Didática Específica Autora: Profª. Maria Otilia Guimarães Ninin Colaboradores: Prof. Cielo Festino Profª. Joana Ormundo Professora conteudista: Maria Otilia Guimarães Ninin Sou professora da UNIP há oito anos. Iniciei em 2003, como professora de Linguística no curso de Letras e de lá para cá venho desenvolvendo atividades nessa área. Também já coordenei o curso de Letras (de 2003 a 2007) nos campi Alphaville – SP, Cidade Universitária – SP e Vergueiro – SP. Atualmente, leciono no curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa e Literatura, o qual também coordeno, oferecido pela universidade no campus Vergueiro – SP. Tenho mestrado e doutorado em linguística aplicada e estudos da linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e cursos lato sensu de menor duração (especialização em pedagogia e didática do ensino superior) pela Universidade São Judas – SP e pela Universidade Metodista – SP. Minha primeira graduação foi a de matemática, pela UNESP de Rio Claro – SP. Durante o período de desenvolvimento de minha pesquisa de doutorado, trabalhando com formação de professores, tive a oportunidade de estagiar durante um semestre na Universidade de Bath (Inglaterra) e ser orientada pelo professor Dr. Harry Daniels. Atualmente, desenvolvo pesquisa de pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de linguística sistêmico-funcional, com foco na elaboração do texto acadêmico, pois, como gosto muito do trabalho de orientação aos TCCs, decidi dedicar-me a elaborar metodologias de trabalho que ajudem alunos no desenvolvimento do texto monográfico. Também trabalho na PUC-COGEAE, em cursos de especialização, na área de formação de professores, área que tem merecido minha atenção especial, por eu acreditar que o que fazemos e a forma como fazemos como professores são ações que exercem força motriz e impulsionam o desenvolvimento de nossos alunos. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) N715 Ninin, Maria Otília Didática específica. / Maria Otília Ninin. - São Paulo: Editora Sol, 2011. 116 p., il. 1.Educação 2.Ensino 3. Didática I.Título CDU 37.01 © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Profa. Melissa Larrabure Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Leandro Freitas Sumário Didática Específica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 OBJETIVOS DA DISCIPLINA .................................................................................................................................7 1 INTRODUÇÃO: SER PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA / LÍNGUAS ESTRANGEIRAS ......9 1.1 O que é ensinar ..................................................................................................................................... 13 1.1.1 Concepção behaviorista de aprendizagem .................................................................................. 14 1.1.2 Concepção construtivista de aprendizagem ............................................................................... 18 1.1.3 Concepção sócio-histórico-cultural de aprendizagem ........................................................... 21 1.2 O que é método de ensino ............................................................................................................... 24 1.3 O que é língua ....................................................................................................................................... 24 1.4 O que significa saber português .................................................................................................... 28 1.5 Razão pela qual se ensina português para brasileiros .......................................................... 29 2 DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA SALA DE AULA ...................................................................................... 30 2.1 Dimensão relacional-interacional da sala de aula.................................................................. 31 2.2 Dimensão organizacional da sala de aula .................................................................................. 33 2.3 Dimensão didático-epistemológica da sala de aula .............................................................. 35 2.4 Dimensão crítico-dialógica da sala de aula .............................................................................. 36 3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À LINGUAGEM ORAL ............................................... 43 4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À LEITURA .................................................................... 53 5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À PRODUÇÃO TEXTUAL ........................................... 68 6 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À LITERATURA............................................................. 80 7 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA ...... 91 8 PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LÍNGUAS ESTRANGEIRAS ............. 99 APRESENTAÇÃO Caro aluno, Neste livro-texto encontram-se os conteúdos da disciplina Didática Específica, organizados de forma a propiciar a você oportunidades de reflexão sobre o ensino na área da linguagem. Os conteúdos desenvolvidos têm por objetivo mostrar a relevância das práticas didático-pedagógicas relacionadas à linguagem na aprendizagem e desenvolvimento do aluno. Espero que você estude este conteúdo estabelecendo um diálogo entre o que faz nas disciplinas do curso de Letras, o que já viveu como aluno nas diferentes etapas de sua vida escolar e o que tem observado nas atividades de estágio supervisionado, realizadas em escolas de ensino básico, públicas e privadas. Os aspectos de maior relevância desta disciplina serão comentados nos fóruns de discussão, propostos no ambiente AVA. Para participar, você deverá, antes de tudo, munir-se de uma postura crítica (e a primeira pergunta que surge é: o que é postura crítica para você?!) e investigativa, levando para as discussões posicionamentos fundamentados que permitam a todos os participantes desenvolver a competência para “ser professor de língua portuguesa ou de língua estrangeira”. Ao longo do texto você encontrará lembretes apontando para aspectos já vistos e que merecem sua atenção especial, observações destacando pontos relevantes, ou, ainda, indicando pesquisas na web. Espero que você recorra a todas essas propostas para ampliar seus conhecimentos na área didáticopedagógica de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, e que traga para as discussões exemplos relacionados ao seu dia a dia como aluno(a) e como futuro(a) professor(a). Bom estudo! Profa Maria Otilia OBJETIVOS DA DISCIPLINA Ao problematizar o ensino de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, discutindo encaminhamentos didático-teórico-metodológicos, a disciplina Didática Específica tem por objetivos gerais propiciar contextos para que: • o aluno compreenda a importância de seu papel social como profissional do ensino da língua / linguagem em diferentes contextos e realidades brasileiras; • por meio de discussões teórico-práticas, o aluno reflita criticamente sobre o “ser professor de línguas” e torne-se competente para idealizar instrumentos que contribuam para sua futura atividade docente. 7 Como objetivos específicos, a disciplina visa propiciar ao aluno condições para: • familiarizar-se com as diferentes práticas pedagógicas em relação aos componentes: linguagem oral, leitura, produção de texto e análise e reflexão sobre a língua; • compreender a importância de orientar as práticas discursivas em sala de aula de modo a possibilitar o desenvolvimento do aluno como cidadão crítico, capaz de discutir e argumentar em relação a assuntos que circulam nas diferentes esferas sociais; • identificar e analisar diferentes estratégias didáticas para a abordagem dos conteúdos específicos de língua e literatura; • planejar atividades didáticas ensino-aprendizagem; orientadas pela concepção sociointeracionista de • planejar e discutir a avaliação do ensino-aprendizagem em língua portuguesa e línguas estrangeiras. 8 DIDÁTICA ESPECÍFICA 1 INTRODUÇÃO: SER PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA / LÍNGUAS ESTRANGEIRAS (...) Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amofinar e já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Paulo Freire Escolhi essa reflexão de Paulo Freire para iniciar nossa conversa sobre o ser professor, por acreditar que nela esteja contida, de certa forma, a resposta à pergunta que fiz a você na apresentação deste livro-texto: o que é ser crítico para você? Gostaria que você já iniciasse este nosso diálogo pensando sobre o pensar de Freire, quando diz “sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar...”. Observação Refletindo O que será que ele quis nos dizer com isso? De qual saber devo cuidar? Mas o que é cuidar de meu saber? O que devo fazer para isso? Ao longo de nosso trabalho, que tal um exercício de recuperar, o quanto você conseguir, os significados do que nos diz Freire nesse trecho por um lado tão pequeno, mas, por outro, tão profundo, sobre o ser professor? Em que sentido o ser crítico está presente nesse pensar? Agora que você já está na fase final do curso de Letras, já se perguntou o que fará e como dará sua primeira aula, quando for professor(a)? Acredito que essa seja uma pergunta não muito pensada quando ainda estamos estudando ao longo do curso, mas que certamente nos assusta quando pensamos assim: “daqui a 6 meses estarei em uma sala de aula e serei eu o professor de língua portuguesa... serei eu a professora de língua inglesa...” 9 DIDÁTICA ESPECÍFICA A discussão sobre o papel do professor de língua portuguesa ou do professor de língua estrangeira tem se intensificado atualmente nos contextos acadêmicos e muitas pesquisas têm sido realizadas em sala de aula com esses professores, com o objetivo de entender como se constituem, quais suas competências e quais os desafios que enfrentam em seu trabalho docente. Por outro lado, investiga-se também a importância do professor de língua portuguesa e de língua estrangeira no desenvolvimento do aluno. A Lei de Diretrizes e Bases n o 9394/96 assegura aos alunos de Ensino Fundamental o aprendizado da língua materna, apontando-a como instrumento de inserção cultural e de desenvolvimento sociocognitivo. Nesse sentido, ressalta-se a importância do aprendizado da leitura e da escrita segundo os princípios do letramento 1, por ser esse aprendizado essencial nos processos de socialização do aluno, no desenvolvimento de sua capacidade de argumentar e, portanto, no desenvolvimento de sua competência crítica. Também a Proposta Curricular para o Ensino da Língua Portuguesa, de 1988, já apresentava uma discussão nessa direção. Vejamos: A proposta de língua portuguesa não deve ser lida como uma solução, um receituário ou um rol de conteúdo a ser seguido; ela pretende, antes de tudo, ser um estímulo à reflexão, visando a uma mudança de ponto de vista e de atitudes em relação à linguagem e à língua e a uma consciência do papel do professor de Língua Portuguesa, para que seja capaz de adequar suas ações a esse papel (SECRETARIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1988, p.12). Vejamos o que dizem os PCN de Línguas Estrangeiras, documento orientador das propostas curriculares, em vigor desde 1998: A aprendizagem de língua estrangeira é uma possibilidade de aumentar a autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão. Por esse motivo, ela deve centrar-se no engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, em sua capacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo a poder agir no mundo social. Para que isso seja possível, é fundamental que o ensino de língua estrangeira seja balizado pela função social desse conhecimento na sociedade brasileira. (...) Os temas centrais desta proposta são a cidadania, a consciência crítica em relação à linguagem e os aspectos sociopolíticos da aprendizagem de língua Você já deve ter estudado a respeito de letramento. Em seção posterior retomaremos esse conceito e sua abrangência. Neste momento, apenas lembre-se de que na perspectiva do letramento, a leitura e a escrita são instrumentos que não só favorecem como utilizam o conhecimento de mundo do sujeito, considerando as práticas de linguagem sempre inseridas em contexto social. Letramento deixa de ser, portanto, um conceito que focaliza o código linguístico, para focalizar o uso da língua como expressão social do sujeito. 1 10 DIDÁTICA ESPECÍFICA estrangeira. (...) usar a aprendizagem de línguas como espaço para se compreender, na escola, as várias maneiras de se viver a experiência humana. São muito claras as propostas de ensino de língua materna e de línguas estrangeiras no que diz respeito ao papel social exercido pela língua / linguagem e à relevância de um ensino que não permaneça com foco na estrutura linguística. Esse é, portanto, nosso papel ao estudar as diferentes maneiras de um professor trabalhar em sala de aula. Articulando os dois aspectos – o do papel do professor e o das necessidades do aluno em relação à língua –, podemos entender a importância de se estudar a prática docente. Como já afirmava Castro (1989, p. 27), em aulas voltadas ao aprendizado de língua materna ou de língua estrangeira, “o fazer é também um dizer sobre o dizer”, ou seja, o objeto investigado nas aulas é, ao mesmo tempo, o orientador da investigação; a língua é o instrumento de comunicação e o objeto dessa comunicação. Nessa mesma direção, afirma Leal (2009, p. 1303-4) que a aula de Português caracteriza-se (...) por uma relação de circularidade entre o uso que se faz da língua e a sua análise, porque a segunda implica a reflexão sobre o primeiro e visa ao aperfeiçoamento daquele e aquele, por sua vez, permite o aprofundamento da segunda (a capacidade de análise do sistema linguístico e dos seus usos). Interessante pensar nessa “circularidade” como discutida por Leal. Então isso quer dizer que, como professores de língua materna, especificamente, somos responsáveis por orientar nossos alunos para que transformem os conhecimentos cotidianos, empíricos que trazem sobre a língua, por conta do convívio social em uma comunidade de falantes, em conhecimentos organizados sobre a língua, orientados por normas e convenções determinadas pelos diversos contextos sociais dos quais participam. Você acha que as normas e convenções às quais me refiro são as normas gramaticais, ortográficas? Não. Na verdade, não me refiro a essas normas, mas às que regem as comunidades discursivas; aquelas que permitem ao sujeito, por meio da linguagem, ter sua voz reconhecida num evento linguístico. Isso é muito mais do que orientar alunos para que conheçam as normas gramaticais ou as ortográficas, não é mesmo? Significa orientar para que o aluno aprenda o uso da língua e faça dela um instrumento para posicionar-se socialmente. Percebe a responsabilidade atribuída a você que será amanhã ou depois um professor de língua portuguesa ou um professor de língua estrangeira? 11 DIDÁTICA ESPECÍFICA Saiba Mais! Que tal ler o artigo de Susana Mira Leal, intitulado “Ser Professor... de Português: especificidades da formação dos professores de língua materna”? Você o encontrará no endereço eletrônico <http://www.educacion.udc.es/grupos/gipdae/congreso/Xcongreso/ pdfs/t3/t3c92.pdf>. Como exercício, procure destacar, a partir da leitura e de seus conhecimentos de mundo, quais seriam os conhecimentos mais relevantes, necessários a um professor de língua materna. Oliveira (2010, p. 15-6), ao discutir o papel do professor de português – e podemos ampliar essa discussão ao âmbito do professor de línguas estrangeiras –, afirma haver um problema com os professores: eles “geralmente demonstram pouco interesse por questões teóricas”. Para o autor, isso pode ser reflexo do próprio aprendizado desses professores, que priorizou sempre a prática em detrimento da teoria. Ou seja, nas aulas de português frequentadas por grande parte dos professores que atuam hoje como docentes, as teorias linguísticas foram abordadas, porém, sem relação com as práticas de linguagem efetivas, que ocorrem em contextos sociais. Essa discussão nos conduz às seguintes questões: Qual o papel da teoria na vida de um professor? De quais teorias precisamos, como professores? O que fazemos com as teorias pedagógicas? O papel das teorias é subsidiar nossas ações como professores, nos auxiliar na tomada de decisões sobre por que usar este ou aquele material, esta ou aquela estratégia e também nos ajudar a explicar nossa prática, iluminada por conceitos que estão ancorados em uma determinada concepção de aprendizagem. Esse movimento do professor de querer fundamentar sua prática e, portanto, de encontrar razões teóricas que justifiquem suas escolhas é o que chamamos “reflexão crítica”, isto é, o movimento de investigarmos nossa própria ação, procurando explicações para: “o que faço”, “como faço”, “por que faço assim”, “para que faço isso”, “para quem faço”, “em que contexto faço isso”. O movimento de refletir criticamente sobre a prática docente nos leva à prática de ações conscientes, cada vez mais distanciadas daquelas pautadas somente na repetição passiva daquilo que os materiais didáticos oferecem e sugerem. Freire muito nos auxilia a pensar nesses aspectos citados. A grande pergunta que paira sobre todo o seu pensar pedagógico é “a quais interesses o meu fazer como professor serve?” Responder a essa indagação corresponde a pensar que cada professor tem um papel político, com grande parcela de responsabilidade sobre o desenvolvimento de seus alunos, e que, para isso, precisa preparar-se, 12 DIDÁTICA ESPECÍFICA construindo saberes que diferem, muito provavelmente, de grande parte das práticas vivenciadas quando alunos. Oliveira (2010, p. 16) nos apresenta “5 coisas que todo professor de português precisa saber” e discute teoricamente cada uma delas. Estendemos essa discussão a professores que trabalham também com línguas estrangeiras. Vejamos: 1. O que é ensinar. 2. O que é método de ensino. 3. O que é língua. 4. O que é saber português. 5. A razão pela qual se ensina português para brasileiros. Você deve estar se perguntando: “ensinar português para brasileiros? mas todo brasileiro sabe português...” Intrigante pergunta, não é mesmo? O autor se refere, na verdade, a uma discussão cujo foco é pensar sobre o que o brasileiro não sabe de sua própria língua, mas que seria essencial para seu desenvolvimento como cidadão, para seu envolvimento de modo mais crítico e sustentado nos diferentes contextos sociais. A reflexão sobre essa questão nos conduz também a outra: Qual a funcionalidade da língua? Qual a funcionalidade dos estudos sobre gramática normativa, por exemplo? Ou da elaboração de um texto dissertativo? Deixando essas questões em stand by, vamos às 5 coisas que o professor precisa saber. 1.1 O que é ensinar Seja qual for a área de atuação de um professor, o primeiro passo para entender seu papel é o resgate das concepções de ensino-aprendizagem, pois estas têm orientado todas as práticas didático-pedagógicas em sala de aula e nem sempre são discutidas com profundidade. As discussões sobre ensino e aprendizagem estão sustentadas por teorias psicológicas e procuram levar ao entendimento sobre de que maneira os sujeitos aprendem e estabelecem relações entre essa aprendizagem e o que os cerca no mundo. Muitos pesquisadores têm investigado as teorias de aprendizagem e organizado, didaticamente, agrupamentos dessas teorias, facilitando nosso trabalho. Podemos elencar, por exemplo, Mizukami (2001), que discute as abordagens: tradicional, comportamental, humanista, cognitivista e sociocultural, afirmando que, de acordo com cada uma delas, um ou outro aspecto do fenômeno educacional é privilegiado. Outra pesquisadora que tem se dedicado a essa mesma questão é Bock (2001, p. 114). Segundo ela, podemos agrupar as teorias de aprendizagem em duas grandes categorias: o condicionamento e o cognitivismo. 13 DIDÁTICA ESPECÍFICA Essas teorias podem ser genericamente reunidas em duas categorias: as teorias do condicionamento e as teorias cognitivistas. No primeiro grupo, estão as teorias que definem a aprendizagem pelas suas consequências comportamentais e enfatizam as condições ambientais como forças propulsoras da aprendizagem. Aprendizagem é a conexão entre o estímulo e a resposta. Completada a aprendizagem, estímulo e resposta estão de tal modo unidos, que o aparecimento do estímulo evoca a resposta. Isso lembra alguma coisa a você? Lembra algum tipo de aula ou de atividade que exigia que você fizesse muitas vezes a mesma coisa para lembrar-se depois? É exatamente a concepção apontada pela autora: por repetir muito uma dada maneira de resolver uma situação-problema de sala de aula, o aluno teria, então, condições de acionar esse modelo quando estivesse novamente à frente de tarefas semelhantes. Então, teria aprendido. Avançando na discussão, Bock (2001, p. 114) nos aponta a segunda categoria das teorias de aprendizagem, as cognitivistas: Nesse segundo grupo estão as teorias que definem a aprendizagem como um processo de relação do sujeito com o mundo externo e que tem consequências no plano da organização interna do conhecimento (organização cognitiva). O fato é que há diferentes teorias relacionadas à aprendizagem, todas preocupadas com a concepção de homem e de seus modos de pensar. Vamos aqui discutir brevemente três concepções que trazem marcas relevantes quando pensamos no ensino de língua materna e línguas estrangeiras: a behaviorista, a construtivista e a sócio-histórico-cultural. 1.1.1 Concepção behaviorista de aprendizagem Essa corrente também tem sido chamada de comportamentalismo ou de ambientalismo. De acordo com ela, uma pessoa aprende por meio de comportamentos ou hábitos adquiridos em situações de estímulo-resposta. Isso significa, por exemplo, pensar que um aluno, ao fazer muitas vezes o mesmo exercício, adquire um conjunto de hábitos que permitem a ele resolver outras situações ao repetir esses hábitos, e ser recompensado por isso. Observação Em busca da memória Quando pensamos nessa corrente, que tipo de aula vem à sua mente? Se uma pessoa aprende por meio dos estímulos que recebe do meio, então o aluno nessa aula estaria sempre à espera de um estímulo vindo de algo ou de alguém. Nessa perspectiva, a aula é o lugar 14 DIDÁTICA ESPECÍFICA da repetição de comportamentos considerados corretos, à espera que o aluno adquira hábitos que permitam a ele sempre acertar. Em caso de erro, ele é corrigido, para que não volte a errar. Nessa visão de aprendizagem, o professor é o elemento mais importante em sala de aula, pois é ele quem tem os considerados comportamentos corretos e adequados, devendo, portanto, ensiná-los aos alunos. Se olharmos o aluno que está sendo formado por essa escola, nos deparamos com um ser passivo, que recebe e não deve questionar; que é dependente do professor e dos conhecimentos impostos. Nessa perspectiva, a realidade é vista como um fenômeno completamente objetivo, o mundo já está construído. O ambiente é determinante em relação a quem será esse ser humano que está em desenvolvimento: ele será aquilo que a sociedade está indicando, uma pessoa que terá respostas previsíveis, de acordo com as solicitações já planejadas socialmente. Ora, para isso o professor é então o detentor do saber, pois somente por ele esse novo ser humano terá acesso àquilo que está determinado. Observação Pensando Quem é o ser humano que se forma a partir dessa escola? Que tipo de saber essa pessoa terá? Que tipo de ações essa pessoa praticará? Exemplo de aplicação Aqui vai um pequeno exercício para você: experimente preencher o quadro abaixo, caracterizando cada um dos elementos a partir da situação prática de ensino em sala de aula2 de língua portuguesa descrita a seguir. Certamente essa situação já foi vista ou vivenciada em sua vida de aluno e em sua trajetória escolar. O quadro já apresenta algumas células completas. Complete-o, a partir do que já está presente. Situação Numa sala de aula de 7o ano do Ensino Fundamental, uma professora de língua portuguesa inicia sua aula dizendo aos alunos que trabalharão com um texto que todos deverão ler em voz baixa e logo em seguida, responder às questões colocadas na lousa. Depois de terminarem os exercícios, alguns alunos escolhidos pela professora irão à lousa apresentar aos colegas suas respostas ao questionário sobre o texto. A professora diz aos alunos que devem se basear no texto para responder e que não quer nada que não esteja Todas as situações utilizadas neste livro-texto são fictícias, resultantes de discussões da professora autora em aulas de curso de especialização. 2 15 DIDÁTICA ESPECÍFICA presente no texto. Eles devem dizer o que o autor do texto diz e não devem inventar nada ou imaginar nada. O texto apresentado aos alunos é uma história de ficção e uma das perguntas propostas é “O que o autor quis dizer quando apresentou o personagem Solimões usando o adjetivo ‘rapaz intrigante’?” (pergunta no 5). Essa é a única pergunta cuja resposta não está explícita no texto. As demais são apresentadas aos alunos na ordem em que aparecem no texto. Quando perguntamos à professora qual o papel da atividade, ela nos disse que os alunos precisam melhorar a leitura e a escrita, por isso, responder as questões a partir do que está no texto os ajudará a desenvolver a competência leitora e escritora. Segue um trecho da aula, gravado e transcrito: Transcrição 1 Profa1: Carlos, você já leu o texto? O que que você ta fazendo conversando com o Luiz? Carlos1: Não, professora. É que nós tamo discutindo o texto, porque eu não sei onde tá uma pergunta. Profa2: Mas eu já disse que está tudo no texto. O que é que você não acha? Me fala? Carlos2: É a pergunta 5, professora. Eu não acho ela. Luiz1: É, professora. A gente encontrou a 4 e a 6, mas não tem a 5. Profa3: Gente, vejam o que os meninos falaram! Eles não encontraram a pergunta 5. Vocês também não? Gente... O que vocês responderam pra essa pergunta? (muitos alunos falam ao mesmo tempo, dizendo que não encontraram a resposta ou que ainda não chegaram na pergunta 5) Priscila1: Eu disse que ele não sabe fazer as coisas, por isso ele é “intrigante”. Profa4: Não, Priscila. De onde você tirou isso? Tá errado. O autor não fala isso no texto. Fala, gente? Ele fala isso? Priscila2: Então a gente não sabe. Profa5: É isso mesmo. Eu explico. Quando o autor fala que o Solimões é um rapaz intrigante, ele quer dizer que o moço é um pouco estranho e diferente dos outros. Vejam nos outros parágrafos depois que ele apresenta o Solimões, se vocês não percebem que ele vai falando do personagem e deixando algumas dúvidas. 16 DIDÁTICA ESPECÍFICA Luiz2: Então é pra gente responder que ele é estranho? Isso tá bom? Profa6: Tá. Mas é pra fazer individual, viu, seu Luiz e seu Carlos? Sem se comunicar. Depois eu vou te chamar pra ir na lousa. Quadro 1: caracterizando a aprendizagem behaviorista Explicação Papel do professor Trecho que exemplifica Professor considera que o conteúdo é preestabelecido e imutável, buscando padronização de comportamentos. “Mas eu já disse que está tudo no texto. O que é que você não acha? Me fala.” “Então é pra gente responder que ele é estranho? Isso ta bom?” Papel do aluno Papel das práticas realizadas em sala de aula Aluno reproduz conhecimentos, com pouco ou nenhum espaço para desenvolver argumentação sobre o que faz. As práticas se apresentam como sequência lógica, linear, não favorecendo conexões do aprendido com necessidades reais. “...os alunos precisam melhorar a leitura e a escrita, por isso, responder as questões a partir do que está no texto os ajudará a desenvolver a competência leitora e escritora.” “Não, Priscila. De onde você tirou isso? Tá errado. O autor não fala isso no texto. Fala, gente? Ele fala isso?” Papel do erro Erro não é usado para desenvolver a capacidade de pensar do aluno. Observação Intrigante?! Veja quantos aspectos já temos para discutir a partir dessa situação: — o que é leitura e escrita para essa professora? — qual o papel da interação em sala de aula? — como trabalhar com textos? 