UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
A Criança Precoce e a Dinâmica Familiar: Vivências
Emocionais e Comportamentos
Por: Ricardo Barbosa dos Santos
Orientadora: Professora Maria Esther de Araújo
Co-orientadora: Professora Giselle Böger Brand
Recife
2015
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A Criança Precoce e a Dinâmica Familiar: Vivências
Emocionais e Comportamentos
Ricardo Barbosa dos Santos
Apresentação de monografia ao
Instituto A Vez do Mestre –
Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para a obtenção do
grau de especialista em Saúde da
Família.
Orientadora: Professora Maria Esther
de Araújo.
Co-orientadora: Professora Giselle
Böger Brand
RECIFE
2015
AGRADECIMENTOS
A
Thiane
Araújo,
inigualável,
minha
meus
esposa
eternos
agradecimentos.
Aos meus filhos Bruno e Clara, razão
do meu viver.
DEDICATÓRIA
Dedico ao meu amado filho Bruno,
primeira
lição
de
precocidade
aprendi. Eternamente, te amo!
que
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a influência da família na
formação da dinâmica emocional e dos comportamentos apresentados pelas
crianças com precocidade.
A precocidade é um fenômeno que se refere à aquisição de habilidades
antes do tempo esperado e a família, como base do desenvolvimento infantil,
contribui na formação da dinâmica emocional e do comportamento, tendo, na
constituição das características apresentadas pelas crianças precoces, forte
influência.
A pesquisa foi baseada em levantamento bibliográfico a fim de respaldar
a análise de dois estudos de caso de crianças precoces, ambas
acompanhadas em grupo, nomeado de oficina de precoces em uma instituição
pública.
Após a análise dos dados, concluímos que a família exerce um papel
fundamental na intensificação ou não dos comportamentos apresentados pela
criança precoce.
METODOLOGIA
A pesquisa foi baseada no levantamento bibliográfico relativo ao
desenvolvimento infantil, à precocidade e à dinâmica familiar, com o objetivo de
respaldar a análise de dois estudos de caso de crianças precoces. Constitui-se
em uma pesquisa exploratória, pois propõe uma maior aproximação e
compreensão do problema, por meio de estudo bibliográfico e análise de
casos. O estudo bibliográfico foi fundamentado nas principais contribuições
teóricas recentes sobre precocidade, com base nos trabalhos de Denise de
Souza Fleith e de Maria Auxiliadora Dessen, referências nos estudos sobre
precocidade e altas habilidades no Brasil, professoras e pesquisadoras da
Universidade de Brasília - UnB; a respeito do desenvolvimento infantil numa
perspectiva psicanalítica, tendo como referência contribuições significativas dos
psicanalistas Alfredo Jerusalinsky e Gustavo Mano; e relativas à dinâmica
familiar, no ponto de vista da abordagem sistêmica, conforme contribuições de
Nathan Ackerman.
Além da referida contribuição teórica, o estudo teve como base a
análise de dois casos: o primeiro de uma criança com 5 anos de idade, do sexo
feminino e aluna do Jardim I, da Educação Infantil, na cidade do Cabo de Santo
Agostinho/PE, e atendida em psicoterapia individual de base psicanalítica. A
segunda criança, com 6 anos de idade, do sexo masculino, é aluno do Jardim
II, da Educação Infantil, na cidade de Recife/PE.
Ambas as crianças são
acompanhadas em grupo, na oficina de precoces de uma instituição pública.
A coleta de dados foi realizada por meio de questionários (Anexo I)
respondidos pelas educadoras de uma instituição pública que oferece serviço
na área de educação especial, que acompanham os sujeitos da pesquisa em
um atendimento nomeado de oficina de precoces; pelos pais; e, ainda, pelos
registros efetuados pelo psicólogo clínico autor deste estudo que acompanha
um dos sujeitos. Os dados coletados dos casos foram apresentados de forma
descritiva.
A análise dos dados foi realizada de acordo com a abordagem
qualitativa, por meio da descrição dos casos, pelo uso do raciocínio indutivo,
realizando a interpretação dos fenômenos e atribuindo-lhes significados.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................9
CAPÍTULO I - PRECOCIDADE: UMA INTRODUÇÃO.............................................11
CAPÍTULO II - DINÂMICA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO INFANTIL......20
CAPÍTULO III – A DINÂMICA FAMILIAR DIANTE DA PRECOCIDADE DA
CRIANÇA.......................................................................................................................25
CAPÍTULO IV – RELATO DOS CASOS......................................................................30
ANÁLISE E DISCUSSÃO.............................................................................................35
ANEXOS.........................................................................................................................39
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................41
WEBGRAFIA.................................................................................................................43
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho se propõe a estudar a precocidade enquanto fenômeno
observado em crianças na primeira infância (2 a 7 anos), e que diz respeito à
aquisição antes do momento esperado ou considerado normal de habilidades
como: linguagem, motricidade e cognição, dentre outras. O estudo foi realizado
através de levantamento teórico e de dois estudos de caso, um de uma criança
de 5 anos e outra de 6 anos, tendo como referência a constituição emocional, o
comportamento da criança precoce e a sua dinâmica familiar.
A família, como base do desenvolvimento infantil, contribui na formação
da dinâmica emocional e do comportamento, tendo, na constituição das
características apresentadas pelas crianças precoces, forte influência. Sendo
assim, questionamos como a dinâmica familiar influencia na vivência emocional
e na formação de comportamentos apresentados pelas crianças precoces.
Em 2007, tivemos a oportunidade de participar de um curso de formação
para profissionais da educação realizado pelo Ministério da Educação e Cultura
- MEC, quando tivemos a oportunidade de conhecer as contribuições recentes
acerca dos estudos sobre altas habilidades e precocidade. Este curso foi
promovido com o intuito de capacitar profissionais da educação municipal para
a implantação de um serviço suplementar na área da educação especial. Este
serviço tem por objetivo realizar o atendimento às necessidades educacionais
especiais dos alunos com altas habilidades/superdotação, a fim de oportunizar
o aprendizado específico e estimular suas potencialidades criativas e seu
senso crítico, oferecendo ainda apoio pedagógico aos professores e orientação
às famílias destas crianças (FLEITH, 2007).
Conhecendo o trabalho da instituição e sua equipe, passamos a
acompanhar suas atividades e a receber, com grande frequência, no nosso
consultório, crianças com altas habilidades e com precocidade, encaminhadas
pela entidade. Por conta disso, na clínica, observamos que a dinâmica
emocional e muitos dos comportamentos apresentados pelas crianças estavam
10
relacionados diretamente à dinâmica de funcionamento e história da família, e
não apenas ao fato da criança apresentar precocidade.
A metodologia do estudo é apresentada discorrendo sobre os recursos e
estratégias utilizados para a pesquisa, a fim de investigar a hipótese de que,
apesar de ter características emocionais e de comportamento que, no geral,
são inerentes à criança precoce, a dinâmica emocional e de funcionamento da
família contribui intensamente para o surgimento e reforço de tais
comportamentos.
Posteriormente, na fundamentação teórica, iniciamos no capítulo I
abordando o conceito de precocidade, as características referentes às
habilidades que podem ser identificadas e aspectos da dinâmica emocional das
crianças precoces, com o intuito de esclarecer o tema e seus conceitos, em
especial relativos às questões afetivas que, vale ressaltar, são pouco
abordadas no meio acadêmico.
