UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
POLÍTICAS ASSOCIATIVAS E NOVOS RUMOS
DO INGRESSO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Por: Leandro Ribeiro de Lacerda
Orientadora
Professora Mary Sue
Niterói
2007
1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
POLÍTICAS ASSOCIATIVAS E NOVOS RUMOS
DO INGRESSO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Apresentação
de
monografia
à
Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Docência do
Ensino Superior.
Por: Leandro Ribeiro de Lacerda
2
Aos esfarrapados do mundo e aos
que neles se descobrem e, assim,
descobrindo-se, com eles sofrem, mas,
sobretudo, com eles lutam.
Paulo Freire
3
AGRADECIMENTOS
A meus pais Rogerio e Sonia, sem
os quais hoje não estaria aqui, e nada
disto seria possível. A Mirtes, pelos
cuidados. A minha noiva Fernanda pela
força, incentivo e carinho. Ao meu irmão,
Leonardo, e minha nora, Maria Augusta,
pelo estímulo e interesse. A Arthur e
Ângela pelo carinho. À professora Yvonne
Maggie pelos textos e pela compreensão.
À professora Mary Sue, pela valiosa
orientação.
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RESUMO
LACERDA, Leandro Ribeiro de. Políticas associativas e novos rumos do
ingresso na educação superior. Orientadora: Professora Mary Sue. Monografia. Instituto A vez do Mestre. Docência do Ensino Superior. Universidade Candido Mendes. Niterói. 2007.
A partir de novos movimentos sociais que ganham a cada dia mais força,
a educação brasileira vem sofrendo um processo de gradativa modificação. O
associativismo tem conduzido escolas e instituições superiores de ensino a
uma realidade diferente, sobretudo no que se refere às formas de ingresso nos
cursos de graduação. Dessa forma, a proposta desta monografia é estudar estas iniciativas que se pautam em um único propósito: a produção da eqüidade
social através da educação. E é justamente a busca por esta igualdade entre
classes sociais e etnias que tem motivado alguns Estados a adotarem leis que
prevêem a reserva de vagas nos cursos de graduação para negros e carentes.
Como ainda não há uma política nacional concreta sobre o tema, vamos nos
ater ao caso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, uma das pioneiras na
adoção de políticas oficiais para a reserva de vagas, por força do poder legislativo. Assim, além de avaliar as bases do novo movimento que surge na educação em nível médio e seus impactos na sociedade, principalmente no que se
refere à necessidade de qualificação e colocação no mercado de trabalho, buscaremos compreender a realidade do ensino superior, sobretudo no tocante às
diferenças sociais, econômicas e culturais dos universitários.
5
METODOLOGIA
O primeiro passo na realização deste trabalho monográfico foi o levantamento de informações divulgadas pela imprensa sobre a adoção de lei de
cotas nos vestibulares. Para isso, utilizamos como base a Internet e recordes
de jornais. Como o universo abordado seria extremamente amplo, o segundo
passo foi limitar o estudo ao caso particular da UERJ, no Rio de Janeiro, devido
ao pioneirismo da instituição e facilidade de acesso ao campus.
Na etapa seguinte, traçamos os vetores que levaram o poder legislativo
e, mesmo, alguns conselhos universitários a modificar as regras de acesso às
diversas graduações. Neste momento, chegamos às ações afirmativas, representadas, na prática, entre outras formas, pelos pré-vestibulares comunitários.
Para que se tornasse possível compreender o movimento de ações afirmativas,
foi necessário consultamos bibliografia específica sobre o tema.
O terceiro passo foi delimitar que universo de pré-vestibulares seria abordado. Como há uma infinidade de experiências, para que pudéssemos colocar modelos em perspectiva, selecionamos realidades distintas, bem representativas; um modelo que não se associa a qualquer tipo de movimento políticoideológico (PVSR), e outro que carrega em sua composição esta temática
(PVNC). Para traçar o perfil de cada instituição, utilizamos dados censitários
fornecidos pelas coordenações, informações estas transformadas em gráficos.
Tendo o campo de pesquisa delimitado, o procedimento seguinte foi o
levantamento de bibliografia sobre o tema cotas para negros e carentes no vestibular. Para isso, além de autores ligados à educação, antropologia, sociologia
e ciências sociais, recorremos a dispositivos legais, editais de vestibular e documentos oficiais, material recolhido com auxílio da Internet.
6
Por fim, para chegarmos à conclusão, fundamentamos a análise do problema utilizando estatísticas oficiais, no intuito de sempre apoiarmos determinado posicionamento à luz dos números.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO 1 – A ORIGEM DO PROBLEMA NO ACESSO AO ENSINO
SUPERIOR. TODOS TÊM AS MESMAS OPORTUNIDADES?
11
CAPÍTULO 2 – AS POLÍTICAS ASSOCIATIVAS COMO RESPOSTA À
SEGREGAÇÃO EDUCACIONAL. O QUE FAZER EM MEIO
À
TEMPESTADE?
27
CAPÍTULO 3 – ADOÇÃO DA LEI DE COTAS PARA NEGROS E
CARENTES: APARTHEID AO CONTRÁRIO OU SOLUÇÃO DOS
PROBLEMAS?
39
CAPÍTULO 4 – MERCADO DE TRABALHO E QUALIFICAÇÃO. COMO
FUNCIONA ESTA RELAÇÃO NA BUSCA PELO EMPREGO?
51
CONCLUSÃO
57
ANEXOS
69
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
76
BIBLIOGRAFIA CITADA
77
ATIVIDADES CULTURAIS
82
ÍNDICE
83
FOLHA DE AVALIAÇÃO
85
8
INTRODUÇÃO
O vestibular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), uma
das mais importantes do estado e do país, registrou, no ano de 2006, 68.296
candidatos a 4.337 vagas. Uma conta rápida, e arbitrária, apontaria uma disputa entre 16 candidatos para cada vaga na graduação. E o arbitrário se justifica
ao fazermos uma reflexão mais aprofundada sobre os dados oficiais fornecidos
pela instituição através de sua página na internet referente ao concurso
<http://www.vestibular.uerj.br>1. Vamos aos números. A disputa mais acirrada aconteceu em Medicina, quando aproximadamente 33 candidatos brigaram por uma
vaga. Em segundo lugar apareceu Jornalismo, com 23 concorrentes por vaga.
No outro extremo aparece o curso de pedagogia, em Belford Roxo, unidade da
UERJ na Baixada Fluminense, que teve uma disputa de pouco mais de um
candidato por vaga.
Ao analisar estas informações algumas perguntas surgem de imediato.
Qual a possibilidade de um candidato não muito bem preparado ser aprovado,
por exemplo, no curso de Medicina? Dadas as flagrantes diferenças entre a
qualidade do ensino ofertado pela rede pública e pela rede particular, quais as
chances de um discente egresso do ensino público concorrer em condições de
igualdade com um estudante oriundo do sistema privado?
Assim sendo, a proposta desta monografia é abordar estas e outras
questões afetas ao tema; estudar as novas rotas que a educação vem tomando
no Brasil – o associativismo2 – representado, materialmente, por um movimento
social que, a cada dia, obtém mais adeptos; os pré-vestibulares comunitários.
1
Acessado em 27 nov. 2006.
O termo associativismo está relacionado às ações afirmativas e representa o agrupamento de
indivíduos da sociedade civil para um fim específico – no caso, a promoção da equidade social
através da educação.
2
9
No entanto, embora tenham objetivo bem definido, o de tentar produzir
uma sociedade mais igualitária, esses pré-vestibulares se moldam aos mais
diversos modelos e ideologias. Como não seria possível analisá-los em sua
totalidade, em sua plenitude, dada a enorme quantidade de núcleos e experiências no Brasil, nesta pesquisa selecionamos um universo bem definido composto por dois modelos básicos para a construção do movimento. A primeira
proposta, o Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC) prega o particularismo já que só aceita entre seus discentes um grupo extremamente específico,
composto por negros e carentes. O segundo modelo, o Pré-Vestibular Santa
Rosa (PVSR) promove o universalismo já que a única restrição para ingresso
está no fato de se exigir do postulante a uma vaga a comprovação da condição
de carente.
Apesar de encerrarem um aparente paralelismo (particularismo x universalismo), as concepções desses pré-vestibulares passam pelo eixo perpendicular que norteia todos os pré-vestibulares comunitários e os une em um propósito claro: possibilitar o acesso dos menos favorecidos à educação superior pública. E quando falamos em menos favorecidos, não necessariamente estamos
abordando a cor da pele, mas sim condição social.
Mais do que estudar o que venha a ser um pré-vestibular comunitário ou
o que se apregoam como políticas associativas é necessário, também, buscar
em que contexto esse cenário surge; o que o torna possível. Parte desta explicação pode ser encontrada em estatísticas oficiais, uma vez que as políticas
associativas propostas por estes movimentos acabam por se chocar com o regime segregacionista imposto pela rede particular de ensino. E quando falamos
em segregação, a palavra pode ser utilizada em seu sentido pleno, pois quem
tem mais dinheiro (entendido aqui como acesso à educação de qualidade), acaba ficando com as melhores vagas nas universidades, sobretudo nas públicas.
10
Como caminho para tentar fazer com que a população menos favorecida
social e economicamente pudesse vislumbrar a possibilidade de disputar uma
vaga no ensino superior surgiu o movimento dos pré-vestibulares comunitários,
algo que passa à margem do poder público, uma vez que estes movimentos
ganharam corpo justamente pela incapacidade do governo em fornecer educação de qualidade extensiva a toda população.
É bem verdade que esses pré-vestibulares estão longe de resolverem o
problema do acesso das populações carentes ao ensino superior. Porém, já se
configuram como possibilidades concretas, como novas rotas para a educação;
caminhos estes que se mostram cada vez mais necessários e urgentes, uma
vez que as instituições de ensino superior, a cada dia, modificam as regras para ingresso nos campus, alijando, cada vez mais, as parcelas carentes da população. Para aqueles que imaginam tratar-se de um discurso radical e apaixonado, dados oficiais comprovam que esta verdade é mais visível do que se pode imaginar. Basta ver, em um curso de grande procura, como Medicina, Odontologia, Engenharia, Direito ou Jornalismo a quantidade de negros e carentes
em sala de aula. Chegaremos a números quase irrisórios. Agora, veja uma
turma em um curso com menor procura. A diferença é gritante, evidenciando
mais uma vez o segregacionismo de nosso atual modelo de educação.
Assim sendo, esperamos contribuir com este trabalho para o desenvolvimento e análise de políticas públicas que possam devolver à população menos favorecida um direito constitucional e, por isso, irrevogável; o do acesso
universal a uma educação de qualidade.
11
CAPÍTULO 1
A ORIGEM DO PROBLEMA DE ACESSO AO ENSINO
SUPERIOR. TODOS TÊM AS MESMAS OPORTUNIDADES?
O objetivo deste capítulo é descrever o que possibilitou o
surgimento das diversas formas de associativismo, principalmente
no que se refere à educação voluntária e como este novo movimento possibilitou uma série de revoluções que culminou com a
adoção de uma lei de cotas no ensino superior público.
Antes de analisarmos o movimento sócio-cultural que propiciou a eclosão dos pré-vestibulares comunitários, e consequentemente, do associativismo
em parte da educação brasileira, e antes, também, de podermos compreender
as razões que levaram à adoção da lei de cotas no ensino superior público no
Estado do Rio de Janeiro3, é preciso buscar o contexto em que a iniciativa se
enquadra e quais os motivos que transformam os alunos das camadas menos
favorecidas em alvos destas políticas.
1.1. O que são ações afirmativas?
Inicialmente é preciso esclarecer que os pré-vestibulares comunitários, e
movimentos do gênero, estão inseridos no universo das ações afirmativas. No
entanto, ao fornecermos este esboço de definição, surgem as primeiras perguntas: afinal, o que representam estas ações afirmativas? Para que servem?
Como surgiram? Em que podem ajudar? A resposta aos questionamentos é
3
Embora o Estado do Rio de Janeiro não tenha sido o pioneiro na adoção da lei de cotas no concurso de acesso aos cursos de graduação, e embora também não seja o único a adotar esta política, para efeito de estudo vamos nos restringir ao caso do estado fluminense.
12
complexa e ainda não está claramente formulada. A doutora Ilana Strozenberg4
em seu artigo “A relevância de uma pergunta inaugural”, nos dá um primeiro
prisma para análise ao assegurar que o debate em torno da questão, embora
quase exaustivo, como no caso dos Estados Unidos, ainda está longe de ser
esgotado, porque seu conteúdo difere, não apenas de sociedade para sociedade, mas também no interior de uma mesma sociedade. (Strozenberg, 1996: p.221).
Com este esboço de definição já é possível compreender os motivos que
fazem o discurso, nos Estados Unidos, ser tão diferente do aplicado no Brasil.
Enquanto, na América, a análise teórica já apresenta contornos definidos, não
só no que tange à educação, mas também ao mercado de trabalho, o Brasil
ainda está fomentando bases para que as classes menos favorecidas possam
iniciar uma trajetória acadêmica que dê a elas condições de brigar pelas melhores posições no mercado de trabalho.
É evidente e perfeitamente plausível que a discussão nos Estados Unidos e no Brasil apresente tamanha discrepância. Afinal de contas, a realidade
das duas sociedades se apresenta de modo extremante diferente, sobretudo
na colonização e na bagagem cultural. No entanto, se imaginarmos que, ao
considerarmos apenas o território brasileiro, a conversa vai apontar para um
rumo menos difuso isto vai nos surpreender. Não é à toa que a política de cotas nas universidades ainda não tenha sido adotada em todas as instituições.
Hoje, mais de 40 unidades de ensino superior já praticam a reserva de vagas
para negros e/ou carentes, incluindo a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Estadual da Bahia (UNEB), a Universidade Estadual do Norte-Fluminense (UENF), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Estadual do Mato Grosso
(UEMS), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL). Um
4
Doutora em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ e especialista em
Antropologia Social pelo Museu Nacional.
13
cenário bem extenso, mas ainda insipiente dadas as dimensões do Brasil e a
quantidade de instituições de ensino superior em atuação.
Ao observar esta pequena lista encontramos instituições estaduais e
federais. Cada unidade federativa tem autonomia para decidir, sob a égide
de sua Constituição, o que é melhor. Cada governador, e mesmo os conselhos universitários têm o poder de sancionar leis e dispositivos que alterem
as formas de ingresso nas universidades. Mas, quais são os motivos que
levam algumas unidades federativas a adotar a reserva de vagas e outras
não? A explicação está em parte da definição da doutora Ilana Strozenberg,
quando ela afirma que o conteúdo das ações afirmativas acaba diferindo de
sociedade para sociedade.
A compreensão sobre o que seja e como se produz uma “ação afirmativa” é complexa. Então, para podermos clarear o horizonte, comecemos por
desvendar a origem desta política social. Esta prática, responsável pelo incentivo, entre outras medidas, de procedimentos como o associativismo na
educação, teve origem nos Estados Unidos, em meados do século XX, mais
precisamente em 1964, oportunidade da promulgação das leis dos Direitos
Civis. Após grande pressão de grupos organizados da sociedade civil, especialmente os denominados como “movimentos negros5”, o governo americano foi forçado a reconhecer e ampliar os direitos dos afro-americanos. Imediatamente, o conceito de ações afirmativas ganhou a Europa, onde passou
a ser conhecido como discriminação positiva. Silva (2003)6 7, em seu artigo
“Sobre a implementação de cotas e outras ações afirmativas para os afrobrasileiros” nos ensina que:
5
Basicamente havia, nos Estados Unidos, duas correntes na luta pelos direitos dos afroamericanos. Uma, comedida, liderada por Martin Luther King e Malcon X; outra, mais radical, tinha
os “Panteras Negras” à frente.
6
Advogado, ex-diretor e assessor jurídico do Instituto de Pesquisa e Culturas Negras e do Centro
Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro.
