Ivan Seibel
IMIGRANTE
NO SÉCULO DO ISOLAMENTO / 1870 -1970
1ª edição
São Leopoldo-RS
TRAÇO Produções Gráficas Ltda.
2010
1
2
Ivan Seibel
IMIGRANTE
NO SÉCULO DO ISOLAMENTO / 1870 -1970
O presente livro tem por base o
Relatório de pós-doutorado apresentado
ao Programa de Pós-Graduação das
Faculdades EST, área de concentração
em Teologia e História, como requisito
parcial para a obtenção do título de pósdoutor em Teologia,
Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz
São Leopoldo-RS
2010
3
FICHA CATALOGRÁFICA
1.
2.
S457i
Seibel, Ivan
Imigrante no século de isolamento : 1870 - 1970
/ Ivan Seibel. – São Leopoldo : EST/PPG, 2010.
350 f. : il. ; 30 cm.
Relatório (Pós-Doutorado) – Escola Superior em
Teologia. Programa de Pós-Graduação. PósDoutorado em Teologia. São Leopoldo, 2010.
Orientação: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz.
1. Pomerânios – Espírito Santo. 2. Imigrantes –
Espírito Santo. 3. Luteranos – Espírito Santo. 4.
Pomerânios – Cultura – Brasil – História. 5.
Pomerânios – Religião. I. Wachholz, Wilhelm,
orient. II. Título.
ISBN 978-85-62186-03-5
3.
CDD: 981.52
Bibliotecária responsável Ana Paula Benetti Machado - CRB 10/1641
4
AGRADECIMENTOS
A execução dos trabalhos que viabilizaram a presente
Pesquisa de Pós-Doutorado em Teologia foi possível com o apoio e
a contribuição de inúmeras pessoas. Cabe em especial o meu
agradecimento para:
Meu pai,
que me alfabetizou e me iniciou na ânsia da permanente procura do
saber.
Professor Dr. Wilhelm Wachholz,
pelo nível profissional, pela objetividade, pela clareza de posições,
condução segura e pela disponibilidade em ajudar, esclarecer,
ensinar, ouvir e orientar.
Meus filhos, Vanessa, Guilherme, Ivan e Tomás,
como incentivo à contínua procura pelo aperfeiçoamento
Minha mulher Stela,
Pela paciência com que suportou minhas idas e vindas até a
Universidade.
Colaboradores nas diferentes localidades Capixabas
Sr. Ivan Luiz Saibel e o Sr. Joel Velten
de Domingos Martins,
Sra. Ana Maria Röpke da Silva e o Sr. Jéferson Rodrigues
Santa Leopoldina,
5
Pastor Ito Port,
pelas idas e vindas às tantas localidades de Santa Maria Jetiba,
Itarana e Santa Joana
Familiares do Sr. Haendel Seibel
e do Sr. Evandro Carlos Seibel
por ter acompanhado as inúmeras visitas pelo interior de
Laranja da Terra
Tantos outros colaboradores anônimos
que contibuiram para que esta obra pudesse ser concluída.
6
RESUMO
No presente estudo o autor sistematiza e analisa fatos relacionados
ao dia a dia da vida da população das colônias teuto-brasileiras no
Estado de Espírito Santo, dentro de um cenário social, religioso,
político, econômico e educacional, em uma época compreendida
entre os anos de 1870 e 1970. No seu foco principal estão os
descendentes dos imigrantes pomerânios que lá chegaram. No final
do trabalho de campo foram contabilizadas cinquenta entrevistas, as
quais
mostraram
que
os
protagonistas
deste
processo
de
povoamento passaram por muitas dificuldades, porém obtiveram
bons resultados. A pesquisa resgata relatos históricos dos
imigrantes e de seus descendentes neste estado, que adotaram um
modelo de vida social muito fechado e que, durante praticamente
um século, os levou a um relativo distanciamento da população
brasileira. O presente relato tem como foco a visão do imigrante ou
do seu descendente. Além disto, o estudo traz uma série de
questionamentos que não puderam ser respondidos. A imigração
capixaba foi uma importante fase do extenso processo de imigração
européia no Brasil e hoje, o pomerânio que aqui vive, antes de
qualquer coisa, é um brasileiro, mas que também cultiva suas
tradições
européias. É um
cidadão
brasileiro com
um
grande
potencial de trabalho, que quer conservar seus valores culturais,
7
mas
que
precisa
descobrir
novos
caminhos
para
o
desenvolvimento.
Palavras-chave: 1. Pomerânios – Espírito Santo. 2. Imigrantes –
Espírito Santo. 3. Luteranos – Espírito Santo. 4. Pomerânios –
Cultura – Brasil – História. 5. Pomerânios – Religião.
8
seu
ABSTRACT
In the present study, the author systematizes and analyzes facts
related to the daily life of the population of the German-Brazilian
colonies in the state of Espírito Santo, in a social, religious, political
and educational context, in a period of time between the years 1870
and 1970. In its main focus are the descendents of Pomeranian
immigrants that arrived there. In the end of the field work fifty
interviews were counted, which showed that the protagonists of this
process had many difficulties, but also had many good results. The
research ransoms historical testimonies of immigrants and their
descendents in this state and which adopted a model of social life
very enclosed, which during almost a century took them to a
relatively distance to the Brazilian population. The present testimony
has as focus the vision of immigrants or their descendents. Besides
that, the study brings up a series of questions and which could not
be answered. The immigration in the state of Espírito Santo was an
important phase of the long process of European immigration in
Brazil and today, the Pomeranians that live here, above anything
else, are Brazilian, but also cultivate their European tradition. They
are Brazilian citizens with a great work potential, who want to
maintain their cultural values, but need to find new ways to their
development.
Keiwords: 1. Pomeranian – Espirito Santo. 2. Immigrant – Espirito
Santo. 3. Lutheran – Espirito Santo. 4.Pomeranian – Culture – Brazil
– History. 5. Pomeranian – Religion.
9
ZUSAMMENFASSUNG
In der vorliegenden Arbeit handelt es sich um eine Analyse des
täglichen
Lebens
in
deutsch-brasilianischen
Kolonien
im
Bundesland Espirito Santo, und zwar in sozialer, religiöser,
politischer,
wirtschaftlicher
und
schulischer
Untersuchung umfasst den Zeitraum
Hinsicht.
Die
von 1870 bis 1970. Im
Mittelpunkt der Forschung stehen die Nachkommen der früheren
Einwanderer aus Pommern. Für die Feldforschung wurden 50
Interviews
durchgeführt,
darin
wurden
die
anfänglichen
Schwierigkeiten der Pioniere deutlich, aber auch die guten Resultate
ihrer Arbeit. Durch die Untersuchung wurden geschichtliche Berichte
der Immigranten und ihren Nachkommen im Lande dokumentiert und
gesichert. Die
Berichte
zeigen
ein
ziemlich
geschlossenes
Lebensmodell, und dadurch eine relative Distanzierung von der
brasilianischen
Bevölkerung
während
des
vergangenen
Jahrhunderts. Die Untersuchung hat aber auch eine Reihe von
Fragen aufgeworfen, die noch erforscht werden müssen. Die
Capixaba-Einwanderung war eine wichtige Phase im langen
europäischen Einwanderungsprozess in Brasilien. Heute jedoch sind
die Nachkommen der Einwanderer aus Pommern an erste Stelle
Brasilianer, aber sie pflegen auch ihre europäischen Traditionen. Sie
wollen diese kulturellen Werte erhalten, aber auch neue Wege für
eine Entwicklung finden.
Stichworte: 1. Pomeraner – Espirito Santo. 2. Einwanderer –
Espirito Santo. 3. Lutheraner – Espirito Santo. 4. Pomeraner – Kultur
– Brasilien – Geschichte. 5. Pomeraner – Religion.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1
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3
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5
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8
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17
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19
20
O autor (E) durante uma entrevista ……………………
Mapa da Pomerânia ……………………………………..
Colonização teuta em Espírito Santo ………………….
Palmeiras e palmitos …………………………………….
Entrada parcialmente soterrada da caverna que
abrigou a família de Adam Seibel nos seus primeiros
tempos em Espírito Santo ………………………………
Vista do Vale do Rio Farinhas ………………………….
Altas montanhas do Vale do Rio Farinhas ……………
O pilão e o monjolo ………………………………………
A Bíblia “Pomerana” exposta em museu ……………...
Início da migração interna ………………………………
Jacob Seibel e esposa Luise Sarter Seibel …………
Primeira capela e casa paroquial da Colônia de Santa
Leopoldina na região de Luxemburgo. Disponível em:
Lopes,A ……………………………………………………
Um casal de colonos indo para o seu culto dominical .
Primeira igreja luterana de Espírito Santo, na
localidade de Luxemburgo atual ……………….……….
“Gemeindeschaul” (Escola da Comunidade) de Serra
Pelada ……………………………………………………..
Santa Leopoldina no início do século vinte. (Imagem
gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) …….………
Ampliação do processo de migração interna ….………
Casa Verflut, a primeira grande casa comercial no
interior da Colônia de Santa Leopoldina, na localidade
de Luxemburgo ………………………..…………………
Caderneta da “venda”, ano 1926 …………….…………
Café “em flor” …………………………………………….
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12
Café maduro – a riqueza da colônia …………………..
Porto Cachoeiro – Transporte em canoas ……………
O ancoradouro de Porto Cachoeiro nos dias atuais …
O Rio Farinhas nos dias atuais …………………………
Jacob Seibel e esposa com seus 10 filhos ……………
O Moinho de milho de Heinrich Seibel, na cascata do
Rio Santa Joana …………………………………………
A transposição do Rio Doce ……………………………
Paisagem bucólica da “Mata Fria” capixaba ………….
Primeiro coral de trombones de Laranja da Terra ……
Sede de uma “colônia” em Serra Pelada em 1950 …..
Imagem da família do Kaiser, encontrada em muitas
casas de imigrantes ……………………………………..
A imagem do Kaiser era vista com respeito …………..
Desenterrando o abrigo subterrâneo do P. Grotke na
localidade de Laranja da Terra …………………………
Escadaria do abrigo depois da remoção dos entulhos
Abrigo do P. Grotke. Acesso restaurado ………………
O abrigo do P. Grotke – fogão e cama restaurados …
Túmulo destruído na “luta contra os nazistas” de
Espírito Santo ...…………………………………………
Escola Agrotécnica transformada em “Tiro de Guerra”
São João de Petrópolis com sua tropa do “Tiro de
Guerra” …………………………………………………….
“Fogão de chapa” – restaurado e novamente em uso .
A migração para Rondônia e outros estados ………...
Casa paterna do autor …………………………………..
Os “caminhos” em meio à selva, hoje ainda utilizados
Casa típica pomerana com as cores azul e branco …
O “Schutzbraif” – carta de proteção – em uma versão
original muito antiga ………………………..……………
Carta de Proteção manuscrita e carregada no bolsa
como um precioso amuleto ………………….………….
“Casa dos Klems” depois da tormenta. Apenas
destroços e à noite, o medo de “assombrações” .........
Carta dos Céus – hoje disponível em uma versão
traduzida para o português e exposta nas paredes de
muitas salas de visitas …………………………………..
187
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336
357
49 Um detalhe da carta dos céus ………………………….
50 O anjo protetor e o “Hausspruch”. (Texto de
51
52
53
54
55
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57
58
59
60
conotação religiosa em que é pedido a proteção da
casa) .............................................................................
Casamento pomerano: Os noivos de preto…………....
O autor (D) sendo alfabetizado em casa ………………
Professores e alunos da Escola Bíblica de Serra
Pelada, em 1960 ………………..………………………..
Lourenço Seibel, durante 35 anos presidente da
Paróquia Luterana de Serra Pelada …………………....
Propaganda eleitoral de candidatos pomeranos ……...
A Venda. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo
Kuhn) ………………………………………………………
Anton Laurett- Alto Jequitibá. (Imagem gentilmente
cedida por P. Anivaldo Kuhn) …………………………...
Mulheres pomeranas.(Imagem gentilmente cedida por
P. Anivaldo Kuhn) ………………………………………..
Engenho de Farinha.(Imagem gentilmente cedida por
P. Anivaldo Kuhn) ………………………………………...
Escola-Igreja - Rio Claro - 1900 (Imagem gentilmente
cedida por P. Anivaldo Kuhn) ………………………..
358
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368
396
404
408
486
537
540
547
549
554
13
LISTA DE TABELAS
1
Grau de instrução dos entrevistados …………………….
39
2
Caracterização dos entrevistados quanto à etnia ……...
41
3
Qualificação das entrevistas ……………………………...
42
4
Caracterização dos entrevistados quanto à idade ……..
43
5
Caracterização dos entrevistados quanto à procedência
45
6
Caracterização dos entrevistados quanto ao sexo ..……
46
7
População da Pomerânia ………….………………………
63
8
Descendentes germânicos ………………………………..
191
9
Área plantada das propriedades ……………………….…
192
14
SUMÁRIO
1.1
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
Prefácio....................................................................
19
APRESENTAÇÃO ………………………...................
22
UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO NO
ESPÍRITO SANTO
Introdução ao estudo.................................................
25
A FORMAÇÃO DA ETNIA POMERANA
A origem dos pomerânios .........................................
A Pomerânea da Europa Central: uma retrospectiva
histórica......................................................................
A religiosidade do pomerânio primitivo .....................
A Cristianização ........................................................
Reforma luterana e a questão confessional na
Pomerânea ...............................................................
48
56
66
69
70
3.7
OS PRIMEIROS ANOS DA IMIGRAÇÃO NO
ESPÍRITO SANTO 1856 -1880
Colonização da província de Espírito Santo .............
Controvérsia sobre o primeiro assentamento em
Porto Cachoeiro.........................................................
Uma promessa de fartura .........................................
Os primeiros anos das colônias ...............................
Relatos sobre a vida dos primeiros imigrantes .........
Hábitos alimentares nos primórdios da imigração
capixaba……………………………………………..…..
A língua dos imigrantes ............................................
104
113
4.1
4.2
4.3
4.4
A EXPANSÃO DA IMIGRAÇÃO NO ESPIRITO
SANTO 1880 – 1930
O início da migração interna .....................................
As primeiras lideranças .............................................
A vida social dos pioneiros .……………....................
Um gradativo isolamento dos teuto-brasileiros .........
117
120
124
128
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
74
77
81
86
96
15
4.5
4.6
4.7
4.8
4.9
4.10
4.11
4.12
4.13
4.14
4.15
4.16
4.17
4.18
4.19
4.20
4.21
4.22
4.23
4.24
4.25
5.1
5.2
5.3
5.4
5.5
5.6
5.7
5.8
5.9
5.10
5.11
5.12
5.13
16
A igreja e seu papel como fonte de informação ........
O papel da igreja na escolarização da colônia ........
A emancipação de Santa Leopoldina .......................
Do império para a república ....................................
A segunda fase da migração interna ......................
As novas colônias ...................................................
O gradativo predomínio do pomeranismo .................
Um trabalho infantil ...................................................
A virada do século.....................................................
Florescimento do comércio e o papel dos vendistas
A lenta diversificação do trabalho .............................
Santa Leopoldina rumo ao seu apogeu ....................
Uma saída para o Vale de Santa Joana ...................
Um retorna para Santa Joana....................................
A terceira fase da migração interna ..........................
A difícil coexistência das comunidades luteranas ...
A década de 1920 ....................................................
O difícil contato com os “brasilioner” ........................
A colonização de Laranja da Terra ...........................
Florestas devastadas ...............................................
Santa Leopoldina: O apogeu e a queda....................
IMIGRACAO NO ESPIRITO SANTO E A
FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA TEUTOCAPIXABA 1930 – 1940
O pangermanismo ....................................................
Uma cultura teuto-capixaba ......................................
Os colonos e a consciência de grupo .......................
As facções do luteranismo e coesão dos teutos ....
O getulismo ..............................................................
A propaganda nazista ...............................................
O nacionalismo brasileiro e o troar dos canhões na
Europa ......................................................................
Uma geração sem escola .........................................
Proibido não falar português .....................................
A prisão dos pastores alemães e a destruição nos
cemitérios ..................................................................
A falta de perspectivas com a guerra .......................
A igreja em tempos de guerra ...................................
A adaptação de um povo ..........................................
133
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248
252
254
256
258
262
264
271
275
277
6.8
6.9
OS REFLEXOS DE UMA GRANDE GUERRA
1940 – 1950
São João de Petrópolis é transformado em quartel ..
Um sofrido preparo para a guerra .............................
O final da guerra e a nova repressão aos teutobrasileiros ..................................................................
Revolta em Laranja da Terra e em Lagoa ................
A colônia no pós guerra ............................................
A implantação de novas técnicas agrícolas ..............
A quarta fase da migração interna: Paraná e
Rondônia …………………………………………….....
O quadro sanitário na Colônia ..................................
A assistência médica ................................................
7.1
7.2
7.3
7.4
7.5
7.6
7.7
7.8
7.9
7.10
7.11
7.12
7.13
7.14
7.15
HÁBITOS E COSTUMES NAS COLÔNIAS
TEUTO-CAPIXABAS 1950 – 1960
A década de cinquenta..............................................
A definição da arquitetura pomerana ........................
Hábitos e costumes dos pomerânios ........................
A superstição ............................................................
O curandeirismo ......................................................
Os benzimentos.........................................................
A religiosidade do povo ............................................
O canto e a música instrumental ..............................
O casamento pomerânio ...........................................
A herança ..................................................................
A comercialização de produtos .................................
A evolução da vida social do Pomerânio ..................
O rádio como meio de comunicação com o mundo ..
A persistente falta de escolas ...................................
As últimas derrubadas ..............................................
313
317
322
329
337
342
355
362
367
375
378
379
382
384
386
8.1
8.2
8.3
8.4
8.5
8.6
8.7
A URBGANIZAÇÃO DAS COLÔNIAS TEUTOCAPIXABAS 1960 – 1970
A distância até a sede no município .........................
Conhecendo o mar ...................................................
Aprendendo a ler em casa ........................................
Enfim, um Grupo Escolar .........................................
A caminhada até a escola. .......................................
Uma nova escola da Comunidade ............................
Os primeiros estudantes saem da Colônia ...............
391
392
394
396
398
402
404
6.1
6.2
6.3
6.4
6.5
6.6
6.7
281
283
288
291
294
300
304
306
309
17
8.8
8.9
8.10
8.11
9.1
9.2
9.3
9.4
9.5
9.6
9.7
9.8
9.9
18
O Agricultor Modelo ..................................................
O MOBRAL chega à Colônia ...................................
O dia a dia de uma Comunidade Luterana ...............
Os filhos que só falam português .............................
406
409
411
415
DISCUSSAO DOS RESULTADOS .........................
A coleta de dados......................................................
O dia a dia na vida da população das colônias
teuto-brasileiras no estado de Espírito Santo............
A história dos imigrantes teutos e de seus
descendentes no estado de Espírito Santo...............
A avaliação do efeito da sua vida reclusa sobre o
processo de isolamento de toda esta população ......
O papel da igreja no processo e adaptação dos
imigrantes destas novas colônias e no
desenvolvimento da sua bagagem cultural................
O “movimento nazista” nas “colônias” do estado de
Espírito Santo..........................................................
A evolução sócio-econômica dos teuto-brasileiros
capixabas..................................................................
O efeito da ausência do Estado no processo de
integração dos imigrantes europeus e seus
descendentes, no estado de Espírito Santo .............
O processo de aculturação........................................
421
425
436
442
449
455
460
461
464
469
CONCLUSOES E PERSPECTIVAS
FUTURAS……………………………………………….
476
REFERÊNCIAS.........................................................
489
ANEXO A - Termo de consentimento livre e
exclarecido.................................................................
499
ANEXO B - Roteiro das entrevistados efetuadas
pelo autor...................................................................
502
ANEXO C - Primeira parte das entrevistas
efetuadas por Anivaldo Kuhn.....................................
507
ANEXO D - Segunda parte das entrevistas
efetuadas por Anivaldo Kuhn…………………….......
534
PRIVILÉGIO
O telefone tocou e do outro lado, a ligação tinha origem na
cidade gaúcha de Venâncio Aires e a voz era do médico Ivan Seibel,
um capixaba que, ainda criança, na década 1960, deixou a
comunidade de Serra Pelada, Afonso Claudio, para ir à busca do
seu futuro. Ivan é um amigo dos tempos da modernidade, nos
conhecemos por meio da internet e estamos no mesmo caminho e
na mesma estrada, na rota dos nossos antepassados. Temos a
mesma mania: Historia de gente. Ivan me fez um pedido: queria que
eu desse uma lida e um parecer sobre o extenso, complexo e
profundo material que acabara de escrever para atender ao seu
compromisso com o Curso de Pós-doutorado em História, nas
Faculdades EST de São Leopoldo. De pronto aceitei e assumi o
compromisso. Naquela noite a internet me trouxe uma imensidão de
páginas, com registros sobre a trajetória da vinda e da vida dos
pomerânios ao Espírito Santo. Nos registros uma dose inebriante de
quem ao escrever nos passa uma sensação e um sentimento de
prazer e orgulho por estar registrando a sua própria História. Uma
alegria por saber estar contribuindo com a perpetuação da força,
coragem e determinação de um povo, que é o seu povo, que há
centenas de anos não tem tido paz por querer seguir vivendo. É
19
muito interessante e instigante ler um texto que sabemos de
antemão, foi pensado, escrito e marcado pela paixão. Num primeiro
momento parece um saldar uma dívida. Mas na realidade Ivan é
uma pessoa que tendo condições e conhecimentos, retorna a terra
que acolheu os seus antepassados, para dizer presente: somos da
mesma família, mas uma família de verdade. Lá fui eu andar na
velha Europa e ter informações que Ivan Seibel vai passando num
texto claro, direto e didático. Fico sabendo sobre a formação da
etnia pomerana e toda sua trajetória até o Espírito Santo. Sabendo
que num determinado momento chegaremos ao final do texto,
ficamos de antemão lamentado o seu término. O que é bom não
deve
terminar.
Um
conjunto
de
50
entrevistas
com
113
questionamentos foi aplicado num público com idade de 30 a 90
anos. De posse de um conteúdo, Seibel nos fornece um texto
repleto
de
dados
e
informações
históricas,
geográficas
e
econômicas. Uma viagem onde vemos passar em poucas horas um
filme com anos e anos de idade. Ivan nos recorda os primeiros e
duros anos da imigração, bem como a sua expansão ainda no
Espirito Santo. Temos ainda informações sobre a formação da
consciência teuto-capixaba, os reflexos da segunda guerra e o
processo de urbanização. Ivan nos desembarca na década de 1970,
quando o fluxo de capixabas de uma maneira geral, tomava o
destino de Rondonia. Certamente que neste vácuo fica o espaço
para novas incursões e novos estudos. Posso garantir que como
leitor privilegiado e convocado compulsoriamente, nada a reclamar,
apenas agradecer. Que outros trabalhos falando de nossa História e
novas convocações apareçam! Espero que em breve a comunidade
capixaba possa ter o mesmo privilégio que tive no mês de junho, ao
20
receber de Ivan Seibel a missão ou incumbência de ler o seu
trabalho de pós doutorado. Há 50 anos Ivan Seibel saiu das terras
capixabas e foi adotado pelas terras gaúchas, como os seus
antepassados foram adotados pelas terras capixabas. Ivan foi em
busca do seu futuro. Agora ele volta e coloca luz no nosso passado,
nos ajuda a enxergar, ver e entender o futuro de todos nós...
Jornalista Ronald Mansur – A Gazeta – Vitória - ES
21
APRESENTAÇÃO
Todo o estudioso da imigração capixaba se depara com o
mosaico cultural que se formou a partir da grande diversidade de
origens dos seus pioneiros. O grupo mais numeroso foi o italiano e o
segundo em número de imigrantes e também em importância
1
econômica e social foi o dos pomerânios . Aqui logo surge a
pergunta: De onde vieram os pomerânios que se fixaram no Estado
de Espírito Santo? O que aconteceu com estes imigrantes ao longo
dos anos subsequentes? Chegaram a se diferenciar dos outros
europeus, talvez até mesmo daqueles originários das mesmas
paragens, porém, que colonizaram outros estados brasileiros?
Como registrar esta história dos imigrantes capixabas? Todo
povo tem a sua história. Pode não ter história escrita. Mas tem a sua
história. Então a pergunta é pela concepção inicial do que é história.
Será a mesma pergunta que, por exemplo, se poderia fazer com
relação aos indígenas. Os indígenas seriam um povo sem história?
Só porque não tem história escrita? Como explicar os mitos, todo o
conhecimento do uso das ervas e da sua arquitetura? Tudo isto é
1
Apesar do termo “pomerano” presumivelmente ser mais usual, o autor, com respaldo gramatical
no dicionário português, adotou a denominação “pomerânio”: Substantivo masculino e Adjetivo;
Separação das sílabas de pomerânio: po-me-râ-ni-o; Plural de pomerânio: pomerânios.
22
uma história diferente, porém é uma história. Não existe povo que
2
não tenha os elementos que constituem a sua cultura . Todo povo
tem cultura. Todo povo tem a sua história e os pomerânios de
Espírito Santo também têm a sua história.
Certamente, muitos detalhes devem levar o observador
atento a identificar, entre os diferentes grupos éticos, a diferença no
próprio processo de retomada de seu local de trabalho, a terra, na
qual se fixaram e onde também preservaram suas diferentes
bagagens culturais. Estas diferenças certamente ficarão mais
marcantes à medida que se forem comparar as colônias capixabas
com a colonização européia nas diferentes regiões do Brasil.
3
A história dos diferentes povos pode ser registrada por
4
diferentes observadores . Alguém poderia procurar conhecer o seu
dia a dia, sentir suas manifestações de alegria e de tristeza e passar
a descrever o que observou. Um outro, na medida em que estivesse
convivendo com este povo, poderia assimilar suas angústias e
hábitos de vida para depois passar a relatar suas lutas e
dificuldades. Desta mesma forma, um terceiro, saído de suas
fileiras, poderia manifestar em textos, seus sonhos, suas alegrias e
suas frustrações. Ao registrar as vivências que lhe tiveram sido
repassadas de geração em geração, poderia ainda descrever o
choro triste dos seus instrumentos musicais, alegrar-se com os seus
2
Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) é um conceito desenvolvido inicialmente pelo
antropólogo Edward Burnett Tylor para designar o todo complexo metabiológico criado pelo
homem. São práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço. Refere-se
a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam uma
sociedade. Explica e dá sentido à cosmologia social; É a identidade própria de um grupo humano
em um território e num determinado período. Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura
3
Povo dentro do conceito de um conjunto de indivíduos que, em regra falam a mesma língua,
tem costumes e hábitos idênticos, juma história e tradições comuns.
4
Modelo de sistematização sugerido pelo autor, para uma melhor compreensão do processo
de coleta de dados e sua posterior reprodução em texto.
23
cantos e suas danças e exteriorizar seus sentimentos, contando a
história do seu próprio povo.
24
1 UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO
1.1 Introdução ao estudo
Como estudar os pomerânios que chegaram aqui no Espírito
Santo? Há também quem diga que Pomerânio não é cabeçudo.
5
Cabeçudo é quem insiste em discutir com pomerânio. Há quem
confunda a tenacidade deste povo com teimosia.
Na realidade este grupo populacional tem peculiaridades
muito distintas e deveria ser estudado com muito cuidado, com
muito respeito aos seus hábitos, à sua sensibilidade e às suas
tradições. Ao longo destes mais de cento e cinquenta anos de
colonização capixaba, os pomerânios quase nada escreveram,
muito pouco documentaram e, ainda hoje, muito pouco falam do que
foi a vida dos seus antepassados na Europa, a luta dos pioneiros
nestas terras capixabas.
[...] O pomerânio é muito retraído. Há um sentimento de que,
se alguém contar alguma coisa, o ouvinte pudesse levar
aquilo embora. Isto é algo meu. É meu por direito e não há
necessidade de outros chegarem a tomar conhecimento. É
6
mais desta forma que vejo o “jeito de ser pomerânio”.
[...] em primeiro lugar, porque eles não escreviam em
pomerânio, em segundo lugar, eles não sabiam português e
5
6
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
25
nem alemão, eles só tinham algumas coisas escritas em
7
bíblias ou hinários como eu também tenho aqui.
Ninguém escreveu qualquer coisa. Eu estava até pensando
em começar a fazer isto. Anotar em um caderno comum
para ter uma ideia melhor das coisas. Aqui somente os [...] e
os [...] sabem de alguma coisa dos antigos. O resto não
8
sabe nada. O colono daqui não sabe mais nada.
Muito do que se sabe sobre os primórdios da colonização
teuta no Espírito Santo deve-se a autores de outras épocas como
9
10
Johann Jakob von Tschudi , Gustav Giemsa & Ernst Nauck ., Ernst
11
12
13
Waagemann , Levy Rocha , Jean Roche , apenas para citar
alguns dos mais conhecidos. Vale ainda citar outros pesquisadores,
14
não menos importantes, como a Princeza Therese von Bayern ,
Frederico Herdmann Seide
Carvalho
17
15
16
, Gotthard Grottke , Regina Mees
além de toda uma série de nomes importantes com
publicações já bem mais atuais.
7
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
9
TSCHUDI, J. J. Viagem pela Província de Espírito Santo (1860). Trad. de Erlon José
Paschoal. Espírito Santo: Arquivo Público do Estado de Espírito Santo.
10
GIEMSA G.; NAUCK G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo – Generalidades sobre o
Espírito Santo. Disponível em:
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/giemsa_nauck/capitulo_2.html. Acesso
em: 5 jun. 2010.
11
WAGEMANN, Erst. A colonização alemã no Espírito Santo. O Trabalho. Disponível em:
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capityulo_2html.
12
Rocha, L. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971.
13
ROCHEW, Jean. A Colonização Alemã no Espírito Santo. (Tradução de Joel Rufino dos
Santos). Difusão Européia do Livro. Editora da Universidade de São Paulo. XXVIII, Outubro
dwe 1968.
14
Therese von Bayern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer,
1897. p. 30.
15
SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido
em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea
de Espírito Santo, não editado. Disponível em:
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em: 22 jan.
2004.
16
GROTTKE, G. Aus der Geschichte einer lutherischen Gemeinde in Espírito Santo: Laranja da
Terra. São Leopoldo: Rotermund, 1955.
17
CARVALHO, R.M. Santa Maria de Jetibá – Uma Comunidade Teuto-Capixaba. [Dissertação
de Mestrado]. Apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e
8
26
Toda a bagagem de conhecimento que vem sendo
repassada de geração em geração está sujeita a toda falha da
transmissão oral. A sua documentação não deixa de ser um
importante elemento de comparação entre o que foi descrito em
outras épocas e a própria fidelidade da preservação da informação
oral.
A própria obtenção de qualquer informação frequentemente
é dificultada pela atitude evasiva do pomerânio. Assim, para
exemplicar, no dia a dia do interior da colônia teuta frequentemente
um diálogo com pessoas estranhas começa com uma pergunta
muito direta: “Você não é pastor ou, você é da policia?“ A resposta
negativa costuma ser saudada com boas risadas e com grande
descontração. O ambiente se torna ainda mais descontraído quando
o interlocutor pode falar na língua que mais lhe convém, seja
pomerânio, holandês, alemão ou mesmo português. Muitas vezes
ainda se ouve a resposta: “Eu somente aprendi pomerânio e o alto
18
alemão”.
Os pioneiros, tão logo chegaram a Porto Cachoeiro de
19
Santa Leopoldina , em plena selva da Província de Espírito Santo,
localizada a mais de setecentos quilômetros da cidade do Rio de
Janeiro, logo se deram conta de que sua vida viria a ser muito
20
penosa . A região se localizava em meio a montanhas e vales de
difícil acesso, em que o cultivo de terras nunca antes habitadas e o
clima inóspito certamente lhes trariam muitas dificuldades. Além
18
19
20
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre em
Ciências (História). São Paulo. 1978.
Cf. trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Nome original da localidade que anos mais tarde passou a ser a sede do Município de Santa
Leopoldina.
Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
27
disto, nesta época, qualquer recém-chegado, ao cultivar suas
próprias terras e confessar outros credos que não o da fé católico21
romana, passava a ser considerado indivíduo de segunda classe ,
quase comparável aos servos da sua pátria de origem.
Eles vieram da Pomerânea com muitas promessas. Saíram
de uma vida desgraçada, mas com a promessa de uma vida
nova e diferente. Na verdade, ao chegarem, nada
encontraram daquilo que lhes havia sido prometido. Isto fez
com que tivessem que se proteger, em um país estranho e
de língua estranha [...] Por isto também não houve muito
22
interesse em documentar qualquer coisa.
O estado miserável em que a maioria dos recém-chegados
se encontravam, a corrupção da administração da Colônia com que
se depararam e a falta de uma adequada supervisão nos trabalhos
de divisão dos prazzos (lotes de terras), do assentamento nos anos
23
de 1860-1870, trouxeram fome, decadência e mortes . Mas, como
depois da chuva torrencial tende a aparecer o sol, depois de um
trabalho
inicial muito
penoso,
também, aqui
mesmo muito
lentamente, começaram a aparecer os primeiros bons resultados.
24
E, como escreveu o Professor Schmahl , da Universidade
de Mainz, em “Replantado, porém não desenraizado”, os imigrantes
25
logo passaram a organizar o dia a dia da sua vida . Com o passar
21
22
23
24
25
Cf. quadragésima entrevista realizada com M.B. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada com H.C.F.B. na cidade de Santa Maria, no dia
26/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
SCHMAHL, H. Verpflanzt, aber nicht entwurzelt: Die Auswanderung aus HessenDarmstadt (Provinz Rheinhessen) nach Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main:
Peter Lang, 2000
Em uma comparação aos imigrantes hessenianos imigrados no estado de Visconsin, nos
Estados Unidos da América e descrito por SCHMAHL, H. Na sua tese Verpflanzt, aber nicht
entwurzelt: Die Auswanderung aus Hessen-Darmstadt (Provinz Rheinhessen) nach
Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2000
28
dos anos organizaram-se em comunidades, construíram escolas e,
de
suas
próprias
fileiras,
não
poucas
vezes,
convocaram
professores e até pastores leigos, os quais foram remunerados com
26
os seus próprios recursos .
Toda e qualquer comunicação com a cidade do Rio de
Janeiro, a capital do Império do Brasil, era feita por navios da frota
costeira, os quais, nesta época, nem sempre costumavam
apresentar boas condições de navegabilidade. Desta forma,
qualquer destas viagens logo se transformava em uma apavorante
27
aventura . Qualquer transporte por terra também dependia da
abertura de “picadas” ou tortuosos caminhos que eram feitos pelos
próprios desbravadores. “Vale lembrar que a estrada é de 1817 [...]
foi aberta trinta anos antes da criação da colônia. Os mineiros já
passavam por aqui e isto representou uma grande influência sobre a
colônia daqui [...]”.
28
Santa Leopoldina [...] durante um bom tempo foi a cidade
mais importante do ES por causa da Estrada de Minas. Esta
estrada de Minas tinha dois ramais. Um partia da Ilha das
Caieras de Vitória, subia o rio Santa Maria, portanto era um
caminho fluvial, até Santa Leopoldina que chamavam de
Porto Cachoeiro, depois Cachoeira de Santa Leopoldina.
Era um rio navegável e todas as mercadorias, inclusive as
29
que chegavam da Europa, vinham pelo rio .
Com isto, qualquer tentativa de um maior contato dos
imigrantes com a representação de seus países de origem tornavase extremamente difícil. A conseqüência lógica foi o estabelecimento
26
27
28
29
Cf. quadragésima entrevista realizada com M.B. na cidade de Santa Maria, no dia 01 08 08.
Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. Primeira entrevista realizada com J.G.V. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Primeira entrevista realizada com J.G.V. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
29
de um gradativo isolamento dos novos habitantes destas áreas
30
recém-desmatadas . Por outro lado, seu instinto de sobrevivência
fez com que organizassem o seu dia a dia com os recursos de que
31
dispunham .
Rapidamente, talvez até em função da grande capacidade
de adaptação, própria deste grupo populacional, a maioria
conseguiu ambientar-se bem no novo país. A inteligência prática
32
rendeu-lhes um crescimento, tanto pessoal, como comunitário .
Pelos relatos disponíveis sabe-se que alguns até vivenciaram um
imponente
florescimento
de
empreendimentos
comerciais,
33
especialmente na cidade de Santa Leopoldina . Outros se tornaram
viajantes para tratar de negócios na capital Vitória, chegando a falar
um bom português. Também as mulheres logo assimilaram o duro
trabalho dos primeiros anos do povoamento das novas áreas da
Província de Espírito Santo. Os que aqui chegaram, cresceram,
casaram-se e destas uniões nasceram filhos e filhas e muitos deles
passaram a desenvolver um surpreendente vigor empreendedor.
A minha avó contava algumas coisas de lá. Na época era
costume na Alemanha que a filha mais velha sempre
precisava trabalhar na casa do latifundiário. Ela era
justamente a filha mais velha da sua família. Ela trabalhava
na casa do patrão. Plantavam trigo, batatas e a noite tinha
30
Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf quadragésima entrevista realizada com M.B., no dia 01 08 08. O relato mais ilustrativo
refere-se à organização criada no assentamento de Belém, presumivelmente estabelecido na
segunda metade da década de cinqüenta.
32
Como exemplo podem ser citados alguns nomes como Jacob Seibel, de Rio Farinhas e
Guilherme Seibel, de Laranja da Terra, pelo seu trabalho como desbravadores, educadores e
liderança.
33
Em uma referencia a Casa Verflout, que começou na localidade de Luxemburg e porteriormente
expandiu-se para a sede da Colônia de Santa Leopoldina.
31
30
que ir à escola. Aprendiam a costurar, remendar, fazer tricô
34
e assim por diante.
Lá havia os grandes proprietários de terras. Minha avó
35
sempre contava como era por lá. Era tudo plano.
A vida era muito difícil por lá e o Brasil queria gente para a
colonização. Foi D. Pedro II queria trazer imigrantes. Foi
assim que chegaram ao Brasil. Como lá não tinha terras,
36
vieram ao Brasil.
Aos poucos, sua velha Pátria foi-se transformando em uma
terra de antigas lembranças, que realimentava a garra e a sempre
renovada vontade de vencer dos habitantes deste interior capixaba.
As gerações seguintes das famílias pomeranas logo foram
se misturando com as de origem renana, suíça, austríaca, belga e
outras. Com isto também se consolidou a característica comum à
37
cultura pomerana e que, segundo Heinemann , consistia em “amar
a Deus, trabalhar bem para onde quer que se fosse designado,
relacionar-se bem com os vizinhos, amar a terra, pois dela vem o
sustento, preservar as matas, cuidar dos animais, não maltratar o
próximo e ficar sempre unido às pessoas mais próximas”.
Da memória nascem as histórias – como escreveu a
38
professora Loraine Slomp Giron , da Universidade de Caxias do
Sul. As histórias, muitas vezes são transmitidas oralmente de
geração em geração. Assim, estas podem estar descrevendo
quadros ou imagens de um cotidiano.
34
Cf. Décima entrevista realizada com P.H.B. na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08
Cf. Segunda entrevista realizada com T.K. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Décima oitava entrevista realizada com A.L. na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
37
FACHIN, Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto
Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 8. 01/09/08. São Leopoldo.
38
Loraine Slomp Giron é professora, historiadora, pesquisadora e escritora brasileira. Natural de
Caxias do Sul, é docente da UCS e coordena o grupo de pesquisa Cultura e Comunicação.
35
36
31
A história acontece em todos os lugares e não fica restrita
aos livros. Para alguém entender o seu significado será preciso
aproximar-se da mesma. Será preciso compreender a realidade
retratada. Quem sabe, será preciso passar a figurar como
integrantes do seu roteiro. Assim, com a coleta de mais informações
os novos conteúdos conduzirão a uma crescente bagagem de
conhecimentos sobre o passado, subsidiando as discussões do
presente para que se possa planejar um futuro. Este enriquecimento
também poderá englobar outras manifestações como sociais,
artísticas e comportamentais, hábitos alimentares e até de
arquitetura. Desta forma, a própria história já poderá registrar uma
bem definida expressão cultural que dificilmente poderia ter
acontecido não fosse pelas suas mais diferentes formas, seja oral
ou escrita, da história daqueles que a originaram. Portanto, será
preciso documentar a história de um povo para se poder mostrar a
cultura do mesmo.
O passado pode revelar fatos pitorescos ou tristes. É por
meio da literatura que se pode resgatar um pouco da história e da
religiosidade daqueles imigrantes que, na segunda metade do
século dezenove, chegaram ao Estado de Espírito Santo e
constituíram importantes núcleos habitacionais com características
muito próprias.
No momento em
que estas mesmas imagens
são
repassadas a um texto temos um título que insinua o roteiro de uma
trama, dificilmente imaginável, antes da sua leitura e que se refere à
Segunda e à Terceira parte de uma Trilogia e que versa sobre o
IMIGRANTE, no século do isolamento /1870-1970.
32
Ainda não há muitas publicações sobre a epopéia deste
povo que passou a cultivar os vales e as montanhas da região
central do estado capixaba. Há alguns estudos feitos sobre um corte
de um determinado momento da vida destes colonos
39 40 41 42
.
Entretanto, para podermos compreender melhor sua vida e sua
cultura, pode-se recuar alguns séculos na história dos povos da
Europa para tentar identificar sua origem entre aqueles que durante
a idade média povoaram a costa do Mar Báltico.
Uma outra característica dos habitantes da Pomerânea
também foi o seu estreito vínculo com o mar, com os lagos e com a
natureza. Tanto que uma boa parte dos seus habitantes vivia da
pesca.
Historicamente esta também sempre foi uma região de
grandes conflitos entre o Ocidente e Oriente. Toda vez que uma
força
expansionista
procurava
pontos
estratégicos
para
o
intercâmbio marítimo com outros povos desta região, sua população
pagava elevado preço, tanto pelas catastróficas destruições como
43
também pelas perdas de milhares e milhares de vidas humanas .
Depois da guerra napoleônica todo o povo (da Pomerânea)
continuava em uma quase escravidão. Trabalhavam como
diaristas. Eles (os antigos imigrantes) contavam historias
sobre as suas grandes dificuldades. Para Santa Leopoldina
39
BAHIA, Joana. Práticas Mágicas entre as Pomeranas. Porto Alegre: Ciências Sociais e
Religião, ano 2, n.2.p.153-176, st. 2000.
CARVALHO, Regina Mees. Santa Maria de Jetibá – Uma Com unidade Teuto-Capixaba.
Dissertação de Mestrado da Professora, apresentada ao Departamento de História, da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, no ano de
1978. Uma obra, infelizmente muito pouco divulgada porém muito rica em informações e que
descreve, especialmente a vida do pomerânio nos anos de 1970.
41
RÖLKE, Helmar Reinhard. Descobrindo Raízes – Aspectos Geográficos, Históricos e Culturais
da Pomerânea. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural, 1996.
42
ROCHA, Levy. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971.
40
43
Por se tratar de uma região muito plana e sem quaisquer obstáculos naturais, esta condição
sempre foi ideal para a passagem de exércitos e ao longo de toda a sua historia trouxe
invasões de tropas dos mais variados paises.
33
já nos primeiros anos da imigração, tinham vindo alguns
pomerânios, mas a grande maioria chegou principalmente
entre 1871 e 1873. Isto foi depois de Guerra da Prússia, isto
é, da Alemanha. Nesta época a Prússia se tornou província
da Alemanha Imperial. Isto foi no tempo do Bismark. Nesta
época chegaram imigrantes de diversas nacionalidades,
44
holandeses, belgas, ingleses...
Baseados nestes pressupostos foram levantados dados
fornecidos por cerca de cinquenta entrevistados com os quais se
conseguiu fazer um importante relato do dia a dia da vida dos
pomerânios radicados no estado de Espírito Santo. No foco inicial
estavam os primeiros habitantes da região de Santa Leopoldina e
Santa Maria de Jetibá. Já dentro de um contexto mais amplo o
estudo foi gradativamente expandido para as regiões adjacentes,
seguindo o fluxo migratório em sua trajetória durante a segunda
metade do século dezenove e primeiros setenta anos do século
vinte.
O estudo descreve fatos ralacionados ao dia a dia da vida
da população das colônias teuto-brasileiras no Estado de Espírito
Santo, como foco principal os descendentes dos imigrantes
pomerânios que lá chegaram, dentro de em um cenário social,
religioso, político, econômico e educacional, especialmente, na
época compreendida entre os anos de 1870 e 1970. A pesquisa
resgata relatos históricos dos primeiros imigrantes e de seus
descendentes no Estado de Espírito Santo.
Qualquer pessoa que quer entender o processo da
emigração européia do século dezenove precisa situar-se no
contexto histórico daquela época. Neste aspecto é preciso
44
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
34
compreender as razões que levaram à vinda de tantas famílias da
Europa Central, onde a falta generalizada de oportunidades de
trabalho na Europa trouxeram fome e miséria e que resultaram em
um gigantesco movimento migratório a partir do velho mundo.
Tenho a história que ouvia falar. O que eles contavam. [...].
Parece que este pessoal chegou da Pomerânea e que era
um pessoal sem terras e que teriam sido colocados nos
navios com a promessa de que aqui no Brasil passariam a
ter terras. Teriam sido, meio que exportados de lá. Vieram
45
para cá e perderam alguns traços da sua cultura.
Não havia estradas e tiveram que abrir picadas e caminhos
no meio da mata. Os pomerânios eram todos luteranos. Aqui
receberam algumas ferramentas. Os antigos contavam que
a vida era muito difícil e que vieram com grandes navios
onde tinham sido colocados grandes lençóis. (velas). Alguns
levavam ate três a cinco meses. Muitas crianças morriam
durante esta longa viagem. Os mortos eram simplesmente
46
jogados no mar.
Aliás, existe uma informação
confirmar de que aqueles
47
que não foi possível
que possuíam algum tipo de recurso
teriam seguido para os Estados Unidos da América e os que não
tinham reservas financeiras, teriam sido embarcados “com destino
aos Estados Unidos”;
porém, no trajeto, teria havido um
redirecionamento da viagem para o Brasil. Este procedimento
ocorreu inclusive com o navio no qual os antepassados do autor
chegaram em Vitória. Estes, conforme documentação disponível
saíram de Hessen-Darmstadt com o consentimento de emigração
45
46
47
Cf. trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Informação colhida pelo pesquisador na cidade de Hamm am Rhein, Alemanha, por ocasião do
levantamento de dados para a preparação do livro “Imigrante, a duras penas”.
35
para “a América” e na metade da travessia foram redirecionados
para a América do Sul. Não há provas da prática habitual desta
política de emigração, porém há documentos sobre definição do
destino para os que saíram da Europa. Especialmente os mais
48
pobres e os politicamente indesejáveis .
Uma é que eles (os pomerânios) eram dominados pelos
alemães [...] na verdade eram da Prússia. Do outro lado
havia um pouco de inveja. As terras deles eram das
melhores que tinha por lá. Os pomerânios eram muito
difíceis de serem conduzidos... Isto teria gerado muitos
49
conflitos e culminado com a expulsão de muitos.
Eles foram mandados embora de lá. Não havia terras por lá
50
e por isto foram mandados embora.
A população das “colônias” de Espírito Santo, mesmo com o
passar das décadas, manteve-se essencialmente como população
51
rural . Apesar de já ter sido planejado um núcleo urbano em 1864,
por ocasião da construção da primeira igreja luterana em
Luxemburg, com praça, escola e casario, o projeto nunca chegou a
52
ser concretizado . As capelas e igrejas continuaram sendo
construídas sobre os “Pfarrerland”, isto é, as terras do pastor, onde,
não poucas vezes, este e sua família cuidavam da vaca de leite, das
galinhas e da montaria utilizada para o deslocamento do pastor no
48
49
50
51
52
Informação colhida pelo pesquisador na cidade de Hamm am Rhein, Alemanha, por ocasião do
levantamento de dados para a preparação do livro “Imigrante, a duras penas”.
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Em todas as entrevistas se identificou os elementos relacionados a vida restrita na pequena
propriedade rural.
Nos dias atuais permanece apenas a pequena igreja construída há quase cento e cinqüenta
anos. A casa paroquial há muito deixou de existir. (Anotações feitas pelo autor baseadas em
informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo).
36
seu
trabalho
de
assistência
espiritual
aos
membros
da
53
comunidade . Isto era tido como um exemplo a ser seguido.
Ao contrário do que acorreu nas “colônias” do sul do Brasil,
onde associações esportivas, recreativas e culturais exerciam um
importante
papel
aglutinador
da
população
54
germânica ,
os
“Kolonisten” (colonos) de Espírito Santo adotaram um modelo de
convivência baseado em três pontos características e que se
55
mantiveram durante mais de um século :
1. Os encontros aos domingos nas igrejas, antes ou mesmo
depois dos ofícios religiosos constituíam-se em oportunidades de
56
troca de informações ou até de fechamento de negócios .
2. Não havia “clubes” ou entidades associativas, para
encontros sociais. Valia a máxima: “a consertina faz a festa”
57 58
.
Em outras palavras, casamentos, aniversários ou encontros festivos
informais animados por este instrumento tão familiar aos imigrantes
pomerânios capixabas aconteciam em dia claro nas casas dos
53
Todas as sedes paroquiais antigas localizavam-se na área rural. O Pfarrerland, isto é, as terras
da Comunidade deveriam servir de retaguarda para o necessário subsídio alimentar do pastor
e da sua família.
54
Os “Turnervereine” (Sociedade Ginástica) e os “Schützenvereine” (Sociedade de Tiro e Caça),
aglutinadores dos imigrantes teutos, eram conhecidos em todas as regiões de colonização dos
estados do sul do Brasil.
55
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
56
Estes são costumes que em muitas localidades persistem até a atualidade. As longos distâncias
até a igreja precisam ser percorridos em caminhadas, a cavalo, em charette, de bicicleta ou
veículo auto motor. Com isto muitos chegam bem antes do inicio dos ofícios religiosos. Este
importante encontro social se constituia em uma boa oportunidade para troca de informações,
fechamento de nogocios e estabelecimento de novas amizades. (Anotações feitas pelo autor
baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares,
sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo).
57
Pelo costume popular o som da concertina animava as tardes de domingos e as festas nas
casas de muitos agricultores. O costume persiste até mesmo depois da chegada da
eletrificação rural.
58
Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações
repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do
Estado de Espírito Santo
37
“colonos” ou, quando de noite, em ambientes iluminados por
59
lamparinas de azeite de baleia ou de querosene .
3. Por último, o hábito da visitação entre familiares e amigos
fazia com que as tardes de domingo se transformassem em
momentos de um próspero intercâmbio social, quem sabe, para
compensar o isolamento vivido nas suas respectivas propriedades.
Apenas a partir de 1950, em poucos lugares como em Santa Maria
de Jetibá ou mesmo em Laranja da Terra, começou uma tímida
urbanização
60
de alguns descendentes de imigrantes, ao mesmo
tempo em que também a adoção da língua portuguesa passou a
favorecer um melhor convívio com imigrantes italianos e a própria
população luso-brasileira.
O relativo afastamento da população brasileira se manteve
por muito tempo. Isto em parte pode ser atribuído à própria
geografia acidentada de toda esta região, como também pela
persistente dificuldade de aprendizagem da língua portuguesa. Em
função disto, os “Dütsche” (alemães), como os descendentes dos
imigrantes se autodenominavam, na sua absoluta maioria, mesmo
depois de sessenta ou setenta anos continuavam se comunicando
61
no idioma dos seus antepassados . Enquanto isto, os “brasilioner”
62
rechaçavam os imigrantes e seus descendentes por verem neles
59
Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações
repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do
Estado de Espírito Santo.
60
Uma das primeiras famílias a se transferir para Afonso Cláudio foi de Bernardo Seibel, da
segunda geração nascida no Brasil.
61
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
62
Entre os pomerânios chamava-se de “brasilioner” toda a população de fala portuguesa, ou seja,
portugueses, caboclos, afro-descendentes e até mesmo os descendentes italianos já
aculturados.
38
indivíduos que se recusavam a aceitar os usos e costumes da nova
63
pátria .
Pelo planejamento inicial cerca de vinte a trinta pessoas
com idade superior a setenta e cinco deveriam ter participado do
presente estudo no Estado de Espírito Santo. Seriam indicados
pelas suas respectivas comunidades e deveriam dispor de uma boa
bagagem de informações sobre a história dos imigrantes capixabas
e deveriam conseguir expressar-se de forma lógica e coerente e que
espontaneamente tivessem concordado em documentar e divulgar
64
estes dados . Entretanto, com o andamento das primeiras
entrevistas surgiram algumas dificuldades que levaram a uma
modificação do próprio seguimento da pesquisa. Para isto devem
ser salientados diversos fatos:
1. Verificou-se que oito pessoas dentre os entrevistados não
apresentavam condições para ler ou assinar o consentimento
informado.
Tabela 1 – Grau de instrução dos entrevistados
Caracterização quanto à instrução
63
64
Entrevistados
Escolaridade mínima
25
Instrução básica
4
Instrução nível médio
6
Instrição nível superior
15
Total de entrevistados
50
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Mediante a assinatura do Consentimento Livre e Informado (Anexo I) aprovado pela Comissão
de Ética em Pesquisa das Faculdades – EST.
39
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
2. Um consagrado hábito pomerânio de apagar a memória
de um familiar, ao queimarem, depois do sepultamento, os
documentos e outros papéis do falecido, também pode ter
contribuído para que muitos tivessem evitado produzir qualquer tipo
de documento escrito e muito menos assinado. Alguns diziam que,
durante um século e meio, teriam sido enganados por uma
autoridade exploradora e por vezes depravada, cuja maneira de
falar não entendiam, resultando em diversos tipos de perdas morais
65
ou materiais . Ao final, no presente estudo, muitos pomerânios
forneceram informações por terem confiado no que lhes foi proposto
pelo estudo, entretanto,
nada assinaram, nem mesmo um
consentimento livre e informado.
3. Mais de sessenta por cento dos indivíduos selecionados
para estas entrevistas pelas lideranças das comunidades locais
conheciam o pai do pesquisador, além disto, quase um terço destes
mesmos entrevistados apresentava diferentes graus de parentesco
com o referido entrevistador.
4. Ao contrário de que já foi relatado em diversos outros
estudos
66
com alguma semelhança com a presente pesquisa, os
que aqui foram entrevistados, comunicaram-se com muito mais
espontaneidade com este pesquisador, possivelmente por ser
65
66
A imagem das cobranças de taxas aviltantes reproduzida em ”CANAÔ de Graça Aranha,
continuou transparecendo em diversas entrevistas. Muitos agricultores ainda hoje mostram o
medo e o receio ao se falar em autoridade ou mesmo em advogado.
A desconfiança em ralação às pessoas desconhecidas ou que pudessem representar qualquer
perigo aos seus bens materiais ou a sua integridade física sempre foi um traço muito marcante.
Isto se constitui em uma caracterísitica deste grupo populacional e começa a ser ensinado
desde a infância quando aprendem que este ou aquele tipo de individuo poderia estar
seqüestrando crianças pequenas. A expressão Povo Sofrido pode ser ouvida em muitas
ocasiões, tanto de relatos do passado como nos diálogos relacionados ao cotidiano.
40
parente e, quem sabe, por ser filho de um carismático personagem
muito conhecido entre os descendentes dos imigrantes de Espírito
67
Santo . Além disto, precisou “sentar no banco debaixo das árvores
do pátio das casas”, conversar sobre os velhos tempos, em
pomerânio, em hunsrück, em alemão e até em português, tomar
algumas xícaras de café com melado para somente depois falar na
tal da entrevista.
Tabela 2 – Caracterização dos entrevistados quanto à etnia
Caracterização quanto à etnia
Entrevist
ados
Teuto-brasileiros
41
Ítalo-brasileiros
4
Luso-brasileiros
3
Outros
2
Total de entrevistados
50
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
5. Todos os entrevistados concordaram com a divulgação
por meio de uma publicação da Faculdade de Teologia, das
informações
fornecidas,
entretanto,
poucos
assinaram
o
Consentimento Informado. O pedido de assinatura deste documento
em uma ou duas ocasiões chegou a crioar uma situação de
constrangimento com risco de interrupção do diálogo que até lá
vinha se desenrolando de forma absolutamente descontraída.
67
Presidente da Paróquia Luterana de Serra Pelada durante 35 anos, Lourenço Seibel sempre
teve uma ativa participação nas atividades das Igrejas Luterana em todo o estado do Espírito e
também na Diretoria da Fundação Diacônica Luterana.
41
Tabela 3 – Qualificação das entrevistas
Qualificação das entrevistas
Entrevistados
Assinaram o consentimento
16
Consentimento verbal com testemunha (s)
24
Não Alfabetizados. Consentimento
testemunha
Entrevistas não concluídas
com
8
2
Total de entrevistados
50
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
6. Apesar desta dificuldade já ter sido identificada e
compartilhada com o Professor Doutor Wilhelm Wachholz, no início
do trabalho de campo, as entrevistas continuaram sendo feitas em
grupos e com a participação de lideranças locais.
7. Ao final de uma exaustiva jornada reuniu material de
cinquenta pessoas (Tabela número 01), um número bem superior ao
que previa o planejamento inicial do projeto. Conversou-se com
muitos pomerânios analfabetos. Mas também foram entrevistados
seis pastores, dos quais quatro eram descendentes de pomerânios,
quatro
jornalistas,
professores,
secretários
de
educação
e
secretários de cultura. Apesar do estudo não o ter previsto
inicialmente,
terminou-se
incluindo
informações
obtidas
nos
depoimentos de brancos e pretos, de luteranos, calvinistas, católicos
e ateus.
42
Tabela 4 – Caracterização dos entrevistados quanto à idade
Caracterização quanto à idade
Entrevistados
30 a 40 anos
2
40 a 50 anos
3
50 a 60 anos
12
60 a 70 anos
6
70 a 80 anos
13
80 a 90 anos
14
Total de entrevistados
50
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
Enfim, foram coletadas mais de trezentas páginas de um
riquíssimo material proveniente de muitos diálogos cheios de
lembranças pessoais e de vivências dos entrevistados. Foram
informações muito ricas e que passaram a ser transcritas em texto.
Em resumo, foram informações transcritas a partir de informações
orais, cuja autorização de divulgação também, em grande parte foi
dada verbalmente. Foram dados repassados oralmente e cuja
divulgação também foi autorizada oralmente e comprovada por
escrito pelas assinaturas das testemunhas que dela tomaram parte.
É importante considerar que a partir dos capítulos que abordam a
segunda metade da década de 1950, muitas reminiscências do
próprio autor, sempre assinalados em observações em rodapé,
integram os relatos aqui descritos.
43
Figura 1: O autor (E) durante uma entrevista.
Os debates informais que se desenvolveram a partir das
perguntas feitas constituíram-se em peça fundamental para o
levantamento das informações pleiteadas. Foi um processo de
interação entre o entrevistador e o entrevistado, sempre realizado na
presença de outro(s) integrante(s) da comunidade local, o que
contribuiu para o estabelecimento de uma boa relação de confiança
com o autor. Eram momentos em que os entrevistados traduziam
em palavras simples as suas próprias vivências ou lembranças de
informações a eles repassadas por outras pessoas.
Os primeiros contatos com a população alvo do estudo já
mostraram que, uma significativa parcela dos emigrantes europeus,
44
apesar de todas as dificuldades enfrentadas, havia se transformado
em exemplos de destino bem sucedido. A maior parte deste grupo
populacional ainda vive nas regiões de Domingos Martins, Santa
Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Itarana, Afonso Cláudio, Laranja
da Terra e em um grande número de municípios do norte do estado.
Pelos diálogos que logo se estabeleceram identificaram-se muitas
ramificações destas famílias em Minas Gerais, Rondônia, Bahia, Rio
de Janeiro, São Paulo, Paraná. Santa Catarina, Rio Grande do Sul,
Europa e Austrália. Nesta situação encontram-se familiares do
próprio pesquisador.
Tabela 5 – Caracterização dos entrevistados quanto à procedência
Caracterização quanto à procedência
Entrevistados
Rural
26
Urbano
24
Total de entrevistados
50
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
No final do trabalho de campo foram contabilizadas
cinquenta entrevistas, e que passaram a ser divididos em quadro
subgrupos.
Na avaliação preliminar dos resultados constatou-se que a
manutenção da metodologia aprovada inicialmente teria limitado em
muito o aproveitamento das informações colhidas. A restrição daqui
resultante para apenas dezesseis depoimentos, talvez tivesse
tornado a pesquisa mais “acadêmica”, correndo, porém, o risco de
45
perder muito do seu conteúdo histórico, já que as informações mais
ricas foram encontradas justamente nos outros dois grupos.
Tabela 6 – Caracterização dos entrevistados quanto ao sexo
Caracterização quanto ao sexo
Entrevistados
Masculino
38
Feminino
12
Total de entrevistados
50
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
Certamente, uma forma alternativa de reprodução de
resultados desta pesquisa na qual seriam referenciados apenas os
depoimentos do primeiro grupo (dezesseis entrevistados) e,
eventualmente citados de maneira informal os relatos dos outros
dois grupos (vinte e quatro e oito entrevistados) teria levado a uma
significativa perda.
Dentro desta ótica o pesquisador propôs ao Comitê de Ética
em Pesquisa a validação de depoimentos realizados na presença de
testemunhas. A argumentação apresentada foi aceita e o trabalho
teve seguimento.
Desta forma, a explanação e a discussão dos resultados da
presente pesquisa estão sendo feitos ao longo desta obra,
mostrando
que
os
teuto-brasileiros
capixabas,
a
partir
de
lembranças transmitidas oralmente de geração em geração,
desenvolveram
uma cultura muito própria, criaram
imagens
saudosistas hoje relembradas em canto e verso e visualizadas em
suas danças folclóricas.
46
Enfim, os resultados iniciais logo mostratam que a imigração
capixaba foi um empreendimento com características muito próprias
e que seus protagonistas passaram por muitas dificuldades. Os
dados obtidos neste estudo também sinalizaram com bons
resultados obtidos com o povoamento da região central do Estado
de Espírito Santo, mas também trouxe questionamentos que não
puderam ser respondidos, por isto merecem ser descritos com
fidelidade, até por se tratar de uma importante fase da História da
Imigração Européia no Brasil.
47
2 A FORMAÇÃO DA ETNIA POMERANA
2.1 A origem dos pomerânios
Aqui cabe uma importante pergunta? O que os atuais
pomerânios capixabas sabem da vida dos seus antepassados? O
historiador Ismael Tressmann faz uma referência ao aspecto da
narrativa dos imigrantes e da historiografia considerada oficial ao
referir que
na terceira parte da minha Tese eu fiz uma análise das
razões que os levaram a virem para cá. Naquela parte da
Tese estava preocupado com a questão das narrativas. O
que eles contam, a oralidade, é controvertido. Analisei vários
destes relatos que a historiografia oficial refere e o que os
68
pomerânios relatam.
Quem vai analisar a história, os personagens e os fatos
relacionados aos imigrantes assentados em terras capixabas, na
segunda metade do século dezenove, logo passa a identificar os
diferentes aspectos culturais daqueles que aqui chegaram.
Quem eram realmente os imigrantes que aqui chegaram?
De onde vieram?
Começou-se a falar nos pomerânios capixabas na década
de setenta quando foram “descobertos" pela mídia. Até lá, durando
praticamente cem anos, viveram em um ambiente bastante fechado
68
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
48
e de uma relativa tranquilidade. E é este fato que deu origem ao
título do presente trabalho, em função da importância que teve no
desenvolvimento deste segmento populacional do estado de Espírito
Santo.
Desta forma, dentro de um contexto amplo, as informações
transmitidas a partir da primeira geração de imigrantes são muito
limitadas, mesmo que isto não possa ser generalizado.
Os depoimentos não são tão divergentes do que as fontes
oficiais reportam. Os pomerânios falavam muito nos
aspectos do trabalho duro para os donos das terras. Do tipo,
poderiam produzir um bem, mas não tinham acesso ao
mesmo. Até já o relato de que faziam aguardente de
beterraba, mas não podiam tomá-la. São depoimentos e que
são mais simbólicos. Enfim, produziam coisas que eles
mesmos não podiam consumir. Havia uma crise geral em
69
toda a Europa. Não era apenas na Pomerânea.
Minha avó sempre contava que tiveram uma viagem muito
difícil. Inclusive a comida era muito escassa. As carnes (dat
fuhl Flaisch) devia esta deteriorada, já praticamente podre
naqueles barris. Na realidade era uma carne salgada. A mãe
dela contava para ela que era uma carne deteriorada. Outra
dificuldade foi quando chegaram em Espírito Santo,
desembarcaram em Vitória e quando chegaram em Santa
Leopoldina existia uma estalagem subumana. Sem
condições de higiene e de tudo. Ela sempre dizia que sua
mãe contara que haviam saído de um lugar difícil para
chegar a outro que havia sido pintado como um paraíso,
70
mas infelizmente [...]
Pelos depoimentos dos entrevistados mais antigos que hoje
ainda vivem em Espírito Santo facilmente se pode constatar que no
decorrer dos anos houve um gradativo desaparecimento de
69
70
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
49
informações, por estes não terem sido documentadas em textos e
sim repassadas oralmente. Isto se identifica, sobretudo, na perda de
detalhes observadas em muitas descrições.
Um albergue grande, um tipo paiol e lá se hospedavam uma
semana ou duas até o governo indicar-lhes os lotes. Era
uma construção de estuque. Até hoje ainda não consegui
descobrir para qual lote de terra em Luxemburgo ou
Caramuru tinham sido enviados. Mas era naquela região de
71
lá.
A riqueza dos relatos foi diretamente proporcional ao grau
de instrução ou seja ao crescimento cultural havido nos diferentes
entrevistados. Como se pode deduzir destes relatos, nos dias atuais,
o alcance da cronologia da história das famílias em muitos casos
mal ultrapassa duas ou três gerações. Desta forma as tentativas de
um seguimento mais fiel da cronologia dos acontecimentos
envolvendo a história oral, por vezes ficam seriamente prejudicadas.
Além disto, ao longo de quase uma centena de anos, uma série de
acontecimentos levaram a profundas modificações dos hábitos de
vida dos descendentes dos pomerânios, muitas vezes, tão mal
compreendidos pelo expectador não pomerânio. Como relatar os
hábitos de vida e os costumes à primeira vista tão estranhos a este
mesmo expectador, porém tão próprios deste povo?
Em uma rápida análise poderíamos adotar três formas
distintas para descrever o seu cotidiano. Em um primeiro momento
poderíamos tomar uma série de depoimentos, quem sabe, por meio
de intérpretes, analisá-los e transcrever os resultados. Desta forma
estaríamos criando um quadro do dia a dia da vida deste grupo
71
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
50
populacional. A título de exemplo poderíamos citar duas importantes
pesquisas divulgadas pelas professoras Regina Hees Carvalho
Joana Bahia.
72
e
73
Em uma segunda situação, poderíamos ter pessoas
74 75 76
com muita sensibilidade e de uma grande empatia, que durante
muitos anos conviveram com o cotidiano deste povo. Desta forma
assimilaram toda a sua filosofia de vida e seus traços culturais. Com
isto poderiam descrever com extraordinária precisão seus hábitos de
vida e sua maneira de pensar. Seria o relato do dia a dia da sua
convivência com este povo.
Uma terceira forma de descrição poderia ser realizada por
alguém do próprio povo, que sentiu suas angústias, teve suas
preocupações e que viveu como este povo, para depois relatar o
que viveu e o que sentiu.
Para continuar em seu propósito, o estudioso teria que fazer
uma ampla análise histórica, rever o maior número possível de
fontes, entre livros, documentos, objetos, imagens, além de ouvir
muitos relatos orais. Teria que procurar conhecer a história dos
indivíduos que deram origem aos antepassados deste grupo
populacional e caracterizar os seus traços culturais. Em se tratando
dos pomerânios, teria que entender o povo que habitou daquelas
terras banhadas pela extensa costa do Mar Báltico e entrecortadas
72
73
74
75
76
CARVALHO, R.M:. Santa Maria de Jetibá - Uma Comunidade Teuto-Capixaba. [Dissertação
de Mestrado] Universidade de São Paulo. São Paulo. 1978.
BAHIA, J: Práticas Mágicas entre as Pomeranas. Porto Alegre: Ciências Sociais e Religião,
ano 2, n.2.p.153-176. 2000.
RÖLKE, H.R.: Descobrindo Raízes. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural,
1996.
PORT, I: Altos de Itarana.
2004. Port, D. C.; Port, I. Alto Santa Joana – 100 Anos de
História. Santa Maria de Jetibá: Gráfica e Editora Follador Ltda, 2007.
PORT, I. Os Altos de Itarana. Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto Itarana.
Santa Maria Jetibá: GRAFICOL, 2004.
51
por tantos lagos. Pois o estreito vínculo com o mar, com seus lagos
e com a natureza sempre foi uma das marcas desta população da
77
antiga Pomerânea .
Dentro desta percepção poderia tentar caracterizar os
possíveis primeiros habitantes daquelas terras, na época, ainda
cobertas de densas florestas. Poderia identificar um grupo
populacional com traços culturais já próprios. Poderia conhecer um
pouco mais daquele grupo populacional que deu origem à etnia por
ser estudada.
Também aqui poderia averiguar se todos os indivíduos
deste grupo populacional se enquadram dentro de determinadas
78
características antropológicas . Pois é isto que diferencia uma
pessoa
da
outra,
portanto,
também
caracteriza
um
grupo
populacional. Pode-se nascer com características específicas como,
por exemplo, a cor dos olhos, a cor da pele, a cor dos cabelos e
certas peculiaridades cutâneas ou aspectos faciais. Estas, portanto,
seriam marcas individuais daquela pessoa.
Por outro lado, na medida em que este indivíduo passar por
uma adaptação em um outro ambiente, poderá vir a se identificar
com este novo grupo, diferente do seu próprio, adotando dele seus
hábitos, seus costumes e sua filosofia de vida. Desta forma irá
adquirir características que o identificarão com o novo grupo.
Com
isto se terá um indivíduo com características individuais próprias,
mas com características comportamentais comuns aos demais da
77
Pó Morju, palavra sorábica, que traduzido significa, habitantes junto ao mar. Em Fachin Patrícia.
Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanitas
Unisinos. Edição 271. Página 5. 01/09/08. São Leopoldo.
78
FOETSCH, Alcimara Aparecida. Refletindo sobre as identidades culturais, a raça e a
etnicidade. Parte adaptada do Segundo Capítulo da dissertação de Mestrado. Revista Espaço
Acadêmico – Nr. 69 – fevereiro/2007 – Mensal – Ano VI. Ri Disponível em:
http:///www.espacoacademico.com.br/-69/69foetsch.htm. Acesso em 12/03/08. p. 1.
52
sua comunidade. Na medida em que isto estiver ocorrendo com os
diferentes indivíduos de uma determinada área geográfica ou, ainda,
dentro de uma área com um regime político próprio poderemos vir a
ter uma identidade regional.
Não se pode falar em raça pomerana, até porque, sob o
aspecto antropológico
79
esta denominação estaria se referindo a
uma classificação bem mais ampla. Pois se refere a uma das
grandes subdivisões da espécie humana estabelecendo grupos
relativamente separados e distintos, com características biológicas e
organização genética próprios. Neste aspecto temos a raça branca,
a raça negra e a amarela.
Portanto, estes três grandes grupos
teriam aspectos biológicos definitivos, ou seja, características físicas
peculiares.
O
processo de formação de
uma etnia pressupõe
desenvolvimento de uma prática de tradições culturais por
intermédio da assimilação de estilos de vida, de normas e de
crenças a partir de outras comunidades com as quais uma
determinada população convive. Estas não são estáticas e sim
dinâmicas, ou seja, adaptáveis às influências do seu meio. A partir
do momento em que uma prática cultural passar a ser localizada
dentro de um determinado espaço físico habitado por um grupo
80
étnico especifico poderíamos vir a ter uma identidade nacional .
Com base nestes pressupostos, poderíamos falar em etnia
pomerana, pois, apesar do processo de miscigenação cultural pela
qual passou ao longo de praticamente um milênio, logrou
79
80
Ibidem, p. 2.
Ibidem, p. 1.
53
81
desenvolver uma consciência própria, quem sabe de nação ,
82
mesmo que, com autonomia por períodos transitórios .
Mas, quem realmente era o “povo pomerânio”?
Muito pouco de antes da grande migração dos povos pode
ser comprovado ou explicado com base em dados históricos. A
Pomerânea parece ter sido habitada por grupos étnicos de origem
germânica. Há indícios de que no século III e VI estes tenham
migrado para a Itália e em seu lugar, da Morávia, vieram os
sorábicos (wenden), de origem eslava, porém pertencentes aos
83
grupos indo-germânicos .
A influência germânica se tornou marcante, em primeiro
lugar, com o processo de cristianização empreendida por Otto de
84
Bamberg em suas investidas na cristianização . Por outro lado, esta
inovação de prática religiosa foi seguida da criação de diversos
mosteiros, para cuja manutenção
foram
criadas
vilas
com
populações de agricultores germânicos deslocados para esta região.
Além disto, a fundação de cidades nos modelos das cidades
hanseáticas de Lübec e Magdeburgo transformou toda esta região
em uma extensa área de “mistura eslavo-germânica”. Tudo isto
aconteceu de forma bastante pacífica e sem disputas abertas entre
os diferentes grupos
85
. Apesar da vinculação do Duque Bogislaw
com o Sacro Império Romano Germânico, (1580 – 1637), é preciso
81
82
83
84
85
Como o povo de um território organizado politicamente sob um único governo.
Greifen. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Greifen. Aus Wikipédia, der freien
Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010.
FACHIN, Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do
Instituto Humanitas Unisinos. Edicao 271, São Leopoldo, set. 2008. p. 5.
Otto de Bamberg (1060–1139): Bispo alemão que converteu grande parte da população da
Pomerânea ao cristianismo.
KROCKOW C. G. v.: Die Reise nach Pommern. Bericht aus einem verschwiegenen Land.
Deutsche Verlags-Anstalt, 1985, p. 200-2006.
54
considerar que grande parte das famílias da velha nobreza da
Pomeranea era constituída de sorábicos (wenden), e “eslavos”.
Na realidade, ao longo de séculos, houve grupos de
pessoas vivendo em um território comum e que terminaram por
desenvolver traços culturais comuns: A língua pomerana, sua
escrita, a religião cristã, porém, com a manutenção de práticas
86
pagãs , mesmo que às escondidas, mantiveram as suas tradições,
seus costumes e um forte sentimento de “pertencimento” a este
grupo.
Isto facilmente leva a pensar que a Pomerânea nunca foi
“alemã” ou que tenha sido conquistada pelos alemães. O que definiu
as fronteiras do povo pomerânio foram, sobretudo questões
87
religiosas ou confessionais .
As manifestações culturais dos pomerânios, além da
88
linguagem e escrita próprios, exemplificados pela bíblia pomerana ,
89
incluem uma rica mitologia , talvez até um estilo e construção de
90
91
casas , formas de organização social , entre outros e que podem
ser abordados sob diversos aspectos. Temos, portanto, um conjunto
de manifestações sociais, lingüísticas e comportamentais próprios.
Este é um conceito dinâmico e que comporta um crescimento
populacional concomitante à assimilação de outras populações e
86
FACHIM, op. cit., p. 14.
KROCKOW, op. cit.
Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível
em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em: 06 jun. 2008. Um dos
textos mais antigos, a Bíblia de Barth foi editado no final do século XVI, por ordem do Duque
Bogislow (Reinado de 1573 – 1604). Esta se constituiu em um total de mil volumes, dos quais
ainda hoje existem cerca de vinte, em diversos museus e bibliotecas especializadas da Europa.
89
Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie.
Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07/06/08.
90
Construção de casas típicas com suas paredes brancas e janelas azuis, lembrando a neve dos
rigorosos invernos e o azul do Mar Báltico.
91
Patriarcado. Herança por um único filho. Não divisão dos imóveis nos casos de herança.
87
88
55
culturas. Na realidade, trata-se de um fenômeno social, no qual
indivíduos de diferentes procedências ao longo de praticamente um
92
milênio assimilaram crenças, normas e estilos de vida . Dentro
desta flexibilização as suas tradições culturais foram sendo
reproduzidas e readaptadas.
Após toda esta análise poderíamos falar em identidade
étnica e cultural com características bem próprias e localizadas
dentro de uma época e de um espaço territorial determinada. Dentro
desta ótica poderíamos falar em etnia. Em outras palavras, há uma
identidade nacional, que já existia na antiga Pomerânea e que de
certa forma terminou sendo transplantada para o Brasil. Aqui na
nova Colônia, o pomerânio novamente passou por um lento
processo de aculturação, tendo, porém, mantido muitas das suas
raízes originais.
2.2 A Pomerânea da Europa Central: uma retrospectiva
histórica
Para uma melhor compreensão dos costumes e da maneira
de ser do imigrante pomerânio, tentemos rever a sua história na
Europa. Já o significado da palavra Pomerânea faz referência à sua
localização junto ao mar, ou seja, leva o leitor às “terras junto ao
92
Geschichte Pommers. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Geschichte_Pommerns.
Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010. Em uma referencia a
miscigenação ocorrida em conseqüência da assimilação dos imigrantes alemães pela
população eslava original da Pomerânea de antes do décimo terceiro século dC.
56
mar”. Da mesma forma “Pommeranen” ou pomerânios refere-se a
93
esta população que vivia junto ao mar .
Na história da região do Mar Báltico correspondente ao
período medieval verifica-se que, a partir do século X, com a
fundação da cidade de Wollin (Jomsburg) pelos vikkings surgem as
primeiras referências mais concretas. Consta que no ano de 986, o
exilado rei da Dinamarca, Harald Blauzahn veio a falecer em
Jomsburg. Já no ano de 995, depois de uma longa campanha, os
poloneses, sob o comando do duque Boleslaw I, conquistaram e
detiverem o domínio sobre a Pomerânea Oriental durante três
94
décadas .
Nesta época, esta região, em boa parte, ainda estava
coberta por extensas florestas habitadas por diversos grupos de
eslavos. Em torno do ano 1000, surge o primeiro Ducado na parte
ocidental da Pomerânea e que parece ter sido responsável pela
fortificação das cidades de Cammin e Stettin. Foi esta dinastia de
duques pomerânios, também conhecida como dinastia dos grifos
(Greifen), que deu uma autonomia, mesmo que durante períodos
transitórios para esta região até o desaparecimento do seu último
95
governante no ano de 1637 .
A região da Pomerânea ocidental e da Ilha de Rügen eram
originalmente habitados por eslavos Ranen. A sua cristianização
parece ter ocorrido por volta de 1168, durante o domínio
dinamarquês. Após
93
94
95
a guerra de 1227, cessou o domínio
FACHIM, op. Cit. As mais variadas fontes históricas da Pomerânea fazem referencia a
Pommern como Terra junto ao Mar e Pomeranen como sendo um povo eslavo ocidental ou
também o povo junto ao mar.
Greifen.
Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Greifen. Aus Wikipédia, der freien
Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010.
Geschichte Pommers. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Geschichte_Pommerns.
Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 01 mai. 2010.
57
dinamarquês sobre a região continental, sendo que apenas a ilha de
Rügen permaneceu como um principado a eles vinculado. Já a partir
de 1231 a Pomerânea, de certa forma, ficou sob o mando dos
Markgraves de Brandemburgo. No ano de 1295, uma nova divisão
da região nos Ducados de Pommern-Stetin e Pommern-Wohlgast
constituiu-se no início de um gradativo esfacelamento territorial e de
96
poder .
O assentamento, no século XIII, de uma população urbana
proveniente de diversos estados germânicos que, séculos mais
tarde, vieram a constituir o que hoje conhecemos como a Alemanha,
efetivamente iniciou o deslocamento de agricultores teutos para esta
área, na época ainda ocupada essencialmente por eslavos. Apesar
deste lento e gradativo aumento da população de origem germânica,
não há relatos de hostilização da população eslava. Na verdade, à
medida que foi se definindo uma nova supremacia, a partir desta
migração proveniente do oeste germânico, também passou a
ocorrer uma gradativa miscigenação com a população eslava nativa.
Não
somente
denominações
nomes
de
trazidos
lugares
e
do
ocidente
cidades
eslavas
como
também
foram
sendo
incorporadas ao cotidiano. Uma série de hábitos, costumes a até
uma relativa liberdade individual dos agricultores e mesmo da
população urbana foram sendo incorporados a esta nova cultura em
formação. Desta forma a Pomerânea, uma região ainda pouco
habitada, aos poucos foi passando por uma profunda modificação.
Novas vilas ou cidades começaram a ser criadas ao lado de vilas
eslavas. Cidades
96
eslavas foram
sendo germanizadas
Die Geschichte der Region – Pommern.
http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.33.htm. Acesso em 02/05/08.
58
pelas
populações trazidas da Saxônia, da Prússia e de outros pequenos
reinos das proximidades. Isto fez com que até o final do século XIII
ocorresse um gradativo aumento da influência dos estados
germânicos sobre a Pomerânea ocidental
97
.
A peste negra que se abateu sobre toda a área entre os
anos de 1348 e 1351 ceifou quase um terço de seus habitantes,
mesmo assim, o poder dos duques da Pomerâanea chegou ao seu
auge no ano de 1362, quando Carlos IV, o imperador do Sacro
Império Alemão Germânico casou com a princesa Elisabeth da
98
Pomerânea . O “Plattdütsch”, isto é, a língua pomerana passara a
ser a língua do dia a dia, enquanto que o latim, o idioma do clero,
99
havia assumido a função de língua de assuntos oficiais e da igreja .
Até o ano de 1350 já existiam em toda a região cerca de
cinquenta cidades estruturadas e administradas dentro de padrões
preconizados pelas cidades hanseáticas de Magdeburg e Lübeck.
Na prática isto representava todo um processo de colonização e de
trabalho praticados dentro dos princípios da Liga Hanseática
100
. É
lógico que, com isto a influência germânica passou a ser cada vez
mais
forte.
Isto
gerou
desavenças
entre
os
estados/principados e os próprios duques da Pomerânea
diferentes
101
. Mesmo
assim, apesar destes constantes conflitos a Pomerânea passou a
experimentar
um
período
de
florescimento
econômico,
97
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
100
A Liga Hanseática (em alemão, die Hanse, sendo que An Hanse significava
aproximadamente associação) foi uma aliança de cidades mercantis que estabeleceu e
manteve um monopólio comercial sobre quase todo norte da Europa e Báltico, em fins da
Idade Média e começo da Idade Moderna (entre os séculos XIII e XVII). De início com caráter
essencialmente econômico, desdobrou-se posteriormente numa aliança política.
101
Die Geschichte der Region - Pommern. Disponível em:
http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.htm. Acesso em: 02 mai. 2008.
98
99
59
especialmente pelo seu crescente comércio liderado pelas cidades
vinculadas à Liga Hanseática
102
. Assim, a fundação da Universidade
de Greifswald e a construção de diversas grandes catedrais
passaram a representar uma vida cultural que teve seu auge no ano
de 1456
103
.
O auge da divisão da Pomerânea em pequenos principados
e protetorados
104
ocorreu entre os anos de 1424 e 1478. Depois
desta época novamente toda a Pomerânea foi unificada sob um
único ducado
105
. Já em 1532, aconteceu uma nova divisão,
inicialmente em dois ducados em 1544, passando depois por
sucessivas subdivisões em conseqüência de heranças feudais. Já
em 1625 novas fusões destas pequenas áreas, reverteram este
processo de esfacelamento
106
.
A maior fragilidade política e econômica da região da
Pomerânea parece ter residido na estruturação administrativa. O
jogo do poder envolvendo constantes divisões por meio das
heranças na sucessão feudal, seguido de fugazes reagrupamentos
mantinham seus governos constantemente fragilizados. Já a partir
de 1631 novamente tropas estrangeiras, desta vez da Suécia se
encontravam na Pomerânea Ocidental. Isto coincidiu com o término
107
da dinastia dos duques Grifos
. O resultado foi uma longa disputa
entre a Suécia e a Prússia e que resultou na aniquilação de toda a
região (Pommerland ist abgebrandt – Pomerânea ardeu em chamas)
102
Ibidem.
Ibidem.
Regiões com administração própria, porém subordinadas a outros governantes.
105
Die Geschichte der Region - Pommern. Disponível em:
http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.htm. Acesso em: 02 mai. 2008.
106
Ibidem.
107
Ibidem.
103
104
60
e na morte de dois terços da sua população
108
. Ao final desta guerra
a região ocidental passou para a coroa sueca e a Pomerânea
oriental para a Prússia.
Agora sob o domínio sueco iniciou uma nova fase para a já
tão castigada população. Esta situação resultou em uma piora das
condições de trabalho da população rural da área ocupada, até
porque, já a partir da segunda metade do século XVI, os habitantes
da Pomerânea haviam sido lançados em uma situação e servilismo
pela baixa nobreza proprietária de praticamente todas as terras.
Entretanto, com um governo sueco ocupado com seus próprios
problemas, este dispunha de pouco tempo para os seus territórios
na Europa Central. Com isto, a ganância e a pressão exercida pelos
latifundiários agravou ainda mais a situação desta população. Os
nórdicos, lutando contra o seu próprio subdesenvolvimento, pouco
interesse tinham pelas terras ocupadas. Seus problemas internos
eram suficientemente graves para manterem seus governantes
ocupados
109
.
Em 1648, ao fim da Guerra dos Trinta Anos, a Suécia voltou
a arrasar toda a Pomerânea. E ao termino deste conflito estendeu o
seu domínio sobre toda a Pomerânea Ocidental enquanto que
Brandemburgo incorporava a Pomerânea Oriental
110
.
Durante a Guerra dos Sete Anos (1756 a 1763) novamente
a Pomerânea Ocidental se tornou palco de batalhas entre a Suécia
e a Prússia, enquanto a Pomerânea Oriental passava a ser
duramente castigada pelas tropas russas. Como se isto não
bastasse, já poucos anos mais tarde, na virada do século, quando
108
109
110
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
61
da incursão pelas tropas napoleônicas, a Pomerânea Ocidental
como corredor de passagem do exército francês, novamente se viu
devastada e ocupada
111
.
Já a Pomerânea Oriental, apesar de ocupada pela Prússia,
vivenciou uma situação um pouco melhor. Banhados e pequenos
lagos passaram a ser drenados. Nas terras desta forma obtidas
novamente foram assentados agricultores provenientes de outras
regiões da Alemanha
Apesar
do
112
.
relacionamento
relativamente
estreito
da
Pomerânea com os Estados Germânicos não se pode afirmar que
esta tenha sido “germanizada” ou que a população eslava tenha
sido brutalmente esmagada pela hegemonia germânica. As
fronteiras que foram sendo estabelecidas já a partir do século XVI e
que passaram a definir as áreas de influência, seja germânica ou
polonesa, não foram de raça, de etnia ou de idioma e sim,
sobretudo, de uma fronteira confessional.
113
De um lado passaram a
ser os “germânicos luteranos” e do outro lado os ”poloneses
católicos”. Apenas em 1815, no Congresso de Viena, depois de um
longo período de 170 anos, toda a área da Pomerânea, foi
novamente unida, agora na forma de uma província prussiana.
Nesta época (1816), sua população chegava a 682.000 habitantes.
Durante esta fase de uma relativa paz toda esta região havia se
transformado no principal fornecedor de alimentos para a Alemanha.
Apesar dos agricultores terem conquistado uma maior liberdade, o
número de latifúndios diminuiu à custa do aumento das suas
111
112
113
Ibidem.
Ibidem.
KROCKOW C. G. v.: Die Reise nach Pommern. Bericht aus einem verschwiegenen Land.
Deutsche Verlags-Anstalt, 1985, p. 200-2006.
62
extensões. Isto fez com que o mercado de trabalho voltasse a
depender essencialmente das boas graças da nobreza, dona das
grandes propriedades rurais
114
.
Tabela 7 - População da Pomerânea ao longo dos últimos 250
115
anos
Variação Populacional da Pomerânea ao longo
dos últimos 250 anos
Peste negra. 1348-51
Dados desconhecidos
Morre um terço da população
Assentamento de imigrantes
alemães 1340-1386
26.500 habitantes
Durante a Guerra dos 30 anos,
(1618 até 1648)
Morre 70% da população
Senso de 1748
310.000 habitantes
Assentamento de imigrantes
alemães 1740-1786
26.500 habitantes
Senso de 1800
480.000 habitantes
Senso de 1810
529.000 habitantes
Senso de 1816
683.000 habitantes
Senso de 1843
1.106.000 habitantes
Senso de 1875
1.462.000 habitantes
Senso de 1900
1.635.000 habitantes
Senso de 1925
1.879.000 habitantes
114
115
Die Geschichte der Region - Pommern. Acesso em:
http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.htm. Acesso em 02 05 2008.
Ibidem.
63
Senso de 1939
2.394.000 habitantes
Limpeza étnica na Polônia em1945
2.000.000 habitantes
Apesar das muitas dificuldades geradas pela revolução
industrial em toda a Europa Central, ao menos a agricultura
conseguia avançar na sua produtividade. Além disto, a costa do Mar
Báltico sempre foi muito propícia à pesca. O desenvolvimento da
agricultura
também
teve
forte
influência
no
crescente
desenvolvimento da indústria, até em função de novas necessidades
da
agricultura,
pois,
precisava-se
de
máquinas
para
o
beneficiamento da safra e para o seu transporte até o local do seu
116
consumo
. Na metade do século dezenove, Stettin, a capital da
Pomerânea, já contava como o mais importante porto do Mar
Báltico
117
.
O lento desaparecimento da Pomerânea com sua relativa
autonomia e da cultura própria do seu povo iniciou no século XVII ao
ser extinta a dinastia dos Grifos. Nos séculos seguintes, como
possessões ou províncias de outros reinos, transformou-se em um
verdadeiro espolio de guerra e que passou a ser disputado pelos
seus vizinhos. Não foi muito diferente ao final da Primeira Grande
Guerra, quando boa parte da Prússia Oriental foi entregue a Polônia.
Além disto, a partir deste momento o restante da região passou a
ser uma área de fronteira da Alemanha
118
.
Já ao final da Segunda Grande Guerra todo este território
novamente foi ocupado por tropas soviéticas. Depois disto setenta
116
117
118
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
64
por cento do seu território passou para o domínio da Polônia. Como
resultado prático e dentro de um processo de um verdadeiro
extermínio da sua população, as forças de ocupação realizaram
uma ampla e desumana limpeza étnica, com o desalojamento de
cerca de dois milhões de habitantes que aqui viviam
119
.
Figura 2: Mapa da Pomerânia.
A cristianização dos pomerânios data aproximadamente o
ano de 1168. Antes disto as suas divindades estavam vinculadas
essencialmente às florestas e aos rios. Os povos da região do vale
do rio Elba e do Mar Báltico haviam organizado locais de cultos a
estas divindades dedicadas à natureza e com funções inclusive de
oráculos. Estes faziam previsões sobre resultados de guerras,
119
Ibidem.
65
conflitos e sobre resultados das safras
120
. Triglaw, uma das
divindades pomerânios mais importantes, originalmente costumava
ser adorado em Wollin, Vineta e Stettin e mais tarde também chegou
até Brandemburgo
121
.
2. 3 A religiosidade do pomerânio primitivo
Entre todos os povos eslavos eram conhecidas as práticas
de feitiçaria, de bruxaria ou conjuração e de adivinhação.
Presumivelmente estas eram realizadas por praticantes isolados e
não em locais de culto
122
.
Já a partir desta época, talvez até em consequência do
sistemático movimento de conversão organizada pela igreja católica
romana, tanto os povos eslavos, como também de outras etnias da
Europa Central, começaram a organizar locais de culto a diferentes
divindades. Isto fez com que até se desenvolvesse um verdadeiro
clero “pagão”
123
.
O culto
124
aos seres da natureza sempre ocupou um
importante espaço na religião dos eslavos. Depois da cristianização,
a permanência de algumas divindades pagãs na forma de
120
Wegetationsdämonen, Zeitgeister und Schicksalsdämonen. In Slawische Mythologie.
Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien
Enzyklopädie. P. 4. Acesso em 07 jun. 2008.
121
Götter der Elb- und Ostseesklaven. In: Slawische Mythologie. Disponível em:
http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. p.
3. Acesso em 07 jun. 2008.
122
Götter der Ostslaven. In: Slawische Mythologie. Disponível em:
http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. p.
3. Acesso em 07 jun. 2008.
123
Ibidem.
124
Adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas e em qualquer religião;
66
“costumes não cristãos” persistiu na Europa na forma de “cultos” a
espíritos da natureza e das florestas
A benzedura
126
125
.
poderia ser considerada uma herança dos
tempos que antecederam à cristianização no começo do século
127
XII?
. Também o culto aos inúmeros deuses desta época, apesar
da gradativa assimilação do cristianismo também poderia ser sido
transferindo pafra a atualidade na forma deste respeito que o
pemerano tem à natureza dentro de um sentido quase religioso
128
.
Ainda hoje, em toda a Alemanha, nomes de vilas ou pequenas
cidades denotam no prefixo “wenden” uma conotação quase mística
os seus antepassados eslavos, os Wenden, um povo que, até em
função da baixa densidade populacional da época, habitava esta
região de florestas bastante densas
129
.
Talvez isto também tenha contribuído para que, com a
cristianização e o conseqüente desaparecimetno das principais
divindades pagãs, as formas mais simples de culto ou temor a
outras
manifestações
inexplicáveis,
como
o
do
Spauk
(assombração), nmão tenham sido esquecidas. Desta forma, uma
série de “fantasmas” vinculados com montanhas, grutas, lagos,
poços de água, vertentes ou mesmo relacionados ao fogo
continuaram sendo cultivados. Determinadas árvores podem estar
sendo habitadas por elementos que precisavam ser respeitados.
Certos espíritos zelavam pela colheita. Outros cuidavam da casa.
125
Elementargeister. In Slawische Mythologie, Op. Cit., p. 4.
Ato de benzer ou de proceder a certos rituiais não cristãos, acompanhando-os de orações.
Beschwörung. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Beschw%C3%B6rung. Aus
Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07 jun. 2008.
128
Elementargeister. In Slawische Mythologie. Op. Cit., p. 4.
129
KROCKOW, Op. cit.
126
127
67
Isto conduziu a uma série de crenças
130
ou de crendices
131
,
dependendo da ótica do expectador e que ainda hoje são
identificadas entre os pomerânios capixabas
132
. Estas estão
relacionadas à própria crença, por exemplo, de não se poder abater
uma cobra dentro de casa pelo risco de vir a acontecer algum
desastre com o seu morador
133
. Ou mesmo a preservação de
costumes como o cuidado no momento do falecimento de um
familiar, em que se deveria manter uma janela aberta para o espírito
do finado pudesse escapar
134
.
Havia ainda outra forma de culto vinculado a um ritual de
sacrifícios e refeições ritualísticas
135
. Estas festividades eram
relacionadas com festas de mudança de estações, festa da
primavera, festa da colheita e que, na opinião e alguns, de certa
forma se mantiveram até os dias atuais
136
.
Entre os pomerânios, até os que aqui chegaram, continua
viva a figura do espírito, que se abriga entre as árvores.
É um
“Spauk”, isto é, uma sombração que vive no bambusal e na floresta
e que deve ser respeitado
130
137
.
Ato ou efeito de crer.
Crença supersticiosa.
Como pode ser constatado nos diferentes depoimentos transcritos no capítulo que versa sobre
superstição
133
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
134
Prática popular.
135
Pelo profundo respeito e de forma quase mística com que o promerano vive a Santa Ceia.
Além disto, a própria confraternização com sua refeição quase ritualística, comendo o wittbrout
(pão branco de trigo) depois do sepultamento de um familiar não de justificaria somente pela
necessidade de alimentar os familiares e amigos do falecido antes de empreenderem sua
jornada para casa.
136
A forma muito intensa como vive a festa da colheita, ao transformar o altar da sua igreja em um
verdadeiro armazém de mantimentos, os quais, depois de leiloados reverteriam em beneficio
para a igreja.
137
Wegetationsdämonen, Zeitgeister und Schicksalsdämonen. In http://de.wikipedia.org/wiki.
131
132
68
2.4 A Cristianização
O processo de cristianização teve início com as viagens
missioneiras de Otto de Bamberg em 1124 e 1128
138
. Neste
processo foram também sendo criados os claustros vinculados à
igreja católica. Para a manutenção destas instituições, toda esta
população advinda de diversos estados germânicos foi assentada
nas adjacências destes conventos, constituindo-se em massa crítica
para a efetiva assimilação da doutrina cristã
139
. Na cristianização da
Pomerâneo parece ter contribuído, sobretudo, a ampla transferência
de uma população de origem germânica para esta área de baixa
densidade populacional, habitada pelos eslavos ocidentais e pelos
“wenden”
140
. O que aconteceu a seguir foi praticamente uma
consequência da atuação de Bamberg.
Já em 1140 o Papa Inocêncio II instituiu o Bispado de Wollin
e, no ano de 1181, o Duque Bogislaw I da Pomerânea jurou
obediência a Frederico Babarossa, Imperador do Sacro Império
Romano Germânico. Com isto, ao menos oficialmente, a região do
Báltico passou para a esfera de influências das nações cristãs.
O que teria acontecido com as antigas crenças dos
eslavos/”wenden”, pouco se sabe. Entretanto, como explicar todo o
comportamento
místico
ainda
hoje
remanescente
pomerânios se, como justificou Krockow
entre
os
141
, a transição do
paganismo para o cristianismo teria acontecido de forma tão
pacífica?
138
KROCKOW, op. cit.
Ibidem.
FACHIN, op. Cit.
141
KROCKOW, op. cit.
139
140
69
2.5 A Reforma Luterana e a Questão Confessional na
Pomerânea
A “luteranização” da Pomerânea representou uma nova
transição para seus habitantes e passou a acontecer a partir do ano
de 1534. Também o movimento da Reforma parece ter transcorrido
de forma bastante pacífica, quando, neste ano, o “Landtag zu
Treptow” (Assembléia de Treptow) ordenou a implantação da
doutrina de Lutero
142
. A sua efetiva assimilação se deve a Johannes
Bugenhagen, também chamado de Pomeranus, discípulo de Martin
Lutero e que se transformou no grande organizador local da
143
Reforma na Pomerânea
.
A nova doutrina foi logo aceita e rapidamente se difundiu
entre a população. Na prática isto também representou uma
ampliação
do
domínio
da
nobreza.
Isto
porque
todas
as
propriedades antes pertencentes ao clero católico rapidamente
passaram às mãos das classes dominadoras. Além disto, quase
dois terços da população da Pomerânea sucumbiram em decorência
da Guerra dos Trinta Anos.
144
.
A divulgação do luteranismo em toda a região do Mar Báltico
aconteceu a partir da segunda metade do século XVI. Um dos
recursos utilizados foi a própria divulgação da bíblia favorecido pelo
desenvolvimento da imprensa a partir do invento de Gotenberg. Na
Pomerânea, durante o reinado do Duque Bogislaw XIII (1573-1604)
também foi criado um serviço de edição de livros que disponibilizou
142
143
144
Ibidem.
KROCKOW, op. cit.
Geschichte Pommers. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Geschichte_Pommerns.
Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 01 mai. 2010, p. 6.
70
45 diferentes obras. E, dentre estes estava a chamada bíblia de
Barth
145
e que foi elaborada especialmente para ser disponibilizada
nos altares das igrejas. A sua tiragem teria sido de mil volumes dos
quais cerca de vinte exemplares puderam ser conservados até os
dias de hoje. Esta edição em língua pomerana continha noventa
riquíssimas figuras do mundo bíblico ilustradas a cores.
146
Sobre a aceitação do luteranismo na Pomerânea conta-se
uma anedota sobre um fato ocorrido na localidade de Mützenover,
onde acabara de ser instalado um novo pastor em substituição ao
antigo vigário católico. Ao serem questionados sobre o porquê da
facilidade com que aceitaram a nova doutrina um dos paroquianos
teria prontamente dada a sua explicação: Sobre a nova doutrina eles
nada entendiam, nem sabiam dizer se era melhor ou pior. Para tal
compreensão eles, os agricultores eram muito ignorantes, mas, eles
sempre aceitavam o que o sacerdote pregava. Depois explicou que
aceitaram tão bem o novo pároco por este ser casado, pois o
anterior tivera três grandes defeitos. Em primeiro lugar, não tivera
esposa. Além disto, vivia na procura de heranças para a igreja e por
último era um pottkieker, isto e, vivia espiculando a vida de todo
mundo. Disse acreditarem que um sacerdote casado seria menos
exposto a tais desonestidades
147
.
Esta nova realidade confessional também trouxe uma nova
constatação social e política e que teve uma grande repercussão,
até mesmo no Brasil. No âmbito do protestantismo germânico
estabeleceu-se que os bens da família permaneceriam indivisíveis e
145
Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível
em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em 06 jun. 2008.
Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível
em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em 06/06/08.
147
KROCKOW, op. cit.
146
71
que o filho primogênito se constituiria no herdeiro e arrimo da
família. Em contrapartida, no outro lado da ”fronteira” persistia a
herança igualitária. Com isto muitos dos herdeiros orgulhosos de
grandes latifúndios ao longo das gerações se transformavam em
pobres agricultores. Não raras as ocasiões em que certamente
devem ter se perguntado: Somos senhores (proprietários), sim, mas
quem vai fazer o trabalho?
148
Isto trouxe progresso e crescimento para as famílias
luteranas enquanto as católicas entravam em declínio ou se
tornavam poloneses
149
. A luteranização aproximou os pomerânios
mais da cultura geramânica. Na realidade, a partir da Reforma, “ser
luterano” passou a representar um sentimento de pertencimento ao
grupo cultural alemão, enquanto que, confessar-se católico passou a
ser visto como ser polonês
150
.
Com isto a confissão de fé, seja luterana ou católica também
passou a definir limites geográficos e as fronteiras que separavam
os dois grupos passaram a definir as “regiões” desta ou daquela
confissão. Com isto o limite confessional do luteranismo passou
também cada vez mais a se estabelecer como limite territorial da
151
própria “pátria” dos pomerânios e, como Krokow
escreveu, “a
nação passou a ser guardada na igreja como uma questão de igreja,
da mesma forma como a própria igreja para o pomerânio se
constituía em parte da batida do coração”. (Die Nation wurde in der
Kirche als Kirche bewahrt, wie die Kirche im Herzschlag des Volkes).
148
149
150
151
72
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
Ibidem.
A definição geográfica que aos poucos foi se estabelecendo
na
Pomerânea,
gradativamente
transformou
uma
divisão
confessional em “fronteira nacional”. Isto pode até ser identificado na
história de antigas famílias tradicionais pomeranas em que
ramificações católicas terminaram sendo “polonizadas” e outras
“germanizadas” e que antigas alianças terminaram caindo no
esquecimento
152
.
Desta forma se pode compreender a importância que o
luteranismo, alicerçado na fronteira da confissão religiosa, viria a ter
nos séculos seguintes na história do povo pomerânio e seus reflexos
na própria sociedade dos colonos luteranos no Espírito Santo.
152
KROCKOW, op. cit.
73
3 OS PRIMEIROS ANOS DA IMIGRAÇÂO NO ESPÍRITO
SANTO (1856 – 1880)
3.1 Colonização da Província de Espírito Santo
A Província de Espírito Santo já conta com uma curiosa
história de isolamento. Isto de certa forma até explicaria a falta de
intercâmbio com as províncias adjacentes. Conta-se que, em 1719 o
então governador Dom Lourenço de Amada teria proibido qualquer
tentativa de abertura de estradas entre a província e a de Minas
Gerais, sob pena de degredo e confisco de todos os bens dos
infratores
153
. Com isto Minas Gerais manteve a tradição de continuar
exportando suas riquezas pelas tradicionais rotas que terminavam
em Parati ou no Rio de Janeiro, enquanto a Bahia vivia a sua própria
vida e, dependente da lenta navegação costeira podia sentir-se
bastante segura e livre de qualquer fiscalização assídua que, a partir
de 1808 pudesse ser exercida pela Corte do Reino e mais tarde pelo
próprio Império.
