Ivan Seibel IMIGRANTE NO SÉCULO DO ISOLAMENTO / 1870 -1970 1ª edição São Leopoldo-RS TRAÇO Produções Gráficas Ltda. 2010 1 2 Ivan Seibel IMIGRANTE NO SÉCULO DO ISOLAMENTO / 1870 -1970 O presente livro tem por base o Relatório de pós-doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação das Faculdades EST, área de concentração em Teologia e História, como requisito parcial para a obtenção do título de pósdoutor em Teologia, Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz São Leopoldo-RS 2010 3 FICHA CATALOGRÁFICA 1. 2. S457i Seibel, Ivan Imigrante no século de isolamento : 1870 - 1970 / Ivan Seibel. – São Leopoldo : EST/PPG, 2010. 350 f. : il. ; 30 cm. Relatório (Pós-Doutorado) – Escola Superior em Teologia. Programa de Pós-Graduação. PósDoutorado em Teologia. São Leopoldo, 2010. Orientação: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz. 1. Pomerânios – Espírito Santo. 2. Imigrantes – Espírito Santo. 3. Luteranos – Espírito Santo. 4. Pomerânios – Cultura – Brasil – História. 5. Pomerânios – Religião. I. Wachholz, Wilhelm, orient. II. Título. ISBN 978-85-62186-03-5 3. CDD: 981.52 Bibliotecária responsável Ana Paula Benetti Machado - CRB 10/1641 4 AGRADECIMENTOS A execução dos trabalhos que viabilizaram a presente Pesquisa de Pós-Doutorado em Teologia foi possível com o apoio e a contribuição de inúmeras pessoas. Cabe em especial o meu agradecimento para: Meu pai, que me alfabetizou e me iniciou na ânsia da permanente procura do saber. Professor Dr. Wilhelm Wachholz, pelo nível profissional, pela objetividade, pela clareza de posições, condução segura e pela disponibilidade em ajudar, esclarecer, ensinar, ouvir e orientar. Meus filhos, Vanessa, Guilherme, Ivan e Tomás, como incentivo à contínua procura pelo aperfeiçoamento Minha mulher Stela, Pela paciência com que suportou minhas idas e vindas até a Universidade. Colaboradores nas diferentes localidades Capixabas Sr. Ivan Luiz Saibel e o Sr. Joel Velten de Domingos Martins, Sra. Ana Maria Röpke da Silva e o Sr. Jéferson Rodrigues Santa Leopoldina, 5 Pastor Ito Port, pelas idas e vindas às tantas localidades de Santa Maria Jetiba, Itarana e Santa Joana Familiares do Sr. Haendel Seibel e do Sr. Evandro Carlos Seibel por ter acompanhado as inúmeras visitas pelo interior de Laranja da Terra Tantos outros colaboradores anônimos que contibuiram para que esta obra pudesse ser concluída. 6 RESUMO No presente estudo o autor sistematiza e analisa fatos relacionados ao dia a dia da vida da população das colônias teuto-brasileiras no Estado de Espírito Santo, dentro de um cenário social, religioso, político, econômico e educacional, em uma época compreendida entre os anos de 1870 e 1970. No seu foco principal estão os descendentes dos imigrantes pomerânios que lá chegaram. No final do trabalho de campo foram contabilizadas cinquenta entrevistas, as quais mostraram que os protagonistas deste processo de povoamento passaram por muitas dificuldades, porém obtiveram bons resultados. A pesquisa resgata relatos históricos dos imigrantes e de seus descendentes neste estado, que adotaram um modelo de vida social muito fechado e que, durante praticamente um século, os levou a um relativo distanciamento da população brasileira. O presente relato tem como foco a visão do imigrante ou do seu descendente. Além disto, o estudo traz uma série de questionamentos que não puderam ser respondidos. A imigração capixaba foi uma importante fase do extenso processo de imigração européia no Brasil e hoje, o pomerânio que aqui vive, antes de qualquer coisa, é um brasileiro, mas que também cultiva suas tradições européias. É um cidadão brasileiro com um grande potencial de trabalho, que quer conservar seus valores culturais, 7 mas que precisa descobrir novos caminhos para o desenvolvimento. Palavras-chave: 1. Pomerânios – Espírito Santo. 2. Imigrantes – Espírito Santo. 3. Luteranos – Espírito Santo. 4. Pomerânios – Cultura – Brasil – História. 5. Pomerânios – Religião. 8 seu ABSTRACT In the present study, the author systematizes and analyzes facts related to the daily life of the population of the German-Brazilian colonies in the state of Espírito Santo, in a social, religious, political and educational context, in a period of time between the years 1870 and 1970. In its main focus are the descendents of Pomeranian immigrants that arrived there. In the end of the field work fifty interviews were counted, which showed that the protagonists of this process had many difficulties, but also had many good results. The research ransoms historical testimonies of immigrants and their descendents in this state and which adopted a model of social life very enclosed, which during almost a century took them to a relatively distance to the Brazilian population. The present testimony has as focus the vision of immigrants or their descendents. Besides that, the study brings up a series of questions and which could not be answered. The immigration in the state of Espírito Santo was an important phase of the long process of European immigration in Brazil and today, the Pomeranians that live here, above anything else, are Brazilian, but also cultivate their European tradition. They are Brazilian citizens with a great work potential, who want to maintain their cultural values, but need to find new ways to their development. Keiwords: 1. Pomeranian – Espirito Santo. 2. Immigrant – Espirito Santo. 3. Lutheran – Espirito Santo. 4.Pomeranian – Culture – Brazil – History. 5. Pomeranian – Religion. 9 ZUSAMMENFASSUNG In der vorliegenden Arbeit handelt es sich um eine Analyse des täglichen Lebens in deutsch-brasilianischen Kolonien im Bundesland Espirito Santo, und zwar in sozialer, religiöser, politischer, wirtschaftlicher und schulischer Untersuchung umfasst den Zeitraum Hinsicht. Die von 1870 bis 1970. Im Mittelpunkt der Forschung stehen die Nachkommen der früheren Einwanderer aus Pommern. Für die Feldforschung wurden 50 Interviews durchgeführt, darin wurden die anfänglichen Schwierigkeiten der Pioniere deutlich, aber auch die guten Resultate ihrer Arbeit. Durch die Untersuchung wurden geschichtliche Berichte der Immigranten und ihren Nachkommen im Lande dokumentiert und gesichert. Die Berichte zeigen ein ziemlich geschlossenes Lebensmodell, und dadurch eine relative Distanzierung von der brasilianischen Bevölkerung während des vergangenen Jahrhunderts. Die Untersuchung hat aber auch eine Reihe von Fragen aufgeworfen, die noch erforscht werden müssen. Die Capixaba-Einwanderung war eine wichtige Phase im langen europäischen Einwanderungsprozess in Brasilien. Heute jedoch sind die Nachkommen der Einwanderer aus Pommern an erste Stelle Brasilianer, aber sie pflegen auch ihre europäischen Traditionen. Sie wollen diese kulturellen Werte erhalten, aber auch neue Wege für eine Entwicklung finden. Stichworte: 1. Pomeraner – Espirito Santo. 2. Einwanderer – Espirito Santo. 3. Lutheraner – Espirito Santo. 4. Pomeraner – Kultur – Brasilien – Geschichte. 5. Pomeraner – Religion. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 O autor (E) durante uma entrevista …………………… Mapa da Pomerânia …………………………………….. Colonização teuta em Espírito Santo …………………. Palmeiras e palmitos ……………………………………. Entrada parcialmente soterrada da caverna que abrigou a família de Adam Seibel nos seus primeiros tempos em Espírito Santo ……………………………… Vista do Vale do Rio Farinhas …………………………. Altas montanhas do Vale do Rio Farinhas …………… O pilão e o monjolo ……………………………………… A Bíblia “Pomerana” exposta em museu ……………... Início da migração interna ……………………………… Jacob Seibel e esposa Luise Sarter Seibel ………… Primeira capela e casa paroquial da Colônia de Santa Leopoldina na região de Luxemburgo. Disponível em: Lopes,A …………………………………………………… Um casal de colonos indo para o seu culto dominical . Primeira igreja luterana de Espírito Santo, na localidade de Luxemburgo atual ……………….………. “Gemeindeschaul” (Escola da Comunidade) de Serra Pelada …………………………………………………….. Santa Leopoldina no início do século vinte. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) …….……… Ampliação do processo de migração interna ….……… Casa Verflut, a primeira grande casa comercial no interior da Colônia de Santa Leopoldina, na localidade de Luxemburgo ………………………..………………… Caderneta da “venda”, ano 1926 …………….………… Café “em flor” ……………………………………………. 44 65 78 87 88 91 93 108 116 118 121 135 136 138 143 149 157 179 182 186 11 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 12 Café maduro – a riqueza da colônia ………………….. Porto Cachoeiro – Transporte em canoas …………… O ancoradouro de Porto Cachoeiro nos dias atuais … O Rio Farinhas nos dias atuais ………………………… Jacob Seibel e esposa com seus 10 filhos …………… O Moinho de milho de Heinrich Seibel, na cascata do Rio Santa Joana ………………………………………… A transposição do Rio Doce …………………………… Paisagem bucólica da “Mata Fria” capixaba …………. Primeiro coral de trombones de Laranja da Terra …… Sede de uma “colônia” em Serra Pelada em 1950 ….. Imagem da família do Kaiser, encontrada em muitas casas de imigrantes …………………………………….. A imagem do Kaiser era vista com respeito ………….. Desenterrando o abrigo subterrâneo do P. Grotke na localidade de Laranja da Terra ………………………… Escadaria do abrigo depois da remoção dos entulhos Abrigo do P. Grotke. Acesso restaurado ……………… O abrigo do P. Grotke – fogão e cama restaurados … Túmulo destruído na “luta contra os nazistas” de Espírito Santo ...………………………………………… Escola Agrotécnica transformada em “Tiro de Guerra” São João de Petrópolis com sua tropa do “Tiro de Guerra” ……………………………………………………. “Fogão de chapa” – restaurado e novamente em uso . A migração para Rondônia e outros estados ………... Casa paterna do autor ………………………………….. Os “caminhos” em meio à selva, hoje ainda utilizados Casa típica pomerana com as cores azul e branco … O “Schutzbraif” – carta de proteção – em uma versão original muito antiga ………………………..…………… Carta de Proteção manuscrita e carregada no bolsa como um precioso amuleto ………………….…………. “Casa dos Klems” depois da tormenta. Apenas destroços e à noite, o medo de “assombrações” ......... Carta dos Céus – hoje disponível em uma versão traduzida para o português e exposta nas paredes de muitas salas de visitas ………………………………….. 187 189 190 193 195 196 199 200 219 223 246 247 266 267 268 269 270 281 282 297 305 314 315 318 332 333 336 357 49 Um detalhe da carta dos céus …………………………. 50 O anjo protetor e o “Hausspruch”. (Texto de 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 conotação religiosa em que é pedido a proteção da casa) ............................................................................. Casamento pomerano: Os noivos de preto………….... O autor (D) sendo alfabetizado em casa ……………… Professores e alunos da Escola Bíblica de Serra Pelada, em 1960 ………………..……………………….. Lourenço Seibel, durante 35 anos presidente da Paróquia Luterana de Serra Pelada ………………….... Propaganda eleitoral de candidatos pomeranos ……... A Venda. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ……………………………………………………… Anton Laurett- Alto Jequitibá. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) …………………………... Mulheres pomeranas.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ……………………………………….. Engenho de Farinha.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ………………………………………... Escola-Igreja - Rio Claro - 1900 (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ……………………….. 358 361 368 396 404 408 486 537 540 547 549 554 13 LISTA DE TABELAS 1 Grau de instrução dos entrevistados ……………………. 39 2 Caracterização dos entrevistados quanto à etnia ……... 41 3 Qualificação das entrevistas ……………………………... 42 4 Caracterização dos entrevistados quanto à idade …….. 43 5 Caracterização dos entrevistados quanto à procedência 45 6 Caracterização dos entrevistados quanto ao sexo ..…… 46 7 População da Pomerânia ………….……………………… 63 8 Descendentes germânicos ……………………………….. 191 9 Área plantada das propriedades ……………………….… 192 14 SUMÁRIO 1.1 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 Prefácio.................................................................... 19 APRESENTAÇÃO ………………………................... 22 UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO Introdução ao estudo................................................. 25 A FORMAÇÃO DA ETNIA POMERANA A origem dos pomerânios ......................................... A Pomerânea da Europa Central: uma retrospectiva histórica...................................................................... A religiosidade do pomerânio primitivo ..................... A Cristianização ........................................................ Reforma luterana e a questão confessional na Pomerânea ............................................................... 48 56 66 69 70 3.7 OS PRIMEIROS ANOS DA IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO 1856 -1880 Colonização da província de Espírito Santo ............. Controvérsia sobre o primeiro assentamento em Porto Cachoeiro......................................................... Uma promessa de fartura ......................................... Os primeiros anos das colônias ............................... Relatos sobre a vida dos primeiros imigrantes ......... Hábitos alimentares nos primórdios da imigração capixaba……………………………………………..….. A língua dos imigrantes ............................................ 104 113 4.1 4.2 4.3 4.4 A EXPANSÃO DA IMIGRAÇÃO NO ESPIRITO SANTO 1880 – 1930 O início da migração interna ..................................... As primeiras lideranças ............................................. A vida social dos pioneiros .…………….................... Um gradativo isolamento dos teuto-brasileiros ......... 117 120 124 128 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 74 77 81 86 96 15 4.5 4.6 4.7 4.8 4.9 4.10 4.11 4.12 4.13 4.14 4.15 4.16 4.17 4.18 4.19 4.20 4.21 4.22 4.23 4.24 4.25 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6 5.7 5.8 5.9 5.10 5.11 5.12 5.13 16 A igreja e seu papel como fonte de informação ........ O papel da igreja na escolarização da colônia ........ A emancipação de Santa Leopoldina ....................... Do império para a república .................................... A segunda fase da migração interna ...................... As novas colônias ................................................... O gradativo predomínio do pomeranismo ................. Um trabalho infantil ................................................... A virada do século..................................................... Florescimento do comércio e o papel dos vendistas A lenta diversificação do trabalho ............................. Santa Leopoldina rumo ao seu apogeu .................... Uma saída para o Vale de Santa Joana ................... Um retorna para Santa Joana.................................... A terceira fase da migração interna .......................... A difícil coexistência das comunidades luteranas ... A década de 1920 .................................................... O difícil contato com os “brasilioner” ........................ A colonização de Laranja da Terra ........................... Florestas devastadas ............................................... Santa Leopoldina: O apogeu e a queda.................... IMIGRACAO NO ESPIRITO SANTO E A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA TEUTOCAPIXABA 1930 – 1940 O pangermanismo .................................................... Uma cultura teuto-capixaba ...................................... Os colonos e a consciência de grupo ....................... As facções do luteranismo e coesão dos teutos .... O getulismo .............................................................. A propaganda nazista ............................................... O nacionalismo brasileiro e o troar dos canhões na Europa ...................................................................... Uma geração sem escola ......................................... Proibido não falar português ..................................... A prisão dos pastores alemães e a destruição nos cemitérios .................................................................. A falta de perspectivas com a guerra ....................... A igreja em tempos de guerra ................................... A adaptação de um povo .......................................... 133 140 148 151 155 160 165 167 173 179 184 188 191 194 198 205 211 213 218 223 227 232 239 244 248 252 254 256 258 262 264 271 275 277 6.8 6.9 OS REFLEXOS DE UMA GRANDE GUERRA 1940 – 1950 São João de Petrópolis é transformado em quartel .. Um sofrido preparo para a guerra ............................. O final da guerra e a nova repressão aos teutobrasileiros .................................................................. Revolta em Laranja da Terra e em Lagoa ................ A colônia no pós guerra ............................................ A implantação de novas técnicas agrícolas .............. A quarta fase da migração interna: Paraná e Rondônia ……………………………………………..... O quadro sanitário na Colônia .................................. A assistência médica ................................................ 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 7.6 7.7 7.8 7.9 7.10 7.11 7.12 7.13 7.14 7.15 HÁBITOS E COSTUMES NAS COLÔNIAS TEUTO-CAPIXABAS 1950 – 1960 A década de cinquenta.............................................. A definição da arquitetura pomerana ........................ Hábitos e costumes dos pomerânios ........................ A superstição ............................................................ O curandeirismo ...................................................... Os benzimentos......................................................... A religiosidade do povo ............................................ O canto e a música instrumental .............................. O casamento pomerânio ........................................... A herança .................................................................. A comercialização de produtos ................................. A evolução da vida social do Pomerânio .................. O rádio como meio de comunicação com o mundo .. A persistente falta de escolas ................................... As últimas derrubadas .............................................. 313 317 322 329 337 342 355 362 367 375 378 379 382 384 386 8.1 8.2 8.3 8.4 8.5 8.6 8.7 A URBGANIZAÇÃO DAS COLÔNIAS TEUTOCAPIXABAS 1960 – 1970 A distância até a sede no município ......................... Conhecendo o mar ................................................... Aprendendo a ler em casa ........................................ Enfim, um Grupo Escolar ......................................... A caminhada até a escola. ....................................... Uma nova escola da Comunidade ............................ Os primeiros estudantes saem da Colônia ............... 391 392 394 396 398 402 404 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6 6.7 281 283 288 291 294 300 304 306 309 17 8.8 8.9 8.10 8.11 9.1 9.2 9.3 9.4 9.5 9.6 9.7 9.8 9.9 18 O Agricultor Modelo .................................................. O MOBRAL chega à Colônia ................................... O dia a dia de uma Comunidade Luterana ............... Os filhos que só falam português ............................. 406 409 411 415 DISCUSSAO DOS RESULTADOS ......................... A coleta de dados...................................................... O dia a dia na vida da população das colônias teuto-brasileiras no estado de Espírito Santo............ A história dos imigrantes teutos e de seus descendentes no estado de Espírito Santo............... A avaliação do efeito da sua vida reclusa sobre o processo de isolamento de toda esta população ...... O papel da igreja no processo e adaptação dos imigrantes destas novas colônias e no desenvolvimento da sua bagagem cultural................ O “movimento nazista” nas “colônias” do estado de Espírito Santo.......................................................... A evolução sócio-econômica dos teuto-brasileiros capixabas.................................................................. O efeito da ausência do Estado no processo de integração dos imigrantes europeus e seus descendentes, no estado de Espírito Santo ............. O processo de aculturação........................................ 421 425 436 442 449 455 460 461 464 469 CONCLUSOES E PERSPECTIVAS FUTURAS………………………………………………. 476 REFERÊNCIAS......................................................... 489 ANEXO A - Termo de consentimento livre e exclarecido................................................................. 499 ANEXO B - Roteiro das entrevistados efetuadas pelo autor................................................................... 502 ANEXO C - Primeira parte das entrevistas efetuadas por Anivaldo Kuhn..................................... 507 ANEXO D - Segunda parte das entrevistas efetuadas por Anivaldo Kuhn……………………....... 534 PRIVILÉGIO O telefone tocou e do outro lado, a ligação tinha origem na cidade gaúcha de Venâncio Aires e a voz era do médico Ivan Seibel, um capixaba que, ainda criança, na década 1960, deixou a comunidade de Serra Pelada, Afonso Claudio, para ir à busca do seu futuro. Ivan é um amigo dos tempos da modernidade, nos conhecemos por meio da internet e estamos no mesmo caminho e na mesma estrada, na rota dos nossos antepassados. Temos a mesma mania: Historia de gente. Ivan me fez um pedido: queria que eu desse uma lida e um parecer sobre o extenso, complexo e profundo material que acabara de escrever para atender ao seu compromisso com o Curso de Pós-doutorado em História, nas Faculdades EST de São Leopoldo. De pronto aceitei e assumi o compromisso. Naquela noite a internet me trouxe uma imensidão de páginas, com registros sobre a trajetória da vinda e da vida dos pomerânios ao Espírito Santo. Nos registros uma dose inebriante de quem ao escrever nos passa uma sensação e um sentimento de prazer e orgulho por estar registrando a sua própria História. Uma alegria por saber estar contribuindo com a perpetuação da força, coragem e determinação de um povo, que é o seu povo, que há centenas de anos não tem tido paz por querer seguir vivendo. É 19 muito interessante e instigante ler um texto que sabemos de antemão, foi pensado, escrito e marcado pela paixão. Num primeiro momento parece um saldar uma dívida. Mas na realidade Ivan é uma pessoa que tendo condições e conhecimentos, retorna a terra que acolheu os seus antepassados, para dizer presente: somos da mesma família, mas uma família de verdade. Lá fui eu andar na velha Europa e ter informações que Ivan Seibel vai passando num texto claro, direto e didático. Fico sabendo sobre a formação da etnia pomerana e toda sua trajetória até o Espírito Santo. Sabendo que num determinado momento chegaremos ao final do texto, ficamos de antemão lamentado o seu término. O que é bom não deve terminar. Um conjunto de 50 entrevistas com 113 questionamentos foi aplicado num público com idade de 30 a 90 anos. De posse de um conteúdo, Seibel nos fornece um texto repleto de dados e informações históricas, geográficas e econômicas. Uma viagem onde vemos passar em poucas horas um filme com anos e anos de idade. Ivan nos recorda os primeiros e duros anos da imigração, bem como a sua expansão ainda no Espirito Santo. Temos ainda informações sobre a formação da consciência teuto-capixaba, os reflexos da segunda guerra e o processo de urbanização. Ivan nos desembarca na década de 1970, quando o fluxo de capixabas de uma maneira geral, tomava o destino de Rondonia. Certamente que neste vácuo fica o espaço para novas incursões e novos estudos. Posso garantir que como leitor privilegiado e convocado compulsoriamente, nada a reclamar, apenas agradecer. Que outros trabalhos falando de nossa História e novas convocações apareçam! Espero que em breve a comunidade capixaba possa ter o mesmo privilégio que tive no mês de junho, ao 20 receber de Ivan Seibel a missão ou incumbência de ler o seu trabalho de pós doutorado. Há 50 anos Ivan Seibel saiu das terras capixabas e foi adotado pelas terras gaúchas, como os seus antepassados foram adotados pelas terras capixabas. Ivan foi em busca do seu futuro. Agora ele volta e coloca luz no nosso passado, nos ajuda a enxergar, ver e entender o futuro de todos nós... Jornalista Ronald Mansur – A Gazeta – Vitória - ES 21 APRESENTAÇÃO Todo o estudioso da imigração capixaba se depara com o mosaico cultural que se formou a partir da grande diversidade de origens dos seus pioneiros. O grupo mais numeroso foi o italiano e o segundo em número de imigrantes e também em importância 1 econômica e social foi o dos pomerânios . Aqui logo surge a pergunta: De onde vieram os pomerânios que se fixaram no Estado de Espírito Santo? O que aconteceu com estes imigrantes ao longo dos anos subsequentes? Chegaram a se diferenciar dos outros europeus, talvez até mesmo daqueles originários das mesmas paragens, porém, que colonizaram outros estados brasileiros? Como registrar esta história dos imigrantes capixabas? Todo povo tem a sua história. Pode não ter história escrita. Mas tem a sua história. Então a pergunta é pela concepção inicial do que é história. Será a mesma pergunta que, por exemplo, se poderia fazer com relação aos indígenas. Os indígenas seriam um povo sem história? Só porque não tem história escrita? Como explicar os mitos, todo o conhecimento do uso das ervas e da sua arquitetura? Tudo isto é 1 Apesar do termo “pomerano” presumivelmente ser mais usual, o autor, com respaldo gramatical no dicionário português, adotou a denominação “pomerânio”: Substantivo masculino e Adjetivo; Separação das sílabas de pomerânio: po-me-râ-ni-o; Plural de pomerânio: pomerânios. 22 uma história diferente, porém é uma história. Não existe povo que 2 não tenha os elementos que constituem a sua cultura . Todo povo tem cultura. Todo povo tem a sua história e os pomerânios de Espírito Santo também têm a sua história. Certamente, muitos detalhes devem levar o observador atento a identificar, entre os diferentes grupos éticos, a diferença no próprio processo de retomada de seu local de trabalho, a terra, na qual se fixaram e onde também preservaram suas diferentes bagagens culturais. Estas diferenças certamente ficarão mais marcantes à medida que se forem comparar as colônias capixabas com a colonização européia nas diferentes regiões do Brasil. 3 A história dos diferentes povos pode ser registrada por 4 diferentes observadores . Alguém poderia procurar conhecer o seu dia a dia, sentir suas manifestações de alegria e de tristeza e passar a descrever o que observou. Um outro, na medida em que estivesse convivendo com este povo, poderia assimilar suas angústias e hábitos de vida para depois passar a relatar suas lutas e dificuldades. Desta mesma forma, um terceiro, saído de suas fileiras, poderia manifestar em textos, seus sonhos, suas alegrias e suas frustrações. Ao registrar as vivências que lhe tiveram sido repassadas de geração em geração, poderia ainda descrever o choro triste dos seus instrumentos musicais, alegrar-se com os seus 2 Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) é um conceito desenvolvido inicialmente pelo antropólogo Edward Burnett Tylor para designar o todo complexo metabiológico criado pelo homem. São práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço. Refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam uma sociedade. Explica e dá sentido à cosmologia social; É a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período. Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura 3 Povo dentro do conceito de um conjunto de indivíduos que, em regra falam a mesma língua, tem costumes e hábitos idênticos, juma história e tradições comuns. 4 Modelo de sistematização sugerido pelo autor, para uma melhor compreensão do processo de coleta de dados e sua posterior reprodução em texto. 23 cantos e suas danças e exteriorizar seus sentimentos, contando a história do seu próprio povo. 24 1 UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO 1.1 Introdução ao estudo Como estudar os pomerânios que chegaram aqui no Espírito Santo? Há também quem diga que Pomerânio não é cabeçudo. 5 Cabeçudo é quem insiste em discutir com pomerânio. Há quem confunda a tenacidade deste povo com teimosia. Na realidade este grupo populacional tem peculiaridades muito distintas e deveria ser estudado com muito cuidado, com muito respeito aos seus hábitos, à sua sensibilidade e às suas tradições. Ao longo destes mais de cento e cinquenta anos de colonização capixaba, os pomerânios quase nada escreveram, muito pouco documentaram e, ainda hoje, muito pouco falam do que foi a vida dos seus antepassados na Europa, a luta dos pioneiros nestas terras capixabas. [...] O pomerânio é muito retraído. Há um sentimento de que, se alguém contar alguma coisa, o ouvinte pudesse levar aquilo embora. Isto é algo meu. É meu por direito e não há necessidade de outros chegarem a tomar conhecimento. É 6 mais desta forma que vejo o “jeito de ser pomerânio”. [...] em primeiro lugar, porque eles não escreviam em pomerânio, em segundo lugar, eles não sabiam português e 5 6 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 25 nem alemão, eles só tinham algumas coisas escritas em 7 bíblias ou hinários como eu também tenho aqui. Ninguém escreveu qualquer coisa. Eu estava até pensando em começar a fazer isto. Anotar em um caderno comum para ter uma ideia melhor das coisas. Aqui somente os [...] e os [...] sabem de alguma coisa dos antigos. O resto não 8 sabe nada. O colono daqui não sabe mais nada. Muito do que se sabe sobre os primórdios da colonização teuta no Espírito Santo deve-se a autores de outras épocas como 9 10 Johann Jakob von Tschudi , Gustav Giemsa & Ernst Nauck ., Ernst 11 12 13 Waagemann , Levy Rocha , Jean Roche , apenas para citar alguns dos mais conhecidos. Vale ainda citar outros pesquisadores, 14 não menos importantes, como a Princeza Therese von Bayern , Frederico Herdmann Seide Carvalho 17 15 16 , Gotthard Grottke , Regina Mees além de toda uma série de nomes importantes com publicações já bem mais atuais. 7 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 9 TSCHUDI, J. J. Viagem pela Província de Espírito Santo (1860). Trad. de Erlon José Paschoal. Espírito Santo: Arquivo Público do Estado de Espírito Santo. 10 GIEMSA G.; NAUCK G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo – Generalidades sobre o Espírito Santo. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/giemsa_nauck/capitulo_2.html. Acesso em: 5 jun. 2010. 11 WAGEMANN, Erst. A colonização alemã no Espírito Santo. O Trabalho. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capityulo_2html. 12 Rocha, L. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971. 13 ROCHEW, Jean. A Colonização Alemã no Espírito Santo. (Tradução de Joel Rufino dos Santos). Difusão Européia do Livro. Editora da Universidade de São Paulo. XXVIII, Outubro dwe 1968. 14 Therese von Bayern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer, 1897. p. 30. 15 SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea de Espírito Santo, não editado. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em: 22 jan. 2004. 16 GROTTKE, G. Aus der Geschichte einer lutherischen Gemeinde in Espírito Santo: Laranja da Terra. São Leopoldo: Rotermund, 1955. 17 CARVALHO, R.M. Santa Maria de Jetibá – Uma Comunidade Teuto-Capixaba. [Dissertação de Mestrado]. Apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e 8 26 Toda a bagagem de conhecimento que vem sendo repassada de geração em geração está sujeita a toda falha da transmissão oral. A sua documentação não deixa de ser um importante elemento de comparação entre o que foi descrito em outras épocas e a própria fidelidade da preservação da informação oral. A própria obtenção de qualquer informação frequentemente é dificultada pela atitude evasiva do pomerânio. Assim, para exemplicar, no dia a dia do interior da colônia teuta frequentemente um diálogo com pessoas estranhas começa com uma pergunta muito direta: “Você não é pastor ou, você é da policia?“ A resposta negativa costuma ser saudada com boas risadas e com grande descontração. O ambiente se torna ainda mais descontraído quando o interlocutor pode falar na língua que mais lhe convém, seja pomerânio, holandês, alemão ou mesmo português. Muitas vezes ainda se ouve a resposta: “Eu somente aprendi pomerânio e o alto 18 alemão”. Os pioneiros, tão logo chegaram a Porto Cachoeiro de 19 Santa Leopoldina , em plena selva da Província de Espírito Santo, localizada a mais de setecentos quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, logo se deram conta de que sua vida viria a ser muito 20 penosa . A região se localizava em meio a montanhas e vales de difícil acesso, em que o cultivo de terras nunca antes habitadas e o clima inóspito certamente lhes trariam muitas dificuldades. Além 18 19 20 Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (História). São Paulo. 1978. Cf. trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Nome original da localidade que anos mais tarde passou a ser a sede do Município de Santa Leopoldina. Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 27 disto, nesta época, qualquer recém-chegado, ao cultivar suas próprias terras e confessar outros credos que não o da fé católico21 romana, passava a ser considerado indivíduo de segunda classe , quase comparável aos servos da sua pátria de origem. Eles vieram da Pomerânea com muitas promessas. Saíram de uma vida desgraçada, mas com a promessa de uma vida nova e diferente. Na verdade, ao chegarem, nada encontraram daquilo que lhes havia sido prometido. Isto fez com que tivessem que se proteger, em um país estranho e de língua estranha [...] Por isto também não houve muito 22 interesse em documentar qualquer coisa. O estado miserável em que a maioria dos recém-chegados se encontravam, a corrupção da administração da Colônia com que se depararam e a falta de uma adequada supervisão nos trabalhos de divisão dos prazzos (lotes de terras), do assentamento nos anos 23 de 1860-1870, trouxeram fome, decadência e mortes . Mas, como depois da chuva torrencial tende a aparecer o sol, depois de um trabalho inicial muito penoso, também, aqui mesmo muito lentamente, começaram a aparecer os primeiros bons resultados. 24 E, como escreveu o Professor Schmahl , da Universidade de Mainz, em “Replantado, porém não desenraizado”, os imigrantes 25 logo passaram a organizar o dia a dia da sua vida . Com o passar 21 22 23 24 25 Cf. quadragésima entrevista realizada com M.B. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada com H.C.F.B. na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. SCHMAHL, H. Verpflanzt, aber nicht entwurzelt: Die Auswanderung aus HessenDarmstadt (Provinz Rheinhessen) nach Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2000 Em uma comparação aos imigrantes hessenianos imigrados no estado de Visconsin, nos Estados Unidos da América e descrito por SCHMAHL, H. Na sua tese Verpflanzt, aber nicht entwurzelt: Die Auswanderung aus Hessen-Darmstadt (Provinz Rheinhessen) nach Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2000 28 dos anos organizaram-se em comunidades, construíram escolas e, de suas próprias fileiras, não poucas vezes, convocaram professores e até pastores leigos, os quais foram remunerados com 26 os seus próprios recursos . Toda e qualquer comunicação com a cidade do Rio de Janeiro, a capital do Império do Brasil, era feita por navios da frota costeira, os quais, nesta época, nem sempre costumavam apresentar boas condições de navegabilidade. Desta forma, qualquer destas viagens logo se transformava em uma apavorante 27 aventura . Qualquer transporte por terra também dependia da abertura de “picadas” ou tortuosos caminhos que eram feitos pelos próprios desbravadores. “Vale lembrar que a estrada é de 1817 [...] foi aberta trinta anos antes da criação da colônia. Os mineiros já passavam por aqui e isto representou uma grande influência sobre a colônia daqui [...]”. 28 Santa Leopoldina [...] durante um bom tempo foi a cidade mais importante do ES por causa da Estrada de Minas. Esta estrada de Minas tinha dois ramais. Um partia da Ilha das Caieras de Vitória, subia o rio Santa Maria, portanto era um caminho fluvial, até Santa Leopoldina que chamavam de Porto Cachoeiro, depois Cachoeira de Santa Leopoldina. Era um rio navegável e todas as mercadorias, inclusive as 29 que chegavam da Europa, vinham pelo rio . Com isto, qualquer tentativa de um maior contato dos imigrantes com a representação de seus países de origem tornavase extremamente difícil. A conseqüência lógica foi o estabelecimento 26 27 28 29 Cf. quadragésima entrevista realizada com M.B. na cidade de Santa Maria, no dia 01 08 08. Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. Primeira entrevista realizada com J.G.V. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Primeira entrevista realizada com J.G.V. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 29 de um gradativo isolamento dos novos habitantes destas áreas 30 recém-desmatadas . Por outro lado, seu instinto de sobrevivência fez com que organizassem o seu dia a dia com os recursos de que 31 dispunham . Rapidamente, talvez até em função da grande capacidade de adaptação, própria deste grupo populacional, a maioria conseguiu ambientar-se bem no novo país. A inteligência prática 32 rendeu-lhes um crescimento, tanto pessoal, como comunitário . Pelos relatos disponíveis sabe-se que alguns até vivenciaram um imponente florescimento de empreendimentos comerciais, 33 especialmente na cidade de Santa Leopoldina . Outros se tornaram viajantes para tratar de negócios na capital Vitória, chegando a falar um bom português. Também as mulheres logo assimilaram o duro trabalho dos primeiros anos do povoamento das novas áreas da Província de Espírito Santo. Os que aqui chegaram, cresceram, casaram-se e destas uniões nasceram filhos e filhas e muitos deles passaram a desenvolver um surpreendente vigor empreendedor. A minha avó contava algumas coisas de lá. Na época era costume na Alemanha que a filha mais velha sempre precisava trabalhar na casa do latifundiário. Ela era justamente a filha mais velha da sua família. Ela trabalhava na casa do patrão. Plantavam trigo, batatas e a noite tinha 30 Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf quadragésima entrevista realizada com M.B., no dia 01 08 08. O relato mais ilustrativo refere-se à organização criada no assentamento de Belém, presumivelmente estabelecido na segunda metade da década de cinqüenta. 32 Como exemplo podem ser citados alguns nomes como Jacob Seibel, de Rio Farinhas e Guilherme Seibel, de Laranja da Terra, pelo seu trabalho como desbravadores, educadores e liderança. 33 Em uma referencia a Casa Verflout, que começou na localidade de Luxemburg e porteriormente expandiu-se para a sede da Colônia de Santa Leopoldina. 31 30 que ir à escola. Aprendiam a costurar, remendar, fazer tricô 34 e assim por diante. Lá havia os grandes proprietários de terras. Minha avó 35 sempre contava como era por lá. Era tudo plano. A vida era muito difícil por lá e o Brasil queria gente para a colonização. Foi D. Pedro II queria trazer imigrantes. Foi assim que chegaram ao Brasil. Como lá não tinha terras, 36 vieram ao Brasil. Aos poucos, sua velha Pátria foi-se transformando em uma terra de antigas lembranças, que realimentava a garra e a sempre renovada vontade de vencer dos habitantes deste interior capixaba. As gerações seguintes das famílias pomeranas logo foram se misturando com as de origem renana, suíça, austríaca, belga e outras. Com isto também se consolidou a característica comum à 37 cultura pomerana e que, segundo Heinemann , consistia em “amar a Deus, trabalhar bem para onde quer que se fosse designado, relacionar-se bem com os vizinhos, amar a terra, pois dela vem o sustento, preservar as matas, cuidar dos animais, não maltratar o próximo e ficar sempre unido às pessoas mais próximas”. Da memória nascem as histórias – como escreveu a 38 professora Loraine Slomp Giron , da Universidade de Caxias do Sul. As histórias, muitas vezes são transmitidas oralmente de geração em geração. Assim, estas podem estar descrevendo quadros ou imagens de um cotidiano. 34 Cf. Décima entrevista realizada com P.H.B. na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08 Cf. Segunda entrevista realizada com T.K. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Décima oitava entrevista realizada com A.L. na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 37 FACHIN, Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 8. 01/09/08. São Leopoldo. 38 Loraine Slomp Giron é professora, historiadora, pesquisadora e escritora brasileira. Natural de Caxias do Sul, é docente da UCS e coordena o grupo de pesquisa Cultura e Comunicação. 35 36 31 A história acontece em todos os lugares e não fica restrita aos livros. Para alguém entender o seu significado será preciso aproximar-se da mesma. Será preciso compreender a realidade retratada. Quem sabe, será preciso passar a figurar como integrantes do seu roteiro. Assim, com a coleta de mais informações os novos conteúdos conduzirão a uma crescente bagagem de conhecimentos sobre o passado, subsidiando as discussões do presente para que se possa planejar um futuro. Este enriquecimento também poderá englobar outras manifestações como sociais, artísticas e comportamentais, hábitos alimentares e até de arquitetura. Desta forma, a própria história já poderá registrar uma bem definida expressão cultural que dificilmente poderia ter acontecido não fosse pelas suas mais diferentes formas, seja oral ou escrita, da história daqueles que a originaram. Portanto, será preciso documentar a história de um povo para se poder mostrar a cultura do mesmo. O passado pode revelar fatos pitorescos ou tristes. É por meio da literatura que se pode resgatar um pouco da história e da religiosidade daqueles imigrantes que, na segunda metade do século dezenove, chegaram ao Estado de Espírito Santo e constituíram importantes núcleos habitacionais com características muito próprias. No momento em que estas mesmas imagens são repassadas a um texto temos um título que insinua o roteiro de uma trama, dificilmente imaginável, antes da sua leitura e que se refere à Segunda e à Terceira parte de uma Trilogia e que versa sobre o IMIGRANTE, no século do isolamento /1870-1970. 32 Ainda não há muitas publicações sobre a epopéia deste povo que passou a cultivar os vales e as montanhas da região central do estado capixaba. Há alguns estudos feitos sobre um corte de um determinado momento da vida destes colonos 39 40 41 42 . Entretanto, para podermos compreender melhor sua vida e sua cultura, pode-se recuar alguns séculos na história dos povos da Europa para tentar identificar sua origem entre aqueles que durante a idade média povoaram a costa do Mar Báltico. Uma outra característica dos habitantes da Pomerânea também foi o seu estreito vínculo com o mar, com os lagos e com a natureza. Tanto que uma boa parte dos seus habitantes vivia da pesca. Historicamente esta também sempre foi uma região de grandes conflitos entre o Ocidente e Oriente. Toda vez que uma força expansionista procurava pontos estratégicos para o intercâmbio marítimo com outros povos desta região, sua população pagava elevado preço, tanto pelas catastróficas destruições como 43 também pelas perdas de milhares e milhares de vidas humanas . Depois da guerra napoleônica todo o povo (da Pomerânea) continuava em uma quase escravidão. Trabalhavam como diaristas. Eles (os antigos imigrantes) contavam historias sobre as suas grandes dificuldades. Para Santa Leopoldina 39 BAHIA, Joana. Práticas Mágicas entre as Pomeranas. Porto Alegre: Ciências Sociais e Religião, ano 2, n.2.p.153-176, st. 2000. CARVALHO, Regina Mees. Santa Maria de Jetibá – Uma Com unidade Teuto-Capixaba. Dissertação de Mestrado da Professora, apresentada ao Departamento de História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, no ano de 1978. Uma obra, infelizmente muito pouco divulgada porém muito rica em informações e que descreve, especialmente a vida do pomerânio nos anos de 1970. 41 RÖLKE, Helmar Reinhard. Descobrindo Raízes – Aspectos Geográficos, Históricos e Culturais da Pomerânea. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural, 1996. 42 ROCHA, Levy. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971. 40 43 Por se tratar de uma região muito plana e sem quaisquer obstáculos naturais, esta condição sempre foi ideal para a passagem de exércitos e ao longo de toda a sua historia trouxe invasões de tropas dos mais variados paises. 33 já nos primeiros anos da imigração, tinham vindo alguns pomerânios, mas a grande maioria chegou principalmente entre 1871 e 1873. Isto foi depois de Guerra da Prússia, isto é, da Alemanha. Nesta época a Prússia se tornou província da Alemanha Imperial. Isto foi no tempo do Bismark. Nesta época chegaram imigrantes de diversas nacionalidades, 44 holandeses, belgas, ingleses... Baseados nestes pressupostos foram levantados dados fornecidos por cerca de cinquenta entrevistados com os quais se conseguiu fazer um importante relato do dia a dia da vida dos pomerânios radicados no estado de Espírito Santo. No foco inicial estavam os primeiros habitantes da região de Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá. Já dentro de um contexto mais amplo o estudo foi gradativamente expandido para as regiões adjacentes, seguindo o fluxo migratório em sua trajetória durante a segunda metade do século dezenove e primeiros setenta anos do século vinte. O estudo descreve fatos ralacionados ao dia a dia da vida da população das colônias teuto-brasileiras no Estado de Espírito Santo, como foco principal os descendentes dos imigrantes pomerânios que lá chegaram, dentro de em um cenário social, religioso, político, econômico e educacional, especialmente, na época compreendida entre os anos de 1870 e 1970. A pesquisa resgata relatos históricos dos primeiros imigrantes e de seus descendentes no Estado de Espírito Santo. Qualquer pessoa que quer entender o processo da emigração européia do século dezenove precisa situar-se no contexto histórico daquela época. Neste aspecto é preciso 44 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 34 compreender as razões que levaram à vinda de tantas famílias da Europa Central, onde a falta generalizada de oportunidades de trabalho na Europa trouxeram fome e miséria e que resultaram em um gigantesco movimento migratório a partir do velho mundo. Tenho a história que ouvia falar. O que eles contavam. [...]. Parece que este pessoal chegou da Pomerânea e que era um pessoal sem terras e que teriam sido colocados nos navios com a promessa de que aqui no Brasil passariam a ter terras. Teriam sido, meio que exportados de lá. Vieram 45 para cá e perderam alguns traços da sua cultura. Não havia estradas e tiveram que abrir picadas e caminhos no meio da mata. Os pomerânios eram todos luteranos. Aqui receberam algumas ferramentas. Os antigos contavam que a vida era muito difícil e que vieram com grandes navios onde tinham sido colocados grandes lençóis. (velas). Alguns levavam ate três a cinco meses. Muitas crianças morriam durante esta longa viagem. Os mortos eram simplesmente 46 jogados no mar. Aliás, existe uma informação confirmar de que aqueles 47 que não foi possível que possuíam algum tipo de recurso teriam seguido para os Estados Unidos da América e os que não tinham reservas financeiras, teriam sido embarcados “com destino aos Estados Unidos”; porém, no trajeto, teria havido um redirecionamento da viagem para o Brasil. Este procedimento ocorreu inclusive com o navio no qual os antepassados do autor chegaram em Vitória. Estes, conforme documentação disponível saíram de Hessen-Darmstadt com o consentimento de emigração 45 46 47 Cf. trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Informação colhida pelo pesquisador na cidade de Hamm am Rhein, Alemanha, por ocasião do levantamento de dados para a preparação do livro “Imigrante, a duras penas”. 35 para “a América” e na metade da travessia foram redirecionados para a América do Sul. Não há provas da prática habitual desta política de emigração, porém há documentos sobre definição do destino para os que saíram da Europa. Especialmente os mais 48 pobres e os politicamente indesejáveis . Uma é que eles (os pomerânios) eram dominados pelos alemães [...] na verdade eram da Prússia. Do outro lado havia um pouco de inveja. As terras deles eram das melhores que tinha por lá. Os pomerânios eram muito difíceis de serem conduzidos... Isto teria gerado muitos 49 conflitos e culminado com a expulsão de muitos. Eles foram mandados embora de lá. Não havia terras por lá 50 e por isto foram mandados embora. A população das “colônias” de Espírito Santo, mesmo com o passar das décadas, manteve-se essencialmente como população 51 rural . Apesar de já ter sido planejado um núcleo urbano em 1864, por ocasião da construção da primeira igreja luterana em Luxemburg, com praça, escola e casario, o projeto nunca chegou a 52 ser concretizado . As capelas e igrejas continuaram sendo construídas sobre os “Pfarrerland”, isto é, as terras do pastor, onde, não poucas vezes, este e sua família cuidavam da vaca de leite, das galinhas e da montaria utilizada para o deslocamento do pastor no 48 49 50 51 52 Informação colhida pelo pesquisador na cidade de Hamm am Rhein, Alemanha, por ocasião do levantamento de dados para a preparação do livro “Imigrante, a duras penas”. Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Em todas as entrevistas se identificou os elementos relacionados a vida restrita na pequena propriedade rural. Nos dias atuais permanece apenas a pequena igreja construída há quase cento e cinqüenta anos. A casa paroquial há muito deixou de existir. (Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo). 36 seu trabalho de assistência espiritual aos membros da 53 comunidade . Isto era tido como um exemplo a ser seguido. Ao contrário do que acorreu nas “colônias” do sul do Brasil, onde associações esportivas, recreativas e culturais exerciam um importante papel aglutinador da população 54 germânica , os “Kolonisten” (colonos) de Espírito Santo adotaram um modelo de convivência baseado em três pontos características e que se 55 mantiveram durante mais de um século : 1. Os encontros aos domingos nas igrejas, antes ou mesmo depois dos ofícios religiosos constituíam-se em oportunidades de 56 troca de informações ou até de fechamento de negócios . 2. Não havia “clubes” ou entidades associativas, para encontros sociais. Valia a máxima: “a consertina faz a festa” 57 58 . Em outras palavras, casamentos, aniversários ou encontros festivos informais animados por este instrumento tão familiar aos imigrantes pomerânios capixabas aconteciam em dia claro nas casas dos 53 Todas as sedes paroquiais antigas localizavam-se na área rural. O Pfarrerland, isto é, as terras da Comunidade deveriam servir de retaguarda para o necessário subsídio alimentar do pastor e da sua família. 54 Os “Turnervereine” (Sociedade Ginástica) e os “Schützenvereine” (Sociedade de Tiro e Caça), aglutinadores dos imigrantes teutos, eram conhecidos em todas as regiões de colonização dos estados do sul do Brasil. 55 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 56 Estes são costumes que em muitas localidades persistem até a atualidade. As longos distâncias até a igreja precisam ser percorridos em caminhadas, a cavalo, em charette, de bicicleta ou veículo auto motor. Com isto muitos chegam bem antes do inicio dos ofícios religiosos. Este importante encontro social se constituia em uma boa oportunidade para troca de informações, fechamento de nogocios e estabelecimento de novas amizades. (Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo). 57 Pelo costume popular o som da concertina animava as tardes de domingos e as festas nas casas de muitos agricultores. O costume persiste até mesmo depois da chegada da eletrificação rural. 58 Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 37 “colonos” ou, quando de noite, em ambientes iluminados por 59 lamparinas de azeite de baleia ou de querosene . 3. Por último, o hábito da visitação entre familiares e amigos fazia com que as tardes de domingo se transformassem em momentos de um próspero intercâmbio social, quem sabe, para compensar o isolamento vivido nas suas respectivas propriedades. Apenas a partir de 1950, em poucos lugares como em Santa Maria de Jetibá ou mesmo em Laranja da Terra, começou uma tímida urbanização 60 de alguns descendentes de imigrantes, ao mesmo tempo em que também a adoção da língua portuguesa passou a favorecer um melhor convívio com imigrantes italianos e a própria população luso-brasileira. O relativo afastamento da população brasileira se manteve por muito tempo. Isto em parte pode ser atribuído à própria geografia acidentada de toda esta região, como também pela persistente dificuldade de aprendizagem da língua portuguesa. Em função disto, os “Dütsche” (alemães), como os descendentes dos imigrantes se autodenominavam, na sua absoluta maioria, mesmo depois de sessenta ou setenta anos continuavam se comunicando 61 no idioma dos seus antepassados . Enquanto isto, os “brasilioner” 62 rechaçavam os imigrantes e seus descendentes por verem neles 59 Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 60 Uma das primeiras famílias a se transferir para Afonso Cláudio foi de Bernardo Seibel, da segunda geração nascida no Brasil. 61 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 62 Entre os pomerânios chamava-se de “brasilioner” toda a população de fala portuguesa, ou seja, portugueses, caboclos, afro-descendentes e até mesmo os descendentes italianos já aculturados. 38 indivíduos que se recusavam a aceitar os usos e costumes da nova 63 pátria . Pelo planejamento inicial cerca de vinte a trinta pessoas com idade superior a setenta e cinco deveriam ter participado do presente estudo no Estado de Espírito Santo. Seriam indicados pelas suas respectivas comunidades e deveriam dispor de uma boa bagagem de informações sobre a história dos imigrantes capixabas e deveriam conseguir expressar-se de forma lógica e coerente e que espontaneamente tivessem concordado em documentar e divulgar 64 estes dados . Entretanto, com o andamento das primeiras entrevistas surgiram algumas dificuldades que levaram a uma modificação do próprio seguimento da pesquisa. Para isto devem ser salientados diversos fatos: 1. Verificou-se que oito pessoas dentre os entrevistados não apresentavam condições para ler ou assinar o consentimento informado. Tabela 1 – Grau de instrução dos entrevistados Caracterização quanto à instrução 63 64 Entrevistados Escolaridade mínima 25 Instrução básica 4 Instrução nível médio 6 Instrição nível superior 15 Total de entrevistados 50 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Mediante a assinatura do Consentimento Livre e Informado (Anexo I) aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa das Faculdades – EST. 39 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) 2. Um consagrado hábito pomerânio de apagar a memória de um familiar, ao queimarem, depois do sepultamento, os documentos e outros papéis do falecido, também pode ter contribuído para que muitos tivessem evitado produzir qualquer tipo de documento escrito e muito menos assinado. Alguns diziam que, durante um século e meio, teriam sido enganados por uma autoridade exploradora e por vezes depravada, cuja maneira de falar não entendiam, resultando em diversos tipos de perdas morais 65 ou materiais . Ao final, no presente estudo, muitos pomerânios forneceram informações por terem confiado no que lhes foi proposto pelo estudo, entretanto, nada assinaram, nem mesmo um consentimento livre e informado. 3. Mais de sessenta por cento dos indivíduos selecionados para estas entrevistas pelas lideranças das comunidades locais conheciam o pai do pesquisador, além disto, quase um terço destes mesmos entrevistados apresentava diferentes graus de parentesco com o referido entrevistador. 4. Ao contrário de que já foi relatado em diversos outros estudos 66 com alguma semelhança com a presente pesquisa, os que aqui foram entrevistados, comunicaram-se com muito mais espontaneidade com este pesquisador, possivelmente por ser 65 66 A imagem das cobranças de taxas aviltantes reproduzida em ”CANAÔ de Graça Aranha, continuou transparecendo em diversas entrevistas. Muitos agricultores ainda hoje mostram o medo e o receio ao se falar em autoridade ou mesmo em advogado. A desconfiança em ralação às pessoas desconhecidas ou que pudessem representar qualquer perigo aos seus bens materiais ou a sua integridade física sempre foi um traço muito marcante. Isto se constitui em uma caracterísitica deste grupo populacional e começa a ser ensinado desde a infância quando aprendem que este ou aquele tipo de individuo poderia estar seqüestrando crianças pequenas. A expressão Povo Sofrido pode ser ouvida em muitas ocasiões, tanto de relatos do passado como nos diálogos relacionados ao cotidiano. 40 parente e, quem sabe, por ser filho de um carismático personagem muito conhecido entre os descendentes dos imigrantes de Espírito 67 Santo . Além disto, precisou “sentar no banco debaixo das árvores do pátio das casas”, conversar sobre os velhos tempos, em pomerânio, em hunsrück, em alemão e até em português, tomar algumas xícaras de café com melado para somente depois falar na tal da entrevista. Tabela 2 – Caracterização dos entrevistados quanto à etnia Caracterização quanto à etnia Entrevist ados Teuto-brasileiros 41 Ítalo-brasileiros 4 Luso-brasileiros 3 Outros 2 Total de entrevistados 50 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) 5. Todos os entrevistados concordaram com a divulgação por meio de uma publicação da Faculdade de Teologia, das informações fornecidas, entretanto, poucos assinaram o Consentimento Informado. O pedido de assinatura deste documento em uma ou duas ocasiões chegou a crioar uma situação de constrangimento com risco de interrupção do diálogo que até lá vinha se desenrolando de forma absolutamente descontraída. 67 Presidente da Paróquia Luterana de Serra Pelada durante 35 anos, Lourenço Seibel sempre teve uma ativa participação nas atividades das Igrejas Luterana em todo o estado do Espírito e também na Diretoria da Fundação Diacônica Luterana. 41 Tabela 3 – Qualificação das entrevistas Qualificação das entrevistas Entrevistados Assinaram o consentimento 16 Consentimento verbal com testemunha (s) 24 Não Alfabetizados. Consentimento testemunha Entrevistas não concluídas com 8 2 Total de entrevistados 50 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) 6. Apesar desta dificuldade já ter sido identificada e compartilhada com o Professor Doutor Wilhelm Wachholz, no início do trabalho de campo, as entrevistas continuaram sendo feitas em grupos e com a participação de lideranças locais. 7. Ao final de uma exaustiva jornada reuniu material de cinquenta pessoas (Tabela número 01), um número bem superior ao que previa o planejamento inicial do projeto. Conversou-se com muitos pomerânios analfabetos. Mas também foram entrevistados seis pastores, dos quais quatro eram descendentes de pomerânios, quatro jornalistas, professores, secretários de educação e secretários de cultura. Apesar do estudo não o ter previsto inicialmente, terminou-se incluindo informações obtidas nos depoimentos de brancos e pretos, de luteranos, calvinistas, católicos e ateus. 42 Tabela 4 – Caracterização dos entrevistados quanto à idade Caracterização quanto à idade Entrevistados 30 a 40 anos 2 40 a 50 anos 3 50 a 60 anos 12 60 a 70 anos 6 70 a 80 anos 13 80 a 90 anos 14 Total de entrevistados 50 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) Enfim, foram coletadas mais de trezentas páginas de um riquíssimo material proveniente de muitos diálogos cheios de lembranças pessoais e de vivências dos entrevistados. Foram informações muito ricas e que passaram a ser transcritas em texto. Em resumo, foram informações transcritas a partir de informações orais, cuja autorização de divulgação também, em grande parte foi dada verbalmente. Foram dados repassados oralmente e cuja divulgação também foi autorizada oralmente e comprovada por escrito pelas assinaturas das testemunhas que dela tomaram parte. É importante considerar que a partir dos capítulos que abordam a segunda metade da década de 1950, muitas reminiscências do próprio autor, sempre assinalados em observações em rodapé, integram os relatos aqui descritos. 43 Figura 1: O autor (E) durante uma entrevista. Os debates informais que se desenvolveram a partir das perguntas feitas constituíram-se em peça fundamental para o levantamento das informações pleiteadas. Foi um processo de interação entre o entrevistador e o entrevistado, sempre realizado na presença de outro(s) integrante(s) da comunidade local, o que contribuiu para o estabelecimento de uma boa relação de confiança com o autor. Eram momentos em que os entrevistados traduziam em palavras simples as suas próprias vivências ou lembranças de informações a eles repassadas por outras pessoas. Os primeiros contatos com a população alvo do estudo já mostraram que, uma significativa parcela dos emigrantes europeus, 44 apesar de todas as dificuldades enfrentadas, havia se transformado em exemplos de destino bem sucedido. A maior parte deste grupo populacional ainda vive nas regiões de Domingos Martins, Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Itarana, Afonso Cláudio, Laranja da Terra e em um grande número de municípios do norte do estado. Pelos diálogos que logo se estabeleceram identificaram-se muitas ramificações destas famílias em Minas Gerais, Rondônia, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná. Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Europa e Austrália. Nesta situação encontram-se familiares do próprio pesquisador. Tabela 5 – Caracterização dos entrevistados quanto à procedência Caracterização quanto à procedência Entrevistados Rural 26 Urbano 24 Total de entrevistados 50 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) No final do trabalho de campo foram contabilizadas cinquenta entrevistas, e que passaram a ser divididos em quadro subgrupos. Na avaliação preliminar dos resultados constatou-se que a manutenção da metodologia aprovada inicialmente teria limitado em muito o aproveitamento das informações colhidas. A restrição daqui resultante para apenas dezesseis depoimentos, talvez tivesse tornado a pesquisa mais “acadêmica”, correndo, porém, o risco de 45 perder muito do seu conteúdo histórico, já que as informações mais ricas foram encontradas justamente nos outros dois grupos. Tabela 6 – Caracterização dos entrevistados quanto ao sexo Caracterização quanto ao sexo Entrevistados Masculino 38 Feminino 12 Total de entrevistados 50 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) Certamente, uma forma alternativa de reprodução de resultados desta pesquisa na qual seriam referenciados apenas os depoimentos do primeiro grupo (dezesseis entrevistados) e, eventualmente citados de maneira informal os relatos dos outros dois grupos (vinte e quatro e oito entrevistados) teria levado a uma significativa perda. Dentro desta ótica o pesquisador propôs ao Comitê de Ética em Pesquisa a validação de depoimentos realizados na presença de testemunhas. A argumentação apresentada foi aceita e o trabalho teve seguimento. Desta forma, a explanação e a discussão dos resultados da presente pesquisa estão sendo feitos ao longo desta obra, mostrando que os teuto-brasileiros capixabas, a partir de lembranças transmitidas oralmente de geração em geração, desenvolveram uma cultura muito própria, criaram imagens saudosistas hoje relembradas em canto e verso e visualizadas em suas danças folclóricas. 46 Enfim, os resultados iniciais logo mostratam que a imigração capixaba foi um empreendimento com características muito próprias e que seus protagonistas passaram por muitas dificuldades. Os dados obtidos neste estudo também sinalizaram com bons resultados obtidos com o povoamento da região central do Estado de Espírito Santo, mas também trouxe questionamentos que não puderam ser respondidos, por isto merecem ser descritos com fidelidade, até por se tratar de uma importante fase da História da Imigração Européia no Brasil. 47 2 A FORMAÇÃO DA ETNIA POMERANA 2.1 A origem dos pomerânios Aqui cabe uma importante pergunta? O que os atuais pomerânios capixabas sabem da vida dos seus antepassados? O historiador Ismael Tressmann faz uma referência ao aspecto da narrativa dos imigrantes e da historiografia considerada oficial ao referir que na terceira parte da minha Tese eu fiz uma análise das razões que os levaram a virem para cá. Naquela parte da Tese estava preocupado com a questão das narrativas. O que eles contam, a oralidade, é controvertido. Analisei vários destes relatos que a historiografia oficial refere e o que os 68 pomerânios relatam. Quem vai analisar a história, os personagens e os fatos relacionados aos imigrantes assentados em terras capixabas, na segunda metade do século dezenove, logo passa a identificar os diferentes aspectos culturais daqueles que aqui chegaram. Quem eram realmente os imigrantes que aqui chegaram? De onde vieram? Começou-se a falar nos pomerânios capixabas na década de setenta quando foram “descobertos" pela mídia. Até lá, durando praticamente cem anos, viveram em um ambiente bastante fechado 68 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 48 e de uma relativa tranquilidade. E é este fato que deu origem ao título do presente trabalho, em função da importância que teve no desenvolvimento deste segmento populacional do estado de Espírito Santo. Desta forma, dentro de um contexto amplo, as informações transmitidas a partir da primeira geração de imigrantes são muito limitadas, mesmo que isto não possa ser generalizado. Os depoimentos não são tão divergentes do que as fontes oficiais reportam. Os pomerânios falavam muito nos aspectos do trabalho duro para os donos das terras. Do tipo, poderiam produzir um bem, mas não tinham acesso ao mesmo. Até já o relato de que faziam aguardente de beterraba, mas não podiam tomá-la. São depoimentos e que são mais simbólicos. Enfim, produziam coisas que eles mesmos não podiam consumir. Havia uma crise geral em 69 toda a Europa. Não era apenas na Pomerânea. Minha avó sempre contava que tiveram uma viagem muito difícil. Inclusive a comida era muito escassa. As carnes (dat fuhl Flaisch) devia esta deteriorada, já praticamente podre naqueles barris. Na realidade era uma carne salgada. A mãe dela contava para ela que era uma carne deteriorada. Outra dificuldade foi quando chegaram em Espírito Santo, desembarcaram em Vitória e quando chegaram em Santa Leopoldina existia uma estalagem subumana. Sem condições de higiene e de tudo. Ela sempre dizia que sua mãe contara que haviam saído de um lugar difícil para chegar a outro que havia sido pintado como um paraíso, 70 mas infelizmente [...] Pelos depoimentos dos entrevistados mais antigos que hoje ainda vivem em Espírito Santo facilmente se pode constatar que no decorrer dos anos houve um gradativo desaparecimento de 69 70 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 49 informações, por estes não terem sido documentadas em textos e sim repassadas oralmente. Isto se identifica, sobretudo, na perda de detalhes observadas em muitas descrições. Um albergue grande, um tipo paiol e lá se hospedavam uma semana ou duas até o governo indicar-lhes os lotes. Era uma construção de estuque. Até hoje ainda não consegui descobrir para qual lote de terra em Luxemburgo ou Caramuru tinham sido enviados. Mas era naquela região de 71 lá. A riqueza dos relatos foi diretamente proporcional ao grau de instrução ou seja ao crescimento cultural havido nos diferentes entrevistados. Como se pode deduzir destes relatos, nos dias atuais, o alcance da cronologia da história das famílias em muitos casos mal ultrapassa duas ou três gerações. Desta forma as tentativas de um seguimento mais fiel da cronologia dos acontecimentos envolvendo a história oral, por vezes ficam seriamente prejudicadas. Além disto, ao longo de quase uma centena de anos, uma série de acontecimentos levaram a profundas modificações dos hábitos de vida dos descendentes dos pomerânios, muitas vezes, tão mal compreendidos pelo expectador não pomerânio. Como relatar os hábitos de vida e os costumes à primeira vista tão estranhos a este mesmo expectador, porém tão próprios deste povo? Em uma rápida análise poderíamos adotar três formas distintas para descrever o seu cotidiano. Em um primeiro momento poderíamos tomar uma série de depoimentos, quem sabe, por meio de intérpretes, analisá-los e transcrever os resultados. Desta forma estaríamos criando um quadro do dia a dia da vida deste grupo 71 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 50 populacional. A título de exemplo poderíamos citar duas importantes pesquisas divulgadas pelas professoras Regina Hees Carvalho Joana Bahia. 72 e 73 Em uma segunda situação, poderíamos ter pessoas 74 75 76 com muita sensibilidade e de uma grande empatia, que durante muitos anos conviveram com o cotidiano deste povo. Desta forma assimilaram toda a sua filosofia de vida e seus traços culturais. Com isto poderiam descrever com extraordinária precisão seus hábitos de vida e sua maneira de pensar. Seria o relato do dia a dia da sua convivência com este povo. Uma terceira forma de descrição poderia ser realizada por alguém do próprio povo, que sentiu suas angústias, teve suas preocupações e que viveu como este povo, para depois relatar o que viveu e o que sentiu. Para continuar em seu propósito, o estudioso teria que fazer uma ampla análise histórica, rever o maior número possível de fontes, entre livros, documentos, objetos, imagens, além de ouvir muitos relatos orais. Teria que procurar conhecer a história dos indivíduos que deram origem aos antepassados deste grupo populacional e caracterizar os seus traços culturais. Em se tratando dos pomerânios, teria que entender o povo que habitou daquelas terras banhadas pela extensa costa do Mar Báltico e entrecortadas 72 73 74 75 76 CARVALHO, R.M:. Santa Maria de Jetibá - Uma Comunidade Teuto-Capixaba. [Dissertação de Mestrado] Universidade de São Paulo. São Paulo. 1978. BAHIA, J: Práticas Mágicas entre as Pomeranas. Porto Alegre: Ciências Sociais e Religião, ano 2, n.2.p.153-176. 2000. RÖLKE, H.R.: Descobrindo Raízes. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural, 1996. PORT, I: Altos de Itarana. 2004. Port, D. C.; Port, I. Alto Santa Joana – 100 Anos de História. Santa Maria de Jetibá: Gráfica e Editora Follador Ltda, 2007. PORT, I. Os Altos de Itarana. Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto Itarana. Santa Maria Jetibá: GRAFICOL, 2004. 51 por tantos lagos. Pois o estreito vínculo com o mar, com seus lagos e com a natureza sempre foi uma das marcas desta população da 77 antiga Pomerânea . Dentro desta percepção poderia tentar caracterizar os possíveis primeiros habitantes daquelas terras, na época, ainda cobertas de densas florestas. Poderia identificar um grupo populacional com traços culturais já próprios. Poderia conhecer um pouco mais daquele grupo populacional que deu origem à etnia por ser estudada. Também aqui poderia averiguar se todos os indivíduos deste grupo populacional se enquadram dentro de determinadas 78 características antropológicas . Pois é isto que diferencia uma pessoa da outra, portanto, também caracteriza um grupo populacional. Pode-se nascer com características específicas como, por exemplo, a cor dos olhos, a cor da pele, a cor dos cabelos e certas peculiaridades cutâneas ou aspectos faciais. Estas, portanto, seriam marcas individuais daquela pessoa. Por outro lado, na medida em que este indivíduo passar por uma adaptação em um outro ambiente, poderá vir a se identificar com este novo grupo, diferente do seu próprio, adotando dele seus hábitos, seus costumes e sua filosofia de vida. Desta forma irá adquirir características que o identificarão com o novo grupo. Com isto se terá um indivíduo com características individuais próprias, mas com características comportamentais comuns aos demais da 77 Pó Morju, palavra sorábica, que traduzido significa, habitantes junto ao mar. Em Fachin Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 5. 01/09/08. São Leopoldo. 78 FOETSCH, Alcimara Aparecida. Refletindo sobre as identidades culturais, a raça e a etnicidade. Parte adaptada do Segundo Capítulo da dissertação de Mestrado. Revista Espaço Acadêmico – Nr. 69 – fevereiro/2007 – Mensal – Ano VI. Ri Disponível em: http:///www.espacoacademico.com.br/-69/69foetsch.htm. Acesso em 12/03/08. p. 1. 52 sua comunidade. Na medida em que isto estiver ocorrendo com os diferentes indivíduos de uma determinada área geográfica ou, ainda, dentro de uma área com um regime político próprio poderemos vir a ter uma identidade regional. Não se pode falar em raça pomerana, até porque, sob o aspecto antropológico 79 esta denominação estaria se referindo a uma classificação bem mais ampla. Pois se refere a uma das grandes subdivisões da espécie humana estabelecendo grupos relativamente separados e distintos, com características biológicas e organização genética próprios. Neste aspecto temos a raça branca, a raça negra e a amarela. Portanto, estes três grandes grupos teriam aspectos biológicos definitivos, ou seja, características físicas peculiares. O processo de formação de uma etnia pressupõe desenvolvimento de uma prática de tradições culturais por intermédio da assimilação de estilos de vida, de normas e de crenças a partir de outras comunidades com as quais uma determinada população convive. Estas não são estáticas e sim dinâmicas, ou seja, adaptáveis às influências do seu meio. A partir do momento em que uma prática cultural passar a ser localizada dentro de um determinado espaço físico habitado por um grupo 80 étnico especifico poderíamos vir a ter uma identidade nacional . Com base nestes pressupostos, poderíamos falar em etnia pomerana, pois, apesar do processo de miscigenação cultural pela qual passou ao longo de praticamente um milênio, logrou 79 80 Ibidem, p. 2. Ibidem, p. 1. 53 81 desenvolver uma consciência própria, quem sabe de nação , 82 mesmo que, com autonomia por períodos transitórios . Mas, quem realmente era o “povo pomerânio”? Muito pouco de antes da grande migração dos povos pode ser comprovado ou explicado com base em dados históricos. A Pomerânea parece ter sido habitada por grupos étnicos de origem germânica. Há indícios de que no século III e VI estes tenham migrado para a Itália e em seu lugar, da Morávia, vieram os sorábicos (wenden), de origem eslava, porém pertencentes aos 83 grupos indo-germânicos . A influência germânica se tornou marcante, em primeiro lugar, com o processo de cristianização empreendida por Otto de 84 Bamberg em suas investidas na cristianização . Por outro lado, esta inovação de prática religiosa foi seguida da criação de diversos mosteiros, para cuja manutenção foram criadas vilas com populações de agricultores germânicos deslocados para esta região. Além disto, a fundação de cidades nos modelos das cidades hanseáticas de Lübec e Magdeburgo transformou toda esta região em uma extensa área de “mistura eslavo-germânica”. Tudo isto aconteceu de forma bastante pacífica e sem disputas abertas entre os diferentes grupos 85 . Apesar da vinculação do Duque Bogislaw com o Sacro Império Romano Germânico, (1580 – 1637), é preciso 81 82 83 84 85 Como o povo de um território organizado politicamente sob um único governo. Greifen. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Greifen. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010. FACHIN, Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edicao 271, São Leopoldo, set. 2008. p. 5. Otto de Bamberg (1060–1139): Bispo alemão que converteu grande parte da população da Pomerânea ao cristianismo. KROCKOW C. G. v.: Die Reise nach Pommern. Bericht aus einem verschwiegenen Land. Deutsche Verlags-Anstalt, 1985, p. 200-2006. 54 considerar que grande parte das famílias da velha nobreza da Pomeranea era constituída de sorábicos (wenden), e “eslavos”. Na realidade, ao longo de séculos, houve grupos de pessoas vivendo em um território comum e que terminaram por desenvolver traços culturais comuns: A língua pomerana, sua escrita, a religião cristã, porém, com a manutenção de práticas 86 pagãs , mesmo que às escondidas, mantiveram as suas tradições, seus costumes e um forte sentimento de “pertencimento” a este grupo. Isto facilmente leva a pensar que a Pomerânea nunca foi “alemã” ou que tenha sido conquistada pelos alemães. O que definiu as fronteiras do povo pomerânio foram, sobretudo questões 87 religiosas ou confessionais . As manifestações culturais dos pomerânios, além da 88 linguagem e escrita próprios, exemplificados pela bíblia pomerana , 89 incluem uma rica mitologia , talvez até um estilo e construção de 90 91 casas , formas de organização social , entre outros e que podem ser abordados sob diversos aspectos. Temos, portanto, um conjunto de manifestações sociais, lingüísticas e comportamentais próprios. Este é um conceito dinâmico e que comporta um crescimento populacional concomitante à assimilação de outras populações e 86 FACHIM, op. cit., p. 14. KROCKOW, op. cit. Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em: 06 jun. 2008. Um dos textos mais antigos, a Bíblia de Barth foi editado no final do século XVI, por ordem do Duque Bogislow (Reinado de 1573 – 1604). Esta se constituiu em um total de mil volumes, dos quais ainda hoje existem cerca de vinte, em diversos museus e bibliotecas especializadas da Europa. 89 Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07/06/08. 90 Construção de casas típicas com suas paredes brancas e janelas azuis, lembrando a neve dos rigorosos invernos e o azul do Mar Báltico. 91 Patriarcado. Herança por um único filho. Não divisão dos imóveis nos casos de herança. 87 88 55 culturas. Na realidade, trata-se de um fenômeno social, no qual indivíduos de diferentes procedências ao longo de praticamente um 92 milênio assimilaram crenças, normas e estilos de vida . Dentro desta flexibilização as suas tradições culturais foram sendo reproduzidas e readaptadas. Após toda esta análise poderíamos falar em identidade étnica e cultural com características bem próprias e localizadas dentro de uma época e de um espaço territorial determinada. Dentro desta ótica poderíamos falar em etnia. Em outras palavras, há uma identidade nacional, que já existia na antiga Pomerânea e que de certa forma terminou sendo transplantada para o Brasil. Aqui na nova Colônia, o pomerânio novamente passou por um lento processo de aculturação, tendo, porém, mantido muitas das suas raízes originais. 2.2 A Pomerânea da Europa Central: uma retrospectiva histórica Para uma melhor compreensão dos costumes e da maneira de ser do imigrante pomerânio, tentemos rever a sua história na Europa. Já o significado da palavra Pomerânea faz referência à sua localização junto ao mar, ou seja, leva o leitor às “terras junto ao 92 Geschichte Pommers. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Geschichte_Pommerns. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010. Em uma referencia a miscigenação ocorrida em conseqüência da assimilação dos imigrantes alemães pela população eslava original da Pomerânea de antes do décimo terceiro século dC. 56 mar”. Da mesma forma “Pommeranen” ou pomerânios refere-se a 93 esta população que vivia junto ao mar . Na história da região do Mar Báltico correspondente ao período medieval verifica-se que, a partir do século X, com a fundação da cidade de Wollin (Jomsburg) pelos vikkings surgem as primeiras referências mais concretas. Consta que no ano de 986, o exilado rei da Dinamarca, Harald Blauzahn veio a falecer em Jomsburg. Já no ano de 995, depois de uma longa campanha, os poloneses, sob o comando do duque Boleslaw I, conquistaram e detiverem o domínio sobre a Pomerânea Oriental durante três 94 décadas . Nesta época, esta região, em boa parte, ainda estava coberta por extensas florestas habitadas por diversos grupos de eslavos. Em torno do ano 1000, surge o primeiro Ducado na parte ocidental da Pomerânea e que parece ter sido responsável pela fortificação das cidades de Cammin e Stettin. Foi esta dinastia de duques pomerânios, também conhecida como dinastia dos grifos (Greifen), que deu uma autonomia, mesmo que durante períodos transitórios para esta região até o desaparecimento do seu último 95 governante no ano de 1637 . A região da Pomerânea ocidental e da Ilha de Rügen eram originalmente habitados por eslavos Ranen. A sua cristianização parece ter ocorrido por volta de 1168, durante o domínio dinamarquês. Após 93 94 95 a guerra de 1227, cessou o domínio FACHIM, op. Cit. As mais variadas fontes históricas da Pomerânea fazem referencia a Pommern como Terra junto ao Mar e Pomeranen como sendo um povo eslavo ocidental ou também o povo junto ao mar. Greifen. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Greifen. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010. Geschichte Pommers. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Geschichte_Pommerns. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010. 57 dinamarquês sobre a região continental, sendo que apenas a ilha de Rügen permaneceu como um principado a eles vinculado. Já a partir de 1231 a Pomerânea, de certa forma, ficou sob o mando dos Markgraves de Brandemburgo. No ano de 1295, uma nova divisão da região nos Ducados de Pommern-Stetin e Pommern-Wohlgast constituiu-se no início de um gradativo esfacelamento territorial e de 96 poder . O assentamento, no século XIII, de uma população urbana proveniente de diversos estados germânicos que, séculos mais tarde, vieram a constituir o que hoje conhecemos como a Alemanha, efetivamente iniciou o deslocamento de agricultores teutos para esta área, na época ainda ocupada essencialmente por eslavos. Apesar deste lento e gradativo aumento da população de origem germânica, não há relatos de hostilização da população eslava. Na verdade, à medida que foi se definindo uma nova supremacia, a partir desta migração proveniente do oeste germânico, também passou a ocorrer uma gradativa miscigenação com a população eslava nativa. Não somente denominações nomes de trazidos lugares e do ocidente cidades eslavas como também foram sendo incorporadas ao cotidiano. Uma série de hábitos, costumes a até uma relativa liberdade individual dos agricultores e mesmo da população urbana foram sendo incorporados a esta nova cultura em formação. Desta forma a Pomerânea, uma região ainda pouco habitada, aos poucos foi passando por uma profunda modificação. Novas vilas ou cidades começaram a ser criadas ao lado de vilas eslavas. Cidades 96 eslavas foram sendo germanizadas Die Geschichte der Region – Pommern. http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.33.htm. Acesso em 02/05/08. 58 pelas populações trazidas da Saxônia, da Prússia e de outros pequenos reinos das proximidades. Isto fez com que até o final do século XIII ocorresse um gradativo aumento da influência dos estados germânicos sobre a Pomerânea ocidental 97 . A peste negra que se abateu sobre toda a área entre os anos de 1348 e 1351 ceifou quase um terço de seus habitantes, mesmo assim, o poder dos duques da Pomerâanea chegou ao seu auge no ano de 1362, quando Carlos IV, o imperador do Sacro Império Alemão Germânico casou com a princesa Elisabeth da 98 Pomerânea . O “Plattdütsch”, isto é, a língua pomerana passara a ser a língua do dia a dia, enquanto que o latim, o idioma do clero, 99 havia assumido a função de língua de assuntos oficiais e da igreja . Até o ano de 1350 já existiam em toda a região cerca de cinquenta cidades estruturadas e administradas dentro de padrões preconizados pelas cidades hanseáticas de Magdeburg e Lübeck. Na prática isto representava todo um processo de colonização e de trabalho praticados dentro dos princípios da Liga Hanseática 100 . É lógico que, com isto a influência germânica passou a ser cada vez mais forte. Isto gerou desavenças entre os estados/principados e os próprios duques da Pomerânea diferentes 101 . Mesmo assim, apesar destes constantes conflitos a Pomerânea passou a experimentar um período de florescimento econômico, 97 Ibidem. Ibidem. Ibidem. 100 A Liga Hanseática (em alemão, die Hanse, sendo que An Hanse significava aproximadamente associação) foi uma aliança de cidades mercantis que estabeleceu e manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa e Báltico, em fins da Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos XIII e XVII). De início com caráter essencialmente econômico, desdobrou-se posteriormente numa aliança política. 101 Die Geschichte der Region - Pommern. Disponível em: http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.htm. Acesso em: 02 mai. 2008. 98 99 59 especialmente pelo seu crescente comércio liderado pelas cidades vinculadas à Liga Hanseática 102 . Assim, a fundação da Universidade de Greifswald e a construção de diversas grandes catedrais passaram a representar uma vida cultural que teve seu auge no ano de 1456 103 . O auge da divisão da Pomerânea em pequenos principados e protetorados 104 ocorreu entre os anos de 1424 e 1478. Depois desta época novamente toda a Pomerânea foi unificada sob um único ducado 105 . Já em 1532, aconteceu uma nova divisão, inicialmente em dois ducados em 1544, passando depois por sucessivas subdivisões em conseqüência de heranças feudais. Já em 1625 novas fusões destas pequenas áreas, reverteram este processo de esfacelamento 106 . A maior fragilidade política e econômica da região da Pomerânea parece ter residido na estruturação administrativa. O jogo do poder envolvendo constantes divisões por meio das heranças na sucessão feudal, seguido de fugazes reagrupamentos mantinham seus governos constantemente fragilizados. Já a partir de 1631 novamente tropas estrangeiras, desta vez da Suécia se encontravam na Pomerânea Ocidental. Isto coincidiu com o término 107 da dinastia dos duques Grifos . O resultado foi uma longa disputa entre a Suécia e a Prússia e que resultou na aniquilação de toda a região (Pommerland ist abgebrandt – Pomerânea ardeu em chamas) 102 Ibidem. Ibidem. Regiões com administração própria, porém subordinadas a outros governantes. 105 Die Geschichte der Region - Pommern. Disponível em: http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.htm. Acesso em: 02 mai. 2008. 106 Ibidem. 107 Ibidem. 103 104 60 e na morte de dois terços da sua população 108 . Ao final desta guerra a região ocidental passou para a coroa sueca e a Pomerânea oriental para a Prússia. Agora sob o domínio sueco iniciou uma nova fase para a já tão castigada população. Esta situação resultou em uma piora das condições de trabalho da população rural da área ocupada, até porque, já a partir da segunda metade do século XVI, os habitantes da Pomerânea haviam sido lançados em uma situação e servilismo pela baixa nobreza proprietária de praticamente todas as terras. Entretanto, com um governo sueco ocupado com seus próprios problemas, este dispunha de pouco tempo para os seus territórios na Europa Central. Com isto, a ganância e a pressão exercida pelos latifundiários agravou ainda mais a situação desta população. Os nórdicos, lutando contra o seu próprio subdesenvolvimento, pouco interesse tinham pelas terras ocupadas. Seus problemas internos eram suficientemente graves para manterem seus governantes ocupados 109 . Em 1648, ao fim da Guerra dos Trinta Anos, a Suécia voltou a arrasar toda a Pomerânea. E ao termino deste conflito estendeu o seu domínio sobre toda a Pomerânea Ocidental enquanto que Brandemburgo incorporava a Pomerânea Oriental 110 . Durante a Guerra dos Sete Anos (1756 a 1763) novamente a Pomerânea Ocidental se tornou palco de batalhas entre a Suécia e a Prússia, enquanto a Pomerânea Oriental passava a ser duramente castigada pelas tropas russas. Como se isto não bastasse, já poucos anos mais tarde, na virada do século, quando 108 109 110 Ibidem. Ibidem. Ibidem. 61 da incursão pelas tropas napoleônicas, a Pomerânea Ocidental como corredor de passagem do exército francês, novamente se viu devastada e ocupada 111 . Já a Pomerânea Oriental, apesar de ocupada pela Prússia, vivenciou uma situação um pouco melhor. Banhados e pequenos lagos passaram a ser drenados. Nas terras desta forma obtidas novamente foram assentados agricultores provenientes de outras regiões da Alemanha Apesar do 112 . relacionamento relativamente estreito da Pomerânea com os Estados Germânicos não se pode afirmar que esta tenha sido “germanizada” ou que a população eslava tenha sido brutalmente esmagada pela hegemonia germânica. As fronteiras que foram sendo estabelecidas já a partir do século XVI e que passaram a definir as áreas de influência, seja germânica ou polonesa, não foram de raça, de etnia ou de idioma e sim, sobretudo, de uma fronteira confessional. 113 De um lado passaram a ser os “germânicos luteranos” e do outro lado os ”poloneses católicos”. Apenas em 1815, no Congresso de Viena, depois de um longo período de 170 anos, toda a área da Pomerânea, foi novamente unida, agora na forma de uma província prussiana. Nesta época (1816), sua população chegava a 682.000 habitantes. Durante esta fase de uma relativa paz toda esta região havia se transformado no principal fornecedor de alimentos para a Alemanha. Apesar dos agricultores terem conquistado uma maior liberdade, o número de latifúndios diminuiu à custa do aumento das suas 111 112 113 Ibidem. Ibidem. KROCKOW C. G. v.: Die Reise nach Pommern. Bericht aus einem verschwiegenen Land. Deutsche Verlags-Anstalt, 1985, p. 200-2006. 62 extensões. Isto fez com que o mercado de trabalho voltasse a depender essencialmente das boas graças da nobreza, dona das grandes propriedades rurais 114 . Tabela 7 - População da Pomerânea ao longo dos últimos 250 115 anos Variação Populacional da Pomerânea ao longo dos últimos 250 anos Peste negra. 1348-51 Dados desconhecidos Morre um terço da população Assentamento de imigrantes alemães 1340-1386 26.500 habitantes Durante a Guerra dos 30 anos, (1618 até 1648) Morre 70% da população Senso de 1748 310.000 habitantes Assentamento de imigrantes alemães 1740-1786 26.500 habitantes Senso de 1800 480.000 habitantes Senso de 1810 529.000 habitantes Senso de 1816 683.000 habitantes Senso de 1843 1.106.000 habitantes Senso de 1875 1.462.000 habitantes Senso de 1900 1.635.000 habitantes Senso de 1925 1.879.000 habitantes 114 115 Die Geschichte der Region - Pommern. Acesso em: http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.htm. Acesso em 02 05 2008. Ibidem. 63 Senso de 1939 2.394.000 habitantes Limpeza étnica na Polônia em1945 2.000.000 habitantes Apesar das muitas dificuldades geradas pela revolução industrial em toda a Europa Central, ao menos a agricultura conseguia avançar na sua produtividade. Além disto, a costa do Mar Báltico sempre foi muito propícia à pesca. O desenvolvimento da agricultura também teve forte influência no crescente desenvolvimento da indústria, até em função de novas necessidades da agricultura, pois, precisava-se de máquinas para o beneficiamento da safra e para o seu transporte até o local do seu 116 consumo . Na metade do século dezenove, Stettin, a capital da Pomerânea, já contava como o mais importante porto do Mar Báltico 117 . O lento desaparecimento da Pomerânea com sua relativa autonomia e da cultura própria do seu povo iniciou no século XVII ao ser extinta a dinastia dos Grifos. Nos séculos seguintes, como possessões ou províncias de outros reinos, transformou-se em um verdadeiro espolio de guerra e que passou a ser disputado pelos seus vizinhos. Não foi muito diferente ao final da Primeira Grande Guerra, quando boa parte da Prússia Oriental foi entregue a Polônia. Além disto, a partir deste momento o restante da região passou a ser uma área de fronteira da Alemanha 118 . Já ao final da Segunda Grande Guerra todo este território novamente foi ocupado por tropas soviéticas. Depois disto setenta 116 117 118 Ibidem. Ibidem. Ibidem. 64 por cento do seu território passou para o domínio da Polônia. Como resultado prático e dentro de um processo de um verdadeiro extermínio da sua população, as forças de ocupação realizaram uma ampla e desumana limpeza étnica, com o desalojamento de cerca de dois milhões de habitantes que aqui viviam 119 . Figura 2: Mapa da Pomerânia. A cristianização dos pomerânios data aproximadamente o ano de 1168. Antes disto as suas divindades estavam vinculadas essencialmente às florestas e aos rios. Os povos da região do vale do rio Elba e do Mar Báltico haviam organizado locais de cultos a estas divindades dedicadas à natureza e com funções inclusive de oráculos. Estes faziam previsões sobre resultados de guerras, 119 Ibidem. 65 conflitos e sobre resultados das safras 120 . Triglaw, uma das divindades pomerânios mais importantes, originalmente costumava ser adorado em Wollin, Vineta e Stettin e mais tarde também chegou até Brandemburgo 121 . 2. 3 A religiosidade do pomerânio primitivo Entre todos os povos eslavos eram conhecidas as práticas de feitiçaria, de bruxaria ou conjuração e de adivinhação. Presumivelmente estas eram realizadas por praticantes isolados e não em locais de culto 122 . Já a partir desta época, talvez até em consequência do sistemático movimento de conversão organizada pela igreja católica romana, tanto os povos eslavos, como também de outras etnias da Europa Central, começaram a organizar locais de culto a diferentes divindades. Isto fez com que até se desenvolvesse um verdadeiro clero “pagão” 123 . O culto 124 aos seres da natureza sempre ocupou um importante espaço na religião dos eslavos. Depois da cristianização, a permanência de algumas divindades pagãs na forma de 120 Wegetationsdämonen, Zeitgeister und Schicksalsdämonen. In Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. P. 4. Acesso em 07 jun. 2008. 121 Götter der Elb- und Ostseesklaven. In: Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. p. 3. Acesso em 07 jun. 2008. 122 Götter der Ostslaven. In: Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. p. 3. Acesso em 07 jun. 2008. 123 Ibidem. 124 Adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas e em qualquer religião; 66 “costumes não cristãos” persistiu na Europa na forma de “cultos” a espíritos da natureza e das florestas A benzedura 126 125 . poderia ser considerada uma herança dos tempos que antecederam à cristianização no começo do século 127 XII? . Também o culto aos inúmeros deuses desta época, apesar da gradativa assimilação do cristianismo também poderia ser sido transferindo pafra a atualidade na forma deste respeito que o pemerano tem à natureza dentro de um sentido quase religioso 128 . Ainda hoje, em toda a Alemanha, nomes de vilas ou pequenas cidades denotam no prefixo “wenden” uma conotação quase mística os seus antepassados eslavos, os Wenden, um povo que, até em função da baixa densidade populacional da época, habitava esta região de florestas bastante densas 129 . Talvez isto também tenha contribuído para que, com a cristianização e o conseqüente desaparecimetno das principais divindades pagãs, as formas mais simples de culto ou temor a outras manifestações inexplicáveis, como o do Spauk (assombração), nmão tenham sido esquecidas. Desta forma, uma série de “fantasmas” vinculados com montanhas, grutas, lagos, poços de água, vertentes ou mesmo relacionados ao fogo continuaram sendo cultivados. Determinadas árvores podem estar sendo habitadas por elementos que precisavam ser respeitados. Certos espíritos zelavam pela colheita. Outros cuidavam da casa. 125 Elementargeister. In Slawische Mythologie, Op. Cit., p. 4. Ato de benzer ou de proceder a certos rituiais não cristãos, acompanhando-os de orações. Beschwörung. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Beschw%C3%B6rung. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07 jun. 2008. 128 Elementargeister. In Slawische Mythologie. Op. Cit., p. 4. 129 KROCKOW, Op. cit. 126 127 67 Isto conduziu a uma série de crenças 130 ou de crendices 131 , dependendo da ótica do expectador e que ainda hoje são identificadas entre os pomerânios capixabas 132 . Estas estão relacionadas à própria crença, por exemplo, de não se poder abater uma cobra dentro de casa pelo risco de vir a acontecer algum desastre com o seu morador 133 . Ou mesmo a preservação de costumes como o cuidado no momento do falecimento de um familiar, em que se deveria manter uma janela aberta para o espírito do finado pudesse escapar 134 . Havia ainda outra forma de culto vinculado a um ritual de sacrifícios e refeições ritualísticas 135 . Estas festividades eram relacionadas com festas de mudança de estações, festa da primavera, festa da colheita e que, na opinião e alguns, de certa forma se mantiveram até os dias atuais 136 . Entre os pomerânios, até os que aqui chegaram, continua viva a figura do espírito, que se abriga entre as árvores. É um “Spauk”, isto é, uma sombração que vive no bambusal e na floresta e que deve ser respeitado 130 137 . Ato ou efeito de crer. Crença supersticiosa. Como pode ser constatado nos diferentes depoimentos transcritos no capítulo que versa sobre superstição 133 Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 134 Prática popular. 135 Pelo profundo respeito e de forma quase mística com que o promerano vive a Santa Ceia. Além disto, a própria confraternização com sua refeição quase ritualística, comendo o wittbrout (pão branco de trigo) depois do sepultamento de um familiar não de justificaria somente pela necessidade de alimentar os familiares e amigos do falecido antes de empreenderem sua jornada para casa. 136 A forma muito intensa como vive a festa da colheita, ao transformar o altar da sua igreja em um verdadeiro armazém de mantimentos, os quais, depois de leiloados reverteriam em beneficio para a igreja. 137 Wegetationsdämonen, Zeitgeister und Schicksalsdämonen. In http://de.wikipedia.org/wiki. 131 132 68 2.4 A Cristianização O processo de cristianização teve início com as viagens missioneiras de Otto de Bamberg em 1124 e 1128 138 . Neste processo foram também sendo criados os claustros vinculados à igreja católica. Para a manutenção destas instituições, toda esta população advinda de diversos estados germânicos foi assentada nas adjacências destes conventos, constituindo-se em massa crítica para a efetiva assimilação da doutrina cristã 139 . Na cristianização da Pomerâneo parece ter contribuído, sobretudo, a ampla transferência de uma população de origem germânica para esta área de baixa densidade populacional, habitada pelos eslavos ocidentais e pelos “wenden” 140 . O que aconteceu a seguir foi praticamente uma consequência da atuação de Bamberg. Já em 1140 o Papa Inocêncio II instituiu o Bispado de Wollin e, no ano de 1181, o Duque Bogislaw I da Pomerânea jurou obediência a Frederico Babarossa, Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Com isto, ao menos oficialmente, a região do Báltico passou para a esfera de influências das nações cristãs. O que teria acontecido com as antigas crenças dos eslavos/”wenden”, pouco se sabe. Entretanto, como explicar todo o comportamento místico ainda hoje remanescente pomerânios se, como justificou Krockow entre os 141 , a transição do paganismo para o cristianismo teria acontecido de forma tão pacífica? 138 KROCKOW, op. cit. Ibidem. FACHIN, op. Cit. 141 KROCKOW, op. cit. 139 140 69 2.5 A Reforma Luterana e a Questão Confessional na Pomerânea A “luteranização” da Pomerânea representou uma nova transição para seus habitantes e passou a acontecer a partir do ano de 1534. Também o movimento da Reforma parece ter transcorrido de forma bastante pacífica, quando, neste ano, o “Landtag zu Treptow” (Assembléia de Treptow) ordenou a implantação da doutrina de Lutero 142 . A sua efetiva assimilação se deve a Johannes Bugenhagen, também chamado de Pomeranus, discípulo de Martin Lutero e que se transformou no grande organizador local da 143 Reforma na Pomerânea . A nova doutrina foi logo aceita e rapidamente se difundiu entre a população. Na prática isto também representou uma ampliação do domínio da nobreza. Isto porque todas as propriedades antes pertencentes ao clero católico rapidamente passaram às mãos das classes dominadoras. Além disto, quase dois terços da população da Pomerânea sucumbiram em decorência da Guerra dos Trinta Anos. 144 . A divulgação do luteranismo em toda a região do Mar Báltico aconteceu a partir da segunda metade do século XVI. Um dos recursos utilizados foi a própria divulgação da bíblia favorecido pelo desenvolvimento da imprensa a partir do invento de Gotenberg. Na Pomerânea, durante o reinado do Duque Bogislaw XIII (1573-1604) também foi criado um serviço de edição de livros que disponibilizou 142 143 144 Ibidem. KROCKOW, op. cit. Geschichte Pommers. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Geschichte_Pommerns. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 01 mai. 2010, p. 6. 70 45 diferentes obras. E, dentre estes estava a chamada bíblia de Barth 145 e que foi elaborada especialmente para ser disponibilizada nos altares das igrejas. A sua tiragem teria sido de mil volumes dos quais cerca de vinte exemplares puderam ser conservados até os dias de hoje. Esta edição em língua pomerana continha noventa riquíssimas figuras do mundo bíblico ilustradas a cores. 146 Sobre a aceitação do luteranismo na Pomerânea conta-se uma anedota sobre um fato ocorrido na localidade de Mützenover, onde acabara de ser instalado um novo pastor em substituição ao antigo vigário católico. Ao serem questionados sobre o porquê da facilidade com que aceitaram a nova doutrina um dos paroquianos teria prontamente dada a sua explicação: Sobre a nova doutrina eles nada entendiam, nem sabiam dizer se era melhor ou pior. Para tal compreensão eles, os agricultores eram muito ignorantes, mas, eles sempre aceitavam o que o sacerdote pregava. Depois explicou que aceitaram tão bem o novo pároco por este ser casado, pois o anterior tivera três grandes defeitos. Em primeiro lugar, não tivera esposa. Além disto, vivia na procura de heranças para a igreja e por último era um pottkieker, isto e, vivia espiculando a vida de todo mundo. Disse acreditarem que um sacerdote casado seria menos exposto a tais desonestidades 147 . Esta nova realidade confessional também trouxe uma nova constatação social e política e que teve uma grande repercussão, até mesmo no Brasil. No âmbito do protestantismo germânico estabeleceu-se que os bens da família permaneceriam indivisíveis e 145 Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em 06 jun. 2008. Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em 06/06/08. 147 KROCKOW, op. cit. 146 71 que o filho primogênito se constituiria no herdeiro e arrimo da família. Em contrapartida, no outro lado da ”fronteira” persistia a herança igualitária. Com isto muitos dos herdeiros orgulhosos de grandes latifúndios ao longo das gerações se transformavam em pobres agricultores. Não raras as ocasiões em que certamente devem ter se perguntado: Somos senhores (proprietários), sim, mas quem vai fazer o trabalho? 