ATRAVESSAR
Nº 4 • 2º SEMESTRE DE 2014
ATRAVESSAR
Nº4 – 2º SEMESTRE DE 2014
ASSOCIAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AAT)
Rua Vergueiro, 1421 – cj 1609 – Torre Sul.
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CORPO EDITORIAL
EDITOR RESPONSÁVEL
Profa. Dra. Luciana Chaui-Berlinck
Associação de Acompanhamento Terapêutico, São Paulo, SP - Brasil
Nupsi, USP.
CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Ana Celeste Pitiá
Prof. Dr. Andrés Eduardo Antúnez (IP – USP)
Profa. Dra. Olgária Feres Matos (FFLCH – USP)
Prof. Dr. Kleber Duarte Barretto (UNIP, AAT)
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CONSELHO CIENTÍFICO
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Prof. Dr. Marcelo Soares da Cruz (UNIP, Habitat, AAT)
Maria Laura Frank (FundacionSistere, UNC, AATRA – Argentina)
Ms. Roberta Elias Manna (FIG, Gerações)
Profa. Dra. Sandra Silveira de Carvalho (MCAAT – Hamilton – Canadá)
Profa. Ms. Tânia Possani (Habitat, AAT)
PRODUÇÃO EDITORIAL
EDITORA RESPONSÁVEL
Profa. Dra. Luciana Chaui-Berlink
ACOMPANHAMENTO EDITORIAL
Lívia Stefaneli
Hailton Yagiu
REVISÃO
Lívia Stefaneli
SECRETARIA
Ana Carla dos Santos
ATravessar – ano 3, n. 4 (jul – dez/2014)
São Paulo: AAT, 2014, 170 p.
Semestral
1. Acompanhamento Terapêutico (AT) – Periódicos. I. Título
Índice para catálogo sistemático
1. Acompanhamento Terapêutico (AT): século 21 : Brasil
Sumário
EDITORIAL ................................................................................................................. 4
O TEMPO VIVIDO NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ........................................ 5
O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): O QUE
PENSAM OS TRABALHADORES DA REDE PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL DE
UBERLÂNDIA/MG. ................................................................................................... 25
O ENTRELAÇAR DA TEIA DE CUIDADOS – EXPERIÊNCIAS DA EQUIPE DE UM SERVIÇO
RESIDENCIAL TERAPÊUTICO DE BASE TERRITORIAL .................................................. 46
ANÁLISE DAS DISSERTAÇÕES DE MESTRADO E TESES DE DOUTORADO/LIVRE
DOCÊNCIA EM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO DE 1995 A 2013. ..................... 69
OS DESAFIOS INERENTES A PRÁTICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA
INTERFACE DAS QUEIXAS FAMILIARES ..................................................................... 93
EL AT Y SU LAZO SOCIAL: INTERPELACIONES A LA COMUNIDAD, LUGARES PARA EL
MALESTAR SINGULAR ............................................................................................ 108
ENVELHECIMENTO E LOUCURA - II JORNADA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
E ENVELHECIMENTO - “ONG- GER-AÇÕES” ............................................................ 119
OS EREMITAS URBANOS ........................................................................................ 127
LA IDENTIDAD DEL ACOMPAÑANTE TERAPÉUTICO, UN PROCESO EN CONTRUCCION
.............................................................................................................................. 133
ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E REFERÊNCIA TÉCNICA: ATRAVESSAMENTO DE
PAPÉIS EM UM CASO CLÍNICO DE SAÚDE MENTAL ................................................ 144
SOBRE A REVISTA .................................................................................................. 171
INSTRUÇÕES AOS AUTORES ................................................................................... 172
EDITORIAL
É com enorme prazer que apresentamos o número 4 da ATravessar:
Revista de Acompanhamento Terapêutico. Esta edição nos é especial pelo fato
de ser o primeiro número da revista em format digital, além do já conhecido
impresso.
Desta maneira, esta revista científica especializada no campo do AT vai
realizando sua missão de veicular e divulgar a produção científica referente ao
Acompanhamento Terapêutico e, assim, contribuir para a ampliação do
conhecimento no campo do AT, bem como para o enriquecimento profissional
daqueles que trabalham com essa prática. Com este número nos vemos
socializando o conhecimento produzido por aqueles que pesquisam e/ou
atuam no campo do AT de modo muito mais abrangente.
Neste volume o leitor encontrará artigos publicados em português ou
espanhol, conforme a origem de seu autor. As riquíssimas discussões que
encontramos nos dez artigos apresentados neste número tratam de diversos
assuntos que vão desde distintas questões relacionadas com a polítca,
pensada tanto em termos internos ao fazer do AT, como também a política de
saúde mental de maneira mais ampla, questões da Saúde Pública e da rede
de atenção psicossocial e sua relação com o AT, até
questões da
fenomenologia e psicopatologia, a análise de trabalhos acadêmicos sobre o
AT e ainda reflexões sobre a vida urbana, o envelhecer e a familia. Além de
sermos brindados por um lindo artigo do Dr. Jorge Luis Pellegrini sobre o
processo de construção da identidade do acompanhante terapêutico.
Todos os temas são muito interessantes e importantes para este campo de
intervenção.
Desejamos que os diversos artigos e seus enfoques teóricos tratados aqui
possam contribuir para as futuras discussões e reflexões de nosso leitor.
Luciana Chaui-Berlinck
4
O TEMPO VIVIDO NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
THE LIVED TIME ON THERAPEUTIC ACCOMPANIMENT
EL TIEMPO VIVIDO EN EL ACOMPAÑAMIENTO TERAPÉUTICO
Danilo Salles Faizibaioff ¹
Andrés Eduardo Aguirre Antúnez ²
Leonardo Gonzalez ³
RESUMO
Este artigo visa ilustrar, ainda que no diálogo com outros autores, a fecundidade da produção
fenomenológica e psicopatológica de Eugene Minkowski para a compreensão e terapêutica da
clínica no enquadre do AT. Para tal, consideraram-se as experiências clínicas radicais de
convivência diária que o referido autor, por meses, empreendia com pacientes psiquiátricos,
bem como foram expostos os fenômenos essenciais que descreveu a partir de seu estudo
fenomenológico sobre o aspecto temporal da vida, dentro ou fora da patologia, a saber: o
ímpeto (élan) vital de Bergson, o contato vital com a realidade, a duração vivida e a duração
racional, o binômio espera-esperança e o diagnóstico por compenetração. Apresentamos, no
diálogo com tais noções, um recorte de caso clínico atendido no enquadre do AT, cuja
problemática manifesta é o uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas.
PALAVRAS-CHAVE:
Hospitalidade
Acompanhamento
Terapêutico;
Fenomenologia;
Drogadição;
ABSTRACT
This article aims to illustrate, although in dialogue with other authors, the fecundity of the
Eugène Minkowski`s phenomenological and psychopathological production for the
understanding and therapeutics in the AT clinical field. Seeking this, we considered the author`s
radical daily living clinical experiences, who lived for months with psychiatric patients, as well
we exposed the essential phenomena he described trough his phenomenological study of the
temporal aspect of life, within or outside the pathology, which are: the Bergon`s vital (élan)
impetuous, the vital contact with reality, the lived duration and rational duration, the binomial
waiting-hope and the interpenetration diagnostic. We showed, in dialogue with such notions, a
clipping clinical case treated in the AT setting, whose manifest problematic is the abuse and
dependence on psychoactive substances.
KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment; Phenomenology; Drug Addiction; Hospitality
RESÚMEN
Este artículo pretende ilustrar, aunque en diálogo con otros autores, la fecundidad de la
producción fenomenológica y psicopatológica de Eugène Minkowski para la comprensión y la
terapéutica del encuadre clínico del AT. Para ello, fueron consideradas las radicales
experiencias clínicas diarias que el autor, durante meses, emprendió con pacientes
psiquiátricos, así comoexpusimos los fenómenos essenciales que describió a través de su
estudio fenomenológico respecto el aspecto temporal de la vida, dentro y fuera de la patología,
a saber: el ímpeto (élan) vital de Bergson, el contacto vital con la realidad, la duración vivida y
la duración racional, el binomio espera-esperanza y el diagnóstico por compenetración.
Presentamos, en diálogo con estas nociones, un recorte de caso clínico tratado en el
encuadredel AT, cuya problema manifiesta es el abuso y dependencia a las sustancias
psicoactivas.
PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico; Fenomenología; Adición, Hospitalidad
5
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
INTRODUÇÃO
O caráter inovador, promissor e transdisciplinar do AT revela-se por sua
essência mesma, qual seja, constituir-se como prática polifônica (Sacadura,
2013). Barretto (2012a) destaca 3 âmbitos através dos quais se manifesta a
polifonia do AT: sua inserção em diferentes campos epistemológicos e laborais
para além da Saúde Mental, tais quais a Saúde Geral, a Educação e o
Judiciário; a formação dos ats, que não se restringe nem à Psicologia, nem às
outras áreas da Saúde necessariamente e, finalmente, os distintos referenciais
teóricos que, hoje, embasam-no, não se esgotando na "predominância das
diferentes psicanálises" (p.12) como, historicamente no Brasil e Argentina, tal
prática institucionalizou-se.
Neste último âmbito, temos assistido à contribuição de autores do
campo da Fenomenologia para o AT , tais quais Edith Stein (Possani , 2012),
Michel Henry (Antúnez & Martins, 2013; Antúnez, 2014) e Eugene Minkowski
(Antúnez, Barretto & Safra, 2011; Faizibaioff, 2014; Faizibaioff & Antúnez,
2014).
Minkowski
(1885-1972)
foi
um
psiquiatra
e
psicopatólogo
fundamentalmente influenciado pela fenomenologia de Husserl e pela filosofia
de Bergson (Antúnez, 2012), sendo ambos estes filósofos, segundo Ales Bello
(2013, p.10), os mais importantes expoentes do século XX, pois "se deram
conta e procuraram frear a interpretação redutiva do ser humano", fruto
histórico da aplicação dos princípios metodológicos das ciências naturais para
o entendimento científico do homem. Na introdução de sua célebre obra O
Tempo Vivido, Minkowski (1933/1973) sintetiza a essência da fenomenologia
husserliana e da filosofia bergsoniana:
A primeira propôs-se como meta estudar e descrever os
fenômenos que compõe a vida, sem deixar-se guiar ou limitar,
em suas investigações, por premissa alguma, seja qual fosse
sua origem ou aparente legitimidade. A segunda opôs, com
uma ousadia formidável, a intuição à inteligência, o vivente ao
morto, o tempo ao espaço. (p.9, tradução nossa4)
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
6
Já em 1923, penetrado por tais influências e pelas importantes
transformações nosológicas no campo da psicopatologia da esquizofrenia cuja fundamental influência encontrou em Bleuler - Minkowski (1923/1970)
apresenta um artigo no qual opera uma análise psicológica e fenomenológica
de um caso de melancolia esquizofrênica, o qual acompanhara durante 2
meses, dia e noite, no ambiente cotidiano do paciente, em moldes formais
muito próximos aos quais, cerca de 40 anos depois, fundar-se-ia a clínica do
AT em nosso continente. Para ele, a intensa e prolongada convivência com o
paciente era um meio privilegiado de "penetrar mais profundamente na origem
e natureza do fenômeno mórbido como tal 10" (p.22), desvelando-se à nossa
compreensão o seu sentido originário.
Nesta empreitada, concebe que a essência das manifestações
psicopatológicas reside na esfera do tempo e espaço vividos pelos sujeitos,
sendo esta a base sobre a qual construirá o seu Tratado de Psicopatologia
(Minkowski, 1966/1999). Considerando as diversas configurações patológicas
- cujas manifestações mais graves encontramos no campo do AT (Maduenho,
2012) -, a despeito dos caracteres idiossincráticos dos pacientes, talvez não
nos seja difícil dar-se conta de que "em todo doente psíquico, ou quase, podese falar da repetição do passado, da insatisfação do presente vazio e da
incapacidade de projeção no porvir" (Tatossian, 2012, p.78). Mas de qual
concepção temporal e, logo, antropológica 11, fala-se aqui?
Trata-se do tempo-qualidade, o tempo do devir, vivido ao nível préreflexivo da experiência, e não do tempo-assimilado-ao-espaço, como o
nomeia Bergson para referir-se à faceta mensurável e quantificável do tempo,
elevada, pelo método científico de embasamento positivista, à categoria de
primazia quando se concebe o fenômeno temporal na modernidade
(Minkowski, 1933/1973). O tempo vivido transcende a mera contagem
numérica do relógio, a periodicidade previsível dos calendários uniformemente
delimitados, os dados obtidos por meio de questionários dirigidos visando
avaliar a orientação têmporo-espacial dos indivíduos hospitalizados. Ele é,
ante tudo e antes de tudo, "essa 'massa fluida', esse oceano em movimento,
misterioso, grandioso e potente que vejo em torno de mim, em mim, em todas
7
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
as partes... É o devir", que implica a marcha existencial humana "em direção
a um futuro indefinível e inacessível" (p.22).
Em relação ao AT, prática inalienável do contexto urbano pós-moderno
em que não só a dupla acompanhante-acompanhado, mas, também, toda a
rede de profissionais e familiares inserem-se inexoravelmente, Antúnez (2012)
envereda-nos à reflexão de sua relação com o fenômeno temporal:
Em um época na qual a técnica é fruto da tecnologia, o tempo
é vivido sempre como escasso para fazer tudo o que se tem a
fazer. A aceleração do tempo é um impedimento a deter-se
com calma, tranquilidade e serenidade no cotidiano, onde o
espaço do ambiente de uma metrópole não se harmoniza com
as necessidades fundamentais de cada ser que exprime seu
espaço interior. (p.58)
Aí vislumbra-se o contexto sócio-histórico dentro e através do qual
manifesta-se o adoecimento mental e, paralelamente, dá-se a prática do AT.
Ele é marcado pela "agonia do totalmente pensado" (Safra, 2004, p.25),
harmônica à hegemonia de uma concepção temporal do totalmente
contabilizado, espacializado ou intelectualizado. Segundo Martins Costa e
Medeiros (2009), tal configuração de coisas, que implica a não consideração
da temporalidade subjetiva na compreensão diagnóstica e terapêutica das
manifestações psicopatológicas, constitui-se como importante fonte de
impasses para o encontro clínico.
O Ímpeto Vital: fenômeno mais originário da existência humana
Minkowski (1933/1973) considera que, ao encararmos o devir com a
noção de direção, se nos apresenta à consciência o fenômeno do Ímpeto
(Élan) Vital, já descrito por Bergson5. O ímpeto "cria diante de nós o futuro e
é isso o que ele faz" (p.39), implicando que, primitivamente, nunca seja "um
ímpeto que parta de... senão unicamente um ímpeto em direção a..." (p.42).
Não se trata, então, da existência de pontos de partida ou chegada em nossa
trilha biográfica, como sugeriria o raciocínio espacial, mas de uma expansão
progressiva e inexorável em direção a um futuro imprevisível, em cuja marcha
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
8
afirmamos nossa personalidade frente ao devir circundante e realizamos, com
todo nosso ser, nossa obra pessoal.
Sem o ímpeto vital, sem essas "asas poderosas" que nos levam
"sempre adiante, até mais além da própria morte" (Minkowski, 1933/1973,
p.44), naufragaríamos no caos do devir, afogados por suas "ondas poderosas,
porém cinzas e caóticas" (p.40). Estando toda nossa vida orientada ao futuro 12,
e sendo o ímpeto a própria possibilidade de abrir-se e criar-se diante de nós
este futuro, não nos resulta difícil compreender por que o autor concebe que,
"no fundo, não há mais que um único fenômeno, o do ímpeto vital" (p.40).
É importante destacar, todavia, o fator de limitação que o ímpeto carrega
em si, pois, enquanto nos concentramos em nossa obra pessoal, "o devir se
estende cheio de promessas, de possibilidades, de riquezas insuspeitas"
(Minkowski, 1933/1973, p.61), às quais renunciamos ao estarmos absorvidos
por nosso ímpeto pessoal. Quem de nós, eventualmente, não experimenta a
angustiante
sensação
de
estar
perdendo
inúmeras
possibilidades
profissionais, dentro ou fora de nosso campo de atuação, por haver feito certa
escolha de carreira e nela focalizado todo nosso empenho? O quanto
aspiramos a uma plenitude epistemológica sobre determinado tema e, diante
do mergulho em nossas pesquisas de mestrado e doutorado, sentimo-nos
sufocados pela necessidade de recortar um aspecto muito diminuto da
realidade, a fim de que nossos trabalhos harmonizem com o rigor acadêmico
exigido?
Há de haver, portanto, outro fenômeno que, em sincronia com a
separação entre o eu e o ambiente operada pelo ímpeto, permita-nos, mais
uma vez, reencontramos nossas raízes profundas com o devir circundante,
possibilitando-nos um movimento fusional, ainda que temporário, ao ambiente
que nos cerca e no qual estamos inseridos inescapavelmente. E é justamente
daí que nosso ímpeto recupera suas forças para possibilitar que sigamos
adiante.
O Contato vital com a realidade
Tal fenômeno é descrito nos termos do contato vital com a realidade,
que alude à possibilidade humana de fundir-se e "confundir-se com o devir
9
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
circundante" (Minkowski, 1933/1973, p.63), isto é, à nossa "faculdade de vibrar
em uníssono com o ambiente" e de mantermo-nos "em contato com a
realidade" (Minkowski, 1927/2000, p.79). Não é desprovido de valor ressaltar
que este ambiente é composto, essencialmente, de pessoas e relações, e que
a capacidade de com eles vibrar em uníssono revela o fenômeno empático
como uma das formas de manifestação do contato vital com a realidade
(Minkowski, 1933/1973).
Tal fusão com as raízes profundas do devir liberta-nos da tensão
inerente à nossa atividade no mundo, tensão esta atrelada ao ímpeto vital e,
mais especificamente, ao fator de limitação que lhe é inerente.
A tais vivências sufocantes, relacionadas à limitação de nossa atividade
no mundo, opõe-se a sensação de repouso e relaxamento nos aportada pelo
contato vital com a realidade, por esta faculdade sublime de sermos visitados
e penetrados pelo devir mesmo, ao mesmo tempo em que nos deixamos, sem
oferecer resistências, sermos carregados por suas ondas poderosas, rumo a
um futuro recheado de promessas imprevisíveis e belezas insuspeitas.
Os fenômenos do ímpeto vital e do contato vital com a realidade, assim,
constituem uma "oposição natural" (Minkowski, 1933/1973, p.63), ainda que o
primeiro seja mais originário e, por isso mesmo, estabeleça com o segundo
uma relação de subordinação. Afinal de contas, não há como conceber uma
vida puramente contemplativa: desejamos não tão somente existir, mas afirmar
nossa personalidade frente ao devir circundante e deixarmos nossa marca
pessoal no mundo.
O desmoronamento do tempo vivido na patologia
A experiência clínica radical a que se propôs Minkowski (1923/1970)
quando acompanhou seu paciente esquizofrênico diariamente, por quase 2
meses, dia e noite, em seu ambiente cotidiano, permitiu-lhe postular que, a
despeito dos sintomas secundários que caracterizam tal afecção mental como os delírios, alucinações, embotamento afetivo e vivências persecutórias
-, sua essência reside na perda do contato vital com a realidade.
Tal característica corresponde à afetação, na afecção esquizofrênica 6,
ao nível do ímpeto vital, ao qual o contato vital com a realidade segue
subordinado. Já nas configurações não patológicas, tal contato estaria
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
10
preservado, salvaguardando aos sujeitos a capacidade de "vibrar em uníssono
com os acontecimentos imprevistos que se lhes apresentam" (Minkowski,
1923/1970, p.24) e de tender "em direção a um futuro que não conhece limites"
(p.25), ainda que se possam experimentar tais sensações de fechamento do
devir em determinados momentos de crise biográfica, porém nunca
persistentemente como na esquizofrenia (Minkowski, 1933/1973).
Portanto, à afetação ao nível do ímpeto vital associa-se a
impossibilidade
individual
de
projetar-se
num
futuro
essencialmente
inacessível e imprevisível. Ao sujeito adoecido, o devir encontra-se fechado
por certezas obscuras e inescapáveis, justificando a pavorosa vivência
paranóide, por exemplo, de algum evento catastrófico estar especialmente
reservado à sua pessoa, sem que nada possa ser feito a respeito para revertêlo ou refutá-lo. O paciente de Minkowski (1923/1970) padecia de um intenso
sofrimento decorrente de uma certeza crônica, resistente a qualquer estratégia
interventiva: todos os homens ao seu redor eram seus perseguidores, e
tramavam introduzir-lhe no ventre toda sorte de lixo e sujeiras que vinham
acumulando há anos, justamente para tal fim; ademais, não lhe restavam
dúvidas de que seria exposto em praça pública sob tal situação degradante, e
que os próprios filhos de Minkowski (1923/1970) viriam a participar "desta
maquinação tão desumana" (p. 22).
Dado o exposto, seguiremos com a apresentação de uma vinheta clínica
de uma paciente adicta a drogas de abuso, atendida no enquadre do AT pelo
autor principal deste artigo. Foi possível observar que, embora de forma menos
brutal do que na esquizofrenia, também pôde ser constatado, neste caso, o
enfraquecimento do ímpeto vital e o conseqüente prejuízo no contato vital com
a realidade, cuja busca compensatória desembocava no abuso de substâncias
psicoativas diversas. Na medida em que se fizeram necessários, expusemos
outros fenômenos temporais descritos por Minkowski, secundários ao ímpeto
vital e ilustrativos da fecundidade de sua produção para a clínica do AT.
Raíssa: à espera do outro muito antes da primeira pedra de crack
Raíssa7 é uma jovem publicitária com histórico de abuso de álcool, crack
e cocaína desde a maioridade. Conhecemo-nos em uma de suas diversas
11
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
internações, durante a qual se formou uma equipe multiprofissional visando à
estruturação mínima de um cotidiano que pudesse desdobrar-se fora de
instituições psiquiátricas.
Dotada e adotada por uma estupenda capacidade intelectual, sempre
conseguiu manter-se em empregos que lhe provêm altos salários, ainda que
entre umas e outras recaídas mais ou menos graves. A eficiência e rapidez
de seu pensamento salta aos olhos, desafiando teorias neuropsicológicas que
atribuem ao abuso de agonistas dopaminérgicos lesões cognitivas amplas e
limitantes à atividade do sujeito no mundo 8, pelo menos no que toca ao âmbito
profissional.
Não é à toa, então, que sua fantasia de cura corresponda à
compreensão racional do "mecanismo de minhas recaídas" (sic), e que encare
o at com espanto e estranhamento quando este sustenta, frente a este seu
discurso, que não será pela via do intelecto que ela resolverá ou mesmo, como
pontua Safra (2004), dará andamento às suas questões fundamentais.
A função anestésica que o abuso psicoativo exerce em seu psiquismo
harmoniza-se com sua dificuldade em contatar grotescas vivências de um
vazio que não se cansam de se lhe apresentar, coerentes com uma biografia
marcada pelo desinvestimento materno precoce (Green, 1980) e por outras
relações violentas fundantes. Já muito cedo, em sua história, produziram-se
fraturas éticas ali mesmo onde não deveria haver mais que experiências
mínimas que sustentassem a continuidade de sua constituição como pessoa
no mundo dos homens (Safra, 2009).
Fenomenologicamente, a tal configuração de coisas corresponde seu
exílio do tempo do devir e o enfraquecimento de seu contato vital com a
realidade. Raíssa relata sentir-se real apenas quando do mergulho na "vida
bandida" (sic), isto é, num padrão de abuso e orgias sexuais de tamanha
intensidade que atualiza e comunica sua condição ontológica fraturada:
(des)equilibrando-se nos desfiladeiros da morte, perambulando pelas fendas
abismais de sua existência sorumbática.
A excessiva racionalização da experiência subjetiva restringe sua
experimentação do tempo quase que exclusivamente em sua faceta
espacializada e intelectualizada. Nossa impressão, como descreve Minkowski
(1933/1973, p.167), é de que, nela, "as forças vitais parecem esgotadas;
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
12
chegaram a ser presa dos fatores racionais", de forma que "infiltraram-se nos
mais profundos recantos de seu ser e reduziram-nos ao nada".
Ademais, como aponta Messas (2006) a respeito da vivência temporal
na dependência química, pode-se dizer que há, em Raíssa, uma "ampliação
da temporalidade presente da consciência" (p.25), com a implicação estrutural
de "uma consciência incapaz de experimentar sentimentos dolorosos e,
portanto, sem suficiente densidade para enfrentar determinados problemas de
sua biografia" (p.157). Observa-se nela uma restrição vivencial ao nível do
agora, do instantâneo, pois, por um lado, quando o passado visita e penetra
no presente através de recordações carregadas de afetos angustiantes,
ameaça-se sua frágil estrutura temporal calcada no presente, manifestando-se
fenômenos que se traduzem em fissura, atuações agressivas ou maisracionalizações; pelo outro, o devir encontra-se barrado, com quase nenhuma
abertura, implicando um futuro vivido empobrecido e restrito à precariedade da
previsão racional (Minkowski, 1933/1973).
Sua capacidade de vibrar em uníssono com as pessoas mostrava-se
ainda mais comprometida no começo do trabalho de AT, cerca de dois anos
atrás. Fez-se preciso um árduo trabalho para que uma mínima vinculação com
o at fosse estabelecida, sendo que trazê-la para o âmbito da relação
interpessoal elegeu-se como o pilar interventivo sobre o qual se sustenta toda
a terapêutica do caso.
Houve um dia, por exemplo, em que o at foi buscá-la no trabalho e,
devido a um acidente automobilístico numa via arterial da cidade, ficou preso
num congestionamento inescapável. Angustiado, calculou que se atrasaria, no
mínimo, 40 minutos para estar lá no horário combinado. Tomado de um pavor
que subitamente tornou difícil até sua própria respiração, telefonou-lhe para
comunicar o atraso. Imediatamente, Raissa disparou-lhe, furiosa, uma série de
ataques: "como assim?", "que palhaçada é esta?", "que tipo de profissional é
você?". O at tentou-lhe explicar que não havia palavra em português para
descrever o trânsito na Avenida Bandeirantes, que havia saído de casa uma
hora e meia antes do horário combinado, como sempre o fazia, mas algo
excepcional ocorrera neste dia, frente ao qual não havia o que ser feito. Ela
continuou bombardeando-lhe com sentenças agressivas até dizer a seguinte:
13
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
"Eu tenho meus problemas, você tem os seus. Isso agora é um problema seu!
Acha um atalho, se vira, não quero nem saber!!!". Neste momento, o at
respondeu-lhe: "Raíssa, isto é um problema nosso!". Depois desta intervenção,
ela cessou fogo. Creio que pôde perceber, um pouco, o quanto ele também
estava angustiado e implicado naquela situação toda e, assim, acalmar-se
minimamente. Quando ela entrou no carro, de fato cerca de 40 minutos depois
de seu horário de saída do serviço, o at cumprimentou-a e disse-lhe que
compreendia o quanto era difícil para ela suportar sua ausência.
Duração Vivida
Minkowski (1933/1973) descreve a diferença entre a duração vivida,
referente às experiências que se vivem em harmonia com o tempo subjetivo
de cada um, e a duração elementar pensada, experienciando-as a partir do
estabelecimento racional de um intervalo de tempo mensurável (∆t). No
primeiro caso, trata-se de fenômenos que penetram no fluxo vivente do tempo,
durando enquanto fluem e fluindo enquanto duram; já no segundo, o fenômeno
é experimentado como "uma série de instantes que se sucedem" (p.28), como
"pontos justapostos" (p.29) que se apresentam sem penetração no fluxo
temporal. Segundo Barthelémy (2012), a duração vivida refere-se à própria
possibilidade de experimentar, enquanto sua faceta espacializada, ao
movimento mental de contabilizar.
Neste sentido, pode ser compreendida uma das falas mais
paradigmáticas de Raíssa, ao referir-se às suas vivências de abstinência,
duramente perseguida sobretudo após suas altas institucionais: "minha vida
resumiu-se a seis, sete, oito meses de abstinência. Não aguento mais isso,
não vejo sentido algum nisso, nasci pra morrer aos 30, não aos 70". A
abstinência, aqui, é vivida nos moldes da duração puramente racional e, por
isso mesmo, impossibilitada de ser significada e apropriada pela paciente.
Contudo, podemos pensar que das implicações e decorrências desta vivência
temporal empobrecida dá-se conta ela própria, quando diz que não mais
suporta viver reduzida a um ∆t mais ou menos longo. Isso foi entendido pelo
at como um bom sinal prognóstico, o qual harmoniza com sua crescente
possibilidade, mediante o rosto devotado do at, de suportar o vazio que se lhe
apresenta cotidianamente. Com o tal, Raíssa pode ensaiar um abandono
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
14
progressivo
do
comportamento
abusivo
de
substâncias
e
relações
desvitalizadas, ainda que a busca com sofreguidão pela abstinência psicoativa
nunca tenha sido nossa ética de trabalho.
Cremos que o AT sustentado na ética da relação interpessoal devotada
(Safra, 2009) e no trabalho com as questões originárias da paciente - as quais
já revelavam importantes fraturas a serem cuidadas muito antes de que
pudesse vir a acender seu primeiro cachimbo de crack (Cruz, 2012) possibilitou ao at testemunhar, meses depois, uma fala inédita, a qual a
ressituava em relação ao tempo vivido e à própria vivência de abstinência: "Em
fevereiro completo um ano limpa!". Aqui, o verbo completar e a utilização do
"um ano" - transcendendo a mera justaposição dos vários meses acumulados
-, mostram que Raíssa começava a encarar a abstinência sob uma outra ótica,
qual seja, a da duração vivida. O próprio abuso iniciava a perder-lhe o sentido,
menos por um trabalho racional e decifrativo de revelação do "mecanismo de
suas recaídas" do que pela própria experiência orgânica, vivente e
compenetrada
possibilitada
pela
relação
interpessoal,
íntegra
e
cuidadosamente construída com seu at. Neste sentido, por exemplo, o at
costumava lhe compartilhar, quando ela dizia que nascera para morrer aos 30
e não aos 70, sua vivência espontânea do quão abalado e agoniado ficaria
caso isso viesse mesmo a acontecer.
Espera e esperança
Minkowski (1933/1973) descreve a espera e a esperança como dois
fenômenos essenciais em relação ao futuro vivido. A espera, no sentido
fenomenológico, não se reduz a um determinado período de tempo (∆t)
durante o qual aguardamos, por exemplo, a chegada de um trem ou o sol
brilhar novamente depois de uma tempestade de verão. Apesar de poder
desdobrar-se nestas vivências temporais quantificáveis, mais ou menos
agradáveis, em seu sentido originário a espera
engloba todo o ser vivente, suspende sua atividade e o
congela, angustiado, na espera. Contém em si um fator de
brutal detenção e faz ansioso o indivíduo. Dir-se-ia que todo
o devir, concentrado fora do indivíduo, cai, como uma massa
potente e hostil, sobre ele, tratando de o aniquilar; é como
15
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
um iceberg que bruscamente surge ante a proa de um navio
e que num instante se chocará fatalmente contra ele. (p.83)
O que está em jogo, na espera, é a revelação de um futuro imediato,
cujo alcance é significativamente restrito em termos da infinitude do devir. Por
isso, ela é sempre ansiógena, uma vez que não vivemos sequer o presente na
espera, mas tão somente este futuro imediato. Ao contrário do fator de
expansão contido na atividade do sujeito - expressão encarnada do ímpeto
vital - na espera sentimos o doloroso impacto da ação direta do ambiente sobre
nós, de forma que ela carrega, fenomenologicamente, um fator de
encolhimento. Seu valor vital, contudo, reside na possibilidade de podermos
“suportar os (inevitáveis) golpes que vêm de fora” (Minkowski, 1933/1973,
p.86-7, parênteses nossos).
Já a esperança, como a espera, também revela um futuro que vem em
nossa direção, porém "um futuro mais afastado, mais amplo, cheio de
promessas" (Minkowski, 1933/1973, p. 95). Este libera-nos da espera ansiosa,
ao mesmo tempo em que rompe com o futuro imediato, pois vai além dele.
Descortinando-nos longinquamente o devir, a esperança abre ante nós um
futuro amplo, fenômeno que nos permite sermos visitados pela experiência do
sublime.
Restrita em sua vivência temporal, Raíssa é atravessada por cotidianas
crises de ansiedade. Atada ao futuro imediato, vive constantemente acuada,
trêmula e encolhida. O futuro se lhe apresenta exclusivamente através do
fenômeno da espera, pois está impossibilitada da vivência da esperança. Para
ela, as infinitas possibilidades que um futuro menos imediato poderiam trazer
perdem espaço para certezas mórbidas a respeito da perpetuação crônica de
seu vazio, desconfiando da própria capacidade da vida em lhe surpreender e
mostrar-se de forma que valha a pena ser vivida. O relaxamento e o repouso
da ampliação temporal baseada na esperança (assim como na possibilidade
de enriquecer-se das experiências do passado) não emergem de sua
experiência cotidiana, vista como "uma eterna mesmice" (sic).
A intervenção do at, neste âmbito, visa resgatar-lhe a possibilidade
originária do surpreender-se, encarnando-se a esperança e, logo, a
possibilidade de ampliação da vivência do futuro na relação interpessoal. Por
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
16
exemplo, certa vez Raissa comunicava ao at, extremamente agoniada, sua
intenção suicida ou, no mínimo, "uma recaída de proporções nunca antes
imaginadas" (sic). Referia não suportar mais sua vida abstêmia, na qual nada
era
sentido
como
real
e
tudo
era
oco;
"quando da vida bandida, pelo menos, existia a incerteza de estar viva no dia
seguinte" (sic). Acolhendo-a, foi-lhe dito que, por paradoxal que pudesse ser,
este vazio que se lhe apresentava era, agora, a experiência mais real e
existente possível em sua história e que, se pudesse seguir suportando estas
vivências - contando para isso com a ajuda do at - continuariam como que
adubando o solo da vida para que dele, talvez, algo novo pudesse brotar. Após
um longo silêncio elaborativo, ela acalmou-se e, recuperando seu humor
agressivo, disse-lhe com certa ironia para ficar tranquilo, pois não estava
disposta a, de fato, recair. Ressaltou-lhe o at que suas recaídas em nada lhe
interessavam diretamente, senão que o nosso foco do trabalho era sua
evolução como pessoa (Safra, 2009).
No dia seguinte, arriscou-se um ato interventivo: o at foi lhe buscar em
seu trabalho, sem qualquer aviso prévio. Quando saía do prédio da empresa e
preparava-se para chamar um táxi, "brotou" em sua frente o at, com um sorriso
largo e acolhedor: "Oi, Raíssa!". Ela, assustada, perguntou-lhe o que estava
fazendo ali. Ele disse: "surpresa! vim te buscar". Cremos que foi a primeira vez
em que a viu sorrir sem lançar mão de anedotas violentas e irônicas: "ai, não
precisava (risos)", comentou embaraçada. Desdobrou-se, no caminho à sua
casa, uma conversa mais tranquila, na qual ela lhe disse que havia se sentido
um pouco melhor depois do encontro no dia anterior mas que, de fato, jamais
imaginou que ele pudesse aparecer lá de surpresa. Mais uma vez, pontuoulhe com firmeza seu at: "Raíssa, nunca subestime a capacidade da vida em te
surpreender!".
E, como uma verdadeira aliada do at, a Vida continuou e continua
surpreendendo-lhe: duas semanas após o acontecido, contou-lhe haver
encontrado uma antiga amiga da faculdade em sua rua, e que decidiram sentar
para tomar um café, durante o qual desenrolou-se uma conversa que lhe
permitiu ser visitada por boas recordações de uma parte constitutiva de seu
passado. Desta vez, o passado penetrara o presente trazendo-lhe boas
17
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
recordações, ampliando o escopo de sua restrita vivência temporal ao
presente.
Quanto às recordações do passado com conteúdos angustiantes e
ambivalentes, essas lhe têm começado a ser toleradas mais recentemente. Há
algum tempo, foram a uma peça de teatro ante a qual ela referiu não ter muitas
expectativas de "ser destruída" (sic)8. A encenação, repentinamente, revelouse repleta de simulações de abuso de cocaína e de orgias sexuais, bem ao
modo da sua "vida bandida". Ansiosa e assustada pelo que subitamente se
apresentava, demonstrou extrema agonia e fissura. O at perguntou-lhe se
queria sair da sala, mas ela insistiu em ver a peça até o final (estavam na
primeira fileira). Ao término da mesma, absolutamente trêmula e fumando um
cigarro atrás do outro, começou a questionar-se sobre "que vida é esta que
estou levando, em que só trabalho, trabalho, trabalho, não bebo, não cheiro,
não faço nada, no máximo vejo um filme ou uma peça", ao mesmo tempo em
que "eu quero muito voltar pra vida bandida, sonho com isso todos os dias,
mas não dá mais, eu sei que não dá, sempre tem o dia seguinte...". Vibrando
em uníssono com sua agonia, o at disse-lhe: "Raíssa, creio que você está me
contando de dois mundos inabitáveis: o da mesmice da rotina, em que nada
de novo emerge, e o do abismo da vida bandida, cujas consequências
mortíferas você pode descrever melhor que ninguém. Será que, então, não
existe um lugar intermediário, entre estas duas realidades tão insustentáveis
quanto inóspitas?". Ao ouvi-lo, encarou-o profundamente. Brotou um profundo
silêncio, no qual era possível como que vislumbrar a extrema angústia que lhe
intimava ser destinada. No caminho de volta para sua casa, o at sustentou sua
intervenção, dizendo-lhe que não só ela, mas todos os homens estavam
submetidos a tal determinação ontológica, que tão bem descreve Safra (2004):
O homem se encontra na fragilidade do entre: entre o dito e o indizível,
entre o desvelar e o ocultar, entre o singular e o múltiplo, entre o
encontro e a solidão, entre o claro e o escuro, entre o finito e o infinito,
entre o viver e o morrer (p.24).
Ao deixá-la em casa e percebê-la mais calma e integrada, arriscou uma
brincadeira. Sorrindo, lhe exclamou: "Bem-vinda ao drama humano, Raíssa!".
Ela riu e, em seguida, o at ressaltou-lhe para lhe telefonar a qualquer hora da
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
18
madrugada se necessário (ainda que da intervenção, ela permanecera
consideravelmente fissurada com a peça). Em harmonia com sua
impossibilidade de reconhecer a interdependência das relações humanas,
desdenhou ironicamente: "ah tá, vai sonhando!".
Considerações finais
Analisando o caso em termos do tempo vivido, podem ser descritas
duas vertentes de transformações em Raíssa através do trabalho de AT.
Em primeiro lugar, sua restrição à experiência de uma temporalidade
excessivamente quantificável, calculável e controlável foi, gradualmente,
abrindo espaço para a emergência vivencial do tempo-qualidade, aquele que
não se presta à racionalização objetiva mais do que um pensamento abstrato
é capaz de fazer (Minkowski, 1933/1973). Isso permitiu-lhe, mesmo que de
forma muito incipiente, experimentar sensações de relaxamento, repouso e
fluxo, em harmonia com o tempo do devir e seu correlato: o contato vital com
a realidade.
Ademais, sua fixação estrutural ao agora pôde ser ligeiramente
ampliada: por um lado, apresentando-lhe a esperança no devir através da
faceta do surpreender-se, o que lhe descortina um futuro mais longínquo do
que aquele permitido apenas pela espera ansiosa; pelo outro, sustentando sua
angústia decorrente da penetração de conteúdos biográficos do passado no
presente, como a "vida bandida", o que fortalece a densidade de sua tessitura
sentimental (Messas, 2006) e permite a Raissa começar a vivenciar os
correlatos de suas fraturas psíquicas e existenciais sem lançar mão, pelo
menos imediatamente, de mecanismos auto-destrutivos tais quais as recaídas.
Tais mudanças foram viabilizadas, a nosso ver, pelo trabalho de AT
baseado na ética da Hospitalidade (Safra, 2009), a qual convida o at a suportar
e sustentar os desarranjos psíquicos - e, eventualmente, físicos - decorrentes
do acolhimento devotado da alteridade do paciente. Minkowski (1927/2000)
tocou neste ponto ao propor a relevância do "diagnóstico por compenetração"
(p.80), postura simultaneamente investigativa e terapêutica que "penetra na
personalidade do outro em sua totalidade como tal e que a percebe, em um só
ato, por sentimento, em tudo o que há de morto e vivo nela" (p.82).
19
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
Ilustra-se, assim, a fecundidade da obra de Minkowski para a
fundamentação do dispositivo do AT, tanto formal (Minkowski, 1923/1970)
quanto clínica e eticamente (Antúnez, Barretto, & Safra, 2011).
Notas
1
Psicanalista, acompanhante terapêutico (at do caso apresentado), mestrando
pelo Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP e membro do Núcleo de
Pesquisa e Laboratório PROSOPON. Email: [email protected] Bolsista
CNPq - número do processo 134114/2015-9
2
Professor Livre-Docente do Departamento de Psicologia Clínica da USP e
coordenador do Núcleo de Pesquisa e Laboratório PROSOPON. Email:
[email protected]
3
Psicólogo, acompanhante terapêutico, mestrando pelo NEPES (FMABC).
Email: [email protected]
4
Todas as citações literais de Minkowski no presente trabalho foram traduzidas
pelos autores. Assim, dispensaremos a especificação do "tradução nossa" nas
próximas.
5
Apesar de seu objetivo manifesto ser menos terapêutico do que científico Minkowski procurava compreender a essência da enfermidade mental mais do
que desenvolver dispositivos clínicos para intervir frente às suas
manifestações mórbidas -, ele se dá conta que sua "mera" companhia servia
de alguma ajuda ao paciente (Minkowski, 1933/1973). Desta observação,
vemos como o termo Acompanhamento Terapêutico é redundante, pois o
acompanhar já é terapêutico em seu sentido originário (Cf. Barretto, 2012b).
6
Segundo Barthélémy (2012), o método que Minkowski acaba por delinear chamado de Fenômeno-Estrutural - também é extensível à compreensão das
subjetividades não patológicas, e não somente da estrutura da personalidade
dos supostos portadores de alguma afecção mental. O próprio questionamento
científico de Minkowski (1933/1973) vai mudando ao longo desta descoberta:
de como penetrar na essência do fenômeno psicopatológico sob a égide do
tempo vivido, passar a questionar-se sobre como compreender os sutis
mecanismos da personalidade humana em geral e, finalmente, propõe-se
investigar a essência mesma dos fenômenos originários que compõem a vida.
7
Sobre este conceito (frequentemente traduzido, em nosso meio, por
ímpeto/impulso vital ou pessoal), esclarece-nos Deleuze (1966/2012, p. 81-2)
o seguinte: "O que Bergson quer dizer quando fala em impulso vital? Trata-se
sempre de uma virtualidade em vias de atualizar-se, de uma simplicidade em
vias de diferenciar-se, de uma totalidade em vias de dividir-se..."; é a própria
essência da vida, um perene movimento de diferenciação, "mas por que a
diferenciação é uma 'atualização'? É que ela supõe uma unidade, uma
totalidade primordial virtual, que se dissocia segundo linhas de diferenciação,
mas que, em cada linha, dá ainda testemunho de sua unidade e totalidade
subsistentes". Minkowski, fundamentado por tal ideia, sustentará que a vida
acontece, em essência, como "uma potência dinâmica de superação"
(Canguilhem, 1943/2011, p. 74). Em suas próprias palavras: "o ímpeto [vital]
cria diante de nós o futuro e é isso o que ele faz" (Minkowski, 1933/1973, p.
39), implicando que, primitivamente, nunca trata-se de "um ímpeto que parta
DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
20
de... senão unicamente [de] um ímpeto em direção a..." (p. 42). Estando toda
nossa vida orientada ao futuro vivido, e sendo o ímpeto a própria possibilidade
de abrir-se e criar-se diante de nós este futuro, não nos resulta difícil
compreender por qual motivo Minkowski (1933/1973) concebe que, "no fundo,
não há mais que um único fenômeno, o do ímpeto vital" [itálicos nossos] (p.
40).
8
É interessante a observação do autor de que o futuro, sob determinado ponto
de vista, é mais estável que o presente, sempre fugaz, e que o passado, do
qual nos afastamos progressivamente. Desta forma, concebe passado,
presente e futuro como fenômenos estruturalmente diferentes, tornando o
raciocínio lógico de sobrepô-los em uma linha reta e bidimensional mais
afastado de nossa realidade subjetiva do que um exame pouco atento poderia
sugerir.
9
Embora também se possa falar da perda do contato vital com a realidade, em
maior ou menor grau, em todas as manifestações psicopatológicas (Tatossian,
2012).
10
Nome fictício.
11
A este respeito, por exemplo, Cf. Nassif, S.L.S. & Bertolucci, P.H.F. (2003).
Aspectos neuropsicológicos na dependência química: cocaína. Um estudo
comparativo entre usuários e controles. In J.T. Rosa & S.L.S. Nassif. Cérebro,
inteligência e vínculo emocional na dependência de drogas (pp. 83-105). São
Paulo: Veto.