O capítulo II discorre sobre as influências da dinâmica familiar no
desenvolvimento infantil, a partir de uma perspectiva psicanalítica e sistêmica,
enfocando as significações psíquicas que os pais constroem na relação com o
filho e como a dinâmica destas representações entre os membros da família
interfere na constituição do sujeito psíquico.
O capítulo III enfoca a relação entre o funcionamento familiar e a
constituição e expressão da dinâmica emocional da criança precoce,
mostrando como a família tem um papel fundante e direto no surgimento e
desenvolvimento das habilidades, comportamentos e atividade afetiva desses
menores.
O capítulo IV apresenta o relato de dois casos, abordando a experiência
familiar, a formação, contextualização e exteriorização da vida emocional e dos
comportamentos apresentados pelos sujeitos analisados.
Logo após, apresentamos a conclusão do trabalho, com a análise e
interpretação dos casos apresentados, onde são expostas as conclusões
fundamentadas na teoria relacionada com a realidade experimentada por esses
sujeitos.
11
CAPÍTULO I
PRECOCIDADE: UMA INTRODUÇÃO
A precocidade no desenvolvimento infantil é analisada na literatura
especializada e nos inventários de personalidade há bastante tempo. O que
diferencia a criança precoce dos seus pares é o seu desenvolvimento
tipicamente avançado na primeira infância (PIAGET, 1999) - de 2 a 7 anos de
idade -, marcado pela aquisição de uma ou mais habilidades antes do
momento esperado para seu grupo etário. Precocidade não se refere apenas
às aquisições antecipadas de competências no desenvolvimento cognitivo,
mas, também, de comportamentos apresentados ou de pensamentos
desenvolvidos, característicos de crianças mais velhas. Assim, aquela que é
precoce não se confunde com a criança prodígio, como o foi Wolfgang
Amadeus Mozart, que apresenta um desempenho elevado, próprio de um
profissional adulto, em algum campo particular do saber; e com os gênios, que
se destacam entre os melhores, a exemplo de Leonardo da Vinci e Albert
Einstein, que, atualmente, são entendidos como aqueles indivíduos que deram
uma contribuição significativa e original aos povos, por isso mesmo
considerados os grandes realizadores da humanidade, conforme Virgolim
(2007).
Assim, as crianças precoces, as crianças prodígio e os gênios
constituem as três gradações ou manifestações específicas formadoras de um
contínuo entendido como fenômeno da superdotação/altas habilidades.
Para Renzulli (1986) apud Alencar (1992), estudioso do Centro Nacional
de Pesquisa Sobre o Superdotado e Talentoso, da Universidade de
Connecticut, Estados Unidos, existem dois tipos elementares de superdotação.
O primeiro é a superdotação do contexto educacional (schoolhouse giftedness),
e o segundo tipo é denominada criativa-produtiva (creative-productive).
Os
dois exemplos de superdotação são igualmente importantes e interrelacionados, e ambos têm a necessidade de estímulos por meio de programas
escolares específicos de incentivo.
12
A superdotação do contexto educacional é aquela apresentada pelos
alunos que apresentam um bom rendimento escolar, fruto de uma
compreensão e capacidade de raciocínio mais elaborado. Os alunos que
apresentam essa superdotação são regularmente orientados para programas
de encaminhamento e orientação, que enfatizam a aprendizagem dedutiva (do
geral para o particular) e o treino de processos estruturados de pensamento
que tem por objetivo a obtenção, a guarda e a reprodução da informação
adquirida.
O segundo tipo de superdotação, a criativa-produtiva, diz respeito à
produção original, inovadora, diferente do que é estabelecido, em que a ênfase
no processo de aprendizagem recai sobre a integração dos processos de
pensamento com a informação, partindo do particular para o geral (indução),
objetivando a resolução de problemas reais. A esse modelo de superdotação
Renzulli dedicou especial atenção e grande parte da sua produção teórica e
prática, e serviu de base para a sua concepção de superdotação que relaciona
os seguintes fatores: a) habilidade acima da média; b) dedicação à tarefa; e c)
criatividade.
A habilidade acima da média é relacionada à habilidade geral e a
habilidades específicas. A habilidade geral diz respeito ao processamento de
informações, à integração de experiências (background) e ao emprego do
raciocínio abstrato. As habilidades específicas estão ligadas à capacidade de
adquirir competência para a realização de atividades especializadas, como o
domínio da física teórica ou de alguma prática esportiva específica.
A
dedicação à tarefa define o empenho do indivíduo na consecução de
determinado
objetivo
e
refere-se
a
traços
de
personalidade
como
perseverança, compromisso com o objetivo e autoconfiança, além da
convicção de que se é capaz de desenvolver um trabalho de qualidade.
Quanto ao terceiro fator, a criatividade, pode ser mais bem
compreendida e dimensionada a partir da atividade e produção criativa do
indivíduo, quando realizando uma atividade de seu interesse. Renzulli chama a
atenção para
o fato
de
que os testes de criatividade ordinariamente
13
empregados possuem limitações significativas, questão que foge ao objetivo
deste estudo.
Assim, para Joseph Renzulli (1986) apud Andrés (2010), o fenômeno da
superdotação pode ser entendido de acordo com o seu Modelo dos Três Anéis,
que define os conjuntos de traços que resultariam no fenômeno em questão: 1)
Habilidade acima da média em uma área particular do conhecimento, quando
comparado aos colegas de mesma idade e origem social e cultural; 2)
Dedicação à tarefa, que implica em motivação, foco e empenho na busca pelo
objetivo; 3) Pensamento criativo, que diz respeito a pensar de forma inovadora
em algo diferente do tradicional, realizar conexões entre ideias até então não
consideradas e chegar a conclusões inéditas. Para o renomado autor, esses
são os fundamentos da superdotação.
Vale destacar que os três elementos (habilidade acima da média,
envolvimento com a tarefa e criatividade), necessariamente não precisam
marcar presença simultaneamente, ou ter o mesmo poder de manifestação ao
longo da vida. O que interessa é a existência de alguma relação entre eles,
para que a produtividade de primeira linha possa se manifestar.
Aqui, neste trabalho, abordaremos especificamente as características
referentes à precocidade. São chamadas de precoces as crianças que
mostram alguma capacidade prematuramente desenvolvida, em qualquer área
do saber humano, como na física, na astronomia, na dança, na pintura, na
música, na informática, nas relações sociais, na promoção da paz, na leitura,
na comunicação, na expressão corporal, nos esportes etc. Contudo, para evitar
o emprego equivocado de rótulos como o de superdotado, prodígio ou gênio, o
desenvolvimento da criança deve ser criteriosamente acompanhado, já que
“mesmo a superdotação precoce, em seu grau extremo, não é garantia de
sucesso futuro ou de que esta pessoa se tornará um adulto eminente”
(VIRGOLIM, 2007, p. 23).
De acordo com Alencar (1992), mais recentemente, a compreensão
multidimensional de inteligência tem sido enfatizada, o que significa o emprego
de muitas fontes e procedimentos para se considerar o
fenômeno da
14
superdotação, como: testes de inteligência, produção criativa, avaliação do
desempenho
escolar,
observação
do
comportamento,
acrescidos
de
entrevistas com professores e com a família e avaliações feitas pelo próprio
aluno sobre suas habilidades e interesses. No final do século passado e início
do atual, foram criadas diversas escalas que buscam avaliar características dos
alunos como motivação, liderança, criatividade e aprendizagem, a serem
utilizadas pelos professores.