148 Isto trouxe progresso e crescimento para as famílias luteranas enquanto as católicas entravam em declínio ou se tornavam poloneses 149 . A luteranização aproximou os pomerânios mais da cultura geramânica. Na realidade, a partir da Reforma, “ser luterano” passou a representar um sentimento de pertencimento ao grupo cultural alemão, enquanto que, confessar-se católico passou a ser visto como ser polonês 150 . Com isto a confissão de fé, seja luterana ou católica também passou a definir limites geográficos e as fronteiras que separavam os dois grupos passaram a definir as “regiões” desta ou daquela confissão. Com isto o limite confessional do luteranismo passou também cada vez mais a se estabelecer como limite territorial da 151 própria “pátria” dos pomerânios e, como Krokow escreveu, “a nação passou a ser guardada na igreja como uma questão de igreja, da mesma forma como a própria igreja para o pomerânio se constituía em parte da batida do coração”. (Die Nation wurde in der Kirche als Kirche bewahrt, wie die Kirche im Herzschlag des Volkes). 148 149 150 151 72 Ibidem. Ibidem. Ibidem. Ibidem. A definição geográfica que aos poucos foi se estabelecendo na Pomerânea, gradativamente transformou uma divisão confessional em “fronteira nacional”. Isto pode até ser identificado na história de antigas famílias tradicionais pomeranas em que ramificações católicas terminaram sendo “polonizadas” e outras “germanizadas” e que antigas alianças terminaram caindo no esquecimento 152 . Desta forma se pode compreender a importância que o luteranismo, alicerçado na fronteira da confissão religiosa, viria a ter nos séculos seguintes na história do povo pomerânio e seus reflexos na própria sociedade dos colonos luteranos no Espírito Santo. 152 KROCKOW, op. cit. 73 3 OS PRIMEIROS ANOS DA IMIGRAÇÂO NO ESPÍRITO SANTO (1856 – 1880) 3.1 Colonização da Província de Espírito Santo A Província de Espírito Santo já conta com uma curiosa história de isolamento. Isto de certa forma até explicaria a falta de intercâmbio com as províncias adjacentes. Conta-se que, em 1719 o então governador Dom Lourenço de Amada teria proibido qualquer tentativa de abertura de estradas entre a província e a de Minas Gerais, sob pena de degredo e confisco de todos os bens dos infratores 153 . Com isto Minas Gerais manteve a tradição de continuar exportando suas riquezas pelas tradicionais rotas que terminavam em Parati ou no Rio de Janeiro, enquanto a Bahia vivia a sua própria vida e, dependente da lenta navegação costeira podia sentir-se bastante segura e livre de qualquer fiscalização assídua que, a partir de 1808 pudesse ser exercida pela Corte do Reino e mais tarde pelo próprio Império. Já a partir de 1820, com a abertura da “Estrada de Minas” 154 , ligando Vitória através do porto fluvial de Cachoeiro de Santa Leopoldina à província de Minas Gerais, teria iniciado uma 153 154 Informação não comprovada, porém colhido durante a primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19 07 08 74 importante movimentação de mercadorias através da região central da província de Espírito Santo. Apesar de tudo isto, até a metade do Século dezenove, para alguns, esta província continuava sendo considerada terra sem perspectivas 155 . Estes fatos certamente contribuíram para que até o final da primeira metade do século dezenove sua população se mantivesse pouco numerosa, sobretudo a interiorana. No rastro deste mesmo conceito, o próprio insucesso registrado nas primeiras duas ou três décadas da imigração talvez possa ser atribuído a toda uma falta de planejamento e de preparo do processo imigratório. Na verdade, deslocar uma população estranha para terras por serem desbravadas gerou algumas conseqüências desastrosas. Assim, a tentativa de criar uma Colônia de refugiados da Guerra Civil Americana, nas proximidades de Linhares resultou em um fracasso hoje muito pouco lembrado criação da Colônia de Rio Novo 157 156 . Da mesma forma a constituiu-se em um empreendimento cercado de muitas dificuldades. Após a abolição da escravatura, grande parte dos alforriados se embrenhou nas florestas, talvez, em uma tentativa de esquecerem o seu passado sofrido nas fazendas. Na prática esta, em muitos lugares, passou a ser a população cabocla ou nativa que 155 Informacao nao comprovada, porém colhido durante a primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/ 08 JONES, Judith McNight Jones. O Soldado Descansa. Informação colhida de familiar de imigrante americano no Espírito Santo. 2009. Calcula-se que cerca de 9.000 sulistas chegaram ao Brasil depois da Guerra de Secessão nos Estados Unidos a partir de 1865. Passaram a ser conhecidos como os “Confederados”. A grande maioria fixou-se em Americana e Santa Bárbara do Oeste no estado de São Paulo. Entretanto, uma tentativa de assentamento Americano também aconteceu no ES, perto de Linhares/Lagoa Juparanã. 157 Terese von Beyern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer, 1897, p 30. 156 75 precedeu aos colonos teutos na exploração das matas nativas. Qualquer pequena área conquistada da densa mata virgem servialhes para o seu assentamento primitivo. Uma simples “meia água” feito de folhas de coqueiro ou palmito constituía-se em seu abrigo. Uma pequena derrubada de mata, depois de queimada, podia dar origem a uma pequena roça na qual plantavam banana, feijão, tubérculos e ocasionalmente uma pequena lavoura de café, apenas para a sua própria subsistência. Nestas circunstâncias costumam viver alguns anos, colhendo o que estas minúsculas plantações podiam produzir. Além disto, sempre estavam prontos para negociar esta pequena propriedade com seus sinais iniciais de cultivo, porém, sem qualquer registro legal, com o primeiro colono que fizesse alguma oferta razoável. Desta forma, ao se desfazer de sua propriedade, o caboclo novamente se embrenhava mais fundo na floresta, para reiniciar um “novo” empreendimento. Esta sua vida extremamente primitiva permitia-lhe viver com muito pouco, porém de uma forma absolutamente livre e sem qualquer controle de feitor ou dono de fazenda 158 . Toda esta situação constitui-se como pano de fundo para a expansão da própria colonização européia no Espírito Santo. Portanto este caboclo, formado principalmente a partir dos escravos libertos, tounou-se um tipo de pioneiro da colonização teuta. O colono, depois de assumir esta nova propriedade, costumava alargar a derrubada para ampliar a plantação, apesar de que, nos primeiros tempos, em muitos casos, até passasse a viver dentro de condições muito precárias, não muito diferentes do próprio 158 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 76 caboclo 159 . Em geral o novo proprietário, depois de alguns anos, conseguia oficializar a posse da propriedade. Era justamente neste momento em que o próprio colono teuto, até pela sua absoluta incapacidade de comunicação no idioma nativo como também pelo receio de lhe tomarem a sua propriedade, muitas vezes, passava a ser explorado pelo poder público 160 . A falta de tabelas de valores a serem cobrados pelos serviços, à custa de medição e registro e qualquer propriedade muitas vezes eram arbitrárias, permitindo todo e qualquer tipo de abusos contra esta população desinformada e manipulada 161 . 3.2 Controvérsia sobre o primeiro assentamento em Porto Cachoeiro Qual teria sido o verdadeiro início da colonização do Vale do Rio Santa Maria? A historiografia refere o ano de 1856 como tendo sido o da demarcação da área na qual viria a ser formada a Colônia Imperial de Santa Leopoldina 162 . Por outro lado, há um relato popular que menciona uma entrada de colonos europeus na região de Belém, no atual município de Santa Maria de Jetibá neste mesmo ano de 1856 ou até no ano anterior. Verdadeiro ou não, a historia é 159 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Outro exemplo muito elucidadivo encontramos em um dos personagens de muito elucidadivo encontramos em um dos personagens de Graça Aranha. Canaã. Ediouro Publicações Ltda. Bonsucesso – Rio de Janeiro. 2002. 161 ARANHA, Graça. Canaã. Ediouro Publicações Ltda. Bonsucesso – Rio de Janeiro. 2002 Cenários Muito bem descritos neste romance. 162 Meu Município: Conhecendo o Município. Construindo mais cidadania. Santa Leopoldina – ES. 1999-2000 160 77 no mínimo interessante e merece ser registrada, tanto pela sua riqueza de detalhes repassados por mais de uma fonte 163 . Figura 3: Colonização teuta em Espírito Santo. A colônia de Belém teria sido um exemplo típico de uma comunidade que floresceu graças à socialização dos diversos ofícios a partir da designação destes “profissionais” dentre o seu próprio meio. Assim, o hábito de indicar um professor, do médico (Walddoktor), da parteira e do pastor dentre os colonos com perfil para o exercício de determinadas atividades, pode ser encontrado nas histórias de muitas famílias capixabas 163 164 78 164 . Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/ 08. A verdadeira imigração teria começado em 1856? Não há uma comprovação desta informação, entretanto, alguns depoimentos são muito convincentes. O Fritz Klems chegou aqui [...] por 1855 ou 1856. Ele e mais alguns chegaram aqui e abriram uma picada até aqui em Belém. O que se sabe [...] é que, depois de terem feito a casa do Fritz Klems, quando vieram os outros, os Caravacas, os Besters, os Holz, os Puhl, os Haute, o Hermann Berger, eles tinham um grupo que se chamavam de Irmãos Alegres. Vale o registro que o Estado só dava atenção para quem era católico. Na verdade não queria luteranos por aqui. Como já estavam aqui, simplesmente passou a ignorá-los. Daí sabemos que, a casa do Fritz Klems, era o local de visita, local de encontros, lugar de oração, lugar de culto. Era também o local de dança, lugar de jogar baralho, de tocar concertina e o lugar de tomar um “Schnaps”. Enfim, parece que tudo acontecia por lá. Logo em seguida se construiu a primeira capela chamada Betlehem. Na verdade era uma escola e o Hermann Berger dava as aulas. Isto não está escrito na história, mas pelo que se ouvia falar, eles distribuíram entre eles as diferentes tarefas daquela pequena comunidade. Assim o Caravacas eram os encarregados de cuidar das doenças. Certamente alguém passou a ser parteira. Outro assumiu o papel de pastor. Ainda um outro foi encarregado de trazer os produtos de primeira necessidade, com sal ou as coisas que as famílias precisavam. Cada um tinha as suas tarefas, na administração, na educação religiosa. Tudo isto as pessoas reforçavam. Inclusive exigiam o casamento. Havia alguém encarregado do cemitério. Desta forma também o Fritz Klems era o recepcionista. Todos que vinham de fora passavam pelo Klems, pois era ele quem sabia onde iriam morar e quando construir a primeira casa. Ele indicava o lugar para os que iriam construir a sua casa. Aos sábados todos se encontravam na casa do Klems. Se alguém faltasse, ele saia na procura do faltoso para saber o que tinha acontecido. O único momento do contato, portanto, da comunicação entre os habitantes era o sábado. Na 79 emergência, é lógico, se podia recorrer à alguém, mas oficialmente, para saber de algum acontecimento, esperava165 se pelo sábado . Não me parece ter sido um grupo de pomerânios maltrapilhos e sujos. Isto parece ter sido bem no início. Depois veio o fracasso. Eles não tinham dinheiro, mas andavam relativamente bem vestidos, tinham certa instrução. Entretanto, com o passar dos anos, os tempos 166 foram ficando cada vez mais difíceis. A partir desta região, eles terminaram migrando no fluxo do deslocamento das gerações seguintes para as mais variadas regiões. A primeira família daqui, os Klems, em 1856 iam e vinham caminhando desde Santa Leopoldina durante os primeiros tempos do seu assentamento. Eram nove famílias morando aqui. Depois começou a crescer. Os meus bisavós vieram em 1872. Quando começou a crescer muito partiram para outras regiões. Em 1856 havia alguns poucos aqui. De lá 167 começaram a se espalhar primeiro aqui dentro mesmo. A vida religiosa destes pioneiros parece ter sido bem organizada mesmo que seja preciso lembrar que o primeiro pastor com formação chegou à Colônia de Santa Leopoldina no ano de 1864, quando também foi construída a primeira igreja de Luxemburgo a qual permanece até hoje. Belém teve escola muito antes de Luxemburg. Não era igreja, mas era utilizada como tal, porque a igreja oficial daqui foi construída muitos anos mais tarde em Jequitibá. Foi, portanto nesta primeira escola que foi ministrada a primeira instrução... Até isto ocorrer, tudo acontecia na casa 165 166 167 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 80 do Fritz Klems e naquela escola. Mas a informação que consegui foi uma referência sobre a quinta-feira quando iam para a escola (Schaul go). ... Isto era uma vez por semana. Depois passou a acumular também a instrução confirmatória 168 [...] Também as aulas parecem ter sido dadas por alguém do próprio grupo e ”era alguém até bem estudado. Aliás, todos deste grupo parecem ter sido mais esclarecidos.” 169 3.3 Uma promessa de fartura Certamente muitos imigrantes chegaram ao Brasil, movidos por um idealismo romântico de aqui encontrar uma Canaã, a terra prometida. Seria uma tentativa de compensar todas as dificuldades deixadas para trás, em uma Europa destruída pelas guerras e molestada pelo desemprego e pela fome. explicado pelas muitas cartas 170 Isto até pode ser que percorriam aquele continente e que “pintavam” o Novo Mundo como um quadro de um verdadeiro Jardim de Édem, onde homens e animais pudessem integrar-se à natureza, sem a opressão do senhor feudal. A diferença entre o esperado e o efetivamente alcançado logo se fez notar. As quebras de contrato, muitas vezes, já começavam no embarque nos navios na Europa. Em primeiro lugar porque o transporte de passageiros tinha-se tornado mais rentável do que o transporte de mercadorias 171 . Isto parece ter levado 168 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cartas disponíveis em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882003000100007&lng=e... Acesso em 03 jan. 2004. 171 Informacao colhida durante as entrevistas efetuadas na cidade de Hamm am Rhein, durante a pesquisa de campo para o primeiro volume “Imigrante a duras penas”, dados, entretanto não confirmados documentalmente. 169 170 81 algumas entidades agenciadoras de emigrantes a estimular o embarque de passageiros. Com isto, muitas vezes, depois de estarem a bordo, confiscavam-lhes os documentos de emigração e sem o consentimento dos interessados, redirecionavam a “carga viva e despojada de quaisquer documentos” para onde melhor lhes conviesse 172 . Os próprios antepassados do autor embarcaram em Antuérpia, conforme documentação disponível, com destino aos Estados Unidos da América, para posteriormente serem desembarcados no porto de Vitória, sem possibilidade para o retorno e sem documentação para qualquer tentativa de continuação de viagem. Desta forma, muitos colonos ficaram em um cativeiro disfarçado para serem redistribuídos para as diferentes Colônias do Brasil. O abismo entre o sonho de uma vida promissora e a nova realidade aqui encontrada faz-se entender pelos depoimentos colhidos. [...] falavam que vieram de navio e que chegaram até aqui, onde foram tocados para dentro do mato. Aqui, para se abrigarem da chuva e do vento, conseguiam construir apenas abrigos rudimentares com folhas de coqueiros. 173 Tinha animais selvagens, onças. Minha mãe sempre contava que na família dela não sabiam como trabalhar e não tinham ferramentas. Por isto chegaram a arrancar mato com auxílio de material de cozinha – com colheres. Foi assim que eles começaram a trabalhar. Eles não tinham nenhuma ferramenta. Sequer enxadas ou foices. Eles começaram a se perguntar como iriam arrancar a erva 172 Constitui-se em exemplo bem concreto a forma como foi efetuado o transporte marítimo dos familiares do autor. O embarque em Antuérpia com destino à América para depois serem redirecionados para o Brasil. 173 Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 82 daninha das plantações? Não tiveram alternativa do que 174 valer-se de uma colher para arrancar o inço. Cabe salientar que não há registro de barcos que teriam sido desviados de sua rota original na direção da América do Sul. Entretanto, alguns relatos das gerações e descendentes mais antigos ainda vivos sinalizam com a possibilidade de ter ocorrido um desvio intencional de europeus destinados ao continente norteamericano. Uma prova disto também vem a ser os registros de saída que ainda se encontram em alguns arquivos públicos da Alemanha a exemplo daquele que se refere a Adão Seibel e seus filhos, que deveriam ter seguido viagem para a América do Norte 175 . Há uma vaga suspeita de que os barcos, ao fazerem uma viagem mais longa como para o Brasil estariam obtendo melhores pagamentos do que com a simples travessia do Atlântico Norte. Além disto, há algumas referências entre os descendentes de que apenas os financeiramente mais abonados teriam conseguido autorização para a viagem a América do Norte, enquanto que os politicamente indesejáveis e os mais pobres dos sistematicamente teriam sido enviados em direção ao Sul pobres 176 . Há indícios de que os benefícios concedidos aos primeiros imigrantes realmente podem ter sido bastante generosos, até porque, representavam praticamente todo o material e alimentação necessários a sua manutenção 177 . Entretanto, à medida que as 174 Cf. trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Vivencia da própria família do pesquisador, cuja saída, segundo os arquivos disponíveis no Arquivo Públicos da cidade de Darmstadt, tinha sido autorizada para a América do Norte. 176 Informacao colhida durante as entrevistas efetuadas na cidade de Hamm am Rhein, durante a pesquisa de campo para o primeiro volume “Imigrante a duras penas”, dados, entretanto não confirmados documentalmente. 177 Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 175 83 primeiras décadas passavam, os recursos foram se tornando cada vez mais escassos. Neste aspecto alguns fatos bem concretos chamam atenção. Em primeiro lugar, as falsas perspectivas geradas em cima de promessas de um mundo de sonhos para uma população esfomeada fizeram com que muitas cidades até ajudassem a se livrar dos seus habitantes mais pobres, mais desqualificados e, ao mesmo tempo, indesejáveis 178 de todos os arruaceiros e politicamente . Isto em parte ajuda a explicar as muitas agitações registradas na Colônia ao longo de praticamente todos os primeiros cinquenta anos 179 . Esta observação logo leva a uma segunda causa das dificuldades. Vale lembrar que para estes recém-chegados não havia qualquer programa de integração. A tudo isto se soma a existência de uma alimentação totalmente estranha ao europeu. Além disto, havia uma grande demora no assentamento dos recémchegados nas suas respectivas propriedades 180 , além de toda a dificuldade de aprendizado do trabalho em uma realidade totalmente estranha ao europeu. Como outro agravante desta dificuldade vale citar as terras de má qualidade e de localização de difícil acesso 178 181 . Isto também Informacao colhida durante as entrevistas efetuadas na cidade de Hamm am Rhein, durante a pesquisa de campo para o primeiro volume “Imigrante a duras penas”, dados, entretanto não confirmados documentalmente. 179 Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 180 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 181 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Todos os primeiros imigrantes da Colônia de Santa Leopondina foram assentados em uma área que se entendia até Rio Farinhas e Caramuru, uma região muito acidentada, isto é, de montanhas altas em que já depois de poucos anos a produtividade começou a decair intensamente. 84 teve seus reflexos na cultura de subsistência e, portanto, na alimentação. Todos estes fatores levaram a um último elemento, na forma de conflitos com a autoridade constituída. A Colônia, apesar de geralmente ter sido administrada por ex-oficiais, seja brasileiros ou alemães, para os colonos continuavam representando uma entidade opressiva. Além disto, não entendiam a língua portuguesa geralmente utilizada pelos administradores e desconheciam as Leis a eles impostas 182 . Portanto, tinham dificuldades para se comunicarem. Além de tudo isto rapidamente se deram conta que as promessas de apoio e de fornecimento de subsídios tinham sido palavras vazias. Todos estes fatores levaram a um último problema, não menos grave, representado pela quebra de contratos e o não pagamento de subsídios ou de salários para aqueles que passaram a trabalhar nas picadas e caminhos que estavam sendo abertos 183 . A isto se soma o fato dos pomerânios, acostumados às lidas do campo, logo se terem destacado como agricultores, enquanto a maioria dos contratados em outras atividades remuneradas pela administração ter pertencido às classes não agrícolas 184 . Desta forma, os pioneiros chegaram ao Porto Cachoeiro de Santa Leopoldina, em plena selva e a mais de setecentos quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, logo se deram conta de que sua vida prometia ser muito penosa. Logo descobriram que a 182 Obtido em 06/01/08 sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Aqui na colônia, como que continuando este sistema de exploração dos antigos latifundiários de fala alemã da Pomerânea, muitos viam nos administradores de fala portuguesa o continuísmo de um sistema do qual queriam tando fugir. 183 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 184 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 85 região a eles disponibilizada localizava-se em meio a montanhas e vales de difícil acesso, com um clima inóspito e a inexistência de qualquer tipo de assistência médica viriam fazer suas vítimas. 3.4 Os primeiros anos das Colônias Nos primórdios da colonização européia da Província de Espírito Santo existiam três assentamentos. O mais antigo foi a Colônia de Santa Isabel, cujos primeiros habitantes chegaram em 1847. No ano de 1857 Dom Pedro II criou a Colônia Imperial de Santa Leopoldina, tendo nela sido instalados 99 suiços, 24 hanoverianos, 6 luxenburgueses e 8 holstesianos 185 . Já a Colônia de Rio Novo constituiu-se em um empreendimento particular fundada em 1866, na região sul to estado de Espírito Santo. Nela haviam sido assentados colonos suíços 186 . Somente mais tarde, com a chegada dos italianos, este empreendimento chegou a prosperar. Uma boa parte dos primeiros imigrantes teutos que chegaram à Colônia de Santa Isabel eram naturais das regiões montanhosas dos Hunsrück e arredores, ou seja, estavam acostumados ao trabalho árduo nas encostas 187 . A quase absoluta maioria dos que chegariam aos anos setenta era proveniente de regiões que anos mais tarde viriam a constituir a Alemanha de Bismark, ou seja, da Pomerânea. Este aspecto deve ser salientado, 185 SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea de Espírito Santo, não editado. Texto nos arquivos do pesquisador. Disponível em http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em 06 jan. 2008. 186 Terese von Beyern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer, 1897. 187 SEIDE, op. Cit. 86 pois estes europeus provenientes de terras planas, ao serem assentados em áreas extremamente acidentadas, enfrentaram dificuldades que, em muito, comprometeram desenvolvimento de toda esta Colônia o posterior 188 . Figura 4: Palmeiras e palmitos. Com sua chegada a abertura de um espaço para as primeiras plantações e o preparo de uma vivenda passou a se constituir nas prioridades destes pioneiros. Os primeiros que entraram aqui foram simplesmente derrubando tudo que tinham pela frente. Simplesmente 188 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 87 derrubavam para plantar café, para plantar milho. Para fazer estas grandes roças precisavam de muito terreno. No começo simplesmente se fazia as derrubadas de mata 189 nativa para novas plantações Estes primeiros assentados viviam de forma muito precária, por vezes, até por não saberem preparar os seus primitivos abrigos. A pedra sob a qual os Seibels moraram ainda está lá na beira da estrada [...]. Ainda tem um muro de pedra onde os Seibels moraram, até conseguirem construir uma casa. Porque quando aqui chegaram nada tinham. Para comer precisavam caçar o que encontravam pela frente. Caçavam 190 pombas, macucos. Figura 5: Entrada parcialmente soterrada da caverna que abrigou a família de Adam Seibel nos seus primeiros tempos em Espírito Santo. 189 190 88 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/0/08 A partir de 1870, ao contrario do que aconteceu em Santa Isabel, a maioria dos imigrantes que chegou a Santa Leopoldina era constituída de pomerânios, isto é, provenientes de terras mais planas da região do Mar Báltico. O povoado de Campinho cresceu como sede da paróquia luterana, até porque a grande maioria dos habitantes desta localidade era da igreja luterana 191 . Este pequeno centro urbano logo passou a se destacar como centro comercial desta região. Seus seis negociantes, seis artífices, dois hoteleiros, entre outros, rapidamente se constituíram no esteio da produção e fornecimento de produtos população 192 de primeira necessidade para o restante da . O outro povoado desta Colônia foi chamado de Santa Isabel. Entre os seus cerca de 250 habitantes havia “alemães” e “brasileiros”. Já mais tarde, com a amancipação de Santa Isabel, esta localidade passou a sediar a câmara de vereadores e a paróquia católica. Aqui, em contraste com Campinho, praticamente toda a população era católica. Também, aqui, a maioria dos comerciantes e artífices eram teutos 193 . Tão logo, aqui tinham sido assentados depararam-se com uma nova realidade totalmente estranha ao seu dia a dia na Europa. Tiveram que aprender a derrubar e queimar a mata e plantar as sementes que viriam a produzir os seus alimentos e depois o café. Quatro anos depois, derrubavam nova mata, queimavam esta mata e plantavam, voltavam a plantar. 191 História, Geografia e Política do Município de Domingos Martins. Prefeitura Municipal de Domingos Martins. Brasília Editora Ltda. Vitória. 1992. Ibidem. 193 Ibidem. 192 89 Na minha época já tinha diminuído bastante, mas ainda cheguei a conhecer este tipo de mata. Fui uma vez onde meu pai, junto com outros fizeram uma derrubada, até bem 194 grande, lá em Jatibocas. Toda esta distribuição dos europeus em áreas muito acidentadas como foi o caso tanto de Santa Isabel e também de Santa Leopoldina favoreceu a pulverização desta população em uma grande extensão. Cada família passou a viver em sua propriedade 195 . Isto logo levou a certo isolamento em função da distância entre as casas a qual precisava ser percorrida, muitas vezes, em caminhadas que chegavam a meia hora ou mais. Esta característica se desenvolveu a partir da forma de assentamento adotado em todas as regiões de imigração européia, ou seja, da disponibilização de lotes de terra, cujo tamanho variava de 25 a 60 hectares. Nas primeiras décadas as medições de terras eram feitas com correntes de ferros de 10 ou 30 metros, com todas as possibilidades de erros, especialmente, em áreas de terrenos muito acidentados ou de difícil passagem 196 . As terras,em geral, eram demarcadas a partir dos cursos dos riachos ou rios, a partir dos quais eram assinaladas duas linhas perpendiculares que se constituíam nas divisas laterais. Assim, uma vez pagas as despesas da demarcação, os colonos recebiam o título provisório da propriedade 194 197 . Isto, na verdade, veio a se constituir em uma forma Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados.. 196 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 197 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 195 90 totalmente diferente do sistema de moradia utilizado na Europa Central, onde a necessidade de uma maior concentração das casas contra possíveis inimigos externos tornava a defesa um pouco mais fácil. Figura 6: Vista do Vale do Rio Farinhas. As primeiras décadas da colônia se caracterizaram pela dificuldade de comunicação entre as diferentes regiões 198 . Com isto, qualquer tentativa de contato dos imigrantes com outras populações tornava-se extremamente difícil. Não havia estradas e o transporte de produtos de primeira necessidade dependia da abertura de “picadas”, ou seja, de tortuosos caminhos que precisavam ser feitos pelos próprios desbravadores. 198 Pela absoluta falta de estradas e a existência de “picadas” de difícil trânsito. 91 Sempre falavam das dificuldades pelas quais eles passaram e que tiveram que cavar estradas com enxadão. Até porque não havia estradas. Tinham pouca comida. Não tinham comida como a que estavam acostumados na Pomerânea. Aqui eles ganharam farinha de mandioca e feijão preto. Eles acharam que era serragem e não quiseram comer. Não gostaram. Havia muitas dificuldades com o transporte. As coisas precisavam vir de Vitória até Santa Leopoldina de 199 canoa, o que era muito difícil. A conseqüência imediata desta nova realidade foi a falta de troca de informações como elemento de renovação cultural, o que levou a certo empobrecimento do conhecimento e também a ocorrência de casamentos entre indivíduos de um mesmo grupo étnico e ocasionalmente até entre pessoas já com certo grau de parentesco 200 . Por outro lado houve apenas alguns raros casos de casamentos com pessoas procedentes de outros grupos étnicos 201 . Também a comunicação, tanto entre as Colônias, como destas com a capital Rio de Janeiro, durante estes primeiros anos, sempre se constituiu em um grande entrave ao progresso. Isto fez com que durante a década de 1860 e 1870, qualquer notícia do exterior chegava com muita dificuldade aos colonos. Porém, apesar deste isolamento em que os teuto-brasileiros capixabas e seus filhos viviam, aos poucos também passaram por uma relativa adaptação a esta nova realidade, mesmo organizando um padrão de vida que de certa forma lembrava seu dia a dia da sua terra natal 199 202 . Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. Frequentemente dois ou três irmãos de uma mesma família tomavam seus pares entre irmãos de outra família irgualmente munerosa. 201 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 202 O exemplo mais significativo foi relatado na Cf. quadragésima sexta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08, no relato das estrututação da Colônia de Belém. As diferentes funções de apoio, como pastor-colono, médico da floresta (Walddokor), etc, eram indicados. Estes, por seu lado assumiam de forma plena as suas funções. 200 92 Figura 7: Altas montanhas do Vale do Rio Farinhas. A maioria passou por muitas necessidades. Parece que os [...] viveram um pouco melhor. Eles tinham carnes de caça e carne seca (charque). A carne de gado era cortada em laminas. Salgada e depois secada no sol (carne ao sol ou charque). Comiam muito tubérculo, como batata doce, inhame, inhame chinês, aipim. Além disto, tinham feijão e 203 farinha de mandioca e pão de milho. Além disto, pouco tempo depois, com a sua emancipação política, Santa Leopoldina teve instalada a sua administração municipal, deixando com isto de depender de um Diretor de Colônia 203 204 204 . Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. Meu Município: Conhecendo o Município. Construindo mais cidadania. Santa Leopoldina – ES. 1999-2000. 93 Nos primeiros tempos da colonização, da mesma forma como também aconteceu em Santa Isabel, também houve momentos de uma relativa turbulência em que chegou a ser necessária a intervenção de homens armados do governo da província, seja para terminar com conflitos como também para proteger os colonos de índios botocudos, que ocasionalmente ainda se aproximavam desta região.. Estes silvícolas, entretanto, com o passar dos anos foram se retirando para as florestas ainda não exploradas, especialmente para a outra margem do Rio Doce, deixando os teutos em paz 205 . Alguns movimentos de protestos ou de revoltas puderam ser registrados nas primeiras décadas da existência das colônias. Assim, em 1874 um grupo de descontentes, por não terem recebido os seus pagamentos, depois de improvisarem tambores com uma velha lata de querosene, marcharam em formação militar Diretoria à dentro 206 . Aliás, era isto que, como soldados prussianos, tinham feito na guerra contra a França. Três anos mais tarde, em 1877, desta vez proveniente de Timbui, novamente um grupo de agricultores teria se revoltado. Foi o que novamente aconteceu em 1880, quando 300 agricultores tiveram que ser dispersos pelos praças de Cachoeira de Santa Leopoldina 207 . O choque entre as administrações das colônias e alguns dos imigrantes oriundos dos mais variados lugares da Europa e muitas vezes influenciadas por ideias de liberdade frequentemente levou a atritos 205 208 . Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Episodio não comprovado, porém relatado por alguns moradores mais antigos da colônia. Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 208 Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 206 207 94 Se você for ler alguma coisa da época da Colônia, vai ver que os Diretores eram muito envolvidos com desvio de dinheiro e até de algumas chacinas. Houve brigas internas e muitas discussões. Era uma época muito difícil. 209 Normalmente ficavam um ano e logo saiam. Estas dificuldades foram um pouco amenizadas na década de 1880, quando foi criado o Município de Santa Leopoldina. Por outro lado, mesmo com o passar das décadas, os governos, seja imperial ou mesmo da administração da província nada faziam para incentivar uma integração teuto-brasileira 210 . Com isto, na prática não se tinha qualquer tipo de miscigenação com outras etnias, o que também contribuía para a inexistência de qualquer espírito de nacionalidade brasileira na colônia. O espaço para o assentamento dos pequenos agricultores tinha ficado longe de áreas já urbanizadas. Como alguém poderia chegar a gostar de algo que não conhecia? Além disto, nesta época, qualquer recém-chegado, ao cultivar suas próprias terras e confessar outros credos que não fosse o da fé católico-romana, passara a ser considerado um indivíduo de segunda classe, quase comparável aos servos na sua pátria de origem 211 . Nesta época também havia um grande desequilíbrio entre os poderes constituídos, seja da própria administração da Colônia ou mesmo da Província e os colonos, o que dificultava a execução de qualquer programa de uma melhor assistência à população teuto- 209 Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 210 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 211 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 210 95 brasileira 212 . A precária alfabetização desta última também contribuiu para esta verdadeira “fuga” para seus sítios-esconderijos nos mais afastados vales ou picadas. Em síntese, os imigrantes capixabas, tão logo tiveram cortado o seu “cordão umbilical” com a Europa de origem, foram entregues a sua própria sorte e com isto entraram em um verdadeiro processo de isolamento social, lingüístico e, porque não dizer, cultural. A persistente dificuldade de assimilação do idioma nativo continuava persistindo e até era reforçada pela falta de um fomento de escolas da parte dos governos da Província e do Governo Central. Os próprios processos de discriminação religiosa aos quais os imigrantes de confissão luterana eram expostos, ao não se poderem reunir em templos com características de igrejas e por serem obrigados a validarem seus casamentos na comunidade católica romana, a própria revolta daí decorrente contribuiu ainda mais para reforçar esta desconfiança a tudo que lhes parecesse estranho 213 . 3.5 Relatos sobre a vida dos primeiros imigrantes Uma boa parte dos imigrantes da Colônia de Santa Isabel, por terem sido originários do Hunsrück, uma região bem mais acidentada já estava acostumada ao trabalho árduo nas encostas. Mesmo assim, aqui passaram por um longo e sofrido aprendizado para acostumar-se com a dura lida na selva. A derrubada da mata 212 Pelos relatos de habitantes mais antigos se identifica este verdadeiro abandono em que a população de encontrava. Não havia qualquer preocupação com assistência social, assistência médica ou até mesmo com a adaptação às novas condições de trabalho na agricultura. A expressão “foram largados no mato” denota a mais grave situação de abandono desta população trazida para esta selva capixaba. 213 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 96 para o preparo das primeiras plantações era a única opção disponível para os recém-chegados 214 . Todo este processo de assimilação do trabalho em uma região acidentada e por desbravar foi ainda mais difícil e sacrificado para os que haviam chegado da Pomerânea, uma região muito plana. O trabalho outrora realizado nas plantações de batatas, nos trigais e na pesca no mar, nos lagos e nos rios precisou ser trocado pela árdua labuta em meio a uma selva por desbravar, com seus insetos, seus animais desconhecidos e suas doenças novas para as quais não tinham cura 215 . Não há uma explicação para o aumento do fluxo de imigração durante os primeiros anos da década de setenta, especialmente porque nesta época ainda estava em vigor o Edito de Heyden com o qual a Prússia havia proibido qualquer saída de emigrantes do seu território para a América Latina. Com isto também deveria ter cessado o fluxo de migrantes para o Brasil. Porém, o termino das continuas e intermináveis guerras na região do Mar Báltico, fez com que a população desta região crescesse muito, aumentando ainda mais a fome e a miséria. O resultado imediato foi um aumento do fluxo migratório, tanto para a América como para o Brasil 216 . Assim, durante a década de setenta, o fluxo de emigrantes pomerânios trouxe muitos novos braços de trabalho para Espírito Santo. A sua força de vontade e sobriedade contribuiu para um rápido desbravamento desta parte da província. Talvez isto 214 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 216 Na prática exemplificada pelo maior fluxo de imigrantes pomerânios e depois de italianos chegados em Espírito Santo e nos estados do sul do Brasil. 215 97 também explique o porquê de alguns terem deixado a Europa com destino à América do Norte e depois terem sido redirecionados para o Brasil, como foi o caso dos próprios antepassados do autor. Somente entre os anos de 1872 e 1875 chegaram mais de 2.200 novos pomerânios em Santa Leopoldina 217 . A eles foram destinadas terras anteriormente habitadas pelos índios botocudos ou revendidos lotes ocupados por caboclos, que viviam em áreas 218 . Conta-se que os índios, praticamente, teriam sido exterminados pela varíola depois de lhes terem sido distribuídas roupas usadas por colonos com esta doença silvícolas 219 . Isto reduziu em muito a população de 220 . Com isto também diminuiu o risco dos colonos serem atacados pelos selvagens 221 . Isto certamente foi algo muito diferente do que ocorreu na América do Norte, especialmente na região colonizada por imigrantes do Valo do Reno, onde os recém-chegados puderam assimilar uma cultura praticada por uma população já radicada. Isto facilitou a assimilação tanto de métodos de produção como do tipo de vegetação plantado. Apesar de tudo isto, os que para lá foram, também não mediram esforços para preservarem seus valores culturais 217 222 . Assim, por exemplo, na América os imigrantes Dados disponíveis no Arquivo Publico de Espírito Santo e também divulgados pelo Museu do Imigrante de Santa Leopoldina. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. 219 Não há documentação comprovando estes dados. Entretanto, diversas fontes orais confirmam estes relatos. 220 Não há documentação comprovando estes dados. Entretanto, diversas fontes orais confirmam estes relatos. 221 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por familiares e por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. Nos anos de 1960 ainda contavam historias dos índios. Entretanto, dizia-se que estes haviam se mudado para o norte do Rio Doce já antes dos anos da sua infância. 222 Uma referencia aos milhares de imigrantes de Hessen Darmstadt que seguiram para Visconsin. (SCHMAHL, H. Verpflanzt, aber nicht entwurzelt: Die Auswanderung aus Hessen218 98 proveniente da cidade de Darmstadt iniciaram todo um processo de desenvolvimento de uma cultura teuto-americana baseada em um resultados econômicos, na preservação de todo um patrimônio cultural germânico e no estabelecimento comunicação com o país de origem de uma regular 223 . É preciso salientar que, os que foram assentados no Espírito Santo rapidamente criaram hábitos, talvez de preservação ou de defesa da própria população, mas que também reforçaram o seu próprio isolamento. Quem morria tinha seus documentos, seus livros ou pertences enterrados ou queimados. Tudo isto era “papel velho” que não precisava ser conservado. Desta forma muitos livros antigos terminaram sendo destruidos 224 . Nesta análise será preciso salientar que, naquela época, a grande maioria da população jovem aqui radicada não teve acesso à alfabetização 225 . Também a absoluta falta de comunicação e de relacionamento, tanto entre os diferentes sítios colonizados como também pela falta de um maior contato com os seus países de origem constituíram-se em fatores que contribuiriam para a manutenção deste processo de verdadeira hibernação e gradativo isolamento 226 . “Não se teve escola. Nenhuma escola. A única escola que frequentamos foi o ensino confirmatório na igreja”. 227 Darmstadt (Provinz Rheinhessen) nach Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main: Verlag Peter Lang, 2000) Ibidem. 224 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 225 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22 07 08. A primeira escola da qual se tem alguma referencia parece ter existido na localidade de Belém. Posteriormente, em 1864 deve ter sido iniciada uma escola na localidade de Luxemburg. 226 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Constitui-se em uma das queixas referidas por grande parte dos antigos moradores 227 Cf. Sétima entrevista realizada com O.E. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 223 99 Os antigos agora estão sendo procurados para contar as coisas da época. Para os bem antigos isto não tinha qualquer valor. Ninguém se interessava por isto. O Cristian Klauk sempre contava que os bem antigos, quando se mudavam costumavam enterrar os velhos papeis e as coisas antigas. Eles não deveriam ter feito isto. O velho Klauk tinha um livro de curandeiro. Não sei se o filho ainda 228 tem isto. Na sala de aula pediram que falasse alguma coisa. Mas não sabia o que responder. Com muito sacrifício conseguiu aprender a falar. Com o passar dos anos aprendeu a falar muito bem o português. No início chegou a trabalhar como 229 tropeiro e mais tarde chegou a ser professor. . Os poucos jornais que circulavam na província de Espírito Santo nesta época, eram redigidos em português, uma língua ainda . estranha aos colonos e poucas vezes lhes chegavam às mãos Além disto, o contato com os representantes diplomáticos no Rio de Janeiro dependia de viagens ainda inimagináveis durante a segunda metade do século dezenove 230 . Os relatos dos intrevistados, em geral foram muito pobres em informações sobre aspectos culturais relacionados aos imigrantes no Espírito Santo até a primeira ou segunda década do século vinte. Porém, é possível identificar claramente que, apesar de toda esta dificuldade com a comunicação com o mundo exterior e mesmo de transmissão oral do conhecimento, sempre houve um ou outro que, por intermédio dos próprios pastores teve acesso a livros e jornais, com isto ampliando o seu conhecimento 228 231 232 . Era desta Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08 Em primeiro lugar pela absoluta falta de recursos para o empreendimento de tal viagem e em segundo lugar pela dificuldade de obtenção de transporte. 231 Podem ser citados três nomes que se detacaram em toda a colonização teuta capixaba: Jacob Seibel, nos primeiros anos de desbravamento de Rio Farinhas, Wilhelm Seibel, na 229 230 100 forma que, como autodidatas, conseguiam enriquecer o seu conhecimento e com isto realimentar a chama deste ainda acanhado patrimônio cultural pomerano no Espírito Santo. “Meu avô lia jornal. [...] Os pastores recebiam alguma coisa da Alemanha. E meu avô conseguia ler bem em alemão e também em português”. 233 Meu pai costumava contar muitas coisas daquela época. À noite quando tínhamos terminado de jantar, ele passava a contar as histórias de antigamente. O que tinha acontecido em tal lugar ou em tal época. O que tinha acontecido na 234 guerra. Era um grande contador de histórias. Porém, o que chama atenção em praticamente todas as entrevistas é que realmente houve um verdadeiro cerceamento da escolarização de uma boa parcela da população da geração cuja infância e adolescência coincidiram com as épocas das grandes guerras na primeira metade do século passado. Não poucas vezes, pais, com uma boa bagagem intelectual, com domínio de diversas línguas estrangeiras, atuando como professores alfabetizaram centenas de crianças e de um mometno para o outro se viram impedidos até mesmo de repassar aos seus próprios filhos a visão de uma formação intelectual. As escolas de comunidade haviam sido proibidas e niguém sequer se preocupou em substituí-las por um sistema de ensino brasileiro. instalação e consolidação de Laranja da Terra e Lourenço Seibel no desenvolvimento da agricultura (introdução de novas técnicas agrícolas), no ensino (escola informal - Mobral, participação ativa na diretoria da escola diacônica – ADL e intercâmbio entre as comunidades luteranas) e no próprio processo de aculturação da região de Serra Pelada. 232 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 233 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 234 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 101 A estes filhos e netos dos pioneiros coube a tarefa de abrir caminhos para que as gerações seguintes pudessem alimentar-se melhor e pudessem usufruir um pouco mais de cconforto. Não estavam e nem seus descendentes viriam estar livres do árduo trabalho de desbravadores 235 . Suor e lágrimas entrecortados de muito fervor religioso constituíram a massa que moldou este novo cidadão teuto-capixaba. Portanto foram estes os homens e mulheres, cujos antepassados vieram do altiplano do Hunsrück, das encostas dos Alpes, das planícies do norte da Alemanha e da Pomerânea que se transformaram em moradores das íngremes encostas do interior capixaba. A vida deles foi muito difícil. Só em pensar nesta vida a gente já desanima. Quando aqui chegaram a vida deles foi muito, muito difícil. Principalmente o vô e a vó. Meus pais já tiveram uma vida com mais de conforto, até porque eles 236 colhiam tudo que consumiam. Isto, como dizem os imigrantes 237 : “Dem ersten den Tot (ao primeiro a morte); Dem zweiten die Not (ao segundo a penúria); Dem dritten das Brot (ao terceiro o pão)”. No final do século dezenove até as primeiras décadas do seculo passado, pouca informação se tinha sobre a população nativa, até porque, os silvícolas continuavam preocupados apenas com a caça e a pesca de subsistência. Talvez até em função disto, com o avanço do desbravamento proporcionado pela ampliação da 235 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 237 Expressão popular. 236 102 colonização européia no Espírito Santo, terminaram recuando para as selvas ao norte do Rio Doce. Já da população cabocla e dos descendentes de escravos, uma boa parte passou a viver às margens dos desmatamentos e nos aglomerados urbanos conhecidos como Patrimônios ou nas cidades de Santa Leopoldina ou Afonso Cláudio. Com isto, nas áreas de colonização européia, apenas em esporádicos casos, um ou outro passou a constituir-se em mão de obra eventual 238 . Um povo ameaçado de extinção parece reagir de muitas formas. Assim, no caso dos pomerânios, de um lado tivemos a própria fuga do seu país de origem. Teria sido a geração de prole numerosa outra forma de garantir a continuidade da sua espécie? Tem-se a nítida impressão de que também entre as famílias teutobrasileiras estabelecidas na Província de Espírito Santo a riqueza se materializava na alta prolificidade. riqueza são os filhos” Isto se reflete no ditado “a 239 . Assim os filhos logo se constituíam em uma grande força de trabalho e em indivíduos que dariam continuidade à família, ao trabalho e aos costumes, enfim, a toda uma cultura muito própria deste povo. Desta forma, apesar de alguns terem perdido suas vidas com doenças ou mesmo com acidentes no duro trabalho de abrir picadas e derrubar florestas, deixaram seus muitos filhos para continuarem com a incumbência de proporcionar um pouco mais de conforto aos seus netos. 238 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Uma situação que praticamente se manteve até a segunda metade do século vinte, quando muitos passaram a atuar na conservação manual das estradas (eram conhecidos como garimpeiros). Outros gradativamente migraram para centros urbanos onde foram assumindo funções vinculadas ao serviço público. 239 Expressão popular – muito usada entre os habitantes mais antigos. 103 Em contrapartida, com o avanço da colonização pelo interior do estado, muitos lugares nestas montanhas elevadas outrora cobertas por extensas florestas habitadas por índios, quem sabe, bem nutridos com os frutos de suas árvores, com sua pesca e sua caça, gradativamente foram sendo transformadas em superfícies desnudas pelo desgaste do seu solo empobrecido. Da mesma forma, muitos rios cristalinos logo viriam a ser transformados em córregos contaminados por dejetos de animais e de outras sobras desta nova cultura em formação 240 241 . 3.6 Hábitos alimentares nos primórdios da imigração capixaba Durante os primeiros anos de existência das Colônias no Espírito Santo uma absoluta falta de conhecimento sobre o potencial de aproveitamento dos recursos alimentares nativos impediu até mesmo a correta utilização do potencial de alimentos aqui existentes. Os europeus levaram tempo para aprender a utilizar melhor este potencial da riqueza, representado pela caça, pela pesca e os vegetais silvestres como os tubérculos 242 . Aqui não se tinha trigo nem batatas nem animais domésticos para suprir as necessidades alimentares básicas. Somente depois de um longo e sacrificado aprendizado os pioneiros começaram a plantar milho e mandioca. A sua utilização como alimento, porém, precisou ser 240 Em decorrência da falta de toda uma política pública de saneamento básico. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 242 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. Neste aspecto a falta de informações sobre o aproveitamento deste potencial de alimentos fez com que muitos passassem por grandes dificuldades. 241 104 aprendida e assimilada 243 . “Eles recebiam uma pequena ração do governo. Era insuficiente e muitos chegaram a ficar doentes. Era feijão preto e farinha de mandioca. Carne tinha pouca. Era principalmente kanasek (charque ou carne de sol).” 244 Nos primeiros meses a própria Colônia supria, mesmo que de forma insuficiente, as necessidades alimentares básicas. Entretanto, mesmo depois de um ou dois anos muitos recémchegados, por absoluta falta de assistência ou de uma adequada orientação, mal sabiam o que plantar e como plantar 245 . A canjica de milho rapidamente parece ter-se tornado o mais importante alimento da Colônia, conseguindo aos poucos substituir a farinha de trigo utilizada na Europa. Com isto a alimentação básica do agricultor passou a ter na canjica de milho, no feijão e na mandioca os seus ingredientes básicos 246 . Para poder viver era precioso comer o que se tinha. Com isto aprenderam a se adequar ao que existia. Os primeiros que chegaram [...] realmente passaram muita necessidade. Até porque não sabiam o que comer. Depois devem ter aprendido a caçar animais silvestres. Os primeiros, no tempo em que passaram no acampamento provisório de Vitória, parecem ter feito algum tipo de serviço como diaristas. Já naqueles tempos. Depois em Santa Leopoldina, novamente ficaram acampados em outro barracão. De lá foram para Rio Farinhas e posteriormente 247 para Santa Joana. 243 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. Relatos dos moradores mais antigos referem-se a esta “comida dos índios” e que aprenderam a utilizar. 244 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 245 A grande diferença entre a fauna e flora européia e a brasileiro precisou ser identificada, para que pudesse ser melhor aproveitada pelos assentados. 246 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 247 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 105 Tinha muita carência. O pessoal dividia o que tinha entre as famílias. Às vezes tinha alguém que não comia feijão. Eles comiam cará, taioba, batata. Tinha muito jacu daqueles bem grandes. Eles caçavam macuco, arruba [...] hoje não tem mais nada disto. Hoje o jacu faz muito estrago no café. Começam a descer da mata quando escurece. Eles vêm até 248 aqui no pátio. Comiam mandioca, aipim, inhame, feijão milho, brout. Existe esta controvérsia de que o pão de milho teria vindo de Minas 249 Gerais... Naquele tempo (comiam) banana nanica, brote e peixe. Meu pai não tinha gado. (... compravam os peixes) nas vendas. Tinha piava. “Hering”. Era salgado. Vinha de fora. Era aquele monte. Era um peixe tudo salgado. Era um peixe fininho e compridinho e puro sal. Comíamos peixe com 250 feijão e banana. Feijão. Polenta, pão de milho. Arroz não existia naquele 251 tempo. Cará, inhame, taioba. (Já alguns anos mais tarde) [...] comiam muita abóbora. Qualquer pequeno espaço na roça era aproveitado para plantar abóboras. Geralmente em todo o milharal costumava-se plantar abóboras. Comia-se muita caça. Na verdade era que era difícil da gente se proteger contra os animais selvagens que invadiam as roças e terminavam estragando tudo. Especialmente paca, tatu, macuco, arruba, inhambu, araçari, jacupenba. Esta caça muito abundante era abatida para consumo de carne. Algum tempo depois já puderam criar algum gado, porcos e 252 galinhas. Desta forma foram progredindo. A população da Pomerânea tinha no arenque (Hering) um dos elementos básicos na sua alimentação diária. A pescaria no Mar 248 Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 251 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 252 Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 249 250 106 Báltico, ao lado da atividade agrícola nos grandes latifúndios, constituía-se na principal atividade de subsistência. Também aqui nas novas colônias, o peixe continuou sendo muito consumido. Estes (Hering ou arengue) podiam ser compradas nas vendas. Mas, por aqui tinha tanto peixe nos rios... O bacalhau era caro, mas a manjuba era mais barata. Estas eram salgadas e vinham em grandes caixas. São bem gostosos são apenas muito salgados. São meio compridos 253 que nem uma piava (lambari). Comiam peixe também. Os córregos tinham muito peixe. O pessoal pegava os peixes com “Chiquê”, uma espécie de balaio para pegar peixe. Colocava-se no final da tarde e pela manhã se podia recolher os peixes. Geralmente deixava-se nos córregos, contra a corrente e o peixe depois de entrar 254 não conseguia mais sair. Os Hering salgados [...] vinham em caixas. Papai comprava 255 muito. Isto ainda tem hoje em dia. Eles sempre falavam muito na batata (doce) que eles plantavam, na mandioca e no milho. O que mais eles utilizavam era a farinha de mandioca e fubá de milho. Primeiro socavam no pilão, porque ainda não tinham os moinhos. Depois alguns imigrantes começaram a construir os moinhos tocados a água. A partir daí começaram a ter o fubá e puderam começar a fazer o Brote. Esta era uma mistura, que, segundo ela sempre contava, tinha sido uma invenção e que terminou dando certo e satisfazia a 256 necessidade de alimentação. O preparo da farinha de milho durante os primeiros anos da colonização era realizado por meio de um instrumento conhecido 253 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/ 07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 256 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 254 255 107 por pilão, fabricado a partir de um tronco de madeira, no qual era escavado uma abertura. O “socador” era feito a partir de uma haste de madeira, a qual, com sua extremidade arredondada era continuamente arremessada no fundo da escavação do tronco (Figura 8). Figura 8: O pilão e o monjolo 257 . O aperfeiçoamento deste utensílio deu origem ao monjolo no qual a força da água era responsável pela execução do trabalho. Com o passar dos anos, porém, diversos agricultores passaram a construir este espécie de moinho de beneficiamento do milho, (Fig. 25) que lhes permitia a obtenção de uma farinha de milho, isto é, o fubá e que já era de uma melhor qualidade 257 258 258 . Disponóvel em: www.terrabrasileira.net/.../sd-monjolo.htm. Acesso em: 25 jul. 2008. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 108 Os antigos descascavam o café em casa, com auxílio de um monjolo (Machol) ou mesmo pilão, tocado a água (Stambarad), depois acondicionavam no lombo de burro e levavam para a venda. A maioria procurava ter a sua instalação para o beneficiamento do café. Até porque, qualquer riozinho já dava água para tocar um destes engenhos. Com o passar os anos as pessoas que tinham um pouco mais de água já procuravam ter seu monjolo e 259 também um moinho. Depois dos primeiros anos as mudanças alimentares aos poucos foram passando pela natural acomodação dentro do próprio aproveitamento da flora aqui existente. À medida que o conhecimento sobre a fauna e os recursos naturais nativos aumentava, o próprio aproveitamento destes recursos silvestres terminava melhorando. Aqui teve início a gradativa auto-suficiência alimentar dos colonos. Comiam o que era produzido na roça. Plantavam feijão, plantavam mandioca para fazer farinha. Eles plantavam batatinha e o aipim. Depois (já bem mais tarde) começaram a plantar o arroz nas baixadas. Plantavam arroz e socavam no pilão. À mão. Peneiravam na peneira e comiam este arroz. Depois plantavam milho. Começaram a criam galinha e porco. Começaram a fazer canjica. O frango até ficar bom para o abate levava quase um ano. Nem vendiam nada. Um 260 emprestava para o outro, mas não vendiam. Feijão, milho, taioba, arroz. Farinha de trigo somente no natal, quando se comia pão de trigo. Fora isto só se comia 261 pão de milho. 259 260 261 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Nona entrevista realizada com A.B. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Sétima entrevista realizada com O.E. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 109 [...] Todo mundo logo começou a criar porco. Criavam-se os porcos soltos. Andavam por toda a propriedade. Depois de certo tamanho eram presos para engorda. Haviam muito terreno estragado por causa de porco. Tratavam também com milho, mas andavam soltos. Eram alimentados mais 262 com milho e com inhame cosido. Nesta época (por volta de 1920) já se começou a plantar arroz nos brejos. Dava muito. Eles comiam muita caça e muito peixe. Nos matos tinha muitos pássaros. Charom, macuco, arruba... Tinha muita paca e que se pegava com facilidade. Dava carne para três a quatro dias. Eles não passavam mal não. O mais difícil eram os cuidados de higiene e os cuidados com a roupa. Viviam no meio de muita sujeira. Muitas vezes 263 eu penso: como esta gente conseguia viver. A plantação de milho e de tubérculos passou a se constituir em uma forma de cultura de subsistência. Assim, o milho e a abóbora, já nos primeiros anos da colonização, especialmente na entresafra constituíram-se em uma importante fonte de alimentos, tanto para homens como para os animais domésticos, até mesmo pela sua facilidade de plantação e posterior conservação 264 . Além disto, o seu rápido crescimento e o pouco tempo necessário para a colheita constituíram-se em grandes vantagens durante os primeiros anos da vida na Colônia. Além disto, a partir de um quilo de grãos, facilmente se podia obter cinquenta, cem ou até cento e cinquenta quilos do produto, dependendo da qualidade do solo. Alm disto, com o surgimento do milho branco, a farinha de milho branca passou a 262 263 264 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 110 ser mais bem aceita como substituto da farinha de trigo que tinha sido utilizada na Europa 265 . Da mesma forma como aprenderam a plantar os tubérculos e o milho, também tiveram que aprender a plantar e a colher o café, o qual somente três ou quatro anos mais tarde viria a se constituir na moeda de troca por produtos de primeira necessidade 266 . O café, a partir de 1870, passou a ser comercializado com mais facilidade, chegando a representar uma boa fonte de renda para os colonos. Com isto passaram a se dedicar à sua plantação de forma prioritária 267 . A única renda era o café e para isto precisavam esperar cinco anos. Mais ou menos isto. Era plantado em mudas lavadas e depois de alguns anos começava a produzir os primeiros grãos. No início ninguém sabia como secar e como preparar este café em casca. Ninguém dava estas informações. Depois inventaram uma espécie de pilão e, nos finais de semana passavam a pilar, ou seja, a descascar o café para poder ser consumido. Este pilão evoluiu para o monjolo, já bem mais desenvolvido e somente bem mais tarde chegaram as máquinas. Bem no início o preço do café também era baixo. Meu pai chegou a trocar oito sacos de café por um de trigo. O café era difícil de ser colhido. Era chuva, era frio e precisava-se colher café. Como em terras velhas já não dava mais café, de tempos em tempos faziam 268 derrubadas. Apenas na virada do século surgiu o moinho, um constituido basicamente por duas pedras sobrepostas, de um granito muito 265 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. 267 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. 268 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 266 111 duro, em forma de disco de cerca de cinquenta centímetros de diâmetro. A inferior era fixa em uma estrutura de madeira, chamada mó fixa e a superior, ou mó móvel era suspensa sobre um eixo em posição vertical e movimentada pela força de uma roda d’água, isto é, uma espécie de turbina 269 . Os grãos de milho caíam aos poucos em uma abertura no centro da mó superior e pela força centrífuga penetrava entre as superfícies da pedra superior em movimento e da inferior fixa. Este processo resultava no completo esmagamento dos grãos de milho e a sua transformação em um finíssimo pó, o qual, ao final era lançado para fora deste espaço e recolhido em um recipiente de madeira ou saco de tecido. A necessidade de uma maior diversificação fez com que o colono fosse à procura de outros alimentos. Assim descobriu os tubérculos, encontrados com bastante freqüência na própria natureza. Familiarizou-se com a mandioca, a taioba, a abóbora, o inhame, a batata doce, o cará e o amendoim 270 . A batata inglesa somente muito mais tarde foi introduzida nas Colônias. A abóbora durante muitos anos foi sendo plantada dentro da “roça” de milho para ser colhido por ocasião da safra deste grão 271 . Depois começaram a criar animais domésticos, gado, galinhas, gansos. As penas das aves eram aproveitadas para a confecção de cobertores. 269 Disponível em: http://www.esev.ipv.pt/patrimonio/Descricao.ASP?CodEscola=334&CodElemento=246. Acesso em: 10 mai. 2010. 270 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 271 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 112 3.7 A língua dos imigrantes Os primeiros imigrantes que chegaram à Colônia de Santa Leopoldina vieram de diferentes lugares da Europa Central e se fixaram em diferentes localidades, cujos nomes ainda hoje lembram esta origem. Assim, temos os suíços, os tiroleses os luxemburgeses, os hunsrücker, os hessenianos e tantos outros. “Os que vieram para cá se mantiveram mais em comunidades e utilizaram o próprio 272 idioma para se congregarem e se protegerem”. [...] Os pomerânios chegaram mais para os lados de Santa Maria. Tivemos esta informação também depois. Sabemos que hoje em Rio Bonito ainda vivem Hunsrücker, vivem os Holandeses e vivem os Pomerânios. Por aqui, onde os pomerânios eram em maioria, os católicos na minoria, os outros terminaram sendo absorvidos pelos pomerânios. Isto porque vinham casando entre eles e com isto a comunidade 273 tornou-se pomerana. A abertura de algumas estradas, mesmo que ainda muito precárias, de forma geral passou a estimular o comércio tanto dos pequenos colonos-vendistas propriamente ditos como dos negócios destes com os comerciantes maiores de centros urbanos como Santa Leopoldina e de Santa Isabel. Com isto, mesmo que de forma ainda muito acanhado, o deslocamento de pessoas levou a um maior intercâmbio de produtos e entre as regiões antes tão isoladas. Até mesmo os casamentos entre jovens de grupos étnicos diferentes passaram a acontecer, como entre holandeses, pomerânios, alemães ou austríacos. Isto levou a situações muito 272 273 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 113 curiosas. Não era raro encontrarem-se pessoas comunicando-se em três ou quatro, digamos, idiomas diferentes. Era preciso aprender o alemão alto por ser necessário no seu aprendizado no próprio processo de alfabetização na escola da comunidade e para o relacionamento com as atividades na igreja. Precisava-se dominar a língua pomerana por ser a do meio de comunicação dominante em toda a colônia. Era preciso entender o português por ser a língua do relacionamento com as autoridades e os órgãos do governo. Por outro lado, no seio da família, muitas vezes, falava-se os idiomas ou dialetos de uma das suas diferentes origens na Europa, como o hunsrück, o holandês, o belga, o polonês ou o tirolês. Esta heterogeneidade linguística se manteve muito viva, praticamente até a década de 1970 274 . A maioria falava pomerânio. Tinha muito pomerânio e com isto falavam quase só pomerânio. Os pastores falavam o alemão alto e com isto os colonos precisavam também falar 275 o alemão. [...] alguns poucos aprenderam a falar português com [...] uns brasilioner, que trabalhavam com o pai. Tinham 17 filhos. Um deles chamava-se Arlindo. Ele vinha muito aqui 276 em casa e eu me dado bem com ele. Apenas recentemente o Prof. Ismael Tressmann fez um glossário da língua pomerana. Eu vejo isto como uma forma de se protegerem. Certa vez vi uma crítica onde fizeram 277 uma comparação com Pomerode. 274 É uma constatação que facilmente pode ser comprovada até os dias atuais por qualquer visitante que vá conversar com os habitantes das localidades mais retiradas. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 276 Cf. Sexta entrevista realizada cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/ 07/08 277 Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 275 114 A aula de religião era dada por um professor daqui. Ele ensinava a ler e a escrever e ao mesmo tempo se aprendia o catecismo. O professor era um da colônia. O primeiro professor no Jequitibá foi o velho Frederico Schulz. Ele ainda tinha vindo da Alemanha. Seu filho continuou este 278 trabalho aqui em baixo em Jequitibá. (Os pastores da Alemanha) deviam estar contando (alguma coisa de lá), só que nós não entendíamos [...] (rizadas...). O pastor Grotke só falava alemão alto. Não entendíamos o 279 alemão dele. Naquele tempo [...] quem sabia os mandamentos sabia e quem não aprendeu ficava assim mesmo. Foi o P. Grotke quem me confirmou. Era feito uma pequena prova na frente da comunidade. Era muito simples. Depois de ir ao ensino confirmatório durante três anos, no dia da prova o pastor perguntava a comunidade se poderiam ser confirmados. Todos concordavam. Os pastores não queriam confirmar quem não soubesse ler ou escrever. Por outro lado, a língua pomerana era totalmente desconsiderada pelos pastores. Não era sequer aceita como 280 modalidade padrão de comunicação . Os cultos somente podiam ser realizados em língua alto alemão. Ninguém sequer sabia que o pomeranismo escrito existe desde 1570. Ninguém sequer imagina que pudesse haver uma bíblia, a bíblia de Barth, escrita em língua pomerana 281 Há apenas cerca de vinte exemplares, ainda conservados em alguns museus na Alemanha 282 . 278 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Quadragésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares 281 Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em 06 jun. 2008. Há apenas cerca de vinte exemplares, ainda conservados em alguns museus na Alemanha. 282 Ibidem. 279 280 115 Figura 9: A Bíblia “Pomerana” exposta em museu. [...] os cultos eram todos em alemão. Eu entendia um pouco porque aprendi um pouco, mas muitos não entendiam quase nada. Depois que eu tinha casada muitos vezes as pessoas me perguntavam quando seria o próximo culto porque não tinham entendido nada na igreja. Não entendiam o que o pastor tinha falado. Tinha pouco culto e as pessoas 283 entendiam pouco. 283 Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 116 4 A EXPANSÃO DA IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO 1880 – 1930 4.1 O início da migração interna Na segunda metade do Século dezenove, o término das guerras na região do Mar Báltico levou a um aumento do fluxo emigratório. Os que chegaram à região alta de Espírito Santo receberam as terras anteriormente habitadas pelos índios botocudos. Entretanto, à medida que aumentava o fluxo de imigrantes, também crescia a procura por novas terras. Não tardou descobrirem que a existência de áreas abandonadas e novamente reflorestadas era indicativa de má qualidade do solo. Até a vegetação demorava a crescer. Os moradores antigos relataram que seus pais e avós se davam conta de que uma terceira ou quarta plantação de milho ou feijão, em um mesmo terreno, dificilmente resultava em uma safra compensadora. Com isto, muitas vezes, encostas abandonadas teminavam se transformando em um grande samambaial 284 . No início da década de 1880 começaram a chegar as primeiras levas de imigrantes italianos. Isto vinha agravar mais um pouco esta disputa pelas terras. Na realidade este movimento já havia se intensificado a partir de 1875, com a vinda dos trentinos e 284 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 117 vênetos 285 . A nova situação criada com estes imigrantes recém- chegados gerou a necessidade de uma maior ampliação da área de colonização. Figura 10: Início da migração interna Novos espaços precisavam ser conquistados. Desta forma também entre os teutos aumentou a pressão dos filhos por novas terras. A saída estava na procura por novas áreas a serem desbravadas. Foi desta forma que teve início a primeira etapa de uma grande reacomodação populacional. Era a migração interna, que a partir das Colônias de Santa Isabel e Santa Leopoldina se expandiu para o norte e oeste (Fig. 10). 285 PACHECO, R. Conflito nas colônias agrícolas espírito-santenses. 1827-1882. Disponível em:http://www.estacaocapixaba.com.br. Acesso em: 10 jun. 2008, p. 5. 118 Acredito que a terra que eles ganharam foi se tornando pequena na medida em que foram nascendo os filhos. Por outro lado a terra daqui é muito fraca. Depois de alguns anos de cultivo tornava-se necessário a abertura de novas frentes. Com isto, mais tarde foram seguindo para as terras 286 quentes e mais férteis. Na época não se conhecia o processo de adubação, as matas já estavam derrubadas e aí descobriram que em outros lugares ainda tinha muita mata virgem e terminaram indo para lá, compraram as terras barato e começaram a 287 construir em outros lugares. Seguramente o principal fator a pressionar pela procura por novas terras foi o rápido crescimento populacional. Se nestes primeiros anos os imigrantes passaram a ter tantos filhos, de um lado até pode ser atribuído ao total desconhecimento de métodos de controle da natalidade. Por outro lado, também chegou em benefício à crescente necessidade de mão-de- obra. Isto porque, já com oito ou nove anos de idade, as crianças passavam a ajudar no trabalho da propriedade. “Era um grande número. Eram seis meninos e sete meninas. Treze filhos na época era uma grande família. Praticamente todas eram muito grandes. Algumas chegavam a ter 288 dezoito ou mais filhos”. Acredito que eles não faziam um controle da natalidade e sim, contavam com que cabe a “Deus planejar...” Assim, por exemplo, a Família XXX, aqui perto, teve dezesseis filhos, dos quais quatorze sobreviveram. A idéia era de que, o que 289 vem, é porque Deus mandou e pronto . 286 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 289 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 287 288 119 Foi desta forma que iniciou o que podemos chamar de primeira fase da migração interna, quando cada vez mais novos imigrantes e os filhos dos antigos passaram a procurar por “novas colônias”. Esta expansão se consolidou até o final da década de 1880, quando praticamente todas as terras altas adjacentes à antiga Colônia de Santa Leopoldine já tinham sido ocupadas 290 . Como resultado os filhos dos “colonos” de Cachoeiro se embrenharam floresta adentro, chegando a Santa Maria, Santa Tereza e Garrafão. 4.2 As primeiras lideranças O instinto de sobrevivência dos habitantes das Colônias de Espírito Santo fez com que se adaptassem aos parcos recursos de que dispunham. Foi preciso que organizassem suas comunidades, ajudassem a construir estradas, igrejas e escolas. Foi desta forma que também aqui surgiram as primeiras lideranças. Eram homens com características pessoais e de inteligência prática que tinham conseguido se ambientar no novo país, com isto alcançando um crescimento pessoal e comunitário. Houve aqueles que vivenciaram um importante florescimento em seus empreendimentos comerciais. Alguns de destacaram no próprio assentamento como fopi o caso dos Verflut (Fig. 17) na região de Luxemburgo 290 291 291 . Ainda outros, Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Observação feita pelo autor. A casa de comércio construída nas proximidades da igreja de Luxemburg, na qual nos dias atuais ainda vivem descendentes destes pioneiros ainda impressiona pela preservação e pela sua beleza arquitetônica. 120 mesmo que muito poucos se tornaram viajantes para tratar de negócios na capital Vitória, chegando a falar um bom português 292 . Figura 11: Jacob Seibel e esposa Luise Sarter Seibel. Foi desta forma que Jacob Seibel, mesmo não tendo sido pomerânio, mas tendo vivido em Rio Farinhas, de certa forma, a partir de 1870, passou a atuar como importante elemento de contato entre os moradores deste vale e o mundo brasileiro 293 . Na verdade, 292 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Em uma referencia ao pioneiro Jacob Seibel. 293 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 121 suas características pessoais, já desde sua chegada em 1859 294 , fizeram com que se ambientasse bem na Colônia. Certamente, sua vivência como barqueiro em Porto Cachoeiro, durante a década de 1860, facilitou o seu contato com o mundo não teuto. Sua inteligência prática rendeu-lhe um crescimento pessoal. Sendo bem sucedido no seu trabalho, logo se transformou em um empreendedor, onde, como proprietário em suas terras logo conseguiu expandir os seus bens 295 . Pelos relatos disponíveis sabe- se que viajou muito, inclusive para tratar de negócios na capital da Província. Esta sua vivência pessoal nos seus primeiros anos na Colônia e seu comportamento destemido e de desbravador logo lhe asseguraram um papel de liderança. Por outro lado Jacob, com apenas trinta anos de idade, já precisou assumir todas as responsabilidades pela família, pois, com o trágico desaparecimento de seu pai, já em 1867, precisou cuidar das irmãs e da mãe. Adão, seu pai, ao também trabalhar na abertura de estradas sofreu um grave acidente, em consequência do qual veio a falecer Sarter Seibel 297 296 . Na sua vida pessoal, o casamento com Luize também representou a manutenção do dialeto de sua origem, já que ambos vieram de regiões próximas ou seja do Rheinhessen e do Vale do Nahe. Porém, à medida que seus dez filhos foram casando com jovens pomeranas e pomerânios, precisou providenciar novas terras para os seus oito filhos e dotes para as 294 Ano da sua chegada na Colônia de Santa Leopoldina. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 296 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 297 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 295 122 duas filhas. Também aqui há um exemplo desta tendência à integração entre as diferentes etnias teutas. A própria etnia pomerana, dentro do processo de expansão da colonização no Espírito Santo se sobressaiu e impôs sua própria identidade. Diversos fatores para isto contribuíram. Em primeiro lugar, por terem sido a absoluta maioria no contingente de imigrantes aqui chegados 298 . Tiveram muitas dificuldades para se adaptar às novas agriculturas, porém o fizeram. Aprenderam a cultivar suas terras para a obtenção do seu sustento. À medida que as novas gerações foram chegando os desafios frente às novas realidades exigiam novas intervenções das novas lideranças. Novamente diversos sobrenomes de destacaram, já entre os próprios descendentes de pomerânios, como Berger, Schulz, Klug, e outros tantos. Entretanto, dentro desta linha, agora já como primeira geração de filhos nascidos na Província, destaca-se o nome de Guilherme Seibel. Este já a partir de 1898 assumiu o papel de líder de um importante clã de desbravadores 299 . Inicialmente como um importante personagem do dia a dia da história dos pomerânios na região de Santa Joana, logo também passou a fazer a história da região de Laranja da Terra, inicialmente como desbravador e mais tarde como professor, líder de comunidade, músico e organizador da igreja luterana 300 . 298 Cf. Museu do Imigrante de Santa Leopoldina. Entre os anos de 1857 e 1873 chegaram 2.142 imigrantes dos quais a maioria era constituída de pomerânios, passando a ser maioria entre os assentados 299 Tendo-se sobressaído especialmente na colonização de Laranja da Terra. 300 GROTTKE, G. Aus der Geschichte einer lutherischen Gemeinde in Espírito Santo: Laranja da Terra. São Leopoldo: Rotermund, 1955. 123 4.3 A vida social dos pioneiros Os hábitos e costumes de um povo reassentado em uma outra região costumam passar por um lento e gradativo processo de aculturação á medida que estiver exposto a uma maior ou menor influência de outros grupos populacionais. Isto certamente deve também ter ocorrido com os uropeus que chegaram em Espírtio Santo. Conheram novos alimentos. Familiarizaram-se com novos tipos de ferramentas e conheceram lugares e pessoas de nomes diferentes. A maioria dos entrevistados informou muito pouco sobre a forma como as famílias chegaram ao Porto de Santa Leopoldina ou mesmo sobre os primeiros anos da história da Colônia. Em geral, os teuto-capixabas parecem ter informações muito pouco precisas sobre esta época. 301 . Pelos relatos, a primeira geração nascida no Brasil ainda tinha uma noção das dificuldades vividas na Europa pelos seus pais. Por outro lado, a partir da segunda geração estas informações passaram a ser cada vez mais limitadas 302 . Nos seus países de origem alguns dos que aqui chegaram até haviam exercido atividades variadas, como trabalhadores diaristas das plantações de batatas ou de trigo, camareiros, tratadores de animais, porém sempre ligadas ao campo 303 . A maioria, entretanto, era originária das grandes propriedades rurais 301 Anotações feitas pelo autor. Praticamente todas as entrevistas trazem dados muito vagos sobre os primeiros anos nas novas colônias. Isto demonstra a grande dificuldade havida no repasse das informações orais destes pioneiros. 302 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Isto em parte pode ser atribuído ao empobrecimento cultural e também ao costume de se desfazerem de todos os documentos de familiares falecidos. 303 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 124 da Pomerânea 304 . Tinham sido servos dedicados ao seu senhor e aqui logo se viram transformados em agricultores e proprietários de suas próprias terras. Eram estas as pessoas que foram reassentadas na província de Espírito Santo, um enclave entre a Bahia, com seu relativo desenvolvimento, Minas Gerais, com suas riquezas em ouro e diamantes e o Rio de Janeiro, a capital do Império. No rastro deste mesmo conceito, o próprio insucesso registrado nas primeiras duas ou três décadas da imigração talvez possa ser atribuído a toda uma falta de planejamento na preparação do próprio processo imigratório. Na verdade, deslocar uma população da Europa Central para terras por serem desbravadas trouxe muitos problemas e teve 305 consequências de certa forma desastrosas . Ao chegarem aqui, sem um planejamento adequado, se depararam-se com inúmeros problemas. O maior parece ter surgido por ninguém lhes ter dito o que plantar como plantar e como cuidar da terra. Esta situação levou ao estabelecimento de uma estagnação na própria forma de trabalhar a lavoura. Vale dizer que, os que chegaram nada conheciam deste novo mundo no qual estavam sendo colocados especialmente pela grande diferença daquele de onde haviam saído 306 . Haviam deixado suas planícies às margens do Mar Báltico, como foi o caso dos pomerânios, para se verem assentados em 304 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 306 Em uma referência ao contraste entre as planícies da Pomerânia e as selvas montanhosas de Espírito Santo. 305 125 meio aos vales profundos e às montanhas íngremes da Província de Espírito Santo. Na Europa, na propriedade dos seus senhores feudais haviam sido “Leibeichene”, ou seja, servos. Aqui, com o desembarque tornaram-se proprietários de terras e pioneiros de uma agricultura baseada em um sistema de trabalho totalmente diferente. A própria forma como esta ambientação aconteceu contribuiu em muito para que em muitas localidades, especialmente nas mais afastadas este novo colonizador, com o passar dos anos, se transformasse em um indivíduo entregue à sua própria sorte e literalmente perdido nas “lonjuras e pirambeiras” 307 da Mata Fria de Espírito Santo. Vinculava-se com a civilização por intermédio dos colonos-vendistas e, nos contatos domingueiros, por intermédio dos religiosos enviados da Alemanha e do Tirol austríaco 308 . Desta forma, na medida em que o tempo transcorria, o interior capixaba foi transformando o imigrante em um homem enrijecido pelo ambiente rude e inóspito. Andava descalço por não ter acesso à compra de calçados. Não se preocuopava com o conforto, por não conhecê-lo com sua propriedade 309 por . Preocupava-se com o trabalho e esta representar um bem que historicamente nunca teve. Dentro deste processo de colonização os pomerânios 307 rapidamente se transformaram no grupo mais Expressão popular que designa lugares situados à grande distância e à beira de precipícios. Todos os primeiros padres e pastores tinham vida da Europa, especialmente depois da constatação de von Tchudi, do grande abandono espiritual em que os primeiros imigrantes se encontravam. 309 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 308 126 numeroso, rapidamente se sobressaíram dentre todos os imigrantes que aqui chegaram 310 . Diversos fatores contribuíram para o novo ajuste. Em primeiro lugar, vale lembrar que a Pomerânea foi uma região fértil, de terras planas e férteis e que sempre foi ambicionado por outros povos como os poloneses, suecos, dinamarqueses ou prussianos. Em função destas circunstâncias os seus habitantes haviam se transformado em um povo habituado à vida difícil, ao trabalho árduo, porém com uma sempre renovada esperança por dias melhores. Há séculos, depois de cada nova incursão de inimigos, vinham reconstruindo a sua economia e incansavelmente voltavam a cultivar suas terras para a obtenção do seu sustento 311 . Ao chegarem aqui se depararam com novas dificuldades advindas da própria pulverização da população assentada. Era o isolamento dos colonos nos seus mais longínquos recantos. Passaram a viver uma menor troca de informações. Desta forma, aqueles que em sua pátria de origem viveram em pequenos povoados ou aglomerados urbanos próximos, ou mesmo em torno das casas dos latifundiários, agora se viram cada vez mais retidos ao seu pequeno imóvel rural. Durante a semana ocupavam-se com os afazeres do campo e aos domingos confabulavam com os outros frequentadores dos cultos religiosos. Em muitos casos era uma vida social quase introspectiva. O próprio contato com a população brasileira nativa, os “Brasilioner” ou “die Schwarze” como os chamavam, ao menos nas primeiras décadas acontecia de forma bastante esporádica. A designação de ”die Schwarze” não era uma 310 311 Um dado que certamente contribuiu para a rápida e gradativa pomerização de toda a colônia de Santa Leopoldina Novo mundo, novas terras, novos hábitos. Tudo tiveram que aprender. 127 referência à cor especificamente e sim, à população aqui residente como um todo. Referia-se aos portugueses, aos caboclos como também aos descendentes de escravos. Quanto à população preta, a grande surpresa, que eu também custei a acreditar, [...] o difícil foi se comunicar com eles. Como fazer? Eu não sei falar a língua deles e eles não sabem falar a minha língua. Então o negócio vai ser fugir deles. Vou fechar as portas e não vou receber eles. Então muitos acham que era medo. Eles mesmos nunca me falaram porque tinham medo. Agora imagina como alguém vai se comunicar com alguém que nada sabe. Sempre contaram que o pomerânio tinha medo do preto. Isto é verdade. Isto foi assim. Agora, não no sentido de fugir deles, mas de vergonha, por não saberem se comunicar com eles. 312 [...] eles não tiveram um contato muito forte com a população brasileira. Como por exemplo, com os habitantes 313 de Colativa e de Vitória. Bem no início o contato era bem restrito. Mas já depois, com certa idade, a vó sempre lembra que tinham até empregados, meeiros. Nos últimos anos de vida eles tinham 314 ate uma empregada que ajudava nos afazeres da casa. 4.4 O gradativo isolamento dos teuto-brasileiros Seguramente a própria paisagem acidentada dos altos da serra capixaba onde os europeus se fixaram no decorrer das primeiras décadas da imigração pode ser apontada como um dos muitos fatores que contribuíram para este isolamento dos imigrantes. A geografia acidentada fez com que, à medida que os 312 313 314 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 128 anos passavam, a vida dos seus habitantes passasse a girar cada vez mais em torno dos acontecimentos das tantas pequenas comunidades e de esporádicas notícias trazidas pelos pastores e padres vindos da Europa 315 . Desta forma muitas lembranças da sua trajetória de vida ou da sua velha Pátria aos poucos foram se transformando em um sentimento de saudade e ao mesmo tempo de conformação exemplificado por uma canção bastante popular 316 . Hänschen klein, ging alein (Jãozinho pequeno, seguia sozinho) In die weite Welt hinein. (para bem longe, mundo afora) Stock und Hut steht ihm gut, (Seu chapéu e bastão ficam-lhe bem) Ist auch wohl gemuht. (Também está bem entusiasmado) Na realidade pouco tempo pareciam ter para lembrar-se da velha pátria. A própria dificuldade em manter maiores contatos com os interlocutores das notícias com a Europa a cada dia que passava parecia constituir novas barreiras. Meu avô contava que, quando chegaram a Santa Leopoldina embrenharam-se nas matas seguindo os cursos dos rios, vieram até Caramuru e daqui foram até 317 Jatibocas. 315 Todos os primeiros padres e pastores tinham vida da Europa, especialmente depois da constatação de von Tchudi, do grande abandono espiritual em que os primeiros imigrantes se encontravam 316 Canção popular muito conhecida entre a população mais antiga, especialmente de origem renaniana. . 317 Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 129 Naquela época [...] era tudo feito a pé. Depois daqui de Rio Farinhas também passávamos por cima desta montanha. Lá no alto tinha uma fonte onde parávamos para uma 318 refeição e depois seguíamos adiante. (Os pastores) não costumavam falar nada da Alemanha. 319 Nada. Nada. Por volta de 1870, as notícias mais atualizadas do exterior continuavam chegando com dificuldade aos colonos 320 . Na verdade apenas alguns poucos já estavam familiarizados com o idioma português e conseguiam ler jornais brasileiros que, poucas vezes, lhes chegavam às mãos. Além disto, durante a segunda metade do século dezenove a tentativa de contato com as representações diplomáticas no Rio de Janeiro dependia de viagens inimagináveis para estes colonos. Como se pode depreender, o imigrante capixaba, tão logo teve cortado o seu “cordão umbilical” deparou-se com uma muralha intransponível, representada pela falta de assimilação do idioma nativo, pela falta de um maior fomento de escolas da parte dos governos da Província e do Governo Imperial. Na sua vida religiosa os imigrantes de confissão luterana passaram a ser discriminados ao não se poderem reunir em templos com características de igrejas 318 319 320 Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. As poucas notícias provenientes da Europa eram repassadas pelos pastores, padres ou alguns professores que conseguiam manter algum contato com alguns familiares da velha pátria. Os pastores, apesar de permanecerem apenas por tempo limitado no Brasil, em função da própria barreira represenada pelo idioma alemão, pouca informação repassavam aos pomerânios. Até porque, estes pouco entendiam do alemão alto. Alem disto, os alemães desprezavam o falar pomerânio por considerarem-no uma língua sem valor. Com isto persistia a eterna dificuldade de comunicação, até mesmo dentro das igrejas. 130 e ao serem obrigados a validarem seus casamentos na comunidade católica romana 321 . No início do século vinte, as chamadas “colônias família” isto é, cada grupo familiar concentrado na sua respectiva propriedade, havia se transformado no aglomerado padrão da população. Além disto, passaram a ocorrer cada vez mais casamentos entre indivíduos de um mesmo grupo étnico e já com crescente grau de parentesco 322 . Da mesma forma como o isolamento externo, em alguns lugares mais afatados também o isolamento interno, aos poucos foi se acentuando. A economia baseada na cultura de subsistência fez com que em muitos lugares o próprio núcleo familiar se transformasse em uma comunidade fechada e autossuficiente como um minúsculo mundo restrito a dez ou quinze pessoas. Com isto muitos passaram a se fechar ainda mais de qualquer possibilidade de integração com a população nativa, gerando um verdadeiro entrave à integração com outros povos 323 . Eu vejo isto como uma forma de se protegerem. Certa vez vi uma crítica onde fizeram uma comparação com Pomerode. Afirmaram que Pomerode teria tido um grande desenvolvimento, em razão dos pomerânios de lá estarem mais abertos. E que este era um dos grandes problemas dos pomerânios de Espírito Santo. Disseram que 321 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Durante a vigência da união Igreja/Estado os casamentos eram validados pela igreja católico romana, papel depois da proclamação da República assumido pelos Cartórios de Registro Civil. 322 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 323 Uma referência ao empobrecimento cultural observado em muitas famílias onde filhos de pessoas com um bom conhecimento simplesmente se transformavam em verdadeiros analfabetos – dados colhidos na trigésima sexta entrevista realizada com F.K. na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 131 precisariam se abrir mais e tal. [...] cada região precisa ser respeitada de acordo com o seu próprio desenvolvimento. Pode-se facilitar as coisas, pode-se ajudar. Mas não se 324 pode forçar as coisas. No Brasil, as comunidades pomerânias apresentaram uma evolução diferente. Até que ponto se pode comparar duas regiões tão distintas como Pomerode, de Santa Catarina com as colônias capixabas? Até as diferenças geográficas não muito significativas. A primeira, ao contrário de Santa Leopoldina muito rapidamente entrou em um acelerado processo de industrialização. Acho que este isolamento aconteceu justamente em razão de tudo isto. Eles precisavam se proteger. Eles tinham certos medos. Por exemplo, na região de Garrafão, tem uma história de tal de “Lobo”. Era um homem que, quando eles invadiram estas terras aqui no alto, o dono destas terras queria cobrar um imposto dos pomerânios. Ele contratou um capanga, o qual contratava mais pessoas que chegavam nas casas e faziam coisas absurdas. Quem não tinha dinheiro ora obrigado a dar em produtos, mantimentos e assim por diante. Até abusavam sexualmente das filhas e das mulheres dos pomerânios. [...] isto chegou a dar origem ao primeiro levante de uma comunidade pomerana contra um grupo do tal do “lobo”. Eles acabaram fazendo uma emboscada e mataram o cara. Depois disto se viram livre deste tipo de opressão. Eles acabaram se protegendo. 325 Precisavam se proteger. Nestes primeiros anos, cada um dos diferentes grupos de imigrantes que aqui chegou teve suas próprias dificuldades para a integração. Até por falarem diferentes dialetos ou línguas, passaram a se reunir com aqueles com que melhor conseguiam se comunicar. 324 325 Cf. trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 132 Registraram-se importantes perdas de informações, até mesmo referente à história das próprias famílias o que deixou tristes e inexplicáveis lacunas nos relatos repassados às gerações mais novas, como se pode deduzir pelo depoimento de alguns entrevistados: “Meu avô tinha sido pastor e veio da Alemanha”. Ao ser questionado sobre o nome deste, não lembrou. 326 327 Neste aspecto vale citar que as questões religiosas, já com o passar das primeiras décadas, terminaram polarizadas entre os seguidores da doutrina Católico- Romana e o luteranismo. As duas correntes religiosas, com suas peculiaridades, ao lado da sua função alfabetizadora e ordenadora dos ofícios religiosos, passaram também a assumir a função de repassadores das notícias de fora do mundo da Colônia. 4.5 A igreja e seu papel de fonte de informação Antes de um maior aprofundamento no tema do presente capítulo cabe uma análise sobre a própria formação do modelo de igreja adotado pelos imigrantes teutos no estado de Espírito Santo. No presente texto adotou-se a designação “luteranos” para as comunidades atendidas pelos pastores provenientes da Alemanha e Suíça. Da mesma forma em que se passou a chamar de Comunidades Missúri aquelas que tinham sua vinculação com o Sínodo do Estado de Missúri, dos Estados Unidos da América. É preciso lembrar que estes últimos também eram luteranos, apenas com uma vinculação a uma entidade americana. Aqui cabe uma 326 327 Cf. Sétima entrevista realizada. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 133 pergunta: Os pomerânios eram luteranos? É preciso recuar na história de Igreja da Prússia. A União Prussiana é fundamentalmente evangélica enquanto o povo pemerano, em geral, se manteve na igreja luterana. Ao chegarem no Brasil passaram a ser chamados de evangélicos. Entretanto, eles mesmos diziam “wir sind Luteraner” (Somos luteranos). E hoje, são luteranos evangélicos 329 ? São IECLB 330 ou IELB 328 ? São 331 ? Será justo usar o termo evangélico ao denominá-los dentro da tradição prussiana? Poderia usar-se o conceito luterano por duas razões. Em primeiro lugar, a igreja da Pomerânea surgiu como sendo luterana. A igreja da Prússia foi uma igreja multiconfessional. Havia os chamados territórios confessionais. Dentro disto havia a igreja luterana, a calvinista, sempre de acordo com os territórios 332 . Ou seja, eram igrejas territoriais. E a Igreja Territorial Pomerana (Landeskirche) era uma igreja luterana. Neste sentido pode-se falar deste povo como sendo luterano, até porque se autodenominavam de igreja luterana. Em segundo lugar, aqui no Espírito Santo, muitas comunidades pertenceram ao Sínodo Brasil Central, que se concebia como Sínodo Evangélico e não luterano e mesmo assim, continuaram se autodenominando de luteranos, porque mantiveram a tradição luterana da Pomerânea. 328 Adotaram a doutrina de Lutero (Confissão de Augsburgo, Catecismo etc) - Luteranos: O Luteranismo é uma denominação cristã ligada diretamente a Martinho Lutero, pioneiro da Reforma da Igreja na Alemanha, a partir de 1517. A principal característica da Igreja Luterana é acreditar que a salvação vem apenas pela fé e não como resultado de obras e boas ações. 329 Dentro de uma a linha calvinista - Evangélicos: Os evangélicos tendem a se identificar e ser identificados, no Brasil, como um povo missionário cristão. O conceito de Igreja Evangélica é utilizado dentro de uma denominação ampla de Reforma. Em muitos lugares prevaleces também a denominação de Igreja Portestante. 330 IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. 331 IELB – Igreja Evangélica Luternan do Brasil. 332 Ao lado das Igrejas Territoriais havia também as Igrejas Evagélicas Livres. 134 Figura 12: Primeira Capela e casa paroquial da Colônia de Santa Leopoldina na região de Luxemburgo. Disponível em: Lopes, A. Neste aspecto o conceito luteranos evangélicos ou luteranos se refere ao mesmo povo pomerânio. Até porque, hoje, de um lado eles fazem parte da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, mas também são luteranos que no passado eram da Igreja Territorial Luterana da Pomerânea. Há dois outros argumentos que devem ser considerado. Ao chamá-los de evangélicos, corre-se o risco de confundi-los com as igrejas pentecostais, o que não condiz com a realidade. Por outro lado o colono historicamente pouco se envolveu com questões doutrinárias. Estas na realidade terminavam sempre ficando para serem interpretadas pelos próprios pastores. Desta forma usou-se o conceito “luterano” na designação à 135 confissão dos pomerânios no estado de Espírito Santo, pois eles eram luteranos na Pomerânea e atualmente, na IECLB, continuam sendo “luteranos”. Isto é significativo, até porque, o conceito “evangélico” não aparece nas entrevistas. A igreja luterana, na medida em que, por intermédio dos seus pastores, foi assumindo o papel de condutor da vida espiritual das comunidades, foi também ampliando cada vez mais sua influência sobre os colonos. Todos, de uma forma ou outra, participavam da comunidade, pois tanto sua vida espiritual com também a social estavam intimamente relacionadas aos encontros dominicais na igreja. Figura 13: Um casal de colonos indo para o seu culto dominical. 136 As comunidades, de certa forma eram autônomas, em que as famílias podiam ou não se associar. Eram as chamadas Comunidades livres, sem vínculo com associações ou entidades associativas de comunidades. Nestas “Freigemeinden”, ou comunidades autônomas, as paróquias eram administravamente independentes, isto é, sem vínculo com outras entidades ou sínodos 333 . Eram dirigidas por uma diretoria (Gemeindevorstand) eleita dentre as famílias de maior destaque na comunidade 334 . Geralmente votavam os chefes das famílias com idade superior a 30 anos e de idoneidade reconhecida. Esta diretoria em parceria com o pastor definia as linhas de atuação de todos os membros da comunidade 335 . Os pastores provenientes da Alemanha, especialmente em função da sua escolaridade exerciam uma influência decisiva sobre todo o grupo 336 . Isto faz com que muitas vezes, além da conduta espiritual passasse também a exercer um papel de professor nas escolas de comunidade (Gemeindeschaul) ou até de médico ou de autoridade salomônica em disputas eventualmente surgidas entre os colonos 337 . Desta forma, o papel dos ministros religiosos desde o início passou a ser de suma importância na manutenção da harmonia entre o grande grupo de teutos. Muitas vezes 333 FACHIN, op. Cit. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 335 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre seu pai e sua vivência de 35 anos na presidência de uma paróquia luterana. 336 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Te o final da primeira metade do século vinte eram raras as pessoas com escolaridade superior a quarta serie do primeiro grau. 337 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Um dos pastores que mais se destacou neste aspecto foi o P. Herman Roelke, de Santa Maria de Jetibá. 334 137 comunidades próximas passavam a pertencer a correntes políticoreligiosas diferentes. Na localidade de Laranja da Terra chegaram a existir duas igrejas, cada uma vinculada a uma destas entidades Somente muitos anos mais tarde com a fundação da UPES 338 339 . – União Paroquial de Espírito Santo ocorreu a unificação das igrejas luteranas. Figura 14: Primeira igreja luterana de Espírito Santo, na localidade de Luxemburgo – visão atual. A educação dos filhos dos imigrantes também passou a ser dada dentro de uma estrutura familiar bastante fechada, enquanto a 338 339 Cf. Désima sexta entrevista realizada com I.T. na cidade de Sana Maria, no dia 24/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. O problema efetivamente começou a ser solucionado com a criação da União Paroquial de Espírito Santo - UPES, a qual reuniu todas as comunidades sob uma única coordenação. 138 alfabetização e os valores religiosos eram repassados pelas Escolas da Comunidade. De um lado tinha-se a continuidade de hábitos e costumes no seio da família, a cargo, especialmente das mães e da microcomunidade. Ao mesmo tempo, a alfabetização e o contato com a fonte renovadora do pensamento, de certa forma era representada pelos pastores, pelos padres e seus fieis auxiliares. Assim, as Escolas da Comunidade se transformaram em formadoras 340 desta nova cultura teuto-brasileira em desenvolvimento . A própria permanência dos pastores nas comunidades muitas vezes era por um tempo limitado, até porque, pelo que se comentava nas comunidades ainda pelos anos de 1950 ou 1960 estes cumpriam uma espécie de “estágio na selva” brasileira. Eram 341 os chamados “Urwaldpfarrer” (pastores da selva) que, uma vez cumprido este compromisso poderiam retornar para alguma comunidade da Alemanha 342 . A circulação do jornal mensal, o “Sonntagsblatt”, depois chamado de Folha Dominical, nas comunidades luteranas constituiuse em um comunidades elemento de comunicação entre as diferentes 343 . Era um tênue sinal de abertura para a crescente troca de informações entre as comunidades luteranas de todo o Brasil. 340 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor. Expressão ainda muito ouvida no tempo da infância do autor. 