17 DIDÁTICA ESPECÍFICA Você concorda comigo que cada situação de sala de aula revela a concepção de ensino-aprendizagem do professor? Pense nisso! Embora a concepção behaviorista de aprendizagem carregue toda essa marca de não dar ao aluno espaços para desenvolver sua autonomia, por considerar o conhecimento como predeterminado pelo ambiente, e de dar ao professor esse papel de detentor do conhecimento, é preciso lembrar, como diz Oliveira (2010, p. 26), que essa concepção teve uma “implicação muito positiva para a sala de aula: começou-se a se preocupar com o planejamento do ensino”. Superimportante esse aspecto, pois justamente para que tudo fosse controlado em sala de aula, os professores perceberam a necessidade de “planejar” suas aulas. Assim, podemos pensar nesse ganho “inegável” para o professor, mas não podemos nos esquecer das perdas acarretadas por essa corrente, principalmente em relação ao papel do aluno – passivo, com pouco ou nenhum espaço para o desenvolvimento de criticidade e autonomia, e ao papel do professor – transmissor do conhecimento, depositor do conhecimento na mente dos alunos. Observação Pensando! Transfere-se o conhecimento para a mente de alguém? Transfere-se um pacote de informações para a cabeça de alguém? Conhecimento e pacote de informações correspondem à mesma coisa? Mas agora, vamos à segunda concepção de aprendizagem: a concepção construtivista. 1.1.2 Concepção construtivista de aprendizagem Numa direção distinta da behaviorista, pesquisadores, a partir da segunda metade do século XX, iniciaram estudos que focalizavam o papel do aluno no processo de ensino-aprendizagem, objetivando mostrar que a partir da forma como as aulas fossem ministradas e do papel do professor, esses alunos poderiam assumir o papel de protagonistas na construção de conhecimentos. Uma das mais significativas contribuições nesse sentido surgiu com as pesquisas de Jean Piaget, para quem o ser humano se desenvolve a partir de fases maturacionais, biologicamente situadas, que se sucedem ao longo da vida. Nessa perspectiva, podemos dizer que o papel da interação ganha forças, pois o mundo passa a ser um espaço no qual os seres humanos interagem em busca de assimilar conhecimentos novos e acomodá-los aos seus esquemas mentais já existentes. Nessa concepção, toda a atenção recai no aluno e em seu desenvolvimento individual. Como seu desenvolvimento depende do que já traz em mente e das operações mentais que já consegue fazer, o professor precisa prestar muita atenção na maneira como o aluno mostra o que sabe, para problematizar e provocar desequilíbrios nesse aluno, capazes de fazê-lo avançar em relação aos esquemas mentais que já possui. 18 DIDÁTICA ESPECÍFICA É preciso lembrar que os estudos de Jean Piaget não foram realizados com foco nas situações escolares, mas sim em laboratório de psicologia. Isso significa que não podemos “levar” para a sala de aula a teoria piagetiana como se fosse uma cartilha de recomendações ao professor. É preciso pensar nela e nos avanços que ela trouxe à compreensão de como se aprende e também em como essa teoria se caracteriza em sala de aula. A visão construtivista está pautada no fato de o conhecimento ser uma construção contínua, que se dá na relação entre o sujeito e o objeto, sempre pela ação do sujeito. O fato de Piaget considerar as fases de desenvolvimento do ser humano, também nos leva à conclusão de que o conhecimento é construído quando o sujeito, por meio da reconstrução de seus esquemas mentais, avança para um novo plano. Nessa perspectiva, a sala de aula precisa propiciar aos alunos espaços para que investiguem e pesquisem sobre o que deve ser aprendido. Essa ideia pode gerar um mal-entendido: pode-se acreditar que, para que o aluno avance em seus esquemas, deva ter a liberdade incondicional de pesquisar sobre a situação de aprendizagem da forma como melhor lhe aprouver, o que não é verdade. Correto é pensar que na visão piagetiana, o professor, respeitando o desenvolvimento cognitivo do aluno, precisa criar situações para que este possa criar, inventar, descobrir sobre o objeto do conhecimento, agindo sobre ele. Considerando os aspectos expostos, podemos dizer que na perspectiva construtivista piagetiana, o ser humano “aprende a conquistar conhecimento pela aquisição individual. O foco recai no aluno e nas operações mentais, uma vez que aprender depende do desenvolvimento de cada um” (LIBERALI, 2009, p. 10). Pensando nisso, que papel você acredita que seja o do professor? E o do aluno? Afirma ainda Liberali (2009, p. 10) que Nessa perspectiva, formam-se indivíduos com autonomia, que aprendem a recorrer a suas capacidades e a contar consigo mesmos para alcançar suas metas. Esses sujeitos desenvolvem ideias próprias, capacidade criativa e uma visão particular do mundo. Veja o que afirma um professor sobre uma aula com o mesmo material e a mesma atividade da aula apresentada na situação 1, exposta anteriormente: Prof. André: Dei essa atividade para meus alunos também, mas acho que eles precisam fazer aquilo que conseguem. Então, não exigi que todos terminassem o questionário e também deixei que cada um respondesse de sua própria cabeça o que significava “rapaz intrigante”. Depois que todos terminaram a atividade, enquanto faziam outra tarefa, fui chamando em minha mesa cada um deles e perguntando o que haviam pensado para responder àquela questão. Foi interessante, porque pude perceber o que cada aluno sabe e o que ainda não sabe. Orientei cada um para que escrevesse mais sobre sua ideia a respeito de “rapaz intrigante”, discuti o que poderia 19 DIDÁTICA ESPECÍFICA ser considerado e o que não cabia na questão, com alguns alunos, fui ao dicionário... Aqueles que dominam a escrita acabaram escrevendo coisas interessantes, mas há os que ainda não escrevem bem e então, esses eu permiti que apenas me falassem o que pensam e discuti com cada um, pois para escrever, teriam muita dificuldade. Exemplo de aplicação Preencha as células vazias do quadro a seguir, pensando nos diferentes papéis – de professor, de aluno, de práticas de sala de aula e do erro –, considerando o excerto acima, da entrevista com o professor André. Quadro 2: Caracterizando a aprendizagem construtivista Explicação Papel do professor Professor estimula a pesquisa e o esforço do aluno, propondo situação-problema, porém, respeitando a fase de desenvolvimento de cada aluno. “...deixei que cada um respondesse de sua própria cabeça o que significava ‘rapaz intrigante’ (...) permiti que apenas me falassem o que pensam e discuti com cada um.” Papel do aluno Papel das práticas realizadas em sala de aula Trecho que exemplifica As práticas favorecem descobertas individuais, provocam desequilíbrio, sempre dentro do desenvolvimento maturacional do aprendiz, dentro de sua fase evolutiva. “...discuti o que poderia ser considerado e o que não cabia na questão, com alguns alunos, fui ao dicionário...” Papel do erro Observação Pensando! Nessa concepção, estariam contempladas, por exemplo, as situações nas quais o ser humano precisa discutir um dado assunto, precisa buscar consensos sociais, precisa considerar a sociocultura como dado relevante para esses consensos? Afirma Bock (2001, p. 142) que Piaget apresenta uma tendência hiperconstrutivista em sua teoria, com ênfase no papel estruturante do sujeito. (...) A teoria de Piaget apresenta também a dimensão interacionista, mas sua ênfase é colocada na interação 20 DIDÁTICA ESPECÍFICA do sujeito com o objeto físico; e, além disso, não está clara em sua teoria a função da interação social no processo de conhecimento. Pensando nesse aspecto, vamos à concepção que mais nos interessa neste momento: a concepção sócio-histórico-cultural de aprendizagem. 1.1.3 Concepção sócio-histórico-cultural de aprendizagem Nessa perspectiva, a maior relevância pode ser dada aos estudos de Lev Semianovitch Vygotsky, que considera sujeito e mundo inseparáveis, um atuando sobre o outro para provocar transformações e desenvolvimento no próprio sujeito e no contexto. Importam, sobremaneira, as possibilidades geradas para a reflexão do sujeito sobre o mundo. Assim considerada, a situação de aprendizagem deve se caracterizar por atividades mediadas pelos artefatos culturais e pelos próprios sujeitos que, ao tomarem consciência sobre o contexto em que se encontram inseridos, agem sobre ele. Segundo Oliveira (2010, p. 28), nessa perspectiva, o aluno (...) não é mais visto como um ser passivo – ele passa a ser concebido como um sujeito que, para construir seus conhecimentos, se apropria dos elementos fornecidos pelos professores, pelos livros didáticos, pelas atividades realizadas em sala e por seus colegas, para, a partir daí, desenvolver argumentos sobre o significado desses elementos no contexto social. O que se pretende, portanto, a partir dessa concepção, é que sejam formados indivíduos capazes de compromisso colaborativo com o mundo e com o outro para atuar em diferentes contextos sociais. Esses sujeitos aprendem a expor ideias e a ouvir as dos demais, percebem a possibilidade de buscar as informações que lhes são necessárias e desejam transformar o meio e a si mesmos (LIBERALI, 2009, p. 10). Observação Pensando! Ao considerarmos o professor de língua portuguesa ou o de línguas estrangeiras, não seria de extrema relevância pensar que esse professor tem o incrível papel de contribuir para que seus alunos conheçam a língua e atribuam a ela o papel de construtora de significados, de mediadora de conflitos, e que é a língua aquela que os capacitará a agirem de modo crítico no mundo? Oliveira (2010) afirma que, em seus estudos e pesquisas com professores, tem ficado cada vez mais claro o posicionamento de todos, de que é essa concepção sociointeracionista que deve 21 DIDÁTICA ESPECÍFICA orientar as práticas didático-pedagógicas dos professores de línguas (portuguesa e estrangeiras) em sala de aula. Exemplo de aplicação Novamente, vamos pensar nas características de práticas de sala de aula, agora considerando a visão sócio-histórico-cultural de aprendizagem. Preencha as células vazias do quadro apresentado pensando nos diferentes papéis – de professor, de aluno, de práticas de sala de aula e do erro –, considerando o excerto a seguir, transcrição de uma aula de língua portuguesa, turma de 7o ano, da professora Carolina (Aula sobre um episódio da série ”A Diarista”, apresentado pela rede Globo, gravada e transcrita para pesquisa de trabalho de conclusão de curso em letras, UNIP, 2006). Transcrição 2 Profa30: Agora que a gente já discutiu o que vocês sabem sobre “A Diarista”, vamos ver as questões. Quem pode me falar? Al38: A história tem diferentes modos de viver. Uma forma é a do trabalhador, professora. Profa31: Isso, isso! Que mais? Al39: Tem o político, a polícia, o rico... Profa32: Essas pessoas, personagens que representam esse segmento social, estão neste episódio que assistimos. Então vocês pensam: como é que eles estão representando esses trabalhadores? Vocês viram o trabalhador, o político, a polícia e uma pessoa rica. E agora? Como é que esse programa está tratando estas pessoas, como é que está abordando, que imagem eles estão passando dessas pessoas, desses segmentos sociais... São justas ou são preconceituosas?... (...) Profa33: Isso mesmo. Então, será que eles estão tratando, fazendo uma boa imagem do trabalhador, fazendo uma boa imagem do político, fazendo uma boa imagem da polícia, ou não? Ou estão divulgando algum preconceito? Al40: Então, professora, eu acho que o programa fala da empregada doméstica tirando o sarro dela. Minha mãe é empregada doméstica e ela fica “p” da vida quando assiste, porque diz que fazem assim com ela também. Profa34: Pessoal, olhem só o que o Cláudio está falando. Alguém quer dar uma contribuição para essa fala dele? Vocês acham que ele está dizendo que tem preconceito ou que não tem? Como é / em que pedacinho do episódio o Cláudio reparou nisso, hem, gente? Quem pode nos dizer? 22 DIDÁTICA ESPECÍFICA Al41: Na casa, a moça rica fala assim “Não fale nada. Você tem que ficar quieta. Quem pediu a sua opinião?” Minha mãe disse que ela já ouviu isso. Ela ficou sem graça, mas ela acha que é assim mesmo, que quem é rico pode falar assim e que ela tem mais é que ficar quieta, porque senão ela não ganha. Mas eu não acho isso. Al42: Você tem que falar pra sua mãe como é que ela pode falar com a moça. Profa35: Luiz, você encontrou um trecho legal para a gente discutir essa questão do papel social que as pessoas têm. E você viu como é que a televisão tratou essa questão? Quem é que pode complementar essa opinião que o Luiz trouxe pra gente? O Carlos já disse uma coisa importante. É importante isso para a nossa discussão sobre o preconceito? Tem algum outro meio de comunicação que também faz isso, trata de forma preconceituosa as pessoas? Tem algum programa?... Como é que você pode falar pra sua mãe, Luiz, sobre essa questão? Carlos, você tem alguma sugestão para o Luiz? Gente?... Al43: Acho que sua mãe tinha que gritá com a moça e saí de lá. Profa36: Vamos pensar aqui com o José Carlos. Vocês acham isso também? O que que isso representaria? Quem tem algum argumento legal para dar ao José Carlos sobre por que é que essa não seria a melhor forma de agir da mãe do Luiz? José Carlos, você também pode pensar... Vamos, gente... (...) Quadro 3: Caracterizando a aprendizagem sócio-histórico-cultural Explicação Papel do professor Professor provoca conflitos, dando suporte ao aluno; medeia tais situações, orientando os alunos na busca por consensos que lhes permitam conhecer mais a realidade; sugere a participação dos alunos no sentido de desenvolverem a argumentação com fundamento. “Na casa, a moça rica fala assim ‘Não fale nada. Você tem que ficar quieta. Quem pediu a sua opinião?’ Minha mãe disse que ela já ouviu isso. Ela ficou sem graça, mas ela acha que é assim mesmo, (...) porque senão ela não ganha. Mas eu não acho isso”. Papel do aluno Papel das práticas realizadas em sala de aula Papel do erro Trecho que exemplifica As práticas pressupõem a interação entre aluno, conhecimento e os outros; priorizam a discussão e a negociação de significados; consideram como relevante a relação aprendizado – mundo real. “Quem tem algum argumento legal para dar ao José Carlos sobre por que é que essa não seria a melhor forma de agir da mãe do Luiz? José Carlos, você também pode pensar...” 23 DIDÁTICA ESPECÍFICA Uma vez discutido “o que é ensinar” e as diferentes concepções que orientam professores em suas práticas, vamos à segunda questão proposta por Oliveira (2010): O que é método de ensino. 1.2 O que é método de ensino Por método, entendemos o caminho, os passos a serem dados para se alcançar um determinado fim. Um método se caracteriza por ações conscientes, planejadas e controladas, que descrevem estratégias e procedimentos usados pelos professores em situações de sala de aula. Podemos pensar em duas dimensões importantes para o método: a do planejamento ou plano ideal para uma dada disciplina, e a das ações efetivas para a sala de aula. Oliveira (2010, p. 30-1) aponta um aspecto interessante quando pensamos em método: ele é composto de três partes: a abordagem, o projeto (ou design, como tem sido chamado principalmente quando se trata do ensino de línguas estrangeiras) e o procedimento. Muito importante em nossa área do conhecimento é a abordagem. É ela que traz para a discussão o objeto mais significativo para um professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras: a concepção de língua (ou a teoria linguística de base). É essa teoria de língua/linguagem, aliada à teoria de aprendizagem, que possibilita ao professor tomar decisões sobre como trabalhar em sala de aula. Por projeto, entendemos o conjunto de conteúdos curriculares e seus objetivos, as práticas de sala de aula, materiais e uma descrição do que se espera em termos de papéis – de aluno, de professor, dos materiais. Procedimento indica o conjunto de ações práticas que viabilizará o projeto. Pensando em todos esses aspectos, precisamos, como professores na área de línguas, conhecer diferentes metodologias que possibilitam aos alunos o desenvolvimento das competências elencadas em nossos objetivos de disciplina e de curso. Essas metodologias serão discutidas ao longo de nosso trabalho, por meio dos exemplos de práticas de sala de aula. Observação Refletindo! Considerando tudo o que já discutimos, qual concepção de língua/ linguagem ancora nossas práticas? Vamos agora ao terceiro aspecto considerado por Oliveira (2010) sobre o que um professor de português tem obrigação de saber: o que é língua. 1.3 O que é língua O modo como um professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras concebe língua/ linguagem é determinante na escolha que esse professor faz de materiais para suas aulas, de como vai tratá-los, como vai discuti-los, nas suas decisões sobre quais práticas de avaliações utilizará e como dará consideração às diferentes manifestações linguísticas de seus alunos. 24 DIDÁTICA ESPECÍFICA Essa discussão enfatiza o rompimento com uma visão de língua como estrutura, para entendê-la como uma construção social. A concepção de língua como estrutura, conjunto de regras, está ligada à corrente estruturalista e também à corrente chomskiana de estudos linguísticos. A primeira, fundamentada em Saussure, enfatizava a língua como estrutura e excluía de sua análise a fala, ou seja, excluía exatamente o uso social da língua. A segunda, fundamentada em Chomsky, via a língua como um conjunto de regras inatas ao falante, considerava competência e desempenho, mas excluía da análise linguística o falante real, ou seja, excluía também o uso social da língua. Práticas de sala de aula pautadas na visão de língua como estrutura e conjunto de regras são aquelas que se mostram preocupadas com o uso correto da língua, reforçando comportamentos linguísticos considerados mais adequados e descartando os considerados menos adequados; são as práticas que enfatizam e priorizam o ensino da gramática. Vamos, agora, à concepção de língua que orientará toda a nossa discussão didático-pedagógica nas próximas seções: língua como construção social. Essa visão é sustentada pelos estudos de Bakhtin, que, em meados do século XX, considerando a língua como um fato social que existe em função da necessidade dos indivíduos se comunicarem, valoriza a fala e formula a teoria da enunciação. A linguagem é vista então como resultado da interação humana e tem caráter essencialmente dialógico, não apenas como alternância de vozes, mas como confronto de vozes que existem em tempo e lugar social, historicamente determinados. Para Bakhtin e Volochinov (2006), o enunciado não é somente a matéria linguística. Outra parte, não verbal, correspondente ao contexto da enunciação, é de fundamental importância. Essa abordagem sociointeracional da linguagem considera que é na intersubjetividade e na interação das diferentes vozes que compõem o discurso, que as manifestações ideológicas se apresentam, deixando transparecer os pontos de vista de cada indivíduo no ato da comunicação. Nessa perspectiva, ao delimitar um objeto de pesquisa, como a linguagem, procurando estudá-la a partir de seus elementos constitutivos isolados, perdemos a essência do objeto estudado. Observação Pensando! Isso diz alguma coisa a você em relação às práticas didático-pedagógicas das quais você já participou em contextos escolares? Exercícios do tipo destaque o sujeito da frase, encontre os adjuntos adnominais, assim isolados do contexto, não te parecem distantes do contexto de uso da língua? Para Bakhtin e Volochinov (2006), estudar a linguagem enquanto um processo físico, fisiológico ou psicológico, não bastaria. Essas esferas isoladas não explicariam um fato linguístico senão fazendo parte de um contexto mais amplo de relações imbricadas, ou seja, o contexto social. Segundo o objetivismo abstrato, língua e fala estariam separadas uma da outra. A língua seria objeto da linguística (formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua) e nessa perspectiva, o indivíduo 25 DIDÁTICA ESPECÍFICA receberia, em seu meio social, um sistema imutável, de normas estáveis, de caráter abstrato e objetivo. Não seria considerado, nessa visão, o contexto da enunciação; a língua estaria desvinculada da esfera real de produção e de qualquer valor ideológico. A crítica de Bakhtin e Volochinov nesse sentido refere-se, principalmente, ao fato de que nessa visão não se considera a história da língua e o valor ideológico que ela tem para cada falante, não sendo diretamente acessível à sua consciência. A língua estaria fora do fluxo da comunicação verbal e enquanto este fluxo avança, ela permaneceria estável. Bakhtin e Volochinov (1995) veem os indivíduos penetrando na corrente da comunicação verbal e se conscientizando de forma a poder usar a língua3. Bakhtin e Volochinov (1995) expressam-se em relação à linguagem, considerando a interação verbal como sendo uma síntese dialética constituída a partir do subjetivismo idealista e do objetivismo abstrato. Para ele, toda enunciação é determinada por uma situação social imediata e pelo meio social mais amplo no qual o indivíduo está inserido e se dá na interação entre os indivíduos. Para Bakhtin e Volochinov (1995, p. 123), a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. Ao considerar a linguagem, por um lado, a partir de suas características formais e, por outro, de suas características sociais e de subjetividade, enquanto discurso, podemos analisá-la e compreendê-la como interação e mais ainda, como o lugar privilegiado para que os sujeitos manifestem suas representações ideológicas. Esse lugar do conflito que se dá pela linguagem, é, entre outros, a sala de aula. As relações sociais que acontecem nesse ambiente, em nenhum momento podem ser atribuídas a um sujeito individual, mas, segundo o dialogismo bakhtiniano, a um sujeito que se constitui socialmente por meio das interações verbais das quais participa. Considerando-se essa concepção dialógica de língua/linguagem, as práticas didático-pedagógicas em sala de aula de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras não devem ter como foco o conteúdo das disciplinas. Estes são, nessa visão, artefatos culturais ou instrumentos que propiciam aos estudantes (sujeitos da atividade) contextos para produzir, compreender, interpretar, negociar significados de situações de uso da linguagem, necessárias ao seu desenvolvimento. Exemplo de aplicação Agora que você já teve contato com as concepções de língua / linguagem, e já discutiu as diferenças entre uma concepção monológica e uma concepção dialógica, é preciso pensar em como isso se revela na No caso da aquisição de língua estrangeira, a consciência já estaria constituída graças à língua materna, segundo Bakhtin e Volochinov (1995). 3 26 DIDÁTICA ESPECÍFICA sala de aula. Leia o relato a seguir e comente como você vê a concepção dialógica de língua/linguagem embasando a prática da professora. Miriam. Relato4: Profa Miriam, língua inglesa – aula para alunos de 9o ano do Ensino Técnico – turmas A e B. Quando pensei na atividade para meus alunos, o que eu queria, na verdade, era que eles vivenciassem um momento próximo a uma situação da vida real, e escolhi o processo seletivo para emprego, porque muitos alunos estão se aproximando dessa situação. Meu objeto de desejo era que os alunos conseguissem “mostrar o melhor de suas qualificações para seu possível empregador”. Discuti com eles, inicialmente, para ver como pensavam a atividade e o que consideravam que seria importante pesquisar / estudar, antes de participar efetivamente dela. Eles foram me dizendo que para participar de um processo seletivo, precisariam saber como era uma “ficha do candidato”, como fazer essa ficha no computador, que tipo de perguntas essa ficha traria. Eles elencaram vários aspectos e consideraram, após muita discussão durante a aula, quais seriam os conhecimentos mais importantes da língua inglesa, de todos os nossos conteúdos já estudados, que deveriam ter para participar do processo seletivo. Destacaram esses conhecimentos e cada grupo fez uma síntese para deixar disponível no mural da sala de aula, para que todos pudessem consultar enquanto se preparavam para o processo seletivo. Também fizeram uma pesquisa na internet para ver quais exigências, em termos de língua inglesa, eram feitas por empresas. Levantaram as “regras e valores” das empresas, e também possíveis aspectos que, em uma entrevista nas empresas escolhidas, os entrevistadores focalizariam. Para isso, cada grupo de alunos fez um levantamento do que era o produto base dessas empresas e elaborou possíveis perguntas. Essas perguntas foram debatidas em uma aula específica, que usamos para observar duas coisas: primeiro, a relevância de se perguntar isso ou aquilo em um processo seletivo. Segundo, como haviam sido usados os conhecimentos específicos da língua inglesa ao formulá-las. Nessa aula, o que mais foi explorado foi a questão do “o que” perguntar. Percebi que muitos alunos haviam perguntado a familiares como um processo de emprego acontece, outros não tinham noção sobre isso. A aula foi um grande momento de descobrir o que se faz, o que se fala, na procura por um emprego. Em relação aos conteúdos específicos, consideramos tudo sobre os aspectos gramaticais da língua – estrutura das frases, tempos verbais, uso de phrasal verbs, de wh- questions e yes/no questions, auxiliary verbs, reporting events. Os alunos também exploraram possibilidades de vocabulário, pensando no específico relacionado à área das empresas selecionadas. Fizemos isso trabalhando mais ou menos assim: primeiro, discutimos o contexto das empresas, porque sem conhecer o contexto onde a prática de linguagem vai acontecer, acredito que não seria bom. Os alunos não saberiam como agir. Bom, para isso, os alunos procuraram informações sobre as empresas, de todo O relato apresentado foi adaptado de uma atividade social proposta por Liberali (2009, p.21), no livro Atividade social nas aulas de língua estrangeira. A autora apresenta um esquema de uma atividade social com foco no processo seletivo para emprego, que serviu como pano de fundo para orientar a elaboração do relato aqui apresentado. Os trechos entre aspas foram selecionados do texto de Liberali, exatamente como apresentados no livro. O relato indica as ações da professora. 4 27 DIDÁTICA ESPECÍFICA jeito: onde ficavam situadas, o tipo de cliente que elas tinham, o nível, a formação das pessoas que faziam parte da empresa. Depois, discutimos um pouco sobre que tipo de texto circulava nessa empresa e escolhemos alguns gêneros para ler juntos e procurar entender como eles se organizavam discursivamente. Por último, fizemos uma discussão, com esses mesmo textos, sobre os elementos coesivos do texto e a forma como eles foram construídos. Por exemplo: os alunos procuraram perceber se os textos que circulavam nas empresas eram muito ou pouco modalizados pois isso mostrava a eles se a condição discursiva lá na empresa era muito ou pouco avaliativa. Com essa parte da atividade, parece que a turma ficou mais confiante sobre o que fariam. A atividade mesmo, a fase final, foi preparada pelas duas turmas de 9o ano, considerando as mesmas empresas, mas questões diferentes foram propostas para a seleção. Os alunos se misturaram para participar. Isso fez com que se preocupassem com o que encontrariam de novo, diferente daquilo que haviam planejado, o que deu à atividade um caráter mais real. Agora eles querem ampliar a atividade. Querem fazer a parte das empresas. Querem simular o departamento de contratações delas e analisar as entrevistas para selecionar os candidatos. Estamos planejando essa nova atividade, mas há conteúdos que ainda precisariam ser retomados para essa atividade, pois exigiria maior conhecimento linguístico dos alunos. Estamos pensando. Tenho sugerido que vejam filmes onde isso acontece e estamos elencando estruturas gramaticais necessárias para que essa comunicação ocorra de um jeito legal e o melhor possível para aprenderem o uso da língua inglesa. Em resumo, a língua, como afirma Oliveira (2010, p. 37), precisa ser concebida como um conjunto de estruturas gramaticais e lexicais à disposição dos falantes-ouvintes e dos escritores-leitores para que eles possam interagir socialmente em encontros culturalmente marcados. Essa discussão nos permite apontar como focal, portanto, nas aulas de línguas: o espaço de interação mediatizado pelas práticas sociais de linguagem, o “erro” como possibilidade de avanço em relação ao conhecimento linguístico do aluno, e o texto como espaço de investigação de significados em decorrência da linguagem em uso. 1.4 O que significa saber português Esse aspecto está relacionado aos conceitos de gramaticalidade / agramaticalidade na língua, que consideram que o falante de uma dada língua produz enunciados gramaticalmente adequados, independentemente de ter aprendido na escola como se organiza essa língua. Podemos dizer que nossos alunos sabem português, ou seja, conhecem e se comunicam por meio de estruturas gramaticais adequadas, internalizadas com base em toda a sua vivência sociocultural. Oliveira (2010) no diz claramente que saber português 28 DIDÁTICA ESPECÍFICA significa não apenas ter o domínio inconsciente das estruturas gramaticais, das regras que regem essas estruturas e do léxico, mas também ter o domínio de normas socioculturais de comportamento que nos possibilitam interagir uns com os outros. Saber português não é a mesma coisa que dominar a nomenclatura gramatical registrada pelas gramáticas normativas nem saber explicar as construções gramaticais. Se pensarmos em uma língua estrangeira, podemos considerar a mesma reflexão de Oliveira: saber uma língua estrangeira não significa somente conhecer sua estrutura, mas ser capaz de comunicar-se nessa língua, de entendê-la como manifestação social e cultural, acima de tudo. Cabe, então, nossa reflexão sobre por que se ensina, nas escolas, a língua portuguesa. 