12
Esta é uma outra expressão paradigmática de Raíssa: ela demanda por algo
que "a destrua", querendo dizer, com isso, que busca por experiências que a
toquem e a emocionem profundamente. A este respeito, aproximam-se os
modelos antropológicos de Minkowski (1923/1970) e Safra (2006), no que toca
à relevância da compreensão do idioma pessoal do paciente.
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23
O Tempo Vivido no Acompanhamento Terapêutico
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DaniloSallesFaizibaioff, Andrés Eduardo Aguirre Antúnez, Leonardo Gonzalez
24
O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE (SUS): O QUE PENSAM OS TRABALHADORES DA REDE
PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL DE UBERLÂNDIA/MG.
ACCOMPANIMENT THERAPEUTIC IN HEALTH SYSTEM SOLE (SUS): WHAT
THINK
THE
NETWORK WORKERS
PUBLIC
MENTAL
HEALTH
UBERLÂNDIA/MG.
ACOMPAÑAMIENTO TERAPÉUTICA EN SISTEMA ÚNICO DE LA SALUD
(SUS): ¿QUÉ PIENSA LA RED PÚBLICA DE TRABAJADORES DE SALUD
MENTAL UBERLÂNDIA/MG.
Ricardo Wagner Machado da Silveira1
Ana Paula de Sousa e Silva2
Adrielly Garcia Siebert3
Camila Cristina Mota4
Luiza Marianna Gonçalves Reis5
RESUMO
A presente pesquisa objetivou investigar junto aos profissionais dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e Centro de Convivência da Rede Pública de Saúde Mental da cidade de
Uberlândia, qual o conhecimento que têm acerca da modalidade de atendimento denominada
Acompanhamento Terapêutico, das características que acreditam que deve ter um acompanhante
terapêutico para o desempenho de sua função, dos casos indicados para este profissional e de
sua viabilidade na rede pública de saúde. A investigação contou com a participação de 50
profissionais das instituições acima, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, pedagogos,
farmacêuticos e assistentes sociais. Os dados coletados foram analisados pela metodologia da
Análise de Conteúdo e constatamos que a maioria dos profissionais possui algum conhecimento
sobre o Acompanhamento Terapêutico, inclusive alguns já trabalharam com acompanhantes
terapêuticos, consideram que é importante que ele tenha uma boa capacidade de acolhimento,
conhecimento teórico em saúde mental, uma postura ética adequada para o exercício da função
e flexibilidade no manejo clínico e acreditam na sua viabilidade dentro da rede pública de saúde.
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico; Saúde Mental; Saúde Pública; Reinserção
Psicossocial.
ABSTRACT
This research aimed to investigate with the professionals of Psychosocial Care Centers (CAPS)
and Family Center Public Network of Mental Health of the city of Uberlândia, which their knowledge
about the type of service called Therapeutic Accompaniment of the features which believe must
have a therapeutic companion for the performance of its function, cases designated for this work
and its viability in public health. The research involved the participation of 50 professionals from the
above institutions, including physicians, nurses, psychologists, teachers, pharmacists and social
workers. Data were assessed using Content Analysis and found that most professionals have some
knowledge of the Therapeutic Accompaniment, including some already worked with therapeutic
companions, consider it important that he has a good ability to host, theoretical knowledge in mental
health, proper ethics for the exercise of the function and flexibility in the clinical management and
believe in its viability within the public health system
KEYWORDS:
rehabilitation.
Therapeutic Accompaniment ; Mental Health; Public Health; Psychosocial
RESUMEN
Este estudio investigó con los profesionales de los Centros de Atención Psicosocial (CAPS) y
Family Red Pública de Salud Mental de la ciudad de Uberlândia Center, que sus conocimientos
25
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
sobre el llamado modo de servicio de Acompañamiento Terapéutico de las características que
considera que debería tener un compañero terapéutico para el desempeño de su función, los casos
designados para este trabajo y su viabilidad en la salud pública. La investigación contó con la
participación de 50 profesionales de las instituciones antes mencionadas, incluyendo médicos,
enfermeras, psicólogos, maestros, farmacéuticos y trabajadores sociales. Los datos obtenidos
fueron analizados por la metodología de análisis de contenido y encontró que la mayoría de los
profesionales tienen algún conocimiento del Monitoreo Terapéutico, incluyendo algunos ya
trabajado con compañeros terapéuticos, considero importante que él tiene una buena capacidad
de carga, el conocimiento teórico en la salud mental, la ética adecuados para el ejercicio de la
función y la flexibilidad en el manejo clínico y cree en su viabilidad dentro del sistema de salud
pública.
PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico; Salud Mental; Salud Pública; La rehabilitación
psicosocial
UMA BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
De acordo com as referências pesquisadas, constatamos que o
Acompanhamento Terapêutico (AT) surgiu efetivamente na Argentina, na década
de 1970, como mais uma ferramenta de substituição e desmantelamento do
clássico modelo manicomial de tratamento de transtornos mentais graves.
Num breve resgate histórico da luta mundial contra modelo manicomial, a
partir dos anos 50 e 60 se constituem os importantes movimentos de
questionamento e proposição de novos saberes e práticas para o cuidado a
pessoas em sofrimento psíquico, dentre eles as Comunidades Terapêuticas de
Marxwell Jones e a Antipsiquiatria de David Cooper, Ronald Laing e outros na
Inglaterra; a Psiquiatria Democrática de Franco Basaglia na Itália e a Psicoterapia
Institucional de Tosquelles na França. Esses movimentos tinham em comum o
esforço coletivo para que as pessoas em sofrimento mental fossem ouvidas,
garantindo sua expressão e convivência social sem dominação de qualquer
espécie, exploração ou segregação.
Atualmente
sabemos que
o
processo de
desmantelamento
dos
manicômios, ou seja, da desospitalização não é suficiente para que se alcance os
objetivos propostos acima, é necessário um processo de desinstitucionalização
que passa pela criação e sustentação de uma política cotidiana de acolhimento
às pessoas em sofrimento psíquico, tecida pelas redes sociais e institucionais.
Foi neste cenário que surgiu o at como um profissional da rede de saúde
mental que acompanha o usuário nesse processo de reinserção psicossocial e
cotidiana.
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
26
Inicialmente ele era chamado de “amigo qualificado”, só depois é que
passou a ser designado at por conta da ambiguidade que existia entre a ideia de
amigo e terapeuta.
Atualmente é consenso dizer que o at não é um amigo, mesmo que
estabeleça vínculo afetivo com o acompanhado, é sim um profissional que
pertence a uma equipe psicoterapêutica, faz um trabalho de acolhimento ao
sujeito e é remunerado para isso. Acreditou-se que at se enquadra melhor à
função clínica exercida e consegue indicar a proximidade do vínculo e a função
acolhedora dessa nova modalidade de atendimento (Araújo, 2005; Equipe De
Acompanhantes Terapêuticos Do Hospital-Dia A Casa, 1991; Mauer & Resnizky,
1987).
As primeiras experiências de AT no Brasil ocorreram na Clínica Pinel em
Porto Alegre. Dentre os serviços oferecidos neste local, o atendente psiquiátrico
(modo como era chamado o at naquele serviço) exercia a função de colocar em
prática o plano terapêutico desenvolvido para cada paciente, tanto dentro da
Comunidade Terapêutica, como fora dela. Esse profissional era chamado pelos
psicoterapeutas de “atendente grude”, grude porque implicava em evitar que o
inusitado acontecesse. Caracterizava-se por ser um serviço usado principalmente
para pacientes agressivos e/ou em risco de morte (Silva & Silva, 2006).
No período de difusão do AT, as publicações tiveram como característica
prevalente os relatos de casos clínicos em livros, somente nos últimos anos é que
surgem mais publicações no formato de artigos em periódicos científicos.
(Benatto, 2014)
Nesse contexto, sempre norteado pelos fundamentos da Reforma
Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, o AT abriu portas para a inserção de novos
dispositivos
de
atenção
ambulatorial
em
saúde
e
saúde
mental
e,
consequentemente, para a emergência de novas reflexões e posturas acerca das
demandas clínicas emergentes (Pulice, Manson & Teperman, 2005).
Na medida em que o at foi tornando-se referência no tratamento da crise
psíquica e as experiências extra-muros foram se consolidando, o mercado de
trabalho para esse profissional se ampliou e ganhou qualificação. O fato é que
esta modalidade de atendimento não está regulamentada profissionalmente e são
múltiplos os saberes e práticas que a compõe. Antes era exercida especialmente
por estudantes de Psicologia e Medicina e outros profissionais da área da Saúde
27
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
Mental como enfermeiros e auxiliares de enfermagem, no entanto o perfil do at
vem sendo construído com características próprias ao longo do tempo (Alvarenga,
2006).
Dessa forma, a clínica do AT pode ser definida como uma modalidade de
atendimento terapêutico incorporada à saúde mental, que tem por objetivo
promover a reinserção psicossocial das pessoas em grande sofrimento mental.
Autores como Chauí-Berlinck (2011) dirão que o objetivo maior do AT é
potencializar o paciente, dando condições para que este tenha uma melhor
qualidade de vida e consiga circular no espaço urbano, criando estratégias e
ações que possibilitem a reinserção social e a autonomia.
É recorrente a referência a Mauer e Resnisky (1987) sobre a lista de funções
que tem o at: oferecer continência para o paciente; ser um modelo de identificação
para o paciente; emprestar o Ego ao paciente; perceber, reforçar e desenvolver a
capacidade criativa do paciente; informar ao paciente sobre o seu mundo objetivo;
representar o terapeuta para o paciente; atuar como um agente de ressocialização
do paciente que sofre, em muitos dos casos, uma desconexão com o mundo real;
contribuir para melhorar as relações do paciente com sua família, facilitando esse
convívio. Alguns autores vão revisitar estas funções para problematiza-las, revisálas e por vezes desconsiderá-las. (Ver Pulice, 2014).
De qualquer forma, segundo as autoras acima, o at desempenha suas
funções como um guia personalizado. Sua prática costuma ocorrer em espaços
urbanos que possibilitam maior liberdade e rompimento do isolamento vivido pela
maioria dos acompanhados.
Após esta brevíssima introdução, passemos à investigação junto aos
profissionais que atuam na rede pública de saúde mental local, em dispositivos
como os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS, CAPSad e CAPSi) e o Centro
de Convivência, a respeito dos conhecimentos, experiências que possuem em
relação ao trabalho do at, e em relação ao seu posicionamento referente à
viabilidade ou não da presença deste profissional na rede pública de saúde e
saúde mental.
Sobre o caminho de investigação percorrido
Esta pesquisa foi realizada em 2011 como projeto de iniciação científica do
curso de graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
28
Federal de Uberlândia. Para tanto, foram realizadas 50 entrevistas com
profissionais de nível superior dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS,
CAPSad e CAPSi) e do Centro de Convivência da rede pública municipal de saúde
da cidade de Uberlândia-MG.
Entre os profissionais haviam médicos,
enfermeiros, psicólogos, pedagogos, farmacêuticos e assistentes sociais. Os
requisitos para definição do perfil dos entrevistados foram: profissional de nível
superior com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos e com mais de 1 ano
de experiência nos CAPS e Centro de Convivência.
Tratava-se de uma entrevista semidirigida, realizada individualmente no
próprio local de trabalho dos profissionais, em condições que garantissem o sigilo
e a tranquilidade para que o procedimento fosse realizado. Com a permissão dos
entrevistados através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, as entrevistas foram gravadas para a transcrição fidedigna das
respostas, seguindo-se todos os procedimentos éticos assumidos junto ao
Conselho de Ética para pesquisas com humanos da Universidade Federal de
Uberlândia.
Os dados coletados foram analisados do ponto de vista qualitativo e
quantitativo, com o tratamento e interpretação dos resultados obtidos de acordo
com a Análise de Conteúdo de Bardin (2008). Buscou-se com este tipo de análise
romper com as impressões do senso comum e com as subjetividades dos
pesquisadores, a fim de proporcionar maior confiabilidade em relação aos
achados e conclusões a que chegamos.
Durante a pesquisa e as entrevistas realizadas, foram investigadas
diversas questões a respeito do AT: a definição de AT, o conhecimento que os
entrevistados possuíam acerca
dessa modalidade
de atendimento,
as
características que o at deveria ter para desempenhar bem sua função, os casos
e/ou situações que deveriam ser indicados a esse profissional, bem como o que
pensavam sobre a viabilidade ou não do AT na rede pública de Saúde Mental do
município.
A amostra da presente pesquisa foi escolhida pelo critério randômico, num total
de 50 sujeitos, com idade que variou de 24 anos até 65 anos. Dos entrevistados,
havia 33 psicólogos (representando 66% da amostra), 8 assistentes sociais (16%
da amostra), 4 médicos (8% da amostra), 3 enfermeiros (6% da amostra), 1
farmacêutico (2% da amostra) e 1 pedagogo (2% da amostra).
29
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
Ao investigar os conhecimentos que os profissionais dos CAPS e Centro
de Convivência possuem em relação ao AT, verificou-se que a maioria dos
profissionais (94% da amostra considerada neste caso), possui algum
conhecimento sobre o que é o AT, sendo que apenas 6% dos entrevistados nunca
ouviram falar de Acompanhamento Terapêutico. Dos que desconheciam esta
modalidade de atendimento encontramos um médico – representando 25% dos
médicos entrevistados; um psicólogo - representando 3% dos psicólogos
entrevistados; e um assistente social - representando 12,5% dos assistentes
sociais entrevistados.
Tais dados de início nos surpreenderam tendo em vista que o AT ainda se
mostra como uma prática mais restrita ao âmbito da clínica privada ou quando
muito, presente na forma de estágios profissionalizantes na rede pública de saúde
mental. Além disso, é uma modalidade de atendimento que se encontra em fase
de consolidação teórica e técnica, não sendo ainda uma atividade reconhecida
como específica da área de saúde mental (Londero; Pacheco, 2006).
Por outro lado, é preciso contextualizar que em Uberlândia contamos com
o pioneirismo de alguns profissionais que trabalham com AT como é o caso da
equipe da Clínica Trilhas (uma clínica privada e de destaque na cidade), ou o caso
de estágios profissionalizantes em cursos de gradução de Psicologia que
acontecem desde 1990 em instituições de ensino público e privado da cidade.
Em relação à definição de AT e às intervenções concernentes ao at,
observou-se que 28% desses profissionais definem o AT como uma modalidade
terapêutica/ atendimento diferenciado, na medida em que se diferencia do que
chamaram de “clínica tradicional” por estar presente no contexto de vida diária do
paciente, fora de instituições de tratamento ou de um setting clássico, permitindo
maiores aproximações com o acompanhado, não descaracterizando a função
clínica ou terapêutica do atendimento. Dentre as falas dos entrevistados
destacamos: “alguém que possa estar no espaço do sujeito de fazer uma clínica
literalmente onde o sujeito está”; “é um dispositivo clínico de intervenção fora dos
moldes institucionais”.
Nesse sentido, Carvalho (2004) aponta algumas características da clínica
do AT que vão ao encontro ao conceito de atendimento diferenciado que os
entrevistados atribuíram ao AT. Segundo a autora, o AT é uma clínica que ocorre
no cotidiano do acompanhado, em que os atendimentos acontecem em diferentes
locais que fazem parte da vida do paciente, o at se relaciona com a rede social do
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
30
paciente, como os amigos, demais profissionais envolvidos no tratamento e
familiares, podendo presenciar a intimidade da família. A duração dos encontros
pode ser maior que a das psicoterapias e os locais dos atendimentos, são
caracterizados pelo que Fulgêncio Jr. (1991, citado por Carvalho, 2004)
denominou de “setting ambulante”, em que não depende de um determinado
espaço físico, mas acontece onde estejam presentes acompanhante e
acompanhado.
Outro elemento apontado pela autora diz respeito à escuta diferenciada,
pois acontece num contato direto com a vida do paciente, testemunhando diversas
situações cotidianas. Ela chama de “escuta da ação”, pois considera os diversos
elementos da comunicação que o paciente estabelece, “implica em acolher aquilo
que extrapola o que o paciente consegue dizer ou elaborar” (Carvalho, 2004, p.
101).
Constatou-se também que grande parte dos entrevistados (52%) entende
o at como aquele que acompanha/orienta as atividades de vida diária do paciente,
sendo uma resposta comum a todas as formações profissionais pertencentes à
amostra. Os profissionais entrevistados apontam, em relação a esta categoria,
que o at “está mais presente na vida social do paciente”; “acompanha pacientes
nas diversas atividades do dia-a-dia”; “realiza atividades do paciente como
passeios e orientações”; “acompanha nas atividades, onde o paciente gostaria de
ir”.
Nesse sentido, a ideia de que o at é quase como um auxiliar ao paciente,
como alguém que orienta e está próximo do acompanhado no cumprimento das
atividades que são indispensáveis ao seu cotidiano e que se mostram relevantes
para o tratamento.
Londero e Pacheco (2006) apontam que, à medida que o trabalho e as
atividades do at acontecem no espaço e em situações do dia-a-dia do
acompanhado, as intervenções adquirem, muitas vezes, uma função de
monitoração, no caso do risco de uso ou abuso de substâncias, bem como a
função de controle, em casos de agressividade, por exemplo, e de intervenção in
loco.
Em contraposição à ideia de controle e/ou monitoração a ser assumida pelo
at na perspectiva dos autores citados acima, recorremos a Porto (2011) e sua
reflexão a respeito do risco de que as ações do at estejam a serviço do biopoder.
31
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
O biopoder, segundo o autor, refere-se ao exercício de poder que vigia e treina
corpos ao segregar e sujeitar os indivíduos em locais como a prisão, a escola, o
hospital, etc. Trata-se por um lado, do investimento em uma biopolítica das
populações ao regular e controlar contingentes humanos e ao mesmo tempo de
um controle que se dá no nível dos corpos através das disciplinas que
caracterizam a sociedade da normalização como diz Foucault (2000) ou a
sociedade de controle nos dizeres de Deleuze (2008). No contexto da saúde, o
isolamento hospitalar, a medicalização, a hegemonia do saber psiquiátrico são
estratégias de controle e regulação que as novas estratégias clínicas em saúde
mental procuram atingir. Porto afirma que a clínica do AT, acontece onde age o
biopoder, a céu aberto, não mais esquadrinhada pelo hospital psiquiátrico.
Paradoxalmente, uma das potencias do AT é justamente o fato de se aproximar
das decisões coletivas, das construções autônomas articuladas com as redes
sociais e a desinstitucionalização. Queremos crer que por conta desse paradoxo
é que Porto, sugestivamente fala de um perigoso enamoramento entre o AT e o
biopoder.
Outra opinião frequente dos profissionais entrevistados refere-se à
proposta do AT para a reinserção social e a autonomia do paciente, sendo esta
categoria considerada por 36% dos entrevistados. Os profissionais acreditam que
o at estabelece uma mediação entre o acompanhado e a sociedade, à medida
que auxilia o paciente na construção de vínculos sociais, na inserção em espaços
ainda não frequentados, possibilitando a construção de maior autonomia ao
acompanhado. Tais afirmações estão presentes em frases como: “o AT funciona
como uma modalidade que dá socialização e autonomia ao paciente, inserção na
família e na comunidade”; “...garante um lugar no mundo ao paciente...”; “...é uma
forma de fazer com que o paciente circule para favorecer a ressocialização,
estabelecendo novos vínculos fora do meio dele ...”.
As fontes bibliográficas pesquisadas afirmam que o AT enquanto uma
clínica disposta a desfazer o isolamento dos pacientes por ocorrer nos mais
diferentes espaços e contextos, visando promover a circulação do paciente pela
cidade e explorar nesse acompanhar, as redes sociais preexistentes. O AT cria
condições de possibilidade para que o acompanhado possa se relacionar com
pessoas diferentes das que está acostumado e assim venha a desempenhar
variados papéis sociais, ajudando-o a protagonizar seu processo de inclusão
social (Carvalho, 2004).
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
32
“O AT é uma modalidade clínica que se utiliza do espaço público da cultura, como dispositivo para
o ato terapêutico. O trabalhador de saúde que se utiliza dele na sua prática circula com o usuário
pelo tecido social, facilitando a emergência de um encontro. Ele torna-se, assim, testemunha do
processo de transformação desencadeado, criando outros espaços possíveis para o dito ‘louco’
na cidade.” (Palombini, 2004; pg. 115)
Os profissionais entrevistados (22% deles) também apontaram que o at
“...contribui com a equipe terapêutica...”. Eles destacam que o at faz um
atendimento mais próximo ao paciente, o que fortalece o processo terapêutico
tendo em vista as limitações dos serviços no atendimento a alguns casos, além
de destacarem a importância da parceria entre o at e a rede de serviços de saúde
mental. Dentre as falas pode-se destacar: “...uma abordagem que trabalha junto
com a instituição...”; “...é uma estratégia para ajudar a gente [equipe] no cuidado
com este paciente...”; “...passa informações aqui pro CAPS...”; “...vai até onde a
gente não pode ir...”; “...faz um atendimento na rede pública com as outras
unidades juntas, como uma equipe multidisciplinar...”.
A intervenção do at no cotidiano do paciente se dá num campo privilegiado
de observação e intervenção em que se pode ter outro olhar sobre o
acompanhado, e assim, disponibilizar informações importantes sobre o caso aos
terapeutas. Considerando a importância da troca de informações entre os
profissionais, o at e a equipe podem melhor entender e planejar ações
terapêuticas adequadas para cada caso (Zamignani & Wielenska, 1999;
Baumgarth & Cols., 1999 citado por Londero & Pacheco, 2006).
Por outro lado, as novas informações trazidas pelo at para as equipes
podem gerar desconfortos para a mesma, uma vez que o que ele traz pode ser
visto tanto como algo que potencializa o trabalho terapêutico, como algo que
denuncia limitações e fragilidades da equipe e do serviço.
“...o conjunto de informações novas que o acompanhante terapêutico traz, como mensageiro, para
dentro da instituição, exige da equipe reposicionar-se em relação ao caso, abandonando
estratégias que se tornam rotina, requisitando a intervenção de outros profissionais, fazendo-se
cargo de novas frentes de trabalho, inventando formas inusitadas de ação. O que se coloca em
jogo é a destituição dos saberes já consagrados e o reconhecimento do espaço de ignorância
inerente às práticas profissionais.” (Palombini, 2004, p. 86)
Outra função dos ats destacada pelos entrevistados (20% deles) é
“acompanhar o paciente no ambiente familiar”. Os entrevistados afirmam que o at
33
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
é um profissional que está presente no ambiente domiciliar do acompanhado,
sendo possível um acompanhamento aos familiares. Dentre as respostas dos
profissionais pode-se destacar: “...é um profissional que vai à casa do paciente...”;
“...acompanha o paciente na família...”; “...é um acompanhamento (...) nas coisas
mais próximas da família, mais próximo da casa...”; “...faz um atendimento ao
paciente e à família no inter-relacionamento...”.
De acordo com a literatura pesquisada, vale dizer que o AT é visto como
um importante ponto de referência também para os familiares, que muitas vezes
se mostram cansados e cujos recursos de manejo e convivência se encontram
esgotados. Assim, pelas características do setting do at torna-se quase inevitável
assumir certas responsabilidades junto à família, como: intervir em situações
problemáticas entre os familiares que podem ser nocivas ao paciente, bem como
favorecer a convivência entre os membros, viabilizando uma vida em comum e o
respeito mútuo; além de servir à família como um modelo em relação ao manejo
de situações que envolvem o acompanhado, no sentido de orientá-la quanto às
condutas mais adequadas ao cuidado do paciente (Ribeiro, 2002; Londero &
Pacheco, 2006).
Por fim, verificou-se que 8% dos entrevistados entendem que o at funciona
como ego auxiliar do paciente, fazendo referência a esta função como uma
medida de apoio e suporte às dificuldades do acompanhado. Em relação a esta
categoria, podemos destacar as seguintes falas dos entrevistados: “tem função
terapêutica no sentido de prestar um suporte até de ego mesmo para fazer certas
atividades”, “faz a tradução do mundo para o paciente”.
Em relação à função de ego auxiliar, Mauer e Resnizky (1987) também
atribuem ao at a responsabilidade de emprestar seu ego ao acompanhado,
assumindo a função que o ego deste não é capaz de desempenhar, por conta de
limitações vividas devido ao grande sofrimento psíquico em que se encontra e
pelo modo como é visto e tratado socialmente. Assim o at ajuda a organizar e
cumprir determinadas atividades, bem como decidir pelo paciente, intervindo em
situações que o mesmo ainda não consegue agir por si mesmo. O at pode propor,
então, “pensar junto no sentido de um fortalecimento do ego do acompanhado, de
ajudar na percepção da realidade interna e externa por parte do paciente”
(Paravidini & Alvarenga, 2008; pg176).
Foi possível constatar que 20 profissionais (40% do total da amostra) não
trabalharam com nenhum at. Em meio aos profissionais que relataram já ter feito
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
34
algum trabalho com ats (o que representa 60% do total da amostra), citaram como
atividades feitas em parceria: o planejamento da intervenção do at junto ao
paciente, do qual ambos decidem as melhores estratégias de intervenção para o
projeto terapêutico do paciente; a discussão e troca de informações acerca do
caso atendido, permitindo que ambos tenham maior conhecimento sobre o
paciente.
Fiorati e Saeki (2008) contam de suas experiências em relação a essas
parcerias estabelecidas entre o at e a equipe as quais contribuíram para a
reformulação do projeto terapêutico do usuário do serviço a partir das discussões
realizadas frente a diferentes pontos de vista dos membros da equipe terapêutica,
considerando inclusive a decisão e desejo do próprio paciente em relação ao
tratamento proposto.
Em relação à falta de coesão entre a equipe e o acompanhado, apenas um
entrevistado (2% no total da amostra), que teve a experiência de trabalhar com at,
destacou tais oposições nas ações profissionais, revelando que não houve
comunicação/troca de informações do at com a equipe do CAPS durante sua
experiência, uma vez que foi a família quem contratou o at e a equipe não teve
muito acesso a essa parceria/decisão familiar. Nos dizeres deste profissional: “Foi
difícil o espaço de comunicação e troca, pois a família quem contratou o at, e, às
vezes, não tem essa parceria entre os profissionais da instituição. Além disso, a
equipe não é informada sobre o trabalho do at”.
Entretanto, os entrevistados também apontaram a importante parceria e
desejo comum entre os profissionais de indicarem pacientes do serviço para AT.
Explicam que as equipes dos CAPS avaliam os casos atendidos na unidade e
fazem o encaminhamento do paciente que julgam ter maior necessidade do AT.
Além disso, fazem o contato inicial entre o at e o paciente, e sua família, sendo
de responsabilidade do profissional do serviço mediar essa primeira aproximação.
Os psicólogos foram os profissionais que tiveram maior experiência no
trabalho junto a um at e como at. Apesar desta prevalência de psicólogos
trabalhando como ats, o que vale destacar é que a prática do AT é interdisciplinar
e sua construção deveria ser perpassada por outros campos do saber:
“O AT é uma clínica sim, mas uma clínica que lança mão de teorias que estão distribuídas, ou
seja, a gente precisa de um pouco de filosofia, precisa muito da psicanálise, precisa de arquitetura,
precisa de reichianos e suas teorias corporais, precisa de análise institucional, precisa das teorias
de grupo, quer dizer são todas as teorias que evocam algumas regiões do conhecimento e da
35
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
prática clínica que nos interessam muito para a gente poder desempenhar bem essa função muito
complexa do acompanhante terapêutico.”
(Carrozzo 1997, citado por Carvalho, 2004, p. 32).
Por fim, ao investigar as concepções que os profissionais possuem em
relação às principais características que o at deve ter para desempenhar bem sua
função, a característica que mais apareceu nos relatos, com uma frequência de
50%, é ter capacidade de acolhimento, representada pelas seguintes falas dos
entrevistados: “Ter disponibilidade interna de escuta”; “ter uma capacidade de
conter a angústia e às vezes conter a ira”; “deve ter disponibilidade principalmente
para estar com o outro”; “a pessoa tem que gostar de fazer vínculo e estar com o
paciente”.
Tais respostas condizem com a disponibilidade existencial e concreta do
at, de que nos fala Carvalho (2004), ao mencionar que o at deve ter
disponibilidade de tempo, afeto e dedicação ao acompanhado, aspectos
privilegiados que se constituem ou precisam existir devido à proximidade com o
paciente que este tipo de atendimento propicia. O “estar com” no sentido de
amparar, apoiar, sustentar fisicamente o paciente, estar junto, dar continência,
habilidade de alterar as experiências do acompanhado, ter uma escuta
diferenciada como acolhimento do que é expresso de forma verbal e não verbal
pelo paciente.
Outras respostas presentes, o ter postura ética e profissional, mencionada
por 30% dos entrevistados; 28% dos entrevistados apontaram também como uma
característica do at ter conhecimento teórico em saúde mental; outra resposta
dada foi ter flexibilidade para poder lidar com os imprevistos, considerada por 26%
dos entrevistados. Carvalho (2004) fala sobre flexibilidade como uma habilidade
do at em lidar com os imprevistos, dando espaços a criação e inovação; além de
saber ser flexível em seu relacionamento com o acompanhado. Eggers (1985)
destaca a importância de ter “tolerância às frustrações e possuir a capacidade de
dissociar-se no processo terapêutico, colocando-se em posição de observador
participante” (p.7). Nesse mesmo sentido, Mauer e Resnizky (1987) apontam que:
“flexibilidade é a possibilidade de se adequar a condições variáveis sem perder
de vista as pautas e o enquadramento do trabalho; a ela se opõe a rigidez que
empobrece os vínculos pela aplicação de modelos estereotipados” (pg. 43).
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
36
Outra característica relevante apontada trata-se do manejo clínico e
experiência prática, apontado por 20% dos entrevistados e apenas 8% dos
entrevistados referem-se à capacidade de trabalhar em equipe, não sendo
possível constatar pela frequência de respostas dadas pelos profissionais a
relevância do trabalho em equipe como uma habilidade do at, embora os
entrevistados tenham dado relevância à importância do trabalho em equipe.
Semelhante a isso, Carvalho (2004) destaca em sua pesquisa o mesmo fato do
trabalho em equipe ser uma habilidade pouco mencionada pelos seus
entrevistados, apesar de ser uma marca importante no AT e de forte influência
para o sucesso deste trabalho.
Vale mencionar que o trabalho do at está inserido na equipe, e é essa
pertença que permitirá a clareza do papel desse profissional. O apoio fundamental
que este profissional recebe ocorre nas supervisões de equipe, não sendo esse
espaço apenas para discussão do caso, aconselhamento e trocas de informações,
mas também para trabalhar-se a relação estabelecida entre at e paciente.
O que pensam os profissionais sobre o at no sus?
Um outro ponto de interesse da pesquisa referiu-se às situações e casos
em que o at deveria ser indicado e por fim, se o trabalho de AT é viável como
dispositivo de tratamento a fazer parte dos serviços da rede pública de saúde.
Para melhor visualização da frequencia das respostas dadas para as duas
questões acima, apresentaremos dois gráficos, o primeiro referente às indicações
para AT (página 18) e o segundo a respeito da viabilidade do AT na rede (página
20) .
Dos entrevistados, 60% indicaram o at para pacientes com transtornos
mentais graves (categoria 1), considerando pacientes psicóticos, em crise,
crônicos e/ou dependentes químicos. A categoria paciente com dificuldades de
inserção social (categoria 2) abrangeu 58% dos entrevistados. Estes se referem
aos casos em que os usuários não conseguem circular sozinhos pelo meio social,
são muito dependentes de cuidadores, tem baixo grau de autonomia, se isolam e
se esquivam de qualquer tipo de convivência social. Os achados desta pesquisa
vão ao encontro das ideias de Brandalise e Rosa (2009) quando estes autores
37
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
apontam os pacientes com dificuldades de deslocamento físico e isolamento como
casos a serem prioritariamente indicados ao atendimento do AT.
No que diz respeito à indicação do AT para pacientes sem suporte familiar
(categoria 3), as quais representam 28% da amostra dos entrevistados, os
profissionais se referem à negligência das famílias para com o paciente e a
dificuldade de construção de parcerias com estas, especialmente em casos em
que os pacientes ficaram institucionalizados por longos períodos. Mais uma vez,
o que dizem os autores Brandalise e Rosa (2009) vai ao encontro de nossos
achados ao referirem-se à dependência, conflito e simbiose afetiva que
caracterizam os pacientes em AT como caracterização da falta de suporte familiar.
A categoria 4, pacientes em que o tratamento do CAPS não funciona,
presente em
20% da amostra de entrevistados, refere-se àqueles que, por
resistência ou pela cronicidade da doença, não aderem ao tratamento oferecido
pelo CAPS. A categoria pacientes com transtornos mentais que não estejam em
crise (categoria 5) apareceu em 14% dos entrevistados, e podem ser
exemplificados com frases como: “as vezes com pessoas não tão graves
pudessem se beneficiar muito”; “aos pacientes com depressão, com síndrome do
pânico”; Respostas como esta corroboram os achados de Paravidini e Alvarenga
(2008) quando afirmam que o AT vem sendo indicado para outros casos, além
dos transtornos mentais graves.
A categoria pacientes portadores de doença mental (categoria 6) foi
apontada por 8% dos entrevistados e consideramos como resposta vaga e
generalizada. Para melhor elucidar esta categoria de respostas seguem algumas
falas dos entrevistados: “Em todos os casos de doença mental”; “qualquer tipo de
caso de portadores da doença mental”; “casos da saúde mental em geral”. A
categoria pacientes com comorbidades (categoria 7), foi apontada por 6% dos
entrevistados. Outra categoria de resposta dada por 6% dos entrevistados foi
crianças com dificuldades de aprendizagem/ajustamento social (categoria 8).
Alguns dos entrevistados disseram: “caso de criança maiorzinha com algumas
deficiências, deficiência intelectual também nesse sentido, adolescente”; “AT seria
indicado para crianças com crise aguda; para crianças que estão excluídas
socialmente
e
também
para
crianças
que
possuem
comportamentos
inadequados”. Nesse caso vale ressaltar as escassas publicações de AT com
crianças, e a maioria voltada para situações em contexto escolar. (Sereno, 2006;
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
38
Meira, 2013; Berlink, 2001; Coelho, 2007; Hermann et al, 2010). E, por último, a
categoria não conhece essa modalidade de atendimento (categoria 9), a qual foi
apontada por 2% dos entrevistados, correspondendo a uma pessoa de todos os
entrevistados.
GRÁFICO 1
Casos e/ou situações em que o AT
deveria ser indicado
60%
40%
60%
20%
28%
20%
14%
8%
6%
6%
2%
Ca
te
go
r ia
1
Ca
te
go
ria
2
Ca
te
go
r ia
3
Ca
te
go
r ia
4
Ca
te
go
r ia
5
Ca
te
go
r ia
6
Ca
te
go
r ia
7
Ca
te
go
r ia
8
Ca
te
go
r ia
9
0%
58%
De um modo geral, podemos dizer que as respostas dadas pelos
entrevistados vai ao encontro do que historicamente caracterizou a demanda
privilegiada de atendimentos em AT. O at é ainda visto como um profissional que
acompanha pessoas portadoras de transtornos mentais graves, geralmente
psicóticos, em surto ou que já haviam passado por uma crise. Além disso, incluem
pacientes que não estão inseridos num contexto social, seja por se isolarem deste
meio ou por terem sido isolados deste, pacientes que, em sua maioria,
apresentam pobres vínculos familiares.
Quanto à outra questão que privilegiamos que trata da viabilidade ou não
do AT como modalidade de atendimento em saúde mental na rede pública de
saúde obtivemos quatro categorias de respostas dos entrevistados.
A maioria dos profissionais dos CAPS considera que o AT deveria ser uma
modalidade de atendimento em saúde pública (categoria 1), somando 88% dos
entrevistados. As seguintes falas destacam essa ideia: “eu acho viável, porque o
at vai até onde a gente não pode ir, porque a gente vai, mas como uma visita.
Então o contato fora do CAPS, fora da instituição que a gente tem é muito pouco,
39
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
a rotina é intensa”; “É de suma importância. Tem caso que precisa de maior
atenção e que, apesar de fazerem visitas domiciliares, é diferente estar na rotina,
na vida, pois a percepção e a observação é mais apurada”.
Entendendo de outra maneira, alguns profissionais, os quais representam
6% da amostra, acreditam não ser viável o Acompanhamento Terapêutico na rede
pública de saúde (categoria 2). Os argumentos dos entrevistados são: “Na rede
pública de saúde eu acho pouco viável. Por causa da demanda, eu acho que como
é um atendimento mais individualizado, a quantidade de profissionais teria que
ser muito grande, uma carga horária muito grande pra um número de pacientes
imenso”; “Não, por conta das questões burocráticas, de investimento, porque a
gente precisa de um pra um, é um investimento caro para logística do
funcionamento público”.
A terceira categoria respondida por 4% dos entrevistados é que esses têm
dúvida sobre a viabilidade do AT no serviço público (categoria 3), considerando
que o atendimento oferecido pelo AT ainda é recente, e que ainda existem muitas
questões a serem definidas, entre elas a econômica. A seguinte fala exemplifica
essa categoria: “Não sei, porque entendo que o at não consegue atender muito,
porque ele sai muito. É necessário, mas não sei se viável do ponto de vista
econômico, mas do ponto de vista funcional é essencial”. Uma pessoa (2% da
amostra) não respondeu esta questão (categoria 4).
GRÁFICO 2
Viabilidade do AT na Rede de Saúde
Pública
100%
88%
80%
60%
40%
20%
6%
4%
2%
0%
Categoria 1
Categoria 2
Categoria 3
Categoria 4
Benevides (2007) aponta que a inserção do AT na saúde mental se dá,
muitas vezes, a partir de parcerias com serviços públicos de saúde, com as
universidades ou organizações não governamentais, o que foi possível perceber
já que alguns dos entrevistados falam sobre a importância da contratação dos ats
na rede pública, visto que os estagiários das universidades realizam um serviço
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
40
temporário. Dizem eles: “se você conta só com o estagiário o estágio acaba, e no
próximo ano ou próximo semestre você pode ter ou não”; “os ats não são
contratados, nossas experiências são de estagiários. Bom se pudesse contar com
uma pessoa contratada dentro da equipe”.
Constatamos que são poucos os trabalhos científicos que problematizam a
atuação e viabilidade do AT na rede pública de saúde mental, apesar de algumas
experiências de AT acontecerem através de estágios profissionalizantes de
cursos de graduação em psicologia em parceria com a rede pública de atenção
em saúde mental. Palombini (2004) nos mostra uma das poucas fontes de
pesquisa que trata do assunto em pauta - a considerável receptividade do at por
parte das equipes de saúde mental na saúde pública:
“...por transitar nesse espaço intermediário entre a instituição e a rua, permitia uma aproximação
extremamente rica, do ponto de vista clínico, com sujeitos que até então haviam se mostrado
inacessíveis ou pouco permeáveis às formas tradicionais de tratamento. Efetivamente, a
população atendida por esses serviços muitas vezes não conta com nenhum suporte familiar ou
social que a sustente, e seu único laço estabelecido é com a própria instituição de saúde (às vezes
nem esse laço se consolida). Então, era interessante contar com a figura do at, cuja mobilidade
permitia alcançar o sujeito lá na sua concha, no seu casulo, ou acompanhá-lo em sua errância.”
(Palombini, 2004, p. 83)
Considerações finais
A maioria dos entrevistados possui algum conhecimento sobre AT e já
desenvolveram algum trabalho em parceria com um at. Para eles, o AT realiza um
atendimento diferenciado com ênfase à sua contribuição na reinserção social e
autonomia do paciente. Além disso, é notória a relevância do AT no trabalho da
própria equipe terapêutica.
Outro aspecto a considerar é que não identificamos critérios institucionais
bem estabelecidos para o encaminhamento ao AT e, portanto, as categorias aqui
suscitadas foram mais pautadas por impressões pessoais e/ou experiências dos
entrevistados, a partir de trabalhos realizados por eles em parceria com ats ou
estagiário de AT, com destaque para a relevância dada pelos entrevistados ao
trabalho do at no tratamento de pacientes com transtornos mentais graves e com
dificuldades de inserção social.
Em relação à viabilidade ou não do AT na rede pública de saúde, um dos
aspectos que nos chama a atenção é a escassez de publicações científicas sobre
41
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
esse assunto, tendo em vista que, parte das experiências de AT na saúde pública,
ocorrem através de estágios profissionalizantes oferecidos por cursos de
graduação em psicologia ou áreas afins.
Somado a isso temos, por um lado, o AT cada vez mais presente na
formação profissional para o trabalho no SUS, mas sem um lugar efetivo nas
equipes de saúde mental e, por outro lado, o AT sendo reconhecido pelas equipes
como importante ferramenta de cuidado em saúde.
Afinal, a maioria dos entrevistados diz que o AT amplia/potencializa os
cuidados para com o paciente, bem como facilita a construção de vínculo entre a
equipe, o paciente e a família. Os entrevistados veem esse profissional como um
importante membro a fazer parte da equipe terapêutica na promoção da
reinserção psicossocial do paciente e na construção de sua autonomia. Além
disso, destacam a possibilidade de o AT alcançar espaços e estratégias de
tratamento que a equipe de profissionais não consegue devido à sobrecarga da
rotina dos serviços.
Quanto aos que afirmam ser o AT um atendimento realizado de forma
eminentemente individualizada, acreditamos ser necessário destacar os impactos
das intervenções do at no entorno social onde vive o paciente, a começar pelo
grupo familiar, além do fato de que se trata de uma estratégia de busca ativa de
casos que até então mantinham-se sem nenhuma ou baixa adesão à rede.
Apesar de apenas três entrevistados (6% da amostra) justificarem que o
AT é um dispositivo inviável no serviço público de saúde, consideramos
importantes os argumentos levantados para que sejam elaboradas propostas
adequadas para a inserção do AT no serviço público de saúde.
De um modo geral, os dados encontrados surpreendem na medida em que
comumente as fontes bibliográficas assinalam a necessidade de divulgação e
expansão do AT na saúde mental e mais ainda na saúde pública. Uma das
possíveis explicações para este maior conhecimento sobre AT e contato com este
profissional por parte dos entrevistados, é que em Uberlândia, desde 1991,
existem experiências importantes em AT acontecendo. Uma delas é a existência
de ats e equipes de ats que disponibilizam este serviço na clínica privada, com
destaque para a equipe Trilhas que neste ano completou 20 anos de existência.
Alem disso, não poderiamos deixar de citar os vários estágios profissionalizantes
em AT nos CAPS e no PSF, para a formação acadêmica de psicólogos da cidade
que vem ocorrendo desde esta época, com alguns trabalhos de conclusão de
Ricardo Wagner Machado da Silveira. Ana Paula de Sousa e Silva, Adrielly Garcia Siebert, Camila
Cristina Mota, Luiza Marianna Gonçalves Reis
42
curso de graduação provenientes destas experiências e algumas dissertações
defendidas no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da UFU
versando sobre o tema.
Além disso, merece destaque o esforço por parte de gestores e
trabalhadores da rede pública de saúde mental da cidade no sentido de viabilizar
contratação de psicólogos para atuarem como ats na rede pública de atenção em
saúde mental do município.
Por considerar o AT uma importante ferramenta terapêutica à disposição
dos serviços de saúde mental, tanto no âmbito privado como na rede pública, a
pesquisa aponta motivos e argumentos suficientes para instigar novas pesquisas
sobre o tema, particularmente a fim de contribuir para a construção e ampliação
de consistentes políticas e práticas de saúde mental no SUS cada vez mais
resolutivas para as complexas demandas atendidas.
Notas
1
Docente do Instituto de Psicologia Universidade Federal de Uberlândia
Psicóloga
3
Psicóloga
4
Psicóloga
5
Psicóloga
2
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45
O acompanhamento terapêutico no sistema único de saúde (sus): O que pensam os trabalhadores da rede
pública de Saúde mental de uberlândia/mg.
O ENTRELAÇAR DA TEIA DE CUIDADOS – EXPERIÊNCIAS DA
EQUIPE DE UM SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO DE
BASE TERRITORIAL
EL ENTRELAZAR DE LA TELARAÑA DE CUIDADOS – EXPERIÊNCIAS DEL
EQUIPO DE UN SERVICIO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO DE BASE
TERRITORIAL
THE WEBCARE INTERWEAVING - TEAM EXPERIENCES OF A TERRITORIAL
BASE THERAPEUTIC RESIDENTIAL SERVICE
Enara Carvalho 1
Joana Cury2
Karine Russano Mira3
Mônica Cadei4
Patricia Lobato5
Rita de Cássia Ferreira Silverio 6
“Não me falta casa
Só falta ela ser um lar
Não me falta o tempo que passa
Só não dá mais para tanto esperar”
(A casa é sua – Arnaldo Antunes)
RESUMO
Este artigo trata das ações em curso no Serviço Residencial Terapêutico (SRT), vinculado ao
Centro de Atenção Psicossocial Clarice Lispector. De caráter descritivo, o texto apresenta as
experiências e reflexões da equipe à frente desse dispositivo e o modo como se constitui sua
direção clínica. O CAPS Clarice Lispector caracteriza-se por ser o primeiro serviço de saúde
mental a gerenciar um SRT no município do Rio de Janeiro. O trabalho é conduzido pela Equipe
de Segmento Territorial, composta por acompanhantes terapêuticas e cuidadoras responsáveis
por acompanhar a dinâmica de cada morador e suas relações na residência e com a comunidade.
