vendas, em todos os níveis de sua atuação, qualquer que seja o segmento. Para tanto, recorre a múltiplas e diversificadas técnicas,
“podendo associar-se, interrelacionar-se e interdepender de todas
e quaisquer atividades de comunicação e vendas, com o objetivo
de multiplicar resultados”. As premiações são importantes atividades da promoção de vendas, requerem um pouco de habilidade e
qualificação dos participantes, e são conhecidas como concursos ou
sorteios, devendo obedecer à legislação específica (FERRACCIÙ,
1997, p. 9, 13, 16, 31, 32).
• O Concurso VRS (Vale do Rio dos Sinos) – promovido
Batista, capitalizou a sua agência e fez o sorteio de muitos
brindes: “eu queria fazer um concurso na época, muito grandioso” (BATISTA, 2005). Aquela ação promocional auxiliou a
integração do comércio, indústria e prefeituras em uma região
onde ninguém acreditava em publicidade. O esquema básico
era concorrer e ganhar prêmios. A tarefa do concurso consistia
em o industrial, que vendia os seus sapatos para os lojistas,
agregar nas caixas de calçados “x” cautelas. Os prêmios que
elas representavam poderiam estimular seus balconistas ou
clientes: “Havia mídia no jornal, na televisão e na rádio local
(...) então elas [as indústrias] inseriam-se na propaganda do
concurso”. Os brindes sorteados eram automóveis, motos (naquele tempo era a Vespa) e bicicletas, obtidos através de trocas
por cautelas e mídia, como observa Batista: “fui a revendas
locais desses bens e propus a eles uma negociação; ‘vocês me
compram “x” cautelas, no valor dos automóveis/ motos/ bicicletas e eu dou uma mídia pra vocês em rádio, televisão, folhetos,
mala direta e ponto de venda”. Além dos resultados financeiros, a promoção contribuiu para educar os clientes sobre o valor da comunicação: “foi um sucesso esse concurso porque houve um envolvimento de empresas calçadistas, principalmente.
O projeto do concurso, um excelente negócio pra todo mundo,
405
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
porque os meus clientes foram beneficiados com vendas e eu
os eduquei pra fazer propaganda. Vamos falar a palavra educar, porque não deixa de ser uma educação” (BATISTA, 2005).
• Os calendários turísticos – O fundador da Jotabê recorda que veio de Feijó a ideia dos calendários turísticos: “ele falou comigo no Café Avenida e disse ‘Jones, eu tenho uma ideia
boa pro Clóvis, um calendário turístico’. O Feijó já era fotógrafo na época, um excelente fotógrafo, e eu pensei: ‘poxa eu tenho
que abraçar essa oportunidade também”. Batista observa que
anteriormente já havia ousado ao montar uma agência de publicidade. De imediato, aderiu à proposta de Feijó, chegou na
agência e disse: “Pessoal, vamos bolar um calendário turístico
pra região” (BATISTA, 2005).
A peça promocional de Feijó foi um sucesso, segundo Batista:
“a gente fez um calendário com fotos de cada município e houve a
integração das prefeituras”. A Jotabê criava a arte do calendário e
Feijó fazia as fotos: “e isso foi até 1969/70. Entraram as prefeituras
e também as empresas de calçados que exportavam na época. Eles
mandavam esses calendários, que eram impressos em três línguas
- português, espanhol e inglês – para fora do Brasil”. As fotos, cerca
de quinze, eram do município de Novo Hamburgo, do Santuário de
Padre Réus, que é o símbolo de São Leopoldo, da Cascata do Caracol
e de outros lugares típicos. Junto com as fotos, havia a assinatura da
empresa ou da prefeitura. Se o anunciante quisesse mostrar a sua
sede, eles tiravam uma das fotos do calendário e a substituíam pela
da empresa, numa espécie de personalização (BATISTA, 2005).
Batista credita aos bem sucedidos concursos e calendários a
capitalização da Jotabê, no seu período inicial, quando o negócio da
publicidade ainda não havia se consolidado: “E isso aí foi um sucesso, porque a gente até conseguir uma conta grande aqui ia demorar
muito, até as pessoas entenderem que a propaganda dava resultados
e tal, eles tinham medo de investir muito e nem existiam condições
para isso” (BATISTA, 2005).
406
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
As contas da Jotabê/Jotacê
Destacamos duas das muitas contas da Jotabê; a primeira
representa uma experiência na área governamental, no município
de São Leopoldo. A outra é da Calçados Azaléia, que deu seus primeiros passos na comunicação com Batista, para depois se transformar em um dos maiores anunciantes brasileiros, atendidos por
outras agências do estado.
• Governo municipal de São Leopoldo – Embora estabelecido em Novo Hamburgo, Batista teve a conta da prefeitura
da vizinha São Leopoldo: “trabalhei três anos para o doutor
Olímpio Albrecht, que foi prefeito em três gestões. Então eu
fiz a campanha dele”. O empresário recorda a experiência com
o político, considerando-o “um camarada de visão, médico e
cirurgião que tinha tempo para tudo”. Batista credita ao prefeito a viabilidade do projeto do Jornal Vale do Sinos, do Grupo
Sinos: “eu disse-lhe que o jornal só poderia sair se a prefeitura
lhe desse cobertura financeira para seis meses”. A cobertura
que Batista refere eram anúncios, e ele sabia que o doutor
Olímpio era “aberto à propaganda, inteligentíssimo, e objetivo” e que aceitaria a proposta:
o doutor Olímpio Albrecht foi uma das maiores pessoas, uma das
maiores personalidades políticas da região que eu conheci. E me
rendo a ele pela sua magnitude, de pensar em atrair empresas para
São Leopoldo, divulgar São Leopoldo. Eu ficava lá no Hospital Centenário, esperando o doutor para sair com ele e visitar empresas.
Nós fizemos um calendário exclusivo em São Leopoldo, também (...)
foi a pessoa de maior visão de propaganda. Só pelo fato de eu ser de
Novo Hamburgo e ele entregar a conta publicitária para a nossa
agência, com a rivalidade que existia - foi uma coisa que também
me gravou muito, o quanto ele confiou em mim (BATISTA, 2005).
• - Calçados Azaléia – Um fato marcante para a Jotabê é a chegada de uma conta que, apesar de pequena, era
muito cobiçada:
(...) o pessoal de Porto Alegre cobiçava muito essa conta, porque
esse cidadão, que eu vou citar a empresa para vocês, ele tinha
407
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
uma cabeça muito boa para a propaganda, para a publicidade.
Valorizava muito, só que não tinha grana, não tinha dinheiro
e eu apostei nele. Chama-se Calçados Azaléia, e o nome dele é
Nestor de Paula, já falecido (BATISTA, 2005).
Para se ter ideia da dimensão da conta que chegou à Jotabê,
naqueles anos sessenta, trazemos informações sobre a Calçados Azaléia, que foi fundada em dezembro de 1958, a partir de uma ideia de
Arnaldo Luiz de Paula, Nelson Lauck e Arnildo Lauck, sob o nome
de Berlitz, Lauck e Cia. Ltda. Os sócios e suas esposas produziram
dez pares de calçados femininos ao final do primeiro dia de trabalho,
instalados em um barracão de madeira alugado. Passados mais de
cinquenta anos, a empresa, agora propriedade do grupo Vulcabras, é
uma das maiores indústrias do setor no mundo. Em 2007, fabricava
cerca de 160mil pares de calçados por dia e contabilizando mais de
17 mil colaboradores. Sua sede fica em Parobé/ RS, a 80 quilômetros
da capital gaúcha, e tem outras unidades de produção nos estados do
RS, Bahia e Sergipe, unidades de representação comercial em todo o
Brasil, nos Estados Unidos, na América Latina e na Europa, além de
unidades comerciais próprias nos Estados Unidos, no Chile, na Colômbia e no Peru. A indústria exporta cerca de 18 % da sua produção
para mais de 80 países e está presente em mais de 15 mil pontos-de-venda no Brasil e, aproximadamente, em 3 mil pontos-de-venda espalhados entre os cinco continentes. Atua no segmento feminino com
as marcas Azaléia, A|Z, Dijean e Funny e no segmento esportivo com
a marca Olympikus, além da marca de chinelos Opanka (disponível
http://www.azaleia.com.br - acesso em 22/05/2007).
Dadas as atuais dimensões da Azaléia, Batista orgulha-se do
trabalho que realizou e de ter mostrado os caminhos da comunicação
para a indústria calçadista: “o lançamento da Olympikus (tênis) fomos nós que fizemos. Parece que eu estou vendo hoje ele [Nestor de
Paula] chegando na agência e dizendo ‘Jones (foi a primeira vez que
a gente ouviu isso) eu tenho “x” pra investir - bem assim - investir no
tênis Olympikus, agora escolhe o veículo” (BATISTA, 2005).
O publicitário lembra que o tênis Olympikus não era muito
sofisticado, mas, para a época, era bom. A verba para o lançamento
era pequena e tinha que atingir o Brasil inteiro, então ele escolheu
o canal e o programa do Silvio Santos, pois naquela época ele tinha
408
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
a maior audiência: “Eu escolhi esse veículo, pois o Silvio tinha um
programa aos domingos e nós fizemos o lançamento para o Brasil
inteiro, com uma verbinha desse tamanho [indica pequena] que, aliás, ficou de um tamanhão, coisa grandiosa e dando retorno para a
gente” (BATISTA, 2005).
Está registrado no livro de Sarlet (1999, p.72) que a Azaléia começou a apostar em propaganda, quando poucas empresas do ramo o
faziam: “se assim não fosse, não teria experimentado o crescimento a
que chegou. O Brasil, ‘país das telenovelas’ conheceu, também, com a
empresa calçadista o merchandising. A Jotabê recorreu a esta técnica de comunicação para inserir aparições da marca Azaléia, de forma
não-ostensiva e aparentemente casual, na novela das oito Dancing
Day, na Rede Globo de Televisão, em 1978:
até hoje tem aquela música [Frenéticas, Dance sem Parar] que
quando toca num baile, em alguma festa, algum lugar, me dá
uma saudade. Eu fui o primeiro a fazer merchandising em novela do Brasil e nem sabem disso, para o cliente Azaléia. Naquela novela tinha a Sônia Braga, que dançava e apareciam os
luminosos lá na danceteria, com o logotipo da Azaléia, que nós
criamos (BATISTA, 2005).
O reconhecimento do valor da publicidade e a aposta na força
da comunicação para a construção da marca Azaléia, fez com que
ela se tornasse mais que um “nome, termo, sinal, símbolo ou desenho, ou uma combinação dos mesmos”, e passasse a identificar seus
produtos e serviços, além de diferenciá-los dos seus concorrentes (PINHO, 1996, p. 14-15). A origem do nome da empresa, segundo Sarlet,
deve-se a Antonio Costa Lopes, primeiro representante da empresa
e um dos primeiros vendedores de sapatos no Brasil: “foi quem propôs ‘Azaléia’ como futura marca da indústria” (SARLET, 1999, p.30).
Importa destacar que azaléia é um arbusto da família das Ericáceas,
uma planta relativamente rústica e resistente: suporta com bravura
certas condições bem adversas e, por isso, pode ser encontrada formando cercas-vivas em jardins e praças públicas ou mesmo plantada
em vasos. Um dos segredos do seu sucesso é que a floração ocorre justamente nos meses de inverno e traz um pouco de colorido num período em que a maioria das plantas encontra-se em repouso (www.jardimdeflores.com.br/floresefolhas/azaleia.html - acesso em 22/5/2007).
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Elemento decisivo para a fixação de uma marca, o logotipo é “a
parte da marca que é reconhecível, mas não é pronunciável, como um
símbolo, desenho ou cores e formatos de letras distintivas” (PINHO,
1996, p. 14-15). O logotipo da Calçados Azaléia foi criado pela Jotabê,
ideia que permanece por mais de quarenta anos: “Já tentaram mexer, a atual agência deles, mas houve um dedinho do Nestor que não
deixava trocar, pois ele gostava muito” (BATISTA, 2005). A Jotacê foi
a agência da Azaléia por quinze anos, permitindo que Batista conhecesse bem o cotidiano da empresa e a filosofia do diretor-presidente
da Azaléia. O publicitário relembra aquele período e se emociona ao
falar de Nestor de Paula/Azaléia/ Olympikus:
ele sempre dizia ‘nós vamos ser muito grandes, ser grandes,
muito grandes’. E ficou grande, a maior empresa calçadista do
Brasil. E modéstia à parte, ele aprendeu a fazer propaganda
conosco. Ele acreditou na propaganda com a Jotabê. Ele cresceu
enquanto esteve conosco, com a Jotabê, e a Jotabê não cresceu
tanto como ele cresceu (BATISTA, 2005).
A força da publicidade e o seu efeito na construção da marca
Azaléia são destacados por Batista, que usava o seguinte argumento
nas suas prospecções, o mesmo que dizia para Clóvis e Abelar Noschang quando voltava do atendimento da Azaléia: “se não fosse a publicidade, Azaléia seria apenas uma flor”. Ele ainda explica: “E esse
era o meu grande argumento: sem publicidade ela seria apenas uma
flor, mas transformou-se em uma grande empresa” (BATISTA, 2005).
O fundador da Jotabê lembra de um anúncio que veiculou no
Jornal NH ou no Exclusivo sobre a associação flor/Azaléia:
o jornal do Grupo Sinos chamava as agências para que cada
uma fizesse um anúncio institucional sobre o seu cliente preferido (a região estava em crise e eles queriam alertar o pessoal que não deveriam parar de fazer propaganda). E foi aonde
que surgiu, a chamada ‘se não fosse a publicidade, Azaléia seria
apenas uma flor (BATISTA, 2005).
Considerações Finais
A Jotabê foi uma das agências pioneiras da publicidade hamburguense, estabelecida no início dos anos sessenta, centrada, inicialmente, na figura do fundador, Jones Batista. O radialista foi o mentor
410
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
e promotor de um sorteio que envolveu, além da agência, revendedores
de automóveis, motos e bicicletas (doadores dos brindes), a indústria
calçadista que ‘comprava’ um pacote: cartelas do sorteio para distribuir aos clientes, lojistas e funcionários, mais mídia (assinatura nos
anúncios do sorteio). O resultado foi compensador: além de capitalizar
financeiramente sua agência, Batista ensinou o valor da publicidade
para aqueles potenciais anunciantes, que até então, não haviam experimentado a força estratégica da comunicação para alavancar os seus
negócios. A Jotabê beneficiou-se também com a ação, pois captou novos
anunciantes e começou a estruturar a sua carteira de clientes.
O crescimento da Jotabê acelera-se no início dos anos 70: as estruturas física e de pessoal já não comportavam o volume de trabalho
que a agência tinha pela frente. Batista amplia o quadro de funcionários, contrata novos auxiliares e depois associa-se a Clóvis e Abelar
Noschang, profissionais de criação que abrem oportunidade para novos trabalhos da Jotabê, naquela ocasião transformada em Jotacê.
Na concepção de Batista (2005), a propaganda tem dois componentes indissociáveis: “honestidade e resultados para o seu cliente.
Mais nada”. Perguntado sobre o que entende por resultados ele os
associa à imagem, que repercute sobre a credibilidade da empresa.
O empresário considera que ainda hoje teria potencial para começar
uma nova agência: “teria potencial, energia, tanto de cabeça quanto
de corpo”. Só que ele iria amparar as negociações comerciais em relações e comunicação transparentes, selecionaria uma meia dúzia de
clientes bons, que realmente entendessem de propaganda e iria fazer
a agência e os clientes crescerem juntos.
Tais condições são frutos das várias experiências negativas:
Batista recorda empresas que conversam com ele e pediam ajuda.
E ele as ajudava, criava logotipia de graça, e quando via os clientes estavam dando a conta para outro, muitas vezes para pessoas
e agências de Porto Alegre. Outro exemplo citado pelo empresário
é o da Calçados Azaléia, que aprendeu com ele o valor do investimento em publicidade, anunciou muito e cresceu mais ainda. No
entanto, a sua agência não conseguiu acompanhar o crescimento
do cliente e acabou não tendo mais condições de atendê-la. Para
o fundador da Jotabê, o certo é a agência ganhar e crescer junto
411
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
com a conta, para dar a estrutura que ela precisará no processo de
desenvolvimento. Da situação Batista tira um dos ensinamentos
que passa para o filho, titular da agência Supernova: “faça o seu
cliente ganhar, mas ganhe junto com ele, porque nada é eterno,
nem nós e nem aquela negociação que tu fizeste com o teu cliente.
Seja justo, seja honesto, dê tudo, tudo, tudo de ti, mas não deixe
de ganhar, naquele momento, naquele instante” (BATISTA, 2005).
Referências
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na Feevale.
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412
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
NOSCHANG, Daniel. Entrevista concedida às autoras no dia 11/ 01/
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SCHÜTZ, Liene M. Martins. Novo Hamburgo: sua história, sua gente.
[S.l.]: [S.n.], 1992.
413
Publicitários, go home!
Marino Boeira
Introdução
Inicialmente funcionando como um apêndice do Jornalismo,
o curso de Publicidade e Propaganda logo se emancipou e, em pouco tempo, se tornou o curso mais procurado pelos estudantes dentro
do composto da Comunicação Social. No caso do Rio Grande do Sul,
essa mudança teve uma forte influência do aparecimento de grandes
agências de propaganda durante a década de 60, quando a MPM, a
Standard Propaganda, a Norton, a Mercur e Mac Erikson disputavam as principais contas do mercado gaúcho.
Como testemunha desse período, vivendo uma situação dupla de profissional do mercado publicitário e professor universitário
das primeiras disciplinas de Publicidade e Propaganda em cursos de
Comunicação Social, este é meu depoimento sobre o que começava a
ocorrer no Rio Grande do Sul.
O novo contexto
As agências de propaganda do Rio Grande do Sul, a partir da
década de 70, no século passado, começaram a sofrer uma mudança gradual na forma como tratavam as contas publicitárias de seus
clientes. Até então, o modelo vigente era aquele introduzido pelas
agências norte-americanas no Brasil após a segunda guerra mundial,
ou seja, agências de propaganda com departamentos praticamente
estanques cuidando das áreas de atendimento, criação, mídia e serviços gerais. Afora a parte administrativa, fundamental para a continuidade do negócio, dois setores dividiam as tarefas mais específicas
de uma agência de propaganda, cuidando de formatar as mensagens
que chegavam aos consumidores. O atendimento, pouco técnico, mas
com grandes possibilidades de relacionamento social e comercial, que
fazia a ligação entre os anunciantes e agência e o departamento de
criação. Cabia ao setor de atendimento fazer a transferência para
a agência dos pedidos de trabalho do cliente-anunciante na forma
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
de um conjunto de informações que mais tarde todos chamariam de
briefing, cada vez mais prestando tributo à influência norte-americana. A criação, isolada dentro da agência, transformava estes pedidos
em anúncios gráficos, filmes, jingles e spots.
Nas maiores agências de propaganda de Porto Alegre a criação,
dividida, muitas vezes de forma estanque, em redatores e diretores
de arte, usavam suas formações, poucas vezes acadêmicas – uns como
jornalistas e outros como artistas plásticos – para produzir peças onde
a criatividade estava no jogo de palavras ou numa bela ilustração.
Nenhuma grande preocupação com o chamado consumidor final. Isso
viria muitos anos depois. Quando se chegava a uma boa idéia, não
importava se ela não era coerente com o briefing. Nesse caso, dizia-se
de uma maneira jocosa; “troque-se o briefing”. Como a concorrência no
mercado não era tão grande, quem aparecia na mídia, acabava vendendo seu peixe. O mercado publicitário de Porto Alegre era composto
basicamente por contas de varejo e de alguns poucos produtos. Havia
por parte dos criativos da época em Porto Alegre uma atitude quase de
desprezo pelas tarefas publicitárias. Eram, quase todos, candidatos a
grandes escritores e artistas, que ganhavam tempo enquanto a fama
não chegava. Alguns acabariam mesmo famosos no Brasil inteiro e
não como publicitários – caso de Luís Fernando Veríssimo e Josué Guimarães que passaram pelas salas de criação da MPM. Outros seriam
reconhecidos como importantes intelectuais e artistas, pelo menos
regionalmente, a exemplo de Vitório Gheno Henrique Fuhro e Flávio
Teixeira, Barbosa Lessa e Hiron Goidanich, depois de terem sido publicitários um bom período suas vidas.
Usando uma linguagem religiosa, o trabalho publicitário era
o purgatório para alguns, que cumpriam suas penas enquanto não
eram chamados para a glória do céu, representado quase sempre
como um lugar de reconhecimento das suas qualidades como escritores ou artistas plásticos. Quem ficava, era candidato a descer aos
infernos, ou na melhor das hipóteses, viver no limbo da mediocridade.
Poucos imaginavam que poderiam desenvolver seus talentos criativos toda uma vida dentro de uma agência de propaganda, como hoje
é tão comum. Estava-se numa agência de propaganda para ganhar
dinheiro – os publicitários ganhavam mais dos que os jornalistas - e
esperar que uma grande oportunidade surgisse no mundo das artes.
416
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Pelo menos era essa a visão dos que trabalhavam na criação publicitária. O pessoal do atendimento – olhado quase sempre com desdém
pelos criativos – talvez já tivesse se antecipado e pressentido um futuro brilhante dentro das agências. Muitos, se não conseguiram isso,
pelo menos ficaram bastante ricos, na medida em que foram usando
suas relações com os clientes para formar novas agências, onde mais
do que cuidarem do atendimento, se tornaram donos.
Este talvez seja um fenômeno característico da propaganda
feita no Sul: das grandes agências existentes na década de 70, nasceram dezenas de outras formadas em torno de um contato de propaganda que conseguia convencer seu cliente a financiar a sua ânsia
de se tornar um novo empreendedor. Pessoas de atendimento, que se
transformaram em donos de agência, seriam imitadas mais tarde, na
década de 80, pelos responsáveis pela parte financeira das agências,
que com a inflação descontrolada da época, se transformaram em homens extremamente poderosos. As agências nesse período ganhavam
mais dinheiro com as operações financeiras do que com a sua atividade principal, a de produzir comunicação publicitária.
Ainda nos anos 70, a Ogilvy and Mather começou um namoro com a Standard Propaganda, que viraria casamento mais tarde.
Mas mesmo antes de consumada esta ligação, a influência das idéias
de David Ogilvy - o famoso publicitário inglês que dava seu nome à
agência - sobre o trabalho publicitário, começou a se fazer sentir no
dia-a-dia da Standard. No escritório de Porto Alegre, Luís Augusto
Cama, diretor de criação e homem também oriundo da área jornalística, cobrava uma maior coerência entre a idéia criativa e as expectativas dos consumidores sobre os produtos anunciados..
David Ogilvy dizia que se você quer vender um produto para
mulheres que amamentam, deve dizer isso no título do seu anúncio.
Então, Cama queria que, antes de fazer um título para vender o arroz Índio, por exemplo, você perguntasse em casa para sua mãe ou
sua mulher, como elas escolhiam a marca de arroz em vez de fazer
uma brincadeira com o nome do produto. É certo, que sempre havia
a possibilidade de fazer primeiro o anúncio que desse na telha e depois escrever um texto apoiado em alguma coisa que você houvesse
lido sobre preferências de consumidores, para justificar a idéia mais
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
estapafúrdia do mundo que lhe ocorrera em meio a discussões sobre a
importância de ser torcedor do Internacional. Mesmo assim tinha sido
dado o passo que faltava para que a palavra posicionamento ganhasse
status de prima dona dentro das agências e dividisse o mundo dos publicitários em dois grupos quase sempre antagônicos: os criativos, para
quem uma boa idéia resolvia tudo e os planejadores, para quem, posicionando corretamente um produto, qualquer título de anúncio servia.
Um dado interessante para quem gosta de identificar as raízes de certos comportamentos, é que o surgimento do planejamento
como uma ferramenta tecnologicamente correta em meio aos caos da
criação, vai se dar no momento da consolidação dos planejadores econômicos (Delfim Neto e Mário Henrique Simonsen) como os grandes
guias dos governos militares depois do golpe de 64, quando o governo
de João Goulart foi posto abaixo por uma espúria aliança entre os
interesses norte-americanos e as velhas elites brasileiras. Naqueles
dias, parecia que tudo estava sendo planejado para criar um novo
país, onde não haveria mais espaço para a divergência ou para a
contestação. Usando de uma licença poética, talvez pouca eficiente
nessa analogia, seria possível identificar o planejamento publicitário
com o espírito autoritário e organizador da nova classe dirigente do
Brasil, sobrando para a criação a semelhança com o confuso mundo
libertário da esquerda derrotada politicamente em 64.
Fiel ao lema positivista da nossa bandeira – Ordem e Progresso
– os militares que durante 20 anos comandaram a vida do país, olhavam a propaganda apenas como um instrumento destinado a promover entre os brasileiros um sentimento permanente de ufanismo pelo
que imaginavam ser o futuro de uma grande potência que nascia. Enquanto esse projeto não se transformou numa formidável crise econômica e social, a face imaginária de “uma ilha de prosperidade em meio
a um mar de dificuldades”, foi “vendida” com sucesso aos brasileiros
usando as armas da propaganda. Éramos “90 milhões em ação” e quem
não concordasse com esta falsa euforia, a porta da rua estava aberta,
como diziam aqueles slogans, copiados de um modelo norte-americano
e exibidos nos automóveis da época; “Brasil – ame-o ou deixe-o”.
Uma boa parte das modernas técnicas publicitárias foi usada
pelos militares para uma verdadeira lavagem cerebral dos brasileiros,
418
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
criando um país de fantasia invejado no mundo inteiro. Mas que, depois se viu, foi incapaz de resistir à primeira crise econômica internacional, quando os árabes resolveram defender o preço do seu petróleo.
Enquanto a discussão sobre temas muito mais sérios para o
país era vetada pela censura, sobrava espaço para discutir quem tinha mais importância para o futuro das agências de propaganda:
planejamento ou criação.
A censura vetava filmes, livros e músicas, mas pouco interferia na propaganda. Anunciantes e agências, nesse período negro da
vida brasileira, em momento algum contestaram o status-quo vigente, até porque eram beneficiários dele.
A discussão sobre planejamento x criação não era prerrogativa
apenas dos gaúchos. Em São Paulo, até seminário em hotel de luxo foi
realizado colocando frente a frente os “inimigos” para debater a questão, obviamente com entrada paga para os interessados. Para posicionar um produto, ensinavam os planejadores, nada substituía uma boa
pesquisa. A velha cartilha de Ogilvy, reunidas no seu livro “Confissões
de um publicitário”, com todos os mandamentos de como fazer um bom
anúncio – “não usar a negação num título”, “não ter medo de escrever
laudas e laudas de texto se o produto exigir muitas informações”, “dirigir o produto para o consumidor identificado no título” – passava ser
substituída pela informação que só a pesquisa – inicialmente apenas
quantitativa, mas logo também qualitativa – poderia dar. A genial intuição de Ogilvy seria substituída pela técnica indiscutível da informação, pinçada numa pesquisa entre potenciais consumidores.
