GESTÃO DAS ÁGUAS DE BARRAGENS DO NORDESTE A PARTIR DE UMA
PERSPECTIVA SOCIAL E ECONÔMICA
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Apresentação Oral-Agricultura Familiar e Ruralidade
MARIA AURICLEIDE ANDRADA BEZERRA; JOSÉ EDVÂNIO MACIEL SANTOS;
INALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA FILHO; JORGE DA SILVA CORREIA NETO.
UFRPE, SERRA TALHADA - PE - BRASIL.
Gestão das Águas de Barragens do Nordeste a partir de uma Perspectiva
Social e Econômica
Water Management in Dams in the Northeast of Brazil from a Social and
Economical Perspective
Grupo de Pesquisa: AGRICULTURA FAMILIAR E RURALIDADE
Resumo
A presente pesquisa teve como objetivo verificar a questão das políticas públicas
implementadas na questão da açudagem, na busca melhoria das condições de vida do
sertanejo nordestino. Perpassando pela gênese dos projetos de açudagem, seus objetivos
iniciais na região do Alto Pajeú em Pernambuco, e chegando à questão da Barragem do
Jazigo, que é resultado do represamento do Rio Pajeú na cidade de Serra Talhada –PE. Foram
diagnosticados os problemas e os benefícios para os usuários que irrigam suas terras no
entorno desta barragem. Os resultados envolveram as questões fundiárias (alto índice de
Gini), baixo nível educacional dos produtores rurais pobres (92% com ensino fundamental
incompleto) e proprietários rurais (empresários da cidade) em sua maioria com nível superior
– um paradoxo. A pesquisa também detectou o impacto do uso não racional da água e da falta
de estrutura para escoamento da produção da região. Por fim, são sugeridas algumas ações
para mitigação desses problemas.
Palavras-chaves: Barragem; Jazigo; Açudagem; Nordeste; Semi-árido
Abstract
This article reflects over the public policies regarding water management in dams, with a
special focus over the impacts of these policies in the northeast of Brazil. This article works
over the genesis of these projects of dams in the northeast of Brazil, its original objectives at
this region, specially at Pernambuco State, through the Jazigo Dam´s case, that impounds
water from Pajeú River, at Serra Talhada city. Some problems were identified and discussed:
the most significant problems are the highly concentrated land (high Gini index), low
educational level (over 92% have less than four years of study), and some rich man that have
beautiful houses for leisure. This research found out that the water is not rationally used (no
irrigation techniques area used) and that distribution of their products is inefficient. As a
contribution, some actions are suggested to mitigate these problems.
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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Key Words: Dam; Impound Water; Water Management
1. INTRODUÇÃO
No semi-árido nordestino as políticas públicas voltadas para a açudagem e a
perenização total ou parcial de rios visam criar alternativas de convivência do homem do
sertão com o fenômeno natural das secas, tentando minimizar o déficit hídrico existente nesta
região. A partir desta realidade vem sendo implementados, ano após ano, inúmeros projetos
que, na maioria das vezes, começa com a perenização, irrigação e conseqüentemente uma
maior produtividade agrícola, entretanto, ao longo deste processo inúmeros problemas podem
ser constatados.
O artigo procura analisar como a população vem organizando suas atividades
produtivas e remodelando sócio-espacialmente a área do entorno da barragem do Jazigo,
localizada no município de Serra Talhada-PE, na Bacia Hidrográfica do Rio Pajeú. É mister
ressaltar que, no decorrer desta pesquisa, dialeticamente foram observadas as contradições
típicas do modo de produção capitalista, a chamada modernização conservadora no campo
(SOUZA, 1998).
Segundo Silva et al. (1998, p.04) “os projetos de irrigação implantados no Nordeste
acarretam concentração fundiária na sua área de influência”. Começa a existir uma
valorização no preço da terra devido à água, pois pequenos proprietários vendem suas
propriedades e novamente as velhas estruturas retornam: terra e água sendo um bem de acesso
a poucos, no caso àquelas pessoas com maior poder aquisitivo, que podem até mesmo dar-se
ao luxo de utilizar a terra como “terra de lazer” e não como “terra de trabalho”. Nas áreas que
margeiam a barragem do Jazigo, há uma tendência crescente de utilização das propriedades
para clubes e chácaras freqüentados por moradores da cidade. Podem ser observados
problemas tipicamente urbanos sendo transportados para o campo, a exemplo da especulação
imobiliária.
