VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
I-004 - INVESTIGAÇÃO DE FATORES DE INFLUÊNCIA NO CONSUMO PER
CAPITA DE ÁGUA EM ESTADOS BRASILEIROS E EM CIDADES DE MINAS
GERAIS
Marcos von Sperling (1)
Engenheiro Civil. Doutor em Engenharia Ambiental pelo Imperial College, Univ. Londres. Professor Adjunto
do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG.
Ana Sílvia Pereira Santos
Engenheira civil pela UFMG. Ex-bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq.
Marília Carvalho de Melo
Engenheira civil pela UFMG. Ex-bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq.
Marcelo Libânio
Engenheiro Civil. Doutor em Engenharia pela USP-São Carlos. Professor Adjunto do Departamento de
Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG.
Endereço(1):
Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental – UFMG;
Av. Contorno 842 – 7o andar; 30110-060 – Belo Horizonte
[email protected]
RESUMO
O presente trabalho investiga valores típicos do consumo per capita de água e seus principais fatores de
influência. São analisados dados dos 26 estados brasileiros e de 45 municípios de Minas Gerais, com base em
dados de 1999 divulgados pelo SNIS - Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, além de outras
fontes complementares. Os possíveis fatores de influência considerados na pesquisa foram: (a) indicador do
porte da comunidade: população do município; (b) indicador do nível econômico da população ou da região:
arrecadação do município dividida pela população do município (no caso dos estados, considerou-se a renda
per capita, expressa em dólares); (c) indicador do clima: temperatura média anual; (d) indicador da
disponibilidade hídrica na região: precipitação média anual e (e) indicador do nível de medição e tarifação do
consumo: índice de hidrometração. As principais conclusões obtidas foram: (a) os valores do consumo per
capita de água nos estados brasileiros apresentam uma grande variação, com um valor médio de 157 L/hab.d e
uma faixa de variação de 93 a 298 L/hab.d; (b) o consumo per capita de água nos estados está associado à
renda per capita da população nos diversos estados; (c) nos 45 municípios do Estado de Minas Gerais,
observou-se uma influência no consumo per capita de água dos seguintes fatores: faixa de renda, faixa de
precipitação e porte da comunidade; (d) os percentis 25% e 75% do consumo de água variaram de 120 a 200
L/hab.d nos municípios de Minas Gerais.
PALAVRAS-CHAVE: Abastecimento de água, consumo de água, quota per capita de água
INTRODUÇÃO
Para a determinação da vazão de demanda, objetivando a implantação ou ampliação dos sistemas de
abastecimento de água, diversos parâmetros devem ser avaliados em detalhe. Dentre estes, a população
abastecida – residente, temporária e flutuante –, os coeficientes de majoração para o dia e hora de maior
consumo e o consumo per capita. A definição deste último parâmetro apresenta, segundo a ABNT (1990),
duas vertentes distintas em função da perspectiva ou não da determinação dos consumos residenciais,
industriais e comerciais. Na impossibilidade desta determinação, a demanda deve ser estabelecida a partir de
cidades de características semelhantes.
A magnitude da vazão de demanda necessária ao atendimento da população abastecível decorre da definição
do consumo per capita (L/hab.dia), que, por sua vez, envolve uma série de fatores, cuja hierarquização pode
ser: a) nível sócio-econômico da população abastecida; b) presença de indústrias; c) clima; d) porte,
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características e topografia da cidade; e) percentual de hidrometração e custo da tarifa; f) existência de rede
coletora de esgotos e administração do sistema de abastecimento de água.
No contexto do estado de Minas Gerais, pesquisa apresentada por Penna et al (2001), analisando a cota per
capita de abastecimento de água para cidades com população de 10 a 50 mil habitantes - discriminando as
parcelas referentes à demanda residencial, comercial, pública e industrial -, apontou uma média global de 148
L/hab.dia, com aproximadamente 83 % deste consumo de origem residencial. Esta pesquisa delineou também
significativa correlação, embora sem a estimativa do coeficiente de determinação (R2), entre a cota e a renda
per capita para as cidades com população superior a 30 mil habitantes, indicando a influência de outros
fatores para as comunidades de menor porte.
