Rev Dor 2010;11(1):28-36 ARTIGO ORIGINAL Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral * Validation of the Roland Morris Disability Questionnaire for general pain Jamir João Sardá Júnior1*, Michael K. Nicholas2, Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta3, Ali Asghari4, André Luiz Thieme5 * Estudo conduzido como parte do projeto de pesquisa para obtenção do grau de Doutor. O doutorando possuía bolsa da CAPES-MEC RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Diversos estudos apontam que não existe uma relação direta entre fisiopatologia e intensidade da dor e níveis de incapacidade. Dado os aspectos multidimensionais da dor é necessário ampliar a compreensão desse processo para além da fisiopatologia da dor, o que contribuiu para o desenvolvimento de diversas medidas de incapacidade. O objetivo deste estudo foi acessar as propriedades psicométricas do Questionário de Incapacidade Roland Morris (QIRM), e testar sua validade e confiabilidade na população brasileira com dor crônica. MÉTODO: Estudo de corte transversal utilizando estatística descritiva e inferencial, análise de correlação, teste t e ANOVA. Os dados apresentados são de 311 participantes que compõem a amostra final. A análise da confiabilidade foi feita usando cálculos de fidedignidade segundo o método de split-half e consistência interna. A validade foi 1. PhD. Psicólogo. Professor do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, Centro Integrado de Tratamento da Dor, Itajaí, SC, Brasil. 2. PhD. Psychologist. Pain Research and Management Centre – RNSH, University of Sydney, Sidney, Australia. 3. PhD. Enfermeira. Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 4. PhD. Psychologist. Department of Psychology, University of Shahed, Tehran-Iran. Pain Research and Management Centre – RNSH, Tehran, Iran. 5. Psicólogo. Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, Itajaí, SC, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Jamir João Sardá Júnior Av. Campeche 1157 - Residencial Cezarium, Bloco C-1/Apto 403 – Campeche 88063-300 Florianópolis, SC Fone: (48) 3879-8335 E-mail: [email protected] 28 11 - Validacao do Questionario.indd 28 testada pela análise de construto e de critério. Todas as análises foram conduzidas utilizando-se o pacote SPSS. RESULTADOS: A análise dos dados sugere que o QIRM para dor em geral apresenta fidedignidade adequada e validade de construto e de critério. CONCLUSÃO: A análise das propriedades psicométricas do QIRM sugere que esta medida é válida e confiável para a amostra brasileira com dor crônica e pode ser usada em outras populações com dor crônica do Brasil. A disponibilidade de mais essa medida para avaliação da incapacidade associada à dor crônica contribui para a compreensão desse fenômeno e implementa as possibilidades de pesquisa e intervenção clínica. Descritores: Dor crônica, incapacidade, questionários. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: Several stu dies indicate that there is no direct relation between pain pathophysiology and intensity and disability levels. Since pain is a multidimensional process it is necessary to expand the understanding of such process to beyond pain pathophysiology, which contributes to the development of several disability measurements. This study aimed at accessing the psychometric properties of Roland Morris Disability Questionnaire (������������������������������� RMDQ) ������������������������� and at testing its validity and reliability for Brazilian chronic pain population. METHOD: Transversal study using descriptive and inferential statistics, correlation analysis, t and ANOVA tests. Presented data are from 311 patients participating in the final sample. Reliability analysis used trustworthiness calculations according to split-half method and internal consistency. Validity was tested by construct and criterion analysis. All analyses were performed with the SPSS package. RESULTS: Data analysis suggests that RMDQ for pain in general has adequate trustworthiness and construct and criterion validity. c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor 23.03.10 15:27:41 Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral CONCLUSION: The analysis of RMDQ psychome tric properties suggests that such measurement is valid and reliable for