342 Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 343 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 341 139 4.6 O papel da Igreja na escolarização da Colônia. Os tiroleses austríacos logo passaram a ser assistidos espiritualmente pelos padres enviados da Europa. Entre os não católicos, além da dificuldade de comunicação em função dos diferentes dialetos, havia também linhas confessionais distintas. Havia os calvinistas especialmente entre os que saíram do Vale do Reno e também luteranos da região de Hamm am Rhein. Já o protestantismo dos pomerânios tinha sido moldado pela coroa prussiana a partir da fusão da Igreja Luterana da Prússia com outras correntes protestantes ali existentes, especialmente a calvinista. Os pomerânios que chegaram na província de Espírito Santo consideramvam-se luteranos. Diziam, “somos da igreja luterana”. Os holandeses, em franca minoria, eram calvinistas e nos seus ofícios religiosos compareciam vestidos de preto, além de não admitirem símbolos religiosos como a cruz e as velas no altar 344 . Os primeiros pastores enviados à Colônia de Santa Isabel, logo vieram a falecer de forma súbita e não esclarecida, justamente no auge da animosidade entre a população católica da cidade de Viana e os não católicos desta Colônia. Persiste ainda hoje a suspeita de assassinato por envenenamento 345 346 . [...] houve a separação entre católicos e luteranos. Aí existe também a historia dos dois pastores que morreram em Vista 344 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Nada foi efetivamente comprovado, entretanto as informações que chegam aos dias de hoje apontam as diferenças religiosas como tendo sido a causa desta tragédia. 345 Cf. Primeira entrevista realizada comna cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. Relatos orais dão conta de que na localidade de Belém, já logo depois da criação deste assentamento, tenha sido criada uma escola, na mesma casa que servia com o local dos ofícios religiosos. 346 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 140 Alegre. Não há provas de crime. Existe muita coincidência. O pastor Julio König chegou em 1857. Ele tomou posse em 1. de janeiro de 1958. Foi encontrado morto em 9 de junho de 1858. É bem próxima a morte dele veio Constantino Hell. Tomou posse no dia 11 de agosto de 1859. No dia 11 de dezembro do mesmo ano também foi encontrado morto. Tudo isto e muito estranho. Os dois morreram em um curto 347 espaço de tempo. Os primeiros imigrantes tinham uma escolaridade bastante rudimentar, mas que mesmo assim os habilitava a serem confirmados. Este era o costume. Nos primeiros anos com exceção de Belém, Luxemburgo e Tirol sequer se tinha escolas 348 . A Gemeindeschule (escola de comunidade) de Luxemburg foi organizada pelo pastor ali residente em 1864 e a de Tirol pelos padres austríacos 349 . A igreja mais velha daqui é a de Luxenburg, acima de Rio Farinhas. A igreja que lá existe ate hoje, é a mesma dos tempos antigos. Esta foi a primeira igreja luterana de Espírito Santo. Foi concluída em 1864. A de Campinho foi 350 construída em 1866. O pastor Reuther nos seus quase dez anos de atuação na Província de Espírito Santo contribuiu muito para o desenvolvimento de Santa Leopoldina. Antigamente havia poucas escolas. Na realidade as Escolas de Comunidade eram as escolas dos pastores. Pois eram os pastorem que davam as aulas. Aqui em Luxemburg tinha uma. Escolas do governo tinha poucas. Geralmente eram 347 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 350 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 348 349 141 pessoas que recebiam um abono do governo. Eram estes que davam aula. Um dos exemplos foi o Rudolf Möhler que era professor formado e que era da Alemanha. Ele escrevia 351 muito bem. Há alguns relatos que nos sítios mais isolados, onde o acesso às escolas era dificultado pelas grandes distâncias, os irmãos mais velhos, muitas vezes, passavam um pouco do que sabiam para as crianças menores. 352 As pfarrschule geralmente estavam vinculadas à igreja ou à Hauptgemeinde, ou seja, á sede da paróquia. Enquanto que alguns professores eram indicados pela comunidade para darem as aulas, entendo que nas sedes paroquiais era mais o pastor que atuava que não somente alfabetizavam, mas também tinha condições de administrar o ensino religioso. Parece-me que as lideranças leigas assumiam mais em localidades mais distantes e o trabalho deles era mais 353 direcionado à alfabetização. Na prática, estas tentativas deram resultados muito precários, tanto que, desta primeira geração de imigrantes nascida na Colônia, a maioria, cresceu semi-analfabeta. Talvez estas dificuldades logo identificadas por eles mesmos fizeram com que em muitas comunidades-membros passassem a se empenhar na construção de escolas 354 . Queriam que os seus filhos tivessem acesso a algo que eles mesmos não tiveram, ou seja, que fossem alfabetizados e que pudessem ler e escrever, com isto facilitar a vida no dia a dia e na comunidade. Na prática esta modalidade de ensino foi um processo bastante rudimentar, até porque, as distâncias 351 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 354 Muitas vezes se ouvia a expressão: “Não quero que meus filhos sejam tão desinformados”. 352 353 142 percorridas pelos alunos costumavam ser grandes. Era possível comparecer no máximo duas ou três vezes por semana durante dois anos ou duas vezes por semana durante três anos, permanecendo em média quatro ou cinco horas na escola. 355 Figura 15: “Gemaindeschaul” (Escola da Comunidade) de Serra Pelada. Na minha infância éramos uma espécie de elite no meio dos colonos. A família [...] e a família [...] eram pessoas um pouco diferenciadas. Os primeiros tinham mais cultura 356 porque vinham da região do Rheinhessen e falavam o alemão alto. Os outros eram pomerânios, sem cultura, mas, de tanto ouviram os pastores falarem e pregarem em alemão aprenderam a ler a bíblia em alemão. Isto passou a 355 356 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Antepassados do autor. 143 ser a melhor coisa que eles sabiam. E alguns deles, como o meu bisavô e um tio avô, melhoraram tanto o seu alemão que depois passaram a ensinar na escola (Gemeideschaul). Este na época era o único meio de aprendizagem das crianças. Não havia história nem geografia. Não havia escolas. O ensino era realizado geralmente nas próprias igrejas. Aí eles passaram dar as aulas. Somente mais tarde 357 o poder público chegou com as escolas brasileiras. Com o passar dos anos, em função da própria distância que as crianças tinham que percorrer entre a sua moradia e a casa paroquial, as próprias comunidades procuraram criar as chamadas escolas de colônias (Kolonieschaul) 358 . Estas eram escolas improvisadas, nas quais agricultores com um pouco mais de conhecimento ensinavam um pouco daquilo que sabiam para aquelas crianças sem qualquer outra possibilidade de acesso à instrução. Em algumas localidades, os pais passaram a pagar pelo ensino. Desta forma também em Santa Joana, em 1910 foram estabelecidos valores que variavam de seis a doze mil réis ao ano por cada criança enviada para a escola 359 . Na prática, escolas de comunidade, mas especialmente estas escolas de colônia obtiveram resultados bastante precários. De lá íamos para a escola em Perdido. O professor era o Emil Schreiber. Era um da colônia e que dava aulas. Durante três dias ensinava em português e durante outros 357 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, bem como de vivência pessoal do autor na época da sua infância. 359 WAGEMANN, Ernst. A colonização alemã no Espírito Santo. Os colonos alemães. Disponível em:<ttp://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capitulo_9.html>. Acesso em: 17 fev. 2007, p. 3. 358 144 dois dias ensinava em alemão. Segundas, terças e quartas 360 em português e quintas e sextas em alemão. Mesmo assim, ao final de dois ou três anos, para serem confirmados na Igreja Luterana ou crismados na Católica, todas as crianças ao menos escreviam seus nomes, conseguiam ler com alguma dificuldade, porém, a matemática continuava sendo de difícil compreensão. Geralmente aprendiam a somar e a subtrair, porém, nas operações mais complexas, como divisões, especialmente de números de três algarismos persistiam as dificuldades 361 . A impressão que se tem pelos relatos, que nos primeiros anos da colônia a convivência entre a população dos diferentes credos foi relativamente amigável 362 mas que o próprio clero passou a tomar posições antagônicas, levando a conflitos desastrosos. Mas tudo começou lá embaixo onde tinha a capela onde havia os dois cultos. Depois chegou o pastor Schmidt do Rio de Janeiro para regularizar os batismo e casamentos. Depois os padres capuchinhos começaram a penetrar na Colônia. Foi aí que iniciou esta animosidade entre católicas e luteranas. Esta eu acho, mas não tenho certeza, tenha sido a história de se terem sido criadas duas vilas aqui na 363 Colônia de Santa Isabel. Uma católica e uma luterana. Isto aconteceu na Colônia de Santa Isabel em Bela Vista 365 364 , mais tarde e finalmente se repetiu, em menor escala com as próprias divisões criadas pelos pastores luteranos do Caixa de 360 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 362 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 363 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 364 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 365 Em uma referencia ao episodio do assassinato dos dois pastores. 361 145 Deus, do grupo vinculado ao Sínodo Brasil Central e da Igreja Missúri. Naquela época foi uma briga danada de pegar membros da nossa igreja e levar para lá. A dificuldade foi muito grande com a igreja católica na época. Tinha uns fanáticos que não entravam na igreja luterana de forma alguma. O católico não gostava que o luterano entrasse na igreja católica. Até aconteceu com meu pai que um parente católico disse para o meu pai que seria melhor que cada um ficasse na sua. Também nos luteranos tínhamos problemas. Ninguém podia casar com uma moça católica. Além disto, quem casasse com uma moça católica tinha que virar católico. O padre te 366 batizava de novo. Na região de Luxemburgo, na colônia de Santa Leopoldina, somente em 1864 chegou o primeiro pastor enviado pela Casa Missionária de Basiléia, provavelmente pela interferência do próprio von Tchudi 367 , depois da sua visita à colônia poucos anos antes. Desta forma, as igrejas, com suas escolas de comunidade, passaram a ser cada vez mais os centros da sua vida espiritual e cultural. Vale salientar que, especialmente nos primeiros cinquenta anos da colonização, a língua pomerana e, em um significativo número de casos o holandês e também os dialetos da população proveniente do Hunsrück e de outras regiões da Europa central, continuaram sendo utilizados por praticamente todas as famílias. O alemão alto, utilizado por pouquíssimos imigrantes continuou sendo o idioma dos cultos religiosos e do ensino nas escolas de comunidade. O português manteve-se como a língua da autoridade 366 367 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Ministro plenipotenciário suíço que visitou a região em 1860. 146 opressiva e ansiosa por cobrar mais taxas e impostos e por fazer cumprir as leis de difícil compreensão para os agricultores 368 . A escola brasileira era uma coisa muito irregular. Havia dias em que a professora vinha e outros dias que faltava. Com isto as crianças aprendiam muito pouco. O pastor daqui 369 dava as aulas na igreja. Eram em alemão. [...] Passando aqui sobre a montanha. Tem aí a pedra preta e depois Luxemburgo. Dava mais de 2 horas a pé. De 370 manhã cedo subindo a montanha e de meio dia voltando. Os primeiros imigrantes possuíam uma escolaridade bastante rudimentar, mas que os habilitava a serem confirmados, como era costume 371 . É preciso lembrar que nesta época a maioria sequer tinha acesso às escolas. Uma exceção talvez tenha sido o pequeno assentamento de Belém, no qual houve uma imediata estruturação muito peculiar 372 . No mais, presume-se que apenas em 1864 puderam ser organizadas as “Gemeindeschaul”, ou seja, as escolas das igrejas na região de Luxemburgo (pelo pastor) e de Torol (pelos padres). Já nos sítios mais isolados, o acesso à escola continuou sendo impedido pelas grandes distâncias. Antigamente havia o costume das crianças na escola, nos intervalos ajudarem nos afazeres da casa paroquial como buscar lenha, capinar o mandiocal, colher taioba. Havia épocas em que os colonos trabalhavam na terra do pastor como uma forma de pagar pelo ensino. Assim também as crianças entravam neste empreendimento. Depois, com o 368 Esta imagem e muito bem retratada em “CANAÔ, obra de Graça Aranha. Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08. 371 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 372 Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/0/08. 369 370 147 tempo, como as crianças passaram a voltar muito sujos, 373 terminou sendo suspenso este costume. As comunidades luteranas durante o primeiro século da colonização teuta, por intermédio da atuação dos seus pastores, constituíram-se nos repassadores do pensamento religiosa e mesmo em articuladores do ensino ou até da vida pública 374 . Por nintermédio deste pepel passaram a exercer uma influência cada vez maior sobre a população. Na realidade, toda esta situação terminou se formando frente à paulatina construção de uma organização comunitária confiável 375 e que passou a ocupar o espaço que deveria ter sido exercido pelo próprio governo do império e da província, especialmente no que diz respeito à educação e aos cuidados básicos disponibilizados à população. 4.7 A emancipação de Santa Leopoldina Os relatos obtidos 376 trazem a ideia de que a partir de 1870 teve início certa estabilidade para os teuto-brasileiros, apesar de grande fluxo de pomerânios realmente ter ocorrido nos anos seguintes. As plantações começam a produzir. Santa Leopoldina já tinha seus vinte anos de colonização e muitas das primeiras grandes dificuldades haviam sido vencidas. Porém continuava sendo uma época de muitos sacrifícios e de um árduo trabalho. Ao menos os que vinham chegando aos poucos, já conseguiam ter acesso a 373 Cf. Terceira entrevista realizada comna cidade de Domingos Martins, no dia 20/ 07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 375 Em uma referencia à estrutura quase teocrática das Comunidades Luteranas. 376 Apesar de nos dias atuais se ter uma grande dificuldade de contabilizar informações precisas sobre os primeiros anos da imigração uma grande parte da informação oral confere com os poucos textos escritos datados dos primórdios da imigração capixaba. 374 148 pouco mais de informações sobre o próprio aproveitamento dos recursos alimentares nativos e mesmo para uma melhor utilização das novas terras a eles disponibilizadas. Também aqui, depois de um trabalho inicial muito árduo começaram a ser observados alguns bons resultados. Novas 377 estradas foram sendo abertas com a participação de imigrantes . O melhor sinal de crescimento do poder aquisitivo foi o próprio início da migração interna onde famílias já estabilizadas passaram a converter seus ganhos financeiros com a venda dos produtos da sua propriedade, sobretudo o café, em recursos para a aquisição de novas terras para os filhos. Figura 16: Santa Leopoldina no início do século vinte.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn). 377 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares. Jacob Seibel, antepassado do autor, participava deste árduo trabalho de abertura de estradas, tendo inclusive vindo a falecer em decorrência de um acidente ocorrido durante esta atividade. 149 Santa Leopoldina foi o eixo do transporte de café. Era o lugar aonde os pomerânios iam para trocar seus produtos por produtos que eles precisavam. Trocavam uns pelos outros. Naqueles tempos não havia moeda. Até na época da venda do velho Guilherme Krueger, ele começou a ter algumas coisas à venda, mas também à base da troca. Outros produtos como o fumo e tecido, o agricultor obtinham mediante troca pelo café, ovos, galinha ou outros produtos. 378 O primeiro Censo Nacional constatou que em 1872 havia 82.000 habitantes em toda a província de Espírito Santo. A capital Vitória, nesta ocasião já contava com quase 12.500 habitantes. Neste mesmo ano, a Colônia de Santa Leopoldina já tinha cerca de 5.000 habitantes e a produção de café estava em cerca de 30.000 arrobas. Já cinco anos mais tarde, esta produção tinha subido para 100.000 arrobas, enquanto a população tinha aumentado apenas para 6.400 habitantes Em 1875 379 a . população de imigrantes ainda vivia exclusivamente na área rural. A população urbana de Santa Leopoldina parece sempre ter sido composta essencialmente de luso-brasileiros e afro-brasileiros 380 . Na região baixa (próximo da séde) vivem mais o tipo destas pessoas nativas, mais os negros. Há uma mistura. Como a gente está muito próximo, tem bastante gente de [...] (Vamos chamá-los de brasileiros) Isto, de brasileiros. Incluímos quilombolas e uma mistura [...] e a região mais alta é uma região mais de teuto-brasileiros [...] mais de 378 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. PACHECO, R. Conflito nas colônias agrícolas espírito-santenses. 1827-1882. Disponível em:< http://www.estacaocapixaba.com.br> p. 3. 380 Cf. Décima segunda entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 379 150 descendência alemã e pomerana para cima, como Luxemburgo e Caramuru, você já tem mais dificuldade em conseguir participação em associações, por serem muito desconfiados. [...] Aqui em cima é muito difícil você levar o pomerânio para uma reunião por causa desta questão de [...] sinto que eles têm muito medo de gente de cor mais 381 escura. Em 1882, pelo Decreto 8.508, a Colônia de Santa Leopoldina foi emancipada. Nesta época já estava dividida em Santa Leopoldina, Timbui e Santa Cruz. Com a vinda dos trentinos e vênetos, a partir de 1975, a imigração italiana se intensificou. 382 Na verdade o primeiro núcleo, abrangendo o Vale do Rio Santa Maria tinha sido o local do início de todo o assentamento. Já o segundo núcleo, no vale do Timbui e que passara a ser ocupada no início da migração interna, foi se constituindo no principal núcleo do assentamento italiano 383 . 4.8 Do Império para a República Nos últimos anos do governo imperial, tanto este como a administração da província pouco fizeram para melhorar o processo de integração teuto-brasileira nas colônias capixabas. Isto também dificultou o desenvolvimento de qualquer sentimento de nacionalidade brasileira entre os imigrados. Como gostar de algo que não se conhece? Tudo isto poderia ter sido desenvolvido nas próprias escolas. Porém elas não existiam. Além disto, para tornar o 381 Cf. Décima segunda entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. DERENZI, L.S. Os italianos no Estado de Espírito Santo. Arquivo Público do Estado de Espírito Santo. Capítulo X. Disponível em Arquivo Público do Estado de Espírito Santo, Biblioteca Digital. 383 Ibidem. 382 151 quadro ainda mais impróprio para uma integração, as autoridades, representantes dos governos, muitas vezes, transformados em especuladores e indivíduos de má índole, criavam sentimentos de anticidadania brasileira, passando a contribuir ainda mais para o afastamento de qualquer possibilidade de comunhão com a população nativa 384 . A autoridade administrativa exercida em Santa Leopoldina desde o início se mostrou pouco confiável, ao menos para o colono europeu. A venda de favores pelos agentes da administração fez com que com o passar dos anos a corrupção e o suborno passasse a fazer parte do dia a dia 385 . Assim também a justiça, não poucas vezes, parece ter vinculado suas decisões às contribuições dos envolvidos em processos, desde os mais simples como a transferência de propriedades como inventários ou mesmo processos criminais. Tudo isto era favorecido por uma prática em que as taxas de custas eram simplesmente negociadas ou até impostas pelas autoridades 386 . O governo da província, mesmo com a Proclamação da Republica, continuou não se interessando pelo processo de aculturação deste segmento populacional e sua que deveriam ter sido envolvidos neste processo em que de um lado estavam os europeus e do outro a população rural pré-existente. Os indolentes 384 387 descendentes dos escravos eram “considerados” e com muita dificuldade para uma ascensão social. Quadro muito bem descrito em “CANAÔ, obras de Graça Aranha. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 386 Outro detalhe muito bem descrito em “CANAÔ, obras de Graça Aranha 387 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 385 152 Este último fato passou a se tornar mais marcante à medida que estes passaram a se fixar em pequenos aglomerados urbanos, chamados “Patrimônios” ou mesmo na periferia das cidades ou dos povoados. Na visão dos imigrantes este grupo étnico pouco se esforçava para a obtenção de suas próprias terras. O Brasil recém deixara de ser escravagista. Havia ficado claro que com a abolição da escravatura surgiu necessidade da substituição da mão de obra escrava analfabeta, não mais disponível, pela de imigrantes europeus acostumados à vida no campo. Estes indivíduos brancos recém-chegados passaram a executar o trabalho braçal com suas próprias forças, ou seja, realizavam as mesmas tarefas que os próprios escravos até então tinham feito. Isto fez com que o imigrante apesar de também ter sido visto como símbolo de uma nova realidade que pudesse contribuir para o progresso do país, logo passasse a ser considerado indivíduo de uma categoria social inferior 388 . Além disso, a maioria dos imigrantes não era católica, o que fez com que logo sofresse as conseqüências de um preconceito religioso e os integrantes deste grupo populacional passassem a ser considerados cidadãos de segunda categoria 389 . Não só de fato como também de direito. Até a própria vinculação da igreja ao Estado contribuiu para esta realidade. A maior prova disto estava Era um conceito corrente entre os imigrantes, até porque, quando precisavam mão de obra suplementar, isto e, trabalhadores diaristas em época de safra não se conseguia pelo simples fato de considerarem o trabalho “muito duro”. 388 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 389 Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 153 nos casamentos que precisavam ser validados na igreja católica para que seus filhos não fossem considerados ilegítimos 390 . Nos estados do sul do Brasil, o próprio início da imigração aconteceu bem antes do que no Espírito Santo. Oficialmente a imigração alemã no Rio Grande do Sul teve início em 25 de julho de 1824, com o desembarque da primeira leva de colonos em São Leopoldo. Dois acontecimentos, a Revolução Farroupilha de 1835 a 1845 e mais tarde, Guerra do Paraguai de 1864 a 1870 fizeram com que muitos antigos integrantes de exércitos europeus terminassem engrossando as tropas beligerantes. Além do número de capixabas envolvidos nestas contendas ter sido insignificante, estes eventos em nada contribuíram para o processo de politização do imigrante teuto. Consequentemente, quaisquer interesses por assuntos políticos na população teuto-capixaba continuavam fora de qualquer cogitação 391 . Ao se analisar este aspecto peculiar, facilmente se pode deduzir que as mudanças políticas do Brasil-Império para a República ao menos para o imigrante teuto-capixaba tiveram poucos reflexos. Mesmo depois da virada do século o pomerânio continuou vivendo em um mundo próprio, com seus precários meios de transporte, com as tropas de muares e os carros de boi como elementos essenciais na movimentação de mercadorias. Por outro lado, também o movimento de conscientização germânica que vinha acontecendo nos estados do sul depois da 390 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares. Somente com a chegada da Republica em 1889 a separação da Igreja Católico Romana do Estado, esta situação foi efetivamente regularizada 391 Cf. trigésima quarta entrevista realizada com E.K. na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. O pomerânio somente na segunda metade do século vinte passou a se interessar por política, e mesmo assim, de forma muito acanhada. 154 instalação do Segundo Império Alemão por Bismark, em 1871, e que durou até o final da Primeira Grande Guerra, não teve qualquer reflexo sobre os imigrantes e seus descendentes em Espírito Santo 392 . Na realidade os primeiros sessenta anos da historiografia oral dos teuto-capixabas representa uma grande lacuna onde frequentemente o imaginário se sobressai a dados documentados nos poucos textos originais daquela época. 4.9 A Segunda Fase da Migração Interna Na Europa os pomerânios viviam em baixadas e aqui tiveram que escalar montanhas e desviar-se de precipícios para procurarem por terras que pudessem ser cultivadas. Substituíram a pesca nos lagos e nos rios pela caça aos animais nas selvas e nas encostas. Apenas aqueles que conseguiram dominar os recursos naturais da Terra Nova venceram os desafios da adaptação às novas culturas e alcançaram um nível de vida um pouco melhor ao que outrora estavam acostumados. De certa forma este novo colonizador fez parte de um povo ameaçado de extinção 393 . Alguém ameaçado de extinção parece reagir de muitas formas. De um lado temos a própria fuga do seu país de origem, como foi o caso dos pomerânios. Por outro lado, talvez de forma inconsciente procuraram garantir a continuidade da sua espécie através da geração de proles numerosas. Se de um 392 Os assuntos relacionados à Primeira Grande Guerra são absolutamente desconhecidos entre os demais pomerânios. Há referências vagas sobre causas que teriam conduzido à guerra: “havia gente em excesso” ou “havia muita fome”. 393 O seu crescimento populacional sempre foi muito contido em função das próprias guerras pelas quais os habitantes da Pomeranea passaram ao longo de praticamente oitocentos anos. 155 lado os filhos se constituíram na garantia de continuidade da própria família, do trabalho, dos costumes e da cultura deste povo, também passou a ser uma importante força de trabalho no início deste processo de desbravamento da nova Colônia. Apesar da significativa mortalidade infantil desta época, passou a ser registrado um importante crescimento pela própria presença de famílias numerosas. A família pomerana típica não migra sozinha, ela geralmente viaja junto. Os dez irmãos Seibel, todos unidos a famílias pomeranas migraram juntos para Santa Joana e depois para Laranja da Terra. E porque somente um ficou em Santa Joana? Teria sido uma estratégia? Não, foi um certo desentendimento. Uma questão de 394 hegemonia. Uma característica que merece ser citada, diz respeito à nova lei da herança que na Europa ajudou a alavancar o processo de evasão de milhares de indivíduos 395 . No Brasil este direito à herança para todos os filhos também tinha sido oficializado, tanto para a pequena como para a grande propriedade. Entretanto, na região de imigração da Província de Espírito Santo, mesmo que de maneira informal, manteve-se de forma sólida o padrão de família das três gerações com todas as suas implicações 394 396 . Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. KROCKOW, op. cit. Apesar de lei da herança igualitária ter sido implantada. em toda a Prússia, entre os pomerânios continou sendo praticada indivisibilidade da propriedade. 396 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Em boa parte das famílias o costume persistiu de forma velada até praticamente toda a primeira metade do século vinte. Na verdade, os bons rendimentos obtidos com a produção de café permitiram a manutenção da propriedade do núcleo familiar, mesmo que muitas vezes, em novas áreas recém desbravadas, ao mesmo tempo em que novas propriedades podiam ser adquiridas para os outros filhos homens. 395 156 Figura 17: Ampliação do processo de migração interna. Neste sistema um dos filhos recebia a propriedade dos pais ao mesmo tempo em que também assumia o compromisso com os futuros cuidados destes idosos. Era uma certa garantia de aposentadoria. A restrição do direito à herança a um único filho passava a dar continuidade ao trabalho da propriedade dos pais. Desta forma aqui se consagrou um costume segundo o qual os filhos homens, de uma forma ou outra recebiam terras enquanto que as filhas continuavam recebendo seu dote 397 . A alta natalidade, observada em praticamente todas as Colônias de Espírito Santo, fez com que a prole destas famílias, em geral com uma media superior 397 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Costume local e que persistiu até a primeira metade do século vinte. 157 a cinco filhos, saísse na busca de novas terras, ao mesmo tempo em que as filhas, na medida do possível, procuravam casar-se com agricultores proprietários de terras. Nos primeiros anos da colonização parece ter sido muito fácil, até pela disponibilidade de muitas terras nas novas áreas de desmatamento. Entretanto, com o passar dos anos, também os sítios nas chamadas terras quentes começaram a ser disputados, elevando seus custos e dificultando sua aquisição pelos agricultores jovens 398 . A persistência deste costume gerou situações curiosas como uma maior liberdade dos jovens pretendentes sobre as moças casadoiras. Assim, um determinado pai de certo número de moças reclamou das investidas desenfreadas dos filhos homens de um vizinho sobre as referidas donzelas. Pela resposta recebida, denotase que também naquela época, o machismo interesseiro prevalecia: “Sperr die Hoina in, ik lot mi Hohna loupa” (prenda as tuas franguinhas que os meus galos eu crio soltos). Tendo ainda recomendado: “Megas, brugt dai oucha uk nia tau moka” (meninas, vocês também não precisam andar de olhos vendados) 399 . Pode-se ver que, de uma forma ou outra, as áreas colonizadas no estado de Espírito Santo pelos teuto-brasileiros, durante as primeiras décadas, abrangiam basicamente os vales do rio Jucu e Santa Maria, ao sul do Rio Doce. O clima daqui era bastante variado, sendo observadas muitas oscilações entre as 398 Esta nova disputa por estas propriedades nas chamadas Terras Quentes desencadeou a abertura de uma nova frente de desmatamento, transpôs o Rio Doce e transformou-se em um novo desafio. Este passou a ser a única opção para dar seguimento à sua opção de vida: Ter sua “própria colônia”, poder casar despreocupadamente e constituir sua família. 399 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Episódio registrado na família do pesquisador e repassado em forma de anedota de geração em geração. Isto porque o pioneiro Jacob foi pai de nove filhos homens e seu visinho tinha mais de meia dúzia de filhas. 158 chamadas terras de Mata Fria e as Terras Quentes. Assim, nas terras altas podia-se ter fortes geadas nas manhãs de inverno quando a temperatura chegava aos 5 ou até 3 graus. Contrabalançando com os mais de 32 graus registrados nos dias ensolarados de verão. Já nas Terras Quentes, durante o inverno dificilmente se tinha temperaturas abaixo de 12 graus, ao passo que no verão estas chegam até os 38 graus centígrados 400 . Quem observa os dados relacionados ao crescimento populacional de Espírito Santo durante a segunda metade do século dezenove logo irá constatar que o fluxo migratório teve uma influência expressiva sobre o aumento da população. Seu número de habitantes aumentou de 53.000 em 1860 para 96.500 já no ano de 1878. O que aconteceu, sobretudo, em razão da chegada dos imigrantes italianos. Outras características desse grupo devem ser consideradas, sobretudo, o fato de falarem um idioma latino e de serem todos católicos. Facilmente se pode deduzir que este aspecto levou a uma rápida e gradativa integração da população de origem italiana com a população luso-brasileira, contribuindo assim também para a sua gradativa assimilação cultural 401 . A partir de 1880 o fluxo imigratório pomerânio da Europa para o Espírito Santo praticamente cessou. Com isto o processo de expansão da colônia passou a se fazer essencialmente à custa da migração interna. Esta se constituiu no elemento mais importante na 400 401 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 159 ocupação de terras devolutas de importantes regiões da Província de Espírito Santo 402 . Foi neste cenário que, em 1880, milhares de novas famílias de italianos europeus também começaram a engrossar o fluxo migratório. O aspecto exterior destes imigrantes italianos talvez não fosse muito diferente dos teutos, até porque, também eram muito pobres, vinham em grandes navios “abarrotados de gente” traziam poucos pertences pessoais que geralmente não passavam de poucos objetos de cozinha, algumas peças de roupa, uma máquina de costura e, quando muito, algumas moedas de ouro, representando toda a sua economia ainda remanescente. O que diferenciava estes recém-chagados era justamente o seu novo perfil profissional. É lógico, havia camponeses, mas também chegaram marceneiros, carpinteiros, ferreiros, guarda-livros e professores. Também estes aqui passaram por muitas privações, seja durante a viagem pelo mar ou durante as semanas ou meses que se seguiram ao desembarque em Vitória e seu translado com muito sacrifício até os assentamentos nas localidades conhecidas como Pau Gigante, Santa Tereza, Alfredo Chaves, Rio Novo ou ainda outros. 4.10 As Novas Colônias É importante lembrar que, em decorrência da abolição da escravatura, grande parte dos alforriados havia se embrenhado nas florestas, talvez, em uma tentativa de esquecerem o seu passado 402 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 160 sofrido nas fazendas 403 . Foi, portanto, este o caboclo que veio a se constituir em uma espécie de pioneiro da própria colonização teuta no Espírito Santo 404 . No início do século vinte, pouca informação se tinha sobre a população nativa, até porque, se de um lado os silvícolas eram considerados um povo sem importância, cuja preocupação era apenas com a caça e a pesca de subsistência. Seus remanescentes, para fugirem do avanço da colonização tinham seguido para a metade norte de Espírito Santo. Os descendentes dos escravos, com a abolição da escravatura passaram a viver ás margens dos desmatamentos e, em apenas poucos casos constituíram-se em mão de obra diarista nas áreas de colonização européia 405 . Os colonos, depois de assumirem suas novas propriedades costumavam alargar a derrubada para ampliar as plantações. Em muitos casos até passavam a viver dentro das mesmas condições que os próprios caboclos 406 . Em geral os novos proprietários, depois de alguns anos, conseguiam oficializar a posse das propriedades. Neste momento, muitas vezes, alguns colonos teutos passavam a ser explorados pelo poder público, tanto pela sua absoluta incapacidade de comunicação no idioma nativo como também pelo receio de lhe tomarem a sua propriedade 407 . Até porque, na falta de tabelas de valores a serem cobrados pelos serviços, à custa de 403 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 405 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 406 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 407 Graça Aranha. CANAÃ. Ediouro Publicações Ltda. Bonsucesso – Rio de Janeiro. 2002. Cenários Muito bem descritos neste romance. 404 161 medição e registro arbitrárias de qualquer propriedade sempre eram 408 . Na antiga colônia de Santa Isabel, dois aglomerados urbanos passaram a se destacar pequenos 409 . O povoado de Santa Isabel, de mesmo nome da própria colônia de Santa Isabel, tinha cerca de 250 habitantes, entre “alemães” “brasileiros”. Esta localidade, com a emancipação, constituiu-se na sede da câmara de vereadores e da paróquia católica. Aqui, praticamente toda a população era católica. Também aqui a maioria dos comerciantes e artífices eram teutos 410 . O outro povoado de nome Campinho cresceu como sede da paróquia luterana. A grande maioria dos seus habitantes era luterana. Esta localidade passou a se destacar como centro comercial da região. Seus seis negociantes, seis artífices, dois hoteleiros, entre outros, passaram a se constituir no esteio da produção e fornecimento dos produtos de primeira necessidade da população. Na Colônia de Santa Leopoldina a maioria foi de origem pomerana. Ao contrário do costume europeu, a ocupação das novas terras continuou sendo feita a partir do assentamento das famílias em suas propriedades rurais. Além disto, todo o trabalho continuava sendo feito pelos ocupantes do “prazzo”, isto é, do lote de terra do imigrante assentado. A única exceção à regra estava no chamado “juntamento” quando diversos vizinhos de uniam para realizar uma 408 Ibidem. Cenários Muito bem descritos neste romance. SANTOS, E. S.; KILL, M. A.; BIGOSSI, R.; MURAKI, J. B. História, Geografia e Organização Social e Política do Município de Domingos Martins. Vitória: Brasília Editora Ltda, 1992. 410 Ibidem. 409 162 tarefa maior como no caso de uma derrubada ou de uma queimada 411 . Novamente aqui temos dois aspectos a serem considerados. De um lado, ao se isolarem, também impediram a assimilação de novos conhecimentos ou de uma miscigenação cultural. Desta forma, passaram a conservar seus hábitos e costumes como também a sua língua. Estes núcleos culturais quase encapsulados apenas com o passar dos anos foram absorvendo a população de outras etnias. Havia um grande desequilíbrio entre os poderes constituídos, seja da própria administração da colônia ou mesmo da província e os colonos. Neste contexto, o quase analfabetismo da população teuto-brasileira a qual, além de compreender pouco do que se falava em português, não lia nem escrevia neste idioma. Isto passou a motivar uma verdadeira “fuga” desta população em direção aos seus sítuos-esconderijos nos mais afastados vales ou picadas. As próprias autoridades, representantes dos governos, muitas vezes, transformados em especuladores e indivíduos de má índole, criando sentimentos de anticidadania brasileira, passavam a contribuir ainda mais para o afastamento de qualquer possibilidade de comunhão com a população nativa 412 . Eles souberam que as terras quentes de Lagoa e Guandu eram mais férteis e não tão acidentados. Por isto tentaram em primeiro lugar migrar de Santa Joana para Lagoa Serra Pelada. Quando constataram que Lagoa já estava começando a ficar muito ocupado, meu avô já avançou para áreas maiores, em direção a São João. Eram cinco horas a 411 412 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Exemplo muito bem descrito por Graça Aranha em sua obra “CANAÔ; 163 cavalo, na procura por terras. Chegando aqui, terminou 413 comprando terra para os cinco filhos. Desta forma foram se criando os novos assentamentos, ou seja, as novas colônias. Com a criação destes novos assentamentos, comunidades evangélicas foram se formando a partir do desmembramento de novas Colônias. Assim, em 1873 surgiu a Comunidade de Califórnia e, em 1879, a de Santa Leopoldina II. Santa Joana foi criada em 1903 1904 415 . Este processo de 414 e Sana Maria, em desmembramento procedeu-se, basicamente, em função das distâncias entre as sedes das paróquias ou da casa pastoral e as comunidades filiais. Desta forma as chamadas filiais da comunidade principal, com o passar dos anos passavam a constituir-se em sedes de novas comunidades 416 . Na virada do século, já havia seis comunidades evangélicas na abrangência da colonização teuta no estado de Espírito Santo. O fato dos pomerânios, na Europa, sempre terem sido um povo ligado à agricultura em terras pertencentes aos senhores feudais ou grandes proprietários de terras, retardou muito o desenvolvimento de um raciocínio político neste povo. Na Pomerânea os proprietários de terras resolviam todas as questões político administrativas. Isto fez com que também aqui no Espírito Santo, até na virada do século, os interesses por assuntos políticos continuassem fora de qualquer cogitação para esta população interiorana. Quem era da terra cuidava apenas da terra. Aqui no 413 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. PORT, D. C.; PORT, I. Alto Santa Joana – 100 Anos de História. Santa Maria de Jetibá: Gráfica e Editora Follador Ltda, 2007. 415 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 416 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 414 164 Brasil, a permanência de uma imagem do “senhor feudal”, na figura da autoridade constituída, durante muitas décadas continuou inibindo o surgimento de políticos na região da colonização pomerana do Estado de Espírito Santo. 4.11 O gradativo predomínio do pomeranismo Com o passar dos anos, apesar da preservação dos diferentes dialetos, como os originários da região do Hunsrück, da Renânia, do Tirol e mesmo daqueles que falavam certo dialeto holandês, a língua pomerana gradativamente foi predominando em grande parte das colônias teuto-brasileiras de Espírito Santo 417 . Com isto passou a ser cada vez mais comum encontrar quem falasse dois três ou quatro idiomas ou dialetos diferentes, especialmente entre aqueles vinculados ao comércio ou ao transporte de mercadorias. Por outro lado, com o micro-regionalismo criado pelo próprio distanciamento entre as diferentes comunidades ou paróquias, especialmente entre os luteranos os hábitos e costumes destas diferentes populações conservaram-se inalterados. Um crescente número de casamentos entre os jovens do grupo majoritário constituído procedências contribuiu pelos pomerânios definitivamente e para os de este outras gradativo predomínio da cultura pomerana. O maior exemplo disto foi o chamado “casamento pomerânio” com sua festa e rituais bem próprios e que gradativamente foi sendo adotado em quase todas as 417 Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 165 regiões 418 . Há quem diga que os pomerânios, ao chegarem no Brasi,l mantiveram o seu idioma como forma de comunicação pela qual evitavam que eventuais concorrentes entendessem o que falavam. Aliás, ao manterem a sua própria língua também conseguiram manter melhor a sua cultura e seus valores como tantas vezes já haviam feito ao terem sido subjugados pelos brandenburgueses, prussianos suecos, poloneses, dinamarqueses e 419 . O predomínio da língua pomerana se tornou mais evidente à medida que foi crescendo o intercãmbio entre as diferentes comunidades e o consequente surgimento de novas oportunidades de casamento. O pomerânio sempre foi muito conservador nas suas tradições e sua língua, incompreensível para os que falavam outros idiomas ou dialetos. Temos aqui dois aspectos que certamente foram essenciais para a manutenção desta característica. Ao se isolarem dificultaram uma maior miscigenação com outras correntes culturais como dos diferentes grupos luso-brasileiros e afro-brasileiros, de outro lado também conseguiram preservar melhor os seus hábitos e costumes, como também seu idioma. Por outro lado, com o passar dos anos estes núcleos culturais passaram a absorver a população dos outros grupos minoritários de procedência germânica, holandesa, suíça e austríaca 418 420 . De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Em uma referência ao passado em que a Pomerânea foi dominado por estes deferentes paises da Europa Central. 420 Um exemplo bem típico foi a prolífica família do pioneiro Jacob Seibel, cujos filhos todos casaram com pomeranas e a grande maioria dos seus descendentes terminou por assimilar a língua pomerana. 419 166 421 Mas pela informação que eu tenho, foi que os pomerânios chegaram mais para os lados de Santa Maria. Tivemos esta informação também depois. Sabemos que hoje em Rio Bonito ainda vivem Hunsrücker, vivem os Holandeses e vivem os Pomerânios. Por aqui, onde os pomerânios eram em maioria, os católicos na minoria, os outros terminaram sendo absorvidos pelos pomerânios. Isto porque vinham casando entre eles e com isto a comunidade tornou-se 422 pomerana. Todos estes fatores certamente explicam o gradativo predomínio da língua pomerana sobre as demais, dentro de uma lenta, porém gradativa homogeneização cultural de toda a população teuto-brasileira no Espírito Santo. Meu pai ainda falava holandês mais minha mãe não. Em casa, com o pai falava holandês e com a mãe em pomerânio. O pessoal hoje só fala pomerânio mesmo. Hoje eu falo mais pomerânio e às vezes o alemão alto. É lógico, 423 se necessário, o português. 4.12 Um trabalho infantil Toda e qualquer rotina do dia a dia na propriedade rural da colônia pomerana pode ser considerada como um conjunto de fatores culturais. Querer condenar a participação de crianças e adolescentes na atividade diária destas famílias sem antes fazer uma pormenorizada análise dos aspectos culturais envolvidos, não seria uma grande prova de desinformação? Na colônia teuta sempre houve muito trabalho por ser feito, seja na derrubada da mata, no 421 Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. O que vem a conceituar etnia, ou seja, a homogenização cultural, onde uma população ou grupo cocial passou a compartilhar a história. 423 Cf. décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 422 167 preparo das lavouras ou ainda nos cuidados domésticos. Dentro de tudo isto será preciso considerar que, via de regra, quase todas as famílias costumavam ser muito numerosas 424 . Na verdade (as crianças) acompanhavam os pais desde muito pequenos. Inicialmente se fazia uma espécie de rede com lençol ou cobertor, que servia de berço. Costumavam 425 dormir enquanto a mãe trabalhava. Com cinco ou seis anos já ganhavam a sua enxadinha e seguiam junto na roça. Assim aprendiam a trabalhar. Geralmente também aprenderam muito pouco na escola... Eles foram criados assim. Cada um tinha suas ferramentas pequenas e tinha que aprender a capinar, a roçar pasto com 426 foice pequena. Ouvi relatos de que as crianças iam para a aula até o meio dia a que depois tinham que trabalhar pra ajudarem os pais no trabalho na roça. Provavelmente isto foi a realidade de todas as famílias. Havia o estudo, mas também havia a participação no trabalho. Não sei até quando isto foi a regra, mas pelo menos no primeiro período parece ter 427 acontecido. Aí pelos sete anos já íamos à roça. Depois que fomos à escola, chegávamos em casa e de tarde tínhamos que preparar mandioca e inhame para a ração dos animais. Era 428 429 para o gado e para os burros e os porcos. Neste contexto, estes imigrantes, independente da sua procedência precisavam vencer as tarefas diárias para poderem 424 O autor da pesquisa até a idade de doze anos esteve perfeitamente enquadrado nesta sistemática e mesmo assim não teve qualquer prejuízo, seja psicológico ou físico. Muito antes pelo contrario. Aprendeu que o trabalho e o caminho incondicional para o progresso 425 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08 426 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. 427 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 428 Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 429 O autor da pesquisa até a idade de doze anos esteve perfeitamente enquadrado nesta sistemática de trabalho e mesmo assim não teve qualquer prejuízo, seja psicológico ou físico. 168 suprir o necessário sustento da família. Não havia como deixar filhos de dez, doze ou quinze anos vivendo na ociosidade, até porque muitos terminavam constituindo novas famílias já na idade de dezesseis ou dezoito anos. Era preciso contribuir para o sustento da numerosa família. Mas era também preciso aprender a trabalhar. Isto era costume. Se os pais iam para o trabalho, não havia porque deixar os filhos em casa. Assim, logo que podiam, também começavam a trabalhar. De manhã iam à escola e 430 durante a tarde já ajudavam na roça. Ao menos eu comecei com sete anos. Ia-se para a roça. Tinha-se que capinar. O mais difícil era quando o mato já era grande e a gente tinha que capinar. Mesmo assim não morri por causa disto. (hoje já completou 94 anos de idade) O trabalhador não morre não. Morre se ele facilita e passa fome ou beber demais. Trabalhar não faz mal pra ninguém. Trabalhar do jeito de que eu trabalhei. Eu tinha que serrar 431 madeira, amolar ferramenta. Cuidar os porcos. Aqui com oito anos. Apenas iam junto para aprender a trabalhar. Até porque de manha iam para a aula e depois ajudavam na roça. Na verdade passavam a trabalhar mesmo aos 12 anos de idade. Na verdade com 8 anos já ajudavam na roça. Iam à escola até perto dos 12 anos e a 432 partir daí passavam a trabalhar somente na roça. Assim, aos oito ou nove anos de idade aprendia-se as tarefas mais leves e à medida que as crianças cresciam, entravam na adolescência e passavam a atuar como iguais ao lado dos adultos 433 . 430 Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 433 Vivencia pessoal do autor. São também Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 431 432 169 Os meninos com 13 ou 14 anos (eram confirmados) e as meninas um ano antes. Duravam três anos. Iam 2 ou 3 vezes por semana durante a manhã no ensino confirmatória. Depois chegavam em casa e precisavam ajudar na roça. Tenho a vivência. A convivência com eles em todo este tempo. Eu não via como trabalho escravo. E não era um trabalho escravo. Nem da família com que convivi nem da vizinhança. Até porque todas as crianças estudavam até a quarta série. Isto foi na época em que cheguei lá. Depois da aula eles iam à roça, sim. Isto já foi na década de setenta. Antes disto, especialmente na época pós-guerra ou mesmo antes da guerra, as crianças automaticamente iam ajudar na roça. A dona [...] que hoje tem 84 anos falava que, quando era criança sempre trabalhou na roça com os pais, mas nunca foi maltratada. Ela trabalhava e muito mesmo. Mas não era um trabalho onde a maltratassem. Ela nunca viu nisto um maltrato. Ela viu que com isto aprendeu a respeitar pessoas, amar os pais. Dizia que nunca sentiu uma pressão ou uma forma de escravidão. E os seus filhos também. 434 Eram mais velhos do que eu [...] Alguns já começavam aos cinco anos de idade. Tinha muita criança com as mãos já calejadas. Arrumava-se uma pequena foice ou uma pequena enxada e ia-se junto. Quando de ia à escola, lavavam os pés de noite para tirar as manchas de cipós. Andava-se sempre descalço e de calça curta. A roupa de confirmação só se usava naquele dia, para no próximo ano ser usado por outro usar. Tudo era muito 435 difícil. Roupa era a coisa cara. Na verdade aprendiam a trabalhar. Era o serviço leve. Assim, na plantação de milho, colocavam a semente de milho nas covinhas abertas pelos adultos. Eles tinham um pequena enchada com que capinavam quando era o caso. 436 Ajudavam a limpar o caminho. 434 435 436 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07 08. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 170 Praticamente todos os imigrantes teutos vindos para o Espírito Santo viviam dentro de um padrão de família de três gerações. Assim, a geração mais velha, os avós traziam para a sua casa um dos filhos, que casava e passava a desenvolver a sua própria prole 437 . Esta acomodação familiar pode ser atribuída a uma série de fatores. Em primeiro lugar o próprio processo de migração interna, inicialmente para as terras da Bacia do Rio Santa Joana e do Rio Guandu e, mais tarde, para o norte do Estado, fez com que em geral a geração antiga permanecesse na propriedade na qual estava trabalhando, mantendo perto de si um dos filhos com quem tivesse uma maior identidade. O avô, como líder deste grupo famíliar tradicionalmente continuava no comando das decisões. Enquanto as forças físicas o permitiam, mantinha-se à frente do trabalho na lavoura A avó, em geral assumia as tarefas mais leves como o trato das aves, a feitura das refeições e o preparo do pão. Do casal mais novo, o marido atuava no trabalho mais pesado, enquanto que a esposa o auxiliava dentro do que suas forças físicas o permitiam. A ela cabiam os cuidados com as vacas de leite, com a lavação das roupas e com a limpeza da casa 438 . A capacidade de trabalho dos colonos pomerânios sempre teve um destaque muito especial. Entretanto, cabia à mulher um encargo muito grande no dia a dia da família. Vale salientar que, além de realizar todos os afazeres domésticos, sem o auxílio dos 437 438 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 171 homens, a sua participação nas atividades na lavoura em nada ficam devendo aos homens. A função primordial na vida da mulher pomerana, entretanto, diz respeito ao seu papel de preservadora dos valores e preservadora da cultura deste povo, e cujo principal instrumento vem a ser a língua pomerana, ou seja, a “Muttersprache” e que em uma tradução verbal quer dizer língua materna 439 . “Os meninos quando eram confirmados, aí pelos 14 anos, não iam mais à escola e se tinha gente para trabalhar”. 440 Hoje não cansam de fazer a mesma pergunta: Porque do trabalho infaltil? Os filhos, até a década de trinta, na medida em que cresciam, passavam a freqüentar a escola da comunidade durante dois ou três dias da semana, enquanto que nos outros dias gradativamente iam assumindo diferentes tarefas domésticas ou na lavoura. A família, portanto, precisava contar com o auxilio dos filhos. Até porque, em primeiro lugar, toda a estrutura familiar estava baseada no principio do trabalho com a participação de todos e em segundo lugar, como as famílias costumavam ser muito grandes, sua sobrevivência tornava-se impossível com apenas uma ou duas pessoas incumbidas de todo o trabalho que precisava ser realizado na propriedade. [...] Antigamente as crianças iam cedo para a roça, para aprenderem a trabalhar. Antigamente era assim. Como hoje eles aprendem a trabalhar na roça? Não querem aprender mais a trabalhar. Só querem saber de estudar. Os 441 estudados não acham mais trabalho. O que vão fazer? 439 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 441 Cf. trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 440 172 Esta característica passou a ser cultural neste grupo populacional e ninguém a contestava. Esta peculiaridade certamente foi responsável pelos resultados financeiros obtidos pelos agricultores pomerânios e logo reinvestido na compra de novas propriedades para seus filhos. Esta pecularidade é embasada no princípio de que apenas os dedicados conseguem produzir. O pensamento de que “o trabalho enobrece” fez com que os pomerânios e demais imigrantes germânicos assentados no Espírito Santo, apesar de todos os contratempos, conseguissem sobreviver e encontrar o cominho do progresso. Esta característioca certamente pode ser explicada pelo fato da cultura pomerana ter incorporado um conceito muito próprio sobre o trabalho. NÃO SE TRABALHA PARA VIVER, VIVE-SE PARA TRABALHAR 442 . Este princípio talvez pode ter contribuído para a própria sobrevivência deste povo o qual de outra forma talvez, tivesse sucumbido ao longo dos séculos. 4.13 A virada do Século As primeiras décadas da colônia se caracterizaram pela grande dificuldade de comunicação entre as diferentes regiões. As vias de acesso eram precárias e o transporte de produtos de primeira necessidade sempre precisou ser feito pelas “tropas” de 442 FACHIN, Patrícia. Há entre os pomerânios uma ética de trabalho muito acentuada. IHUONLINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 271, São Leopoldo, 1 set. 2008. p. 22. 173 mulas e desta forma chegando até as populações dos mais longínquos recantos 443 . À medida que crescia a primeira e a segunda geração de filhos de imigrantes já nascidos no Espírito Santo, muitos aspectos relacionados às guerras, à perseguição e ao ódio resultante da luta entre as classes dominadoras e os povos oprimidos, típico do sistema feudal ainda vigente na Europa na metade do século dezenove começaram a ser esquecidos. Desta forma mais e mais se preocupavam com a subsistência de suas famílias e a ampliação das suas propriedades. Já não se preocupavam com os índios até porque estes haviam se retirado para além das margens do Rio Doce. Os europeus e seus descendentes que se radicaram no Espírito Santo durante o primeiro século da imigração jamais pensaram ou deram a entender estarem defendendo quaisquer ideias de miscigenação étnica. Até porque, a grande barreira representada pelo desconhecimento do idioma nativo sempre dificultou um maior intercâmbio com o caboclo, o índio ou o português. A sistemática interiorização do colono, perpetuado pelas constantes novas conquistas de áreas desmatadas e repassadas aos filhos, preservou neles a característica de eternos desbravadores solitários. Este “caipira teuto-brasileiro” ainda na virada do século continuava preocupado, sobretudo com a sua própria sobrevivência e a sobrevivência da sua prole. O seu pequeno mundo, que na maioria dos imigrantes, especialmente nos pomerânios, na Europa esteve restrito à propriedade do latifundiário, 443 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 174 aqui logo organizou sua vida no seu lote de terras e na sua pequena comunidade. Seu contato com o mundo exterior, na área financeira, da compra e venda de mercadorias, ficou centrado no vendeiro, isto é, no pequeno comerciante e no campo espiritual, educacional e de definição da conduta moral, no pastor ou no padre. Mesmo já tendo transcorrido mais de quarenta anos desde o início da imigração, a distribuição do trabalho nas propriedades continuava sendo bem distinta. Assim, cabia às mulheres cuidar da alimentação e do vestuário. Neste último item inclui-se tanto a lavação de roupas como a própria confecção das mesmas. No cuidado com os animais o serviço mais leve como o trato das aves, a ordenha das vacas continuava sendo executado pelas mulheres e adolescentes, enquanto que os homens realizavam o trabalho mais pesado como o cuidado com os cavalos, a construção e manutenção dos estábulos, cercas, chiqueiros para os porcos e a própria alimentação destes animais. No dia a dia do trabalho na lavoura, homens e mulheres costumavam trabalhar juntos. Os filhos cresciam e passavam a sonhar com seu próprio imóvel ao mesmo tempo em que na casa paterna aprendiam os segredos dos cuidados com a terra. A rigidez na moral e nos costumes sempre se manteve, quem sabe, como uma tentativa de preservar a própria cultura de origem. O relacionamento com pessoas de fora da colônia continuava sendo proibido, quer pela própria dificuldade de comunicação quer pela desconfiança gerada com as esporádicas convivências com pessoas da população nativa 444 444 . De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 175 A corrente migratória dos primeiros anos trouxe gente das mais variadas regiões da Europa Central. Na prática verificou-se uma rápida miscigenação entre estas diferentes populações. Os pomerânios, com seu idioma próprio, agora já em maioria, cada vez mais passavam a imprimir o seu vocabulário na linguagem do dia a dia da população 445 . Pelos seus vestuários, principalmente das mulheres, até se podia identificar a época da sua vinda da Europa. Por vezes até permitia identificar o lugar de sua origem 446 . As modificações nos tradicionais modelos de vestuário um tanto grosseiros lentamente foram sendo substituídos por novos padrões de custura com o advento de revistas do gênero, já em pleno século vinte 447 . Com o passar dos anos, mesmo que nunca tivessem demonstrado uma ânsia pelo lucro e pelo enriquecimento, os agricultores de uma forma ou outra continuavam mantendo seu estilo de vida muito simples e suas habitações com características bem próprias. Nas regiões mais quentes, isto é, nas terras baixas, o vigor físico do colonizador passou a sofrer certo comprometimento sem, porém, tornar-se desleixado. Mesmo depois de duas ou três gerações, o teuto continuou ostentando sua tenacidade e seu senso de independência e de orgulho, talvez até temperados pelas vitórias conquistadas ao vencerem tantos contratempos durante os seus 445 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 447 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 446 176 primeiros trinta ou quarenta anos de um trabalho muito árduo nas encostas quase inóspitas das terras altas 448 . Desta forma, como integrantes da segunda ou terceira geração já se sentiam revigorados e donos de uma cultura cada vez mais própria deste interior de Espírito Santo. Entretanto nada os prendia, nem ao mundo luso-brasileiro, nem às suas raízes históricas ou políticas do império alemão. Ao longo destes últimos anos haviam se transformado em “Dütscha Lür” 449 , isto é, gente diferenciada, com uma identidade teuto-capixaba muito própria. Este sentimento de coesão étnica preservou neste colono um espírito de preservação das suas tradições. As estradas que foram sendo abertas, além de favorecerem o pequeno e também o grande comércio, também aumentaram o intercâmbio entre as comunidades mais isoladas. Isto reforçou as situações muito curiosas já existentes e relacionadas a própria questão da língua. Ao longo da primeira metade do século vinte não era incomum ainda encontrar-se pessoas que se comunicavam em quatro, digamos, idiomas diferentes. Falavam o alemão alto por ter sido necessário para a alfabetização e para o relacionamento com as atividades na igreja. Falavam o pomerânio, por este ter se tornado o meio de comunicação habitual em toda a colônia. Falavase português por ser a língua do relacionamento com os órgãos do governo. Falava-se ainda no seio da família, o idioma ou dialeto de origem européia, como o holandês, o belga ou o tirolês 450 . 448 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Expressão usada entre os pomerânios para se referirem aos descendentes de imigrantes teutos em Espírito Santo. 450 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 449 177 Apesar de já se ter observado certo progresso em algumas regiões da Colônia, especialmente nas proximidades de Santa Maria e Domingos Martins, alguns agricultores, especialmente na longínqua Mata Fria aos poucos foram também se transformando em indivíduos entregues à sua própria sorte, perdidos nas lonjuras das matas. Vinculavam-se com a própria civilização apenas por intermédio dos eventuais encontros domingueiros nas igrejas ou nas capelas. Muitos andavam descalço por não terem acesso à compra de calçados. Estava-se pouco preocupado com o conforto, até por desconhecê-lo, porém, dedicavam-se ao trabalho para um maior crescimento do seu sítio 451 . Desde os primórdios dos assentamentos os colonos estavam acostumados à cultura de subsistência. O café muito cedo passou a representar uma fonte de riqueza adicional. Com a consolidação da colônia tornava-ser cada vez mais importante ter aves, porcos, uma vaca de leite, couro de gado para confecção de tamancos e chinelos, além da utilização de penas das aves para a confecção de travesseiros e cobertas para o inverno frio 452 . O milho e os tubérculos eram cultivados tanto para a alimentação dos animais como de pessoas. Nas primeiras décadas do século vinte apenas uma pequena parte do que consumiam costumava ser adquirido fora dos limites da colônia, como tecidos, açúcar, farinha de trigo, sal, querozene, ferramentas, aguardente, arroz e todo o material de selaria. De certa forma, não eram produtos imprescindíveis ao dia a dia para a sobrevivência das famílias. A sua 451 452 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 178 compra podia ser retardada para ocasiões de venda de produtos da propriedade, como carne, banha ou mesmo café. 4.14 Florescimento do comércio e o papel dos vendistas. Em 1910 a população da cidade de Vitória, a capital constituíra-se no maior aglomerado populacional do estado, com cerca de 25.000 habitantes. Em Santa Leopoldina, nesta mesma época, não viviam mais de 1.200 habitantes, o que vem a ser mais um sinal claro de que os imigrantes continuavam dando preferência ao seu estilo de vida rural, evitando os aglomerados populacionais. Figura 18: Casa Verflut, a primeira grande casa comercial no interior da Colônia de Santa Leopoldina, na localidade de Luxemburgo. 179 Cachoeira de Santa Leopoldina desde o início da criação da Colônia passou a exercer um importante papel na comercialização de produtos de toda a região, seja os de primeira necessidade como também como comprador de mercadorias já produzidas pelos assentados. Tão logo as colheitas de café se tornaram mais consistentes esta cidade iniciou sua trajetória como florescente entreposto comercial de toda a área central capixaba. O Rio Santa Maria continuou sendo a principal via de escoamento de mercadorias para a Europa. Tudo isto contribuiu para que as casas de comércio de Santa Leopoldina vivessem o seu período de grande progresso, chegando a se transformar em verdadeiros concorrentes dos grandes comerciantes de Vitória 453 . Nesta época também a Estrada de Ferro, como era chamada a ferrovia passou a ligar a capital do estado ao Rio de Janeiro, constituindo-se em mais um elemento gerador de progresso em função da agilização no transporte de mercadorias. Na esteira de todo este florescimento comercial da sede do agora já município de Santa Leopoldina vinha o pequeno negócio do interior. Era aquele que abastecia a população rural. Eram os “vendistas”, isto é, os pequenos agricultores-comerciantes que adquiriam seus produtos dos importadores, geralmente da sede, para depois os revenderem aos agricultores. Da mesma forma compravam destes toda a linha de pequenos produtos oriundos da agricultura, especialmente o café e os revendiam aos grandes comerciantes 453 454 454 . De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 180 Todas as coisas maiores eram vendidas em Santa Leopoldina. Havia o pequeno comércio nas colônias, mas coisas maiores daqui costumavam ser levadas para o Bout (Porto Santa Leopoldina). Por aqui se conseguia pouca coisa. Havia um pouco de sabão e estas coisas básicas. Na realidade as pessoas costumavam fazer mesmo o sabão. Para isto compravam soda e preparavam o sabão com sebo 455 e restos de vísceras, as sobras dos animais abatidos. Tinha umas vendas pequenas. Tinham sal, corte de tecidos, pregos para ferrar cavalo e ferramentas de trabalho. Algumas vezes se conseguiacomprar trigo. Eles compravam também galinha, ovos... Tinha tropa para levar as coisas 456 embora. Havia uns quantos que tinham tropa. Havia tecidos, agulhas, linha, açúcar, fumo, sal, um pouco de trigo. Trigo se comprava no natal e quando alguém morria. Nestes momentos de fazia “Wittbrot”, ou seja, pão branco. Comercializavam também ovos, banha, café, feijão, 457 milho. Eram as coisas do dia a dia das famílias. Tinham enxadas e as ferramentas que em geral eram utilizadas naqueles tempos. Tinham farinha de trigo, feijão e estas coisas. Cheguei conhecer tecido em rolo. Compravase em metro, até porque não havia roupa pronta. Havia linha, fumo de corda, que ficava exposto em cima do balcão. Cheguei ainda a conhecer as balas que não eram embrulhadas e que o vendeiro fazia uma espécie e cartucho de papel de embrulho, nos quais colocava as balas. E quando se ia para a cidade, Itarana, Itaguaçu ou Santa Leopoldina, geralmente se buscava tecido para roupa e 458 medicamentos. Aqui vale citar que a manutenção de uma espécie de atendente poliglota nas casas comerciais espalhadas por toda a região da colonização contribuiu decisivamente para a preservação 455 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 458 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 456 457 181 dos elementos culturais destes diferentes grupos. Foi desta forma que, pomerânios, holandeses, renanos e mais tarde italianos puderam realizar suas negociações comerciais, falando suas próprias línguas e sem maior receio de serem atraiçoados. Um sistema de credito na forma de cadernetas de débito ou crédito começou a vigorar nas diferentes casas de comércio pelo interior afora. A variedade de produtos não costumava ser muito grande, porém as mercadorias básicas geralmente podiam ser encontradas. Figura 19: Caderneta da “venda”, ano 1926. 182 Em princípio tecido, sal, trigo, fumo, querosene e cachaça. Os comerciantes tinham uma caderneta onde anotavam todos os débitos que o colono tinha assumido. Depois, na hora de entregar o café esta dívida era descontada do valor 459 a ser pago pela safra produzida pelo colono. Era também aqui que vendiam os excedentes da propriedade. Desta forma débitos e créditos da caderneta da “venda” eram computados e se “fechava o ano” financeiro dos colonos. Principalmente o café. Mas também carne de porco, ovos e manteiga. Isto passou a acontecer a partir da abertura das 460 estradas para caminhões. Eram aquelas coisas que mais precisavam. Era cana-deaçúcar, batata doce, galinha caipira, porcos, café, milho e feijão. Outros produtos terminariam estragando porque levavam um mês para chegar até Vitória. Dependendo do lugar, indo no lombo de burro, levava até duas semanas para chegar até Santa Leopoldina. Às vezes iam 10 tropas. E cada tropa tinha dez burros. Isto dava 100 animais. Havia lugares em que precisavam atravessar o rio. Então se descarrega toda a carga dos animais, atravessava-se a carga nas costas até o outro lado do rio e carregava-se novamente a tropa. Havia vários lugares onde eles “ranchavam”, deixavam descansar os burros. Às vezes 461 descansavam cinco, seis ou até oito dias. Com o passar dos anos a gradativa abertura das estradas, seja entre as diferentes regiões do interior do estado ou mesmo entre a sede de Santa Leopoldina e a Capital, muitos “vendistas” do interior da colônia passaram a comprar e a vender os seus produtos 459 460 461 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 183 diretamente aos grandes comerciantes de Vitória. Entretanto, mesmo com este progresso registrado na área comercial, até 1950, as tropas e mulas continuavam sendo o mais importante meio de transporte de mercadorias entre as diferentes regiões do interior do estado 462 . Ainda nos últimos anos da década de 1950 podiam ser vistas tropas com suas cargas subindo a Serra Pelada 463 ou transpondo a alta Montanha das Manquinha para chegar até Alto Santa Joana. 464 4.15 A lenta diversificação do trabalho Do total de 2.142 imigrantes que chegaram à província de Espírito Santo entre 1857 e 1872, ao menos oficialmente, 2135 eram agricultores 465 . Desta forma os imigrantes que trabalhavam na roça, por definição, passaram a ser chamados de lavradores 466 . Até porque, o trabalho a eles destinado desde o início tinha sido o da lavoura. Apenas seis declararam ter outra profissão. Vale lembrar que, por vezes, os recém-chegados também podiam estar omitindo a sua verdadeira profissão. 467 Os primeiros, no tempo em que passaram no acampamento provisório de Vitória, parecem ter feito algum tipo de serviço como diaristas. Já naqueles tempos. Depois em Santa Leopoldina, novamente ficaram acampados em outro 462 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 464 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. 465 Informação colhida no Museu do Imigrante na cidade de Santa Leopoldina. 466 Denominação ainda utilizada em grande parte dos lugares da Colônia, especialmente Afonso Cláudio, como sinônimo de agricultor, trabalhador rural ou colono. 467 Informação colhida no Museu do Imigrante na cidade de Santa Leopoldina. 463 184 barracão. De lá foram para Rio Farinhas e posteriormente 468 para Santa Joana. Apesar de praticamente todos os imigrantes teutos terem seguido para os seus prazos ou propriedades, outras atividades profissionais aos poucos também foram se tornando necessárias. Assim, a atividade correspondente aos artífices logo se mostrou necessária. Foram atividades não vinculadas diretamente às lidas do campo, entretanto, indispensáveis à economia da colônia. Atividades envolvendo o abate de animais, preparo do pão ou mesmo confecção de roupas sempre fizeram parte da lida doméstica dos agricultores. Passados os primeiros cinquenta anos da chegada dos imigrantes, praticamente todos já tinham o seu cavalo. Até os colonos mais pobres necessitavam do seu meio de transporte, seja para levar os seus produtos ou para a sua própria locomoção. Portanto, com isto a selaria se tornou essencial no fornecimento dos acessórios da montaria. Necessitava-se de ferros para os animais de montaria. Com isto cada localidade precisava de alguém que os preparasse. A comercialização de calçados durante os primeiros cinquenta anos foi pequena, isto porque, o colono continuava trabalhando descalço. Entretanto, nos seus encontros domingueiros costumava utilizar algum tipo de calçado. Os produtos importados tinham preços proibitivos. Botinas, chinelos ou mesmo tamancos 468 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 185 eram confeccionados pelos sapateiros e contumavam ser muito apreciados pelos agricultores 469 . Figura 20: Café “em flor”. Os móveis mais sofisticados eram importados e poucos os podiam adquiri-los. Desta forma os móveis encontrados nas casas dos colonos costumavam ser “fabricados” em casa mesmo por algum marceneiro da região. Geralmente os que tinham o dom de trabalhar com móveis deslocavam-se para as casas dos “clientes” para a fabricação dos móveis ou esquadrias 470 . Uma ou outra pequena destilaria de aguardente ou mesmo para a fabricação de 469 470 De anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 186 cerveja, também podia ser encontrada. Até mesmo em 1950 esta situação pouco tinha mudado. Figura 21: Café maduro – a riqueza da colônia. As crianças que não estudavam, começavam a trabalhar logo cedo. Eu ajudei a capinar café ainda pequeno. Só que meu pai e minha mãe tiveram uma visão mais avançada para a época. Meu pai queria um futuro diferente para mim. Com nove anos fui trabalhar numa casa de família (do autor) em Lagoa. Depois voltei para cá e comecei a freqüentar uma escola do governo em São João. Depois do primário fiquei na casa de um comerciante em São João. Pela manhã ia à escola e à tarde ia ao interior, com um burro com cangalha, juntar ovos, que eram embalados em palha de milho. Fazia isto em várias regiões, juntava ovos, para ganhar a pensão. Depois fui para um comerciante maior, o [...] onde trabalhei como balconista, desempacotador de produtos que vinham de fora. De lá, depois fui ao [...], onde 187 me tornei uma espécie de auxiliar de tropa de mulas. Tinha que reunir os animais de madrugada e depois ajudar o tropeiro a preparar as montarias para buscar café na Mata Fria. Isto foi em 1951 e 1952. Ia à frente para abrir as porteiras e a tropa vinha com aqueles sinos pendurados no pescoço. O [...] me mandava pelo morro da Manquinha para Alto Santa Joana e de lá para Barra Encoberta onde tinha uma filial para levar abastecimentos. Outras vezes também 471 ia sozinho para levar uma carta. Desta forma um ou outro filho de agricultor, mesmo que exposto aos diferentes riscos, ainda adolescente, seguia o seu caminho, na procura de uma nova atividade profissional e, quem sabe, um pouco menos sofrido do que a dura vida no campo do interior capixaba. 4.16 Santa Leopoldina rumo ao seu apogeu Com a redução da mão de obra escrava, na segunda metade do século dezenove, a economia do estado passou por profundas modificações, especialmente pela substituição da plantação da cana de açúcar pelo café. Os imigrantes europeus assentados nas terras altas, seguindo a tendência do momento, também passaram a se dedicar à plantação de café. Esta cultura logo se revelou mais vantajosa como produto de comercialização. Mas, mesmo que o café, em função do seu potencial de exportação já na virada do século ter se tornado a principal cultura dos imigrantes, estes de uma forma geral, também 471 sempre preservaram a policultura de subsistência. Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. 188 Produziam uma significativa quantidade de feijão, milho, queijo, manteiga, toucinho e tubérculos. Estes, na verdade, se constituíam de produtos de circulação interna das pequenas comunidades. Figura 22: Porto Cachoeiro – Transporte em canoas. Nos primeiros tempos das Colônias, entre 1870 e 1880, quando teve início a migração interna, o ritmo de crescimento em Santa Leopoldina e arredores já tinha sofrido uma significativa diminuição. Nisto se destacou, sobretudo a evasão da população jovem ao mesmo tempo em que entre a população de mais idade, passou a ocorrer um gradativo aumento do número de falecimentos. 189 Figura 23: O ancoradouro de Porto Cachoeiro nos dias atuais. Há cálculos que mostram que da população de 17.500 descendentes germânicos no estado de Espírito Santo em 1910 cerca de 2.500 haviam imigrado da Europa. Com cerca de 19.000 nascimentos nos primeiros 60 anos e um cálculo aproximado de 4000 óbitos. Com isto a população teve um crescimento real de cerca de 15.000 indivíduos 472 . A produção de café em toda a Colônia passou a se constituir no grande gerador de riquezas para os lavradores. Com isto a cidade de Cachoeira de Santa Leopoldina passou a florescer como entreposto comercial de toda a colônia teuto-capíxaba. O transporte para Vitória continuava sendo feito de barco pelo Rio Santa Maria. 472 SEIDE, F.H. A colonização alemã no Espírito Santo. Disponível em: <http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em: 6 jun. 2010. 190 Com isto podiam-se observar cada vez mais os sinais externos de riqueza, especialmente da parte de alguns comerciantes locais. Tabela 8 – Descendentes germânicos Localidade População Santa Leopoldina 900 Santa Maria 2.200 Campinho 1.900 Jequitibá 2.700 Califórinia 1.900 Santa Joana 1.300 Santa Cruz 300 Vinte Cinco de Julho 300 População total 11.500 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) 4.17 Uma saída para o Vale do Rio Santa Joana Nos primeiro anos da colonização, cada imigrante costumava receber uma área de cerca de trinta a sessenta hectares. Esta área de terra ficou conhecida como uma “colônia” 473 . Alguns proprietários, em função do sucesso alcançado com suas culturas, 473 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. A expressão “ai Kunie”, ou seja, uma “colônia” era muito usada pelos antigos e referia-se a uma propriedade padrão que costumava ser adquirida pelos pioneiros. Esta expressão continuou sendo utilizada no meio rural capixaba até a segunda metade do século vinte e se refere a uma “colônia” de terras, ou seja, um imóvel com algo em torno de vinte a trinta hectares. 191 chegaram a ampliar suas áreas em até dez ou vinte vezes 474 . A média, geralmente, permanecia em torno de duas a três colônias. Durante os primeiros sessenta anos, em geral, apenas uma parte da colônia costumava ser cultivada o que representava algo em torno de dezesseis hectares 475 . Em função do grande número de filhos, mesmo com uma ampliação significativa das áreas de terras de cada família de agricultores, muitas vezes estas propriedades se tornavam pequenas para o sustento de novas famílias que passavam a se formar com o casamento dos filhos. Desta forma, na medida em que os filhos chegavam à sua idade adulta, mais terras precisavam ser obtidas. Diziam que não podiam derrubar todas as matas, pois seus filhos e netos precisariam de madeiras para a construção de suas casas 476 . Tabela 9 – Área plantada nas propriedades Plantação efetuada Total em hectares Café 4 Milho, arroz, fejão 6 Inhame, cará, aipim 2 Pastagens 4 Área total cultivada 16 Fonte: Elaborado pelo autor (2010) 474 O próprio exemplo de Jacob Seibel vem a ser muito ilustrativo, pois já pelo censo de 1886 era proprietário de nada menos que seis “colônias”. De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Estes dados costumavam ser aproximados. Porém a preservação de áreas com mata nativa costumava ocorrer em todas as propriedades. 476 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 475 192 Figura 24: O Rio Farinhas nos dias atuais. Vendia-se a propriedade de Santa Leopoldina ou Santa Maria por um valor já um pouco mais elevado e comprava-se uma outra, duas, três ou quatro vezes maior nas regiões recém desbravadas. Assim, o deslocamento para outras regiões, com terras mais baratas constituiu-se na melhor saída para as novas famílias que estavam se formando. Desta forma, a região baixa do Vale do Santa Joana logo foi sendo colonizada, especialmente pelos italianos e a parte alta, pelos teutos 477 478 477 478 . Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 193 4.18 Um retorno para Santa Joana Apesar de não terem ficado bem claras as razões que levaram um dos irmãos Seibel a recuar para Alto Santa Joana, este retorno trouxe alguns benefícios. Pois, se de um lado na região da nova colonização de Laranja da Terra ainda não haviam sido construídos engenhos para o beneficiamento de milho, o aproveitamento de uma cascata do Rio Santa Joana, localizada na propriedade de Guilherme passou a beneficiar todo o grupo familiar com a construção de um moinho para o beneficiamento de milho. Este fato passou a constituir-se como um importante elo de aglutinação deste grupo familiar, até porque, todos necessitavam dos seus serviços para o preparo do fubá de milho 479 . As distâncias a serem percorridas pelos novos moradores de muitos lugarejos até a sede dos municípios costumavam ser grandes e penosas, dificultando também, desta forma, maiores contatos com a sua população luso-brasileira. Por outro lado, já havia o pequeno povoado de São João, um “patrimônio”, onde viviam muitos descendentes de escravos. Entretanto, na época das grandes guerras ainda não havia escolas e o comércio incipiente continuava sendo efetuado por pessoas de “origem”, como diziam, tornando desnecessária qualquer ida até este povoado 479 480 480 . Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 194 Figura 25: Jacob Seibel e esposa com seus 10 filhos. “Sim. Ele fez um moinho na casa dele, ao lado da cascata. Depois passaram a fazer moinhos por aqui em Laranja da Terra. Na época ainda tinha muita água e se podia fazer 481 isto.” Este intercâmbio entre os irmãos continuou muito forte, não só como elemento social como também econômico, pois o seu moinho atendia às necessidades de 482 todo o grupo familiar . Mesmo já tendo passado mais de cinquenta anos da criação das colônias, especialmente em Santa Leopoldina, a dificuldade de entendimento da língua portuguesa continuava sendo a grande barreira à integração com outras etnias. Isto também podia ser observado na própria interpretação das questões relacionadas à herança. Assim, durante toda a primeira metade do século vinte as 481 482 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 195 práticas a ela relacionadas continuavam imutáveis. Na própria história familiar do pesquisador, na década de trinta e quarenta, em uma família com um filho e quatro filhas, o primeiro teve repassadas as duas “colônias” de terra. Em contrapartida, este assumiu os cuidados com os pais idosos, enquanto as quatro filhas “trataram” de casar “com noivos proprietários de terras”. Este era o costume e ninguém o contestava. O papel de Guilherme Seibel no desenvolvimento de Laranja da Terra, seja como líder deste grupo de migrantes, como professor improvisado, seja no processo de alfabetização ou de ensino confirmatório ou ainda como organizador do coral de trombones fez dele um marco no desenvolvimento da comunidade 483 . Figura 26: O Moinho de milho de Heinrich Seibel, na cascata do Rio Santa Joana. 483 GROTTKE, op. Cit. 196 Novamente tivemos aqui um exemplo das muitas idas e vindas dos assentados. Esta passou a ser uma das fortes características deste povo e que se perpetuou pelas gerações a fora. Com o passar dos anos esta característica de povo migrante passou a ser cada vez mais nítida. A expressão “Wanderbauer” 484 isto é, agricultor migrante certamente teve sua origem na necessidade de obtenção de um novo espaço para os jovens destas famílias quase sempre prolíficas. Era preciso migrar para obter o seu “próprio espaço”. Vendiam sua “colônia de terra já esgotada” para poder comprar “novas colônias” em terras que pudessem ser desbravadas. Verificava-se uma clara tendência à migração, tanto que a área do assentamento original nesta mesma época já começava a mostrar sinais de diminuição de sua população 485 . Em 1913, a população de toda a colonização germânica no Espírito Santo já deveria chegar aos dezessete ou dezoito mil habitantes. Deste total calcula-se cerca de 11.500 eram luteranos (incluindo os das comunidades da igreja Missúri), cerca de 5000 eram católicos. Havia ainda cerca de 600 sabatistas (adventistas do sétimo dia) 486 . Há algumas referências que mostram que destes 17.500 residentes no estado de Espírito Santo em 1910 cerca de 2.500 haviam imigrado da Europa. Com cerca de 19.000 nascimentos nos primeiros 60 anos e um cálculo aproximado de 4000 óbitos, a 484 485 486 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Censo de Espírito Santo. SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea de Espírito Santo, não editado. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em 22 jan. 2004, p. 12. 197 população teve um indivíduos crescimento real de cerca de 15.000 487 . O crescimento da população na área de colonização teuta no Estado de Espírito Santo desde o início mostrou-se significativa. Desta forma, novas áreas tiveram que ser conquistadas. Grupos populacionais inteiros de Santa Leopoldina e arredores rapidamente foram à procura de seus novos assentamentos. A maioria dos holandeses seguiu para uma região chamada Holandinha, que fica aqui para baixo. De lá seguiram para Jequitibá. Outros já foram em direção ao norte, Vinte e Cinco de Julho em Santa Tereza, constituindo a 488 Comunidade de São João de Petrópolis e Colatina. 4.19 A terceira fase da migração interna A colonização do estado de Espírito Santo até os primeiros anos do século vinte vinha se processando apenas na sua metade sul e a sua população até esta época mal chegava aos 300.000 habitantes. A metade norte era habitada praticamente só pelos silvícolas. Nos mapas da época esta área costumava ser descrita como as terras desconhecidas, até porque ninguém se aventurava a atravessar no Rio Doce pelo medo dos índios botocudos 487 488 489 489 . Ibidem. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 198 Figura 27: A transposição do Rio Doce. Já com o passar das primeiras décadas da colonização teuta no estado de Espírito Santo, criou-se um modelo bem típico de ocupação destas novas terras. Uma série de estratégias foram elaboradas para permitirem uma melhor adaptação nestes novos ambientes e que passaram a ser adotados pelos pomerânios. Desta forma, nas migrações sempre foram sendo recriadas as condições necessárias para a reprodução da vida típica deste agricultor. Esta característica já começou a ser adotada nas áreas ao redor de Santa Leopoldina e se manteve ao longo de todo o processo de migração interna, seja para o norte de Espírito Santo, como mais tarde, no seguimento deste processo em direção a Rondônia. 199 Também a igreja fazia parte desta identidade étnica e social do povo pomerânio. O processo de expansão incluía a construção de uma capela, de uma escola e a organização da necessária assistência espiritual. Os filhos das famílias, mesmo que já não mais tão prolíficas necessitavam de novas terras onde também a igreja pudesse se desenvolver. Figura 28: Paisagem bucólica da “Mata Fria” capixaba. Os imigrantes europeus que haviam sido assentados nas terras altas, seguindo a tendência da época, também passaram a se dedicar à plantação de café. A nova cultura logo se revelou ser mais vantajosa como produto de comercialização. Desta forma, apesar do café nesta época já se ter transformado no principal produto de 200 exportação deste estado, os imigrantes, de uma forma geral, sempre preservaram a policultura de subsistência como forma de garantir a sua própria subsistência. Em outras palavras, desde que aqui chegaram passaram a produzir seus próprios mantimentos, principalmente o feijão, o milho e os tubérculos e paulatinamente também leite, queijo, manteiga, ovos, carne de aves e carnes de porco. Estes, na verdade, logo também se constituíram em produtos de circulação interna de todas as pequenas comunidades. Facilmente se pode notar que já na segunda década do século vinte todo o processo de ocupação das terras da metade sul do estado de Espírito Santo passou a viver uma fase de estabilização. O florescimento do comércio, liderado principalmente por Santa Leopoldina e sustentado pela ativa comercialização interiorana praticada pelo grande número de grandes, médios e pequenos vendistas estabelecidos por todos os recantos dos diferentes assentamentos, trouxe conforto e riqueza para os mais dedicados. As áreas que tinham sido colonizadas pelos teuto- brasileiros no estado durante os primeiros cinquenta anos abrangiam basicamente os vales do Rio Jucu e Santa Maria, ao sul do Rio Doce 490 . Nesta época, muitos filhos de colonos capixabas quando chegavam à idade adulta já não tinham mais acesso a novas terras ou terras por serem divididas nestas regiões ao sul do Rio Doce. O problema aumentava na medida em que os anos passavam. “A grande maioria, quando casava, procurava trabalhar a meia. Eram os meeiros. Geralmente em lugares onde tivesse fazendas maiores. Foi inclusive o caso da minha mãe.” 490 491 491 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 201 O norte de Espírito Santo até 1912 era desconhecido. Temos o mapa aí, que foi encontrado no sótão de um hospital antigo da Pedra Azul. A migração interna iniciou a partir do momento em que Santa Leopoldina e Domingos Martins não tinham mais espaço para alojar os muitos filhos 492 dos colonos . A capacidade de expansão no vale do Rio Santa Maria estava totalmente esgotada. Realmente começava a faltar comida para a alimentação da família no seu dia a dia. Não havia mais alimento para toda a família. Fome mesmo. Não colhiam mais que chega. (Havia apenas) feijão preto, farinha, e pão de milho. Café preto e rapadura. Um pedaço de toicinho defumado no forno de pão era colocado no feijão. Cada um recebia um pedaço. Era só isto. Galinha se comia somente aos domingos. Arroz 493 não se conhecia. Era uma vida muito ruim. Tomaram muito café preto. Comiam pão com rapadura. Não lembro de muita coisa. Era muito pequena. Na verdade meus pais não tinham nada. Tinham terras, mas era só. Depois compraram terras por 494 aqui. As terras valiam muito pouco na época. Já a partir da metade do século vinte, uma lenta adoção de algumas técnicas agrícolas mais atualizadas levou a uma melhora da produtividade. Isto foi observado especialmente em Santa Maria de Jetibá, quando teve início a horticultura estimulada, sobretudo pelo P. Hermann Roelke 492 495 . As famílias já não eram tão numerosas. Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranja da Terra, no dia 29/07/08. 495 O P.Herman Roelke foi um lider versado em muitas áreas. Alem da sua intensa atuação como orientador espiritual, seu bom conhecimento em doenças tropicais, adquirido graças a sua passagem pelo “Tropeninstitut” (Instituto de Doenças Tropicais da Alemanha) permitiu-lhe atuar 493 494 202 Precisava-se de trabalhadores diaristas especialmente em épocas de colheitas. Alguns filhos de agricultores, para os quais não tinha sido possível providenciar seu próprio lote de terras, passaram a trabalhar nesta atividade eventual 496 , entretanto, a insatisfação e o descontentamento começaram a ser ouvidos com cada vez mais freqüência. E importante também que se lembre que para este trabalho ocasional pouco se podia contar com a população nativa. Entre os colonos teutos sempre se comentava 497 que o clima tropical deve ter contribuído de forma decisiva para o desenvolvimento da vida indolente do caboclo do interior capixaba. O pouco interesse na produção e o comportamento conformista levaram para a sua conservação em um nível sócio-econômico muito baixo. Por outro lado, os imigrantes europeus estavam acostumados à dura lida no trabalho e logo passaram a contrastar com esta figura triste de depauperação populacional com que se deparavam nos “patrimônios” e nas regiões de uma colonização ainda mais incipiente 498 . Já a partir de 1885, as novas correntes migratórias fortemente lideradas pelos italianos que foram chegando já tinham impulsionada a intensa procura por novas terras. Na verdade o esgotamento do solo da região de Porto Cachoeiro e de Santa Maria já no inicio da década de 1870, iniciou este movimento migratório em milhares de casos de doentes da sua região. Seu interesse também direcionado para a agricultura permitiu a importação de sementes e tecnologia de cultivo de verduras e frutas, dando inicio a um novo ciclo de grande prosperidade para Santa Maria de Jetiba. 496 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 497 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 498 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 203 entre os próprios teutos. Com a chegada dos italianos, o fluxo deste movimento aumentou e sua expansão chegou às localidades de Conde D’eu e Santa Tereza e no sul para Rio Novo e Alfredo Chaves. Posteriormente também seguiram para Figueira (Itarana), Boa Família (Itaguassu) e Colatina. Já um pouco mais tarde, passaram a ocupar áreas de Caldeirão, Baixo Guandu e Afonso Cláudio. Já no inicio do século vinte, ultrapassando as margens do Rio Doce teve seguimento todo um processo de transferência para as regiões do norte do estado, chegando até São Mateus. Toda esta situação constitui-se como pano de fundo para esta nova expansão da colonização teuta, que estava por iniciar no Espírito Santo. Portanto, a transferências para simples choupanas de folhas de palmito em novas áreas de desmatamento deu origem a mais um ciclo de derrubadas, queimas e plantações, desta vez nas novas colônias do norte de Espírito Santo. Era novamente a penúria, o sacrifício e muito trabalho em um novo ambiente sem o mínimo conforto. Eu tinha quatro anos quando meus pais vieram para cá. Viemos no lombo de mula. Meu pai havia feito dois balaios e que foram pendurados na cangalha da mula. Em um lado vim eu e no outro veio a minha irmã. Ela tinha dois anos a mais do que eu. Fizeram um pequeno barraco para o qual nos mudamos. Ao redor era tudo mato. Para fazer as camas cortou galhos de malúrio. Empilhou-os no chão e sobre estes colocou alguns trapos velhos e palha. Isto passou a servir de cama provisória. Depois fizeram uma roça, plantaram depois começaram a colher as coisas. Depois 499 plantaram café e assim foi indo. 499 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. 204 4.20 A difícil coexistência das Comunidades Luteranas Os tiroleses austríacos, desde os primeiros anos passaram a receber assistência espiritual dos padres enviados da Europa. Já entre os luteranos, além da dificuldade de comunicação em função dos diferentes idiomas, havia também linhas confessionais distintas. De um lado havia os imigrantes originários do Vale do Reno e da Suíça. Já os pomerânios diziam-se luteranos. “Wü sin Luteraner” nós somos luteranos. Por outro lado, os holandeses, em franca minoria, eram calvinistas. Com o passar das décadas também a Igreja Luterana do estado americano de Missúri passou a enviar os seus pregadores para diferentes regiões do Brasil. Este grupo, em função desta origem passou a ser conhecido como Igreja Missúri 500 . Nós sempre fomos luteranos. A luterana por aqui em Santa Maria era a única igreja. Católicos só havia uma meia dúzia. Poucos pomerânios se tornaram católicos. E mais tarde na década de quarenta entrou uma família que fazia parte da Igreja Missúri e que chamou o pastor de longe. Isto deve ter sido aí por 1940. Depois disto chegou o pastor missúri, o pastor Fischer, ainda mora aqui em Santa Maria. Hoje já é aposentado. A Igreja Missúri aumentou mesmo quando o [...] se desentendeu com o Pastor [...] por questões de casamento. Eram coisas bastante banais, de roupa, de terno 500 Na presente obra está sendo utilizada a terminologia “Igreja Luterana” na referência às duas correntes germânicas, isto é, o grupo auto denominado de ”Gotteskastes” (Caixa de Deus) e um segundo grupo vinculado ao Sínodo Brasil Central. Estes dois grupos na década de 1960 se fundiram constituindo a UPES – União Paroquial de Espírito Santo a qual, por seu lado, nos anos seguintes terminou sendo integrada à IECLB –Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. A Igreja Missúri no Espírito Santo, por outro lado, inicialmente vinculado ao movimento missionário do estado norte-americano de mesmo nome, mais tarde foi integrada a uma nova estrutura de abrangência nacional, a IELB – Igreja Evangélica Luterana do Brasil. 205 e de gravata. Então ele entrou para a Igreja Missúri. Foi 501 assim que começou. No dia a dia das questões religiosas, o próprio conceito do ser ou não ser luterano sempre teve um papel significativo na vida dos imigrantes. Isto porque a comunidade luterana rapidamente assumiu o seu papel de norteadora da vida dos assentados. [...] a Capela de Luxemburgo [...] foi a primeira igreja luterana construída em Espírito Santo. Tanto que hoje ainda é chamada de número um. O pastor residia lá mesmo. Hoje a casa não existe mais. No meu tempo de criança a casa paroquial ainda existia. Califórnia também tinha pastor. Santa Maria tinha pastor. Domingos Martins tinha pastor. 502 Cada um cuidava da manutenção do seu próprio pastor. O sistema de comunidades livres, por alguns conhecido como congregacional, chegou a existir nos primórdios da colonização capixaba. Pelos relatos de antigos moradores, na localidade de Belém parece ter havido um “pastor” eleito pelo grupo populacional daquela localidade 503 . Naqueles tempos também havia muitas situações em que tocaiavam pessoas para conseguir determinados objetivos. Isto é, simplesmente mandavam matar. O pomerânio muitas vezes passava a ser vitima disto. Era aquela coisa: mate este ou mata aquele. Havia uma grande pressão incentivada pelo governo católico. O governo não queria que eles ficassem aqui e continuassem como protestantes. Os pomerânios responderam: trabalhamos nossa vida inteira no mar e não chegamos aqui para virar católico. 501 502 503 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 206 A perseguição aos pastores, de certa forma, parece ter havido, entretanto, pelos dados que hoje se tem, não há qualquer comprovação desta suspeita. Nem mesmo a causa da morte dos dois pastores em Vista Alegre foi esclarecida. Nos dias atuais ainda se fala muito na perseguição aos religiosos e que teriam culminada nestas misteriosas mortes. Teriam sido assassinados? Ninguém sabe. Isto eu não sei. A suspeita (de assassinato) sempre foi levantada. Até porque o tempo entre a vinda de um e a vinda de outro foi uma questão de poucos meses. Consta que o pastor Schwenk, segundo informação dos pomerânios, certo dia de páscoa, entrou na igreja e disse: “bom dia”. Leu um texto bíblico. Depois disse “Für mich sieht es hier schwarz aus. Amen”. (para mim as coisas aqui estão pretas. Amém). Depois disto saiu de lá no mesmo domingo, porque tinha um bando rodeando a sua casa. Saiu daqui e voltou para a Alemanha. Terminou morrendo na 504 guerra de 1914-18. Paralelamente ao estabelecimento de novas “colônias” fundavam-se novas “filiais” vinculadas às comunidades luteranas já existentes. O posterior crescimento destas novas populações redundava na transformação das pequenas capelas filiais em novas comunidades autosuficientes e que, por sua vez procuravam por novos pregadores. Foi desta forma que com o surgimento de novas áreas de colonização ou do próprio crescimento da população da região, novas comunidades luteranas foram surgindo. Assim, em 1873 já tinha se formada a Comunidasde de Califórnia e, em 1879, a de Santa Leopoldina II. 504 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 207 Com isto, na virada do século, já existiam seis comunidades na abrangência da colonização teuta no estado de Espírito Santo. Santa Leopoldina, Campinho, Califórnia e Jequitibá eram assistidas por pastores do Consistório Evangélico enquanto que Santa Joana e Santa Maria passaram a ser assistidas pelos pastores da Obra Missionária de Basiléia. As comunidades tinham autonomia 505 para contratar seus dirigentes espirituais e à medida que contatavam com uma ou outra entidade que disponibilizasse novos obreiros para esta difícil missão no além-mar, passavam a ser assistidos por pastores, ora de uma ora de outra procedência das Alemanha ou da Suiça. Parece-me que o primeiro pastor do Gotteskasten foi lá para Palmeira de Santa Joana em 1902.(?). O Vrede veio para cá em 1903. Nesta época o Peter já estava lá. O Vrede chegou em setembro ou outubro de 1903. Na verdade ele era o 506 segundo do Gotteskasten. Os outros eram berlinenses. Na localidade de Três Pontões houve uma situação bastante peculiar em que praticamente toda uma comunidade aderiu à jurisdição da Igreja Missúri. Esta situação persiste até os dias atuais. [...] a briga começou lá em Três Pontões em Afonso Cláudio. Meu pai era Vorsteher (vogal da Diretoria) naquele tempo aqui em Laranja da Terra. Então ele foi até lá para resolver esta diferença. Fizeram uma assembléia dentro daquela igreja que é da Igreja Missúri hoje. Naqueles tempos era da nossa comunidade. Fizeram assembléia para saber quem quisesse passar para a Igreja Missúri e quem quisesse ficar com a nossa. Os votos a favor dos Missúri foram maioria. 505 FACHIN, Patrícia. Silenciados pela hegemopmia alemã. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 16. 01/09/08. São Leopoldo. Em uma referencia ao sistema da Igreja Congregacional. 506 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 208 Com isto os nossos terminaram se retirando e mais tarde 507 construíram outra igrejinha em cima do morro. Não raras vezes o problema era estritamente econômico, criando-se, desta forma uma segunda opção de comunidade ao lado de capelas já estabelecidas. Eventualmente a opção incluía até mesmo o credo católico-romano. Naqueles tempos todos tinham que pagar seu “Gehalt” (anuidade), sempre de acordo com o caso. Só me lembro que de repente começaram a construir uma capela (igrejinha) para o pastor Missúri. E aíaconteceu do povo mais pobre que tinha dificuldade em pagar o ordenado, gradativamente passar para a Igreja Missúri. Com isto esta 508 passou a crescer cada vez mais. Naqueles tempos (Igreja Missúri) era bem mais barata que as igrejas luteranas. O papai passou para a Igreja Missúri 509 porque era bem mais barato e não tínhamos dinheiro. (A família passou para a igreja católica) porque eles tiveram 12 filhos e o Pfarrergehalt (valor a ser pago para o saláro do 510 pastor) era muito alto [...] É preciso lembrar que a administração das comunidades primitivas de Espírito Santo seguia o padrão das “Freigemeiden”, isto é, das comunidades livres, também chamadas de congregacionais. Posicionamentos pessoais de pastores ou até interesses pecuniários de paroquianos por vezes desencadeavam intrigas que ocasionalmente culminavam na troca da assistência 507 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. 