A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS:
UMA PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO
ZATERA, Luciana Carolina Santos - PUC-PR
[email protected]
MARTINS, Pura Lúcia Oliver - PUC-PR
[email protected]
Resumo
Este artigo está destinado especialmente aos professores atuantes em classes iniciais de
Ensino Fundamental, que trabalham com a proposta de ensino de Língua Portuguesa centrada
no ensino de gêneros textuais. Pretende colaborar para uma reflexão sobre a prática
pedagógica do professor deste nível de ensino no que se refere ao trabalho com a recepção e
produção de textos em sala de aula, observando em que os professores se apóiam para
organizar suas práticas com gêneros textuais. Para tanto, traz uma breve apresentação dos
mais atuais estudos sobre gêneros textuais e como uma pesquisa está sendo desenvolvida a
partir da prática dos professores em classes do segundo ciclo do Ensino Fundamental. Esta
pesquisa está baseada na proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que entende a
língua como um sistema de signos histórico e social, de acordo com a perspectiva bakhtiniana.
Nesse sentido, não há como se expressar oralmente ou por escrito sem fazer uso dos gêneros
do discurso, que para essa teoria, são realizações lingüísticas concretas construídas
historicamente pelo ser humano. De acordo com essa proposta, o aluno precisa estar em
contato com os mais variados gêneros de texto para que saiba utilizá-los nas diferentes
situações em que precise fazer uso da fala e também da escrita. Observando o cotidiano da
sala de aula a partir de um estudo de caso e entrevistando professores atuantes em classes
iniciais do ensino fundamental, será possível caracterizar, refletir e analisar sobre a prática
desses profissionais que se utilizam dos gêneros textuais para ensinar Língua Portuguesa.
Palavras-chave: Prática pedagógica. Gêneros textuais. Ensino de Língua Portuguesa.
Os gêneros textuais e o ensino de língua portuguesa nas escolas
O trabalho com a Língua Portuguesa nas escolas, centrado no ensino de gêneros
textuais já vem há algum tempo sendo difundido no Brasil, principalmente depois da
publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (SEF, 1998). Diversas publicações sobre o
assunto, como Dionísio & Bezerra (2005), Schneuwly & Dolz (2004), Meurer, Bonini &
Motta-Roth (2005), Rojo & Batista (2003), Bagno (2002), Dionísio, Machado & Bezerra
(2002), Rojo (2000), entre outras, comprovam a importância dos gêneros textuais como objeto
de ensino da Língua Portuguesa.
2349
Com o objetivo de trazer elementos para uma reflexão sobre essa questão, o presente
artigo mostra a base teórica de uma pesquisa em desenvolvimento1 sobre a prática pedagógica
no ensino de gêneros textuais no segundo ciclo do ensino fundamental. Nessa fase de
escolarização, o aluno, além de decodificar o código escrito, já é capaz de utilizar seus
conhecimentos lingüísticos para ler e compreender diferentes textos, escrevê-los e expressálos oralmente com clareza para que possa, aos poucos, dominar diversos gêneros textuais, e
deles, saber fazer uso nas mais variadas situações de interlocução.
Sabe-se que desde muito cedo, a criança tem contato com uma diversidade imensa de
enunciados (orais e escritos), mesmo antes de se apropriar do código escrito na escola. Ela
ouve conversas de diferentes pessoas, assiste aos telejornais, visualiza outdoors, escreve
cartinhas, ajuda sua mãe a fazer a lista de compras, a ler receitas culinárias...
Enfim, sem mesmo se dar conta disso, a criança está o tempo todo em contato com os
mais variados gêneros textuais, e sabe articulá-los muito bem, fazendo narrações de fatos,
descrevendo objetos, defendendo seus pontos de vista.
Constata-se então, que o aluno, ao vir para a escola, já tem conhecimentos sobre a
língua utilizada em suas interações cotidianas. Logo, o processo de ensino aprendizagem pode
acontecer a partir desses conhecimentos, do entrecruzamento que a criança faz entre o que já
sabe e o que lhe está sendo ensinado. Cada aluno vai construir sua teia de relações do que já
foi aprendido com o seu contexto e, gradativamente, com a elaboração de conceitos.