O meio socioeconômico e o contexto cultural do aluno também são de
extrema importância. Assim, os testes normalmente aplicados dizem respeito à
realidade do jovem da classe média urbana, mas pouco tem a ver com as
condições de vida do jovem do meio rural e das camadas socialmente menos
favorecidas das cidades brasileiras. Com estes alunos, devemos dispensar
especial atenção a aspectos como motivação e compromisso, criatividade do
pensamento,
e
características
da
personalidade
como
dinamismo
e
perseverança, relacionando esses fatores ao seu meio social e cultural.
Com base no trabalho de Ourofino e Guimarães (2007), podemos
destacar as seguintes características dentre as mais encontradas em crianças
precoces em idade pré-escolar:
• Alto grau de curiosidade;
• Boa memória;
• Atenção concentrada;
• Persistência;
• Independência e autonomia;
• Interesse por áreas e tópicos diversos;
• Aprendizagem rápida;
• Criatividade e imaginação;
• Iniciativa;
• Liderança;
• Vocabulário avançado para a sua idade cronológica;
• Riqueza de expressão verbal (elaboração e fluência de ideias);
• Habilidade para considerar pontos de vista de outras pessoas;
15
• Facilidade para interagir com pessoas mais velhas e adultos.
Do ponto de vista de Mano (2013), a infância e a adolescência podem
também ser entendidos enquanto processos psíquicos constituintes do sujeito,
o que mostra as relações existentes entre a psicologia do desenvolvimento e a
psicanálise, particularmente a lacaniana. De maneira breve, podemos afirmar
que a psicologia do desenvolvimento trata da normatização e da classificação
dos períodos, dentro dos parâmetros de uma maturação típica. Dessa forma,
segue um ordenamento exterior previamente fixado, definido pela cronologia.
Já a psicanálise, mais especificamente a produção teórica de Jaques Lacan,
fala de tempos do sujeito, por ele definidos como instante de ver, tempo de
compreender e momento de concluir, todos do campo do tempo lógico, de
significado e alcance subjetivo, em oposição ao tempo cronológico e universal
da psicologia do desenvolvimento.
De acordo com Pinho (2003), o vocábulo desenvolvimento diz respeito a
todas as modificações pelas quais passa o indivíduo, no decorrer de sua
existência, no que se refere aos aspectos biológico, psíquico e social. Tem um
significado diferente, portanto, do termo crescimento - que define as
modificações no peso, na altura, nas dimensões do corpo -, e de maturação,
que vem a ser a particularização ou especialização progressiva das estruturas
que compõem o organismo, a exemplo do sistema nervoso central.
Ourofino e Guimarães (2007) afirmam que, no caso de crianças
precoces, pode haver um descompasso entre o desenvolvimento cognitivo,
considerado avançado, e o desenvolvimento afetivo que não apresenta,
necessariamente, sinais de amadurecimento e de estar acompanhando aquele.
Os precoces apresentam, dessa forma, assincronia do desenvolvimento, ou
seja, o desencontro entre o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor,
que se revela nas relações entre cognição e emoção, no desenvolvimento
moral e na significativa intensidade emocional da pessoa superdotada
(CUPERTINO, 2008). O equilíbrio emocional pode ser posto à prova de forma
sensível por causa da assincronia, o que não raramente acarreta problemas
pessoais, familiares, escolares e com a comunidade. Vale destacar que Leta
Hollingworth foi a primeira autora a chamar a atenção para o fato de que a
16
capacidade cognitiva de um adulto e a maturidade emocional de uma criança
em um corpo de criança podem causar alguns problemas, a exemplo dos
conflitos familiares, de acordo com Silverman (1993).
A acentuada elaboração verbal e conceitual, quando ainda estão dando
os primeiros passos no aprendizado da leitura, acarreta significativa frustração;
a habilidade espacial desenvolvida, associada à incapacidade de colocar no
papel o que conseguem perceber, causa desolação; a desenvoltura
cinestésica, somada à dificuldade para relacionar-se com os pares e,
consequentemente, de integrar-se em uma prática esportiva, faz com que a
criança se sinta desafiada internamente. Já que o desenvolvimento e o
amadurecimento de cada uma das áreas citadas têm o seu próprio percurso e
tempo de realização, muitas crianças precoces sofrem por causa dessa
assincronia, em um momento em que ainda não gozam de maturidade
emocional e intelectual para entendê-la e assimilá-la, o que tem reflexos diretos
em sua autoestima. As crianças precoces formam um grupo heterogêneo, com
diferentes interesses, níveis de habilidades, desenvolvimento emocional, social
e físico (FLEITH, 2006).
Com a busca pelo desenvolvimento global da criança, em outras
palavras, de todas as áreas do desenvolvimento pessoal, numa compreensão
que transcende a concepção unidimensional da inteligência, Howard Gardner e
sua Teoria das Inteligências Múltiplas tem importantes contribuições para
compreendermos as habilidades que podem ser desenvolvidas por uma
criança no decorrer do seu desenvolvimento e como estas se manifestam
(Antunes, 2002).
Para ele, a inteligência é definida como “potencial
biopsicológico para processar informações, que pode ser ativado num cenário
cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados
numa cultura.” (Gardner, 2000, p.47). Algumas de suas lições sobre os tipos de
inteligência são sintetizadas a seguir:
• Inteligência cinestésica: capacidade para solucionar problemas ou
produzir produtos por meio do uso de partes ou de todo o corpo;
habilidade para fazer bom uso da coordenação motora ampla e
17
fina em atividades esportivas e coreografias para controlar o
deslocamento do corpo e a manipulação de objetos com
eficiência. Empregada por atletas, bailarinos, equilibristas etc.
• Inteligência espacial: segundo Gardner, é o tipo de inteligência
característico dos engenheiros, arquitetos e artistas plásticos, ou
seja, daqueles que percebem e concebem a realidade espacial de
forma clara e precisa, conseguindo manipular formas e objetos
mentalmente e, com base no que perceberam inicialmente, criar
novos
objetos,
formas,
composições
e
soluções
numa
representação espacial.
• Inteligência
interpessoal:
habilidade
para
compreender
e
responder de forma satisfatória aos humores, temperamentos e
motivações das pessoas; capacidade de perceber as inclinações
e desejos dos sujeitos e para reagir de maneira adequada com
base no que foi percebido.
• Inteligência intrapessoal: capacidade de acessar, analisar e
direcionar os próprios conteúdos emocionais e intelectuais, como
pensamentos e desejos, no intuito de resolver questões pessoais;
conhecimento das próprias necessidades, potencialidades e
características, para que possa formular uma imagem coerente e
definida de si e para que esta atue de forma eficiente.
• Inteligência linguística: capacidade para perceber as diferentes
sonoridades, ritmos e significados das palavras, e os variados
contextos e funções da linguagem; habilidade para usar a
linguagem com o propósito de emocionar, persuadir, agradar ou
transmitir conhecimentos. Para Gardner, é a modalidade de
inteligência predominante nos poetas, operadores do direito e
escritores.
• Inteligência
musical:
relacionada
com
as
atividades
de
composição e reprodução musical, canto, tocar instrumentos
musicais e apreciar música. Também é
a capacidade de
18
identificar e distinguir timbres musicais, texturas e sonoridades
diversas. É apresentada por músicos e intérpretes musicais.
• Inteligência lógico-matemática: diz respeito à facilidade de
raciocínio, identificação e aplicação de padrões, estabelecimento
de ordenamentos e sistematizações.
Habilidade no estudo de
relações e categorias fazendo uso de objetos e/ou símbolos.
Capacidade de fazer experimentos de forma controlada, trabalhar
com séries de raciocínios, identificar problemas complexos e suas
soluções. Faz parte do cotidiano de matemáticos, físicos e
cientistas.
