23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
II-155 - ESTUDO DA VIABILIDADE DO REUSO DE EFLUENTES SANITÁRIOS
TRATADOS PARA FINS NÃO POTÁVEIS
Reginaldo Ramos(1)
Químico pelo Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IQ/UFRJ). Especializado em
Controle da Poluição da Água pela Japan International Cooperation Agency (JICA). Mestrando em
Metrologia Química pelo Departamento de Química Analítica da UFRJ. Chefe da Divisão de Laboratórios da
Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro - CEDAE. Consultor na área de qualidade em
laboratórios de ensaios. Consultor em processos de tratamento de efluentes sanitários e industriais.
Letícia Alves da Silva
Química pela Universidade do Grande Rio e Chefe de Laboratório da ETE Sarapuí da Companhia Estadual de
Águas e Esgotos do Rio de Janeiro – CEDAE,
Flávia dos Santos Aquino
Técnica em Química pela Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro, com larga experiência em
análise de matrizes ambientais.
Tiago Oliveira de Paiva
Técnico em Controle Ambiental pela Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro, com larga
experiência em análise de matrizes ambientais.
Ana Carolina Prudêncio Costa
Técnica em Química pela Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro, com larga experiência em
análise de matrizes ambientais.
Endereço(1): Rua Demósthenes, S/N, Jardim Gláucia, Belford Roxo, RJ – 26195-500, Telefax.: (21)37574793 Tel.: (21)3757-4615 E-mail: [email protected] / [email protected]
RESUMO
Atualmente, a preocupação com a escassez de água segue como um dos principais enfoques ambientais. Além
da destruição dos mananciais e corpos hídricos, a água potável tem sido usada como um recurso ilimitado para
fins desnecessários, tais como: limpezas de ruas, calçadas, lavagem de carros e outros.
Pensando de maneira a aplicar água potável apenas em usos mais nobres, a Companhia Estadual de Águas e
Esgotos (CEDAE) iniciou um projeto para o reuso dos efluentes tratados de suas Estações de Tratamentos de
Esgotos (ETE’s). Esta água de reuso seria aplicada, primeiramente, nas operações de lavagem e limpeza da
própria ETE; em seguida poderia ser utilizada em lavagem de ruas e feiras livres e ainda em aplicação
industria como água de refrigeração ou aquecimento e outros fins. Isto viabilizaria uma melhor aplicação da
água potável e minimizaria o desperdício de milhões de litros de efluentes tratados (água de reuso) que
seguem sem nenhuma aplicação direto para os corpos d’água receptores.
Segue portanto o estudo que tem como objetivo verificar a viabilidade da implementação do programa de
reuso de efluentes domésticos tratados, apresentando dados da qualidade destes efluentes e a diversidade de
áreas onde seria possível utilizá-los sem riscos à saúde e ao meio ambiente.
PALAVRAS-CHAVE: Reuso de efluente, reuso, água de reuso.
INTRODUÇÃO
A falta de tratamento dos esgotos e um abastecimento público de água precário estão diretamente ligados aos
problemas de saúde e causa de mortes nos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento. Além disso, se
paga muito caro pela demanda crescente na área de saúde devido a doenças de veiculação hídrica. Outra
previsão alarmante em relação à escassez dos recursos hídricos é que, em 2025, serão 2 bilhões de pessoas
sem água potável no mundo, o que causará um colapso mundial já que a distribuição hídrica é extremamente
desigual no planeta. Atrelado a isto temos o fato de que os processos de irrigação para produção de alimentos,
e processos industriais em geral são dependentes de água...lógico, o planeta Terra depende de água. Porém
mesmo diante de crises de abastecimento, pouco tem sido realizado na direção do reuso da água.
