PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA, AÇÕES SÓCIO-EDUCATIVAS E A
REPRESENTAÇÃO SOCIAL DAS FAMÍLIAS
REISDÖRFER*, Lara Aparecida Lissarassa – FURB/SC
[email protected]
SILVA**, Neide de Melo Aguiar – FURB/SC
[email protected]
Resumo
As políticas públicas sociais e educacionais têm por objetivo contribuir para a melhoria da
qualidade de vida dos cidadãos, almejando a emancipação e autonomia dos sujeitos. No
Brasil, as políticas públicas têm assumido caráter compensatório e paliativo frente às
situações de vulnerabilidade social. Apresentam-se através de ações fragmentadas,
descontínuas e focalizadas para o atendimento de determinados segmentos sociais, o que
descaracteriza o princípio de universalidade e como direito de todos os cidadãos. O presente
estudo se propõe a discutir o Programa Bolsa-Família e suas ações sócio-educativas
permitindo compreender a representação social sob a ótica das famílias beneficiadas. Os
sujeitos da pesquisa são dez famílias que residem em um bairro de um município de grande
porte da região do Médio Vale do Itajaí no Estado de Santa Catarina. Neste bairro as famílias
recebem acompanhamento social e serviços básicos nas áreas da saúde, assistência e educação
que são oferecidos pelo poder público municipal. O estudo é de caráter qualitativo e se utiliza
da entrevista semi-estruturada e da análise documental como instrumentos de coleta de dados.
A teoria e a metodologia das representações sociais permitem a análise e a interpretação dos
dados, vistos os vieses teóricos que viabilizam a compreensão dos saberes sociais construídos,
elaborados e compartilhados pelas famílias. Como resultados parciais, a pesquisa aponta para
a falta de participação efetiva das famílias em ações sócio-educativas e a dificuldade de
acesso e inserção aos serviços sociais básicos (saúde, educação, habitação), mas por outro
lado se percebe a valorização que as famílias atribuem ao espaço escolar e as atividades que
são desenvolvidas na comunidade, bem como a importância dada ao estudo como forma de
ascensão social e profissional.
Palavras-chave: Programa Bolsa-Família; Ações Sócio-Educativas; Representação Social.
introdução
O presente estudo visa compreender como se dá a representação social das famílias
beneficiadas com o Programa Bolsa-Família e as ações sócio-educativas que são traçadas pelo
programa em suas diretrizes e objetivos. Assim, discutir e refletir sobre políticas públicas
*
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FURB.
Orientadora e Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da FURB.
**
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sociais contribui sobremaneira para a construção de novas práticas educativas, voltadas ao
comprometimento da qualidade do ensino e a universalização da educação.
Diante de um contexto social, histórico e cultural tão diversificado como o do Brasil,
as políticas públicas se apresentam como forma de minimizar problemas de toda ordem
(econômicos, sociais, educacionais). Segundo Demo (2002, p.110) faz-se necessário “aceitar
o desafio de confrontar-se com o sistema”, estabelecendo um diálogo e discussão acerca da
realidade.
As políticas educacionais (de inclusão) e as políticas sociais (programas de
transferência de renda mínima) se constituem como programas que pressupõem atender de
forma universalizada todos os cidadãos. Mas o que se percebe, na maioria das vezes, são
programas fragmentados e focalizados, sem continuidade de ações e atividades que
contribuam efetivamente para a emancipação dos sujeitos.
O Brasil, com características peculiares de cada região e uma rede de complexidades,
torna a discussão dos problemas sociais uma questão desafiadora para toda a sociedade. Para
Campos (2003, p.190) os debates acerca dessas políticas sociais são “de fundamental
importância e devem ser introduzidos nos meios educacionais, nos espaços de formação de
educadores e na formulação de propostas educativas”.
O acesso da população a um mínimo de condições sociais é dificultado pela
concentração de renda e desigualdades sociais que geram exclusão social. Essas
desigualdades se retratam pela violência, desemprego, fome, falta de moradia, entre outros
problemas sociais. Os programas sociais surgem então, como forma de amenizar tais
dificuldades proporcionando melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Nesse sentido, a presente pesquisa procura desvelar junto às famílias que são
beneficiadas pelo Programa Bolsa-Família quais são os sentidos e os significados que essa
proposta apresenta para a melhoria das condições e qualidade de vida.