1.5 Razão pela qual se ensina português para brasileiros Certamente, todo estudante brasileiro sabe português. Ele pode até utilizar a língua sem o rigor em relação à gramática normativa, à língua padrão, mas seria preconceituoso de nossa parte dizer que esse estudante não sabe português. Podemos dizer, sim, que ele demonstra sua competência linguística de diferentes maneiras ao longo de sua escolaridade e, por que não, de sua vida. Isso revelado na escola indicaria ao professor o quanto o aluno é capaz ou não de participar de distintos eventos sociocomunicativos. Muito claramente, Oliveira (2010) exemplifica esses aspectos: diz o autor que um aluno, dependendo da idade e série, não saberia como “se comportar linguisticamente em uma entrevista de emprego” (p.43), ou não saberia “redigir um curriculum vitae” (p.43), dentre outros atos linguísticos, mas, ainda assim, saberia português. Como já dissemos no início de nossa discussão, o ensino de português deve preocupar-se, portanto, muito mais com o comportamento linguístico em situações sociocomunicativas diversas, do que com as regras e estruturas da língua. É a funcionalidade dessas regras e estruturas o que mais importa quando ensinamos português ou até mesmo uma língua estrangeira. Observação Pensando! Competência comunicativa! Esse é o foco! Agora que já discutimos o “ser professor de língua portuguesa / línguas estrangeiras”, podemos avançar em direção à sala de aula, nosso principal objetivo nesta disciplina. 29 DIDÁTICA ESPECÍFICA 2 DIMENSÃO PEDAGÓGICA DA SALA DE AULA Os alunos, alienados como o escravo, aceitam sua ignorância como justificativa para a existência do professor, mas diferentemente do escravo, jamais descobrem que eles educam o professor. Paulo Freire Por dimensão pedagógica entendemos todo o trabalho realizado pelos professores, desde os momentos de planejamento da ação didática à sua ação efetiva em sala de aula. Como já apontamos na seção anterior, o papel do professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras é criar conflitos para que os alunos, ao discuti-los, exerçam a argumentação e reflitam sobre a língua. Pode parecer estranho a você que haja algo a ser discutido ou haja alguma reflexão a ser feita quando se trata do aprendizado de gramática, por exemplo? Provavelmente, sim. Você deve pensar que conteúdos estruturantes da língua são como são e não é necessário refletir sobre eles. Mas, afirmo a você que isso não é verdade. Pense, por exemplo, nas diferentes funções exercidas pelas orações: Os deputados, que são corruptos, devem ser cassados. Os deputados que são corruptos devem ser cassados. Como você entende a funcionalidade dessas frases? Elas querem dizer a mesma coisa? Qual o papel da oração encaixada? Importa saber que papel ela exerce? Ou importa somente saber que, pelo fato de estar entre vírgulas, é uma oração encaixada? Ou importa ainda saber que essa oração assume a posição de um argumento? Tudo isso, para que você pense na importância das ações do professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras quando propõe aos seus alunos práticas de sala de aula que investigam o papel da língua/linguagem, e, portanto, na importância de práticas como: discussões em grupos, debates, jogos, pesquisas, projetos de trabalho, estudos dirigidos, seminários, estudos do meio, oficinas, dentre outras. Podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que as várias dimensões da sala de aula, quando em harmonia e em estreita relação com o plano de curso da disciplina, favorecem a aprendizagem. Elencamos aqui, “didatizando” nossa discussão, as seguintes dimensões: • relacional-interacional; • organizacional; • didático-espistemológica; • crítico-dialógica. 30 DIDÁTICA ESPECÍFICA Digo “didatizando” nossa discussão justamente para lembrá-lo de que essas dimensões não são estanques, mas estão articuladas umas às outras, o tempo todo, em sala de aula. Apenas para entender como cada uma delas está constituída, é que as separamos, mas elas só existem na relação de interdependência. 2.1 Dimensão relacional-interacional da sala de aula Estão contempladas aqui a relação professor-aluno, a relação aluno-aluno, e todas as possibilidades de interação que ocorrem em uma aula, em virtude das escolhas metodológicas do professor. Observação Pensando! Você acha que uma aula em grupo pode favorecer a aprendizagem? O que essa aula revelaria? Como os grupos são organizados? Isso faz alguma diferença na aprendizagem? Nessa perspectiva, a aula pode se caracterizar por uma relação de autoritarismo do professor em relação aos seus alunos, pautada na voz do professor que determina o que pode ou não pode ser feito, o que é certo e o que é errado, aceitável ou não; ou pode se caracterizar por uma relação colaborativa entre professor e alunos e entre os alunos, pautada na possibilidade ampla de discussão sobre posicionamentos e pontos de vista, caracterizando um movimento de expansão das funções mentais superiores (VYGOTSKY, 1934/2000), que provoca aprendizagem e desenvolvimento. Um exemplo disso pode ser uma aula baseada na atividade em grupo com foco na discussão de um poema. Veja a transcrição da aula5. Atividade: alunos, reunidos, fazem uma primeira leitura individual do poema A Ausente; após a leitura, iniciam uma conversa sobre o poema, acompanhada do professor, que também participa da atividade como um leitor. Poema: A Ausente Vinicius de Moraes Amiga, infinitamente amiga Em algum lugar teu coração bate por mim Essa aula, discutida e analisada em um TCC, focaliza um grupo de alunos de 3a série de Ensino Médio e seu professor de literatura, discutindo possíveis sentidos atribuídos ao poema de Vinícius de Moraes, A Ausente, para entender como a obra de Vinícius de Moraes se situa na corrente literária pós-moderna. 5 31 DIDÁTICA ESPECÍFICA Em algum lugar teus olhos se fecham à ideia dos meus. Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas Como que cega ao meu encontro... Amiga, última doçura A tranquilidade suavizou a minha pele E os meus cabelos. Só meu ventre Te espera, cheio de raízes e de sombras. Vem, amiga Minha nudez é absoluta Meus olhos são espelhos para o teu desejo E meu peito é tábua de suplícios Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim Como no mar, vem nadar em mim como no mar Vem te afogar em mim, amiga minha Em mim como no mar... (MORAES, 1998) Transcrição 3 Ju15 Sabe, ele deixa esses espaços abertos, essas dúvidas, para cada um interpretar da sua maneira. Rui19 Às vezes o poeta pode tanto escreve um caso que aconteceu, que ele viu, como ele pode escreve de alguma coisa que aconteceu com ele mesmo, um sentimento dele mesmo... Cris20 Pode ser que ela escreva dessa forma para que cada um tivesse uma interpretação diferente / pra situação da sua vida... [também] Ju16 E refletisse para cada um, né. Pensasse# [] Lara13 É, porque acho que não tá errado, que / em nenhum momento ele fala que realmente é a mãe dele e num / nem fala que é uma mulher que ele teve um caso. Então, fica a dúvida. Cada um interpreta do seu jeito, né? Rui20 Mas / se / a relação não se sabe, se é de mãe e filho, ou de homem e mulher, mas / que se trata de uma mulher e de um homem, eu acho que é / acho, né, porque não tem com sê de mulher para mulher. Prof1 Por que não tem como ser de mulher para mulher? 32 DIDÁTICA ESPECÍFICA Rui21 Não tem // por causa do / do que fala aqui assim “meus músculos estão doces para seus dentes, áspera é minha barba”. [A mulher não tem barba!] a mulher não tem barba. Ju17 De uma mulher ele também não ia falar de uma forma grosseira / é / seus músculos Rui22 [é] relativo / relacionado a uma mulher. Rui23 Porque mulher ele / ele trata de uma forma mais doce / ele coloca “amiga infinitamente amiga”, já começa / como uma coisa mais doce ; “amiga última doçura” / ele trata de uma / de forma mais leve... Observe e veja como as discussões sobre os diferentes sentidos atribuídos pelos alunos aos trechos do poema têm o papel de expandir a maneira de pensar, de criar conflitos para a discussão, de permitir que uns considerem os pontos de vista dos outros, de oferecer espaço e condições para a apresentação de argumentos sobre o texto. Observe também como relações assim constituídas podem ampliar as possibilidades de desenvolvimento da autonomia do aluno. Observe como as relações de dependência com o professor são minimizadas. Podemos destacar ainda, como aspecto de valor pedagógico relevante na aprendizagem, o diálogo professor-aluno, pautado na minimização da condição assimétrica entre ambos, ainda que saibamos não ser possível eliminar completamente essa assimetria de papéis – o de aluno e o de professor, pela própria condição sócio-historicamente situada de hierarquia de um em relação ao outro. A relação torna-se menos assimétrica quando o diálogo se configura como espaço colaborativo de construção de conhecimentos, com o professor acolhendo o dizer do aluno para dar consideração a ele e não para apontar seus erros. 2.2 Dimensão organizacional da sala de aula Essa dimensão está, de certa forma, ligada à sistematização do conhecimento e supõe ações como: • planejamento de aulas; • seleção de conteúdos e de procedimentos para abordagens desses conteúdos; • organização de atividades para os alunos; • avaliação do processo de ensino-aprendizagem. 33 DIDÁTICA ESPECÍFICA Esses aspectos correspondem à divisão de trabalho na atividade aula, àquilo que cabe ao professor, ou seja, às suas funções e responsabilidades. No entanto, essa mesma divisão de trabalho, na atividade aula, apresenta papel e responsabilidades do aluno. Veja que coisa interessante descobrimos quando investigamos o que já se discutiu a respeito do papel do aluno nas situações de aprendizagem: estamos falando da divisão de trabalho, ou seja, das responsabilidades de cada participante da atividade e, no entanto, os inúmeros trabalhos de pesquisa desenvolvidos na área educacional, focalizam o papel do professor e muito pouco o papel do aluno. É como se este fosse extensão daquele, como se o papel do aluno fosse dependente do papel do professor. Caso o professor não realize seu papel com maestria, o aluno sequer terá um papel. Não é verdade isso. Numa atividade, cada participante tem papel de responsabilidade e seria negar a concepção de aprendizagem à qual nos apoiamos, não considerar o aluno como coparticipante do processo. Dessa forma, ele tem sim, papel de responsabilidade no andamento da atividade de aprendizagem. Esse papel está relacionado a: • envolvimento com a atividade proposta pelo professor; • participação em sala de aula, nas diferentes etapas da atividade; • cumprimento ativo das tarefas solicitadas (ou seja, não apenas como repetidor de conteúdos). Veja que assim articulados os papéis de aluno e de professor, a aula pode ser o lugar da articulação entre conhecimentos e de avanços no desenvolvimento do aluno. Saiba mais Que tal uma passeio pela internet? Sugiro que você leia um dos artigos a seguir, que discutem o papel do aluno em sala de aula: — FERREIRA, M. A. G. Aluno domesticado VS aluno reflexivo. A visão do licenciado sobre o papel do aluno em sua futura prática pedagógica. Linguagem & Ensino, Vol. 4, n. 2, 2001. (p.107-122). Disponível em: <http:// rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v4n2/g_maria.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2011. — MACHADO, S. C.; CHICIUC, L.; ARAUJO, V. L. O papel do professor e do aluno no Projeto Político Pedagógico da escola. Disponível em: <http:// www.pucpr.br/eventos/educere/educere2006/anaisEvento/docs/CI-255-TC. pdf>. Acesso em: 08 abr. 2011. — DAYRELL, J. T. A escola como espaço sociocultural. Disponível em: <http://pimentalab.net/blogs/estagio1/files/2010/09/Dayrell-1996-Escolaespa%C3%A7o-socio-cultural.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2011. 34 DIDÁTICA ESPECÍFICA 2.3 Dimensão didático-epistemológica da sala de aula Essa dimensão contempla dois aspectos importantes: • a didática na sala de aula – os procedimentos e instrumentos utilizados para a abordagem dos diferentes conteúdos curriculares; nesse sentido, podemos pressupor que a didática procura responder à questão como fazer, e também à questão como utilizar os diferentes instrumentos disponíveis ao ensino. • o aspecto epistemológico – relacionado às forma de se conhecer algo, de se questionar pressupostos presentes nas abordagens teóricas e conceitos considerados; “toda prática escolar contém um direcionamento de atividades de constituição e sistematização de objetos de conhecimento, ainda que não possa ser reduzida a esse aspecto apenas” (COSTA, 2008, p. 33). Levando-se em conta esses dois aspectos, cabe, nessa dimensão, pensar sobre o que e como o professor seleciona conteúdos para seu trabalho com os alunos. O professor considera os conhecimentos prévios? considera os prerrequisitos para a aprendizagem? considera o papel social do conhecimento em questão? – e quando falamos em papel social, não estamos afirmando que todo conhecimento deve ter uma aplicação imediata e prática para a vida do aluno ou que todo conhecimento, para ter seu valor, precisa “fazer a vida do aluno melhorar”. Isso seria termos uma noção de conhecimento utilitarista, o que não deve acontecer. Importa o quanto os diferentes conhecimentos, quando articulados, constituem-se em possibilidades de interpretar a realidade de diferentes maneiras e, portanto, constituem-se em instrumentos novos para o aluno lidar com a realidade. Mas isso não se dá com o conhecimento fragmentado. Machado (2005, p. 31), ao se referir à questão epistemológica, considera ser necessário explorar o terreno epistemológico onde deverá ser plantada a semente da concepção do conhecimento como uma rede de significações em um espectro de representações, uma teia de relações cuja construção não se inicia na escola [...] Nesse sentido, vamos pensar no professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras e em tudo o que ele precisa planejar para sua aula. Aproveitamos as sugestões de Haidt (1999, p. 99), apresentadas a professores de todas as áreas quanto ao ato de planejar, adaptando-as ao professor de línguas. Assim, planejar é: • analisar as características da clientela (aspirações, necessidades e possibilidades dos alunos) – considerando o que os alunos já conhecem da língua, o que os ambientes culturais aos quais têm acesso lhes oferece; a forma como a comunidade em que estão inseridos utiliza a linguagem; • refletir sobre os recursos disponíveis – há professores que têm à sua disposição materiais diversos, como livros em diferentes idiomas, revistas, artigos etc., no entanto, há contextos que possuem 35 DIDÁTICA ESPECÍFICA poucos materiais para serem explorados e utilizados pelos professores. Vale ressaltar que materiais de jornal, folhetos de propagandas, dentre outros, também são ricos para o trabalho do professor de línguas; • definir os objetivos educacionais considerados mais adequados para os alunos em questão – tudo dependerá do conhecimento que esses alunos já possuem sobre as práticas de linguagem; • selecionar e estruturar os conteúdos a serem assimilados, distribuindo-os ao longo do tempo disponível para seu desenvolvimento – lembrando que esses conteúdos não podem ser vistos como “camisa de forças” para o trabalho do professor, mas que devem, antes de tudo, articular-se aos conhecimentos que os alunos já possuem sobre a língua e seu uso social; • prever e organizar procedimentos, bem como atividades e experiências de construção do conhecimento consideradas mais adequadas para a consecução dos objetivos estabelecidos – aspecto de grande relevância, pois envolve as diferentes práticas de sala de aula, tais que sirvam de motor para a motivação dos alunos e de espaços para a dialogia em sala de aula; • prever os procedimentos de avaliação mais condizentes com os objetivos propostos – ressaltando que por avaliação entendemos um processo contínuo, que investiga a forma como os alunos estão aprendendo, para balizar as ações do professor e dos próprios alunos ao longo do trabalho. 2.4 Dimensão crítico-dialógica da sala de aula Esta é a dimensão mais significativa para um professor que tem como objeto de trabalho a língua e seu uso. Para discuti-la, vale a pena lembrar o que estamos considerando crítico e o que significa dialogia. O conceito de crítica aqui considerado, como já discutido por Ninin (2006), está apoiado nos autores McLaren e Giroux (1997/2000), McLaren (1977/1997), dentre outros. Para esses autores, a natureza dialética da teoria crítica nos permite ver a escola como um terreno cultural que confere poder ao aprendiz e promove a autotransformação, e não simplesmente como uma arena de doutrinação ou socialização ou apenas como um local de instrução. Para os autores, a pedagogia crítica está preocupada com a forma por meio da qual conhecimento produz tanto o significado como a influência, como ele vem a ser uma moeda cultural que ressoa e estende os interesses que tanto os professores como os estudantes legitimam dentro do contexto da sala de aula. Ao adotar o paradigma crítico, precisamos conceituar pensamento crítico, foco de inúmeros trabalhos na atualidade, por conta dos diferentes significados que assume na área educacional. Fisher (2001/2005), em sua obra Critical Thinking: An Introduction, afirma que é preciso desenvolver habilidades para pensar criticamente e que esse pensar crítico envolve uma competência acadêmica voltada à interpretação ativa e à avaliação de observações e comunicações, informações e argumentação. 36 DIDÁTICA ESPECÍFICA Argui, ainda, a autora, que o pensar crítico não ocorre porque alguém assim o deseja, nem tampouco ele é científico por opção do pensante, mas que está relacionado a um princípio ativo que move o indivíduo em direção a encontrar relevância e razões para o pensamento, razões essas imbricadas em seu arcabouço de conhecimentos. Essa relevância, no entanto, surge à medida que o indivíduo torna-se capaz de questionar sua forma de pensar (metacognição), de avaliar e selecionar informações que permitam a ele reorganizar suas estruturas mentais, estando esse processo relacionado não somente às características linguísticas da argumentação, mas também à maneira como se estabelece o confronto entre esse pensar e as condições sócio-histórico-culturais do indivíduo. Assim, embora as habilidades linguísticas para pensar criticamente sejam fundamentais, não há como prescrever caminhos lineares para esse pensar, nem tampouco considerar que unicamente por ação ou influência de outrem um ser humano seja capaz de fazê-lo. Há, no entanto, como pensar em ações da prática docente que mais favorecem esse pensar. Você pode pensar em sua vida acadêmica e tentar se lembrar de momentos que mais o(a) fizeram pensar, que mais conflitos geraram para você, e procurar pelos procedimentos que desencadearam esse pensar. Foram procedimentos apresentados por seus professores? Por seus colegas de classe? Foram determinadas perguntas capciosas, como habitualmente nos referimos quando a pergunta é terrível e nos desestabiliza? Uma vez sendo possível pensar a aula como o lugar do pensar crítico, fica relativamente fácil entender como esse momento assume características dialógicas. Por dialogia, como já dissemos anteriormente, ao discutir língua / linguagem, entendemos a perspectiva desta última que considera, na constituição do ser humano, o papel do outro como fundamental. Isso significa dizer que a linguagem por nós utilizada está sempre entrecortada e tecida por meio dos enunciados de outros seres humanos. Os espaços dialógicos são constituídos com base nas interações, das quais participam os sujeitos, e essas interações se caracterizam pela presença de questionamentos que tanto levam o sujeito a argumentar e a fundamentar seus pontos de vista em relação a algo, quanto oferecem a ele elementos que dialogam com seu próprio pensar em busca de ressignificação do objeto. Em sala de aula, essa dimensão crítico-dialógica se caracteriza pelas possibilidades criadas pelo professor e pelos alunos para colocar em discussão os assuntos escolhidos como objeto do conhecimento e tanto mais cumprirá o papel de ser efetivamente crítico-dialógica a aula, quanto maior forem as intervenções do professor capazes de gerar conflitos e de despertar a necessidade de argumentação fundamentada. Exemplo de aplicação Observe a atividade e complete o quadro proposto, destacando o que você considera relevante para cada uma das dimensões de sala de aula, em relação ao aluno, ao professor e à atividade. 37 DIDÁTICA ESPECÍFICA Relato de aula: Contexto da aula: turma de 7o ano do Ensino Fundamental, aula de Língua Portuguesa em uma escola pública, discussão da crônica da Revista Veja São Paulo – “O desgaste das palavras” (VEJA SP, 13 de Agosto, 2008). Apresentamos, inicialmente, o texto, para que você compreenda a proposta da atividade6. Texto “O desgaste das palavras”, de Walcyr Carrasco Sou um tonto. Dia destes recebi um recado na secretária eletrônica pedindo retorno urgente. Liguei. Era um corretor de imóveis querendo me vender um lançamento. — Qual era a urgência? – perguntei, irritado. — Bem... Estamos selecionando alguns clientes e... Conversa mole. As pessoas usam a palavra “urgente” em mensagens de todo tipo. Ainda sou daqueles que se assustam de leve com um e-mail “urgente”. Para logo descobrir que se trata de um assunto muito corriqueiro. A palavra está perdendo a força. Daqui a pouco não vai significar mais nada. A mesma coisa acontece com o verbo “revelar”. Abro uma revista e vejo: fulana de tal “revela” que gosta de ir à praia. Ou: a atriz tal “revela” que vai pintar o cabelo de loiro. Isso é revelação que se preze? Resultado: quando se quer realmente revelar algo se usa “denuncia” ou “confessa”. Até que também sejam desgastadas pelo uso impróprio. E vip? A sigla surgiu como abreviação de “very important people”. Os vips tinham acesso preferencial a festas e eventos de todo tipo. Obviamente, todo mundo quis ser tratado como vip. Alguns shows e camarotes carnavalescos ficam lotados por manadas de vips. Para diferenciar “vips” entre si, nos lugares mais disputados surgiram chiqueirinhos para os “supervips” ou “vips dos vips”. Em resumo: “vip” não significa absolutamente coisa nenhuma – somente que a pessoa é rápida para descolar um convite com pulseirinha. Os anúncios imobiliários são pródigos em detonar palavras. “Exclusivo” é um exemplo. Quase todos falam em “condomínio exclusivo”, “espaço exclusivo” (e não havia de ser, se o proprietário está pagando?). De tão comum, “exclusivo” deixou de ser “exclusivo”. Veio o “diferenciado”. Ou “único”. Mas como um apartamento pode ser “diferenciado” ou “único” se está em um prédio com mais cinquenta iguais? Elogiar também ficou difícil. Antes bastava dizer: — Você está bonita. O texto “O desgaste das palavras” encontra-se disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2073/ o-desgaste-das-palavras> . Acesso em: 30 mai. 2011. 6 38 DIDÁTICA ESPECÍFICA A cortesia não exige sinceridade. Mesmo que a sujeita pareça ter saído de um sarcófago, sempre se dá um jeito de dizer que está bem. — Que vestido lindo! Você ficou bonita. Portanto, se quero realmente adoçar, digo: — Você é muito bonita. Algumas vezes parece pouco, e atinjo os píncaros: — Você é o máximo. Mas o que vem depois de “máximo”? Já andaram usando “deusa”, mas acho meio cafona. E “santa”, por incrível que pareça, perdeu o jeito de elogio, principalmente para quem acaba de fazer regime, botou silicone nos seios e fez preenchimento labial. A palavra “amigo” é incrível. Implica uma relação especial. A maioria fala em “amigos” referindo-se a conhecidos distantes. Pode ter visto a pessoa duas ou três vezes e já é “amigo”. O mesmo ocorre com “abraço”. Terminar uma mensagem com um “abraço” era suficiente. Se envio um abraço é porque realmente tenho vontade de oferecer meu carinho. Foi tão banalizado que agora se usa “grande abraço”, “forte abraço”. Já é pouco, e surgiu o “beijo no coração” no fim das mensagens realmente amigáveis. A seguir, o que virá? Algum termo cirúrgico? Minha imaginação não alcança. Minha vontade é voltar a usar os termos com a força que eles realmente têm: “abraço” é “abraço”, “amigo” é “amigo”. Por que deixar as palavras se desgastarem? Se o que têm de mais belo é justamente sua história e o sentimento que contêm? Enfim, tudo o que lhes dá realmente significado. O Professor avisa aos alunos que no dia seguinte será discutido um texto intitulado “O desgaste das palavras” e que gostaria que todos pensassem em o que esse título poderia significar, trazendo seus argumentos por escrito, para a aula do dia seguinte. Nenhum aluno perguntou ao professor quem era o autor do texto e, dessa forma, também o professor não o revelou. Na aula do dia seguinte, ocorreu a atividade relacionada ao texto e parte dela está transcrita a seguir. Utilize o trecho para reflexão sobre as dimensões da sala de aula. Transcrição 4: Pr1: Pessoal, vocês pensaram sobre o que eu pedi, sobre o que significava pra vocês um título assim, ó: “O desgaste das palavras” Quem pensou nisso? // Alguém escreveu? Eu pedi por escrito, lembram-se? // Ótimo! Parece que vocês escreveram. To vendo vários. // Então, vamos lá. Quem gostaria de falar primeiro? 39 DIDÁTICA ESPECÍFICA Ana1: Eu não sei, mas eu acho que o texto vai falar sobre não falar demais. Tipo assim, não falar exagero, jogar conversa fora, por exemplo. Pr2: O que vocês acham, pessoal? Quem pensou como a Ana? Alguém? Ju1: Eu. Acho que é mais ou menos isso, assim, que a gente fala muito o que não precisa. Tem gente que quando ta conversando, vai falando, falando, e não dá pra entender, porque parece que a pessoa ta falando de uma coisa e emenda na outra e a gente que ta ouvindo não consegue perceber quando ela muda o assunto. Pr3: E aí, turma. Quem tem algum argumento em relação ao que disse a Ju... ou ao que disse a Ana... Cris1: Eu acho que tenho. Veja se é isso. Eu to pensando que não deve ser isso que a Ju falou, mas que pode ser quando a gente não usa direito uma palavra. Ju2: Mas não é a mesma coisa que eu disse, professor? Pr4: E aí, Ju. É a mesma coisa? Ju3: Pr5: Mas fui eu que te perguntei. Mas eu passei a pergunta pra você. Que tal?! Quer pensar, Ju? // Cris, você. Por que você acha que seu argumento é contrário ao da Ju? Você disse assim: “não deve ser isso que a Ju disse”. // Explique mais o que você pensa. Ou alguém gostaria de explicar... Luiz1: Eu posso. Acho que entendi o que a Cris quis dizer. Acho que ela ta falando que a Ju entendeu que o texto vai falar de uma conversa e a Cris entendeu que o texto, não sei onde que é, se é conversa ou não, mas ele vai falar de palavra e não de // assim // uma coisa grande, tipo conversa. Ju4: Ah, você ta falando que eu entendi palavra como sendo a conversa, né? É // acho que foi mesmo. Agora que to vendo palavra no título. Só pensei no quanto umas pessoas falam demais. Mas pode ser então isso que a Cris disse, da palavra usada errada. Pr6: Então lá vai mais uma pergunta: Quando é que uma palavra é usada “errada”, como você disse, Ju. Quando, pessoal? Alguém quer falar sobre isso? Luiz2: É fácil. Quando a gente não sabe o que ela significa, mas ouve os outros, acha bonito e fala. Minha mãe faz isso. Escuta lá onde ela trabalha e depois usa lá em casa. A gente não entende nada, mas ela também não (risos da turma). 