7
Disponível em <http://www.achegas.net/numero/cinco/l_fernando_2.htm>. Acessado em 27. set. 2006.
14
“Em função das continuadas reivindicações e concernentes ao princípio moral fundamental da não discriminação,
os argumentos jurídicos combinados com o movimento social
foram capazes de efetuar profunda mudança nas leis e atitudes norte-americanas. Em 1957, 1960, 1964 e 1965, o Congresso dos EUA promulgou leis dos direitos civis. As ações afirmativas requeriam que os empregadores tomassem medidas
para acabar com as práticas discriminatórias da política de
pessoal e dali em diante adotar todas as decisões sobre emprego numa base neutra em relação à raça”.
E, nesse sentido, de acabar com a discriminação sobre os grupos minoritários, a medida, nos Estados Unidos, cumpriu parte de seu papel, ao ajudar a
fazer com que negros e brancos pudessem disputar as mesmas vagas. É bem
verdade que, por exemplo, uma análise no parlamento americano ainda vai
mostrar uma enorme discrepância entre as classes sociais. Porém, casos como
o da secretária de estado dos Estados Unidos, Condoleeza Rice, uma negra
que alcançou um dos postos mais importantes da política americana, e do próprio secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, mostram que as possibilidades, ainda que mais esparsas, existem.
1.2. As ações afirmativas no Brasil
Nos Estados Unidos e Europa a discussão sobre o tema já tem mais de
50 anos, mas, no Brasil, o debate é apenas embrionário. Apesar de algumas
iniciativas difusas na década de 70, foi a partir de meados dos anos 80 e, sobretudo, na década de 90, que o problema da desigualdade social na educação
ganhou status de tema acadêmico e, com isso, uma análise mais detalhada e
profunda. Como exemplos podemos citar a elaboração de documentos como a
Declaração de Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais, Étnicas, Religiosas ou Lingüísticas, elaborado em 1992, e iniciativas como a designação de 1995 como Ano da Tolerância. Em julho de 1996, percebendo a gra-
15
vidade da questão, o Ministério da Justiça organizou, em Brasília, o seminário
internacional “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos estados democráticos contemporâneos”, evento que contou com a participação de
brasileiros e norte-americanos. Sobre este seminário, Guimarães8 (1999:
p.149), fez a seguinte observação: “com a participação de vários pesquisadores (...) assim como grande número de lideranças negras, essa foi a primeira
vez que o governo brasileiro promoveu a discussão de políticas públicas especificamente voltadas para a ascensão dos negros no Brasil”. Mais recentemente, em 2001, o Brasil entrou definitivamente na análise internacional do tema ao
participar, ainda que de modo discreto, da III Conferência Mundial das Nações
Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que teve Durban, na África do Sul, como sede.
Mas, quais foram os motivos que fizeram com que o Brasil demorasse
tanto tempo para encarar o problema e perceber o enorme fosso que separa os
grupos em termos educacionais? Moehlecke (2000: p.2-3), em sua tese de
Mestrado em Educação na Universidade de São Paulo, intitulada “Propostas de ações afirmativas no Brasil: o acesso da população negra ao ensino superior” explica:
“Dentro de uma perspectiva nacional, com o processo
de redemocratização por que passa o Brasil nos anos 80, e de
reorganização do Movimento Negro, a partir do final dos anos
70, começa a ser sistematicamente denunciada a desigualdade racial existente no país. Essas denúncias começam a ser
sustentadas também com dados divulgados por algumas pesquisas realizadas neste período, particularmente os trabalhos
de Carlos Hasenbalg (1979) e Nelson do Valle Silva (1980)”.
Grande parte dos trabalhos em questão, citados por Moehlecke,
passou a ter um dado importante na fundamentação, já que a partir de
8
Antônio Sérgio Guimarães é professor do departamento de Sociologia da USP e PhD em Sociologia pela Universidade Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos.
16
1976 as Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar (PNAD) reintroduziram o quesito “cor” nos questionários, prática mantida em meados dos anos 80. Com esta informação disponível foi possível delimitar, cada vez de
modo mais claro, a desigualdade entre as classes sociais no país, já que
os negros tendem a estar, em sua maioria, entre os menos favorecidos.
1.3. A discussão na prática. As ações deixam o papel
Por que, no Brasil, a educação forneceu terreno tão fértil para o desenvolvimento de ações afirmativas representadas, neste caso, pelo associativismo? Um importante vetor para explicação sobre o crescimento destas políticas está no fato de a população carente não ter condições de custear aulas “particulares”, ou seja, ter práticas que possam complementar o
conteúdo e aprofundar a preparação, justamente o que fazem os cursos
pré-vestibulares. Mais do que complemento para muitos alunos da rede
pública estes cursos se transformam em algo primordial, sobretudo se levarmos em consideração a defasagem de conteúdo (entendido, aqui, como
as disciplinas do ensino médio e do ensino fundamental), problema este
que se deve a inúmeros fatores: insuficiência de rendimento, falta de condições de estudo, desestímulo familiar, alto índice de aulas desperdiçadas
por falta de professores e, sobretudo, ausência de incentivo por parte das
próprias instituições públicas de ensino, incapazes de atender, em sua
maioria, aos alunos no mínimo previsto pela Lei de Diretrizes e Bases9.
Com objetivo de justificar o raciocínio que nos leva à constatação do não
cumprimento das exigências estabelecidas na própria LDB, principalmente
pelas instituições públicas, recorreremos a três pequenos fragmentos da
lei, primordiais para compreensão dos motivos que levaram à adoção de
políticas associativas:
9
Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
17
“Título I - Da Educação
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições
próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
Título II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei
e
da
legislação
dos
sistemas
de
ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.”
A lei garante uma série de direitos aos discentes que, nem de longe, são
cumpridos pelas autoridades. Neste ponto, poderíamos escrever centenas de páginas analisando, no fragmento citado, tudo o que é ignorado e as conseqüências
destas práticas. Mas, por enquanto, vamos nos ater a um ponto. Voltemos ao Inciso
I, do Artigo 3º, que versa sobre igualdade de condições para acesso e permanência
na escola. É evidente que os alunos oriundos da rede pública não têm as mesmas
condições de permanecer na escola quanto os da rede particular. Também é igual-
18
mente óbvio que as condições de acesso ao ensino superior somente são as mesmas até o momento que os estudantes começam a fazer os exames de vestibular.
Logo nas primeiras questões fica límpido que a bagagem cultural e as condições de
preparação vão pender em favor dos que melhor puderam se preparar.
Parte do reflexo desta realidade desigual entre a rede pública e a particular passa pelo alto índice de evasão, principalmente nas séries mais baixas,
o que acarreta em uma deficiência que será carregada por toda a vida escolar.
Este abandono da sala de aula, seja por dias, meses ou anos, levará à outra
questão delicada: a repetência. Muitos são os artifícios utilizados para mascarar uma realidade que se mostra fria e imparcial com aqueles que se encontram do lado oprimido da questão. Um desses recursos diz respeito à caracterização do que venha a ser uma reprovação. A primeira forma de se reter um
aluno é pela reprovação pura e simples, contemplada em dois casos: ou pela
incapacidade de se atingir a média estabelecida ou por excesso de faltas. Uma
segunda forma de se reprovar é aprovando condicionalmente. Isto mesmo. Pode parecer estranho, mas acontece com freqüência, tanto na rede pública
quanto na particular. E esta modalidade é contemplada, em geral, com a chamada dependência. Por exemplo, imaginemos um aluno da 1ª série do Ensino
Médio. Ele obteve grau em todas as disciplinas, exceto Português e Física. Em
muitas instituições, ele não precisará repetir todo o ano; este discente será aprovado para a série seguinte sendo obrigado a freqüentar aulas extras das disciplinas pendentes, fazendo provas regulares10.
1.4. As políticas públicas corretivas
No sentido de tentar identificar problemas e investir corretamente em soluções para a educação, o governo federal criou, em termos de ensino funda10
A análise do aproveitamento, a aprovação e as conseqüências de possíveis reprovações na dependência ficam a critério dos Regimentos Internos (RI) de cada instituição, já que elas são livres
para regulamentar este assunto.
19
mental e médio, dois tipos de avaliação; o Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB)11, e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em ambos os
casos a proposta é uma só: direcionar investimentos e procurar levantar um perfil
sócio-econômico-cultural dos estudantes. Esta é, sem dúvida, uma boa iniciativa
que, porém, esbarra em uma questão complexa: a dificuldade de se mapear com
fidelidade um país com dimensões continentais como o Brasil. Assim, os exames
aplicados anualmente acabam evidenciando as diferenças regionais12.
As dificuldades para as classes menos favorecidas concluírem o ensino
médio e, consequentemente, disputarem vaga no ensino superior, também
passam por uma questão estatística: os “gargalos” existentes na educação
brasileira, responsáveis, em grande parte, pela defasagem e retenção dos alunos. Antes de iniciarmos esta discussão, é preciso entendermos como está
estruturada a educação no Brasil.
Todo o sistema educacional no país é dividido em três partes. O ensino fundamental, o médio e o superior. O ensino fundamental, único que é obrigatório, está
subdividido em dois segmentos; o primeiro, de 1ª à 4ª série e o segundo, que vai da
5ª à 8ª. O médio, por sua vez, oferece três opções: o curso “tradicional”, que conduz
o aluno a uma formação geral, o técnico, que leva o indivíduo a uma formação específica, voltada para o mercado de trabalho, e o normal, responsável pela formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental.
1.5. As distorções em números
Segundo dados fornecidos no Censo realizado pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Educacionais (INEP), em conjunto com o Ministério da Educação (MEC),
11
Realizado entre 1995 e 2003.
No Ensino Superior também existe um exame nacional, conhecido como Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes (Enade), aplicado desde 2004, prova que veio para substituir o antigo
Provão, aplicado de 1996 a 2003.
12
20
no ano de 2005, 33.534.561 alunos foram matriculados no ensino fundamental, enquanto o médio recebeu um volume de 9.031.302 matrículas. Uma conta rápida vai
nos levar ao alarmante índice de quase 75% de evasão. Em outras palavras, de
cada quatro alunos que entram na escola, apenas um chegasse ao ensino médio.
Esta estatística nos conduz a uma constatação: o fluxo entre as séries
que compõe o ensino fundamental ainda é bastante lento, levando, em muitos
casos, à evasão. É nesta seara que a discussão sobre a adoção de políticas
alternativas, como a promoção automática, tem ganhado espaço. Para muitos,
o alto índice de reprovações faz com que os alunos abandonem a escola. Este
é um argumento pertinente, tanto quanto o outro lado da moeda; se as instituições começarem a aprovar alunos sem condições, como estes vão conseguir
competir com os mais bem preparados por uma vaga na universidade? Diante
desta polêmica, temos o primeiro “gargalo” do ensino no Brasil. Em virtude das
dificuldades encontradas no início da vida acadêmica, muitos discentes abandonam a escola antes mesmo de findar uma série inteira.
O segundo gargalo se dá ao final do primeiro segmento do ensino fundamental.
Devido às repetências acumuladas, às dificuldades, à defasagem de conteúdo e idade
avançada (em média 14 a 16 anos) o aluno simplesmente desiste de estudar, optando
por entrar no mercado de trabalho, ainda que seja em posições de subemprego.
O terceiro gargalo é aquele em que se apresenta durante a passagem
do indivíduo do fundamental para o médio. Em virtude da dificuldade para se
concluir o fundamental (em geral leva-se cerca de 10 anos quando oito seriam
o suficiente) muitos também optam por ingressar no mercado de trabalho, em
posições menos desfavoráveis do que aqueles que sequer concluíram o básico.
O quarto gargalo é o que se dá ao final do ensino médio, ocasião da
passagem para o nível superior. Como o número de concluintes do médio é
21
superior ao número de vagas nas instituições públicas (e não devemos esquecer o número de alunos que estão tentando novamente o vestibular) o que se
vê é uma disputa acirrada em busca de uma posição. É nessa hora que todas
as estatísticas apresentadas nos fazem refletir sobre problemas maiores.
Um deles é que a exclusão social definitivamente representa uma característica de nosso sistema educacional que reserva mais chances para aqueles
que possuem mais bens econômicos, culturais e sociais. Nesse sentido, quanto
mais pobre e mais escuro for, o jovem terá menos oportunidades de ingressar
no ensino superior. Para comprovar o raciocínio, recorreremos mais uma vez
ao Censo Educacional do MEC/INEP em 2005. Neste ano, houve 35.037.300
matrículas nos ensino fundamental e médio. Desde total, apenas 3.397.335
estudantes eram negros, ou, aproximadamente, 10%.
Em um exercício sociológico e antropológico, observemos a composição
de uma sala de aula de uma turma de Medicina, Engenharia, Direito ou Jornalismo. Quantos negros pobres há? Agora entre em uma sala de um curso com
baixa procura. Quantos ricos brancos há? Para comprovar a eficácia do exercício proposto acima, recorremos mais uma vez aos números. Levantamento
elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta
que, oficialmente, negros e pardos representam aproximadamente 45% da população do país e, apesar de quase maioria, apenas 2% atingem o nível superior.
Esta dicotomia nos apresenta uma questão ampla. O que faz um estudante ser aprovado no vestibular não é única e exclusivamente o curso prévestibular. Se é verdade que este possui participação vital, também é verdade
que o vetor intrínseco de qualquer aprovação é a vida escolar do aluno, em seu
sentido mais amplo, a bagagem cultural e as condições que este discente apresenta para receber conteúdos.
22
1.6. A que reflexão as estatísticas levam?
Os dados apresentados neste capítulo, principalmente no que diz respeito à retenção, evasão e composição dos egressos na escola, não nos fazem
supor um futuro brilhante, principalmente para os jovens negros e os oriundos
de zonas mais pobres.
É nesse contexto que surgem iniciativas como o Pré-Vestibular Para
Negros e Carentes (PVNC) e o Pré-Vestibular Santa Rosa (PVSR) que, se não
conseguem resolver o grave problema educacional no Brasil, pelo menos se
configuram como novas rotas para a educação brasileira. Estes caminhos, por
sua vez, se mostram cada vez mais necessários e urgentes, já que as instituições públicas de ensino superior a cada dia modificam as regras para ingresso
nos campus, segregando, cada vez mais, as parcelas carentes da população.
Schwarcz13 (2005) faz uma síntese do problema em seu artigo “Muito além das cotas”, publicado na edição eletrônica do jornal “O Estado de São Paulo” em 29 de março de 200514:
“Ainda engatinhamos nas iniciativas que buscam intimidar a desigualdade social. O Brasil é um país novato na aplicação de políticas de ação afirmativa – esse expediente político-administrativo que busca, por meio da intervenção no
mercado ou de incentivos no setor público e no privado, atuar
sobre a desigualdade social. Se o debate intelectual sobre o
tema data dos anos 70, se já em 1978 fundava-se o Movimento Negro Unificado e na década de 80 implementavam-se centros e leis – como a Fundação Palmares ou a Lei Caó –, a
questão só entraria de fato na agenda política com o governo
FHC. Foi em 20 de novembro de 1995, por ocasião do cente-
13
Lília Moritz Schwarcz é professora do departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo.
Disponível em http://www.ifcs.ufrj.br/~observa/bibliografia/artigos_jornais/LiliaMoritzSchwarcz.htm. Acessado em 11. ago. 2006.
14
23
nário de Zumbi, que se institui o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra. (...)
O fato é que apenas tateamos nessa seara, sobretudo
quando se compara o caso brasileiro com a experiência de outros países, como os Estados Unidos, onde o termo “ação afirmativa” apareceu pela primeira vez já nos tempos de John F.
Kennedy. De lá para cá muita água correu e levou à composição de pelo menos dois grupos: enquanto os defensores da
ação afirmativa acreditam ver nela um remédio para aplainar
desigualdades historicamente constituídas, seus adversários a
entendem como um recurso que só acumula tensões e aumenta as diferenças. (...)”