Ao longo do processo de investigação foi realizada uma breve incursão histórica nas
origens da açudagem no Sertão Nordestino, com um levantamento histórico do Açude do
Jazigo. Esse levantamento se deu com base nos seguintes temas: o papel das políticas públicas
e as modificações que naturalmente ocorrem devido à reorganização sócio-espacial na área do
represamento, acarretando alguns problemas sócio-econômicos para a população nativa, a
modificação na estrutura fundiária e os impactos ambientais. À luz do quadro teórico e
empírico que foi sendo construído, procurou-se revelar algumas particularidades. Pode-se
denominar também esta pesquisa como um estudo de caso, pois dentre as oito maiores
barragens do Pajeú (Serrinha, Barra do Juá, Saco I, Rosário, Cachoeira II, Brotas, Jazigo e
Arrodeio) caracterizou-se um açude que tem problemas similares com todas estas barragens.
Então, a partir desse delineamento, pode-se indagar: qual era a finalidade inicial do
Açude do Jazigo? Como viviam e como vivem atualmente os produtores rurais, após o
barramento? De que forma utilizam a água? Quais são as técnicas de irrigação implementadas
nesta área? Foram questionamentos auscultados no decorrer do processo investigatório. Com
o arcabouço teórico construído, foram identificados os principais problemas estruturais,
decorrentes das políticas públicas, que costumam estagnar toda uma produtividade agrícola
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das populações ribeirinhas que vivem às margens dos açudes, como o do Jazigo, na bacia
hidrográfica do Pajeú.
2. REFERENCIAL CONCEITUAL
Como principais referências conceituais que embasaram a presente pesquisa estão as
políticas governamentais que norteiam os programas de açudagem no Brasil e a evolução
desses projetos até os dias atuais, em especial no Nordeste, apresentados a seguir.
Histórico e objetivos iniciais
A política de açudagem no Nordeste esteve intrinsecamente interligada ao fenômeno
natural das secas. Os primórdios dos barramentos vêm do início da colonização brasileira
pelos portugueses. Pode-se constatar, segundo Molle (1994, p.14), que
a história do açude no Nordeste é tão antiga como a história de sua
colonização pelos portugueses. Na realidade, o próprio nome açude –
derivado da palavra árabe as-sadd (barragem) comprova a origem ainda
mais remota, se nos debruçarmos sobre a história do homem e de suas
técnicas.
As grandes civilizações egípcia e mesopotâmica, entre outras, já utilizavam técnicas de
barramentos. Entretanto, a sua sistematização, ou engenharia dos barramentos, só veio a
ocorrer na França em meados do século XIX.
O sertão brasileiro têm sua colonização iniciada no século XVII, assinala Andrade
(1986, p. 155), afirmando que o início da atividade agrícola deve ser contemporâneo do
desbravamento do interior e da criação de gado. Apenas a agricultura não foi a atividade
principal; desenvolveu-se mediocremente à sombra dos “currais”, devido à grande distância
que separava aquela zona do litoral e ao elevado preço que os gêneros atingiam após o
transporte por dezenas de léguas. Nota-se que os “currais”, ou seja as “fazendas de criação” é
que viriam a estabelecer o povoamento das áreas interioranas, sendo feita ao longo dos rios.
No caso do município de Serra Talhada, o Rio Pajeú marca a sua história com as
fazendas de criação de gado. Jóffily apud Molle (op.cit., p.l7) lembra que “os açudes sempre
foram os meios empregados pelos sertanejos para neutralizar os efeitos das secas, desde os
primeiros tempos de colonização”. Convém ressaltar que os açudes eram particulares,
existindo para o suprimento d’água no início da fixação dos proprietários de terra. A
intervenção governamental para construção de açudes no sertão só veio a acontecer no século
XVIII quando o governo criou leis de gratificação para o proprietário que construísse seu
próprio açude. Assinala Andrade (1999, p.32) que, no século XVIII, quando a economia da
pecuária já se achava melhor estruturada e ao seu lado se desenvolveu a cultura do algodão, o
impacto das secas foi se tornando mais grave. A construção dos barreiros e de açudes era de
pequena expressão, não dando para atenuar o impacto da seca.