40 DIDÁTICA ESPECÍFICA Pr7: Mas as palavras mudam de significado, gente? Alice1: Acho que pode mudar, mas acho que também pode ser usadas errada, sem a pessoa saber. Pr8: Isso é verdade, Alice. Mas olha, vamos ver mais um elemento para ajudar vocês a pensarem no que o texto pode estar querendo nos dizer. É uma figura que acompanha o texto. Vejam7 a imagem. Alice2: Ah! Mas essa figura é igual as que tem na Revista Veja. Tem lá em casa, professor! Se eu soubesse eu ia procurar lá. É de lá? // Então. Dá pra pensar na coisa que a Cris falou. Parece que tem uma pessoa velha e uma mais nova. A mais nova ta falando palavras que a mais velha não entende. Eu acho isso. Ju5: É. To achando também. Pode se isso mesmo. Não é aquele negócio que você falou, professor, que as palavras vão mudando de significado, dependendo de quem ta usando elas? Pr9: Isso, Ju. Dependendo de quem as utiliza, elas assumem outro significado. Mas pode isso, gente? Suzi1: A gente discutiu isso naquela aula que você deu, professor. Quando a gente usou outro texto da revista Veja. Acho que era assim: uma palavra pode mudar de significado nos lugares diferentes que ela é falada. To lembrando que a gente discutiu aquilo que os meninos diz lá na Febem “colmeia” que é guarda-roupa. Lá que dizer isso, mas aqui não. Pr10: Sim, sim, sim. Suzi. Você lembrou bem essa questão. Nós estávamos estudando como a língua pode ser usada socialmente, lembram-se? Nos diferentes eventos, situações, contextos. Bem lembrado, Suzi. Alguém quer complementar o que disse a Suzi, pessoal?... (...) Jair3: Aquilo que a Cris falou do desenho. Eu to pensando que se é da Veja, então é uma crítica de alguma coisa, esse texto. É, professor? Lu1: É, porque o carinha que escreve na Veja, lá nessa página, sempre faz crítica. Ele deve de ta reclamando de alguma coisa que as pessoas // quando elas usa a palavra errada. Professor apresenta à turma somente a imagem retirada do texto da revista Veja, de 13 de agosto de 2008. A imagem apresenta duas pessoas em situação de comunicação, uma jovem e uma já mais velha. Associado ao jovem, há um balão de fala, cujo enunciado é indicado por “bla bla bla bla”. O olhar da pessoa mais velha revela desconfiança em relação àquilo que está sendo dito pelo jovem, indicando a não compreensão das palavras. 7 41 DIDÁTICA ESPECÍFICA Prof11: Vamos ver? A gente pode ler agora e depois nós podemos continuar a discussão. Mas pra ler, vocês já vão fazer uma coisa: quero que todo mundo leia pensando no seguinte: o que será que o cronista está criticando? Em que trechos do texto vocês acham que está fazendo isso mais fortemente? Vamos lá, pessoal, Todo mundo lendo pra depois nós discutirmos. (...) Quadro 4: As dimensões da sala de aula Aluno Professor Atividade Dimensão relacional-interacional Dimensão organizacional Dimensão didático-epistemológica Dimensão crítico-dialógica Agora, veja a proposta de atividade relacionada ao mesmo texto, encontrada em um endereço eletrônico de busca8: Figura 1 – Atividade com o texto “O desgaste das palavras” 8 42 Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110225161717AAA5nb7> Acesso em: 12 abr. 2011. DIDÁTICA ESPECÍFICA Você gostaria de comentar algo sobre essa atividade proposta aos alunos? Qual das dimensões é a mais prejudicada, se pensarmos que essa foi a única tarefa dada aos alunos sobre esse texto? As seções a seguir, focalizando os aspectos mais relevantes do ensino de língua portuguesa e de línguas estrangeiras – desenvolvimento da linguagem oral, das competências leitora e escritora, e análise e reflexão sobre a língua –, procuram discutir as diferentes práticas de sala de aula, constituintes da dimensão pedagógica do fazer docente. O que é preciso ficar bem claro aqui é que, seja qual for a prática pedagógica escolhida, ela requer do professor o planejamento da aula, a descrição clara dos objetivos e dos procedimentos escolhidos, considerando seu grupo de alunos e seus conhecimentos em relação às competências: gramatical, sociolinguística, discursiva e estratégica (CANALE, 1983, apud OLIVEIRA, 2010, p. 47). Essa discussão nasceu com o linguista Dell Hymes, em 1971 e foi ampliada por Canale. a. sua competência gramatical – o que os alunos já conhecem em relação às regras e características da língua (conhecimentos sistematizados, relacionados às estruturas da língua, à sintaxe, morfologia, semântica, ortografia); b. sua competência sociolinguística – o que os alunos conhecem em relação às regras socioculturais que regem o uso da língua, em relação aos processos interacionais, à adequação das diferentes construções verbais às situações de uso da língua, às diferenças entre oralidade e escrita; c. sua competência discursiva – o que os alunos conhecem em relação às regras que governam uma comunidade discursiva, aos diferentes gêneros textuais orais e escritos; d. sua competência estratégica – o que os alunos conhecem em relação ao uso de estratégias verbais e não verbais, ao uso da argumentação e de funcionamento da linguagem em situações de comunicação. 3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À LINGUAGEM ORAL Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo (...). Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo de fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. Mikhail Bakhtin Vamos iniciar esta seção retomando o que dizem os PCN sobre o papel da oralidade no desenvolvimento do aluno. Os conteúdos de língua portuguesa estão organizados, segundo os PCN (1997), a partir dos 43 DIDÁTICA ESPECÍFICA eixos: língua oral e língua escrita, considerados segundo seus usos e formas, e do eixo análise e reflexão sobre a língua. Também é destacado nos PCN o fato de não ter sido dada atenção devida ao ensino da língua oral quanto aos seus usos e formas, justamente pelo fato de comumente se considerar que a língua oral todo aluno já sabe, por ser falante de português, e que não é necessário um ensino sistematizado sobre ela. As discussões atuais sobre o ensino de língua portuguesa vêm mostrando que isso não é real e que há, sim, necessidade de se trabalhar de modo sistematizado com as questões relacionadas à oralidade, pois é esse componente do ensino um dos que mais propicia a negociação de sentidos e de pontos de vista. É pela oralidade que as relações de sala de aula se tornam mais ou menos dialógicas, possibilitando ou não, aos alunos, avanços em relação ao conhecimento. Atividades orais em sala de aula são as que mais propiciam ao professor espaços de intervenção em relação às formas de argumentar, de sustentar pontos de vista, de fazer uso adequado dos recursos coesivos que a língua nos oferece. De acordo com os PCN (1997, p. 38), “ eleger a língua oral como conteúdo escolar exige o planejamento da ação pedagógica de forma a garantir, na sala de aula, atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a língua”. Também é claro no documento que não basta que a aula seja planejada de modo a possibilitar que os alunos falem, pois somente o falar não é suficiente para que se construam mecanismos adequados para participar de eventos linguísticos que exijam, por exemplo, diferentes modos de uso da língua, ou a construção de enunciados argumentativos, dentre outros aspectos. Vejamos possibilidades de produção oral em sala de aula, de acordo com os PCN (1997, p. 39): • atividades em grupo que envolvam o planejamento e realização de pesquisas e requeiram a definição de temas, a tomada de decisões sobre encaminhamentos, a divisão de tarefas, a apresentação de resultados; • atividades de resolução de problemas que exijam estimativa de resultados possíveis, verbalização, comparação e confronto de procedimentos empregados; • atividades de produção oral de planejamento de um texto, de elaboração propriamente e de análise de sua qualidade; • atividades dos mais variados tipos, mas que tenham sempre sentido de comunicação de fato: exposição oral, sobre temas estudados apenas por quem expõe; descrição do funcionamento de aparelhos e equipamentos em situações onde isso se faça necessário; narração de acontecimentos e fatos conhecidos apenas por quem narra, etc. Esse tipo de tarefa requer preparação prévia, considerando o nível de conhecimento do interlocutor e, se feita em grupo, a coordenação da 44 DIDÁTICA ESPECÍFICA fala própria com a dos colegas — dois procedimentos complexos que raramente se aprendem sem ajuda. Algumas atividades orais já fazem parte das práticas de sala da aula, porém, nem sempre assumem um caráter dialógico, como o que pretendemos discutir aqui. Você deve lembrar-se, com certeza, das inúmeras vezes em que apresentou oralmente à sua turma de colegas e ao seu professor um trabalho de pesquisa realizado em grupo. Lembra-se? Tais apresentações, via de regra, assumem até hoje o caráter de avaliação somente. O aluno está expondo o que pesquisou e, de certa forma, espera-se que ele apresente corretamente tal conteúdo, ou seja, deve fazer uso do gênero apresentação oral, por meio de linguagem formal e mais: deve apresentar o conteúdo sem erros conceituais. O que tem sido muito discutido por meio de pesquisas é o fato de exigir-se do aluno uma apresentação oral com qualidade, sem que tenha havido, sistematicamente, um momento da aprendizagem dedicado ao ensino da exposição oral. Quando é que você aprendeu sobre o gênero apresentação oral de pesquisa? Veja a importância de discutirmos essa questão. Pontecorvo, Ajello e Zucchermaglio (1995/2005), pesquisadoras da Universidade de Roma que têm dedicado seus estudos à argumentação, discutem a distância que existe entre as atividades orais em sala de aula e o desenvolvimento da capacidade argumentativa do aluno. Vejamos o que dizem as pesquisadoras, a partir de suas inúmeras pesquisas: A característica peculiar das interações verbais na escola deveria ser constituída pela referência a um “objeto de conhecimento” e pela colocação, como meta essencial, da “construção” de modalidades de discurso e de análise cada vez mais adequadas às especificidades dos objetos do conhecimento. Inversamente, a estrutura usual das conversações em sala de aula – com a sua típica sequência de pergunta do professor, resposta do aluno, comentário do professor – responde, sobretudo, ao objetivo de avaliar o aluno, verificando os conhecimentos que ele possui. Esse tipo de interação verbal não é “feito” para favorecer a construção de novos conhecimentos e muito menos a contraposição dos pontos de vista. Nesse sentido, muito temos constatado, tanto em nosso aprendizado, quanto em estágios realizados, não é mesmo? As situações em que o aluno precisa expor-se oralmente em sala de aula estão relacionadas não somente aos fatores já elencados, mas, muitas vezes, à punição. Em função de situações de indisciplina em sala de aula, por exemplo, quantas vezes não observamos professores solicitando que o aluno apresente-se oralmente, respondendo a alguma questão. É o ato punitivo presente. Ou seja, a apresentação oral acarreta avaliação punitiva sobre o comportamento do aluno. Também afirmam Pontecorvo et al. (1995/2005, p. 68) que a situação específica de interação social em sala de aula [que definem como discussão] pode comportar processos linguísticos e sociocognitivos 45 DIDÁTICA ESPECÍFICA sobremaneira relevantes para a aquisição de novas estratégias e de conhecimentos mais complexos. Mas... cabe aqui uma séria questão: como deve ser a intervenção do professor nas atividades de discussão oral em sala de aula? Será que os alunos, apenas entre eles, somente por estarem à frente de uma discussão que exige apresentação de pontos de vista e negociação de sentidos, tornam-se capazes de elaborar a discussão construindo mecanismos linguísticos adequados à situação? Certamente não. Essa discussão retoma um ponto já apontado anteriormente: a sistematização de atividades planejadas, cujo foco seja o desenvolvimento da competência oral dos alunos. Ou seja, estamos falando da necessidade de intervenções do professor, nos momentos em que os alunos se expõem oralmente, seja em grupo ou não. Saiba mais A esta altura, vale a pena você investigar o que dizem algumas pesquisas sobre essa questão da intervenção do professor junto aos seus alunos. Na verdade, estamos falando da qualidade da mediação do professor, ou seja, da forma como ele gera conflitos para que os alunos procurem caminhos de solução e, dessa forma, avancem em relação ao conhecimento. Dentre as muitas pesquisadoras que têm contribuído para a discussão sobre argumentação em sala de aula, está Selma Leitão, da Universidade Federal de Pernambuco. Leia os textos indicados abaixo e veja a importância do papel do professor como mediador em sala de aula. LEITÃO, S. Processos de construção do conhecimento: a argumentação em foco. Pro-Posições, vol. 18, n. 3 (54), set/dez 2007, p. 75-92. Disponível em: <http:// www.proposicoes.fe.unicamp.br/~proposicoes/textos/54-dossie-leitaos.pdf> Acesso em: 15 mar. 2011. CHIARO, S. de; LEITÃO, S. O papel do professor na construção discursiva da argumentação em sala de aula. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2005, 18(3), p. 350-357. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v18n3/ a09v18n3.pdf> Acesso em 15 mar. 2011. Veja também o artigo de Cristovão et al. Sobre debate em sala de aula: CRISTOVÃO, V. L. L.; DURÃO, A. B. de A. B.; NASCIMENTO, El L. Debates em sala de aula: práticas de linguagem em um gênero escolar. Anais do 5o Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003, p. 1436-1441. Disponível em: <http://www.celsul.org.br/Encontros/05/pdf/199.pdf> Acesso em 15 mar. 2011. 46 DIDÁTICA ESPECÍFICA Schneuwly (2004) discute o ensino da linguagem oral, argumentando que ensinar língua oral implica construir uma nova relação com a linguagem. Para o autor, é preciso retomar o que tem ocorrido em relação ao ensino da língua oral, para podermos entender o que precisa ser feito. O primeiro ponto destacado pelo autor é o fato de professores terem como representação: a oralidade como algo material (a emissão de voz ou intercâmbio por meio da fala); a oralidade como espaço para a espontaneidade (possibilidade de expor sentimentos, se expressar como pessoa, desvelar pensamentos); a oralidade como norma (exprimir-se corretamente e coerentemente, ter boa fluência, utilizar adequadamente as palavras, usar bom vocabulário). Outro ponto importante para Schneuwly (2004) é o fato dessa visão de oralidade interferir profundamente na maneira como as intervenções dos professores ocorrem. Essa visão produz intervenções no sentido de corrigir o uso da língua em suas estruturas, mas pouco interfere nas possibilidades de desenvolvimento da discursividade em situações de oralidade. O oral parece não ser ensinável, a não ser como modo de preparar a escrita. O desenvolvimento de atividades orais em sala de aula requer do professor um planejamento que dê conta de propiciar ao aluno o desenvolvimento das capacidades de linguagem (DOLZ et al., 1993, apud SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) para produzir gêneros diferentes nas situações de comunicação. Essas capacidades de linguagem podem ser subdivididas em três categorias: • capacidades de ação: são as capacidades que o aluno precisa mobilizar para adaptar-se a um dado contexto. Nesse sentido, num trabalho com atividade oral, sabemos que o aluno precisa entender o contexto no qual irá se apresentar ou participar, conhecer o gênero que deverá utilizar para sua participação, saber a quem irá apresentar-se oralmente, qual o objetivo de sua apresentação; • capacidades discursivas: são as capacidades que o aluno precisa mobilizar em relação aos diferentes modelos discursivos, ou seja, aos diferentes modos de organização discursiva. Isso significa dizer que há necessidade de o aluno saber como se organiza discursivamente um debate, uma exposição, uma arguição, uma explicação etc.; • capacidades linguístico-discursivas: são as capacidades que o aluno precisa mobilizar em relação às diferentes organizações textuais, ou seja, aos recursos linguísticos utilizados. Nesse sentido, para participar da atividade oral o aluno precisa dominar um determinado vocabulário relacionado ao tema proposto, precisa saber como se organiza uma sequência narrativa, ou descritiva ou argumentativa, ou explicativa, e saber também como os recursos linguísticos são utilizados para articular essas sequências oralmente. Em pesquisas realizadas por Dolz e Schneuwly (1998, apud SCHNEUWLY; DOLZ, 2004), os autores dizem que a atividade de exposição oral, o que normalmente tem sido chamado de seminário, ocorre sem que haja um trabalho didático mais aprofundado por parte dos professores, sem que a linguagem seja de fato considerada o objeto da atividade, e com pouco planejamento sobre estratégias concretas de intervenção desses professores. Ou seja, a 47 DIDÁTICA ESPECÍFICA atividade ocorre como se os alunos soubessem exatamente como esse gênero se caracteriza e como participar dele. Ainda nesta seção apresentaremos uma proposta de sequência didática cujo foco é o debate. Essa sequência foi elaborada a partir da proposta desenvolvida por Dolz, Schneuwly e De Pietro (1998, apud SCHNEUWLY; DOLZ, 2004), que focalizaram o debate público. Vamos, inicialmente, definir sequência didática e apresentar sua organização. Sequência didática (DOLZ, NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97) “ é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito ”. Uma sequência didática, portanto, tem como principal objetivo propiciar ao aluno o aprendizado de um determinado gênero e, para isso, faz uso de um conjunto de atividades que vão, pouco a pouco, abordando as características de tal gênero, apresentando ao aluno tarefas de diferentes complexidades sobre o gênero em questão, de tal forma que ao término de todo o conjunto de atividades, o aluno tenha condições de produzir textos naquele gênero estudado. Segundo Costa-Hübes (2008, apud SWIDERSKI e COSTA-HÜBES, 2008), um esquema para a sequência didática, adaptado do modelo idealizado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), seria o que segue: Módulo de reconhecimento Apresentação da situação de comunicação 1 Módulos de atividades/exercícios Produção inicial 2 n Produção final Pesquisa Leitura Análise linguística Figura 2 – Esquema para o trabalho com sequência didática (COSTA-HÜBES, 2008) A apresentação da situação de comunicação consiste no momento da sequência didática em que o professor explica aos alunos, detalhadamente, a atividade que terão de realizar. Os alunos podem, então, construir, a partir do que o professor apresenta, uma representação do gênero com o qual trabalharão. Esse momento se complementa com o módulo de reconhecimento, que pode consistir, por exemplo, na apresentação de um debate televisivo, ou de um trecho de filme que contém um debate, mas é seguida de discussão sobre o que foi observado pelos alunos. É nessa etapa que o professor precisa mostrar aos alunos a importância do conteúdo específico para a realização do debate. Imaginemos, por exemplo, que um político decida participar de um debate sem, no entanto, conhecer em profundidade o conteúdo específico sobre o qual debaterá. Você já pensou 48 DIDÁTICA ESPECÍFICA nisso? Certamente esse político terá problemas para convencer o público sobre sua competência em relação ao tema debatido, você não acha? Pois bem. O módulo de reconhecimento mostra aos alunos a importância da preparação do debate: serão necessárias pesquisas, elaborações de textos que subsidiarão as discussões, análises linguísticas de situações de debate, enfim, tarefas complementares que oferecerão ao professor uma visão mais clara dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero e possibilitarão o desenvolvimento destes em relação ao conteúdo específico. A produção inicial consiste em fazer com que os alunos participem de um momento de debate a partir do que já conseguiram apreender sobre o gênero. No caso do debate, esse momento possibilita ao professor planejar os próximos módulos da sequência didática. A partir dessa apresentação inicial, ele poderá planejar como trabalhar os aspectos que mais apresentaram problemas. Não se pode esperar que essa primeira produção dos alunos seja completa. Também nesse momento, o professor pode simplificar a tarefa, simulando, por exemplo, uma plateia, escolhendo um tema não polêmico, pois o objetivo é fazer com que os alunos se apropriem dos elementos básicos do gênero escolhido. Para Dolz e Schneuwly (2004, p. 102), “a produção inicial tem um papel central como reguladora da sequência didática, tanto para os alunos quanto para o professor”. Os alunos podem descobrir o que já sabem sobre o gênero e também conscientizar-se daquilo que ainda não sabem. Os módulos de atividades / exercícios podem ser tantos quanto o professor considerar necessários para oferecer aos alunos meios para que dominem o gênero. Dizemos que esses módulos não são elaborados considerando-se níveis de dificuldade crescente, mas que pode haver flexibilidade em relação ao nível de complexidade e o professor pode “ir e voltar” em relação às necessidades dos alunos. A produção final é o momento em que os alunos colocarão em prática todas as noções aprendidas durante a realização dos módulos. Deve ser seguida de uma avaliação de todo o processo, para que os alunos percebem e compreendam seu desenvolvimento em relação aos objetivos propostos na atividade. Agora que já vimos como se organiza uma sequência didática, podemos analisar uma proposta de trabalho voltada à competência oral. Exemplo de aplicação Veja, a seguir, o planejamento da sequência didática organizada por uma professora, para trabalhar com um debate em sala de aula, com uma turma de 1a série do Ensino Médio. Os alunos escolheram como tema para o debate a falta de uma biblioteca municipal na cidade. A partir daí, a professora organizou a seguinte sequência didática: Proposta: sequência didática com foco no debate sobre a necessidade de uma biblioteca municipal na cidade. 49 DIDÁTICA ESPECÍFICA O tema do debate já está decidido. Houve um consenso entre os alunos, uma vez que está havendo um movimento na cidade sobre construir-se ou não uma biblioteca municipal na cidade. Há uma mobilização natural dos estudantes em torno do tema, portanto, ficou decidido que o debate será apresentado em um sábado, para pais, professores e convidados dos alunos. Conteúdos: • leitura e atividades de compreensão de textos informativos • linguagem argumentativa Aulas previstas: 12 Objetivos de ensino-aprendizagem: • conhecer o contexto em que estará inserido o debate; • conhecer quais serão os participantes – quem debaterá, a quem será apresentado; • usar conhecimentos da língua materna para preparar-se para o debate; • preparar-se para defender oralmente pontos de vista; • conhecer a estrutura da argumentação; • descrever estruturas argumentativas; • distinguir os tipos de argumentos; • distinguir formas de refutação; • compreender o papel da modalização no discurso; • compreender o uso de marcadores argumentativos; • compreender modos de encadeamento discursivo no debate; • identificar situações em que pontos de vista contrários exigem negociação; • utilizar recursos não verbais para sustentar pontos de vista no debate; • conhecer a organização da interação; • construção coletiva sobre o problema elencado para o debate. 50 DIDÁTICA ESPECÍFICA Recursos didáticos: • jornais, revistas, documentos elaborados pela biblioteca da escola, material para cartazes, gravação de entrevistas, computador, projetor, documentos oficiais autênticos sobre bibliotecas municipais. Atividade de apresentação da proposta de debate, seguida de atividade de reconhecimento (2 aulas) • convidar os alunos para assistirem a um debate gravado em um congresso, sobre a manutenção diária do jornal da cidade nos transportes públicos; • assistir com os alunos o debate; • propor uma discussão após assistir ao debate, para levantar os aspectos que mais chamaram a atenção dos alunos; • investigar os conhecimentos prévios dos alunos sobre marcas de argumentação no debate assistido; • listar procedimentos utilizados pelos debatedores; • investigar o que os alunos acham que precisam saber para participar de um debate. Atividade debate inicial (2a aula) Após discussão sobre o debate assistido, os alunos prepararão um momento com as mesmas características do debate, para ser realizado nos pequenos grupos de trabalho. A classe estará dividida em grupos de no máximo 5 alunos e em cada grupo ocorrerá um minidebate, para que experimentem os diferentes papéis. Assim, nesse minidebate, cada aluno defenderá um dado aspecto do que foi observado e após essa apresentação, a atividade consiste em, no grupo, apontar aspectos difíceis e aspectos fáceis em relação à participação no debate. Dessa atividade será gerada uma lista de aspectos que precisarão ser estudados nas aulas seguintes. Atividades intermediárias (6 aulas): As atividades intermediárias consistem de: • pesquisa sobre papel da biblioteca no desenvolvimento da cidadania; • papel da argumentação e sua organização nas situações de defesa de ideias (nestas atividades, os alunos receberão transcrições de debates e farão levantamento 51 DIDÁTICA ESPECÍFICA das características linguísticas da argumentação: como se organizam os turnos, como os debatedores utilizam conectivos, quais os elementos de coesão mais relevantes, como os debatedores utilizam modalização e em quais momentos isso acontece); • preparação de argumentos para defender os pontos de vista (nestas atividades, os alunos, a partir da leitura de textos que defendem e justificam o papel da biblioteca no desenvolvimento da cidadania, elaborarão seus pontos de vista e procurarão justificativas para eles); • organização do evento (discussão sobre procedimentos utilizados durante o debate, escolha dos alunos para assumirem os diferentes papéis no debate); Estas atividades intermediárias procurarão discutir o gênero debate, dando ênfase para: • infraestrutura textual – qual tipo de discurso predomina no debate? Como o conteúdo temático será tratado? Como os diferentes segmentos se articulam? • estrutura sequencial – qual tipo de sequência textual predomina no debate? é a sequência argumentativa? ela é seguida de sequência descritiva? ou uma sequência descritiva antecede uma sequência argumentativa? há sequências explicativas? quando elas aparecem? • mecanismos de textualização – como se dá a progressão temática? quais os elementos coesivos utilizados no debate? há nominalizações? prevalecem os pronomes anafóricos? • mecanismos enunciativos – como aparecem as modalizações? como aparecem as diferentes vozes e a responsabilidade enunciativa? Atividade final: preparação para o debate. Atividade pós-debate: Após terminado o debate, que será gravado, os alunos farão uma atividade de análise do trabalho realizado, para discutir sua participação. As discussões terão como base todas as atividades realizadas durante a sequência didática e todas as descobertas realizadas durante a preparação para o debate. Essa avaliação não corresponderá a uma nota, mas sim a um momento de análise da aprendizagem dos alunos. Agora que você já leu todo o planejamento da professora, procure preencher o quadro abaixo, destacando os elementos mais relevantes em relação ao espaço da oralidade em sala de aula. 52 DIDÁTICA ESPECÍFICA Quadro 5: Capacidades de linguagem na atividade debate Capacidade Momento / atividade em que a capacidade está contemplada Capacidade de ação Capacidade discursiva Capacidade linguístico-discursiva 4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À LEITURA Read not to contradict and confute, nor to believe and take for granted, nor to find talk and discourse, but to weigh and consider9. Francis Bacon Continuando nossa reflexão sobre os aspectos pedagógicos do trabalho de professores de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, destacamos um dos mais relevantes: a leitura. Koch e Elias (2006, p. 12), partindo da concepção interacional dialógica da língua, consideram “leitura como uma atividade de produção de sentido” que toma como base a interação autor-texto-leitor. Nesse processo, os sujeitos “são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto”. O significado atribuído a um texto sempre dependerá do conhecimento de mundo do leitor, de seus conhecimentos prévios e dos objetivos desse leitor em relação à leitura do texto. Nessa perspectiva, ler exige mais do que o conhecimento do código linguístico, mas a relação entre conhecimentos de mundo ou enciclopédicos, conhecimentos linguísticos e conhecimentos interacionais. Observação Pensando! Também podemos dizer que a leitura mobiliza as capacidades de linguagem, já estudadas: capacidade de ação, capacidade discursiva Tradução: Leia, não para contradizer e refutar, nem para acreditar e tomar como certo, nem para achar assunto e conversa, mas para pensar e considerar. 