O tema é amplo, e a discussão farta. O problema é que, no Brasil, a análise da problemática dificilmente se atém ao foco principal, ou seja, nem sempre a produção da equidade social e a construção real de possibilidades para
os negros e os menos favorecidos ascenderem econômica, educacional e socialmente é o que norteia as ações. Mais do que isso: há muitas correntes, contra e à favor, que se pautam apenas pelos interesses, sejam eles políticos ou
pessoais, para falar em nome de outros. Um bom exemplo disto ocorreu no Rio
de Janeiro, quando a Assembléia dos Deputados aprovou, por aclamação e,
consequentemente, sem qualquer tipo de discussão mais aprofundada, a reserva de cotas de até 40% das vagas na UERJ e na UENF, a Lei nº 3708, de 9
de dezembro de 2001. Muitos alegam que, se os negros e menos favorecidos
não tiverem acesso ao nível superior nunca poderão ascender. Mas, do outro
lado, a alegação é que, ao se aprovar indivíduos não totalmente preparados,
estes serão incapazes de acompanhar os cursos. Dessa forma, poderiam competir, realmente, pelas melhores oportunidades no mercado de trabalho?
O assunto discriminação educacional é vasto. Os próprios dados fornecidos pelo Ministério da Educação comprovam que o Brasil ainda está muito
longe de uma realidade mais igualitária. E, aqui, a associação negros/pobres
24
acaba sendo materializada de modo extremamente natural. Igualmente é verdade que há muitos brancos pobres. Assim como há representantes de índios,
asiáticos, europeus e todas as etnias entre as classes menos favorecidas. Por
este motivo, ao estudarmos os vetores que vão possibilitar a materialização
das políticas associativas, que buscam, não uma política de cotas, mas sim
representam uma proposta de melhoria real nas condições de acesso ao ensino superior, escolhemos dois modelos tão distintos, mais ao mesmo tempo tão
complementares: o PVNC e o PVSR.
Para fundamentar a opção pelos modelos de pré-vestibular e as políticas
associativas representadas pelos movimentos, recorremos a importante reflexão de Carvalho e Segato (2002: p.29)15, contida em proposta encaminhada ao
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), da Universidade de Brasília
(UnB), no mês de março de 2002, para defender a adoção de uma política de reserva de vagas na instituição:
“De acordo com as projeções do Ipea, se a educação
brasileira continuar progredindo no mesmo ritmo que hoje, em
treze anos os brancos devem alcançar a média de 8 anos de
estudo e nos negros só atingirão essa meta daqui a 32 anos.
Portanto, só daqui a três décadas brancos e negros ficariam a
par no ensino e concorreriam em pé de igualdade a uma vaga
no ensino superior público. Com isso, o Brasil arcaria com o
ônus de perder os talentos de mais uma geração de jovens
negros, em sua quase totalidade”.
A estatística apresentada por Carvalho e Segato é prova mais do que
irrefutável da necessidade de adoção imediata de políticas públicas verdadeiramente eficazes a fim de produzir as mesmas condições para os negros e
menos favorecidos, algo previsto, não só na LDB, mas na própria Constituição
15
José Jorge de Carvalho e Rita Segato são professores do departamento de Antropologia da Universidade de Brasília e foram os principais responsáveis pela formulação da proposta de implantação de uma política de reserva de vagas para negros na instituição.
25
Federal, lei maior do país, promulgada em 1988. Vejamos o que está previsto
na seção I, artigos 205 e 206, parte, para simplificarmos:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola;”
Quando falamos em medidas verdadeiramente eficazes, estamos incluindo no “pacote”, não só medidas pontuais, como possibilidade de reserva de
vagas, mas, sobretudo, uma revisão no próprio sistema educacional público,
para que este garanta à sociedade capacitação e qualificação que torne os alunos da rede pública equânimes com relação aos da rede privada, na disputa
por uma vaga no ensino superior e no próprio mercado de trabalho.
Antes de encerrarmos este capítulo, utilizaremos outra definição pertinente sobre o que venham a ser ações afirmativas, a fim de que possamos solidificar os conhecimentos na área e, assim, tenhamos mais condições de, futuramente, discutir a adoção da lei de cotas no ensino superior público. Guimarães (2003: p.247-268), define ação afirmativa a partir de seu fundamento jurídico e normativo, principalmente no que tange, segundo o autor, ao princípio de
se tratar como iguais pessoas que são desiguais, fator que só amplia as desigualdades existentes. Ele ainda fundamenta seu raciocínio alegando que estas
ações surgem como “aprimoramento jurídico de uma sociedade cujas normas e
mores pautam-se pelo princípio da igualdade de oportunidades na competição
entre indivíduos livres”.
26
No fundamento apresentado por Guimarães, transparece um dos principais problemas para se adotar políticas públicas educacionais uniformes no
Brasil. Um das principais queixas, por exemplo, ao Provão, era que o exame,
por ter caráter nacional, muitas vezes esteve longe da realidade em algumas
regiões. É inegável que as dimensões continentais do Brasil, aliadas às discrepâncias culturais, sociais e econômicas, tornam praticamente inviável a adoção
de modelos padronizados. Talvez, por isso, a discussão acerca da reserva de
cotas nas universidades ainda não tenha tido um caráter nacional concreto.
Apresentado o contexto de surgimento das políticas associativas e sua
fundamentação teórica, é momento de tentarmos compreender como os grupos
sociais se organizam, quais são os vetores para a promoção da eqüidade social através da educação e como as políticas associativas saem do universo das
idéias para o plano material. Isto é o que veremos no próximo capítulo.
27
CAPÍTULO 2
POLÍTICAS ASSOCIATVAS COMO RESPOSTA À SEGREGAÇÃO
EDUCACIONAL. O QUE FAZER EM MEIO À TEMPESTADE?
O objetivo deste capítulo é descrever e discutir o movimento dos Pré-Vestibulares Comunitários, em especial, dois
casos que aparentam um paradoxo por tenderem a um particularismo e a um universalismo, mas que, na verdade, constroem-se sob uma mesma lógica – o associativismo; o PréVestibular para Negros e Carentes (PVNC) e o Pré-Vestibular
Santa Rosa (PVSR). Estes cursos cada vez mais levam pessoas para as salas de aula e acalentam, ainda que de forma
incompleta, o sonho do ingresso no ensino superior e, por extensão, as possibilidades de uma vida melhor. Para traçar um
paralelo estabelecemos relações entre dados obtidos com as
coordenações de ambas as experiências. À luz desses números, tentaremos colocar estas duas experiências em perspectivas comparadas.
2.1. O que é um curso comunitário?
Antes de iniciarmos a etnografia dos cursos é preciso entender o que
venha a ser um curso comunitário propriamente dito16. De certa forma, quais os
motivos que tornam este tipo de instituição uma prática diferente das demais?
Podemos dizer, primordialmente, que as palavras alternativo, comunitário ou
núcleo, não compõe os nomes desses movimentos por simples opção mercadoló-
16
O termo comunitário atribuído a este tipo de iniciativa não está, necessariamente, no fato de o
curso pertencer à comunidade, mas sim, por ser um curso voltado para a comunidade.
28
gica ou por acaso. Os cursos em questão neste trabalho, e todos aqueles que seguem o mesmo objetivo – educação gratuita para a parcela mais carente da população – se pautam em um princípio único: o trabalho voluntário. Com raríssimas
exceções, todos aqueles que atuam nesses movimentos o fazem sem qualquer tipo
de remuneração. Por este motivo, a taxa que alguns núcleos cobram é muito baixa.
Podemos dizer alguns porque não são todos os pré-vestibulares que cobram dos
alunos; e esta taxa se reserva, exclusivamente, à compra do material necessário ao
funcionamento do curso, como material didático (principalmente livros para a biblioteca), giz, apagador, material de secretaria.
Entendido o mecanismo fundamental de funcionamento desses movimentos – o trabalho voluntariado – é hora de buscarmos a compreensão da
essência dos próprios cursos.
2.2. O Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC)
A busca de uma educação não segregacionista e a crença na possibilidade de se promover a eqüidade entre as classes mediante produção da igualdade de oportunidades nos levam, diretamente, ao movimento do PVNC, um
projeto alimentado por e para jovens da periferia do Rio de Janeiro e Região
Metropolitana. Segundo Maggie (1999)17:
“O PVNC é um movimento social recente e que tem como mito a figura do Frei Davi, jovem padre católico nordestino
que iniciou uma luta contra o racismo no interior da Igreja Católica e foi um dos formuladores de uma Pastoral do Negro,
movimento muito contestado dentro e fora da Igreja. Esta foi
criada em meados dos anos 70 e, juntamente com outras pastorais, como a da Terra, visava fazer recomendações aos fiéis
17
Texto original apresentado durante o V Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, em
Maputo, Moçambique, no ano de 1999. Material obtido com a autora.
29
e buscar implementar ações no sentido da ajuda àqueles do
rebanho católico que passavam por dificuldades. Frei Davi teria dado início ao movimento do PVNC ao criar o primeiro Núcleo, como são chamados os grupos que vão se formando nas
periferias do Rio de Janeiro, a partir de uma idéia inspirada em
uma experiência de Salvador, Bahia. Lá, os integrantes do
grupo cultural Olodum criaram um pré-vestibular só para negros que foi batizado com o nome Steve Biko. O movimento iniciado na paróquia do Frei Davi em São João de Meriti, Baixada Fluminense, se alastrou pelo Rio de janeiro, principalmente nos bairros da periferia da cidade. Hoje são mais de 75
núcleos em todo o estado do Rio de Janeiro”.
2.3. O Pré-Vestibular Santa Rosa (PVSR)
A origem do PVSR, apesar dos mesmos objetivos do PVNC – a produção da
eqüidade social através da educação – é radicalmente diferente daquele. Constituído por ex-alunos do Colégio Salesiano Santa Rosa (tradicional escola católica de
Niterói, Rio de Janeiro)18 e ex-alunos do próprio curso, o Pré-Vestibular Santa Rosa
teve sua origem ligada a um movimento idealizado por três alunas do colégio que,
em 1995, encontravam-se no pré-vestibular. Indignadas com as disparidades envolvendo os alunos da rede pública e os da rede particular de ensino, elas objetivaram
montar um grupo de estudos com estudantes da rede pública acreditando poder
ajudá-los a passar no vestibular. E esta ação só se tornou possível graças ao sucesso obtido pelo curso de alfabetização de adultos, um movimento trazido de Brasília por um salesiano que, hoje, também é um dos responsáveis pelo sucesso do
Pré-Vestibular Santa Rosa, o Irmão José Pereira de Carvalho Filho.
Este mini-curso pré-vestibular, iniciado em agosto de 1995, rendeu ótimos frutos
e, no ano seguinte, este grupo de estudos ganhou contornos de um curso, permanecendo até hoje como referência nos Municípios de Niterói, São Gonçalo e adjacências.
18
Apesar de funcionar dentro de uma escola católica o PVSR não tem nenhum vínculo religioso
com a instituição em questão; e nem o colégio faz qualquer tipo de exigência neste sentido.
30
2.4. Análise da cor
No PVSR, dos 120 alunos selecionados para o período letivo, em 2006, quanto à cor, a distribuição foi a seguinte: 38% dos estudantes são brancos, 34% pardos,
22% pretos e 6% não se definiram em nenhum dos três grupos. Tal composição, em
comparação ao PVNC, (24% brancos, 38% pardos, 21% pretos e 8% outros) já mostra uma diferença entre os movimentos. Enquanto o PVNC se preocupa em moldar
uma ideologia de movimento social e político (no caso, o dos negros) o PVSR não
tem esta preocupação. Ele apenas se presta a oferecer o ensino gratuito, independentemente da cor do indivíduo. Em outras palavras; o PVSR se liga mais ao universalismo, enquanto o PVNC prende-se, indiretamente, ao particularismo19. A análise
dos nomes dos movimentos também nos explica algo. Enquanto o PVNC encerra em
si dois particularismos (negros e carentes), o PVSR conduz a um universalismo.
A Questão da Cor
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
PVNC
PVSR
Brancos
Pretos
Outros
Renda Familiar
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1-3 SM
19
Pardos
4-6 SM
7-10 SM
11-15 SM
Uma das grandes discussões que tem tomado conta da liderança do PVNC é que o curso se
afastou dos seus propósitos inicias ao aceitar um número cada vez maior de brancos – ainda que
tão carentes quanto os negros que, outrora, eram ampla maioria.
31
Analisando-se os dados relativos à composição da cor e à renda familiar
dos alunos dos cursos em questão chegamos à informação relevante. A composição do PVSR, feita predominantemente por brancos e negros (um paradoxo profundo) nos mostra outra realidade; este curso abrange margem da população ainda mais pobre do que aquela que busca o PVNC (em geral, pois o recorte
de estatísticas relativas a esta prática foi elaborado com base em dados médios).
2.5. Particularismo x Universalismo
Neste momento há duas importantes reflexões a fazer: as iniciativas que
têm um caráter mais universalista, menos target, têm obtido maior êxito? Como
propostas aparentemente tão díspares podem atingir o mesmo objetivo, ou seja, a produção da eqüidade social?
Os movimentos universalistas estão mais relacionados a um processo
“color blind”20 e ao multiculturalismo, enquanto as propostas particularistas estão atreladas à fragmentação, ainda que ambos busquem a unidade representada pela produção de maiores oportunidades para as classes oprimidas.
Em outras palavras: cursos como o PVSR buscam sua identidade utilizando a composição, a associação entre diferentes grupos com um único propósito: passar no difícil exame vestibular. Não importa a etnia e a religião do
indivíduo; nesse tipo de curso é encarnado um só espírito: intercâmbio, troca,
simbiose. Todos os indivíduos que ali estão possuem o mesmo problema, independente de sua cor: serem aprovados. Logo, não há motivo para se pensar
nas alteridades; aqueles que compartilham a sala de aula não se constituem
“no outro” e sim “no mesmo”. Em suas aulas na Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a doutora Ieda Tuchermam explica:
20
Expressão inglesa que significa: “fazer sem olhar a cor”.
32
“A Grécia se inventou a partir da invenção de uma cisão com o seu primeiro grande Outro, o seu Oriente, e o fez
nas narrativas mitológicas: o que a Ilíada nos conta é o seu
desenvolver deste movimento onde Tróia e os troianos, criados como outros e inimigos, tornaram possível e necessária a
união dos aqueus em uma confederação grega.”
Da mesma forma como os gregos, um grupo de diferentes pessoas –
no caso do PVSR – se une em torno de um inimigo comum; o vestibular.
Enquanto isso, a idéia de um Pré-Vestibular Para Negros e Carentes é extremamente discriminatória vista sob a óptica dos mais leigos. Na intenção
de se criar uma espécie de consciência negra, principalmente no termo
“para” utilizado no nome do curso, encerra-se aí uma espécie de racismo
às avessas ou, como alguns antropólogos, sociólogos e cientistas sociais
preferem, uma “discriminação positiva”. Ainda que o nome reflita uma preocupação com um modo particular de se unir origem étnica – negros – e
indivíduos não definidos por origem nenhuma – carentes – o que se aparenta ter obtido foi uma espécie de exclusão ao contrário. Por que motivo a
liderança do movimento questiona o rumo que o curso adotou tendo sido
aberto, também, aos brancos? Os alunos têm noção exata da situação e
será que eles aceitam a ideologia de um movimento particularista? Finalmente, o objetivo principal não é ser aprovado no vestibular?
2.6. A condição educacional dos alunos
Se ao analisarmos a composição étnica dos cursos percebemos uma
disparidade singular, com relação às condições educacionais dos alunos tal
discrepância também se mostra significativa. Observe que os alunos concluíram predominantemente seus estudos em escolas da rede pública de ensino
embora em proporções não similares nos dois cursos.