Programas Sociais e Ações sócio-educativas
A trajetória de programas de políticas públicas sociais no Brasil configura-se como
programas de transferência de renda mínima e tem seu início a partir das décadas de 1980 e
1990. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o acesso a direitos básicos de
cidadania é contemplado, surgindo vários benefícios de seguridade e previdência social.
Mas, é a partir de 2001 que programas sociais de transferência de renda mínima vão
surgindo para atender populações mais pobres, consideradas em situação de vulnerabilidade
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social. Então, a partir daí surgem programas como o Bolsa-Escola (2001), Bolsa-Alimentação
(2001), Auxílio-Gás (2002), Cartão-Alimentação (2003).
Neste cenário, o governo federal decide então unificar a transferência de renda em um
único cartão de benefício que é o Programa Bolsa-Família, agregando os já existentes (bolsaescola, bolsa-alimentação, auxílio-gás, cartão-alimentação e mais recentemente, incluindo o
Programa de erradicação do trabalho infantil – PETI).
O Programa Bolsa-Família foi instituído pela Medida Provisória nº. 132 em 20 de
outubro de 2003, passando a ser Lei nº. 10.836 em 09 de janeiro de 2004 e sendo
regulamentado pelo Decreto nº. 5.209 em 17 de setembro de 2004.
De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o
Programa Bolsa-Família é um programa de transferência direta de renda que estabelece
condicionalidades e critérios de inclusão, beneficiando famílias pobres (com renda mensal por
pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extremamente pobres (com renda mensal por pessoa de até
R$ 60,00).
O Programa Bolsa-Família tem por objetivo promover o acesso aos direitos sociais
básicos nas áreas de saúde e educação, contribuindo desta maneira para que as famílias
consigam superar a situação de pobreza e vulnerabilidade em que se encontram.
As famílias beneficiadas pelo programa ficam condicionadas a cumprir algumas
exigências e recomendações, tais como: compromisso em manter crianças e adolescentes em
idade escolar freqüentando a escola (freqüência mínima de 85%), cumprimento de cuidados
básicos em saúde para crianças de zero a seis anos (calendário de vacinação e
acompanhamento nutricional), agenda pré-natal para gestantes e pós-natal para nutrizes, bem
como a participação em atividades e ações sócio-educativas oferecidas pelo município em
parceria com diversas instituições (escolas, igrejas, centros comunitários, associações de
bairros, entre outros).
Dessa forma, o Programa Bolsa-Família assume estreita vinculação a programas
educacionais, pois entende que as ações sócio-educativas podem complementar e auxiliar o
processo educativo e formativo, oportunizando novas práticas sociais para o desenvolvimento
das potencialidades dos sujeitos.
As ações sócio-educativas podem ser entendidas como “um campo de múltiplas
aprendizagens para além da escolaridade, voltadas a assegurar proteção social e oportunizar o
desenvolvimento de interesses e talentos múltiplos que crianças e jovens aportam”.
(CARVALHO, 2005).
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A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional – Lei nº. 9.394 de 20 de
dezembro de 1996 também aponta em seu artigo 1º que: “a educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais”. Isto implica dizer que atividades e ações sócio-educativas
podem acontecer em todas as relações e grupos sociais em que os sujeitos estejam inseridos.
O processo educativo não acontece necessariamente no espaço formal e
institucionalizado denominado Escola. A educação pode ocorrer também em outros espaços e
de outras formas. São nas práticas interativas, nas relações interpessoais e coletivas que os
sujeitos se constroem e se desenvolvem individualmente.
[...] Não há uma forma nem um único modelo de educação; a escola não é o único
lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é sua única
prática e o professor profissional não é seu único praticante. (BRANDÃO, 2005, p.
9).
Nesse sentido, o Programa Bolsa-Família, através de atividades e ações sócioeducativas pretende proporcionar melhoria da qualidade de vida dos cidadãos em busca da sua
autonomia e emancipação enquanto sujeitos de direitos e deveres.