9 53 DIDÁTICA ESPECÍFICA e capacidade linguístico-discursiva. Você se lembra dessa discussão, apresentada em seções anteriores? Muitos autores discutem o papel da leitura em sala de aula e destacam a relevância de se estudar como as práticas de leitura têm sido conduzidas por professores: se no modelo tradicional, que solicita ler para responder questões objetivas sobre o texto ou destacar aspectos gramaticais, ou se no modelo interacionista, que solicita ler para pensar / atribuir sentidos / questionar / discutir o texto. Riolfi et al. (2010, p. 45), pesquisadores preocupados com o ensino da língua portuguesa, iniciam uma reflexão sobre a leitura em sala de aula apresentando-nos uma pergunta: Estamos, de fato, proporcionando aos alunos um acesso exploratório do texto que lhes permita ler com rigor ou nos limitamos a garantir-lhes o acesso à decodificação do texto? O que os autores querem dizer, na verdade, é que entre a tarefa de decodificar um texto e a de explorar seus significados e suas implicações sociais, há uma grande distância e a escola pode não estar se preocupando efetivamente com essa questão. O exemplo a seguir, destacado da obra dos autores citados (p.46), mostra-nos com clareza o que é a leitura para muitos alunos: Um aluno, de 18 anos, lê a seguinte manchete em um jornal trazido pela professora para o trabalho de leitura: SHEILA MELO E GUGU ENTERRAM FAUSTÃO Bastante perplexo e entristecido, comenta com o colega ao lado: – Você viu? Mataram o Faustão!!! Observação Pensando! Vale a pena pensar: em que circunstâncias um aluno lê dessa forma? Que tipo de trabalho em sala de aula modificaria essa maneira de ler? Riolfi et al. (2010, p. 46) consideram que a tarefa de modificar essa maneira de ler de muitos alunos “consiste, sobretudo, em levá-los a recuperar as pistas textuais que compõem a direção argumentativa do texto”. Na direção do exemplo apresentado acima, também podemos apontar o já discutido em seção anterior, Transcrição 4, que mostra um aluno, após a leitura de “O desgaste das palavras”, preocupado 54 DIDÁTICA ESPECÍFICA com exercícios de gramática a serem respondidos com base no texto. É possível pensar que naquela situação o aluno tenha trabalhado para analisar as pistas textuais, seu significado social, ou em que sentido o autor do texto apresenta seus argumentos? Saiba mais Veja um projeto de leitura, realizado em uma escola de Foz do Iguaçu. Após assistir ao vídeo, você pode pensar em possibilidades para que os professores explorem a leitura realizada pelos alunos. Também gostaria que você pensasse nos aspectos desse projeto que colaborariam com a visão apresentada por Riolfi et al. sobre o papel da leitura. Experimente completar a tabela apresentada. Vídeo “Leitura na Escola”. Disponível em: <http://www.youtube.com/ watch?v=a5bnWLrz5K8> Acesso em: 12 abr. 2011. Quadro 6: Caracterizando a proposta “Leitura na Escola” Projeto de leitura proposto no vídeo Projeto de leitura revisto, com suas sugestões Qual é o papel do aluno? Qual é o papel do professor? Qual o papel do texto / da atividade? O que mais nos interessa nesta seção é entender como um professor pode trabalhar com propostas de leitura de modo a propiciar contextos para que os alunos avancem em sua forma de pensar e de compreender, por meio dos textos que circulam socialmente, o mundo que os cerca. Esse é nosso objetivo principal em relação à leitura. Nesse sentido, a tarefa mais relevante do professor é pensar as aulas de leitura como aulas planejadas e sistematizadas, ou seja, aulas em que o propósito primeiro é desenvolver a competência leitora no aluno. O que cabe perguntar é: qual tipo de intervenção o professor deve fazer e como essa aula deve ser conduzida? Veja as afirmações de Riolfi et al. (2010, p. 49) sobre o que ocorre com a leitura: De acordo com a distinção estabelecida [...] entre enxergar (apreender os contornos imagéticos de um objeto) e olhar (circunscrever um objeto no tempo 55 DIDÁTICA ESPECÍFICA e no espaço), reconhecemos que perceber o contorno das letras e o sentido isolado das palavras não é suficiente para a compreensão do texto. Os alunos, quando convidados a se manifestarem sobre um texto, acabam apresentando paráfrases ou ainda selecionam trechos dispersos sem um fio condutor. O que podemos inferir daí é que muitas situações de leitura na escola focalizam o texto em si, isolado de seu contexto de produção e do contexto do aluno. Atividades com esse foco levam o aluno a fragmentar o trabalho com o texto, produzindo o que vemos muitas vezes: um resumo de texto que escolhe alguns parágrafos ou frases como mais relevantes, ou a separação das ideias contidas no texto justamente por desconhecimento da esfera social na qual circula esse texto e das implicações do gênero. Geraldi (2006, p. 92-9) destaca 4 posturas importantes que um leitor deve assumir perante um texto: Leitura como busca de informações. Esse tipo de leitura corresponde ao seguinte objetivo do leitor: extrair informações do texto. Nesse sentido, a pergunta que cabe é: para que extrair informações de um texto? “Trata-se aqui de perguntar ao texto” (GERALDI, 1997, p. 171). Geraldi comenta que em disciplinas como história, geografia, ciências, por exemplo, esse tipo de leitura é frequente e justificável para o aluno, pois existe claramente um “para quê” ler. Já em língua portuguesa – e podemos também acrescentar aqui em línguas estrangeiras – esse tipo de leitura pode não deixar claro para o aluno o “para quê” ler. Parece ao aluno que esse “para quê” é artificial no caso de textos em língua portuguesa ou línguas estrangeiras, uma vez que ele acredita que possa atribuir sentidos aos textos que lê. Tirar informações do texto (como o exemplo apresentado na Transcrição 4 – lembra-se?) parece esvaziar o trabalho de leitura e atribuir a ele uma importância menor dentro dos vários aspectos trabalhados na área da linguagem. Para o trabalho de leitura como busca de informações no texto, é possível recorrer a duas formas: partir de um roteiro de leitura, que pode ser elaborado pelo professor ou pelo próprio aluno, dependendo da clareza que tem sobre o objetivo de ler aquele texto; ou partir para a leitura sem um roteiro, destacando o que o aluno considera relevante, para futuras discussões sobre o texto. Ainda nessa direção de trabalho de leitura, Geraldi (1997) afirma que é possível extrair informações superficiais do texto ou extrair informações em nível mais profundo. Esse aspecto depende sempre dos conhecimentos do aluno sobre o tema proposto no texto e das atividades que antecedem a leitura propriamente dita, realizadas em sala de aula em momentos de investigação preliminar sobre o texto. Note que ao apontar a possibilidade dessas investigações preliminares, estamos afirmando que há, sim, a necessidade de o professor preparar os alunos para a leitura que farão. Um momento de brainstorming sobre o texto pode provocá-los, fazendo com que acionem o que já conhecem e, por meio da interação, relacionem aos posicionamentos de outros alunos da classe. O que afirmamos, na verdade, 56 DIDÁTICA ESPECÍFICA é que o momento de investigação inicial sobre um texto, provocado pelo professor, pode gerar uma ZPD (Lembra-se desse conceito vygotskyano?) que favoreça a articulação de ideias sobre o conteúdo do texto e possibilite aos alunos avançarem na maneira de ler. Leitura para estudo do texto Para Geraldi (2006, p. 95), esse tipo de leitura pode concentrar-se em investigar: (a) a tese defendida no texto; (b) os argumentos apresentados em favor da tese defendida; (c) os contra-argumentos levantados em teses contrárias; (d) a coerência entre tese e argumentos. Nesse sentido, “posso ir ao texto para escutá-lo” (GERALDI, 1997, p. 172). Esse tipo de leitura possibilita investigar a configuração do texto (como se organiza, quais os recursos linguísticos utilizados, qual o vocabulário utilizado, como é possível perceber a coerência do texto). Em aulas de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras, esse tipo de leitura é muito comum e muitas vezes é o único utilizado em sala de aula. É uma pena pensar, por exemplo, que um texto literário ou um texto autêntico selecionado da mídia, sejam, muitas vezes, aproveitados em sala de aula apenas para esse tipo de leitura. Um exemplo de leitura para estudo do texto pode ser o que já apresentamos na seção sobre oralidade em sala de aula. Você se lembra? Na sequência didática elaborada pela professora, uma das etapas contemplava a leitura das transcrições de debates, com o propósito de levantar as características discursivas dos enunciados, pois os alunos estavam se preparando para assumir papéis em um debate e precisavam conhecer as manifestações linguísticas características desse gênero textual. Leitura do texto como pretexto para outra atividade Um texto proposto para leitura pode tanto ser um pretexto para que o professor introduza nova atividade, e nesse sentido, deveria funcionar como elemento motivacional, quanto pode ser um pretexto para se estudar a norma linguística. Veja que há uma grande diferença entre essas duas possibilidades. Enquanto a primeira pode ser um elemento para investigar conhecimentos prévios do aluno, seus conhecimentos de mundo ou a interação leitor-texto-autor, a segunda nos parece desconsiderar o contexto sociocultural ao qual o texto, o leitor e o autor pertencem. Geraldi (1997, p. 173) completa: “posso ir ao texto nem para perguntar-lhe nem para escutá-lo, mas para usá-lo na produção de outras obras, inclusive outros textos”. Uma atividade interessante sobre a leitura como pretexto pode ser a que segue: Atividade: O professor Márcio apresentou aos alunos de 2a série do Ensino Médio uma lista contendo títulos de poemas de autores brasileiros do período literário Romantismo, sugerindo que escolhessem alguns para ler, com o objetivo de encontrar características que os aproximassem e assim, pudessem estudar as características de tal 57 DIDÁTICA ESPECÍFICA período literário. A proposta de leitura teve por objetivo funcionar como um disparador para o estudo da corrente literária. A leitura não sugeria a discussão dos poemas em si, mas o que os aproximava. O professor esperava, com essa proposta, que os alunos destacassem tanto características linguísticas quando aspectos sociais e culturais presentes nos poemas, para depois, confrontar tais descobertas àquelas presentes nos estudos literários. Leitura como ato de fruição Nessa perspectiva, a leitura é considerada como geradora de prazer. Cabem aí atividades que não “cobram” o preenchimento de fichas ou a resposta a instrumentos formais de avaliação. O aluno pode e deve ter garantido o espaço para a leitura por simples prazer, tendo possibilidades de escolher o que mais o interessa, discutir com pares que têm o mesmo interesse. “Posso ir ao texto sem perguntas previamente formuladas, sem querer escrutiná-lo por minha escuta, sem pretender usá-lo: despojado, mas carregado de história” (GERALDI, 1997, p. 174). Geraldi (2006) nos diz que esse tipo de leitura tem estado longe da sala de aula. Nela, o que mais se manifesta é a leitura dita “rendosa”, ou seja, o aluno precisa ler para cumprir com determinadas tarefas do tipo prova, pontos para nota, pesquisa. Observação Pensando! Que tipo de leitura você tem presenciado em seus momentos de estágio? Segundo seu ponto de vista, o que prevalece na sala de aula, em relação à leitura? Por que professores têm tanta preocupação em não atribuir nota à leitura? Como você pensa a avaliação para atividades de leitura? Um aspecto muito discutido por todos os pesquisadores envolvidos com o aprendizado da leitura diz respeito às maneiras utilizadas por um professor para planejar atividades de leitura para seus alunos. Destacamos aqui duas discussões relevantes sobre essa questão: uma delas, proposta por Riolfi et al. (2010, p. 51-3), destacando o conceito de “leitura rigorosa”. A outra proposta, discutida por Solé (1998/2007), destaca o que deve ser feito “antes da leitura”, “durante a leitura” e “depois da leitura”. Reproduzimos, a seguir, essas propostas. Para Riolfi et al. (2010, p. 51-3), ler de modo rigoroso exige: • sucessivas operações de retroação (e para isso, o professor precisa planejar sequências didáticas que favoreçam esse “avançar – retroceder” em relação às questões suscitadas pelo texto); • recuperação das pistas interpretativas do texto (a partir dos elementos extratextuais e dos elementos presentes na linha de argumentação do texto); 58 DIDÁTICA ESPECÍFICA • desconstrução da aparência higienizada da superfície textual (a partir de observação minuciosa do texto). Essas ações podem ser colocadas em prática quando: • o aluno leitor faz um exercício de desnaturalizar as condições de produção que deram origem ao texto, isto é, considera aspectos polissêmicos na interpretação do contexto de produção; • o aluno leitor toma o texto como elementos para reflexão, considerando tanto o próprio texto quanto seu modo de ler esse texto e dar consideração a ele; • o professor trabalha oferecendo meios para que os alunos alterem seus posicionamentos sobre o texto e ampliem seu repertório; • professor e alunos percebem a leitura como uma possibilidade de pesquisa sobre o texto e sobre a rede textual por ele revelada; • professor e alunos consideram o ato de ler um momento de questionar o texto, não permanecendo presos a pré-entendimentos. Em resumo, Riolfi et al. (2010) sugerem que no ato de ler, o leitor: • examine o texto no sentido de desmontá-lo; • desconstrua o texto para entender como ele foi tecido; • analise como as escolhas do autor (lexicais, estruturais, argumentativas etc.) interferem na trama do texto. Em relação às afirmações de Solé (1998/2007, p. 89-161), podemos destacar o que é preciso para que o ato de ler se constitua, de fato, em compreensão e desenvolvimento do aluno. A autora afirma que há sempre um “antes da leitura”, um “durante a leitura” e um “depois da leitura”, e que esses momentos não podem ser entendidos como separados completamente, pois são interdependentes. Não há uma fronteira nítida entre eles. Vale a pena entendermos como e porque são significativos para o avanço na competência leitora dos alunos. Antes da leitura Nesse sentido, o primeiro aspecto indicado pela autora diz respeito à necessidade de exploração dos objetivos da leitura. Cabe aqui pensar em maneiras que o professor deve utilizar para explicitar aos alunos os objetivos para se ler este ou aquele texto ou livro. Da mesma forma como nos disse Geraldi, Solé afirma que lemos para obter informações precisas, para seguir instruções, para obter informações de caráter geral, para aprender algo, para revisar um escrito próprio, por prazer, para comunicar algo a uma plateia, para praticar leitura em voz alta, para verificar o que foi compreendido sobre um dado assunto. 59 DIDÁTICA ESPECÍFICA Também em relação ao que devemos fazer antes da leitura, cabe destacar o levantamento dos conhecimentos prévios e o estabelecimento de previsões sobre o texto a ser lido. Nesse sentido, o professor tem um papel fundamental, pois ele é o disparador dos questionamentos que fazem com que os alunos explicitem o que já sabem sobre o tema proposto. As perguntas do professor podem ser tão instigadoras ao ponto de gerarem motivação para a leitura do texto. Vejamos uma situação-exemplo de sala de aula. Pensando em como um professor prepara sua aula para uma atividade correspondente ao “antes da leitura”, apresentamos a você parte de um plano de aula que focaliza exatamente esse momento da aula. Veja como o professor Sérgio preparou a discussão inicial sobre um livro escolhido para trabalhar com alunos de 2o ano do Ensino Médio. Plano de aula10: Escola de Ensino Fundamental e Médio Edgar Morin Série: 20 Ano, 2010. Disciplina: Língua Portuguesa Carga Horária Semanal: 5 h/a Professor: Sérgio Atividade: Leitura – momento “antes da leitura” Descrição sumária da atividade: Será apresentada aos alunos a capa de um livro e alguns elementos do livro. Um brainstorming será realizado em aula, a fim de levantar possibilidades para o conteúdo do livro. Objetivo11 geral da atividade: compreender e atribuir sentidos ao texto, a partir de discussões sobre os significados estáveis que emergem das discussões em sala de aula e novas possibilidades de compreensão; ampliar a capacidade de argumentação a partir de discussões em grupo, mediadas por questionamentos. Plano de aula fictício, elaborado para fins didáticos pela autora da apostila. Leia as indicações sobre objetivos, propostas por Leffa (2003): Para os objetivos gerais usam-se geralmente verbos que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais frequência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar etc. * Para os objetivos específicos, usam-se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente observados. Entre eles, destacam-se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar, selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar etc. * Verbos que denotam processo – aprender, desenvolver, memorizar, adquirir etc. – não podem ser usados para elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem. 10 11 60 DIDÁTICA ESPECÍFICA Conteúdo proposto (destacar cada foco referente ao seu conteúdo, indicando também as possíveis subdivisões) Momento inicial da apresentação do livro: MIGUEL, Jorge. Caminhos errantes da liberdade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007. (Coleção Passelivre) Conteúdo da atividade: levantamento de conhecimentos prévios sobre o tema proposto no livro, bem como sobre autor e gênero. Estratégias de ensino a serem utilizadas + recursos necessários (descrever estratégias Procedimentos de avaliação (descrever os Objetivos específicos do conteúdo a serem utilizadas; não é significativo escrever “jogo de memória”, mas sim, como o jogo será utilizado durante a aula e porque esse jogo foi escolhido, o que essa estratégia propicia, em termos de aprendizagem, ao aluno, em que sentido ela se relaciona aos objetivos...) instrumentos a serem utilizados; tal descrição é mais relevante do que o valor que dará aos instrumentos, caso sejam revertidos em notas) - identificar elementos significativos da capa, quarta capa e página de rosto do livro; - Apresentarei a imagem, apenas o título do livro aos alunos e iniciarei a discussão a partir de perguntas-guia que serão articuladas às perguntas que os próprios alunos apresentarem durante esse momento de investigação. Para esta etapa do trabalho com leitura (momento “antes da leitura”, não utilizarei instrumentos formais do tipo prova ou relatório de atividade ou relato descritivo de ação). A avaliação se dará em relação às interações entre os alunos e à forma como argumentam a favor de seus pontos de vista. Para isso, procurarei preencher uma planilha enquanto trabalho com a turma, com os seguintes critérios: - relacionar elementos da capa, quarta capa e página de rosto do livro às áreas do conhecimento; - estabelecer previsões para o conteúdo que será tratado no livro; - formular perguntas para serem respondidas à medida que a leitura transcorrer; - selecionar e organizar argumentos sobre possíveis conteúdos do livro, a partir de agrupamento de ideias; - investigar a relação entre autor, título do livro, possível audiência e área de interesse; - levantar possibilidades para o conteúdo do livro a partir de discussão sobre o sumário apresentado. Veja o título deste livro: “Caminhos errantes da liberdade”. O que ele sugere a você? O que você acha que será tratado neste livro? Se o título fosse “Caminhos da liberdade”, significaria para você o mesmo que “Caminhos errantes da liberdade”? Qual significado você conhece para a palavra errante? - Após levantados os sentidos iniciais, com base nessas perguntas e outras sugeridas pelos próprios alunos durante a interação, apresentarei a eles a imagem presente na capa do livro e novamente os provocarei com perguntas do tipo: Agora, vendo a imagem da capa, o que você acredita que será tratado no livro? Essa imagem pode ser uma metáfora em relação ao conteúdo do livro? Que elementos podemos investigar para descobrir mais sobre a relação imagem – conteúdo do livro? - Apresentarei em seguida o autor do livro: Jorge Miguel. Perguntarei se conhecem esse autor e como ele é pouco conhecido, apresentarei alguns elementos biográficos, como os que seguem: Jorge Miguel é Diretor acadêmico do Departamento de Processo Seletivo da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP); é formado em Direito pelo Mackenzie. É procurador, professor universitário e poeta bissexto. - uso de operadores argumentativos apresentação dos pontos de vista - tipos de argumentos utilizados (pragmático, por analogia, por exemplo, baseado em autoridade, baseado no consenso, baseado no raciocínio lógico) - apresentação do argumento (estrutura do discurso, encadeamentos discursivos) - apresentação de contra-argumentos Perguntas orientadoras: Agora que você já sabe um pouco sobre o autor, quais as hipóteses já apresentadas podem ser mantidas? Quais as que você acha que devem ser descartadas? Por quê? Considerando a área de atuação desse autor, que novas hipóteses vocês acrescentariam às já apresentadas sobre o conteúdo do livro? Apresentarei a frase que aparece na capa do livro: “A liberdade é uma forma de autonomia que se inicia quando o homem, ousadamente, vai em busca de sua individualidade”. Caso os alunos ainda não tenham perguntado nada sobre “poeta bissexto”, apontarei essa informação como algo que pode ser relevante para descobrirmos o gênero ou os gêneros contidos no livro. 61 DIDÁTICA ESPECÍFICA Caso os alunos ainda não tenham perguntado nada sobre “poeta bissexto”, apontarei essa informação como algo que pode ser relevante para descobrirmos o gênero ou os gêneros contidos no livro. Perguntas orientadoras: Em que sentido você acredita que o autor tratará a autonomia? Como autonomia é definida em suas aulas de filosofia e de sociologia? O que você acha que pode significar “poeta bissexto” Como vamos descobrir essa questão? A partir dessa descoberta, o que muda em relação às hipóteses que você já levantou sobre o conteúdo do livro? (...) Apresentarei o texto da quarta capa do livro: “Os oito contos que compõem esta obra tratam dos muitos caminhos que a liberdade assume. Há em cada personagem um drama. Em cada narrativa, um valor desmorona. No horizonte de todo o livro, são retratadas as diversas faces da liberdade, via única para quem ousa abandonar a segurança de uma vida incompleta”. Perguntas orientadoras: Agora que você já sabe que o livro apresentará oito contos, é possível afirmar qual ou quais os gêneros presentes no livro? Por que sim? Por que não? A provocação tem como objetivo rediscutir o que é gênero e como ele permeia as obras da literatura. (...) - Apresentarei o índice do livro, para levantarmos, em grupo, hipóteses para os contos. (...) Material utilizado em aula de leitura – momento “antes da leitura” Título do livro: Caminhos errantes da liberdade Imagem da capa Figura 3 62 DIDÁTICA ESPECÍFICA Nome do autor: Jorge Miguel Capa e quarta capa do livro: Figura 4 Figura 5 Saiba mais Saiba mais! Para entender mais sobre como elaborar objetivos para aulas, sugiro que você leia o texto indicado, do professor Vilson Leffa, da Universidade Católica de Pelotas. Esse professor tem desenvolvido pesquisas sobre o ensino de línguas e sobre desenvolvimento de materiais didáticos: LEFFA, Vilson. Como produzir materiais para o ensino de línguas. Disponível em: <http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/prod_mat.pdf> Acesso em: 14 abr. 2011. Observemos agora uma atividade12 também orientada aos conhecimentos prévios dos alunos, em aula de língua inglesa e note que essa atividade, embora considerada aqui como “atividade para antes da leitura”, desencadeia um momento de produção de texto. Ou seja, a atividade tem por objetivo principal despertar a motivação para a leitura de um livro, no entanto, trabalha com a produção de um texto. 12 Atividade elaborada pela autora da apostila, para fins didáticos em cursos de formação de professores. 63 DIDÁTICA ESPECÍFICA Atividade: a professora Márcia selecionou um livro para ser lido por seus alunos de 7o ano do Ensino Fundamental: MAGALHÃES, João de. Johnny’s First Kiss. São Paulo: Moderna, 2004. (Rechmond Publishing, Moderns Readers; stage 2 – elementary). O livro escolhido pela professora era desconhecido dos alunos. Os temas envolvidos na história focalizada no livro tratam de: ética, amizade, sexualidade, autoconhecimento. Há interesse da professora em trabalhar interdisciplinarmente com a professora de ciências13. A primeira tarefa foi preparar um conjunto de todas as imagens do livro. Cada imagem foi colocada em meia folha de papel A4, sem indicação da página do livro. Os alunos foram divididos em grupos de no máximo 5 elementos e cada grupo recebeu o conjunto de imagens. A tarefa inicial era observá-las e imaginar o que tratavam. Também como tarefa, os alunos foram orientados a selecionar 12 das 21 imagens e organizá-las na sequência que desejassem, pensando em uma história. Primeiras dúvidas dos alunos: Como saberiam qual o personagem principal da história? Como procederiam, caso descartassem exatamente as imagens mais importantes da história? O que aconteceria com as histórias de todos os grupos se as imagens escolhidas não fossem as mesmas? Observação Refletindo! O que você acha que estava acontecendo com os alunos nesse momento? O fato de serem, frequentemente, apresentados às leituras sempre como se elas fossem algo certo e acabado, inquestionável, levou-os a uma postura de insegurança frente à liberdade de escolher e, de certa forma, de “interferir” na história apresentada no livro que ainda nem conheciam. A segunda tarefa da professora consistiu em uma atividade de discussão sobre as imagens escolhidas em cada grupo e sobre as imagens descartadas. Interessante para a professora foi o fato de muitos grupos terem descartado imagens cujo vocabulário lhes era desconhecido. A atividade de discussão teve, portanto, foco no vocabulário e também na temática que parecia presente nas imagens, mesmo considerando as diferentes escolhas dos grupos. Para essa atividade, tanto a professora Márcia fazia perguntas aos alunos quanto eles perguntavam uns aos outros, solicitando explicações para suas escolhas. As intervenções da professora sugeriam Informações disponíveis em : <http://www.richmond.com.br/catalogo/readers/modern-readers/ johnny’s-first-kiss/> Acesso em: 10 abr. 2011. Resumo da história: Johnny acaba de se mudar e precisa se familiarizar com um bairro novo, uma escola nova, amigos novos; além disso, a garota mais bonita da escola quer conhecê-lo. Para se enturmar, Johnny tem que repensar todas as coisas em que acredita. Nessa história, o leitor é convidado a acompanhar a busca de Johnny por sua identidade, um tipo de viagem que todo jovem precisa fazer um dia. 13 64 DIDÁTICA ESPECÍFICA às crianças que não havia uma história mais certa do que a outra, mas que todas as possibilidades poderiam ser consideradas. Ao longo das discussões, surgiram também perguntas sobre como organizar uma determinada frase para a história e perguntas desse tipo mereceram da professora uma tabela na lousa, com destaques para os aspectos linguísticos que foram sendo apresentados pelos alunos. Como conteúdos linguísticos, o livro oferecia destaque para: simple present, present continuous, future with will, modal verbs, simple comparatives, sentences joined with and but, occasional use of first conditional. Ao longo das discussões com os alunos e mediante suas solicitações, a professora trazia para a tabela exemplos de uso da língua em relação aos itens do conteúdo linguístico, recordando as estruturas já aprendidas. As perguntas dos próprios alunos aos colegas mostravam para a professora Márcia e para eles próprios seus conhecimentos prévios sobre o tema discutido e também sobre os conhecimentos linguísticos já dominados. Após essa atividade, os alunos elaboraram suas histórias. Utilizaram 4 aulas para realizar a tarefa, sempre trabalhando em grupo, com a orientação da professora, que sugeria pequenas correções nos textos ou modificações no sentido de torná-los mais coesos e coerentes. As histórias elaboradas se caracterizaram pela tipologia textual narrativa, com um ou dois parágrafos para cada uma das imagens escolhidas pelo grupo. Ao término, houve uma troca de histórias entre os grupos. Durante uma semana, cada grupo se incumbiu de ler pelo menos três histórias elaboradas por colegas. Essa atividade gerou um movimento inquietante na turma, uma vez que foram se deparando com diferentes histórias, diferentes personagens principais, tramas e desfechos inusitados. A grande questão agora era: qual a “verdadeira” história? Após essa etapa, a professora ainda realizou uma atividade oral de discussão sobre o livro, com questionamentos sobre a imagem da capa, sobre o título e a sequência de imagens, a fim de provocar os alunos para que comparassem o que viam no livro às histórias que haviam elaborado. O que apresentamos até aqui, sobre a aula da professora Márcia, ilustra a forma como, didaticamente, ela abordou o momento inicial da leitura, procurando despertar nos alunos a curiosidade em relação ao livro proposto. A partir daí, podemos avançar na discussão de Solé (1998/2007) sobre como a autora sugere o que deve ser feito durante a leitura. Vejamos em que sentido isso pode ser planejado pelo professor. Durante a leitura Solé (1998/2007) sugere que a leitura seja compartilhada em diferentes momentos em sala de aula e que sejam, durante todo o tempo, recuperadas as previsões feitas para o texto, para que sejam confrontadas com o que se encontra efetivamente nele. Sugere ainda que sejam feitas perguntas sobre o que está sendo lido, que provocam o movimento de ir e vir na trama textual; que possíveis dúvidas sobre o texto sejam discutidas e que também se construa, ao longo da leitura, um resumo das ideias principais apresentadas no texto. Interessante observar que esse momento durante a leitura pode ser assumido tanto pelo professor quanto pelos alunos. Ambos podem colaborar com perguntas e com a organização de tarefas sobre o 65 DIDÁTICA ESPECÍFICA que está sendo lido. Todo esse movimento investigativo sobre o texto tem por objetivo as ações de ler, resumir, solicitar esclarecimentos, prever sobre o texto. Solé destaca um importante aspecto relacionado a esse tipo de leitura, por ela denominado “leitura compartilhada”. Para a autora, leitura compartilhada não é o mesmo que leitura dirigida. Nessa perspectiva, o professor tem o controle da leitura e indica aos alunos o que devem fazer, o que deve ser questionado. A perspectiva da leitura compartilhada traz para o aluno parte da responsabilidade nas tarefas: ele tanto responde a questionamentos e proposições de seu professor quanto apresenta questionamentos aos colegas e propõe discussões. Numa perspectiva dialógica para a atividade de leitura, o que não se quer é que os alunos trabalhem passivamente sobre um texto, mas que internalizem as diferentes discussões assumindo-as para si, no sentido de mais eficazmente compreenderem o texto. Depois da leitura Após a leitura, alguns procedimentos são fundamentais para que o aluno compreenda porque leu, seja capaz de avaliar seu próprio desenvolvimento em relação à competência leitura. O primeiro aspecto destacado por Solé (1998/2007) diz respeito à ideia principal do texto. A autora destaca a complexidade de se compreender o que é a ideia principal de um texto, aponta inúmeros autores que têm discutido essa questão, e apresenta seu ponto de vista sobre o trabalho realizado ao ensinar ao aluno onde está a ideia principal de um dado texto. Dentre as discussões apresentadas, uma merece destaque e parece-nos esclarecedora: podemos pensar no tema sobre o qual um dado texto discute e também na ideia principal discutida pelo autor. Segundo Solé (1998/2007, p. 135), esses dois aspectos não seriam sinônimos. O primeiro, o tema, pode ser expresso por uma única palavra ou um sintagma, e pode ser encontrado quando buscamos resposta à pergunta: de que trata esse texto? A ideia principal corresponde àquilo que o autor considera mais importante para explicar o tema e pode ser encontrada quando buscamos resposta à pergunta: qual é a ideia mais importante que o autor pretende explicar com relação ao tema? Para que os alunos compreendam como encontrar a ideia principal de um texto, é preciso usar procedimentos investigativos como: • sugerir que os alunos falem sobre o que leram e enquanto isso, caso a ideia principal fique obscurecida, o professor pode apresentar questionamentos que provoquem o surgimento da ideia; • relacionar os objetivos da leitura ao tema que surge como focal em relação ao texto; • discutir, ao final, qual o caminho percorrido para se chegar à ideia principal. Outro aspecto discutido por Solé sobre o que acontece “depois da leitura” diz respeito à possibilidade de se resumir o que foi lido. Para isso, afirma a autora que também há procedimentos específicos a serem utilizados juntamente com o professor, se este quiser, de fato, ensinar aos seus alunos como se resume. 