Essas profissionais atuam como interlocutoras com os diferentes atores envolvidos no cuidado da
população atendida: as unidades de saúde e os médicos de diferentes especialidades, instâncias
jurídicas e sociais, os centros de atenção psicossociais, entre outros. O trabalho cotidiano possui
um perfil clínico-político e busca a continua inclusão dos usuários na vida comunitária. A
intervenção clínica segue algumas diretrizes: Disponibilidade, Presença, Parceria, Trabalho em
Equipe e o Cuidado daquele que Cuida. A condução do SRT exige dos profissionais da equipe
uma reflexão diária sobre suas práticas e a criação de estratégias de enfrentamento dos impasses
e desafios que permeiam seu campo de atuação. O compartilhamento das experiências entre os
membros da equipe é simultaneamente um importante recurso e a força motriz do projeto,
assegurando sua qualidade e originalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Residencial Terapêutico, Centro de Atenção Psicossocial, Saúde
Mental, Acompanhante Terapêutico, Cuidadoras
RESUMEN
Este artículo trata de las acciones en curso en el Servicio de Residencia Terapéutica (SRT),
asociado al Centro de Atención Psicosocial (CAPS) Clarice Lispector. El texto es de carácter
descriptivo y presenta las experiencias y reflexiones del equipo profesional encargado de ese
dispositivo y el modo como se constituye su conducción clínica. El CAPS Clarice Lispector se
caracteriza por ser el primer servicio de salud mental a gestionar un SRT en el municipio de Río
de Janeiro. El trabajo es coordinado por el Equipo de Segmento Territorial, integrado por
acompañantes terapéuticas y cuidadoras responsables por hacer el seguimiento de la dinámica
de cada morador y de sus relaciones en la residencia terapéutica y con la comunidad. Esas
profesionales actúan como interlocutoras con los diferentes actores involucrados en el cuidado de
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
46
la población beneficiaria del servicio: las unidades de salud y médicos de diferentes
especializaciones, instancias jurídicas y sociales, los centros de atención psicosociales, entre
otros. El trabajo cotidiano posee un perfil clínico-político y busca continuamente la inclusión de los
usuarios del servicio en la vida de la comunidad. La intervención clínica sigue algunas directrices
básicas: Disponibilidad, Presencia, Colaboración, Trabajo en Equipo y el Cuidado del que Cuida.
La conducción del SRT exige de los profesionales del equipo una reflexión diaria acerca de sus
prácticas y la creación de estrategias de solución de los impases y desafíos que permean su
campo de actuación. El intercambio de experiencias entre los miembros del equipo es
simultáneamente un importante recurso y la fuerza motriz del proyecto, asegurando su calidad y
originalidad.
PALABRAS-CLAVE: Servicio Residencial terapéutico, Centro de Atención Psicosocial, Salud
Mental, Acompañamiento Terapéutico, Cuidadoras.
ABSTRACT
This article intends to create theoretical support to the actions that are taking place at Serviço
Residencial Terapêutico - SRT (Therapeutical Residence Service) linked to Centro de Atenção
Psicossocial - CAPS - Clarice Lispector (Clarice Lispector Psychosocial Support Center). With a
descriptive character, the text presents the experiences and reflections of the staff in charge of this
device and the way its clinical direction is built. Clarice Lispector CAPS is characterized as being
the first mental health service to manage a SRT in Rio de Janeiro city. The work in led by Equipe
de Segmento Territorial (Territorial Segment Team), composed by therapeutical escorts and care
takers who are responsible for supporting the dynamics of each inhabitant and the relations with
their residence and the community. These professional act as speakers with the different
participants involved in the care taking of the attended people: the health unities and the differentspecialities-physicians, legal and social parts, the CAPSs, among others. The quotidian work has
a clinical-political profile and searches for the continuous inclusion of the users in community life.
The clinical intervention follows some directions: Disponibility, Presence, Fellowship, Teamwork
and Care about those who Care. The conduction of the SRT demands from a daily reflection from
the professionals of the staff about their actions and the creation of confront-strategies for the
impasses and challenges that belong to the action field. Sharing the experiences between the
members is, simultaneously, an important resource and driving power of the project, assuring its
quality and originality.
KEYWORDS: Therapeutic Residential Service, Psychosocial Care Center, Mental Health,
monitoring therapeutic, caregivers.
INTRODUÇÃO
Em 2008 o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Clarice Lispector,
localizado na área Programática de Saúde 3.2 no município do Rio de Janeiro,
assumiu a gestão dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) deste território,
antes vinculados ao Instituto Municipal de Saúde Nise da Silveira.
Esse CAPS inaugura a primeira experiência dessa modalidade na cidade, embora
outros SRTs já existissem no município há aproximadamente oito anos. Avanço
importante no âmbito das Políticas Públicas, uma vez que, inicialmente, nasciam
vinculados aos Institutos Psiquiátricos. Os serviços ainda ligados aos Institutos,
47
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
possivelmente, farão sua transição para o CAPS de seu território. Nos últimos
anos todos os SRTs implantados foram vinculados aos CAPS .
Em nosso SRT7, contamos com cinco Residências Terapêuticas (RTs),
todas localizadas nas imediações do CAPS e com quatro Moradias Assistidas
(MAs). Entendendo-se como diferencial entre essas duas modalidades, o fato de
na
primeira
(RTs),
teoricamente 8,
os
moradores
necessitarem
do
acompanhamento diário de um cuidador para realização de algumas tarefas e/ou
cuidados cotidianos, enquanto que na segunda (MAs), os moradores possuiriam
maior autonomia, estando o cuidador para o atendimento de acordo com suas
demandas. Cabe ressaltar, que tanto RTs como MAs não se pretendem as últimas
estâncias da vida, outras paragens podem ser articuladas e construídas junto aos
moradores, considerando-se a singularidade de cada um, e seu desejo por novas
e diferentes inserções.
Em nossas residências terapêuticas temos hoje um total de dezenove
moradores, e a composição foi a mínima prevista pela Portaria 106, de quatro
moradores por residência. As MAs contam com um morador em cada residência.
Cabe ressaltar que em duas delas os pacientes são oriundos de longa
permanência institucional e nas outras duas, pacientes de grande vulnerabilidade,
que apresentavam risco de institucionalização, com grave quadro psiquiátrico,
internações sucessivas e precário suporte familiar e social, requerendo assim o
acompanhamento da equipe de segmento em sua casa, incluindo a presença do
cuidador, além dos seus técnicos de referência no CAPS.
A equipe de segmento, composta por acompanhante terapêutica (AT) e
cuidadoras, vincula-se ao CAPS, como veremos adiante, mas não responde pelas
ações assistenciais de tratamento, embora comporte em sua prática um olhar
apurado a dinâmica clínica, que pauta inclusive suas ações. O AT oferece suporte
aos cuidadores no que diz respeito, inclusive à dimensão clínica do trabalho,
porém não se restringindo a mesma. Essa equipe, nomeada de segmento do
CAPS e não seguimento, por uma escolha metodológica, visa considerar um lugar
de distância naquilo que concerne às questões do tratar e do morar, ainda que
haja um intercruzamento entre elas. Portanto, segmento por tratar-se de uma
parte do trabalho que é realizado pelo CAPS, mas fora dele, na comunidade,
cidade, território, na privacidade de uma casa, por uma equipe que não a de
tratamento no Centro de Atenção Psicossocial. E não como seguimento, no
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
48
sentido de continuação, prosseguimento, acompanhamento do tratar, embora
vinculado a ele. Entendemos como fundamental, preservar aquilo que diz da
privacidade do sujeito no âmbito do morar, assim como àquilo que concerne ao
seu tratamento. O que deve ser apresentado à equipe de segmento, em primeiro
lugar, é o sujeito antes de seu prontuário, diagnóstico, patologia e prognósticos,
não estando estas informações disponíveis de forma imediata e sem mediação a
esta equipe.
A equipe de segmento é composta por duas acompanhantes terapêuticas
(AT´s)9 de nível superior, podendo contemplar diferentes especialidades (
psicologia, serviço social, enfermagem ou terapia ocupacional). E onze
cuidadoras, divididas como referência em cada uma das cinco residências
terapêuticas e em trabalho volante diurno e noturno, ressalvando-se que até o
presente momento, estas residências não contam com acompanhamento 24h,
estando o cuidador noturno para a eventualidade de uma urgência, emergência e
situações variadas que necessitem se prolongar em horário, como preparo para
exames, passeios noturnos, entre outras.
Diante da experiência de gerenciar os SRTs e a equipe de segmento
territorial, a direção do CAPS avaliou a necessidade de estabelecer uma
coordenação específica para este trabalho e também para articular as ações de
desistitucionalização em curso. considerando as exigências da administração dos
SRTs junto aos moradores, assim como no atendimento às demandas de trabalho
com as cuidadoras frente às imposições colocadas pelo cotidiano do
acompanhamento aos moradores, com todos os seus desdobramento e nuances,
uma psicóloga foi contratada para exercer essa função no CAPS. tendo em vista
a possibilidade de organização do trabalho, sustentação da supervisão da equipe
de segmento (em vários momentos conjuntamente à direção e coordenação
técnica do CAPS, ou mesmo, no caso das ATs na supervisão coletiva desse
serviço) e amarração dos acompanhamentos às referências do CAPS e, portanto,
aos projetos terapêuticos.
Contamos com a perspectiva de expansão de residências terapêuticas e, alguns
pacientes moradores no IMS Nise da Silveira, seguem em trabalho visando à suas
saídas. Um dos dispositivos deste trabalho é o Grupo Portas de Casas, lugar
privilegiado de troca acerca das questões do morar, da vida na cidade, dos efeitos
da institucionalização e da possibilidade de atribuir novos sentidos à vida, após a
49
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
saída das instituições psiquiátricas. Nesse grupo participam pessoas que vivem
em residências terapêuticas, moradias assistidas, com familiares, sozinhas e/ou
outras situações onde essas questões parecem mais pungentes. Pretende-se
realizar o acolhimento daqueles onde esteja implicada a saída do hospital
psiquiátrico e a manutenção nesses espaços extra hospitalares como ponto
crucial a sua estabilização e reinserção em espaços há muito desprovidos de
sentido. É preciso se reinventar e recriar esses espaços, não há uma passagem
automática e já posta. Por isso a sustentação de um trabalho de
desinstitucionalização que precede a saída da instituição e se alarga incalculável
após a efetivação desse momento.
Esse escrito pretende traçar e dar visibilidade ao trabalho dessa equipe de
segmento, tomando por eixo as considerações e mapeamentos que foram sendo
construídos, senão inventados, no cotidiano. E emerge em um momento de
extrema
vulnerabilidade
da
equipe,
além
de
inúmeros
e
insistentes
questionamentos acerca, especialmente, daquilo que distingue as funções AT e
cuidador em saúde mental. Não se trata, necessariamente, da busca por
respostas que encerrem a conversa, talvez muito mais na busca de sentido para
as experiências tão intensamente vivenciadas.
Organizamos o presente relato de experiência em eixos, que vão da Reforma
Psiquiátrica (desinstitucionalização), constituição dos SRTs, passando pelos
elementos constitutivos à direção clínica do trabalho e da equipe e, por fim, aos
impasses e desafios colocados pela prática cotidiana.
Algumas palavras iniciais sobre os processos de (Des) Institucionalização
A noção de ‘doença e seu duplo’, trazida por Basaglia, diz respeito àquilo
que não é próprio de estar doente, mas ao fato de estar institucionalizado. Sob os
efeitos da institucionalização o sujeito literalmente incorpora a instituição e passa
a ser mero objeto em função da vontade alheia, formando um complexo de
síndromes, por vezes confundidos com os sintomas da doença mental, como
inibições, apatia, comportamento submisso, falta de interesses próprios, dando
origem ao que é conhecido por processo de coisificação. A institucionalização se
revela então como algo que se sobrepõe à doença mental, graças à aniquilação
e perda de si mesmo a que são submetidos os indivíduos pela vida no asilo,
reforçando assim a condição própria à psicose. Por isso é de fundamental
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
50
importância na desinstitucionalização a desmontagem desta dinâmica prevalente
durante décadas nas instituições psiquiátricas, e é nesta direção que a Reforma
Psiquiátrica caminha. No resgate a singularidade e a complexidade da clínica.
“É que o hospital tende a ser pleno, a querer dar conta de tudo, a oferecer maior
proteção, tendendo a eliminar riscos. Mas é uma proteção que coloca para dentro,
que, ao se pretender plena, facilmente pode cortar os laços do sujeito com
qualquer ‘fora’”. 10
De tal monta, é preciso que o sujeito da experiência da loucura, antes excluído da
cidadania, não seja mero objeto dos saberes médicos ou “psis”. Neste sentido, a
desinstitucionalização torna-se o reconstruir de saberes e práticas, o estabelecer
de novas relações, ou ainda, conforme Paulo Amarante, o “reconhecimento de
novas situações que produzem novos sujeitos, novos sujeitos de direito e novos
direitos para os sujeitos” (AMARANTE, 2003, p.50).
Os Serviços Residenciais Terapêuticos
Os Serviços Residenciais Terapêuticos entraram no contexto da Reforma
Psiquiátrica como grande aliado do processo de desinstitucionalização, vindo
somar-se aos CAPS em sua lógica de serviços substitutivos (Lei 10216 de 06 de
abril de 2001, Portaria GM 106 de 11 de fevereiro de 2000 e, mais recentemente,
a Portaria GM 3090 de 23 de dezembro de 2011). Constituindo-se como um novo
dispositivo de intervenção, uma alternativa possível de saída do hospital
psiquiátrico, para aqueles pacientes com longa permanência institucional, em
especial àqueles desprovidos de vínculos sociais e familiares sólidos,
proporcionando o retorno à vida na cidade e a volta ao convívio social. Tal
dispositivo possui uma posição estratégica dentro da Reforma Psiquiátrica.
Segundo Delgado compete aos CAPS apoiar e supervisionar o trabalho nas
residências terapêuticas, preservada a autonomia destas e ressalvada sua
característica de moradia, casa, lar, e não especificamente espaço terapêutico
(DELGADO, 2006), demarcando importante diferença entre lugar de moradia e de
tratamento. Garantia mínima de preservação contra novas formas de tutela e
submissão, só que com novas roupagens.
51
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
“Entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou casas
inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores
de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa
permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem
sua inserção social” (BRASIL-MINISTÉRIO DA SAÚDE- Portaria n. 106, de 11 de
fevereiro de 2000)
Articulados aos dispositivos Residenciais Terapêuticos como medida de suporte
financeiro aos pacientes recém saídos das instituições psiquiátricas temos o
Programa De Volta para Casa – PVC - Lei Federal 10708 de 31/07/2003 e a Bolsa
de Incentivo conforme Lei Municipal 3400 de 17 de maio de 2002, válida apenas
para o município do Rio. Caracterizada como Tipo I, um salário mínimo, para os
moradores em residências terapêuticas e Tipo II, com dois salários, para aqueles
residentes em moradias assistidas. Leis que instituem o auxílio-reabilitação
psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de
internações por período igual ou superior a dois e três anos respectivamente.
Na cidade do Rio de Janeiro os programas de moradias, ainda vinculados
aos grandes hospitais psiquiátricos, estão sendo substituídos por novos
equipamentos, entre eles as residências terapêuticas, as moradias assistidas e o
próprio retorno familiar daqueles que ainda possuem algum laço. O que tem
tornado possível a desmontagem dos hospícios privados, conveniados ao SUS,
que servem de “depósito” a pessoas que foram desprovidas de sua condição
humana.
As primeiras experiências de residências terapêuticas no país ocorreram na
década de 1990, e os municípios de Porto Alegre (RS), Campinas (SP), Santos
(SP), Ribeirão Preto (SP) e Rio de Janeiro (RJ) foram precursores nessas
implantações. Nesse primeiro momento, tais dispositivos recebiam o nome de
“lares abrigados”, “pensões protegidas” e “moradias extra-hospitalar” e foram de
grande importância ao gerarem subsídios para que a iniciativa fosse
posteriormente incorporada como política pelo SUS, a partir da Portaria GM 106
de 2000.
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
52
O morar: Casa/ Lar/ Con-vivência/ Com-partilhar
Possuir um lar, uma casa, andar pela cidade, atos tão simples, muitas vezes
ganham um caráter mais terapêutico que o próprio tratamento clínico. No entanto,
embora esteja contida no nome do serviço a palavra 'terapêutica' 11, estas casas
devem proporcionar em primeira instância, condições de moradia. Sendo uma
residência, cada casa deve ser única e respeitar a singularidade e necessidade
de cada morador. E embora também comporte em sua denominação o nome de
serviço, para fins de credenciamento, é importante apontar e sustentar, como
direção clínica e política, que se trata da casa das pessoas.
A conquista da liberdade é, portanto, feita pelo próprio paciente, no seu dia-a-dia,
diferente do hospital psiquiátrico, onde a liberdade lhe é outorgada por outrem.
Habitar um lar significa então não estar passivamente em um lugar, pressupõe
criar sentidos, criar relações nesse ambiente experienciado por cada um de
maneira muito particular. Segundo Carvalho, mora-se (...) no manicômio, mas não
é possível habitá-lo. No espaço habitável o indivíduo faz escolhas, modifica o
ambiente, podendo sair e entrar livremente.
O conceito de casa, de lar, remete a algo de um pertencimento, um lugar da
intimidade, que cada um constrói objetiva e subjetivamente. Segundo Milagres
(2003) a casa é um espaço de ação social onde o sujeito cria relações
significativas com o meio, é um dispositivo de produção de subjetividade. Para
ele, a casa, como apropriação subjetiva, é construída nas ações cotidianas e na
releitura das histórias de vida, no contato direto com o território (MILAGRES, 2003,
p.142). 12
É possível que, com a mudança para os SRTs, os novos moradores façam
uma releitura de suas experiências passadas e possam reconstruir e atualizar
suas identidades, construindo assim novos projetos de vida. Para Berger, as
pessoas que mudam seu ponto de vista geográfico frequentemente mudam
também a imagem que fazem de si próprios (BERGER apud Milagres, 2003).
Vale lembrar, entretanto, que a experiência de saída do hospital para os
serviços residenciais terapêuticos traz uma série de desafios e cada paciente se
apropria
dessa
experiência de
desinstitucionalização e
de reabilitação
psicossocial de uma maneira que lhe é própria, única e intransferível. Cabe
ressaltar que dentro do contexto e posicionamento do hospital psiquiátrico,
durante anos, esse ainda representa para alguns pacientes psicóticos, que nele
53
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
viveram durante longo período, um lugar de proteção contra as exigências do
mundo exterior. É como se essa instituição, reproduzisse para eles “o aconchego
mortífero do ventre materno ao qual esse alguém parece manter-se
umbilicalmente, imaginariamente, ligado, e a quem, portanto, é preciso propiciar
um nascimento, ou seja, cortar o cordão, o que é experimentado com dor, com
medo” (PALOMBINI, 2004, p.71). E do qual não é possível realizar essa travessia,
desacompanhado. O desligamento é necessário, como do bebê à sua mãe via
cordão umbilical, torna possível a experiência de estar vivo, de existir no mundo e
se comunicar com outras existências. Mas é preciso que exista, se estabeleça,
alguma relação para que isso possa acontecer. Não há transformação sem que
haja um encontro potente.
Oliveira, em seu texto “O hospício dentro de nós e a morte do hospício”,
nos conta que uma interna da década de 60 do Instituto Municipal Nise da Silveira
(na época Centro Psiquiátrico Pedro II), escreveu um livro com o título “O hospício
é Deus”, onde dizia:
“Só um Deus pode decidir a vida de suas criaturas... E as pessoas, habitantes de
um hospício são criaturas. E todas as ações do hospício são para o bem estar de
seus habitantes. Aquelas criaturas que não sabem o que querem” (OLIVEIRA).
É preciso, portanto, que estejamos atentos para não nos colocarmos no lugar de
deuses, determinando o que é melhor ou não para nossos pacientes, decidindo
assim seus destinos. E ao mesmo tempo, considerando a clínica da psicose,
marcada por um não saber sobre si, e conforme dito anteriormente, aniquilação,
características reforçadas pela instituição psiquiátrica. Ao mesmo tempo, poder
contar com o hospital psiquiátrico como mais um dispositivo, um recurso em
situações extremas, onde alguns pacientes podem necessitar de uma internação
de curto prazo a fim de se organizarem. Dispositivo esse que também começa a
ser reinventado à medida que os Caps III 13 avançam, mas que talvez não possa
substituir em sua integralidade essa modalidade, circunscrevendo-se os leitos em
hospitais gerais como outra possibilidade de suporte e acolhimento à crise 14.
Direção Clínica do Trabalho no SRT do Caps Clarice Lispector
O trabalho nos dispositivos residenciais terapêuticos exige, antes de tudo,
disponibilidade. Disponibilidade essa que se traduz não somente no tempo
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
54
cronológico dedicado ao projeto, como também na disposição, vontade, desejo e
investimento nas pessoas das quais nos propomos cuidar 15, e nas suas diversas
possibilidades de estar na vida, ainda que de modos e formas distintas das
nossas. Trata-se, portanto, de uma aposta, não só na capacidade dessas
pessoas, de reinventar a própria vida, como também na nossa, enquanto
profissionais, de nos reinventarmos a cada dia, buscando outras e diferentes
formas de lidar com as incertezas, e talvez até muito mais com nossas certezas.
O mais surpreendente nesse tipo de arranjo, muito embora cada um de nós tenha
seu arsenal teórico-conceitual, é o fato de não haver certezas pré-estabelecidas,
pois aqui serve a máxima ditada pelo poeta, de que “o caminho se faz ao
caminhar”. De outro modo, não há como programar a vida das pessoas como se
fossem simples marionetes que durante anos encenaram em um palco com
platéia fechada e hoje tem o teatro aberto ao público. Ou seja, apesar de ser
necessário imprimir institucionalidade ao trabalho desenvolvido nos equipamentos
residenciais, que envolva a organização de alguns procedimentos e condutas e a
composição de algumas diretrizes, há um nível de “tensão” que os profissionais
que trabalham nesse segmento precisarão sustentar. Não há no corpo-a-corpo do
trabalho, no dia-a-dia na cidade, na rua a instituição 16 a nos proteger dos riscos
que enfrentam todos aqueles que estão na vida, e é na vida que estamos com
essas pessoas.
Se durante muito tempo a saúde mental falou em emprestar contratualidade à
clientela psicótica a fim de que pudessem suplantar a existência-sofrimento
afirmada pelo hospício, podemos dizer que nesse tipo de acompanhamento
emprestamos nosso próprio corpo. Não só nossa contratualidade como também
nossas dificuldades em estar no mundo, onde estamos como realmente somos e
podemos. Em alguns momentos nos vimos em situações bastante complexas,
diante da emergência de dificuldades não só dos moradores como também das
cuidadoras, diante da possibilidade de determinadas inserções como ida ao
banco, com o manejo do caixa eletrônico, do dinheiro, etc. Consultas médicas na
saúde geral, circunstância que envolvia maior grau de contratualidade e também
maior inibição diante do poder exercido pelo médico. Poderíamos citar outros
acontecimentos, no entanto, o que pretendemos marcar é o importante papel do
acompanhante terapêutico na sustentação clínica desse projeto.
55
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
Somado a isso, temos como desejo fundador dessa proposta, contribuir para que
essas pessoas, por tanto tempo excluídas da vida social, pública, política e afetiva,
possam se experimentar em novas e diferentes relações e acontecimentos da
vida, com novas formas de habitar, circular pela cidade e se relacionar com fatos,
pessoas e acontecimentos. Possibilidade de reescreverem a própria história. E
lidar com esta instabilidade requer alguns dispositivos de cuidado não só para
esses moradores, mas também para os profissionais que estarão apoiando a
emergência dessas novas possibilidades de existência. O que requer uma
reflexão crítica de nosso lugar e papel frente ao outro, alteridade, logo uma
posição ética, sob o risco de transformarmos a casa em manicômios revestidos
com nova roupagem, portas abertas, porém a mesma clínica excludente e
totalizante, que responde a tudo imediatamente e não permite que algo falte a fim
de que o sujeito possa experimentar-se desejante. Criar condições para que isso
aconteça é um desafio imposto à equipe, em especial aos ATs, pois a tentação
em decidir pelo outro, em direcionar suas vontades e atividades, em fazer do modo
mais fácil ou por ele, é um sutil e grande perigo, inerente a nossa humanidade
inclusive, que procura determinadas zonas de conforto.
A partir de nossa experiência, elencamos algumas diretrizes cruciais na
realização, manutenção, continuidade e criação de nossa lida diária.
Em primeiro lugar: Presença. Presença das acompanhantes terapêuticas nas
casas, com os moradores e também com as cuidadoras, contribuindo na tomada
de decisões, na elaboração e manutenção dos projetos terapêuticos, na oferta de
continência e acolhimento aquilo que em algum tempo se torna insuportável,
estranho ou suscetível a produzir insegurança, paralisação ou passividade.
Para
exemplificar,
consideremos tarefas simples,
banais do
cotidiano,
posicionando-se na vanguarda delas. Pode-se escolher (ou impor) sempre a
mesma festa de aniversário para todos, no mesmo horário, com os mesmos
convidados, o mesmo bolo e salgadinhos ou conversar sobre as diversas
possibilidades de comemoração envolvendo-os em todas as etapas, ou antes,
acerca da (im)possibilidade de haver ou não comemoração. O que pode significar,
estar
circunscrito
à
data
de
aniversário,
nascimento
após
anos
de
institucionalização. Sistematizar a tomada de medicamentos de igual modo para
todos os moradores, em todas as casas ou em cada casa de acordo com a
disposição e dinâmica que lhe é própria. O perigo é tendermos a buscar as
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
56
respostas mais tendenciosas e sendo assim, ausentes de ética, que acabe por
produzir longitudinalmente, novamente o apagamento, a objetivação desses
sujeitos, com a justificativa de estarmos facilitando suas vidas e sua inserção na
cidade. E, se queremos de fato vê-los na vida, teremos que suportar nossas
apreensões, como parte integrante desse trabalho, não há vida livre de risco. Não
é possível, e tampouco desejável, controlar todas as variáveis.
Outro cuidado é a atenção para não transformar o espaço da casa/do morar em
consultório ou ambulatório de saúde mental, ou qualquer outro lócus destinado ao
tratamento. Trata-se de estar presente compartilhando da dinâmica da casa e de
cada um dos moradores, bem como das relações entre eles e as cuidadoras, e
destas com cada um e com cada casa, pensando, propondo e também
promovendo conjunta e coletivamente, alternativas de inserção social e/ou
familiar, política para cada morador e situação. Podemos fazer propostas, pensar
junto dos moradores alternativas na lida com as ocorrências diárias, diante das
novidades da vida. O que não devemos é impor nossas proposições,
arbitrariamente, infestando a relação de um poder vertical. O oposto, sendo tudo
aceitável e permanecendo passivos diante de um possível entendimento que
estes sujeitos, “loucos”, estiveram seqüestrados da vida, reforça a mesma máxima
totalizante das instituições psiquiátricas, com outros trajes.
É também fundamental o estabelecimento de Parcerias, por meio de troca de
experiências, compartilhamento dos saberes, poderes e afetos, dos sabores e
dissabores dessa prática. Parceria em vários âmbitos: entre a equipe de segmento
e o CAPS; entre a equipe de segmento e a comunidade; entre a equipe de
segmento e outros setores e serviços da saúde e outros campos de saber. Ou
seja, consideramos que não há como realizar esse acompanhamento à distância,
há que se estar dentro dele. Estar no trabalho junto aos moradores participando
de suas vidas, e junto as cuidadoras sustentando o fazer “leigo” 17, no
entendimento de que não é possível realizar e desenvolver este tipo de trabalho,
dada sua intensidade, solitariamente. A presença ganha força na parceria, no
compartilhar cotidiano e do cotidiano, das dúvidas e incertezas e dos erros e
acertos, e especialmente, através do trabalho em Equipe. Só assim poderemos,
de fato construir uma prática que se sustente clinicamente18.
No trabalho em equipe, situamos nossa aposta no coletivo como possibilidade de
aumento da potência de nossas intervenções. Como bem nos legou Spinoza, os
57
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
encontros podem aumentar ou diminuir a potência. Aqui registramos a aposta
ética, de que através da política dos encontros nos fortalecemos para enfrentar
nossas frustrações, incertezas e impasses, e também encontramos espaço para
criar, reinventando novas formas para lidar com velhos problemas. E procurar
romper a dicotomia impotência versus onipotência, ainda que isso implique em
alguns momentos entrar em contato com o mal-estar. Exercício micropolítico.
Outro fator também considerado primordial, além da implicação 19 dos
profissionais com esse projeto, é a linha sutil que separa aquilo que concerne aos
assuntos inerentes ao cotidiano da casa no que se refere à equipe de segmento
daquilo que diz da particularidade do tratamento e da história de cada morador.
Procuramos manter certa reserva entre as particularidades de cada paciente no
contexto do seu morar (SRT), tanto quanto do tratamento (CAPS). Linha tênue e
delicada acerca do que compete a cada uma dessas instâncias no âmbito do
cuidado, e que tem papel fundamental na construção da autonomia de cada um
dos sujeitos envolvidos, inclusive da equipe. Entendemos que o coordenador de
um SRT é aquele que se mantém limítrofe, ele não é equipe de segmento no
sentido pleno da palavra, nem compõe a equipe do CAPS em termos
assistenciais, mas é aquele que tece a costura da rede, não só de serviços, mas
de afetos, cuidado. Evocamos a fala recorrente de uma das cuidadoras, em suas
idas ao supermercado, referia sentir-se confusa, não conseguindo ter clareza se
os itens de que necessitava em suas compras eram de fato para sua casa ou para
a residência terapêutica onde trabalha há muitos anos. Há que se manter em
movimento, e se manter separado, ainda que dentro.
Um conceito que tem nos auxiliado na compreensão dessa interlocução entre
Caps-paciente-morador-equipe de segmento é o conceito teórico-prático de
Núcleo e Campo20 de Gastão Wagner de Souza Campos. No Núcleo encontramos
cada um dos profissionais com suas especialidades, funções, competências e
saberes, enquanto que no Campo a possibilidade coletiva de troca de
conhecimentos e afetações, inaugurando um espaço comum a todos, apesar dos
diferentes níveis hierárquicos.
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
58
Os papéis do Acompanhante Terapêutico e do Cuidador: Um Encontro
Potencial
O norteador do trabalho da equipe de segmento é a responsabilidade com o
cuidado no território e esse cuidado se articula em equipe, como o próprio nome
já indica. Visando cumprir essa demanda, a equipe conta, além das diretrizes,
com certos dispositivos imprescindíveis ao andamento do trabalho. Destacamos
dois dispositivos: a supervisão clinico-institucional e as conversas-acolhimento
individuais com as cuidadoras.
A primeira, ocorre semanalmente, com a coordenação do programa, as
cuidadoras e as acompanhantes terapêuticas. Espaço privilegiado para a
organização do trabalho, discussão de casos, compartilhamento de impasses e
sucessos, como também de estudo, com revezamento semanal entre o estudo de
um caso preparado por uma cuidadora, estudo de alguma produção teórica sobre
o trabalho em Saúde Mental, principalmente os que se relacionam com a proposta
dos SRTs, como é o caso das produções teóricas acerca do acompanhamento
terapêutico21. Incluímos também o cine debate, com filmes relacionados à
temática em curso ou outras transversais, como finitude e envelhecimento.
Quanto às conversas-acolhimento individuais com as cuidadoras foi um recurso
criado frente às queixas de dificuldades enfrentadas por elas no trabalho, bem
como aquelas de ordem pessoal, que acabavam atravessando o encontro com a
loucura.
Compreendemos que esses impasses fazem parte do trabalho e
incentivamos que sejam discutidos na supervisão semanal, coletiva. Entretanto,
nem todas as cuidadoras conseguem separar o aspecto profissional do pessoal,
o que dificulta a exposição de algumas questões coletivamente. A alternativa
encontrada foi a oferta de um espaço individual onde cada cuidadora pudesse
colocar as suas dúvidas, angústias, criticas e sugestões; sem com isso substituir
o espaço coletivo de troca, mas somando-se a ele. Como consequência deste
trabalho, foi possível indicar outras possibilidades de cuidado fora do espaço
profissional, e também outras inserções pela via do lazer, cultura, para as
cuidadoras.
Além dos espaços supracitados, estas profissionais contam com a presença da
acompanhante terapêutica cotidianamente nas residências. Assim, o primeiro
papel da acompanhante terapêutica que destacamos é a necessidade de estar
nas casas, pois sua presença no cotidiano é importante para que um trabalho de
59
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
acompanhamento de fato ocorra. Acompanhamento não só aos moradores, mas
como já mencionado, também as cuidadoras, ainda que em grau e intensidade
diferenciadas, que por vezes se vêem sozinhas diante de situações difíceis. Esta
experiência aponta, como efeito à diminuição de suas ansiedades e inseguranças.
Portanto, aposta em uma modalidade de cuidado que inclui também o suporte ao
cuidador, e o compartilhamento dos atravessamentos político-institucionais
inerentes a qualquer trabalho em saúde.
Em situações difíceis, as cuidadoras são orientadas a procurar pela
acompanhante terapêutica para juntas poderem pensar na melhor solução
possível. Avalia-se então a necessidade de acionar a Coordenação do Programa
ou a equipe do CAPS. Este é a retaguarda para as cuidadoras em qualquer
momento, mesmo fora do seu horário de trabalho, incluindo os finais de semana.
Diante disso, coloca-se o principal desafio deste trabalho: a disponibilidade em
tempo22 integral que é exigido da acompanhante terapêutica.
Podemos, então ressaltar que a AT assume “Dupla Função de Supervisão” junto
às cuidadoras: supervisionar a organização do trabalho e o papel primordial de
estar junto delas acolhendo suas angústias e contribuindo na resolução dos
problemas.
Outro fator de relevância é o envelhecimento dos moradores e, como
consequência as várias intercorrências clínicas. Experienciamos várias situações
onde a internação em hospital geral foi necessária e, nesse contexto, a AT tem
uma contribuição importante na interlocução com a equipe de médicos clínicos e
outros profissionais da equipe multiprofissional. Da mesma forma, assume a
interlocução com a equipe da emergência do hospital psiquiátrico diante de crises
psicóticas. Vale ressaltar que nesses momentos, a AT funciona como um
articulador entre os diversos profissionais envolvidos: cuidadoras, equipe técnica
do CAPS, equipe da internação.
É importante salientar, que o AT não tem a função de realizar o tratamento clínico
dos moradores nas casas, por não ser este o espaço terapêutico de tratamento.
No entanto, este profissional precisa manter uma visada clínica e estar atento à
dinâmica de cada morador e de cada coletivo destas residências. Sobre o papel
do AT arriscaríamos concluir que é o responsável pela condução do trabalho como
um todo, seja nessas diversas parcerias possíveis de acontecer, seja na
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
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interlocução com o território visando o aumento da autonomia e protagonismo dos
moradores em relação à própria vida.
O cuidador, por sua vez, assume o cuidado cotidiano, com um olhar direcionado
para a inclusão na vida comunitária e na operacionalização das tarefas cotidianas,
junto aos moradores. Está presente em ações diversas dependendo da demanda
de cada casa e de cada paciente. Desta forma, o cuidador responsabiliza-se pelo
cuidado medicamentoso para aqueles que não o fazem sozinhos; auxilia na
higiene pessoal, quando necessário; acompanha em consultas médicas; nas
compras pessoais e da casa; nas idas ao banco; nos passeios, incentivando-os
de acordo com as possibilidades na realização desses eventos com maior
autonomia. O marco desse acompanhamento é fazer com eles, e não fazer por
eles, auxiliando naquilo que for necessário, procurando não ser determinante o
caráter tutelar em suas ações. No entanto, em algumas situações se faz
necessário a tomada de decisões e medidas protetivas como forma de garantir o
cuidado.
No cenário da política de Saúde Mental, o papel do cuidador se destaca como
peça fundamental ao processo de desinstitucionalização e inclusão comunitária.
Entendendo que o acompanhante terapêutico é responsável pela condução
do trabalho, podemos afirmar que o cuidador é a garantia para a sua
realização no cotidiano.
Impasses e Desafios encontrados no Trabalho nos SRTs do Caps Clarice
Lispector
Os Serviços Residenciais Terapêuticos são dispositivos que dialogam diretamente
com a sociedade. Um ex-interno do manicômio, agora é morador de uma casa
com direitos e deveres. E o primeiro desafio da equipe de segmento é, no espaço
público e social, emprestar-lhe contratualidade a fim de que com suas
peculiaridades não sucumba à estigmatização e exclusão.
Entretanto, não é só com a estigmatização e a exclusão do louco que precisamos
nos haver, consideramos outras modalidades de exclusão, talvez mais sutis, como
por exemplo, a impossibilidade de manutenção de uma pessoa com seqüelas
clínicas em um dispositivo residencial. Para exemplificar, mencionamos a história
de Adelaide23, com hemiplegia decorrente de um AVC, o que exigiu da equipe
ampliar a clínica a fim de sustentar sua presença na casa, apesar de seu
61
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
acometimento físico, evitando-se assim sua re-internação em outra modalidade
de asilamento. E a clínica vai se “alargando” na busca por novos recursos.
Remetendo-nos a Política Nacional de Humanização (PNH), lembramos que ao
incluírmos algo ou alguém, também incluímos os conflitos subjacentes. E nesse
sentido, o que está colocado para nossa equipe é o direito não só de morar com
dignidade, mas também de permanecer em sua casa ainda que doente, ainda que
deficiente, ainda que idoso. De outro modo, quando pensamos a inclusão do
psicótico, não podemos nos esquecer de que também ele envelhece, adoece e
padece de inúmeros outros sofrimentos que não aqueles circunscritos à loucura.
Assim o que pretendemos não é somente a mudança no imaginário social da
“loucura”, mas desses sujeitos na relação com seu sofrimento, com sua miséria,
e também com sua potência.
Em 2010/2011, algumas cuidadoras 24 de nossa equipe de segmento tiveram a
oportunidade de apresentar trabalhos no Encontro de Cuidadores da Fiocruz. E
após ampla discussão entre a equipe acerca dos temas propostos, alguns
impasses e desafios foram elencados como prioritários no trabalho junto aos
Serviços Residenciais Terapêuticos, assim como algumas propostas de
enfrentamento.
Elas salientaram que algumas dificuldades estão mais centradas nos moradores,
e remetem-se ao trabalho da equipe na direção de uma vida em sociedade, a
partir do incentivo a convivência, a aproximação com os vizinhos e com os
recursos da cidade.
No avesso da perspectiva anteriormente colocada, as cuidadoras situaram o
preconceito, o que aparece como preditor de angústia e ansiedade para as
próprias. Expressam estes sentimentos de forma intensa, através de suas falas,
onde é possível observarmos os afetos e afetações implícitos: “vê-los sendo
tratados como bobos da corte, com deboche, desdém...”.
Uma terceira dificuldade, por elas mencionada, diz repeito ao enfrentamento do
envelhecimento e seus revezes: catarata e/ou glaucoma, hipertensão, diabetes,
Parkinson, entre outras. Diversas situações clínicas, que demandam respostas e
recursos, inclusive à própria permanência do morador na casa, uma vez que
nossas residências ainda não são de alta complexidade. Possuímos três
cuidadores noturnos, que trabalham diariamente, sendo acionados quando
necessário. Mantemos essa configuração a partir da aposta de que eles possam
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
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gerir suas vidas com algum protagonismo, mesmo durante a noite, na ausência
dos técnicos.
Outro aspecto apresentado é o fato de estarem todo o tempo pensando sobre o
trabalho, sobre aquilo que precisa ser feito para ajudá-los a ter uma vida melhor.
O que requer a disponibilidade em aprender com eles no dia a dia, constituindose ao mesmo tempo como possibilidade e desafio para o trabalho.
A necessidade de lidar com os próprios sentimentos aflorados nas relações com
os moradores é evidenciado. Lidar com aquilo que elas supõem se tratar de
“pirraças de alguns moradores mais preservados / autônomos”, bem como com
as desconfianças advindas das “paranóias” de outros, mostra-se muito difícil.
Enfrentam todos os dias inúmeros e constantes desafios dentro da casa (“gênio
difícil, crise, implicância entre eles, quando resolvem beber, dificuldades nos
cuidados com higiene”) e fora dela (“preconceito, dificuldade de inserção na vida
social, cultural e de lazer, e em barrar a exploração de determinadas pessoas”).
Os impasses não se restringem as relações entre as cuidadoras e os moradores,
e circundam a própria relação entre elas, por meio das “desavenças e picuinhas”
que se instalam, ou no lidar com os próprios limites. Daí a busca por um contorno
que as proteja do envolvimento emocional, a distância necessária à composição
saudável do trabalho e a preservação da própria saúde física e mental.
As cuidadoras ainda verbalizam acerca da postura adequada ao trabalho nas
residências – ressaltando a compreensão de que a casa é dos moradores e não
dos profissionais e que “não é possível ficar ou agir de qualquer jeito nela”. Essa
premência de um lugar a ser construído junto aos moradores, na casa, que não
mais aquele ocupado na instituição psiquiátrica, tampouco aquele do familiar, diz
ao mesmo tempo de um impasse e de um “antídoto” à reserva, aqui essencial.
No âmbito institucional, o aspecto mais pronunciado foi a fragilidade nos vínculos
trabalhistas. O que parece determinar um “prazo de validade” à equipe,
principalmente as acompanhantes terapêuticas25. Também apontaram a
necessidade de reconhecimento pelo trabalho que realizam.
Os recursos sugeridos por elas, para lidar com as dificuldades apresentadas,
puderam ser sintetizados da seguinte maneira: na esfera da relação entre o
profissional e morador: “lidar com o fato de sermos profissionais e não familiares,
lidar com eles não como nossos filhos ou crianças, e sim como pessoas já adultas
e responsáveis por seus atos”, de acordo com seus limites e possibilidades,
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O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
contribuindo no resgate da autonomia, a partir dos pequenos gestos cotidianos e
de acordo com a especificidade clínica.
No que tange a equipe, pedir ajuda quando não souber o que fazer (a outras
cuidadoras, as Ats, coordenação do serviço); ajudar aquela que não sabe, porém
sem fazer por ela; realizar um trabalho integrado; dividir e compartilhar as
responsabilidades. Por fim, de modo geral, “manter-se calma” diante das
dificuldades que aparecem.
No aspecto político-institucional, requerem a promoção de uma política de
recursos humanos, com salários condizentes com as funções realizadas e a carga
horária trabalhada, valorização do cuidador em saúde mental, através do
reconhecimento legal da profissão e da aproximação do gestor daqueles que
estão no dia-a-dia do trabalho, e escuta de suas reivindicações.
Por fim, toda a especificidade do trabalho nos SRTs convoca os
profissionais da equipe de segmento a refletir diariamente suas práticas e criar
estratégias de enfrentamento dos impasses e desafios que permeiam o campo de
atuação. Frente a estes obstáculos, muitas vezes da ordem do imprevisível, senão
do improvável, a condução do trabalho procura não perder de vista o manejo
singularizado e contextualizado, a flexibilidade e a co-responsabilização.
Remetendo-nos a Spinoza, é fundamental resgatar os “encontros alegres”, ou
seja, aqueles que aumentam a potência de existir, inclusive das relações. De outro
modo, o viés clínico-político deve ser a bússola orientadora das ações e
intervenções, e o compartilhamento a ferramenta e força motriz a impulsionar o
projeto, assegurando a ele sua qualidade e seu caráter de inventividade.
Notas
1
Psicóloga, ex-AT da Equipe de Segmento do CAPS Clarice Lispector
Psicóloga, ex-AT da Equipe de Segmento do CAPS Clarice Lispector
3
Psicóloga, Diretora do CAPS Clarice Lispector
4
Psicóloga, Coordenadora Técnica do CAPS Clarice Lispector
5
Psicóloga, AT da Equipe de Segmento do CAPS Clarice Lispector
6
Psicóloga, Especialista em Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial,
Coordenadora da Desinstitucionalização do Caps Clarice Lispector
7
Muito embora as Portarias denominem os SRTs como sinônimo de Residências
Terapêuticas /RTs, ampliamos, para fins da clínica, essa denominação utilizandoa tb para as Moradias Assistidas, fossem elas oriundas da
desinsinstitucionalização ou de alta vulnerabilidade. Voltaremos a essa questão a
posteriori.