Outro estudo (Campos e von Sperling, 1997), enfocando nove bairros de Belo Horizonte e Contagem – MG,
com distintas classes sócio-econômicas - Alta, Média Alta, Média, Média Baixa e Baixa – e consumo
essencialmente domiciliar, apontou fortes correlações entre o consumo de água e fatores como a renda per
capita (R2 = 0,942), área do lote (R2 = 0,887) e, quase como conseqüência do parâmetro anterior, o número de
vasos sanitários (R2 = 0,810). A relação entre o consumo per capita de água e a renda familiar foi expressa
através da Equação 1. A Figura 1 ilustra a regressão efetuada.
QPC água =
(1)
Renda
0,021 + 0,003 x Renda
onde:
QPCágua = quota per capita de água consumida (L/hab.d)
Renda = renda familiar mensal média (número de salários mínimos) (1 salário mínimo = US$ 80)
CONSUMO PER CAPITA vs NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS
CONSUMO PER CAPITA (l/inhab.d)
y=x/((.021)+(.003)*x)
Fig. 1. Consumo domiciliar per capita de água em função da renda familiar (Belo Horizonte e
Contagem - MG)
A influência do porte da cidade e, consequentemente, da magnitude da população abastecida não foi
confirmada em recente avaliação (Magalhães et al, 2001) contemplando 83 sistemas de abastecimento de água,
rurais e urbanos, do interior do estado de São Paulo. Apesar do estudo envolver cidades com população de até
113 mil habitantes, a cota per capita média de 129 L/hab.dia apresentou pequena variação, materializada pelo
desvio padrão de 23 L/hab.dia, indicando fraca correlação entre o consumo e o tamanho da cidade. Todavia,
uma vez que essa estimativa balizou-se no consumo micromedido diário, as atividades públicas, comerciais e
industriais, às quais o porte da cidade está intrinsecamente relacionado, foram minimizadas, com tendência a
reduzir as diferenças na cota per capita.
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OBJETIVO
O presente trabalho objetiva investigar valores típicos do consumo per capita de água e seus principais fatores
de influência, em termos de médias estaduais e em diversas cidades de Minas Gerais, com base em dados
recentemente divulgados pelo SNIS - Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
METODOLOGIA
A análise tem por base os dados de 1999, divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS 2000). Em relação a 1999, o SNIS dispõe de dados referentes aos sistemas de
abastecimento de água de 73,9 % dos municípios brasileiros, perfazendo 92,8% da população urbana
(Miranda et al, 2001). Os dados climatológicos estaduais foram obtidos na homepage do Instituto Nacional de
Pesquisa Espacial (INPE). Os dados de renda per capita nos estados foram obtidos do Almanaque Abril 2001.
Os dados climatológicos e econômicos dos municípios de Minas Gerais foram obtidos na homepage da
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Os dados dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal dizem respeito aos municípios abastecidos por
prestadores de serviço de abrangência regional, tipicamente as Companhias de Saneamento Estaduais. Os
dados dos 45 municípios do Estado de Minas Gerais correspondem a municípios abastecidos pela Companhia
Estadual e por serviços de abrangência local (SAAEs e DEMAEs). O Estado de Minas Gerais pode ser
considerado como um bom retrato médio do Brasil, por apresentar regiões de maior e menor poder aquisitivo,
maior e menor precipitação, maior e menor temperatura.
Os fatores de influência considerados na pesquisa foram: (a) indicador do porte da comunidade: população do
município; (b) indicador do nível econômico da população ou da região: arrecadação do município dividida
pela população do município (no caso dos estados, considerou-se a renda per capita, expressa em dólares); (c)
indicador do clima: temperatura média anual; (d) indicador da disponibilidade hídrica na região: precipitação
média anual e (e) indicador do nível de medição e tarifação do consumo: índice de hidrometração. Procurouse adotar indicadores simples e facilmente obteníveis.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dados nacionais
A Figura 2 mostra os valores médios do consumo per capita de água obtidos para os vários estados do Brasil
(dados de 1999, relativos às cidades abastecidas pelas Companhias Estaduais de Saneamento. A ampla
diversidade regional brasileira fica patente na grande variação da cota per capita nos estados. O valor médio
nacional é de 157 L/hab.d.