the Brazilian chronic pain sample and may be applied to other Brazilian chronic pain populations. The availability of one more measurement to evaluate chronic pain-associated disability contributes to the understanding of such phenomenon and implements possibilities of research and clinical intervention. Keywords: Chronic pain, disability, questionnaires. INTRODUÇÃO Diversas doenças podem resultar em dores crônicas, conceituadas como as dores que ocorrem por um período superior a três meses na maior parte dos dias. A prevalência de dor crônica na população é em torno de 20%1-3. Os impactos sociais e econômicos da dor crônica decorrentes da incapacidade e sofrimento associada e essas condição é alto. Diversos estudos apontam que não existe uma relação direta e linear entre fisiopatologia e tipo e localização da lesão e mesmo a intensidade da dor e níveis de incapacidade ou sofrimento4-7. Dado os aspectos multidimensionais da dor é necessário ampliar a compreensão desse processo para além da fisiopatologia da dor para entender a incapacidade. Partindo desse pressuposto desde 1950 tem se discutido o conceito de incapacidade. A necessidade de compreender esse fenômeno de forma mais objetiva contribuiu para o desenvolvimento de diversas medidas de incapacidade. Dentre as várias medidas de incapacidade, os questionários mais frequentemente utilizados nos estudos sobre Dor são o SIP – Questionário de Impacto Físico8, o Roland e Morris Questionário de Incapacidade9,10, o Oswestry Questionário de Dor Lombar11,12 e o SF- 36 Questionário de Saúde13,14. O Sickness Impact Profile (SIP12) foi uma das primeiras medidas de autoaplicação desenvolvida para levantamento do impacto do estado de saúde, tem 136 itens e acessa 12 áreas de funcionalidade, formando três escalas. É uma medida confiável e validada, mas alguns itens não se referem a sintomas dolorosos, o que pode interferir na variabilidade, confiabilidade e sensibilidade quando comparado a outras medidas para incapacidade cotejadas a outras medidas referentes à dor crônica13,14. Outra desvantagem deste questionário é seu processo de pontuação lento e complexo. Estas preocupações levaram à criação de novos instrumentos. O Questionário de Incapacidade Roland e Morris (QIRM)10 foi inicialmente desenvolvido com itens do Rev Dor 2010;11(1):28-36 SIP para medir incapacidade física em forma de autorelato para pacientes com dor na coluna. Tem 24 itens com pontuações de zero ou 1 (sim ou não) e o total varia de zero (sugerindo nenhuma incapacidade) a 24 (incapacidade grave). O QIRM é uma medida simples, geralmente leva 5 minutos e é fácil de calcular e analisar. Muitos estudos descrevem o QIRM com boa validade, confiabilidade e responsividade para a medida de incapacidade física em pacientes com dor crônica, quando comparado a outras15-18. Tem boas correlações com outras medidas de incapacidade em funcionalidade física como os SF-36, SIP e Questionário Oswestry15,19. O QIRM foi validado em 12 línguas e adaptado para outras populações de pacientes com dor crônica com bons resultados17. Estudo conduzido por Nusbaum e col.9 descreveu confiabilidade e validade satisfatórias para a tradução brasileira desta medida. Quando comparado ao Questionário Oswestry de Incapacidade em Dor Lombar ou Índice de Incapacidade Oswestry (ODI) parece mais sensível para detectar mudanças na incapacidade em pacientes com incapacidade menor ou moderada, enquanto o Oswestry Disability Questionnaire parece mais aplicável para pacientes com grave incapacidade. Turner e col.19 relataram que em pacientes beneficiados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o QIRM mostrou maior responsividade e habilidade para discriminar pacientes que estavam trabalhando daqueles que não estavam do que o SF-12 e SF-36. Descobertas similares foram demonstradas por Grotle, Brox e Vollestad20. O ODI também foi desenvolvido para levantamento de incapacidade em pacientes com dor na coluna. Este questionário tem 10 itens; as respostas variam de zero a 5, o que indica diferentes níveis de incapacidade relacionados a atividades diárias. A pontuação consiste em somar os pontos em cada item, e a pontuação geral variará entre zero e 50, o que é multiplicado por 2 e os resultados são dados em percentagem11,21. O ODI tem demonstrado correlação moderada