2
Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
64
8
Teoricamente, pois na prática cotidiana temos visto que existe certa fluidez
nessa lógica, de modo que, muitas vezes temos em moradias assistidas,
moradores com menor autonomia, mas que por diversas outras razões requerem
essa modalidade de cuidado. O mesmo pode ser dito no que tange as RTs, onde
podemos encontrar pessoas com importante grau de autonomia, especialmente
tomando-se essa avaliação longitudinalmente.
9
Utilizamos no feminino tanto acompanhante terapêutica como cuidadora, uma
vez que nossa equipe, até o presente momento, é composta somente por
mulheres.
10
Macedo, M; Mira. K; Retchand, M. Pensando o cuidado dentro e fora: a
construção do Caps Clarice Lispector in Archivos Contemporâneos, 2007, Rio de
Janeiro: Instituto Municipal Nise da Silveira .
11
“Therapeutike palavra grega que significa eu curo. Terapêutica – parte essencial
da clínica que estuda e põe em pratica os meios adequados para curar, reabilitar,
aliviar o sofrimento e prevenir possíveis danos em pessoas vulneráveis ou
doentes. Não se trata, portanto, de uma mera preocupação humanizadora, mas
de uma técnica que qualifique o trabalho”.
12
O conceito de território é proposto por Milton Santos, como um espaço em
permanente construção produto de uma dinâmica social; é o conjunto de
referências sócio-culturais e econômicas que desenham a inserção no mundo do
sujeito.
13
CAPS III – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para
atendimento em municípios com população acima de 200.000 habitantes,
constituindo-se em serviço de atenção contínua, durante 24 horas diariamente,
incluindo feriados e finais de semana. Com acolhimento noturno para no máximo
5 leitos. (Portaria n.º 336/GM Em 19 de fevereiro de 2002).
14
Entende-se que não necessariamente a atenção a crise envolva acolhimento
e/ou internação, outros recursos podem ser acionados, a clínica será soberana,
assim como a posição de cada sujeito nessa orientação, que deve ser contextual
e temporalmente localizada.
15
Tomamos cuidado aqui, em sentido amplo e complexo, entendendo que o morar
para a clientela psicótica com longos anos de internação e/ou em vulnerabilidade
familiar e social, envolve amplos aspectos do cuidar que transitam entre as
(im)possibilidades de estar em diferentes espaços; de se reconhecer como
sujeitos de direitos e deveres nesses novos espaços; de realizar ou não atividades
perdidas no tempo-espaço de suas vidas e outras criadas de acordo com as novas
necessidades e desejos; na premência de novos contatos relacionais e novas
formas de se relacionar com o mundo e com a sua própria existência, assim como
a retomada de antigos e importantes contatos; nas inventivas formas de permitir
contratualidade, entre outras. De maneira singular e, portanto, de acordo com os
limites e possibilidades de cada um. Deste modo, tomamos cuidar não no sentido
circunscrito do tratamento, mas na garantia de que a vida aconteça com o mínimo
de dignidade e troca. E cada vez mais, com menos interferência técnica.
18
A partir da inseparabilidade entre clínica e política, não podemos deixar de
considerar, no entanto, os inúmeros atravessamentos político-institucionais que
acompanham esse trabalho e que de fato ainda não garantem as bases sólidas
necessárias a sua sustentação como, reconhecimento, adequação salarial. O que
acaba gerando instabilidade no trabalho, pois se trata de um fazer bastante
intenso que exige demais dos profissionais, mas que não oferece o retorno
65
O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
merecido, almejado e digno a qualquer pessoa que exerça seu trabalho
eticamente.
19
Sobre este tema ler FIGUEIREDO, Luiz Cláudio. Presença, Implicação e
Reserva in Figueiredo, Luiz Claudio e Coelho Junior, Nelson. Ética e Técnica em
Psicanálise, São Paulo: Escuta, 2000.
20
Nos referimos aqui aos conceitos de Campo e Núcleo propostos por Gastão
Wagner de Souza Campos em Saúde Paidéia e desenvolvido também por
Gustavo Tenório Cunha em sua Tese de Doutorado: GRUPOS BALINT PAIDÉIA:
uma contribuição para a co-gestão e a clínica ampliada na Atenção Básica.
21
Criamos também um espaço de encontro com às AT´s, demarcado pela
supervisão, mas onde procuramos promover à discussão de textos, artigos, livros.
22
O recurso adotado para lidar com essa “exig~encia” da clínica, foi o banco de
horas.
23
Nome fictício
24
Apresentaram trabalhos em 2010 – Cláudia Alves dos Santos e Maria Raimunda
Ribeiro da Silva e em 2011- Leila Mara do Espírito Santo e Vera Lucia Oliveira dos
Santos.
25
No caso das ats, temos visto que um ano parece ser esse prazo, não só pela
política salarial, como também e principalmente, pela prontidão 24h, todos os dias
da semana (ainda que em revezamento nos finais de semana), o que tem
demonstrado aumentar o desgaste dessas profissionais, bem como o desejo em
sair do programa.
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Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
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_________ Lei no 10.708, de 31 de julho de 2003 in: Legislação em Saúde
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2004.
_________Portaria GM n. 106, de 11 de fevereiro de 2000 in: Legislação em
Saúde Mental: 1900-2004. Brasília, Secretaria de Atenção à Saúde, 4ª. Ed. Rev.
e atual, 2004.
_________Portaria GM n. 3090, de de 2000 in: Legislação em Saúde Mental:
1900-2004. Brasília, Secretaria de Atenção à Saúde, 4ª. Ed. Rev. e atual, 2004.
_________Portarias nº- 52/GM/MS, e nº- 53/GM/MS, de 20 de janeiro de 2004
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para a co-gestão
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O entrelaçar da teia de cuidados – Experiências da equipe de um Serviço Residencial Terapêutico
de base territorial
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Enara Carvalho, Joana Cury, Karine Russano Mira, Mônica Cadei, Patricia Lobato, Rita de
Cássia Ferreira Silverio
68
ANÁLISE DAS DISSERTAÇÕES DE MESTRADO E TESES DE
DOUTORADO/LIVRE DOCÊNCIA EM ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO DE 1995 A 2013.
ANÁLISIS DE LAS DISSERTACIONES DE MAESTRIA Y TESIS DE
DOCTORAMENTO/LIBRE DOCÊNCIA EN ACOMPAÑAMIENTO
TERAPÉUTICO DESDE 1995 HASTA 2013.
ANALYSIS OF DISSERTATIONS AND THESES DOCTORAL / PHD IN
THERAPEUTIC MONITORING 1995 TO 2013.
Marcelo Costa Benatto
RESUMO
O artigo se propõe a uma análise da produção acadêmica em Acompanhamento Terapêutico
entre os anos de 1995 e 2013. Foram encontradas como material para análise 57 pesquisas
divididas em 49 dissertações de mestrado; sete teses de doutoramento; uma tese de livre
docência. O método de estudo utilizado foi o de pesquisa bibliográfica a partir do levantamento
de referências publicadas (dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre docência).
Foi realizada uma busca por “palavras-chave”, utilizando-se do seguinte procedimento:
“acompanhamento + terapêutico” ou “acompanhante + terapêutico” no título, subtítulo ou resumo
dos trabalhos. Observou-se um significativo aumento da produção acadêmica refletida nos
programas de pós-graduação ao longo da história. A partir desse ponto apontamos relevâncias
e datas que marcaram a produção acadêmica em AT. Pretende-se que esse trabalho possa
servir de balizador da produção científica brasileira, apontando caminhos e direcionamentos para
pesquisas futuras.
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento terapêutico, Produção acadêmica, Base de dados.
RESUMEN
Este artículo propone hacer un análisis de la produccion acadêmica en Acompañamiento
Terapéutico entre los años de 1995 y 2013. Han sido encontradas como material para análisis
57 pesquisas divididas en 49 dissertaciones de maestria; siete tesis doctorales; una tesis de libre
docência. El método de estudio utilizado ha sido lo de pesquisa bibliográfica desde lo
levantamiento de referências publicadas (dissertaciones de maestria; tesis doctorales y tesis de
libre docência). Ha sido realizada una busqueda por “palabras-clave”, se utilizando de lo siguiente
procedimiento: “acompañamento + terapéutico” o “acompañante + terapéutico” en lo título,
subtítulo o resumen de los trabajos. Se ha observado un significativo aumento de la produccion
acadêmica refletida en los programas de post-grado a lo largo de la história. A partir de ese punto
apontamos relevâncias y datas que enmarcaran la produción acadêmica en AT. Se pretende que
ese trabajo pueda servir de balizador de la producion científica brasileña, apuntando caminos y
direccionamientos para pesquisas futuras.
PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento terapéutico, Produccion acadêmica, Basis de datos.
ABSTRACT
The article proposes an analysis of the academic literature on Therapeutic Company between the
years 1995 to 2013. They were found as material for analysis 57 studies split into 49 master
dissertations; seven doctoral theses; one thesis for teaching. The method used was the literature
research based on a survey of published references (Masters dissertations, PhD theses and free
teaching). "+ Monitor therapeutic" or "therapeutic companion +" in the title, caption or summary
of the work: a search for "keywords" was performed, using the following procedure. There was a
significant increase in production reflected in academic graduate programs throughout history.
From that point we showed relevance and dates that marked the academic production in AT. It is
69
Marcelo Costa Benatto
intended that this work can serve as a reference of Brazilian scientific production, pointing paths
and directions for future research.
KEYWORDS: Therapeutic Company; academic Production; Database.
INTRODUÇÃO
Esse texto tem por objetivo compreender a produção científica sobre o
acompanhamento terapêutico no Brasil desde o seu início até as produções mais
atuais. Trata-se de pesquisa em andamento, que visa buscar pesquisas, autores
e programas de pós-graduação que estão contribuindo para o incremento do AT
no universo científico.
Essa busca se deu através de um amplo levantamento em bases de
dados de artigos, teses e dissertações, livros e autores que estão contribuindo
para a construção e estruturação teórica desta prática clínica, bem como
consultando as próprias referências dessas mesmas produções.
O intuito do levantamento foi de estabelecer um quadro o mais amplo
possível dessa perspectiva. Para atingir o objetivo geral da pesquisa, foi
categorizada a produção científica em acompanhamento terapêutico (AT) no
Brasil em dois grupos: 1) Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado/Livre
Docência; 2) Artigos publicados em revistas e periódicos científicos.
Neste primeiro momento, apresentamos a categorização referente às
dissertações
de
mestrado
e
teses
de
doutorado/livre
docência
em
acompanhamento terapêutico (AT) no Brasil de 1995 a 2013. Projetamos um
“olhar” para a produção acadêmica em AT pelo seu principal substrato
(dissertações e teses) partindo da hipótese que há um aumento significativo da
inserção do AT na academia, conquistando espaço nas graduações, pósgraduações e em eventos de extensão universitária.
Duas vertentes direcionam esse estudo: a necessidade de conhecermos
o que já havia sido produzido academicamente e a possível consequência dessa
produção para o “fazer” AT, demostrando a preocupação com um arcabouço
teórico
academicamente
reconhecido,
mas
ainda
pouco
divulgado.
Reconhecemos a necessidade de uma discussão epistemológica sobre o tema,
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
70
mas não será objeto do presente trabalho, abrindo-se essa possibilidade
investigativa para futuras pesquisas.
Em relação à divulgação desses materiais, nos deparamos com algumas
dificuldades nesse percurso, como o fato que, na busca por teses e dissertações
apareceram temas diversos que não se referiam ao objeto desse estudo; além
disso, o processo de reunião de todo esse material, apesar de algumas tentativas
acadêmicas (Simões, 2005; Pitiá & Santos, 2006; Benevides, 2007; Palombini,
2007; Hermann, 2008; Chauí-Berlinck, 2011) e outras profissionais (Biblioteca
do AT), ainda não havia logrado êxito em apresentar esse quadro acadêmico de
teses e dissertações de forma completa.
Mesmo diante de tais adversidades, conseguimos acesso aos trabalhos
completos de todas as Teses de Doutoramento (N=7) e Livre Docência (N=1) e
87,7% das Dissertações de Mestrado (N=43); em três dos trabalhos somente
foram acessados os resumos e outros três estavam indisponíveis para consulta.
Após buscar e analisar todo o material pretendemos apresentar um
conjunto de resultados inéditos, oriundos de um levantamento amplo do que
produz, no contexto brasileiro, em termos de pesquisas e reflexões sobre o AT
em nível stricto sensu1. Além disso, destacamos a relevância do presente
trabalho, visto que os dados encontrados e analisados nessa “viagem” pela
história do acompanhamento terapêutico no Brasil possibilitarão observar a
inserção do AT na academia e balizar os profissionais e pesquisadores,
apontando o que foi produzido e se destacou nesse processo além de servir de
base para outros – tão importantes quanto – que apontem influências
teóricas/filosóficas e promovam a demarcação de períodos ao longo da história.
Antes de apresentar e analisar os dados/resultados da pesquisa, julgamos
necessário discorrer sobre os procedimentos utilizados para busca da produção
acadêmica e de que forma foi compilada e analisada.
Método
O método de estudo utilizado foi o de revisão sistemática a partir do
levantamento de referências publicadas (dissertações de mestrado, teses de
doutorado e de livre docência) no período que compreende os anos de 1995–
que representa o ponto de partida dessa pesquisa em virtude da primeira
dissertação de mestrado em AT defendida neste ano – a 2013, representando o
71
Marcelo Costa Benatto
corte mais atual possível, por ser o último ano completo até a consecução da
presente pesquisa.
Foi realizada uma busca por “palavras-chave”, utilizando-se do seguinte
procedimento:
“acompanhamento
+
terapêutico”
ou
“acompanhante
+
terapêutico” no título, subtítulo ou resumo dos trabalhos. Também foram lidos e
analisados os títulos e resumos dos trabalhos que apresentaram as palavras
“acompanhante terapêutico” e “acompanhamento terapêutico” juntas, visto que
somente as combinações de palavras, ou a junção das duas, não apresentou a
totalidade de produções da área. O método de busca de materiais científicos
incluiu a leitura de todos os títulos, subtítulos e resumos encontrados.
Os materiais foram buscados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) no site
www.bireme.br, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – através
de seu site localizado em http://bdtd.ibict.br/– e no Banco de Teses e
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) no endereço eletrônico http://www.capes.gov.br/servicos/banco-deteses. Posteriormente, foi efetuada a verificação dos currículos Lattes dos
pesquisadores e orientadores das pesquisas selecionadas, para saber se
participaram em alguma outra pesquisa da área de AT e que ainda não tenha
sido encontrada nas buscas anteriores. E, por último, foi feita a revisão das
referências bibliográficas de toda a produção encontrada.
Os critérios para inclusão de materiais na pesquisa foram: a) materiais
caracterizados no formato de dissertações de mestrado e teses de doutorado/
livre docência em AT; b) publicações nacionais, ou ainda, de autores
estrangeiros
desde
que
a
pesquisa
tenha
sido
desenvolvida
em
Universidade/Faculdades nacionais, tendo em vista que esse estudo objetivou
traçar um panorama da produção acadêmica nacional apontando quais
instituições, pesquisadores e orientadores estão envolvidos nesse processo.
Apresentação, Análise e Discussão dos dados.
A análise foca o fortalecimento do AT na academia brasileira, pois desde
o primeiro artigo publicado no Brasil (Eggers, 1985) e a primeira dissertação de
mestrado (Reis Neto, 1995), decorreu uma década sem que tenham sido
desenvolvidos estudos stricto sensu, ao passo que, entre 1995 até 2013
observamos aumento de uma produção que vem se consolidando enquanto área
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
72
do saber, o que supõe uma maior preocupação com fundamentação e pesquisa
referente ao campo.
O acompanhamento terapêutico foi introduzido no Brasil sob a
denominação de “atendente psiquiátrico”, na Clínica Pinel em Porto Alegre, nos
anos 60 e 70 (Berger, Moretin & Braga Neto, 1991). Posteriormente foram
encontrados registros de uma segunda experiência no final da década de 60, no
Rio de Janeiro, na Clínica Villa Pinheiros, sob a denominação de Auxiliar
Psiquiátrico, com forte embasamento psicanalítico. Nessa mudança de
nomenclatura – passando de atendente psiquiátrico a auxiliar psiquiátrico – as
funções deste profissional mantiveram-se inalteradas, assim como o foco de
atendimento, visto que a Clínica de Porto Alegre (primeira experiência) serviu de
base de Inspiração para a clínica do Rio de Janeiro (segunda experiência) (Reis
Neto, 1995).
A terceira experiência de Acompanhamento Terapêutico no Brasil ocorre
no final da década de 70 no Instituto A CASA, na cidade de São Paulo. Neste
local, que funcionava inicialmente como Hospital Dia, surge a denominação de
“amigo qualificado”. Somente após todas essas mudanças de terminologia é que
se consolida, no final dos anos 80, a denominação atual de “acompanhamento
terapêutico”, como um recurso que vem sendo amplamente utilizado pelos
profissionais de saúde no tratamento aos doentes mentais (Simões, 2005). O
diferencial desse profissional era apresentar um “olhar” diferenciado da loucura,
um compartilhar, “estar com” o louco.
Algumas datas são importantes de serem mencionadas como, por
exemplo, o ano de 1985, em virtude do primeiro escrito científico brasileiro,
intitulado: “Acompanhamento terapêutico: um recurso técnico em psicoterapia
de pacientes críticos” (Eggers, 1985), fruto do trabalho de conclusão do curso de
especialização em psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, em junho de 1984.
Os primeiros escritos utilizando a terminologia “acompanhamento
terapêutico” ocorrem na Argentina, na clínica do Dr. Eduardo Kalina, conhecida
por CETAMP – Centro de Estudos e Abordagem Múltipla em Psiquiatria.
Também nesta clínica, em 1985, surge o primeiro livro publicado sobre o tema
intitulado Acompañantes Terapéuticos y pacientes psicóticos, escrito pelas
psicólogas Susana Kuras de Mauer e Silvia Resnizky. Segundo Marinho (2009),
73
Marcelo Costa Benatto
esta obra consiste em um manual introdutório e sistematizador do
acompanhamento terapêutico e foi traduzido no Brasil dois anos depois (Mauer
& Resnizky, 1987). No ano de 1989, ocorre o primeiro encontro paulista de ats,
e como fruto desse encontro é publicado em 1991, o primeiro livro brasileiro
sobre AT intitulado A rua como espaço clínico. Acompanhamento terapêutico.
Este livro é composto de diversos artigos sobre o tema e foi promovido pelo
Instituto A CASA, de São Paulo (Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do
Hospital-Dia A Casa, 1991).
Seguindo nosso percurso histórico, apontamos que nos anos de 1995 e
2002 foram defendidas a primeira dissertação de mestrado e a primeira tese de
doutorado em AT. A pesquisa Acompanhamento Terapêutico: Emergência e
trajetória histórica de uma prática em saúde mental no Rio de Janeiro foi
desenvolvida no mestrado em psicologia clínica da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (Reis Neto, 1995) e o primeiro doutoramento foi
defendido na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo, sob o título Acompanhamento terapêutico com enfoque da psicoterapia
corporal: uma clínica em construção (Pitiá, 2002).
Destacamos que partindo da dissertação de 1995 até o ano de 2013 (com
exceção dos anos de 1998, 2000 e 2001), em todos os outros anos houve algum
tipo de produção stricto sensu sobre o tema, apontando que, além de conquistar
um espaço na academia, segue a sua expansão científica no cenário nacional.
Notamos que algumas edições especiais de revistas científicas
publicaram números apenas com a temática do Acompanhamento Terapêutico,
a saber: a revista Pulsional – Revista de Psicanálise, em 2002; a Estilos da
Clínica (publicação do Instituto de Psicologia da USP), em 2005; e a revista
Psychê (do Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise da Universidade São
Marcos), no ano de 2006. O que todos esses periódicos compartilham é o olhar
psicanalítico, sendo que apenas a Pulsional e a Estilos da Clínica continuam
ativas (a Psychê está desativada desde 2008). Outra revista – Psicologia &
Sociedade – também publicou em 2013 um número especial da revista para a
temática AT, seis anos após a realização do III Congresso Internacional de
Acompanhamento Terapêutico realizado em Porto Alegre, em outubro de 2008,
que teve como tema, Multiversas cidades, andanças caleidoscópicas, tessituras
de redes.
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
74
No segundo semestre do ano de 2012, ocorre o lançamento da primeira
revista científica especificamente sobre o tema, intitulada ATravessar,
organizada pela AAT (Associação de Acompanhamento Terapêutico). Esse
dado representa uma evolução na fonte de publicação da produção científica
sobre o acompanhamento terapêutico no Brasil e merece ser avaliada
positivamente, visto que proporcionou a possibilidade de centralização da
produção científica sobre AT no Brasil. Ainda em 2012, enfatizamos que foi
publicada a única tese de livre docência sobre AT, em pesquisa desenvolvida no
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, e intitulada Perspectivas
fenomenológicas em atendimentos clínicos: humanologia (Antúnez, 2012).
Após a breve apresentação do percurso histórico do AT com o
apontamento de destaques e relevâncias nesse período, percebemos que esses
acontecimentos têm um reflexo direto na produção acadêmica e científica sobre
AT no Brasil. Ressaltamos inicialmente que a sua estruturação é recente, com a
primeira obra tendo sido publicada há pouco menos de três décadas, mas
conforme abordaremos a seguir, a produção acadêmica vem aumentando ano a
ano, com expansão para diversas Universidades e programas de pós graduação.
Delimitação do campo: Um olhar para as pesquisas e programas de pósgraduação.
Nosso levantamento abrange 57 produções acadêmicas divididas em sete
teses de doutorado, uma de livre docência e 49 dissertações de mestrado, todas
defendidas em Universidades/Faculdades nacionais no período compreendido
entre 1995 e 2013. Do total de pesquisas, a grande maioria delas – 40 trabalhos
– apresentavam as palavras acompanhamento + terapêutico no título ou
subtítulo
dos
trabalhos;
em
seis
deles
apareceram
a
combinação
acompanhante(s)+terapêutico(s), e nas demais onze produções acadêmicas
não constavam essas combinações em seus títulos ou subtítulos, embora
estivessem presentes nos resumos dos referidos trabalhos.
A única pesquisa que não atendeu aos critérios de seleção estabelecidos
nesse estudo, mas que ainda assim foi incluída foi a dissertação de mestrado
intitulada O acontecer na clínica: quando o criar resiste ao cotidiano,
desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e
Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Londero, 2011), pois
75
Marcelo Costa Benatto
em sua pesquisa o autor trabalha com o AT como clínica, e busca problematizála, para saber o que ela pode fazer enquanto prática que resiste a uma sociedade
capitalista que repele de si o que sai fora de suas normatizações tentando
controlar o inesperado. Dessa forma, decidimos mantê-la na amostra, por
entendermos que há contribuição direta para a produção acadêmica da área.
Marinho (2009) destaca que a teoria e prática do AT tem-se difundido
rapidamente, com aumento significativo da produção bibliográfica e científica
sobre o tema. A seguir visualizamos as pesquisas separadas ano a ano no
Gráfico 1. Essa visualização nos permite observar o crescimento da produção
acadêmica que o AT vem alcançando ao longo de sua história no Brasil.
Destacamos que mesmo reconhecendo a diferença que existe entre as
dissertações de mestrado e teses de doutorado/livre docência, principalmente
no quesito rigor metodológico da pesquisa, ambas serão analisadas pelo seu
conjunto, unindo esses escritos em uma mesma categoria (pesquisas stricto
sensu). Decidimos mantê-las unidas em virtude de não termos encontrado
variações significativas nos resultados que justificasse a separação, e também
pelo número baixo de teses de doutorado/livre docência (N=8). Ressaltamos que
nenhum dos autores que desenvolveu pesquisa de doutoramento em AT teve
esse tema para pesquisa no mestrado.
Gráfico 1: Ano de Defesa das produções acadêmicas em AT (Dissertações
Quantidade de produções científicas de
mestrado, doutorado e livre docência
de mestrado e Teses de doutorado e Livre Docência
Ano
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
76
Conforme apontado no Gráfico 1, não observamos uma ascendência
uniforme nas publicações, no entanto ressaltamos que a partir de 2002 até 2013
houve 52 defesas, representando 91,2% do total de publicações nessa
categoria, ou seja, esse dado por si só já nos permite concluir que o AT vem
ganhando força nas pesquisas em academias brasileiras, e ainda demarca dois
períodos distintos no quesito defesa de pesquisas stricto sensu, quais sejam:
década de 90 (de 1995 a 2000) e século XXI (2001 a 2013). Mesmo entendendo
que esses dois períodos não são uniformes entre si, sua separação justifica-se
em virtude do viés quantitativo de defesas observados em cada um dos dois
períodos, visto que no segundo deles se produziu mais de nove vezes o que se
produziu no primeiro.
Ainda em relação aos dados expostos no Gráfico 1, destacamos que
houve publicações ano a ano com exceção dos anos de 1998, 2000 e 2001,
tendo sido registrado em 2011 o ápice de publicações, com a defesa de nove
pesquisas (oito dissertações de mestrado acadêmico e uma tese de doutorado),
seguido por oito publicações em 2012 (sete dissertações de mestrado
acadêmico e uma tese de livre docência) e seis dissertações de mestrado
acadêmico em 2005. Percebemos que quase metade (40,3%) das defesas de
teses e dissertações ocorreram nesses três anos supracitados (2005, 2008 e
2011). Esse dado nos coloca uma questão: o que ocorreu nesses anos que
fomentou a publicação de tantas pesquisas? Não conseguimos responder essa
questão, que fica aberta para futuras investigações.
Atualmente podemos observar que o número de pesquisadores
envolvidos com o AT vem aumentando nas IES. Sendo assim, cresce a demanda
por titulações, o que nos faz supor que nos próximos anos iremos nos deparar
com aumento de produções acadêmicas (tanto de mestrados quanto de
doutorados). Esse dado pode ser observado no Gráfico 1, pois 35% das
pesquisas stricto sensu foram defendidas no último triênio (2011, 2012 e 2013)
e percebemos que ocorre um ápice de defesas em dois destes anos (2011 e
2012), apontando um crescimento para os próximos anos.
Em relação às Universidades/Faculdades e programas de pós-graduação
que desenvolveram as pesquisas em AT no Brasil, percebemos que esses dados
77
Marcelo Costa Benatto
podem indicar as possibilidades e a diversidade de programas aos quais um
profissional pode se filiar.
Tabela 1: Universidades que promoveram pesquisas strictu sensu em AT
Universidade
Número de Pesquisas
Strictu sensu
Universidade de São Paulo
17
Pontifícia Universidade
9
Católica de São Paulo
Universidade Federal do
6
Rio Grande do Sul
Universidade de Brasília
4
Universidade Estadual
4
Paulista
Universidade Federal
3
Fluminense
Universidade Federal de
2
Uberlândia
Universidade Federal de
1
Minas Gerais
Universidade Federal do
1
Ceará
Universidade Federal do
1
Espírito Santo
Universidade Federal São
1
Carlos;
Universidade Estadual de
1
Campinas
Universidade do Estado do
1
Rio de Janeiro
Universidade Guarulhos
1
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
78
Pontifícia Universidade
1
Católica do Rio Grande do
Sul
Pontifícia Universidade
1
Católica do Rio de Janeiro
Universidade Católica de
1
Pernambuco
Universidade Metodista de
1
São Paulo
Faculdade Pequeno
1
Príncipe
A Universidade de São Paulo foi a que mais desenvolveu pesquisas sobre
o tema com 11 pesquisas de mestrado acadêmico, cinco doutoramentos e uma
tese de livre docência. Em seguida estão a Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, com oito pesquisas de mestrado e um doutoramento; a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul com seis dissertações; a Universidade de Brasília
e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” com quatro
dissertações cada; a Universidade Federal Fluminense com três dissertações e
a Universidade Federal de Uberlândia com duas dissertações. Todas as demais
Universidades desenvolveram um estudo cada uma (Universidade Federal de
Minas Gerais; Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal do Espírito
Santo; Universidade Federal São Carlos; Universidade Estadual de Campinas;
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Guarulhos; Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro; Universidade Católica de Pernambuco; Universidade Metodista
de São Paulo; e Faculdade Pequeno Príncipe/Paraná).
No que se refere à caracterização das IES destacamos que as pesquisas
foram desenvolvidas em 19 instituições, e ocorre uma predominância de estudos
(12 ao todo) nas Universidades públicas de ensino, nas quais foram produzidas
42 pesquisas representando 73,6% do total. Nas Instituições de Ensino Superior
(IES) da rede particular (sete ao todo), ocorreram 15 pesquisas. Segundo
Holanda e Karwowski (2004) existe via de regra uma maior qualificação dos
79
Marcelo Costa Benatto
profissionais para pesquisa na rede pública de ensino, o que pode justificar a
predominância de pesquisas em AT nessa modalidade.
Historicamente, o estado de São Paulo apresenta dominância no que se
refere à produção teórica e prática em AT. Ao recordarmos os eixos de
concentração do AT no país logo no seu início, percebemos que São Paulo fazia
parte desse tripé, assim como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O primeiro
encontro brasileiro sobre AT ocorreu no estado de São Paulo, além da
publicação do primeiro livro sobre o tema do Instituto A CASA em 1991 e o maior
número de profissionais acompanhantes terapêuticos, segundo Carvalho (2002)
que apontou esse dado em sua pesquisa de mestrado que propunha caracterizar
o AT a partir dos Acompanhantes Terapêuticos via questionário entregue aos
participantes do 1º Encontro Nacional de Acompanhantes Terapêuticos,
realizado em maio de 2001.
A região sudeste do País apresenta dominância nas publicações stricto
sensu com 43 trabalhos defendidos em 13 Universidades, representando 75,4%
do total de publicações. Em seguida encontramos a Região Sul com oito
pesquisas, em duas Universidades e uma Faculdade; Região Centro-Oeste com
quatro pesquisas em uma Universidade e a Região Nordeste, com duas
pesquisas em duas Universidades. Não houve registro de produções na Região
Norte. No que se refere à disposição geográfica, o estado de São Paulo mantém
hegemonia em relação aos outros estados brasileiros e conta com 34 pesquisas
defendidas em sete universidades, representando 59,6% do total de pesquisas
desenvolvidas, ou seja, mais da metade delas foram desenvolvidas em um único
Estado. Em seguida encontramos o Rio Grande do Sul com sete pesquisas, em
duas Universidades; Rio de Janeiro, com cinco pesquisas em três
Universidades; Distrito Federal com quatro pesquisas em uma Universidade;
Minas Gerais com três pesquisas em duas Universidades; Espírito Santo com
um estudo em uma Universidade; Pernambuco com um estudo em uma
Universidade; Ceará com um estudo em uma Universidade; e Paraná com um
estudo em uma Faculdade.
Ao todo, foram listadas 19 Instituições de Ensino Superior (IES)
responsáveis pelo desenvolvimento de 57 estudos com predominância de
pesquisas desenvolvidas no Eixo São Paulo-Rio Grande do Sul-Rio de Janeiro,
que pode ser justificado pelo seu retrospecto histórico, ou seja, é exatamente
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
80
nesses três estados que surgem as primeiras experiências de AT, e pela tradição
mais arraigada, é de se esperar que liderem as pesquisas na área. Porém, os
resultados dessa pesquisa apontam um caminho promissor no que se refere à
difusão do AT para outras Universidades distantes desse eixo (sete ao todo),
que atualmente mesmo com uma participação singela, apontam potencial de
crescimento para assim diminuir a hegemonia apresentada.
De acordo com Carvalho (2002), a maioria dos acompanhantes
terapêuticos tem a formação em psicologia e esse dado nos remete ao próximo
aspecto de nossa análise. A pós-graduação em psicologia apresenta dominância
nas pesquisas stricto sensu, tendo desenvolvido 44 estudos (39 dissertações de
mestrado, quatro teses de doutorado e uma tese de livre docência), seguidos por
seis estudos em enfermagem (quatro dissertações de mestrado e dois
doutoramentos); um doutoramento em medicina social, e uma dissertação em
cada uma das pós-graduações que seguem: educação; história, artes visuais,
biotecnologia aplicada a saúde da criança e do adolescente e ciências médicas.
Pitiá (2002) aponta que o AT pode ser referenciado teoricamente por
múltiplos olhares, assim como Carvalho (2002), que cita o embasamento teórico
das equipes de AT em uma dada abordagem psicológica, mas que nenhuma
delas consegue abarcar a multidimensionalidade do AT. Mesmo com
apontamentos na literatura científica de que é importante produzir conhecimento
em outras áreas da ciência, percebemos dominância absoluta das pesquisas na
área da psicologia, com 77,1% do total. Portanto, mesmo o AT, em tese, carregar
um status multidisciplinar, o desenvolvimento de suas pesquisas não são, visto
que pouco mais de ¾ delas estão concentradas em apenas uma área do
conhecimento – a psicologia.
Esse dado nos remete a alguns questionamentos, pois a literatura nos
aponta que a “clínica do AT” é atravessada por múltiplos saberes, e apesar disso
é “olhada” principalmente sob a perspectiva da psicologia, na maioria dos casos.
Sendo assim, nos perguntamos porque outras áreas do saber não apresentam
relevância em pesquisas sobre o tema? Ou ainda, será que o tema AT já está
esgotado em outras áreas do saber que não demanda pesquisas científicas para
tentar responder questionamentos?
Pela observação dos dados e análise da literatura respondemos essas
questões da seguinte forma: primeiramente, existe relevância no tema em outras
81
Marcelo Costa Benatto
áreas do saber, como a terapia ocupacional, sociologia, antropologia, direito,
entre outras, e ainda percebemos demanda de produção científica; porém, a
tradição do AT nos remete ao trabalho com pacientes psicóticos, nos preceitos
da reforma psiquiátrica e com foco clínico. Mas essa realidade está em constante
mudança.
Segundo Chauí-Berlinck (2011) alguns temas são recorrentes na literatura
sobre AT até a atualidade e não foram esgotados. Em primeiro lugar, aparecem
as obras que servem de referencial teórico para o AT com predomínio do
referencial psicanalítico. Em segundo lugar surgem discussões sobre a evolução
do perfil do paciente atendido pelo acompanhante terapêutico, assim como o
“lugar do acompanhante terapêutico” que engloba a “rua” e a “circulação”
articuladas à problemática dessa clínica. Em terceiro, surge a formação do
acompanhante terapêutico, suas problemáticas e o caráter interdisciplinar dessa
prática.
Apesar da recorrência de temas na literatura, notamos pesquisas em
outras áreas do saber como em ciências médicas (Simões, 2005), medicina
social (Palombini, 2007), educação (Araújo, 1999), história (Peixoto, 2009), artes
visuais (Belloc, 2005) e biotecnologia (Iamin, 2011) que se fazem presentes na
atualidade e que apontam para a ampliação desse campo, pois a pesquisa
científica nasce de um questionamento e este leva a muitos outros que
demandam novas pesquisas para respondê-los.
Outro dado relevante apontado em nosso estudo refere-se aos
orientadores de pesquisas de mestrado/doutorado. Observamos que 47
pesquisadores foram responsáveis em orientar 56 pesquisas (doutorado e
mestrado). O professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,
Andrés Eduardo Aguirre Antúnes foi o pesquisador com o maior número de
orientações, com quatro trabalhos (Possani, 2010; Ramos, 2011; Gonçalves,
2012; Marchi, 2012). Em seguida está o professor do Programa de PósGraduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Manoel Tosta Berlinck com três orientações (Fráguas, 2003; Deus, 2006; Gerab,
2011).
Na sequência, percebemos que três pesquisadores foram responsáveis
pela orientação de duas pesquisas cada um: Profa Maria Izabel Tafuri, do
Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (Coelho, 2007; Parra, 2009);
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
82
Prof. Gilberto Safra, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(Barretto, 1997; Fujihira, 2008); e Profa. Ana Maria Lofredo, do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (Ghertman, 2009; Santos, 2013).
Outros 42 pesquisadores orientaram somente uma pesquisa cada na área de
AT.
Para encerrar as análises referentes às produções acadêmicas em AT,
apontamos os frutos gerados em virtude dos escritos defendidos na modalidade
de dissertações ou teses. Das pesquisas de mestrado e doutorado ressaltamos
que sete delas foram transformadas em livros, seguindo-se aqui seus títulos:
Ética e técnica no acompanhamento terapêutico. As andanças com Dom Quixote
e Sancho Pança (Barretto, 1998); Sorrisos Inocentes, Gargalhadas Horripilantes:
Intervenções
no
Acompanhamento
Terapêutico
(Cauchick,
2001);
Acompanhamento Terapêutico: que clinica é esta?(Carvalho, 2004); Um passeio
esquizo pelo AT: dos especialismos à política de amizade (Araujo, 2006);
Acompanhamento Terapêutico e Psicose: articulador do real, simbólico e
imaginário (Hermann, 2012); Caminhos do Acompanhamento Terapêutico: os
novos Andarilhos do bem (Chaui-Berlinck, 2012); e Acompanhamento
Terapêutico: a clínica do acontecimento (Possani, 2012).
Esse dado interessa-nos, pois a divulgação dos trabalhos acadêmicos
gera maior acessibilidade de dados que podem ser muito proveitosos para os
agentes da prática (acompanhantes terapêuticos). Entendemos que em alguns
casos, existe relativa dificuldade de acesso a materiais que ficam restritos às
academias, contrariando a lógica da ciência. A produção acadêmica não deve
circular somente entre os pares e pesquisadores, mas sim, entre todos aqueles
que possam fazer uso e se beneficiar dos resultados dos estudos. Além disso,
“(...) o lugar ocupado pelo acompanhante terapêutico é o lugar da dúvida, da
incerteza, do risco seja porque não há um saber teórico ou um conjunto de regras
que determinem sua prática, seja porque deliberadamente optam pela recusa
dessas determinações e aceitam o inesperado e o inusitado” (Chaui-Berlinck,
2011 p. 134).
Para além das fronteiras da Pós-Graduação
Macedo (2011) apontou um aumento crescente no número de pesquisas
em AT e ao longo do texto nos preocupamos em destacar os avanços
83
Marcelo Costa Benatto
conquistados na academia no que tange às dissertações de mestrado e teses
de doutorado/livre docência. De acordo com a análise dos resultados,
percebemos que as raízes do AT na universidade ultrapassaram o campo das
pesquisas de mestrado e doutorado, atingindo as extensões e estágios
universitários. Como consequência imediata dessa expansão, ressaltamos o
espaço das discussões acadêmicas, que são fomentadas pela disseminação
desse saber prático.
Para ilustrar a disseminação do AT na universidade nos valemos da
iniciativa da Profa. Analice Palombini que arquitetou um evento acadêmico em
2005 e 2006 intitulado Colóquio em Dois Movimentos: de Porto Alegre a Niterói
– Acompanhamento Terapêutico e Políticas Públicas de Saúde. O evento
ocorreu em outubro (Porto Alegre) e janeiro (Niterói) fruto da parceria entre a
Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) tendo como elo o envolvimento das universidades em Projetos
de Acompanhamento Terapêutico, abrangendo ensino, extensão e pesquisa no
campo da Psicologia articulados com a rede pública em saúde mental
(Benevides, 2007).
As discussões na universidade fomentam a produção científica, assim
como críticas e questionamentos em relação ao que está sendo produzido,
permitindo lançar um olhar obrigatoriamente crítico para as teorias que estão se
consolidando, pois a academia é o “lugar” da ciência e a ciência é o lugar do
questionamento. Bezerra & Dimestein (2009) apontam que o arcabouço teórico
que serve de base para a clínica do AT encontra-se em fase de plena expansão
no Brasil. O acompanhamento terapêutico tem se diversificado ao longo dos
anos, seja na evolução de sua terminologia, modo de operação, preceitos
teóricos, aumento de produção e de intensidade científica, nos locais de sua
prática e dos profissionais envoltos ou principalmente pelos resultados obtidos
que justificam o crescimento e ampliação de sua prática.
Reconhecemos a ousadia desse estudo que busca abarcar a totalidade
de produções científicas em uma área do conhecimento. As dificuldades surgem
principalmente pelo crescimento que essa área do conhecimento vem se
deparando e com o advento das mídias digitais que prolifera de forma acelerada
as publicações. Mas essa proposta pode servir de ponto de partida para que
novas pesquisas surjam com o intuito de ampliar os dados e aprofundar em
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
84
alguns temas que não foram debatidos, pois extrapolam os limites traçados para
essa pesquisa.
Tendo por base os dados apresentados, assim como as limitações e
recortes dessa pesquisa, nesse momento focamos nosso olhar aos dados que
não foram apresentados e lançamos alguns questionamentos que poderão servir
de ponto de partida para pesquisas futuras.
Apesar do estudo englobar todo o âmbito nacional, muitos estados não
participaram desse processo de construção teórica do AT, levantando a hipótese
do AT não ser realizado nem discutido em toda a amplitude nacional. De acordo
com os dados apresentados observamos pesquisas em universidades de nove
estados brasileiros. O que aconteceu com os demais estados sem produção
acadêmica? Será que o AT não chegou até esses estados, ou se chegou, será
que não gerou questionamento? Não motivou pesquisas acadêmicas?
Dentre as possíveis respostas, uma que parece óbvia reflete a tradicional
concentração das produções em estados de maior poder econômico. As
pesquisas de educação caminham na mesma direção, porém, tal resposta pode
ser entendida como hipótese a ser confirmada ou refutada em pesquisas futuras.
Todavia, esses dados se revestem de importância pelo fato que as políticas
públicas são propostas e implementadas em âmbito nacional, mas nem sempre
são
acompanhadas
de
reflexões
sobre
essas
proposições
e
suas
implementações, nem mesmo sobre as formações profissionais atreladas a
esses fazeres.
Considerações Finais
Essa pesquisa não objetiva oferecer conclusões fechadas, mas aponta
para algumas direções importantes no que se refere à produção acadêmica em
AT no Brasil: em primeiro lugar, os dados indicam hegemonia de pesquisas
defendidas no estado de São Paulo, porém, num cenário animador, percebemos
a difusão das pesquisas para outros estados brasileiros como os tradicionais Rio
Grande do Sul e Rio de Janeiro, além do Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná,
Espírito Santo, Ceará e Pernambuco.
85
Marcelo Costa Benatto
Um segundo aspecto importante de ser ressaltado é o aumento no
número de pesquisas de mestrado/doutorado ao longo de sua história,
demarcando três períodos distintos (década de 80, década de 90 e século XXI).
Conforme apontamos no retrospecto histórico, o AT nasce como prática e assim
permanece durante toda a década de 80, sem que tenha havido nenhuma
pesquisa (mestrado ou doutorado) nesse período.
Na década de 90 o AT permanece com seu estatuto eminentemente
prático, porém, surgem algumas pesquisas para embasar teoricamente essa
prática, ou ainda, para pensá-la com o objetivo de oferecer-lhe um estatuto
teórico mais preciso. As pesquisas dessa década se propõe a apontar a
emergência e trajetória do AT no Rio de Janeiro (Reis Neto, 1995), discutir,
problematizar e pensar o AT com pacientes psicóticos (Sereno, 1996), suas
intervenções, o seu estatuto clínico (Cauchik, 1999), a importância da ética
nessa modalidade de atendimento (Barretto, 1997), e a sua importância no
processo de desinstitucionalização hospitalar (Araújo, 1999).
Como as pesquisas são apresentadas a posteriori do fazer prático, é de
se esperar que haja um aumento e pulverização destas, tendo em vista sua
importância para qualquer universo prático. Com isso, a partir dos anos 2000
foram desenvolvidas 44 dissertações de mestrado, além de sete teses de
doutoramento e uma tese de livre docência, mostrando uma preocupação do
universo acadêmico (pesquisadores) e de profissionais (acompanhantes
terapêuticos) com a crescente expansão dessa clínica originária dos preceitos
da política de saúde mental vigente no país – reforma psiquiátrica.
Outro aspecto que convém destacar é a necessidade de ampliarmos a
divulgação da produção acadêmica sobre o AT no Brasil. Assim sendo,
conseguiremos levar essas discussões para que outros estados brasileiros que
ainda mantém-se inativos na contribuição acadêmica para essa prática clínica.
Notas
1
As pós-graduações stricto sensu compreendem programas de mestrado e
doutorado abertos a candidatos diplomados em cursos superiores de
graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino e ao edital
de seleção dos alunos (Art. 44, III, Lei nº 9.394/1996).
Análise Das Dissertações De Mestrado E Teses De Doutorado/Livre Docência Em
Acompanhamento Terapêutico De 1995 A 2013.
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92
OS DESAFIOS INERENTES A PRÁTICA DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA INTERFACE DAS
QUEIXAS FAMILIARES
LOS DESAFÍOS INHERENTES A LA PRÁCTICA DEL ACOMPAÑAMIENTO
TERAPÉUTICO EN INTERFAZ DE QUEJAS DE LA FAMILIA
THE CHALLENGES THAT COME WITH THERAPEUTIC ACCOMPANIMENT
(TA) ON INTERFACING WITH FAMILY COMPLAINS.