Já a partir de 1820, com a abertura da “Estrada de
Minas”
154
, ligando Vitória através do porto fluvial de Cachoeiro de
Santa Leopoldina à província de Minas Gerais, teria iniciado uma
153
154
Informação não comprovada, porém colhido durante a primeira entrevista realizada na cidade
de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19 07 08
74
importante movimentação de mercadorias através da região central
da província de Espírito Santo.
Apesar de tudo isto, até a metade do Século dezenove, para
alguns, esta província continuava sendo considerada terra sem
perspectivas
155
. Estes fatos certamente contribuíram para que até o
final da primeira metade do século dezenove sua população se
mantivesse pouco numerosa, sobretudo a interiorana.
No rastro deste mesmo conceito, o próprio insucesso
registrado nas primeiras duas ou três décadas da imigração talvez
possa ser atribuído a toda uma falta de planejamento e de preparo
do processo imigratório. Na verdade, deslocar uma população
estranha para terras por serem desbravadas gerou algumas
conseqüências desastrosas.
Assim, a tentativa de criar uma Colônia de refugiados da
Guerra Civil Americana, nas proximidades de Linhares resultou em
um fracasso hoje muito pouco lembrado
criação
da
Colônia
de
Rio
Novo
157
156
. Da mesma forma a
constituiu-se
em
um
empreendimento cercado de muitas dificuldades.
Após a abolição da escravatura, grande parte dos
alforriados se embrenhou nas florestas, talvez, em uma tentativa de
esquecerem o seu passado sofrido nas fazendas. Na prática esta,
em muitos lugares, passou a ser a população cabocla ou nativa que
155
Informacao nao comprovada, porém colhido durante a primeira entrevista realizada na cidade
de Domingos Martins, no dia 19/07/ 08
JONES, Judith McNight Jones. O Soldado Descansa. Informação colhida de familiar de
imigrante americano no Espírito Santo. 2009. Calcula-se que cerca de 9.000 sulistas chegaram
ao Brasil depois da Guerra de Secessão nos Estados Unidos a partir de 1865. Passaram a ser
conhecidos como os “Confederados”. A grande maioria fixou-se em Americana e Santa
Bárbara do Oeste no estado de São Paulo. Entretanto, uma tentativa de assentamento
Americano também aconteceu no ES, perto de Linhares/Lagoa Juparanã.
157
Terese von Beyern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer,
1897, p 30.
156
75
precedeu aos colonos teutos na exploração das matas nativas.
Qualquer pequena área conquistada da densa mata virgem servialhes para o seu assentamento primitivo. Uma simples “meia água”
feito de folhas de coqueiro ou palmito constituía-se em seu abrigo.
Uma pequena derrubada de mata, depois de queimada, podia dar
origem a uma pequena roça na qual plantavam banana, feijão,
tubérculos e ocasionalmente uma pequena lavoura de café, apenas
para a sua própria subsistência. Nestas circunstâncias costumam
viver alguns anos, colhendo o que estas minúsculas plantações
podiam produzir.
Além disto, sempre estavam prontos para
negociar esta pequena propriedade com seus sinais iniciais de
cultivo, porém, sem qualquer registro legal, com o primeiro colono
que fizesse alguma oferta razoável. Desta forma, ao se desfazer de
sua propriedade, o caboclo novamente se embrenhava mais fundo
na floresta, para reiniciar um “novo” empreendimento. Esta sua vida
extremamente primitiva permitia-lhe viver com muito pouco, porém
de uma forma absolutamente livre e sem qualquer controle de feitor
ou dono de fazenda
158
.
Toda esta situação constitui-se como pano de fundo para a
expansão da própria colonização européia no Espírito Santo.
Portanto este caboclo, formado principalmente a partir dos escravos
libertos, tounou-se um tipo de pioneiro da colonização teuta. O
colono, depois de assumir esta nova propriedade, costumava
alargar a derrubada para ampliar a plantação, apesar de que, nos
primeiros tempos, em muitos casos, até passasse a viver dentro de
condições muito precárias, não muito diferentes do próprio
158
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
76
caboclo
159
. Em geral o novo proprietário, depois de alguns anos,
conseguia oficializar a posse da propriedade. Era justamente neste
momento em que o próprio colono teuto, até pela sua absoluta
incapacidade de comunicação no idioma nativo como também pelo
receio de lhe tomarem a sua propriedade, muitas vezes, passava a
ser explorado pelo poder público
160
. A falta de tabelas de valores a
serem cobrados pelos serviços, à custa de medição e registro e
qualquer propriedade muitas vezes eram arbitrárias, permitindo todo
e qualquer tipo de abusos contra esta população desinformada e
manipulada
161
.
3.2 Controvérsia sobre o primeiro assentamento em Porto
Cachoeiro
Qual teria sido o verdadeiro início da colonização do Vale do
Rio Santa Maria? A historiografia refere o ano de 1856 como tendo
sido o da demarcação da área na qual viria a ser formada a Colônia
Imperial de Santa Leopoldina
162
.
Por outro lado, há um relato
popular que menciona uma entrada de colonos europeus na região
de Belém, no atual município de Santa Maria de Jetibá neste mesmo
ano de 1856 ou até no ano anterior. Verdadeiro ou não, a historia é
159
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Outro exemplo muito elucidadivo encontramos em um dos personagens de muito elucidadivo
encontramos em um dos personagens de Graça Aranha. Canaã. Ediouro Publicações Ltda.
Bonsucesso – Rio de Janeiro. 2002.
161
ARANHA, Graça. Canaã. Ediouro Publicações Ltda. Bonsucesso – Rio de Janeiro. 2002
Cenários Muito bem descritos neste romance.
162
Meu Município: Conhecendo o Município. Construindo mais cidadania. Santa Leopoldina – ES.
1999-2000
160
77
no mínimo interessante e merece ser registrada, tanto pela sua
riqueza de detalhes repassados por mais de uma fonte
163
.
Figura 3: Colonização teuta em Espírito Santo.
A colônia de Belém teria sido um exemplo típico de uma
comunidade que floresceu graças à socialização dos diversos
ofícios a partir da designação destes “profissionais” dentre o seu
próprio meio. Assim, o hábito de indicar um professor, do médico
(Walddoktor), da parteira e do pastor dentre os colonos com perfil
para o exercício de determinadas atividades, pode ser encontrado
nas histórias de muitas famílias capixabas
163
164
78
164
.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/ 08.
A verdadeira imigração teria começado em 1856? Não há
uma
comprovação
desta
informação,
entretanto,
alguns
depoimentos são muito convincentes.
O Fritz Klems chegou aqui [...] por 1855 ou 1856. Ele e
mais alguns chegaram aqui e abriram uma picada até aqui
em Belém. O que se sabe [...] é que, depois de terem feito a
casa do Fritz Klems, quando vieram os outros, os
Caravacas, os Besters, os Holz, os Puhl, os Haute, o
Hermann Berger, eles tinham um grupo que se chamavam
de Irmãos Alegres. Vale o registro que o Estado só dava
atenção para quem era católico. Na verdade não queria
luteranos por aqui. Como já estavam aqui, simplesmente
passou a ignorá-los. Daí sabemos que, a casa do Fritz
Klems, era o local de visita, local de encontros, lugar de
oração, lugar de culto. Era também o local de dança, lugar
de jogar baralho, de tocar concertina e o lugar de tomar um
“Schnaps”. Enfim, parece que tudo acontecia por lá. Logo
em seguida se construiu a primeira capela chamada
Betlehem. Na verdade era uma escola e o Hermann Berger
dava as aulas. Isto não está escrito na história, mas pelo
que se ouvia falar, eles distribuíram entre eles as diferentes
tarefas daquela pequena comunidade. Assim o Caravacas
eram os encarregados de cuidar das doenças. Certamente
alguém passou a ser parteira. Outro assumiu o papel de
pastor. Ainda um outro foi encarregado de trazer os
produtos de primeira necessidade, com sal ou as coisas que
as famílias precisavam. Cada um tinha as suas tarefas, na
administração, na educação religiosa. Tudo isto as pessoas
reforçavam. Inclusive exigiam o casamento. Havia alguém
encarregado do cemitério. Desta forma também o Fritz
Klems era o recepcionista. Todos que vinham de fora
passavam pelo Klems, pois era ele quem sabia onde iriam
morar e quando construir a primeira casa. Ele indicava o
lugar para os que iriam construir a sua casa. Aos sábados
todos se encontravam na casa do Klems. Se alguém
faltasse, ele saia na procura do faltoso para saber o que
tinha acontecido. O único momento do contato, portanto, da
comunicação entre os habitantes era o sábado. Na
79
emergência, é lógico, se podia recorrer à alguém, mas
oficialmente, para saber de algum acontecimento, esperava165
se pelo sábado .
Não me parece ter sido um grupo de pomerânios
maltrapilhos e sujos. Isto parece ter sido bem no início.
Depois veio o fracasso. Eles não tinham dinheiro, mas
andavam relativamente bem vestidos, tinham certa
instrução. Entretanto, com o passar dos anos, os tempos
166
foram ficando cada vez mais difíceis.
A partir desta região, eles terminaram migrando no fluxo do
deslocamento das gerações seguintes para as mais variadas
regiões.
A primeira família daqui, os Klems, em 1856 iam e vinham
caminhando desde Santa Leopoldina durante os primeiros
tempos do seu assentamento. Eram nove famílias morando
aqui. Depois começou a crescer. Os meus bisavós vieram
em 1872. Quando começou a crescer muito partiram para
outras regiões. Em 1856 havia alguns poucos aqui. De lá
167
começaram a se espalhar primeiro aqui dentro mesmo.
A vida religiosa destes pioneiros parece ter sido bem
organizada mesmo que seja preciso lembrar que o primeiro pastor
com formação chegou à Colônia de Santa Leopoldina no ano de
1864, quando também foi construída a primeira igreja de
Luxemburgo a qual permanece até hoje.
Belém teve escola muito antes de Luxemburg. Não era
igreja, mas era utilizada como tal, porque a igreja oficial
daqui foi construída muitos anos mais tarde em Jequitibá.
Foi, portanto nesta primeira escola que foi ministrada a
primeira instrução... Até isto ocorrer, tudo acontecia na casa
165
166
167
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
80
do Fritz Klems e naquela escola. Mas a informação que
consegui foi uma referência sobre a quinta-feira quando iam
para a escola (Schaul go). ... Isto era uma vez por semana.
Depois passou a acumular também a instrução confirmatória
168
[...]
Também as aulas parecem ter sido dadas por alguém do
próprio grupo e ”era alguém até bem estudado. Aliás, todos deste
grupo parecem ter sido mais esclarecidos.”
169
3.3 Uma promessa de fartura
Certamente muitos imigrantes chegaram ao Brasil, movidos
por um idealismo romântico de aqui encontrar uma Canaã, a terra
prometida. Seria uma tentativa de compensar todas as dificuldades
deixadas para trás, em uma Europa destruída pelas guerras e
molestada pelo desemprego e pela fome.
explicado pelas muitas cartas
170
Isto até pode ser
que percorriam aquele continente e
que “pintavam” o Novo Mundo como um quadro de um verdadeiro
Jardim de Édem, onde homens e animais pudessem integrar-se à
natureza, sem a opressão do senhor feudal.
A diferença entre o esperado e o efetivamente alcançado
logo se fez notar. As quebras de contrato, muitas vezes, já
começavam no embarque nos navios na Europa. Em primeiro lugar
porque o transporte de passageiros tinha-se tornado mais rentável
do que o transporte de mercadorias
171
. Isto parece ter levado
168
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cartas disponíveis em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882003000100007&lng=e... Acesso em 03 jan. 2004.
171
Informacao colhida durante as entrevistas efetuadas na cidade de Hamm am Rhein, durante a
pesquisa de campo para o primeiro volume “Imigrante a duras penas”, dados, entretanto não
confirmados documentalmente.
169
170
81
algumas entidades agenciadoras de emigrantes a estimular o
embarque de passageiros. Com isto, muitas vezes, depois de
estarem a bordo, confiscavam-lhes os documentos de emigração e
sem o consentimento dos interessados, redirecionavam a “carga
viva e despojada de quaisquer documentos” para onde melhor lhes
conviesse
172
. Os próprios antepassados do autor embarcaram em
Antuérpia, conforme documentação disponível, com destino aos
Estados
Unidos
da
América,
para
posteriormente
serem
desembarcados no porto de Vitória, sem possibilidade para o
retorno e sem documentação para qualquer tentativa de continuação
de viagem. Desta forma, muitos colonos ficaram em um cativeiro
disfarçado para serem redistribuídos para as diferentes Colônias do
Brasil. O abismo entre o sonho de uma vida promissora e a nova
realidade aqui encontrada faz-se entender pelos depoimentos
colhidos.
[...] falavam que vieram de navio e que chegaram até aqui,
onde foram tocados para dentro do mato. Aqui, para se
abrigarem da chuva e do vento, conseguiam construir
apenas abrigos rudimentares com folhas de coqueiros.
173
Tinha animais selvagens, onças.
Minha mãe sempre contava que na família dela não sabiam
como trabalhar e não tinham ferramentas. Por isto chegaram
a arrancar mato com auxílio de material de cozinha – com
colheres. Foi assim que eles começaram a trabalhar. Eles
não tinham nenhuma ferramenta. Sequer enxadas ou foices.
Eles começaram a se perguntar como iriam arrancar a erva
172
Constitui-se em exemplo bem concreto a forma como foi efetuado o transporte marítimo dos
familiares do autor. O embarque em Antuérpia com destino à América para depois serem
redirecionados para o Brasil.
173
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
82
daninha das plantações? Não tiveram alternativa do que
174
valer-se de uma colher para arrancar o inço.
Cabe salientar que não há registro de barcos que teriam
sido desviados de sua rota original na direção da América do Sul.
Entretanto, alguns relatos das gerações e descendentes mais
antigos ainda vivos sinalizam com a possibilidade de ter ocorrido um
desvio intencional de europeus destinados ao continente norteamericano. Uma prova disto também vem a ser os registros de
saída que ainda se encontram em alguns arquivos públicos da
Alemanha a exemplo daquele que se refere a Adão Seibel e seus
filhos, que deveriam ter seguido viagem para a América do Norte
175
.
Há uma vaga suspeita de que os barcos, ao fazerem uma viagem
mais longa como para o Brasil estariam obtendo melhores
pagamentos do que com a simples travessia do Atlântico Norte.
Além disto, há algumas referências entre os descendentes de que
apenas os financeiramente mais abonados teriam conseguido
autorização para a viagem a América do Norte, enquanto que os
politicamente
indesejáveis
e
os
mais
pobres
dos
sistematicamente teriam sido enviados em direção ao Sul
pobres
176
.
Há indícios de que os benefícios concedidos aos primeiros
imigrantes realmente podem ter sido bastante generosos, até
porque, representavam praticamente todo o material e alimentação
necessários a sua manutenção
177
. Entretanto, à medida que as
174
Cf. trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Vivencia da própria família do pesquisador, cuja saída, segundo os arquivos disponíveis no
Arquivo Públicos da cidade de Darmstadt, tinha sido autorizada para a América do Norte.
176
Informacao colhida durante as entrevistas efetuadas na cidade de Hamm am Rhein, durante a
pesquisa de campo para o primeiro volume “Imigrante a duras penas”, dados, entretanto não
confirmados documentalmente.
177
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
175
83
primeiras décadas passavam, os recursos foram se tornando cada
vez mais escassos. Neste aspecto alguns fatos bem concretos
chamam atenção.
Em primeiro lugar, as falsas perspectivas geradas em cima
de promessas de um mundo de sonhos para uma população
esfomeada fizeram com que muitas cidades até ajudassem a se
livrar dos seus habitantes mais pobres, mais desqualificados e, ao
mesmo
tempo,
indesejáveis
178
de
todos
os
arruaceiros
e
politicamente
. Isto em parte ajuda a explicar as muitas agitações
registradas na Colônia ao longo de praticamente todos os primeiros
cinquenta anos
179
.
Esta observação logo leva a uma segunda causa das
dificuldades. Vale lembrar que para estes recém-chegados não
havia qualquer programa de integração. A tudo isto se soma a
existência de uma alimentação totalmente estranha ao europeu.
Além disto, havia uma grande demora no assentamento dos recémchegados nas suas respectivas propriedades
180
, além de toda a
dificuldade de aprendizado do trabalho em uma realidade totalmente
estranha ao europeu.
Como outro agravante desta dificuldade vale citar as terras
de má qualidade e de localização de difícil acesso
178
181
. Isto também
Informacao colhida durante as entrevistas efetuadas na cidade de Hamm am Rhein, durante a
pesquisa de campo para o primeiro volume “Imigrante a duras penas”, dados, entretanto não
confirmados documentalmente.
179
Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
180
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
181
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Todos os primeiros imigrantes da Colônia de Santa Leopondina foram assentados em uma
área que se entendia até Rio Farinhas e Caramuru, uma região muito acidentada, isto é, de
montanhas altas em que já depois de poucos anos a produtividade começou a decair
intensamente.
84
teve seus reflexos na cultura de subsistência e, portanto, na
alimentação.
Todos estes fatores levaram a um último elemento, na forma
de conflitos com a autoridade constituída. A Colônia, apesar de
geralmente ter sido administrada por ex-oficiais, seja brasileiros ou
alemães, para os colonos continuavam representando uma entidade
opressiva. Além disto, não entendiam a língua portuguesa
geralmente utilizada pelos administradores e desconheciam as Leis
a
eles
impostas
182
.
Portanto,
tinham
dificuldades
para
se
comunicarem. Além de tudo isto rapidamente se deram conta que as
promessas de apoio e de fornecimento de subsídios tinham sido
palavras vazias.
Todos estes fatores levaram a um último problema, não
menos grave, representado pela quebra de contratos e o não
pagamento de subsídios ou de salários para aqueles que passaram
a trabalhar nas picadas e caminhos que estavam sendo abertos
183
.
A isto se soma o fato dos pomerânios, acostumados às lidas do
campo, logo se terem destacado como agricultores, enquanto a
maioria dos contratados em outras atividades remuneradas pela
administração ter pertencido às classes não agrícolas
184
.
Desta forma, os pioneiros chegaram ao Porto Cachoeiro de
Santa Leopoldina, em plena selva e a mais de setecentos
quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, logo se deram conta de
que sua vida prometia ser muito penosa. Logo descobriram que a
182
Obtido em 06/01/08 sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito
Santo. Aqui na colônia, como que continuando este sistema de exploração dos antigos
latifundiários de fala alemã da Pomerânea, muitos viam nos administradores de fala
portuguesa o continuísmo de um sistema do qual queriam tando fugir.
183
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
184
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
85
região a eles disponibilizada localizava-se em meio a montanhas e
vales de difícil acesso, com um clima inóspito e a inexistência de
qualquer tipo de assistência médica viriam fazer suas vítimas.
3.4 Os primeiros anos das Colônias
Nos primórdios da colonização européia da Província de
Espírito Santo existiam três assentamentos. O mais antigo foi a
Colônia de Santa Isabel, cujos primeiros habitantes chegaram em
1847. No ano de 1857 Dom Pedro II criou a Colônia Imperial de
Santa Leopoldina, tendo nela sido instalados 99 suiços, 24
hanoverianos, 6 luxenburgueses e 8 holstesianos
185
. Já a Colônia
de Rio Novo constituiu-se em um empreendimento particular
fundada em 1866, na região sul to estado de Espírito Santo. Nela
haviam sido assentados colonos suíços
186
. Somente mais tarde,
com a chegada dos italianos, este empreendimento chegou a
prosperar.
Uma boa parte dos primeiros imigrantes teutos que
chegaram à Colônia de Santa Isabel eram naturais das regiões
montanhosas dos Hunsrück e arredores, ou seja, estavam
acostumados ao trabalho árduo nas encostas
187
. A quase absoluta
maioria dos que chegariam aos anos setenta era proveniente de
regiões que anos mais tarde viriam a constituir a Alemanha de
Bismark, ou seja, da Pomerânea. Este aspecto deve ser salientado,
185
SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido
em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea
de Espírito Santo, não editado. Texto nos arquivos do pesquisador. Disponível em
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em 06 jan.
2008.
186
Terese von Beyern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer,
1897.
187
SEIDE, op. Cit.
86
pois estes europeus provenientes de terras planas, ao serem
assentados em áreas extremamente acidentadas, enfrentaram
dificuldades
que,
em
muito,
comprometeram
desenvolvimento de toda esta Colônia
o
posterior
188
.
Figura 4: Palmeiras e palmitos.
Com sua chegada a abertura de um espaço para as
primeiras plantações e o preparo de uma vivenda passou a se
constituir nas prioridades destes pioneiros.
Os primeiros que entraram aqui foram simplesmente
derrubando tudo que tinham pela frente. Simplesmente
188
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
87
derrubavam para plantar café, para plantar milho. Para fazer
estas grandes roças precisavam de muito terreno. No
começo simplesmente se fazia as derrubadas de mata
189
nativa para novas plantações
Estes primeiros assentados viviam de forma muito precária,
por vezes, até por não saberem preparar os seus primitivos abrigos.
A pedra sob a qual os Seibels moraram ainda está lá na
beira da estrada [...]. Ainda tem um muro de pedra onde os
Seibels moraram, até conseguirem construir uma casa.
Porque quando aqui chegaram nada tinham. Para comer
precisavam caçar o que encontravam pela frente. Caçavam
190
pombas, macucos.
Figura 5: Entrada parcialmente soterrada da caverna que
abrigou a família de Adam Seibel nos seus primeiros tempos em
Espírito Santo.
189
190
88
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/0/08
A partir de 1870, ao contrario do que aconteceu em Santa
Isabel, a maioria dos imigrantes que chegou a Santa Leopoldina era
constituída de pomerânios, isto é, provenientes de terras mais
planas da região do Mar Báltico.
O povoado de Campinho cresceu como sede da paróquia
luterana, até porque a grande maioria dos habitantes desta
localidade era da igreja luterana
191
. Este pequeno centro urbano
logo passou a se destacar como centro comercial desta região.
Seus seis negociantes, seis artífices, dois hoteleiros, entre outros,
rapidamente se constituíram no esteio da produção e fornecimento
de produtos
população
192
de
primeira necessidade para
o
restante
da
.
O outro povoado desta Colônia foi chamado de Santa
Isabel. Entre os seus cerca de 250 habitantes havia “alemães” e
“brasileiros”. Já mais tarde, com a amancipação de Santa Isabel,
esta localidade passou a sediar a câmara de vereadores e a
paróquia católica. Aqui, em contraste com Campinho, praticamente
toda a população era católica. Também, aqui, a maioria dos
comerciantes e artífices eram teutos
193
. Tão logo, aqui tinham sido
assentados depararam-se com uma nova realidade totalmente
estranha ao seu dia a dia na Europa. Tiveram que aprender a
derrubar e queimar a mata e plantar as sementes que viriam a
produzir os seus alimentos e depois o café. Quatro anos depois,
derrubavam nova mata, queimavam esta mata e plantavam,
voltavam a plantar.
191
História, Geografia e Política do Município de Domingos Martins. Prefeitura Municipal de
Domingos Martins. Brasília Editora Ltda. Vitória. 1992.
Ibidem.
193
Ibidem.
192
89
Na minha época já tinha diminuído bastante, mas ainda
cheguei a conhecer este tipo de mata. Fui uma vez onde
meu pai, junto com outros fizeram uma derrubada, até bem
194
grande, lá em Jatibocas.
Toda esta distribuição dos europeus em áreas muito
acidentadas como foi o caso tanto de Santa Isabel e também de
Santa Leopoldina favoreceu a pulverização desta população em
uma grande extensão. Cada família passou a viver em sua
propriedade
195
. Isto logo levou a certo isolamento em função da
distância entre as casas a qual precisava ser percorrida, muitas
vezes, em caminhadas que chegavam a meia hora ou mais. Esta
característica se desenvolveu a partir da forma de assentamento
adotado em todas as regiões de imigração européia, ou seja, da
disponibilização de lotes de terra, cujo tamanho variava de 25 a 60
hectares. Nas primeiras décadas as medições de terras eram feitas
com correntes de ferros de 10 ou 30 metros, com todas as
possibilidades de erros, especialmente, em áreas de terrenos muito
acidentados ou de difícil passagem
196
. As terras,em geral, eram
demarcadas a partir dos cursos dos riachos ou rios, a partir dos
quais eram assinaladas duas linhas perpendiculares que se
constituíam nas divisas laterais. Assim, uma vez pagas as despesas
da demarcação, os colonos recebiam o título provisório da
propriedade
194
197
. Isto, na verdade, veio a se constituir em uma forma
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais
antigos e não incluidos entre os entrevistados..
196
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
197
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
195
90
totalmente diferente do sistema de moradia utilizado na Europa
Central, onde a necessidade de uma maior concentração das casas
contra possíveis inimigos externos tornava a defesa um pouco mais
fácil.
Figura 6: Vista do Vale do Rio Farinhas.
As primeiras décadas da colônia se caracterizaram pela
dificuldade de comunicação entre as diferentes regiões
198
. Com isto,
qualquer tentativa de contato dos imigrantes com outras populações
tornava-se extremamente difícil. Não havia estradas e o transporte
de produtos de primeira necessidade dependia da abertura de
“picadas”, ou seja, de tortuosos caminhos que precisavam ser feitos
pelos próprios desbravadores.
198
Pela absoluta falta de estradas e a existência de “picadas” de difícil trânsito.
91
Sempre falavam das dificuldades pelas quais eles passaram
e que tiveram que cavar estradas com enxadão. Até porque
não havia estradas. Tinham pouca comida. Não tinham
comida como a que estavam acostumados na Pomerânea.
Aqui eles ganharam farinha de mandioca e feijão preto. Eles
acharam que era serragem e não quiseram comer. Não
gostaram. Havia muitas dificuldades com o transporte. As
coisas precisavam vir de Vitória até Santa Leopoldina de
199
canoa, o que era muito difícil.
A conseqüência imediata desta nova realidade foi a falta de
troca de informações como elemento de renovação cultural, o que
levou a certo empobrecimento do conhecimento e também a
ocorrência de casamentos entre indivíduos de um mesmo grupo
étnico e ocasionalmente até entre pessoas já com certo grau de
parentesco
200
. Por outro lado houve apenas alguns raros casos de
casamentos com pessoas procedentes de outros grupos étnicos
201
.
Também a comunicação, tanto entre as Colônias, como
destas com a capital Rio de Janeiro, durante estes primeiros anos,
sempre se constituiu em um grande entrave ao progresso. Isto fez
com que durante a década de 1860 e 1870, qualquer notícia do
exterior chegava com muita dificuldade aos colonos. Porém, apesar
deste isolamento em que os teuto-brasileiros capixabas e seus filhos
viviam, aos poucos também passaram por uma relativa adaptação a
esta nova realidade, mesmo organizando um padrão de vida que de
certa forma lembrava seu dia a dia da sua terra natal
199
202
.
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
Frequentemente dois ou três irmãos de uma mesma família tomavam seus pares entre irmãos
de outra família irgualmente munerosa.
201
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
202
O exemplo mais significativo foi relatado na Cf. quadragésima sexta entrevista realizada na
cidade de Vitória, no dia 02/08/08, no relato das estrututação da Colônia de Belém. As
diferentes funções de apoio, como pastor-colono, médico da floresta (Walddokor), etc, eram
indicados. Estes, por seu lado assumiam de forma plena as suas funções.
200
92
Figura 7: Altas montanhas do Vale do Rio Farinhas.
A maioria passou por muitas necessidades. Parece que os
[...] viveram um pouco melhor. Eles tinham carnes de caça e
carne seca (charque). A carne de gado era cortada em
laminas. Salgada e depois secada no sol (carne ao sol ou
charque). Comiam muito tubérculo, como batata doce,
inhame, inhame chinês, aipim. Além disto, tinham feijão e
203
farinha de mandioca e pão de milho.
Além disto, pouco tempo depois, com a sua emancipação
política, Santa Leopoldina teve instalada a sua administração
municipal, deixando com isto de depender de um Diretor de
Colônia
203
204
204
.
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
Meu Município: Conhecendo o Município. Construindo mais cidadania. Santa Leopoldina –
ES. 1999-2000.
93
Nos primeiros tempos da colonização, da mesma forma
como também aconteceu em Santa Isabel, também houve
momentos de uma relativa turbulência em que chegou a ser
necessária a intervenção de homens armados do governo da
província, seja para terminar com conflitos como também para
proteger os colonos de índios botocudos, que ocasionalmente ainda
se aproximavam desta região.. Estes silvícolas, entretanto, com o
passar dos anos foram se retirando para as florestas ainda não
exploradas, especialmente para a outra margem do Rio Doce,
deixando os teutos em paz
205
.
Alguns movimentos de protestos ou de revoltas puderam ser
registrados nas primeiras décadas da existência das colônias.
Assim, em 1874 um grupo de descontentes, por não terem recebido
os seus pagamentos, depois de improvisarem tambores com uma
velha lata de querosene, marcharam em formação militar Diretoria à
dentro
206
. Aliás, era isto que, como soldados prussianos, tinham feito
na guerra contra a França. Três anos mais tarde, em 1877, desta
vez proveniente de Timbui, novamente um grupo de agricultores
teria se revoltado. Foi o que novamente aconteceu em 1880, quando
300 agricultores tiveram que ser dispersos pelos praças de
Cachoeira
de
Santa
Leopoldina
207
.
O
choque
entre
as
administrações das colônias e alguns dos imigrantes oriundos dos
mais variados lugares da Europa e muitas vezes influenciadas por
ideias de liberdade frequentemente levou a atritos
205
208
.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Episodio não comprovado, porém relatado por alguns moradores mais antigos da colônia.
Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
208
Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
206
207
94
Se você for ler alguma coisa da época da Colônia, vai ver
que os Diretores eram muito envolvidos com desvio de
dinheiro e até de algumas chacinas. Houve brigas internas e
muitas discussões. Era uma época muito difícil.
209
Normalmente ficavam um ano e logo saiam.
Estas dificuldades foram um pouco amenizadas na década
de 1880, quando foi criado o Município de Santa Leopoldina. Por
outro lado, mesmo com o passar das décadas, os governos, seja
imperial ou mesmo da administração da província nada faziam para
incentivar uma integração teuto-brasileira
210
. Com isto, na prática
não se tinha qualquer tipo de miscigenação com outras etnias, o que
também contribuía para a inexistência de qualquer espírito de
nacionalidade brasileira na colônia. O espaço para o assentamento
dos pequenos agricultores tinha ficado longe
de áreas já
urbanizadas. Como alguém poderia chegar a gostar de algo que não
conhecia? Além disto, nesta época, qualquer recém-chegado, ao
cultivar suas próprias terras e confessar outros credos que não
fosse o da fé católico-romana, passara a ser considerado um
indivíduo de segunda classe, quase comparável aos servos na sua
pátria de origem
211
.
Nesta época também havia um grande desequilíbrio entre
os poderes constituídos, seja da própria administração da Colônia
ou mesmo da Província e os colonos, o que dificultava a execução
de qualquer programa de uma melhor assistência à população teuto-
209
Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
210
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
211
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
210
95
brasileira
212
. A precária alfabetização desta última também
contribuiu para esta verdadeira “fuga” para seus sítios-esconderijos
nos mais afastados vales ou picadas. Em síntese, os imigrantes
capixabas, tão logo tiveram cortado o seu “cordão umbilical” com a
Europa de origem, foram entregues a sua própria sorte e com isto
entraram em um verdadeiro processo de isolamento social,
lingüístico e, porque não dizer, cultural. A persistente dificuldade de
assimilação do idioma nativo continuava persistindo e até era
reforçada pela falta de um fomento de escolas da parte dos
governos da Província e do Governo Central. Os próprios processos
de discriminação religiosa aos quais os imigrantes de confissão
luterana eram expostos, ao não se poderem reunir em templos com
características de igrejas e por serem obrigados a validarem seus
casamentos na comunidade católica romana, a própria revolta daí
decorrente contribuiu ainda mais para reforçar esta desconfiança a
tudo que lhes parecesse estranho
213
.
3.5 Relatos sobre a vida dos primeiros imigrantes
Uma boa parte dos imigrantes da Colônia de Santa Isabel,
por terem sido originários do Hunsrück, uma região bem mais
acidentada já estava acostumada ao trabalho árduo nas encostas.
Mesmo assim, aqui passaram por um longo e sofrido aprendizado
para acostumar-se com a dura lida na selva. A derrubada da mata
212
Pelos relatos de habitantes mais antigos se identifica este verdadeiro abandono em que a
população de encontrava. Não havia qualquer preocupação com assistência social, assistência
médica ou até mesmo com a adaptação às novas condições de trabalho na agricultura. A
expressão “foram largados no mato” denota a mais grave situação de abandono desta
população trazida para esta selva capixaba.
213
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
96
para o preparo das primeiras plantações era a única opção
disponível para os recém-chegados
214
.
Todo este processo de assimilação do trabalho em uma
região acidentada e por desbravar foi ainda mais difícil e sacrificado
para os que haviam chegado da Pomerânea, uma região muito
plana. O trabalho outrora realizado nas plantações de batatas, nos
trigais e na pesca no mar, nos lagos e nos rios precisou ser trocado
pela árdua labuta em meio a uma selva por desbravar, com seus
insetos, seus animais desconhecidos e suas doenças novas para as
quais não tinham cura
215
.
Não há uma explicação para o aumento do fluxo de
imigração durante os primeiros anos da década de setenta,
especialmente porque nesta época ainda estava em vigor o Edito de
Heyden com o qual a Prússia havia proibido qualquer saída de
emigrantes do seu território para a América Latina. Com isto
também deveria ter cessado o fluxo de migrantes para o Brasil.
Porém, o termino das continuas e intermináveis guerras na região
do Mar Báltico, fez com que a população desta região crescesse
muito, aumentando ainda mais a fome e a miséria. O resultado
imediato foi um aumento do fluxo migratório, tanto para a América
como para o Brasil
216
. Assim, durante a década de setenta, o fluxo
de emigrantes pomerânios trouxe muitos novos braços de trabalho
para Espírito Santo. A sua força de vontade e sobriedade contribuiu
para um rápido desbravamento desta parte da província. Talvez isto
214
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
216
Na prática exemplificada pelo maior fluxo de imigrantes pomerânios e depois de italianos
chegados em Espírito Santo e nos estados do sul do Brasil.
215
97
também explique o porquê de alguns terem deixado a Europa com
destino à América do Norte e depois terem sido redirecionados para
o Brasil, como foi o caso dos próprios antepassados do autor.
Somente entre os anos de 1872 e 1875 chegaram mais de
2.200 novos pomerânios em Santa Leopoldina
217
. A eles foram
destinadas terras anteriormente habitadas pelos índios botocudos
ou revendidos lotes ocupados por caboclos, que viviam em áreas
218
.
Conta-se que os índios, praticamente, teriam sido exterminados pela
varíola depois de lhes terem sido distribuídas roupas usadas por
colonos com esta doença
silvícolas
219
. Isto reduziu em muito a população de
220
. Com isto também diminuiu o risco dos colonos serem
atacados pelos selvagens
221
.
Isto certamente foi algo muito diferente do que ocorreu na
América do Norte, especialmente na região colonizada por
imigrantes do Valo do Reno, onde os recém-chegados puderam
assimilar uma cultura praticada por uma população já radicada. Isto
facilitou a assimilação tanto de métodos de produção como do tipo
de vegetação plantado. Apesar de tudo isto, os que para lá foram,
também não mediram esforços para preservarem seus valores
culturais
217
222
. Assim, por exemplo, na América os imigrantes
Dados disponíveis no Arquivo Publico de Espírito Santo e também divulgados pelo Museu do
Imigrante de Santa Leopoldina.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais
antigos e não incluidos entre os entrevistados.
219
Não há documentação comprovando estes dados. Entretanto, diversas fontes orais confirmam
estes relatos.
220
Não há documentação comprovando estes dados. Entretanto, diversas fontes orais confirmam
estes relatos.
221
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por familiares e por outros
moradores mais antigos e não incluidos entre os entrevistados. Nos anos de 1960 ainda
contavam historias dos índios. Entretanto, dizia-se que estes haviam se mudado para o norte
do Rio Doce já antes dos anos da sua infância.
222
Uma referencia aos milhares de imigrantes de Hessen Darmstadt que seguiram para
Visconsin. (SCHMAHL, H. Verpflanzt, aber nicht entwurzelt: Die Auswanderung aus Hessen218
98
proveniente da cidade de Darmstadt iniciaram todo um processo de
desenvolvimento de uma cultura teuto-americana baseada em um
resultados econômicos, na preservação de todo um patrimônio
cultural
germânico
e
no
estabelecimento
comunicação com o país de origem
de
uma
regular
223
.
É preciso salientar que, os que foram assentados no Espírito
Santo rapidamente criaram hábitos, talvez de preservação ou de
defesa da própria população, mas que também reforçaram o seu
próprio isolamento. Quem morria tinha seus documentos, seus livros
ou pertences enterrados ou queimados. Tudo isto era “papel velho”
que não precisava ser conservado. Desta forma muitos livros
antigos terminaram sendo destruidos
224
.
Nesta análise será preciso salientar que, naquela época, a
grande maioria da população jovem aqui radicada não teve acesso à
alfabetização
225
.
Também a absoluta falta de comunicação e de
relacionamento, tanto entre os diferentes sítios colonizados como
também pela falta de um maior contato com os seus países de
origem constituíram-se em fatores que contribuiriam para a
manutenção deste processo de verdadeira hibernação e gradativo
isolamento
226
. “Não se teve escola. Nenhuma escola. A única escola
que frequentamos foi o ensino confirmatório na igreja”.
227
Darmstadt (Provinz Rheinhessen) nach Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main:
Verlag Peter Lang, 2000)
Ibidem.
224
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
225
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22 07 08. A primeira
escola da qual se tem alguma referencia parece ter existido na localidade de Belém.
Posteriormente, em 1864 deve ter sido iniciada uma escola na localidade de Luxemburg.
226
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08. Constitui-se
em uma das queixas referidas por grande parte dos antigos moradores
227
Cf. Sétima entrevista realizada com O.E. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
223
99
Os antigos agora estão sendo procurados para contar as
coisas da época. Para os bem antigos isto não tinha
qualquer valor. Ninguém se interessava por isto. O Cristian
Klauk sempre contava que os bem antigos, quando se
mudavam costumavam enterrar os velhos papeis e as
coisas antigas. Eles não deveriam ter feito isto. O velho
Klauk tinha um livro de curandeiro. Não sei se o filho ainda
228
tem isto.
Na sala de aula pediram que falasse alguma coisa. Mas não
sabia o que responder. Com muito sacrifício conseguiu
aprender a falar. Com o passar dos anos aprendeu a falar
muito bem o português. No início chegou a trabalhar como
229
tropeiro e mais tarde chegou a ser professor. .
Os poucos jornais que circulavam na província de Espírito
Santo nesta época, eram redigidos em português, uma língua ainda
.
estranha aos colonos e poucas vezes lhes chegavam às mãos Além
disto, o contato com os representantes diplomáticos no Rio de
Janeiro dependia de viagens ainda inimagináveis durante a segunda
metade do século dezenove
230
.
Os relatos dos intrevistados, em geral foram muito pobres
em
informações
sobre
aspectos
culturais
relacionados
aos
imigrantes no Espírito Santo até a primeira ou segunda década do
século vinte. Porém, é possível identificar claramente que, apesar de
toda esta dificuldade com a comunicação com o mundo exterior e
mesmo de transmissão oral do conhecimento, sempre houve um ou
outro que, por intermédio dos próprios pastores teve acesso a livros
e jornais, com isto ampliando o seu conhecimento
228
231 232
. Era desta
Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08
Em primeiro lugar pela absoluta falta de recursos para o empreendimento de tal viagem e em
segundo lugar pela dificuldade de obtenção de transporte.
231
Podem ser citados três nomes que se detacaram em toda a colonização teuta capixaba:
Jacob Seibel, nos primeiros anos de desbravamento de Rio Farinhas, Wilhelm Seibel, na
229
230
100
forma que, como autodidatas, conseguiam enriquecer o seu
conhecimento e com isto realimentar a chama deste ainda acanhado
patrimônio cultural pomerano no Espírito Santo. “Meu avô lia jornal.
[...] Os pastores recebiam alguma coisa da Alemanha. E meu avô
conseguia ler bem em alemão e também em português”.
233
Meu pai costumava contar muitas coisas daquela época. À
noite quando tínhamos terminado de jantar, ele passava a
contar as histórias de antigamente. O que tinha acontecido
em tal lugar ou em tal época. O que tinha acontecido na
234
guerra. Era um grande contador de histórias.
Porém, o que chama atenção em praticamente todas as
entrevistas é que realmente houve um verdadeiro cerceamento da
escolarização de uma boa parcela da população da geração cuja
infância e adolescência coincidiram com as épocas das grandes
guerras na primeira metade do século passado. Não poucas vezes,
pais, com uma boa bagagem intelectual, com domínio de diversas
línguas estrangeiras, atuando como professores alfabetizaram
centenas de crianças e de um mometno para o outro se viram
impedidos até mesmo de repassar aos seus próprios filhos a visão
de uma formação intelectual. As escolas de comunidade haviam
sido proibidas e niguém sequer se preocupou em substituí-las por
um sistema de ensino brasileiro.
instalação e consolidação de Laranja da Terra e Lourenço Seibel no desenvolvimento da
agricultura (introdução de novas técnicas agrícolas), no ensino (escola informal - Mobral,
participação ativa na diretoria da escola diacônica – ADL e intercâmbio entre as comunidades
luteranas) e no próprio processo de aculturação da região de Serra Pelada.
232
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
233
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
234
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
101
A estes filhos e netos dos pioneiros coube a tarefa de abrir
caminhos para que as gerações seguintes pudessem alimentar-se
melhor e pudessem usufruir um pouco mais de cconforto. Não
estavam e nem seus descendentes viriam estar livres do árduo
trabalho de desbravadores
235
.
Suor e lágrimas entrecortados de muito fervor religioso
constituíram a massa que moldou este novo cidadão teuto-capixaba.
Portanto foram estes os homens e mulheres, cujos antepassados
vieram do altiplano do Hunsrück, das encostas dos Alpes, das
planícies do norte da Alemanha e da Pomerânea que se
transformaram em moradores das íngremes encostas do interior
capixaba.
A vida deles foi muito difícil. Só em pensar nesta vida a
gente já desanima. Quando aqui chegaram a vida deles foi
muito, muito difícil. Principalmente o vô e a vó. Meus pais já
tiveram uma vida com mais de conforto, até porque eles
236
colhiam tudo que consumiam.
Isto, como dizem os imigrantes
237
: “Dem ersten den Tot (ao
primeiro a morte); Dem zweiten die Not (ao segundo a penúria);
Dem dritten das Brot (ao terceiro o pão)”.
No final do século dezenove até as primeiras décadas do
seculo passado, pouca informação se tinha sobre a população
nativa, até porque, os silvícolas continuavam preocupados apenas
com a caça e a pesca de subsistência. Talvez até em função disto,
com o avanço do desbravamento proporcionado pela ampliação da
235
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
237
Expressão popular.
236
102
colonização européia no Espírito Santo, terminaram recuando para
as selvas ao norte do Rio Doce. Já da população cabocla e dos
descendentes de escravos, uma boa parte passou a viver às
margens
dos
desmatamentos
e
nos
aglomerados
urbanos
conhecidos como Patrimônios ou nas cidades de Santa Leopoldina
ou Afonso Cláudio. Com isto, nas áreas de colonização européia,
apenas em esporádicos casos, um ou outro passou a constituir-se
em mão de obra eventual
238
.
Um povo ameaçado de extinção parece reagir de muitas
formas. Assim, no caso dos pomerânios, de um lado tivemos a
própria fuga do seu país de origem. Teria sido a geração de prole
numerosa outra forma de garantir a continuidade da sua espécie?
Tem-se a nítida impressão de que também entre as famílias teutobrasileiras estabelecidas na Província de Espírito Santo a riqueza se
materializava na alta prolificidade.
riqueza são os filhos”
Isto se reflete no ditado “a
239
. Assim os filhos logo se constituíam em uma
grande força de trabalho e em indivíduos que dariam continuidade à
família, ao trabalho e aos costumes, enfim, a toda uma cultura muito
própria deste povo.
Desta forma, apesar de alguns terem perdido suas vidas
com doenças ou mesmo com acidentes no duro trabalho de abrir
picadas e derrubar florestas, deixaram seus muitos filhos para
continuarem com a incumbência de proporcionar um pouco mais de
conforto aos seus netos.
238
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Uma situação que praticamente se manteve até a segunda metade do século vinte, quando
muitos passaram a atuar na conservação manual das estradas (eram conhecidos como
garimpeiros). Outros gradativamente migraram para centros urbanos onde foram assumindo
funções vinculadas ao serviço público.
239
Expressão popular – muito usada entre os habitantes mais antigos.
103
Em contrapartida, com o avanço da colonização pelo interior
do estado, muitos lugares nestas montanhas elevadas outrora
cobertas por extensas florestas habitadas por índios, quem sabe,
bem nutridos com os frutos de suas árvores, com sua pesca e sua
caça, gradativamente foram sendo transformadas em superfícies
desnudas pelo desgaste do seu solo empobrecido. Da mesma
forma, muitos rios cristalinos logo viriam a ser transformados em
córregos contaminados por dejetos de animais e de outras sobras
desta nova cultura em formação
240 241
.
3.6 Hábitos alimentares nos primórdios da imigração capixaba
Durante os primeiros anos de existência das Colônias no
Espírito Santo uma absoluta falta de conhecimento sobre o potencial
de aproveitamento dos recursos alimentares nativos impediu até
mesmo a correta utilização do potencial de alimentos aqui
existentes. Os europeus levaram tempo para aprender a utilizar
melhor este potencial da riqueza, representado pela caça, pela
pesca e os vegetais silvestres como os tubérculos
242
. Aqui não se
tinha trigo nem batatas nem animais domésticos para suprir as
necessidades alimentares básicas. Somente depois de um longo e
sacrificado aprendizado os pioneiros começaram a plantar milho e
mandioca. A sua utilização como alimento, porém, precisou ser
240
Em decorrência da falta de toda uma política pública de saneamento básico.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
242
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais
antigos e não incluidos entre os entrevistados. Neste aspecto a falta de informações sobre o
aproveitamento deste potencial de alimentos fez com que muitos passassem por grandes
dificuldades.
241
104
aprendida e assimilada
243
. “Eles recebiam uma pequena ração do
governo. Era insuficiente e muitos chegaram a ficar doentes. Era
feijão preto e farinha de mandioca. Carne tinha pouca. Era
principalmente kanasek (charque ou carne de sol).”
244
Nos primeiros meses a própria Colônia supria, mesmo que
de forma insuficiente, as necessidades alimentares básicas.
Entretanto, mesmo depois de um ou dois anos muitos recémchegados, por absoluta falta de assistência ou de uma adequada
orientação, mal sabiam o que plantar e como plantar
245
. A canjica de
milho rapidamente parece ter-se tornado o mais importante alimento
da Colônia, conseguindo aos poucos substituir a farinha de trigo
utilizada na Europa. Com isto a alimentação básica do agricultor
passou a ter na canjica de milho, no feijão e na mandioca os seus
ingredientes básicos
246
. Para poder viver era precioso comer o que
se tinha. Com isto aprenderam a se adequar ao que existia.
Os primeiros que chegaram [...] realmente passaram muita
necessidade. Até porque não sabiam o que comer. Depois
devem ter aprendido a caçar animais silvestres.
Os
primeiros, no tempo em que passaram no acampamento
provisório de Vitória, parecem ter feito algum tipo de serviço
como diaristas. Já naqueles tempos. Depois em Santa
Leopoldina, novamente ficaram acampados em outro
barracão. De lá foram para Rio Farinhas e posteriormente
247
para Santa Joana.
243
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais
antigos e não incluidos entre os entrevistados. Relatos dos moradores mais antigos referem-se
a esta “comida dos índios” e que aprenderam a utilizar.
244
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
245
A grande diferença entre a fauna e flora européia e a brasileiro precisou ser identificada, para
que pudesse ser melhor aproveitada pelos assentados.
246
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
247
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
105
Tinha muita carência. O pessoal dividia o que tinha entre as
famílias. Às vezes tinha alguém que não comia feijão. Eles
comiam cará, taioba, batata. Tinha muito jacu daqueles bem
grandes. Eles caçavam macuco, arruba [...] hoje não tem
mais nada disto. Hoje o jacu faz muito estrago no café.
Começam a descer da mata quando escurece. Eles vêm até
248
aqui no pátio.
Comiam mandioca, aipim, inhame, feijão milho, brout. Existe
esta controvérsia de que o pão de milho teria vindo de Minas
249
Gerais...
Naquele tempo (comiam) banana nanica, brote e peixe. Meu
pai não tinha gado. (... compravam os peixes) nas vendas.
Tinha piava. “Hering”.
Era salgado. Vinha de fora. Era
aquele monte. Era um peixe tudo salgado. Era um peixe
fininho e compridinho e puro sal. Comíamos peixe com
250
feijão e banana.
Feijão. Polenta, pão de milho. Arroz não existia naquele
251
tempo. Cará, inhame, taioba.
(Já alguns anos mais tarde) [...] comiam muita abóbora.
Qualquer pequeno espaço na roça era aproveitado para
plantar abóboras. Geralmente em todo o milharal
costumava-se plantar abóboras. Comia-se muita caça. Na
verdade era que era difícil da gente se proteger contra os
animais selvagens que invadiam as roças e terminavam
estragando tudo. Especialmente paca,
tatu, macuco,
arruba, inhambu, araçari, jacupenba. Esta caça muito
abundante era abatida para consumo de carne. Algum
tempo depois já puderam criar algum gado, porcos e
252
galinhas. Desta forma foram progredindo.
A população da Pomerânea tinha no arenque (Hering) um
dos elementos básicos na sua alimentação diária. A pescaria no Mar
248
Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
251
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
252
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
249
250
106
Báltico, ao lado da atividade agrícola nos grandes latifúndios,
constituía-se na principal atividade de subsistência. Também aqui
nas novas colônias, o peixe continuou sendo muito consumido.
Estes (Hering ou arengue) podiam ser compradas nas
vendas. Mas, por aqui tinha tanto peixe nos rios... O
bacalhau era caro, mas a manjuba era mais barata. Estas
eram salgadas e vinham em grandes caixas. São bem
gostosos são apenas muito salgados. São meio compridos
253
que nem uma piava (lambari).
Comiam peixe também. Os córregos tinham muito peixe. O
pessoal pegava os peixes com “Chiquê”, uma espécie de
balaio para pegar peixe. Colocava-se no final da tarde e pela
manhã se podia recolher os peixes. Geralmente deixava-se
nos córregos, contra a corrente e o peixe depois de entrar
254
não conseguia mais sair.
Os Hering salgados [...] vinham em caixas. Papai comprava
255
muito. Isto ainda tem hoje em dia.
Eles sempre falavam muito na batata (doce) que eles
plantavam, na mandioca e no milho. O que mais eles
utilizavam era a farinha de mandioca e fubá de milho.
Primeiro socavam no pilão, porque ainda não tinham os
moinhos. Depois alguns imigrantes começaram a construir
os moinhos tocados a água. A partir daí começaram a ter o
fubá e puderam começar a fazer o Brote. Esta era uma
mistura, que, segundo ela sempre contava, tinha sido uma
invenção e que terminou dando certo e satisfazia a
256
necessidade de alimentação.
O preparo da farinha de milho durante os primeiros anos da
colonização era realizado por meio de um instrumento conhecido
253
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/ 07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
256
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
254
255
107
por pilão, fabricado a partir de um tronco de madeira, no qual era
escavado uma abertura. O “socador” era feito a partir de uma haste
de madeira, a qual, com sua extremidade arredondada era
continuamente arremessada no fundo da escavação do tronco
(Figura 8).
Figura 8: O pilão e o monjolo
257
.
O aperfeiçoamento deste utensílio deu origem ao monjolo no
qual a força da água era responsável pela execução do trabalho.
Com o passar dos anos, porém, diversos agricultores passaram a
construir este espécie de moinho de beneficiamento do milho, (Fig.
25) que lhes permitia a obtenção de uma farinha de milho, isto é, o
fubá e que já era de uma melhor qualidade
257
258
258
.
Disponóvel em: www.terrabrasileira.net/.../sd-monjolo.htm. Acesso em: 25 jul. 2008.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
108
Os antigos descascavam o café em casa, com auxílio de
um monjolo (Machol) ou mesmo pilão, tocado a água
(Stambarad), depois acondicionavam no lombo de burro e
levavam para a venda. A maioria procurava ter a sua
instalação para o beneficiamento do café. Até porque,
qualquer riozinho já dava água para tocar um destes
engenhos. Com o passar os anos as pessoas que tinham
um pouco mais de água já procuravam ter seu monjolo e
259
também um moinho.
Depois dos primeiros anos as mudanças alimentares aos
poucos foram passando pela natural acomodação dentro do próprio
aproveitamento
da
flora
aqui
existente.
À
medida
que
o
conhecimento sobre a fauna e os recursos naturais nativos
aumentava, o próprio aproveitamento destes recursos silvestres
terminava melhorando. Aqui teve início a gradativa auto-suficiência
alimentar dos colonos.
Comiam o que era produzido na roça. Plantavam feijão,
plantavam mandioca para fazer farinha. Eles plantavam
batatinha e o aipim. Depois (já bem mais tarde) começaram
a plantar o arroz nas baixadas. Plantavam arroz e socavam
no pilão. À mão. Peneiravam na peneira e comiam este
arroz. Depois plantavam milho. Começaram a criam galinha
e porco. Começaram a fazer canjica. O frango até ficar bom
para o abate levava quase um ano. Nem vendiam nada. Um
260
emprestava para o outro, mas não vendiam.
Feijão, milho, taioba, arroz. Farinha de trigo somente no
natal, quando se comia pão de trigo. Fora isto só se comia
261
pão de milho.
259
260
261
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada com A.B. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Sétima entrevista realizada com O.E. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
109
[...] Todo mundo logo começou a criar porco. Criavam-se os
porcos soltos. Andavam por toda a propriedade. Depois de
certo tamanho eram presos para engorda. Haviam muito
terreno estragado por causa de porco. Tratavam também
com milho, mas andavam soltos. Eram alimentados mais
262
com milho e com inhame cosido.
Nesta época (por volta de 1920) já se começou a plantar
arroz nos brejos. Dava muito. Eles comiam muita caça e
muito peixe. Nos matos tinha muitos pássaros. Charom,
macuco, arruba...
Tinha muita paca e que se pegava com facilidade. Dava
carne para três a quatro dias. Eles não passavam mal não.
O mais difícil eram os cuidados de higiene e os cuidados
com a roupa. Viviam no meio de muita sujeira. Muitas vezes
263
eu penso: como esta gente conseguia viver.
A plantação de milho e de tubérculos passou a se constituir
em uma forma de cultura de subsistência. Assim, o milho e a
abóbora, já nos primeiros anos da colonização, especialmente na
entresafra constituíram-se em uma importante fonte de alimentos,
tanto para homens como para os animais domésticos, até mesmo
pela sua facilidade de plantação e posterior conservação
264
. Além
disto, o seu rápido crescimento e o pouco tempo necessário para a
colheita constituíram-se em grandes vantagens durante os primeiros
anos da vida na Colônia. Além disto, a partir de um quilo de grãos,
facilmente se podia obter cinquenta, cem ou até cento e cinquenta
quilos do produto, dependendo da qualidade do solo. Alm disto, com
o surgimento do milho branco, a farinha de milho branca passou a
262
263
264
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
110
ser mais bem aceita como substituto da farinha de trigo que tinha
sido utilizada na Europa
265
.
Da mesma forma como aprenderam a plantar os tubérculos
e o milho, também tiveram que aprender a plantar e a colher o café,
o qual somente três ou quatro anos mais tarde viria a se constituir
na moeda de troca por produtos de primeira necessidade
266
. O café,
a partir de 1870, passou a ser comercializado com mais facilidade,
chegando a representar uma boa fonte de renda para os colonos.
Com isto passaram a se dedicar à sua plantação de forma
prioritária
267
.
A única renda era o café e para isto precisavam esperar
cinco anos. Mais ou menos isto. Era plantado em mudas
lavadas e depois de alguns anos começava a produzir os
primeiros grãos. No início ninguém sabia como secar e
como preparar este café em casca. Ninguém dava estas
informações. Depois inventaram uma espécie de pilão e,
nos finais de semana passavam a pilar, ou seja, a descascar
o café para poder ser consumido. Este pilão evoluiu para o
monjolo, já bem mais desenvolvido e somente bem mais
tarde chegaram as máquinas. Bem no início o preço do café
também era baixo. Meu pai chegou a trocar oito sacos de
café por um de trigo. O café era difícil de ser colhido. Era
chuva, era frio e precisava-se colher café. Como em terras
velhas já não dava mais café, de tempos em tempos faziam
268
derrubadas.
Apenas na virada do século surgiu o moinho, um constituido
basicamente por duas pedras sobrepostas, de um granito muito
265
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais
antigos e não incluidos entre os entrevistados.
267
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas por outros moradores mais
antigos e não incluidos entre os entrevistados.
268
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
266
111
duro, em forma de disco de cerca de cinquenta centímetros de
diâmetro. A inferior era fixa em uma estrutura de madeira, chamada
mó fixa e a superior, ou mó móvel era suspensa sobre um eixo em
posição vertical e movimentada pela força de uma roda d’água, isto
é, uma espécie de turbina
269
.
Os grãos de milho caíam aos poucos em uma abertura no
centro da mó superior e pela força centrífuga penetrava entre as
superfícies da pedra superior em movimento e da inferior fixa. Este
processo resultava no completo esmagamento dos grãos de milho e
a sua transformação em um finíssimo pó, o qual, ao final era
lançado para fora deste espaço e recolhido em um recipiente de
madeira ou saco de tecido.
A necessidade de uma maior diversificação fez com que o
colono fosse à procura de outros alimentos. Assim descobriu os
tubérculos, encontrados com bastante freqüência na própria
natureza. Familiarizou-se com a mandioca, a taioba, a abóbora, o
inhame, a batata doce, o cará e o amendoim
270
. A batata inglesa
somente muito mais tarde foi introduzida nas Colônias. A abóbora
durante muitos anos foi sendo plantada dentro da “roça” de milho
para ser colhido por ocasião da safra deste grão
271
. Depois
começaram a criar animais domésticos, gado, galinhas, gansos. As
penas das aves eram aproveitadas para a confecção de cobertores.
269
Disponível em:
http://www.esev.ipv.pt/patrimonio/Descricao.ASP?CodEscola=334&CodElemento=246. Acesso
em: 10 mai. 2010.
270
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
271
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
112
3.7 A língua dos imigrantes
Os primeiros imigrantes que chegaram à Colônia de Santa
Leopoldina vieram de diferentes lugares da Europa Central e se
fixaram em diferentes localidades, cujos nomes ainda hoje lembram
esta origem. Assim, temos os suíços, os tiroleses os luxemburgeses,
os hunsrücker, os hessenianos e tantos outros. “Os que vieram para
cá se mantiveram mais em comunidades e utilizaram o próprio
272
idioma para se congregarem e se protegerem”.
[...] Os pomerânios chegaram mais para os lados de Santa
Maria. Tivemos esta informação também depois. Sabemos
que hoje em Rio Bonito ainda vivem Hunsrücker, vivem os
Holandeses e vivem os Pomerânios. Por aqui, onde os
pomerânios eram em maioria, os católicos na minoria, os
outros terminaram sendo absorvidos pelos pomerânios. Isto
porque vinham casando entre eles e com isto a comunidade
273
tornou-se pomerana.
A abertura de algumas estradas, mesmo que ainda muito
precárias, de forma geral passou a estimular o comércio tanto dos
pequenos colonos-vendistas propriamente ditos como dos negócios
destes com os comerciantes maiores de centros urbanos como
Santa Leopoldina e de Santa Isabel. Com isto, mesmo que de forma
ainda muito acanhado, o deslocamento de pessoas levou a um
maior intercâmbio de produtos e entre as regiões antes tão isoladas.
Até mesmo os casamentos entre jovens de grupos étnicos
diferentes
passaram
a
acontecer,
como
entre
holandeses,
pomerânios, alemães ou austríacos. Isto levou a situações muito
272
273
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
113
curiosas. Não era raro encontrarem-se pessoas comunicando-se em
três ou quatro, digamos, idiomas diferentes. Era preciso aprender o
alemão alto por ser necessário no seu aprendizado no próprio
processo de alfabetização na escola da comunidade e para o
relacionamento com as atividades na igreja. Precisava-se dominar a
língua pomerana por ser a do meio de comunicação dominante em
toda a colônia. Era preciso entender o português por ser a língua do
relacionamento com as autoridades e os órgãos do governo. Por
outro lado, no seio da família, muitas vezes, falava-se os idiomas ou
dialetos de uma das suas diferentes origens na Europa, como o
hunsrück, o holandês, o belga, o polonês ou o tirolês. Esta
heterogeneidade linguística se manteve muito viva, praticamente até
a década de 1970
274
.
A maioria falava pomerânio. Tinha muito pomerânio e com
isto falavam quase só pomerânio. Os pastores falavam o
alemão alto e com isto os colonos precisavam também falar
275
o alemão.
[...] alguns poucos aprenderam a falar português com [...]
uns brasilioner, que trabalhavam com o pai. Tinham 17
filhos. Um deles chamava-se Arlindo. Ele vinha muito aqui
276
em casa e eu me dado bem com ele.
Apenas recentemente o Prof. Ismael Tressmann fez um
glossário da língua pomerana. Eu vejo isto como uma forma
de se protegerem. Certa vez vi uma crítica onde fizeram
277
uma comparação com Pomerode.
274
É uma constatação que facilmente pode ser comprovada até os dias atuais por qualquer
visitante que vá conversar com os habitantes das localidades mais retiradas.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
276
Cf. Sexta entrevista realizada cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/ 07/08
277
Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
275
114
A aula de religião era dada por um professor daqui. Ele
ensinava a ler e a escrever e ao mesmo tempo se aprendia
o catecismo. O professor era um da colônia. O primeiro
professor no Jequitibá foi o velho Frederico Schulz. Ele
ainda tinha vindo da Alemanha. Seu filho continuou este
278
trabalho aqui em baixo em Jequitibá.
(Os pastores da Alemanha) deviam estar contando (alguma
coisa de lá), só que nós não entendíamos [...] (rizadas...). O
pastor Grotke só falava alemão alto. Não entendíamos o
279
alemão dele.
Naquele tempo [...] quem sabia os mandamentos sabia e
quem não aprendeu ficava assim mesmo. Foi o P. Grotke
quem me confirmou. Era feito uma pequena prova na frente
da comunidade. Era muito simples. Depois de ir ao ensino
confirmatório durante três anos, no dia da prova o pastor
perguntava a comunidade se poderiam ser confirmados.
Todos concordavam.
Os pastores não queriam confirmar quem não soubesse ler
ou escrever. Por outro lado, a língua pomerana era totalmente
desconsiderada pelos pastores. Não era sequer aceita como
280
modalidade padrão de comunicação
. Os cultos somente podiam
ser realizados em língua alto alemão. Ninguém sequer sabia que o
pomeranismo escrito existe desde 1570. Ninguém sequer imagina
que pudesse haver uma bíblia, a bíblia de Barth, escrita em língua
pomerana
281
Há apenas cerca de vinte exemplares, ainda
conservados em alguns museus na Alemanha
282
.
278
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Quadragésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares
281
Niederdeutsches Bibelzentrum St.Jürgen im Barth – eine Begegnungsstätte. Disponível
em: http://www.bibelzentrum-barth.de/barther_bibel.html. Acesso em 06 jun. 2008. Há apenas
cerca de vinte exemplares, ainda conservados em alguns museus na Alemanha.
282
Ibidem.
279
280
115
Figura 9: A Bíblia “Pomerana” exposta em museu.
[...] os cultos eram todos em alemão. Eu entendia um pouco
porque aprendi um pouco, mas muitos não entendiam quase
nada. Depois que eu tinha casada muitos vezes as pessoas
me perguntavam quando seria o próximo culto porque não
tinham entendido nada na igreja. Não entendiam o que o
pastor tinha falado. Tinha pouco culto e as pessoas
283
entendiam pouco.
283
Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
116
4 A EXPANSÃO DA IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO 1880 –
1930
4.1 O início da migração interna
Na segunda metade do Século dezenove, o término das
guerras na região do Mar Báltico levou a um aumento do fluxo
emigratório. Os que chegaram à região alta de Espírito Santo
receberam
as
terras
anteriormente
habitadas
pelos
índios
botocudos. Entretanto, à medida que aumentava o fluxo de
imigrantes, também crescia a procura por novas terras. Não tardou
descobrirem que a existência de áreas abandonadas e novamente
reflorestadas era indicativa de má qualidade do solo. Até a
vegetação demorava a crescer. Os moradores antigos relataram
que seus pais e avós se davam conta de que uma terceira ou quarta
plantação de milho ou feijão, em um mesmo terreno, dificilmente
resultava em uma safra compensadora. Com isto, muitas vezes,
encostas abandonadas teminavam se transformando em um grande
samambaial
284
.
No início da década de 1880 começaram a chegar as
primeiras levas de imigrantes italianos. Isto vinha agravar mais um
pouco esta disputa pelas terras. Na realidade este movimento já
havia se intensificado a partir de 1875, com a vinda dos trentinos e
284
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
117
vênetos
285
. A nova situação criada com estes imigrantes recém-
chegados gerou a necessidade de uma maior ampliação da área de
colonização.
Figura 10: Início da migração interna
Novos espaços precisavam ser conquistados. Desta forma
também entre os teutos aumentou a pressão dos filhos por novas
terras. A saída estava na procura por novas áreas a serem
desbravadas. Foi desta forma que teve início a primeira etapa de
uma grande reacomodação populacional. Era a migração interna,
que a partir das Colônias de Santa Isabel e Santa Leopoldina se
expandiu para o norte e oeste (Fig. 10).
285
PACHECO, R. Conflito nas colônias agrícolas espírito-santenses. 1827-1882. Disponível
em:http://www.estacaocapixaba.com.br. Acesso em: 10 jun. 2008, p. 5.
118
Acredito que a terra que eles ganharam foi se tornando
pequena na medida em que foram nascendo os filhos. Por
outro lado a terra daqui é muito fraca. Depois de alguns
anos de cultivo tornava-se necessário a abertura de novas
frentes. Com isto, mais tarde foram seguindo para as terras
286
quentes e mais férteis.
Na época não se conhecia o processo de adubação, as
matas já estavam derrubadas e aí descobriram que em
outros lugares ainda tinha muita mata virgem e terminaram
indo para lá, compraram as terras barato e começaram a
287
construir em outros lugares.
Seguramente o principal fator a pressionar pela procura por
novas terras foi o rápido crescimento populacional. Se nestes
primeiros anos os imigrantes passaram a ter tantos filhos, de um
lado até pode ser atribuído ao total desconhecimento de métodos de
controle da natalidade. Por outro lado, também chegou em benefício
à crescente necessidade de mão-de- obra. Isto porque, já com oito
ou nove anos de idade, as crianças passavam a ajudar no trabalho
da propriedade. “Era um grande número. Eram seis meninos e sete
meninas.
Treze
filhos
na
época
era
uma
grande
família.
Praticamente todas eram muito grandes. Algumas chegavam a ter
288
dezoito ou mais filhos”.
Acredito que eles não faziam um controle da natalidade e
sim, contavam com que cabe a “Deus planejar...” Assim, por
exemplo, a Família XXX, aqui perto, teve dezesseis filhos,
dos quais quatorze sobreviveram. A idéia era de que, o que
289
vem, é porque Deus mandou e pronto .
286
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
289
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
287
288
119
Foi desta forma que iniciou o que podemos chamar de
primeira fase da migração interna, quando cada vez mais novos
imigrantes e os filhos dos antigos passaram a procurar por “novas
colônias”. Esta expansão se consolidou até o final da década de
1880, quando praticamente todas as terras altas adjacentes à antiga
Colônia de Santa Leopoldine já tinham sido ocupadas
290
. Como
resultado os filhos dos “colonos” de Cachoeiro se embrenharam
floresta adentro, chegando a Santa Maria, Santa Tereza e Garrafão.
4.2 As primeiras lideranças
O instinto de sobrevivência dos habitantes das Colônias de
Espírito Santo fez com que se adaptassem aos parcos recursos de
que dispunham. Foi preciso que organizassem suas comunidades,
ajudassem a construir estradas, igrejas e escolas. Foi desta forma
que também aqui surgiram as primeiras lideranças. Eram homens
com características pessoais e de inteligência prática que tinham
conseguido se ambientar no novo país, com isto alcançando um
crescimento pessoal e comunitário. Houve aqueles que vivenciaram
um importante florescimento em seus empreendimentos comerciais.
Alguns de destacaram no próprio assentamento como fopi o caso
dos Verflut (Fig. 17) na região de Luxemburgo
290
291
291
. Ainda outros,
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Observação feita pelo autor. A casa de comércio construída nas proximidades da igreja de
Luxemburg, na qual nos dias atuais ainda vivem descendentes destes pioneiros ainda
impressiona pela preservação e pela sua beleza arquitetônica.
120
mesmo que muito poucos se tornaram viajantes para tratar de
negócios na capital Vitória, chegando a falar um bom português
292
.
Figura 11: Jacob Seibel e esposa Luise Sarter Seibel.
Foi desta forma que Jacob Seibel, mesmo não tendo sido
pomerânio, mas tendo vivido em Rio Farinhas, de certa forma, a
partir de 1870, passou a atuar como importante elemento de contato
entre os moradores deste vale e o mundo brasileiro
293
. Na verdade,
292
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Em uma referencia ao pioneiro Jacob Seibel.
293
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
121
suas características pessoais, já desde sua chegada em 1859
294
,
fizeram com que se ambientasse bem na Colônia. Certamente, sua
vivência como barqueiro em Porto Cachoeiro, durante a década de
1860, facilitou o seu contato com o mundo não teuto. Sua
inteligência prática rendeu-lhe um crescimento pessoal. Sendo bem
sucedido
no
seu
trabalho,
logo
se
transformou
em
um
empreendedor, onde, como proprietário em suas terras logo
conseguiu expandir os seus bens
295
. Pelos relatos disponíveis sabe-
se que viajou muito, inclusive para tratar de negócios na capital da
Província. Esta sua vivência pessoal nos seus primeiros anos na
Colônia e seu comportamento destemido e de desbravador logo lhe
asseguraram um papel de liderança.
Por outro lado Jacob, com apenas trinta anos de idade, já
precisou assumir todas as responsabilidades pela família, pois, com
o trágico desaparecimento de seu pai, já em 1867, precisou cuidar
das irmãs e da mãe. Adão, seu pai, ao também trabalhar na
abertura de estradas sofreu um grave acidente, em consequência do
qual veio a falecer
Sarter Seibel
297
296
. Na sua vida pessoal, o casamento com Luize
também representou a manutenção do dialeto de
sua origem, já que ambos vieram de regiões próximas ou seja do
Rheinhessen e do Vale do Nahe. Porém, à medida que seus dez
filhos foram casando com jovens pomeranas e pomerânios, precisou
providenciar novas terras para os seus oito filhos e dotes para as
294
Ano da sua chegada na Colônia de Santa Leopoldina.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
296
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
297
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
295
122
duas filhas. Também aqui há um exemplo desta tendência à
integração entre as diferentes etnias teutas.
A própria etnia pomerana, dentro do processo de expansão
da colonização no Espírito Santo se sobressaiu e impôs sua própria
identidade.
Diversos fatores para isto contribuíram. Em primeiro
lugar, por terem sido a absoluta maioria no contingente de
imigrantes aqui chegados
298
. Tiveram muitas dificuldades para se
adaptar às novas agriculturas, porém o fizeram. Aprenderam a
cultivar suas terras para a obtenção do seu sustento. À medida que
as novas gerações foram chegando os desafios frente às novas
realidades exigiam novas intervenções das novas lideranças.
Novamente diversos sobrenomes de destacaram, já entre os
próprios descendentes de pomerânios, como Berger, Schulz, Klug, e
outros tantos. Entretanto, dentro desta linha, agora já como primeira
geração de filhos nascidos na Província, destaca-se o nome de
Guilherme Seibel. Este já a partir de 1898 assumiu o papel de líder
de um importante clã de desbravadores
299
. Inicialmente como um
importante personagem do dia a dia da história dos pomerânios na
região de Santa Joana, logo também passou a fazer a história da
região de Laranja da Terra, inicialmente como desbravador e mais
tarde como professor, líder de comunidade, músico e organizador da
igreja luterana
300
.
298
Cf. Museu do Imigrante de Santa Leopoldina. Entre os anos de 1857 e 1873 chegaram 2.142
imigrantes dos quais a maioria era constituída de pomerânios, passando a ser maioria entre os
assentados
299
Tendo-se sobressaído especialmente na colonização de Laranja da Terra.
300
GROTTKE, G. Aus der Geschichte einer lutherischen Gemeinde in Espírito Santo: Laranja
da Terra. São Leopoldo: Rotermund, 1955.
123
4.3 A vida social dos pioneiros
Os hábitos e costumes de um povo reassentado em uma
outra região costumam passar por um lento e gradativo processo de
aculturação á medida que estiver exposto a uma maior ou menor
influência de outros grupos populacionais. Isto certamente deve
também ter ocorrido com os uropeus que chegaram em Espírtio
Santo. Conheram novos alimentos. Familiarizaram-se com novos
tipos de ferramentas e conheceram lugares e pessoas de nomes
diferentes.
A maioria dos entrevistados informou muito pouco sobre a
forma como as famílias chegaram ao Porto de Santa Leopoldina ou
mesmo sobre os primeiros anos da história da Colônia. Em geral, os
teuto-capixabas parecem ter informações muito pouco precisas
sobre esta época.
301
. Pelos relatos, a primeira geração nascida no
Brasil ainda tinha uma noção das dificuldades vividas na Europa
pelos seus pais. Por outro lado, a partir da segunda geração estas
informações passaram a ser cada vez mais limitadas
302
.
Nos seus países de origem alguns dos que aqui chegaram
até haviam exercido atividades variadas, como trabalhadores
diaristas das plantações de batatas ou de trigo, camareiros,
tratadores de animais, porém sempre ligadas ao campo
303
. A
maioria, entretanto, era originária das grandes propriedades rurais
301
Anotações feitas pelo autor. Praticamente todas as entrevistas trazem dados muito vagos
sobre os primeiros anos nas novas colônias. Isto demonstra a grande dificuldade havida no
repasse das informações orais destes pioneiros.
302
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Isto em parte pode ser atribuído ao empobrecimento cultural e também ao costume de se
desfazerem de todos os documentos de familiares falecidos.
303
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
124
da Pomerânea
304
. Tinham sido servos dedicados ao seu senhor e
aqui logo se viram transformados em agricultores e proprietários de
suas próprias terras.
Eram estas as pessoas que foram reassentadas na
província de Espírito Santo, um enclave entre a Bahia, com seu
relativo desenvolvimento, Minas Gerais, com suas riquezas em ouro
e diamantes e o Rio de Janeiro, a capital do Império. No rastro
deste mesmo conceito, o próprio insucesso registrado nas primeiras
duas ou três décadas da imigração talvez possa ser atribuído a toda
uma falta de planejamento na preparação do próprio processo
imigratório.
Na verdade, deslocar uma população da Europa Central
para terras por serem desbravadas trouxe muitos problemas e teve
305
consequências de certa forma desastrosas
. Ao chegarem aqui,
sem um planejamento adequado, se depararam-se com inúmeros
problemas. O maior parece ter surgido por ninguém lhes ter dito o
que plantar como plantar e como cuidar da terra. Esta situação levou
ao estabelecimento de uma estagnação na própria forma de
trabalhar a lavoura. Vale dizer que, os que chegaram nada
conheciam deste novo mundo no qual estavam sendo colocados
especialmente pela grande diferença daquele de onde haviam
saído
306
. Haviam deixado suas planícies às margens do Mar Báltico,
como foi o caso dos pomerânios, para se verem assentados em
304
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
306
Em uma referência ao contraste entre as planícies da Pomerânia e as selvas montanhosas de
Espírito Santo.
305
125
meio aos vales profundos e às montanhas íngremes da Província de
Espírito Santo.
Na Europa, na propriedade dos seus senhores feudais
haviam
sido
“Leibeichene”,
ou
seja,
servos.
Aqui,
com
o
desembarque tornaram-se proprietários de terras e pioneiros de
uma agricultura baseada em um sistema de trabalho totalmente
diferente. A própria forma como esta ambientação aconteceu
contribuiu em muito para que em muitas localidades, especialmente
nas mais afastadas este novo colonizador, com o passar dos anos,
se transformasse em um indivíduo entregue à sua própria sorte e
literalmente perdido nas “lonjuras e pirambeiras”
307
da Mata Fria de
Espírito Santo. Vinculava-se com a civilização por intermédio dos
colonos-vendistas e, nos contatos domingueiros, por intermédio dos
religiosos enviados da Alemanha e do Tirol austríaco
308
.
Desta forma, na medida em que o tempo transcorria, o
interior capixaba foi transformando o imigrante em um homem
enrijecido pelo ambiente rude e inóspito. Andava descalço por não
ter acesso à compra de calçados. Não se preocuopava com o
conforto, por não conhecê-lo
com
sua
propriedade
309
por
. Preocupava-se com o trabalho e
esta
representar
um
bem
que
historicamente nunca teve. Dentro deste processo de colonização os
pomerânios
307
rapidamente
se
transformaram
no
grupo
mais
Expressão popular que designa lugares situados à grande distância e à beira de precipícios.
Todos os primeiros padres e pastores tinham vida da Europa, especialmente depois da
constatação de von Tchudi, do grande abandono espiritual em que os primeiros imigrantes se
encontravam.
309
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
308
126
numeroso, rapidamente se sobressaíram dentre todos os imigrantes
que aqui chegaram
310
.
Diversos fatores contribuíram para o novo ajuste. Em
primeiro lugar, vale lembrar que a Pomerânea foi uma região fértil,
de terras planas e férteis e que sempre foi ambicionado por outros
povos como os poloneses, suecos, dinamarqueses ou prussianos.
Em função destas circunstâncias os seus habitantes haviam se
transformado em um povo habituado à vida difícil, ao trabalho árduo,
porém com uma sempre renovada esperança por dias melhores. Há
séculos, depois de cada nova incursão de inimigos, vinham
reconstruindo a sua economia e incansavelmente voltavam a cultivar
suas terras para a obtenção do seu sustento
311
.
Ao chegarem aqui se depararam com novas dificuldades
advindas da própria pulverização da população assentada. Era o
isolamento dos colonos nos seus mais longínquos recantos.
Passaram a viver uma menor troca de informações. Desta forma,
aqueles que em sua pátria de origem viveram em pequenos
povoados ou aglomerados urbanos próximos, ou mesmo em torno
das casas dos latifundiários, agora se viram cada vez mais retidos
ao seu pequeno imóvel rural. Durante a semana ocupavam-se com
os afazeres do campo e aos domingos confabulavam com os outros
frequentadores dos cultos religiosos. Em muitos casos era uma vida
social quase introspectiva. O próprio contato com a população
brasileira nativa, os “Brasilioner” ou “die Schwarze” como os
chamavam, ao menos nas primeiras décadas acontecia de forma
bastante esporádica. A designação de ”die Schwarze” não era uma
310
311
Um dado que certamente contribuiu para a rápida e gradativa pomerização de toda a colônia
de Santa Leopoldina
Novo mundo, novas terras, novos hábitos. Tudo tiveram que aprender.
127
referência à cor especificamente e sim, à população aqui residente
como um todo. Referia-se aos portugueses, aos caboclos como
também aos descendentes de escravos.
Quanto à população preta, a grande surpresa, que eu
também custei a acreditar, [...] o difícil foi se comunicar com
eles. Como fazer? Eu não sei falar a língua deles e eles não
sabem falar a minha língua. Então o negócio vai ser fugir
deles. Vou fechar as portas e não vou receber eles. Então
muitos acham que era medo. Eles mesmos nunca me
falaram porque tinham medo. Agora imagina como alguém
vai se comunicar com alguém que nada sabe. Sempre
contaram que o pomerânio tinha medo do preto. Isto é
verdade. Isto foi assim. Agora, não no sentido de fugir deles,
mas de vergonha, por não saberem se comunicar com eles.
312
[...] eles não tiveram um contato muito forte com a
população brasileira. Como por exemplo, com os habitantes
313
de Colativa e de Vitória.
Bem no início o contato era bem restrito. Mas já depois, com
certa idade, a vó sempre lembra que tinham até
empregados, meeiros. Nos últimos anos de vida eles tinham
314
ate uma empregada que ajudava nos afazeres da casa.
4.4 O gradativo isolamento dos teuto-brasileiros
Seguramente a própria paisagem acidentada dos altos da
serra capixaba onde os europeus se fixaram no decorrer das
primeiras décadas da imigração pode ser apontada como um dos
muitos
fatores
que
contribuíram
para
este
isolamento
dos
imigrantes. A geografia acidentada fez com que, à medida que os
312
313
314
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
128
anos passavam, a vida dos seus habitantes passasse a girar cada
vez mais em torno dos acontecimentos das tantas pequenas
comunidades e de esporádicas notícias trazidas pelos pastores e
padres vindos da Europa
315
. Desta forma muitas lembranças da sua
trajetória de vida ou da sua velha Pátria aos poucos foram se
transformando em um sentimento de saudade e ao mesmo tempo
de conformação exemplificado por uma canção bastante popular
316
.
Hänschen klein, ging alein (Jãozinho pequeno, seguia
sozinho)
In die weite Welt hinein. (para bem longe, mundo afora)
Stock und Hut steht ihm gut, (Seu chapéu e bastão ficam-lhe
bem)
Ist auch wohl gemuht. (Também está bem entusiasmado)
Na realidade pouco tempo pareciam ter para lembrar-se da
velha pátria. A própria dificuldade em manter maiores contatos com
os interlocutores das notícias com a Europa a cada dia que passava
parecia constituir novas barreiras.
Meu avô contava que, quando chegaram a Santa
Leopoldina embrenharam-se nas matas seguindo os cursos
dos rios, vieram até Caramuru e daqui foram até
317
Jatibocas.
315
Todos os primeiros padres e pastores tinham vida da Europa, especialmente depois da
constatação de von Tchudi, do grande abandono espiritual em que os primeiros imigrantes se
encontravam
316
Canção popular muito conhecida entre a população mais antiga, especialmente de origem
renaniana. .
317
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
129
Naquela época [...] era tudo feito a pé. Depois daqui de Rio
Farinhas também passávamos por cima desta montanha.
Lá no alto tinha uma fonte onde parávamos para uma
318
refeição e depois seguíamos adiante.
(Os pastores) não costumavam falar nada da Alemanha.
319
Nada. Nada.
Por volta de 1870, as notícias mais atualizadas do exterior
continuavam chegando com dificuldade aos colonos
320
. Na verdade
apenas alguns poucos já estavam familiarizados com o idioma
português e conseguiam ler jornais brasileiros que, poucas vezes,
lhes chegavam às mãos. Além disto, durante a segunda metade do
século dezenove a tentativa de contato com as representações
diplomáticas no Rio de Janeiro dependia de viagens inimagináveis
para estes colonos.
Como se pode depreender, o imigrante capixaba, tão logo
teve cortado o seu “cordão umbilical” deparou-se com uma muralha
intransponível, representada pela falta de assimilação do idioma
nativo, pela falta de um maior fomento de escolas da parte dos
governos da Província e do Governo Imperial. Na sua vida religiosa
os imigrantes de confissão luterana passaram a ser discriminados
ao não se poderem reunir em templos com características de igrejas
318
319
320
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
As poucas notícias provenientes da Europa eram repassadas pelos pastores, padres ou alguns
professores que conseguiam manter algum contato com alguns familiares da velha pátria. Os
pastores, apesar de permanecerem apenas por tempo limitado no Brasil, em função da própria
barreira represenada pelo idioma alemão, pouca informação repassavam aos pomerânios. Até
porque, estes pouco entendiam do alemão alto. Alem disto, os alemães desprezavam o falar
pomerânio por considerarem-no uma língua sem valor. Com isto persistia a eterna dificuldade
de comunicação, até mesmo dentro das igrejas.
130
e ao serem obrigados a validarem seus casamentos na comunidade
católica romana
321
.
No início do século vinte, as chamadas “colônias família” isto
é, cada grupo familiar concentrado na sua respectiva propriedade,
havia se transformado no aglomerado padrão da população. Além
disto, passaram a ocorrer cada vez mais casamentos entre
indivíduos de um mesmo grupo étnico e já com crescente grau de
parentesco
322
.
Da mesma forma como o isolamento externo, em alguns
lugares mais afatados também o isolamento interno, aos poucos foi
se acentuando. A economia baseada na cultura de subsistência fez
com que em muitos lugares o próprio núcleo familiar se
transformasse em uma comunidade fechada e autossuficiente como
um minúsculo mundo restrito a dez ou quinze pessoas. Com isto
muitos passaram a se fechar ainda mais de qualquer possibilidade
de integração com a população nativa, gerando um verdadeiro
entrave à integração com outros povos
323
.
Eu vejo isto como uma forma de se protegerem. Certa vez
vi uma crítica onde fizeram uma comparação com
Pomerode. Afirmaram que Pomerode teria tido um grande
desenvolvimento, em razão dos pomerânios de lá estarem
mais abertos. E que este era um dos grandes problemas
dos pomerânios de Espírito Santo. Disseram que
321
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Durante a vigência da união Igreja/Estado os casamentos eram validados pela igreja católico
romana, papel depois da proclamação da República assumido pelos Cartórios de Registro
Civil.
322
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
323
Uma referência ao empobrecimento cultural observado em muitas famílias onde filhos de
pessoas com um bom conhecimento simplesmente se transformavam em verdadeiros
analfabetos – dados colhidos na trigésima sexta entrevista realizada com F.K. na cidade de
Itarana, no dia 31/07/08.
131
precisariam se abrir mais e tal. [...] cada região precisa ser
respeitada de acordo com o seu próprio desenvolvimento.
Pode-se facilitar as coisas, pode-se ajudar. Mas não se
324
pode forçar as coisas.
No Brasil, as comunidades pomerânias apresentaram uma
evolução diferente. Até que ponto se pode comparar duas regiões
tão distintas como Pomerode, de Santa Catarina com as colônias
capixabas? Até as diferenças geográficas não muito significativas. A
primeira, ao contrário de Santa Leopoldina muito rapidamente entrou
em um acelerado processo de industrialização.
Acho que este isolamento aconteceu justamente em razão
de tudo isto. Eles precisavam se proteger. Eles tinham
certos medos. Por exemplo, na região de Garrafão, tem uma
história de tal de “Lobo”. Era um homem que, quando eles
invadiram estas terras aqui no alto, o dono destas terras
queria cobrar um imposto dos pomerânios. Ele contratou um
capanga, o qual contratava mais pessoas que chegavam
nas casas e faziam coisas absurdas. Quem não tinha
dinheiro ora obrigado a dar em produtos, mantimentos e
assim por diante. Até abusavam sexualmente das filhas e
das mulheres dos pomerânios. [...] isto chegou a dar origem
ao primeiro levante de uma comunidade pomerana contra
um grupo do tal do “lobo”. Eles acabaram fazendo uma
emboscada e mataram o cara. Depois disto se viram livre
deste tipo de opressão. Eles acabaram se protegendo.
325
Precisavam se proteger.
Nestes primeiros anos, cada um dos diferentes grupos de
imigrantes que aqui chegou teve suas próprias dificuldades para a
integração. Até por falarem diferentes dialetos ou línguas, passaram
a se reunir com aqueles com que melhor conseguiam se comunicar.
324
325
Cf. trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
132
Registraram-se importantes perdas de informações, até mesmo
referente à história das próprias famílias o que deixou tristes e
inexplicáveis lacunas nos relatos repassados às gerações mais
novas, como se pode deduzir pelo depoimento de alguns
entrevistados: “Meu avô tinha sido pastor e veio da Alemanha”.
Ao ser questionado sobre o nome deste, não lembrou.
326
327
Neste aspecto vale citar que as questões religiosas, já com
o passar das primeiras décadas, terminaram polarizadas entre os
seguidores da doutrina Católico- Romana e o luteranismo. As duas
correntes religiosas, com suas peculiaridades, ao lado da sua
função alfabetizadora e ordenadora dos ofícios religiosos, passaram
também a assumir a função de repassadores das notícias de fora do
mundo da Colônia.
4.5 A igreja e seu papel de fonte de informação
Antes de um maior aprofundamento no tema do presente
capítulo cabe uma análise sobre a própria formação do modelo de
igreja adotado pelos imigrantes teutos no estado de Espírito Santo.
No presente texto adotou-se a designação “luteranos” para as
comunidades atendidas pelos pastores provenientes da Alemanha e
Suíça. Da mesma forma em que se passou a chamar de
Comunidades Missúri aquelas que tinham sua vinculação com o
Sínodo do Estado de Missúri, dos Estados Unidos da América. É
preciso lembrar que estes últimos também eram luteranos, apenas
com uma vinculação a uma entidade americana. Aqui cabe uma
326
327
Cf. Sétima entrevista realizada. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
133
pergunta: Os pomerânios eram luteranos? É preciso recuar na
história
de
Igreja
da
Prússia.
A
União
Prussiana
é
fundamentalmente evangélica enquanto o povo pemerano, em geral,
se manteve na igreja luterana. Ao chegarem no Brasil passaram a
ser chamados de evangélicos. Entretanto, eles mesmos diziam “wir
sind Luteraner” (Somos luteranos). E hoje, são luteranos
evangélicos
329
? São IECLB
330
ou IELB
328
? São
331
? Será justo usar o termo
evangélico ao denominá-los dentro da tradição prussiana?
Poderia usar-se o conceito luterano por duas razões. Em
primeiro lugar, a igreja da Pomerânea surgiu como sendo luterana.
A igreja da Prússia foi uma igreja multiconfessional. Havia os
chamados territórios confessionais. Dentro disto havia a igreja
luterana, a calvinista, sempre de acordo com os territórios
332
. Ou
seja, eram igrejas territoriais. E a Igreja Territorial Pomerana
(Landeskirche) era uma igreja luterana. Neste sentido pode-se falar
deste povo como sendo luterano, até porque se autodenominavam
de igreja luterana. Em segundo lugar, aqui no Espírito Santo, muitas
comunidades pertenceram ao Sínodo Brasil Central, que se
concebia como Sínodo Evangélico e não luterano e mesmo assim,
continuaram se autodenominando de luteranos, porque mantiveram
a tradição luterana da Pomerânea.
328
Adotaram a doutrina de Lutero (Confissão de Augsburgo, Catecismo etc) - Luteranos: O
Luteranismo é uma denominação cristã ligada diretamente a Martinho Lutero, pioneiro da
Reforma da Igreja na Alemanha, a partir de 1517. A principal característica da Igreja Luterana é
acreditar que a salvação vem apenas pela fé e não como resultado de obras e boas ações.
329
Dentro de uma a linha calvinista - Evangélicos: Os evangélicos tendem a se identificar e ser
identificados, no Brasil, como um povo missionário cristão. O conceito de Igreja Evangélica é
utilizado dentro de uma denominação ampla de Reforma. Em muitos lugares prevaleces
também a denominação de Igreja Portestante.
330
IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
331
IELB – Igreja Evangélica Luternan do Brasil.
332
Ao lado das Igrejas Territoriais havia também as Igrejas Evagélicas Livres.
134
Figura 12: Primeira Capela e casa paroquial da Colônia
de Santa Leopoldina na região de Luxemburgo.
Disponível em: Lopes, A.
Neste aspecto o conceito luteranos evangélicos ou luteranos
se refere ao mesmo povo pomerânio. Até porque, hoje, de um lado
eles fazem parte da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil, mas também são luteranos que no passado eram da Igreja
Territorial Luterana da Pomerânea. Há dois outros argumentos que
devem ser considerado. Ao chamá-los de evangélicos, corre-se o
risco de confundi-los com as igrejas pentecostais, o que não condiz
com a realidade. Por outro lado o colono historicamente pouco se
envolveu com questões doutrinárias. Estas na realidade terminavam
sempre ficando para serem interpretadas pelos próprios pastores.
Desta forma usou-se o conceito “luterano” na designação à
135
confissão dos pomerânios no estado de Espírito Santo, pois eles
eram luteranos na Pomerânea e atualmente, na IECLB, continuam
sendo “luteranos”. Isto é significativo, até porque, o conceito
“evangélico” não aparece nas entrevistas.
A igreja luterana, na medida em que, por intermédio dos
seus pastores, foi assumindo o papel de condutor da vida espiritual
das comunidades, foi também ampliando cada vez mais sua
influência sobre os colonos. Todos, de uma forma ou outra,
participavam da comunidade, pois tanto sua vida espiritual com
também a social estavam intimamente relacionadas aos encontros
dominicais na igreja.
Figura 13: Um casal de colonos indo para o seu culto dominical.
136
As comunidades, de certa forma eram autônomas, em que
as famílias podiam ou não se associar. Eram as chamadas
Comunidades livres, sem vínculo com associações ou entidades
associativas
de
comunidades.
Nestas
“Freigemeinden”,
ou
comunidades autônomas, as paróquias eram administravamente
independentes, isto é, sem vínculo com outras entidades ou
sínodos
333
. Eram dirigidas por uma diretoria (Gemeindevorstand)
eleita dentre as famílias de maior destaque na comunidade
334
.
Geralmente votavam os chefes das famílias com idade superior a 30
anos e de idoneidade reconhecida. Esta diretoria em parceria com o
pastor definia as linhas de atuação de todos os membros da
comunidade
335
.
Os pastores provenientes da Alemanha, especialmente em
função da sua escolaridade exerciam uma influência decisiva sobre
todo o grupo
336
. Isto faz com que muitas vezes, além da conduta
espiritual passasse também a exercer um papel de professor nas
escolas de comunidade (Gemeindeschaul) ou até de médico ou de
autoridade salomônica em disputas eventualmente surgidas entre os
colonos
337
. Desta forma, o papel dos ministros religiosos desde o
início passou a ser de suma importância na manutenção da
harmonia
entre
o
grande
grupo
de
teutos.
Muitas
vezes
333
FACHIN, op. Cit.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
335
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre seu pai e sua vivência de 35 anos na presidência de uma paróquia luterana.
336
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Te o final da primeira metade do século vinte eram raras as pessoas com escolaridade superior
a quarta serie do primeiro grau.
337
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Um dos pastores que mais se destacou neste aspecto foi o P. Herman Roelke, de Santa Maria
de Jetibá.
334
137
comunidades próximas passavam a pertencer a correntes políticoreligiosas diferentes. Na localidade de Laranja da Terra chegaram a
existir duas igrejas, cada uma vinculada a uma destas entidades
Somente muitos anos mais tarde com a fundação da UPES
338
339
.
–
União Paroquial de Espírito Santo ocorreu a unificação das igrejas
luteranas.
Figura 14: Primeira igreja luterana de Espírito Santo, na localidade
de Luxemburgo – visão atual.
A educação dos filhos dos imigrantes também passou a ser
dada dentro de uma estrutura familiar bastante fechada, enquanto a
338
339
Cf. Désima sexta entrevista realizada com I.T. na cidade de Sana Maria, no dia 24/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. O
problema efetivamente começou a ser solucionado com a criação da União Paroquial de
Espírito Santo - UPES, a qual reuniu todas as comunidades sob uma única coordenação.
138
alfabetização e os valores religiosos eram repassados pelas Escolas
da Comunidade. De um lado tinha-se a continuidade de hábitos e
costumes no seio da família, a cargo, especialmente das mães e da
microcomunidade. Ao mesmo tempo, a alfabetização e o contato
com a fonte renovadora do pensamento, de certa forma era
representada pelos pastores, pelos padres e seus fieis auxiliares.
Assim, as Escolas da Comunidade se transformaram em formadoras
340
desta nova cultura teuto-brasileira em desenvolvimento
.
A própria permanência dos pastores nas comunidades
muitas vezes era por um tempo limitado, até porque, pelo que se
comentava nas comunidades ainda pelos anos de 1950 ou 1960
estes cumpriam uma espécie de “estágio na selva” brasileira. Eram
341
os chamados “Urwaldpfarrer”
(pastores da selva) que, uma vez
cumprido este compromisso poderiam retornar para alguma
comunidade da Alemanha
342
.
A circulação do jornal mensal, o “Sonntagsblatt”, depois
chamado de Folha Dominical, nas comunidades luteranas constituiuse em
um
comunidades
elemento de comunicação entre
as
diferentes
343
. Era um tênue sinal de abertura para a crescente
troca de informações entre as comunidades luteranas de todo o
Brasil.
340
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor. Expressão ainda muito ouvida no tempo da infância do autor.
342
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
343
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
341
139
4.6
O papel da Igreja na escolarização da Colônia.
Os tiroleses austríacos logo passaram a ser assistidos
espiritualmente pelos padres enviados da Europa. Entre os não
católicos, além da dificuldade de comunicação em função dos
diferentes dialetos, havia também linhas confessionais distintas.
Havia os calvinistas especialmente entre os que saíram do Vale do
Reno e também luteranos da região de Hamm am Rhein. Já o
protestantismo dos pomerânios tinha sido moldado pela coroa
prussiana a partir da fusão da Igreja Luterana da Prússia com outras
correntes protestantes ali existentes, especialmente a calvinista. Os
pomerânios
que chegaram
na província
de
Espírito Santo
consideramvam-se luteranos. Diziam, “somos da igreja luterana”. Os
holandeses, em franca minoria, eram calvinistas e nos seus ofícios
religiosos compareciam vestidos de preto, além de não admitirem
símbolos religiosos como a cruz e as velas no altar
344
.
Os primeiros pastores enviados à Colônia de Santa Isabel,
logo vieram a falecer de forma súbita e não esclarecida, justamente
no auge da animosidade entre a população católica da cidade de
Viana e os não católicos desta Colônia. Persiste ainda hoje a
suspeita de assassinato por envenenamento
345 346
.
[...] houve a separação entre católicos e luteranos. Aí existe
também a historia dos dois pastores que morreram em Vista
344
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Nada foi efetivamente comprovado, entretanto as informações que chegam aos dias de hoje
apontam as diferenças religiosas como tendo sido a causa desta tragédia.
345
Cf. Primeira entrevista realizada comna cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08. Relatos
orais dão conta de que na localidade de Belém, já logo depois da criação deste assentamento,
tenha sido criada uma escola, na mesma casa que servia com o local dos ofícios religiosos.
346
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
140
Alegre. Não há provas de crime. Existe muita coincidência.
O pastor Julio König chegou em 1857. Ele tomou posse em
1. de janeiro de 1958. Foi encontrado morto em 9 de junho
de 1858. É bem próxima a morte dele veio Constantino Hell.
Tomou posse no dia 11 de agosto de 1859. No dia 11 de
dezembro do mesmo ano também foi encontrado morto.
Tudo isto e muito estranho. Os dois morreram em um curto
347
espaço de tempo.
Os primeiros imigrantes tinham uma escolaridade bastante
rudimentar, mas que mesmo assim os habilitava a serem
confirmados. Este era o costume. Nos primeiros anos com exceção
de Belém, Luxemburgo e Tirol sequer se tinha escolas
348
. A
Gemeindeschule (escola de comunidade) de Luxemburg foi
organizada pelo pastor ali residente em 1864 e a de Tirol pelos
padres austríacos
349
.
A igreja mais velha daqui é a de Luxenburg, acima de Rio
Farinhas. A igreja que lá existe ate hoje, é a mesma dos
tempos antigos. Esta foi a primeira igreja luterana de
Espírito Santo. Foi concluída em 1864. A de Campinho foi
350
construída em 1866.
O pastor Reuther nos seus quase dez anos de atuação na
Província de Espírito Santo contribuiu muito para o desenvolvimento
de Santa Leopoldina.
Antigamente havia poucas escolas. Na realidade as Escolas
de Comunidade eram as escolas dos pastores. Pois eram os
pastorem que davam as aulas. Aqui em Luxemburg tinha
uma. Escolas do governo tinha poucas. Geralmente eram
347
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
350
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
348
349
141
pessoas que recebiam um abono do governo. Eram estes
que davam aula. Um dos exemplos foi o Rudolf Möhler que
era professor formado e que era da Alemanha. Ele escrevia
351
muito bem.
Há alguns relatos que nos sítios mais isolados, onde o
acesso às escolas era dificultado pelas grandes distâncias, os
irmãos mais velhos, muitas vezes, passavam um pouco do que
sabiam para as crianças menores.
352
As pfarrschule geralmente estavam vinculadas à igreja ou à
Hauptgemeinde, ou seja, á sede da paróquia. Enquanto que
alguns professores eram indicados pela comunidade para
darem as aulas, entendo que nas sedes paroquiais era mais
o pastor que atuava que não somente alfabetizavam, mas
também tinha condições de administrar o ensino religioso.
Parece-me que as lideranças leigas assumiam mais em
localidades mais distantes e o trabalho deles era mais
353
direcionado à alfabetização.
Na prática, estas tentativas deram
resultados muito
precários, tanto que, desta primeira geração de imigrantes nascida
na Colônia, a maioria, cresceu semi-analfabeta. Talvez estas
dificuldades logo identificadas por eles mesmos fizeram com que em
muitas comunidades-membros passassem a se empenhar na
construção de escolas
354
. Queriam que os seus filhos tivessem
acesso a algo que eles mesmos não tiveram, ou seja, que fossem
alfabetizados e que pudessem ler e escrever, com isto facilitar a vida
no dia a dia e na comunidade. Na prática esta modalidade de ensino
foi um processo bastante rudimentar, até porque, as distâncias
351
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
354
Muitas vezes se ouvia a expressão: “Não quero que meus filhos sejam tão desinformados”.
352
353
142
percorridas pelos alunos costumavam ser grandes. Era possível
comparecer no máximo duas ou três vezes por semana durante dois
anos ou duas vezes por semana durante três anos, permanecendo
em média quatro ou cinco horas na escola.
355
Figura 15: “Gemaindeschaul” (Escola da Comunidade)
de Serra Pelada.
Na minha infância éramos uma espécie de elite no meio dos
colonos. A família [...] e a família [...] eram pessoas um
pouco diferenciadas. Os primeiros tinham mais cultura
356
porque vinham da região do Rheinhessen
e falavam o
alemão alto. Os outros eram pomerânios, sem cultura, mas,
de tanto ouviram os pastores falarem e pregarem em
alemão aprenderam a ler a bíblia em alemão. Isto passou a
355
356
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Antepassados do autor.
143
ser a melhor coisa que eles sabiam. E alguns deles, como o
meu bisavô e um tio avô, melhoraram tanto o seu alemão
que depois passaram a ensinar na escola (Gemeideschaul).
Este na época era o único meio de aprendizagem das
crianças. Não havia história nem geografia. Não havia
escolas. O ensino era realizado geralmente nas próprias
igrejas. Aí eles passaram dar as aulas. Somente mais tarde
357
o poder público chegou com as escolas brasileiras.
Com o passar dos anos, em função da própria distância que
as crianças tinham que percorrer entre a sua moradia e a casa
paroquial, as próprias comunidades procuraram criar as chamadas
escolas
de
colônias
(Kolonieschaul)
358
.
