INIBICÃO: ALGUMAS NOTAS (1)
Miriam Nogueira Lima
Ainda que no texto "Inibição, Sintoma e Angústia" (1926) Freud tenha se dedicado
(2)
mais à angústia e ao sintoma do que às inibições e tenha afirmado não dar demasiada
importância em diferenciar, com precisão, os termos sintoma e inibição, é preciso
estudar sua definição, situando as distinções e proximidades, as relações existentes entre
inibição e sintoma e entre inibição e angústia, para procedermos a intervenções na
clínica onde, amiúde, constatam-se ocorrências claramente relacionadas com a inibição.
1 - A Inibição em Freud (1926).
Ele a definiu em termos de uma limitação do eu, de algumas de suas funções,
distinguindo alguns tipos: sexual, alimentar, locomoção, trabalho social e inibições
especiais. A primeira categoria inclui quatro formas: impotência psíquica, ausência de
ereção, ejaculação precoce, ausência de ejaculação. Foi adstrita à histeria, no que tange
à locomoção, a inibição da marcha (paralisias) e, tanto à histeria quanto à neurose
obsessiva, a inibição do trabalho.
Em plena metapsicologia da segunda tópica, é levado em conta o conflito entre as
instâncias psíquicas: isso, eu e supereu. Se o conflito se passa entre o eu e o supereu,
uma inibição do trabalho, por exemplo, pode ser entendida como expressão de
autopunição, na qual um supereu feroz proíbe o eu de uma realização, um sucesso
profissional, ao qual esse eu tem, então, que renunciar.
Se o que está em jogo são as instâncias do eu e do isso, a renúncia a certas funções
por parte do eu visa evitar um novo recalcamento, evitar um conflito com o isso. A
inibição da escrita é dada como exemplo. Freud diz que a função adquiriu a significação
simbólica do coito – “Quando a escrita que consiste em fazer correr da pena um líquido
sobre uma folha de papel em branco...” (1973[1926]: 2835) ela é abandonada porque
voltaria a executar o ato sexual proibido. Quando funções do eu sofrem uma intensa
erotização dos órgãos que nelas intervêm, surge a inibição dessas funções. “A função
euóica do órgão fica alterada quando sua significação sexual, isto é, sua „erogeneidade‟,
recebe um incremento” (id. ibid.). Tal afirmação leva em conta a teoria da dupla função
de um órgão – interesses do eu e interesses sexuais – desenvolvida em 1910
(1973:1634).
2 - A Inibição está Ligada ao Narcisismo do Eu.
Lacan, no Seminário X, sublinha a evidência de que os três termos – inibição,
sintoma e angústia – não estão no mesmo nível. Refere-se à inibição em termos de
"captura narcísica", destacando, nela, a dimensão do movimento – Freud fala da
locomoção, quando a introduz (1962-63: 6) – e de detenção do movimento, no sentido
mais amplo do termo, de se deixar prender no caminho à sua própria imagem, à imagem
especular. Essa é a armadilha (1962-63:7)
J. Laberge, em "Real e repetição" (1999:5), lembra que Lacan situa a inibição no
campo do imaginário, ao passo que o sintoma situa-se no campo do simbólico e a
angústia no campo do real.
Podemos dizer que se trata, na inibição, de uma inflação do imaginário, uma
superinflação do imaginário. O crucial da inibição passa pelo narcisismo. Assim, as
questões da competição, da rivalidade, do sucesso, do melhor, da relação com a imagem
ideal, do duplo, do irmão, do semelhante etc. a envolvem.
3 - Inibição e/ou Sintoma?
Vale uma vinheta clínica. Um jovem, trabalhando como consultor em importante
empresa, precisava viajar freqüentemente por seu trabalho. O problema era seu medo de
avião. Dizia ter "fobia de avião". Um sintoma fóbico ou uma detenção do movimento,
uma inibição do trabalho?! – "Não vou mesmo!... Em avião, não entro nem morto!...
Sabe o que é? É a hora da degolagem". – A hora de que? A repetição em alto e bom
som – "de-go-la-gem" – chegou mesmo a ensejar a elucubração, na analista, de se o
lapso se produzira naquele instante ou se ele sempre achara que “decolagem” se diz
"degolagem".
Medo de ter a "cabeça cortada" na empresa para a qual trabalhava? Não. Jamais seria
demitido, pois tinha o "pistolão" do pai, nada mais nada menos que um sócio
majoritário do grupo.
Aos poucos se evidenciou a inibição. "Tenho horror de viajar, de sair de casa. Gosto
mesmo de ficar descalço, deitado, vendo filmes na televisão".
O "pistolão" era do pai. Isto não lhe bastava para inibir o movimento de ter seu
próprio "pistolão" etc.? Não é tão simples assim. Se não, vejamos.
O dicionário de R. Chemama refere-se à redução da inibição ao sintoma, ou que o
próprio sintoma adquire valor de inibição, advertindo que "seria mais rigoroso reservar
o termo de inibição aos fenômenos que implicam uma verdadeira renúncia a uma
função, sendo a inibição do trabalho um bom exemplo" (1995:109).