33
No PVNC, 61,4% dos estudantes concluíram o ensino fundamental exclusivamente na rede pública de ensino; 18,6% exclusivamente em escolas
particulares e 19,7% parte em cada tipo de escola. No PVSR a situação é ainda pior; 73% estudaram em escolas públicas, 6% em escolas particulares e
21% parte em cada tipo de escola.
Tipo de escola no ensino fundamental
PVNC
PVSR
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Todo escola
pública
Todo escola
particular
Parte em cada
escola
Tipo de escola no ensino médio
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Todo escola
pública
Todo escola
particular
Parte em cada
escola
No caso do ensino médio, 65,2% dos estudantes do PVNC freqüentaram
exclusivamente escolas públicas, enquanto 26% freqüentaram exclusivamente
escolas particulares e 6% parte em cada tipo de escola. No PVSR, a proporção
é a seguinte: 84% escolas públicas, 6% escolas particulares e 10% parte em
cada tipo de escola.
Uma análise antropológica destes dados aponta para uma realidade. Os
alunos integrantes dos movimentos universalistas representam, com mais fide-
34
dignidade a parcela mais necessitada em termos educacionais, ou seja, aquela
que freqüenta a rede pública de ensino.
2.7. A escolaridade dos pais influi?
O rendimento dos jovens no vestibular não é tão somente composto por
estudos e por uma rígida disciplina. Proporcional ao desempenho do discente
está, quase sempre, a escolaridade dos pais, vetor decisivo como auxílio ao
estudante e na própria orientação acerca da carreira a seguir. É claro que tal
afirmativa não pode ser tomada como extremamente verdadeira. Se assim o
fosse, não teríamos todos os anos milhares de jovens, com pais formados, engrossando as listas dos cursinhos particulares, assim como estudantes com
pais pouco instruídos jamais teriam como passar no vestibular.
PVNC
Escolaridade do Pai
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Nenhuma
EF
EF
EM
EM
ES
ES
Incompleto Completo Incompleto Completo Incompleto Completo
PVSR
Pós
Não Sabe
Escolaridade da Mãe
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Nenhuma
EF
EF
EM
EM
ES
ES
Incompleto Completo Incompleto Completo Incompleto Completo
Pós
Não Sabe
35
Nesse quesito, a constatação a que se chega é que a escolaridade dos
pais dos alunos que freqüentam os núcleos comunitários é muito baixa. Diante
da pouca quantidade de anos que os pais desses jovens passam nos bancos
escolares, uma grave deficiência aparece; a falta de apoio familiar. Não que as
famílias sejam omissas; pelo contrário. O problema é que, em virtude da baixa
instrução, os familiares pouco têm o que fazer objetivando a ascensão educacional de seus filhos. A herança educacional se mostra, assim, extremamente
deficitária. Somando-se este fato à baixa herança deixada pelas escolas públicas, isto culmina, invariavelmente, no afastamento desses jovens das carreiras
mais concorridas. Cursos como Medicina, Direito, Comunicação Social, Odontologia, Engenharia, ainda são um sonho distante. Não que os alunos sejam
incapazes de concorrer. O problema é a bagagem que eles trazem, infinitamente inferior àqueles que freqüentaram boas escolas.
2.8. Como se escolhe uma carreira?
Formas de opção pela carreira a seguir
1%
22%
Não sabe
Trabalha na área
Projetos futuros
Injustiças sociais
41%
Falta de opção
Diversão
Oferta de trabalho
Influência familiar
15%
Fator financeiro
Prestigio social
Baixa concorrência
2%
2%
Mais gosta
0%
1%
0%
13%
0%
3%
Analisando-se o gráfico acima21 podemos tirar algumas conclusões interessantes: em primeiro lugar, os jovens pobres, a exemplo do que ocorre com os jo-
21
Pesquisa realizada no Pré-Vestibular Santa Rosa e no Pré-Vestibular Para Negros e Carentes.
36
vens mais abastados, afirmam que optam pela carreira a concorrer no vestibular
segundo preferências pessoais (41%). Porém, outra realidade se torna aparente.
Observe que 22% dos estudantes escolhem a carreira a seguir devido a já atuarem
na área. Isto significa que, apesar de poderem abraçar livremente uma carreira, esta
liberdade não é tão absoluta assim. Muitas vezes as opções passam, também, pela
necessidade de se trabalhar, de se colocar imediatamente no mercado de trabalho,
para ajudar a família e, mesmo, para custear os estudos.
Os maiores problemas encontrados pelos jovens para poderem acompanhar as aulas são: falta de tempo, de recursos financeiros, de conhecimentos básicos e de material didático. Vale à pena ressaltar que, em média, 70%
dos alunos entrevistados pelas coordenações nos dois núcleos trabalham de 6
a 8 horas por dia e que grande parte desses jovens é oriunda de cursos técnicos ou do curso normal, o que lhes confere a falta de algumas disciplinas do
ensino médio tradicional, voltado para a formação geral, segmento para o qual
o vestibular é destinado, grosso modo.
Por que a opção dos jovens carentes deve passar, sempre, pela “subopção” dos jovens mais bem aquinhoados educacionalmente? Será que os estudantes das zonas periféricas estão fadados à supressão e ao descaso? Estas
são questões de difícil resolução. Mas, antes que nos aprofundemos neste tema, recorremos ao depoimento da aluna Flavia da Silva Pires, do Colégio Estadual Aurelino Leal, no município de Niterói, Rio de Janeiro:
“O ano do pré-vestibular foi muito difícil para mim. Não
havia aulas de todas as disciplinas e, mesmo quando havia aula, o enfoque dado nos afastava completamente do vestibular.
(...) Os professores não nos incentivavam, de forma alguma, a
tentar realizar a prova. Diziam que deveríamos tentar ingressar
no mercado de trabalho ao invés de nos preocuparmos com
um curso superior. Inclusive (...) no ano que fiz o vestibular
[1996] somente 23 alunos se inscreveram no vestibular. Éramos, aproximadamente, 360 no colégio, envolvendo todos os
turnos (...). Por exemplo, disciplinas como química, física, his-
37
tória e biologia só tivemos no 1º ano [a primeira série do ensino médio]. Depois, só vimos disciplinas do curso profissionalizante. As disciplinas da formação geral formam completamente abandonadas. (...) De todos que se inscreveram, apenas um
foi aprovado para universidade pública. Todos os outros acabaram indo para as [universidades] particulares. Inclusive alguns amigos que fizeram o 1º e o 2º ano comigo ainda estão lá
no CEAL. Alguns porque repetiram, outros porque não tinham
‘grana’ para assistir às aulas e algumas amigas tiveram que
sair porque tiveram filhos. Realmente, não foi um ano fácil.”
22
Outra entrevista contundente foi concedida pela aluna Carla Ramos, do
PVNC, trecho citado de Maggie (1999):
“(...) cerca de 70 pessoas de preparavam para entrar
num ex-salão de festa paroquial. (...) Nesse contato inicial me
lembro que a única coisa que me gritava a atenção era o tamanho minúsculo do quadro negro que insistia em tomar corpo
na parede precária da sala de aula. Seria naquele quadro negro
erguida a ponte de sonhos acadêmicos entre o bairro pobre da
23
zona norte da cidade e o mundo.”
Agora recorremos à entrevista concedida por Wilson de Souza, ex-aluno
do PVSR no ano 2000.
“Não sabia exatamente o que pensar, o que falar. Somente
sabia que naquele momento, quando o professor começou a dar aula, ali, meus sonhos tomavam corpo. (...) Procurava absorver cada
palavra, cada frase dita. Não sabia se ia passar; mas isto pouco me
preocupava. O simples motivo de acalentar meu sonho, já me fazia
22
Aluna Flavia da Silva Pires, única aprovada do CEAL no vestibular de 1996. Vale ressaltar que a
aluna em questão permitiu a utilização das entrevistas e também autorizou a utilização de seu nome neste trabalho.
23
Carla, ex-aluna do PVNC, em depoimento citado de MAGGIE, Yvonne. Universalismo, particularismo e a busca de novos caminhos para diminuir a exclusão e a desigualdade: O Pré-Vestibular
para Negros e Carentes.
38
muito feliz. (...) No fundo, talvez, soubesse que poderia passar. Só o
fato de assistir aula me fazia acreditar.”
Ao analisar os três depoimentos citados anteriormente, percebemos que
as correções para as distorções sociais passam, necessariamente, pelos bancos escolares, ainda que a posse de um diploma superior não seja garantia de
colocação no mercado de trabalho. Outro ponto que fica claro são as adversidades enfrentadas pelos alunos da rede pública na hora de prestar o exame
vestibular. Os problemas são tamanhos que, não raras vezes, a opção pela
carreira passa, necessariamente, não pela aptidão pessoal, mas sim pelos cursos de menor procura e aqueles voltados à possibilidade de absorção imediata
pelo mercado de trabalho.
Uma reflexão rápida sobre os dados do Provão comprovam o raciocínio
acima, ao apontar que os cursos mais procurados por negros e pardos24 são os
relacionados às licenciaturas. No curso de matemática, 26,6% dos formandos
eram negros ou pardos. Em letras, este número subiu para 29,4%; em biologia
eram 26,2%; e em química o percentual se apresenta na casa dos 25 pontos.
Já nos cursos com maior relação candidato/vaga, a presença de formandos
negros ou pardos se fez menor. Direito apresentou 17% dos estudantes nesta
classe social. Odontologia teve apenas 14,5% e medicina revelou um percentual
de 18,6 pontos.
Porém, até que todos verdadeiramente possam ter as mesmas oportunidades, vários fatores terão que sofrer transformações profundas. A lei de cotas,
adotada pela UERJ e pela UENF, no Rio de Janeiro, e outras instituições Brasil
afora, têm servido como vetores de modificação; se positivos ou negativos, é o
começaremos a ver no próximo capítulo.
24
Negros e pardos, conforme classificação oferecida pelo formulário de inscrição do Provão.
39
CAPÍTULO 3
ADOÇÃO DA LEI DE COTAS PARA NEGROS E CARENTES:
APARTHEID AO CONTRÁRIO OU SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS?
O objetivo deste capítulo é apresentar uma fundamentação teórica e argumentação para que possamos discutir a
validade ou não de uma lei que reserve vagas a grupos específicos no vestibular. Ao abordar as duas perspectivas, dos defensores e contrários, poderemos analisar o problema e as bases para a formulação de políticas públicas sobre o tema sem
cair no risco de direcionarmos o foco para apenas um dos lados,
motivados única e exclusivamente pelos fatores pessoais.
Segundo definição encontrada na enciclopédia eletrônica Wikipédia, disponível em <www.pt.wikipedia.org>, Apartheid é uma palavra africânder25 que
designa o regime político-ideológico adotado na África do Sul entre 1910,
quando surgiram as primeiras leis racistas, e 1990, quando o regime acabou.
Neste período de 80 anos, os brancos detiveram o poder e obrigaram os povos
restantes a viver separadamente, segundo regras que os impediam de ser considerados cidadãos. Esta política brutal e absurda ganhou repercussão em todo
o planeta. Apesar do recrudescimento das autoridades sul-africanas, diversos
países começaram a impor sanções ao país que reservava as melhores – e
únicas – oportunidades a apenas 13% da população (os brancos), enquanto a
maioria (87%, sendo 76% de negros e 11% de outras etnias) acabava apenas
engrossando os bolsões de miséria.
25
Língua do ramo germânico do grupo indo-europeu falada na África do Sul e Namíbia.
40
3.1. Apartheid não declarado
Apesar de o Brasil não viver um regime declarado de apartheid, na prática o que ocorre é que a população negra tem menos oportunidades que os
brancos. Esta realidade se deve não a impedimentos jurídicos, pelo contrário.
O problema é histórico, pois quando se aboliu a escravidão no país, em 1888,
não se teve a preocupação em dar aos negros alforriados condições de obterem qualificação profissional que os tornasse competitivos no mercado de trabalho. Muitos eram analfabetos ou não dominavam completamente o português. Educacionalmente prejudicados, quando libertos acabaram engrossando
o contingente de pessoas sem emprego ou com ocupações secundárias. Coube àqueles mais bem preparados, os que estavam mais ligados aos barões e
às baronesas, o trabalho de fazer com que o grupo pudesse ascender socialmente através, não só da educação, mas também da colocação no mercado de
trabalho e na política.
Apesar de a abolição da escravatura ter mais de cem anos, só agora
parece que as autoridades despertaram para o problema das distorções. É
bem verdade que muito se tem discutido sobre o tema, nas últimas décadas,
mas pouco, efetivamente, se transformou em ação, saiu do papel. Certas ou
erradas, as políticas de ações afirmativas estão começando a afetar a vida dos
indivíduos no cerne no problema, ou seja, na educação, um dos pilares para a
construção de uma sociedade mais equilibrada e justa.
Um exemplo dessas medidas que se apregoam como corretivas ocorreu
no dia 4 de setembro de 2003. Na ocasião, a governadora do Estado do Rio de
Janeiro, Rosângela Matheus Garotinho, sancionou projeto de lei sobre reserva
de cotas de vagas nos vestibulares da UERJ e da UENF, proposta aprovada
pela Assembléia Legislativa em 14 de agosto do mesmo ano. A partir deste
momento, 45% das vagas das universidades estaduais ficaram destinadas aos
41
alunos carentes de acordo com os seguintes critérios: 20% para estudantes da
rede pública, 20% para negros e 5% para deficientes físicos e integrantes de
minorias étnicas. Esta lei, a de número 4151, veio para substituir duas leis; a
primeira, lei nº 3524, de 28 de dezembro de 2000, que determinava a reserva
de 50% das vagas nos cursos de graduação para estudantes que tivessem
concluído o ensino fundamental e médio, na íntegra, em rede pública e a segunda, lei nº 3708, de 09 de novembro de 2001, que estabeleceu a cota mínima de até 40% para as populações negra e parda no concurso de acesso aos
cursos de graduação, ambas assinadas durante o governo de Anthony Garotinho,
antecessor de Rosângela Matheus.
O diferencial da lei assinada pela governadora, em comparação às que
estavam em vigor, passou a ser a necessidade da comprovação de carência
por parte de todos os estudantes beneficiados pelo sistema. Tanto negros como alunos de escolas públicas e deficientes físicos terão de provar que são
necessitados economicamente, na forma da lei. Cabe à universidade decidir
qual será o critério de avaliação, levando-se em consideração o nível socioeconômico dos candidatos. Outra mudança introduzida no sistema de cotas é a
classificação da cor da pele: a partir de agora, para evitar qualquer tipo de fraude, o candidato só poderá se declarar negro. A cor parda está excluída da classificação. As novas normas já estão valendo desde o vestibular 2004.
3.2. Números comprovam o fosso entre os grupos
A fim de compreendermos com mais amplitude a justificativa para a adoção de cotas nos vestibulares estaduais no Rio de Janeiro, passemos a algumas estatísticas oficiais. Segundo Censo publicado pelo Ministério da Educação, em 2004, apenas 10,4% dos brasileiros na faixa entre os 18 e os 24 anos
tiveram acesso ao ensino superior, um número bem abaixo dos 30% estabelecidos pelo Plano Nacional de Educação (PNE), patamar a ser atingido em
2011. Nos Estados Unidos, mais de 60% dos jovens na mesma faixa de idade
encontram-se na universidade. Na Inglaterra, 30% estão nos cursos de gradu-
42
ação. Em outros países da América Latina, para os índices não se justificarem
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, como Argentina, Chile e México,
cerca de 20% dos jovens, em média, chegam ao ensino universitário. Percebe-se,
assim, a fragilidade da educação no Brasil26.