Enquanto ainda se discutia quem deveria pagar a pesquisa
– a agência ou o anunciante – outra mudança mais radical estava
acontecendo nas agências gaúchas. Os cursos superiores de formação
de publicitários, que no início apenas carimbavam os currículos dos
práticos licenciados, começaram a lançar no mercado os verdadeiros
profissionais da propaganda. Nada de escritores e artistas plásticos
em gestação no grande útero dos departamentos de criação. A nova
geração nem gostava muito de escrever ou desenhar. Eram apenas
fazedores de títulos e ilustrações, que a introdução quase na mesma
época dos computadores nas agências, tornava uma atividade fácil e
rápida. Era uma geração descompromissada com os utópicos ideais
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
humanitários dos antigos publicitários e pronta para assumir, sem
qualquer culpa, a face mais desumana da publicidade. Sobre este aspecto, ela era bem mais verdadeira que a geração anterior, sempre
dividida entre um sentimento de culpa, por serem agentes de um
consumismo nefasto para a maioria da população e as benesses que
a profissão proporcionava. Na virada do século, essa geração, que já
não era tão nova, vai dominar inteiramente o mercado publicitário do
Rio Grande do Sul, empurrando os antigos profissionais para sessões
de nostalgia com velhos camaradas, para lembrar “como era verde
meu vale”, ou para artigos cheios de fel como este.
O certo é que os novos criativos chegaram um acordo com os
planejadores, até porque todos haviam nascido no mesmo berço acadêmico. Os planejadores poderiam encomendar suas pesquisas, transformadas depois em grandes calhamaços, vendidos com pompa e circunstância para os clientes, mesmo que eles se limitassem a ler, quando
muito, uma conclusão com as recomendações finais, enquanto os criativos estavam autorizados a continuar fazendo seus anúncios, o mais
parecido possível com o que viam na revista Archive, ou mais modestamente no anuário do Clube de Criação de São Paulo. Ninguém poderia,
porém, dizer que o posicionamento não estava correto, mesmo que o
produto não vendesse, pois ele tinha sido cientificamente comprovado
por uma pesquisa. As empresas de pesquisa se transformaram num
bom negócio atraindo até mesmo gente de competência não muito
acadêmica. Hoje, nenhuma agência que se preze deixa de recomendar
aos seus clientes uma pesquisa prévia antes de por a mão na massa e
produzir aquilo que é sua finalidade maior, um anúncio. Nada melhor
do que saber previamente o que está na moda,do que é politicamente
correto e colocar no anúncio uma frase ou uma imagem que reforce
estes sentimentos. O risco deve ser zero, ou próximo disso, embora a
opinião pública seja mais volúvel que o coração de uma mulher - la
donna é móbile - como diz a letra da ópera. Mas não se deve duvidar do
que dizem essas pesquisas, ainda que muitos dos seus relatórios finais
seja uma leitura direta das falas de alguns consumidores, incluídos na
categoria de “heavy user” de um produto ou serviço. Mesmo que desvinculados do contexto onde foram ditos e sem uma maior avaliação
psicológica, eles têm a força de uma verdade cientificamente comprovada, pelos menos para quem precisa acreditar neles.
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Quem pensa, todavia, que está tudo na mais santa paz, vai em
breve ter uma boa surpresa. Um verdadeiro tsunami pode estar próximo a acontecer. Os anunciantes já perceberam que as frutas do quintal
do vizinho são, às vezes, mais saborosas que as suas, mesmo que esteja
usando o adubo certo e plantando de acordo com as boas normas e cobrarão de suas agências uma colheita mais abundante. Por que a gente
não pode fazer um comercial igual aquele do garoto da Bombril, vão
perguntar as suas agências? Talvez tenha sido pura sorte, muitas dirão
em resposta, mas o certo é que quem fez o comercial acertou na mosca.
Os instintos maternais das mulheres ficaram à flor da pele, loucas para
proteger o garoto desamparado que fala das virtudes do Bombril, enquanto seus maridos, que pagavam a conta, não tiveram ciúmes. Então,
vamos comprar a esponja de aço da Bombril. Qual foi a mágica? Quem
deveria ter uma boa resposta seria a academia, que mal ou bem, existe
para pensar a atividade publicitária, ao contrário da agência que está
atrelada à sua função de fazer as coisas. A resposta, porém, não está
nas disciplinas típicas da publicidade que dominam os currículos acadêmicos. Está mais na sociologia, na psicologia, na filosofia, banidas dos
nossos cursos de propaganda em troca de um pratica que só repete o que
já feito. Semestres inteiros são gastos para aulas de mídia e criação, que
se repetem com nomes diferentes, mas sempre com os mesmos objetivos: repetir o que foi feito na prática das agências de propaganda, sem
qualquer espírito crítico. O profissional do mercado publicitário, transformado em professor, repete para os alunos entediados as soluções que
encontrou no dia-a-dia da sua profissão. Só quando, em vez disso, se der
espaço para disciplinas que questionam o comportamento humano e por
extensão dos consumidores, esse quadro sofrerá mudanças.
Serão as pessoas que dominam matérias como a Psicologia, a
Sociologia, a Filosofia e a História, que estão mais preparados para
dar as melhores respostas. Os publicitários poderão então, finalmente, irem para a casa, porque se tornaram tão obsoletos como aquele
velho anúncio do Run Creosotado, na época em que os bondes ainda
eram o melhor forma de se andar pelas cidades: “veja ilustra passageiro o belo tipo faceiro que você tem ao seu lado. No entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o, Run Creosotado”.
Luís Augusto Cama, hoje vice-presidente Corporativo da Ogilvy
Brasil, tem sobre isso uma posição bastante clara. “A fonte acadêmica
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
brasileira é a escola de comunicação que – com algumas notáveis exceções em alguns centros – privilegia o profissionalizante”, o “voltar-se
para o mercado”, refletindo o status quo e o conhecimento da profissão
quando deveria antecipar-se a ele e levá-lo para diante; ensinando a
fazer quando deveria ensinar a pensar, a superar e a fazer. Comunicadores, publicitários não devem ser especialistas ou ter formação meramente especialista. Eles e elas devem ser generalistas, “o homem da
Renascença”, que de tudo sabia e sabe, nas artes e nas ciências. Suas
vidas diárias e a escola que frequentam precisam refletir isso.
A arte e a técnica da comunicação em geral e da publicidade por
qualquer meio clássico ou digital, devem obrigatoriamente alimentar-se na psicologia, que estuda os sentimentos, emoções, atitudes, comportamentos, as necessidades e desejos, as motivações que são o combustor e o motor dos comportamentos e das ações; da economia, porque
lidamos com um bem econômico, com mercados, patrimônios, investimentos, retornos, preços; da semiótica, que estuda os significados
aplicados na comunicação humana; da antropologia moderna, mesmo
que elementar, para conhecer o ser humano físico e cultural em suas
comunidades e comportamentos; sem esquecer o diariamente citado
marketing, que estuda mercado, concorrência, consumidor e gerencia
a definição e comunicação dos valores e significados da marca.
A escola tem obrigação de proporcionar a abertura do estudante
para todas estas áreas ou formará artesãos e técnicos-licenciados com diploma superior. O profissional, com ou sem a escola em sua base, deve ter
vontade, curiosidade, iniciativa, ânimo e energia para absorver - através
da leitura, da atenção analítica a tudo o que acontece ao seu redor, da especulação, da dúvida inteligente e do convívio intenso com as artes e com
as pessoas comuns e incomuns - tudo o que interessará para seu trabalho
e realização. Por natureza, descartará o secundário, conservará o que importa. E a partir daí, fará o melhor, será dos melhores. Aliás, os melhores,
por inteligência inata, por instinto, são assim. Basta imitá-los”.
Parodiando o serviço de alto falantes do Maracanã, que anunciava a substituição dos jogadores – “A ADEG informa: sai Zico, entra
Pelé” - poderíamos também dizer: “A ADEG informa: sai um publicitário, entra um humanista (ou seja, lá que nome dar a este novo personagem)”. Nessa hora será bom lembrar a máxima de Napoleão Bona-
422
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
parte - “a guerra é um assunto muito sério para deixar aos cuidados
dos generais” – que posteriormente, quando os doutos economistas estavam levando o mundo inteiro à destruição com seus dogmas, alguém
aproveitou para lembrar que “a economia é um assunto muito sério
para deixar nas mãos dos economistas”. Logo, não faltarão também
anunciantes mais informados e inteligentes para darem uma nova
versão para a máxima do “Pequeno Caporal”: “a publicidade é um assunto muito sério para entregar aos publicitários”. Será então a hora
dos “humanistas” entrarem em campo oferecendo soluções mais inteligentes para vender produtos ou serviços. Talvez eles possam vir até
mesmo dos cursos de Publicidade e Propaganda, que muitos deles já se
deram conta que não é apenas repetindo a prática diária das agências
de propaganda que formarão publicitários inteligentes e criativos, mas
certamente essa não será uma exigência definitiva.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, liberando
o acesso de jornalistas não formados em cursos de Jornalismo aos
meios de comunicação, é um sinal de que este processo de desregulamentação vai estender para todas as áreas afins. A Publicidade,
onde a exigência de diploma universitário nunca foi muito rígida,
certamente será bastante visada. Novos talentos, capazes de enxergar mais que as obviedades transmitidas em muitos cursos de Publicidade e Propaganda, estarão prontos para assumir os lugares antes
reservados aos publicitários de carteirinha.
Quem viver, verá!
Referências
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GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
OGILVY, David. Confissões de um publicitário. Rio de Janeiro: Ed. Referência, 1986.
RAMOS, Ricardo. Do Reclame à Comunicação. São Paulo: Editora
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RIBEIRO, Júlio e outros. Tudo que você queria saber sobre propaganda
e ninguém teve paciência para explicar. São Paulo: Editora Atlas, 1989.
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Os loucos anos 70 - quando as minhocas cantoras e um
cowboy renovaram a propaganda de varejo no Paraná
Itanel Bastos de Quadros Junior
Introdução
No início da década de 70 o desenvolvimento brasileiro é acelerado, com o incremento da produção industrial de itens variados, de
automóveis a eletrodomésticos. O país ainda experimenta o ciclo expansivo da economia brasileira denominado de “Milagre Econômico”,
que se estendeu de 1968 a 1973 – quando foi encerrado pelo primeiro
choque internacional do petróleo, ainda sob o regime militar.
A base econômica do Paraná é agrícola, mas o Estado já experimenta a mecanização intensiva na lavoura e a agroindústria se
instala, refletindo diretamente nos padrões socioeconômicos da população. Neste sentido Bastos (2006) destaca:
“[...] observamos que o processo de modernização da agricultura paranaense foi fruto de um processo mais amplo encabeçado pela economia nacional na década de 70. O Brasil queria
aumentar sua exportação de produtos agrícolas, dado os bons
preços no mercado internacional e o Paraná queria se industrializar. Logo, como a infra-estrutura para o recebimento da
indústria já havia sido implantada no Estado na década de 60,
fruto do projeto desenvolvimentista do Governo Estadual, apenas aproveitou-se o momento propício para investir na implantação da indústria no Estado” 1.
Curitiba é uma cidade bem estruturada, com uma população em torno de 600 mil habitantes. O setor comercial e de serviços
é bastante desenvolvido. A capital do Estado atrai indústrias que
desejam estabelecer um novo pólo de atividades fora do eixo paulista. Oliveira (apud Bonini, 2006, p. 14) destaca as transforma-
BASTOS, Luciana Aparecida. Transformações sócio-econômicas redundantes da industrialização da agricultura paranaense na década de 1970. In: Rev. Perspec. Contemp. Campo Mourão, v.1, n.1, jan./jul., 2006. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/
perspectivascontemporaneas/article/viewFile/362/169>. Acesso em: 10 jul. 2009.
1
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
ções econômicas motivadas pela instalação da Cidade industrial
de Curitiba – CIC, a partir de 1973:
“um número muito substancial de indústria se deslocou para o
pólo industrial, inclusive as tão cobiçadas empresas de bens de
capital. Correspondentemente, alterou-se o perfil da economia
urbana local, com significativo aumento da sua participação no
PIB industrial do Estado e com o aumento do número de empregos gerados na indústria”2.
A década de 70 marca também um período de profissionalização do mercado publicitário paranaense, especialmente em Curitiba,
inclusive nas demandas específicas do comércio varejista, que experimentava um crescimento acelerado da concorrência e era desafiado
em suas fórmulas tradicionais de comunicação pelos novos gostos de
uma audiência pautada cada vez mais pela televisão. Souza (2006)
assinala aspectos marcantes da propaganda paranaense e alguns
protagonistas daquele período:
“A década de 70 se caracterizou pela forma, com belos
anúncios. Priorizando a mídia impressa, a propaganda dessa
época teve o reforço do talento artístico de artistas plásticos ou
escritores e poetas como Miran, Paulo Leminski, Luiz Antônio
Solda, Luiz Rettamozo, Zeno José Otto, Gilberto Ricardo dos
Santos, Desidério Máximo Pansera, Jamil Snege, entre outros,
que atuavam na Exclam, Múltipla, Opus e P.A.Z”3.
O presente trabalho aborda esse momento importante da publicidade no Paraná e destaca duas campanhas memoráveis feitas
para grandes varejistas curitibanos atuantes em ramos bastante distintos. Elas exemplificam as transformações ocorridas na linguagem
da criação e nos recursos utilizados na produção publicitária para
o varejo, sempre buscando atingir um público urbano já afeito aos
produtos culturais televisivos que haviam ampliado constantemente
as audiências a partir da metade da década de sessenta, principalBONINI, Altair. Industrialização, urbanização e trabalho nas décadas de 1960 e 1970: a
construção do Paraná moderno. In: anais 6º Seminário do trabalho. Faculdade de Educação,
Ciências e Letras de Paranavaí, p. 14. Disponível em: <http//estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/altairbonini.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2009.
2
3
SOUZA, Sílvia Dias de. Prêmio Colunistas Paraná chega aos 30 anos. In: clickmarket.com.
br. Disponível em: <http://www.clickmarket.com.br/portal/index.php?id=4905&cat=2&tipo=0>.
Acesso em: 06 jul. 2009.
426
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
mente pelo barateamento dos receptores, a incorporação de novas
tecnologias de transmissão (microondas e satélite) e com a chegada
da televisão colorida em 1969.
Minhocas mudam a imagem de tradicional loja curitibana
A primeira campanha destacada nesse trabalho foi realizada
em 1977 pela agência Exclam para as Lojas Prosdócimo – considerada a primeira “department store” paranaense, que desde 1945
vendia eletrodomésticos, móveis, roupas e outros produtos variados
para casa e lazer - e visava inicialmente promover um espaço pouco
nobre até então na imensa sede localizada no centro de Curitiba. O
subsolo da loja, que já havia servido por longo tempo como depósito
de mercadorias, depois (na década de 60) abrigou a seção de brinquedos – cuja principal atração era uma grande pista de autorama
- e, no início dos anos setenta, acolhia a seção de materiais de pesca
e ferramentas para uso doméstico, fora transformado em um espaço
especialmente voltado ao público jovem, com oferta de vestuário e
equipamentos para prática de esportes radicais.
A nova seção da loja expunha as marcas então famosas, como
Ellus (na época identificada com o mundo do surf), Gledson, Soft
Machine, Waikiki, Kauai – e equipamentos para prática de esportes
como o ciclismo, surf e o recém chegado skate (cuja primeira pista em
concreto havia sido recém inaugurada pela Prefeitura de Curitiba,
em uma praça ao lado do Cemitério Municipal).
A agência Exclam era então uma “house” do grupo Prosdócimo - que incluía o ramo da família proprietário da Refrigeração Paraná, fabricante de freezers e refrigeradores e para o qual
criou, em 1982, o filme “Esquimó” que foi destacado como uma das
campanhas inesquecíveis no Brasil, em livro comemorativo aos 29
anos do jornal Meio & Mensagem, publicado em 2007 - propôs uma
linguagem bastante contemporânea transformando o “porão” da
loja no “underground”, em clara alusão à cultura pop tão cara ao
público-alvo da campanha publicitária (utilizando até mesmo a
marca do metrô de Londres como identidade visual).
Para simbolizar o novo espaço foi criada uma minhoca (uma
habitante “lógica” do subsolo), que aparecia nas peças gráficas da
427
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
campanha e cantava e dançava com “swing” jovem em animações
veiculadas na televisão, acompanhada por outras minhocas em
“back vocals”.
Figura 1 – Destaque do personagem em anúncio veiculado na Revista Direta (1977).
O personagem alcançou tamanho sucesso que acabou por
identificar toda a loja (um novo slogan foi adotado: Prosdócimo, a loja
da minhoca), estrelando várias ações promocionais (incluindo peças
de decoração do ponto-de-venda, imagens sacolas de papel, papéis
de presente, bandeirolas, indoors e displays). Em uma das peças da
campanha do Natal, a simpática figura aparecia - com o indefectível
boné vermelho com pompom branco - em um aplique com 15 metros
de altura na fachada da sede principal, capturando automaticamente
os olhares dos transeuntes que desembarcavam na Praça Tiradentes,
então um dos principais terminais de ônibus urbanos de Curitiba.
Um xerife renova a linguagem do varejo no Paraná
A outra campanha destacada no trabalho foi criada em 1979
pela agência Opus Propaganda para a tradicional loja de materiais
de construção Malucelli da Visconde (localizada na Rua Visconde de
Guarapuava, daí o nome) e que passara a comercializar também outros artigos, como brinquedos e móveis. Em magistral criação de Ja-
428
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
mil Snege4 e Ubirajara (Bira) Menezes, ela introduziu o personagem
Kid Malu - um xerife cowboy representado pelo ator Francisco Di
Franco, que também interpretava o personagem título da novela “Jerônimo, o Herói do Sertão”, produzida pela TV Tupi - como paladino
dos preços baixos, implacável inimigo do “sombra” (vilão interpretado
pelo ator Paulo Domingues, que representava os preços altos, frutos
do crescente processo inflacionário). As variadas ações de publicidade
e/ou comunicação integrada incluíram teasers de pré-lançamento do
personagem-conceito, happenings com a presença do cowboy a cavalo
no ponto-de-venda e peças de decoração temáticas associadas às ofertas específicas de varejo. O sucesso da campanha inicial fez com que
o personagem Kid Malu permanecesse em cena até 1981.
Figura 2 – peça da campanha Kid Malu (1977).
Ficha técnica da campanha: Cliente: Malucelli e Filhos Ltda. (Malucelli da Visconde), Criação – Jamil Snege; Direção de Arte - Ubirajara Menezes. Produção: Jamil Snege; Mônica Wolf e
Jaime Brustolin [...] in: SOUZA, Ney Alves de - História e histórias da propaganda no Paraná,
Curitiba: SINAPRO, 2001, p.71.
4
429
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Figura 3 – peça da campanha Kid Malu – bandeirola para decoração de PDV (1977).
Ney Alves de Souza destaca no livro História e histórias da propaganda no Paraná (2001) os diferenciais da campanha do Kid Malu:
“O tratamento da campanha não está só na apresentação do ‘herói’ (uma semana para avisar que ele chegou) e
posteriormente na veiculação de ofertas (indispensável em
campanhas de varejo), mas na integração de todos os canais
promocionais disponíveis: ponto-de-venda (bandeirolas, etiquetas, displays), brindes, frota de veículos, pessoal interno, datas
promocionais (Dia da Criança, por exemplo”5.
A campanha é considerada um divisor de águas no tratamento da linguagem do varejo no Paraná, na época ainda muito calcada
em “campanhas” realizadas muitas vezes diretamente pelo varejista
nos espaços adquiridos dos meios de comunicação, principalmente
na florescente mídia televisão. Até aquele momento a publicidade da
loja Malucelli da Visconde se notabilizava pela extravagância dos coSOUZA, Ney Alves de. História e histórias da propaganda no Paraná. Curitiba: SINAPRO,
2001, p.71.
5
430
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
merciais que veiculavam o gosto pessoal do proprietário. Ele invariavelmente os estrelava tocando canções em seu acordeão e acionando,
ao final das ofertas, a capota automática do seu Cadilac conversível,
locado no meio do estúdio de gravação. Outras vezes o varejista se
fazia acompanhar dos seus ruidosos cães de estimação (pequineses),
enquanto as mensagens de varejo em “hard sell” eram literalmente
declamadas em jogral ou cantadas em coral por funcionários da loja.
Considerações finais
O novo tratamento dado à comunicação publicitária do varejo
curitibano na década 70, exemplificado nas duas campanhas destacadas neste trabalho, comprovou a eficácia da aplicação de recursos
de planejamento, criação, produção e veiculação até então pouco utilizadas no Paraná, talvez por receio dos anunciantes em investirem
mais ou mesmo pelas práticas ainda anacrônicas de agências locais,
que não percebiam a evolução ocorrida no mercado e a influência
crescente do meio televisão nos hábitos de consumo e, ainda, dos novos desafios que uma concorrência cada vez mais acirrada impunha.
Na matéria “O que garante o sucesso das campanhas de varejo?”, publicada na revista CENP (março, 2009), diversos profissionais se pronunciam sobre o tema, entre eles Hiran Castello Branco
(sócio-diretor da agência de publicidade Giacometti - São Paulo) e
Carla Madeira (diretora de criação da agência Lápis Raro - Belo Horizonte). Nele é possível comprovar que, passadas três décadas da
veiculação das campanhas paranaenses, as suas concepções ainda se
alinham com as linguagens consideradas eficazes para a comunicação varejista em pleno século XXI:
“Há uma premissa no inconsciente coletivo do mercado
publicitário: o resultado nas campanhas de varejo estaria atrelado à agressividade da oferta e à frequência de exposição dos
comerciais. É certo que muito do que vemos, seja na mídia convencional ou nas novas mídias, está em linha com esta premissa e gera resultados. Mas certamente este não é o único caminho possível. Muitos varejistas hoje trabalham com o conceito
da “experiência a ser vivenciada” no ato da compra. É o que nos
Estados Unidos denominou-se shopping experience, ideia bastante propalada a partir de meados dos anos 90. Dentro deste
conceito, além da oferta, passou a ter valor a relação emocional
431
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
que o consumidor estabelece com a marca varejista. Para cultivar esta relação importam os serviços, o atendimento e tudo
o mais que possa surpreender positivamente o consumidor, incluindo a linguagem adotada pela propaganda. O conjunto do
trabalho que realizamos a quatro mãos com clientes de varejo
como Marisa, Camisaria Colombo, Shopping Tabatinga, Shopping Continental, bem demonstra que há outras linguagens eficazes para comunicação varejista além de martelar ofertas de
preço. [...] Mas o desafio é como construir marcas cujas oportunidades de comunicação se limitem a campanhas promocionais.
Neste caso, o fundamental é desenvolver um universo conceitual e estético alinhado com o posicionamento desejado criando
ganchos para o conteúdo promocional”6.
Finalmente, gostaria de agradecer a Luiz Renato Ribas, Ernani Buchmann, Vera Bachmann, Sílvia Dias de Souza e Edson Perin
o auxílio prestado na recuperação de referências e de documentação
visual das campanhas destacadas neste trabalho. Os registros materiais desses tipos de eventos sempre se apresentam como dificuldade
adicional ao levantamento da história da propaganda no Paraná - o
que, de resto, confirma a efemeridade da atividade publicitária -, no
entanto é certo que curitibanos na faixa dos 50 anos ainda retêm
imagens vívidas dessas campanhas, porque elas marcaram mentes e
corações como verdadeiros subprodutos da indústria cultural que se
adensava no Brasil na década de 70.
Referências
BASTOS, Luciana Aparecida - Transformações sócio-econômicas redundantes da industrialização da agricultura paranaense na década de
1970, in Rev. Perspec. Contemp. Campo Mourão, jan./jul., 2006. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/>. Acesso em: 10 jul. 2009.
BONINI, Altair - Industrialização, urbanização e trabalho nas décadas
de 1960 e 1970: a construção do Paraná moderno. In: anais 6º Seminário do trabalho - Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí
Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/altairbonini.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2009.
6
CASTELLO BRANCO, Hiran et al. O que garante o sucesso das campanhas de varejo?
CENP em revista. São Paulo: publicação trimestral, editada pelo CENP – Conselho Executivo
das Normas-Padrão, ano 5, nº 18, março 2009, p. 28 e 29.
432
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
CASTELLO BRANCO, Hiran et al. - O que garante o sucesso das campanhas de varejo? CENP em revista, São Paulo: publicação trimestral,
editada pelo CENP – Conselho Executivo das Normas-Padrão, ano 5, nº
18, março 2009.
CASTELO BRANCO, Renato; MARTENSEN, Rodolfo e REIS, Fernando
(Orgs.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
RIBAS, Luiz Renato et al. Revista Direta. Curitiba: Editora Digital Ltda.,
edição especial, 1977.
SINAPRO – Sindicato das Agências de Propaganda do Paraná. História da Propaganda – coletânea de comerciais produzidos nas décadas
70, 80 e 90. Curitiba: Produtora Deiró CINE/TV. Diretor: Edson Perin,
2001. (DVD, 1.13 GB)
SOUZA, Ney Alves de Souza. História e histórias da propaganda no Paraná. Curitiba: SINAPRO, 2001.
SOUZA, Sílvia Dias de. Prêmio Colunistas Paraná chega aos 30 anos. In:
clickmarket.com.br. Disponível em: <http://www.clickmarket.com.br/
portal/index.php?id=4905&cat=2&tipo=0>. Acesso em: 06 jul. 2009.
433
Sol e mar: sinta na pele esta magia
Silvia Helena Belmino
Introdução
Na perspectiva da propaganda os produtos, as ideias e os serviços deixam de ser meros objetos de uso para se transformarem em
veículos de informações sobre o que somos ou gostamos de ser. A mensagem publicitária turística apresenta a característica, em alguns
anúncios acentuada, de criar um mundo perfeito e ideal, habitado
por pessoas belas, cuja estrutura ancora-se em uma argumentação
imagética e linguística. Também são fornecidos os caminhos para alcançar o que está sendo proposto - a idealização do lugar, o selvagem
e o paradisíaco foram características presentes nas peças publicitárias analisadas sobre o turismo do Ceará.
A propaganda turística contribuiu no processo de transformação da imagem do Ceará e sua divulgação para o restante do País.
A transformação imagética do Estado fazia parte do projeto político
intitulado “mudancista”, iniciado com a administração do empresário
Tasso Jereissati em 1987. Este trabalho analisa a participação da
propaganda turística na mudança da imagem do Ceará. Considerando-se a forte presença dos meios de comunicação de massa na vida
social e cultural atribui-se à imagem um papel central na atualidade
e, nesse sentido, as imagens produzidas pelos veículos de comunicação corroboram com o princípio da construção da imagem como mercadoria. Nessa perspectiva, os empreendimentos no setor de turismo
utilizam a propaganda para divulgar as cidades como um produto turístico ao mostrar imagens atraentes e glamourosas de alguns locais.
A utilização de campanhas de publicidade e de propaganda,
assim como as estratégias de marketing, tem sido um fenômeno emblemático na contemporaneidade. O intuito de ambas é incentivar
o fluxo receptivo de turistas ou a transformação imagética para a
captação de recursos por parte dos gestores. Este tipo de iniciativa,
ou seja, a protagonizacão das mensagens publicitárias sobre as cidades nos meios de comunicação, tornou-se uma forma eficiente na
435
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
transformação do imaginário da população em relação às cidades,
principalmente quando as estratégias são direcionadas ao turismo.