Estas
eram
escolas
improvisadas, nas quais agricultores com um pouco mais de
conhecimento ensinavam um pouco daquilo que sabiam para
aquelas crianças sem qualquer outra possibilidade de acesso à
instrução.
Em algumas localidades, os pais passaram a pagar pelo
ensino. Desta forma também em Santa Joana, em 1910 foram
estabelecidos valores que variavam de seis a doze mil réis ao ano
por cada criança enviada para a escola
359
. Na prática, escolas de
comunidade, mas especialmente estas escolas de colônia obtiveram
resultados bastante precários.
De lá íamos para a escola em Perdido. O professor era o
Emil Schreiber. Era um da colônia e que dava aulas.
Durante três dias ensinava em português e durante outros
357
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, bem como de vivência pessoal do autor na época da sua infância.
359
WAGEMANN, Ernst. A colonização alemã no Espírito Santo. Os colonos alemães.
Disponível
em:<ttp://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capitulo_9.html>. Acesso
em: 17 fev. 2007, p. 3.
358
144
dois dias ensinava em alemão. Segundas, terças e quartas
360
em português e quintas e sextas em alemão.
Mesmo assim, ao final de dois ou três anos, para serem
confirmados na Igreja Luterana ou crismados na Católica, todas as
crianças ao menos escreviam seus nomes, conseguiam ler com
alguma dificuldade, porém, a matemática continuava sendo de difícil
compreensão. Geralmente aprendiam a somar e a subtrair, porém,
nas operações mais complexas, como divisões, especialmente de
números de três algarismos persistiam as dificuldades
361
.
A impressão que se tem pelos relatos, que nos primeiros
anos da colônia a convivência entre a população dos diferentes
credos foi relativamente amigável
362
mas que o próprio clero passou
a tomar posições antagônicas, levando a conflitos desastrosos.
Mas tudo começou lá embaixo onde tinha a capela onde
havia os dois cultos. Depois chegou o pastor Schmidt do Rio
de Janeiro para regularizar os batismo e casamentos.
Depois os padres capuchinhos começaram a penetrar na
Colônia. Foi aí que iniciou esta animosidade entre católicas
e luteranas. Esta eu acho, mas não tenho certeza, tenha
sido a história de se terem sido criadas duas vilas aqui na
363
Colônia de Santa Isabel. Uma católica e uma luterana.
Isto aconteceu na Colônia de Santa Isabel
em Bela Vista
365
364
, mais tarde
e finalmente se repetiu, em menor escala com as
próprias divisões criadas pelos pastores luteranos do Caixa de
360
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
362
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
363
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
364
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
365
Em uma referencia ao episodio do assassinato dos dois pastores.
361
145
Deus, do grupo vinculado ao Sínodo Brasil Central e da Igreja
Missúri.
Naquela época foi uma briga danada de pegar membros da
nossa igreja e levar para lá. A dificuldade foi muito grande
com a igreja católica na época. Tinha uns fanáticos que não
entravam na igreja luterana de forma alguma. O católico não
gostava que o luterano entrasse na igreja católica. Até
aconteceu com meu pai que um parente católico disse para
o meu pai que seria melhor que cada um ficasse na sua.
Também nos luteranos tínhamos problemas. Ninguém podia
casar com uma moça católica. Além disto, quem casasse
com uma moça católica tinha que virar católico. O padre te
366
batizava de novo.
Na região de Luxemburgo, na colônia de Santa Leopoldina,
somente em 1864 chegou o primeiro pastor enviado pela Casa
Missionária de Basiléia, provavelmente pela interferência do próprio
von Tchudi
367
, depois da sua visita à colônia poucos anos antes.
Desta forma, as igrejas, com suas escolas de comunidade,
passaram a ser cada vez mais os centros da sua vida espiritual e
cultural. Vale salientar que, especialmente nos primeiros cinquenta
anos da colonização, a língua pomerana e, em um significativo
número de casos o holandês e também os dialetos da população
proveniente do Hunsrück e de outras regiões da Europa central,
continuaram sendo utilizados por praticamente todas as famílias. O
alemão alto, utilizado por pouquíssimos imigrantes continuou sendo
o idioma dos cultos religiosos e do ensino nas escolas de
comunidade. O português manteve-se como a língua da autoridade
366
367
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Ministro plenipotenciário suíço que visitou a região em 1860.
146
opressiva e ansiosa por cobrar mais taxas e impostos e por fazer
cumprir as leis de difícil compreensão para os agricultores
368
.
A escola brasileira era uma coisa muito irregular. Havia dias
em que a professora vinha e outros dias que faltava. Com
isto as crianças aprendiam muito pouco. O pastor daqui
369
dava as aulas na igreja. Eram em alemão.
[...] Passando aqui sobre a montanha. Tem aí a pedra preta
e depois Luxemburgo. Dava mais de 2 horas a pé. De
370
manhã cedo subindo a montanha e de meio dia voltando.
Os
primeiros
imigrantes
possuíam
uma
escolaridade
bastante rudimentar, mas que os habilitava a serem confirmados,
como era costume
371
. É preciso lembrar que nesta época a maioria
sequer tinha acesso às escolas. Uma exceção talvez tenha sido o
pequeno assentamento de Belém, no qual houve uma imediata
estruturação muito peculiar
372
. No mais, presume-se que apenas em
1864 puderam ser organizadas as “Gemeindeschaul”, ou seja, as
escolas das igrejas na região de Luxemburgo (pelo pastor) e de
Torol (pelos padres). Já nos sítios mais isolados, o acesso à escola
continuou sendo impedido pelas grandes distâncias.
Antigamente havia o costume das crianças na escola, nos
intervalos ajudarem nos afazeres da casa paroquial como
buscar lenha, capinar o mandiocal, colher taioba. Havia
épocas em que os colonos trabalhavam na terra do pastor
como uma forma de pagar pelo ensino. Assim também as
crianças entravam neste empreendimento. Depois, com o
368
Esta imagem e muito bem retratada em “CANAÔ, obra de Graça Aranha.
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08.
371
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
372
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/0/08.
369
370
147
tempo, como as crianças passaram a voltar muito sujos,
373
terminou sendo suspenso este costume.
As comunidades luteranas durante o primeiro século da
colonização teuta, por intermédio da atuação dos seus pastores,
constituíram-se nos repassadores do pensamento religiosa e
mesmo em articuladores do ensino ou até da vida pública
374
. Por
nintermédio deste pepel passaram a exercer uma influência cada
vez maior sobre a população. Na realidade, toda esta situação
terminou se formando frente à paulatina construção de uma
organização comunitária confiável
375
e que passou a ocupar o
espaço que deveria ter sido exercido pelo próprio governo do
império e da província, especialmente no que diz respeito à
educação e aos cuidados básicos disponibilizados à população.
4.7 A emancipação de Santa Leopoldina
Os relatos obtidos
376
trazem a ideia de que a partir de 1870
teve início certa estabilidade para os teuto-brasileiros, apesar de
grande fluxo de pomerânios realmente ter ocorrido nos anos
seguintes. As plantações começam a produzir. Santa Leopoldina já
tinha seus vinte anos de colonização e muitas das primeiras grandes
dificuldades haviam sido vencidas. Porém continuava sendo uma
época de muitos sacrifícios e de um árduo trabalho. Ao menos os
que vinham chegando aos poucos, já conseguiam ter acesso a
373
Cf. Terceira entrevista realizada comna cidade de Domingos Martins, no dia 20/ 07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
375
Em uma referencia à estrutura quase teocrática das Comunidades Luteranas.
376
Apesar de nos dias atuais se ter uma grande dificuldade de contabilizar informações precisas
sobre os primeiros anos da imigração uma grande parte da informação oral confere com os
poucos textos escritos datados dos primórdios da imigração capixaba.
374
148
pouco mais de informações sobre o próprio aproveitamento dos
recursos alimentares nativos e mesmo para uma melhor utilização
das novas terras a eles disponibilizadas.
Também
aqui, depois de um
trabalho inicial muito
árduo começaram a ser observados alguns bons resultados. Novas
377
estradas foram sendo abertas com a participação de imigrantes
.
O melhor sinal de crescimento do poder aquisitivo foi o próprio início
da migração interna onde famílias já estabilizadas passaram a
converter seus ganhos financeiros com a venda dos produtos da sua
propriedade, sobretudo o café, em recursos para a aquisição de
novas terras para os filhos.
Figura 16: Santa Leopoldina no início do século vinte.(Imagem
gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn).
377
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares. Jacob Seibel, antepassado do autor, participava deste árduo trabalho de abertura de
estradas, tendo inclusive vindo a falecer em decorrência de um acidente ocorrido durante esta
atividade.
149
Santa Leopoldina foi o eixo do transporte de café. Era o
lugar aonde os pomerânios iam para trocar seus produtos
por produtos que eles precisavam. Trocavam uns pelos
outros. Naqueles tempos não havia moeda. Até na época
da venda do velho Guilherme Krueger, ele começou a ter
algumas coisas à venda, mas também à base da troca.
Outros produtos como o fumo e tecido, o agricultor obtinham
mediante troca pelo café, ovos, galinha ou outros produtos.
378
O primeiro Censo Nacional constatou que em 1872 havia
82.000 habitantes em toda a província de Espírito Santo. A capital
Vitória, nesta ocasião já contava com quase 12.500 habitantes.
Neste mesmo ano, a Colônia de Santa Leopoldina já tinha cerca de
5.000 habitantes e a produção de café estava em cerca de 30.000
arrobas. Já cinco anos mais tarde, esta produção tinha subido para
100.000 arrobas, enquanto a população tinha aumentado apenas
para 6.400 habitantes
Em
1875
379
a
.
população
de
imigrantes
ainda
vivia
exclusivamente na área rural. A população urbana de Santa
Leopoldina parece sempre ter sido composta essencialmente de
luso-brasileiros e afro-brasileiros
380
.
Na região baixa (próximo da séde) vivem mais o tipo
destas pessoas nativas, mais os negros. Há uma mistura.
Como a gente está muito próximo, tem bastante gente de
[...] (Vamos chamá-los de brasileiros) Isto, de brasileiros.
Incluímos quilombolas e uma mistura [...] e a região mais
alta é uma região mais de teuto-brasileiros [...] mais de
378
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
PACHECO, R. Conflito nas colônias agrícolas espírito-santenses. 1827-1882. Disponível em:<
http://www.estacaocapixaba.com.br> p. 3.
380
Cf. Décima segunda entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
379
150
descendência alemã e pomerana para cima, como
Luxemburgo e Caramuru, você já tem mais dificuldade em
conseguir participação em associações, por serem muito
desconfiados. [...] Aqui em cima é muito difícil você levar o
pomerânio para uma reunião por causa desta questão de
[...] sinto que eles têm muito medo de gente de cor mais
381
escura.
Em 1882, pelo Decreto 8.508, a Colônia de Santa
Leopoldina foi emancipada. Nesta época já estava dividida em
Santa Leopoldina, Timbui e Santa Cruz. Com a vinda dos trentinos e
vênetos, a partir de 1975, a imigração italiana se intensificou.
382
Na
verdade o primeiro núcleo, abrangendo o Vale do Rio Santa Maria
tinha sido o local do início de todo o assentamento. Já o segundo
núcleo, no vale do Timbui e que passara a ser ocupada no início da
migração interna, foi se constituindo no principal núcleo do
assentamento italiano
383
.
4.8 Do Império para a República
Nos últimos anos do governo imperial, tanto este como a
administração da província pouco fizeram para melhorar o processo
de integração teuto-brasileira nas colônias capixabas. Isto também
dificultou
o
desenvolvimento
de
qualquer
sentimento
de
nacionalidade brasileira entre os imigrados. Como gostar de algo
que não se conhece? Tudo isto poderia ter sido desenvolvido nas
próprias escolas. Porém elas não existiam. Além disto, para tornar o
381
Cf. Décima segunda entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
DERENZI, L.S. Os italianos no Estado de Espírito Santo. Arquivo Público do Estado de
Espírito Santo. Capítulo X. Disponível em Arquivo Público do Estado de Espírito Santo,
Biblioteca Digital.
383
Ibidem.
382
151
quadro ainda mais impróprio para uma integração, as autoridades,
representantes dos governos, muitas vezes, transformados em
especuladores e indivíduos de má índole, criavam sentimentos de
anticidadania brasileira, passando a contribuir ainda mais para o
afastamento de qualquer possibilidade de comunhão com a
população nativa
384
.
A autoridade administrativa exercida em Santa Leopoldina
desde o início se mostrou pouco confiável, ao menos para o colono
europeu. A venda de favores pelos agentes da administração fez
com que com o passar dos anos a corrupção e o suborno passasse
a fazer parte do dia a dia
385
. Assim também a justiça, não poucas
vezes, parece ter vinculado suas decisões às contribuições dos
envolvidos em processos, desde os mais simples como a
transferência
de
propriedades
como
inventários
ou
mesmo
processos criminais. Tudo isto era favorecido por uma prática em
que as taxas de custas eram simplesmente negociadas ou até
impostas pelas autoridades
386
.
O governo da província, mesmo com a Proclamação da
Republica, continuou não se interessando pelo processo de
aculturação deste segmento populacional e sua que deveriam ter
sido envolvidos neste processo em que de um lado estavam os
europeus e do outro a população rural pré-existente.
Os
indolentes
384
387
descendentes
dos
escravos
eram
“considerados”
e com muita dificuldade para uma ascensão social.
Quadro muito bem descrito em “CANAÔ, obras de Graça Aranha.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
386
Outro detalhe muito bem descrito em “CANAÔ, obras de Graça Aranha
387
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
385
152
Este último fato passou a se tornar mais marcante à medida que
estes passaram a se fixar em pequenos aglomerados urbanos,
chamados “Patrimônios” ou mesmo na periferia das cidades ou dos
povoados. Na visão dos imigrantes este grupo étnico pouco se
esforçava para a obtenção de suas próprias terras.
O Brasil recém deixara de ser escravagista. Havia ficado
claro que com a abolição da escravatura surgiu necessidade da
substituição da mão de obra escrava analfabeta, não mais
disponível, pela de imigrantes europeus acostumados à vida no
campo. Estes indivíduos brancos recém-chegados passaram a
executar o trabalho braçal com suas próprias forças, ou seja,
realizavam as mesmas tarefas que os próprios escravos até então
tinham feito. Isto fez com que o imigrante apesar de também ter sido
visto como símbolo de uma nova realidade que pudesse contribuir
para o progresso do país, logo passasse a ser considerado indivíduo
de uma categoria social inferior
388
.
Além disso, a maioria dos imigrantes não era católica, o que
fez com que logo sofresse as conseqüências de um preconceito
religioso e os integrantes deste grupo populacional passassem a ser
considerados cidadãos de segunda categoria
389
. Não só de fato
como também de direito. Até a própria vinculação da igreja ao
Estado contribuiu para esta realidade. A maior prova disto estava
Era um conceito corrente entre os imigrantes, até porque, quando precisavam mão de obra
suplementar, isto e, trabalhadores diaristas em época de safra não se conseguia pelo simples
fato de considerarem o trabalho “muito duro”.
388
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
389
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
153
nos casamentos que precisavam ser validados na igreja católica
para que seus filhos não fossem considerados ilegítimos
390
.
Nos estados do sul do Brasil, o próprio início da imigração
aconteceu bem antes do que no Espírito Santo. Oficialmente a
imigração alemã no Rio Grande do Sul teve início em 25 de julho de
1824, com o desembarque da primeira leva de colonos em São
Leopoldo. Dois acontecimentos, a Revolução Farroupilha de 1835 a
1845 e mais tarde, Guerra do Paraguai de 1864 a 1870 fizeram com
que muitos antigos integrantes de exércitos europeus terminassem
engrossando as tropas beligerantes. Além do número de capixabas
envolvidos nestas contendas ter sido insignificante, estes eventos
em nada contribuíram para o processo de politização do imigrante
teuto. Consequentemente, quaisquer interesses por assuntos
políticos na população teuto-capixaba continuavam fora de qualquer
cogitação
391
.
Ao se analisar este aspecto peculiar, facilmente se pode
deduzir que as mudanças políticas do Brasil-Império para a
República ao menos para o imigrante teuto-capixaba tiveram poucos
reflexos. Mesmo depois da virada do século o pomerânio continuou
vivendo em um mundo próprio, com seus precários meios de
transporte, com as tropas de muares e os carros de boi como
elementos essenciais na movimentação de mercadorias.
Por outro lado, também o movimento de conscientização
germânica que vinha acontecendo nos estados do sul depois da
390
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares. Somente com a chegada da Republica em 1889 a separação da Igreja Católico
Romana do Estado, esta situação foi efetivamente regularizada
391
Cf. trigésima quarta entrevista realizada com E.K. na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. O
pomerânio somente na segunda metade do século vinte passou a se interessar por política, e
mesmo assim, de forma muito acanhada.
154
instalação do Segundo Império Alemão por Bismark, em 1871, e que
durou até o final da Primeira Grande Guerra, não teve qualquer
reflexo sobre os imigrantes e seus descendentes em Espírito
Santo
392
.
Na realidade os primeiros sessenta anos da historiografia
oral dos teuto-capixabas representa uma grande lacuna onde
frequentemente o imaginário se sobressai a dados documentados
nos poucos textos originais daquela época.
4.9 A Segunda Fase da Migração Interna
Na Europa os pomerânios viviam em baixadas e aqui
tiveram que escalar montanhas e desviar-se de precipícios para
procurarem por terras que pudessem ser cultivadas. Substituíram a
pesca nos lagos e nos rios pela caça aos animais nas selvas e nas
encostas. Apenas aqueles que conseguiram dominar os recursos
naturais da Terra Nova venceram os desafios da adaptação às
novas culturas e alcançaram um nível de vida um pouco melhor ao
que outrora estavam acostumados.
De certa forma este novo colonizador fez parte de um povo
ameaçado de extinção
393
. Alguém ameaçado de extinção parece
reagir de muitas formas. De um lado temos a própria fuga do seu
país de origem, como foi o caso dos pomerânios. Por outro lado,
talvez de forma inconsciente procuraram garantir a continuidade da
sua espécie através da geração de proles numerosas. Se de um
392
Os assuntos relacionados à Primeira Grande Guerra são absolutamente desconhecidos entre
os demais pomerânios. Há referências vagas sobre causas que teriam conduzido à guerra:
“havia gente em excesso” ou “havia muita fome”.
393
O seu crescimento populacional sempre foi muito contido em função das próprias guerras
pelas quais os habitantes da Pomeranea passaram ao longo de praticamente oitocentos anos.
155
lado os filhos se constituíram na garantia de continuidade da própria
família, do trabalho, dos costumes e da cultura deste povo, também
passou a ser uma importante força de trabalho no início deste
processo
de
desbravamento
da
nova
Colônia.
Apesar
da
significativa mortalidade infantil desta época, passou a ser registrado
um importante crescimento pela própria presença de famílias
numerosas.
A família pomerana típica não migra sozinha, ela geralmente
viaja junto. Os dez irmãos Seibel, todos unidos a famílias
pomeranas migraram juntos para Santa Joana e depois para
Laranja da Terra. E porque somente um ficou em Santa
Joana? Teria sido uma estratégia?
Não, foi um certo desentendimento. Uma questão de
394
hegemonia.
Uma característica que merece ser citada, diz respeito à
nova lei da herança que na Europa ajudou a alavancar o processo
de evasão de milhares de indivíduos
395
. No Brasil este direito à
herança para todos os filhos também tinha sido oficializado, tanto
para a pequena como para a grande propriedade. Entretanto, na
região de imigração da Província de Espírito Santo, mesmo que de
maneira informal, manteve-se de forma sólida o padrão de família
das três gerações com todas as suas implicações
394
396
.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
KROCKOW, op. cit. Apesar de lei da herança igualitária ter sido implantada. em toda a Prússia,
entre os pomerânios continou sendo praticada indivisibilidade da propriedade.
396
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Em boa parte das famílias o costume persistiu de forma velada até praticamente toda a
primeira metade do século vinte. Na verdade, os bons rendimentos obtidos com a produção de
café permitiram a manutenção da propriedade do núcleo familiar, mesmo que muitas vezes,
em novas áreas recém desbravadas, ao mesmo tempo em que novas propriedades podiam ser
adquiridas para os outros filhos homens.
395
156
Figura 17: Ampliação do processo de migração interna.
Neste sistema um dos filhos recebia a propriedade dos pais
ao mesmo tempo em que também assumia o compromisso com os
futuros cuidados destes idosos. Era uma certa garantia de
aposentadoria. A restrição do direito à herança a um único filho
passava a dar continuidade ao trabalho da propriedade dos pais.
Desta forma aqui se consagrou um costume segundo o qual os
filhos homens, de uma forma ou outra recebiam terras enquanto que
as filhas continuavam recebendo seu dote
397
. A alta natalidade,
observada em praticamente todas as Colônias de Espírito Santo, fez
com que a prole destas famílias, em geral com uma media superior
397
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Costume local e que persistiu até a primeira metade do século vinte.
157
a cinco filhos, saísse na busca de novas terras, ao mesmo tempo
em que as filhas, na medida do possível, procuravam casar-se com
agricultores proprietários de terras. Nos primeiros anos da
colonização parece ter sido muito fácil, até pela disponibilidade de
muitas terras nas novas áreas de desmatamento. Entretanto, com o
passar dos anos, também os sítios nas chamadas terras quentes
começaram a ser disputados, elevando seus custos e dificultando
sua aquisição pelos agricultores jovens
398
.
A persistência deste costume gerou situações curiosas
como uma maior liberdade dos jovens pretendentes sobre as moças
casadoiras. Assim, um determinado pai de certo número de moças
reclamou das investidas desenfreadas dos filhos homens de um
vizinho sobre as referidas donzelas. Pela resposta recebida, denotase que também naquela época, o machismo interesseiro prevalecia:
“Sperr die Hoina in, ik lot mi Hohna loupa” (prenda as tuas
franguinhas que os meus galos eu crio soltos). Tendo ainda
recomendado: “Megas, brugt dai oucha uk nia tau moka” (meninas,
vocês também não precisam andar de olhos vendados)
399
.
Pode-se ver que, de uma forma ou outra, as áreas
colonizadas no estado de Espírito Santo pelos teuto-brasileiros,
durante as primeiras décadas, abrangiam basicamente os vales do
rio Jucu e Santa Maria, ao sul do Rio Doce. O clima daqui era
bastante variado, sendo observadas muitas oscilações entre as
398
Esta nova disputa por estas propriedades nas chamadas Terras Quentes desencadeou a
abertura de uma nova frente de desmatamento, transpôs o Rio Doce e transformou-se em um
novo desafio. Este passou a ser a única opção para dar seguimento à sua opção de vida: Ter
sua “própria colônia”, poder casar despreocupadamente e constituir sua família.
399
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Episódio registrado na família do pesquisador e repassado em forma de anedota de geração
em geração. Isto porque o pioneiro Jacob foi pai de nove filhos homens e seu visinho tinha
mais de meia dúzia de filhas.
158
chamadas terras de Mata Fria e as Terras Quentes. Assim, nas
terras altas podia-se ter fortes geadas nas manhãs de inverno
quando
a
temperatura
chegava
aos
5
ou
até
3
graus.
Contrabalançando com os mais de 32 graus registrados nos dias
ensolarados de verão. Já nas Terras Quentes, durante o inverno
dificilmente se tinha temperaturas abaixo de 12 graus, ao passo que
no verão estas chegam até os 38 graus centígrados
400
.
Quem observa os dados relacionados ao crescimento
populacional de Espírito Santo durante a segunda metade do século
dezenove logo irá constatar que o fluxo migratório teve uma
influência expressiva sobre o aumento da população. Seu número
de habitantes aumentou de 53.000 em 1860 para 96.500 já no ano
de 1878. O que aconteceu, sobretudo, em razão da chegada dos
imigrantes italianos. Outras características desse grupo devem ser
consideradas, sobretudo, o fato de falarem um idioma latino e de
serem todos católicos. Facilmente se pode deduzir que este aspecto
levou a uma rápida e gradativa integração da população de origem
italiana com a população luso-brasileira, contribuindo assim também
para a sua gradativa assimilação cultural
401
.
A partir de 1880 o fluxo imigratório pomerânio da Europa
para o Espírito Santo praticamente cessou. Com isto o processo de
expansão da colônia passou a se fazer essencialmente à custa da
migração interna. Esta se constituiu no elemento mais importante na
400
401
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
159
ocupação de terras devolutas de importantes regiões da Província
de Espírito Santo
402
.
Foi neste cenário que, em 1880, milhares de novas famílias
de italianos europeus também começaram a engrossar o fluxo
migratório. O aspecto exterior destes imigrantes italianos talvez não
fosse muito diferente dos teutos, até porque, também eram muito
pobres, vinham em grandes navios “abarrotados de gente” traziam
poucos pertences pessoais que geralmente não passavam de
poucos objetos de cozinha, algumas peças de roupa, uma máquina
de
costura
e,
quando
muito,
algumas
moedas
de
ouro,
representando toda a sua economia ainda remanescente.
O que diferenciava estes recém-chagados era justamente o
seu novo perfil profissional. É lógico, havia camponeses, mas
também chegaram marceneiros, carpinteiros, ferreiros, guarda-livros
e professores. Também estes aqui passaram por muitas privações,
seja durante a viagem pelo mar ou durante as semanas ou meses
que se seguiram ao desembarque em Vitória e seu translado com
muito sacrifício até os assentamentos nas localidades conhecidas
como Pau Gigante, Santa Tereza, Alfredo Chaves, Rio Novo ou
ainda outros.
4.10 As Novas Colônias
É importante lembrar que, em decorrência da abolição da
escravatura, grande parte dos alforriados havia se embrenhado nas
florestas, talvez, em uma tentativa de esquecerem o seu passado
402
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
160
sofrido nas fazendas
403
. Foi, portanto, este o caboclo que veio a se
constituir em uma espécie de pioneiro da própria colonização teuta
no Espírito Santo
404
. No início do século vinte, pouca informação se
tinha sobre a população nativa, até porque, se de um lado os
silvícolas eram considerados um povo sem importância, cuja
preocupação era apenas com a caça e a pesca de subsistência.
Seus remanescentes, para fugirem do avanço da colonização
tinham seguido para a metade norte de Espírito Santo. Os
descendentes dos escravos, com a abolição da escravatura
passaram a viver ás margens dos desmatamentos e, em apenas
poucos casos constituíram-se em mão de obra diarista nas áreas de
colonização européia
405
.
Os colonos, depois de assumirem suas novas propriedades
costumavam alargar a derrubada para ampliar as plantações. Em
muitos casos até passavam a viver dentro das mesmas condições
que os próprios caboclos
406
. Em geral os novos proprietários, depois
de alguns anos, conseguiam oficializar a posse das propriedades.
Neste momento, muitas vezes, alguns colonos teutos passavam a
ser explorados pelo poder público, tanto pela sua absoluta
incapacidade de comunicação no idioma nativo como também pelo
receio de lhe tomarem a sua propriedade
407
. Até porque, na falta de
tabelas de valores a serem cobrados pelos serviços, à custa de
403
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
405
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
406
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
407
Graça Aranha. CANAÃ. Ediouro Publicações Ltda. Bonsucesso – Rio de Janeiro. 2002.
Cenários Muito bem descritos neste romance.
404
161
medição e registro
arbitrárias
de
qualquer
propriedade
sempre
eram
408
.
Na antiga colônia de Santa Isabel, dois
aglomerados urbanos passaram a se destacar
pequenos
409
. O povoado de
Santa Isabel, de mesmo nome da própria colônia de Santa Isabel,
tinha cerca de 250 habitantes, entre “alemães” “brasileiros”. Esta
localidade, com a emancipação, constituiu-se na sede da câmara de
vereadores e da paróquia católica. Aqui, praticamente toda a
população era católica. Também aqui a maioria dos comerciantes e
artífices eram teutos
410
. O outro povoado de nome Campinho
cresceu como sede da paróquia luterana. A grande maioria dos seus
habitantes era luterana. Esta localidade passou a se destacar como
centro comercial da região. Seus seis negociantes, seis artífices,
dois hoteleiros, entre outros, passaram a se constituir no esteio da
produção e fornecimento dos produtos de primeira necessidade da
população.
Na Colônia de Santa Leopoldina a maioria foi de origem
pomerana. Ao contrário do costume europeu, a ocupação das novas
terras continuou sendo feita a partir do assentamento das famílias
em suas propriedades rurais. Além disto, todo o trabalho continuava
sendo feito pelos ocupantes do “prazzo”, isto é, do lote de terra do
imigrante assentado. A única exceção à regra estava no chamado
“juntamento” quando diversos vizinhos de uniam para realizar uma
408
Ibidem. Cenários Muito bem descritos neste romance.
SANTOS, E. S.; KILL, M. A.; BIGOSSI, R.; MURAKI, J. B. História, Geografia e Organização
Social e Política do Município de Domingos Martins. Vitória: Brasília Editora Ltda, 1992.
410
Ibidem.
409
162
tarefa maior como no caso de uma derrubada ou de uma
queimada
411
.
Novamente
aqui
temos
dois
aspectos
a
serem
considerados. De um lado, ao se isolarem, também impediram a
assimilação de novos conhecimentos ou de uma miscigenação
cultural. Desta forma, passaram a conservar seus hábitos e
costumes como também a sua língua. Estes núcleos culturais quase
encapsulados apenas com o passar dos anos foram absorvendo a
população de outras etnias.
Havia
um
grande
desequilíbrio
entre
os
poderes
constituídos, seja da própria administração da colônia ou mesmo da
província e os colonos. Neste contexto, o quase analfabetismo da
população teuto-brasileira a qual, além de compreender pouco do
que se falava em português, não lia nem escrevia neste idioma. Isto
passou a motivar uma verdadeira “fuga” desta população em direção
aos seus sítuos-esconderijos nos mais afastados vales ou picadas.
As próprias autoridades, representantes dos governos, muitas
vezes, transformados em especuladores e indivíduos de má índole,
criando sentimentos de anticidadania brasileira, passavam a
contribuir ainda mais para o afastamento de qualquer possibilidade
de comunhão com a população nativa
412
.
Eles souberam que as terras quentes de Lagoa e Guandu
eram mais férteis e não tão acidentados. Por isto tentaram
em primeiro lugar migrar de Santa Joana para Lagoa Serra
Pelada. Quando constataram que Lagoa já estava
começando a ficar muito ocupado, meu avô já avançou para
áreas maiores, em direção a São João. Eram cinco horas a
411
412
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Exemplo muito bem descrito por Graça Aranha em sua obra “CANAÔ;
163
cavalo, na procura por terras. Chegando aqui, terminou
413
comprando terra para os cinco filhos.
Desta forma foram se criando os novos assentamentos, ou
seja,
as
novas
colônias.
Com
a
criação
destes
novos
assentamentos, comunidades evangélicas foram se formando a
partir do desmembramento de novas Colônias. Assim, em 1873
surgiu a Comunidade de Califórnia e, em 1879, a de Santa
Leopoldina II. Santa Joana foi criada em 1903
1904
415
.
Este
processo
de
414
e Sana Maria, em
desmembramento
procedeu-se,
basicamente, em função das distâncias entre as sedes das
paróquias ou da casa pastoral e as comunidades filiais. Desta forma
as chamadas filiais da comunidade principal, com o passar dos anos
passavam a constituir-se em sedes de novas comunidades
416
. Na
virada do século, já havia seis comunidades evangélicas na
abrangência da colonização teuta no estado de Espírito Santo.
O fato dos pomerânios, na Europa, sempre terem sido um
povo ligado à agricultura em terras pertencentes aos senhores
feudais ou grandes proprietários de terras, retardou muito o
desenvolvimento de
um
raciocínio
político
neste povo. Na
Pomerânea os proprietários de terras resolviam todas as questões
político administrativas. Isto fez com que também aqui no Espírito
Santo, até na virada do século, os interesses por assuntos políticos
continuassem fora de qualquer cogitação para esta população
interiorana. Quem era da terra cuidava apenas da terra. Aqui no
413
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
PORT, D. C.; PORT, I. Alto Santa Joana – 100 Anos de História. Santa Maria de Jetibá:
Gráfica e Editora Follador Ltda, 2007.
415
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
416
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
414
164
Brasil, a permanência de uma imagem do “senhor feudal”, na figura
da autoridade constituída, durante muitas décadas continuou
inibindo o surgimento de políticos na região da colonização
pomerana do Estado de Espírito Santo.
4.11 O gradativo predomínio do pomeranismo
Com o passar dos anos, apesar da preservação dos
diferentes dialetos, como os originários da região do Hunsrück, da
Renânia, do Tirol e mesmo daqueles que falavam certo dialeto
holandês, a língua pomerana gradativamente foi predominando em
grande parte das colônias teuto-brasileiras de Espírito Santo
417
. Com
isto passou a ser cada vez mais comum encontrar quem falasse
dois três ou quatro idiomas ou dialetos diferentes, especialmente
entre aqueles vinculados ao comércio ou ao transporte de
mercadorias. Por outro lado, com o micro-regionalismo criado pelo
próprio
distanciamento entre
as
diferentes
comunidades
ou
paróquias, especialmente entre os luteranos os hábitos e costumes
destas diferentes populações conservaram-se inalterados. Um
crescente número de casamentos entre os jovens do grupo
majoritário
constituído
procedências
contribuiu
pelos
pomerânios
definitivamente
e
para
os
de
este
outras
gradativo
predomínio da cultura pomerana. O maior exemplo disto foi o
chamado “casamento pomerânio” com sua festa e rituais bem
próprios e que gradativamente foi sendo adotado em quase todas as
417
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
165
regiões
418
.
Há quem diga que os pomerânios, ao chegarem no
Brasi,l mantiveram o seu idioma como forma de comunicação pela
qual evitavam que eventuais concorrentes entendessem o que
falavam. Aliás, ao manterem a sua própria língua também
conseguiram manter melhor a sua cultura e seus valores como
tantas vezes já haviam feito ao terem sido subjugados pelos
brandenburgueses,
prussianos
suecos,
poloneses,
dinamarqueses
e
419
.
O predomínio da língua pomerana se tornou mais evidente à
medida que foi crescendo o intercãmbio entre as diferentes
comunidades e o consequente surgimento de novas oportunidades
de casamento. O pomerânio sempre foi muito conservador nas suas
tradições e sua língua, incompreensível para os que falavam outros
idiomas ou dialetos.
Temos aqui dois aspectos que certamente foram essenciais
para a manutenção desta característica. Ao se isolarem dificultaram
uma maior miscigenação com outras correntes culturais como dos
diferentes grupos luso-brasileiros e afro-brasileiros, de outro lado
também conseguiram preservar melhor os seus hábitos e costumes,
como também seu idioma. Por outro lado, com o passar dos anos
estes núcleos culturais passaram a absorver a população dos outros
grupos minoritários de procedência germânica, holandesa, suíça e
austríaca
418
420
.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Em uma referência ao passado em que a Pomerânea foi dominado por estes deferentes paises
da Europa Central.
420
Um exemplo bem típico foi a prolífica família do pioneiro Jacob Seibel, cujos filhos todos
casaram com pomeranas e a grande maioria dos seus descendentes terminou por assimilar a
língua pomerana.
419
166
421
Mas pela informação que eu tenho, foi que os pomerânios
chegaram mais para os lados de Santa Maria. Tivemos esta
informação também depois. Sabemos que hoje em Rio
Bonito ainda vivem Hunsrücker, vivem os Holandeses e
vivem os Pomerânios. Por aqui, onde os pomerânios eram
em maioria, os católicos na minoria, os outros terminaram
sendo absorvidos pelos pomerânios. Isto porque vinham
casando entre eles e com isto a comunidade tornou-se
422
pomerana.
Todos estes fatores certamente explicam o gradativo
predomínio da língua pomerana sobre as demais, dentro de uma
lenta, porém gradativa homogeneização cultural de toda a
população teuto-brasileira no Espírito Santo.
Meu pai ainda falava holandês mais minha mãe não. Em
casa, com o pai falava holandês e com a mãe em
pomerânio. O pessoal hoje só fala pomerânio mesmo. Hoje
eu falo mais pomerânio e às vezes o alemão alto. É lógico,
423
se necessário, o português.
4.12 Um trabalho infantil
Toda e qualquer rotina do dia a dia na propriedade rural da
colônia pomerana pode ser considerada como um conjunto de
fatores culturais. Querer condenar a participação de crianças e
adolescentes na atividade diária destas famílias sem antes fazer
uma pormenorizada análise dos aspectos culturais envolvidos, não
seria uma grande prova de desinformação? Na colônia teuta sempre
houve muito trabalho por ser feito, seja na derrubada da mata, no
421
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
O que vem a conceituar etnia, ou seja, a homogenização cultural, onde uma população ou
grupo cocial passou a compartilhar a história.
423
Cf. décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
422
167
preparo das lavouras ou ainda nos cuidados domésticos. Dentro de
tudo isto será preciso considerar que, via de regra, quase todas as
famílias costumavam ser muito numerosas
424
.
Na verdade (as crianças) acompanhavam os pais desde
muito pequenos. Inicialmente se fazia uma espécie de rede
com lençol ou cobertor, que servia de berço. Costumavam
425
dormir enquanto a mãe trabalhava.
Com cinco ou seis anos já ganhavam a sua enxadinha e
seguiam junto na roça. Assim aprendiam a trabalhar.
Geralmente também aprenderam muito pouco na escola...
Eles foram criados assim. Cada um tinha suas ferramentas
pequenas e tinha que aprender a capinar, a roçar pasto com
426
foice pequena.
Ouvi relatos de que as crianças iam para a aula até o meio
dia a que depois tinham que trabalhar pra ajudarem os pais
no trabalho na roça. Provavelmente isto foi a realidade de
todas as famílias. Havia o estudo, mas também havia a
participação no trabalho. Não sei até quando isto foi a regra,
mas pelo menos no primeiro período parece ter
427
acontecido.
Aí pelos sete anos já íamos à roça. Depois que fomos à
escola, chegávamos em casa e de tarde tínhamos que
preparar mandioca e inhame para a ração dos animais. Era
428 429
para o gado e para os burros e os porcos.
Neste contexto, estes imigrantes, independente da sua
procedência precisavam vencer as tarefas diárias para poderem
424
O autor da pesquisa até a idade de doze anos esteve perfeitamente enquadrado nesta
sistemática e mesmo assim não teve qualquer prejuízo, seja psicológico ou físico. Muito antes
pelo contrario. Aprendeu que o trabalho e o caminho incondicional para o progresso
425
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08
426
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
427
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
428
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
429
O autor da pesquisa até a idade de doze anos esteve perfeitamente enquadrado nesta
sistemática de trabalho e mesmo assim não teve qualquer prejuízo, seja psicológico ou físico.
168
suprir o necessário sustento da família. Não havia como deixar filhos
de dez, doze ou quinze anos vivendo na ociosidade, até porque
muitos terminavam constituindo novas famílias já na idade de
dezesseis ou dezoito anos. Era preciso contribuir para o sustento da
numerosa família. Mas era também preciso aprender a trabalhar.
Isto era costume. Se os pais iam para o trabalho, não havia
porque deixar os filhos em casa. Assim, logo que podiam,
também começavam a trabalhar. De manhã iam à escola e
430
durante a tarde já ajudavam na roça.
Ao menos eu comecei com sete anos. Ia-se para a roça.
Tinha-se que capinar. O mais difícil era quando o mato já
era grande e a gente tinha que capinar. Mesmo assim não
morri por causa disto. (hoje já completou 94 anos de idade)
O trabalhador não morre não. Morre se ele facilita e passa
fome ou beber demais. Trabalhar não faz mal pra ninguém.
Trabalhar do jeito de que eu trabalhei. Eu tinha que serrar
431
madeira, amolar ferramenta. Cuidar os porcos.
Aqui com oito anos. Apenas iam junto para aprender a
trabalhar. Até porque de manha iam para a aula e depois
ajudavam na roça. Na verdade passavam a trabalhar
mesmo aos 12 anos de idade. Na verdade com 8 anos já
ajudavam na roça. Iam à escola até perto dos 12 anos e a
432
partir daí passavam a trabalhar somente na roça.
Assim, aos oito ou nove anos de idade aprendia-se as
tarefas mais leves e à medida que as crianças cresciam, entravam
na adolescência e passavam a atuar como iguais ao lado dos
adultos
433
.
430
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
433
Vivencia pessoal do autor. São também Anotações feitas pelo autor baseadas em informações
repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do
interior do Estado de Espírito Santo.
431
432
169
Os meninos com 13 ou 14 anos (eram confirmados) e as
meninas um ano antes. Duravam três anos. Iam 2 ou 3
vezes por semana durante a manhã no ensino confirmatória.
Depois chegavam em casa e precisavam ajudar na roça.
Tenho a vivência. A convivência com eles em todo este
tempo. Eu não via como trabalho escravo. E não era um
trabalho escravo. Nem da família com que convivi nem da
vizinhança. Até porque todas as crianças estudavam até a
quarta série. Isto foi na época em que cheguei lá. Depois da
aula eles iam à roça, sim. Isto já foi na década de setenta.
Antes disto, especialmente na época pós-guerra ou mesmo
antes da guerra, as crianças automaticamente iam ajudar na
roça. A dona [...] que hoje tem 84 anos falava que, quando
era criança sempre trabalhou na roça com os pais, mas
nunca foi maltratada. Ela trabalhava e muito mesmo. Mas
não era um trabalho onde a maltratassem. Ela nunca viu
nisto um maltrato. Ela viu que com isto aprendeu a respeitar
pessoas, amar os pais. Dizia que nunca sentiu uma pressão
ou uma forma de escravidão. E os seus filhos também.
434
Eram mais velhos do que eu [...]
Alguns já começavam aos cinco anos de idade. Tinha muita
criança com as mãos já calejadas. Arrumava-se uma
pequena foice ou uma pequena enxada e ia-se junto.
Quando de ia à escola, lavavam os pés de noite para tirar as
manchas de cipós. Andava-se sempre descalço e de calça
curta. A roupa de confirmação só se usava naquele dia, para
no próximo ano ser usado por outro usar. Tudo era muito
435
difícil. Roupa era a coisa cara.
Na verdade aprendiam a trabalhar. Era o serviço leve.
Assim, na plantação de milho, colocavam a semente de
milho nas covinhas abertas pelos adultos. Eles tinham um
pequena enchada com que capinavam quando era o caso.
436
Ajudavam a limpar o caminho.
434
435
436
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07 08.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
170
Praticamente todos os imigrantes teutos vindos para o
Espírito Santo viviam dentro de um padrão de família de três
gerações. Assim, a geração mais velha, os avós traziam para a sua
casa um dos filhos, que casava e passava a desenvolver a sua
própria prole
437
.
Esta acomodação familiar pode ser atribuída a uma série de
fatores. Em primeiro lugar o próprio processo de migração interna,
inicialmente para as terras da Bacia do Rio Santa Joana e do Rio
Guandu e, mais tarde, para o norte do Estado, fez com que em geral
a geração antiga permanecesse na propriedade na qual estava
trabalhando, mantendo perto de si um dos filhos com quem tivesse
uma maior identidade. O avô, como líder deste grupo famíliar
tradicionalmente continuava no comando das decisões. Enquanto as
forças físicas o permitiam, mantinha-se à frente do trabalho na
lavoura A avó, em geral assumia as tarefas mais leves como o trato
das aves, a feitura das refeições e o preparo do pão. Do casal mais
novo, o marido atuava no trabalho mais pesado, enquanto que a
esposa o auxiliava dentro do que suas forças físicas o permitiam. A
ela cabiam os cuidados com as vacas de leite, com a lavação das
roupas e com a limpeza da casa
438
.
A capacidade de trabalho dos colonos pomerânios sempre
teve um destaque muito especial. Entretanto, cabia à mulher um
encargo muito grande no dia a dia da família. Vale salientar que,
além de realizar todos os afazeres domésticos, sem o auxílio dos
437
438
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
171
homens, a sua participação nas atividades na lavoura em nada
ficam devendo aos homens.
A função primordial na vida da mulher pomerana, entretanto,
diz respeito ao seu papel de preservadora dos valores e
preservadora da cultura deste povo, e cujo principal instrumento
vem a ser a língua pomerana, ou seja, a “Muttersprache” e que em
uma tradução verbal quer dizer língua materna
439
. “Os meninos
quando eram confirmados, aí pelos 14 anos, não iam mais à escola
e se tinha gente para trabalhar”.
440
Hoje não cansam de fazer a mesma pergunta: Porque do
trabalho infaltil? Os filhos, até a década de trinta, na medida em que
cresciam, passavam a freqüentar a escola da comunidade durante
dois ou três dias da semana, enquanto que nos outros dias
gradativamente iam assumindo diferentes tarefas domésticas ou na
lavoura. A família, portanto, precisava contar com o auxilio dos
filhos. Até porque, em primeiro lugar, toda a estrutura familiar estava
baseada no principio do trabalho com a participação de todos e em
segundo lugar, como as famílias costumavam ser muito grandes,
sua sobrevivência tornava-se impossível com apenas uma ou duas
pessoas incumbidas de todo o trabalho que precisava ser realizado
na propriedade.
[...] Antigamente as crianças iam cedo para a roça, para
aprenderem a trabalhar. Antigamente era assim.
Como hoje eles aprendem a trabalhar na roça? Não querem
aprender mais a trabalhar. Só querem saber de estudar. Os
441
estudados não acham mais trabalho. O que vão fazer?
439
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
441
Cf. trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
440
172
Esta característica passou a ser cultural neste grupo
populacional e ninguém a contestava. Esta peculiaridade certamente
foi
responsável
pelos
resultados
financeiros
obtidos
pelos
agricultores pomerânios e logo reinvestido na compra de novas
propriedades para seus filhos. Esta pecularidade é embasada no
princípio de que apenas os dedicados conseguem produzir. O
pensamento de que “o trabalho enobrece” fez com que os
pomerânios e demais imigrantes germânicos assentados no Espírito
Santo, apesar de todos os contratempos, conseguissem sobreviver
e encontrar o cominho do progresso.
Esta característioca
certamente pode ser explicada pelo fato da cultura pomerana ter
incorporado um conceito muito próprio sobre o trabalho. NÃO SE
TRABALHA PARA VIVER, VIVE-SE PARA TRABALHAR
442
. Este
princípio talvez pode ter contribuído para a própria sobrevivência
deste povo o qual de outra forma talvez, tivesse sucumbido ao longo
dos séculos.
4.13 A virada do Século
As primeiras décadas da colônia se caracterizaram pela
grande dificuldade de comunicação entre as diferentes regiões. As
vias de acesso eram precárias e o transporte de produtos de
primeira necessidade sempre precisou ser feito pelas “tropas” de
442
FACHIN, Patrícia. Há entre os pomerânios uma ética de trabalho muito acentuada. IHUONLINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 271, São Leopoldo, 1 set. 2008. p.
22.
173
mulas e desta forma chegando até as populações dos mais
longínquos recantos
443
.
À medida que crescia a primeira e a segunda geração de
filhos de imigrantes já nascidos no Espírito Santo, muitos aspectos
relacionados às guerras, à perseguição e ao ódio resultante da luta
entre as classes dominadoras e os povos oprimidos, típico do
sistema feudal ainda vigente na Europa na metade do século
dezenove começaram a ser esquecidos. Desta forma mais e mais
se preocupavam com a subsistência de suas famílias e a ampliação
das suas propriedades. Já não se preocupavam com os índios até
porque estes haviam se retirado para além das margens do Rio
Doce.
Os europeus e seus descendentes que se radicaram no
Espírito Santo durante o primeiro século da imigração jamais
pensaram ou deram a entender estarem defendendo quaisquer
ideias de miscigenação étnica. Até porque, a grande barreira
representada pelo desconhecimento do idioma nativo sempre
dificultou um maior intercâmbio com o caboclo, o índio ou o
português. A sistemática interiorização do colono, perpetuado pelas
constantes novas conquistas de áreas desmatadas e repassadas
aos
filhos,
preservou
neles
a
característica
de
eternos
desbravadores solitários. Este “caipira teuto-brasileiro” ainda na
virada do século continuava preocupado, sobretudo com a sua
própria sobrevivência e a sobrevivência da sua prole. O seu
pequeno mundo, que na maioria dos imigrantes, especialmente nos
pomerânios, na Europa esteve restrito à propriedade do latifundiário,
443
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
174
aqui logo organizou sua vida no seu lote de terras e na sua pequena
comunidade. Seu contato com o mundo exterior, na área financeira,
da compra e venda de mercadorias, ficou centrado no vendeiro, isto
é, no pequeno comerciante e no campo espiritual, educacional e de
definição da conduta moral, no pastor ou no padre.
Mesmo já tendo transcorrido mais de quarenta anos desde o
início da imigração, a distribuição do trabalho nas propriedades
continuava sendo bem distinta. Assim, cabia às mulheres cuidar da
alimentação e do vestuário. Neste último item inclui-se tanto a
lavação de roupas como a própria confecção das mesmas. No
cuidado com os animais o serviço mais leve como o trato das aves,
a ordenha das vacas continuava sendo executado pelas mulheres e
adolescentes, enquanto que os homens realizavam o trabalho mais
pesado como o cuidado com os cavalos, a construção e
manutenção dos estábulos, cercas, chiqueiros para os porcos e a
própria alimentação destes animais. No dia a dia do trabalho na
lavoura, homens e mulheres costumavam trabalhar juntos. Os filhos
cresciam e passavam a sonhar com seu próprio imóvel ao mesmo
tempo em que na casa paterna aprendiam os segredos dos
cuidados com a terra.
A rigidez na moral e nos costumes sempre se manteve,
quem sabe, como uma tentativa de preservar a própria cultura de
origem. O relacionamento com pessoas de fora da colônia
continuava sendo proibido, quer pela própria dificuldade de
comunicação quer pela desconfiança gerada com as esporádicas
convivências com pessoas da população nativa
444
444
.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
175
A corrente migratória dos primeiros anos trouxe gente das
mais variadas regiões da Europa Central. Na prática verificou-se
uma rápida miscigenação entre estas diferentes populações. Os
pomerânios, com seu idioma próprio, agora já em maioria, cada vez
mais passavam a imprimir o seu vocabulário na linguagem do dia a
dia da população
445
.
Pelos seus vestuários, principalmente das
mulheres, até se podia identificar a época da sua vinda da Europa.
Por vezes até permitia identificar o lugar de sua origem
446
.
As
modificações nos tradicionais modelos de vestuário um tanto
grosseiros lentamente foram sendo substituídos por novos padrões
de custura com o advento de revistas do gênero, já em pleno século
vinte
447
.
Com o passar dos anos, mesmo que nunca tivessem
demonstrado uma ânsia pelo lucro e pelo enriquecimento, os
agricultores de uma forma ou outra continuavam mantendo seu
estilo de vida muito simples e suas habitações com características
bem próprias.
Nas regiões mais quentes, isto é, nas terras baixas, o vigor
físico do colonizador passou a sofrer certo comprometimento sem,
porém, tornar-se desleixado. Mesmo depois de duas ou três
gerações, o teuto continuou ostentando sua tenacidade e seu senso
de independência e de orgulho, talvez até temperados pelas vitórias
conquistadas ao vencerem tantos contratempos durante os seus
445
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
447
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
446
176
primeiros trinta ou quarenta anos de um trabalho muito árduo nas
encostas quase inóspitas das terras altas
448
.
Desta forma, como integrantes da segunda ou terceira
geração já se sentiam revigorados e donos de uma cultura cada vez
mais própria deste interior de Espírito Santo. Entretanto nada os
prendia, nem ao mundo luso-brasileiro, nem às suas raízes
históricas ou políticas do império alemão. Ao longo destes últimos
anos haviam se transformado em “Dütscha Lür”
449
, isto é, gente
diferenciada, com uma identidade teuto-capixaba muito própria. Este
sentimento de coesão étnica preservou neste colono um espírito de
preservação das suas tradições.
As estradas que foram sendo abertas, além de favorecerem
o pequeno e também o grande comércio, também aumentaram o
intercâmbio entre as comunidades mais isoladas. Isto reforçou as
situações muito curiosas já existentes e relacionadas a própria
questão da língua. Ao longo da primeira metade do século vinte não
era incomum ainda encontrar-se pessoas que se comunicavam em
quatro, digamos, idiomas diferentes. Falavam o alemão alto por ter
sido necessário para a alfabetização e para o relacionamento com
as atividades na igreja.
Falavam o pomerânio, por este ter se
tornado o meio de comunicação habitual em toda a colônia. Falavase português por ser a língua do relacionamento com os órgãos do
governo. Falava-se ainda no seio da família, o idioma ou dialeto de
origem européia, como o holandês, o belga ou o tirolês
450
.
448
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Expressão usada entre os pomerânios para se referirem aos descendentes de imigrantes
teutos em Espírito Santo.
450
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
449
177
Apesar de já se ter observado certo progresso em algumas
regiões da Colônia, especialmente nas proximidades de Santa Maria
e
Domingos
Martins,
alguns
agricultores,
especialmente
na
longínqua Mata Fria aos poucos foram também se transformando
em indivíduos entregues à sua própria sorte, perdidos nas lonjuras
das matas.
Vinculavam-se com a própria civilização apenas por
intermédio dos eventuais encontros domingueiros nas igrejas ou nas
capelas. Muitos andavam descalço por não terem acesso à compra
de calçados. Estava-se pouco preocupado com o conforto, até por
desconhecê-lo, porém, dedicavam-se ao trabalho para um maior
crescimento do seu sítio
451
.
Desde os primórdios dos assentamentos os colonos
estavam acostumados à cultura de subsistência. O café muito cedo
passou a representar uma fonte de riqueza adicional.
Com a
consolidação da colônia tornava-ser cada vez mais importante ter
aves, porcos, uma vaca de leite, couro de gado para confecção de
tamancos e chinelos, além da utilização de penas das aves para a
confecção de travesseiros e cobertas para o inverno frio
452
. O milho
e os tubérculos eram cultivados tanto para a alimentação dos
animais como de pessoas. Nas primeiras décadas do século vinte
apenas uma pequena parte do que consumiam costumava ser
adquirido fora dos limites da colônia, como tecidos, açúcar, farinha
de trigo, sal, querozene, ferramentas, aguardente, arroz e todo o
material de selaria.
De certa forma, não eram produtos
imprescindíveis ao dia a dia para a sobrevivência das famílias. A sua
451
452
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
178
compra podia ser retardada para ocasiões de venda de produtos da
propriedade, como carne, banha ou mesmo café.
4.14 Florescimento do comércio e o papel dos vendistas.
Em 1910 a população da cidade de Vitória, a capital
constituíra-se no maior aglomerado populacional do estado, com
cerca de 25.000 habitantes. Em Santa Leopoldina, nesta mesma
época, não viviam mais de 1.200 habitantes, o que vem a ser mais
um sinal claro de que os imigrantes continuavam dando preferência
ao seu estilo de vida rural, evitando os aglomerados populacionais.
Figura 18: Casa Verflut, a primeira grande casa comercial no
interior da Colônia de Santa Leopoldina, na localidade de
Luxemburgo.
179
Cachoeira de Santa Leopoldina desde o início da criação da
Colônia passou a exercer um importante papel na comercialização
de produtos de toda a região, seja os de primeira necessidade como
também como comprador de mercadorias já produzidas pelos
assentados. Tão logo as colheitas de café se tornaram mais
consistentes esta cidade iniciou sua trajetória como florescente
entreposto comercial de toda a área central capixaba. O Rio Santa
Maria continuou sendo a principal via de escoamento de
mercadorias para a Europa. Tudo isto contribuiu para que as casas
de comércio de Santa Leopoldina vivessem o seu período de grande
progresso, chegando a se transformar em verdadeiros concorrentes
dos grandes comerciantes de Vitória
453
.
Nesta época também a Estrada de Ferro, como era
chamada a ferrovia passou a ligar a capital do estado ao Rio de
Janeiro, constituindo-se em mais um elemento gerador de progresso
em função da agilização no transporte de mercadorias.
Na esteira de todo este florescimento comercial da sede do
agora já município de Santa Leopoldina vinha o pequeno negócio do
interior. Era aquele que abastecia a população rural. Eram os
“vendistas”, isto é, os pequenos agricultores-comerciantes que
adquiriam seus produtos dos importadores, geralmente da sede,
para depois os revenderem aos agricultores. Da mesma forma
compravam destes toda a linha de pequenos produtos oriundos da
agricultura, especialmente o café e os revendiam aos grandes
comerciantes
453
454
454
.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
180
Todas as coisas maiores eram vendidas em Santa
Leopoldina. Havia o pequeno comércio nas colônias, mas
coisas maiores daqui costumavam ser levadas para o Bout
(Porto Santa Leopoldina). Por aqui se conseguia pouca
coisa. Havia um pouco de sabão e estas coisas básicas. Na
realidade as pessoas costumavam fazer mesmo o sabão.
Para isto compravam soda e preparavam o sabão com sebo
455
e restos de vísceras, as sobras dos animais abatidos.
Tinha umas vendas pequenas. Tinham sal, corte de tecidos,
pregos para ferrar cavalo e ferramentas de trabalho.
Algumas vezes se conseguiacomprar trigo. Eles compravam
também galinha, ovos... Tinha tropa para levar as coisas
456
embora. Havia uns quantos que tinham tropa.
Havia tecidos, agulhas, linha, açúcar, fumo, sal, um pouco
de trigo. Trigo se comprava no natal e quando alguém
morria. Nestes momentos de fazia “Wittbrot”, ou seja, pão
branco. Comercializavam também ovos, banha, café, feijão,
457
milho. Eram as coisas do dia a dia das famílias.
Tinham enxadas e as ferramentas que em geral eram
utilizadas naqueles tempos. Tinham farinha de trigo, feijão e
estas coisas. Cheguei conhecer tecido em rolo. Compravase em metro, até porque não havia roupa pronta. Havia
linha, fumo de corda, que ficava exposto em cima do balcão.
Cheguei ainda a conhecer as balas que não eram
embrulhadas e que o vendeiro fazia uma espécie e cartucho
de papel de embrulho, nos quais colocava as balas. E
quando se ia para a cidade, Itarana, Itaguaçu ou Santa
Leopoldina, geralmente se buscava tecido para roupa e
458
medicamentos.
Aqui vale citar que a manutenção de uma espécie de
atendente poliglota nas casas comerciais espalhadas por toda a
região da colonização contribuiu decisivamente para a preservação
455
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
458
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
456
457
181
dos elementos culturais destes diferentes grupos. Foi desta forma
que, pomerânios, holandeses, renanos e mais tarde italianos
puderam realizar suas negociações comerciais, falando suas
próprias línguas e sem maior receio de serem atraiçoados.
Um sistema de credito na forma de cadernetas de débito ou
crédito começou a vigorar nas diferentes casas de comércio pelo
interior afora. A variedade de produtos não costumava ser muito
grande, porém as mercadorias básicas geralmente podiam ser
encontradas.
Figura 19: Caderneta da “venda”, ano 1926.
182
Em princípio tecido, sal, trigo, fumo, querosene e cachaça.
Os comerciantes tinham uma caderneta onde anotavam
todos os débitos que o colono tinha assumido. Depois, na
hora de entregar o café esta dívida era descontada do valor
459
a ser pago pela safra produzida pelo colono.
Era
também
aqui
que
vendiam
os
excedentes
da
propriedade. Desta forma débitos e créditos da caderneta da
“venda” eram computados e se “fechava o ano” financeiro dos
colonos.
Principalmente o café. Mas também carne de porco, ovos e
manteiga. Isto passou a acontecer a partir da abertura das
460
estradas para caminhões.
Eram aquelas coisas que mais precisavam. Era cana-deaçúcar, batata doce, galinha caipira, porcos, café, milho e
feijão. Outros produtos terminariam estragando porque
levavam um mês para chegar até Vitória. Dependendo do
lugar, indo no lombo de burro, levava até duas semanas
para chegar até Santa Leopoldina. Às vezes iam 10 tropas.
E cada tropa tinha dez burros. Isto dava 100 animais. Havia
lugares em que precisavam atravessar o rio. Então se
descarrega toda a carga dos animais, atravessava-se a
carga nas costas até o outro lado do rio e carregava-se
novamente a tropa. Havia vários lugares onde eles
“ranchavam”, deixavam descansar os burros. Às vezes
461
descansavam cinco, seis ou até oito dias.
Com o passar dos anos a gradativa abertura das estradas,
seja entre as diferentes regiões do interior do estado ou mesmo
entre a sede de Santa Leopoldina e a Capital, muitos “vendistas” do
interior da colônia passaram a comprar e a vender os seus produtos
459
460
461
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
183
diretamente aos grandes comerciantes de Vitória. Entretanto,
mesmo com este progresso registrado na área comercial, até 1950,
as tropas e mulas continuavam sendo o mais importante meio de
transporte de mercadorias entre as diferentes regiões do interior do
estado
462
. Ainda nos últimos anos da década de 1950 podiam ser
vistas tropas com suas cargas subindo a Serra Pelada
463
ou
transpondo a alta Montanha das Manquinha para chegar até Alto
Santa Joana.
464
4.15 A lenta diversificação do trabalho
Do total de 2.142 imigrantes que chegaram à província de
Espírito Santo entre 1857 e 1872, ao menos oficialmente, 2135 eram
agricultores
465
. Desta forma os imigrantes que trabalhavam na roça,
por definição, passaram a ser chamados de lavradores
466
.
Até
porque, o trabalho a eles destinado desde o início tinha sido o da
lavoura. Apenas seis declararam ter outra profissão. Vale lembrar
que, por vezes, os recém-chegados também podiam estar omitindo
a sua verdadeira profissão.
467
Os primeiros, no tempo em que passaram no acampamento
provisório de Vitória, parecem ter feito algum tipo de serviço
como diaristas. Já naqueles tempos. Depois em Santa
Leopoldina, novamente ficaram acampados em outro
462
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações
repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do
Estado de Espírito Santo.
464
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
465
Informação colhida no Museu do Imigrante na cidade de Santa Leopoldina.
466
Denominação ainda utilizada em grande parte dos lugares da Colônia, especialmente Afonso
Cláudio, como sinônimo de agricultor, trabalhador rural ou colono.
467
Informação colhida no Museu do Imigrante na cidade de Santa Leopoldina.
463
184
barracão. De lá foram para Rio Farinhas e posteriormente
468
para Santa Joana.
Apesar de praticamente todos os imigrantes teutos terem
seguido para os seus prazos ou propriedades, outras atividades
profissionais aos poucos também foram se tornando necessárias.
Assim, a atividade correspondente aos artífices logo se mostrou
necessária. Foram atividades não vinculadas diretamente às lidas
do campo, entretanto, indispensáveis à economia da colônia.
Atividades envolvendo o abate de animais, preparo do pão ou
mesmo confecção de roupas sempre fizeram parte da lida
doméstica dos agricultores.
Passados os primeiros cinquenta anos da chegada dos
imigrantes, praticamente todos já tinham o seu cavalo. Até os
colonos mais pobres necessitavam do seu meio de transporte, seja
para levar os seus produtos ou para a sua própria locomoção.
Portanto, com isto a selaria se tornou essencial no fornecimento dos
acessórios da montaria. Necessitava-se de ferros para os animais
de montaria. Com isto cada localidade precisava de alguém que os
preparasse.
A comercialização de calçados durante os primeiros
cinquenta anos foi pequena, isto porque, o colono continuava
trabalhando descalço. Entretanto, nos seus encontros domingueiros
costumava utilizar algum tipo de calçado. Os produtos importados
tinham preços proibitivos. Botinas, chinelos ou mesmo tamancos
468
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
185
eram confeccionados pelos sapateiros e contumavam ser muito
apreciados pelos agricultores
469
.
Figura 20: Café “em flor”.
Os móveis mais sofisticados eram importados e poucos os
podiam adquiri-los. Desta forma os móveis encontrados nas casas
dos colonos costumavam ser “fabricados” em casa mesmo por
algum marceneiro da região. Geralmente os que tinham o dom de
trabalhar com móveis deslocavam-se para as casas dos “clientes”
para a fabricação dos móveis ou esquadrias
470
. Uma ou outra
pequena destilaria de aguardente ou mesmo para a fabricação de
469
470
De anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
186
cerveja, também podia ser encontrada. Até mesmo em 1950 esta
situação pouco tinha mudado.
Figura 21: Café maduro – a riqueza da colônia.
As crianças que não estudavam, começavam a trabalhar
logo cedo. Eu ajudei a capinar café ainda pequeno. Só que
meu pai e minha mãe tiveram uma visão mais avançada
para a época. Meu pai queria um futuro diferente para mim.
Com nove anos fui trabalhar numa casa de família (do autor)
em Lagoa. Depois voltei para cá e comecei a freqüentar
uma escola do governo em São João. Depois do primário
fiquei na casa de um comerciante em São João. Pela manhã
ia à escola e à tarde ia ao interior, com um burro com
cangalha, juntar ovos, que eram embalados em palha de
milho. Fazia isto em várias regiões, juntava ovos, para
ganhar a pensão. Depois fui para um comerciante maior, o
[...] onde trabalhei como balconista, desempacotador de
produtos que vinham de fora. De lá, depois fui ao [...], onde
187
me tornei uma espécie de auxiliar de tropa de mulas. Tinha
que reunir os animais de madrugada e depois ajudar o
tropeiro a preparar as montarias para buscar café na Mata
Fria. Isto foi em 1951 e 1952. Ia à frente para abrir as
porteiras e a tropa vinha com aqueles sinos pendurados no
pescoço. O [...] me mandava pelo morro da Manquinha para
Alto Santa Joana e de lá para Barra Encoberta onde tinha
uma filial para levar abastecimentos. Outras vezes também
471
ia sozinho para levar uma carta.
Desta forma um ou outro filho de agricultor, mesmo que
exposto aos diferentes riscos, ainda adolescente, seguia o seu
caminho, na procura de uma nova atividade profissional e, quem
sabe, um pouco menos sofrido do que a dura vida no campo do
interior capixaba.
4.16 Santa Leopoldina rumo ao seu apogeu
Com a redução da mão de obra escrava, na segunda
metade do século dezenove, a economia do estado passou por
profundas
modificações,
especialmente
pela
substituição
da
plantação da cana de açúcar pelo café.
Os imigrantes europeus assentados nas terras altas,
seguindo a tendência do momento, também passaram a se dedicar
à plantação de café. Esta cultura logo se revelou mais vantajosa
como produto de comercialização.
Mas, mesmo que o café, em
função do seu potencial de exportação já na virada do século ter se
tornado a principal cultura dos imigrantes, estes de uma forma geral,
também
471
sempre
preservaram
a
policultura
de
subsistência.
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
188
Produziam uma significativa quantidade de feijão, milho, queijo,
manteiga, toucinho e tubérculos. Estes, na verdade, se constituíam
de produtos de circulação interna das pequenas comunidades.
Figura 22: Porto Cachoeiro – Transporte em canoas.
Nos primeiros tempos das Colônias, entre 1870 e 1880,
quando teve início a migração interna, o ritmo de crescimento em
Santa Leopoldina e arredores já tinha sofrido uma significativa
diminuição. Nisto se destacou, sobretudo a evasão da população
jovem ao mesmo tempo em que entre a população de mais idade,
passou a ocorrer um gradativo aumento do número de falecimentos.
189
Figura 23: O ancoradouro de Porto Cachoeiro nos dias atuais.
Há cálculos que mostram que da população de 17.500
descendentes germânicos no estado de Espírito Santo em 1910
cerca de 2.500 haviam imigrado da Europa. Com cerca de 19.000
nascimentos nos primeiros 60 anos e um cálculo aproximado de
4000 óbitos. Com isto a população teve um crescimento real de
cerca de 15.000 indivíduos
472
.
A produção de café em toda a Colônia passou a se constituir
no grande gerador de riquezas para os lavradores. Com isto a
cidade de Cachoeira de Santa Leopoldina passou a florescer como
entreposto comercial de toda a colônia teuto-capíxaba. O transporte
para Vitória continuava sendo feito de barco pelo Rio Santa Maria.
472
SEIDE, F.H. A colonização alemã no Espírito Santo. Disponível em:
<http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em: 6 jun.
2010.
190
Com isto podiam-se observar cada vez mais os sinais externos de
riqueza, especialmente da parte de alguns comerciantes locais.
Tabela 8 – Descendentes germânicos
Localidade
População
Santa Leopoldina
900
Santa Maria
2.200
Campinho
1.900
Jequitibá
2.700
Califórinia
1.900
Santa Joana
1.300
Santa Cruz
300
Vinte Cinco de Julho
300
População total
11.500
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
4.17 Uma saída para o Vale do Rio Santa Joana
Nos
primeiro
anos
da
colonização,
cada
imigrante
costumava receber uma área de cerca de trinta a sessenta hectares.
Esta área de terra ficou conhecida como uma “colônia”
473
. Alguns
proprietários, em função do sucesso alcançado com suas culturas,
473
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. A
expressão “ai Kunie”, ou seja, uma “colônia” era muito usada pelos antigos e referia-se a uma
propriedade padrão que costumava ser adquirida pelos pioneiros. Esta expressão continuou
sendo utilizada no meio rural capixaba até a segunda metade do século vinte e se refere a uma
“colônia” de terras, ou seja, um imóvel com algo em torno de vinte a trinta hectares.
191
chegaram a ampliar suas áreas em até dez ou vinte vezes
474
. A
média, geralmente, permanecia em torno de duas a três colônias.
Durante os primeiros sessenta anos, em geral, apenas uma parte da
colônia costumava ser cultivada o que representava algo em torno
de dezesseis hectares
475
. Em função do grande número de filhos,
mesmo com uma ampliação significativa das áreas de terras de
cada família de agricultores, muitas vezes estas propriedades se
tornavam pequenas para o sustento de novas famílias que
passavam a se formar com o casamento dos filhos. Desta forma, na
medida em que os filhos chegavam à sua idade adulta, mais terras
precisavam ser obtidas. Diziam que não podiam derrubar todas as
matas, pois seus filhos e netos precisariam de madeiras para a
construção de suas casas
476
.
Tabela 9 – Área plantada nas propriedades
Plantação efetuada
Total em hectares
Café
4
Milho, arroz, fejão
6
Inhame, cará, aipim
2
Pastagens
4
Área total cultivada
16
Fonte: Elaborado pelo autor (2010)
474
O próprio exemplo de Jacob Seibel vem a ser muito ilustrativo, pois já pelo censo de 1886 era
proprietário de nada menos que seis “colônias”.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Estes dados costumavam ser aproximados. Porém a preservação de áreas com mata nativa
costumava ocorrer em todas as propriedades.
476
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
475
192
Figura 24: O Rio Farinhas nos dias atuais.
Vendia-se a propriedade de Santa Leopoldina ou Santa
Maria por um valor já um pouco mais elevado e comprava-se uma
outra, duas, três ou quatro vezes maior nas regiões recém
desbravadas. Assim, o deslocamento para outras regiões, com
terras mais baratas constituiu-se na melhor saída para as novas
famílias que estavam se formando. Desta forma, a região baixa do
Vale do Santa Joana logo foi sendo colonizada, especialmente pelos
italianos e a parte alta, pelos teutos
477
478
477 478
.
Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
193
4.18 Um retorno para Santa Joana
Apesar de não terem ficado bem claras as razões que
levaram um dos irmãos Seibel a recuar para Alto Santa Joana, este
retorno trouxe alguns benefícios. Pois, se de um lado na região da
nova colonização de Laranja da Terra ainda não haviam sido
construídos
engenhos
para
o
beneficiamento
de
milho,
o
aproveitamento de uma cascata do Rio Santa Joana, localizada na
propriedade de Guilherme passou a beneficiar todo o grupo familiar
com a construção de um moinho para o beneficiamento de milho.
Este fato passou a constituir-se como um importante elo de
aglutinação deste grupo familiar, até porque, todos necessitavam
dos seus serviços para o preparo do fubá de milho
479
.
As distâncias a serem percorridas pelos novos moradores
de muitos lugarejos até a sede dos municípios costumavam ser
grandes e penosas, dificultando também, desta forma, maiores
contatos com a sua população luso-brasileira. Por outro lado, já
havia o pequeno povoado de São João, um “patrimônio”, onde
viviam muitos descendentes de escravos. Entretanto, na época das
grandes guerras ainda não havia escolas e o comércio incipiente
continuava sendo efetuado por pessoas de “origem”, como diziam,
tornando desnecessária qualquer ida até este povoado
479
480
480
.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
194
Figura 25: Jacob Seibel e esposa com seus 10 filhos.
“Sim. Ele fez um moinho na casa dele, ao lado da cascata.
Depois passaram a fazer moinhos por aqui em Laranja da
Terra. Na época ainda tinha muita água e se podia fazer
481
isto.”
Este intercâmbio entre os irmãos continuou muito
forte, não só como elemento social como também
econômico, pois o seu moinho atendia às necessidades de
482
todo o grupo familiar .
Mesmo já tendo passado mais de cinquenta anos da criação
das colônias, especialmente em Santa Leopoldina, a dificuldade de
entendimento da língua portuguesa continuava sendo a grande
barreira à integração com outras etnias. Isto também podia ser
observado na própria interpretação das questões relacionadas à
herança. Assim, durante toda a primeira metade do século vinte as
481
482
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
195
práticas a ela
relacionadas continuavam imutáveis. Na própria
história familiar do pesquisador, na década de trinta e quarenta, em
uma família com um filho e quatro filhas, o primeiro teve repassadas
as duas “colônias” de terra. Em contrapartida, este assumiu os
cuidados com os pais idosos, enquanto as quatro filhas “trataram”
de casar “com noivos proprietários de terras”. Este era o costume e
ninguém o contestava.
O papel de Guilherme Seibel no desenvolvimento de Laranja
da Terra, seja como líder deste grupo de migrantes, como professor
improvisado, seja no processo de alfabetização ou de ensino
confirmatório ou ainda como organizador do coral de trombones fez
dele um marco no desenvolvimento da comunidade
483
.
Figura 26: O Moinho de milho de Heinrich Seibel,
na cascata do Rio Santa Joana.
483
GROTTKE, op. Cit.
196
Novamente tivemos aqui um exemplo das muitas idas e
vindas dos assentados. Esta passou a ser uma das fortes
características deste povo e que se perpetuou pelas gerações a
fora.
Com o passar dos anos esta característica de povo migrante
passou a ser cada vez mais nítida. A expressão “Wanderbauer”
484
isto é, agricultor migrante certamente teve sua origem na
necessidade de obtenção de um novo espaço para os jovens destas
famílias quase sempre prolíficas. Era preciso migrar para obter o
seu “próprio espaço”. Vendiam sua “colônia de terra já esgotada”
para poder comprar “novas colônias” em terras que pudessem ser
desbravadas. Verificava-se uma clara tendência à migração, tanto
que a área do assentamento original nesta mesma época já
começava a mostrar sinais de diminuição de sua população
485
.
Em 1913, a população de toda a colonização germânica no
Espírito Santo já deveria chegar aos dezessete ou dezoito mil
habitantes. Deste total calcula-se cerca de 11.500 eram luteranos
(incluindo os das comunidades da igreja Missúri), cerca de 5000
eram católicos. Havia ainda cerca de 600 sabatistas (adventistas do
sétimo dia)
486
.
Há algumas referências que mostram que destes 17.500
residentes no estado de Espírito Santo em 1910 cerca de 2.500
haviam imigrado da Europa. Com cerca de 19.000 nascimentos nos
primeiros 60 anos e um cálculo aproximado de 4000 óbitos, a
484
485
486
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Censo de Espírito Santo.
SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido
em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea
de Espírito Santo, não editado. Disponível em:
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html. Acesso em 22 jan.
2004, p. 12.
197
população teve um
indivíduos
crescimento real de cerca de 15.000
487
.
O crescimento da população na área de colonização teuta
no Estado de Espírito Santo desde o início mostrou-se significativa.
Desta forma, novas áreas tiveram que ser conquistadas. Grupos
populacionais inteiros de Santa Leopoldina e arredores rapidamente
foram à procura de seus novos assentamentos.
A maioria dos holandeses seguiu para uma região chamada
Holandinha, que fica aqui para baixo. De lá seguiram para
Jequitibá. Outros já foram em direção ao norte, Vinte e
Cinco de Julho em Santa Tereza, constituindo a
488
Comunidade de São João de Petrópolis e Colatina.
4.19 A terceira fase da migração interna
A colonização do estado de Espírito Santo até os primeiros
anos do século vinte vinha se processando apenas na sua metade
sul e a sua população até esta época mal chegava aos 300.000
habitantes. A metade norte era habitada praticamente só pelos
silvícolas. Nos mapas da época esta área costumava ser descrita
como as terras desconhecidas, até porque ninguém se aventurava a
atravessar no Rio Doce pelo medo dos índios botocudos
487
488
489
489
.
Ibidem.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
198
Figura 27: A transposição do Rio Doce.
Já com o passar das primeiras décadas da colonização
teuta no estado de Espírito Santo, criou-se um modelo bem típico de
ocupação destas novas terras. Uma série de estratégias foram
elaboradas para permitirem uma melhor adaptação nestes novos
ambientes e que passaram a ser adotados pelos pomerânios. Desta
forma, nas migrações sempre foram sendo recriadas as condições
necessárias para a reprodução da vida típica deste agricultor. Esta
característica já começou a ser adotada nas áreas ao redor de
Santa Leopoldina e se manteve ao longo de todo o processo de
migração interna, seja para o norte de Espírito Santo, como mais
tarde, no seguimento deste processo em direção a Rondônia.
199
Também a igreja fazia parte desta identidade étnica e social do povo
pomerânio. O processo de expansão incluía a construção de uma
capela, de uma escola e a organização da necessária assistência
espiritual. Os filhos das famílias, mesmo que já não mais tão
prolíficas necessitavam de novas terras onde também a igreja
pudesse se desenvolver.
Figura 28: Paisagem bucólica da “Mata Fria” capixaba.
Os imigrantes europeus que haviam sido assentados nas
terras altas, seguindo a tendência da época, também passaram a se
dedicar à plantação de café. A nova cultura logo se revelou ser mais
vantajosa como produto de comercialização. Desta forma, apesar do
café nesta época já se ter transformado no principal produto de
200
exportação deste estado, os imigrantes, de uma forma geral, sempre
preservaram a policultura de subsistência como forma de garantir a
sua própria subsistência. Em outras palavras, desde que aqui
chegaram
passaram
a produzir seus próprios mantimentos,
principalmente o feijão, o milho e os tubérculos e paulatinamente
também leite, queijo, manteiga, ovos, carne de aves e carnes de
porco.
Estes, na verdade, logo também se constituíram em
produtos de circulação interna de todas as pequenas comunidades.
Facilmente se pode notar que já na segunda década do
século vinte todo o processo de ocupação das terras da metade sul
do estado de Espírito Santo passou a viver uma fase de
estabilização. O florescimento do comércio, liderado principalmente
por Santa Leopoldina e sustentado pela ativa comercialização
interiorana praticada pelo grande número de grandes, médios e
pequenos vendistas estabelecidos por todos os recantos dos
diferentes assentamentos, trouxe conforto e riqueza para os mais
dedicados.
As áreas que tinham sido colonizadas pelos teuto-
brasileiros no estado durante os primeiros
cinquenta anos
abrangiam basicamente os vales do Rio Jucu e Santa Maria, ao sul
do Rio Doce
490
. Nesta época, muitos filhos de colonos capixabas
quando chegavam à idade adulta já não tinham mais acesso a
novas terras ou terras por serem divididas nestas regiões ao sul do
Rio Doce. O problema aumentava na medida em que os anos
passavam. “A grande maioria, quando casava, procurava trabalhar a
meia. Eram os meeiros. Geralmente em lugares onde tivesse
fazendas maiores. Foi inclusive o caso da minha mãe.”
490
491
491
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
201
O norte de Espírito Santo até 1912 era desconhecido.
Temos o mapa aí, que foi encontrado no sótão de um
hospital antigo da Pedra Azul. A migração interna iniciou a
partir do momento em que Santa Leopoldina e Domingos
Martins não tinham mais espaço para alojar os muitos filhos
492
dos colonos .
A capacidade de expansão no vale do Rio Santa Maria
estava totalmente esgotada. Realmente começava a faltar comida
para a alimentação da família no seu dia a dia.
Não havia mais alimento para toda a família. Fome mesmo.
Não colhiam mais que chega.
(Havia apenas) feijão preto, farinha, e pão de milho. Café
preto e rapadura. Um pedaço de toicinho defumado no forno
de pão era colocado no feijão. Cada um recebia um pedaço.
Era só isto. Galinha se comia somente aos domingos. Arroz
493
não se conhecia.
Era uma vida muito ruim. Tomaram muito café preto.
Comiam pão com rapadura. Não lembro de muita coisa. Era
muito pequena. Na verdade meus pais não tinham nada.
Tinham terras, mas era só. Depois compraram terras por
494
aqui. As terras valiam muito pouco na época.
Já a partir da metade do século vinte, uma lenta adoção de
algumas técnicas agrícolas mais atualizadas levou a uma melhora
da produtividade. Isto foi observado especialmente em Santa Maria
de Jetibá, quando teve início a horticultura estimulada, sobretudo
pelo P. Hermann Roelke
492
495
. As famílias já não eram tão numerosas.
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranja da Terra, no dia 29/07/08.
495
O P.Herman Roelke foi um lider versado em muitas áreas. Alem da sua intensa atuação como
orientador espiritual, seu bom conhecimento em doenças tropicais, adquirido graças a sua
passagem pelo “Tropeninstitut” (Instituto de Doenças Tropicais da Alemanha) permitiu-lhe atuar
493
494
202
Precisava-se de trabalhadores diaristas especialmente em épocas
de colheitas. Alguns filhos de agricultores, para os quais não tinha
sido possível providenciar seu próprio lote de terras, passaram a
trabalhar nesta atividade eventual
496
, entretanto, a insatisfação e o
descontentamento começaram a ser ouvidos com cada vez mais
freqüência.
E importante também que se lembre que para este trabalho
ocasional pouco se podia contar com a população nativa. Entre os
colonos teutos sempre se comentava
497
que o clima tropical deve ter
contribuído de forma decisiva para o desenvolvimento da vida
indolente do caboclo do interior capixaba. O pouco interesse na
produção e o comportamento conformista levaram para a sua
conservação em um nível sócio-econômico muito baixo. Por outro
lado, os imigrantes europeus estavam acostumados à dura lida no
trabalho e logo passaram a contrastar com esta figura triste de
depauperação
populacional
com
que
se
deparavam
nos
“patrimônios” e nas regiões de uma colonização ainda mais
incipiente
498
.
Já a partir de 1885, as novas correntes migratórias
fortemente lideradas pelos italianos que foram chegando já tinham
impulsionada a intensa procura por novas terras. Na verdade o
esgotamento do solo da região de Porto Cachoeiro e de Santa Maria
já no inicio da década de 1870, iniciou este movimento migratório
em milhares de casos de doentes da sua região. Seu interesse também direcionado para a
agricultura permitiu a importação de sementes e tecnologia de cultivo de verduras e frutas,
dando inicio a um novo ciclo de grande prosperidade para Santa Maria de Jetiba.
496
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
497
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
498
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
203
entre os próprios teutos. Com a chegada dos italianos, o fluxo deste
movimento aumentou e sua expansão chegou às localidades de
Conde D’eu e Santa Tereza e no sul para Rio Novo e Alfredo
Chaves. Posteriormente também seguiram para Figueira (Itarana),
Boa Família (Itaguassu) e Colatina. Já um pouco mais tarde,
passaram a ocupar áreas de Caldeirão, Baixo Guandu e Afonso
Cláudio. Já no inicio do século vinte, ultrapassando as margens do
Rio Doce teve seguimento todo um processo de transferência para
as regiões do norte do estado, chegando até São Mateus.
Toda esta situação constitui-se como pano de fundo para
esta nova expansão da colonização teuta, que estava por iniciar no
Espírito Santo. Portanto, a transferências para simples choupanas
de folhas de palmito em novas áreas de desmatamento deu origem
a mais um ciclo de derrubadas, queimas e plantações, desta vez
nas novas colônias do norte de Espírito Santo. Era novamente a
penúria, o sacrifício e muito trabalho em um novo ambiente sem o
mínimo conforto.
Eu tinha quatro anos quando meus pais vieram para cá.
Viemos no lombo de mula. Meu pai havia feito dois balaios e
que foram pendurados na cangalha da mula. Em um lado
vim eu e no outro veio a minha irmã. Ela tinha dois anos a
mais do que eu. Fizeram um pequeno barraco para o qual
nos mudamos. Ao redor era tudo mato. Para fazer as camas
cortou galhos de malúrio. Empilhou-os no chão e sobre
estes colocou alguns trapos velhos e palha. Isto passou a
servir de cama provisória. Depois fizeram uma roça,
plantaram depois começaram a colher as coisas. Depois
499
plantaram café e assim foi indo.
499
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
204
4.20 A difícil coexistência das Comunidades Luteranas
Os tiroleses austríacos, desde os primeiros anos passaram
a receber assistência espiritual dos padres enviados da Europa. Já
entre os luteranos, além da dificuldade de comunicação em função
dos diferentes idiomas, havia também linhas confessionais distintas.
De um lado havia os imigrantes originários do Vale do Reno e da
Suíça. Já os pomerânios diziam-se luteranos. “Wü sin Luteraner”
nós somos luteranos. Por outro lado, os holandeses, em franca
minoria, eram calvinistas.
Com o passar das décadas também a Igreja Luterana do
estado americano de Missúri passou a enviar os seus pregadores
para diferentes regiões do Brasil. Este grupo, em função desta
origem passou a ser conhecido como Igreja Missúri
500
.
Nós sempre fomos luteranos. A luterana por aqui em Santa
Maria era a única igreja. Católicos só havia uma meia dúzia.
Poucos pomerânios se tornaram católicos. E mais tarde na
década de quarenta entrou uma família que fazia parte da
Igreja Missúri e que chamou o pastor de longe. Isto deve ter
sido aí por 1940. Depois disto chegou o pastor missúri, o
pastor Fischer, ainda mora aqui em Santa Maria. Hoje já é
aposentado. A Igreja Missúri aumentou mesmo quando o
[...] se desentendeu com o Pastor [...] por questões de
casamento. Eram coisas bastante banais, de roupa, de terno
500
Na presente obra está sendo utilizada a terminologia “Igreja Luterana” na referência às duas
correntes germânicas, isto é, o grupo auto denominado de ”Gotteskastes” (Caixa de Deus) e
um segundo grupo vinculado ao Sínodo Brasil Central. Estes dois grupos na década de 1960
se fundiram constituindo a UPES – União Paroquial de Espírito Santo a qual, por seu lado, nos
anos seguintes terminou sendo integrada à IECLB –Igreja Evangélica de Confissão Luterana
no Brasil. A Igreja Missúri no Espírito Santo, por outro lado, inicialmente vinculado ao
movimento missionário do estado norte-americano de mesmo nome, mais tarde foi integrada a
uma nova estrutura de abrangência nacional, a IELB – Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
205
e de gravata. Então ele entrou para a Igreja Missúri. Foi
501
assim que começou.
No dia a dia das questões religiosas, o próprio conceito do
ser ou não ser luterano sempre teve um papel significativo na vida
dos imigrantes. Isto porque a comunidade luterana rapidamente
assumiu o seu papel de norteadora da vida dos assentados.
[...] a Capela de Luxemburgo [...] foi a primeira igreja
luterana construída em Espírito Santo. Tanto que hoje ainda
é chamada de número um. O pastor residia lá mesmo. Hoje
a casa não existe mais. No meu tempo de criança a casa
paroquial ainda existia. Califórnia também tinha pastor.
Santa Maria tinha pastor. Domingos Martins tinha pastor.
502
Cada um cuidava da manutenção do seu próprio pastor.
O sistema de comunidades livres, por alguns conhecido
como
congregacional,
chegou
a
existir
nos
primórdios
da
colonização capixaba. Pelos relatos de antigos moradores, na
localidade de Belém parece ter havido um “pastor” eleito pelo grupo
populacional daquela localidade
503
.
Naqueles tempos também havia muitas situações em que
tocaiavam pessoas para conseguir determinados objetivos.
Isto é, simplesmente mandavam matar. O pomerânio muitas
vezes passava a ser vitima disto. Era aquela coisa: mate
este ou mata aquele.
Havia uma grande pressão
incentivada pelo governo católico. O governo não queria que
eles ficassem aqui e continuassem como protestantes. Os
pomerânios responderam: trabalhamos nossa vida inteira no
mar e não chegamos aqui para virar católico.
501
502
503
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
206
A perseguição aos pastores, de certa forma, parece ter
havido, entretanto, pelos dados que hoje se tem, não há qualquer
comprovação desta suspeita. Nem mesmo a causa da morte dos
dois pastores em Vista Alegre foi esclarecida. Nos dias atuais ainda
se fala muito na perseguição aos religiosos e que teriam culminada
nestas misteriosas mortes. Teriam sido assassinados? Ninguém
sabe.
Isto eu não sei. A suspeita (de assassinato) sempre foi
levantada. Até porque o tempo entre a vinda de um e a
vinda de outro foi uma questão de poucos meses. Consta
que o pastor Schwenk, segundo informação dos
pomerânios, certo dia de páscoa, entrou na igreja e disse:
“bom dia”. Leu um texto bíblico. Depois disse “Für mich
sieht es hier schwarz aus. Amen”. (para mim as coisas aqui
estão pretas. Amém). Depois disto saiu de lá no mesmo
domingo, porque tinha um bando rodeando a sua casa. Saiu
daqui e voltou para a Alemanha. Terminou morrendo na
504
guerra de 1914-18.
Paralelamente ao estabelecimento de novas “colônias”
fundavam-se novas “filiais” vinculadas às comunidades luteranas já
existentes. O posterior crescimento destas novas populações
redundava na transformação das pequenas capelas filiais em novas
comunidades autosuficientes e que, por sua vez procuravam por
novos pregadores. Foi desta forma que com o surgimento de novas
áreas de colonização ou do próprio crescimento da população da
região, novas comunidades luteranas foram surgindo. Assim, em
1873 já tinha se formada a Comunidasde de Califórnia e, em 1879, a
de Santa Leopoldina II.
504
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
207
Com isto, na virada do século, já existiam seis comunidades
na abrangência da colonização teuta no estado de Espírito Santo.
Santa Leopoldina, Campinho, Califórnia e Jequitibá eram assistidas
por pastores do Consistório Evangélico enquanto que Santa Joana e
Santa Maria passaram a ser assistidas pelos pastores da Obra
Missionária de Basiléia. As comunidades tinham autonomia
505
para
contratar seus dirigentes espirituais e à medida que contatavam com
uma ou outra entidade que disponibilizasse novos obreiros para esta
difícil missão no além-mar, passavam a ser assistidos por pastores,
ora de uma ora de outra procedência das Alemanha ou da Suiça.
Parece-me que o primeiro pastor do Gotteskasten foi lá para
Palmeira de Santa Joana em 1902.(?). O Vrede veio para cá
em 1903. Nesta época o Peter já estava lá. O Vrede chegou
em setembro ou outubro de 1903. Na verdade ele era o
506
segundo do Gotteskasten. Os outros eram berlinenses.
Na localidade de Três Pontões houve uma situação bastante
peculiar em que praticamente toda uma comunidade aderiu à
jurisdição da Igreja Missúri. Esta situação persiste até os dias atuais.
[...] a briga começou lá em Três Pontões em Afonso Cláudio.
Meu pai era Vorsteher (vogal da Diretoria) naquele tempo
aqui em Laranja da Terra. Então ele foi até lá para resolver
esta diferença. Fizeram uma assembléia dentro daquela
igreja que é da Igreja Missúri hoje. Naqueles tempos era da
nossa comunidade. Fizeram assembléia para saber quem
quisesse passar para a Igreja Missúri e quem quisesse ficar
com a nossa. Os votos a favor dos Missúri foram maioria.
505
FACHIN, Patrícia. Silenciados pela hegemopmia alemã. IHUON-LINE. Revista do Instituto
Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 16. 01/09/08. São Leopoldo. Em uma referencia ao
sistema da Igreja Congregacional.
506
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
208
Com isto os nossos terminaram se retirando e mais tarde
507
construíram outra igrejinha em cima do morro.
Não raras vezes o problema era estritamente econômico,
criando-se, desta forma uma segunda opção de comunidade ao lado
de capelas já estabelecidas. Eventualmente a opção incluía até
mesmo o credo católico-romano.
Naqueles tempos todos tinham que pagar seu “Gehalt”
(anuidade), sempre de acordo com o caso. Só me lembro
que de repente começaram a construir uma capela
(igrejinha) para o pastor Missúri. E aíaconteceu do povo
mais pobre que tinha dificuldade em pagar o ordenado,
gradativamente passar para a Igreja Missúri. Com isto esta
508
passou a crescer cada vez mais.
Naqueles tempos (Igreja Missúri) era bem mais barata que
as igrejas luteranas. O papai passou para a Igreja Missúri
509
porque era bem mais barato e não tínhamos dinheiro.
(A família passou para a igreja católica) porque eles tiveram
12 filhos e o Pfarrergehalt (valor a ser pago para o saláro do
510
pastor) era muito alto [...]
É preciso lembrar que a administração das comunidades
primitivas de Espírito Santo seguia o padrão das “Freigemeiden”,
isto
é,
das
comunidades
livres,
também
chamadas
de
congregacionais. Posicionamentos pessoais de pastores ou até
interesses pecuniários de paroquianos por vezes desencadeavam
intrigas que ocasionalmente culminavam na troca da assistência
507
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
510
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
508
509
209
espiritual, isto é, substituição de pastores ou em divisão e
enfraquecimento de comunidades.
Na verdade, como se lê, sempre existia um Vorstand, um
grupo de lideranças que se movimentava no sentido de
solicitar um pastor da Alemanha, de organizar a infraestrutura. De reunir os recursos necessários. Isto era um
trabalho das lideranças. Pelo que se sabe, os pastores
quando chegavam também tinham uma participação muito
511
ativa na questão administrativa olhando adiante a missão.
Como o pastor, até em função do seu papel de líder
espiritual, exercesse um papel de muita influência, às vezes com
punho de ferro, terminava ditando normas e regras de acordo com
seus próprios conceitos e valores. Por outro lado, por vezes
comunidades inteiras se envolviam em conflitos criados, seja por
obreiros ou mesmo por líderes de comunidades vinculados a uma
ou outra organização de igreja. Foi desta forma que as comunidades
luteranas de Espírito Santo viveram um longo período de
instabilidade. A religião nunca foi problema para os pomerânios.
Entretanto, a existência de diferentes grupos em disputa constituiuse em motivo de muitas dificuldades nas quais os paroquianos
entravam como massa de manobra. É difícil entender as
dificuldades pelas quais a população teuta de Espírito Santo passou
ao longo dos seus primeiros e cinquenta anos da colonização.
Somente com o passar dos anos as diferentes correntes
religiosas luteranas eliminaram suas diferenças e chegaram a um
maior entendimento para aglutinarem-se sob dois grandes grupos. A
511
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
210
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja
Evangélica Luterana do Brasil.
4.21 A década de 1920
Os eventos relacionados à Primeira Grande Guerra foram
pouco representativos para as colônias no Espírito Santo
512
.
Certamente auxiliado pela dificuldade de comunicação destas
regiões de colonização basicamente pomerana com o mundo
exterior e também pelo estabelecimento desta barreira que a
preservação das línguas e dialetos estrangeiros representavam
513
.
Com o isolamento em que viveram estes antigos não
chegou nenhuma informação da Primeira Guerra. Esta
informação deve ter ficado no círculo dos pastores. Os
colonos não tiveram acesso a livros ou qualquer coisa
514
escrita a este respeito.
Ouvíamos falar, (da Primeira Grande Guerra) mas pouca
coisa mais detalhada. Apenas tínhamos ouvido falar que
515
teria existido esta guerra.
Alguns contaram bastante coisa a respeito da guerra de
1914 a 1918, até porque chegou bastante gente da
Alemanha. O próprio Kopperschmitt chegou nesta época e
era muito conhecido por aqui. Falavam muito da guerra,
onde tinha sido. Falavam do imperador da Alemanha, o
Kaiser Guilherme. Depois que terminou a guerra, chegou
512
Em geral o pomerânios muito pouco sabem sobre as guerras na Europa. Além disto,
entrevistas provocam lembranças inclusive intermediadas, contaminadas por entrevistas
anteriores ou mesmo por relatos de terceiros.
513
As informações estavam acessíveis apenas aos pouquíssimos que dominavam a língua
portuguesa e podiam manter algum contato com a população dos centros urbanos. Os
pastores não admitiam a língua pomerana como idioma de comunicação. Por outro lado,
muitos pomerânios costumavam ter dificuldade para compreender a fala do pastor.
514
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
515
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08
211
outra revolução na Alemanha. Diziam que Revolução teria
sido pior que própria guerra. Falaram que com a saída do
516
Kaiser Wilhelm chegou a República.
Eles falavam das coisas de lá. Do tempo das guerras. Das
mortes na guerra. Da revolução que aconteceu depois da
guerra (1914/18). Quando derrubaram o Kaiser Wilhelm e
quando instalaram a República. Falaram da época quando o
dinheiro de um dia para o outro perdeu todo o valor. Com
isto ficaram sem dinheiro e sem alimentos. Nesta época
muita gente morreu de fome. Contavam inclusive que teriam
cometido antropofagia, porque não tinham mais o que
517
comer. As pessoas que vinham de lá contavam isto.
Depois da Primeira Grande Guerra as vias de comunicação
em algumas regiões da colônia começaram a melhorar. O
progresso, mesmo que muito lentamente, fazia-se notar em
Domingos Martins e Santa Leopoldina. Novas estradas começaram
a
ser
abertas,
muitas
vezes
patrocinadas
pelos
próprios
comerciantes. Também no Rio Santa Maria, as canoas e, entre
Santa Leopoldina e Santa Tereza as tropas gradativamente foram
sendo substituídas por caminhões. Aquele meio de transporte que
outrora havia abastecido a sede da colônia foi sendo deslocado para
os mais remotos vales.
Desta forma o progresso trazido com a abertura das
estradas, trouxe beneficio para as muitas comunidades do interior,
entretanto, as tropas de mulas continuavam levando suas cargas,
porém, com produtos do agricultor para o pequeno e médio
comerciante dos mais longínquos recantos do interior capixaba.
Entretanto, a maioria das comunidades precisou esperar até a
década de 1950 para poder usufruir um pouco mais dos benefícios
516
517
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
212
trazidos pela abertura de estradas em condições de dar passagem
aos automóveis e caminhões de carga
518
.
4.22 O “difícil” contato com os “brasilioner”
Mesmo já tendo passado praticamente setenta anos desde a
chegada dos primeiros pioneiros europeus no estado de Espírito
Santo, especialmente no Vale do Rio Santa Maria continuava
havendo muita dificuldade na aproximação entre a população teutobrasileira e a nativa. Esta característica não pode ser considerada
uma regra geral para a imigração, até porque, na Colônia de Santa
Isabel já nos primeiros anos houve casos de casamentos entre
imigrantes e a população cabocla
519
. Longe de qualquer conotação
política, ideológica ou racial, esta dificuldade talvez possa ser
atribuída ao próprio enclausuramento desta população nos enclaves
de difícil acesso. Por outro lado a barreira do idioma, dos próprios
costumes e a própria desconfiança em relação à população nativa,
continuavam
sendo
as
grandes
dificuldades
para
qualquer
aproximação. A situação, de certa forma persiste até os dias atuais,
como de pode observar na resposta de um entrevistado afrodescendente: [...] “sinto que eles têm muito medo de gente de cor
520
mais escura”.
[...] eles (os pomerânios) são muito desconfiados[...]Se você
puder falar em pomerânio com eles, é até melhor porque
vão se sentir em casa. Já é diferente do que um cara
518
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
520
Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
519
213
falando em português. É difícil você ter um relacionamento
inicial com eles falando em português. Eu já tenho um
contato dentro da própria comunidade e que já me tenha
apresentado. Então dá para me sentir um pouco mais em
casa. Mas ainda não estou bem à vontade. A sua
receptividade na hora de chegar falando em pomerânio já
521
será totalmente diferente.
Havia algumas proibições: não se podia casar com quem se
quisesse. Era-se obrigado a casar com quem os pais
queriam. Então os pretos entraram dentro desta linha de
pensamento. Em primeiro lugar, porque eram católicos.
Havia diferenças sim. Não somente por causa da língua,
mas também por outros motivos. Mas, a falta de
comunicação e a fuga deles aconteceu porque eles não se
522
entendiam.
Só pouquíssimos moravam aqui (na sede da colônia). Havia
mais uns brasilioner morando no outro lado do rio. Mas com
523
eles não se conseguia falar.
Eles não mantinham contato com os brasilioner. E quando
ainda éramos pequenos, tínhamos tanto medo, que os
brasilioner pudessem vir até nós [...] simplesmente nos
escondíamos [...] Tínhamos medo que pudessem nos pegar
524
e levar embora.
Os mais velhos sempre nos diziam: Escondam-se, que eles
podem levar vocês. Depois podemos procurar e não vamos
525
mais encontrar vocês!
Mesmo na década de 1930, o mundo do colono pomerânio
capixaba praticamente continuava restrito às suas lidas diárias na
propriedade, às trocas de produtos de primeira necessidade nas
521
Cf. Décima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22 07/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
524
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
525
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
522
523
214
“vendas” e às atividades decorrentes dos encontros domingueiros
após os atos religiosos. “Muito pouco. Não tinham com quem falar.
Havia alguns brasilioner, mas não compreendiam o que falavam.
Quando éramos pequenos começamos a aprender um pouco.”
526
Há, porém divergência quanto ao próprio conceito de
isolamento. Na maioria das entrevistas se deprende o claro
sentimento de solidão vivido pelos pomerânios deste interior
capixaba. Houve também opinião contária, embasado em uma
conceituação antropológica
527
. Entretanto, de um modo geral não
constumava acontecer uma grande aproximação entre a população
luso-brasileira, a afro-brasileira e o caboclo com os diferentes
grupos de teuto-capixabas. Também no cotidiano do descendente
pomerânio em Espírito Santo é muito fácil identificar esta sua forma
de viver reclusa ou até isolada.
Esta tese, segundo a qual os pomerânios viviam isolados, a
partir da antropologia, eu não vejo assim. [...] Mas eles
estiveram sempre em contato. Eles estiveram em contato
sim, por exemplo, temos dentro da língua pomerana
empréstimos de palavras da língua portuguesa, que são da
época da colonização, como “Fouz”, que na língua nativa
era foice. Assim, na família sempre tinha um ou outro que
falava português assim como havia um ou outro que falava
alemão. Acredito que não existiu isolamento. Eles não
viviam isolados. Nem os índios viveram isolados. Sempre
528
tiveram algum tipo de contato.
Ao longo destas últimas décadas até houve certa
aculturação dos primeiros imigrantes e dos seus descendentes,
porém restrito a alguns aspectos bem pontuais. Isto gerou posições
526
527
528
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
215
que à primeira vista até parecem ser controvertidos, mas que podem
ser vistos dentro de uma ótica mais ampla. Houve o empréstimo não
da palavra, mas do instrumento que tinha um nome que foi adotado,
aculturado. A foice não existia na Alemanha.
Eles tiveram o que chamavam se “Seikel”, uma foice curva
mais delicada. Tem muitas outras palavras da época da
colonização como “rapadura” e todos os nomes de aves
nativas e que passaram a ser empréstimos do português. Se
puderam fazer empréstimos do português, tiveram contato
com a língua portuguesa. É de origem nativa o próprio
“Brote” que não é pomerânio e sim, tem origem mineira. O
nome vem da Pomeranea mas mesclou este habito de ter
este pão de manhã cedo e à noite e com ingredientes bem
brasileiros. Seria impossível fazer pão nesta época com
farina de trigo, pois não havia.