Além do restrito acesso dos brasileiros ao ensino superior, embora estejamos observando, nos últimos anos, uma proliferação na oferta de cursos e
vagas nas instituições particulares, os bancos escolares das graduações ainda
apresentam um cenário extremamente discrepante. Segundo dados estatísticos coletados nos Exames Nacionais de Cursos (Provões), na média, 98% dos
universitários se denominam como brancos, enquanto apenas 2% são negros e
de outras etnias. Além disso, das 4.160.000 matrículas efetivadas no ensino
superior no ano de 2004, 71,7% pertencem a instituições particulares, ou seja,
a população carente teve apenas 28,3% das vagas para disputar, considerando-se que esta parcela da população não tenha qualquer tipo de bolsa nem
condições de custear um ensino superior privado.
Esta diferença na condição de acesso aos cursos de graduação vai se
refletir na condição econômica dos grupos. Segundo Censo do IBGE, em 2000,
53,8% da população brasileira se denominou como branca. 38,5% se enquadraram entre os pardos e apenas 6,2% se denominaram como negros. Ainda
teríamos 0,9% entre índios, asiáticos e minorias étnicas. Apesar de os negros e
pardos serem minoria da população (44,7%), eles representam o maior contingente entre os considerados pobres, segundo critérios econômicos adotados
pelo IBGE, com aproximadamente 64%. Outro dado alarmante é que, dos brasileiros com nível superior, apenas 14,3% são negros. Dados do IPEA também
reforçam este fosso entre brancos e negros ao apontar que dos 22 milhões de
brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros.
26
Para maiores detalhes sobre esses números, consultar “Avaliação do ensino médio e acesso ao
ensino superior”, MEC/INEP, 2004.
43
Em virtude de todos os números apresentados neste capítulo, a pressão
por medidas para diminuir a desigualdade nos bancos escolares, não só entre
etnias, mas também no âmbito sócio-econômico, se tornou cada vez maior. No
aspecto civil vemos crescer, a cada dia, o associativismo representado pelos
pré-vestibulares comunitários. Na questão legal, leis como a reserva de vagas
aparecem como primeiro estágio na tentativa de tornar negros, brancos, índios e
quaisquer outras etnias equânimes no que diz respeito ao acesso às graduações27.
3.3. Concorrência e excelência: o vestibular
A realidade da única porta de entrada no ensino superior – o vestibular –
é mais dura do que parece e faz suscitar questões ainda maiores. Com as universidades públicas no Rio de Janeiro concentrando aproximadamente 56 mil
candidatos a 5175 vagas, média de 11 vestibulandos por cadeira, a concorrência se mostra bastante acirrada, sobretudo nos cursos de maior procura, como
Medicina, Odontologia, Direito, Jornalismo e Engenharia. Poderíamos dizer,
inclusive, que esta disputa beira a deslealdade uma vez que, de um lado, jovens voltados exclusivamente para o exame e, de outro, discentes que dividem
seu tempo entre o trabalho e as duras tarefas domésticas – além de exaustivas
horas dentro de conduções, preparam-se para o mesmo exame ao final do ano.
As universidades públicas continuam sendo as principais em termos de
inscrição para o vestibular. Dados fornecidos pelas comissões organizadoras
dos concursos 2006, revelam uma disputa acirrada. Na Universidade Federal
Fluminense (UFF), 48.286 alunos disputaram 4.573 vagas. Na UERJ, 68.296
alunos disputaram as 4.337 vagas da instituição. Na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), 50.405 alunos disputaram as 6.615 vagas da universi-
27
De acordo com a Secretaria de Educação Superior (Sesu/MEC) este ano o número de cotistas
nas instituições públicas federais e estaduais do país deve chegar a 25 mil. No fim do primeiro semestre de 2005 havia 10.635 estudantes matriculados em 12 universidades pela política de cotas.
Hoje são mais de 20 instituições que aderiram ao movimento.
44
dade. Na Uni-Rio/Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas), o número de
inscritos para as 1.543 vagas não foi divulgado.
É impossível fazer competir candidatos tão discrepantes em termos educacionais. Enquanto os alunos das escolas prestigiosas da rede particular de ensino
usufruem toda uma infra-estrutura voltada para sua preparação – o que inclui desde aulas particulares de algumas disciplinas até material didático apropriado – os
alunos da rede pública, em geral, se deparam com problemas que vão desde a
falta de professores em suas escolas (falta não no sentido de não comparecimento, mas sim no sentido de ausência) até falta de verbas para freqüentar regularmente as aulas. Por isso, e como uma das perspectivas mais plausíveis na produção de oportunidades semelhantes para os níveis sociais menos favorecidos, autoridades criaram a lei de cotas como forma de equiparar os grupos.
3.4. Os dois lados da discussão: os contrários e os defensores
Antes de tudo é preciso esclarecer um ponto. A proposta deste tópico
não é traçar um juízo de valor nem julgar a validade ou não da adoção de uma
lei que reserve vagas nos cursos de graduação a determinados segmentos da
sociedade. Nossa proposta é apresentar os dois lados da questão para que os
leitores possam fazer suas considerações.
Feito este esclarecimento, iniciamos a argumentação com Bellini e Ruiz
(2001; p.154-155), quando afirmam que a escola pública deveria se preocupar
com o acesso de seus estudantes ao ensino superior, já que é cada vez mais
acirrada a disputa por uma vaga nos cursos públicos de graduação:
“A função da escola é formar o cidadão atuante, crítico,
através da transmissão/apropriação do conhecimento, numa
relação dialética que envolva professor e aluno. Se a escola fi-
45
zer isso com qualidade, pode estar ajudando os jovens a ter
um bom desempenho como cidadãos. Acreditamos que o direito e a chance de acesso ao ensino superior fazem parte dessa
formação (...).”
E este é justamente o problema. As chances não são iguais. As escolas públicas, sobretudo as técnicas, não preparam os alunos de modo adequado a prestarem o vestibular; e como forma de se contornar a questão, o poder público, em alguns estados da federação, resolveu intervir no ingresso aos cursos de graduação
através de leis que reservam parte das vagas aos carentes e negros. Certas ou
não, medidas foram adotadas. Por isso, passaremos a observar o problema sob os
dois ângulos possíveis, o dos que são contra e dos que defendem a adoção da lei.
Vale esclarecer que, nas duas seções a seguir, estaremos apenas trazendo os argumentos defendidos pelos lados. A análise e uma conclusão serão feitas em momento oportuno. Nos cabe, agora, apenas listar a fundamentação teórica.
3.4.1. Os defensores
Petrucelli (2004: p.28)28 afirma que, para os negros terem o mesmo grau de
formação dos brancos, seria necessário que eles ocupassem todas as vagas de
todas as universidades públicas do país durante 25 anos; isto, para que tivéssemos
o mesmo número de brancos e negros formados. Assim sendo, percebemos que a
igualdade numérica entre as etnias é algo para se pensar somente em longo prazo.
Por isso, Petrucelli defende a adoção de cotas como medida emergencial.
Outro defensor do sistema de cotas é Domingues (2005)29, que desenvolve
seu raciocínio da seguinte forma:
28
José Luís Petrucelli é pesquisador titular do IBGE e consultor do Laboratório de Políticas Públicas
(LPP) da UERJ.
29
Petrônio Domingues é doutor pelo Programa de História Social da USP.
46
“Há uma espécie de consenso nacional de que é preciso
adotar dispositivos concretos de combate à elevada desigualdade
racial no país, e cotas é um desses dispositivos. No entanto, os críticos questionam sua adequação e eficácia. Exclamam, prematuramente, que elas estão fadadas ao malogro. Mas como estariam
fadadas ao malogro se o país ainda não as experimentou? (...)
Um ataque comum desferido por um setor da esquerda
marxista ao programa de cotas para negros é que tal programa
seria uma reivindicação reformista, e não revolucionária. Não há
dúvida de que a proposta de cotas tem uma natureza reformista,
paliativa, assim como outras reivindicações do movimento social,
como, por exemplo, a bandeira da reforma agrária, defendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). (...)
A mesma premissa é valida para a luta pela implementação de cotas para negros. Trata-se de uma luta que, apesar
de sua natureza reformista, tem um caráter democratizante,
que educa ou mobiliza politicamente os negros e, sobretudo, coloca em xeque a secular opressão racial deste país. (...)
Uma outra crítica freqüente é de que o ingresso de negros nas universidades pelo programa de cotas subverte o mérito. Em uma sociedade marcada pelas contradições de classe,
gênero e raça, o mérito não passa de um discurso ideológico. (...)
Outra objeção recorrente é que o ingresso de negros pelo
sistema de cotas vai implicar o rebaixamento da qualidade de ensino. Não basta ser negro para, automaticamente, ser aprovado nesse novo mecanismo de seleção. Tem de ter qualificação. Em pesquisa realizada pelo Programa de Apoio ao Estudante da UERJ,
constatou-se que os alunos que entraram pelo critério de cotas tiveram, no primeiro semestre de estudos em 2003, rendimento acadêmico superior e taxa de evasão menor em relação aos alunos
que obtiveram a vaga sem ter direito ao benefício. De acordo com
a pesquisa, no campus principal da UERJ – que concentra a maior
parte dos cursos – 47% dos estudantes que entraram sem cotas
foram aprovados em todas as disciplinas do primeiro semestre. Entre os estudantes que entraram no vestibular restrito a alunos que
47
se autodeclararam negros, a taxa foi maior: 49%. A comparação
inversa também é favorável aos cotistas. A percentagem de alunos
reprovados em todas as disciplinas por nota ou freqüência entre os
não-cotistas foi de 14%. Entre os que ingressaram pelo programa
de cotas para negros, a percentagem foi de 7%. Além de um rendimento acadêmico superior, os cotistas abandonaram menos os
cursos. Entre os nãocotistas, a taxa de evasão no primeiro semestre foi de 9% dos estudantes. Essa percentagem foi de 5% entre os
ingressantes pelas cotas para negro. (...)
Um outro argumento muito utilizado contra a proposta de cotas baseia-se no pressuposto de que a solução para as distorções
raciais na educação é a melhoria do ensino fundamental e médio da
rede pública. Os defensores do programa de cotas para negros não
são contrários à melhoria da rede pública de ensino. Uma proposta
não é conflitante com a outra. As cotas são uma alternativa emergencial, provisória, ao passo que a melhoria da rede pública de ensino exige um esforço de médio a longo prazo, ciclo de uma geração,
no mínimo. Até lá, os negros vão continuar sendo destituídos do sonho de cursar uma universidade pública e de qualidade?”
Outro entusiasta da adoção de uma política pontual para aumentar as possibilidades de os negros terem acesso ao ensino superior é Antônio Sérgio Guimarães, em
reflexão publicada pela revista eletrônica Comciência, em novembro de 2003:
“As cotas foram, até agora, o único mecanismo encontrado
por algumas universidades brasileiras para resolver o difícil acesso
de negros e pobres às universidades públicas. É uma iniciativa corajosa e só dentro de alguns anos poderemos avaliar se realmente
cumpre a sua finalidade. As piores opções são não fazer nada ou
querer nos fazer crer que está tudo bem, ou que as cotas representam um grande perigo para a cultura brasileira, para as relações raciais no Brasil, para o futuro da humanidade. O que realmente não
gosto é do conservadorismo travestido de humanismo. Se existem
meios melhores que as cotas para aumentar o acesso de negros à
universidade pública, que se adotem esses meios, que se façam
programas sérios e eficientes, sem transferir o problema para outra
esfera ou outra geração.”
48
3.4.2. Os contrários
Maggie e Fry30 (2002) sustentam que:
“Em primeiro lugar não estamos convencidos de que seja
possível ‘corrigir’ séculos de desigualdade de qualquer ordem, racial ou não, por meio de uma política de custo zero. Afinal, a política
de cotas não tem custo material algum. Os nossos ‘nativos’ indicaram muitos custos de outra ordem. O argumento de que as cotas
acabarão incentivando animosidades ‘raciais’ não pode ser facilmente descartado, porque a sua lógica é cristalina. Não se vence o
racismo celebrando o conceito ‘raça’, sem o qual, evidentemente, o
racismo não pode existir. Iniciativas de ação afirmativa oriundas da
sociedade civil produzem conseqüências semelhantes para aquelas poucas pessoas envolvidas. Mas quando cotas raciais se tornam política de Estado, determinando a distribuição de bens e serviços públicos, ninguém escapa à obrigação de se submeter à
classificação racial bipolar. O impacto sobre a sociedade como um
todo não pode ser subestimado, portanto.
Em segundo lugar, como tentamos demonstrar, nada nos
convence que a solução ‘universalista’ foi, de fato, esgotada. Em
terceiro lugar, imaginávamos que os nossos governantes pudessem ter tido um pouco mais de cuidado antes de abandonar um
projeto nacional pautado no não racismo. Por que não aprofundar e
expandir políticas racialmente não neutras como as que foram adotadas no que se refere à repetência e à distorção série/idade no lugar da racialização que as cotas impõem? Colocar, por exemplo,
uma escola pública de melhor qualidade numa periferia de uma
grande metrópole, em vez de instalar a mesma escola num bairro
de classe média alta, obviamente propiciaria mais oportunidade para os negros (posto que os pobres são majoritariamente negros) do
que para os brancos. Mas uma política dessas teria custos materiais enormes, e seria muito difícil, se não impossível, convencer as
classes médias afetadas a aceitar tamanho sacrifício”.
30
Professores do departamento de Antropologia da UFRJ.
49
Outro argumento apresentado pelo segmento contrário à adoção de uma
política de cotas está na própria composição do povo brasileiro. Devido à miscigenação, hoje é muito difícil falar em segmentos estanques a ponto de se
definir claramente quem é negro e branco. Munanga (2004; p.52) representa o
problema da seguinte forma:
“Os conceitos de branco e negro têm fundamento etnosemântico, político e ideológico, mas não (...) biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados
qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência [negra]. É uma qualificação política que se aproxima da
definição norte-americana. Nos EUA, não existe pardo, mulato
ou mestiço, e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro”.
Magnoli31 (2003) justifica seu posicionamento contrário às cotas nos
concursos de admissão aos cursos de graduação com o seguinte argumento:
“Colocar um punhado de negros nas universidades por
meio de cotas não resolve o problema social. Beneficia apenas
aqueles indivíduos que entram. A mim, me espanta que pessoas de esquerda defendam as cotas. O pensamento esquerdista se baseia na idéia da universalidade de direitos. Só o
pensamento ultraliberal não vê os indivíduos como um conjunto de cidadãos, mas sim de consumidores. No interior desse
conceito é que surge a idéia de políticas compensatórias, para
corrigir desvios de mercado. (...)
Nos Estados Unidos, durante 30 anos de políticas de
ações afirmativas, com ênfase em cotas, verificou-se que elas
não têm tanta força para reduzir as desigualdades. Em certos
períodos destas três décadas as desigualdades até aumentaram. Esse tipo de política só traz benefícios para uma elite no
meio daqueles que se pretende privilegiar, aqueles que terminaram o ensino médio e conseguiram notas boas para entrar
31
Demétrio Magnoli é cientista social, jornalista e doutor em Geografia Humana pela USP.
50
nas vagas destinadas às cotas. Num país onde a maioria da
população não conclui o ensino médio, isso é uma elite.”
Além das questões teórico-filosóficas, Gandra32, também em entrevista
concedida a revista eletrônica Comciência, em novembro de 2003, ainda levanta aspectos jurídicos que se mostram inconciliáveis com a adoção de uma política pública que reserve cotas nos vestibulares. Segundo o jurista, “a lei de cotas é uma discriminação às avessas, em que o branco não tem direito a uma
vaga mesmo se sua pontuação for maior. Gandra prossegue: “reconheço que o
preconceito existe, mas a política afirmativa não deve ser feita no ensino superior, e sim no de base".
3.5. Os argumentos e suas conseqüências
O perigo de ser simplesmente contrário ou favorável à adoção de uma
política pública que reserve aos negros, pobres e outros segmentos acesso
privilegiado no ensino superior é que se corre o risco de não observar aspectos
positivos no lado contrário. Todos os argumentos apresentados são extremamente plausíveis. Os dois lados têm razão e se justificam. Porém, independentemente da sustentação, é lícito afirmar que o problema da exclusão racial e
econômica em nível superior existe, como também é verdadeiro sustentar que
educação, ascensão social e colocação no mercado de trabalho são fatores
intimamente ligados e interdependentes, imprescindíveis no modelo econômico
atual, altamente seletivo e competitivo.