Na verdade hoje em dia reutilizamos quase tudo: latinhas, garrafas PET, papel, sacos plásticos, vidros de
maionese e etc.. Mas e a água, porque não reutilizamos este bem tão preciso? Quando durante uma palestra o
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professor Benito Piropo Da Rin questionou a platéia sobre se beberiam esgoto tratado, todos pareceram
enojados com a idéia. Mas ele completou: “todos nós aqui estamos bebemos diariamente, pois quase a
totalidade dos mananciais recebem contribuição, à montante das captações, de esgotos domésticos. Então
vocês já bebem esgotos diluídos e tratados”. Talvez resida aqui a grande dificuldade de implementarmos de
maneira ampla o reuso de águas, a repulsa sobre aquilo que já foi esgoto, sobre aquilo que já cheirou mal e
estava cheio de microorganismos patogênicos: um problema cultural.
Não estamos defendendo que as estações de tratamento de esgotos sejam transformadas em fornecedores de
água potável, apesar de termos certeza que num futuro, não muito distante, isto vai ser uma realidade. Estamos
defendendo uma política de reuso das águas que esteja voltada a fomentar o uso de águas não potáveis para
fins que não requeiram potabilidade e assim, liberem algum volume de água potável do sistema de
abastecimento para usos que realmente requeiram este nível de qualidade. Isto significará otimização no uso
dos recursos hídricos.
Pensemos em quão excelente é para toda uma comunidade ter uma indústria que deixe de retirar milhões de
litros de água de um determinado manancial e seja abastecida pelos efluentes tratados da ETE daquela cidade.
Quantos benefícios diretos e indiretos esta atitude estaria provocando? Certamente muito mais do que o
desperdício que se realiza na maioria dos casos.
As águas residuárias para o reuso urbano são caracterizadas pela utilização de efluentes domésticos tratados
para suprir as várias necessidades urbanas que admitem águas com qualidade inferior à potável. Dentre elas
pode-se citar:
Prevenção contra incêndio; descarga em aparelho sanitário; lavagem de ruas, ônibus, praças, etc.; irrigação de
parques, jardins e campos esportivos.
Reuso recreacional - ocorrendo quando o efluente é utilizado para abastecer locais destinados à recreação
pública. São exemplos:lagos, rios e reservatórios; piscinas públicas.
Com o objetivo de demonstrar a viabilidade do reuso de efluentes sanitários tratados em diversas atividades,
realizamos um estudo do perfil de qualidade do efluente tratado da ETE Penha, no Rio de Janeiro.
Acreditamos que somente uma massa de dados sobre a qualidade destes efluentes vai colaborar para
desmontar as barreiras culturais viabilizando o incremento do reuso de água.
MATERIAIS E MÉTODOS ANALÍTICOS
A implementação e operação deste estudo foi executado pela parceria entre a Divisão de Laboratórios e o
Serviço de Operação da ETE Penha.
EFLUENTE TRATADO
A ETE Penha (figura 1) possui dois tipos de tratamento secundário: filtro biológico e Lodos Ativados. Pelo
fato da maioria das estações de tratamento de esgotos da CEDAE utilizarem o sistema de lodos ativados,
optou-se por trabalhar com o efluente tratado por este princípio.
Diariamente são produzidos 103.000 m3 de efluentes tratados. Este volume, a título de ilustração, é suficiente
para abastecer cerca de 400.000 pessoas por dia.
Para fins analíticos é importante ressaltar que o efluente foi coletado na saída dos decantadores secundários,
armazenados em recipientes de plástico, mantidos sob refrigeração e analisados no mesmo dia. Os parâmetros,
métodos analíticos e unidades de medidas estão relacionados na Tabela 1.
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Figura 1 - ETE Penha
Tabela 1 – Métodos Analíticos e unidades de medida.
Parâmetro Analítico
Método Analítico *
PH
Potenciometria
Turbidez
Nefelometria
Cloretos
DQO
Coliformes Totais
Titulométrico/ Método de Mohr
Digestão
em
refluxo
fechado/espectrofotometria
Técnica da Membrana Filtrante
Coliformes Fecais
Técnica da Membrana Filtrante
SST
SSF
SSV
Cloro livre
ZINCO
COBRE
CÁDMIO
CHUMBO
CROMO
MERCÚRIO
FERRO
Gravimetria
Gravimetria
Gravimetria
DPD
Absorção atômica
Absorção atômica
Absorção atômica
Absorção atômica
Absorção atômica
Absorção atômica
Absorção atômica
* Fonte:
Unidade de Medida
UpH (unidades de pH)
NTU (unidade Nefelométrica de
turbidez)
mg/L
mg/L
UFC/100mL
(unidades
formadoras de colônias por
100mL)
UFC/100mL
(unidades
formadoras de colônias por
100mL)
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
mg/L
Standard Methods for the Examination of water and wastewater, 18ª Edition - 1992.