As políticas públicas (sociais e educacionais), embora se caracterizem como políticas
de caráter compensatório, fragmentado e focalizado para famílias pobres, ainda assim,
assumem um esforço de se tornar práticas de caráter universal e como direito de todos.
Procedimentos teórico-metodológicos
Partindo dessas questões, algumas discussões podem ser abordadas em relação às
políticas sociais e suas articulações com a educação. Dessa forma, a teoria das representações
sociais permite compreender, analisar e interpretar os dados que vão sendo apresentados pela
realidade.
[...] entendemos que as representações sociais são historicamente construídas e estão
estreitamente vinculadas aos diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos
que as expressam por meio de mensagens, e que se refletem nos diferentes atos e nas
diversificadas práticas sociais. (FRANCO, 2004, p. 170).
As representações sociais estão relacionadas às condições do contexto sócio-históricocultural dos sujeitos, onde não existem barreiras entre questões individuais e sociais. O ser
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humano é e faz parte de todo contexto, uma vez que sofre influências do meio em que vive.
Nesse meio, há sempre uma construção e reconstrução dos seus saberes e conhecimentos.
Ainda Franco (2004, p.171) cita Mazzotti que diz:
[...] Ao formar sua representação de um objeto, o sujeito, de certa forma, o constitui,
o reconstrói em seu sistema cognitivo, de modo a adequá-lo aos seus sistemas de
valores, o qual, por sua vez, depende de sua história de do contexto social e
ideológico no qual está inserido.
Nas relações sociais que os sujeitos estabelecem em seus grupos, vão sendo
elaborados e construídos sentidos e significados para os objetos que os cercam (relação
sujeito-objeto). É um processo de construção coletiva em busca de uma identidade social.
(JOVCHELOVITCH, 1998, p.65).
O enfoque na proposta teórico-metodológica das representações sociais torna-se
apropriada, pois através da construção mental elaborada pelos sujeitos em um determinado
contexto social, histórico e cultural é que são estabelecidas as relações sociais. Os indivíduos
em sua subjetividade expressam sentimentos e constroem significados próprios de sua cultura.
Compreender o indivíduo em sua totalidade, em suas questões subjetivas, em seus
desejos e necessidades é o grande desafio para que se possam desvelar as possibilidades que
os sujeitos apresentam no cotidiano. Nesse sentido, as representações sociais orientam os
procedimentos teórico-metodológicos do estudo com o objetivo de entender as ações e
relações sociais de cada grupo de acordo com o contexto no qual estão inseridos.
Sendo assim, este estudo irá se delineando na perspectiva de compreender como se dá
a representação social das famílias, articulada ao contexto social e histórico que é permeado
pelas relações que se constroem na coletividade.
O Contexto e os Sujeitos
O campo de investigação da pesquisa é um bairro localizado a 12km de distância do
centro da cidade de um município de médio porte da região do Médio Vale do Itajaí no estado
de Santa Catarina. Este bairro concentra um número expressivo de população, assim como
várias famílias que são beneficiadas pelo Programa Bolsa-Família.
Nesse local encontram-se disponíveis serviços sociais básicos ligados à área da saúde,
assistência e educação, bem como programas sociais (Agente Jovem, PETI, PSF) e ações
sócio-educativas (palestras, jogos, cursos, entre outros). Essas atividades são disponibilizadas
em um espaço físico adequado para atender a comunidade do bairro.
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Os sujeitos investigados na pesquisa são famílias beneficiadas com o Programa. Cabe
ressaltar que a pesquisa encontra-se em andamento e que tem apenas resultados parciais. O
cadastro consta de sessenta famílias que participam das atividades do Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS) e de ações sócio-educativas e, que também estão inscritas no
Programa Bolsa-Família.
Destas, dez famílias são os sujeitos investigados de acordo com critérios préestabelecidos, como: tempo de moradia no município, número de componentes na família,
situação ocupacional e filhos em idade escolar. Esse número de sujeitos entrevistados
responde a uma amostra representativa para a proposta da pesquisa por se tratar de um grupo
com características semelhantes e de um mesmo contexto social. Todas as famílias são
migrantes de outros municípios do Estado de Santa Catarina e do Estado do Paraná.