CONSUMO PER CAPITA DE ÁGUA DE MÉDIO NOS ESTADOS (COMPANHIAS ESTADUAIS)
350
298
QPC ÁGUA (l/hab.d)
300
250
224
CONSUMO MÉDIO NO BRASIL: 157 l/hab.d
200 169
150
213
180
150 149
149
93
100
104 113 105
125 132
98
150
103
120 122
120
167
132 134 128
125 116
75
50
SUDESTE
SUL
MT
MS
GO
DF
PR
RS
SC
SP
MG
RJ
ES
BA
PE
NORDESTE
SE
PB
AL
CE
RN
PI
MA
TO
PA
NORTE
AC
AP
AM
RR
RO
0
CENTRO-OESTE
Fig. 2. Valores médios da cota per capita de água consumida nos vários estados do Brasil (dados de
1999 das Companhias Estaduais de Saneamento, divulgados pelo SNIS, 2000)
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Dos fatores potencialmente influenciáveis no consumo per capita de água, apenas a renda per capita
mostrou uma certa importância. A Figura 3 apresenta o gráfico de dispersão dos dados (eixo dos X em
escala logarítmica), juntamente com a equação de melhor ajuste. Observa-se que o valor de R2 foi
relativamente baixo, devido à grande dispersão dos dados. No entanto, a tendência de um maior consumo de
água pelas populações com maior renda per capita é evidente.
Consumo per capita de
água (l/hab.dia)
Renda Per Capita (estados) x Consumo Per
Capita de Água
350
300
y = 50,072Ln(x) - 240,97
250
2
R = 0,3431
200
150
100
50
0
1,E+02
1,E+03
1,E+04
Renda Per Capita (US$/hab.ano)
Fig. 3. Consumo per capita de água em função da renda per capita nos diversos estados brasileiros
Dados de Minas Gerais
Com relação aos dados dos 45 municípios de Minas Gerais, cujos dados estavam discretizados no SNIS, temse os seguintes comentários. As faixas de variação dos dados foram: consumo per capita de água: 84 a 248
L/hab.d; população: 4.000 a 2.300.000 hab; arrecadação média per capita: 16 a 3300 R$/hab.ano; temperatura
média anual: 20 a 26o C; precipitação média anual: 300 a 1750 mm/ano. A Figura 4 apresenta a relação do
consumo per capita de água com a arrecadação per capita e com a precipitação média anual nos municípios.
Note-se que o conceito de arrecadação municipal dividida pelo número de habitantes é distinto do conceito de
renda per capita, utilizado para os estados. Os outros fatores de potencial influência não tiveram nenhuma
relação evidente com o consumo per capita. Novamente, a análise deve ser feita no sentido de se interpretar
tendências e valores médios, já que os coeficientes R2 foram baixos, em virtude da grande dispersão dos
dados.
Consumo per capita de
água (l/hab.dia)
Arrecadação Per Capita (municípios de
MG) x Consumo Per Capita de Água
300
250
200
150
100
y = 15,838Ln(x) + 74,183
50
R = 0,293
2
0
1,E+01
1,E+02
1,E+03
1,E+04
Arrecadação Per Capita (R$/hab.ano)
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Consumo per capita de
água (l/hab.dia)
Precipitação Média Anual (municípios de
MG) x Consumo Per Capita de Água
300
250
0,0003x
y = 109,38e
2
R = 0,1169
200
150
100
50
0
0
500
1000
1500
2000
Precpitação Média Anual (mm/ano)
Fig. 4. Consumo per capita de água em função de: (a) arrecadação municipal dividida pela população e
(b) precipitação média anual (45 municípios de Minas Gerais).