• Inteligência naturalista ou ecológica: habilidade para reconhecer e
analisar a flora e a fauna, as rochas e suas diferentes
manifestações.
Capacidade de agir construtivamente no meio
natural. É apresentada por botânicos, geólogos, ornitólogos e
zoólogos.
Para
Gardner (2000),
todas
as
pessoas
possuem
várias
inteligências e os níveis de habilidade em cada uma dessas inteligências são
independentes, ou seja, o elevado desempenho em uma delas não significa o
mesmo resultado nas outras. As pessoas são diferentes entre si em suas
inteligências por causa da sua herança genética e do contexto ambiental e
cultural onde vivem, e é papel da escola oportunizar condições variadas para o
desenvolvimento e expressão dos diferentes tipos de inteligência.
Um dos
pontos mais positivos dessa teoria é a ênfase na compreensão multicategorial
da inteligência e da superdotação.
Dessa forma, é frequente percebermos uma criança muito desenvolvida
do ponto de vista intelectual, porém física e emocionalmente imatura, o que
precisa ser registrado e acompanhado pelos mais próximos.
Inclusive, o
desempenho diferenciado pode ser o resultado de uma estimulação intensa
realizada pelos familiares e que, quando a criança venha a ingressar no
universo escolar, tal desempenho passe a ser mediano, típico das crianças
daquela faixa etária. Daí a compreensão de que uma criança precoce não
será, necessariamente, genial.
Diante
dessa constatação, verifica-se a
19
importância de acompanhar o desenvolvimento dessa criança, de registrar as
habilidades e os interesses apresentados na fase inicial da vida escolar e de
ofertar atividades estimuladoras e enriquecedoras de sua competência, e a
dinâmica familiar tem papel fundamental neste processo, pois influencia a
vivência emocional e, consequentemente, contribui para a formação de valores
e comportamentos específicos apresentados pelas crianças precoces.
20
CAPÍTULO II
DINÂMICA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO INFANTIL
A infância é marcada pela passagem do infans (filhote humano ainda
não falante) à condição de falasser (sujeito falante e desejante).
Para a
psicanálise, a fundação na linguagem do sujeito psicanalítico ocorre em
situações que antecedem o próprio nascer, como o são as idealizações dos
pais, os significantes da novela familiar e o universo simbólico prévio.
O
instante de ver pode ser entendido como o testemunho primordial da castração,
própria e do Outro, em que ocorre a entrada do projeto de sujeito na linguagem
e consequente início da formação de um projeto de indivíduo, que se dá pela
captação dos significantes primordiais. Em outras palavras, é o momento de
ingresso do infans no universo linguístico, social e culturalmente determinado e
traspassado pela linguagem, apesar de ainda alienado desse universo (MANO,
2013).
Para Freud (1993) apud Mano (2013), a organização genital infantil
ocorre, dentre outros fatores, por meio de danos narcísicos precoces, como a
perda do seio materno depois de terminado o sugar, a entrega cotidiana de
suas fezes e a separação do útero, ao nascer. Todas essas situações têm sua
significação advinda do Outro, que pode ser o pai, a mãe, o irmão ou outra
pessoa afetivamente significativa para a criança.
De fato, de acordo com
Jerusalinsky (2001) apud Mano (2013), por algum tempo na vida da criança
ocorre uma carência de posição de sujeito, que, muitas vezes, é antecipado,
mas não efetivado enquanto tal, no discurso dos pais apresentado na clínica
psicanalítica.
Ou seja, a criança ocupa o lugar de objeto.
Tal situação é
expressa na fala queixosa dos pais, na perspectiva patológica dos médicos e
no respeito às regras que é exigido no ambiente escolar. Enfrentando essa
situação, a criança tem a necessidade de um lugar de onde possa se expressar
e se enunciar enquanto sujeito, já que ela é falada, criticada, comentada,
avaliada e condenada, mas não lhe é dada a oportunidade para que fale por si
21
e de si, o que faz com que ela fique na posição de gozo do Outro, no lugar do
infans.
Esse jogo entre a posição gozada e gozosa, de acordo com Jerusalinsky
(2001) apud Mano (2013), é fundamental para a própria sobrevivência da
criança.
Suas manifestações como o choro, o resmungo e o grito não se
estruturam enquanto fala; são, antes, pedidos carentes de uma significação
que é dada pelo Outro, no lugar de desejante, que precisa oferecer algo que vá
além do que a simples necessidade biologicamente determinada solicita.
Dessa forma, percebemos que significantes e significados podem ser dados
quando a palavra ainda não está ao alcance da criança, e o acesso àquela,
vale destacar, implica também em abdicar do gozo de ser o objeto para o
Outro. O trabalho psíquico na infância consiste, essencialmente, em passar da
posição de objeto, falada, para o lugar de sujeito falante.
Do ponto de vista psicanalítico, a dimensão mental promove a
organização do sistema motor, perceptivo, fonatório, adaptativo etc. Tem como
ponto de partida os mecanismos físico-biológicos, e percorre o caminho de
volta para eles modificando até mesmo o seu funcionamento. Assim, podemos
afirmar que a estruturação do tônus muscular depende não somente de
automatismos neurofisiológicos, mas ainda do tratamento que o Outro, na
posição materna, dispense aos estímulos internos que atuam na criança.
Assim, depende da relação do Outro com a criança a promoção do processo
de maturação harmoniosa do tônus muscular desta. O bebê, que se encontra
em um momento de variação tônico-muscular, recebe da mãe o significado por
meio da linguagem, dimensão especificamente psíquica.
Há ainda outros exemplos da subjetividade psíquica influenciando o
funcionamento corporal/neuromuscular, como é o caso da conversão histérica
e do quadro catatônico da psicose esquizofrênica, dentre outros.
A
determinação simbólica do funcionamento psíquico é marcante nos transtornos
excrementícios, mictórios e de vômitos associados a quadros fóbicos ou
anoréxicos. Nos casos de autismo precoce, o plano perceptivo, diretamente
afetado pela falha na posição simbólica, passa por um processo de
desintegração sensorial. A cadeia significante, ao efetuar a captura do corpo,
22
dá início ao ordenamento simbólico, operado por um Outro, processo
constituinte da posição imaginária.
De acordo com Lacan (1978) apud Jerusalinsky (1999), por causa de
sua deficiência instintual, o ser humano necessita da mediação do Outro para a
formação do seu objeto de desejo. Por causa dessa insuficiência biológica, a
dimensão
psíquica,
enquanto
pulsão,
representa
o
organicamente
determinado. Ao receber um estímulo externo e buscando evitar os seus
efeitos, a criança vale-se da ação para resolver os desacordos. Já no que diz
respeito aos conflitos internos, a dinâmica de resolução é mais complexa, uma
vez que exige a intervenção tutelar do Outro, já que é ele quem constitui o
objeto humano, enquanto significante e formador do Imaginário. O mesmo não
ocorre com o objeto animal, que é constituído hereditariamente, unicamente
por determinação biológica.
Assim, é o discurso do Outro que preenche o bebê, que até então
ocupava o lugar vazio, sem significado, de objeto, para que possa recobrir, no
Real, o objeto. Tal estruturação ocorre com a inscrição de marcas simbólicas
no corpo pela mãe, definindo assim a borda do objeto, que, para o bem da
criança, permanecerá vazio. O bebê fala por meio do discurso paterno sobre
ele, ocupando, a partir de então, um lugar na cadeia significante dos pais, que
denegam a sua insuficiência.