Bakhtin (1992, p. 279) definiu gêneros como “tipos relativamente estáveis de
enunciados”, caracterizados pelo conteúdo, estilo e construção composicional. Para ele, “a
riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da
atividade humana é inesgotável”.
A expressão gêneros textuais é usada para se referir aos textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas
definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição própria, como
telefonema, sermão, cartas, romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, notícia,
horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, manual de
instruções, resenha, piada, chat, e-mail...
Os gêneros textuais são, portanto, realizações lingüísticas concretas, construídas
historicamente pelo ser humano. “A língua penetra na vida através dos enunciados concretos
1
Pesquisa esta que realizo no programa de Pós-graduação em Educação (mestrado) da PUC
Paraná.
2350
que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua”.
(BAKHTIN, 1992, p. 282)
Nessa perspectiva, é fundamental que o ensino da linguagem na escola aponte para o
uso da língua vinculada à vida cultural e social, permitindo que o aluno saiba por que está
produzindo um texto, que finalidade pretende atingir e para quem escreverá. Nesse sentido, os
textos produzidos na escola precisam ter um caráter social e não somente feitos para o
professor ou para obtenção de notas. Assim:
Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com
textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situações de
comunicação que os tornem necessários. Fora da escola escrevem-se textos dirigidos
a interlocutores de fato. Todo texto pertence a um determinado gênero, com uma
forma própria, que se pode aprender. Quando entram na escola, os textos que
circulam socialmente cumprem um papel modelizador, servindo como fonte de
referência, repertório textual, suporte de atividade intertextual. A diversidade textual
que existe fora da escola pode e deve estar a serviço da expansão do conhecimento
letrado do aluno. (SEF, 1998, p. 34)
É sabido então, que a partir do contato com a diversidade de gêneros textuais que o
aluno será capaz de perceber vários fatores importantes para a produção de textos, tais como:
quem escreve, com que intenção, quando, para quem, por que.
A partir da década de 90 do século passado, a proposta de trabalho com gêneros
textuais, fundamentada na teoria de M. Bakhtin (1992) está presente nos PCNS. Nessa
perspectiva, todo texto se organiza dentro de um determinado gênero e não há como ensinar a
ler e a escrever textos sem considerar a infinidade de gêneros presentes nas mais diferentes
culturas.
Assim sendo, os PCNS adotam as concepções bakhtinianas de gêneros discursivos
como fonte teórica principal para o ensino de Língua Portuguesa, no que se refere ao
aprendizado de leitura e produção de textos. Dialogam também com outros estudos
lingüísticos preocupados com o ensino de língua que privilegie o texto em seus aspectos
históricos, sociais e culturais.
No ensino de gêneros textuais há grande preocupação por parte dos teóricos com as
condições de produção, circulação e recepção de textos. Essa preocupação caracteriza a
abordagem sócio-histórica do ensino de língua proposto nos PCNS2:
2
Os PCNS são propostas de ensino que podem ser aproveitadas pelos órgãos responsáveis pela
educação em todo o Brasil para a construção de currículos adaptados e adequados para cada
realidade escolar.
2351
[...] a língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem
significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras,
mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as
pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.
[...] não é possível dizer algo a alguém sem ter o que dizer. E o ter o que dizer, por
sua vez, só é possível a partir das representações construídas sobre o mundo.
Também a comunicação com as pessoas permite a construção de novos modos de
compreender o mundo, de novas representações sobre ele. A linguagem, por realizarse na interação verbal dos interlocutores, não pode ser compreendida sem que se
considere o seu vínculo com a situação concreta de produção. (SEF, 1998, p. 24 e
25)
Os PCNS, além de serem uma orientação para a construção de currículos adaptados e
adequados para cada realidade escolar em todo o território nacional, também orientam os
autores de livros didáticos e as editoras na produção de material de apoio ao professor de
ensino fundamental, fazendo a transposição didática das teorias sobres gêneros textuais.