com outras medidas como o McGill, e o SF-36, e confiabilidade e validade adequadas17,21. No entanto, assim como o QIRM, ele apenas acessa incapacidade física. O SF-3614 foi desenvolvido como uma medida genérica para levantamento de qualidade de vida relacionada à saúde. Tem oito escalas: funcionabilidade física, limitações de atividade devido a problemas físicos, dor corporal, saúde geral, funcionabilidade social, limitação devido a problemas emocionais, percepção de vitalidade e saúde mental. As primeiras quatro escalas fazem um levantamento de saúde física e as últimas, saúde mental. O SF-36 é uma escala de 5 pontos; cada domínio é pontuado de 29 11 - Validacao do Questionario.indd 29 23.03.10 15:27:41 Rev Dor 2010;11(1):28-36 Sárda Júnior, Nicholas, Pimenta e col. zero a 100, indicando fraca e ótima saúde, respectivamente. Leva aproximadamente 10 minutos para preencher e está disponível em versões impressas e virtuais. A responsividade, consistência interna, validade dos construtos e habilidade de discriminação foram relatados em muitos estudos, suas propriedades psicométricas são iguais ou melhores que outras medidas de qualidade de vida relacionadas ao estado de saúde14,22. No entanto, em algumas populações, esta medida mostrou alguns problemas com sensitividade para mudanças, por exemplo, para pacientes mais incapacitados14,22. Comparado com o QIRM e o ODI, o procedimento de pontuação do SF-36 é mais complexo. Apesar disto, o SF-36 foi auspiciosamente validado para várias populações, incluindo a brasileira13, tendo sido usado em diversas condições de saúde. Devido à falta de estudos com medidas psicológicas para a população brasileira sofrendo com dor crônica, embora já existam alguns instrumentos como o ODI para população com dor lombar, Roland e Morris para incapacidade em pacientes com dor lombar e MIF9,12,23, mais estudos são necessários para testar as hipóteses geradas pelas pesquisas anteriores para confirmar os modelos teóricos de dor crônica ocorrida em outros países e para providenciar maior variedade de medidas validadas. Este estudo deve contribuir para melhorar o levantamento e o tratamento de pacientes com dor crônica no Brasil. O objetivo deste estudo foi examinar a validade e confiabilidade do Questionário de Incapacidade Roland e Morris em população brasileira com dor crônica. MÉTODO Após aprovação dos Comitês de Ética das Instituições onde o estudo foi realizado, 348 participantes com dor crônica atendidos em clínicas de dor e estabelecimentos similares no setor público e privado participaram deste estudo de corte transversal utilizando estatística descritiva e inferencial, análise de correlação, teste t e ANOVA. Os sujeitos representam uma amostra de conveniência de pacientes atendidos em clínicas para dor, sendo que 37 sujeitos foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão. Os dados apresentados são de 311 participantes que compõem a amostra final. Os dados foram coletados em Instituições nas regiões sul e sudeste do Brasil. Na região sul em Florianópolis, SC, foram coletados nas seguintes instituições: Enfermaria de Reumatologia e Acupuntura no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, IPE-MTC (Clínica de Acupuntura), Nidi - Clínica de Neurociência da Dor e Clínica Santa Clara. Na região sudeste foram coletados nas seguintes instituições: Hospital Nove de Julho, Hospital AC Camargo e Hospital dos Funcionários Públicos Estaduais na cidade de São Paulo, e Hospital Universitário Fundão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro. A maioria dos dados foi coletada de pacientes que frequentavam serviços públicos (52,6%). Os critérios de inclusão foram pacientes com dor crônica por período maior que três meses nos últimos seis meses na maioria dos dias; idade superior a 18 e inferior a 80 anos; ter quatro ou mais anos de educação formal; apresentar disponibilidade para participar do estudo. Os critérios de exclusão foram não apresentar dor recorrente de câncer, ter diagnóstico de transtorno psiquiátrico, como psicose ou demência, questionários com mais de 10% de itens não respondidos. Procedimento O procedimento de validação do teste se dividiu em duas partes, (I) tradução para o português e adaptação da medida e (ii) coleta de dados. Pacientes com dor crônica frequentando instituições