ORGANIZAÇÃO SETE DE SETEMBRO DE CULTURA E ENSINO LTDA
FACULDADE SETE DE SETEMBRO – FASETE
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
ADRIELE GOMES VELOSO ROCHA
ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO
LAR CONJUGAL
PAULO AFONSO / BA
2013
ADRIELE GOMES VELOSO ROCHA
ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO
LAR CONJUGAL
Monografia apresentada ao corpo docente do curso
de Bacharelado em Direito, da Faculdade Sete de
Setembro – FASETE, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Mestrando Amin Seba Taissun.
PAULO AFONSO / BA
2013
ADRIELE GOMES VELOSO ROCHA
ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO
LAR CONJUGAL
Monografia apresentada ao corpo docente do curso
de Bacharelado em Direito, da Faculdade Sete de
Setembro – FASETE, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Aprovada por:
__________________________________________
Prof. Amin Seba Taissun, Mestrando (Orientador)
__________________________________________
Prof João Batista Santos Filho, Especialista.
__________________________________________
Profa. Mariana Wanderlei Buarque, Especialista.
PAULO AFONSO / BA
2013
Dedico este trabalho a Deus, sem o qual eu nada
seria. A Ele seja dado todo o Louvor! Dedico
também à minha família pelo amor e apoio
incondicionais sempre demonstrados, bem como
aos meus amigos e irmãos na fé por terem me
compreendido nas horas de ausência e intercedido
em meu favor. Em especial, dedico ainda ao meu
querido
primo
demonstração
Márcio
de
fé,
Alexandre
força,
pela
coragem
sua
e
perseverança, mesmo em meio às adversidades da
vida.
AGRADECIMENTOS
“Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo
nome. Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nenhum de seus
benefícios”. (Salmo 103:1-2)
Eu simplesmente não tenho palavras para agradecer a Deus por tudo que Ele é e
tem feito em minha vida. Sem Ele, eu jamais teria conseguido chegar até aqui, por
isso, quero lhe render toda honra e todo louvor! Em diversos momentos, a
caminhada se tornou extremamente difícil, fazendo com que às vezes eu pensasse
que não seria possível chegar até o fim. Entretanto, a cada manhã as misericórdias
de Deus se renovavam sobre a minha vida, fazendo renascer a minha fé e as
minhas forças. E com a certeza de que Deus estava ao meu lado, eu pude vencer.
Agradeço ainda aos meus queridos pais, Domingos e Andralice, por serem
verdadeiros presentes de Deus e referencial em minha vida. Sou grata pelo apoio e
compreensão
sempre
demonstrados,
pelas
lições de fé, perseverança e
determinação nas horas difíceis, e também pelo amor incondicional, que os levou a
fazer inúmeros sacrifícios durante todos estes anos, muitas vezes renunciando aos
seus próprios sonhos para me ajudar a realizar os meus. Agradeço até mesmo pelos
momentos de repreensão, pois eles me ajudaram a enxergar os meus erros e a
buscar corrigi-los. Se eu pude chegar até aqui, foi por ter a certeza de poder contar
com vocês. Amo vocês!!!
Jamais poderia deixar de agradecer aos meus irmãos e melhores amigos que
alguém poderia ter: Adelmo e André. Muito obrigada por permanecerem sempre
perto de mim, ainda que separados fisicamente por milhares de quilômetros, e por
estarem sempre dispostos a me ouvir, aconselhar, apoiar e ajudar. Sou fã nº 1 de
vocês e peço sempre a Deus que me dê a oportunidade de retribuir tudo aquilo que
vocês têm feito por mim.
Às minhas cunhadas Ana Paula e Roseanny, agradeço pelo amor, amizade e
compreensão, bem como pelas orações e palavras de incentivo. Que Deus continue
a abençoá-las e a realizar os sonhos de vocês!!
Gostaria de agradecer também a Gilberto Lisboa por ter estado ao meu lado durante
a quase totalidade desta graduação e por ter me incentivado, apoiado,
compreendido e ajudado. Reconheço que nem sempre foi fácil, mas me sinto
extremamente feliz por ter tido a certeza de poder contar com você nas horas boas e
nas difíceis também. Agradeço a Deus pela sua vida e peço a Ele que te abençoe a
cada dia mais.
À minha família, agradeço pelo amor, confiança, orações, pelas palavras carinhosas
e pela torcida, ainda que muitas vezes silenciosa, para que tudo desse certo.
Agradeço ainda em especial a minha avó Otília (Vó Tila), por ser nossa fã de
carteirinha, por sonhar junto conosco, por ter sempre uma palavra de incentivo e por
nos oferecer o seu colo nos momentos de desânimo e a sua cama quentinha nas
horas em que o cansaço falava mais alto.
Agradeço ainda aos meus amigos mais chegados que um irmão Verônica, Tamires,
Juliana, Joiliane, Jadson, Elisama, Thalita, Jesanias, Elisabete, Valdinha, Sara,
Diego, Jeferson, Lucas, irmã Raimunda, Ana Paula, Kelly, aos meus primos Leila,
Clarinha, Adriano, Janaína, e aos companheiros de curso Wagner, Gislene, Ana
Paula, Naylla, Gideoni, Tamyres, Ivelton, Milena, Olívia, Bárbara, Denisiane, Lívia,
Simone e tantas outras pessoas que me auxiliaram durante a confecção deste
trabalho e que souberam compreender a minha ausência nos últimos tempos,
orando por mim e pedindo a Deus que renovasse as minhas forças para seguir em
frente. Vocês tornaram essa caminhada mais leve e prazerosa.
Ao meu amigo Rubelvan, agradeço especialmente pela atenção, pelo carinho e por
ter dedicado uma parte do seu tempo para me auxiliar na confecção deste trabalho
com suas valiosas dicas. Muito obrigada mesmo! Você é uma benção de Deus em
minha vida!!
Aos meus companheiros da Justiça Federal e do Ministério Público Federal, quero
agradecer pelo profissionalismo, pelo carinho e companheirismo demonstrados
durante o meu período de estágio. Com vocês aprendi a ser uma profissional melhor
e mais dedicada. Mais do que servidores, vocês se tornaram meus amigos.
Agradeço ainda em especial a Janieli, Priscila, Dona Maria, Michele, Valmir,
Lucileide, Carlos e Márcia pela torcida sempre fiel e ao meu atual supervisor de
estágio Alexandre Brito pela paciência e por ter dedicado parte do seu precioso
tempo para me orientar e contribuir de forma extremamente enriquecedora com a
presente pesquisa. A vocês o meu muito obrigada! Que Deus continue a abençoálos!!
Sou ainda grata a Deus porque mesmo em meio a um ambiente por vezes
excessivamente competitivo, tive a oportunidade de conhecer verdadeiros amigos na
faculdade, com os quais pude contar nas horas difíceis e celebrar em momentos de
vitória. Muito obrigada Alícia, Valdenize, Janiere e Márcio Alexandre por terem
permanecido ao meu lado, auxiliado nas atividades acadêmicas e por terem me
oferecido uma amizade sincera e dedicada. Passe o tempo que passar, jamais me
esquecerei da companhia e compreensão de vocês, das risadas, da correria e das
noites em claro preparando os seminários. Mais do que ter adquirido conhecimento,
esta graduação se tornou especial para mim por ter conhecido vocês. Peço a Deus
que os abençoe sempre e que os capacite cada vez mais para lutar pelos seus
sonhos. Vocês são a família que Deus me permitiu escolher. Amo vocês!!
Agradeço ainda aos funcionários da FASETE pelo profissionalismo demonstrado e
aos Mestres Risete Reis (Mãezete, pessoa superespecial, carismática e altamente
comprometida com a docência), Amin, Rafael, Doralúcia, Jadson, José Élio,
Fabiene, Pedro Camilo, Eça, Gisele, Rodrigo e todos os demais que nos
transmitiram os seus conhecimentos ao longo desta jornada, sendo que alguns
destes se tornaram para nós verdadeiros amigos.
Agradeço ainda ao meu orientador, o professor mestrando Amin Seba Taissun, por
ter me auxiliado na confecção desta pesquisa não apenas com os seus
conhecimentos, mas por ter depositado a sua confiança em mim e me encorajado a
seguir em frente, mesmo naqueles momentos em que nem eu mesma parecia
acreditar que iria dar certo. Foi uma verdadeira honra para mim ter sido a sua
orientada. Por isso, desejo que Deus continue a abençoá-lo!
Por fim, agradeço a todos aqueles que apesar de não terem sido mencionados
anteriormente, direta ou indiretamente contribuíram para que este sonho se tornasse
realidade. Esta conquista não é só minha. Sintam-se felizes e realizados juntamente
comigo!!
"Hoje cabe a mim, cientista do Direito, despojar-me da
antiga visão de mundo para dar espaço ao olhar crítico e
sistemático que transcende a norma escrita e até mesmo
os valores humanos considerados absolutos. Perseguir a
Justiça é a missão a que me entrego."
(MÁRCIO ALEXANDRE)
ROCHA, Adriele Gomes Veloso. ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL. 89 pg.
Monografia (Bacharelado em Direito). Faculdade Sete de Setembro – FASETE. Paulo
Afonso/BA.
RESUMO
A presente pesquisa visou analisar à luz da Constituição Federal de 1988 a recente
modificação legislativa que, por meio da Lei 12.424/2011, inseriu o artigo 1.240-A no
Código Civil, instituindo a chamada “usucapião especial urbana por abandono do lar
conjugal”. Para tanto, foram utilizados os métodos histórico, dedutivo e comparativo,
buscando auxílio na legislação pátria, bem como na doutrina e jurisprudência, a fim
de melhor verificar, ainda que de forma breve, o instituto desde a sua origem no
direito romano, passando pela análise do seu conceito, requisitos e espécies, dentre
outras peculiaridades, até se chegar ao estudo da recente usucapião familiar –
como também é conhecida – e, por fim, verificar a ocorrência de afrontas materiais e
formais à Constituição presentes em seu texto. Após o estudo, concluiu-se que esta
recente e polêmica modalidade acabou por ressuscitar a discussão da culpa pelo fim
do relacionamento, à medida em que elencou o abandono do lar como um dos seus
requisitos, atribuindo o efeito da perda patrimonial a um ilícito de direito civil. Além
disso, por não ter obedecido aos requisitos necessários à conversão em lei da
Medida Provisória nº 514/2010, nem ao disposto na Lei Complementar nº 95/98 que
dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis,
conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, bem como
pela violação ao princípio constitucional da isonomia, padece a referida lei de
inconstitucionalidades formais e materiais, e, portanto, após o devido controle de
constitucionalidade, deve ser retirada do ordenamento jurídico, a fim de preservar a
Supremacia Constitucional.
Palavras Chave: artigo 1240-A (CC); usucapião; abandono do lar; propriedade;
inconstitucionalidade;
ROCHA, Adriele Gomes Veloso. ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL. 89 pg.
Monografia (Bacharelado em Direito). Faculdade Sete de Setembro – FASETE. Paulo
Afonso/BA.
ABSTRACT
The present research aimed to analyze under the light of the Constitution of 1988 the
recent legislative change, that by Law 12.424/2011, has inserted the article 1.240-A
of the Civil Code - which has introduced the called "adverse possession by urban
abandonment of the marital home." Therefore, it was used historical, deductive and
comparative methods, seeking aid from the legislation homeland as well as in
doctrine and jurisprudence in order to better check , even briefly, the institute since
its origins in Roman law , through analysis of its concept , requirements and species ,
among other peculiarities , to get to the study of recent usurpation Family (verificar a
nomenclatura em inglês) - as it is also known - and, finally , to verify the occurrence
of material and formal affronts to the Constitution in its present text. After the study, it
was concluded that this recent and controversial modality eventually resurrect the
discussion of blame for the end of the relationship , to the extent that the
abandonment has listed the home as one of their requirements , giving the effect of a
loss of assets of illicit civil law. Also, by not having obeyed requirements for
conversion into law of Provisional Measure Nº. 514/2010, nor the provisions of the
Supplementary Law Nº. 95/98 which provides for the development, drafting,
amendment and consolidation of laws, as determined the sole paragraph of art. 59 of
the Federal Constitution, as well as the violation of the constitutional principle of
equality, suffers such a law unconstitutional formal and material, and therefore, after
due judicial review, should be removed from the legal system in order to preserve the
Constitutional Supremacy.
Key words: article 1240-A (CC); adverse possession; abandonment of the home;
propriety; unconstitutionality
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................
12
1 ESCORÇO HISTÓRICO ....................................................................................
14
2 DA USUCAPIÃO ................................................................................................ 18
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.............................................................
18
2.2 MODO DE AQUISIÇÃO. .................................................................................
19
2.3 REQUISITOS ..................................................................................................
24
2.3.1 Requisitos pessoais ...................................................................................... 25
2.3 2 Requisitos reais.............................................................................................
26
2.3 3 Requisitos formais.........................................................................................
29
2.4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO...........................................................................
35
2.4.1 Usucapião extraordinária............................................................................... 35
2.4.2 Usucapião ordinária....................................................................................... 38
2.4.3 Usucapião especial.......................................................................................
40
2.4.3.1. Usucapião especial rural...........................................................................
41
2.4.3.2 Usucapião especial urbana........................................................................
42
3 USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL
51
3.1 REQUISITOS...................................................................................................
54
3.1.1 Imóvel de propriedade comum do casal........................................................ 54
3.1.2 Lapso temporal de dois anos........................................................................
56
3.1.3. Abandono do lar...........................................................................................
58
4 ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA USUCAPIÃO ESPECIAL
URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL ............................................
63
4.1 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................
66
4.2 DOS ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DA USUCAPIÃO FAMILIAR ......... 71
4.2.1 Da ocorrência de inconstitucionalidade formal ............................................. 71
4.2.1.1 Dos requisitos de relevância e urgência da Medida Provisória nº
514/2010................................................................................................................
73
4.2.2 Da ocorrência de inconstitucionalidade material...........................................
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................
83
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 85
12
INTRODUÇÃO
Como todas as normas que integram o ordenamento jurídico devem obedecer à
supremacia constitucional, esta pesquisa objetivou analisar à luz da Carta
Republicana de 1988 a recente modalidade de usucapião especial urbana por
abandono do lar conjugal (ou usucapião familiar) instituída por meio da Lei
12.424/2011, que inseriu o art. 1.240-A no Código Civil de 2002.
A presente pesquisa se justifica por ser o referido instituto bastante recente e não
haver ainda ampla discussão doutrinária a seu respeito, apesar dos diversos
reflexos que causará nas relações familiares, jurídicas e patrimoniais. Além disso, o
seu texto demonstra sinais de violação à Constituição Federal. Como objetivo geral
deste trabalho, está a análise da constitucionalidade do artigo 1.240-A do Código
Civil.
Para atingir este objetivo, estudou-se o instituto e analisou-se se foram observados
os requisitos necessários à conversão em lei da Medida Provisória nº 514/2010,
além de buscar entender o porquê de os imóveis rurais não terem sido
contemplados quando da edição da norma e por qual motivo a lei teria estabelecido
distinção entre o separado de fato e os solteiros e os que ainda vivem na constância
da sociedade conjugal, que não podem ser beneficiados pela usucapião familiar,
cujo
prazo imposto é mais exíguo. Para tanto, foi utilizado o método dedutivo,
buscando auxílio na legislação pátria, bem como na doutrina e jurisprudência, a fim
de traçar um panorama comparativo dos institutos.
No capítulo inicial do trabalho, dedicou-se ao estudo do desenvolvimento histórico
da usucapião, desde a sua origem no direito romano até a recente modificação
trazida com a inclusão no ordenamento jurídico brasileiro da usucapião especial
urbana por abandono do lar conjugal.
No segundo capítulo, foi abordado o instituto da usucapião, ainda que de forma
breve, de forma a analisar o seu conceito, natureza jurídica, modo de aquisição,
requisitos e espécies.
13
No terceiro capítulo, analisou-se especificamente a usucapião familiar em seus
aspectos mais relevantes, estudando os seus requisitos e buscando entender o
motivo de o instituto ter ingressado no ordenamento jurídico de forma tão prematura
e deficiente, o que culminou numa série de equívocos por parte do legislador, como
o reingresso da discussão da culpa nas relações familiares após o término do
vínculo afetivo.
Por fim, no quarto capítulo, discorreu-se brevemente sobre o controle de
constitucionalidade aplicado no Brasil, para então ser analisado o texto da usucapião
especial urbana por abandono do lar conjugal, com vistas a identificar possíveis
afrontas à Constituição Federal de 1988.
14
1. ESCORÇO HISTÓRICO
Antes de adentrar no mérito da questão sobre a análise das inconstitucionalidades
da usucapião familiar, é de fundamental importância que se analise, ainda que
brevemente, o instituto desde a sua gênese.
Acerca das raízes históricas da usucapião, por mais que alguns autores acreditem
que o instituto surgiu na Grécia, Fabio Caldas de Araújo afirma que “não há dúvida
de que o Direito Romano consiste em sua fonte primordial”. (ARAÚJO, 2013, p. 59).
Nelson Luiz Pinto, apud Roberta Toledo (2006, p. 144-145), afirma que a usucapião
surgiu “no Direito romano, com fito de proteger a posse do adquirente imperfeito,
que recebera a coisa sem as solenidades necessárias, de acordo com a legislação
vigente àquela época”. Tratava-se, então, de revestir de juridicidade uma situação já
existente no mundo fático.
A sua origem remonta à época da Lei das XII Tábuas, em que era previsto o lapso
temporal de dois anos para a usucapião de bens imóveis e de um ano para os
móveis. Segundo Maria Helena Diniz (2010, p. 153), aplicava-se ainda o prazo de
um ano às mulheres, “pois o usus também foi uma das formas de matrimônio na
antiga Roma”. [Grifos no original].
Os prazos eram extremamente pequenos, pois levavam em consideração a
dimensão territorial romana à época. Não eram exigidos outros requisitos para a
consolidação da usucapião, com as seguintes exceções: “proibição da prescrição
aquisitiva sobre objetos furtados, sendo discutível a existência de boa-fé e causa
justa para a consumação da usucapião nesta primeira fase de maturação do
instituto”. (ARAÚJO, 2013, p. 60).