Muitos desses livros já contemplam essa prática de ensino de linguagem, explorando os mais
diferentes gêneros textuais, como histórias em quadrinhos, entrevistas, propagandas, notícias,
contos, receitas, cartas, artigos, resenhas etc.
Nessa nova perspectiva, o professor é aquele que auxilia na formação do sujeito
crítico, consciente de seu papel de escritor e leitor, fazendo com que seu aluno use a língua de
maneira adequada a cada situação, seja na forma oral ou escrita, sabendo a que interlocutor
quer atingir e que recursos lingüísticos pode utilizar em seu texto.
Os gêneros textuais e a prática como objeto de pesquisa
Os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados “à vida
cultural e social”, como afirma o estudioso Luiz Antonio Marcushi. Eles surgem de acordo
com a necessidade de certa comunidade para fazer parte da comunicação diária. (DIONÍSIO,
MACHADO & BEZERRA [org.], 2002, p. 19).
Por essa razão, não podem ser tratados de forma isolada, como uma categoria estanque
do ensino de Língua Portuguesa. Devem, pelo contrário, nortear todo o trabalho com a
linguagem, contemplando seu aspecto sócio-discursivo. Parte-se de um gênero textual, muitas
vezes já conhecido pelos alunos, mas não suficientemente dominado; sistematiza-se em forma
de atividades que contemplem as características e usos desse gênero e, enfim, produzem-se
textos orais ou escritos nesse mesmo gênero. Observa-se ainda que essa prática deva
aproximar-se o quanto mais possível da realidade, fazendo com que o aluno produza textos
reais, que circulam na sociedade e que sejam lidos por outras pessoas além do professor.
2352
A proposta de ensino de Língua Portuguesa centrada no trabalho com textos já vem
sendo difundida no Brasil desde a década de 80, a partir de obras, estudos feitos com
professores, nos cursos de magistério e na formação superior ligada a essa área.
Brandão (2001, p. 17) afirma que hoje já é quase consensual que o trabalho com a
linguagem na escola deve estar centrado no texto. Nas palavras da autora:
Desde a década de 80, todo um trabalho vem sendo feito nesse sentido, não só em
termos de capacitação, de treinamento dos professores, mas um conjunto de obras
propondo mudanças, relatando e discutindo experiências, vem sendo publicado. No
entanto, para muitos, o texto é ainda entendido como fonte ou pretexto para
exploração das formas gramaticais isoladas do contexto ou como material anódino,
indiferenciado, a ser trabalhado de forma homogênea nas pretensas atividades de
leitura. (...) Para muitos, o texto ainda não chegou na sua dimensão textual
discursiva. Uma dimensão discursiva do texto pressupõe uma concepção sóciointeracionista de linguagem centrada na problemática da interlocução. (p. 17)
Nos últimos dez anos, portanto, podemos observar a predominância da discussão sobre
gêneros textuais no ensino de Língua Portuguesa nas escolas em todos os níveis da Educação
Básica, principalmente no que diz respeito à prática de leitura e produção de textos.
Bakhtin (1992), em meados da década de 30, citado por Rosângela H. Rodrigues
(MEURER, BONINI & MOTTA-ROTH, 2005, p. 153) já afirmava:
...um método eficaz e correto de ensino prático [ensino de línguas estrangeiras vivas]
exige que a forma seja assimilada não no sistema abstrato da língua, i. é, como uma
forma sempre idêntica a si mesma, mas na estrutura concreta da enunciação
[enunciado], como um signo flexível e variável (Bakhtin [Voloshinov], 1988 [1929],
p. 95).
A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega
ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações
concretas [enunciados concretos] que nós mesmos ouvimos e nós mesmos
reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam.
Assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações [enunciados]
e justamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas dos
enunciados, i. é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa
consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa
aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações
isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas) (Bakhtin, 2003a [1952-1953],
p. 282-283).
