Antônio Mariano: “A arte não está preocupada com o bom gosto” Ao contrário de Augusto dos Anjos, que disse em um poema que em sua lira de amores fúteis pouco falava, o poeta Antônio Mariano valoriza tanto o amor em sua obra poética que preparou um livro ao ver que a temática amorosa era predominante no que tinha escrito até então. “Sob o amor” (Editora Patuá) é o nome da obra, que será lançada na próxima terça-feira, às 19 horas, no Pavilhão do Chá, em João Pessoa. Escrever sobre o amor não é cafona nos dias de hoje? Mariano não concorda. Para ele, a arte não está preocupada com o que comumente se chama de bom gosto, de bom senso, de elegante, “as tais ditaduras comportamentais e modismos vazios. A arte quer expressão”. Ele, inclusive, admite flertar com o brega em determinado poema do livro. Mariano foi recentemente candidato a membro da Academia Paraibana de Letras, perdendo a eleição para o pintor Flávio Tavares. Segundo ele, sua candidatura teve caráter mais político do que qualquer outra coisa. “A imortalidade, porém, não é coisa que eu persiga no momento”. Mariano admite retomar algo parecido com o projeto “Tome Poesia, Tome Prosa”, mas com um formato diferente: “Não sei se ainda tenho aquele gá que tinha antes”. Sobre a literatura paraibana contemporânea, acredita que está em bom movimento. “Temos iniciantes e veteranos fazendo bom uso dos espaços democráticos que a Internet trouxe”, afirma. E emenda: “Os afagos muitas vezes só produzem equívocos, inflam egos cheios de falsas ilusões”. Confira a seguir a entrevista com o poeta Antônio Mariano e em seguida poemas do livro “Sob o amor”. REPORTERPB - “Guarda-chuvas esquecidos”, seu último livro de poemas, foi lançado em 2005. O que mudou na poética de Antônio Mariano de 2005 para 2013? Antônio Mariano - Creio que as mudanças são pontuais, à medida em que quero intervir numa peça escrita lá atrás por entender que determinada palavra/expressão não é funcional, que diz mais dessa nova maneira. Oito anos depois, o modo de ver e de exprimir uma visão da extra-realidade pode ter outro matiz, embora sutil. Sou, entretanto, da opinião que o poeta de 48 anos de hoje sente-se em essência no poeta de 20 anos de idade que em meados da década de 80 começou a publicar seus primeiros versos nos boletins da Oficina Literária, na Seção Tudo do Diário da Borborema, na revista Presença Literária e no suplemento literário Correio das Artes. Embora contenha inéditos, “Sob o amor” traz, também, poemas de seus outros três livros anteriores. Podemos classifica-lo, então, como uma coletânea? Certamente. Sob o Amor reúne tudo o que escrevi em lírica amorosa até agora. É minha antologia temática. Também meu “Cantar de amor entre escombros”, para lembrar coletânea similar do poeta Frederico Barbosa, com quem bastante me identifico. É mais vária porque não se resume ao amor do amador pela amada, mas envolvendo também sentimentos filiais, sentimentos diretos ou abstratos. Nasceu a partir de uma breve revista de minha poética e da surpresa de ver que a temática amorosa era predominante no que eu tinha escrito até agora. E por eu estar vivendo uma nova fase na vida amorosa. Falar de amor nos tempo de hoje não parece cafona? A arte não está preocupada com o que comumente se chama de bom gosto, de bom senso, de elegante, as tais ditaduras comportamentais e modismos vazios. A arte quer expressão. Em determinado momento de minha obra eu flerto mesmo com o que em música popular se chama de brega quando em um poema digo “Sem você, ingrata,/e seu corpo inacessível,/viver não é mais que um engulho, /novelinhos de agonia.//A tentativa inevitável/de morder/os uivos dos amantes em coito:/desvida.