Inconstitucionais ou não, eficazes ou não, boas ou ruins, as leis que reservam cotas de vagas nos vestibulares provocaram uma discussão. E o resultado final do embate, qualquer que seja, é o que mais importa, sobretudo no
que apontar para uma sociedade mais equânime e justa. Por que? Isto é o que
veremos no próximo capítulo.
32
Ives Gandra é advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola
de Comando e Estado Maior do Exército, e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
51
CAPÍTULO 4
MERCADO DE TRABALHO E QUALIFICAÇÃO. COMO
FUNCIONA ESTA RELAÇÃO NA BUSCA PELO EMPREGO?
O objetivo deste capítulo é estabelecer uma relação entre escolaridade e mercado de trabalho, a fim de compreendermos quais os motivos que têm levado cada vez mais pessoas carentes para as salas de aula nos cursos pré-vestibulares
com o propósito de tentarem ingressar no ensino superior.
Segundo estatísticas fornecidas pela IPEA, no Brasil a taxa média de
desemprego gira em torno dos 15% nas capitais brasileiras, e apenas 7,7% do
contingente de pessoas que estudaram até três anos consegue colocação no
mercado de trabalho. Entre os indivíduos que concluíram o ensino fundamental, este índice sobe para 22%, sendo elevado para mais de 50% na faixa que
agrupa as pessoas que concluíram o ensino médio e atingiram o nível superior.
A tabela abaixo e os gráficos na página seguinte, retirados do relatório técnico
do IPEA sobre educação e mercado de trabalho, publicado em outubro de
2006, trazem um resumo importante sobre escolaridade e trabalho.
52
4.1. Educação é investimento lucrativo
Além da possibilidade de ocupação profissional, outro aspecto que está
intimamente relacionado à escolaridade diz respeito aos salários. Sem contar
casos particulares, em geral, a diferença entre os vencimentos de alguém que
53
sequer completou o ensino fundamental e uma pessoa com pós-graduação,
pode chegar a 1000%, conforme observamos no gráfico abaixo, elaborado com
base nos dados fornecidos pelo relatório técnico do IPEA.
Percentagem de Aumento
Salarial
Aumento Salarial
1000
800
600
400
200
0
4 anos
8 anos
11 anos
15 anos
17 anos
Anos de Estudo
Estes índices assim se apresentam, pois, na média, 64% dos trabalhadores brasileiros não conseguem atingir a marca de 6 anos na escola e, consequentemente, não completam o ensino fundamental, principalmente devido à
repetência e à retenção33. Como não possuem a qualificação que os melhores
empregos exigem, a solução para esses indivíduos é se sujeitar a subempregos, sem carteira assinada ou benefícios trabalhistas e com grande carga de
trabalho para, no final do mês, receberem salário baixo. Por incrível que pareça, embora o salário mínimo vigente em 2006 seja de R$ 350,00, e por ser mínino deveria ser o piso de qualquer ocupação, há trabalhadores que recebem
vencimentos muito inferiores a este valor.
Índices do IPEA mostram que o maior volume de desemprego no Brasil
está na faixa onde se encontram as pessoas que concluíram o ensino fundamental, mas que nem sempre concluíram o ensino médio. Nesse segmento
encontram-se profissionais que, com qualificação mediana, não precisam se
33
Há que se explicar, aqui, uma pequena diferença entre repetência e retenção escolar. Repetência é
quando o aluno não atinge uma determinada média mínima para ser aprovado. Isto é fruto de mau
desempenho nas avaliações. Retenção é quando o aluno não é promovido de série por fraco rendimento escolar em determinada matéria (apesar de ser aprovado na média em outras), por excesso de
faltas, por abandono (evasão) ou qualquer fator que possa justificar uma não promoção.
54
sujeitar ao subemprego dos pouco escolarizados, mas que não possuem condições de disputarem vagas com aqueles que estão na graduação ou na pósgraduação. Outro fator que pesa contra este grupo é o fato da constante mecanização da produção e dos serviços o que diminui, consideravelmente, os postos de trabalho. Assim, nada mais coerente do que se buscar o ingresso no
ensino superior que, se não é a solução completa para o desemprego, ao menos faz o indivíduo vislumbrar a possibilidade para tal. E uma prova desta lógica pode ser observada no gráfico abaixo, elaborado com auxílio das estatísticas contidas no relatório do IPEA.
O efeito diploma
100
Porcentagem
80
60
40
20
0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12 13 14 15 16 17
Anos de Estudo
Este gráfico mostra o perfil do mercado de trabalho no Brasil, por faixa
de escolaridade. Entre os analfabetos, só 34% estão empregados. Os demais
não conseguem ocupação fixa ou estão inativos. Entre as pessoas que estudaram dezessete anos ou mais, 86% atualmente estão empregadas. Na faixa entre os nove e onze anos de estudo, que corresponde ao ensino médio, o gráfico
aponta uma queda no nível de emprego. A explicação, já citada aqui, aponta o
grupo de pessoas que concluíram o ensino médio, mas que acabaram por não
obter mais qualquer qualificação. Dessa forma, o ingresso no nível superior
acaba representado uma importante ferramenta, já que, a partir dos 12 anos de
estudo, o que corresponde ao início da graduação, a curva ascende de modo
significativo.
55
4.2. Revolução tecnológica e mercado de trabalho
Algumas perguntas se fazem necessárias neste momento: por que a
sociedade brasileira despertou, nos últimos anos, para a necessidade de ingresso no ensino superior? Por que buscar, nas diversas graduações, possibilidade de um horizonte melhor?
Para responder a estas questões, recorremos a um levantamento feito
pelo IPEA sobre o progresso da educação, levando-se em conta apenas dados
obtidos no Brasil. Quando falamos em “estudo”, consideramos apenas os que
Percentagem de Indivíduos
com Estudo
concluíram o ensino fundamental.
100
80
60
40
20
0
70
65-70 60-65
55-60
50-55 45-50
40-45
35-40 30-35
25-30
20-25 15-20
Faixa Etária
Pelo gráfico vemos um crescimento de 300% em aproximadamente cinco décadas. Entre os indivíduos com 70 anos (ativos no mercado, grosso modo, a partir dos anos 50), apenas 31% concluíram o ensino fundamental, enquanto os jovens, hoje (ativos no mercado desde 1990, grosso modo), atingem
a marca de 79%.
Como justificativa para esta “revolução” nos números relativos à educação, em primeiro lugar podemos citar a universalização do ensino já que, atualmente, a rede escolar, tanto pública quanto privada, oferece muito mais opor-
56
tunidades do que oferecia nas décadas de 30 e 40. Independentemente da
qualidade do ensino, há mais escolas, proporcionalmente.
Outro ponto relevante a ser considerado é que, hoje, as profissões requerem, em muitos casos, conhecimentos técnicos, teóricos e/ou científicos
que só podem ser obtidos nos bancos escolares, enquanto, antigamente, grande parte das vagas no mercado de trabalho independia de conhecimentos acadêmicos, uma vez que a mecanização da produção e os recursos tecnológicos
ainda não tinham atingido pleno desenvolvimento, restringindo-se a casos específicos, sobretudo nas profissões ligadas ao nível superior.
Por fim, os números justificam a necessidade crescente e imprescindível
de qualificação. Enquanto, na década de 50, apenas um terço dos jovens possuía formação fundamental completa, hoje esta fração subiu para quatro quintos. Automaticamente, a concorrência por uma vaga é muito mais acirrada. Logo, apenas os mais bem qualificados têm condições de disputar um posto no
mercado e trabalho.
Neste sentido, os cursos comunitários de pré-vestibular acabam servindo como uma esperança de qualificação. No mesmo bojo, ações como a adoção de uma lei de cotas no vestibular aparecem como medidas para possibilitar
aos menos favorecidos social, econômica e educacionalmente condições de,
ao menos, tentarem concluir um curso de nível superior e ascender na vida.
Serão estas medidas eficazes no combate à desigualdade? Haverá,
mesmo, condições de o Brasil se tornar um país mais justo e com oportunidades para todos? Um dia negros e brancos serão vistos, apenas, como integrantes de uma mesma sociedade sem que citemos conflitos raciais? Ricos e pobres, como prevê a Constituição Federal, serão iguais? Tentaremos responder
a estas e outras questões, no próximo capítulo.
57
CONCLUSÃO
A UERJ é uma instituição que goza de autonomia político-administrativa
em relação ao Palácio Guanabara, sede do governo estadual. Por isso a instituição sempre foi relegada a segundo plano pelas autoridades que controlam o
Estado. Um reflexo deste descaso e da falta de sintonia nos discursos aconteceu no dia 03 de abril de 2006. Após inúmeras pressões internas, cortes no
orçamento e combates ao que chamaram de “sucateamento da universidade”,
professores, funcionários e alunos da UERJ, com apoio irrestrito da reitoria,
iniciaram uma greve que se arrastaria por quase três meses.
A maior prova desta disputa política e das tensões provocadas pelo conflito entre o poder público e a universidade fica evidente ao analisarmos os repasses econômicos para custeio das atividades de ensino e pesquisa. Nos
quatro anos em que governou o estado, Rosângela Matheus reduziu, em todos
eles, o orçamento destinado à instituição. O último desses cortes, processado
no final de março de 2006, no valor de 25%, acabou sendo o estopim para a
suspensão das atividades de ensino, extensão e pesquisa.
A greve declarada na UERJ afetou não apenas a comunidade acadêmica. Alunos das mais diversas instituições de ensino médio também sentiram os
reflexos do problema, já que o primeiro exame de qualificação, etapa inicial do
vestibular, marcado para 25 de junho, precisou ser adiado para 06 de agosto,
em virtude da falta de condições para sua realização. A medida prejudicou aproximadamente 72 mil candidatos inscritos para a prova. Cada um deles pagou R$ 36, pela inscrição, o que representou uma receita aproximada de R$
2.088.000,0034, descontando-se do montante de 72 mil vestibulandos os 14 mil
contemplados com isenção da taxa de inscrição.
34
Desde 2001 existe a aplicação de um “exame de qualificação”, que corresponde a uma primeira
fase. Para o concurso com vista ao ano letivo de 2007, foram aplicados dois exames de qualificação, além da prova discursiva. Cada exame de qualificação ao custo de R$ 36. A etapa discursiva
custou, a cada candidato, a importância de R$ 74.
58
Enquanto o governo estadual sinalizava com redução no volume de investimentos, o corpo docente da UERJ solicitava aumento salarial na faixa de
54%, valor decorrente das perdas econômicas acumuladas nos últimos anos.
Em meio a esta disputa, um bloco de reboco, pesando sete toneladas, despencou da passarela localizada no 12º andar do prédio situado no Maracanã. No
acidente, ocorrido em fevereiro, ninguém se feriu fisicamente; mas, moralmente, o fato representou com fidedignidade a situação caótica de um dos mais
importantes núcleos universitários do Rio de Janeiro e do país. Para que não reste
qualquer dúvida, observe os registros da queda desta passarela, feitos pelo fotógrafo
Frederico Bittencourt, para o jornal “Sintuperj Em Ação”, edição de fevereiro de 2006.
Pesquisa recente realizada pela Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro (Alerj), aponta que o repasse mensal de verbas para a UERJ,
desde janeiro de 2006, de acordo com orçamento estabelecido pelo governo
para o exercício, era de R$ 2,9 milhões/mês, ou, R$ 34,8 milhões/ano. Após o
último corte, este montante foi reduzido para R$ 2,2 milhões/mês, exatamente
R$ 1 milhão/mês a menos do que quando o governo assumiu, em janeiro de
59
2003. Em outras palavras, em quatro anos foram cortados 31,25% do orçamento da instituição; quase 1/3 do total.
Segundo o reitor da UERJ, Nival Nunes de Almeida, somente no período
letivo referente a 2002, as despesas para manutenção das atividades ficaram
em R$ 48 milhões. Com o último corte, a universidade passaria a dispor de apenas R$ 29 milhões/ano, o que torna praticamente inconciliável a realização
dos cursos de forma satisfatória, sobretudo no que tange à infra-estrutura. Dos
R$ 868,5 milhões solicitados no orçamento elaborado pelo Conselho Universitário para a gestão 2006, a Alerj aprovou apenas a alocação de R$ 416 milhões
em recursos, ou seja, menos da metade, para todas as atividades da universidade, incluindo verbas para manutenção dos prédios, aquisição de material,
além do pagamento de profissionais e dívidas.
A respeito destes números, o secretário estadual de ciência e tecnologia,
Wanderley de Souza, procurou conter a opinião pública ao sustentar que, na
verdade, o orçamento da UERJ não sofreu qualquer tipo de restrição já que os
responsáveis pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj)
se comprometeram a repassar mais R$ 880 mil/mensais à universidade, complementando as verbas disponíveis.
Diante deste cenário apresentado pelas autoridades estaduais, algumas
perguntas se tornam capitais: por que o deputado Paulo Pinheiro (PPS) decidiu
abrir ação civil pública na Procuradoria Geral do Estado para impedir mais reduções no orçamento da UERJ? Por que o prédio da instituição está, literalmente, caindo aos pedaços? Como pode uma universidade do porte da UERJ
estar com suas contas de luz, água e telefone em atraso? Só com Light, operadora responsável pelo fornecimento de luz, são R$ 9 milhões em débitos.
Como se investir em pesquisa, extensão e ofertar um ensino de qualidade sob
condições precárias?
60
Para que não fiquemos apenas com o caso particular da UERJ, e para
que possamos dar prosseguimento a esta conclusão, citemos o governo federal. Paulatinamente, o Palácio do Planalto vem abrindo o ensino superior à iniciativa privada. Hoje, a União investe aproximadamente 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor educação. Enquanto as instituições públicas sofrem
com a falta de verbas, as particulares batem recordes de arrecadação. Dados
fornecidos por pesquisa realizada pelo MEC/INEP, em 2003, demonstram, com
clareza, a discrepância entre a realidade do público e do privado no ensino superior. Ao final daquele ano, as instituições superiores de ensino concentravam
3,9 milhões de alunos, sendo que 2.750.652 na rede privada (70,52%) e
1.149.348 (29,48%) nas instituições públicas. Enquanto o setor privado cresceu
13,3% com relação a 2002, as universidades públicas registraram evolução de
8,1% com relação ao aumento no número de matrículas no mesmo período.
Outros dados também nos fornecem subsídios para perceber o fosso
que separa as instituições de ensino superior públicas e privadas. Em 2003,
foram registrados 16.453 cursos de graduação, um aumento de 14,3% em relação a 2002. Nas instituições privadas, o crescimento foi de 18%, e nas públicas, de 7,8%. Dos 10.791 cursos existentes no País, 65,6% estão no setor privado e 5.662 (34,4%) em instituições públicas. Em relação ao número de instituições na educação superior, a concentração é ainda maior no setor privado.
De 1.859 instituições registradas, 207 são públicas, representando 11,1% e
1.652 privadas (88,9%). O crescimento registrado em relação ao último ano é de
13,6%. No setor privado, o aumento foi de 14,6% e, no público, de 6,2%.
Pelos números expostos acima o cenário aponta duas realidades: de um
lado a rede particular experimenta franco crescimento; de outro as instituições
públicas que, embora estejam crescendo, o fazem de modo ainda discreto.