A imagem construída do Ceará para o turismo estava inicialmente relacionada às atividades político-administrativas do
Projeto Mudancista. A organização e modernização do Estado
eram o discurso da primeira campanha eleitoral para o governo
do Estado de Tasso Jereissati. A comunicação trabalhou a ideia de
ruptura entre o velho e o novo. O modelo político anterior, assim
como os políticos, era caracterizado na propaganda como a representação do clientelismo, do atraso, da miséria, do analfabetismo e
dos coronéis. O Ceará foi comercializado pelos agentes de viagens
como um projeto político e econômico que deu certo.
Percebe-se um aspecto interessante nas campanhas para
“vender uma cidade”; a solicitação à população local de um engajamento no processo de mudança de imagem, que pode ser observado
nos processos ocorridos em Barcelona, em Berlim e em Fortaleza. A
rede de supermercados cearense Mercadinho São Luis, por exemplo,
estimulou a população a ter orgulho do patrimônio arquitetônico da
cidade ao veicular na Revista Veja1 a campanha cujo conceito era uma
declaração de amor a Fortaleza: “Amar Fortaleza é um costume” de
toda hora (utilizando como referência a Coluna da Hora da Praça do
Ferreira) ou de fé (destacando a Catedral Metropolitana como cenário). Outro grupo de supermercados, o Hipermercantil, criou adesivos
para carros com o slogan “Orgulho de ser cearense”, em sintonia com
a campanha regional do “Orgulho de ser nordestino”. Desta forma,
observam-se engajamentos de diversos setores, públicos e privados,
na implementação de uma nova imagem do Ceará.
Portanto, a criação desta nova imagem se funda discursivamente nos elementos do patrimônio cultural, em características climáticas e/ou geográficas e na diversidade humana. A propaganda
turística procura mostrar a multiplicidade do Ceará - o mestiço, o
moleque, o luminoso, o tradicional, o litorâneo e o sertanejo - para
instaurar uma mudança na percepção de características naturais
que são apresentadas como “exóticas”. A jangada é um exemplo dessa transformação: ela deixa de ser um instrumento de trabalho do
1
436
Revista Veja Fortaleza, de 25/11/1998, edição 1574. Suplemento Veja Fortaleza. Pág. 141.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
pescador e passa a ser transporte exótico para turistas no litoral cearense. Qual a imagem construída do Ceará é divulgada ao restante
do País pela propaganda turística?
A Cidade e a Imagem
As imagens elaboradas das cidades, dos cearenses e, principalmente, das praias, são dirigidas aos potenciais compradores dos
pacotes turísticos. Fortaleza é vendida como uma cidade moderna,
desenvolvida, onde pontos selecionados são apresentados ao restante
do País e do mundo. Este público é atraído pelas praias, sol e lazer
que são anunciados em outros estados por meio de estratégias de
comunicação e marketing do Governo do Estado, dos empresários do
setor e dos municípios. Nas imagens veiculadas nas propagandas não
são mostradas as desigualdades sociais e a pobreza, ou seja, a realidade social é silenciada no roteiro sugerido aos visitantes. A “Terra
da Luz”2, como é denominada, vem favorecendo bons roteiros turísticos e também gera o crescimento da realização de eventos, congressos, encontros, exposições e seminários.
Para Gastal (2005), embora existam diferentes tipos de deslocamentos, haverá em comum a presença de imagens e imaginários.
Fato, este, estabelecido quando a pessoa entra em contato visualmente (fotos, cartões-postais, panfletos, cenas de filmes etc.) com o destino ao qual pretende se deslocar. Em termos de imaginário, a autora
explica que são os sentimentos alimentados por uma rede de informações que levarão o consumidor a ter um conceito pré-estabelecido
sobre determinado lugar.
O uso da publicidade para criar novos imaginários sobre os
ambientes urbanos suscitou mudanças de imagens em cidades como
Barcelona, Berlim, Nova York e outras. Em março de 2009, a prefeitura de Berlim iniciou uma campanha para capitalizar recursos
internacionais para a cidade e, principalmente, tentar atrair mais turistas. Com o slogan “Seja Berlin - Be Berlin”, por exemplo, o prefeito
Klaus Wowereit procurou incentivar a população berlinense a se enO Ceará Terra da Luz refere-se, não somente, à grande quantidade de dias ensolarados, mas
também remonta ao fato de o estado ter sido o primeiro da federação a abolir a escravidão, em
1884, quatro anos antes da Lei Áurea. Devido a esse fato, o jornalista José do Patrocínio considerou o estado como “a terra da luz”.
2
437
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
gajar na campanha para mudar a imagem da cidade para o mundo.
Veja um trecho do discurso do prefeito no lançamento da campanha:
“Sei tolerant und weltoffen, sei kreativ und engagiert,
sei unverwechselbar und voller Lebensfreude – wie Berlin
selbst. Mit der Kampagne wollen wir Berlin international besser positionieren, wir wollen aber auch erreichen, dass die Berlinerinnen und Berliner ein wenig mehr Stolz empfinden über
die großartige Entwicklung ihrer Stadt seit der Wiedervereinigung. Denn wer Stolz auf das Geleistete empfindet, ist der
beste Botschafter in eigener Sache. Berlin braucht viele gute
Botschafter, um sich im Wettbewerb mit den anderen Metropolen der Welt zu behaupt”3.
Nas olimpíadas de 1992, em Barcelona, foi realizada uma campanha publicitária significativa para promover uma nova imagem da
cidade. Segundo Bassat (2008), nesse projeto a cidade de Barcelona
foi pensada como um produto a ser vendido para o restante do mundo
e, como tal, deveria se estabelecer uma imagem que a cidade e o país
gostariam de passar para o mundo.
“Vender Barcelona, Cataluña y España significaba vender además el mediterrâneo, vender la simpatía del ‘Hola’, las
flores de las Ramblas, El génio de Miró, Picaso y Velázquez, la
sobriedad y perfección de la sardana, la pasión del flamenco,
la vanguardia creativa y artística, las voces líricas catalanas
y españolas que triunfan en todo el mundo, y el gusto por el
riesgo calculado de una flecha destinada a encender corazones”
(BASSAT, 2008: 309/310).
E conforme o autor, que também é o responsável pela campanha, houve uma transformação significativa na imagem de Barcelona para o restante do mundo após os jogos olímpicos de 1992; essa
experiência de reconhecido êxito o levou a desenvolver trabalhos semelhantes em Sevilha e na Guatemala.
Seja tolerante e aberto para o mundo, seja criativo e engajado, seja inconfundível, cheio de
alegria assim como Berlim. Com essa campanha visamos a um melhor posicionamento internacional, mas também pretendemos que o Berlinense e a Berlinense sintam um pouco mais de orgulho do incrível desenvolvimento da cidade deles desde a União (Berlin Ocidental e Oriental).
Pois se orgulhar do que foi proporcionado é o melhor meio (na verdade Informante) de comunicação. Berlin necessita de muitos bons informantes, para concorrer com outras metrópoles do
mundo. (www.berlin.de/attuell/08_01/editorial/) Acesso em 4 de abril de 2009. Tradução livre.
3
438
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
No caso do Ceará, as características climáticas foram os apelos mais frequentes no composto comunicacional para o turismo.
Entende-se composto comunicacional ou promocional como ações de
comunicação direcionadas para promover produtos/serviços/ideias.
Essa estratégia foi elaborada por pesquisadores e estudiosos na área
de marketing, sendo este um dos itens que formam o composto de
marketing, apresentado de forma resumida pelos conhecidos 4Ps
(Produto, Place, Price e Promotion), criados por Jerome McCarthey.
A propaganda está inserida no composto promocional, assim como
o merchandising, a assessoria de imprensa, a publicidade, a venda
direta e as promoções de vendas.
Como parte das ações promocionais realizadas nos primeiros
investimentos turísticos do governo mudancista, foram entregues
souvenires para os agentes de viagens, uma peça de artesanato com
um termômetro marcando 28 graus e a proposta do Seguro Sol. Os
28 graus remetem à temperatura média cearense no mês de julho.
No Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, visitantes e turistas recebiam da CODETUR (Coordenadoria de Desenvolvimento do Turismo) como souvenir chapéus de palha, representando uma proteção ao
sol que estava presente diariamente na cidade.
Na linguagem publicitária das campanhas turísticas, considerada uma linguagem social ou uma prática social (FAIRCLOUGH, 2001), foram utilizados elementos característicos da época ou
do meio, como o sol, o mar e a jangada. Nesse sentido, a propaganda turística recortou a realidade cearense enfatizando aspectos do Estado que se quiseram “vender” ou pontos de vista que se
desejavam construir. Assim, o pôr-do-sol e o nascer do sol, acompanhados de uma jangada e de um cenário de dunas favorecendo
a representação idílica do Estado, foram as imagens trabalhadas
no imaginário nacional e posteriormente internacional. O Ceará
Terra da Luz é apresentado como Terra do Sol.
No Ceará as mudanças não foram efetivadas somente com o
discurso da propaganda, mas com a participação de produtos culturais
como novelas, filmes, investimentos em infraestrutura e incentivos fiscais. As novelas da Rede Globo de Televisão Final Feliz (1982, Ivani
Ribeiro), Tropicaliente (1994, Walter Negrão) e Meu Bem Querer (1998,
439
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Ricardo Linhares) realizadas no Ceará e os filmes Tigipió (1986, Pedro Jorge de Castro) e Bela Donna (1998, Fábio Barreto) tomaram o
sertão e as praias cearenses cenários, mostrando ao restante do Brasil
as belezas naturais e culturais. A realização, no local, do primeiro FestRio fora do Rio de Janeiro causou impacto na mídia nacional; aliado a
outros eventos, empreendimentos culturais e empresariais do setor de
turismo, foi-se estabelecendo também por essas vias, uma nova imagem. Este é o somatório discursivo e imagético através do qual se procurou entender essa construção histórico-político-social.
Sinta na pele essa magia
Nas primeiras campanhas publicitárias direcionadas ao turismo local observa-se o reposicionamento do antigo vilão, o sol. Ele que,
ao longo da história cearense, aparece como grande responsável pela
seca, fome, êxodo e miséria, ressurge como um forte atrativo para se
desfrutar o Ceará. O slogan convidava os turistas para experimentá-lo: “Sinta na pele essa magia”. A presença do Ceará solar, de luz e
logo iluminado nas peças publicitárias, torna-se frequente. Por vezes,
aparece em um desenho de forma estilizada, uma carinha sorridente
com óculos escuros; em outras, ele compõe o cenário de uma praia, de
uma jangada ou do conhecido Parque Aquático Beach Park.
O sol simpático mostra uma descontração de férias, o sol que
o turista levava para casa, armazenado em uma latinha, a qual era
entregue aos visitantes do Beach Park como souvenir. Entretanto, nem
sempre ele teve esse significado. O sol da seca foi o que tornou o Nordeste brasileiro mais conhecido para o restante do Brasil. O Ceará é
um dos estados Nordestinos mais atingidos pela estiagem. Eram famílias deixando suas casas e fugindo da fome e da sede. O êxodo rural
levou muitos cearenses a tentar sobreviver em outros estados, principalmente em São Paulo. Meios de transporte precários, como os paus-de-arara, que levavam os retirantes da seca, caracterizaram durante
anos a imagem de pobreza e atraso. A terra rachada com o sol forte era
a imagem recorrente apresentada pela mídia, que dedicava um espaço
significativo para mostrar a miséria vivenciada durante este período.
O Ceará romanceado por Raquel de Queiroz, presente no cordel
de Patativa do Assaré, nas composições de Ednardo e de Fagner, era es-
440
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
sencialmente o Ceará da seca, do êxodo rural, da pobreza, da fome, das
desigualdades sociais, dos romeiros de Padre Cícero e do clientelismo
político. Isso perdurou durante décadas no imaginário local e nacional.
O Brasil via o Ceará dessa forma e assim o Ceará se via. Entretanto, a
comunicação dos artistas também suscitara uma contradição; havia nas
obras um Ceará bonito, exótico e com peculiaridades culturais. A descrição da beleza de Fortaleza na música Beira-Mar, de Ednardo, é um claro
exemplo disso. Nela, Fortaleza é descrita no cenário urbano mais conhecido da cidade para o restante do País: a Beira-Mar. São mostradas as
luzes e o movimento na orla marítima, algo comum nas cidades litorâneas. O lazer, os encontros e os desencontros se concentram na praia:
“Meu amor na Beira-Mar entre luzes que lhe escondem. Só sorrisos me
respondem e nada mais”. O Ceará tornou-se um local “da moda”, moderno, paradisíaco, uma atração para os flâneurs de Baudelaire, em uma
comparação de Hall (1999) com os turistas na modernidade tardia. E
dentro dessa modernidade tardia, com o suporte dos meios de comunicação de massa e estratégias de comunicação e marketing, principalmente, a propaganda direcionada para o turismo, é (re)inventado o Ceará.
O que aconteceu com o sol do Ceará? No final dos anos 80 ele
deixa de ser o representante do atraso e passa a ser o representante
do moderno nas campanhas publicitárias voltadas para o turismo nacional e internacional. A propaganda transforma discursivamente o
cenário cearense. As transformações imagéticas não ocorrem repentinamente; há um processo de construção e vários elementos são utilizados. Na contemporaneidade a propaganda se encontra inserida no
contexto social, de forma que não há uma distinção clara entre o que
é e o que não é comercializado, como assinala Baudrillard (1990:20):
“Diz-se que o grande empreendimento do ocidente é a
mercantilização do mundo, de tudo entregar ao destino da mercadoria. Parece que foi a estetização do mundo, sua encenação
cosmopolita, suas transformações em imagens, sua organização
semiológica. Estão assistindo, além de ao materialismo mercantil, a uma semi-orgia de cada coisa através da publicidade,
da mídia e das imagens. Até o mais marginal, o mais banal,
o mais obsceno, estetiza-se, culturaliza-se, ‘musealiza-se’. Tudo
é dito, tudo se exprime, tudo toma força ou forma de signo. O
sistema funciona não tanto pela mais-valia da mercadoria, mas
pela mais-valia estética do signo”.
441
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
O sol tornou-se um produto com valores agregados e no reposicionamento passa-se a mostrar ao restante do País estes valores, ou
seja, “que ele brilha o ano inteiro”. A propaganda atual não trabalha
com o produto propriamente dito, porém com o simbolismo desse objeto no contexto social. O que é ofertado ao consumidor é o status, o
prazer, a felicidade, a segurança e o bem-estar. A ansiedade do indivíduo é “satisfeita” com o consumo. As mensagens são direcionadas implicitamente para abrigar a necessidade da sociedade pós-industrial.
Neste sentido, Eguizábal (2007) explica que, como modo comunicativo, a publicidade é uma forma de comunicação intencional, visando à
manipulação ideológica do receptor.
Já Perez (2004) chama atenção para o paradoxo da publicidade
que, ao mesmo tempo em que comunica a perenidade, ela é fugidia, pois
“Há, subjacente a todo anúncio, publicitário, a promessa de outro novo.
Na base do prazer estético que nos proporciona (ou deve proporcionar)
um determinado anúncio, da atualização de nosso desejo de posse que
põe em marcha uma página publicitária de uma revista, um spot de
rádio ou um cartaz, existe a consciência subjacente de que outra mensagem, igualmente sedutora, vai rapidamente ocupar seu lugar” (PEREZ,
2004:106 e 107). Se a efemeridade da propaganda, por um lado, gera
uma rotatividade de produtos e serviços, por outro, ela estabelece um
conceito do produto/serviço junto ao consumidor. Conceito esse, construído a partir de estratégias de marketing e comunicação.
Neste sentido a (re)invenção do Ceará passa inicialmente pelo reposicionamento do sol, que se apresenta direta ou indiretamente em todos
os anúncios veiculados pela Revista Veja de 1987 a 1994 (anos analisados
pela pesquisa). A campanha intitulada “Aqui o sol brilha o ano inteiro”
veiculada na televisão em 1992 - com a participação de cearenses nacionalmente conhecidos como Chico Anísio, Renato Aragão, Luiza Tomé,
José Wilker e Fagner -, reforça o novo conceito atribuído ao sol.
Entre a euforia e as incertezas
“O Brasil mudou. Mude o Ceará”. Com esse slogan no ano de
1986, que pode ser considerado um marco na transformação da imagem
do Ceará para o restante do Brasil, tem início o Governo das Mudanças, sob o comando do empresário e então eleito Governador do Estado,
442
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Tasso Ribeiro Jereissati. Ele foi candidato da coligação Pró-Mudanças,
que reuniu o PMDB, PCB, PCdoB e o PDC. O grupo mudancista, como
foi intitulada a equipe deste governo, era composto por jovens empresários filiados ao CIC 4 e a FIEC (Federação da Indústria do Ceará),
duas entidades patronais. Esse grupo hegemônico conseguiu retirar
do cenário político o grupo denominado dos coronéis (Virgílio Távora,
Adauto Bezerra e César Cals) que, durante mais de 20 anos, esteve à
frente da política local. O grupo mudancista propôs transformações
políticas e econômicas para o Estado, as quais apoiavam-se nas mudanças em curso no cenário nacional para reforçar a luta contra os
conservadores locais. A proposta de mudança do modelo de gestão denominado dos “tempos dos coronéis”5 para a “era Jereissati”6 foi objeto
de estudos de pesquisadores cearenses no final do século XX e início
do XXI. O discurso mudancista enfatizava a modernização como um
modo de eliminar o atraso deixado pelos coronéis.
A entrada dos jovens empresários na política ocorreu a partir
de 1978, quando filhos de industriais e executivos recém-saídos de
universidades passaram a se reunir, a conversar e a articular um
projeto para mudar o Estado e a Região. Segundo Tasso Jereissati em
entrevista a MARTAN (1993: 97), “A nossa preocupação era discutir
o futuro da região Nordeste porque não víamos muita perspectiva, à
medida que continuasse a maneira que estava. Então esse grupo foi
informalmente se criando. Nessa ocasião em 1978, o velho CIC estava vazio, não tinha uma diretoria ativa e o presidente da Federação
das Indústrias, o Zé Flávio Costa Lima, teve a iniciativa de convocar
os jovens para assumir o Centro Industrial. Nós, que já vínhamos
informalmente nos encontrando, topamos imediatamente e o Beni
assumiu a liderança, num primeiro momento”. Os jovens empresários tinham menos de 40 anos e atuavam no mercado em atividades
industriais tradicionais e de serviços no âmbito local e nacional.
4
O jornalista Álvaro da Cunha Mendes, em 27de junho de 1919, fundou o Centro Industrial
do Ceará (CIC) com o objetivo de tratar de assuntos de interesses comuns aos industriais e
estudar possibilidades de novos empreendimentos.
5
Um termo utilizado para denominar o grupo que se encontrava há vários anos na chefia
política do Estado. No período ditatorial, o Ceará esteve dividido entre três representantes políticos, cuja condição de militares de carreira do Exército tornou-os conhecidos como os coronéis.
6
Como foi denominado por autores cearenses no livro organizado por Josênio Parente e
José Maria Arruda.
443
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Oito anos após Benedito Clayton Veras Alcântara (Beni Veras)
ter assumido o CIC, o empresário Tasso Jereissati foi eleito governador
do Ceará. O CIC foi um espaço importante para a entrada de Tasso Jereissati na política cearense, e esse aspecto é confirmado no discurso de
posse ao assumir a presidência da entidade em 1981. “O CIC tem um
compromisso em nível estadual, regional e nacional com a formação, o
mais rápido possível, de uma classe política competente e forte, capaz
de influenciar e até assumir o poder”7. Em Fortaleza, o grupo de jovens
empresários do CIC se engaja na luta pelas Diretas Já e formam um
comitê pró-direta e em seguida pró-Tancredo. Em MARTIN (1993) Tasso Jereissati fala do engajamento político do CIC naquele momento e
apresenta algumas das dificuldades encontradas para conseguir trazer
alguns questionamentos para dentro da entidade. “(...) O CIC foi convocando para discussões nomes polêmicos. Gente como o Lula, naquela
época era um absurdo, o Dom Helder Câmara, sociólogos; o Brizola, recém-chegado do exílio, isso tudo chocou muito a classe empresarial tradicional” (1993:98). Os empresários conservadores temiam as propostas
inovadoras do grupo de jovens empresários e, principalmente a abertura de espaço dentro do CIC para comunistas, esquerdistas e outros, que
anteriormente eram pessoas consideradas inimigas pelo regime militar.
Em marco de 1987, toma posse no governo do Estado Tasso
Jereissati. Já no discurso de posse afirma que “a partir de hoje, eu
lhes prometo o Ceará vai mudar” e a imagem de miséria e pobreza
acabará no Estado. “A miséria, praga que nos persegue há séculos,
agravou-se dramaticamente nos últimos 20 anos, trazendo como conseqüência mais cruel a perda da dignidade do homem cearense, que
teve que se humilhar, pedindo favores para sobreviver. Para vencê-la,
temos que promover mudanças profundas na economia e nas relações
sociais no Ceará em todo o País. Isto é tarefa para toda uma geração.
Mas, exatamente por isso, ela precisa ser atacada já”8. E destaca:
“Conquistamos o apoio da maioria dos cearenses em
nome do combate sem tréguas a miséria e de uma mudança
radical nos costumes políticos e na maneira de governar. O voto
Discurso de posse do CIC, em 1981. http://www.institutoqueirozjereissati.org.br/. Acesso
em 09/04/2010.
7
Discurso de posse na Assembléia Legislativa do Ceará, do governador Tasso Jereissati.
http://www.institutoqueirozjereissati.org.br/. Acesso em abril de 2010.
8
444
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
foi a procuração que recebemos do povo para fazer as mudanças
que ele precisa e quer. E é para cumprir estes compromissos
que estamos hoje assumindo o Governo do Estado”9.
Num ato simbólico de representação física do projeto mudancista, transferiu de lugar a sede do governo estadual. As decisões do
executivo deixaram o Palácio da Abolição - espaço que era tratado
como ponto turístico da cidade, como imagem de cartões-postais e
capa do Guia de Fortaleza de 1976 e onde foi instalado o mausoléu
do ex-presidente Castelo Branco – e foram deslocadas para o Centro
Administrativo do Cambeba. A localização do centro administrativo
gerou outra denominação para os jovens empresários: os homens da
República do Cambeba, como ficou conhecido o grupo de empresários
que compunha o staff do Governador. O centro administrativo abrigou a concepção e as prioridades dos projetos mudancistas.
O primeiro Governo Tasso Jereissati priorizou a reforma administrativa com a dinamização da máquina e a modernização da
área fiscal. O aspecto político ficou em segundo plano. A combinação de crescimento e adoção de programas sociais, na perspectiva de
Tasso não tinha espaço para uma flexibilidade em termos político. O
argumento do compromisso assumido com o povo cearense em campanha e na posse foi utilizado como justificativa para realizações de
ações políticas e administrativas, muitas vezes, questionadas por políticos e movimentos sociais.
Não há como negar as transformações ocorridas na administração pública, principalmente na arrecadação e no quadro enxuto de
funcionários. O aumento do PIB estadual é outro mérito da proposta
mudancista. Porém, como explica Gondim (2007), o modelo econômico
e administrativo não conseguiu realizar a principal promessa da primeira campanha eleitoral de Tasso Jereissati, ou seja, acabar com a
miséria. A afirmação da autora sustenta-se em uma avaliação do Banco Mundial, no final da década de 1990, onde concluiu que “a pobreza
no Ceará continuava grave e profunda” (Banco Mundial, 1999:2).
O modelo de gestão pública atraiu a atenção de observadores
nacionais e internacionais. De acordo com Jawdat Abu-el-Haj (1999),
Discurso de posse do CIC, em 1981. http://www.institutoqueirozjereissati.org.br. Acesso em
abril de 2010.
9
445
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
revistas de renome internacional como The Economist, Newsweek,
The Washington Post entre outras, descreveram o sucesso das mudanças administrativas nesse Estado Nordestino. “A recuperação das
finanças públicas e o êxito do ajuste fiscal deram ao modelo administrativo cearense status paradigmático. A campanha presidencial do
PSDB usou as realizações tucanas no Ceará como vitrine” (ABU-EL-HAJ 1999:19). Há uma expressividade dos governos mudancistas
em termos mediáticos e isso é evidenciado no trabalho de Mamede
(1996) sobre a diferenciação no tratamento discursivo pelas revistas
Isto é e Veja para o Nordeste e, especificamente, ao Ceará Mudancista. A edição da Revista Veja de 1º de dezembro de 1993 traz na capa
a imagem da Praia do Mucuripe, com o titulo: “O exemplo do Ceará”
e relata como o Estado saiu da crise. “Diferente das matérias sobre
turismo, que destacam a natureza, as semantizações sobre o Ceará
alinham-se mais as imagens do progresso, da modernidade, da presença operante do homem e sua tecnologia” (MAMEDE, 1996:89).
A modernização, como discurso político, sempre foi uma estratégia utilizada pela elite cearense ao procurar mudar o poder vigente.
O trabalho de Josênio Parente (2002) traz os diferentes momentos históricos nos quais o discurso da modernidade foi utilizado para mudar
o cenário político e econômico do Estado e, sobretudo, aproveitar as
mudanças nacionais. Parente (2002) e Gondim (2007) compartilham
da ideia que o discurso de modernização do Ceará antecede a concepção mudancista, pois foi proposto por Ernesto Geisel na década de 70
com a política de diversificação de desenvolvimento. Naquele contexto,
foi delegada ao ex-governador, Virgilio Távora, a implantação dessa
industrialização no Ceará. “Virgilio Távora consolidou o Ceará como
o terceiro Pólo Industrial do Nordeste, tornando-se, assim, o grande
estadista e estrategista político da transição da ideologia do conservadorismo para a ideologia da modernidade” (PARENTE, 2002:128).
Para Barbalho (2005), ocorreu uma transição do poder de uma
elite conservadora (mas já imbuída de ideais e ações modernizantes)
para uma elite autodenominada moderna. “Isso não impediu que o
marketing político da Geração das Mudanças fixasse eficazmente no
senso comum a ideia de ruptura entre os dois grupos” (BARBALHO,
2005:38). O autor argumenta que Tasso Jereissati era o “candidato das
mudanças”, que sinalizava a transferência do modelo administrativo
446
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
da iniciativa privada para a gestão pública. Aspecto também compartilhado por LEMENHE (1994), BONFIM (2002) e BARREIRA (2002) ao
apontar a característica empresarial de Tasso Jereissati como sendo
a primeira vez na história política do Ceará que um candidato a cargo de governador se apresentou como empresário e que os interesses
estavam radicados no Estado. Uma característica relevante desse modelo administrativo é o critério não político partidário na escolha do
secretariado de Tasso Jereissati e de Ciro Gomes. A preferência foi por
pessoas ligadas ao ideário do CIC. Isso representaria, naquele momento, um avanço em termos de gestão pública, já que uma das características “dos coronéis” era o fato de serem políticos profissionais.
Assim, as ações administrativas aliadas às estratégias comunicacionais no projeto mudancista geraram visibilidade ao Estado.