// Beijar o voo dos pássaros /que não ousam passar/sobre minha cabeça/ é a vida sem você, ingrata”. E quando a isso recorro, faço-o com a intenção de gerar significações dialógicas e de acrescentar algo mesmo que mínimo ao que foi dito. Como não cair no lugar-comum ao falar do amor? A possibilidade do lugar-comum, acredito eu, está na forma como se diz o que já foi dito. Se se persegue a originalidade (e nisso temos que ter alguma pretensão, do contrário por que fazer literatura?), estamos rivalizando com esse risco. A possibilidade do lugar-comum está em qualquer ato de expressão que não tenha o cuidado com a forma, com a escolha do ângulo, com a pesquisa dos modos de dizer. Quem não ama é realmente livre, como você afirma em um dos poemas do livro? Livre apenas da praga estar preso a algo. Curiosa a gênese desse poema. Nasceu de uma conversa com o amigo José Caetano. Na sua visão romântica de então, dizia ele: “Quem não ama é livre. Mas de que vale essa liberdade se o sentido da vida é estar preso a alguém?” Eu refiz poeticamente esse raciocínio do poeta amigo e dediquei a ele quando da publicação original da peça no primeiro livro, O gozo insólito. Na verdade, objetiva ou subjetivamente, a noção de liberdade é discutível e em muitos momentos ilusórias, seja na religião, seja na política, seja na filosofia, seja na arte. Sou da opinião de que quem investe na frieza ou indiferença é quem é escravo de sua pequenez de não se permitir sentir mais. Alguns desses “velhos” poemas ganham nova forma no livro novo. Você parece não ser daqueles autores que nunca muda um texto após ele ser publicado em livro, por que? Não acredito na imutabilidade das coisas, Linaldo. O prazer da refeita é tão maior quanto o da criação em si. Isso me instiga muito. Tenho muitos guardados que não publiquei por não satisfazerem quanto ao seu artesanato. Vez ou outra retorno a eles e os retiro de seu esquecimento. Em Sob o Amor refiz muitos poemas publicados principalmente nos dois primeiros livros que eu julgava mal acabados e não os achava mais publicáveis. Isso é uma maravilha. Amador Ribeiro Neto, no prefácio da obra, fala que a exaltação do amor em si se sobressai menos nesta obra do que o amor pela poesia, pela linguagem. Fazendo um retrospecto de sua trajetória poética, você acredita que vale a pena cultivar esse amor pela poesia em si? Textualmente, Amador Ribeiro disse no prefácio de Sob o Amor isso aqui : “(...) o que sobressai, antes de mais nada, é o amor pela poesia, por sua linguagem, por sua construção, por seu modo de dizer-se”. Estou de acordo absolutamente com o que ele escreveu neste trecho pinçado. É isso o que o tempo todo eu tento fazer quando cultivo meu amor pela poesia e pelo exercício de sua expressão. Ele não hierarquizou uma coisa nem outra. Quando vai para o registro escrito, todo o sentimento do homem poeta vira linguagem. Em poesia, linguagem e pessoa amada são uma coisa só. A poesia de Antônio Mariano é limítrofe da prosa, diz, ainda, Amador. Você concorda com essa avaliação? Interessante essa avaliação. Não é bem uma questão de concordar ou discordar. Por um lado ele tem elementos para esse recorte. Na minha expressão poética está diluído tudo o que li de poesia marginal, aquela coisa meio lassa mas de muita carga no dizer que foi esse movimento que ainda chegou forte na década de 80 e era cultuada pelo pessoal que frequentava a Oficina Literária liderada pelo saudoso Antonio Arcela. Ao mesmo tempo, está também em muitos momentos em poetas que fazem minha cabeça como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. No recorte ele tem razão, sim. Mas da mesma maneira reconheço em minha expressão a marca de outros poetas que li como Dante, Camões, Gregório de Matos, Gonçalves Dias e Cruz e Souza. Questão de recorte, portanto. Todo poeta é um profeta? Todo poeta tem essa faculdade de ver além. De predizer antes de dizer. O espírito de poeta nos faz contraditoriamente preferir ser maus estetas, desde que domador das manhãs, como eu digo em versos em que dialogo com um poema de Affonso Rommano de Sant'Anna (Os amantes). Nem ele viu isso ainda (sim, tenho um depoimento belíssimo dele sobre minha poesia que nunca publiquei, mas o farei em oportunidade futuro). Vejo muito de Lorca em sua poesia, no gosto pela musicalidade e pelo inusitado de algumas imagens. Você reconhece que influências em sua poética? Sim, certamente. Havia esquecido de citá-lo atrás e o faço aqui, com justiça. Federico García Lorca foi durante muito tempo um poeta de cabeceira e que faz parte de minhas referências. Você foi, recentemente, candidato a imortal da Academia Paraibana de Letras e acabou perdendo a disputa