Pelo que vimos, o desenvolvimento do bebê se dá por meio das marcas
simbólicas que o afetam. Não tem por base unicamente o critério biológico e a
influência ambiental, mas considera as marcas simbólicas que se organizam
em séries significantes que, por sua vez, dão origem a sistemas estáveis –
visual, auditivo, fonatório, motor etc. O ritmo do desenvolvimento é definido
pelo desejo do Outro e é expresso pelo seu discurso. O sujeito é fruto da
linguagem, pois o conjunto biológico acrescido da estrutura significante
proporcionada pela linguagem autoriza a criança a se apropriar dessas
instâncias e sistemas simbólicos, que a remetem ao campo fantasmático e ao
da realidade.
23
De fato, o encontro da subjetividade da criança com a subjetividade dos
pais promove a articulação de sintomas, que não se esgota no puramente
orgânico, o que diz respeito diretamente ao tempo de constituição dessa
criança, que se estrutura enquanto realização do desejo e sustentação psíquica
dos pais. E, de grande importância para o nosso estudo, como se relacionar
com essa criança que foge aos padrões tradicionais no que se relaciona com a
aquisição
precoce de habilidades e
competências, apresentando um
desenvolvimento cognitivo que não é acompanhado por um amadurecimento e
desenvoltura emocional?
A busca de resposta pelos pais, aflitos e
desnorteados, se baseia em estudos técnicos e médicos, que, com significativa
frequência, os afastam da criança, carente de atenção, orientação, companhia
e acolhimento.
O tempo de compreender diz respeito à organização dos significantes
para a estruturação do psiquismo infantil.
Portanto, é aqui que ocorre a
passagem de objeto para a posição de sujeito, ou aquele que sabe do lugar
que ocupa para o Outro, conforme Giongo (2011) apud Mano (2013). Com a
capacidade de manejar os significantes que toma emprestados, a criança dá
início ao processo de separação, ou seja, dá início à individuação que trará a
sua nova posição, desta vez diante da castração. Ou seja, deixará o lugar de
objeto e passará a ocupar o lugar do Outro e, assim, terá condições de
construir a sua própria história. De acordo com Bernardino (2007) apud Mano
(2013), ocorre a internalização da estrutura simbólica, que faz o papel de apoio
inconsciente e permite à criança posicionar o seu discurso. A criança tem, pelo
exposto, um papel ativo em seu processo de estruturação psíquica e, para
Rodulfo (1990) apud Mano (2013, p.5), “a criança alimenta a si mesma através
do seio da mãe”.
Agora vamos abordar o Nome-do-Pai, que atua enquanto significante em
situações de demarcação de lugares simbólicos, a partir do momento em que a
criança se ocupa da palavra. É o crédito resultante do exercício da função
paterna, condição sine qua non para que se torne significante. Em poucas
palavras, o tempo de compreender diz respeito à passagem do lugar de objeto
24
na fala do Outro ao lugar de sujeito, transição essa que ocorre a partir da
elaboração da castração.
O terceiro estádio, o momento de concluir, remete ao chamado para que
o sujeito se enuncie, situação própria do ingresso na adolescência, quando
ocorre a falta de um significante que designe plenamente o sujeito, no Outro.
A memória não faz uso unicamente da acumulação de informações
significativas, mas dá novos significados ao material armazenado, fazendo uso
de intersecções significantes, o que permite o encontro dos tempos e dos fatos
marcantes.
De acordo com Ackerman (1978), a família, enquanto sistema de trocas
recíprocas
entre
seus
membros,
constitui-se
em
um
contexto
de
desenvolvimento, a quem cabe a realização e harmonização de todas as
funções essenciais, dentre as quais destacam-se a garantia de sobrevivência e
a transmissão da humanidade fundamental do indivíduo. Tal funcionamento
ocorre tomando por base o funcionamento da família e de seus membros, de
maneira honesta e transparente em relação aos perigos e oportunidades do
meio social em questão.
Cabe ainda à família a relação com o meio social mais amplo, à medida
que apresenta e inclui os seus constituintes no meio escolar, no círculo de
amizades, na vizinhança etc. Para que possa cumprir o seu papel, a família
necessita desenvolver a afetividade entre os seus membros, por meio do
emprego e circulação dos sentimentos de afeto, de devoção e de lealdade, o
que significa, de forma mais abrangente, a preocupação com o bem-estar e a
felicidade do outro.
Nesse sistema de trocas entre pais e filhos, o fenômeno da precocidade
exige uma revisão dos papéis exercidos tradicionalmente pelos membros da
família.
Esta tem uma função crítica e essencial no desenvolvimento de
crianças precoces, já que é o contexto inicial de desenvolvimento do ser
humano e, conforme Dessen e Braz (2005, p.128), “além de ser um espaço de
transmissão de cultura, significado social e conhecimento agregado ao longo
das gerações”.
25
CAPÍTULO III
A DINÃMICA FAMILIAR FRENTE À PRECOCIDADE DA CRIANÇA
A família constitui-se em um sistema que propicia o desenvolvimento
inicial dos seus membros, provendo-os com os elementos necessários para a
sua sobrevivência e socialização iniciais, ao proporcionar significação pessoal
e social à existência dos seus integrantes.
Desta forma, nas palavras de
Dessen (2007, p.23), “o seu importante papel na proteção do funcionamento
biológico, na sobrevivência humana, na manutenção e transmissão de valores,
tradições e significados culturais é inquestionável.”
O grupo familiar, neste sentido, é fundamental para o desenvolvimento
das habilidades, precoces ou não, de uma criança. De acordo com Silverman
(1993, p.171), “a superdotação é uma qualidade da família, mais do que uma
qualidade que diferencia a criança do resto de sua família”, ou seja, além dos
pais de criança precoces em geral possuírem uma formação intelectual
diferenciada, o meio familiar dessas crianças é significativamente favorável ao
desenvolvimento da precocidade, já que atua de forma motivadora e
fortalecedora das potencialidades da criança. É um meio familiar voltado para
o desenvolvimento dos filhos, em que ocorre interação constante, por meio de
conversas, jogos, leituras e demais atividades voltadas para a valorização da
educação e do aprimoramento pessoal.
O acompanhamento constante dos filhos tem por base modelos
convincentes de comportamento, valores solidamente estabelecidos e o
incentivo aos interesses dos menores, por meio do fortalecimento da
independência e da curiosidade.
Vale ressaltar que, a despeito do rigor
exagerado que o incauto pode identificar na conduta dos pais de crianças
precoces, há o necessário espaço para os erros da criança, que são
considerados com tolerância e acolhimento, no sentido de promover a sua
revisão e aprendizado com as dificuldades.
26
São lares marcados pelo forte sentimento de união, por relacionamentos
construtivos e por conflitos menos significativos do que os existentes em lares
de crianças que não são precoces, e de um menor número de divórcios. Tratase de um sistema de influências recíprocas entre a família e a criança precoce,
em que a herança genética e a dinâmica de convivência familiar interagem de
uma maneira a facilitar ou a dificultar o desenvolvimento da precocidade.
Quando
nasce
uma
criança
com
algum
tipo
de
déficit
no
desenvolvimento, logo as necessidades específicas desta criança são
identificadas e a família imediatamente é orientada a buscar atendimentos
adequados as suas especificidades. Porém, quando nasce uma criança que
virá a ser superdotada, a família mantém-se por longo tempo desorientada,
perdida, já que as evidências da alta habilidade da criança só surgirão no
decorrer do seu desenvolvimento (DELOU, 2007).