para dor com vontade de participar deste estudo foram indicados pelos médicos ao pesquisador, que ofereceu explicações necessárias aos pacientes, um termo de consentimento e os instrumentos a serem preenchidos. Os dados clínicos foram coletados dos prontuários dos pacientes. A tradução do QIRM foi baseada no método de re-tradução27 o que envolveu revisão, tradução e adaptação das medidas do inglês para o português e novamente para o inglês. Uma adaptação cultural preliminar foi necessária, pois algumas palavras usadas para expressar sentimentos ou situações não fariam sentido em uma tradução literal. Depois da tradução e adaptação feita pelo pesquisador, três examinadores brasileiros envolvidos com psicologia da saúde e que utilizam o inglês como segunda linguagem, traduziram o instrumento novamente para o inglês. Posteriormente as três traduções foram comparadas e poucas divergências foram encontradas, exceto por pequenas diferenças semânticas sendo que 85% dos itens foram traduzidos da mesma forma pelos revisores, e que foram resolvidas por discussão entre o pesquisador e os revisores. Apesar das mudanças, a versão em português do QIRM foi mantida muito próxima da versão original em inglês, sem comprometer seu entendimento e sendo adequada para o leitor brasileiro. A única grande mudança que ocorreu, quando comparado com a versão original, foi substituir a palavra dor nas costas pela palavra dor. Os questionários de autoeficácia - PSEQ24,25, Escala de Pensamentos Catastróficos26,27, Questionário de Aceitação 30 11 - Validacao do Questionario.indd 30 23.03.10 15:27:41 Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral da Dor (CPAQ)28 e a Escala de Depressão (DASS)29,30, além de um inventário sócio-demográfico e um inventário clínico foram utilizados para coletar os dados. O questionário sócio-demográfico coletou informações referentes à idade, gênero, estado civil, nível de educação, profissão e situação empregatícia. O inventário clínico tinha questões referentes ao local da dor, diagnóstico clínico, duração e intensidade da dor obtida por uma escala verbal e numérica, uso de medicação, tipo de intervenção e outros problemas gerais de saúde. Análise estatística Alguns procedimentos estatísticos foram feitos para observar as propriedades psicométricas destas medidas, incluindo: estatística descritiva (médias, desvio-padrão, medianas, amplitude); confiabilidade e validade. A análise da confiabilidade foi feita usando cálculos de fidedignidade segundo o método de split-half (correlação de Pearson) e consistência interna (alpha de Cronbach). A validade foi testada através da análise de construto e de critério. A validade de construto foi examinada utilizando validade convergente (correlação item-escala), validade discriminante (correlação entre escalas ou medidas diferentes). A análise de critério se baseou na hipótese de que algumas diferenças deveriam ocorrer em algumas escalas, mas não entre algumas outras variáveis. Todas as análises foram conduzidas utilizando-se o pacote SPSS para Windows, versão 14.0. RESULTADOS Os dados apresentados são da amostra final de 311 sujeitos. No entanto, para avaliar a qualidade dos dados e procurar diferenças significativas entre a amostra total e a final, os grupos foram comparados. Não houve diferenças significativas entre os dois grupos no que se refere a gênero, nível de educação, situação empregatícia, local da dor e pontuação média em todas as medidas (p ≤ 0,05). A maioria dos questionários excluídos veio de uma clínica da região sul, onde o procedimento de coleta de dados foi diferente de outras instituições. Os questionários foram entregues para serem completados em casa e devolvidos no próximo atendimento. Em outra clínica na região sudeste, o tratamento se estendia a pacientes com câncer, e os questionários preenchidos por estes pacientes foram eliminados da amostra geral. Devido ao fato do pesquisador não coletar pessoalmente todos os dados, não foi possível especificar quantos pacientes foram convidados para participar da pesquisa, mas a maioria dos pacientes que atendiam aos critérios de inclusão aceitaram participar do estudo (Tabela 1). Rev Dor 2010;11(1):28-36 Tabela 1 – Características sócio-demográficas e clínicas da amostra Características sócio-demográficas Faixa etária (anos) 18 – 30 31 – 42 43 – 54 55 - 66 67 - 81 Média (DP) N (%) 39 (12,5) 61 (19,6) 105 (33,8) 69 (22,2) 37 (11,9) 48.9 (14,06) Gênero Masculino Feminino 81 (26,0) 230 (74,0) Estado civil Solteiro Casado Separado, divorciado ou viúvo 55 (17,7) 200 (64,3) 56 (18,0) Escolaridade 4 a 8 anos 9 a 11 anos (incluindo curso técnico) Nível terciário (ex: universitário) 101 (32,5) 89 (28,6) 121 (38,9) Vinculo de trabalho (N = 304) Trabalhando Trabalhando meio período Desempregado em função da dor 157 (51,6) 22 (7,2) 125 (41,1) Local da dor Cabeça, face, pescoço 36 (11,6) Região cervical, ombros e membros superiores 48 (15,5) Região torácica e abdominal 14 (4,5) Costas ou espinha dorsal 16 (5,1) Membros inferiores 22 (7,1) Região pélvica, anal ou genital 5 (1,6) Região lombar e membros inferiores 30 (9,6) Dor em dois ou mais locais 140 (45,0) Duração da dor De 3 meses a 1 ano Mas de 1 e menos de 3 anos Entre 3 e 5 anos De 6 a 9 anos Mais de 10 anos 28 (12,2) 60 (19,3) 87 (28,0) 39 (12,5) 87 (28,0) Intensidade da dor na última semana (EVN) 1 a 4 (leve) 5 a 6 (moderada) 7 a 10 (intensa) 70 (22,5) 94 (30,2) 147 (47,3) 31 11 - Validacao do Questionario.indd 31 23.03.10 15:27:41 Rev Dor 2010;11(1):28-36 Sárda Júnior, Nicholas, Pimenta e col. A distribuição de idade da amostra foi normal, com maior concentração no grupo 43 a 54 anos. Havia mais mulheres entre os participantes do que homens (74% versus 26%, respectivamente). A maioria era casada (64,3%), o nível de educação da amostra estava distribuído proporcionalmente, com uma discreta superioridade de sujeitos com educação de terceiro nível (38,9%). A maioria dos sujeitos estava trabalhando, mas uma percentual substancial (41%) estava afastada do trabalho devido à dor. Em relação ao local da dor, uma proporção substancial de sujeitos (45%) tinha dor em dois ou mais locais. A duração média da dor foi de 4,3 anos. A média de intensidade da dor foi 6. A maioria dos sujeitos (82,4%) estava tomando medicamentos para a dor. A prevalência de comorbidades também foi investigada. As doenças mais comuns desta população foram hipertensão (28%), seguidas de transtornos psiquiátricos (18%, principalmente depressão), disfunções endócrinas (10%) e diabetes (5%). A análise estatística da distribuição das respostas no Roland Morris indicou uma distribuição dos dados, com valores de obliquidade curtos e menores que 1,031. Não significativa entre as médias do QIRM dor em geral (=12,03, DP=6,21) e a versão de Nusbaum e col. 9 para dor lombar ( X =14,30, DP ± 7,47) 9, considerando o resultado do teste t (1,62 p < 0,05). O alfa de Cronbach foi igual a 0,90, o que indica um grau de consistência interna excelente inclusive para propósitos clínicos também. O grau de consistência interna de 0,82 também confirma a fidedignidade do QIRM. Serão descritos os resultados das comparações feitas entre diferentes grupos demográficos (usando ANOVA) como uma forma de examinar a validade de critério do QIRM (Tabela 3). Os resultados obtidos sugerem que existe uma associação entre aumento de níveis de escolaridade e presença de incapacidade. Esse padrão também foi observado no tocante à empregabilidade. Participantes que estão trabalhando apresentavam escores médios mais reduzidos de incapacidade. Esses dados indicam que o QIRM apresenta capacidade de discriminação, uma vez que grupos diferentes apresentam escores diferenciado, no sentido esperado. A habilidade para detectar algumas diferenças entre os Tabela 2 – Estatística descritiva do Questionário de Incapacidade Roland Morris e consistência interna e correlação entre as metades QIRM de dor em geral Média ± DP 12,03 ± 6,2 Número de itens 24 Obliquidade Curtose -0,02 Consistência Interna Alfa de Cronbach 0,90 -1,0 houve necessidade de transformação estatística para normalizar os dados (Tabela 2). Os resultados do teste t não indicaram diferença Floor (%) Ceiling (%) 1,0 1,9 Correlação entre formulários (split-half) coeficiente de Pearson 0,82 grupos sugere-se que estas medidas têm também validade concorrente e é capaz de identificar grupos e resultados distintos. Tabela 3 – Comparação da pontuação média do QIRM por nível de escolaridade e empregabilidade Questionários Até 8 anos de 2º grau completo ou 2º grau completo ou Teste de escolaridade incompleto incompleto significância F