E o autor observa ainda o seguinte:
A posse não poderia ser obtida mediante atos de violência, pois tal
fato contrariava a natureza do instituto. A finalidade da usucapio era
a de eliminar uma incerteza quanto ao titular do domínio, acarretando
a perda da posse do bem para o proprietário inerte. No caso dos
15
bens móveis tal comprovação se faria pela posse de objeto não
furtado. (ARAÚJO, 2013, p. 61). [Grifos no original].
Outro fato importante é que os estrangeiros não poderiam ser beneficiados pela
usucapião, pois ela tinha como objeto apenas a propriedade quiritária, que só
poderia pertencer aos cidadãos romanos. Estes últimos poderiam reivindicar a posse
de sua propriedade, caso algum estrangeiro a tivesse em suas mãos. A coisa
passível de ser usucapida deveria ter valor econômico.
Posteriormente, com a expansão territorial romana, “devido a inúmeras invasões
fora da Itália, os terrenos provinciais começaram a ser ocupados, tanto pelo povo do
Lácio como por estrangeiros” (TOLEDO, 2006, p. 145). Consequentemente, as
relações sociais passaram a se tornar mais complicadas, exigindo que o sistema
jurídico se aperfeiçoasse. Surgiu, então, uma nova forma de usucapião, conhecida
como longi temporis praescriptio ou longi temporis exceptio. No dizer de Araújo
(2013, p. 62), “Trata-se de criação pretoriana (ius honorarium), onde o possuidor de
boa-fé, com justo título e que estivesse sobre o imóvel por certo tempo, poderia opor
em juízo a exceptio”.
Convém ressaltar que a exceptio não era forma de aquisição da propriedade, mas
sim uma forma de defesa da posse prolongada contra o proprietário. O prazo
também era diferente do previsto para a usucapião: 10 anos entre presentes e 20
entre ausentes. Para utilizá-la, além do prazo, deveria ser demonstrado o
preenchimento dos requisitos de justo título e boa-fé.
Araújo (2013, p. 64) explica ainda que no período clássico as características da
usucapião permaneceram as mesmas, enriquecendo-se no que diz respeito à boa-fé
e ao justo título, que passaram a ser requisitos obrigatórios.
No período pós-clássico, ocorreram diversas modificações nos institutos da usucapio
e da praescriptio. Araújo (2013, p. 67) leciona que numa reforma iniciada pelo
Imperador Constantino e terminada por Teodósio, foi extinto o direito de vindicar do
proprietário inerte. Apesar de não perder a sua propriedade, ele não poderia
reivindicar “caso permanecesse silente por 40 anos – prazo, este, reduzido,
posteriormente, para 30 anos”. Era a chamada praescriptio longissimi temporis.
16
Inicialmente, Justiniano fundiu os institutos da usucapio e da praescriptio longi
temporis. Em seguida, “determinou que a usucapio apenas persistiria como meio de
aquisição da propriedade de bens móveis , com os mesmos requisitos e prazo de 3
anos”.(Araújo, 2013, p. 67-68).
A praescriptio, por sua vez, tornou-se modo de aquisição da propriedade para
aquele que possuiu o imóvel por trinta anos, ainda que sem justo título, mas com
boa-fé. Trata-se, segundo o autor, do surgimento da usucapião extraordinária.
Na Idade Média, vigorou o feudalismo, caracterizado pela concentração da
propriedade nas mãos dos senhores feudais. Os moradores dos feudos recebiam a
detenção precária das terras para cultivá-las, mas em troca deveriam cumprir uma
série de obrigações.
Nessa época, ensina Araújo (2013, p. 70) que a matéria da prescrição era regulada
pelas Ordenações Afonsinas, Filipinas e Manuelinas. Não havia uma distinção entre
a prescrição aquisitiva e a extintiva, nem tampouco da usucapião de maneira
isolada.
No texto das Ordenações Manuelinas, existia uma prescrição ordinária pelo prazo de
dez ou vinte anos, desde que preenchidos os requisitos de posse, justo título e boafé. Já a extraordinária não exigia o justo título, mas em compensação se consumava
em apenas trinta anos. Havia ainda a prescrição imemorial, que ocorria no prazo de
vinte anos entre presentes e quarenta entre os ausentes, sem exigência de boa fé.
O autor (2013, p. 72) afirma ainda que em 1534, sob forte influência do Direito
Canônico, D. João III proibiu que a prescrição aquisitiva fosse concedida ao
possuidor imbuído de má-fé. Dessa forma, foi modificado o texto das Ordenações
Filipinas, que passou a “exigir a boa-fé em relação a todas as espécies de
prescrição aquisitiva”.
O primeiro Código Civil brasileiro (de autoria de Clóvis Beviláqua) só foi aprovado
em 1916, após quase cem anos de proclamação da Independência. Com suas
disposições, no dizer de Araújo (2013, p. 76), ele aboliu a prescrição imemorial,
pondo em seu lugar a extraordinária. Os prazos eram de dez anos para os bens
17
móveis e de trinta para os imóveis. Foram mantidos os prazos da prescrição
ordinária de três, dez ou vinte anos (entre presentes e ausentes, respectivamente).
Foi com a promulgação da Constituição de 1988 e com a entrada em vigor do
Código Civil que foram instituídas novas modalidades de usucapião e encurtados os
prazos vigentes até então.
Observa-se atualmente a valorização da posse-trabalho e da moradia nos imóveis
passíveis de serem usucapidos. Extinguiu-se a distinção entre presentes e ausentes
e agora a usucapião extraordinária se consuma em quinze anos, podendo ser
reduzido o prazo para dez anos se a posse for qualificada.
Na modalidade ordinária, em que é exigida a boa-fé, o prazo inicial é de dez anos,
que pode vir a ser de cinco, caso se demonstrem os requisitos de aquisição onerosa
do imóvel, registro do título em cartório, posterior cancelamento do registro,
estabelecimento da moradia no bem, ou realização de investimentos de interesse
social e econômico.
Foram criadas ainda as modalidades especial rural e urbana, esta última se
dividindo em individual e coletiva, além de ter sido recentemente criada a
modalidade de usucapião especial urbana por abandono do lar conjugal, como mais
adiante se verá. Tecido este breve panorama histórico, passar-se-á ao estudo da
usucapião.
18
2. DA USUCAPIÃO
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A usucapião está prevista nos arts. 1.238 a 1.244 do Código Civil pátrio como uma
das formas de aquisição da propriedade imóvel, aplicando-se também às coisas
móveis nos arts. 1.260 a 1.262. Usucapião vem do termo usucapio, que por sua vez,
é resultado da junção dos vocábulos capere (tomar) e usus (uso), significando,
então, tomar pelo uso (VENOSA, 2010, p. 207).
Com fulcro na histórica definição de Modestino no Digesto, assim Caio Mário da
Silva Pereira conceitua o instituto: “Usucapião é a aquisição da propriedade ou outro
direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos
definidos em lei”. (PEREIRA, 2010, p. 117).
Sílvio de Salvo Venosa denomina usucapião “o modo de aquisição da propriedade
mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas condições”.
(VENOSA, 2010, p. 207).
Maria Helena Diniz, por sua vez, conceitua o instituto como sendo “um modo de
aquisição da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação,
enfiteuse, servidões prediais) pela posse prolongada da coisa com a observância
dos requisitos legais”. (DINIZ, 2010, p. 155).
Pode também ser conceituado como “uma aquisição de domínio pela posse
prolongada”, como o fez Clóvis Beviláqua (BEVILÁQUA, apud DINIZ, 2010, p. 155).
No Dicionário Jurídico Acquaviva, encontra-se a seguinte definição: “A usucapião é
modo originário de aquisição da propriedade, autorizada pela posse mansa e
pacífica de um bem no período fixado por lei”. (ACQUAVIVA, 2009, p. 857).
Já para Carlos Roberto Gonçalves, a usucapião é “modo originário de aquisição da
propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles
as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos
requisitos exigidos pela lei”. (GONÇALVES, 2006, p. 124). Grifos no original.
19
Por mais que as definições dadas pelos autores sejam divergentes em um ou outro
aspecto, o conceito que se extrai é que a usucapião é uma forma de aquisição
originária da propriedade (móvel e imóvel) e de alguns direitos reais em decorrência
do exercício da posse mansa, pacífica e sem oposição do bem pelo lapso de tempo
e demais requisitos exigidos pela lei.
Há dissenso doutrinário do ponto de vista gramatical, uma vez que o vocábulo pode
ser utilizado tanto no gênero masculino, quanto no feminino. Venosa o utiliza em sua
forma masculina, mas esclarece que aqueles que se referem ao instituto como “a
usucapião” levam em conta a origem latina da palavra (VENOSA, 2010, p. 207). O
Código Civil de 1916 utilizou o termo no masculino, mas tendo em vista que o de
2002 preferiu optar pelo feminino, esta será a postura adotada no decorrer do
presente trabalho.
2.2 MODO DE AQUISIÇÃO
É inegável que a usucapião evoluiu muito desde o seu surgimento no cenário
jurídico até os dias atuais. Entretanto, até agora os doutrinadores ainda não
chegaram a um consenso acerca de ser a usucapião um modo de aquisição
originário ou derivado. A maior parte dos doutrinadores, porém, classificam-na como
forma originária de aquisição da propriedade.
Pontes de Miranda (1983, Tomo XI, p. 106) adverte que os conceitos de
originariedade e derivatividade são relativos, dependendo da forma que se observa
a aquisição da propriedade, o que, no seu entendimento, pode ser feito tanto do
ponto de vista da história da coisa imóvel, como da história do titular da propriedade
imóvel:
Na história da coisa imóvel, a aquisição da propriedade imóvel é
originária se nunca (memorialmente) foi a coisa objeto de tal
propriedade: ao adquiri-la alguém, não há lembrança (jurídica) de
que outrem tenha sido, em algum tempo, titular de relação jurídica de
domínio em que essa coisa fôsse objeto. Se alguém, algum dia, o foi,
20
a aquisição é posterior. Na história dos titulares do direito de
propriedade, atende-se ao momento da aquisição, e só a êle: é ao
título que se há de chamar de originário, ou derivado. Por isso
mesmo, não se indaga se a coisa teve dono, em momento que não
foi o imediato anterior ao em que se adquire. Se herdei, adquiri a
título derivado: o que era sujeito da relação jurídica de domínio,
deixando de o ser, permitiu que eu lhe sucedesse, e o meu título tem
autor. [...] Autor neste sentido se diz aquêle de quem o réu recebeu
causa, isto é, de que houve a coisa que possui, e em cujos direitos
sucedeu, ou por título universal, como o de herdeiro, ou por título
particular, como o de donatário, comprador, ou outro semelhante. Se
o meu título não tem autor, o meu título é originário. (MIRANDA,
1983, Tomo XI, p. 106). [sic]. Grifos no original.
Para ele, dentre as formas de aquisição da propriedade imobiliária, tanto a acessão
como a usucapião tratam-se de formas originárias, uma vez que “o que acede
objetivamente se integra, sem que se suceda, tal como se usucape sem que se
suceda a outrem [...]”. (MIRANDA, 1983, Tomo XI, p. 115). O autor defende o seu
posicionamento:
Na usucapião, o fato principal é a posse, suficiente para
originariamente se adquirir; não, para se adquirir de alguém. É bem
possível que o nôvo direito se tenha começado a formar, antes que o
velho se extinguisse. Chega momento em que êsse não mais pode
subsistir, suplantado por aquêle. Dá-se, então, impossibilidade de
coexistência, e não sucessão, ou nascer um do outro. Nenhum ponto
entre os dois marca a continuidade. Nenhuma relação, tão-pouco,
entre o perdente do direito de propriedade e o usucapiente. [sic].
Grifos no original.
O doutrinador De Ruggiero, apud Diniz (2010, p. 156), defende que a usucapião
deve situar-se em um plano intermediário entre as aquisições originárias e
derivadas. Para ele, “a usucapião não apaga os ônus que podem recair sobre a
coisa usucapida”.
É certo que na aquisição da propriedade por usucapião não há a transmissão
voluntária da propriedade entre o antigo possuidor e o usucapiente. Segundo Diniz
(2010, p. 156), “O usucapiente torna-se proprietário não por alienação do
proprietário precedente, mas em razão da posse exercida. Uma propriedade
desaparece e outra surge, porém isso não significa que a propriedade se transmite”.
21
Ela segue afirmando:
A usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer
ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o
transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o
primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e
declara por sentença a aquisição por usucapião. (2010, p. 156).
A esse respeito, tal é o posicionamento adotado por Sílvio de Salvo Venosa:
O usucapião deve ser considerado modalidade originária de
aquisição, porque o usucapiente constitui direito à parte,
independentemente de qualquer relação jurídica com anterior
proprietário. Irrelevante ademais houvesse ou não existido
anteriormente um proprietário. (VENOSA, 2010, p. 209)
Apesar de a maior parte da doutrina defender a usucapião como sendo forma
originária de aquisição da propriedade, Caio Mário da Silva Pereira, em sentido
contrário, assevera:
Considera-se originária a aquisição, quando o indivíduo, num dado
momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o
senhorio de outrem. Assim entendendo, não se pode atribuir ao
usucapião esta qualificação, porque é modalidade aquisitiva que
pressupõe a perda do domínio por outrem, em benefício do
usucapiente. Levando, pois, em conta a circunstância de ser a
aquisição por usucapião relacionada com outra pessoa que já era
proprietária da mesma coisa, e que perde a titularidade da relação
jurídica dominial em proveito do adquirente, conclui-se ser ele uma
forma de aquisição derivada. Mas não se pode deixar de salientar
que lhe falta, sem a menor dúvida, a circunstância da transmissão
voluntária, ordinariamente presente na aquisição derivada.
(PEREIRA, 2010, p. 118)
César Fiuza acredita ser o entendimento esposado por Caio Mário o mais acertado,
levando em conta que a divisão entre os modos originários e derivados de aquisição
advém do Direito Romano, que possuía um ponto de vista puramente objetivo. O
autor assim se manifesta:
22
Não obstante, mesmo se partirmos da premissa moderna de que as
relações jurídicas reais se estabelecem não entre titular e coisa, mas
entre titular e não-titulares, a conclusão de que o usucapião é modo
derivado de aquisição se confirma. Ora, ainda quando o ocupante da
coisa a possua à revelia do dono, haverá entre eles relação jurídica.
Este como titular, aquele como não-titular. E não é senão por força
desta relação, que o dono poderá reivindicar a coisa do possuidor. É
por força desta relação que o usucapião se concretiza. Se a coisa
não tivesse um dono antigo, não se poderia falar em usucapião. Por
outras palavras, se não houvesse relação alguma entre o possuidor
(não-titular da propriedade) e o dono (titular da propriedade), não
haveria qualquer usucapião. Assim, se a aquisição por usucapião
pressupõe relação jurídica preexistente, será forma derivada, e não
originária. (FIUZA, 2012, p. 876).
Convém ressaltar que a questão quanto ao modo de aquisição por usucapião ser
originário ou derivado não se trata de mera discussão doutrinária em busca de qual
seria a melhor classificação, mas sim de uma preocupação altamente relevante,
uma vez que a opção entre um ou outro posicionamento pode resultar em
importantes consequências
práticas quanto
às características originais da
propriedade que serão transmitidas ou não ao futuro proprietário.
A esse respeito, Pontes de Miranda (1983, Tomo XI, p. 106) afirma que na aquisição
originária, o domínio é adquirido tal como o adquirente o atrai, e não “tal como a
vontade do adquirente o criou”, ou “tal como a vontade do adquirente a constitui”,
como, segundo ele, afirmaram Lafaiete Rodrigues Pereira, Lacerda de Almeida e C.
Mayns. Se, no entanto, a aquisição for derivada, a propriedade será transferida da
mesma forma como se achava com o sucedido ou transferente. Isto porque “a
tradição não deve nem pode transferir mais ao que recebe do que há no que
transmite”.
No dizer de Carlos Roberto Gonçalves:
Se o modo é originário, a propriedade passa ao patrimônio do
adquirente escoimada de quaisquer limitações ou vícios que
porventura a maculavam. Se é derivado, a transmissão é feita com
os mesmos atributos e eventuais limitações que anteriormente
recaíam sobre a propriedade, porque ninguém pode transferir mais
direitos do que tem. (GONÇALVES, 2006, p. 122-123)
23
Por isso, além de defender ser a usucapião uma forma originária de aquisição da
propriedade, assim se posiciona o doutrinador Fabio Caldas de Araújo:
Infundado o argumento que pretende visualizar nessa nova relação
jurídica qualquer transmissão de direitos. A maior prova da
inexistência de nexo causal junto à pretensa transmissão de direitos
está no efeito liberatório da usucapião (usucapio libertatis). Em
termos práticos esta conclusão é importantíssima, pois com o
nascimento do direito de propriedade para o possuidor prescribente
desaparece todo o histórico da matrícula, pela constituição de uma
nova. Os eventuais gravames e direitos reais menores inscritos,
como o usufruto ou direito de superfície, desaparecem pela aquisição
ex novo. A conclusão oposta é infundada e não encontra respaldo
sequer na natureza jurídica da ação de usucapião, que é
declaratória. Se a usucapião revelasse modo derivado de
transmissão do domínio, obviamente transferiria todos os direitos
ligados ao ato de possessão. Assim, ocorreria verdadeira subrogação, onde todos os gravames seriam transmitidos ao novo
proprietário. Esta posição não se coaduna com a melhor doutrina, e
hoje está superada pelo posicionamento histórico do STF quanto à
matéria. É evidente que o novo proprietário não assume os encargos
que porventura recaíam sobre o imóvel. (CALDAS, 2013, P. 104105). Grifos no original.
Além disso, outro tema bastante relevante diz respeito à incidência ou não do
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), uma vez que se a usucapião
for considerada forma de aquisição derivada, dará ensejo à cobrança do tributo, pois
terá havido transmissão de propriedade. Do contrário, encarando-se como modo
originário de aquisição, não haverá que se falar em transmissão de propriedade, e
muito menos em incidência do ITBI.