Os planos governamentais vinham desde o século XVIII como proposta de combate e
não de convivência com a seca no sertão nordestino. No século XIX foram instituídos prêmios
para as pessoas que construíssem açudes.
Adicionalmente, inúmeros organismos estatais foram sendo criados, em especial ao
longo do século XX (BEZERRA, 2003):
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•
Inspetoria de Obras Contras as Secas (IOCS): foi criado em 1909, e passou a ser chamado
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) em 1919, no governo do Presidente
Epitácio Pessoa, quando são construídas as grandes represas, mas com pequeno potencial
de irrigação;
• Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS): com a seca de 1932, o
governo chama a atenção para o combate à seca com a chamada “solução hídrica”. Em
1945 o IFOCS passa a denominar-se Departamento Nacional de Obras Contra as Secas;
• Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF): é criada em 1945, com a função de
gerar e distribuir energia para o norte / nordeste;
• Companhia do Vale do São Francisco (CVSF): a atual Companhia de Desenvolvimento
do Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) foi fundada em 1948;
• Banco do Nordeste Brasileiro (BNB): é criado em 1952, como banco de fomento;
• Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE): criada em 1959, com
propostas inicialmente reformistas, pois trazia os ideais de Celso Furtado.
Entretanto, esses órgãos não provocaram impacto suficiente para que se pudesse, de
maneira profunda, impactar nos aspectos estruturais da realidade nordestina. Em entrevista a
Tavares, Andrade e Pereira (1998, p.70) Celso Furtado lembra que ao chegar ao Congresso
Nacional a Lei que tratava da irrigação no Nordeste
desenterraram um projeto de Lei antigo de um nordestino, que, no fundo, era para
legitimar o sistema existente. Era feito pelas pessoas da indústria da seca e também
se chamava Lei de Irrigação, o que criava confusão. E no senado conseguiram a
aprovação para essa Lei. Mas consegui que Juscelino vetasse. Portanto, Juscelino me
apoiou também por esse lado. Já fiquei satisfeito que, pelo menos vetasse essa lei
celerada, pois a minha não aprovaria mesmo. Foi uma briga grande.
Constata-se que os organismos e programas implementados por esses órgãos não
lograram em resultados esperados.
A barragem do Jazigo, localizada no município de Serra Talhada – PE, a 7°09’56’’S e
38°14’30’’W, na Bacia Hidrográfica do Pajeú – a maior do Estado de Pernambuco, com uma
área de 16.838,74 km2, que corresponde a 17,2% da área total do Estado (fig.01), foi
idealizada por Agamenon Magalhães, governador de Pernambuco de 1950 a 1952.
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Figura 01 – Localização da Barragem do Jazigo, Serra Talhada – PE
Fonte: Governo do Estado de Pernambuco, 200-.
Contextualizando historicamente, no final do Estado Novo com Getúlio Vargas na
Presidência da República, Agamenon Magalhães então conhecido como um dos principais
construtores do Estado Novo, já havia no passado governado Pernambuco como Interventor,
durante oito anos de 1937 a 1945, e agora chegava ao poder através do voto popular.
Foi no seu governo que elaborou para o Sertão um plano de recuperação da economia,
com base na criação de cooperativas, sementeiras e na implantação de uma política de
açudagem para perenização dos rios Pajeú, Moxotó e Brígida. Criou também postos de monta,
estimulando a pecuária, e incentivou o cultivo de produtos para o fortalecimento da
agroindústria do algodão, do caruá, do milho e da mamona.
Contudo Agamenon veio a falecer em 1952 e as obras do açude do Jazigo só foram
reativadas na década de 1970, sendo este açude inaugurado em 1983, com uma capacidade de
acumulação de 15.543.300 m3. A área da sua bacia hidráulica é de 6.170 km2, utilizada para
irrigação. Esta barragem foi construída com os recursos do projeto Asa Branca –
PROHIDRO, no governo de Marco Maciel, e é uma das “barragens-mãe” no projeto de
perenização do rio Pajeú.