As Figuras 5 e 6 apresentam as faixas de variação do consumo per capita de água em função da arrecadação
municipal per capita, precipitação média anual e população dos 45 municípios de Minas Gerais,
categorizados por faixas. Considerou-se como divisor entre renda baixa e renda alta o valor de
R$224/hab.ano, que corresponde à mediana dos dados obtidos. O divisor entre precipitação baixa e alta foi
1350 mm/ano, que corresponde à média do estado de Minas Gerais. Naturalmente que estes valores são
específicos para a região estudada, embora acredite-se que as tendências e faixas possam ser extrapoladas,
desde que com critério.
QPC DE ÁGUA CONSUMIDA EM FUNÇÃO DAS
CLASSES DE RENDA E PRECIPITAÇÃO
250
QPC ÁGUA (L/hab.d)
200
150
100
Mín-Máx
50
RENDA BAIXARENDA ALTA
PRECIPITAÇÃO: BAIXA
RENDA BAIXARENDA ALTA
PRECIPITAÇÃO: ALTA
25%-75%
Mediana
Fig. 5. Box-plot dos valores do consumo per capita de água, em função das classes de arrecadação
municipal per capita e de precipitação média anual (45 municípios de Minas Gerais)
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QPC DE ÁGUA CONSUMIDA EM FUNÇÃO
DA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO
250
QPC ÁGUA (l/hab.d)
200
150
100
Mín-Máx
50
25%-75%
POP <= 200.000 hab
POP > 200.000 hab
Mediana
Fig. 6. Box-plot dos valores do consumo per capita de água, em função das classes de população do
município (45 municípios de Minas Gerais)
Em função dos valores dos percentis 25% e 75% apresentados nas Figuras 5 e 6, tem-se as faixas de consumo
per capita de água apresentadas no Quadro 1.
Quadro 1. Faixas de valores médios do consumo de água per capita, baseados em dados de 45
municípios de Minas Gerais (faixas relativas aos percentis 25% e 75%)
Renda
Faixas de valores médios de QPC de água consumida (l/hab.d)
Precipitação: baixa
Precipitação: alta
Baixa
120 – 165
130 - 190
Alta
140 – 180
150 – 200
Nota: em cidades de maior porte, o QPC é cerca de 10% superior ao QPC de cidades de menor porte
As faixas apresentam valores usuais, sendo freqüente a ocorrência de valores fora da faixa
CONCLUSÕES
•
•
•
•
Os valores do consumo per capita de água nos estados brasileiros apresentam uma grande variação, com
um valor médio de 157 L/hab.d e uma faixa de variação de 93 a 298 L/hab.d.
O consumo per capita de água nos estados está associado à renda per capita da população nos diversos
estados.
Nos 45 municípios do Estado de Minas Gerais, observou-se uma influência no consumo per capita de
água dos seguintes fatores: faixa de renda, faixa de precipitação e porte da comunidade.
Os percentis 25% e 75% do consumo de água variaram de 120 a 200 L/hab.d nos 45 municípios de Minas
Gerais.
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
ABNT – Estudos de concepção de sistemas de abastecimento de água, NBR 12211, Rio de Janeiro,
ABNT, 12p., 1990.
CAMPOS, H. M. & VON SPERLING, M – Proposição de modelos para determinação de parâmetros de
projeto para sistemas de esgotos sanitários com base em variáveis de fácil obtenção, Anais Eletrônicos
do 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, Foz do Iguaçu, setembro 1997.
MAGALHÃES, C. A. C.; MORENO, J. & GALVÃO JÚNIOR., A. C. – Estimativa do consumo per
capita em comunidades atendidas pela Unidade de Negócio do Médio Tietê, Anais Eletrônicos do 21o
Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, João Pessoa, setembro 2001.
MIRANDA, E. C.; TAGLIARI, M & GABRIEL, J. – Sistema de informações em saneamento. A
experiência do SNIS, Anais Eletrônicos do 21o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental,
João Pessoa, setembro 2001.
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5.
PENNA, J. A.; SOUZA, B. A. & SOUZA, F. – Análise do consumo per capita de água de abastecimento
de cidades de Minas Gerais com população de 10000 a 50000 habitantes, Anais Eletrônicos do IX
Simpósio Luso-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, Porto Seguro, abril 2000.
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