Andrea Cristina Morganti1
Natália De Paula Vidal2
Valéria Lisondo3
RESUMO
Este trabalho visa disparar uma discussão a partir de um caso clínico, levantando qual o escopo
e as estratégias consideradas para a evolução do AT. Os pontos de enfoque serão os desafios
encarados para sustentar um trabalho que atenda ao acompanhado na interface da articulação
com seus familiares-contratantes. Estes expressam queixas individuais em relação ao atendido,
sobrepondo, muitas vezes, as necessidades deles mesmos serem cuidados em suas
problemáticas na relação com o paciente. Traçamos a evolução de um trabalho delicado, posto
em ameaça de interrupção no momento em que a autonomia do paciente vai abrindo passagens
e fluxo para novas possibilidades de circulação. Como construir e manter um contrato que
viabilize o AT e inclua a família nessa aposta desconhecida? Como preservar um programa que
atenda o enfoque do paciente sem abandonar a família? Ou ainda, sem entrar num conluio
familiar normativo e apaziguador dos ‘transtornos erráticos’ e disruptivos do paciente? Como
avaliar a eficácia da técnica terapêutica? Como manter uma estratégia para o acompanhado de
abertura e novas formas de se relacionar com o fora sem cor-romper as necessidades da família
(na maioria das vezes pouco esclarecidas) que muito incluem ‘adequação social’, e que então,
põem em ameaça a continuidade do trabalho do at?
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento terapêutico. Estratégias. Eficácia terapêutica. Queixa
familiar. Ameaça do tratamento.
RESUMEN
El presente trabajo se destina a generar una discusión levantando el escopo y estrategias
consideradas para el evolución de un caso de AT. Los puntos enfocados serán los desafíos
encarados para sostener a un trabajo que atienda al acompañamiento de la interface de la
articulación con sus familiares-contratantes los cuales expresan quejas individuales en relación
al atendido, sobreponiéndose muchas veces, a las necesidades de ellos propios ser cuidados
por cuenta de sus problemáticas frente a la dificultad de relación con el paciente. Se transcribe
la evolución y caminos recorridos de un trabajo delicado, poniéndose en amenaza la interrupción
de tratamiento en el momento en que la autonomía del paciente va abriendo pasajes y flujo para
nuevas posibilidades de circulación. Cómo evaluarle a la eficacia de la técnica terapéutica (sin la
mensuración concreta de un ‘producto’)? Cómo preservarle a un programa que atienda el
enfoque del paciente sin abandonarle a la familia, o aun, sin entrar en una confabulación familiar
normativo y apaciguador de los ‘trastornos erráticos’ y disruptivos del paciente? Cómo mantener
a una estrategia para el acompañado de apertura y nuevas formas de relacionarse con el externo
sin corromper las necesidades de la familia (la mayoría de las veces poco esclarecidas) que
mucho incluyen ‘adecuación social’, y que por consecuencia, ponen en amenaza la continuidad
del trabajo del at?
PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento terapéutico. Estrategias. Eficacia terapéutica. Queja
familiar. Amenaza del tratamiento.
ABSTRAC
The challenges that come with Therapeutic Accompaniment (TA) on interfacing with family
complains.
93
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
This work aims to start a discussion from a clinical case, raising the scoop and strategy to be
consider for TA evolution. The focus would be the challenges faced to sustain a job that will full
fill the monitored interface articulation with the hiring family members. Those that express
individual complaints with the patient, however, in many cases tends to forget to work on their
problems with the patient. We draw the evolution of a delicate work, in which sometimes is in
danger of interruption in the moment the patient starts to open passages and flows for new
possibilities of circulation. How to build and maintain a contract that will allow TA and would
include the family on this unknowable? How to preserve a program that fill the needs of the
patient without abandoning the family? On the other hand, without entering in a normative
family´s view of the issue? How to evaluate the effectiveness of the therapeutic technique? How
to maintain an opening strategy for the care and new forms to relate with the patient without
breaking family needs (most of the times, those techniques are not well clarified) which includes
social adapted, which in turn affects the continuity of the TA work?
KEYWORDS: TherapeuticMonitoring.
Threatenthetreatment.
Strategies.
Therapeuticefficacy.
Familycomplains.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa tecer algumas considerações acerca dos desafios
inerentes à prática do at na interface das queixas familiares, baseados no
trabalho de um AT que durou cerca de 7 meses. O caso será a ilustração para
discutirmos os principais temas selecionados e determinados como eixos
norteadores: a) A questão do Enquadre e de Estratégia no Exercício do AT; b)
A noção de família como sistema, e então a família como também protagonista
na lida com a queixa e a demanda para a prática do at e; finalmente, c) O AT em
face da noção de “eficácia da técnica” de sua prática.
Ilustração: Pedro e seu sistema familiar
Durante conversa informal com um grupo de amigos sobre o AT, uma
garota que escuta a conversa desperta interesse sobre a prática discutida, e até
então inédita para ela. Inicia-se aí a descoberta de uma nova possibilidade de
tratamento para seu pai, diagnosticado com esquizofrenia não especificada há
10 anos, e que, segundo ela, vivia numa enclausurada paralisia de vida frente a
pouca oferta de tratamento e baixo recurso especializado.
Algum tempo depois, um novo contato é feito por essa mesma garota na
intenção de conhecer melhor as propostas do AT. Marcamos uma entrevista com
essa garota e a mãe, respectivamente filha e esposa de Pedro, o suposto
paciente. O que mais me chama a atenção neste primeiro contato é a confusão
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
94
das informações sobre a história clínica e pouco conhecimento do quadro de
Pedro. Além disso, não tinham muita clareza do diagnóstico (recebido há 10
anos), imprecisão dos medicamentos que P. tomava, e dados objetivos um tanto
esburacados. Parecia se tratar de uma história pouco familiar (contrapondo a
natureza das relações). Erica, a filha, discursava um pedido mais esclarecido
sobre a expectativa deste futuro, e até então, desconhecido trabalho: buscava
alguma alternativa que pudesse propiciar melhor qualidade de vida ao pai.
Glória, a esposa, parecia frágil e cansada no papel de cuidadora principal (além
da dificuldade de revelar-se outra coisa que não a mulher de Pedro). Fundia-se
entre emoções de uma relação conturbada com o marido (antes do início do
quadro) somado aos desafios de cuidar de um cônjuge com limitações funcionais
para realizar simples atividades do dia-a-dia. Moravam numa casa simples. Além
de Glória, Pedro e Erica, também moravam lá outros dois filhos mais velhos.
Aos poucos fui ouvindo os relatos da família e uma profunda mágoa em
relação a esse pai ia emergindo. Descreviam-no uma pessoa pouco afetiva,
impulsiva, muitas vezes violenta. Manifestava comportamentos intempestivos,
histórias de traições com outras mulheres. Até que foi revelado que o quadro de
Pedro foi desencadeado pelo o que eles nomeavam de ‘acidente’, que na
verdade, segundo a família, tratava-se de um ‘acerto de contas’ por estar
envolvido com outra mulher (anunciado à Glória anonimamente por telefone um
mês antes do ocorrido). Pedro foi espancado e sofreu sérias lesões físicas e
cognitivas, permanecendo em coma por uma semana, tendo sequelas
psicomotoras e cerebrais, prejudicando principalmente a fala, a marcha e a
memória.
Não foi difícil identificar a grande necessidade de um trabalho de cuidado à
Glória. Seus filhos mais velhos insistiam que o ‘problema’ era a mãe que
precisava aprender a lidar com a situação. Referiam que o pai estava
‘condenado’ a condição atual, e que nada poderia mudar (nesse sentido não
ficou claro para mim se referiam a pouca possibilidade de transformação do
quadro de Pedro, ou se referiam a um desejo pouco manifesto de manterem o
pai naquela condição desfavorável).
95
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
Desenvolvimento: Entrada do at e intervenções
Tendo ouvido essa história atravessada por tantos afetos, desejos,
memórias, estabelecemos um contrato inicial de avaliação num primeiro mês.
Este período proporcionaria ao at a possibilidade de delimitar o enquadre do
tratamento, ou seja, o programa nas palavras de Morin (2001) que serviria para
o at conhecer melhor os limites de sua atuação e as propostas de trabalho,
mesmo para melhor entender a condição clínica e diagnóstica de P. que mais
parecia um paciente demenciado por lesões cerebrais a um esquizofrênico (nos
termos atuais, versus a demência precoce). O programa, segundo o autor “é uma
sequencia de acções pré determinadas que deve funcionar nas circunstancias
que permitem o seu cumprimento. Se as circunstancias exteriores não são
favoráveis, o programa pára ou fracassa”. (Morin, 2001, p. 130). Desta forma, o
caráter fundamental do programa é sua forma sólida e imutável. Não há
variações ou abertura para criação, há uma ‘regra’ clara a ser seguida. Em
contrapartida a estratégia cujo corolário é o não saber à priori, atende às
variações inerentes da trajetória do AT e das surpresas que surgem a cada
encontro, a cada problemática desvelada neste cenário e às conflitivas dentro
das relações e condições da atuação.
Respeitando esses dois conceitos foi possível especificar e firmar um
contrato de trabalho que ao mesmo tempo mantinha íntegro os acordos
fundamentais, mas que também permitiam manobras e aberturas para
transformar o inesperado em intervenções possíveis e potentes.
a)
A questão do Enquadre e de Estratégia no Exercício do AT
O conceito do enquadre é um elemento central para a psicanálise: se
constituiu enquanto alvo de esforço epistemológico de inúmeros autores e é
considerado ponto nodal da prática clínica. O aporte de Bleger será o guia
condutor de nossas reflexões no sentido de articular a noção de enquadre no
território do AT.
Segundo Bleger (2003), o enquadramento psicanalítico envolve: o papel do
analista, o conjunto de fatores espaciais (ambiente) e temporais, e parte da
técnica(na qual se inclui o estabelecimento e a manutenção de horário,
honorários, interrupções planejadas etc.). (Bleger, 2003, p. 46). A maneira como
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
96
se opera tal composição no exercício do AT também parece ser crítica para
assegurar o trabalho terapêutico nessa distinta modalidade.
- Conforme mapeado no recorte de nosso caso clínico: quais os limites da
sustentação de um trabalho que depende tão maciçamente da participação
conjunta da família na consolidação desse marco de trabalho? Qual a técnica a
ser endereçada para desvendar e manejar a família “patrocinadora” de um
projeto de AT desde que o mesmo não perturbe o status-quo alcançado?
- Tendo em vista que o AT se caracteriza pelo imprevisto, pela
espacialidade “mutante” de uma “clínica nômade” por excelência, qual e como
seria a instituição do enquadramento a ser criada nesse cenário?
Partimos da reflexão que não só o trabalho do AT carrega a especificidade
do incerto, mas que a própria condição da vida nos defronta com o inesperado,
o surpreendente. E que o at, junto ao seu acompanhado, estando lançados num
setting menos protegido, e exposto às forças do fora (Rolnik, 1997) do cenário
urbano, consequentemente ficarão mais suscetíveis a serem afetados por esses
eventos e imprevistos.
De acordo com Morin (2001, p. 129) “todo o universo é um cocktail de
ordem, de desordem e de organização”. Diz ele que a ordem“é tudo o que é
repetição, constância, invariância, tudo o que pode ser colocado sob a égide de
uma relação altamente provável”. Ao passo que a desordem“é tudo o que é
irregularidade,
desvio
em
relação
a
uma
estrutura
dada,
aleatório,
imprevisibilidade”. O pensador segue assinalando que nenhuma condição de
vida e organização seria possível se esses sistemas não alternassem entre
esses opostos. Falando nos termos de um trabalho de AT, é como se a absoluta
ordem inviabilizasse a expressão íntima e criativa de cada um. Seria quase que
um existir autômato e cristalizado, com pouca abertura para transformação,
movimento, circulação e afetação por outros cenários. Num primeiro momento,
ouvimos um pedido por parte de Erica que vai ao encontro desta proposta:
mobilizar o que está paralisado, ajudar Pedro a criar novas condições de estar
no mundo quebrando a ordem estática de se manter sentado na sala o dia todo
assistindo TV. Entretanto, essa escuta também captava a mensagem oposta
transmitida pela família no sentido de que P. 'estaria condenado' à tal situação .
O manejo dessa escuta ambivalente também nos parece central. É necessário
fazer aliança com a porção discursiva que aposta nas chances e potenciais de
97
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
deslocamento e amplitude existencial de P. Sem deixar de considerar que outros
vetores discursivos o “congelam” na frágil situação vigente.
Apostar em tais potenciais de deslocamento é trabalho do at. Para articular
ao conceito de Rolnik (1997) é o que ela definiria como as possibilidades de
afetação e movimentação das dobras da subjetividade impactadas por forças do
ambiente. O que seriam essas forças se não os próprios imprevistos da ação, do
movimento, somado aos inevitáveis estímulos que o viver em sociedade nos
provoca?
Nesse um mês de avaliação foi possível fazer algumas observações
importantes na dinâmica familiar. Primeiro que P. dificilmente saía de casa.
Relatavam que ele não ‘obedecia’ aos comandos para andar na calçada, que
"propositalmente" adquiria um ritmo lento. Era muito trabalhoso e cansativo para
a família. Além disso, numa dada situação permitiu que se revelasse um
esquema em que discretamente preservavam P. dentro de casa, mantendo o
esgarçar de sua autonomia. O mesmo não possuía as chaves da própria casa e
também não estava ‘autorizado’ a sair sozinho. Sua esposa argumentava
dizendo que ele provavelmente não se lembraria onde colocaria as chaves, ou
que se perderia no caminho para voltar para casa. Um discurso que
aparentemente carregava um tom de cuidado, mas que perversamente ia
mantendo P. num lugar restrito e de dependência. Se falamos de afetações pela
exposição e participação do/no fora, é importante trazer as características do
lugar que morava essa família, pois tendo o impacto da experiência de vida na
Grande São Paulo, fica quase descabido o questionamento sobre os perigos de
se deixar uma pessoa pouco orientada sair sozinha na rua estando numa
condição singular (inclusive física) prejudicada. Seria muito natural e, em alguns
casos, prudente ouvir que a família não permite que o parente-paciente saia rua
a fora em São Paulo estando tão debilitado. Queremos marcar esta distinção
abissal entre as condições de se morar na cidade de São Paulo comparada a
cidade da família de Pedro. Moravam numa cidade pequena da Grande São
Paulo, com características interioranas quanto à disposição da cidade: o centro
era uma grande praça frequentado por moradores à pé; casas de alvenaria,
poucos prédios; trechos de rua em paralelepípedo; sistema de mobilidade
urbana escasso e pouco efetivo. Sempre que saía a rua com P. cruzávamos
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
98
muitas pessoas que o reconheciam e que inclusive ajudavam-no a recuperar
partes de sua história. Eram vizinhos, conhecidos que remendavam lacunas de
sua memória. P. ia remontando o bairro, chegando a iniciativa de questionar às
pessoas sobre as transformações sofridas no local, perguntando se os
proprietários
continuavam
os
mesmos.
Algumas
pessoas
abordadas
reconheciam P. e perguntavam sobre sua saúde. Outros, mais jovens,
demoravam a saber a quem P. se referia, pois eram pessoas de outras gerações.
P. estava vivendo de novo, recriava laços e história, voltava a pertencer a seu
bairro. Repetia com entusiasmo quando conhecidos lembravam de algum
momento peculiar. P. ampliava-se e movimentava as dobras de sua
subjetividade com as afetações e estímulos que ficava exposto, e que há muito
tempo deixara de receber. Cabe apontar que cenas como essas também eram
elucidativas da arte de ser at: reconhecer que personagens outros da vizinhança
e do bairro poderiam ser os protagonistas terapêuticos ao invés do profissional
designado enquanto tal. A sua competência e expertise nesse sentido seria a de
afastar-se, “retirar-se” afim de abrir espaço para que outros vetores participem
e promovam o ampliar de P.
Essas vivências me permitiram entender e clarificar a expectativa de Glória
em relação ao meu trabalho. P. era menosprezado em qualquer atividade que
potencialmente pudesse realizar. Enquanto eu o estimulava e o encorajava,
Glória, entediada, comentava que P. jamais conseguiria completar tarefas que
pudessem ajudá-lo a resgatar minimamente certo grau de autonomia, e a não
ficar absolutamente submetido à sua esposa.
Para funcionalidades como amarrar o cadarço, usar o telefone, entrar e sair
de casa, ícones que simbolizam expressamente o contato com o externo, a
ligação com outras pessoas e outros espaço, Glória se institucionalizou como
mediadora de P., como se precisasse de sua autorização e consentimento,
agora, detentora do poder e controle de seus atos. Era impossível não enxergar
a mágoa estampada que essa mulher ressentia em relação às “safadezas" que
o marido “aprontava” no passado. Assim, com o passar do tempo, toda a mágoa
e rancor, e o esgotar da paciência, retiraram de P. a oportunidade de ser uma
pessoa ativa, ou de preservar alguma autonomia. Eu, enquanto at, não estava
ali para julgar seus pecados. Para o meu trabalho não importavam os motivos
do acidente. Importava saber o posicionamento de cada membro, como cada um
99
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
se sentia e reagia. Foi importante para meu trabalho manter isso em mente e
não criar conluios com nenhuma das partes.
Enquanto eu suportava o tempo e ritmo consideravelmente mais lento de
P. foi-se descobrindo que ele era capaz de fazer algumas coisas. Sua
incapacidade, na verdade, foi se revelando uma falta de paciência da famíla em
esperar P. fazer suas coisas no seu tempo, ou não desejavam que P. pudesse
escapar-lhes novamente do controle. Ademais, P. continuava bastante
debilitado, e algumas sequelas talvez nunca pudessem ser superadas. A
verdade é que não sabíamos. E conforme P. foi sendo estimulado e acreditado,
automaticamente exigia-se sim outro tipo de dedicação da família, que seria mais
no sentido de supervisionar atividades mais complexas ou difíceis para o
acompanhado, e não de interceptá-lo e realiza-las por ele.
b)
A noção de família como sistema. A queixa e a demanda na
prática do AT;
O caso clínico do AT retratado nos permite pensar no at enquanto “pêndulo”
oscilante entre queixas familiares e demandas trazidas à tona de outra ordem na
experiência com o acompanhado. Vale frisar o desafio para o at: por um lado
apresentar-se disponível para essa família, propiciando-lhe uma oferta de escuta
e continência, e por outro lado, respeitar os limites e zelar pelo processo, sem
cindir o paciente da pertença dessa família. E vice-versa. A compreensão
profunda da natureza da relação entre a família e o portador de sofrimento
mental é fundamental para que o at possa exercer seu movimento “pendular” na
cadência do processo e em direção à estratégia terapêutica com o seu cliente, e
com a correlata interface familiar em jogo no sistema.
Pretende-se discutir quais os “refletores” que poderiam iluminar a travessia
do AT no manejo da sua estratégia- prática na interface com as queixas
familiares. Um dos subsídios identificados é a obra de Berenstein (1988), que
contribui ao correlacionar a noção de família à noção de sistema de modo
articulado e fino. O autor se vale de modelos derivados da teoria da comunicação
e da linguística para fundamentar essa perspectiva. Serão recortados alguns
pontos assinalados por Berenstein (1988) que nos parecem decisivos para a
apreensão desse conceito, bem como à elucidação do caso em questão.
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
100
O sistema do ponto de vista da teoria da comunicação, mais
especificamente o sistema estável – que é o caso da família na medida em que
algumas de suas variáveis possuem tendência a se manterem dentro de limites
definidos - é caracterizado por algumas propriedades4.
O sistema do ponto de vista da linguística é concebido a partir da matriz
conceitual que propõe o corte metodológico entre fala e língua 5.
O autor
aprofunda-se em muitos vetores da linguística para fundamentar e consolidar a
sua articulação teórica da família enquanto sistema e da lógica subjacente a esse
pressuposto. Frisamos as propriedades interdependentes de solidariedade e
valor para elucidar essa perspectiva:
(…) todos os termos da língua são solidários ou interdependentes, de tal
forma que um termo implica o outro e vice-versa. A unidade linguística
possui um valor determinado, limitado e definido pelo das outras entidades
do sistema. Com a noção de sistema, trata-se de estabelecer o nível de
homogeneidade entre elementos heterogêneos. (Berenstein, 1988, p.55).
Estabelecidas essas definições, o autor defende que o sistema social da
família também é modelado pelo corte língua/fala. Propõe como língua o
conjunto de regras inconscientes (na maior parte das vezes) que regulam o
funcionamento do grupo, e, como fala as realizações individuais dessas regras
inconscientes. (Berenstein, 1988, p. 57).
A família enquanto sistema definido nesses moldes nos pareceu um guia
precioso na compreensão e manejo do caso clínico. Ter em vista que a família
de Pedro se agrupa em um sistema tem a ver com deter-se no conjunto de
relações às quais os comportamentos de Pedro estão vinculados, isto é,
determinados e, ao mesmo tempo, determinantes. A especificidade do trabalho
do AT o expõe constantemente e concretamente nos meandros dessas
tessituras familiares. Compreender quais as propriedades em jogo nesse
sistema nos parece imprescindível para trazer à tona seus paradoxos, impasses
e desafios. Por exemplo: ao identificar a natureza sutil do equilíbrio do sistema,
no qual o desajuste significa “disfunção”, mas também, estabilidade.
O caso em questão nos provocou uma série de indagações a esse respeito:
a família como sistema palco de língua/fala. Indicamos, na sequência, algumas
delas: Qual a “língua” inconsciente que opera no caso: Seria um desejo da
101
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
família manter Pedro restrito a uma condição mínima, encerrado pelos muros da
casa, à mercê das vontades e desejos de G. e demais filhos? A “fala” como
manifestação individual de Erica (ao procurar a at) reveladora de uma
ambivalência do sistema familiar perante a figura do pai: um sistema que deseja
oferecer-lhe tratamento, cuidados e aberturas, ao mesmo tempo em que
parecem ressentir dessa oferta.
c)
O AT em face da noção de “eficácia da técnica”de sua prática.
O trabalho do AT – dispositivo6 que emerge do campo da estratégia – traz
questões inerentes sobre sua eficácia nos dias de hoje. Afinal, como podemos
afirmar que esse processo deAT com P. foi bem ou mal sucedido? O que
significa eficácia do tratamento, levando em conta que este se realiza no campo
da singularidade e do trabalho personalizado e não massificado e homogêneo
predominante nas demandas atuais?
Um caminho para nos aproximarmos e clarearmos essa questão e seus
possíveis desdobramentos é nos determos e ouvirmos o que atualmente se
entende por eficácia.
Vivemos em uma época marcada pela objetividade,
rapidez, controle, na qual o pensamento calculador, lógico e racional predomina
– Época da Técnica7.
Estamos em busca daquilo que “resolve”, que traz
resultados claros e definidos. Como meio predominante de se chegar a essa
eficácia lançamos mão da técnica, um conjunto de procedimentos utilizados para
se alcançar resultados, tendo como características a impessoalidade, - a técnica
deve servir para qualquer um - a precisão de seus objetivos e a rapidez. A
técnica, com seu controle e eficiência, é a referência predominante para se
alcançar o conhecimento e a verdade no mundo contemporâneo. Ela permite
avançar em tecnologias e se apoderar da natureza, é o desenvolvimento do
“pensamento calculante”, onde todas as coisas tornam-se mensuráveis e
controláveis. Essa lógica resguarda o homem (no sentido ontológico) e a
natureza como pano de fundo, ou meras ferramentas para se alcançar um
objetivo, geralmente reduzido a um produto material, palpável e bem delimitado.
Nessa dinâmica, esvaziam-se os valores dos procedimentos que não
correspondem a esse modo, tecendo com perigo a depreciação dos fenômenos
ontológicos. “Hoje tudo o que faz parte da realidade é visto como produção, tudo
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
102
se enquadra nesse esquema, e o que não se enquadra não é digno de ser
pensado”. (Pompéia, 2011, p. 126). O autor quer dizer que aquilo que foge da
produção material não é digno de se debruçar sobre, como se o pensamento
meditativo), cuidadoso e reflexivo fossem mera perda de tempo, uma dedicação
sem finalidade ou funcionalidade, pois, argumentam, não servir para nada
quando nada é produzido. Este é um pensamento que consideramos bastante
equivocado.
A proposta do AT aponta uma referência diversa da técnica. Apesar do at
estar imerso na Era da Técnica, ele não responde exclusivamente a ela, mantém
um olhar amplo para seu acompanhado e sua rede, assim, também irá se
debruçar e se deter sobre as questões que a técnica julga “não serem dignas de
serem pensadas”. O resultado do trabalho não é visto como um meio de se
produzir resultados de forma rápida, calculista e precisa, mas meio de se
produzir encontros genuínos e ampliações de referências na vida do
acompanhado, é o procedimento da téchne no sentindo originário grego da
palavra, que é o processo que permite que alguma coisa que ainda não é passa
a ser (Pompéia, 2011), ou seja, como a expressão dos devires. Pensando no
caso de P. podemos ilustrar com elementos como histórico familiar; relação atual
com família e amigos; vínculo com a at, rede, vizinhança, etc permitiram que
uma estratégia de atendimento pudesse ser criada de forma artesanal, sempre
aberta a reformulações e tendo em vista não a “cura” a extirpação de um “mal”,
da “loucura”, mas a garantir um espaço de cuidado respeitoso e afetuoso,
buscando ampliar/resgatar territórios e incentivo a autonomia de P.
O desafio da prática do AT é construir uma relação sustentável para seu
trabalho, sabendo que ele não pode estar exclusivamente a serviço da técnica,
mas o at não pode ser ingênuo e esquecer que também está sujeito às forças e
ao poder da técnica. Assim, deve estar atento e colocar a eficácia como uma
pergunta viva em seu trabalho: A serviço do que estou criando as estratégias
desse AT? E a resposta deve sempre apontar para uma maior articulação de seu
acompanhado na rede e uma maior potencialização das possibilidades
saudáveis de seu paciente. Mas tal resposta talvez seja insuficiente. É
necessário também manter viva uma postura lúcida quanto à aceitação dos
limites impostos pelo modelo próprio do AT. Embora possamos nos aliar com a
aposta na transformação e movimento de P., tal efeito pode ser demasiadamente
103
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
disruptivo para os demais membros da família. Acomodar o sistema familiar em
uma configuração distinta – que acolha e abrace P. desde as suas capacidades
e possibilidades, como nos ensina Berenstein - está longe de ser tarefa fácil. A
assistência e continência ofertada para a família pelo at é parcial. E não dá conta
(nem deve) de atender aos membros da família de modo mais intensivo e
individualizado. Afinal P. é o cliente do at. Como fazer quando há demandas
maciças de escuta e de trabalho com outros membros da família que não
seguem a recomendação de buscar um fórum terapêutico outro no qual possam
se haver com os seus enigmas, desejos ambíguos , ressentimentos passados –
como no caso de Glória? Apesar de concordar com a necessidade de buscar
ajuda para si, G. se mantinha resistente a qualquer tipo de tratamento ou
acompanhamento endereçado a ela, oficializando apenas P. como o paciente
identificado, ao invés de considerar a família como um sistema a ser cuidado.
Considerações Finais
O ATé uma tecnologia8 de saúde e social inovadora, jovem e ainda pouco
conhecida. É desafiador nesse sentido, pensar em uma definição do que é afinal
essa clínica do AT9. Essa dificuldade em nomear essa prática também pode
apontar para as dificuldades de garantir à família (como o faz as tecnologia) os
limites e possibilidades de um processo de AT. É muito provável que ainda hoje
em dia as famílias desconheçam essa prática (bem com uma larga fatia de
profissionais da saúde), por isso a complexidade e importância de se estabelecer
um enquadre cuidadoso, no qual o papel do at e o sentido do seu trabalho fique
claro para o acompanhado e para a família-contratante. Bem como ressaltamos
a importância de se articular o trabalho do at com outros profissionais envolvidos
nos cuidados da pessoa acompanhada.
Cabe resgatar as noções de projeto e estratégia sinalizadas no início (a partir
do referencial de Morin) com o intuito de ressaltar a arte de fazer estratégia no
exercício do AT. Entendemos que é impossível partir de um modelo previamente
conhecido, de um projeto estanque que possa ser descrito em termos de
começo, meio e fim. Se isso também é verdade na experiência da clínica
convencional (consultório), torna-se verdade ainda mais radical no território do
AT ancorado no nômade –“errante” – caminho de tropeços; imprevistos e poucos
104
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
saberes. Observamos que fazer tal estratégia não está relacionado apenas à
posse de um conhecimento conceitual. Mas responde também à uma dimensão
estética (Kupermann, 2009): o at como artista de uma clínica sensível e criativa
capaz de transitar e se constituir naquilo (e a partir) do que desconhece.
O at, através do vínculo ético e cuidadoso que estabelecerá com seu
acompanhado, pro-cura ampliar seu território. O at tem como uma de suas
funções fundamentais articular a rede do acompanhado - árida, pobre e frouxa –
ampliando as referências, o contatos e os vínculos. Isso ele faz junto ao
acompanhado, o AT é uma clínica da ação: é in loco, na casa de P. que a at
podia testemunhar de forma privilegiada as relações familiares e intervir no
momento em que ela acontece, em tempo real. Diferente do setting
psicoterapêutico, o setting do at é móvel, complexo: o at está menos protegido,
a lida não é só com o acompanhado, mas com toda a vizinhança e há sempre
as surpresa dos encontros no território. A potência do at é estar com seu
acompanhado exposto ao inédito da rua, é nas andanças pela pequena cidade
que P. pode ir se revelando, ir se relembrando, ir refazendo a sua história e
permitindo ser autor ativo de sua história futura, quando deseja visitar a irmã que
não via há dez anos ou quando é reconhecido pelo conterrâneo na calçada e
resgata sua memória e seu passado.
Notas
1
Psicóloga formada na PUC-SP; Curso de AT pela ATUA; especialização em
Psicologia da Saúde e Psicoterapia Psicodinâmica dos Transtornos de
Personalidade pela Unifesp. Foi colaboradora do CAPS Unifesp por 2 anos.
Atualmente é mestranda em psicologia clínica pela USP. Trabalha desde sua
formação como psicóloga clínica e at.
2
Psicóloga formada na PUC-SP.; Curso de AT pela ATUA e Humanitás;
especialização em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde da Secretaria de
Estado de Saúde de São Paulo; AprimoramentoProfissional Clínico Institucional
na Clínica Ana Maria Poppovic da PUC-SP. Atualmente integra o grupo
TRILHAS com intervenções na saúde mental na rede pública. Trabalha desde
sua formação como psicóloga clínica e at.
3
Psicóloga formada na PUC-SP; Curso de AT pela ATUA; especialização no
campo da gestão pela ESADE – Barcelona e FGV- SP (CEAG). Atua nas áreas
da psicologia clínica, de consultoria a empresas familiares pelo Instituto Lisondo
e é at.
4
Destacamos as seguintes propriedades: “a) Totalidade: corolário- não
somatividade. A família não é a soma dos seus membros, mas todos eles
formam um sistema onde a modificação de um induz à do resto, passando o
105
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
sistema de um estado a outro. b) Homeostase: define a estabilidade do sistema
ou seu estado de equilíbrio, e a correção e volta ao estado inicial, assim como o
desvio, cada vez maior, desse estado (...). O sistema tem mecanismos para
voltar ao estado inicial de equilíbrio, mas pode-se incrementar o desequilíbrio no
sentido do desenvolvimento ou da patologia (...). Por exemplo, numa família com
um membro esquizofrênico , quando adquire uma forma de funcionamento não
esquizofrênico, como resultado da terapia, contradizendo a imagem que o grupo
familiar tem dele, isto pode determinar reações nos pais que procuram,
inconscientemente, levá-lo à forma anterior, forçando-o, sem saber à reassumir
a forma de ser esquizofrênica para restabelecer um tipo de equilíbrio”.
(Berenstein, 1988 p. 49-50).
5
Nas palavras do autor: “Fala é a realização empírica, que consiste em
manifestações individuais e momentâneas, e língua refere-se ao sistema supraindividual, ordenador das manifestações individuais da fala. A língua, enquanto
sistema, abrange o nível de homogeneidade que inclui os fatos heterogêneos da
fala”. (Berenstein, 1988 p. 52).
6
“(...), um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O
dispositivo é q rede que se pode estabelecer entre os elementos” (Foucault,
2012, p.244).
7
Época da Técnica- Referência trazida pelo pensamento do filósofo Martin
Heidegger para descrever a contemporaneidade, afirmando que a técnica é o
que caracteriza fundamentalmente a nossa época. Ela não é um mero fazer
humano, mais é a nossa marca predominante de acesso de mundo e construção
de verdades. Para saber mais vide: Heiddeger M., A questão da técnica (1953)
In: Ensaios e conferências, tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Petrópolis:
Vozes, 2001.
8
“A tecnologia deve ser compreendida como conjunto de ferramentas, entre elas
as ações de trabalho, que põem em movimento uma ação transformadora da
natureza. Sendo assim, além dos equipamentos, devem ser incluídos os
conhecimentos e ações necessárias para operá-los: o saber e seus
procedimentos.” (Schraiber et all, 1999) Retirado do Verbete “Tecnologia em
Saúde”, Dicionário de Educação da
Profissional de Saúde, Fiocruz.
http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/tecsau.html
9
O artigo de SILVA E SILVA (2006) pode ser esclarecedor para a compreensão
do contexto em que o AT surgiu e de como esta é uma clínica em transformação.
Ancora-se no fortalecimento e criação de práticas dos/nos serviços substitutivos
com a reorganização da Rede de Saúde Mental e pós-Reforma Psiquiátrica.
Aponta sua complexidade no atravessamento político, estético e artístico da
dinâmica clínica do AT.
Os Desafios Inerentes A Prática Do Acompanhamento Terapêutico Na Interface Das
Queixas Familiares
106
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identificando problemas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 221-242, 1999.
107
Andrea Cristina Morganti, Natália De Paula Vidal, Valéria Lisondo
EL AT Y SU LAZO SOCIAL: INTERPELACIONES A LA
COMUNIDAD, LUGARES PARA EL MALESTAR SINGULAR
1
O AT E SEU LAÇO SOCIAL: INTERPELAÇÕES PARA A COMUNIDADE,
LUGARES PARA O MALESTAR SINGULAR
THE TA AND SOCIAL BOND: INTERPELLATIONS TO THE COMMUNITY,
PLACES FOR THE SINGULAR UNEASINESS
Gustavo Rossi
RESUMEN
Este articulo trata de pensar algo del lugar del At a partir de una lectura psicoanalítica, para
transmitir algunas cuestiones que sean pertinentes para el Acompañamiento Terapéutico.
Cuando hablo del AT y su lazo social, digo que el AT “hace” un tipo de lazo que no es cualquiera:
Construye lazo social. Se trata de construcción, de un vinculo singular que en el psicoanálisis
llamamos transferencia, que tiene efectos terapéuticos. Lo hemos planteado como su eficacia
clínica. En su diferencia con los terapeutas, el lazo del AT con el paciente se asienta en una
posición de mayor simetría, y esto tiene consecuencias para los efectos terapéuticos, pero
también para ubicar una estrategia y una política del tratamiento en que se incluye el At. La
clínica nos permite pensar el tipo de lazo que se establece en un tratamiento, la política nos
remite al lazo que hacemos para construir un lugar entre otras prácticas y saberes. Ese espacio
de borde en que nos encontramos, entre lo clínico y lo comunitario/social, es ahí donde entran
las propuestas: tenemos que proponernos determinados lazos, que nos asocien, que nos hagan
consolidar el lugar del AT, que nos permita tener una cierta regulación y alguna legalidad
instituída. Propongo que sigamos impulsando, la inscripción de esta Práctica, en una
interlocución e interpelación, desde el AT a la Comunidad, a las comunidades -sean pequeñas o
de las más grandes, sosteniendo una defensa institucional de la práctica del AT. Hoy y ayer, en
síntesis, retomo la apuesta a seguir enlazando, esto que a veces aparece en disyunción: la
Clínica y la Política.
PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico, Clínica, Política.
RESUMO
Este artigo trata de pensar algo do lugar do At a partir de uma leitura psicanalítica, para transmitir
algumas questões que sejam pertinentes para o Acompanhamento Terapêutico. Quando falo do
AT e seu laço social, digo que o AT “faz” um tipo de laço que não é qualquer um: Constrói laço
social. Se trata de construção, de um vinculo singular que em psicanálise chamamos
transferencia, que tem efeitos terapêuticos. O que temos levantado como sendo a sua eficácia
clínica. En su diferencia con los terapeutas, el lazo del AT con el paciente se asienta en una
posición de mayor simetría, Em sua diferença com os terapeutas, o laço do AT com o paciente
assenta-se em uma posição de maior simetria, e isto tem consequências para os efeitos
terapêuticos, mas também para colocar uma estratégia e uma política do tratamento no qual se
inclui o At. A clínica nos permite pensar o tipo de laço que se estabelece em um tratamento, a
política nos remete ao laço que fazemos para construir um lugar entre outras praticas e saberes.
Esse espaço da borda no qual nos encontramos, entre o clínico e o comunitario/social, é aí onde
entram as propostas: temos que nos propor determinados laços, que nos associem, que nos
façam consolidar o lugar do AT, que nos permita ter uma certa regulação e alguma legalidade
instituída. Proponho que sigamos impulsionando, a inscrição desta Prática, em uma interlocução
e interpelação, vinda do AT para a Comunidade, para as comunidades -sejam pequenas ou das
maiores, sustentando uma defesa institucional da prática do AT. Hoje e ontem, em síntese,
retomo a aposta de continuar entrelaçando, isto que as vezes aparece em disjunção: a Clínica e
a Política.
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Clínica, Política.
ABSTRACT
This article tries to think something's Place TA from a psychoanalytic reading, to convey some
issues relevant to the Therapeutic Accompaniment. When I speak of TA and social ties, I say that
Gustavo Rossi
108
the AT "means" a type of bond that is not either: Build social bond. It is building a unique link in
psychoanalysis call transfer, which has therapeutic effects. We have raised as their clinical
efficacy. In its dispute with the therapists, TA tie with the patient sits in a position of greater
symmetry, and this has implications for the therapeutic effects, but also to locate a strategy and
a policy of treatment that includes TA. The clinic allows us to think the type of bond established
in treatment, the political bond that brings us to do to build a place among other practices and
knowledge. That space edge of where we are, between the clinical and the community / social, is
where the proposals fall: we must propose certain ties, associating us, that make us consolidate
instead of TA, which allows us to have some regulation and some instituted legality. I propose
that we continue to drive, the registration of this practice, in a dialogue and questioning, from the
TA to the Community, be they small communities or larger, holding an institutional defense of the
practice of TA. Today and yesterday, in short, I return the bet to continue linking, it sometimes
appears in disjunction: Clinical and Politics.
KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Clinic, Policy
Voy a comenzar comentando algo del título, extenso, que me salió a manera de
esa escritura que parece automática pero no lo es… Es que las palabras, como
en la poesía, nos llevan para varios lados, esto es así, se me permiten incluir acá
algo del juego. Pero voy a decir que también tienen su punto de partida en algún
lado, y por ese lado voy a introducir el recorrido. Como saben, sostengo que el
At (Acompañante terapéutico) 2 puede formarse desde distintas Escuelas o
doctrinas teórico-clínicas, además esto es un hecho incontrastable a esta altura;
hay distintas tecnicaturas, cursos, diplomados, etc., siendo por otra parte algo
que se puede ver también en la formación del psicólogo, del psiquiatra, aunque
todos se remitan a esa relativa identidad desde su formación.
En lo personal, hoy voy a tratar de pensar algo del lugar del At a partir de una
lectura psicoanalítica (tratando de no caer en una jerga cerrada, en lo que en
Argentina de estos años llamamos “lacanés”), para transmitir algunas cuestiones
que sean pertinentes para el Acompañamiento Terapéutico, esa es la apuesta.
Ahí ubico este punto de partida para dar cuenta de su lazo, de la práctica del At,
en tanto un lugar para alojar el malestar singular, y hacer algo con esto.
Y desde ahí vamos a plantear esa interpelación hacia la comunidad en que
vivimos, es decir, la formulación de propuestas, de inquietudes, pero también de
preguntas respecto a las nuevas formas de malestar (alguna vez fueron viejas?)
que nos aqueja en estas sociedades.
109
El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular
¿Qué decimos con Comunidad acá?: implica las disciplinas y prácticas de este
campo que se suele llamar de la Salud/Salud Mental, así como aquellos con los
cuales vivimos en sociedad, donde están las personas que acompañamos, los
familiares, los grupos. Aquellos que consultan al psiquiatra, al psicoterapeuta y/o
al analista. Los niños que no se integran a la escuela, los que están en las
instituciones que atienden las discapacidades, la infancia que padece
problemáticas psicopatológicas severas. Tomaré ahora entonces dos vías
principales.
1. Cuando hablo del AT y su lazo social, digo por un lado que el AT “hace” un
tipo de lazo que no es cualquiera. Hacer es: fabricar, construir, y especialmente
proponer un tipo de lazo social que se va inscribiendo como propio, en tanto se
va produciendo sobre el mismo, sobre cual es su particularidad. Y va teniendo
su eficacia, que a partir de dar cuenta de la misma logra en este tiempo su
reconocimiento. Podemos decir, en principio: Construye lazo social. No siempre,
claro.
Brevemente, para puntualizar un marco de referencia, cabe precisar que el lazo
social desde el psicoanálisis puede pensarse en función de un Discurso, que
organiza la subjetividad, que organiza la relación con otros y con los objetos. Que
hace a la historia del sujeto.
Suele hablarse en el AT que es primordial “generar un vínculo”, lo cual ubico en
términos de dar lugar a una conversación, a veces después de mucho tiempo de
presencia, y de escucha “expectante”3.
Ahora bien: ¿Es diferente a otros lazos? ¿Y qué consecuencias tiene que
construya lazo? Primero, un efecto es que permite alcanzar un “saber”, da lugar
a algún saber, que es singular. De ese que llamamos paciente, con un At, con
un grupo de At, con un equipo con el cual se produce esto que llamamos practica
“entre varios”, clínica entre varios. Es que hay una estrecha relación entre el
saber y el lazo, diría, desde ese lazo se construye saber 4. Venimos hablando
hace años sobre la relación entre curar e investigar, en tanto construcción de un
saber en conjunto con el paciente. Ese saber que se produce en una cura es
terapéutico, en términos freudianos. Puede producir alivio, acotar ese malestar
que excede al sujeto. Como contrapartida, y esto es introducir algo de una
política, no se trata de ubicar al At en el lugar del que sabe, de quien tiene un
poder-saber sobre lo que le pasa al paciente, de ser el Modelo, y desde ahí
decirle qué hacer. Se trata de construcción, que no es sin lazo, sin ese vinculo
singular que en el psicoanálisis llamamos transferencia, que tiene efectos
terapéuticos. Lo hemos planteado como su eficacia clínica. Ya que es en ese
lazo donde se producen efectos terapéuticos, algunos al menos tienen que ver
Gustavo Rossi
110
directamente con esto. A la vez, tendremos que ver de qué transferencia se
trata5 …
Hablaba también de Política, y ahora incluimos el Lazo. En el AT pondremos el
acento en la singularidad subjetiva, lo cual tiene relación con esa Comunidad del
título, ya que en cierta lógica el AT “responde a la indiferenciación que nuestras
sociedades promueven”6, como plantea Soler.
Una civilización donde se observa la extendida fragmentación de los grupos
sociales, y al anonimato que esa fragmentación favorece. Una civilización donde
también aparece fuertemente la cuestión de la “falta de sentido”, que quizá pueda
relacionarse con la pretendida muerte de “las ideologías”, con las crisis cíclicas
del capitalismo, entre otras cuestiones. Ahí nos posicionamos, tenemos algo
para hacer con esto. Es que en este clima social ubicaría la práctica del At (no
aislada, sino en equipo con otras prácticas, insisto) como sosteniendo algo de
ese deseo no-anónimo, en eso que llamamos el vínculo singular que se
establece, ese vinculo que artesanalmente se construye dando tiempo y
transitando por espacios de la cotidianeidad. Espacios que no transita el
terapeuta (por lo general, no al menos como sostén de su práctica, salvo que se
llame AT). Como dice un reconocido analista, “la práctica del análisis se alimenta
y a veces apoya en cierta agorafobia”. (…) Ironizando o no tanto, digamos que
hay cierta agorafobia del analista: “es en efecto una profesión en la que no es
indispensable salir de su casa”, de su consultorio 7. El dispositivo de AT utiliza
precisamente esos espacios del afuera, de la cotidianeidad, en beneficio de un
proyecto terapéutico. Más bien podemos decir que el At es claustrofóbico. La
“casa” de la que hablamos en el AT es la del paciente, así sea una institución…
En el AT, ese saber se produce en una “escena artesanal” que también es “a
construir” entre el acompañado y el acompañante.