O açude do Jazigo foi construído para operar em conjunto com outras barragens com a
finalidade de perenizar um trecho do Pajeú (fig. 02). Convém ressaltar: a água acumulada que
opera a montante do Jazigo está sendo utilizada para o abastecimento urbano de do município
de Afogados da Ingazeira – PE, e por esta razão o açude fica limitado a sua própria área de
contribuição e opera com baixos volumes de água durante os meses de estiagem.
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Fig.02 – Barragem do Jazigo
Fonte: Copyright © 2005 Patrick. (GFDL)
A organização produtiva da população do entorno do Açude Jazigo
O levantamento da situação atual da população do entrono do Açude Jazigo se deu
com os próprios moradores da área, e em especial com o líder comunitário Miguel Leonardo
Lima Filho, morador a jusante do açude.
Pode-se constatar que os proprietários de terras ou moradores nativos, com o advento
da construção e inauguração do Açude em 1983, foram paulatinamente vendendo suas
propriedades achando que, inundados os terrenos de aluvião, não seria possível produzir com
a mesma eficiência no solo litólico (conhecido pelos sertanejos como terrenos de tabuleiro).
Venderam a preços baixíssimos suas propriedades e passaram a migrar para a cidade (Serra
Talhada), para trabalhar na construção civil como pedreiros, investindo também seus parcos
recursos no pequeno comércio: mercearias, bodegas, bares, etc. Os bairros que normalmente
iam se instalando passaram a se denominar IPSEP, COHAB e São Cristóvão. Houve
tipicamente o fenômeno do êxodo rural. A área passou a ser de repulsão para os moradores
que ali viviam.
Os poucos proprietários nativos daquela região foram tendo alguns obstáculos a
transpor, que adiante serão apontados. O fato primordial é que não houve mudanças no perfil
tecnológico do produtor rural, faltando um acompanhamento sistemático por parte dos órgãos
estatais para estes camponeses, que poderiam ter acesso a novas tecnologias, levando algum
dinamismo econômico aos pequenos produtores rurais, nestas áreas que margeiam a
barragem.
Constata-se uma ausência de políticas públicas com acompanhamento técnico visando
um desenvolvimento sustentável num outro modelo sócio-econômico, que é utilizar as terras
para o plantio de culturas irrigadas. Conforme assinala Araújo (2000, p.l76)
ao mesmo tempo em que diversos subespaços do Nordeste desenvolvem
atividades modernas, em outras áreas a resistência a mudanças permanece
sendo a marca principal do ambiente socioeconômico: as zonas cacaueiras,
canavieiras, e o sertão semi-árido (grifo nosso) são as principais e históricas
áreas desse tipo. Quando ocorre a modernização é restrita, seletiva, o que
ajuda a manter um padrão dominantemente tradicional.
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A estrutura fundiária
O Nordeste apresenta algumas singularidades no cenário geoeconômico brasileiro.
Basta ver que ali vive cerca de metade da população pobre do país, com uma grande
variedade de situações físico-climáticas. Dentre estas destaca-se a zona semi-árida, que além
de representar cerca de 57% de seu território, singulariza-se por ser castigada periodicamente
por secas (DUARTE, 2001).
Ainda segundo Duarte (2001, p.426), a situação de pobreza em que vive a maioria da
população do semi-árido encontra explicação, também, nas condições de posse e uso da terra
prevalecentes naquela sub-região. A distribuição das terras no Nordeste é muito desigual,
como revela o Coeficiente de Gini relativo ao ano de 1992, que era de 0,7918, conforme
cálculo feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Nessa
época os estabelecimentos rurais do Nordeste com menos de 50 hectares representavam 75%
do número de imóveis, sendo a área por eles ocupada correspondente a, apenas, 12% da área
total.