Continuavam conservando seus hábitos aos quais estavam
acostumados desde a sua terra natal. Ainda não tinham assimilado
quaisquer conceitos de moral de costumes ou de religião e por
último, ainda não tinha ocorrido uma mistura de sangue com a
população nativa. Durante este primeiro século da imigração, o
europeu e seus descendentes aqui radicados jamais deram a
entender que estavam defendendo qualquer ideia de miscigenação
étnica.
Até
porque,
a
grande
barreira
representada
pelo
desconhecimento do idioma nativo sempre dificultou um maior
intercâmbio com o caboclo, com o índio ou o luso-português.
Pelo que eu soube, não havia contato com os brasileiros.
Dos meus antepassados o Alberto foi professor de ensino
confirmatório em Alto Santa Joana. Depois seu filho o
sucedeu no ensino em Santa Joana. Como lá era uma
216
região muito isolada, a proibição do alemão não chegou lá
529
tão rápida com o em outros lugares.
Quem visitasse as regiões mais afastadas da colonização
teuta no estado de Espírito Santo, no começo dos anos trinta,
certamente
se
depararia
com
uma
população
com
muitas
características semelhantes a dos primeiros imigrantes que aqui
chegaram. Continuavam falando os idiomas e dialetos dos antigos
que aqui chegaram, apesar do franco predomínio da língua
pomerana sobre os demais, porém, a resistência à assimilação de
qualquer cultura nativa continuava muito forte
530
. A vida destes
“colonos” ainda se resumia ao dia a dia de uma existência vivida
dentro de um raio de não muito mais de dez ou quinze quilômetros.
Este processo já tinha iniciado com os pioneiros, pois ao serem
instalados em meio a uma densa mata, sem a presença de um
estado patrocinador da educação integradora e com apenas uma
também precária presença da igreja luterana ou católico-tiroleza,
rapidamente criaram o seu mundo próprio que persistiu durante
décadas. A vida que tinha para ser vivida era a vida do campo.
Nas pequenas cidades como Itarana, Serra Pelada e Afonso
Cláudio, eles tinham pouco contato porque havia o
comerciante que era o fornecedor, ele era o
531
“supermercado”. Era tudo na vida do colono.
Não tinham com quem falar (em língua portuguesa). Havia
alguns “brasilioner”, mas, não compreendiam o que falavam.
529
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
531
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
530
217
Quando éramos pequenos começamos a aprender um
532
pouco .
A simplicidade da colônia com suas rotinas imutáveis
rapidamente passou a formar este novo cidadão preocupado com o
dia a dia, com sua família, com a sua produção, enfim, com a sua
sobrevivência.
Todo o quadro envolvendo as relações sociais
tornou-se muito simples. Não havia qualquer tipo de envolvimento
político. E as atividades culturais e religiosas estavam restritas aos
encontros domingueiros na igreja.
Com estas características,
introvertido, resistente a quaisquer inovações, o colono teutobrasileiro do interior espírito santense, talvêz pela sua tenacidade e
persistência terminou estigmatizado como o pomerânio cabeçadura, o “Hatschädlicher Pomeraner”. Entretanto, independente do
grau das suas dificuldades, sempre conseguiu sobreviver. Afinal de
contas, há mil anos vem aprendendo a sobreviver.
4.23 A colonização de Laranja da Terra
Há uma nítida impressão de que a migração sempre
costumava acontecer em grupos ou grupos familiares. Foi este
também o exemplo dos filhos de Jacob Seibel. Todos os filhos,
depois da venda das propriedades em Rio Farinhas, seguiram para
Santa Joana e poucos anos depois para Laranja da Terra. A forte
liderança de Guilherme, apesar da sua pouca idade, logo fez com
532
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
218
que o grupo viesse a estabelecer uma sólida base nesta última
localidade
533
.
Quem era Wilhelm Seibel? Difícil de explicar. Entretanto,
saído de uma família muito numerosa, tornou-se um líder
carismático, idealizador, inovador, cujas histórias vêm atravessando
gerações.
Figura 29: Primeiro coral de trombones de Laranja da Terra.
Imagem gentilmente cedida por um neto de Wilhelm Seibel.
Quem primeiro deu aula foi o Wilhelm Seibel. Depois passou
para outro. [...] Ele escrevia muito bem. E pelo que sei, não
teve grande escola. Eu também não fui para escola. Aprendi
a ler sozinho. Na verdade nós fomos à escola, nas era um
dia da semana. Aprendemos a copiar o nome do quadro e
533
GROTTKE, op. Cit.
219
desenhar na lousa. Depois chegávamos em casa e tudo já
estava apagado. Na verdade [...] mesmo com todas estas
dificuldades, conseguiram aprender alguma coisa. Isto prova
que não eram burros. Não eram ensinados e quem podia,
dava um jeito de aprender sozinho. O Wilhelm Seibel dava
as aulas no tempo dele. Eu já fui à Gemeindeschaul da
nossa igreja. O P. Lankholf também dava aula. Ao todo acho
534
que fui para a escola uns 50 dias.
(as aulas?) Era em Picadão. Dava uma hora e meia à pé.
Levantávamos muito cedo, preparávamos um pedaço de
pão e um ovo cozido e atravessávamos a montanha em
direção à escola. [...] Tinha muito porco do mato. Em todas
as terras ao redor da nossa. Às vezes ouvíamos eles perto
da estrada. Passávamos bem devagar. Tínhamos muito
535
medo.
Com o seu crescimento, Laranja da Terra passou a receber
novos habitantes. A região de Serra Pelada, não tão fria e não tão
quente, tinha sido pouco mais do que uma região de passagem para
os migrantes. Entretanto, a medida que também ocorria o
estabelecimento de migrantes em Três Pontões, próximo à sede de
Afonso Cláudio, mais e mais famílias foram adquirindo terras na
área de Lagoa. Foi desta forma que também a família de Henrique,
o último dos irmãos Seibel remanescentes em Santa Joana retornou
para as terras quentes
536
.
Os Seibels sempre tiveram muita terra e eles venderam
tudo. [...] Não sei se eles eram negociantes ou se eles
tinham mais recursos. Agora meu pai era danado como
534
535
536
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
220
negociador de animais. Ele sempre tinha animais bons e
537
vendia caro e comprava outros .
Com relação específica a esta família, na Alemanha tinham
uma casa, que até os dias atuais continua sendo utilizada por outros
familiares e que lhes propiciava um relativo conforto. Porque
decidiram emigrar? Hoje já se sabe que chegaram a Vitória por
terem sido desviados da sua rota original
538
. Naquela época haviam
vendido sua propriedade no povoado de Hamm am Rhein e seguido
seu caminho em direção ao porto de Antuérpia. Ao contrário da
absoluta maioria dos imigrantes, esta família possuía alguma
reserva em dinheiro
539
. Em Rio Farinhas a família chegou a ter uma
propriedade de considerável extensão
540
.
Daqui se deslocaram
para Santa Joana e, mais tarde, para Laranja da Terra. “Na época
não se sabia da existência das terras em Laranja da Terra. Só mais
541
tarde foi que abriram o caminho até lá”.
Em 1921 vieram para Laranja da Terra. Aqui tinha muito
porco do mato. Quando chegamos aqui já íamos na escola.
Levávamos um fatia de pão de milho ou pão de banana e às
vezes levávamos uma garrafa de café preto. A escola era
muito severa. Naquele tempo o professor mandava na
escola. Tinha chicote. Era um professor alemão. Tinha muita
537
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
539
Este é um argumento a favor da teoria de que os mais pobres tenham sido embarcados para o
hemisfério sul e que aqueles que possuiam algum bem material eram conduzidos
preferencialmente para os Estados Unidos. Prova disto está no documento de liberação dos
Seibels, guardado no Arquivo Público de Darmstadt – ex-capital do Grão-Ducado de Hessen
Darmstadt.
540
Dados do senso estadual.
541
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
538
221
coisa. Fazíamos exercícios. Tínhamos que marchar. E todo
542
mundo obedecia. Aprendiam a ler e escrever direitinho.
Todos vieram para Laranja da Terra, só que o Heinrich veio
543
e depois retornou para Santa Joana. [...]
Ele (Henrique) fez um moinho na casa dele, ao lado da
cascata. (nos primeiros anos os irmãos de Laranja da Terra
levavam milho para moer em Santa Joana). Depois
passaram a fazer moinhos por aqui em Laranja da Terra. Na
544
época ainda tinha muita água e se podia fazer isto .
Seu filho, mesmo tendo mais quatro irmãs, pelos costumes
da colônia, precisava receber sua própria colônia de terras. Tão logo
tinha completado a idade de cinco anos recebeu a sua propriedade
em Serra Pelada, uma região, cujo nome lembrava a longa
cordilheira ali existente de praticamente dez quilômetros de
comprimento, coberta por parca vegetação de aspecto geralmente
muito ressequida
545
.
Com a aquisição de uma área adjacente, em 1930, Henrique
providenciou a transferência de toda a família para esta região de
clima um pouco mais quente. A distância não era grande, porém,
transpor a alta montanha da Manquinha, com todos os seus
pertences colocados sobre as cangalhas de mulas também exigia
um grande sacrifício. A nova área de terras que incluía a
propriedade do filho Lourenço estendia-se ao longo de quase
metade do vale do Rio da Várzea (Fig. 30). Na prática era uma das
regiões mais isoladas do interior do estado de Espírito Santo. O
542
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada com D.B. na cidade de Laranja da Terra, no dia
28/07/08.
543
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada com D.B. na cidade de Laranja da Terra, no dia
28/07/08.
544
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
545
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
222
limite oriental confundia-se com uma floresta virgem. Copas de
árvores centenárias sobressaíam-se no mar da vegetação verde
escura do período pós-chuva. No ocidente, a visão era interceptada
por uma serra desnuda, formada de um granito quase preto, sobre o
qual se assentava a fina camada de solo que nutria uma parca
vegetação tropical.
Figura 30: Sede de uma “colônia” em Serra Pelada em 1950.
4.24 As florestas devastadas
Nos primeiros anos da imigração toda e qualquer área
cultivável precisava ser “conquistada” pela “derrubada e queima”. Os
pioneiros se deparavam com florestas quase intransponíveis, com
suas árvores centenárias, geralmente com vinte a trinta metros de
223
altura. Precisava-se eliminar esta cobertura natural do terreno para
se obter o espaço necessário à preparação das roças. Era um
procedimento absolutamente desconhecido em seu país de origem.
Desta forma a conquista de áreas para a plantação precisou ser
feito a machado e pelo fogo. Este procedimento tornou-se usual e
durante gerações permaneceu como prática de um sistemático
desmatamento
546
.
Na região de Santa Leopoldina, apesar de mata nativa ter
sido bastante densa, rapidamente se constatou que a pequena
camada de terra mais fértil de dez ou vinte centímetros, se cultivada
durante alguns anos, rapidamente esgotava seus nutrientes. Nos
primeiros tempos, infelizmente, os teutos não prosseguiram com a
prática da adubação como os seus antepassados haviam feito na
Pomerânea
547
. Depois de cinco ou dez anos, de uma cultura
sistemática, muitas vezes, as terras tornavam-se totalmente
inférteis. A alternativa geralmente consistia em destinar estas áreas
para a formação de pastagens para o gado
548
.
Pelo que me lembro, o seu avô, o Heinrich Seibel e o meu
pai já tinham os cafezais prontos e derrubaram muito pouco.
Quando chegaram aqui, grande parte já tinha sido
derrubado. [...] (quando aqui chegaram) Era mais um
capoeirão. Mas mata fechada já não tinha muita. [...] Aqui
para baixo tinha italianos. É possível ver logo. Onde não tem
mais mata é terra de italianos. Derrubaram tudo. [...] (os
alemães deixavam a mata) [...] Eles se organizavam. Não
546
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo..
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
548
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo..
547
224
derrubava tudo, porque sempre que precisasse de madeiras
549
ainda teria onde buscar.
Este procedimento fez com que se passasse a adotar um
sistemático processo de “descanso” do terreno ao se deixar crescer
uma nova vegetação conhecida como “capoeira”ou “capoeirão”.
Havia também o conceito de que uma queima completa poderia
levar à perda da lavoura por um ou dois anos, pois, a prática da
queima localizada de “galhama remanescente” logo evidenciou que
levava a uma maior destruição de partes isoladas dentro do
terreno
550
.
Todas estas observações logo fizeram com que fosse
aumentado o tempo de “descanso” do terreno para dois e
posteriormente para três ou até quatro anos. O milho exigia uma
terra mais ou menos compacta e habitualmente se desenvolvia
menos em áreas muito queimadas. A cultura do café não costumava
ser tão prejudicada, até porque o seu desenvolvimento acontecia ao
longo de diversos anos.
Com o passar dos anos, plantava-se em praticamente todas
as áreas disponíveis, para depois da safra deixar formar um novo
“capoeirão”, ou seja, uma espécie de reflorestamento para a
recuperação das terras. Passados alguns anos esta “capoeira” podia
novamente ser roçada para, a seguir, passar por nova “queimada” já
de uma forma quase regular e sistemática.
novamente estava pronto para o plantio
Assim o terreno
551
.
549
Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
551
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
550
225
Por aqui, já naquela época havia pouca mata para ser
derrubada. Hoje, praticamente, não exista mais mata
virgem. Apenas nos morros altos. Já naquela época havia
muito pouca mata. Onde eu nasci, um ou outro ainda
552
derrubava um pedaço de mata.
A última derrubada em Serra Pelada na propriedade de
Henrique Seibel foi realizada em 1951. A partir desta época a ideia
da conservação da mata remanescente começou a ficar cada vez
mais clara. O que ainda existia precisava ser conservado, pois,
como dizia, “se não o fizermos, como nossos filhos conhecerão
todas estas belezas da natureza?” (Fig. 30). Nesta propriedade na
época ainda havia cinco áreas de florestas remanescentes e
facilmente se conseguia localizar animais silvestres como macacos
(barbados, sagüis), pacas, cotias, ratão do banhado, jacus,
jacupembas,
inhabus,
macucos,
arrubas,
pombas
marrecas e um sem número de animais pequenos
do
mato,
553
.
Faz pouco tempo que proibiram a derrubada das matas. Foi
aí por 1980. No ano de 1983, para poder comprar esta casa
tive que vender uma árvore e madeira de lei. Antigamente
derrubavam a mata e simplesmente tocavam fogo de baixo
em cima. Isto não podia ter sido feito. Só que todos faziam
554
assim. A proibição deveria ter vindo muito antes.
552
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
554
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
553
226
4.25 Santa Leopoldina: O apogeu e a queda
A pequena cidade de Cachoeira de Santa Leopoldina ao
longo dos primeiros setenta anos da imigração havia se constituído
no centro geográfico de toda a colônia teuta-brasileira no Estado de
Espírito Santo e no decorrer do tempo passou a ter uma crescente
importância estratégica. Os europeus que se fixaram na província e
depois estado de Espírito Santo, em sua grande maioria, tiveram
uma origem muito humilde. Somente alguns poucos tinham sido
filhos de pequenos proprietários rurais ou comerciantes, porém a
maioria era constituída de diaristas, ou tinham sido desempregados
ou servos de grandes proprietários de terras
555
. Já em Santa
Leopoldina, depois das primeiras décadas de uma vida com muitas
dificuldades, continuaram sendo uma classe com pequeno poder
aquisitivo, porém já vivendo em suas casas próprias e podendo
usufruir de uma alimentação mais saudável
Os
município,
comerciantes
radicados,
gradativamente
556
.
sobretudo
foram
na
acumulando
sede
do
riquezas,
transformando-se aos poucos em uma nova burguesia capixaba.
Toda a comunicação entre a sede da colônia e Vitória era feito pelos
barcos que percorriam o Rio Santa Maria, conduzidos por homens
musculosos, de inteira confiança dos comerciantes. Os barcos
levavam o café para capital e no seu retorno traziam dinheiro e
produtos de consumo para a população
557
.
555
Dados do Museu do Imigrante de Santa Leopoldina - ES
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
557
Conta-se que Jacob Seibel durante alguns tempo trabalhou neste tipo de embarcação, até
porque na Alemanha, durante muitas gerações, seus antepassados foram barqueiros. Relato
detalhado em “Imigrante, a duras penas”, do autor.
556
227
Toda a geração desta riqueza teve por base a produção do
café na pequena propriedade rural. O transporte deste produto
desde a sua origem era feito no lombo das tropas de animais e sua
comercialização e exportação acontecia com a intermediação dos
comerciantes desta cidade, para depois ser transportado pelos
canoeiros até os armazéns do porto de Vitória
558
.
Assim, nos anos de 1920 e 1930 a cidade de Santa
Leopoldina também já era um importante centro cultural
559
. A
riqueza gerada pelo seu comércio, como entreposto comercial entre
os pequenos comerciantes e os compradores da Europa e da
América do Norte trouxe conforto e luxo. Há quem diga que nesta
época já havia cerca de oito pianos espalhados pelas diversas
casas deste pequeno aglomerado urbano
560
. Consta que as
companhias de teatro geralmente iniciavam suas apresentações na
sede da Colônia para depois seguirem o seu roteiro por Vitória
561
.
Em contrapartida, no restante da colônia, toda esta riqueza
gerada pela produção do café, especialmente entre os anos de 1865
e 1930, gradativamente também foi sendo consumida pelo próprio
custo da migração interna. Um agricultor com oito, dez ou doze
filhos preocupava-se, sobretudo com a compra de novos sítios, para
os seus filhos. Havia uma permanente procura por novas áreas de
assentamento para a população mais jovem. Isto representava
custos. Nesta época, já não mais havia distribuição de terras
devolutas e o dinheiro da venda do café, o grande gerador de
558
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Vale lembrar que Jacob Seibel antepasado do autor, quando jovem também participou desta
atividade de transporte fluvial.
559
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
560
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
561
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
228
recursos passou a ser o alimentador desta preciosa necessidade de
verbas. Quem conseguia produzir um bom café, tinha acesso a
novas terras. Quem não conseguia, precisava empregar-se como
diarista
562
.
Com o passar dos anos a ambição dos comerciantes de
Santa Leopoldina na ampliação dos seus negócios em regiões mais
novas como Santa Tereza fez com que patrocinassem a construção
da estrada, inicialmente para Santa Tereza e depois para Cariacica,
nas proximidades de Vitória. As inaugurações destas novas
estradas costumavam ser festejadas de forma grandiosa
563
.
Contrariando o cálculo inicial dos seus patrocinadores, a
abertura desta nova via de escoamento logo trouxe sérios prejuízos
ao comércio leopoldinense. O transporte do café passou a ser feito
por caminhões, saindo do pequeno comerciante do interior
diretamente para Vitória, a capital da província
564
. Desta forma
facilmente se pode compreender como a abertura de estradas
representou o começo de um lento fim da hegemonia e do esplendor
do que chegou a ser a mais importante cidade do estado de Espírito
Santo, do início do século vinte.
Gradativamente, canoas e tropas foram sendo substituídos
por caminhões. Santa Leopoldina, como entreposto comercial entre
os compradores de café da Europa e da América, foi sendo
substituído por novos compradores de café de Vitória, os quais
562
Toda a família prolífica alimentava o sonho de ver seus filhos assentados em terras próprias.
Com isto, todo e qualquer excedente pecuniário originário das suas “colônias” precisava ser
convertido em novas propriedades.
563
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
564
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
229
passaram a comprar o produto do pequeno comerciante do interior e
os entregavam para o embarque diretamente no porto de Vitória
565
.
Foi este o início do fim de uma época de esplendor e de
muita riqueza desta cidade interiorana. As tropas de mulas que
outrora haviam abastecido a sede da colônia, agora, deslocados
para os mais remotos vales, continuaram levando suas cargas,
porém, de produtos para o pequeno e médio comerciante. Foi assim
que, com a abertura das estradas, o domínio do comércio escapou
das mãos dos desavisados barões do comércio leopoldinense, para
ser compartilhado com outros estabelecimentos comerciais de
Vitória, favorecida pela sua localização nas adjacências de um porto
marítimo de um lado e pela sua facilidade de acesso ao pequeno
comerciante do interior ao da colônia, graças às estradas
construídas pelos próprios concorrentes de outros. Isto fez com que
Santa Leopoldina entrasse em franco processo de decadência
econômica
566
.
Desta forma grandes fortunas acumuladas pelos poucos
novos ricos da nova aristocracia espírito-santense, da mesma forma
como chegaram, foram escoando sem se saber para onde. Grandes
extensões de terras, décadas antes tomadas de pequenos
agricultores que não puderam honrar seus empréstimos junto a
comerciantes, novamente trocaram de mãos ou eram simplesmente
vendidos a qualquer preço para quem por eles se interessasse
565
567
.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
567
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
566
230
A abertura das estradas até Vitória terminou permitindo o
desenvolvimento de um comércio muito forte na capital do Estado. O
café, por ser o principal produto da riqueza de Espírito Santo e
também por ter como destino a exportação, terminou fortalecendo o
comércio das proximidades do porto de embarque de produtos de
exportação. Assim, o centro das operações financeiras do estado
passou de Santa Leopoldina para a Capital do Estado. Como
consequência, e não podia ter sido diferente, teve início de um lento
e fatal desaparecimento dos grandes atravessadores do café,
representados justamente pelos grandes comerciantes de Santa
Leopoldina
568
.
Por outro lado, as outras duas grandes categorias
profissionais constituídas pelos conoeiros e pelos tropeiros tiveram
destinos diferentes. O primeiro grupo, na sua grande maioria
descendentes de africanos, ao verem-se sem trabalho e com suas
embarcações paradas nos portos, migraram para a crescente
demanda de força muscular bruta como estivadores do porto de
Vitória. Aos tropeiros, substituídos pelos veículos motorizados nas
estadas entre Santa Tereza, Santa Maria e Vitória, não restou
alternativa que não fosse embrenharem-se nas pequenas picadas,
nos longínquos sítios do interior capixaba. Desta forma, até o final
da década de 1950 ainda continuaram como donos absolutos do
recolhimento das riquezas das altas encostas, alimentando o
pequeno comércio do interior da mata capixaba
568
569
569
.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
“Nas pequenas cidades como Itarana, Serra Pelada e Afonso Cláudio, eles tinham pouco
contato porque havia o comerciante que era o fornecedor, ele era o “supermercado”. Era tudo
na vida do colono”.
231
5 IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO E A FORMAÇÃO DE UMA
CONSCIÊNCIA TEUTO-CAPIXABA - 1930 – 1940
5.1 O pangermanismo
Falar em pangermanismo no Brasil é muito difícil, até pela
própria definição do termo. Isto, porque, Pangermanismus ou
Altdeutsche Bewegung, uma tentativa de resgate aos antigos
costumes germânicos foi um movimento do século dezenove e que
defendia a unidade destes povos da Europa Central. Foi uma
referência à Alemanha unificada de Bismark e ao Império AustroHúngaro e seus pretensos sentimentos de expansão, especialmente
para o Leste Europeu.
Aqui, talvez, se poderia falar mais em um movimento
“germanizador” da população pomerana. Na realidade, ao longo de
toda a história deste povo podem ser identificados diversos
movimentos “germanizadores”
570
.
Assim, o próprio processo de
cristianização, por ocasião da chamada “Cruzada contra os gentios
do Leste Europeu” colocou a população primitiva da Pomerânea sob
o jugo dos germânicos.
570
FACHIN, op. Cit. p. 17.
232
Este
processo
foi
novamente
reforçado
com
a
“luteranização” deste povo e a definição das suas fronteiras políticas
baseado no “ser luterano-alemão” ou “ser católico-polonês”
571
.
Já no Brasil, os pomerânios sofreram uma nova tentativa de
“germanização” sob a batuta dos pastores alemães. “Tudo era
liderado pelo pastor. Eles eram muito rigorosos. Os pastores tinham
muita liberdade. Geralmente eram pastores que falavam pouco e
alto, para todo mundo ouvir”.
572
O medo dos pastores fazia com que
os colonos aceitassem todas as exigências destes, mesmo muitas
vezes descabidas.
As mulheres pomeranas naquele tempo usavam vestido
comprido e cabelo comprido. Os homens quando iam votar
em Afonso Cláudio iam de termo. Aí o P. Grotke disse que
os homens se podiam ir de terno votar na cidade, deveriam
também poder vir na igreja aos domingos de terno. Na
verdade eles tinham um terno único e que passaram a usar
para todas as ocasiões. Casamento, para votar, para ir à
573
igreja...
Como minoria no mundo dos teuto-brasileiros no Brasil, “a
cultura alemã” hegemônica agiu novamente sobre o mundo cultural
pomerânio “germanizando” a maior parte dos costumes e até dos
ritos advindos da cultura pagâ pomerana
574
. Ainda, segundo este
mesmo historiador, o “modo de ser alemão socialmente aceito pelo
imgaginário coletivo como modo superior influenciou muito as
perspectivas pomeranas no Brasil [...] mas não eliminou esta
cultura”.
571
KROCKOW, op. Cit.
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
574
FACHIN, op. Cit., p. 17.
572
573
233
Os pastores davam aulas, eles tentavam demonstrar sua
superioridade perante os alunos, não existia separação de
575
série, todos os alunos estudavam na mesma sala.
[...] os Pastores faziam o papel de conselheiro, advogado,
professor e tinham autoridade perante a comunidade,
inclusive a mulher do Pastor chamava a atenção dos pais
576
sobre os filhos durante o culto.
Dentro desta ótica é muito difícil identificar um sentimento de
pertencimento a um germanismo europeu ou mesmo uma
concepção de pangermanismo no imigrante pomerânio no estado
de Espírito Santo. Ouvindo os moradores mais antigos das colônias
teuto de Espírito Santo, logo se constata que os antigos assentados,
já
com
o
passar
das
primeiras
décadas
rapidamente
se
transformaram em uma população pouco preocupada com os
acontecimentos ocorridos fora das colônias. Seu interesse passava
a ser cada vez mais centrado nos acontecimentos do cotidiano O
próprio idioma pomerânio constituiu-se em uma grande barreira.
Desta forma, mais preocupados com sua própria comunidade e
também pela absoluta falta de oportunidade terminaram pouco
conhecendo dos acontecimentos nacionais e muito pouco sabiam da
Europa. Além disto, é preciso lembrar que “Mas a língua alemã era
um pouco complicada. Era difícil de conversar. Mas o culto era todo
dado em alemão [...] (para muitos) era difícil de entender.”
577
O pomerânio já havia, há muito tempo, formado o seu
sentimento de pertencimento. Diziam, somos pomerânios e não
somos alemães. A sua língua era o “plattdüsch” e não o “dütsch”.
575
576
577
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
234
Acredito que foi mais uma dificuldade. Não sabiam falar o
pomerânio. Até já li alguma coisa no sentido de se
admirarem como uma língua, depois de tantos anos ainda
havia se conservado ainda tão bem. Tentou-se, de certa
578
forma impor uma língua oficial, mas, isto não funcionou.
Muitos mal entendiam as prédicas ou sequer as entendiam.
No ensino confirmatório tudo precisava ser decorado. Os pastores
antigos “nunca aprendiam” a comunicar-se na língua pomerana.
Além disto, condutas por vezes adotadas pelos mesmos, muitas
vezes realimentavam o medo que incutiam. “Eu fui uma vez na casa
do pastor e terminei apanhando dele. Levei três lambadas. As outras
crianças apanharam mais ainda. Eu levei só três lambadas”.
579
Não se podia chamar o pastor de Herr Praister e sim, Herr
Pastor
580
. Isto caracterizava todo um autoritarismo inerente a esta
expressão e o sentimento de medo daí resultante.
Só lembro que o (pastor) Balbach pernoitava na casa dos
meus pais. Era uma viagem muito longa a cavalo. As
crianças tinham muito medo do pastor. Todo mundo tinha
que ficar em silêncio. Somente o pai e a mãe conversavam
581
com o pastor.
O (pastor) Balbach [...] era muito brabo e vivia xingando
dentro da igreja. Quem chegou a conhecê-lo deve se
lembrar. Um dia eu usei a palavra “Praister” quando me
referi a ele. Levei uma xingada quando ele me disse que era
“Herr Pastor”! Ninguém podia chamá-lo de “Praister”. Era
“Herr Pastor”. As pessoas davam risada. Mas não se podia
582
falar diferente [...].
578
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
581
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
582
Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
579
580
235
As pessoas sempre tiveram muito medo dos pastores. Eles
eram muito brabos e as pessoas sequer entendiam o que
583
falavam.
Os
pastores
antigos
realmente
nunca
demonstraram
interesse em se comunicar na língua pomerana. Talvez a explicação
histórica para este fato fosse a mais plausível, pois, com o ocaso da
Liga Hanseática, a sua língua oficial, a pomerana, também perdeu
sua importância.
Acredito que foi mais uma dificuldade. Não sabiam falar o
pomerânio. Até já li alguma coisa no sentido de se
admirarem como uma língua, depois de tantos anos ainda
havia se conservado ainda tão bem. Tentou-se, de certa
584
forma, impor uma língua oficial, mas, isto não funcionou.
Na
realidade
a
população
estava
cada
vez
mais
enclausurada na sua vida quase que restrita ao núcleo familiar e às
saídas domingueiras para os eventos relacionados à igreja e às
visitas aos parentes e vizinhos. Qualquer nova informação do
mundo exterior somente chegava até eles se fosse intermediado
pelos pastores ou pelos poucos professores que mantinham uma
comunicação regular com a Europa. Mesmo na década de 1920,
quando houve uma ampla propagação da cultura germânica nos
estados do sul, a vida no interior capixaba parece ter seguido a sua
rotina
583
584
585
585
.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
236
Ainda na década de 1930, apesar de certa simpatia com que
o governo getulista se relacionava com as ditaduras da Alemanha
do nacional socialismo e da Itália fascista estes aspectos não
costumavam
ser
discutidos.
Todos
estavam
muito
mais
preocupados com o dia a dia da sua propriedade e com sua
igreja
586
. Por outro lado, quem era alemão não se misturava com
pomerânio e os próprio observado em entevistas com descendentes
de alemães aqui chegados na época da Segunda Grande Guerra.
“Minha mãe falava pomerânio. Meu pai nunca aprendeu a falar
pomerânio. Ele falava francês, inglês, espanhol e depois português.
Mas o pomerânio foi difícil”.
587
Ele (o pai do entrevistado) tinha muita dificuldade para
entender o pomerânio. Outras línguas ele falava diversas.
Mas pomerânio não. Mas ele falava alemão alto bem
certinho. Tem o pessoal aqui para cima que também fala um
588
589
alemão diferente. É o Hunsrück . Eles são “Hunsbukler”.
O Pastor Grotke dava o Ensino Confirmatório. Ele vinha a
cavalo. Usava umas grandes botas. E nestes dias também
dava o ensino confirmatório. Aprendíamos os mandamentos,
os artigos, a Santa Ceia. [...] Eles só falavam em alemão.
Mas acho que não contavam nada de lá. Eles eram muito
590
sérios. Só faziam o seu sermão.
Depois desta guerra, o espírito de superioridade alemão
ainda permaneceu durante alguns anos na forma como os pastores
estrangeiros passaram a retomar o seu trabalho. Entretanto, o
586
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
588
O terno “Hunsbuckel” é derivado da palavra hunsrück, mesmo significado, isto é, “lombo de
cachorro”, originário da região do Hunsrück no Médio Reno.
589
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
590
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
587
237
sentimento de que os ofícios religiosos teriam que ser realizados de
maneira mais acessível começava a tomar forma. Era preciso fazerse entender pelo povo pomerânio.
Quando cheguei aqui, vi que tinha muita gente que falava
em pomerânio. Disseram-me que teria que pregar em
alemão. Com isto passei a preparar o meu sermão em
português e depois traduzia para o alemão. Aí observei que
pouca gente entendia o alemão. Pouca gente como o seu
pai (referindo-se ao pai do pesquisador), falava o
Hochdeutsch. Os pomerânios não entendiam nada do que
eu falava em alemão. Só entendiam pomerânio. A gente
591
sentia que eles não tinham idéia do que eu falava.
O Pastor [...] era muito rígido. Hoje as coisas mudaram, mas
na época era muito difícil. Na época, também parecia como
sendo alguém com muita autoridade: eu mando aqui e
vocês devem obedecer! Com isto nos acostumamos ao
pastor. Ele tanto pregava a palavra de Deus, ele ajuda
quando precisa, ele ensina. Ele fazia tudo isto. Não havia
tanta liberdade como hoje. Os mandamentos a gente tinha
que aprender. Eu nunca perguntava nada ao pastor. Não se
592
sabia que existia bíblia.
Gradativamente, na década de 1930, o nacionalismo
brasileiro foi-se tornando mais agressivo contra tudo que não fosse
legitimamente “brasileiro”. Com isto também a atuação dos pastores
de origem alemã passou a ser cada vez mais limitado. Em
contrapartida, a assistência religiosa prestada pela Igreja Missúri
passou a ser mais ostensiva e mais flexível nos aspectos
financeiros. Esta nova realidade deu origem a novos conflitos de
interesses nesta disputa por um público com características muito
próprias. Em algumas localidades ocorreu uma verdadeira guerra
591
592
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. quadragésima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
238
entre as duas correntes. O exemplo mais elucidativo foi o
acontecimento na localidade de Três Pontões, onde a maior parte
dos membros da comunidade, por votação, optou pela assistência
espiritual feita pelo pastor Missúri.
Pode-se dizer que o Brasil entrou na guerra da Europa,
talvez contra a própria vontade até porque, com o seu próprio
modelo de governo da época sempre simpatizou com as
administrações do “eixo”, isto é, da Alemanha de Adolf Hitler e da
Itália do Mussolini. Isto, de certa forma até poderia explicar o
comportamento americanófolo da Igreja Missúri na época da guerra.
Há quem diga que toda esta dificuldade foi criada por ordens
superiores
e
que
depois
resultou
em
uma
série
de
desentendimentos locais.
5.2 Uma cultura teuto-capixaba
A constante migração do colono pomerânio para áreas de
novos assentamentos se perpetuou pela sistemática das contínuas
conquistas de áreas a serem desmatadas e repassadas aos seus
filhos. Este papel preservou neles a característica de eternos
desbravadores solitários. Este teuto-brasileiro “caipira” sempre
esteve centrado na sua própria sobrevivência e na sobrevivência da
sua prole. O seu pequeno mundo, que na Europa estava restrito à
propriedade do latifundiário, aqui continuou centrado na vida em seu
lote de terras e na sua pequena comunidade. Seus contatos com o
mundo exterior continuaram sendo o vendeiro, no campo financeiro
de compra e venda de mercadorias, o pastor ou padre no campo
espiritual, educacional e de definição da conduta moral.
239
O processo de adaptação, ou quem sabe, de aculturação
dos imigrantes no Estado de Espírito Santo poderia ser enquadrado
em três fases distintas
593
.
A primeira durou praticamente duas décadas. Foram os
anos em que os assentados assumiram os seus “prazzos”
594
e
passaram a produzir o suficiente para a sua subsistência, ao mesmo
tempo em que passaram a se isolar hermeticamente de qualquer
influência social e cultural da população nativa brasileira. Criaram
um modus vivendi em que, de um lado, procuravam conservar a
forma de construir suas habitações, o seu estilo de vida e o idioma,
ao mesmo tempo em que a comunicação oral por ocasião dos
encontros para os ofícios religiosos costumava girar cada vez mais
em torno das vivências do dia a dia da colônia. Certamente
procuraram organizar uma sociedade, talvez até próxima daquela
que haviam deixado para trás. Logicamente sem o fator opressivo
do domínio feudal da antiga Pomerânia. A preservação dos antigos
costumes e a própria maneira de pensar e de agir socialmente os
distanciava do estilo de vida do caboclo e dos descendentes dos
antigos escravos. Desta forma procuravam conservar características
de rotinas advindas do dia a dia da velha pátria, como a própria
distribuição de tarefas na labuta do cotidiano e de envolvimento de
toda a família, inclusive dos filhos na jornada diária do trabalho
593
595
.
Uma disposição didática elaborada pelo autor.
Denominação utilizada para os "lotes” ou “colônias” recebvidos por cada família de imigrantes
assentadas na província de Espírito Santo.
595
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. e
protagonizados por dois antigos lideres de comunidades, a saber, Jacob Seibel, no Vale do Rio
Farinhas e Guilherme Seibel, no Vale do Rio Santa Joana e depois na localidade de Laranja da
Terra.
594
240
A
segunda
fase
de
certa
forma
até
se
confunde
cronologicamente com a primeira e continua com a terceira e diz
respeito à conscientização de que a escolaridade e o aprendizado
dos filhos precisavam ser resolvidos com recursos próprios. O
governo da Província pouco fazia para combater o analfabetismo.
Porém, tanto os pastores como os padres exigiam dos jovens uma
instrução mínima para poderem ser confirmados ou crismados. A
falta de professores com uma habilidade adequada resultou na
convocação de ”professores de colônia”, uma espécie de mestres
com algum conhecimento, mesmo que precário. Assim, agricultores,
atuando em suas lavouras, em uma parte do dia e valendo-se do
pouco conhecimento de que dispunham, procuravam ensinar às
crianças das proximidades algumas noções de escrita e de leitura
596
.
A terceira fase do processo de adaptação teve início na
terceira
década
do
assentamento,
quando,
forçada
pelo
esgotamento do solo e pelo grande crescimento populacional
começou a migração interna. Com esta, em um primeiro momento
ocorreu a saída dos filhos maiores do Vale do Rio Santa Maria e
arredores na procura por novas terras. Esta constante procura teve
seguimento até áreas próximas, ainda nas Terras Altas e finalmente
para as Terras Quentes e na direção da margem do Rio Doce.
Na virada do século, o predomínio dos costumes dos
pomerânios sobre toda a população teuto da colônia já se
manifestava de forma cada vez mais incisiva. Era um povo com
características que se identificavam cada vez mais com os primeiros
emigrantes daquelas terras outrora pertencentes ao pequeno
Ducado localizado na região entre o nordeste da Alemanha e
596
Exemplificado pela situação vivida pelo próprio autor na sua infância.
241
noroeste da Polônia. Foi daquela “terra perto do mar” ou, como
diziam seus ancestrais, “PoMorje”, uma região plana e de muitos
lagos e rios, que vieram aqueles que aos poucos passaram a impor
sua cultura e seus costumes aos habitantes de tantos redutos ainda
muito isolados de Espírito Santo, destes brasileiros ainda tão pouco
conhecidos.
O azul do mar e o branco das pesadas neves do inverno
que constituíam as cores da bandeira de seu país, aqui continuaram
materializados nas cores azuis das aberturas e nas paredes caiadas
de branco de suas casas (Fig. 42). O penoso frio do inverno europeu
deu lugar ao calor de verão. Lagos e rios piscosos deram lugar às
montanhas de matas fechadas e infestadas de mosquitos e cobras.
Os pescadores de arenque do Mar Báltico transformaram-se em
plantadores de café das encostas capixabas.
Aquele povo de pele clara e olhos azuis, que outrora,
durante séculos defendeu suas terras das invasões dos poloneses,
dos cavaleiros germânicos, dos dinamarqueses, dos suecos, tinham
chegado ao Brasil com um sonho de reconstruir suas vidas. Isolados
pela barreira da língua e também pela geografia acidentada da
Colônia, passaram a centrar o dia a dia de sua vida simples e cheia
de desconfiança de tudo que lhes fosse estranho, nos afazeres de
sua propriedade e da vida da comunidade religiosa.
Porém, da
mesma forma como aconteceu tantas vezes em sua terra de origem,
voltaram a se sentir enganados por comerciantes escrupulosos, por
vendedores ambulantes cujo idioma quase não entendiam e pelas
autoridades que viam neles vítimas fáceis de serem ludibriadas.
O isolamento em pequenas comunidades passou a ser a
alternativa para a autopreservação. As lembranças de histórias de
242
seus antepassados pareciam renovar-lhes o medo de novamente
perderem os seus bens e de terem que refugiar-se em outros
recantos. Na Europa os pomerânios tinham vivido em um relativo
isolamento nos latifúndios e talvez até em função de toda uma luta
contra as constantes investidas de potências vizinhas mais fortes.
Aqui, além de ter adotada toda uma maneira de ser bem
característica,
esta
população
teuto
vivenciou
o
gradativo
predomínio da língua e dos costumes pomeranos em toda a colônia.
A barreira da língua portuguesa, mantida ou não intencionalmente,
parecia ter-se transformado em um escudo contra a ingerência
estrangeira no cotidiano da família. Ao se encapsularem em seu
próprio mundo, tentaram sobreviver. Em Espírito Santo mais uma
vez, da mesma forma como há mil anos já vinham fazendo uniramse e reforçaram as suas defesas para conseguirem manter a sua
integridade.
Sempre se falava que os pastores estariam ensinando em
língua alta em um lugar onde se deveria falar português. Na
época eu concordei com este conceito. Agora eu me
pergunto, porque a nossa geração não conservou a sua
língua materna, o italiano e o alemão? Na época, bastaria
uma professora que falasse os dois idiomas. Eles não
tiveram dificuldades em aprender o português, mas nós
tivemos dificuldades em manter o italiano. A Dona XXX
falava que teria que ter um professor ensinando português.
Agora acho muito interessante se tivesse havido um
professor falando alemão. Honestamente, ele termina
aprendendo o português. Eles tinham uma dificuldade.
597
Havia uma discriminação em relação a eles.
597
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
243
Eram estes os descendentes tanto de eslavos como de
germânicos que desenvolveram uma série de traços culturais muito
próprios. Ao contrário do secular costume europeu, onde a
população há muito vivia em pequenos aglomerados urbanos, até
como forma de melhorem a proteção contra os inimigos das
constantes guerras, em Santa Leopoldina a ocupação de terras
passou a ser feita a partir do assentamento das famílias em suas
propriedades rurais. Vivendo de forma quase silenciosa, os
pomerânios permaneceram alheios aos acontecimentos do mundo
político e social brasileiro.
5.3 Os colonos teutos e a consciência de grupo
Ao longo das primeiras décadas da colonização pomerana
em Espírito Santo, tanto o isolamento externo
interno
598
, como o isolamento
599
, parecia estar se acentuando. Uma economia baseada na
agricultura de subsistência e de autossuficiência fez com que em
muitas localidades o próprio núcleo familiar passasse a se
transformar em um núcleo comunitário autossuficiente e fechado
600
.
De um lado, a baixa densidade populacional e de outro lado os
precários caminhos em meio às selvas e por cima de montanhas
faziam com que a comunicação entre as famílias ficasse restrita às
visitas aos domingos e aos encontros dominicais na igreja.
598
Isolamento contra tudo que fosse estranho à etnia pomerana.
Isolamento do próprio núcleo familiar e sua vida restrita à propriedade rural. Era uma situação
que comprometia, sobretudo a mulher pomerana, cuja movimentação estava muito limitada à
sua “colônia”.
600
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Muitos relatos das famílias antigas referem-se ao perigo representado pela selva,
especialmente para as crianças no caminho para a escola. Citam os porcos do mato e as
onças como animais selvagens então existentes.
599
244
Lembro das brincadeiras que se fazia. Lembro das caçadas
de passarinho. Os pássaros maiores serviam para comer.
Não se podia sair sozinho até o vizinho. Era muito perigoso.
Uma criança sozinha não podia sair. Naquele tempo tinha
601
muita onça nas matas.
Nos dias atuais há poucos relatos sobre a forma como as
famílias chegaram ao Porto Santa Leopoldina ou mesmo sobre a
própria história da vida familiar da colônia. Em geral, a primeira
geração nascida no Brasil ainda costumava relembrar um ou outro
detalhe da vida na Europa e das dificuldades vividas por seus pais.
Muitas vezes, a segunda geração pouco lembrava da vida dos seus
antepassados da Pomerânia.
602
Tanto os pomerânios como os imigrantes provenientes de
outras religiões da Europa, costumavam conservar muito do seu
estilo de vida. Mantiveram a índole étnica apesar da relativa
adaptação à dura vida na selva. Priorizavam a ordem e a exatidão
das coisas. Mantiveram o temperamento grave e o senso de
religiosidade. Sobrevivia a velha calma dos pemeranos como
também a escrupulosidade, a fidelidade ao dever, a lealdade e a
honradez
603
. Diferenças de riqueza na vida da comunidade pareciam
ter pouca importância
604
.
601
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
603
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
604
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
602
245
Figura 31: Imagem da família do Kaiser, encontrada
em muitas casas de imigrantes.
Desta forma as recordações da vida da velha Pátria aos
poucos foram se transformando em recordações traduzidas na
forma de diferentes canções alemãs e que demonstravam um
246
sentimento de saudade e ao mesmo tempo de conformação
605
. A
própria imagem da família imperial ou do próprio imperador da
Alemanha na parede da “grout Stub”, isto é, na sala de estar era
vista com respeito, mas, como um fato passado. Apesar de já
estarem vivendo no Brasil há duas ou três gerações, manteve-se um
forte sentimento de coesão étnica
606
. Não tinham mais qualquer
vínculo com os seus países de origem nem externavam quaisquer
manifestações de vontade de para lá retornarem, seja pela adoção
de medidas legais como a conservação de eventuais matriculas
consulares para a comprovação de vínculo oficial com o país de
origem ou mesmo de tentativas de obtenção de visto na Europa
607
.
Figura 32: A imagem do Kaiser era vista com respeito.
605
Os imigrantes logo se deram conta que, ao saírem da Europa, os laços com a antiga pátria
tinha sido cortados.
A expressão “somos pomerânios e não alemães” denota um forte sentimento de pertencimento
a este grupo étnico.
607
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
606
247
O que se identifica ao longo de toda esta história é o relato
de povo sempre fiel ao seu ideal da permanente procura por algo
melhor por terras melhores e o apego à sua fé
como dizem
609
608
. Por outro lado,
, “sou pomerânio e não alemão” ou então, “sou
Hunsrücker e não alemão”, chamando atenção para certo culto à
sua origem nos pequenos países ou principados de outros tempos
como o Ducado da Pomerânea ou mesmo do altiplano do Hunsrück,
que no início do século dezenove pertencia à França e depois se
tornou província do Reino da Prússia
Criou-se
um
sentimento
610
.
de
“coesão
étnica”
que
desenvolveu, sobretudo no colono pomerânio, um espírito de união
e de formação de tradições, o que com o passar dos anos passou a
ser expresso na própria forma dos cantos e das danças.
5.4 As Facções do Luteranismo e a coesão dos teutos
As comunidades luteranas, na pessoa dos seus pastores,
sempre tiveram um importante papel como elo cultural e espiritual
com a Europa. Na medida em que estes foram assumindo sua
função de condutores da vida espiritual das comunidades, também
passaram a ter mais influência sobre a vida dos colonos.
As
comunidades ou paróquias já mais organizadas passaram a nortear
o dia a dia e a própria vida espiritual dos pomerânios. O
608
São elementos que transparecem ao longo de toda a transcrição das entrevistas efetuados no
trabalho de campo da presente pesquisa.
Expressões populares ainda utilizadas nos dias de hoje.
610
A Alemanha como país único passou a existir a partir de 1871, quando, depois da vitória sobre
as tropas francesas, o rei da Prússia foi proclamado Imperador do Segundo Império Alemão.
609
248
“Gemeindevorstand” (presbitério) costumava agir dentro da linha de
atuação dos próprios pastores. Até porque a este geralmente cabia
a última palavra nas decisões importantes
611
.
Eu nunca vi pomerânio católico, a não ser que case com
católico. Eram todos luteranos. Uma coisa que observo
muito no pomerânio, é o seguinte: católico para o pomerânio
é sinônimo de brasileiro. Há até certo terrorismo: fulano é
católico. Daí logo vem a pergunta: ah então ele é
612
brasileiro?
Os pastores provenientes da Alemanha costumavam ter
uma influência decisiva, até em função da sua maior escolaridade.
Isto faz com que muitas vezes, além da conduta espiritual também
passassem a exercer um papel de professor nas escolas de
comunidade (Gemeindeschaul) ou até de médico ou de autoridade
salomônica em eventuais disputas surgidas entre os colonos
613
.
De modo geral os antigos muito pouco falam das
dificuldades havidas com a organização da comunidade e da igreja.
Talvez até pelo seu desinteresse em questões políticos e
administrativos ou mesmo por receio de se envolverem em
“questões da igreja”.
Eles nunca falavam muito neste sentido. Mas falaram que
tinham aula três vezes por semana e que as igrejas e os
salões eram construídos em mutirão. Cada família tinha que
dar tantos dias de serviço e ajudar a preparar madeira e até
614
a amassar tijolos.
611
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
613
Em algumas localidades chagava-se a criar uma verdadeira administração “teocrata” à qual
poucos ousavam contrariar.
614
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
612
249
Existiu uma briga entre o Sínodo Brasil Central e o
Gottskasten. Luxemburg era a primeira igreja luterana de
Espírito Santo. Teve uma época em que tinha pastor do
Gotteskasten. Mas os que mais vinham para cá eram do
Sínodo Brasil Central. Não tinha esta união que tem hoje.
Luxenburg era a primeira comunidade Luterana de Espírito
Santo. Depois veio Jequitibá, Califórnia e muitas outras que
615
foram se formando.
É preciso lembrar que também aqui, muitas vezes as
paróquias eram utilizadas como massa de manobra de partes em
litígio
616
. “O agricultor nada entendia das questões doutrinarias.
Apenas precisava aceitar as pregações do seu líder espiritual”. Isto
explica porque comunidades, ao trocarem de pastor, muitas vezes
mudavam de lado nesta disputa por áreas de influência de um ou
outro grupo eclesiástico.
O tesoureiro recebia a contribuição das pessoas e
repassava ao pastor. Não tinha todos estes cargos que tem
hoje. O pastor decidia praticamente tudo. Só na reunião
quando tinha a assembléia, da comunidade, aiíele falava
617
com a comunidade.
Na década de 1930, as comunidades dos descendentes dos
imigrantes de Espírito Santo vivenciaram uma ferrenha disputa entre
as comunidades assistidas pelos pastores das três correntes que
aqui atuavam. Vale também lembrar que a Igreja Missúri, com a
aproximação da Segunda Grande Guerra, combatia abertamente a
615
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
KROCKOW, op. cit.: “Von der Lehre wüssten sie nichts. Ob sie besser sei als die alte, das
könnten sie nicht beurteile, dazu sei de Bauer zu dumm, der müsse glauben, was sein Priester
ihm lehre”.
617
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
616
250
fala alemã. De fato, de um lado, os obreiros alemães chegaram a
ser presos, o que de outra forma não deixava de ser uma maneira
de dizer, “estão vendo, eles são nazistas”. Havia um incentivo à
identificação do “ser pomerânio ou alemão”, com o “ser nazista”.
Mesmo que a origem da Igreja Missúri tenha sido americana não há
provas de que pudesse ter havido alguma orientação neste sentido.
Eu entrei no seminário em 1955 e nunca ouvi este tipo de
relato. Eu nunca ouvi nada a respeito. Aliás, comecei a
sentir a diferença entre as duas igrejas, somente depois que
iniciei o ministério aqui no Esp. Santo. Dentro do próprio
seminário tínhamos a disciplina de história da Igreja e não
tenho lembrança de qualquer professor que pudesse ter
618
falado algo a respeito.
Para as comunidades no Espírito Santo não há grandes
diferenças, entre a antiga Igreja Missúri que deu origem à Igreja
Evangélica Luterana do Brasil e as igrejas alemãs que vieram a
constituir a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Neste
aspecto vale relembrar o escritor von Krockow
619
: “O agricultor nada
entendia das questões doutrinárias. Apenas precisava aceitar as
pregações do seu líder espiritual”.
As duas igrejas reconhecem a Confissão de Augsburgo.
Com isto, doutrinariamente, ambas estão baseadas no
mesmo fundamento, ou seja, na Bíblia e no Catecismo de
Lutero. Agora, as diferenças que se vê aí, são pequenos
detalhes administrativos, isto é, na maneira de arrecadar as
ofertas e na maior sistematização na formação dos obreiros.
Só para exemplificar, algo como na fábrica de telhas. Todos
terão que sair iguais. Os pastores devem sair
618
619
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada. na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
KROCKOW, op. cit.
251
comprometidos com o modus operandi da IELB e não de
acordo com a vontade individual de cada um. Na IECLB
sempre se vê que há uma maior liberdade, dando origem às
diversas correntes dentro da própria igreja. Nisto se poderia
citar os conceitos como o de não batizar crianças pequenas
ou como o caso de um que, em um determinado momento
começou a pregar que o inferno não existia. Existem estas
620
diferenças.
5.5 O Getulismo
A revolução de 1930 muito pouco marcou os descendentes
teuto-pomeranos do interior de Espírito Santo, até porque, o parco
conhecimento do idioma português continuava restringindo o contato
dos “colonos” com a população urbana de língua essencialmente
portuguesa. Excetuando a “meia dúzia” de filhos de imigrantes que
terminaram sendo incorporados às tropas legalistas, poucos
chegaram a se inteirar das razões de toda a movimentação dentro
dos quartéis
621
. “Na época da revolução de Getulio eu tinha 18 anos.
Sei que era uma revolução, mas não se ouvia nada por aqui.”
Pelos
movimento
próprios
militar
relatos
depreende-se
dos
que
que
participaram
muitas
vezes
622
deste
sequer
entendiam as razões pelas quais ali estavam apenas para
dispararem suas armas contra outros brasileiros que também
falavam a mesma língua.
620
621
622
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07 08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
252
A revolução foi em 1932 em São Paulo. Muitos daqui
vivenciaram esta revolução nesta época, inclusive um
vizinho meu. Ficaram 4 meses por lá no exército do Rio de
Janeiro. Era a revolução contra o governador de São Paulo.
Ali morreu muita gente. O Hermann Schmidt, sempre
contava de lá, como eles estiveram aquartelados naquela
623
época.
No decorrer da década de 1930, a própria dificuldade de
trânsito até os centros urbanos como Santa Leopoldina, Figueira,
Afonso Cláudio e mesmo a capital do Estado, continuava sendo
muito difícil para a população interiorana. Isto em parte se explica
pela existência de péssimas estradas como também pelo receio de
muitos se verem obrigados a se entenderem com os “Brasilioner”
(luso-brasileiros ou afro-brasileiros).
Já com a aproximação da guerra na Europa, o governo
getulista passou a estimular cada vez mais o nacionalismo
brasileiro, tendo consequentemente também criado um sentimento
de antigermanismo na população nativa. Tudo que lembrava fatos
ou pessoas não brasileiras passou a ser hostilizado.
Na realidade, aos poucos, também o Brasil começava a
exalar o cheiro da Guerra na Europa. Não demorou muito para que,
também aqui, muitos jovens começassem a ser convocados para o
“Tiro de Guerra”. “Eu estive no exército em 1937. Depois disto
tínhamos que nos apresentar todos os anos ao tenente em Santa
Maria. Mas felizmente não chegamos a ser convocados novamente.”
624
623
624
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
253
5.6 A Propaganda Nazista
Falar em nazismo para um pomerânio é no mínimo uma
grande desinformação de quem o faz. Como já se viu anteriormente,
“não somos alemães, somos pomerânios”. Todo o sentimento de
indiferenças às questões políticas sempre demonstradas por este
povo originário do Mar Báltico foi também responsável pela não
aderência
ao
movimento
nacional
socialista
propagado
isoladamente por alguns poucos defensores desta ideologia
625
.
Hoje sabemos que houve, de fato, um envolvimento de
pastores do Sínodo Riograndense com o próprio movimento nazista
da Alemanha. Apesar de serem controvertidas as informações, não
há comprovação da existência de grupos de juventude nazista no
estado de Espírito Santo. Hoje se consegue muitos depoimentos
testemunhando pela inexistência deste movimento no âmbito das
colônias teutas de Espírito Santo. “Não saberia avaliar até que ponto
houve
certa
simpatia
pela
envolvimento, desconheço.”
626
causa.
Mas
que
tenha
havido
É mais provável que tenham existido
grupos dos Camisas Verdes do Movimento Integralista Brasileiro
627
e que este tenha sido confundido com algum grupo de juventude
hitlerista.
Esta foi a principal razão pela qual a esporádica propagando
da juventude hitlerista ou do nacional socialismo teve pouquíssima
625
Entre os entrevistados nada se conseguiu identificar que pudesse caracterizar algum tipo de
“propaganda nazista”.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
627
Ricamente ilustrado nas entrevistas transcritas no anexo C.
626
254
repercussão no meio rural capixaba. Muito pouco se falava neste
assunto. “Não havia alemão visitando os colonos por aqui.”
628
Há até uma história de um assalto que teria ocorrido em São
Bento. Que teria sido pré-meditado contra famílias alemãs.
Havia muita perseguição. Isto porque se confundia qualquer
não brasileiro com nazista. Por aqui ninguém gostava de
629
nazistas.
Quem vivia no meio rural, estava preocupado com sua
lavoura com o bem-estar da sua família e com o preço do café.
Pouco se importava com os prospectos e o material de propaganda
nazista que, por vezes, lhe chegavam às mãos. Se nas figuras viam
o ditador Adolf Hitler acariciando os cabelos loiros de crianças
germânicas significava apenas que mais alguém, importante ou não,
muito longe de lá, no além-mar, também demonstrava estar
gostando de crianças
temos a ver com isto?
630
. Os adultos se perguntavam: “o que nós
631
” Suas prioridades eram outras. Até porque
a sistemática perseguição a tudo que lembrasse o “ser um alemão”
trazia medo e apreensão.
Não tenho lembrança disto, seja da escola ou mesmo das
pessoas da época. Ouvia falar que uma professora
brasileira, a Vanda Pimenta, que dava aulas em uma escola
lá para cima e que tinha sido muito ruim com as crianças da
colônia. Era muito severa e judiava das crianças.
Costumava falar que este pessoas de descendência ainda
iam ser “carneados” como se abate uma galinha. As
crianças desconheciam a língua portuguesa e foram
proibidas de falar qualquer palavra em pomerânio. Mesmo
628
629
630
631
Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Material de propaganda que chegou às mãos do pesquisador na época da sua infância.
Mesmo depois da Segunda Grande Guerra, poucos falavam sobre o assunto.
255
entre os adultos poucos sabiam falar qualquer coisa em
632
português.
5.7 O Nacionalismo Brasileiro e o troar dos canhões na Europa
A perseguição aos hábitos a costumes dos imigrantes
capixabas na realidade já tinha iniciado com a chegada dos
Camisas Verdes do Movimento Integralista Brasileiro
633
.
Conheci uma pessoa que foi líder do integralismo aqui na
região (Otaviano Santos). Domingos Martins foi berço do
Integralismo no ES. Faziam desfiles. Usavam aquela camisa
verde. Muitos confundiram integralismo com nazismo. Uma
coisa não tem a ver nada com a outra. Mas todo mundo
achava que tinha. Tanto que até ele que era líder do
integralismo daqui, depois foi contra. O movimento foi muito
forte. Tem muito gente que ate hoje ainda sabe cantar o
634
hino do Integralismo.
Entretanto, as maiores dificuldades ainda estavam por vir. A
guerra iniciada na Europa em 1939 forçou o Governo Getulista a
assinar um acordo de defesa mútua com os Estados Unidos em
julho de 1941, no qual cediam uma área para a instalação de bases
norte-americanas, naval e aérea, em Natal e que passou a ser
conhecido como “Parnamirim Field”. Oficialmente teriam ficado
estacionados cerca de 3.000 a 5.000 americanos nestas bases,
entretanto há também quem cite números bem mais elevados.
Dezenas de milhares de americanos e ingleses teriam transitado por
632
633
634
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Poder ser conferido no anexo três sobre que aborda a questão do Integralismo.
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
256
estas instalações
635
. “Disto (da Segunda Guerra) ainda me lembro.
Sei que nesta época aconteceu alguma coisa muito grave e que
começaram a ter muita raiva dos alemães. Os pastores foram
presos. Disto ainda me lembro muito bem”.
636
Depois disto começaram a correr notícias entre os
imigrantes de que submarinos americanos passando-se por
alemães teriam afundado navios brasileiros ao longo da costa
637
.O
resultado imediato foi um grande reforço na já existente onda de
nacionalismo brasileiro e a consequente repressão às populações
de fala não portuguesa
638
.
Quando os EEUU entraram na guerra contra a Alemanha,
levou também o Brasil para esta guerra. Os Americanos
afundaram três navios do Brasil e disseram que teriam sido
os Alemães. Com isto o Brasil também declarou guerra. Os
americanos já tinham mandando soldados e o Brasil
também deveria mandar alguns. Atiçaram os soldados
brasileiros contra os alemães. Aqui fizeram muita
brutalidade contra os alemães. O Dr. Fernando Schroeder
chegou a ser atirado do segundo andar da sua casa. Isto foi
639
em Vitória.
Apesar de tudo isto, a vida no interior capixaba precisava
continuar e novamente era preciso adaptar-se a esta nova realidade.
Necessitava-se de mantimentos e tinha-se que vender o que era
produzido na propriedade. Desta forma, pomerânios, holandeses,
renanos e mesmo aqueles italianos que ainda tinham suas
635
http://pt.wikipedia.org/wiki/Parnamirim - Obtido em 01/06/10.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08
Em inúmeras entrevistas se observou que ainda nos dias de hoje muitos continuam não
aceitando a versão oficial da história destes fatos.
638
Isto incluía todos os grupos, exceto os de fala inglesa ate pela própria atuação das tropas
norte-americanas em território brasileiro.
639
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
636
637
257
dificuldades na comunicação em língua portuguesa precisavam
encontrar suas próprias soluções.
5.8 Uma geração sem escola
Até o ano de 1937 o processo de alfabetização estava
basicamente a cargo das “Gemeindeschaul”, isto é, o ensino
administrado pelas próprias igrejas. Os agricultores pomerânios,
entretanto, não tinham acesso às poucas escolas públicas
localizadas nas proximidades das áreas urbanas. Com a chegada
da guerra o ensino foi interrompido. As salas de aula simplesmente
ficaram desertas.
As crianças ficaram totalmente sem escola. (esposa
falando): eu ainda fui à escola, até o segundo ano. Mas não
aprendi nada, nada... Aí fiquei em casa. Aprendi um pouco
640
com a minha mãe, para ser confirmada.
Eu não tive escola. Não fui à aula. Tinha muito pouca coisa
por causa da guerra. Era tudo muito difícil. Escola não tinha.
Então para poder ser confirmada fui para Lagoa, onde
641
aprendi a falar um pouco em alemão.
As crianças na época aprenderam pouca coisa. Ninguém
estava muito preocupado se as crianças iriam aprender ou
não. Ninguém se importava se sabiam alguma coisa ou não.
642
Havia duas modalidades de escola. Uma era a escola onde
meu pai dava aula e a outra era a escola da comunidade, de
doutrina. Meu pai não dava aula na “gemeindeschaul”. Isto
640
641
642
Cf. Quadragésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
258
continuava em alemão porque os pastores até 1937 davam
643
aula em alemão.
(Quem dava as aulas por aqui) era meu pai. Depois, chegou
ao ponto de tudo vir a ser proibido. Não tinha mais culto e
não tinha mais aula. Aí começou uma época de muitas
dificuldades para a comunidade. Havia muita chacota com o
pessoal daqui. Daqui meus pais foram para o Barracão onde
o pai foi assumir a comunidade. Mesmo assim passamos a
ter dois dias de aula em alemão e um dia em português. De
repente meu pai recebeu uma carta comunicando que as
aulas tinham sido proibidas. Todas as escolas tiveram que
ser fechadas. As crianças foram chorando para casa. Nada
mais se podia fazer. Nem em português e nem em alemão.
Nada de igreja e nada de escola. Avisaram que as pessoas
poderiam se encontrar para rezar e fazer orações. Foi muito
644
difícil.
O resultado foi a permanência de muitas dezenas de
escolas de comunidade sem professores e sem alunos e a
instalação de raras escolas públicas com resultados pedagógicos
duvidosos. Com isto milhares de crianças deixaram de ter acesso à
alfabetização.
645
[...] Todas (as crianças do tempo da guerra terminaram
ficando sem escola). A maioria não aprendeu a ler nem
646
escrever. Eu mesma foi apenas um ano para a escola.
A minha dificuldade e da maioria das crianças foi grande.
Não se podia falar o pomerânio e não se sabia falar
português. Nem um pouquinho na realidade. Era muito
difícil. Os pastores foram presos. Depois terminou a guerra e
mudou um pouco. Os cultos foram sendo improvisados,
643
Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Vale observar as entrevistas vigésima oitava e da trigésima sexta: Pais professores, poliglotas
e filhos analfabetos.
646
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
644
645
259
faziam-se os Lesegottesdienst (culto de leitura realizado por
647
leigos).
Nas poucas escolas com professores brasileiros, além
destes, em função da barreira lingüística não conseguirem se
comunicar com as crianças, ainda praticavam um sistemático
processo
de
terrorismo
com
estas
crianças
compreendiam as razões de todos estes maus tratos
que
sequer
648
. “Tinha uma
professora de origem (luso-brasileira) em Afonso Cláudio que
castigava muito os pomerânios. Falava que os alemães vão ser
mortos como se mata os frangos.”
649
Tudo isto resultou em um crescimento do analfabetismo. O
prejuízo na escolarização não foi ainda maior graças à manutenção
de um ensino confirmatório realizado às escondidas. Todos estes
fatos contribuíram ainda mais para a preservação deste pernicioso
isolamento, que fazia com que muitos colonos, especialmente os de
origem pomerana, se mantivessem ainda mais retraídos em seus
longínquos vales. As conseqüências desta lamentável situação
perduram até os dias atuais. Somente com o passar do tempo,
alguns conseguiram reverter esta pecaminosa situação. Novamente
foi preciso improvisar, encontrar professores que pudessem auxiliar
na recuperação de um ensino destruído pela insensatez e pela falta
de planejamento.
647
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
649
Cf. Vigésima quinta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
648
260
[...] também no ensino passou a falar em português. O
governo queria que todos aprendessem a falar em
português. Afinal quem estava no Brasil deveria saber tudo
em português. Eu sei ler em alemão, em latim, e português.
650
Posso ler tudo...
Aquele que sabia falar um pouco de português era pego,
como se diz, quase a laço, porque os pais na verdade ainda
tinham uma preocupação com que seus filhos não
crescessem sem a escola. Alem disto também a igreja já
começava a pressionar, porque tinha que aprender, tinha-se
que estudar. Minha mãe lembra que teve que decorar uma
parte do catecismo, já que o alemão tinha sido cortado três
meses antes da confirmação, ela ainda teve que decorar o
credo apostólico e os três artigos em português. Precisava
recitar no dia da confirmação e ela não conseguia fazer isto.
Não deu tempo para decorar, sendo que a sua mãe não
651
tinha como ensinar.
Quem deu aula foi o Heinrich Kopperschmidt, um professor
que veio da Alemanha. Foi aí que fui para a escola durante
dois anos. Ele falava tudo em alemão. Nos falávamos em
alemão mas também já aprendemos a escrever em
652
português.
Ele passou a falar português assim que conseguiu. Ele dava
aulas em português. As aulas eram dadas por pessoas,
653
além do meu pai, que vinham de Vitória.
O movimento de conscientização do nacionalismo brasileiro
certamente teria trazido bons frutos se concomitantemente ao
fechamento das escolas de comunidade tivessem sido criadas
escolas públicas para dar continuidade ao processo de alfabetização
de toda esta população jovem.
650
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
653
Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
651
652
261
5.9 Proibido não falar português
Com a deflagração da guerra, qualquer coisa com alguma
semelhança com a cultura alemã ou italiana tornara-se proibitivo. As
paróquias ficaram sem seus pastores. As comunidades luteranas
haviam se transformado em rebanhos sem seus mentores
espirituais. Toda e qualquer modalidade de ensino formal foi
proibido e a própria instrução religiosa tornava-se cada vez mais
difícil
654
.
Diziam que iriam pegar todos os livros em alemão e iriam
destruir tudo. Meu pai colocou todos os livros em uma caixa
e os enterrou em um buraco. Eles andavam por tudo na
procura de material escrito em alemão. Vinham os “Captura”
e simplesmente iam destruindo tudo. Meu pai gostava tanto
655
de ler...
Com a proibição de funcionamento das escolas de
comunidade o próprio ensino confirmatório tornou-se cada vez mais
difícil. Em algumas localidades, como em Serra Pelada, as famílias
das crianças em idade escolar ou que precisavam freqüentar o
ensino confirmatório, terminaram encontrando caminhos alternativos
em meio à mata, para chegarem à casa paroquial. Se fossem
denunciados, certamente os pais poderiam ser detidos
656
. “O
Delegado e os soldados simplesmente invadiam as casas e
654
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
656
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
655
262
atiravam pela janela toda e qualquer coisa escrita em alemão.
Houve muito maus tratos com o pessoal daqui do interior”.
657
Proibiu-se não falar português! Mas, como cumprir esta
ordem? Os imigrantes não dominavam a língua portuguesa e seus
filhos não tiveram qualquer oportunidade para familiarizarem-se com
este idioma, até porque na maioria dos lugarejos não havia escolas
públicas. “Sofremos muito. Naquela época era proibido falar em
pomerânio e em alemão. Tudo que era escrito em alemão precisava
ser escondido”.
658
“Às vezes se encontrava algum “brasilioner” que
só falavam português. Terminava-se aprendendo”.
659
Desta forma, como costuma ocorrer nestas situações de
conflito, apesar da proibição, as diferentes formas de comunicação
continuavam sendo praticados no seio da família, onde a língua
materna
continuava sendo o pomerânio, o holandês, o dialeto
hunsrück, tirolez ou mesmo o chamado alemão alto
660
.
Durante a guerra [...] as crianças não tinham onde aprender
qualquer coisa. Não aprendiam a ler nem escrever. Nem em
alemão e muito menos em português. Não havia qualquer
escola brasileira. Não sabiam ler. Não sabiam escrever e
somente sabiam falar em pomerânio. E também não
aprendiam nada em português. Os que aprenderam a falar
português por aqui eram os Louret, os Schaffel, os Bohn.
Podia-se percorrer toda a região até Garrafão que
raramente se achava alguém que soubesse falar português.
Nós aprendemos porque tinha um pessoal de cor que
morava aípara cima e que trabalhava como diarista. Foi com
este pessoal que aprendemos a falar um pouco. Isto era tão
657
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
Cf. Vigésima quinta entrevista realizada com A.S. na cidade de Laranja da Terra, no dia
28/07/08
659
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
660
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
cujo pai falava o alemão alto e cuja mãe era oriunda de família pomerana.
658
263
difícil para nosso pessoal aprender a falar português que
661
hoje ninguém acredita.
5.10 A prisão dos pastores alemães e a destruição nos
cemitérios
Os pastores luteranos europeus foram aterrorizados e mais
tarde terminaram sendo detidos. Aliás, foi o que aconteceu com
todos
os
estrangeiros,
exceto
os
que
tinham
adotado
a
nacionalidade brasileira ou os de nacionalidade norte-americana,
como era o caso de pastores da Igreja Missúri.
Os pastores foram todos presos, mas dos colonos poucos
foram detidos. E aí ficaram alguns que seguiram com o
trabalho leigo dos pastores. Daqui foi o Alberto Schwarz e
de Santa Maria foi o Mirtsching. Foram eles que assumiram
o trabalho na comunidade. Isto durou cerca de cinco
662
anos.
Eles chegaram a fazer os cultos, realizavam batizados,
663
confirmação e casamentos. Não tinha outra forma.
Aqui na nossa comunidade havia alguns membros que
assumiram este trabalho. Durante mais de um ano, eles
fizeram todo o trabalho. Lógico sempre em português.
Faziam os casamentos e os batismos. Depois de algum
tempo, (os pastores) puderam novamente reiniciar os seus
trabalhos. [...] Tudo simplesmente passou a ser lido em
português. Isto foi muito difícil[...] Era uma espécie de
ajudante de pastor que passou a executar tarefas que
664
tinham sido atribuição do pastor.
661
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
664
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
662
663
264
Até
mesmo
para
quem
era
muito
necessário
na
comunidade, como foi o caso do Pastor Roelke de Santa Maria, o
qual, apesar dos seus conhecimentos básicos em medicina com o
qual muitas vezes já tinha conseguido socorrer pessoas enfermas,
não foi poupado dos maus tratos.
Lembro da Segunda Guerra. Prendiam os alemães.
Prenderam o pastor Hahn. Prenderam os padres. Mataram
alemães que não se entregaram. Enfiaram prego debaixo
das unhas dos alemães. E aí não tinha mais nada. Não
podia falar mais alemão. Gente como eu era tratado como
665
quinta coluna.
Até porque meu pai também tinha um bom conhecimento de
medicina. Com isto ele tinha se tornado muito necessário
para a própria comunidade. Havia passado pelo
666
“Tropeninstitut” antes de vir para o Brasil.
Durante estes anos de grandes dificuldades, cada um se
protegia da forma como podia.
Os pastores tiveram que ficar escondidos. No sótão deste
prédio aqui, que era da família Schwambach, alguns
pastores tiveram que ficar escondidos. Naquele tempo o
Pastor Bielefeld morou aqui muito tempo, para não ser
preso. Depois disto o pastor Wanke ficou um bom tempo
preso em Vitória. Também por aqui quebraram muitas
inscrições em lápides de cemitério. Antes do início da
segunda guerra o alemão tinha sido proibido. Isto começou
667
na época do integralismo.
Em Laranja a Terra o pastor chegou a fazer um esconderijo
subterrâneo. Ficava perto da igreja, apenas escondido em
665
666
667
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
265
meio de um capinzal. A polícia andava por cima do lugar,
668
sem saber da sua existência.
Figura 33: Desenterrando o abrigo subterrâneo do P. Grotke
na localidade de Laranja da Terra.
Quem fez a escavação (do esconderijo subterrâneo do
pastor em Laranja da Terra) foi o Emilio Jahn. Carregaram a
terra embora para ninguém desconfiar. Foi tudo feito às
escondidas. Foi tudo atijolado. Eu mesmo forneci os tijolos,
mas não sabia, na época, se era para aquilo. O tijolo ainda
está lá.[...] O negócio foi feito com tanto segredo, que
praticamente ninguém do pessoal daqui chegou a saber.
Eu, para ajudar, não sabia para que finalidade que estavam
sendo dados os tijolos. Me disseram que era segredo. Eu
não podia saber. Depois cheguei a saber [...] Me disseram
668
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
266
para não passar por lá. [...] Levaram muito tempo para fazer
669
isto.
Prenderam os pastores. O pastor de Laranja da Terra
chegou a fazer um esconderijo na terra. O de Lagoa chegou
a ser preso em Afonso Cláudio. [...] Ele era Delegado de
polícia e fazia estas coisas todas. Teve que trabalhar
670
carregando terra com carrinho de mão.
Figura 34: Escadaria do abrigo depois da remoção dos entulhos.
Aí (o delegado) queria vir com a Jagunçada para prender o
(Pastor) Grotke. Naquela vez, o pessoal sempre conta que
aqui se juntou um tal de [...] Aí eles vieram até São João. Ai
o [...] disse para o [...] não vai lá não porque vocês podem ir,
mas não voltam. Naquela época os membros da igreja
estavam reunidos na igreja, para proteger o pastor. Quando
669
670
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
267
souberam que o pessoal do [...] vinha, a turma foi se
esconder na ponte aqui na estrada para a igreja. Se eles
viessem teria dado tiroteio. Aí quando o [...] disse isto para
671
eles, eles voltaram para Afonso Cláudio.
Figura 35: Abrigo do P. Grotke. Acesso restaurado.
Em nome da Lei também foram destruídos muitos túmulos
cujas inscrições não tivessem sido feitas em língua portuguesa. Sob
o argumento de que fosse uma referência ao nome do ditador Hitler,
lápides foram arrancadas dos cemitérios e suas inscrições
removidas a talhadeira.
671
Cf. Vigésima quinta entrevista realizada com A.S. na cidade de Laranja da Terra, no dia
28/07/08.
268
Figura 36: O abrigo do P. Grotke – fogão e cama restaurados.
Lembro de um episódio em que alguém, ao ler a inscrição
“Hier ruht im Grabe” interpretou o texto como uma referência
ao ditador Hitler. Mandaram retirar todas as cruzes.
Quebraram tudo. Depois voltaram atrás, porque alguém teve
a bondade de falar ao Coronel Bonjardim que isto nada teria
a ver com Hitler e ele permitiu que se refizessem as
672
sepulturas.
O que era de alemães quebraram tudo. As letras em alemão
nas catacumbas, isto eles arrancaram. Não deixaram nada
inteiro. Era quase tudo de madeira. Logo ali tem cemitério
673
católico e luterano dentro da minha terra.
672
673
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
269
Figura 37: Túmulo destruído na “luta contra os nazistas”
de Espírito Santo.
Conseguimos esconder tudo. Estávamos preparados para a
chegada deles. Eles estavam especialmente atrás do livro
“Mein Kampf” (Minha Luta, de Adolf Hitler). Até atrás de
louças e talheres andavam. Minha mãe escondeu tudo na
674
casa de outras pessoas.
(Quem fazia este quebra-quebra nos cemitérios) ...Era um
pessoal mesmo legalizado pela justiça de Vitória. Teve lugar
675
em que quebravam tudo.
674
675
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
270
Estavam inclusive destruindo os cemitérios. Tem-se noticias
de um cemitério aqui de Jequitibá, que hoje está
abandonado, pelo que contavam, foi praticamente todo
destruído, inclusive os túmulos, as lápides. Não podia haver
676
inscrições em alemão.
Em alguns lugares durante a guerra, os próprios familiares
retiraram a escrita das lápides dos cemitérios.
[...] os próprios familiares retiravam as tabuletas de inscrição
para evitar destruição da sepultura. Muitos esconderam.
Outros enterraram no chão mesmo por lá. Mas depois
botaram tudo de volta. Muitos tiravam mesmo as inscrições,
para não chegarem e arrebentar tudo. Não ficava nenhuma
677
identificação.
Houve época em que deu problemas por causa da escrita
em alemão nas tabuletas das sepulturas. Teve lugares em
que tiveram que trocar todas as tabuletas para outras
678
escritas em português.
Aqui em Santa Maria também aconteceu. O irmão mais
novo do meu pai também faleceu e sua inscrição também
chegou a ser arrancada. Meu pai depois mandou refazer a
inscrição da sua sepultura.
5.11 Falta de perspectivas com a guerra
Na prática do dia a dia da propriedade rural pouca coisa
mudou com a irrupção da guerra. Entretanto, à medida que a
animosidade dos “brasilioner” contra os teutos aumentava, uma
serie e acontecimentos puderam ser registrados. As incursões dos
“captura soldota”, uma espécie de bandoleiros com atribuições
676
677
678
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28 07 08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/0/08.
271
oficiais de “prender nazistas”, terminaram molestando muitas
famílias de agricultores. Alimentos eram requisitados, livros de culto
religioso, bíblias e hinários escritos em língua alemã eram
queimados em público, sob argumento de constituírem propaganda
nazista. Mulheres eram molestadas e homens espancados. Tudo
em nome da Lei e com um intenso fervor nacionalista
679
.
Os Bate paus. Os pomerânios eram ameaçados por esses
grupos organizados que saíam à caça de “nazistas”,
supostamente escondidos no interior do país. Os milicianos
chegavam às residências montados a cavalo, fazendo
barulho com pedaços de pau. Muitas vezes invadiam as
propriedades, roubando animais, armas artesanais e
680
alimentos típicos, como banha, brote e carne.
Os brasileiros tinham raiva dos alemães e dos pomerânios.
Inclusive em Vitória, em uma pousada onde ficava o pessoal
do interior, terminaram quebrando tudo. Teve gente que
precisou pular janela para fugir da turba. Depois invadiram e
acabaram com tudo. Depois aqui em Lagoa, os homens
sempre se escondiam e as mulheres muitas vezes dormiam
nos matos com medo de serem mortas. Foi uma época
muito ruim. Não se podia falar em pomerânio. Português
681
ninguém sabia falar.
Tudo isto também trouxe dificuldade para o próprio
abastecimento da colônia. Apesar da agricultura pomerana sempre
ter primado pela autossuficiência no que diz respeito à alimentação,
sempre havia produtos de primeira necessidade que vinham de fora.
Tecidos, ferramentas, sal, querosene precisavam ser adquiridos no
679
São relatos que sistematicamente aparecem em qualquer diálogo com os pomerânios antigos
de Espírito Santo em que estiver sendo abordado o tema.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
681
Cf. Vigésima quinta entrevista na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
680
272
“vendista”, o colono-comerciante do interior ou no comerciante da
cidade mais próxima.
Foi muito difícil durante segunda guerra mundial. Eu era
moleque de 8 anos em 1944. Isto era tão difícil naquela
época. A única coisa que se comprava como o sal e o
querosene, precisava ser comprado para o ano todo, com
medo de que não vinha mais. O sal naquela época era
importado. Era racionado e só se podia comprar um quilo de
682
sal cada vez.
Lembro que na época da guerra eles chegaram a ir ate
Afonso Cláudio para buscar farinha de trigo. Levaram mula
com cangalha. Isto teve que ser feito de noite para que
683
ninguém descobrisse.
A sistemática perseguição a tudo que pudesse ser
correlacionado com a cultura européia, seja alemã ou pomerana, fez
com
que casas
fossem
invadidas, criando um
vandalismo
indescritível.
Naquela época usavam-se talheres dourados ou de prata.
Isto eles queriam. Lembro de uma noite, quando já tínhamos
voltado do Rio de Janeiro, chegaram a nos assaltar. A partir
daqui meu pai combinou com o pessoal da comunidade de
que se acontecesse alguma coisa grave com ele, ir-se-ia
tocar os sinos da igreja, para que pudessem vir em nosso
684
socorro. Felizmente nada mais aconteceu.
O prédio da nossa escola foi encampado pelo governo e foi
mandada uma professora, a [...] uma carioca. Não posso
esquecer, porque ela hostilizou tremendamente meu pai. Ela
passou a lecionar em português. Nenhuma criança podia
mais falar em alemão ou pomerânio, nem entre eles. Não
682
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada com R.S. na cidade de Laranja da Terra, no dia
28/07/08.
684
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
683
273
havia professores por aqui. Ninguém queria assumir o
ensino. Eu tinha 16 anos nesta época. Foi aí que eu
comecei a dar aulas, em 1945. Ainda era no prédio que
tinha sido desapropriado. Depois de alguns anos nossa
comunidade terminou custeando um terreno para a
685
construção de uma nova escola.
Porque, imagina, minha mãe, que sofreu isto na pele, de ter
que dormir no meio do mato. Minha mãe tem pavor quando
tem trovoada lá na casa dele ela me liga para dizer que tem
trovoada. Ela vive um verdadeiro trauma. Elas dormiam no
meio do mato e os homens ficavam escondidos dentro de
casa. Porque “eles” vão nos matar. Porque já prenderam o
P. Balbach. Isto foi durante a guerra, ou seja, de 1938 e
686
1945. Minha mãe tem 83 anos ela tem relatos da época.
A conseqüência imediata foi uma retração ainda maior de
grande parte dos habitantes para o interior das suas propriedades.
Toda vez que algum estranho chegava perto das casas, quem
podia, escondia-se nas matas. Os filhos pequenos já sem escola,
passaram a viver amedrontados e se escondiam com a chegada de
qualquer estranho
687
.
Levou mais de um ano em que foi proibido de fazer qualquer
tipo de trabalho. Todas as comunidades tinham seu pedaço
de terra onde se podia plantar alguma coisa, também nós
passamos a viver com o produto da terra. Passamos a
trabalhar na roça, plantando aipim, milho, tínhamos vaca de
leite, criação de porcos. Éramos nós, o pastor [...] Para os
pastores foi uma época de grandes privações. Houve muito
vandalismo nas casas dos pastores. Felizmente na nossa
casa não aconteceu, mas nas casas de outros pastores
houve muita destruição. Invadiram as casas, levaram os
688
livros e destruíram muitas coisas.
685
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
688
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
686
687
274
Era tudo proibido, mesmo assim, íamos na igreja e lá se
aprendia um pouco. O professor fazia alguma coisa. Tinha
sido tudo proibido. A Gemeideschaul estava fechada. Mas,
mesmo assim íamos à igreja, onde no ensinavam um pouco.
689
Íamos à própria igreja para aprender um pouco.
Em Lagoa o pessoal passava por uma trilha por cima da
montanha para poder chegar pelos fundos da casa paroquial. A
chegada pela estrada normal poderia ter sido denunciada por
informantes dos “brasilioner”.
690
5.12 A igreja em tempos de guerra
Durante a primeira metade do século vinte a igreja luterana,
para muitos, era considerada uma igreja alemã. A expressão
“Deutsche Kirche im Ausland” é lembrada por muitos que
vivenciaram aquela época.
Isto facilmente explica o rancor e a
agressividade demonstrada pelos grupos que se engajaram na
defesa do nacionalismo brasileiro como os próprios “bate-paus” ou
“captura” que atuaram no interior do Estado de Espírito Santo na
época da Segunda Grande Guerra. O resultado foi observado na
forma das mais diferentes formas de destruição de patrimônio, maus
tratos a pessoas inocentes e prisão de pastores.
As comunidades ficaram acéfalas, ou seja, sem os seus
pregadores. Batismos não puderam ser oficiados. Casamentos
tiveram que ser postergados. Porém, a vida precisava continuar e
dentro deste princípio também aqui os teutos capixabas tiveram que
689
690
Cf. trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
275
encontrar uma saída. Novamente alguém da comunidade precisou
assumir o ofício religioso, como em outros tempos já o havia feito.
“Era o culto de leitura que um ou outro conseguia dar. Os que
sabiam ler liam umas passagens bíblicas e cantavam-se hinos”.
691
Naqueles tempos quem andou substituindo os pastores e
dando culto foi o velho Karl Reblin. Ele fazia a pregação
enquanto o pastor estava ausente. Apenas não subia no
692
púlpito. Este não chegou a ser detido.
Era alguém da comunidade. Alguém que de uma ou outra
forma tinha um pouco mais de conhecimento. Era um daqui
de cima e depois foi o Alberto Schwarz. Era um agricultor
daqui. Fazia o culto. Só não dava a Santa Ceia. Ele lia
alguma coisa e cantava com a comunidade. Era assim que
se vivia. Cantar em alemão também foi proibido. Em alguns
693
lugares não se tinha mais nada. Estava tudo quieto.
E foi Teodoro Schwambach, de uma família tradicional daqui
quem assumiu as atividades da comunidade durante toda a
guerra. Ele não era pastor, porém alguém precisava assumir
694
os trabalhos na comunidade de Domingos Martins.
O ensino confirmatório ficou seriamente prejudicado, tanto
em qualidade como em assiduidade. Pessoas, sem qualquer
preparo novamente passaram a ensinar para as crianças um pouco
daquilo que eles mesmos haviam aprendido vinte ou trinta anos
antes. “[...] Para as aulas de primeira comunhão decoravam o pai
nosso. Muitas vezes não sabiam uma palavra em português. Só
decoravam as orações.”
691
695
(Depois da guerra) “[...] o ensino
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
694
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
695
Cf. Décima terceira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
692
693
276
confirmatório foi restabelecido e continuou sendo dado pelos
pastores. “
696
5.13 A adaptação de um povo
A população dos primeiros imigrantes de Espírito Santo era
de procedência essencialmente rural. Desta forma, apesar de já ter
sido planejada um núcleo urbano, por ocasião da construção da
primeira igreja em Califórnia, com praça, escola e casas, o projeto
nunca chegou a ser concretizado
697
. Igrejas e capelas isoladas
passaram a ser construídas sobre o “Pfarrerland”, isto é, nas terras
do pastor, onde este e sua família não poucas vezes, também
cuidavam da vaca de leite, das galinhas e da montaria. Era um
modelo a ser seguido pelos membros da comunidade
698
.
Ao contrário do que ocorreu nos estados de Rio Grande do
Sul e Santa Catarina, onde as associações esportivas, culturais e
recreativas exerceram
um importante papel aglutinador das
populações teuto-brasileiras, as colônias de Espírito Santo desde o
início adotaram um modelo social de convivência mais esporádico
baseado em três pontos
699
:
1. Nos encontros domingueiros, seja antes dos ofícios
religiosos ou mesmo depois dos mesmos, aconteciam as troca de
696
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, informações estas, porém, não comprovadas em quaisquer documentos da época.
698
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
699
Sistematização proposta pelo autor, baseado na própria vivencia familiar.
697
277
informações e até mesmo muitos
negócios.
fechamentos de eventuais
700
2. Não havia “Clubes” ou entidades associativas, valia o
princípio do “a concertina faz a festa”. Ou seja, os encontros sociais,
como
casamentos
e
eventuais
confraternizações
como
de
aniversários ou “ajuntamentos” eram animados por este tradicional
instrumento musical, sempre nas próprias casas dos “colonos”, em
ambientes iluminados com lamparinas de querosene.
(O pomerânio nunca entrou em Clubes) Não, nunca. Eles
andavam pelos campos. Pelas estradas.
Eram muito
difundidas as brincadeiras com petecas e os jogos de roda
tipo “ovo choco”. Procuravam cipós para fazer balanços.
Estas eram basicamente as suas diversões. [...] O contato
com Santa Leopoldina era praticamente só para o comércio
701
e para a obtenção de alguns alimentos.
3. Por último, a intensa visitação entre familiares e amigos
fazia com que as tardes de domingo de tornassem momentos de
intenso intercâmbio social e de troca de informações, quem sabe
para compensar a vida isolada que levavam nas suas respectivas
propriedades.
Meus pais costumavam passear, na vizinhança[...] Era
costume, onde morávamos em Santa Maria, de noite,
quando tinha luar, costumavam nos reunir na casa de algum
vizinho para cantar. Geralmente duas vezes por semana.
Cantavam os hinos, todos juntos. Ás vezes nos reuníamos
na casa dos vizinhos e às vezes os outros vinham lá em
702 703
casa...
700
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
702
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
701
278
Algumas coisas a gente ainda lembra. Ainda lembro das
brincadeiras que fazíamos. Aos domingos vestíamos as
roupas melhores e íamos fazer visitas nas casas dos outros.
Os pais costumavam conversar muito com os outros
adultos, enquanto as crianças brincavam. Hoje em dia não
704
se faz mais visitas.
Aos domingos as famílias se visitavam. Já comunicavam
uma a duas semanas antes, de que estavam indo lá.
Vinham a cavalo no sábado e voltavam no domingo. Neste
caso também pernoitavam. Conversavam sobre caça, sobre
705
pesca, sobre roupa...
Somente bem mais tarde, por volta de 1950, a assimilação
da língua portuguesa passou a favorecer a convivência com
imigrantes italianos e a população luso-brasileira iniciou um lento
processo de urbanização de alguns descendentes dos imigrantes.
O alemão, o pomerânio, o hunsrück, o holandês, todos tinham sido
considerados
“nazistas”.
Foram
perseguidos,
aterrorizados,
ridicularizados; enfim, começavam a sentir vergonha de serem o que
eram.
E aí eles foram se fechando, fechando. Meu irmão tinha
vergonha. Tinha pavor de ser alemão. Quando falavam que
era, dizia que não era. Quando eu me casei, me casei com
706
uma pessoa morena...
A tia Ema, que era matriarca, fez uma confusão, porque eu
ia casar com um Schwarze, que era preguiçoso, que não ia
707
trabalhar. Foi uma encrenca danada.
703
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
705
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
706
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08 08.
707
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
704
279
A aculturação brasileira deste “colono”, isolado no seu sítio,
somente aconteceu quando efetivamente foram abertas mais
estradas, possibilitando a lenta substituição da quase monocultura
do café pela hortifruticultura, especialmente na região de Sana Maria
e arredores. Na realidade uma efetiva assimilação da língua
portuguesa e dos hábitos e costumes brasileiros somente chegaram
com o surgimento do rádio e da televisão e da abertura de estradas
e a viabilização da telefonia no meio rural.
280
6 OS REFLEXOS DE UMA GRANDE GUERRA 1940 – 1950
6.1 São João de Petrópolis é transformado em quartel
Figura 38: Escola Agrotécnica transformada em “Tiro de Guerra”.
No início da década de 1940 alguns poucos filhos de
agricultores
708
haviam ingressado na Escola Agrícola de São João
de Petrópolis. Esta, segundo se falava, seria uma oportunidade para
adquirirem mais conhecimento sobre técnicas agrícolas já que
qualquer inovação neste campo costumava encontrar grande
dificuldade de aceitação da parte da população já com mais idade.
708
Entre estes o pai deste pesquisador.
281
Diziam que “meus avós assim o fizeram. Meus pais deles
aprenderam e nós faremos da mesma forma”
709
. Com isto, o
empobrecimento das terras, a falta crônica de qualquer assistência
em técnicas agrícolas levou a uma gradativa diminuição da
produtividade rural e à consequente queda do poder aquisitivo da
população.
“Barracão de Petrópolis”, como era conhecida a escola
agrícola, com o avanço da guerra, foi transformada em quartel de
“Tiro de Guerra”. Todos os alunos usavam uniforme. A grande
maioria de origem teuto que aqui havia chegado desconhecia a
língua portuguesa. Mas, o Brasil estava em guerra e este era o
momento em que ao menos estes jovens se viram obrigados a
aprender a se comunicar em português
710
.
Para estes filhos da “Colônia” começava uma nova realidade
com um contato mais próximo com os “brasilioner”, isto é, com os
luso-brasileiros e os afro-brasileiros. Nestes primeiros tempos as
dificuldades com a comunicação eram muito grandes e não raro
geradoras de constrangimentos e de chacota como o de um jovem
que reclamou ao ver-se “roubado” de sua ração no acampamento:
“Tissiu comeu toda meu farroula” (O “Tissiu”, um colega de farda,
havia se apropriado de toda a sua farofa
Todos
os
outros
jovens
711
que
).
foram
convocados
e
incorporados ao exército brasileiro por ocasião do envio da Força
Expedicionária
709
Brasileira
tiveram
enormes
dificuldades
no
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
711
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
710
282
aprendizado do idioma com o qual não estavam familiarizados.
Também para estes o trabalho na agricultura precisou ser
substituído pelo treinamento militar. Foi o que aconteceu com estes
jovens de fala diferente da natalícia e que foram aos quartéis para
aprenderem a atirar em outras pessoas que falavam o mesmo
idioma, quem sabe, parentes ou familiares mais distantes. Uma
nova realidade cruel. Era a guerra. Mas, precisava-se sobreviver
712
.
Figura 39: São João de Petrópolis com sua tropa
do “Tiro de Guerra”.
6.2 Um sofrido preparo para a guerra
O “colono” capixaba era “gente da lavoura”. Há duas ou
mais gerações apenas conhecia o seu trabalho e não compreendia
712
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
283
as razões daquela guerra. Todos se perguntavam do porquê de tudo
isto. Os que estavam no “quartel” sentiam muita saudade de casa.
Agora não tinham qualquer possibilidade de retornar para junto de
suas famílias.
Nas primeiras semanas da vida de caserna foi muito difícil.
Se de um lado todos estavam acostumados a acordar cedo para o
início das suas atividades no campo, a sua militarização trouxe
novos desafios que tiveram que ser enfrentados. Houve conflitos,
até porque a própria organização do colono sempre foi baseada em
conceitos de igualdade. A maioria era de mesma origem, ou seja,
era descendente de uma classe social e econômica baixa
último, não tinha qualquer vivência de vida militar.
713
. Por
714
.
Os novos colonos-soldados tiveram que aprender os valores
básicos da vida militar. Precisaram assimilar o conceito de
hierarquia e de disciplina. Adquiriram novos valores e novas crenças
e familiarizaram-se com novos cuidados com a saúde. Surgiram
problemas como ansiedade, angústia e estresse, especialmente
durante o período de adaptação. A falta de sono precisou ser tratada
pelo cansaço decorrente do intenso trabalho e pelas longas
marchas
715
. Os soluços e o choro na noite silenciosa tiveram que ser
abafados por muitas e inesperadas ordens unidas até mesmo
naqueles momentos que deveriam ser de repouso.
Mas, afinal, quem eram eles? Colonos ou soldados? Onde
terminava a função de um e começava a do outro? Conheciam bem
713
Uma referência ao nível sócio econômico do colono teuta no Espírito Santo.
Segundo dados disponíveis no Museu do Imigrante de Santa Leopoldina, praticamente todos
os emigrantes europeus ao chegarem no Espírito Santo declaram ser oriundos do meio rural.
715
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares,
sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
714
284
a vida do campo. Na verdade tinham vindo para a escola agrícola
principalmente para adquirirem um conhecimento que viesse a
melhorar o resultado do seu trabalho na lavoura.
Agora, como em um passo de mágica estavam sendo
preparados para disparar suas armas contra pessoas que falavam o
seu próprio idioma materno! Era um dilema que compreendia
desinformação e incompreensão. Somente com o passar dos meses
chegou a conscientização: somos brasileiros e temos que lutar pelo
nosso pais. Uma pergunta sempre voltava. Por que a guerra? Por
que tudo isto? Como será depois?
Com o passar dos meses novos conceitos foram lhes sendo
incorporados. Eram um novo comprometimento e a ideia de
pertencimento ao Exército Brasileiro. Era a conscientização de que
também precisavam participar da defesa da pátria
716
.
São João de Petrópolis, uma escola agrícola, mas também
um quartel “Tiro de Guerra”, que apresentava uma indescritível
carência de material! Faltava armamento. O Tenente comandava
todo o batalhão. Eram quase duzentos e cinquenta homens. Nos
primeiros tempos os exercícios eram realizados com fuzis de
madeira! Chegaram notícias de que somente depois da sua
chegada à Itália que seriam equipados e municiados
717
. E até lá,
como aprender a utilizar o novo armamento? Eram perguntas sem
resposta.
716
Eram conceitos totalmente novos e que em um primeiro instante não pareciam ser
compreendidos. Apenas com o passar dos meses foram entendendo a extensão deste novo
compromisso. At o próprio termo utilizado ao se referirem ao serviço militar denotava esta falta
de compreensão da parte dos pomerânios. O termo “Soldotspela”, o qual em uma tradução
verbal significa “brincar de soldado” denota a absoluta falta de compreensão deste fato.
717
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo
285
Enquanto isto, o tenente
718
e seus duzentos e cinquenta
comandados e seus fuzis de madeira continuavam fazendo
caminhadas e exercícios... Duzentos e cinquenta homens e a uma
metralhadora.
“É das caminhadas, que me lembro. Eram vinte e cinco
quilômetros de ida e mais um tanto na volta. Isto com um peso de
quinze a vinte quilos na mochila. Lembro também do dia em que foi
feita uma demonstração com a metralhadora. Era uma máquina
danada. Ficava apoiada sobre um pequeno tripé, também de ferro...“
719
Realmente, havia apenas uma única metralhadora em todo o
quartel. Diziam que já era bem antiga, mas podia-se ter uma ideia o
seu funcionamento.
Os meses passavam, o treinamento foi se tornando mais e
mais intenso. As marchas com o Tenente costumavam tomar o dia
inteiro. Era proibido conversar. Soubemos que alguns tinham
embarcado em navios com destino à Itália e que outros já estavam
aguardando em quartéis do Rio de Janeiro, prontos para o
embarque.
Deve ter sido muito difícil. Muitos foram apenas para Vitória
outros até o Rio de Janeiro. Apenas alguns poucos chegaram até
Monte Castelo. Mais tarde, aqueles que de lá retornaram
descreveram seus pesadelos: Eram vivências tristes e um
sentimento de revolta.
Uma porção daqui foi para a guerra. Chegaram a ir até a
Itália. Eles foram incorporados e não sabiam falar em
718
719
Referência ao oficial comandante do “Tiro de Guerra” de São João de Petrópolis.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelo pai do autor.
286
português. Diversos foram para lá e não sabiam sequer se
720
comunicar.
Falou que andaram pelas matas. De repente ouviu alguém
721
falando em pomerânio. Ai o Bessert teria perguntado, se a
cobra também andava fumando por lá. Era a senha dos
brasileiros. Não entenderam a pergunta, mas responderam
que eram alemães. Aí seguiram conversando em
pomerânio. O Bessert teria dito que eles estavam indo para
a terra do Hitler. Aí eles falaram que estavam se
722
escondendo na mata e que estavam com fome [...]
Os que foram para a Itália, se depararam com situações
muito difíceis: descendente de alemão lutando contra
723
alemão.
No “quartel” de São João de Petrópolis o tempo ia
passando. A tensão era muito grande. Depois de meses todos já
estavam ansiosos para embarcar no trem em Colatina. Estavam
dispostos a morrer pela pátria.
E nesta situação como ficariam nossos pais? Não era hora
de se pensar neles. Agora era preciso pensar na obrigação para
com o Brasil. As longas marchas eram quase diárias. Outros já
tinham ido. O medo era muito grande. De morrer? Não. Estavam
preparados. O medo era do desconhecido
724
.
720
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Ex-praçinha de Força Expedicionária Brasileira e que participou do contingente brasileiro
enviado para a Itália.
722
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
723
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08
724
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
721
287
6.3 O final da guerra e a nova repressão aos teuto-brasileiros
A guerra terminou!
Finalmente a grande notícia. Todos
voltariam para casa. Infelizmente o treinamento em técnicas
agrícolas terminou sendo interrompido. Mesmo assim, aprenderam
muitas coisas novas. Na “colônia” todos estavam acostumados a
usar os mesmos recursos utilizados pelos seus pais, os quais, por
seu lado tinham aprendido o trabalho com os avós. Mesmo com
todos osn contratempos, os colonos-soldados também aprenderam
novas técnicas agrícolas. Já outros nada aprenderam. “Não havia
nada de agricultura. Marchávamos e fomos preparados para a
guerra [...] eu fiquei apenas seis meses e depois voltei para a casa
dos meus pais. Aí as coisas seguiram no seu ritmo como sempre
tinha sido”.
725
Com o retorno de “Barracão de Petrópolis”, a escola
agrícola, surgiram muitos problemas, especialmente no que diz
respeito ao que deveria ser feito com as terras já “cansadas”. O
rápido esgotamento do solo já vinha sendo observado desde a
primeira geração de imigrantes, na região de Santa Leopoldina. De
certa forma o costume da migração e das novas derrubadas
continuou propiciando o tão necessário solo fértil para a ampliação
das culturas de subsistência e também dos cafezais. Entretanto, as
melhores oportunidades para a compra de terras na metade sul de
Espírito Santo já estavam esgotadas. Por outro lado, ao norte do Rio
Doce, o calor era muito intenso e muitos já tinham retornado em
função da vida difícil.
725
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
288
Todos estes pensamentos começaram a preocupar aqueles
que estavam se preparando para o retorno as suas casas. O que
fazer?
Os pais concordariam com as inovações a serem
implantadas? Certamente teriam problemas até porque, pelo tipo de
família das três gerações, os pais dificilmente abririam mão do seu
poder de mando na propriedade. Afinal “o que estes meninos de
vinte anos poderiam saber a mais do que alguém que durante a vida
toda trabalhou na terra?”
726
Eram muitas dúvidas para as quais
teriam que encontrar respostas.
Mesmo com o término da guerra, alguns delegados
brasileiros continuaram com sua intensa repressão a tudo que não
fosse “brasileiro”. Aliás, havia uma diferença muito grande nas suas
atitudes em relação aos descendentes de imigrantes teutos.
Os luso-brasileiros tinham sido bem assimilados pela
população brasileira nativa. Afinal, comunicavam-se no mesmo
idioma, tinham a mesma religião e os mesmos traços culturais.
Também os italianos, especialmente pela identificação religiosa
católico-romana e também pela semelhança representada por seu
idioma latino, rapidamente dominaram a língua portuguesa. Com
isto romperam as duas principais barreiras no caminho da
aculturação nacional.
Os ofícios religiosos tinham sido retomados com a
preocupação de fazê-los em português. Entretanto, a maioria dos
membros das comunidades era pomerana. A assimilação das
pregações pelas comunidades ficou extremamente prejudicada.