Para melhor esclarecimento, convém colacionar o seguinte aresto, tido por Fabio
Caldas de Araújo como o posicionamento histórico do Supremo Tribunal Federal:
Tributário – Imposto de Transmissão. A ocupação qualificada e
continuada, que gera o usucapião, não importa em transmissão de
propriedade, pois dele decorre modo originário de adquirir. A
aquisição decorre do fato da posse, sem vinculação com o anterior
proprietário – Imposto de transmissão indevido, em decorrência do
usucapião” (STF, 2ª Turma, RE 103.434, Rel. Min. Aldir Passarinho,
24
j. 24.10.1985, DJU 14.2.1986, p. 1.209, Ement. VOL.01407-02 PP00216).
Assim, diante dos conceitos explicitados, percebe-se que inobstante o imóvel
usucapido tenha anteriormente pertencido a alguém, tendo em vista que este último
não transmitiu voluntariamente a propriedade, não há que se falar em qualquer
relação entre o antigo e o atual proprietário, pelo que a aquisição do domínio ocorre
de forma originária. Consequentemente, todos os vícios que outrora viessem a
existir sobre o imóvel não mais serão levados em conta, bem como não haverá
incidência de ITBI, já que não houve transmissão da propriedade de um titular a
outro. Todavia, para que isso ocorra, deve a usucapião preencher alguns requisitos
mínimos, os quais passarão a ser analisados.
2.3 REQUISITOS
Para que ocorra a usucapião, é necessário o concurso de requisitos pessoais, reais
e formais.
Em relação aos requisitos pessoais, Diniz (2010, p.158) afirma que “consistem nas
exigências em relação ao possuidor que pretende adquirir o bem e ao proprietário
que, consequentemente, o perde”. Os requisitos reais, como o próprio nome sugere,
estão relacionados aos bens e direitos que podem ser usucapidos. Os formais, por
sua vez, são os elementos que caracterizam a usucapião e podem tanto ser comuns
a todas as espécies (posse, tempo e sentença judicial), como especiais (justo título e
boa fé).
As situações aptas a suspender, impedir ou interromper o prazo prescricional estão
previstas nos arts. 197 a 204 do Código Civil, assim elencados por Diniz (2010, p.
158):
a)
entre cônjuges na constância da sociedade conjugal;
b)
entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
25
c)
entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, durante a
tutela ou curatela;
d)
em favor do credor solidário nos casos dos arts. 201 e 204, § 1º, do
Código Civil, ou do herdeiro do devedor solidário, na hipótese do art. 204, §
2º, também do Código Civil.
e)
contra os absolutamente incapazes de que trata o art. 3º (do Código
Civil: menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática destes atos;
os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade);
f)
contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados
e dos Municípios;
g)
contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo
de guerra;
h)
pendendo condição suspensiva;
i)
não estando vencido o prazo;
j)
pendendo ação de evicção;
k)
antes da sentença que julgará fato que deva ser apurado em juízo
criminal;
l)
havendo despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a
citação feita ao devedor;
m)
havendo protesto, inclusive cambial;
n)
se houver apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou
em concurso de credores;
o)
se houver ato judicial que constitua em mora o devedor;
p)
havendo qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
em reconhecimento do direito do devedor, alcançando, inclusive, o fiador
(CC, art. 204,§ 3º). [Grifos acrescidos].
Além dos requisitos acima, são exigidos outros, de natureza pessoal, real e formal.
Passa-se agora a uma breve análise de cada um deles.
2.3.1 Requisitos Pessoais
Como visto alhures, a usucapião também é conhecida como prescrição aquisitiva.
Assim, de acordo com o entendimento esposado pelo art. 1.244 do Código Civil,
26
aplica-se à usucapião o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam,
suspendem ou interrompem a prescrição.
A lei elegeu algumas situações específicas para lhes atribuir o poder de impedir,
suspender ou interromper o curso da prescrição, seja por conta das pessoas
envolvidas (como, por exemplo, no caso de cônjuges na constância da sociedade
conjugal, ascendentes e descendentes durante o poder familiar, absolutamente
incapazes) ou por considerarem a especificidade de alguns casos (como na
pendência de condição suspensiva ou de ação de evicção, por exemplo).
Nestas hipóteses, Diniz acentua:
[...] não obstante tratar-se de imóvel suscetível de ser usucapido,
devido a situação especial existente, seja em face da pessoa do
possuidor, como no caso dos incapazes, por exemplo, seja ante a
especial relação que há entre o possuidor e o titular da propriedade
(p. ex., entre marido e mulher, entre ascendente e descendente), a
lei considera obstado o nascimento da usucapião e, se a posse já se
iniciou, sua marcha se interrompe enquanto durar a causa obstativa.
(DINIZ, 2010, p. 159).
Diniz (2010, p. 158) esclarece ainda que “Há proprietários que não podem perder a
propriedade por usucapião, como ocorre com as pessoas jurídicas de direito público,
cujos bens são imprescritíveis”. O adquirente da usucapião deve estar civilmente
apto para adquirir o domínio dessa forma. Já em relação ao sujeito passivo na ação
de usucapião, não há exigência quanto à sua capacidade, bastando tão somente
que seja proprietário do imóvel. Isso porque caberá ao seu representante legal tomar
as medidas necessárias para evitar que contra o representado corram os efeitos da
usucapião em favor de uma terceira pessoa.
Há ainda outros requisitos, a exemplo dos reais, que passam a ser vistos agora.
2.3.2 Requisitos Reais
27
Os requisitos reais dizem respeito às coisas e direitos que podem ser usucapidos, já
que nem todos eles podem ser objeto da prescrição aquisitiva.
Assim, não estão sujeitos à aquisição por usucapião os bens que por sua própria
natureza estão fora do comércio, já que são insuscetíveis de apropriação pelo
homem, como o ar, a luz solar etc.
A esse respeito, tal é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves:
Consideram-se fora do comércio os bens naturalmente indisponíveis
(insuscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar atmosférico, a
água do mar), os legalmente indisponíveis (bens de uso comum, de
uso especial e de incapazes, os direitos da personalidade e os
órgãos do corpo humano) e os indisponíveis pela vontade humana
(deixados em testamento ou doados, com cláusula de
inalienabilidade). São assim, insuscetíveis de apropriação pelo
homem os bens que se acham em abundância no universo e
escapam de seu poder físico, como a luz, o ar atmosférico, o mar alto
etc. Bens legalmente inalienáveis são os que, por lei, não podem ser
transferidos a outrem, não se incluindo nesse conceito os que se
tornaram inalienáveis pela vontade do testador ou doador. A
inalienabilidade decorrente de ato jurídico não tem força de subtrair o
bem gravado da prescrição aquisitiva, não o colocando fora do
comércio. (GONÇALVES, 2006, P. 128). Grifos no original.
Maria Helena Diniz elenca, ainda, como insuscetíveis de serem usucapidos, “os
bens que, por razões subjetivas, apesar de se encontrarem in commercio, dele são
excluídos, necessitando que o portador invertesse o seu título possessório”. (DINIZ,
2010, p. 159). Grifos no original.
É, segundo ela, o que ocorre, por exemplo:
[...] no caso do condômino em face dos demais comunheiros, se
estiver de posse de uma área de terra excedente à correspondente
ao seu quinhão ou à sua quota. Entendem a doutrina e a
jurisprudência que é impossível a aquisição por usucapião contra os
outros condôminos, enquanto subsistir o estado de indivisão, pois
não pode haver usucapião de área incerta. Para que se torne
possível a um condômino usucapir contra os demais, necessário
seria de sua parte um comportamento de proprietário exclusivo, ou a
inversão de sua posse, abrangendo o todo e não apenas uma parte,
ou seja, o condômino para pretender usucapião deverá ter sobre o
28
todo posse exclusiva, cessando o estado de comunhão. (DINIZ,
2010, P. 159-161).
Acerca da usucapião das terras devolutas, assim se manifesta Roberta Cristina
Paganini Toledo:
... há quem sustente que no nosso ordenamento jurídico há a
usucapião de terras devolutas, ante o disposto no art. 188, da
Constituição Federal, que prescreve que a destinação das terras
devolutas deve compatibilizar-se com a política agrícola e com o
plano nacional de reforma agrária, uma vez que aquelas terras
constituem bens patrimoniais estatais afetados por uma destinação
social sui generis. Logo, para esses juristas, possível será ao
particular usucapi-las, para atender ao interesse social de
continuidade da exploração econômica da terra. (TOLEDO, 2006, p.
161)
Entretanto, por determinação legal, os bens públicos também não podem ser
usucapidos. O art. 2º do Decreto n. 22.785/33 dispunha que “Os bens públicos, seja
qual for a sua natureza, não são sujeitos a prescrição”. Essa orientação foi seguida
pelo Decreto-Lei n. 9.760/1946, que dispunha em seu artigo 200: “Os bens imóveis
da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião”.
Posteriormente, a Suprema Corte pacificou o entendimento neste sentido, como se
vê da Súmula 340: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os
demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. Ressalte-se que o
Código Civil aqui referenciado é o de 1916.
Atualmente, a usucapião é vedada tanto constitucionalmente, como por meio do
Código Civil (arts. 183, § 3º, CR/88 e 102, Código Civil), verbis:
CR/88, Art. 183 – Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
(omissis)
29
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
[Grifou-se]
Código Civil, art. 102 - Os bens públicos não estão sujeitos a
usucapião.
Dessa forma, afirma Fabio Caldas de Araújo (2013, p. 215) que “a usucapião sobre
terra devoluta é pedido juridicamente impossível, devendo o magistrado julgar inepta
a petição inicial que contiver tal pretensão”.
Quanto aos direitos, esclarece Diniz (2010, p. 161) que “somente os reais que
recaírem sobre bens prescritíveis podem ser adquiridos por usucapião”. Dentre eles,
estão a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação.
Afirma a autora que a exceção são as servidões não aparentes, que, pelos arts.
1.378 e 1.379 do Código Civil, só podem ser estabelecidas por meio de registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
Superada a análise dos requisitos reais, passa-se, por fim, ao breve estudo dos
requisitos formais.
2.3.3 Requisitos Formais
Os requisitos formais, por fim, compreendem tanto os elementos comuns e
necessários do instituto (posse, decurso do tempo e sentença judicial), como os
especiais (justo título e boa fé).
Até mesmo por razões lógicas, não há que se falar em usucapião sem posse, uma
vez que o instituto é a aquisição do domínio pela posse prolongada, ou, como
preferiu dizer Roberto Senise Lisboa, apud Roberta Toledo (2006, p. 162): “não há
usucapião sem posse, que é detenção física de uma coisa corpórea durante
determinado período de tempo, com ânimo de tê-la para si, como se proprietário
fosse”.
30
Em torno da posse, há duas consagradas teorias: objetiva e subjetiva. Em sua
formulação, ambas levam em consideração os conceitos de animus e corpus.
Corpus, segundo Venosa (2011, p. 1183), “é a relação material do homem com a
coisa, ou a exterioridade da propriedade. [...] Nessa ligação material, sobreleva-se a
função econômica da coisa para servir à pessoa”. O animus, por sua vez, “é o
elemento subjetivo, a intenção de proceder com a coisa, como faz normalmente o
proprietário”.
A teoria subjetiva foi desenvolvida por Savigny e pressupõe a existência do corpus e
do animus para poder ser caracterizada a posse. Para ele, (2011, p. 1183), leciona
Venosa, “é o elemento físico, sem o qual não existe posse. Em sua forma mais
típica, compreende a possibilidade de ter contato direto e físico com a coisa”. Não
basta, entretanto, apenas o corpus. É necessária a presença do animus, o elemento
subjetivo que caracteriza a intenção de possuir a coisa. Acerca dessa teoria, assim
se manifesta Venosa (2011, p. 1183): “[...] é o animus que distingue o possuidor do
simples detentor. O elemento exterior, o corpus, não permite essa distinção, pois
aos olhos de terceiros tanto o possuidor como o detentor, têm relação
aparentemente idêntica com a coisa”. Esta teoria apresenta falhas, pois não
consegue explicar as posses anômalas, como a do credor pignoratício e do
usufrutuário e do enfiteuta, por exemplo.
Criticando o subjetivismo de Savigny, surge a teoria objetiva de Ihering, que no dizer
de Diniz (2011, p. 319), “propugna que para constituir a posse basta o corpus,
dispensando assim o animus [...] o que importa é o uso econômico ou destinação
socioeconômica do bem”. Assim, para a definição objetiva, continua a autora, “a
posse é a exteriorização ou visibilidade da propriedade, ou seja, a relação exterior
intencional, existente normalmente entre o proprietário e sua coisa”.
Convém ressaltar que o Código Civil de 2002, adotou a teoria objetiva da posse,
como se vê em seu art. 1.196 (Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato
o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade).
Vistas as duas correntes de pensamento sobre a posse, é necessário perceber que
não é qualquer espécie de posse que pode conduzir à usucapião. “A posse ad
usucapioenem deverá ser exercida, com animus domini, mansa e pacificamente,
31
contínua e publicamente, durante o lapso prescricional estabelecido em lei”. (DINIZ,
2010, p. 162). Grifos no original.
A respeito da possessio ad usucapionem, assim se manifesta Fabio Caldas de
Araújo:
Ela se diferencia claramente da posse que permite a defesa pelos
interditos possessórios (possessio ad interdicta). O possuidor injusto
poderá pleitear a defesa possessória contra alguém que esbulhe ou
turbe a área que invadiu, mas não terá direito a formar prazo hábil
para a usucapião, pelo menos até a cessação do vício que macula a
sua posse. [...] O elemento diferenciador para configurar a possessio
ad usucapionem será a causa possessionis, uma vez que a mesma
externará a qualidade da posse exercida, pouco importando o
elemento volitivo, que diz respeito ao foro interno do sujeito. [...] Em
suma, será a causa possessionis que determinará a que título o
sujeito detém o bem, e não a vontade, a qual é imprestável para a
averiguação do animus domini no caso concreto. (ARAÚJO, 2013, p.
180-181). Grifos no original.
Como visto, animus domini ou animus rem sibi habendi é a intenção de dono.
Exigem os arts. 1.238 a 1.242 do Código Civil que o usucapiente possua o imóvel
como se fosse seu. É por esta razão que, no dizer de Gonçalves (2006, p. 129),
“Não tem ânimo de dono o locatário, o comodatário e todos aqueles que exercem
posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do
direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvê-la”.
Para Maria Helena, o animus domini é um “requisito psíquico, que se integra à
posse, para afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse”. (DINIZ,
2010, p. 162).
Fâmulo da posse, segundo a autora, é
[...] aquele que, em virtude de sua situação de dependência
econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a uma
outra pessoa (possuidor direto ou indireto), exerce sobre o bem, não
uma posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em
obediência a uma ordem ou instrução. Aquele que assim se
comportar em relação à coisa e à outra pessoa, presumir-se-á
detentor, até prova em contrário (CC, art.1.198, parágrafo único).
32
Tem apenas posse natural, que se baseia na mera detenção, não lhe
assistindo o direito de invocar a proteção possessória. É o que ocorre
com empregados, caseiros, administradores etc., que por presunção
juris tantum, são considerados detentores de bens sobre os quais
não exercem posse própria. (DINIZ, 2011, P. 319-320). Grifos no
original.
Da mesma forma, não induzem a usucapião, segundo o art. 1.208 do Código Civil,
os atos de mera permissão ou tolerância.
Como visto anteriormente, a teoria adotada pelo Código Civil foi a objetiva.
Entretanto, percebe-se que no tocante aos requisitos formais da usucapião, foi
exigida a posse com animus domini (elemento característico do modo de pensar
subjetivista), o qual se verifica a partir do momento em que a usucapião necessita
ser declarada mediante provocação do interessado, não se admitindo a aquisição ad
usucapionem ex officio. Teria, porventura, o legislador excepcionado o objetivismo
de Ihering, ou apenas trazido o animus como um elemento facilitador, mas não
determinante da prescrição?
Determina ainda o legislador que além de ser exercida com animus domini, a posse
que dará ensejo à usucapião deve ser justa, que de acordo com o art. 1.200 do
Código Civil, é aquela “[...] que não for violenta, clandestina ou precária”.
Para Diniz (2010, p. 163), “se a situação de fato for adquirida por meio de atos
violentos ou clandestinos ela não induzirá posse enquanto não cessar a violência ou
clandestinidade, e se for adquirida a título precário, tal situação não se convalescerá
jamais”.
Araújo esclarece ainda:
A posse viciosa não se confunde com a posse de má-fé. O possuidor
ad usucapionem pode estar de má-fé, porque tem conhecimento de
que a área não lhe pertence, mas a inércia do proprietário acaba por
permitir que a usucapião se consume. Ele pode ter ocupado a área
de forma pacífica, pública e sem qualquer abuso de confiança, por
inexistir relação jurídica prévia com as partes. (ARAÚJO, 2013, p.
182).
33
Outra exigência é que a posse seja mansa e pacífica, ou seja, exercida sem
oposição, e não pode se fundar em atos violentos, como agressão física ou moral,
nem tampouco, perturbar a paz social. No dizer de Araújo (2013, p. 186), “A
violência é vício passível de convalidação; portanto, um vício relativo”.
Diniz (2010, p. 162) afirma que “Se a posse for perturbada pelo proprietário, que se
mantém solerte na defesa do seu domínio, falta um requisito para a usucapião”.
Segundo ela, será necessário um comportamento ativo por parte do possuidor,
aliado à passividade do proprietário.
Acerca do proprietário, bem complementa Carlos Roberto Gonçalves:
Todavia, se este tomou alguma providência na área judicial, visando
a quebrar a continuidade da posse, descaracterizada fica a ad
usucapionem.
Providências
extrajudiciais
não
significam,
verdadeiramente, oposição. Se o possuidor defendeu a sua posse
em juízo contra invectivas de terceiros e evidenciou o seu ânimo de
dono, não se pode falar em oposição capaz de retirar da posse a sua
característica de mansa e pacífica. (GONÇALVES, 2006, p. 130).
Grifos no original.
Deve ainda a posse ad usucapionem, além de pública, ser contínua, ou seja, sem
intervalos nem interrupções, para que se atinja o tempo necessário para a aquisição
por usucapião.
Araújo (2013, p. 187) defende a seguinte ideia:
... a posse pode ser contínua sem ser constante, não sendo
necessário que o possuidor esteja em contato físico com a res. Basta
que o possuidor exerça os atos de disposição e gozo sobre o bem,
de forma regular, como se proprietário fosse. Deste modo, a
continuidade não é absoluta, pois admite, conforme já exposto, que a
posse seja exercida com a prática de atos materiais em intervalos,
desde que regulares.