P QIRM 14,55 ± 6,31 * 12,15 ± 5,62 * 9,85 ± 5,76 * 17,46 0,01 Trabalhando Meio período Afastado devido à dor Teste de significância F P QIRM 9,29 ± 5,78 * 12,61 ± 6.53 * 14,78 ± 5,21 * 29,52 0,001 * Valores expressos em Média ± DP. 32 11 - Validacao do Questionario.indd 32 23.03.10 15:27:42 Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral Rev Dor 2010;11(1):28-36 Tabela 4 – Correlações entre questionários e escalas do questionário de aceitação Questionários QIRM PSEQ DASS EPC QIRM - Questionário de autoeficácia (PSEQ) -0,58 - Escala de Depressão (DASS) 0,34 -0,38 - Escala de Pensamentos Catastróficos (EPC) 0,34 -0,39 0,59 - Questionário de Aceitação da Dor (CPAQ) -0,39 0,64 -0,44 -0,47 CPAQ - Todas as correlações foram significativas no nível de significância de 0,001 A próxima análise examinou a correlação entre as diferentes medidas utilizada no estudo (Tabela 4). Devido ao alto número de correlações (66), foi necessário ajustar o nível de alfa e escolher um parâmetro para evitar as probabilidades ampliadas de um erro do Tipo I. Um ajuste de Bonferroni foi aplicado para o nível de significância (p = 0,05/66). Desta forma, apenas as correlações com p = 0,001 foram considerados significativos. Correlações baixas a moderadas encontradas entre diferentes medidas sugerem que estas medidas têm validade discriminante adequada e medem dimensões diferentes. DISCUSSÃO Propriedades psicométricas do QIRM versão brasileira para dor em geral O QIRM – versão brasileira para dor crônica geral (abreviado QIRM – QIRM-g) teve um escore médio de 12,03 ± 6,21), o que não parece muito diferente do escore médio relatado na validação original de Roland e Morris para dor lombar10 ( X =11,4, mas o desvio-padrão não foi relatado neste estudo, então o teste t não pode ser calculado). A média da amostra brasileira também foi abaixo do ponto de corte esperado para alta incapacidade em pacientes com dor nas costas relatado por estes autores em sua validação original. Quando comparado com a validação brasileira para pacientes com dor lombar ( X =14,30 ± 7,47)9 o escore médio no estudo atual ( X =12,03 ± 6,21) foi mais baixo que o relatado por estes autores, mas não significativamente diferente (t = 1,62, p < 0,05). A confiabilidade foi testada usando coeficientes de consistência interna e correlação entre formulários (splithalf). O QIRM – g teve um alfa de Cronbach de 0,90 e um coeficiente de correlação de Pearson entre formulários de 0,82, que são similares aos valores de consistência interna relatados na literatura 0,927 e 0,9032. Além do mais, de acordo com Jensen33 coeficientes de correlação nesta faixa podem ser considerados adequados para propósitos clínicos e de pesquisa. Para validade de critério, o escore médio do QIRM – g (BrGCP) no grupo de trabalhadores, trabalhadores parciais e afastados foi significativamente diferente (p < 0,001). Este resultado é semelhante aos relatados na literatura, que dão suporte a uma associação dos níveis de incapacidade auto relatados e situação empregatícia19,34. Também houve diferenças significativas nas médias entre o grupo com nível de educação superior e grupo de 4 a 8 anos de educação (médias foram 12,03 e 14,55, respectivamente, f = 17,4 em p = 0,001). A discrepância na educação pode ser refletida pelo tipo de trabalho que estes dois grupos desenvolvem; quanto mais anos de educação geralmente o índice de trabalho braçal é menor. Estas diferenças nos escores médios sugerem que esta medida é sensível para detectar diferenças entre grupos distintos ou condições diferentes. Estes resultados apoiam a validade de critério do QIRM - g versão brasileira o que indica a eficácia desta medida para predizer comportamento35. Estes resultados também são semelhantes a vários estudos9,17,32, o que providenciou maior apoio para a validade e sensibilidade do QIRM-g. Coeficientes de correlação com outros testes que mediam construtos diferentes foram examinados para testar propriedades discriminantes desta medida. É esperado que um teste não deva ter alta correlação com medidas de diferentes construtos35. O coeficiente de correlação (Pearson) do QIRM-g com o PSEQ, DASS-depressão, escala de pensamentos catastróficos e questionário de aceitação foram na maioria dos casos significativos (p < 0,001), mas este nível de significância