Afinal, ninguém compreendia todo este “palavrório estranho” lido por
726
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
289
alguém que por vezes sequer entendia o que estava lendo. As
dificuldades continuaram. “Em Santa Maria houve muita destruição.
Inclusive depois da guerra aconteceu novamente. Eu mesma vi
alguma coisa.”
727
As comunidades da Igreja Missúri, seja em decorrência da
adoção mais precoce da língua portuguesa nos seus ofícios
religiosos ou também pela vinculação de seus pastores às
congregações norte-americanas, não tinham sido molestadas.
Afinal, “os americanos eram aliados dos brasileiros”. Entretanto,
mesmo para os seus pastores continuava proibido falar qualquer
língua ou dialeto germânico nos primeiros anos que se seguiram ao
término da guerra. O culto de leitura em língua portuguesa
continuava sendo feito em todas as comunidades luteranas, apesar
deste já estar sendo feito com alguma orientação dos pastores. O
ensino confirmatório continuava sendo ministrado de forma muito
precária. Entretanto, já podia-se contar com uma discreta retaguarda
dos pastores.
No principio eles foram proibidos de falar a língua deles. O
[...] chegou a me contar que ele chegou a prender gente
e a maltratar gente pelo fato de falarem apenas em
alemão. Isto tinha sido conseqüência da própria guerra. Mas
isto tudo nunca chegou a ser suficiente para eliminar a fala
728
pomerana.
Apenas com o passar dos anos foi possível retomar a língua
alemã nos ofícios religiosos. Também o ensino confirmatório
lentamente foi sendo reiniciado.
727
728
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
Cf. Trigésima primeira entrevista na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
290
Bem no começo da guerra não tinha nada. Depois alguns
aprenderam alguma coisa. [...] Depois da guerra voltaram a
dar aulas em alemão. Mas era gente daqui mesmo. Não
tinha escola em português. Inicialmente havia só o ensino
confirmatório. O pastor ensinava um pouco a ler e a
729
escrever.
Os pastores que estiveram detidos já tinham retornado às
suas comunidades, porém sem poderem exercer seu ofício. Em
contrapartida a animosidade contra os estrangeiros continuava em
franca ebulição em algumas cidades. Entre estas se destacava
Afonso Cláudio, cujo delegado de polícia exercia o seu mandato
aterrorizante da forma mais plena possível
730
.
6.4 Revolta em Laranja da Terra e em Lagoa
Em Laranja da Terra e em Lagoa ainda se tinha muito medo
dos “Capturasoldota”, aquela espécie de bandoleiros pseudouniformizados que, em nome da “Lei e da Justiça” haviam
infernizado a vida da população rural em muitos lugares do interior
capixaba
731
. A construção de uma instalação subterrânea na sede
da paróquia luterana em Laranja da Terra foi apenas mais uma
destas tentativas das pessoas se colocarem em segurança e de
protegerem os seus familiares destes indivíduos acostumados a
molestar mulheres e crianças
732
.
729
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Referência aos episódios envolvendo a tentativa de aprisionamento de pastores depois da
guerra, ocorridos nas localidades de Laranja da Terra e de Serra Pelada.
731
O curta metragem “Bate-Paus”, mostra muito bem através dos entrevistados a perseguição aos
pomerânios no Espírito Santo durante a após a Segunda Guerra Mundial.
732
Um sem número de relatos descreve as fugas das famílias para o interior na mato ou mesmo a
procura dos esconderijos improvisados sempre que a aproximação de indivíduos
730
291
Diversos filhos de colonos recém tinham saído dos quartéis.
Foram instruídos a defender o país em nome da liberdade. Foi isto
que lhes tinha sido ensinado no quartel. Seria uma luta contra a
opressão e o totalitarismo. Entretanto também a guerra tinha
chegado ao seu final. Todos sabiam que tinha sido uma luta contra
os ditadores na Europa.
Agora, da noite para o dia, depararam-se com uma nova
guerra. Não uma guerra contra o fascismo e o nazismo. O que
seria? Um grupo de homens comandado pelo delegado de Afonso
Cláudio, mesmo com o término da guerra, estava se dirigindo para
Laranja da Terra com a finalidade de novamente prender o Pastor
Grotke. Uma repressão aos seus valores religiosos?
todo o tipo e ameaça contra o religioso
Novamente,
733
.
Os jovens soldados estavam preparados para morrer pelo
Brasil. Entretanto, não conseguiam entender o que estava
acontecendo.
Perguntavam-se:
porque
prender
os
pastores
estrangeiros? Nada mais podiam ter a ver com as lutas na Europa!
A guerra já tinha terminado. Estes mesmos jovens também tinham
sido preparados para, em nome da liberdade, em nome da
democracia defender a ordem e a justiça. Foram estes mesmos que,
quando chegou a ordem de prender os seus líderes espirituais para
levá-los de arrasto atrás da montaria do delegado e dos seus
comparsas, resolveram que também estavam preparados para
morrer em nome da justiça de dos seus princípios religiosas.
733
desconhecidos ameaçavam a segurança das famílias. O esconderijo do Pastor de Laranja da
Terra foi apenas mais uma destas tentativas de proteção.
A guerra já havia terminado. Os pastores que estiveram detidos tinham sido libertados.
292
Quase chegou a ter confusão por causa do delegado de
Afonso Cláudio que chegou aqui querendo prender o pastor
Grotke. Naquela época o pastor já tinha um esconderijo feito
para se esconder. O delegado mandou dizer para não ir
embora e que iria buscá-lo. Queriam amarrá-lo no cavalo e
levá-lo até Afonso Cláudio. O que nós aqui poderíamos
fazer? Eu já era um homem casado. Aí tomamos uma
decisão. Quem teria coragem para enfrentá-los, para bater,
para matar, para apanhar ou até para morrer, que viesse
para se unir à nós. Iríamos esperar a chegada do delegado.
Tinha gente com enxadão, com foice, com espingarda, com
machado, com revólver. Eu mesmo também tinha revólver.
O [...] tinha uma carabina. Estávamos em vinte homens
prontos para morrer se preciso fosse. Tínhamos que saber
matar, mas também morrer. Havia um posicionado um
pouco mais longe para, caso fosse preciso, sair para avisar
nas casas para poder avisar, porque lá também tinha gente
com armas. Ficamos esperando na ponte de Laranja da
Terra, a quinhentos metros da igreja. Se for para morrer tem
que matar primeiro. Tão esquentados que estavam todos.
Esperamos até a meia noite quando chegou o recado de
que não viriam mais. O [...] segurou eles no outro lado da
ponte. Creio que foi na saída da ponte de São João. Tinha
dito para o delegado que, se passar pela ponte, vocês não
voltam mais. Ai o delgado queria saber: mas quem vai fazer
alguma coisa? Ai o [...] teria dito: eu só dou um conselho: se
você passar na ponte, você fica pra lá. Você não vai voltar
mais. Mas eu consigo passar com a polícia! Mas “os polícia”
também fica lá! O [...] sabia que o nós tínhamos cercado a
ponte. Com isto o delegado mudou de idéia e retornou para
[...]. Chegando em [...] teria comentado que “nunca mais vou
atrás destes alemão de lá. Não vou perder minha vida por
causa deles. Deixa eles se virarem sozinhos. Se eles
estivessem vindo. Tinha apenas dois, um [...]e um [...] para
recebê-los. Os outros estavam todos escondidos. Assim que
eles fossem botar a mão nos dois, todo o grupo teria caído
em cima deles. Felizmente não aconteceu. Quem sabe
teríamos matado muita gente e teríamos ido preso.
Estávamos com muito medo, mas estávamos também com
muita raiva. Só em pensar em vim buscar alguém e amarrá-
293
lo no rabo do cavalo para levá-lo de arrasto até [...]. Não se
734
podia deixar.
Depois da guerra vinha uma turma de malandros da Rua
para pegar o Pastor. Sorte foi o [...] não ter deixado passar
na ponte de São João. Senão ia dar muita morte.
Estávamos preparados para morrer. A guerra já tinha
terminado. Eles queriam acabar com tudo. Estava todo
mundo armado com o que dava. Tinha gente com revólver,
com espingarda, com facão, com foice. O primeiro que pisar
em cima da ponte é o primeiro a morrer. Ia dar guerra. Sorte
que o homem não deixou passar. Lá em Lagoa o [...] e o [...]
chegaram a bater no Balbach. Diz que judiaram dele
735
também.
Desta forma, tanto o episódio de Laranja da Terra como o
de Lagoa serviram de marco para aqueles que se consideravam
cidadãos brasileiros, porém com direito à sua liberdade religiosa,
aos seus próprios costumes e à sua própria cultura.
6.5 A colônia no pós-guerra
Para os que voltaram da guerra ou mesmo para aqueles que
tinham passado pelos preparativos de um possível embarque para a
Itália, o pesadelo tinha passado. Muitas histórias ficaram para serem
contadas! Pesadelos. Neuroses de guerra. A campanha da Força
Expedicionária Brasileira não tinha sido fácil
736
. “Muitos chegaram a
ser presos por falarem alemão. Quando cheguei aqui, isto foi em,
734
735
736
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Uma referencial à campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália.
294
1947, mandaram que falássemos bem baixinho porque senão a
polícia prenderia quem falasse alemão.”
737
Mas, como depois da intempérie sempre aparece o sol, era
preciso seguir com a vida e, especialmente, era preciso continuar
provendo o alimento para a família. Os primeiros meses foram
especialmente difíceis, pois a paranóia e a desconfiança que a
população “brasilioner” alimentava contra os “colonos” continuava
criando muitas dificuldades.
Sentimento de inferioridade gerado com a perseguição aos
teutos depois da Segunda Grande Guerra trouxe um
sentimento de inferioridade e de constrangimento. Ser
pomerânios era sinônimo de desprestígio. Gerava vergonha.
738
Casamento com outra etnia como fuga...
Muitos foram hostilizados quando identificavam a sua
persistente dificuldade de comunicação em função da pouca
alfabetização e em especial pelo seu precário domínio da língua
portuguesa
739
.
Mesmo depois da Guerra, em muitos lugares as
crianças continuaram sem escolas, especialmente porque também
havia uma grande carência de escolas públicas.
Estava tudo fechado. Ninguém podia falar em alemão.
Tiveram que começar a preparar o sermão para ser lido em
português. Ninguém mais podia conversar em alemão. Tudo
tinha sido proibido. Se ouvissem alguém falando em
pomerânio já podia ser preso. Depois que acabou a escola,
740
vieram outros professores.
737
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
740
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
738
739
295
Tinha uma escola do governo, lá nas nossas terras. Depois
arrancaram ela e colocaram aqui na vila. Mas era de uns
professores que não sabiam de nada. Na verdade os
meninos iam à escola mais para aprender a caçar
741
passarinho.
Depois da guerra muito lentamente a vida voltou ao seu
normal. As dificuldades criadas em decorrência da proibição do
trabalho pelos pastores levou a muitas improvisações e conflitos.
Mesmo nos anos de 1950 o colono pomerânio ainda era motivo de
zombaria.
O meu irmão, que viveu nesta época, dizia que tinha muita
vergonha de ser pomerânio. Ele veio para Vitória para
estudar e que passara a ser motivo de chacota. Neste
período, que foi depois da campanha nacionalista de Getúlio
Vargas até depois da guerra, as escolas foram fechadas.
Antes havia aqui em Vitória aos domingos a Radio Alemã e
que foi fechada. Existia o Clube Alemão que foi fechado.
Chegou a época em que eles queriam se esconder da
verdade. Não queriam ser pomerânios. Não queriam ser
alemães. Queriam se misturar. Foi nessa época que iniciou
o êxodo rural e os pomerânios começaram a migrar para
Rondônia. Os mesmos procedimentos que fizeram aqui
742
passaram a fazer por lá.
Depois que os pastores voltaram, aos poucos a atividade da
igreja também voltou. O culto voltou a ser feito em alemão.
743
Tudo novamente em alemão. Mesmo depois disto tudo.
Os maus tratos aos colonos imigrantes ainda na década de
1960 continuaram gerando revolta e mágoas. Ficou conhecido o
episódio patrocinado pelo sindicato dos trabalhadores rurais de
Afonso Cláudio, onde um novo assessor jurídico, “querendo mostrar
741
742
743
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
296
serviço” resolveu convocar os “colonos de Serra Pelada” para
comunicar a obrigatoriedade de todos terem que se associar a esta
entidade. Era uma centena de “colonos” que pouco ou nada
entendiam, sendo confrontados por um advogado bem falante
tentando impor aos presentes a sindicalização compulsória.
Fazendo frente a toda esta encenação arbitrária, apenas um
adolescente de quinze anos “ousou” rebater as insistentes
investidas
do
facultativo
e
evitando
constrangedoras decisões unilaterais
desta
forma
estas
744
.
Figura 40: “Fogão de chapa” – restaurado e novamente em uso.
No decorrer da década de cinquenta, lentamente os ofícios
religiosos voltaram a ser realizados em língua alemã. “Mais tarde
744
Episodio protagonizado pelo autor.
297
melhorou. E o governo pagava os professores. Eles pagavam os
professores. Mas tinha muitos problemas com as aulas das
crianças.”
745
A hostilização nas escolas, mesmo que já de forma
mais velada, persistiu até o início da década de 1960
746
.
Os pomerânios estão mais na terra fria. Ali, a língua
pomerana ainda é muito forte. Assim, eu fazia celebrações
onde fazia a liturgia em alemão, explicava e lia em
português e pomerânio e lia em português e alemão. Na
verdade eu tinha cultos aonde chegava a utilizar três
idiomas. Cheguei a fazer muitas celebrações somente em
alemão em tudo que era lido e o que era comunicado e
explicado, tudo em pomerânio. Isto era muito bem aceito,
inclusive tinha algumas comunidades que exigiam que o
747
pároco soubesse falar o pomerânio.
Foi aí que, certa vez fui a uma comunidade onde trabalhava
o P. [...], quando ao final dos trabalhos ele disse que tudo o
que ele tinha falado em português eu saberia falar em
pomerânio. Aí um dos presentes me desafiou dizendo que
gostaria de ouvir. Com o consentimento do Fischer tomei o
estudo feito em português e fui traduzindo. Isto foi em 1970.
Dei uma mensagem em pomerânio. Senti que havia dado
certo. Quando chegou dezembro, lá em [...], durante o culto
de natal, falei um pouco e lá pelas tantas resolvi falar: “ik
war ais a Winachts jeschöacht lesa”. Vocês querem em
alemão ou em Pomerânio? Eles começaram a rir. Aí falei em
pomerânio. A partir daí nunca mais falei em alemão, falava
sempre só em pomerânio. No início fui muito perseguido até
pela [...], a [...]que me criticava muito. Mas muitos vinham na
nossa igreja por causa da mensagem em pomerânio.
Faziam transferência e tudo. A partir daí o pessoal da [...]
748
mudou também para algumas coisas em pomerânio.
745
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
747
Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
748
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
746
298
A cidade de Afonso Cláudio havia se tornado um marco no
combate a tudo que não fosse “brasileiro”. Este combate fervoroso
continuou sendo liderado por uma professora casualmente casada
com um pastor luterano.
749
A [...] dava palestras contra isto aí. Ela foi muito rigorosa, até
mesmo no ginásio. Certo dia, eu era [...], houve uma reunião
da equipe lá em Vitória, com o Secretário da Educação e
como coordenador do [...] também me convidaram,
juntamente com a diretora do Ginásio, que era a [...]. Estava
lá também um representante do Min. da Educação do Rio de
Janeiro. A [...] justamente começou a falar da necessidade
de preservarmos as culturas antigas, as italianas, alemão. Aí
eu me dei conta que era comigo e pedi a palavra. Agradeci
pela oportunidade de estar aqui e disse que tinha sido muito
perseguido porque comecei um trabalho de resgate da
cultura pomerana. Própria Profª. [...] que está presente aqui,
muitas vezes muito me criticou. (relatou como expôs o
assunto e a maneira como vem fazendo seu trabalho de
resgate da língua pomerana, seja por meio das mensagens
pelo rádio, seja nos ofícios religiosos, etc.) “Mas isto é muito
bom, eu queria ter alguma coisa deste material...”ponderou
o representante do Ministério.
“Me grava algumas
mensagens...” Isto foi feito, conforme pedido e tempos
depois recebi uma carta de agradecimento. A partir dali não
houve mais perseguições. Hoje existem vários movimentos
de resgate da língua e das tradições pomeranas. Inclusive o
750
projeto de implantação da língua pomerana nas escolas.
A década de 1960, na realidade constituiu-se em um
importante marco na cultura pomerana capixaba. Constituiu-se no
início de uma série de movimentos. Em primeiro lugar, merece
destaque que a grande migração para os centros urbanos, tanto nas
pequenas cidades como Santa Maria, Afonso Cláudio, Itarana,
749
750
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
299
Domingos Martins, como também para a Grande Vitória.
Em
segundo lugar, a falta de espaço para novos desmatamentos no
estado de Espírito Santo reforçou o fluxo de migrantes da chamada
quarta fase
751
da migração interna, inicialmente direcionada para o
estado de Paraná e posteriormente para Rondônia. Repetiu-se o
mesmo mecanismo de desbravamento tantas vezes já utilizado e
que implicava nas derrubadas, nas queimas e nas plantações,
apenas que, desta vez, em outros estados brasileiros. “[...] até a
década de setenta, quando os pomerânios foram descobertos pela
mídia, até ai tinha problemas e acesso, não tinha asfalto. As escolas
eram muito longe.”
752
Por último, os pomerânios foram “descobertos” pela mídia,
desencadeando a divulgação de uma sucessão de infelizes
reportagens, mas que, ao final, levou a toda uma reavaliação da
Cultura Pomerana no Brasil.
6.6 A implantação de novas técnicas agrícolas
Aqueles que de São João de Petrópolis retornaram à “roça”
cheios de ideias e planos logo se depararam com uma triste
realidade: os pais não permitiram grandes alterações na maneira de
trabalhar na roça. Afinal, os antepassados assim o haviam feito e
não seriam eles que iriam modificar o sistema trabalho. Os projetos
teriam que ficar para mais tarde
751
752
753
753
.
Uma Sistematização didática utilizada pelo autor na presente apresentação.
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
300
Em praticamente toda a metade sul de Espírito Santo as
propriedades já tinham diminuído de tamanho e não permitiam
novas divisões. Os filhos das famílias, mesmo que já não mais tão
numerosas, continuavam necessitando de novas terras onde
também a igreja pudesse se desenvolver. Eram geralmente os filhos
mais velhos que saíam à procura de novos assentamentos.
Também na região de Serra Pelada alguns filhos de colonos
haviam retornado de “Petrópolis”, como também era conhecida a
Escola Agrícola. Apesar de ser uma região de colonização já mais
recente, as terras já mostravam sinais de esgotamento. Utilizava-se
o sistema do reflorestamento (capoeirão) seguido de novas queimas
três ou quatro anos depois
754
.
Na prática se fazia dois tipos de lavoura. De um lado, havia
lavoura de café, uma plantação perene e que tinha uma vida útil de
vinte a vinte e cinco anos. Havia também as plantações sazonais,
representadas pelos produtos de manutenção das famílias e seus
animais domésticos. Naquela época não se costuma adubar ou
podar os pés de café. Talvez a existência de pequeno número de
animais domésticos nas primeiras propriedades tivesse levado os
imigrantes teutos a não utilizar o esterco de gado, dos porcos ou do
galinheiro para a adubação de suas lavouras
755
.
O milho e o feijão, por apresentarem raízes mais superficiais
não costumam concorrer com o cafeeiro nos primeiros anos do
cultivo de um cafezal. Entretanto, plantas do grupo dos tubérculos,
como a mandioca, o cará, a taioba penetravam muito mais no solo e
754
755
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
301
ao serem arrancados causavam um maior prejuízo às raízes do pé
de café. As ramas da batata doce e do chuchu desenvolviam uma
cobertura abafadora. Depois de cinco ou seis anos o cafezal
passasse a ocupar uma área exclusiva dentro da propriedade.
Assim, uma vez formado o cafezal este se tornava uma plantação
perene, cujos cuidados se restringiam a uma ou duas capinas
anuais
756
.
No início do século vinte o café já havia se transformado na
principal fonte de receita das colônias, ou seja, considerando que
cerca de dois a três por cento era guardada para consumo próprio
das famílias, a maior parte do dinheiro gerado pela venda deste
produto constituía-se na principal fonte de renda dos colonos. Havia
cerca de três mil famílias teuto-brasileiras produzindo café no
Estado de Espírito Santo.
A época da colheita do café, na própria área central de
Espírito Santo, variava de região para região e muitas vezes se
estendia verão adentro. Já nas terras altas da Mata Fria, em função
da irregularidade da temperatura, a maturação ocorria de forma
mais lenta. Desta forma, como o processo acontecia de forma muito
irregular, esta colheita se estendia por meses. Era preciso retirar os
grãos maduros e, na medida do possível, preservar os que ainda se
encontravam em processo de formação. Com um ligeiro movimento
de fricção sobre os grãos e estes, depois de soltos caíam aparados
por uma peneira encostada contra o abdômen do trabalhador e
apoiada nas folhagens do pé de café. Havia também aqueles que
simplesmente
756
derrubavam
todo
o
produto
no
solo
para
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
302
posteriormente ser recolhido e “abanado” para a remoção das folhas
caídas e dos grãos ocos
757
.
Toda esta produção precisava ser transportada até o terreiro
de secagem próximo às suas casas. Também os que tinham suas
mulas para a própria montaria, passavam a utilizar estes animais
também para o transporte da produção das lavouras. O café era
acondicionado
em
grandes
balaios
presos
em
cangalhas,
semelhantes às utilizadas pelos tropeiros no transporte de
mercadorias
758
.
Já na década de cinquenta, em uma ou outra propriedade
de Serra Pelada, começou-se a fazer a colheita do café sobre uma
espécie de lençol de um tecido bastante resistente, medindo cerca
de quatro por quatro metros e com uma abertura até o meu meio.
Era conhecido como “Cafeetuch”, ou seja, o pano de café. Este
utensílio era posicionado ao redor do cafeeiro, de tal forma que o
seu pé ficasse no centro do pano e as bordas da abertura eram
sobrepostas. Com isto podia-se derrubar aos grãos de café sobre o
pano e na medida em que se concluía a “limpeza” de cada árvore, a
produção limpa e sem qualquer contato com a terra podia ser
colocada em sacos ou balaios para o transporte para o terreiro
759
.
Também, aqui, logo iniciou um novo processo de prébeneficiamento dos grãos de café, ao ser realizada a retirada da
polpa suculenta que envolvia a semente propriamente dita. Este
processo, que passou a ser conhecido como despolpagem do café,
757
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
759
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
758
303
permitia uma secagem bem mais rápida dos grãos, ao mesmo
tempo em que melhorava significativamente a qualidade do produto
e também o seu preço.
6.7 A quarta fase da migração interna: Paraná e Rondônia
Na região rural o casamento continuava representando a
vinda de uma nova força de trabalho, já que o novo casal passava a
ter uma intensa atividade na rotina da propriedade. Este também era
o momento de readequação a uma nova realidade. Era o que
costumava acontecer com o filho homem solteiro indicado como
arrimo da família. Muitas vezes, até, já tinha sua propriedade,
apesar de não possuir recursos para a construção de uma casa
própria
760
.
Entretanto, quem casa quer casa. Muitas das dificuldades
que surgiam com a nova convivência de duas gerações de famílias
terminavam em atrito e conseqüente afastamento da uma das
partes. Aqui, vale lembrar, que partir de 1950, a migração de muitas
famílias para o “Norte” havia se tornado bastante comum. Notícias
vindas do Paraná fizeram com que também o sudoeste brasileiro
passasse a exercer um atrativo sobre muitos jovens ansiosos por
obterem o seu pedaço de chão.
De lá meus pais vieram para Rio Guandu. De Rio Guandu
retornaram para São Luiz de Miranda, perto da grande
pedra. Depois os filhos casaram todos e eu como caçula
voltei para Criciúma, de onde retornei para Lagoa Preta.
Meu pai também morou em Criciúma. De Criciúma voltou
760
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
304
para Laranja da Terra e depois novamente para Santa
Joana. [...] Quando eu casei me mudei. Fui me mudando e
mudando e lá pelas tantas voltei para ao mesmo lugar de
761
onde tinha saído anos antes.
Figura 41: A migração para Rondônia e outros estados.
No Norte, para quem não tem terras, é muito ruim. Trabalhar
de diarista... Mas não tem trabalho. Muitos saíram do Norte
de Espírito Santo. Grande parte dos meus parentes foram
762
para Rondônia.
A grande maioria, quando casava, procurava trabalhar à
meia. Eram os meeiros. Geralmente em lugares onde
761
762
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
305
tivesse fazendas maiores. Foi inclusive o caso da minha
763
mãe.
Eles foram considerados “Wanderbauern”, ou seja, colonos
764
que estão em constante migração.
Assim teve início o que poderíamos chamar de quarta fase
de migração interna da população teuto capixaba, na qual
inicialmente algumas famílias se deslocaram para o estado de
Paraná, porém, rapidamente este fluxo migratório foi redirecionado
para Rondônia e outros estados do oeste brasileiro. Era a sina do
pomerano migrante, o “Wanderbauer”, aquele migrante, cujo destino
é manter-se sempre na procura por um “lugar melhor”, por melhores
condições de trabalho.
6.8 O quadro sanitário na Colônia
O quadro sanitário da população européia nos primeiros
anos da colonização foi bastante precário. Nestes anos, a própria
desnutrição de grande parte dos colonos, em decorrência da falta de
uma alimentação adequada e da dificuldade na adaptação aos
produtos nativos aqui encontrados, como o feijão e a farinha de
mandioca contribuíram para a manutenção desta situação
765
. É
notório que, os que aqui chegaram costumavam ser originários das
camadas mais pobres dos pobres da Europa. Há também outros
fatores que podem ser citados e que contribuíram para a
manutenção de toda esta situação sanitária precária. Em primeiro
763
764
765
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
306
lugar, nunca houve qualquer política de saneamento ambiental.
Além disto, nunca se teve recursos para investimento no setor.
Em segundo lugar, a precariedade das primeiras moradias e
das suas instalações hidráulico-sanitárias trouxe uma série de
problemas. O “caboclo” capixaba de origem indígena e africana, já
estava acostumado a uma vida quase nômade. Este, ao abrir novas
frentes de assentamento na margem da floresta e construir seus
primeiros ranchos de palmito, de certa forma, foi incorporado ao
processo de expansão da colonização teuta. O colono, ao adotar
esta sistemática da constante renovação das suas propriedades
através do processo de novas derrubadas em novos territórios, pela
praticidade e rapidez com que eram erigidas em outros lugares, por
vezes
terminava
aderindo
a
este
verdadeiro
processo
de
“caboclização” de suas vivendas e, com isto, até à sua maneira de
viver
766
.
Na prática a absoluta maioria das casas não tinha qualquer
ligação domiciliar de abastecimento de água
767
. Esta carência, seja
nas suas casas ou mesmo nas suas proximidades, levava a uma
deterioração da já precária higiene nesta região de clima tropical.
Isto representou todo um processo de contaminação dos alimentos,
disposição inadequada de resíduos das moradias, especialmente
766
A grande maioria dos relatos, inclusive dos familiares do autor, trazem descrições destas
primeiras habitações. Eram simples abrigos, cuja característica provisória por vezes
permanecia por meses ou anos, já que a prioridade era prover alimentos para o sustento da
prole.
767
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares. Estas habitações costumavam ser construídas nas proximidades dos pequenos
córregos ou rios. Estes já forneciam a água para o preparo dos alimentos, para a lavação da
roupa e para o “banho de bacia”. A chamada “bica” de água, na qual longos troncos
“escavados” de palmito ou também grossas varas de bambu, depois de terem seus nós
extraídos serviam de condutores do precioso liquido, de pontos mais elevados dos riachos até
a proximidade das casas. Até mesmo na década de 1950 poucas casas dispunham destes
“modernos recursos”. A construção de instalações sanitárias começaram a surgir a partir de
1950.
307
sanitárias, onde pessoas e animais, frequentemente conviviam em
meio a dejetos humanos e de animais.
Todas estas dificuldades contribuíram para a manutenção
do alto índice de mortalidade infantil que durou praticamente até
toda a primeira metade do século vinte, comprovada pela diferença
entre o número de filhos nascidos e os que, naqueles tempos,
atingiam a idade adulta
768
. Nos livros das igrejas estão registradas
as causas mais comuns da mortalidade infantil, ou seja, convulsões
e gastroenterite
769
.
Em 1894 e 1895 houve uma epidemia de febre amarela em
Vitória e Santa Leopoldina. Felizmente esta fez poucas vítimas entre
os colonos, talvez graças à sua vida relativamente reclusa nos
respectivos sítios. O mesmo aconteceu com a cólera que se
registrou poucos anos mais tarde.
A malária e a desinteria
costumavam ser bastante comuns nas áreas de colonização teutobrasileira, especialmente nas chamadas terras quentes, talvez em
decorrência da própria deterioração dos alimentos, favorecido pela
precariedade higiênica e também pelo próprio calor
770
.
As picadas de cobras, principalmente por um tipo chamado
surucucu, fizeram muitas vítimas, favorecidos também pelo hábito
768
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares. Este índice, segundo relatos colhidos em muitas famílias, em alguns casos podia
chegar aos quinze ou vinte por cento.
769
WAGEMANN, Ernst. A colonização alemã no Espírito Santo. A salubridade. Disponível
em:<ttp://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capitulo_8.html> p.. 3.
Acesso em: 22 jan. 04.
770
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares. A desinformação e as práticas de medicina popular, sem qualquer poder de cura
terminou levando a perda de muitas vidas.
308
dos colonos de andarem descalços
chamadas “Schlangenkasse”
771
. Mais tarde foram criadas as
772
.
Tinha também óleo de copaíba, era bom para diversas
coisas. Na picada de cobra costumavam cortar um pedaço
da cobra e colocar em cima da ferida. Isto ajudava a puxar o
veneno. Colocavam também uma lasca incandescente
sobre o ferimento. Podia-se também colocar um pouco da
cinza de cachimbo. Isto também ajudava. Outros ainda
mandavam colocar folhas ou emplastros com sal em cima
773
das feridas.
A furunculose era muito comum, especialmente entre os
recém-chegados
774
. Somente na segunda metade do século vinte,
com a implantação pelo governo estadual, dos “Postos de Higiene”,
muito lentamente o estado de saúde da população interiorana
começou a melhorar
775
.
6.9 A assistência médica
A historiografia sobre a imigração européia no Espírito
Santo, praticamente, não aborda a assistência médica destas
colônias durante as suas primeiras décadas de existência. Com
776
exceção de nomes como o do Dr. Nickmann
, ou de alguns nomes
771
De Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
A Caixa de Remédios contra picada de cobra de Santa Joana, durante muitos anos foi mantida
pelo avô do pesquisador.
773
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranja da Terra, no dia 29/07/08.
774
A exposição aos inúmeros insetos do clima tropical, para quem estava habituado a um clima
muito frio fez surgir um sem número de doenças cutâneas e que até os dias atuais continuam
molestando os descendentes destes imigrantes.
775
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
776
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
772
309
de “médicos práticos”
777
, poucas lembranças afloram na memória
dos entrevistados. Se, de um lado, os imigrantes estavam
destinados ao trabalho no campo, a falta de uma política pública
para a assistência médica também contribuiu para a inexistência de
profissionais médicos nesta região
778
. Por outro lado, a baixa
densidade populacional e a falta de perspectivas econômicas não
permitiram a vinda para estas paragens, seja de profissionais da
Europa ou mesmo de brasileiros formados nas três únicas escolas
médicas existentes no Brasil no início do século vinte
779
.
A absoluta falta de profissionais habilitados levou ao
desenvolvimento de uma medicina popular e que tinha no chamado
“Walddoktor” ou “médico da floresta” seu principal articulador. Este,
embasando seus conhecimentos em livros de medicina popular,
tentava compensar as precárias condições médico-sanitárias.
O velho [...] no Tirol entendia alguma coisa e a gente
procurava algum tipo de remédio quando alguém adoecia.
Dava remédio para vermes e estas coisas simples.
Farmácia só existia em Santa Leopoldina, era do Fritz
780
Dinas, um homem velho. Médico nesta época não tinha.
Já no início do século vinte falava-se em um ou outro
médico em cidades próximas. Entretanto, a precariedade financeira
777
Estes muitas vezes transitavam pelo interior da Colônia ou até mês se fixavam nas localidades,
onde atuavam como agricultores e sempre que solicitados, prestavam os “serviços médicos”
aos necessitados.
778
A maioria dos relatórios oficiais de Santa Leopoldina se refere à presença de médico na sua
sede. Entretanto, a grande maioria da população vivia a dezenas de quilômetros de distância
deste recurso. Muitas vezes moribundos eram transportados em verdadeiras “liteiras”
improvisadas ao longo de cinco ou dez horas de exaustivas caminhadas, na procura de um
último recurso.
779
Cf. SEIBEL, Ivan. Primódios da Medicina Brasileira, em Polêmicas e Benefícios da
Educação Médica Informal da Décima Enfermaria. WS. Editor – Porto Alegre. 2004. p 132.
780
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
310
da população teuta, muitas vezes, dificultava o acesso a estes
profissionais
781
. “Havia um em Santa Leopoldina e Itaguaçú. Em
Santa Maria não tinha. Aqui em Santa Maria tinha farmacêutico.”
782
Com o surgimento do soro antiofídico (Vital Brasil, 1900) o
Instituto Butantã, de São Paulo, passou a fornecer o produto para
associações
de
coleta
de
cobras.
Eram
as
chamadas
“Schlangenkasse” isto é, as Caixas de Soro antiofídico, a espécie de
associação responsável pela manutenção deste produto. Estas
recebiam o soro antiofídico em troca do envio de serpentes vivas
para a referida instituição.
783
Seu avô, o Heinrich Seibel
já tinha a “caixa de cobras”.
Eles faziam injeção. Isto foi em 1930. [...] Fazia sim.
Naquela época eles faziam. Havia uma época em que não
tinha mais soro. Passaram por dificuldade. Quem precisava
de atendimento médico mais complicado tinha que ir para
784
Vitória. Tudo isto tinha que ser pago.
Nos anos de 1950, os filhos continuavam nascendo em
casa. As parteiras auxiliavam neste trabalho até mesmo porque, a
distância até o médico de Afonso Cláudio era muito grande. Até o
ano de 1960, o Dr. João Eutrópio, praticamente, foi o único
profissional daquela cidade. Precisavam-se percorrer quarenta ou
cinquenta quilômetros até a sede do município. Além disto, na
região de Itarana e Itaguaçu também havia um único médico. O
mesmo acontecia em Santa Leopoldina. Nos anos de pós-guerra,
781
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
783
Avô do pesquisador.
784
Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
782
311
estes três facultativos e o Dr Nikmann, de Vitória, atendiam a maior
parte das Colônias teuto-capixabas.
Da
mesma
forma
como
o
atendimento
médico,
o
atendimento dentário sempre foi muito precário. “Tinha os dentistas
que atendiam dentro de casa. Tinha um mineiro que fazia este
serviço
785
. Os “dentistas práticos” detinham um conhecimento
extremamente limitado e que costumava ser “ensinado” para alguns
“aprendizes”. Desta forma, muitas vezes, estes “dentistas”, munidos
de seu “buticão”, uma espécie de alicate para extração dentária e a
“broca de dentista”, movido a pedal, ofereciam seus serviços para
quem deles precisasse.
785
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
312
7 HÁBITOS E COSTUMES NAS COLÔNIAS TEUTO-CAPIXABAS
1950 – 1960
7.1 A década de cinquenta
A circulação de textos escritos em linguagem que não fosse
o português tinha sido proibida no final da década de 1930.
Entretanto, com ao passar dos anos do pós-guerra a língua
pomerana e mesmo o alemão voltaram a ser falados livremente em
quase toda a colônia. Com o término da guerra, aos poucos, velhos
livros e especialmente hinários e a própria bíblia voltaram a ser lidos
nas famílias. A falta de escolas de quem nasceu entre os anos 1925
e 1935 trouxe dificuldades de aprendizagem para praticamente toda
esta geração. O ensino confirmatório havia ficado restrito aos
poucos que conseguiram chegar até a casa paroquial, muitas vezes
por caminhos alternativos para não serem molestados por algum
“brasiliona” fanatizado e ansioso por vingança contra os colonos.
Na década de 1950, aos poucos, alguns jornais e revistas
editados em língua alemã voltaram a circular. Este foi o caso do
semanário “Brasilpost” e da revista “Das Beste”
786
. A última, na
realidade era uma edição alemã de uma revista norte-americana.
Apesar do seu custo, ao menos para um colono ser quase proibitivo,
786
Ambos eram assinados pelo avô do pesquisador. Era uma forma de ter acesso aos
acontecimentos de fora da Colônia e que até permitia certa interação ao se escrever cartas ao
“Zeitungsonkel”, o redator da Sessão do Leitor da “Brasil Post” e depois ver publicada a sua
cartinha.
313
a falta de outras atividades culturais ou mesmo de lazer levava
muitos a assinarem algum destes periódicos.
Figura 42: Casa paterna do autor, com suas cores azul e branco
Nas escolas públicas, a proibição do uso de outras línguas
que não fosse o português persistiu e continuava sendo observado
até a década de 1960. “Em 1965 comecei a dar aula na roça. Em
1967 vim par cá e neste tempo ainda tínhamos medo de sermos
presos [...]”
787
Os cultos e o ensino confirmatório já voltaram a ser
em língua alemã. Quanto à hipótese da existência do movimento
nazista da chamada “quinta columa”, nenhuma referência foi
identificada no presente estudo. A existência de um suposto grupo
787
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
314
de adolescentes que teria “marchado”
788
com uniformes caquis, leva
mais a pensar no Movimento Integralista, muito ativo neste
estado
789
. Depois disto ocorreu toda a perseguição aos teuto-
brasileiros por não saberem comunicar-se em língua portuguesa,
dificuldade esta que persistiria por muitos anos. “Em 1967 eu lembro
direitinho que a questão nas escolas ainda era muito difícil.”
790
Figura 43: Os “caminhos” em meio à selva, hoje ainda utilizados
por cavaleiros, mas também já por motociclistas.
788
Tudo leva pensar que de fato tenham sido grupos treinados pelos integralistas. Não há
qualquer informação sobre grupos simpatizantes com o Nacional Socialismo.
Ver entrevista transcrita no Anexo Três.
790
Cf. quadragésima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
789
315
Alguns poucos colonos tinham a sua charrete puxada por
cavalo. Os poucos caminhões pertencentes aos comerciantes mais
abastados transportavam as mercadorias para Vitória e traziam as
novidades em armarinhos e outros artigos sinônimos de conforto ou
até mesmo de luxo. As estradas eram péssimas. Persistiam muitos
caminhos ou estradinhas abertas com enxadão e picareta.
Há 48 anos atrás (em 1960) [...] a tropa de burros. Com
cangalha. passava pelo mesmo caminho que faz hoje. Sim.
[...] Até lá meu pai ainda tinha tropa para o transporte de
791
mercadorias.
As pessoas não sabiam escrever ou escreviam muito pouco.
Tivemos uma época muito difícil. Ninguém escreveu
qualquer coisa. A vida no dia a dia era muito pobre. Ia-se
para a venda, ou à pé ou à cavalo. Verduras e estas coisas
não existiam na época. Simplesmente não se conhecia.
Somente mais tarde o Kerkow, de Vitória, passou a importar
sementes de verdura da Alemanha. O Pasto Hermann
Roelke incentivou a plantação, mas quem fazia a importação
em Vitória era o Kerkow. Isto começou na década de trinta.
792
Até em 1950 o Kerkow ainda importava as sementes.
Mais um personagem ostentando as características do
modelo de agricultor teuto-brasileiro vencedor, Lourenço (Fig. 54),
filho de renanos e de pomerânios, com outros personagens passa a
protagonizar uma seqüência de acontecimentos ainda por serem
relatados. Surgem novos conceitos de comunidade.
A língua
portuguesa começa a se impor nas igrejas. A vida familiar no pós-
791
792
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07 /08
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
316
guerra começa a adquirir um outro padrão. E é esse mesmo
personagem que em 1953 traz o primeiro Jeep para a região de
Serra Pelada. Foi um grande acontecimento. Alguns meses mais
tarde, depois de conduzir o seu Wyllis 1951 pelas pirambeiras da
estrada do bananal, tendo como passageiros os dois inspetores de
trânsito que depois iriam avaliar a sua capacidade de conduzir um
automóvel, o orgulhoso proprietário finalmente conseguiu chegar à
capital do Estado para obter a sua Carta de Habilitação. As grandes
mudanças na vida social da colônia estavam por acontecer.
793
Nas migrações sempre tinham sido recriadas as condições
necessárias para a reprodução da vida típica do agricultor
pomerânio. Talvez isto explique uma das razões da permanente
migração deste povo: na década de 1950 para o Paraná e na
década de 1960 para Rondônia.
7.2 A definição da arquitetura pomerana
Até os primeiros anos de pós-guerra a maioria das casas na
colônia, especialmente nas áreas do interior, ainda vinham sendo
construídas no sistema pau-a-pique, apesar de que, com o passar
dos anos este processo já ter se tornado bem mais elaborado do
que o sistema utilizado pelo caboclo brasileiro. Assim, depois de
feita toda a estruturação da casa, inclusive das suas coberturas, as
paredes precisavam ser “fechadas”. Para isto utilizava-se uma típica
trama de varetas verticais e horizontais, amarrados com finos cipós
em que geralmente tinham um elemento vertical interno e dois
elementos horizontais externos. Esta trama era preenchida por um
793
Como poder ser mais bem visto em “quarta fase da migração interna” (Fig. 29).
317
barro
pisoteado
(amassado)
atirado
por
duas
pessoas
simultaneamente, uma de cada lado. Uma vez tendo adquirida
resistência satisfatória, procedia-se à colocação de um reboco
preparado na base de barro misturado com areia seguido do
“reguamento” para a uniformização da sua superfície e posterior
caiação. Permanecia a típica construção pomerana, constituída de
casas de paredes brancas com suas portas e janelas azuis
794
.
Figura 44: Casa típica da colônia, com as cores azul e branco
da bandeira da Pomerânia.
794
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
318
Meu pai... Muitas vezes contava as coisas daqueles
tempos... nos primeiros tempos construíram casas muito
primitivas de pau a pique. Suas paredes eram feitas com
barro e eram cobertas com folhas de palmitos. Mais tarde
descobriram que uma parte das folhas novas podia servir de
alimento. Por outro lado o tronco do palmito podia ser
aberto, lascado e utilizado como material para a construção
das casas. Era utilizado para a colocação das tabuinhas
795
para o telhado... .
Antigamente as paredes das casas eram feitas de estuque,
com um preparado de varas de bambu e de varetas,
amarrados com cipó. O preenchimento era feito jogando-se
barro amassado ao mesmo tempo do lado de fora e do lado
de dentro. Precisava-se ter muito cuidado com o arremesso
desta massa. Quem se descuidasse um pouco corria o risco
de levar o barro no rosto. Todas as casas eram feitas desta
796
forma. Não se tinha tijolos. Eram as casa de pau a pique.
Nas construções já um pouco maiores, como nas igrejas,
eram
utilizados alguns
recursos mais elaborados para dar
estabilidade às paredes.
Meu pai sempre falava que seu avô participou na construção
da primeira igreja de Luxemburgo. Meu bisavô nesta época
e terminou morrendo lá mesmo em Rio Farinhas. Contava
que as paredes teriam sido feitas com terra socada. Teriam
feito formas de tábuas e que a terra costumava ser molhada
com um pouco de água e desta forma era possível colocá-la
dentro destas formas. Assim socando-a com socador, era
possível dar-lhe consistência a ponto de permitir o
levantamento da parede. Ao final estas paredes foram
revestidas com cal natural, encontrado em muitos lugares da
797
região.
795
796
797
Cf. Vigésima entrevista realizada com G.R.P. na cidade de Santa Maria, no dia 25 07 08.
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28 07 08.
Cf. Vigésima nona entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29 07 08.
319
As paredes foram feitas de terra batida com pedras
vermelhas e palha (não havia cimento, ferros ou tijolos). Por
isto que as paredes são tão grossas. A escola foi feito com o
mesmo método da terra socada. Fazia-se uma forma com
pranchões e depois de colocar a terra esta era socada até
fazer uma massa uniforme e pastosa. Assim, depois de seca
798
ficava bem firme.
A presença de animais selvagens de grande porte como
onça ou porco do mato trazia preocupação com a segurança das
famílias. Era preciso precaver uma eventual invasão das casas por
estas feras, por vezes esfomeadas e à procura por alimentos.
Ela contava que a casa que eles prepararam de início, era
mais alta para evitar a entrada de animais selvagens.
Tinham sido alertados. Por isto faziam as casas em cima de
pilares altos, com altura de até dois metros. Durante a noite
puxavam a escada para cima para ninguém ter acesso. Foi
799
o que a minha avó contava.
Já nos novos assentamentos, as construções de abrigos
temporários continuavam sendo muito precárias, até pela total
inexistência de recursos materiais. “Foi um tempo muito difícil,
porque no inicio o pessoal costumava morar em casa feita de pau a
pique, com paredes feitas de barro batido. Isto já foi aqui em Laranja
da Terra. Tinha-se uma barraca”
800
.
Já a partir de 1950, um ou outro “colono” passou preparar o
seu próprio “tijolo”. Foi desta forma que, na metade do século vinte,
muitos começaram a construir suas casas com tijolos de barro de
fabricação caseira. Isto porque não havia olarias e mesmo se
798
799
800
Cf. Décima quarta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 22/07/08.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
320
houvesse não se dispunha de meios de transporte até as casas dos
colonos.
A única saída era a preparação desta matéria prima antes
do início da construção. O “barro” para a sua preparação precisava
ser adequado para dar a correta consistência ao produto final. Este
era preparado em um caixa de madeira ou mesmo em uma abertura
no solo e, à medida que se adicionava terra, despejava-se água
para a adequada mistura e consistência dos dois elementos. Esta
“massa” era “atirada” dentro de uma forma de quatro ou cinco
espaços previamente salpicada de areia para evitar a aderência da
massa. Feito o “reguamento” da superfície da fôrma esta era
“despejada” no solo revestido de uma fina camada de areia
801
.
A cada manobra destas, obtinham-se quatro ou cinco tijolos
crus. Depois de secos, eram empilhados como “forno” de maneira a
permitir o seu cozimento ou queima.
Este processo de construção de casas sempre foi bastante
rudimentar. Entretanto, aos poucos, estas estruturas de madeira das
casas passaram a ser preenchidas com tijolos e depois rebocados,
definindo também este sistema conhecido como “enxaimel” na
construção das casas. Na prática era a continuação do sistema de
estruturação da edificação, porém com seu posterior preenchimento
com tijolos
802
.
As casas em que precisou ser feito uma ampliação do
espaço, frequentemente também se podia encontrar os mais
diversos tipos de construção. Até porque, sempre que no casamento
801
802
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
321
a acomodação estratégica do grupo familiar era pela permanência
do casal jovem na casa paterna, a redistribuição do espaço
geralmente passava pela ampliação da casa ou pela construção de
uma nova
803
.
7.3 Hábitos e costumes dos pomerânios
O dia a dia do pomerânio ao longo de toda sepre parece ter
sido regrado por hábitos e costumes. Seriam regras milenares?
Dificilmente se pode saber. Entretanto, regras sempre são regras e
dentro deste princípio a forma de viver e de conviver da sociedade
pomerana capixaba se manteve intacta ou, quem sabe, se definiu ao
longo de quase um milênio.
Assim, a criança, até mesmo antes de nascer já estava
sujeita a todo um regramento. Aliás, a regra era o segredo. Ninguém
poderia conhecer a origem da criança. A criança simplesmente era
“trazida”. Alguns falavam em cegonhas. Sim, cegonhas, isto é,
grandes garças. Havia muitas na Alemanha e na Pomerânea. O
“Klapperstorch”, na verdade era aquela garça de grande porte e que
fazia um ruído intenso com o seu grande bico.
Havia também os que afirmavam que “dai oppa brinha klaina
Kinna” (os macacos trazem as criancinhas). Por que o macaco? O
que o macaco tem a ver com as crianças recém-nascidas?
Até os 18 anos eu fui proibido de assistir ao cruzamento de
qualquer animal. Meus pais não permitiam. Tenho que dizer
que casei e nem sabia que mulher engravidava. Depois foi
803
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
322
acontecendo. Eu tinha muita dúvida. Fui criado com a idéia
de que o macaco vai trazer novidade. A gente duvidava.
Porque a barriga da mulher desaparecia. Não se tinha
argumento nenhum. Não se tocava no assunto. Não sei do
porque do macaco. Talvez porque muitas pessoas tinham
macaco em casa. Então era fácil dizer que o macaco
pudesse fazer isto ou aquilo, até porque ele muitas vezes
vivia dentro de casa. Na verdade existia muito macaco e
804
papagaio.
O parto constituía-se de um momento de muito segredo, de
cochichos. A parteira determinava o que deveria ser feito. As
crianças e adolescentes ficavam na casa dos parentes ou de
vizinhos até a consumação do evento.
Esta era uma forma de lidar com uma coisa que as crianças
não deveriam saber. Ou seja, de onde as crianças vinham.
Havia muitos barbados nas matas. São até parecidos com
as pessoas. A cegonha era mais uma tradição da Alemanha.
805
Também continuou em uso por aqui.
A mãe tinha que observar os trinta dias de resguardo. Não
podia trabalhar. Por isto elas costumavam ter tanta saúde.
Não podiam ir à visita antes do batizado. A bênção à jovem
mãe era um costume que os imigrantes trouxeram da
Alemanha e que persistiu por aqui. Desta forma, toda a mãe,
depois do batismo de seu filho recebia a bênção em frente
806
ao altar.
Mas não podia sair de forma alguma com a criança. Era
proibido. A porta era fechada com a vovó e ela durante três
semanas, dentro de casa, até que ela pudesse ir para a
igreja levando a criança. Depois sim estava livre. Ninguém
807
me contou o motivo.
804
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08.
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
807
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
805
806
323
O batismo constituía-se em um novo momento repleto de
regras. Era uma cerimônia em que a ritualística religiosa luterana e o
sentimento mágico dos antigos pomerânios pagãos se misturavam.
“Com o batismo, a criança é apresentada à comunidade e, como
padrinhos eram escolhidas pessoas que se admirava, porque se
acreditava que a criança passava a ter todas as qualidades dos
padrinhos“.
808
Era uma cerimônia para a qual a mãe levava seu filho,
independente da distância a ser percorrida e que por vezes
representava um dia inteiro de cavalgada.
Era uma situação bem especial, enquanto não fosse
batizada. Não podia sair de casa. Saia de casa somente no
dia em que fosse batizada, pois corria perigo. (e ainda
precisava ser levada no colo pela própria mãe). Na verdade
acreditavam que crianças fossem indefesas, ela corriam
perigo com a assombração e com mau olhado. Era algo sem
sentido. [...] Nem todos. Mas algumas famílias conduziam
809
isto de uma forma bastante drástica.
O
envelope
do
presente
do
padrinho,
o
chamado
“Patenzetel”, continha uma série de elementos, cujo simbolismo
certamente sinalizava um futuro promissor. “Colocavam milho, café,
agulhas, linha, cabelos, moedas [...] Eram os votos que deveriam
sinalizar com um futuro promissor. Cada coisa era um desejo de
sucesso”
808
809
810
810
“Antigamente era assim. Eram cabelos, agulhas,
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
324
sementes e um monte de outras coisas. Era para desejar sorte para
a criança. Isto era muito costume”
811
A jovem mãe tinha uma série de restrições. Antes da
primeira ida à igreja, com a criança, sequer podia sair de casa.
[...] um dos pioneiros que fixou residência em Alto Santo
Joana. Fixou residência ali e em Luxemburgo, está
registrado em livro, em setembro do ano seguinte que ali
nasceu a primeira criança. Dia 31 de março do ano seguinte,
quando a criança tinha seis meses (pela estrada de hoje o
trajeto até a igreja de Luxemburgo tem 61 km), a mãe teve
que levar a criança para a igreja. Ela levou no colo esta
812
criança, nesta distância até lá.
Este costume já vinha dos bisavôs, que eles não poderiam
sair de casa com criança, de forma alguma, antes dela ser
batizada e da mãe com a criança receber a bênção na
813
igreja.
Quando a criança crescia precisava aprender a trabalhar. As
crianças acompanhavam seus pais no dia a dia na roça. Era uma
preparação para uma nova fase da vida. Precisavam ver, ouvir e
assimilar o que os mais velhos faziam. Este aspecto do aprendizado
pela observação era enfatizado em diversos momentos do dia a dia
da família, inclusive no momento da visitação a outras famílias.
Criança não fala, ouve. “Crianças não podiam ficar na sala quando
chegavam visitas, não participavam das conversas de adultos. À
noite sentávamos à mesa e os adultos contavam histórias de
814
fantasmas.”
811
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
814
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
812
813
325
A confirmação representava o momento da passagem da
fase infantil para a idade “quase” adulta. A partir daqui podia-se
fumar, beber e dançar. Já o namoro, ou melhor, a preparação para o
casamento acontecia dentro de regras e de uma moral rígida e em
muitos casos com casamento arranjados. A escolha do noivo ou da
noiva geralmente envolvia a análise de potencialidades de aquisição
de terras. No fundo, representava todo um aspecto de boa ou má
sobreviência em um ambiente de vida muito difícil.
Pelo que se conclui de praticamente todas as entrevistas, ao
menos no Espírito Santo, a rigidez envolvendo os aspectos morais
ditados pelos pastores e também pelos padres, praticamente
condicionaram o comportamento socialmente admissível, à entrada
da noiva no casamento com a preservação da virgindade. As
reprimendas em público, perante toda a comunidade, o pagamento
de significativas taxas de indenização. Era o “Buse betola”, isto é,
pagar pelo arrependimento demonstrava a extensão da ingerência
dos pastores nas questões morais.
Com a constituição da família, cada um passava a ter as
suas atribuições. O homem passava a ser responsável pelo trabalho
no campo, pela conservação da casa, pela provisão da alimentação,
pelos cuidados com os grandes animais e a comercialização do café
e dos grandes animais. “A comercialização de café costumava ser
atribuição dos homens. Geralmente eram os homens. Para vender
coisas pequenas como manteiga e ovos geralmente as mulheres
iam até a venda.”
815
A mulher cuidava dos afazeres da casa, do preparo da
alimentação, da lavação das roupas e dos cuidados com as aves e
815
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
326
da ordenha das vacas. Além disto, comercializava os excedentes de
ovos, manteiga e aves em troca de sal, trigo, querosene, tecido
etc.
816
e
também
Na cadeia alimentar adaptada ao consumo de peixes dos rios
ao
Hering
(arenque)
salgado,
encontrado
em
praticamente todas as vendas. “[...] comiam muito o peixe de rio. O
peixe salgado do mar chegou a ficar escasso. Mas a Manjuba
salgada era bem barato e todo mundo comia.
817
[...]“ “Muito. Até tem
uma expressão: “Não tem medo de sardela porque ele não tem
cabeça”. O hering vinha salgado e sem cabeça, mas geralmente
818
ainda com os miúdos.”
Quando do falecimento de um familiar ou parente próximo,
observavam o luto. A refeição na casa do falecido, depois do
sepultamento era preparada pelas vizinhas, para que ninguém fosse
para casa com fome. Esta data, da mesma forma como o natal e a
páscoa, constituía-se em um destes raros momentos em que se
servia pão de trigo
819
. Comer Wittbrout (pão de trigo) depois do
enterro, de certa forma constituía-se no início de todo um processo
de luto.
Era algo semelhante ao procedimento no caso de luto. Eram
sete anos de luto. Não podia ser um dia a menos. Aí eu
pergunto: faz seis anos e dez meses e morre mais um. Aí
passam a ser mais sete anos de luto. Assim, não podiam
dançar. Podiam andar com a noiva, mas não podiam
820
dançar.
816
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
818
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
819
Anotações feitas pelo autor baseadas em vivências pessoais enclucive por ocasião do
falecimento de seu próprio pai.
820
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
817
327
[...] Quando meu avô morreu, eu tinha 06 anos, meu pai me
colocou na fila para despedir (dar a mão) e me lembro que
no caixão, ao lado da cabeça do meu avô estavam a Bíblia e
os óculos e depois meu pai usava uma fita preta pregada no
821
bolso da camisa em sinal de luto.
O preparo para o final de semana também exigia certo ritual.
Ninguém contestava estes costumes repassados de geração em
geração.
No sábado à noite costumávamos nos lavar. Botávamos
uma roupa bonita. Estávamos prontos para o domingo. (Aos
domingos) cozinhávamos algo especial. Comíamos bem.
Brincávamos. Fazíamos visitas. (Visitávamos) mais os
822
parentes, mas também os visinhos e conhecidos.
Assim também entre natal e ano novo. Não se podia mexer
em nada com enxada. Assim, por exemplo, se fosse
arrancar um pé de aipim e ficasse alguma raiz para traz,
tinham que deixar para depois e tirar depois do ano novo.
823
Nunca ninguém explicou porque não podia sair de casa.
Meus irmãos lembram o carnaval, eles não podiam nem
olhar na janela que era pecado. Éramos obrigados a assistir
ao culto em alemão e português, meu irmão sempre
passava mal na Igreja. Minha irmã não superou o medo de
temporal, nossa mãe nos acordava para fazer orações. Eu
me lembro muito da quaresma, meu pai não deixava a gente
ouvir rádio e me lembro muito das datas festivas, páscoa,
natal com muitos biscoitos, enfeites, árvores de natal lindas,
824
presépio.
821
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
824
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
822
823
328
7.4 A superstição
Todas as pessoas supersticiosas têm um apego infundado a
determinadas coisas. Elas seguem conselhos oriundos de crendices
populares. Enfim, são pessoas que acreditam que estas ações,
sejam elas voluntárias ou não, como rezar, portar amuletos ou
participar de rituais que possam influenciar o dia a dia de suas vidas.
Por meio deste pensamento mágico acreditam poder obter
resultados não atingíveis dentro do modo de agir lógico, pois, por
meio de certos rituais passariam a poder contar com poderes
sobrenaturais para atingir os seus objetivos.
O pomerânio sempre foi supersticioso. As superstições
ainda existem e possivelmente são reminiscências da cultura
pomerana da Europa. São heranças que poderiam ser explicadas
por antigos costumes e pela mitologia dos povos primitivos que
deram origem a este povo
825
. Da mesma forma como o pomerânio
cultiva os rituais que representam uma passagem para uma nova
fase da sua vida, como o batismo, em que a criança começa a ser
protegida por uma áurea do “ser cristão”, em um momento posterior,
a confirmação dá-lhe o status de adulto. Com ele passa a poder
fumar, beber e dançar. Por último, já como adulto, ingressa em sua
fase de plenos direitos ao ingressar no casamento. A morte, com
todo o seu cerimonial de encerramento da vida, com as janelas
abertas para que a alma possa sair livremente e a ceia com Wittbrot
(pão branco), preparado pelas vizinhas para depois do sepultamento
825
SLAWISCHE. Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie.
Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em: 07 jun. 08.
329
fechar todo este círculo de nascimento, vida e esperança por uma
nova vida.
Da mesma forma como estes momentos de transição eram
bem marcados dentro do ciclo de vida do pomerânio, este, no seu
dia a dia também se cercava de elementos mágicos, para, quem
sabe, protegê-los nesta sua vida tão tumultuada pela opressão e ao
longo de intermináveis guerras. Assim, a gravidez já precisava ser
mantida em sigilo. Depois do nascimento a parturiente permanecia
em um rígido resguardo.
Era uma situação bem especial, enquanto não fosse
batizada. Não podia sair de casa. Saia de casa somente no
dia em que fosse batizada, pois corria perigo. (e ainda
precisava ser levada no colo pela própria mãe). Na verdade
acreditavam que a criança fosse indefesa, ela corria perigo
com a assombração e com mau olhado. Era algo sem
sentido. [...] Mas algumas famílias conduziam isto de uma
826
forma bastante drástica.
Por ocasião do batismo a mãe carregava a criança até a
igreja, mesmo que isto representava uma tarefa extremamente
cansativa em função do longo e difícil percurso a ser vencido até o
local do culto e da bênção.
No batismo os padrinhos tinham uma atribuição muito
especial. Seus votos vinham simbolizados pelo conteúdo do
“Patenzetel” um pequeno envelope que costumava ser entregue de
forma discreta para não ser visto pelo pastor. “Colocavam milho,
café, agulhas, linha, cabelos, moedas... Eram os votos que deveriam
826
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
330
sinalizar com um futuro promissor. Cada coisa era um desejo de
sucesso.
827
(o chamado “andaun”, o mau olhado também existe?)
Üüüühh ... sim, sim, sim... [...] Funciona sim... Para quem
acredita, funciona! Mas pra quem não acredita nada
828
acontece.
Isto até uma mãe pode fazer pelo seu próprio filho. Ou
mesmo o próprio pai ou até uma outra pessoa. Assim, por
exemplo, quando uma criança é muito bonita e tem olhos
azuis e cabelos pretos. A primeira coisa que as pessoas
sempre fazem é olhar para os olhinhos. Ah, mas que
olhinhos bonitinhos. Logo isto pega na criança. Não é por
maldade que a pessoas fazem isto. Não é nada disto. [...]
Fala-se em mau olhado, mas não quer dizer que tenha sido
visto com maldade. Mau olhado vamos supor, isto foi
oifakeka (visto de uma forma como não deveria ter sido
829
olhado, ou não se deveria ter olhado).
Pelo que lembro as pessoas sempre diziam a que bruxaria e
bruxas não existiam. Isto não é da crença do povo. Muitas
vezes as pessoas inventavam isto, mas por aqui isto não era
830
costume.
O grito do gavião ”hakalo” (anauê) precisava ser observado.
“É que, quando alguém morria, ele começava a gritar...
831
Se ele
canta, é porque alguém morreu. (se canta em uma árvore verde)
[...] vai chover [...] (em uma árvore seca) [...] alguém morreu.
832
As Cartas de Proteção, as Cartas do Céu e a Cartas dos
Anjos constituíram-se em uma espécie de amuleto com poderes
mágicos de proteção.
827
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
830
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
831
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
832
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
828
829
331
Na verdade tem três tipos. Tem o Schutzbraif (Cartas de
Proteção), tem o Himmelsbraif (Cartas do Céu) e o
Engelsbraif (Cartas dos Anjos). Neste último tem um anjo.
Este era o melhor. Estava tudo escrito em alemão antigo. Eu
833
não conseguia ler.
O “Schutzbraif” era para a sua proteção. Tinha uma função
834
semelhante ao que os católicos têm com os seus santos.
Figura 45: O “Schutzbraif” – carta de proteção – em uma versão
original muito antiga.
833
834
Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
332
As pessoas tinham muita confiança. O pomerânio acreditava
que se tivesse uma carta de proteção no bolso, mesmo que
alguém tentasse agredi-lo com faca ou tentasse atirar contra
ele, sempre estaria protegido. Eles realmente acreditavam
835
nisto.
Figura 46: Carta de Proteção manuscrita e carregada no bolsa
como um precioso amuleto.
As pessoas falam muito. Mas o Himmelsbraif tem que estar
no coração e na cabeça. Se não o mantém lá, não adianta
nem Schutzbraif e nem Himmelsbraif. Ou não é verdade?
835
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
333
[...] Jó, jó, dat stiemt! (Sim, Sim, é bem isto). Eu nunca quis
saber destas coisas. Que me deixassem em paz! [...] Sim,
eles têm esta crença e isto é para ajudar. “Wenn ik mi doch
nia allein an Gott hulla dau, nia verainicht in Gott mit dem
hailiche Engel.”(Quando eu mesmo não acredito em Deus e
não vivo em paz com Deus com o Santo Anjo), o que
adianta escrever na carta do Céu? Assim também não
836
adianta!
Acredito que fazia parte de um costume e que também foi
combatida pelos pastores alemães, mas que sobreviveu nas
residências onde eles tinham estes Schutzbraife. O pessoal
os conservava com muito carinho. Às vezes os guardavam e
837
às vezes ficava exposto.
As “assombrações” eram imagens que de fato existiram e
que costumavam levar as mais variadas interpretações.
[...] há alguns dias ouvi o relato de que “este é um lugar
onde apareciam assombrações...” na referência a um
determinado matinho... Mas o pessoal já sabe que isto é
coisa da imaginação. E que isto não existe... A verdade é
838
que as pessoas têm medo de assombração.
“Às vezes eram cavalos [...] Eram montarias que não saiam
do lugar[...] Enxergavam vultos, ruídos...”
839
Nos cemitérios, naquele
tempo, enterravam as pessoas em covas mais rasas. Isto provocava
a exalação de gases, chamados fogos-fátuos. Este gás de noite é
fosforescente. A mesma coisa pode acontecer no pântano onde
pode haver alguma coisa apodrecendo ou a lua bate num lugar
836
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
839
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
837
838
334
destes, dá uma imagem em movimento, fica como se as fumaças
estivessem em movimento.
Isto nós vimos uma vez, mas foi no brejo. Isto eu já vi. Era
uma nuvem, branquinha... Passou por mim e subiu [...] Aí se
dizia que vai dar muita guerra[...] Que vai acabar o
840
mundo[...]
Contavam muita história de assombração. Quando a gente
viajava a cavalo, já costumava botar a garrucha de baixo do
cinto. E aí muita gente terminou descobrindo que
841
assombração não era assombração.
Mas meu tio que morava aqui em cima, na Mata Fria, lá
onde é muito, muito frio. Ele sempre contava que lá sempre
tinha assombração pelo caminho. Contava que era uma
grande figura branca que certa vez não o deixou passar pelo
caminho. [...] Isto ele também não sabia. Só que o deteve
naquele caminho até de manhã cedo. Ficou trancando o
caminho até de manhã cedo. Não o deixava passar. De
manhã cedo, quando já clareava o dia, a grande imagem
saiu do caminho e desceu pela ladeira. Somente depois
disto que conseguiu passar. Chegou em casa a mulher
questionou onde tinha estado até esta hora. Aí disse que
tinha uma coisa no caminho e que não o tinha deixado
passar. [...] Era um sinal. Provavelmente tinha morrido
842
alguém lá por perto.
Há tempos por aqui morreu uma velinha, da família dos [...].
O [...] precisou ir a cavalo até lá para dar o aviso para o
pessoal do Picadão. Ele saiu à cavalo, andou, andou e a
seu lado sempre via a figura de uma grande imagem preta.
Depois que saiu do mato o bicho também tinha
desaparecido. Ele ficou com muito medo. Lá pelas tantas
chegou a ver umas luzes atrás de umas árvores. Tudo isto
843
chegou a ver.
840
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
843
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
841
842
335
Assim, aqui neste mato, quando a gente passava a cavalo
no escuro, muitas vezes se via um homem parado lá por
cima ou ainda lá por cima da pedra. Dizem que o Koepp,
quando foi no moinho, na volta não conseguiu passar e daí
só chegou em casa no dia seguinte. Isto foi no meio do
844
mato. Tinha assombração.
Figura 47: “Casa dos Klems” depois da tormenta. Apenas
destroços e à noite, o medo de “assombrações”.
Naquela família não havia isto, porém me contaram muitos
casos. Contavam os casos da enchente de 1940, em que o
curandeiro teria passado na casa da família Klems, para
ajudar num parto difícil. Aí a família queria que ele dormisse
lá. Ele respondeu que não poderia dormir lá porque não tinha
falado com a sua própria família e terminou indo embora.
Quando estava caminhando já longe viu a sua frente um casal
com crianças. Tentou chamar, mas pararam. Chamou
diversas vezes e assim por diante. No outro dia soube que
844
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
336
toda a família tinha sido levada pela barreira e que todos
845
haviam falecido. (Fig. 47)
Quando questionados sobre a veracidade destes relatos, as
respostas dos pomerânios costumam ser evasivas: “Assombrações,
existiam nos cemitérios, no bambuzal, nas pedras”.
846
“Eu tenho
uma empregada que ainda acredita em benzedura. Sempre dizem
que, se a gente acredita, realmente ajuda. Naturalmente as coisas
são feitas às escondidas.”
847
“Dizem sempre que quem já assistiu
ao aparecimento de uma assombração realmente passa a acreditar
na sua existência.”
848
Isto foi tudo invenção. Eu nunca vi, e também não
acreditava neles. Mas contavam muito. Aqui em cima onde
morou o Jering [...] Meu pai contava [...] Meu avô contava
849
[...] Os viajantes contavam muito [...]
Ai eles foram ao pastor e este mandou reunir a vizinhança
de cantar uma determinada canção da igreja. Que ainda
deveriam ler um trecho bíblico e cantar esta canção todas as
noites. Assim, com o passar dos dias a assombração teria
desaparecido. Existia tal coisa? O pastor dizia que existia.
Gute Sachem um Böse Sachen (coisas boas e coisas ruins).
850
As pessoas acreditavam nisto. Depois desapareceu tudo.
7.5 O curandeirismo
Uma atenta análise das respostas dos entrevistados permite
observar uma nítida diferença entre curandeirismo e o próprio
845
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Vigésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
848
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
849
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
850
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
846
847
337
benzimento. Para uma melhor compreensão será novamente
preciso recuar na história deste povo e analisar o próprio quadro
sanitário e de saúde da população.
Assim, com a falta de uma assistência médica tradicional,
seja pela sua absoluta inexistência ou mesmo pela falta de recursos
financeiros, a população procurou por práticas alternativas que
pudessem trazer conforto aos enfermos ou familiares. A colonização
no Espírito Santo desde os seus primórdios se viu abandonada de
qualquer recurso médico. Era preciso encontrar um ”curador” ou
algum “Walddoktor” (um médico da floresta).
O Walddoktor era o curador. No caso do Karavak, ele foi
escolhido pelo grupo para fazer este papel de médico e o
que ele viria a fazer seria considerado correto. Pronto. A
outra coisa começou depois: o homem tinha que ensinar à
mulher a fazer o “Besprekan” e a mulher tinha que repassar
isto para um outro homem. Não era válida uma mulher
repassar para outra mulher ou um homem repassar para
851
outro homem.
A benzedeira reza, passa ramos de plantas. Lá fora sempre
havia alguém que benzia. Já o curandeiro levava ervas,
chás e preparava infusões para obter uma cura. Tinha
852
médico aqui em baixo, já na época em que estava lá.
Sim. Mas se fosse mulher benzedeira, só tinha direito de
repassar isto a um homem. Assim, vice-versa. Não era
permitido à mulher repassar este conhecimento outra
mulher. Não sei do por que disto. Realmente é verdade que
a benzedura funciona. Realmente o Romário ali faz
direitinho.[...] Eles também faziam para a terra, para o gado
853
[...] Eles não usam remédios...
851
852
853
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
338
Eles tinham um manual em alemão. Na verdadee eram
livros com explicações de tratamento para diversas
doenças. Eles continham desde simples orações até
receitas de rermédios caseiros, chás ou condutas para
serem adotados para os casos dos diversos tipos de
854
doenças, ou supostas doenças da época.
Vivenciar uma consulta de um “curador” é algo, no mínimo
curioso, até mesmo pela própria espontaneidade com que o
acontecimento transcorre. Costuma ser um diálogo espontâneo e
agradável. Quando chegou uma cliente para a “consulta”, por
ocasião da entrevista com o autor, o “médico” disse que teria que
atender. Ponderei que fizesse o seu trabalho e que, enquanto isto,
iria seguir conversando com os outros presentes. Seguiu-se uma
rápida conversa entre a “cliente” e o Curador e finalmente o “Doutor”
levou a paciente para uma outra sala de onde ainda podia ser vista,
sem que, porém pudéssemos entender o conteúdo do diálogo.
Nossa conversa com outros familiares seguiu baixinho para não
atrapalhar a “consulta”.
(O que consulta com ele?) De tudo. Ela (a “paciente”) está
com dor nas costas. Ele é nosso doutor. Ele examina e dá
uma receita [...] Dá remédio para os meninos. Prá vermes.
Tem lápis e caneta e papel e anota isto. Depois vamos para
855
a farmácia e compramos o remédio. Ele é nosso doutor.
O seu sobrinho, o [...] também é doutor. A mãe do [...]
também era. Agora passou para o [...]. [...] É curador.
Walddoktor. [...] Mas o remedio é bom. Ele escreve no
papel. A gente pega na farmácia e sempre fica bom. Ele tem
854
855
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
339
respeito pela pessoa. [...] Direitinho. Tudo que precisa. E dá
856
certinho.
Muitos fazem (“garrafada”). Mas eles preparam com
cachaça. Isto eu não faço. Eu não preparo “garrafadas”.
Muitas pessoas são contra as “garrafadas”. Não sei fazer e
não tenho interesse em aprender. Sei que preparam uma
857
espécie de chá.
Dinheiro quase não tinha, mas sempre se dava alguma
858
coisa.
A solução encontrada residia na busca da assistência
proporcionada pelos “Walddoktors”, ou seja, os médicos da floresta,
detentores de um conhecimento, por vezes mínimo, de medicina
popular dentro da cultura essencialmente rural. “Quem vinha da
Alemanha nos últimos anos terminava trazendo de lá remédios ou
mandava vir. [...] Alguns já tinham aprendido um pouquinho de
medicina na Alemanha.”
859
Já nos relatos do assentamento de Belém, na falta de um
profissional habilitado, ocorreu a nomeação de um “médico” dentre a
“meia dúzia” de famílias ali residentes. Alguém precisou assumir
esta função e fazer o possível para obter o conhecimebnto
necessário para o desempenho desta nova função.
Aqui pra baixo no Rio Jucú morava [...]. Ele também curava
gente. Em 1939 havia muitos casos de febre amarela.
Naquele tempo ainda tinha o Dr. Artur aqui. Ai o [...] curou
muita gente. Ele naquela época ficou muito famoso, pois
860
parecia conseguir curar mais gente que o próprio médico.
856
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
859
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
860
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
857
858
340
Com o passar dos anos, todo um arsenal de práticas
populares de curas geraram todo um “acervo de conhecimento”
desta medicina alternativa. Se no início seus praticantes eram
simples raizeiros ou garrafeiros
861
, com o passar dos anos passaram
até a resistir à própria medicina tradicional, valendo-se, sobretudo
da confiabilidade da sua “clientela” e também pelos resultados
obtidos com a utilização de recursos farmacêuticos tradicionais.
“Quando alguém ficava doente, o vovô também benzia e também
fazia a garrafada. É sim, eles costumam fazer garrafada...”
862
Desta forma os “Walddoktors”, até mesmo nos dias atuais,
continuam repassando seus conhecimentos e seus “livros” de
geração em geração. E, mesmo pobres em recursos materiais,
porém ricos em credibilidade ante a população interiorana
continuam trazendo conforto para seus “clientes” e “cura” para
muitas moléstias. Aqui utilizam até uma forte justificativa bíblica:
Mas eu pergunto isto era certo ou errado?... Mas isto esta
escrito na bíblia: “Im Jacobusbrief steht es und im
Korintherbrief stet es, mit Gottes Wort kanst du Hilfe
bekommen”. ( Está escrito na Carta a Jacobus e na Carta
aos Coríntios, que, com a palavra de Deus podes receber
863
ajuda). Em diversos lugares da Bíblia está escrito...
Os [...] usam vinho ou cachaça e colocam lá dentro alguma
864
erva. Diziam que isto era bom para coluna...
861
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo: Que
preparavam chás ou soluções com presumível valor medicinal.
862
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
863
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
864
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
341
...os curadores... Havia os de origem e também havia os
brasileiros. Holandeses não. Mas isto podia ser aprendido.
Com isto se procurava benzer... Havia algumas, mas não
865
eram todas... Havia somente algumas.
O que dizer das tantas pessoas que ainda nos dias atuais
continuam encarando com desconsideração esta série de questões
dos pomerânios do meio rural capixaba e que são, quem sabe,
étnicas, envolvendo a superstição, a crença na assombração, na
benzedura e no “andaum”, se historicamente este costume pode ser
classificado como um aspecto cultural de um povo e não apenas
uma questão, digamos, não cristã? São perguntas para as quais
ainda não há resposta.
7.6 Os Benzimentos
A benzedura é a cura pela fé, realizada pelos Braucher ou
Besprecker, ou seja, pelos benzedores. Ela envolve a confiança no
toque de quem o realiza ao mesmo tempo em que recita as suas
frases bíblicas. Os clientes passam a acreditar no efeito terapêutico
à medida que pelo procedimento conseguem identificar uma
redução do estresse, a previsão de um futuro esperançoso ou
mesmo de um bom resultado na colheita. Mas, como enquadrar este
ato mágico?
Trata-se de crença ou crendice? Crença seria o ato ou efeito
de crer. Crendice será uma crença supersticiosa. Para quem olha de
fora, será uma crendice. Para eles é algo em que crêem. Olhando
sob a ótica do praticante é uma crença porque este crê no
865
Cf. Décima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
342
procedimento e acredita no resultado. Da mesma forma, olhando a
partir do lado do praticante, a própria crença de quem está do lado
de fora poderá ser vista como uma crendice. Enfim, tudo depende
da ótica na qual for analizada. Para quem crê é crença, e para os
descrentes será crendice.
Na ausência de quaisquer outros recursos medicamentosos,
esta constitui-se em uma forma muito primitiva de psicoterapia, que
tem como coadjuvantes diferentes tipos de chás ou simplesmente
manipulando ervas naturais de todos os tipos. O procedimento
parece mostrar-se eficaz nas diversas situações do cotidiano. As
práticas mostravam que nesta luta contra as forças negativas, em
que entra o balbuciar de expressões bíblicas, o estresse e as
“coisas do mal”, parecem poder ser subjugadas para dar terreno
mais fértil ao processo de cura. Contudo, para poder acontecer,
precisa haver fé, uma fé cega e inconteste
866
. Por isto as
benzeduras sempre são feitas às escondidas.
Se fizessem em voz alta as orações que os antigos alemães
tinham lhes ensinado, não teria efeito. Era preciso que fosse
feito em segredo e que as orações tinham que ser
cochichadas e em silêncio. Apenas desta forma e mesmo
assim, precisava que o benzido tivesse fé, que se podia
esperar que ajudassem. Se falassem em voz alta não
ajudaria. Isto os antigos sempre ensinavam. E quando as
867
pessoas voltavam para casa já teria ajudado.
Como não sabiam ler, precisavam decorar as orações.
Decoravam em pomerânio e falavam bem baixinho, como se
866
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. A
fraze “tem que acreditar” podia ser ouvida em todas as ocasiões em que a eficácia do benzimento
era discutida. E outras palavras, é uma repetição de uma outra frase tantas vezes ouvida em
outras circunstâncias: “Somente a fé pode curar!”
867
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
343
estivessem assoprando sssssssssss. Por isto falavam em
868
“Bepusten”, assoprar ou cochichar.
Isto se enquadra na maneira de ser do pomerânio. Até
porque este povo é muito religioso. Este modelo de comportamento
social é antigo e foi trazido pelos imigrantes, que aqui chegaram.
Os imigrantes trouxeram isto quando aqui chegaram. Por lá,
no passado, muitos dos praticantes tinham sido mortos (em
uma referência aos antigos costumes). Os que sobreviveram
continuaram fazendo. Não tinham outro recurso na época.
Quando chegaram aqui no Brasil, disseram para eles
voltarem a fazer o que tinham feito na Alemanha que isto iria
869
ajudar.
Ao longo dos anos tem sido discutida a validade de tais
praticas, especialmente quanto aos aspectos relacionados à sua
aceitabilidade pela igreja. Afinal, tanto a antiga igreja luterana e hoje
IECLB, como a Igreja Missúri (hoje IELB) sempre têm combatido
ferrenhamente a superstição ou qualquer outro costume do gênero.
“Isto foi uma “praga” enraizada e que já vem de muito tempo. Até
hoje não se extirpou. Tem muita gente que realmente pratica isto.”
870
É o que ainda hoje dizem muitos pastores.
Os pastores sempre eram muito contra. Mesmo assim (Os
benzedores) o faziam como hoje ainda o fazem. (Os
benzedores) dizem que isto era feito com a Palavra de
Deus, com o Sinal da Cruz e outras histórias mais. Porém
871
eu nunca tive tempo para estas coisas.
868
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
871
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
869
870
344
Os pastores ficavam muito brabos quando se falava em
benzedura. Desde antigamente já eram assim. Sempre
872
proibiam.
Eles eram muito contra. Antes deixar morrer do que benzer,
873
dizia o Pastor [...]. Este pastor era muito contra.
Os argumentos a seu favor são os mais variados possíveis.
Há os que defendem os seus valores. Há os que admiram seus
resultados e há os que simplesmente os ignoram.
Acho coisas incríveis com relação a esta questão de
benzeção. (segue descrevendo diversos relatos e fatos
acontecidos). São coisas que acontecem e você não tem
uma explicação científica. ...Então são coisas que eu
874
presenciei e para as quais não tenho explicação...
Eu tive um contato muito grande com algumas benzedeiras
e alguns benzedores. Acredito que o que eles faziam era
com intuito e ajudar. Usavam da sua fé para ajudar. Os
benzedores que eu conhecia estavam fortemente ligados à
nossa igreja e participavam dos cultos. [...] Eram pessoas,
não digo ativas na igreja, isto é, não assumiam cargos, mas
eram pessoas que defendiam a igreja até debaixo d’água.
Participavam ativamente das celebrações. Eu vejo que isto
era uma forma de encontrarem soluções para os seus
próprios problemas. Acho até que a gente não tem que fazer
muita crítica em cima disto porque isto envolve a fé. Se hoje
vamos fazer uma comparação com estas outras seitas que
ficam curando por aí, veremos que tem o lado psicológico.
Tem as dores psicológicas e que são curadas. Acredito que
a benzedeira também teria uma parte nesta função.
Quando, por exemplo, você está doente e vai para o
médico, você tem um médico que é sua referência, você já
tem uma propensão a melhorar. Muitas pessoas vão ao
consultório médico e já saem de lá com a sensação de
872
873
874
Cf. Sétima entrevista realizada comna cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
345
melhora. Acho que este referencial de cura, de sabedoria e
até de fé ajudava muito as pessoas. O meu posicionamento
sempre era de muito respeito. Tanto que eu tinha diálogo
875
com eles. Eles não criavam problemas.
Não se pode afirmar que os benzedores são líderes das
comunidades. Em algumas localidades realmente se tornaram,
digamos pessoas com certa influência, até pela própria atividade,
que se supõe ser curativa. Por outro lado, no presente estudo não
se conseguiu identificar nenhum caso em que tivessem participação
no presbitério ou na condução de questões administrativas de
alguma
comunidade
e
muito
menos
em
tivessem
alguma
participação no ensino da doutrina.
Não. Eram membros comuns da comunidade. [...] Não
concordo. Pelo que eu sei, a própria igreja nunca foi a favor.
Sempre se comentou que uma destas senhoras
praticamente não vinha para a igreja. Ela vinha na igreja no
876
natal e na sexta-feira santa.
Posso concordar que as benzedeiras têm um tipo de
liderança. Isto não significa que todas as líderes das
comunidades venham a ser benzedeiras. Mas os
877
benzedores tinham um tipo de liderança na comunidade.
O ato de benzimento muitas vezes também gerava
situações cômicas ou até humorísticas, como a daquele que se viu
pressionado pelo pastor local para que deixasse de fazê-lo. A partir
daquele dia modificou as frases do seu ritual.
Aí diziam para ele: Oh [...], pára com isto. Isto não serve
para nada mesmo. Por que você faz isto? Ele se defendia:
875
876
877
Cf. Trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
346
“Lass das sein” (deixe isto pra lá!). Depois disto passou a
benzer com os seguintes dizeres: “Hilfts oder hilfst nicht das
vês ich nicht. Aber ein Kilo Spek gibs doch”. (Se ajuda ou
não ajuda não sei, mas sempre garante um kilo de toicinho).
Todo mundo ia lá se benzer e levava uma sacola com o
quilo de toicinho. A verdade era que ele havia feito da
benzedura seu meio de sustento e a clientela continuou
levando seu quilo de toicinho e ele exercendo seu ofício.
Com isto não precisava engordar porcos e conseguia
garantir seu sustento. Depois levava o toicinho para a venda
e trocava por seus produtos de primeira necessidade. Era o
878
meio de vida dele.
As pessoas acreditavam em qualquer coisa. Assim, por
exemplo, a dona [...], quando perdeu o marido ficou com
uma escadinha de cinco filhos. Outro dia ela apareceu aqui
em casa para pagar o Sindicato. Ela chegou contando uma
história de que “minhas crianças brincaram com os
leitãozinhos e agora estão cheios de piolhos”. Eu louco de
pressa, pois precisava entregar minha mercadoria no outro
dia em Vitória. “Isto não é nada”, eu disse. “Piolho de gente
não vem do leitãozinho”. Ela acreditou que eu tinha feito
alguma coisa. Passadas três semanas a minha irmã
apareceu dizendo, que soube que o irmão agora é curador
também. Disse que a XXX não sabe o que vai dar de
879
presente para você, porque dos piolhos não sobrou um.
Pelos dados obtidos no presente estudo pode-se ver
claramente que continuam sendo poucas as pessoas que,
efetivamente, realizam benzimentos. Em geral há um ou dois mais
comprometidos com a prática em cada comunidade. Raramente se
encontrava mais pessoas envolvidas com esta prática.
Tinha algumas famílias que faziam isto. Minha sogra era
uma destas. Fazia muito. [...] Eu não sei. Era tudo escondido
de mim. Não sei. [...] Minha vó fazia isto. Era mais costume
878
879
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
347
entre os pomerânios. Ela tinha um caderno onde anotava
tudo [...] Ela morreu e o caderno desapareceu. Aliás eram
três cadernos diferentes. Mas tudo desapareceu. Ninguém
880
sabe que fim levou. Eu lembro bem...
Meu pai também fazia benzedura [...] quando tinha picada
de cobra. Ele tinha um livro de medicina popular. Ele
aprendeu. [...] Ele lia no livro e fazia conforme mandava
fazer. Fazia somente o que estava escrito no livro. [...] Ele
falava baixinho uma frase bíblica e dizia fazer em nome de
Deus. Depois ajudava. [...] Depois que o pai faleceu o livro
de medicina popular desapareceu. Não sei que fim levou.
881
Nunca mais cheguei a ver.
Há também muitos casos em que o próprio praticante não se
quer dar por reconhecer. Prefere ficar no anonimato.
Já tem anos que não sei, se tem algum benzedor por aqui?
Acho que não tem, não! [...] nem sei se existe algum
benzedor por aqui? (A acomnhante revela): tem sim. Ela (a
própria entrevistada) faz as benzeduras sussurrando bem
baixinho, com versinhos, usava uma faca... Eu tinha um
cobreiro, e tava cuidando durante dez anos. Aquilo já tava
fedendo dentro de casa tudo. Não tinha remédio para isto.
Lá em Jequitibá morava uma nega, a velha Frisa. Ela
benzia. Então o meu irmão me levou lá. Ela tinha um
negócio de mamona. Ela disse para falar: “tanto quer tanto
pode. Quanto terminar de falar vai estar curado”. Aí eu falei
882
e sai curado.
O “poder da cura” pelo benzimento envolve todo um
misticismo e segredos e requer certa “predisposição”, um longo
aprendizado e uma atuação com toda uma ritualística envolta de
muitos segredos.
880
881
882
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Trigésima sétima entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
348
Eu aprendi a fazer isto de cabeça. [...] Nada era escrito. A
maioria dos versículos era em alemão e eu tive que decorar
tudo em alemão. Nada disto se encontra escrito. [...] Mas eu
trabalho em alemão. Mesmo que eles saibam falar somente
português, meu trabalho é somente em alemão. Faço minha
oração só em alemão.[...] Ele não precisa saber. Não deve
saber, porque senão não vai ajudar. Isto são segredos. Isto
não se deve dizer, porque, vamos supor que se trate de
criança pequena, eu nunca lhes falei do que se tratava. Por
883
exemplo, quando tinham feridinhas na boca.
Eu não posso ensinar estas coisas. Mas vou tentar ensinar
para minha filha. Quero ensinar a ela, até porque eu não
vivo para sempre. As pessoas me procuram muito. Sou
muito falada na região toda. E depois que não estiver mais
aqui, isto não vai mais existir. Quase todo mundo está indo
embora. [...] (quantos ainda trabalham desta forma) São
884
muito poucas pessoas.
Este “segredo” é um dos elementos chaves para o sucesso
do procedimento. Até porque pessoas já devem ter tentado aprender
os detalhes do ritual. Porém, os procedimentos continuam sendo
realizados
às
escondidas,
apenas
pelos
que
detém
o
“conhecimento” do “ritual”.
Isto (ensinar a benzer) eu não posso fazer. [...] Não [...] Não
acontece nada. Apenas não adianta trabalhar. Isto me tira a
minha força. Isto tem que ficar em segredo.
(Ele prescrevia os chás e ainda benzia) Sim ele fazia a
oração para isto. O que exatamente, isto não sei. [...] Não
sei. Naquela época eu ainda era pequena. (Neste momento
o netinho chegou perto da vó e disse:) “Você também sabe
885
fazer!”.
883
884
885
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
349
O lado místico, o lado divino da “Força” sempre é salientado.
Desta forma, quando se faz a benzedura é recitado o texto bíblico, é
feito um sinal, nome do Pai, do Filho e de Espírito Santo. Isto as
pessoas compreendem?
Não. Isto eles não compreendem. Porque quando a gente
faz este trabalho a gente o faz em silêncio. Não se faz a
oração com grande gritaria. Também não se fala tudo em
voz alta. Isto as pessoas nem sabem. Quando a gente faz o
sinal da cruz eles enxergam. Mas fora isto eles não sabem e
não vêem nada. (Você é católica ou luterana?) Católica.
(Mas e se os luteranos benzem, eles não fazem o sinal da
cruz. E aí, como pode funcionar?) Isto funciona igual,
quando eles têm a fé, vão ter a força. Com isto também
passam a ter a esperança de que vão ficar curados. (os
católicos não fazem diferente do que os luteranos) É tudo
igual. Até porque a minha sogra que me repassou o
conhecimento, quando era solteira era luterana. Somente
mais tarde ficou católica. Mesmo assim continuou
funcionando o seu trabalho. (os evangélicos não fazem o
sinal da cruz.) Mas eles já podem imaginar do que se trata.
A “técnica” do ritual do benzimento também varia de caso
para caso. A descrição, quando obtida, sinaliza com uma riqueza de
detalhes, sempre envolta de muito fervor religioso.
Ele disse: “O Deus julga.” O que eu faço também é com
Deus e Jesus. De outra forma não posso trabalhar. Não
quero saber de coisas do mal. [...] quando eu faço isto? [...]
Isto eu faço assim: “Das Gott und Jesus und der Heilige
Geist sollen helfen dass der Mensch gesund werden soll.
Drei einich in Gottes”. (Que Deus e Jesus e o Espírito Santo
ajudem para que este homem volte a ficar bom. Três vezes
886
unido em Deus). Era só isto. Nada mais.
886
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
350
Tinha me machucado o pé. Daí pegava um pedaço de
papel, desenhava o pé neste papel e fazia uma oração. Era
887
assim que ele trabalhava.
Isto era como ir ao medico. Você tem que acreditar. Se não
acreditar não adianta tomar remédio. A mesma coisa
acontece com a benzedura. Você tem que acreditar... É
como cura de ”cobreiro”. Eu tinha “cobreiro” e não tinha
remédio para ele. E o XXX curava o cobreiro. Então mandou
buscar uma varetinha de pé de malúrio. Quando cheguei
pegou a vareta na mão e me perguntou: “o que você tem?”
Eu respondi: “cobreiro”. Ele disse: “Então eu corto a
cabeça”. E cortou um pedaço da vareta. Depois perguntou:
“o que você tem?” Eu disse: “cobreiro”: então respondeu:
“então eu corto no meio.” E cortou a vareta pelo meio. Daí
perguntou novamente: “o que você tem?” Eu respondi:
“cobreiro”. E ele respondeu: “então eu corto o rabo dele.” e
foi cortando um pedaço da outra ponta. Depois amarrou os
três e botou na fumaça, com a recomendação: “mas não fala
isto para ninguém.” No outro dia o cobreiro estava seco. Isto
888
só porque eu tinha fé.
Benzia dor de cabeça, insolação. [...] Não sei, não. Mas
botava um lenço de cabeça. Segurava para trás e tinha que
dizer um versinho em alemão: “Sonnenstich ... e não sei o
que mais. Não me lembro agora. E um copo de água[...]
Ajudava, sim. (o Schrekwasser – a água do susto) Quando
tomava um grande susto. Botava três carvões em uma
889
caneca de água fria: bebia ... bebia...
Havia também aqueles que benziam contra picada de cobra.
Aqui vem a pergunta tradicional: Mas, como “benzer cobra”, se a
vítima que tiver recebido a peçonha tende a sucumbir?
887
888
889
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
351
Eu só benzi cobra [...] Sim.[...] Eu vou falar, mas não sei se
é certo. “Die shlange die stach, der Mann ist schwach. Bitte
nur das, dass das Gift zurück fur. Im Namen des Vater und
des Sohnes und des Heiligen Geistes. Amen.” (A cobra
picou. O homem está enfraquecido. Peço apenas que o
veneno retroceda. Em nome do Pai, do Filho e de Espírito
Santo. Amem) [...] Pois é, isto é uma oração de benzeção.
(o entrevistado ficou muito constrangido depois de ter
revelado o “segredo”). Para diminuir o mal estar, poderei:
“Não precisa ficar com receio. Não sou pastor. Eu estou
apenas perguntando estas coisas porque gostaria de
escrever no meu livro como isto pode ser feito. Não vou citar
890
o seu nome.
891
O que funciona melhor, alemão ou “brasilionisch ”?
Dütsch. Se uma criança sofria de Schwammen (Estomatite)
usava-se a seguinte ditado: Schwammen die wollen das
Kind verdammen.
Aber Jesus Flammen wollen es nicht verdammen.
Im Namen des Vaters und des Sohnes und des Heiligen
892
Geistes. Amen.
(As feridas da boca querem condenar a criança,
Mas as chamas de Jesus querem salvá-la.
Em nome do Pai, do Filho e de Espírito Santo. Amém)
Os resultados costumam ser contabilizados pelas mais
diferentes maneiras. Presume-se que a benzedura é “boa” para as
pessoas que nela acreditam e pode também funcionar para os
animais domésticos.
A oração pode ser feita de qualquer forma. Não precisa ser
feito com benzedura [...] Para o gado também ajudava. Mas
eles (os pastores) dizem que benzer é pecado. Muitas vezes
não ajuda. [...] Benzer [...] (outras vezes ajudava)
aaaaahhhhh ajudava sim ... porque nós tínhamos a fé muito
firme em Deus. Sei que o avô do XXX aqui em baixo rezava
890
891
892
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Referindo-se ao idioma português.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
352
abertamente. Em nome do Pai, Filho, Espírito Santo, tudo,
893
tudo...
Naquela época raramente se levava alguém até na cidade.
Faziam-se chás e aí, ou ficava bom ou morria. Sempre se
894
procurava benzer.
Dizem que, para quem acredita a benzedura ajuda e para
895
quem não acredita não vale nada.
Todo este ritual de benzimento tem sua psicologia própria.
Não precisa sequer acreditar em benzedura. Será preciso acreditar
no resultado de um relacionamento humano de confiança. E esta
vem a ser a mesma confiança que se tornou responsável pela cura
de tantas doenças de fundo emocional (psicosomáticas).
Podes também perguntar para o pastor [...] A sua filha teve
um problema na perna. Eles foram para tudo quanto é lugar.
Chegaram a ir até o Rio Grande do Sul, procurando
médicos. Não conseguiam solucionar o problema. O pastor
não acreditava nas “palavras”. Aí trouxeram a moça aqui
acompanhada da sua tia, a [...]. Ela disse que acreditava na
força do “benzimento”. Senti-me meio assustada. Até porque
ele vivia xingando contra este trabalho. Já tinha recebido
muitas palavras duras da igreja, do púlpito. Aí eles
trouxeram a menina aqui no domingo. Depois eu disse que
queria vê-la novamente no próximo sábado para ver se tinha
melhorado ou não e para ver o que ainda pode ser feito. No
outro sábado a sua perna estava curada e da ferida tinha
sobrado apenas uma pequena mancha em cima do pé. A tia
chegou aqui chorando e dizendo que a menina tinha ficado
boa. Depois disto a tia continuou trazendo a menina, mas
ele nunca vinha até aqui. Tempos depois a [...] tinha um
problema na perna e ele teve que trazer ela. Era erisipela.
Então ele a trouxe. Não até aqui. Eu tive que caminhar um
pedaço ao seu encontro. Na última vez chegou até aqui e
893
894
895
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Lasranmja da Terra, no dia 29/07/08.
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/ 07/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
353
me perguntou? Será que a Maria vai ficar boa. Aí respondi:
Se ela tiver fé em Deus, vai ficar boa. É Deus quem vai
896
curá-la.
Mas naquela época tinha um pastor no Rio Posemoser.
Tinha uma criança doente que estava piorando cada vez
mais. “Minha nossa”, teria dito o pastor, “o que vai
acontecer. O remédio não está mais ajudando”. Aí chegou
alguém e teria dito para o pastor, fazer [...] Aí o pastor teria
dito que nestas coisas ele não acreditava. “Sim”, teriam lhe
dito, “isto não é bruxaria, isto tudo faz parte da Palavra de
Deus. Ele não faz nada com o diabo, com as coisas do Mal.
Ele faz com a ajuda de Deus”. O pastor se deixou convencer
a ir até lá. Aí constataram que era um panarício que tinha se
desenvolvido no dedo. Aí o benzedor fez o trabalho e logo
ficou curado. Aí o pastor teria dito “até agora nunca acreditei
que pudesse existir uma coisa estas. Gastei tudo em
remédios que podia ter gasto. E o menino não tinha jeito de
ficar bom. Agora ficou curado”. Mas como ele fez isto. Ele
benzeu o ferimento? Também fez com “Im drei Gottes
Geaet” (com a oração três vezes em Deus). É o que eu
penso. Eu também nunca perguntei. Eu fui lá uma vez por
curiosidade, para ver como ele o fazia. Ela também fazia
897
assim com as pessoas [...]
Até que ponto se pode diferenciar o médico da floresta ou
da roça do interior capixaba do praticante do benzimento? Apesar
da semelhança é possível estabelecer uma nítida diferença entre o
primeiro, com suas habilidades de “raizeiro” e “garafeiro” e o
segundo, o qual tenta alcançar o seu efeito terapêutico pela
confiança cega no “toque curador” das mãos. É a crença na magia,
na fé. Uma fé cega e inconteste no resultado a ser obtido.
896
897
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Trigésima sexta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
354
Os relatos envolvendo estas práticas, muitas vezes se
tornam controversos, até como forma de comprovar a veracidade
perante os novos “clientes”.
É a confiança de que ”eu vou ficar curado”. É isto que os
benzedores sabem trabalhar muito. E é desta maneira que
eles conseguem, digamos, os seus “resultados”. Na maioria
das vezes as próprias internações nos hospitais têm por
base um problema psicológico. Quando o médico é
consciencioso há uma boa evolução. Será preciso conversar
com o “doente”. Tem muitos casos em que sequer se
precisaria de medicação. Bastaria uma boa conversa. Só em
898
ver o seu médico de confiança, já sentem uma melhora.
Em resumo, no benzimento sempre tivemos o impossível e
o místico na procura por soluções. Eram soluções que aparentavam
estar muito longe, talvez até impossíveis para a realidade desta
colônia sem médicos, sem remédios e sem dinheiro. Os resultados
precisavam ser alicerçados em algo que tornasse possível até
mesmo o impossível.
7.7 A religiosidade do povo
Uma recente pesquisa
899
de certa forma caricaturisou as
mulheres pomeranas como benzedeiras ou como adeptas da
bruxaria
900
. Sempre que se vai generalizar uma imagem identificada
por meio da análise de um pequeno grupo de indivíduos, corre-se o
risco de criar um quadro não tão representativo deste grupo
898
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
BAHIA, J: O tiro da bruxa: Identidade, magia e religião entre os pomerânios de Espírito Santo.
[Tese de Doutorado]. Rio de janeiro UFRJ/ Museu Nacional. 2000.
900
BESCHWÖRUNG. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Beschw%C3%B6rung. Aus
Wikipédia,der freien Enzyklopädie. Acesso em: 07 jun. 08.
899
355
populacional. O que hoje ainda existe é uma espécie de misticismo
que vem sobrevivendo por séculos, possivelmente oriundo dos
antigos eslavos
901
. Todos tinham seus deuses. Estes deuses viviam
na natureza e pelas suas diferentes formas “interagiam” com o
cotidiano da população. “Agora não tem mais tanto isto. Está
acabando. Mas as pessoas curavam muito em casa com chás. E
rezavam muito em nome de Deus. Tinham muita fé em Deus. Eles
levavam a sério a religião e levavam a sério Deus”.
Com a cristianização os pomerânios adotaram a fé católica.
Ninguém lhes perguntou se queriam ser cristãos, cristãos católicos.
Esta religião simplesmente lhes foi imposta! Por outro lado, para
este povo não houve maiores problemas em aceitar esta nova
situação, até porque às escondidas parecem ter conservado uma
boa parte da sua antiga crença, ou seja, da sua religiosidade
primitiva. Até os dias atuais os pomerânios continuam místicos e
conservam uma série de hábitos relacionados à própria natureza.
Vale como observação que as regiões colonizadas pelos pomeranos
no Espírito Santo mantêm um bom percentual de suas áreas
cobertas por vegetação. São aspectos relacionados à própria
maneira de ser do povo pomerânio.
Já no século XVI foram convertidos ao luteranismo e
começaram a ver no pastor aquela pessoa que impunha uma
disciplina rígida apoiado pelo senhor feudal. Mas, ao aderirem às
novas práticas também aqui conservaram seus antigos costumes e
readaptaram
suas
imagens
mitológicas
dando-lhes
novos
significados. Isto, apesar da cristianização, persistiu e hoje continua
901
SLAWISCHE Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie.
Aus Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07 jun. 08.
356
persistindo. Trata-se de um traço cultural. Não é algo que tenham
começado a fazer aqui em Espírito Santo de uma hora para outra.
Quando os imigrantes chegaram aqui, não havia médico, não tinham
remédio, não tinham qualquer tipo de assistência. Com isto
passaram a ver na benzedura uma forma de assistência. É preciso
lembrar que, de certa forma, a assistência psicológica e espiritual
era dada pelos pastores e os tratamentos passaram a ser efetuados
pelos “curadores” e pelos benzedores, o que, em alguns lugares,
persiste até os dias atuais.
Figura 48: Carta dos Céus – hoje disponível em uma
versão traduzida para o português e exposta nas paredes
de muitas salas de visitas.
357
Na atualidade os pomerânios se identificam muito com o
luteranismo. Entretanto, persistem resquícios de épocas em que
amuletos protegiam seus portadores contra as “coisas do mal”,
contra guerras ou contra inimigos ocultos. Eram tempos em que
precisavam de alguém ou de algo que pudesse proteger este povo
amedrontado e, por vezes, sem esperança. Alguém ou algo com
quem se deveria poder contar, a qualquer momento do dia ou em
qualquer situação. É por isto que surgiu a “Carta de Proteção”
(Schutzbraif), um amuleto que até pasou a ser copiado a mão e
repassado de geração em geração.
Figura 49: Um detalhe da Carta do Céus.