510 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 508 509 209 espiritual, isto é, substituição de pastores ou em divisão e enfraquecimento de comunidades. Na verdade, como se lê, sempre existia um Vorstand, um grupo de lideranças que se movimentava no sentido de solicitar um pastor da Alemanha, de organizar a infraestrutura. De reunir os recursos necessários. Isto era um trabalho das lideranças. Pelo que se sabe, os pastores quando chegavam também tinham uma participação muito 511 ativa na questão administrativa olhando adiante a missão. Como o pastor, até em função do seu papel de líder espiritual, exercesse um papel de muita influência, às vezes com punho de ferro, terminava ditando normas e regras de acordo com seus próprios conceitos e valores. Por outro lado, por vezes comunidades inteiras se envolviam em conflitos criados, seja por obreiros ou mesmo por líderes de comunidades vinculados a uma ou outra organização de igreja. Foi desta forma que as comunidades luteranas de Espírito Santo viveram um longo período de instabilidade. A religião nunca foi problema para os pomerânios. Entretanto, a existência de diferentes grupos em disputa constituiuse em motivo de muitas dificuldades nas quais os paroquianos entravam como massa de manobra. É difícil entender as dificuldades pelas quais a população teuta de Espírito Santo passou ao longo dos seus primeiros e cinquenta anos da colonização. Somente com o passar dos anos as diferentes correntes religiosas luteranas eliminaram suas diferenças e chegaram a um maior entendimento para aglutinarem-se sob dois grandes grupos. A 511 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 210 Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil. 4.21 A década de 1920 Os eventos relacionados à Primeira Grande Guerra foram pouco representativos para as colônias no Espírito Santo 512 . Certamente auxiliado pela dificuldade de comunicação destas regiões de colonização basicamente pomerana com o mundo exterior e também pelo estabelecimento desta barreira que a preservação das línguas e dialetos estrangeiros representavam 513 . Com o isolamento em que viveram estes antigos não chegou nenhuma informação da Primeira Guerra. Esta informação deve ter ficado no círculo dos pastores. Os colonos não tiveram acesso a livros ou qualquer coisa 514 escrita a este respeito. Ouvíamos falar, (da Primeira Grande Guerra) mas pouca coisa mais detalhada. Apenas tínhamos ouvido falar que 515 teria existido esta guerra. Alguns contaram bastante coisa a respeito da guerra de 1914 a 1918, até porque chegou bastante gente da Alemanha. O próprio Kopperschmitt chegou nesta época e era muito conhecido por aqui. Falavam muito da guerra, onde tinha sido. Falavam do imperador da Alemanha, o Kaiser Guilherme. Depois que terminou a guerra, chegou 512 Em geral o pomerânios muito pouco sabem sobre as guerras na Europa. Além disto, entrevistas provocam lembranças inclusive intermediadas, contaminadas por entrevistas anteriores ou mesmo por relatos de terceiros. 513 As informações estavam acessíveis apenas aos pouquíssimos que dominavam a língua portuguesa e podiam manter algum contato com a população dos centros urbanos. Os pastores não admitiam a língua pomerana como idioma de comunicação. Por outro lado, muitos pomerânios costumavam ter dificuldade para compreender a fala do pastor. 514 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. 515 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08 211 outra revolução na Alemanha. Diziam que Revolução teria sido pior que própria guerra. Falaram que com a saída do 516 Kaiser Wilhelm chegou a República. Eles falavam das coisas de lá. Do tempo das guerras. Das mortes na guerra. Da revolução que aconteceu depois da guerra (1914/18). Quando derrubaram o Kaiser Wilhelm e quando instalaram a República. Falaram da época quando o dinheiro de um dia para o outro perdeu todo o valor. Com isto ficaram sem dinheiro e sem alimentos. Nesta época muita gente morreu de fome. Contavam inclusive que teriam cometido antropofagia, porque não tinham mais o que 517 comer. As pessoas que vinham de lá contavam isto. Depois da Primeira Grande Guerra as vias de comunicação em algumas regiões da colônia começaram a melhorar. O progresso, mesmo que muito lentamente, fazia-se notar em Domingos Martins e Santa Leopoldina. Novas estradas começaram a ser abertas, muitas vezes patrocinadas pelos próprios comerciantes. Também no Rio Santa Maria, as canoas e, entre Santa Leopoldina e Santa Tereza as tropas gradativamente foram sendo substituídas por caminhões. Aquele meio de transporte que outrora havia abastecido a sede da colônia foi sendo deslocado para os mais remotos vales. Desta forma o progresso trazido com a abertura das estradas, trouxe beneficio para as muitas comunidades do interior, entretanto, as tropas de mulas continuavam levando suas cargas, porém, com produtos do agricultor para o pequeno e médio comerciante dos mais longínquos recantos do interior capixaba. Entretanto, a maioria das comunidades precisou esperar até a década de 1950 para poder usufruir um pouco mais dos benefícios 516 517 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 212 trazidos pela abertura de estradas em condições de dar passagem aos automóveis e caminhões de carga 518 . 4.22 O “difícil” contato com os “brasilioner” Mesmo já tendo passado praticamente setenta anos desde a chegada dos primeiros pioneiros europeus no estado de Espírito Santo, especialmente no Vale do Rio Santa Maria continuava havendo muita dificuldade na aproximação entre a população teutobrasileira e a nativa. Esta característica não pode ser considerada uma regra geral para a imigração, até porque, na Colônia de Santa Isabel já nos primeiros anos houve casos de casamentos entre imigrantes e a população cabocla 519 . Longe de qualquer conotação política, ideológica ou racial, esta dificuldade talvez possa ser atribuída ao próprio enclausuramento desta população nos enclaves de difícil acesso. Por outro lado a barreira do idioma, dos próprios costumes e a própria desconfiança em relação à população nativa, continuavam sendo as grandes dificuldades para qualquer aproximação. A situação, de certa forma persiste até os dias atuais, como de pode observar na resposta de um entrevistado afrodescendente: [...] “sinto que eles têm muito medo de gente de cor 520 mais escura”. [...] eles (os pomerânios) são muito desconfiados[...]Se você puder falar em pomerânio com eles, é até melhor porque vão se sentir em casa. Já é diferente do que um cara 518 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 520 Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 519 213 falando em português. É difícil você ter um relacionamento inicial com eles falando em português. Eu já tenho um contato dentro da própria comunidade e que já me tenha apresentado. Então dá para me sentir um pouco mais em casa. Mas ainda não estou bem à vontade. A sua receptividade na hora de chegar falando em pomerânio já 521 será totalmente diferente. Havia algumas proibições: não se podia casar com quem se quisesse. Era-se obrigado a casar com quem os pais queriam. Então os pretos entraram dentro desta linha de pensamento. Em primeiro lugar, porque eram católicos. Havia diferenças sim. Não somente por causa da língua, mas também por outros motivos. Mas, a falta de comunicação e a fuga deles aconteceu porque eles não se 522 entendiam. Só pouquíssimos moravam aqui (na sede da colônia). Havia mais uns brasilioner morando no outro lado do rio. Mas com 523 eles não se conseguia falar. Eles não mantinham contato com os brasilioner. E quando ainda éramos pequenos, tínhamos tanto medo, que os brasilioner pudessem vir até nós [...] simplesmente nos escondíamos [...] Tínhamos medo que pudessem nos pegar 524 e levar embora. Os mais velhos sempre nos diziam: Escondam-se, que eles podem levar vocês. Depois podemos procurar e não vamos 525 mais encontrar vocês! Mesmo na década de 1930, o mundo do colono pomerânio capixaba praticamente continuava restrito às suas lidas diárias na propriedade, às trocas de produtos de primeira necessidade nas 521 Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22 07/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. 524 Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 525 Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 522 523 214 “vendas” e às atividades decorrentes dos encontros domingueiros após os atos religiosos. “Muito pouco. Não tinham com quem falar. Havia alguns brasilioner, mas não compreendiam o que falavam. Quando éramos pequenos começamos a aprender um pouco.” 526 Há, porém divergência quanto ao próprio conceito de isolamento. Na maioria das entrevistas se deprende o claro sentimento de solidão vivido pelos pomerânios deste interior capixaba. Houve também opinião contária, embasado em uma conceituação antropológica 527 . Entretanto, de um modo geral não constumava acontecer uma grande aproximação entre a população luso-brasileira, a afro-brasileira e o caboclo com os diferentes grupos de teuto-capixabas. Também no cotidiano do descendente pomerânio em Espírito Santo é muito fácil identificar esta sua forma de viver reclusa ou até isolada. Esta tese, segundo a qual os pomerânios viviam isolados, a partir da antropologia, eu não vejo assim. [...] Mas eles estiveram sempre em contato. Eles estiveram em contato sim, por exemplo, temos dentro da língua pomerana empréstimos de palavras da língua portuguesa, que são da época da colonização, como “Fouz”, que na língua nativa era foice. Assim, na família sempre tinha um ou outro que falava português assim como havia um ou outro que falava alemão. Acredito que não existiu isolamento. Eles não viviam isolados. Nem os índios viveram isolados. Sempre 528 tiveram algum tipo de contato. Ao longo destas últimas décadas até houve certa aculturação dos primeiros imigrantes e dos seus descendentes, porém restrito a alguns aspectos bem pontuais. Isto gerou posições 526 527 528 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 215 que à primeira vista até parecem ser controvertidos, mas que podem ser vistos dentro de uma ótica mais ampla. Houve o empréstimo não da palavra, mas do instrumento que tinha um nome que foi adotado, aculturado. A foice não existia na Alemanha. Eles tiveram o que chamavam se “Seikel”, uma foice curva mais delicada. Tem muitas outras palavras da época da colonização como “rapadura” e todos os nomes de aves nativas e que passaram a ser empréstimos do português. Se puderam fazer empréstimos do português, tiveram contato com a língua portuguesa. É de origem nativa o próprio “Brote” que não é pomerânio e sim, tem origem mineira. O nome vem da Pomeranea mas mesclou este habito de ter este pão de manhã cedo e à noite e com ingredientes bem brasileiros. Seria impossível fazer pão nesta época com farina de trigo, pois não havia. Continuavam conservando seus hábitos aos quais estavam acostumados desde a sua terra natal. Ainda não tinham assimilado quaisquer conceitos de moral de costumes ou de religião e por último, ainda não tinha ocorrido uma mistura de sangue com a população nativa. Durante este primeiro século da imigração, o europeu e seus descendentes aqui radicados jamais deram a entender que estavam defendendo qualquer ideia de miscigenação étnica. Até porque, a grande barreira representada pelo desconhecimento do idioma nativo sempre dificultou um maior intercâmbio com o caboclo, com o índio ou o luso-português. Pelo que eu soube, não havia contato com os brasileiros. Dos meus antepassados o Alberto foi professor de ensino confirmatório em Alto Santa Joana. Depois seu filho o sucedeu no ensino em Santa Joana. Como lá era uma 216 região muito isolada, a proibição do alemão não chegou lá 529 tão rápida com o em outros lugares. Quem visitasse as regiões mais afastadas da colonização teuta no estado de Espírito Santo, no começo dos anos trinta, certamente se depararia com uma população com muitas características semelhantes a dos primeiros imigrantes que aqui chegaram. Continuavam falando os idiomas e dialetos dos antigos que aqui chegaram, apesar do franco predomínio da língua pomerana sobre os demais, porém, a resistência à assimilação de qualquer cultura nativa continuava muito forte 530 . A vida destes “colonos” ainda se resumia ao dia a dia de uma existência vivida dentro de um raio de não muito mais de dez ou quinze quilômetros. Este processo já tinha iniciado com os pioneiros, pois ao serem instalados em meio a uma densa mata, sem a presença de um estado patrocinador da educação integradora e com apenas uma também precária presença da igreja luterana ou católico-tiroleza, rapidamente criaram o seu mundo próprio que persistiu durante décadas. A vida que tinha para ser vivida era a vida do campo. Nas pequenas cidades como Itarana, Serra Pelada e Afonso Cláudio, eles tinham pouco contato porque havia o comerciante que era o fornecedor, ele era o 531 “supermercado”. Era tudo na vida do colono. Não tinham com quem falar (em língua portuguesa). Havia alguns “brasilioner”, mas, não compreendiam o que falavam. 529 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 531 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. 530 217 Quando éramos pequenos começamos a aprender um 532 pouco . A simplicidade da colônia com suas rotinas imutáveis rapidamente passou a formar este novo cidadão preocupado com o dia a dia, com sua família, com a sua produção, enfim, com a sua sobrevivência. Todo o quadro envolvendo as relações sociais tornou-se muito simples. Não havia qualquer tipo de envolvimento político. E as atividades culturais e religiosas estavam restritas aos encontros domingueiros na igreja. Com estas características, introvertido, resistente a quaisquer inovações, o colono teutobrasileiro do interior espírito santense, talvêz pela sua tenacidade e persistência terminou estigmatizado como o pomerânio cabeçadura, o “Hatschädlicher Pomeraner”. Entretanto, independente do grau das suas dificuldades, sempre conseguiu sobreviver. Afinal de contas, há mil anos vem aprendendo a sobreviver. 4.23 A colonização de Laranja da Terra Há uma nítida impressão de que a migração sempre costumava acontecer em grupos ou grupos familiares. Foi este também o exemplo dos filhos de Jacob Seibel. Todos os filhos, depois da venda das propriedades em Rio Farinhas, seguiram para Santa Joana e poucos anos depois para Laranja da Terra. A forte liderança de Guilherme, apesar da sua pouca idade, logo fez com 532 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 218 que o grupo viesse a estabelecer uma sólida base nesta última localidade 533 . Quem era Wilhelm Seibel? Difícil de explicar. Entretanto, saído de uma família muito numerosa, tornou-se um líder carismático, idealizador, inovador, cujas histórias vêm atravessando gerações. Figura 29: Primeiro coral de trombones de Laranja da Terra. Imagem gentilmente cedida por um neto de Wilhelm Seibel. Quem primeiro deu aula foi o Wilhelm Seibel. Depois passou para outro. [...] Ele escrevia muito bem. E pelo que sei, não teve grande escola. Eu também não fui para escola. Aprendi a ler sozinho. Na verdade nós fomos à escola, nas era um dia da semana. Aprendemos a copiar o nome do quadro e 533 GROTTKE, op. Cit. 219 desenhar na lousa. Depois chegávamos em casa e tudo já estava apagado. Na verdade [...] mesmo com todas estas dificuldades, conseguiram aprender alguma coisa. Isto prova que não eram burros. Não eram ensinados e quem podia, dava um jeito de aprender sozinho. O Wilhelm Seibel dava as aulas no tempo dele. Eu já fui à Gemeindeschaul da nossa igreja. O P. Lankholf também dava aula. Ao todo acho 534 que fui para a escola uns 50 dias. (as aulas?) Era em Picadão. Dava uma hora e meia à pé. Levantávamos muito cedo, preparávamos um pedaço de pão e um ovo cozido e atravessávamos a montanha em direção à escola. [...] Tinha muito porco do mato. Em todas as terras ao redor da nossa. Às vezes ouvíamos eles perto da estrada. Passávamos bem devagar. Tínhamos muito 535 medo. Com o seu crescimento, Laranja da Terra passou a receber novos habitantes. A região de Serra Pelada, não tão fria e não tão quente, tinha sido pouco mais do que uma região de passagem para os migrantes. Entretanto, a medida que também ocorria o estabelecimento de migrantes em Três Pontões, próximo à sede de Afonso Cláudio, mais e mais famílias foram adquirindo terras na área de Lagoa. Foi desta forma que também a família de Henrique, o último dos irmãos Seibel remanescentes em Santa Joana retornou para as terras quentes 536 . Os Seibels sempre tiveram muita terra e eles venderam tudo. [...] Não sei se eles eram negociantes ou se eles tinham mais recursos. Agora meu pai era danado como 534 535 536 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 220 negociador de animais. Ele sempre tinha animais bons e 537 vendia caro e comprava outros . Com relação específica a esta família, na Alemanha tinham uma casa, que até os dias atuais continua sendo utilizada por outros familiares e que lhes propiciava um relativo conforto. Porque decidiram emigrar? Hoje já se sabe que chegaram a Vitória por terem sido desviados da sua rota original 538 . Naquela época haviam vendido sua propriedade no povoado de Hamm am Rhein e seguido seu caminho em direção ao porto de Antuérpia. Ao contrário da absoluta maioria dos imigrantes, esta família possuía alguma reserva em dinheiro 539 . Em Rio Farinhas a família chegou a ter uma propriedade de considerável extensão 540 . Daqui se deslocaram para Santa Joana e, mais tarde, para Laranja da Terra. “Na época não se sabia da existência das terras em Laranja da Terra. Só mais 541 tarde foi que abriram o caminho até lá”. Em 1921 vieram para Laranja da Terra. Aqui tinha muito porco do mato. Quando chegamos aqui já íamos na escola. Levávamos um fatia de pão de milho ou pão de banana e às vezes levávamos uma garrafa de café preto. A escola era muito severa. Naquele tempo o professor mandava na escola. Tinha chicote. Era um professor alemão. Tinha muita 537 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 539 Este é um argumento a favor da teoria de que os mais pobres tenham sido embarcados para o hemisfério sul e que aqueles que possuiam algum bem material eram conduzidos preferencialmente para os Estados Unidos. Prova disto está no documento de liberação dos Seibels, guardado no Arquivo Público de Darmstadt – ex-capital do Grão-Ducado de Hessen Darmstadt. 540 Dados do senso estadual. 541 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 538 221 coisa. Fazíamos exercícios. Tínhamos que marchar. E todo 542 mundo obedecia. Aprendiam a ler e escrever direitinho. Todos vieram para Laranja da Terra, só que o Heinrich veio 543 e depois retornou para Santa Joana. [...] Ele (Henrique) fez um moinho na casa dele, ao lado da cascata. (nos primeiros anos os irmãos de Laranja da Terra levavam milho para moer em Santa Joana). Depois passaram a fazer moinhos por aqui em Laranja da Terra. Na 544 época ainda tinha muita água e se podia fazer isto . Seu filho, mesmo tendo mais quatro irmãs, pelos costumes da colônia, precisava receber sua própria colônia de terras. Tão logo tinha completado a idade de cinco anos recebeu a sua propriedade em Serra Pelada, uma região, cujo nome lembrava a longa cordilheira ali existente de praticamente dez quilômetros de comprimento, coberta por parca vegetação de aspecto geralmente muito ressequida 545 . Com a aquisição de uma área adjacente, em 1930, Henrique providenciou a transferência de toda a família para esta região de clima um pouco mais quente. A distância não era grande, porém, transpor a alta montanha da Manquinha, com todos os seus pertences colocados sobre as cangalhas de mulas também exigia um grande sacrifício. A nova área de terras que incluía a propriedade do filho Lourenço estendia-se ao longo de quase metade do vale do Rio da Várzea (Fig. 30). Na prática era uma das regiões mais isoladas do interior do estado de Espírito Santo. O 542 Cf. Vigésima sétima entrevista realizada com D.B. na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 543 Cf. Vigésima sétima entrevista realizada com D.B. na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 544 Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 545 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 222 limite oriental confundia-se com uma floresta virgem. Copas de árvores centenárias sobressaíam-se no mar da vegetação verde escura do período pós-chuva. No ocidente, a visão era interceptada por uma serra desnuda, formada de um granito quase preto, sobre o qual se assentava a fina camada de solo que nutria uma parca vegetação tropical. Figura 30: Sede de uma “colônia” em Serra Pelada em 1950. 4.24 As florestas devastadas Nos primeiros anos da imigração toda e qualquer área cultivável precisava ser “conquistada” pela “derrubada e queima”. Os pioneiros se deparavam com florestas quase intransponíveis, com suas árvores centenárias, geralmente com vinte a trinta metros de 223 altura. Precisava-se eliminar esta cobertura natural do terreno para se obter o espaço necessário à preparação das roças. Era um procedimento absolutamente desconhecido em seu país de origem. Desta forma a conquista de áreas para a plantação precisou ser feito a machado e pelo fogo. Este procedimento tornou-se usual e durante gerações permaneceu como prática de um sistemático desmatamento 546 . Na região de Santa Leopoldina, apesar de mata nativa ter sido bastante densa, rapidamente se constatou que a pequena camada de terra mais fértil de dez ou vinte centímetros, se cultivada durante alguns anos, rapidamente esgotava seus nutrientes. Nos primeiros tempos, infelizmente, os teutos não prosseguiram com a prática da adubação como os seus antepassados haviam feito na Pomerânea 547 . Depois de cinco ou dez anos, de uma cultura sistemática, muitas vezes, as terras tornavam-se totalmente inférteis. A alternativa geralmente consistia em destinar estas áreas para a formação de pastagens para o gado 548 . Pelo que me lembro, o seu avô, o Heinrich Seibel e o meu pai já tinham os cafezais prontos e derrubaram muito pouco. Quando chegaram aqui, grande parte já tinha sido derrubado. [...] (quando aqui chegaram) Era mais um capoeirão. Mas mata fechada já não tinha muita. [...] Aqui para baixo tinha italianos. É possível ver logo. Onde não tem mais mata é terra de italianos. Derrubaram tudo. [...] (os alemães deixavam a mata) [...] Eles se organizavam. Não 546 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 548 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.. 547 224 derrubava tudo, porque sempre que precisasse de madeiras 549 ainda teria onde buscar. Este procedimento fez com que se passasse a adotar um sistemático processo de “descanso” do terreno ao se deixar crescer uma nova vegetação conhecida como “capoeira”ou “capoeirão”. Havia também o conceito de que uma queima completa poderia levar à perda da lavoura por um ou dois anos, pois, a prática da queima localizada de “galhama remanescente” logo evidenciou que levava a uma maior destruição de partes isoladas dentro do terreno 550 . Todas estas observações logo fizeram com que fosse aumentado o tempo de “descanso” do terreno para dois e posteriormente para três ou até quatro anos. O milho exigia uma terra mais ou menos compacta e habitualmente se desenvolvia menos em áreas muito queimadas. A cultura do café não costumava ser tão prejudicada, até porque o seu desenvolvimento acontecia ao longo de diversos anos. Com o passar dos anos, plantava-se em praticamente todas as áreas disponíveis, para depois da safra deixar formar um novo “capoeirão”, ou seja, uma espécie de reflorestamento para a recuperação das terras. Passados alguns anos esta “capoeira” podia novamente ser roçada para, a seguir, passar por nova “queimada” já de uma forma quase regular e sistemática. novamente estava pronto para o plantio Assim o terreno 551 . 549 Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 551 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 550 225 Por aqui, já naquela época havia pouca mata para ser derrubada. Hoje, praticamente, não exista mais mata virgem. Apenas nos morros altos. Já naquela época havia muito pouca mata. Onde eu nasci, um ou outro ainda 552 derrubava um pedaço de mata. A última derrubada em Serra Pelada na propriedade de Henrique Seibel foi realizada em 1951. A partir desta época a ideia da conservação da mata remanescente começou a ficar cada vez mais clara. O que ainda existia precisava ser conservado, pois, como dizia, “se não o fizermos, como nossos filhos conhecerão todas estas belezas da natureza?” (Fig. 30). Nesta propriedade na época ainda havia cinco áreas de florestas remanescentes e facilmente se conseguia localizar animais silvestres como macacos (barbados, sagüis), pacas, cotias, ratão do banhado, jacus, jacupembas, inhabus, macucos, arrubas, pombas marrecas e um sem número de animais pequenos do mato, 553 . Faz pouco tempo que proibiram a derrubada das matas. Foi aí por 1980. No ano de 1983, para poder comprar esta casa tive que vender uma árvore e madeira de lei. Antigamente derrubavam a mata e simplesmente tocavam fogo de baixo em cima. Isto não podia ter sido feito. Só que todos faziam 554 assim. A proibição deveria ter vindo muito antes. 552 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 554 Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 553 226 4.25 Santa Leopoldina: O apogeu e a queda A pequena cidade de Cachoeira de Santa Leopoldina ao longo dos primeiros setenta anos da imigração havia se constituído no centro geográfico de toda a colônia teuta-brasileira no Estado de Espírito Santo e no decorrer do tempo passou a ter uma crescente importância estratégica. Os europeus que se fixaram na província e depois estado de Espírito Santo, em sua grande maioria, tiveram uma origem muito humilde. Somente alguns poucos tinham sido filhos de pequenos proprietários rurais ou comerciantes, porém a maioria era constituída de diaristas, ou tinham sido desempregados ou servos de grandes proprietários de terras 555 . Já em Santa Leopoldina, depois das primeiras décadas de uma vida com muitas dificuldades, continuaram sendo uma classe com pequeno poder aquisitivo, porém já vivendo em suas casas próprias e podendo usufruir de uma alimentação mais saudável Os município, comerciantes radicados, gradativamente 556 . sobretudo foram na acumulando sede do riquezas, transformando-se aos poucos em uma nova burguesia capixaba. Toda a comunicação entre a sede da colônia e Vitória era feito pelos barcos que percorriam o Rio Santa Maria, conduzidos por homens musculosos, de inteira confiança dos comerciantes. Os barcos levavam o café para capital e no seu retorno traziam dinheiro e produtos de consumo para a população 557 . 555 Dados do Museu do Imigrante de Santa Leopoldina - ES Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 557 Conta-se que Jacob Seibel durante alguns tempo trabalhou neste tipo de embarcação, até porque na Alemanha, durante muitas gerações, seus antepassados foram barqueiros. Relato detalhado em “Imigrante, a duras penas”, do autor. 556 227 Toda a geração desta riqueza teve por base a produção do café na pequena propriedade rural. O transporte deste produto desde a sua origem era feito no lombo das tropas de animais e sua comercialização e exportação acontecia com a intermediação dos comerciantes desta cidade, para depois ser transportado pelos canoeiros até os armazéns do porto de Vitória 558 . Assim, nos anos de 1920 e 1930 a cidade de Santa Leopoldina também já era um importante centro cultural 559 . A riqueza gerada pelo seu comércio, como entreposto comercial entre os pequenos comerciantes e os compradores da Europa e da América do Norte trouxe conforto e luxo. Há quem diga que nesta época já havia cerca de oito pianos espalhados pelas diversas casas deste pequeno aglomerado urbano 560 . Consta que as companhias de teatro geralmente iniciavam suas apresentações na sede da Colônia para depois seguirem o seu roteiro por Vitória 561 . Em contrapartida, no restante da colônia, toda esta riqueza gerada pela produção do café, especialmente entre os anos de 1865 e 1930, gradativamente também foi sendo consumida pelo próprio custo da migração interna. Um agricultor com oito, dez ou doze filhos preocupava-se, sobretudo com a compra de novos sítios, para os seus filhos. Havia uma permanente procura por novas áreas de assentamento para a população mais jovem. Isto representava custos. Nesta época, já não mais havia distribuição de terras devolutas e o dinheiro da venda do café, o grande gerador de 558 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Vale lembrar que Jacob Seibel antepasado do autor, quando jovem também participou desta atividade de transporte fluvial. 559 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 560 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 561 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 228 recursos passou a ser o alimentador desta preciosa necessidade de verbas. Quem conseguia produzir um bom café, tinha acesso a novas terras. Quem não conseguia, precisava empregar-se como diarista 562 . Com o passar dos anos a ambição dos comerciantes de Santa Leopoldina na ampliação dos seus negócios em regiões mais novas como Santa Tereza fez com que patrocinassem a construção da estrada, inicialmente para Santa Tereza e depois para Cariacica, nas proximidades de Vitória. As inaugurações destas novas estradas costumavam ser festejadas de forma grandiosa 563 . Contrariando o cálculo inicial dos seus patrocinadores, a abertura desta nova via de escoamento logo trouxe sérios prejuízos ao comércio leopoldinense. O transporte do café passou a ser feito por caminhões, saindo do pequeno comerciante do interior diretamente para Vitória, a capital da província 564 . Desta forma facilmente se pode compreender como a abertura de estradas representou o começo de um lento fim da hegemonia e do esplendor do que chegou a ser a mais importante cidade do estado de Espírito Santo, do início do século vinte. Gradativamente, canoas e tropas foram sendo substituídos por caminhões. Santa Leopoldina, como entreposto comercial entre os compradores de café da Europa e da América, foi sendo substituído por novos compradores de café de Vitória, os quais 562 Toda a família prolífica alimentava o sonho de ver seus filhos assentados em terras próprias. Com isto, todo e qualquer excedente pecuniário originário das suas “colônias” precisava ser convertido em novas propriedades. 563 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 564 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 229 passaram a comprar o produto do pequeno comerciante do interior e os entregavam para o embarque diretamente no porto de Vitória 565 . Foi este o início do fim de uma época de esplendor e de muita riqueza desta cidade interiorana. As tropas de mulas que outrora haviam abastecido a sede da colônia, agora, deslocados para os mais remotos vales, continuaram levando suas cargas, porém, de produtos para o pequeno e médio comerciante. Foi assim que, com a abertura das estradas, o domínio do comércio escapou das mãos dos desavisados barões do comércio leopoldinense, para ser compartilhado com outros estabelecimentos comerciais de Vitória, favorecida pela sua localização nas adjacências de um porto marítimo de um lado e pela sua facilidade de acesso ao pequeno comerciante do interior ao da colônia, graças às estradas construídas pelos próprios concorrentes de outros. Isto fez com que Santa Leopoldina entrasse em franco processo de decadência econômica 566 . Desta forma grandes fortunas acumuladas pelos poucos novos ricos da nova aristocracia espírito-santense, da mesma forma como chegaram, foram escoando sem se saber para onde. Grandes extensões de terras, décadas antes tomadas de pequenos agricultores que não puderam honrar seus empréstimos junto a comerciantes, novamente trocaram de mãos ou eram simplesmente vendidos a qualquer preço para quem por eles se interessasse 565 567 . Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 567 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 566 230 A abertura das estradas até Vitória terminou permitindo o desenvolvimento de um comércio muito forte na capital do Estado. O café, por ser o principal produto da riqueza de Espírito Santo e também por ter como destino a exportação, terminou fortalecendo o comércio das proximidades do porto de embarque de produtos de exportação. Assim, o centro das operações financeiras do estado passou de Santa Leopoldina para a Capital do Estado. Como consequência, e não podia ter sido diferente, teve início de um lento e fatal desaparecimento dos grandes atravessadores do café, representados justamente pelos grandes comerciantes de Santa Leopoldina 568 . Por outro lado, as outras duas grandes categorias profissionais constituídas pelos conoeiros e pelos tropeiros tiveram destinos diferentes. O primeiro grupo, na sua grande maioria descendentes de africanos, ao verem-se sem trabalho e com suas embarcações paradas nos portos, migraram para a crescente demanda de força muscular bruta como estivadores do porto de Vitória. Aos tropeiros, substituídos pelos veículos motorizados nas estadas entre Santa Tereza, Santa Maria e Vitória, não restou alternativa que não fosse embrenharem-se nas pequenas picadas, nos longínquos sítios do interior capixaba. Desta forma, até o final da década de 1950 ainda continuaram como donos absolutos do recolhimento das riquezas das altas encostas, alimentando o pequeno comércio do interior da mata capixaba 568 569 569 . Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo “Nas pequenas cidades como Itarana, Serra Pelada e Afonso Cláudio, eles tinham pouco contato porque havia o comerciante que era o fornecedor, ele era o “supermercado”. Era tudo na vida do colono”. 231 5 IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO E A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA TEUTO-CAPIXABA - 1930 – 1940 5.1 O pangermanismo Falar em pangermanismo no Brasil é muito difícil, até pela própria definição do termo. Isto, porque, Pangermanismus ou Altdeutsche Bewegung, uma tentativa de resgate aos antigos costumes germânicos foi um movimento do século dezenove e que defendia a unidade destes povos da Europa Central. Foi uma referência à Alemanha unificada de Bismark e ao Império AustroHúngaro e seus pretensos sentimentos de expansão, especialmente para o Leste Europeu. Aqui, talvez, se poderia falar mais em um movimento “germanizador” da população pomerana. Na realidade, ao longo de toda a história deste povo podem ser identificados diversos movimentos “germanizadores” 570 . Assim, o próprio processo de cristianização, por ocasião da chamada “Cruzada contra os gentios do Leste Europeu” colocou a população primitiva da Pomerânea sob o jugo dos germânicos. 570 FACHIN, op. Cit. p. 17. 232 Este processo foi novamente reforçado com a “luteranização” deste povo e a definição das suas fronteiras políticas baseado no “ser luterano-alemão” ou “ser católico-polonês” 571 . Já no Brasil, os pomerânios sofreram uma nova tentativa de “germanização” sob a batuta dos pastores alemães. “Tudo era liderado pelo pastor. Eles eram muito rigorosos. Os pastores tinham muita liberdade. Geralmente eram pastores que falavam pouco e alto, para todo mundo ouvir”. 572 O medo dos pastores fazia com que os colonos aceitassem todas as exigências destes, mesmo muitas vezes descabidas. As mulheres pomeranas naquele tempo usavam vestido comprido e cabelo comprido. Os homens quando iam votar em Afonso Cláudio iam de termo. Aí o P. Grotke disse que os homens se podiam ir de terno votar na cidade, deveriam também poder vir na igreja aos domingos de terno. Na verdade eles tinham um terno único e que passaram a usar para todas as ocasiões. Casamento, para votar, para ir à 573 igreja... Como minoria no mundo dos teuto-brasileiros no Brasil, “a cultura alemã” hegemônica agiu novamente sobre o mundo cultural pomerânio “germanizando” a maior parte dos costumes e até dos ritos advindos da cultura pagâ pomerana 574 . Ainda, segundo este mesmo historiador, o “modo de ser alemão socialmente aceito pelo imgaginário coletivo como modo superior influenciou muito as perspectivas pomeranas no Brasil [...] mas não eliminou esta cultura”. 571 KROCKOW, op. Cit. Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 574 FACHIN, op. Cit., p. 17. 572 573 233 Os pastores davam aulas, eles tentavam demonstrar sua superioridade perante os alunos, não existia separação de 575 série, todos os alunos estudavam na mesma sala. [...] os Pastores faziam o papel de conselheiro, advogado, professor e tinham autoridade perante a comunidade, inclusive a mulher do Pastor chamava a atenção dos pais 576 sobre os filhos durante o culto. Dentro desta ótica é muito difícil identificar um sentimento de pertencimento a um germanismo europeu ou mesmo uma concepção de pangermanismo no imigrante pomerânio no estado de Espírito Santo. Ouvindo os moradores mais antigos das colônias teuto de Espírito Santo, logo se constata que os antigos assentados, já com o passar das primeiras décadas rapidamente se transformaram em uma população pouco preocupada com os acontecimentos ocorridos fora das colônias. Seu interesse passava a ser cada vez mais centrado nos acontecimentos do cotidiano O próprio idioma pomerânio constituiu-se em uma grande barreira. Desta forma, mais preocupados com sua própria comunidade e também pela absoluta falta de oportunidade terminaram pouco conhecendo dos acontecimentos nacionais e muito pouco sabiam da Europa. Além disto, é preciso lembrar que “Mas a língua alemã era um pouco complicada. Era difícil de conversar. Mas o culto era todo dado em alemão [...] (para muitos) era difícil de entender.” 577 O pomerânio já havia, há muito tempo, formado o seu sentimento de pertencimento. Diziam, somos pomerânios e não somos alemães. A sua língua era o “plattdüsch” e não o “dütsch”. 575 576 577 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 234 Acredito que foi mais uma dificuldade. Não sabiam falar o pomerânio. Até já li alguma coisa no sentido de se admirarem como uma língua, depois de tantos anos ainda havia se conservado ainda tão bem. Tentou-se, de certa 578 forma impor uma língua oficial, mas, isto não funcionou. Muitos mal entendiam as prédicas ou sequer as entendiam. No ensino confirmatório tudo precisava ser decorado. Os pastores antigos “nunca aprendiam” a comunicar-se na língua pomerana. Além disto, condutas por vezes adotadas pelos mesmos, muitas vezes realimentavam o medo que incutiam. “Eu fui uma vez na casa do pastor e terminei apanhando dele. Levei três lambadas. As outras crianças apanharam mais ainda. Eu levei só três lambadas”. 579 Não se podia chamar o pastor de Herr Praister e sim, Herr Pastor 580 . Isto caracterizava todo um autoritarismo inerente a esta expressão e o sentimento de medo daí resultante. Só lembro que o (pastor) Balbach pernoitava na casa dos meus pais. Era uma viagem muito longa a cavalo. As crianças tinham muito medo do pastor. Todo mundo tinha que ficar em silêncio. Somente o pai e a mãe conversavam 581 com o pastor. O (pastor) Balbach [...] era muito brabo e vivia xingando dentro da igreja. Quem chegou a conhecê-lo deve se lembrar. Um dia eu usei a palavra “Praister” quando me referi a ele. Levei uma xingada quando ele me disse que era “Herr Pastor”! Ninguém podia chamá-lo de “Praister”. Era “Herr Pastor”. As pessoas davam risada. Mas não se podia 582 falar diferente [...]. 578 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 581 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 582 Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 579 580 235 As pessoas sempre tiveram muito medo dos pastores. Eles eram muito brabos e as pessoas sequer entendiam o que 583 falavam. Os pastores antigos realmente nunca demonstraram interesse em se comunicar na língua pomerana. Talvez a explicação histórica para este fato fosse a mais plausível, pois, com o ocaso da Liga Hanseática, a sua língua oficial, a pomerana, também perdeu sua importância. Acredito que foi mais uma dificuldade. Não sabiam falar o pomerânio. Até já li alguma coisa no sentido de se admirarem como uma língua, depois de tantos anos ainda havia se conservado ainda tão bem. Tentou-se, de certa 584 forma, impor uma língua oficial, mas, isto não funcionou. Na realidade a população estava cada vez mais enclausurada na sua vida quase que restrita ao núcleo familiar e às saídas domingueiras para os eventos relacionados à igreja e às visitas aos parentes e vizinhos. Qualquer nova informação do mundo exterior somente chegava até eles se fosse intermediado pelos pastores ou pelos poucos professores que mantinham uma comunicação regular com a Europa. Mesmo na década de 1920, quando houve uma ampla propagação da cultura germânica nos estados do sul, a vida no interior capixaba parece ter seguido a sua rotina 583 584 585 585 . Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 236 Ainda na década de 1930, apesar de certa simpatia com que o governo getulista se relacionava com as ditaduras da Alemanha do nacional socialismo e da Itália fascista estes aspectos não costumavam ser discutidos. Todos estavam muito mais preocupados com o dia a dia da sua propriedade e com sua igreja 586 . Por outro lado, quem era alemão não se misturava com pomerânio e os próprio observado em entevistas com descendentes de alemães aqui chegados na época da Segunda Grande Guerra. “Minha mãe falava pomerânio. Meu pai nunca aprendeu a falar pomerânio. Ele falava francês, inglês, espanhol e depois português. Mas o pomerânio foi difícil”. 587 Ele (o pai do entrevistado) tinha muita dificuldade para entender o pomerânio. Outras línguas ele falava diversas. Mas pomerânio não. Mas ele falava alemão alto bem certinho. Tem o pessoal aqui para cima que também fala um 588 589 alemão diferente. É o Hunsrück . Eles são “Hunsbukler”. O Pastor Grotke dava o Ensino Confirmatório. Ele vinha a cavalo. Usava umas grandes botas. E nestes dias também dava o ensino confirmatório. Aprendíamos os mandamentos, os artigos, a Santa Ceia. [...] Eles só falavam em alemão. Mas acho que não contavam nada de lá. Eles eram muito 590 sérios. Só faziam o seu sermão. Depois desta guerra, o espírito de superioridade alemão ainda permaneceu durante alguns anos na forma como os pastores estrangeiros passaram a retomar o seu trabalho. Entretanto, o 586 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 588 O terno “Hunsbuckel” é derivado da palavra hunsrück, mesmo significado, isto é, “lombo de cachorro”, originário da região do Hunsrück no Médio Reno. 589 Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 590 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. 587 237 sentimento de que os ofícios religiosos teriam que ser realizados de maneira mais acessível começava a tomar forma. Era preciso fazerse entender pelo povo pomerânio. Quando cheguei aqui, vi que tinha muita gente que falava em pomerânio. Disseram-me que teria que pregar em alemão. Com isto passei a preparar o meu sermão em português e depois traduzia para o alemão. Aí observei que pouca gente entendia o alemão. Pouca gente como o seu pai (referindo-se ao pai do pesquisador), falava o Hochdeutsch. Os pomerânios não entendiam nada do que eu falava em alemão. Só entendiam pomerânio. A gente 591 sentia que eles não tinham idéia do que eu falava. O Pastor [...] era muito rígido. Hoje as coisas mudaram, mas na época era muito difícil. Na época, também parecia como sendo alguém com muita autoridade: eu mando aqui e vocês devem obedecer! Com isto nos acostumamos ao pastor. Ele tanto pregava a palavra de Deus, ele ajuda quando precisa, ele ensina. Ele fazia tudo isto. Não havia tanta liberdade como hoje. Os mandamentos a gente tinha que aprender. Eu nunca perguntava nada ao pastor. Não se 592 sabia que existia bíblia. Gradativamente, na década de 1930, o nacionalismo brasileiro foi-se tornando mais agressivo contra tudo que não fosse legitimamente “brasileiro”. Com isto também a atuação dos pastores de origem alemã passou a ser cada vez mais limitado. Em contrapartida, a assistência religiosa prestada pela Igreja Missúri passou a ser mais ostensiva e mais flexível nos aspectos financeiros. Esta nova realidade deu origem a novos conflitos de interesses nesta disputa por um público com características muito próprias. Em algumas localidades ocorreu uma verdadeira guerra 591 592 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. quadragésima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 238 entre as duas correntes. O exemplo mais elucidativo foi o acontecimento na localidade de Três Pontões, onde a maior parte dos membros da comunidade, por votação, optou pela assistência espiritual feita pelo pastor Missúri. Pode-se dizer que o Brasil entrou na guerra da Europa, talvez contra a própria vontade até porque, com o seu próprio modelo de governo da época sempre simpatizou com as administrações do “eixo”, isto é, da Alemanha de Adolf Hitler e da Itália do Mussolini. Isto, de certa forma até poderia explicar o comportamento americanófolo da Igreja Missúri na época da guerra. Há quem diga que toda esta dificuldade foi criada por ordens superiores e que depois resultou em uma série de desentendimentos locais. 5.2 Uma cultura teuto-capixaba A constante migração do colono pomerânio para áreas de novos assentamentos se perpetuou pela sistemática das contínuas conquistas de áreas a serem desmatadas e repassadas aos seus filhos. Este papel preservou neles a característica de eternos desbravadores solitários. Este teuto-brasileiro “caipira” sempre esteve centrado na sua própria sobrevivência e na sobrevivência da sua prole. O seu pequeno mundo, que na Europa estava restrito à propriedade do latifundiário, aqui continuou centrado na vida em seu lote de terras e na sua pequena comunidade. Seus contatos com o mundo exterior continuaram sendo o vendeiro, no campo financeiro de compra e venda de mercadorias, o pastor ou padre no campo espiritual, educacional e de definição da conduta moral. 239 O processo de adaptação, ou quem sabe, de aculturação dos imigrantes no Estado de Espírito Santo poderia ser enquadrado em três fases distintas 593 . A primeira durou praticamente duas décadas. Foram os anos em que os assentados assumiram os seus “prazzos” 594 e passaram a produzir o suficiente para a sua subsistência, ao mesmo tempo em que passaram a se isolar hermeticamente de qualquer influência social e cultural da população nativa brasileira. Criaram um modus vivendi em que, de um lado, procuravam conservar a forma de construir suas habitações, o seu estilo de vida e o idioma, ao mesmo tempo em que a comunicação oral por ocasião dos encontros para os ofícios religiosos costumava girar cada vez mais em torno das vivências do dia a dia da colônia. Certamente procuraram organizar uma sociedade, talvez até próxima daquela que haviam deixado para trás. Logicamente sem o fator opressivo do domínio feudal da antiga Pomerânia. A preservação dos antigos costumes e a própria maneira de pensar e de agir socialmente os distanciava do estilo de vida do caboclo e dos descendentes dos antigos escravos. Desta forma procuravam conservar características de rotinas advindas do dia a dia da velha pátria, como a própria distribuição de tarefas na labuta do cotidiano e de envolvimento de toda a família, inclusive dos filhos na jornada diária do trabalho 593 595 . Uma disposição didática elaborada pelo autor. Denominação utilizada para os "lotes” ou “colônias” recebvidos por cada família de imigrantes assentadas na província de Espírito Santo. 595 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. e protagonizados por dois antigos lideres de comunidades, a saber, Jacob Seibel, no Vale do Rio Farinhas e Guilherme Seibel, no Vale do Rio Santa Joana e depois na localidade de Laranja da Terra. 594 240 A segunda fase de certa forma até se confunde cronologicamente com a primeira e continua com a terceira e diz respeito à conscientização de que a escolaridade e o aprendizado dos filhos precisavam ser resolvidos com recursos próprios. O governo da Província pouco fazia para combater o analfabetismo. Porém, tanto os pastores como os padres exigiam dos jovens uma instrução mínima para poderem ser confirmados ou crismados. A falta de professores com uma habilidade adequada resultou na convocação de ”professores de colônia”, uma espécie de mestres com algum conhecimento, mesmo que precário. Assim, agricultores, atuando em suas lavouras, em uma parte do dia e valendo-se do pouco conhecimento de que dispunham, procuravam ensinar às crianças das proximidades algumas noções de escrita e de leitura 596 . A terceira fase do processo de adaptação teve início na terceira década do assentamento, quando, forçada pelo esgotamento do solo e pelo grande crescimento populacional começou a migração interna. Com esta, em um primeiro momento ocorreu a saída dos filhos maiores do Vale do Rio Santa Maria e arredores na procura por novas terras. Esta constante procura teve seguimento até áreas próximas, ainda nas Terras Altas e finalmente para as Terras Quentes e na direção da margem do Rio Doce. Na virada do século, o predomínio dos costumes dos pomerânios sobre toda a população teuto da colônia já se manifestava de forma cada vez mais incisiva. Era um povo com características que se identificavam cada vez mais com os primeiros emigrantes daquelas terras outrora pertencentes ao pequeno Ducado localizado na região entre o nordeste da Alemanha e 596 Exemplificado pela situação vivida pelo próprio autor na sua infância. 241 noroeste da Polônia. Foi daquela “terra perto do mar” ou, como diziam seus ancestrais, “PoMorje”, uma região plana e de muitos lagos e rios, que vieram aqueles que aos poucos passaram a impor sua cultura e seus costumes aos habitantes de tantos redutos ainda muito isolados de Espírito Santo, destes brasileiros ainda tão pouco conhecidos. O azul do mar e o branco das pesadas neves do inverno que constituíam as cores da bandeira de seu país, aqui continuaram materializados nas cores azuis das aberturas e nas paredes caiadas de branco de suas casas (Fig. 42). O penoso frio do inverno europeu deu lugar ao calor de verão. Lagos e rios piscosos deram lugar às montanhas de matas fechadas e infestadas de mosquitos e cobras. Os pescadores de arenque do Mar Báltico transformaram-se em plantadores de café das encostas capixabas. Aquele povo de pele clara e olhos azuis, que outrora, durante séculos defendeu suas terras das invasões dos poloneses, dos cavaleiros germânicos, dos dinamarqueses, dos suecos, tinham chegado ao Brasil com um sonho de reconstruir suas vidas. Isolados pela barreira da língua e também pela geografia acidentada da Colônia, passaram a centrar o dia a dia de sua vida simples e cheia de desconfiança de tudo que lhes fosse estranho, nos afazeres de sua propriedade e da vida da comunidade religiosa. Porém, da mesma forma como aconteceu tantas vezes em sua terra de origem, voltaram a se sentir enganados por comerciantes escrupulosos, por vendedores ambulantes cujo idioma quase não entendiam e pelas autoridades que viam neles vítimas fáceis de serem ludibriadas. O isolamento em pequenas comunidades passou a ser a alternativa para a autopreservação. As lembranças de histórias de 242 seus antepassados pareciam renovar-lhes o medo de novamente perderem os seus bens e de terem que refugiar-se em outros recantos. Na Europa os pomerânios tinham vivido em um relativo isolamento nos latifúndios e talvez até em função de toda uma luta contra as constantes investidas de potências vizinhas mais fortes. Aqui, além de ter adotada toda uma maneira de ser bem característica, esta população teuto vivenciou o gradativo predomínio da língua e dos costumes pomeranos em toda a colônia. A barreira da língua portuguesa, mantida ou não intencionalmente, parecia ter-se transformado em um escudo contra a ingerência estrangeira no cotidiano da família. Ao se encapsularem em seu próprio mundo, tentaram sobreviver. Em Espírito Santo mais uma vez, da mesma forma como há mil anos já vinham fazendo uniramse e reforçaram as suas defesas para conseguirem manter a sua integridade. Sempre se falava que os pastores estariam ensinando em língua alta em um lugar onde se deveria falar português. Na época eu concordei com este conceito. Agora eu me pergunto, porque a nossa geração não conservou a sua língua materna, o italiano e o alemão? Na época, bastaria uma professora que falasse os dois idiomas. Eles não tiveram dificuldades em aprender o português, mas nós tivemos dificuldades em manter o italiano. A Dona XXX falava que teria que ter um professor ensinando português. Agora acho muito interessante se tivesse havido um professor falando alemão. Honestamente, ele termina aprendendo o português. Eles tinham uma dificuldade. 597 Havia uma discriminação em relação a eles. 597 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 243 Eram estes os descendentes tanto de eslavos como de germânicos que desenvolveram uma série de traços culturais muito próprios. Ao contrário do secular costume europeu, onde a população há muito vivia em pequenos aglomerados urbanos, até como forma de melhorem a proteção contra os inimigos das constantes guerras, em Santa Leopoldina a ocupação de terras passou a ser feita a partir do assentamento das famílias em suas propriedades rurais. Vivendo de forma quase silenciosa, os pomerânios permaneceram alheios aos acontecimentos do mundo político e social brasileiro. 5.3 Os colonos teutos e a consciência de grupo Ao longo das primeiras décadas da colonização pomerana em Espírito Santo, tanto o isolamento externo interno 598 , como o isolamento 599 , parecia estar se acentuando. Uma economia baseada na agricultura de subsistência e de autossuficiência fez com que em muitas localidades o próprio núcleo familiar passasse a se transformar em um núcleo comunitário autossuficiente e fechado 600 . De um lado, a baixa densidade populacional e de outro lado os precários caminhos em meio às selvas e por cima de montanhas faziam com que a comunicação entre as famílias ficasse restrita às visitas aos domingos e aos encontros dominicais na igreja. 598 Isolamento contra tudo que fosse estranho à etnia pomerana. Isolamento do próprio núcleo familiar e sua vida restrita à propriedade rural. Era uma situação que comprometia, sobretudo a mulher pomerana, cuja movimentação estava muito limitada à sua “colônia”. 600 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Muitos relatos das famílias antigas referem-se ao perigo representado pela selva, especialmente para as crianças no caminho para a escola. Citam os porcos do mato e as onças como animais selvagens então existentes. 599 244 Lembro das brincadeiras que se fazia. Lembro das caçadas de passarinho. Os pássaros maiores serviam para comer. Não se podia sair sozinho até o vizinho. Era muito perigoso. Uma criança sozinha não podia sair. Naquele tempo tinha 601 muita onça nas matas. Nos dias atuais há poucos relatos sobre a forma como as famílias chegaram ao Porto Santa Leopoldina ou mesmo sobre a própria história da vida familiar da colônia. Em geral, a primeira geração nascida no Brasil ainda costumava relembrar um ou outro detalhe da vida na Europa e das dificuldades vividas por seus pais. Muitas vezes, a segunda geração pouco lembrava da vida dos seus antepassados da Pomerânia. 602 Tanto os pomerânios como os imigrantes provenientes de outras religiões da Europa, costumavam conservar muito do seu estilo de vida. Mantiveram a índole étnica apesar da relativa adaptação à dura vida na selva. Priorizavam a ordem e a exatidão das coisas. Mantiveram o temperamento grave e o senso de religiosidade. Sobrevivia a velha calma dos pemeranos como também a escrupulosidade, a fidelidade ao dever, a lealdade e a honradez 603 . Diferenças de riqueza na vida da comunidade pareciam ter pouca importância 604 . 601 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 603 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 604 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 602 245 Figura 31: Imagem da família do Kaiser, encontrada em muitas casas de imigrantes. Desta forma as recordações da vida da velha Pátria aos poucos foram se transformando em recordações traduzidas na forma de diferentes canções alemãs e que demonstravam um 246 sentimento de saudade e ao mesmo tempo de conformação 605 . A própria imagem da família imperial ou do próprio imperador da Alemanha na parede da “grout Stub”, isto é, na sala de estar era vista com respeito, mas, como um fato passado. Apesar de já estarem vivendo no Brasil há duas ou três gerações, manteve-se um forte sentimento de coesão étnica 606 . Não tinham mais qualquer vínculo com os seus países de origem nem externavam quaisquer manifestações de vontade de para lá retornarem, seja pela adoção de medidas legais como a conservação de eventuais matriculas consulares para a comprovação de vínculo oficial com o país de origem ou mesmo de tentativas de obtenção de visto na Europa 607 . Figura 32: A imagem do Kaiser era vista com respeito. 605 Os imigrantes logo se deram conta que, ao saírem da Europa, os laços com a antiga pátria tinha sido cortados. A expressão “somos pomerânios e não alemães” denota um forte sentimento de pertencimento a este grupo étnico. 607 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 606 247 O que se identifica ao longo de toda esta história é o relato de povo sempre fiel ao seu ideal da permanente procura por algo melhor por terras melhores e o apego à sua fé como dizem 609 608 . Por outro lado, , “sou pomerânio e não alemão” ou então, “sou Hunsrücker e não alemão”, chamando atenção para certo culto à sua origem nos pequenos países ou principados de outros tempos como o Ducado da Pomerânea ou mesmo do altiplano do Hunsrück, que no início do século dezenove pertencia à França e depois se tornou província do Reino da Prússia Criou-se um sentimento 610 . de “coesão étnica” que desenvolveu, sobretudo no colono pomerânio, um espírito de união e de formação de tradições, o que com o passar dos anos passou a ser expresso na própria forma dos cantos e das danças. 5.4 As Facções do Luteranismo e a coesão dos teutos As comunidades luteranas, na pessoa dos seus pastores, sempre tiveram um importante papel como elo cultural e espiritual com a Europa. Na medida em que estes foram assumindo sua função de condutores da vida espiritual das comunidades, também passaram a ter mais influência sobre a vida dos colonos. As comunidades ou paróquias já mais organizadas passaram a nortear o dia a dia e a própria vida espiritual dos pomerânios. O 608 São elementos que transparecem ao longo de toda a transcrição das entrevistas efetuados no trabalho de campo da presente pesquisa. Expressões populares ainda utilizadas nos dias de hoje. 610 A Alemanha como país único passou a existir a partir de 1871, quando, depois da vitória sobre as tropas francesas, o rei da Prússia foi proclamado Imperador do Segundo Império Alemão. 609 248 “Gemeindevorstand” (presbitério) costumava agir dentro da linha de atuação dos próprios pastores. Até porque a este geralmente cabia a última palavra nas decisões importantes 611 . Eu nunca vi pomerânio católico, a não ser que case com católico. Eram todos luteranos. Uma coisa que observo muito no pomerânio, é o seguinte: católico para o pomerânio é sinônimo de brasileiro. Há até certo terrorismo: fulano é católico. Daí logo vem a pergunta: ah então ele é 612 brasileiro? Os pastores provenientes da Alemanha costumavam ter uma influência decisiva, até em função da sua maior escolaridade. Isto faz com que muitas vezes, além da conduta espiritual também passassem a exercer um papel de professor nas escolas de comunidade (Gemeindeschaul) ou até de médico ou de autoridade salomônica em eventuais disputas surgidas entre os colonos 613 . De modo geral os antigos muito pouco falam das dificuldades havidas com a organização da comunidade e da igreja. Talvez até pelo seu desinteresse em questões políticos e administrativos ou mesmo por receio de se envolverem em “questões da igreja”. Eles nunca falavam muito neste sentido. Mas falaram que tinham aula três vezes por semana e que as igrejas e os salões eram construídos em mutirão. Cada família tinha que dar tantos dias de serviço e ajudar a preparar madeira e até 614 a amassar tijolos. 611 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 613 Em algumas localidades chagava-se a criar uma verdadeira administração “teocrata” à qual poucos ousavam contrariar. 614 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 612 249 Existiu uma briga entre o Sínodo Brasil Central e o Gottskasten. Luxemburg era a primeira igreja luterana de Espírito Santo. Teve uma época em que tinha pastor do Gotteskasten. Mas os que mais vinham para cá eram do Sínodo Brasil Central. Não tinha esta união que tem hoje. Luxenburg era a primeira comunidade Luterana de Espírito Santo. Depois veio Jequitibá, Califórnia e muitas outras que 615 foram se formando. É preciso lembrar que também aqui, muitas vezes as paróquias eram utilizadas como massa de manobra de partes em litígio 616 . “O agricultor nada entendia das questões doutrinarias. Apenas precisava aceitar as pregações do seu líder espiritual”. Isto explica porque comunidades, ao trocarem de pastor, muitas vezes mudavam de lado nesta disputa por áreas de influência de um ou outro grupo eclesiástico. O tesoureiro recebia a contribuição das pessoas e repassava ao pastor. Não tinha todos estes cargos que tem hoje. O pastor decidia praticamente tudo. Só na reunião quando tinha a assembléia, da comunidade, aiíele falava 617 com a comunidade. Na década de 1930, as comunidades dos descendentes dos imigrantes de Espírito Santo vivenciaram uma ferrenha disputa entre as comunidades assistidas pelos pastores das três correntes que aqui atuavam. Vale também lembrar que a Igreja Missúri, com a aproximação da Segunda Grande Guerra, combatia abertamente a 615 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 KROCKOW, op. cit.: “Von der Lehre wüssten sie nichts. Ob sie besser sei als die alte, das könnten sie nicht beurteile, dazu sei de Bauer zu dumm, der müsse glauben, was sein Priester ihm lehre”. 617 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 616 250 fala alemã. De fato, de um lado, os obreiros alemães chegaram a ser presos, o que de outra forma não deixava de ser uma maneira de dizer, “estão vendo, eles são nazistas”. Havia um incentivo à identificação do “ser pomerânio ou alemão”, com o “ser nazista”. Mesmo que a origem da Igreja Missúri tenha sido americana não há provas de que pudesse ter havido alguma orientação neste sentido. Eu entrei no seminário em 1955 e nunca ouvi este tipo de relato. Eu nunca ouvi nada a respeito. Aliás, comecei a sentir a diferença entre as duas igrejas, somente depois que iniciei o ministério aqui no Esp. Santo. Dentro do próprio seminário tínhamos a disciplina de história da Igreja e não tenho lembrança de qualquer professor que pudesse ter 618 falado algo a respeito. Para as comunidades no Espírito Santo não há grandes diferenças, entre a antiga Igreja Missúri que deu origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil e as igrejas alemãs que vieram a constituir a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Neste aspecto vale relembrar o escritor von Krockow 619 : “O agricultor nada entendia das questões doutrinárias. Apenas precisava aceitar as pregações do seu líder espiritual”. As duas igrejas reconhecem a Confissão de Augsburgo. Com isto, doutrinariamente, ambas estão baseadas no mesmo fundamento, ou seja, na Bíblia e no Catecismo de Lutero. Agora, as diferenças que se vê aí, são pequenos detalhes administrativos, isto é, na maneira de arrecadar as ofertas e na maior sistematização na formação dos obreiros. Só para exemplificar, algo como na fábrica de telhas. Todos terão que sair iguais. Os pastores devem sair 618 619 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada. na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. KROCKOW, op. cit. 251 comprometidos com o modus operandi da IELB e não de acordo com a vontade individual de cada um. Na IECLB sempre se vê que há uma maior liberdade, dando origem às diversas correntes dentro da própria igreja. Nisto se poderia citar os conceitos como o de não batizar crianças pequenas ou como o caso de um que, em um determinado momento começou a pregar que o inferno não existia. Existem estas 620 diferenças. 5.5 O Getulismo A revolução de 1930 muito pouco marcou os descendentes teuto-pomeranos do interior de Espírito Santo, até porque, o parco conhecimento do idioma português continuava restringindo o contato dos “colonos” com a população urbana de língua essencialmente portuguesa. Excetuando a “meia dúzia” de filhos de imigrantes que terminaram sendo incorporados às tropas legalistas, poucos chegaram a se inteirar das razões de toda a movimentação dentro dos quartéis 621 . “Na época da revolução de Getulio eu tinha 18 anos. Sei que era uma revolução, mas não se ouvia nada por aqui.” Pelos movimento próprios militar relatos depreende-se dos que que participaram muitas vezes 622 deste sequer entendiam as razões pelas quais ali estavam apenas para dispararem suas armas contra outros brasileiros que também falavam a mesma língua. 620 621 622 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07 08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 252 A revolução foi em 1932 em São Paulo. Muitos daqui vivenciaram esta revolução nesta época, inclusive um vizinho meu. Ficaram 4 meses por lá no exército do Rio de Janeiro. Era a revolução contra o governador de São Paulo. Ali morreu muita gente. O Hermann Schmidt, sempre contava de lá, como eles estiveram aquartelados naquela 623 época. No decorrer da década de 1930, a própria dificuldade de trânsito até os centros urbanos como Santa Leopoldina, Figueira, Afonso Cláudio e mesmo a capital do Estado, continuava sendo muito difícil para a população interiorana. Isto em parte se explica pela existência de péssimas estradas como também pelo receio de muitos se verem obrigados a se entenderem com os “Brasilioner” (luso-brasileiros ou afro-brasileiros). Já com a aproximação da guerra na Europa, o governo getulista passou a estimular cada vez mais o nacionalismo brasileiro, tendo consequentemente também criado um sentimento de antigermanismo na população nativa. Tudo que lembrava fatos ou pessoas não brasileiras passou a ser hostilizado. Na realidade, aos poucos, também o Brasil começava a exalar o cheiro da Guerra na Europa. Não demorou muito para que, também aqui, muitos jovens começassem a ser convocados para o “Tiro de Guerra”. “Eu estive no exército em 1937. Depois disto tínhamos que nos apresentar todos os anos ao tenente em Santa Maria. Mas felizmente não chegamos a ser convocados novamente.” 624 623 624 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 253 5.6 A Propaganda Nazista Falar em nazismo para um pomerânio é no mínimo uma grande desinformação de quem o faz. Como já se viu anteriormente, “não somos alemães, somos pomerânios”. Todo o sentimento de indiferenças às questões políticas sempre demonstradas por este povo originário do Mar Báltico foi também responsável pela não aderência ao movimento nacional socialista propagado isoladamente por alguns poucos defensores desta ideologia 625 . Hoje sabemos que houve, de fato, um envolvimento de pastores do Sínodo Riograndense com o próprio movimento nazista da Alemanha. Apesar de serem controvertidas as informações, não há comprovação da existência de grupos de juventude nazista no estado de Espírito Santo. Hoje se consegue muitos depoimentos testemunhando pela inexistência deste movimento no âmbito das colônias teutas de Espírito Santo. “Não saberia avaliar até que ponto houve certa simpatia pela envolvimento, desconheço.” 626 causa. Mas que tenha havido É mais provável que tenham existido grupos dos Camisas Verdes do Movimento Integralista Brasileiro 627 e que este tenha sido confundido com algum grupo de juventude hitlerista. Esta foi a principal razão pela qual a esporádica propagando da juventude hitlerista ou do nacional socialismo teve pouquíssima 625 Entre os entrevistados nada se conseguiu identificar que pudesse caracterizar algum tipo de “propaganda nazista”. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 627 Ricamente ilustrado nas entrevistas transcritas no anexo C. 626 254 repercussão no meio rural capixaba. Muito pouco se falava neste assunto. “Não havia alemão visitando os colonos por aqui.” 628 Há até uma história de um assalto que teria ocorrido em São Bento. Que teria sido pré-meditado contra famílias alemãs. Havia muita perseguição. Isto porque se confundia qualquer não brasileiro com nazista. Por aqui ninguém gostava de 629 nazistas. Quem vivia no meio rural, estava preocupado com sua lavoura com o bem-estar da sua família e com o preço do café. Pouco se importava com os prospectos e o material de propaganda nazista que, por vezes, lhe chegavam às mãos. Se nas figuras viam o ditador Adolf Hitler acariciando os cabelos loiros de crianças germânicas significava apenas que mais alguém, importante ou não, muito longe de lá, no além-mar, também demonstrava estar gostando de crianças temos a ver com isto? 630 . Os adultos se perguntavam: “o que nós 631 ” Suas prioridades eram outras. Até porque a sistemática perseguição a tudo que lembrasse o “ser um alemão” trazia medo e apreensão. Não tenho lembrança disto, seja da escola ou mesmo das pessoas da época. Ouvia falar que uma professora brasileira, a Vanda Pimenta, que dava aulas em uma escola lá para cima e que tinha sido muito ruim com as crianças da colônia. Era muito severa e judiava das crianças. Costumava falar que este pessoas de descendência ainda iam ser “carneados” como se abate uma galinha. As crianças desconheciam a língua portuguesa e foram proibidas de falar qualquer palavra em pomerânio. Mesmo 628 629 630 631 Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Material de propaganda que chegou às mãos do pesquisador na época da sua infância. Mesmo depois da Segunda Grande Guerra, poucos falavam sobre o assunto. 255 entre os adultos poucos sabiam falar qualquer coisa em 632 português. 5.7 O Nacionalismo Brasileiro e o troar dos canhões na Europa A perseguição aos hábitos a costumes dos imigrantes capixabas na realidade já tinha iniciado com a chegada dos Camisas Verdes do Movimento Integralista Brasileiro 633 . Conheci uma pessoa que foi líder do integralismo aqui na região (Otaviano Santos). Domingos Martins foi berço do Integralismo no ES. Faziam desfiles. Usavam aquela camisa verde. Muitos confundiram integralismo com nazismo. Uma coisa não tem a ver nada com a outra. Mas todo mundo achava que tinha. Tanto que até ele que era líder do integralismo daqui, depois foi contra. O movimento foi muito forte. Tem muito gente que ate hoje ainda sabe cantar o 634 hino do Integralismo. Entretanto, as maiores dificuldades ainda estavam por vir. A guerra iniciada na Europa em 1939 forçou o Governo Getulista a assinar um acordo de defesa mútua com os Estados Unidos em julho de 1941, no qual cediam uma área para a instalação de bases norte-americanas, naval e aérea, em Natal e que passou a ser conhecido como “Parnamirim Field”. Oficialmente teriam ficado estacionados cerca de 3.000 a 5.000 americanos nestas bases, entretanto há também quem cite números bem mais elevados. Dezenas de milhares de americanos e ingleses teriam transitado por 632 633 634 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Poder ser conferido no anexo três sobre que aborda a questão do Integralismo. Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 256 estas instalações 635 . “Disto (da Segunda Guerra) ainda me lembro. Sei que nesta época aconteceu alguma coisa muito grave e que começaram a ter muita raiva dos alemães. Os pastores foram presos. Disto ainda me lembro muito bem”. 636 Depois disto começaram a correr notícias entre os imigrantes de que submarinos americanos passando-se por alemães teriam afundado navios brasileiros ao longo da costa 637 .O resultado imediato foi um grande reforço na já existente onda de nacionalismo brasileiro e a consequente repressão às populações de fala não portuguesa 638 . Quando os EEUU entraram na guerra contra a Alemanha, levou também o Brasil para esta guerra. Os Americanos afundaram três navios do Brasil e disseram que teriam sido os Alemães. Com isto o Brasil também declarou guerra. Os americanos já tinham mandando soldados e o Brasil também deveria mandar alguns. Atiçaram os soldados brasileiros contra os alemães. Aqui fizeram muita brutalidade contra os alemães. O Dr. Fernando Schroeder chegou a ser atirado do segundo andar da sua casa. Isto foi 639 em Vitória. Apesar de tudo isto, a vida no interior capixaba precisava continuar e novamente era preciso adaptar-se a esta nova realidade. Necessitava-se de mantimentos e tinha-se que vender o que era produzido na propriedade. Desta forma, pomerânios, holandeses, renanos e mesmo aqueles italianos que ainda tinham suas 635 http://pt.wikipedia.org/wiki/Parnamirim - Obtido em 01/06/10. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08 Em inúmeras entrevistas se observou que ainda nos dias de hoje muitos continuam não aceitando a versão oficial da história destes fatos. 638 Isto incluía todos os grupos, exceto os de fala inglesa ate pela própria atuação das tropas norte-americanas em território brasileiro. 639 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 636 637 257 dificuldades na comunicação em língua portuguesa precisavam encontrar suas próprias soluções. 5.8 Uma geração sem escola Até o ano de 1937 o processo de alfabetização estava basicamente a cargo das “Gemeindeschaul”, isto é, o ensino administrado pelas próprias igrejas. Os agricultores pomerânios, entretanto, não tinham acesso às poucas escolas públicas localizadas nas proximidades das áreas urbanas. Com a chegada da guerra o ensino foi interrompido. As salas de aula simplesmente ficaram desertas. As crianças ficaram totalmente sem escola. (esposa falando): eu ainda fui à escola, até o segundo ano. Mas não aprendi nada, nada... Aí fiquei em casa. Aprendi um pouco 640 com a minha mãe, para ser confirmada. Eu não tive escola. Não fui à aula. Tinha muito pouca coisa por causa da guerra. Era tudo muito difícil. Escola não tinha. Então para poder ser confirmada fui para Lagoa, onde 641 aprendi a falar um pouco em alemão. As crianças na época aprenderam pouca coisa. Ninguém estava muito preocupado se as crianças iriam aprender ou não. Ninguém se importava se sabiam alguma coisa ou não. 642 Havia duas modalidades de escola. Uma era a escola onde meu pai dava aula e a outra era a escola da comunidade, de doutrina. Meu pai não dava aula na “gemeindeschaul”. Isto 640 641 642 Cf. Quadragésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 258 continuava em alemão porque os pastores até 1937 davam 643 aula em alemão. (Quem dava as aulas por aqui) era meu pai. Depois, chegou ao ponto de tudo vir a ser proibido. Não tinha mais culto e não tinha mais aula. Aí começou uma época de muitas dificuldades para a comunidade. Havia muita chacota com o pessoal daqui. Daqui meus pais foram para o Barracão onde o pai foi assumir a comunidade. Mesmo assim passamos a ter dois dias de aula em alemão e um dia em português. De repente meu pai recebeu uma carta comunicando que as aulas tinham sido proibidas. Todas as escolas tiveram que ser fechadas. As crianças foram chorando para casa. Nada mais se podia fazer. Nem em português e nem em alemão. Nada de igreja e nada de escola. Avisaram que as pessoas poderiam se encontrar para rezar e fazer orações. Foi muito 644 difícil. O resultado foi a permanência de muitas dezenas de escolas de comunidade sem professores e sem alunos e a instalação de raras escolas públicas com resultados pedagógicos duvidosos. Com isto milhares de crianças deixaram de ter acesso à alfabetização. 645 [...] Todas (as crianças do tempo da guerra terminaram ficando sem escola). A maioria não aprendeu a ler nem 646 escrever. Eu mesma foi apenas um ano para a escola. A minha dificuldade e da maioria das crianças foi grande. Não se podia falar o pomerânio e não se sabia falar português. Nem um pouquinho na realidade. Era muito difícil. Os pastores foram presos. Depois terminou a guerra e mudou um pouco. Os cultos foram sendo improvisados, 643 Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Vale observar as entrevistas vigésima oitava e da trigésima sexta: Pais professores, poliglotas e filhos analfabetos. 646 Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 644 645 259 faziam-se os Lesegottesdienst (culto de leitura realizado por 647 leigos). Nas poucas escolas com professores brasileiros, além destes, em função da barreira lingüística não conseguirem se comunicar com as crianças, ainda praticavam um sistemático processo de terrorismo com estas crianças compreendiam as razões de todos estes maus tratos que sequer 648 . “Tinha uma professora de origem (luso-brasileira) em Afonso Cláudio que castigava muito os pomerânios. Falava que os alemães vão ser mortos como se mata os frangos.” 649 Tudo isto resultou em um crescimento do analfabetismo. O prejuízo na escolarização não foi ainda maior graças à manutenção de um ensino confirmatório realizado às escondidas. Todos estes fatos contribuíram ainda mais para a preservação deste pernicioso isolamento, que fazia com que muitos colonos, especialmente os de origem pomerana, se mantivessem ainda mais retraídos em seus longínquos vales. As conseqüências desta lamentável situação perduram até os dias atuais. Somente com o passar do tempo, alguns conseguiram reverter esta pecaminosa situação. Novamente foi preciso improvisar, encontrar professores que pudessem auxiliar na recuperação de um ensino destruído pela insensatez e pela falta de planejamento. 647 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 649 Cf. Vigésima quinta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 648 260 [...] também no ensino passou a falar em português. O governo queria que todos aprendessem a falar em português. Afinal quem estava no Brasil deveria saber tudo em português. Eu sei ler em alemão, em latim, e português. 650 Posso ler tudo... Aquele que sabia falar um pouco de português era pego, como se diz, quase a laço, porque os pais na verdade ainda tinham uma preocupação com que seus filhos não crescessem sem a escola. Alem disto também a igreja já começava a pressionar, porque tinha que aprender, tinha-se que estudar. Minha mãe lembra que teve que decorar uma parte do catecismo, já que o alemão tinha sido cortado três meses antes da confirmação, ela ainda teve que decorar o credo apostólico e os três artigos em português. Precisava recitar no dia da confirmação e ela não conseguia fazer isto. Não deu tempo para decorar, sendo que a sua mãe não 651 tinha como ensinar. Quem deu aula foi o Heinrich Kopperschmidt, um professor que veio da Alemanha. Foi aí que fui para a escola durante dois anos. Ele falava tudo em alemão. Nos falávamos em alemão mas também já aprendemos a escrever em 652 português. Ele passou a falar português assim que conseguiu. Ele dava aulas em português. As aulas eram dadas por pessoas, 653 além do meu pai, que vinham de Vitória. O movimento de conscientização do nacionalismo brasileiro certamente teria trazido bons frutos se concomitantemente ao fechamento das escolas de comunidade tivessem sido criadas escolas públicas para dar continuidade ao processo de alfabetização de toda esta população jovem. 650 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 653 Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 651 652 261 5.9 Proibido não falar português Com a deflagração da guerra, qualquer coisa com alguma semelhança com a cultura alemã ou italiana tornara-se proibitivo. As paróquias ficaram sem seus pastores. As comunidades luteranas haviam se transformado em rebanhos sem seus mentores espirituais. Toda e qualquer modalidade de ensino formal foi proibido e a própria instrução religiosa tornava-se cada vez mais difícil 654 . Diziam que iriam pegar todos os livros em alemão e iriam destruir tudo. Meu pai colocou todos os livros em uma caixa e os enterrou em um buraco. Eles andavam por tudo na procura de material escrito em alemão. Vinham os “Captura” e simplesmente iam destruindo tudo. Meu pai gostava tanto 655 de ler... Com a proibição de funcionamento das escolas de comunidade o próprio ensino confirmatório tornou-se cada vez mais difícil. Em algumas localidades, como em Serra Pelada, as famílias das crianças em idade escolar ou que precisavam freqüentar o ensino confirmatório, terminaram encontrando caminhos alternativos em meio à mata, para chegarem à casa paroquial. Se fossem denunciados, certamente os pais poderiam ser detidos 656 . “O Delegado e os soldados simplesmente invadiam as casas e 654 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 656 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 655 262 atiravam pela janela toda e qualquer coisa escrita em alemão. Houve muito maus tratos com o pessoal daqui do interior”. 657 Proibiu-se não falar português! Mas, como cumprir esta ordem? Os imigrantes não dominavam a língua portuguesa e seus filhos não tiveram qualquer oportunidade para familiarizarem-se com este idioma, até porque na maioria dos lugarejos não havia escolas públicas. “Sofremos muito. Naquela época era proibido falar em pomerânio e em alemão. Tudo que era escrito em alemão precisava ser escondido”. 658 “Às vezes se encontrava algum “brasilioner” que só falavam português. Terminava-se aprendendo”. 659 Desta forma, como costuma ocorrer nestas situações de conflito, apesar da proibição, as diferentes formas de comunicação continuavam sendo praticados no seio da família, onde a língua materna continuava sendo o pomerânio, o holandês, o dialeto hunsrück, tirolez ou mesmo o chamado alemão alto 660 . Durante a guerra [...] as crianças não tinham onde aprender qualquer coisa. Não aprendiam a ler nem escrever. Nem em alemão e muito menos em português. Não havia qualquer escola brasileira. Não sabiam ler. Não sabiam escrever e somente sabiam falar em pomerânio. E também não aprendiam nada em português. Os que aprenderam a falar português por aqui eram os Louret, os Schaffel, os Bohn. Podia-se percorrer toda a região até Garrafão que raramente se achava alguém que soubesse falar português. Nós aprendemos porque tinha um pessoal de cor que morava aípara cima e que trabalhava como diarista. Foi com este pessoal que aprendemos a falar um pouco. Isto era tão 657 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 Cf. Vigésima quinta entrevista realizada com A.S. na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 659 Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 660 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo cujo pai falava o alemão alto e cuja mãe era oriunda de família pomerana. 658 263 difícil para nosso pessoal aprender a falar português que 661 hoje ninguém acredita. 5.10 A prisão dos pastores alemães e a destruição nos cemitérios Os pastores luteranos europeus foram aterrorizados e mais tarde terminaram sendo detidos. Aliás, foi o que aconteceu com todos os estrangeiros, exceto os que tinham adotado a nacionalidade brasileira ou os de nacionalidade norte-americana, como era o caso de pastores da Igreja Missúri. Os pastores foram todos presos, mas dos colonos poucos foram detidos. E aí ficaram alguns que seguiram com o trabalho leigo dos pastores. Daqui foi o Alberto Schwarz e de Santa Maria foi o Mirtsching. Foram eles que assumiram o trabalho na comunidade. Isto durou cerca de cinco 662 anos. Eles chegaram a fazer os cultos, realizavam batizados, 663 confirmação e casamentos. Não tinha outra forma. Aqui na nossa comunidade havia alguns membros que assumiram este trabalho. Durante mais de um ano, eles fizeram todo o trabalho. Lógico sempre em português. Faziam os casamentos e os batismos. Depois de algum tempo, (os pastores) puderam novamente reiniciar os seus trabalhos. [...] Tudo simplesmente passou a ser lido em português. Isto foi muito difícil[...] Era uma espécie de ajudante de pastor que passou a executar tarefas que 664 tinham sido atribuição do pastor. 661 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 664 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 662 663 264 Até mesmo para quem era muito necessário na comunidade, como foi o caso do Pastor Roelke de Santa Maria, o qual, apesar dos seus conhecimentos básicos em medicina com o qual muitas vezes já tinha conseguido socorrer pessoas enfermas, não foi poupado dos maus tratos. Lembro da Segunda Guerra. Prendiam os alemães. Prenderam o pastor Hahn. Prenderam os padres. Mataram alemães que não se entregaram. Enfiaram prego debaixo das unhas dos alemães. E aí não tinha mais nada. Não podia falar mais alemão. Gente como eu era tratado como 665 quinta coluna. Até porque meu pai também tinha um bom conhecimento de medicina. Com isto ele tinha se tornado muito necessário para a própria comunidade. Havia passado pelo 666 “Tropeninstitut” antes de vir para o Brasil. Durante estes anos de grandes dificuldades, cada um se protegia da forma como podia. Os pastores tiveram que ficar escondidos. No sótão deste prédio aqui, que era da família Schwambach, alguns pastores tiveram que ficar escondidos. Naquele tempo o Pastor Bielefeld morou aqui muito tempo, para não ser preso. Depois disto o pastor Wanke ficou um bom tempo preso em Vitória. Também por aqui quebraram muitas inscrições em lápides de cemitério. Antes do início da segunda guerra o alemão tinha sido proibido. Isto começou 667 na época do integralismo. Em Laranja a Terra o pastor chegou a fazer um esconderijo subterrâneo. Ficava perto da igreja, apenas escondido em 665 666 667 Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 265 meio de um capinzal. A polícia andava por cima do lugar, 668 sem saber da sua existência. Figura 33: Desenterrando o abrigo subterrâneo do P. Grotke na localidade de Laranja da Terra. Quem fez a escavação (do esconderijo subterrâneo do pastor em Laranja da Terra) foi o Emilio Jahn. Carregaram a terra embora para ninguém desconfiar. Foi tudo feito às escondidas. Foi tudo atijolado. Eu mesmo forneci os tijolos, mas não sabia, na época, se era para aquilo. O tijolo ainda está lá.[...] O negócio foi feito com tanto segredo, que praticamente ninguém do pessoal daqui chegou a saber. Eu, para ajudar, não sabia para que finalidade que estavam sendo dados os tijolos. Me disseram que era segredo. Eu não podia saber. Depois cheguei a saber [...] Me disseram 668 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 266 para não passar por lá. [...] Levaram muito tempo para fazer 669 isto. Prenderam os pastores. O pastor de Laranja da Terra chegou a fazer um esconderijo na terra. O de Lagoa chegou a ser preso em Afonso Cláudio. [...] Ele era Delegado de polícia e fazia estas coisas todas. Teve que trabalhar 670 carregando terra com carrinho de mão. Figura 34: Escadaria do abrigo depois da remoção dos entulhos. Aí (o delegado) queria vir com a Jagunçada para prender o (Pastor) Grotke. Naquela vez, o pessoal sempre conta que aqui se juntou um tal de [...] Aí eles vieram até São João. Ai o [...] disse para o [...] não vai lá não porque vocês podem ir, mas não voltam. Naquela época os membros da igreja estavam reunidos na igreja, para proteger o pastor. Quando 669 670 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. 267 souberam que o pessoal do [...] vinha, a turma foi se esconder na ponte aqui na estrada para a igreja. Se eles viessem teria dado tiroteio. Aí quando o [...] disse isto para 671 eles, eles voltaram para Afonso Cláudio. Figura 35: Abrigo do P. Grotke. Acesso restaurado. Em nome da Lei também foram destruídos muitos túmulos cujas inscrições não tivessem sido feitas em língua portuguesa. Sob o argumento de que fosse uma referência ao nome do ditador Hitler, lápides foram arrancadas dos cemitérios e suas inscrições removidas a talhadeira. 671 Cf. Vigésima quinta entrevista realizada com A.S. na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 268 Figura 36: O abrigo do P. Grotke – fogão e cama restaurados. Lembro de um episódio em que alguém, ao ler a inscrição “Hier ruht im Grabe” interpretou o texto como uma referência ao ditador Hitler. Mandaram retirar todas as cruzes. Quebraram tudo. Depois voltaram atrás, porque alguém teve a bondade de falar ao Coronel Bonjardim que isto nada teria a ver com Hitler e ele permitiu que se refizessem as 672 sepulturas. O que era de alemães quebraram tudo. As letras em alemão nas catacumbas, isto eles arrancaram. Não deixaram nada inteiro. Era quase tudo de madeira. Logo ali tem cemitério 673 católico e luterano dentro da minha terra. 672 673 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 269 Figura 37: Túmulo destruído na “luta contra os nazistas” de Espírito Santo. Conseguimos esconder tudo. Estávamos preparados para a chegada deles. Eles estavam especialmente atrás do livro “Mein Kampf” (Minha Luta, de Adolf Hitler). Até atrás de louças e talheres andavam. Minha mãe escondeu tudo na 674 casa de outras pessoas. (Quem fazia este quebra-quebra nos cemitérios) ...Era um pessoal mesmo legalizado pela justiça de Vitória. Teve lugar 675 em que quebravam tudo. 674 675 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 270 Estavam inclusive destruindo os cemitérios. Tem-se noticias de um cemitério aqui de Jequitibá, que hoje está abandonado, pelo que contavam, foi praticamente todo destruído, inclusive os túmulos, as lápides. Não podia haver 676 inscrições em alemão. Em alguns lugares durante a guerra, os próprios familiares retiraram a escrita das lápides dos cemitérios. [...] os próprios familiares retiravam as tabuletas de inscrição para evitar destruição da sepultura. Muitos esconderam. Outros enterraram no chão mesmo por lá. Mas depois botaram tudo de volta. Muitos tiravam mesmo as inscrições, para não chegarem e arrebentar tudo. Não ficava nenhuma 677 identificação. Houve época em que deu problemas por causa da escrita em alemão nas tabuletas das sepulturas. Teve lugares em que tiveram que trocar todas as tabuletas para outras 678 escritas em português. Aqui em Santa Maria também aconteceu. O irmão mais novo do meu pai também faleceu e sua inscrição também chegou a ser arrancada. Meu pai depois mandou refazer a inscrição da sua sepultura. 5.11 Falta de perspectivas com a guerra Na prática do dia a dia da propriedade rural pouca coisa mudou com a irrupção da guerra. Entretanto, à medida que a animosidade dos “brasilioner” contra os teutos aumentava, uma serie e acontecimentos puderam ser registrados. As incursões dos “captura soldota”, uma espécie de bandoleiros com atribuições 676 677 678 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28 07 08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/0/08. 271 oficiais de “prender nazistas”, terminaram molestando muitas famílias de agricultores. Alimentos eram requisitados, livros de culto religioso, bíblias e hinários escritos em língua alemã eram queimados em público, sob argumento de constituírem propaganda nazista. Mulheres eram molestadas e homens espancados. Tudo em nome da Lei e com um intenso fervor nacionalista 679 . Os Bate paus. Os pomerânios eram ameaçados por esses grupos organizados que saíam à caça de “nazistas”, supostamente escondidos no interior do país. Os milicianos chegavam às residências montados a cavalo, fazendo barulho com pedaços de pau. Muitas vezes invadiam as propriedades, roubando animais, armas artesanais e 680 alimentos típicos, como banha, brote e carne. Os brasileiros tinham raiva dos alemães e dos pomerânios. Inclusive em Vitória, em uma pousada onde ficava o pessoal do interior, terminaram quebrando tudo. Teve gente que precisou pular janela para fugir da turba. Depois invadiram e acabaram com tudo. Depois aqui em Lagoa, os homens sempre se escondiam e as mulheres muitas vezes dormiam nos matos com medo de serem mortas. Foi uma época muito ruim. Não se podia falar em pomerânio. Português 681 ninguém sabia falar. Tudo isto também trouxe dificuldade para o próprio abastecimento da colônia. Apesar da agricultura pomerana sempre ter primado pela autossuficiência no que diz respeito à alimentação, sempre havia produtos de primeira necessidade que vinham de fora. Tecidos, ferramentas, sal, querosene precisavam ser adquiridos no 679 São relatos que sistematicamente aparecem em qualquer diálogo com os pomerânios antigos de Espírito Santo em que estiver sendo abordado o tema. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 681 Cf. Vigésima quinta entrevista na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 680 272 “vendista”, o colono-comerciante do interior ou no comerciante da cidade mais próxima. Foi muito difícil durante segunda guerra mundial. Eu era moleque de 8 anos em 1944. Isto era tão difícil naquela época. A única coisa que se comprava como o sal e o querosene, precisava ser comprado para o ano todo, com medo de que não vinha mais. O sal naquela época era importado. Era racionado e só se podia comprar um quilo de 682 sal cada vez. Lembro que na época da guerra eles chegaram a ir ate Afonso Cláudio para buscar farinha de trigo. Levaram mula com cangalha. Isto teve que ser feito de noite para que 683 ninguém descobrisse. A sistemática perseguição a tudo que pudesse ser correlacionado com a cultura européia, seja alemã ou pomerana, fez com que casas fossem invadidas, criando um vandalismo indescritível. Naquela época usavam-se talheres dourados ou de prata. Isto eles queriam. Lembro de uma noite, quando já tínhamos voltado do Rio de Janeiro, chegaram a nos assaltar. A partir daqui meu pai combinou com o pessoal da comunidade de que se acontecesse alguma coisa grave com ele, ir-se-ia tocar os sinos da igreja, para que pudessem vir em nosso 684 socorro. Felizmente nada mais aconteceu. O prédio da nossa escola foi encampado pelo governo e foi mandada uma professora, a [...] uma carioca. Não posso esquecer, porque ela hostilizou tremendamente meu pai. Ela passou a lecionar em português. Nenhuma criança podia mais falar em alemão ou pomerânio, nem entre eles. Não 682 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Vigésima quarta entrevista realizada com R.S. na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 684 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 683 273 havia professores por aqui. Ninguém queria assumir o ensino. Eu tinha 16 anos nesta época. Foi aí que eu comecei a dar aulas, em 1945. Ainda era no prédio que tinha sido desapropriado. Depois de alguns anos nossa comunidade terminou custeando um terreno para a 685 construção de uma nova escola. Porque, imagina, minha mãe, que sofreu isto na pele, de ter que dormir no meio do mato. Minha mãe tem pavor quando tem trovoada lá na casa dele ela me liga para dizer que tem trovoada. Ela vive um verdadeiro trauma. Elas dormiam no meio do mato e os homens ficavam escondidos dentro de casa. Porque “eles” vão nos matar. Porque já prenderam o P. Balbach. Isto foi durante a guerra, ou seja, de 1938 e 686 1945. Minha mãe tem 83 anos ela tem relatos da época. A conseqüência imediata foi uma retração ainda maior de grande parte dos habitantes para o interior das suas propriedades. Toda vez que algum estranho chegava perto das casas, quem podia, escondia-se nas matas. Os filhos pequenos já sem escola, passaram a viver amedrontados e se escondiam com a chegada de qualquer estranho 687 . Levou mais de um ano em que foi proibido de fazer qualquer tipo de trabalho. Todas as comunidades tinham seu pedaço de terra onde se podia plantar alguma coisa, também nós passamos a viver com o produto da terra. Passamos a trabalhar na roça, plantando aipim, milho, tínhamos vaca de leite, criação de porcos. Éramos nós, o pastor [...] Para os pastores foi uma época de grandes privações. Houve muito vandalismo nas casas dos pastores. Felizmente na nossa casa não aconteceu, mas nas casas de outros pastores houve muita destruição. Invadiram as casas, levaram os 688 livros e destruíram muitas coisas. 685 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 688 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 686 687 274 Era tudo proibido, mesmo assim, íamos na igreja e lá se aprendia um pouco. O professor fazia alguma coisa. Tinha sido tudo proibido. A Gemeideschaul estava fechada. Mas, mesmo assim íamos à igreja, onde no ensinavam um pouco. 689 Íamos à própria igreja para aprender um pouco. Em Lagoa o pessoal passava por uma trilha por cima da montanha para poder chegar pelos fundos da casa paroquial. A chegada pela estrada normal poderia ter sido denunciada por informantes dos “brasilioner”. 690 5.12 A igreja em tempos de guerra Durante a primeira metade do século vinte a igreja luterana, para muitos, era considerada uma igreja alemã. A expressão “Deutsche Kirche im Ausland” é lembrada por muitos que vivenciaram aquela época. Isto facilmente explica o rancor e a agressividade demonstrada pelos grupos que se engajaram na defesa do nacionalismo brasileiro como os próprios “bate-paus” ou “captura” que atuaram no interior do Estado de Espírito Santo na época da Segunda Grande Guerra. O resultado foi observado na forma das mais diferentes formas de destruição de patrimônio, maus tratos a pessoas inocentes e prisão de pastores. As comunidades ficaram acéfalas, ou seja, sem os seus pregadores. Batismos não puderam ser oficiados. Casamentos tiveram que ser postergados. Porém, a vida precisava continuar e dentro deste princípio também aqui os teutos capixabas tiveram que 689 690 Cf. trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 275 encontrar uma saída. Novamente alguém da comunidade precisou assumir o ofício religioso, como em outros tempos já o havia feito. “Era o culto de leitura que um ou outro conseguia dar. Os que sabiam ler liam umas passagens bíblicas e cantavam-se hinos”. 691 Naqueles tempos quem andou substituindo os pastores e dando culto foi o velho Karl Reblin. Ele fazia a pregação enquanto o pastor estava ausente. Apenas não subia no 692 púlpito. Este não chegou a ser detido. Era alguém da comunidade. Alguém que de uma ou outra forma tinha um pouco mais de conhecimento. Era um daqui de cima e depois foi o Alberto Schwarz. Era um agricultor daqui. Fazia o culto. Só não dava a Santa Ceia. Ele lia alguma coisa e cantava com a comunidade. Era assim que se vivia. Cantar em alemão também foi proibido. Em alguns 693 lugares não se tinha mais nada. Estava tudo quieto. E foi Teodoro Schwambach, de uma família tradicional daqui quem assumiu as atividades da comunidade durante toda a guerra. Ele não era pastor, porém alguém precisava assumir 694 os trabalhos na comunidade de Domingos Martins. O ensino confirmatório ficou seriamente prejudicado, tanto em qualidade como em assiduidade. Pessoas, sem qualquer preparo novamente passaram a ensinar para as crianças um pouco daquilo que eles mesmos haviam aprendido vinte ou trinta anos antes. “[...] Para as aulas de primeira comunhão decoravam o pai nosso. Muitas vezes não sabiam uma palavra em português. Só decoravam as orações.” 691 695 (Depois da guerra) “[...] o ensino Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 694 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 695 Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 692 693 276 confirmatório foi restabelecido e continuou sendo dado pelos pastores. “ 696 5.13 A adaptação de um povo A população dos primeiros imigrantes de Espírito Santo era de procedência essencialmente rural. Desta forma, apesar de já ter sido planejada um núcleo urbano, por ocasião da construção da primeira igreja em Califórnia, com praça, escola e casas, o projeto nunca chegou a ser concretizado 697 . Igrejas e capelas isoladas passaram a ser construídas sobre o “Pfarrerland”, isto é, nas terras do pastor, onde este e sua família não poucas vezes, também cuidavam da vaca de leite, das galinhas e da montaria. Era um modelo a ser seguido pelos membros da comunidade 698 . Ao contrário do que ocorreu nos estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde as associações esportivas, culturais e recreativas exerceram um importante papel aglutinador das populações teuto-brasileiras, as colônias de Espírito Santo desde o início adotaram um modelo social de convivência mais esporádico baseado em três pontos 699 : 1. Nos encontros domingueiros, seja antes dos ofícios religiosos ou mesmo depois dos mesmos, aconteciam as troca de 696 Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, informações estas, porém, não comprovadas em quaisquer documentos da época. 698 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 699 Sistematização proposta pelo autor, baseado na própria vivencia familiar. 697 277 informações e até mesmo muitos negócios. fechamentos de eventuais 700 2. Não havia “Clubes” ou entidades associativas, valia o princípio do “a concertina faz a festa”. Ou seja, os encontros sociais, como casamentos e eventuais confraternizações como de aniversários ou “ajuntamentos” eram animados por este tradicional instrumento musical, sempre nas próprias casas dos “colonos”, em ambientes iluminados com lamparinas de querosene. (O pomerânio nunca entrou em Clubes) Não, nunca. Eles andavam pelos campos. Pelas estradas. Eram muito difundidas as brincadeiras com petecas e os jogos de roda tipo “ovo choco”. Procuravam cipós para fazer balanços. Estas eram basicamente as suas diversões. [...] O contato com Santa Leopoldina era praticamente só para o comércio 701 e para a obtenção de alguns alimentos. 3. Por último, a intensa visitação entre familiares e amigos fazia com que as tardes de domingo de tornassem momentos de intenso intercâmbio social e de troca de informações, quem sabe para compensar a vida isolada que levavam nas suas respectivas propriedades. Meus pais costumavam passear, na vizinhança[...] Era costume, onde morávamos em Santa Maria, de noite, quando tinha luar, costumavam nos reunir na casa de algum vizinho para cantar. Geralmente duas vezes por semana. Cantavam os hinos, todos juntos. Ás vezes nos reuníamos na casa dos vizinhos e às vezes os outros vinham lá em 702 703 casa... 700 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 702 Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 701 278 Algumas coisas a gente ainda lembra. Ainda lembro das brincadeiras que fazíamos. Aos domingos vestíamos as roupas melhores e íamos fazer visitas nas casas dos outros. Os pais costumavam conversar muito com os outros adultos, enquanto as crianças brincavam. Hoje em dia não 704 se faz mais visitas. Aos domingos as famílias se visitavam. Já comunicavam uma a duas semanas antes, de que estavam indo lá. Vinham a cavalo no sábado e voltavam no domingo. Neste caso também pernoitavam. Conversavam sobre caça, sobre 705 pesca, sobre roupa... Somente bem mais tarde, por volta de 1950, a assimilação da língua portuguesa passou a favorecer a convivência com imigrantes italianos e a população luso-brasileira iniciou um lento processo de urbanização de alguns descendentes dos imigrantes. O alemão, o pomerânio, o hunsrück, o holandês, todos tinham sido considerados “nazistas”. Foram perseguidos, aterrorizados, ridicularizados; enfim, começavam a sentir vergonha de serem o que eram. E aí eles foram se fechando, fechando. Meu irmão tinha vergonha. Tinha pavor de ser alemão. Quando falavam que era, dizia que não era. Quando eu me casei, me casei com 706 uma pessoa morena... A tia Ema, que era matriarca, fez uma confusão, porque eu ia casar com um Schwarze, que era preguiçoso, que não ia 707 trabalhar. Foi uma encrenca danada. 703 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. 705 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 706 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08 08. 