Portanto, a comunicação elaborada pelo grupo iniciou, não somente
a profissionalização na produção de campanhas políticas no Estado,
mas uma abordagem de posicionamento da “marca mudancista”10 em
âmbito local e nacional. Pode-se pensar, por exemplo, que a campanha
de Maria Luiza à Prefeitura de Fortaleza em 1985 foi marcada por
experimentações comunicacionais bem-sucedidas, onde pode-se dizer
que o amadorismo deu certo. Já a campanha de Tasso Jereissati no ano
de 1986 foi realizada com equipes e equipamentos modernos (CARVALHO, 1999). Era para mudar o Ceará. O objetivo do projeto era claro:
“Tornava-se clara a concepção da campanha moderna
como empreendimento empresarial, comportando cuidadoso
planejamento, avaliação das perspectivas de sucesso e estabelecimento de um novo padrão de investimento financeiro e simbólico que centrado na publicidade contrapunha-se ao padrão
tradicional de investimento político” (CARVALHO, 1999: 189).
Os investimentos em marketing e comunicação institucional
do “Governo das Mudanças” desde o início caracterizaram-se por um
padrão de qualidade midiático caro e com uma estrutura profissional
especializada. “A sofisticação da campanha incluía desde pesquisas
sistemáticas de opinião para acompanhar o humor do eleitorado até
a produção dos programas eleitorais gratuitos utilizando-se dos mais
10
Conceito trabalhado por Rejane Vasconcelos Carvalho (1999) para contemplar as ações de
comunicação, dentre elas a publicidade e o marketing. Para a autora, o grupo dos jovens empresários criou uma marca mercadológica, a marca mudancista.
447
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
avançados recursos audiovisuais existentes” (BARBALHO, 2005:30).
O padrão midiático publicitário dos Governos das Mudanças não ficou
restrito ao período eleitoral, mas tornou-se um investimento recorrente, com o intuito de estabelecer o que Carvalho (1999) denomina de
“imagem marca das mudanças”. Nas propagandas turísticas, a marca
da mudança apresenta-se dissimulada, associada ao nome do anunciante, pois a consolidação imagética de modernização do Ceará na
perspectiva mudancista ocorre com a visibilidade possibilitada pela
inserção da política nacional e regional na era denominada por Carvalho (1999) da sociabilidade midiática e da estética publicitária. As
estratégias de comunicação aliadas ao marketing tornam-se preponderantes na construção imagética do Ceará como destino turístico. O
produto Ceará turístico é construído nas bases da marca mudancista.
Considerações finais
O processo de transformação do Ceará, por meio da propaganda, em um destino turístico e um lugar da moda pode ser compreendido a partir da concepção da comunicação mercadológica, que tem
no marketing e na propaganda o suporte de elaboração de imagens. E
também como parte de um projeto político do PSDB, que tem no empresário Tasso Jereissati o representante da proposta mudancista.
No tocante à linguagem publicitária percebe-se, nas linhas e entrelinhas dos anúncios, uma imposição de valores, mitos, ideais e elaborações simbólicas. Como um discurso, a propaganda turística cearense
é pensada como um texto dentro de uma prática social, em um contexto histórico específico, cujas ações discursivas, geraram mudanças
sociais. O modelo de Análise de Discurso Crítica de Fairclough (2001)
responde bem esta questão.
Pode-se pensar que há uma prática que Carvalho (1999) conceitua de mostrabilidade, ou seja, o fato só adquire sentido político
no campo da notícia. Portanto, colocando-se em posição de ser notado
publicamente. O lugar privilegiado de registro dessa notoriedade é
sem dúvida a mídia e, de modo especial, a televisão, que transforma
em acontecimentos as ações cotidianas. A partir desse conceito é possível pensar que a visibilidade concedida pelos meios de comunicação
das ações políticas, administrativas e econômicas do grupo mudancista favoreceu a mudança imagética do Ceará.
448
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
As ações de comunicação e marketing, por conseguinte, mostram-se cada vez mais presentes nas estratégias de transformar uma
cidade ou um estado em produto de consumo, um objeto de desejo. Pode-se dizer que são sentimentos alimentados por uma rede de informações que levarão o consumidor a ter um conceito pré-estabelecido
sobre determinado lugar. As estratégias comunicacionais direcionadas ao turismo se pautam, principalmente, em propagandas, imagens e textos que estimulam o imaginário, conforme mostrado nos
exemplos recentes de Berlim e Barcelona. O Ceará como produto de
consumo teve que reinterpretar alguns ícones para obter a condição
de destino turístico. O sol, a jangada e o mar tiveram um tratamento
de reposicionamento. O caso do sol do Ceará é emblemático.
É importante assinalar que a imagem publicitária é tomada
aqui como um elemento que reflete as transformações culturais da
sociedade, como algo que revela hábitos, comportamentos, posições sociais e gostos de uma determinada época. Sua incorporação
ocorre através dos discursos que a apreendem e a estruturam. A
reflexão aqui é sobre a maneira como um determinado grupo tenta
impor a sua concepção do mundo social, seus valores, seus domínios, e ainda como os receptores desses textos apropriam-se deles.
Assim ocorreu com o Ceará do “Governo das Mudanças” ao criar
uma nova estrutura turística ancorada na construção de uma nova
representação identitária como marca e, assim, tornar o Ceará um
roteiro da moda nacional e internacional.
A cidade de Fortaleza, por ser a porta de entrada e a capital
do Estado, foi onde o impacto do discurso da propaganda turística
e dos produtos culturais obteve maior visibilidade. A cidade é bem
mais que um pano de fundo para uma história de transformação.
Ela é personagem. Não é qualquer beira de mar de qualquer cidade do Brasil, mas uma Beira-Mar localizada, a de Fortaleza, com
seus bares, sua estátua de Iracema, suas jangadas do Mucuripe.
Sem esquecer o artesanato da Avenida Monsenhor Tabosa e da
Emcetur, o povo hospitaleiro e “gaiato” (como se referencia nacionalmente) e a cearensidade que, de certa forma, é reforçada pelo
discurso da propaganda turística.
449
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
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452
Publicidade e democracia:
regulamentação versus censura
Angela Lovato Dellazzana
Resumo
Entre os teóricos e profissionais da área de publicidade e propaganda, há certa concordância no sentido de que é preciso proteger
a sociedade dos danos que alguns produtos anunciados podem causar.
Contudo, o consenso está longe de ser alcançado quando o assunto é a
regulamentação da publicidade. O tema é polêmico e gera discussões
que permeiam as atribuições do Estado como interferente nos meios
de comunicação. Enquanto a regulamentação atual é considerada
insuficiente por uns, outros alegam que há um excesso de leis impedindo a liberdade comercial. Algumas leis são inclusive taxadas de
censura, caracterizadas como ações antidemocráticas. Assim, o presente trabalho se propõe a resgatar historicamente a relação entre
a publicidade e a democracia, buscando enriquecer o debate sobre a
regulamentação da publicidade. Verificou-se que a accountability da
publicidade surge como uma nova abordagem nesse cenário.
Palavras-chave: regulamentação da publicidade; democracia; accountability
Introdução
A expressão accountability midiático é usada para designar
o processo que evoca a responsabilidade objetiva e subjetiva dos veículos de comunicação e dos profissionais responsáveis pelo conteúdo
veiculado, através da organização da sociedade e da constituição de
espaços públicos democráticos de discussão. O uso do termo accountability relacionado à mídia pressupõe que os profissionais e os veículos de comunicação, as autoridades e os anunciantes sejam influenciados e pressionados pelo processo do accountability midiático de tal
maneira que possam, reflexivamente, ponderar sobre os valores, os
conflitos e os efeitos imediatos e transcendentais que provocam na
sociedade (OLIVEIRA et al., 2006).
453
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
O debate sobre o tema, segundo Oliveira et al. (2006), foi incentivado pelo avanço da democracia no país, a partir dos anos 80
(século XX). A insatisfação com o poder autoritário, com a violação
da liberdade de expressão e com a falta de compromisso social da mídia com valores éticos ganharam força neste período, propiciando o
surgimento de organizações da sociedade civil preocupadas em criar
mecanismos de controle democrático do conteúdo veiculado na mídia.
Nessa época, com as perspectivas de retomada da democratização do país, a atenção da sociedade voltou-se ao papel dos meios de
comunicação na preservação desse sistema de governo. Nesse sentido, a ANDI – Agência Nacional de Direitos da Infância (2007), identifica alguns elementos principais que caracterizam uma sociedade
democrática contemporânea. Entre eles estão a divisão de poderes, a
afirmação de direitos civis – como a liberdade de imprensa e expressão – e políticos, a realização de eleições regulares, o fortalecimento
dos mecanismos de controle (accountability) do próprio Estado e a
garantia da atuação plena de algumas instituições não estatais, sendo a mídia talvez uma das mais centrais.
Com a consolidação da democracia, os processos de accountability transcenderam o domínio do Estado e foram aplicados no âmbito dos meios de comunicação, conforme aponta o relatório da ANDI:
a idéia de accountability, caríssima às democracias tal como as
conhecemos hoje, salienta que instituições nas quais a sociedade deposita elevada confiança – como os governos, por exemplo
– devem estar sob constante vigilância e, como decorrência, necessitam continuamente prestar contas a essa mesma sociedade. Algo semelhante estaria em jogo quando a instituição em
foco são os meios de comunicação. Depositária de uma elevada
confiança das sociedades democráticas – por exemplo, na aposta de que colabora fortemente na garantia da accountability
dos governos – a mídia também deve ser objeto de permanente
vigilância (ANDI, 2007, p.161).
Esta perspectiva está relacionada mais à atuação da atividade
jornalística e ao papel da imprensa em sociedades democráticas. Entretanto, no que tange a atividade da publicidade e propaganda, entende-se que essa é uma prática que se utiliza da mídia para interferir na
sociedade, sendo, portanto, passível de accountability. Nesse sentido,
454
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
legitima-se a preocupação de pesquisadores em estudar a relação da
atividade de publicidade e propaganda com os processos democráticos.
Da mesma forma, justifica-se a preocupação dos atores do setor publicitário em defender a liberdade dessa atividade como um processo
necessário para a manutenção da sociedade democrática capitalista.
Contudo, quando a questão é a regulamentação da prática publicitária, o debate se torna polêmico. Não existe um órgão público
específico responsável pelos mecanismos regulatórios dos conteúdos
veiculados na mídia pela publicidade, sendo que o Estado exerce essa
função por meio de um conjunto bastante diversificado de procedimentos. Nesse sentido, Zylbersztajn (2008) alerta que a gestão da comunicação como um todo no país é feita de forma descentralizada e confusa, o que dificulta a implementação de mecanismos de regulação1 que
assegurem os diversos direitos promulgados na Constituição de 1988.
Quanto às outras possibilidades regulamentais desta atividade,
destaca-se a constituição de modelos de autorregulação – iniciativas do
próprio mercado para definir seus padrões de atuação – como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR, relacionado especificamente com o conteúdo publicitário. Este modelo é defendido
por profissionais do setor como suficiente para garantir a accountability
da publicidade. No entanto, Zylbersztajn (2008) frisa que existem três
outras formas de responsabilização que devem atuar em conjunto para
caracterizar um processo de accountability democrático.
A mesma autora destaca outro ponto problemático na regulamentação da mídia, que pode ser aplicado especificamente à publicidade: os empresários do setor denunciam como censura qualquer
tentativa de regulamentação que não atenda aos seus interesses. A
autora lembra ainda que, compete para a complexidade da questão
a constatação de que as empresas do setor não apenas pertencem à
parcela mais rica da população, mas também estão, muitas vezes,
vinculadas a grupos políticos.
Esse cenário propicia a investigação dos diversos interesses
em jogo no debate pró e contra a regulamentação da publicidade.
Segundo Zylbersztajn (2008), os termos regulação e regulamentação não se confundem. Para
a autora, regulamentação refere-se à legislação, ao estabelecimento de leis e normas. Já a regulação é um conceito mais amplo, referente ao estabelecimento de políticas públicas.
1
455
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Assim, resgata-se a seguir a história da relação entre a publicidade e
a democracia, partindo das definições de uma sociedade democrática
e buscando apontar possíveis caminhos para uma regulamentação
satisfatória da atividade publicitária.
Democracia: a mídia a serviço da sociedade
A sociedade democrática ativa baseia-se na promoção do desenvolvimento econômico e do bem-estar coletivo, que acontece de
forma compartilhada pela ação do Estado e dos partidos, dos sindicatos, das organizações não-governamentais e da mídia (MELO NETO
e FRÓES, 2001). Assim, a convivência numa democracia implica em
interação contínua entre Estado e sociedade.
O estado natural do regime democrático é dinâmico, estar em
transformação é sua essência, diferentemente da inércia do despotismo. Bobbio (1986) define a democracia como um conjunto de regras
que estipulam quem está autorizado a decidir pelo coletivo e quais os
procedimentos a serem adotados nessas decisões. Sobre as decisões
coletivas, o autor afirma que:
Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a
própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas
até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o
grupo como tal não decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base
em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que
estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base
de quais procedimentos (BOBBIO, 1986, p. 18).
O autor acrescenta ainda, no que diz respeito às modalidades de
decisão, que a regra da maioria é a regra fundamental da democracia.
Contudo, outro conceito é apontado pelo autor, além da existência de
regras e do consenso da maioria, para caracterizar a democracia: a liberdade. Sobre esta questão, Bobbio (1986) estabelece a seguinte relação:
há poucas chances de um estado não-democrático assegurar as liberdades fundamentais, ao mesmo tempo em que é pouco provável que um estado não-liberal possa garantir o correto funcionamento da democracia.
456
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Assim, surge o questionamento: quais seriam as responsabilidades, ou qual seria o comportamento ético da mídia numa democracia,
no que tange o conteúdo veiculado? No Brasil, Bucci (2000) alerta que
as faltas éticas na sociedade acabam por transformar o debate sobre o
papel das empresas de comunicação em proselitismo. Para este autor, o
único ator interessado na discussão ética é o cidadão e não os proprietários de empresas, profissionais de comunicação e governantes.
Bucci (2000) deixa claro que a ética dos meios de comunicação
não deve ser confundida com a ética da imprensa. A primeira, por ter
entre suas funções o entretenimento, não tem compromissos com a
informação da sociedade, já a segunda sim, e por isso, deve ser encarada como uma questão mais séria, seus fins estão ligados à própria
definição de democracia que apregoara a imprensa imparcial e desvinculada do poder e a liberdade de expressão.
Nesse sentido, Bertrand (1999) afirma que a mídia possui
uma natureza tripla, envolvendo características tanto de indústria,
quanto de serviço público e de instituição política, o que complexifica
a questão das responsabilidades desta perante a sociedade.
Como indústria, ela está nas mãos de grandes empresas privadas, cuja finalidade primeira não é o serviço público e sim o lucro. Assim,
seus dirigentes não têm responsabilidades senão com seus acionistas e
entram na “guerra de audiência” decidindo o que será transmitido em
função da sua capacidade de gerar mais verbas publicitárias.
Como serviço público, a mídia, apesar de não ter natureza
estatal, exerce os direitos de liberdade de expressão em nome dos
cidadãos e por isso, deve prestar contas a eles. A responsabilidade
social da mídia surgiu nesta relação de cumplicidade e confiança que
a sociedade deposita nos meios de comunicação, partindo do pressuposto que, sempre de forma idônea, estes representariam a vontade
do povo numa sociedade democrática.
Já como instituição política, a mídia, as ser considerada o
“quarto poder”, tem a potencialidade de violar os princípios da democracia, já que os seus proprietários, os que desfrutam desse poder,
não são nem eleitos pelo povo nem indicados por suas competências.
Percebe-se assim, o caráter complexo, ambíguo e até mesmo
contraditório do papel da mídia na sociedade, o que possibilita múlti-
457
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
plas leituras. O recorte deste estudo, contudo, reside no papel da mídia e dos profissionais de comunicação como produtores e difusores
de conteúdo publicitário. Desta forma, as diferentes vertentes sobre o
papel da publicidade na sociedade serão abordadas a seguir.
A publicidade: espelho da sociedade
A importância da publicidade pode ser percebida a partir da
abordagem de Iasbeck (2002), para quem a linguagem publicitária extrapolou os limites dos meios de comunicação, e já é parte integrante dos
diversos discursos da modernidade, emigrando, por exemplo, de jornais,
revistas, cartazes e televisões para freqüentar o dia-a-dia de diversos
profissionais, como executivos, políticos e até conversas pela Internet.
Para o autor, a publicidade envolve por completo a sociedade, e está presente em quase tudo o que é consumido pelo homem moderno.
Pinho (2001) afirma que a força da publicidade está na sua
grande capacidade persuasiva e na sua efetiva contribuição para mudar hábitos, recuperar uma economia, criar imagem, promover o consumo, vender produtos e informar o consumidor. A mais conhecida
função da publicidade é contribuir para o desenvolvimento econômico, ajudando a conquistar e manter mercados para um determinado
produto ou serviço, e, no caso de novos produtos, a formar o mercado
consumidor. Atualmente, a publicidade tem papel central na construção e manutenção de marcas fortes e duradouras, que estão se
tornando o principal ativo das empresas.
Romais (2004) constata que, há algum tempo, a publicidade
pretendia apenas constituir discursos informando sobre os produtos
que se ofereciam no mercado. Contudo, esta perspectiva deu lugar
à construção de uma imagem sedutora desses produtos. O uso de
testemunhas, as estrelas que ajudam a vender os materiais publicitários, reforça este sentido, pois segundo o autor, estas fazem com que
se vendam roupas íntimas, sabonetes, geladeiras, bilhetes de loteria,
impregnados de suas próprias virtudes.
Nesse sentido, Morin (1989, p. 98) já afirmava que “a estrela publicitária não é apenas um anjo da guarda que nos garante a
excelência de um produto. Ela convida eficazmente a adotar os seus
cigarros, a sua pasta de dentes, o seu batom, o seu barbeador favorito,
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
ou seja, a identificarmo-nos parcialmente com ela [...] é um pouco da
alma e do corpo das estrelas que o comprador irá apropriar para si,
consumir e integrar em sua personalidade”.
A publicidade, então, descaracteriza a noção original de uso do
produto, incitando no indivíduo, através das associações imaginárias
que ele estabelece entre o produto e o que representa a sua posse,
uma idéia que não está relacionada ao uso e funcionalidade dos objetos, mas ao valor de troca simbólica, expressando a individualidade
de cada um (MUNIZ, 2004).
Este valor está presente na sedução da comunicação publicitária e na necessidade de personalização das marcas. Desta forma,
a publicidade tem entre seus objetivos a criação da imagem da marca, o que é feito através da humanização desta. Segundo Lipovetsky
(1989, p. 189), “a publicidade poetiza o produto e a marca, idealiza o
trivial da mercadoria”. Baudrillard (1990, p. 11) já havia identificado
esta característica do discurso publicitário: “Extasiado: assim está o
objeto na publicidade, e o consumidor na contemplação publicitária
– vertigem do valor de uso e do valor de troca, até a sua anulação na
forma pura e vazia da marca”.
Contudo, a crítica teórica da publicidade, segundo Carrascoza (2006), ainda é incipiente. Para o autor, as análises mais densas
costumam versar sobre o caráter persuasivo da publicidade, a sua
condição de metamercadoria, o seu sistema de significação ideológico. A grande maioria, continua o autor, “se prende em seu papel
de ferramenta de marketing, de elemento mante­nedor do status quo
capitalista, ou às variadas e ricas nuanças de seu caleidoscópio retórico e, evidentemente, ao seu visível mas pouco discutido poder de
manipulação” (CARRASCOZA, 2006, p. 185).
Carrascoza conclui, no entanto, que a publicidade depende da
adesão do consumidor para ser considerada eficaz. Por mais que lance mão de recursos persuasivos e sedutores, evolvendo o consumidor
e simulando vantagens e benefícios, e projetando um mundo de sonhos, ela não é um fim em si mesma.
Em defesa da publicidade estão as argumentações sobre sua
importância na economia brasileira, uma vez que atua como instrumento de estímulo ao mercado consumidor. As justificativas nesse
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
sentido passam pela alavancagem da oferta de produtos e serviços,
promoção da concorrência entre as empresas, informação ao consumidor sobre as vantagens e diferenciais dos produtos e serviços, geração de idéias e propostas de natureza política e social.
O argumento que parece mais explícito no discurso dos profissionais da área ao defenderem a publicidade é que esta sustenta
financeiramente os veículos de comunicação. No caso específico de
emissoras de rádio e TV aberta, a publicidade é a única fonte de
recursos. Já em veículos impressos como jornais e revistas, a publicidade representa mais da metade dos lucros. Assim, segundo o
CENP – Conselho Executivo das Normas Padrão (2006), a publicidade “financia” a cultura nacional e a liberdade de expressão, dois
dos valores mais caros à sociedade.
A evolução do debate até chegar a este cenário pode ser entendida a partir do resgate histórico da relação entre os diferentes atores
do setor publicitário brasileiro, abordagem que é apresentada a seguir.
Resgate histórico: a regulamentação na Publicidade no Brasil
Segundo Costa e Costa (2008), o mercado publicitário contemporâneo surgiu com o crescimento da participação da publicidade na receita dos jornais, os únicos meios de comunicação de
massa da época em países industrializados. A relação entre os
protagonistas desse setor econômico, os anunciantes e os veículos,
foi se transformando até a instalação das primeiras agências de
publicidade no país, a partir dos anos 1930.
Os referidos autores afirmam que a profissionalização dos serviços de propaganda foi conseqüência do interesse dos anunciantes em
não apenas informar, mas também em persuadir o consumidor, o que demandou campanhas publicitárias cada vez mais elaboradas e onerosas.
Assim, definiram-se os protagonistas que até hoje se envolvem nesse
processo: anunciantes, veículos, agências de publicidade e fornecedores.
A primeira regulamentação relacionada à atividade do setor
publicitário no Brasil remonta a fevereiro de 1949, quanto foi firmado um convênio entre as agências de propaganda, importando as
regras norte-americanas. No mesmo ano, outro marco importante foi
a fundação da ABAP – Associação Brasileira de Agências de Propa-
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
ganda. Contudo, as normas que até hoje organizam a publicidade
foram estabelecidas durante o I Congresso Brasileiro de Propaganda,
convocado pela ABAP em 1957.
Nessa ocasião, foi redigido o Código de Ética dos Profissionais
da Propaganda, e foram definidas as Normas-Padrão para o funcionamento das agências, estas últimas para substituir o convênio de
1949, estabelecendo novas formas de remuneração para o setor publicitário e definindo com minúcia as práticas consideradas condenáveis. Em ambos os casos, a competência para interpretar e executar
essas normas foi conferida à ABAP.
Assim, criou-se no Brasil um sistema peculiar, com regras detalhadas sobre a fixação dos preços e a remuneração das agências definido pelo próprio setor, sem intervenção do Estado. Em 1965, essas
normas embasaram a Lei nº 4.680/65, que até hoje regula a atividade
publicitária (COSTA e COSTA, 2008). O seu decreto regulamentador
(Decreto nº 57.690/66), determinava no art. 7º a validade das Normas-Padrão instituídas em 1957.
Uma nova versão das Normas Padrão da Atividade Publicitária foi instituída em 1998, para combater a tentativa de liberalizar
o mercado durante o governo de Fernando Henrique. Hoje, existe o
Conselho Executivo das Normas Padrão atuante, que confere um certificado de qualificação técnica às agências credenciadas. Contudo,
estas regulamentações estavam ligadas à prática da publicidade e
não ao conteúdo das mensagens veiculadas.
Nesse sentido, foi apenas na década de 1970, quando o governo ameaçou criar uma regulamentação estatal do conteúdo das
propagandas comerciais, que surgiu o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Em 1988, o CONAR, apesar de diversos
esforços, não conseguiu impedir a inserção na Constituição de determinações restringindo legalmente a propaganda de tabaco, bebidas
alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias.
No transcorrer desses 20 anos outras restrições forma impostas, mas num ritmo lento, uma vez que o mercado publicitário, cuja
receita é diretamente afetada pela regulação estatal, sempre se posicionou contrário a tais leis.
461
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Accountability da mídia
O conceito de accountability relaciona-se com o conceito de
responsabilidade, uma vez que este define qual é a conduta esperada
de uma pessoa ou instituição e aquele engloba os mecanismos de controle para que essa conduta seja cumprida. O termo accountability,
que permanece sendo usado em inglês, ganhou destaque e transcendeu a esfera do Estado. Hoje, este conceito está relacionado também
ao setor privado e às ONGs.
No que tange às grandes empresas do setor de comunicação,
os mecanismos de accountability encontram alguns entraves. No âmbito da accountability da mídia, é possível diferenciar mecanismos
específicos na regulação relacionada ao jornalismo, à publicidade e ao
entretenimento. No caso da publicidade, os mecanismos regulatórios
visam principalmente proteger a sociedade dos danos que podem ser
causados por alguns produtos.
Como exemplo destaca-se a já citada restrição prevista na
Constituição Federal à veiculação de publicidade de produtos como
tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias –
que pode ser encaixada no âmbito da regulação formal no Brasil.
Outro exemplo é a propaganda de armas, expressamente proibida
no país. O Código de Defesa do Consumidor também instituiu regulações em relação à publicidade.
O relatório da ANDI (2007) aprofunda a questão e alega que
a responsabilidade da mídia relaciona-se ao impacto dos meios de
comunicação no comportamento de sociedades e indivíduos, debates
que variam desde o princípio de que o público encontra-se em posição
de completa submissão à mensagem dos meios, até abordagens que
alegam sua total independência desta.
Zylbersztajn (2008), que aborda a questão sob o âmbito do direito, considera o mercado e a sociedade insuficientes para garantir
a accountability da mídia e defende a regulamentação do setor por
parte do governo. A autora afirma que a própria constituição dispõe
sobre os princípios básicos que devem reger os meios de comunicação
social e a regulação incluiria a criação de mecanismos de proteção
dessas normas constitucionais.
462
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
No entanto, a questão da regulação tem sido repudiada pelos empresários da mídia e taxada como sinônimo de censura. Neste
ponto, Zylbersztajn (2008) alega que, no âmbito jurídico-legal, esta
classificação não procede. Para a autora, no que tange a mídia, o
conceito de censura é relacionado ao controle arbitrário dos meios
de comunicação, que pode acontecer a priori ou a posteriori, sempre
embasado em ideologias de cunho moral ou político. Característica
em regimes de exceção, a censura visa impedir a livre circulação do
pensamento, em detrimento de interesses dominantes.
Desta forma, a censura não coexiste com o Estado Democrático de Direito, uma vez que a liberdade de expressão é condição fundamental para a manutenção da própria democracia. Entretanto, a
liberdade de expressão não é garantida apenas pela ausência de interferência do Estado, pois a autora alerta que, para que tal liberdade seja efetiva, deve existir uma atuação positiva do Poder Público.
Neste sentido, a regulação envolveria a atuação do Estado
para garantir os direitos constitucionais, conforme aponta Barroso
apud Zylbersztajn (2008, p. 29): “Com ela [censura] não se confunda
a existência de mecanismos de controle, que é a verificação do cumprimento das normas gerais e abstratas preexistentes, constantes da
constituição e dos atos normativos legitimamente editados, e eventual imposição de conseqüências jurídicas pelo seu descumprimento”.