Mas estas distorções continuam existindo até os dias atuais, como pode ser visto no
Resumo Executivo do Relatório Final da Agência Nacional de Águas (ANA, 2002, p.l2):
as propriedades rurais atualmente possuem em média de 5 a 20 hectares,
onde são praticadas a agricultura de subsistência e a criação de pequenos
animais. Devido à escassez de água na maior parte do ano e à distância
desde os pontos de captação até as lavouras, os agricultores utilizam a
irrigação por sulcos ou aspersão, com águas captadas de poços escavados
no leito do Rio Pajeú ou a exploração de poços amazonas.
As terras próximas da barragem são propriedades que ano após ano vêm mudando sua
finalidade original, vêm sendo transformadas em áreas de lazer, abrigando chácaras ou clubes
freqüentados por moradores das cidades circunvizinhas (fig.03). É uma área em que também
os produtores familiares e empresários utilizam as águas, captadas diretamente no açude, para
a irrigação e consumo dos animais, ocupando a terra com pastagens e fruticultura irrigada.
Ainda consoante com o Resumo Executivo do Relatório Final, ANA (2002, p.l2)
à jusante da barragem existem áreas que variam desde 20 até mais de 100
hectares. Em sua maioria apresentam forma retangular, com um dos lados
limitando-se com o rio. É uma área que predominam agropecuaristas
patronais dedicados principalmente à produção de leite. São propriedades
que sofrem maiores dificuldades para o abastecimento com águas do Rio
Pajeú, por não existir uma vazão regularizada, devido a este fato, nenhum
produtor rural pode planejar suas atividades contando com água liberada
pela represa (fig.04).
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Fig.03 – Propriedade empresarial às margens do Jazigo
Fonte: ANA, 2002.
Este passa a ser um dos sérios problemas diagnosticados, a chamada vazão
regularizada. Nos anos secos os proprietários de terras a jusante do Açude querem que a água
seja liberada e os proprietários da montante querem que a água fique represada. O problema
agravou-se seriamente especialmente nos anos de 1993 e 1998, pois se enfrentou uma grande
estiagem na região, vindo a surgir contendas por partes dos proprietários de terra as margens
desta Barragem.
O homem depende de certos elementos não só para sobreviver, mas também para se
aperfeiçoar social, política e culturalmente, pelo que não seria errôneo dizer que o homem é
um ser dependente, consoante com Alvim (apud SUASSUNA, 2000, p.02). Sendo assim
analisado, é necessária uma maior interação entre os usuários do Açude do Jazigo.
Em agosto de 2001 foi fundado o CONSU – Conselho de Usuários do Açude do
Jazigo, para que os usuários dispusessem de um fórum para discussão e busca de solução para
o conflito por distribuição de água, instaurado entre usuários de montante e de jusante do
reservatório de acordo com o relatório Resumo Executivo do Relatório Final (ANA, 2002,
p.18). Entretanto, mesmo com o CONSU, persiste o conflito ao lado de novas questões que
surgiram motivadas pela falta de integração entre os conselheiros. Por este motivo o CONSU
tem fraco desempenho e na prática é inoperante.
Através do cadastramento obtido no banco de dados do açude do Jazigo – documento
do Resumo Executivo do Relatório Final (ANA, 2002, p.18), observa-se o perfil dos
usuários, a demanda e o uso da água e do solo. Pode-se constatar que em sua maioria (92%)
são proprietários de terra com apenas o ensino fundamental incompleto (37,5%). A maioria
capta água através de poços amazônicos (27,3%) e usa a água no sistema de irrigação e para
abastecimento humano e desedentação animal. São produtores rurais que na sua maioria não
participa de entidades associativas (80,7%).
Nota-se ainda que existe um enfraquecimento de poder de barganha desses produtores
ao venderem suas produções. A destinação principal dos solos nas propriedades rurais se
divide entre área de mata-caatinga arbórea, área irrigável e área projetada para irrigação. A
soma das três últimas perfaz o total de 1.609ha de área declarada. (Quadro 01)
Quadro 01 – Principais informações obtidas no cadastramento, constante dos
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Classificação dos dados
bancos de dados do açude Jazigo.