Essa afirmação, que embasa teoricamente os PCNS vem contribuir para a definição do
objeto de estudo de Língua Portuguesa: os gêneros do discurso. Para Bakhtin (1992) não há
como dissociar a língua da atividade humana. O uso que fazemos de inúmeros enunciados
corresponde diretamente a nossas diferentes atividades numa sociedade. Falamos e
escrevemos em forma de enunciados, que não são frases soltas ou formas gramaticais
isoladas, mas sim realidades concretas e únicas, que variam de acordo com o local onde
estamos inseridos (o contexto histórico), a época, a finalidade (intenção) e para quem
2353
dirigimos nossos discursos. O autor ainda diz que o enunciado caracteriza-se por seu conteúdo
(temático), por seu estilo verbal (recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais) e por sua
construção composicional.
Bakhtin (1992) expõe sua postura dialógica quando questiona a posição dos lingüistas
do século XIX que não consideravam a comunicação verbal como função essencial da
linguagem, deixando de lado, assim, a relação entre locutores.
Dessa forma, o autor admite que os enunciados produzidos por nós estão sempre
carregados de outros enunciados que já ouvimos ou que já falamos em outros momentos.
Nossos discursos não são neutros e dependem também da relação que estabelecemos com
nosso interlocutor, que nesse caso, também é locutor ativo, capaz de modificar até mesmo
nossa visão de mundo.
Para tornar tudo isso concreto e possível de ser sistematizado e ensinado, podemos
dialogar com a teoria de Adam (1992) que aproveita os estudos de Bakhtin (1992) para
conceber as seqüências textuais. Essas seqüências (narração, descrição, explicação,
argumentação e diálogo) são criadas para melhor entender e caracterizar cada gênero textual.
Dessa forma, sem negar o aspecto histórico social dos gêneros, o autor francês trabalha de
forma mais sistemática, mostrando preocupação com a prática do ensino de gêneros.
No Brasil, no campo da Lingüística Aplicada, essas teorias vêm sendo discutidas e
reelaboradas por autores preocupados com o ensino de língua praticado nas escolas. E como
podem contribuir, a partir de suas pesquisas, para a melhor compreensão por parte dos
professores sobre o ensino e aprendizagem da língua materna.
Bagno (2002, p. 11) considera que o ensino de língua no Brasil neste século está em
fase de transição. Os professores recém formados já estão percebendo que o conhecimento da
Gramática Tradicional não é mais suficiente para ensinar Língua Portuguesa. O grande
problema é que eles não sabem como concretizar essa consciência em prática de sala de aula.
Nas palavras do autor:
O ensino tradicional nunca levou em conta a infinita variedade dos gêneros textuais
existentes na vida social, limitando-se a abordar somente os gêneros escritos
literários de maior prestígio - o conto, o romance, às vezes a crônica, raramente a
poesia -, e desprezando quase completamente o estudo de gêneros textuais
característicos das práticas orais [...] (p. 55)
[...]
No tocante à produção textual escrita, as escolas brasileiras, em sua maioria, até hoje
se restringem à prática da “redação”, gênero textual que só existe na escola, não
2354
tendo portanto nenhuma função sociocomunicativa relevante para a vida presente e
futura do aprendiz. (p. 56)
O autor complementa ainda, que a redação escolar, por deixar de lado as condições de
produção do texto escrito (quem escreve, o que escreve, para quem escreve, para que escreve,
quando e onde escreve), contribui para o empobrecimento dos objetivos de ensino de língua
na escola. (2002, p. 56)
Nessa mesma perspectiva, Rojo (2000) destaca em sua obra a dificuldade de
conceituação, utilização e aplicação dos gêneros discursivos por parte dos professores e
lingüistas. A autora aproxima a teoria apresentada nos PCNS de terceiro e quarto ciclos do
Ensino Fundamental com as práticas de linguagem dentro e fora da sala de aula.
A autora discute também a difícil tarefa de transpor didaticamente os referenciais
presentes nos PCNS para a prática de sala de aula. Disso depende, como os parâmetros
prevêem, a formação inicial e continuada de professores, a análise de livros didáticos e a
avaliação nacional. (ROJO, 2000, p. 28)
Ainda como contribuição para os estudos de gêneros, Schnewly & Dolz (2004) trazem
a idéia de seqüências didáticas para o ensino de produção oral e escrita de textos. Definem
seqüência didática como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p. 97).