A autora acrescenta ainda três objetivos principais da accountability midiática: “proteger e promover a liberdade da mídia;
prevenir ou limitar os danos que a mídia pode causar e; promover
benefícios positivos da mídia para a sociedade” (MCQUAIL apud
ZYLBERSZTAJN, 2008, p.59). Para atender a estes propósitos, os
mecanismos utilizados devem ser diversificados, promovendo relações rotineiras de diálogo entre mídia e sociedade, reduzindo a necessidade de mediações arbitrárias e restritivas. Neste sentido, quatro
categorias de accountability para a mídia, que devem atuar de forma
combinada, são sugeridas pela autora, conforme o quadro 2:
463
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Categoria
Característica
Agente
Exemplo
1) política
regulação formal
Governo
ANATEL
2) mercado
oferta e demanda
Mercado
3) pública
relação com os cidadãos
Sociedade
4) profissional
códigos de ética
profissionais da mídia
conselhos de imprensa
CONAR
Quadro 2 – Categorias de accountability da mídia
Fonte: Elaborado a partir da dissertação de Zylbersztajn (2008)
Já Bertrand (2002, p. 10), acredita que a accountability da mídia é papel da sociedade, pois “os veículos de comunicação constituem
em si uma instituição política, que deve permanecer independente. A
disciplina deve necessariamente ser aplicada por meios não-estatais.
É o que eu chamo de MAS – Media Accountability Sistens”. Em seguida o autor define e elenca alguns exemplos desses mecanismos:
um MAS é qualquer meio de incitar a mídia a cumprir adequadamente o seu papel: pode ser uma pessoa ou grupo, um texto ou
um programa, um processo longo ou curto. Mediador, conselho de
imprensa, código de deontologia, publicação regular de autocrítica, pesquisa de eleitorado, ensino superior de jornalismo – e muitos outros. Existem mais de sessenta (BERTRAND, 2002, p. 10).
Para Bertrand (2002), a mídia deve ser controlada pelos
processadores e consumidores de mensagens, pois nem o governo,
nem o mercado, podem produzir mídia de qualidade. Contudo, o
autor afirma que há certa hostilidade de empresários e profissionais do setor que acusam os MAS de representarem ameaças à liberdade, manobras de relações públicas para mascarar um desvio
de conduta, ilegítimos, ineficazes, e caros.
Nesse sentido, é pertinente destacar a falta de atenção que a
própria mídia oferece ao assunto da regulamentação da publicidade.
Em pesquisa realizada pela ANDI (2007) sobre a cobertura jornalística das Políticas Públicas de Comunicação, a publicidade representa
4,7% do total e 9,4% do material veiculado sobre questões de conteúdo2. Sobre este aspecto, o relatório da ANDI é enfático, mas não
aprofunda a questão da publicidade, conforme segue:
Segundo a ANDI (2007), 50,2% dos textos trabalham questões de conteúdo e, destes, 9,4%
remetem a questões específicas da publicidade.
2
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
O tema é espinhoso para as empresas de comunicação,
visto que a publicidade é a sua principal fonte de renda; logo,
cobrir o setor é trabalhar com os interesses diretos de um de
seus stakeholders mais relevantes. Mesmo assim, não se pode
dizer que, isoladamente, a cobertura sobre o tema foi desprezível.
O tratamento editorial dispensado à questão concentrou-se na
proibição e/ou regulação da publicidade para um setor específico – a maioria das matérias se remeteu ao de bebidas alcoólicas.
Vale destacar que discussões importantes – como a da publicidade infantil ou a da publicidade governamental – ficaram de fora
ou tiveram cobertura menos expressiva. Dada a abrangência das
temáticas abordadas por essa investigação, não aprofundaremos,
ainda que minimamente, a discussão sobre a publicidade e sua
regulação – o que, de forma nenhuma, indica que este é um tema
de menor relevância, devendo figurar no rol de preocupações
acerca das políticas de comunicação (ANDI, 2007, p. 151).
Assim, apesar de pouco agendado pela mídia, o tema da regulamentação da publicidade permanece no interesse de pesquisadores e
o principal objeto de estudo nesse sentido é o CONAR, que destaca-se
como uma das formas de accountability da publicidade mais atuante.
A autorregulamentação como accountability: o exemplo do CONAR
O CONAR3 surgiu para evitar uma forma de intervenção estatal da publicidade. No final dos anos 70 (século XX), tramitava no
poder um plano do governo militar para sancionar uma lei de censura prévia à propaganda. Diante desta ameaça, agências, anunciantes
e veículos de comunicação uniram-se argumentando sobre os altos
custos para implantar a censura através da contratação de muitos
profissionais e o retrocesso em relação à luta pela liberdade de expressão, além da iminente queda do número de anunciantes.
Assim, em 1977, é redigido o Código Brasileiro de Autorregulamentação publicitária, inspirado na experiência inglesa. Os seus
idealistas conseguiram convencer o governo a cancelar o projeto, se
comprometendo a cuidar da liberdade de expressão comercial, defender os interesses das partes envolvidas no mercado publicitário e do
consumidor e efetivar os preceitos estabelecidos no Código de Ética
As informações sobre o contexto histórico de surgimento do CONAR estão disponíveis em
www.conar.org.br
3
465
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
da Propaganda, discutido, aprovado e criado em outubro de 1957 no
1º Congresso Brasileiro de Propaganda. Na medida em que disponibilizaria a participação de representantes da sociedade em seu conselho de ética e que receberia denúncias de qualquer cidadão, o CONAR
considerou-se cumpridor do seu papel de proteção ao consumidor.
O mercado aceitou se submeter ao código e a iniciativa pioneira do
setor é citada como exemplo a ser seguido por outras áreas que não dispõem de uma autorregulamentação. Passados 30 anos da sua implementação, o CONAR é exaltado pelos empresários do setor, conforme discurso
proferido por Civita (2008, p. 13): “a autorregulamentação publicitária é
um desses casos de triunfo da cultura de boa-fé, (...) um brilhante exemplo
de convivência pacífica e democrática de interlocutores que (...) resolvem
suas pendências, em benefício de todos e da comunidade”.
Apesar de ser favorável a eventuais restrições legais como
aquelas impostas à publicidade de cigarros, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, Civita é contrário à regulamentação estatal, considerando-a uma ameaça às liberdades conquistadas
e garantidas pela Constituição. O empresário alega que mais de 200
proposições tramitam no Congresso Nacional na tentativa de impor
um excesso de legislação à publicidade e acrescentando que essas novas leis não seriam capazes de proteger as pessoas contra si mesmas
ou de sanar todos os males da sociedade.
Contudo, conforme exposto anteriormente, alguns teóricos
consideram a legislação necessária, uma vez que o CONAR seria
insuficiente para garantir a accountability da publicidade. Destaca-se a posição de Bucci4:
Sem dúvida, a prática pioneira do CONAR tem muito
a ensinar aos comunicadores, mas não se pode esperar que o
órgão dê todas as respostas. Sendo uma entidade enraizada no
mercado anunciante, representa os interesses desde mercado.
É uma parte, portanto. Nesse sentido, quando combate desvios
ou abusos de alguns anúncios – e efetivamente os combate -, ele
o faz para proteger, mais do que a sociedade em geral, a credibilidade da propaganda, ou, em outras palavras, para proteger o
negócio da propaganda contra seus abusos (2008, p. 1).
4
466
Disponivel em www.direitoaacomunicação.org.br/novo/. Acesso em 10 de outubro de 2008.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Para este autor, é legítimo que dirigentes do CONAR se revoltem contra tentativas de balizar a veiculação de anúncios, contudo,
o argumento de que a restrição à publicidade agride, mesmo que indiretamente, o direito fundamental à informação não é válido. Para
Buci (2008), ao ser um discurso interessado e parcial, a publicidade
não se subordinaria ao direito fundamental de informação. Além disso, a ausência da capacidade de sanção, transforma o CONAR num
mero conselheiro, sem o poder legal de punir aqueles que não cumprirem suas determinações.
Nesse sentido, concorda-se com a ANDI quando esta afirma
que, em regimes democráticos, as políticas públicas e os atores por
elas responsáveis devem ser passíveis de accountability e “quão mais
externos ao processo forem os atores responsáveis por exercer esse
controle, maior credibilidade ganhará a iniciativa” (ANDI, 2008, p.
54). Esta perspectiva, voltada para o Estado, pode ser aplicada na
accountability da publicidade. Assim, o CONAR, por ser formado por
atores do mercado da propaganda, não seria suficiente para exercer
o processo de accountability dessa.
Outro questionamento da efetividade do CONAR é apresentado por Costa e Costa, que criticam o conteúdo da carta resultante do
IV Congresso de Publicidade, realizado em junho de 2008. Para estes
autores, a carta enaltece a publicidade brasileira, mas não reflete
sobre ela, pois adota uma postura defensiva em relação às tentativas
de regulação. A defesa presente no documento sustenta-se em dois
argumentos: o primeiro alega que as regras impostas pelo CONAR
são suficientes para a garantia da ética na publicidade, e o segundo
defende que as restrições à propaganda afetam a liberdade de expressão, uma vez que a publicidade sustenta os veículos de comunicação. Contudo, os autores discordam:
Nesse sentido, é bastante eloqüente o fato de que a
tese geral do Congresso, aprovada por aclamação, é de repúdio a “todas as iniciativas de censura à liberdade de expressão comercial, inclusive as bem intencionadas”. Essa reação
da indústria da comunicação revela várias coisas. A primeira
é que ela se pauta pelo modo de pensar publicitário, que elege
um slogan simples e de fácil assimilação, mas incapaz de expressar a complexidade envolvida nas questões mais delica-
467
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
das. Reduzir a defesa dos interesses dos consumidores a uma
censura bem intencionada termina por distorcer o sentido
das iniciativas que o Congresso visava combater. Esse repúdio radical termina por afastar qualquer escuta receptiva,
abrindo um abismo entre o setor publicitário e a sociedade,
indicando que os publicitários falaram para si próprios, sem
se preocupar com o convencimento do restante da sociedade
(COSTA e COSTA, 2008, p. 55).
Assim, pretendeu-se mostrar que o debate sobre o tema é complexo e envolve diferentes aspectos. Contudo, a accountability da publicidade nas suas quatro formas parece ser um caminho a ser considerado.
Considerações finais
Foram apresentados alguns questionamentos sobre as opções
que a sociedade dispõe de interferir nas mensagens publicitárias.
Contudo, esta apresentação tem a pretensão de ser não mais do que
um vislumbre das possibilidades de debate que o tema oferece5. Visto que a questão suscita calorosos posicionamentos, a problematização desta merece a atenção de uma pesquisa mais extensa.
No que tange a accountability da publicidade, a questão da regulação envolve debates que giram principalmente em torno do CONAR, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que
pode ser encaixado na categoria de accountability profissional, por
estar embasado no código de ética da atividade publicitária.
Embora se destaquem algumas iniciativas do CONAR em
tornar mais rígidas suas normas, o órgão ainda não dá conta de
equilibrar a demanda social por regulação. As regras de autorregulamentação costumam ser bem mais amenas do que as determinações legais e, por isso mesmo, o CONAR deve estar aberto a
reflexões que busquem promover sua legitimidade perante a sociedade. Do contrário, posturas protecionistas como a expressa na
carta-manifesto do IV Congresso ocorrido em 2008, serão aprovadas apenas em encontros da categoria e não terão o respaldo dos
principais interessados, os cidadãos.
5
O tema é amplamente debatido na investigação de doutorado da autora, sob orientação da
professora Beatriz Dornelles, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
468
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Além disso, a relação da publicidade com a democracia pode se
tornar mais estreita na medida em que ocorrer a efetiva participação dos
diversos atores da sociedade no debate sobre a prática desta atividade.
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ZYLBERSZTAJN, J. Regulação de mídia e colisão entre direitos
fundamentais. Dissertação (Mestrado em Direito) – Departamento de
Direito do Estado da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2008.
470
Comunicação Integrada de Marketing – aspectos históricos e teóricos sobre um pretenso novo conceito
Luís Roberto Rossi Del Carratore
Introdução
O tema que ora vamos analisar – comunicação integrada de
marketing – pode ser enquadrado em mais um desses tópicos que,
a exemplo de inúmeros outros assuntos mercadológicos, são apresentados como grandes novidades teóricas ou inovações conceituais,
mas que, no fundo, são meras atualizações de conceitos já existentes, só que revestidos de uma nova roupagem. O mais interessante
é notar que, de um dia para o outro, o tema tomou conta das pautas
de reuniões dos profissionais, tornando-se assunto imprescindível
nas monografias acadêmicas, sugestionando título de livros, teses e
artigos, virando tema de seminário e palestras e por aí vai.
Mas, afinal de contas, por que podemos afirmar, com alguma segurança, que a noção de comunicação integrada de marketing
(CIM) é supostamente uma novidade não tão nova assim?
Parte da resposta está no próprio entendimento da função
da publicidade e de sua natureza essencialmente comunicacional. Em outras palavras, lidar com comunicação mercadológica é
reconhecer a importância da tarefa de adequação de linguagem
em benefício da construção de marcas. Nisso, aliás, não há nada
de novo. O que mudou, então, se os mesmos pressupostos da teoria já existiam e eram difundidos, aqui mesmo no Brasil, desde
os anos 70? O que fizeram com os ensinamentos de experientes
profissionais como Ricardo Ramos, Roberto Simões, Sérgio Dias,
Ivan S. Pinto e tantos outros?
Vamos tentar esclarecer estas e outras questões, por meio
de uma exposição histórica do tema, na visão de importantes teóricos e especialistas da área, pois é inegável que os limites entre os
campos da publicidade e do marketing estão ficando cada vez mais
tênues, se é que ainda existem.
471
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Diversos são os teóricos que defendem uma aproximação entre
as funções da propaganda e as ações de marketing. Nessa linha de
pensamento, a propaganda não pode mais ser vista como um mero
instrumento ou ferramenta de marketing, com seus planos e diretrizes subordinados às decisões mercadológicas. Apesar disso, a proclamação – há muitos anos atrás – da necessidade de interação entre o
marketing e a propaganda, pouco conseguiu em termos de solucionar
a questão na prática das organizações. O que se apresenta, agora, de
forma mais consistente e elaborada, é a noção da comunicação integrada de marketing, na qual a publicidade assume uma nova função e se
integra com outras tarefas no claro propósito de garantir a prioridade
e a sustentação das organizações e, especialmente, de suas marcas. As
discussões que se seguem apresentam um pouco da trajetória histórica da propaganda1 no contexto de comunicação de marketing.
Percurso histórico da relação entre Marketing e a Publicidade
Ainda no início dos anos 70, Robert Leduc (1972, p. 219) ensinava que a “prática da propaganda deve seguir um processo ordenado”, advertindo também que ela deveria se adaptar constantemente
à realidade do mercado, uma vez que as situações não são nunca as
mesmas. Conforme Leduc, a ação publicitária é estudada na elaboração do plano de propaganda, que orienta a elaboração da campanha
publicitária integrada em um orçamento definido.
O plano, no entanto, deve ser entendido como a apresentação por
escrito das etapas do planejamento, isto é, o documento repositório das
informações contidas no planejamento. A elaboração do plano de propaganda se opera, na opinião de Leduc (1972, p. 220-221), em quatro fases:
A primeira fase é consagrada à análise da situação comercial; a segunda, à consecução da estratégia publicitária; a
terceira fase é a de preparação do plano detalhado de ação; e a
quarta se refere à execução e ao controle da propaganda.
Uma das considerações mais relevantes feitas por Leduc, no
entanto, é sobre a integração da propaganda ao marketing, segundo
a qual esse plano de propaganda faz parte de um plano mais amplo,
Para facilitar a compreensão do assunto, assumiremos os termos Publicidade e Propaganda
como sinônimos, a despeito de suas diferenças etimológicas e conceituais.
1
472
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
o plano de marketing, que encerra ações comerciais como o programa
de força de vendas, o de política de produtos, de preços, de distribuição, dentre outros.
O livro “Comunicação Publicitária” (SIMÕES et al., 1972), um
dos pioneiros no país e também um dos mais completos sobre propaganda, condensa de maneira organizada o pensamento e a experiência dos principais nomes da publicidade da época. É uma espécie de
‘radiografia’ da propaganda brasileira, do ponto de vista dos principais estudiosos e profissionais da área. Nele, encontramos capítulos
específicos sobre cada etapa do trabalho de comunicação publicitária,
sempre na visão de um especialista numa determinada área.
Coube, assim, ao professor Francisco Gracioso a tarefa de comentar o planejamento de campanha, no qual procura elucidar as
funções da propaganda no conjunto de esforços de marketing, acrescentando que os objetivos gerais de marketing jamais poderiam ser
atingidos com o emprego unicamente da propaganda, pois “vendas e
distribuição são fatores importantes, da mesma forma que a embalagem e as exposições no ponto de venda. O preço também é vital, sem
falar naturalmente do próprio produto, do qual tudo depende, em última análise” (SIMÕES et al., 1972, p. 158). Mais adiante, Gracioso
destaca a necessidade da integração das informações, comentando que
o primeiro dado que o planejador de comunicação deve buscar são “os
objetivos globais de mercado e a função reservada à propaganda, na
estratégia de marketing do anunciante” (SIMÕES et al., 1972, p. 160).
Noutro capítulo da mesma obra, temos Ivan S. Pinto abordando a propaganda como função de marketing, trazendo em seus
comentários a relação entre ambos que, segundo ele, não é de subordinação direta no sentido de dependência, mas de integração.
Para Pinto, “propaganda e marketing são atividades exercidas em
benefício de empresas e custeadas pelas empresas. Assim como
não há muito sentido em abordar a propaganda fora do controle de marketing, não tem significado examinar a idéia de marketing desligado da noção de empresa”. (SIMÕES et al., 1972, p. 67).
Admitindo que o conjunto de informações provindas do próprio
produto e das forças mercadológicas da empresa contribui para
compor um ‘conceito de marca’, autor desloca o ângulo da aborda-
473
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
gem estratégica de marketing, enfocando-o como um problema de
comunicação, do tipo comunicação persuasiva, que visa influenciar
atitudes e mobilizar os comportamentos e condutas. Mas, segundo ele, se trata de comunicação e, portanto, tem também suas limitações: esbarra na afetividade e na complexidade de traços de
personalidade que caracterizam cada consumidor e o torna ativo,
a ponto de canalizar sua atenção para as informações que mais se
ajustam à sua conveniência individual e interesses subjetivos.
Além disso, Pinto reconhece que nem todas as informações formadoras da atitude mental para com a marca, ou conceito de marca,
provêm da empresa. Ao contrário, sofrem incessantes influências do
meio social mais amplo, onde o indivíduo constrói seu repertório, sua
escala de valores, enfim, sua cultura.
Somente após observar todos esses aspectos é que Pinto insere
a propaganda no contexto de marketing, afirmando que o seu “papel
no conjunto dos instrumentos estratégicos da empresa já pode ser
isolado” (SIMÕES et al., 1972, p. 69), acrescentando que a eficiência
da propaganda mede-se pela sua capacidade de conseguir um tipo de
resultado; nesse sentido, não convém tentar relacioná-la diretamente
com resultados de vendas.
Finalizando suas considerações, Pinto concebe o marketing
como a procura de oportunidades de comunicação e, especialmente
no caso de bens de consumo indiferenciados, ou de qualidades equivalentes, a busca de oportunidades de propaganda, onde um produto
de indústria passa a ser, inevitavelmente, um produto de comunicação publicitária. Nesse ponto, identifica-se a chave para o entendimento da relação entre marketing e propaganda: a integração.
No início dos anos 80, outros profissionais e teóricos também discutiram a relação entre o plano de comunicação publicitária e o plano
de marketing. Um deles é Plínio Cabral (1984), observando que o plano integrado de marketing se desdobra em plano de vendas, plano de
propaganda, plano de promoções, dentre outros. Dessa forma, Cabral
esclarece que a estratégia geral e as táticas de ações de comunicação decorrem das diretrizes do marketing. O planejamento publicitário deve,
segundo ele, possuir as seguintes características; ser simples, sintético,
ter objetividade, clareza e estruturação em etapas a serem cumpridas.
474
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Detalhando um pouco mais a questão, Cabral (1984, p. 36) explicita melhor a sua opinião sobre o assunto:
Um plano de marketing deve ser objetivo, fixando metas a serem atingidas e meios para realizá-las. Pode ter cem
páginas ou apenas uma página. Depende da empresa, depende
do produto, depende do mercado. Na verdade, segundo conceito
clássico, a função do marketing seria bastante simples: identificar as necessidades do cliente... O plano de propaganda decorre
do plano de marketing e do plano de vendas. Do primeiro resulta a estratégia de comunicação; do segundo, as metas e objetivos [de mercado]... O planejamento publicitário não gravita
propriamente em torno de anúncios. Ele é mais amplo, acompanhando o próprio planejamento da empresa.
Cabral insere, portanto, a propaganda no plano de marketing e
de vendas, considerando-a uma resposta aos problemas de comunicação mercadológica, reconhecendo que a característica essencial de uma
campanha de propaganda não é a multiplicidade de peças ou anúncios
ligados pelo mesmo tema, mas a “difusão de mensagens com o objetivo
claro de alcançar determinadas metas, cumprindo as etapas do plano
de vendas” (CABRAL, 1984, p. 38). Ele adota o conceito de ‘plataforma de comunicação’ para expressar sua noção de plano integrado que
agrega os esforços de publicidade vinculados ao plano de marketing:
Na propaganda não se vende nem se compra um anúncio, um comercial, uma campanha. Compra-se um conceito que
será posto a funcionar e cujos resultados dependem de uma
série de fatores que se devem conjugar (...) A propaganda, integrando o plano de marketing, faz a sua parte. Mas outros setores neste front devem, também, cumprir suas tarefas com eficiência no sentido de que a força de vendas atue como um todo
(CABRAL, 1984, p. 38).
Ricardo Ramos talvez seja um dos mais enfáticos ao tratar da
questão da integração entre a propaganda e o marketing. Há quase
três décadas, Ramos escreveu:
(...) Sendo assim tão remota e dominante, por que alguns teimam em achar a propaganda um trecho do tão recente marketing e a ele atrelada? Ora, sabemos que o marketing,
por definição, compreende “as atividades que encaminham o
fluxo de mercadorias e serviços, partindo do produtor até os
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cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
consumidores finais”. Isso traz implícito o planejamento de
ações, e nesse conjunto se insere naturalmente a propaganda. O fato dela ser parte do plano de marketing, entretanto,
não a subordina. A propaganda é anterior, secularmente, a
quaisquer formulações de marketing, aliás novíssimas, e se
a elas preexiste independe. Pode inserir-se, obviamente, em
dado esforço coordenado que se dirige ao mercado, como a
ele correr paralela ou mesmo alheia. Para aceitarmos a procedência do marketing, seria preciso encará-lo não em seus
limites reais de técnicas ou funções, mais no rumo da comercialização, e sim vermos nele uma verdadeira panacéia,
admitir formulações tão abrangentes que chegam a ser ingênuas (RAMOS, 1985, p.13).
Mais adiante, na mesma obra, o teórico volta a falar do assunto, mas agora do ponto de vista do planejamento de ações:
(...) Certamente o plano de propaganda se inscreve no
planejamento geral de marketing, já que a publicidade é um
trecho dos esforços de comercialização de um determinado
produto. Sob esse aspecto, não há dúvida de que não apenas
ela não pode divergir da orientação mercadológica da empresa, como deve apoiá-la e, se possível, reforçá-la. De que modo?
Aqui precisamos esclarecer alguns pontos controversos e mesmo antagônicos. Os homens de marketing sempre gostam de
falar em subordinação da propaganda, em atrelamento dela ao
marketing, que a moldaria em todos os seus passos. Do prisma
de planejamento, seria compreensível e até aceitável. Mas, reconheçamos, é uma visão formal e mecanicista da propaganda
(...) Quando falamos de marketing, falamos de funções e atividades. As decisões de propaganda, tomadas pela empresa na
sua comunicação com o mercado, de referem a vozes e imagens.
São naturezas diferentes. Mesmo que se tome o planejamento
global, a publicidade aparecerá dentro dele (decerto que acorde,
em perfeita sintonia), não como o ângulo da empresa, nas suas
obras, mas como o do consumidor, nas suas palavras, feito o seu
reconhecimento e a sua representação. Desse modo, será tão estranho falar em subordinação, em atrelamento, como na supremacia do marketing. Ainda que a ele associada, a propaganda
tem uma visível independência (RAMOS, 1985, p.46).
O fato é que Ramos, com sua postura crítica, traça um caminho daquilo que deveria ser prática comum no mercado profissional:
a integração entre propaganda e marketing. O ideal por ele sugerido
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
seria o de uma relação sem barreiras nem divisas, sem brigas orçamentárias e, tampouco, subordinação ou dependência. Ao contrário,
o propósito seria atender aos interesses comuns, com objetivos sintonizados, estratégias e táticas harmoniosas e, finalmente, com uma
visão orquestrada de funcionamento em conjunto.
A oportunidade que se abriu ao marketing, na ocasião, foi a
diferenciação e o posicionamento dos produtos e serviços, via comunicação integrada. Apesar disso, não foram todas as organizações e
profissionais que levaram tais ideias adiante.
Já adentrando nos anos 90, Don Schultz, Stanley Tannenbaum e Robert Lauterborn, especialistas em comunicação integrada, afirmaram que, num mercado de paridades, a única característica diferenciadora que uma empresa podia oferecer aos
consumidores é o que esses consumidores acreditam a respeito da
empresa, do produto ou do serviço e o relacionamento deles com
a marca. “O único lugar em que existe o valor real do produto ou
marca é dentro da mente dos clientes ativos ou potenciais. Todas
as outras variáveis de marketing, tais como projetos de produto,
formação de preços, distribuição e disponibilidade, podem ser copiadas, duplicadas ou superadas pelos concorrentes.” (SCHULTZ
et al., 1998, p.49).
Schultz e seus parceiros ensinam que o valor real de marketing está percepção da chamada ‘rede mental’ dos consumidores sobre
a marca. É o que esses consumidores, de fato, acreditam e sonham.
Diante dessa realidade, entendem que a única vantagem competitiva
sustentável das empresas, no século XXI, é a integração das comunicações de marketing, assim definido: “todo o conceito das comunicações integradas de marketing está baseado no modo como os consumidores armazenam informações de categoria, produto e marca”
(SCHULTZ et al., 1998, p.53).
Nas considerações dos especialistas norte-americanos, é muito importante o entendimento das ‘redes mentais’ que os consumidores constroem em suas cabeças, pois a tarefa da comunicação é
estabelecer contatos – de mão dupla, no sentido de troca de informações – com o objetivo de alterar ou reforçar os conceitos favoráveis
armazenados, combatendo as mensagens dos concorrentes.
477
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Eles sugerem que modelo para o planejamento de comunicações integradas de marketing seja diferente das abordagens tradicionais, a começar pelo foco: a nova abordagem propõe que o ponto de
partida seja o consumidor, o cliente ativo ou potencial, e não as metas
de vendas e de lucro.
A partir da segmentação do consumidor – com base em aspectos demográficos, psicográficos, de histórico de compras e de rede de
categorias – as etapas subseqüentes do planejamento de comunicação integrada seriam (SCHULTZ et al., 1998, p. 69-74):
• Gestão de contatos: baseada na idéia da necessidade de se
encontrar um período, um lugar ou uma situação em que seja
possível a comunicação com o cliente ativo ou potencial;
• Elaboração da estratégia de comunicação: que envolve a
definição dos objetivos de marketing e de comunicação a ser
distribuídos conforme o contexto (gestão do contato) na qual
ela aparecerá;
• Definição das ferramentas de marketing: que consiste na
seleção das ferramentas de comunicação que melhor se propõem a atender aos objetivos de marketing estabelecidos;
• Definição das táticas de marketing: que é a escolha das técnicas que auxiliarão a cumprir as metas preestabelecidas nos
objetivos de comunicação.