Segundo Dessen (2007), a maioria dos pais de crianças precoces
reconhecem as habilidades de destaque dos seus filhos por volta dos 5 anos
de idade. Estas famílias vivenciam algumas situações consideradas tranquilas
em contextos familiares que não têm crianças precoces como desafiantes, a
saber: decisões sobre em qual escola colocar o filho, se devem ou não acelerar
a criança na série escolar, dentre outros. Estes desafios são mais intensos e
inclusive podem desencadear conflitos entre os pais no que se refere à
concordância nas decisões a respeito de suas relações parentais.
Devido à assincronia do desenvolvimento, também é difícil para os pais
lidar com um filho que tem argumentos verbais de uma idade avançada e
comportamento emocional de sua faixa etária.
Na maioria das vezes, os pais estão desinformados a respeito do modo
de ser peculiar e das necessidades específicas do seu filho precoce, o que faz
com que fiquem desnorteados a respeito do que fazer e de como proceder, no
sentido de incentivar ou de inibir o potencial do seu filho, além de se
perceberem isolados e sem apoio. Essa dinâmica familiar pode ser entendida
de acordo com vários fatores:
27
“(a) ideias preconceituosas e estereotipadas disseminadas na
sociedade sobre o indivíduo superdotado; (b) hostilidade
encoberta por parte da sociedade àqueles que apresentam um
potencial elevado; (c) apoio limitado da sociedade a projetos na
área da superdotação; (d) falta de informações sobre recursos,
programas e serviços disponíveis para estes indivíduos; (e)
dissonância entre as práticas usualmente recomendadas para
a criação de um filho e a realidade vivenciada com o filho
superdotado e (f) a preferência por ter um filho que seja
“normal” a ter que pagar o preço por ser diferente”.
(COLANGELO, 1997; SILVERMAN, 1993; WEBB & DE VRIES,
1998), apud Fleith (2007, p. 9)
A manifestação da precocidade na criança é causa, amiúde, de
ansiedade, de cobranças exageradas e de desorientação dos pais, que não
conseguem entender o que acontece com o próprio filho e agem, com
frequência, como se ele apresentasse algum transtorno de aprendizagem.
Essa atitude dos pais é influenciada pelos mitos, preconceitos e estereótipos
que cercam a questão da precocidade, o que acaba por gerar confusão e
desentendimento, impedindo ou obstaculizando a oferta de compreensão,
apoio e incentivo de que essas crianças tanto necessitam. Nesse contexto,
muitos pais apresentam dificuldades com questões emocionais, familiares,
sociais, cognitivas e escolares de seus filhos precoces (ASPESI, 2007). É
comum a ocorrência de ciúmes e de rivalidades nos lares em que há uma
criança precoce e outra com desenvolvimento típico (SILVERMAN,1993).
Confusos na administração de limites, os pais muitas vezes são mais
permissivos do que deveriam, por medo ou receio de frustrar o filho, visto como
excepcional e admirável, o que evidencia que consideram a criança superior
estimulando assim modelos de relacionamento pautados pela competitividade
e proteção exageradas, o que certamente causa problemas na família, na
comunidade, na escola etc (DESSEN, 2007).
Muitos pais afirmam que se identificam com a realidade dos filhos
precoces, e que enfrentaram situações favoráveis e desfavoráveis semelhantes
àquelas vivenciadas pelos menores. Apesar disso, tal identificação com os
filhos não levou os pais a ter uma compreensão aprofundada e detalhada da
28
situação emocional vivenciada pela criança precoce, o que impede a
elaboração da problemática em questão. Assim, pela carência de elaboração
psíquica, muitas vezes repetem com os filhos as situações que vivenciaram
quando pequenos.
O
despreparo
dos
pais
acaba
afetando
os
comportamentos
apresentados pelos filhos, que, muitas vezes, se sentem exigidos em demasia
e expostos a situações sociais para as quais não estão devidamente
amadurecidos, o que pode levar a desentendimentos, perda da autoestima e
desmotivação. É público que um ambiente socioafetivo saudável auxilia na
promoção do bem-estar psicológico e age eficazmente sobre a capacidade de
autorregulação da criança, fatores que auxiliam na sincronização do
desenvolvimento global (DESSEN, 2007).
Por causa do desempenho precoce de seus filhos, muitos pais, por
preconceito ou desinformação, ficam assustados e defendem que estes devem
ter uma formação familiar, social e escolar igual a das outras crianças, negando
assim as suas possibilidades e potencialidades, tentando adequá-las a padrões
de normalidade, e podando qualquer expectativa quanto ao futuro. De acordo
com Silverman (1993), apud Aspesi (2007), nesse ambiente, as reais
necessidades da criança não são atendidas, já que suas potencialidades e
talentos não são devidamente considerados, além dos problemas emocionais e
sociais igualmente desencadeados.
É muito importante conhecer a forma como funcionam as famílias de
crianças
e
adolescentes
com
altas
habilidades/superdotação
para
compreensão dos efeitos do desenvolvimento diferenciado destes indivíduos,
inclusive emocional, e de como a família recebe a notícia de que um de seus
membros é superdotado. A família sofre quando se dá conta de que a
sociedade
ainda
tem
preconceitos
com
relação
às
altas
habilidades/superdotação. Um destes preconceitos é a negação de que altas
habilidades/superdotação não existem, pois consideram todos iguais. Outra
concepção errônea referente a alta habilidade/superdotação é de que a criança
não precisa de apoio ou ajuda pedagógica especializada para desenvolver
suas habilidades, pois julgam que ela já nasceu inteligente e existem muito
29
mais alunos que precisam de ajuda do que os alunos com destaque no
desenvolvimento (DELOU, 2007).
Sendo assim, a família das crianças precoces não encontra profissionais
especializados em altas habilidades/superdotação, tanto nas escolas públicas
como nas particulares (DELOU, 2007). O mesmo ocorre na área da saúde,
particularmente na psicologia, aqui em questão,. Isto gera muitas vezes má
compreensão e intervenções inadequadas, como, por exemplo, diagnosticar
uma criança superdotada como hiperativa, pois muitos profissionais confundem
o alto nível de energia com hipercinesia ou hiperatividade (OUROFINO &
GUIMARÃES, 2007).
Pelo exposto, a criança precoce constitui-se em um desafio para a
família, que não sabe lidar com suas peculiaridades, interesses, habilidades e
potenciais. Pelo seu destaque em uma ou mais áreas, ao contrário de muitos
dos seus pares, usualmente acaba ocupando o lugar do diferente ou excluído
do seu grupo, carente de afeto e de incentivo. Sendo assim, a família da
criança precoce necessita também ser acompanhada, a fim de receber suporte
sobre as especificidades emocionais dos pequenos.
30
CAPÍTULO IV
RELATO DOS CASOS
Este trabalho apresentará dois casos de crianças precoces, ambas
acompanhadas em uma instituição pública na área de educação especial, com
o propósito de analisar a constituição emocional e a dinâmica familiar de cada
uma delas.
CASO I
C., 5 anos de idade, é a filha de um casal que já tinha uma filha
primogênita, com quatorze anos de idade, quando a genitora S. engravidou.