358
Eu tenho um, inclusive eu ganhei. Tenho um em alemão e
tenho um traduzido. Tenho também um Haussegen (Bênção
para a casa). Tenho isto como curiosidade. Porque eu
também tenho interesse nisto. Mas eu acredito que isto é
simplesmente uma oração. Agora não acredito que esta
oração vá me salvar ou vá me proteger disto ou daquilo. Eu
902
considero isto simplesmente um tipo de oração.
É a única coisa que este pessoal tem. Aí se vê o poder da
mente, o poder do convencer-se de que isto irá ajudar. A fé
903
na cura é algo que não depende de cultura ou da etnia.
Parece ser algo natural da religiosidade dos pomerânios e
que durante certo tempo foi combatido. Esta é a razão pela
qual ainda hoje não se fica sabendo que este ou aquele
904
realiza benzeduras. Hoje sei de um ou de outro benzedor.
Há uma correlação entre a história da igreja no Espírito
Santo e a própria história da imigração pomerana. Houve momentos
de muita turbulência envolvendo os pastores do grupo “Caixa de
Deus”, do Sínodo Brasil Central e da Igreja Missúri. Alguns
costumes que dizem respeito, por exemplo, à rígida moral pregada
por alguns pastores, terminaram sendo incorporados às próprias
tradições deste povo. Todo pomerânio por princípio é muito
religioso, mas, da mesma forma como preserva suas diferentes
manifestações religiosas, vai também enriquecendo as suas
tradições. Outro exemplo que também explica bem a preservação
deste simbolismo pode ser observado na ritualística do casamento
pomerano. Durante a sua realização o valor do pé de palmito quase
se confunde com os próprios símbolos da igreja, pois, para esta
cerimônia a igreja passa a ser decorada com dezenas de pés ou de
902
903
904
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima primeira entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
359
folhas desta tradicional planta da mata capixaba. Eles conservaram
algo de outra época em que a natureza era importante. Hoje se diz:
Deus fez esta natureza! Em outros tempos havia uma divindade que
vivia nesta natureza.
Como ele gosta, por exemplo, dá para ver nos casamentos,
nas barracas cobertas de folhas de palmito ou de
coqueiros? Os imigrantes quando chegaram, não tinham
casa. Durante décadas eles andavam vagando de um lugar
para outro. Ao chegarem aqui foram novamente morar em
barracas de palmito. Agora nas festas, constroem as
barracas... Talvez inconscientemente contam a história para
seus filhos. A mesma coisa acontece na festa da colheita.
Contra todas as regras litúrgicas, se faz do altar da igreja
905
uma mesa de feira .
Aqui entra um outro traço cultural, apesar das controvérsias
e que leva a pensar na existência de um forte sentimento de
religiosidade relacionado ao produto do campo, ou seja, à própria
origem da festa da colheita. Talvez isto explique o porquê do
pomerânio, ainda hoje, continuar trazendo esta grande quantidade
de produtos da terra para a decoração da igreja nas suas festas da
colheira. Seria uma forma de ofertório aos antigos deuses, quem
sabe, contextualizado para o cristianismo?
Isto fecha plenamente com a questão da religião deste povo.
Só que a igreja não consegue articular estas questões. Aí
entram em choque com as lideranças culturais. Aqui há uma
falta de sintonia política e eclesiástica. Falta uma maior
compreensão dos superiores da igreja, quem sabe,
aceitando esta manifestação como expressão cultural e não
906
como competição com a doutrina luterana .
905
906
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
360
Figura 50: O anjo protetor e o “Hausspruch”. (Texto de conotação
religiosa em que é pedida a proteção da casa).
A
festa
da
colheita
do
pomerânio
parece
estar
representando uma tradição milenar. Será que o pomerânio conhece
algum significado teológico da festa da colheita? “Bom, eles dizem:
vamos plantar com fé em Deus e tudo vai dar certo. Tudo que o
pomerânio faz, o faz com fé”
907
.
A festa da colheita então seria o momento da agradecer pela
bela colheita ou seria um sacrifício ao(s) Deus(es) que propiciaram
esta bela colheita?
907
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
361
Tudo que o pomerânio faz, ele faz com fervor religioso e
com Deus. Ele benze utilizando o nome de Deus. Ele vai à
igreja fazer sua oração a Deus. Deus é a imagem central da
sua vida. Por isto ainda hoje, todas as citações da
benzedeira durante o seu procedimento são orações, ou
908
melhor, são citações bíblicas .
Muito ao contrário do que alguns pensam, os pomerânios
acreditam no “andaun” (mau olhado), entretanto, eles não querem o
“mal”.
Eles não querem fazer mal para ninguém. Lógico, alguém
pode até achar que está fazendo o tal do “andaun” contra
eles. Não existe bruxaria no pomeranismo. O povo
pomerânio é do bem. Ele quer viver. Ele quer crescer.
Querem viver, mas nada de mal. Ele é supersticioso, mas
909
ele é do bem.
7.8 O canto e a música instrumental
O povo pomerânio sempre foi muito submisso. Politicamente
quase sempre foi dominado, ora por um, ora por outro povo. Desta
forma, foi sendo influenciado na sua maneira de ser, de agir e até de
pensar. Enfim, o pomerânio se tornou taciturno e triste. Uma das
diversas formas de exteriorizar esta tristeza acontece por meio de
sua música e suas tradições. No meio rural capixaba a cultura
religiosa, o canto e a música instrumental são muito bem
preservados.
Neste encontro da juventude luterana eles ficaram
impressionados. Este é o município no Brasil que mais tem
908
909
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
362
músicos instrumentais. Isto porque estudar música na vida
do pomerânio é uma coisa natural é uma coisa muito forte.
Por isto eu digo que o mecanismo que a gente encontrou
para continuar com a cultura pomerana presente passou a
ser um dos termos que adotamos. A Pomerânea no Brasil é
capixaba. A referência dos pomerânios no Espírito Santo é
910
Santa Maria .
Qual seria a origem desta música pomerana? Há alguns
relatos segundo as quais a música sacra de final do século XVII e
início do século XVIII teria sido levada das igrejas com seus
pesados órgãos para o ar livre, em pequenos eventos de conotação
religiosa, como enterros e velórios
911
. Para a viabilização deste
propósito os pomerânios teriam passado a se apresentar com
instrumentos de sopro e que formavam os corais de sopro, que
chamaram de “Posaumenchor”, ou seja, coral de trombones.
Estes mesmos instrumentos terminaram sendo trazidos para
o Brasil. Com a formação das comunidades luteranas com suas
“Gemeideschaul”, em muitas localidades também foram sendo
organizados os corais de trombones e que passaram a enriquecer a
ritualística dos cultos dominicais que até o final dos anos de 19501970 costumavam durar mais de duas horas
912
(Fig. 29).
Um segundo instrumento musical, logo incorporado ao
cotidiano do pomerânio foi a concertina. Este, ao contrário do coral
de trombones, com sua função sacra passou a ter uma função
essencialmente profana. Assim a concertina passou a animar as
910
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Sem comprovação histórica, porém valendo como informação oral colhida junto a antigos
músicos pomerânios.
912
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
911
363
festas dava o ritmo dança. Enfim, passou a ser o instrumento
musical da descontração. Mas, com que tipo de música o pomerânio
realmente se identifica?
O pomerânio tem um instrumento que ele trouxe aqui para o
Espírito Santo que é a concertina (Fig 51). Este instrumento
musical continua sendo utilizado [...] Nos dias de hoje e que
vem sendo repassado de geração em geração. [...] O
pomerânio reverencia muito a concertina como as musicas
pomeranas. O que tem da música pomerana? A música
pomerana é uma sátira e que ele aprecia muito. O
“momento da concertina”, no domingo de manhã, é o
momento em que a rádio passa esta música que ele gosta.
Isto dá uma audiência na radio que você não imagina.
Porque hoje temos no município cerca de 85% da população
pomerana, pomerana mesma. E isto passa de geração em
geração. Então se você passar pelos estabelecimentos por
aqui, você fala português, mas tem pomerânio. E a música
continua sendo a concertina. E a concertina realmente
913
chega a toda a população...
Acho que a cultura pomerana é exatamente isto aí. É a
música sertaneja e a música caipira. São as músicas é eles
realmente adoram, que eles gostam [...] Ele se identifica
sim. Porque a economia da cidade é o da agricultura. Isto é
Santa Maria, ao contrario de muitas cidades. Temos aqui
35.000 habitantes. Aproximadamente 7.000 aqui dentro da
cidade e, digamos, 28.000 no interior. Esta identificação
praticamente existe porque a economia principal está
baseada na agricultura e a agricultura não deixa de ser
914
sertaneja .
Escola de música, acho que Santa Maria de Jetibá é o único
município do Brasil em que há uma preocupação muito
grande em termos de música clássica em termos de música
pomerana. A música também chega através da igreja
luterana. A Prefeitura em parceria com a Igreja Luterana
913
914
Cf. trigésima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. trigésima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
364
vem trabalhando para desenvolver este lado, comprando
instrumentos. Praticamente cada igreja, cada comunidade
tem seus instrumento musicais. São instrumentos para
915
música sacra, de sopro, violões .
Tem nas igrejas. Tem seus maestros. Realmente é
riquíssimo..... Aqui predomina a concertina. Isto é da cultura.
... Não há uma escola de música. O que tem são jovens que
começam a desenvolver sua musica com o auxílio, vamos
dizer, dos pomerânios mais idosos que conhecem os hinos
916
e as músicas pomeranas.
A concertina não é mais fabricada e um bom instrumento
custa hoje e torno de 10.000 reais. Quem possui um destes raros
instrumentos musicais não tem o costume de vendê-lo. Nos dias de
hoje há diversas fábricas de acordeon. Nunca foi feita qualquer
pesquisa no sentido de tentar produzir concertinas. “Tem pessoas
que reconstroem estes instrumentos. Não seria a hora, já que ainda
tem protótipos, de motivar pessoas para produzirem novos
instrumentos? Quem tem não vende. Ela é repassada por herança”.
917
O pomerânio é músico por natureza. Não necessita de muito
para aprender. Por outro lado, os corais de trombones há 100 anos
tocam as mesmas músicas da mesma maneira. Não estaria em
tempo de começar a incentivar jovens criativos a investir mais em
música?
Santa Maria de Jetibá tem hoje um dos melhores
indicadores no Espírito Santo. Alcançou um índice de
desenvolvimento muito grande. Não tem poupado esforços e
investimentos para fazer tudo que for preciso. Apenas o
915
916
917
Cf. trigésima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. trigésima nona entrevista realizada. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
365
senhor está aqui em um momento ingrato, que é o momento
da política. Com certeza esta é uma idéia fantástica.
Realmente, há 100 anos vem produzindo a mesma música.
918
E realmente, a criatividade pomerana é dos jovens .
O coral de trombones produz música melancólica. E uma
música triste e que vai continuar sendo triste. Porque não inovar? A
cultura não é estática. Ela é dinâmica. Cultura se adquire. Sabedoria
se desenvolve.
A minha grande briga com os trombonistas foi justamente
colocar alegria [...] Mas isto faz parte da natureza deste
povo. Este povo é muito reservado. Será que não dá para
mostrar para este povo que dá para fazer musica alegre?
919
Ou será que trompete é apenas para musica triste?
O mesmo vale para a música sacra. Algumas outras
religiões já misturam instrumentos modernos com a música erudita e
com a mensagem bíblica. É a forma como transmitem suas
mensagens. A igreja luterana poderia dar mais ênfase à utilização
deste recurso? “Na nossa igreja houve quatro ou cinco mutirões de
música. Com a parte musical, parece que o evangelho penetra mais
facilmente”.
920
Ela é, em princípio, uma igreja que canta. Nós também
temos aqui um grupo muito bom e que canta muito bem.
Temos um coral [...]. Aqui temos um grupo que inclusive tem
um CD. É um CD muito utilizado nos cultos. Agora aqui na
sua igreja também tem um grupo muito bom de canto. É
evidente que estas seitas... forçam nosso pessoal a fazer
921
alguma coisa. Isto tem o seu lado bom!
918
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
921
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
919
920
366
Em uma comunidade surgiu o comentário de que o coral de
trombones está fazendo 100 anos. Nos dias de hoje continuam
reproduzindo a mesma música que faziam há 100 anos. Como
ficaria este coral de trombones misturado com cordas e com um
teclado? Por que não adicionar um coral de vozes?
7.9 O casamento pomerânio
Para um pomerânio capixaba o casamento constitui-se em
um dos acontecimentos mais importantes e mais representativos do
início da sua vida familiar própria. Isto sempre foi assim? Difícil de
afirmar, até porque, poucos relatam detalhes sobre os antigos
costumes deste povo na Europa. Há algumas referências sobre o
grotesco costume feudal do direito a primeira noite (jus primae
noctis
922
) e que, como forma de protesto teria levado a adoção de
uma indumentária de cor preta.
Há a história dos Senhores Feudais da Pomeranea que
costumavam abusar das moças que estavam casando. Aí os
familiares protestaram: nós não criamos prostitutas para alguém se
aproveitar da nossa filha, que deverá casar com outro homem. Uma
outra versão que chegou de lá está relacionada ao frio. O preto
absorve melhor o calor. Uma outra teoria que ouvi aqui entre o povo
é que estariam protestando contra o Governo da Província que não
922
Segundo este costume, a noiva teria que passar a sua noite de núpcias no leito do seu senhor
feudal.
367
dava assistência. Esta última, acho que não é muito fidedigna
porque o preto já vem de lá
923
.
Figura 51: Casamento pomerano: Os noivos de preto
Parece haver uma questão pontual e que diz respeito à uma
orientação religiosa praticada pelos chamados pastores luteranos
antigos mais radicais, onde entravam questões como o do episódio
do pastor de Laranja da Terra
924
. A noiva realmente tinha que ser
pura para poder usar o véu e entrar na igreja pela porta da frente.
Caso contrário, teria que casar na quarta-feira sem os paramentos.
923
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. O reverendo,
por ocasião da bênção nupcial decidiu apalpar a abdome de uma noiva um pouco mais gordinha
para certificar-se de que não estaria grávida.
924
368
Há uma outra referência
925
de que, em outras épocas, uma noiva
grávida, seria uma evidência de garantia de prole, considerando que
durante 900 anos o povo pomerânio foi perseguido, destruído pelas
pestes e guerras. Muito poucos sobraram, tanto que em 1800 havia
apenas 350.000 habitantes
926
em toda a Pomerânea. Em outros
tempos o sinal de gravidez talvez fosse um sinal de garantia de
futura prole e que com isto passaria a cumprir com sua função de
mãe e procriadora.
Eu não acredito que para os pomerânios, o entrar não
virgem no casamento fosse problema. Não acredito que a
questão da virgindade tivesse tanta importância assim. Eu
acredito que isto realmente foi um problema destes pastores
antigos. Eles ditavam a moral. Era a moral desta rigidez
luterana européia e que chegou aqui com estes pastores.
Não sei se os “Berliner” eram diferentes. Em Laranja da
Terra chegou a ter duas igrejas. Uma perto da outra. Não sei
se para os pomerânios isto era problema. Eu sempre
acreditei que os pastores fizeram disto um problema. Nisto
se inclui a questão de chegar virgem ao casamento. Para a
927
época até os pomerânios eram um pouco adiantados.
Na
colônia
antiga,
de
certa
forma
prevaleciam
os
casamentos arranjados e que também ajudavam a preservar certa
estabilidade financeira para as novas famílias. Isto porque, o noivo
precisava ter sua terra e a noiva teria garantido o seu dote.
Os casamentos geralmente aconteciam entre pessoas que
já se conheciam e que costumavam se encontrar em família
de vez em quando e depois de algum tempo, às vezes ate
925
Neste estudo não foi possível comprovar a origem desta informação.
Die Geschichte der Region – Pommern.
http.www.deutschlandundeuropa.de/33_96/dueur.33.htm. Acesso em 02/05/08.
927
Cf. Décima sexta entrevista realizada com I.T. na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
926
369
mesmo dentro do mesmo ano já casavam. É o que
geralmente contavam. Geralmente os pais entravam na
928
negociação, do tipo “este é o camarada para você casar”.
Meu pai falava: se vocês casarem com um rapaz sem terras,
não pisem no meu terreiro. Como pode dar certo com um
rapaz sem terra? Vocês aprenderam a cozinhar, a trabalhar
na roça e lavar roupa a fazer todo o serviço da casa. O que
vocês querem com um homem que nada tem. Diziam que
929
um rapaz sem terra é como uma fôrma de madeira.
Os costumes eram rígidos. Os jovens iam de paletó na casa
da moça para namorar. Lembro muito bem de um sujeito
que morava aqui na virada e que ia até na casa na moça
sem o paletó. Meu pai o criticava: “deve ser um lumbasac”
(pé de chinelo). “Não tem nem paletó”. O calçado na época
era a botina. Somente mais tarde um ou outro começou a ter
“meio-sapato” com meia. Era o “Half-schau”. Quando o
pretendente queria casar precisava pedir a mão da moça ao
seu pai. A primeira pergunta deste costumava ser: você
consegue sustenta-la? Quando já tinha condições para isto,
isto é, quando possuía sua própria terra, era anunciado o
“casamento, com véu e grinalda”. ra comunicado que, quem
tiver alguma coisa contra que fale ou se cale para
930
sempre.
Há quem fale que moças de 25 anos de idade eram mais
valorizadas porque já tinham mais experiência de casa, de cozinha e
de economia da propriedade. O que não era uma regra.
“Costumavam casar aí pelos vinte anos, mais velha não sei, mas
vinte anos. Ao menos aqui”.
931
“Realmente, elas precisavam ter
experiência... Então recebiam uma vaca de leite, uma máquina de
928
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada com A.B. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
931
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
929
930
370
costura, as coisas para a cozinha, para poder começar a trabalhar.
“
932
(a noiva) Tinha que saber costurar, remendar, cozinhar, tirar
leite e trabalhar na roça. Não sabendo isto não encontrava
933
partido para o casamento. Os pais que decidiam.
Parece que alguns andaram casando com italianos. Mas
não tenho lembrança. Mas com brasileiros não. Isto não era
permitido de jeito nenhum. Como os imigrantes passaram
muita dificuldade e muita discriminação, terminaram também
ficando muito fechados. Por isto não era permitido que
“outra gente” entrasse nas famílias. E se alguém inventasse
de casar com italiano ou brasileiro terminava tendo que ir
934
embora. Não tinha mais como voltar.
Entretanto, na colônia os aspectos morais passaram a ter
uma importância fundamental. Em função disto a conservação da
pureza, isto é, da virgindade da mulher passou a ser primordial para
a aceitação da nova família na comunidade.
Usavam véu e grinalda verde. Era um sinal de pureza. E se
a grinalda murchava durante o trajeto até a igreja, isto era
sinal de que a noiva não era mais pura. O problema podia
acontecer nos dias muito quentes. Qualquer coisa podia
935
acontecer. E aí a noiva caia sob suspeita.
Uma série de questões religiosas e comportamentais dos
pomerânios talvez possam ser explicados pelas frases de von
Krickow
936
, segundo as quais, a fronteira da antiga Pomerânea se
tornou, sobretudo, uma fronteira confessional, ou seja, os ramos
932
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
935
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08.
936
KROCKOW, op. cit.
933
934
371
luteranos se germanizaram e os ramos católicos de polonizaram.
Isto teve repercussões também na colônia de Espírito Santo e,
quem sabe, explicaria a forte aderência ao luteranismo e a
resistência a miscigenação com etnias de outras confissões
religiosas. Os casamentos arranjados continuavam sendo bem
vistos. Era absolutamente desejável que a prole fosse da mesma
etnia. Isto deu origem ao estabelecimento de sequência de
simbolismos que passaram a persistir por gerações.
O vestido de noiva dos primeiros casamentos realmente
parece ter sido de cor preta. È o que comprovam as peças de roupa
deixadas pelos antigos e também pelas imagens registradas em
fotografias. Há algumas controvérsias do porquê do preto. Alguns
dizem que o tecido preto, marrom escuro, enfim, teria sido de menos
custo ou que poderia ter sido aproveitado em outros momentos
futuros. Mas há também a teoria do protesto contra a absoluta perda
de liberdade que passaria a ser imposta à jovem a partir do seu
compromisso matrimonial. O casamento representava a sua
“contensão” na nova família.
Aqui o que muito vi nas pesquisas foi o argumento que
estariam de preto porque a mulher quando casa não sabe
que vai ser mãe. Então o dia do casamento seria o dia mais
triste da vida, para ela. Então meu pai, quando eu era mais
novo, tinha uns doze anos, me disse: “temos dezenas de
mulheres que não chegaram a dar a luz e que chegaram ao
cemitério bem acompanhadas pela sua criança no ventre. A
937
cor preta veio de lá, mas esta história é daqui.
Há outra historia com relação ao casamento. Em geral se
ouve que a mulher precisava casar virgem. E aí tem a história do
937
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
372
véu e da grinalda (Myrtenkranz) e ele com o enfeite verde na lapela
e que isto foi, por assim dizer, quase sagrado para o pomerânio.
Ela casava com grinalda e ele com um pouco de verde no
bolso por causa da virgindade da noiva. Não se podia usar a
grinalda nem ele o verde no bolso se não houvesse a
virgindade. E se acontecesse disto ser descoberto depois do
casamento tinham que fazer penitência (Buse machen). Isto
938
aqui.
A noiva grávida não podia usar véu e grinalda. Se a noiva
chegasse a usar o véu e grinalda e fosse descoberto depois
939
teriam que pagar multa.
Há uma informação oral de que, por vezes, na Ponerânia,
algumas noivas engravidavam para garantir que o filho fosse do
marido ou para certificar-se de que poderiam vir a ter filhos. Esta é
uma informação oral sem comprovação histórica.
Esta informação de que as noivas que eram abusadas,
naquela época muitas vezes dormiam com o noivo antes
do casamento com o objetivo de engravidarem e desta
forma garantirem que o filho realmente viesse a ser do
940
casal .
Isto parece ter muito de verdade. [...] Penso que pode ser
verdade porque mata a charada quando o pomerânio diz
que “não criamos prostitutas...”. (a noiva já entrava no
casamento grávida) [...] enganando o senhor feudal. Acho
941
que esta mata a charada [...]
Se uma gravidez fosse detectada antes do casamento uma
série de medidas punitivas passavam a ser utilizadas. “Quem
938
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08 /08.
Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
941
Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
939
940
373
casava grávida era massacrada. Se o pastor descobria que a noiva
estava grávida, tinha que pagar uma multa”.
942
O casamento era anunciado. Casavam sem grinalda e sem
o bouquet. E o noivo sem o enfeitede lapela. Também não
se batia o sino. Quando descobriam depois tinham que
declarar arrependimento perante toda a comunidade, pagar
a multa e pagar a multa dos sinos. Se uma moça trouxesse
uma criança para batismo, tinha que fazer a mesma coisa.
Tinha que fazer penitência. (Buse moka). O Pastor
costumava fazer uma tremenda reprimenda. Só que elas
943
geralmente não entendiam nada o que o Pastor falava.
Neste caso tinha que fazer o pagamento da grinalda na
igreja. O pastor perguntava na igreja se estavam entrando
puro no casamento. Lógico, se depois se descobria que
tinham sido desonestos, recebiam, perante toda a
944
comunidade, uma severa repreensão.
E quando isto era mantido em segredo e depois aparecia,
tinha que fazer penitência (Busse betola). Tinha que
comparecer perante o altar e confessar o seu erro na frente
945
de toda a comunidade.
Estas tinham que “pagar a grinalda” era uma multa de 20 mil
réis. Mas quando casavam e somente depois se descobria
que estava grávida vinha uma tremenda reprimenda de cima
do púlpito. Quando estava grávida, casava igual, porém a
noiva com um vestido simples e ele com calça e camisa
normais. Não tinha briga. Aconteceu apenas uma ou duas
946
vezes. Nunca mais se repetiu.
Se na Pomerânea, presumivelmente a jovem noiva corria o
risco de ser molestada pelo senhor feudal, aqui os noivos
942
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
Cf. Terceira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 20/07/08.
945
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
946
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08.
943
944
374
continuavam enfrentando obstáculos constrangedores. Nas suas
terras de origem, a religião luterana tinha se tornado norteadora do
seu modo de vida. No Brasil, a religião católico-romana, como
religião oficial do estado detinha o direito da legitimação da união
dos jovens casais.
Nos primeiros tempos da imigração, nas décadas de 1860 e
1870, os casamentos precisavam ser validados pela igreja católica.
Com isto passava a constar nos registros: fulano de tal, herege
protestante, casando com cicrana, herege protestante, etc, etc. Isto
persistiu até a proclamação da república quando houve a separação
da Igreja (católico-romana) do Estado. A partir deste momento
começaram a ser feitos os registros nos cartórios.
7.10 A herança
As questões relacionadas à herança também parecem ter
uma conotação cultural luterana como base. Segundo o historiador
von Krockow
947
, na Pomerânea católica, que passou para o domínio
polonês, por ocasiões das heranças, os proprietários de terras
costumavam dividir seus imóveiss entre todos os filhos, quando na
Pomerânea luterana prevalecia o direito do herdeiro único. Na
prática isto levou à pulverização das terras do lado polonês e na
preservação dos latifúndios na área de influência da igreja luterana.
Cita o referido autor que “latifundiários católicos foram se
transformando em orgulhosos, porém pobres agricultores”. “Somos
Senhores”, diziam, “entretanto, quem fará o nosso trabalho?”
947
KROCKOW, op. Cit.
375
A nova lei, tanto na Europa como no Brasil, já havia
estendido o direito à herança, tanto da pequena como da grande
propriedade a todos os filhos
948
. Entretanto, mesmo que de maneira
informal, durante quase um século, manteve-se de forma sólida o
padrão de família das três gerações, ou seja, a restrição do direito à
herança por um único filho, o qual passava a dar continuidade ao
trabalho da propriedade dos pais
949
. Na realidade os filhos homens,
de uma forma ou outra recebiam terras enquanto que as filhas
continuavam recebendo seu dote.
O filho mais novo tinha a preferência. Com isto recebia terra
e os mais velhos geralmente recebiam, dinheiro ou terras
em outro lugar. As moças recebiam uma festa de casamento
e os apetrechos da casa como máquina de costura, mula,
950
vaca, galinhas, coberta de pena, etc.
[...] o rapaz mais jovem (herdava as terras). Este ficava em
casa e terminava cuidando dos pais até o final da sua vida
[...] os rapazes receberam terras e as moças casavam com
rapazes que tinham terras e com isto receberam de casa a
951
festa de casamento.
Por aqui todo mundo ganhou seu pedaço de terra. Depois,
no ano anterior ao casamento cada um já se mudava para
as terras e para preparar tudo. Os rapazes já iam sozinhos
952
nas terras e começavam a preparar tudo.
948
KROCKOW, op. Cit. As questões da herança e da própria formação da etnia pomerana estão
intimamente relacionadas com o estabeleciemento da fronteira religiosa entre a própria
Pomeranea e a Polônia e que já foram analizadas em capitulo anterior.
949
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Constituiu-se em condição de sobrevivência deste sistema de família das três gerações.
950
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08.
951
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
952
Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
376
A alta taxa de natalidade que logo passou a ser registrada
em praticamente toda a colônia de Espírito Santo fez com que a
prole destas famílias, em geral com uma média superior a cinco
filhos, saísse na busca de novas terras, ao mesmo tempo em que as
filhas, à medida do possível, procuravam casar-se com agricultores
proprietários de terras. O que nos primeiros anos da colonização era
muito fácil, até pela disponibilidade de muitas terras nas novas áreas
de desmatamento. Entretanto, com o passar dos anos também os
sítios nas chamadas terras quentes passaram a ter seus custos
cada vez mais elevados. “Minha bisavó engravidou 21 vezes. Isto
era simples. Para conseguir novas terras bastava derrubar mais
matas e seguir em frente.”
953
“Para os rapazes sempre se
costumava conseguir um pedaço de terra, na medida do
possível”.
954
“Quando não conseguiam terras para todos, os que
fiavam sem terra iam trabalhar como meeiros”.
955
Na realidade, apesar de toda esta prolificidade nas
famílias
956
, ainda havia uma significativa mortalidade infantil. Em
muitas famílias com dez a quinze filhos também contava-se com
dois ou três que não atingiram a idade adulta
957
. Mesmo assim,
começou-se a registrar um importante crescimento populacional.
“Nesta época (metade do século vinte) os pais já começaram as
953
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
956
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. O
numero de filhos passou a ser cada vez menor na medida em que, ao menos aparentemente,
diminuía a oferta de terras. Depois da Segunda Grande Guerra, segundo dados estatísticos
disponíveis, a numero de filhos em geral, não passava de três ou quatro.
957
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
954
955
377
dividir as terras que tinham. Muitos filhos terminavam ficando
apenas com pequenas tiras de terras. “
958
7.11 A comercialização de produtos
Até o final da primeira metade do século vinte, as atribuições
do homem e da mulher dentro da vida familiar do pomerânio eram
bem definidas.
Qualquer um podia vender. Eram mais os homens que o
faziam. Quem vendia o café era o homem. Ovos, manteiga e
galinhas costumavam ser comercializados pelas mulheres.
Mas a maior parte da criação era consumida pelo pessoal
mesmo. Se não tinha boi para matar, matavam-se
959
galinhas.
As mulheres, além das visitas aos parentes e visinhos e das
idas à igreja pouca vida social tinham. Seus afazeres domésticos
tomavam muito tempo. Além disto, acompanhavam todo trabalho na
lavoura. “Iam para as visitas previamente combinadas. Além de lá
não iam para nenhum lugar.”
960
“Às vezes (as mulheres) iam junto.
Mas geralmente eram apenas os homens. Aí aproveitavam para
tomar um traguinho [...]”.
Elas vendiam manteiga, ovos e estas coisas assim. Este era
961
o dinheirinho delas.
Eram os homens, sim. Com duas
montarias eu ia descia sozinho até lá. O primeiro sendo
958
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Trigésima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 29/07/08.
961
Cf. Nona entrevista realizada cona cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
959
960
378
conduzido e o segundo amarrado no primeiro. Levava as
962
coisas até lá: verduras, laranjas, manga.
7.12 A evolução da vida social do Pomerânio
A vida social da população interiorana de Espírito Santo
sempre foi muito ligada a terra. O imigrante pomerânio proveniente
da Europa praticamente nada conhecia além do latifúndio do seu
senhor feudal.
Aqui no Brasil e, em especial no Espírito Santo, o modo de
ser alemão foi-lhes imposto pelos pastores e professores vindos da
Alemanha. A própria língua pomerana foi sequer admitida como
idioma de comunicação. Não podiam dizer “Herr Praister” (pastor em
pomerânio) ao se referirem ao pastor da comunidade e sim, “Herr
Pastor”. A própria decisão de indicarem um pastor-colono para
executar os ofícios religiosos da sua comunidade e de nomearem
um professor para a alfabetização dos seus filhos foi visto como algo
sem fundamento pelas organizações germânicas no Brasil
Desta
forma,
sempre
foi
mantido
um
963
.
determinado
distanciamento entre o pequeno grupo mais intelectualizado
constituído pelos pastores e professores alemães e os colonos que
falavam apenas a língua pomerana, o que teve reflexos até na
adoção de modelos de comportamento social. A vida social em si
“Era muito simples. Havia os cultos na igreja. Aos domingos fazia-se
muita visita na casa dos outros.
964
962
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Fachin Patrícia. Silenciados pela hegemonia alemã. IHUON-LINE. Revista do Instituto
Humanita Unisinos. Edição 271. Página 16. 01/09/08. São Leopoldo
964
Cf. Vigésima quarta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terraa, no dia 28/07/08.
963
379
O alemão vai (a clubes sociais), mas o pomerânio não. É
uma característica daqui. A vida social do pomerânios é só
na igreja, depois da igreja e antes da igreja. Pode fazer baile
à noite toda no casamento, mas no clube não vai. Lá não se
965
sente bem.
Os imigrantes às vezes faziam seus Bool ou bailes nas suas
próprias casas de pau a pique. Era onde que se reuniam.
Por vezes também apareciam uns “brasilioner”. Eles eram
muito temidos. Geralmente vinham com ``Zirametzer``(facas
do tipo punhal) e por vezes até com facões. Arma de fogo
não se costumava ter. Quando eles vinham nestas festas,
tudo geralmente terminavam em confusão. As mulheres com
966
crianças pequenas davam um jeito de correr para casa.
Os pomerânios historicamente, desde o século dezessete
eram considerados “menos” no jogo das forças culturais
967
. Aqui
continuaram vivendo como camponeses e se comunicavam em uma
língua não aceita pelos detentores do “conhecimento”.
Naquela época as crianças não sabiam de nada. Até os 10
anos de idade acreditavam nisto. A mesma coisa com
relação à cegonha e papai noel. As crianças simplesmente
acreditavam. Era o que se tinha. Na noite de natal, reuniam
todo mundo e ganhavam um brinquedo. Esperava-se o ano
passar e a alegria era muito grande quando chegava de
968
novo
Lá na Pomerânea falavam da cegonha. Aqui passaram a
falar em macacos. Era mais fácil para as crianças
entenderem. Somente depois de grandes passavam a
entender que a cegonha, a historia dos macacos, do papai
969
noel, do coelhinho da páscoa eram mentira.
965
Cf. Vigésima quinta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Terceira entrevista realizada com B.K. na cidade de Domingos Martins, no dia 20 07 08
FACHIN, op. Cit.
968
Cf. Sexta entrevista realizada com L.E. na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
969
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
966
967
380
A vida social dos pomerânios sempre foi muito pacata. Os
hábitos de vida sempre foram muito rudes. Era esta a simplicidade
que tantas vezes foi observada nas entrevistas.
Lavavam-se os pés para dormir, a roupa ficava no corpo dia
e noite. Trocava-se a roupa no sábado. Só se lavava os pés,
porque todo mundo andava descalço. Agora é difícil de
entender como nós vivíamos quando éramos crianças.
970
Tínhamos apenas duas mudas de roupa.
Tínhamos feijão. Mais tarde já tínhamos arroz. Carne não
faltava. Até porque mais tarde passamos a ter muitas
galinhas. Tinha galinha se criando até dentro do mato. Já
tínhamos porcos. Trigo somente podia se comprar quando
morria alguém ou no natal ou no casamento. Quando morria
971
alguém, tinha que se dar comida depois do enterro.
Nesta época já se começou a plantar arroz nos brejos. Dava
muito. Eles comiam muita caça e muito peixe. Nos matos
tinha muitos pássaros. Charom, macuco, arruba. Tinha
muita paca e que se pegava com facilidade. Dava carne
para três a quatro dias. Eles não passavam mal não. O mais
difícil eram os cuidados de higiene e os cuidados com a
roupa. Viviam no meio de muita sujeira. Muitas vezes eu
972
penso: como esta gente conseguia viver.
Foi
desta
forma,
fugindo
da
germanização
e
sem
possibilidade de uma maior aculturação, seja brasileira ou alemã,
por muito tempo ainda continuaram preservando antigos hábitos e
costumes que muito lembram os primórdios da imigração no estado
de Espírito Santo.
970
971
972
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Vigésima sétima entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
381
7.13 O rádio como meio de comunicação com o mundo
A geografia acidentada dos altos da serra capixaba pode ser
apontada como um dos muitos fatores que ajudaram a manter o
isolamento de muitos imigrantes capixabas ali radicados. Desta
forma, os anos passaram e a vida dos seus habitantes continuou
girando em torno de acontecimentos da própria colônia e de
esporádicas notícias trazidas pelos pastores, professores e padres
vindas da Europa.
Sei muito pouca coisa a respeito. Só sei alguma coisa da
segunda guerra. Na época da primeira guerra tinha muito
pouca comunicação. Era tudo muito isolado e ninguém
chegava a saber qualquer coisa. Tinha um comerciante, o
Wilhelm Níquel (Nicolau) e que muitas vezes ia para Vitória,
onde comprava uma Zeitung, uma Gazeta. Então lia e
repassava alguma coisa para os outros. Só depois que
chegou o Kopperschmit. Um Lichtenheld, que era
marceneiro, no começo quando morava em Santa
Leopoldina, começou a fazer uma caixa para fazer o
primeiro rádio. Isto foi mais ou menos aí pelo final da guerra,
973
em 45.
Durante os anos de guerra, além de ter sido severamente
proibida a utilização de qualquer equipamento de rádio recepção, a
sua possibilidade de uso no meio rural era quase inviável. Em
primeiro lugar, pela absoluta inexistência de energia elétrica nestas
regiões, e também pelo fato destes antigos equipamentos valvulares
terem sido alimentados por baterias, cujas cargas precisavam ser
constantemente renovadas. Quem se aventurasse a instalar tal
973
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
382
equipamento, sempre corria o risco de ser detido como espião ou
inimigo público
974
.
Somente na década de 1950 alguns poucos colonos
conseguiram adquirir um “rádio á bateria”, passando a ter acesso
aos meios de comunicação com
o mundo fora de suas
comunidades. Durante o dia, conseguia-se apenas sintonizar
algumas estações em “onda curta”
975
. No período da noite, já era
possível ouvir com mais facilidade outras emissoras em “onda
média”. As recargas das baterias precisavam ser feitas quase que
semanalmente, até pelo grande consumo e energia destes
equipamentos valvulados.
Assim, também na região de Serra Pelada, alguns
passaram a ter acesso a mais informações mesmo que apenas três
agricultores possuíssem o tal do gerador de carga
976
. Foi desta
forma que o rádio, mesmo que aos poucos foi se transformando no
grande meio de comunicação com o mundo. Já mais tarde, com a
instalação de emissora de rádio em Afonso Cláudio e algumas
outras cidades, além do repórter ESSO, também estas se
constituíram nos grandes meios de divulgação da informação em
língua portuguesa entre a população rural capixaba.
Na metade da década de 1950, com a construção de
diversas microusinas domésticas
977
, a geração de energia elétrica foi
974
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
976
Entre estes o pai do autor.
977
Um bom número destas microusinas domésticas foram construídas pelo pai do autor nas
regiões de Rio Farinhas, Laranja da Terra e Serra Pelada.
975
383
gradativamente iluminando uma ou outra casa de agricultores
daquele interior capixaba
978
.
7.14 A persistente falta de escolas
Com exceção do grupo escolar existente em Patrimônio,
sede do distrito de Serra Pelada, até os anos 1950 praticamente não
havia outras escolas nesta região. O tempo passava e era preciso
pensar na alfabetização dos filhos. Muitos colonos residiam a dez,
doze ou quinze quilômetros da vila. Eram, portanto grandes
distâncias a serem percorridas, em caminhos acidentados e não
livres de perigos. Poucos possuíam bicicletas. Mesmo assim, o
terreno acidentado dificilmente permitia que uma criança fizesse
este percurso em menos de uma ou duas horas.
Situação semelhante podia ser observada em muitas outras
localidades. Com muito improviso na construção das escolas, os
“professores”, por vezes dentro de uma extrema precariedade,
‘’tentavam fazer de conta’’ que estavam conseguindo ensinar
alguma coisa.
Sei pouca coisa, porque primeiro era tudo falado às
escondidas. Quando eu era criança, nem professora tinha
aqui. Sou analfabeto porque não tinha escola e não tinha
979
professora. Mal faço o meu nome.
Quem era um pouco mais inteligente virava professor. Eu
tive uma professora que, no último ano e que estudei, ela
me disse: “você já sabe mais do que eu”. Aí se formava uma
978
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
979
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
384
professora e quando vinha um inspetor de Vitória e os
alunos sabiam responder algumas perguntas, ela passava a
ser professora permanente e podia ficar no cargo. Se não,
tinha que trocar por outra. Eram as pessoas mais
inteligentes da comunidade. Não tinha nenhum professor
980
formado...
Eram as pessoas aqui disponíveis e que eram avaliados
pelos inspetores provenientes de Vitória. Quando o inspetor
vinha a cavalo, com as suas botas grandes, todas as
crianças tinham muito medo. Eu nunca tive medo e
981
basicamente respondia a todas as suas perguntas.
Tinha professores de Santa Leopoldina, pagos pelo
governo. Nestas escolas tinha crianças tanto de famílias
católicas como de luteranas. Para aprender a ler e escrever
era tudo misturado. Tinha também brasileiros que nada
982
sabiam da língua alemã.
Quem deu aula foi o Heinrich Kopperschmidt, um professor
que veio da Alemanha. Foi aí que fui para a escola durante
dois anos. Ele falava tudo em alemão. Falávamos em
alemão, mas também já aprendemos a escrever em
983
português.
Com isto as famílias ou os pais tentavam ensinar um pouco
aos seus filhos em suas próprias casas
984
. Muitas crianças, ao
chegarem aos oito ou nove anos de idade, durante o dia
acompanhavam os pais no trabalho da roça e à noite, sob a luz de
lamparinas de querosene tentavam aprender a ler e escrever.
980
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/ 08.
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
983
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
984
A alfabetização do autor foi realizada por seu pai até a idade dos doze anos, quando passou a
acompanhar a quarta série no Grupo Escolar na sede do distrito de Serra Pelada.
981
982
385
7.15 As últimas derrubadas
No inicio da colonização foi necessário “ganhar espaço”
derrubando a mata para preparar as primeiras lavouras. É preciso
lembrar que os imigrantes tiveram que aprender a produzir seus
próprios alimentos. Eram as “derrubadas” da mata virgem, seguidas
de “queimadas” para a limpeza dos terrenos que possibilitavam o
“plantio” do que havia sido planejado. Com o passar dos anos o
esgotamento do solo fez com que em outras regiões tivessem que
ser obtidas novas áreas de terra cultivável. “Derrubavam mata.
Botavam fogo. Enchiam tudo de mandioca e plantavam as mudas de
café. Da mandioca, depois de dois anos, faziam a farinha. Depois
vendiam. Tudo era puxado no lombo de burro.
985
“[...] inicialmente
isto acontecia. Acredito que se plantava e depois se derrubava para
novos plantios”.
986
Sempre que na propriedade aumentava a necessidade de
espaço, seja pela ampliação da área cultivada ou em função do
crescimento da prole, a cada dois anos o colono “derrubava” novas
matas. Este mesmo processo de preparação continuou sendo
utilizado durante décadas.
Os maiores causadores da devastação florestal não foram
os imigrantes alemães, foram justamente os de outras
etnias. Eles nunca plantavam dois anos seguidos no mesmo
terreno. Eles cortavam a floresta em um determinado
espaço e plantavam. Dava bom milho, bom mamão, enfim,
dava uma boa colheita. Depois utilizavam aquela área para
fazer pasto. Para o próximo plantio já cortavam uma nova
985
986
Cf. Sexta entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
Cf. Décima nona entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 25/07/08.
386
floresta. Foi desta forma que eliminaram as matas, toda a
987
floresta primitiva da nossa região de imigração [...]
Assim, a limpeza da mata nativa demarcada para uma nova
lavoura começava pelo corte dos arbustos para depois serem
serradas ou cortadas com machado as árvores mais robustas, cerca
de um ou dois metros acima do solo. Vale dizer que todo este
trabalho não raras vezes colocava em risco quem executava esta
988
tarefa
. A própria inexperiência dos europeus com este tipo de
trabalho pode ser apontada como uma das causas de muitos
acidentes neste tipo de empreendimento
989
.
Tinha. Tinha muita mata e que foi transformada em
plantação de milho e café. De quatro em quatro anos era
derrubada uma área de mata. Depois se deixava fechar
novamente para, depois de quatro anos de capoeirão fazer
990
outra roçada. Queimava-se para plantar milho.
Com o passar dos anos, sempre que possível, as
queimadas passaram a ser feitas dois meses depois das
“derrubadas”, em dias em que a tera não estivesse excessivamente
seca. Com isto já se conseguia preservar melhor o solo. A terra
permanecia mais fértil. O próprio húmus da superfície já se
conservava melhor. O solo se mantinha mais úmido e durante os
anos de “descanso” a “capoeira” se desenvolvia com mais vigor.
Este na verdade já era uma espécie de reflorestamento, mesmo que
temporário, com o qual se conseguia recuperar os terrenos.
987
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26 /07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
989
Neste aspecto vale citar que durante séculos a Pomeranea já teve suas terras cultivadas.
990
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
988
387
Na realidade este foi o início de um novo pensamento que
cada vez mais passou a nortear os colonos teutos de Espírito Santo,
ou seja, a preocupação com a preservação de alguma mata nativa.
Perguntavam-se, como iriam construir as casas dos meus filhos se
não tivessem mais árvores. Desta forma muitos, já na década de
1950, passaram a não mais derrubar matas para a preparação de
cafezais, especialmente na região de Serra Pelada
991
. Mesmo
assim, a sistemática do “derruba a mata, queima a mata e planta
café” em muitos lugares apenas viria a ser efetivamente suspenso
na década de 1980.
Até 1970 ou até 1980. No ano de 1986, quando Santa Maria
se tornou município tínhamos 19,3% de mata. Na época
éramos 5.000 habitantes. Hoje temos 35.000 habitantes e
temos 44,7% de área coberta de mata. Na verdade temos
quase 45% da mata atlântica no nosso município. Santa
992
Leopoldina está na frente e depois nós.
O processo de desmatamento desordenado, mesmo que
parcial, terminou trazendo uma série de consequências e que hoje
podem ser contatados em muitos lugares. Assim, por exemplo,
impressiona a presença de áreas descampadas ao longo da rodovia
que passa por Laranja da Terra e pela região do rio Guandu. Podese observar muitas árvores isoladas que lembram tentativas de
reflorestamento outrora empreendidas, mesmo que esporádicas.
Muitas áreas de pastagens estão secas. Só mesmo no alto das
montanhas pode ser observada uma vegetação mais antiga. Poucas
árvores seculares, por aqui dificilmente podem ser encontradas e,
991
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
992
Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
388
quando o são, lembram a extensa mata atlântica que outrora cobria
toda esta região. O que se pode ver em todos os lugares são
extensas plantações abastecidas de preciosa água pelo sistema de
aspersão, com seus gigantescos equipamentos. Há pequenas
propriedades muitas vezes com dois irrigadores. Nos rios e riachos
não se identifica mais o mesmo volume de água de trinta ou
quarenta anos atrás
993
. Mesmo nas encostas, até certa altura,
bombas d’água lançam seus jatos de água. Isto é uma característica
que vale ser registrada. Os cafezais são praticamente todos
irrigados, até onde os olhos alcançam e estão com ótimo aspecto.
Tem-se a nítida impressão de que isto é o reinício de uma nova era
das lavouras de milho, de café, de mandioca, de aipim, agora
recebendo o precioso líquido com auxilio da tecnologia. Esta parece
ser a grande alternativa para a população rural capixaba: irrigar as
lavouras, abrir as estradas e possibilitar o escoamento da produção
para os centros de consumo, conseguindo, com isto, preços mais
competitivos para poderem cobrir os custos de todo um novo
investimento.
A presença de muitos rios sem vida é hoje uma triste
realidade em Espírito Santo. Na década de 1960, todos os rios e
córregos da região central de Espírito Santo, desde Santa
Leopoldina, Santa Maria, Santa Joana, Itarana, Laranja da Terra
eram muito piscosos. A quantidade de peixes deve ter sido
extraordinária, tanto que este dado sempre tem sido enfatizado em
todos os relatos. A quantidade de peixes existente no rio Guandu,
inclusive de maior porte, pesando oito a dez quilos cada peixe, tem
993
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
389
sido descrita pela população ribeirinha. Hoje praticamente não há
mais o que pescar no Guandu ou em qualquer outro rio da região
central Capixaba.
Aqui vale novamente o registro da visita à ponte da cidade
de Santa Leopoldina. Observando o fluxo da água e tentando
identificar peixes, este pesquisador localizou um único peixe de
cerca de 20 cm de comprimento e que, em conversa com os
moradores, chegou-se à conclusão de que talvez tenha sido um
“cará” escapado de algum criadouro doméstico próximo. Mas, no rio
propriamente dito, praticamente não há mais vida. São rios limpos,
porém sem vida.
390
8 A URBANIZAÇÃO DAS COLÔNIAS TEUTO-CAPIXABAS 19601970
8.1 A distância até a sede no município
Mesmo já tendo passado quase um século desde o início da
colonização européia no Espírito Santo, as distâncias que
precisavam ser percorridas, seja até um povoado mais próximo, até
a sede do município ou mesmo para a visita a algum familiar em
outras regiões, dependia, sobretudo do tipo de transporte de que se
pudesse dispor. Os agricultores em regra, priorizavam a posse de
boas mulas, que lhes possibilitavam a montaria necessária para
suas locomoções, ao mesmo tempo em que também se constituíam
no meio de transporte para os seus produtos.
Até o final da década de 1940, praticamente só existiam
caminhos para o trânsito dos animais de carga, seja no interior dos
distritos como também entre Laranja da Terra, Serra Pelada, Santa
Joana, Santa Maria e em toda a Região da Mata Fria. Havia, nesta
época, uma única estrada ligando Afonso Cláudio, Vila Patrimônio
em Serra Pelada a Itarana e depois a Santa Maria, cujo trajeto de
cerca de 120 quilômetros podia ser percorrida em nada menos do
que oito a dez horas de viagem em ônibus ou caminhão. O mesmo
trajeto, entre Serra Pelada e Santa Maria, passando por Santa
Joana podia ser vencido em um dia de viagem a cavalo. O mesmo
acontecia para quem precisava se deslocar da região de Serra
391
Pelada para Afonso Cláudio. Por Três Pontões chegava-se à cidade
em quatro ou cinco horas a cavalo. Pela estrada um caminhão
precisava percorrer mais de 40 quilômetros, o que podia ser feito em
nada menos que duas horas
994
.
Mesmo nesta época qualquer maior movimentação dos
agricultores continuava restrita, sobretudo ao atendimento das suas
necessidades básicas. Quase tudo que se consumia na alimentação
era produzido na propriedade. Os complementos como sal,
eventuais temperos, açúcar eram negociados nas vendas próximas
às suas casas em troca de ovos, manteiga e galinhas. Da mesma
forma, tecidos para a confecção das suas roupas, máquinas de
costuras, panelas, ferramentas de trabalho, arreios para a montaria
e mesmo a munição para suas armas podiam ser comprados em
algumas vendas ou nos povoados próximos. Aliás, andando
descalço, o colono sempre se orgulhava da sua montaria, da sua
arma de fogo e do seu cinto de fivela larga a prender a roupa
costurada em casa
995
.
8.2 Conhecendo o mar
Para o filho de um colono, digamos, de Serra Pelada
996
,
uma viagem até Vitória, não deixava de ser uma indescritível
aventura. Em primeiro lugar, pela distância que isto representava.
Além disto, havia muitas novidades para serem conhecidas.
994
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
996
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
995
392
Saía-se de casa as quatro ou cinco horas da manhã, em
uma caminhada no esccuro até a “Grout Strot”, isto, a grande
estrada. Aliás, a “lotação”, como era conhecido o veículo de
transporte coletivo com carroceria em parte feita de madeira e
”bancos” sem qualquer conforto, já tinha saído de Afonso Cláudio aí
pelas quatro e meia da manhã.
Finalmente, não raras vezes, com emoção ou medo, podiase embarcar. A estrada era tortuosa e esburacada. Entre o povo
contava-se que o trajeto teria sido traçado por uma grande serpente
que fugira do avanço da colonização
997
. Passava-se pela serra do
“Pinga Fogo”, onde a estrada era muito estreita e íngreme. Depois
vinha a Serra do Bananal e assim seguia a longa viagem até Vitória.
Eram doze a quatorze longas horas, com chegada aí pelas seis ou
oito horas da noite. Costumava ser escuro quando se alcançava o
destino. A surpresa costumava ser grande
998
: “Casas” muito
grandes. Edifícios mais altos do que as maiores árvores da floresta.
Chegava-se na Pensão do “Herr” Kerkoff. Na portaria tocava
o tal do “Telephone”. Que caixinha danada era esta? Com que
fantasma este “louco” do porteiro estaria falando?
A viagem tinha sido muito desgastante. Precisava-se
descansar. Aqui tinha muitos mosquitos. O barulho infernal dos
bondes atrapalhava o sono, até mesmo do viajante cansado.
Amanhã era outro dia. Precisava-se levantar cedo.
O café era na Pensão mesmo. Precisava-se conhecer o
mar. Ia-se de bonde até a Praia do Suá. Sim, era este o nome.
Enfim, chegava-se a ver o mar. Engraçado, a água parecia ser
997
998
Anedota popular.
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
393
verde! Havia muito vento. Como as pessoas daqui usavam pouca
roupa!
Era preciso experimentar o gosta da água do mar
999
.
Descia-se uma escadaria até perto da água. Ufa! O estouro de uma
grande onda contra as pedras da base dos degraus costumava
provocar uma chuva torrencial com espumas branca. Que banho!
Que gosto horrível desta água! Era muito salgada!
8.3 Aprendendo a ler em casa
No seu dia a dia a maioria dos colonos trabalhava
exclusivamente com mão de obra de familiares. Já na década de
1950 alguns poucos, especialmente os que tiveram um ou dois filhos
precisavam contratar diaristas para mantenção do serviço na
propriedade. O trabalho costumava ser executado por colonos sem
terras próprias ou mesmo os chamados meeiros que arrendavam
áreas de alguns proprietários. Os diaristas chegavam pela manhã e
ao final de cada dia retornavam para as suas casas, por vezes
distantes três ou quatro quilômetros.
Ocasionalmente, um ou outro caboclo podia ser visto
trabalhando em alguma propriedade rural de descendente de
imigrantes. Em geral eram pessoas conhecidos na região, mas que,
depois de anos ou décadas de trabalho, por vezes na mesma
propriedade
terminavam
também
conhecendo
os
hábitos
e
costumes de cada agricultores. Alguns até entendiam ou falavam a
999
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
394
língua dos pomerânios. Outras vezes também auxiliavam os colonos
no aprendizado da língua portuguesa.
Todos sabiam das dificuldades com que os agricultores de
descendência pomerana ou germânica mandavam seus filhos até o
Grupo Escolar da Vila Patrimônio. Apesar de já terem transcorrido
alguns anos desde que tinha sido abatida a última onça pintada nas
matas da região de Serra Pelada, corriam muitos boatos sobre
jaguatiricas terem assustado o gado ou atacado pequenos animais.
Aprendia-se em casa ou da forma que fosse possível.
Existiam estas pequenas lousas nas quais se aprendia as
primeiras letras. Isto costumava ser feito em casa ou nas
1000
escolas precárias. Mais tarde já se tinha cadernos.
Por vezes já aos sete ou oito anos, à noite, depois do
trabalho, sob a luz de um lampião de querosene, muitos pais
ensinavam as primeiras letras, escritas na lousa, por vezes uma
relíquia de família
1001
. Usava-se um estilete de grafite para escrever
na pedra. Este era comprado na venda. Seu custo correspondia ao
de meio quilo de manteiga. Caderno era coisa de gente de mais
posses e era usado somente no Grupo Escolar
1002
. Com isto muitos
retardavam a alfabetização dos filhos ou, o faziam em casa e
depois, aos dez ou doze anos seguiam para o Grupo Escolar.
1000
Cf. Vigésima segunda entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 26/07/08.
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1002
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1001
395
Figura 52: O autor (D) sendo alfabetizado em casa.
8.4 Enfim, um Grupo Escolar
Na segunda metade da década de 1950, as crianças de oito
ou dez anos de idade ainda acompanhavam os pais nas lidas da
roça. Apenas alguns poucos agricultores podiam pagar diaristas. Os
caboclos das proximidades que por vezes executavam esta
atividade, ocasionalmente arriscavam-se a falar algum dos dialetos
ou a língua pomerana, na certeza de serem compreendidos.
Entretanto, a timidez natural daquela gente interiorana, desde cedo
396
também transformava a maioria das crianças em ouvintes atentos e
de pouca conversa
1003
. Todos falavam pouco e o final do dia
geralmente chegava antes que pudesse ocorrer um diálogo mais
consistente em língua portuguesa. A barreira na comunicação
parecia manter-se intransponível.
Muitas crianças inconformadas por não terem uma montaria
ou uma bicicleta com que pudessem ir até o Grupo Escolar da vila,
pacientemente aguardavam pelo momento mais apropriado para o
início das suas jornads diárias até a escola. Para muitos eram
momentos de apreensão ou até de medo. Já para outros,
representava a esperança e a alegria de poder desbravar um novo
mundo. Às sete e meia da manhã tinham que estar na escola.
Permaneciam por lá até o meio dia, quando costumavam ser
liberados. Eram caminhadas de hora e meia para vencer os
percursos até a escola. Para alguns qualquer esforço seria válido,
desde que os resultados almejados pudessem ser alcançados. Para
os mais esperançosos, um dia o impossível aconteceria. O caminho
para a escola estava aberto. Bastava vencer a distância a ser
trilhada
diariamente
e
ultrapassar
a
barreira
criada
pela
comunicação. Isto costumava ocorrer em março.
O grande problema continuava sendo a comunicação
1004
.
Muitos filhos dos agricultores dos vales mais remotos falavam
apenas o pomerânio ou algum dos dialetos ainda praticados.
Somente quando conseguiam freqüentar a escola, aos 10 ou 12
anos, começavam a assimilar o português.
1003
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1004
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
397
No domingo, quando da ida à igreja, como habitualmente
faziam, sempre havia aqueles que procuravam marcar visualmente
cada detalhe do caminho a ser trilhado na manhã seguinte. Era
preciso vencer o medo da caminhada. Era preciso vencer a
preocupação com o futuro desconhecido. Certamente, às cinco
horas da manhã, muitos pais já devem ter chamado seus filhos,
agora quase estudantes. Muitos certamente não precisaram ser
acordados. A euforia deve tê-los despertado bem antes do horário
habitual. Caderno, lápis, borracha, tudo estava no “embornal”, uma
sacola de tecido grosso, levada à tiracolo, como as demais crianças
da escola. Alguns até recebiam uma caneta Parker e um vidro de
tinta, com todas as recomendações de não despejá-lo na sacola.
Tudo isto passava a fazer parte dos seus novos apetrechos.
Certamente, alguns devem ter relembrado a saga dos seus
antepassados desbravando terras desconhecidas.
Agora, como nesta canção saudosista, tantas vezes
entoada, com suas sacolas a tiracolo e levando, para a sua
proteção, um bastão de pereira, certamente alguns dos meninos
devem ter-se sentido como que emoldurado no quadro histórico da
sua gente, que outrora, como jovens emigrantes, deixaram a terra
natal em busco de um novo mundo.
8.5 A caminhada até a escola
Ao iniciarem sua nova jornada, a cada passo e após cada
curva da estrada, iam vencendo o medo do desconhecido. Para
alguns, após hora e meia de percurso, com algum receio, porém
muito confiantes, ultrapassavam o portão do Grupo Escolar, para
398
depois entrarem “em forma” na turma de alguma das séries do curso
primário. Enfim, o prêmio que ambicionaram durante tantos anos,
tornava-se realidade: Estavam na escola.
O percurso até a escola para algumas crianças era fácil. Já
para outras era mais difícil. Tudo dependia da distância a ser
vencida e das subidas e descidas das estradas. A maioria precisava
fazer o percurso na caminhada. Outros já tinham a sua bicicleta, o
que tornava a viagem menos cansativa. Com o passar das
semanas, aos poucos também a rotina do dia a dia ia-se
estabelecendo. Pela manhã era preciso tomar um bom café.
Infalivelmente se levava duas fatias de pão de milho com manteiga e
“schmier”
1005
de banana. No recreio das dez, as crianças mais
inibidas mantinham-se pelos cantos do pátio da escola, saciando a
fome com o pão trazido de casa. Alguns até levavam uma garrafinha
de café doce e que nesta altura já estava bem frio.
Depois voltavam para a sala de aula. As professoras
“brasileiras” costumavam ser muito exigentes. Muito se ouvia falar
de professoras que estariam falando “coisas terríveis” dos
pomerânios
1006
.
Em
geral,
as
de
1007
“origem”
eram
mais
compreensivas. Ocasionalmente, até disponibilizavam algum tempo
para as explicações àqueles que tantas dificuldades tinham com a
língua portuguesa.
1005
Não se conhecia doces ou compotas industrializados. A banana era uma das frutas mais
comuns naregião e com isto um cosido na base de banana com açúcar constituía-se em uma
excelene cobertura para adoçar o pão de milho.
1006
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. O terrorismo praticado contra alunos de
procedência teuta continuava em algumas escolas. Em diversas entrevistas se conseguiu
identificar referencias a professores de Santa Maria e Afonso Cláudio.
1007
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Em uma referencia aquelas professoras de
descendência alemã ou pomerana.
399
Com a chegada do meio-dia era preciso enfrentar a volta
para casa. Os ciclistas passavam pelos colegas que seguiam sua
caminhada. Ouviam-se gritos de despedida ou até de manifestações
de alguma desavença infantil. Todo isto fazia parte daqueles
momentos. A viagem por vezes também registrava surpresas, como
quando as crianças se deparavam com alguma cobra a atravessar a
estrada. Eram as caninanas que costumavam dar um grande susto
aos que chegavam muito perto. Eram loucas perseguições da víbora
à criançada em disparada.
Em geral os outros moradores ao longo da estrada também
costumavam acompanhar o desenrolar das idas e vindas. Sempre
havia aqueles que nada viam nas eventuais molecagens das
crianças. Diziam que os meninos andavam bem educados, mesmo
que este não fosse o caso. Outros consideravam importante
manterem os pais informados. Não raras vezes ouvia-se dos pais:
“Hoje pode deixar a bicicleta em casa”. Ao questionar a decisão
paterna, ouvia-se a justificativa: “Ontem não precisou de guidão para
andar de bicicleta. Hoje também não vai precisar de bicicleta!”.
Chegou-se também a ouvir o questionamento de outro vizinho. “Ao
invés de andarem na estrada, estão correndo pelos morros nas
trilhas do gado. Não sei por que, quando é bem mais fácil andar na
estrada. Só pode ser bobagem das crianças”. E o castigo
geralmente não tardava... Mas, era assim que se aprendia...
Muitos dos primeiros caminhos feitos para as tropas de
mulas e para os cavalos tinham sido ampliadas para o tráfego de
charretes, puxadas por um único animal. A chegada dos primeiros
caminhões e automóveis trouxe a necessidade de uma nova
400
ampliação destas vias. Precisava-se de estradas um pouco mais
largas. Todo este trabalho inicialmente era feito à picareta
1008
.
O primeiro trator de esteiras de Afonso Cláudio chegou a
Serra Pelada na década de 1950
1009
. Isto revolucionou a sistemática
da abertura de estradas. A presença de muita terra vermelha
constituía-se em um cenário ideal para as chuvas torrenciais do
verão esculpirem as mais exóticas imagens nos barrancos ou no
leito recém revirado pela máquina. O próprio aumento do trafego,
em rodovias recém trabalhadas, trazia muita terra vermelha solta e,
consequentemente, muito barro a entupir as rodas das bicicletas, a
afundar os pés dos cavalos e a atolar as rodas dos raros veículos
automotores. Desta forma, em Serra Pelada o tráfego, em dias de
chuva, frequentemente ficava na dependência do auxílio de um
único trator da Vila Patrimônio
1010
.
Nestas regiões montanhosas, com suas poucas florestas
tropicais
remanescentes,
as
chuvas
torrenciais
rapidamente
desciam pelas encostas. As pessoas, com seus guarda-chuvas, em
suas longas caminhadas esquivavam-se das águas da enchente
que, tão rápido como subiam também voltavam ao seu nível
habitual.
Ainda outros, nas suas jornadas domingueiras para os
ofícios religiosos seguiam descalços pelo campo e pelas trilhas do
gado, para evitar as barreiras nas estradas, sem antes, ao chegar
próximo ao templo luterano, lavar seus pés em algum córrego à
1008
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1009
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1010
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
401
beira da estrada e paramentarem-se com sapatos para o oficio
religioso tão sagrado
1011
.
Em dias de chuvas torrenciais, não raro com pontes caídas,
também os alunos procuravam pelas passagens mais enxutas nas
colinas. Não raras vezes a enxurrada subia tanto que impedia a
passagem, fazendo com que um ou outro precisasse pernoitar na
casa de algum parente e no dia seguinte ser socorrido pelos pais
aflitos. Era este o preço para quem queria estudar...
8.6 Uma nova Escola da Comunidade
A escolarização sempre foi um complicado problema para
os imigrantes teutos no Espírito Santo. O pesadelo da Segunda
Grande Guerra já estava caindo no esquecimento. As Comunidades
Luteranas voltaram a assumir seu papel de aglutinadoras dos
“colonos” teuto-brasileiros. Diferentes atividades começaram a ser
desenvolvidas, entre elas o ensino confirmatório, o culto infantil, o
Grupo de Senhoras, coral de trombones e os grupos de canto coral
entre outros. Continuava o receio ou o medo que se tinha do pastor
com seu “Talar” preto (batina). Isto contribuía para que a maioria
conservasse seu hábito de comparecer aos ofícios religiosos
domingueiros, contudo manterem uma boa distância do pregador.
Talvez isto também tivesse contribuído para a crônica falta de
colaboradores mais próximos nos trabalhos da paróquia
1011
1012
.
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1012
402
Foi desta forma que aos poucos, no final da década de
1950, foi tomando forma a idéia a criação da chamada “Escola
Bíblica de Lagoa”, idealizado e organizado pelo P. Arthur Schmidt e
sua esposa. Seria uma nova experiência de escola para as
comunidades. O objetivo inicial seria preparar colaboradores para as
comunidades no estado de Espírito Santo. Seriam pessoas com
certa formação na área religiosa, capacitados para atuarem como
auxiliares dos serviços de doutrina no ensino confirmatório, ou em
cargos de representação das estruturas auxiliares das paróquias,
mas que também tivessem um conhecimento mínimo em cuidados
com a saúde das pessoas. Completariam sua formação no Curso de
Auxiliares de Enfermagem no Hospital Moinhos de Vento, de Porto
Alegre. Surgiu ainda a possibilidade dos alunos seguirem com seus
estudos em Afonso Cláudio, em idas e vindas diárias a partir da
Escola Bíblica
1013
.
As dependências antigas da casa paroquial passaram por
um processo de reforma e depois começaram a ser utilizadas como
dormitórios de alunos. Uma nova casa paroquial de dois pavimentos
deu lugar para salas de aula, uma biblioteca, um pequeno auditório,
secretaria, e uma ampla sala de refeições. Uma área do segundo
pavimento passou a ser utilizada como residência do pastor-diretor e
como demais dependências para mais dois professores ou
visitantes.
Desta forma, depois de muito trabalho um aantigo sonho se
tornou uma nova realidade. E foi esta que, com o passar dos anos
abriu o caminho do estudo para dezenas ou quem sabe, centenas
1013
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
403
de filhos de “colonos”. Foi o início de um novo fluxo de “filhos da
roça” com destino às diferentes universidades.
Figura 53: Professores e alunos da Escola Bíblica de Serra
Pelada, em 1960. Autor segundo menino da última fila no lado
esquerdo.
8.7 Os primeiros “estudantes” saem da Colônia
Mesmo na década de 1960, em algumas escolas públicas
persistia a repressão aos hábitos culturais preservados pelos
descendentes dos imigrantes teutos
1014
. Por outro lado, a falta
crônica de professores nas escolas governamentais interioranas que
1014
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. Referência aos fatos lamentáveis
registrados no Ginásio Público de Afonso Cláudio.
404
pudessem preencher a lacuna deixada pela destruição do antigo
sistema de ensino mantida pelas comunidades luteranas capixabas
ainda não permitia vislumbrar melhores perspectivas para o tão
necessário processo de aculturação brasileiro dos descendentes
dos imigrantes.
Antes da Segunda Grande Guerra, os próprios pastores e
alguns poucos descendentes de alemães enviavam seus filhos para
uma escola do Rio de Janeiro, onde eram educados nos moldes do
ensino alemão para que, quando retornassem ao seu país de
origem não tivessem problemas com a readaptação ao ensino.
Porém, nos anos seguintes, todo o ensino privado do Brasil, para
não ser fechado precisou adaptar-se à nova realidade nacional e
que incluía a sua manutenção sem qualquer subsídio financeiro da
Europa.
Na década de 1950 a possibilidade de alguém sair da roça
para estudar fora, como se dizia, era bastante remota. Quem
poderia arcar com os custos de um colégio interno? Em primeiro
lugar, o poder aquisitivo continuava muito limitado. Em segundo
lugar, para a grande maioria dos descendentes dos imigrantes
continuava havendo o problema relacionado com a língua materna,
seja ela pomerana ou mesmo alemã.
Meu irmão foi estudar para padre. Mas não deu certo.
Depois ficou como Irmão e foi parar em Juiz de Fora. Morreu
por lá aos 75 anos. Os outros irmãos ficaram por aí mesmo.
1015
Uma outra irmã foi para o convento.
1015
Cf. Oitava entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08.
405
Um caminho se abriu com a possibilidade de alguns poucos
seguirem para o Instituto Pré-Teológico (IPT) de São Leopoldo, no
Rio Grande do Sul. Esta opção oferecia o pastorado como
alternativa para o trabalho muito duro da roça. Era muito longe de
casa! A distância a ser percorrida era de dois mil e quinhentos
quilômetros.
Até o final da década de 1950, quatro meninos já tinham
seguido por este caminho. Eram o Reinaldo e Bruno, de Laranja da
Terra e o Helmar e o Henrique de Santa Maria. Muitos temiam por
eles. Coitados. Dizia-se que no Rio Grande do Sul era muito frio.
Outros os invejavam. Depois disto outros e mais outros os
seguiram...
8.8 O Agricultor Modelo
Sabe-se que durante praticamente todo o primeiro século da
imigração teuta no estado de Espírito Santo, prevaleceu entre os
imigrantes
e
seus
descendentes
a
grande
dificuldade
na
aproximação com a chamada população brasileira. Longe de
qualquer conotação política, ideológica ou racial, este fato foi
observado de forma mais significativa na Colônia de Santa
Leopoldina e seus arredores, talvez agravado pelo próprio
enclausuramento da população nos enclaves de difícil acesso o qual
fazia com que continuassem muito restritos às suas lidas diárias na
propriedade. Evidentemente isto não pode ser considerado como
regra geral para a imigração capixaba.
406
Mesmo depois da Segunda Grande Guerra continuou
havendo pouca “mistura” de sangue com a população nativa. As
comunidades luteranas como irradiadoras da tradição religiosa, dos
conceitos de moral e toda uma gama de usos e costumes voltaram a
florescer. Paralelamente a isto, mesmo que de forma lenta, passou a
acontecer uma lenta saída deste isolamento. Os meios de
comunicação, o rádio e alguns periódicos, cada vez mais chegavam
até os moradores da colônia
1016
. Novas estradas começaram a ser
abertas. Muitos filhos, netos e bisnetos dos pioneiros seguiam para
novas ocupações no meio urbano
1017
.
A implantação da cultura hortifrutigranjeira na região de
Santa Maria levou ao estabelecimento de novos contatos com
outros produtores da grande Vitória. O processo de comercialização
das suas safras trouxe a necessidade de novos aprendizados na
área comercial e no relacionamento com futuros clientes.
Na região de Serra Pelada, com sua paisagem muito mais
acidentada prevalecia um significativo isolamento. Entretanto,
também aqui, gradativamente algumas novas técnicas agrícolas
aprendidas na Escola Agrícola de São João Petrópolis por alguns
filhos de agricultores há dez, quinze ou vinte anos começavam a ser
colocadas em prática
1018
e novas gerações começaram a assumir a
direção dos trabalhos nas suas propriedades. O processo de
adubação orgânico, outrora praticado na Europa e que, talvez em
função de uma série de características locais tinham sido
1016
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1018
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1017
407
abandonadas com a adoção da sistemática derrubada das matas e
para sua posterior plantação, voltaram a ser adotadas, com respaldo
do aprendizado na escola agrícola
1019
.
Figura 54: Lourenço Seibel, que durante 35 anos
presidiu a Paróquia Luterana de Serra Pelada.
Não se conhecia o processo de adubação química. A
utilização de esterco de gado e o processo de formação de material
orgânico a partir da decomposição de resíduos da roça, proveniente
de sobras da colheita ou mesmo dos vegetais roçados e colocados
em leivas, começou a mostrar o seu grande benefício
1020
.
Não tardou e os próprios reservatórios de água, inicialmente
feitos para a criação de peixes, começarem a ser aproveitados
melhor na irrigação de plantações. As hortas passaram a receber
1019
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1020
408
seus aportes de água corrente. Depois de algum tempo mais e mais
lavouras começaram a ser irrigadas.
A criação de gado na região da colonização teuto no Espírito
Santo sempre esteve muito limitada em função da pequena
extensão das propriedades rurais. Poucos podiam ter mais do que
cinco ou dez cabeças de gado bovino. A partir da década de 1960,
em parte estimulado pela política de expansão dos Sindicatos
Rurais e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, o incentivo à
participação em feiras agropecuárias e em concursos de agricultor
modelo também começaram a chegar até o pequeno produtor
pomerânio. Não tardou muito para que também nas residências
destes começassem a ser vistos os primeiros troféus de premiação
como produtor modelo
1021
. Foram novas conquistas festejadas com
muita satisfação.
Aos poucos, também aquele colono que até aqui mais vinha
sendo considerado um caipira passou a ser visto como alguém que,
apesar de suas dificuldades na comunicação e no relacionamento,
também passou a conquistar o seu espaço na vida urbana. Tudo
isto explica a convocação de alguns agricultores descendentes de
imigrantes para o corpo de jurados da comarca de Afonso Cláudio já
a partir da década de 1960
1022
.
8.9 O MOBRAL chega à Colônia
Em 1965, antes mesmo da criação do Movimento Brasileiro
de Alfabetização - Mobral, na propriedade do agricultor LS, no
1021
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1022
409
distrito de Serra Pelada, aconteceu uma iniciativa pioneira de
alfabetização de adultos, ainda vítimas do fechamento das escolas
durante os anos de 1935 a 1950. Tinha como objetivo único ensinar
a ler e a escrever, sem qualquer preocupação com a formalização
de um núcleo oficial de ensino. Com o auxílio de amigos e vizinhos
construiu-se as classes, com madeiramento de que se dispunha
1023
.
Concluídos os trabalhos de preparação do local em uma
pequena sala do armazém de café, logrou-se formar a primeira
turma da escolinha de estudantes adultos. Foi um
grupo
heterogêneo de cerca de doze pessoas, cujas idades variavam
desde os 20 até 50 anos. Eram vizinhos e velhos conhecidos que
queriam melhorar a sua escrita, a sua leitura a sua matemática
elementar. Como professor conseguiu-se um voluntário da Vila de
Patrimônio o qual se deslocava três vezes por semana até o seu
local de trabalho, além de outro voluntário, estudante de segundo
grau, o qual durante as suas férias escolares também passava a dar
a sua contribuição
1024
.
Não se tinha outros materiais que pudessem enriquecer este
processo de ensino aprendizado. Tudo havia sido feito de improviso.
O giz era adquirido em uma “venda” próxima. Cada aluno trazia os
seus cadernos e canetas. A energia elétrica era fornecida pelo aluno
e também proprietário do prédio da escola.
Alguns anos mais tarde, depois da oficialização desta
metodologia de ensino pelo Mobral, esta escola, criada com muita
determinação e vontade própria de alguns abnegados, deparou-se
1023
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1024
410
com alguns entraves burocráticos relacionados à habilitação de
professores e ao cumprimento de determinadas metas para o
recebimento de material didático pertinente a esta atividade. Isto fez
com que o local de ensino fosse transferido para a Vila de
Patrimônio e os alunos fossem substituídos por outros provenientes
daquele núcleo urbano.
8.10 O dia a dia de uma Comunidade Luterana.
Até à véspera da Segunda Grande Guerra, a maioria das
“Gemeideschaul” (escolas de comunidade), tanto nas comunidades
católicas como nas luteranas mantiveram-se vinculadas às igrejas.
Por meio delas era ministrado o ensino religioso, as práticas
religiosas da igreja, seus cantos e suas orações, a alfabetização e o
próprio aprendizado da língua alemã. Aliás, o idioma utilizado no
ensino foi o próprio alemão. Ficava, pois o dialeto seja renaniano ou
hunsrück ou as línguas pomerana ou holandesa, como idioma de
comunicação no âmbito famíliar e, finalmente, o português como
língua oficial, muitas vezes com a presença de algum tradutor.
Desta forma muitos jovens agricultores, até mesmo na metade do
século vinte, mesmo tendo recebido uma alfabetização bastante
precária, continuavam sendo verdadeiros poliglotas
1025
.
Dentre todos os colonos teuto-brasileiros os pomerânios já
desde o início da sua chegada ao Brasil logo se sobressaíram nas
atividades relacionadas ao campo. Em primeiro lugar, certamente,
porque na sua origem tinham sido um povo acostumado ao trabalho
1025
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
411
agrícola. Na Europa foram “Leibeichne”, ou seja, viveram em uma
quase escravidão na propriedade de algum senhor feudal. Aqui se
tornaram proprietários de terras e pioneiros de uma nova agricultura.
Dos outros imigrantes, aguns poucos de origem belga, alemã e
holandesa se tornaram comerciantes, professores ou mesmo
artesãos (ferreiros ou sapateiros).
Qualquer observador atento facilmente verifica que a vida da
grande
maioria
dos
imigrantes
capixabas
sempre
esteve
intimamente ligada à atividade desenvolvida pelas próprias igrejas.
Isto também fez com que a vida social passasse a seguir uma linha
não sem certa conotação filosófica-religiosa, caricaturizada no ato
de determinado pastor da apalpar o abdômen pouco mais saliente
da noiva para certificar-se que esta não estivesse grávida.
Vale salientar que nas regiões interioranas, mesmo já tendo
passado um século desde a chegada dos pioneiros a Santa
Leopoldina, a vida social dos “colonos” continuava muito limitada ao
pequeno círculo da própria comunidade. Os finais de semana, isto é,
as tardes de sábado, as manhãs e as tardes dos domingos
costumavam sendo reservadas para o culto nas igrejas e as visitas
aos parentes e vizinhos. Da mesma forma, nestes dias, os grupos
de canto coral, ou de coral de trombones igualmente tinham seu
espaço garantido.
Antes (o culto em alemão) era mensal. Agora se faz de dois
em dois meses. Há um culto em língua alemã no natal, no
1026
advento, no “Altenfeier”
, quando todo culto é em alemão,
ate os hinos, a pregação... A minha família participa de um
1026
Programação para a terceira idade.
412
grupo de teatro na comunidade. A gente participa. Fazemos
1027
até teatro em pomerânio.
Qualquer atividade esportiva, sobretudo jogos de azar,
especialmente de cartas era condenada, ao menos oficialmente. Isto
fez com que até mesmo no início da década de 1960, muitos jovens
da roça ainda evitassem ser vistos no “Bolaplatz”, isto é, no campo
de futebol da Vila de Patrimônio, em Serra Pelada
1028
.
A Comunidade de Lagoa - Serra Pelada, a partir de 1956,
passou por um grande crescimento em suas atividades
1029
. O Culto
Infantil já acontecia em praticamente todos os domingos em que não
se
tinha
cultos
1030
“Frauenkreiss”
para
os
adultos.
O
Grupo
de
Senhoras
reunia-se com regularidade. No ano de 1958 foi
criado um grupo de teatro coma finalidade de encenar peças
relativas ao evento da páscoa e do natal. O entusiasmo foi muito
grande, especialmente daqueles que, de uma forma ou de outra,
participavam do empreendimento. A idéia de levar o projeto para
outras comunidades foi recebida com alegria. Era uma forma de
mostrar o que havia sido feito, ao mesmo tempo em que todos
também passavam a ter a oportunidade de conhecer outras
comunidades.
As estradas eram muito ruins. Costumavam ser aplainadas
pelo trator de estreira. Parava-se diversas vezes durante as viagens
que podiam durar até oito horas. Não havia dinheiro para a
contratação de algum ônibus. Todos viajavam na carroceria de um
1027
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1029
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1030
Ordem Auxiliadora de Senhoras – OASE.
1028
413
caminhão. Sentava-se em bancos de madeira. Viajava-se quando o
tempo era bom, em contrapartida, costumava-se respirar muita
poeira. Levava-se alimentos de casa, geralmente carne de galinha
assada, farofa e pão de milho com “schmier”
1031
.
Na viagem de ida a alegria e o entusiasmo das crianças
entre oito e dez anos de idade que viajavam na carroceria
costumavam contagiar a todos. O retorno já era bem mais cansativo.
O caminhão jogando muito de um lado para o outro. Ficava-se muito
inseguro, porém na época este era o único meio de transporte
disponível. No inverno a vegetação costumava ter cor de palha. A
poeira era incrivelmente densa. A roupa era muito simples. Uma
calça comprida e um casaco e um único par de sapatos. Tudo era
muito simples. Era uma nova experiência de vida.
Nas idas para Jequitibá, Santa Maria, Criciúma e São
Gabriel da Palha, no Norte, saia-se no sábado bem cedo.
Pernoitava-se na casa de alguma das famílias daquela comunidade.
Como o culto e a encenação da peça teatral eram no domingo,
retornava-se na segunda-feira. Tudo acontecia na própria igreja.
Nesta época já havia uma preocupação com a água a ser
consumida durante a viagem. A Vigilância Sanitária Estadual
alertava incessantemente sobre a presença do parasita de
Schistosoma nas águas de toda a região. Levava-se água em
muringas de barro. Tudo isto se transformou em uma experiência
que trouxe uma nova visão sobre as outras comunidades, suas
dificuldades e suas conquistas e sem sombra de dúvidas deixou
muitas boas lembranças.
1031
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
414
8.11 Os filhos que só falam português
No final da década de 1950, na região de Serra Pelada,
apenas uma única escola rural conseguia atender a necessidade de
alfabetização dos filhos dos colonos. Era a escola da Fazenda
Hackbart.
Seu
efetivo
funcionamento
sempre
dependia
da
disponibilidade de uma professora da rede pública. Em função disto,
muitas vezes não se tinha aulas.
Já na sede do Distrito de Serra Pelada, o Grupo Escolar da
Vila de Patrimônio, seguia funcionando normalmente. Não existiam
linhas de ônibus regulares que pudessem levar e trazer alunos entre
as regiões do interior e a sede do município. Mesmo assim, apesar
de toda esta deficiência de comunicação, os filhos mais novos de
alguns dos descendentes de pomerânios residentes na Vila de
Patrimônio
e
mesmo
de
outros
aglomerados
urbanos
gradativamente passaram a utilizar a língua portuguesa no seu dia a
dia. Havia também aqueles que se sentiam constrangidos em utilizar
a língua alemã ou pomerana
1032
em decorrência de toda uma série
de dissabores vivenciados nas últimas décadas em conseqüência
das perseguições sofridas pelos seus familiares. Alguns, para não
serem
molestados
européia
1033
chegaram
a
negar
sua
descendência
. Isto também trouxe conseqüências. Se de um lado
gerou constrangimento em revelar sua origem, de outro lado em
uma tentativa de fugir do estigma de “alemão antipatriota, ao memos
1032
1033
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
415
em alguns casios, chegou a levar a uma procura por casamentos
com parceiros de outras etnias”
1034
.
Para alguns, ser “pomerânio” tornara-se sinônimo de caipira
sem instrução. Era a grande incruzilhada. O pomerânio com seu
“medo do estranho” e sua forma de viver enclausurada. Cabe a
pergunta que naquela época muitas vezes deve ter sido feita: o que
fazer pelo pomerânio?
A vizinhança toda ainda fala a língua dos pomerânios. Só
muitas crianças não querem mais falar. Nossas crianças
aqui ainda falam tudo em pomerânio. Conheço muita gente
que mora nas cidades, Itarana e Afonso Cláudio e que
trabalham no comércio e que ainda falam pomerânio. São
os mais procurados para trabalhar no comércio por saberem
1035
falar pomerânio.
Na realidade, a chegada dos novos meios de comunicação,
como o rádio e o telefone cada vez mais passaram a contribuir para
a assimilação da língua portuguesa e dos hábitos e costumes
brasileiros. A nova realidade beneficiou especialmente os moradores
já estabelecidos em áreas urbanas, que aos poucos adotaram a
língua portuguesa como idioma do cotidiano. Todas as mudanças
geraram modificações na própria rotina das comunidades luteranas,
especialmente as urbanas. A preocupação com a compreensão do
que era falado durante os ofícios religiosos realizados em língua
alemã, fez com que muitos pastores também passasse a fazer a
leitura dos seus sermões em português. Afinal de contas, cada vez
mais filhos de imigrantes passavam a se comunicar seu dia a dia no
idioma do Brasil.
1034
1035
Cf. Quadragésima sexta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/ 08.
Cf. Trigésima terceira entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
416
Com a aproximação dos anos de 1970, o fluxo de migrantes
para as cidades foi engrossando cada vez mais, seja em
decorrência da própria escolarização dos jovens, com também como
consequência de dificuldades de expansão para novas áreas a
serem cultivadas. Cada vez mais os “filhos da terra” seguiam o
caminho
para
as
cidades.
Este
processo
de
transferência
oportunizou uma convivência cada vez maior com as populações de
outras etnias. Desta forma, como exemplo bem prático, vale o
lembrete de que já na metade do século vinte um bom número de
habitantes do distrito de Vinte e Cinco de Julho haviam se
transferido para a cidade de Santa Tereza, a qual na época já
contava com uma numerosa população de descendência italiana
1036
.
Desta mesma forma, agora passava a se registrar uma importante
migração de pomerânios para as áreas urbanas de Domingos
Martins
1037
e, a partir de 1970, para Afonso Cláudio, Serra Pelada e
Laranja da Terra
1038
.
Convém que se registre o grande problema que no futuro
terá que ser resolvido e que se refere padrão pomerana de família
das três gerações. Eram os avós, os pais e os filhos convivendo
dentro de uma mesma casa, com atruibuições para cada integrantes
deste grupo familiar
1039
. O padrão havia se consolidado nas calônias
1036
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1037
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1038
Observações feitas pelo autor no decorrer dos anos de sua convivência com as diferentes
comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1039
O homnem de mais idade costumava deter o poder de mando do grupo. A mulher de mais
idade era responsável pelo cuidado com as crianças e o preparo das refeções. O homem mais
jovem constituía-se no principal braço de trabalho da propriedade. A esposa deste, além de ser
responsável pela lavação das roupas e pela limpesa da casa, acompanhava o marido ao trabalho
na lavoura. Já os filhos, quando não estavam na escola, executavam uma série de tarefas que
lhes cabiam dentro da estrutura familiar.
417
de Espírito Santo e sobreviveu durante mais de um século. Agora,
com a lenta migração de muitos filhos para as cidades, um número
cada vez maior de pessoas da geração mais velha via-se entregue
ao abandono.
Isto hoje é preocupante. As cidades não vão ter condições
de suportar este afluxo de gente. E uma das preocupações
é justamente, o que eles vão fazer? Isso é mais grave,
principalmente nas cidades menores, onde não há fábricas,
não se tem indústrias. O jovem chega à cidade, muitas
vezes iludido com um suposto salário. Ao mesmo tempo
ainda não se preocupou com moradia, com as novas
despesas que terá na vida urbana. São despesas diferentes
do que na roça. Tudo que for consumir terá que ser
1040
comprado.
Nas mais diversas regiões em que foram feitas entrevistas
ouvia-se as mesmas queixas: filhos estão mudando para as cidades.
Não são muitos os que persistem no árduo trabalho dedicado à,
produção no campo. Quem fica para trás?
(Por aqui) Estão começando a falar mais (em pomerânio)
agora. Se tiver gente reunida, a maior parte do pessoal fala
plattdütsch. Prá mim está melhorando. Agora o pessoal
novo de vinte anos, em geral, não sabe falar. As crianças
em geral também não sabem falar. Isto porque o pai não
falava com isto os filhos também não aprendem a falar.
Agora, as mulheres mais velhas falam tudo em
1041
Plattdütsch.
Desta forma verifica-se que o “abrasileiramento” do colono
teuto está segjuindo um novo caminho É a fase da urbanização.
Além disto, melhores estradas estão chegando às mais longínquas
1040
1041
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf.Vigésima sexta entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
418
propriedades rurais. Os meios de comunicação trazem as últimas
novidades e a escolarização vem permitindo a alfabetização de toda
a população interiorana jovem. Novos hábitos e novos traços
culturais começaram a se desenvolver.
A cultura do café, que durante mais de um século sustentou
a expansão dos colonos teutos no Espírito Santo
1042
, aos poucos
vem dando lugar a uma diversificação de culturas. A riqueza
produzida pela terra, cada vez mais passa a contribuir para o
progresso das regiões urbanas. A implantação de micro e pequenas
agroindústrias e a diversificação profissional, especialmente da
população já urbanizada passou a trazer novas oportunidades de
trabalho. Certamente será uma forma da “Colônia” pomerana “viver”
uma nova época de progresso, sem perder a sua própria identidade.
Nos dias de hoje, já se pode constatar que muitos descendentes
passaram a atuar nas mais variadas atividades profissionais em
muitos estados brasileiros. Sua grande capacidade laborativa
trouxe-lhes sucesso e vem gerando riquezas. Hoje, passados cento
e cinquenta anos da chegada dos primeiros imigrantes, vivem no
estado de Espírito Santo mais de cento e cinquenta mil teutobrasileiros e que lentamente começam a ser integrados à população
multiétnica espiritosantense.
Com o passar dos anos, as novas características de uma
antiga cultura vêm se desenvolvendo e que podem ser identificadas
em muitas comunidades deste interior capixaba. São descencentes
de pomerânios, alemãs, suíços, holandeses, luxemburgueses,
austrícacos, que, como brasileiros, também souberam preservar e
1042
Pelos registros disponíveis no Arquivo Público Estadual pode-se constatar que o fluxo
imigratório teuto no Espirito Santo cessou depois de 1880. Os raros alemães que chegaram nos
anos posteriores representam números poucos significativos para o computo geral.
419
respeitar a cultivar, as tradições e os costumes dos seus
antepassados. Hoje, cada vez mais, as músicas, as canções
populares e as danças folclóricas se transformaram no seu vasto
patrimônio cultural que os une e que lhes lembra a terra dos seus
antepassados.
420
9 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Sempre houve a diferença entre a oralidade e a escrita no
registro de conhecimentos
1043
. Certamente a primeira deve ter sido
anterior à segunda. A oralidade era a forma pelas quais pessoas
comunicavam a outras do seu próprio meio, elementos da sua
própria memória ou do seu povo. Já a escrita constituía-se em um
técnica dominada por poucos, os chamados “escribas” e que há
mais de três mil anos vem documentando diferentes culturas. Em
contraposição, o povo simples sempre manteve a sua tradição
através da oralidade.
O conhecimento popular entre os teuto-brasileiros do estado
de Espírito Santo sempre foi sendo repassado de geração em
geração por fontes orais. A escrita, neste exemplo, apenas foi
utilizada por alguns poucos historiadores de “fora do povo”, portanto,
com uma visão “externa”. Pode-se falar em uma “visão erudita”
escrita e uma visão “popular” de caráter oral. Poder-se-ia levantar
uma preocupação quanto à legitimidade daquilo que registraram as
duas fontes. Ou melhor, qual foi a realidade a partir da qual foram
elaborados os diferentes textos escritos durante os 150 anos de
existência das colônias capixabas? Pode-se integrar a escrita e a
oralidade? Como elaborar um discurso historiográfico mais próximo
da realidade? Em outras palavras, como coletar e integrar esta
1043
Dialética (do grego διαλεκτική), a arte do diálogo, da contraposição e contradição de idéias
que leva as novas idéias.
421
escrita sobre os imigrantes com a historiografia oral obtida por meio
desta meia centena de depoimentos obtidos nas entrevistas
realizadas no presente estudo? Ou seja, integrar a escrita e a
oralidade para alcançar uma visão da realidade de modo amplo e
específico?
Aqui cabe a pergunta referente à fidelidade da informação
oral. As imagens realmente fidedignas seriam as de fotografias
datadas desta época. Porém, a memória é extremamente complexa
e se alimenta de muitas informações. Não só das imagens do
passado, mas destas, às quais foram agregadas novas lembranças
geradas por vivências de tempos mais recentes. Assim, por
exemplo, se anos depois de ver retratada a vida dos pomeranos na
mídia pesquisar-se a historiografia oral deste povo, obter-se-á uma
nova imagem, certamente influenciada por estas novas lembranças
e que passaram a ser acrescentadas.
Assim, no presente estudo foram coletados dados a partir de
entrevistas com 50 pessoas que concordaram em documentar e
divulgar da forma proposta. Aqui será perciso considerar que o
instante retratado pela informação oral sempre será interpretado por
intermediações.
Ao
se
analisar,
por
exemplo,
dos
dados
correspondentes ao período de 1870 até 1970, principal foco do
presente estudo, ver-se-á que os mesmos certamente devem conter
informações complementadas com novos elementos que se
sucederam a cada cena descrita. Assim, por exemplo, os próprios
fatos vivenciados por muitos entrevistados por ocasião da Segunda
Grande Guerra, terminaram sendo “influenciados” por lembranças
de outras pessoas ou mesmo de informações veiculadas pelos
diferentes meios de comunicação aos quais tiveram acesso. Ou
422
seja, sempre vai haver o fator intermediação. Neste sentido, a
própria entrevista irá gerar intermediação. Diversas pessoas que
deram depoimento já haviam sido entrevistadas em ocasiões
anteriores. O entrevistador anterior certamente fez perguntas que
geraram informações que podem ter incidido sobre o próprio estudo
aqui descrito. Além disto, se as atuais entrevistas tivessem sido
feitas com a presença de algum intérprete, certamente esta
intermediação teria sido mais incisiva. Assim, ao se fazer novas
perguntas, estar-se-á agregando outras lembranças à própria
informação originada da memória do entrevistado.
Como alcançar a visão de uma realidade de modo amplo e
específico? Há dois aspectos a serem considerados, a forma
objetiva e a subjetiva. São dois lados a serem analisados, até para
tornar legítima a própria forma como a presente pesquisa foi
realizada.
O que seria, por exemplo, uma forma mais objetiva?
Objetiva, talvez fosse uma cosmovisão de todos os aspetos
analisados. Temos, no presente estudo, UMA visão e esta é a do
imigrante ou do seu descendente, e que descreve o seu cotidiano.
Certamente, ao se relatar a visão do índio, o habitante primitivo
daquelas paragens, que teve invadido a seu habitat, teríamos a
descrição de outros cenários. Alguém de fora poderá ver os
pomerânios de outra forma. Isto identifica o olhar de onde o
observador se encontra.
O que é objetivo? Eu, o autor do estudo, posso ver os
pomerânios desta maneira, mas um outro alguém poderá ver de
forma diferente. Por quê? Porque eu já estou tão habituado aos
pomerânios, já vivo tão dentro dessa maneira de ser que não
423
consigo estranhar seu comportamento, sua atitude. Assim, por
exemplo, há outros aspectos que não foram identificados neste
estudo, mas que não deixam de ser relevantes. Certamente, no
cotidiano dos teuto-capixabas devem ter ocorrido situações em que,
digamos, em alguma festa de igreja tivesse havido consumo de
cerveja e que tivesse terminado em algum desentendimento, em
agressões físicas. Os “selvagens” deste episódio, digamos, na visão
dos índios, poderiam ser os teutos.
Como caracterizar estes aspectos no presente estudo?
Poder-se-ia dizer que este será o olhar de um pomerânio que
entendeu o seu povo, isto é, que domina as quatro línguas ainda
faladas em seu meio, que com eles fala a lingua pomerana, que
viveu e ainda vive o meio pomerânio. Este olhar pode também trazer
limitações, é claro. O consumo de bebida alcoólica pode ser
considerado aceitável por quem vive neste meio. “Se eu estou tão
dentro disto, isto para mim é normal”. São problemas que deixam de
ser constatados, deixam de ser vistos como anormais. O mesmo
vale para o problema envolvendo os casos de suicido e o do uso
sistemático de agrotóxicos. Todos deixaram de ser relatados. Os
entrevistados não os abordaram. Portanto, não foi um olhar objetivo,
pois falaram apenas daquilo que julgaram poder falar.
Aqui se pode observar que a oralidade é uma questão
extremamente complexa. A memória humana é extremamente
complexa. Fala-se o que convém ser dito. Porque existem os
esquecimentos? Porque existem os silêncios? O presente estudo
está cheio de silêncios e de esquecimentos. Os entrevistados
falaram daquilo que eles acreditavam poder falar. “Temos confiança
para falar porque é alguém que nos entende.”
424
O silêncio, os esquecimentos evidenciam detalhes da
cultura pomerana, mas também as suas fronteiras. Será possível
constatar que dentro destas fronteiras se pode discutir determinados
temas e outros não são passíveis de discussão por serem
problemáticas. E é desta forma que conseguem exteriorizar uma
imagem que acreditam poder disponibilizar para o observador
externo.
9.1 A coleta de dados
Há relatos de outras tentativas de coleta de informações
juntos a população pomerana do estado de Espírito Santo e que
deixaram de ter êxito pela dificuldade de se criar um bom ambiente
de confiabilidade e por problemas relacionados à barreira criada
pelo desconhecimento do idioma pomerânio.
Tenho um amigo [...] que tentou também fazer um trabalho
em Santa Maria. O pomerânio é muito desconfiado. Tem
uma resistência muito grande. Por isto esta comunicação é
muito difícil para uma pessoa de fora. Tem uma outra
menina que agora fez o mestrado [...] Ela chegou de fora,
ficou três meses e depois desistiu. Ela tinha ido três vezes
para Santa Maria e não havia conseguido nada. Eles não
davam acesso. Se hoje você pede para ver alguma
fotografia antiga, sempre aparece alguém que pergunta:
vocês vão entregar esta foto para a polícia? (relatou a sua
experiência própria). [...] Ao mesmo tempo também havia
1044
aqueles que têm uma mente fechada [...]
O fato de dominar fluentemente, tanto o dialeto hunsrück
como a língua pomerana, a alemã e o português, permitiu ao
1044
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
425
pesquisador do presente estudo ter acesso a pessoas detentoras de
um significativo conhecimento sobre a imigração teuta no estado de
Espírito Santo, conseguindo com isto reunir as informações
repassadas por cinquenta entrevistados. Todos, dentro de sua
capacidade de informar, falando nos idiomas com os quais estavam
familiarizados,
deram
suas
respostas
aos
questionamentos
efetuados. Os resultados coletados foram ricos e de um significativo
valor histórico. Talvez o fato da maioria dos entrevistados ter
conhecido o pai deste pesquisador de uma época em que ainda era
muito ativo em seu trabalho nas comunidades tenha sido decisivo.
Além disto, todas as visitas transcorreram em companhia de
lideranças das comunidades, e 13 dos entrevistados mostraram ter
algum tipo de parentesco com o autor.
a) O domínio do idioma como facilitador da
comunicação
No presente estudo o principal fator de “acesso” ao
entrevistado, sem sombra de dúvidas, foi a flexibilidade nos diálogos
propiciada pelo domínio dos diferentes idiomas ainda em uso na
região de colonização teuta no Espírito Santo. Houve momentos das
entrevistas em que, sem dificuldade, passava-se do português ao
pomerânio. Momentos mais tarde, sem que os interlocutores se
dessem conta, passava-se a falar em hunsrück e em uma nova
transição já se estava falando em alto alemão. Esta diversidade
idiomática abria muitas portas, especialmente quando se sabe que o
426
pomerânio é extremamente reservado em seus diálogos e tem muito
medo que invadam sua privacidade.
1045
b) A abordagem das pessoas e dos assuntos
Há uma série de elementos culturais que, para uma melhor
compreensão precisam ser analisados dentro de uma ótica mais
pomerana. São aspectos muito próprios deste povo e que para
outras etnias podariam ser interpretados como descabidas.
Tem alguns pastores que vêm tentando retomar estas
questões, até porque em outras épocas era proibido. Isto
implica também aquele [...] Himmelsbraif e nos Schuzbraif
(Carta dos Céus e de proteção). Hoje estão tentando
resgatar isto. Até sobre o assunto das benzedeiras, de vez
em quando sai alguma palestra. Muitos estão tentando
resgatar tudo isto, só que as pessoas têm mêdo e até tem
vergonha de se manifestar sobre o assunto. As festas, o
ritual de casamento, o quebra-louças, a noiva de preto, são
coisas muitos bonitos. Aqui em Campo Grande tem o
Pilgerfest. É uma festa tipicamente pomerana. Tem
mulheres que fazem o ``Brot``, [...] É um resgate da tradição.
Tem o grupo de danças [..] Eu não gosto de ver o pomerânio
posto como se fossem caipiras vestidos de roupas de
quadrilha e de gente do mato. [...] Isto que a gente está
tentando tirar. Fazer o resgate cultural de todas as
1046
formas.
Um outro aspecto relevante diz respeito ao modo de viver
muito reservado deste povo. O pemarano sempre foi muito
desconfiado. Isto se justifica pela sua própria história de dificuldades
ao longo de séculos. Na verdade, o romance de Graça Aranha
1045
1046
Cf. Vigésima oitava entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 28/07/08.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
427
escrito há 100 anos continua sendo muito atual. Da mesma forma
como no seu enredo havia os que exploravam os pomerânios por
não conseguirem se comunicar em língua portuguesa. Ainda hoje há
uma nítida impressão que eles continuam sendo explorados. Cobrase o que não existe. Eles se defendem da melhor forma como
podem, desconfiando de qualquer estranho que chega. Aliás, em
diversos
momentos,
ao
ser-lhes
solicitado
o
consentimento
informado apenas uma autorização verbal foi obtida com a presença
de testemunhas. A maioria não concordou em assinar um
consentimento livre e esclarecido. Mesmo assim foi possível
identificar momentos de não conformação com o fato de ter
autorizada a divulgação de dados e de ter falado em uma entrevista.
A
desconfiança
é
um
traço
muito
característico.
Qualquer
desconhecido da comunidade, como já acontecia na antiga
Pomerânea, poderia ser um espião enviado pelo senhor feudal ou
por alguma autoridade.
Este mesmo problema continuou trazendo má interpretação
como o relatado na Tese “Tiro de Bruxa” onde a bruxaria e o
benzimento foram referidos como uma “característica” deste
povo
1047
. Um entrevistado justifica esta posição: “É uma autora de
fora e que tentou mostrar algo sobre os pomerânios da forma como
ela conseguiu. A grande dificuldade dela foi a comunicação com os
pessoas.”
1048
c) Interpretação dos resultados
1047
O autor do presente estudo, cuja mãe e avo eram pomeranas, mesmo tendo vivido até a idade
de quatorze anos, de forma restrita em meio ao seu povo, jamais presenciou qualquer ato de
bruxaria ou de benzimento.
1048
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
428
Há algumas publicações que trazem uma imagem muito
distorcida da realidade do imigrante capixaba. Assim, por exemplo,
quando se caracteriza as mulheres como benzedeiras será preciso
lembrar que, nos dias atuais, na região se Santa Maria existem
apenas duas ou três, em Lagoa devem viver uma ou duas
praticantes deste ofício. Na região de Laranja da Terra fala-se de
outras duas. Os homens também participam. As mulheres
participam e o conhecimento passa de geração em geração. O
homem teria que repassar o seu conhecimento para a mulher e a
mulher para o homem para não perder o “efeito”. E quando o
conhecimento vai de mãe para filha como ficaria? Alguém teria que
lhe repassar o conhecimento. Da forma como vem sendo “pintado”
em alguns relatos, tudo isto realmente teria que ser um “negócio” um
tanto esdrúxulo. Querer afirmar que as mulheres pomeranas, de
forma generalizada, são benzedeiras é uma grande inverdade. Da
mesma forma não se pode caracterizar as líderes das comunidades
como tal!
Muitos hábitos deste povo são traços culturais e tradições
que sobreviveram durante séculos de guerras e devastações e que
fizeram com que o pomerânio permanecesse apegado aos seus
antigos valores históricos e culturais. Tornou-se mais flexível no
contínuo processo de readaptação às novas dificuldades.