Como conclusão do processo, os autores explicam que o real
valor de seu modelo reside no fato de ter uma natureza circular, isto
é, a empresa anunciante desenvolve os programas de comunicações,
o cliente responde e, novamente, a empresa reelabora novas informações baseadas na resposta, num processo de contínua adaptação
e relacionamento.
Ressaltam, também, que o elemento fundamental da comunicação integrada de marketing é o banco de dados e as informações nele contidas sobre os consumidores e seu comportamento.
Ele explica que o comportamento, em termos de comunicação integrada, “é qualquer atividade mensurável pelo cliente ativo ou
478
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
potencial que: a) desloca essa pessoa para mais perto de uma decisão de compra a favor da marca visada ou; b) reforça os padrões
de compra favoráveis existentes”. (SCHULTZ et al., 1998, p.119).
“Deveria ficar claro, contudo, que o conceito de comunicação integrada de marketing está fundamentado num contínuo de formação de relacionamentos ao longo do qual clientes ativos e potenciais se movimentam à medida que os relacionamentos deles com
as organizações se desenvolvem. E também deveria ser evidente
que nessa abordagem deve ocorrer algum tipo de comportamento
mensurável”, destacam Schultz, Tannenbaum e Lauterborn (1998,
p.134), reconhecendo, finalmente, que cada organização deve construir a grade de medição ou o contínuo de medição que melhor se
adapte a seu produto ou serviço e mercado.
Nos EUA, aliás, a questão da comunicação integrada parece
ter sido evidenciada há muito tempo, como pode ser observado nos
comentários dos teóricos Lewis e Nelson (2001, p. 16):
Um fato bastante agradável que vem ocorrendo desde
1985 é o desapare­cimento da natureza competitiva que separava as várias disciplinas de propaganda e marketing. Não
é preciso ter muita idade para lembrar o comportamento do
tipo ‘não invada meu quintal’, as suspeitas e falatórios que surgiam quando um profissional de marketing resolvia utilizar
anún­cios veiculados na mídia, marketing direto, relações-públicas e promo­ções tais como em pontos de venda.
Eles destacam que o fator determinante das mudanças nas
relações entre a propaganda e o marketing foi a percepção de que
as agências estavam perdendo o controle parcial ou total sobre campanhas de marketing. Como resultado do processo, houve as fusões
entre agências de propaganda e empresas especializadas em outros aspectos de marketing, traduzindo-se em benefícios para todos
os envolvidos - profissionais de marketing e publicitários.
Nas palavras dos especialistas, “foi a integração incondicional das várias disciplinas sem animosidade, ciúme ou menosprezo
por um caminho útil comum. No século XXI o termo agência de propaganda pode bem ser substituído por outro mais adequado e eficaz:
agência de marketing”. (LEWIS e NELSON, 2001, p.17).
479
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Philip Kotler, por sua vez, reconhece que o marketing necessita de constantes atualizações. Dentre elas, destaca a importância do
marketing holístico, em detrimento do marketing tático, conforme as
seguintes orientações (KOTLER, 2000, p. 50):
• Participação nos clientes: deixar de se concentrar no ganho de
participação de mercado e passar a se concentrar no aumento da
participação em cada cliente. As empresas oferecem uma varie­
dade maior de produtos aos clientes existentes. Elas treinam seus
funcionários em vendas cruza­das (venda de produtos relacionados) e vendas de produtos mais sofisticados.
• Marketing para mercados-alvo: deixar de tentar vender
para todos e procurar se tornar a empresa que melhor atende
mercados-alvo bem definidos. O marketing para mercados-alvo
está sendo facilitado pela proliferação de revistas, canais de
TV e grupos de discussão na Internet, todos voltados para interesses específicos.
• Individualização: deixar de vender o mesmo produto da mesma maneira a todos no mercado­alvo e passar a individualizar e
customizar mensagens e ofertas. Os clientes poderão escolher as
características de seu produto nas páginas Web das empresas.
• Banco de dados de clientes: deixar de coletar dados de vendas
e passar a elaborar um data warehouse rico em informações sobre compras, preferências, demografia e lucratividade de clientes
indivi­duais. As empresas podem ‘garimpar dados’ em seus bancos
de dados para detectar diferentes agrupamentos de necessidades
de clientes e fazer ofertas diferenciadas a cada agrupamento.
• Comunicação integrada de marketing: deixar de depender quase exclusivamente de uma só ferramenta de comunicação, como a
publicidade ou a força de vendas, e passar a combinar várias ferramentas para proporcionar uma imagem de marca consistente aos
clientes a cada contato que eles tiverem com a marca2.
Grifo nosso, com o intuito de destacar a proposta de Kotler sobre comunicação integrada
de marketing.
2
480
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
• Canais de distribuição como parceiros: deixar de tratar os
intermediários como clientes e passar a tratá-los como parceiros na entrega de benefícios a clientes finais.
• Todo funcionário é um profissional de marketing: deixar
de pensar que o marketing é realizado apenas pelas equipes de
marketing, vendas e atendimento ao cliente e passar a reconhecer
que todos os funcionários devem se concentrar no cliente.
• Tomada de decisões baseada em modelos: deixar de decidir
com base em intuição ou a partir de dados inconsistentes e
passar a embasar decisões em modelos e fatos relacionados ao
modo como o mercado funciona.
Kotler admite que, por meio da adoção dessas novas propostas, as empresas podem tornar-se mais competitivas. “Empresas bem-sucedidas serão as que puderem impor a suas estratégias de marketing
o mesmo ritmo de mudança de seus mercados – e de seus espaços de
mercado”. (KOTLER, 2000, p. 51). Comenta, também, que muitas empresas ainda confiam em apenas uma ou duas ferramentas para atingir
seus objetivos de comunicação.
Apesar da proliferação dos novos tipos de mídia, da crescente
sofisticação tecnológica, do aumento das exigências dos consumidores e da segmentação dos mercados de massa em uma infinidade de
micro-segmentos, cada um deles exigindo uma abordagem específica, a prática do isolamento e da fragmentação ainda persiste. Ainda
segundo o renomado autor, a ampla gama de ferramentas de comunicação, mensagens e públicos torna obrigatório que as empresas se
encaminhem para uma comunicação integrada de marketing que,
conforme a definição da American Association of Advertising Agencies, é (KOTLER, 2000, p. 582):
Um conceito de planejamento de comunicação de marketing que reconhece o valor agrega­do de um plano abrangente que
avalie os papéis estratégicos de uma série de disciplinas da comunicação – por exemplo, propaganda geral, resposta direta, promoção de vendas e relações públicas – e combine-as para oferecer clareza, coerência e impacto máximo nas comunicações por
meio de mensagens discretas integradas de maneira coesa.
481
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
A comunicação integrada de marketing, segundo Kotler, tem
como benefício o fato de transmitir uma forte coerência da mensagem,
que produz enorme impacto nas vendas. “Ela cria responsabilidades –
onde antes não existiam – para unificar as mensagens e imagens de
marca da empresa, à medida que liga milhares de atividades da empresa”, conclui Kotler (2000, p.589).
Recorrendo novamente a Francisco Gracioso que escreveu,
num artigo intitulado “A nova era da comunicação total”3 que, de fato
“estamos apenas ingressando em uma nova era da comunicação com
o mercado, que alguns chamam de comunicação total. Ela inclui a
propaganda clássica, como é natural, mas vai muito além dela e poderá ter sérias conseqüências sobre a atual estrutura dos negócios
publicitários” (GRACIOSO, 2003, p.42).
Em síntese, Gracioso diz que a comunicação total ou comunicação integrada de marketing consiste no uso combinado de todas as
formas de comunicação para atingir alvos de consumidores determinados. Destaca, inclusive, o uso combinado de mídia e entretenimento
como forma de criar uma nova dimensão da comunicação. Entende
que a propaganda, pouco a pouco, deixará de ser a principal forma de
comunicação com o mercado. E as grandes decisões sobre o papel e forma de utilização da propaganda não serão mais tomadas nas agências
de comunicação. Afirma, também, que as forças que interagem com o
consumidor são, atualmente, mais difusas, variadas e sutis do que as
técnicas promocionais do passado recente. A comunicação integrada,
enfim, vai muito além das campanhas publicitárias e não se restringe
às ações de promoção de vendas, de relações públicas ou de merchandising, pois seu escopo de atuação é mais abrangente e se apóia em dois
recursos fundamentais: marcas globais e tecnologia de ponta.
Atualmente, aceita-se que compete à comunicação integrada
de marketing estudar o conceito do produto, compreender o que leva
uma pessoa a comprá-lo e utilizar essas informações de forma coerente nas diversas ferramentas de comunicação. Esta seria, segundo
o professor Gracioso, a maneira mais apropriada de espelhar na comunicação os desejos e necessidades do consumidor e obter eficácia
no marketing para a organização.
3
482
Artigo publicado na Revista Marketing, nº 340, Maio 2003, p.39-46.
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Rafael Sampaio, analisando a propaganda em função do branding isto é, do enfoque da gestão da marca, afirma que a comunicação
integrada de marketing tem importância fundamental na construção e manutenção das marcas e no processo de branding, mas “não
a comunicação parcial de uma ou outra de suas ferramentas, mas
a comu­nicação total do conjunto de suas disciplinas e mensagens.”
(SAMPAIO, 2002, p.101).
Sampaio se refere a uma comunicação que precisa estar integrada à nova dinâmica do mercado, do marketing e das mídias, além
de seguir uma série de características gerais para poder realizar com
eficácia as tarefas comunicacionais específicas que lhes cabe no contexto de marketing e das marcas.
A nova dinâmica do processo de comunicação a que o teórico
se refere, na sociedade contemporânea, envolve alguns pontos fundamentais do panorama da comunicação, conforme o seguinte (SAMPAIO, 2002, p.102-103):
• Menor controle sobre a recepção: a segmentação e fragmentação das fontes emissoras da comunicação estão inviabilizando o controle da recepção pelos consumidores, ao contrário do
que aconteceu durante quase todo o século passado;
• Tendência à entropia é mais forte: a tendência natural de
entropia da mensagem – segundo a lei da Física, que estabelece
que todas as emissões de energia tendem a entrar em processo
de desordem – aumenta ainda mais que o natural. Nesse sentido, Sampaio acredita que mensagens comerciais pensadas para
trafegarem em certa ordenação lógica e, por sua vez, serem
recebidas em determinado contexto e com certa predisposição
do público, acabam chegando truncadas, sendo percebidas de
forma distorcida e entendida em condições nem sempre favoráveis, quando não desfavoráveis, de exposição e entendimento;
• Aumento do controle sobre a emissão: como única forma
de reduzir um pouco a situação entrópica desfavorável para
quem emite comunicação. Sampaio considera isto absolutamente lógico, pois, caso contrário, a comunicação resultaria
483
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
numa ‘balbúrdia’, posto que já é emitida de forma um tanto
desordenada, e além disso, enfrenta a entropia do meio ambiente e os ruídos inerentes ao processo e, finalmente, é recebida de forma desorganizada e absorvida de qualquer jeito;
• Uso da força centrípeta da integração e da ação holística para
atuar contra a entropia do conjunto: considerando-se que existe
uma situação de entropia no conjunto do transmissão, recepção
e absorção das mensagens, o controle desse processo tem sérias
limitações e é fundamental que a emissão seja muito bem ordenada, para que a de­sordem total não se estabeleça no final do
processo. Para controlar a entropia, utiliza-se a força centrípeta que, no caso da comunicação, se revela em duas fontes: a) a
integração sinergética de cada mensagem de comunicação que
complementa e reforça todas as demais da mesma marca ou
empresa; b) a ação holística, de caráter mais amplo e geral, encontrada nos elementos integradores das diversas mensagens
que criam uma unidade de comunicação, mesmo quando se utilizam formatos diferentes e conteúdos diversos;
• A imagem de marca é formada na mente de cada consumidor:
outra particularidade da dinâmica da comunicação é que a comunicação não é aquilo que se emite, mas o que se recebe, entende e
percebe. Na situação de mercado atual, porém, não é sempre que
aquilo que a empresa ou marca comunica é o mesmo que o consumidor entende. Como a imagem de marca real é aquela que é
efetivamente formada na cabeça de cada consumidor, e não a que
se estabeleceu nas estratégias de comunicação, é fundamental
que se faça uma comunicação adequada que contemple, ao mesmo tempo, a intenção do anunciante e a verdade do consumidor;
• A comunicação mais forte é a da ação: é preciso considerar
que as ações comunicam mais que as palavras. De nada adianta
campanhas e mensgens persuasivas e encantatórias se isso não
corresponder à verdade de seus atos, nem se traduzir nas suas
relações com seus colaboradores e outros públicos de interesse.
Qualquer aparente contradição, por menor que seja, pode afetar
as percepções da imagem da marca que se procura construir;
484
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
• Segmentação e fragmentação: de um modo geral, a tendência que se observa é que a comunicação de massa segmenta-se
e a comunicação segmentada fragmenta-se. Isso ocorre tanto
no aspecto dos meios de comunicação em si e de seus veículos,
como no caso da comunicação de marketing. Neste caso, o fenômeno atende duplamente ao movimento de segmentação e fragmentação do mercado (com reflexos diretos sobre os produtos,
serviços e suas marcas) e das novas oportunidades de mídia.
• Estas e outras circunstâncias estão envolvendo e intensificando decisivamente as relações entre organizações e seus
mercados-alvo. Nesse sentido, Sampaio (2002, p. 108) expõe
as cinco características fundamentais da comunicação integrada de marketing:
• Aplicar a inteligência estratégica. É adotar o planejamento
com base nos seguintes pontos: refletir a realidade da empresa, da marca, dos consumidores e do mercado; economia da
criatividade; eficácia da interatividade; força da integração e
prêmio da ousadia e inovação na comunicação.
• Seguir os princípios básicos da comunicação. É utilizar os
mesmos princípios gerais da comunicação aplicados ao branding, tais como: relevância do target; pertinência à marca;
princípio da tarefa dupla, isto é, a comunicação precisa cumprir os seus objetivos e, ao mesmo tempo, desempenhar sua
tarefa no branding em favor da imagem da marca e, por fim,
adequação entre meio e mensagem.
• Usar a linguagem do consumidor. Envolve, basicamente,
questões como: considerar as variáveis pessoais e individuais dos segmentos; combinar razão e emoção e, finalmente,
ouvir o consumidor.
• Usar a ferramenta certa na hora certa. Significa adotar
todas as ferramentas mercadológicas que, cada qual em seu
papel, garantam a construção da franquia das marcas; estabeleçam relacionamentos e impulsionem os negócios.
485
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
• Ser mensurável com precisão. É usar a pesquisa com propriedade e eficácia, admitindo que para medir objetivos diferentes, é necessário empregar medidas e procedimentos diferentes.
James R. Ogden, autor da obra “Comunicação Integrada de
Marketing: modelo prático para um plano criativo e inovador” (2002),
afirma que, no mercado competitivo de hoje, empresas e profissionais
de marketing devem certificar-se de que as mensagens de suas comunicações, que chegam aos consumidores, sobre produtos e serviços sejam claras, concisas e integradas. Em outras palavras, cada membro
da organização envolvido no marketing e na comercialização de um
produto ou serviço deve transmitir ao consumidor a mesma mensagem. Essa consistência de informações a que o teórico se refere pode
ser ilustrada no seguinte exemplo:
Imagine-se em um supermercado, procurando uma
marca específica de molho de tomate. Ao passar pelas prateleiras, você pode ver muitos rótulos. O que faz com que você
escolha uma marca em especial entre tantas outras? É a embalagem? Ou talvez seja por causa do próprio nome da marca?
Ou, ainda, será devido à posição do produto de tal marca na
prateleira? Quem sabe você leu sobre o produto no jornal? Ou
será que o viu na televisão? Afinal, não foi um amigo que o
recomendou? Ou na verdade o que aconteceu foi que aquele seu
amigo disse não ter gostado de uma ou duas das outras marcas? O supermercado tem a marca que você está procurando?
O preço lhe parece atraente? Não há apenas uma resposta certa. Uma ou todas essas razões fizeram com que você escolhesse
aquela lata específica de molho de tomate. Na verdade, muitas
outras variáveis podem ter influenciado sua decisão. No final
das contas, é sua percepção geral em relação ao produto que
o impele à decisão de compra. (...) Na posição de consumidor,
você pensa em todos os elementos envolvidos na produção
do molho de tomate, desde o processamento até os recursos
humanos? Do departamento jurídico ao de logística? Claro que
não. Você não olha para aquela latinha e diz: ‘Uau, olha só que
belo trabalho desses contadores!’, ou: ‘Rapaz, dessa vez o pessoal
de treinamento pisou na bola!’. (OGDEN, 2002, p.10-11).
Ogden entende que, quando os consumidores procuram um
produto ou serviço, eles procuram apenas as qualidades que vão satisfazer uma necessidade ou um desejo que eles já sentiam.
486
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Todas as mensagens que eles receberam sobre o produto ou
serviço, pelos veículos de comunicação ou por influência de terceiros, tornam-se importantes para a decisão de compra. Por essa
razão, o teórico diz que “os empresários precisam ter certeza de
que as mensagens que enviam a seus consumidores são precisas,
concisas e consistentes. A mensagem enviada ao consumidor tem
de ser uma comunicação integrada.” (OGDEN, 2002, p.11). Segundo ele, quando os consumidores recebem mensagens conflitantes,
além de não ser fácil para eles escolher em qual acreditar, tem
ainda mais dois problemas: ela custa tempo e dinheiro ao consumidor e, ainda, o deixa confuso, que é um tipo de custo psicológico.
Recomenda, assim, que as empresas se conscientizem de que todas
as suas variáveis de marketing e de comunicação afetam umas às
outras, o consumidor e os comunicadores.
Sendo assim, todas as variáveis de comunicação terão um
efeito no marketing – é por esse motivo que todos os esforços de comunicação de uma organização devem ser integrados. O resultado
da integração é a criação de uma sinergia. O conceito de sinergia,
segundo ele, é que os esforços combinados de todas as unidades de
negócios têm um efeito maior que a soma dos esforços individuais
ou departamentais isoladamente.
Ogden defende, então, a criação de um plano de comunicação
integrada de marketing (CIM), reconhecendo que não existe uma
única forma de estruturação, pois cada situação de mercado determina um modelo diferente para atingir os resultados desejados. A
comunicação integrada de marketing seria, portanto, uma extensão
do elemento ‘Promoção’ do composto mercadológico (também denominado ‘marketing-mix’ ou 4 Ps), que considera que todas as variáveis
da CIM comunicam algo e que existe, também, uma sobreposição na
comunicação que essas variáveis oferecem.
As variáveis principais do planejamento da comunicação integrada de marketing, segundo Ogden, são a propaganda, a venda
pessoal, as atividades de promoção de vendas, as ações de relações
públicas e publicidade, o marketing direto e o marketing digital.
487
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
Na obra intitulada “Gestão de Marketing”4, a comunicação integrada de marketing, é definida “o conjunto de ações integradas de
comunicação e promoção, que têm como objetivos: fixar o produto na
mente do consumidor; criar uma mensagem única, consistente, compreensível e crível sobre o produto; construir uma imagem de marca
diferenciada e sustentável na mente do consumidor; oferecer informações e incentivos para o consumidor adquirir o produto ou serviço da
empresa; e gerar atitude favorável dos diversos segmentos de público
para as iniciativas da empresa” (DIAS et al., 2003, p.272).
O conceito de comunicação integrada, na opinião dos autores,
resulta do reconhecimento de que os objetivos da comunicação de
marketing só poderão ser eficazmente alcançados se todos os elementos do programa de comunicação forem coordenados e integrados, de
modo a criarem uma posição, mensagem ou imagem únicas, diferenciadas e consistentes na mente do consumidor-alvo do produto.
Eles reconhecem que o efeito da comunicação de marketing só
poderá ser medido com base na impressão causada na mente do consumidor. Citando Al Ries e Jack Trout, criadores da teoria do posicionamento nos anos 80, relembram que “o posicionamento não é aquilo que
você faz com um produto. Posicionamento é aquilo que você provoca
na mente do cliente” (DIAS et al., 2003, p.272). Em outras palavras, o
posicionamento é um conceito importante para formulação e operacionalização do plano estratégico de comunicação, tendo em vista que a
função da comunicação integrada de marketing é criar imagem única
e exclusiva para um produto ou marca na mente do consumidor, a fim
de se criar e consolidar uma imagem diferenciada para a marca, que
venha a representar uma vantagem competitiva sustentável.
“A formação de imagem para a marca é uma das principais
funções da comunicação de marketing. A imagem de marca pode ser
entendida como o conjunto de percepções, crenças, idéias e associações
cognitivas ou afetivas que uma pessoa tem sobre um produto e que
condiciona suas atitudes e seu comportamento de consumo. A imagem de marca forte, consistente e favorável é uma força motivadora
do comportamento de consumo”, (DIAS et al., 2003, p.273), afirmam os
Desenvolvida por um grupo de docentes do Departamento de Mercadologia da Fundação
Getúlio Vargas (FGV – EAESP), de São Paulo–SP.
4
488
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
docentes, sugerindo que, de acordo com uma teoria da psicologia, o consumidor tende a se manifestar mais favoravelmente em relação a um
produto ou serviço quando a imagem percebida da marca corresponde
à imagem que tem de si próprio ou, então, que aspira para si ou, ainda,
que deseja transmitir aos outros sobre si mesmo.
Nesse sentido, as marcas conferem aos produtos e serviços
uma dimensão simbólica, na medida em que transmitem e evocam
significados e participam da definição da identidade e personalidade
das pessoas. Esse seria, enfim, o objetivo último a ser almejado pela
comunicação integrada de marketing, por meio da integração de inúmeras atividades, dentre as quais os teóricos destacam a propaganda; promoção de vendas; vendas; marketing direto, relações públicas,
publicidade ou assessoria de imprensa; promoção de eventos; merchandising e comunicação no ponto-de-venda; atendimento ao cliente; comunicação pela Internet; embalagem e design; dentre outras.
Conforme apresentado pelos docentes pesquisadores da FGV-SP, mesmo que inserida num contexto mais amplo, o de comunicação
integrada de marketing, a publicidade desempenha seu papel estratégico na veiculação de mensagens condizentes com o conjunto das
outras ações, em sintonia e convergência de conceito para a marca.
Numa das obras mais recentes sobre o assunto, “Comunicação
Mercadológica: uma visão multidisciplinar” (GALINDO, 2008), Victor
Hugo Lima Alves assevera que o conceito de comunicação integrada
de marketing (CIM), de certa forma, já traz em si uma indeterminação – a questão da integração. Em paralelo, reforça sua ideia com as
indagações propostas por Trevisan5:
O questionamento da comunicação integrada vai além
da definição do seu conceito e de como a agência executa as
suas tarefas. É preciso perguntar-se: o que integra uma comunicação? Uma assinatura? Logotipo? Conjunto de cores? Rigidez nas diretrizes de uma marca global, que define um azul
naquele tom específico? Exposição dos produtos naquela cor
ou posição? Manual de identidade visual? Qual é o elemento
integrador? É absolutamente discutível o que integra a comuArtigo de Nanci Maziero Trevisan, intitulado “O mito da comunicação integrada”, in XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2003, Belo Horizonte-MG. Disponível em <http://reposcom. portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4491/1/NP3TREVISAN.pdf> Acesso: 20.02.2008.
5
489
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
nicação de uma organização. Definir isto é papel do gestor da
marca ou do dono da empresa. Alguns elementos podem ajudar: assinatura, embalagem, mas tudo é questionável. O que
vai dar o traço de unicidade à comunicação da marca? Estas
questões é que precisam ser estudadas e respondidas.
Desse modo, as decisões relativas à comunicação integrada
de marketing são coordenadas pelo composto de promoção do marketing-mix, por meio de decisões como: definição de objetivos promocionais; determinação dos tipos de ações promocionais a serem
adotadas; criação dos temas e mensagens; mensuração da eficácia
das campanhas de propaganda e a integração de todas as comunicações promocionais. É, portanto, inequívoca a subordinação dessa
comunicação ao composto de promoção tendo em vista que o papel a
ser cumprido por tal composto e, por conseqüência, pela comunicação,
advém do ajustamento dos demais componentes do marketing-mix –
os compostos de produto, preço e distribuição.
Alves entende que o conceito de comunicação integrada de
marketing tem sua gênese no mesmo prressuposto da comunicação
mercadológica, quer seja, entender a comunicação pelos fatores do
esforço promocional. A título de esclarecimento e reforço, recorre a
Galindo (1986, p. 37), que afirma:
Tal modalidade de comunicação compreenderia toda e
qualquer manifestação comunicativa gerada a partir de um objetivo mercadológico, portanto, a comunicação mercadológica seria
a produção simbólica resultante do plano mercadológico de uma
empresa, constituindo-se em uma mensagem persuasiva elaborada a partir do quadro sócio-cultural do consumidor–alvo e dos
canais que lhes servem de acesso, utilizando-se das mais variadas formas para atingir os objetivos sistematizados no plano.
Após tal constatação, Alves (GALINDO, 2008) revela uma característica essencial que as diferencia: a unicidade da mensagem,
salientando que o uso das várias competências ou recursos comunicacionais, por si só, não caracteriza a integração, mesmo considerando o objetivo comum de um plano mercadológico.
Continuando as suas considerações, o autor denuncia uma
inadequação quanto à nomenclatura ‘comunicação integrada de marketing’, pois esta seria apenas uma das modalidades de comunicação
490
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
vinculadas ao planejamento estratégico da empresa devendo, portanto, todas as demais modalidades (comunicação interna; comunicação
administrativa; comunicação institucional) também serem denominadas integradas, pois no conceito defendido por Kunsch (2003) é
justamente a noção de integração das quatro modalidades que caracteriza a filosofia inovadora por ela proposta. Desse modo, argumenta que é “a modalidade comunicacional que se apresenta integrada
– como adjetivo – e não a comunicação integrada que se qualifica
em modalidade comunicacional” (GALINDO, 2008, p. 26). Além disso,
Alves finaliza seu pensamento lembrando que, muito provavelmente:
O termo CIM seja remanescente do conturbado momento vivido nos anos 90 pelas agências de propaganda, quando
da necessidade de resposta aos clientes sobre as restrições de
eficácia e financeira da propaganda em meio à proliferação de
pontos de contato e resultados inatingidos; e, nessas circunstâncias adotaram-se vários conceitos com o intuito de expressar
que a comunicação com o mercado se produzia por outros canais, além da habitual propaganda (GALINDO, 2008, p.25-26).
A publicidade, agora inserida no contexto da comunicação integrada de marketing, com funções, características e responsabilidades
ampliadas e compartilhadas, tem de ser repensada desde o seu planejamento até nos seus mecanismos de mensuração de resultados, para
acompanhar as novas tendências e propostas teóricas e práticas.