Parte da explicação para estas duas posturas passa por investimentos,
incentivos e verbas, já que democratizar o acesso e possibilitar o desenvolvimento tecnológico do país sem provocar desequilíbrios no orçamento é um
61
problema complexo de ser resolvido. O resultado desta questão é que a reforma universitária tem sido discutida, mas está longe de se tornar realidade. Pelas estatísticas oficiais percebemos que a iniciativa privada vem ampliando, a
cada ano, sua participação no ensino superior, ação que, se por um lado, tem
possibilitado mais acesso de estudantes à graduação, por outro ainda não tem
possibilitado à parcela mais carente da população ascender social e economicamente através dos bancos escolares, já que este grupo não reúne condições
de custear cursos privados, restando como único caminho o ingresso nas instituições públicas na busca por melhor qualificação.
É neste contexto, de um país onde apenas os mais bem aquinhoados
social e economicamente têm as melhores oportunidades, e de uma nação onde os discursos políticos quase nunca viram ações concretas, rápidas e eficazes, que surgem iniciativas como o associativismo na educação, representado
pelos pré-vestibulares comunitários. É sob o prisma político-eleitoreiro que movimentos como a lei de cotas, no Rio de Janeiro, ganham força. Para que possamos prosseguir, voltemos ao caso da UERJ, em uma situação real. A falta de
recursos é tamanha que na graduação em odontologia, dos 168 estudantes
cotistas, apenas 12 receberam o kit com o material necessário para a realização do curso, avaliado em R$ 11 mil, cada.
A análise deste problema aponta para uma questão ampla. De que adianta fazer com que os estudantes menos favorecidos tenham acesso às instituições se estas acabam não apresentando condições de fazer com que eles
permaneçam nos cursos? Citando o próprio caso do curso de odontologia, se o
aluno é cotista ele provou ser carente na forma da lei. Como, então, teria condições de arcar com o custo de R$ 11 mil para poder acompanhar as aulas de
um curso onde teoria e prática são indissociáveis?
Por conta da defasagem de qualidade entre o ensino fornecido pela rede
pública e pela rede privada, no que tange à educação nos níveis fundamental e
médio, ações afirmativas como os pré-vestibulares comunitários se tornaram
62
possíveis e acabaram se transformando em novas vertentes para a educação
no Brasil. Este tipo de iniciativa se mostrou tão eficaz que acabou apontando
um problema tão evidente, mas ao mesmo tempo tão oculto no Brasil: o afastamento dos negros e carentes do ensino superior.
É evidente que qualquer exercício de futurologia pode acabar se mostrando errôneo; pode levar a conclusões equivocadas. No entanto, a análise
interpretativa dos dados relativos à educação superior no país mostra que as
universidades públicas rumam na mesma direção dos níveis fundamental e
médio, principalmente no que refere à qualidade, procura e excelência, embora
as instituições públicas, hoje, ainda sejam referência, sobretudo em pesquisa e
extensão.
Atualmente, quem freqüenta a rede privada em nível fundamental e médio é quem pode – e quer – pagar por educação de qualidade, por escolas limpas, estruturadas e organizadas. Os menos afortunados acabam sendo obrigados a freqüentar a rede pública, onde sistematicamente nos deparamos com
carência material, prédios em péssimo estado de conservação e falta de professores estimulados. É bem verdade que ainda existem oásis como os Colégios de Aplicação da UERJ e UFRJ, o Pedro II, e outras instituições que representam uma parcela ínfima do universo em questão.
Em outra esfera, e apesar dos problemas, quem freqüenta os bancos
públicos no ensino superior ainda é o discente que busca qualidade de ensino,
visto que estas instituições concentram docentes altamente gabaritados e habilitados à pesquisa e extensão, embora os cursos de graduação já não sejam
tão melhores, sobretudo se os compararmos com os ofertados pelas instituições particulares de ponta. A questão é que, devido ao sucateamento da universidade pública, há uma tendência a se optar pela rede privada que, hoje,
também investe em profissionais de qualidade indiscutível e em pesquisa. Vários docentes da rede pública têm trabalhado nas instituições privadas. Além
disso, há que se levar em consideração as condições de infra-estrutura dos
63
prédios. Por isso, não é à toa que o segmento particular quase quadruplicou
nos últimos anos, concentrando, hoje, a maioria dos universitários.
Dessa forma, a continuarmos com o atual ritmo de expansão do setor
privado e retração dos investimentos no segmento público, a tendência é que
venhamos a ter, no ensino superior, fenômeno semelhante ao observado nos
ensinos fundamental e médio ao longo das últimas décadas: instituições falidas, sem condições de prepararem alunos competitivos. No caso do primeiro
segmento da educação, o objetivo é o vestibular ou a formação técnica. No segundo, a meta é a qualificação para o mercado de trabalho ou pesquisa.
A adoção de uma lei de cotas, como aconteceu, por exemplo, no Rio de
Janeiro, é medida pontual e específica, longe de resolver a questão no cerne
no problema, ou seja, na flagrante diferença entre formados em nível médio na
rede pública e privada. Ao facilitar o acesso à universidade, a lei representa
uma espécie de “confissão de culpa”, na medida em que o governo assume
que não foi capaz de fornecer educação que possibilitasse aos seus estudantes serem aprovados única e exclusivamente pela capacidade.
Por outro lado, há o argumento de que, se não for este incentivo, se a
sociedade for aguardar por profundas modificações, jamais os negros e carentes terão condições de ingressar nos cursos de graduação e se formar; ou se o
conseguirem será daqui há 20 ou 30 anos. O argumento, embora lícito, apresenta dois problemas: como fica a questão do mérito no ingresso e, consequentemente, a lógica do vestibular? E como pode haver dois concursos, dentro de um mesmo?
Para fundamentar as questões, recorremos a dados oficiais do vestibular
da UERJ, em 2002. No curso de odontologia, um dos mais concorridos, a nota
corte, ou seja, a determinante para a aprovação, foi de 77,5 pontos, em um
total de 110. Esta nota foi utilizada para os não-cotistas. Já com relação aos
cotistas, a nota ficou em 6,25, menos de 10%.
64
Outro argumento utilizado pelos defensores da lei de cotas cita estudo
elaborado pelo Programa de Apoio ao Estudante da UERJ. A pesquisa mostra
que, quanto ao desempenho no primeiro semestre, 47% dos cotistas foram aprovados em todas as disciplinas, percentual pouco inferior ao dos demais alunos, que obtiveram 49% de aprovações. É bem verdade que os números são
extremamente positivos. Mas vale lembrar que grande parte das disciplinas dos
primeiros períodos versa sobre conteúdos do ciclo básico, ou seja, não lida
com especificidades. No caso do curso de odontologia, como poderia um estudante sem o kit acompanhar as aulas práticas?
A questão é que simplesmente abrir as portas da sala de aula em virtude
da cor ou da classe social do indivíduo não vai resolver o problema; a justificativa para a afirmação é que esta medida vem sendo adotada há anos nos ensinos fundamental e médio, onde todos têm acesso, e o resultado é que muitos
alunos entram e saem da escola sem saber nada, sem obterem formação de
qualidade. A quantidade, tão apregoada nos últimos anos, nem de longe representou qualidade, servindo apenas para engrossar estatísticas oficiais.
Por este motivo, o caminho para a resolução do conflito no acesso e
manutenção de alunos no ensino superior passa, necessariamente, não pela
limitação de vagas para um determinado grupo, através de uma lei de cotas,
mas sim na universalização do ensino. A expansão da rede pública, mais do
que uma possibilidade, é uma necessidade. Em uma escola onde há 10 vagas,
não se pode reservar quatro para negros e carentes e seis para brancos e não
carentes. Há que se expandir o número para 14, abrigando todos os negros,
brancos, índios e carentes.
Um dos grandes entraves para esta medida é que grande parcela da
população que deveria estar na rede privada, pois tem condições de custear
o ensino particular, ainda ocupa a rede pública, seja por status, seja por opção. E é neste reduto que a questão tem seu ponto nevrálgico: como inver-
65
ter esta situação? Como tornar as instituições públicas pertencentes, verdadeiramente, ao povo?
Enquanto não houver mobilização pública e vontade política, toda esta
discussão servirá apenas para engrossar os anais de congressos, seminários e
encontros sobre o tema. O caso do Rio de Janeiro é um bom exemplo disto, de
como a política, na maior parte das situações, acaba atrapalhando o debate
verdadeiro sobre educação. A lei de cotas, sancionada inicialmente pelo então
governador Anthony Garotinho em 2001, sequer foi discutida na Alerj, tendo
sido aprovada por aclamação, por muitos deputados que nem se deram ao trabalho de ler o texto oficial. Embora goze de autonomia política, a UERJ teve
que acatar o decreto, sendo obrigada a modificar radicalmente seu vestibular
desde então.
O mais importante, neste momento, não é ser contra ou a favor de uma
lei de cotas. Qualquer posicionamento radical neste sentido está fadado a se
mostrar errôneo nos próximos dias, meses e/ou anos. Os primeiros cotistas
começaram a se formar agora. Por isso, só quando tivermos um grupo de formados em larga escala poderemos avaliar o real impacto da entrada destes
estudantes no ensino superior. O que realmente vale, por hora, é compreender
em que contexto a lei surgiu e qual a finalidade da adoção de medida tão extremada e polêmica.
Independentemente do resultado prático, a lei já atingiu um objetivo:
mobilizou a opinião pública acerca do tema educação, tão defendido durante
sua vida pública, pelo ex-ministro da educação e atual senador Cristovam Buarque (PDT-DF). O problema é que nem sempre as autoridades discutem sobre educação. Algo tão comum em tempos de campanhas eleitorais vira segundo plano durante os governos. Aliás, é como se, a cada quatro anos, os
governantes descobrissem que a educação precisa de atenção. Sobre a lei de
cotas, o próprio senador Cristovam Buarque tem um posicionamento interes-
66
sante ao defender, não a reserva, mas sim a ampliação de vagas na rede pública com oferta para todos.
Finalmente, nos cabe refletir sobre o momento histórico do Brasil. Jamais o tema ações afirmativas teve tanto destaque. As discussões, que começaram em pesquisas universitárias, ganharam corpo na sociedade. Movimentos
como os pré-vestibulares comunitários representam, hoje, parcela significativa
na luta pelos direitos, não só de negros, mas sobretudo dos menos favorecidos
que buscam, na educação, a possibilidade de reverterem o quadro negativo
que os cerca. O associativismo, até então presente apenas em estudos teóricos, ganhou as ruas e se materializou. O movimento tomou força, representatividade, produziu resultados impressionantes e, hoje, serviu como uma das ferramentas para justificativa da adoção de novas políticas educacionais no acesso ao nível superior, vertente representada pela lei de cotas.
A sociedade mudou. A educação também. Do mesmo modo, a lei vem
acompanhando as alterações. É bem verdade que a discussão está apenas em
seu início e, por isso, muitos fatores ainda vão se somar ao tema. Quando os
primeiros cotistas concluírem seus cursos, os dados vão fornecer bases concretas para avaliarmos a eficácia da medida. Por hora, certa ou errada a lei de
cotas provocou a discussão. Se, por um lado, é lícito afirmar que uma ação
pontual não vai resolver o problema, e não vai mesmo, por outro isto pode ser
um primeiro passo que conduza a uma solução definitiva, para que não tenhamos apenas a adoção de um paliativo na busca pela resolução da questão. De
concreto, hoje, podemos garantir que, se nada for feito nos próximos anos, a
educação superior será um nicho apenas daqueles mais bem afortunados, enquanto os humildes se perpetuarão na condição de excluídos do ensino superior, ou terão que se desdobrar para custear um ensino particular. As novas rotas da educação passam pelo associativismo, movimento que tem ajudado
muitas pessoas a atingirem o nível superior. Transplantado para a universidade,
quem sabe o associativismo não possa, também, ajudar a manter os mais caren-
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tes nos bancos escolares? Afinal de contas, concluir um curso de graduação, na
maior parte dos casos, é algo tão ou mais difícil do que ingressar.
Se restar qualquer dúvida, basta observar as estatísticas sobre evasão escolar em nível superior para se ter uma idéia do quão penoso é obter um diploma
universitário no Brasil, sobretudo para os menos favorecidos. Assim perceberemos que o Brasil, embora se apregoe como um “país de todos”, ainda é uma nação extremamente marcada pelo desequilíbrio econômico e social, problema que
só será resolvido quando todos, de fato, tiverem acesso e condições para obter
educação de qualidade.
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ANEXOS
ÍNDICE
Anexo 1 – Nota dos diretores de unidades em defesa da UERJ
Anexo 2 – Manifesto em favor da lei de cotas e em defesa do estatuto da igualdade racial.
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ANEXO 1
NOTA DOS DIRETORES DE UNIDADES EM DEFESA DA UERJ
Rio de Janeiro, 10 de Abril de 2006
Nós diretores de unidades reunidos em 07/04/2006, vimos a público manifestar nossa tristeza e indignação em relação ao tratamento que a UERJ vem
recebendo do Governo Estadual.
Após inúmeras e infrutíferas tentativas de negociação com o governo do
Estado para estabelecer uma agenda de recomposição de salários e por melhores condições de trabalho, a comunidade da UERJ foi compelida à greve
como alternativa legítima de reivindicação.
Cumpre esclarecer que a luta por melhores condições de trabalho se acirrou com o corte nas fontes de financiamento de manutenção e atividades
finalísticas anunciado, através do Decreto Nº 38.795, pela Governadora do Estado do Rio de Janeiro, no diário Oficial de 30 de março de 2006. Com a promulgação deste decreto o orçamento da UERJ sofrerá um corte linear drástico
de 25% na verba de custeio mensal, esta verba que era R$2.938.696,00, em
abril de 2006, passará a ser de R$2.204.022,00, a partir de maio.
É preciso deixar claro que não somos contra uma política austera de regularização das contas do Estado. Mas somos contra uma política de renuncia fiscal
eminentemente eleitoreira que traz prejuízos à população e agrava ainda mais
a manutenção de atividades finalísticas de inúmeros órgãos da administração
direta e indireta do Estado.
Todos nós sabemos que um orçamento de uma Instituição como a UERJ
deveria ser atualizado, corrigido e deflacionado, pois as despesas de custeio
como luz, telefone, água e gás são corrigidas pelas concessionárias de serviços de utilidade pública de acordo com a variação dos índices inflacionários. A
não correção do orçamento antes da promulgação do decreto acarretou um
déficit de R$ 668.293,00, nos pagamentos dos serviços de utilidade pública e
na prestação de serviços entre órgãos.
Neste contexto de incertezas, nossas preocupações estão centradas nos
impactos previstos que a política de corte linear na verba de custeio mensal
acarretará nas atividades finalísticas já precarizadas da UERJ, tais como:
• Agravamento do déficit orçamentário no pagamento dos serviços de utilidade
pública (CEG, Light, Telemar, EBCT, Embratel, etc.);
• Redução na verba de auxilio a Estudantes, com implicações generalizadas,
desde à não realização de trabalhos de campos à não concessão de bolsas
(Estágio Interno, etc.);
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• Previsão de contingenciamento dos contratos administrativos para Professores Visitantes e Substitutos e apoio Técnico-administrativo;
• Agravamento das dificuldades já antepostas ao desenvolvimento das atividades de ENSINO, PESQUISA e EXTENSÃO pela insuficiência orçamentária existente, tanto nos Cursos de Graduação quanto nos de Pós-Graduação;
• Precarização e redução dos contratos com segurança, mão-de-obra terceirizada, manutenção predial e manutenção de elevadores.
O limite do desinvestimento sistemático que a UERJ vem passando se
revela através do sucateamento de suas instalações e mais recentemente no
desabamento da marquise superior da passarela do 12º andar que liga os blocos A e B, na terça-feira o dia 31 de Janeiro. A precariedade das condições de
infra-estrutura, em todas unidades acadêmicas da UERJ, passou a ser a marca
principal do abandono impetrado pela atual gestão de governo.
Pelos motivos enunciados acima, conclamamos a comunidade acadêmica e toda a sociedade fluminense a se mobilizar e a se posicionar em defesa
da UERJ.