707 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 704 279 A aculturação brasileira deste “colono”, isolado no seu sítio, somente aconteceu quando efetivamente foram abertas mais estradas, possibilitando a lenta substituição da quase monocultura do café pela hortifruticultura, especialmente na região de Sana Maria e arredores. Na realidade uma efetiva assimilação da língua portuguesa e dos hábitos e costumes brasileiros somente chegaram com o surgimento do rádio e da televisão e da abertura de estradas e a viabilização da telefonia no meio rural. 280 6 OS REFLEXOS DE UMA GRANDE GUERRA 1940 – 1950 6.1 São João de Petrópolis é transformado em quartel Figura 38: Escola Agrotécnica transformada em “Tiro de Guerra”. No início da década de 1940 alguns poucos filhos de agricultores 708 haviam ingressado na Escola Agrícola de São João de Petrópolis. Esta, segundo se falava, seria uma oportunidade para adquirirem mais conhecimento sobre técnicas agrícolas já que qualquer inovação neste campo costumava encontrar grande dificuldade de aceitação da parte da população já com mais idade. 708 Entre estes o pai deste pesquisador. 281 Diziam que “meus avós assim o fizeram. Meus pais deles aprenderam e nós faremos da mesma forma” 709 . Com isto, o empobrecimento das terras, a falta crônica de qualquer assistência em técnicas agrícolas levou a uma gradativa diminuição da produtividade rural e à consequente queda do poder aquisitivo da população. “Barracão de Petrópolis”, como era conhecida a escola agrícola, com o avanço da guerra, foi transformada em quartel de “Tiro de Guerra”. Todos os alunos usavam uniforme. A grande maioria de origem teuto que aqui havia chegado desconhecia a língua portuguesa. Mas, o Brasil estava em guerra e este era o momento em que ao menos estes jovens se viram obrigados a aprender a se comunicar em português 710 . Para estes filhos da “Colônia” começava uma nova realidade com um contato mais próximo com os “brasilioner”, isto é, com os luso-brasileiros e os afro-brasileiros. Nestes primeiros tempos as dificuldades com a comunicação eram muito grandes e não raro geradoras de constrangimentos e de chacota como o de um jovem que reclamou ao ver-se “roubado” de sua ração no acampamento: “Tissiu comeu toda meu farroula” (O “Tissiu”, um colega de farda, havia se apropriado de toda a sua farofa Todos os outros jovens 711 que ). foram convocados e incorporados ao exército brasileiro por ocasião do envio da Força Expedicionária 709 Brasileira tiveram enormes dificuldades no Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 711 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 710 282 aprendizado do idioma com o qual não estavam familiarizados. Também para estes o trabalho na agricultura precisou ser substituído pelo treinamento militar. Foi o que aconteceu com estes jovens de fala diferente da natalícia e que foram aos quartéis para aprenderem a atirar em outras pessoas que falavam o mesmo idioma, quem sabe, parentes ou familiares mais distantes. Uma nova realidade cruel. Era a guerra. Mas, precisava-se sobreviver 712 . Figura 39: São João de Petrópolis com sua tropa do “Tiro de Guerra”. 6.2 Um sofrido preparo para a guerra O “colono” capixaba era “gente da lavoura”. Há duas ou mais gerações apenas conhecia o seu trabalho e não compreendia 712 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 283 as razões daquela guerra. Todos se perguntavam do porquê de tudo isto. Os que estavam no “quartel” sentiam muita saudade de casa. Agora não tinham qualquer possibilidade de retornar para junto de suas famílias. Nas primeiras semanas da vida de caserna foi muito difícil. Se de um lado todos estavam acostumados a acordar cedo para o início das suas atividades no campo, a sua militarização trouxe novos desafios que tiveram que ser enfrentados. Houve conflitos, até porque a própria organização do colono sempre foi baseada em conceitos de igualdade. A maioria era de mesma origem, ou seja, era descendente de uma classe social e econômica baixa último, não tinha qualquer vivência de vida militar. 713 . Por 714 . Os novos colonos-soldados tiveram que aprender os valores básicos da vida militar. Precisaram assimilar o conceito de hierarquia e de disciplina. Adquiriram novos valores e novas crenças e familiarizaram-se com novos cuidados com a saúde. Surgiram problemas como ansiedade, angústia e estresse, especialmente durante o período de adaptação. A falta de sono precisou ser tratada pelo cansaço decorrente do intenso trabalho e pelas longas marchas 715 . Os soluços e o choro na noite silenciosa tiveram que ser abafados por muitas e inesperadas ordens unidas até mesmo naqueles momentos que deveriam ser de repouso. Mas, afinal, quem eram eles? Colonos ou soldados? Onde terminava a função de um e começava a do outro? Conheciam bem 713 Uma referência ao nível sócio econômico do colono teuta no Espírito Santo. Segundo dados disponíveis no Museu do Imigrante de Santa Leopoldina, praticamente todos os emigrantes europeus ao chegarem no Espírito Santo declaram ser oriundos do meio rural. 715 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 714 284 a vida do campo. Na verdade tinham vindo para a escola agrícola principalmente para adquirirem um conhecimento que viesse a melhorar o resultado do seu trabalho na lavoura. Agora, como em um passo de mágica estavam sendo preparados para disparar suas armas contra pessoas que falavam o seu próprio idioma materno! Era um dilema que compreendia desinformação e incompreensão. Somente com o passar dos meses chegou a conscientização: somos brasileiros e temos que lutar pelo nosso pais. Uma pergunta sempre voltava. Por que a guerra? Por que tudo isto? Como será depois? Com o passar dos meses novos conceitos foram lhes sendo incorporados. Eram um novo comprometimento e a ideia de pertencimento ao Exército Brasileiro. Era a conscientização de que também precisavam participar da defesa da pátria 716 . São João de Petrópolis, uma escola agrícola, mas também um quartel “Tiro de Guerra”, que apresentava uma indescritível carência de material! Faltava armamento. O Tenente comandava todo o batalhão. Eram quase duzentos e cinquenta homens. Nos primeiros tempos os exercícios eram realizados com fuzis de madeira! Chegaram notícias de que somente depois da sua chegada à Itália que seriam equipados e municiados 717 . E até lá, como aprender a utilizar o novo armamento? Eram perguntas sem resposta. 716 Eram conceitos totalmente novos e que em um primeiro instante não pareciam ser compreendidos. Apenas com o passar dos meses foram entendendo a extensão deste novo compromisso. At o próprio termo utilizado ao se referirem ao serviço militar denotava esta falta de compreensão da parte dos pomerânios. O termo “Soldotspela”, o qual em uma tradução verbal significa “brincar de soldado” denota a absoluta falta de compreensão deste fato. 717 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo 285 Enquanto isto, o tenente 718 e seus duzentos e cinquenta comandados e seus fuzis de madeira continuavam fazendo caminhadas e exercícios... Duzentos e cinquenta homens e a uma metralhadora. “É das caminhadas, que me lembro. Eram vinte e cinco quilômetros de ida e mais um tanto na volta. Isto com um peso de quinze a vinte quilos na mochila. Lembro também do dia em que foi feita uma demonstração com a metralhadora. Era uma máquina danada. Ficava apoiada sobre um pequeno tripé, também de ferro...“ 719 Realmente, havia apenas uma única metralhadora em todo o quartel. Diziam que já era bem antiga, mas podia-se ter uma ideia o seu funcionamento. Os meses passavam, o treinamento foi se tornando mais e mais intenso. As marchas com o Tenente costumavam tomar o dia inteiro. Era proibido conversar. Soubemos que alguns tinham embarcado em navios com destino à Itália e que outros já estavam aguardando em quartéis do Rio de Janeiro, prontos para o embarque. Deve ter sido muito difícil. Muitos foram apenas para Vitória outros até o Rio de Janeiro. Apenas alguns poucos chegaram até Monte Castelo. Mais tarde, aqueles que de lá retornaram descreveram seus pesadelos: Eram vivências tristes e um sentimento de revolta. Uma porção daqui foi para a guerra. Chegaram a ir até a Itália. Eles foram incorporados e não sabiam falar em 718 719 Referência ao oficial comandante do “Tiro de Guerra” de São João de Petrópolis. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelo pai do autor. 286 português. Diversos foram para lá e não sabiam sequer se 720 comunicar. Falou que andaram pelas matas. De repente ouviu alguém 721 falando em pomerânio. Ai o Bessert teria perguntado, se a cobra também andava fumando por lá. Era a senha dos brasileiros. Não entenderam a pergunta, mas responderam que eram alemães. Aí seguiram conversando em pomerânio. O Bessert teria dito que eles estavam indo para a terra do Hitler. Aí eles falaram que estavam se 722 escondendo na mata e que estavam com fome [...] Os que foram para a Itália, se depararam com situações muito difíceis: descendente de alemão lutando contra 723 alemão. No “quartel” de São João de Petrópolis o tempo ia passando. A tensão era muito grande. Depois de meses todos já estavam ansiosos para embarcar no trem em Colatina. Estavam dispostos a morrer pela pátria. E nesta situação como ficariam nossos pais? Não era hora de se pensar neles. Agora era preciso pensar na obrigação para com o Brasil. As longas marchas eram quase diárias. Outros já tinham ido. O medo era muito grande. De morrer? Não. Estavam preparados. O medo era do desconhecido 724 . 720 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Ex-praçinha de Força Expedicionária Brasileira e que participou do contingente brasileiro enviado para a Itália. 722 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. 723 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08 724 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 721 287 6.3 O final da guerra e a nova repressão aos teuto-brasileiros A guerra terminou! Finalmente a grande notícia. Todos voltariam para casa. Infelizmente o treinamento em técnicas agrícolas terminou sendo interrompido. Mesmo assim, aprenderam muitas coisas novas. Na “colônia” todos estavam acostumados a usar os mesmos recursos utilizados pelos seus pais, os quais, por seu lado tinham aprendido o trabalho com os avós. Mesmo com todos osn contratempos, os colonos-soldados também aprenderam novas técnicas agrícolas. Já outros nada aprenderam. “Não havia nada de agricultura. Marchávamos e fomos preparados para a guerra [...] eu fiquei apenas seis meses e depois voltei para a casa dos meus pais. Aí as coisas seguiram no seu ritmo como sempre tinha sido”. 725 Com o retorno de “Barracão de Petrópolis”, a escola agrícola, surgiram muitos problemas, especialmente no que diz respeito ao que deveria ser feito com as terras já “cansadas”. O rápido esgotamento do solo já vinha sendo observado desde a primeira geração de imigrantes, na região de Santa Leopoldina. De certa forma o costume da migração e das novas derrubadas continuou propiciando o tão necessário solo fértil para a ampliação das culturas de subsistência e também dos cafezais. Entretanto, as melhores oportunidades para a compra de terras na metade sul de Espírito Santo já estavam esgotadas. Por outro lado, ao norte do Rio Doce, o calor era muito intenso e muitos já tinham retornado em função da vida difícil. 725 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 288 Todos estes pensamentos começaram a preocupar aqueles que estavam se preparando para o retorno as suas casas. O que fazer? Os pais concordariam com as inovações a serem implantadas? Certamente teriam problemas até porque, pelo tipo de família das três gerações, os pais dificilmente abririam mão do seu poder de mando na propriedade. Afinal “o que estes meninos de vinte anos poderiam saber a mais do que alguém que durante a vida toda trabalhou na terra?” 726 Eram muitas dúvidas para as quais teriam que encontrar respostas. Mesmo com o término da guerra, alguns delegados brasileiros continuaram com sua intensa repressão a tudo que não fosse “brasileiro”. Aliás, havia uma diferença muito grande nas suas atitudes em relação aos descendentes de imigrantes teutos. Os luso-brasileiros tinham sido bem assimilados pela população brasileira nativa. Afinal, comunicavam-se no mesmo idioma, tinham a mesma religião e os mesmos traços culturais. Também os italianos, especialmente pela identificação religiosa católico-romana e também pela semelhança representada por seu idioma latino, rapidamente dominaram a língua portuguesa. Com isto romperam as duas principais barreiras no caminho da aculturação nacional. Os ofícios religiosos tinham sido retomados com a preocupação de fazê-los em português. Entretanto, a maioria dos membros das comunidades era pomerana. A assimilação das pregações pelas comunidades ficou extremamente prejudicada. Afinal, ninguém compreendia todo este “palavrório estranho” lido por 726 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 289 alguém que por vezes sequer entendia o que estava lendo. As dificuldades continuaram. “Em Santa Maria houve muita destruição. Inclusive depois da guerra aconteceu novamente. Eu mesma vi alguma coisa.” 727 As comunidades da Igreja Missúri, seja em decorrência da adoção mais precoce da língua portuguesa nos seus ofícios religiosos ou também pela vinculação de seus pastores às congregações norte-americanas, não tinham sido molestadas. Afinal, “os americanos eram aliados dos brasileiros”. Entretanto, mesmo para os seus pastores continuava proibido falar qualquer língua ou dialeto germânico nos primeiros anos que se seguiram ao término da guerra. O culto de leitura em língua portuguesa continuava sendo feito em todas as comunidades luteranas, apesar deste já estar sendo feito com alguma orientação dos pastores. O ensino confirmatório continuava sendo ministrado de forma muito precária. Entretanto, já podia-se contar com uma discreta retaguarda dos pastores. No principio eles foram proibidos de falar a língua deles. O [...] chegou a me contar que ele chegou a prender gente e a maltratar gente pelo fato de falarem apenas em alemão. Isto tinha sido conseqüência da própria guerra. Mas isto tudo nunca chegou a ser suficiente para eliminar a fala 728 pomerana. Apenas com o passar dos anos foi possível retomar a língua alemã nos ofícios religiosos. Também o ensino confirmatório lentamente foi sendo reiniciado. 727 728 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. Cf. Trigésima primeira entrevista na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 290 Bem no começo da guerra não tinha nada. Depois alguns aprenderam alguma coisa. [...] Depois da guerra voltaram a dar aulas em alemão. Mas era gente daqui mesmo. Não tinha escola em português. Inicialmente havia só o ensino confirmatório. O pastor ensinava um pouco a ler e a 729 escrever. Os pastores que estiveram detidos já tinham retornado às suas comunidades, porém sem poderem exercer seu ofício. Em contrapartida a animosidade contra os estrangeiros continuava em franca ebulição em algumas cidades. Entre estas se destacava Afonso Cláudio, cujo delegado de polícia exercia o seu mandato aterrorizante da forma mais plena possível 730 . 6.4 Revolta em Laranja da Terra e em Lagoa Em Laranja da Terra e em Lagoa ainda se tinha muito medo dos “Capturasoldota”, aquela espécie de bandoleiros pseudouniformizados que, em nome da “Lei e da Justiça” haviam infernizado a vida da população rural em muitos lugares do interior capixaba 731 . A construção de uma instalação subterrânea na sede da paróquia luterana em Laranja da Terra foi apenas mais uma destas tentativas das pessoas se colocarem em segurança e de protegerem os seus familiares destes indivíduos acostumados a molestar mulheres e crianças 732 . 729 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Referência aos episódios envolvendo a tentativa de aprisionamento de pastores depois da guerra, ocorridos nas localidades de Laranja da Terra e de Serra Pelada. 731 O curta metragem “Bate-Paus”, mostra muito bem através dos entrevistados a perseguição aos pomerânios no Espírito Santo durante a após a Segunda Guerra Mundial. 732 Um sem número de relatos descreve as fugas das famílias para o interior na mato ou mesmo a procura dos esconderijos improvisados sempre que a aproximação de indivíduos 730 291 Diversos filhos de colonos recém tinham saído dos quartéis. Foram instruídos a defender o país em nome da liberdade. Foi isto que lhes tinha sido ensinado no quartel. Seria uma luta contra a opressão e o totalitarismo. Entretanto também a guerra tinha chegado ao seu final. Todos sabiam que tinha sido uma luta contra os ditadores na Europa. Agora, da noite para o dia, depararam-se com uma nova guerra. Não uma guerra contra o fascismo e o nazismo. O que seria? Um grupo de homens comandado pelo delegado de Afonso Cláudio, mesmo com o término da guerra, estava se dirigindo para Laranja da Terra com a finalidade de novamente prender o Pastor Grotke. Uma repressão aos seus valores religiosos? todo o tipo e ameaça contra o religioso Novamente, 733 . Os jovens soldados estavam preparados para morrer pelo Brasil. Entretanto, não conseguiam entender o que estava acontecendo. Perguntavam-se: porque prender os pastores estrangeiros? Nada mais podiam ter a ver com as lutas na Europa! A guerra já tinha terminado. Estes mesmos jovens também tinham sido preparados para, em nome da liberdade, em nome da democracia defender a ordem e a justiça. Foram estes mesmos que, quando chegou a ordem de prender os seus líderes espirituais para levá-los de arrasto atrás da montaria do delegado e dos seus comparsas, resolveram que também estavam preparados para morrer em nome da justiça de dos seus princípios religiosas. 733 desconhecidos ameaçavam a segurança das famílias. O esconderijo do Pastor de Laranja da Terra foi apenas mais uma destas tentativas de proteção. A guerra já havia terminado. Os pastores que estiveram detidos tinham sido libertados. 292 Quase chegou a ter confusão por causa do delegado de Afonso Cláudio que chegou aqui querendo prender o pastor Grotke. Naquela época o pastor já tinha um esconderijo feito para se esconder. O delegado mandou dizer para não ir embora e que iria buscá-lo. Queriam amarrá-lo no cavalo e levá-lo até Afonso Cláudio. O que nós aqui poderíamos fazer? Eu já era um homem casado. Aí tomamos uma decisão. Quem teria coragem para enfrentá-los, para bater, para matar, para apanhar ou até para morrer, que viesse para se unir à nós. Iríamos esperar a chegada do delegado. Tinha gente com enxadão, com foice, com espingarda, com machado, com revólver. Eu mesmo também tinha revólver. O [...] tinha uma carabina. Estávamos em vinte homens prontos para morrer se preciso fosse. Tínhamos que saber matar, mas também morrer. Havia um posicionado um pouco mais longe para, caso fosse preciso, sair para avisar nas casas para poder avisar, porque lá também tinha gente com armas. Ficamos esperando na ponte de Laranja da Terra, a quinhentos metros da igreja. Se for para morrer tem que matar primeiro. Tão esquentados que estavam todos. Esperamos até a meia noite quando chegou o recado de que não viriam mais. O [...] segurou eles no outro lado da ponte. Creio que foi na saída da ponte de São João. Tinha dito para o delegado que, se passar pela ponte, vocês não voltam mais. Ai o delgado queria saber: mas quem vai fazer alguma coisa? Ai o [...] teria dito: eu só dou um conselho: se você passar na ponte, você fica pra lá. Você não vai voltar mais. Mas eu consigo passar com a polícia! Mas “os polícia” também fica lá! O [...] sabia que o nós tínhamos cercado a ponte. Com isto o delegado mudou de idéia e retornou para [...]. Chegando em [...] teria comentado que “nunca mais vou atrás destes alemão de lá. Não vou perder minha vida por causa deles. Deixa eles se virarem sozinhos. Se eles estivessem vindo. Tinha apenas dois, um [...]e um [...] para recebê-los. Os outros estavam todos escondidos. Assim que eles fossem botar a mão nos dois, todo o grupo teria caído em cima deles. Felizmente não aconteceu. Quem sabe teríamos matado muita gente e teríamos ido preso. Estávamos com muito medo, mas estávamos também com muita raiva. Só em pensar em vim buscar alguém e amarrá- 293 lo no rabo do cavalo para levá-lo de arrasto até [...]. Não se 734 podia deixar. Depois da guerra vinha uma turma de malandros da Rua para pegar o Pastor. Sorte foi o [...] não ter deixado passar na ponte de São João. Senão ia dar muita morte. Estávamos preparados para morrer. A guerra já tinha terminado. Eles queriam acabar com tudo. Estava todo mundo armado com o que dava. Tinha gente com revólver, com espingarda, com facão, com foice. O primeiro que pisar em cima da ponte é o primeiro a morrer. Ia dar guerra. Sorte que o homem não deixou passar. Lá em Lagoa o [...] e o [...] chegaram a bater no Balbach. Diz que judiaram dele 735 também. Desta forma, tanto o episódio de Laranja da Terra como o de Lagoa serviram de marco para aqueles que se consideravam cidadãos brasileiros, porém com direito à sua liberdade religiosa, aos seus próprios costumes e à sua própria cultura. 6.5 A colônia no pós-guerra Para os que voltaram da guerra ou mesmo para aqueles que tinham passado pelos preparativos de um possível embarque para a Itália, o pesadelo tinha passado. Muitas histórias ficaram para serem contadas! Pesadelos. Neuroses de guerra. A campanha da Força Expedicionária Brasileira não tinha sido fácil 736 . “Muitos chegaram a ser presos por falarem alemão. Quando cheguei aqui, isto foi em, 734 735 736 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Uma referencial à campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália. 294 1947, mandaram que falássemos bem baixinho porque senão a polícia prenderia quem falasse alemão.” 737 Mas, como depois da intempérie sempre aparece o sol, era preciso seguir com a vida e, especialmente, era preciso continuar provendo o alimento para a família. Os primeiros meses foram especialmente difíceis, pois a paranóia e a desconfiança que a população “brasilioner” alimentava contra os “colonos” continuava criando muitas dificuldades. Sentimento de inferioridade gerado com a perseguição aos teutos depois da Segunda Grande Guerra trouxe um sentimento de inferioridade e de constrangimento. Ser pomerânios era sinônimo de desprestígio. Gerava vergonha. 738 Casamento com outra etnia como fuga... Muitos foram hostilizados quando identificavam a sua persistente dificuldade de comunicação em função da pouca alfabetização e em especial pelo seu precário domínio da língua portuguesa 739 . Mesmo depois da Guerra, em muitos lugares as crianças continuaram sem escolas, especialmente porque também havia uma grande carência de escolas públicas. Estava tudo fechado. Ninguém podia falar em alemão. Tiveram que começar a preparar o sermão para ser lido em português. Ninguém mais podia conversar em alemão. Tudo tinha sido proibido. Se ouvissem alguém falando em pomerânio já podia ser preso. Depois que acabou a escola, 740 vieram outros professores. 737 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 740 Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 738 739 295 Tinha uma escola do governo, lá nas nossas terras. Depois arrancaram ela e colocaram aqui na vila. Mas era de uns professores que não sabiam de nada. Na verdade os meninos iam à escola mais para aprender a caçar 741 passarinho. Depois da guerra muito lentamente a vida voltou ao seu normal. As dificuldades criadas em decorrência da proibição do trabalho pelos pastores levou a muitas improvisações e conflitos. Mesmo nos anos de 1950 o colono pomerânio ainda era motivo de zombaria. O meu irmão, que viveu nesta época, dizia que tinha muita vergonha de ser pomerânio. Ele veio para Vitória para estudar e que passara a ser motivo de chacota. Neste período, que foi depois da campanha nacionalista de Getúlio Vargas até depois da guerra, as escolas foram fechadas. Antes havia aqui em Vitória aos domingos a Radio Alemã e que foi fechada. Existia o Clube Alemão que foi fechado. Chegou a época em que eles queriam se esconder da verdade. Não queriam ser pomerânios. Não queriam ser alemães. Queriam se misturar. Foi nessa época que iniciou o êxodo rural e os pomerânios começaram a migrar para Rondônia. Os mesmos procedimentos que fizeram aqui 742 passaram a fazer por lá. Depois que os pastores voltaram, aos poucos a atividade da igreja também voltou. O culto voltou a ser feito em alemão. 743 Tudo novamente em alemão. Mesmo depois disto tudo. Os maus tratos aos colonos imigrantes ainda na década de 1960 continuaram gerando revolta e mágoas. Ficou conhecido o episódio patrocinado pelo sindicato dos trabalhadores rurais de Afonso Cláudio, onde um novo assessor jurídico, “querendo mostrar 741 742 743 Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 296 serviço” resolveu convocar os “colonos de Serra Pelada” para comunicar a obrigatoriedade de todos terem que se associar a esta entidade. Era uma centena de “colonos” que pouco ou nada entendiam, sendo confrontados por um advogado bem falante tentando impor aos presentes a sindicalização compulsória. Fazendo frente a toda esta encenação arbitrária, apenas um adolescente de quinze anos “ousou” rebater as insistentes investidas do facultativo e evitando constrangedoras decisões unilaterais desta forma estas 744 . Figura 40: “Fogão de chapa” – restaurado e novamente em uso. No decorrer da década de cinquenta, lentamente os ofícios religiosos voltaram a ser realizados em língua alemã. “Mais tarde 744 Episodio protagonizado pelo autor. 297 melhorou. E o governo pagava os professores. Eles pagavam os professores. Mas tinha muitos problemas com as aulas das crianças.” 745 A hostilização nas escolas, mesmo que já de forma mais velada, persistiu até o início da década de 1960 746 . Os pomerânios estão mais na terra fria. Ali, a língua pomerana ainda é muito forte. Assim, eu fazia celebrações onde fazia a liturgia em alemão, explicava e lia em português e pomerânio e lia em português e alemão. Na verdade eu tinha cultos aonde chegava a utilizar três idiomas. Cheguei a fazer muitas celebrações somente em alemão em tudo que era lido e o que era comunicado e explicado, tudo em pomerânio. Isto era muito bem aceito, inclusive tinha algumas comunidades que exigiam que o 747 pároco soubesse falar o pomerânio. Foi aí que, certa vez fui a uma comunidade onde trabalhava o P. [...], quando ao final dos trabalhos ele disse que tudo o que ele tinha falado em português eu saberia falar em pomerânio. Aí um dos presentes me desafiou dizendo que gostaria de ouvir. Com o consentimento do Fischer tomei o estudo feito em português e fui traduzindo. Isto foi em 1970. Dei uma mensagem em pomerânio. Senti que havia dado certo. Quando chegou dezembro, lá em [...], durante o culto de natal, falei um pouco e lá pelas tantas resolvi falar: “ik war ais a Winachts jeschöacht lesa”. Vocês querem em alemão ou em Pomerânio? Eles começaram a rir. Aí falei em pomerânio. A partir daí nunca mais falei em alemão, falava sempre só em pomerânio. No início fui muito perseguido até pela [...], a [...]que me criticava muito. Mas muitos vinham na nossa igreja por causa da mensagem em pomerânio. Faziam transferência e tudo. A partir daí o pessoal da [...] 748 mudou também para algumas coisas em pomerânio. 745 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 747 Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 748 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 746 298 A cidade de Afonso Cláudio havia se tornado um marco no combate a tudo que não fosse “brasileiro”. Este combate fervoroso continuou sendo liderado por uma professora casualmente casada com um pastor luterano. 749 A [...] dava palestras contra isto aí. Ela foi muito rigorosa, até mesmo no ginásio. Certo dia, eu era [...], houve uma reunião da equipe lá em Vitória, com o Secretário da Educação e como coordenador do [...] também me convidaram, juntamente com a diretora do Ginásio, que era a [...]. Estava lá também um representante do Min. da Educação do Rio de Janeiro. A [...] justamente começou a falar da necessidade de preservarmos as culturas antigas, as italianas, alemão. Aí eu me dei conta que era comigo e pedi a palavra. Agradeci pela oportunidade de estar aqui e disse que tinha sido muito perseguido porque comecei um trabalho de resgate da cultura pomerana. Própria Profª. [...] que está presente aqui, muitas vezes muito me criticou. (relatou como expôs o assunto e a maneira como vem fazendo seu trabalho de resgate da língua pomerana, seja por meio das mensagens pelo rádio, seja nos ofícios religiosos, etc.) “Mas isto é muito bom, eu queria ter alguma coisa deste material...”ponderou o representante do Ministério. “Me grava algumas mensagens...” Isto foi feito, conforme pedido e tempos depois recebi uma carta de agradecimento. A partir dali não houve mais perseguições. Hoje existem vários movimentos de resgate da língua e das tradições pomeranas. Inclusive o 750 projeto de implantação da língua pomerana nas escolas. A década de 1960, na realidade constituiu-se em um importante marco na cultura pomerana capixaba. Constituiu-se no início de uma série de movimentos. Em primeiro lugar, merece destaque que a grande migração para os centros urbanos, tanto nas pequenas cidades como Santa Maria, Afonso Cláudio, Itarana, 749 750 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 299 Domingos Martins, como também para a Grande Vitória. Em segundo lugar, a falta de espaço para novos desmatamentos no estado de Espírito Santo reforçou o fluxo de migrantes da chamada quarta fase 751 da migração interna, inicialmente direcionada para o estado de Paraná e posteriormente para Rondônia. Repetiu-se o mesmo mecanismo de desbravamento tantas vezes já utilizado e que implicava nas derrubadas, nas queimas e nas plantações, apenas que, desta vez, em outros estados brasileiros. “[...] até a década de setenta, quando os pomerânios foram descobertos pela mídia, até ai tinha problemas e acesso, não tinha asfalto. As escolas eram muito longe.” 752 Por último, os pomerânios foram “descobertos” pela mídia, desencadeando a divulgação de uma sucessão de infelizes reportagens, mas que, ao final, levou a toda uma reavaliação da Cultura Pomerana no Brasil. 6.6 A implantação de novas técnicas agrícolas Aqueles que de São João de Petrópolis retornaram à “roça” cheios de ideias e planos logo se depararam com uma triste realidade: os pais não permitiram grandes alterações na maneira de trabalhar na roça. Afinal, os antepassados assim o haviam feito e não seriam eles que iriam modificar o sistema trabalho. Os projetos teriam que ficar para mais tarde 751 752 753 753 . Uma Sistematização didática utilizada pelo autor na presente apresentação. Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 300 Em praticamente toda a metade sul de Espírito Santo as propriedades já tinham diminuído de tamanho e não permitiam novas divisões. Os filhos das famílias, mesmo que já não mais tão numerosas, continuavam necessitando de novas terras onde também a igreja pudesse se desenvolver. Eram geralmente os filhos mais velhos que saíam à procura de novos assentamentos. Também na região de Serra Pelada alguns filhos de colonos haviam retornado de “Petrópolis”, como também era conhecida a Escola Agrícola. Apesar de ser uma região de colonização já mais recente, as terras já mostravam sinais de esgotamento. Utilizava-se o sistema do reflorestamento (capoeirão) seguido de novas queimas três ou quatro anos depois 754 . Na prática se fazia dois tipos de lavoura. De um lado, havia lavoura de café, uma plantação perene e que tinha uma vida útil de vinte a vinte e cinco anos. Havia também as plantações sazonais, representadas pelos produtos de manutenção das famílias e seus animais domésticos. Naquela época não se costuma adubar ou podar os pés de café. Talvez a existência de pequeno número de animais domésticos nas primeiras propriedades tivesse levado os imigrantes teutos a não utilizar o esterco de gado, dos porcos ou do galinheiro para a adubação de suas lavouras 755 . O milho e o feijão, por apresentarem raízes mais superficiais não costumam concorrer com o cafeeiro nos primeiros anos do cultivo de um cafezal. Entretanto, plantas do grupo dos tubérculos, como a mandioca, o cará, a taioba penetravam muito mais no solo e 754 755 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 301 ao serem arrancados causavam um maior prejuízo às raízes do pé de café. As ramas da batata doce e do chuchu desenvolviam uma cobertura abafadora. Depois de cinco ou seis anos o cafezal passasse a ocupar uma área exclusiva dentro da propriedade. Assim, uma vez formado o cafezal este se tornava uma plantação perene, cujos cuidados se restringiam a uma ou duas capinas anuais 756 . No início do século vinte o café já havia se transformado na principal fonte de receita das colônias, ou seja, considerando que cerca de dois a três por cento era guardada para consumo próprio das famílias, a maior parte do dinheiro gerado pela venda deste produto constituía-se na principal fonte de renda dos colonos. Havia cerca de três mil famílias teuto-brasileiras produzindo café no Estado de Espírito Santo. A época da colheita do café, na própria área central de Espírito Santo, variava de região para região e muitas vezes se estendia verão adentro. Já nas terras altas da Mata Fria, em função da irregularidade da temperatura, a maturação ocorria de forma mais lenta. Desta forma, como o processo acontecia de forma muito irregular, esta colheita se estendia por meses. Era preciso retirar os grãos maduros e, na medida do possível, preservar os que ainda se encontravam em processo de formação. Com um ligeiro movimento de fricção sobre os grãos e estes, depois de soltos caíam aparados por uma peneira encostada contra o abdômen do trabalhador e apoiada nas folhagens do pé de café. Havia também aqueles que simplesmente 756 derrubavam todo o produto no solo para Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 302 posteriormente ser recolhido e “abanado” para a remoção das folhas caídas e dos grãos ocos 757 . Toda esta produção precisava ser transportada até o terreiro de secagem próximo às suas casas. Também os que tinham suas mulas para a própria montaria, passavam a utilizar estes animais também para o transporte da produção das lavouras. O café era acondicionado em grandes balaios presos em cangalhas, semelhantes às utilizadas pelos tropeiros no transporte de mercadorias 758 . Já na década de cinquenta, em uma ou outra propriedade de Serra Pelada, começou-se a fazer a colheita do café sobre uma espécie de lençol de um tecido bastante resistente, medindo cerca de quatro por quatro metros e com uma abertura até o meu meio. Era conhecido como “Cafeetuch”, ou seja, o pano de café. Este utensílio era posicionado ao redor do cafeeiro, de tal forma que o seu pé ficasse no centro do pano e as bordas da abertura eram sobrepostas. Com isto podia-se derrubar aos grãos de café sobre o pano e na medida em que se concluía a “limpeza” de cada árvore, a produção limpa e sem qualquer contato com a terra podia ser colocada em sacos ou balaios para o transporte para o terreiro 759 . Também, aqui, logo iniciou um novo processo de prébeneficiamento dos grãos de café, ao ser realizada a retirada da polpa suculenta que envolvia a semente propriamente dita. Este processo, que passou a ser conhecido como despolpagem do café, 757 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 759 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 758 303 permitia uma secagem bem mais rápida dos grãos, ao mesmo tempo em que melhorava significativamente a qualidade do produto e também o seu preço. 6.7 A quarta fase da migração interna: Paraná e Rondônia Na região rural o casamento continuava representando a vinda de uma nova força de trabalho, já que o novo casal passava a ter uma intensa atividade na rotina da propriedade. Este também era o momento de readequação a uma nova realidade. Era o que costumava acontecer com o filho homem solteiro indicado como arrimo da família. Muitas vezes, até, já tinha sua propriedade, apesar de não possuir recursos para a construção de uma casa própria 760 . Entretanto, quem casa quer casa. Muitas das dificuldades que surgiam com a nova convivência de duas gerações de famílias terminavam em atrito e conseqüente afastamento da uma das partes. Aqui, vale lembrar, que partir de 1950, a migração de muitas famílias para o “Norte” havia se tornado bastante comum. Notícias vindas do Paraná fizeram com que também o sudoeste brasileiro passasse a exercer um atrativo sobre muitos jovens ansiosos por obterem o seu pedaço de chão. De lá meus pais vieram para Rio Guandu. De Rio Guandu retornaram para São Luiz de Miranda, perto da grande pedra. Depois os filhos casaram todos e eu como caçula voltei para Criciúma, de onde retornei para Lagoa Preta. Meu pai também morou em Criciúma. De Criciúma voltou 760 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 304 para Laranja da Terra e depois novamente para Santa Joana. [...] Quando eu casei me mudei. Fui me mudando e mudando e lá pelas tantas voltei para ao mesmo lugar de 761 onde tinha saído anos antes. Figura 41: A migração para Rondônia e outros estados. No Norte, para quem não tem terras, é muito ruim. Trabalhar de diarista... Mas não tem trabalho. Muitos saíram do Norte de Espírito Santo. Grande parte dos meus parentes foram 762 para Rondônia. A grande maioria, quando casava, procurava trabalhar à meia. Eram os meeiros. Geralmente em lugares onde 761 762 Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 305 tivesse fazendas maiores. Foi inclusive o caso da minha 763 mãe. Eles foram considerados “Wanderbauern”, ou seja, colonos 764 que estão em constante migração. Assim teve início o que poderíamos chamar de quarta fase de migração interna da população teuto capixaba, na qual inicialmente algumas famílias se deslocaram para o estado de Paraná, porém, rapidamente este fluxo migratório foi redirecionado para Rondônia e outros estados do oeste brasileiro. Era a sina do pomerano migrante, o “Wanderbauer”, aquele migrante, cujo destino é manter-se sempre na procura por um “lugar melhor”, por melhores condições de trabalho. 6.8 O quadro sanitário na Colônia O quadro sanitário da população européia nos primeiros anos da colonização foi bastante precário. Nestes anos, a própria desnutrição de grande parte dos colonos, em decorrência da falta de uma alimentação adequada e da dificuldade na adaptação aos produtos nativos aqui encontrados, como o feijão e a farinha de mandioca contribuíram para a manutenção desta situação 765 . É notório que, os que aqui chegaram costumavam ser originários das camadas mais pobres dos pobres da Europa. Há também outros fatores que podem ser citados e que contribuíram para a manutenção de toda esta situação sanitária precária. Em primeiro 763 764 765 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 306 lugar, nunca houve qualquer política de saneamento ambiental. Além disto, nunca se teve recursos para investimento no setor. Em segundo lugar, a precariedade das primeiras moradias e das suas instalações hidráulico-sanitárias trouxe uma série de problemas. O “caboclo” capixaba de origem indígena e africana, já estava acostumado a uma vida quase nômade. Este, ao abrir novas frentes de assentamento na margem da floresta e construir seus primeiros ranchos de palmito, de certa forma, foi incorporado ao processo de expansão da colonização teuta. O colono, ao adotar esta sistemática da constante renovação das suas propriedades através do processo de novas derrubadas em novos territórios, pela praticidade e rapidez com que eram erigidas em outros lugares, por vezes terminava aderindo a este verdadeiro processo de “caboclização” de suas vivendas e, com isto, até à sua maneira de viver 766 . Na prática a absoluta maioria das casas não tinha qualquer ligação domiciliar de abastecimento de água 767 . Esta carência, seja nas suas casas ou mesmo nas suas proximidades, levava a uma deterioração da já precária higiene nesta região de clima tropical. Isto representou todo um processo de contaminação dos alimentos, disposição inadequada de resíduos das moradias, especialmente 766 A grande maioria dos relatos, inclusive dos familiares do autor, trazem descrições destas primeiras habitações. Eram simples abrigos, cuja característica provisória por vezes permanecia por meses ou anos, já que a prioridade era prover alimentos para o sustento da prole. 767 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares. Estas habitações costumavam ser construídas nas proximidades dos pequenos córregos ou rios. Estes já forneciam a água para o preparo dos alimentos, para a lavação da roupa e para o “banho de bacia”. A chamada “bica” de água, na qual longos troncos “escavados” de palmito ou também grossas varas de bambu, depois de terem seus nós extraídos serviam de condutores do precioso liquido, de pontos mais elevados dos riachos até a proximidade das casas. Até mesmo na década de 1950 poucas casas dispunham destes “modernos recursos”. A construção de instalações sanitárias começaram a surgir a partir de 1950. 307 sanitárias, onde pessoas e animais, frequentemente conviviam em meio a dejetos humanos e de animais. Todas estas dificuldades contribuíram para a manutenção do alto índice de mortalidade infantil que durou praticamente até toda a primeira metade do século vinte, comprovada pela diferença entre o número de filhos nascidos e os que, naqueles tempos, atingiam a idade adulta 768 . Nos livros das igrejas estão registradas as causas mais comuns da mortalidade infantil, ou seja, convulsões e gastroenterite 769 . Em 1894 e 1895 houve uma epidemia de febre amarela em Vitória e Santa Leopoldina. Felizmente esta fez poucas vítimas entre os colonos, talvez graças à sua vida relativamente reclusa nos respectivos sítios. O mesmo aconteceu com a cólera que se registrou poucos anos mais tarde. A malária e a desinteria costumavam ser bastante comuns nas áreas de colonização teutobrasileira, especialmente nas chamadas terras quentes, talvez em decorrência da própria deterioração dos alimentos, favorecido pela precariedade higiênica e também pelo próprio calor 770 . As picadas de cobras, principalmente por um tipo chamado surucucu, fizeram muitas vítimas, favorecidos também pelo hábito 768 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares. Este índice, segundo relatos colhidos em muitas famílias, em alguns casos podia chegar aos quinze ou vinte por cento. 769 WAGEMANN, Ernst. A colonização alemã no Espírito Santo. A salubridade. Disponível em:<ttp://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capitulo_8.html> p.. 3. Acesso em: 22 jan. 04. 770 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares. A desinformação e as práticas de medicina popular, sem qualquer poder de cura terminou levando a perda de muitas vidas. 308 dos colonos de andarem descalços chamadas “Schlangenkasse” 771 . Mais tarde foram criadas as 772 . Tinha também óleo de copaíba, era bom para diversas coisas. Na picada de cobra costumavam cortar um pedaço da cobra e colocar em cima da ferida. Isto ajudava a puxar o veneno. Colocavam também uma lasca incandescente sobre o ferimento. Podia-se também colocar um pouco da cinza de cachimbo. Isto também ajudava. Outros ainda mandavam colocar folhas ou emplastros com sal em cima 773 das feridas. A furunculose era muito comum, especialmente entre os recém-chegados 774 . Somente na segunda metade do século vinte, com a implantação pelo governo estadual, dos “Postos de Higiene”, muito lentamente o estado de saúde da população interiorana começou a melhorar 775 . 6.9 A assistência médica A historiografia sobre a imigração européia no Espírito Santo, praticamente, não aborda a assistência médica destas colônias durante as suas primeiras décadas de existência. Com 776 exceção de nomes como o do Dr. Nickmann , ou de alguns nomes 771 De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. A Caixa de Remédios contra picada de cobra de Santa Joana, durante muitos anos foi mantida pelo avô do pesquisador. 773 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranja da Terra, no dia 29/07/08. 774 A exposição aos inúmeros insetos do clima tropical, para quem estava habituado a um clima muito frio fez surgir um sem número de doenças cutâneas e que até os dias atuais continuam molestando os descendentes destes imigrantes. 775 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 776 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 772 309 de “médicos práticos” 777 , poucas lembranças afloram na memória dos entrevistados. Se, de um lado, os imigrantes estavam destinados ao trabalho no campo, a falta de uma política pública para a assistência médica também contribuiu para a inexistência de profissionais médicos nesta região 778 . Por outro lado, a baixa densidade populacional e a falta de perspectivas econômicas não permitiram a vinda para estas paragens, seja de profissionais da Europa ou mesmo de brasileiros formados nas três únicas escolas médicas existentes no Brasil no início do século vinte 779 . A absoluta falta de profissionais habilitados levou ao desenvolvimento de uma medicina popular e que tinha no chamado “Walddoktor” ou “médico da floresta” seu principal articulador. Este, embasando seus conhecimentos em livros de medicina popular, tentava compensar as precárias condições médico-sanitárias. O velho [...] no Tirol entendia alguma coisa e a gente procurava algum tipo de remédio quando alguém adoecia. Dava remédio para vermes e estas coisas simples. Farmácia só existia em Santa Leopoldina, era do Fritz 780 Dinas, um homem velho. Médico nesta época não tinha. Já no início do século vinte falava-se em um ou outro médico em cidades próximas. Entretanto, a precariedade financeira 777 Estes muitas vezes transitavam pelo interior da Colônia ou até mês se fixavam nas localidades, onde atuavam como agricultores e sempre que solicitados, prestavam os “serviços médicos” aos necessitados. 778 A maioria dos relatórios oficiais de Santa Leopoldina se refere à presença de médico na sua sede. Entretanto, a grande maioria da população vivia a dezenas de quilômetros de distância deste recurso. Muitas vezes moribundos eram transportados em verdadeiras “liteiras” improvisadas ao longo de cinco ou dez horas de exaustivas caminhadas, na procura de um último recurso. 779 Cf. SEIBEL, Ivan. Primódios da Medicina Brasileira, em Polêmicas e Benefícios da Educação Médica Informal da Décima Enfermaria. WS. Editor – Porto Alegre. 2004. p 132. 780 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 310 da população teuta, muitas vezes, dificultava o acesso a estes profissionais 781 . “Havia um em Santa Leopoldina e Itaguaçú. Em Santa Maria não tinha. Aqui em Santa Maria tinha farmacêutico.” 782 Com o surgimento do soro antiofídico (Vital Brasil, 1900) o Instituto Butantã, de São Paulo, passou a fornecer o produto para associações de coleta de cobras. Eram as chamadas “Schlangenkasse” isto é, as Caixas de Soro antiofídico, a espécie de associação responsável pela manutenção deste produto. Estas recebiam o soro antiofídico em troca do envio de serpentes vivas para a referida instituição. 783 Seu avô, o Heinrich Seibel já tinha a “caixa de cobras”. Eles faziam injeção. Isto foi em 1930. [...] Fazia sim. Naquela época eles faziam. Havia uma época em que não tinha mais soro. Passaram por dificuldade. Quem precisava de atendimento médico mais complicado tinha que ir para 784 Vitória. Tudo isto tinha que ser pago. Nos anos de 1950, os filhos continuavam nascendo em casa. As parteiras auxiliavam neste trabalho até mesmo porque, a distância até o médico de Afonso Cláudio era muito grande. Até o ano de 1960, o Dr. João Eutrópio, praticamente, foi o único profissional daquela cidade. Precisavam-se percorrer quarenta ou cinquenta quilômetros até a sede do município. Além disto, na região de Itarana e Itaguaçu também havia um único médico. O mesmo acontecia em Santa Leopoldina. Nos anos de pós-guerra, 781 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 783 Avô do pesquisador. 784 Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 782 311 estes três facultativos e o Dr Nikmann, de Vitória, atendiam a maior parte das Colônias teuto-capixabas. Da mesma forma como o atendimento médico, o atendimento dentário sempre foi muito precário. “Tinha os dentistas que atendiam dentro de casa. Tinha um mineiro que fazia este serviço 785 . Os “dentistas práticos” detinham um conhecimento extremamente limitado e que costumava ser “ensinado” para alguns “aprendizes”. Desta forma, muitas vezes, estes “dentistas”, munidos de seu “buticão”, uma espécie de alicate para extração dentária e a “broca de dentista”, movido a pedal, ofereciam seus serviços para quem deles precisasse. 785 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 312 7 HÁBITOS E COSTUMES NAS COLÔNIAS TEUTO-CAPIXABAS 1950 – 1960 7.1 A década de cinquenta A circulação de textos escritos em linguagem que não fosse o português tinha sido proibida no final da década de 1930. Entretanto, com ao passar dos anos do pós-guerra a língua pomerana e mesmo o alemão voltaram a ser falados livremente em quase toda a colônia. Com o término da guerra, aos poucos, velhos livros e especialmente hinários e a própria bíblia voltaram a ser lidos nas famílias. A falta de escolas de quem nasceu entre os anos 1925 e 1935 trouxe dificuldades de aprendizagem para praticamente toda esta geração. O ensino confirmatório havia ficado restrito aos poucos que conseguiram chegar até a casa paroquial, muitas vezes por caminhos alternativos para não serem molestados por algum “brasiliona” fanatizado e ansioso por vingança contra os colonos. Na década de 1950, aos poucos, alguns jornais e revistas editados em língua alemã voltaram a circular. Este foi o caso do semanário “Brasilpost” e da revista “Das Beste” 786 . A última, na realidade era uma edição alemã de uma revista norte-americana. Apesar do seu custo, ao menos para um colono ser quase proibitivo, 786 Ambos eram assinados pelo avô do pesquisador. Era uma forma de ter acesso aos acontecimentos de fora da Colônia e que até permitia certa interação ao se escrever cartas ao “Zeitungsonkel”, o redator da Sessão do Leitor da “Brasil Post” e depois ver publicada a sua cartinha. 313 a falta de outras atividades culturais ou mesmo de lazer levava muitos a assinarem algum destes periódicos. Figura 42: Casa paterna do autor, com suas cores azul e branco Nas escolas públicas, a proibição do uso de outras línguas que não fosse o português persistiu e continuava sendo observado até a década de 1960. “Em 1965 comecei a dar aula na roça. Em 1967 vim par cá e neste tempo ainda tínhamos medo de sermos presos [...]” 787 Os cultos e o ensino confirmatório já voltaram a ser em língua alemã. Quanto à hipótese da existência do movimento nazista da chamada “quinta columa”, nenhuma referência foi identificada no presente estudo. A existência de um suposto grupo 787 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 314 de adolescentes que teria “marchado” 788 com uniformes caquis, leva mais a pensar no Movimento Integralista, muito ativo neste estado 789 . Depois disto ocorreu toda a perseguição aos teuto- brasileiros por não saberem comunicar-se em língua portuguesa, dificuldade esta que persistiria por muitos anos. “Em 1967 eu lembro direitinho que a questão nas escolas ainda era muito difícil.” 790 Figura 43: Os “caminhos” em meio à selva, hoje ainda utilizados por cavaleiros, mas também já por motociclistas. 788 Tudo leva pensar que de fato tenham sido grupos treinados pelos integralistas. Não há qualquer informação sobre grupos simpatizantes com o Nacional Socialismo. Ver entrevista transcrita no Anexo Três. 790 Cf. quadragésima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 789 315 Alguns poucos colonos tinham a sua charrete puxada por cavalo. Os poucos caminhões pertencentes aos comerciantes mais abastados transportavam as mercadorias para Vitória e traziam as novidades em armarinhos e outros artigos sinônimos de conforto ou até mesmo de luxo. As estradas eram péssimas. Persistiam muitos caminhos ou estradinhas abertas com enxadão e picareta. Há 48 anos atrás (em 1960) [...] a tropa de burros. Com cangalha. passava pelo mesmo caminho que faz hoje. Sim. [...] Até lá meu pai ainda tinha tropa para o transporte de 791 mercadorias. As pessoas não sabiam escrever ou escreviam muito pouco. Tivemos uma época muito difícil. Ninguém escreveu qualquer coisa. A vida no dia a dia era muito pobre. Ia-se para a venda, ou à pé ou à cavalo. Verduras e estas coisas não existiam na época. Simplesmente não se conhecia. Somente mais tarde o Kerkow, de Vitória, passou a importar sementes de verdura da Alemanha. O Pasto Hermann Roelke incentivou a plantação, mas quem fazia a importação em Vitória era o Kerkow. Isto começou na década de trinta. 792 Até em 1950 o Kerkow ainda importava as sementes. Mais um personagem ostentando as características do modelo de agricultor teuto-brasileiro vencedor, Lourenço (Fig. 54), filho de renanos e de pomerânios, com outros personagens passa a protagonizar uma seqüência de acontecimentos ainda por serem relatados. Surgem novos conceitos de comunidade. A língua portuguesa começa a se impor nas igrejas. A vida familiar no pós- 791 792 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07 /08 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 316 guerra começa a adquirir um outro padrão. E é esse mesmo personagem que em 1953 traz o primeiro Jeep para a região de Serra Pelada. Foi um grande acontecimento. Alguns meses mais tarde, depois de conduzir o seu Wyllis 1951 pelas pirambeiras da estrada do bananal, tendo como passageiros os dois inspetores de trânsito que depois iriam avaliar a sua capacidade de conduzir um automóvel, o orgulhoso proprietário finalmente conseguiu chegar à capital do Estado para obter a sua Carta de Habilitação. As grandes mudanças na vida social da colônia estavam por acontecer. 793 Nas migrações sempre tinham sido recriadas as condições necessárias para a reprodução da vida típica do agricultor pomerânio. Talvez isto explique uma das razões da permanente migração deste povo: na década de 1950 para o Paraná e na década de 1960 para Rondônia. 7.2 A definição da arquitetura pomerana Até os primeiros anos de pós-guerra a maioria das casas na colônia, especialmente nas áreas do interior, ainda vinham sendo construídas no sistema pau-a-pique, apesar de que, com o passar dos anos este processo já ter se tornado bem mais elaborado do que o sistema utilizado pelo caboclo brasileiro. Assim, depois de feita toda a estruturação da casa, inclusive das suas coberturas, as paredes precisavam ser “fechadas”. Para isto utilizava-se uma típica trama de varetas verticais e horizontais, amarrados com finos cipós em que geralmente tinham um elemento vertical interno e dois elementos horizontais externos. Esta trama era preenchida por um 793 Como poder ser mais bem visto em “quarta fase da migração interna” (Fig. 29). 317 barro pisoteado (amassado) atirado por duas pessoas simultaneamente, uma de cada lado. Uma vez tendo adquirida resistência satisfatória, procedia-se à colocação de um reboco preparado na base de barro misturado com areia seguido do “reguamento” para a uniformização da sua superfície e posterior caiação. Permanecia a típica construção pomerana, constituída de casas de paredes brancas com suas portas e janelas azuis 794 . Figura 44: Casa típica da colônia, com as cores azul e branco da bandeira da Pomerânia. 794 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 318 Meu pai... Muitas vezes contava as coisas daqueles tempos... nos primeiros tempos construíram casas muito primitivas de pau a pique. Suas paredes eram feitas com barro e eram cobertas com folhas de palmitos. Mais tarde descobriram que uma parte das folhas novas podia servir de alimento. Por outro lado o tronco do palmito podia ser aberto, lascado e utilizado como material para a construção das casas. Era utilizado para a colocação das tabuinhas 795 para o telhado... . Antigamente as paredes das casas eram feitas de estuque, com um preparado de varas de bambu e de varetas, amarrados com cipó. O preenchimento era feito jogando-se barro amassado ao mesmo tempo do lado de fora e do lado de dentro. Precisava-se ter muito cuidado com o arremesso desta massa. Quem se descuidasse um pouco corria o risco de levar o barro no rosto. Todas as casas eram feitas desta 796 forma. Não se tinha tijolos. Eram as casa de pau a pique. Nas construções já um pouco maiores, como nas igrejas, eram utilizados alguns recursos mais elaborados para dar estabilidade às paredes. Meu pai sempre falava que seu avô participou na construção da primeira igreja de Luxemburgo. Meu bisavô nesta época e terminou morrendo lá mesmo em Rio Farinhas. Contava que as paredes teriam sido feitas com terra socada. Teriam feito formas de tábuas e que a terra costumava ser molhada com um pouco de água e desta forma era possível colocá-la dentro destas formas. Assim socando-a com socador, era possível dar-lhe consistência a ponto de permitir o levantamento da parede. Ao final estas paredes foram revestidas com cal natural, encontrado em muitos lugares da 797 região. 795 796 797 Cf. Vigésima entrevista realizada com G.R.P. na cidade de Santa Maria, no dia 25 07 08. Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28 07 08. Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29 07 08. 319 As paredes foram feitas de terra batida com pedras vermelhas e palha (não havia cimento, ferros ou tijolos). Por isto que as paredes são tão grossas. A escola foi feito com o mesmo método da terra socada. Fazia-se uma forma com pranchões e depois de colocar a terra esta era socada até fazer uma massa uniforme e pastosa. Assim, depois de seca 798 ficava bem firme. A presença de animais selvagens de grande porte como onça ou porco do mato trazia preocupação com a segurança das famílias. Era preciso precaver uma eventual invasão das casas por estas feras, por vezes esfomeadas e à procura por alimentos. Ela contava que a casa que eles prepararam de início, era mais alta para evitar a entrada de animais selvagens. Tinham sido alertados. Por isto faziam as casas em cima de pilares altos, com altura de até dois metros. Durante a noite puxavam a escada para cima para ninguém ter acesso. Foi 799 o que a minha avó contava. Já nos novos assentamentos, as construções de abrigos temporários continuavam sendo muito precárias, até pela total inexistência de recursos materiais. “Foi um tempo muito difícil, porque no inicio o pessoal costumava morar em casa feita de pau a pique, com paredes feitas de barro batido. Isto já foi aqui em Laranja da Terra. Tinha-se uma barraca” 800 . Já a partir de 1950, um ou outro “colono” passou preparar o seu próprio “tijolo”. Foi desta forma que, na metade do século vinte, muitos começaram a construir suas casas com tijolos de barro de fabricação caseira. Isto porque não havia olarias e mesmo se 798 799 800 Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08 Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 320 houvesse não se dispunha de meios de transporte até as casas dos colonos. A única saída era a preparação desta matéria prima antes do início da construção. O “barro” para a sua preparação precisava ser adequado para dar a correta consistência ao produto final. Este era preparado em um caixa de madeira ou mesmo em uma abertura no solo e, à medida que se adicionava terra, despejava-se água para a adequada mistura e consistência dos dois elementos. Esta “massa” era “atirada” dentro de uma forma de quatro ou cinco espaços previamente salpicada de areia para evitar a aderência da massa. Feito o “reguamento” da superfície da fôrma esta era “despejada” no solo revestido de uma fina camada de areia 801 . A cada manobra destas, obtinham-se quatro ou cinco tijolos crus. Depois de secos, eram empilhados como “forno” de maneira a permitir o seu cozimento ou queima. Este processo de construção de casas sempre foi bastante rudimentar. Entretanto, aos poucos, estas estruturas de madeira das casas passaram a ser preenchidas com tijolos e depois rebocados, definindo também este sistema conhecido como “enxaimel” na construção das casas. Na prática era a continuação do sistema de estruturação da edificação, porém com seu posterior preenchimento com tijolos 802 . As casas em que precisou ser feito uma ampliação do espaço, frequentemente também se podia encontrar os mais diversos tipos de construção. Até porque, sempre que no casamento 801 802 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 321 a acomodação estratégica do grupo familiar era pela permanência do casal jovem na casa paterna, a redistribuição do espaço geralmente passava pela ampliação da casa ou pela construção de uma nova 803 . 7.3 Hábitos e costumes dos pomerânios O dia a dia do pomerânio ao longo de toda sepre parece ter sido regrado por hábitos e costumes. Seriam regras milenares? Dificilmente se pode saber. Entretanto, regras sempre são regras e dentro deste princípio a forma de viver e de conviver da sociedade pomerana capixaba se manteve intacta ou, quem sabe, se definiu ao longo de quase um milênio. Assim, a criança, até mesmo antes de nascer já estava sujeita a todo um regramento. Aliás, a regra era o segredo. Ninguém poderia conhecer a origem da criança. A criança simplesmente era “trazida”. Alguns falavam em cegonhas. Sim, cegonhas, isto é, grandes garças. Havia muitas na Alemanha e na Pomerânea. O “Klapperstorch”, na verdade era aquela garça de grande porte e que fazia um ruído intenso com o seu grande bico. Havia também os que afirmavam que “dai oppa brinha klaina Kinna” (os macacos trazem as criancinhas). Por que o macaco? O que o macaco tem a ver com as crianças recém-nascidas? Até os 18 anos eu fui proibido de assistir ao cruzamento de qualquer animal. Meus pais não permitiam. Tenho que dizer que casei e nem sabia que mulher engravidava. Depois foi 803 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 322 acontecendo. Eu tinha muita dúvida. Fui criado com a idéia de que o macaco vai trazer novidade. A gente duvidava. Porque a barriga da mulher desaparecia. Não se tinha argumento nenhum. Não se tocava no assunto. Não sei do porque do macaco. Talvez porque muitas pessoas tinham macaco em casa. Então era fácil dizer que o macaco pudesse fazer isto ou aquilo, até porque ele muitas vezes vivia dentro de casa. Na verdade existia muito macaco e 804 papagaio. O parto constituía-se de um momento de muito segredo, de cochichos. A parteira determinava o que deveria ser feito. As crianças e adolescentes ficavam na casa dos parentes ou de vizinhos até a consumação do evento. Esta era uma forma de lidar com uma coisa que as crianças não deveriam saber. Ou seja, de onde as crianças vinham. Havia muitos barbados nas matas. São até parecidos com as pessoas. A cegonha era mais uma tradição da Alemanha. 805 Também continuou em uso por aqui. A mãe tinha que observar os trinta dias de resguardo. Não podia trabalhar. Por isto elas costumavam ter tanta saúde. Não podiam ir à visita antes do batizado. A bênção à jovem mãe era um costume que os imigrantes trouxeram da Alemanha e que persistiu por aqui. Desta forma, toda a mãe, depois do batismo de seu filho recebia a bênção em frente 806 ao altar. Mas não podia sair de forma alguma com a criança. Era proibido. A porta era fechada com a vovó e ela durante três semanas, dentro de casa, até que ela pudesse ir para a igreja levando a criança. Depois sim estava livre. Ninguém 807 me contou o motivo. 804 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08. Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 807 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 805 806 323 O batismo constituía-se em um novo momento repleto de regras. Era uma cerimônia em que a ritualística religiosa luterana e o sentimento mágico dos antigos pomerânios pagãos se misturavam. “Com o batismo, a criança é apresentada à comunidade e, como padrinhos eram escolhidas pessoas que se admirava, porque se acreditava que a criança passava a ter todas as qualidades dos padrinhos“. 808 Era uma cerimônia para a qual a mãe levava seu filho, independente da distância a ser percorrida e que por vezes representava um dia inteiro de cavalgada. Era uma situação bem especial, enquanto não fosse batizada. Não podia sair de casa. Saia de casa somente no dia em que fosse batizada, pois corria perigo. (e ainda precisava ser levada no colo pela própria mãe). Na verdade acreditavam que crianças fossem indefesas, ela corriam perigo com a assombração e com mau olhado. Era algo sem sentido. [...] Nem todos. Mas algumas famílias conduziam 809 isto de uma forma bastante drástica. O envelope do presente do padrinho, o chamado “Patenzetel”, continha uma série de elementos, cujo simbolismo certamente sinalizava um futuro promissor. “Colocavam milho, café, agulhas, linha, cabelos, moedas [...] Eram os votos que deveriam sinalizar com um futuro promissor. Cada coisa era um desejo de sucesso” 808 809 810 810 “Antigamente era assim. Eram cabelos, agulhas, Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. 324 sementes e um monte de outras coisas. Era para desejar sorte para a criança. Isto era muito costume” 811 A jovem mãe tinha uma série de restrições. Antes da primeira ida à igreja, com a criança, sequer podia sair de casa. [...] um dos pioneiros que fixou residência em Alto Santo Joana. Fixou residência ali e em Luxemburgo, está registrado em livro, em setembro do ano seguinte que ali nasceu a primeira criança. Dia 31 de março do ano seguinte, quando a criança tinha seis meses (pela estrada de hoje o trajeto até a igreja de Luxemburgo tem 61 km), a mãe teve que levar a criança para a igreja. Ela levou no colo esta 812 criança, nesta distância até lá. Este costume já vinha dos bisavôs, que eles não poderiam sair de casa com criança, de forma alguma, antes dela ser batizada e da mãe com a criança receber a bênção na 813 igreja. Quando a criança crescia precisava aprender a trabalhar. As crianças acompanhavam seus pais no dia a dia na roça. Era uma preparação para uma nova fase da vida. Precisavam ver, ouvir e assimilar o que os mais velhos faziam. Este aspecto do aprendizado pela observação era enfatizado em diversos momentos do dia a dia da família, inclusive no momento da visitação a outras famílias. Criança não fala, ouve. “Crianças não podiam ficar na sala quando chegavam visitas, não participavam das conversas de adultos. À noite sentávamos à mesa e os adultos contavam histórias de 814 fantasmas.” 811 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 814 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 812 813 325 A confirmação representava o momento da passagem da fase infantil para a idade “quase” adulta. A partir daqui podia-se fumar, beber e dançar. Já o namoro, ou melhor, a preparação para o casamento acontecia dentro de regras e de uma moral rígida e em muitos casos com casamento arranjados. A escolha do noivo ou da noiva geralmente envolvia a análise de potencialidades de aquisição de terras. No fundo, representava todo um aspecto de boa ou má sobreviência em um ambiente de vida muito difícil. Pelo que se conclui de praticamente todas as entrevistas, ao menos no Espírito Santo, a rigidez envolvendo os aspectos morais ditados pelos pastores e também pelos padres, praticamente condicionaram o comportamento socialmente admissível, à entrada da noiva no casamento com a preservação da virgindade. As reprimendas em público, perante toda a comunidade, o pagamento de significativas taxas de indenização. Era o “Buse betola”, isto é, pagar pelo arrependimento demonstrava a extensão da ingerência dos pastores nas questões morais. Com a constituição da família, cada um passava a ter as suas atribuições. O homem passava a ser responsável pelo trabalho no campo, pela conservação da casa, pela provisão da alimentação, pelos cuidados com os grandes animais e a comercialização do café e dos grandes animais. “A comercialização de café costumava ser atribuição dos homens. Geralmente eram os homens. Para vender coisas pequenas como manteiga e ovos geralmente as mulheres iam até a venda.” 815 A mulher cuidava dos afazeres da casa, do preparo da alimentação, da lavação das roupas e dos cuidados com as aves e 815 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 326 da ordenha das vacas. Além disto, comercializava os excedentes de ovos, manteiga e aves em troca de sal, trigo, querosene, tecido etc. 816 e também Na cadeia alimentar adaptada ao consumo de peixes dos rios ao Hering (arenque) salgado, encontrado em praticamente todas as vendas. “[...] comiam muito o peixe de rio. O peixe salgado do mar chegou a ficar escasso. Mas a Manjuba salgada era bem barato e todo mundo comia. 817 [...]“ “Muito. Até tem uma expressão: “Não tem medo de sardela porque ele não tem cabeça”. O hering vinha salgado e sem cabeça, mas geralmente 818 ainda com os miúdos.” Quando do falecimento de um familiar ou parente próximo, observavam o luto. A refeição na casa do falecido, depois do sepultamento era preparada pelas vizinhas, para que ninguém fosse para casa com fome. Esta data, da mesma forma como o natal e a páscoa, constituía-se em um destes raros momentos em que se servia pão de trigo 819 . Comer Wittbrout (pão de trigo) depois do enterro, de certa forma constituía-se no início de todo um processo de luto. Era algo semelhante ao procedimento no caso de luto. Eram sete anos de luto. Não podia ser um dia a menos. Aí eu pergunto: faz seis anos e dez meses e morre mais um. Aí passam a ser mais sete anos de luto. Assim, não podiam dançar. Podiam andar com a noiva, mas não podiam 820 dançar. 816 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 818 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 819 Anotações feitas pelo autor baseadas em vivências pessoais enclucive por ocasião do falecimento de seu próprio pai. 820 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 817 327 [...] Quando meu avô morreu, eu tinha 06 anos, meu pai me colocou na fila para despedir (dar a mão) e me lembro que no caixão, ao lado da cabeça do meu avô estavam a Bíblia e os óculos e depois meu pai usava uma fita preta pregada no 821 bolso da camisa em sinal de luto. O preparo para o final de semana também exigia certo ritual. Ninguém contestava estes costumes repassados de geração em geração. No sábado à noite costumávamos nos lavar. Botávamos uma roupa bonita. Estávamos prontos para o domingo. (Aos domingos) cozinhávamos algo especial. Comíamos bem. Brincávamos. Fazíamos visitas. (Visitávamos) mais os 822 parentes, mas também os visinhos e conhecidos. Assim também entre natal e ano novo. Não se podia mexer em nada com enxada. Assim, por exemplo, se fosse arrancar um pé de aipim e ficasse alguma raiz para traz, tinham que deixar para depois e tirar depois do ano novo. 823 Nunca ninguém explicou porque não podia sair de casa. Meus irmãos lembram o carnaval, eles não podiam nem olhar na janela que era pecado. Éramos obrigados a assistir ao culto em alemão e português, meu irmão sempre passava mal na Igreja. Minha irmã não superou o medo de temporal, nossa mãe nos acordava para fazer orações. Eu me lembro muito da quaresma, meu pai não deixava a gente ouvir rádio e me lembro muito das datas festivas, páscoa, natal com muitos biscoitos, enfeites, árvores de natal lindas, 824 presépio. 821 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 824 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 822 823 328 7.4 A superstição Todas as pessoas supersticiosas têm um apego infundado a determinadas coisas. Elas seguem conselhos oriundos de crendices populares. Enfim, são pessoas que acreditam que estas ações, sejam elas voluntárias ou não, como rezar, portar amuletos ou participar de rituais que possam influenciar o dia a dia de suas vidas. Por meio deste pensamento mágico acreditam poder obter resultados não atingíveis dentro do modo de agir lógico, pois, por meio de certos rituais passariam a poder contar com poderes sobrenaturais para atingir os seus objetivos. O pomerânio sempre foi supersticioso. As superstições ainda existem e possivelmente são reminiscências da cultura pomerana da Europa. São heranças que poderiam ser explicadas por antigos costumes e pela mitologia dos povos primitivos que deram origem a este povo 825 . Da mesma forma como o pomerânio cultiva os rituais que representam uma passagem para uma nova fase da sua vida, como o batismo, em que a criança começa a ser protegida por uma áurea do “ser cristão”, em um momento posterior, a confirmação dá-lhe o status de adulto. Com ele passa a poder fumar, beber e dançar. Por último, já como adulto, ingressa em sua fase de plenos direitos ao ingressar no casamento. A morte, com todo o seu cerimonial de encerramento da vida, com as janelas abertas para que a alma possa sair livremente e a ceia com Wittbrot (pão branco), preparado pelas vizinhas para depois do sepultamento 825 SLAWISCHE. Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 07 jun. 08. 329 fechar todo este círculo de nascimento, vida e esperança por uma nova vida. Da mesma forma como estes momentos de transição eram bem marcados dentro do ciclo de vida do pomerânio, este, no seu dia a dia também se cercava de elementos mágicos, para, quem sabe, protegê-los nesta sua vida tão tumultuada pela opressão e ao longo de intermináveis guerras. Assim, a gravidez já precisava ser mantida em sigilo. Depois do nascimento a parturiente permanecia em um rígido resguardo. Era uma situação bem especial, enquanto não fosse batizada. Não podia sair de casa. Saia de casa somente no dia em que fosse batizada, pois corria perigo. (e ainda precisava ser levada no colo pela própria mãe). Na verdade acreditavam que a criança fosse indefesa, ela corria perigo com a assombração e com mau olhado. Era algo sem sentido. [...] Mas algumas famílias conduziam isto de uma 826 forma bastante drástica. Por ocasião do batismo a mãe carregava a criança até a igreja, mesmo que isto representava uma tarefa extremamente cansativa em função do longo e difícil percurso a ser vencido até o local do culto e da bênção. No batismo os padrinhos tinham uma atribuição muito especial. Seus votos vinham simbolizados pelo conteúdo do “Patenzetel” um pequeno envelope que costumava ser entregue de forma discreta para não ser visto pelo pastor. “Colocavam milho, café, agulhas, linha, cabelos, moedas... Eram os votos que deveriam 826 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 330 sinalizar com um futuro promissor. Cada coisa era um desejo de sucesso. 827 (o chamado “andaun”, o mau olhado também existe?) Üüüühh ... sim, sim, sim... [...] Funciona sim... Para quem acredita, funciona! Mas pra quem não acredita nada 828 acontece. Isto até uma mãe pode fazer pelo seu próprio filho. Ou mesmo o próprio pai ou até uma outra pessoa. Assim, por exemplo, quando uma criança é muito bonita e tem olhos azuis e cabelos pretos. A primeira coisa que as pessoas sempre fazem é olhar para os olhinhos. Ah, mas que olhinhos bonitinhos. Logo isto pega na criança. Não é por maldade que a pessoas fazem isto. Não é nada disto. [...] Fala-se em mau olhado, mas não quer dizer que tenha sido visto com maldade. Mau olhado vamos supor, isto foi oifakeka (visto de uma forma como não deveria ter sido 829 olhado, ou não se deveria ter olhado). Pelo que lembro as pessoas sempre diziam a que bruxaria e bruxas não existiam. Isto não é da crença do povo. Muitas vezes as pessoas inventavam isto, mas por aqui isto não era 830 costume. O grito do gavião ”hakalo” (anauê) precisava ser observado. “É que, quando alguém morria, ele começava a gritar... 831 Se ele canta, é porque alguém morreu. (se canta em uma árvore verde) [...] vai chover [...] (em uma árvore seca) [...] alguém morreu. 832 As Cartas de Proteção, as Cartas do Céu e a Cartas dos Anjos constituíram-se em uma espécie de amuleto com poderes mágicos de proteção. 827 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 830 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 831 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 832 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. 828 829 331 Na verdade tem três tipos. Tem o Schutzbraif (Cartas de Proteção), tem o Himmelsbraif (Cartas do Céu) e o Engelsbraif (Cartas dos Anjos). Neste último tem um anjo. Este era o melhor. Estava tudo escrito em alemão antigo. Eu 833 não conseguia ler. O “Schutzbraif” era para a sua proteção. Tinha uma função 834 semelhante ao que os católicos têm com os seus santos. Figura 45: O “Schutzbraif” – carta de proteção – em uma versão original muito antiga. 833 834 Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 332 As pessoas tinham muita confiança. O pomerânio acreditava que se tivesse uma carta de proteção no bolso, mesmo que alguém tentasse agredi-lo com faca ou tentasse atirar contra ele, sempre estaria protegido. Eles realmente acreditavam 835 nisto. Figura 46: Carta de Proteção manuscrita e carregada no bolsa como um precioso amuleto. As pessoas falam muito. Mas o Himmelsbraif tem que estar no coração e na cabeça. Se não o mantém lá, não adianta nem Schutzbraif e nem Himmelsbraif. Ou não é verdade? 835 Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 333 [...] Jó, jó, dat stiemt! (Sim, Sim, é bem isto). Eu nunca quis saber destas coisas. Que me deixassem em paz! [...] Sim, eles têm esta crença e isto é para ajudar. “Wenn ik mi doch nia allein an Gott hulla dau, nia verainicht in Gott mit dem hailiche Engel.”(Quando eu mesmo não acredito em Deus e não vivo em paz com Deus com o Santo Anjo), o que adianta escrever na carta do Céu? Assim também não 836 adianta! Acredito que fazia parte de um costume e que também foi combatida pelos pastores alemães, mas que sobreviveu nas residências onde eles tinham estes Schutzbraife. O pessoal os conservava com muito carinho. Às vezes os guardavam e 837 às vezes ficava exposto. As “assombrações” eram imagens que de fato existiram e que costumavam levar as mais variadas interpretações. [...] há alguns dias ouvi o relato de que “este é um lugar onde apareciam assombrações...” na referência a um determinado matinho... Mas o pessoal já sabe que isto é coisa da imaginação. E que isto não existe... A verdade é 838 que as pessoas têm medo de assombração. “Às vezes eram cavalos [...] Eram montarias que não saiam do lugar[...] Enxergavam vultos, ruídos...” 839 Nos cemitérios, naquele tempo, enterravam as pessoas em covas mais rasas. Isto provocava a exalação de gases, chamados fogos-fátuos. Este gás de noite é fosforescente. A mesma coisa pode acontecer no pântano onde pode haver alguma coisa apodrecendo ou a lua bate num lugar 836 Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 839 Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 837 838 334 destes, dá uma imagem em movimento, fica como se as fumaças estivessem em movimento. Isto nós vimos uma vez, mas foi no brejo. Isto eu já vi. Era uma nuvem, branquinha... Passou por mim e subiu [...] Aí se dizia que vai dar muita guerra[...] Que vai acabar o 840 mundo[...] Contavam muita história de assombração. Quando a gente viajava a cavalo, já costumava botar a garrucha de baixo do cinto. E aí muita gente terminou descobrindo que 841 assombração não era assombração. Mas meu tio que morava aqui em cima, na Mata Fria, lá onde é muito, muito frio. Ele sempre contava que lá sempre tinha assombração pelo caminho. Contava que era uma grande figura branca que certa vez não o deixou passar pelo caminho. [...] Isto ele também não sabia. Só que o deteve naquele caminho até de manhã cedo. Ficou trancando o caminho até de manhã cedo. Não o deixava passar. De manhã cedo, quando já clareava o dia, a grande imagem saiu do caminho e desceu pela ladeira. Somente depois disto que conseguiu passar. Chegou em casa a mulher questionou onde tinha estado até esta hora. Aí disse que tinha uma coisa no caminho e que não o tinha deixado passar. [...] Era um sinal. Provavelmente tinha morrido 842 alguém lá por perto. Há tempos por aqui morreu uma velinha, da família dos [...]. O [...] precisou ir a cavalo até lá para dar o aviso para o pessoal do Picadão. Ele saiu à cavalo, andou, andou e a seu lado sempre via a figura de uma grande imagem preta. Depois que saiu do mato o bicho também tinha desaparecido. Ele ficou com muito medo. Lá pelas tantas chegou a ver umas luzes atrás de umas árvores. Tudo isto 843 chegou a ver. 840 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 843 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. 841 842 335 Assim, aqui neste mato, quando a gente passava a cavalo no escuro, muitas vezes se via um homem parado lá por cima ou ainda lá por cima da pedra. Dizem que o Koepp, quando foi no moinho, na volta não conseguiu passar e daí só chegou em casa no dia seguinte. Isto foi no meio do 844 mato. Tinha assombração. Figura 47: “Casa dos Klems” depois da tormenta. Apenas destroços e à noite, o medo de “assombrações”. Naquela família não havia isto, porém me contaram muitos casos. Contavam os casos da enchente de 1940, em que o curandeiro teria passado na casa da família Klems, para ajudar num parto difícil. Aí a família queria que ele dormisse lá. Ele respondeu que não poderia dormir lá porque não tinha falado com a sua própria família e terminou indo embora. Quando estava caminhando já longe viu a sua frente um casal com crianças. Tentou chamar, mas pararam. Chamou diversas vezes e assim por diante. No outro dia soube que 844 Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 336 toda a família tinha sido levada pela barreira e que todos 845 haviam falecido. (Fig. 47) Quando questionados sobre a veracidade destes relatos, as respostas dos pomerânios costumam ser evasivas: “Assombrações, existiam nos cemitérios, no bambuzal, nas pedras”. 846 “Eu tenho uma empregada que ainda acredita em benzedura. Sempre dizem que, se a gente acredita, realmente ajuda. Naturalmente as coisas são feitas às escondidas.” 847 “Dizem sempre que quem já assistiu ao aparecimento de uma assombração realmente passa a acreditar na sua existência.” 848 Isto foi tudo invenção. Eu nunca vi, e também não acreditava neles. Mas contavam muito. Aqui em cima onde morou o Jering [...] Meu pai contava [...] Meu avô contava 849 [...] Os viajantes contavam muito [...] Ai eles foram ao pastor e este mandou reunir a vizinhança de cantar uma determinada canção da igreja. Que ainda deveriam ler um trecho bíblico e cantar esta canção todas as noites. Assim, com o passar dos dias a assombração teria desaparecido. Existia tal coisa? O pastor dizia que existia. Gute Sachem um Böse Sachen (coisas boas e coisas ruins). 850 As pessoas acreditavam nisto. Depois desapareceu tudo. 7.5 O curandeirismo Uma atenta análise das respostas dos entrevistados permite observar uma nítida diferença entre curandeirismo e o próprio 845 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 848 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 849 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 850 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 846 847 337 benzimento. Para uma melhor compreensão será novamente preciso recuar na história deste povo e analisar o próprio quadro sanitário e de saúde da população. Assim, com a falta de uma assistência médica tradicional, seja pela sua absoluta inexistência ou mesmo pela falta de recursos financeiros, a população procurou por práticas alternativas que pudessem trazer conforto aos enfermos ou familiares. A colonização no Espírito Santo desde os seus primórdios se viu abandonada de qualquer recurso médico. Era preciso encontrar um ”curador” ou algum “Walddoktor” (um médico da floresta). O Walddoktor era o curador. No caso do Karavak, ele foi escolhido pelo grupo para fazer este papel de médico e o que ele viria a fazer seria considerado correto. Pronto. A outra coisa começou depois: o homem tinha que ensinar à mulher a fazer o “Besprekan” e a mulher tinha que repassar isto para um outro homem. Não era válida uma mulher repassar para outra mulher ou um homem repassar para 851 outro homem. A benzedeira reza, passa ramos de plantas. Lá fora sempre havia alguém que benzia. Já o curandeiro levava ervas, chás e preparava infusões para obter uma cura. Tinha 852 médico aqui em baixo, já na época em que estava lá. Sim. Mas se fosse mulher benzedeira, só tinha direito de repassar isto a um homem. Assim, vice-versa. Não era permitido à mulher repassar este conhecimento outra mulher. Não sei do por que disto. Realmente é verdade que a benzedura funciona. Realmente o Romário ali faz direitinho.[...] Eles também faziam para a terra, para o gado 853 [...] Eles não usam remédios... 851 852 853 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 338 Eles tinham um manual em alemão. Na verdadee eram livros com explicações de tratamento para diversas doenças. Eles continham desde simples orações até receitas de rermédios caseiros, chás ou condutas para serem adotados para os casos dos diversos tipos de 854 doenças, ou supostas doenças da época. Vivenciar uma consulta de um “curador” é algo, no mínimo curioso, até mesmo pela própria espontaneidade com que o acontecimento transcorre. Costuma ser um diálogo espontâneo e agradável. Quando chegou uma cliente para a “consulta”, por ocasião da entrevista com o autor, o “médico” disse que teria que atender. Ponderei que fizesse o seu trabalho e que, enquanto isto, iria seguir conversando com os outros presentes. Seguiu-se uma rápida conversa entre a “cliente” e o Curador e finalmente o “Doutor” levou a paciente para uma outra sala de onde ainda podia ser vista, sem que, porém pudéssemos entender o conteúdo do diálogo. Nossa conversa com outros familiares seguiu baixinho para não atrapalhar a “consulta”. (O que consulta com ele?) De tudo. Ela (a “paciente”) está com dor nas costas. Ele é nosso doutor. Ele examina e dá uma receita [...] Dá remédio para os meninos. Prá vermes. Tem lápis e caneta e papel e anota isto. Depois vamos para 855 a farmácia e compramos o remédio. Ele é nosso doutor. O seu sobrinho, o [...] também é doutor. A mãe do [...] também era. Agora passou para o [...]. [...] É curador. Walddoktor. [...] Mas o remedio é bom. Ele escreve no papel. A gente pega na farmácia e sempre fica bom. Ele tem 854 855 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 339 respeito pela pessoa. [...] Direitinho. Tudo que precisa. E dá 856 certinho. Muitos fazem (“garrafada”). Mas eles preparam com cachaça. Isto eu não faço. Eu não preparo “garrafadas”. Muitas pessoas são contra as “garrafadas”. Não sei fazer e não tenho interesse em aprender. Sei que preparam uma 857 espécie de chá. Dinheiro quase não tinha, mas sempre se dava alguma 858 coisa. A solução encontrada residia na busca da assistência proporcionada pelos “Walddoktors”, ou seja, os médicos da floresta, detentores de um conhecimento, por vezes mínimo, de medicina popular dentro da cultura essencialmente rural. “Quem vinha da Alemanha nos últimos anos terminava trazendo de lá remédios ou mandava vir. [...] Alguns já tinham aprendido um pouquinho de medicina na Alemanha.” 859 Já nos relatos do assentamento de Belém, na falta de um profissional habilitado, ocorreu a nomeação de um “médico” dentre a “meia dúzia” de famílias ali residentes. Alguém precisou assumir esta função e fazer o possível para obter o conhecimebnto necessário para o desempenho desta nova função. Aqui pra baixo no Rio Jucú morava [...]. Ele também curava gente. Em 1939 havia muitos casos de febre amarela. Naquele tempo ainda tinha o Dr. Artur aqui. Ai o [...] curou muita gente. Ele naquela época ficou muito famoso, pois 860 parecia conseguir curar mais gente que o próprio médico. 856 Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 859 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 860 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 857 858 340 Com o passar dos anos, todo um arsenal de práticas populares de curas geraram todo um “acervo de conhecimento” desta medicina alternativa. Se no início seus praticantes eram simples raizeiros ou garrafeiros 861 , com o passar dos anos passaram até a resistir à própria medicina tradicional, valendo-se, sobretudo da confiabilidade da sua “clientela” e também pelos resultados obtidos com a utilização de recursos farmacêuticos tradicionais. “Quando alguém ficava doente, o vovô também benzia e também fazia a garrafada. É sim, eles costumam fazer garrafada...” 862 Desta forma os “Walddoktors”, até mesmo nos dias atuais, continuam repassando seus conhecimentos e seus “livros” de geração em geração. E, mesmo pobres em recursos materiais, porém ricos em credibilidade ante a população interiorana continuam trazendo conforto para seus “clientes” e “cura” para muitas moléstias. Aqui utilizam até uma forte justificativa bíblica: Mas eu pergunto isto era certo ou errado?... Mas isto esta escrito na bíblia: “Im Jacobusbrief steht es und im Korintherbrief stet es, mit Gottes Wort kanst du Hilfe bekommen”. ( Está escrito na Carta a Jacobus e na Carta aos Coríntios, que, com a palavra de Deus podes receber 863 ajuda). Em diversos lugares da Bíblia está escrito... Os [...] usam vinho ou cachaça e colocam lá dentro alguma 864 erva. Diziam que isto era bom para coluna... 861 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo: Que preparavam chás ou soluções com presumível valor medicinal. 862 Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 863 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 864 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 341 ...os curadores... Havia os de origem e também havia os brasileiros. Holandeses não. Mas isto podia ser aprendido. Com isto se procurava benzer... Havia algumas, mas não 865 eram todas... Havia somente algumas. O que dizer das tantas pessoas que ainda nos dias atuais continuam encarando com desconsideração esta série de questões dos pomerânios do meio rural capixaba e que são, quem sabe, étnicas, envolvendo a superstição, a crença na assombração, na benzedura e no “andaum”, se historicamente este costume pode ser classificado como um aspecto cultural de um povo e não apenas uma questão, digamos, não cristã? São perguntas para as quais ainda não há resposta. 7.6 Os Benzimentos A benzedura é a cura pela fé, realizada pelos Braucher ou Besprecker, ou seja, pelos benzedores. Ela envolve a confiança no toque de quem o realiza ao mesmo tempo em que recita as suas frases bíblicas. Os clientes passam a acreditar no efeito terapêutico à medida que pelo procedimento conseguem identificar uma redução do estresse, a previsão de um futuro esperançoso ou mesmo de um bom resultado na colheita. Mas, como enquadrar este ato mágico? Trata-se de crença ou crendice? Crença seria o ato ou efeito de crer. Crendice será uma crença supersticiosa. Para quem olha de fora, será uma crendice. Para eles é algo em que crêem. Olhando sob a ótica do praticante é uma crença porque este crê no 865 Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 342 procedimento e acredita no resultado. Da mesma forma, olhando a partir do lado do praticante, a própria crença de quem está do lado de fora poderá ser vista como uma crendice. Enfim, tudo depende da ótica na qual for analizada. Para quem crê é crença, e para os descrentes será crendice. Na ausência de quaisquer outros recursos medicamentosos, esta constitui-se em uma forma muito primitiva de psicoterapia, que tem como coadjuvantes diferentes tipos de chás ou simplesmente manipulando ervas naturais de todos os tipos. O procedimento parece mostrar-se eficaz nas diversas situações do cotidiano. As práticas mostravam que nesta luta contra as forças negativas, em que entra o balbuciar de expressões bíblicas, o estresse e as “coisas do mal”, parecem poder ser subjugadas para dar terreno mais fértil ao processo de cura. Contudo, para poder acontecer, precisa haver fé, uma fé cega e inconteste 866 . Por isto as benzeduras sempre são feitas às escondidas. Se fizessem em voz alta as orações que os antigos alemães tinham lhes ensinado, não teria efeito. Era preciso que fosse feito em segredo e que as orações tinham que ser cochichadas e em silêncio. Apenas desta forma e mesmo assim, precisava que o benzido tivesse fé, que se podia esperar que ajudassem. Se falassem em voz alta não ajudaria. Isto os antigos sempre ensinavam. E quando as 867 pessoas voltavam para casa já teria ajudado. Como não sabiam ler, precisavam decorar as orações. Decoravam em pomerânio e falavam bem baixinho, como se 866 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. A fraze “tem que acreditar” podia ser ouvida em todas as ocasiões em que a eficácia do benzimento era discutida. E outras palavras, é uma repetição de uma outra frase tantas vezes ouvida em outras circunstâncias: “Somente a fé pode curar!” 867 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 343 estivessem assoprando sssssssssss. Por isto falavam em 868 “Bepusten”, assoprar ou cochichar. Isto se enquadra na maneira de ser do pomerânio. Até porque este povo é muito religioso. Este modelo de comportamento social é antigo e foi trazido pelos imigrantes, que aqui chegaram. Os imigrantes trouxeram isto quando aqui chegaram. Por lá, no passado, muitos dos praticantes tinham sido mortos (em uma referência aos antigos costumes). Os que sobreviveram continuaram fazendo. Não tinham outro recurso na época. Quando chegaram aqui no Brasil, disseram para eles voltarem a fazer o que tinham feito na Alemanha que isto iria 869 ajudar. Ao longo dos anos tem sido discutida a validade de tais praticas, especialmente quanto aos aspectos relacionados à sua aceitabilidade pela igreja. Afinal, tanto a antiga igreja luterana e hoje IECLB, como a Igreja Missúri (hoje IELB) sempre têm combatido ferrenhamente a superstição ou qualquer outro costume do gênero. “Isto foi uma “praga” enraizada e que já vem de muito tempo. Até hoje não se extirpou. Tem muita gente que realmente pratica isto.” 870 É o que ainda hoje dizem muitos pastores. Os pastores sempre eram muito contra. Mesmo assim (Os benzedores) o faziam como hoje ainda o fazem. (Os benzedores) dizem que isto era feito com a Palavra de Deus, com o Sinal da Cruz e outras histórias mais. Porém 871 eu nunca tive tempo para estas coisas. 868 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 871 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 869 870 344 Os pastores ficavam muito brabos quando se falava em benzedura. Desde antigamente já eram assim. Sempre 872 proibiam. Eles eram muito contra. Antes deixar morrer do que benzer, 873 dizia o Pastor [...]. Este pastor era muito contra. Os argumentos a seu favor são os mais variados possíveis. Há os que defendem os seus valores. Há os que admiram seus resultados e há os que simplesmente os ignoram. Acho coisas incríveis com relação a esta questão de benzeção. (segue descrevendo diversos relatos e fatos acontecidos). São coisas que acontecem e você não tem uma explicação científica. ...Então são coisas que eu 874 presenciei e para as quais não tenho explicação... Eu tive um contato muito grande com algumas benzedeiras e alguns benzedores. Acredito que o que eles faziam era com intuito e ajudar. Usavam da sua fé para ajudar. Os benzedores que eu conhecia estavam fortemente ligados à nossa igreja e participavam dos cultos. [...] Eram pessoas, não digo ativas na igreja, isto é, não assumiam cargos, mas eram pessoas que defendiam a igreja até debaixo d’água. Participavam ativamente das celebrações. Eu vejo que isto era uma forma de encontrarem soluções para os seus próprios problemas. Acho até que a gente não tem que fazer muita crítica em cima disto porque isto envolve a fé. Se hoje vamos fazer uma comparação com estas outras seitas que ficam curando por aí, veremos que tem o lado psicológico. Tem as dores psicológicas e que são curadas. Acredito que a benzedeira também teria uma parte nesta função. Quando, por exemplo, você está doente e vai para o médico, você tem um médico que é sua referência, você já tem uma propensão a melhorar. Muitas pessoas vão ao consultório médico e já saem de lá com a sensação de 872 873 874 Cf. Sétima entrevista realizada comna cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 345 melhora. Acho que este referencial de cura, de sabedoria e até de fé ajudava muito as pessoas. O meu posicionamento sempre era de muito respeito. Tanto que eu tinha diálogo 875 com eles. Eles não criavam problemas. Não se pode afirmar que os benzedores são líderes das comunidades. Em algumas localidades realmente se tornaram, digamos pessoas com certa influência, até pela própria atividade, que se supõe ser curativa. Por outro lado, no presente estudo não se conseguiu identificar nenhum caso em que tivessem participação no presbitério ou na condução de questões administrativas de alguma comunidade e muito menos em tivessem alguma participação no ensino da doutrina. Não. Eram membros comuns da comunidade. [...] Não concordo. Pelo que eu sei, a própria igreja nunca foi a favor. Sempre se comentou que uma destas senhoras praticamente não vinha para a igreja. Ela vinha na igreja no 876 natal e na sexta-feira santa. Posso concordar que as benzedeiras têm um tipo de liderança. Isto não significa que todas as líderes das comunidades venham a ser benzedeiras. Mas os 877 benzedores tinham um tipo de liderança na comunidade. O ato de benzimento muitas vezes também gerava situações cômicas ou até humorísticas, como a daquele que se viu pressionado pelo pastor local para que deixasse de fazê-lo. A partir daquele dia modificou as frases do seu ritual. Aí diziam para ele: Oh [...], pára com isto. Isto não serve para nada mesmo. Por que você faz isto? Ele se defendia: 875 876 877 Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 346 “Lass das sein” (deixe isto pra lá!). Depois disto passou a benzer com os seguintes dizeres: “Hilfts oder hilfst nicht das vês ich nicht. Aber ein Kilo Spek gibs doch”. (Se ajuda ou não ajuda não sei, mas sempre garante um kilo de toicinho). Todo mundo ia lá se benzer e levava uma sacola com o quilo de toicinho. A verdade era que ele havia feito da benzedura seu meio de sustento e a clientela continuou levando seu quilo de toicinho e ele exercendo seu ofício. Com isto não precisava engordar porcos e conseguia garantir seu sustento. Depois levava o toicinho para a venda e trocava por seus produtos de primeira necessidade. Era o 878 meio de vida dele. As pessoas acreditavam em qualquer coisa. Assim, por exemplo, a dona [...], quando perdeu o marido ficou com uma escadinha de cinco filhos. Outro dia ela apareceu aqui em casa para pagar o Sindicato. Ela chegou contando uma história de que “minhas crianças brincaram com os leitãozinhos e agora estão cheios de piolhos”. Eu louco de pressa, pois precisava entregar minha mercadoria no outro dia em Vitória. “Isto não é nada”, eu disse. “Piolho de gente não vem do leitãozinho”. Ela acreditou que eu tinha feito alguma coisa. Passadas três semanas a minha irmã apareceu dizendo, que soube que o irmão agora é curador também. Disse que a XXX não sabe o que vai dar de 879 presente para você, porque dos piolhos não sobrou um. Pelos dados obtidos no presente estudo pode-se ver claramente que continuam sendo poucas as pessoas que, efetivamente, realizam benzimentos. Em geral há um ou dois mais comprometidos com a prática em cada comunidade. Raramente se encontrava mais pessoas envolvidas com esta prática. Tinha algumas famílias que faziam isto. Minha sogra era uma destas. Fazia muito. [...] Eu não sei. Era tudo escondido de mim. Não sei. [...] Minha vó fazia isto. Era mais costume 878 879 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 347 entre os pomerânios. Ela tinha um caderno onde anotava tudo [...] Ela morreu e o caderno desapareceu. Aliás eram três cadernos diferentes. Mas tudo desapareceu. Ninguém 880 sabe que fim levou. Eu lembro bem... Meu pai também fazia benzedura [...] quando tinha picada de cobra. Ele tinha um livro de medicina popular. Ele aprendeu. [...] Ele lia no livro e fazia conforme mandava fazer. Fazia somente o que estava escrito no livro. [...] Ele falava baixinho uma frase bíblica e dizia fazer em nome de Deus. Depois ajudava. [...] Depois que o pai faleceu o livro de medicina popular desapareceu. Não sei que fim levou. 881 Nunca mais cheguei a ver. Há também muitos casos em que o próprio praticante não se quer dar por reconhecer. Prefere ficar no anonimato. Já tem anos que não sei, se tem algum benzedor por aqui? Acho que não tem, não! [...] nem sei se existe algum benzedor por aqui? (A acomnhante revela): tem sim. Ela (a própria entrevistada) faz as benzeduras sussurrando bem baixinho, com versinhos, usava uma faca... Eu tinha um cobreiro, e tava cuidando durante dez anos. Aquilo já tava fedendo dentro de casa tudo. Não tinha remédio para isto. Lá em Jequitibá morava uma nega, a velha Frisa. Ela benzia. Então o meu irmão me levou lá. Ela tinha um negócio de mamona. Ela disse para falar: “tanto quer tanto pode. Quanto terminar de falar vai estar curado”. Aí eu falei 882 e sai curado. O “poder da cura” pelo benzimento envolve todo um misticismo e segredos e requer certa “predisposição”, um longo aprendizado e uma atuação com toda uma ritualística envolta de muitos segredos. 880 881 882 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 348 Eu aprendi a fazer isto de cabeça. [...] Nada era escrito. A maioria dos versículos era em alemão e eu tive que decorar tudo em alemão. Nada disto se encontra escrito. [...] Mas eu trabalho em alemão. Mesmo que eles saibam falar somente português, meu trabalho é somente em alemão. Faço minha oração só em alemão.[...] Ele não precisa saber. Não deve saber, porque senão não vai ajudar. Isto são segredos. Isto não se deve dizer, porque, vamos supor que se trate de criança pequena, eu nunca lhes falei do que se tratava. Por 883 exemplo, quando tinham feridinhas na boca. Eu não posso ensinar estas coisas. Mas vou tentar ensinar para minha filha. Quero ensinar a ela, até porque eu não vivo para sempre. As pessoas me procuram muito. Sou muito falada na região toda. E depois que não estiver mais aqui, isto não vai mais existir. Quase todo mundo está indo embora. [...] (quantos ainda trabalham desta forma) São 884 muito poucas pessoas. Este “segredo” é um dos elementos chaves para o sucesso do procedimento. Até porque pessoas já devem ter tentado aprender os detalhes do ritual. Porém, os procedimentos continuam sendo realizados às escondidas, apenas pelos que detém o “conhecimento” do “ritual”. Isto (ensinar a benzer) eu não posso fazer. [...] Não [...] Não acontece nada. Apenas não adianta trabalhar. Isto me tira a minha força. Isto tem que ficar em segredo. (Ele prescrevia os chás e ainda benzia) Sim ele fazia a oração para isto. O que exatamente, isto não sei. [...] Não sei. Naquela época eu ainda era pequena. (Neste momento o netinho chegou perto da vó e disse:) “Você também sabe 885 fazer!”. 