Aproximadamente, quando C. tinha dois anos de idade, sua mãe entrou em
contato
com
uma
equipe
que
atende
crianças
com
altas
habilidades/superdotação , muito aflita e assustada, sem saber como lidar com
os comportamentos apresentados pela criança, a saber, aquisição precoce na
habilidade de leitura, fluência verbal acentuada para uma criança na sua idade
e alta criticidade. Apesar da instituição ter atendimento em grupo dirigido para
crianças com precocidade (Oficina de Precoces), C. não podia iniciar o
acompanhamento, visto que este só é oferecido para crianças a partir dos três
anos de idade. Sendo assim, sua mãe foi atendida no espaço dedicado às
famílias, participando de encontros de orientação individual e de palestras
informativas, que trabalham sobre as especificidades de desenvolvimento e
comportamento da criança precoce.
Após um ano, C., já com três anos de idade, começou a ser atendida na
oficina de precoces. Já apresentava habilidade fluente em leitura; porém, era
bastante voluntariosa, apresentando crises de birra ao ser frustrada, pois
desejava que tudo ocorresse de acordo com seu interesse. Devido a isso, sua
socialização era prejudicada, não aceitando brincar com os colegas do grupo e
a seguir a rotina estabelecida no atendimento. Mostrava-se questionadora. A
mãe, angustiada, sempre abordava as professoras da oficina, sem saber lidar
31
com o comportamento voluntarioso da filha que: não aceitava participar da aula
de balé com meninas da sua idade, por considerá-las “bobinhas”, resultando na
atitude da mãe de colocá-la numa turma de meninas maiores; não queria
participar das festas da escola, o que era atendido pelos pais e professores;
declarava não gostar de bebês; chorava em algumas atividades promovidas
pela sua professora da sala regular; entrava em desespero ao ouvir estampidos
de fogos de artifício; negava-se a ir para festas de aniversários por não gostar
da vela e da música etc.
Uma das professoras da oficina de precoces, que também é psicóloga,
observou que a mãe de C., apesar de mostrar-se desorientada com os
comportamentos da menina, também apresentava certo gozo ao relatar os
feitos desta, inclusive, com dificuldade em ouvir as intervenções das
profissionais, que sempre pontuavam a necessidade de não ceder a todas as
exigências da criança, explicando a importância de administrar limites. Após
várias orientações, foi sugerido à mãe colocar a criança em psicoterapia, sendo
esclarecido
que,
além
do
comportamento
voluntarioso,
C.
também
demonstrava imaturidade emocional significativa para lidar com frustrações,
como: dificuldade em aceitar a falta de habilidade em algumas atividades; não
controlar seus medos; e ser intolerante com o diferente, dentre outros
comportamentos registrados na época.
A família de C., constituída pela sua mãe, seu pai e sua irmã, demostra
viver em harmonia, sem conflitos familiares significativos. A mãe é assistente
social e professora de balé clássico. É comunicativa, tem boa capacidade de
argumentação e se identifica bastante com a filha, declarando que, quando
criança, tinha comportamentos muito parecidos com os que a filha apresenta.
O pai, G., demonstra ser tímido, fala pouco e é técnico em explosivos. Ambos
valorizam a educação, o conhecimento e a formação dos filhos, promovendo
um ambiente familiar enriquecedor em atividades que estimulam o corpo e a
mente. A mãe afirma que tem especial predileção pela leitura. O pai, apesar de
ser mais reservado, administra limites para a filha com mais eficiência que a
mãe, que geralmente cede diante das exigências da filha. Segundo S., muitos
32
comportamentos que a criança apresenta na presença dela, não são
observados quando o pai está presente.
Na
escola,
C.
não
recebe
nenhum
atendimento
educacional
especializado que atenda às necessidades pedagógicas específicas da
criança. Isso gera bastante resistência da criança em realizar atividades que
tenham baixo nível de dificuldade pelo fato de já dominar a leitura e
razoavelmente a escrita. Em algumas situações a criança chega a encenar que
está doente como pretexto para sair da sala de aula.
C. iniciou psicoterapia no segundo semestre de 2013. Os pais investem
bastante no tratamento. Em especial, a mãe está procurando observar e
compreender melhor a maneira de ser e as atitudes da filha, além de
desenvolver um ponto de vista crítico sobre como abordar e estimular a
criança. Os pais estão compreendendo que a realização pessoal da filha
depende diretamente de uma maneira particular deles se relacionarem com
ela, maneira esta que necessita privilegiar as especificidades intelectuais,
emocionais e sociais de C. Durante o processo psicoterapêutico, a criança
obteve boa evolução. Segundo a mãe, ela está mais flexível e tolerante no
contato com bebês e crianças da sua idade; está começando a administrar
seus medos e despertando para novas habilidades intelectuais, frutos do
amadurecimento emocional, que lhe permitiu entrar em contato com conteúdos
e atividades para os quais não tinha muita habilidade. A criança continua sendo
acompanhada na oficina de precoces e em psicoterapia.
CASO II
B., 6 anos de idade, é filho primogênito. Os pais são psicólogos e
valorizam a educação, o conhecimento e o compromisso com a formação do
menor, investindo na compra de livros, brinquedos e jogos educativos e no
acesso a atividades que promovam o desenvolvimento de um espírito crítico e
de um gosto refinado para atividades de lazer. A dinâmica familiar não
evidencia conflitos significativos. Os pais não apresentam dificuldade em
administrar limites ao filho.
A mãe é comunicativa e tem habilidade de
liderança, enquanto o pai é mais reservado e gosta muito de atividades
intelectuais. Assim como B., o pai, desde pequeno, apresenta habilidade
33
acadêmica, principalmente em linguagem. Ademais, lembra que, na escola,
era muito ativo motoramente, sendo recorrente suas idas à coordenação da
escola pois terminava as tarefas com rapidez e ficava conversando na sala de
aula.
A mãe, além das habilidades de liderança, tem espírito crítico
desenvolvido, boa fluência verbal e raciocínio rápido.
B. ingressou na oficina de precoces, aos três anos de idade. Quando a
criança tinha um ano e três meses de idade, começou a realizar pseudoleitura.
Por volta de um ano e oito meses, B. já conhecia todas as letras do alfabeto,
aprendidas através da interação com a babá, que nomeava as letras do tapete
emborrachado da criança.
Quando começou a participar da oficina de
precoces, a criança já lia frases simples, habilidade que adquiriu antes de
ingressar na escola, pois só começou sua vida escolar aos três anos de idade.
É importante ressaltar que, apesar dos pais oferecerem um ambiente
enriquecedor, não realizaram intervenções diretas com o propósito de ensinar a
leitura.
Ao iniciar suas atividades na oficina de precoces, a criança apresentava
boa interação e socialização com as professoras e os colegas, além de não ter
dificuldade em seguir a rotina e as regras acordadas no grupo, apesar de ter
um comportamento motor um pouco agitado.
É bastante comunicativa, e
expressa suas ideias em palavras com boa fluência. Os pais nunca relataram
dificuldades de comportamento, inclusive no meio escolar, que, vale destacar,
não atendia às especificidades pedagógicas da criança. Porém, mesmo tendo
alguns episódios de elevada autocrítica, após intervenções das professoras da
oficina de precoces ou dos pais, B. se organizava, permitindo-se participar ou
realizar atividades em que não tinha tanta habilidade. O aluno sempre realizou
as atividades propostas na oficina e na sala escolar com zelo e dedicação.
Assim como C., na escola B. também não tem atendimento educacional
especializado, que atenda às suas especificidades pedagógicas enquanto
aluno que tem precocidade em leitura e escrita. Por apresentar bastante
energia motora, a psicóloga da escola chegou a levantar a possibilidade da
criança ter hipercinesia, o que não foi rebatido pelos pais, visto que ambos têm
conhecimento sobre altas habilidades/superdotação e, em casa, não observam
34
comportamento hipercinético no filho. No caso de B., o seu acompanhamento
ficou restrito a oficina de precoces, com o intuito de acompanhar e dar suporte
a sua precocidade.