Importante salientar que apesar de a lei exigir a continuidade da posse, permite a
acessão da posse, mediante o disposto no art.1.243 do Código Civil: “O possuidor
34
pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar
à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam
contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”. Caio
Mário (2010, p. 120) esclarece que “... a posse do antecessor não acede à do
usucapiente se era de má-fé; nem ocorre a accessio temporis se o atual possuidor
não é sucessor do antigo”.
Para que a usucapião se consume, deve ser obedecido ao lapso temporal
estabelecido pela lei, que irá variar conforme a modalidade de usucapião. Para Caio
Mário (2010, p. 120), a questão em torno do tempo necessário para usucapir “É um
problema de política legislativa, que se resolve diferentemente nos diversos
sistemas jurídicos, e até mesmo num mesmo sistema jurídico varia com o tempo”.
Gonçalves (2006, p. 131) esclarece que se contam os anos pelos dias, e não pelas
horas, excluindo-se o primeiro dia e incluindo o último. Convém lembrar que
conforme o art. 1.210 do Código Civil, o possuidor poderá lançar mão dos interditos
possessórios contra os indivíduos que desejarem turbar ou perturbar a sua posse,
ainda que não tenha transcorrido o tempo necessário para usucapir o imóvel.
Uma vez transcorrido o lapso temporal necessário e adquirido o domínio do bem
pela usucapião, determina ainda o art. 1.241: “Poderá o possuidor requerer ao juiz
seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”. Tal
declaração, de acordo com o parágrafo único do artigo, constituirá título hábil para o
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Diniz (2010, p. 164) afirma que a sentença e o registro a que fazem alusão o art.
1.241 e seu parágrafo único, respectivamente:
... não têm valor constitutivo e sim meramente probante, como um
elemento indispensável para introduzir o imóvel usucapido no
registro imobiliário, para que ele possa daí por diante, com esta
forma originária, seguir o curso normal de todos os bens imóveis,
quer em sua utilização, quer na criação de seus direitos reais de
fruição ou de disposição, antes do que não seria possível criá-los.
35
Em sentido contrário, Silvio Rodrigues, apud Diniz (2010, p. 164), ”entende que essa
sentença tem caráter constitutivo, porque antes dela o possuidor reúne em mãos
todos os requisitos para adquirir o domínio, mas, até que a sentença proclame tal
aquisição, o usucapiente tem apenas expectativa de direito”.
Além dos requisitos básicos (posse, tempo e sentença), a modalidade ordinária
exige ainda a presença do justo título – que no dizer de Gonçalves (2006, p. 23), é
aquele “que seria hábil para transmitir o domínio e a posse se não contivesse
nenhum vício impeditivo dessa transmissão. Por exemplo, uma escritura de compra
e venda, devidamente registrada, é um título hábil para a transmissão de imóvel” – e
da boa fé, que segundo Fiuza (2012, p.869), “é a crença do possuidor de que
legitimamente lhe pertence a coisa de que tem posse. Essa crença é sempre
resultado de erro de fato. O erro que procede da ignorância do vício ou do obstáculo
que impede a transferência do domínio”.
Superada a análise destes requisitos, ressalta-se que a usucapião especial também
exigirá alguns requisitos especiais, os quais serão analisados adequadamente no
próximo tópico, juntamente com as demais modalidades.
2.4. ESPÉCIES DE USUCAPIÃO
Em breves linhas, buscar-se-á uma visão panorâmica dos conceitos e dos principais
aspectos das espécies de usucapião adotadas pelo direito brasileiro, excetuando-se
a usucapião indígena, uma vez que foge ao objeto desta pesquisa, além ser tratada
em legislação específica (Lei 6.001/1973, também conhecida como Estatuto do
Índio). A modalidade especial familiar será tratada neste capítulo de modo bastante
superficial, considerando que posteriormente ela será alvo de uma discussão mais
aprofundada no corpo central deste trabalho.
2.4.1 Usucapião Extraordinária
36
Para César Fiuza (2012, p. 870), esta modalidade descende da praescriptio
longissimi temporis, e Gonçalves (2006, p. 125) afirma que ela tem como
precedentes históricos não só a praescriptio longissimi temporis (que, segundo ele,
já chegou a ser de 40 anos), mas também a praescriptio longi temporis e a
prescrição imemorial (posse de cujo começo não houvesse memória entre os vivos).
O prazo previsto pelo Código Civil de 1916 para a usucapião extraordinária era de
30 anos, sendo posteriormente reduzido para 20 anos por intermédio da Lei n.
2.437, de 07 de março de 1995. A redação do art. 550 era a seguinte:
Aquele que por 30 (trinta) anos, sem interrupção nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio,
independentemente de título e boa-fé, que, em tal caso, se
presumem, podendo requerer ao juiz que assim o declare por
sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de
imóveis.
Os requisitos, então, eram os seguintes: posse de 30 anos (que depois passou a ser
de 20) em imóvel suscetível de ser usucapido, e o lapso temporal exigido pela lei,
não sendo necessários o justo título e a boa-fé, que eram tidos como presumidos.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o tema passou a ser tratado no art.
1.238, que assim estabelece:
Art. 1.238 - Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,
independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que
assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro
no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez
anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Fiuza (2012, p. 870) afirma que, diferentemente do Direito Justinianeu, a legislação
pátria não elencou a boa-fé como um dos requisitos para esta modalidade de
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usucapião. Assim, segundo ele, “até mesmo o posseiro, imbuído de má-fé desde o
início, terá direito a requerer o usucapião extraordinário”.
Importante ressaltar que além de ter reduzido o lapso temporal para 15 anos, o atual
dispositivo trouxe em seu parágrafo único a possibilidade de redução do prazo para
10 anos, desde que o possuidor nele tenha estabelecido a sua moradia, ou realizado
obras ou serviços de caráter produtivo. Trata-se, segundo Diniz (2010, p. 166), da
“usucapião extraordinária abreviada”.
A respeito dessas alterações ocorridas na usucapião extraordinária, assim se
posiciona Fábio Caldas de Araújo:
A leitura do art. 1.238 deixa claro que a maior inovação deste
dispositivo em relação ao art. 550 do antigo CC concentra-se na
diminuição do lapso temporal para a configuração da prescrição
aquisitiva bem como na inserção de um parágrafo único que introduz
o conceito de posse-trabalho como fator de otimização do prazo para
a usucapião extraordinária. Ressalte-se, ainda, a correção gramatical
do texto anterior. Eliminou-se a expressão “se presume”, o que
consistia em uma incoerência, uma vez que a configuração da
usucapião extraordinária independe de qualquer averiguação quanto
ao título ou à boa-fé. A palavra “transcrição” também foi substituída
por “registro” e, além disso, modificou-se a denominação de
“Registro de Imóveis” para “Cartório de Registro de Imóveis”, o que
acompanha a disciplina estabelecida pela Lei 6.015/1973. (ARAÚJO,
2013, p. 303-304).
No caso da usucapião extraordinária abreviada, esclarece ainda Caio Mário da Silva
Pereira:
Não é imprescindível que o usucapiente exerça por si mesmo e por
todo o tempo de sua duração os atos possessórios, tais como cultivo
do terreno, presença do imóvel, conservação da coisa, pagamento
de tributos, manutenção de tapumes, defesa contra vias de fato de
terceiros, e outros. Consideram-se úteis e igualmente legítimos os
atos praticados por intermédio de prepostos, agregados ou
empregados. (PEREIRA, 2010, p. 123).
Assim, essa modalidade de usucapião exige como requisitos dois elementos
fundamentais: posse ad usucapionem e lapso temporal de quinze ou dez anos, no
38
caso do parágrafo único. Segundo Fiuza (2012, p. 870), “Não se exige a convicção
de dono, mas apenas a vontade de dono. Em outras palavras, o possuidor não tem
que estar intimamente convencido de ser o dono. Basta que possua em nome
próprio”.
Para que seja encurtado o prazo, além dos requisitos básicos, o legislador exige
ainda que seja comprovada a “ocupação qualificada pelo trabalho sobre o imóvel.
Esta ocupação deve estar direcionada para moradia ou produção econômica para o
sustento do usucapiente”. (ARAÚJO, 2013, p. 309).
No dizer de Toledo:
Verifica-se aqui a valorização do trabalho humano, o princípio da
socialidade, quando aquele que por 10 (dez) anos possui um imóvel,
como seu, praticando todos os atos necessários a sua devida
manutenção, não pode ser compelido a deixá-lo para quem o
abandonou sem atenção à função social da propriedade. (TOLEDO,
2006, p. 169).
Na prática, não será, portanto, necessário investigar a boa-fé do possuidor. Segundo
Venosa, “Em ambas as situações preponderará o aspecto objetivo do fato da posse,
o corpus, ficando o aspecto subjetivo transladado da boa-fé para exclusivamente a
análise da posse ad usucapionem”. (VENOSA, 2010, p. 213-214). Grifos no original.
Toledo acrescenta ainda que é “Perfeitamente aceitável nessa espécie de usucapião
tanto a acessio quanto a sucessio possessionis, com a presunção relativa de boa-fé
e justo título”. (TOLEDO, 2006, p. 170).
2.4.2 Usucapião Ordinária
Acerca desta modalidade de prescrição aquisitiva, o Código Civil anterior estabelecia
o seguinte:
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Art. 551 – Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por 10
(dez) anos entre presentes, ou 15 (quinze) entre ausentes, o possuir
como seu, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé.
Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo
município e ausentes os que habitam em município diverso.
O atual legislador optou por retirar a distinção entre presentes e ausentes,
uniformizando o prazo de contagem em dez anos, independentemente de o
proprietário inerte residir na mesma municipalidade, ou em local diverso. Para Fabio
Caldas de Araújo, foi correta a retirada de tal distinção entre presentes e ausentes,
pois, segundo ele, “os mecanismos de comunicação hodiernos não permitem a
alegação do desconhecimento sobre a situação patrimonial do usucapido, pelo
simples fato de o mesmo não residir no local em que se situa o imóvel”. (ARAÚJO,
2013, p. 374).
A partir da vigência do Código Civil de 2002, o dispositivo passou, então, a ser assim
redigido:
Art. 1.242 - Adquire também a propriedade do imóvel aquele que,
contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir
por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se
o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.
Foram mantidos como requisitos, além da posse e do lapso temporal, o justo título e
a boa-fé. Para Fiuza, esta modalidade “visa proteger aqueles que supostamente
hajam adquirido o imóvel, mas possuem título aquisitivo defeituoso, não se tornando,
assim, donos”. (FIUZA, 2012, p. 867).
Por mais que a usucapião ordinária estabeleça no caput do art. 1.242 do Código
Civil que o prazo será de dez anos, não há que se confundir com a usucapião
extraordinária abreviada prevista no parágrafo único do art. 1.238 do mesmo
diploma, pois esta última é modalidade que “dispensa o justo título e a boa-fé, mas
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que exige o requisito da moradia ou realização de serviços de caráter produtivo no
local”. (VENOSA, 2011, p. 1.255).
Assim como ocorre com o art. 1.238, também há aqui o acréscimo de um parágrafo
único, que introduz mais uma possibilidade de usucapião, conhecida como
usucapião documental ou tabular. Neste caso, reduz-se para cinco anos o lapso
temporal, exigindo-se, para tanto, além dos requisitos básicos da espécie (posse,
tempo, justo título e boa-fé), os seguintes: aquisição onerosa do imóvel, registro do
título em cartório, posterior cancelamento do registro, estabelecimento da moradia
no bem, ou realização de investimentos de interesse social e econômico.
No tocante à usucapião ordinária documental, tal é o entendimento esposado por
Roberta Toledo:
O parágrafo único do referido artigo contempla mais uma facilidade
em prol da aquisição da propriedade baseada na posse qualificada
pelo trabalho. O possuidor que tiver um título anterior, que por
alguma razão fora cancelado, é protegido se: mantém-se no imóvel,
fixou-se ali sua moradia ou realizou investimento de caráter social e
econômico não só de seu interesse, mas que se projetem
socialmente, como, por exemplo, o possuidor que desenvolveu
atividade comercial trazendo emprego a toda uma coletividade, com
a construção de industrias, escolas, hospitais particulares etc.
Nesses casos, é a posse-trabalho e a posse pro habitatione
reduzindo o prazo da usucapião ordinária, pois além da existência do
justo título e da boa-fé, o possuidor deverá ter estabelecido a sua
moradia ou realizados investimentos de interesse social e
econômico. Nessa espécie, não se verifica exigência concomitante
dos requisitos trabalho e moradia, bastando à existência de um ou de
outro. [sic]. (TOLEDO, 2006, p. 171).
No entendimento de Venosa, “A nova lei protege quem, nessa situação, mantém no
imóvel a moradia ou realizou ali investimentos de interesse social e econômico.
Protege-se o possuidor que atribui utilidade para a coisa, [...] em detrimento de
terceiros”. (VENOSA, 2011, p. 1.255)
2.4.3 Usucapião Especial
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Esta modalidade também é conhecida como usucapião constitucional, uma vez que
está tutelada nos arts. 183 e 191 da Carta da República, correspondentes às
modalidades especial urbana e rural, respectivamente, as quais serão apresentadas
a seguir:
2.4.3.1 Usucapião Especial Rural
Esta espécie já estava prevista no ordenamento jurídico desde a Constituição de
1934, que valorizou o caráter produtivo da propriedade. O instituto permaneceu na
Constituição seguinte, e também foi regulado na Lei nº 6.969/1981, conhecida como
Estatuto da Terra, que reduziu o seu prazo de dez para cinco anos.
Venosa (2011, p. 1.250) ensina que esta espécie de aquisição era permitida tanto
em terras particulares como em públicas. Em 1988, a matéria foi trazida no art. 191,
conforme se vê:
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
No Código Civil, tratou-se do tema no art. 1.239. A Carta Magna dobrou a extensão
territorial, que antes era de vinte e cinco hectares, para cinquenta. Não exige essa
modalidade a presença dos requisitos de justo título e boa-fé, mas tão somente se
confere a propriedade outrora abandonada àquela pessoa que dela tomou posse,
estabeleceu nela a sua moradia, tornou-a produtiva e fez com que cumprisse a sua
função social.
No dizer de Toledo (2006, p. 192):
42
O principal efeito da usucapião é transferir ao possuidor que efetuou
obras de caráter econômico e social ou que fixou ali a sua moradia, a
propriedade da coisa em consonância com os ditames
constitucionais vastamente expostos. É constituir título para o
usucapiente, oponível erga omnes.
É por este motivo que esta espécie é conhecida por usucapião pro labore, uma vez
que dentre os seus fundamentos está a valorização do trabalho e a fixação da
moradia familiar na propriedade rural.
A Constituição previu ainda a usucapião especial urbana, que passará a ser
analisada.
2.4.3.2 Usucapião Especial Urbana
A usucapião especial urbana está triplamente prevista no ordenamento jurídico
brasileiro, estando garantida nos arts. 183 da Constituição Federal e regulamentada
pelos art. 9º da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e 1.240 do Código Civil de
2002.
No dizer de Fabio Caldas de Araújo (2013, p.337), “Esta repetição normativa
demonstra a importância do instituto como meio de cumprir a finalidade social da
propriedade urbana”.
A Carta da República de 1988, tendo como um dos seus fundamentos a dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III), possui dentre os seus objetivos construir uma
sociedade justa e solidária (art. 3º, I), erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), além de promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (art. 3º, IV).
Se o constituinte originário não buscasse formas de transformar essas garantias em
realidade, a constituição correria o risco de se tornar uma mera “folha de papel”.
Para que isso não acontecesse, foi inserida no bojo do ordenamento constitucional
uma série de direitos e garantias fundamentais, dentre eles, o que garante o direito à
43
propriedade (art. 5º, caput e XXII). Como nenhum direito ou garantia fundamental é
extremamente absoluto, o inciso XXIII do mesmo art. 5º estabelece: “a propriedade
atenderá a sua função social”.
Não há, entretanto, uma definição constitucional do que seria a função social da
propriedade. A esse respeito, assim se manifesta Eduardo Cambi, apud Roberta
Toledo:
“[...] em relação à função social da propriedade urbana, é necessário
verificar se ela atende ou não as exigências fundamentais expressas
no plano diretor, podendo o Poder Público Municipal, mediante lei
específica, nos termos da Lei 10.257/01, exigir o adequado
aproveitamento do solo [...]”.
Levando em consideração a citada função social da propriedade e a necessidade de
criar mecanismos facilitadores do acesso à habitação, o legislador constitucional
inseriu em seu art. 183 esta figura inovadora, também conhecida como usucapião
pró-moradia, pro habitatione ou habitacional, verbis:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos
e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado
civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de
uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Posteriormente, em 2001, foi promulgada a Lei 10.257, também conhecida como
Estatuto da Cidade, que veio regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal e estabelecer diretrizes gerais da política urbana, dentre outras
providências. Em seu art 9º, repetiu-se quase a mesma redação do art. 183 da
Constituição, inserindo-se no caput a expressão “área ou edificação urbana de até
44
duzentos e cinquenta metros quadrados”. Além disso, a usucapião especial urbana
foi trazida pelo referido Estatuto como um dos instrumentos da política urbana (art.
4º, V, j). E, em 2002, o instituto foi tratado no art. 1.240 do Código Civil.
Barruffini, apud Toledo (2006, p. 177), defende que:
[...] diante da problemática quase insolúvel da moradia nas cidades,
aventou-se uma nova modalidade de usucapião, atendendo, na
medida do possível, a função social da propriedade. Por alguns foi
chamado de usucapião de solo urbano e por outros, usucapião pro
casa, pro morare. É verdade que o escopo foi dar oportunidade de
acesso à propriedade urbana e, conseqüentemente, à moradia, a
uma parte da população que vive em condições subumanas, na
clandestinidade, como se fossem irracionais. [sic]. [Grifos no original].
Percebe-se que esta modalidade difere das demais vistas até então, pois, como
afirma Toledo (2006, p. 178), “Nessa modalidade de usucapião a posse-trabalho
apresenta-se como requisito essencial e não mais como redutor de prazos. A
destinação da área é elemento imprescindível a essa aquisição da propriedade”.