FEEMA- Manual do Meio Ambiente; métodos. Rio de Janeiro, Dicomt, 1983. v.2.
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CAPACIDADE DE FORNECIMENTO DE ÁGUA DE REUSO PELA CEDAE
Mesmo tendo em várias estações de tratamento de esgotos, efluentes de boa qualidade, ainda é pequena a
reutilização destes efluentes, sendo estes lançados na Baia de Guanabara.
A Cedae possui na região metropolitana do Rio de Janeiro, cinco grandes estações de tratamento de esgoto,
dentre outras, são elas:
•
ETE Alegria - Capacidade para tratar 5000 L/s .
•
ETE Pavuna - Capacidade para tratar 1500 L/s.
•
ETE Sarapuí - Capacidade para tratar 1500 L/s.
•
ETE Penha: Capacidade para tratar 1200L/s.
•
ETE Ilha do Governador : Capacidade para tratar 525 L/s.
Considerando 5 % de redução do volume durante o tratamento, a capacidade destas 5 ETE’s é de 9238 L/s,
isto é, 798.160 m3/dia. O que, novamente, a título de ilustração, seria suficiente para abastecer uma cidade
com 3.190.000 habitantes.
ESTUDO EM LABORATÓRIO
Antes de partir para o reuso em grande escala, decidiu-se avaliar a qualidade físico-química e microbiológica
do efluente tratado da ETE Penha, além de verificar a eficiência do processo de desinfecção deste efluente em
laboratório.
TESTE DE DESINFECÇÃO COM HIPOCLORITO DE SÓDIO
Preocupados com os patógenos, decidimos realizar a desinfecção do efluente tratado antes de aplicarmos em
reusos em áreas externas à ETE. Sendo assim, testes foram realizados ao longo de quatro meses e mostraram a
eficiência de remoção de coliformes totais e fecais utilizando como desinfectante o hipoclorito de sódio.
A concentração utilizada para os ensaios foi de 4 mg/L de hipoclorito de sódio e fixou-se o tempo de contato
de 60 minutos.
Por saber que, apesar da excelente qualidade do efluente tratado, ainda resta pequena concentração de carga
orgânica, há uma preocupação de o processo de desinfecção utilizando hipoclorito venha a produzir algum
clorocomposto orgânico. Diante disto estamos implementado um rigoroso controle de clorocompostos e
realizaremos testes dom dióxido de cloro e radiação ultravioleta.
RESULTADOS OBTIDOS
O perfil físico-químico do efluente tratado da ETE Penha está descrito na Tabela 2 e configura um efluente
com: baixíssima carga orgânica, baixíssima concentração de metais pesados, teor de sólidos irrelevante, pH
próximo do neutro, alta concentração de coliformes e baixa turbidez.
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Tabela 2 - Média dos resultados do efluente ETE Penha no ano de 2004
DATA
22/07
05/08
20/08
26/08
05/09
09/09
<10
12
15
<10
12
30
DQO
25
50
50
50
90
45
CLORETO
3,34
3,56
3,27
4,92
NA
3,54
TURBIDEZ
NA
NA
NA
NA
NA
7,03
PH
COLIFORMES
4,0x106 1,9x106 3,6x106 5,8x105 3,3x106 3,6x106
TOTAIS
COLIFORMES
5
5
6
5
6
6
TERMOTOLER 7,6,x10 4,8x10 1,5x10 3,7x10 1,0x10 1,4x10
ANTES
3
6
7
6
12
7
SST
1
1
1
1
2
1
SSF
2
5
6
5
10
6
SSV
NA
NA
NA
NA
NA
NA
ZINCO
NA
NA
NA
NA
NA
NA
COBRE
NA
NA
NA
NA
NA
NA
CÁDMIO
NA
NA
NA
NA
NA
NA
CHUMBO
NA
NA
NA
NA
NA
NA
CROMO
NA
NA
NA
NA
NA
NA
MERCÚRIO
NA
NA
NA
NA
NA
NA
FERRO
16/09
22
45
4,00
7,28
23/09
13
100
1,80
7,27
28/10
<10
240
1,19
7,18
11/11
13
120
1,18
6,88
7,6x106
6,1x105
NA
NA
3,0x106
4,6x105
NA
NA
10
1
9
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
6
2
4
0,0498
0,0065
0,0048
0,0892
0,0272
9,3x10-5
0,1079
<1
<1
<1
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
Como a concentração de coliformes apresentou-se alto, foi definida a necessidade de uma desinfecção como
dito anteriormente. Na Tabela 3 seguem os resultados após a desinfecção.