para o pintor Flávio Tavares. Por que você queria ingressar na Academia e que lições ficaram dessa disputa? Olha, essa atitude, que foi incentivada por membros da própria instituição, teve motivo político acima de tudo. Se Flávio, como artista plástico com talento reconhecido, tinha legitimidade em apresentar seu nome, eu fui de opinião que a literatura precisaria dizer que tinha representante com uma folha de serviços prestados também como legítima opção. A Academia, por razões peculiares, preferiu o outro nome, o que eu respeitei. Uma nova cadeira se abriu com a morte, semana passada, de Dorgival Terceiro Neto. Você ainda pensa em se candidatar? Não, não penso. Está fora de cogitação nesta década. Há ali muitos intelectuais que admiro e respeito e continuarei mantendo com esses membros uma relação sadia. Aliás, o espaço é muito aprazível para frequentação de eventos do gênero. Particularmente, já apresentei um livro de filha de um acadêmico e outro de uma acadêmica lá, tendo inclusive publicado na revista que a entidade mantém. A imortalidade, porém, não é coisa que eu persiga no momento. Você organizou por muito tempo aqui o “Tome Poesia”, que depois evoluiu também para o “Tome Prosa”. Fale um pouco desse projeto de valorização do diálogo literário. O Tome Poesia, e depois o Tome Poesia, Tome Prosa, foi um projeto que veio de encontro a uma necessidade pessoal, de realizar algo que eu não via na cidade e nem vejo ainda depois que o projeto saiu de atividade. Sempre gostei dessa ideia de tirar o escritor de sua clausura e trazê-lo para falar com o seu público, trazer suas experiências, ler seus textos de plena voz. Coisa de vivos. O que falta para o projeto ser retomado? Não sei se eu ainda tenho aquele gás que tinha antes, mas é possível que eu retome a qualquer hora de forma independente, como sempre foi. Confesso, porém, que minha vontade hoje é cuidar mais de minha literatura e não da dos outros, como eu fiz durante muito tempo. É preciso muito fôlego e desprendimento. Andei com umas ideias recentemente de fazer um encontro mensal com poetas, músicos e os amantes dessas artes. Seria algo na linha da livre canja, reencontro de amigos regados a petiscos e drinques, naturalmente. Tenho até um nome “Poesia é Música”. Como você vê a poesia brasileira, e a paraibana em particular, que é praticada hoje? O fazer literário na Paraíba está em bom movimento. Temos iniciantes e veteranos fazendo bom uso dos espaços democráticos que a Internet trouxe. Os blogues e as redes sociais são altamente interativos e deveriam ser melhor utilizados com troca de impressões entre pares e entre seus leitores. Bajulações e vagos comentários frequentes nada acrescentam, mas é coisa da humanidade mesmo. Gosto do que o pessoal de Campina Grande tem feito em termos de quebra de marasmo, como é o caso do Núcleo Blecaute. A ideia local do Caixa Baixa que reuniu a nova geração de poetas e escritores paraibanos foi ótima, mas parece que eles não conseguiram gerir o projeto. O que foi uma pena. Creio piamente que daqui a alguns anos poderemos ter boas surpresas em termos de novos poetas e narradores de fôlego. Eles precisam de incentivos e de críticas também. Os afagos muitas vezes só produzem equívocos, inflam egos cheios de falsas ilusões. Fiquemos de olho neles. 3 POEMAS DE ANTÔNIO MARIANO II Nem todo amante deverá ser poeta. Convém ser profeta e forjar o inusitado instante da desrazão. Ser poeta é testemunhar a cena de que é passado particípio sem nunca tê-la vivido, é estar preso à amnésia das cigarras afônicas, ao calendário de Sísifo feito de pedra e despenhadeiro. Nem todo amante deverá ser poeta. Antes mau esteta mas domador das manhãs. IX Quem não ama é livre. Algemas compradas a preço de ouro. Quem não ama é livre. Vagas para matadores de advogados. Quem não ama é livre. Tarda, liberdade! XXVI Sem você, ingrata, e seu corpo inacessível, viver não é mais que um engulho, novelinhos de agonia. A tentativa inevitável de morder os uivos dos amantes em coito: desvida. Beijar o voo dos pássaros que não ousam passar sobre minha cabeça é a vida sem você, ingrata. (Entrevista publicada no REPORTERPB, em 28 de abril de 2013)