Além disso, o lapso temporal previsto para esta usucapião é de cinco anos, e há
limitação imposta na área da propriedade a ser usucapida, de até 250 m² (duzentos
e cinquenta metros quadrados).
Em torno da área de duzentos e cinquenta metros quadrados, Farias e Rosenvald,
apud Molina (2012, p. 43), assim se posicionam:
O dispositivo quis se referir à área de terreno (do lote), pouco
interessando a dimensão da acessão. É um sofisma concluir que
apenas o miserável será beneficiado pela usucapião especial urbana.
Pelo contrário, trata-se de conceder moradia a quem não tem. [...]
Por isso, será praticamente impossível encontrar uma pessoa
abastada em situação de receber tal benefício.
Araújo (2013, p. 340) segue este raciocínio, afirmando o seguinte:
45
O limite foi fixado em função da área ocupada, e não da área
construída. Indubitavelmente, a restrição deveria ter alcançado os
dois parâmetros – o que não ocorreu –, podendo-se ter uma
construção sobre o terreno que alcançará valores muito superiores
aos da área usucapida.
Em sentido contrário, Molina (2012, p. 43) argumenta:
A maioria dos doutrinadores defende que não deve ser computado
apenas a área do terreno e sim deve ser somado, de forma que a
soma do lote com a construção não extrapole o limite constitucional,
qual seja, duzentos e cinquenta metros quadrados. E o fundamento
que utilizam é justamente a intenção que o legislador constituinte
teve ao elaborar a norma: dar moradia ao sem teto e sua família.
Entender de modo contrário seria afrontar a vontade da lei.
Como se vê, não há unanimidade doutrinária para explicar se a área de 250 m²
(duzentos e cinquenta metros quadrados) diz respeito tão somente ao terreno ou à
soma deste com a área construída.
Acerca da possibilidade ou não da acessão de posses nesta modalidade de
usucapião, Venosa (2011, p. 1251/1252) afirma que houve inicialmente polêmica a
esse respeito. Alguns sustentavam que somente seria beneficiado “aquele” que
fosse o possuidor do imóvel. Era, entretanto, garantida a sucessão causa mortis, já
que esta figura tem nítido caráter protetivo familiar. Tal discussão foi solucionada
com o advento do novo Código Civil, que em seu art. 1.243 estabeleceu: “O
possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes,
acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas
sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.
Não há, portanto, mais espaço pra dúvida, uma vez que a acessão das posses foi
legalmente permitida para todas as espécies de usucapião.
Como requisitos, esta inovadora modalidade exige os seguintes: posse mansa,
pacífica, ininterrupta e exercida com animus domini; prazo de cinco anos; área
urbana medindo até duzentos e cinquenta metros quadrados; estabelecimento de
moradia para si ou sua família no imóvel e ausência de propriedade de qualquer
outro imóvel urbano ou rural.
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Interessante se faz o posicionamento de Fabio Caldas de Araújo:
A finalidade do instituto não é propiciar o estímulo de ocupações para
a revenda comercial, mas estimular a fixação da família em áreas
urbanas, com aproveitamento de propriedades ociosas. [...] Pela
leitura do art. 183, 2º, da CF, visualiza-se que a área ocupada não
poderá exceder a 250 m². O permissivo não se destina à formação
de casas de luxo, mas a permitir moradia simples e digna,
concebendo-se esta metragem como a necessária para a construção
de um núcleo de habitação. (ARAÚJO, 2013, p. 338-340).
De fato, o que se busca com esta modalidade de usucapião não é que os
possuidores estabeleçam moradia no imóvel com vistas à usucapião, com o claro
objetivo de revender posteriormente o bem e reiniciar o ciclo de posse. É por esse
motivo que sabiamente o legislador impôs a restrição do parágrafo 2º, que
estabelece que este direito não será conferido ao mesmo possuidor mais de uma
vez.
Podem ser beneficiados com a usucapião especial urbana, de acordo com o
parágrafo primeiro, tanto o homem quanto a mulher, ou ambos, seja qual for o
estado civil. Aqui está a proteção à família, tendo sido ela constituída mediante
casamento ou união estável.
A esse respeito assim se manifesta Araújo:
Se o título dominial for concedido unicamente para um dos membros
do casal, pela propositura individual da usucapião, tal fato poderia
provocar situação desfavorável. Se o cônjuge abandonar o lar, como
não houve pedido formulado em composse, para o cônjuge que
continuou sobre a área seria essencial repetir a usucapião, mas com
o transcurso do prazo de cinco anos. Para evitar essa situação, o
legislador criou a modalidade especial do art. 1.240-A, que procura
resolver a situação do cônjuge prejudicado pelo abandono. [...] O
ideal é que na posse familiar a inicial seja formulada em litisconsórcio
ativo, o que se trata de exigência legal para as situações de
composse, na dicção do art. 10, § 2º, do CPC, que exige, no mínimo,
o consentimento ou outorga do consorte para a regularização do polo
ativo. Tal fato servirá de subsídio para eventual usucapião formulada
pelo art. 1.240-A do CC. (ARAÚJO, 2013, p. 344).
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Estas providências a que o autor se refere serão de grande valia caso seja
necessário, no futuro, ingressar com uma ação de usucapião baseada no abandono
do lar, também conhecida como usucapião pró-família, que será analisada no
próximo capítulo.
Por fim, convém ressaltar acerca desta modalidade que levando em consideração
ser ela uma inovação trazida pela Constituição de 1988, a partir da promulgação
desta é que se iniciou a contagem do lapso temporal de cinco anos exigido como um
dos seus requisitos. Isto se deu em observância ao princípio da segurança jurídica,
pois os proprietários de imóveis urbanos, ainda que estivessem inertes com relação
aos seus bens, não poderiam ser pegos de surpresa de uma hora para outra com a
perda das suas propriedades, pois até então, o prazo para aquisição dos imóveis
nestas condições era bem maior.
Em determinados casos, não era possível a aplicação desta espécie de usucapião,
porque a área possuída excedia o limite imposto à dimensão territorial e era
ocupada não apenas por uma família, mas por uma coletividade. Pondo solução a
essa questão, o Estatuto da Cidade, em seu art. 10, trouxe em 2001 a previsão de
outra modalidade de usucapião, in verbis:
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua
moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde
não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor,
são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§1° O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este
artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que
ambas sejam contínuas.
§2° A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada
pelo juiz mediante sentença, a qual servirá de título para registro no
cartório de registro de imóveis.
§3° Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§4° O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no
48
mínimo, 2/3 (dois terços) dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.
§5° As deliberações relativas à administração do condomínio
especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos
presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes”.
Trata-se da usucapião especial urbana coletiva, por meio da qual, segundo Fabio
Caldas de Araújo,
[...] o legislador procurou disciplinar uma forma de regularizar áreas
urbanas ocupadas por grupos de pessoas com posse já estabilizada.
Nos grandes centros estas ocupações são facilmente identificáveis e
necessitam de regularização, pois a realidade fática não pode mais
ser desfeita, e a coletividade necessita de inserção socioeconômica.
(ARAÚJO, 2013, p. 355)
É inegável que se torna cada vez mais difícil e oneroso possuir uma moradia na
cidade. A ocupação de imóveis urbanos subutilizados por seus proprietários na
maioria das vezes se torna a única saída para aquelas pessoas que se dirigem aos
grandes centros na esperança de conseguir uma melhoria de vida. Os possuidores
vão chegando aos poucos e quando menos se espera, o que antes era um terreno
sem utilização acaba por se transformar em um emaranhado de casas,
assemelhando-se a um conjunto habitacional, não sendo possível distinguir a área
ocupada por cada um dos possuidores, para que estes busquem a aquisição pela
via da usucapião individual.
Por mais que a lei determine que a coletividade em questão deve ser de baixa
renda, não trouxe ela um conceito do que seria baixa renda. Caberá ao juiz, na
prática, analisar se essa condição foi preenchida. A posse deve ser, assim como na
modalidade individual, justa, mansa, pacífica e ininterrupta pelo período de cinco
anos, sendo permitida a acessão de posses.
São legitimados para propor a ação de usucapião especial urbana, de acordo com o
art. 12 do Estatuto da Cidade o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio
originário ou superveniente; os possuidores, em estado de composse; como
substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente
49
constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos
representados. O parágrafo primeiro estabelece ainda que na ação de usucapião
especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público. Os benefícios da
justiça e da assistência judiciária gratuita serão concedidos ao autor, inclusive
perante o cartório de registro de imóveis. Ressalte-se ainda que esta modalidade,
assim como as demais, pode ser arguida como matéria de defesa.
Ao decretar a sentença, em conformidade com o art. 9, § 3º da Lei 10.257/2001, o
juiz atribuirá cada possuidor fração ideal de terreno, independentemente da
dimensão territorial ocupada por cada um, a menos que os condôminos tenham
formulado acordo escrito, estabelecendo frações ideais diferenciadas. O condomínio
especial constituído é indivisível, não podendo ser extinto, salvo por deliberação
favorável tomada por pelo menos dois terços dos condôminos, no caso de execução
de urbanização posterior à constituição do condomínio. A sentença obtida servirá de
título para o registro no cartório de registro de imóveis.
Ibrahim Rocha, apud Roberta Toledo (2006, p. 184-185), chega à seguinte
conclusão:
O direito de propriedade na área urbana somente se reconhece a
partir da sua função social, inserindo-se instrumentos que permitem
excluir o domínio estéril do meio social, com destaque aos direitos e
interesses da população de baixa renda. A propriedade sem função
social não tem o status que antes lhe atribuía, criando o Estado
meios de retirar-lhe do meio social quando não cumpra o seu
especial caráter, destinando-a a um fim de utilidade social, criando
mecanismos que permitam a reinserção da propriedade como
utilidade social, dentro destes meios é que vem se colocar a ação de
usucapião coletivo.
Na prática, apesar de ter sido boa a intenção do legislador, deve-se tomar muito
cuidado para que esta modalidade de usucapião não seja utilizada como meio de
obtenção de vantagens econômicas ou políticas.
Buscando acompanhar a evolução social, o legislador recentemente inseriu no
ordenamento jurídico pátrio a usucapião especial urbana por abandono do lar
conjugal, prevista no art. 1.240-A do Código Civil. Apesar de possuir caráter
50
nitidamente protetivo, o instituto tem sido alvo de diversas críticas, conforme se verá
nos próximos capítulos.
51
3. DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL
Não é de hoje que a legislação civil sofre constantes mudanças no anseio de
acompanhar o desenvolvimento social. Em mais uma dessas atuações legislativas, a
Lei 11.977/09, que normatizou o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),
implementado pela União, foi modificada pela Lei 12.424, de 16 de junho de 2011,
objetiva “garantir o acesso à moradia adequada, a melhoria da qualidade de vida da
população de baixa renda e a manutenção do nível de atividade econômica, por
meio de incentivos ao setor da construção civil”.
O seu artigo 9º incluiu no ordenamento jurídico uma nova modalidade de usucapião,
por meio da inserção do art. 1.240-A do Código Civil, conforme se vê:
Art. 9º. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar
acrescida do seguinte art. 1.240-A:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente
e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel
urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que
abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
§ 1 O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.
§ 2º (VETADO)
Trata-se o instituto em questão da usucapião especial urbana por abandono do lar
conjugal, também conhecida como usucapião familiar ou usucapião pró-família, que,
conforme se depreende da leitura do artigo, guarda extrema semelhança com a
usucapião especial urbana individual, pois mantém as exigências de área urbana de
até duzentos e cinquenta metros quadrados; posse contínua, mansa, pacífica e sem
oposição e não ser proprietário de nenhum outro imóvel urbano ou rural,
diferenciando-se apenas no que diz respeito aos requisitos de ser o imóvel de
propriedade comum do casal, ter havido abandono do lar por parte de um dos ex-
52
cônjuges ou ex-companheiros, ser a posse exercida de maneira direta e o decurso
do exíguo lapso temporal de apenas dois anos.
Percebe-se que por meio deste instituto, ao buscar proteger aquele que após a
separação permaneceu residindo no imóvel urbano de até duzentos e cinquenta
metros quadrados de propriedade comum “abandonado” pelo ex-consorte, objetivou
o legislador garantir o direito social constitucionalmente tutelado à moradia,
fundamentando-se na dignidade da pessoa humana e resguardando-se o direito da
família. Convém ressaltar que esta modalidade se aplica a todos os imóveis que
preencherem tais requisitos, e não apenas aos adquiridos no Programa Minha Casa
Minha Vida.
Por melhor que possa ter sido a intenção do legislador ao inserir no mundo jurídico
esta norma, são recorrentes as críticas doutrinárias ao seu respeito, tanto em
relação aos impactos que causará no direito de família e sucessório, como por conta
de questões processuais. Acerca do instituto, Neto afirma:
Além de acirrar indevidamente os ânimos, já abalados com o fim do
vínculo afetivo, pela primeira vez o final de um relacionamento terá
repercussões patrimoniais diretas e servirá, tão somente, para
dificultar e burocratizar os procedimentos de composição de conflitos
familiares, que, nos últimos anos, vêm sendo cada vez mais
simplificados (permitia-se a separação em cartório extrajudicial e,
agora, após a EC 66, há o divórcio direto e livre de prazos, sem
necessidade de imputação de culpa ou responsabilização pelo
término da relação). (NETO, Arnaldo de Lima Borges. A nova
usucapião e o abandono do lar. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.
2948, 28 jul. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19661>.
Acesso em: 30 out. 2013.)
No dizer de Marcos Ehrhardt Júnior:
parece não haver nenhuma preocupação quanto à simplificação dos
procedimentos processuais para reconhecimento da usucapião.
Todas as iniciativas recentes voltadas ao tema visam apenas à
criação de novas formas para exercício de tais direitos, criando uma
miríade de requisitos distintos que apenas dificulta a aplicação e
conhecimento
do
instituto.
((Júnior.
Marcos
Ehrhardt.
http://www.marcosehrhardt.adv.br/index.php/blog/2011/06/24/temos-
53
um-novo-tipo-de-usucapiao-criado-pela-lei-1242411-problemas-avista. Acesso em: 30 out. 2013.)
Complementando este raciocínio, assim se manifesta Simão:
Efetivamente, todos os problemas procedimentais da usucapião
passam longe da preocupação legislativa. O excesso de burocracia e
de custos inerentes à usucapião acaba afastando as partes de se
valer desta forma de regularização fundiária. (SIMÃO, José Fernando
Usucapião familiar: problema ou solução? Disponível em:
http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_cf0711.html.
Acesso em 30-out. 2013)
De fato, por mais que a usucapião não seja novidade no direito brasileiro, acaba não
sendo muito utilizada, pois apesar de objetivar conceder a propriedade àquele
possuidor que preencheu todos os requisitos da espécie, possui custos elevados, e,
por ser altamente burocrática, pode chegar a durar anos. Longe de solucionar os
problemas já existentes, a usucapião familiar tende a burocratizar ainda mais o
processo, na medida em que reduz o lapso temporal para sua consumação e
adiciona o requisito de abandono do lar, trazendo consigo toda a problemática da
carga emocional característica do direito de família.
Atualmente, encontra-se a ação de usucapião de terras particulares regulada nos
artigos 941 a 945 do Código de Processo Civil, requerendo que na petição inicial
seja exposto o fundamento do pedido e juntada a planta do imóvel, devendo ser
realizada a citação do proprietário do imóvel usucapiendo, bem como dos
confrontantes e confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais
interessados. Além disso, os representantes da Fazenda Pública da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios serão intimados por via
postal, para que manifestem interesse na causa, devendo ainda o Ministério Público
intervir obrigatoriamente em todos os atos do processo. Sem dúvidas, este
procedimento está longe de prezar pela simplicidade e celeridade.
Outro ponto interessante é que decorridos cerca de dez anos da promulgação do
Estatuto da Cidade e do Código Civil de 2002, é pouco provável que o legislador não
tenha testemunhado os diversos debates em torno da área de 250m² (duzentos e
54
cinquenta metros quadrados) do imóvel a ser usucapido, se é correspondente à área
do terreno ou à soma desta com a área construída. Ainda assim, mais uma vez não
foi dada solução para esta questão, pelo que se entende que as conclusões obtidas
quando do estudo da modalidade especial urbana individual deverão ser aplicadas
aqui também.
3.1 REQUISITOS
Feitas essas primeiras considerações, passar-se-á a uma breve análise dos
requisitos desta espécie, excetuando-se aqueles que já foram observados no tópico
referente à modalidade especial urbana individual, em virtude da semelhança
apresentada.
3.1.1 Imóvel de propriedade comum do casal
Geralmente, o imóvel a ser usucapido pertence a um terceiro, havendo também
casos em que o imóvel é comum, mas um dos condôminos exerce, de modo
aparente, sobre ele domínio exclusivo, sem que os demais se oponham ou tomem
qualquer atitude a esse respeito. No caso da usucapião familiar, o bem é de
propriedade comum do casal. Após um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros
abandonarem o lar, decorrido o prazo de dois anos, o domínio será adquirido
integralmente por aquele que lá permaneceu de forma direta, exclusiva e sem
oposição.
Convém ressaltar que, em consonância com a recente decisão do Supremo Tribunal
Federal em sede da ADPF 132-RJ e ADI 4.277 - DF, que reconheceu a possibilidade
de união entre pessoas do mesmo sexo, prevalece o seguinte entendimento,
conforme se vê do Enunciado nº 500, aprovado na V Jornada de Direito Civil: “A
modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a
55
propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades
familiares, inclusive homoafetivas”.
Acerca do imóvel, assim se manifesta Luciana Silva (2012):
Dessa forma, o imóvel comum no Usucapião Pró-Família pode ser
fruto do regimes [sic] de comunhão total ou parcial, regime de
participação final de aquestos em havendo no pacto previsão de
imóvel comum ou separação legal por força da Súmula nº 377 do
STF, a qual prevê que os bens adquiridos na constância do
casamento se comunicam. Quando o regime for de separação
convencional de bens, a ausência de bens comuns não permite a
aplicação do Usucapião Pró-Família. O usucapião entre cônjuges e
companheiros pode acarretar modificação do regime de bens, o qual
não pode ser alterado unilateralmente (art. 1.639 do CC). No regime
de separação convencional, não há perspectiva de comunicação de
patrimônio entre cônjuges e companheiros, afastando-se o
Usucapião Pró-Família, sendo cabível [sic] as demais espécies de
usucapião previstas no ordenamento legal com prazo mais longo.