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ANEXO 2
MANIFESTO EM FAVOR DA LEI DE COTAS E DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL
AOS DEPUTADOS E SENADORES DO CONGRESSO BRASILEIRO
A desigualdade racial vigente hoje no Brasil tem fortes raízes históricas e
esta realidade não será alterada significativamente sem a aplicação de políticas
públicas dirigidas a este objetivo. A Constituição de 1889 facilitou a reprodução
do racismo ao decretar uma igualdade puramente formal entre todos os cidadãos. A população negra acabava de ser colocada em uma situação de completa exclusão em termos de acesso à terra, à renda, ao conjunto de direitos
sociais definidos como “direitos de todos”, e à instrução para competir com os
brancos diante de uma nova realidade de mercado de trabalho que se instalava
no país. Enquanto se dizia que todos eram iguais na letra da lei, várias políticas
de incentivo e apoio diferenciado, que hoje podem ser lidas como ações afirmativas, foram aplicadas para estimular a imigração de europeus para o Brasil.
Esse mesmo racismo estatal foi reproduzido e intensificado na sociedade brasileira ao longo de todo o século vinte. Uma série de dados oficiais sistematizados pelo IPEA no ano 2001 resume o padrão brasileiro de desigualdade racial: por 4 gerações ininterruptas, pretos e pardos têm contado com menos escolaridade, menos salário, menos acesso à saúde, menor índice de emprego, piores condições de moradia, quando contrastados com os brancos e
asiáticos. Estudos desenvolvidos nos últimos anos por outros organismos estatais, como o MEC, o INEP e a CAPES, demonstram claramente que a ascensão social e econômica no nosso país passa necessariamente pelo acesso ao
ensino superior.
Foi a constatação da extrema exclusão dos jovens negros e indígenas
das universidades públicas que impulsionou a atual luta nacional pelas cotas,
cujo marco foi a Marcha Zumbi dos Palmares pela Vida, em 20 de novembro de
1995, encampada por uma ampla frente de solidariedade entre acadêmicos
negros e brancos, coletivos de estudantes negros, cursinhos pré-vestibulares
para afrodescendentes e pobres e movimentos negros da sociedade civil, estudantes e líderes indígenas, além de outros setores solidários, como jornalistas,
líderes religiosos e figuras políticas – boa parte dos quais subscreve o presente
documento. A justiça e o imperativo moral dessa causa encontraram ressonância nos últimos governos, o que resultou em políticas públicas concretas, tais
como: a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da
População Negra, de 1995, ainda no governo FHC; as primeiras ações afirmativas no âmbito dos Ministérios, em 2001; a criação da Secretaria Especial para
Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, no governo
Lula; e, finalmente, a proposta dos atuais Projetos de Lei que estabelecem cotas para estudantes negros oriundos da escola pública em todas as universidades federais brasileiras, e o Estatuto da Igualdade Racial.
72
O PL 73/99 (ou Lei de Cotas) deve ser compreendido como uma resposta coerente e responsável do Estado brasileiro aos vários instrumentos jurídicos internacionais a que aderiu, tais como a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), de 1969, e, mais
recentemente, ao Plano de Ação de Durban, resultante da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001. O Plano de Ação de
Durban corrobora a ênfase, já colocada pela CERD, de adoção de ações afirmativas como um mecanismo importante na construção da igualdade racial.
Lembremos aqui que as ações afirmativas para minorias étnicas e raciais já são realidade em inúmeros países multi-étnicos e multi-raciais como o
Brasil. Foram incluídas na Constituição da Índia, em 1949; adotadas pelo Estado da Malásia desde 1968; implementadas nos Estados Unidos desde 1972; na
África do Sul, após a queda do regime de apartheid, em 1994; e desde então
no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, na Colômbia e no México. Existe
uma forte expectativa internacional de que o Estado brasileiro finalmente implemente políticas consistentes de ações afirmativas, inclusive porque o país
conta com a segunda maior população negra do planeta e deve reparar as assimetrias promovidas pela intervenção do Estado da Primeira República com
leis que outorgaram benefícios especiais aos europeus recém chegados, negando explicitamente os mesmos benefícios à população afro-brasileira.
Vale ressaltar também que, somente nos últimos 4 anos, mais de 35 universidades e Instituições de Ensino Superior públicas, entre federais e estaduais, já implementaram cotas para estudantes negros, indígenas e alunos da
rede pública nos seus vestibulares e a maioria adotou essa medida após debates no interior dos espaços acadêmicos de cada universidade. Outras 15 instituições públicas estão prestes a adotar políticas semelhantes para promover
maior inclusão. Todos os estudos de que dispomos já nos permitem afirmar
com segurança que o rendimento acadêmico dos cotistas é, em geral, igual ou
superior ao rendimento dos alunos que entraram pelo sistema universal. Esse
dado é importante porque desmonta um preconceito muito difundido de que as
cotas conduziriam a um rebaixamento da qualidade acadêmica das universidades. Isso simplesmente não se confirmou! Uma vez tida a oportunidade de acesso diferenciado (e insistimos que se trata de cotas de entrada, apenas, e
não de saída), os estudantes negros se esforçam e conseguem o mesmo rendimento que os estudantes brancos.
Outro argumento muito comum usado por aqueles que são contra as políticas de inclusão de estudantes negros através de cotas é que haveria um
acirramento dos conflitos raciais nas universidades. Muito distante desse panorama alarmista, os casos de racismo que têm surgido após a implementação
das cotas têm sido enfrentados e resolvidos no interior das comunidades acadêmicas, em geral com transparência e eficácia maiores do que havia antes
das cotas. Nesse sentido, a prática das cotas tem contribuído para combater o
clima de impunidade diante da discriminação racial no meio universitário. Mais
ainda, as múltiplas experiências de cotas em andamento nos últimos 4 anos
73
contribuíram para a formação de uma rede de especialistas e de uma base de
dados acumulada que facilitará a implementação, a nível nacional, da Lei de
Cotas.
Colocando o sistema acadêmico brasileiro em uma perspectiva internacional, concluímos que nosso quadro de exclusão racial no ensino superior é
um dos mais extremos do mundo. Para se ter uma idéia da desigualdade racial
brasileira, lembremos que, mesmo nos dias do apartheid, os negros da África
do Sul contavam com uma escolaridade média maior que a dos brancos no
Brasil no ano 2000; a porcentagem de professores negros nas universidades
sul-africanas, ainda na época do apartheid, era muito maior que a porcentagem
dos professores negros nas nossas universidades públicas nos dias de hoje. A
porcentagem média de docentes nas universidades públicas brasileiras não
chega a 1%, em um país onde os negros conformam 45,6 % do total da população. Se os Deputados e Senadores, no seu papel de traduzir as demandas
da sociedade brasileira em políticas de Estado não intervirem aprovando o PL
73/99 e o Estatuto, os mecanismos de exclusão racial embutidos no suposto
universalismo do estado republicano provavelmente nos levarão a atravessar
todo o século XXI como um dos sistemas universitários mais segregados étnica
e racialmente do planeta! E, pior ainda, estaremos condenando mais uma geração inteira de secundaristas negros a ficar fora das universidades, pois, segundo estudos do IPEA, serão necessários 30 anos para que a população negra alcance a escolaridade média dos brancos de hoje, caso nenhuma política
específica de promoção da igualdade racial na educação seja adotada.
Não devemos esquecer que as universidades públicas são as mais qualificadas academicamente e com as melhores condições para a pesquisa; contudo, oferecem apenas 20% do total de vagas abertas anualmente no ensino
superior brasileiro. 90% dessas vagas têm sido utilizadas apenas para a formação de uma elite branca. Para que nossas universidades públicas cumpram
verdadeiramente sua função republicana e social em uma sociedade multiétnica e multi-racial, deverão algum dia refletir as porcentagens de brancos,
negros e indígenas do país em todos os graus da hierarquia acadêmica: na
graduação, no mestrado, no doutorado, na carreira de docente e na carreira de
pesquisador.
Nesse longo caminho em direção à igualdade étnica e racial plena, o PL
73/99, que reserva vagas na graduação, é uma medida ainda tímida: garantirá
uma média nacional mínima de 22,5% de vagas nas universidades públicas
para um grupo humano que representa 45,6% da população nacional. É preciso, porém, ter clareza do que significam esses 22,5% de cotas no contexto total
do ensino de graduação no Brasil. Tomando como base os dados oficiais do
INEP, o número de ingressos nas universidades federais em 2004 foi de
123.000 estudantes, enquanto o total de ingressos em todas as universidades
(federais, estaduais, municipais e privadas) foi de 1.304.000 estudantes. Se já
tivessem existido cotas em todas as universidades federais para esse ano, os
estudantes negros contariam com uma reserva de 27.675 vagas (22,5% de
74
123.000 vagas). Em suma, a Lei de Cotas incidiria em apenas 2% do total de
ingressos no ensino superior brasileiro. Devemos ter igualmente claro que essa
Lei visa garantir o ingresso de aproximadamente 27.675 estudantes negros em
um universo de 575.000 estudantes atualmente matriculados nas universidades
federais. Portanto, estes representarão um acréscimo anual de 4,8% de estudantes negros em um contingente majoritariamente branco. Lembremos, finalmente, que o número total de matrículas na graduação em 2004 foi de
4.165.000. A Lei de Cotas assegurará, portanto, que apenas 0,7% do número
total de estudantes cursando o terceiro grau no Brasil sejam negros. Devemos
concluir que a desigualdade racial continuará sendo a marca do nosso universo
acadêmico durante décadas, mesmo com a implementação do PL 73/99. Sem
as cotas, porém, já teremos que começar a calcular em séculos a perspectiva
de combate ao nosso racismo universitário. Temos esperança de que nossos
congressistas aumentem esses índices tão baixos de inclusão!
Se a Lei de Cotas visa nivelar o acesso às vagas de ingresso nas universidades públicas entre brancos e negros, o Estatuto da Igualdade Racial
complementa esse movimento por justiça. Garante o acesso mínimo dos negros aos cargos públicos e assegura um mínimo de igualdade racial no mercado de trabalho e no usufruto dos serviços públicos de saúde e moradia, entre
outros. Urge votar o Estatuto, pois se trata de recuperar uma medida de igualdade que deveria ter sido incluída na Constituição de 1889, no momento inicial
da construção da República no Brasil. Foi sua ausência que aprofundou o fosso da desigualdade racial e da impunidade do racismo contra a população negra ao longo de todo o século XX.
Por outro lado, o Estatuto transforma em ação concreta os valores de igualdade plasmados na Constituição de 1988, claramente pró-ativa na sua afirmação de que é necessário adotar mecanismos capazes de viabilizar a igualdade almejada. Enquanto o Estatuto não for aprovado, continuaremos reproduzindo o ciclo de desigualdade racial profunda que tem sido a marca de
toda a nossa história republicana até os dias de hoje.
Finalmente, gostaríamos de fazer uma breve menção ao documento
contrário à Lei de Cotas e ao Estatuto da Igualdade Racial, enviado recentemente aos nobres parlamentares por um grupo de acadêmicos pertencentes a
várias instituições de elite do país. Ao mesmo tempo em que rejeitam frontalmente as duas Leis em discussão, os assinantes do documento não apresentam nenhuma proposta alternativa concreta de inclusão racial no Brasil, reiterando apenas que somos todos iguais perante a lei e que é preciso melhorar os
serviços públicos até atenderem por igual a todos os segmentos da sociedade.
Essa declaração de princípios universalistas, feita por membros da elite de uma
sociedade multi-étnica e multi-racial com uma história recente de escravismo e
genocídio sistemático, parece uma reedição, no século XXI, do imobilismo subjacente à Constituição da República de 1889: zerou, num toque de mágica, as
desigualdades causadas pelos três séculos de escravidão e genocídio, e jogou
para um futuro incerto o dia em que negros e índios pudessem ter acesso eqüi-
75
tativo à educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro.
Acreditamos que a igualdade universal dentro da República não é um
princípio vazio e sim uma meta a ser alcançada. As ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos históricos, são a
figura jurídica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa meta. Rejeitar
simultaneamente a Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial significa aceitar a continuidade do quadro atual de desigualdade racial e de genocídio e adiar sine die o momento em que o Estado brasileiro consiga nivelar as oportunidades entre negros, brancos e indígenas. Por outro lado, são os dados oficiais
do governo que expressam, sem sombra de dúvida, a necessidade urgente de
ações afirmativas: ou adotamos cotas e implementemos o Estatuto, ou seremos coniventes com a perpetuação do nosso racismo e do nosso genocídio.Instamos, portanto, os nossos ilustres congressistas a que aprovem, com a
máxima urgência, a Lei de Cotas (PL73/1999) e o Estatuto da Igualdade Racial
(PL 3.198/2000).
Brasília, 29 de junho de 2006.
76
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82
ATIVIDADES CULTURAIS
83
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
02
AGRADECIMENTOS
03
RESUMO
04
METODOLOGIA
05
SUMÁRIO
07
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO 1 – A ORIGEM DO PROBLEMA NO ACESSO AO ENSINO
SUPERIOR. TODOS TÊM AS MESMAS OPORTUNIDADES?
1.1 – O QUE SÃO AÇÕES AFIRMATIVAS?
1.2 – AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL
1.3 – A DISCUSSÃO NA PRÁTICA. AS AÇÕES DEIXAM O PAPEL
1.4 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS CORRETIVAS
1.5 – AS DISTORÇÕES EM NÚMEROS
1.6 – A QUE REFLEXÃO AS ESTATÍSTICAS LEVAM?
11
CAPÍTULO 2 – AS POLÍTICAS ASSOCIATIVAS COMO RESPOSTA À
SEGREGAÇÃO EDUCACIONAL. O QUE FAZER EM MEIO À TEMPESTADE?
2.1 – O QUE É UM CURSO COMUNITÁRIO?
2.2 – O PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES (PVNC)
2.3 – O PRÉ-VESTIBULAR SANTA ROSA (PVSR)
2.4 – ANÁLISE DA COR
2.5 – PARTICULARISMO X UNIVERSALISMO
2.6 – CONDIÇÃO EDUCACIONAL DOS ALUNOS
2.7 – A ESCOLARIDADE DOS PAIS INFLUI?
2.8 – COMO SE ESCOLHE UMA CARREIRA?
CAPÍTULO 3 – ADOÇÃO DA LEI DO COTAS PARA NEGROS E CARENTES:
APARTHEID AO CONTRÁRIO OU SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS?
3.1 – APARTHEID NÃO DECLARADO
3.2 – OS NÚMEROS COMPROVAM O FOSSO ENTRE OS GRUPOS
3.3 – CONCORRÊNCIA E EXCELÊNCIA: O VESTIBULAR
3.4 – OS DOIS LADOS DA DISCUSSÃO: OS CONTRÁRIOS E OS DEFENSORES
3.4.1 – OS DEFENSORES
3.4.2 – OS CONTRÁRIOS
3.5 – OS ARGUMENTOS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
11
14
16
18
19
22
27
27
28
29
30
31
32
34
35
39
40
41
43
44
45
48
50
CAPÍTULO 4 – MERCADO DE TRABALHO E QUALIFICAÇÃO. COMO
FUNCIONA ESTA RELAÇÃO NA BUSCA PELO EMPREGO?
4.1 – EDUCAÇÃO É INVESTIMENTO LUCRATIVO
4.2 – REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E MERCADO DE TRABALHO
51
CONCLUSÃO
57
52
55
84
ÍNDICE DE ANEXOS
1- NOTA DOS DIRETORES DE UNIDADES EM DEFESA DA UERJ
2- MANIFESTO EM FAVOR DA LEI DE COTAS
68
69
71
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
76
BIBLIOGRAFIA CITADA
78
ATIVIDADES CULTURAIS
82
ÍNDICE
83
FOLHA DE AVALIAÇÃO
85
85
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Título da Monografia: POLÍTICAS ASSOCIATIVAS E NOVOS RUMOS DO
INGRESSO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR.
Autor: LEANDRO RIBEIRO DE LACERDA
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Conceito:
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