Y acá vamos a pensar ya otro lazo, que hace a la práctica del AT, a su dispositivo,
que es la relación entre el o los Ats y el terapeuta a cargo del caso. Cuando lo
hay. O el Equipo tratante, a veces el Equipo institucional.
Conocen que ese vínculo singular (At-acompañado), se establece con una
distancia mínima, lo cual implica trabajar sobre esa gran implicación personal
que puede darse en el vínculo At-paciente. En este punto, ese lugar de
terceridad, a veces de Ley, que ocupa el terapeuta o el marco institucional es
congruente lógicamente con una estrategia que permite al At no quedar atrapado
en esa relación tan cercana con quien acompaña, no quedar encerrado en los
espejos de la dualidad donde le resultará muy difícil operar desde su lugar
terapéutico. Para ir a la práctica: la invitación del paciente al At para “tomar una
cervecita y que nadie se entere” es un ejemplo clásico, de las complicaciones
que pueden precipitarse si el At queda cristalizado en el lugar de un amigo, sin
más.
En su diferencia con los terapeutas, el lazo del AT con el paciente se asienta en
una posición de mayor simetría, y esto tiene consecuencias, que tenemos que
pensar ajustadamente. Para los efectos terapéuticos, pero también para ubicar
111
El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular
una estrategia y una política del tratamiento en que se incluye el At, esto es, nos
lleva a pensar también una ética. Diferenciando psicoanálisis de psicoterapia.
En relación a esto, por hipótesis, ya “el psicoanalista y el psicoterapeuta no
hacen el mismo uso del poder que les es así distribuido por esta posición
disimétrica de escucha”8, también el psiquiatra hace otro uso de su lugar de
autoridad.
¿Cuál es entonces el uso que hacemos en el AT del lugar de autoridad? ¿Existe
ese lugar de por sí en el AT? ¿O tratamos de ubicarnos desde el AT en otro
lugar? ¿Dejamos esa autoridad afuera?
Desde esta orientación, el At se ofrece a sostener y alojar la locura, o algo de la
locura de cada cual, algo de esa anormalidad que hay en cada cual, de ese
malestar que consideramos singular, incomparable. Y al considerarlo así
estamos sentando una posición. Que nos remite a una ética y a una política. El
At interviene entonces desde ese lugar de semejante, del que no juzga, del que
escucha sin moralizar y sin rechazar la creencia de aquel que acompaña.
Creencia que podrá constituirse en certeza, y ahí estaremos en otro cantar… No
vamos a meternos con la particularidad de las psicosis, que no hace a esta
mesa… Sintéticamente planteo que el AT, en relación a su ética, no se va a
ubicar como guardian de la “realidad colectiva”, aunque según el caso tenga que
intervenir desde allí, pero tendrá presente el no consolidarse o cristalizarse como
aquel que quiere reducir esa creencia singular a una normalidad que es algo del
orden de lo social. Puede ser una táctica, no su política…
Es que en nuestra posición (terapéutica), damos un sitio a estos elementos que
se llaman “anormales”9. Aunque a veces tengamos que imponernos un límite en
su operación, en ciertos momentos o etapas del trabajo cotidiano, donde se trata
de acotar algo de lo que excede al sujeto, en el punto en que se le hace
insoportable. El AT está para que pueda hacer algo con eso insoportable, para
ayudar al sujeto a poner un tope que permita una salida soportable. Soporta algo
de lo insoportable, que puede de otra forma llevar a la caída del sujeto, al quiebre.
No siempre podremos evitarlo. Tampoco se trata de un furor curandis, hablo de
tácticas y estrategias, y de una política, en línea con una ética. Una política va
en dirección de sentar condiciones para…Digamos que “condiciona la apertura
misma” del espacio de tratamiento. Que las condiciones estén dadas, que haya
un terreno para dar las batallas. No es la guerra, como se ha dicho, la política es
la sustitución de la guerra por otros medios… En otros términos, “estrategia y
táctica se ordenan respecto de la política, en tanto esta concierne al fin mismo
de la acción”10.
Y en esa política, en relación a los tratamientos posibles, estamos dando cuenta
de una experiencia particular, de una experiencia que implica un tipo de lazo que
seguimos pensando, conceptualizando, el del AT.
Lo más importante ahora: todo esto tenemos que hacerlo saber en la Comunidad
a la cual pertenecemos, y esto tiene que ver con una Política, la que hace lazo
Gustavo Rossi
112
con la comunidad, desde el AT, ya no esa Política (de la cura) que se juega en
un tratamiento determinado.
Porque si no lo transmitimos, si no damos cuenta de nuestro trabajo, si no
incidimos en el diálogo entre textos, entre instituciones, entre asociaciones,
tendrán lugar otras prácticas. Las de “normalización” social, las que se sostienen
en las panaceas farmacológicas, las del encierro de la locura, las que
estigmatizan lo diferente y lo que “no anda” por la vía del imperativo de
producción económica, por ejemplo. Así pasamos al segundo punto.
2. Por otro lado, cuando digo su lazo social, también es algo del lazo que hace
el AT con la comunidad, ya no el At con cada sujeto/flia, sino como oferta a la
sociedad, como propuesta al campo de la Salud mental, como práctica en el
marco de una Política pública. Habíamos dicho clínica y política. La clínica nos
permite pensar el tipo de lazo que se establece en un tratamiento, la política nos
remite al lazo que hacemos para construir un lugar entre otras prácticas y
saberes, en un determinado campo de trabajo, en aéreas de trabajo, la salud, la
educación, la discapacidad. Es ahí donde entran las propuestas: tenemos que
proponernos determinados lazos, que nos asocien, que nos hagan consolidar el
lugar del AT, que nos permita tener una cierta regulación y alguna legalidad
instituida. Su lazo social, en este sentido, hace a las propuestas que las
asociaciones, los equipos, los docentes que transmiten su experiencia y sus
conceptos en este tema, las cátedras, las carreras, puedan hacer para generar
redes, en el campo laboral, que nos faciliten la inserción laboral, que nos permita
sostener los tratamientos, que permita a las familias solicitarlos porque no va a
ser una carga excesiva el costo económico para las mismas.
Aquí quiero recordar, porque resulta que no aparece en algunos textos de este
último tiempo, sobre el AT y su historia, que vengo planteando la necesidad de
institucionalización de esta práctica desde el tiempo en que empezamos con
algunos colegas a promover una Asociación de AT para Argentina, hace ya cerca
de 12 años, hacia los años 2001-2002. Estos días hice cierto trabajo
autobiográfico en este tema, una revisión personal…Cuando escribí sobre la
historia del AT en Argentina (como ser en mi libro del 2007), me hice cargo de
una tarea que según la propia historiografía resulta ardua, al considerar la
llamada historia reciente, como fue la propuesta de salir de la autoreferencia,
dejar de lado la bajada de línea personal de algunos artículos que se escribieron
estos años, tratar de desandar rivalidades y efectos de grupo.
Pese a esa dificultad, hoy me parece importante dejar algún testimonio, al menos
en el punto donde participé en una reformulación o resignificación del desarrollo
del AT. A manera incluso de una toma de posición. Cuando digo esto lo
diferencio entonces de escribir la historia, que es otra cosa -como decía antes-,
en fin, lo dejaremos para las formulaciones que vendrán…
Vamos ahora a algunas cuestiones que quiero compartir. Por un lado, respecto
a lo que decía recién, que veníamos de organizar los congresos pioneros sobre
AT en nuestro país. El primer Congreso Nacional de AT, en Argentina fue en
113
El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular
1994, del cual dejamos testimonio con un pequeño libro, una compilación 11: en
mi presentación introductoria planteaba la importancia de articular la clínica con
la teoría, de acuerdo al slogan del Congreso, y apelaba a darle una especificidad
a esta práctica, en ese espacio de borde en que nos encontramos, entre lo clínico
y lo comunitario/social. La clínica “actual” de ese momento no era la misma que
la actualidad de este 2013, ni en Argentina ni en Iberoamérica, como han dado
cuenta los trabajos de este Congreso. En el 2do Congreso Nacional de AT, en
2001, ya el lema aludía a que fueramos “Hacia una inscripción institucional y
Académica del AT…”, con un carácter federal que no tenía el primero. Y donde
además llegaron colegas de Brasil, Uruguay y España. En los años posteriores,
junto a otros colegas, algunos presentes estos días, fundamos AATRA (en 2003;
también ese año organizamos el Primer Congreso Iberoamericano, que inició
esta serie…12), en lo que fue una iniciativa política significativa en un marco
socio-político en Argentina de plena crisis, interesante porque era una apuesta
al lazo desde lo Político en tiempos de un descrédito general de la clase dirigente
del momento (diría de esa política con minúsculas mal entendida), cuando
estábamos en la calle con aquel “que se vayan todos”, los políticos que no eran
políticos sino gerentes o administradores de los poderes establecidos, de los
grupos concentrados de poder económico…Allí algunas cuestiones imaginarias
que tocaron “narcicismos” en los vínculos personales, en esa comunidad -que
está moldeada como toda comunidad por sus miembros-, hicieron que se
pusieran en crisis el desarrollo de la propia Asociación. No digo nada nuevo si
planteo que las cuestiones personales, si pensamos uno por uno, se suelen
poner en el tapete en los grupos y en las instituciones, y de esto quienes
transitamos
por
las
instituciones
psicoanalíticas
estamos
“mal
acostumbrados”…Sería para el debate si los fines de una institución, de una
disciplina, de prácticas como la nuestra, puede separase de las personas. 13
Sintéticamente, en mi relación personal con el Acompañamiento Terapéutico,
sigo trabajando en la misma dirección, aunque como muchos saben dejé de estar
en AATRA en el año 2006 (habiendo sido Secretario de la CD desde su
fundación, e impulsado su construcción). No es el ámbito para abundar en
detalles, simplemente para evitar tergiversaciones que se han formulado,
sostengo que a mi entender esa finalidad política que implicaba su inscripción
social se fue perdiendo, en nuestro país, cuando en determinado momento esto
se derivó por otros caminos, marcado por excesos de corte narcisista que buscó
acaparar el nombre de la institución y su devenir. Ya luego de algunos años,
como manifestaran otros miembros fundadores que renunciaron, subrayo hoy
que esperábamos que como órgano colegiado y democrático 14, desde su
Comisión Directiva cada uno/a tomara la palabra para reconducir hacia los fines
que nos llevaron a unirnos…
Luego, con la idea de seguir sosteniendo una defensa institucional de la práctica
del AT (y no avalar una Asociación devenida en una simple “sociedad
organizadora de congresos”), impulsé junto a varios colegas y exalumnos otros
Gustavo Rossi
114
espacios e iniciativas con la misma orientación hasta estos días, como ser con
el Capítulo de AT de la Asociación Argentina de Salud Mental (AASM, que
congrega a psicólogos, psiquiatras, analistas, trabajadores sociales, entre otros),
la Cátedra de AT15 a mi cargo en la Facultad de Psicología de la UBA, los Cursos
y espacios de formación en numerosas provincias de Argentina 16. En este
tiempo, es interesante señalarlo, en varias Provincias y ciudades se formaron
Asociaciones, lo cual habla de propuestas para incidir en la comunidad, de hacer
una Política que permita al AT tener otro lugar social, en su relación con otras
prácticas y en su inserción en los Planes de Salud Mental, en las estructuras
sanitarias.
Es que las interpelaciones nos hablan de ese punto donde pedimos,
demandamos, desde el AT a la comunidad ese reconocimiento, esa regulación,
como ser en Argentina, que con la “nueva” Ley Nacional de Salud Mental (Nro.
26657, que tiene casi 3 años) pedimos que se incluya en el PMO, en el
nomenclador de prácticas cubiertas por el Estado o la seguridad social, según
ya venimos planteando hace décadas de la necesidad de contar con una
regulación estatal de esta práctica, de su formación y de su ejercicio. Con esa
Ley, en el contexto de la ubicación en un lugar central de los DDHH de los
pacientes, de las propuestas de desinstitucionalización, de generar dispositivos
y recursos en el medio donde vive el paciente (con lo cual acordamos), estamos
en un momento donde ha tomado fuerte impulso cierta corriente comunitarista,
de trabajo en el territorio con las poblaciones llamadas vulnerables, con lo que
acordamos, hicimos hace unos días un apuesta a que pueda articularse lo clínico
con ese abordaje comunitario. Cuando algunos de los actores de este campo de
la Salud Mental pregonan un rechazo de todo lo que es clínica, psicopatología y
tratamientos, que se opondría supuestamente a un abordaje del “padecimiento
mental” comunitario, planteo que el AT, en esta perspectiva, puede ser un nexo
precisamente entre la singularidad subjetiva y algo del orden de lo universal, del
“para todos” que recuerda la Ley de Salud Mental, del abordaje en territorio,
priorizando por parte de la Salud Pública de sectores sociales postergados por
décadas. Pero para eso es necesario que se formalice una inscripción de esta
práctica desde el Estado, tanto en cuanto a su capacitación como en cuanto a
sus incumbencias y reconocimiento como parte de las prácticas necesarias en
un Plan de Salud Mental.
Entiendo que en Mexico y en otros países la realidad es otra, dependiendo
también de las regiones. Y que se formulan otras preguntas y líneas de acción
al respecto, otras políticas. ¿Cómo apelar a que el Estado regule la formación de
Ats?, en algunos países puede resultarles extraño escuchar esto, o
contraproducente, de acuerdo a la situación en que se encuentran…
En Argentina, hace unos años, el Movimiento Social de Desmanicomialización y
Transformación Institucional de Bs As, respecto a la reforma que implicaría una
nueva Ley Nacional en Salud mental afirmó: “la experiencia histórica demuestra
que ningún cambio de raíz es posible sin el protagonismo de aquellos que
tendrán que sostenerlo”17. Y sostiene que ese protagonismo involucra a tres
115
El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular
actores ineludibles: Los organismos de Gobierno (Estado) y sus responsables.
Los trabajadores del sistema de todos los niveles y especialidades. Y los
miembros de la Comunidad. Comunidad que hoy todos formamos…
Y acá ubico esta resignificación del lugar del AT, que fuimos planteando en estas
décadas, que lo hace estar en clara sintonía con estas propuestas de
transformación institucional y de sustitución de las lógicas manicominales. Y es
necesario también hacer otra puntualización respecto a la historia del AT. En los
comienzos del AT por los años 70, cabe consignarlo, el AT no se propone como
esa herramienta de una política antimanicomial, de profesionales que
impulsaban su inscripción en un proyecto de salud pública, de políticas en salud
mental que incluyeran lo comunitario, la salida a lo social y la clínica, sino en el
contexto de la práctica en la clínica psiquiátrica en forma privada, en el ámbito
del consultorio e instituciones privadas. De una psiquiatría “dinámica”, con
lecturas psicoanalíticas por parte de algunos de quienes comenzaban con el
tema. Aunque algunas lecturas puedan ubicarlo en el contexto de una apertura
en la clínica, como alternativa a la internación, como abordaje múltiple, y es así,
es válido. Pero lo cierto es que sus primeros pasos fueron con pacientes de altos
recursos económicos, lejos de aquellas propuestas transgresoras y alternativas
al orden establecido en el campo psiquiátrico y psicoanalítico que aparecían en
Argentina (como describí en textos anteriores). Puse el acento en que ese era el
“marco” socio-politico, el de la búsqueda de recursos, herramientas, dispositivos,
experiencias (que iban desde el Lanús de Goldemberg hasta la Comunidad de
Caminos en Entre Ríos, pasando por los antecedentes de Pichon Riviere en el
Borda y otras propuestas innovadoras), que tenían en forma marcada una
dimensión Política, de incidencia en el terreno público, de intersección y debate
con aquello que era el orden del poder del momento. Lo planteamos en términos
de “condiciones de posibilidad” para el surgimiento de esta práctica, llevándolo
tanto a un terreno Político más amplio, socio-económico y cultural en
Latinoamerica, como al terreno de la política de las instituciones académicas,
hospitalarias, y de las asociaciones de psicoanálisis, psiquiatría y otras
disciplinas de ese campo que comenzaba a expandirse como “Salud Mental” en
Argentina.
Para finalizar, con este camino recorrido para el AT hasta hoy, a partir de
conceptualizaciones que nos fueron dando otra consistencia en distintos países,
propongo que sigamos impulsando, (de una vez y para siempre) la inscripción
de esta Práctica, en una interlocución e interpelación, desde el AT a la
Comunidad, a las comunidades -sean pequeñas o de las mas grandes-, respecto
a qué hacer con la locura, que responsabilidad tienen los distintos actores e
instituciones en plantear otro abordaje del malestar actual, de las locuras
actuales, que no sea el encierro o el chaleco químico… Que es también
interrogar a quienes organizan políticas en este campo (gobiernos, instituciones
de salud, de educación, etc), y formular propuestas en estos atolladeros de la
Gustavo Rossi
116
Salud Mental, y de la Educación Especial, donde por la eficacia del AT fuimos
teniendo un lugar.
Hoy y ayer, en síntesis, con el gusto de compartir esta Mesa, retomo esa apuesta
a seguir enlazando, como en las distintas presentaciones, esto que a veces
aparece en disyunción: la Clínica y la Política. Dando lugar a la complejidad de
ambos términos (que incluso podríamos poner en plural), es al menos lo que hoy
nos propusimos.
Notas
1
Trabajo presentado en el CONGRESO INTERNACIONAL DE AT, MEXICO,
NOVIEMBRE DE 2013. 16/11/2013. En la Mesa Redonda “Propuestas del
Acompañamiento Terapéutico hoy: Clínica y Política” Con J.M.Rodriguez, F.
Azcarate. Con correcciones posteriores.
2
At: Acompañante terapéutico. AT: Acompañamiento Terapéutico.
3
Rossi, G., (2007) “AT: lo cotidiano, las redes y sus interlocutores”, Polemos,
Bs. As (3era edición 2013).
4
“El saber es un lazo”: Miller, J. en El lugar y el lazo, Paidós, Bs. As., 2013.
5
Iríamos a una presentación muy extensa y no quiero excluir acá a quienes
tienen su práctica por fuera del dispositivo psicoanalítico. Aunque puedan
confluir en su ética, en su orientación, en su política, pero esa es otra
problemática.
6
Soler, C. Incidencias políticas del psicoanalisis. Edic. S&P, Barcelona, 2011.
7
Miller, J.A., El banquete de los analistas… Paidós, Bs. As., 2011. Y es mas
interesante que luego dice que “el rasgo de Lacan en relación con el medio
analítico era más bien la claustrofobia. Y con respecto al banquete se parecía
más bien al pic-nic en las calles y los caminos”.
8
Miller, J.A.; de El lugar y el lazo.
9
En esta línea, como verán hoy estamos millerianos…tomo algunas ideas de J.
A. Miller sobre el psicoanálisis aplicado a la terapéutica. Cf. P.50 de El lugar y
el lazo.
10
J.A.Miller, en El banquete de los analistas, plantea estas cuestiones, y esto de
condicionar la apertura
11
Rossi, G. y otros (comp.); Hacia una articulación de la clínica y la teoría Publicación de trabajos presentados en el Primer Congreso Nacional de AT,
Ed. Las Tres Lunas, Bs. As., 1995.
12
Serie en la cual fuimos conociendo otros colegas de Mexico, Perú,
ampliándose el grupo de Brasil y España, y ahí fue que nos conocimos con
Blanca Fernandez Heredia, Kleber Duarte Barreto, Mauricio Porto y Marisa
Pugés, en esos primeros años, y muchos más luego, aunque siempre
mencionar algunos nombres deja afuera otros, y hasta puede leerse esa
alusión como algo arbitrario o tendencioso…
13
Desde el psicoanálisis se ha planteado que una oposición tajante entre fines
personales y fines de la disciplina no se sostiene, ya que es una práctica que
depende del deseo de aquel que la sostiene, donde el analista es un operador.
Cf. Soler, C. p.768.
14
Como lo expresó Guillermo Altomano en su carta de renuncia.
117
El At Y Su Lazo Social: Interpelaciones A La Comunidad, Lugares Para El Malestar Singular
La Práctica Profesional “Fundamentos clínicos del AT, Cátedra I” (Cod. 687),
Materia optativa del Ciclo de Formación profesional, que vengo dictando en
forma ininterrumpida desde el año 2002.
15
16
Tucumán, Chubut, Neuquén, La Pampa, Chaco, Jujuy, Corrientes, Entre Ríos,
Santa Fé, Córdoba, Mendoza, Provincia de Buenos Aires.
17
Movimiento Social de Desmanicomialización y Transformación Institucional,
Bs. As, Manifiesto año 2006.
Gustavo Rossi
118
ENVELHECIMENTO E LOUCURA - II JORNADA DE
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E ENVELHECIMENTO “ONG- GER-AÇÕES”
ENVEJECIMIENTO Y LOCURA - II JORNADA DE ACOMPAÑAMIENTO
TERAPÉUTICO Y ENVEJECIMIENTO - "ONG-GER-ACCIONES”
AGING AND MADNESS - II JOURNEY OF THERAPEUTIC
ACCOMPANIMENT AND AGING - "ONG- GER-AÇÕES”
Katia Cherix1
RESUMO
Na I Jornada de Acompanhamento Terapêutico (AT) organizada pela ONG GER-AÇÕES em São
Paulo em 2009, abriu-se a discussão sobre as questões específicas do AT com idosos
culminando na publicação do primeiro livro de AT e Envelhecimento do Brasil “Travessias do
Tempo: Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento” em 2013. Na II Jornada:
“Envelhecimento e Loucura” realizada em maio de 2014, o Núcleo de AT da Ger-Ações continuou
apresentando seu sólido percurso clínico, sustentado por seu posicionamento ético, político e
teórico propiciando a discussão sobre como as contribuições do campo da saúde mental,
influenciado pelo movimento político da reforma psiquiátrica, pode iluminar o cuidado a idosos
da forma que vem se configurando na atualidade. Com esta apresentação pretendemos
contribuir para a discussão do campo do AT trazendo os frutos deste evento. A Ger-Ações,
sustentada pelo embasamento teórico da Psicanalise, entende o envelhecimento como um
processo que inicia com uma crise onde o sujeito, frente à perspectiva de dependência e finitude,
é chamado a se reposicionar perante seus ideais, construindo projetos que levem em conta as
novas limitações. Nesta perspectiva, o AT aparece como instrumento clínico prioritário pois
oferece escuta e amparo à idosos e seus familiares enfocando projetos que deem sentido à vida.
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Envelhecimento, Saúde Mental.
ABSTRACT
At the I Jorney about Therapeutic Accompaniment (TA) organized by ONG GER-AÇÕES at São
Paulo in 2009, it opened up the discussion of specific issues with AT elderly culminating in the
publication of the first brasilian book on TA and Aging “Travessias do Tempo: Acompanhamento
Terapêutico e Envelhecimento” in 2013. At the II Jorney: “Aging and Madness” carried out in may
2014, the Ger-Ações TA Center continued presenting its solid clinical course, supported by its
ethical, political and theoretical position providing a discussion of how the field of mental health
contributions, influenced by the political movement of psychiatric reform, can illuminate the elderly
care in the way that has represented today. With this presentation we intend to contribute to the
TA field of discussion bringing the fruits of this event. The Ger-Ações, supported by the theoretical
basis of psychoanalysis, we see aging as a process that starts with a crisis where the subject,
facing the prospect of dependence and finitude, is asked to reposition their ideals before, building
projects that take into account the new constraints. In this perspective, the TA appears as a
priority clinical tool because it offers listening and support to seniors and their families focusing
on projects that give meaning to life.
KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Aging, Mental Health.
119
Katia Cherix
II Jornada de Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento
A Ger-Ações é uma ONG formada em 2007 em São Paulo por profissionais de
diferentes áreas, preocupados com a questão do envelhecimento, que através
de ações e pesquisas participam ativamente no cuidado e na construção de
uma nova imagem para a velhice. A Ger-Ações promove cursos e eventos com
o intuito de fazer circular novas práticas e conceitos teóricos a cerca dos
diferentes temas ligados ao envelhecimento.
Um dos núcleos de trabalho, presente desde a formação da ONG, é o Núcleo
de Acompanhamento Terapêutico (AT). Este núcleo, formado por ats com
longo percurso em saúde mental começou um trabalho pioneiro de
acompanhamento terapêutico de idosos lidando com um tipo de atendimento
especifico e complexo na interface entre as questões do campo da saúde
mental e da clínica do envelhecimento.
Em 2009, o núcleo de AT organiza a I Jornada de Acompanhamento
Terapêutico e Envelhecimento quando se inicia uma discussão sobre as
questões específicas do envelhecimento e da clínica, decorrente do encontro
dos profissionais com este público. Foram abordados temas centrais, como o
projeto no envelhecimento, depressão e demência, além de supervisão clínica
de um caso de AT com idosos.
Somaram-se três anos aos quatro anos de trabalho para a organização desta I
Jornada para que a experiência clínica do Núcleo de AT da Ger-Ações
culminasse no lançamento do livro “Travessias do Tempo: Acompanhamento
Terapêutico e Envelhecimento” em 2013. Este livro, organizado por Natália
Alves Barbieri e Carolina Guimarães Baptista, traz fundamentação teórica e
relatos clínicos para quem se atreve a se lançar no caminho do AT com idosos,
campo relativamente novo de intervenção.
Assim, em maio de 2014, o núcleo de AT decide organizar uma II Jornada de
Acompanhamento Terapêutico e Envelhecimento, desta vez, frisando a interface
do nosso trabalho com as questões de saúde mental, com as quais,
frequentemente nos deparamos. Neste evento sobre “Envelhecimento e
loucura”, o Núcleo de AT da Ger-Ações continuou apresentando seu sólido
percurso clínico, sustentado por seu posicionamento ético, político e teórico. Os
Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E
Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações”
120
idosos ocupam lugar de desvalorização na sociedade atual e frequentemente
perdem seu espaço de sujeito no encontro com o outro, por carregarem a marca
da fragilidade física e da dependência, inspirando sentimentos ambíguos a quem
lhes oferece cuidados. Da mesma forma que os portadores de doença mental
enfrentaram um longo caminho para saírem do lugar de marginalizados, os
idosos também lutam por seus direitos e por manterem-se lúcidos e autônomos
dentro das dinâmicas familiares e das instituições que lhes oferecem moradia e
cuidados físicos, em troca do cerceamento de sua liberdade.
Na primeira mesa da Jornada, “Envelhecimento e Loucura: Redes de Atenção
em Saúde mental”, Maira Peixeiro, AT membro da Ger-Ações desde sua
fundação, apresentou o texto “Lógicas de exclusão no envelhecimento e na
loucura: da institucionalização ao Acompanhamento Terapêutico”. Nesta densa
apresentação, aponta a articulação da exclusão que opera na institucionalização
tanto no campo do envelhecimento como no da loucura. Começa a apresentação
citando Groisman (1999) e a descrição que este faz do primeiro asilo para velhice
desamparada no Rio de Janeiro em 1912. A descrição é de um lugarlongínquo
e abandonado sem laço algum com o resto da sociedade. Os que lá habitam são
descritos pela freira que acolhe o investigador curioso como “criaturas
desiludidas”. A velhice ocupa hoje em dia um lugar de exclusão e desvalorização
como a loucura ocupava antigamente.
No século XX, a velhice começa a receber um certo interesse social mas é
colocada no lugar de um problema epidemiológico e previdenciário. Abrem-se
novas perspectivas para a inclusão do velho mas cria-se uma categoria ideal:a
de velhice ativa, do “jovem idoso”. Esta inserção social mantem a lógica de
exclusão pois o idoso só é aceito socialmente se negar em si os aspectos que
denunciam sua velhice.
Nas instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) testemunhamos um
apagamento subjetivo, não há espaço para projetos individuais e redes de
articulação com o social, o que há muitos anos já existe para o campo da saúde
mental. A comparação dos asilos para velhos com a rede de desospitalização e
atendimento no território que se colocou em prática para os portadores de
transtorno mental só anuncia o grande trabalho que existe pela frente para os
que trabalham na clínica do envelhecimento.
121
Katia Cherix
Alguns dispositivos alternativos como residenciais e centros-dia para idosos
começam a surgir, têm potência, mas igualmente dificuldade em reconhecer o
idoso como sujeito de desejo oferecendo na maior parte do tempo atividades
moldadas na referência que os profissionais têm da velhice, fazendo pouco
sentido para o idoso.
Se pensarmos no início do trabalho de AT no Brasil, pensamos no fechamento
das comunidades terapêuticas pela ditadura e o at, através da figura do auxiliar
psiquiátrico, passa a subverter a ordem de internação e exclusão, possibilitando
a circulação da loucura pelos espaços da cidade.
Mais recentemente, no campo do envelhecimento, a função do at também
subverte as lógicas de exclusão do velho em sua dimensão subjetiva. O trabalho
do at, com sua escuta e olhar atentos para emergência da subjetividade e
singularidade até nos casos de idosos portadores de patologias graves,
posiciona-se politicamente quando se opõe às estratégias de homogeneização
da velhice e à naturalização das dores do envelhecer. O trabalho de at deslocase da imperativa submissão ao discurso biomédico, que coloca os velhos como
fracassados diante de ideais inalcançáveis e coloca oapagamento de si como
condição para o cuidado pelo outro. O at, busca junto com o idoso, referencias
possíveis de identificação que possam dar sentido á vida numa cultura que
coloca a velhice num lugar tão negativo.
Em seguida, Delia Goldfarb, fundadora da Ger-Ações, falou de seu percurso
profissional na clínica do envelhecimento, do preconceito sofrido por querer dar
lugar de investimento à um tema desvalorizado na Psicanálise. Delia sentiu na
pele a reprodução da exclusão nos meios acadêmicos mas não desistiu de
divulgar o tema do envelhecimento, particularmente com a publicação de sua
tese de doutorado intitulada ”Demências” onde aponta uma hipótese psicogênica
para o surgimento de certas demências.
Para completar a mesa, Pedro Carneiro, médico psiquiatra atuante na rede de
saúde pública, aponta direções para a criação de novos dispositivos clínicos que
abarquem as demandas atuais como é o caso do programa de redução de danos
que norteia as intervenções dos técnicos de saúde no centro da cidade de São
Paulo. O programa “De braços abertos” oferece moradia e amparo para usuários
de crack procurando dar visibilidade ao sujeito e não a sua condição de usuário.
Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E
Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações”
122
A equipe também oferece atendimento em um consultório de rua, pratica
inspiradora.
Na continuação do evento, Fernanda Nokan, psicóloga com longo percurso na
saúde mental, fez uma intervenção com todos presentes usando a metodologia
do teatro do oprimido. Antes do evento, Fernanda reuniu-se com ATs da GerAções para ouvir relatos de experiências clinicas. No dia do evento, em conjunto
com uma equipe de atores, Fernanda montou uma peça de teatro chamada “Vale
idade: tem prazo?!”relatando a clínica do envelhecimento e através da
metodologia, convidou o publico a participar ocupando o lugar dos atores e
mudando o destino dos personagens da historia.
O público participou ativamente desta intervenção reagindo com emoção e
humor à história de Pérola, uma senhora a mercê de sua filha e cuidadora que
tomavam todas as decisões acerca de sua vida sem nem sequer consultá-la.
Através deste cuidado autoritário fica clara a relação de violência a qual idosos
podem
estar
submetidos,
completamente
desconsiderados
em
sua
subjetividade. A at, interpretada pela Fernanda, chegava para subverter a ordem
ao perguntar sobre o desejo de Pérola e descobrir que esta queria ir ao parque.
A at leva a idosa ao parque apesar da preocupações da filha e da cuidadora.
Neste passeio, encontram um moço no parque, o qual Pérola acredita ser seu
antigo namorado. O moço, numa representação hilária, se põe a gritar com a
senhora, assumindo que por ela ser velha seria surda. De volta à casa, a filha
anuncia à at e não à sua mãe que decidiu interná-la em uma ILPI.
Várias pessoas do público sobem ao palco para interpretar figuras de cuidadora
e de filha mais respeitosas em relação aos desejos de Pérola. Até Delia subiu ao
palco para interpretar uma idosa mais autônoma e potente ilustrando assim a
multiplicidade das formas de envelhecimento. No final da intervenção seguiu-se
uma discussão sobre o tema da institucionalização que, no Brasil, ainda é muito
marcada pelo significado do abandono e da caridade mas que em outros países
já é vista como uma possibilidade de cuidado e autonomia. Também surgiu uma
discussão acerca do papel dos diferentes profissionais da saúde na assistência
ao idoso e da importância de oferecer uma escuta ao sujeito mesmo quando isto
significa colocar-se aquém do politicamente correto e do discurso biomédico.
123
Katia Cherix
Na segunda parte da Jornada, Roberta Elias Manna, at da Ger-Ações,
apresentou um caso clínico para ser supervisionado por Moisés Rodrigues da
Silva Junior do grupo Projetos Terapêuticos. Corajosamente, Roberta apresenta
um caso onde a filha angustiada gostaria que a mãe fizesse um AT porém a
idosa não tinha interesse por receber este atendimento. A filha encontra-se
extremamente angustiada pois sua irmã, com quem a mãe mantinha uma
relação de extrema proximidade, faleceu recentemente.
Roberta recebe a filha no consultório para acolher a angustia e entender a
dinâmica familiar. Tenta construir junto à filha uma entrada para a at: se mostrar
como alguém do meio médico poderia fazer a mãe aceitar recebê-la. A senhora
aceitou a presença de Roberta porém não se sentia à vontade ocupando o lugar
de quem estava sendo ajudada. Roberta começa a perceber que a senhora a
recebe mais por educação e pelas convenções sociais do que por realmente
querer os encontros.
A senhora, que tem diagnóstico de Parkinson, durante um quadro de agitação,
agride a cuidadora. A filha se desespera e pensa em internar a mãe numa ILPI.
Roberta faz inúmeros acolhimentos telefônicos a esta filha que encontra-se
desamparada frente à tarefa de cuidar da mãe. Roberta, não quer abandonar
esta filha que pede ajuda e nem esta mãe que não quer a ajuda.
Mesmo medicada, a idosa frequentemente delirava e durante um AT, Roberta
acompanhou um destes episódios onde a senhora encontra-se apavorada
achando que está em um hotel e passa a ter Roberta como uma aliada frente à
angustia de encontrar-se numa situação onde sente-se só frente à pessoas
desconhecidas. Através do delírio, consegue falar da sua relação com a filha que
faleceu e pede a Roberta que a leve para sua casa. Roberta decide não dar
continuidade aos atendimentos pela senhora não querer sua companhia. Por
outro lado, a filha mostra-se grata ao amparo recebido e começa um atendimento
individual com Roberta.
Na sua fala, do lugar de supervisor, Moisés aponta a importância de não ter dado
continuidade ao atendimento já que era contra a vontade da idosa. Aponta a
dificuldade de vincular-se com uma senhora que oscilava muito de humor.
Roberta pensava muito neste caso, sentia-se tomada pois nunca sabia o que
esperar durante as visitas, não sabia o quanto poderia aproximar-se e o quanto
deveria ausentar-se. Em alguns atendimentos a senhora mostrava-se regredida
Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E
Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações”
124
e solicitava a ajuda de Roberta para ações simples porem não sustentava esta
relação de ser cuidada. Roberta usava a técnica do Holding durante os
atendimentos para fazer a paciente se sentir acolhida e amparada além da
escuta psicanalítica para poder posicionar-se transferencialmente. Tinha uma
experiência mortífera durante os atendimentos onde sentia esta senhora muito
desorganizada, psicótica e fragilizada, absorvida pelo trabalho de luto pela morte
da filha. Moisés chama a atenção para a maneira como Roberta investe no caso
emocionalmente, disponibilizando diversos horários para atendimentos como
proporcional ao desinvestimento que a senhora demonstrava pelos ATs e pela
sua própria vida.
Com a morte da filha com quem a senhora mantinha uma relação simbiótica, sua
desorganização mental foi ficando cada vez mais evidente. É possível pensar
que como Ats de idosos, dos deparamos muitas vezes com questões graves de
saúde mental e que o trabalho do AT fica numa imbricação entre a clínica da
saúde mental e do envelhecimento. Um adoecimento queficou escondido
durante a vida, desperta ou se intensifica com a situação de fragilidade do
envelhecimento.
A reação dos participantes do evento foi muito positiva mostrando um crescente
interesse do público para eventos sobre o tema do envelhecimento. Recebemos
um retorno importante dizendo da importância de ter intervenções com o intuito
de aproximar os campo do envelhecimento e da saúde mental pois, com o
aumento de familiares e idosos buscando cuidado, novos dispositivos clínicos e
teóricos precisam ser desenvolvidos afim de acompanhar os idosos nos mais
singulares processos de envelhecimento.
Notas
1
Psicóloga
Referências bibliográficas
BARBIERI& BAPTISTA, Travessias do Tempo: Acompanhamento
Terapêutico e envelhecimento, São Paulo, Casa do Psicólogo, 2013
GOLDFARB, D. Demências.São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006
GROISMAN, D. Asilos de velhos: passado e presente, Estudos
interdisciplinares sobre o envelhecimento, v.2, 1999
125
Katia Cherix
Envelhecimento E Loucura - II Jornada De Acompanhamento Terapêutico E
Envelhecimento - “Ong- Ger-Ações”
126
OS EREMITAS URBANOS
THE URBAN HERMITS
LOS ERMITAÑOS URBANOS
Arthur Tufolo
RESUMO
Este artigo trata de fazer uma reflexão sobre o trabalho do AT a partir de um modo de existir, um
modo de existência que nos parece muito comum nos dias de hoje e que diz respeito ao
desolamento em sua relação com o isolamento. Nos referimos aos inumeráveis casos de
pessoas que vivem entocadas em suas residências. Refletimos se esse modo de estar no mundo
não é uma forma de proteção contra as agressões que vem de fora. Podemos pensar que esse
modo de existir possui características peculiares que envolvem medo, angústia e ansiedade. E
ao nosso entender para acompanharmos esses que se recolheram temos que aprender a
também nos recolher.
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Eremita, Heidegger
RESUMEN
Este artículo trata de una reflexión sobre el trabajo del AT desde un modo de ser, un modo de
existencia que parece muy común en estos días y que se relaciona con la desolación en su
relación con el aislamiento. Nos referimos a innumerables casos de personas que viven
enterradas en sus hogares. Si reflexionamos esta forma de ser en el mundo no es una forma de
protección contra los ataques que vienen de fuera. Pensamos que esta manera de ser tiene
características únicas que implican el miedo, la angustia y la ansiedade. Y en nuestra opinión
seguimos para los que fueron recogidos tienen que aprender a recoger nosotros también.
PALABRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico, Ermitaño, Heidegger
ABSTRACT
This article deals with a reflection on the work of the TA from a mode of existence, a mode of
existence that seems very common these days and with respect to the desolation in their relation
to the isolation. We refer to innumerable cases of people living burrowed in their homes. If we
reflect this way of being in the world it is not a form of protection against attacks coming from
outside. We think that this way of being has unique characteristics that involve fear, anguish and
anxiety. And in our view to follow for those that were retracted we have also learn to retract.
KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Hermit, Heidegger
A etimologia revela a origem das palavras e costuma libertar o sentido daquilo
que
se
quer
investigar.
Sendo
assim,
comecemos.
Eremita: do grego eremités e pelo latim eremita; também significa pessoa que
vive no ermo. Já o vocábulo Ermo, do grego éremo e pelo latim eremu significa
lugar sem habitantes, deserto, descampado, desolado; ou ainda solitário,
desabitado, desertificado. Diríamos desamparado?
127
Os Eremitas Urbanos
Possuir uma existência (acontecência) desertificada, e viver em uma "toca" para
não ser tocado. Entocar-se parece ser o modo de isolamento preferido para o
desolado.
Podemos
a
partir
disso
começar
a
perguntar
por
essa
pessoa.
Quem é esse que se torna um ermitão? Será que o faz por escolha?
De que precisa ele se isolar em seu desolado reduto deserto? O que o ameaça
tão
visceralmente?
Refiro-me a esses inumeráveis casos de pessoas que vivem entocadas em suas
‘residências-colméias’
espalhadas
pelas
metrópoles
do
mundo.
Desconheço estatísticas brasileiras. No Japão já passam de 1,2 milhões e são
chamados de ‘hikikomoris’. Há pouco tempo foram notícia trágica no mundo, pois
nove deles se juntaram usando a Internet como ponte de comunicação e
promoveram
um
suicídio
coletivo.
Os que conheci aqui pelo Brasil, entre amigos, pacientes e outros tantos, de
tantos tipos, eram prisioneiros (nem todos) de um modo de existir,
emocionalmente falando, em que somente o acuar-se, o retirar-se do mundo
dentro do próprio mundo permitia um mínimo de pouso sem nenhum repouso,
sem
paz
de
espírito
(mas
afinal
quem
a
tem
de
verdade?).
Alguns até que se cuidam muito bem, não estão tão comprometidos, mas
simplesmente não acham que vale a pena conviver com todos nos moldes mais
corriqueiros
do
dia
a
dia.
Outros são ‘bernardos-eremitas’. Há no mar um crustáceo de nome curioso:
bernardo-eremita é um tipo de lagostim que possui a parte anterior do corpo
completamente sem proteção de carapaça. Ele é em carne viva, justo na
retaguarda onde está mais vulnerável. Para se proteger, procura conchas que
outrora foram moradas de moluscos. Ao encontrá-las, ele se enfia nelas pelas
costas, e pronto: carrega consigo a armadura para se proteger de agressores.
Todos nós, de alguma forma fazemos isso. Nossa pele, nossas roupas, nossas
couraças musculares, nosso intelecto, etc., etc., nossa auto-estima. Usamos
tudo
isso
para
nos
proteger.
Protegemos principalmente o que é em nós carne viva. Às vezes conseguimos
um exoesqueleto tão duro que corremos o risco de calcificar. Podemos
endurecer por fora e por dentro e até sofrermos, por exemplo, um enfarto, mas
isso
é
Jorge Luis Pellegrini
assunto
para
um
outro
artigo.
128
Às vezes podemos usar a proteção de um outro ser, usá-lo como conchaprótese
para
nos
amparar.
Outros, como aponta Yves Leloup em seu ‘Deserto Desertos’, retiram-se para
forjar no silêncio a própria identidade, à medida que se despojam de si mesmos
e enfrentam seus demônios. O deserto é um lugar propício para um intenso
encontro
consigo
mesmo.
Outros, ainda bem mais comprometidos, não têm outra opção que não o recuo
para suas fronteiras, que muitas vezes coincidem com a porta de seus quartos.
Costumam dormir durante o dia, habitantes das trevas, longe do tumulto. Internet
e televisão nas madrugadas são seus contatos com o mundo de fora.
Podemos pensar que esse modo de existir possui características peculiares. Ele
envolve medo, angústia e ansiedade. Neste sentido, muitas vezes esse modo
afinado de estar no mundo tem muitas características da síndrome do pânico,
tão
comum
e
epidêmica
nos
nossos
dias.
O medo é de quase tudo e de todos (incluindo de si mesmo). A angústia parece
não
estar
presente.
A
ansiedade
é
a
verdade
do
medrar.
Aquilo de que se teme estar diante sempre é, como diz Heidegger, um algo que
vem ao encontro dentro do mundo : “...O que se teme possui o caráter de
ameaça... Esta sempre adviria de uma determinada região e, esta e o que vem
dela como temível possui a não familiaridade...O que ameaça nunca se acha no
medo, numa proximidade dominável, ele se aproxima” (Heidegger M.-SER E
TEMPO Petrópolis,Vozes pg-195). A experiência é de estar impotente em
relação à ameaça. Afinado e determinado pelo medo, esse existir se encontra
aprisionado por essa armadilha. O medo desvela esse ente-homem no conjunto
de seus perigos, no abandono de si mesmo. Responsável completamente por si
e sem ainda possuir recursos para lidar com tal grau de ameaças, esse ser
humano só encontra possibilidade de sobrevivência dentro do que ainda se
preserva
como
familiar:
SUA
TOCA!
Se nos reportarmos às suas histórias pessoais detectamos que os cuidados
paternos de alguma forma foram negados ou insuficientes. O psiquiatra japonês,
Dr. Tamaki Saito, refere-se assim à DDAP - Distúrbio de Deficiência da Atenção
do Pai - como um motivo comum que traria essas consequências para esses
129
Os Eremitas Urbanos
eremitas.
Mas não nos enganemos: filhos criados sob intensos cuidados também
apresentam esses sintomas. Não raro podemos encontrar, na verdade, várias
maneiras de um não cuidar. Usar um filho como resposta às próprias
necessidades pode ser até mais prejudicial do que abandoná-lo. Muito ajuda
quem pouco atrapalha é um ditado bem conhecido por todos. Mas, muitas vezes,
para os envolvidos, essa é a única forma de relacionamento possível naquelas
circunstâncias específicas. Segundo Winnicott, fazer mal a alguém é não estar
lá quando ele precisa de você. Mas, é claro, deve-se ressaltar que esse estar
presente deve contemplar a necessidade do ponto de vista daquele que requer
sua presença. Isto implica em reconhecimento do outro como outro, uma
alteridade.