Já no entendimento de Simão:
O imóvel pode pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se
o casal for casado pelo regime da separação total de bens e ambos
adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim condomínio e o bem
poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher,
companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão
parcial de bens compra um imóvel após o casamento ou início da
união, este bem será comum (comunhão do aquesto) e poderá ser
usucapido por um deles. Ainda, se casados pelo regime da
comunhão universal de bens, os bens anteriores e posteriores ao
casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e
portanto, podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma:
havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e
companheiros a usucapião familiar pode ocorrer. (SIMÃO, José
Fernando Usucapião familiar: problema ou solução? Disponível em:
http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_cf0711.html.
Acesso em 30-out. 2013)
Como se vê, a questão em torno da propriedade comum do imóvel está intimamente
ligada aos regimes de bens do casamento, tema regulado no Subtítulo I do Título II
do Código Civil, compreendendo os arts. 1.639 a 1.688.
Considerando que o instituto se refere apenas à propriedade, adverte Simão (2011,
p. 1)
56
A posse comum não enseja a aplicação do dispositivo. Não se
admite usucapião de imóvel que não seja de propriedade dos
cônjuges ou companheiros. Assim, se um casal invadiu um bem
imóvel urbano de até 250 m2 [sic], reunidos todos os requisitos para
a aquisição da propriedade (seja por usucapião extraordinária, seja
por usucapião constitucional), ainda que haja abandono por um deles
do imóvel, por mais de 2 anos, o direito à usucapião será de ambos e
não de apenas daquele que ficou com a posse direta do bem.
3.1.2 Lapso temporal de dois anos
O prazo previsto para esta modalidade é o menor entre todas as espécies da
legislação brasileira: apenas dois anos. Até para se usucapir bem móvel são
necessários três anos, desde que presentes os requisitos de justo título e boa-fé.
Caso contrário, a prescrição aquisitiva só se consuma em cinco anos. Com base
nesse parâmetro, a razoabilidade de tal lapso temporal se mostra extremamente
questionável. Flávio Tartuce (2011) argumenta que “[...] a tendência pós-moderna é
justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo exige e
possibilita a tomada de decisões com maior rapidez”. Tal pensamento é questionado
por Heidy Cristina Boaventura Siqueira (2011), que assim se manifesta:
Tal argumento, todavia, não contempla o fato de que se está a lidar
com sentimentos humanos, os quais, na maioria das vezes, os
cônjuges ou companheiros têm dificuldade de romper definitivamente
com o vínculo que os une, seja porque a união inicialmente foi
projetada para ser eterna, seja porque a quebra da mesma abala
profundamente a estrutura em que se baseou a vida do indivíduo.
Trata-se, portanto, de difícil, demorada e dolorosa decisão, ainda que
seja para pôr fim à infelicidade. (2011, p.1)
Em outras situações, essa justificativa apresentada por Tartuce poderia ser
altamente adequada, mas não no caso da usucapião familiar. Há que se observar
que o instituto em questão lida diretamente com um conflito advindo não apenas do
fim de um relacionamento conjugal, mas também de um “abandono do lar”. Por
certo, o prazo de apenas dois anos é exíguo demais para que as partes esfriem os
ânimos e consigam resolver serenamente as questões afetas ao fim do convívio e à
propriedade do bem adquirido com o esforço comum.
57
E a opinião contrária da doutrina não para por aí. Assim se manifesta Ricardo
Henriques Pereira Amorim:
Há de se criticar também o prazo exíguo de dois anos para a
formação da usucapião. Até pouquíssimo tempo atrás era este
mesmo tempo o necessário para a realização do divórcio. Embora a
lei não exija mais tal lapso de separação fática, ele continua sendo,
na prática, mais ou menos respeitado pelos casais, por constituir um
prazo de reflexão bastante razoável.
O prazo tão curto acaba por apressar os casais a formalizarem sua
separação, forçando a redução do prazo de reflexão e reestruturação
de sentimentos e projetos familiares. Tal circunstância atenta contra
a dignidade e liberdade dos envolvidos que poderiam, quiçá
deveriam, deixar fluir mais tempo antes de decidirem-se por
enveredar por procedimento de partilha de bens. (AMORIM, Ricardo
Henriques Pereira. Primeiras impressões sobre a usucapião especial
urbana familiar e suas implicações no Direito de Família. Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2948, 28 jul. 2011 . Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/19659>. Acesso em: 30 out. 2013.)
A impressão que a usucapião familiar causa é que o legislador, provavelmente no
anseio de dar à população a sensação de que algo está sendo feito em seu favor,
resolveu introduzir esta norma no ordenamento jurídico, sem, no entanto, atentar
para o fato de que provavelmente ela trará muito mais conflitos do que os que se
propunha a solucionar.
Sobre o exíguo lapso temporal, Araújo (2013, p. 373) afirma:
A fluência do prazo dependerá da inexistência de causa obstativa
[...]. No entanto, a causa prevista pelo art. 197, I, do CC precisa ser
corretamente aplicada no caso concreto. A possibilidade de
usucapião entre cônjuges não significa a revogação do art. 197, I, do
CC. Na verdade, revela uma interpretação finalística na aplicação do
dispositivo. A suspensão da fluência do prazo da prescrição
aquisitiva ou extintiva permanece enquanto a sociedade conjugal
persista. Com o rompimento fático, com animus definitivo de
separação, não existe motivação plausível para não admitir a sua
incidência. Muitos casais se separam e não regularizam a situação
jurídica de rompimento da sociedade conjugal. [Grifos no original].
58
Com relação ao argumento de que a usucapião familiar excetua o previsto no art.
197, I do Código Civil, lembra Luciana Silva (2012) que “O mote de não correr
prescrição entre cônjuges na constância do casamento é a manutenção da harmonia
familiar e ceifada esta pela separação de fato não há falar-se em impedimento de
aquisição por usucapião”.
No mesmo sentido, Simão (2012) se manifesta:
A separação de fato, portanto, permite o início da contagem do prazo
da usucapião familiar, desde que caracterizado o abandono. A
separação de fato tem sido admitida como motivo para que se
reconheça o fim da sociedade conjugal e do regime de bens. Neste
sentido
decidiu
o
STJ
que:
“1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao
recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança
transmitida após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data
em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres
conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data
retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio.
(REsp 1065209/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 16/06/2010)”
Como visto, tendo sido encerrada de fato a união, cessa a proibição à prescrição.
3.1.3 Abandono do lar
Sem dúvidas, a questão em torno desse requisito é apontada pela doutrina como
bastante polêmica e traz consigo uma série de questionamentos. Afinal, o que
realmente se entende por abandono do lar? Teria porventura o legislador utilizado o
conceito de abandono do lar que imperava na vigência do Código Civil de 1916? A
quem cabe demonstrá-lo e como deve ser feita a prova de tal abandono? Teria
ressurgido das cinzas o conceito de culpa já abolido anteriormente do Direito de
Família?
Como se vê, são muitos os questionamentos que a lei fez surgir com a previsão
deste desarrazoado requisito. Convém transcrever os que foram expostos pela Vice-
59
Presidenta Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM –, Maria
Berenice Dias:
O que significa mesmo abandonar? Será que fugir do lar em face da
prática de violência doméstica pode configurar abandono? E se um
foi expulso pelo outro? Afastar-se para que o grau de animosidade
não afete a prole vai acarretar a perda do domínio do bem? Ao
depois, como o genitor não vai ser tachado de mau pelos filhos caso
manifeste oposição a que eles continuem ocupando o imóvel?
Também surgem questionamentos de natureza processual. A quem
cabe alegar a causa do afastamento? A oposição há que ser
manifestada de que forma? De quem é o ônus da prova? Pelo jeito a
ação de usucapião terá mais um fundamento como pressuposto
constitutivo do direito do autor. (DIAS, Maria Berenice. Usucapião e
abandono do lar: a volta da culpa? Disponível em:
<http://ibdfam.org.br/_img/artigos/Usucapi%C3%A3o%20Maria%20B
erenice.pdf>) Acesso em 29 ago 2013.
Dias não é a única a demonstrar descontentamento com a inovação. Assim se
manifestou Vilardo (2011, p. 6):
O que causa perplexidade é termos que nos socorrer de conceitos
que foram construídos para justificar o então desquite litigioso. O art.
317 do Código Civil de 1916 trazia o abandono voluntário do lar
conjugal durante dois anos como causa para o desquite. Naquela
época era tão grave deixar o lar conjugal que os demais
fundamentos que motivavam a ação de desquite, todos incluídos no
mesmo artigo, eram o adultério, a tentativa de morte, sevícias, ou
injúria grave. Cabia ao marido o direito de fixar o domicílio da família
e à mulher competia segui-lo. O que caracterizava o abandono era a
ausência com a intenção de desfazer os liames familiares. Observese que em 1916 o prazo para sua configuração era de dois anos, o
mesmo hoje exigido pela lei nova.
Percebe-se, portanto, que devido a essa atuação infeliz do legislador, o Código Civil
acabou indo na contramão da tendência moderna, ao resgatar a patrimonialização
do Direito de Família. A necessidade de separar as coisas há muito vinha sendo
defendida pela melhor doutrina, a fim de evitar as características negativas que
marcavam o Código Civil de 1916, como bem salientado por Dias (2010, p. 111).
Apesar de um pouco extenso, vale a pena transcrever todo o trecho:
60
[...] nada justifica a inserção da culpa no âmbito das relações
familiares. A ideia sacralizada da família, considerada durante muito
tempo como uma instituição, sempre serviu de justificativa para
buscar a identificação de um culpado pelo fim do casamento. A
tentativa era desestimular a dissolução da família, intimidando os
cônjuges para que não saíssem do casamento. Quando a lei permitia
a inquirição de culpas ou impunha a identificação de culpados,
acabava por aplicar penas, no mais das vezes, de conteúdo
econômico. A família, cantada e decantada como cellula mater da
sociedade, é alvo de especial proteção do Estado. O interesse em
preservar o casamento fez o instituto da culpa migrar para o âmbito
do direito das famílias. Com o advento da EC 66/10, que deu nova
redação ao art. 226, § 6º da CF, o descumprimento dos deveres do
casamento não mais acarreta a imposição de sanções. Felizmente, o
princípio da culpa foi abandonado como fundamento para a
dissolução coacta do casamento. Mesmo quem dá causa a
dissolução da sociedade conjugal não pode ser castigado. O
“culpado” não fica sujeito a perder o nome adotado quando do
casamento. Somente no que diz com os alimentos persiste o
instituto da culpa, pois são restritos a mantença do mínimo
necessário para sobreviver, eis que não mais cabe ser questionada a
responsabilidade pelo fim da união. [Negrito e grifos no original].
O que se nota é que da forma como ingressou no ordenamento jurídico, a usucapião
familiar irá novamente trazer à apreciação judicial a discussão da culpa pelo fim da
união, o que não mais acontecia, como se vê nos posicionamentos acima
transcritos. Agora, com receio de perderem a propriedade, os ex-casais ou tomarão
desde logo as providências para oficializar o fim da relação e partilhar os bens sem
fazerem as devidas reflexões sobre a possibilidade de reconciliação, ou se sentirão
coagidos a permanecer sob o mesmo teto, ainda que às custas da própria felicidade.
Afinal de contas, aquele que abandonou o lar provavelmente tentará demonstrar que
o verdadeiro “culpado” foi o outro, e que, portanto, não é justo que ainda tenha que
perder a sua quota-parte sobre o imóvel. O outro, por sua vez, alegará que é
“inocente”, uma vez o seu ex-cônjuge infringiu uma das obrigações do casamento,
ao abdicar da vida em comum, tendo “rescindido” o contrato. Transparece aqui a
velha ideia de punir o culpado pelo fim do vínculo conjugal que deveria durar “até
que a morte os separasse”.
Em meio a esse fogo cruzado, o magistrado deverá ouvir a exposição da intimidade
e da vida privada do ex-casal e terá a ingrata missão de decidir se aquele que
61
abandonou o lar é realmente o culpado, concedendo ou não o imóvel como prêmio
de consolo ao pobre cônjuge abandonado. Como se a um homem fosse dado o
poder de interferir em uma relação íntima, complicada e altamente subjetiva como é
a convivência marital para descobrir quem foi o réu na seara amorosa. Por via de
consequência, toda a família será prejudicada, especialmente os filhos.
Na tentativa de amenizar os conflitos decorrentes da inserção do elemento culpa na
relação patrimonial, Molina (2012, p. 64) propõe o seguinte:
O verbo abandonar deve ser entendido no contexto da inércia do
cônjuge/convivente que saiu do imóvel e não praticou nenhuma
medida que lhe é inerente. Pode-se dizer, então, que deixando de
agir, em defesa da sua propriedade, seja por intermédio de medida
judicial, seja por meios extrajudiciais, já é o suficiente para
caracterizar a [sic] abandono do lar que a lei se refere na nova lei de
usucapião.
Essa mesma preocupação também foi demonstrada durante a V Jornada de Direito
Civil, mediante a aprovação do Enunciado nº 499. Eis o seu teor:
A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no
art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de
implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O
requisito “abandono do lar” deve ser interpretado de maneira
cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar
conjugal representa descumprimento simultâneo de outros
deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do
lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na
residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas
despesas oriundas da manutenção da família e do próprio
imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do
regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião. [Negrito
acrescido].
Ainda que tenha sido exposta a necessidade de analisar com cautela o requisito do
abandono do lar, não parece ser mais acertada a conclusão de que após ter sido
devidamente demonstrado, o duvidoso requisito (aliado aos demais) enseje a
aquisição por usucapião. Ora, é extremamente irrazoável que após “abandonar o lar”
por um curto período de dois anos (que como dito anteriormente, é necessário à
62
reflexão sobre o fim do vínculo conjugal ou a tentativa de reconciliação), o exconsorte seja condenado devido à confusão entre direitos pessoais e patrimoniais à
perda do seu imóvel que provavelmente foi adquirido com muito esforço,
especialmente levando em conta a especulação imobiliária que impera nos dias de
hoje.
A fim de evitar a caracterização do nefasto abandono, aquele que após o fim do
vínculo afetivo intentar deixar para trás o lar conjugal e dar prosseguimento à sua
vida, deverá se resguardar. Isso poderá ser feito, por exemplo, pelo pedido de
partilha do bem (o que pode nem sempre ser interessante, pois o dinheiro adquirido
com a venda pode ser insuficiente para a aquisição de dois imóveis), ou através da
proposição de ação para arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa
comum, ou, ainda, com o pedido de separação judicial de corpos. Será assim até
que sejam reconhecidas as flagrantes inconstitucionalidades desta modalidade de
usucapião, as quais serão objeto de estudo no próximo capítulo.
63
4. ANÁLISE DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA USUCAPIÃO ESPECIAL
URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL
Após ter sido feito um breve discurso histórico acerca da usucapião, procedeu-se à
análise dos seus requisitos e espécies, para então ser aprofundado o estudo sobre a
usucapião familiar por abandono do lar. Chegou-se, agora, ao real objeto deste
trabalho, que é analisar à luz da Carta da República de 1988 a recente forma de
prescrição aquisitiva com o fito de verificar a possível ocorrência de afrontas ao texto
constitucional.
É de fácil percepção que a análise constitucional visa verificar a adequação da
norma ou do ato aos ditames constitucionais. Se a lei infraconstitucional ou o ato do
Poder Público estiverem em consonância com o previsto na Carta da República, dizse que a lei ou o ato são constitucionais. Do contrário, eles padecerão de
inconstitucionalidade, por não se amoldarem à Constituição. Há várias definições
jurídicas para “Constituição”, sendo que cada uma leva em consideração um sentido
(ou concepção).
Ferdinand Lassale (apud Novelino, 2012, p. 86) se valeu da concepção sociológica
para distinguir a Constituição Jurídica (ou escrita) da Constituição real (ou efetiva).
Em sua opinião:
[...] Os fundamentos sociológicos das constituições são os fatores
reais do poder, constituído pelo conjunto de forças politicamente
atuantes na conservação das instituições jurídicas vigentes
(monarquia, aristocracia, grande burguesia, banqueiros...). Esses
fatores formam a Constituição real de um país, que é, em essência,
“a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação”. A relação
existente entre esta e a Constituição jurídica é a inscrição dos fatores
reais do poder em uma “folha de papel”, fazendo com que adquiram
uma expressão escrita. Grifos do autor.
Consequentemente, a Constituição escrita só teria validade quando correspondesse
à Constituição real. Caso contrário, sua sucumbência seria inevitável.
64
Já na definição de Carl Schmitt (apud José Afonso da Silva, 2007, p. 38), encontrase o sentido político. Ele a considerava como “decisão política fundamental, decisão
concreta de conjunto sobre o modo e forma de existência da unidade política”.
[Grifos do autor].
Schimitt (apud José Afonso da Silva, 2007, p. 38), assim distinguia a Constituição
das leis constitucionais:
aquela [ a Constituição] só se refere à decisão política fundamental
(estrutura e órgãos do Estado, direitos individuais, vida democrática
etc.); as leis constitucionais são os demais dispositivos inscritos no
texto do documento constitucional, que não contenham matéria de
decisão política fundamental.
Hans Kelsen (apud Novelino, 2012, p. 88) representa o modo de pensar no sentido
jurídico. Para ele, “o jurista não precisa se socorrer da sociologia ou da política para
buscar o fundamento da Constituição, pois este se encontra no plano jurídico”. A
Constituição, então, é considerada “norma pura”, puro “dever ser”.
Ele considera ainda dois sentidos da Constituição: sentido lógico-jurídico e sentido
jurídico-positivo. A esse respeito, assim esclarece José Afonso da Silva (2007, p.
39):
[...] de acordo com o primeiro, constituição significa norma
fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico
transcendental da validade da constituição jurídico-positiva que
equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a
criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau. Grifos
do autor.
