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Quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Competência do Auditor Fiscal do Trabalho
Cassio Ramos Báfero e Leonardo Aurelio Pardini
Este entendimento merece ser melhor debatido pois envolve outras matérias de
extrema importância e complexidade.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Em decisão publicada na última sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015, processo TSTRR-564-34.2012.5.04.0741, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por
maioria, reconheceu e conferiu competência ao Auditor Fiscal do Trabalho para
verificar e aplicar determinada norma coletiva aos trabalhadores de uma
empresa, sem que isto implicasse em invasão de competência da Justiça do
Trabalho, por entender que o art. 11, inciso IV, da lei 10.593/2002 encampa tal
hipótese.
No caso em tela, o Auditor Fiscal do Trabalho, emitindo juízo de valor,
desconsiderou o Acordo Coletivo firmado pela empresa com o sindicato
representativo da categoria profissional de seus empregados para determinar a
aplicação de uma cláusula constante na Convenção Coletiva de Trabalho existente
na categoria, por entender que referida cláusula desse instrumento coletivo era
mais benéfica aos trabalhadores.
Pode-se dizer que o entendimento da 5ª Turma do C. TST, com relação à autonomia
do fiscal do trabalho para aplicar a norma coletiva mais favorável, ou parte dela, a
determinada categoria profissional, merece ser melhor debatida pelos profissionais
atuantes no Direito do Trabalho, bem como por toda sociedade.
Primeiramente, vale destacar os termos do art. 11, inciso IV, da lei 10.593/2002,
artigo de lei que foi tido como violado pelo C. TST, in verbis:
"Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições
assegurar, em todo o território nacional:
IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho
CELEBRADOS entre empregados e empregadores;"
Já o decreto 4.552/2002, que aprova o regulamento da inspeção do trabalho,
discrimina a alínea "c", do inciso I, do art. 18, o seguinte:
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"Art. 18. Compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho, em todo o território nacional:
I - verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as
relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, no âmbito das relações de
trabalho e de emprego, em especial:
c) o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho
CELEBRADOS entre empregados e empregadores;"
Os artigos destacados, seja da lei 10.593/2002, seja do decreto 4.552/2002, deixam
clara a intenção do legislador em conferir a execução, pelo Auditor Fiscal do
Trabalho, do que foi firmado e ajustado pela empresa e o sindicato
representativo da categoria profissional de seus empregados, sem mencionar,
contudo, a possibilidade de aplicar aquilo que entende por correto ou benéfico à
categoria profissional.
Veja que ambos os textos legais acima imprimem o termo "CELEBRADOS", ou seja,
aquilo que foi firmado entre a empresa e o sindicato profissional através de
acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho, não prevalecendo o
entendimento do Auditor do Trabalho escolher uma norma mais favorável para
então aplicar.
Como bem destacado na r. sentença de mérito do caso, o Professor Gustavo Felipe
Barbosa Garcia ensina que:
"O Auditor-Fiscal do Trabalho, em exercício de atividade administrativa, de
natureza administrativa, exerce poderes-deveres, o que necessita ser feito
dentro dos limites da lei, sob pena de incidir em abuso ou desvio de poder”
(GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo:
Método, 2007. p. 731.).
Nesta toada, entende-se que o Auditor Fiscal extrapolou os poderes que lhe foram
conferidos pela legislação vigente, uma vez que não cabe a este profissional pinçar
norma de acordo ou convenção coletiva e aplicá-la separadamente, sob o
argumento de ser mais favorável ao trabalhador.
Não é demais ressaltar que havendo confronto de normas coletivas deverá ser
aplicada a norma mais favorável ao empregado, mas, para isto, é necessário
verificar quais são as condições efetivamente mais favoráveis ao trabalhador, à
luz da teoria do conglobamento, segundo a qual prevalece a norma que, no seu
conjunto, for mais favorável, em equilíbrio com as eventuais desvantagens.
Neste passo, da forma que julgou o TST, restou conferido a possibilidade do Auditor
do Trabalho utilizar a teoria da Acumulação, pois aplicou a convenção coletiva em
decorrência do reajuste salarial, deixando à revelia as demais cláusulas do acordo
coletivo, eventualmente mais benéficas. Vale destacar, em sentido contrário,
decisão do próprio TST sobre a teoria da acumulação, in verbis:
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"CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO - PREVALÊNCIA INSTRUMENTO COLETIVO MAIS FAVORÁVEL À CATEGORIA OBREIRA - TEORIA DO
CONGLOBAMENTO - Sob a ótica da teoria do conglobamento, as convenções e
acordos coletivos são considerados e interpretados em toda a sua extensão e não
de forma pontual - Como preconiza a teoria oposta da acumulação, que a
doutrina e a jurisprudência nacionais pacificamente não acolhem. Segundo o
Regional, as condições estabelecidas na convenção coletiva de trabalho se
mostraram mais vantajosas à categoria obreira. Para se decidir em sentido
contrário ao do Regional seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é
vedado nesta esfera recursal de natureza extraordinária, a teor da Súmula nº 126
do TST. Agravo de instrumento desprovido. (TST - AIRR 0075900-43.2007.5.01.0243
- Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta - DJe 19.12.2014 - p. 1467)
Em verdade, caso prevaleça o entendimento do C. TST no acórdão em comento,
poderia, em tese, o Auditor Fiscal do Trabalho aplicar convenção ou acordo
coletivo de categoria diversa, porém semelhante e mais benéfica à categoria
profissional, da qual adota a empresa.
Sabe-se, neste diapasão, que tais discussões merecem maior reflexão, pois
envolvem outras matérias de extrema importância e complexidade, como, por
exemplo, enquadramento sindical (atividade preponderante), objeto social da
empresa, CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas e CBO Classificação Brasileira de Ocupações está classificada a empresa, bem como a
própria autonomia do Sindicato que tem o poder-dever de negociar em nome da
própria categoria.
Desta forma, diante das particularidades e peculiaridades que envolvem a relação
empresa-sindicato e as consequentes negociações, merece melhor reflexão e
debate a possibilidade do Auditor Fiscal aplicar o que entende por correto com
relação às normas coletivas, prestigiando, inclusive, a mens legis do constituinte,
através do art. 7º, XXVI, e art. 8º, VI, da CF, os quais valorizam e exaltam a
negociação coletiva.
Por fim, assim como inúmeras vezes citadas na decisão do C. TST, assinala-se a
importância da atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho na atividade estatal, bem
como a enorme relevância à República, pois asseguram o cumprimento das leis que
protegem os trabalhadores, em especial nos contratos que engrandecem a
informalidade, bem como a real precarização nas relações de trabalho.
______________
*Cássio Ramos Báfero, advogado do contencioso trabalhista do Demarest
Advogados.
**Leonardo Aurélio Pardini, sócio júnior do contencioso trabalhista do Demarest
Advogados.
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