Tabela 3 - Média dos resultados do efluente ETE Penha clorado em laboratório
DATA
22/07
05/08
20/08
26/08
05/09
09/09
16/09
NA
15
<10
<10
10
40
15
DQO
40
55
55
55
95
50
50
CLORETO
3,10
2,71
3,60
5,44
NA
3,48
4,50
TURBIDEZ
NA
NA
NA
NA
NA
6,85
7,33
PH
COLIFORMES
AUSENTE
AUSENTE
AUSENTE
AUSENTE
AUSENTE
AUSENTE
AUSENTE
TOTAIS
COLIFORMES
TERMOTOLER AUSENTE AUSENTE AUSENTE AUSENTE AUSENTE AUSENTE AUSENTE
ANTES
2
7
10
6
14
7
7
SST
1
1
1
1
1
1
1
SSV
1
6
9
5
13
6
6
SSF
NA
2,58
2,39
2,44
3,02
2,89
CLORO LIVRE NA
23/09
13
105
1,90
7,24
28/10
15
240
1,33
7,10
11/11
<10
130
1,10
6,92
AUSENTE
NA
NA
AUSENTE
NA
NA
NA
NA
NA
2,50
6
1
5
NA
2
1
1
NA
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS
Os resultados analíticos do efluente antes da desinfecção apresentam baixa concentração de DQO, cloreto,
turbidez, sólidos em suspensão, zinco, cobre, cádmio, chumbo, cromo, mercúrio e ferro. Desta forma, verificase a boa qualidade do efluente produzido pela ETE Penha.
Após o processo de desinfecção com hipoclorito de sódio, pode-se observar que as concentrações dos
parâmetros físico-químicos permaneceram estáveis. Observando-se ainda a remoção completa das bactérias do
grupo coliforme, comprovando a eficácia da desinfecção utilizada.
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CONCLUSÕES
Com base no trabalho realizado, concluiu-se que foram obtidos resultados amplamente satisfatórios para o
destino proposto, pois a boa qualidade do efluente analisado permanece sem alteração significativa após a
adição do hipoclorito de sódio para as análises de DQO, SST, SSV, SSF, pH, Turbidez e Cloretos. E, pode-se
confirmar a remoção total de coliformes totais e termotolerantes. Baseando-se nos resultados obtidos,
podemos concluir que o efluente da ETE Penha após o processo de desinfecção pode ser reutilizado para fins
urbanos.
Deste modo, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos poderá reutilizar os efluentes tratados na aplicações
internas (selagem de bombas, lavagem de centrífugas, água para incêndio, etc), além de fornecer pare reuso
industrial e no serviço municipal de limpeza. Enfocando sempre o uso sustentável dos recursos hídricos e
beneficiando a população metropolitana do Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
2.
ABES/SP (1992). Reuso da Água, São Paulo – SP.
STANDARD METHODS FOR THE EXAMINATION OF WATER AND WASTEWATER (1992). 18th
Ed American Public Health Association/ American Water Works Association/ Water Environment federation,
Washington DC, USA.
3.
DE LUCA J. S.; Efluentes desinfetados com hipoclorito de sódio: Eficiência e Subprodutos; XXII
Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária (2003).
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MELHORIA DA QUALIDADE DA GUA TRATADA E