66 DIDÁTICA ESPECÍFICA Também um tipo de atividade utilizada “depois da leitura” que muito favorece a compreensão do aluno sobre o que leu, é o trabalho com a formulação de perguntas sobre o que foi lido. Alunos organizam, assim, perguntas cujas respostas provocam a discussão sobre o texto. Isso permite ao professor perceber o que foi aprendido, com que profundidade foi aprendido, que tipo de relações interdisciplinares os alunos estão conseguindo fazer após a leitura, como estabelecem pontos de vista mais, ou menos, críticos em relação ao que leram. Saiba mais Veja como a leitura transforma o ser homem! Como sugestão, assista ao filme “O Carteiro e o Poeta”. O CARTEIRO e o poeta. (Il Postino). Direção: Michael Radford. Itália: 1994. (109 min.). Sugiro que você faça um exercício seguindo as orientações com as quais trabalhamos nesta seção: antes de “ler-assistir” ao filme, registre suas impressões iniciais, o que você pressupõe encontrar no filme. Durante o “ler-assistir” ao filme, registre todas as possíveis perguntas que faria a alguém com quem compartilhasse essa leitura. Após “ler-assistir” ao filme, destaque o tema, a ideia principal, assim como busque relacionar tudo o que viu/ouviu aos conhecimentos que você tem sobre as diferentes áreas que o filme suscita em você. Concluímos esta seção apresentando algumas questões para você refletir: • Nos estágios realizados ao longo do curso de Letras, quais práticas de leitura você pôde observar? • A quais concepções de leitura essas práticas estão relacionadas? • Que tipo de leitura paradidática você observou? • De que maneira os professores procedem para escolher leituras para seus alunos? • Todas as leituras propostas são escolhas do professor? • Quais as competências desenvolvidas nas atividades de leitura que você presenciou em seus estágios? • Como o professor organizava procedimentos de leitura para apresentar textos clássicos aos alunos? 67 DIDÁTICA ESPECÍFICA Saiba mais Veja que há muitas questões que um professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras deve pensar quando o foco é o desenvolvimento da competência leitora de seus alunos, não é mesmo? E como sei que você tem um laço afetivo imenso com a leitura, sugiro, a título de instigá-lo ainda mais em direção a esse tema, que leia o livro abaixo: PENNAC, D. Como um Romance. Trad. Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. Vendo a capa e a quarta capa desse livro14, quem sabe você sinta-se envolvido e motivado a essa leitura... Figura 7 Figura 8 5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À PRODUÇÃO TEXTUAL É curioso, nesse sentido, que a maioria dos trabalhos sobre redação escolar ou não toquem na questão da interlocução ou falem na ausência de interlocutor, identificando aí uma das dificuldades maiores do estudante: falar para ninguém ou, mais exatamente, não saber a quem se fala. Luiz Percival Leme Britto Vamos, nesta seção, discutir abordagens para o ensino da escrita em aulas de língua portuguesa e de línguas estrangeiras. Britto (2006, p. 118), ao discutir a produção de textos em situações escolares, reafirma a necessidade de se descobrir os porquês das inadequações nos A capa do referido livro encontra-se disponível em: <http://blog.opovo.com.br/sincronicidade/por-amor-a-leitura/> Acesso em: 30 mai. 2011. 14 68 DIDÁTICA ESPECÍFICA textos de alunos de todos os seguimentos escolares, de modo geral. Grosso modo, parece que os alunos não aprenderam a escrita, por isso escrevem como escrevem. Mas para Britto, a questão é mais complexa e não envolve somente o que o aluno deixou de aprender em relação à língua, mas – e especialmente –, a forma como foi exposto às situações de produção de texto e de seu aprendizado, ao longo da escolaridade. Observação Pensando! Os modos por meio dos quais solicitamos aos nossos alunos que trabalhem a linguagem em seus textos, durante a aula de língua portuguesa, promovem uma prática significativa de escrita? (RIOLFI et al. 2010, p. 135) Um dos aspectos discutidos por Riolfi et al. (2010, p. 136) é que o fato de professores de línguas, de modo geral, terem focalizado, ao corrigir textos de seus alunos, aspectos gramaticais acima de tudo, levou ao “abandono das intervenções e orientações” que oferecessem aos alunos meios para produzirem textos coesos e coerentes. O foco recaía – e ainda recai, em muitos contextos de ensino – na estrutura da língua, deixando-se de lado a qualidade da enunciação e seu real papel na comunicação. Dizem os autores que o outro extremo – o texto apenas para revelar pontos de vista do aluno sobre questões sociais e políticas do cotidiano dos alunos – também tem se revelado um trabalho de produção textual que se distancia do foco principal: o aprendizado da escrita como um processo reflexivo sobre a língua, para que o aluno se aproprie dos recursos linguísticos por meio de “relações interativas contextualizadas” (p.137). Observação Refletindo! Você já vivenciou uma situação em que escreveu algo e, quando solicitado por um professor a explicar o que escreveu, não conseguiu fazê-lo? Quando não somos capazes de explicar o que escrevemos, podemos pensar assim: pelo simples fato de termos escrito, é porque sabíamos o que queríamos dizer naquele momento. O que não sabíamos, na verdade, era o como dizer aquilo. Isso nos mostra claramente que uma vez escrito o texto, este “foge” do autor e passa ao leitor, que atribuirá a ele sentidos, já sem a colaboração do primeiro. Daí a necessidade de o escritor refletir sobre seu próprio texto e sobre as diferentes maneiras de dizer algo. Um aspecto muito significativo discutido por Riolfi et al. (2010) é que para escrever, necessitamos, sim, de um trabalho rigoroso com os recursos que a língua oferece. Os autores 69 DIDÁTICA ESPECÍFICA também reforçam a ideia de que esses recursos, isoladamente, não transformam alguém em um bom escritor, pois o ato de escrever é regido por “ter o que dizer e pressupõe uma razão para fazê-lo” (p.138). Como professor, o que precisamos saber é que é necessário estabelecer alguns critérios para o ensino e para a “correção” dos textos produzidos pelos alunos. Veja que as aspas em correção aparecem justamente para dizer a você que não estamos pensando na correção que desemboca na atribuição de uma nota ao texto do aluno, mas na correção que está organizada para descobrir características e orientá-lo em sua produção. Exemplo de aplicação Apresentamos, a seguir, três trechos de textos produzidos por alunos entre 6o e 9o anos do Ensino Fundamental. Após a leitura, procure completar a tabela que indica características desses textos. Texto A Então. Eu fui com a minha mãe ela falou pra mim que eu tinha que ficar sentada lá naquela cadeira que não pudia falar nada que eu tinha que ficar quietinha lá e ela foi consultar depois a médica consultou ela e disse pra ela que eu pudia entrar lá e esperar ela mas eu não quis porque fiquei com medo dela. Porque eu tenho medo de injeção então eu fiquei lá mesmo. Texto B A gente foi para o zoológico outro dia. O Antonio foi comigo. A gente ficou junto lá no zoológico, vendo os bichos. O Antonio mexeu com o macaco. O Antonio deu banana pra ele que o moço deu. O Antonio chamou o guarda pra ver que o elefante tinha um fio de arame enrolado na perna. O Antonio foi lá e disse para o guarda guarda o elefante vai se enforcar com o arame. Mas ele riu porque o arame estava no pé dele e ele ficou sem graça. Texto C Eu sou o candidato do grêmio aqui da escola então eu estou fazendo a campanha então eu tenho que dizer para os colegas para votar em minha chapa. Porque minha chapa decidiu fazer algumas coisas para os alunos e a outra chapa não vai fazer. Pois ela não apresentou o que ela vai fazer ainda apesar que nossa chapa está trabalhando muito para conseguir o que os alunos precisam aqui na escola. Tudo depende da diretora e em um trabalho do grupo, portanto dá pra fazer muita coisa. Então eu gostaria que vocês votassem na minha chapa porque a minha chapa segundo o jornalzinho da escola ela está primeiro do que a outra. 70 DIDÁTICA ESPECÍFICA Texto D Meu filho não vai bem na escola. Eles dizem que ele é muito desatento e que nunca faz as tarefas de casa. Eles querem que a gente coloque ele de castigo mas ele não merece ficar de castigo. Disse a eles que ele é um bom menino. Porque com eles ele se intimida e não consegue produzir. Lá em casa, ele faz. Fico pensando se eles estão trabalhando direito com ele. Porque eles reclamam mas são eles que estão com ele o dia todo. Agora, vamos pensar em aspectos que se destacam nos textos apresentados, completando o quadro. Quadro 7: Algumas características das produções textuais Texto Característica O que você acha que falta aprender? Uso de anáforas que prejudicam a coesão textual (... esperar ela – quem? – mas eu não quis porque fiquei com medo dela – quem?) A Uso de conectivo com marca de oralidade (Então – usado para introduzir o falante na conversa) Papel dos elementos de conexão no texto; estudo da função que esses elementos exercem nos textos lidos em sala de aula Uso inadequado do conectivo mas (de oposição, utilizado como adição – com minha mãe mas ela falou...) Ausência de anáforas (O Antonio foi...; O Antonio mexeu...; O Antonio chamou...; O Antonio foi lá...) B C D Uso inadequado de pronome anafórico (... ele – quem? – riu porque o arame estava no pé dele – quem? – e ele – quem – ficou sem graça) Orações curtas e ausência de coordenação / subordinação Função das orações coordenadas e subordinadas no discurso (interdependência entre orações) Ausência de paralelismo nos complementos do verbo (Tudo depende da... e de...) Mecanismos de coesão textual Uso inadequado de conectivos: mas, indicador de oposição (utilizado no texto para adicionar ideia); apesar de, indicador de oposição (utilizado no texto para ligar orações que não marcam oposição) Uso de anáforas e de referências exofóricas que prejudicam a coesão textual (eles reclamam mas são eles que estão com ele o dia todo) Repetição de itens lexicais Uso de recursos de coesão textual e sua utilização nos diferentes gêneros Todos os tópicos apresentados por você e outros mais se mostram necessários na aprendizagem do aluno, para que seu texto seja mais coeso e coerente, no entanto, apenas aprender esses itens gramaticais não bastará para que isso ocorra. O que os alunos precisam aprender, na verdade, é a forma como cada um desses itens gramaticais funciona discursivamente. Isso significa dizer que o aluno precisa ver, observar como o uso inadequado provoca rupturas no texto, prejudicando o sentido desejado. 71 DIDÁTICA ESPECÍFICA O professor precisa, portanto, ter clareza do diagnóstico sobre os problemas de seus alunos em relação à produção textual, para, então, planejar atividades que favoreçam o aprendizado. Não esgotaremos aqui todas as possibilidades nesse sentido, mas apresentamos, a título de exemplo, um plano de aula voltado a um dos aspectos recorrentes na produção textual de aluno, a dificuldade com o uso de conectivos. Tomamos como base para esse plano de aula e para a atividade nele apontada uma proposta apresentada por Riolfi et al. (2010, p. 149). A autora afirma que é possível, por meio de atividades lúdicas, envolver os alunos, levando-os a compreender o papel de elementos gramaticais necessários às suas produções textuais. Plano de aula15: Escola de Ensino Fundamental e Médio Edgar Morin Série: 8a Ano: 2010 Disciplina: Língua Portuguesa Carga Horária Semanal: 5 h/a Professor: Carlos Atividade: Jogo para compreensão de conectores interfrásticos16 Descrição sumária da atividade: será apresentada aos alunos uma atividade lúdica (jogo) para trabalhar o papel dos conectivos interfrásticos no texto. Objetivo17 geral da atividade: compreender, por meio do trabalho com conectores interfrásticos, a importância da articulação entre os elementos que compõem um texto. 15 Atividade simulada utilizada em aula de Prática de Ensino – curso de Letras – turma Alphaville, 1o semestre de 2011. O material para o jogo, adaptado de Riolfi et al. (2010), está disponível após este plano de aula. Leia as indicações sobre objetivos, propostas por Leffa (2003): Para os objetivos gerais usam-se geralmente verbos que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais frequência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar etc. * Para os objetivos específicos, usam-se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente observados. Entre eles, destacam-se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar, selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar etc. * Verbos que denotam processo – aprender, desenvolver, memorizar, adquirir etc. – não podem ser usados para elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem. 16 17 72 DIDÁTICA ESPECÍFICA Conteúdo proposto (destacar cada foco referente ao seu conteúdo, indicando também as possíveis subdivisões) Conectores do tipo lógico, que estabelecem relação de: condicionalidade, causalidade, mediação, disjunção, conformidade, temporalidade, complementação, delimitação ou restrição Encadeadores discursivos: operadores argumentativos (de conjunção, de disjunção argumentativa, de contrajunção, de justificativa ou explicação, de conclusão, de comparação) e operadores de sequencialização (temporal e textual) Estratégias de ensino a serem utilizadas + recursos necessários (descrever estratégias Procedimentos de avaliação (descrever os Objetivos específicos do conteúdo a serem utilizadas; não é significativo escrever “jogo de memória”, mas sim, como o jogo será utilizado durante a aula e porque esse jogo foi escolhido, o que essa estratégia propicia, em termos de aprendizagem, ao aluno, em que sentido ela se relaciona aos objetivos...) instrumentos a serem utilizados; tal descrição é mais relevante do que o valor que dará aos instrumentos, caso sejam revertidos em notas) - identificar o tipo de elementos conectivo em diferentes frases; - Apresentarei inicialmente a proposta de um jogo e explicarei aos alunos o objetivo do jogo, mostrando a eles exemplos adequados de uso de conectores e exemplos inadequados, para que percebam a necessidade de saber como esses elementos devem ser utilizados na produção textual e qual sua função no discurso. Para esta etapa do trabalho não haverá avaliação formal. Apenas anotarei as dificuldades apresentadas nos grupos e na discussão, para reencaminhar o trabalho de produção textual dos alunos. Também será levada em consideração para essa avaliação o que já observei e anotei sobre os erros mais frequentes de cada aluno da turma, em relação ao uso de conectores interfrásticos. - relacionar frases e orações por meio de conectivos; - identificar conectores lógicos e encadeadores discursivos nas relações entre proposições enunciadas em um texto e na sequenciação e ordenação dos enunciados; - discutir possibilidades para o uso de diferentes conectores na produção textual; - selecionar e organizar enunciados, construindo a progressão temática. Exemplos de frases com conectores: • O governo está planejando mudanças na área da educação, embora muitas instituições de ensino não concordem com elas. • Ele retirou-se cedo para o quarto, mas todas as luzes estão apagadas. • Ele retirou-se cedo para o quarto, mas todas as luzes ainda estão acesas. • Foram todos confinados ao isolamento no presídio pelo fato de terem invadido o refeitório, isto é, comer o que estava reservado para a alimentação da semana seguinte. - Após a discussão inicial sobre os conectivos e sobre consultas ao material didático já utilizado, apresentarei trechos de textos elaborados pelos próprios alunos, destacando os conectivos e discutindo sua funcionalidade no texto. - Apresentarei, em seguida, o material que compõe o jogo de conectores interfrásticos, apresentado por Riolfi et al. no livro Ensino de língua portuguesa, da Editora Cengage Learning. Esse jogo trabalhará com os conectores lógicos e com os encadeadores de discurso. Consiste de um conjunto de papeletas contendo orações que se ligam por meio de conectores. As papeletas, de três diferentes cores, contêm esses elementos e o jogo consiste em organizar adequadamente os enunciados, sempre compostos de três e somente três partes, sendo uma de cada cor. Os sinais de pontuação foram retirados das papeletas e, ao estabelecer a conexão entre os enunciados, os alunos deverão pontuar adequadamente. - Os alunos serão divididos em grupos de 5 e cada grupo receberá um envelope contendo as papeletas a serem organizadas. Terão 45 minutos para essa organização. - Após a organização das papeletas, os alunos colarão seus enunciados em papel craft e haverá uma apresentação e discussão entre os grupos, sobre suas realizações. - A discussão deverá explorar as diferentes possibilidades de organização dos enunciados. 73 DIDÁTICA ESPECÍFICA Jogo para compreensão de conectores interfrásticos Enunciado (papeletas na cor verde) Enunciado (papeletas na cor amarela) Enunciado (papeletas na cor azul) Escolhi os legumes que estavam frescos Foi roubado pelo próprio filho Muito antes já havia descoberto seu vício Fiquei surpresa com essa atitude de Maria embora tenha convivido com ela desde criança Tenho dúvidas se José está apto a exercer esse cargo Fiquei tanto tempo sentada no computador que estou com as costas “quebrdas” Criança que come muito doce acaba se tornando obesa Termine suas lições. Depois disso você pode usar o computador Pare com esse barulho Carlinhos que eu te levo para passear Não estudei nada portanto errei tudo na prova Escrevi o texto de acordo com o que li na enciclopédia Que graça de menino! Além disso é super estudioso Trabalhei muito para que esse evento se realizasse Discuti muito com você mas acabei concordando Ele já deve ter viajado pois a garagem está trancada Quase desmaiei quando vi o ladrão entrando em minha casa Nem fale comigo agora depois que eu terminar o trabalho, falo com você Fiz toda a pesquisa conforme sua orientação Fiquei muito triste no entanto não deixei que percebessem Dormi cedo ontem e acordei de madrugada hoje Quando estou muito cansada, não consigo dormir direito nem me alimentar bem Fonte: Adaptado de Riolfi et al. (2010, p. 150-152) Quando utilizamos um jogo como esse para provocar uma discussão sobre o uso de um dado aspecto linguístico no texto, pode parecer a você, em um primeiro momento, que estamos atribuindo maior valor ao aspecto gramatical. Na verdade, não é isso. O que queremos mostrar é que as estruturas da língua, quando compreendidas em sua funcionalidade, podem se tornar recursos muito significativos ao aluno, para que produza textos mais claros, coesos e coerentes. Ao trabalhar com um jogo, assim como o proposto para conectores interfrásticos, a intenção não pode ser a de levar os alunos a dominarem a classificação desses conectores, mas sim a de mostrar como as estruturas da língua assumem funções no discurso que tornam mais eficaz nossa comunicação. Ainda em relação ao ensino da produção escrita, um dos aspectos mais relevantes em sala de aula é o planejamento do que se deseja escrever. Vejamos como Oliveira (2010, p. 126) orienta 74 DIDÁTICA ESPECÍFICA esse planejamento, articulando sua discussão às capacidades de linguagem (capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas): • escolher tema e objetivo que se pretende alcançar com o texto; • conhecer elementos do contexto de produção do texto, como: lugar social onde o texto circulará, possível leitor do texto; • ativar os conhecimentos prévios e/ou construção de novos conhecimentos sobre o tema; • escolher as informações que constarão do texto, considerando o possível leitor; • organizar a sequência das informações; • conhecer as características do gênero textual escolhido para a produção; • redigir uma versão preliminar do texto (o primeiro rascunho); • revisar e reescrever o texto; • revisar e redigir a versão final do texto. Essa tarefa de planejar o que se deseja escrever pode ser precedida de um brainstorming na sala de aula, com o objetivo de ampliar o pensamento dos alunos sobre os temas selecionados e também apontar-lhes conflitos que, se investigados e resolvidos antes da produção textual, poderão tornar o texto mais eficaz em relação ao objetivo pretendido. Saiba mais Leia os textos a seguir, que oferecem discussões sobre a produção de texto na escola e o papel da gramática no ensino de língua portuguesa, e estabeleça relação entre essas leituras e as discussões que apresentamos neste livro-texto. SOARES, Maria Elias. A produção de textos na escola. Revista do GELNE. Ano 1, No 1, 1999. Disponível em: <http://www.gelne.ufc.br/revista_ano1_ no1_03.pdf> Acesso em: 13 abr. 2011. ANTONIO, Juliano Desiderato. O ensino de gramática na escola: uma nova embalagem para um antigo produto. Estudos linguísticos XXXV, p. 1052-1061, 2006. Disponível em: <http://www.gel.org. br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estudos-2006/ sistema06/942.pdf> Acesso em: 13 abr. 2011. 75 DIDÁTICA ESPECÍFICA Para finalizar esta seção, apresentamos a você uma sequência didática para aulas de língua inglesa, com foco na produção textual de uma revista teen18 para circular na escola. Proposta: sequência didática para elaboração de uma revista teen para circular na escola A ideia de elaborar uma revista teen foi discutida inicialmente com duas turmas de alunos de 3o ano de Ensino Médio. Para iniciar essa discussão, a professora sugeriu que elaborassem algo que pudesse ser compartilhado com os demais colegas da escola. A revista teen foi escolhida pelos alunos a partir de votação dentre as possibilidades: revista teen, jornal da escola, propagandas do bairro. Uma vez escolhido o foco do trabalho, várias atividades foram desenvolvidas para que os alunos se apropriassem do gênero textual revista teen e, então, pudessem elaborar seus textos. A revista será escrita em Língua Inglesa. Conteúdos: • organização textual dos diferentes textos que compõem uma revista teen (capa da revista, índice, carta do editor, artigos, carta do leitor, carta de dúvidas com respostas, passatempos, comunicados, propagandas, entrevistas). Aulas previstas: 8 Objetivos de ensino-aprendizagem: • conhecer o contexto no qual circulará a revista; • conhecer os possíveis leitores da revista; • identificar características dos gêneros textuais que compõem a revista; • elaborar textos pertinentes ao gênero revista teen; • construir coletivamente uma revista teen. Recursos didáticos: • revistas para adolescentes, sobre moda, ciências, esportes, quadrinhos, entre outras; • fichas preparadas pela professora, para levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos e também para mapeamento dos conhecimentos necessários para a produção textual desejada; A sequência didática foi adaptada de uma atividade social apresentada por Liberali (2009, p. 38-42), elaborada pelas professoras Ana Paula Risério Cortez e Maria Cristina Damianovic. A sequência didática apresentada neste livro-texto toma como base os exercícios propostos pelas professoras autoras. 18 76 DIDÁTICA ESPECÍFICA • ficha para levantamento de assuntos para a revista; • dicionário e livro didático, para consulta ao vocabulário e às estruturas linguísticas necessárias para a elaboração dos textos. Atividade diagnóstica de reconhecimento do gênero (2 aulas) – os alunos, em grupos, observarão diversas revistas e discutirão suas características, preenchendo a ficha 119. Após esse trabalho com as revistas, utilizaremos 1 aula para discutir as características apontadas nas fichas. Nessa segunda aula, os alunos preencherão a ficha 2, que já apresenta as possibilidades para textos para a revista. Atividade de produção inicial (2 aulas) – os alunos selecionarão temas para a revista, considerando suas diferentes seções, e iniciarão a escrita dos artigos. De acordo com o combinado entre as turmas, parte dos artigos será escrito pelos próprios grupos (1 artigo por grupo) e os demais textos serão escritos por alunos voluntários, por participantes externos, convidados pelos alunos. Atividade de organização da revista – um aluno de cada grupo deverá compor o conselho editorial da revista e para essa atividade, esses alunos se reunirão em horário extra. A organização inicial será apresentada e revisada nas aulas em que a turma estiver trabalhando na elaboração dos textos. Atividade de revisão 1 – os diferentes grupos apresentarão seus textos à professora para uma primeira revisão e adequação ao gênero. A correção da professora será feita por meio de uma legenda combinada com a turma, como segue: Legenda para correção de textos O – rever ortografia; P – rever pontuação; // – rever paragrafação; # – rever estrutura da frase; TF – rever tópico frasal; I – rever a organização das ideias; C – rever uso / adequação de conector; 19 As fichas 1 e 2 correspondem às apresentadas por Liberali (2009) e encontram-se ao final da proposta de atividade. 