As suas “assombrações” (Spauk) e suas superstições,
apesar de todo o processo de cristianização do leste europeu,
ocorrido no século XII, sobreviveram entre os pomerânios da
Europa. Agora continuam mais vivos do que nunca entre muitos
descendentes destes imigrantes teuto-brasileiros no Espírito Santo,
429
apesar de estar em andamento todo um processo de integração
com outros grupos populacionais deste estado e do Brasil.
Portanto, para entender a cultura teuto-brasileira no estado
de Espírito Santo, será preciso procurar compreender a “cultura da
Pomerânea” para depois tentar conseguir compreender o imigrante
capixaba como imigrante “pomerânio”. É importante lembrar que a
assistência espiritual durante o primeiro século da colonização teuta
sempre foi a articuladora do ensino religioso, da alfabetização e até
da
vida
pública,
especialmente
aquela
desenvolvida
pelas
comunidades luteranas. Desta forma sempre se manteve como
formadora da sua linha de pensamento religioso. O processo, no
qual os pastores semprem tiveram um marcante papel, terminou
levando a uma paulatina institucionalização da Paróquia Luterana
como organização comunitária confiável, paralelamente ao que
parecia ser a presença opressiva e corrupta das autoridades do
estado e dos municípios. Todos os relatos da população mais antiga
identificam a autoridade eclesiástica como norteadora da vida moral
e religiosa dos imigrantes.
A população pomerana, no que se refere aos aspectos
religiosos e de moral, sempre foi bastante dócil, talvez explicável
pela sua origem, pois tinham sido servos dos grandes latifundiários.
Alem disto, a absoluta maioria dos que aqui chegou eram originários
do campo, ou seja, estavam acostumados a cumprir ordens. Isto
também explica a facilidade com que os religiosos, independente da
sua procedência geralmente conseguiram impor sua vontade
1049
1049
.
Como escreveu von Krockow: Sobre a nova doutrina eles nada entendiam, nem sabiam dizer
se era melhor ou pior. Para tal compreensão eles, os agricultores eram muito ignorantes, mas,
eles sempre aceitavam o que o sacerdote pregava. KROCKOW, C. G. v.: Die Reise nach
430
Se revisarmos a história ao longo destes cento e cinquenta
anos, constataremos que o pomerânio dos primeiros anos da
imigração era muito pouco alfabetizado. Parece sempre ter havido
alguns mais “espertos” e que terminaram por se destacar. Não se
pode esquecer, que eram agricultores e que estes na segunda
metade do século dezenove, para os padrões atuais, eram muito
pouco instruídos.
Para esta coleta também puderam ser entrevistadas
pessoas que tiveram prejudicado o seu processo de alfabetização.
Ouviram-se histórias de professores que foram proibidos de
alfabetizar as crianças da época. Mesmo assim, ao se analisar os
dados que se conseguiu reunir, fica a nítida impressão de que, entre
os
primeiros
imigrantes
realmente
houve
pessoas
que
se
sobressaíram. “Eu penso que eles tinham um conhecimento muito
grande para a sua época... Tanto que muitos deles se tornaram
professores nas suas escolas de comunidade...”
1050
Há diversos exemplos que podem ser citados. O próprio
Guilherme Seibel foi um destes grandes destaques. Teve um
importante papel na colonização de Santa Joana e consagrou-se
como o grande líder de Laranja da Terra. Não era pomerânio. Seus
pais vieram de Hessen, mas ele próprio e todos seus irmãos
casaram com pomeranas. Ele foi mais um dos tantos exemplos de
aprimoramento autodidata. Houve ainda outros nomes que se
destacaram como o de Paulo Larsen, de Serra Pelada. “O [...]
chegou aqui, primeiro como pedreiro. Depois virou professor. Depois
passou a ser fotógrafo. As primeiras fotografias que ele fazia
Pommern. Bericht aus einem verschwiegenen Land. Deutsche Verlags-Anstalt, 1985, p. 2002006.
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
1050
431
naquele sistema do lambe-lambe eram pintadas com pena de
galinha”.
1051
As mulheres têm sido estigmatizadas como bruxas e
benzedeiras obstinadas. Estes dados não puderam ser confirmados
no presente estudo. Há uma nítida referência ao “andaum” (mau
olhado). Porém, nos relatos aqui transcritos não se conseguiu
identificar qualquer relação com atitudes causadoras de algum mal.
O estudo mostrou claramente que, tanto o curandeirismo
como as benzeduras
1053
1052
parecem sempre ter sido utilizado como
recurso medicinal por uma população desassistida. A própria
expressão “walddoktor” (médico do mato), na referência ao curador,
à pessoa que está disponível, independente de recursos financeiros
representa a esperança na ajuda. Este médico primitivo, em outras
etnias também conhecido como “raizeiro” ou “garrafeiro”, preparava
seus “remédios” com raízes para depois acondicioná-los em
garrafas. Eram estes os “médicos populares” com que os
pomerânios podiam contar.
Os benzedores, apostando na confiabilidade dos seus
clientes, sem sombra de dúvidas, obtinham os seus “resultados
terapêuticos”. Talvez até de forma semelhante aos psiquiatras ou
psicólogos, pois envolviam toda uma “força” de cura gerada pela
esperança e pela confiabilidade. Evidentemente, sem querer
comparar toda a bagagem de conhecimento inerente à própria
formação destes profissionais na atualidade. Quanto à conotação
das mulheres pomeranas serem benzedeiras, vale a pergunta: Nos
1051
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
Cf. Dicionário Aurélio: Curas por meio de rezas e feitiçarias.
Cf. Dicionário Aurélio: Ato de proceder a certos atos rituais não cristãos, acompanhando-os de
orações.
1052
1053
432
dias atuais todas as mulheres são psiquiatras ou psicólogas?
Certamente que não. Hoje a psicologia tem credibilidade. Também
naquelas pequenas comunidades as poucas benzedeiras ou
benzedores
tinham
credibilidade.
Representavam
a
imagem
materializada da confiabilidade e da esperança na cura.
É evidente que todo o sigilo ou segredo envolvendo este
ofício deve ter-se tornado mais acentuado à medida que a crônica
proibição exercida pelos pastores foi se intensificando. Neste estudo
foram ouvidas seis pessoas que realizam benzimentos. Todas
deram respostas evasivas ao serem questionadas sobre detalhes do
procedimento: “desconheço”, “não sei de nada” e assim por diante.
Ao darem explicações costumam citar outros que estariam
realizando os procedimentos desta ou daquela forma. Geralmente
incluíam uma ou outra explicação alternativa para explicar o sucesso
do “tratamento” realizado. Assim, por exemplo, se uma criança
estivesse com febre, mandavam benzer e tomar um determinado
“chazinho” e a febre passava. Em diversos momentos foi perguntado
o que aconteceria se revelasse os detalhes do procedimento. ”Se eu
contar perde o efeito!” “A pessoa tem que confiar. Não pode saber
que estou rezando”. “Então a senhora está fazendo uma oração?”
“Sim”. “E se o preto vier aqui e se deixar benzer? Como faz dar certo
se a oraçãozinha é em alemão?” “Ah, mas ele não precisa entender.
Tem que confiar”. Temos aqui novamente o mesmo quadro. Alguém
está doente. A sua imunidade está baixa. Está deprimido, mas está
confiante na cura. Até o psiquiatra faz uso destes mesmos
parâmetros, apenas com outro formato. Na prática, a simples
confiança no profissional já traz alívio ao seu sofrimento.
433
Um aspecto que chama atenção em praticamente todos os
depoimentos diz respeito à “vida cigana
1054
” dos pomerânios
capixabas. A sua contínua migração de um lugar para outro, sempre
na procura “por algo melhor” certamente deu origem ao termo
“Wanderbauern”
1055
(agricultores migrantes). Esta característica que
suscita uma série de questionamentos. Porque disto?
Eu também não posso falar muito. Não sei mais quantas
vezes eu já mudei, apesar de ter sido sempre na Grande
Vitória. Mas mudei. Creio que foram umas oito vezes. Meu
pai dizia: você parece uma cigana! E a mãe dizia: lá vai a
1056
cigana mudar de novo!
E esta angústia de que você fala, eu também tenho. Estou
falando do meu irmão, mas eu também tenho isto. Tudo que
eu faço, quero fazer muito bem feito. Só que isto gera uma
1057
angústia muito grande.
Acredito que, quem ficou aqui já se conscientizou. [...] Tenho
a impressão que está começando a haver um controle. Acho
que estão começando a trabalhar este aspecto. Agora com
os outros que já saíram daqui e que foram para Rondônia, a
história vai se repetindo. Isto parece já estar no DNA das
pessoas. Esta busca incessante por “algo melhor”. Esta
busca que eu vejo no meu irmão, que é uma pessoa que
trabalhou a vida inteira. Que se aposentou muito bem e
agora aceitou o desafio de um novo trabalho em Belo
Horizonte, onde passa a semana inteira, sábado e domingo
vem para cá para retornar na segunda feira. É uma coisa
que não tem um motivo. Dinheiro? Não! Realização
1058
pessoal? Pode ser. Mas é um sacrifício muito grande.
1054
A expressão “vida cigana” ou “Zigeurnerleben” podia ser muito ouvida entre os pomerânios em
uma referência ao seu hábito de trocarem de moradia com muita freqüência. Aliás, alguns até
se divertem com a canção “Lustig ist das Zigeunerleben...” (alegre é a vida cigana...)
1055
Cf. Vigésima terceira entrevista realizada na cidade de Laranja da Terra, no dia 26/07/08.
1056
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
1057
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
1058
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
434
Acho que é uma prova de que está vivo. Está projetando,
1059
produzindo.
Uma comparação dos relatos compilados na presente
pesquisa com os dados obtidos por outros autores permite identificar
a trajetória tumultuada daqueles que vieram constituir o atual “povo
pomerânio” no estado de Espírito Santo. É importante frisar que
muitos
dados
do
presente
levantamento
conferem
com
a
historiografia oficial, mas também mostram que em muitos outros
relatos existem contradições e mesmo deturpações.
[...] as pessoas teriam que deixar um pouco, tanto a igreja, o
Estado, como os jornalistas, os pomerânios serem eles
mesmos. Como os índios. Todos falam mal dos pomerânios.
Esta senhora alemã, pastores antigos, pastores da teologia
da libertação. Pastores antigos são aqueles de
Neuendetelsau. Teve o caso do P.[...] o qual, quando a
noiva ia para o altar, resolveu apalpar a barriga na noiva
para ver se estava grávida. Para aqueles pastores os
pomerânios eram muito supersticiosos, faziam benzeduras.
Depois com a teologia da libertação passaram a pregar que
os pomerânios teriam que se integrar ao povo brasileiro.
Para estes, eles eram cristãos, mas teriam que ajudar na
transformação deste mundo. Todos vêm com muitas críticas
aos pomerânios. Isto que estou falando faz parte de um
artigo que ainda não publiquei. A visão da igreja em relação
aos pomerânios sempre foi de muita crítica. Os pomerânios
nunca podem ser eles mesmos. Vem um pastor e diz:
“Vocês não são cristãos. Tem que virar cristãos”. Vem outro
e diz “olha, vocês precisam se converter ao luteranismo de
fato e não ser supersticiosos”. E agora “devem que se
interessar em ser mais brasileiros e esquecer esta tradição
de vocês, porque isto não ajuda muito. Tem que se tornar
mais modernos, ajudar a criar uma sociedade justa etc, etc”.
Não digo e seja totalmente errado [...] Em cada povo a
pessoa pode vir de fora e achar que os costumes daquele
1059
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
435
povo são os mais grotescos. Mas é uma sociedade que
funciona. Dentro dela você não vê problemas sociais [...]. Os
1060
problemas mesmo de [...] estão começando agora.
Talvez a “cultura pomerana” de certa forma até pode ter sido
recriada no Brasil especialmente “pela forte influência religiosa,
como
sugeriram
alguns
entrevistados”.
Deve-se
continuar
documentando estas informações. Deve-se tentar “escrever” da
melhor forma possível a história pomerana no Espíritio Santo.
Talvez durante uma ou duas gerações ainda tenhamos “velhos,
sábios e poliglotas” relatando suas experiências de vida. Depois
disto resta sua procura por “antigos relatos sobre os pomerânios”.
9.2 O dia a dia na vida da população das colônias teutobrasileiras no estado de Espírito Santo
Os entrevistados fizeram relatos sobre o cotidiano da
população das colônias teuto-brasileiras no estado de Espírito
Santo, durante o período compreendido entre os anos de 1870 e
1970. Foram descritos diferentes fatos ralacionados ao cenário
social, religioso, político, econômico e educacional. Os ralatos
iniciaram com a história dos primeiros pomerânios aqui chegados,
tendo, cronologicamente abordados fase da consolidação destes
assentametos e das diferentes fases do processo de migração
interna dos imigrantes e seus descendentes.
O autor, como integrante deste povo descreveu o que sentiu
e pensou como alguém saído das próprias fileiras dos pomerânios.
1060
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
436
Esta foi a sua forma pela qual acreditou poder descrever o seu
próprio povo.
[...] é disto que precisamos [...] é preciso evitar certas
distorções que têm saído na imprensa. Quando vem uma
equipe [...] imediatamente estabelecemos contato. Às vezes
chegam na calada da noite, sem falar com ninguém, e
fazem um reportagem. Ai no outro dia você no jornal e só sai
porcaria. Quando conseguimos controlar, procuramos
rastrear seu trabalho. Porém quando chegam sem nos
1061
consultar...
.
Com a presente publicação se está tentando resgatar um
pouco mais daquela história dos pomerânios capixabas que têm
uma tendência natural de esquecer o seu próprio passado. Por
vezes, de uma geração para a outra, apagam da memória o que
seus antepassados realizaram ou não lembram mais o que faziam
no início de suas próprias vidas.
O antepassado do pomerânio, que hoje vive no Espírito
Santo, chegou aqui há 150 anos proveniente da Pomerânea. Foi um
imigrante que lançado no meio da selva brasileira, que teve medo de
preto, por dizerem-lhe “não fale com o negro que ele vai levar
vocês”. Foram pessoas condicionadas a terem medo. Um temor
desenvolvido ao longo de mil anos de perseguições e calamidades,
talvez até realimentado pelo rigor religioso praticado por pastores e
padres, como também pelas tantas novas dificuldades que
passaram a enfrentar no dia a dia do seu novo mundo.
O padrão de uma nova moral, possivelmente surgida a partir
desta influência luterana mais radical talvez até pudesse ser
1061
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
437
comparada com a dos quakers. Como naquele grupo religioso
surgido em 1647 como uma dissidência da igreja anglicana, a
mensagem bíblica de João 15,14 “vós sois meus amigos, se fizeis o
que vos mando” também parece ter sido adotada como linha
norteadora de suas vidas. De forma semelhante como aqueles, os
pomerânios viviam de forma bastante pacífica, praticavam a
solidariedade ao participarem dos “ajuntamentos” na execução de
tarefas mais trabalhosas nas propriedades e sempre viveram com
simplicidade, até por não terem recursos para extravagâncias com
seus vestuários.
Um dos pilares das regras do dia a dia da vida dos
pomerânios sempre foi a sua religiosidade
1062
. Com isto, para os
clérigos mais severos, não foi difícil impor novas regras de conduta
moral como no caso da noiva que teria que ser pura para poder usar
o véu ao entrar na igreja. Se não o fizesse teria que casar na quartafeira sem os paramentos. Pelos estudos não se pode determinar a
época da introdução de tais costumes, isto porque, há inclusive uma
referência a outras épocas em que uma noiva grávida seria uma
garantia de futura prole. Vale lembrar que durante 900 anos o povo
pomerânio foi massacrado por epidemias de pestes e perseguido
pelas guerras. Como se pode constatar, realmente sobrou um grupo
muito pequeno, tanto que em 1800 a Pomerânea contava com
apenas 350.000 habitantes
1063
. Em outros tempos o sinal de
gravidez poderia ser interpretado como sinal de que a noiva estaria
entrando no casamento com a certeza de que cumpriria com sua
1062
Cf. escreveu KROCKOW, op. Cit. “a nação passou a ser guardada na igreja como uma
questão de igreja, da mesma forma como a própria igreja para o pomerânio se constituía em
parte da batida do coração”.
1063
Dados do censo da Alemanha.
438
função de mãe e procriadora. “Eu sempre acreditei que os pastores
fizeram disto um problema. Nisto se inclui a questão de chegar
virgem ao casamento. Para a época até os pomerâneos eram até
um pouco adiantados”.
1064
Isto seria mais um argumento a favor da teoria de que a
gravidez antes do casamento pudesse ter sido uma garantia de
futura prole. Hoje há quem concorde. “Sim, isto é fato”
1065
.
No passado houve divergências entre os grupos que deram
origem aos dois grandes blocos luteranos que hoje atuam no Brasil,
a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB e a
Igreja Evangélica Luterana do Brasil - IELB. São situações difíceis
de serem compreendidas dentro da visão atual, até porque existe
um trabalho bastante próximo entre as duas congregações.
No passado, cada grupo parece ter realizado sua campanha
lá não muito ética para a conquista de novos integrantes para os
seus respectivos “rebanhos”. Isto foi muito desgastante e trouxe
prejuízo para todos. Tanto que, em Laranja da Terra, em um dado
momento parece ter havido duas igrejas, uma vinculada a cada um
destes dois grupos que se consideravam luterana. Alguns anos mais
tarde, a Igreja Missúri terminou também entrando nesta mesma
disputa. Até o final do século dezenove as comunidades em geral
eram organizadas sem uma vinculação específica às entidades
maiores. Cada um procurava trazer o seu pregador - seu pastor. Na
época o grupo “Gotteskasten” da Alemanha, que aqui passou a ser
conhecido como “Caixa de Deus” constituiu o Sínodo Santa
Catarina, Paraná e Outros Estados. Também algumas comunidades
1064
1065
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
439
do estado de Espírito Santo vincularam-se a este Sínodo. Somente
mais tarde as outras comunidades se ligaram ao Sínodo Brasil
Central, criado em 1912. A partir de 1960, quando foi fundada a
União Paroquial do Espírito Santo - UPES , aconteceu, de fato, uma
união de todas as paróquias chamadas luteranas deste estado. Já
alguns
anos
mais
tarde, com
a criação
da
IECLB,
esta
efetivamenete passou a englobar todas as filiadas da União
Paroquial do Espírito Santo.
Com o passar dos anos as Comunidades do Gotteskastem e
as do Sínodo Brasil Central se fundiram e passaram a integrar a
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja Missúri
ou Sínodo Missúri deu origem à Igreja Evangélico Luterana do
Brasil. Hoje parece existir um bom entendimento entre as duas
entidades.
Acredito que isto depende muito do próprio pastor. Quando
eu cheguei aqui em 1960, sempre procurei fazer o meu
trabalho e cooperava onde podia. Não se entrava em
guerra. Havia um outro que chegou aqui e que havia uma
cisma muito grande no sentido de incentivar o ressentimento
contra a nossa igreja. A gente foi deixando e o assunto
1066
morreu também. Viu-se que não eram bem assim.
Tudo isto aconteceu numa época em que muitos problemas
financeiros
1067
precisavam ser resolvidos. A população era pequena
e a manutenção das comunidades, das escolas e o sustento da
família do pastor precisava ser feito pela própria comunidade.
1066
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Alguns entrevistados chegaram a dizer: “eu me tornei Missúri porque lá era muito mais
barato”.
1067
440
“Alguns pastores utilizavam métodos que para nós se tornava mais
barato.”
1068
Inclusive o Lehnbauer [...] estudou nos EEUU. Eles tinham,
digamos, os seus patrocinadores e que somente pregavam
e com isto saia mais barato para a comunidade. Isto depois
trouxe dificuldades, porque na realidade, o que ali existia era
a presença de alguns obreiros voluntários. Até hoje ainda
existem alguns membros daqui que resistem um pouco ao
1069
novo sistema financeiro que implantamos.
Também aqui para o entendimento de alguns dos traços
culturais precisamos novamente recuar na história da antiga
Pomerânea. A cristianização deste povo aconteceu no século XII e
foi realizado pelo movimento missionário católico. A passagem para
o cristianismo de certa forma se processou sem que para isto
tivessem sido consultados. Seu início foi a chamada Cruzada
Européia. Nesta época os pomerânios já tinham seus templos
dedicados aos seus deuses. Tinham inclusive um clero bem
organizado. O pomerânio da época vivia em uma região de uma
densa vegetação. Isto também explica sua estreita vinculação com
esta série de divindades inseridas na natureza, isto é, no próprio
habitat
natural
deste
povo. Eram
os
deuses
da
natureza
(Waldgötter), deuses das fontes (Brunnengötter) e outros tantos.
Com a introdução da religião católica, tudo isto foi proibido.
Entretanto, o pomerânio logo encontrou sua nova forma de conviver
com o culto às divindades na religião católica e depois luterana,
sem, no entando esquecer seu medo do “Spauk”, ou seja, o medo
da assombração encontrada na mata, nos banhados, nos cemitérios
1068
1069
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
Cf. Trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
441
e em tantos outros lugares. Foi desta forma que uma série de
crendices foi sendo incorporadas à bagagem cultural e que
afloraram ao pesquisador atento que se aprofunda na história do
pomeranismo.
Nos dias de hoje, ao reviverem o aparecimento do “Spauk”
ou
“Spoikerai”
(assombração),
muitos
estão
revivendo
as
experiências com “antigas divindades” que lhes foram transmitidas
de geração em geração. O cenário costuma ser o mesmo: no mato,
à noite, na escuridão. Trata-se de um fato cultural importante e que
deve ser considerado.
Um outro elemento, talvez resultante da própria falta de
médicos vem a ser o “Walddoktor” (curador), a imagem aculturada
do Caveradoktor (médico da capoeira) que sempre existiu pelo
interior capixaba, na forma de pessoas que, ajudando ou não,
conseguiam conquistar a confiança dos necessitados. A medicina
tradicional
acredita
no
efeito
dos
medicamentos
utilizados,
associado à confiança no profissional. O benzedor, ao valer-se da
confiança dos seus “clientes” consegue “curar” muitas das tantas
doenças psicossomáticas. E é ali que eles atuam e conseguem seus
resultados. Estes resultados são obtidos porque existe a confiança
na “cura”. Eles mesmos dizem: só adianta para quem acredita.
9.3 A história dos imigrantes teutos e de seus descendentes no
estado de Espírito Santo
O imigrante pomerânio foi desembarcado no estado de
Espírito Santo em um mundo que lhe era estranho, exposto a toda
sua diversidade ambiental, em meio aos perigos próprios de uma
442
densa floresta tropical. Aqui se viu sem qualquer proteção, sem as
garantias que lhe tinham sido prometidas pelos governos. Precisou
valer-se de todo e qualquer subterfúgio para poder sobreviver. Não
havia assistência médica. Com isto os “Walddoktors” isto é, os
“curadores” tiveram que proporcionar-lhe alívio para a sua dor. As
benzedeiras precisaram fazer com que se sentisse melhor, pois
desconhecia a cura para as doenças tropicais. Desconhecia quem
pudesse trazer alívio para o seu sofrimento. O pomerânio teve que
valer-se do que tinha para poder sentir-se melhor.
Muito já se escreveu sobre este povo e muito ainda haverá
de ser escrito. Uma síntese de textos de autores ilustres
apresentada por Levy Rocha em seu livro
1070
“Viajantes Estrangeiros
no Espírito Santo” mostra as dificuldades vividas por aquela
população nos remotos tempos do século dezenove.
É provável que as grandes dificuldades enfrentadas no início
da colonização da região central da Província de Espírito Santo
tenham contribuído muito para o seu lento crescimento. Mesmo
assim, os imigrantes conseguiram fazer germinar e desenvolver uma
cultura teuto-brasileira com características bem próprias e que, com
o passar dos anos, foi sendo transmitidas às “novas colônias” ou
comunidades espalhadas por praticamente todo o estado de Espírito
Santo. Por outro lado, em função do uma série de razões, já nos
seus primeiros anos a “colônia” germânica terminou mergulhando no
que se poderia chamar de “século de isolamento no Espírito Santo”.
Também aqui os pomerânios nunca fizeram outra coisa que
não fosse reconstruir. Tudo começou em Santa Lepoldina
que foi construída e quando faltou espaço saíram e
1070
Rocha, L. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971.
443
reconstruíram em outro local. Daí, prole grande, falta de
espaço e novamente saíram e reconstruíram e assim por
diante. Na verdade durante toda a sua história fizeram isto e
1071
hoje continuam fazendo a mesma coisa .
Se compararmos os dados colhidos na presente pesquisa
com os publicados por outros autores (von Tchudi, Seide e outros)
facilmente
se
verifica
que
muitos
detalhes
já
registrados
anteriormente reaparecem nos relatadas feitos pelos descendentes
dos pioneiros capixabas. A natural perda da informação ocorrida
com a transmissão oral ao longo dos anos reforça a necessidade de
se registrar o que hoje ainda é de domínio publico para que os
estudiosos de amanhã venham a ter mais registros de uma éçpoca
não muito distante, porém de muitas dificuldades.
Esta é a história de um povo, que ao longo de um século,
sem se misturar com a população nativa, adequou seus hábitos e
contumes às novas condições locais. Um povo em cujas
comunidades a igreja luterana exerceu o importante papel
aglutinador, de educador religioso, de alfabetizador e de meio de
comunicação com o mundo exterior. Um povo que durante
praticamente um século viveu em um ambiente bastante isolado em
que seus únicos contatos com o mundo externo eram os
comerciantes, os pastores, alguns professores e os padres
estrangeiros. Eram homens e mulheres, muitas vezes poliglotas,
que no seio da família se comunicavam em língua pomerana e nas
suas igrejas ouviam a prédica em “alto alemão”, da mesma forma
como o faziam seus antepassados nas suas longínquas terras de
1071
Cf. Primeira entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08.
444
Europa
1072
. Era deles a tradição que durante mais de um século
continuou mantendo as mulheres sentadas no lado esquerdo da
nave da igreja, enquanto os homens tomavam seus lugares no lado
direito
1073
. Eram homens e mulheres, que evitavam as autoridades
constituídas pelo temor destes tirarem-lhes os poucos bens
materiais obtidos com tão árduo trabalho.
Os dados da literatura permitem identificar a história de um
povo, de uma etnia, da sua língua e do sentimento de pertencimento
deste grupo populacional. Talvez seja preciso relembrar alguns
critérios, como os que podem definir que no falar pomerânio temos
uma língua e não um dialeto. Em primeiro lugar, o modus falandi, ou
seja, a maneira de falar certamente é baseada na tradição de um
povo, de uma etnia. É um povo que tem mil anos de história. É um
povo que se desenvolveu a partir da fusão de diferentes tribos de
eslavos com imigrantes alemães de diferentes estados da atual
Alemanha. Já foi um ducado independente. E a partir do momento
em que tem uma escrita própria passa a ter a sua língua própria.
Portanto, é um povo que tem uma língua pátria. O dicionário
1074
é um
reforçar
esta
pomerânio elaborado pelo historiador Ismael Tressmann
importante
documento
que
certamente
vem
constatação. Ser considerado uma língua morta ou viva é um
conceito dinâmico. Assim, por exemplo, a língua grega, o latim e o
hebraico são línguas mortas por não serem mais faladas, apenas
escritas. Nos dias atuais o pomerânio ainda é falado no Brasil e
1072
É preciso salientar que a língua falada pelosn pastores alemães era o alemão alto, enquanto
os imigrantes capixabas, na sua absoluta maioria eram pomerânios, portanto de fala pomerana.
1073
Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
1074
Disponível em:
http://gazetaonline.globo.com/index.php?id=/local/especialçis/a_gazeta_80_anos/materia.php.
Acesso em: 07 mai. 2010.
445
muito. Talvez nos Estados Unidos se fale pouco. Quem sabe, na
região da antiga Pomerânea poucos ainda o falam.
A Pomerânea há muito tempo deixou de existir como
território autônomo, como ducado independente. Mas, os imigrantes
que chegaram ao estado de Espírito Santo e dos quais descendem
os pomerânios que hoje vivem neste estado são naturais da
Pomerânea e não eram alemães.
Até porque a Alemanha que hoje conhecemos foi criada por
Bismark no ano de 1871. Até lá, o máximo que se podia dizer que
estes imigrantes tinham cidadania prussiana. Hoje também a
Prússia deixou de existir como reino independnete. Pode-se concluir
que, historicamente a Pomerânea já viveu seu período de
independência, cuja língua sempre foi incompreensível para aqueles
que utilizam o chamado “alemão alto”. E é daqui que chegou esta
língua pomerana que nos dias atuais congrega tantos habitantes de
tantas regiões deste interior capixaba. Existe ainda um outro fator
muito interessante no que diz respeito ao próprio estabelecimento
da uma “fronteira” entre a Pomerânia e, digamos, a Polônia. Aqui há
um exemplo bem concreto de uma abrangência confessional ter
passado a definir uma fronteira política. Ou seja, o que inicialmente
era uma fronteira confessional passou a ser definido como uma
fronteira política. A fronteira entre uma região de confissão luterana
– Pomerânia e uma católica - Polônia
1075
.
Se dentro do conceito de Frederic Barth
1076
formos analisar
a diferença entre nacionalismo e etnia, veremos que nacionalismo é
1075
KROCKOW, 1985.
Thomas Fredrik Weybye Barth (nascido em 1928), antropologista noruegues, com várias
publicações na área de Etnografia (Grego ἔθνος ethnos folk = / as pessoas e γράφειν graphein =
1076
446
um conceito que o Estado constrói. Já as fronteiras da etnia são
estabelecias
por
um
grupo
populacional
com
determinadas
características. Se pensarmos em termos da época tribal, veremos
que o Estado não existia. As tribos tinham uma dimensão étnica.
Portanto, se pensarmos em termos étnicos esta será a forma mais
natural de se estabelecer fronteiras. Estas eram as suas fronteiras.
Portanto não tinham a concepção geográfica. É uma artificialização
querer delimitar um país geograficamente. O estado não consegue
estabelecer limites étnicos, pois faz esta definição pelo lado
geográfico. Pois desta forma todos são enquadrados dentro de uma
determinada área geográfica por conta de uma política de
nacionalização
1077
.
Agora, a identidade da população desta área geográfica não
se dá somente nesta direção. Ela se dá também na dimensão dos
grupos. Em síntese, também aqui no Brasil o pomerânio vai ser
brasileiro, mas vai continuar sendo pomerânio ou alemão em geral
ou polonês. Pois esta sua identidade faz parte da sua etnia, da sua
história, da sua filosofia de vida, da sua forma de viver a
religiosidade.
Pela lingüística, o dialeto é quando você entende o que o
outro está falando. Quanto ao alemão e o pomerânio, não
tem como um entender o outro, a não ser que a outra
pessoa aprenda. O hunsrückisch também esta se tornando
língua co-oficial no Rio Grande do Sul. O mesmo está
acontecendo com o vêneto, muito falado no Rio Grande do
Sul. A escola é uma saída boa. Agora que escola? Até
Escrever) é uma estratégia de pesquisa usada frequentemente nas ciências sociais,
particularmente em antropologia e, em alguns ramos de sociologia.
1077
O que foi feito na época das grandes guerras, quando, em nome da fervor nacionalista foram
simplesmente fechadas escolas, detidas pessoas e não houve uma compensação em termos de
escolarização.
447
porque foi a escola que fez os pomerânios se sentirem mais
humilhados. Se na igreja eles tiveram que falar alemão.
Foram na escola e ainda precisaram falar alemão. E a
1078
língua deles?
A falta de terras para a alimentação das grandes proles fez
com que os filhos adultos rapidamente fossem na procura por novas
glebas. Este processo foi se repetindo na medida em que as novas
gerações aumentavam a população. Poucos seguiram para a área
urbana, porém a mioria se manteve no trabalho da terra, sempre na
procura por “um lugar melhor”. Houve quem os chamasse de
“Wanderbauern” ou colonos migrantes.
O Wagemann já disse que nos primeiros anos da imigração,
vários filhos de imigrante já tiveram que procurar trabalho
fora da área rural por causa destas condições que você
falou agora (alta prolificidade, falta de espaço), terreno muito
íngreme. Alguns imigrantes receberam terras medidas
inadequadamente (medidas a olho). Com isto terminaram
não recebendo os 30 hectares usualmente repassados. E
como as famílias pomeranas eram numerosas, muitos já no
início tiveram que sair. Não é novidade que o pomerânio já
1079
muito cedo começou a migrar.
Eles fugiram da Pomerânea. Foram para os Estados Unidos.
Chegaram no Brasil. Tornaram-se nômades. Cerca de dois mil e
trezentos chegaram ao Estado de Espírito Santo, onde adotatram
uma sistemática do “derruba árvore, queima, planta e esgota o
terreno”. Depois seguiram adiante e, novamente derrubaram
árvores, queimaram, plantaram e esgotaram a terra. Depois disto
terminaram as áreas disponíveis no Estado de Espírito Santo.
1078
1079
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
448
Foram para o Paraná em 1950 e depois se transferiram para
Rondônia, derrubando, queimando, plantando e esgotando. Agora já
se fala em Acre e Rio Branco, em fronteiras com a Bolívia e a
Venezuela. Vai chegar um momento em que este pomerânio das
três gerações (avós, pais e filhos) terá que parar com esta sua
trajetória nômade. Vai chegar o momento em que terão que
implantar um programa de planejamento familiar. Não há mais terras
para serem distribuídos.
9.4 A avaliação do efeito da sua vida reclusa sobre o processo
de isolamento de toda esta população
Pelos dados obtidos nas entrevistas depreende-se que o
enclausuramento ocorrido com os imigrantes teutos no Espírito
Santo desde 1860 trouxe prejuízos, especialmente no processo de
aculturação. Isto também trouxe dificuldades para a própria
documentação da história deste povo. Não se tinha por hábito
descrever o que se estava fazendo.
Era muito difícil as pessoas escreverem alguma coisa. A
única coisa que se tinha escrita eram as cadernetas de
venda dos produtos da propriedade. Havia uma época em
que muitos tinham isto. Eram uns cadernos em que se
escrevia isto. Mas da história dos pomerânio não tem nada
escrito. Geralmente era anotado em alemão alto. Os
pastores sempre escreviam alguma coisa. Teve gente que
chegou a escrever cartas, mas depois ficavam com
vergonha e terminavam não entregando e às vezes
1080
guardavam.
1080
Cf. Trigésima quarta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08.
449
Talvez a própria vida reclusa tivesse contribuído para a
preservação de hábitos, costumes e até de aspectos advindos de
determinadas necessidades como as que dizem respeito aos
eventuais benefícios obtidos com a superstição ou o curandeirismo.
Houve ou não houve isolamento? Certamente é uma questão que
requer uma maior reflexão. Nas entrevistas falou-se muito em
isolamento e a tese da presente obra efetivamenete é a do
“isolamento”. Certamente é um isolamento relativo, pois em dados
momentos aconteceram contatos. Tressmann
1081
analisa estes
aspecto muito bem em sua entrevista, quando lembra que já no
início da colonização uma serie de palavras foram “emprestadas” da
população aqui existente. Eram termos designando ferramentas, de
plantas nativas, de produtos. Com base neste raciocínio não se
pode falar em isolamento absoluto. Entretanto, o fato isolamento
aparece com muita insistência nas entrevistas: “Nós ficamos
isolados”!
Talvez tenha sido uma forma de viver dos primeiros
imigrantres teutos e seus descendentes no estado de Espírito Santo.
Em casa tinham a sua ”Muttersprache” (a lingua materna). Na igreja
ouvia-se o culto em alemão, incompreensível para muitos. A língua
portuguesa era apenas para aqueles que intermediavam os contatos
nexcessários. Nesta linha de pensamento também se pode falar em
“isolamento”. Na verdade, o simples fato de alguém se “isolar” já traz
o paradoxo do não isolamento. Porque quando alguém se isola, o
faz em relação a algo (ou alguém). Este algo vai ser MAIS
conhecido ou MENOS conhecido. Alguém pode se isolar diante
1081
Tressmann, Ismael. informação pessoal repassada na cidade de Santa Maria, no dia
24/07/08.
450
deste “algo” ou “alguém”, porque sabe diante do que está se
isolando. Este evento pode acontecer diante do negro, diante do
índio, diante do luso ou diante do católico. Ou seja, alguém se isola
diante de algo, que de alguma forma já conhece, mesmo que
apenas um pouco.
Neste sentido o termo isolamento é um termo bastante
complexo. Porque, o simples fato de alguém dizer ou pensar que
não gosto daquele “sujeito” e passar a se isolar do mesmo, já fazem
com que passe a ter um contato relativo com ele, ou seja, não quer
entrar em contato com o mesmo. A negação do contato pressupõe,
pelo menos, uma intenção de não querer ter contato com o mesmo.
Aqui surge a pergunta: por que isto? Porque ele é diferente! Talvez
um dos argumentos seja o de que “vão nos levar embora”, como
tantas vezes transparece nas entrevistas.
O exemplo evidencia um fato bem marcante. Certamente
houve um contato inicial que pode ter levado ao isolamento. Mas,
ele é provocado por que ali existe alguém diferente, um “Frender”
(um estranho), diante do qual o pomerânio vai se isolar ou será
isolado, pois, como disse “podem me levar embora”. Isto indica que
há uma construção de fronteiras
1082
. Quem sente necessidade de se
isolar irá construir as suas fronteiras. Podem também ser fronteiras
que os outros estabeleceramm. Há os dois aspectos. Há a visão de
quem está no lado dentro e a visão de quem está no lado de fora.
Aqui cabe a pergunta: Houve casos de alguém ter sido
levado? E se foi, por que teria sido levado? Há uma referência a
1082
Thomas Fredrik Weybye Barth (nascido em 1928), antropologista noruegues, com várias
publicações na área de Etnografia (Grego ἔθνος ethnos folk = / as pessoas e γράφειν graphein
= Escrever) é uma estratégia de pesquisa usada frequentemente nas ciências sociais,
particularmente em antropologia e, em alguns ramos de sociologia.
451
certo “cacique dos botocudos”, de nome Biriricas, da década de
1870, que teria sido oriundo de uma família de “brancos”. Conta-se
que este, quando criança, teria sido sequestrado e criado pelos
índios. Mais tarde, em virtude da sua inteligência teria assumindo a
chefia daquele grupo de silvícolas. O nome ainda hoje é lembrado
na denominação de um distrito de Domingos Martins. O fato “eles
vão nos levar”, deve ter sido construído em cima de uma experiência
em um dado momento. Digamos, o índio entrou no espaço do
branco, logo, o branco construiu fronteiras de acordo com o contato
havido. Desta forma construiu não uma fronteira geográfica, mas
uma fronteira imaginária. Uma fronteira imaginária que teve por base
o “índio vai nos levar” e que logo passou a englobar, “o negro vai
nos levar”. Isto gerou medo. É uma fronteira que se deu porque
houve, digamos, uma transposição das fronteiras. Esta é a fronteira.
Índio é selvagem! Por quê? Porque sequestra!
E se formos perguntar ao índio, o que pensa do pomerano?
Por que levou a criança? E se recuarmos na historia da colonização
brasileira, poderíamos constatar que na visão dos índios, os brancos
certamente devem ter sido os selvagens. Por quê? Porque não
tomavam banho, andavam sujos, exalavam maus odores e sem
qualquer motivo exterminavam os índios
1083
! O índio tamava seu
banho diariamente! Certamente, na visão do silvícola o branco era o
selvagem. É uma questão de cosmovisão que um tem do outro.
As fronteiras são fronteiras construídas em cima de
contatos. Portanto, há determinadas vivências sobre as quais se
estabelece fronteiras. Certamente os pomeranos tentaram se
1083
Aqui entra a falácia popular de que aos silvícolas teriam sido distribuídos roupas usados por
europeus com varíola, para desta forma apressar a “limpesa” das florestas.
452
comunicar e identificaram suas dificuldades. O fato de falarem um
idioma incompreensível para a população nativa e também o fato de
não compreenderem a língua da população nativa fez com que
estabelecessem seus limites. Não vamos conseguir nos comunicar!
Passaram a se isolar. Esta parece ter sido a natural evolução para
um isolamento da população pomerana do interior do estado de
Espírito Santo.
Se fizermos uma retrospectiva histórica vemos que no
passado mais remoto a Pomerânea tinha seus próprios deuses
1084
,
dentro da sua própria cultura. Depois, com a implantação do
cristianismo católico, os seus deuses foram substituídos por
inúmeros novos deuses na forma dos santos desta nova religião.
Isto fez com que permanecessem às escondidas, os “Waldgeister”
(deuses das árvores), os “Berggeister” (deuses da montanha), os
“Quellengeister”
(deuses
das
fontes),
o
medo
do
“Spauk”
(assombração), os “Gräbergeister” (espíritos das sepulturas, dos
cemitérios) e mais tarde, já em uma aculturação brasileira, a
presença do gavião Hackalo ou hacauã.
A assombração, o “Spauk”, que vive na floresta, talvez seja
o mesmo deus que os pomerânios temiam há novecentos anos
atrás, mas que tiveram que substituir por uma divindade cristã,
quando cada lugarejo ou cada cidade passou a ter os seus próprios
“santos”. Este é um traço cultural do povo pomerânio, cuja
existência praticamente todos negam, mas que todos infalivelmente
conhecem.
1084
Slawische Mythologie. Disponível em: http://de.wikipedia.org/wiki/Slawische_Mythologie. Aus
Wikipédia, der freien Enzyklopädie. Acesso em 07/06/08.
453
Continua havendo uma grande dificuldade de comunicação
com os pomerânios para quem chega de fora. Talvez isto tenha uma
explicação histórica. Protegiam a sua hisória de vida e do seu
conhecimento, mesmo que para isto precisassem incinerar ou
enterrar os pertences ou os documentos de familiares falecidos
como hoje ainda muitos o fazem. O mesmo acontece com a prática
da benzedura, cujos rituais muitos conhecem, mas poucos o fazem,
porém, quando estes desaparecem também seus rituais e suas
anotações deixam de existir.
Nos dias atuais, escrever sobre os pomerânios capixabas
certamente continua sendo um grande desafio, apesar do acesso
aos mesmos já estar se tornando menos dificil. O próprio processo
migratório para as áreas urbanas acelerou o processo de
aculturação. Com isto se tornaram menos arredios ao mundo da
informação e da comunicação ao mesmo tempo em que começam a
ostentar suas conquistas com orgulho.
Eu acredito que hoje os pomerânios não têm mais vergonha
de ser pomerânios. Até a alguns anos atrás, eles se
escondiam. Falava-se em pomerânio “hinna daí eck”, isto é,
às escondidas. Eram vistos como pessoas atrasadas e sem
conhecimento. Hoje isto já não é mais assim, tanto é que,
nesta região aqui, há um incentiva a língua pomerana. Já se
incentiva a escrita nas escolas. Estão valorizando o
pomeranismo. Está-se buscando novamente aquilo que se
1085
perdeu. Inclusive eu tenho um hinário em pomerânio.
Hoje se tem a nítida impressão de que o pomerânio está
saindo da sua vida reclusa na propriedade. O maior passo parece
ter sido dado na cidade de Santa Maria de Jetibá. Nesta cidade, de
1085
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
454
cada três pessoas com que se fala, dois são provenientes de outra
região. Isto impressiona. São pessoas do comércio e dos mais
variados setores. São pessoas de Santa Leopoldina, de Laranja da
Terra, de Serra Pelada. Estão confluindo para um novo centro de
florescimento comercial, cultural e intelectual: Santa Maria de Jetibá,
a cidade, sem sombra de dúvida, “mais pomerana do Brasil”.
9.5 O papel da igreja no processo e adaptação dos imigrantes
destas novas colônias e no desenvolvimento da sua bagagem
cultural
O historiador Tressmann
1086
descreve a vida religiosa do
pomerânio capixaba com muita perspicácia.
Os pomerânios são luteranos, mas ao seu modo. Para o
pomerânio não há problema algum, pela manhã ir ao culto e
de tarde na benzedeira. Para ele isto faz parte da fé. O que
se chama de ato mágico, para ele é fé luterana e não tem
problema nenhum. Interessante que os pastores antigos
pregaram contra a benzedura. Os pastores modernos da
faculdade de teologia também pregaram contra a
benzedura. Em Laranjada da Terra teve um pastor que
pregou contra a idéia dos anjos terem asas, ou coisa assim
e de não fazer teatro e natal. E você vai lá hoje as pessoas
falam mal do pastor e continuam fazendo natal com anjos
com asas. A festa é deles. Para eles anjo tem asas e
acabou. Isto está no imaginário. Estas coisas a gente só
consegue descrever. Como os pomerânios pensam? Qual a
filosofia que adotam? Eles não entram em contradição
nestas questões. Inclusive o grande antropólogo Levy
Rocha fala que na verdade o que a gente tem, são
1086
Ismael Tressmann. Informação pessoal repassada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
455
realidades que aconteciam 900 anos atrás e acontecem
1087
ainda hoje no caso a religião, magia e ciência.
O pomerânio realmente vivencia a igreja à sua maneira. O
seu relacionamento com os pastores, que outrora foi de medo e de
submissão, foi se tornando mais harmônico na medida em que se
estabeleceu certo entendimento ou compreensão ou mesmo certa
parceria entre as duas partes. Aqui novamente pode-se citar a
referência de Tressmann:
Como os pastores pomerânios oriundos do próprio meio dos
pomerânios estão conseguindo se comunicar com os
membros das comunidades? A igreja é outro ponto de
referência dos pomerânios. Precisamos da parceria da
igreja, da escola e da comunidade. Os três trabalhando para
1088
o mesmo objetivo.
Pelas entrevistas tem-se a nítida impressão de que no
passado houve um grande distanciamento entre os pastores
luteranos com suas longas prédicas em língua alemã e o imigrante
que se comunicava em pomerânio. A igreja representava a
formalidade
do
rito
religioso
enquanto
as
antigas
práticas
representavam a informalidade e a simplificação da sua vida
religiosa e por que não dizer, do seu lado místico.
Historicamente
o
pomerânio
é
muito
religioso.
Aqui
novamente será preciso rever a história, pois há 900 anos ele era
um povo pagão. Certamente deve ter vivido de forma muito primitiva
como todos os povos das regiões o faziam. Como tal também tinha
as suas divindades: os da floresta, os deuses da água, das
1087
1088
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
456
cavernas, das fontes. Quando este povo foi cristianizado já tinha a
sua própria religião bem organizada. Nos dias de hoje facilmente
podemos constatar que ainda conservam em suas tradições uma
série de elementos com características muitos peculiares. O
pomerânio de hoje é luterano praticante, porém também conserva
as suas fórmulas mágicas. São situações que eles criaram para
substituir outras que perderam por força daquilo que outrora lhes foi
imposto. Praticam seus benzimentos. Preferem manter a receita do
“Walddoktor”, o “curador”, mesmo hoje, quando à pouca distância de
lá têm acesso a um médico formado. Eles passaram a viver um
luteranismo de forma fervorosa. Só que, na hora do desespero, na
hora que falta de alimentos, na hora em que o pé de milho começa a
morrer ou o pé de café começa a secar, apelam para os aspectos
místicos. Na hora em que uma ferida começa a doer e não o deixam
trabalhar, ao invés de consultarem o médico, ainda hoje muitos
preferem procurar o curador. É o seu lado místico. É o respeito e o
apego ao aspecto sobrenatural. Contudo, é preciso salientar dizer
que nem “todas as mulheres são benzedeiras”. Não existe um “tiro
da bruxa”. Pode até existir uma dor na nuca, de aparecimento súbito
como se tivesse sido causada por um tiro disparado por algo
desconhecido “como se fosse uma bruxa”. Afinal, esta dor, que para
os
médicos
seria
uma
distensão
muscular,
instalou-se
repentinamente. A prática mística existe, porém, jamais se pode
generalizá-la como parte da própria vida do povo pomerânio.
Novecentos anos antes uma nova religião tinha-lhes sido
imposta. Talvez tenham mantido, às escondidas e com outras
características, quem sabe, algumas das suas antigas crenças
pagãs, transformando-as em imagens, como a própria presença dos
457
“Waldgeist” (espírito das florestas) na forma de assombração, a
presença dos espíritos das fontes, das montanhas, do espírito dos
mortos
nos
cemitérios
e
de
tantas
outras
manifestações
identificadas em tantas destas entrevistas aqui realizadas.
No dia a dia facilmente se pode constatar que o povo
pomerânio continua muito religioso. Ele utiliza esta religiosidade das
mais variadas formas, inclusive no próprio procedimento da
benzedura. Ao valer-se de forças sobrenaturais, aquele povo passou
a sentir-se menos abandonado. Passou a conviver com a utilização
diária de expressões bíblicas, com a fixação de frases bíblicas nas
paredes da sua sala de estar e na utilização de frases ou textos
bíblicos na elaboração de suas cartas de proteção ou cartas do céu.
Desta forma o mesmo versículo bíblico, tantas vezes utilizado
durante um ofício religioso na igreja luterana, podia ser recitado no
lar, pelos próprios integrantes do povo, porém com outra conotação
mística.
O pomerânio até certo ponto utiliza o misticismo como
elemento de proteção para a sua família e seus bens. Até porque,
durante séculos precisou procurar proteção contra os “vultos da
escuridão”, da assombração. Durante séculos compensou o seu
medo pela proteção oferecida pelas “cartas do céu” ou “cartas de
proteção”. Era a insegurança que certamente sentiu ao se ver
explorado pelo senhor feudal. Era o medo crônico gerado pelos
séculos de guerras e de perseguições por tropas invasoras, sejam
polonesas, dinamarquesas, suecas ou prussianas ou mesmo a
perseguição religiosa ao ser-lhes imposta uma religião nova e
estranha. O pomerânio foi cristianizado a ferro e fogo durante a
Cruzada Européia organizada pela igreja católica. Tudo isto fez com
458
que se escondessem e passasse a se valer do místico como fuga,
como uma espécie de proteção contra as ameaças do seu cotidiano.
Porque o “Schutzbriaif” (carta de proteção)e o
“Himmelsbraif” (carta do céu) praticamente se constituem
em amuletos e que carregam no bolso. Não só carregam no
bolso, porque alguns eles escrevem. Você encontra isto
também em bares. Isto protege conta facadas, tiros. Outro
dia eu perguntei a um senhor: mostra-me o seu “Schuzbrief”
que você tem aí. Ele me levou na sua casa, que era perto do
bar e me mostrou. Então dizem que, quem carrega estes
amuletos terá filhos bonitos, uma boa posição social. É
muito mais uma proteção contra o oivakika (olho grande),
para proteger não somente a casa, mas toda a terra, toda a
Land contra o mau olhado. O Schultzbraif é bem ainda do
tempo da guerra, onde os pomerânios estavam em
constantes conflitos e precisavam levar consigo a sua
1089
proteção. Isto é, havia canhões, armas etc.
No ano de 2000 foi publicada a tese de doutorado
1090
na
qual lideres das comunidades são referenciadas como benzedeiras.
Isto é uma afirmação muito forte. Realmente, houve em uma
entrevista uma referência a algumas pessoas mais conhecidas na
comunidade e que participavam deste tipo de atividade. Os casos,
porém, mostaram-se muito raros. No presente estudo houve uma
única citação de pessoa com uma participação pouco mais ativa na
comunidade,
constituindo-se
em
um
caso
isolado
daquela
localidade, considerando-se que a pesquisa abrangeu mais de vinte
localidaddes de sete diferentes municípios de maior concentração
de população pomerana do estado de Espírito Santo. “Será
importante definir o que significa “líder de fato”. [...] ‘Podemos
imaginar como líder, o presidente da comunidade, tesoureiro,
1089
1090
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/0/08.
BAHIA, 2000.
459
secretário. Ou seja, da parte administrativa. Há também a liderança,
digamos, referencial”.
1091
9.6 O “movimento nazista” nas “colônias” do estado de
Espírito Santo
Pouco ou quase nada se sabe entre os pomerânios sobre o
dito “movimento nazista”, ocorrido na época da Segunda Guerra
Mundial. O historiador René Gertz, em seu livro “O Perigo Alemão”
1092
descreve muito bem os estereótipos e os preconceitos surgidos
contra os descendentes germânicos nos estados do sul do Brasil e a
fantasia criada no imaginário popular.
[...] as populações das regiões de colonização alemã se
caracterizam por uma total segregação, não-integração,
enfim, pela mais completa anticidadania e por seus
corolários: o perigo representado para a unidade nacional
brasileira em função da dissociação interna e da ameaça
1093
imperialista .
Talvez a própria postura do Sínodo Riograndense e de um
bom número de seus pastores estrangeiros (alemães), de verem
com simpatia a expansão do pensamento germânico tenha
contribuído para o surgimento do binômio “alemão luterano” como
1091
1092
1093
Cf. trigésima segunda entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08.
GERTZ, Renê. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed.da Universidade/UFRGS, 2000.
Ibidem, p. 21.
460
sinônimo de comportamento reacionário
1094
. O seu reflexo no estado
de Espírito Santo foi fulminante, não só contra os cidadãos alemães,
como também contra muitos imigrantes deste interior capixaba,
como foi muito bem documentado no filme “Bate Paus”. Há muitos
relatos de antigos habitantes que, entretanto, não fazem um claro
discernimento entre o suposto movimento nazista ou as suas
vivências com a própria campanha integralista.
Na realidade, o próprio movimento integralista no Espírito
Santo terminou gerando dificuldades para a vida dos colonos teutobrasileiros,
especialmente
por
ter
sido
confundido
com
“germanismo” ou “nazismo”. Tudo isto contribuiu para que, mesmo
nos anos compreendidos entre 1945 e 1970 o falar em alemão ou
pomerânio continuasse sendo encarado com desconsideração e de
falta de refinamento.
9.7 A evolução sócio-econômica dos teuto-brasileiros
capixabas
Um dos grandes problemas dos pomerânios sempre foi a
ausência de lideranças Os primeiros líderes da imigração eram
justamente não pomerânios. Eram alemães. Tanto de Rio Farinhas
como de Santa Leopoldina. Guilherme Seibel, o criador de Laranja
da Terra não era pomerânio. Nem de pai nem de mãe. Eram da
região de Rheinhessem, isto é, da região centro-oeste da Alemanha.
Depois disso, o pai deste pesquisador foi um grande líder na sua
comunidade. Quem não o conhecia? Era meio pomerânio e meio
renano. Os próprios comerciantes de Santa Leopoldina eram belgas,
1094
Ibidem, p. 40.
461
austríacos e alemães. A família Schwarz não era e origem
pomerana.
O agricultor pomerânio sempre esteve apenas preocupado
com o seu dia a dia no campo. Isto é histórico. O mesmo passou a
ocorrer no Estado de Espírito Santo. Os pomerânios continuaram
com sua atividade estritamente agrícola.
Tive o prazer de ler um livro de Ludwig III que de
formação também era engenheiro. Com referência aos
pomerânios que saíram de uma província da Prússia ele
dizia: Os pomerânios não servem para guerrear. Os
pomerânios não prestam para organizar exércitos. Os
pomerânios não têm serventia nenhuma para o fator de
guerra. Porém, ressalvo, que os pomerânios dão pressão às
máquinas que trabalham nas indústrias para o processo de
desenvolvimento da Europa. Lembrando que lá possuem as
melhores técnicas agrícolas da região. Lá já faziam
experiências para modificar as técnicas agrícolas. Porém
para este reino, os pomerânios são muito importantes para a
1095
área da alimentação.
De fato nesta época a Pomerânea já havia se transformado
no celeiro da Europa Central. Naquela época já se sobressaiam pela
sua a estrutura e seu potencial da atividade agrícola. Eles não
serviam para a guerra, mas serviam para o trabalho na terra.
A simplicidade e a ausência de sinais exteriores de acúmulo
de bens materiais sempre foi uma das características do pomerânio
capixaba, até porque, sua maior preocupação sempre foi a geração
de recursos financeiros que pudessem suprir sua prole de
condizentes terras e do correspondente dote. Esta visão foi se
1095
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
462
modificando a partir da metade do século vinte quando a falta de
opção por novas terras, concomitante com o avanço da tecnologia
levou a um maior investimento na própria colônia. “Falta os
pomerânios se organizarem politicamente. Porque poder econômico
e força de trabalho eles têm. O que falta é se organizarem, onde os
pomerânios vão trabalhar em torno de um objetivo comum”.
1096
Na década de 1970, surgiram discretas mafestações
políticas com candidatos originários das comunidades pomeranas.
Assim, também em Alto Santa Joana, dois candidatos entraram na
disputa por uma vaga na Câmara de Vereadores de Itarana. Eram
simples trabalhadores sem qualquer vivência na vida política.
Porém, foi um início, quem sabe, de um movimento de resgate de
uma participação mais ativa deste segmento populacional do
gerenciamento de suas cidades ou quem sabe, do seu estado. “O
pomerânio teria um potencial muito grande se tivesse a visão[...]
Não sei se falta incentivo nosso ou vontade dele. Eles são muito
inteligentes. Ele assimila muito rápido”.
1097
Aqui realmente parece estar surgindo um novo caminho
para um crescimento econômico. Em Santa Maria de Jetibá
conseguiram criar uma simbiose entre a criação de frangos e a
cultura hortifrutigranjeira. Os excedentes das granjas estão sendo
devolvidos ao campo e muito do que o campo produz retorna para
as granjas. O resultado está sendo fantástico. Porém, esta situação
ainda não existe em Laranja da Terra, não existe em Serra Pelada,
nem em Domingos Martins.
1096
1097
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
463
Acho isto bom, porque o investimento está voltando para o
interior. Está havendo incentivo. Existe trabalho no interior e
nas granjas. Há 10 anos, Santa Maria produzia milho
suficiente para fazer o Brote (pão). Neste ano deverá
produzir em torno de 500 toneladas deste cereal. Isto, na
região mais alta, onde praticamente não se colhia milho.
Hoje se investiu na colocação de esterco, no preparo da
terra e em tecnologia. Se há uma demanda, porque não
1098
produzir o que se necessita para o consumo local?
Santa Maria [...] tem uma [...] população que tem sua
identificação [...] na grande valorização, na identificação,
pela acomodação no atendimento, isto é, no comércio que o
atende conforme sua expectativa e que tem um carinho
especial pelo pomerânio. Inclusive Santa Maria é uma das
maiores potências da Região Central Serrana. Tudo isto
1099
graças aos pomerânios .
Já pensaram se houvesse uma estrada transitável o ano
todo ligando Santa Maria, Jatiboca, Santa Joana, Lagoa a
Laranja da Terra? Só que aí entra toda a questão política.
[...] Até pouco tempo atrás, nas estatísticas oficiais do IBGE,
1100
Itarana constava como município de população italiana.
9.8 O efeito da ausência do Estado no processo de integração
dos imigrantes europeus e seus descendentes, no estado de
Espírito Santo
O fechamento de dezenas de escolas de comunidade, a
prisão de pastores e professores e, o mais grave, a não substituição
destas instituições por escola públicas trouxe um prejuízo jamais
reparado: uma geração inteira que não teve acesso à instrução, que
não teve acesso ao mercado de trabalho fora da área rural. Foi este
1098
1099
1100
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
464
o povo do interior capixaba que, ao não ter acesso à assistência
médica adequada e a um sistema de ensino eficaz, precisou
encontrar sua assistência alternativa na figura dos curadores ou dos
professores improvisados oriundos do próprio grupo familiar. Podese aqui fazer referência a dois entrevistados com pouca instrução
formal, cujos pais eram professores que dominavam quatro ou cinco
línguas.
Como
descrever
o
perfil
intelectual
destes
dois
personagens?
Aqui, na realidade até há uma dificuldade de se descrever o
próprio processo de formação destas pessoas. De um lado,
comparados com os pais, tiveram privados o direito à escolaridade,
o direito à educação formal. Em uma avaliação destas pessoas
poder-se-ia estudar a sua capacidade de aprendizagem e não a sua
escolaridade. Poder-se-ia avaliar o seu potencial intelectual e não
seu grau de acesso à informação. Um destes personagens reside no
alto da montanha, em um local extremametne afastado e que
mesmo, mal escrevendo seu próprio nome, executa toda ritualística
da benzedura, com a utlização dos mais variados textos bíblicos e
suas indicações para as mais variadas oxasiões. No segundo caso
temos um curador ou “Walddoktor” com cuja memória os “clientes”
precisavam contar para obterem sua medicação mais apropriada.
Tanto que prescrevia medicamentos, com isto ajudando muitas
pessoas. O pai, um intelectual, possuidor de uma biblioteca de três
mil volumes, dominando o alemão, o francês, o italiano e o
portugues foi professor, apesar de não falar o pomerânio em casa.
Depois da sua morte, em conseqüência de todo uma sistemática
perseguição aos valores teutos, a biblioteca desapareceu, seus
465
filhos terminaram entrando em uma rotina de apenas falarem o
pomerânio.
Tem-se aqui novamente o aspecto de um isolamento, isto é,
da impossibilidade de acesso à escola. Estas tinham sido fechadas
e as aulas proibidas. Estas pessoas certamente têm cultura, mas
uma cultura à sua maneira. Quem sabe, o conhecimento sobre o
processo
de
benzeção,
conhecimento
sobre
medicamentos,
conhecimento sobre a lavoura? Na realidade eram pessoas que
necessitavam ter conhecimento inerente à toda a sua atividade
profissional diária. Isto também é cultura. Só não é uma cultura
dentro do conceito europeu, do positivismo. Aquele positivismo
1101
do século dezenove, segundo o qual quem tinha estudo tinha
cultura, se não tivesse estudo não tinha cultura.
Hoje se sabe que a cultura não depende de estudo. Todo o
ser humano tem cultura. Cabe perguntar, que cultura. Uma pessoa
até pode dizer que tem mais cultura porque estudou na Europa. Mas
o que ela faz com aquilo que aprendeu na Europa? Ela pode ser
uma pessoa “chique” que sabe tudo, mas o que faz com o “cabedal”
acumulado? O conceito de cultura é muito complexo. Será preciso
fugir desta perspectiva eurocêntrica de cultura. O Brasil foi
construído em cima desta perspectiva e por isto o “índio nada vale”,
o “negro nada vale”, o “pomerânio nada vale” e assim por diante.
Por quê? Porque “não tem estudo”. É um indivíduo sem cultura.
1101
O Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento
sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da
sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (17891799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos,
afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da
história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do
conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de
Comte.
466
Tudo foi construído desta maneira no século dezenove. Era uma
ideologia construída sobre o conceito cultura e que “decidia” quem
era selvagem, quem era bárbaro e, digamos, quem tinha cultura. É a
idéia da civilização e da barbárie.
Tudo gira em torno, por exemplo, do tipo de cultura que o
dono da biblioteca tinha nos seus três mil livros. E que tipo de
cultura tinha a benzedeira anteriormente descrita? Talvez hoje ela
fosse olhar para a geração “culta” e perguntar, “vocês que se dizem
com cultura, vocês têm dor de cabeça, têm gastrite e eu não tenho
este tipo de problema. Por quê? Porque eu respeito a terra. Eu
conheço
a
medicina
alternativa.
Hoje
os
detentores
do
conhecimentos se consideram “civilizados” e ela “não o é”. Talvez
ela esteja vivendo de forma mais saudável do que os “civilizados”?
Aqui, por exemplo, fica relativizada a questão da civilização e da
barbárie. Poderia-se até perguntar, se hoje, com todo o estresse,
com esta alimentação de forma absolutamente inadequado não
somos mais bárbaros do que este pessoal com sua vida simples, em
muitos aspectos ainda orientados pelas leis da natureza?
Estas pessoas vivem do jeito deles. Talvez hoje nós
sejamos intelectualmente inferiores por não identificarmos certas
características que este povo vê e vive. É por isto que esta cultura
precisa ser valorizada e preservada.
Pode-se dizer que os teuto-brasileiros do estado de Espírito
Santo são sobreviventes de um processo de assentamento com
graves falhas assistenciais. A ausência de uma adequada
assessoria aos imigrantes europeus e de seus descendentes que
para cá vieram, ainda hoje pode ser registrada na forma de
diferentes problemas sociais. “E hoje, com 40 anos de profissão,
467
tenho certeza absoluta que a culpa não está no aluno em si e sim na
forma como o professor o colocou na sala de aula”.
1102
Na década de 1970 a televisão passou a impor uma nova
moral. Aguçaram-se os conflitos entre as gerações. Chegaram
novos modelos de comportamento, sem os tradicionais valores.
Para alguns esta era a homogeneização cultural patrocinada pela
mídia. Em algumas escolas como aconteceu em Afonso Cláudio,
registrou-se um aberto combate à língua pomerana sob o argumento
de que o “idioma brasileiro” deveria ser apenas a língua portuguesa.
Em Santa Maria de Jetibá, em um flagrante desrespeito ao ser
humano, um Juiz de direito deu voz de prisão a jovens agricultores
pelo simples fato de não conseguirem se expressar em português.
Este foi o efeito mais doloroso e mais danoso causado pela
ausência do Estado no processo de integração dos “sobreviventes”
dos descendentes de pomerânios desassistidos.
Felizmente hoje o processo de aculturação segue um
caminho mais harmonioso. Se de um lado temos as escolas
públicas chegando a todos os recantos, também temos uma cultura
pomerana sendo valorizada, especialmente pelo resgate da sua
língua no processo de ensino aprendizagem e também no respeito
aos valores individuais do cidadão.
A maioria dos filhos dos pomerânios que estão aqui na
cidade não falam mais o pomerânio. Temos agora com este
projeto de educação escola pomerana. Vamos reverter isto
um pouco, ou seja, a escola já tem a língua pomerânia como
matéria. Tanto que ele já foi co-oficializado ao lado do
português. O pomerânio é uma língua oficial. E está sendo
aos poucos, implantado. É Lei municipal, amparada em
1102
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
468
Brasília, na nova maneira de ver a diversidade dos direitos
lingüísticos, segundo a Declaração Universal dos Direitos
1103
Linguísticos.
9.9 O processo de aculturação
Para se compreender melhor as dificuldades havidas no
processo de aculturação do imigrante pomerânio e dos seus
descendentes no estado de Esírito Santo, novamente será
necessário recuar na história. Há mil anos este povo vem passando
por repetidas adaptações. Em decorrência das próprias migrações
dos povos, nas quais terminaram sendo envolvidas, passaram por
diversas fazes de aculturação. Assimilaram populações vindas de
diferentes regiões da atual Alemanha. Familiarizou-se com a própria
língua alemã, apesar de terem conservado e garantido seu próprio
idioma, até por meio de publicações em língua pomerana,
especialmente da chamada bíblia de Barth. “Interessante. Só que, o
pomerânio não era língua de prestigio. Na verdade foi, porque a
língua hanseática foi a língua pomerana. Mas quando decaiu a Liga
Hanseática, foi entrando o alemão”.
No
Brasil,
assimilaram
1104
palavras
do
idioma
nativo,
especialmente de ferramentas de trabalho, de novos alimentos ou
dos nomes das localidades. Tomaram “emprestando” novos termos,
porém conservaram a sua própria língua. Mesmo assim, facilmente
se pode constatar que, na sua evolução, as diferentes colônias
pomeranas no Brasil também seguiram diferentes caminhos. Assim,
1103
1104
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
469
na cidade de Pomerode, no estado de Santa Catarina ocorreu uma
importante industrialização. Já no Rio Grande do Sul, a colônia de
São Lourenço, com suas “Freigemeinden
1105
” (comunidades livres)
manteve sua característica agrícola. Os assentados da região de
Santa Cruz do Sul, Trombudo, Agudo integraram-se à colonização
germânica aqui existente.
Em contrapartida, a colonização pomerana no estado de
Espírito Santo desde o início passou a experimentar um gradativo
processo de distanciamento dos outros grupos populacionais ali
existentes, tanto por motivos religiosos
como até mesmo logísticos
1106
como linguísticos
1107
1108
. Isto levou a um gradativo processo
de hibernação e que, praticamente, viria a durar cem anos. Já na
década de 1960, muitos pomerânios das gerações mais novas
passaram a migrar para as cidades. Foi a fase da urbanização da
população pomerana na qual, talvez como conseqüência de toda
esta discriminação sofrida e pelos dissabores geradas pela
perseguição à cultura teuta, muitos jovens passarem a falar apenas
o idioma pátrio, escondendo sua origem pomerana.
(Nos dias atuais) O pomerânio por esta educação mais
rígida que recebe, ouve mais e questiona mais. O
pomerânio sempre foi muito discriminado. Mas as crianças
rapidamente aprendem as coisas. É uma coisa fechada que
não tem coragem de fazer publicamente, mas se você dá a
1109
chance de fazer, de desenvolver, termina fazendo.
1105
FACHIN, op. Cit.
Não confessavam a religião católica, com passaram a nãoseram bem vistos pelas autoridades
da religião oficial do império.
1107
A língua pomerana como barreira na comunicação com a população nativa.
1108
Assentamento nos própios lotes, com isto pulverizando um população escassa por uma
extensa área geográfica.
1109
Cf. Décima quinta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
1106
470
A população de origem pomerana da cidade de Pomerode
parece já estar mais integrada à cultura brasileira. O idioma do
cotidiano passou a ser o português, sem, entretanto, terem perdido
seus traços culturais, suas danças e suas músicas. Poucas
pessoas, principalmente os mais idosos ainda falam a língua
pomerana, especialmente na região rural ou nos vales mais
afastados. Nas colônias pomeranas capixabas, ao contrário, a fala
da língua pomerana continua acontecendo no dia a dia de um
percentual significativo da população. Houve toda uma adaptação,
desde a alimentação até a assimilação de novas ferramentas de
trabalho e novos hábitos de vida. “Exatamente, são tantas coisas
que já foram adaptadas para as circunstâncias locais. Isto se nota
porque o pomerânio de lá é totalmente diferente do pomerânio
daqui”.
1110
Conversando com os entrevistados que já visitaram as
colônias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul pode-se constatar
que há uma diferença muito grande em cima de todo um
direcionamento havido lá e cá. De um lado existe uma forte
industrialização de Pomerode com todas as suas implicações
trabalhistas, linguísticas e também de integração urbana. Do outro
lado há a preservação da agricultura de subsistência como elemento
preservador de toda uma cultura conservadora. São mundos
diferentes apesar das populações terem a mesma origem. A
população de Espírito Santo não pode querer “ser” Pomerode” ou
“São Lourenço” e vice-versa. Hoje temos a agricultura no Espírito
Santo e a indústria em Pomerode. São diferenças que precisam ser
1110
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
471
administradas. São “tensões” com as quais a cultura pomerana
precisa conviver.
(O pão, também conhecido por Brot) é um produto
tipicamente brasileiro. Na verdade, quando os pomerânios
chegaram aqui e ficaram em quarentena na Pedra d’Água e
depois subiram até Santa Maria, ganharam feijão, ganharam
um terço de milho e ganharam farinha. Quando ganharam
farinha reclamaram dizendo que não iriam comer pó de
serra. Na verdade na sua culinária européia não chegaram a
conhecer farinha feita de mandioca. Na verdade precisaram
fazer várias experiências até que chegassem a esta
composição própria do pão capixaba. Entra aqui a questão
da adaptação do pão de milho. Se compararmos a
gastronomia pomerana do sul e esta daqui, veremos uma
grande diferença. Agora, se você for bem para o interior
verá que o pão de milho ainda faz parte de forma muito
marcante do dia da dia das pessoas. São fatos que
1111
continuam muito vivos.
Um outro fato curioso dos pomerânios e que a igreja não
conseguiu acabar é a tal da coroa de pentecostes (a
Pfingsterkrone). Na verdade na doutrina luterana existe
pentecostes, mas não existe a coroa de pentecostes. A
parte mística que se conhece está relacionada a esta coroa
feita de “pau pereira” depois de seca. Originalmente este
enfeite era pendurado dentro de casa e hoje já chegam a
pendurar dentro da igreja. Entre os pomerânios costuma ser
colocado no sótão das casas e pretensamente iria proteger
contra raios, tempestades. De certa forma também serviria
para a cura de algumas doenças. Das suas folhas faziam
chás ou colocavam estas folhas secas da coroa de
pentecostes dentro do banho. De ano para outro a
“Pfingsterkrone” era guardada. A data de pentecostes existe
dentro da igreja luterana, entretanto, a figura da coroa de
pentecostes supostamente criou uma nova tradição e que
1112
continua sendo praticada no nosso meio.
1111
1112
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
472
As folhas do “pau pereira” presumivelmente possuem algum
valor medicinal, além disto, elas, mesmo secas, mantém a
cor verde original. A igreja cristã dentro dos seus primórdios
foi muito sábia e usou alguns símbolos pagãos, dando-lhes
1113
um sentido religioso cristão.
A vida do colono pomerânio ao longo dos últimos 30 anos
sofreu grandes influências e que alteraram seus hábitos e costumes.
Por fim, observa-se cada vez mais pomerânios que não mais falam
a língua pomerana.
Toda esta migração até emigração para Rondônia na
década de setenta se deve em função do módulo rural. O
pomerânio recebeu pouca terra. E também como também
ao modo de transmissão da herança. Entre os pomerânios
em geral é um filho que herda a terra. Mas isto tem uma
lógica. As pessoas às vezes falam disto e criticam. Eu
sempre digo que a sociedade pomerana por mais que ela
possa parecer tradicional aos olhos de outras pessoas, ela é
uma sociedade que funciona. O filho mais velho, muitas
vezes é o que herda a terra. As meninas em geral não
ganhavam terras. Os demais, para impedir que estas terras
se dividissem muito, tinham que procurar outro trabalho.
Muitas vezes ganham estudo ou ganham terras. Agora se
há esta questão mesmo em que os pais são obrigados a dar
um pedaço da terra para cada filho e logo a terra vai sendo
1114
cada vez mais dividida e não sobra lugar.
Neste aspecto pode-se avançar um pouco mais. Começa a
haver todo um empenho, não só na escola, mas também no trabalho
e que visa criar um novo mercado de trabalho. Não adianta criarmos
uma universidade pomerana só para a formação de “doutores”. Em
Santa Maria muitas pessoas tiveram que aprender a comunicar-se
1113
1114
Cf. Décima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 02/08/08.
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
473
na língua pomerana. Quem não fala a língua está sendo induzido a
aprender para conseguir acesso a determinados postos de trabalho.
Agora, será preciso ter muita cautela. Esta jamais poderá ser uma
lei escrita. Poderá até ser uma lei de mercado. Caso contrário,
qualquer demanda judicial poderá trazer muitos problemas por conta
da inconstitucionalidade. Afinal, a língua brasileira oficial é o
português.
Hoje há quem pergunte o porquê de se estar preservando
um idioma de um grupo minoritário como o dos pomerânios. A estes
se pode devolver a pergunta ao questionar do porquê dos suíços
estarem preservando a língua rätoromânica, falado por apenas meio
porcento da sua população. Esta língua, além de ainda ter cinco
variantes distintas, é falada por pouco mais de 37.000 pessoas do
cantão de Graubünden. Se na Suíça preservam o que para eles é
um valor cultural, porque aqui no Brasil, onde temos cerca de
250.000 descendentes de pomerânios não se pode ter valores
culturais que englobem uma língua própria? Quantos ainda falam a
língua pomerana? Por quanto tempo continuará sendo utilizada?
Não importa. O que importa será poder respeitar a cultura e o idioma
deste povo.
Há toda uma evolução, até em cima de toda uma inovação
da tecnologia, com novas palavras e novas situações. Da
mesma forma a língua pomerana precisa adquirir termos
novos. A língua terá que resolver a questão da cultura.
Quem for trabalhar somente com enxada não vai sobreviver.
Terá que aprender a trabalhar com maquinário. Por outro
lado, o que permanece são outras questões como, por
exemplo, se você for olhar o seu jeito de comer, de se
mexer verá que a própria estrutura física, biológica tem
muita diferença. “Pommricha Moocha ka alles verdrocha” (o
474
estômago pomerânio agüenta qualquer coisa) Isto é história.
A tradição tem que ser cultivada. Se é bom, vamos cultivar e
manter. Lógico, se é ruim, vamos deixar de lado. Se é bom,
1115
vamos repetir. Isto faz parte da história.
Temos que investir em pessoas que estão se especializando
neste tipo de trabalho, estudando a cultura para mostrar o
que de fato existe. É importante falar em cultura pomerana.
1116
Do porquê de toda esta identificação com o pomerânio
.
Este é o principal motivo pelo qual se precisa documenar e
registrar todos os fatos relacionados à imigração pomerana nos
seus diferentes aspectos. Deve-se investir em projetos que visam
resgatar história.
1115
1116
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
475
10 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS
Na década de 1970 tinha-se a nítida impressão de que
muitos valores da cultura teuto-brasileira estavam fadados ao
desaparecimento. Acreditava-se que mesmo o lento, porém
gradativo processo de miscigenação de uma boa parcela da
população
capixaba
de
origem
pomerana
e
germânica,
principalmente ou com a população italiana, poderia estar levando
ao desaparecimento de todo um patrimônio cultural.
No ano de 1975 a televisão começou a chegar à colônia.
Um novo “padrão de família” difundido pela mídia passou a ser
assimilado e tomado como exemplo. Muitos adolescentes e adultos
jovens saíram de casa, seja para estudar ou para trabalhar no
comércio e na indústria. No comércio das cidades, jovens
pomeranos passaram a competir com um novo mercado de
trabalho. O português passou a ser utilizado por cada vez mais
jovens. Na prática, o uso cotidiano da língua pomerana parecia estar
cada vez mais restrito. Este foi um momento em que, de um lado a
população como um todo estava se adaptando às novas tendências
à homogeneização cultural brasileira. Por noutro lado, começou
também um incentivo ao resgate de valores culturais e de procura
pelas raízes.
Queremos dar um norte para que a população daqui saiba
que somos pomerânios. Vamos valorizar o pomerânio.
476
Temos que mostrar o que é pomerânio e o que o pomerânio
tem. E isto foi um destes elementos que deu uma destas
valorizações das coisas pomeranas. Não adianta subir no
palco ou na tribuna e dizer que somos pomerânios, quando
não se faz nada pelos pomerânios. Esta valorização é um
resgate, no qual a própria comunidade de reuniu e decidiu
1117
que queremos a cultura pomerana .
Aqui cabe uma profunda reflexão: o que significa ser
pomerânio no contexto brasileiro?
Como descendente de pomerânio, vivemos em uma terra
brasileira. Temos que ser patriotas. Temos que defender os
nossos ideais como brasileiro. Mas, ao mesmo tempo não
podemos perder nossas origens, nosso jeito de ser, o jeito
de viver, o jeito de organizar a nossa vida, o jeito de
trabalhar. Este nosso jeito bem próprio é que faz a
diferença. A própria culinária da Europa em grande parte foi
perdida, porque os que vieram não encontraram os mesmos
mantimentos que conheciam no seu país de origem. Criou1118
se uma nova culinária, bem própria.
Uma significativa parcela da população teuto-brasileira,
tradicionalmente comprometida com as atividades no campo,
passou a seguir um novo rumo ao participar cada vez mais do
mercado de trabalho oferecido pela vida urbana. O dia a dia destas
pessoas foi sendo modificado em função de toda uma mudança de
hábitos, costumes e do próprio trabalho. Novas profissões
começaram a ser exercidas. Novos nichos de mercado foram
abertos. Alguns poucos foram muito bem sucedidos. Outros
enfrentaram dificuldades. Cabe a pergunta: O que fazer para melhor
adequar o pomerânio a esta nova realidade? São dois os caminhos
1117
1118
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
Cf. Décima sétima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
477
a serem observados. Há a necessidade de conservar os valores
culturais deste povo ao mesmo tempo em que será preciso oferecerlhe novas oportunidades de trabalho.
Foi também uma observação que fizemos sobre Pomerode.
As pessoas daqui ficaram ilhadas. As pessoas de lá
praticamente não sabem mais falar pomerânio. A música é
um fator cultural muito forte em Santa Maria. É uma coisa
fora do normal. Temos muitas crianças fazendo música dos
quais a grande maioria não sabia falar português.
Chegamos lá e a maioria do público jovem de Pomerode
não sabe mais falar pomerânio. A própria juventude fez esta
observação: em Santa Maria temos que manter este valor.
Porque lá os de mais idade concluíram que haviam perdido
tudo isto. Eles chegaram a dizer isto. Conversamos com
eles em pomerânio. Eles chegaram a falar: chegamos a
perder tudo isto. Tem um grupo bom que ainda fala alemão.
Este intercâmbio foi um check up que o próprio pomerânio
de Santa Maria pôde avaliar. Eu acredito que nesta
reformulação de valorização da cultura pomerana o principal
ponto foi a introdução da língua pomerana nas escolas. Este
foi o ponto inicial não só de Santa Maria como também das
outras cidades onde isto ocorreu. O caminho é o da
educação. O maior vínculo de comunicação entre o interior e
a cidade é a escola. Se nós, com a continuação deste
trabalho em sala de aula, fizermos um bom trabalho, tenho
certeza absoluta que teremos definitivamente a valorização
1119
deste programa de resgate da nossa cultura.
Hoje já se estabeleceu um intercâmbio com outras
comunidades pomeranas do Brasil, como a de Pomerode, em Santa
Catarina e a de São Lourenço, no Rio Grande do Sul. O intercâmbio
trouxe constatações e também trouxe reflexões. A industrialização
trouxe ganhos e perdas. Perdas em termos da não preservação de
antigos hábitos e costumes. Perda na preservação da língua, talvez
1119
Cf. trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08 08.
478
da música. Trouxe também ganhos na forma de uma ascenção
sócio-econômica e na integração com outros segmentos da
população. Entretanto, a migração para as regiões urbanas no
estado de Espírito Santo também trouxe perdas. E os ganhos?
Terão que ser contabilizados. As mudanças continuam acontecendo
e há a necessidade de adequação. Os jovens precisam estudar.
Será realmente necessário estudar? Estudar o quê? São perguntas
a serem respondidas mais adiante.
No ano passado, por ocasião do encontro nacional de
trombonistas, tivemos a oportunidade de levar cerca de 800
pomerânios que também eram músicos, para uma visita
técnica nas comunidades pomeranas no sul do Brasil. Foi
uma experiência muito boa. Observamos que temos o fator
cultural muito mais presente do que eles. Falamos uma
língua pomerana mais fluente do que eles. Até pensávamos
1120
que na questão da língua estivéssemos fracos.
Uma grande parte dos descendentes dos teuto-brasileiros
capixabas continua vivendo nas regiões de Domingos Martins,
Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Itarana, Afonso Cláudio,
de Laranja da Terra e em um grande número de municípios do norte
do estado. Entretanto, quase outros tantos, cujo número é
impossível de precisar, atendendo ao chamado do seu perfil de
eternos migrantes de um país já não existente, seguiram viagem,
em sua contínua procura por “melhores terras”. Muitos estados
como Minas Gerais, Paraná, Rondônia, Bahia, Rio de Janeiro, São
Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já receberam e
continuam recebendo migrantes capixabas. Mas, há também os que
hoje já voltaram ao velho continente e vivem na Alemanha, na
1120
Cf. trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
479
França e até na Austrália. Este terminou sendo o destino de um
povo de uma nação que já não mais existe.
Dentro do resgate e da valorização da cultura pomerana, o
que chama atenção em Santa Maria... É justamente a
implantação do Programa da Lingüística do Pomerânio na
Sala de Aula. Todos os alunos da primeira até a quarta séria
do Município de Santa Maria... Tem estimulado o uso do
pomerânio no cotidiano da sala de aula. Este trabalho
começou em 2005, quando a Secretaria de Educação
implantou este programa junto com os municípios de
Domingos Martins, Laranja da Terra, Vila Pavão e Pancas.
O que aconteceu? No final de 2006 já observamos nas
festividades do município uma valorização da própria
comunidade do interior através das manifestações dos que
tiveram acesso ao estudo do pomerânio. Em 2006 tivemos
uma reviravolta na festa do município e passamos a ter
somente a Festa do Pomerânio. Reestruturamos tudo que
havia de pomerânio. Tiramos o que não era daqui e fizemos
uma festa tipicamente dos pomerânios voltada para os
pomerânios. Uma cena que até chocou muito, foi a volta da
encenação do casamento pomerânio. Eu lembro dos
casamentos do pessoal do interior que vinha casar aqui na
igreja central. As pessoas em cima dos carros com aquela
típica manifestação de antigamente. Ouvia-se o “juchen”, o
grito de euforia típico dos pomerânios. Hoje o pomerânio
novamente se orgulhoa de mostrar os seus costumes.
Inclusive a mídia chegou e fez uma cobertura em cima deste
1121
fato histórico.
O que fazer com a parcela de pomerânios que continuam
nesta vida de eternos migrantes? Historicamente o pomerânio
passou por 900 anos de muitas dificuldades. Até porque a antiga
Pomerânea
foi
um
corredor
de
passagem
de
tropas
em
intermináveis guerras. Em diversos momentos grande parte da sua
população foi morta. Estas pessoas aprenderam a fugir e a se
1121
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
480
esconder. Passaram a ter uma vida quase cigana. Saíram de terras
descampadas, desmatadas. Chegaram ao Brasil coberto de
florestas. Para poderem plantar tiveram que abrir o seu espaço.
Tiveram que derrubar a mata, queimar o que sobrou da floresta para
conseguirem plantar. Depois de alguns anos, ao verem suas terras
esgotadas seguiram para novas florestas e novamente “derrubaram,
queimaram e plantaram”. Isto fez com que em poucas décadas boa
parte do estado de Espírito Santo ficasse com extensas áreas
desmatadas. Apesar disto, nos dias atuais perto de 40% da
superfície de Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá estão
cobertas de mata nativa ou neoformadas.
Na década de 1950 muitos pomerânios foram para o estado
de Paraná. Na década de 1960 redirecionaram o fluxo migratório
para Rondônia, sempre na procura por “terras melhores”. Hoje já
chegaram a Rio Branco, no Acre. Há quem diga que alguns já
chegaram
à
divisa
com
a
desenvolveram
uma
“Wanderbauern”
(agricultores
Venezuela.
sistemática
Na
migração.
itinerantes),
ou
verdade
eles
Tornaram-se
seja,
nunca
conseguiram parar de migrar. No início eram as famílias numerosas
na procura por terras. Hoje, continuam migrando à procura de um
“lugar melhor”. Quando terminar o espaço e não tiverem mais para
onde migrar, o que vai acontecer?
Alguns já estão retornando. Isto significa que fracasaram? É
preciso lembrar que se mantiveram na “eterna procura por um lugar
melhor”. A ida para o desconhecido sempre vinha sendo feito com a
idéia de que vão progredir. São novos dilemas. Para ficarem aqui,
terão que aprender a trabalhar em algo que lhes permita serem eles
mesmos. Vão ter que estudar. Estudar teologia, direito? Todos?
481
Não! O maior vício deste paí reside justamente na indústria de
faculdades. Todo mundo é doutor. Engenheiro é doutor. Assistente
social é doutor, enfermeiro é doutor e assim por diante.
Parafraseando,
lembremos
von
Krickow,
se
referindo
aos
pomerânios católicos depois destes terem transformado seus
latifúndios em minifundios improdutivos: “Somos senhores (feudais)
sim, mas, quem fará nosso trabalho?” Agora, fazer o trabalho
pesado da colônia, quem o fará? Há uma grande preocupação: “O
que eu vejo, por exemplo, no Espírito Santo é que eles estão vindo
muito para a cidade. Aqui em Santa Maria estão saindo da roça e
vindo para cá.”
1122
O que fazer com o pomerânio que permaneceu no campo?
Dar-lhe instrução? Dar-lhe instrução é muito fácil. Mas, o que fazer
com ele depois de ter sido instruído? Que tipo de trabalho poderia
fazer? Santa Maria, por exemplo, criou um casamento muito feliz
com a cultura hortifrutigranjeira e avicultura. Ou seja, criaram uma
simbiose, onde o excedente do criadeiro de aves pode adubar a
lavoura e a produção agrícola auxilia na alimentação das aves. É um
círculo vicioso que deixa ótimos resultados e estes por seu lado
trazem um bom retorno financeiro.
Quem tem vontade de estudar não fica. Quem fica
permanece naquela vidinha mesmo. Não sei. Tenho uma
prima em Lagoa e um dia ao telefone ela me disse: Ah, por
aqui não tem nada para fazer mesmo... Tem uma outra
prima, que sempre foi professora lá em Lagoa, fez faculdade
em Venda Nova, está terminando pós-graduação, já foi
conhecer a Alemanha, já é avó, agora em setembro vai
casar uma filha, isto é, como todo ritual como foi a outra. Há
os dois lados. Tem esta questão aí, que é muito complicada.
1122
Cf. Décima sexta entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08.
482
Eu um dia via uma matéria que saiu sobre Mata Fria. As
dificuldades que os jovens estão tendo quando querem sair
de lá, quando querem sair porque e não sabem falar
português, porque lá aprendem a falar exclusivamente o
pomerânio. Aí eles querem fazer vestibular, mas não
conseguem porque não sabem falar português. Lá ainda é
muito fechado.
Na medida em que os jovens tiverem acesso a melhores
escolas, conseguirão completar sua instrução básica. Isto os habilita
à disputa por melhores empregos e melhores oportunidades de
trabalho. Sim, também os habilita ao vestibular. Desta forma, já com
acesso à instrução superior poderão concorrer nos mercados de
outras modalidades profissionais. Cabe novamente uma pergunta.
Qual é o mercado de trabalho deste grupo populacional? Não basta
prepará-lo para um mercado igual ao de Pomerode. Será preciso
respeitar peculiaridades regionais.
Mas esta matéria saiu na televisão há cerca de um ano
atrás, descrevendo os adolescentes que tinham esta
dificuldade. Eu vejo muitas pessoas, como primas minhas
que moram em Laranja da Terra que me dizem: eu não vou
ficar aqui, como meu pai ficou. Como meu avô, dono de
todas as terras e não deixou meu pai plantar outro tipo de
café. Agora terá que esperar meu avô morrer para poder
plantar. Foi o que o meu pai falou. Eu não quero isto não.
Ela trabalhava o dia inteiro em Laranja da Terra, começou a
fazer curso superior em Afonso Cláudio, foi para os Estados
Unidos. Tem gente que tem esta garra. Agora outros
parecem ter esta tendência, mesmo com estes incentivos,
1123
com a escola. Não sei se isto é genético.
Hoje o próprio pomerânio passou a valorizar aquilo que até
pouco atrás muitos tinham vergonha de mostrar. Isto está
acontecendo de tanto batermos nesta tecla nestes últimos
1123
Cf. Quadragésima quinta entrevista realizada na cidade de Vitória, no dia 02/08/08.
483
três ou quatro anos. Hoje se pode ver que a própria
comunidade local está se sobrepondo. Hoje qualquer
pessoa tem coragem de falar em pomerânio. Você sente
orgulho. Estes trabalhos que vocês estão fazendo, que o
Pastor Ito Port fez e que o Pastor Helmar fez ajudaram a
valorizar a nossa cultura. Se nós mesmos não valorizarmos,
quem irá valorizar a verdade do pomerânio? Um outro fato
que estamos observando nestes últimos quatro anos [...] é
como o ambiente dos pomerânios na sala de aula está
influenciando a curiosidade dos novos. Há um nítido
aumento de saída dos livros doados nas escolas. São
valores que a gente está tentando resgatar. É toda uma
curiosidade que os professores estão despertando nos
alunos fazendo com que comecem a se interessar pela vida
dos seus antepassados. Assim, a maioria da juventude
pomerana já tem uma nova visão sobre a própria cultura
pomerana. Aqui estamos recebendo cada vez mais grupos
de pessoas procurando informações sobre o assunto. Ainda
falta muito a ser feito. Já temos um resultado muito
significativo para o resgate de toda esta tradição pomerana.
1124
Nos dias de hoje, o grupo pomerânio tornou-se majoritário
entre os descendentes dos imigrantes europeus no estado de
Espírto Santo. Retomando a pergunta anteriormente feita, pode-se
dizer que, muito pouco se pode “fazer pelo pomerânio”. O que se
pode fazer será ajudar este povo a acordar para o seu potencial
ainda adormecido, e que eles mesmos terão que descobrir. São
habilidades que poderão vir a ser exploradas, na medida em que
lhes
forem
sendo
oferecidas
oportunidades
adequadas
de
capacitação. É um potencial de trabalho cujas possibilidades são
incanculáveis.
Comecemos
pelo
primeiro
ponto.
Neste
momento,
simplesmente tirar o pomerânio da roça não resolve o seu problema.
1124
Cf. Trigésima oitava entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08.
484
Sempre foi um povo com um prufundo vínculo com a terra. Pode-se,
isto sim, partir para uma diversificação de culturas. Santa Maria de
Jetibá conseguiu um resultado fantástico com a “simbiose” da
hortifruticultura e avecultura. Foi preciso levar os recursos da cidade
para o campo, como no exemplo da energia elétrica com todo o
conforto por ela gerada. Será preciso muito mais: Quem sabe, trazer
um cooperativismo que possa, digamos, englobar toda a cadeia de
produção, desde o produtor até o consumidor. Desta forma, o lucro
do intermediário poderia ser revertido em benefício do produtor.
Diversos exemplos podem ilustrar este aspecto:
Na produção do café há muitas oportunidades que ainda
não estão sendo exploradas. Desta forma, uma cooperativa pode
receber a produção de café já despolpado dos associados (colonos),
pilar, torrar, embalar e colocar este produto (sem agrotóxicos)
diretamente nas gôndulas dos supermercados de Vitória e do Rio de
Janeiro.
Uma cooperativa de produção de peças de cerâmica,
incluindo vasos de flores, folhagens, peças de decoração, ou outros
artigos de artesanato poderia explorar um mercado muito amplo. Só
como exemplo, vale citar, que no Rio Grande do Sul se comercializa
cerâmica produzida na Ilha de Marajó. É um potencial a ser
explorado!
O próprio reflorestamento poderia ser uma importante fonte
de recursos. Na Austrália existem cerca de quinze variedades de
eucaliptos. Qual a variedade que melhor de adapta ao clima de
Espírito
Santo?
Praticamente
todas.
Já
existem
diversas
experiências neste sentido, inclusive em Serra Pelada. Será preciso
lembrar que, cada vez mais está faltando madeira para a construção
485
civil (escoramentos). Dentro de 20 ou 30 anos faltará madeira para a
fabricação de móveis e aberturas. Porque não seguir o exemplo da
Austrália que, há anos, já utiliza este recurso?
Também a representatividade política do povo pomerânio
poderia ser mais bem explorada. Quantos deputados estaduais já
foram eleitos pelos imigrantes teuto-capixabas? Um deputado
Schwartz? Um deputado Seibel? Quantos prefeitos já foram eleitos?
Quantos vereadores? Olhermos para mais longe! Uma população de
150.000 descendentes de pomerânios consegueriam eleger seis,
oito ou até dez deputados? Depois virão as estradas. O transporte é
fundamental para o escoamento de safras. Se tiverem represetantes
na Assembléia Legislativa, poderão conseguir estradas!
Figura 55: Propaganda eleitoral de candidatos pomeranos.
486
“Precisamos deixar o pomerânio ser pomerânio!”, como
disse o professor Tressmann. É importante lembrar que não se pode
e não se quer recriar no Brasil uma Pomerânea européia. O
pomerânio que hoje vive no Brasil, antes de qualquer coisa, é
brasileiro, mas que cultiva suas tradições. Neste aspecto, é um
cidadão brasileiro com um grande potencial de trabalho. Basta
descobrir novos caminhos para o seu desenvolvimento.
De uma forma geral, os imigrantes teutos e seus
descendentes sempre tiveram uma grande preocupação com a
aquisição de terras para seus filhos. Praticamente toda a riqueza
gerada durante as primeiras décadas foi convertida em herança
para seus descendentes. Os diferentes ciclos de migração interna e
o contínuo “recomeço” nas novas propriedades fez com que a
prioridades econômicas das famílias continuassem sendo as
mesmas até, praticamente, a metade do século vinte. A partir desta
época, a integração com outros segmentos da população passou a
estimular a procura por uma maior ascensão sócio-econômica. Em
contrapartida, depois da segunda grande guerra tinha-se a nítida
impressão de que muitos valores da cultura teuto-brasileira estavam
fadados ao desaparecimento.
Já no final da década de 1970 a cultura pomerana é
“redescoberta” e passa a ser veiculada, pelos diferentes meios de
divulgação disponíveis. Aos poucos o próprio pomerânio começa a
valorizar aquilo de que até pouco tempo atrás tinha vergonha de
mostrar. Este resgate da sua língua, da sua música e das suas
danças deram um novo impulso à valorização da sua gente. Enfim,
o pomerânio passou a sentir orgulho daquilo que faz, que produz e
que pode apresentar.
487
Por fim, a imigração pomerana no estado de Espírito Santo
foi um empreendimento com características muito próprias e
representa uma importante fase do extenso processo de imigração
européia no Brasil.
488
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498
ANEXO A
Título da Pesquisa:
“IMIGRANTE NO SÉCULO DO ISOLAMENTO - 1870 / 1970”
Nome do Pesquisador: Ivan Seibel
Nome do Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
A ser apresentado ao entrevistado
a. Estou conversando com algumas pessoas que sabem muito
sobre os antigos pomerânios que chegaram ao Estado de
Espírito Santo e sobre os seus descendentes que aqui vivem.
b. Quero convidar o(a) senhor(a) para contar um pouco daquilo
que sabe sobre a imigração pomerana no Estado de Espírito
Santo.
c. O estudo é voluntário e a qualquer momento o(a) senhor(a)
poderá decidir dele não mais participar, sem que com isto venha
a ter qualquer prejuízo. Não há qualquer compromisso
formal. Alem disto, sempre que quiser, poderá pedir mais
informações sobre o estudo através do telefone 0 XX 51 8184
4828.
d.
Durante esta conversa eu, como entrevistador, de maneira
bem informal, farei uma série de perguntas sobre a imigração e
sobre os pomerânios que aqui viveram ou vivem. Esta conversa
499
será gravada e servirá para a preparação de um livro sobre a
vida dos pomerânios no Estado de Espírito Santo.
e. A sua participação nesta entrevista não vai trazer qualquer tipo
de risco ou constrangimento, ou seja, as perguntas que eu
farei e também as respostas dadas por vocês não vão trazer
qualquer tipo de problema. Tudo será realizado dentro da Lei,
conforme estabelecido pelo Conselho Nacional de Saúde, na
Resolução no. 196/96. Ou seja, o que for dito aqui ficará
guardado em Sigilo e nada do que for escrito nos relatórios
poderá identificar o nome dos que vão participar das entrevistas.
f.
Benefícios: Ninguém vai receber qualquer tipo de pagamento e
ninguém vai pagar qualquer valor por estar participando desta
pesquisa. Espero que o estudo possa trazer importantes
informações sobre a história dos pomerânios que aqui viveram e
ainda vivem. Quero que mais pessoas venham a conhecer a
história dos pomerânios capixabas.
g. Depois destes esclarecimentos, convido-o(a) para participar
voluntariamente deste estudo. E, se concordar com isto, gostaria
que preenchesse os itens abaixo:
Declaro que compreendi o que me foi explicado e que está
escrito acima. Declaro também que, de forma livre e esclarecida,
que dou o meu consentimento em participar da pesquisa
“Imigrante no Século do Isolamento – 1870 / 1970”
______________________________
Nome do Participante da Pesquisa
__________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
500
_________________________________
Assinatura Pesquisador Ivan Seibel
_____________________________
Assinatura do Orientador
TELEFONE
Pesquisador Ivan Seibel: Telefone: 0 XX 51 81844828
Secretaria da EST: Fone: 0 XX 51 2111 1400 e Fax: 0 XX 51
2111 14112111-14002111-2111-14001400
501
ANEXO B
Título da Pesquisa:
“IMIGRANTE NO SÉCULO DO ISOLAMENTO - 1870 / 1970”
Nome do Pesquisador: Ivan Seibel
Nome do Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz
Roteiro para o debate informal sobre o tema da pesquisa com
os entrevistados. O entrevistador faz a pergunta, seja em
pomerânio, em alemão ou em português, enquanto o
entrevistado responde de maneira informal.
--------------------------------------------
h. No
decorrer das conversas com os entrevistados o
entrevistador, de maneira bem informal, formulou uma série de
perguntas sobre a imigração e sobre os pomerânios que aqui
vivem. Esta conversa foi gravada e serviu de base para o
relatório sobre a vida dos pomerânios que aqui viveram ou que
ainda vivem no estado de Espírito Santo.
i.
j.
k.
l.
m.
n.
o.
p.
q.
r.
s.
502
Como é o seu nome?
De onde vieram os seus antepassados?
Por que saíram da Europa e vieram para o Brasil?
Conheces a história dos pioneiros da imigração no estado de
Espírito Santo?
Como eles chegaram aqui?
Onde foram assentados depois da chagada.
Porque na época costumavam ter tantos filhos?
Como era a vida destes pioneiros aqui em Espírito Santo
Por que anos mais tarde tiveram que emigrar de Rio Farinhas?
Para quem ficaram as terras dos pais quando os filhos saíram
de Rio Farinhas?
Para onde foram ou em que outros lugares chegaram a morar?
t.
Depois disto, porque escolheram Santa Joana (ou a outra
localidade)?
u. Como era a sua alimentação?
v. Aprenderam a falar português?
w. O que sabes das comunidades da época?
x. Como eram as igrejas?
y. De onde vinham os pastores daquela época?
z. Como eram as escolas da época?
aa. Quem dava as aulas?
bb. O que eram as terras quentes?
cc. Quando decidiram vir para Laranja da Terra (ou a outra
localidade)?
dd. Como era a vida destes pioneiros em Laranja da Terra (ou a
outra localidade)
ee. O que sabem da “Primeira Grande Guerra”?
ff. Como era a “Época de 1920”?
gg. E a vida de vocês quando eram crianças, do que se lembra?
hh. Vocês aprenderam a falar em português?
ii. Vocês tinham contato com “brasilioner”?
jj. Como eram as escolas, as “Gemeindeschaul” da época da sua
infância?
kk. Vocês freqüentavam a “Gemeideschaul”?
ll. Quem dava as aulas?
mm. A partir de que idade, naquela época, s crianças
trabalhavam na roça?
nn. Por que precisavam trabalhar na roça?
oo. Como era o Ensino Confirmatório?
pp. Como vocês se alimentavam quando eram crianças?
qq. O que lembra dos costumes da época em que vocês eram
crianças?
rr. Como nesta época eram organizadas as comunidades e as
igrejas?
ss. Quem dirigia as comunidades?
tt. Como eram construídas as igrejas naqueles tempos?
uu. De onde vinham os pastores quando vocês eram crianças?
vv. O que falavam da Alemanha?
ww.
O que os seus pais ainda contavam da Alemanha?
xx. Como eram os casamentos quando vocês eram pequenos?
503
yy. Nesta época as pessoas ainda casavam na igreja católica
apesar de serem luteranos?
zz. Lembra de alguma coisa da “Revolução de 1930”?
aaa. Os colonos tiveram algum envolvimento com estas
revoluções?
bbb. O que eram os jagunços? Chegou a conhecer algum?
ccc. E quem os mandava?
ddd. O que eram os “nazistas”?
eee. O que eles diziam para vocês?
fff. O que diziam para os colonos?
ggg. Tinha algum alemão visitando os colonos?
hhh. Os pastores participavam do movimento dos “nazistas”
alemães?
iii. Como pouco antes da Guerra eram as “Gemeideschaul”?
jjj. Porque as escolas foram fechadas durante a segunda guerra
mundial?
O que sabes da Igreja Missúri? O que falavam dos
alemães?
lll. Já conhecia a comunidade Missúri na época da guerra?
mmm. Alguém da família chegou a servir no exército brasileiro
nesta época?
nnn. Conheces alguém que serviu na Itália durante a Segunda
Guerra?
ooo.