G. Pommier busca esclarecer a distinção entre inibição e sintoma, iniciando com a
questão: "de que 'eu' se trata?" Refere-se à antiga confusão dos termos em francês je e
moi para traduzir o Ich do alemão de Freud. Ele aplica a distinção para inibição e
sintoma. Enquanto este diz respeito ao moi , a inibição refere-se ao je: na inibição, é o
Ich (Je, eu) que renuncia a funções que estão a sua disposição a fim de não provocar um
recalcamento, ao passo que no sintoma, o Ich não participa de sua formação... A
inibição impede a realização de uma função ... “Ao passo que o sintoma acarreta a
modificação dessa função” (1990[1987]:178).
O caso do pequeno Hans, retomado por Freud no texto de 1926 e por Lacan no
Seminário X, também é utilizado por Pommier para exemplificar a distinção: a angústia
de ser mordido pelo cavalo é um sintoma, a incapacidade de sair à rua é uma inibição
(id. :179).
4 - Inibição e Angústia.
Seria a inibição uma forma de evitar situações geradoras de ansiedade, uma
estratégia do sujeito de não se confrontar com a angústia?
Caberia aqui a questão, apontada por J. Laberge, da evitação como expressão das
defesas enquanto efeitos negativos do trauma, contrariando os efeitos positivos do
recordar e repetir. Nesse caso vigorando a idéia freudiana de que as inibições, tanto
quanto as fobias, são fixações no trauma (id.:6). Aliás, ele acha difícil entender-se que
inibições e fobias escapem à ordem da repetição e acrescenta que nessas situações
estaríamos confrontados mais diretamente a um limite em que se destaca o impossível
do real. (id. Ibid.)
Retomo Lacan, no Seminário X. Valendo-se do exemplo freudiano de inibição da
locomoção, ele fala de "movimento", como já foi dito acima, e acrescenta "movimento
detido" ... “Na inibição é da detenção do movimento que se trata.” (id:6-7)
Não querendo entrar aqui na problemática da angústia, mas de certa forma já
entrando, ainda que tangencialmente, vemos que Lacan a qualifica não como algo da
ordem da emoção mas como um afeto, um afeto que não engana sobre sua causa ... A
verdadeira substância da angústia é "o aquilo que não engana sobre sua causa", o sem
dúvida (id.: 8). Isto é, não há dúvida na angústia, ela é que é a causa da dúvida Esta, se
existe, é para combater a angústia.
O que se trata de evitar (sublinho evitar porque se entende, que a evitação é a questão
da inibição), diz Lacan, é aquilo que na angústia se sustenta em vergonhosa certeza (id.
ibid.). Ele complementa que a referência da certeza é a ação. Portanto, agir é arrancar da
angústia a certeza (id. ibid.). Para ele, a defesa não é contra a angústia mas contra aquilo
de que ela é o sinal, isto é, de certa falta. (id.:8).
O sujeito está detido em seu movimento de advir, sujeito inibido na ação, sujeito que
não comparece. Numa passagem mais ousada, precipito-me nos abismos do real: "Certa
falta" que – não será? –, em última instância, a falta real, ela mesma? Aquilo que
sempre falta ao sujeito, que é da ordem do impossível de simbolizar, que escapa ao
simbólico? Portanto, do real inassimilável, impossível de se dizer, de se escrever?
5 - Qual será a Ação Analítica Possível?
"Nosso ofício é mostrar a impossibilidade de viver, a fim de tornar a vida um
pouquinho possível. Você já viveu a hiância extrema, por que não alargá-la mais, a
ponto de se identificar com ela?" (Lacan, apud. G. Pommier, id.:188) que relata esta fala
de Lacan junto ao escritor François Cheng, depois da qual a inibição
desapareceu.(id.ibid.).
Rio de Janeiro, novembro, 1999.
Notas
(1)
Apresentado para discussão no Simpósio da Intersecção Psicanalítica do Brasil –
São Paulo, 26,27, 28/11/1999.
(2)
Embora Lacan tenha afirmado, no Seminário X, que no texto freudiano de 1926
fala-se de tudo menos de angústia.
Referências Bibliográficas
CHEMAMA, R. Dicionário de Psicanálise. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.
FREUD, S. (1925-26) "Inhibicion, Sintoma y Angustia”. Obras Completas. Madrid,
Biblioteca Nueva, 1973
_________ (1910) "Concepto psicoanalítico de las perturbaciones psicógenas de la
visíon. Obras Completas. Madrid, Biblioteca Nueva, 1973
LABERGE, J. "Real e repetição", 1999; Exemplar mimeo.
LACAN, J. (1962-1963) Seminário X, A Angústia,. Tradução do Centro de Estudos
Freudianos de Recife, para circulação interna.
POMMIER, G. O desenlace de uma análise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1990.
Intersecção Psicanalítica do Brasil
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