Açude Jazigo
_______________________________________________________________________________
• Número de usuários cadastrados:
88 usuários
− Homens
97,7%
− Mulheres
2,3%
• Grau de escolaridade dos usuários
− analfabetos
22,7%
− 1º grau incompleto
37,5%
− 1º grau completo
2,3%
− 2º grau incompleto
10,2%
− 3º grau completo (curso superior)
18,8%
• Forma predominante de ocupação da terra:
− proprietários
92,0%
• Formas predominantes de captação de água
− preços profundos
21,6%
− poços amazonas
27,3%
− poços no leito do rio (cacimbas)
11,4%
− barramentos
2,3%
• Usos preponderantes da água:
− irrigação
85,2%
− abastecimento humano
69,3%
− dessedentação animal
73,8%
− indústria
4,5%
− piscicultura
5,6%
• Participação em entidades associativas
− associações de agricultores
2,3%
− conselhos
5,7%
− sindicato
19,3%
− cooperativas
4,5%
− não participam
80,7%
• Conhecimento sobre a política das águas
− ouviram falar sobre a Lei das águas
50%
− conhecem o Conselho de Usuários local
40,9%
_______________________________________________________________________________
Fonte: Governo de Pernambuco. Secretaria de Recursos Hídricos [200-].
Impactos ambientais
Dentro da lógica do desenvolvimento capitalista no campo, os proprietários que ao
longo da barragem puderam utilizar recursos tecnológicos, financeiros e uma “mentalidade
nova” dos que lá já residiam, investiram em suas propriedades e lograram certo êxito.
Entretanto, a pesquisa demonstrou que são poucos os produtores rurais que tem na
agricultura sua atividade principal. A maioria tem na agricultura uma atividade secundária,
por isso, em muitas áreas houve apenas o desmatamento da pouca cobertura vegetal existente
(fig.05).
Quanto à utilização inteligente da água, Veiga (2005, p.206) afirma que
a eficiência hidrológica dos açudes é de 1/5 do volume estocado devido às
altas taxas de evaporação. Perdas tão elevadas decorrem da falta de uso
múltiplo planejado dos reservatórios. Além disso, a intensa evaporação
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engendra processo de salinização cíclica das águas estocadas, em grande
parte devido a falta de critérios de uso e de proteção da qualidade. Enfim,
antes de se buscar mais água para agravar as formas de desperdício já
constatadas será absolutamente necessário fazer com que os açudes – em
especial os grandes – entrem em sintonia com o gerenciamento integrado
das respectivas bacias.
Fig.05 – Área desmatada nas margens do Jazigo
Fonte: ANA, 2001.
A disponibilidade hídrica do reservatório permite a utilização de 800L/s durante 4 a 5
meses por ano. Nos demais, não é possível obter mais do que 200L/s, sob pena de provocar o
colapso do açude. Considerando a relação lL/s para cada hectare irrigado, constatou-se uma
expectativa de utilização da água oito vezes maior que a capacidade de atendimento do açude,
somente para irrigação na maior parte do ano.
Mesmo a área declarada irrigada, equivalente a 329 hectares, já é superior a uma vez e
meia a capacidade de atendimento durante 7 a 8 meses por ano. Verifica-se que é mister haver
uma intervenção técnica para a irrigação, que requer um acompanhamento contínuo, o que
inexiste nessas áreas. Os irrigantes utilizam muita energia e equipamentos superiores às suas
necessidades, causando desperdício de água, gasto a mais com a energia elétrica e
equipamentos e um grande risco de salinização do solo.
Portanto uma consultoria técnica que incentive a irrigação por gotejamento torna-se
necessário. Até mesmo as cooperativas de energia, a exemplo da CERTRI/Triunfo, não
orientam devidamente os produtores rurais.
Comercialização
É importante ressaltar que no passado, antes do advento do Açude Jazigo, a irrigação
era feita manualmente através dos galões de água. Os produtores rurais vendiam as suas
produções (tomate, coentro, cebolinha, pimentão e cebola) nas feiras livres da cidade. Além
disso, numa agricultura de sequeiro, eram produzidos milho e feijão.