Até o momento, a criança mantém o vínculo com a
instituição e desenvolveu, em 2014, a habilidade da escrita, inclusive
produzindo pequenos textos, habilidade desenvolvida de forma autônoma, pois
a série que estava cursando (Jardim II), ainda não estimula a produção textual.
35
ANÁLISE E DISCUSSÃO
Para Ourofino e Guimarães (2007), apud Fleith (2007), embora a maior
parte das crianças precoces seja emocional e socialmente ajustadas, é comum
encontrarmos sujeitos com dificuldades de ajustamento emocional e social,
relacionados diretamente com os altos padrões de exigência característicos
dessas crianças. Assim, por exemplo, o aluno intelectualmente bem dotado
pode não apresentar o rendimento acadêmico que se espera dele.
Este
desencontro entre potencial e desempenho verificado possivelmente termina
por agravar ainda mais as dificuldades afetivas, repercutindo no conceito que a
criança tem de si mesma e acarretando isolamento social e reduzida tolerância
à frustração.
Neste processo, a família exerce uma influência fundamental sobre a
potencialização ou não de tais características.
Seguindo este raciocínio,
observamos tal influência nos casos apreciados, visto que ambas as crianças
são precoces, apresentam algumas características em comum, porém com
dinâmicas emocionais e intensidades diferentes. Para Kreppner (2000) apud
Dessen (2007), cada família em particular tem a capacidade de estabelecer a
sua própria cultura, ao priorizar valores e modelos de conduta em detrimento
de outros que dizem respeito a sua constituição, que servem de canal de
comunicação com o mundo exterior e para a avaliação dessas experiências.
Dentro desse contexto, podemos observar que ambas as famílias em questão
estimulam o potencial global dos seus filhos, oferecendo-lhes um ambiente
enriquecedor. Porém, há diferenças significativas no modo de relacionamento
que estabelecem com os seus filhos.
No caso I, o de C., observamos uma mãe que identifica-se com as
características de precocidade apresentadas pela filha e tem dificuldades em
colocar limites significativos, no que diz respeito à intolerância da menina em
aceitar manter contato com bebês, crianças menores do que ela e com
crianças da sua idade que tenham preferências por brincadeiras diferentes
daquelas que ela estima, nomeando-as de “bobas”. Sendo assim, a mãe, que
36
tem um deslumbramento e um encantamento em relação as falas e atitudes da
criança, não consegue barrá-la e cede aos seus apelos e caprichos, orbitando
em torno das suas vontades. É interessante notar que quando algo foge ao
controle e vontade da menina, ela se desespera e, desorganizada, busca a
mãe querendo que esta reestabeleça o domínio das suas vontades para que
ela fique satisfeita novamente. Um caso emblemático desta situação ocorre
quando a criança ouve os estampidos de fogos de artifícios que, alheios a sua
vontade, a incomodam e desorganizam, já que ela não pode controlar o uso
destes fogos em situações de comemorações pessoais e em festas populares,
acarretando no seu isolamento social.
Aqui,
observamos
desenvolvimento,
ou
seja,
um
a
exemplo
criança
típico
que
é
de
assincronia
bastante
do
desenvolvida
cognitivamente e, em contrapartida, não apresenta o amadurecimento
emocional necessário para lidar com frustrações. Isto interfere diretamente na
sua socialização, que fica restrita.
No caso II, da criança B., observamos uma configuração familiar
diferente, em que os pais, apesar de reconhecerem as peculiaridades do filho,
não fazem confusão sobre o papel da criança na família, conseguindo
estabelecer de maneira clara regras e limites de convivência dentro e fora do
ambiente familiar.
O garoto não é considerado superior e especial e a
dinâmica familiar não gira em torno das questões dele. Pelo contrário, como
afirma Dessen, apud Fleith (2007, p.25), “a família pode funcionar de modo
saudável, desenvolvendo padrões de interação positivos e um nível de
ajustamento satisfatório.”
Isso reflete construtivamente nas atitudes da criança, que, apesar de ter
algumas características próprias da precocidade, como o perfeccionismo,
consegue organizar-se emocionalmente diante de desafios e atividades para as
quais não possui habilidade destacada. Mesmo apresentando alto nível de
energia, a criança consegue se adequar ao ambiente no que se refere às
regras e modo de funcionamento acordados previamente, como, por exemplo,
a realização das atividades escolares que a professora da sala regular indica,
37
que, no seu caso, não são desafiadoras e estimulantes, pois o menor já domina
os conteúdos. Contudo, realiza as atividades com interesse e colaboração.
Ourofino e Guimarães (2007), pontuam que se as percepções e
interpretações apuradas das crianças com potencial elevado em relação ao
modo peculiar de ver o mundo e a consciência precoce dos processos sociais
forem frustradas, podem desencadear uma introspecção dos sentimentos e
opiniões, ocasionando o retraimento social. Novamente, a família tem papel
fundamental neste contexto. Se os pais assumirem uma posição elevada de
exigência, solicitando demasiada excelência e expectativas de sucesso, a
criança pode não suportar tal demanda e, como defesa, recorrer ao isolamento
social. No caso de B., a postura dos pais em promover um ambiente rico em
estímulos, mas respeitando os interesses e ritmo da criança, favorece que esta
consiga lidar com suas discrepâncias, assincronias no seu desenvolvimento.
O modo peculiar de ser e estar no mundo, como: perfeccionismo,
tendência a questionar regras, dificuldades de relacionamento com colegas de
mesma
idade
que
não
compartilham
dos
mesmos
interesses
etc,
necessariamente não se constituem em problemas de comportamento
propriamente ditos:
“...no processo de desenvolvimento do indivíduo e de acordo
com o contexto social e experiências afetivas vivenciadas, as
características que inicialmente têm um caráter positivo que
qualificam a superdotação, podem sofrer uma ruptura e serem
vivenciadas
ou
entendidas
como
uma
manifestação
problemática” (OUROFINO & GUIMARÃES, 2007, p. 49).
Desta forma, além da escola buscar atender as especificidades da
criança superdotada e da criança precoce, a família também necessita
compreender o modo peculiar de funcionamento intelectual e, sobretudo,
emocional destes indivíduos. Para isso, o modo como os pais significam seus
filhos favorece ou não uma organização psíquica, visto que, apesar de ter
características emocionais e de comportamento que, no geral, são inerentes à
criança precoce, a dinâmica familiar contribui intensamente para o surgimento
e reforço de tais comportamentos.
38
De acordo como o estudo bibliográfico e de caso realizados, registramos
que, de fato, os comportamentos apresentados pelas crianças precoces não
são determinados apenas como decorrência das atitudes específicas
esperadas deste grupo de acordo com a literatura especializada.
39
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> QUESTIONÁRIOS
40
ANEXO 1
RESPONDIDO PELAS PROFESSORES DA OFICINA DE PRECOCES
1. Qual o perfil de comportamento da criança quando iniciou o atendimento
no NAAH/S?
2. Quais as habilidades precoces apresentadas pela criança?
3. Qual a sua percepção acerca da dinâmica familiar da criança?
4. Como está a criança atualmente?
RESPONDIDO PELOS PAIS
1. Como você percebe a precocidade do seu filho?
2. Quais as dificuldades que você encontra na educação de uma criança
precoce?
3. Como você percebe a sua dinâmica familiar?
41
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Ricardo Barbosa dos Santos