Resgatam a concepção de Bakhtin (1992) que define gêneros como “tipos
relativamente estáveis de enunciados”, afirmando:
Os textos escritos ou orais que produzimos diferenciam-se uns dos outros e isso
porque são produzidos em condições diferentes. Apesar dessa diversidade, podemos
constatar regularidades. Em situações semelhantes, escrevemos textos com
características semelhantes, que podemos chamar de gêneros de textos, conhecidos e
reconhecidos por todos, e que, por isso mesmo, facilitam a comunicação.
Os autores valorizam principalmente os gêneros mais interessantes à escola e propõem
o uso de seqüências didáticas para “ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto”,
para que este possa adequar-se melhor a cada situação comunicativa (Schnewly & Dolz, 2004,
p.97).
As seqüências didáticas por eles apresentadas, constituem-se em:
•
apresentação da situação;
•
produção inicial;
•
módulos (atividades sobre gêneros);
2355
•
produção final.
Essas atividades escolares organizadas aparecem nos livros didáticos de Língua
Portuguesa de diversas formas, com atividades de leitura, compreensão e interpretação de
textos e com a produção de textos orais e escritos.
Dionísio & Bezerra (2005) discutem a aquisição da competência lingüística e
comunicativa do educando em diferentes enfoques do ensino de língua, principalmente no que
diz respeito à seleção de textos nos livros didáticos de Língua Portuguesa. Em um dos
capítulos, Bezerra (2005) faz um resgate histórico das abordagens textuais dos livros didáticos
de Português (LDP) desde 1960. Nessa década, somente os textos literários eram
contemplados, pois a imitação dos clássicos era considerada a única maneira de se aprender a
ler e escrever. Em 70, os LDP já apresentam textos jornalísticos e histórias em quadrinhos e
exploram as questões de identificação dos elementos de comunicação (emissor, receptor,
mensagem, código, canal, referente). (p. 36) A partir da década de 90 a idéia de gêneros
textuais começa a ser difundida e aparece com mais força nos LDPs.
Em relação à qualidade desses livros, Rojo & Batista (2005) analisam o material
didático do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental encaminhado às escolas públicas
brasileiras. Os livros didáticos são avaliados pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) e recomendados aos professores que escolhem o material para o uso em sala de aula.
O trabalho de análise organizado pelos autores traz grande contribuição para
pesquisadores interessados em desenvolver estudos sobre livros didáticos de Língua
Portuguesa e no meu caso, verificar a prática pedagógica do professor no uso desses livros.
Toda a obra de Rojo & Batista (2005) contempla a prática de ensino de Língua
Portuguesa em relação ao uso de livros didáticos, especialmente no terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental (de 5ª a 8ª séries).
O desenvolvimento de pesquisas centradas na prática pedagógica do ensino de língua
no segundo ciclo do Ensino Fundamental (3ª e 4ª séries) é ainda escasso. As obras
apresentadas priorizam, em sua maioria, o terceiro e quarto ciclos.
Os PCNS confirmam que o maior nível de repetência no Brasil está no primeiro ciclo
(1ª e 2ª séries), por dificuldade em alfabetizar e no início do terceiro ciclo (5ª série), por não
conseguir garantir o uso eficaz da linguagem. (SEF, 1998, p. 19)
Há então, uma lacuna a ser preenchida. O que se faz em relação ao ensino de Língua
Portuguesa, no segundo ciclo para dar continuidade ao processo de letramento e levar o aluno
a usar, cada vez melhor, a língua de forma eficaz?
2356
É oportuno então, ressaltar que na presente pesquisa, além do conhecimento específico
de Língua Portuguesa no que se refere aos gêneros textuais, se faz necessário também o
aprofundamento teórico a respeito da relação entre a teoria e a prática de professores atuantes
em sala de aula. Há muitos autores preocupados com essa temática que podem ser melhor
explorados nesta pesquisa, como Martins (1989), Perrenoud (1993), Pimenta (1999), Pereira
(2000), entre outros.