Outra corrente é a liderada pelo alemão Konrad Hesse (apud Novelino, p. 88-89),
caracterizada pelo pensamento no sentido normativo. Ele assim se expressa:
[...] ao contrário da tese defendida por LASSALE, nem sempre os
fatores reais do poder prevalecem sobre a Constituição normativa,
65
por esta não ser necessariamente a parte mais fraca da relação.
Admitir que “as normas constitucionais nada mais expressam do que
relações fáticas altamente mutáveis” [...] seria reconhecer que o
direito constitucional tem apenas a miserável função, indigna de
qualquer ciência de comentar os fatos políticos e justificar as
relações de poder dominantes. [...] A Constituição configura não só
uma expressão do ser, mas também do dever-ser. Mais que um
simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, a Constituição
possui uma força normativa capaz de imprimir ordem e
conformação à realidade política e social. A Constituição real e a
Constituição jurídica estão em relação de coordenação,
condicionando-se mutuamente, embora não dependam, pura e
simplesmente, uma da outra. (Grifos e negrito no original).
Foram mencionadas diversas concepções acerca da Constituição. Isto não significa
dizer que elas sejam contrárias entre si, mas sim que são complementares.
Considerando isso, surge então a concepção culturalista, afirmando que a
Constituição possui diversos fundamentos e é resultado de um fato cultural. Esta
concepção leva à criação do conceito de Constituição Total, elaborado por J. H.
Meirelles Teixeira (apud Lenza, 2009, p. 29), segundo o qual a Constituição
“apresenta na sua complexidade intrínseca, aspectos econômicos, sociológicos,
jurídicos e filosóficos, a fim de abranger o seu conceito em uma perspectiva
unitária”. Assim, de acordo com este conceito:
As Constituições positivas são um conjunto de normas fundamentais,
condicionadas pela Cultura total, e ao mesmo tempo condicionantes
desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e
reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de
exercício e limites do poder político. (TEIXEIRA, apud LENZA, 2009,
p. 29)
Por mais que tenham sido elencados diversos conceitos de Constituição e que eles
destoem entre si em um ou outro aspecto, é possível inferir que todas as
concepções trazem implícito o conceito de supremacia constitucional, seja porque a
consideram como “a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação”
(concepção sociológica); por ser ela a “decisão política fundamental” (concepção
política); por ser a “norma fundamental hipotética” ou a “norma positiva suprema”
(dois sentidos da Constituição na concepção jurídica); ou por possuir uma “força
normativa capaz de imprimir ordem e conformação à realidade política e social”
66
(concepção normativa); ou por, finalmente, a definirem como “um conjunto de
normas fundamentais”, sendo resultado de um fato cultural (concepção culturalista).
Dentre todos estes posicionamentos apresentados, o que mais influenciou o mundo
jurídico foi o de Hans Kelsen, segundo o qual se enxerga a Constituição jurídicopositiva como a norma positiva suprema, que regula a criação de outras normas. Daí
surge a ideia de escalonamento de normas, assim definida por Lenza (2009, p. 27):
Uma norma, de hierarquia inferior, busca o seu fundamento de
validade na norma superior e esta, na seguinte, até chegar à
Constituição, que é o fundamento de validade de todo o sistema
infraconstitucional. A constituição, por seu turno, tem o seu
fundamento de validade na norma hipotética fundamental, situado
no plano lógico, e não no jurídico, caracterizando-se como
fundamento de validade de todo o sistema, determinando-se a
obediência a tudo o que for posto pelo Poder Constituinte Originário.
Grifos do autor.
Nesta verticalidade hierárquica herdada do modo de pensar kelseniano, portanto, é
a Constituição que ocupa o ponto mais alto da “pirâmide”. É ela o parâmetro a ser
seguido por todos os demais atos e comandos legislativos. Caso não haja essa
observância pela norma inferior ao princípio da supremacia da Constituição, tem-se
a ocorrência de inconstitucionalidade, o que é aferido por meio do controle de
constitucionalidade, conforme se passa a analisar.
4.1 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Em breves linhas, deve-se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 é a lei
fundamental e suprema da República Federativa do Brasil. Consequentemente, ela
é o parâmetro a ser seguido tanto pelas normas editadas pelo Poder Público, como
pelos atos por ele praticados. Caso não haja conformidade entre estes e os ditames
da Lei Maior, incorre-se em inconstitucionalidade, que pode ser tanto por ato
comissivo, quanto omissivo. No dizer de José Afonso da Silva (2007, p. 47), a
inconstitucionalidade por ação:
67
Ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que
contrariem normas ou princípios da constituição. O fundamento desta
inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia
da constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da
ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau
inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de
grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis
com ela serão inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se
em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como
fundamento de validade das inferiores. Grifos no original.
Já a inconstitucionalidade por omissão é verificada, ainda segundo José Afonso da
Silva (2007, p. 47):
nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou
administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas
constitucionais. Muitas destas, de fato, requerem uma lei ou
providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações
nelas previstos se efetivem na prática.
Lenza (2009,p. 160) prefere caracterizar a inconstitucionalidade por omissão como
“decorrente da inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de
eficácia limitada”.
A depender da norma constitucional atingida, Novelino (2012, p. 241) esclarece que
a inconstitucionalidade pode ser formal ou material. Segundo ele, a primeira ocorre
“com a violação, por parte do Poder Público, de uma norma constitucional que
estabelece a forma de elaboração de um determinado ato”. Divide-se em subjetiva
(caso a norma tenha sido originada de autoridade incompetente) e objetiva (quando
a autoridade é competente, mas o ato é elaborado de maneira contrária às
formalidades e procedimentos determinados na Constituição).
A fim de defender a Constituição de possíveis afrontas aos seus preceitos, sejam
estas formais ou materiais, foi criado o Controle de Constitucionalidade, que
segundo Bittencourt (apud Pena, 2012?), é a “verificação da compatibilidade de uma
lei ou ato normativo com a Constituição, bem como a busca pela eficácia plena aos
68
dispositivos constitucionais, tendo em vista a possibilidade de inconstitucionalidade
por omissão”.
O referido controle pode ser preventivo ou repressivo. Em ambos os casos, pode ser
realizado por qualquer dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Para ser preventivo, o controle de constitucionalidade deve se dar antes da
promulgação da norma, com o fulcro de evitar que esta viole de alguma forma a
Constituição. No Poder Legislativo, deve ser realizado pelas Comissões de
Constituição, Justiça e Cidadania. Pelo Executivo, o controle ocorre por meio do veto
jurídico, caso o Presidente considere o projeto de lei inconstitucional. Já o controle
feito pelo Poder Judiciário, segundo Novelino (2012, p. 245), ocorre “apenas no caso
de impetração de mandado de segurança por Parlamentar questionando a
inobservância do processo legislativo constitucional”. (Negrito no original.)
Caso não tenha sido efetuado o controle preventivo e a norma inconstitucional tenha
adentrado no ordenamento jurídico, nada impede que seja efetuado o controle
posterior ou repressivo, o qual, segundo Lenza (2009, p. 170), “será realizado sobre
a lei e não mais sobre o projeto de lei, como ocorre no controle preventivo”.
Conforme leciona José Afonso da Silva (2007, p. 49), há três tipos de controle de
constitucionalidade: político, jurisdicional e híbrido (ou misto).
O político “entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza
política, tais como: o próprio Poder Legislativo, solução predominante na Europa no
século passado”. O jurisdicional, que é o mais comum, “é a faculdade que as
constituições outorgam ao Poder Judiciário de declarar a inconstitucionalidade de lei
e de outros atos do Poder Público que contrariem, formal ou materialmente,
preceitos ou princípios constitucionais”. Já o misto “realiza-se quando a constituição
submete certas características de leis ao controle político e outras ao controle
jurisdicional”.
O sistema adotado no Brasil é o jurisdicional, uma vez que o controle, em regra, é
feito pelo Poder Judiciário, apesar de também poder ser realizado pelo Executivo e
pelo Legislativo. Quanto à competência, o controle de constitucionalidade poderá ser
difuso ou concentrado.
69
Segundo Lenza (2009, p. 176), “o sistema difuso de controle significa a possibilidade
de qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência, realizar o
controle de constitucionalidade”. Novelino (2012, p. 253-254) lembra que sua origem
histórica reside no voto proferido pelo Chefe de Justiça da Suprema Corte norteamericana John Marshall, “na decisão mais conhecida da história constitucional: o
célebre caso Marbury vs. Madison (1803)”. [Grifos do autor]. Foi ao analisar este
caso que pela primeira vez a Suprema Corte “decidiu que, havendo conflito entre a
aplicação de uma lei em um caso concreto e a Constituição, deve prevalecer a
Constituição, por ser hierarquicamente superior“. (LENZA, 2009, p. 178).
O autor chama ainda este tipo de “controle pela via de exceção ou defesa, ou
controle aberto”. É realizado em um caso concreto por qualquer juízo ou tribunal
(desde que obedecidas às regras de competência processual) e “a declaração de
inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente
ao exame do mérito”. (LENZA, 2009, p. 178).
Em regra, os efeitos produzidos pela decisão judicial (assim como ocorre com as
sentenças de modo geral) são válidos apenas entre as partes (inter partes), para
não extrapolar os limites da demanda. A decisão que declara a inconstitucionalidade
produz efeitos retroativos (ex tunc), atingindo a lei desde a sua gênese e tornando-a
nula de pleno direito.
Lenza (2009, p. 181) alerta que “contudo, o STF já entendeu que, mesmo no
controle difuso, poder-se-á dar efeito ex nunc ou pro futuro.”. Grifos do autor.
É possível, ainda, que nas hipóteses constitucionalmente previstas, a questão seja
levada ao conhecimento do STF através da interposição de recurso extraordinário.
Nestes casos, pontua Lenza (2009, p. 182):
Declarada inconstitucional a lei pelo STF, no controle difuso, desde
que tal decisão seja definitiva e deliberada pela maioria absoluta do
pleno do tribunal (art. 97 da CF/88), o art. 178 do Regimento Interno
do STF (RISTF) estabelece que será feita a comunicação, logo após
a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do
trânsito em julgado, para os efeitos do art. 52, X, da CF/88.
70
Assim, em conformidade com o que determina o art. 52, X, da CF/88, o Senado
Federal deverá, em obediência à sua competência privativa, suspender a execução,
no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal.
Já o controle concentrado (ou reservado) “é exercido apenas por um determinado
órgão judicial” (NOVELINO, 2012, p. 254). Trata-se, no dizer de LENZA (2009, p.
176), “de competência originária do referido órgão”.
O objetivo desta forma de controle, segundo Lenza (2009, p. 191), é a “declaração
de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado. O que se busca saber,
portanto, é se a lei (lato sensu) é inconstitucional ou não, manifestando-se o
Judiciário de forma específica sobre o aludido objeto”.
Assim, espera-se que com a declaração de inconstitucionalidade a lei ou o ato
normativo maculados formal ou materialmente sejam retirados do mundo jurídico,
por meio da invalidação.
Segundo Lenza (2009, p. 190), o controle concentrado pode ser realizado por miio
dos seguintes instrumentos: ADI (ação direta de inconstitucionalidade) genérica,
prevista no art. 102, I, “a”; ADPF (arguição de descumprimento de preceito
fundamental) – art. 102, § 1º; ADO (ação direta de inconstitucionalidade por
omissão) – art. 103, § 2º; ADI interventiva – art. 36, III (com modificações
introduzidas
pela
EC
nº
45/2004)
e
pela
ADC
(ação
declaratória
de
constitucionalidade) – art. 102, I, “a”, e as alterações introduzidas pelas ECs nº 3/93
e 45/2004.
Quanto à perspectiva do ponto de vista forma, Lenza (2009, p. 176) afirma que o
controle pode ser realizado pela via incidental (via de exceção ou de defesa,
mediante a análise do caso concreto), quando será então “exercido como questão
prejudicial e premissa lógica do pedido principal, ou pela via principal (abstrata ou
pela “via de ação”), caso em que a “análise da constitucionalidade da lei será o
objeto principal, autônomo e exclusivo da causa”. O autor acrescenta ainda que em
regra, o sistema concentrado é exercido pela via principal, ao passo que o difuso o é
pela via incidental.
71
Feitas essas observações acerca da Constituição, seu conceito e objeto e formas de
controle de constitucionalidade, passa-se a analisar a usucapião familiar, com o fim
de se apresentar as suas possíveis desconformidades com o Texto Maior, a
ensejarem a ocorrência de inconstitucionalidades.
4.2 DOS ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DA USUCAPIÃO FAMILIAR
Como anteriormente salientado, a inconstitucionalidade pode ser tanto formal quanto
material. Por esse motivo, dividiu-se esta análise nas duas categorias.
4.2.1 Da ocorrência de inconstitucionalidade formal
A modalidade de usucapião em estudo, como já salientado no decorrer do presente
trabalho, originou-se da conversão em lei da Medida Provisória (MP) nº 514/2010,
que de acordo com informações obtidas no site da Presidência, foi enviada ao
Congresso Nacional em 01 de dezembro do corrente ano. O objetivo desta MP era
realizar alterações na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o
Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de
assentamentos localizados em áreas urbanas, as Leis nº 10.188, de 12 de fevereiro
de 2001, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, e
4.591, de 16 de dezembro de 1964, além de dar outras providências.
Quando foi apresentada, a MP possuía nove artigos e não fazia menção alguma a
alterações no Código Civil de 2002. Em 02 de março de 2011, ocorreu a prorrogação
da Medida Provisória por mais sessenta dias pelo Presidente da Mesa do Congresso
Nacional, o Senador José Sarney.
Foi durante a sua tramitação que a MP sofreu alteração parcial em seu conteúdo. No
Congresso Nacional, foi relatada pelo Deputado André Vargas, que defendeu a ideia
de fortalecimento das mulheres como chefes de família através do Programa Minha
Casa Minha Vida. Em suas palavras:
72
O Minha Casa, Minha Vida tem como prioridade as mulheres. Vamos
possibilitar a assinatura de convênio pelas mulheres, é o chamado
usucapião pró-familiar, que pode ser usado quando o cônjuge não
estiver mais no lar, possibilitando a resolução da posse.
O projeto de conversão em lei (PLV) nº 10/2011 foi aprovado nas duas Casas e
posteriormente sancionado pela Presidente. Na Câmara, a aprovação se deu no dia
27 de abril de 2011, e no Senado, em 10 de maio de 2011. A sanção presidencial
ocorreu no dia 16 de junho de 2011, procedendo-se à conversão da MP na Lei nº
12.424/11, que contava então com treze artigos.
Foi vetado o parágrafo segundo do art. 1.240-A, cuja redação era a seguinte:
§ 2º No registro do título do direito previsto no caput, sendo o autor
da ação considerado hipossuficiente, sobre os emolumentos do
registrador não incidirão se nem serão acrescidos a qualquer título
taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal,
carteira de previdência, fundo de custeio de atos gratuitos, fundos
especiais do Tribunal de Justiça, bem como de associação de classe,
criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou
denominação.
Tal dispositivo foi vetado em razão de sua violação ao pacto federativo ao interferir
na competência tributária dos Estados, extrapolando o disposto no § 2º do art. 236
da Constituição.
Neste ponto, é interessante ressaltar que no momento em que haveria violação
constitucional em relação a interesses financeiros, como é o caso da competência
tributária dos entes federativos, houve o veto presidencial. O mesmo não se deu em
relação ao caput do artigo, que inseriu no ordenamento jurídico esta nova
modalidade de usucapião por meio de Medida Provisória sem serem preenchidos os
requisitos de relevância e urgência característicos da espécie, conforme se passa a
analisar.
73
4.2.1.1 Dos requisitos de relevância e urgência da Medida Provisória nº 514/2010
A Medida Provisória é a espécie legislativa prevista no art. 62 da Carta Magna, por
meio da qual o Presidente da República, em casos de relevância e urgência, poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional. Se ela não for aprovada no prazo previsto (sessenta dias
prorrogáveis uma única vez por igual período), perde a sua eficácia desde a sua
edição.
Por ser espécie extraordinária, no dizer de Mendes; Coelho e Branco (2010, p.
1.014-1.015), “Para que se legitime a edição da medida provisória, há de estar
configurada uma situação em que a demora na produção da norma possa acarretar
dano de difícil ou impossível reparação para o interesse público”.
Por oportuno, convém colacionar o seguinte aresto:
O que justifica a edição de medidas provisórias, com força de lei, em
nosso direito constitucional, é a existência de um estado de
necessidade, que impõe ao Poder Público a adoção imediata de
providências, de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras
ordinárias de legiferação, em face do próprio periculum in mora que
fatalmente decorreria do atraso na concretização da prestação
legislativa. (Min Celso de Mello ADI-MC 293, DJ de 16-04-1993)
[Grifos no original].
Quanto à apreciação da ocorrência dos pressupostos da urgência e relevância,
assim se manifestam os autores supra (2010, p. 1.015):
Esses dois pressupostos estão submetidos à apreciação política do
Presidente da República, que goza de larga margem de apreciação
sobre a sua ocorrência. O juízo do Presidente da República, porém,
está sujeito ao escrutínio do Congresso Nacional, que deve rejeitar a
medida provisória se vier a entendê-la irrelevante ou não urgente. No
§ 5º do art. 62 da Lei Maior está estabelecido que, antes de decidir
sobre o mérito da medida provisória – vale dizer, antes de o Poder
74
Legislativo anuir ou não à disciplina constante do texto da medida
provisória –, o Congresso deverá analisar os seus pressupostos
constitucionais, entre os quais se contam os requisitos da urgência e
da relevância.
Segundo o item nº 15 da Exposição de Motivos da proposta de edição de Medida
Provisória, os requisitos de urgência e relevância no que tange ao PMCMV
repousam na “necessidade de oferecer imediata continuidade, com os devidos
aperfeiçoamentos, de Programa que já se demonstrou altamente capaz de manter o
crescimento econômico, a geração de empregos e renda e a redução do déficit
habitacional”.
De fato, baseando-se em tal argumentação, é possível visualizar o preenchimento
dos pressupostos necessários à edição da Medida Provisória pelo chefe do Poder
Executivo. Entretanto, também é fácil perceber que na referida exposição de motivos
não há qualquer menção à necessidade de se instituir por meio de MP uma nova
modalidade de usucapião. E isto porque, como já ressaltado, a inserção do
art.1.240-A não fazia parte da redação original da Medida Provisória nº 514.