Como técnica de coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada,
possibilitando a formulação de perguntas abertas e fechadas por parte do pesquisador. Assim,
torna-se possível a intervenção do pesquisador caso o entrevistado demonstre dificuldade ou
dúvida sobre o assunto, bem como podem ser acrescentadas outras questões pertinentes ao
tema.
A pesquisa tem caráter qualitativo, buscando compreender o problema em um
determinado contexto histórico e social. Segundo Minayo (2004, p.21-22) a pesquisa
qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.
A análise documental também faz parte dos instrumentos para obter informações, pois
o histórico do Programa Bolsa-Família, bem como as leis e documentos que regulamentam e
apontam as diretrizes do Programa são importantes para a contextualização sócio-histórica e
melhor compreensão dos dados. A gravação das entrevistas foi consentida por parte dos
entrevistados e as anotações das informações em diário de campo também foram utilizadas
como técnicas para a fidedignidade da coleta de dados na pesquisa.
Considerações
Este estudo procura refletir sobre as ações sócio-educativas e os programas de
políticas públicas sociais, especialmente sobre o programa bolsa-família, com o intuito de
compreender como os significados e sentidos são construídos e de que forma são expressos
pelos sujeitos. Se a educação acontece em “outros” espaços e não somente na escola, pode-se
considerar que as ações sócio-educativas propostas por um programa social contribuem
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positivamente para a emancipação e autonomia dos cidadãos em busca de uma vida mais
digna e justa.
Num primeiro momento da pesquisa se evidencia a falta de participação efetiva das
famílias em ações sócio-educativas, o que pode ser causado pela própria dificuldade de acesso
das pessoas aos serviços básicos (saúde, educação, habitação, alimentação).
A escassez de recursos materiais, humanos e estruturais, a precariedade de propostas e
a falta de clareza nos objetivos dos programas fazem com que, efetivamente, as ações sócioeducativas não se concretizem. Mas, por outro lado, as famílias consideram o espaço escolar e
as atividades desenvolvidas na comunidade como de fundamental importância para o
desenvolvimento de seus filhos, valorizando o “estudo”.
Outro fator que se destaca nas entrevistas é de que as famílias incentivam seus filhos a
permanecerem na escola, como forma de alcançarem a ascensão social e profissional.
Delegam à educação a possibilidade de seus filhos conseguirem melhores empregos e serem
melhores remunerados, em um mercado de trabalho que é altamente competitivo e
excludente. Desejam oferecer aos filhos oportunidades de acesso à educação, pois muitos pais
não tiveram essa oportunidade.
Nesta caminhada de discussões acerca do tema da pesquisa, tomam-se alguns
pressupostos delineadores na execução de programas sociais e no desenvolvimento de ações
sócio-educativas. À luz da teoria das representações sociais, os dados vão sendo analisados e
interpretados para que se possa compreender como se dá a representação social das famílias e
as ações sócio-educativas propostas pelo Programa Bolsa-família.
Dentro desta perspectiva, a articulação entre as políticas públicas sociais e a educação
assume um papel importante para que se possa perceber como essas questões influenciam no
cotidiano das pessoas. No decorrer da análise e interpretação dos dados, outros fatores
significativos vão permitir a reflexão e compreensão sobre a participação das famílias em
ações sócio-educativas.
Os indivíduos são produtos do meio histórico e social no qual estão inseridos e se
reconhecem enquanto sujeitos quando estabelecem relações e interagem nos seus grupos
sociais, formando sua identidade cultural e social.
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REFERÊNCIAS
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Brasiliense, 2005.
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_______. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
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CAMPOS, Maria Malta. Educação e políticas de combate à pobreza. Revista Brasileira de
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GUARESCHI, Pedrinho A., JOVCHELOVITCH,
Representações Sociais. 4. ed. Petrópolis:: Vozes, 1998.
Sandra
(Orgs.).
Textos
em
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.) et al. Pesquisa Social: teoria, método e
criatividade. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
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