Com estes seus conhecidos voltaram da guerra?
ppp. Como viveram depois da guerra?
qqq. O que sabes da perseguição aos alemães durante ou depois
da guerra?
rrr. Quem foi preso? O que aconteceu com os que foram presos?
sss. Algum colono foi preso?
ttt. E as inscrições em alemão nos cemitérios? O que aconteceu
com elas?
uuu. Quem eram as pessoas que destruíram estas inscrições?
vvv. Na época da guerra, onde as crianças aprendiam a ler ou a
escrever?
www. Quem, dos teus conhecidos ficou sem aprender a ler e
escrever?
xxx. Como ficaram as escolas “Gemeideschaul” depois da
guerra?
yyy. O que aconteceu com a igreja luterana depois da guerra?
kkk.
504
zzz. O que mudou na Colônia depois da guerra?
aaaa. Nesta época ainda faziam derrubadas para plantar café?
bbbb. Quem não tinha terras, para onde ia?
cccc. Como foi a vida na década de 50/60?
dddd. Já aconteciam casamentos com “brasileiros” ou italianos?
eeee. Quem costumava casar com pessoas de outras raças? Eles
ou elas?
ffff. Costumava-se namorar muito?
gggg. E as moças que casavam grávidas? O que acontecia?
hhhh. Como fica o véu e a grinalda, que eram o símbolo da pureza
e da virgindade?
iiii. Que costumes dos antigos ainda se praticava naqueles tempos?
jjjj. Quantos filhos os colonos tinham nesta época?
kkkk. Todos os filhos recebiam herança?
llll. As filhas, o que recebiam quando casavam?
mmmm.
Havia médicos naquele tempo?
nnnn. O que eram os “Wald Doktor”?
oooo. O que representava da cegonha naquela época?Esta ave
era rara?
pppp. O que representava o macaco barbado nas histórias das
famílias? Falava-se “Daí Oppa brinha klaina Kinna”.
qqqq. Quem fazia as benzeduras das terras e das coisas ou
pessoas que nela estavam?
Fale-me das crianças recém nascidas e os cuidados de que
necessitavam.
ssss. Qual era o significado da bênção na igreja da mãe de uma
criança recém nascida?
tttt. Quem começou com este costume?
uuuu. Como os colonos alemães eram tratados em 1960?
vvvv. Como era o comércio nesta época?
wwww. O que se podia comprar dos vendistas?
xxxx. O que se costumava comprar nas cidades?
yyyy. Quem costumava vender os produtos da colônia? O homem
ou a mulher?
zzzz. Para quem vocês vendiam o café?
aaaaa. Chegou a conhecer as “sardinhas salgadas”?
bbbbb. Onde as comprava?
ccccc. Em 1970, como eram as comunidades?
ddddd. Aberglauben, o que vem a ser?
rrrr.
505
eeeee. As pessoas ainda acreditam?
fffff. O que era um “Spauk” ? Onde existiam?
ggggg. O que era o “an daun”?
hhhhh. O que era o “gavião cova”?
iiiii.
As benzedeiras costumavam ser lideres da comunidade
luterana?
jjjjj. O que os pastores falavam das benzeduras?
kkkkk. De onde vem esta crença?
lllll.
Os antigos a usavam muito? Por quê?
mmmmm.
O que era um Schutzbraif? E um Himmelsbraif?
nnnnn. O que o pastor falava destas crendices?
ooooo. Seus filhos e netos falavam “Plattdütsch” em 1970?
ppppp. Quantos da sua família (porcentagem) ainda falavam
“plattdütsch” nesta época?
qqqqq. Alguém daqui nesta época ainda falava o alemão alto falado
na igreja?
rrrrr. Alguém dos seus conhecidos costumava escrever sobre a
vida na colônia?
sssss. Conheces algum texto ou alguma carta sobre os antigos?
ttttt. Comentário final do entrevistado.
506
ANEXO C
Apesar do conteúdo do anexo C não ter uma vinculação
direta com as entrevistas efetuadas pelo pesquisador, este material
preparado pelo Pastor Anivaldo Kuhn, um estudioso do tema e com
adequação à proposta de grafia da Língua Pomerana realizada pelo
historiador e professor doutor Ismael Tressmann, além de servir
como fonte de referência para os questionamentos relacionados à
perseguição dos teuto-brasileiros capixabas durante a primeira
metade do século vinte, representa um documento funtamental para
a conceituação linguística do idioma pomerânio.
----- Original Message ----From: Anivaldo Kuhn
To: Ivan Seibel
Sent: Monday, September 22, 2008 9:43 AM
Subject: Re: Ik kan mij nog denka
Bom Dia,
Fico feliz em saber que mais este texto lhe interessou. Já
passei os mesmos para várias pessoas. Tressmann usou muitas
expressões no dicionário pomerânio. Sílvia Ackerman pretende usálos em sua tese sobre o integralismo. Antônio Roos está lançando
um livro contando a história da imigração holandesa. Também
Roelke recebeu cópias. O perigo da apropriação indébita sempre
existe. Uma publicação afastaria este perigo, mas para tanto os
textos estão muito desconexos, lacunosos, confusos e cheios de
erros, tanto em português como no pomerânio. A minha meta era
matar dois
coelhos
(antropologia
e
história)
numa
cajadada. Registrar na forma "bruta" em pomerânio algumas falas e
sentimentos que são apenas pontinhas do "iceberg" da história deles
contada.
507
Como por exemplo ,um descendente de holandeses que
me contou que houve um tempo em se recrutava homens da colônia
(Holanda Sta Leopoldina) para irem a guerra - não sabia que se
tratava da guerra do Paraguai. Para não serem pegos, os homens,
durante o dia ficavam escondidos na mata e durante a noite
dormiam sobre uma pedreira de difícil acesso. Para subir na
pedra havia uma escada que eles puxavam para cima depois da
escalagem. Conta-se que alguém escondeu-se debaixo da saia da
mulher quando procurado pela polícia Lembra uma cena do filme O
Tambor (Blechtrommel - Katschuben). Outro enrolara-se numa
esteira de taboa que servia de colchão. Durante o dia as esteiras
eram enroladas e ficavam no canto da sala. Sabe-se de um
holandes - van Het - que foi para a guerra e nunca mais se soube
notícia do mesmo.
Quanta história não se fez calar. Depois de 150 anos
estamos aí a recolher cacos e juntar o quebra-cabeças. Para isso
nada há que impeça a citação de alguma passagem das entrevistas
que fiz, desde que sirva para trazer mais luz sobre o que foi por
tanto tempo silenciado (Arquivo Público?) e tantas vezes malcontado.
É preciso escrever e re-escrever muito ainda e sempre
com óculos novos.
Anivaldo
Entrevistas em Pomerânio - Anivaldo Kuhn. Transcrição e tradução
Anivaldo Kuhn; Proposta de Grafia da Língua Pomerana- Ismael
Tressmann - Melgaço 2003 - Integralismo e Segunda Guerra;
Páginas Sombrias.
Entrevista A:
Dun wäira’s ala ruunerforlangt un müsta sai ‘Ouviram do
Ipiranga’ singa. Então eles foram todos convocados e tinham que
cantar o Hino Nacional. Emil Schulz säär dun: E.S. disse então: “Wij
häwa dat doch ni leirt! “Nós não aprendemos isso!. Wat schala wij
dår singa?” O que nós vamos cantar lá! Dun säär mij fåter:?” Então
508
meu pai disse :“Den singst man: Então cante: ‘Tuk am büüdel, rak
am sak’.” Mexa na mochila, coce o saco! Fom Plínio Salgado, dår
haara sai dat ümer mit. Do P.S. eles sempre falavam. Grousfåter
Franz wäir dår ni mit an? Vovô F. não fazia parte do movimento Dem
häwa sai dår ni mit ranerkreega. Este eles não conseguiram
convencer. Papa (Albert) häwa sai sou suit inblaud- sou suit inreerd.
Papai (A) entrou na conversa doce deles. Wat däira sai dera lüüra
den forspreeka, wem dår mit ranergüng? O que eles prometiam para
as pessoas que se filivam? Dat wait ik ni meir. Isto eu não sei
mais.Dår wäir ik jå nogklain...Neste tempo eu era criança... Dår kaim
ain nijg regirung riner. Iria entrar um novo governo. Brasijlien däir
beeter waara. O Brasil iria melhorar. Wäira dat feel in Tijuco Preto?
Havia muitos adeptos em T.P? Dat wäir ain groud geschicht, wait
Got wat dår ales bij wäir. Era bastante gente, sabe Deus quem tudo
participou. Jeirer kreig air gruin hemd. Todos ganhavam uma camisa
verde. Fain genäigt. Bem costurada. Dår müsta sai mit marschijra.
Com esta eles tinham que marchar. Dat kan ik mij nog denka. Disto
ainda consigo me lembrar Dat haar papa im kasta leigend. Esta
camisa papaitinha guardada no baú.
Wou is dat hemd bleewa? Onde ficou esta camisa? Ik main,
dat hät hai nåheer forbrent. Eu acho que ele queimou esta camisa.
Ik hew dat hemd ni meir saiend kreega. Eu nunca mais cheguei a
ver esta camisa. Soldåta schula kåma taum dai hüüser uutrüümen.
Soldados estavam para chegar e revistar as casas. Un nåheer, ais
dat mit ais ales uutgåa is, wat hät dat dun geewt? E depois quando o
partido foi extinto, o que aconteceu? Dun haara’s angst, dürwst kair
meir wat fon säga. Aí eles tinham medo. Ninguém podia comentar
nada. Wen’s sich mila däira, den haara’s angst sai wäira ruunerhoolt,
509
wäira inspuunt. Eles tinham medo de serem buscados e ficarem
detidos, quem comentasse algo. Denåsta sär papa (Alberto) ümer:
Depois papai (A) sempre dizia ‘Kair schul meir geigen dai regirung
wääla. Ninguém deveria mais votar contra (o partido) do governo.
Dat schal kair meir måka. Ninguém mais deve fazer isto. Ais häw ik
mij dai nääs forbrent. Uma vez eu me queimei o nariz. Nij meir öfter.
Nunca mais. Dårweegen häwa dai pomera ümer angst fon ain nijch
regirung, sou as Lula. Por isso os pomerânios sempre têm medo de
um novo governo como o do L. As Lula taum gewinen wäir, häwa
sich wek bischeeda. Quando L. estava para ganhar muitos estavam
se borrando.
Nå dai gruinhemda kaim dai twaid wildkrijg? Depois dos
Camisas-Verde veio a Segunda Guerra? Mit Düütschland güng dat
jå lous. Começou com Alemanha. Dun ales oiwer em (Hitler) heer,
bet’s em ruunerdrükt haara. Então todos foram contra H. até
dominá-lo Hitler haar dai reer: H. dizia Air president upa eir, air got
im himel Um presidente na terra, um Deus no céu. Dat schüül ales
ain regirung waara ina gansa wild. Deveria existir apenas um
governo no mundo todo. Wäira in Tijuco Preto dår wek mit an? Havia
adeptos em T.P? Albert Koehler wäir dår air fon. A K foi um deles.
Wat däir dai den säga? O que ele dizia? Hai lait sich de bårt wassa.
Ele deixou crescer a barba. De dag wou Hitler de krijg gewina däir,
den däir hai de bårt afmåka. No dia em que Hitler ganhasse a
guerra, ele tiraria a barba. Ais Düütschland forspeela däir, dun
häwa’s em ruunerhoolt un de bårt mit aim ula eeselsscheir afsneera.
Quando Alemanha perdeu, ele foi buscado e a barba foi cortada
com uma velha tesoura de cortar crina de cavalo (Säga däira sai dat.
É o que se comentava. Of’t wår is, wait ik ni. Se é verdade eu não
510
sei ) Wem is nog in Tijuco Preto inspuunt woura? Quem mais foi
preso em T.P.? Albert Benewitz het toupseeta mit P. Bielefeld. A B.
esteve junto com o pastor B. Dat eeten wat Bielefeld ina kadei ni ait,
ait Benewitz. A comida que o pastor não comia na cadeia, B. comia.
Gåbels un leepels haara’s kain. Garfo e colher eles não tinham.
Benewitz stopt dat eeten ruuner mit dai fingern. B. enfiava a comida
na boca com os dedos. Wat sära dai lüür in Tijuco Preto? O que se
comentava em T.P.? Dai wäira baal ala forrükt woura. As pessoas
estavam quase doidas. Wäir dat düütsch reeren uut? Falar em
alemão estava proibido? Dürwst kair meir wat säga ina kirch.
Ninguém podia dizer nada na igreja. Kair wourd düütsch dürwst ni
meir reerd waara. Nenhuma palavra em alemão podia ser falada Ni
meir dit, ni meir dat. Nem isto, nem aquilo. Wem däir dår in de tijd
kirch hula? Quem dava culto lá naquela época. Dår wäir P. Lieppert.
Lá estava o pastor L. Hai wäir na Düütschland in urlaub. Ele estava
de férias na Alemanha. Doir de krijg is hai dår fast bleewa. Por
causa da guerra ele ficou detido Dai tijdoiwer kaim Bielefeld fon
Campinho taum kirchhulen. Durante este tempo B. vinha de
Campinho para dar culto. Nåheer däira’s sich bij Ponta, bij P. Adler
ansluuta. Depois a comunidade se anexou a Rio Ponte com pastor
A. Oona erlaubnis fon Califórnia, hät Tijuco Preto sich bij Rio Ponte
ansloota. Sem permissão de Califórnia, T.P. se filiou a RP. Däir
Adler wat måka up portugijsisch? Adler fazia algo em português? Hai
däir wat måka up sijn årt, åwer dat kaim ales kopoiwer ruuter. Ele
fazia algo em português ao seu jeito, mas saia tudo de cabeça para
baixo. Hai haar kain leir ni had. Ele não teve estudo (português) Dai
lüür fortstüüna dat uk går ni. O povo também não entendia nada.
Wat hai maik, wäir ales richtig for eer. O que ele fazia estava tudo
511
certo para eles. Ik wäir dår al air fon. Eu já era um destes. Air mål
däir hai dun ais düütsch måka. Uma vez então ele fez algo em
alemão. Dat wäir dun grår sou as wen dai sün sou herlig schijna däir.
Isso foi como o sol a brilhar gloriosamente. Dai lüür wäira ala uuter
sich. As pessoas estavam todas fora de si. Air wourd seer hai ma
blous: Ele disse apenas uma palavra: “Selig sind die, die das Wort
Gottes hören und bewahren”. Bem-aventurados os que ouvem a
palavra e a guardam. Dat air wourd. Apenas esta única palavra. Dun
kreiga’s ala ainer srek. Aí todos se asustaram. Wou häwa jij de
Katechismus leirt? Como vocês aprenderam o catecismo. Ales up
brasiliånisch. Tudo em português. Dai kiner häwa dat leirt, åwer
häwa ni wüst wat dat taum bedüüren haar. As crianças decoravam
isto, mas não sabiam o que significava. Ni air wourd hät air wüst.
Não havia um que soubesse uma palavra. Ik wäir trecht taum
inseegen. Eu estava pronto para ser confirmado. Im ouster schüül ik
inseegend waara. Na páscoa eu era para ser confirmado. Im februar
wäir’d kirch tau. Em fevereiro a igreja foi interditada. Nåheer bün ik
blous im august inseegend woura. Depois eu fui confirmado só em
agosto. Nåheer föng dai brasiliånisch schaul an. Depois começou a
aula em português. Ik häw går kain düütsch meir leird. (Dorothea) Eu
nem cheguei a estudar mais o alemão. Dår is air bild fon aim
schaulafest, wou dai jonges ala mit aim (huld) geweer up sin. Existe
uma foto de uma festa escolar onde os meninos estão todos com
uma espingarda (de brinquedo). -Wat haar dat upsich? O que
significava isto? Dat däir bedüüra, wen dai krijg ais upbreeka däir.
Isto significava caso fosse declarada a guerra.. Dai kiner müsta ala
marschijra, sijla un singa... As crianças tinham que marchar, mirar e
cantar... Du häst dat doch nog wüst: Você ainda sabia esta canção:
512
“Quem quiser ser bom soldado espingarda deve ter (2x). Andar
sempre preparado... Bijm singen müsta’s sijla.” Ao cantar eles
tinham que mirar. -Wem wäir dai schaulleirer? Quem era o
professor? Dat wäir Pit. Era Pit. Sij fåter wäir landforsrijwer bij Ewald
(Paraju) Seu pai fera escrivão em Paraju. (José Francisco de Jesus.
Ele tinha muita “mágoa” dos alemães. Se ele pudesse engolir, ele
engolia... Porque, não sei dizer.) Däira Pit un Koehler sich forståa?
Pit e Koehler se entendiam? Jå, dai däira beid t´houp schaul hula.
Sim, os dois lecionavam juntos. Dat lijd O hino “Quem quiser ser
bom soldado”, däir Koehler up düütsch singa: Koehler cantava em
alemão “Wer will unter die Soldaten, der muss haben ein Gewehr.
Das muss er mit Pulwer laden...” Sai ståa beid t´houp up aim
schaulafestbijld fon 1947 in Tijuco Preto. Eles estão juntos numa foto
de uma festa de escola em 1947 em T.P. Wäir hijr nog fona
gruinhemda reerd? Aqui ainda se falava dos camisas-verde? In dera
tijd dürwst fona gruinhemda ni meir reerd waara. Neste tempo era
proibido falar dos camisas-verde. Dat is glijk nåm twaida wildkrijg
wääst. Isto foi logo após a Segunda Guerra. Dai kiner ståa ala mit
huldgeweera, ala barf’t, meist puura pomera. Todas as crianças com
espingardas de madeira, todas descalças, quase só pomeranas.
Sün dai beid, Koehler u Pit, gruinhemda wääst? Foram os dois, K. e
P., camisa-verde? Dat kan ik ni säga. Isto eu não posso afirmar. Sai
häwa dår in Tijuco Preto, mit dai kiner üm dera kirchabarg aina weeg
hakt un dår däira’s mit eer marschijra. Eles cavaram uma estrada em
volta do morro da igreja com as crianças por onde eles marchavam
com elas. Uut forrüktheid, aim jeirer air klair huldgeweer sou måkt.
Por maluquice fizeram para cada um uma espingarda de madeira.
Dat schul sou up dai årt ain ‘exército’ bedüüra. Era para significar um
513
exército.- Wäira Koehler u Pit ümer beid t´houp? Koehler e Pit
sempre estavam juntos? Jå, jeirer haar sijn stuun taum schaul hulen.
Sim, cada um tinha a sua hora de lecionar. Air alaina däir dai gansa
kiner ni twinga. Um só não dominava todos os alunos. Koehler däir
uk brasiliånisch waita. Koehler também sabia o português. Dai wäir
ni dum. Ele não era bobo. Ina schaul haara’s ain pulendakel. Na aula
eles tinham uma concha de polenta. Dår kreiga dai kiner mit ina
hand, wen sai ni horka däira. Com esta as crianças ganhavam
pancadas na mão quando não obedeciam. Ina hand haara’s steits
aina stok mit aim klinger. Na mão eles tinham constantemente uma
vara com uma campainha. Wen dai kiner bits fortela däira, dår
stampta’s blous ais mit up un sou müst ales stil sin. Quando as
crianças conversavam um pouco, eles batiam apenas uma vez com
o bastão no chão e assim todos precisavam ficar em silêncio. Wem
den nog ni höira wul, dai kreig den mit dai pulendakel. Quem ainda
não queria ouvir, levava palmatória. Un wem sij leiren ni waita däir,
dai müst upa knai ståa, öftens sou går up mijlchaköirn. E quem não
sabia da lição tinha que ficar de joelhos, às vezes até sobre caroços
de milho. Däir Koehler dat uk måka? Koehler fazia isto também? Dai
wäir dai oiwerst ma. Ele que era o mestre. Wen air wat slimes måkt
haar, dai kü ni ruuter un eeta gåa, wen “recreio” wäir. Se alguém
tinha feito algo de mal, este não podia sair para comer quando tinha
recreio. Ais sin dai kapituuras doch kooma? Uma vez chegaram as
capituras? Dat wäir lang nåheer. Isso foi bem depois. Wij wäira frisch
forfrijgt. Estávamos recém casados. Ik wäir an dem dag alaina bijna
kirch. Eu estava sozinha na igreja naquele dia (não acompanhada
do marido) Dun kaima dai soldåta dår hen. Aí chegaram os
soldados. Kaima mit ais sou haimlig ina kirch riner. Entraram de
514
surpresa na igreja. Häwa ales uutrüümt ina kirch. Revistaram tudo
na igreja. Sou går dai lumens wou dai fruuges eer kiner mit inwikled
haara. Até as fraldas com que as mulheres tinham envolvido suas
crianças Dun däira´s nåheer ümer nog spota. Depois eles ainda
mangavam. Dai haara müst ais manga schijt rakt häwa. Eles
deveriam ter mexido na bosta. An dem dag is uk kain kirch meir
wääst. Naquele dia também não houve mais culto. Meir häwa’s ni
måkt kreega, as dai gansa lüür ala uutrüüma. Não conseguiram
fazer mais do que revistar todas as pessoas. Dat is ain
upgerüüchtigkeit de dag wääst. Foi um dia de muito alvoroço.
Häwa’s wafen fuuna? Eles acharam armas? Dai keirl’s häwa wat
had, åwer dai fruuges häwa doch nischt had. Os homens tinham
algo, mas não as mulheres. Dai häwa dacht dai keirls haara rasch
eer wafen de fruuges afgeewt. Eles acharam que os homens teriam
entregado rapidamente as armas para as mulheres. Sou wijrer
häwa’s nischt måkt mit dai lüür. Além da revista eles não fizeram
nada com as pessoas. Ik wait ni wouweegen dat dai lüür sich sou
ängsta däira. Eu não sei porque as pessoas ficaram com tanto
medo. Wat maik P.Adler? O que fazia P.Adler? Dai saich gans wit
uut. Ele estava todo pálido. Wem wäir Rudolf Friedrich? Quem era
R.F.? Dai däir ümer sou rümertouwa. Ele criava confusões por onde
passava. Dun hät Alfred Borchard dai kapituura kåma låta un
dårweegen hät R. Fridrich em nåheer doudschoota. A B mandou vir
as capituras e por isso R F o assassinou depois. Acht dåg hät hai
ina kawera leega, ais dai kapituura hijner em wäira. Ele dormiu oito
dias no mato, quando as capituras estavam atrás dele. Nåheer is R.
Fridrich ruuner na Campinho, hoolt sich “boa conduta” ruuter, kümt
tröig un schüt Borchard un sij swijgerfåter (Manoel Pereira) doud.
515
Depois R F foi a Campinho, tirou atestado de boa conduta e na volta
mata A B e seu sogro M P. Wäir Fridrich al fon klain sou? F já era
assim desde pequeno? Mama sär, dai wäir ina schaul al ümer sou
prowokijrig. Mamãe disse que ele já era provocador na escola.
Mama hät em ais de teinanågel sou glat ruunerslåga mit aim
schingelbret. Mamãe arrancou-lhe uma vez completamente a unha
do pé ao jogar contra ele uma tabuinha. Nåheer haar hai dat werer
mit papa upa fest. Depois ele tinha outra vez confusão com papai.
Dun wul mama dår manggåa un stöira u dun sär Fridrich glijk tau
eer: Aí mamãe queria entrar no meio para apaziguar e então F. logo
disse para ela: “Duu häst mij al ais de teinanågel ruunersmeeta.
Você já arrancou uma vez a unha do meu pé. Låt dij hijr ni meir
saia.”. Desapareça daqui.
Entrevista B:
Giwt dat nog air bijld fona gruin.hemda? Existe ainda uma
foto dos camisa-verde? Dat bijld hät sich Bertold Kalk fon Albert
Discher borgt. Esta foto B K tomou emprestado de A B. Dat mut dår
nog sin bij de witfruuga- dat häwa’s jå sicher ni wegsmeeta. Esta foto
ainda deve estar com a viúva. Com certeza não foi jogada fora. Wäira dai gruin.hemda geigen dat drinken? Os camisas-verde eram
contra a bebida? Dun is’t sou wijt wääst. Chegou a este ponto: Duun
dürwsta dai lüür ni meir drinka. As pessoas não podiam mais beber.
Karl Strey – dem grouda Oto sijr fåter, ul August Neumög un Fritz
Häse – Marciano sij grousfåter. KS- o pai do grande O, o velho AN e
FH- avô do M. Dai drai häwa seir, seir drunka. Estes tres bebiam
muito, muito. Dun sün dai afnåma woura. Estes foram fotografados.
516
Dun stüüna’s up air twaistokt huus ana Krüütskapel, upa veranda un
häwa dai bijla forbrend. Os líderes estavam na varanda de um
sobrado, perto da Capela da Cruz e queimavam as fotos.‘Oh, dit is
Karl Strey, dai waard forbrent... Olhem, este é KS, ele será
queimado... Dit is August Neumög, dai waard forbrent... Este é AN,
ele será queimado... Dit is Fritz Häse, dai waard forbrent... Este é
FH, ele será queimado... Dai haara kaina weird, dat sai sou drinka
däira. Eles não tinham valor por que bebiam demais. Dai wäira for
nul reeknet, wäira uutstreeka. Eles eram considerados nulos, eram
extintos. Wem wäir dai chef hijr? Quem era o chefe aqui? Hijr wäir
Franz Lange. Aqui era o FL. Dai is früür soldåt wääst. Ele tinha sido
soldado. Dai däir de lüüra marschijra leira. Ele ensinava o pessoal a
marchar. Dai häwa müst ala hen un ain stråt haka wou hüüt Heinrich
Foeger woont. Eles tiveram que ir até onde hoje mora o HF e cavar
uma estrada. Dai ansuug wat sai haara wäir ain gruin hemd un ain
gruin hous. O uniforme que eles tinham era uma camisa e uma calça
verde. Dat wäir dik tüüg. Era tecido grosso. Dat häwa’s ala geewt
kreega mit ain slöiw - geel un gruin. Isso eles ganhavam com um
laço amarelo e verde. Ana hemd wäir ain stempel. Na manga havia
um carimbo (emblema). Wat wäir de lüüra sägt dat sai dår
ranergünga? O que se dizía ‘as pessoas para que entrassem no
movimento? Dat kan ik ni säga. Não sei dizer. Dat wäir ain mour. Era
uma moda. Dat müst ainfach sin. Tinha que simplesmente ser. Dår
wäira ungefäär huunerd man an. Havia em torno de cem adeptos.
Däira sai feel fon Plínio Salgado reera. Falavam muito de PS.
Nåheer is’t uutgåa dun hät kair meir dår wat fon sägt. Depois o
movimentou se extinguiu e ninguëm falou mais nada. Bertold Gums
maint mit Lula däir daiselwig spijl passijra? BG acha que com L iria
517
acontecer a mesma história? Hai däir jå ainfach säga, wen Lula
gewina däir den wäira wij trecht, den güng’t ous sou as de
gruin.hemda. Ele simplesmente dizia que se L ganhasse nós
estaríamos no fim. Então aconteceria a nós o que aconteceu aos
camisas-verde. Is dår ni meir a hemd fon bleewa? Não sobrou mais
nenhuma camisa? Ik wait kair ainsig as dai ul Karl Schwambach, wat
Rudolf u Franz sij fåter wäir. Eu não sei de nenhum outro além do
velho KS, que era pai de R eF. Dai hät sijnd antrekt hat, ais hai doud
wäir. Este tinha vestido a sua (camisa) quando estava no caixão.
Dat hät hai sich forlangt fona doud. Isto ele pediu antes da morte.
Dai hät sijnd forwårt. Este guardou a sua camisa. Dai gruin.hemda
sün hijr den seir in beraupt wääst? Os camisa-verde eram afamados
por aqui? Meisch, dat is seir wat groudas wääst. Homem, isto foi
algo grandioso. In Campinho wäir dai klair Arthur Schneider dai chef,
wat landforsrijwar wäir. Em Campinho era o pequeno AS o chefe,
aquele que era escrivão de terras. Nå dai gruin.hemda kaim dai
twaid wildkrijch. Depois dos camisa-verde veio a Segunda Guerra.
Dat is uk ain swår tijd wääst. Esta também foi uma época pesada.
Dai lüür häwa müst ala tåfels fona kirchhof ruuner hoola un sich dat
t`huus wou forwåra. As pessoas tiveram que tirar todos os epitáfios
do cemitério e escondê-los em casa. Dürwst kai düütsch wourd ståa.
Não podia haver exposição de nenhuma palavra em alemão. Dat
wäir ales ruunersmeeta un forbrend. Tudo era jogado fora e
queimado. Nåheer ais sich dat dun werer ales meir ina wila geewt
haar, dun häwa’s dai tåfels werer ruperdrågt upa kirchhof. Depois
que tudo havia se acalmado, então eles levaram os quadros
novamente aos cemitérios.
518
Entrevista C:
Dai gruin-hemda wäira dun al ain groud partai. Os CV já
eram então um grande partido. Wek sära sou går dai GH wäira
komunista. Alguns até diziam que eram comunistas. Dai wäira
buuten gruin u eiwendig roud, sou as ain wåtermeloun. Eram por
fora verdes e por dentro vermelhos assim como uma melancia. Dat
sära’s, dat kan ik mij nog ümer gaud denka. Isto eles diziam, eu me
lembro bem. Arthur Schneider: ‘Falaram que o integralismo era o
comunismo; por fora verde e por dentro vermelho. Nós não somos
como um melancia.’ Hai kün den seir gaud reera. Ele era um grande
orador. Ais häwa dai gruin-hemda müst eer wafen doch ais in
Campinho afgeewa? Uma vez os CV tiveram que entregar as suas
armas em Campinho. Ik main dat wäira ina draisicha man un dai
haara meist ala eer wafen bij. Eu acho que eles estavam em um
grupo de trinta homens e a maioria estava armada. Wilhelm Januth
wäir’d chef. WJ era o chefe. Hai haar den uk sijna achtundraisich an.
Ele também portava o seu trinta e oito. In Campinho gaiwa´s dai
wafen af. Em Campinho eles entregavam as armas. Nåheer wen’s
den werer tröigräira, den däira’s sich dai rewolwers werer fourdra.
Depois quando iniciavam a viagem de volta, eles exigiam as armas.
Am Campinhobarg güng dai weeg am andra sijd uuner dem felsen
forbij. No morro de Campinho a estrada passava do outro lado
abaixo da pedreira. Dår hät dai delegado Emílio Andrada eer mit drai
urer fair soldåta afluurt. Ali o delegado EA os aguardou com quatro
policiais. Ains dails haara’s küüna dat uk ni måkt häwa, åwer sai
häwa eer wafen wegnooma. Por certo eles não poderiam tê-lo feito,
519
mas eles tomaram as armas deles. Rudolf Häse un August Lahass
häwa sich weert un dai häwa’s hougt. RH e AL resistiram e foram
espancados. Rudolf Häse häd sich dat leewend drai weeka nåheer
nooma. RH suicidou-se tres semanas depois. Up de grääwnis wäir ik
nog. Neste sepultamento eu ainda estive. Lieppert sär in sijna preeg:
L. disse em sua prédica: ‘Wen er sich das Leben genommen hat weil
er misshandelt wurde, es ist auch ein ewiger Gott im Himmel der da
straft und richtet wie’s sich gebürt.’ Se ele se suicidou por ter sido
maltratado, há também um Deus Eterno no céu que castiga e julga
como convém (Wenn die Hölleflammen lodern, darf man noch
Erbarmung fordern! (Mesmo que as chamas do inferno estejam
ardendo, ainda podes pedir misericórdia- opinião de Liepert) August
Lahass saich nog gans swaard uuner’d oug uut, wou’s em hougt
haara. A L ainda estava com a parte inferior do olho toda escura
onde ele fora espancado. Hai wul sijna rewolwer ni afgeewa. Ele não
queria entregar o seu revólver. Wilhelm Januth haar sijna rewolwer
trekt oiwer dera ‘cabo’, dun haarhai sitert. WJ mirou seu revólver em
direção do cabo, aí ele tremeu.Heinrich Strey wäir bij em- dai haar
kain wafen- dai haar raupa: HS estava perto dele – ele estava
desarmado- e gritou: ‘Wilhelm, giw de af! W. entrega a arma.
Bedenk dijn famijlch u dijn kiner. Pense na família e nos filhos’ Dun
haara de rewolwer afgeewt. Aí ele entregou o revólver. Süster
haara’s sich amin nog seir schoota t´houp. Caso contrário eles
teriam talvez trocado muitos tiros. Dun sün’s werer tröig na
Campinho, wula dat angeewa, na Octavianara hen. Aí eles
cavalgaram de volta para Campinho, queriam dar parte, foram ao
O.Dun haar Octaviano sägt: Aí O disse: “Jij koina hüüt ruig na huus
rijra.Vocês podem cavalgar hoje tranquilamente para casa. Wij koina
520
hüüt nischt måka dårmit. Hoje nós não podemos resolver nada. Wen
jij kooma, komt ni meir biwafnet un ni mit sou ain groud turm an”.
Quando vocês vierem, não venham armados e não em tão grande
turma. Wat sär P. Lieppert dår tau? Qual era a posição do pastor L?
Sai haara hijr ‘prassa’ måkt. Eles faziam exercício de marcha. Haara
sich ain stråt hakt. Cavaram uma estrada. Dår däira sai marschijra.
Ali
eles
marchavam.
Arthur
Schneider
forstüün
wat
fom
soldåtspeelen. A S tinha alguns conhecimentos de treinamento
militar. Grouda schik haar dat ni. Não levava muito jeito. Dat lait sou
as wen sai ruper günga nana vend. Parecia como se estivessem
subindo a venda. Dai däira ni ainig im marsch marschijra. Eles não
marchavam num mesmo compasso. P. Lieppert wäir ais dårbij, ais
sai marschijra däira, åwer hai sär kair wourd. Pastor L. esteve uma
vez presente quando eles marchavam, mas não disse nenhuma
palavra. Hai keik blous tau. Ele somente observava. Emílio
Espíndula haar’t sägt tau fåtra. E.E teria dito a (meu) pai. Dår wäira
wek hen un däira blous luura. Havia espiões só aguardando. Wen
Lieppert dår ain reer maik, den däira’s em ‘persegre’. Se L fizesse
uso da palavra eles o peseguiriam. Düütsch dürwst kair reera?
Ninguém podia falar alemão. Pomerisch küüna’s reera. Pomerânio
eles podiam falar. Dun wäir dai krijg nog ni im dauen. Nesta época a
guerra ainda não estava deflagrada. Dai Integralismus hät 1932
anfånga. O Integralismo começou em 1932. 1938 wul sich Plínio
Salgado kandidatijra as president, åwer dai Estado Novo hät sijn
partai uutlöscht. Em 1938 P.S. queria candidatar-se para presidente,
mas o Estado Novo extinguiu o seu partido. Dai Integralismo haar
äänligkeit mit dem Fachismus in Italian – Mussolini- un dai
Nationalsocialismus in Düütschland – Hiltler. O Integralismo tinha
521
semelhança com o Fachismo na Itália-Mussolini- e com o Nacional
socialismo na Alemanha-Hitler. Airster däir Getúlio Vargas as wen
hai up eer kant wäir. Inicialmente GV parecia estar do lado deles
(camisa-verde). Nåm Estado Novo häwa sai reeknet mit de Exército
un häwa de Palácio innooma. Após o Estado Novo eles contavam
com o apoio do Exército e invadiram o palácio. Dai Exército hät eer
ni bijståa un dat is eer schaiw gåa. O Exército não os apoiou e o
plano deu errado. Dai chefs fom Integralismus sün inspuunt woura
un wat Integralismus wääst is, is ales forboora woura. Os líderes do
integralismo foram presos e tudo o se se referia ao movimento foi
proibido. Im twaida wildkrijch häwa’s nog suikt hijner dai buika bij
Wilhelm Januth wou da integralisten insreewa wäira. Durante a
Segunda Guerra ainda estiveram em busca dos livros na casa de
WJ onde os integralistas estavam inscritos. Dai ul Wilhelm
Januth’sch is im twaida stok wääst un hät dai integralisten buika
ruuter smeeta ana båwen sijd. A esposa de WJ estava no segundo
andar e jogou os livros para fora no lado de cima. Nikolau Schwanz
is air klair jong wääst, fon twelw jår sou. N S era um pequeno
menino de uns doze anos assim. Dai häd dai buika nooma un wegadieu- ina kawera. Ele pegou os livros e sumiu na capoeira. Süster
haara sai dai buika fuuna, den haar dat Wilhelm Januth seir, seir
slechtgåa. Caso tivessem encontrado aqueles livros, WJ teria se
dado muito mal.
Teodorinho Schwambach sägt sijr fåter haar sou air bauk.
TS disse que seu pai tinha um tal livro. Dat haara sai müst farsteeka
im wald, im hola boum. Eles tiveram que escondê-lo na mata dentro
de uma árvore oca. Wem wäir hijr dai chef? Quem era o chefe por
aqui? Hijr wäir Wilhelm Januth chef. Aqui o chefe era WJ. Dår uuner
522
(Campinho) wäir Octaviano Santos chef. Lá embaixo (Campinho) o
chefe era OS . Mijn schwägisch, Berthold Kalk’sch, hät air bijld
dårfon. Minha cunhada, viúva do BK, tem uma foto deles. Plínio
Salgado un Gustavo Barroso häwa dai partai grüündet. PS e GB
foram os fundadores do partido. Plínio Salgado wäir journalist. PS
era jornalista. Sai haara gisetsa fom Nationalsocialismus. Os
estatutos eram do Nacionalsocialismo. Ik sär ais tau P. Lieppert – wij
reista t`houp – Certa vez eu disse ao pastor L. – nós viajávamos
juntos: “Ich glaub’ das geht nicht voran.” Eu acho que este
movimento não tem futuro. Dun sär hai: “Warum?” Aí ele retrucou:
“Por que? Hai hail dår seir feel up. Ele era simpatizante do
movimento. Hai wäir süstar up Wilhelm Januth faindlich, weegen de
missuura fon früür heer. Ele não se dava anteriormento com WJ, por
causa dos Missúri. Åwer nuu däir hai em bisuika. Mas agora ele o
visitara. Hai däir dår seir feel up hula. Ele era apaixonado pelo
integralismo. Hai haar seir groud glouba dat, dat hijr uk sou waara
schul as in Düütschland. Ele tinha uma grande fé de aqui
aconteceria o mesmo processo que na Alemanha. -Entrementes
fomos a casa da viúva do Bertoldo Kalk ver a foto dos camisas
verdes. Bruno conta que seu pai, Alberto Kalk não aderiu ao
integralismo. Eram taxados, por isso, de comunistas. Depois da
extinção a saudação “Anauê pronto pra morrer!” (Anauê significa
‘salve’ em tupi), passou a ser motivo de chacota: “Anauê, pronto pra
correr!” Meu avô, Franz Kuhn, casado com a irmã do do Alberto Kalk
também não aderiu ao integralismo. Eram acusados de serem
comunistas pelos integralistas. Lieppert foi prisioneiro dos franceses
na primeira guerra mundial. Lá teve que deixar crescer a barba. Seu
sonho era cortar a barba quando Hitler ganhasse a guerra e os
523
franceses fossem vingados. Bruno não crê que Lieppert tenha
participado do incêndio da igreja Missúri em Melgacinho em 1931,
construída por Germano Januth, excluído de Califórnia por motivos
de adultério . Sob a promessa de ser aceito pelos Missúri, deu o
melhor de si na construção. Lieppert teria dito em Tijuco Preto para
a minha avó. “Hättet ihr hier so eine schöne Kirche, köntet ihr euch
die Fingern ableken.”Se vocês tivessem uma capela tão bonita,
vocês poderiam lamber os dedos. Professor Eugen SchemBerufslehrer- Campinho, teria criticado o governo. Sou ain lüüsich
regirung Um governo piolhento Isso lhe teria custado tres dias de
cadeia. Era casado com a irmã do Artur Schneider.
Entrevista D:
For’m Nazismo wäir Lieppert air seir gaur praister. Antes do
Nazismo L foi um pastor muito bom. Åwer nåheer is hai farkooma.
Mas depois ele se perdeu. Dun wäir hai im forkeirdem suld insuldret.
Foi salgado com sal errado. Dun wäir hai uk går nischt meir weird. Aí
ele não tinha mais valor nenhum. Airster haar hai sijna weirt im
sinouda, nåheer wäir hai sou air uunarhemd. Antes ele tinha voz no
sínodo, depois passou a ser uma camiseta. Haar uk kaina schik
meir. Não tinha mais jeito. Dai ainsigsta wat em gaud bleewa sin,
wäira dai Bullerjahns un wek fon dai Kumma wat em lijra küüna- wek
blousig. Os únicos que gostavam dele eram os B. e os K.- só alguns.
Hai haar jå aina feigel. Ele tinha um defeito. Hai däir jå blous up dem
düütschtuum un düütscha raig hula. Ele só se atinha ao germanismo
e ao reino alemão. Kaim as air anard ina kirch, dai haar kaina weirt
for em. Outro que vinha na igreja, não tinha valor para ele. Früür
524
kaim jå ais hen un wen, air anard wat ni düütsch küün, ina kirch.
Antigamente só vinha lá alguma vez alguém para igreja que não
soubesse pomerânio. Dai haar for em kaina tswek. Esse não tinha
sentido para ele. Ais wäir dår as air man – dai hait Hartman Berger.
Uma vez havia um homem que se chamava HB. Dai däir sou
rümerhanla, däir de lüüra nådels besorga un sou wijrer. Ele
mascateava, trazia agulhas para o povo e assim por diante. Wäir
sou air gaur früündlig smalitsig meisch, åwer küüst dat al nam
nooma höira, dat wäir air düütsch-juura. Era um homem amigável ,
magro mas já dava para se ouvir pelo nome: era um judeu-alemão.
Un dat haar Lieppert ruuter kreega. Isto L havia descoberto. Dai is
nåheer taum glüka wegtrekt. Por sorte este homem se mudou
depois. Hai däir hijr ni forgans woona, åwar haar sijn lüür, wou hai
nachtbleiw. Ele não tinha morada permanente por aqui, mas ele
tinha as suas pessoas onde ele pernoitava. Dat wäir sou air meisch,
dai wäir taum biwuunern. Era uma pessoa de se admirar. Wen hai
nana kirch güng, däir hai jeiras mål fijw milreis upm opfertela lega.
Quando ele ia a igreja ele deixava cada vez cinco milréis no prato
das ofertas. Dat wäir sij nijrig. Este era o valor mínimo. Wen hai glük
haar had dai wek oiwer, den gaiw hai sougår teichen urer wekmåls
twansich. Após a semana em que ele havia tido sorte (nas vendas),
ele dava dez e às vezes até vinte milréis. Dat haar Lieppert
ruuterkreega dat hai air hanelsjuura wäir. L. descobrira que ele era
um judeu-mascate. Wek dårfon sün jå miseråbig, åwer deis ni.
Alguns deles são miseráveis, mas este não. Däirst dij wat bistela bij
em, door küüst dij sicher up sin, däir lang duura åwer dat rangijrt hai
dij. O que você deixava encomendado com ele, nisto voê podia
confiar. Custava mas esta mercadoria ele lhe arranjava. Dårweegen
525
haila dai lüür feel up em. Por isso as pessoas tinham apreço por ele.
Wen hai nam Goteshuus güng – dai juura haara hijr kair huus- däir
hai dat binutsa taum sijn opfer geewen. Quando ele ia a casa de
Deus – judeus não tinham aqui a sua casa - então ele usava esta
para deixar a sua oferta. Dat haar Lieppert slechtfuuna, dat wäir spot
wat hai måka däir. L. via isto com maus olhos, era deboche que ele
estaria fazendo. Kijk, dat Hitler dai juura uutrota däir, wu hai dat hijr
uk sou måka. Veja, porque Hitler exterminava os judeus, ele queria
fazer o mesmo aqui. Hitlers sriwta – Mein Kampf- wäira ala in
Califórnia- ina bibliotek. Os escritos de Hitler podiam ser todos
encontrados na biblioteca em Califórnia. Dat häwa’s müst ales
dårmang ruutersamla dat sai ni gans in unglük geråra däira. Estes
tiveram que ser recolhidos para os responsáveis não cairem em
desgraça. Leesa däir ik dai buika lijkerst geirn. Apesar de tudo eu
gostava de ler estes livros. Ni dat ik dår air fon wäir, åwer blous taum
kenen leiren. Não que eu fosse um deles, mas apenas para
aprender a conhecer. Dat wäir jå grår mijn lust. Este era exatamente
o meu prazer. Mij fåter sijn dumheit wäir dat Düütschland houg
kooma schul, åwer hai bigreip ni wat dår hijner staik, mit Hitler. A
tolice do meu do meu pai era querer que Alemanha crescesse mas
ele não percebia o que estava acontecendo com H. Hai lait sich dat
ni neema. Ele não se deixava convencer. Hai haar küüt dat dår doch
al ansaia dat air jeira wat aina feigel haar, farstöt wöir. Ele já podia
ter percebido nisto que todos que tinham um deficiência eram
desprezados. Un sou uk mit dai integralisten. Essa era também a
conduta dos integralistas. Ik wil nuu ais säga, wenn air suupa däit,
de koinas doch ni farstöita un säga, duu bist air suupswijr, duu häst
kainer weird. Eu quero agora dizer, se alguém é um bebedor, este
526
não pode ser desprezado dizendo: Você é um porco beberrão, você
não tem valor. Dat häw ik küüt nog nij lijra. Isto eu nunca pude
suportar. In manch ain hochtijd häw ik strijd kreega mit dai lüüra. Em
vários casamentos eu tive conflito com as pessoas. Wenn dår air
laig, den bün ik hengåa un häw dem huusher sägt dat dai bisoopen
up ain dröig stel henbrögt schul waara, dat dai lüür dår ni roiwerfaila.
Quando havia alguém caído, aí eu ia dizer ao dono da casa para
que o embriagado fosse levado a um lugar seco para que as
pessoas não tropeçassem sobre ele. Dat is uk air meisch. Ele
também é gente. Åwer den kreig ik åwer sou. Mas aí eu era tão
criticado. Dåran fornaim ik dat dai integralisten un nazisten total
forkeird wäira. Nisto eu percebia que os integralistas e os nazistas
estavam totalmente errados. Dat fon jong an. Isto desde menino. Ik
wäir dun man nog air gruin.snåbel. Eu era então apenas um recruta.
Ik wül mij ni pråla, åwer fo klain an wäir mijn hauptsach dat leesen
un studijren wat dat leewen up sich hät. Eu não quero me gabar,
mas desde de pequeno o principal para mim era ler e estudar o que
significa a vida. Dat gruin hemd. A camisa verde. Fåter hät müst sij
hemd uk forbrena...O pai teve que queimar a sua camisa também...
Dat wäir air Lampiers määka- dai wäir al halweeg uld – dai haar dat
oiwer sich, dai hemda näigen. Era uma menina dos L.- já de
bastante idade- que era encarregada de costurar as camisas. Dai
däir swaarda huir toupsuika. Ela coletava chapéus pretos. Door
däir’s dat ‘sigma’ uutmåka. Disto ela fazia o emblema (sigma). Dat
däir’s upa hemdamouch ruparnäiga. Isto ela costurava sobre a
manga da camisa. Dai farstüün dat gaud. Ela o fazia com esmero.
Rosa Lampier däir’s haita.Chamava-se RL. Nåheer hät’s nog frijgt.
Depois ela ainda casou. Ik kan mij ni denka mit wem. Não consigo
527
me lembrar com quem. Eer swesters häwa mit Bruskes frijgt ( Robert
un Walter). Suas irmãs casaram com os B. (R eW. Am Bout (Na
Barca) Em Sta. Leopoldina. Hijr am Bout wäir dai Integralismus ni
sou slim. Aqui em SL o integralismo não foi tão bravo (não teve
muitos adeptos). Bij dai Vervloets dürwst dai nåma Plínio Salgado ni
nend waara. Perto dos V. o nome de PS não podia nem ser
mencionado. Den spijgta dai ala. Então todos cuspiam. Dai wäira dår
ala geigen. Eles eram todos contra. Ik kan mij kaina denka wat dår
mit an wäir. Não me lembro de nenhum que fosse adepto. Fon
Santa Maria wait ik weinig. De Sta Maria eu sei pouco. Kan licht sin
dat dår uk wek wääst sin. É bem possível que lá também houveram
adeptos. Fom Bout wüst ik meir. De SL eu sabia mais. Fåter güng
dår ümer oft hen. Meu pai viajava muitas vezes para lá. Galo däir jå
nam Bout henhöira. Galo pertencia a SL. Im Bout hät dai
Integralismus kaina plats fuuna. Em SL o integralismo não encontrou
chão. Dai Schwartza häwa dår kaina spås an hat. Os S não viam
graça nele. Peron in Argentina wäir dai selbig spijl. P na Argentina
era o mesmo jogo. Dår däir Francisco Schwartz füür oiwer spijga.
Sobre ele FS cuspia fogo. Dår wul hai nischt fon waita. Ele não
queria saber nada disto. Geigen dai düütscha Contra os alemães (
e/ou pomerânios. Im Bout sin’s fo früür an geigen dai düütscha
wääst. Em SL as lideranças foram desde o começo contra os
alemães. Dårbij wäira dai düütscha eer airsta lüür wat Bout
hougbrögt häwa. Apesar de terem sido os alemães suas primeiras
pessoas que fizeram SL progredir. Dat wäira dai Reisen. Eram os R.
( Ik häw noch sou går air taschametser wat dai Reisen in
Düütschland måka låta häwa. Eu tenho até um canivete que os R.
mandaram fazer na Alemanha. Snit sou seir gaud. Corta muito bem.
528
Steit sou går eer nåma up. Está até o nome deles em cima) Dat
wäira uk dai van de Koeks... Haviam também os van de K. Puura
düütscha. Todos alemães. Komandogeschicht wäira dai Ribeiro’s un
Almeida’s. O comando político sempre esteve com os R e A. Dai
däira de pot drekig måka. Estes sujavam o pinico. Air wäir den aisDjalmo Coutinho. Certa vez houve um –DC. Dem häwa’s wäält as
prefeit. Este foi eleito como prefeito. Dai is uk riner kooma. Ele
também foi empossado Den schul’d jå uk ais aners waara im Bout.
Então se esperava que a situação em SL fosse mudar. Dun is hai
mit ais doudschoota woura upa stråt un kair wät’t bet hüüt wem’t
daua hät. Este foi de repente assassinado na rua e ninguém sabe
até hoje quem fez isto. Mud air up aim houg huus kroopa sin un dai
prefeit stüün upa stråt, for aina bakarig un forteld. Alguém deve ter
subido numa casa alta e o prefeito estava na rua em frente a uma
padaria conversando. Dun küümt ain kuugel fon båwen ruuner... Daí
veio uma bala de cima para baixo... Mud upgeschikt wääst sin. Deve
ter sido a mando. Dai meisch mud hijner roiwer wou dai katoulisch
kirch steid uutreeta sin. Esta pessoa deve ter fugido pelo outro lado
onde está a igreja católica. Dai lüür haara sich ala fröigt dår im Galo
rümer, nuu küü’t ais beeter waara for eer. Na região do Galo as
pessoas estavam contentes na esperança de que agora a situação
poderia melhorar para elas. Djalmo Coutinho wäir de konista eer
gans. DC era todo dos colonos Dai hail feel for eer. Tinha muito
apreço por eles. Dai wul nischt waita fona ‘colarinho branco’. Não
queria saber nada dos “colarinhos brancos.” Hair wäir air gans
ainfach meisch. Era uma pessoa bem simples. Hai seer, sai küüna
sich går ni sou groud inbijla. Ele dizia que eles nem podiam se fazer
de grandes. Wen dai konista häin ni wäira den haara sai ala nischt.
529
Não fossem as mãos dos colonos ninguém tinha nada. Da meista
nenta dai konista grår as fai. A maioria considerava os colonos
como gado. Dat is dai gans tijd sou wääst, bet dai konista im Bout
ais beeter inachtnooma woura, bet Franz Schwartza sijn tijd. Foi
assim o tempo todo até que os colonos foram levados mais em
consideração, até no tempo de FS. Fon dun an hät sich dai sach
bitska up’d konij stelt. Desde então a coisa (política) colocou-se um
pouco mais em favor da colônia. Dai wäira dun t´houp mit dai lüür fo
Sta Maria Estes (os S. uniram-se com o povo de Sta.Maria .(Hüüthoje- ‘a cidade mais pomerana’) . Dår sün dai düütscha houghula
doir’t dai Bergers. Ali os alemães foram valorizados através dos B.
Am Bout wäira dai düütscha ainfach drek. Em SL os alemães eram
simplesmente esterco. Dår sün dai düütscha glijk fon anfang an ni
inachtnooma woura. Ali os alemães logo de início não foram
valorizados. In Campinho Em Campinho. In Campinho is dat den uk
ni sou wääst. Em Campinho não foi tanto assim ( a política não foi
tão contrária). Dai wäira meir up dera konista sijr. Eles estavam mais
do lado dos colonos. Dår wäira dai Gehardt’s, dai Santos. Eram os
G. e os S. Arthur Gehardt wäir air gaur dokter. AG era um bom
médico. Dår häw ik seir mit t´houp arbeid. Com ele eu trabalhei
muito. Dår wäir nog ain heibam. Havia uma parteira. Dat wäir ain
Brikweeds määka. Era uma menina dos B. Dai güng oft in Arthur
Gehardt sijn stel, wen dai ni küün. Ela atuava muitas vezes no lugar
de AG quando este estava impedido de ir. Wilma, mij määka, hät
Arthur Gehardt tau wild brögt. AG fez o parto de minha filha W. Mijn
schwijgermuter föng door nischt meir mit an – dai wäir ain groud
parteira. Minha sogra, uma parteira de mão cheia, não estava mais
sabendo o que fazer. Dun hät müst mijn fruug drågt waara bet
530
Campinho up´m naka. Então a minha mulher teve que ser carregada
nas costas até Campinho. “Gott sei Dank – is juuch dai angst airer
injågt. Graças a Deus – o medo se apoderou de vocês antes da
hora. Dår is nog nischt forloora gåa. Ainda não se perdeu nada. Dat
duurt nuu nog oiwer twai stuun”- sär hai. Ainda vai demorar mais de
duas horas – disse ele. Dat wüst hai sou genau. – isto ele sabia tão
exatamente. Hai foit de puls an, keik dai ougen... Ele tomava o
pulso, olhava os olhos... Fåter däir twijla åwer ik haar mijna glouba
dår an. O pai duvidava mas eu tinha a minha fé nisto. Ik haar feel mit
em t´houparbeid, überhaupt politisch. Eu trabalhei muito com ele,
principalmente na política. Hai wäir aina seir gaura ‘político’ Ele era
um bom político. Ik hail feel fon em. Eu o estimava muito. Wäir hai
uk gruin.hemd? Ele também foi camisa- verde? Não, não, dår haar
hai nischt mit tau dauen. Não, não, com isto ele não tinha nada a
haver. Gruin hemda wäira Waldemiro Hülle, Arthur Schneider,
Octaviano Santos un Osvaldo Schmidt. CV eram WH AS OS e OSc.
Schmidt däir upa stråtkompanij arbeira. Schmidt trabalhava na
companhia de estradas. Dai wäir ni sou fanatisch as Arthurzinho
Schneider. Este não era tão fanático assim com AS. Dat wäir taum
kotsen wen dai anföng. Era de vomitar quando este começava. Wen
dai ana preegen anföng, den güng ik al wijrer. Quando este
começava a discursar, eu já me afastava. Dat lait sou as wen mit
dem Integralismo dai lüür ala lebendig ina himel günga...
Parecia como se com integralismo as pessoas entrariam vivas
no céu... Wou dai lüür den ala bihaneld wäira...Como as pessoas
seriam tratadas... Hüütsendågs kreiga sich dai lüür kair uunarhemd
köft, den kreiga’s ales duuwelt geschenkt. Atualmente as pessoas
não conseguiam nem comprar uma camiseta, (com os integralistas
531
no poder) elas ganhariam tudo em dobro. Dai feela lüür laita sich dat
jå ales sou suit inreera, wen Arthur Schneider anfänga däir. A maoria
do pessoal entrava na conversa doce dele, quando AS começava.
Måger wäir hai ma fon puura slechtigkeit. Era magro de pura
maldade. Fruugslüür haila bij em ni uut. Mulheres não aguentavam
com ele. Fruug wäir for em air stük fai. Mulher para ele era uma
cabeça de gado. Un dat wäir uk den ni richtig bij de integralisten. Isto
também não era certo por parte dos integralistas. Dai ul Eduard
Schneider hät müst sij ‘diploom’ köipa. O velho ES teve que comprar
o seu diploma. Hai hät går ni sou feel leirt taum doirkoomen. Ele
nem estudou tanto para passar. Hai haar aina afkåt in Vitória wat em
helpa däir. Ele tinha um advogado em Vitória que o ajudava. Dem
dröig hai dai papijra hen. A este ele levava os papéis. As
landforsrijwer haar hai groud ansaien bij de lüüra wail hai düütsch
küün. Como escrivão de terra ele tinha muito prestígio junto ao povo
porque ele sabia o alemão. Doir’t dai gruin.hemda maik hai sich
gröita as hai wäir. Através dos CV ele se fazia maior do que era. Ik
wäir ümer nijdlich un keik sijn papijra wat hai srijwa däir an sijm chef.
Eu sempre era curioso e olhava os seus papéis que ele escrevia
para o seu chefe. Sou’n keirls srijwa jå slecht, åwer ik kreig’t lijkerst
leest. Tais homens escrevem mal, mas mesmo assim eu conseguia
ler. Dårdoir kaim ik hijner dat hai gårni sou geleirt wäir. Com isto eu
descobri que ele nem era tão estudado assim. Ik däir in dera tijd as
kascheir arbeira bij Eduard Dietrich un müst an em sijn stel oft
ruuner nana stad sachen forköipa un Arthurzinho däir den t´houp
reisa. Eu trabalhava nesta época como cacheiro com ED e muitas
vezes eu tinha que ir a cidade em seu lugar vender mercadorias e A
então viajava comigo. Hai däir den sijm chef peru.håns mitneema un
532
fain ingemåkta büt. Ele levava perus e pacotes bem embalados para
o seu chefe. Hai däir sich bij de lüüra landforsrijwen un doirhelpen
oiwerneema. Ele assumia escriturações de terra e advogava junto
com o povo. Dai lüür naima sich em ala an wijl hai düütsch küün. O
povo o contratava porque falava alemão Un dårbij maik hai sich
beeter as hai wäir. E com isso ele se fazia melhor do que era. Dai
integralisten gaiwa em de buunta kitel. Os integralistas davam-lhe o
paletó colorido (aval). Sijr chef wäir air ordentlich registrijrt afkåt. Seu
chefe era advogado devidamente registrado. Arthurzinho wäir air
‘laienbruder’- air handlanger- dat häw ik ruuterkreega. A.. era um
irmão-leigo - um servente- isto eu descobri. Oswald Schmidt un
Franz Seibel wäira ‘fiscals’ oiwer dat stråtmåken un ‘cabo eleitoral’.
O Sch FS eram fiscais na construção de estradas e “cabos
eleitorais”. Seibel wäir de fruuges eer kandidat. S era o candidato
das mulheres. Dårweechen is hai doud schoota woura. Por isso foi
assassinado. Mit Ulrich Hülle sijn fruug haara dat ümer. Sempre
tinha caso com a mulher de UH. Un de lait dat sou hässlig. E era tão
feia. Ik wait ni wat dai keirls dåran saichta. Não sei o que os homens
viam nela .
533
ANEXO D
Bom dia, Ivan!
Segue anexo mais uma entrevista que gostaria de compartilhar.
Ainda estou a ler com muito gosto o teu livro. Tenho lembranças,
detalhes, exemplos e fatos que a leitura evoca e que
vou acrescentando no meu imaginário. Acho que deve se essa a
função de um bom livro. Fazer o leitor ler a sua própria história.
Abraços
Anivaldo
Melgaço 2004
Entrevista transcrição e tradução: Anivaldo Kuhn
Proposta de Grafia da Língua Pomerana: Ismael Tressman
Dat mud 1926 wääst sin. Deve ter sido por volta de 1926.
Dun wäir dai kafa aister teigen de rouba. O preço da @ de café era
dez milréis. Dun güng hai ruper bet fuwsich mijlreis. Aí ele subiu até
cinquenta milréis . Dat wäir ain upberaupt. Isso foi um falatório. Ainer
dag güng fåter ruper nana vend – Teodoro Espíndula – un kaim naa
huus: Um dia papai subiu a venda –T.E.-e chega em casa “Waita jij
wat?” säär hai. Vocês querem saber de algo? – disse ele “Dai kafa
waard sou bijlig.” O café está ficando tão barato. “Säg doch ni
souwat” säär muter. Mas não diga isso! disse a mãe. Dun wäir dai
kafa mit ais up dat hälwt fala. O café tinha caído até a metade do
preço. Wäir ma nog blous twansich. Só valia ainda vinte. Fon aina
dag bet dem andra. De um dia para o outro. Dun is dai kafa
ruunergåa bet sös, soiwen mijlreis. Depois o café baixou até seis,
534
sete milréis. Un sou is hai uk bleewa bet 1940. E assim ficou até
1940. Dun ais wij dit land hijr köipa däira dun wöir dai kafa neegen
mijlreis de rouba. Quando nós compramos este terreno aqui, o café
foi até nove milréis a @ .Früüer wäir dai kafa jå in rouba forköft.
Antigamente vendia-se o café em @. Dai airst kafa wat ik hijr den
håw t´houpmåkt – dat wäir den ma weinig – dun gaiw Heinrich
Krüger hijr neegen mijlreis for aina rouba un João Klein gaiw neegen
un aina halwa mijlreis. O primeiro café que nós colhemos aqui – era
pouco- então HK aqui dava nove milréis pela @ e JK dava nove
milréis e quinhentos. 1940 föng dai kafa dun langsåm ana stijgen.
Em 1940 o café começou a subir devagarzinho. Hijr wäir nåheer
feela kafa. Aqui depois tinha muito café. Wij häwa nåheer oiwer sös
huunerd rouba kafa t´houpmåkt. Depois nós colhemos mais de
600@. Dun gaiwt hen taum dai landschulden meist ala grårmåken.
Aí foi possível quitar quase todas as dívidas de terra. Dun wäir dai
kafa teigen mijlreis de rouba, firtsig konta de sak. Aí o café estava a
dez milréis a @, quarenta conto a saca. Un sou güng hai den ruper
bet twelw, fuwtsig de rouba. E assim ele foi até doze, quinze milréis
a @. - Kan man sich denka wat dai lüür dun ni ansteld häwa, ais dai
kafa fuwtsig mijlreis de rouba wäir...É possível imaginar o que se
aprontou, quando o café estava valendo cinquenta milréis a @...
Duu laiw tijd, dai sün forrükt woura. (Querido tempo) Estavam fora
de si. Dai ula fon Holand däira sich dat nåheer bet halwa nachta nog
fortela. Os velhos da Holanda rememoravam isto até altas horas da
noite. Dai hougmuut wäir sou groud woura. A soberba tinha crescido
tanto. Dai air haar sich aina fuwsiger schijn ruuter hålt – aina rouba
kafa- un haar´n anstikt. Um tirara uma nota de cinquenta (do bolso)uma @ de café- e ateara fogo. Dai anerd haar werer aina anstikt un
535
forbrend.O outro tornava a queimar outra nota. Dat häwa dai lüür
måkt. (1925/26). Isso as pessoas fizeram. Wat gaiwt in de tijd taum
forköipen? O que existia naquele tempo a venda? Wanduura,
taschauura, kunsertijnas, neigmaschijna un geweera küüst duu köipa
sou aint as duu häwa wust, karabijna, winchester... Relógio de
parede, de bolso, concertinas, máquinas de costura, espingardas
você podia comprar como quisesse, carabinas, winchesters... Dat
wäir ales am Bout taum forköipen, bij dai Vervloets – dai wäira
“atacadistas”. Tudo isso estava a venda em Sta Leopoldina com os
V. – eles eram atacadistas. Güng dai kafa dun ina kanous nog
ruuner? O café descia ainda por canoas? Dun wäira nog kain
wågen. Não existiam carros. Dat güng ales ina kanous ruuner. Tudo
descia de canoa. Ik häw nog kanous uplåren saia. Eu ainda assisti o
carregamento de canoas. Im Bout stäit hüüt nog dai rön... Em Sta
Leopoldina ainda existe a bica... Uunerkand am fluss wäira schijr
kafahüüser. Ao lado do rio só existiam armazéns de café. Dår brögta
dai vendisten fon ala geigenda de kafa hen. Ali os vendistas de
todas as regiões traziam café. Fon dår güng dai kafa ruuner upa
kanou. De lá o café descia sobre a canoa. Up dai rön dår laita sai de
kafa ruunerrutscha ina kanou. Sobre a bica o café deslizava até a
canoa. Dai “barqueiros” naima dai säk un pakta dai upa kanou hen.
Os barqueiros pegavam as sacas e as empilhavam na canoa.
Woufeel stuun brüükta sai bet sai na Vitória kaima? Quantas horas
eles gastavam até chegar a Vitória?
536
Figura 56: A Venda (Imagem gentilmente cedida
por P. Anivaldo Kuhn).
Sai günga ruuner bet Ponta da Pedra. Eles iam até Ponta da
Pedra. Dår haara sai luurt bet dai sei fala däir – kijk, den löpt dat
wåtar jå af – den wäira sai mitgåa. Lá se esperava até a queda da
maré – pois, veja, aí a água escoava- e aí eles iam junto. Sai häwa
ain nacht un aina dag bruukt. Eles gastavam uma noite e um dia.
- Dai klain stråt im Bout schal sich früür uutstopt häwa mit
kangalaeesels. A pequena rua de StaLeopoldina ficava repleta de
burros de cangalha.
Dai klain stråt wäir ful mit eeselstropa. A ruela se enchia de
burros de tropa. Dår hät geewt mit kneewelstok dat sou juucha däir.
Ali havia briga com cambito de cangalha que chegava a cantar. Dai
swaarda fon Afonso Cláudio – dai küüna sich ni lijra t´houp. Os
negros de AC não se toleravam. Dat wäir seir eeklig, roug folk. Era
537
um povo cru. Wat dai Costa wäir, wat hijr ruuner güng – häw ik nog
beleewt – hijr sün sai nog gåa ais ik hijr al woona däir. O que era o
C. que descia por aqui, - eu ainda vivenciei- eles ainda transitavam
por aqui quando eu já morava aqui. Dai haar teigen lot eesels. Ele
tinha dez lotes de burro. Dat wäir seir roug folk. Era um povo cru.
Dat wäir kair gaur folk. Não era gente boa. Hijr wäir dai richtg
tropaweeg. Aqui era a rota certa das tropas. Güng ruper doirt
RioClaro, Rio Lamego un Garrafão bet Afonso Cláudio. Subia por
Rio Claro, Rio Lamego e Garrafão até Afonso Cláudio. Dai häwa
firtsein dåg bruukt, hen un tröig fon Afonso Cláudio bet nam Bout.
Eles gastavam quatorze dias, ida e volta de Afonso Cláudio a Sta
Leopoldina. Acht dåg ruuner un acht dåg ruper. Oito dias para
descer e oito dias para subir. Ruuner günga sai mit kafa un ruper mit
weitmeel. Eles desciam com café e subiam com farinha de trigo.
Weitmeel wäir in dera tijd swår taum häwen, ni sou licht as
hütsendågs. Trigo era difícil de se comprar, não tão fácil como hoje.
Tau Wijnacht laip ales hijnem meel. No Natal tudo corria atrá de
trigo. “Jå, wen man weka krijga...” säär Heinrich Krüger. Tudo bem
se a gente conseguir algum (trigo), dizia HK“Forsprääka kan man
ni.” Não posso garantir. Oft wäir´t eidailt wat kaim. Muitas vezes
dividia-se o que vinha. Wek küüna sich kaina sak köipa. Alguns não
tinham como comprar um saco. Dai köfta sich den aina halwa sak.
Estes compravam um meio saco. Feel köfta sich aina rouba. Muitos
compravam uma @. Meel wäir in de tijd düür. Trigo era caro naquele
tempo. Ais ik hijr anfånga häw, dat kan ik dij uk nog fortela, dun wäir
mijn hogtijd, mit fuwsig famijlcha. Quando eu comecei aqui, isto
também posso lhe contar, aí aconteceu o meu casamento com
cinquenta famílias. Fåter köft sijna sak meel hijr bij Heinrich Krüger,
538
hai wäir den meist hijr an. O pai comprou o seu saco de trigo com
HK, na maior parte do tempo ele era freguês dele. Brauna lüür däira
den meist bij João Kleina hanla. O pessoal dos Braun negociavam
mais com JK. Dai köfta eera sak meel dår den. Eles compraram o
seu saco de trigo lá. Dat wäira den twai sak meel tau ous hogtijd.
Eram pois dois sacos de trigo para o nosso casamento.
Ainunfuwsich mijlreis kost dai sak meel dun un dai rouba kafa wäir
soiwen mijlreis. Cinquenta e um milréis custava o saco de trigo e a
@ de café custava sete milréis. Müsta soiwen rouba kafa sin tau
aina sak meel. Tinha que ter sete @ de café para um saco de trigo.
Bijnå twai sak kafa tau ainem sak meel. Quase dois sacos de café
para um saco de trigo. Aina haud däir draisig mijlreis kosta. Um
chapéu custava trinta milréis. Wäir går ni sou aina gaura. Não era
dos melhores. Air gaur kost fuwsich mijlreis. Um bom custava
cinquenta milréis. For air pår schau müst ik fünfundraisich geewa.
Por um par de sapato eu tive dar trinta e cinco milréis. Air gewöinlig
ansuug kost fuwsich mijlreis. Um terno normal custava cinquenta
milréis. Nam meel nå wäir air ansuug bijlig. Em comparação ao trigo,
o terno era barato. Dat eeten wäir düürer. A comida era mais cara.
Wita suker wäir nij aners köft as tana fest taum broudbaken. Açucar
branco só se comprava para festa, para fazer pão. Rijs wäir nij köft,
blous aina kijla taum rijssup kooken tana fest. Arroz não se
comprava, só um quilo para fazer sopa de arroz para festa. Wem
weka wul eeta, dai müst sich weka planda. Quem quisesse comer
arroz, tinha que plantá-lo. -Meel in fässa. Farinha de trigo em barril.
Gans früür is dat meel in fässa kooma. Bem antigamente o trigo
vinha em barrís. Bij grousfåters huus stüün nog ümer sou ain fass.
Na casa do vovô sempre tinha um tal barril. “Na, wat is dat fåter?”
539
fruiga wij kiner. O que é isso vovô, perguntávamos nós crianças. Dat
is ain meelfass. Isto é um barril de trigo. Früür is dat meel uutlandsch
kooma in fässa. Antigamente o trigo vinha do exterior em barrís. Un
dai wäir seir düür.E ele era muito caro.
Figura 57: Anton Laurett- Alto Jequitibá. (Imagem gentilmente
cedida por P. Anivaldo Kuhn).
Nåheer kaim dai uut Argentinien. Depois ele vinha da
Argentina. Mij grousfåter – Anton Laurett- hät hijr in Brasilien ana
arbeiren anfonga bij dai fazendeiros, mit dai esklawen. Meu avô AL
começou a trabalhar aqui no Brasil com os fazendeiros junto com os
escravos. Sai häwa drai weeka in ains waldhougt. Eles ficavam tres
semanas seguidas derrubando mata. Hai hät kair brasiliånisch
forståa un taum mit dai lüür oiwerainkoomen is dat swår wääst. Ele
540
não sabia brasileiro e foi difícil a comunicação com o pessoal. Hai
hät aina halwa mijlreis up air arbeidsdag fordaint. Ele ganhava
quinhentos réis por um dia de trabalho. Nåheer hät hai sijn kunij
alaina anfonga. Depois ele começou a sua colônia por conta própria.
Dai holäiner häwa dai brasiliånisch språk rasch leirt. Os holandeses
aprenderam a língua brasileira rapidamente. Dai pomer häwa dai
språk ni sou rasch leirt. Os pomerânios não aprenderam a língua tão
depressa. Jeirer holäiner däir dai brasiliånisch språk reera. Todo
holandês falava a língua brasileira. - Laig dat dår an dat dai holäiner
dichta bij dai brasiliåner woona däira? Isso tinha a haver com o fato
de que os holandeses moravam mais pertos dos brasileiros? Jå, dat
het dår anleega. Sim, isso tinha a haver com este fato. Sou går wij
hijr, as wij sou geetliga jongas wäira fon drai bet fair jåra, wij häwa
brasiliånisch leirt fon aim swarda wat sklawa wääst wäir. Até nós
aqui, quando éramos meninos de tres a quatro anos, nós
aprendemos o brasileiro de um negro que fora escravo. Hai hät hijr
bij de Schaffels woont. Ele morava aqui com os S. Hai wäir air seir
gaur arbeidsmeisch. Ele era muito bom de serviço. Dårdoir häw ik un
Emil brasiliånisch reera leirt. Através dele nós, eu e Emílio
aprendemos o brasileiro. Åwer dai gansa lüür hijr rümer- dår küüst
duu gåa fo huus bij huus, dai däira ni “bom-dia” forståa. Mas a
maioria do pessoal por aqui- você podia ir de casa em casa- eles
não entendiam nem “bom”-dia. Dat wäira ma gans pår lüür wat
brasiliånisch küüna. Eram bem poucas as pessoas que falavam o
brasileiro. -Wouweegen is Anton Laurett naa Jequitibá henkooma?
Porque A.L veio para Jequitibá? Dat is dårdoir passijrt dat sij, dat
airst määka Joana, dai hät sich aina brasiliåner anschaft. Isso
aconteceu por causa da sua filha mais velha Joana que se ajuntou
541
com um brasileiro. Uk kain eekliga lüür, uk ni sou seir bruun, meir
sou hel. Não eram gente má, nem tão morenas, eram mais claras.
Un hai hät sich dåroiwer argert, dat wäir früüer ni sou gans klår
t´houp Ele se aborreceu com isto pois isso não era tão pacífico
antigamente. Dår wäir ümer aina uunerscheijd tüschen dat düütsch
folk un dat brasiliånisch folk. Sempre existia uma diferença entre o
povo alemão e o povo brasileiro. Dår hät hai sich oiwer argert un hät
sijn koni tuuscht mit Han Boone, dai däir hijr woona. Ele se
aborreceu com isso e trocou a sua colônia com HB. Anton is hijr
hentrekt un Han is dårruuner naa Holandinha hentrekt, dår wou
Alfred Heuler hüüt woont. A mudou para cá e H mudou para lá onde
hoje mora o AH. Dat is mijn ul grousfåtarsstel wääst. Esse foi o velho
lugar do meu avô. Soulang ais hai leewt hät, hät hai hijr wijrer arbeid.
Enquanto ele viveu, ele continuou o trabalho aqui. Hijr in Jequitibá
hät hai dat pomrisch reeren leirt. Aqui em Jequitibá ele aprendeu a
falar o pomerânio. In Holandinha hät hai brasiliånisch leirt. Na
Holandinha
ele
aprendeu
o
brasileiro.
Hai
küün
uk
gaud
hougdüütsch reera. Ele também sabia falar bem o alto alemão. Dat
wäir em ales glijk. Tudo era igual para ele. Soulang as dai düütscha
praisters kooma sün, hät hai eer språk uk leirt. Enquanto vinham
pastores, ele aprendera a língua deles também. -Woudoir kaim dat,
dat hai mit dai düütscha praisters t´houp wäir? Através de que
aconteceu o contato com os pastores alemães? Wäir hai ni
Calvinist? Ele não era Calvinista? -Hougdüütsch häwa sai leirt doirt
dai kirch. O alto alemão eles aprenderam através da igreja. Sai
häwa dai “Numer Eins Kirch” in Luxemburg buuga hulpa. Eles
ajudaram a construir a igreja Nr Um em Luxemburgo Dai hät Anton
trecht måka hulpa. Esta A ajudou a concluir. Jeirer mitglijd hät müst
542
firtsich bet fuwsich dåg arbeira helpa un fuwsich mijlreis geewa.
Cada membro teve que doar quarenta a cinquenta dias de trabalho
e cinquenta milréis em dinheiro. Dat wäira ma weinig mitglijra. Eram
poucas famílias-membro. Dai sün uuner fon Holandinha bet
Luxemburg kooma taum dai kirch upstampa helpen. Eles vinham lá
debaixo da Holandinha para ajudar a (socar) construir a igreja. Wen
dai lüür dat hüüt nog schula måka? Se as pessoas tivessem que
fazer isso hoje ainda? Åwer wouweegen? Mas porque? Dai
düütscha haara sou ain haimwei up dat goteswourd wat sai dårlåta
haara taum hijr rinerwandren.Os alemães (europeus) tinham
saudade da palavra de Deus que eles tinham deixado ao imigrar
para cá. Sai häwa dat weird geewt un eirt. Eles davam valor e
honravam a palavra de Deus. Dai häwa dår fruir an hat. Eles tinham
prazer nela. -Forstüüna dai lüür hougdüütsch? As pessoas
entendiam o alto alemão? Früüer wäira seir feel lüür, dai forstüüna
blous pomrisch un dat hougdüütsch forstüüna sai uk ni. Antigamente
havia muita gente que só entendia o pomerânio e o alto alemão elas
também não entendiam. Dai meist sål häwa bits hougdüütsch ina
schaul leirt. A maioria aprendeu um pouco de alto alemão na escola.
-Dem ula Anton sij jong – dai däir uk Anton haita – dai is langtijd
schaulleirer wääst in Holandinha. O filho do velho A- que também se
chamava A- foi por um longo tempo professor na Holandinha.
Soulang as ik mij denka kan hät hai schaul hula in
Holandinha. Desde o tempo que tenho lembrança ele dava aula na
Holandinha. Un hai kü uk hougdüütsch reera. E ele também falava o
alto alemão. Dai praisters fo Luxemburg bleiwa nacht bij em wen sai
in Holandinha kirch höila. Os pastores de Luxemburgo pernoitavam
na casa dele quando davam culto na Holandinha. Dår däira sai
543
diskutijra un sich oiwer manches oiwerlega. Lá eles discutiam e
refletiam sobre assuntos diversos. Mit dai krüütsa upa kirchhof wula
dai früüscha holäiner nischt waita. Os holandeses antigos não
queriam saber de cruzes no cemitério. Nei, uk ni ina kirch. Não, e
também não dentro da igreja. Un nog air dail: E mais outro detalhe:
Soulang as ik mij denka kan, güng grousfåter Anton ümer tau
stilafrijdag na Holandinha taum åwendmål. Desde o tempo que eu
me lembro, o avô A sempre ia na Sexta-feira Santa a Holandinha
para Santa Ceia. Hai güng hijr ni taum åwendmål dat dai krüütsa dår
ståa däira. Ele não ia aqui para Santa Ceia por causa das cruzes no
altar. Dat krüüts wäir fo eer (holäinar) ni eirt, dat wäir foracht,
dårweegen dat Jeisus ant krüüts någelt wäir. A cruz não era honrada
por eles (holandeses), era desprezada porque Jesus foi pregado
nela. Hai güng hijr ni taum åwendmål weegen dai lichta un dat
krüüts. Ele não ia aqui para a Santa Ceia por causa das velas e da
cruz. Früüer wäira dai Berlinerpraisters – dai wäira ni glijk Luteraner.
Antigamente haviam os pastores de Berlim – eles não eram logo
luteranos. Nana kirch güng hai hijr den na Jequitibá. A igreja ele ia
aqui em Jequitibá. Grousfåter Treichel is foursteir wääst. O avô T era
presbítero. Sai sün ala toupreera nana kirch upm barg. Eles
cavalgavam juntos para a igreja no morro. Wen den taum åwendmål,
den güng hai na Holandinha. Para a Santa Ceia ele ia para
Holandinha. Dat kan ik mij nog denka as wen´t hüüt wääst ist. Disto
eu me lembro como se tivesse sido hoje. Hai satelt sich de wita
walach up un reir naa Holandinha. Ele arreava o cavalo branco e
cavalgava para Holandinha. Wou gäit grousfåter hen?Para onde vai
o vovô? Hai güng na Holandinha. Ele ia para Holandinha. Dår wäira
kain krüütsa. Lá não havia cruzes. -Naima dai praisters dat dår an
544
oona krüütsa? - Os pastores aceitavam o não uso de cruzes lá? Jå,
dai häwa dat müst anneema. Sim, eles eram obrigados a aceitar.
Dat häwa dai holäiner ni erlaubt for kaina prais. Isso os holandeses
não aceitavam por preço nenhum. Sai häwa diskutijrt. Eles
discutiam. Wij dråga doch al ous krüüts! Nós já carregamos a nossa
cruz. Sou går mit dem katoulischa påter haar fåtar sijnt mit. Até com
o padre católico meu avô discutia. Dat wäir dai ul Padre Oto. Era o
velho padre O . Dai wäir richtig uut Düütschland. Ele era alemão
legítimo. Dår güng hai up besuuch hen. Meu avô ia visitá-lo. Dai wäir
seir, seir t´houp mit praisters un påters, åwer ümtuuscha lait hai sich
ni. Ele tinha muito contato com pastores e padres, mas não se
deixava trocar ( era homem de opinião). -Wou güng dai weeg hijr na
Holand? Por onde passava o caminho para Holanda? Küüst doir
Luxemburg urer doir Tiroul gåa. Você podia passar por Luxemburgo
e Tirol. Wij günga doirt Farijnflus, Swaarda Felsen un Tiroul. Nós
passávamos pelo Rio da Farinhas, Pedra Preta e Tirol. Dat is gans
näig åwer seir slecht stråt. Esse caminho é bem perto mas a estrada
é péssima. Dat wäir früüer ales mit rijren. Antigamente era tudo a
cavalo. Dai fon Holand kaima hijr seir oft up besuuch. Os da Holanda
vinham aqui com frequência para visita. Fåter güng dår uk oft hen. O
avô ia lá também muitas vezes. Ik urer mij braura Emil, air fo ous
güng ümer mit. Eu ou meu irmão Emílio, um de nós sempre ia junto.
-Woufeel stuun wäira dat taum rijren? Eram quantas horas a cavalo?
Ik main soiwen stuun. Eu acho umas sete horas. Sou aina slechta
weeg. Uma estrada tão ruím. Ales tauwussa un ful mit karpata.Toda
fechada de mato e cheia de carrapato. Ais ik dat airst mål mitwäir, ik
häw dai gans nacht ni slåpa. Na primeira vez que eu fui junto, eu
quase não dormi durante a noite toda. Dai karpata häwa mij
545
buuntfreeta. Os carrapatos me deixaram pintado de tanto morder. Ina reegentijd wäir dat reisen uk ni licht? -Na época de chuva, viajar
também não era fácil? (Antoninho) Sou as dai wågen hüüt steekend
blijwa, sou bleiwa früüer dai eesels steekend im mora.(Antoninho é o
filho) Assim com os carros hoje ficam agarrados, antigamente os
burros ficavam agarrados na lama. Ik kan mij nog denka dai weeg
wat hijr de barg ruper güng na Rio Claro. Eu ainda me lembro da
estrada que subia aqui no morro em direção a RioClaro. Dat wäira
blous stufta, wek fo aina halwa meiter houg wou dai tijra ruperstijga
müsta. Eram somente degraus, alguns de meio metro de altura que
os animais tinham que escalar. Am buuk wäira de tijra eer håra ala
afsrupt. Os pelos da barriga dos animais estavam todos raspados.
Dat kan ik mij uk nog denka. Disso eu ainda me lembro. Wij haara
ais acht urer neegen fetbörch. Nós tínhamos uma vez oito ou nove
capados. Adolf Pagung däir dai leewig köipa. AP os comprava vivos
.Un dun häwa wij müst dai hijr ruunerkeira- wätst dat nog, papa? E aí
nós tivemos que conduzí-los daqui para baixo – tu ainda te lembras,
papai? Sou kreig ma´s ni drågt, dun häw ma´s henkeird. Não havia
como transportá-los, aí tivemos que conduzi-los. Dai gåa gaud wens
upa stråt sün. Eles andam bem quando estão na estrada. Dai gåa ni
uuter weeg. Eles não saem do caminho. Dai gåa ümer sou langsåm
weg. Eles vão sempre devagar para frente.
(Antoninho) Dat wäir 1968. Isto foi em 1968 Dun däir papa
sich as aina wåga köipa Aí papai comprou um carro. (Chevrolet 51Cara de Sapo) Dun wäira wij nog ala t´huus. Nós estávamos todos
em casa. Wäira söss kiner, haar nog kair frijgt. Eram seis filhos,
nenhum havia casado. Drai jonges un drai määkes.Tres rapazes e
tres meninas. Un dun köft papa de wåga un wij haara seir feel
546
schulden åwer wij haara uk seir feela mandjuk ståend. Ai papai
comprou o carro e nós tínhamos muitas dívidas mas também
tínhamos muita mandioca para colher.
Figura 58: Mulheres pomeranas.(Imagem gentilmente cedida
por P. Anivaldo Kuhn).
Wij häwa mandjuk drågt...Nós carregamos mandioca. Wij
häwa moirns anfonga bet åwends klok neegen, teichen ina farijnmoil.
Começavamos (o trabalho) de manhã até nove, dez horas da noite
no quitungo. Wij moika draisig bet fünfundraisig sak farijn upt week,
bet wij de wåga betålt kreiga. Fazíamos trinta a trinta e cinco sacos
de farinha por semana até conseguirmos pagar o carro. Dai mandjuk
547
wördels wäira ala upa naka drågt. As raízes de mandioca eram
carregadas todas no lombo. Nog ni ain schuuwkar haar ma, åwer wij
häwa de wåga betålt kreega. Nem um carrinho de mão tínhamos,
mas nós conseguimos pagar o carro. Wou düür wäir dai wåga? Qual
foi o preço do carro? Soiwen duusend mijlreis un dai farijn, wen mijt
recht is, kost fünfuntwantsig de sak. Sete mil milréis, se não me
engano, e a farinha valia vinte e cinco milréis o saco. Åwer wij haara
uk kafa. Mas nós tínhamos também café. Wij haara simlig feela kafa.
Nós tínhamos bastante café. Wij häwa de kafa wegbrögt fon hijr naa
Caldeirão. Nós transportamos o café para Caldeirão. Wij häwa de
kafa afgeewt för de wåga. Nós entregamos o café pelo carro. Wij
häwa twai reisa måkt. Nós fizemos duas viagens. Dai wåga wäir
houg bilårt mit slusakafa. O carro estava extremamente carregado
com café em coco Wem fuira däir, wäir Carlinhos Schwarz. Quem
dirigia era era CS. In de tijd we aina wåga fuira däir, dat wäir air seir
angesaiend meisch. Naquele tempo quem dirigia carro era um
sujeito renomado Julius Krüger un Heinrich Röpke – dat wäira dai
airsta fuirers. JK e HR eram os primeiros motoristas. Wij häwa dun
dragta wegbrögt. Nós fazíamos transportes. In de tijd wäira
firtsigkijlakisten uplårt. Naquele tempo trabalhava-se com caixas de
40 quilos. Dai wåga wäir öftens mit fijw raiga kisten uplårt. O carro
era muitas vezes carregado com cinco carreiras de caixas .Den
wäira duwelt keera uunermåkt. Aí colocava-se corrente dupla. Wij
sin moirns hijr wegfuirt un åwends airsta ankooma wou dai asfalt nuu
gäit. (20km) Nós saíamos de manhã e só chegávamos de tarde
onde hoje passa o asfalto. Drai dåg däir dat duura bet wij airsta
werer tröig wäira fona stad. Levava tres dias para estarmos de volta
da cidade. Ik un Alfred däira jeira week mit ain schuuwkar- mirweeks
548
wäir ous dag- moralöcha uutdråga mit stain wou dai wåga hängend
bleiw. Eu e A íamos toda semana, quarta-feiraera nosso dia - com
um carrinho de mão fechar os atoleiros com pedras onde o carro
ficava pendurado. Dat wäir ous arbeid mirweeks. Este era o nosso
trabalho na quarta-feira. Dai rest tijd wäir ma den upm land. O resto
do tempo a gente trabalhava na roça. Dragt t´houpbringa mit dem
wåga sou as hüüt brüükst går ni andenka. Ajuntar carga com o
caminhão como hoje, nem pensar. Dai dragt wäir ales mit tijra
t´houpdrågt. A carga era toda ajuntada com animais. Sou häw ma
den langsåm anfonga. Assim a gente começou devargarzinho.
Figura 59: Engenho de Farinha.(Imagem gentilmente cedida por
P. Anivaldo Kuhn).
549
Sou licht as hüütsendåg wäir dat ni. Tão fácil como hoje não
era. Wen dai wåga hijr weg güng, dår müsta fijw, söss man bijsin bet
dai airsta uuner wäir wou dai asfalt nuu gäit. Quando o carro saía
daqui tinha que ser acompanhado com cinco, seis pessoas até onde
hoje passa o asfalto. Blous taum haken un doirhelpen. Só para cavar
e ajudar a passar. Öftens kaim dai maschijn ais riner un wen´t den
reegen däir, den wäir´t gans u går uut. Às vezes passava a máquina
e quando então chovia aí não tinha mais passagem. Dai wåga wäir
mit aim dreiger (manícula) andreigt. O carro era ligado com uma
manícula. Mij unkel Emil hät sich dai gans hand dår ais mit
forbrooka. Meu tio Emílio uma vez quebrou toda a mão com isso.
Hai hät dår anerdhalw jår mit taubrögt bet dat nog ais werer hail
woura is. Ele lutou um ano e meio até que ela melhorou. Åwer dat is
nimeir sou woura as dat müst. Mas não ficou mais como deveria. Dai
wågen häwa müst seir feel uuthula. Os carros tinham que aguentar
muito. Al firtsein dåg müst man nijga feerers uunermåka. A cada
quinze dias tinha que ser trocadas molas. Dai däira wij ous köipa un
alaina uunermåka. Estas nós comprávamos e nós mesmos fazíamos
a substituição. Aina truugraima kost aina sak farijn. -Uma cinta de
casamento por um saco de farinha (de mandioca). In Rio Claro däira
dai lüür blous mit farijn arbeira. Em Rio Claro as pessoas
trabalhavam só com farinha. Fijw mijlreis kost dai sak. Cinco milréis
custava o saco. Jår in, jår uut wäira dai lüür ina farijnmoil. Entrava
ano, saía ano e as pessoas estavam no quitungo. Ales mit dai hand
afrijwa un dröiga. Tudo feito a mão, cortar e torrar. Denå kaim dat
up: Depois inventou-se isto. Olívio Camponês haar ain maschijn
buugt taum farijn dröigen. OC construiu a máquina de torrar farinha.
Ach, dat wäir ain upberaup. Isso foi uma novidade. Wou mach dat as
550
bischafa sin? Com isso é feito? Wat mach dat ais sin? O que será
isso? Un denå kaimdat ümer wijrer. Depois isso foi se espalhando.
Ul Han Boone, wat mij unkel wäir, dai däir dai maschijn den buuga.
O velho HB que era o meu tio construia tal máquina. Dat güng dun
ümer wijrer ruper bet Tijuco Preto un Garrafão. Isso foi se
espalhando até Tijuco Preto e Garrafão. Wou ain klain wåterfal wäir,
dår stüün uk ain klain farijndröiger. Onde havia uma queda de água,
havia também um torrador de farinha. Dun wäir feela farijn. Aí havia
muita farinha. Ain tijdlang wäir dai farijn düür. Por um tempo a
farinha esteve cara. Man kreig twansich, fünfuntwansich mijlreis for
aina sak. Conseguia-se, vinte, vinte e cinco milréis por saco. Mijn
schaul Minha escol. Ik bin in Jequitibá inseegend woura. Eu fui
confirmado em Jequitibá. Dår wou ous kirch nuu stäid, dår bin ik ina
schaul gåa. Lá onde está a nossa igreja hoje eu fui na escola. Dai ul
Fritz Zumach wäir schaulleirer. O velho FZ era professor. Twai un
halw jår häw ik mijn schaul doirmåkt. Dois anos e meio passei por
esta escola. Drai jår müst ik den noch upa barg – Jequitibá mit
praister Strohling ina kunfirmanda. Tres anos eu tinha que ir ao
morro em Jequitibá no ensino confirmatório com o pastor S. Mij
grousfåter un andra wula ain kirch hijr in Rio Claro buuga. Meu avô e
outros queriam construir uma igreja em Rio Claro. Dun häwa sai dai
kunij köft. Aí eles compraram a colônia. Dår hät müst jeirer famijlch
draisich mijlreis geewa. Para tal cada família teve que dar trinta
milréis. Dat wäira ain draisich bet firtsich famijlcha. Eram umas trinta
a quarenta famílias. Dai sün dår åwer ni gans klår kooma. Eles não
conseguiram se entender. Grousfåter gäit dun af un sai buuga hijr
uuner dai schaul wou ous kirch hüüt stäid. Vovô se desfiliou e eles
construiram a escola onde está nossa igreja hoje. Dår hät hai dai
551
kirchhof uk gröiter måka hulpa, brasilposten hendrågt. Lá ele ajudou
a ampliar o cemitério, contribuiu com poste de pau brasil 1929 bin ik
inseegend woura. Em 1929 eu fui confirmado. Drai jåra ina schaul
gåa. Frequentei durante tres anos a escola . Ik häw leesa un srijwa
leirt, åwer ales düütsch. Aprendi a ler e escrever, mas tudo em
alemão. T´huus däira wij mit muter´a pomrisch reera un mit fåter´a
holäinisch. Em casa nós conversávamos com a mãe em pomerânio
e com o pai em holandês. Hougdüütsch forstüün muter uk, reera däir
sai ni, åwer forståa däir sai ales. O alto alemão a mãe também
entendia, não conversava mas entendia tudo. Sai wäir air Treichels
määka. Ela era da família T. Sai küün seir gaud leesa un srijwa. Ela
sabia ler e escrever muito bem. Ina kirch küüst duu eer stim höira
bijm singen waitwijd mang dai lüüra. Na igreja sua voz se ouvia a
distância durante o canto entre o povo. Sai is hijr nog geboura. Ela
ainda nasceu aqui. Grousfåter Treichel is fon Düütschland kooma –
fon Pomerland. O avô T veio da Alemanha- Pomerânia. Ina
kunfirmandaschaul güng ik mit angst hen un kaim mit angst
naahuus. No ensino confirmatório eu ia com medo e voltava com
medo. Ik kü dem schaulleirer ales antwoura wat hai mij fråga däir. Eu
sabia dar resposta a tudo o que o professor perguntava. Wäir air
gaur schaulleirer, åwer streng. Era um bom professor, mas severo
.Wij kreiga air srijwbauk un müsta dat abc nåsrijwa – klain un groud.
Ganhávamos um caderno e tínhamos que escrever o abecedário –
minúsculo e maiúsculo. Dat wäir dai ul früüsch sriwt – dai richtig
düütsch sriwt. Era a escrita antiga- o gótico. Soulang srijwa bet
richtig wäir. Tínhamos que escrever até ficar certo. Dai letsta dåg hät
hai de kiner mij heft weesa. Nos útimos dias o professor mostrou o
meu caderno aos alunos. “Kukt mal wie der Anton erst geschrieben
552
hat un wie er jetz schreibt.” Olhem como A escrevia antes e como
ele escreve agora. Den gaiwt dai tåfelstaum srijwen. Havia também
as lousas para escrever. Dår wäira dai grifels tau. Havia também os
lápis de lousa. Dai tåfels müst man sich gaud inpaka, süster kaim
man nana schaul un den wäir dat ales uutlöscht wat man sreewa
haar. As lousas tinham que se bem acondicionadas senão a gente
chegava à escola e o que a gente tinha escrito estava apagado. Dat
wäir ina futersak rinarpakt un dår nog broud bij riner. Isso era
colocado dentro do embornal junto com pão. Dai schaul güng bet
klok twaira meist ümer. A aula ia até às duas horas da tardequase
sempre. Dat wäira twai dåg ina week. Eram dois dias de aula por
semana. Twai dåg wäir hijr schaul. Dois dias havia aula aqui. Twai
dåg wäir upm barch bijm praister schaul. Dois dias havia aula no
morro com o pastor. Hijr wäir måndågs un dijnsdågs schaul un dår
wäir mirweeks un dunerdågs schaul. Aqui tinha aula às terças e
quartas e lá às quintas e sextas. Dat wäir den wijd taum gåan. No
morro era longe para andar. Ik bleiw den nacht bij mijn tanta. Eu
pernoitava na casa da minha tia. Dai praister haar mirweeks
düütschschaul un dunardågs wäir den kunfirmandaschaul. O pastor
dava aula de alemão na Quinta-feira e aula de ensino confirmatório
na Sexta .Wem sijnt ni waita däir, dai kreig mit´m arassaa-stok.
Quem não sabia da sua tarefa apanhava com uma vara de araçá.
Dår hougt hai mit in´t hand. Com ela ele batia na mão. Manch air hät
hai wek roiwer schacht. Diversos apanhavam. Dår wäira wek bij, dai
häwa ni leirt. Havia alguns que não aprendiam. Sou as sai ina schaul
rinerkooma sin, sou sin sai uk werer ruuter gåa. Assim como
entraram na escola também saíram. Häwa müst sou inseegend
waara. Tiveram que ser confirmados assim mesmo. Wäir kair anerd
553
schik bij. Não havia outro jeito. Dat slåan hät nischt lount. O
espancamento não adiantou. Häwa nischt leirt. Não aprenderam
nada. Dat laig uk an de ülra.
Figura 60: Escola-Igreja - Rio Claro - 1900 (Imagem gentilmente
cedida por P. Anivaldo Kuhn).
.
Também dependia dos pais. Muter hät ous seir mithulpa. A
mãe nos ajudou muito. Tüüg flika un näiga, dat maik sai ales åwends
ina nacht. Remendar roupa e costurar, ela fazia a noite. Un dårbij
hät sai ous leirt. Ao mesmo tempo ela nos ensinava. Sai wüst jå ales
uut dem kop. Ela sabia tudo decor. Sai hät ous leirt un däir lijkerst
näiga. Ela nos ensinava e ao mesmo tempo costurava. Sai wüst der
gansa katechismus uut dem kop, dai gansa gisäng. Ela sabia todo o
554
catecismo de cabeça, todos os hinos. Ik wait de katechismus uk nog
meist ales uut dem kop. A maior parte do catecismo eu ainda sei
decor. Jeira week müst man air gisang leira. Toda semana tínhamos
que aprender um hino. Wen ik dai gisang twai urer drai mål
oiwerkijka däir, wüst ik dat al. Quando eu olhava hino duas ou tres
vezes, eu já sabia tudo. Dai ul kirch stüün uuner im sump. A igreja
antiga estava em baixo no brejo. Dat wäir ma sou ain lang giwöinlich
huus. Era uma casa normal, comprida. Dår häwa´s feela jåra lang
kirch un åwendmål in hat. Ali celebrou-se por muito anos cultos e
santa-ceia .Dun häwa´s anfonga taum ain nijg kirch buugen. Aí
iniciou-se a construção de uma nova igreja. Ul Fritz Reinke wäir
schaulleirer. O velho FR era professor. Hai wäir klauk. Ele era
sabido. Hai wäir kair dum meisch. Não era pessoa boba. Dun hät hai
sägt, hai gaiw drai duusend mijlreis taum dai kirch buugen, den wul
hai dat gemaindaland behula. Então ele falou que daria três mil
milréis para construir a igreja, em troca ele ficaria com o terreno da
comunidade. Dårdoir is dat land uuter gimainda hand kooma. Com
isto o terreno saiu da mão da comunidade. Ais dat afleest wöir, dat
Fritz Reinke drai duusend mijlreis rangijrt haar taum dai kirch
buugen, haar sich João Pagung fo Rio Ponte forsrekt. Quando foi
lido que FR tinha arranjado tres mil milréis para construir a igreja, JP
de Rio Ponte se assustou. João Pagung stüün sich gaud un haar
duusend mijlreis geewt taum dai kirch in Rio Ponte buugen. JP
estava bem situado e havia doado mil milréis para construir a igreja
de Rio Ponte. Hai dacht hai wäir dai oiwerst un nuu haar Fritz Reinke
drai duusend rangijrt. Ele achava que era o maior e agora FR havia
arranjado tres mil milréis. Fritz Reinke haar sich dat gild borgt un is
dat ni meir nåkooma. FR tomou este dinheiro emprestado e não
555
conseguiu mais acertar. Nåheer hät Vitor Pereira em dat land
wegnooma for dai schulden. Depois VP tomou-lhe esta terra por
conta das dívidas. Olímpio Pereira – Vitor sij fåter- het sich saldåta
annooma un häwa Fritz Reinke mit fruug un sachen ruuter smeeta
uut dem huus. OP – pai de VP- contratou soldados que despejaram
FR com mulher e pertences. Hai hät müst båwen upm barg bij Carl
Schmidt ina wald kruupa un sich air palmijtahüt buuga taum woonen.
Ele teve que subir no alto do morro, atualmente do Carlos Schmidt,
entrar na mata e construir um rancho de palmito para morar. Dat
wåtar hät hai müst sich wijd dråga. A água ele tinha que carregar de
longe. Dår hät hai woont im drek seir feel jåra. Ali ele morou na
sujeira por muitos anos. Gans geel saich hai uut. Sua aparência era
bem pálida.
556
Sobre o Autor
Ivan Seibel nasceu no Estado de Espírito Santo. Médico. Jornalista. Pós-graduado
em Urologia – FFFCMPA. Pós-graduado em Gestão de Cooperativas – UNISINOS.
Mestre e Doutor em Clínica Médica/Nefrologia – PUCRS. Pós-Doutor em
Teologia/História pela EST. Professor Curso de Medicina da Universidade de Santa Cruz do
Sul.
Obras publicadas:
1.
Avaliação Subjetiva da Disfunção Erétil Masculina em Pacientes Urêmicos em
Hemodiálise, vol. 1.. Venâncio Aires: Traço, Produções Gráficas, 1998.
2.
A Educação Cooperativista e a sua implantação na Unimed VTRP, Série:
Cooperativismo e Desenvolvimento Urbano. Ano 11, vol. 19. Unisinos. 2000.
3.
Educação Cooperativista e Gestão pela Qualidade,(Org.) vol. 1. Cruz do Sul:
EDUNISC, 2000.
4.
Educação Cooperativa: a implantação na Singular, (Org.) vol. 1. Porto Alegre: WS
Editor, 2001.
5. Gestão pela Qualidade: a implantação na Singular, (Org.) vol. 2. Porto Alegre: WS
Editor, 2001.
6. Efeito do Citrato de Sildenafil sobre a Disfunção Erétil em Pacientes com Insuficiência
Renal Crônica em Hemodiálise, vol. 1.. Venâncio Aires: Traço, Produções Gráficas,
2002
7. Formação Cooperativista – História, estrutura e educação cooperativista no Complexo
Unimed, (Org.) vol. 1.. Porto Alegre: WS Editor, 2003.
8. Formação Cooperativista – A Gestão da Singular Unimed, (Org.) vol. 2. Porto Alegre:
WS Editor, 2003.
9. Formação Cooperativista – O cooperado e sua Singular Unimed, (Org.) vol. 3. Porto
Alegre: WS Editor, 2003.
10. A 10ª Enfermaria: Polêmicas e Benefícios da Educação Médica Informal. vol. 1.. Porto
Alegre: WS Editor, 2004.
557
11. Imigrante, à duras penas. vol. 1. Nova Petrópolis: Editora Amstad, 2007.
12. Imigrante, no século do isolamento. vol. 1. Venâncio Aires: Traço,
Produções Gráficas, 2010.
558
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Imigrante no século do isolamento