883 884 885 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 349 O lado místico, o lado divino da “Força” sempre é salientado. Desta forma, quando se faz a benzedura é recitado o texto bíblico, é feito um sinal, nome do Pai, do Filho e de Espírito Santo. Isto as pessoas compreendem? Não. Isto eles não compreendem. Porque quando a gente faz este trabalho a gente o faz em silêncio. Não se faz a oração com grande gritaria. Também não se fala tudo em voz alta. Isto as pessoas nem sabem. Quando a gente faz o sinal da cruz eles enxergam. Mas fora isto eles não sabem e não vêem nada. (Você é católica ou luterana?) Católica. (Mas e se os luteranos benzem, eles não fazem o sinal da cruz. E aí, como pode funcionar?) Isto funciona igual, quando eles têm a fé, vão ter a força. Com isto também passam a ter a esperança de que vão ficar curados. (os católicos não fazem diferente do que os luteranos) É tudo igual. Até porque a minha sogra que me repassou o conhecimento, quando era solteira era luterana. Somente mais tarde ficou católica. Mesmo assim continuou funcionando o seu trabalho. (os evangélicos não fazem o sinal da cruz.) Mas eles já podem imaginar do que se trata. A “técnica” do ritual do benzimento também varia de caso para caso. A descrição, quando obtida, sinaliza com uma riqueza de detalhes, sempre envolta de muito fervor religioso. Ele disse: “O Deus julga.” O que eu faço também é com Deus e Jesus. De outra forma não posso trabalhar. Não quero saber de coisas do mal. [...] quando eu faço isto? [...] Isto eu faço assim: “Das Gott und Jesus und der Heilige Geist sollen helfen dass der Mensch gesund werden soll. Drei einich in Gottes”. (Que Deus e Jesus e o Espírito Santo ajudem para que este homem volte a ficar bom. Três vezes 886 unido em Deus). Era só isto. Nada mais. 886 Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 350 Tinha me machucado o pé. Daí pegava um pedaço de papel, desenhava o pé neste papel e fazia uma oração. Era 887 assim que ele trabalhava. Isto era como ir ao medico. Você tem que acreditar. Se não acreditar não adianta tomar remédio. A mesma coisa acontece com a benzedura. Você tem que acreditar... É como cura de ”cobreiro”. Eu tinha “cobreiro” e não tinha remédio para ele. E o XXX curava o cobreiro. Então mandou buscar uma varetinha de pé de malúrio. Quando cheguei pegou a vareta na mão e me perguntou: “o que você tem?” Eu respondi: “cobreiro”. Ele disse: “Então eu corto a cabeça”. E cortou um pedaço da vareta. Depois perguntou: “o que você tem?” Eu disse: “cobreiro”: então respondeu: “então eu corto no meio.” E cortou a vareta pelo meio. Daí perguntou novamente: “o que você tem?” Eu respondi: “cobreiro”. E ele respondeu: “então eu corto o rabo dele.” e foi cortando um pedaço da outra ponta. Depois amarrou os três e botou na fumaça, com a recomendação: “mas não fala isto para ninguém.” No outro dia o cobreiro estava seco. Isto 888 só porque eu tinha fé. Benzia dor de cabeça, insolação. [...] Não sei, não. Mas botava um lenço de cabeça. Segurava para trás e tinha que dizer um versinho em alemão: “Sonnenstich ... e não sei o que mais. Não me lembro agora. E um copo de água[...] Ajudava, sim. (o Schrekwasser – a água do susto) Quando tomava um grande susto. Botava três carvões em uma 889 caneca de água fria: bebia ... bebia... Havia também aqueles que benziam contra picada de cobra. Aqui vem a pergunta tradicional: Mas, como “benzer cobra”, se a vítima que tiver recebido a peçonha tende a sucumbir? 887 888 889 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 351 Eu só benzi cobra [...] Sim.[...] Eu vou falar, mas não sei se é certo. “Die shlange die stach, der Mann ist schwach. Bitte nur das, dass das Gift zurück fur. Im Namen des Vater und des Sohnes und des Heiligen Geistes. Amen.” (A cobra picou. O homem está enfraquecido. Peço apenas que o veneno retroceda. Em nome do Pai, do Filho e de Espírito Santo. Amem) [...] Pois é, isto é uma oração de benzeção. (o entrevistado ficou muito constrangido depois de ter revelado o “segredo”). Para diminuir o mal estar, poderei: “Não precisa ficar com receio. Não sou pastor. Eu estou apenas perguntando estas coisas porque gostaria de escrever no meu livro como isto pode ser feito. Não vou citar 890 o seu nome. 891 O que funciona melhor, alemão ou “brasilionisch ”? Dütsch. Se uma criança sofria de Schwammen (Estomatite) usava-se a seguinte ditado: Schwammen die wollen das Kind verdammen. Aber Jesus Flammen wollen es nicht verdammen. Im Namen des Vaters und des Sohnes und des Heiligen 892 Geistes. Amen. (As feridas da boca querem condenar a criança, Mas as chamas de Jesus querem salvá-la. Em nome do Pai, do Filho e de Espírito Santo. Amém) Os resultados costumam ser contabilizados pelas mais diferentes maneiras. Presume-se que a benzedura é “boa” para as pessoas que nela acreditam e pode também funcionar para os animais domésticos. A oração pode ser feita de qualquer forma. Não precisa ser feito com benzedura [...] Para o gado também ajudava. Mas eles (os pastores) dizem que benzer é pecado. Muitas vezes não ajuda. [...] Benzer [...] (outras vezes ajudava) aaaaahhhhh ajudava sim ... porque nós tínhamos a fé muito firme em Deus. Sei que o avô do XXX aqui em baixo rezava 890 891 892 Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Referindo-se ao idioma português. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. 352 abertamente. Em nome do Pai, Filho, Espírito Santo, tudo, 893 tudo... Naquela época raramente se levava alguém até na cidade. Faziam-se chás e aí, ou ficava bom ou morria. Sempre se 894 procurava benzer. Dizem que, para quem acredita a benzedura ajuda e para 895 quem não acredita não vale nada. Todo este ritual de benzimento tem sua psicologia própria. Não precisa sequer acreditar em benzedura. Será preciso acreditar no resultado de um relacionamento humano de confiança. E esta vem a ser a mesma confiança que se tornou responsável pela cura de tantas doenças de fundo emocional (psicosomáticas). Podes também perguntar para o pastor [...] A sua filha teve um problema na perna. Eles foram para tudo quanto é lugar. Chegaram a ir até o Rio Grande do Sul, procurando médicos. Não conseguiam solucionar o problema. O pastor não acreditava nas “palavras”. Aí trouxeram a moça aqui acompanhada da sua tia, a [...]. Ela disse que acreditava na força do “benzimento”. Senti-me meio assustada. Até porque ele vivia xingando contra este trabalho. Já tinha recebido muitas palavras duras da igreja, do púlpito. Aí eles trouxeram a menina aqui no domingo. Depois eu disse que queria vê-la novamente no próximo sábado para ver se tinha melhorado ou não e para ver o que ainda pode ser feito. No outro sábado a sua perna estava curada e da ferida tinha sobrado apenas uma pequena mancha em cima do pé. A tia chegou aqui chorando e dizendo que a menina tinha ficado boa. Depois disto a tia continuou trazendo a menina, mas ele nunca vinha até aqui. Tempos depois a [...] tinha um problema na perna e ele teve que trazer ela. Era erisipela. Então ele a trouxe. Não até aqui. Eu tive que caminhar um pedaço ao seu encontro. Na última vez chegou até aqui e 893 894 895 Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08. Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/ 07/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 353 me perguntou? Será que a Maria vai ficar boa. Aí respondi: Se ela tiver fé em Deus, vai ficar boa. É Deus quem vai 896 curá-la. Mas naquela época tinha um pastor no Rio Posemoser. Tinha uma criança doente que estava piorando cada vez mais. “Minha nossa”, teria dito o pastor, “o que vai acontecer. O remédio não está mais ajudando”. Aí chegou alguém e teria dito para o pastor, fazer [...] Aí o pastor teria dito que nestas coisas ele não acreditava. “Sim”, teriam lhe dito, “isto não é bruxaria, isto tudo faz parte da Palavra de Deus. Ele não faz nada com o diabo, com as coisas do Mal. Ele faz com a ajuda de Deus”. O pastor se deixou convencer a ir até lá. Aí constataram que era um panarício que tinha se desenvolvido no dedo. Aí o benzedor fez o trabalho e logo ficou curado. Aí o pastor teria dito “até agora nunca acreditei que pudesse existir uma coisa estas. Gastei tudo em remédios que podia ter gasto. E o menino não tinha jeito de ficar bom. Agora ficou curado”. Mas como ele fez isto. Ele benzeu o ferimento? Também fez com “Im drei Gottes Geaet” (com a oração três vezes em Deus). É o que eu penso. Eu também nunca perguntei. Eu fui lá uma vez por curiosidade, para ver como ele o fazia. Ela também fazia 897 assim com as pessoas [...] Até que ponto se pode diferenciar o médico da floresta ou da roça do interior capixaba do praticante do benzimento? Apesar da semelhança é possível estabelecer uma nítida diferença entre o primeiro, com suas habilidades de “raizeiro” e “garafeiro” e o segundo, o qual tenta alcançar o seu efeito terapêutico pela confiança cega no “toque curador” das mãos. É a crença na magia, na fé. Uma fé cega e inconteste no resultado a ser obtido. 896 897 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 354 Os relatos envolvendo estas práticas, muitas vezes se tornam controversos, até como forma de comprovar a veracidade perante os novos “clientes”. É a confiança de que ”eu vou ficar curado”. É isto que os benzedores sabem trabalhar muito. E é desta maneira que eles conseguem, digamos, os seus “resultados”. Na maioria das vezes as próprias internações nos hospitais têm por base um problema psicológico. Quando o médico é consciencioso há uma boa evolução. Será preciso conversar com o “doente”. Tem muitos casos em que sequer se precisaria de medicação. Bastaria uma boa conversa. Só em 898 ver o seu médico de confiança, já sentem uma melhora. Em resumo, no benzimento sempre tivemos o impossível e o místico na procura por soluções. Eram soluções que aparentavam estar muito longe, talvez até impossíveis para a realidade desta colônia sem médicos, sem remédios e sem dinheiro. Os resultados precisavam ser alicerçados em algo que tornasse possível até mesmo o impossível. 7.7 A religiosidade do povo Uma recente pesquisa 899 de certa forma caricaturisou as mulheres pomeranas como benzedeiras ou como adeptas da bruxaria 900 . Sempre que se vai generalizar uma imagem identificada por meio da análise de um pequeno grupo de indivíduos, corre-se o risco de criar um quadro não tão representativo deste grupo 898 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. BAHIA, J: O tiro da bruxa: Identidade, magia e religião entre os pomerânios de Espírito Santo. [Tese de Doutorado]. Rio de janeiro UFRJ/ Museu Nacional. 2000. 900 BESCHWÖRUNG. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Beschw%C3%B6rung. Aus Wikipédia,der freien Enzyklopädie. Acesso em: 07 jun. 08. 899 355 populacional. O que hoje ainda existe é uma espécie de misticismo que vem sobrevivendo por séculos, possivelmente oriundo dos antigos eslavos 901 . Todos tinham seus deuses. Estes deuses viviam na natureza e pelas suas diferentes formas “interagiam” com o cotidiano da população. “Agora não tem mais tanto isto. Está acabando. Mas as pessoas curavam muito em casa com chás. E rezavam muito em nome de Deus. Tinham muita fé em Deus. Eles levavam a sério a religião e levavam a sério Deus”. Com a cristianização os pomerânios adotaram a fé católica. Ninguém lhes perguntou se queriam ser cristãos, cristãos católicos. Esta religião simplesmente lhes foi imposta! Por outro lado, para este povo não houve maiores problemas em aceitar esta nova situação, até porque às escondidas parecem ter conservado uma boa parte da sua antiga crença, ou seja, da sua religiosidade primitiva. Até os dias atuais os pomerânios continuam místicos e conservam uma série de hábitos relacionados à própria natureza. Vale como observação que as regiões colonizadas pelos pomeranos no Espírito Santo mantêm um bom percentual de suas áreas cobertas por vegetação. São aspectos relacionados à própria maneira de ser do povo pomerânio. Já no século XVI foram convertidos ao luteranismo e começaram a ver no pastor aquela pessoa que impunha uma disciplina rígida apoiado pelo senhor feudal. Mas, ao aderirem às novas práticas também aqui conservaram seus antigos costumes e readaptaram suas imagens mitológicas dando-lhes novos significados. Isto, apesar da cristianização, persistiu e hoje continua 901 SLAWISCHE Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07 jun. 08. 356 persistindo. Trata-se de um traço cultural. Não é algo que tenham começado a fazer aqui em Espírito Santo de uma hora para outra. Quando os imigrantes chegaram aqui, não havia médico, não tinham remédio, não tinham qualquer tipo de assistência. Com isto passaram a ver na benzedura uma forma de assistência. É preciso lembrar que, de certa forma, a assistência psicológica e espiritual era dada pelos pastores e os tratamentos passaram a ser efetuados pelos “curadores” e pelos benzedores, o que, em alguns lugares, persiste até os dias atuais. Figura 48: Carta dos Céus – hoje disponível em uma versão traduzida para o português e exposta nas paredes de muitas salas de visitas. 357 Na atualidade os pomerânios se identificam muito com o luteranismo. Entretanto, persistem resquícios de épocas em que amuletos protegiam seus portadores contra as “coisas do mal”, contra guerras ou contra inimigos ocultos. Eram tempos em que precisavam de alguém ou de algo que pudesse proteger este povo amedrontado e, por vezes, sem esperança. Alguém ou algo com quem se deveria poder contar, a qualquer momento do dia ou em qualquer situação. É por isto que surgiu a “Carta de Proteção” (Schutzbraif), um amuleto que até pasou a ser copiado a mão e repassado de geração em geração. Figura 49: Um detalhe da Carta do Céus. 358 Eu tenho um, inclusive eu ganhei. Tenho um em alemão e tenho um traduzido. Tenho também um Haussegen (Bênção para a casa). Tenho isto como curiosidade. Porque eu também tenho interesse nisto. Mas eu acredito que isto é simplesmente uma oração. Agora não acredito que esta oração vá me salvar ou vá me proteger disto ou daquilo. Eu 902 considero isto simplesmente um tipo de oração. É a única coisa que este pessoal tem. Aí se vê o poder da mente, o poder do convencer-se de que isto irá ajudar. A fé 903 na cura é algo que não depende de cultura ou da etnia. Parece ser algo natural da religiosidade dos pomerânios e que durante certo tempo foi combatido. Esta é a razão pela qual ainda hoje não se fica sabendo que este ou aquele 904 realiza benzeduras. Hoje sei de um ou de outro benzedor. Há uma correlação entre a história da igreja no Espírito Santo e a própria história da imigração pomerana. Houve momentos de muita turbulência envolvendo os pastores do grupo “Caixa de Deus”, do Sínodo Brasil Central e da Igreja Missúri. Alguns costumes que dizem respeito, por exemplo, à rígida moral pregada por alguns pastores, terminaram sendo incorporados às próprias tradições deste povo. Todo pomerânio por princípio é muito religioso, mas, da mesma forma como preserva suas diferentes manifestações religiosas, vai também enriquecendo as suas tradições. Outro exemplo que também explica bem a preservação deste simbolismo pode ser observado na ritualística do casamento pomerano. Durante a sua realização o valor do pé de palmito quase se confunde com os próprios símbolos da igreja, pois, para esta cerimônia a igreja passa a ser decorada com dezenas de pés ou de 902 903 904 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 359 folhas desta tradicional planta da mata capixaba. Eles conservaram algo de outra época em que a natureza era importante. Hoje se diz: Deus fez esta natureza! Em outros tempos havia uma divindade que vivia nesta natureza. Como ele gosta, por exemplo, dá para ver nos casamentos, nas barracas cobertas de folhas de palmito ou de coqueiros? Os imigrantes quando chegaram, não tinham casa. Durante décadas eles andavam vagando de um lugar para outro. Ao chegarem aqui foram novamente morar em barracas de palmito. Agora nas festas, constroem as barracas... Talvez inconscientemente contam a história para seus filhos. A mesma coisa acontece na festa da colheita. Contra todas as regras litúrgicas, se faz do altar da igreja 905 uma mesa de feira . Aqui entra um outro traço cultural, apesar das controvérsias e que leva a pensar na existência de um forte sentimento de religiosidade relacionado ao produto do campo, ou seja, à própria origem da festa da colheita. Talvez isto explique o porquê do pomerânio, ainda hoje, continuar trazendo esta grande quantidade de produtos da terra para a decoração da igreja nas suas festas da colheira. Seria uma forma de ofertório aos antigos deuses, quem sabe, contextualizado para o cristianismo? Isto fecha plenamente com a questão da religião deste povo. Só que a igreja não consegue articular estas questões. Aí entram em choque com as lideranças culturais. Aqui há uma falta de sintonia política e eclesiástica. Falta uma maior compreensão dos superiores da igreja, quem sabe, aceitando esta manifestação como expressão cultural e não 906 como competição com a doutrina luterana . 905 906 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. 360 Figura 50: O anjo protetor e o “Hausspruch”. (Texto de conotação religiosa em que é pedida a proteção da casa). A festa da colheita do pomerânio parece estar representando uma tradição milenar. Será que o pomerânio conhece algum significado teológico da festa da colheita? “Bom, eles dizem: vamos plantar com fé em Deus e tudo vai dar certo. Tudo que o pomerânio faz, o faz com fé” 907 . A festa da colheita então seria o momento da agradecer pela bela colheita ou seria um sacrifício ao(s) Deus(es) que propiciaram esta bela colheita? 907 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. 361 Tudo que o pomerânio faz, ele faz com fervor religioso e com Deus. Ele benze utilizando o nome de Deus. Ele vai à igreja fazer sua oração a Deus. Deus é a imagem central da sua vida. Por isto ainda hoje, todas as citações da benzedeira durante o seu procedimento são orações, ou 908 melhor, são citações bíblicas . Muito ao contrário do que alguns pensam, os pomerânios acreditam no “andaun” (mau olhado), entretanto, eles não querem o “mal”. Eles não querem fazer mal para ninguém. Lógico, alguém pode até achar que está fazendo o tal do “andaun” contra eles. Não existe bruxaria no pomeranismo. O povo pomerânio é do bem. Ele quer viver. Ele quer crescer. Querem viver, mas nada de mal. Ele é supersticioso, mas 909 ele é do bem. 7.8 O canto e a música instrumental O povo pomerânio sempre foi muito submisso. Politicamente quase sempre foi dominado, ora por um, ora por outro povo. Desta forma, foi sendo influenciado na sua maneira de ser, de agir e até de pensar. Enfim, o pomerânio se tornou taciturno e triste. Uma das diversas formas de exteriorizar esta tristeza acontece por meio de sua música e suas tradições. No meio rural capixaba a cultura religiosa, o canto e a música instrumental são muito bem preservados. Neste encontro da juventude luterana eles ficaram impressionados. Este é o município no Brasil que mais tem 908 909 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. 362 músicos instrumentais. Isto porque estudar música na vida do pomerânio é uma coisa natural é uma coisa muito forte. Por isto eu digo que o mecanismo que a gente encontrou para continuar com a cultura pomerana presente passou a ser um dos termos que adotamos. A Pomerânea no Brasil é capixaba. A referência dos pomerânios no Espírito Santo é 910 Santa Maria . Qual seria a origem desta música pomerana? Há alguns relatos segundo as quais a música sacra de final do século XVII e início do século XVIII teria sido levada das igrejas com seus pesados órgãos para o ar livre, em pequenos eventos de conotação religiosa, como enterros e velórios 911 . Para a viabilização deste propósito os pomerânios teriam passado a se apresentar com instrumentos de sopro e que formavam os corais de sopro, que chamaram de “Posaumenchor”, ou seja, coral de trombones. Estes mesmos instrumentos terminaram sendo trazidos para o Brasil. Com a formação das comunidades luteranas com suas “Gemeideschaul”, em muitas localidades também foram sendo organizados os corais de trombones e que passaram a enriquecer a ritualística dos cultos dominicais que até o final dos anos de 19501970 costumavam durar mais de duas horas 912 (Fig. 29). Um segundo instrumento musical, logo incorporado ao cotidiano do pomerânio foi a concertina. Este, ao contrário do coral de trombones, com sua função sacra passou a ter uma função essencialmente profana. Assim a concertina passou a animar as 910 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Sem comprovação histórica, porém valendo como informação oral colhida junto a antigos músicos pomerânios. 912 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 911 363 festas dava o ritmo dança. Enfim, passou a ser o instrumento musical da descontração. Mas, com que tipo de música o pomerânio realmente se identifica? O pomerânio tem um instrumento que ele trouxe aqui para o Espírito Santo que é a concertina (Fig 51). Este instrumento musical continua sendo utilizado [...] Nos dias de hoje e que vem sendo repassado de geração em geração. [...] O pomerânio reverencia muito a concertina como as musicas pomeranas. O que tem da música pomerana? A música pomerana é uma sátira e que ele aprecia muito. O “momento da concertina”, no domingo de manhã, é o momento em que a rádio passa esta música que ele gosta. Isto dá uma audiência na radio que você não imagina. Porque hoje temos no município cerca de 85% da população pomerana, pomerana mesma. E isto passa de geração em geração. Então se você passar pelos estabelecimentos por aqui, você fala português, mas tem pomerânio. E a música continua sendo a concertina. E a concertina realmente 913 chega a toda a população... Acho que a cultura pomerana é exatamente isto aí. É a música sertaneja e a música caipira. São as músicas é eles realmente adoram, que eles gostam [...] Ele se identifica sim. Porque a economia da cidade é o da agricultura. Isto é Santa Maria, ao contrario de muitas cidades. Temos aqui 35.000 habitantes. Aproximadamente 7.000 aqui dentro da cidade e, digamos, 28.000 no interior. Esta identificação praticamente existe porque a economia principal está baseada na agricultura e a agricultura não deixa de ser 914 sertaneja . Escola de música, acho que Santa Maria de Jetibá é o único município do Brasil em que há uma preocupação muito grande em termos de música clássica em termos de música pomerana. A música também chega através da igreja luterana. A Prefeitura em parceria com a Igreja Luterana 913 914 Cf. trigésima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. trigésima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 364 vem trabalhando para desenvolver este lado, comprando instrumentos. Praticamente cada igreja, cada comunidade tem seus instrumento musicais. São instrumentos para 915 música sacra, de sopro, violões . Tem nas igrejas. Tem seus maestros. Realmente é riquíssimo..... Aqui predomina a concertina. Isto é da cultura. ... Não há uma escola de música. O que tem são jovens que começam a desenvolver sua musica com o auxílio, vamos dizer, dos pomerânios mais idosos que conhecem os hinos 916 e as músicas pomeranas. A concertina não é mais fabricada e um bom instrumento custa hoje e torno de 10.000 reais. Quem possui um destes raros instrumentos musicais não tem o costume de vendê-lo. Nos dias de hoje há diversas fábricas de acordeon. Nunca foi feita qualquer pesquisa no sentido de tentar produzir concertinas. “Tem pessoas que reconstroem estes instrumentos. Não seria a hora, já que ainda tem protótipos, de motivar pessoas para produzirem novos instrumentos? Quem tem não vende. Ela é repassada por herança”. 917 O pomerânio é músico por natureza. Não necessita de muito para aprender. Por outro lado, os corais de trombones há 100 anos tocam as mesmas músicas da mesma maneira. Não estaria em tempo de começar a incentivar jovens criativos a investir mais em música? Santa Maria de Jetibá tem hoje um dos melhores indicadores no Espírito Santo. Alcançou um índice de desenvolvimento muito grande. Não tem poupado esforços e investimentos para fazer tudo que for preciso. Apenas o 915 916 917 Cf. trigésima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. trigésima nona entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. 365 senhor está aqui em um momento ingrato, que é o momento da política. Com certeza esta é uma idéia fantástica. Realmente, há 100 anos vem produzindo a mesma música. 918 E realmente, a criatividade pomerana é dos jovens . O coral de trombones produz música melancólica. E uma música triste e que vai continuar sendo triste. Porque não inovar? A cultura não é estática. Ela é dinâmica. Cultura se adquire. Sabedoria se desenvolve. A minha grande briga com os trombonistas foi justamente colocar alegria [...] Mas isto faz parte da natureza deste povo. Este povo é muito reservado. Será que não dá para mostrar para este povo que dá para fazer musica alegre? 919 Ou será que trompete é apenas para musica triste? O mesmo vale para a música sacra. Algumas outras religiões já misturam instrumentos modernos com a música erudita e com a mensagem bíblica. É a forma como transmitem suas mensagens. A igreja luterana poderia dar mais ênfase à utilização deste recurso? “Na nossa igreja houve quatro ou cinco mutirões de música. Com a parte musical, parece que o evangelho penetra mais facilmente”. 920 Ela é, em princípio, uma igreja que canta. Nós também temos aqui um grupo muito bom e que canta muito bem. Temos um coral [...]. Aqui temos um grupo que inclusive tem um CD. É um CD muito utilizado nos cultos. Agora aqui na sua igreja também tem um grupo muito bom de canto. É evidente que estas seitas... forçam nosso pessoal a fazer 921 alguma coisa. Isto tem o seu lado bom! 918 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 921 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 919 920 366 Em uma comunidade surgiu o comentário de que o coral de trombones está fazendo 100 anos. Nos dias de hoje continuam reproduzindo a mesma música que faziam há 100 anos. Como ficaria este coral de trombones misturado com cordas e com um teclado? Por que não adicionar um coral de vozes? 7.9 O casamento pomerânio Para um pomerânio capixaba o casamento constitui-se em um dos acontecimentos mais importantes e mais representativos do início da sua vida familiar própria. Isto sempre foi assim? Difícil de afirmar, até porque, poucos relatam detalhes sobre os antigos costumes deste povo na Europa. Há algumas referências sobre o grotesco costume feudal do direito a primeira noite (jus primae noctis 922 ) e que, como forma de protesto teria levado a adoção de uma indumentária de cor preta. Há a história dos Senhores Feudais da Pomeranea que costumavam abusar das moças que estavam casando. Aí os familiares protestaram: nós não criamos prostitutas para alguém se aproveitar da nossa filha, que deverá casar com outro homem. Uma outra versão que chegou de lá está relacionada ao frio. O preto absorve melhor o calor. Uma outra teoria que ouvi aqui entre o povo é que estariam protestando contra o Governo da Província que não 922 Segundo este costume, a noiva teria que passar a sua noite de núpcias no leito do seu senhor feudal. 367 dava assistência. Esta última, acho que não é muito fidedigna porque o preto já vem de lá 923 . Figura 51: Casamento pomerano: Os noivos de preto Parece haver uma questão pontual e que diz respeito à uma orientação religiosa praticada pelos chamados pastores luteranos antigos mais radicais, onde entravam questões como o do episódio do pastor de Laranja da Terra 924 . A noiva realmente tinha que ser pura para poder usar o véu e entrar na igreja pela porta da frente. Caso contrário, teria que casar na quarta-feira sem os paramentos. 923 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. O reverendo, por ocasião da bênção nupcial decidiu apalpar a abdome de uma noiva um pouco mais gordinha para certificar-se de que não estaria grávida. 924 368 Há uma outra referência 925 de que, em outras épocas, uma noiva grávida, seria uma evidência de garantia de prole, considerando que durante 900 anos o povo pomerânio foi perseguido, destruído pelas pestes e guerras. Muito poucos sobraram, tanto que em 1800 havia apenas 350.000 habitantes 926 em toda a Pomerânea. Em outros tempos o sinal de gravidez talvez fosse um sinal de garantia de futura prole e que com isto passaria a cumprir com sua função de mãe e procriadora. Eu não acredito que para os pomerânios, o entrar não virgem no casamento fosse problema. Não acredito que a questão da virgindade tivesse tanta importância assim. Eu acredito que isto realmente foi um problema destes pastores antigos. Eles ditavam a moral. Era a moral desta rigidez luterana européia e que chegou aqui com estes pastores. Não sei se os “Berliner” eram diferentes. Em Laranja da Terra chegou a ter duas igrejas. Uma perto da outra. Não sei se para os pomerânios isto era problema. Eu sempre acreditei que os pastores fizeram disto um problema. Nisto se inclui a questão de chegar virgem ao casamento. Para a 927 época até os pomerânios eram um pouco adiantados. Na colônia antiga, de certa forma prevaleciam os casamentos arranjados e que também ajudavam a preservar certa estabilidade financeira para as novas famílias. Isto porque, o noivo precisava ter sua terra e a noiva teria garantido o seu dote. Os casamentos geralmente aconteciam entre pessoas que já se conheciam e que costumavam se encontrar em família de vez em quando e depois de algum tempo, às vezes ate 925 Neste estudo não foi possível comprovar a origem desta informação. Die Geschichte der Region – Pommern. http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.33.htm. Acesso em 02/05/08. 927 Cf. Décima sexta entrevista realizada com I.T. na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 926 369 mesmo dentro do mesmo ano já casavam. É o que geralmente contavam. Geralmente os pais entravam na 928 negociação, do tipo “este é o camarada para você casar”. Meu pai falava: se vocês casarem com um rapaz sem terras, não pisem no meu terreiro. Como pode dar certo com um rapaz sem terra? Vocês aprenderam a cozinhar, a trabalhar na roça e lavar roupa a fazer todo o serviço da casa. O que vocês querem com um homem que nada tem. Diziam que 929 um rapaz sem terra é como uma fôrma de madeira. Os costumes eram rígidos. Os jovens iam de paletó na casa da moça para namorar. Lembro muito bem de um sujeito que morava aqui na virada e que ia até na casa na moça sem o paletó. Meu pai o criticava: “deve ser um lumbasac” (pé de chinelo). “Não tem nem paletó”. O calçado na época era a botina. Somente mais tarde um ou outro começou a ter “meio-sapato” com meia. Era o “Half-schau”. Quando o pretendente queria casar precisava pedir a mão da moça ao seu pai. A primeira pergunta deste costumava ser: você consegue sustenta-la? Quando já tinha condições para isto, isto é, quando possuía sua própria terra, era anunciado o “casamento, com véu e grinalda”. ra comunicado que, quem tiver alguma coisa contra que fale ou se cale para 930 sempre. Há quem fale que moças de 25 anos de idade eram mais valorizadas porque já tinham mais experiência de casa, de cozinha e de economia da propriedade. O que não era uma regra. “Costumavam casar aí pelos vinte anos, mais velha não sei, mas vinte anos. Ao menos aqui”. 931 “Realmente, elas precisavam ter experiência... Então recebiam uma vaca de leite, uma máquina de 928 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Nona entrevista realizada com A.B. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 931 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 929 930 370 costura, as coisas para a cozinha, para poder começar a trabalhar. “ 932 (a noiva) Tinha que saber costurar, remendar, cozinhar, tirar leite e trabalhar na roça. Não sabendo isto não encontrava 933 partido para o casamento. Os pais que decidiam. Parece que alguns andaram casando com italianos. Mas não tenho lembrança. Mas com brasileiros não. Isto não era permitido de jeito nenhum. Como os imigrantes passaram muita dificuldade e muita discriminação, terminaram também ficando muito fechados. Por isto não era permitido que “outra gente” entrasse nas famílias. E se alguém inventasse de casar com italiano ou brasileiro terminava tendo que ir 934 embora. Não tinha mais como voltar. Entretanto, na colônia os aspectos morais passaram a ter uma importância fundamental. Em função disto a conservação da pureza, isto é, da virgindade da mulher passou a ser primordial para a aceitação da nova família na comunidade. Usavam véu e grinalda verde. Era um sinal de pureza. E se a grinalda murchava durante o trajeto até a igreja, isto era sinal de que a noiva não era mais pura. O problema podia acontecer nos dias muito quentes. Qualquer coisa podia 935 acontecer. E aí a noiva caia sob suspeita. Uma série de questões religiosas e comportamentais dos pomerânios talvez possam ser explicados pelas frases de von Krickow 936 , segundo as quais, a fronteira da antiga Pomerânea se tornou, sobretudo, uma fronteira confessional, ou seja, os ramos 932 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 935 Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08. 936 KROCKOW, op. cit. 933 934 371 luteranos se germanizaram e os ramos católicos de polonizaram. Isto teve repercussões também na colônia de Espírito Santo e, quem sabe, explicaria a forte aderência ao luteranismo e a resistência a miscigenação com etnias de outras confissões religiosas. Os casamentos arranjados continuavam sendo bem vistos. Era absolutamente desejável que a prole fosse da mesma etnia. Isto deu origem ao estabelecimento de sequência de simbolismos que passaram a persistir por gerações. O vestido de noiva dos primeiros casamentos realmente parece ter sido de cor preta. È o que comprovam as peças de roupa deixadas pelos antigos e também pelas imagens registradas em fotografias. Há algumas controvérsias do porquê do preto. Alguns dizem que o tecido preto, marrom escuro, enfim, teria sido de menos custo ou que poderia ter sido aproveitado em outros momentos futuros. Mas há também a teoria do protesto contra a absoluta perda de liberdade que passaria a ser imposta à jovem a partir do seu compromisso matrimonial. O casamento representava a sua “contensão” na nova família. Aqui o que muito vi nas pesquisas foi o argumento que estariam de preto porque a mulher quando casa não sabe que vai ser mãe. Então o dia do casamento seria o dia mais triste da vida, para ela. Então meu pai, quando eu era mais novo, tinha uns doze anos, me disse: “temos dezenas de mulheres que não chegaram a dar a luz e que chegaram ao cemitério bem acompanhadas pela sua criança no ventre. A 937 cor preta veio de lá, mas esta história é daqui. Há outra historia com relação ao casamento. Em geral se ouve que a mulher precisava casar virgem. E aí tem a história do 937 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 372 véu e da grinalda (Myrtenkranz) e ele com o enfeite verde na lapela e que isto foi, por assim dizer, quase sagrado para o pomerânio. Ela casava com grinalda e ele com um pouco de verde no bolso por causa da virgindade da noiva. Não se podia usar a grinalda nem ele o verde no bolso se não houvesse a virgindade. E se acontecesse disto ser descoberto depois do casamento tinham que fazer penitência (Buse machen). Isto 938 aqui. A noiva grávida não podia usar véu e grinalda. Se a noiva chegasse a usar o véu e grinalda e fosse descoberto depois 939 teriam que pagar multa. Há uma informação oral de que, por vezes, na Ponerânia, algumas noivas engravidavam para garantir que o filho fosse do marido ou para certificar-se de que poderiam vir a ter filhos. Esta é uma informação oral sem comprovação histórica. Esta informação de que as noivas que eram abusadas, naquela época muitas vezes dormiam com o noivo antes do casamento com o objetivo de engravidarem e desta forma garantirem que o filho realmente viesse a ser do 940 casal . Isto parece ter muito de verdade. [...] Penso que pode ser verdade porque mata a charada quando o pomerânio diz que “não criamos prostitutas...”. (a noiva já entrava no casamento grávida) [...] enganando o senhor feudal. Acho 941 que esta mata a charada [...] Se uma gravidez fosse detectada antes do casamento uma série de medidas punitivas passavam a ser utilizadas. “Quem 938 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08 /08. Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 941 Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 939 940 373 casava grávida era massacrada. Se o pastor descobria que a noiva estava grávida, tinha que pagar uma multa”. 942 O casamento era anunciado. Casavam sem grinalda e sem o bouquet. E o noivo sem o enfeitede lapela. Também não se batia o sino. Quando descobriam depois tinham que declarar arrependimento perante toda a comunidade, pagar a multa e pagar a multa dos sinos. Se uma moça trouxesse uma criança para batismo, tinha que fazer a mesma coisa. Tinha que fazer penitência. (Buse moka). O Pastor costumava fazer uma tremenda reprimenda. Só que elas 943 geralmente não entendiam nada o que o Pastor falava. Neste caso tinha que fazer o pagamento da grinalda na igreja. O pastor perguntava na igreja se estavam entrando puro no casamento. Lógico, se depois se descobria que tinham sido desonestos, recebiam, perante toda a 944 comunidade, uma severa repreensão. E quando isto era mantido em segredo e depois aparecia, tinha que fazer penitência (Busse betola). Tinha que comparecer perante o altar e confessar o seu erro na frente 945 de toda a comunidade. Estas tinham que “pagar a grinalda” era uma multa de 20 mil réis. Mas quando casavam e somente depois se descobria que estava grávida vinha uma tremenda reprimenda de cima do púlpito. Quando estava grávida, casava igual, porém a noiva com um vestido simples e ele com calça e camisa normais. Não tinha briga. Aconteceu apenas uma ou duas 946 vezes. Nunca mais se repetiu. Se na Pomerânea, presumivelmente a jovem noiva corria o risco de ser molestada pelo senhor feudal, aqui os noivos 942 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08. 945 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. 946 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08. 943 944 374 continuavam enfrentando obstáculos constrangedores. Nas suas terras de origem, a religião luterana tinha se tornado norteadora do seu modo de vida. No Brasil, a religião católico-romana, como religião oficial do estado detinha o direito da legitimação da união dos jovens casais. Nos primeiros tempos da imigração, nas décadas de 1860 e 1870, os casamentos precisavam ser validados pela igreja católica. Com isto passava a constar nos registros: fulano de tal, herege protestante, casando com cicrana, herege protestante, etc, etc. Isto persistiu até a proclamação da república quando houve a separação da Igreja (católico-romana) do Estado. A partir deste momento começaram a ser feitos os registros nos cartórios. 7.10 A herança As questões relacionadas à herança também parecem ter uma conotação cultural luterana como base. Segundo o historiador von Krockow 947 , na Pomerânea católica, que passou para o domínio polonês, por ocasiões das heranças, os proprietários de terras costumavam dividir seus imóveiss entre todos os filhos, quando na Pomerânea luterana prevalecia o direito do herdeiro único. Na prática isto levou à pulverização das terras do lado polonês e na preservação dos latifúndios na área de influência da igreja luterana. Cita o referido autor que “latifundiários católicos foram se transformando em orgulhosos, porém pobres agricultores”. “Somos Senhores”, diziam, “entretanto, quem fará o nosso trabalho?” 947 KROCKOW, op. Cit. 375 A nova lei, tanto na Europa como no Brasil, já havia estendido o direito à herança, tanto da pequena como da grande propriedade a todos os filhos 948 . Entretanto, mesmo que de maneira informal, durante quase um século, manteve-se de forma sólida o padrão de família das três gerações, ou seja, a restrição do direito à herança por um único filho, o qual passava a dar continuidade ao trabalho da propriedade dos pais 949 . Na realidade os filhos homens, de uma forma ou outra recebiam terras enquanto que as filhas continuavam recebendo seu dote. O filho mais novo tinha a preferência. Com isto recebia terra e os mais velhos geralmente recebiam, dinheiro ou terras em outro lugar. As moças recebiam uma festa de casamento e os apetrechos da casa como máquina de costura, mula, 950 vaca, galinhas, coberta de pena, etc. [...] o rapaz mais jovem (herdava as terras). Este ficava em casa e terminava cuidando dos pais até o final da sua vida [...] os rapazes receberam terras e as moças casavam com rapazes que tinham terras e com isto receberam de casa a 951 festa de casamento. Por aqui todo mundo ganhou seu pedaço de terra. Depois, no ano anterior ao casamento cada um já se mudava para as terras e para preparar tudo. Os rapazes já iam sozinhos 952 nas terras e começavam a preparar tudo. 948 KROCKOW, op. Cit. As questões da herança e da própria formação da etnia pomerana estão intimamente relacionadas com o estabeleciemento da fronteira religiosa entre a própria Pomeranea e a Polônia e que já foram analizadas em capitulo anterior. 949 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Constituiu-se em condição de sobrevivência deste sistema de família das três gerações. 950 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08. 951 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 952 Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 376 A alta taxa de natalidade que logo passou a ser registrada em praticamente toda a colônia de Espírito Santo fez com que a prole destas famílias, em geral com uma média superior a cinco filhos, saísse na busca de novas terras, ao mesmo tempo em que as filhas, à medida do possível, procuravam casar-se com agricultores proprietários de terras. O que nos primeiros anos da colonização era muito fácil, até pela disponibilidade de muitas terras nas novas áreas de desmatamento. Entretanto, com o passar dos anos também os sítios nas chamadas terras quentes passaram a ter seus custos cada vez mais elevados. “Minha bisavó engravidou 21 vezes. Isto era simples. Para conseguir novas terras bastava derrubar mais matas e seguir em frente.” 953 “Para os rapazes sempre se costumava conseguir um pedaço de terra, na medida do possível”. 954 “Quando não conseguiam terras para todos, os que fiavam sem terra iam trabalhar como meeiros”. 955 Na realidade, apesar de toda esta prolificidade nas famílias 956 , ainda havia uma significativa mortalidade infantil. Em muitas famílias com dez a quinze filhos também contava-se com dois ou três que não atingiram a idade adulta 957 . Mesmo assim, começou-se a registrar um importante crescimento populacional. “Nesta época (metade do século vinte) os pais já começaram as 953 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 956 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. O numero de filhos passou a ser cada vez menor na medida em que, ao menos aparentemente, diminuía a oferta de terras. Depois da Segunda Grande Guerra, segundo dados estatísticos disponíveis, a numero de filhos em geral, não passava de três ou quatro. 957 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 954 955 377 dividir as terras que tinham. Muitos filhos terminavam ficando apenas com pequenas tiras de terras. “ 958 7.11 A comercialização de produtos Até o final da primeira metade do século vinte, as atribuições do homem e da mulher dentro da vida familiar do pomerânio eram bem definidas. Qualquer um podia vender. Eram mais os homens que o faziam. Quem vendia o café era o homem. Ovos, manteiga e galinhas costumavam ser comercializados pelas mulheres. Mas a maior parte da criação era consumida pelo pessoal mesmo. Se não tinha boi para matar, matavam-se 959 galinhas. As mulheres, além das visitas aos parentes e visinhos e das idas à igreja pouca vida social tinham. Seus afazeres domésticos tomavam muito tempo. Além disto, acompanhavam todo trabalho na lavoura. “Iam para as visitas previamente combinadas. Além de lá não iam para nenhum lugar.” 960 “Às vezes (as mulheres) iam junto. Mas geralmente eram apenas os homens. Aí aproveitavam para tomar um traguinho [...]”. Elas vendiam manteiga, ovos e estas coisas assim. Este era 961 o dinheirinho delas. Eram os homens, sim. Com duas montarias eu ia descia sozinho até lá. O primeiro sendo 958 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08. 961 Cf. Nona entrevista realizada cona cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 959 960 378 conduzido e o segundo amarrado no primeiro. Levava as 962 coisas até lá: verduras, laranjas, manga. 7.12 A evolução da vida social do Pomerânio A vida social da população interiorana de Espírito Santo sempre foi muito ligada a terra. O imigrante pomerânio proveniente da Europa praticamente nada conhecia além do latifúndio do seu senhor feudal. Aqui no Brasil e, em especial no Espírito Santo, o modo de ser alemão foi-lhes imposto pelos pastores e professores vindos da Alemanha. A própria língua pomerana foi sequer admitida como idioma de comunicação. Não podiam dizer “Herr Praister” (pastor em pomerânio) ao se referirem ao pastor da comunidade e sim, “Herr Pastor”. A própria decisão de indicarem um pastor-colono para executar os ofícios religiosos da sua comunidade e de nomearem um professor para a alfabetização dos seus filhos foi visto como algo sem fundamento pelas organizações germânicas no Brasil Desta forma, sempre foi mantido um 963 . determinado distanciamento entre o pequeno grupo mais intelectualizado constituído pelos pastores e professores alemães e os colonos que falavam apenas a língua pomerana, o que teve reflexos até na adoção de modelos de comportamento social. A vida social em si “Era muito simples. Havia os cultos na igreja. Aos domingos fazia-se muita visita na casa dos outros. 964 962 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Fachin Patrícia. Silenciados pela hegemonia alemã. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanita Unisinos. Edição 271. Página 16. 01/09/08. São Leopoldo 964 Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08. 963 379 O alemão vai (a clubes sociais), mas o pomerânio não. É uma característica daqui. A vida social do pomerânios é só na igreja, depois da igreja e antes da igreja. Pode fazer baile à noite toda no casamento, mas no clube não vai. Lá não se 965 sente bem. Os imigrantes às vezes faziam seus Bool ou bailes nas suas próprias casas de pau a pique. Era onde que se reuniam. Por vezes também apareciam uns “brasilioner”. Eles eram muito temidos. Geralmente vinham com ``Zirametzer``(facas do tipo punhal) e por vezes até com facões. Arma de fogo não se costumava ter. Quando eles vinham nestas festas, tudo geralmente terminavam em confusão. As mulheres com 966 crianças pequenas davam um jeito de correr para casa. Os pomerânios historicamente, desde o século dezessete eram considerados “menos” no jogo das forças culturais 967 . Aqui continuaram vivendo como camponeses e se comunicavam em uma língua não aceita pelos detentores do “conhecimento”. Naquela época as crianças não sabiam de nada. Até os 10 anos de idade acreditavam nisto. A mesma coisa com relação à cegonha e papai noel. As crianças simplesmente acreditavam. Era o que se tinha. Na noite de natal, reuniam todo mundo e ganhavam um brinquedo. Esperava-se o ano passar e a alegria era muito grande quando chegava de 968 novo Lá na Pomerânea falavam da cegonha. Aqui passaram a falar em macacos. Era mais fácil para as crianças entenderem. Somente depois de grandes passavam a entender que a cegonha, a historia dos macacos, do papai 969 noel, do coelhinho da páscoa eram mentira. 965 Cf. Vigésima quinta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Terceira entrevista realizada com B.K. na cidade de Domingos Martins, no dia 20 07 08 FACHIN, op. Cit. 968 Cf. Sexta entrevista realizada com L.E. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 969 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 966 967 380 A vida social dos pomerânios sempre foi muito pacata. Os hábitos de vida sempre foram muito rudes. Era esta a simplicidade que tantas vezes foi observada nas entrevistas. Lavavam-se os pés para dormir, a roupa ficava no corpo dia e noite. Trocava-se a roupa no sábado. Só se lavava os pés, porque todo mundo andava descalço. Agora é difícil de entender como nós vivíamos quando éramos crianças. 970 Tínhamos apenas duas mudas de roupa. Tínhamos feijão. Mais tarde já tínhamos arroz. Carne não faltava. Até porque mais tarde passamos a ter muitas galinhas. Tinha galinha se criando até dentro do mato. Já tínhamos porcos. Trigo somente podia se comprar quando morria alguém ou no natal ou no casamento. Quando morria 971 alguém, tinha que se dar comida depois do enterro. Nesta época já se começou a plantar arroz nos brejos. Dava muito. Eles comiam muita caça e muito peixe. Nos matos tinha muitos pássaros. Charom, macuco, arruba. Tinha muita paca e que se pegava com facilidade. Dava carne para três a quatro dias. Eles não passavam mal não. O mais difícil eram os cuidados de higiene e os cuidados com a roupa. Viviam no meio de muita sujeira. Muitas vezes eu 972 penso: como esta gente conseguia viver. Foi desta forma, fugindo da germanização e sem possibilidade de uma maior aculturação, seja brasileira ou alemã, por muito tempo ainda continuaram preservando antigos hábitos e costumes que muito lembram os primórdios da imigração no estado de Espírito Santo. 970 971 972 Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 381 7.13 O rádio como meio de comunicação com o mundo A geografia acidentada dos altos da serra capixaba pode ser apontada como um dos muitos fatores que ajudaram a manter o isolamento de muitos imigrantes capixabas ali radicados. Desta forma, os anos passaram e a vida dos seus habitantes continuou girando em torno de acontecimentos da própria colônia e de esporádicas notícias trazidas pelos pastores, professores e padres vindas da Europa. Sei muito pouca coisa a respeito. Só sei alguma coisa da segunda guerra. Na época da primeira guerra tinha muito pouca comunicação. Era tudo muito isolado e ninguém chegava a saber qualquer coisa. Tinha um comerciante, o Wilhelm Níquel (Nicolau) e que muitas vezes ia para Vitória, onde comprava uma Zeitung, uma Gazeta. Então lia e repassava alguma coisa para os outros. Só depois que chegou o Kopperschmit. Um Lichtenheld, que era marceneiro, no começo quando morava em Santa Leopoldina, começou a fazer uma caixa para fazer o primeiro rádio. Isto foi mais ou menos aí pelo final da guerra, 973 em 45. Durante os anos de guerra, além de ter sido severamente proibida a utilização de qualquer equipamento de rádio recepção, a sua possibilidade de uso no meio rural era quase inviável. Em primeiro lugar, pela absoluta inexistência de energia elétrica nestas regiões, e também pelo fato destes antigos equipamentos valvulares terem sido alimentados por baterias, cujas cargas precisavam ser constantemente renovadas. Quem se aventurasse a instalar tal 973 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 382 equipamento, sempre corria o risco de ser detido como espião ou inimigo público 974 . Somente na década de 1950 alguns poucos colonos conseguiram adquirir um “rádio á bateria”, passando a ter acesso aos meios de comunicação com o mundo fora de suas comunidades. Durante o dia, conseguia-se apenas sintonizar algumas estações em “onda curta” 975 . No período da noite, já era possível ouvir com mais facilidade outras emissoras em “onda média”. As recargas das baterias precisavam ser feitas quase que semanalmente, até pelo grande consumo e energia destes equipamentos valvulados. Assim, também na região de Serra Pelada, alguns passaram a ter acesso a mais informações mesmo que apenas três agricultores possuíssem o tal do gerador de carga 976 . Foi desta forma que o rádio, mesmo que aos poucos foi se transformando no grande meio de comunicação com o mundo. Já mais tarde, com a instalação de emissora de rádio em Afonso Cláudio e algumas outras cidades, além do repórter ESSO, também estas se constituíram nos grandes meios de divulgação da informação em língua portuguesa entre a população rural capixaba. Na metade da década de 1950, com a construção de diversas microusinas domésticas 977 , a geração de energia elétrica foi 974 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 976 Entre estes o pai do autor. 977 Um bom número destas microusinas domésticas foram construídas pelo pai do autor nas regiões de Rio Farinhas, Laranja da Terra e Serra Pelada. 975 383 gradativamente iluminando uma ou outra casa de agricultores daquele interior capixaba 978 . 7.14 A persistente falta de escolas Com exceção do grupo escolar existente em Patrimônio, sede do distrito de Serra Pelada, até os anos 1950 praticamente não havia outras escolas nesta região. O tempo passava e era preciso pensar na alfabetização dos filhos. Muitos colonos residiam a dez, doze ou quinze quilômetros da vila. Eram, portanto grandes distâncias a serem percorridas, em caminhos acidentados e não livres de perigos. Poucos possuíam bicicletas. Mesmo assim, o terreno acidentado dificilmente permitia que uma criança fizesse este percurso em menos de uma ou duas horas. Situação semelhante podia ser observada em muitas outras localidades. Com muito improviso na construção das escolas, os “professores”, por vezes dentro de uma extrema precariedade, ‘’tentavam fazer de conta’’ que estavam conseguindo ensinar alguma coisa. Sei pouca coisa, porque primeiro era tudo falado às escondidas. Quando eu era criança, nem professora tinha aqui. Sou analfabeto porque não tinha escola e não tinha 979 professora. Mal faço o meu nome. Quem era um pouco mais inteligente virava professor. Eu tive uma professora que, no último ano e que estudei, ela me disse: “você já sabe mais do que eu”. Aí se formava uma 978 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 979 Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 384 professora e quando vinha um inspetor de Vitória e os alunos sabiam responder algumas perguntas, ela passava a ser professora permanente e podia ficar no cargo. Se não, tinha que trocar por outra. Eram as pessoas mais inteligentes da comunidade. Não tinha nenhum professor 980 formado... Eram as pessoas aqui disponíveis e que eram avaliados pelos inspetores provenientes de Vitória. Quando o inspetor vinha a cavalo, com as suas botas grandes, todas as crianças tinham muito medo. Eu nunca tive medo e 981 basicamente respondia a todas as suas perguntas. Tinha professores de Santa Leopoldina, pagos pelo governo. Nestas escolas tinha crianças tanto de famílias católicas como de luteranas. Para aprender a ler e escrever era tudo misturado. Tinha também brasileiros que nada 982 sabiam da língua alemã. Quem deu aula foi o Heinrich Kopperschmidt, um professor que veio da Alemanha. Foi aí que fui para a escola durante dois anos. Ele falava tudo em alemão. Falávamos em alemão, mas também já aprendemos a escrever em 983 português. Com isto as famílias ou os pais tentavam ensinar um pouco aos seus filhos em suas próprias casas 984 . Muitas crianças, ao chegarem aos oito ou nove anos de idade, durante o dia acompanhavam os pais no trabalho da roça e à noite, sob a luz de lamparinas de querosene tentavam aprender a ler e escrever. 980 Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/ 08. Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 983 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 984 A alfabetização do autor foi realizada por seu pai até a idade dos doze anos, quando passou a acompanhar a quarta série no Grupo Escolar na sede do distrito de Serra Pelada. 981 982 385 7.15 As últimas derrubadas No inicio da colonização foi necessário “ganhar espaço” derrubando a mata para preparar as primeiras lavouras. É preciso lembrar que os imigrantes tiveram que aprender a produzir seus próprios alimentos. Eram as “derrubadas” da mata virgem, seguidas de “queimadas” para a limpeza dos terrenos que possibilitavam o “plantio” do que havia sido planejado. Com o passar dos anos o esgotamento do solo fez com que em outras regiões tivessem que ser obtidas novas áreas de terra cultivável. “Derrubavam mata. Botavam fogo. Enchiam tudo de mandioca e plantavam as mudas de café. Da mandioca, depois de dois anos, faziam a farinha. Depois vendiam. Tudo era puxado no lombo de burro. 985 “[...] inicialmente isto acontecia. Acredito que se plantava e depois se derrubava para novos plantios”. 986 Sempre que na propriedade aumentava a necessidade de espaço, seja pela ampliação da área cultivada ou em função do crescimento da prole, a cada dois anos o colono “derrubava” novas matas. Este mesmo processo de preparação continuou sendo utilizado durante décadas. Os maiores causadores da devastação florestal não foram os imigrantes alemães, foram justamente os de outras etnias. Eles nunca plantavam dois anos seguidos no mesmo terreno. Eles cortavam a floresta em um determinado espaço e plantavam. Dava bom milho, bom mamão, enfim, dava uma boa colheita. Depois utilizavam aquela área para fazer pasto. Para o próximo plantio já cortavam uma nova 985 986 Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08. 386 floresta. Foi desta forma que eliminaram as matas, toda a 987 floresta primitiva da nossa região de imigração [...] Assim, a limpeza da mata nativa demarcada para uma nova lavoura começava pelo corte dos arbustos para depois serem serradas ou cortadas com machado as árvores mais robustas, cerca de um ou dois metros acima do solo. Vale dizer que todo este trabalho não raras vezes colocava em risco quem executava esta 988 tarefa . A própria inexperiência dos europeus com este tipo de trabalho pode ser apontada como uma das causas de muitos acidentes neste tipo de empreendimento 989 . Tinha. Tinha muita mata e que foi transformada em plantação de milho e café. De quatro em quatro anos era derrubada uma área de mata. Depois se deixava fechar novamente para, depois de quatro anos de capoeirão fazer 990 outra roçada. Queimava-se para plantar milho. Com o passar dos anos, sempre que possível, as queimadas passaram a ser feitas dois meses depois das “derrubadas”, em dias em que a tera não estivesse excessivamente seca. Com isto já se conseguia preservar melhor o solo. A terra permanecia mais fértil. O próprio húmus da superfície já se conservava melhor. O solo se mantinha mais úmido e durante os anos de “descanso” a “capoeira” se desenvolvia com mais vigor. Este na verdade já era uma espécie de reflorestamento, mesmo que temporário, com o qual se conseguia recuperar os terrenos. 987 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26 /07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 989 Neste aspecto vale citar que durante séculos a Pomeranea já teve suas terras cultivadas. 990 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. 988 387 Na realidade este foi o início de um novo pensamento que cada vez mais passou a nortear os colonos teutos de Espírito Santo, ou seja, a preocupação com a preservação de alguma mata nativa. Perguntavam-se, como iriam construir as casas dos meus filhos se não tivessem mais árvores. Desta forma muitos, já na década de 1950, passaram a não mais derrubar matas para a preparação de cafezais, especialmente na região de Serra Pelada 991 . Mesmo assim, a sistemática do “derruba a mata, queima a mata e planta café” em muitos lugares apenas viria a ser efetivamente suspenso na década de 1980. Até 1970 ou até 1980. No ano de 1986, quando Santa Maria se tornou município tínhamos 19,3% de mata. Na época éramos 5.000 habitantes. Hoje temos 35.000 habitantes e temos 44,7% de área coberta de mata. Na verdade temos quase 45% da mata atlântica no nosso município. Santa 992 Leopoldina está na frente e depois nós. O processo de desmatamento desordenado, mesmo que parcial, terminou trazendo uma série de consequências e que hoje podem ser contatados em muitos lugares. Assim, por exemplo, impressiona a presença de áreas descampadas ao longo da rodovia que passa por Laranja da Terra e pela região do rio Guandu. Podese observar muitas árvores isoladas que lembram tentativas de reflorestamento outrora empreendidas, mesmo que esporádicas. Muitas áreas de pastagens estão secas. Só mesmo no alto das montanhas pode ser observada uma vegetação mais antiga. Poucas árvores seculares, por aqui dificilmente podem ser encontradas e, 991 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 992 Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 388 quando o são, lembram a extensa mata atlântica que outrora cobria toda esta região. O que se pode ver em todos os lugares são extensas plantações abastecidas de preciosa água pelo sistema de aspersão, com seus gigantescos equipamentos. Há pequenas propriedades muitas vezes com dois irrigadores. Nos rios e riachos não se identifica mais o mesmo volume de água de trinta ou quarenta anos atrás 993 . Mesmo nas encostas, até certa altura, bombas d’água lançam seus jatos de água. Isto é uma característica que vale ser registrada. Os cafezais são praticamente todos irrigados, até onde os olhos alcançam e estão com ótimo aspecto. Tem-se a nítida impressão de que isto é o reinício de uma nova era das lavouras de milho, de café, de mandioca, de aipim, agora recebendo o precioso líquido com auxilio da tecnologia. Esta parece ser a grande alternativa para a população rural capixaba: irrigar as lavouras, abrir as estradas e possibilitar o escoamento da produção para os centros de consumo, conseguindo, com isto, preços mais competitivos para poderem cobrir os custos de todo um novo investimento. A presença de muitos rios sem vida é hoje uma triste realidade em Espírito Santo. Na década de 1960, todos os rios e córregos da região central de Espírito Santo, desde Santa Leopoldina, Santa Maria, Santa Joana, Itarana, Laranja da Terra eram muito piscosos. A quantidade de peixes deve ter sido extraordinária, tanto que este dado sempre tem sido enfatizado em todos os relatos. A quantidade de peixes existente no rio Guandu, inclusive de maior porte, pesando oito a dez quilos cada peixe, tem 993 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 389 sido descrita pela população ribeirinha. Hoje praticamente não há mais o que pescar no Guandu ou em qualquer outro rio da região central Capixaba. Aqui vale novamente o registro da visita à ponte da cidade de Santa Leopoldina. Observando o fluxo da água e tentando identificar peixes, este pesquisador localizou um único peixe de cerca de 20 cm de comprimento e que, em conversa com os moradores, chegou-se à conclusão de que talvez tenha sido um “cará” escapado de algum criadouro doméstico próximo. Mas, no rio propriamente dito, praticamente não há mais vida. São rios limpos, porém sem vida. 390 8 A URBANIZAÇÃO DAS COLÔNIAS TEUTO-CAPIXABAS 19601970 8.1 A distância até a sede no município Mesmo já tendo passado quase um século desde o início da colonização européia no Espírito Santo, as distâncias que precisavam ser percorridas, seja até um povoado mais próximo, até a sede do município ou mesmo para a visita a algum familiar em outras regiões, dependia, sobretudo do tipo de transporte de que se pudesse dispor. Os agricultores em regra, priorizavam a posse de boas mulas, que lhes possibilitavam a montaria necessária para suas locomoções, ao mesmo tempo em que também se constituíam no meio de transporte para os seus produtos. Até o final da década de 1940, praticamente só existiam caminhos para o trânsito dos animais de carga, seja no interior dos distritos como também entre Laranja da Terra, Serra Pelada, Santa Joana, Santa Maria e em toda a Região da Mata Fria. Havia, nesta época, uma única estrada ligando Afonso Cláudio, Vila Patrimônio em Serra Pelada a Itarana e depois a Santa Maria, cujo trajeto de cerca de 120 quilômetros podia ser percorrida em nada menos do que oito a dez horas de viagem em ônibus ou caminhão. O mesmo trajeto, entre Serra Pelada e Santa Maria, passando por Santa Joana podia ser vencido em um dia de viagem a cavalo. O mesmo acontecia para quem precisava se deslocar da região de Serra 391 Pelada para Afonso Cláudio. Por Três Pontões chegava-se à cidade em quatro ou cinco horas a cavalo. Pela estrada um caminhão precisava percorrer mais de 40 quilômetros, o que podia ser feito em nada menos que duas horas 994 . Mesmo nesta época qualquer maior movimentação dos agricultores continuava restrita, sobretudo ao atendimento das suas necessidades básicas. Quase tudo que se consumia na alimentação era produzido na propriedade. Os complementos como sal, eventuais temperos, açúcar eram negociados nas vendas próximas às suas casas em troca de ovos, manteiga e galinhas. Da mesma forma, tecidos para a confecção das suas roupas, máquinas de costuras, panelas, ferramentas de trabalho, arreios para a montaria e mesmo a munição para suas armas podiam ser comprados em algumas vendas ou nos povoados próximos. Aliás, andando descalço, o colono sempre se orgulhava da sua montaria, da sua arma de fogo e do seu cinto de fivela larga a prender a roupa costurada em casa 995 . 8.2 Conhecendo o mar Para o filho de um colono, digamos, de Serra Pelada 996 , uma viagem até Vitória, não deixava de ser uma indescritível aventura. Em primeiro lugar, pela distância que isto representava. Além disto, havia muitas novidades para serem conhecidas. 994 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 996 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 995 392 Saía-se de casa as quatro ou cinco horas da manhã, em uma caminhada no esccuro até a “Grout Strot”, isto, a grande estrada. Aliás, a “lotação”, como era conhecido o veículo de transporte coletivo com carroceria em parte feita de madeira e ”bancos” sem qualquer conforto, já tinha saído de Afonso Cláudio aí pelas quatro e meia da manhã. Finalmente, não raras vezes, com emoção ou medo, podiase embarcar. A estrada era tortuosa e esburacada. Entre o povo contava-se que o trajeto teria sido traçado por uma grande serpente que fugira do avanço da colonização 997 . Passava-se pela serra do “Pinga Fogo”, onde a estrada era muito estreita e íngreme. Depois vinha a Serra do Bananal e assim seguia a longa viagem até Vitória. Eram doze a quatorze longas horas, com chegada aí pelas seis ou oito horas da noite. Costumava ser escuro quando se alcançava o destino. A surpresa costumava ser grande 998 : “Casas” muito grandes. Edifícios mais altos do que as maiores árvores da floresta. Chegava-se na Pensão do “Herr” Kerkoff. Na portaria tocava o tal do “Telephone”. Que caixinha danada era esta? Com que fantasma este “louco” do porteiro estaria falando? A viagem tinha sido muito desgastante. Precisava-se descansar. Aqui tinha muitos mosquitos. O barulho infernal dos bondes atrapalhava o sono, até mesmo do viajante cansado. Amanhã era outro dia. Precisava-se levantar cedo. O café era na Pensão mesmo. Precisava-se conhecer o mar. Ia-se de bonde até a Praia do Suá. Sim, era este o nome. Enfim, chegava-se a ver o mar. Engraçado, a água parecia ser 997 998 Anedota popular. Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 393 verde! Havia muito vento. Como as pessoas daqui usavam pouca roupa! Era preciso experimentar o gosta da água do mar 999 . Descia-se uma escadaria até perto da água. Ufa! O estouro de uma grande onda contra as pedras da base dos degraus costumava provocar uma chuva torrencial com espumas branca. Que banho! Que gosto horrível desta água! Era muito salgada! 8.3 Aprendendo a ler em casa No seu dia a dia a maioria dos colonos trabalhava exclusivamente com mão de obra de familiares. Já na década de 1950 alguns poucos, especialmente os que tiveram um ou dois filhos precisavam contratar diaristas para mantenção do serviço na propriedade. O trabalho costumava ser executado por colonos sem terras próprias ou mesmo os chamados meeiros que arrendavam áreas de alguns proprietários. Os diaristas chegavam pela manhã e ao final de cada dia retornavam para as suas casas, por vezes distantes três ou quatro quilômetros. Ocasionalmente, um ou outro caboclo podia ser visto trabalhando em alguma propriedade rural de descendente de imigrantes. Em geral eram pessoas conhecidos na região, mas que, depois de anos ou décadas de trabalho, por vezes na mesma propriedade terminavam também conhecendo os hábitos e costumes de cada agricultores. Alguns até entendiam ou falavam a 999 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 394 língua dos pomerânios. Outras vezes também auxiliavam os colonos no aprendizado da língua portuguesa. Todos sabiam das dificuldades com que os agricultores de descendência pomerana ou germânica mandavam seus filhos até o Grupo Escolar da Vila Patrimônio. Apesar de já terem transcorrido alguns anos desde que tinha sido abatida a última onça pintada nas matas da região de Serra Pelada, corriam muitos boatos sobre jaguatiricas terem assustado o gado ou atacado pequenos animais. Aprendia-se em casa ou da forma que fosse possível. Existiam estas pequenas lousas nas quais se aprendia as primeiras letras. Isto costumava ser feito em casa ou nas 1000 escolas precárias. Mais tarde já se tinha cadernos. Por vezes já aos sete ou oito anos, à noite, depois do trabalho, sob a luz de um lampião de querosene, muitos pais ensinavam as primeiras letras, escritas na lousa, por vezes uma relíquia de família 1001 . Usava-se um estilete de grafite para escrever na pedra. Este era comprado na venda. Seu custo correspondia ao de meio quilo de manteiga. Caderno era coisa de gente de mais posses e era usado somente no Grupo Escolar 1002 . Com isto muitos retardavam a alfabetização dos filhos ou, o faziam em casa e depois, aos dez ou doze anos seguiam para o Grupo Escolar. 1000 Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08. Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1002 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1001 395 Figura 52: O autor (D) sendo alfabetizado em casa. 8.4 Enfim, um Grupo Escolar Na segunda metade da década de 1950, as crianças de oito ou dez anos de idade ainda acompanhavam os pais nas lidas da roça. Apenas alguns poucos agricultores podiam pagar diaristas. Os caboclos das proximidades que por vezes executavam esta atividade, ocasionalmente arriscavam-se a falar algum dos dialetos ou a língua pomerana, na certeza de serem compreendidos. Entretanto, a timidez natural daquela gente interiorana, desde cedo 396 também transformava a maioria das crianças em ouvintes atentos e de pouca conversa 1003 . Todos falavam pouco e o final do dia geralmente chegava antes que pudesse ocorrer um diálogo mais consistente em língua portuguesa. A barreira na comunicação parecia manter-se intransponível. Muitas crianças inconformadas por não terem uma montaria ou uma bicicleta com que pudessem ir até o Grupo Escolar da vila, pacientemente aguardavam pelo momento mais apropriado para o início das suas jornads diárias até a escola. Para muitos eram momentos de apreensão ou até de medo. Já para outros, representava a esperança e a alegria de poder desbravar um novo mundo. Às sete e meia da manhã tinham que estar na escola. Permaneciam por lá até o meio dia, quando costumavam ser liberados. Eram caminhadas de hora e meia para vencer os percursos até a escola. Para alguns qualquer esforço seria válido, desde que os resultados almejados pudessem ser alcançados. Para os mais esperançosos, um dia o impossível aconteceria. O caminho para a escola estava aberto. Bastava vencer a distância a ser trilhada diariamente e ultrapassar a barreira criada pela comunicação. Isto costumava ocorrer em março. O grande problema continuava sendo a comunicação 1004 . Muitos filhos dos agricultores dos vales mais remotos falavam apenas o pomerânio ou algum dos dialetos ainda praticados. Somente quando conseguiam freqüentar a escola, aos 10 ou 12 anos, começavam a assimilar o português. 1003 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1004 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 397 No domingo, quando da ida à igreja, como habitualmente faziam, sempre havia aqueles que procuravam marcar visualmente cada detalhe do caminho a ser trilhado na manhã seguinte. Era preciso vencer o medo da caminhada. Era preciso vencer a preocupação com o futuro desconhecido. Certamente, às cinco horas da manhã, muitos pais já devem ter chamado seus filhos, agora quase estudantes. Muitos certamente não precisaram ser acordados. A euforia deve tê-los despertado bem antes do horário habitual. Caderno, lápis, borracha, tudo estava no “embornal”, uma sacola de tecido grosso, levada à tiracolo, como as demais crianças da escola. Alguns até recebiam uma caneta Parker e um vidro de tinta, com todas as recomendações de não despejá-lo na sacola. Tudo isto passava a fazer parte dos seus novos apetrechos. Certamente, alguns devem ter relembrado a saga dos seus antepassados desbravando terras desconhecidas. Agora, como nesta canção saudosista, tantas vezes entoada, com suas sacolas a tiracolo e levando, para a sua proteção, um bastão de pereira, certamente alguns dos meninos devem ter-se sentido como que emoldurado no quadro histórico da sua gente, que outrora, como jovens emigrantes, deixaram a terra natal em busco de um novo mundo. 8.5 A caminhada até a escola Ao iniciarem sua nova jornada, a cada passo e após cada curva da estrada, iam vencendo o medo do desconhecido. Para alguns, após hora e meia de percurso, com algum receio, porém muito confiantes, ultrapassavam o portão do Grupo Escolar, para 398 depois entrarem “em forma” na turma de alguma das séries do curso primário. Enfim, o prêmio que ambicionaram durante tantos anos, tornava-se realidade: Estavam na escola. O percurso até a escola para algumas crianças era fácil. Já para outras era mais difícil. Tudo dependia da distância a ser vencida e das subidas e descidas das estradas. A maioria precisava fazer o percurso na caminhada. Outros já tinham a sua bicicleta, o que tornava a viagem menos cansativa. Com o passar das semanas, aos poucos também a rotina do dia a dia ia-se estabelecendo. Pela manhã era preciso tomar um bom café. Infalivelmente se levava duas fatias de pão de milho com manteiga e “schmier” 1005 de banana. No recreio das dez, as crianças mais inibidas mantinham-se pelos cantos do pátio da escola, saciando a fome com o pão trazido de casa. Alguns até levavam uma garrafinha de café doce e que nesta altura já estava bem frio. Depois voltavam para a sala de aula. As professoras “brasileiras” costumavam ser muito exigentes. Muito se ouvia falar de professoras que estariam falando “coisas terríveis” dos pomerânios 1006 . Em geral, as de 1007 “origem” eram mais compreensivas. Ocasionalmente, até disponibilizavam algum tempo para as explicações àqueles que tantas dificuldades tinham com a língua portuguesa. 1005 Não se conhecia doces ou compotas industrializados. A banana era uma das frutas mais comuns naregião e com isto um cosido na base de banana com açúcar constituía-se em uma excelene cobertura para adoçar o pão de milho. 1006 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. O terrorismo praticado contra alunos de procedência teuta continuava em algumas escolas. Em diversas entrevistas se conseguiu identificar referencias a professores de Santa Maria e Afonso Cláudio. 1007 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Em uma referencia aquelas professoras de descendência alemã ou pomerana. 399 Com a chegada do meio-dia era preciso enfrentar a volta para casa. Os ciclistas passavam pelos colegas que seguiam sua caminhada. Ouviam-se gritos de despedida ou até de manifestações de alguma desavença infantil. Todo isto fazia parte daqueles momentos. A viagem por vezes também registrava surpresas, como quando as crianças se deparavam com alguma cobra a atravessar a estrada. Eram as caninanas que costumavam dar um grande susto aos que chegavam muito perto. Eram loucas perseguições da víbora à criançada em disparada. Em geral os outros moradores ao longo da estrada também costumavam acompanhar o desenrolar das idas e vindas. Sempre havia aqueles que nada viam nas eventuais molecagens das crianças. Diziam que os meninos andavam bem educados, mesmo que este não fosse o caso. Outros consideravam importante manterem os pais informados. Não raras vezes ouvia-se dos pais: “Hoje pode deixar a bicicleta em casa”. Ao questionar a decisão paterna, ouvia-se a justificativa: “Ontem não precisou de guidão para andar de bicicleta. Hoje também não vai precisar de bicicleta!”. Chegou-se também a ouvir o questionamento de outro vizinho. “Ao invés de andarem na estrada, estão correndo pelos morros nas trilhas do gado. Não sei por que, quando é bem mais fácil andar na estrada. Só pode ser bobagem das crianças”. E o castigo geralmente não tardava... Mas, era assim que se aprendia... Muitos dos primeiros caminhos feitos para as tropas de mulas e para os cavalos tinham sido ampliadas para o tráfego de charretes, puxadas por um único animal. A chegada dos primeiros caminhões e automóveis trouxe a necessidade de uma nova 400 ampliação destas vias. Precisava-se de estradas um pouco mais largas. Todo este trabalho inicialmente era feito à picareta 1008 . O primeiro trator de esteiras de Afonso Cláudio chegou a Serra Pelada na década de 1950 1009 . Isto revolucionou a sistemática da abertura de estradas. A presença de muita terra vermelha constituía-se em um cenário ideal para as chuvas torrenciais do verão esculpirem as mais exóticas imagens nos barrancos ou no leito recém revirado pela máquina. O próprio aumento do trafego, em rodovias recém trabalhadas, trazia muita terra vermelha solta e, consequentemente, muito barro a entupir as rodas das bicicletas, a afundar os pés dos cavalos e a atolar as rodas dos raros veículos automotores. Desta forma, em Serra Pelada o tráfego, em dias de chuva, frequentemente ficava na dependência do auxílio de um único trator da Vila Patrimônio 1010 . Nestas regiões montanhosas, com suas poucas florestas tropicais remanescentes, as chuvas torrenciais rapidamente desciam pelas encostas. As pessoas, com seus guarda-chuvas, em suas longas caminhadas esquivavam-se das águas da enchente que, tão rápido como subiam também voltavam ao seu nível habitual. Ainda outros, nas suas jornadas domingueiras para os ofícios religiosos seguiam descalços pelo campo e pelas trilhas do gado, para evitar as barreiras nas estradas, sem antes, ao chegar próximo ao templo luterano, lavar seus pés em algum córrego à 1008 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1009 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1010 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 401 beira da estrada e paramentarem-se com sapatos para o oficio religioso tão sagrado 1011 . Em dias de chuvas torrenciais, não raro com pontes caídas, também os alunos procuravam pelas passagens mais enxutas nas colinas. Não raras vezes a enxurrada subia tanto que impedia a passagem, fazendo com que um ou outro precisasse pernoitar na casa de algum parente e no dia seguinte ser socorrido pelos pais aflitos. Era este o preço para quem queria estudar... 8.6 Uma nova Escola da Comunidade A escolarização sempre foi um complicado problema para os imigrantes teutos no Espírito Santo. O pesadelo da Segunda Grande Guerra já estava caindo no esquecimento. As Comunidades Luteranas voltaram a assumir seu papel de aglutinadoras dos “colonos” teuto-brasileiros. Diferentes atividades começaram a ser desenvolvidas, entre elas o ensino confirmatório, o culto infantil, o Grupo de Senhoras, coral de trombones e os grupos de canto coral entre outros. Continuava o receio ou o medo que se tinha do pastor com seu “Talar” preto (batina). Isto contribuía para que a maioria conservasse seu hábito de comparecer aos ofícios religiosos domingueiros, contudo manterem uma boa distância do pregador. Talvez isto também tivesse contribuído para a crônica falta de colaboradores mais próximos nos trabalhos da paróquia 1011 1012 . Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1012 402 Foi desta forma que aos poucos, no final da década de 1950, foi tomando forma a idéia a criação da chamada “Escola Bíblica de Lagoa”, idealizado e organizado pelo P. Arthur Schmidt e sua esposa. Seria uma nova experiência de escola para as comunidades. O objetivo inicial seria preparar colaboradores para as comunidades no estado de Espírito Santo. Seriam pessoas com certa formação na área religiosa, capacitados para atuarem como auxiliares dos serviços de doutrina no ensino confirmatório, ou em cargos de representação das estruturas auxiliares das paróquias, mas que também tivessem um conhecimento mínimo em cuidados com a saúde das pessoas. Completariam sua formação no Curso de Auxiliares de Enfermagem no Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre. Surgiu ainda a possibilidade dos alunos seguirem com seus estudos em Afonso Cláudio, em idas e vindas diárias a partir da Escola Bíblica 1013 . As dependências antigas da casa paroquial passaram por um processo de reforma e depois começaram a ser utilizadas como dormitórios de alunos. Uma nova casa paroquial de dois pavimentos deu lugar para salas de aula, uma biblioteca, um pequeno auditório, secretaria, e uma ampla sala de refeições. Uma área do segundo pavimento passou a ser utilizada como residência do pastor-diretor e como demais dependências para mais dois professores ou visitantes. Desta forma, depois de muito trabalho um aantigo sonho se tornou uma nova realidade. E foi esta que, com o passar dos anos abriu o caminho do estudo para dezenas ou quem sabe, centenas 1013 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 403 de filhos de “colonos”. Foi o início de um novo fluxo de “filhos da roça” com destino às diferentes universidades. Figura 53: Professores e alunos da Escola Bíblica de Serra Pelada, em 1960. Autor segundo menino da última fila no lado esquerdo. 8.7 Os primeiros “estudantes” saem da Colônia Mesmo na década de 1960, em algumas escolas públicas persistia a repressão aos hábitos culturais preservados pelos descendentes dos imigrantes teutos 1014 . Por outro lado, a falta crônica de professores nas escolas governamentais interioranas que 1014 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Referência aos fatos lamentáveis registrados no Ginásio Público de Afonso Cláudio. 404 pudessem preencher a lacuna deixada pela destruição do antigo sistema de ensino mantida pelas comunidades luteranas capixabas ainda não permitia vislumbrar melhores perspectivas para o tão necessário processo de aculturação brasileiro dos descendentes dos imigrantes. Antes da Segunda Grande Guerra, os próprios pastores e alguns poucos descendentes de alemães enviavam seus filhos para uma escola do Rio de Janeiro, onde eram educados nos moldes do ensino alemão para que, quando retornassem ao seu país de origem não tivessem problemas com a readaptação ao ensino. Porém, nos anos seguintes, todo o ensino privado do Brasil, para não ser fechado precisou adaptar-se à nova realidade nacional e que incluía a sua manutenção sem qualquer subsídio financeiro da Europa. Na década de 1950 a possibilidade de alguém sair da roça para estudar fora, como se dizia, era bastante remota. Quem poderia arcar com os custos de um colégio interno? Em primeiro lugar, o poder aquisitivo continuava muito limitado. Em segundo lugar, para a grande maioria dos descendentes dos imigrantes continuava havendo o problema relacionado com a língua materna, seja ela pomerana ou mesmo alemã. Meu irmão foi estudar para padre. Mas não deu certo. Depois ficou como Irmão e foi parar em Juiz de Fora. Morreu por lá aos 75 anos. Os outros irmãos ficaram por aí mesmo. 1015 Uma outra irmã foi para o convento. 1015 Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 405 Um caminho se abriu com a possibilidade de alguns poucos seguirem para o Instituto Pré-Teológico (IPT) de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Esta opção oferecia o pastorado como alternativa para o trabalho muito duro da roça. Era muito longe de casa! A distância a ser percorrida era de dois mil e quinhentos quilômetros. Até o final da década de 1950, quatro meninos já tinham seguido por este caminho. Eram o Reinaldo e Bruno, de Laranja da Terra e o Helmar e o Henrique de Santa Maria. Muitos temiam por eles. Coitados. Dizia-se que no Rio Grande do Sul era muito frio. Outros os invejavam. Depois disto outros e mais outros os seguiram... 8.8 O Agricultor Modelo Sabe-se que durante praticamente todo o primeiro século da imigração teuta no estado de Espírito Santo, prevaleceu entre os imigrantes e seus descendentes a grande dificuldade na aproximação com a chamada população brasileira. Longe de qualquer conotação política, ideológica ou racial, este fato foi observado de forma mais significativa na Colônia de Santa Leopoldina e seus arredores, talvez agravado pelo próprio enclausuramento da população nos enclaves de difícil acesso o qual fazia com que continuassem muito restritos às suas lidas diárias na propriedade. Evidentemente isto não pode ser considerado como regra geral para a imigração capixaba. 406 Mesmo depois da Segunda Grande Guerra continuou havendo pouca “mistura” de sangue com a população nativa. As comunidades luteranas como irradiadoras da tradição religiosa, dos conceitos de moral e toda uma gama de usos e costumes voltaram a florescer. Paralelamente a isto, mesmo que de forma lenta, passou a acontecer uma lenta saída deste isolamento. Os meios de comunicação, o rádio e alguns periódicos, cada vez mais chegavam até os moradores da colônia 1016 . Novas estradas começaram a ser abertas. Muitos filhos, netos e bisnetos dos pioneiros seguiam para novas ocupações no meio urbano 1017 . A implantação da cultura hortifrutigranjeira na região de Santa Maria levou ao estabelecimento de novos contatos com outros produtores da grande Vitória. O processo de comercialização das suas safras trouxe a necessidade de novos aprendizados na área comercial e no relacionamento com futuros clientes. Na região de Serra Pelada, com sua paisagem muito mais acidentada prevalecia um significativo isolamento. Entretanto, também aqui, gradativamente algumas novas técnicas agrícolas aprendidas na Escola Agrícola de São João Petrópolis por alguns filhos de agricultores há dez, quinze ou vinte anos começavam a ser colocadas em prática 1018 e novas gerações começaram a assumir a direção dos trabalhos nas suas propriedades. O processo de adubação orgânico, outrora praticado na Europa e que, talvez em função de uma série de características locais tinham sido 1016 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1018 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1017 407 abandonadas com a adoção da sistemática derrubada das matas e para sua posterior plantação, voltaram a ser adotadas, com respaldo do aprendizado na escola agrícola 1019 . Figura 54: Lourenço Seibel, que durante 35 anos presidiu a Paróquia Luterana de Serra Pelada. Não se conhecia o processo de adubação química. A utilização de esterco de gado e o processo de formação de material orgânico a partir da decomposição de resíduos da roça, proveniente de sobras da colheita ou mesmo dos vegetais roçados e colocados em leivas, começou a mostrar o seu grande benefício 1020 . Não tardou e os próprios reservatórios de água, inicialmente feitos para a criação de peixes, começarem a ser aproveitados melhor na irrigação de plantações. As hortas passaram a receber 1019 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1020 408 seus aportes de água corrente. Depois de algum tempo mais e mais lavouras começaram a ser irrigadas. A criação de gado na região da colonização teuto no Espírito Santo sempre esteve muito limitada em função da pequena extensão das propriedades rurais. Poucos podiam ter mais do que cinco ou dez cabeças de gado bovino. A partir da década de 1960, em parte estimulado pela política de expansão dos Sindicatos Rurais e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, o incentivo à participação em feiras agropecuárias e em concursos de agricultor modelo também começaram a chegar até o pequeno produtor pomerânio. Não tardou muito para que também nas residências destes começassem a ser vistos os primeiros troféus de premiação como produtor modelo 1021 . Foram novas conquistas festejadas com muita satisfação. Aos poucos, também aquele colono que até aqui mais vinha sendo considerado um caipira passou a ser visto como alguém que, apesar de suas dificuldades na comunicação e no relacionamento, também passou a conquistar o seu espaço na vida urbana. Tudo isto explica a convocação de alguns agricultores descendentes de imigrantes para o corpo de jurados da comarca de Afonso Cláudio já a partir da década de 1960 1022 . 8.9 O MOBRAL chega à Colônia Em 1965, antes mesmo da criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização - Mobral, na propriedade do agricultor LS, no 1021 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1022 409 distrito de Serra Pelada, aconteceu uma iniciativa pioneira de alfabetização de adultos, ainda vítimas do fechamento das escolas durante os anos de 1935 a 1950. Tinha como objetivo único ensinar a ler e a escrever, sem qualquer preocupação com a formalização de um núcleo oficial de ensino. Com o auxílio de amigos e vizinhos construiu-se as classes, com madeiramento de que se dispunha 1023 . Concluídos os trabalhos de preparação do local em uma pequena sala do armazém de café, logrou-se formar a primeira turma da escolinha de estudantes adultos. Foi um grupo heterogêneo de cerca de doze pessoas, cujas idades variavam desde os 20 até 50 anos. Eram vizinhos e velhos conhecidos que queriam melhorar a sua escrita, a sua leitura a sua matemática elementar. Como professor conseguiu-se um voluntário da Vila de Patrimônio o qual se deslocava três vezes por semana até o seu local de trabalho, além de outro voluntário, estudante de segundo grau, o qual durante as suas férias escolares também passava a dar a sua contribuição 1024 . Não se tinha outros materiais que pudessem enriquecer este processo de ensino aprendizado. Tudo havia sido feito de improviso. O giz era adquirido em uma “venda” próxima. Cada aluno trazia os seus cadernos e canetas. A energia elétrica era fornecida pelo aluno e também proprietário do prédio da escola. Alguns anos mais tarde, depois da oficialização desta metodologia de ensino pelo Mobral, esta escola, criada com muita determinação e vontade própria de alguns abnegados, deparou-se 1023 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1024 410 com alguns entraves burocráticos relacionados à habilitação de professores e ao cumprimento de determinadas metas para o recebimento de material didático pertinente a esta atividade. Isto fez com que o local de ensino fosse transferido para a Vila de Patrimônio e os alunos fossem substituídos por outros provenientes daquele núcleo urbano. 8.10 O dia a dia de uma Comunidade Luterana. Até à véspera da Segunda Grande Guerra, a maioria das “Gemeideschaul” (escolas de comunidade), tanto nas comunidades católicas como nas luteranas mantiveram-se vinculadas às igrejas. Por meio delas era ministrado o ensino religioso, as práticas religiosas da igreja, seus cantos e suas orações, a alfabetização e o próprio aprendizado da língua alemã. Aliás, o idioma utilizado no ensino foi o próprio alemão. Ficava, pois o dialeto seja renaniano ou hunsrück ou as línguas pomerana ou holandesa, como idioma de comunicação no âmbito famíliar e, finalmente, o português como língua oficial, muitas vezes com a presença de algum tradutor. Desta forma muitos jovens agricultores, até mesmo na metade do século vinte, mesmo tendo recebido uma alfabetização bastante precária, continuavam sendo verdadeiros poliglotas 1025 . Dentre todos os colonos teuto-brasileiros os pomerânios já desde o início da sua chegada ao Brasil logo se sobressaíram nas atividades relacionadas ao campo. Em primeiro lugar, certamente, porque na sua origem tinham sido um povo acostumado ao trabalho 1025 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 411 agrícola. Na Europa foram “Leibeichne”, ou seja, viveram em uma quase escravidão na propriedade de algum senhor feudal. Aqui se tornaram proprietários de terras e pioneiros de uma nova agricultura. Dos outros imigrantes, aguns poucos de origem belga, alemã e holandesa se tornaram comerciantes, professores ou mesmo artesãos (ferreiros ou sapateiros). Qualquer observador atento facilmente verifica que a vida da grande maioria dos imigrantes capixabas sempre esteve intimamente ligada à atividade desenvolvida pelas próprias igrejas. Isto também fez com que a vida social passasse a seguir uma linha não sem certa conotação filosófica-religiosa, caricaturizada no ato de determinado pastor da apalpar o abdômen pouco mais saliente da noiva para certificar-se que esta não estivesse grávida. Vale salientar que nas regiões interioranas, mesmo já tendo passado um século desde a chegada dos pioneiros a Santa Leopoldina, a vida social dos “colonos” continuava muito limitada ao pequeno círculo da própria comunidade. Os finais de semana, isto é, as tardes de sábado, as manhãs e as tardes dos domingos costumavam sendo reservadas para o culto nas igrejas e as visitas aos parentes e vizinhos. Da mesma forma, nestes dias, os grupos de canto coral, ou de coral de trombones igualmente tinham seu espaço garantido. Antes (o culto em alemão) era mensal. Agora se faz de dois em dois meses. Há um culto em língua alemã no natal, no 1026 advento, no “Altenfeier” , quando todo culto é em alemão, ate os hinos, a pregação... A minha família participa de um 1026 Programação para a terceira idade. 412 grupo de teatro na comunidade. A gente participa. Fazemos 1027 até teatro em pomerânio. Qualquer atividade esportiva, sobretudo jogos de azar, especialmente de cartas era condenada, ao menos oficialmente. Isto fez com que até mesmo no início da década de 1960, muitos jovens da roça ainda evitassem ser vistos no “Bolaplatz”, isto é, no campo de futebol da Vila de Patrimônio, em Serra Pelada 1028 . A Comunidade de Lagoa - Serra Pelada, a partir de 1956, passou por um grande crescimento em suas atividades 1029 . O Culto Infantil já acontecia em praticamente todos os domingos em que não se tinha cultos 1030 “Frauenkreiss” para os adultos. O Grupo de Senhoras reunia-se com regularidade. No ano de 1958 foi criado um grupo de teatro coma finalidade de encenar peças relativas ao evento da páscoa e do natal. O entusiasmo foi muito grande, especialmente daqueles que, de uma forma ou de outra, participavam do empreendimento. A idéia de levar o projeto para outras comunidades foi recebida com alegria. Era uma forma de mostrar o que havia sido feito, ao mesmo tempo em que todos também passavam a ter a oportunidade de conhecer outras comunidades. As estradas eram muito ruins. Costumavam ser aplainadas pelo trator de estreira. Parava-se diversas vezes durante as viagens que podiam durar até oito horas. Não havia dinheiro para a contratação de algum ônibus. Todos viajavam na carroceria de um 1027 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1029 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1030 Ordem Auxiliadora de Senhoras – OASE. 1028 413 caminhão. Sentava-se em bancos de madeira. Viajava-se quando o tempo era bom, em contrapartida, costumava-se respirar muita poeira. Levava-se alimentos de casa, geralmente carne de galinha assada, farofa e pão de milho com “schmier” 1031 . Na viagem de ida a alegria e o entusiasmo das crianças entre oito e dez anos de idade que viajavam na carroceria costumavam contagiar a todos. O retorno já era bem mais cansativo. O caminhão jogando muito de um lado para o outro. Ficava-se muito inseguro, porém na época este era o único meio de transporte disponível. No inverno a vegetação costumava ter cor de palha. A poeira era incrivelmente densa. A roupa era muito simples. Uma calça comprida e um casaco e um único par de sapatos. Tudo era muito simples. Era uma nova experiência de vida. Nas idas para Jequitibá, Santa Maria, Criciúma e São Gabriel da Palha, no Norte, saia-se no sábado bem cedo. Pernoitava-se na casa de alguma das famílias daquela comunidade. Como o culto e a encenação da peça teatral eram no domingo, retornava-se na segunda-feira. Tudo acontecia na própria igreja. Nesta época já havia uma preocupação com a água a ser consumida durante a viagem. A Vigilância Sanitária Estadual alertava incessantemente sobre a presença do parasita de Schistosoma nas águas de toda a região. Levava-se água em muringas de barro. Tudo isto se transformou em uma experiência que trouxe uma nova visão sobre as outras comunidades, suas dificuldades e suas conquistas e sem sombra de dúvidas deixou muitas boas lembranças. 1031 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 414 8.11 Os filhos que só falam português No final da década de 1950, na região de Serra Pelada, apenas uma única escola rural conseguia atender a necessidade de alfabetização dos filhos dos colonos. Era a escola da Fazenda Hackbart. Seu efetivo funcionamento sempre dependia da disponibilidade de uma professora da rede pública. Em função disto, muitas vezes não se tinha aulas. Já na sede do Distrito de Serra Pelada, o Grupo Escolar da Vila de Patrimônio, seguia funcionando normalmente. Não existiam linhas de ônibus regulares que pudessem levar e trazer alunos entre as regiões do interior e a sede do município. Mesmo assim, apesar de toda esta deficiência de comunicação, os filhos mais novos de alguns dos descendentes de pomerânios residentes na Vila de Patrimônio e mesmo de outros aglomerados urbanos gradativamente passaram a utilizar a língua portuguesa no seu dia a dia. Havia também aqueles que se sentiam constrangidos em utilizar a língua alemã ou pomerana 1032 em decorrência de toda uma série de dissabores vivenciados nas últimas décadas em conseqüência das perseguições sofridas pelos seus familiares. Alguns, para não serem molestados européia 1033 chegaram a negar sua descendência . Isto também trouxe conseqüências. Se de um lado gerou constrangimento em revelar sua origem, de outro lado em uma tentativa de fugir do estigma de “alemão antipatriota, ao memos 1032 1033 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 415 em alguns casios, chegou a levar a uma procura por casamentos com parceiros de outras etnias” 1034 . Para alguns, ser “pomerânio” tornara-se sinônimo de caipira sem instrução. Era a grande incruzilhada. O pomerânio com seu “medo do estranho” e sua forma de viver enclausurada. Cabe a pergunta que naquela época muitas vezes deve ter sido feita: o que fazer pelo pomerânio? A vizinhança toda ainda fala a língua dos pomerânios. Só muitas crianças não querem mais falar. Nossas crianças aqui ainda falam tudo em pomerânio. Conheço muita gente que mora nas cidades, Itarana e Afonso Cláudio e que trabalham no comércio e que ainda falam pomerânio. São os mais procurados para trabalhar no comércio por saberem 1035 falar pomerânio. Na realidade, a chegada dos novos meios de comunicação, como o rádio e o telefone cada vez mais passaram a contribuir para a assimilação da língua portuguesa e dos hábitos e costumes brasileiros. A nova realidade beneficiou especialmente os moradores já estabelecidos em áreas urbanas, que aos poucos adotaram a língua portuguesa como idioma do cotidiano. Todas as mudanças geraram modificações na própria rotina das comunidades luteranas, especialmente as urbanas. A preocupação com a compreensão do que era falado durante os ofícios religiosos realizados em língua alemã, fez com que muitos pastores também passasse a fazer a leitura dos seus sermões em português. Afinal de contas, cada vez mais filhos de imigrantes passavam a se comunicar seu dia a dia no idioma do Brasil. 1034 1035 Cf. Quadragésima sexta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/ 08. Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 416 Com a aproximação dos anos de 1970, o fluxo de migrantes para as cidades foi engrossando cada vez mais, seja em decorrência da própria escolarização dos jovens, com também como consequência de dificuldades de expansão para novas áreas a serem cultivadas. Cada vez mais os “filhos da terra” seguiam o caminho para as cidades. Este processo de transferência oportunizou uma convivência cada vez maior com as populações de outras etnias. Desta forma, como exemplo bem prático, vale o lembrete de que já na metade do século vinte um bom número de habitantes do distrito de Vinte e Cinco de Julho haviam se transferido para a cidade de Santa Tereza, a qual na época já contava com uma numerosa população de descendência italiana 1036 . Desta mesma forma, agora passava a se registrar uma importante migração de pomerânios para as áreas urbanas de Domingos Martins 1037 e, a partir de 1970, para Afonso Cláudio, Serra Pelada e Laranja da Terra 1038 . Convém que se registre o grande problema que no futuro terá que ser resolvido e que se refere padrão pomerana de família das três gerações. Eram os avós, os pais e os filhos convivendo dentro de uma mesma casa, com atruibuições para cada integrantes deste grupo familiar 1039 . O padrão havia se consolidado nas calônias 1036 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1037 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1038 Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1039 O homnem de mais idade costumava deter o poder de mando do grupo. A mulher de mais idade era responsável pelo cuidado com as crianças e o preparo das refeções. O homem mais jovem constituía-se no principal braço de trabalho da propriedade. A esposa deste, além de ser responsável pela lavação das roupas e pela limpesa da casa, acompanhava o marido ao trabalho na lavoura. Já os filhos, quando não estavam na escola, executavam uma série de tarefas que lhes cabiam dentro da estrutura familiar. 417 de Espírito Santo e sobreviveu durante mais de um século. Agora, com a lenta migração de muitos filhos para as cidades, um número cada vez maior de pessoas da geração mais velha via-se entregue ao abandono. Isto hoje é preocupante. As cidades não vão ter condições de suportar este afluxo de gente. E uma das preocupações é justamente, o que eles vão fazer? Isso é mais grave, principalmente nas cidades menores, onde não há fábricas, não se tem indústrias. O jovem chega à cidade, muitas vezes iludido com um suposto salário. Ao mesmo tempo ainda não se preocupou com moradia, com as novas despesas que terá na vida urbana. São despesas diferentes do que na roça. Tudo que for consumir terá que ser 1040 comprado. Nas mais diversas regiões em que foram feitas entrevistas ouvia-se as mesmas queixas: filhos estão mudando para as cidades. Não são muitos os que persistem no árduo trabalho dedicado à, produção no campo. Quem fica para trás? (Por aqui) Estão começando a falar mais (em pomerânio) agora. Se tiver gente reunida, a maior parte do pessoal fala plattdütsch. Prá mim está melhorando. Agora o pessoal novo de vinte anos, em geral, não sabe falar. As crianças em geral também não sabem falar. Isto porque o pai não falava com isto os filhos também não aprendem a falar. Agora, as mulheres mais velhas falam tudo em 1041 Plattdütsch. Desta forma verifica-se que o “abrasileiramento” do colono teuto está segjuindo um novo caminho É a fase da urbanização. Além disto, melhores estradas estão chegando às mais longínquas 1040 1041 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf.Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. 418 propriedades rurais. Os meios de comunicação trazem as últimas novidades e a escolarização vem permitindo a alfabetização de toda a população interiorana jovem. Novos hábitos e novos traços culturais começaram a se desenvolver. A cultura do café, que durante mais de um século sustentou a expansão dos colonos teutos no Espírito Santo 1042 , aos poucos vem dando lugar a uma diversificação de culturas. A riqueza produzida pela terra, cada vez mais passa a contribuir para o progresso das regiões urbanas. A implantação de micro e pequenas agroindústrias e a diversificação profissional, especialmente da população já urbanizada passou a trazer novas oportunidades de trabalho. Certamente será uma forma da “Colônia” pomerana “viver” uma nova época de progresso, sem perder a sua própria identidade. Nos dias de hoje, já se pode constatar que muitos descendentes passaram a atuar nas mais variadas atividades profissionais em muitos estados brasileiros. Sua grande capacidade laborativa trouxe-lhes sucesso e vem gerando riquezas. Hoje, passados cento e cinquenta anos da chegada dos primeiros imigrantes, vivem no estado de Espírito Santo mais de cento e cinquenta mil teutobrasileiros e que lentamente começam a ser integrados à população multiétnica espiritosantense. Com o passar dos anos, as novas características de uma antiga cultura vêm se desenvolvendo e que podem ser identificadas em muitas comunidades deste interior capixaba. São descencentes de pomerânios, alemãs, suíços, holandeses, luxemburgueses, austrícacos, que, como brasileiros, também souberam preservar e 1042 Pelos registros disponíveis no Arquivo Público Estadual pode-se constatar que o fluxo imigratório teuto no Espirito Santo cessou depois de 1880. Os raros alemães que chegaram nos anos posteriores representam números poucos significativos para o computo geral. 419 respeitar a cultivar, as tradições e os costumes dos seus antepassados. Hoje, cada vez mais, as músicas, as canções populares e as danças folclóricas se transformaram no seu vasto patrimônio cultural que os une e que lhes lembra a terra dos seus antepassados. 420 9 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Sempre houve a diferença entre a oralidade e a escrita no registro de conhecimentos 1043 . Certamente a primeira deve ter sido anterior à segunda. A oralidade era a forma pelas quais pessoas comunicavam a outras do seu próprio meio, elementos da sua própria memória ou do seu povo. Já a escrita constituía-se em um técnica dominada por poucos, os chamados “escribas” e que há mais de três mil anos vem documentando diferentes culturas. Em contraposição, o povo simples sempre manteve a sua tradição através da oralidade. O conhecimento popular entre os teuto-brasileiros do estado de Espírito Santo sempre foi sendo repassado de geração em geração por fontes orais. A escrita, neste exemplo, apenas foi utilizada por alguns poucos historiadores de “fora do povo”, portanto, com uma visão “externa”. Pode-se falar em uma “visão erudita” escrita e uma visão “popular” de caráter oral. Poder-se-ia levantar uma preocupação quanto à legitimidade daquilo que registraram as duas fontes. Ou melhor, qual foi a realidade a partir da qual foram elaborados os diferentes textos escritos durante os 150 anos de existência das colônias capixabas? Pode-se integrar a escrita e a oralidade? Como elaborar um discurso historiográfico mais próximo da realidade? Em outras palavras, como coletar e integrar esta 1043 Dialética (do grego διαλεκτική), a arte do diálogo, da contraposição e contradição de idéias que leva as novas idéias. 421 escrita sobre os imigrantes com a historiografia oral obtida por meio desta meia centena de depoimentos obtidos nas entrevistas realizadas no presente estudo? Ou seja, integrar a escrita e a oralidade para alcançar uma visão da realidade de modo amplo e específico? Aqui cabe a pergunta referente à fidelidade da informação oral. As imagens realmente fidedignas seriam as de fotografias datadas desta época. Porém, a memória é extremamente complexa e se alimenta de muitas informações. Não só das imagens do passado, mas destas, às quais foram agregadas novas lembranças geradas por vivências de tempos mais recentes. Assim, por exemplo, se anos depois de ver retratada a vida dos pomeranos na mídia pesquisar-se a historiografia oral deste povo, obter-se-á uma nova imagem, certamente influenciada por estas novas lembranças e que passaram a ser acrescentadas. Assim, no presente estudo foram coletados dados a partir de entrevistas com 50 pessoas que concordaram em documentar e divulgar da forma proposta. Aqui será perciso considerar que o instante retratado pela informação oral sempre será interpretado por intermediações. Ao se analisar, por exemplo, dos dados correspondentes ao período de 1870 até 1970, principal foco do presente estudo, ver-se-á que os mesmos certamente devem conter informações complementadas com novos elementos que se sucederam a cada cena descrita. Assim, por exemplo, os próprios fatos vivenciados por muitos entrevistados por ocasião da Segunda Grande Guerra, terminaram sendo “influenciados” por lembranças de outras pessoas ou mesmo de informações veiculadas pelos diferentes meios de comunicação aos quais tiveram acesso. Ou 422 seja, sempre vai haver o fator intermediação. Neste sentido, a própria entrevista irá gerar intermediação. Diversas pessoas que deram depoimento já haviam sido entrevistadas em ocasiões anteriores. O entrevistador anterior certamente fez perguntas que geraram informações que podem ter incidido sobre o próprio estudo aqui descrito. Além disto, se as atuais entrevistas tivessem sido feitas com a presença de algum intérprete, certamente esta intermediação teria sido mais incisiva. Assim, ao se fazer novas perguntas, estar-se-á agregando outras lembranças à própria informação originada da memória do entrevistado. Como alcançar a visão de uma realidade de modo amplo e específico? Há dois aspectos a serem considerados, a forma objetiva e a subjetiva. São dois lados a serem analisados, até para tornar legítima a própria forma como a presente pesquisa foi realizada. O que seria, por exemplo, uma forma mais objetiva? Objetiva, talvez fosse uma cosmovisão de todos os aspetos analisados. Temos, no presente estudo, UMA visão e esta é a do imigrante ou do seu descendente, e que descreve o seu cotidiano. Certamente, ao se relatar a visão do índio, o habitante primitivo daquelas paragens, que teve invadido a seu habitat, teríamos a descrição de outros cenários. Alguém de fora poderá ver os pomerânios de outra forma. Isto identifica o olhar de onde o observador se encontra. O que é objetivo? Eu, o autor do estudo, posso ver os pomerânios desta maneira, mas um outro alguém poderá ver de forma diferente. Por quê? Porque eu já estou tão habituado aos pomerânios, já vivo tão dentro dessa maneira de ser que não 423 consigo estranhar seu comportamento, sua atitude. Assim, por exemplo, há outros aspectos que não foram identificados neste estudo, mas que não deixam de ser relevantes. Certamente, no cotidiano dos teuto-capixabas devem ter ocorrido situações em que, digamos, em alguma festa de igreja tivesse havido consumo de cerveja e que tivesse terminado em algum desentendimento, em agressões físicas. Os “selvagens” deste episódio, digamos, na visão dos índios, poderiam ser os teutos. Como caracterizar estes aspectos no presente estudo? Poder-se-ia dizer que este será o olhar de um pomerânio que entendeu o seu povo, isto é, que domina as quatro línguas ainda faladas em seu meio, que com eles fala a lingua pomerana, que viveu e ainda vive o meio pomerânio. Este olhar pode também trazer limitações, é claro. O consumo de bebida alcoólica pode ser considerado aceitável por quem vive neste meio. “Se eu estou tão dentro disto, isto para mim é normal”. São problemas que deixam de ser constatados, deixam de ser vistos como anormais. O mesmo vale para o problema envolvendo os casos de suicido e o do uso sistemático de agrotóxicos. Todos deixaram de ser relatados. Os entrevistados não os abordaram. Portanto, não foi um olhar objetivo, pois falaram apenas daquilo que julgaram poder falar. Aqui se pode observar que a oralidade é uma questão extremamente complexa. A memória humana é extremamente complexa. Fala-se o que convém ser dito. Porque existem os esquecimentos? Porque existem os silêncios? O presente estudo está cheio de silêncios e de esquecimentos. Os entrevistados falaram daquilo que eles acreditavam poder falar. “Temos confiança para falar porque é alguém que nos entende.” 424 O silêncio, os esquecimentos evidenciam detalhes da cultura pomerana, mas também as suas fronteiras. Será possível constatar que dentro destas fronteiras se pode discutir determinados temas e outros não são passíveis de discussão por serem problemáticas. E é desta forma que conseguem exteriorizar uma imagem que acreditam poder disponibilizar para o observador externo. 9.1 A coleta de dados Há relatos de outras tentativas de coleta de informações juntos a população pomerana do estado de Espírito Santo e que deixaram de ter êxito pela dificuldade de se criar um bom ambiente de confiabilidade e por problemas relacionados à barreira criada pelo desconhecimento do idioma pomerânio. Tenho um amigo [...] que tentou também fazer um trabalho em Santa Maria. O pomerânio é muito desconfiado. Tem uma resistência muito grande. Por isto esta comunicação é muito difícil para uma pessoa de fora. Tem uma outra menina que agora fez o mestrado [...] Ela chegou de fora, ficou três meses e depois desistiu. Ela tinha ido três vezes para Santa Maria e não havia conseguido nada. Eles não davam acesso. Se hoje você pede para ver alguma fotografia antiga, sempre aparece alguém que pergunta: vocês vão entregar esta foto para a polícia? (relatou a sua experiência própria). [...] Ao mesmo tempo também havia 1044 aqueles que têm uma mente fechada [...] O fato de dominar fluentemente, tanto o dialeto hunsrück como a língua pomerana, a alemã e o português, permitiu ao 1044 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 425 pesquisador do presente estudo ter acesso a pessoas detentoras de um significativo conhecimento sobre a imigração teuta no estado de Espírito Santo, conseguindo com isto reunir as informações repassadas por cinquenta entrevistados. Todos, dentro de sua capacidade de informar, falando nos idiomas com os quais estavam familiarizados, deram suas respostas aos questionamentos efetuados. Os resultados coletados foram ricos e de um significativo valor histórico. Talvez o fato da maioria dos entrevistados ter conhecido o pai deste pesquisador de uma época em que ainda era muito ativo em seu trabalho nas comunidades tenha sido decisivo. Além disto, todas as visitas transcorreram em companhia de lideranças das comunidades, e 13 dos entrevistados mostraram ter algum tipo de parentesco com o autor. a) O domínio do idioma como facilitador da comunicação No presente estudo o principal fator de “acesso” ao entrevistado, sem sombra de dúvidas, foi a flexibilidade nos diálogos propiciada pelo domínio dos diferentes idiomas ainda em uso na região de colonização teuta no Espírito Santo. Houve momentos das entrevistas em que, sem dificuldade, passava-se do português ao pomerânio. Momentos mais tarde, sem que os interlocutores se dessem conta, passava-se a falar em hunsrück e em uma nova transição já se estava falando em alto alemão. Esta diversidade idiomática abria muitas portas, especialmente quando se sabe que o 426 pomerânio é extremamente reservado em seus diálogos e tem muito medo que invadam sua privacidade. 1045 b) A abordagem das pessoas e dos assuntos Há uma série de elementos culturais que, para uma melhor compreensão precisam ser analisados dentro de uma ótica mais pomerana. São aspectos muito próprios deste povo e que para outras etnias podariam ser interpretados como descabidas. Tem alguns pastores que vêm tentando retomar estas questões, até porque em outras épocas era proibido. Isto implica também aquele [...] Himmelsbraif e nos Schuzbraif (Carta dos Céus e de proteção). Hoje estão tentando resgatar isto. Até sobre o assunto das benzedeiras, de vez em quando sai alguma palestra. Muitos estão tentando resgatar tudo isto, só que as pessoas têm mêdo e até tem vergonha de se manifestar sobre o assunto. As festas, o ritual de casamento, o quebra-louças, a noiva de preto, são coisas muitos bonitos. Aqui em Campo Grande tem o Pilgerfest. É uma festa tipicamente pomerana. Tem mulheres que fazem o ``Brot``, [...] É um resgate da tradição. Tem o grupo de danças [..] Eu não gosto de ver o pomerânio posto como se fossem caipiras vestidos de roupas de quadrilha e de gente do mato. [...] Isto que a gente está tentando tirar. Fazer o resgate cultural de todas as 1046 formas. Um outro aspecto relevante diz respeito ao modo de viver muito reservado deste povo. O pemarano sempre foi muito desconfiado. Isto se justifica pela sua própria história de dificuldades ao longo de séculos. Na verdade, o romance de Graça Aranha 1045 1046 Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 427 escrito há 100 anos continua sendo muito atual. Da mesma forma como no seu enredo havia os que exploravam os pomerânios por não conseguirem se comunicar em língua portuguesa. Ainda hoje há uma nítida impressão que eles continuam sendo explorados. Cobrase o que não existe. Eles se defendem da melhor forma como podem, desconfiando de qualquer estranho que chega. Aliás, em diversos momentos, ao ser-lhes solicitado o consentimento informado apenas uma autorização verbal foi obtida com a presença de testemunhas. A maioria não concordou em assinar um consentimento livre e esclarecido. Mesmo assim foi possível identificar momentos de não conformação com o fato de ter autorizada a divulgação de dados e de ter falado em uma entrevista. A desconfiança é um traço muito característico. Qualquer desconhecido da comunidade, como já acontecia na antiga Pomerânea, poderia ser um espião enviado pelo senhor feudal ou por alguma autoridade. Este mesmo problema continuou trazendo má interpretação como o relatado na Tese “Tiro de Bruxa” onde a bruxaria e o benzimento foram referidos como uma “característica” deste povo 1047 . Um entrevistado justifica esta posição: “É uma autora de fora e que tentou mostrar algo sobre os pomerânios da forma como ela conseguiu. A grande dificuldade dela foi a comunicação com os pessoas.” 1048 c) Interpretação dos resultados 1047 O autor do presente estudo, cuja mãe e avo eram pomeranas, mesmo tendo vivido até a idade de quatorze anos, de forma restrita em meio ao seu povo, jamais presenciou qualquer ato de bruxaria ou de benzimento. 1048 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 428 Há algumas publicações que trazem uma imagem muito distorcida da realidade do imigrante capixaba. Assim, por exemplo, quando se caracteriza as mulheres como benzedeiras será preciso lembrar que, nos dias atuais, na região se Santa Maria existem apenas duas ou três, em Lagoa devem viver uma ou duas praticantes deste ofício. Na região de Laranja da Terra fala-se de outras duas. Os homens também participam. As mulheres participam e o conhecimento passa de geração em geração. O homem teria que repassar o seu conhecimento para a mulher e a mulher para o homem para não perder o “efeito”. E quando o conhecimento vai de mãe para filha como ficaria? Alguém teria que lhe repassar o conhecimento. Da forma como vem sendo “pintado” em alguns relatos, tudo isto realmente teria que ser um “negócio” um tanto esdrúxulo. Querer afirmar que as mulheres pomeranas, de forma generalizada, são benzedeiras é uma grande inverdade. Da mesma forma não se pode caracterizar as líderes das comunidades como tal! Muitos hábitos deste povo são traços culturais e tradições que sobreviveram durante séculos de guerras e devastações e que fizeram com que o pomerânio permanecesse apegado aos seus antigos valores históricos e culturais. Tornou-se mais flexível no contínuo processo de readaptação às novas dificuldades. As suas “assombrações” (Spauk) e suas superstições, apesar de todo o processo de cristianização do leste europeu, ocorrido no século XII, sobreviveram entre os pomerânios da Europa. Agora continuam mais vivos do que nunca entre muitos descendentes destes imigrantes teuto-brasileiros no Espírito Santo, 429 apesar de estar em andamento todo um processo de integração com outros grupos populacionais deste estado e do Brasil. Portanto, para entender a cultura teuto-brasileira no estado de Espírito Santo, será preciso procurar compreender a “cultura da Pomerânea” para depois tentar conseguir compreender o imigrante capixaba como imigrante “pomerânio”. É importante lembrar que a assistência espiritual durante o primeiro século da colonização teuta sempre foi a articuladora do ensino religioso, da alfabetização e até da vida pública, especialmente aquela desenvolvida pelas comunidades luteranas. Desta forma sempre se manteve como formadora da sua linha de pensamento religioso. O processo, no qual os pastores semprem tiveram um marcante papel, terminou levando a uma paulatina institucionalização da Paróquia Luterana como organização comunitária confiável, paralelamente ao que parecia ser a presença opressiva e corrupta das autoridades do estado e dos municípios. Todos os relatos da população mais antiga identificam a autoridade eclesiástica como norteadora da vida moral e religiosa dos imigrantes. A população pomerana, no que se refere aos aspectos religiosos e de moral, sempre foi bastante dócil, talvez explicável pela sua origem, pois tinham sido servos dos grandes latifundiários. Alem disto, a absoluta maioria dos que aqui chegou eram originários do campo, ou seja, estavam acostumados a cumprir ordens. Isto também explica a facilidade com que os religiosos, independente da sua procedência geralmente conseguiram impor sua vontade 1049 1049 . Como escreveu von Krockow: Sobre a nova doutrina eles nada entendiam, nem sabiam dizer se era melhor ou pior. Para tal compreensão eles, os agricultores eram muito ignorantes, mas, eles sempre aceitavam o que o sacerdote pregava. KROCKOW, C. G. v.: Die Reise nach 430 Se revisarmos a história ao longo destes cento e cinquenta anos, constataremos que o pomerânio dos primeiros anos da imigração era muito pouco alfabetizado. Parece sempre ter havido alguns mais “espertos” e que terminaram por se destacar. Não se pode esquecer, que eram agricultores e que estes na segunda metade do século dezenove, para os padrões atuais, eram muito pouco instruídos. Para esta coleta também puderam ser entrevistadas pessoas que tiveram prejudicado o seu processo de alfabetização. Ouviram-se histórias de professores que foram proibidos de alfabetizar as crianças da época. Mesmo assim, ao se analisar os dados que se conseguiu reunir, fica a nítida impressão de que, entre os primeiros imigrantes realmente houve pessoas que se sobressaíram. “Eu penso que eles tinham um conhecimento muito grande para a sua época... Tanto que muitos deles se tornaram professores nas suas escolas de comunidade...” 1050 Há diversos exemplos que podem ser citados. O próprio Guilherme Seibel foi um destes grandes destaques. Teve um importante papel na colonização de Santa Joana e consagrou-se como o grande líder de Laranja da Terra. Não era pomerânio. Seus pais vieram de Hessen, mas ele próprio e todos seus irmãos casaram com pomeranas. Ele foi mais um dos tantos exemplos de aprimoramento autodidata. Houve ainda outros nomes que se destacaram como o de Paulo Larsen, de Serra Pelada. “O [...] chegou aqui, primeiro como pedreiro. Depois virou professor. Depois passou a ser fotógrafo. As primeiras fotografias que ele fazia Pommern. Bericht aus einem verschwiegenen Land. Deutsche Verlags-Anstalt, 1985, p. 2002006. Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 1050 431 naquele sistema do lambe-lambe eram pintadas com pena de galinha”. 1051 As mulheres têm sido estigmatizadas como bruxas e benzedeiras obstinadas. Estes dados não puderam ser confirmados no presente estudo. Há uma nítida referência ao “andaum” (mau olhado). Porém, nos relatos aqui transcritos não se conseguiu identificar qualquer relação com atitudes causadoras de algum mal. O estudo mostrou claramente que, tanto o curandeirismo como as benzeduras 1053 1052 parecem sempre ter sido utilizado como recurso medicinal por uma população desassistida. A própria expressão “walddoktor” (médico do mato), na referência ao curador, à pessoa que está disponível, independente de recursos financeiros representa a esperança na ajuda. Este médico primitivo, em outras etnias também conhecido como “raizeiro” ou “garrafeiro”, preparava seus “remédios” com raízes para depois acondicioná-los em garrafas. Eram estes os “médicos populares” com que os pomerânios podiam contar. Os benzedores, apostando na confiabilidade dos seus clientes, sem sombra de dúvidas, obtinham os seus “resultados terapêuticos”. Talvez até de forma semelhante aos psiquiatras ou psicólogos, pois envolviam toda uma “força” de cura gerada pela esperança e pela confiabilidade. Evidentemente, sem querer comparar toda a bagagem de conhecimento inerente à própria formação destes profissionais na atualidade. Quanto à conotação das mulheres pomeranas serem benzedeiras, vale a pergunta: Nos 1051 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. Cf. Dicionário Aurélio: Curas por meio de rezas e feitiçarias. Cf. Dicionário Aurélio: Ato de proceder a certos atos rituais não cristãos, acompanhando-os de orações. 1052 1053 432 dias atuais todas as mulheres são psiquiatras ou psicólogas? Certamente que não. Hoje a psicologia tem credibilidade. Também naquelas pequenas comunidades as poucas benzedeiras ou benzedores tinham credibilidade. Representavam a imagem materializada da confiabilidade e da esperança na cura. É evidente que todo o sigilo ou segredo envolvendo este ofício deve ter-se tornado mais acentuado à medida que a crônica proibição exercida pelos pastores foi se intensificando. Neste estudo foram ouvidas seis pessoas que realizam benzimentos. Todas deram respostas evasivas ao serem questionadas sobre detalhes do procedimento: “desconheço”, “não sei de nada” e assim por diante. Ao darem explicações costumam citar outros que estariam realizando os procedimentos desta ou daquela forma. Geralmente incluíam uma ou outra explicação alternativa para explicar o sucesso do “tratamento” realizado. Assim, por exemplo, se uma criança estivesse com febre, mandavam benzer e tomar um determinado “chazinho” e a febre passava. Em diversos momentos foi perguntado o que aconteceria se revelasse os detalhes do procedimento. ”Se eu contar perde o efeito!” “A pessoa tem que confiar. Não pode saber que estou rezando”. “Então a senhora está fazendo uma oração?” “Sim”. “E se o preto vier aqui e se deixar benzer? Como faz dar certo se a oraçãozinha é em alemão?” “Ah, mas ele não precisa entender. Tem que confiar”. Temos aqui novamente o mesmo quadro. Alguém está doente. A sua imunidade está baixa. Está deprimido, mas está confiante na cura. Até o psiquiatra faz uso destes mesmos parâmetros, apenas com outro formato. Na prática, a simples confiança no profissional já traz alívio ao seu sofrimento. 433 Um aspecto que chama atenção em praticamente todos os depoimentos diz respeito à “vida cigana 1054 ” dos pomerânios capixabas. A sua contínua migração de um lugar para outro, sempre na procura “por algo melhor” certamente deu origem ao termo “Wanderbauern” 1055 (agricultores migrantes). Esta característica que suscita uma série de questionamentos. Porque disto? Eu também não posso falar muito. Não sei mais quantas vezes eu já mudei, apesar de ter sido sempre na Grande Vitória. Mas mudei. Creio que foram umas oito vezes. Meu pai dizia: você parece uma cigana! E a mãe dizia: lá vai a 1056 cigana mudar de novo! E esta angústia de que você fala, eu também tenho. Estou falando do meu irmão, mas eu também tenho isto. Tudo que eu faço, quero fazer muito bem feito. Só que isto gera uma 1057 angústia muito grande. Acredito que, quem ficou aqui já se conscientizou. [...] Tenho a impressão que está começando a haver um controle. Acho que estão começando a trabalhar este aspecto. Agora com os outros que já saíram daqui e que foram para Rondônia, a história vai se repetindo. Isto parece já estar no DNA das pessoas. Esta busca incessante por “algo melhor”. Esta busca que eu vejo no meu irmão, que é uma pessoa que trabalhou a vida inteira. Que se aposentou muito bem e agora aceitou o desafio de um novo trabalho em Belo Horizonte, onde passa a semana inteira, sábado e domingo vem para cá para retornar na segunda feira. É uma coisa que não tem um motivo. Dinheiro? Não! Realização 1058 pessoal? Pode ser. Mas é um sacrifício muito grande. 1054 A expressão “vida cigana” ou “Zigeurnerleben” podia ser muito ouvida entre os pomerânios em uma referência ao seu hábito de trocarem de moradia com muita freqüência. Aliás, alguns até se divertem com a canção “Lustig ist das Zigeunerleben...” (alegre é a vida cigana...) 1055 Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08. 1056 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 1057 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 1058 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 434 Acho que é uma prova de que está vivo. Está projetando, 1059 produzindo. Uma comparação dos relatos compilados na presente pesquisa com os dados obtidos por outros autores permite identificar a trajetória tumultuada daqueles que vieram constituir o atual “povo pomerânio” no estado de Espírito Santo. É importante frisar que muitos dados do presente levantamento conferem com a historiografia oficial, mas também mostram que em muitos outros relatos existem contradições e mesmo deturpações. [...] as pessoas teriam que deixar um pouco, tanto a igreja, o Estado, como os jornalistas, os pomerânios serem eles mesmos. Como os índios. Todos falam mal dos pomerânios. Esta senhora alemã, pastores antigos, pastores da teologia da libertação. Pastores antigos são aqueles de Neuendetelsau. Teve o caso do P.[...] o qual, quando a noiva ia para o altar, resolveu apalpar a barriga na noiva para ver se estava grávida. Para aqueles pastores os pomerânios eram muito supersticiosos, faziam benzeduras. Depois com a teologia da libertação passaram a pregar que os pomerânios teriam que se integrar ao povo brasileiro. Para estes, eles eram cristãos, mas teriam que ajudar na transformação deste mundo. Todos vêm com muitas críticas aos pomerânios. Isto que estou falando faz parte de um artigo que ainda não publiquei. A visão da igreja em relação aos pomerânios sempre foi de muita crítica. Os pomerânios nunca podem ser eles mesmos. Vem um pastor e diz: “Vocês não são cristãos. Tem que virar cristãos”. Vem outro e diz “olha, vocês precisam se converter ao luteranismo de fato e não ser supersticiosos”. E agora “devem que se interessar em ser mais brasileiros e esquecer esta tradição de vocês, porque isto não ajuda muito. Tem que se tornar mais modernos, ajudar a criar uma sociedade justa etc, etc”. Não digo e seja totalmente errado [...] Em cada povo a pessoa pode vir de fora e achar que os costumes daquele 1059 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 435 povo são os mais grotescos. Mas é uma sociedade que funciona. Dentro dela você não vê problemas sociais [...]. Os 1060 problemas mesmo de [...] estão começando agora. Talvez a “cultura pomerana” de certa forma até pode ter sido recriada no Brasil especialmente “pela forte influência religiosa, como sugeriram alguns entrevistados”. Deve-se continuar documentando estas informações. Deve-se tentar “escrever” da melhor forma possível a história pomerana no Espíritio Santo. Talvez durante uma ou duas gerações ainda tenhamos “velhos, sábios e poliglotas” relatando suas experiências de vida. Depois disto resta sua procura por “antigos relatos sobre os pomerânios”. 9.2 O dia a dia na vida da população das colônias teutobrasileiras no estado de Espírito Santo Os entrevistados fizeram relatos sobre o cotidiano da população das colônias teuto-brasileiras no estado de Espírito Santo, durante o período compreendido entre os anos de 1870 e 1970. Foram descritos diferentes fatos ralacionados ao cenário social, religioso, político, econômico e educacional. Os ralatos iniciaram com a história dos primeiros pomerânios aqui chegados, tendo, cronologicamente abordados fase da consolidação destes assentametos e das diferentes fases do processo de migração interna dos imigrantes e seus descendentes. O autor, como integrante deste povo descreveu o que sentiu e pensou como alguém saído das próprias fileiras dos pomerânios. 1060 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 436 Esta foi a sua forma pela qual acreditou poder descrever o seu próprio povo. [...] é disto que precisamos [...] é preciso evitar certas distorções que têm saído na imprensa. Quando vem uma equipe [...] imediatamente estabelecemos contato. Às vezes chegam na calada da noite, sem falar com ninguém, e fazem um reportagem. Ai no outro dia você no jornal e só sai porcaria. Quando conseguimos controlar, procuramos rastrear seu trabalho. Porém quando chegam sem nos 1061 consultar... . Com a presente publicação se está tentando resgatar um pouco mais daquela história dos pomerânios capixabas que têm uma tendência natural de esquecer o seu próprio passado. Por vezes, de uma geração para a outra, apagam da memória o que seus antepassados realizaram ou não lembram mais o que faziam no início de suas próprias vidas. O antepassado do pomerânio, que hoje vive no Espírito Santo, chegou aqui há 150 anos proveniente da Pomerânea. Foi um imigrante que lançado no meio da selva brasileira, que teve medo de preto, por dizerem-lhe “não fale com o negro que ele vai levar vocês”. Foram pessoas condicionadas a terem medo. Um temor desenvolvido ao longo de mil anos de perseguições e calamidades, talvez até realimentado pelo rigor religioso praticado por pastores e padres, como também pelas tantas novas dificuldades que passaram a enfrentar no dia a dia do seu novo mundo. O padrão de uma nova moral, possivelmente surgida a partir desta influência luterana mais radical talvez até pudesse ser 1061 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 437 comparada com a dos quakers. Como naquele grupo religioso surgido em 1647 como uma dissidência da igreja anglicana, a mensagem bíblica de João 15,14 “vós sois meus amigos, se fizeis o que vos mando” também parece ter sido adotada como linha norteadora de suas vidas. De forma semelhante como aqueles, os pomerânios viviam de forma bastante pacífica, praticavam a solidariedade ao participarem dos “ajuntamentos” na execução de tarefas mais trabalhosas nas propriedades e sempre viveram com simplicidade, até por não terem recursos para extravagâncias com seus vestuários. Um dos pilares das regras do dia a dia da vida dos pomerânios sempre foi a sua religiosidade 1062 . Com isto, para os clérigos mais severos, não foi difícil impor novas regras de conduta moral como no caso da noiva que teria que ser pura para poder usar o véu ao entrar na igreja. Se não o fizesse teria que casar na quartafeira sem os paramentos. Pelos estudos não se pode determinar a época da introdução de tais costumes, isto porque, há inclusive uma referência a outras épocas em que uma noiva grávida seria uma garantia de futura prole. Vale lembrar que durante 900 anos o povo pomerânio foi massacrado por epidemias de pestes e perseguido pelas guerras. Como se pode constatar, realmente sobrou um grupo muito pequeno, tanto que em 1800 a Pomerânea contava com apenas 350.000 habitantes 1063 . Em outros tempos o sinal de gravidez poderia ser interpretado como sinal de que a noiva estaria entrando no casamento com a certeza de que cumpriria com sua 1062 Cf. escreveu KROCKOW, op. Cit. “a nação passou a ser guardada na igreja como uma questão de igreja, da mesma forma como a própria igreja para o pomerânio se constituía em parte da batida do coração”. 1063 Dados do censo da Alemanha. 438 função de mãe e procriadora. “Eu sempre acreditei que os pastores fizeram disto um problema. Nisto se inclui a questão de chegar virgem ao casamento. Para a época até os pomerâneos eram até um pouco adiantados”. 1064 Isto seria mais um argumento a favor da teoria de que a gravidez antes do casamento pudesse ter sido uma garantia de futura prole. Hoje há quem concorde. “Sim, isto é fato” 1065 . No passado houve divergências entre os grupos que deram origem aos dois grandes blocos luteranos que hoje atuam no Brasil, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil - IELB. São situações difíceis de serem compreendidas dentro da visão atual, até porque existe um trabalho bastante próximo entre as duas congregações. No passado, cada grupo parece ter realizado sua campanha lá não muito ética para a conquista de novos integrantes para os seus respectivos “rebanhos”. Isto foi muito desgastante e trouxe prejuízo para todos. Tanto que, em Laranja da Terra, em um dado momento parece ter havido duas igrejas, uma vinculada a cada um destes dois grupos que se consideravam luterana. Alguns anos mais tarde, a Igreja Missúri terminou também entrando nesta mesma disputa. Até o final do século dezenove as comunidades em geral eram organizadas sem uma vinculação específica às entidades maiores. Cada um procurava trazer o seu pregador - seu pastor. Na época o grupo “Gotteskasten” da Alemanha, que aqui passou a ser conhecido como “Caixa de Deus” constituiu o Sínodo Santa Catarina, Paraná e Outros Estados. Também algumas comunidades 1064 1065 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 439 do estado de Espírito Santo vincularam-se a este Sínodo. Somente mais tarde as outras comunidades se ligaram ao Sínodo Brasil Central, criado em 1912. A partir de 1960, quando foi fundada a União Paroquial do Espírito Santo - UPES , aconteceu, de fato, uma união de todas as paróquias chamadas luteranas deste estado. Já alguns anos mais tarde, com a criação da IECLB, esta efetivamenete passou a englobar todas as filiadas da União Paroquial do Espírito Santo. Com o passar dos anos as Comunidades do Gotteskastem e as do Sínodo Brasil Central se fundiram e passaram a integrar a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja Missúri ou Sínodo Missúri deu origem à Igreja Evangélico Luterana do Brasil. Hoje parece existir um bom entendimento entre as duas entidades. Acredito que isto depende muito do próprio pastor. Quando eu cheguei aqui em 1960, sempre procurei fazer o meu trabalho e cooperava onde podia. Não se entrava em guerra. Havia um outro que chegou aqui e que havia uma cisma muito grande no sentido de incentivar o ressentimento contra a nossa igreja. A gente foi deixando e o assunto 1066 morreu também. Viu-se que não eram bem assim. Tudo isto aconteceu numa época em que muitos problemas financeiros 1067 precisavam ser resolvidos. A população era pequena e a manutenção das comunidades, das escolas e o sustento da família do pastor precisava ser feito pela própria comunidade. 1066 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Alguns entrevistados chegaram a dizer: “eu me tornei Missúri porque lá era muito mais barato”. 1067 440 “Alguns pastores utilizavam métodos que para nós se tornava mais barato.” 1068 Inclusive o Lehnbauer [...] estudou nos EEUU. Eles tinham, digamos, os seus patrocinadores e que somente pregavam e com isto saia mais barato para a comunidade. Isto depois trouxe dificuldades, porque na realidade, o que ali existia era a presença de alguns obreiros voluntários. Até hoje ainda existem alguns membros daqui que resistem um pouco ao 1069 novo sistema financeiro que implantamos. Também aqui para o entendimento de alguns dos traços culturais precisamos novamente recuar na história da antiga Pomerânea. A cristianização deste povo aconteceu no século XII e foi realizado pelo movimento missionário católico. A passagem para o cristianismo de certa forma se processou sem que para isto tivessem sido consultados. Seu início foi a chamada Cruzada Européia. Nesta época os pomerânios já tinham seus templos dedicados aos seus deuses. Tinham inclusive um clero bem organizado. O pomerânio da época vivia em uma região de uma densa vegetação. Isto também explica sua estreita vinculação com esta série de divindades inseridas na natureza, isto é, no próprio habitat natural deste povo. Eram os deuses da natureza (Waldgötter), deuses das fontes (Brunnengötter) e outros tantos. Com a introdução da religião católica, tudo isto foi proibido. Entretanto, o pomerânio logo encontrou sua nova forma de conviver com o culto às divindades na religião católica e depois luterana, sem, no entando esquecer seu medo do “Spauk”, ou seja, o medo da assombração encontrada na mata, nos banhados, nos cemitérios 1068 1069 Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 441 e em tantos outros lugares. Foi desta forma que uma série de crendices foi sendo incorporadas à bagagem cultural e que afloraram ao pesquisador atento que se aprofunda na história do pomeranismo. Nos dias de hoje, ao reviverem o aparecimento do “Spauk” ou “Spoikerai” (assombração), muitos estão revivendo as experiências com “antigas divindades” que lhes foram transmitidas de geração em geração. O cenário costuma ser o mesmo: no mato, à noite, na escuridão. Trata-se de um fato cultural importante e que deve ser considerado. Um outro elemento, talvez resultante da própria falta de médicos vem a ser o “Walddoktor” (curador), a imagem aculturada do Caveradoktor (médico da capoeira) que sempre existiu pelo interior capixaba, na forma de pessoas que, ajudando ou não, conseguiam conquistar a confiança dos necessitados. A medicina tradicional acredita no efeito dos medicamentos utilizados, associado à confiança no profissional. O benzedor, ao valer-se da confiança dos seus “clientes” consegue “curar” muitas das tantas doenças psicossomáticas. E é ali que eles atuam e conseguem seus resultados. Estes resultados são obtidos porque existe a confiança na “cura”. Eles mesmos dizem: só adianta para quem acredita. 9.3 A história dos imigrantes teutos e de seus descendentes no estado de Espírito Santo O imigrante pomerânio foi desembarcado no estado de Espírito Santo em um mundo que lhe era estranho, exposto a toda sua diversidade ambiental, em meio aos perigos próprios de uma 442 densa floresta tropical. Aqui se viu sem qualquer proteção, sem as garantias que lhe tinham sido prometidas pelos governos. Precisou valer-se de todo e qualquer subterfúgio para poder sobreviver. Não havia assistência médica. Com isto os “Walddoktors” isto é, os “curadores” tiveram que proporcionar-lhe alívio para a sua dor. As benzedeiras precisaram fazer com que se sentisse melhor, pois desconhecia a cura para as doenças tropicais. Desconhecia quem pudesse trazer alívio para o seu sofrimento. O pomerânio teve que valer-se do que tinha para poder sentir-se melhor. Muito já se escreveu sobre este povo e muito ainda haverá de ser escrito. Uma síntese de textos de autores ilustres apresentada por Levy Rocha em seu livro 1070 “Viajantes Estrangeiros no Espírito Santo” mostra as dificuldades vividas por aquela população nos remotos tempos do século dezenove. É provável que as grandes dificuldades enfrentadas no início da colonização da região central da Província de Espírito Santo tenham contribuído muito para o seu lento crescimento. Mesmo assim, os imigrantes conseguiram fazer germinar e desenvolver uma cultura teuto-brasileira com características bem próprias e que, com o passar dos anos, foi sendo transmitidas às “novas colônias” ou comunidades espalhadas por praticamente todo o estado de Espírito Santo. Por outro lado, em função do uma série de razões, já nos seus primeiros anos a “colônia” germânica terminou mergulhando no que se poderia chamar de “século de isolamento no Espírito Santo”. Também aqui os pomerânios nunca fizeram outra coisa que não fosse reconstruir. Tudo começou em Santa Lepoldina que foi construída e quando faltou espaço saíram e 1070 Rocha, L. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971. 443 reconstruíram em outro local. Daí, prole grande, falta de espaço e novamente saíram e reconstruíram e assim por diante. Na verdade durante toda a sua história fizeram isto e 1071 hoje continuam fazendo a mesma coisa . Se compararmos os dados colhidos na presente pesquisa com os publicados por outros autores (von Tchudi, Seide e outros) facilmente se verifica que muitos detalhes já registrados anteriormente reaparecem nos relatadas feitos pelos descendentes dos pioneiros capixabas. A natural perda da informação ocorrida com a transmissão oral ao longo dos anos reforça a necessidade de se registrar o que hoje ainda é de domínio publico para que os estudiosos de amanhã venham a ter mais registros de uma éçpoca não muito distante, porém de muitas dificuldades. Esta é a história de um povo, que ao longo de um século, sem se misturar com a população nativa, adequou seus hábitos e contumes às novas condições locais. Um povo em cujas comunidades a igreja luterana exerceu o importante papel aglutinador, de educador religioso, de alfabetizador e de meio de comunicação com o mundo exterior. Um povo que durante praticamente um século viveu em um ambiente bastante isolado em que seus únicos contatos com o mundo externo eram os comerciantes, os pastores, alguns professores e os padres estrangeiros. Eram homens e mulheres, muitas vezes poliglotas, que no seio da família se comunicavam em língua pomerana e nas suas igrejas ouviam a prédica em “alto alemão”, da mesma forma como o faziam seus antepassados nas suas longínquas terras de 1071 Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. 444 Europa 1072 . Era deles a tradição que durante mais de um século continuou mantendo as mulheres sentadas no lado esquerdo da nave da igreja, enquanto os homens tomavam seus lugares no lado direito 1073 . Eram homens e mulheres, que evitavam as autoridades constituídas pelo temor destes tirarem-lhes os poucos bens materiais obtidos com tão árduo trabalho. Os dados da literatura permitem identificar a história de um povo, de uma etnia, da sua língua e do sentimento de pertencimento deste grupo populacional. Talvez seja preciso relembrar alguns critérios, como os que podem definir que no falar pomerânio temos uma língua e não um dialeto. Em primeiro lugar, o modus falandi, ou seja, a maneira de falar certamente é baseada na tradição de um povo, de uma etnia. É um povo que tem mil anos de história. É um povo que se desenvolveu a partir da fusão de diferentes tribos de eslavos com imigrantes alemães de diferentes estados da atual Alemanha. Já foi um ducado independente. E a partir do momento em que tem uma escrita própria passa a ter a sua língua própria. Portanto, é um povo que tem uma língua pátria. O dicionário 1074 é um reforçar esta pomerânio elaborado pelo historiador Ismael Tressmann importante documento que certamente vem constatação. Ser considerado uma língua morta ou viva é um conceito dinâmico. Assim, por exemplo, a língua grega, o latim e o hebraico são línguas mortas por não serem mais faladas, apenas escritas. Nos dias atuais o pomerânio ainda é falado no Brasil e 1072 É preciso salientar que a língua falada pelosn pastores alemães era o alemão alto, enquanto os imigrantes capixabas, na sua absoluta maioria eram pomerânios, portanto de fala pomerana. 1073 Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 1074 Disponível em: http://gazetaonline.globo.com/index.php?id=/local/especialçis/a_gazeta_80_anos/materia.php. Acesso em: 07 mai. 2010. 445 muito. Talvez nos Estados Unidos se fale pouco. Quem sabe, na região da antiga Pomerânea poucos ainda o falam. A Pomerânea há muito tempo deixou de existir como território autônomo, como ducado independente. Mas, os imigrantes que chegaram ao estado de Espírito Santo e dos quais descendem os pomerânios que hoje vivem neste estado são naturais da Pomerânea e não eram alemães. Até porque a Alemanha que hoje conhecemos foi criada por Bismark no ano de 1871. Até lá, o máximo que se podia dizer que estes imigrantes tinham cidadania prussiana. Hoje também a Prússia deixou de existir como reino independnete. Pode-se concluir que, historicamente a Pomerânea já viveu seu período de independência, cuja língua sempre foi incompreensível para aqueles que utilizam o chamado “alemão alto”. E é daqui que chegou esta língua pomerana que nos dias atuais congrega tantos habitantes de tantas regiões deste interior capixaba. Existe ainda um outro fator muito interessante no que diz respeito ao próprio estabelecimento da uma “fronteira” entre a Pomerânia e, digamos, a Polônia. Aqui há um exemplo bem concreto de uma abrangência confessional ter passado a definir uma fronteira política. Ou seja, o que inicialmente era uma fronteira confessional passou a ser definido como uma fronteira política. A fronteira entre uma região de confissão luterana – Pomerânia e uma católica - Polônia 1075 . Se dentro do conceito de Frederic Barth 1076 formos analisar a diferença entre nacionalismo e etnia, veremos que nacionalismo é 1075 KROCKOW, 1985. Thomas Fredrik Weybye Barth (nascido em 1928), antropologista noruegues, com várias publicações na área de Etnografia (Grego ἔθνος ethnos folk = / as pessoas e γράφειν graphein = 1076 446 um conceito que o Estado constrói. Já as fronteiras da etnia são estabelecias por um grupo populacional com determinadas características. Se pensarmos em termos da época tribal, veremos que o Estado não existia. As tribos tinham uma dimensão étnica. Portanto, se pensarmos em termos étnicos esta será a forma mais natural de se estabelecer fronteiras. Estas eram as suas fronteiras. Portanto não tinham a concepção geográfica. É uma artificialização querer delimitar um país geograficamente. O estado não consegue estabelecer limites étnicos, pois faz esta definição pelo lado geográfico. Pois desta forma todos são enquadrados dentro de uma determinada área geográfica por conta de uma política de nacionalização 1077 . Agora, a identidade da população desta área geográfica não se dá somente nesta direção. Ela se dá também na dimensão dos grupos. Em síntese, também aqui no Brasil o pomerânio vai ser brasileiro, mas vai continuar sendo pomerânio ou alemão em geral ou polonês. Pois esta sua identidade faz parte da sua etnia, da sua história, da sua filosofia de vida, da sua forma de viver a religiosidade. Pela lingüística, o dialeto é quando você entende o que o outro está falando. Quanto ao alemão e o pomerânio, não tem como um entender o outro, a não ser que a outra pessoa aprenda. O hunsrückisch também esta se tornando língua co-oficial no Rio Grande do Sul. O mesmo está acontecendo com o vêneto, muito falado no Rio Grande do Sul. A escola é uma saída boa. Agora que escola? Até Escrever) é uma estratégia de pesquisa usada frequentemente nas ciências sociais, particularmente em antropologia e, em alguns ramos de sociologia. 1077 O que foi feito na época das grandes guerras, quando, em nome da fervor nacionalista foram simplesmente fechadas escolas, detidas pessoas e não houve uma compensação em termos de escolarização. 447 porque foi a escola que fez os pomerânios se sentirem mais humilhados. Se na igreja eles tiveram que falar alemão. Foram na escola e ainda precisaram falar alemão. E a 1078 língua deles? A falta de terras para a alimentação das grandes proles fez com que os filhos adultos rapidamente fossem na procura por novas glebas. Este processo foi se repetindo na medida em que as novas gerações aumentavam a população. Poucos seguiram para a área urbana, porém a mioria se manteve no trabalho da terra, sempre na procura por “um lugar melhor”. Houve quem os chamasse de “Wanderbauern” ou colonos migrantes. O Wagemann já disse que nos primeiros anos da imigração, vários filhos de imigrante já tiveram que procurar trabalho fora da área rural por causa destas condições que você falou agora (alta prolificidade, falta de espaço), terreno muito íngreme. Alguns imigrantes receberam terras medidas inadequadamente (medidas a olho). Com isto terminaram não recebendo os 30 hectares usualmente repassados. E como as famílias pomeranas eram numerosas, muitos já no início tiveram que sair. Não é novidade que o pomerânio já 1079 muito cedo começou a migrar. Eles fugiram da Pomerânea. Foram para os Estados Unidos. Chegaram no Brasil. Tornaram-se nômades. Cerca de dois mil e trezentos chegaram ao Estado de Espírito Santo, onde adotatram uma sistemática do “derruba árvore, queima, planta e esgota o terreno”. Depois seguiram adiante e, novamente derrubaram árvores, queimaram, plantaram e esgotaram a terra. Depois disto terminaram as áreas disponíveis no Estado de Espírito Santo. 1078 1079 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 448 Foram para o Paraná em 1950 e depois se transferiram para Rondônia, derrubando, queimando, plantando e esgotando. Agora já se fala em Acre e Rio Branco, em fronteiras com a Bolívia e a Venezuela. Vai chegar um momento em que este pomerânio das três gerações (avós, pais e filhos) terá que parar com esta sua trajetória nômade. Vai chegar o momento em que terão que implantar um programa de planejamento familiar. Não há mais terras para serem distribuídos. 9.4 A avaliação do efeito da sua vida reclusa sobre o processo de isolamento de toda esta população Pelos dados obtidos nas entrevistas depreende-se que o enclausuramento ocorrido com os imigrantes teutos no Espírito Santo desde 1860 trouxe prejuízos, especialmente no processo de aculturação. Isto também trouxe dificuldades para a própria documentação da história deste povo. Não se tinha por hábito descrever o que se estava fazendo. Era muito difícil as pessoas escreverem alguma coisa. A única coisa que se tinha escrita eram as cadernetas de venda dos produtos da propriedade. Havia uma época em que muitos tinham isto. Eram uns cadernos em que se escrevia isto. Mas da história dos pomerânio não tem nada escrito. Geralmente era anotado em alemão alto. Os pastores sempre escreviam alguma coisa. Teve gente que chegou a escrever cartas, mas depois ficavam com vergonha e terminavam não entregando e às vezes 1080 guardavam. 1080 Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 449 Talvez a própria vida reclusa tivesse contribuído para a preservação de hábitos, costumes e até de aspectos advindos de determinadas necessidades como as que dizem respeito aos eventuais benefícios obtidos com a superstição ou o curandeirismo. Houve ou não houve isolamento? Certamente é uma questão que requer uma maior reflexão. Nas entrevistas falou-se muito em isolamento e a tese da presente obra efetivamenete é a do “isolamento”. Certamente é um isolamento relativo, pois em dados momentos aconteceram contatos. Tressmann 1081 analisa estes aspecto muito bem em sua entrevista, quando lembra que já no início da colonização uma serie de palavras foram “emprestadas” da população aqui existente. Eram termos designando ferramentas, de plantas nativas, de produtos. Com base neste raciocínio não se pode falar em isolamento absoluto. Entretanto, o fato isolamento aparece com muita insistência nas entrevistas: “Nós ficamos isolados”! Talvez tenha sido uma forma de viver dos primeiros imigrantres teutos e seus descendentes no estado de Espírito Santo. Em casa tinham a sua ”Muttersprache” (a lingua materna). Na igreja ouvia-se o culto em alemão, incompreensível para muitos. A língua portuguesa era apenas para aqueles que intermediavam os contatos nexcessários. Nesta linha de pensamento também se pode falar em “isolamento”. Na verdade, o simples fato de alguém se “isolar” já traz o paradoxo do não isolamento. Porque quando alguém se isola, o faz em relação a algo (ou alguém). Este algo vai ser MAIS conhecido ou MENOS conhecido. Alguém pode se isolar diante 1081 Tressmann, Ismael. informação pessoal repassada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 450 deste “algo” ou “alguém”, porque sabe diante do que está se isolando. Este evento pode acontecer diante do negro, diante do índio, diante do luso ou diante do católico. Ou seja, alguém se isola diante de algo, que de alguma forma já conhece, mesmo que apenas um pouco. Neste sentido o termo isolamento é um termo bastante complexo. Porque, o simples fato de alguém dizer ou pensar que não gosto daquele “sujeito” e passar a se isolar do mesmo, já fazem com que passe a ter um contato relativo com ele, ou seja, não quer entrar em contato com o mesmo. A negação do contato pressupõe, pelo menos, uma intenção de não querer ter contato com o mesmo. Aqui surge a pergunta: por que isto? Porque ele é diferente! Talvez um dos argumentos seja o de que “vão nos levar embora”, como tantas vezes transparece nas entrevistas. O exemplo evidencia um fato bem marcante. Certamente houve um contato inicial que pode ter levado ao isolamento. Mas, ele é provocado por que ali existe alguém diferente, um “Frender” (um estranho), diante do qual o pomerânio vai se isolar ou será isolado, pois, como disse “podem me levar embora”. Isto indica que há uma construção de fronteiras 1082 . Quem sente necessidade de se isolar irá construir as suas fronteiras. Podem também ser fronteiras que os outros estabeleceramm. Há os dois aspectos. Há a visão de quem está no lado dentro e a visão de quem está no lado de fora. Aqui cabe a pergunta: Houve casos de alguém ter sido levado? E se foi, por que teria sido levado? Há uma referência a 1082 Thomas Fredrik Weybye Barth (nascido em 1928), antropologista noruegues, com várias publicações na área de Etnografia (Grego ἔθνος ethnos folk = / as pessoas e γράφειν graphein = Escrever) é uma estratégia de pesquisa usada frequentemente nas ciências sociais, particularmente em antropologia e, em alguns ramos de sociologia. 451 certo “cacique dos botocudos”, de nome Biriricas, da década de 1870, que teria sido oriundo de uma família de “brancos”. Conta-se que este, quando criança, teria sido sequestrado e criado pelos índios. Mais tarde, em virtude da sua inteligência teria assumindo a chefia daquele grupo de silvícolas. O nome ainda hoje é lembrado na denominação de um distrito de Domingos Martins. O fato “eles vão nos levar”, deve ter sido construído em cima de uma experiência em um dado momento. Digamos, o índio entrou no espaço do branco, logo, o branco construiu fronteiras de acordo com o contato havido. Desta forma construiu não uma fronteira geográfica, mas uma fronteira imaginária. Uma fronteira imaginária que teve por base o “índio vai nos levar” e que logo passou a englobar, “o negro vai nos levar”. Isto gerou medo. É uma fronteira que se deu porque houve, digamos, uma transposição das fronteiras. Esta é a fronteira. Índio é selvagem! Por quê? Porque sequestra! E se formos perguntar ao índio, o que pensa do pomerano? Por que levou a criança? E se recuarmos na historia da colonização brasileira, poderíamos constatar que na visão dos índios, os brancos certamente devem ter sido os selvagens. Por quê? Porque não tomavam banho, andavam sujos, exalavam maus odores e sem qualquer motivo exterminavam os índios 1083 ! O índio tamava seu banho diariamente! Certamente, na visão do silvícola o branco era o selvagem. É uma questão de cosmovisão que um tem do outro. As fronteiras são fronteiras construídas em cima de contatos. Portanto, há determinadas vivências sobre as quais se estabelece fronteiras. Certamente os pomeranos tentaram se 1083 Aqui entra a falácia popular de que aos silvícolas teriam sido distribuídos roupas usados por europeus com varíola, para desta forma apressar a “limpesa” das florestas. 452 comunicar e identificaram suas dificuldades. O fato de falarem um idioma incompreensível para a população nativa e também o fato de não compreenderem a língua da população nativa fez com que estabelecessem seus limites. Não vamos conseguir nos comunicar! Passaram a se isolar. Esta parece ter sido a natural evolução para um isolamento da população pomerana do interior do estado de Espírito Santo. Se fizermos uma retrospectiva histórica vemos que no passado mais remoto a Pomerânea tinha seus próprios deuses 1084 , dentro da sua própria cultura. Depois, com a implantação do cristianismo católico, os seus deuses foram substituídos por inúmeros novos deuses na forma dos santos desta nova religião. Isto fez com que permanecessem às escondidas, os “Waldgeister” (deuses das árvores), os “Berggeister” (deuses da montanha), os “Quellengeister” (deuses das fontes), o medo do “Spauk” (assombração), os “Gräbergeister” (espíritos das sepulturas, dos cemitérios) e mais tarde, já em uma aculturação brasileira, a presença do gavião Hackalo ou hacauã. A assombração, o “Spauk”, que vive na floresta, talvez seja o mesmo deus que os pomerânios temiam há novecentos anos atrás, mas que tiveram que substituir por uma divindade cristã, quando cada lugarejo ou cada cidade passou a ter os seus próprios “santos”. Este é um traço cultural do povo pomerânio, cuja existência praticamente todos negam, mas que todos infalivelmente conhecem. 1084 Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07/06/08. 453 Continua havendo uma grande dificuldade de comunicação com os pomerânios para quem chega de fora. Talvez isto tenha uma explicação histórica. Protegiam a sua hisória de vida e do seu conhecimento, mesmo que para isto precisassem incinerar ou enterrar os pertences ou os documentos de familiares falecidos como hoje ainda muitos o fazem. O mesmo acontece com a prática da benzedura, cujos rituais muitos conhecem, mas poucos o fazem, porém, quando estes desaparecem também seus rituais e suas anotações deixam de existir. Nos dias atuais, escrever sobre os pomerânios capixabas certamente continua sendo um grande desafio, apesar do acesso aos mesmos já estar se tornando menos dificil. O próprio processo migratório para as áreas urbanas acelerou o processo de aculturação. Com isto se tornaram menos arredios ao mundo da informação e da comunicação ao mesmo tempo em que começam a ostentar suas conquistas com orgulho. Eu acredito que hoje os pomerânios não têm mais vergonha de ser pomerânios. Até a alguns anos atrás, eles se escondiam. Falava-se em pomerânio “hinna daí eck”, isto é, às escondidas. Eram vistos como pessoas atrasadas e sem conhecimento. Hoje isto já não é mais assim, tanto é que, nesta região aqui, há um incentiva a língua pomerana. Já se incentiva a escrita nas escolas. Estão valorizando o pomeranismo. Está-se buscando novamente aquilo que se 1085 perdeu. Inclusive eu tenho um hinário em pomerânio. Hoje se tem a nítida impressão de que o pomerânio está saindo da sua vida reclusa na propriedade. O maior passo parece ter sido dado na cidade de Santa Maria de Jetibá. Nesta cidade, de 1085 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 454 cada três pessoas com que se fala, dois são provenientes de outra região. Isto impressiona. São pessoas do comércio e dos mais variados setores. São pessoas de Santa Leopoldina, de Laranja da Terra, de Serra Pelada. Estão confluindo para um novo centro de florescimento comercial, cultural e intelectual: Santa Maria de Jetibá, a cidade, sem sombra de dúvida, “mais pomerana do Brasil”. 9.5 O papel da igreja no processo e adaptação dos imigrantes destas novas colônias e no desenvolvimento da sua bagagem cultural O historiador Tressmann 1086 descreve a vida religiosa do pomerânio capixaba com muita perspicácia. Os pomerânios são luteranos, mas ao seu modo. Para o pomerânio não há problema algum, pela manhã ir ao culto e de tarde na benzedeira. Para ele isto faz parte da fé. O que se chama de ato mágico, para ele é fé luterana e não tem problema nenhum. Interessante que os pastores antigos pregaram contra a benzedura. Os pastores modernos da faculdade de teologia também pregaram contra a benzedura. Em Laranjada da Terra teve um pastor que pregou contra a idéia dos anjos terem asas, ou coisa assim e de não fazer teatro e natal. E você vai lá hoje as pessoas falam mal do pastor e continuam fazendo natal com anjos com asas. A festa é deles. Para eles anjo tem asas e acabou. Isto está no imaginário. Estas coisas a gente só consegue descrever. Como os pomerânios pensam? Qual a filosofia que adotam? Eles não entram em contradição nestas questões. Inclusive o grande antropólogo Levy Rocha fala que na verdade o que a gente tem, são 1086 Ismael Tressmann. Informação pessoal repassada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 455 realidades que aconteciam 900 anos atrás e acontecem 1087 ainda hoje no caso a religião, magia e ciência. O pomerânio realmente vivencia a igreja à sua maneira. O seu relacionamento com os pastores, que outrora foi de medo e de submissão, foi se tornando mais harmônico na medida em que se estabeleceu certo entendimento ou compreensão ou mesmo certa parceria entre as duas partes. Aqui novamente pode-se citar a referência de Tressmann: Como os pastores pomerânios oriundos do próprio meio dos pomerânios estão conseguindo se comunicar com os membros das comunidades? A igreja é outro ponto de referência dos pomerânios. Precisamos da parceria da igreja, da escola e da comunidade. Os três trabalhando para 1088 o mesmo objetivo. Pelas entrevistas tem-se a nítida impressão de que no passado houve um grande distanciamento entre os pastores luteranos com suas longas prédicas em língua alemã e o imigrante que se comunicava em pomerânio. A igreja representava a formalidade do rito religioso enquanto as antigas práticas representavam a informalidade e a simplificação da sua vida religiosa e por que não dizer, do seu lado místico. Historicamente o pomerânio é muito religioso. Aqui novamente será preciso rever a história, pois há 900 anos ele era um povo pagão. Certamente deve ter vivido de forma muito primitiva como todos os povos das regiões o faziam. Como tal também tinha as suas divindades: os da floresta, os deuses da água, das 1087 1088 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 456 cavernas, das fontes. Quando este povo foi cristianizado já tinha a sua própria religião bem organizada. Nos dias de hoje facilmente podemos constatar que ainda conservam em suas tradições uma série de elementos com características muitos peculiares. O pomerânio de hoje é luterano praticante, porém também conserva as suas fórmulas mágicas. São situações que eles criaram para substituir outras que perderam por força daquilo que outrora lhes foi imposto. Praticam seus benzimentos. Preferem manter a receita do “Walddoktor”, o “curador”, mesmo hoje, quando à pouca distância de lá têm acesso a um médico formado. Eles passaram a viver um luteranismo de forma fervorosa. Só que, na hora do desespero, na hora que falta de alimentos, na hora em que o pé de milho começa a morrer ou o pé de café começa a secar, apelam para os aspectos místicos. Na hora em que uma ferida começa a doer e não o deixam trabalhar, ao invés de consultarem o médico, ainda hoje muitos preferem procurar o curador. É o seu lado místico. É o respeito e o apego ao aspecto sobrenatural. Contudo, é preciso salientar dizer que nem “todas as mulheres são benzedeiras”. Não existe um “tiro da bruxa”. Pode até existir uma dor na nuca, de aparecimento súbito como se tivesse sido causada por um tiro disparado por algo desconhecido “como se fosse uma bruxa”. Afinal, esta dor, que para os médicos seria uma distensão muscular, instalou-se repentinamente. A prática mística existe, porém, jamais se pode generalizá-la como parte da própria vida do povo pomerânio. Novecentos anos antes uma nova religião tinha-lhes sido imposta. Talvez tenham mantido, às escondidas e com outras características, quem sabe, algumas das suas antigas crenças pagãs, transformando-as em imagens, como a própria presença dos 457 “Waldgeist” (espírito das florestas) na forma de assombração, a presença dos espíritos das fontes, das montanhas, do espírito dos mortos nos cemitérios e de tantas outras manifestações identificadas em tantas destas entrevistas aqui realizadas. No dia a dia facilmente se pode constatar que o povo pomerânio continua muito religioso. Ele utiliza esta religiosidade das mais variadas formas, inclusive no próprio procedimento da benzedura. Ao valer-se de forças sobrenaturais, aquele povo passou a sentir-se menos abandonado. Passou a conviver com a utilização diária de expressões bíblicas, com a fixação de frases bíblicas nas paredes da sua sala de estar e na utilização de frases ou textos bíblicos na elaboração de suas cartas de proteção ou cartas do céu. Desta forma o mesmo versículo bíblico, tantas vezes utilizado durante um ofício religioso na igreja luterana, podia ser recitado no lar, pelos próprios integrantes do povo, porém com outra conotação mística. O pomerânio até certo ponto utiliza o misticismo como elemento de proteção para a sua família e seus bens. Até porque, durante séculos precisou procurar proteção contra os “vultos da escuridão”, da assombração. Durante séculos compensou o seu medo pela proteção oferecida pelas “cartas do céu” ou “cartas de proteção”. Era a insegurança que certamente sentiu ao se ver explorado pelo senhor feudal. Era o medo crônico gerado pelos séculos de guerras e de perseguições por tropas invasoras, sejam polonesas, dinamarquesas, suecas ou prussianas ou mesmo a perseguição religiosa ao ser-lhes imposta uma religião nova e estranha. O pomerânio foi cristianizado a ferro e fogo durante a Cruzada Européia organizada pela igreja católica. Tudo isto fez com 458 que se escondessem e passasse a se valer do místico como fuga, como uma espécie de proteção contra as ameaças do seu cotidiano. Porque o “Schutzbriaif” (carta de proteção)e o “Himmelsbraif” (carta do céu) praticamente se constituem em amuletos e que carregam no bolso. Não só carregam no bolso, porque alguns eles escrevem. Você encontra isto também em bares. Isto protege conta facadas, tiros. Outro dia eu perguntei a um senhor: mostra-me o seu “Schuzbrief” que você tem aí. Ele me levou na sua casa, que era perto do bar e me mostrou. Então dizem que, quem carrega estes amuletos terá filhos bonitos, uma boa posição social. É muito mais uma proteção contra o oivakika (olho grande), para proteger não somente a casa, mas toda a terra, toda a Land contra o mau olhado. O Schultzbraif é bem ainda do tempo da guerra, onde os pomerânios estavam em constantes conflitos e precisavam levar consigo a sua 1089 proteção. Isto é, havia canhões, armas etc. No ano de 2000 foi publicada a tese de doutorado 1090 na qual lideres das comunidades são referenciadas como benzedeiras. Isto é uma afirmação muito forte. Realmente, houve em uma entrevista uma referência a algumas pessoas mais conhecidas na comunidade e que participavam deste tipo de atividade. Os casos, porém, mostaram-se muito raros. No presente estudo houve uma única citação de pessoa com uma participação pouco mais ativa na comunidade, constituindo-se em um caso isolado daquela localidade, considerando-se que a pesquisa abrangeu mais de vinte localidaddes de sete diferentes municípios de maior concentração de população pomerana do estado de Espírito Santo. “Será importante definir o que significa “líder de fato”. [...] ‘Podemos imaginar como líder, o presidente da comunidade, tesoureiro, 1089 1090 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/0/08. BAHIA, 2000. 459 secretário. Ou seja, da parte administrativa. Há também a liderança, digamos, referencial”. 1091 9.6 O “movimento nazista” nas “colônias” do estado de Espírito Santo Pouco ou quase nada se sabe entre os pomerânios sobre o dito “movimento nazista”, ocorrido na época da Segunda Guerra Mundial. O historiador René Gertz, em seu livro “O Perigo Alemão” 1092 descreve muito bem os estereótipos e os preconceitos surgidos contra os descendentes germânicos nos estados do sul do Brasil e a fantasia criada no imaginário popular. [...] as populações das regiões de colonização alemã se caracterizam por uma total segregação, não-integração, enfim, pela mais completa anticidadania e por seus corolários: o perigo representado para a unidade nacional brasileira em função da dissociação interna e da ameaça 1093 imperialista . Talvez a própria postura do Sínodo Riograndense e de um bom número de seus pastores estrangeiros (alemães), de verem com simpatia a expansão do pensamento germânico tenha contribuído para o surgimento do binômio “alemão luterano” como 1091 1092 1093 Cf. trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. GERTZ, Renê. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed.da Universidade/UFRGS, 2000. Ibidem, p. 21. 460 sinônimo de comportamento reacionário 1094 . O seu reflexo no estado de Espírito Santo foi fulminante, não só contra os cidadãos alemães, como também contra muitos imigrantes deste interior capixaba, como foi muito bem documentado no filme “Bate Paus”. Há muitos relatos de antigos habitantes que, entretanto, não fazem um claro discernimento entre o suposto movimento nazista ou as suas vivências com a própria campanha integralista. Na realidade, o próprio movimento integralista no Espírito Santo terminou gerando dificuldades para a vida dos colonos teutobrasileiros, especialmente por ter sido confundido com “germanismo” ou “nazismo”. Tudo isto contribuiu para que, mesmo nos anos compreendidos entre 1945 e 1970 o falar em alemão ou pomerânio continuasse sendo encarado com desconsideração e de falta de refinamento. 9.7 A evolução sócio-econômica dos teuto-brasileiros capixabas Um dos grandes problemas dos pomerânios sempre foi a ausência de lideranças Os primeiros líderes da imigração eram justamente não pomerânios. Eram alemães. Tanto de Rio Farinhas como de Santa Leopoldina. Guilherme Seibel, o criador de Laranja da Terra não era pomerânio. Nem de pai nem de mãe. Eram da região de Rheinhessem, isto é, da região centro-oeste da Alemanha. Depois disso, o pai deste pesquisador foi um grande líder na sua comunidade. Quem não o conhecia? Era meio pomerânio e meio renano. Os próprios comerciantes de Santa Leopoldina eram belgas, 1094 Ibidem, p. 40. 461 austríacos e alemães. A família Schwarz não era e origem pomerana. O agricultor pomerânio sempre esteve apenas preocupado com o seu dia a dia no campo. Isto é histórico. O mesmo passou a ocorrer no Estado de Espírito Santo. Os pomerânios continuaram com sua atividade estritamente agrícola. Tive o prazer de ler um livro de Ludwig III que de formação também era engenheiro. Com referência aos pomerânios que saíram de uma província da Prússia ele dizia: Os pomerânios não servem para guerrear. Os pomerânios não prestam para organizar exércitos. Os pomerânios não têm serventia nenhuma para o fator de guerra. Porém, ressalvo, que os pomerânios dão pressão às máquinas que trabalham nas indústrias para o processo de desenvolvimento da Europa. Lembrando que lá possuem as melhores técnicas agrícolas da região. Lá já faziam experiências para modificar as técnicas agrícolas. Porém para este reino, os pomerânios são muito importantes para a 1095 área da alimentação. De fato nesta época a Pomerânea já havia se transformado no celeiro da Europa Central. Naquela época já se sobressaiam pela sua a estrutura e seu potencial da atividade agrícola. Eles não serviam para a guerra, mas serviam para o trabalho na terra. A simplicidade e a ausência de sinais exteriores de acúmulo de bens materiais sempre foi uma das características do pomerânio capixaba, até porque, sua maior preocupação sempre foi a geração de recursos financeiros que pudessem suprir sua prole de condizentes terras e do correspondente dote. Esta visão foi se 1095 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 462 modificando a partir da metade do século vinte quando a falta de opção por novas terras, concomitante com o avanço da tecnologia levou a um maior investimento na própria colônia. “Falta os pomerânios se organizarem politicamente. Porque poder econômico e força de trabalho eles têm. O que falta é se organizarem, onde os pomerânios vão trabalhar em torno de um objetivo comum”. 1096 Na década de 1970, surgiram discretas mafestações políticas com candidatos originários das comunidades pomeranas. Assim, também em Alto Santa Joana, dois candidatos entraram na disputa por uma vaga na Câmara de Vereadores de Itarana. Eram simples trabalhadores sem qualquer vivência na vida política. Porém, foi um início, quem sabe, de um movimento de resgate de uma participação mais ativa deste segmento populacional do gerenciamento de suas cidades ou quem sabe, do seu estado. “O pomerânio teria um potencial muito grande se tivesse a visão[...] Não sei se falta incentivo nosso ou vontade dele. Eles são muito inteligentes. Ele assimila muito rápido”. 1097 Aqui realmente parece estar surgindo um novo caminho para um crescimento econômico. Em Santa Maria de Jetibá conseguiram criar uma simbiose entre a criação de frangos e a cultura hortifrutigranjeira. Os excedentes das granjas estão sendo devolvidos ao campo e muito do que o campo produz retorna para as granjas. O resultado está sendo fantástico. Porém, esta situação ainda não existe em Laranja da Terra, não existe em Serra Pelada, nem em Domingos Martins. 1096 1097 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 463 Acho isto bom, porque o investimento está voltando para o interior. Está havendo incentivo. Existe trabalho no interior e nas granjas. Há 10 anos, Santa Maria produzia milho suficiente para fazer o Brote (pão). Neste ano deverá produzir em torno de 500 toneladas deste cereal. Isto, na região mais alta, onde praticamente não se colhia milho. Hoje se investiu na colocação de esterco, no preparo da terra e em tecnologia. Se há uma demanda, porque não 1098 produzir o que se necessita para o consumo local? Santa Maria [...] tem uma [...] população que tem sua identificação [...] na grande valorização, na identificação, pela acomodação no atendimento, isto é, no comércio que o atende conforme sua expectativa e que tem um carinho especial pelo pomerânio. Inclusive Santa Maria é uma das maiores potências da Região Central Serrana. Tudo isto 1099 graças aos pomerânios . Já pensaram se houvesse uma estrada transitável o ano todo ligando Santa Maria, Jatiboca, Santa Joana, Lagoa a Laranja da Terra? Só que aí entra toda a questão política. [...] Até pouco tempo atrás, nas estatísticas oficiais do IBGE, 1100 Itarana constava como município de população italiana. 9.8 O efeito da ausência do Estado no processo de integração dos imigrantes europeus e seus descendentes, no estado de Espírito Santo O fechamento de dezenas de escolas de comunidade, a prisão de pastores e professores e, o mais grave, a não substituição destas instituições por escola públicas trouxe um prejuízo jamais reparado: uma geração inteira que não teve acesso à instrução, que não teve acesso ao mercado de trabalho fora da área rural. Foi este 1098 1099 1100 Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 464 o povo do interior capixaba que, ao não ter acesso à assistência médica adequada e a um sistema de ensino eficaz, precisou encontrar sua assistência alternativa na figura dos curadores ou dos professores improvisados oriundos do próprio grupo familiar. Podese aqui fazer referência a dois entrevistados com pouca instrução formal, cujos pais eram professores que dominavam quatro ou cinco línguas. Como descrever o perfil intelectual destes dois personagens? Aqui, na realidade até há uma dificuldade de se descrever o próprio processo de formação destas pessoas. De um lado, comparados com os pais, tiveram privados o direito à escolaridade, o direito à educação formal. Em uma avaliação destas pessoas poder-se-ia estudar a sua capacidade de aprendizagem e não a sua escolaridade. Poder-se-ia avaliar o seu potencial intelectual e não seu grau de acesso à informação. Um destes personagens reside no alto da montanha, em um local extremametne afastado e que mesmo, mal escrevendo seu próprio nome, executa toda ritualística da benzedura, com a utlização dos mais variados textos bíblicos e suas indicações para as mais variadas oxasiões. No segundo caso temos um curador ou “Walddoktor” com cuja memória os “clientes” precisavam contar para obterem sua medicação mais apropriada. Tanto que prescrevia medicamentos, com isto ajudando muitas pessoas. O pai, um intelectual, possuidor de uma biblioteca de três mil volumes, dominando o alemão, o francês, o italiano e o portugues foi professor, apesar de não falar o pomerânio em casa. Depois da sua morte, em conseqüência de todo uma sistemática perseguição aos valores teutos, a biblioteca desapareceu, seus 465 filhos terminaram entrando em uma rotina de apenas falarem o pomerânio. Tem-se aqui novamente o aspecto de um isolamento, isto é, da impossibilidade de acesso à escola. Estas tinham sido fechadas e as aulas proibidas. Estas pessoas certamente têm cultura, mas uma cultura à sua maneira. Quem sabe, o conhecimento sobre o processo de benzeção, conhecimento sobre medicamentos, conhecimento sobre a lavoura? Na realidade eram pessoas que necessitavam ter conhecimento inerente à toda a sua atividade profissional diária. Isto também é cultura. Só não é uma cultura dentro do conceito europeu, do positivismo. Aquele positivismo 1101 do século dezenove, segundo o qual quem tinha estudo tinha cultura, se não tivesse estudo não tinha cultura. Hoje se sabe que a cultura não depende de estudo. Todo o ser humano tem cultura. Cabe perguntar, que cultura. Uma pessoa até pode dizer que tem mais cultura porque estudou na Europa. Mas o que ela faz com aquilo que aprendeu na Europa? Ela pode ser uma pessoa “chique” que sabe tudo, mas o que faz com o “cabedal” acumulado? O conceito de cultura é muito complexo. Será preciso fugir desta perspectiva eurocêntrica de cultura. O Brasil foi construído em cima desta perspectiva e por isto o “índio nada vale”, o “negro nada vale”, o “pomerânio nada vale” e assim por diante. Por quê? Porque “não tem estudo”. É um indivíduo sem cultura. 1101 O Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (17891799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte. 466 Tudo foi construído desta maneira no século dezenove. Era uma ideologia construída sobre o conceito cultura e que “decidia” quem era selvagem, quem era bárbaro e, digamos, quem tinha cultura. É a idéia da civilização e da barbárie. Tudo gira em torno, por exemplo, do tipo de cultura que o dono da biblioteca tinha nos seus três mil livros. E que tipo de cultura tinha a benzedeira anteriormente descrita? Talvez hoje ela fosse olhar para a geração “culta” e perguntar, “vocês que se dizem com cultura, vocês têm dor de cabeça, têm gastrite e eu não tenho este tipo de problema. Por quê? Porque eu respeito a terra. Eu conheço a medicina alternativa. Hoje os detentores do conhecimentos se consideram “civilizados” e ela “não o é”. Talvez ela esteja vivendo de forma mais saudável do que os “civilizados”? Aqui, por exemplo, fica relativizada a questão da civilização e da barbárie. Poderia-se até perguntar, se hoje, com todo o estresse, com esta alimentação de forma absolutamente inadequado não somos mais bárbaros do que este pessoal com sua vida simples, em muitos aspectos ainda orientados pelas leis da natureza? Estas pessoas vivem do jeito deles. Talvez hoje nós sejamos intelectualmente inferiores por não identificarmos certas características que este povo vê e vive. É por isto que esta cultura precisa ser valorizada e preservada. Pode-se dizer que os teuto-brasileiros do estado de Espírito Santo são sobreviventes de um processo de assentamento com graves falhas assistenciais. A ausência de uma adequada assessoria aos imigrantes europeus e de seus descendentes que para cá vieram, ainda hoje pode ser registrada na forma de diferentes problemas sociais. “E hoje, com 40 anos de profissão, 467 tenho certeza absoluta que a culpa não está no aluno em si e sim na forma como o professor o colocou na sala de aula”. 1102 Na década de 1970 a televisão passou a impor uma nova moral. Aguçaram-se os conflitos entre as gerações. Chegaram novos modelos de comportamento, sem os tradicionais valores. Para alguns esta era a homogeneização cultural patrocinada pela mídia. Em algumas escolas como aconteceu em Afonso Cláudio, registrou-se um aberto combate à língua pomerana sob o argumento de que o “idioma brasileiro” deveria ser apenas a língua portuguesa. Em Santa Maria de Jetibá, em um flagrante desrespeito ao ser humano, um Juiz de direito deu voz de prisão a jovens agricultores pelo simples fato de não conseguirem se expressar em português. Este foi o efeito mais doloroso e mais danoso causado pela ausência do Estado no processo de integração dos “sobreviventes” dos descendentes de pomerânios desassistidos. Felizmente hoje o processo de aculturação segue um caminho mais harmonioso. Se de um lado temos as escolas públicas chegando a todos os recantos, também temos uma cultura pomerana sendo valorizada, especialmente pelo resgate da sua língua no processo de ensino aprendizagem e também no respeito aos valores individuais do cidadão. A maioria dos filhos dos pomerânios que estão aqui na cidade não falam mais o pomerânio. Temos agora com este projeto de educação escola pomerana. Vamos reverter isto um pouco, ou seja, a escola já tem a língua pomerânia como matéria. Tanto que ele já foi co-oficializado ao lado do português. O pomerânio é uma língua oficial. E está sendo aos poucos, implantado. É Lei municipal, amparada em 1102 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 468 Brasília, na nova maneira de ver a diversidade dos direitos lingüísticos, segundo a Declaração Universal dos Direitos 1103 Linguísticos. 9.9 O processo de aculturação Para se compreender melhor as dificuldades havidas no processo de aculturação do imigrante pomerânio e dos seus descendentes no estado de Esírito Santo, novamente será necessário recuar na história. Há mil anos este povo vem passando por repetidas adaptações. Em decorrência das próprias migrações dos povos, nas quais terminaram sendo envolvidas, passaram por diversas fazes de aculturação. Assimilaram populações vindas de diferentes regiões da atual Alemanha. Familiarizou-se com a própria língua alemã, apesar de terem conservado e garantido seu próprio idioma, até por meio de publicações em língua pomerana, especialmente da chamada bíblia de Barth. “Interessante. Só que, o pomerânio não era língua de prestigio. Na verdade foi, porque a língua hanseática foi a língua pomerana. Mas quando decaiu a Liga Hanseática, foi entrando o alemão”. No Brasil, assimilaram 1104 palavras do idioma nativo, especialmente de ferramentas de trabalho, de novos alimentos ou dos nomes das localidades. Tomaram “emprestando” novos termos, porém conservaram a sua própria língua. Mesmo assim, facilmente se pode constatar que, na sua evolução, as diferentes colônias pomeranas no Brasil também seguiram diferentes caminhos. Assim, 1103 1104 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 469 na cidade de Pomerode, no estado de Santa Catarina ocorreu uma importante industrialização. Já no Rio Grande do Sul, a colônia de São Lourenço, com suas “Freigemeinden 1105 ” (comunidades livres) manteve sua característica agrícola. Os assentados da região de Santa Cruz do Sul, Trombudo, Agudo integraram-se à colonização germânica aqui existente. Em contrapartida, a colonização pomerana no estado de Espírito Santo desde o início passou a experimentar um gradativo processo de distanciamento dos outros grupos populacionais ali existentes, tanto por motivos religiosos como até mesmo logísticos 1106 como linguísticos 1107 1108 . Isto levou a um gradativo processo de hibernação e que, praticamente, viria a durar cem anos. Já na década de 1960, muitos pomerânios das gerações mais novas passaram a migrar para as cidades. Foi a fase da urbanização da população pomerana na qual, talvez como conseqüência de toda esta discriminação sofrida e pelos dissabores geradas pela perseguição à cultura teuta, muitos jovens passarem a falar apenas o idioma pátrio, escondendo sua origem pomerana. (Nos dias atuais) O pomerânio por esta educação mais rígida que recebe, ouve mais e questiona mais. O pomerânio sempre foi muito discriminado. Mas as crianças rapidamente aprendem as coisas. É uma coisa fechada que não tem coragem de fazer publicamente, mas se você dá a 1109 chance de fazer, de desenvolver, termina fazendo. 1105 FACHIN, op. Cit. Não confessavam a religião católica, com passaram a nãoseram bem vistos pelas autoridades da religião oficial do império. 1107 A língua pomerana como barreira na comunicação com a população nativa. 1108 Assentamento nos própios lotes, com isto pulverizando um população escassa por uma extensa área geográfica. 1109 Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 1106 470 A população de origem pomerana da cidade de Pomerode parece já estar mais integrada à cultura brasileira. O idioma do cotidiano passou a ser o português, sem, entretanto, terem perdido seus traços culturais, suas danças e suas músicas. Poucas pessoas, principalmente os mais idosos ainda falam a língua pomerana, especialmente na região rural ou nos vales mais afastados. Nas colônias pomeranas capixabas, ao contrário, a fala da língua pomerana continua acontecendo no dia a dia de um percentual significativo da população. Houve toda uma adaptação, desde a alimentação até a assimilação de novas ferramentas de trabalho e novos hábitos de vida. “Exatamente, são tantas coisas que já foram adaptadas para as circunstâncias locais. Isto se nota porque o pomerânio de lá é totalmente diferente do pomerânio daqui”. 1110 Conversando com os entrevistados que já visitaram as colônias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul pode-se constatar que há uma diferença muito grande em cima de todo um direcionamento havido lá e cá. De um lado existe uma forte industrialização de Pomerode com todas as suas implicações trabalhistas, linguísticas e também de integração urbana. Do outro lado há a preservação da agricultura de subsistência como elemento preservador de toda uma cultura conservadora. São mundos diferentes apesar das populações terem a mesma origem. A população de Espírito Santo não pode querer “ser” Pomerode” ou “São Lourenço” e vice-versa. Hoje temos a agricultura no Espírito Santo e a indústria em Pomerode. São diferenças que precisam ser 1110 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 471 administradas. São “tensões” com as quais a cultura pomerana precisa conviver. (O pão, também conhecido por Brot) é um produto tipicamente brasileiro. Na verdade, quando os pomerânios chegaram aqui e ficaram em quarentena na Pedra d’Água e depois subiram até Santa Maria, ganharam feijão, ganharam um terço de milho e ganharam farinha. Quando ganharam farinha reclamaram dizendo que não iriam comer pó de serra. Na verdade na sua culinária européia não chegaram a conhecer farinha feita de mandioca. Na verdade precisaram fazer várias experiências até que chegassem a esta composição própria do pão capixaba. Entra aqui a questão da adaptação do pão de milho. Se compararmos a gastronomia pomerana do sul e esta daqui, veremos uma grande diferença. Agora, se você for bem para o interior verá que o pão de milho ainda faz parte de forma muito marcante do dia da dia das pessoas. São fatos que 1111 continuam muito vivos. Um outro fato curioso dos pomerânios e que a igreja não conseguiu acabar é a tal da coroa de pentecostes (a Pfingsterkrone). Na verdade na doutrina luterana existe pentecostes, mas não existe a coroa de pentecostes. A parte mística que se conhece está relacionada a esta coroa feita de “pau pereira” depois de seca. Originalmente este enfeite era pendurado dentro de casa e hoje já chegam a pendurar dentro da igreja. Entre os pomerânios costuma ser colocado no sótão das casas e pretensamente iria proteger contra raios, tempestades. De certa forma também serviria para a cura de algumas doenças. Das suas folhas faziam chás ou colocavam estas folhas secas da coroa de pentecostes dentro do banho. De ano para outro a “Pfingsterkrone” era guardada. A data de pentecostes existe dentro da igreja luterana, entretanto, a figura da coroa de pentecostes supostamente criou uma nova tradição e que 1112 continua sendo praticada no nosso meio. 1111 1112 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 472 As folhas do “pau pereira” presumivelmente possuem algum valor medicinal, além disto, elas, mesmo secas, mantém a cor verde original. A igreja cristã dentro dos seus primórdios foi muito sábia e usou alguns símbolos pagãos, dando-lhes 1113 um sentido religioso cristão. A vida do colono pomerânio ao longo dos últimos 30 anos sofreu grandes influências e que alteraram seus hábitos e costumes. Por fim, observa-se cada vez mais pomerânios que não mais falam a língua pomerana. Toda esta migração até emigração para Rondônia na década de setenta se deve em função do módulo rural. O pomerânio recebeu pouca terra. E também como também ao modo de transmissão da herança. Entre os pomerânios em geral é um filho que herda a terra. Mas isto tem uma lógica. As pessoas às vezes falam disto e criticam. Eu sempre digo que a sociedade pomerana por mais que ela possa parecer tradicional aos olhos de outras pessoas, ela é uma sociedade que funciona. O filho mais velho, muitas vezes é o que herda a terra. As meninas em geral não ganhavam terras. Os demais, para impedir que estas terras se dividissem muito, tinham que procurar outro trabalho. Muitas vezes ganham estudo ou ganham terras. Agora se há esta questão mesmo em que os pais são obrigados a dar um pedaço da terra para cada filho e logo a terra vai sendo 1114 cada vez mais dividida e não sobra lugar. Neste aspecto pode-se avançar um pouco mais. Começa a haver todo um empenho, não só na escola, mas também no trabalho e que visa criar um novo mercado de trabalho. Não adianta criarmos uma universidade pomerana só para a formação de “doutores”. Em Santa Maria muitas pessoas tiveram que aprender a comunicar-se 1113 1114 Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08. Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 473 na língua pomerana. Quem não fala a língua está sendo induzido a aprender para conseguir acesso a determinados postos de trabalho. Agora, será preciso ter muita cautela. Esta jamais poderá ser uma lei escrita. Poderá até ser uma lei de mercado. Caso contrário, qualquer demanda judicial poderá trazer muitos problemas por conta da inconstitucionalidade. Afinal, a língua brasileira oficial é o português. Hoje há quem pergunte o porquê de se estar preservando um idioma de um grupo minoritário como o dos pomerânios. A estes se pode devolver a pergunta ao questionar do porquê dos suíços estarem preservando a língua rätoromânica, falado por apenas meio porcento da sua população. Esta língua, além de ainda ter cinco variantes distintas, é falada por pouco mais de 37.000 pessoas do cantão de Graubünden. Se na Suíça preservam o que para eles é um valor cultural, porque aqui no Brasil, onde temos cerca de 250.000 descendentes de pomerânios não se pode ter valores culturais que englobem uma língua própria? Quantos ainda falam a língua pomerana? Por quanto tempo continuará sendo utilizada? Não importa. O que importa será poder respeitar a cultura e o idioma deste povo. Há toda uma evolução, até em cima de toda uma inovação da tecnologia, com novas palavras e novas situações. Da mesma forma a língua pomerana precisa adquirir termos novos. A língua terá que resolver a questão da cultura. Quem for trabalhar somente com enxada não vai sobreviver. Terá que aprender a trabalhar com maquinário. Por outro lado, o que permanece são outras questões como, por exemplo, se você for olhar o seu jeito de comer, de se mexer verá que a própria estrutura física, biológica tem muita diferença. “Pommricha Moocha ka alles verdrocha” (o 474 estômago pomerânio agüenta qualquer coisa) Isto é história. A tradição tem que ser cultivada. Se é bom, vamos cultivar e manter. Lógico, se é ruim, vamos deixar de lado. Se é bom, 1115 vamos repetir. Isto faz parte da história. Temos que investir em pessoas que estão se especializando neste tipo de trabalho, estudando a cultura para mostrar o que de fato existe. É importante falar em cultura pomerana. 1116 Do porquê de toda esta identificação com o pomerânio . Este é o principal motivo pelo qual se precisa documenar e registrar todos os fatos relacionados à imigração pomerana nos seus diferentes aspectos. Deve-se investir em projetos que visam resgatar história. 1115 1116 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 475 10 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS Na década de 1970 tinha-se a nítida impressão de que muitos valores da cultura teuto-brasileira estavam fadados ao desaparecimento. Acreditava-se que mesmo o lento, porém gradativo processo de miscigenação de uma boa parcela da população capixaba de origem pomerana e germânica, principalmente ou com a população italiana, poderia estar levando ao desaparecimento de todo um patrimônio cultural. No ano de 1975 a televisão começou a chegar à colônia. Um novo “padrão de família” difundido pela mídia passou a ser assimilado e tomado como exemplo. Muitos adolescentes e adultos jovens saíram de casa, seja para estudar ou para trabalhar no comércio e na indústria. No comércio das cidades, jovens pomeranos passaram a competir com um novo mercado de trabalho. O português passou a ser utilizado por cada vez mais jovens. Na prática, o uso cotidiano da língua pomerana parecia estar cada vez mais restrito. Este foi um momento em que, de um lado a população como um todo estava se adaptando às novas tendências à homogeneização cultural brasileira. Por noutro lado, começou também um incentivo ao resgate de valores culturais e de procura pelas raízes. Queremos dar um norte para que a população daqui saiba que somos pomerânios. Vamos valorizar o pomerânio. 476 Temos que mostrar o que é pomerânio e o que o pomerânio tem. E isto foi um destes elementos que deu uma destas valorizações das coisas pomeranas. Não adianta subir no palco ou na tribuna e dizer que somos pomerânios, quando não se faz nada pelos pomerânios. Esta valorização é um resgate, no qual a própria comunidade de reuniu e decidiu 1117 que queremos a cultura pomerana . Aqui cabe uma profunda reflexão: o que significa ser pomerânio no contexto brasileiro? Como descendente de pomerânio, vivemos em uma terra brasileira. Temos que ser patriotas. Temos que defender os nossos ideais como brasileiro. Mas, ao mesmo tempo não podemos perder nossas origens, nosso jeito de ser, o jeito de viver, o jeito de organizar a nossa vida, o jeito de trabalhar. Este nosso jeito bem próprio é que faz a diferença. A própria culinária da Europa em grande parte foi perdida, porque os que vieram não encontraram os mesmos mantimentos que conheciam no seu país de origem. Criou1118 se uma nova culinária, bem própria. Uma significativa parcela da população teuto-brasileira, tradicionalmente comprometida com as atividades no campo, passou a seguir um novo rumo ao participar cada vez mais do mercado de trabalho oferecido pela vida urbana. O dia a dia destas pessoas foi sendo modificado em função de toda uma mudança de hábitos, costumes e do próprio trabalho. Novas profissões começaram a ser exercidas. Novos nichos de mercado foram abertos. Alguns poucos foram muito bem sucedidos. Outros enfrentaram dificuldades. Cabe a pergunta: O que fazer para melhor adequar o pomerânio a esta nova realidade? São dois os caminhos 1117 1118 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 477 a serem observados. Há a necessidade de conservar os valores culturais deste povo ao mesmo tempo em que será preciso oferecerlhe novas oportunidades de trabalho. Foi também uma observação que fizemos sobre Pomerode. As pessoas daqui ficaram ilhadas. As pessoas de lá praticamente não sabem mais falar pomerânio. A música é um fator cultural muito forte em Santa Maria. É uma coisa fora do normal. Temos muitas crianças fazendo música dos quais a grande maioria não sabia falar português. Chegamos lá e a maioria do público jovem de Pomerode não sabe mais falar pomerânio. A própria juventude fez esta observação: em Santa Maria temos que manter este valor. Porque lá os de mais idade concluíram que haviam perdido tudo isto. Eles chegaram a dizer isto. Conversamos com eles em pomerânio. Eles chegaram a falar: chegamos a perder tudo isto. Tem um grupo bom que ainda fala alemão. Este intercâmbio foi um check up que o próprio pomerânio de Santa Maria pôde avaliar. Eu acredito que nesta reformulação de valorização da cultura pomerana o principal ponto foi a introdução da língua pomerana nas escolas. Este foi o ponto inicial não só de Santa Maria como também das outras cidades onde isto ocorreu. O caminho é o da educação. O maior vínculo de comunicação entre o interior e a cidade é a escola. Se nós, com a continuação deste trabalho em sala de aula, fizermos um bom trabalho, tenho certeza absoluta que teremos definitivamente a valorização 1119 deste programa de resgate da nossa cultura. Hoje já se estabeleceu um intercâmbio com outras comunidades pomeranas do Brasil, como a de Pomerode, em Santa Catarina e a de São Lourenço, no Rio Grande do Sul. O intercâmbio trouxe constatações e também trouxe reflexões. A industrialização trouxe ganhos e perdas. Perdas em termos da não preservação de antigos hábitos e costumes. Perda na preservação da língua, talvez 1119 Cf. trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08 08. 478 da música. Trouxe também ganhos na forma de uma ascenção sócio-econômica e na integração com outros segmentos da população. Entretanto, a migração para as regiões urbanas no estado de Espírito Santo também trouxe perdas. E os ganhos? Terão que ser contabilizados. As mudanças continuam acontecendo e há a necessidade de adequação. Os jovens precisam estudar. Será realmente necessário estudar? Estudar o quê? São perguntas a serem respondidas mais adiante. No ano passado, por ocasião do encontro nacional de trombonistas, tivemos a oportunidade de levar cerca de 800 pomerânios que também eram músicos, para uma visita técnica nas comunidades pomeranas no sul do Brasil. Foi uma experiência muito boa. Observamos que temos o fator cultural muito mais presente do que eles. Falamos uma língua pomerana mais fluente do que eles. Até pensávamos 1120 que na questão da língua estivéssemos fracos. Uma grande parte dos descendentes dos teuto-brasileiros capixabas continua vivendo nas regiões de Domingos Martins, Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Itarana, Afonso Cláudio, de Laranja da Terra e em um grande número de municípios do norte do estado. Entretanto, quase outros tantos, cujo número é impossível de precisar, atendendo ao chamado do seu perfil de eternos migrantes de um país já não existente, seguiram viagem, em sua contínua procura por “melhores terras”. Muitos estados como Minas Gerais, Paraná, Rondônia, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já receberam e continuam recebendo migrantes capixabas. Mas, há também os que hoje já voltaram ao velho continente e vivem na Alemanha, na 1120 Cf. trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 479 França e até na Austrália. Este terminou sendo o destino de um povo de uma nação que já não mais existe. Dentro do resgate e da valorização da cultura pomerana, o que chama atenção em Santa Maria... É justamente a implantação do Programa da Lingüística do Pomerânio na Sala de Aula. Todos os alunos da primeira até a quarta séria do Município de Santa Maria... Tem estimulado o uso do pomerânio no cotidiano da sala de aula. Este trabalho começou em 2005, quando a Secretaria de Educação implantou este programa junto com os municípios de Domingos Martins, Laranja da Terra, Vila Pavão e Pancas. O que aconteceu? No final de 2006 já observamos nas festividades do município uma valorização da própria comunidade do interior através das manifestações dos que tiveram acesso ao estudo do pomerânio. Em 2006 tivemos uma reviravolta na festa do município e passamos a ter somente a Festa do Pomerânio. Reestruturamos tudo que havia de pomerânio. Tiramos o que não era daqui e fizemos uma festa tipicamente dos pomerânios voltada para os pomerânios. Uma cena que até chocou muito, foi a volta da encenação do casamento pomerânio. Eu lembro dos casamentos do pessoal do interior que vinha casar aqui na igreja central. As pessoas em cima dos carros com aquela típica manifestação de antigamente. Ouvia-se o “juchen”, o grito de euforia típico dos pomerânios. Hoje o pomerânio novamente se orgulhoa de mostrar os seus costumes. Inclusive a mídia chegou e fez uma cobertura em cima deste 1121 fato histórico. O que fazer com a parcela de pomerânios que continuam nesta vida de eternos migrantes? Historicamente o pomerânio passou por 900 anos de muitas dificuldades. Até porque a antiga Pomerânea foi um corredor de passagem de tropas em intermináveis guerras. Em diversos momentos grande parte da sua população foi morta. Estas pessoas aprenderam a fugir e a se 1121 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 480 esconder. Passaram a ter uma vida quase cigana. Saíram de terras descampadas, desmatadas. Chegaram ao Brasil coberto de florestas. Para poderem plantar tiveram que abrir o seu espaço. Tiveram que derrubar a mata, queimar o que sobrou da floresta para conseguirem plantar. Depois de alguns anos, ao verem suas terras esgotadas seguiram para novas florestas e novamente “derrubaram, queimaram e plantaram”. Isto fez com que em poucas décadas boa parte do estado de Espírito Santo ficasse com extensas áreas desmatadas. Apesar disto, nos dias atuais perto de 40% da superfície de Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá estão cobertas de mata nativa ou neoformadas. Na década de 1950 muitos pomerânios foram para o estado de Paraná. Na década de 1960 redirecionaram o fluxo migratório para Rondônia, sempre na procura por “terras melhores”. Hoje já chegaram a Rio Branco, no Acre. Há quem diga que alguns já chegaram à divisa com a desenvolveram uma “Wanderbauern” (agricultores Venezuela. sistemática Na migração. itinerantes), ou verdade eles Tornaram-se seja, nunca conseguiram parar de migrar. No início eram as famílias numerosas na procura por terras. Hoje, continuam migrando à procura de um “lugar melhor”. Quando terminar o espaço e não tiverem mais para onde migrar, o que vai acontecer? Alguns já estão retornando. Isto significa que fracasaram? É preciso lembrar que se mantiveram na “eterna procura por um lugar melhor”. A ida para o desconhecido sempre vinha sendo feito com a idéia de que vão progredir. São novos dilemas. Para ficarem aqui, terão que aprender a trabalhar em algo que lhes permita serem eles mesmos. Vão ter que estudar. Estudar teologia, direito? Todos? 