Cuidar para me encontrar com o outro em sua singularidade. Isso me forçaria,
me convocaria para meu próprio ser singular, e aí posso acolher o outro numa
‘solicitude devoluta’ (Heidegger M-SER E TEMPO Petrópolis,Vozes pg-173), que
não impõe suas carências nem impõe a mim (o outro) a culpa por não preenchêlas. Costuma-se brincar dizendo-se: “menino, ponha a blusa porque sua mãe
está com frio”. Pode parecer a primeira vista um cuidar, um cuidar talvez
excessivo, mas de qualquer modo isso sugere como aquele que ainda não dá
conta de sua própria existência e que portanto depende de cuidados alheios
pode, desde ao se tratar de uma bobagem como usar ou não uma blusa, até
questões mais importantes e fundamentais para sua existência, ser impedido de
se constituir em sua singularidade, o que pode levá-lo a sucumbir diante das
exigências do mundo, por não contar consigo de forma suficientemente confiável
para arcar com o que ele entende que terá que constituir como resposta.
Sendo assim, acompanhamos esses que se recolheram, indo até eles lá, onde
se encontram e, uma vez autorizados a ali permanecer, suportando esse estar
ao lado. Isto pode e é uma excelente proposta de abertura de um espaço para a
terapia.
Mas isso não será possível. Um contato real não se estabelecerá senão a partir
da experiência de si mesmo como eremita. Preciso, antes de mais nada, de um
contato íntimo comigo mesmo, (re)conhecer em meu deserto os meus abismos,
em minha solidão os meus demônios. Só poderei compreender aquilo que, em
minha própria alma, não me for estranho e ainda assim, paradoxalmente, o outro
Jorge Luis Pellegrini
130
permanecerá
completamente
outro
em
sua
experiência.
Em outras palavras, é preciso que eu possa me bastar. Mas, o que isto quer
dizer? Aí vai mais um recurso etimológico: bastar vem do germânico bastázo que
significa sustentar, e do latim vulgar bastare, ser bastante, suficiente, ter
suficiência própria. Neste sentido apenas quando me basto, posso então abrir
espaço (bastante) para qualquer outro poder ser a partir de mim. Pois me
sustento e isto cria um campo de presença que não pressiona, apenas convida
de forma mais ou menos isenta. Mais cedo ou mais tarde, se for possível, o outro
se tornará independente e voará com as próprias asas escolhendo em liberdade
aonde deseja habitar: se junto aos outros ou solitariamente. Neste caso, a
diferença agora é que ele estaria escolhendo não ir para o mundo, podendo
tomar conta de si. Escolher e realizar seu próprio destino. Algo que antes só
podia
visitar
em
suas
fantasias.
A idéia, então, é a de que alguém que aprendeu a nadar vá em busca do
afogado, mergulhando profundamente no mesmo mar, arriscando-se ao mesmo
afogamento e em companhia, apenas em companhia envolvida e comprometida,
possa abrir um espaço que se tornará útil para que este outro ouse braçadas
salvadoras. Enquanto isso, interferir apenas para garantir que o outro não morra
é
a
única
licença
à
regra:
muito
ajuda
quem
pouco
atrapalha.
Neste ponto gostaria de continuar apenas levantando questões. O que quer dizer
escolher ser um eremita para ajudar outros? O que é mesmo fazer uma viagem
interior para saber de si mesmo? O que acontece nessa viagem para que
milenarmente se afirme que isso seria suficiente para proporcionar sabedoria e
transformá-la em ferramenta para abrir tantas portas? Por que todos continuam
a afirmar (menos nossa ciência metafísica) que só eu é que posso ter o poder
de curar a mim mesmo? Recebo ajuda para não me afogar, mas só eu posso
continuar
minhas
braçadas.
Enfim, acho que pilhas de perguntas podem continuar sendo colocadas, muitas
delas para as quais temos ilusão de possuir as respostas; outras devem
continuar
resistindo
ao
imenso
mistério
que
somos.
Um bom homem verdadeiramente interessado em si e nos outros conta com
isso.
131
Os Eremitas Urbanos
Referências bibliográficas
LELOUP, Jean-Yves. Deserto, desertos. Petrópolis: Vozes, 1998.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo, Partes I e II, Petrópolis: Vozes, 2002.
Jorge Luis Pellegrini
132
LA IDENTIDAD DEL ACOMPAÑANTE TERAPÉUTICO, UN
PROCESO EN CONTRUCCION
THE IDENTITY OF THE THERAPEUTIC COMPANION, A PROCESS UNDER
CONSTRUCTION
A IDENTIDADE DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO, UM PROCESSO EM
CONSTRUÇÃO
Jorge Luis Pellegrini1
RESUMEN
Este artículo trata de la cuestión de la identidad del AT. El AT y los AT están en su momento
histórico fundacional. El AT en éste, su momento instituyente, está construyendo su
propia identidad, arrastrando tinciones del pasado, independizándose de las disciplinas
originarias. De ellas algo lleva y, también, algo abandona.
Nada nuevo se conforma sin incrustaciones de lo viejo. Los acompañantes terapéuticos
primero fueron actores en busca de un autor. La búsqueda continúa hacia una identidad propia,
aún no constituída plenamente, pero ya gestada.
PALAVRAS-CLAVE: Acompañamiento Terapéutico, Identidad, Salud Mental
ABSTRACT
This article deals with the TA identity question. The TA and the TAs are in their historical
moment founding. In this instituting time, the TA is building its own identity, dragging spots of
the past, making it inependente of originating disciplines. It leads them something and also
leaves something. Nothing new forms without the old scale. The therapeutic companions were
first actors in search of an autor. The search continues toward its own identity, not yet fully
formed, but already gestated.
KEYWORDS: Therapeutic Accompaniment, Identity, Mental Health
RESUMO
Este artigo trata da questão da identidade do AT. O AT e os ATs estão em seu momento
histórico fundante. O AT neste seu momento instituinte, está construindo sua própria
identidade, arrastando manchas do pasado, tornando-se inependente das disciplinas
originárias. Delas leva algo e, também abandona algo. Nada novo se forma sem incrustações
do velho. Os acompanhantes terapêuticos primeiro foram atores em busca de um autor. A
busca continua em direção a uma identidade própria, ainda não constituída plenamente, mas já
gestada.
PALAVRAS-CHAVE: Acompanhamento Terapêutico, Identidade, Saúde Mental
Mi mirada va a estar puesta en el ámbito público. En el campo de la Salud, la
Educación, la Justicia, la Niñez. Esto es así porque ése es mi campo exclusivo
de trabajo, docencia, investigación. Yo sé que entre Ustedes hay quienes se
133
Talita Severo Santos
desempeñan en el campo privado. Es probable que algunas palabras que yo
trasmita les resulten útiles o familiares y así lo espero.
Desde el comienzo de mi actividad hospitalaria, hace ya casi cincuenta años, mi
interés, mi vocación, mi curiosidad me volcaron al campo de la Salud y la
Enseñanza Públicas. Quizás porque esa sea parte de mi historia personal, y
también por entender que ambas deben ser un derecho accesible a nuestro
Pueblo.
Esta práctica científica y social me llevó a preguntarme siempre quienes eran
esas personas que venían a mi encuentro para ser asistidos, ayudados. Lo cual,
como es obvio, me llevaba a su consecuencia inmediata: quien soy yo en ese
aquí-ahora. Es decir: interrogarme sobre un aspecto de mi identidad personal, y
de mi identidad profesional.
Me resultó claro desde el inicio que esa pregunta era de imposible respuesta si
yo desconocía al sujeto puesto a mi cuidado y acompañamiento. Ahora:¿Cómo
hacer para aprender sobre la existencia de ese otro al cual yo debo escuchar
bien, hablarle de modo que mis palabras le lleguen, y actuar con una conducta
acorde a su sufrimiento? Era evidente que el interrogatorio individual que se
restringiera a su motivo de consulta me dejaba en la superficialidad y
transformaba a ese sujeto en una colección de síntomas, signos y síndromes
que, en todo caso, satisfacían a mi biblioteca pero no a mi necesidad de saber.
Lo primero resultó encontrar lenguajes comunes, de mutua comprensión. Por
ejemplo: ¿Qué significan las palabras “familia” o “pobreza” (por citar algunas) en
boca de un paciente consultante? Es inmediato que nosotros refiramos el
contenido y la historia de esos vocablos a nuestra idea sobre ellos. Que creamos
que ambos decimos lo mismo porque usamos las mismas palabras ¿Pero las
imágenes, valores, y significados que tienen para el asistido y para nosotros son
iguales?
Recuerdo, hace años, que un compañero, atendiendo a una familia campesina
de la meseta patagónica, había consignado “familia promiscua”. Cuando leí eso
le pregunté porqué había escrito tal definición que ponía al grupo humano en el
límite de la perversión. Se trataba que padre, madre y hijos dormían todos en el
mismo colchón, tapados con los mismos jergones, con baño precario afuera, y
él había deducido que, en esas condiciones, era obvio que sucediera algún
contacto físico o erótico entre miembros de la familia, y que los padres tuvieran
Jorge Luis Pellegrini
134
relaciones al lado de los hijos. Vivían en un lugar de intensos fríos invernales
durante seis meses; poseían una sola habitación de adobe; No tenían pijamas o
ropa de dormir; las cobijas alcanzaban escasamente, comían una vez por día un
alimento guisado; dormían en el suelo, los vientos (frecuentes en la zona)
respetaban poco las paredes. ¿Qué esperaba mi compañero que hicieran para
vivir? O mejor dicho ¿para sobrevivir? ¿Desde qué mirada tal cuestión resultaba
promiscua? Desde una casa – la de mi compañero de tareas – con varias
habitaciones, calefaccionada, sanitarios, ropa de cama y sábanas con frazadas,
bien alimentados, cama y muebles. Es decir: su mirada no era la del paciente
sino la propia proyectada en éste. Esta errónea adjudicación de significados en
las palabras lleva a pensar que nuestro mundo, nuestro lenguaje no es el de las
personas que asistimos, pero ellos deberían ser, en definitiva, la razón de
existencia de nuestra identidad profesional. Somos médico o AT porque hay
seres humanos que necesitan de nuestros conocimientos y nuestra práctica. Es
su visión del mundo, su habla, su presencia la que debe ocupar el centro del
hecho sanitario.
Esto se refleja dramáticamente en lo que llamamos encuadre (o setting).
Pretendemos muchas veces que nuestros pacientes se ajusten a la técnica
conocida por nosotros, cuando es esa técnica la que debe ser puesta a
disposición del enfermo como herramienta para su rehabilitación.
Y vuelve la pregunta ¿quién es ese ser humano puesto frente a mí? ¿Alcanza
con el interrogatorio habitual sobre su estado actual? ¿Es por ese medio que
podremos encontrarnos con él, tal como él es?
Pensarlo así sería pensar en el hombre aislado de su historia, de su biografía y
de sus vínculos histórico-sociales. Es atender incompletamente sólo a su estado
actual sin poder comprender la génesis de sus padecimientos, el valor que para
él tiene las palabras, el sufrimiento, el dolor, el bienestar, el trabajo, la familia, los
amigos, las vocaciones, el trabajo, el cansancio, su propio padecimiento. Ahí es
cuando nos transformamos en detectives de signos y síntomas generalizados,
para los cuales ensayamos siempre las mismas “soluciones”. Olvidamos que ese
sujeto, además de presentarnos su dolencia conserva aspectos sanos con los
que debemos contar para acompañarlo en su recuperación. Me refiero a su
135
Talita Severo Santos
cariño hacia la familia, su necesidad de trabajar, su deseo de curarse, su
recuerdo hacia la casa que extraña si está internado, los amigos que lo esperan
del otro lado de la puerta, sus gustos y aficiones, su pertenencia a la junta
vecinal, el club barrial, a los domingos futboleros. O sea: a todo lo que constituye
la vida cotidiana elegida.
Ese que tenemos ante nosotros es un argentino de su tiempo. Un cuyano
¿Sabemos qué quiere decir eso? ¿Lo preguntamos? ¿Conocemos sus ideas
sobre la salud y la enfermedad? ¿Cuáles son sus convicciones?¿Son las
nuestras?¿Hemos hecho lugar en nuestra entrevista para que él sintiera que su
vida nos interesa y tiene valor?
Hay quienes con mucha liviandad, dicen que los argentinos no tenemos
identidad. Observando nuestra historia y nuestro presente observamos la
presencia indiscutible de las regionalidades. Basta escuchar el habla de un
porteño o un litoraleño para ubicarlo en el mapa, intuir sus costumbres, su
conducta, su idea de la salud y la enfermedad. El payé o la solapa correntinos,
el pomberito son una búsqueda de explicar fenómenos cotidianos relacionados
con la salud, recurriendo a sistemas de creencias. O el amor heroico al Gauchito
Gil.
El conocimiento de nuestras identidades regionales nos lleva ineludiblemente a
conocer la historia constitutiva de esas improntas locales.
Cuyo. Como todo nuestro país, reconoce tres afluentes principales de su origen
étnico: los pueblos orginarios, los criollos y los inmigrantes europeos. A la vez la
composición que cada clase social tiene es diferente según se trate de uno, otro
u otro de esos tres afluentes.
Como dije al inicio, mi referencia es el ámbito público, en el cual lo predominante
es el elemento criollo y su propio origen en el mestizaje con los pueblos
originarios o los españoles americanos. Es cierto también que descendientes de
inmigrantes concurren al espacio público por razones, en general, de su
empobrecimiento. Debo hacer una aclaración fundamental. En ninguno de los
casos mencionados puede hablarse de estados puros, dado que si algo existe
en los pueblos es el entrecruzamiento.
La historia nos marca que las corrientes conquistadoras españolas ingresaron al
hoy Cuyo desde el otro lado de la Cordillera de los Andes, a diferencia de las
corrientes atlánticas que invadieron el Río de la Plata. En Cuyo el exterminio de
Jorge Luis Pellegrini
136
pueblos originarios remitidos los sobrevivientes al reino de Chile adquirió
dimensiones enormes y silenciadas por las versiones oficiales.
En el caso cuyano los conquistadores provenían en gran parte de Andalucía y
entre sus cargas traían la guitarra de origen moro, expresión de los mil años de
ocupación de ese pueblo en tierra andaluza. Con ella el canto, en el cual aún hoy
es notable aquel origen dominado por la colocación nasal de la voz, el falsete de
la misma y los tonos abaritonados de los cuales Antonio Tormo y el mismo Carlos
Gardel tanto uso hicieron.
Estas corrientes migratoria andaluzas impusieron sus apellidos de origen
español, y su formación religiosa tradicional. En el caso cuyano la espada
conquistadora se acompañó de la evangelización y los tribunales de la
Inquisición, los cuales, a diferencia del litoral argentino, contribuyeron a darle al
catolicismo un fuerte sesgo conservador.
¿Cómo se expresa esto hoy en las entrevistas y acciones que tenemos con
nuestros asistidos? Estas creencias, con los ajustes propios de los tiempos, han
de encontrarse presentes en quienes concurren a las instituciones públicas, y el
AT ocupa un lugar social privilegiado para investigarlo. Las costumbres, las
convicciones morales, la posición frente a los conflictos vitales y sociales de cada
sujeto dependen en gran medida de estas ideas y creencias cuyo origen sigue
tiñendo el presente.
Como enseña Winnicott la construcción de la Identidad es un espacio de pasaje
entre la realidad histórico-social y el psiquismo, en el que juegan rol
trascendental las leyendas, melodías, paisajes (lo que PichonRiviere valorizó
cuando rescató la noción de “pago”), mitos, héroes, canciones e historias
regionales. Ello muestra que no podemos hablar de identidades únicas sino de
identidades determinadas por la historia, y por la pertenencia a familias,
pueblos, naciones, regiones. Entre otros el lenguaje es una excelente vía de
acceso al análisis de estas particularidades locales. Basta oir a un provinciano
cuando habla para detectar su origen, su visión, su manera de ser. El habla
cuyana, tan apegada a la i latina (io, cabaio) nos aproxima más a las palabras
del pueblo chileno que a las del habitante de Buenos Aires, que hace de la i una
137
Talita Severo Santos
“eshe”. Nuestra música paisana, la cueca, es afín con la misma chilena, aunque
ésta es más rápida. Y la sanjuanina, a su vez, es más rápida que la puntana.
Las tres provincias cuyanas fueron de las 14 provincias que se reunieron para
constituir un país, el nuestro. Este carácter fundacional constituye a nuestras
provincias en referentes esenciales del pasado común. Hace a nuestra identidad,
y hace, también, a un modo de concebir la Argentina, con el sentimiento
generalizado de ser periféricos respecto del poderoso centro portuario
rioplatense.
Somos mediterráneos. Vivimos más al compás de la tierra que pisamos, de sus
frutos, y de la producción que nos caracteriza. Mendoza y San Juan el vino: todo
un pueblo pendiente del sol, el granizo. San Luis el ónix. Es tan fuerte esto que
al verse los pronósticos meteorológicos originados en Buenos Aires, lo que allá
es mal tiempo para nosotros es bueno. Ese carácter mediterráneo nos hace más
reflexivos, no tan abiertos a las novedades como el habitante de los puertos o
las jóvenes poblaciones patagónicas, para los cuales es habitual la novedad
extraña, como ya sucedía en épocas de la Colonia.
Hay una cultura común con matices provincianos. Hay una identidad cuyana que
nos proporciona similitudes y diferencias. Es frente a ella, y sus portadores que
estamos colocados en cada entrevista con nuestros asistidos en el espacio
público. Se dirá, quizás, que nunca vimos o escuchamos algún ser humano que
nos expresara todo esto. La pregunta inmediata es ¿hemos dado nosotros
tiempo y oportunidad para que ello sucediera¿ ¿hemos tenido presente esta
cuestión identitaria?¿ hemos creado un clima confiable que trasmita la
importancia de estos relatos capaces de personalizar la consulta?
Hace 22 años comenzó en San Luis el Proceso de Transformación
Institucional del entonces Hospital Psiquiátrico. Un recurso esencial del mismo
fue acompañar a los pacientes de larga estadía y sus familiares en el proceso de
reinserción social. El hospital no se desentendió de su obligación de acompañar
la externación de los recluidos cronificados. Instalamos “el hospital en la calle”
Hicimos realidad una de las acepciones del término “curar” que dice
“acompañar”, “cuidar”. Hubiera sido imposible llevar a cabo esa Transformación
sin dicho acompañamiento. No éramos AT, pero hicimos AT.
Así sucedió con el AT y con los AT. Respondiendo a una necesidad humana,
otros humanos empezamos a producir una práctica que satisficiera dicha
Jorge Luis Pellegrini
138
necesidad. Algo de la Medicina y algo de la Psicología se juntaron para este acto
conceptivo. Otras prácticas y sus ecos acompañaron el nacimiento: el Servicio
Social, las comadronas, amas de leche, nodrizas, cuidadoras, visitadoras
sociales, curadores populares, aportando sus centenarias experiencias y
conocimientos en función del curar, cuidar, acompañar, proteger, soportar,
contener, apoyar.
El AT y los AT están es su momento histórico fundacional. Nada nuevo se
conforma sin incrustaciones de lo viejo. Los acompañantes terapéuticos primero
fueron actores en busca de un autor. La búsqueda continúa hacia una identidad
propia, aún no constituída plenamente, pero ya gestada.
A todos nos fue enseñada una Psicología individual acabada en si misma,
constituida por distintas piezas aisladas y aislables. Nos dijeron que la Psiquis
(nunca claramente definida) tenía esos territorios delimitados y definidos
rígidamente. Nos hablaban de Memoria, Atención, Inteligencia, Emoción, etc.
como categorías propias del psiquismo. Cada una constituyendo una isla, de
donde – en el mejor de los casos – el individuo podía constituirse en archipiélago.
Comprendimos después que ese individualismo clásico era un artificio divorciado
de la realidad, y que cada uno de nosotros tiene un psiquismo permanentemente
desconstruido, reconstruido, interrogado, reformulado. Un psiquismo abierto,
entrelazado y atravesado por vínculos, historias, cambios, modificaciones. Un
psiquismo que, siendo parte de la Naturaleza, va mutando como y con ésta. A
su vez el tejido social y el devenir histórico son tramas cambiantes de
determinaciones sobre nuestro psiquismo.
El AT en éste, su momento instituyente, está construyendo su propia
identidad, arrastrando tinciones del pasado, independizándose de las
disciplinas originarias. De ellas algo lleva y, también, algo abandona.
Vengo participando de los encuentros nacionales AT desde el primero en octubre
2003. Eran los psicólogos clínicos y pocos médicos los que orientaban la
disciplina en ciernes, y protagonizaban las exposiciones científicas. Marcos
referenciales de esas disciplinas profesionales pasaron a ser basamento del AT
que se instituía buscando su propio hábitat, su campo particular de tareas, y
hasta un lenguaje que le fuera inherente. Las distintas escuelas psicoanalíticas,
139
Talita Severo Santos
o el cognitivismo en sus distintas variantes, la Psicología social, el Psicodrama,
etc., instrumentos teóricos de las Ciencias de la Salud, debieron también
transformarse para ser ideas útiles en este fundante llamado AT.
El acompañamiento como todo lo concebido y luego naciente, encontró un
mundo ya funcionando que, por ese mismo funcionamiento, esperaba la llegada
del nuevo habitante. Nada de espera amable o angelical, porque así como cada
recién arribado al mundo debe abrirse camino a los codazos, con sus aún débiles
razones, el AT debió arar un nuevo campo respondiendo o balbuceando lo que
las otras disciplinas no pudieron contestar plenamente.
La Medicina, el Trabajo Social, la Psicología tienen entre sus tareas esenciales
acompañar al humano que los necesita. Sostenerlo. Prestarle soportes. Sin
embargo el mundo de esta época, cada vez más parecido a aquella Psicología
individual, artificiosa, y libresca, entierra valores humanos imprescindibles para
el acompañamiento y convivencia humanos. Me refiero a la inexistencia de
códigos comunes normando subjetividades con solidaridad, tolerancia, claridad
de normas respetadas, aceptación de la diversidad, posibilidad de pensar
autónomamente, libertad creativa. En estas sociedades canibalísticas de nuestra
época, en estos cien años de soledad, renacen sus contrarios: el
acompañamiento, el encuentro, la grupalidad como herramientas únicas
capaces de transformar islas en continentes.
Momento fundacional, instituyente del AT. Se construye con lo que hay y con lo
nuevo que se crea, porque lo viejo ya resulta precario mientras lo nuevo tiene un
parto laborioso, prolongado con desenlace a veces incierto. Es un momento de
quiebre creativo, audazmente inventor para transformar la incertidumbre en un
mazo de naipes ganador. Requiere saber que somos capaces de animarnos a
saber, y también de cultivar la audacia creativa sin tranquilizadoras recetas
únicas sacralizadas.
Los movimientos instituyentes chocan con resistencias sociales, culturales,
científicas, políticas. Son lo que Ray Bradbury llamó “Los fantasmas de lo nuevo”.
Esos movimientos deben superar sus propias tendencias a la repetición, a la
burocratización del pensamiento, a la práctica circular estereotipada. Por lo
contrario se impone no sentir que “ya está”, o que estamos en la línea de llegada,
sino que estamos construyendo un permanente punto de partida. Es preciso leer
las necesidades insatisfechas de nuestro mundo, que, hoy – a lo sumo - se
Jorge Luis Pellegrini
140
atiborra de “noticias”. Me decía ayer el dueño de un mercadito en El Trapiche,
que pasa mucho tiempo trabajando con la tele prendida, y que eso no lo deja
pensar. Que todo va pasando velozmente sin que él lo pueda entender. Que no
puede pensar las cosas porque no le dan tiempo. “Ahora que me paro a hablar
con Usted me doy cuenta solo”. Quizás yo le hice de soporte, de espejo, de
vecino, pero el momento compartido lo ayudó en su descubrimiento.
En el cuyano San Luis el AT tiene su propia historia. Hace más de veinte años,
el Proceso de transformación institucional del ex Hospital Psiquiátrico de San
Luis acompañó y acompaña la reinserción social de los pacientes. Presta soporte
creando apoyos familiares y sociales para que quienes padecen no sean
aislados pudiendo re-encontrar continentes. Es por ello que nuestros
profesionales de Salud Mental trabajaron y trabajan en el plano académico
universitario formadores de AT. Parte de ello es que los AT pudieron concursar
e ingresar a la RISAM del IESP-ULP junto a médicos, psicólogos, Asistentes
sociales. Es habitual también su trabajo conjunto con dicha institución
hospitalaria. En el 2007, como parte de este proceso acompañantes puntanos y
profesionales del HESM originaron la primera Ley que reconoce en la Argentina
el rol y la función AT, obligando al Estado y a las distintas instancias de éste a
considerar dicha tarea como una más de las que nuestro Pueblo necesita y el
Estado debe garantizar.
Hay profesionales de otras disciplinas que hacen acompañamiento, pero
nuestro avance consiste en que los AT son respaldados institucionalmente para
desempeñarse como tales.
Este logro es a la vez un esclarecimiento sobre los orígenes particulares que el
AT tuvo en esta Provincia argentina, ligado hasta en lo práctico al más avanzado
proceso de humanización social de los enfermos mentales en nuestro país.
Nuestra Ley Provincial de Salud Mental Sí incluye a los AT, quienes también
poseen un instrumento legal específico. La identidad de nuestros compañeros
puntanos tiene esta característica. Todo esto muestra que es posible tener
identidad propia en lo académico, en lo legal, en lo institucional y en lo social.
Eso debe ser pensado como punto nuevo de partida hacia mayores avances en
el campo científico, cultural y social.
141
Talita Severo Santos
Nacidos en el campo del trabajo sanitario, su expansión hacia lo educativo,
judicial, rehabilitatorio, abrió un abanico heterogéneo de nuevos hallazgos
teóricos, de nuevos conocimientos que, nacidos en un campo de trabajo
específico, sirvieron para enriquecer la tarea del AT en otros campos, como los
ya mencionados y los que, seguramente se abrirán.
Los seres humanos y las ideas que producimos somos hijos de nuestra época,
pero no su copia serial. Con esto quiero decir que en tiempos de violencia
ilimitada, de deshumanización impulsada por quienes hacen de la Salud no un
derecho sino una cuenta bancaria, los AT pueden prestar su saber y experiencia
a los esfuerzos que muchos argentinos realizan para cambiar condiciones
injustas, indignas y plenas de hondas tristezas. Yo sé que estas no son épocas
aptas para el lirismo, como me dijera una colega en Santiago de Compostela.
Pero también sé que a esta profunda crisis de valores la puedo engordar si me
resigno y le permito que me elija la vida. Cuando se tienen herramientas aptas
para la reconstrucción de vínculos fraternos, de apoyos mutuos, de pensar sin
juzgar, como lo tienen los AT, puedo urdir redes de trama resistente capaces de
resistir los embates del individualismo insular para sostener un nuevo continente
capaz de reunir la diversidad humana, disfrutarla, comprenderla y con lo diferente
armar lazos fuertes.
“En principio fue el Verbo” dice la Biblia.
Etimológicamente de origen latino Verbum, tiene significado de palabra, término
y dicción. Sabemos también que gramaticalmente existe el verbo, el cual señala
la acción que realiza un sujeto.
Volviendo a la cita mencionada “En principio fue el verbo” nos da la idea que la
palabra está relacionada con hechos y actos fundacionales de un nuevo
campo inexistente hasta entonces, o de una existencia aún indefinida o difusa.
Debe recordarse también que en términos idiomáticos, “verbo”
es el vocablo
que denota acción. Así como el sustantivo denomina la sustancia, es decir: el
sujeto protagonista es el verbo el que señala la Acción en juego. El verbo
muestra el movimiento, la actividad, la puesta en práctica de una idea que
sostienen sujetos sustantivos.
Por tanto Verbo es la palabra vinculada a la acción. Tomando aquella cita en
una visión más abarcativa, diríamos que “En principio fue una palabra dando
cuenta de hechos”. No puede ser de otra manera: la palabra necesita de sujetos
Jorge Luis Pellegrini
142
que la pronuncien y socialicen. Una acción humana busca la palabra que la
defina, para lo cual es necesario que se despliegue la experiencia en curso, que
se conozcan sus frutos y se delimite el campo de conocimientos en construcción.
El desarrollo sostenido de esa práctica va construyendo su sentido,
su
contenido, su horizonte. Se acerca, entonces, el momento bautismal de la
palabra cuya función será denominar y calificar a los protagonistas y a su tarea.
Reitero que estamos hablando de actos fundantes, instituyentes, que
consagran la aparición de algo nuevo en el campo de la Cultura.
Los seres humanos somos producto y productores de hechos, aún antes de ser
nosotros denominados. En el claustro materno comienza a madurar nuestra
existencia antes que tengamos un nombre que nos proporcione identidad.
Simbólicamente ya existimos en el deseo o la necesidad de nuestros futuros
padres, materializada embrionariamente en nuestra concepción.
Existe – por tanto – una necesidad previa de otros, la cual origina nuestro existir.
Esto se condensa en el nombre y apellido que nos es dado antes del desembarco
en este mundo. Son los otros, cuyas necesidades y deseos nos dieron origen,
los que proporcionarán las palabras fundantes de nuestra identidad, a la que
iremos asumiendo e invistiendo durante toda la vida.
Se refuerza e individualiza la identidad del sujeto, se lo singulariza desde un
campo grupal, colectivo, al que cada ser humano pertenece. Estamos afirmando
que tanto nuestro origen como nuestra identidad
están fundados en
necesidades, deseos, ideas de los demás, particularmente de nuestros
allegados vinculares. De nuestro mundo.
Notas
1
Médico psiquiatra y escritor. Fue vicegobernador de la provincia de San Luis, ex
director de Salud Mental en Chubut, ex Subsecretario de Salud Pública, Director
de Salud Mental y Director del Hospital Escuela de Salud Mental de San Luis. Por
su trabajo en ésta última institución fue que obtuvo el premio mundial Geneva
2005 por promover los Derechos Humanos en Psiquiatría.
143
Talita Severo Santos
ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E REFERÊNCIA TÉCNICA:
ATRAVESSAMENTO DE PAPÉIS EM UM CASO CLÍNICO DE
SAÚDE MENTAL
THERAPEUTIC COMPANION AND TECHNICAL REFERENCE: CROSSING
ROLES IN A CASE OF MENTAL HEALTH
ACOMPAÑANTE TERAPÉUTICO Y REFERENCIA TÉCNICA:
CRUCE DE ROLES EN UN CASO DE SALUD MENTAL
Talita Severo Santos1
RESUMO
Este artigo é uma reflexão, baseada em um estudo de caso, sobre a possibilidade de distinção
das funções de técnico de referência e de acompanhante terapêutico, na condução de um caso
em um serviço de saúde mental, quando se faz parte da equipe desse serviço. Na introdução
anunciam-se as motivações para a realização deste artigo e ao longo de seu desenvolvimento
desdobram-se a apresentação de trechos do caso e as articulações teóricas, a discussão traz
um balanço do que foi suscitado por essa reflexão e ao final a conclusão da autora sobre a
possibilidade, ou não, dessa distinção existir.
PALAVRAS-CHAVE: Caso Clínico; CAPS; Vínculo; Acompanhamento Terapêutico; Referência
Técnica; Saúde Mental.
RESUMEN
Este articulo és uma reflexicion, basada em un estudo de caso, a respecto de la posibilidad de
distincion de las funciones de un técnico de referência y un acompañante terapéutico em la
conduccion de un caso em un servício de salud mental, cuando se hace parte del equipo em este
servicio. En la introduccion se anuncian la motivaciones para la realizacion de esto artículo y a
lo largo de su desarollo se desdobran la presentacion de partes del caso y las articulaciones
teóricas, la discusion trae balance de lo que se ha planteado por esta reflexion y al final la
conclusión del autor de si existe o no esta distinción.
PALABRAS-CLAVE: caso clínico; CAPS; vínculo; Acompañamiento Terapéutico; Referencia
técnica; Salud Mental.
ABSTRACT
This article is a reflection based on a case study on the possibility of distinguishing the functions
distinction of the technical functions of reference and therapeutic companion, in the conduct of a
case in a mental health service, when part of the team that service. In the introduction advertise
themselves the motivations for carrying out this article and throughout its development unfold the
presentation of case sections and theoretical articulations, the discussion brings stock of what
has been raised by this reflection and at the end the author concludes on whether or not this
distinction exist.
KEYWORDS: Clinical Case; CAPS; bond; Therapeutic Accompaniment; Technical Reference;
Mental Health.
144
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
INTRODUÇÃO
Esta artigo tem como objetivo refletir sobre a possibilidade de distinção, ou não,
das funções de técnico de referência e de acompanhante terapêutico, na
condução de um caso em um serviço de saúde mental, quando se faz parte da
equipe desse serviço.
Para tanto, a metodologia utilizada foi o estudo de caso. A coleta de dados foi
realizada através de observação participante, elaboração de um diário de campo
e do Acompanhamento Terapêutico propriamente. Os dados coletados foram
analisados a partir do referencial teórico psicanalítico winnicottiano relativo à
prática do Acompanhamento Terapêutico e também de textos encontrados na
literatura relativos à atuação do Técnico de Referência na saúde mental.
Penso que seja importante contextualizar o cenário a partir do qual a questão
central deste trabalho foi levantada. Sendo assim, falarei brevemente sobre
minha passagem no serviço de saúde mental que foi palco de toda essa
experiência, no qual estive durante um ano na condição de Psicóloga
Aprimoranda.
O Programa de Aprimoramento Multiprofissional em Saúde Mental do Centro de
Atenção Psicossocial X, foi criado pelo Governo do Estado de São Paulo com o
objetivo de estimular a capacitação de profissionais de saúde recém-formados,
considerando as diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde - SUS e
orientando o desenvolvimento de práticas que visem à melhoria das condições
de saúde da população (In: pap.fundap.sp.gov.br).
Entre as atividades previstas no programa, além do módulo teórico, estão:
atuação no período de acolhimento, participação nas assembleias e projetos de
geração de renda, reuniões clínicas de miniequipe e gerais, coordenação de
grupos terapêuticos e oficinas, atendimentos individuais e de famílias, realização
de visitas domiciliares e elaboração e acompanhamento de projetos terapêuticos
singulares.
145
Talita Severo Santos
Além disso, a elaboração da monografia é um requisito obrigatório para a
conclusão do programa e tem a finalidade de estimular a reflexão acerca das
vivências do aprimorando ao longo de sua passagem pela instituição. Foi a partir
da elaboração da monografia do Aprimoramento que a questão levantada na
presente monografia tomou forma.
A partir do contato com o usuário ZZ, inicialmente em conversas na ambiência,
meu interesse por sua historia e, consequentemente, pela interface psicose e
uso de drogas foi despertado, já que essa foi a maneira que ele me foi
apresentado pela equipe: um esquizofrênico, de 42 anos, que fazia uso de
drogas, principalmente crack.
No decorrer do tempo, o vínculo que foi sendo construído com o usuário, a partir
de uma natural e mútua escolha, deu margem à necessidade de reflexão acerca
de quem de fato era ZZ e de qual era o papel da droga em sua existência.
Inicialmente conversávamos de maneira esporádica na ambiência, aos poucos
nosso contato foi ficando mais frequente até que ZZ passou a me procurar todos
os dias, várias vezes por dia, para esclarecer dúvidas, compartilhar angústias
ou, como ele mesmo dizia, “só pra ficar perto” (sic).
Considerando a importância do vínculo para o sucesso do tratamento, o
Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma ferramenta, da qual o profissional de
saúde pode lançar mão, para o atendimento de pacientes em um CAPS. Barretto
(2012) aponta que a escolha do AT como instrumento para um atendimento
clínico se embasa no entendimento de que o sujeito irá se desenvolver caso
encontre condições favoráveis em seu meio. É necessário que o acompanhante
terapêutico (at) exerça junto ao acompanhado determinadas funções ambientais
que possam impulsionar o desenvolvimento psíquico dele. Foi por acreditar
nessa possibilidade que o acompanhamento terapêutico foi a modalidade de
intervenção escolhida por mim para o atendimento de ZZ.
De acordo com Santos, Motta e Dutra (2005), o Acompanhamento Terapêutico
é um dispositivo que surge como mais um recurso terapêutico na clínica da
Reforma Psiquiátrica, visando a desospitalização, a desinstitucionalização e a
reinserção social de pacientes em sofrimento psíquico. As autoras revelam que,
segundo a teoria winnicottiana, a relação estabelecida a partir do vínculo entre
paciente e acompanhante terapêutico possibilita a retomada de situações que
146
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
deveriam ter sido vivenciadas no momento inicial da vida, entre mãe e bebê.
Nessa retomada, o at tem a oportunidade de desempenhar, entre outras, a
função de sustentação, oferecendo holding e permitindo que o paciente psicótico
construa com segurança o espaço transicional entre mundo externo e interno.
Apesar da proposta inicial estar voltada ao Acompanhamento Terapêutico, no
decorrer do tempo, acabei me tornando a referência técnica de ZZ, já que,
naquele momento, ele contava apenas com a referência médica e
posteriormente com a referência de enfermagem.
De acordo com Campos e Domitti (2007) o técnico ou equipe de referência são
os profissionais que tem a responsabilidade de conduzir um determinado caso,
que pode ser individual, familiar ou comunitário, por meio de estratégias que tem
como perspectiva a construção do vínculo entre profissionais e usuários. Esse
profissional deverá responsabilizar-se pelo acompanhamento dos casos de
maneira longitudinal. Esse método de trabalho visa o aumento da eficácia e da
eficiência do trabalho em saúde e, também, no desenvolvimento da autonomia
dos usuários.
Furtado e Miranda (2006) apontam também que o profissional de referência tem
como principal atribuição aproximar-se efetiva e afetivamente de determinado
número de usuários, assistindo-os em sua singularidade e, elaborando e
acompanhando junto de cada um deles seu respectivo Projeto Terapêutico
Singular (PTS).
Como resultado deste trabalho, espera-se poder ampliar a forma de pensar a
atuação do técnico de referência e do acompanhante terapêutico em um serviço
de saúde mental, considerando os atravessamentos de papéis que podem
ocorrer durante a condução de um caso clínico.
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
De acordo com Mateus (2013) o primeiro CAPS surgiu em 1987, denominado
Professor Luís da Rocha Cerqueira, mais conhecido como CAPS X, por estar
situado nesta rua, na cidade de São Paulo - SP. Esse equipamento surge ainda
como uma instância intermediária entre o Hospital Psiquiátrico e o Ambulatório
de Saúde Mental, no final da primeira gestão democrática estadual de São Paulo.
147
Talita Severo Santos
Foi uma grande aposta da política de saúde mental brasileira, fruto da busca por
um novo modelo de atendimento da comunidade, que pudesse se contrapor
àquele hospitalocêntrico, que vigorava até então.
Ribeiro (2005) ressalta que o local se transformou num serviço com o propósito
de evitar internações, acolher os egressos dos hospitais psiquiátricos e ofertar
atendimento intensivo para portadores de doença mental, tudo isso seguindo os
novos parâmetros propostos pela Reforma Psiquiátrica.
A autora diz ainda que, com base neste propósito, o enfoque psicanalítico
ganhou força porque se afina bem com alguns pressupostos das ideias da
Reforma Psiquiátrica. Em especial, por também considerar que o louco é um
indivíduo com voz própria, que tem capacidade de dizer sobre si mesmo e de
produzir sua "obra". Entendendo assim, que a loucura não deve ser considerada
como doença e, consequentemente, não deve ser curada.
Conforme Mateus (2013) é possível descrever a evolução dos CAPS, a partir de
três momentos fundamentais: 1) 1987 – 1991: foi o ciclo em que os serviços
implantados passavam por um período experimental; 2) 1991 – 2002: período
em que já havia formas de repasse de finanças às secretarias que possuíam
CAPS, NAPS e Hospitais-dias; 3) 2002 – dias atuais: período em que tanto o
formato do CAPS quanto o papel social, equipe e procedimentos estavam
consolidados.
Segundo Ribeiro (2005), a partir de 2002, os CAPS são formalizados como
peças chaves na montagem da rede de assistência, sendo classificados como
serviço ambulatorial de atenção diária, que funciona de acordo com a lógica de
território. Este, não deve ser concebido apenas como uma área geográfica, mas
sim como uma rede de indivíduos, relações e instituições estabelecidas num
determinado local.
A autora revela ainda que, neste contexto, o CAPS deve ser compreendido como
um lugar de existência, ainda que para um indivíduo singular. Ou melhor, o CAPS
se revela com uma concepção que contorna algo como rede individual ou geral;
como um projeto de atendimento no campo da saúde mental e como uma forma
de tratamento de um único sujeito, inserido num único serviço de saúde mental.
Em suma, o equipamento é um articulador e tecedor de redes.
148
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
De acordo com o relatório do Ministério da Saúde (2004), o CAPS pode ser
definido da seguinte maneira:
Um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou Núcleo de Atenção Psicossocial
é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS).
É um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos
mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ ou
persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo,
comunitário, personalizado e promotor de vida. (MS, 2004, p. 13)
Os CAPS são subdivididos em três categorias, conforme sua complexidade:
CAPS I, II e III. A divisão é feita como na tabela abaixo:
TIPO
CAPS I
CAPS II
CAPS III
POPULAÇÃO
ENTRE 20 MIL E 70
MIL HABITANTES
ENTRE 70 MIL E 200
MIL HABITANTES
ACIMA DE 200 MIL
HABITANTES
EQUIPE
FUNCIONAMENTO
9 PROFISSIONAIS DE
NÍVEL
MÉDIO
A 2ª A 6ª FEIRA, DAS 8H ÀS 18H.
SUPERIOR
12
PROFISSIONAIS 2ª A 6ª FEIRA, DAS 8H ÀS 18H,
DE NÍVEL MÉDIO A PODENDO TER UM PERÍODO
SUPERIOR
ATÉ ÀS 21H
16
PROFISSIONAIS 24 HORAS
DE NÍVEL MÉDIO A
SUPERIOR
Fonte: portarias GM n.º 336, de 2002, e SAS, n.º 189, de 2002 (Brasil, Ministério da Saúde, 2004).
Mateus (2013) destaca que o CAPS II pode ter o atendimento direcionado para
os adultos em geral, ou para populações restritas, como crianças e adolescentes
(CAPS i), bem como para problemas relacionados ao uso de álcool e outras
drogas (CAPS ad). Importante frisar que, a partir de 2012, os CAPS III também
passaram a atender ao último público mencionado, sendo chamado de CAPS ad
III. Também desde agosto de 2012 os CAPS I e II podem funcionar em
acolhimento noturno, desde que credenciem leitos de acolhimento.
149
Talita Severo Santos
O autor supracitado pontua que o CAPS III possui como principal diferencial a
estrutura capaz de oferecer “acolhimento” durante as noites e finais de semana.
Essa acolhida em momentos de crise é comumente referida como
“hospitalidade” para dar indícios de uma disponibilidade da instituição de se
adaptar às necessidades do usuário, que pode necessitar se afastar da família
ou local habitual de moradia até a crise passar. O período máximo para
permanecer no CAPS III é de até 7 dias corridos ou 10 dias durante o mês. É
fundamental salientar que este equipamento não pode ser compreendido como
uma retaguarda da urgência psiquiátrica por não ter toda a estrutura que essas
urgências devem ter para salvaguardar a vida do usuário atendido.
Uma vez elucidado o que é um CAPS, se faz importante descrevê-lo. Mateus
(2013) salienta que esse é um modelo de atendimento que está em constante
evolução e que recebe demandas e propõe intervenções que não são tão
delimitadas. A entrada do usuário no serviço é realizada no acolhimento. Este
termo ganhou força a partir do Programa HumanizaSUS e pressupõe que o
acolher é uma postura ética, que independe de uma categoria profissional
específica.
Implica
compartilhar
saberes,
necessidades,
angústias
e
intervenções. É diferente de triagem, pois não é somente uma etapa do
processo, mas sim uma postura que deve ser mantida em todos os
atendimentos. A partir desse primeiro contato, devem-se considerar quais os
possíveis caminhos a serem percorridos pelo usuário dentro do serviço, ou fora
dele quando for o caso, e quais demandas serão trabalhadas.
Ribeiro (2005) descreve que a ambiência no CAPS refere-se a todo ambiente
terapêutico que é criado a partir da convivência entre usuários e técnicos, o que
extrapola meramente as atividades propostas. Assim, entende-se que tudo que
acontece num CAPS pode ser interpretado como terapêutico, sejam as
atividades específicas ou o simples transitar por lá, já que é um meio acolhedor,
um ambiente terapêutico, habitado, ocupado e marcado por todos aqueles que
ali convivem, tanto os usuários como funcionários. Era principalmente na
ambiência que eu realizava os atendimentos com ZZ.