77 DIDÁTICA ESPECÍFICA Co – rever elementos coesivos; CD – rever uso de verbos modais; ?L – emprego inadequado do léxico; G – rever características do gênero; PA – rever adequação ao público-alvo; T – rever adequação do título ao conteúdo. Essa legenda será utilizada pela professora para apontar, nas margens dos textos, nas linhas correspondentes, os aspectos que precisam ser revistos. Atividades de revisão 2 e 3 – os diferentes grupos trocarão textos para essa segunda revisão; os próprios alunos utilizarão a legenda para indicar aos colegas aspectos dos textos ainda a serem aperfeiçoados. Atividade final – os alunos do conselho editorial da revista apresentarão aos colegas autores o índice da revista e os elementos organizadores. Uma vez estabelecido o consenso entre os alunos sobre o formato da revista e seu conteúdo, esta será revisada pela professora e entregue para publicação à direção da escola. Fichas 1 e 2 da sequência didática para a elaboração de revista teen Ficha 1 – análise de revistas em geral 1. Fill in the chart, answering the questions about the magazines. Kind of magazine Weekly Scientific Comics Teen Sports Fashion magazine Humor 78 What’s in the cover? What kind of illustrations can be found? What kind of texts are there? Editorial? Articles? Columns? Etc. When and where was it published? By whom? Why was it published? Which were the objectives of the editor and of the author of the articles? DIDÁTICA ESPECÍFICA 2. After analyzing the magazines, answer the questions below. a) Who typically reads magazines? b) When and where do people usually read magazines? c) What are the parts of a magazine, according to the examples given? d) What is the objective of a magazine? Ficha 2 – análise das capacidades discursivas e linguístico-discursivas em artigos de revistas teen. Now, choose a few articles in the teen magazines and answer the questions below. 1. In these articles, how does the author achieve his/her goals: by describing, by comparing, by categorizing, by narrating, by explaining or by exemplifying? 2. What verb tenses were used in the magazine articles to introduce the topic? 3. What verb tenses were used in the articles to state points of view? 4. What expressions were used in the articles to conclude? Observe que uma proposta como a apresentada está pautada no que há de mais relevante em termos de produção de textos por alunos, na escola, como afirma Bunzen (2006, p. 149): Nosso aluno deveria, ao produzir um texto, assumir-se como locutor, o que implica: • ter o que dizer; • ter razões para dizer o que tem a dizer; • ter para quem dizer o que tem a dizer; • assumir-se como sujeito que diz o que diz para quem diz; • escolher estratégias para dizer. Nessa perspectiva, estaremos considerando a natureza dialógica e interativa da linguagem, permitindo que seja colocada em destaque a subjetividade envolvida na atividade de autoria (POSSENTI, 2002). 79 DIDÁTICA ESPECÍFICA 6 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À LITERATURA Não se trata da palavra que porta ideias moralizantes nem de algo que sirva de modelo para a escrita que “funciona” em nossos tempos, tampouco de algo que tenha qualquer tipo de utilidade para a vida prática. A palavra literária nos atinge como puro gozo, por isso deve marcar sua diferença em um mundo em que toda e qualquer coisa precisa estar revestida de utilidade. Claudia Riolfi et al. Há uma relevante discussão entre os estudiosos e pesquisadores do ensino da língua portuguesa a respeito do ensino da literatura; o aspecto mais controverso reside no fato de a língua, a escrita e a literatura serem trabalhadas como sendo áreas separadas umas das outras. Oliveira (2010), por exemplo, acredita que textos literários e atividades de leitura e de linguagem de modo geral deveriam ser tratados em uma mesma disciplina, evitando-se a fragmentação dos conteúdos. Afinal, não se faz análise de contos, romances, poemas, todas elas com base na natureza dialógica e interativa da linguagem? Para o autor, o problema maior dessa divisão é que o componente curricular língua portuguesa acaba sendo visto como aquele que se dedica apenas ao ensino da gramática e da leitura, esta última como um ensino ocasional, apenas para resolver problemas da primeira. O que fica evidente em toda essa discussão pode ser discutido quando procuramos resposta para a pergunta proposta por Oliveira (2010, p. 173): “os alunos devem estudar a literatura ou usar20 a literatura?” A separação tão nítida entre as disciplinas língua, literatura e produção de textos parece responder a essa pergunta: “literatura tem sido abordada na escola como um objeto de estudo, mas não tem sido vista como um meio para desenvolver a capacidade do estudante usar a língua”. Estudar literatura é o que ocorre nos cursos de letras, por exemplo, quando em sua grade curricular aparecem disciplinas como literatura brasileira, literatura portuguesa, teoria da literatura, entre outras. Mas em outros seguimentos do ensino, o foco deveria ser o discutido acima: usar a literatura para desenvolver competências relacionadas à linguagem como meio de interação. Fortalecendo essa discussão, Leite (2006, p. 17) também afirma que embora em seu tempo de estudo a disciplina escolar fosse chamada de Português, e tudo fosse ensinado nela, por um único professor, também os conteúdos isolavam-se uns dos outros, pois havia o dia da literatura, o dia da língua e o dia da redação. Muitas mudanças foram acontecendo nos currículos escolares, mas todas elas parecem ter reforçado a fragmentação. Por exemplo: uma disciplina denominada Comunicação e Expressão, inserida no currículo do Ensino Fundamental, não se dedicava ao estudo da literatura. Em outro momento, uma disciplina chamada Produção de Textos, também no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, descartava a literatura e a análise da língua, para dedicar-se absolutamente ao escrever. 20 80 Grifos do autor. DIDÁTICA ESPECÍFICA Observação Pensando! Tudo isso faz sentido para você? Seria possível, por exemplo, alguém escrever sem que para isso tivesse dedicado parte de seu tempo a compreender o funcionamento discursivo da língua? E mais: uma disciplina dedicava-se à leitura dos chamados paradidáticos, muitas vezes considerando que esses livros fossem parte de um componente maior, denominado estudos transversais. Você percebe a confusão entre os significados? Afinal, estudos transversais não é uma disciplina, ou um conteúdo a ser tratado em uma disciplina. Por isso mesmo, seu nome: transversal, ou seja, esses conteúdos devem atravessar todos os componentes curriculares. O que queremos dizer com isso é que muitas vezes o uso de paradidáticos no ensino toma o lugar da leitura moralista, cujo objetivo é “fazer melhorar a vida do aluno e daqueles com quem convive” ou “mostrar a ele as mazelas do mundo”: adotamos paradidáticos que ensinam algum valor moral a ser seguido pelo aluno. Seria mesmo esse o objetivo de se ler um paradidático? Todos os pesquisadores que têm dedicado seu tempo às pesquisas em sala de aula, relacionadas ao ensino da língua portuguesa, afirmam que a tendência tem sido ensinar a gramática nas aulas de língua, focalizando-a abstratamente, isolada dos contextos de uso. Até hoje vemos atividades que utilizam textos literários ou trechos da literatura como pretexto para o exercício mecânico de destacar elementos da gramática. O que tem sido considerado como relevante em relação ao ensino de língua e literatura é que romper com a dicotomia que domina esse ensino pode contribuir para o desenvolvimento da competência crítica do aluno frente às ações discursivas das quais participa. Vejamos alguns significados da palavra literatura, destacados por Robert Escarpit (apud LEITE, 2006, p. 21): • instituição nacional, patrimônio cultural; • sistema de obras, autores e público; • disciplina escolar que se confunde com a história literária; • conjunto de textos consagrados pela crítica; • qualquer texto, consagrado ou não, com intenção literária, visível num trabalho da linguagem e da imaginação, ou simplesmente esse trabalho enquanto tal. 81 DIDÁTICA ESPECÍFICA Para Leite (2006), as três primeiras acepções da palavra literatura são utilizadas na escola, o que nos leva a pensar que essa área do conhecimento está na escola com o objetivo ideológico de reprodução dos valores dominantes. O grande desafio é, na verdade, pensar a prática pedagógica da literatura não como pretexto para a aprendizagem de outros conteúdos, mas como espaço para análise e interpretação das obras literárias que dialogam com as práticas sociais e culturais. Nesse sentido, vale a pena pensar sobre o papel do professor quando trabalha com literatura em sala de aula de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio. De que recursos ele lança mão para despertar a motivação de seus alunos? Em outras palavras, “como se estabelece a relação entre o aluno-leitor e o texto literário?” (MARTINS, 2006, p. 83). Beach e Marshall (1991, p. 38), discutindo literatura, apontam: A leitura da literatura está relacionada à compreensão do texto, à experiência literária vivenciada pelo leitor no ato da leitura, ao passo que o ensino da literatura configura-se como o estudo da obra literária, tendo em vista a sua organização estética. Na verdade, esses dois níveis estão imbricados, na medida em que, ao experienciar o texto, por meio da leitura literária, o aluno também deveria ser instrumentalizado, a fim de reconhecer a literatura como objeto esteticamente organizado. No entanto, a escola parece dissociar esses dois níveis, desvinculando o prazer de ler o texto literário (produzido pela leitura da literatura) do reconhecimento das singularidades estéticas da obra (proporcionado pelo estudo / ensino da literatura). Os autores discutem ainda a necessidade de os professores reconhecerem que há dois níveis de leitura: aquela realizada pelos alunos que entram em contato com o texto pela primeira vez e, a partir dessa leitura, experimenta o exercício de interpretá-lo; e a leitura do próprio professor, na maioria das vezes a quarta, quinta, leitura, respaldada por um saber linguístico amadurecido, por conhecimentos contextuais e por teorias e críticas literárias, às quais os alunos ainda não tiveram acesso. Nesse sentido, caberia ao professor preparar atividades sobre as obras literárias para que os alunos conhecessem mais sobre as relações entre literatura e contexto sociocultural, literatura e crítica literária. Em resumo, atividades que mostrassem aos alunos que o sentido não está no texto, mas se constrói pelo leitor na interação com o texto. Pensando nesse jovem leitor, que inicia sua caminhada na literatura sem a almejada maturidade literária, Riolfi et al. (2010, p. 85) nos apresenta um aspecto de extrema relevância em relação ao ensino da literatura nas escolas, ao comentar sobre como jovens estudantes registram “o lugar nenhum” da literatura em sua aprendizagem. Em entrevistas realizadas com adolescentes de 6o ano do Ensino Fundamental e de 3o ano do Ensino Médio, fica claro que o trabalho com literatura em sala de aula tem merecido do professor pouca atenção e pouco tem colaborado na formação do aluno-leitor. O 82 DIDÁTICA ESPECÍFICA foco das atividades ainda está fortemente atrelado à avaliação e os textos literários são explorados superficialmente em sala de aula. Em aulas de língua estrangeira isso também ocorre e vemos atividades que sugerem investigar o texto para aprender estruturas da língua. Em relação à forma como as escolas devem organizar os estudos de literatura, Cereja (2005, p. 162-7) apresenta algumas possibilidades, sintetizadas no quadro a seguir: Quadro 8: Opções metodológicas de ensino de literatura Organização do curso Características metodológicas / dificuldades/ vantagens Característica: a partir de cada unidade temática, selecionar leituras, confrontando autores e gêneros. Foco em unidades temáticas Dificuldades: falta de domínio, por parte dos alunos, dos autores e das correntes literárias. Vantagens: forma convencional, que parte das origens para chegar à contemporaneidade, portanto, seguindo o movimento natural das tradições literárias. Característica: perspectiva evolutiva dos gêneros da literatura, em relação ao contexto social e cultural de cada um. Dificuldades: uso de textos de diferentes épocas, com linguagem pouco acessível e temas pouco interessantes aos alunos. Foco nos gêneros literários Vantagens: parte da contemporaneidade para chegar às origens, portanto inicia-se com textos cuja linguagem é familiar aos alunos. Foco na historiografia literária acadêmica e escolar (impasses entre sincronia e diacronia) Característica: aproximação entre textos e autores de diferentes épocas; possibilidade de ampliar a visão diacrônica da literatura. Vantagens: a metodologia que mais se aproxima daquilo que os professores procuram para seu ensino, pois considera a formação dos professores e suas experiências com a abordagem histórica. Na mesma direção dos estudos de Cereja (2005), apresentamos uma proposta adaptada de Martins (2006, p. 88-89), pautada nas noções de intertextualidade, interdisciplinaridade, transversalidade e intersemiose. Inserimos nesse quadro possibilidades de atividades para aulas de literatura. Quadro 9: Articulação e não fragmentação dos conteúdos da literatura Conceito Proposta de atividade Intertextualidade – “todo texto remete sempre a outro ou a outros, constituindo-se como uma ‘resposta’ ao que foi dito ou, em termos de potencialidade, ao que ainda será dito, considerando que a intertextualidade encontra-se na base de constituição de todo e qualquer dizer” (KOCH, 2009, p. 101). Segundo Cereja (2005), a leitura literária é, por natureza, intertextual, assim como outras práticas de leitura. Atividade envolvendo leitura e discussão dos textos Quadrilha (Carlos Drummond de Andrade) e Quadrilha da Sujeira (Ricardo Azevedo). Uma das etapas da atividade pode, por exemplo, investigar os contextos de produção dos textos, para que o aluno conheça os diferentes momentos históricos em que foram escritos; em outra etapa da atividade os alunos podem investigar a organização dos textos e sua relação com as correntes literárias; outra etapa pode contemplar a investigação sobre como se deu o processo de absorção e transformação de um texto no outro - Intertextualidade heteroautoral baseia-se nas relações entre textos produzidos por diferentes autores. - Intertextualidade exoliterária baseia-se nas relações entre textos literários e não literários. 83 DIDÁTICA ESPECÍFICA Interdisciplinaridade – “um ensino pautado na prática interdisciplinar pretende formar alunos com uma visão global de mundo, aptos para articular, religar, contextualizar, situar-se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos adquiridos” (MORIN, 2002, p. 29). “a interdisciplinaridade, de que tanto se fala, não está em confrontar disciplinas já constituídas (das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar-se). Para se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um ‘assunto’ (um tema) e convocar em torno duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém. O Texto é, creio eu, um desses objetos” (BARTHES, 2004, p. 102). Transversalidade – segundo os PCN (1998), os temas transversais constituem um conjunto de temas que devem ser incorporados às áreas do conhecimento já existentes e ao trabalho educativo nas escolas. Os PCN sugerem como temas transversais: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual. Atividade envolvendo a obra Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, analisada à luz da sociologia, em busca de compreender a identidade do brasileiro. Atividade envolvendo a leitura da obra modernista Macunaíma, de Mário de Andrade, e as pinturas Samba e Baile Popular, de Di Cavalcanti; Operários e Negra, de Tarsila do Amaral; Os Retirantes e O Centenário de Cândido, de Cândido Portinari, para levantamento do contexto de produção das obras e da relação entre arte e literatura a partir das características das obras. Atividade com o Poema tirado de uma notícia de jornal, de Manuel Bandeira. Na análise do poema de Bandeira, podem ser enfatizados os seguintes temas transversais (MARTINS, 2006, p. 88-9): - ética: o suicídio de João Gostoso envolve princípios éticos e religiosos que podem ser abordados pelo professor na interação com os alunos; - saúde: condições de vida do habitante da periferia; debate sobre bebida e drogas; - meio ambiente: degradação do espaço socioambiental; - trabalho e consumo: condição de vida de João Gostoso, tipo de trabalho. Intersemiose – conceito que envolve as relações entre diferentes linguagens, que utilizam diferentes signos semióticos, uns em relação com os outros, em produções que envolvem arte. Atividade com foco no diálogo entre literatura e música, reconhecendo a diversidade de linguagens e códigos. Observar a convergência temática e os diferentes signos utilizados em Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade; Flor da Idade, de Chico Buarque de Holanda; Belo belo, de Manuel Bandeira; Bandeira, de Zeca Baleiro. Fonte: Adaptado de Martins (2006, p. 88-9) Atividade de literatura – foco na intertextualidade Quadrilha João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, 84 DIDÁTICA ESPECÍFICA Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou-se com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. (ANDRADE, 1967) Quadrilha da Sujeira João joga um palitinho de sorvete na rua de Teresa que joga uma latinha de refrigerante na rua de Raimundo que joga um saquinho plástico na rua de Joaquim que joga uma garrafinha velha na rua de Lili. Lili joga um pedacinho de isopor na rua de João que joga uma embalagenzinha de não sei o quê na rua de Teresa que joga um lencinho de papel na rua de Raimundo que joga uma tampinha de refrigerante na rua de Joaquim que joga um papelzinho de bala na rua de J.Pinto Fernandes que ainda nem tinha entrado na história. (AZEVEDO, 2007) Poema tirado de uma notícia de jornal – Manuel Bandeira João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. (BANDEIRA, 1993) 85 DIDÁTICA ESPECÍFICA Figura 8 – Samba (Di Cavalcanti) Figura 9 – Operários (Tarsila do Amaral) 86 DIDÁTICA ESPECÍFICA Figura 10 – Negra (Tarsila do Amaral) Figura 11 – Baile Popular (Di Cavalcanti) 87 DIDÁTICA ESPECÍFICA Figura 12 – Os Retirantes (Cândido Portinari) Figura 13 – O Centenário de Cândido (Cândido Portinari) Flor da Idade – Chico Buarque de Holanda A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia Pra ver Maria A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia A porta dela não tem tramela A janela é sem gelosia Nem desconfia Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor 88 DIDÁTICA ESPECÍFICA Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família A armadilha A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha Que maravilha Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua A gente sua A roupa suja da cuja se lava no meio da rua Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua E continua Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha (BUARQUE, 1999) Belo belo – Manuel Bandeira Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Tenho o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo – que foi? passou – de tantas estrelas cadentes. A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora. O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Não quero o êxtase nem os tormentos. Não quero o que a terra só dá com trabalho. As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens. Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado. — Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples. (BANDEIRA, 1974) 89 DIDÁTICA ESPECÍFICA Bandeira – Zeca Baleiro Eu não quero ver você cuspindo ódio Eu não quero ver você fumando ópio, pra sarar a dor Eu não quero ver você chorar veneno Não quero beber o teu café pequeno Eu não quero isso seja lá o que isso for Eu não quero aquele Eu não quero aquilo Peixe na boca do crocodilo Braço da Vênus de Milo acenando tchau Não quero medir a altura do tombo Nem passar agosto esperando setembro, se bem me lembro O melhor futuro: este hoje escuro O maior desejo da boca é o beijo Eu não quero ter o Tejo escorrendo das mãos Quero a Guanabara, quero o Rio Nilo Quero tudo ter, estrela, flor, estilo Tua língua em meu mamilo água e sal Nada tenho vez em quando tudo Tudo quero mais ou menos quanto Vida vida, noves fora, zero Quero viver, quero ouvir, quero ver (Se é assim quero sim, acho que vim pra te ver) (BALEIRO, 2004) Saiba mais Que tal um passeio pela internet, para saber mais sobre o conceito de intersemiose? GRIBL, Heitor. Da multimodalidade à intersemiose: análise enunciativa-discursiva de livros didáticos de língua portuguesa. Anais do SETA, Número 3, 2009. Disponível em: <http://www.iel.unicamp.br/revista/ index.php/seta/article/viewFile/586/423>. Acesso em: 10 abr. 2011. Para concluir esta seção que trata do ensino da literatura, apresentamos a você algumas reflexões destacadas por Martins (2006, p. 98-100): 90 DIDÁTICA ESPECÍFICA • desmistificar a concepção escolarizada da literatura (vista como fenômeno que ajuda o aluno a escrever bem); • incentivar o trabalho com todo tipo de texto, desde autores clássicos àqueles não tão considerados, mas cuja produção se mostre relevante; • reavaliar os enfoques que orientam os trabalhos com literatura em sala de aula; • evitar o trabalho com textos fragmentados e descontextualizados; • considerar as produções dos alunos em contextos não escolarizados, valorizando sua significação textual; • diversificar o trabalho com textos, incentivando o aluno ao uso de diferentes formas de apresentar suas leituras; • desenvolver análises comparativas entre textos de diferentes autores e contextos, enfatizando a intertextualidade; • dissociar a leitura de textos literários de análises com foco na estrutura da língua; • incentivar a leitura de textos contemporâneos, promovendo debates, entrevistas etc.; • considerar as escolhas pessoais dos alunos, desvinculando-as das práticas escolares do tipo avaliação; • considerar a diversidade de textos no que tange aos gêneros e épocas; • comparar diferentes portadores de textos literários (texto impresso, texto na web); • promover o diálogo entre literatura e outras áreas do conhecimento; • valorizar as histórias de leitura dos alunos. 7 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS RELACIONADAS À ANÁLISE E REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA Fico imaginando hoje, um pouco à moda do grego antigo, tal como o descreve Hegel: interrogava, diz ele, com paixão, sem esmorecimento, o rumor das folhagens, das fontes, dos ventos, enfim, o estremecer da Natureza, para ali captar o desenho de uma inteligência. E eu, é o estremecer do sentido que interrogo escutando o rumor da linguagem – dessa linguagem que é a minha Natureza, homem moderno. Mélanges Mikel Dufrenne 91 DIDÁTICA ESPECÍFICA Nesta seção discutiremos a importância de se destacar, nas aulas de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, atividades de análise e reflexão sobre a língua. Tais atividades têm por objetivo preparar o aluno para que circule nas diferentes esferas sociais e, portanto, em diferentes comunidades linguísticas. Analisar a língua e refletir sobre ela diz respeito a todos os momentos, em sala de aula, em que o professor solicita e considera a voz do aluno, suas opiniões, conflitos e incertezas sobre a língua. É exatamente quando questionado e nos momentos em que expõe argumentos sobre um dado texto ou situação de comunicação, que o aluno está desenvolvendo formas críticas de pensar. A esse respeito, os PCN (1998) consideram significativas as atividades que possibilitam aos alunos discutir não somente regras e estruturas da língua, mas os diferentes gêneros, a organização textual neles envolvida, os recursos léxicos e coesivos, as regularidades da língua oral e da língua escrita. Em suma, dois fatores são relevantes sobre a análise e reflexão sobre a língua: (a) a capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da linguagem e (b) a propriedade que a linguagem tem de poder referir-se a si mesma, de falar sobre a própria linguagem. Observação Pensando! O que significa para você análise dobre a língua? O que você já fez nesse sentido? Esse tipo de trabalho com a língua / linguagem modificou o quê em você, em relação à língua? Veja como Geraldi (2003, p. 190) se refere à análise linguística: ... prefiro a expressão ‘análise linguística’, distinguindo no interior dela atividades epilinguísticas de atividades metalinguísticas através de outro critério: as primeiras refletem sobre a linguagem, e a direção desta reflexão tem por objetivos o uso destes recursos expressivos em função das atividades linguísticas em que está engajado. (...) as atividades metalinguísticas como uma reflexão analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com as quais se torna possível categorizar tais recursos. De modo claro, os PCN explicam o que são atividades epilinguísticas: quando alguém, no meio de uma conversa, pergunta “O que você quis dizer com isso?”, está realizando uma atividade epilinguística. Franchi (1991, p. 36) define atividade epilinguística do seguinte modo: Chamamos de atividade epilinguística a essa prática que opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-as, experimenta 92 DIDÁTICA ESPECÍFICA novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas significações. O que é, pois, a análise da língua? Podemos afirmar, depois de tudo o que já vimos, que análise da língua passa pela possibilidade de descobrir como o evento linguístico se organiza, como está orientado tematicamente, se apresenta um propósito comunicativo explícito ou não. Para descobrir esses aspectos, é preciso, primeiramente, desconstruir o evento linguístico para entender quais suas partes constituintes, que funções têm essas partes, como estão relacionadas e que característica de interdependência possuem, quais efeitos de sentido causam nos interlocutores e em decorrência de quais léxicos e recursos sintáticos esses sentidos são atribuídos. Cabe ainda destacar que esse análise linguística procura regularidades que expliquem o gênero, sua forma, seu contexto de produção e de uso. Antunes (2010, p. 49) diz que as regularidades que encontramos ao analisar um evento de linguagem são muito mais do que uma resposta à pergunta “o que diz o autor”, mas correspondem à explicação de como algo foi dito (recursos lexicais e estratégias discursivas utilizadas). A autora comenta ainda que as atividades de análise linguística em sala de aula costumam ser as de interpretação de texto, simplificadas, pois poucas vezes alcançam a complexidade e profundidade necessária para que, de fato, fosse feita uma análise linguística. Essas atividades apresentam exercícios de todo tipo, desde aqueles voltados à gramática do texto a questões cujas respostas encontram-se no próprio texto, já organizadas sequencialmente. Nesse sentido, Antunes (2010) explica a necessidade de se entender qual é, realmente, a finalidade de se analisar textos. Para ela, essa análise deveria “promover o desenvolvimento de diferentes competências comunicativas” (p.51): propriedades dos textos, estratégias utilizadas pelo autor para sua elaboração, meios e recursos utilizados, regularidades da língua implicadas no texto. E mais: ao trabalhar a análise linguística dessa forma, o aluno passa a “entender melhor certos aspectos dos processos cognitivos linguísticos, textuais e pragmáticos envolvidos nas interações verbais” (p. 51). Vale destacar, ainda, que em atividades de análise linguística com o objetivo acima descrito, o que mais importa não são as respostas dadas pelos alunos, mas sim o quanto estes são capazes de perguntar ao texto. A “finalidade da análise é promover um estado de pergunta, de busca” (ANTUNES, 2010, p. 52) para desvendar a engrenagem de funcionamento da linguagem. Apresentamos, a seguir, uma atividade de língua inglesa, elaborada por uma professora de escola privada para alunos de 3o ano do Ensino Médio, voltada à análise de um texto da revista Speak Up, no 242. Texto escolhido pela professora: matéria enunciada na capa da revista – Profile – Daniel Radcliffe. Atividade: Análise do artigo da revista Speak Up, n. 242, considerando aspectos relacionados aos processos cognitivos linguísticos, textuais e pragmáticos. A classe será dividida em 4 grupos, cabendo a cada um deles alguns aspectos da análise linguística. Ao 93 DIDÁTICA ESPECÍFICA final de duas aulas, os grupos trocarão as informações e será aberta uma discussão sobre as descobertas. Objetivos: favorecer o desenvolvimento da competência para compreender o texto, as condições de produção do texto, as características discursivas e linguístico-discursivas implicadas no texto. Os 4 grupos trabalharão com aspectos relacionados à dimensão global do texto e com aspectos relacionados à construção do texto. Dois princípios regem a análise desejada: o teórico e o prático-aplicativo. Os tópicos selecionados para cada grupo correspondem aos apresentados por Antunes (2010, p. 56-8). Orientação para a realização da atividade: Os alunos deverão ler o texto, observar todos os elementos que o compõem e procurar investigar os aspectos destinados ao grupo, discutindo e registrando suas reflexões. Ao final da investigação, deverão pensar em 5 perguntas que fariam para alguém que quisesse desvendar esse texto e descobrir mais sobre ele. Na apresentação, os grupos deverão explicar o porquê dessas perguntas. Deverão também exemplificar os itens discutidos no grupo. Investigação – Grupo A: 1. Dimensão global do texto • o universo de referência para o qual o texto remete (real ou fictício); • campo discursivo de origem e/ou de circulação (científico, didático, religioso, político, de informação, de entretenimento, literário etc.); • tema e/ou ideia principal; • função comunicativa predominante; • propósito ou intenção específica; 2. Dimensão da construção do texto 94 • aspectos relacionados à pontuação, ortografia e apresentação gráfica do texto, subordinados à coerência e à relevância; • marcas de polidez convencionais na língua inglesa; • sinais que indicam a distribuição das informações em itens; • nível de formalidade utilizada no texto em relação ao contexto de produção; • marcas de oralidade na escrita; DIDÁTICA ESPECÍFICA • diferentes usos e correlações dos tempos e modos verbais; • uso de implícitos. Investigação – Grupo B: 1. Dimensão global do texto • vinculação do título ao núcleo central do texto; • critério da subdivisão em parágrafos; • direção argumentativa assumida; • representações, cisões de mundo, crenças, concepções que o texto deixa passar, explícita ou implicitamente. • padrões de organização decorrentes do tipo que o texto materializa. 