Considerações finais
Em termos conceituais, os aspectos inovadores, com algum impacto diferencial para o processo de comunicação mercadológica como
um todo, são adaptações mínimas sobre os procedimentos, métodos
e técnicas de pesquisa, criação, produção e mídia que se proclamava
no passado. Fora isso, nada que se caracterize como uma verdadeira
renovação de proposta. Em síntese, as discussões sobre a comunicação integrada de marketing, em geral, parecem não acompanhar as
orientações mais amplas sobre o planejamento da comunicação no
novo cenário mercadológico do branding.
Dessas considerações decorrem, portanto, uma lógica que poderia ser assim sintetizada:
491
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
• A imagem de marca é formada na mente de cada consumidor: uma particularidade da dinâmica da comunicação é que
a comunicação não é aquilo que se emite, mas o que se recebe,
entende e percebe. Na situação de mercado atual, porém, não é
sempre que aquilo que a empresa ou marca comunica é o mesmo
que o consumidor entende. Como a imagem de marca é aquela
efetivamente formada na cabeça do consumidor, e não a que se
estabeleceu nas estratégias de comunicação, é fundamental que
se faça uma comunicação adequada que contemple, ao mesmo
tempo, a intenção do anunciante e a verdade do consumidor;
• O conceito de comunicação integrada de marketing resulta do
reconhecimento de que os objetivos da comunicação só poderão
ser eficazmente alcançados se todas as modalidades de comunicação (interna, administrativa, institucional e mercadológica)
forem efetivamente coordenadas e integradas, de modo a criarem
uma posição, mensagem ou imagem únicas, diferenciadas e consistentes na mente do consumidor do produto ou serviço;
• A formação da identidade de marca é a principal função
da comunicação integrada de marketing. A identidade de marca envolve o conjunto de elementos tangíveis e intangíveis que se
tenciona associar à marca, incluindo a imagem que pode ser entendida como o conjunto de percepções, crenças, valores e vínculos cognitivos ou afetivos que uma pessoa tem sobre um produto
ou serviço e que condiciona suas atitudes e seu comportamento
de consumo. A imagem de marca forte, consistente e favo­rável é
uma força motivadora do comportamento de consumo;
• As marcas, nesse sentido, conferem aos produtos e serviços
uma dimensão simbólica, na medida em que transmitem e evocam significados e participam da definição da identidade e personalidade das pessoas.
Esse seria, enfim, o objetivo último a ser almejado pela comunicação integrada de marketing: o alinhamento conceitual em torno
de um conceito de marca, independentemente das atividades, recursos e instrumentos disponíveis a serem utilizados.
492
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Hoje, praticamente ninguém mais discorda de que as relações
das pessoas com as marcas são sensoriais, são experiências vivencidas, muito mais afetivas do que, propriamente, racionais. As marcas, portanto, pertencem aos consumidores e aos mercados, são parte
de conceitos e padrões não convencionais – intangíveis – de análise.
Na maioria das vezes, a continuidade das marcas também depende
muito do que pensam os sistemas de comunicação, que, afinal, sustentam a imagem das marcas no mercado. Seria, então, um equívoco
pensarmos que a publicidade, sozinha, consiga construir uma marca,
uma vez que as marcas são edificadas de maneira holística, a partir
de uma proposta comum de valores com os consumidores, levadas
adiante por meio da orquestração de um conjunto de instrumentos
mercadológicos, internos e externo à organização.
Gerenciar uma marca seria, enfim, monitorar todos os contatos
que ela estabelece com os seus mercados consumidores, em todas as
situações e relacionamentos da organização e de seus colaboradores.
Como uma das principais conclusões, podemos afirmar que,
em grande medida, a dimensão e importância que a comunicação integrada de marketing vem tendo nos âmbitos acadêmico e profissional tem profundas ligações com o desenvolvimento do branding e os
propósitos de gestão de marcas, como os atuais modelos de sistema
de identidade, as associações com a imagem corporativa, o posicionamento e os atributos de personalidade e caráter de marca. O que, num
passado não muito distante, o tempo e a credibilidade dos produtos e
serviços, bem como a reputação das organizações se encarregava de
construir, atualmente, é preciso muito esforço e envolvimento para se
atingir e, por vezes, não surte o efeito desejado.
Finalizando e tentando responder às questões inicialmente
propostas, é preciso ressaltar o seguinte: os pressupostos teóricos
sobre a comunicação publicitária e mercadológica permaneceram
os mesmos, sempre evidenciando a importância de pensá-la como
algo integrado às ações de marketing, sem subordinação ou fragmentação, tendo como alvo e enfoque o fortalecimento de um claro
conceito da marca. A interpretação dessas noções, no entanto, é
que realmente se apresenta como novidade. Faz muito mais sentido, portanto, propor uma releitura e recolocação das teorias, con-
493
cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas
ceitos, ideias e definições já defendidas no passado, pois se trata de
um novo mundo dos negócios, cuja dinâmica e contexto – marcado
por mais tecnologia, mais competitividade, mais agilidade e mais
globalização – exigem constantes atualizações em busca da conquista dos mercados e perpetuação das marcas.
Referências
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494
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
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SIMÕES, Roberto et al. Comunicação publicitária. São Paulo:
Atlas, 1972.
495
cAPíTULO v
Práticas Institucionais e de Relacionamento
Vídeo corporativo como instrumento
de comunicação interna
Gilze Freitas Bara
Resumo
Defesa da elaboração de um vídeo corporativo que seja um instrumento favorável ao processo de comunicação interna de uma empresa/entidade, funcionando como um objeto de aproximação entre a
diretoria e os funcionários. O vídeo proposto tem o formato de uma
revista eletrônica, sendo composto de quadros elaborados de forma a
prender a atenção do público-alvo e facilitar a transmissão das mensagens de maneira direta e eficiente. A duração indicada é de oito a
dez minutos, já que a exibição sugerida seria durante as reuniões
mensais de avaliação realizadas entre a diretoria e os funcionários
da empresa/entidade. A fundamentação teórica do trabalho passa
pela discussão da cultura organizacional, da comunicação empresarial – sobretudo a interna – e da sociedade da imagem.
Palavras-chave: comunicação institucional; comunicação interna; cultura organizacional; vídeo corporativo.
Introdução
O presente artigo defende a elaboração de um vídeo corporativo que funcione como um instrumento que favoreça o processo
da comunicação interna numa empresa/entidade. O trabalho está
focado numa interface entre emissor, receptor, meio e mensagem.
No emissor, porque o vídeo pretende atender às necessidades da
empresa/entidade, levantadas após conversas com a direção e os
responsáveis pelos setores. No receptor, porque o vídeo vai mostrar
os funcionários (público-alvo), os trabalhos por eles desenvolvidos
e os assuntos de interesse da categoria. No meio, devido à força
da imagem e à facilidade de recepção. E na mensagem, porque o
conteúdo a ser transmitido demanda formatos específicos que delineiam o trabalho final.
497
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
Cultura Organizacional
As organizações existem desde o início da humanidade, uma
vez que as origens e a própria evolução das organizações fundamentam-se na natureza humana. O termo organização expressa um agrupamento planejado de pessoas que se associam intencionalmente para
trabalhar e desempenhar funções em conjunto, para atingir objetivos
comuns, obter resultados e satisfazer necessidades da sociedade. “A
organização é subsistema de um sistema maior, a sociedade. É uma
microssociedade que opera nas mais diferentes dimensões sociais, econômicas, políticas e simbólicas” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 28).
No mundo contemporâneo, há um aumento no número de organizações, para satisfazer às novas necessidades pessoais, sociais e
mercadológicas. Assim, quanto mais desenvolvida a sociedade, mais
ela se valerá das organizações. “A função das organizações é tornar
produtivos os conhecimentos” (DRUCKER, Peter apud KUNSCH,
Margarida, 2003, p. 20). Peter Drucker destaca o poder e as características da sociedade das organizações no contexto da sociedade do
conhecimento e da informação. Ele enfatiza que, em todos os países
desenvolvidos, a sociedade se transformou em uma sociedade de organizações, em que praticamente todas as tarefas são realizadas em
e por uma organização. Ou seja, o conjunto diversificado de organizações viabilizaria todo o funcionamento da sociedade (1993).
Vivemos, atualmente, um processo acelerado de transformações,
pelo qual também passa o mundo das organizações. E é neste novo ambiente, marcado pela globalização, pelas mudanças tecnológicas, pela
diversidade e pela reordenação do trabalho e o consequente aumento
da informalidade, que está se criando um novo modelo de organização:
A organização virtual, caracterizada como uma rede temporária de parceiros independentes – fornecedores, consumidores, e até mesmo concorrentes – ligados pela tecnologia da comunicação para dividir habilidades, custos e o acesso de cada um ao
mercado. Seria uma organização sem níveis hierárquicos, sem
integração vertical, com as relações baseadas na flexibilidade, na
confiança, na sinergia e no trabalho em equipe. (DAVIDOW e
MALONE apud CURVELLO, João José Azevedo, 2003, p. 125)
498
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Margarida Kunsch concorda que, mesmo virtualmente, o homem está em organizações. “Ainda que o homem moderno não precise mais passar a maior parte do seu tempo dentro das organizações,
continuará dependendo delas para operacionalizar suas ações e se
conectar com o mundo nas mais diferentes frentes” (2003, p. 21).
Uma organização não pode ser considerada apenas em seu
nível interno e de forma estática. Ao contrário, deve ser vista em
relação à amplitude do contexto em que está. “Temos de considerá-la
vinculada ao ambiente em que ela vive, incluindo os aspectos sociais,
econômicos, políticos, tecnológicos, ecológicos e culturais, variáveis
que interferem enormemente na vida organizacional” (KUNSCH,
Margarida, 2003, p. 30). Também quando se olha para uma organização, é importante estar claro que ela é formada por pessoas que têm
uma maneira própria de ver e agir.
A comunicação é imprescindível para uma organização social.
“O sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que permitirá sua contínua realimentação e sua
sobrevivência. Caso contrário, entrará num processo de entropia e
morte” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 69). Assim, o sistema comunicacional é essencial para o processamento das funções administrativas
internas e o relacionamento das organizações com o meio externo.
A comunicação organizacional analisa o sistema, o funcionamento e o processo de comunicação entre a organização e seus diversos
públicos. Ela deve ser integrada, compreendendo as diferentes modalidades comunicacionais: a comunicação administrativa, a comunicação
interna, a comunicação mercadológica e a comunicação institucional.
Essas formas de comunicação permitem que a organização se relacione com seu universo de públicos e a sociedade em geral.
A comunicação administrativa se dá dentro das organizações,
no nível das funções administrativas, viabilizando o sistema organizacional. Administrar pressupõe um processo de comunicação continuado, para que os objetivos sejam alcançados. Desta maneira, a comunicação administrativa se relaciona com os níveis, os fluxos e as redes
formal e informal de comunicação, permitindo o funcionamento do sistema organizacional. Ela é definida como o “intercâmbio de informações dentro de uma empresa ou repartição, tendo em vista sua maior
499
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
eficiência e o melhor atendimento ao público” (ANDRADE, Cândido
Teobaldo de Souza apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 153).
A comunicação interna, por sua vez, deve viabilizar a interação entre a organização e seus empregados. O processo ocorre paralelamente à circulação normal da comunicação nos setores da organização, permitindo seu funcionamento. “A comunicação interna
é uma ferramenta estratégica para compatibilização dos interesses
dos empregados e da empresa, através do estímulo ao diálogo, à troca
de informações e de experiências e à participação de todos os níveis”
(Plano de Comunicação Social da Rhodia apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 154). Um pouco mais adiante, aprofundaremos a discussão sobre comunicação interna.
Diretamente vinculada ao marketing de negócios, a comunicação mercadológica é responsável pela divulgação publicitária dos
produtos ou serviços da empresa, devendo definir a utilização de todo
o mix de comunicação que compõe o processo – propaganda, merchandising, promoção de vendas, eventos, etc. Com persuasão, deve
conquistar o consumidor e os públicos-alvo determinados pela área
de marketing. A modalidade “seria a produção simbólica resultante
do plano mercadológico de uma empresa, constituindo-se em uma
mensagem persuasiva elaborada a partir do quadro sociocultural do
consumidor-alvo e dos canais que lhes servem de acesso” (GALINDO,
Daniel dos Santos apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 163).
À comunicação institucional cabe a gestão estratégica das relações públicas. Ela é a responsável direta pela construção e pela
formatação da imagem e da identidade corporativas de uma organização. É um “conjunto de procedimentos destinados a difundir informações de interesse público sobre as filosofias, as políticas, as práticas e os objetivos das organizações, de modo a tornar compreensíveis
essas propostas” (FONSECA, Abílio da apud KUNSCH, Margarida,
2003, p. 164). A comunicação institucional, portanto, enfatiza a missão, a visão, os valores e a filosofia da organização.
A comunicação integrada deve direcionar a convergência dessas áreas, numa atuação sinérgica. “A convergência de todas as atividades, com base numa política global, claramente definida, e nos
objetivos gerais da organização, possibilitará ações estratégicas e
500
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
táticas de comunicação mais pensadas e trabalhadas com vistas na
eficácia” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 150). A evolução e a sofisticação da área de comunicação levaram a comunicação integrada a
assumir um caráter estratégico dentro das organizações.
Comunicação interna
Como explicitado anteriormente, a comunicação interna deve
promover a integração entre a organização e seus empregados. Mas
para a implantação de uma comunicação interna efetiva, é essencial a
coerência do discurso e da prática da organização. “De nada adiantarão
programas maravilhosos de comunicação se os empregados não forem
respeitados nos seus direitos de cidadãos e nem considerados o público
número um, no conjunto de públicos de uma organização” (KUNSCH,
Margarida, 2003, p. 157). Um projeto de comunicação interna deve,
pois, compatibilizar os interesses dos empregados e da organização.
Anos atrás, os investimentos na área de comunicação no país
eram quase que na totalidade voltados para a comunicação externa.
Os empregados eram os últimos a saber dos negócios
e dos acontecimentos da empresa, e mesmo assim por meio de
outras fontes. Não havia uma política e um compromisso de comunicação da cúpula com os funcionários. Era uma comunicação fria, alienada e verticalizada, representada, sobretudo pelos
antigos house organs. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 158)
Algumas mudanças comportamentais de dirigentes e trabalhadores se efetivaram com a abertura política e democrática brasileira. Também as inovações tecnológicas revolucionaram as comunicações, propiciando maior acesso à informação. A comunicação
– considerada o quarto poder na República, devido à força da mídia
sobre a sociedade – foi incorporada como poder também dentro das
organizações. “Assim, a comunicação interna deixa de ser um fetiche
para ocupar uma posição estratégica e pragmática” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 158).
Margarida Kunsch defende que a comunicação interna deve contribuir para o exercício da cidadania e para a valorização do homem:
Quantos valores poderão ser acentuados e descobertos
mediante um programa comunicacional participativo! A oportu-
501
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
nidade de se manifestar e comunicar livremente canalizará energias para fins construtivos, tanto do ponto de vista pessoal quanto
profissional. Se considerarmos que a pessoa passa a maior parte
do seu dia dentro das organizações, os motivos são muitos para
que o ambiente de trabalho seja o mais agradável possível. E um
serviço de comunicação tem muito a ver com a integração entre os
diferentes setores. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 159)
É sabido que o público interno é multiplicador. No próprio
âmbito profissional ou em outros cenários de seu convívio social, o
funcionário é um porta-voz da organização, seja positiva ou negativamente. A comunicação interna permite que os colaboradores sejam
bem informados sobre a organização, o que ajuda na imagem a ser
construída por eles. “E será considerado não um mero número do
cartão eletrônico que registra suas entradas e saídas, mas alguém
que exerce suas funções em parceria com a organização e em sintonia
com a realidade social vigente” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 159).
O processo de comunicação interna estimula o diálogo e a troca de informações entre os gestores e a base operacional.
A qualidade da comunicação interna passa pela disposição da direção em repassar as informações; pela autenticidade,
usando a verdade como princípio; pela rapidez e competência; pelo
respeito às diferenças individuais; pela implantação de uma gestão participativa, capaz de propiciar oportunidade para mudanças
culturais necessárias, pela utilização das novas tecnologias; pelo
gerenciamento de pessoal técnico especializado, que realize efetivamente a comunicação de ir-e-vir, numa simetria entre chefias e
subordinados. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 160)
Ainda hoje é comum uma organização não perceber a função
estratégica da comunicação interna para a geração de resultados.
Paulo Clemen defende que a comunicação interna, assim como a externa, deve ser atraente e impactante. Os produtos devem seduzir e
encantar, para que os colaboradores sintam-se valorizados:
As ações de comunicação interna têm o mesmo impacto
que a comunicação global a que todos estamos submetidos no
dia-a-dia, como, por exemplo, as notícias de um jornal de grande
circulação, que permitem a formação de nossa opinião, ou as
campanhas de produtos, que influenciam os nossos hábitos de
consumo. (CLEMEN, Paulo, 2005, p.23)
502
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
A comunicação interna deve ser valorizada porque é a base de
sustentação para qualquer processo bem sucedido de comunicação
integrada. “Sem ela, falta sustentabilidade para qualquer outro processo de comunicação”. (CLEMEN, Paulo, 2005, p. 18)
Sociedade da Imagem
O termo imagem remete ao latim imago, que significa toda e
qualquer visualização gerada pelo ser humano. “Mas o sentido que
se impõe na contemporaneidade é o que evoca uma determinada
coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica. Produto da
imaginação, consciente ou inconsciente; visão” (FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda apud BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO,
Bruno, 2003, p. 189).
O teórico francês Regis Debray defende a idéia de três períodos de percepção da realidade: logosfera (ênfase na palavra), grafosfera (ênfase na escrita) e videosfera (ênfase no audiovisual). Na
contemporaneidade, o predomínio é da videosfera – a sociedade pós-moderna idolatra a imagem. Mais do que a realidade transmitida
pela imagem, adora-se a própria imagem. Assim, os materiais audiovisuais, sobretudo os televisivos, são produtos feitos para encantar.
Debray faz uma comparação da imagem com a religiosidade. Segundo ele, ambas têm, como característica comum, a veneração. Como
exemplo, o teórico cita os apresentadores de telejornais: “Esses homens-tronco não são o Verbo, mas o Real encarnado, isto é, o Acontecimento
em sua luminosa Verdade” (DEBRAY, 1993, p. 297). Para o estudioso, “o
visual funciona segundo o princípio de prazer. É para si mesmo a própria realidade” (DEBRAY, 1993, p. 294). Ou seja, o valor da sobrevivência simbólica está relacionado à exposição da imagem, sendo o efeito de
realidade ainda mais eficaz se produzido pela televisão.
Realidade e verdade formam um só todo. Notícia falsa,
mas gratificante. Ilusão, mas que tem a força de nosso desejo.
Que ver seja o suficiente para saber, não será esse nosso anseio
mais antigo? Onde haverá mais bela promessa de felicidade,
melhor garantia de menor esforço? (DEBRAY, 1993, p. 297)
Na década de 90 teve início um movimento migratório da força
da marca para a força da imagem institucional, com o desafio da uti-
503
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
lização de políticas socialmente responsáveis e não de meras jogadas
de marketing como até então. A imagem institucional tornou-se tão
valiosa quanto a marca, por agregar valores intangíveis e criar vínculos mais efetivos com o público, além de remeter-se a determinado
produto ou serviço. “A imagem de empresa é a representação mental,
no imaginário coletivo, de um conjunto de atributos e valores que funcionam como um estereótipo e determinam a conduta e opiniões desta
coletividade” (COSTA, Joan apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 171).
A imagem passa a ser considerada o maior patrimônio da organização. “Os autores em geral consignam que imagem é o grande
patrimônio da empresa, algo que possui um valor superior até aos
produtos ou serviços que ela oferece no mercado” (BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno, 2003, p. 190). Isso porque passou-se a
perceber que a imagem de uma empresa, entidade ou órgão governamental junto à opinião pública influencia a compreensão e a receptividade da população para com as suas atividades e promoções.
Apesar de se tratarem de temas distintos no universo corporativo, muitas vezes os conceitos de imagem e de identidade institucional são usados indistintamente, como se fossem sinônimos. Mas há
diferença entre eles. “Imagem é o que passa na mente dos públicos,
no seu imaginário, enquanto identidade é o que a organização é, faz
e diz” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 170). A identidade corporativa,
portanto, projeta a real personalidade da organização, sendo, de acordo com Margarida Kunsch, “a manifestação tangível, o autorretrato
da organização ou a soma total de seus atributos” (2003, p. 172).
Imagem e identidade corporativas devem estar em consonância:
A construção de uma imagem positiva e de uma identidade corporativa forte passa por uma coerência entre o comportamento institucional e a sua comunicação integrada, por
meio de ações convergentes da comunicação institucional, mercadológica, interna e administrativa. Assim, enganam-se as
organizações que acham que sua imagem e sua identidade se
resumem à sua apresentação visual mediante seus logotipos,
nomes criativos, luminosos em pontos estratégicos etc. Elas são
muito mais complexas, decorrendo da junção de vários fatores
e diversas percepções para a formatação de uma personalidade
com diferencial e que seja reconhecida com verdadeira pelos
públicos. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 174)
504
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Como salientam Elizabeth Brandão e Bruno Carvalho (2003,
p.190), “a imagem institucional transforma-se em uma aura que recobre toda a empresa, e exala seus valores, seus princípios, sua filosofia”. A imagem influi positivamente ou negativamente na idéia
e/ou opinião e nas perspectivas valorativas que um público possui
sobre determinada empresa, instituição ou produto. Os compromissos sociais assumidos, desta forma, contribuem para a valorização da
imagem da empresa perante a sociedade. Daí a crescente preocupação com a responsabilidade social. E na disputa pelo público-alvo e
pelo mercado, as mudanças no modo de agir das empresas e nas suas
exigências auxiliaram na evolução dos serviços oferecidos e na satisfação dos clientes e também dos funcionários.
A imagem institucional é formada a partir da percepção unificada dos vários públicos. Uma empresa, para ser reconhecida pelo
público como eficiente em sua relação com o cliente, necessita ser
reconhecida internamente – a valorização interna reflete-se externamente. Com isso, a visão positiva do funcionário tem que ser a mesma do cliente final, pois ambos são de extrema importância para a organização, já que se constituem em fontes de propagação de serviços.
“A imagem corporativa exige que os funcionários-parceiros espelhem
a felicidade da empresa pelo testemunho individual, pois a imagem
de sucesso e bem-estar de um deve ser a de outro” (BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno, 2003, p. 195).
Uma das formas de estreitar a proximidade com os colaboradores é fazer com que se sintam valorizados e integrados ao grupo.
Ao contrário, organizações que não têm os funcionários como plano
de prioridade colhem baixa produtividade, pouco comprometimento e
desmotivação, o que acaba por comprometer a qualidade de produtos
e serviços e por propagar uma imagem negativa da corporação por
meio do próprio quadro de pessoal.
O discurso da comunicação empresarial a favor da imagem
baseia-se nos seguintes princípios:
(a) que a imagem/identidade da empresa é seu maior
patrimônio, seu maior valor; (b) que é ela que representa a
empresa junto a seus públicos e à opinião pública em geral;
(c) que justamente por isso, é ela que realmente vende a empresa no mercado; (d) e, finalmente, que cabe à comunica-
505
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
ção construir e/ou manter esse que é o mais precioso bem da
empresa: sua imagem. (BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO,
Bruno, 2003, p. 192)
A imagem de uma empresa ou entidade é construída por mínimos detalhes. Cuidar da imagem de uma instituição é um trabalho abrangente, um desafio para os profissionais de comunicação e
de relações públicas. As organizações inseridas em mercados competitivos precisam inovar sempre e produzir com alta qualidade. E,
para isso, são fundamentais as iniciativas, a criatividade e o envolvimento do público interno.
Descrição do vídeo corporativo proposto
O vídeo corporativo proposto neste projeto tem o objetivo de
ser um instrumento utilizado em prol da comunicação interna. Ele
caracteriza-se não como uma forma de discurso da presidência, mas
de aproximação da diretoria da empresa/entidade e os funcionários.
O vídeo deve ser exibido durante a reunião mensal de avaliação do trabalho (no início ou no fim da mesma), realizada entre os
diretores da empresa/entidade e o quadro de colaboradores. A idéia
é que ele desempenhe o papel de um presente, que mostre o reconhecimento pelo empenho dos funcionários. Sendo assim, deve valorizar
as funções exercidas por cada colaborador.
Para testar a aplicabilidade do vídeo corporativo proposto,
ele foi desenvolvido numa organização não-governamental (ONG).
A entidade escolhida (Associação de Livre Apoio ao Excepcional
de Juiz de Fora – Alae) promove reuniões de avaliação sempre no
último sábado de cada mês.
A Alae foi criada no dia 4 de dezembro de 1985, a partir de
uma escola regular, o Centro Cultural Branca de Neve, fundado em
1979, e sediado na Rua Delorme de Carvalho, número 53, no Bairro
Bom Pastor, em Juiz de Fora/MG.
O que motivou a criação da Alae foi o nascimento de uma criança portadora de Síndrome de Down e o consequente questionamento
de seus pais sobre as potencialidades do filho, o que deu origem a
uma busca por novas oportunidades aos portadores de deficiência.
506
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Desde 1987, a Alae é considerada uma organização de Utilidade Pública Municipal, cadastrada no Conselho Municipal da Criança
e no Conselho Municipal de Assistência Social. Em 2001, por ato da
Secretaria Nacional da Justiça, a Alae adquiriu o título de Utilidade
Pública Federal.
A Alae é uma instituição civil sem fins lucrativos, que atende
a portadores de Síndrome de Down e de outras deficiências. A entidade é mantida por meio de convênios, doações, promoção de eventos e
ações filantrópicas.
O projeto de inclusão social da Alae tem como bases a autonomia e a autoestima dos assistidos. Apóia-se na tríplice função de
escola, centro de convivência e ponte para a inserção social. O foco é o
aluno, mas a família e a realidade dele são peças fundamentais para
a aplicação da metodologia estabelecida.
As premissas básicas são: o aluno influencia, pelas suas peculiaridades, na escolha dos currículos; o profissional adapta-se, permanentemente, às novas dinâmicas do ensino e do trabalho; a família
acompanha e conhece todo o desenvolvimento das atividades, avaliando os métodos e os processos educacionais.
Entre as atividades desenvolvidas estão programas educacionais de acordo com os interesses e as faixas etárias dos alunos;
oficinas de cozinha experimental, pintura, artes e corpo; atividades
extramuros junto à comunidade (para desenvolver a independência e
o relacionamento dos alunos, como idas a cinema, clubes, praças, academias de ginástica e outros locais); atendimento psicológico a alunos e familiares; e atenção à saúde e às potencialidades individuais.
Na época de realização do vídeo corporativo (novembro de
2007), a Alae contava com 53 alunos, 23 funcionários e 35 voluntários com atuação permanente. Entre os alunos, 45 tinham os custos
bancados por convênio da entidade com a Prefeitura de Juiz de Fora.
Um recebia bolsa integral de educação e os sete demais pagavam
mensalidade (valor não informado pela direção da ONG).
Na estrutura organizacional da Alae, o cargo mais elevado
é o de presidente, ainda ocupado por José Mauro Cupertino. Dois
setores estão ligados diretamente à presidência: o administrativo,
comandado por Márcia Sachetto Rocha, e o clínico, chefiado por
507
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
Chafi Hallack. Ao setor clínico está subordinada a Coordenadoria
de projetos, a cargo de Janine Reis.