Mateus (2013) destaca ainda que cada usuário possui um Projeto Terapêutico
Singular (PTS), que compreende todo o planejamento e negociação das ações
terapêuticas, assim como os valores que norteiam este planejar. Deve ser
150
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
construído de maneira compartilhada entre usuário, técnico e familiar,
valorizando principalmente os desejos do usuário, por ser ele o protagonista da
situação.
De acordo com Ribeiro (2009), no CAPS, uma equipe multiprofissional realiza o
cuidado dos usuários do serviço, que não são mais chamados de pacientes, e
assegura a oferta do maior número possível de equipamentos de tratamento,
uma vez que não se sabe ao que cada um vai se vincular e existe a intenção de
que o usuário possa se vincular a alguma atividade ou a alguém e que daí se
desenrole seu tratamento. O projeto CAPS, foi se ampliando ao longo dos anos
e abarcando diferentes áreas da vida de seus usuários, transformando seus
projetos de tratamento em projetos de vida.
Falando brevemente sobre o CAPS Professor Luís da Rocha Cerqueira, citado
como o primeiro CAPS do Brasil e serviço no qual realizei o aprimoramento, é
possível destacar algumas especificidades: o CAPS X, apesar de ser mais um
CAPS II, é um local bastante singular, tanto pelas questões históricas, quanto
pelos recursos que possui.
Atualmente o serviço atende cerca de 500 usuários, divididos nas categorias:
intensivo, semi-intensivo e não intensivo, de acordo com a frequência de
utilização do local. Aproximadamente 130 desses usuários estão na categoria
“intensivo” e grande parte desses faz uso diário do CAPS, frequentando o local
de segunda a sexta-feira das 8h às 17h, inclusive fazendo suas refeições e
cuidados pessoais lá.
Há uma equipe administrativa, que compreende diversos setores como
secretaria, recursos humanos e diretoria, e uma equipe clínica. O corpo clínico é
composto por aproximadamente 38 profissionais de diferentes áreas: 3
assistentes sociais; 10 auxiliares/técnicos de enfermagem; 5 enfermeiras; 1
farmacêutico; 9 psicólogos; 7 psiquiatras e 3 Terapeutas Ocupacionais.
Além disso, por ser um local de formação, esse CAPS conta ainda com 16
profissionais recém-formados em diferentes cursos (psicologia, enfermagem,
serviço social e terapia ocupacional) para compor a equipe clínica, sendo que 8
fazem parte do Aprimoramento Multiprofissional em Saúde Mental, programa do
qual fiz parte em 2014, e 8 são da Residência Multiprofissional em Saúde Mental.
151
Talita Severo Santos
Anualmente diferentes profissionais passam por esses programas de formação
e essa rotatividade é importante para a instituição que sempre pode contar com
“sangue novo” para bombeá-la.
Essa grande equipe é dividida em três miniequipes com o intuito de facilitar o
trabalho. Atualmente, cada miniequipe está referenciada para atender a um
território específico, dentro do grande território de abrangência do CAPS X. Esse
CAPS conta também com diversos recursos para o tratamento de seus usuários,
são ofertadas cerca de 25 opções entre grupos e oficinas que vão de grupos
terapêuticos (grupo escrevendo cartas, grupo de psicoterapia)
a grupos
externos (cinema, yoga, caminhada) e oficinas de geração de renda.
A Referência Técnica em Saúde Mental
O conceito de equipe de referência, proposto e experimentado por Gastão
Wagner de Sousa Campos desde 1989, surge como um novo arranjo para os
serviços de saúde. A partir de 2003, tanto este conceito quanto o conceito de
apoio matricial, também de sua autoria, são incorporados a alguns programas
do Ministério da Saúde – Humaniza-SUS, Saúde Mental e Atenção Básica
(Cunha, 2011).
Segundo Campos (1999) a ideia de equipe de referência parte do pressuposto
de que uma reorganização do trabalho a partir do vínculo terapêutico entre
equipe e usuário impulsionaria um novo padrão de responsabilidade pela
coprodução de saúde. O autor pontua que o vínculo terapêutico é entendido
como um processo influenciado tanto pela necessidade de cada caso como
pelas possibilidades do serviço. Pensando nisso, o nível ideal de inter-relação
equipe-usuário seria sempre situacional, definido em cada contexto e
considerando a singularidade dos envolvidos.
Campos e Domitti (2007) destacam que a equipe ou profissional de referência
em saúde mental são responsáveis pela condução de um caso individual, familiar
ou comunitário, sendo encarregados pela atenção e assistência desses usuários
de maneira longitudinal, semelhante ao que é feito pelas equipes de saúde da
família na atenção básica. Essa metodologia de trabalho visa garantir maior
eficiência e eficácia na atenção em saúde mental e investir na autonomia dos
usuários. Para que esse recurso se concretize como instrumento do trabalho é
152
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
necessário que haja uma reorganização dos serviços, o que pode gerar algumas
dificuldades e resistências:
A equipe de referência é composta por um conjunto de profissionais
considerados essenciais para a condução de problemas de saúde dentro de
certo campo de conhecimento. Dentro dessa lógica, a equipe de referência é
composta por distintos especialistas e profissionais encarregados de intervir
sobre um mesmo objeto – problema de saúde –, buscando atingir objetivos
comuns e sendo responsáveis pela realização de um conjunto de tarefas, ainda
que operando com diversos modos de intervenção. O máximo de poder delegado
à equipe interdisciplinar. (Domitti e Campos, 2005, p.4 apud Furtado, 2007, p.
251).
Furtado e Miranda (2006) apontam que, além das equipes ou técnicos de
referência, outros recursos como gestão colegiada (modelo de gestão
participativa, centrado no trabalho em equipe e na construção coletiva,
garantindo o compartilhamento do poder), apoio matricial (recurso de retaguarda
especializada para equipes de saúde, que atua de maneira interdisciplinar e
colaborativa), assembleias (espaços coletivos de cogestão para análise e
tomada de decisões sobre determinado tema) e supervisão clínico-institucional
(espaço que deve sustentar a responsabilidade compartilhada da equipe, facilitar
o diálogo e a discussão de casos auxiliando os profissionais a terem uma prática
mais solidária, menos alienada e mais cuidadora dos usuários), também
aparecem como tentativas de assegurar aos novos equipamentos de saúde
mental uma ruptura efetiva com o paradigma asilar, evitando que tais
equipamentos tornem-se apenas novos serviços com o funcionamento anterior.
Dentre os recursos mencionados, esses autores consideram o técnico de
referência notavelmente importante, pois propicia contornos ao encontro do
trabalhador de saúde mental com o usuário do serviço. É um recurso que se
baseia na concepção de que um ou mais profissionais aproximem-se de
determinado número de usuários de maneira singular e empática, elaborando e
acompanhando o Projeto Terapêutico Singular (PTS) de cada um deles.
Miranda e Onocko-Campos (2008) ressaltam que a equipe ou profissional de
referência se baseia no vínculo com o usuário para prestar-lhe um atendimento
153
Talita Severo Santos
singular e integral. É importante que existam profissionais de diferentes
categorias envolvidos no caso, responsabilizando-se pelo projeto terapêutico
com objetivos definidos e perseguidos conjuntamente.
Sobre esse tema Silva e Costa (2010) destacam também que a relação
profissional-usuário passa a ser propulsora de mobilizações psíquicas e no
desenvolvimento do trabalho. Nesse contexto, o profissional de referência é um
recurso que potencializa mudanças na realidade psíquica dos profissionais de
saúde, pois concebe o vínculo com o usuário como instrumento primordial do
trabalho. Esse novo cuidado na saúde mental requer maior disponibilidade do
trabalhador, principalmente quando se é o profissional de referência.
Silva e Costa (2010) pontuam que além do estreitamento do vínculo, o
profissional de referência também traz a proposta da interdisciplinaridade e a
interlocução com as diferentes redes que constituem a vida de um ser humano,
redes: familiares, sociais, culturais, socioeducativas, etc. As práticas dessa nova
forma de cuidado, que como veremos adiante não é de fato tão nova assim,
atingem todos os serviços embasados nos princípios da Reforma Psiquiátrica
Brasileira, visando à transformação da assistência em saúde mental.
De acordo com o Ministério da Saúde, no material de 2004, intitulado Saúde
mental no SUS: os centros de atenção psicossocial:
Ao iniciar o acompanhamento no CAPS se traça um projeto terapêutico com o
usuário e, em geral, o profissional que o acolheu no serviço passará a ser uma
referência para ele. Esse profissional poderá seguir sendo o que chamamos de
Terapeuta de Referência (TR), mas não necessariamente, pois é preciso levar
em conta que o vínculo que o usuário estabelece com o terapeuta é fundamental
em seu processo de tratamento. O Terapeuta de Referência (TR) terá sob sua
responsabilidade monitorar junto com o usuário o seu projeto terapêutico,
(re)definindo, por exemplo, as atividades e a frequência de participação no
serviço. O TR também é responsável pelo contato com a família e pela avaliação
periódica das metas traçadas no projeto terapêutico, dialogando com o usuário
e com a equipe técnica dos CAPS. Cada usuário de CAPS deve ter um projeto
terapêutico individual, isto é, um conjunto de atendimentos que respeite a sua
particularidade, que personalize o atendimento de cada pessoa na unidade e
154
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
fora dela e proponha atividades durante a permanência diária no serviço,
segundo suas necessidades. (MS, 2004, p.16)
Conforme o texto Equipe de Referência e Apoio Matricial – 2004, também do
Ministério da Saúde, a equipe de referência auxilia na tentativa de resolver ou
minimizar a falta de definição de responsabilidades na atenção à saúde mental,
ofertando um tratamento de qualidade, com respeito e acolhimento ao usuário.
A diversidade pessoal e profissional dos membros da equipe possibilita vínculos
e olhares diferentes sobre o sujeito e são essas diferenças que permitem a
equipe vislumbrar caminhos para o projeto terapêutico, o que dificilmente
aconteceria se o trabalho acontecesse de maneira isolada.
Furtado e Miranda (2006) destacam como uma das principais tarefas do
profissional de referência a elaboração do PTS, que acontece a partir de
diferentes perspectivas e com base na relação entre o usuário e seus
profissionais de referência, no diálogo destes últimos entre si e com os demais
grupos que compõem a vida do sujeito. É função da referência também
assegurar a continuidade do tratamento, evitando que o usuário se perca nos
habituais e descontextualizados encaminhamentos. Ao contrário das práticas
que apenas remetem o usuário a outro serviço ou equipe, o profissional de
referência deve atuar com vistas a agregar diferentes serviços e instituições
possíveis de serem incluídos no PTS de um usuário.
Nesse contexto, o CAPS ganha maior destaque enquanto serviço de referência
em saúde mental, pois o vínculo que o usuário faz com os profissionais se
estende à instituição. Oferecer um local continente, organizado e acolhedor é
obrigação da instituição.
Ainda de acordo com Furtado e Miranda (2006), aplicando ao trabalho do
profissional de referência um olhar psicanalítico winnicottiano, podemos
considerar que a função desse profissional é primeiramente da ordem daquela
exercida pela mãe suficientemente sadia que se coloca na posição de mãe
ambiente. Nesse sentido, Dias (2003), em seu livro sobre a teoria do
amadurecimento de Winnicott, considera que o modelo do terapeuta na clínica
winnicottiana é o da mãe suficientemente boa, o que indica que, especialmente
155
Talita Severo Santos
quando estivermos trabalhando com pacientes psicóticos, estaremos cuidando
do bebê que existe na criança maior ou no adulto:
O papel da equipe técnica é fundamental para a organização, desenvolvimento
e manutenção do ambiente terapêutico. A duração da permanência dos usuários
no
atendimento
dos CAPS depende
de
muitas variáveis,
desde
o
comprometimento psíquico do usuário até o projeto terapêutico traçado, e a rede
de apoio familiar e social que se pode estabelecer. O importante é saber que o
CAPS não deve ser um lugar que desenvolve a dependência do usuário ao seu
tratamento por toda a vida. O processo de reconstrução dos laços sociais,
familiares e comunitários, que vão possibilitar a autonomia, deve ser
cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa. (MS, 2004, p. 27)
Em pesquisa realizada para analisar o trabalho de referência em Centros de
Atenção Psicossocial na cidade de Campinas (SP) Miranda e Onocko-Campos
(2008) destacam que, na visão dos pacientes, o profissional de referência é
aquele que mais procuram para conversar, que cuida deles, lhes dá mais
atenção quando não estão bem e preocupa-se quando não comparecem ao
serviço. Relatam ainda tarefas que colocam esse profissional também na
posição de referência emocional:
[...] entre usuários, identifica-se uma relação íntima com
o profissional de referência, na qual fazem uma espécie
de sustentação afetiva, baseada na conquista da
confiança e na possibilidade de encontrarem alguma
sensação de existência, ao se sentirem regularmente
percebidos em sua singularidade. Essa sustentação
lhes permite continuar habitando o mundo social [...]
(Miranda e Onocko-Campos, 2008, p. 911).
Na mesma pesquisa, as autoras supracitadas apontam que na visão do
profissional há uma contradição, pois eles relatam que a equipe atribui muita
responsabilidade ao profissional de referência em relação a todas as demandas
de seus usuários; mas, por outro lado, os próprios profissionais admitem uma
tendência a se colocarem como “donos do caso”. Outro aspecto da onipotência
156
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
é o desejo de fazer tudo pelo usuário. Ambos os aspectos precisam ser
observados e conduzidos com cautela para que não haja nem sobrecarga no
profissional de referência nem negligência no cuidado com o usuário por
onipotência do primeiro.
Para Furtado (2007) apud Silva e Costa (2010) o profissional de referência,
enquanto recurso para o atendimento em saúde mental, propiciou maior
qualificação na atenção ao usuário e permitiu a interação técnica e subjetiva
entre as equipes dos serviços de saúde, deslocando o poder das especialidades
e fortalecendo a gestão da equipe interdisciplinar.
Furtado e Miranda (2006) acentuam que o profissional de referência ocupa um
lugar terapêutico que não se reduz a limites formais de um setting específico,
mas atravessa diferentes áreas da vida do paciente que necessitam de cuidado.
Contudo, os autores salientam que esse lugar terapêutico é estruturado em uma
relação baseada na transferência e na comunicação que ela possibilita. Atuar
como técnico de referência é muito mais do que gerenciar um caso, é integrar
um arranjo terapêutico que necessita de variadas organizações e iniciativas que
apontem para a horizontalização das relações de poder, constituição de
confiança entre os trabalhadores e contínua análise, avaliação e intervenção
sobre os fatores intrínsecos e extrínsecos que afetam as práticas em saúde
mental.
O Acompanhamento Terapêutico
A prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) surge no início da década de
70 em Buenos Aires, como herdeira do movimento antipsiquiátrico inglês, da
psiquiatria democrática italiana e da psicoterapia institucional francesa. Na
Argentina, muitos psicanalistas estiveram ligados aos hospitais psiquiátricos e
criaram novas funções para os agentes psiquiátricos que foram deixando de
atuar exclusivamente no âmbito hospitalar e passaram a circular com seus
pacientes em outros espaços. Essas funções foram o embrião do que se tornaria
o amigo qualificado e posteriormente o acompanhante terapêutico (Barretto,
2012).
157
Talita Severo Santos
O processo argentino influenciou o movimento antipsiquiátrico que também
ocorria no Brasil: a atuação do auxiliar psiquiátrico passou por Porto Alegre e
chegou às comunidades terapêuticas do Rio de Janeiro. No final da década de
70, com o fechamento das comunidades terapêuticas, os auxiliares psiquiátricos
continuaram a ser solicitados por terapeutas e familiares que procuravam outras
possibilidades de atendimento, que não a internação. Em São Paulo, o
Acompanhamento Terapêutico foi trazido em 1981 por uma psicanalista
argentina que fazia parte do Instituto A Casa. Aos poucos, o AT foi se tornando
um importante recurso no tratamento de pessoas em sofrimento psíquico (In:
www.acasa.com.br).
De acordo com Barretto (2012) a origem da palavra ‘acompanhar’ vem do latim,
cum: comer; e panis: pão, ou seja, comer do mesmo pão. Nessa prática o
acompanhante compartilha diversas experiências com o acompanhado, o que
favorece a constituição de um forte e potente vínculo. Pitiá (2013) destaca que o
AT vem se organizando como um recurso que transita por diferentes espaços
comunitários, como forma de atenção psicossocial e visa favorecer a inclusão e
a reabilitação dos acompanhados considerando-os como protagonistas do
próprio tratamento, e reconhecendo as possibilidades e desafios existentes
nesse contexto.
Segundo Pitiá e Furegato (2009), é no âmbito do modo psicossocial de atenção
à saúde que se insere a prática clínica do AT, como um dispositivo de ação
terapêutica que considera a pessoa em sofrimento psíquico em suas dimensões
social, histórica, psicológica, biológica e cultural. Fiorati e Saeki (2008) salientam
que a reabilitação psicossocial é entendida como um conjunto de estratégias
que, ao invés de capacitar o sujeito por meio de ações normalizadoras e
normatizadoras, propõem ao indivíduo em sofrimento caminhos para que ele
possa produzir valor e sentido social ao recuperar sua contratualidade como
cidadão.
Barretto (2012) ressalta que, nesta prática, componentes como a loucura, o
espanto frente ao diferente e as dificuldades que podem ser vivenciadas deixam
de ser a ótica a partir da qual o outro é visto. Isso não significa que tais
componentes devam ser negados, mas esse movimento faz com que a
percepção e o vínculo com o outro se ampliem permitindo outro tipo de relação,
158
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
na qual o acompanhante terapêutico (at) pode estar junto ao acompanhado como
pessoa real e não apegado a uma identidade profissional.
Conforme Pitiá (2013), a clínica do AT vem enriquecer o campo das práticas
terapêuticas, por ser uma clínica que trabalha com o problema de maneira plural,
lançando mão dos diversos saberes envolvidos no atendimento em saúde
mental e propiciando um olhar diferenciado para a singularidade do sujeito, que
deixa de ser visto de maneira fragmentada.
A prática do AT é entendida como recurso complementar que colabora com o
cumprimento dos princípios da Reforma Psiquiátrica, em que o espaço público é
considerado uma extensão do campo de tratamento para pacientes em
sofrimento psíquico, o que traz um resgate da contratualidade do indivíduo
adoecido (Pitiá e Furegato, 2009).
Por meio de uma primeira tarefa, que é diagnosticar as necessidades
fundamentais do paciente, bem como reconhecer seu idioma pessoal e assim
contemplar sua singularidade, o Acompanhamento Terapêutico proporciona ao
paciente um lugar no mundo. Junto com a oportunidade de auxiliá-lo na
constituição de funções psíquicas e em seu percurso na realidade
compartilhada, o acompanhante lhe propicia um lugar ético constitutivo, a partir
do qual ele pode se inserir na sociedade rumo a um horizonte existencial possível
(Safra, 2006). Barretto (2012) enfatiza que o at se utilizará do potencial
terapêutico existente no cotidiano do acompanhado, com vistas a promover seu
desenvolvimento.
Nesse sentido, Pitiá (2013) traz o AT como uma clínica do cotidiano, que circula
e lida com diversos aspectos durante o atendimento, o que convoca o
profissional a reelaborar o que foi aprendido em sua formação, diante de
acontecimentos da vida real. No livro Novos andarilhos do bem: caminhos do
acompanhamento terapêutico, de 2012, Chaui-Berlinck relata uma pesquisa
realizada
com alguns profissionais que atuam como
acompanhantes
terapêuticos e suas percepções acerca dessa atuação. Segundo a autora, o at
surge no discurso das entrevistadas como um profissional que supera
dificuldades e vivencia com o acompanhado seus sentimentos e emoções, que
são produzidos no inusitado que emerge do encontro com o outro.
159
Talita Severo Santos
Barretto (1998) apud Fiorati e Saeki (2008) salienta que o acompanhamento
terapêutico provoca um processo pelo qual o sujeito em sofrimento pode
inscrever sua subjetividade no mundo e, assim, repersonalizar-se por meio do
desenvolvimento de uma existência criativa e não adaptativa, em relação à
cultura.
De acordo com a teoria winnicottiana, poderíamos afirmar que o sofrimento
humano é oriundo da impossibilidade de criar algo que inscreva o self do sujeito
na realidade compartilhada, ou seja, o ser humano só se realiza na criatividade,
que resulta em um sentimento de existir. Quando isso não acontece, sofremos
por não existir psiquicamente na relação com o outro (Barretto, 2012). O autor
ressalta que Winnicott não tem como parâmetro de saúde o ajustamento social
ou psíquico. Ele tem como critério aquilo que pode ser verdadeiro ou falso em
relação à existência daquele paciente, sendo que, esse parâmetro de falso ou
verdadeiro, é unicamente referido à existência do indivíduo em questão (história
pessoal, familiar, cultural) e jamais relativo à realidade externa. O AT é uma
prática em movimento que visa retirar o indivíduo de sua situação de dificuldade
para que ele possa criar novas formas de existir.
Segundo Chaui-Berlinck (2012) as ats entrevistadas revelam trabalhar com o
sofrimento psíquico de seus acompanhados e que esse trabalho é realizado com
base na crença de que existe uma história anterior à doença e que o paciente é
alguém com potencialidades que podem ser descobertas ou resgatadas. As ats
entendem o sair como uma das principais funções do AT, o que abarca o sair
enquanto deslocamento, transformação psíquica, disponibilidade para o
encontro com o outro e o sair de uma situação para outra diferente.
Na mesma esteira, Santos, Motta e Dutra (2005) revelam que, apesar de
algumas divergências, a teoria do AT demonstra um consenso em relação a
certas funções do acompanhante terapêutico, a saber: “perceber, reforçar e
desenvolver a capacidade criativa do paciente; informar sobre o mundo objetivo
do paciente; atuar como agente ressocializador [...]”. Carvalho (2004) apud Pitiá
(2013) complementa, destacando três componentes principais no ato de
acompanhar: “o estar com o sujeito; o partilhar de momentos e situações que
façam sentido para o usuário [...]; o escutar sua ação, sua fala, seu conteúdo;
o olhá-lo como um todo [...]; e o propor uma atividade em coparticipação [...]”.
160
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
Santos, Motta e Dutra (2005) ainda chamam a atenção para o cuidado que o at
deve ter durante o acompanhamento para que o processo de identificação,
extremamente importante e necessário, não impeça o desenvolvimento da
autonomia do paciente. Oferecer-se como modelo ou “emprestar o ego” ao
acompanhado não é tarefa fácil, já que se trata de um indivíduo para o qual, até
o momento, os recursos terapêuticos tradicionais falharam.
Na mesma esteira, Barretto (2012) aponta que algumas vezes ocorre inclusive
uma indiferenciação entre acompanhante e acompanhado e que isso não só é
inevitável como necessário, a fim de que o acompanhante terapêutico possa
ajudar o paciente em seu desenvolvimento. Nesse caso, o profissional deve
sustentar a indiferenciação quando necessário, sem perder sua capacidade de
discriminação. Em algumas circunstâncias o Acompanhamento Terapêutico
requer que o acompanhante funcione como uma espécie de escudo para o
acompanhado.
Chaui-Berlinck (2012) também encontra essa temática no discurso de suas
entrevistadas, que evidenciam a enorme proximidade existente entre
acompanhante e acompanhado e o grande envolvimento emocional presente no
trabalho, o que pode tanto facilitar quanto atrapalhar o processo. Algumas
entrevistadas se referem à função exercida pelo at como uma “mãe
suficientemente boa” que oferece sustentação, continência, toca e é tocada por
seu acompanhado.
Conforme Barretto (2012), uma rica função a ser exercida pelo at é a de ser
interlocutor dos desejos e angústias de seu acompanhado. Essa função está
diretamente ligada à capacidade do at de estar em contato com as angústias do
outro, por meio de uma atitude empática e de sua presença tanto física quanto
afetiva. Na perspectiva winnicottiana, é imprescindível que estejamos com
nossos pacientes como pessoas reais, principalmente nos casos em que há um
comprometimento do desenvolvimento emocional primitivo, como nas psicoses.
Essas pessoas precisam de sentimentos reais, há uma necessidade de contato
humano verdadeiro.
No AT procuramos fornecer ao sujeito experiências que possam suprir
determinada(s) fresta(s) no self. Essas frestas podem ser derivadas de diversos
161
Talita Severo Santos
fatores: doenças físicas; falhas maternas na adaptação às necessidades do
bebê; falhas paternas; limitações no repertório simbólico de uma determinada
família e/ou cultura em que ela está inserida para lidar com certas questões
existenciais; possíveis incompreensões no encontro com outros seres
significativos ou não; entre outras (Barretto, 2012).
Safra (2006) revela que, na maioria das vezes, a maneira de ser do paciente
reapresentada pela composição feita no acompanhamento possibilita que ele se
sinta reconhecido e seja capaz de se beneficiar da transferência subjetiva como
uma posição a partir da qual poderá reencontrar seu gesto frente ao outro.
Fiorati e Saeki (2008) acreditam que, por se tratar de uma maneira
individualizada de atendimento, o AT permite, por meio do vínculo terapêutico, o
estabelecimento de formas mais eficazes de elaboração do sofrimento e a
produção de relacionamentos afetivos mais significativos para o paciente.
Em seu artigo A ideia de referência: o acompanhamento terapêutico como
paradigma de trabalho em um serviço de saúde mental (2009), Ribeiro relata sua
vivência no CAPS X – mesmo equipamento em que realizei o aprimoramento –
e, baseada em sua experiência quando da implantação da referência como
recurso para o atendimento nessa instituição, propõe o Acompanhamento
Terapêutico como o paradigma de atendimento em saúde mental, em que “a
ética e a técnica do AT acabam sendo orientadoras do fazer institucional, bem
como de sua organização e de suas proposições, mesmo quando não pensadas
ou explicitadas”. Em consonância com os propósitos de um CAPS, o AT oferece
para a saúde mental um projeto terapêutico singularizado, adequado às
necessidades de cada usuário. Um processo personalizado em meio aos
contornos frequentemente enrijecidos de uma instituição (Ribeiro, 2009).
A clínica do AT pode ser considerada como a clínica do inédito, que visa
incentivar ou aumentar a autonomia do sujeito, a partir da circulação no mundo.
Essa prática desbanca o setting institucional como única forma de atendimento
e se desapega das especificidades delimitadas a cada profissão, primando por
um olhar interdisciplinar que considera o sujeito de maneira integral e como
protagonista de seu tratamento (Pitiá, 2013).
162
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
Discussão
A partir da literatura pesquisada e da minha vivência no caso clínico do usuário
ZZ, tanto como acompanhante terapêutica quanto como referência técnica, pude
refletir acerca de algumas questões que emergiram da minha prática em relação
a essas duas maneiras de atuação na saúde mental.
Minha primeira constatação, a partir das leituras realizadas, foi a de que, apesar
de ter surgido em 1989 e ter sido oficialmente incorporada a determinados
programas de saúde em 2003 como uma nova forma de cuidado, a figura da
referência
técnica
possui
características
muito
semelhantes
às
do
acompanhante terapêutico que desde a década de 70 já atuava considerando o
vínculo entre profissional e paciente como condição principal para um
atendimento de qualidade, ou seja, essa nova forma de cuidado não é tão nova
assim. Salvo algumas exceções, principalmente de ordem burocrática, as
funções exercidas pelo profissional de referência são essencialmente as
mesmas que o acompanhante terapêutico já realiza há algum tempo, porém com
um setting mais delimitado e o respaldo de uma instituição.
Uma observação importante, relacionada à prática do Acompanhamento
Terapêutico no CAPS X, é que essa função sempre é exercida por profissionais
que estão de passagem pela instituição: estagiários, aprimorandos ou
residentes. Especificamente no caso dos aprimorandos, penso que o fato de
estarem 40 horas por semana no serviço, seja algo que influencie bastante a
assunção dessa função.
Creio que além das questões burocráticas, como a obrigatoriedade de evoluir
prontuários, participar de reuniões de equipe, reuniões com outros equipamentos
etc., a referência técnica geralmente não tem condições de fazer atividades
extramuros com seus referenciados por uma questão muito prática: a falta de
tempo. Em minha experiência no CAPS X percebi que os técnicos tinham em
média 20 referências, isso variava um pouco de acordo com a carga horária do
profissional na instituição; em outros CAPS alguns desses técnicos chegaram a
ter 40 referências cada um. Considerando a já mencionada burocracia e o fato
de que um único técnico possui vários usuários a ele referenciados não é de se
163
Talita Severo Santos
espantar que ele não tenha pernas para dar conta dessas demandas externas,
que tomariam horas que ele não tem.
Penso que seja interessante para essa discussão mencionar alguns pontos
comuns entre a atuação da referência técnica e do acompanhante terapêutico,
ilustrados a partir de trechos dos atendimentos que realizei com o usuário ZZ
durante meu aprimoramento.
Na clínica winnicottiana, que é a clínica na qual fundamento minha prática, tanto
o acompanhante terapêutico quanto a referência devem ter como modelo de
atendimento a mãe suficientemente boa. Atuar de acordo com esse modelo é
extremamente importante e, apesar de ser desgastante, propicia momentos
muito simbólicos e significativos, como o que aconteceu com ZZ no “Toque
Mágico”, local destinado ao autocuidado dos usuários, uma espécie de salão de
beleza: ZZ estava em uma semana difícil, devido à ausência de sua mãe que
estava viajando, passava quase todas as noites na rua e estava mais agitado e
menos comunicativo do que o usual. Ao vê-lo na ambiência me aproximo e
pergunto como estão as coisas. Ele parece não querer muito papo e diz apenas
que está tudo bem. Percebo que ele coça bastante a cabeça e pergunto se
gostaria de lavar o cabelo; ele me olha desconfiado e questiona se eu lavaria
para ele; digo que sim e então vamos ao Toque Mágico. Ao sentar-se no
lavatório, ZZ fecha os olhos antes mesmo que eu comece a molhar seus cabelos.
Durante a lavagem trocamos algumas palavras, mas ele parece estar mais
interessado em curtir o momento. Aparenta estar relaxado, entregue à situação,
e quase no final diz “isso é gostoso, né Talita” (sic); respondo que sim, que
realmente é gostoso quando sentimos que alguém cuida da gente.
Esse momento foi muito simbólico, tanto para ele quanto para mim. Para ele
porque acredito que isso tenha sido vivido como um banho dado pela mãe em
seu bebê, repleto de cuidado, carinho e proteção. E, para mim, exatamente pelo
mesmo motivo, por ter tido a sensação de poder oferecer tudo isso a alguém
que, naquele momento, parecia pedir colo.
aprimoranda
tenha
sido
um
facilitador
Creio que minha condição de
para
que
isso
acontecesse.
Provavelmente se eu fizesse parte da equipe fixa, se fosse “apenas” a referência
técnica de ZZ, isso não teria acontecido. Primeiro, pela falta de tempo, que é
algo que interfere bastante na atuação das referências, já que possuem carga
164
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
horária menor, comparada à dos aprimorandos; e segundo, por existirem
profissionais (técnicos de enfermagem) designados para atuar especificamente
nesse espaço da instituição e que são os responsáveis por prestar esse tipo de
cuidado aos usuários, logo, raramente encontramos outras pessoas da equipe
nesse local.
A potencialidade do vínculo também é algo que sustenta as duas atuações: Certa
vez, conversando com ZZ na ambiência, ele diz que poderíamos morar juntos.
Peço que me conte por que pensou nisso; ele explica que acha que poderíamos
morar juntos, “mas não como namorados, só pra você ficar comigo e cuidar de
mim como você faz” (sic). Esclareço que isso não é possível, mas que posso
continuar cuidando dele enquanto profissional do CAPS; ele diz “tá bom, Talita”
(sic), sorri e sai.
A disponibilidade para o encontro, para estar presente na relação como pessoa
real, é mais um ponto comum e que, especialmente na clínica das psicoses, é
algo imprescindível na atuação de qualquer profissional. Lembro-me de uma
passagem que me remete ao eco que essa disponibilidade pode proporcionar:
certa vez ZZ me encontra de manhã e questiona se está tudo bem, respondo
que sim; ele me olha, insiste na pergunta e eu continuo afirmando que sim;
pergunto a ele o motivo da dúvida, o que o fez perguntar novamente e ele
responde “nada não Talita, só queria saber se você tá legal mesmo, se eu podia
ajudar em alguma coisa” (sic), sorri e sai. Para mim, poder ser afetada pelo seu
afeto, perceber o eco do investimento afetivo realizado desde o início de nossa
aproximação, foi fantástico.
Creio que outro ponto primordial para uma boa atuação em ambos os papeis, é
a interdisciplinaridade. Poder contar com diferentes saberes pensando o caso é
enriquecedor, por isso a importância do trabalho em equipe, pois um único
profissional não conseguirá dar conta de todas as demandas do usuário sem que
isso o sobrecarregue e acabe comprometendo a qualidade de seu trabalho. Além
disso, também é benéfico para o usuário ter outros vínculos, considerando que
este será sempre singular de acordo com as questões transferenciais existentes
no contato com cada profissional.
165
Talita Severo Santos
Quando não é possível contar com uma rede, na qual o usuário tem diferentes
figuras de apego, a sobrecarga do profissional que está mais próximo do caso é
inevitável, inclusive porque a própria equipe tende a direcionar praticamente
todas as demandas daquele usuário unicamente para esse profissional e assim
os papéis acabam se atravessando, como no meu caso com ZZ: iniciei o
atendimento com ele com uma proposta de Acompanhamento Terapêutico e no
decorrer do tempo assumi o papel de sua referência técnica, pois não havia
nenhum outro profissional, além do médico, acompanhando o seu caso. Talvez
se essa rede de fato existisse no cuidado com ZZ, eu poderia ter conseguido
manter a minha proposta de atendimento como acompanhante terapêutica, pois
outro profissional estaria exercendo a função de referência e os papeis se
diferenciariam.
Conclusão
Esta monografia pretendeu refletir sobre a possibilidade de distinção, ou não,
das funções de técnico de referência e de acompanhante terapêutico, na
condução de um caso clínico em um serviço de saúde mental, quando se faz
parte da equipe desse serviço.
Creio que as similaridades existentes nesses dois recursos para o cuidado em
saúde mental contribuam significativamente para que esses papéis se
atravessem e, não creio que isso seja necessariamente ruim, desde que o
atravessamento ocorra no sentido da complementaridade e, sempre, em
benefício do usuário.
Penso que a semelhança mais importante dessas funções seja a disponibilidade
para o encontro com o outro, principalmente para o encontro com o sofrimento
do outro. Para tanto, considero imprescindível que haja uma reflexão crítica
constante sobre nossa prática, para que possamos pensar se essa
disponibilidade está sendo efetiva e se realmente estamos construindo com esse
usuário um espaço de troca que não apenas lhe dê voz, mas também considere
de maneira respeitosa e humanizada o que essa voz nos diz. Precisamos,
enquanto profissionais, trabalhar pela constituição e sustentação de um espaço
de tratamento que seja um lugar no qual o usuário possa criar novas formas de
existir.
166
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
Concluo que a distinção de papéis entre o acompanhante terapêutico e o técnico
de referência em um mesmo caso clínico só é possível quando tais funções são
exercidas por profissionais diferentes. Acredito também que, para uma melhor
condução do caso, considerando as já mencionadas tarefas burocráticas que as
instituições exigem de seus contratados e primando pela qualidade do
atendimento, baseada em múltiplas figuras de apego as quais o usuário poderá
se vincular, o ideal é que o profissional que for atuar como acompanhante
terapêutico não componha a equipe técnica do serviço de saúde de referência
desse usuário.
Dessa forma, o acompanhante poderá contribuir com a equipe na condução do
caso
agregando informações a
partir de
uma
outra
perspectiva
e,
concomitantemente, receberá da equipe informações que possam potencializar
sua atuação; uma troca extremamente rica para o cuidado em saúde mental.
Além disso, ele terá condições de realizar atividades que os limites institucionais
não contemplariam, como transitar com esse usuário por outros espaços que
para ele sejam significativos; desde espaços familiares, dos quais por algum
motivo ele não esteja conseguindo participar, até espaços que componham seu
território geográfico e subjetivo, trabalhando para que o acompanhado tenha
maior autonomia para circular e possa reaver, ou conquistar, seu poder
contratual e relacional na sociedade da qual ele faz parte.
Notas
1
Psicóloga, Especialista em Psicopatologia e Saúde Pública, Acompanhante
Terapêutica
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www.acasa.com.br – acesso em 25 de Mar. 2015
170
Acompanhante Terapêutico E Referência Técnica: Atravessamento De Papéis Em Um
Caso Clínico De Saúde Mental
SOBRE A REVISTA
A revista “ATravessar: Revista de Acompanhamento Terapêutico” é uma
publicação semestral da Associação de Acompanhamento Terapêutico (AAT).
Publica artigos originais referentes à atuação do at, à pesquisa, ao ensino ou à
reflexão crítica sobre a produção de conhecimento no campo do AT. Sua missão
principal é contribuir para a ampliação do conhecimento no campo do AT, assim
como para o enriquecimento profissional daqueles que trabalham com essa prática,
bem como socializar o conhecimento produzido por aqueles que pesquisam e/ou
atuam nesse campo.
Sobre a Revista
171
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A revista “ATravessar: Revista de Acompanhamento Terapêutico” é editada pela
AAT (Associação de Acompanhamento Terapêutico). Propõe-se a ser um
periódico científico semestral temático, com o objetivo de publicar investigações/
desenvolvimentos teóricos, relatos de pesquisa, debates, entrevistas e resenhas
que contenham análises, críticas e reflexões sobre temas, fatos e questões do
AT. Publicar também artigos voltados à interlocução entre o AT e vários campos
do saber.
Processo de avaliação por pares
A revista “ATravessar: Revista de Acompanhamento Terapêutico” aceita textos
redigidos preferencialmente em português; espanhol e inglês.
Os manuscritos devem ser inéditos e originais. Ao serem recebidos, os trabalhos
passam por uma conferência preliminar, relativa aos dados exigidos pelas
Instruções aos Autores (o não cumprimento das orientações implicará na
interrupção deste processo). A seguir, são remetidos aos membros da comissão
editorial para emissão de parecer, em sistema “duplo cego” (double blind review),
preservando a identidade do autor e do avaliador. Os trabalhos aprovados são
encaminhados ao coordenador da referida comissão e todos os autores são
notificados sobre a aprovação, reprovação ou necessidade de reformular seu
trabalho. Neste caso, fica a critério do autor acatar ou rejeitar a orientação de
reformulação. No caso de recusa da reformulação o autor deverá justificá-la e
caberá ao coordenador da comissão editorial, se julgar a justificativa insuficiente,
recusar o trabalho ou solicitar a um outro parecerista que o avalie novamente.
Pequenas modificações no texto serão feitas pela comissão editorial, mas as
modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Os artigos assinados
expressam a opinião de seus autores. É permitida a reprodução parcial dos
artigos desde que citada a fonte. A proposta deve preencher rigorosamente os
requisitos e normas abaixo para que seja apreciada pela comissão editorial.
Todo Título, Crédito, Palavras-Chave e Resumo devem ser apresentados nos
três idiomas. Adotaremos o seguinte padrão para Abreviações: utilizar AT para
Instruções aos Autores
172
Acompanhamento
Terapêutico/
Acompañamiento
Terapéutico.
Para
acompanhante terapêutico/ acompañante terapéutico utilizar at (em negrito) e
ats para o plural.
Formatação padrão
- word for windows, versão 6.0 ou superior, com extensão .doc
- digitado em fonte 12, Times New Roman, formato A4.
- Espaço 1,5.
Forma e preparação de manuscritos
- Tipos de texto:
Estudos teóricos/ensaios – análises de temas e questões fundamentadas
teoricamente, envolvendo reflexão crítica e questionamentos aos modos de
pensar e atuar existentes e proposição de elaborações novas e oportunas
(preferencialmente de 20 a 25 laudas em espaço duplo);
Relatos de pesquisa – investigações originais de alta qualidade, baseadas em
dados empíricos, recorrendo à metodologia quantitativa e/ou à qualitativa.
Importante que haja uma discussão crítica dos resultados e que seja explicitada
a contribuição para a produção do conhecimento. Nesse caso, é necessário
conter
introdução,
método,
resultados,
discussão
e
conclusões
(preferencialmente de 20 a 25 laudas em espaço duplo);
Relatos de experiência profissional – relatos de experiência profissional de
interesse e relevância para as diferentes práticas do AT (preferencialmente de
15 a 20 laudas em espaço duplo).
Tabelas, gráficos e imagens (em formato JPEG) devem constar no corpo de
texto. Todos os endereços de páginas na Internet (URLs), incluídas no texto (Ex.:
http://www.aat.org.br) devem estar ativas e prontas para clicar.
Sobre a Revista
173
Notas e referências bibliográficas
Notas: Deverão constar no final do texto. Desta forma deve-se fazer a opção
NOTAS DE FIM e NÃO Notas de rodapé.
Artigos e capítulos de livros
Fazer referência bibliográfica na seguinte ordem: autor, título do artigo/capítulo,
nome do autor do livro, título do livro (em itálico), subtítulo (sem itálico), edição,
local de publicação (cidade), editora, data de publicação, volume, capítulo,
páginas (inicial e final), série ou coleção. Exemplos:
Autor do capítulo e do livro
BARRETTO, Kleber Duarte. Onde se adentra no campo da transicionalidade e
se discute a participação da pessoa do terapeuta no trabalho clínico. In:
.
Ética e Técnica no Acompanhamento Terapêutico: andanças com Dom Quixote
e Sancho Pança. 3ª edição. São Paulo: UNIMARCO e Edições Sobornost, 2005.
Autor somente do artigo ou capítulo
TORRE, Daniela Della. Clariceando o acompanhamento terapêutico. In:
Antúnez, A. E. A. (Org.) Acompanhamento Terapêutico: casos clínicos e teorias.
1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2011. v. 1. 216 p.
3. Artigos publicados em periódico científico
Indicar: autor do artigo, título do artigo: subtítulo do artigo, título da revista (em
itálico), local de publicação (cidade), título do fascículo se houver (suplemento
ou número especial), volume, número, páginas (inicial e final), mês e ano.
Exemplo:
SAFRA, Gilberto. Placement: modelo clínico para o acompanhamento
terapêutico. Psychê, São Paulo, v.10 n.18, p. 13-20. São Paulo set. 2006.
4.
Citações no corpo do texto – Referências Bibliográficas
As citações, quando forem literais, devem ser precisas, grafadas em itálico e
entre “aspas”. No corpo do texto deve constar o sobrenome do autor, seguido da
data e páginas da publicação. Ex.: (Chaui, 2004, p. 170).
Nas Referências Bibliográficas, o sobrenome do autor citado deve ser posto em
ordem alfabética (em maiúsculas), prenome, título do livro (em itálico), subtítulo
(sem itálico), edição, local da publicação (cidade), editora, ano de publicação,
volume, série ou coleção (entre parênteses).Exemplo:
Instruções aos Autores
174
ANTÚNEZ, A. E. A. (Org.) Acompanhamento Terapêutico: casos clínicos e
teorias. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2011. v. 1. 216 p.
5.
Dissertações e Teses
As referências de Tese de Doutorado ou Dissertação de Mestrado devem conter:
nome do autor, título (em itálico), subtítulo (sem itálico), data, número de páginas
ou volumes, categoria (grau e área de concentração), identificação da instituição,
local, data de publicação. Exemplo:
CHAUI-BERLINCK,
Luciana.
Andarilhos
do
bem:
os
caminhos
do
acompanhamento terapêutico. 2011. 173p. Tese (Doutorado) – USP, São Paulo,
2011.
POSSANI,
Tania.
A
experiência
de
‘sentir
com’
(Einfühlung)
no
acompanhamento terapêutico: a clínica do Acontecimento. 2010. 108p.
Dissertação (Mestrado) – USP, São Paulo, 2011.
Nota importante: caso necessite de um guia mais completo favor consultar
Diretrizes para apresentação de dissertações e teses da USP: documento
eletrônico
e
impresso
(Cadernos
de
Estudos
9,
2004)
http://www.teses.usp.br/info/diretrizesfinal.pdf
Envio de manuscritos
Os artigos devem ser inéditos, e seus originais serão submetidos a exame pela
comissão editorial. Os originais não serão devolvidos.
O fluxo de artigos que chegam à revista da AAT é o seguinte: 1) avaliação
preliminar pela comissão editorial; 2) encaminhamento para dois pareceristas; 3)
encaminhamento do parecer para a comissão editorial para decisão final; 4)
informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se necessita de
reformulações (nesse caso, é definido um prazo de 30 dias, findo o qual o artigo
é desconsiderado, caso o autor não o reformule); 5) para os aprovados,
encaminhamento para a revisão de português, sendo que poderão ser efetuadas
modificações na forma do texto, mantendo o conteúdo; 6) após revisão,
encaminhamento para composição e diagramação; 7) publicação.
Os artigos devem ser remetidos para:
Associação de Acompanhamento Terapêutico (AAT)
Eletronicamente pelo: [email protected].
Visite: www.aat.org.br.
Sobre a Revista
175
Download

Revista ATravessar_vol 4_2014