2. Dimensão da construção do texto • vozes do discurso; • discurso direto e indireto, e formas de como o interlocutor está ou não presente no texto; • comentários do enunciador sobre seu próprio discurso; • marcas do envolvimento do autor frente ao que é dito; • marcas de ironia; • efeitos de sentido pretendidos pela transgressão de qualquer um dos padrões morfossintáticos e semânticos estabelecidos; • efeitos de sentido (ênfase, reiteração, refutação, ambiguidade, humor) pretendidos pela escolha lexical ou pelo uso de outros recursos do tipo aspas, itálico, tamanho de letra, disposição de figuras etc. Investigação – Grupo C: 1. Dimensão global do texto • particularidades da superestrutura do gênero (blocos, partes, subdivisões, formas de organização, de apresentação e de sequência das partes); 95 DIDÁTICA ESPECÍFICA • esquemas de progressão temática; • recursos de encadeamento, de articulação entre parágrafos ou períodos, a fim de conferir ao texto a continuidade; • síntese global das ideias e informações; • recursos usados para expor ideias principais e secundárias. 2. Dimensão da construção do texto • presença de estruturas sintáticas paralelas; • ocorrência de paráfrases e suas marcas indicativas; • uso de dêiticos pessoais, espaciais e temporais e a relação dessas expressões com elementos do contexto; • valores sintático-semânticos da conexão interfrástica, possibilitados pelo uso de preposições, conjunções, advérbios e de respectivas locuções; • concordância verbal e nominal e suas relações com a continuidade temática do todo ou de uma de suas partes; • associação semântica entre palavras (ou as cadeias ou redes de elementos afins que estão distribuídos ao longo do texto). Investigação – Grupo D: 1. Dimensão global do texto • adequação às especificidades dos destinatários envolvidos; • relevância comunicativa na exposição de dados, de informações, de argumentos, isto é, o grau de novidade das informações, o que determina o seu nível de informatividade; • grau de adequação desse nível à situação comunicativa; • sua relação com outros textos, o que inclui, mais especificamente, as remissões, as alusões, as paráfrases, as paródias ou citações literais. 2. Dimensão da construção do texto • 96 segmentos em relação a sinonímia, antonímia, hiperonímia e paronímia; DIDÁTICA ESPECÍFICA • caráter polissêmico das palavras utilizadas no texto; • elipses; • diversas funções das repetições de palavras ou de segmentos maiores; • expressões referenciais que introduzem os objetos de referência no texto; • retomadas dessas expressões referenciais, que asseguram a continuidade referencial pretendida (pela substituição pronominal ou pela substituição). Importante ressaltar que uma análise assim proposta não deve permitir aos alunos apenas responder a cada uma das solicitações como se responde a um conjunto de perguntas. Os itens são apenas orientadores da investigação, não devendo, portanto, restringir a análise a fragmentos do texto. Este deve ser, ao longo de toda a atividade, visto de forma global e, nesse sentido, a condução da atividade, pelo professor, é um dos fatores significativos para a eficácia no desenvolvimento dos alunos. Saiba mais Como sugestão para entender mais sobre como trabalhar com análise linguística, sugerimos que você leia o capítulo 5 do livro: ANTUNES, Irandé. Análise de textos. fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. (Coleção Estratégias de Ensino, 21) Nesse capítulo você encontrará análises primorosas da autora, referentes aos textos abaixo: • comentário “A mercadoria alucinógena”, de Eugênio Bucci, publicado na Revista Veja São Paulo, em 29 de abril de 1998. • crônica “Talvez o último desejo”, de Rachel de Queiroz, publicado em As cem melhores crônicas brasileiras, pela Editora Objetiva, em 2007. • fábula “Os urubus e os sabiás”, de Rubem Alves, publicada em Estórias de quem gosta de escrever, pela Editora Cortez, em 1984. • texto expositivo “A geografia linguística no Brasil”, de Silvia F.Brandão, publicado pela Editora Ática em 1991. • poema “A missa dos inocentes”, de Mário Quintana, publicado em Quintana de Bolso, pela Editora L&PM, em 2006. 97 DIDÁTICA ESPECÍFICA Ainda complementando esta seção, lembrando que um dos grandes problemas do trabalho didático com análise linguística reside no fato de o professor se esquecer, com frequência, de que o foco deve estar na natureza dialógica e interativa da língua e não na gramática e nas questões estruturais apenas. Apresentamos a você um quadro formulado por Mendonça (2006, p. 207), que aponta as diferenças básicas entre o ensino que tem a gramática como fim em si e o ensino da análise linguística, que tem a gramática como meio. A autora ressalta que essas diferenças são ilustrativas da relação entre gramática e análise linguística, mas que em sala de aula outras podem surgir. Quadro 10: Diferenças entre ensino de gramática e análise linguística Ensino de gramática Prática de análise linguística Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível e invariável Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita às interferências dos falantes Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de gramática não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual Integração entre os eixos de ensino: a análise linguística é ferramenta para a leitura e a produção de textos Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) + treinamento Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades / regras) Privilégio das habilidades metalinguísticas Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas Ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de ensino, abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fixa Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário Centralidade da norma-padrão Centralidade dos efeitos de sentido Ausência de relação com as especificidades dos gêneros, uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal Fusão com o trabalho com os gêneros, na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas Unidades privilegiadas: a palavra, a frase, o período Unidade privilegiada: o texto Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação e classificação de unidades / funções morfossintáticas e correção Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação e efeitos de sentido Fonte: Mendonça (2006, p. 207). Exemplo de aplicação Agora que você já pensou muito sobre todas as questões apontadas neste livro-texto e, especificamente, nesta seção, em relação ao aprendizado de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, que tal um exercício? Leia, primeiramente, o texto de Luiz Fernando Veríssimo, O gigolô das palavras. Você o encontrará no endereço eletrônico <http://nteitaperuna.blogspot.com/2008/03/o-gigol-das-palavras. html>. Em seguida, leia o artigo de Alberto da Cruz, “O gigolô das palavras, Veríssimo e sua ironia normativa”, disponível em <http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1693645>. Após a leitura desses dois textos, experimente preparar uma sequência didática voltada à análise linguística, para alunos de Ensino Médio, propondo tomar como base os dois textos. Faça o planejamento da sequência didática recorrendo às que já foram discutidas neste livro-texto. 98 DIDÁTICA ESPECÍFICA Se possível, leve essa discussão para um dos fóruns do curso, para trocar ideias com os colegas da turma e com os professores. Bom trabalho! 8 PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LÍNGUAS ESTRANGEIRAS A avaliação só nos propiciará condições para a obtenção de uma melhor qualidade de vida se estiver assentada sobre a disposição para acolher, pois é a partir daí que podemos construir qualquer coisa que seja. Cipriano Luckesi Esta seção tem por objetivo iniciar uma discussão sobre a avaliação em língua portuguesa e línguas estrangeiras. Digo “iniciar”, pois acredito que essa não seja uma discussão para ser esgotada em uma seção final de um livro-texto. Ele mereceria muitas e muitas seções, muitas discussões presenciais, e é por esse motivo que muitas escolas e seus professores dedicam grande parte de seu tempo ao planejamento e estudo das práticas avaliativas. Pretendemos, aqui, apenas apresentar a você possibilidades de tratar a avaliação em sala de aula, mas para isso, precisamos conceituá-la. Mediante a perspectiva assumida desde o início de nossa discussão neste livro-texto, de que a língua se constitui em práticas dialógicas, é um fato social que existe em função da necessidade dos indivíduos se comunicarem; e de que a linguagem resulta da interação humana e tem caráter essencialmente dialógico, não apenas como alternância de vozes, mas como confronto de vozes que existem em tempo e lugar social historicamente determinados, coerentemente, optamos por uma concepção de avaliação que se caracteriza por uma atividade crítica de aprendizagem, tal que por meio dela adquirimos conhecimentos. Ora, nessa perspectiva, não cabem, pois, instrumentos e metodologias de avaliação que, de modo fragmentado, separem o resultado do processo e culminem com provas e notas desarticuladas do desenvolvimento dos alunos. Ou seja, na perspectiva estudada, a avaliação da aprendizagem deve ser processual e, como afirma Méndez (2002, p. 15), democrática, [isto é] faz alusão à necessária participação de todos os sujeitos que se veem afetados pela avaliação, principalmente professor e aluno, não como meros espectadores ou sujeitos passivos “que respondem”, mas que reagem e participam das decisões que são adotadas e que lhes afetam. O que Méndez quer dizer com isso é que considera as práticas avaliativas como excelentes momentos para que aquele que aprende apresente o que aprendeu e possa defender suas ideias, suas razões, bem como suas dúvidas e incertezas. E mais: o professor possa descobrir, com base no que seus alunos aprenderam, como está seu ensino. Em resumo, as práticas avaliativas devem estar a serviço dos protagonistas no processo ensino-aprendizagem. 99 DIDÁTICA ESPECÍFICA Estamos falando, portanto, de um processo de avaliação formativa, que integra o pensamento crítico dos protagonistas: professor e alunos. Quando vamos à escola, no entanto, percebemos que, muitas vezes, a avaliação parece atropelar tudo o que concebemos e instaura-se como instrumento medidor dos fracassos dos alunos. Não é isso o que você tem visto em muitos contextos educacionais? Muitos estudiosos dessa questão têm afirmado que só será possível afastar-se desse paradigma quando entendermos realmente o papel da avaliação em nosso desenvolvimento e no do aluno. E também, que isso está relacionado a perguntas muito relevantes, que deveriam orientar todas as nossas práticas: o que avaliamos? para que e por que avaliamos? quem avaliamos? para quem avaliamos? como avaliamos? Veja o que afirma Leal (2003, p. 30) sobre essa questão: Avaliamos em diferentes momentos, com diferentes finalidades. Avaliamos para identificar os conhecimentos prévios dos alunos e trabalhar a partir deles; avaliamos para conhecer as dificuldades dos alunos e, assim, planejar atividades adequadas para ajudá-los a superá-las; avaliamos para verificar se eles aprenderam o que nós já ensinamos e, assim, decidir se precisamos retomar os conceitos trabalhados naquele momento; avaliamos para verificar se os alunos estão em condições de progredir para um nível escolar mais avançado; avaliamos para verificar se nossas estratégias de ensino estão dando certo ou se precisamos modificá-las. Nessa perspectiva, avaliar para medir seria o mesmo que olhar só para o resultado final de um processo, o que significaria “chegar atrasado” para reorientar a rota, não é mesmo? Diz Méndez (2002, p. 19) que “nas tendências atuais da avaliação educativa, a preocupação centra-se mais na forma como o aluno aprende, sem descuidar da qualidade do que aprende”. Essa visão dialógica da avaliação entende que não é possível separar esses dois aspectos, pois são interdependentes. E mais: entende que nesse processo, professor e alunos tanto aprendem quanto ensinam, portanto, ambos são avaliados, seja qual for a prática adotada. Como toda a nossa discussão nas seções anteriores focalizou oralidade, leitura, produção textual e análise linguística, também nesta seção priorizaremos os mesmos aspectos. Assim vamos pensar um pouco sobre como deve ser a avaliação em cada um desses componentes do ensino da língua / linguagem. Quando pensamos na leitura, as práticas avaliativas a ela atreladas têm mostra do que, na escola, o aluno lê para produzir provas, ou lê para responder a questionários. 100 DIDÁTICA ESPECÍFICA Observação Pensando! Você tem visto, com frequência, alunos serem avaliados em relação a leituras que escolhem fazer por sua própria conta? Você tem presenciado, com frequência, alunos expondo aos colegas algo que leram, mas que não faz parte do programa de leitura da escola? Infelizmente, a resposta a essas perguntas nos leva a crer que, em grande maioria, as práticas escolares de leitura são determinadas pela escola e são, sim, motivo de avaliação que quantifica o saber do aluno. Atualmente, toda a discussão sobre avaliação tem apontado para uma prática avaliativa de leitura que deveria considerar tudo o que o aluno lê, não para dar-lhe uma nota, mas para orientar as escolhas de leituras e de atividades realizadas em sala de aula. A avaliação da leitura deve ter por objetivo saber como a competência leitora do aluno está se desenvolvendo, ou seja, como está aprendendo a compreender textos, a extrair deles sua essência, a usar o que lê para modificar sua atuação comunicativa. A maior parte das atividades avaliativas voltadas para a leitura “desprezam aspectos semânticos e de pontuação expressiva”, como afirma Beserra (2007, p. 51). Aspectos como o contexto, a intertextualidade, o papel da coesão, por exemplo, ficam esquecidos no momento de avaliação. Na verdade, a compreensão leitora ficará mais bem avaliada se o professor considerar momentos coletivos para essa tarefa, se considerar aspectos específicos a partir de sua tarefa de observação criteriosa do avanço de cada aluno. Articulando essa avaliação aos outros campos do aprendizado, é fácil perceber que a competência leitora se mostra nos momentos em que o aluno precisa fazer uma análise linguística, ou precisa discutir em grupo o que leu. Por isso, afirmamos que avaliar a leitura não é algo que deva ocorrer isoladamente das demais práticas de linguagem. Práticas avaliativas que percorrem o período em que os alunos leem um determinado livro, por exemplo, podem orientar não somente o professor na condução das aulas como também os próprios alunos no prosseguimento da leitura. Imagine, por exemplo, uma atividade avaliativa sobre a leitura do livro Os Miseráveis, de Victor Hugo, traduzido e adaptado por Walcyr Carrasco, para alunos de 8o ano do Ensino Fundamental. O professor pode sugerir uma discussão com foco na seguinte questão: Atividade: Discuta com seu grupo os temas abordados na obra, na parte já lida por você. Como, por exemplo, os temas pobreza, injustiça social ou outros que você tenha encontrado no texto, são tratados? Você vê alguma relação entre esses temas e o momento histórico da 101 DIDÁTICA ESPECÍFICA produção do livro? Se ainda não descobriu resposta para essas questões, avance na leitura e pesquise junto aos colegas. É importante que o professor, ao preparar uma ou mais atividades sobre leitura, tenha clareza do que está investigando. Ele quer descobrir se seus alunos estão lendo? Ou ele quer descobrir se os alunos perceberam a presença de intertextualidade na leitura, ou estabeleceram relações entre o tema proposto no texto e outras áreas do conhecimento, ou se foram capazes de argumentar sobre questões polêmicas presentes no texto, ou se conseguiram explorar os recursos semânticos do texto. Vale ressaltar que seja lá qual for o propósito do professor ao avaliar, seus alunos devem conhecer esse propósito: “para que estou sendo avaliado?”, “o que está sendo exigido nesta avaliação?” Pensemos, agora, na avaliação da produção textual do aluno. Esse é outro momento controverso na escola. Afinal, quantas vezes nos deparamos com alunos como o Jonas, que diz: – Tirei nota baixa em redação porque o professor não gostou da minha história. Observação Pensando! O que esse discurso quer dizer? De que redação o aluno fala? O que quer dizer “gostar ou não gostar” da minha história? Depois de todas as nossas discussões, é evidente pensar que uma situação assim ocorre quando o trabalho com a produção de textos está desvinculado de critérios. Escreve-se por escrever; não há a preocupação com a produção de texto como prática social de escrita e, portanto, o estudo de gêneros parece passar ao largo na vida de Jonas. Pensando nas práticas de produção de textos orientadas pelo conceito de gênero textual, podemos também pensar que o professor tem, sim, instrumentos claros e objetivos para avaliar as produções de seus alunos. As características do gênero solicitado são, na verdade, critérios para a avaliação do texto. Além delas, certamente a valorização do dizer do aluno, como já apontamos em seção anterior, deve ser considerada, bem como “concepções de mundo, conhecimentos partilhados, emissão de juízos de valor” (MARCUSCHI, 2007, p. 66). Também é imprescindível observar que a avaliação da produção textual dos alunos não pode se resumir ao produto final, mas deve contemplar o processo, desde seu planejamento, ou seja, as várias produções intermediárias até que a reescrita final se confirme. Também aí entram todas as atividades pensadas pelo professor como “elementos disparadores” do tema / do gênero solicitado. 102 DIDÁTICA ESPECÍFICA Pensemos agora em um problema muito comum, que ocorre quando um aluno produz um texto. Muitas vezes ele copia de outros autores trechos que lhe parecem interessantes para compor seu texto. Via de regra, o que ocorre é o professor atribuir-lhe um baixo conceito, alegando cópia. O aluno é severamente alertado para que não copie de outras pessoas, porque o texto deve ser somente seu. Observação Pensando! Em que sentido, reprimir a presença de outras vozes no texto contraria a concepção de língua / linguagem que estamos adotando? O que queremos alertar é que ao proibir o aluno de trazer outras vozes para seu texto, o professor está sugerindo que a produção seja muito mais monológica, o que é algo impossível de acontecer. Na verdade, o que deve ser feito quando um aluno, ao produzir um texto, apresenta trechos copiados? Esse aluno deve ser orientado a fazê-lo da maneira correta, por meio de citação do autor escolhido. Deve também ser orientado no trabalho com paráfrases e com a intertextualidade. Ainda em relação à avaliação de produções textuais de alunos, reflita sobre o dizer de Marcuschi (2007, p. 73): Avaliar uma redação não é simplesmente observar se ela está escrita de modo correto, não é acionar a gramática como árbitro absoluto, mas é observar os fenômenos em uso (inclusive os relacionados à análise linguística) e os efeitos de sentido provocados pelo texto, tendo em vista seu espaço de circulação. Isso significa que a avaliação de redações só exercerá uma função formativa se, efetivamente, contribuir para que os alunos construam, consolidem e ampliem sua capacidade como escritores letrados, autônomos, críticos e historicamente situados. Em relação à oralidade, afirmam Melo e Cavalcante (2007, p. 82) que a variação dialetal intriga e instaura diferenças que, quando não bem-entendidas, podem gerar discriminação e preconceito. É de grande valia, portanto, mostrar que a língua falada é variada e que a noção de um dialeto padrão uniforme (não apenas no Português, mas em qualquer língua) é uma noção teórica e não tem um equivalente empírico, ou seja, o dialeto padrão, de fato, não remete a falantes reais. Nesse contexto, analisar a fala é também uma oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como suas formas de disseminação. 103 DIDÁTICA ESPECÍFICA Isso implica dizer que nada é mais importante, em relação à oralidade, do que a consideração dada às variedades linguísticas. Assim considerando, o trabalho de um professor precisa destacar, com clareza, critérios a serem considerados na avaliação da oralidade. Segundo Melo e Cavalcante (2007, p. 83), esses critérios podem ser agrupados da seguinte forma: “aspectos de natureza extralinguística, aspectos de natureza paralinguística e aspectos de natureza linguístico-discursiva”. São indissociáveis esses aspectos, e constroem a significação daquilo que se deseja comunicar oralmente. Por esses motivos, um professor precisa esclarecer aos seus alunos quais critérios estão sendo considerados no trabalho oral que realizam. Por exemplo: em uma apresentação de seminário é importante que os alunos saibam qual o grau de espontaneidade exigido. Afinal, poderão apresentar o seminário sem planejá-lo, apenas pautados nas lembranças sobre o que estudaram? Poderão mostrar-se tão espontâneos ao ponto de utilizar gírias e fazer gracinhas para o público? Ou ainda: poderão apresentar o seminário sentados em seus próprios lugares na classe? Uma atividade interessante que pode ajudar o professor na tarefa de ensinar seus alunos sobre o que significa a avaliação da oralidade, tem sido analisar em sala de aula uma gravação de situação oral realizada por estudantes, em atividade semelhante à proposta pelo professor. Isso auxilia os alunos na percepção dos critérios considerados pelo professor e oferece a eles um momento de discussão sobre o que representa a atividade oral em sala de aula (quais competências e habilidades podem ser desenvolvidas). Para finalizar nossa discussão, pensemos na avaliação da análise linguística. Da mesma forma como consideramos os componentes leitura, produção textual e oralidade, a análise linguística não pode ser avaliada por meio de instrumentos pontuais, pois ela se realiza processualmente e qualquer avaliação pontual significaria considerar o produto e não o processo. Vejamos o que diz Mendonça (2007, p. 108), sobre a avaliação no eixo de análise linguística: Nesse sentido, a avaliação do eixo de AL numa perspectiva formativa, ou seja, aquela que permite compreender o processo de aprendizagem, lançar hipóteses a respeito, visando, entre outras metas, à intervenção adequada do professor e à posterior transformação de saberes, implica necessariamente a avaliação do aluno quanto às suas competências de leitura e produção de textos. Ainda que ocupe, eventualmente, momentos específicos do tempo escolar, a AL não pode ser um fim em si mesma, tampouco pode ser avaliada isoladamente, pois corre-se o risco de fragmentar, de forma equivocada, o complexo fenômeno da linguagem. O que nos parece, portanto, mais significativo em termos de avaliação na área da linguagem é que o professor seja um observador perspicaz, aquele que coleta informação variadas sobre seus alunos, de forma sistemática e criteriosa, para utilizá-las como parâmetros para orientar o planejamento e o desenrolar das atividades em sala de aula. 104 DIDÁTICA ESPECÍFICA Saiba mais Finalizando nossa interlocução sobre a didática envolvida no ensino de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, apresentamos a você um instrumento utilizado como um “despertador” da consciência do aluno sobre seu próprio desenvolvimento. Leia o texto indicado e traga para o fórum de discussões o tema “portfólio de aprendizagem”. ALVARENGA, G. M.; ARAUJO, Zilda Rossi. Portfólio: conceitos básicos e indicações para utilização. Estudos em Avaliação Educacional, v.17, n. 33, jan/abr, 2006. Disponível em: <http://mcfdf.edublogs.org/files/2008/11/ avaliacao-portfolio.pdf> Acesso em: 10 abr. 2011. Resumo Ensino Língua portuguesa / Línguas estrangeiras ↓ Orientação via documento do MEC – PCN Concepções de ensino-aprendizagem Behaviorista Construtivista Sócio-histórico-cultural • foco no conteúdo • foco no aluno • foco na relação aprendizagem-desenvolvimento • professor detentor do saber • professor orientador • aluno e professor envolvidos na produção de • aluno receptor dos conteúdos • aluno protagonista conhecimentos Dimensões pedagógicas da sala de aula Relacional-interacional Organizacional Didático-epistemológica • interação professor-aluno • planejamento das aulas • conhecimentos prévios • dimensão da autoridade do • seleção de conteúdos • estratégias e procedimentos professor • construção da autonomia do aluno • organização das atividades • avaliação para a aprendizagem • intervenções do professor na construção ZPD Crítico-dialógica • desenvolvimento da argumentação • pensamento fundamentado • habilidades linguística que propiciam o desenvolvimento da autonomia e criticidade 105 DIDÁTICA ESPECÍFICA Práticas no ensino de línguas Oralidade Leitura • discussões em sala de • leitura como busca de aula • atividades argumentativas • sequências didáticas para o desenvolvimento da oralidade Produção textual informações texto dos alunos • leitura para estudo • atividades que • leitura como pretexto para outras atividades • leiura para fruição • atividades para antes da leitura, durante • investigação sobre o Análises e reflexões sob a língua Literatura • articulação entre • dimensão global do estudos da literatura e de língua / linguagem permitam aos alunos • não fragmentação dos avançarem em relação estudos da literatura: aos conhecimentos intertextualidade, linguínticos interdisciplinaridade, texto • dimensão da construção do texto transversalidade e intersemmiose a leitura e depois da leitura Avaliação no ensino de línguas • avaliação formativa, que integra o pensamento crítico de professores e de alunos • avaliação que considere o conhecimento prévio do aluno como propulsor das novas aprendizagens linguísticas • avaliação que considere as dimensões da oralidade, da leitura, da produção textual e da análise linguística 106 FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 5 DI CAVALCANTI. Samba. 1928. Formato: JPEG. Disponível em <http://www.dicavalcanti.com.br/anos20/ obras_20/samba43.htm>. Acesso em: 21 jun. 2011. Figura 6 AMARAL, T. do. Operários. Formato: JPEG. Disponível em <http://24.media.tumblr.com/tumblr_ l7cz8oSg3h1qce1fpo1_400.jpg>. Acesso em: 21 jun. 2011. Figura 7 AMARAL, T. do. Negra. Formato: JPEG. Disponível em < http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/ seculoxx/modulo2/modernismo/artistas/tarsila/images/anegra.jpg>.Acesso em: 21 jun. 2011. Figura 8 DI CAVALCANTI. Baile popular. Formato: JPEG. Disponível em <http://www.dicavalcanti.com.br/ anos6070/obras_60_70/baile_popular.htm>.Acesso em: 21 jun. 2011. Figura 9 PORTINARI, C. Os Retirantes. Formato: JPEG. Disponível em <http://www.proa.org/exhibiciones/ pasadas/portinari/salas/id_portinari_retirantes.html>.Acesso em: 21 jun. 2011. Figura 10 PORTINARI, C. o-centenario-de-candido-portinari.jpg. Formato: JPEG. 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