Dadas informações sobre a entidade na qual o vídeo corporativo foi realizado, voltemos a tratar do mesmo.
Características do vídeo corporativo
O vídeo corporativo proposto teria periodicidade mensal – a
cada reunião, seria exibido um material novo, com conteúdo planejado
e elaborado para aquela ocasião. Tal conteúdo seria definido em conjunto pela direção da empresa/entidade e pelo(s) responsável(is) pela
produção do vídeo (a Alae não possui assessoria de comunicação). Cada
edição deve contemplar funcionários diferentes, para não se correr o
risco de privilegiar determinados colaboradores. Para exemplificar a
proposta deste projeto, foi elaborada uma edição – um vídeo piloto.
Para que cumpra seu papel, o vídeo precisa ser dinâmico e variado. O formato indicado é uma revista eletrônica – programa que contém
diferentes quadros. Deve ter uma linguagem simples e acessível à totalidade do quadro de funcionários, já que este é formado por profissionais
de variados níveis educacionais – de pessoas com ensino fundamental a
outras que possuem curso superior e até pós-graduação1.
Não pode ser longo, para que não atrapalhe o andamento da
reunião e não se torne uma “obrigação a ser assistida”. Ao contrário,
deve despertar a alegria dos colaboradores, o desejo de ter o trabalho
reconhecido e mostrado para os demais. E a vontade de querer que
chegue a próxima reunião, para se conhecer o novo conteúdo. Considero apropriado o tempo de duração de oito a dez minutos.
As etapas de elaboração do vídeo corporativo são: reunião com
a diretoria para definir os conteúdos a serem mostrados, entrevistas
com os responsáveis pelos temas escolhidos para a coleta de informações, gravações dos materiais (quadros e reportagens), elaboração
dos textos, gravação da abertura e do encerramento, edição do vídeo
Como orienta Paulo Clemen, “a partir da definição dos públicos-alvo, é preciso avaliar que
linguagem deve ser utilizada. O nível sócio-econômico-cultural de cada Cidadão Corporativo
sempre é bastante diversificado. Por este motivo, a utilização de uma linguagem concisa – o
que significa clara, objetiva, curta e ilustrada – sempre é a melhor solução. Isto porque ela
será capaz de atingir desde o importante ‘chão de fábrica’ até o mais alto escalão”. (2005, p. 53)
1
508
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
e cópia do vídeo em material adequado para a exibição durante a
reunião mensal – o que vai depender do equipamento disponível na
empresa/entidade (no caso da Alae, a cópia seria em DVD).
Seria pertinente, também, o acompanhamento da exibição
do vídeo durante a reunião mensal, para se poder perceber a receptividade dos funcionários ao vídeo como um todo e aos quadros
propostos. Isso seria importante para se pensar adaptações e mudanças, em caso de necessidade.
Quadros do vídeo corporativo
Abertura e encerramento
A participação de um(a) apresentador(a) é indicada na gravação da abertura e do encerramento do vídeo. O(A) apresentador(a) se
portaria como um elo de ligação dos diferentes quadros do programa
e também daria identidade ao vídeo. Considero importante que as
gravações da abertura e do encerramento sejam feitas na sede da empresa/entidade, como uma forma de aproximação da realidade vivida
pelo quadro de funcionários.
A abertura deve conter uma saudação ao público-alvo (saudação esta que deve ser mantida em todas as edições, para criar a linguagem e a identidade do vídeo) e um resumo das atrações do vídeo
a ser exibido, dando as “manchetes” da edição.
Já no encerramento deve estar a despedida (também com uma
saudação a ser mantida em todas as edições, igualmente para se ter
uma linguagem própria e se manter a identidade) e uma chamada para
o próximo encontro, ou seja, a próxima edição do vídeo corporativo.
Reportagem
A reportagem deve abordar um assunto de interesse da empresa/entidade, sem, contudo, se esquecer do público-alvo do vídeo corporativo, composto pelos funcionários. Assim, a angulação da reportagem
precisa estar de acordo com os interesses dos colaboradores.
509
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
Palavra da presidência (ou da diretoria)
Quadro dedicado ao presidente ou diretor (de acordo com a estrutura organizacional) da empresa/entidade. Aqui, o presidente ou
diretor dá uma mensagem direta aos funcionários – um recado, em
consonância com a demanda existente naquele momento. Deve-se ter
atenção para que o quadro não seja longo, evitando que o público-alvo
(funcionários) perca a atenção e o interesse pelo vídeo.
Aniversariantes do mês
Exibição de uma sequência de imagens gravadas ou fotografias dos aniversariantes do mês, com o nome de cada um. Essa sequência teria uma música ao fundo, para se criar um clima mais emotivo. É uma forma de homenagear e parabenizar os aniversariantes do
mês de exibição do vídeo.
Dicas
Quadro dedicado a dar dicas variadas para os funcionários
da empresa/entidade. Tais dicas podem ser de relacionamento, convivência, saúde, higiene ou quaisquer outros assuntos que tenham
ligação com a área de atuação dos colaboradores.
Outro lado
Este quadro objetiva mostrar alguma atividade diferente realizada por um funcionário. Tal atividade pode ser desempenhada pelo
colaborador fora do âmbito profissional ou mesmo dentro do ambiente
profissional, desde que fuja à função primordial que o trabalhador exerce, caracterizando-se como uma atividade profissional diferenciada.
Clip
O objetivo do clip é encerrar o vídeo de forma leve e amena,
proporcionando um clima de “quero mais” e “até a próxima” – dar um
fecho emotivo ao vídeo.
510
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Espelho proposto para o vídeo corporativo
• Abertura
• VT Oficina de cozinha
• Quadro “Palavra da presidência”
• Quadro “Aniversariantes do mês”
• Quadro “Dicas”
• Quadro “Outro lado”
• Encerramento
• Clip
Conclusão
Concluímos que a produção de um vídeo corporativo voltado
aos funcionários de uma empresa/entidade pode ser uma proposta eficiente no processo de comunicação interna. A idéia foi bem aceita pela
presidência e pela direção da Associação de Livre Apoio ao Excepcional
(Alae), na qual o vídeo foi desenvolvido, de maneira experimental.
E apesar de não termos exibido o vídeo-piloto para os colaboradores, nossa presença na sede da associação e os processos de gravação
de imagens e entrevistas, por si sós, provocaram um efeito que pode
ser considerado favorável – os funcionários entrevistados mostraram-se valorizados e recompensados pelo fato de o trabalho realizado por
eles ser apresentado ao demais. Também foi possível perceber a boa
aceitação e a satisfação por parte da diretoria da entidade.
Isso, graças à força da imagem – à idéia de que, filmada e tornada
pública, a realidade (no caso, o trabalho) é valorizada e eternizada. Os
colaboradores que foram enfocados no vídeo se mostraram encantados
com a possibilidade de terem seus trabalhos apresentados a todo o grupo.
Como salientamos neste projeto, o público interno tem participação efetiva na construção da imagem institucional. Os funcionários são
multiplicadores no próprio cenário profissional e em outros. E a comuni-
511
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
cação interna permite que os colaboradores sejam bem informados sobre
a organização e que ajudem na construção da imagem da instituição.
Sendo a comunicação interna a base de sustentação para qualquer processo bem sucedido de comunicação integrada, torna-se crescente a preocupação, por parte dos responsáveis pela imagem institucional de uma organização, em desenvolver ferramentas eficazes que
permitam atingir os objetivos propostos. E o vídeo corporativo pode
ser visto como um instrumento eficaz nos processos de comunicação
interna, de construção da imagem institucional e, enfim, de comunicação integrada.
Referências
BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno. Imagem corporativa:
marketing da ilusão. In: DUARTE, Jorge (org). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia – Teoria e técnica. São
Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 189-205.
CLEMEN, Paulo. Como implantar uma área de comunicação interna – Nós, as Pessoas, fazemos a diferença. Rio de Janeiro:
Mauad, 2005.
CURVELLO, João José Azevedo. Legitimação das assessorias de
comunicação nas organizações. In: DUARTE, Jorge (org). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia – Teoria e
técnica. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 121-139.
DEBRAY, Régis. Os paradoxos da videosfera. In: DEBRAY, Régis.
Vida e Morte da Imagem, uma história do olhar no ocidente.
Petrópolis: Editora Vozes, 1993. p. 293-323.
GRACIOSO, Francisco. Propaganda institucional – Nova arma
estratégica da empresa. São Paulo: Editora Atlas, 1995.
HENRIQUES, Márcio Simeone. Comunicação e estratégias de mobilização social. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2004.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações
públicas na comunicação integrada. São Paulo: Summus, 2003.
512
Conversando com o jovem universitário – o uso de
jogos eletrônicos como
estratégia de comunicação institucional
Marcia Perencin Tondato
Introdução1
Falar sobre comunicação mercadológica e institucional na sociedade contemporânea implica necessariamente falar em tecnologia, novas tecnologias, especialmente se esta comunicação tiver como
público principal jovens. Em se tratando de jovens, implica ainda
falar em formação para um futuro cada vez mais caracterizado por
uma “cultura informatizada, com hábitos intelectuais de simbolização do conhecimento e manipulação de signos e de representações”
(RIBEIRO, 2005, p. 86).
Referindo-se a este cenário, Pierre Levy fala em “ecologia cognitiva” (1995, p. 135), ao lembrar que o sujeito é um ser pensante
a partir da sua inserção em um grupo, do qual ‘toma emprestado’
a língua, “com toda uma herança de métodos e tecnologias intelectuais”, o que na linguagem de Bakhtin se traduz na equação enunciador-enunciatário, considerando que “qualquer que seja o aspecto
da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas
condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela
situação social mais imediata” (BAKHTIN, 1999, p. 112).
A situação social mais imediata do jovem urbano contemporâneo é o ambiente das sociedades modernas, caracterizado por uma
dinâmica de mudança nada comparável ao vivido até hoje. Autores,
de linhas de pensamento semelhantes ou diversas, enfatizam as características de ruptura, descontinuidades, fluidez, descentramentos,
fragmentação ao descrever uma época cuja própria denominação sofre
questionamentos: pós-modernidade, modernidade tardia, alta modernidade (HALL, 2006; GIDDENS, 1999, 2002). O sujeito deste ambien1
Participou também da pesquisa que resultou neste artigo Denio Dias Arrais, mestrando do
Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas do Consumo (ESPM-SP).
513
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
te é um ser cujo “‘eu’ deve ser construído em meio a uma enigmática
diversidade de opções de possibilidades” (GIDDENS, 2002, p. 11) e a
“pergunta ‘como devo viver?’ tem tanto que ser respondida em decisões
cotidianas sobre como comportar-se [...] quanto ser interpretada no
desdobrar temporal da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 20).
O jovem, receptor da comunicação que analisamos neste artigo, vive em uma “sociedade de risco”, nas palavras de Giddens (2002,
p. 33), onde devemos ter “uma atitude calculista em relação às possibilidades de ação, positivas e negativas, com que somos continuamente confrontados, como indivíduos e globalmente em nossa existência social”. Porém, em se tratando de jovens, em pleno estágio de
formação, pessoal, intelectual, profissional, para o estabelecimento
desta “atitude” concorrem elementos presentes e atuantes em cada
um dos ambientes por eles freqüentados, no caso deste estudo em
especial, o acadêmico-escolar.
A formação universitária
Este contexto nos leva à problematização da formação deste
jovem, não só no aspecto humanístico, mas também, mais próximo
do universo de preocupação do educador/professor, a formação acadêmica-profissional. O desafio da educação formal hoje é mais do que
preparar o jovem para a prática profissional, ou mesmo, pensando no
ideal universitário, fornecer as bases para a construção do conhecimento e formação do cidadão. O desafio hoje é fazer isso tendo como
público um jovem bombardeado por informações, acostumado à segmentação, habituado à rapidez, porém, que não deixa de ser um indivíduo em formação, com receios, dúvidas e ansiedades.
O professor universitário contemporâneo se vê frente a um
cenário em que ele deve “ajudar os alunos a aplicar um paradigma
de conhecimento a um domínio de problemas a ele relacionado” (TIFFIN, 2003, p. 70). Esta definição que deixa claro que o professor não
é mais ‘a’ autoridade de transmissão do conhecimento, passando para
categoria de “facilitador da aprendizagem, assessor do estudante,
mentor, avaliador, agente de socialização, animador de grupos, coach, conselheiro” (GIL, 2006, p. 23-25), um perfil por demais complexo
para ser levado a termo ‘sozinho’.
514
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Hoje mais do que nunca é preciso pensar a função do professor,
não como dono do processo educativo, executando esquemas rígidos,
tendo como objetivo o repasse de informações, mas como alguém que
reconhece o aluno pela permanente expressão de sua história social e
de sua cultura, numa ação constante de comunicação, entendendo que
a produção social dos sentidos se constrói nas relações sócio-históricas
da sociedade e que o indivíduo/aluno está “no mundo e com o mundo”2.
Esta renovação do processo ensino-aprendizagem deve buscar romper com o que está sendo feito no sentido da promoção do
desenvolvimento do raciocínio rápido necessário em uma sociedade
em constante mutação. É preciso preparar os jovens para um mundo
onde tudo está pronto, tudo é fast, ready-made, delivery, mas onde
também as inovações surgem a todo instante. O professor-facilitador
deve ajudar o indivíduo-aluno a entender uma dinâmica em que não
há espaço para “errar e consertar”, que deve satisfazer necessidades,
antes mesmo que elas aconteçam.
Mais do que nunca nos é exigida a capacidade de re-formar, reformatar, rearticular informações, buscando o conhecimento, reforçando
a diferença entre ‘informar’, em princípio, reproduzir uma informação,
e ‘formar’, que pressupõe mudança ou adequação de comportamentos.
O ensinar/aprender comunicação
Transportando isso para a formação em Comunicação, lembramos que esta exige acompanhar a rapidez das transformações da
sociedade, seja em termos tecnológicos ou estruturais, seja em vista
das complexidades sociais que se estabelecem em função de desencontros cada vez mais marcantes entre desenvolvimento e inserção
das diferentes camadas populacionais no contexto mundial.
Formar um comunicador significa trabalhar com um objeto
em construção, que influencia e é influenciado por áreas diversas,
característica apontada por Issler (2002, p. 42) quando diz que “ a
produção do conhecimento na Comunicação pode ocorrer tanto no
interior do seu campo como em campos contíguos e produzir efeitos
em todos eles”. Enquanto para algumas áreas de conhecimento, o
O texto faz uma referência direta à frase “... o homem é um ser de relações e não só de contatos, não está apenas no mundo, mas com o mundo” (FREIRE, 1967:39).
2
515
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
desenvolvimento tecnológico, por exemplo, significa a ampliação da
capacidade de manipulação de seus objetos, para a Comunicação,
transformações na área tecnológica podem significar, e não raro significam, o surgimento de um novo objeto. Lopes (1997, p. 30) já nos
lembra que a diversidade teórica e metodológica das Ciências Sociais
é “resultado de uma relação dinâmica entre o estado do conhecimento de uma ciência e o seu contexto social”.
Inserida no campo das Ciências Sociais, a formação em Comunicação trabalha com a complexidade do ser humano na sua característica racional e histórica; o objeto da área é ao mesmo tempo sujeito do estudo; teoria e prática estão juntas, num contexto ideológico
(DEMO, 1985 apud RICHARDSON, 1999, p. 30). Portanto, formar
um comunicador cada vez mais é
capacitar o estudante a perceber o que são e como se dão as
ações de comunicação no que se refere ao seu processo, aos
conceitos (filosóficos, científicos, jurídicos e outros) em que se
funda, bem como aos instrumentos utilizados e aos conteúdos
envolvidos, que tais ações dinamizam. (POLISTCHUK e TRINTA, 2003, p. 16)
O desenvolvimento da Comunicação, tanto em termos tecnológicos, como em termos conceituais ocorre na interação com os receptores de seus produtos, que ao mesmo tempo em que consomem
os conteúdos comunicacionais, revisam e desenvolvem novos hábitos
e formas de leitura do mundo, retro-alimentando a emissão. Isto resulta no destaque da Comunicação na sociedade, colocando o sujeito
comunicador (BACCEGA, 1998) como formador de opinião, fazendo
parte de um sistema tecnológico que “reduziu o diâmetro e a superfície do planeta, reformulando os conceitos tradicionais de tempo e
espaço” (ISSLER, 2002, p. 40).
Aparte as especificidades do campo, o ensino da Comunicação
é também problematizado por características estruturais educacionais
e mercadológicas, que, no Brasil, tornam-se cada vez mais norteadores
de um ensino superior de graduação que se afasta dos princípios da
universidade, tendo que suprir deficiências do ensino médio ao mesmo
tempo em que deve habilitar os indivíduos para um mercado de trabalho altamente competitivo e dinâmico. Caldas e Schuch (2003; 2002),
516
Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
entre outros, alertam para a necessidade da reflexão sobre o impasse entre a formação profissional e a capacitação crítica, com vistas à
transformação da sociedade, situação que se agrava em decorrência de
um regime professor-horista, com pouco espaço para o ‘fazer’ universitário, para a realização teórica e prática da pesquisa.
Discursos sobre educação formal e práticas pedagógicas não
raro enfrentam o embate do que seja mais importante: a teoria ou
a prática, questão amplamente argumentada por nossos alunos que
se ressentem desta ou daquela disciplina por ser “muito teórica, sem
nada de aplicação prática”. Em um jogo de palavras, nesta mesma
linha de pensamento, em teoria, esta dicotomia já está resolvida, visto que “teoria e prática são indissociáveis”, na medida em que “o ser
humano teoriza porque busca encontrar sentidos para os fatos do
mundo” e que “teorizar é uma forma de agir, unindo a experiência
e o sentimento ao pensamento; assim, também, contemplar atentamente fundamenta um ato, traduz uma atitude” (POLISTCHUK e
TRINTA, 2003, pp. 17-18).
‘Em teoria’ porque, no contexto sócio-econômico brasileiro, em
que a preocupação maior é a colocação no mercado de trabalho, as
expectativas dos estudantes acabam sendo focalizadas na obtenção
de conhecimentos instrumentais, de aplicação imediata em atividades profissionais. Ao mesmo tempo, temos as necessidades impostas
pela natureza do campo acadêmico, de contribuição à construção do
conhecimento e desenvolvimento do corpus teórico das habilitações,
que deve incluir tanto a pesquisa teórica quanto a empírica, tradicionalmente delegadas à pós-graduação. Como conciliar estas demandas, em um período de quatro anos, segmentados em disciplinas,
cumpridas na maior parte das vezes no curso noturno, deixando o
período diurno para atividades remuneradas que viabilizem o custeio dos estudos?
O contexto do objeto de estudo: as demandas do ambiente profissional e o perfil do jovem universitário
Responder a esta pergunta não é o objetivo deste artigo,
nem seria possível em poucas páginas, mas tendo em vista o foco
do estudo realizado, fazemos algumas considerações sobre as demandas do mundo do trabalho como espaço de desenvolvimento
517
cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
profissional e crescimento intelectual e as características do jovem
que se prepara para nele se inserir.
Segundo De Masi (2003, p.69), a sociedade pós-industrial
“inaugurou uma condição mais intelectualizada de vida, deslocando
a exploração dos braços para o cérebro, cujas características valorizam e do qual está pronta a reproduzir alguns mecanismos através
da inteligência artificial”. Tomamos esta referência entendendo-a
como indicadora de um ponto de ruptura entre a “era industrial” e a
“era digital”, o que fez, indo além, com que o mercado de trabalho exigisse profissionais melhores qualificados e entendedores das novas
tecnologias para as atividades relacionadas ao labor.
Na prática profissional, o indivíduo eventualmente se depara com duas situações: “problemas possíveis de serem administrados
que se prestam a soluções através da aplicação de teorias e técnicas
baseadas em pesquisa” e “problemas caóticos e confusos que desafiam as soluções técnicas”. Para solução, devem ser feitas escolhas
entre a utilização de “um conhecimento profissional rigoroso, baseado na racionalidade técnica” ou, a utilização de práticas “pantanosas
e indeterminadas, que estão além dos cânones do conhecimento racional” (SCHON, 2000, p. 16).
Orientar para estas práticas “pantanosas e indeterminadas”
é justamente um dos desafios a ser enfrentado por aquele professor-orientador-facilitador descrito anteriormente. Este professor tem
diante de si, na maioria das vezes, um conjunto relativamente homogêneo de perfis de estudantes que deve receber o essencial das
habilitações, além de ser capacitado intelectualmente para o uso das
mesmas. Porém, nesta relativa homogeneidade, cabe ainda ao professor mais atento identificar, e incentivar, os alunos que buscam mais
do que o essencial, que visam mais do que “serem empregados registrados” ou mesmo funcionários que “apenas obedecem a ordens”.
Na linguagem mais atual, e no contexto de formação profissional-acadêmica, este perfil é resumido como sendo o “empreendedor”.
Birley e Muzika (2001, p. 4) nos dão alguns indicadores que podem
facilitar a identificação do perfil: “os empreendedores parecem ser
orientados para realizações, gostam de assumir a responsabilidade
por suas decisões e não gostam de trabalho repetitivo e rotineiro”.
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
Este perfil vai responder ao que Drucker (1994, p.199) define como
“empreendedor”: uma empresa ou um indivíduo que se dispõe a iniciar um novo negócio sozinho.
O jovem universitário provavelmente não se dê conta destas
possibilidades pela pouca idade e pelo pouco contato, geralmente nenhum, com o ambiente empresarial. Mas é um jovem que tem mais informação, ou pelo menos mais acesso, pertencente a uma geração identificada e nomeada por Marc Prensky (2001) como “Nativos Digitais”,
composta por jovens nascidos no início dos anos 1990. Esta geração
tem acesso e relativo domínio das tecnologias digitais - games de computador e compartilhados online, e-mail, MSN e similares, celulares,
mensagens instantâneas, blogs, Orkut - que influenciam em sua formação e na maneira como aprendem, como se comunicam e consomem.
Neste sentido, está disponível na Web uma diversidade de jogos, denominados ‘educativos’, que têm definidos objetivos além do
entretenimento: melhorar a escrita, exercitar as habilidades matemáticas, testar o conhecimento de idiomas, desenvolver o raciocínio
para solução de problemas práticos, conscientizar sobre questões
mundiais (poluição, preservação, saúde). Neste artigo damos destaque para um jogo direcionado aos jovens que se preparam para o
ingresso no mundo empresarial, os simuladores empresariais, em específico o “Desafio” SEBRAE.
O “Desafio” SEBRAE3 é um simulador empresarial projetado
para incentivar o participante a desenvolver estratégias, para solução de situações que acontecem em ambientes simulados do dia
a dia de uma empresa. A cada versão do jogo a temática muda, de
forma a abranger diferentes segmentos, mas sempre com uma característica em comum: tratam de empresas manufatureiras que
contemplam produção, comercialização, distribuição e suas interfaces do ambiente empresarial. Em 2009, por exemplo, ao completar dez anos de existência, o tema foi brinquedos. Na interface com
o ensino, as circunstâncias apresentadas favorecem o trabalho do
professor de graduação, que tem à sua disposição as práticas proporcionadas pelo jogo para relacionar com os conceitos teóricos às
No caso analisado, estamos nos referindo ao jogo utilizado no Desafio SEBRAE, realizado
anualmente pelo SEBRAE Nacional.
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cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
práticas empresariais. Quem sabe até de forma que as habilidades
adquiridas ultrapassem a mera reprodução técnica, facilitando a
compreensão e motivação dos alunos.
Sendo um jogo empresarial, o “Desafio” deve ser realizado em
equipe, o que complementa a formação do aluno, que se vê “forçado” a
interagir com seus colegas, parceiros e oponentes. Os professores, por
sua vez, são motivados à práticas multidisciplinares, e até transdisciplinares, tendo em vista a diversidade das situações que requerem
habilidades que respondam às áreas de estratégias empresariais, finanças, cálculos, simulação de contratação de pessoal, liderança, etc.
Análise do material de divulgação de um produto elaborado para
fazer parte da formação do jovem universitário
Neste artigo analisamos a comunicação do SEBRAE com seu
público-alvo, o universitário, comunicação essa que busca incentivar
a participação dos jovens no jogo que objetiva ser – institucionalmente - ferramenta de desenvolvimento de habilidades empreendedoras.
Analisamos as peças publicitárias de divulgação do “Desafio” a partir
do discurso e dos elementos gráficos explícitos, procurando entender os aspectos simbólicos que devem ser decodificados pelo jovem,
motivando-o à participação.
O SEBRAE, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas, surgiu em 1972, como “resultado de iniciativas pioneiras
de diversas entidades que estimularam o empreendedorismo no País”,
com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do Brasil, gerando
novos empreendimentos e, conseqüentemente, emprego, renda e cidadania. Com atuação voltada aos micro e pequenos empresários o SEBRAE, com propósito de ampliar seu potencial de público-alvo, lançou
em 1999, a primeira edição do “Desafio” SEBRAE – simulador empresarial e jogo educativo online -, que segundo o site oficial da instituição
é um jogo de empresas voltado para estudantes de todo Brasil que estejam cursando o ensino superior [...] que acima de tudo, oferece uma
oportunidade de contato com o ambiente e a dinâmica empreendedora.
Em primeira instância apresentamos a logomarca do SEBRAE em comparação com a logomarca do “Desafio”. Nos aspectos
gráficos, as diferenças são explícitas no uso de cores e formato. Na
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
logomarca do “Desafio” (figura 2), em duas cores, nota-se a preocupação em atrair a atenção do jovem. As variações de tonalidades, com
efeitos de tridimensionalidade, e o formato arredondado, resulta em
um conjunto mais dinâmico, completado com a chamada “O jogo que
transforma universitário em empreendedor”. A marca SEBRAE, no
entanto, continua em fonte sem serifa, nos mesmos padrões da logomarca institucional, fazendo com que se mantenha a identidade
visual da instituição.
Figura 1 - Logomarca do SEBRAE Nacional – as outras unidades da federação adotam logomarcas similares com acréscimo da sigla do Estado.
Figura 2 - Logomarca do “Desafio SEBRAE”.
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cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento
Na sequencia apresentamos a análise das peças principais do
“Desafio”, de 2007 a 2009, no formato cartaz, distribuído nas instituições de ensino superior e divulgado no site do SEBRAE, que condensa
a temática da campanha de cada ano, veiculada também na televisão,
em canais abertos e fechados, versão que não se constituiu foco deste
estudo. O interesse maior aqui é o discurso dirigido ao jovem, com ênfase nas formações ideológicas e discursivas, entendendo que os significados são produtos da interação social que se concretiza na palavra
e que o homem só será capaz de pensar aquilo que estiver ao alcance
de sua cognição e reconhecimento, ou seja, dentro da sua cultura, esta
vista como o conjunto de elementos simbólicos e concretos representativos de uma determinada rede de interação social. (BAKHTIN, 1999).
Nesta análise, primeiramente detalhamos aspectos discursivos de
cada um e a seguir trabalhamos as questões ideológicas.
Figura 3 - Cartaz da Campanha veiculada em 2007, de 13/03 a 27/04
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Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais
A temática da campanha 
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