é parcialmente inflado pelo grande número de sujeitos. No entanto as correlações corrigidas variaram de baixo a moderado. Estes dados estatísticos sugerem que há uma relação entre alguns destes construtos, mas ao mesmo tempo não há uma sobreposição entre estas medidas. A correlação mais alta do QIRM-g foi com PSEQ (0,58), o que é apoiado por outras descobertas que relatam uma influência de auto-eficácia na medida de incapacidade pelo PSEQ e o QIRM24. Estes resultados 33 11 - Validacao do Questionario.indd 33 23.03.10 15:27:42 Rev Dor 2010;11(1):28-36 Sárda Júnior, Nicholas, Pimenta e col. também são similares a outros descritos na literatura1, 18 . A correlação entre o QIRM (BrGCP) e a intensidade de dor média (relatado em um VNS variando entre zero e 10) foi significativo mas também baixo (r = 0,38), o que sugere que há uma relação entre intensidade da dor e incapacidade, apesar de serem construtos distintos e incapacidade não ser apenas uma função da intensidade da dor. Esta descoberta também tem apoio em vários estudos36-38. CONCLUSÃO As descobertas relatadas das propriedades psicométricas do QIRM - g sugerem que esta medida é válida e confiável para a amostra brasileira com dor crônica e pode ser usada em outras populações com dor crônica do Brasil. Esse resultado confirma as propriedades do QIRM. Além disso, a disponibilidade de mais essa medida para avaliação da incapacidade associada à dor crônica contribui para a compreensão desse fenômeno e implementa as possibilidades de pesquisa e intervenção clínica. REFERÊNCIAS 1. Blyth FM, March LM, Brnabic AJ, et al. Chronic pain in Australia: a prevalence study. Pain, 2001;89:127-134. 2. Gureje O, Von Korff M, Simon GE, et al. Persistent pain and well-being: A World Health Organization Study in Primary Care. JAMA, 1998;280:147-151. 3. Harstall C, Ospina M. How prevalent is chronic pain? Pain. Clinical Updates 2003;XI(2):1-4. 4. Kovacs FM, Abraira V, Zamora J, et al. 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Versão Modificada Sarda e col. 2010) Nome/Iniciais: Data: Quando você tem dor, você pode ter dificuldade em fazer algumas coisas que normalmente faz. Esta lista possui algumas frases que as pessoas usam para se descreverem quando tem dor. Quando você ler estas frases poderá notar que algumas descrevem sua condição atual. Ao ler ou ouvir estas frases pense em você hoje. Assinale com um x apenas as frases que descrevem sua situação hoje, se a frase não descrever sua situação deixe-a em branco e siga para a próxima sentença. Lembre-se assinale apenas a frase que você tiver certeza que descreve você hoje. 1. Fico em casa a maior parte do tempo por causa da minha dor. � 2. Mudo de posição freqüentemente tentando ficar mais confortável com a dor. � 3. Ando mais devagar que o habitual por causa da dor. � 4. Por causa da dor eu não estou fazendo alguns dos trabalhos que geralmente faço em casa. � 5. Por causa da dor eu uso o corrimão para subir escadas. � 6. Por causa da dor eu deito para descansar mais frequentemente. � 7. Por causa da dor eu tenho que me apoiar em alguma coisa para me levantar de uma poltrona. � 8. Por causa da dor tento com que outras pessoas façam as coisas para mim. � 9. Eu me visto mais devagar do que o habitual por causa das minhas dores. � 10. Eu somente fico em pé por pouco tempo por causa da dor. � 11. Por causa da dor tento não me abaixar ou me ajoelhar. � 12. Tenho dificuldade em me levantar de uma cadeira por causa da dor. � 13. Sinto dor quase todo o tempo. � 14. Tenho dificuldade em me virar na cama por causa da dor. � 15. Meu apetite não é muito bom por causa das minhas dores. � 16. Tenho dificuldade para colocar minhas meias por causa da dor. � 17. Caminho apenas curtas distâncias por causa das minhas dores. � 18. Não durmo tão bem por causa das dores. � 19. Por causa da dor me visto com ajuda de outras pessoas. � 20. Fico sentado a maior parte do dia por causa da minha dor. � 21. Evito trabalhos pesados em casa por causa da minha dor. � 22. Por causa da dor estou mais irritado e mal humorado com as pessoas do que em geral. � 23. Por causa da dor subo escadas mais vagarosamente do que o habitual. � 24. Fico na cama (deitado ou sentado) a maior parte do tempo por causa das minhas dores. � 36 11 - Validacao do Questionario.indd 36 23.03.10 15:27:42