Martins (2002) relata em sua obra, a dificuldade dos professores em articular o que
aprendem na disciplina de Didática com a realidade das salas de aula, ou seja, com a didática
prática. Sua pesquisa, realizada com professores de 1º grau, mostra a grande contradição entre
a formação acadêmica do professor e a sua prática pedagógica. Percebe que muitas vezes, os
professores buscam alternativas para diminuir as dificuldades dos alunos, mas que essas
soluções são apenas imediatas. Ao vivenciar o processo de ação-reflexão-ação em sua
pesquisa, aponta alguns caminhos para uma melhor articulação entre a teoria e a prática:
Os cursos de Didática (...) não trabalham as implicações da organização do trabalho
para a prática docente. Para romper com essa organização, é imprescindível que o
futuro professor compreenda as raízes profundas dos problemas postos pela prática
pedagógica das escolas onde vão atuar. Somente assim, poderão desenvolver
conscientemente os germes da teoria pedagógica alternativa, ultrapassando o plano
do imediato, assumindo coletivamente, dentro da sua unidade escolar, o controle do
processo de ensino, e descobrindo formas organizacionais mais coerentes com os
objetivos por eles perseguidos. Dessa forma, a organização deixa de ser um fim para
ser um meio, em função da direção política para o processo. (p. 174-175)
Na tentativa de estabelecer um diálogo entre os autores preocupados com a temática
apresentada, minha pesquisa está centrada na prática pedagógica de professores para o
desenvolvimento do trabalho com gêneros textuais em salas de aula, pois estudos mais
aprofundados sobre esse tema podem contribuir para o melhor entendimento e efetivação da
proposta de ensino de Língua Portuguesa presente nos PCNS.
Assim sendo, uma questão está na base dos meus estudos e da minha investigação: Em
que os professores da rede pública de ensino do estado do Paraná se apóiam para realizar o
trabalho com gêneros textuais na prática de ensino de Língua Portuguesa? Como esses
professores desenvolvem o trabalho com gêneros textuais em suas práticas pedagógicas?
2357
Considerações Finais
Sistematizar as práticas pedagógicas com gêneros textuais desenvolvidas por
professores do segundo ciclo do Ensino Fundamental da rede pública de ensino do Paraná,
tendo em vista contribuir para a formação inicial dos professores daquele nível de ensino, é
um desafio e um compromisso com essa área do conhecimento.
Para tanto, o estudo que venho desenvolvendo numa abordagem qualitativa de
pesquisa, inclui a caracterização das práticas com gêneros textuais desenvolvidas por
professores do segundo ciclo do Ensino Fundamental da rede pública de ensino do Paraná; a
verificação das seqüências didáticas utilizadas por esses professores em suas práticas. E, por
fim, prevê a análise critica das iniciativas dos professores e suas implicações para a
aprendizagem dos alunos.
O contato inicial com os professores sujeitos da pesquisa e suas práticas indicam que
já há grande preocupação por parte desses profissionais em trabalhar com gêneros textuais nas
aulas de Língua Portuguesa, e que o fazem apoiados na proposta que a escola acredita. O
encaminhamento para a realização do ensino de gêneros está também de acordo com o que a
rede pública de ensino propõe. A partir da fala desses professores, há também indícios da
importância da formação continuada para a melhoria e continuidade desse trabalho.
REFERÊNCIAS
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BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola
editorial, 2002
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DIONÍSIO, Angela P. & BEZERRA, Maria A. (orgs.) O livro didático de Português:
múltiplos olhares. 3 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs.). Gêneros Textuais e Ensino.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MARTINS, Pura Lúcia Oliver. Didática teórica - Didática prática: para além do confronto.
São Paulo: Loyola. 7ª ed., 2002.
MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH (orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates.
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PEREIRA, Júlio Diniz Emílio. Formação de professores: representações e poder. Belo
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PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas
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PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez,
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ROJO, Roxane. (org.). A prática de Linguagem em Sala de Aula: praticando os PCNS. São
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ROJO, Roxane & BATISTA, Antonio A. G. (orgs.). Livro didático de Língua Portuguesa,
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SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
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SEF/MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais – primeiro e segundo ciclos do Ensino
Fundamental. Ministério da Educação e do Desporto – Secretaria da Educação Fundamental.
Brasília, 1998.
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