Interessante é a observação feita por Freitas:
[...] tal artigo não fora incluso na explicação da ementa da norma,
pois, como pode se vislumbrar no Projeto de Conversão de Lei nº
10/2011, a exposição de motivos constante, é a transcrição literal da
mesma exposição de motivos da MP 514/2010, tanto que a
expressão “medida provisória” sequer foi alterada na [sic] teor da
explicação da ementa da nova lei, tampouco, houve comentário aos
artigos não existentes na dita Medida Provisória, como o art. 9º, que
inclui o art. 1.240-A no Código Civil. (2011, p.1)
Onde repousariam, então, a urgência e a relevância da alteração do Código Civil
para permitir que os ex-cônjuges ou ex-companheiros adquirissem por meio da
usucapião familiar a quota-parte do imóvel pertencente ao seu ex-consorte,
baseando-se tão somente no abandono do lar por este pelo prazo de dois anos?
Haveria, porventura, algum dano de difícil ou impossível reparação à população se a
matéria
houvesse
sido
apresentada
sob
a
forma
de
projeto
de
lei
e
75
consequentemente submetida ao rito procedimental das leis ordinárias, propiciando
assim o necessário debate acerca do tema?
Por certo, não se vislumbra o preenchimento dos requisitos necessários, bem como
não haveria prejuízo algum em se esperar a futura edição de lei ordinária. Em uma
análise mais extremada, até se ousaria afirmar que provavelmente após uma série
de debates e ouvida a opinião doutrinária, este absurdo jurídico dificilmente teria
prosperado e integrado a legislação pátria, ou, se aprovado, certamente teria sanado
a maior parte dos equívocos apresentados.
Doutra sorte, ainda que se queira defender a presença de relevância na medida,
porque se propõe a resolver questões fundiárias que em sua maioria afetam a
população de baixa renda, é inegável que não há urgência alguma em torno do
tema, principalmente porque há outras formas de solucionar a celeuma em torno do
bem imóvel de propriedade comum do ex-casal. Como exemplo disso, cite-se a
concessão do direito de uso e habitação ou até mesmo, esperar pelo lapso temporal
para consumação da usucapião especial urbana individual, levando-se em
consideração a limitação da dimensão territorial até 250 m² (duzentos e cinquenta
metros quadrados).
Outro aspecto que merece atenção é que além de não ter preenchido os requisitos
de urgência e relevância da medida (ou ao menos o de urgência), é fato que a
norma se torna igualmente inconstitucional pela sua afronta ao art. 59 da CF/88, in
verbis:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.
76
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração,
redação, alteração e consolidação das leis.
O referido artigo foi regulamentado pela Lei Complementar (LC) nº 95/98, que
“dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis,
conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e
estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”. Além
das leis, as MPs também devem observância ao quanto disposto nesta norma.
Para esclarecimento, convém citar o disposto no art. 7º da LC nº 95/98, que assim
determina:
Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o
respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não
vinculada por afinidade, pertinência ou conexão; (Original sem
grifos).
Da leitura do art. 1º da Lei 12.224/2011, pode-se visualizar o objetivo do PMCMV,
que é o de “criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas
unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma
de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro
mil, seiscentos e cinquenta reais)”. O referido programa possui ainda dois
subprogramas: o Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU e o Programa
Nacional de Habitação Rural – PNHR, cujos objetivos são, respectivamente,
“promover a produção ou aquisição de novas unidades habitacionais ou a
requalificação de imóveis urbanos” e “subsidiar a produção ou reforma de imóveis
aos agricultores familiares e trabalhadores rurais, por intermédio de operações de
repasse de recursos do orçamento geral da União ou de financiamento habitacional
com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS”.
Ora, torna-se evidente, então, que não há nenhuma pertinência temática entre os
assuntos objeto da MP 514/2010 (convertida na Lei 12.224/11) e a inserção da nova
77
modalidade de usucapião por intermédio do acréscimo do art. 1.240-A ao Código
Civil. Além disso, não há fundamento constitucional para se conectar relações de
direito pessoal com relações de direito real e programas sociais que têm natureza
híbrida. E uma vez que falta afinidade entre os temas, eles não se conectam, sob
pena
de
incorrer
em
sofisma
jurídico.
Inegável,
pois,
a
ocorrência
de
inconstitucionalidade formal objetiva pela não observância ao devido processo
legislativo que rege a Medida Provisória.
Mais interessante ainda é que além de ter sido realizada essa alteração na
legislação da forma incorreta, não se atentou para o fato de que o referido programa
contempla os imóveis situados tanto na zona urbana como na rural, ao passo que a
usucapião familiar apenas alcança os imóveis urbanos. Teria, por acaso, o legislador
afrontado o princípio constitucional da isonomia? É o que se passa a analisar agora.
4.2.2 Da ocorrência de inconstitucionalidade material
A inovadora modalidade de usucapião inserida no art. 1.240-A do CC/2002 alcança
apenas os imóveis situados em área urbana. Relembrando as palavras do Deputado
André Vargas, tem-se que o objetivo do instituto era o de “fortalecimento das
mulheres como chefes de família através do Programa Minha Casa Minha Vida”.
Entretanto, surgem as seguintes questões: Porventura só as mulheres residentes
em zona urbana ocupam a chefia do lar? Por quais motivos teria o legislador
renegado ao esquecimento as moradoras da zona rural? E isto para não dizer que a
argumentação do Deputado se torna novamente inválida, na medida em que o
instituto não prevê a concessão da titularidade do domínio apenas às mulheres, mas
sim àquele ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonar o lar, independentemente
do sexo. E de modo diverso não poderia ser sob pena de afrontar o inciso I do art. 5º
da Carta da República, cuja previsão expressa é no sentido de garantir o gozo de
direitos e o exercício regular de obrigações indistintamente entre os sexos.
Resta clara, pois, a afronta ao princípio constitucional da isonomia, previsto no art.
5º, caput, in verbis:
78
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [...]
Para Novelino (2012, p. 494), “[...] as ideias de liberdade e igualdade se erigem em
valores jurídicos fundamentais, imprescindíveis ao pleno desenvolvimento da
personalidade e à concretização do princípio da dignidade humana”. [Grifos no
original].
Afirma ainda o autor (2012, p. 494) que o princípio da isonomia “tem por fim impedir
distinções, discriminações e privilégios arbitrários, preconceituosos, odiosos ou
injustificáveis”.
Alguns doutrinadores diferenciam a “igualdade perante a lei” da “igualdade diante da
lei”. A esse respeito, convém mencionar a opinião de José Afonso da Silva (2007, p.
215):
No Direito Estrangeiro, faz-se distinção entre o princípio da igualdade
perante a lei e o da igualdade na lei. Aquele corresponde à obrigação
de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na
conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar
uma discriminação, o que caracteriza a isonomia puramente formal,
enquanto a igualdade na lei exige que, nas normas jurídicas, não
haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição.
Enfim, segundo essa teoria, a igualdade perante a lei seria uma
exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas
gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria
uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas
gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos.
Entre nós, essa distinção é desnecessária, porque a doutrina como a
jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade
perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão
igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o
legislador como os aplicadores da lei. Grifos no original.
Como visto, o princípio da igualdade deve ser observado tanto pelos legisladores
como pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei ao caso concreto.
79
Entretanto, não basta que se busque a igualdade puramente formal, tratando a todos
de uma só forma, pois como asseverado por Boaventura de Souza Santos (apud
Novelino, 2012, p. 499), “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos
inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.
Necessária, pois, é a busca pela igualdade material, inspirada na lição de Aristóteles
de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas
desigualdades”. Para José Afonso da Silva (2007, p. 213), no entanto, este conceito
se referia à igualdade formal, à medida que, para Aristóteles, “não seria injusto tratar
diferentemente o escravo e seu proprietário; sê-lo-ia, porém, se os escravos, ou
seus senhores, entre si, fossem tratados desigualmente”.
Não é novidade que o Brasil é um país extremamente marcado pelas desigualdades
sociais. Justamente por isso, o legislador constituinte originário elencou como
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza
e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. Parece,
entretanto, que tais objetivos não foram levados em conta quando da edição da
usucapião familiar, que distinguiu de maneira desarrazoada os ex-consortes
simplesmente levando em consideração o local do seu domicílio, se urbano ou rural.
Por esse motivo, assim se manifestam Pinheiro e Cavalheiro (2011):
No requisito imóvel exclusivamente urbano, detecta-se uma ofensa
ao princípio da isonomia, segundo parte da doutrina, pois a
localização do domicílio da pessoa não poderia ser causa de um
tratamento diferenciado, já que é nas zonas rurais que, por vezes,
encontram-se os maiores índices de baixa escolaridade e baixa
renda, que refletem diretamente no direito à moradia.
Luciana Santos Silva (2012) igualmente demonstra a sua indignação com o instituto:
A localização do domicílio de uma pessoa não é critério justificativo
para tratamento diferenciado. Segundo Mello (2007:21), o fator
utilizado pela lei como critério discriminatório deve guardar uma
justificativa racional e jurídica ao mesmo tempo.
Nesse sentido, os efeitos do abandono são os mesmos,
independente da localização do imóvel em que ficou residindo o
80
abandonado. Quiçá não sejam mais gravosos na zona rural, na qual
as relações sociais mais próximas favorecem que a pecha de
abandonado passe a integrar de forma pejorativa a identidade social
do que permaneceu no imóvel. Além disso, no Brasil, os índices de
baixa escolaridade e alta pobreza são mais acentuados na zona
rural, gerando entraves ao acesso à Justiça e a efetivação de
direitos.
Em sentido contrário, convém mencionar o pensamento de Simão:
Apenas o imóvel urbano pode ser objeto da usucapião familiar. É a
moradia e não o trabalho que se privilegia. Por isto o artigo 1.240-A
surge em sede de regulamentação do programa do Governo Federal
“Minha casa, Minha vida”. Assim, não há regra análoga ao art. 191
da Constituição com relação à usucapião de imóvel rural, qual seja, a
usucapião pro labore. Não se trata de dar terra a quem não tem.
(SIMÃO, José Fernando Usucapião familiar: problema ou solução?
Disponível
em:
<http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_cf0711.html>.
Acesso em 30-out. 2013).
Não parece acertado este último posicionamento. Por mais que na usucapião
especial urbana haja a valorização da posse-trabalho, - como se não houvesse a
possibilidade de se identifica-la no âmbito rural! -, é certo que a propriedade rural
não é apenas o local do labor cotidiano, como também serve de moradia aos
possuidores. Por quais motivos, então, deveria se considerar que não há
plausibilidade em igualmente conceder aos ex-consortes abandonados na zona rural
a titularidade do domínio da pequena propriedade em que trabalham e vivem?
Preferível é o posicionamento adotado pelas autores supra, que reconhecem a
afronta infundada ao princípio da isonomia pelo simples critério da localização do
imóvel.
Ora, se uma pessoa está sendo abandonada por aquele que outrora foi o “grande
amor da sua vida”, os reflexos psicológicos e patrimoniais de tal rejeição não levarão
em conta o local, se em solo urbano ou rural. Ou, como argumenta Luciana Santos
Silva, podem até ser mais gravosos na área urbana, até mesmo pelas diferenças
culturais porventura existentes e pelo modo de pensamento mais tradicional que
ainda impera na maior parte da zona rural do país.
81
Não se vislumbra, portanto, motivos que justifiquem o fato de o legislador não ter se
preocupado, no dizer de Elpídio Donizetti:
[...] com a sorte de quem foi abandonado num casebre na zona rural.
Essa pessoa, abandonada pela sorte e pelo cônjuge, também o foi
pelo legislador, que não se dignou em lhe conferir a prerrogativa de
aquisição da pequena área de terras onde mora. Dois pesos e duas
medidas. (DONIZETTI, Elpídio. Um consolo para o abandonado:
usucapião do lar desfeito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3029,
17 out. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20227>.
Acesso em: 30 out. 2013.)
Como se não bastasse esse flagrante desrespeito aos moradores da zona rural,
outra afronta à isonomia foi apontada por Marcos Ehrhardt Júnior, traduzida no
seguinte questionamento: “O separado de fato terá mais vantagens do que aquele
que ainda vive com sua família?”. Isso porque, no seu entender:
[...] o solteiro ou aquele que vive com sua família (não importa se
regularmente casado ou vivendo em união estável) necessita de
posse por cinco anos ininterruptos e sem oposição para adquirir a
propriedade de imóvel que já lhe serve de moradia. Parece que é
mais interessante um dos integrantes da entidade familiar abandonar
o lar, pois, neste caso, o prazo de cinco anos é reduzido para dois
anos. Temos aqui um desafio para a isonomia, incluindo nessa
reflexão os casais do mesmo sexo que vivem em união estável.
(JÚNIOR. Marcos Ehrhardt. Temos um novo tipo de usucapião criado
pela lei 12.424 – problema à vista. Disponível em
<http://www.marcosehrhardt.adv.br/index.php/blog/2011/06/24/temos
-um-novo-tipo-de-usucapiao-criado-pela-lei-1242411-problemas-avista>. Acesso em 30 out. 2013.)
É curioso que mesmo depois de decorridos vinte e cinco anos da promulgação da
Carta Magna, os legisladores ainda não conseguiram assimilar o seu conteúdo. Não
raras vezes, os doutrinadores e a população de modo geral são surpreendidos com
a criação e inserção no mundo jurídico de normas produzidas sem a observância
dos requisitos constitucionais, seja no seu processo legislativo, ou em suas
matérias.
82
Percebe-se, portanto, que o instituto ora vergastado padece de inconstitucionalidade
material por fazer desarrazoada distinção entre moradores da zona urbana e da
zona rural (que não foram contemplados com a possibilidade de usucapião familiar),
bem como por privilegiar aquela pessoa separada de fato e “abandonada” pelo seu
ex-consorte, que deverá esperar pelo exíguo lapso temporal de dois anos para fazer
jus à usucapião familiar (desde que preenchidos todos os requisitos exigidos), em
detrimento dos solteiros e dos que ainda vivem no seio familiar (os quais, para
adquirir o imóvel de um terceiro por usucapião devem esperar o transcurso de cinco
anos, desde que igualmente atendidas as exigências legais). Claramente
demonstrada está a afronta ao princípio constitucionalmente tutelado da isonomia.
Além disso, por ter sido indevidamente inserida a usucapião familiar na Medida
Provisória nº 514/2010 durante a sua tramitação (mesmo sem o preenchimento dos
requisitos específicos da MP – urgência e relevância –), igualmente não se
obedeceu ao que fora disposto na Lei Complementar nº 95/98, que regulamenta o
art. 59 da CF/88, determinando em seu art. 7º, I e II, que cada lei tratará de um único
objeto e não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por
afinidade, pertinência ou conexão. Inegável é que assim como anteriormente
salientado, a norma padece de vício formal objetivo, pela não observância aos
princípios constitucionais que regem o seu processo legislativo de elaboração.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, observa-se que desde o seu surgimento até os dias atuais, a
usucapião tem passado por diversas mudanças, tudo no intuito de acompanhar o
desenvolvimento social do local em que é aplicada.
Dentre as diversas modalidades de usucapião existentes, o que se percebe é que o
objetivo delas é o de privilegiar aquela pessoa que deu destinação útil ao bem, seja
por ter fixado nele a sua moradia ou de sua família, por ter tornado a propriedade
produtiva, ou simplesmente porque fez com que ela obedecesse à sua função social
constitucionalmente prevista.
Entretanto, nem sempre a atuação do legislador produz resultados satisfatórios.
Outra coisa não se pode dizer a respeito da usucapião especial urbana por
abandono do lar conjugal, que apesar de ser recente, já coleciona um grande
número de críticas por parte da doutrina.
Esta polêmica modalidade assemelha-se à usucapião especial urbana individual,
mas trouxe alguns requisitos novos. Previu que o imóvel a ser usucapido deve ser
de propriedade comum do casal e que após o decurso de dois anos do abandono do
lar por parte de um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros, aquele que permaneceu
no imóvel adquirirá por usucapião a quota-parte pertencente ao seu ex-consorte.
Como ficou demonstrado no presente trabalho, o requisito de abandono do lar trouxe
consigo a discussão da culpa, que já estava sepultada desde o advento da Emenda
Constitucional nº 66/2010. Consequentemente, tomou-se o rumo contrário ao que a
boa doutrina vinha defendendo, restaurando a patrimonialização do direito de
família.
Por conta disso, mais uma vez, os cônjuges terão que expor em juízo a sua
intimidade e vida privada, a fim de que o magistrado possa identificar no caso
concreto quem foi o “culpado” pelo fim da relação, a fim de verificar se foi
configurado ou não o nefasto abandono do lar.
Além disso, comprovou-se que por não ter obedecido aos requisitos necessários à
84
conversão em lei da Medida Provisória nº 514/2010, nem ao disposto na Lei
Complementar nº 95/98 que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da
Constituição Federal, bem como pela violação ao princípio constitucional da
isonomia, padece a referida lei de inconstitucionalidades formais e materiais.
Infelizmente, o controle prévio de constitucionalidade não foi realizado pelas
comissões de constituição, justiça e cidadania do Congresso Nacional, nem pela
Presidência quando do veto à Lei 12.424/11 (exceto em relação ao parágrafo
segundo, por considerar a existência de violação ao pacto federativo ao interferir na
competência tributária dos Estados, extrapolando o disposto no § 2º do art. 236 da
Constituição), nem tampouco pelo Poder Judiciário.
Dessa forma, resta então aguardar que seja exercido o controle repressivo por
qualquer um desses três Poderes, ou que algum particular interponha recurso
extraordinário, já que qualquer pessoa, no caso concreto, que seja ré numa ação de
usucapião familiar poderá arguir a inconstitucionalidade do dispositivo, levando a
decisão para o Supremo Tribunal Federal, já que nenhum dos legitimados propôs
ADIN.
Assim, após o devido controle de constitucionalidade, espera-se que esta norma
flagrantemente eivada de inconstitucionalidade formal objetiva e material seja
retirada do mundo jurídico, a fim de preservar a Supremacia Constitucional.
85
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24 de julho de 1991, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; revoga
86
dispositivos da Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá
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