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Quando o açude foi construído houve uma ampliação da quantidade plantada dos
poucos que lá continuaram com suas produções, mas surge a figura do atravessador que vai
até a roça colhendo e transportando a mercadoria, chegando ao consumidor final com um
preço superior. A mercadoria não está pronta, a compra é feita na folha (antes mesmo da
safra). No passado o transporte da mercadoria era feito em lombo de jumento, hoje existem as
caminhonetes, que abastecem os supermercados e as feiras-livres de Serra Talhada.
Outro impacto ambiental que se pode observar é com relação ao uso de defensivos
agrícolas. Como não há uma assistência técnica rural na área, os produtores rurais utilizam
adubos sem fazer uma análise de solo e aplicam defensivos sem qualquer fiscalização. No
passado a irrigação era feita com eletro-bomba, mas com a chegada da energia, na época da
inauguração da barragem em 1983, nem todos tiveram acesso, pois tinham que pagar o
transformador. Esse problema só contornado em 1990, durante o governo Arraes. Com esta
constatação verifica-se que fica difícil agregar valor aos produtos da região.
3. METODOLOGIA
Para a consecução deste trabalho, foi utilizada uma abordagem qualitativa, com base
em entrevistas conduzidas com moradores da região, que foram processadas através da
técnica da análise de conteúdo. O embasamento conceitual tinha o intuito de explorar as
referências bibliográficas que tratassem questões como as políticas públicas de açudagem, a
questão agrária e os impactos ambientais (LAKATOS; MARCONI, 2007; LEÃO, 2006).
Inicialmente os pesquisadores estudaram os relatórios que abordavam a questão das
políticas públicas observando através dos relatórios e dos referenciais a relação existente entre
o grande número de açudes implantados no nordeste e os motivos pelos quais os mesmos não
trouxeram uma perspectiva de desenvolvimento para as áreas em que houve o trabalho de
barramento dos rios. Na questão fundiária foi constatado um número muito alto de usuários de
nível superior, indicando que o dado qualitativo é quem pode explicar os acontecimentos da
referida questão.
Com os devidos levantamentos foram traçados os parâmetros para a pesquisa, levando
em conta a preocupação de analisar os fatos e interpretá-los sobre as possíveis conseqüências.
4. CONCLUSÕES
A água chegou, mas não serviu para melhorar a vida da população que vive às
margens da Barragem. Serviu como elemento para se especular com a terra, mudar os hábitos
sociais das famílias, desalojar os nativos.
Passou a ser uma área de repulsão e as pessoas que ficaram utilizam técnicas
ultrapassadas; não houve mudança de mentalidade porque quando a barragem chegou, faltou
um acompanhamento técnico e um sistema de educação na área, visando um desenvolvimento
sustentável.
O que “deu certo” foi o produtor que veio de fora com capital e “mentalidade nova”,
que como já foi dito tem na agricultura uma atividade secundária. Há uma visão capitalista de
lucro que gera conflito de valores, conflitos estes também por fronteiras de terra. Fronteiras
velhas que foram demarcadas historicamente são desrespeitadas. Pode-se afirmar que somente
os produtores rurais com fácil acesso às linhas de crédito conseguiram êxito na questão do
Jazigo. Também profissionais liberais que contam com uma boa situação econômica e com
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acesso aos avanços tecnológicos foram contemplados com a política que nesse caso beneficia
àqueles que já têm boas condições de vida.
Está havendo uma grande especulação imobiliária quando a terra chega às mãos de
especuladores. Constroem-se casas e desmatam as Áreas de Proteção Ambiental (APA),
introduzindo pomares e áreas de lazer, fazendo com que a terra fique mais atrativa e cara.
As organizações não governamentais e os movimentos sociais não chegaram nessas
áreas para dar assistências às comunidades rurais e a paisagem rural tem deixado de existir no
entorno na barragem: belas residências, festas com som alto, alcoolismo, a água da barragem
sendo coletada por caminhões-pipas para vendê-las na cidade... Enfim, o povo foi expulso
com suas culturas tradicionais.
Com isso a Barragem do Jazigo não consegue atender aos reclames do seu projeto
original, um patrimônio público que aos poucos vai se esvaindo das mãos daqueles que
necessariamente eram os donos daquelas terras. E a água, vai se tornando aos poucos, um
recurso cada vez mais caro e inacessível.
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