481 Não! O maior vício deste paí reside justamente na indústria de faculdades. Todo mundo é doutor. Engenheiro é doutor. Assistente social é doutor, enfermeiro é doutor e assim por diante. Parafraseando, lembremos von Krickow, se referindo aos pomerânios católicos depois destes terem transformado seus latifúndios em minifundios improdutivos: “Somos senhores (feudais) sim, mas, quem fará nosso trabalho?” Agora, fazer o trabalho pesado da colônia, quem o fará? Há uma grande preocupação: “O que eu vejo, por exemplo, no Espírito Santo é que eles estão vindo muito para a cidade. Aqui em Santa Maria estão saindo da roça e vindo para cá.” 1122 O que fazer com o pomerânio que permaneceu no campo? Dar-lhe instrução? Dar-lhe instrução é muito fácil. Mas, o que fazer com ele depois de ter sido instruído? Que tipo de trabalho poderia fazer? Santa Maria, por exemplo, criou um casamento muito feliz com a cultura hortifrutigranjeira e avicultura. Ou seja, criaram uma simbiose, onde o excedente do criadeiro de aves pode adubar a lavoura e a produção agrícola auxilia na alimentação das aves. É um círculo vicioso que deixa ótimos resultados e estes por seu lado trazem um bom retorno financeiro. Quem tem vontade de estudar não fica. Quem fica permanece naquela vidinha mesmo. Não sei. Tenho uma prima em Lagoa e um dia ao telefone ela me disse: Ah, por aqui não tem nada para fazer mesmo... Tem uma outra prima, que sempre foi professora lá em Lagoa, fez faculdade em Venda Nova, está terminando pós-graduação, já foi conhecer a Alemanha, já é avó, agora em setembro vai casar uma filha, isto é, como todo ritual como foi a outra. Há os dois lados. Tem esta questão aí, que é muito complicada. 1122 Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 482 Eu um dia via uma matéria que saiu sobre Mata Fria. As dificuldades que os jovens estão tendo quando querem sair de lá, quando querem sair porque e não sabem falar português, porque lá aprendem a falar exclusivamente o pomerânio. Aí eles querem fazer vestibular, mas não conseguem porque não sabem falar português. Lá ainda é muito fechado. Na medida em que os jovens tiverem acesso a melhores escolas, conseguirão completar sua instrução básica. Isto os habilita à disputa por melhores empregos e melhores oportunidades de trabalho. Sim, também os habilita ao vestibular. Desta forma, já com acesso à instrução superior poderão concorrer nos mercados de outras modalidades profissionais. Cabe novamente uma pergunta. Qual é o mercado de trabalho deste grupo populacional? Não basta prepará-lo para um mercado igual ao de Pomerode. Será preciso respeitar peculiaridades regionais. Mas esta matéria saiu na televisão há cerca de um ano atrás, descrevendo os adolescentes que tinham esta dificuldade. Eu vejo muitas pessoas, como primas minhas que moram em Laranja da Terra que me dizem: eu não vou ficar aqui, como meu pai ficou. Como meu avô, dono de todas as terras e não deixou meu pai plantar outro tipo de café. Agora terá que esperar meu avô morrer para poder plantar. Foi o que o meu pai falou. Eu não quero isto não. Ela trabalhava o dia inteiro em Laranja da Terra, começou a fazer curso superior em Afonso Cláudio, foi para os Estados Unidos. Tem gente que tem esta garra. Agora outros parecem ter esta tendência, mesmo com estes incentivos, 1123 com a escola. Não sei se isto é genético. Hoje o próprio pomerânio passou a valorizar aquilo que até pouco atrás muitos tinham vergonha de mostrar. Isto está acontecendo de tanto batermos nesta tecla nestes últimos 1123 Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08. 483 três ou quatro anos. Hoje se pode ver que a própria comunidade local está se sobrepondo. Hoje qualquer pessoa tem coragem de falar em pomerânio. Você sente orgulho. Estes trabalhos que vocês estão fazendo, que o Pastor Ito Port fez e que o Pastor Helmar fez ajudaram a valorizar a nossa cultura. Se nós mesmos não valorizarmos, quem irá valorizar a verdade do pomerânio? Um outro fato que estamos observando nestes últimos quatro anos [...] é como o ambiente dos pomerânios na sala de aula está influenciando a curiosidade dos novos. Há um nítido aumento de saída dos livros doados nas escolas. São valores que a gente está tentando resgatar. É toda uma curiosidade que os professores estão despertando nos alunos fazendo com que comecem a se interessar pela vida dos seus antepassados. Assim, a maioria da juventude pomerana já tem uma nova visão sobre a própria cultura pomerana. Aqui estamos recebendo cada vez mais grupos de pessoas procurando informações sobre o assunto. Ainda falta muito a ser feito. Já temos um resultado muito significativo para o resgate de toda esta tradição pomerana. 1124 Nos dias de hoje, o grupo pomerânio tornou-se majoritário entre os descendentes dos imigrantes europeus no estado de Espírto Santo. Retomando a pergunta anteriormente feita, pode-se dizer que, muito pouco se pode “fazer pelo pomerânio”. O que se pode fazer será ajudar este povo a acordar para o seu potencial ainda adormecido, e que eles mesmos terão que descobrir. São habilidades que poderão vir a ser exploradas, na medida em que lhes forem sendo oferecidas oportunidades adequadas de capacitação. É um potencial de trabalho cujas possibilidades são incanculáveis. Comecemos pelo primeiro ponto. Neste momento, simplesmente tirar o pomerânio da roça não resolve o seu problema. 1124 Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 484 Sempre foi um povo com um prufundo vínculo com a terra. Pode-se, isto sim, partir para uma diversificação de culturas. Santa Maria de Jetibá conseguiu um resultado fantástico com a “simbiose” da hortifruticultura e avecultura. Foi preciso levar os recursos da cidade para o campo, como no exemplo da energia elétrica com todo o conforto por ela gerada. Será preciso muito mais: Quem sabe, trazer um cooperativismo que possa, digamos, englobar toda a cadeia de produção, desde o produtor até o consumidor. Desta forma, o lucro do intermediário poderia ser revertido em benefício do produtor. Diversos exemplos podem ilustrar este aspecto: Na produção do café há muitas oportunidades que ainda não estão sendo exploradas. Desta forma, uma cooperativa pode receber a produção de café já despolpado dos associados (colonos), pilar, torrar, embalar e colocar este produto (sem agrotóxicos) diretamente nas gôndulas dos supermercados de Vitória e do Rio de Janeiro. Uma cooperativa de produção de peças de cerâmica, incluindo vasos de flores, folhagens, peças de decoração, ou outros artigos de artesanato poderia explorar um mercado muito amplo. Só como exemplo, vale citar, que no Rio Grande do Sul se comercializa cerâmica produzida na Ilha de Marajó. É um potencial a ser explorado! O próprio reflorestamento poderia ser uma importante fonte de recursos. Na Austrália existem cerca de quinze variedades de eucaliptos. Qual a variedade que melhor de adapta ao clima de Espírito Santo? Praticamente todas. Já existem diversas experiências neste sentido, inclusive em Serra Pelada. Será preciso lembrar que, cada vez mais está faltando madeira para a construção 485 civil (escoramentos). Dentro de 20 ou 30 anos faltará madeira para a fabricação de móveis e aberturas. Porque não seguir o exemplo da Austrália que, há anos, já utiliza este recurso? Também a representatividade política do povo pomerânio poderia ser mais bem explorada. Quantos deputados estaduais já foram eleitos pelos imigrantes teuto-capixabas? Um deputado Schwartz? Um deputado Seibel? Quantos prefeitos já foram eleitos? Quantos vereadores? Olhermos para mais longe! Uma população de 150.000 descendentes de pomerânios consegueriam eleger seis, oito ou até dez deputados? Depois virão as estradas. O transporte é fundamental para o escoamento de safras. Se tiverem represetantes na Assembléia Legislativa, poderão conseguir estradas! Figura 55: Propaganda eleitoral de candidatos pomeranos. 486 “Precisamos deixar o pomerânio ser pomerânio!”, como disse o professor Tressmann. É importante lembrar que não se pode e não se quer recriar no Brasil uma Pomerânea européia. O pomerânio que hoje vive no Brasil, antes de qualquer coisa, é brasileiro, mas que cultiva suas tradições. Neste aspecto, é um cidadão brasileiro com um grande potencial de trabalho. Basta descobrir novos caminhos para o seu desenvolvimento. De uma forma geral, os imigrantes teutos e seus descendentes sempre tiveram uma grande preocupação com a aquisição de terras para seus filhos. Praticamente toda a riqueza gerada durante as primeiras décadas foi convertida em herança para seus descendentes. Os diferentes ciclos de migração interna e o contínuo “recomeço” nas novas propriedades fez com que a prioridades econômicas das famílias continuassem sendo as mesmas até, praticamente, a metade do século vinte. A partir desta época, a integração com outros segmentos da população passou a estimular a procura por uma maior ascensão sócio-econômica. Em contrapartida, depois da segunda grande guerra tinha-se a nítida impressão de que muitos valores da cultura teuto-brasileira estavam fadados ao desaparecimento. Já no final da década de 1970 a cultura pomerana é “redescoberta” e passa a ser veiculada, pelos diferentes meios de divulgação disponíveis. Aos poucos o próprio pomerânio começa a valorizar aquilo de que até pouco tempo atrás tinha vergonha de mostrar. Este resgate da sua língua, da sua música e das suas danças deram um novo impulso à valorização da sua gente. Enfim, o pomerânio passou a sentir orgulho daquilo que faz, que produz e que pode apresentar. 487 Por fim, a imigração pomerana no estado de Espírito Santo foi um empreendimento com características muito próprias e representa uma importante fase do extenso processo de imigração européia no Brasil. 488 REFERÊNCIAS ALVES, D.B. Cartas de imigrantes como fonte para o historiador: Rio de Janeiro Turingia (1852-1853). Rev. Bras. Hist. São Paulo, n.45, v.23, 2003. 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Alem disto, sempre que quiser, poderá pedir mais informações sobre o estudo através do telefone 0 XX 51 8184 4828. d. Durante esta conversa eu, como entrevistador, de maneira bem informal, farei uma série de perguntas sobre a imigração e sobre os pomerânios que aqui viveram ou vivem. Esta conversa 499 será gravada e servirá para a preparação de um livro sobre a vida dos pomerânios no Estado de Espírito Santo. e. A sua participação nesta entrevista não vai trazer qualquer tipo de risco ou constrangimento, ou seja, as perguntas que eu farei e também as respostas dadas por vocês não vão trazer qualquer tipo de problema. Tudo será realizado dentro da Lei, conforme estabelecido pelo Conselho Nacional de Saúde, na Resolução no. 196/96. Ou seja, o que for dito aqui ficará guardado em Sigilo e nada do que for escrito nos relatórios poderá identificar o nome dos que vão participar das entrevistas. f. Benefícios: Ninguém vai receber qualquer tipo de pagamento e ninguém vai pagar qualquer valor por estar participando desta pesquisa. Espero que o estudo possa trazer importantes informações sobre a história dos pomerânios que aqui viveram e ainda vivem. Quero que mais pessoas venham a conhecer a história dos pomerânios capixabas. g. Depois destes esclarecimentos, convido-o(a) para participar voluntariamente deste estudo. E, se concordar com isto, gostaria que preenchesse os itens abaixo: Declaro que compreendi o que me foi explicado e que está escrito acima. Declaro também que, de forma livre e esclarecida, que dou o meu consentimento em participar da pesquisa “Imigrante no Século do Isolamento – 1870 / 1970” ______________________________ Nome do Participante da Pesquisa __________________________________ Assinatura do Participante da Pesquisa 500 _________________________________ Assinatura Pesquisador Ivan Seibel _____________________________ Assinatura do Orientador TELEFONE Pesquisador Ivan Seibel: Telefone: 0 XX 51 81844828 Secretaria da EST: Fone: 0 XX 51 2111 1400 e Fax: 0 XX 51 2111 14112111-14002111-2111-14001400 501 ANEXO B Título da Pesquisa: “IMIGRANTE NO SÉCULO DO ISOLAMENTO - 1870 / 1970” Nome do Pesquisador: Ivan Seibel Nome do Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz Roteiro para o debate informal sobre o tema da pesquisa com os entrevistados. O entrevistador faz a pergunta, seja em pomerânio, em alemão ou em português, enquanto o entrevistado responde de maneira informal. -------------------------------------------- h. No decorrer das conversas com os entrevistados o entrevistador, de maneira bem informal, formulou uma série de perguntas sobre a imigração e sobre os pomerânios que aqui vivem. Esta conversa foi gravada e serviu de base para o relatório sobre a vida dos pomerânios que aqui viveram ou que ainda vivem no estado de Espírito Santo. i. j. k. l. m. n. o. p. q. r. s. 502 Como é o seu nome? De onde vieram os seus antepassados? Por que saíram da Europa e vieram para o Brasil? Conheces a história dos pioneiros da imigração no estado de Espírito Santo? Como eles chegaram aqui? Onde foram assentados depois da chagada. Porque na época costumavam ter tantos filhos? Como era a vida destes pioneiros aqui em Espírito Santo Por que anos mais tarde tiveram que emigrar de Rio Farinhas? Para quem ficaram as terras dos pais quando os filhos saíram de Rio Farinhas? Para onde foram ou em que outros lugares chegaram a morar? t. Depois disto, porque escolheram Santa Joana (ou a outra localidade)? u. Como era a sua alimentação? v. Aprenderam a falar português? w. O que sabes das comunidades da época? x. Como eram as igrejas? y. De onde vinham os pastores daquela época? z. Como eram as escolas da época? aa. Quem dava as aulas? bb. O que eram as terras quentes? cc. Quando decidiram vir para Laranja da Terra (ou a outra localidade)? dd. Como era a vida destes pioneiros em Laranja da Terra (ou a outra localidade) ee. O que sabem da “Primeira Grande Guerra”? ff. Como era a “Época de 1920”? gg. E a vida de vocês quando eram crianças, do que se lembra? hh. Vocês aprenderam a falar em português? ii. Vocês tinham contato com “brasilioner”? jj. Como eram as escolas, as “Gemeindeschaul” da época da sua infância? kk. Vocês freqüentavam a “Gemeideschaul”? ll. Quem dava as aulas? mm. A partir de que idade, naquela época, s crianças trabalhavam na roça? nn. Por que precisavam trabalhar na roça? oo. Como era o Ensino Confirmatório? pp. Como vocês se alimentavam quando eram crianças? qq. O que lembra dos costumes da época em que vocês eram crianças? rr. Como nesta época eram organizadas as comunidades e as igrejas? ss. Quem dirigia as comunidades? tt. Como eram construídas as igrejas naqueles tempos? uu. De onde vinham os pastores quando vocês eram crianças? vv. O que falavam da Alemanha? ww. O que os seus pais ainda contavam da Alemanha? xx. Como eram os casamentos quando vocês eram pequenos? 503 yy. Nesta época as pessoas ainda casavam na igreja católica apesar de serem luteranos? zz. Lembra de alguma coisa da “Revolução de 1930”? aaa. Os colonos tiveram algum envolvimento com estas revoluções? bbb. O que eram os jagunços? Chegou a conhecer algum? ccc. E quem os mandava? ddd. O que eram os “nazistas”? eee. O que eles diziam para vocês? fff. O que diziam para os colonos? ggg. Tinha algum alemão visitando os colonos? hhh. Os pastores participavam do movimento dos “nazistas” alemães? iii. Como pouco antes da Guerra eram as “Gemeideschaul”? jjj. Porque as escolas foram fechadas durante a segunda guerra mundial? O que sabes da Igreja Missúri? O que falavam dos alemães? lll. Já conhecia a comunidade Missúri na época da guerra? mmm. Alguém da família chegou a servir no exército brasileiro nesta época? nnn. Conheces alguém que serviu na Itália durante a Segunda Guerra? ooo. Com estes seus conhecidos voltaram da guerra? ppp. Como viveram depois da guerra? qqq. O que sabes da perseguição aos alemães durante ou depois da guerra? rrr. Quem foi preso? O que aconteceu com os que foram presos? sss. Algum colono foi preso? ttt. E as inscrições em alemão nos cemitérios? O que aconteceu com elas? uuu. Quem eram as pessoas que destruíram estas inscrições? vvv. Na época da guerra, onde as crianças aprendiam a ler ou a escrever? www. Quem, dos teus conhecidos ficou sem aprender a ler e escrever? xxx. Como ficaram as escolas “Gemeideschaul” depois da guerra? yyy. O que aconteceu com a igreja luterana depois da guerra? kkk. 504 zzz. O que mudou na Colônia depois da guerra? aaaa. Nesta época ainda faziam derrubadas para plantar café? bbbb. Quem não tinha terras, para onde ia? cccc. Como foi a vida na década de 50/60? dddd. Já aconteciam casamentos com “brasileiros” ou italianos? eeee. Quem costumava casar com pessoas de outras raças? Eles ou elas? ffff. Costumava-se namorar muito? gggg. E as moças que casavam grávidas? O que acontecia? hhhh. Como fica o véu e a grinalda, que eram o símbolo da pureza e da virgindade? iiii. Que costumes dos antigos ainda se praticava naqueles tempos? jjjj. Quantos filhos os colonos tinham nesta época? kkkk. Todos os filhos recebiam herança? llll. As filhas, o que recebiam quando casavam? mmmm. Havia médicos naquele tempo? nnnn. O que eram os “Wald Doktor”? oooo. O que representava da cegonha naquela época?Esta ave era rara? pppp. O que representava o macaco barbado nas histórias das famílias? Falava-se “Daí Oppa brinha klaina Kinna”. qqqq. Quem fazia as benzeduras das terras e das coisas ou pessoas que nela estavam? Fale-me das crianças recém nascidas e os cuidados de que necessitavam. ssss. Qual era o significado da bênção na igreja da mãe de uma criança recém nascida? tttt. Quem começou com este costume? uuuu. Como os colonos alemães eram tratados em 1960? vvvv. Como era o comércio nesta época? wwww. O que se podia comprar dos vendistas? xxxx. O que se costumava comprar nas cidades? yyyy. Quem costumava vender os produtos da colônia? O homem ou a mulher? zzzz. Para quem vocês vendiam o café? aaaaa. Chegou a conhecer as “sardinhas salgadas”? bbbbb. Onde as comprava? ccccc. Em 1970, como eram as comunidades? ddddd. Aberglauben, o que vem a ser? rrrr. 505 eeeee. As pessoas ainda acreditam? fffff. O que era um “Spauk” ? Onde existiam? ggggg. O que era o “an daun”? hhhhh. O que era o “gavião cova”? iiiii. As benzedeiras costumavam ser lideres da comunidade luterana? jjjjj. O que os pastores falavam das benzeduras? kkkkk. De onde vem esta crença? lllll. Os antigos a usavam muito? Por quê? mmmmm. O que era um Schutzbraif? E um Himmelsbraif? nnnnn. O que o pastor falava destas crendices? ooooo. Seus filhos e netos falavam “Plattdütsch” em 1970? ppppp. Quantos da sua família (porcentagem) ainda falavam “plattdütsch” nesta época? qqqqq. Alguém daqui nesta época ainda falava o alemão alto falado na igreja? rrrrr. Alguém dos seus conhecidos costumava escrever sobre a vida na colônia? sssss. Conheces algum texto ou alguma carta sobre os antigos? ttttt. Comentário final do entrevistado. 506 ANEXO C Apesar do conteúdo do anexo C não ter uma vinculação direta com as entrevistas efetuadas pelo pesquisador, este material preparado pelo Pastor Anivaldo Kuhn, um estudioso do tema e com adequação à proposta de grafia da Língua Pomerana realizada pelo historiador e professor doutor Ismael Tressmann, além de servir como fonte de referência para os questionamentos relacionados à perseguição dos teuto-brasileiros capixabas durante a primeira metade do século vinte, representa um documento funtamental para a conceituação linguística do idioma pomerânio. ----- Original Message ----From: Anivaldo Kuhn To: Ivan Seibel Sent: Monday, September 22, 2008 9:43 AM Subject: Re: Ik kan mij nog denka Bom Dia, Fico feliz em saber que mais este texto lhe interessou. Já passei os mesmos para várias pessoas. Tressmann usou muitas expressões no dicionário pomerânio. Sílvia Ackerman pretende usálos em sua tese sobre o integralismo. Antônio Roos está lançando um livro contando a história da imigração holandesa. Também Roelke recebeu cópias. O perigo da apropriação indébita sempre existe. Uma publicação afastaria este perigo, mas para tanto os textos estão muito desconexos, lacunosos, confusos e cheios de erros, tanto em português como no pomerânio. A minha meta era matar dois coelhos (antropologia e história) numa cajadada. Registrar na forma "bruta" em pomerânio algumas falas e sentimentos que são apenas pontinhas do "iceberg" da história deles contada. 507 Como por exemplo ,um descendente de holandeses que me contou que houve um tempo em se recrutava homens da colônia (Holanda Sta Leopoldina) para irem a guerra - não sabia que se tratava da guerra do Paraguai. Para não serem pegos, os homens, durante o dia ficavam escondidos na mata e durante a noite dormiam sobre uma pedreira de difícil acesso. Para subir na pedra havia uma escada que eles puxavam para cima depois da escalagem. Conta-se que alguém escondeu-se debaixo da saia da mulher quando procurado pela polícia Lembra uma cena do filme O Tambor (Blechtrommel - Katschuben). Outro enrolara-se numa esteira de taboa que servia de colchão. Durante o dia as esteiras eram enroladas e ficavam no canto da sala. Sabe-se de um holandes - van Het - que foi para a guerra e nunca mais se soube notícia do mesmo. Quanta história não se fez calar. Depois de 150 anos estamos aí a recolher cacos e juntar o quebra-cabeças. Para isso nada há que impeça a citação de alguma passagem das entrevistas que fiz, desde que sirva para trazer mais luz sobre o que foi por tanto tempo silenciado (Arquivo Público?) e tantas vezes malcontado. É preciso escrever e re-escrever muito ainda e sempre com óculos novos. Anivaldo Entrevistas em Pomerânio - Anivaldo Kuhn. Transcrição e tradução Anivaldo Kuhn; Proposta de Grafia da Língua Pomerana- Ismael Tressmann - Melgaço 2003 - Integralismo e Segunda Guerra; Páginas Sombrias. Entrevista A: Dun wäira’s ala ruunerforlangt un müsta sai ‘Ouviram do Ipiranga’ singa. Então eles foram todos convocados e tinham que cantar o Hino Nacional. Emil Schulz säär dun: E.S. disse então: “Wij häwa dat doch ni leirt! “Nós não aprendemos isso!. Wat schala wij dår singa?” O que nós vamos cantar lá! Dun säär mij fåter:?” Então 508 meu pai disse :“Den singst man: Então cante: ‘Tuk am büüdel, rak am sak’.” Mexa na mochila, coce o saco! Fom Plínio Salgado, dår haara sai dat ümer mit. Do P.S. eles sempre falavam. Grousfåter Franz wäir dår ni mit an? Vovô F. não fazia parte do movimento Dem häwa sai dår ni mit ranerkreega. Este eles não conseguiram convencer. Papa (Albert) häwa sai sou suit inblaud- sou suit inreerd. Papai (A) entrou na conversa doce deles. Wat däira sai dera lüüra den forspreeka, wem dår mit ranergüng? O que eles prometiam para as pessoas que se filivam? Dat wait ik ni meir. Isto eu não sei mais.Dår wäir ik jå nogklain...Neste tempo eu era criança... Dår kaim ain nijg regirung riner. Iria entrar um novo governo. Brasijlien däir beeter waara. O Brasil iria melhorar. Wäira dat feel in Tijuco Preto? Havia muitos adeptos em T.P? Dat wäir ain groud geschicht, wait Got wat dår ales bij wäir. Era bastante gente, sabe Deus quem tudo participou. Jeirer kreig air gruin hemd. Todos ganhavam uma camisa verde. Fain genäigt. Bem costurada. Dår müsta sai mit marschijra. Com esta eles tinham que marchar. Dat kan ik mij nog denka. Disto ainda consigo me lembrar Dat haar papa im kasta leigend. Esta camisa papaitinha guardada no baú. Wou is dat hemd bleewa? Onde ficou esta camisa? Ik main, dat hät hai nåheer forbrent. Eu acho que ele queimou esta camisa. Ik hew dat hemd ni meir saiend kreega. Eu nunca mais cheguei a ver esta camisa. Soldåta schula kåma taum dai hüüser uutrüümen. Soldados estavam para chegar e revistar as casas. Un nåheer, ais dat mit ais ales uutgåa is, wat hät dat dun geewt? E depois quando o partido foi extinto, o que aconteceu? Dun haara’s angst, dürwst kair meir wat fon säga. Aí eles tinham medo. Ninguém podia comentar nada. Wen’s sich mila däira, den haara’s angst sai wäira ruunerhoolt, 509 wäira inspuunt. Eles tinham medo de serem buscados e ficarem detidos, quem comentasse algo. Denåsta sär papa (Alberto) ümer: Depois papai (A) sempre dizia ‘Kair schul meir geigen dai regirung wääla. Ninguém deveria mais votar contra (o partido) do governo. Dat schal kair meir måka. Ninguém mais deve fazer isto. Ais häw ik mij dai nääs forbrent. Uma vez eu me queimei o nariz. Nij meir öfter. Nunca mais. Dårweegen häwa dai pomera ümer angst fon ain nijch regirung, sou as Lula. Por isso os pomerânios sempre têm medo de um novo governo como o do L. As Lula taum gewinen wäir, häwa sich wek bischeeda. Quando L. estava para ganhar muitos estavam se borrando. Nå dai gruinhemda kaim dai twaid wildkrijg? Depois dos Camisas-Verde veio a Segunda Guerra? Mit Düütschland güng dat jå lous. Começou com Alemanha. Dun ales oiwer em (Hitler) heer, bet’s em ruunerdrükt haara. Então todos foram contra H. até dominá-lo Hitler haar dai reer: H. dizia Air president upa eir, air got im himel Um presidente na terra, um Deus no céu. Dat schüül ales ain regirung waara ina gansa wild. Deveria existir apenas um governo no mundo todo. Wäira in Tijuco Preto dår wek mit an? Havia adeptos em T.P? Albert Koehler wäir dår air fon. A K foi um deles. Wat däir dai den säga? O que ele dizia? Hai lait sich de bårt wassa. Ele deixou crescer a barba. De dag wou Hitler de krijg gewina däir, den däir hai de bårt afmåka. No dia em que Hitler ganhasse a guerra, ele tiraria a barba. Ais Düütschland forspeela däir, dun häwa’s em ruunerhoolt un de bårt mit aim ula eeselsscheir afsneera. Quando Alemanha perdeu, ele foi buscado e a barba foi cortada com uma velha tesoura de cortar crina de cavalo (Säga däira sai dat. É o que se comentava. Of’t wår is, wait ik ni. Se é verdade eu não 510 sei ) Wem is nog in Tijuco Preto inspuunt woura? Quem mais foi preso em T.P.? Albert Benewitz het toupseeta mit P. Bielefeld. A B. esteve junto com o pastor B. Dat eeten wat Bielefeld ina kadei ni ait, ait Benewitz. A comida que o pastor não comia na cadeia, B. comia. Gåbels un leepels haara’s kain. Garfo e colher eles não tinham. Benewitz stopt dat eeten ruuner mit dai fingern. B. enfiava a comida na boca com os dedos. Wat sära dai lüür in Tijuco Preto? O que se comentava em T.P.? Dai wäira baal ala forrükt woura. As pessoas estavam quase doidas. Wäir dat düütsch reeren uut? Falar em alemão estava proibido? Dürwst kair meir wat säga ina kirch. Ninguém podia dizer nada na igreja. Kair wourd düütsch dürwst ni meir reerd waara. Nenhuma palavra em alemão podia ser falada Ni meir dit, ni meir dat. Nem isto, nem aquilo. Wem däir dår in de tijd kirch hula? Quem dava culto lá naquela época. Dår wäir P. Lieppert. Lá estava o pastor L. Hai wäir na Düütschland in urlaub. Ele estava de férias na Alemanha. Doir de krijg is hai dår fast bleewa. Por causa da guerra ele ficou detido Dai tijdoiwer kaim Bielefeld fon Campinho taum kirchhulen. Durante este tempo B. vinha de Campinho para dar culto. Nåheer däira’s sich bij Ponta, bij P. Adler ansluuta. Depois a comunidade se anexou a Rio Ponte com pastor A. Oona erlaubnis fon Califórnia, hät Tijuco Preto sich bij Rio Ponte ansloota. Sem permissão de Califórnia, T.P. se filiou a RP. Däir Adler wat måka up portugijsisch? Adler fazia algo em português? Hai däir wat måka up sijn årt, åwer dat kaim ales kopoiwer ruuter. Ele fazia algo em português ao seu jeito, mas saia tudo de cabeça para baixo. Hai haar kain leir ni had. Ele não teve estudo (português) Dai lüür fortstüüna dat uk går ni. O povo também não entendia nada. Wat hai maik, wäir ales richtig for eer. O que ele fazia estava tudo 511 certo para eles. Ik wäir dår al air fon. Eu já era um destes. Air mål däir hai dun ais düütsch måka. Uma vez então ele fez algo em alemão. Dat wäir dun grår sou as wen dai sün sou herlig schijna däir. Isso foi como o sol a brilhar gloriosamente. Dai lüür wäira ala uuter sich. As pessoas estavam todas fora de si. Air wourd seer hai ma blous: Ele disse apenas uma palavra: “Selig sind die, die das Wort Gottes hören und bewahren”. Bem-aventurados os que ouvem a palavra e a guardam. Dat air wourd. Apenas esta única palavra. Dun kreiga’s ala ainer srek. Aí todos se asustaram. Wou häwa jij de Katechismus leirt? Como vocês aprenderam o catecismo. Ales up brasiliånisch. Tudo em português. Dai kiner häwa dat leirt, åwer häwa ni wüst wat dat taum bedüüren haar. As crianças decoravam isto, mas não sabiam o que significava. Ni air wourd hät air wüst. Não havia um que soubesse uma palavra. Ik wäir trecht taum inseegen. Eu estava pronto para ser confirmado. Im ouster schüül ik inseegend waara. Na páscoa eu era para ser confirmado. Im februar wäir’d kirch tau. Em fevereiro a igreja foi interditada. Nåheer bün ik blous im august inseegend woura. Depois eu fui confirmado só em agosto. Nåheer föng dai brasiliånisch schaul an. Depois começou a aula em português. Ik häw går kain düütsch meir leird. (Dorothea) Eu nem cheguei a estudar mais o alemão. Dår is air bild fon aim schaulafest, wou dai jonges ala mit aim (huld) geweer up sin. Existe uma foto de uma festa escolar onde os meninos estão todos com uma espingarda (de brinquedo). -Wat haar dat upsich? O que significava isto? Dat däir bedüüra, wen dai krijg ais upbreeka däir. Isto significava caso fosse declarada a guerra.. Dai kiner müsta ala marschijra, sijla un singa... As crianças tinham que marchar, mirar e cantar... Du häst dat doch nog wüst: Você ainda sabia esta canção: 512 “Quem quiser ser bom soldado espingarda deve ter (2x). Andar sempre preparado... Bijm singen müsta’s sijla.” Ao cantar eles tinham que mirar. -Wem wäir dai schaulleirer? Quem era o professor? Dat wäir Pit. Era Pit. Sij fåter wäir landforsrijwer bij Ewald (Paraju) Seu pai fera escrivão em Paraju. (José Francisco de Jesus. Ele tinha muita “mágoa” dos alemães. Se ele pudesse engolir, ele engolia... Porque, não sei dizer.) Däira Pit un Koehler sich forståa? Pit e Koehler se entendiam? Jå, dai däira beid t´houp schaul hula. Sim, os dois lecionavam juntos. Dat lijd O hino “Quem quiser ser bom soldado”, däir Koehler up düütsch singa: Koehler cantava em alemão “Wer will unter die Soldaten, der muss haben ein Gewehr. Das muss er mit Pulwer laden...” Sai ståa beid t´houp up aim schaulafestbijld fon 1947 in Tijuco Preto. Eles estão juntos numa foto de uma festa de escola em 1947 em T.P. Wäir hijr nog fona gruinhemda reerd? Aqui ainda se falava dos camisas-verde? In dera tijd dürwst fona gruinhemda ni meir reerd waara. Neste tempo era proibido falar dos camisas-verde. Dat is glijk nåm twaida wildkrijg wääst. Isto foi logo após a Segunda Guerra. Dai kiner ståa ala mit huldgeweera, ala barf’t, meist puura pomera. Todas as crianças com espingardas de madeira, todas descalças, quase só pomeranas. Sün dai beid, Koehler u Pit, gruinhemda wääst? Foram os dois, K. e P., camisa-verde? Dat kan ik ni säga. Isto eu não posso afirmar. Sai häwa dår in Tijuco Preto, mit dai kiner üm dera kirchabarg aina weeg hakt un dår däira’s mit eer marschijra. Eles cavaram uma estrada em volta do morro da igreja com as crianças por onde eles marchavam com elas. Uut forrüktheid, aim jeirer air klair huldgeweer sou måkt. Por maluquice fizeram para cada um uma espingarda de madeira. Dat schul sou up dai årt ain ‘exército’ bedüüra. Era para significar um 513 exército.- Wäira Koehler u Pit ümer beid t´houp? Koehler e Pit sempre estavam juntos? Jå, jeirer haar sijn stuun taum schaul hulen. Sim, cada um tinha a sua hora de lecionar. Air alaina däir dai gansa kiner ni twinga. Um só não dominava todos os alunos. Koehler däir uk brasiliånisch waita. Koehler também sabia o português. Dai wäir ni dum. Ele não era bobo. Ina schaul haara’s ain pulendakel. Na aula eles tinham uma concha de polenta. Dår kreiga dai kiner mit ina hand, wen sai ni horka däira. Com esta as crianças ganhavam pancadas na mão quando não obedeciam. Ina hand haara’s steits aina stok mit aim klinger. Na mão eles tinham constantemente uma vara com uma campainha. Wen dai kiner bits fortela däira, dår stampta’s blous ais mit up un sou müst ales stil sin. Quando as crianças conversavam um pouco, eles batiam apenas uma vez com o bastão no chão e assim todos precisavam ficar em silêncio. Wem den nog ni höira wul, dai kreig den mit dai pulendakel. Quem ainda não queria ouvir, levava palmatória. Un wem sij leiren ni waita däir, dai müst upa knai ståa, öftens sou går up mijlchaköirn. E quem não sabia da lição tinha que ficar de joelhos, às vezes até sobre caroços de milho. Däir Koehler dat uk måka? Koehler fazia isto também? Dai wäir dai oiwerst ma. Ele que era o mestre. Wen air wat slimes måkt haar, dai kü ni ruuter un eeta gåa, wen “recreio” wäir. Se alguém tinha feito algo de mal, este não podia sair para comer quando tinha recreio. Ais sin dai kapituuras doch kooma? Uma vez chegaram as capituras? Dat wäir lang nåheer. Isso foi bem depois. Wij wäira frisch forfrijgt. Estávamos recém casados. Ik wäir an dem dag alaina bijna kirch. Eu estava sozinha na igreja naquele dia (não acompanhada do marido) Dun kaima dai soldåta dår hen. Aí chegaram os soldados. Kaima mit ais sou haimlig ina kirch riner. Entraram de 514 surpresa na igreja. Häwa ales uutrüümt ina kirch. Revistaram tudo na igreja. Sou går dai lumens wou dai fruuges eer kiner mit inwikled haara. Até as fraldas com que as mulheres tinham envolvido suas crianças Dun däira´s nåheer ümer nog spota. Depois eles ainda mangavam. Dai haara müst ais manga schijt rakt häwa. Eles deveriam ter mexido na bosta. An dem dag is uk kain kirch meir wääst. Naquele dia também não houve mais culto. Meir häwa’s ni måkt kreega, as dai gansa lüür ala uutrüüma. Não conseguiram fazer mais do que revistar todas as pessoas. Dat is ain upgerüüchtigkeit de dag wääst. Foi um dia de muito alvoroço. Häwa’s wafen fuuna? Eles acharam armas? Dai keirl’s häwa wat had, åwer dai fruuges häwa doch nischt had. Os homens tinham algo, mas não as mulheres. Dai häwa dacht dai keirls haara rasch eer wafen de fruuges afgeewt. Eles acharam que os homens teriam entregado rapidamente as armas para as mulheres. Sou wijrer häwa’s nischt måkt mit dai lüür. Além da revista eles não fizeram nada com as pessoas. Ik wait ni wouweegen dat dai lüür sich sou ängsta däira. Eu não sei porque as pessoas ficaram com tanto medo. Wat maik P.Adler? O que fazia P.Adler? Dai saich gans wit uut. Ele estava todo pálido. Wem wäir Rudolf Friedrich? Quem era R.F.? Dai däir ümer sou rümertouwa. Ele criava confusões por onde passava. Dun hät Alfred Borchard dai kapituura kåma låta un dårweegen hät R. Fridrich em nåheer doudschoota. A B mandou vir as capituras e por isso R F o assassinou depois. Acht dåg hät hai ina kawera leega, ais dai kapituura hijner em wäira. Ele dormiu oito dias no mato, quando as capituras estavam atrás dele. Nåheer is R. Fridrich ruuner na Campinho, hoolt sich “boa conduta” ruuter, kümt tröig un schüt Borchard un sij swijgerfåter (Manoel Pereira) doud. 515 Depois R F foi a Campinho, tirou atestado de boa conduta e na volta mata A B e seu sogro M P. Wäir Fridrich al fon klain sou? F já era assim desde pequeno? Mama sär, dai wäir ina schaul al ümer sou prowokijrig. Mamãe disse que ele já era provocador na escola. Mama hät em ais de teinanågel sou glat ruunerslåga mit aim schingelbret. Mamãe arrancou-lhe uma vez completamente a unha do pé ao jogar contra ele uma tabuinha. Nåheer haar hai dat werer mit papa upa fest. Depois ele tinha outra vez confusão com papai. Dun wul mama dår manggåa un stöira u dun sär Fridrich glijk tau eer: Aí mamãe queria entrar no meio para apaziguar e então F. logo disse para ela: “Duu häst mij al ais de teinanågel ruunersmeeta. Você já arrancou uma vez a unha do meu pé. Låt dij hijr ni meir saia.”. Desapareça daqui. Entrevista B: Giwt dat nog air bijld fona gruin.hemda? Existe ainda uma foto dos camisa-verde? Dat bijld hät sich Bertold Kalk fon Albert Discher borgt. Esta foto B K tomou emprestado de A B. Dat mut dår nog sin bij de witfruuga- dat häwa’s jå sicher ni wegsmeeta. Esta foto ainda deve estar com a viúva. Com certeza não foi jogada fora. Wäira dai gruin.hemda geigen dat drinken? Os camisas-verde eram contra a bebida? Dun is’t sou wijt wääst. Chegou a este ponto: Duun dürwsta dai lüür ni meir drinka. As pessoas não podiam mais beber. Karl Strey – dem grouda Oto sijr fåter, ul August Neumög un Fritz Häse – Marciano sij grousfåter. KS- o pai do grande O, o velho AN e FH- avô do M. Dai drai häwa seir, seir drunka. Estes tres bebiam muito, muito. Dun sün dai afnåma woura. Estes foram fotografados. 516 Dun stüüna’s up air twaistokt huus ana Krüütskapel, upa veranda un häwa dai bijla forbrend. Os líderes estavam na varanda de um sobrado, perto da Capela da Cruz e queimavam as fotos.‘Oh, dit is Karl Strey, dai waard forbrent... Olhem, este é KS, ele será queimado... Dit is August Neumög, dai waard forbrent... Este é AN, ele será queimado... Dit is Fritz Häse, dai waard forbrent... Este é FH, ele será queimado... Dai haara kaina weird, dat sai sou drinka däira. Eles não tinham valor por que bebiam demais. Dai wäira for nul reeknet, wäira uutstreeka. Eles eram considerados nulos, eram extintos. Wem wäir dai chef hijr? Quem era o chefe aqui? Hijr wäir Franz Lange. Aqui era o FL. Dai is früür soldåt wääst. Ele tinha sido soldado. Dai däir de lüüra marschijra leira. Ele ensinava o pessoal a marchar. Dai häwa müst ala hen un ain stråt haka wou hüüt Heinrich Foeger woont. Eles tiveram que ir até onde hoje mora o HF e cavar uma estrada. Dai ansuug wat sai haara wäir ain gruin hemd un ain gruin hous. O uniforme que eles tinham era uma camisa e uma calça verde. Dat wäir dik tüüg. Era tecido grosso. Dat häwa’s ala geewt kreega mit ain slöiw - geel un gruin. Isso eles ganhavam com um laço amarelo e verde. Ana hemd wäir ain stempel. Na manga havia um carimbo (emblema). Wat wäir de lüüra sägt dat sai dår ranergünga? O que se dizía ‘as pessoas para que entrassem no movimento? Dat kan ik ni säga. Não sei dizer. Dat wäir ain mour. Era uma moda. Dat müst ainfach sin. Tinha que simplesmente ser. Dår wäira ungefäär huunerd man an. Havia em torno de cem adeptos. Däira sai feel fon Plínio Salgado reera. Falavam muito de PS. Nåheer is’t uutgåa dun hät kair meir dår wat fon sägt. Depois o movimentou se extinguiu e ninguëm falou mais nada. Bertold Gums maint mit Lula däir daiselwig spijl passijra? BG acha que com L iria 517 acontecer a mesma história? Hai däir jå ainfach säga, wen Lula gewina däir den wäira wij trecht, den güng’t ous sou as de gruin.hemda. Ele simplesmente dizia que se L ganhasse nós estaríamos no fim. Então aconteceria a nós o que aconteceu aos camisas-verde. Is dår ni meir a hemd fon bleewa? Não sobrou mais nenhuma camisa? Ik wait kair ainsig as dai ul Karl Schwambach, wat Rudolf u Franz sij fåter wäir. Eu não sei de nenhum outro além do velho KS, que era pai de R eF. Dai hät sijnd antrekt hat, ais hai doud wäir. Este tinha vestido a sua (camisa) quando estava no caixão. Dat hät hai sich forlangt fona doud. Isto ele pediu antes da morte. Dai hät sijnd forwårt. Este guardou a sua camisa. Dai gruin.hemda sün hijr den seir in beraupt wääst? Os camisa-verde eram afamados por aqui? Meisch, dat is seir wat groudas wääst. Homem, isto foi algo grandioso. In Campinho wäir dai klair Arthur Schneider dai chef, wat landforsrijwar wäir. Em Campinho era o pequeno AS o chefe, aquele que era escrivão de terras. Nå dai gruin.hemda kaim dai twaid wildkrijch. Depois dos camisa-verde veio a Segunda Guerra. Dat is uk ain swår tijd wääst. Esta também foi uma época pesada. Dai lüür häwa müst ala tåfels fona kirchhof ruuner hoola un sich dat t`huus wou forwåra. As pessoas tiveram que tirar todos os epitáfios do cemitério e escondê-los em casa. Dürwst kai düütsch wourd ståa. Não podia haver exposição de nenhuma palavra em alemão. Dat wäir ales ruunersmeeta un forbrend. Tudo era jogado fora e queimado. Nåheer ais sich dat dun werer ales meir ina wila geewt haar, dun häwa’s dai tåfels werer ruperdrågt upa kirchhof. Depois que tudo havia se acalmado, então eles levaram os quadros novamente aos cemitérios. 518 Entrevista C: Dai gruin-hemda wäira dun al ain groud partai. Os CV já eram então um grande partido. Wek sära sou går dai GH wäira komunista. Alguns até diziam que eram comunistas. Dai wäira buuten gruin u eiwendig roud, sou as ain wåtermeloun. Eram por fora verdes e por dentro vermelhos assim como uma melancia. Dat sära’s, dat kan ik mij nog ümer gaud denka. Isto eles diziam, eu me lembro bem. Arthur Schneider: ‘Falaram que o integralismo era o comunismo; por fora verde e por dentro vermelho. Nós não somos como um melancia.’ Hai kün den seir gaud reera. Ele era um grande orador. Ais häwa dai gruin-hemda müst eer wafen doch ais in Campinho afgeewa? Uma vez os CV tiveram que entregar as suas armas em Campinho. Ik main dat wäira ina draisicha man un dai haara meist ala eer wafen bij. Eu acho que eles estavam em um grupo de trinta homens e a maioria estava armada. Wilhelm Januth wäir’d chef. WJ era o chefe. Hai haar den uk sijna achtundraisich an. Ele também portava o seu trinta e oito. In Campinho gaiwa´s dai wafen af. Em Campinho eles entregavam as armas. Nåheer wen’s den werer tröigräira, den däira’s sich dai rewolwers werer fourdra. Depois quando iniciavam a viagem de volta, eles exigiam as armas. Am Campinhobarg güng dai weeg am andra sijd uuner dem felsen forbij. No morro de Campinho a estrada passava do outro lado abaixo da pedreira. Dår hät dai delegado Emílio Andrada eer mit drai urer fair soldåta afluurt. Ali o delegado EA os aguardou com quatro policiais. Ains dails haara’s küüna dat uk ni måkt häwa, åwer sai häwa eer wafen wegnooma. Por certo eles não poderiam tê-lo feito, 519 mas eles tomaram as armas deles. Rudolf Häse un August Lahass häwa sich weert un dai häwa’s hougt. RH e AL resistiram e foram espancados. Rudolf Häse häd sich dat leewend drai weeka nåheer nooma. RH suicidou-se tres semanas depois. Up de grääwnis wäir ik nog. Neste sepultamento eu ainda estive. Lieppert sär in sijna preeg: L. disse em sua prédica: ‘Wen er sich das Leben genommen hat weil er misshandelt wurde, es ist auch ein ewiger Gott im Himmel der da straft und richtet wie’s sich gebürt.’ Se ele se suicidou por ter sido maltratado, há também um Deus Eterno no céu que castiga e julga como convém (Wenn die Hölleflammen lodern, darf man noch Erbarmung fordern! (Mesmo que as chamas do inferno estejam ardendo, ainda podes pedir misericórdia- opinião de Liepert) August Lahass saich nog gans swaard uuner’d oug uut, wou’s em hougt haara. A L ainda estava com a parte inferior do olho toda escura onde ele fora espancado. Hai wul sijna rewolwer ni afgeewa. Ele não queria entregar o seu revólver. Wilhelm Januth haar sijna rewolwer trekt oiwer dera ‘cabo’, dun haarhai sitert. WJ mirou seu revólver em direção do cabo, aí ele tremeu.Heinrich Strey wäir bij em- dai haar kain wafen- dai haar raupa: HS estava perto dele – ele estava desarmado- e gritou: ‘Wilhelm, giw de af! W. entrega a arma. Bedenk dijn famijlch u dijn kiner. Pense na família e nos filhos’ Dun haara de rewolwer afgeewt. Aí ele entregou o revólver. Süster haara’s sich amin nog seir schoota t´houp. Caso contrário eles teriam talvez trocado muitos tiros. Dun sün’s werer tröig na Campinho, wula dat angeewa, na Octavianara hen. Aí eles cavalgaram de volta para Campinho, queriam dar parte, foram ao O.Dun haar Octaviano sägt: Aí O disse: “Jij koina hüüt ruig na huus rijra.Vocês podem cavalgar hoje tranquilamente para casa. Wij koina 520 hüüt nischt måka dårmit. Hoje nós não podemos resolver nada. Wen jij kooma, komt ni meir biwafnet un ni mit sou ain groud turm an”. Quando vocês vierem, não venham armados e não em tão grande turma. Wat sär P. Lieppert dår tau? Qual era a posição do pastor L? Sai haara hijr ‘prassa’ måkt. Eles faziam exercício de marcha. Haara sich ain stråt hakt. Cavaram uma estrada. Dår däira sai marschijra. Ali eles marchavam. Arthur Schneider forstüün wat fom soldåtspeelen. A S tinha alguns conhecimentos de treinamento militar. Grouda schik haar dat ni. Não levava muito jeito. Dat lait sou as wen sai ruper günga nana vend. Parecia como se estivessem subindo a venda. Dai däira ni ainig im marsch marschijra. Eles não marchavam num mesmo compasso. P. Lieppert wäir ais dårbij, ais sai marschijra däira, åwer hai sär kair wourd. Pastor L. esteve uma vez presente quando eles marchavam, mas não disse nenhuma palavra. Hai keik blous tau. Ele somente observava. Emílio Espíndula haar’t sägt tau fåtra. E.E teria dito a (meu) pai. Dår wäira wek hen un däira blous luura. Havia espiões só aguardando. Wen Lieppert dår ain reer maik, den däira’s em ‘persegre’. Se L fizesse uso da palavra eles o peseguiriam. Düütsch dürwst kair reera? Ninguém podia falar alemão. Pomerisch küüna’s reera. Pomerânio eles podiam falar. Dun wäir dai krijg nog ni im dauen. Nesta época a guerra ainda não estava deflagrada. Dai Integralismus hät 1932 anfånga. O Integralismo começou em 1932. 1938 wul sich Plínio Salgado kandidatijra as president, åwer dai Estado Novo hät sijn partai uutlöscht. Em 1938 P.S. queria candidatar-se para presidente, mas o Estado Novo extinguiu o seu partido. Dai Integralismo haar äänligkeit mit dem Fachismus in Italian – Mussolini- un dai Nationalsocialismus in Düütschland – Hiltler. O Integralismo tinha 521 semelhança com o Fachismo na Itália-Mussolini- e com o Nacional socialismo na Alemanha-Hitler. Airster däir Getúlio Vargas as wen hai up eer kant wäir. Inicialmente GV parecia estar do lado deles (camisa-verde). Nåm Estado Novo häwa sai reeknet mit de Exército un häwa de Palácio innooma. Após o Estado Novo eles contavam com o apoio do Exército e invadiram o palácio. Dai Exército hät eer ni bijståa un dat is eer schaiw gåa. O Exército não os apoiou e o plano deu errado. Dai chefs fom Integralismus sün inspuunt woura un wat Integralismus wääst is, is ales forboora woura. Os líderes do integralismo foram presos e tudo o se se referia ao movimento foi proibido. Im twaida wildkrijch häwa’s nog suikt hijner dai buika bij Wilhelm Januth wou da integralisten insreewa wäira. Durante a Segunda Guerra ainda estiveram em busca dos livros na casa de WJ onde os integralistas estavam inscritos. Dai ul Wilhelm Januth’sch is im twaida stok wääst un hät dai integralisten buika ruuter smeeta ana båwen sijd. A esposa de WJ estava no segundo andar e jogou os livros para fora no lado de cima. Nikolau Schwanz is air klair jong wääst, fon twelw jår sou. N S era um pequeno menino de uns doze anos assim. Dai häd dai buika nooma un wegadieu- ina kawera. Ele pegou os livros e sumiu na capoeira. Süster haara sai dai buika fuuna, den haar dat Wilhelm Januth seir, seir slechtgåa. Caso tivessem encontrado aqueles livros, WJ teria se dado muito mal. Teodorinho Schwambach sägt sijr fåter haar sou air bauk. TS disse que seu pai tinha um tal livro. Dat haara sai müst farsteeka im wald, im hola boum. Eles tiveram que escondê-lo na mata dentro de uma árvore oca. Wem wäir hijr dai chef? Quem era o chefe por aqui? Hijr wäir Wilhelm Januth chef. Aqui o chefe era WJ. Dår uuner 522 (Campinho) wäir Octaviano Santos chef. Lá embaixo (Campinho) o chefe era OS . Mijn schwägisch, Berthold Kalk’sch, hät air bijld dårfon. Minha cunhada, viúva do BK, tem uma foto deles. Plínio Salgado un Gustavo Barroso häwa dai partai grüündet. PS e GB foram os fundadores do partido. Plínio Salgado wäir journalist. PS era jornalista. Sai haara gisetsa fom Nationalsocialismus. Os estatutos eram do Nacionalsocialismo. Ik sär ais tau P. Lieppert – wij reista t`houp – Certa vez eu disse ao pastor L. – nós viajávamos juntos: “Ich glaub’ das geht nicht voran.” Eu acho que este movimento não tem futuro. Dun sär hai: “Warum?” Aí ele retrucou: “Por que? Hai hail dår seir feel up. Ele era simpatizante do movimento. Hai wäir süstar up Wilhelm Januth faindlich, weegen de missuura fon früür heer. Ele não se dava anteriormento com WJ, por causa dos Missúri. Åwer nuu däir hai em bisuika. Mas agora ele o visitara. Hai däir dår seir feel up hula. Ele era apaixonado pelo integralismo. Hai haar seir groud glouba dat, dat hijr uk sou waara schul as in Düütschland. Ele tinha uma grande fé de aqui aconteceria o mesmo processo que na Alemanha. -Entrementes fomos a casa da viúva do Bertoldo Kalk ver a foto dos camisas verdes. Bruno conta que seu pai, Alberto Kalk não aderiu ao integralismo. Eram taxados, por isso, de comunistas. Depois da extinção a saudação “Anauê pronto pra morrer!” (Anauê significa ‘salve’ em tupi), passou a ser motivo de chacota: “Anauê, pronto pra correr!” Meu avô, Franz Kuhn, casado com a irmã do do Alberto Kalk também não aderiu ao integralismo. Eram acusados de serem comunistas pelos integralistas. Lieppert foi prisioneiro dos franceses na primeira guerra mundial. Lá teve que deixar crescer a barba. Seu sonho era cortar a barba quando Hitler ganhasse a guerra e os 523 franceses fossem vingados. Bruno não crê que Lieppert tenha participado do incêndio da igreja Missúri em Melgacinho em 1931, construída por Germano Januth, excluído de Califórnia por motivos de adultério . Sob a promessa de ser aceito pelos Missúri, deu o melhor de si na construção. Lieppert teria dito em Tijuco Preto para a minha avó. “Hättet ihr hier so eine schöne Kirche, köntet ihr euch die Fingern ableken.”Se vocês tivessem uma capela tão bonita, vocês poderiam lamber os dedos. Professor Eugen SchemBerufslehrer- Campinho, teria criticado o governo. Sou ain lüüsich regirung Um governo piolhento Isso lhe teria custado tres dias de cadeia. Era casado com a irmã do Artur Schneider. Entrevista D: For’m Nazismo wäir Lieppert air seir gaur praister. Antes do Nazismo L foi um pastor muito bom. Åwer nåheer is hai farkooma. Mas depois ele se perdeu. Dun wäir hai im forkeirdem suld insuldret. Foi salgado com sal errado. Dun wäir hai uk går nischt meir weird. Aí ele não tinha mais valor nenhum. Airster haar hai sijna weirt im sinouda, nåheer wäir hai sou air uunarhemd. Antes ele tinha voz no sínodo, depois passou a ser uma camiseta. Haar uk kaina schik meir. Não tinha mais jeito. Dai ainsigsta wat em gaud bleewa sin, wäira dai Bullerjahns un wek fon dai Kumma wat em lijra küüna- wek blousig. Os únicos que gostavam dele eram os B. e os K.- só alguns. Hai haar jå aina feigel. Ele tinha um defeito. Hai däir jå blous up dem düütschtuum un düütscha raig hula. Ele só se atinha ao germanismo e ao reino alemão. Kaim as air anard ina kirch, dai haar kaina weirt for em. Outro que vinha na igreja, não tinha valor para ele. Früür 524 kaim jå ais hen un wen, air anard wat ni düütsch küün, ina kirch. Antigamente só vinha lá alguma vez alguém para igreja que não soubesse pomerânio. Dai haar for em kaina tswek. Esse não tinha sentido para ele. Ais wäir dår as air man – dai hait Hartman Berger. Uma vez havia um homem que se chamava HB. Dai däir sou rümerhanla, däir de lüüra nådels besorga un sou wijrer. Ele mascateava, trazia agulhas para o povo e assim por diante. Wäir sou air gaur früündlig smalitsig meisch, åwer küüst dat al nam nooma höira, dat wäir air düütsch-juura. Era um homem amigável , magro mas já dava para se ouvir pelo nome: era um judeu-alemão. Un dat haar Lieppert ruuter kreega. Isto L havia descoberto. Dai is nåheer taum glüka wegtrekt. Por sorte este homem se mudou depois. Hai däir hijr ni forgans woona, åwar haar sijn lüür, wou hai nachtbleiw. Ele não tinha morada permanente por aqui, mas ele tinha as suas pessoas onde ele pernoitava. Dat wäir sou air meisch, dai wäir taum biwuunern. Era uma pessoa de se admirar. Wen hai nana kirch güng, däir hai jeiras mål fijw milreis upm opfertela lega. Quando ele ia a igreja ele deixava cada vez cinco milréis no prato das ofertas. Dat wäir sij nijrig. Este era o valor mínimo. Wen hai glük haar had dai wek oiwer, den gaiw hai sougår teichen urer wekmåls twansich. Após a semana em que ele havia tido sorte (nas vendas), ele dava dez e às vezes até vinte milréis. Dat haar Lieppert ruuterkreega dat hai air hanelsjuura wäir. L. descobrira que ele era um judeu-mascate. Wek dårfon sün jå miseråbig, åwer deis ni. Alguns deles são miseráveis, mas este não. Däirst dij wat bistela bij em, door küüst dij sicher up sin, däir lang duura åwer dat rangijrt hai dij. O que você deixava encomendado com ele, nisto voê podia confiar. Custava mas esta mercadoria ele lhe arranjava. Dårweegen 525 haila dai lüür feel up em. Por isso as pessoas tinham apreço por ele. Wen hai nam Goteshuus güng – dai juura haara hijr kair huus- däir hai dat binutsa taum sijn opfer geewen. Quando ele ia a casa de Deus – judeus não tinham aqui a sua casa - então ele usava esta para deixar a sua oferta. Dat haar Lieppert slechtfuuna, dat wäir spot wat hai måka däir. L. via isto com maus olhos, era deboche que ele estaria fazendo. Kijk, dat Hitler dai juura uutrota däir, wu hai dat hijr uk sou måka. Veja, porque Hitler exterminava os judeus, ele queria fazer o mesmo aqui. Hitlers sriwta – Mein Kampf- wäira ala in Califórnia- ina bibliotek. Os escritos de Hitler podiam ser todos encontrados na biblioteca em Califórnia. Dat häwa’s müst ales dårmang ruutersamla dat sai ni gans in unglük geråra däira. Estes tiveram que ser recolhidos para os responsáveis não cairem em desgraça. Leesa däir ik dai buika lijkerst geirn. Apesar de tudo eu gostava de ler estes livros. Ni dat ik dår air fon wäir, åwer blous taum kenen leiren. Não que eu fosse um deles, mas apenas para aprender a conhecer. Dat wäir jå grår mijn lust. Este era exatamente o meu prazer. Mij fåter sijn dumheit wäir dat Düütschland houg kooma schul, åwer hai bigreip ni wat dår hijner staik, mit Hitler. A tolice do meu do meu pai era querer que Alemanha crescesse mas ele não percebia o que estava acontecendo com H. Hai lait sich dat ni neema. Ele não se deixava convencer. Hai haar küüt dat dår doch al ansaia dat air jeira wat aina feigel haar, farstöt wöir. Ele já podia ter percebido nisto que todos que tinham um deficiência eram desprezados. Un sou uk mit dai integralisten. Essa era também a conduta dos integralistas. Ik wil nuu ais säga, wenn air suupa däit, de koinas doch ni farstöita un säga, duu bist air suupswijr, duu häst kainer weird. Eu quero agora dizer, se alguém é um bebedor, este 526 não pode ser desprezado dizendo: Você é um porco beberrão, você não tem valor. Dat häw ik küüt nog nij lijra. Isto eu nunca pude suportar. In manch ain hochtijd häw ik strijd kreega mit dai lüüra. Em vários casamentos eu tive conflito com as pessoas. Wenn dår air laig, den bün ik hengåa un häw dem huusher sägt dat dai bisoopen up ain dröig stel henbrögt schul waara, dat dai lüür dår ni roiwerfaila. Quando havia alguém caído, aí eu ia dizer ao dono da casa para que o embriagado fosse levado a um lugar seco para que as pessoas não tropeçassem sobre ele. Dat is uk air meisch. Ele também é gente. Åwer den kreig ik åwer sou. Mas aí eu era tão criticado. Dåran fornaim ik dat dai integralisten un nazisten total forkeird wäira. Nisto eu percebia que os integralistas e os nazistas estavam totalmente errados. Dat fon jong an. Isto desde menino. Ik wäir dun man nog air gruin.snåbel. Eu era então apenas um recruta. Ik wül mij ni pråla, åwer fo klain an wäir mijn hauptsach dat leesen un studijren wat dat leewen up sich hät. Eu não quero me gabar, mas desde de pequeno o principal para mim era ler e estudar o que significa a vida. Dat gruin hemd. A camisa verde. Fåter hät müst sij hemd uk forbrena...O pai teve que queimar a sua camisa também... Dat wäir air Lampiers määka- dai wäir al halweeg uld – dai haar dat oiwer sich, dai hemda näigen. Era uma menina dos L.- já de bastante idade- que era encarregada de costurar as camisas. Dai däir swaarda huir toupsuika. Ela coletava chapéus pretos. Door däir’s dat ‘sigma’ uutmåka. Disto ela fazia o emblema (sigma). Dat däir’s upa hemdamouch ruparnäiga. Isto ela costurava sobre a manga da camisa. Dai farstüün dat gaud. Ela o fazia com esmero. Rosa Lampier däir’s haita.Chamava-se RL. Nåheer hät’s nog frijgt. Depois ela ainda casou. Ik kan mij ni denka mit wem. Não consigo 527 me lembrar com quem. Eer swesters häwa mit Bruskes frijgt ( Robert un Walter). Suas irmãs casaram com os B. (R eW. Am Bout (Na Barca) Em Sta. Leopoldina. Hijr am Bout wäir dai Integralismus ni sou slim. Aqui em SL o integralismo não foi tão bravo (não teve muitos adeptos). Bij dai Vervloets dürwst dai nåma Plínio Salgado ni nend waara. Perto dos V. o nome de PS não podia nem ser mencionado. Den spijgta dai ala. Então todos cuspiam. Dai wäira dår ala geigen. Eles eram todos contra. Ik kan mij kaina denka wat dår mit an wäir. Não me lembro de nenhum que fosse adepto. Fon Santa Maria wait ik weinig. De Sta Maria eu sei pouco. Kan licht sin dat dår uk wek wääst sin. É bem possível que lá também houveram adeptos. Fom Bout wüst ik meir. De SL eu sabia mais. Fåter güng dår ümer oft hen. Meu pai viajava muitas vezes para lá. Galo däir jå nam Bout henhöira. Galo pertencia a SL. Im Bout hät dai Integralismus kaina plats fuuna. Em SL o integralismo não encontrou chão. Dai Schwartza häwa dår kaina spås an hat. Os S não viam graça nele. Peron in Argentina wäir dai selbig spijl. P na Argentina era o mesmo jogo. Dår däir Francisco Schwartz füür oiwer spijga. Sobre ele FS cuspia fogo. Dår wul hai nischt fon waita. Ele não queria saber nada disto. Geigen dai düütscha Contra os alemães ( e/ou pomerânios. Im Bout sin’s fo früür an geigen dai düütscha wääst. Em SL as lideranças foram desde o começo contra os alemães. Dårbij wäira dai düütscha eer airsta lüür wat Bout hougbrögt häwa. Apesar de terem sido os alemães suas primeiras pessoas que fizeram SL progredir. Dat wäira dai Reisen. Eram os R. ( Ik häw noch sou går air taschametser wat dai Reisen in Düütschland måka låta häwa. Eu tenho até um canivete que os R. mandaram fazer na Alemanha. Snit sou seir gaud. Corta muito bem. 528 Steit sou går eer nåma up. Está até o nome deles em cima) Dat wäira uk dai van de Koeks... Haviam também os van de K. Puura düütscha. Todos alemães. Komandogeschicht wäira dai Ribeiro’s un Almeida’s. O comando político sempre esteve com os R e A. Dai däira de pot drekig måka. Estes sujavam o pinico. Air wäir den aisDjalmo Coutinho. Certa vez houve um –DC. Dem häwa’s wäält as prefeit. Este foi eleito como prefeito. Dai is uk riner kooma. Ele também foi empossado Den schul’d jå uk ais aners waara im Bout. Então se esperava que a situação em SL fosse mudar. Dun is hai mit ais doudschoota woura upa stråt un kair wät’t bet hüüt wem’t daua hät. Este foi de repente assassinado na rua e ninguém sabe até hoje quem fez isto. Mud air up aim houg huus kroopa sin un dai prefeit stüün upa stråt, for aina bakarig un forteld. Alguém deve ter subido numa casa alta e o prefeito estava na rua em frente a uma padaria conversando. Dun küümt ain kuugel fon båwen ruuner... Daí veio uma bala de cima para baixo... Mud upgeschikt wääst sin. Deve ter sido a mando. Dai meisch mud hijner roiwer wou dai katoulisch kirch steid uutreeta sin. Esta pessoa deve ter fugido pelo outro lado onde está a igreja católica. Dai lüür haara sich ala fröigt dår im Galo rümer, nuu küü’t ais beeter waara for eer. Na região do Galo as pessoas estavam contentes na esperança de que agora a situação poderia melhorar para elas. Djalmo Coutinho wäir de konista eer gans. DC era todo dos colonos Dai hail feel for eer. Tinha muito apreço por eles. Dai wul nischt waita fona ‘colarinho branco’. Não queria saber nada dos “colarinhos brancos.” Hair wäir air gans ainfach meisch. Era uma pessoa bem simples. Hai seer, sai küüna sich går ni sou groud inbijla. Ele dizia que eles nem podiam se fazer de grandes. Wen dai konista häin ni wäira den haara sai ala nischt. 529 Não fossem as mãos dos colonos ninguém tinha nada. Da meista nenta dai konista grår as fai. A maioria considerava os colonos como gado. Dat is dai gans tijd sou wääst, bet dai konista im Bout ais beeter inachtnooma woura, bet Franz Schwartza sijn tijd. Foi assim o tempo todo até que os colonos foram levados mais em consideração, até no tempo de FS. Fon dun an hät sich dai sach bitska up’d konij stelt. Desde então a coisa (política) colocou-se um pouco mais em favor da colônia. Dai wäira dun t´houp mit dai lüür fo Sta Maria Estes (os S. uniram-se com o povo de Sta.Maria .(Hüüthoje- ‘a cidade mais pomerana’) . Dår sün dai düütscha houghula doir’t dai Bergers. Ali os alemães foram valorizados através dos B. Am Bout wäira dai düütscha ainfach drek. Em SL os alemães eram simplesmente esterco. Dår sün dai düütscha glijk fon anfang an ni inachtnooma woura. Ali os alemães logo de início não foram valorizados. In Campinho Em Campinho. In Campinho is dat den uk ni sou wääst. Em Campinho não foi tanto assim ( a política não foi tão contrária). Dai wäira meir up dera konista sijr. Eles estavam mais do lado dos colonos. Dår wäira dai Gehardt’s, dai Santos. Eram os G. e os S. Arthur Gehardt wäir air gaur dokter. AG era um bom médico. Dår häw ik seir mit t´houp arbeid. Com ele eu trabalhei muito. Dår wäir nog ain heibam. Havia uma parteira. Dat wäir ain Brikweeds määka. Era uma menina dos B. Dai güng oft in Arthur Gehardt sijn stel, wen dai ni küün. Ela atuava muitas vezes no lugar de AG quando este estava impedido de ir. Wilma, mij määka, hät Arthur Gehardt tau wild brögt. AG fez o parto de minha filha W. Mijn schwijgermuter föng door nischt meir mit an – dai wäir ain groud parteira. Minha sogra, uma parteira de mão cheia, não estava mais sabendo o que fazer. Dun hät müst mijn fruug drågt waara bet 530 Campinho up´m naka. Então a minha mulher teve que ser carregada nas costas até Campinho. “Gott sei Dank – is juuch dai angst airer injågt. Graças a Deus – o medo se apoderou de vocês antes da hora. Dår is nog nischt forloora gåa. Ainda não se perdeu nada. Dat duurt nuu nog oiwer twai stuun”- sär hai. Ainda vai demorar mais de duas horas – disse ele. Dat wüst hai sou genau. – isto ele sabia tão exatamente. Hai foit de puls an, keik dai ougen... Ele tomava o pulso, olhava os olhos... Fåter däir twijla åwer ik haar mijna glouba dår an. O pai duvidava mas eu tinha a minha fé nisto. Ik haar feel mit em t´houparbeid, überhaupt politisch. Eu trabalhei muito com ele, principalmente na política. Hai wäir aina seir gaura ‘político’ Ele era um bom político. Ik hail feel fon em. Eu o estimava muito. Wäir hai uk gruin.hemd? Ele também foi camisa- verde? Não, não, dår haar hai nischt mit tau dauen. Não, não, com isto ele não tinha nada a haver. Gruin hemda wäira Waldemiro Hülle, Arthur Schneider, Octaviano Santos un Osvaldo Schmidt. CV eram WH AS OS e OSc. Schmidt däir upa stråtkompanij arbeira. Schmidt trabalhava na companhia de estradas. Dai wäir ni sou fanatisch as Arthurzinho Schneider. Este não era tão fanático assim com AS. Dat wäir taum kotsen wen dai anföng. Era de vomitar quando este começava. Wen dai ana preegen anföng, den güng ik al wijrer. Quando este começava a discursar, eu já me afastava. Dat lait sou as wen mit dem Integralismo dai lüür ala lebendig ina himel günga... Parecia como se com integralismo as pessoas entrariam vivas no céu... Wou dai lüür den ala bihaneld wäira...Como as pessoas seriam tratadas... Hüütsendågs kreiga sich dai lüür kair uunarhemd köft, den kreiga’s ales duuwelt geschenkt. Atualmente as pessoas não conseguiam nem comprar uma camiseta, (com os integralistas 531 no poder) elas ganhariam tudo em dobro. Dai feela lüür laita sich dat jå ales sou suit inreera, wen Arthur Schneider anfänga däir. A maoria do pessoal entrava na conversa doce dele, quando AS começava. Måger wäir hai ma fon puura slechtigkeit. Era magro de pura maldade. Fruugslüür haila bij em ni uut. Mulheres não aguentavam com ele. Fruug wäir for em air stük fai. Mulher para ele era uma cabeça de gado. Un dat wäir uk den ni richtig bij de integralisten. Isto também não era certo por parte dos integralistas. Dai ul Eduard Schneider hät müst sij ‘diploom’ köipa. O velho ES teve que comprar o seu diploma. Hai hät går ni sou feel leirt taum doirkoomen. Ele nem estudou tanto para passar. Hai haar aina afkåt in Vitória wat em helpa däir. Ele tinha um advogado em Vitória que o ajudava. Dem dröig hai dai papijra hen. A este ele levava os papéis. As landforsrijwer haar hai groud ansaien bij de lüüra wail hai düütsch küün. Como escrivão de terra ele tinha muito prestígio junto ao povo porque ele sabia o alemão. Doir’t dai gruin.hemda maik hai sich gröita as hai wäir. Através dos CV ele se fazia maior do que era. Ik wäir ümer nijdlich un keik sijn papijra wat hai srijwa däir an sijm chef. Eu sempre era curioso e olhava os seus papéis que ele escrevia para o seu chefe. Sou’n keirls srijwa jå slecht, åwer ik kreig’t lijkerst leest. Tais homens escrevem mal, mas mesmo assim eu conseguia ler. Dårdoir kaim ik hijner dat hai gårni sou geleirt wäir. Com isto eu descobri que ele nem era tão estudado assim. Ik däir in dera tijd as kascheir arbeira bij Eduard Dietrich un müst an em sijn stel oft ruuner nana stad sachen forköipa un Arthurzinho däir den t´houp reisa. Eu trabalhava nesta época como cacheiro com ED e muitas vezes eu tinha que ir a cidade em seu lugar vender mercadorias e A então viajava comigo. Hai däir den sijm chef peru.håns mitneema un 532 fain ingemåkta büt. Ele levava perus e pacotes bem embalados para o seu chefe. Hai däir sich bij de lüüra landforsrijwen un doirhelpen oiwerneema. Ele assumia escriturações de terra e advogava junto com o povo. Dai lüür naima sich em ala an wijl hai düütsch küün. O povo o contratava porque falava alemão Un dårbij maik hai sich beeter as hai wäir. E com isso ele se fazia melhor do que era. Dai integralisten gaiwa em de buunta kitel. Os integralistas davam-lhe o paletó colorido (aval). Sijr chef wäir air ordentlich registrijrt afkåt. Seu chefe era advogado devidamente registrado. Arthurzinho wäir air ‘laienbruder’- air handlanger- dat häw ik ruuterkreega. A.. era um irmão-leigo - um servente- isto eu descobri. Oswald Schmidt un Franz Seibel wäira ‘fiscals’ oiwer dat stråtmåken un ‘cabo eleitoral’. O Sch FS eram fiscais na construção de estradas e “cabos eleitorais”. Seibel wäir de fruuges eer kandidat. S era o candidato das mulheres. Dårweechen is hai doud schoota woura. Por isso foi assassinado. Mit Ulrich Hülle sijn fruug haara dat ümer. Sempre tinha caso com a mulher de UH. Un de lait dat sou hässlig. E era tão feia. Ik wait ni wat dai keirls dåran saichta. Não sei o que os homens viam nela . 533 ANEXO D Bom dia, Ivan! Segue anexo mais uma entrevista que gostaria de compartilhar. Ainda estou a ler com muito gosto o teu livro. Tenho lembranças, detalhes, exemplos e fatos que a leitura evoca e que vou acrescentando no meu imaginário. Acho que deve se essa a função de um bom livro. Fazer o leitor ler a sua própria história. Abraços Anivaldo Melgaço 2004 Entrevista transcrição e tradução: Anivaldo Kuhn Proposta de Grafia da Língua Pomerana: Ismael Tressman Dat mud 1926 wääst sin. Deve ter sido por volta de 1926. Dun wäir dai kafa aister teigen de rouba. O preço da @ de café era dez milréis. Dun güng hai ruper bet fuwsich mijlreis. Aí ele subiu até cinquenta milréis . Dat wäir ain upberaupt. Isso foi um falatório. Ainer dag güng fåter ruper nana vend – Teodoro Espíndula – un kaim naa huus: Um dia papai subiu a venda –T.E.-e chega em casa “Waita jij wat?” säär hai. Vocês querem saber de algo? – disse ele “Dai kafa waard sou bijlig.” O café está ficando tão barato. “Säg doch ni souwat” säär muter. Mas não diga isso! disse a mãe. Dun wäir dai kafa mit ais up dat hälwt fala. O café tinha caído até a metade do preço. Wäir ma nog blous twansich. Só valia ainda vinte. Fon aina dag bet dem andra. De um dia para o outro. Dun is dai kafa ruunergåa bet sös, soiwen mijlreis. Depois o café baixou até seis, 534 sete milréis. Un sou is hai uk bleewa bet 1940. E assim ficou até 1940. Dun ais wij dit land hijr köipa däira dun wöir dai kafa neegen mijlreis de rouba. Quando nós compramos este terreno aqui, o café foi até nove milréis a @ .Früüer wäir dai kafa jå in rouba forköft. Antigamente vendia-se o café em @. Dai airst kafa wat ik hijr den håw t´houpmåkt – dat wäir den ma weinig – dun gaiw Heinrich Krüger hijr neegen mijlreis for aina rouba un João Klein gaiw neegen un aina halwa mijlreis. O primeiro café que nós colhemos aqui – era pouco- então HK aqui dava nove milréis pela @ e JK dava nove milréis e quinhentos. 1940 föng dai kafa dun langsåm ana stijgen. Em 1940 o café começou a subir devagarzinho. Hijr wäir nåheer feela kafa. Aqui depois tinha muito café. Wij häwa nåheer oiwer sös huunerd rouba kafa t´houpmåkt. Depois nós colhemos mais de 600@. Dun gaiwt hen taum dai landschulden meist ala grårmåken. Aí foi possível quitar quase todas as dívidas de terra. Dun wäir dai kafa teigen mijlreis de rouba, firtsig konta de sak. Aí o café estava a dez milréis a @, quarenta conto a saca. Un sou güng hai den ruper bet twelw, fuwtsig de rouba. E assim ele foi até doze, quinze milréis a @. - Kan man sich denka wat dai lüür dun ni ansteld häwa, ais dai kafa fuwtsig mijlreis de rouba wäir...É possível imaginar o que se aprontou, quando o café estava valendo cinquenta milréis a @... Duu laiw tijd, dai sün forrükt woura. (Querido tempo) Estavam fora de si. Dai ula fon Holand däira sich dat nåheer bet halwa nachta nog fortela. Os velhos da Holanda rememoravam isto até altas horas da noite. Dai hougmuut wäir sou groud woura. A soberba tinha crescido tanto. Dai air haar sich aina fuwsiger schijn ruuter hålt – aina rouba kafa- un haar´n anstikt. Um tirara uma nota de cinquenta (do bolso)uma @ de café- e ateara fogo. Dai anerd haar werer aina anstikt un 535 forbrend.O outro tornava a queimar outra nota. Dat häwa dai lüür måkt. (1925/26). Isso as pessoas fizeram. Wat gaiwt in de tijd taum forköipen? O que existia naquele tempo a venda? Wanduura, taschauura, kunsertijnas, neigmaschijna un geweera küüst duu köipa sou aint as duu häwa wust, karabijna, winchester... Relógio de parede, de bolso, concertinas, máquinas de costura, espingardas você podia comprar como quisesse, carabinas, winchesters... Dat wäir ales am Bout taum forköipen, bij dai Vervloets – dai wäira “atacadistas”. Tudo isso estava a venda em Sta Leopoldina com os V. – eles eram atacadistas. Güng dai kafa dun ina kanous nog ruuner? O café descia ainda por canoas? Dun wäira nog kain wågen. Não existiam carros. Dat güng ales ina kanous ruuner. Tudo descia de canoa. Ik häw nog kanous uplåren saia. Eu ainda assisti o carregamento de canoas. Im Bout stäit hüüt nog dai rön... Em Sta Leopoldina ainda existe a bica... Uunerkand am fluss wäira schijr kafahüüser. Ao lado do rio só existiam armazéns de café. Dår brögta dai vendisten fon ala geigenda de kafa hen. Ali os vendistas de todas as regiões traziam café. Fon dår güng dai kafa ruuner upa kanou. De lá o café descia sobre a canoa. Up dai rön dår laita sai de kafa ruunerrutscha ina kanou. Sobre a bica o café deslizava até a canoa. Dai “barqueiros” naima dai säk un pakta dai upa kanou hen. Os barqueiros pegavam as sacas e as empilhavam na canoa. Woufeel stuun brüükta sai bet sai na Vitória kaima? Quantas horas eles gastavam até chegar a Vitória? 536 Figura 56: A Venda (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn). Sai günga ruuner bet Ponta da Pedra. Eles iam até Ponta da Pedra. Dår haara sai luurt bet dai sei fala däir – kijk, den löpt dat wåtar jå af – den wäira sai mitgåa. Lá se esperava até a queda da maré – pois, veja, aí a água escoava- e aí eles iam junto. Sai häwa ain nacht un aina dag bruukt. Eles gastavam uma noite e um dia. - Dai klain stråt im Bout schal sich früür uutstopt häwa mit kangalaeesels. A pequena rua de StaLeopoldina ficava repleta de burros de cangalha. Dai klain stråt wäir ful mit eeselstropa. A ruela se enchia de burros de tropa. Dår hät geewt mit kneewelstok dat sou juucha däir. Ali havia briga com cambito de cangalha que chegava a cantar. Dai swaarda fon Afonso Cláudio – dai küüna sich ni lijra t´houp. Os negros de AC não se toleravam. Dat wäir seir eeklig, roug folk. Era 537 um povo cru. Wat dai Costa wäir, wat hijr ruuner güng – häw ik nog beleewt – hijr sün sai nog gåa ais ik hijr al woona däir. O que era o C. que descia por aqui, - eu ainda vivenciei- eles ainda transitavam por aqui quando eu já morava aqui. Dai haar teigen lot eesels. Ele tinha dez lotes de burro. Dat wäir seir roug folk. Era um povo cru. Dat wäir kair gaur folk. Não era gente boa. Hijr wäir dai richtg tropaweeg. Aqui era a rota certa das tropas. Güng ruper doirt RioClaro, Rio Lamego un Garrafão bet Afonso Cláudio. Subia por Rio Claro, Rio Lamego e Garrafão até Afonso Cláudio. Dai häwa firtsein dåg bruukt, hen un tröig fon Afonso Cláudio bet nam Bout. Eles gastavam quatorze dias, ida e volta de Afonso Cláudio a Sta Leopoldina. Acht dåg ruuner un acht dåg ruper. Oito dias para descer e oito dias para subir. Ruuner günga sai mit kafa un ruper mit weitmeel. Eles desciam com café e subiam com farinha de trigo. Weitmeel wäir in dera tijd swår taum häwen, ni sou licht as hütsendågs. Trigo era difícil de se comprar, não tão fácil como hoje. Tau Wijnacht laip ales hijnem meel. No Natal tudo corria atrá de trigo. “Jå, wen man weka krijga...” säär Heinrich Krüger. Tudo bem se a gente conseguir algum (trigo), dizia HK“Forsprääka kan man ni.” Não posso garantir. Oft wäir´t eidailt wat kaim. Muitas vezes dividia-se o que vinha. Wek küüna sich kaina sak köipa. Alguns não tinham como comprar um saco. Dai köfta sich den aina halwa sak. Estes compravam um meio saco. Feel köfta sich aina rouba. Muitos compravam uma @. Meel wäir in de tijd düür. Trigo era caro naquele tempo. Ais ik hijr anfånga häw, dat kan ik dij uk nog fortela, dun wäir mijn hogtijd, mit fuwsig famijlcha. Quando eu comecei aqui, isto também posso lhe contar, aí aconteceu o meu casamento com cinquenta famílias. Fåter köft sijna sak meel hijr bij Heinrich Krüger, 538 hai wäir den meist hijr an. O pai comprou o seu saco de trigo com HK, na maior parte do tempo ele era freguês dele. Brauna lüür däira den meist bij João Kleina hanla. O pessoal dos Braun negociavam mais com JK. Dai köfta eera sak meel dår den. Eles compraram o seu saco de trigo lá. Dat wäira den twai sak meel tau ous hogtijd. Eram pois dois sacos de trigo para o nosso casamento. Ainunfuwsich mijlreis kost dai sak meel dun un dai rouba kafa wäir soiwen mijlreis. Cinquenta e um milréis custava o saco de trigo e a @ de café custava sete milréis. Müsta soiwen rouba kafa sin tau aina sak meel. Tinha que ter sete @ de café para um saco de trigo. Bijnå twai sak kafa tau ainem sak meel. Quase dois sacos de café para um saco de trigo. Aina haud däir draisig mijlreis kosta. Um chapéu custava trinta milréis. Wäir går ni sou aina gaura. Não era dos melhores. Air gaur kost fuwsich mijlreis. Um bom custava cinquenta milréis. For air pår schau müst ik fünfundraisich geewa. Por um par de sapato eu tive dar trinta e cinco milréis. Air gewöinlig ansuug kost fuwsich mijlreis. Um terno normal custava cinquenta milréis. Nam meel nå wäir air ansuug bijlig. Em comparação ao trigo, o terno era barato. Dat eeten wäir düürer. A comida era mais cara. Wita suker wäir nij aners köft as tana fest taum broudbaken. Açucar branco só se comprava para festa, para fazer pão. Rijs wäir nij köft, blous aina kijla taum rijssup kooken tana fest. Arroz não se comprava, só um quilo para fazer sopa de arroz para festa. Wem weka wul eeta, dai müst sich weka planda. Quem quisesse comer arroz, tinha que plantá-lo. -Meel in fässa. Farinha de trigo em barril. Gans früür is dat meel in fässa kooma. Bem antigamente o trigo vinha em barrís. Bij grousfåters huus stüün nog ümer sou ain fass. Na casa do vovô sempre tinha um tal barril. “Na, wat is dat fåter?” 539 fruiga wij kiner. O que é isso vovô, perguntávamos nós crianças. Dat is ain meelfass. Isto é um barril de trigo. Früür is dat meel uutlandsch kooma in fässa. Antigamente o trigo vinha do exterior em barrís. Un dai wäir seir düür.E ele era muito caro. Figura 57: Anton Laurett- Alto Jequitibá. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn). Nåheer kaim dai uut Argentinien. Depois ele vinha da Argentina. Mij grousfåter – Anton Laurett- hät hijr in Brasilien ana arbeiren anfonga bij dai fazendeiros, mit dai esklawen. Meu avô AL começou a trabalhar aqui no Brasil com os fazendeiros junto com os escravos. Sai häwa drai weeka in ains waldhougt. Eles ficavam tres semanas seguidas derrubando mata. Hai hät kair brasiliånisch forståa un taum mit dai lüür oiwerainkoomen is dat swår wääst. Ele 540 não sabia brasileiro e foi difícil a comunicação com o pessoal. Hai hät aina halwa mijlreis up air arbeidsdag fordaint. Ele ganhava quinhentos réis por um dia de trabalho. Nåheer hät hai sijn kunij alaina anfonga. Depois ele começou a sua colônia por conta própria. Dai holäiner häwa dai brasiliånisch språk rasch leirt. Os holandeses aprenderam a língua brasileira rapidamente. Dai pomer häwa dai språk ni sou rasch leirt. Os pomerânios não aprenderam a língua tão depressa. Jeirer holäiner däir dai brasiliånisch språk reera. Todo holandês falava a língua brasileira. - Laig dat dår an dat dai holäiner dichta bij dai brasiliåner woona däira? Isso tinha a haver com o fato de que os holandeses moravam mais pertos dos brasileiros? Jå, dat het dår anleega. Sim, isso tinha a haver com este fato. Sou går wij hijr, as wij sou geetliga jongas wäira fon drai bet fair jåra, wij häwa brasiliånisch leirt fon aim swarda wat sklawa wääst wäir. Até nós aqui, quando éramos meninos de tres a quatro anos, nós aprendemos o brasileiro de um negro que fora escravo. Hai hät hijr bij de Schaffels woont. Ele morava aqui com os S. Hai wäir air seir gaur arbeidsmeisch. Ele era muito bom de serviço. Dårdoir häw ik un Emil brasiliånisch reera leirt. Através dele nós, eu e Emílio aprendemos o brasileiro. Åwer dai gansa lüür hijr rümer- dår küüst duu gåa fo huus bij huus, dai däira ni “bom-dia” forståa. Mas a maioria do pessoal por aqui- você podia ir de casa em casa- eles não entendiam nem “bom”-dia. Dat wäira ma gans pår lüür wat brasiliånisch küüna. Eram bem poucas as pessoas que falavam o brasileiro. -Wouweegen is Anton Laurett naa Jequitibá henkooma? Porque A.L veio para Jequitibá? Dat is dårdoir passijrt dat sij, dat airst määka Joana, dai hät sich aina brasiliåner anschaft. Isso aconteceu por causa da sua filha mais velha Joana que se ajuntou 541 com um brasileiro. Uk kain eekliga lüür, uk ni sou seir bruun, meir sou hel. Não eram gente má, nem tão morenas, eram mais claras. Un hai hät sich dåroiwer argert, dat wäir früüer ni sou gans klår t´houp Ele se aborreceu com isto pois isso não era tão pacífico antigamente. Dår wäir ümer aina uunerscheijd tüschen dat düütsch folk un dat brasiliånisch folk. Sempre existia uma diferença entre o povo alemão e o povo brasileiro. Dår hät hai sich oiwer argert un hät sijn koni tuuscht mit Han Boone, dai däir hijr woona. Ele se aborreceu com isso e trocou a sua colônia com HB. Anton is hijr hentrekt un Han is dårruuner naa Holandinha hentrekt, dår wou Alfred Heuler hüüt woont. A mudou para cá e H mudou para lá onde hoje mora o AH. Dat is mijn ul grousfåtarsstel wääst. Esse foi o velho lugar do meu avô. Soulang ais hai leewt hät, hät hai hijr wijrer arbeid. Enquanto ele viveu, ele continuou o trabalho aqui. Hijr in Jequitibá hät hai dat pomrisch reeren leirt. Aqui em Jequitibá ele aprendeu a falar o pomerânio. In Holandinha hät hai brasiliånisch leirt. Na Holandinha ele aprendeu o brasileiro. Hai küün uk gaud hougdüütsch reera. Ele também sabia falar bem o alto alemão. Dat wäir em ales glijk. Tudo era igual para ele. Soulang as dai düütscha praisters kooma sün, hät hai eer språk uk leirt. Enquanto vinham pastores, ele aprendera a língua deles também. -Woudoir kaim dat, dat hai mit dai düütscha praisters t´houp wäir? Através de que aconteceu o contato com os pastores alemães? Wäir hai ni Calvinist? Ele não era Calvinista? -Hougdüütsch häwa sai leirt doirt dai kirch. O alto alemão eles aprenderam através da igreja. Sai häwa dai “Numer Eins Kirch” in Luxemburg buuga hulpa. Eles ajudaram a construir a igreja Nr Um em Luxemburgo Dai hät Anton trecht måka hulpa. Esta A ajudou a concluir. Jeirer mitglijd hät müst 542 firtsich bet fuwsich dåg arbeira helpa un fuwsich mijlreis geewa. Cada membro teve que doar quarenta a cinquenta dias de trabalho e cinquenta milréis em dinheiro. Dat wäira ma weinig mitglijra. Eram poucas famílias-membro. Dai sün uuner fon Holandinha bet Luxemburg kooma taum dai kirch upstampa helpen. Eles vinham lá debaixo da Holandinha para ajudar a (socar) construir a igreja. Wen dai lüür dat hüüt nog schula måka? Se as pessoas tivessem que fazer isso hoje ainda? Åwer wouweegen? Mas porque? Dai düütscha haara sou ain haimwei up dat goteswourd wat sai dårlåta haara taum hijr rinerwandren.Os alemães (europeus) tinham saudade da palavra de Deus que eles tinham deixado ao imigrar para cá. Sai häwa dat weird geewt un eirt. Eles davam valor e honravam a palavra de Deus. Dai häwa dår fruir an hat. Eles tinham prazer nela. -Forstüüna dai lüür hougdüütsch? As pessoas entendiam o alto alemão? Früüer wäira seir feel lüür, dai forstüüna blous pomrisch un dat hougdüütsch forstüüna sai uk ni. Antigamente havia muita gente que só entendia o pomerânio e o alto alemão elas também não entendiam. Dai meist sål häwa bits hougdüütsch ina schaul leirt. A maioria aprendeu um pouco de alto alemão na escola. -Dem ula Anton sij jong – dai däir uk Anton haita – dai is langtijd schaulleirer wääst in Holandinha. O filho do velho A- que também se chamava A- foi por um longo tempo professor na Holandinha. Soulang as ik mij denka kan hät hai schaul hula in Holandinha. Desde o tempo que tenho lembrança ele dava aula na Holandinha. Un hai kü uk hougdüütsch reera. E ele também falava o alto alemão. Dai praisters fo Luxemburg bleiwa nacht bij em wen sai in Holandinha kirch höila. Os pastores de Luxemburgo pernoitavam na casa dele quando davam culto na Holandinha. Dår däira sai 543 diskutijra un sich oiwer manches oiwerlega. Lá eles discutiam e refletiam sobre assuntos diversos. Mit dai krüütsa upa kirchhof wula dai früüscha holäiner nischt waita. Os holandeses antigos não queriam saber de cruzes no cemitério. Nei, uk ni ina kirch. Não, e também não dentro da igreja. Un nog air dail: E mais outro detalhe: Soulang as ik mij denka kan, güng grousfåter Anton ümer tau stilafrijdag na Holandinha taum åwendmål. Desde o tempo que eu me lembro, o avô A sempre ia na Sexta-feira Santa a Holandinha para Santa Ceia. Hai güng hijr ni taum åwendmål dat dai krüütsa dår ståa däira. Ele não ia aqui para Santa Ceia por causa das cruzes no altar. Dat krüüts wäir fo eer (holäinar) ni eirt, dat wäir foracht, dårweegen dat Jeisus ant krüüts någelt wäir. A cruz não era honrada por eles (holandeses), era desprezada porque Jesus foi pregado nela. Hai güng hijr ni taum åwendmål weegen dai lichta un dat krüüts. Ele não ia aqui para a Santa Ceia por causa das velas e da cruz. Früüer wäira dai Berlinerpraisters – dai wäira ni glijk Luteraner. Antigamente haviam os pastores de Berlim – eles não eram logo luteranos. Nana kirch güng hai hijr den na Jequitibá. A igreja ele ia aqui em Jequitibá. Grousfåter Treichel is foursteir wääst. O avô T era presbítero. Sai sün ala toupreera nana kirch upm barg. Eles cavalgavam juntos para a igreja no morro. Wen den taum åwendmål, den güng hai na Holandinha. Para a Santa Ceia ele ia para Holandinha. Dat kan ik mij nog denka as wen´t hüüt wääst ist. Disto eu me lembro como se tivesse sido hoje. Hai satelt sich de wita walach up un reir naa Holandinha. Ele arreava o cavalo branco e cavalgava para Holandinha. Wou gäit grousfåter hen?Para onde vai o vovô? Hai güng na Holandinha. Ele ia para Holandinha. Dår wäira kain krüütsa. Lá não havia cruzes. -Naima dai praisters dat dår an 544 oona krüütsa? - Os pastores aceitavam o não uso de cruzes lá? Jå, dai häwa dat müst anneema. Sim, eles eram obrigados a aceitar. Dat häwa dai holäiner ni erlaubt for kaina prais. Isso os holandeses não aceitavam por preço nenhum. Sai häwa diskutijrt. Eles discutiam. Wij dråga doch al ous krüüts! Nós já carregamos a nossa cruz. Sou går mit dem katoulischa påter haar fåtar sijnt mit. Até com o padre católico meu avô discutia. Dat wäir dai ul Padre Oto. Era o velho padre O . Dai wäir richtig uut Düütschland. Ele era alemão legítimo. Dår güng hai up besuuch hen. Meu avô ia visitá-lo. Dai wäir seir, seir t´houp mit praisters un påters, åwer ümtuuscha lait hai sich ni. Ele tinha muito contato com pastores e padres, mas não se deixava trocar ( era homem de opinião). -Wou güng dai weeg hijr na Holand? Por onde passava o caminho para Holanda? Küüst doir Luxemburg urer doir Tiroul gåa. Você podia passar por Luxemburgo e Tirol. Wij günga doirt Farijnflus, Swaarda Felsen un Tiroul. Nós passávamos pelo Rio da Farinhas, Pedra Preta e Tirol. Dat is gans näig åwer seir slecht stråt. Esse caminho é bem perto mas a estrada é péssima. Dat wäir früüer ales mit rijren. Antigamente era tudo a cavalo. Dai fon Holand kaima hijr seir oft up besuuch. Os da Holanda vinham aqui com frequência para visita. Fåter güng dår uk oft hen. O avô ia lá também muitas vezes. Ik urer mij braura Emil, air fo ous güng ümer mit. Eu ou meu irmão Emílio, um de nós sempre ia junto. -Woufeel stuun wäira dat taum rijren? Eram quantas horas a cavalo? Ik main soiwen stuun. Eu acho umas sete horas. Sou aina slechta weeg. Uma estrada tão ruím. Ales tauwussa un ful mit karpata.Toda fechada de mato e cheia de carrapato. Ais ik dat airst mål mitwäir, ik häw dai gans nacht ni slåpa. Na primeira vez que eu fui junto, eu quase não dormi durante a noite toda. Dai karpata häwa mij 545 buuntfreeta. Os carrapatos me deixaram pintado de tanto morder. Ina reegentijd wäir dat reisen uk ni licht? -Na época de chuva, viajar também não era fácil? (Antoninho) Sou as dai wågen hüüt steekend blijwa, sou bleiwa früüer dai eesels steekend im mora.(Antoninho é o filho) Assim com os carros hoje ficam agarrados, antigamente os burros ficavam agarrados na lama. Ik kan mij nog denka dai weeg wat hijr de barg ruper güng na Rio Claro. Eu ainda me lembro da estrada que subia aqui no morro em direção a RioClaro. Dat wäira blous stufta, wek fo aina halwa meiter houg wou dai tijra ruperstijga müsta. Eram somente degraus, alguns de meio metro de altura que os animais tinham que escalar. Am buuk wäira de tijra eer håra ala afsrupt. Os pelos da barriga dos animais estavam todos raspados. Dat kan ik mij uk nog denka. Disso eu ainda me lembro. Wij haara ais acht urer neegen fetbörch. Nós tínhamos uma vez oito ou nove capados. Adolf Pagung däir dai leewig köipa. AP os comprava vivos .Un dun häwa wij müst dai hijr ruunerkeira- wätst dat nog, papa? E aí nós tivemos que conduzí-los daqui para baixo – tu ainda te lembras, papai? Sou kreig ma´s ni drågt, dun häw ma´s henkeird. Não havia como transportá-los, aí tivemos que conduzi-los. Dai gåa gaud wens upa stråt sün. Eles andam bem quando estão na estrada. Dai gåa ni uuter weeg. Eles não saem do caminho. Dai gåa ümer sou langsåm weg. Eles vão sempre devagar para frente. (Antoninho) Dat wäir 1968. Isto foi em 1968 Dun däir papa sich as aina wåga köipa Aí papai comprou um carro. (Chevrolet 51Cara de Sapo) Dun wäira wij nog ala t´huus. Nós estávamos todos em casa. Wäira söss kiner, haar nog kair frijgt. Eram seis filhos, nenhum havia casado. Drai jonges un drai määkes.Tres rapazes e tres meninas. Un dun köft papa de wåga un wij haara seir feel 546 schulden åwer wij haara uk seir feela mandjuk ståend. Ai papai comprou o carro e nós tínhamos muitas dívidas mas também tínhamos muita mandioca para colher. Figura 58: Mulheres pomeranas.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn). Wij häwa mandjuk drågt...Nós carregamos mandioca. Wij häwa moirns anfonga bet åwends klok neegen, teichen ina farijnmoil. Começavamos (o trabalho) de manhã até nove, dez horas da noite no quitungo. Wij moika draisig bet fünfundraisig sak farijn upt week, bet wij de wåga betålt kreiga. Fazíamos trinta a trinta e cinco sacos de farinha por semana até conseguirmos pagar o carro. Dai mandjuk 547 wördels wäira ala upa naka drågt. As raízes de mandioca eram carregadas todas no lombo. Nog ni ain schuuwkar haar ma, åwer wij häwa de wåga betålt kreega. Nem um carrinho de mão tínhamos, mas nós conseguimos pagar o carro. Wou düür wäir dai wåga? Qual foi o preço do carro? Soiwen duusend mijlreis un dai farijn, wen mijt recht is, kost fünfuntwantsig de sak. Sete mil milréis, se não me engano, e a farinha valia vinte e cinco milréis o saco. Åwer wij haara uk kafa. Mas nós tínhamos também café. Wij haara simlig feela kafa. Nós tínhamos bastante café. Wij häwa de kafa wegbrögt fon hijr naa Caldeirão. Nós transportamos o café para Caldeirão. Wij häwa de kafa afgeewt för de wåga. Nós entregamos o café pelo carro. Wij häwa twai reisa måkt. Nós fizemos duas viagens. Dai wåga wäir houg bilårt mit slusakafa. O carro estava extremamente carregado com café em coco Wem fuira däir, wäir Carlinhos Schwarz. Quem dirigia era era CS. In de tijd we aina wåga fuira däir, dat wäir air seir angesaiend meisch. Naquele tempo quem dirigia carro era um sujeito renomado Julius Krüger un Heinrich Röpke – dat wäira dai airsta fuirers. JK e HR eram os primeiros motoristas. Wij häwa dun dragta wegbrögt. Nós fazíamos transportes. In de tijd wäira firtsigkijlakisten uplårt. Naquele tempo trabalhava-se com caixas de 40 quilos. Dai wåga wäir öftens mit fijw raiga kisten uplårt. O carro era muitas vezes carregado com cinco carreiras de caixas .Den wäira duwelt keera uunermåkt. Aí colocava-se corrente dupla. Wij sin moirns hijr wegfuirt un åwends airsta ankooma wou dai asfalt nuu gäit. (20km) Nós saíamos de manhã e só chegávamos de tarde onde hoje passa o asfalto. Drai dåg däir dat duura bet wij airsta werer tröig wäira fona stad. Levava tres dias para estarmos de volta da cidade. Ik un Alfred däira jeira week mit ain schuuwkar- mirweeks 548 wäir ous dag- moralöcha uutdråga mit stain wou dai wåga hängend bleiw. Eu e A íamos toda semana, quarta-feiraera nosso dia - com um carrinho de mão fechar os atoleiros com pedras onde o carro ficava pendurado. Dat wäir ous arbeid mirweeks. Este era o nosso trabalho na quarta-feira. Dai rest tijd wäir ma den upm land. O resto do tempo a gente trabalhava na roça. Dragt t´houpbringa mit dem wåga sou as hüüt brüükst går ni andenka. Ajuntar carga com o caminhão como hoje, nem pensar. Dai dragt wäir ales mit tijra t´houpdrågt. A carga era toda ajuntada com animais. Sou häw ma den langsåm anfonga. Assim a gente começou devargarzinho. Figura 59: Engenho de Farinha.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn). 549 Sou licht as hüütsendåg wäir dat ni. Tão fácil como hoje não era. Wen dai wåga hijr weg güng, dår müsta fijw, söss man bijsin bet dai airsta uuner wäir wou dai asfalt nuu gäit. Quando o carro saía daqui tinha que ser acompanhado com cinco, seis pessoas até onde hoje passa o asfalto. Blous taum haken un doirhelpen. Só para cavar e ajudar a passar. Öftens kaim dai maschijn ais riner un wen´t den reegen däir, den wäir´t gans u går uut. Às vezes passava a máquina e quando então chovia aí não tinha mais passagem. Dai wåga wäir mit aim dreiger (manícula) andreigt. O carro era ligado com uma manícula. Mij unkel Emil hät sich dai gans hand dår ais mit forbrooka. Meu tio Emílio uma vez quebrou toda a mão com isso. Hai hät dår anerdhalw jår mit taubrögt bet dat nog ais werer hail woura is. Ele lutou um ano e meio até que ela melhorou. Åwer dat is nimeir sou woura as dat müst. Mas não ficou mais como deveria. Dai wågen häwa müst seir feel uuthula. Os carros tinham que aguentar muito. Al firtsein dåg müst man nijga feerers uunermåka. A cada quinze dias tinha que ser trocadas molas. Dai däira wij ous köipa un alaina uunermåka. Estas nós comprávamos e nós mesmos fazíamos a substituição. Aina truugraima kost aina sak farijn. -Uma cinta de casamento por um saco de farinha (de mandioca). In Rio Claro däira dai lüür blous mit farijn arbeira. Em Rio Claro as pessoas trabalhavam só com farinha. Fijw mijlreis kost dai sak. Cinco milréis custava o saco. Jår in, jår uut wäira dai lüür ina farijnmoil. Entrava ano, saía ano e as pessoas estavam no quitungo. Ales mit dai hand afrijwa un dröiga. Tudo feito a mão, cortar e torrar. Denå kaim dat up: Depois inventou-se isto. Olívio Camponês haar ain maschijn buugt taum farijn dröigen. OC construiu a máquina de torrar farinha. Ach, dat wäir ain upberaup. Isso foi uma novidade. Wou mach dat as 550 bischafa sin? Com isso é feito? Wat mach dat ais sin? O que será isso? Un denå kaimdat ümer wijrer. Depois isso foi se espalhando. Ul Han Boone, wat mij unkel wäir, dai däir dai maschijn den buuga. O velho HB que era o meu tio construia tal máquina. Dat güng dun ümer wijrer ruper bet Tijuco Preto un Garrafão. Isso foi se espalhando até Tijuco Preto e Garrafão. Wou ain klain wåterfal wäir, dår stüün uk ain klain farijndröiger. Onde havia uma queda de água, havia também um torrador de farinha. Dun wäir feela farijn. Aí havia muita farinha. Ain tijdlang wäir dai farijn düür. Por um tempo a farinha esteve cara. Man kreig twansich, fünfuntwansich mijlreis for aina sak. Conseguia-se, vinte, vinte e cinco milréis por saco. Mijn schaul Minha escol. Ik bin in Jequitibá inseegend woura. Eu fui confirmado em Jequitibá. Dår wou ous kirch nuu stäid, dår bin ik ina schaul gåa. Lá onde está a nossa igreja hoje eu fui na escola. Dai ul Fritz Zumach wäir schaulleirer. O velho FZ era professor. Twai un halw jår häw ik mijn schaul doirmåkt. Dois anos e meio passei por esta escola. Drai jår müst ik den noch upa barg – Jequitibá mit praister Strohling ina kunfirmanda. Tres anos eu tinha que ir ao morro em Jequitibá no ensino confirmatório com o pastor S. Mij grousfåter un andra wula ain kirch hijr in Rio Claro buuga. Meu avô e outros queriam construir uma igreja em Rio Claro. Dun häwa sai dai kunij köft. Aí eles compraram a colônia. Dår hät müst jeirer famijlch draisich mijlreis geewa. Para tal cada família teve que dar trinta milréis. Dat wäira ain draisich bet firtsich famijlcha. Eram umas trinta a quarenta famílias. Dai sün dår åwer ni gans klår kooma. Eles não conseguiram se entender. Grousfåter gäit dun af un sai buuga hijr uuner dai schaul wou ous kirch hüüt stäid. Vovô se desfiliou e eles construiram a escola onde está nossa igreja hoje. Dår hät hai dai 551 kirchhof uk gröiter måka hulpa, brasilposten hendrågt. Lá ele ajudou a ampliar o cemitério, contribuiu com poste de pau brasil 1929 bin ik inseegend woura. Em 1929 eu fui confirmado. Drai jåra ina schaul gåa. Frequentei durante tres anos a escola . Ik häw leesa un srijwa leirt, åwer ales düütsch. Aprendi a ler e escrever, mas tudo em alemão. T´huus däira wij mit muter´a pomrisch reera un mit fåter´a holäinisch. Em casa nós conversávamos com a mãe em pomerânio e com o pai em holandês. Hougdüütsch forstüün muter uk, reera däir sai ni, åwer forståa däir sai ales. O alto alemão a mãe também entendia, não conversava mas entendia tudo. Sai wäir air Treichels määka. Ela era da família T. Sai küün seir gaud leesa un srijwa. Ela sabia ler e escrever muito bem. Ina kirch küüst duu eer stim höira bijm singen waitwijd mang dai lüüra. Na igreja sua voz se ouvia a distância durante o canto entre o povo. Sai is hijr nog geboura. Ela ainda nasceu aqui. Grousfåter Treichel is fon Düütschland kooma – fon Pomerland. O avô T veio da Alemanha- Pomerânia. Ina kunfirmandaschaul güng ik mit angst hen un kaim mit angst naahuus. No ensino confirmatório eu ia com medo e voltava com medo. Ik kü dem schaulleirer ales antwoura wat hai mij fråga däir. Eu sabia dar resposta a tudo o que o professor perguntava. Wäir air gaur schaulleirer, åwer streng. Era um bom professor, mas severo .Wij kreiga air srijwbauk un müsta dat abc nåsrijwa – klain un groud. Ganhávamos um caderno e tínhamos que escrever o abecedário – minúsculo e maiúsculo. Dat wäir dai ul früüsch sriwt – dai richtig düütsch sriwt. Era a escrita antiga- o gótico. Soulang srijwa bet richtig wäir. Tínhamos que escrever até ficar certo. Dai letsta dåg hät hai de kiner mij heft weesa. Nos útimos dias o professor mostrou o meu caderno aos alunos. “Kukt mal wie der Anton erst geschrieben 552 hat un wie er jetz schreibt.” Olhem como A escrevia antes e como ele escreve agora. Den gaiwt dai tåfelstaum srijwen. Havia também as lousas para escrever. Dår wäira dai grifels tau. Havia também os lápis de lousa. Dai tåfels müst man sich gaud inpaka, süster kaim man nana schaul un den wäir dat ales uutlöscht wat man sreewa haar. As lousas tinham que se bem acondicionadas senão a gente chegava à escola e o que a gente tinha escrito estava apagado. Dat wäir ina futersak rinarpakt un dår nog broud bij riner. Isso era colocado dentro do embornal junto com pão. Dai schaul güng bet klok twaira meist ümer. A aula ia até às duas horas da tardequase sempre. Dat wäira twai dåg ina week. Eram dois dias de aula por semana. Twai dåg wäir hijr schaul. Dois dias havia aula aqui. Twai dåg wäir upm barch bijm praister schaul. Dois dias havia aula no morro com o pastor. Hijr wäir måndågs un dijnsdågs schaul un dår wäir mirweeks un dunerdågs schaul. Aqui tinha aula às terças e quartas e lá às quintas e sextas. Dat wäir den wijd taum gåan. No morro era longe para andar. Ik bleiw den nacht bij mijn tanta. Eu pernoitava na casa da minha tia. Dai praister haar mirweeks düütschschaul un dunardågs wäir den kunfirmandaschaul. O pastor dava aula de alemão na Quinta-feira e aula de ensino confirmatório na Sexta .Wem sijnt ni waita däir, dai kreig mit´m arassaa-stok. Quem não sabia da sua tarefa apanhava com uma vara de araçá. Dår hougt hai mit in´t hand. Com ela ele batia na mão. Manch air hät hai wek roiwer schacht. Diversos apanhavam. Dår wäira wek bij, dai häwa ni leirt. Havia alguns que não aprendiam. Sou as sai ina schaul rinerkooma sin, sou sin sai uk werer ruuter gåa. Assim como entraram na escola também saíram. Häwa müst sou inseegend waara. Tiveram que ser confirmados assim mesmo. Wäir kair anerd 553 schik bij. Não havia outro jeito. Dat slåan hät nischt lount. O espancamento não adiantou. Häwa nischt leirt. Não aprenderam nada. Dat laig uk an de ülra. Figura 60: Escola-Igreja - Rio Claro - 1900 (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn). . Também dependia dos pais. Muter hät ous seir mithulpa. A mãe nos ajudou muito. Tüüg flika un näiga, dat maik sai ales åwends ina nacht. Remendar roupa e costurar, ela fazia a noite. Un dårbij hät sai ous leirt. Ao mesmo tempo ela nos ensinava. Sai wüst jå ales uut dem kop. Ela sabia tudo decor. Sai hät ous leirt un däir lijkerst näiga. Ela nos ensinava e ao mesmo tempo costurava. Sai wüst der gansa katechismus uut dem kop, dai gansa gisäng. Ela sabia todo o 554 catecismo de cabeça, todos os hinos. Ik wait de katechismus uk nog meist ales uut dem kop. A maior parte do catecismo eu ainda sei decor. Jeira week müst man air gisang leira. Toda semana tínhamos que aprender um hino. Wen ik dai gisang twai urer drai mål oiwerkijka däir, wüst ik dat al. Quando eu olhava hino duas ou tres vezes, eu já sabia tudo. Dai ul kirch stüün uuner im sump. A igreja antiga estava em baixo no brejo. Dat wäir ma sou ain lang giwöinlich huus. Era uma casa normal, comprida. Dår häwa´s feela jåra lang kirch un åwendmål in hat. Ali celebrou-se por muito anos cultos e santa-ceia .Dun häwa´s anfonga taum ain nijg kirch buugen. Aí iniciou-se a construção de uma nova igreja. Ul Fritz Reinke wäir schaulleirer. O velho FR era professor. Hai wäir klauk. Ele era sabido. Hai wäir kair dum meisch. Não era pessoa boba. Dun hät hai sägt, hai gaiw drai duusend mijlreis taum dai kirch buugen, den wul hai dat gemaindaland behula. Então ele falou que daria três mil milréis para construir a igreja, em troca ele ficaria com o terreno da comunidade. Dårdoir is dat land uuter gimainda hand kooma. Com isto o terreno saiu da mão da comunidade. Ais dat afleest wöir, dat Fritz Reinke drai duusend mijlreis rangijrt haar taum dai kirch buugen, haar sich João Pagung fo Rio Ponte forsrekt. Quando foi lido que FR tinha arranjado tres mil milréis para construir a igreja, JP de Rio Ponte se assustou. João Pagung stüün sich gaud un haar duusend mijlreis geewt taum dai kirch in Rio Ponte buugen. JP estava bem situado e havia doado mil milréis para construir a igreja de Rio Ponte. Hai dacht hai wäir dai oiwerst un nuu haar Fritz Reinke drai duusend rangijrt. Ele achava que era o maior e agora FR havia arranjado tres mil milréis. Fritz Reinke haar sich dat gild borgt un is dat ni meir nåkooma. FR tomou este dinheiro emprestado e não 555 conseguiu mais acertar. Nåheer hät Vitor Pereira em dat land wegnooma for dai schulden. Depois VP tomou-lhe esta terra por conta das dívidas. Olímpio Pereira – Vitor sij fåter- het sich saldåta annooma un häwa Fritz Reinke mit fruug un sachen ruuter smeeta uut dem huus. OP – pai de VP- contratou soldados que despejaram FR com mulher e pertences. Hai hät müst båwen upm barg bij Carl Schmidt ina wald kruupa un sich air palmijtahüt buuga taum woonen. Ele teve que subir no alto do morro, atualmente do Carlos Schmidt, entrar na mata e construir um rancho de palmito para morar. Dat wåtar hät hai müst sich wijd dråga. A água ele tinha que carregar de longe. Dår hät hai woont im drek seir feel jåra. Ali ele morou na sujeira por muitos anos. Gans geel saich hai uut. Sua aparência era bem pálida. 556 Sobre o Autor Ivan Seibel nasceu no Estado de Espírito Santo. Médico. Jornalista. Pós-graduado em Urologia – FFFCMPA. Pós-graduado em Gestão de Cooperativas – UNISINOS. Mestre e Doutor em Clínica Médica/Nefrologia – PUCRS. Pós-Doutor em Teologia/História pela EST. Professor Curso de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul. Obras publicadas: 1. Avaliação Subjetiva da Disfunção Erétil Masculina em Pacientes Urêmicos em Hemodiálise, vol. 1.. Venâncio Aires: Traço, Produções Gráficas, 1998. 2. A Educação Cooperativista e a sua implantação na Unimed VTRP, Série: Cooperativismo e Desenvolvimento Urbano. Ano 11, vol. 19. Unisinos. 2000. 3. Educação Cooperativista e Gestão pela Qualidade,(Org.) vol. 1. Cruz do Sul: EDUNISC, 2000. 4. Educação Cooperativa: a implantação na Singular, (Org.) vol. 1. Porto Alegre: WS Editor, 2001. 5. Gestão pela Qualidade: a implantação na Singular, (Org.) vol. 2. Porto Alegre: WS Editor, 2001. 6. Efeito do Citrato de Sildenafil sobre a Disfunção Erétil em Pacientes com Insuficiência Renal Crônica em Hemodiálise, vol. 1.. Venâncio Aires: Traço, Produções Gráficas, 2002 7. Formação Cooperativista – História, estrutura e educação cooperativista no Complexo Unimed, (Org.) vol. 1.. Porto Alegre: WS Editor, 2003. 8. Formação Cooperativista – A Gestão da Singular Unimed, (Org.) vol. 2. Porto Alegre: WS Editor, 2003. 9. Formação Cooperativista – O cooperado e sua Singular Unimed, (Org.) vol. 3. Porto Alegre: WS Editor, 2003. 10. A 10ª Enfermaria: Polêmicas e Benefícios da Educação Médica Informal. vol. 1.. Porto Alegre: WS Editor, 2004. 557 11. Imigrante, à duras penas. vol. 1. Nova Petrópolis: Editora Amstad, 2007. 12. Imigrante, no século do isolamento. vol. 1. Venâncio Aires: Traço, Produções Gráficas, 2010. 558