A AÇÃO PREVISTA NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
ANGELA CARBONI MARTINHONI CINTRA
Advogada, Mestranda em Direito pela Universidade de
Ribeirão Preto (Unaerp), Professora da Associação Cultural
e Educacional de Barretos (Aceb) e das Faculdades
Integradas Soares de Oliveira (Fiso), Secretária de
Assuntos Jurídicos do Município de Colina.
SUMÁRIO: Introdução; 1 O tema; 2 Noção de improbidade; 3 Informação
histórica; 3.1 Constitucional; 3.2 Infraconstitucional; 4 Análise da Lei de
Improbidade Administrativa; 4.1 A estrutura da Lei de Improbidade
Administrativa; 4.2 Alcance da Lei de Improbidade; 4.3 Sujeitos do ato de
improbidade; 4.4 Penalidades impostas pela Lei de Improbidade; 4.5 Da
aplicação das penalidades; 5 Da ação prevista na Lei de Improbidade; 5.1
Aspectos preliminares da efetiva aplicação da Lei de Improbidade; 5.2 Da
Ação Civil Pública; 5.3 Da Ação Popular; 5.4 Da efetiva aplicação da Lei de
Improbidade; Conclusão; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Visa o presente trabalho a analisar a Lei de Improbidade Administrativa, sendo
certo que teremos a oportunidade de verificar a importância da probidade
administrativa e as conseqüências de sua ausência, e, em especial, qual a via
processual adequada para a aplicação da Lei nº 8.429, de 02.06.1992.
Interessante notar que, após mais de 13 (treze) anos de vigência, ainda se
suscite acirradas dúvidas e haja tão rica discussão na esfera jurídica no que
concerne à ação adequada para se abordar a matéria de improbidade
administrativa.
Assim, procuremos propiciar uma visão geral de como utilizar o regramento
previsto na Lei de Improbidade para exercer e primar pela tão almejada
integridade.
1 O TEMA
Trata-se de matéria juridicamente abrangente, haja vista sua inter-relação com
o Direito Administrativo, Civil e Penal, além, é claro, de assunto que desperta a
atenção de toda a sociedade, em especial por consubstanciar realidade que
desde muito tempo aflige toda nossa Administração Pública, isto porque
relaciona fatos e acontecimentos políticos e sociais que denigrem a imagem do
administrador.
Sem querer adentrar às questões filosóficas, não é de se olvidar que o dever
de probidade está integrado na conduta do ser humano.
Assim, como não poderia deixar de ser, tal postura encontra-se acobertada
pelo ordenamento jurídico pátrio 2.
Em análise ao texto constitucional a que se alude, podemos notar que o dever
de probidade está, ainda, agregado às exigências de conduta do administrador
público como elemento necessário à legitimação de seus atos.
De mais a mais, na tentativa de repudiar a desonestidade, foi muito bem
elucidado pelo Ministro Luiz Fux 3, ao relatar que: "A probidade administrativa é
consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso".
Assim, o tema se mostra de grande interesse geral e, por conseqüência, tanto
quanto instigante.
Ademais, Marino Pazzaglini Filho 4 chega mesmo a afirmar que:
"Ninguém ignora que é elevado o grau de improbidade que assola os diversos
níveis administrativos em todo o País. Ora, a má gestão da coisa e do dinheiro
público é o fator fundamental impediente do crescimento da oferta de serviços
públicos de qualidade razoável e da outorga, pelo Estado, de uma prestação
social palpável. Em síntese, o estigma da improbidade obsta o
desenvolvimento humano e material do País, à medida que dificulta a melhoria
de condições globais mínimas de vida."
2 NOÇÃO DE IMPROBIDADE
Diante da complexidade do tema, melhor seria não ousar a conceituar tal
princípio, mas apenas apresentar uma noção do que é improbidade.
Mesmo porque, no que se refere à tentativa de conceituar improbidade, elucida
Waldo Fazzio Junior 5 que:
"Não adianta palmilhar a busca de um conceito preciso nessa matéria.
Também não é oportuno importá-lo do regramento legal, porque este é
extremamente detalhado e, por isso, capaz de produzir sensíveis confusões
exegéticas."
E ainda, tendo em vista que "a probidade é espécie do gênero moralidade
administrativa" 6, oportuno fazermos um adendo acerca do princípio
constitucional da moralidade administrativa, isto visando a importância de sua
observação.
Como princípio consagrado na Constituição Federal, deve ser observado, sob
pena de se colocar em risco o próprio Estado de Direito, conforme bem
assevera Marcello Caetano 7:
"[...] é chegado o momento de abordar o estudo das garantias instituídas para
assegurar o cumprimento das leis e o respeito dos direitos subjectivos e dos
interesses legítimos dos particulares.
Naturalmente, esse segundo aspecto das garantias dos administrados é o que
maior importância tem, por traduzir uma imposição evidente do Estado de
Direito."
J. J. Gomes Canotilho 8 ainda acrescenta que:
"Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente
objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que
encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional."
Assim, oportuno destacar o posicionamento de Luiz Manoel Gomes Junior 9
acerca da moralidade administrativa:
"Outra questão relevante é delimitar o que é o princípio da moralidade
administrativa. Segundo os administrativistas, teria sido Hauriou o primeiro
jurista a abordar o tema da moralidade administrativa sob a ótica atual. Em
suas palavras, seria um princípio que dependeria da análise da conduta em
decorrência de uma distinção entre o bem e o mal. Na administração haveria
sempre uma diferenciação, além daquela envolvendo os conceitos de justo e
injusto, do honrado e desonrado, do que seria conveniente do inconveniente.
Poder Público estaria atuando por uma noção de moral jurídica, especialmente
quando em análise de atos tidos como praticados com desvio e poder."
Outrossim, a proposta de apenas apresentarmos uma noção do instituto em
apreço justifica-se ainda mais se levarmos em consideração o que elucida o
autor elencado anteriormente 10:
"Impossível ignorar que a noção de ‘moralidade administrativa’ é um conceito
vago. Não restam dúvidas de que a concepção de justo e injusto varia de
indivíduo para indivíduo, sendo comumente aceito que o ato moral está dentro
de um conceito de ‘justo’, ao contrário daquele que possui a pecha de imoral,
apesar das dificuldades de se conceituarem ou de se delimitarem tais situações
pela evidente carga de subjetividade em tal análise."
Ainda acerca do Princípio da Moralidade, Alexandre de Moraes 11 ensina que:
"Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o
estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua
função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a
moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade
de todo ato da Administração Pública." (grifo nosso)
E ainda continua mencionado autor 12: "O princípio da moralidade está
intimamente ligado com a idéia de probidade, dever inerente do administrador
público".
Segundo Luiz Manoel 13:
"A improbidade estaria presente quando por parte do administrador, ou mesmo
terceiros que se relacionem com a Administração, violem o dever de agir
segundo um conceito amplo de moralidade administrativa."
Odete Medauar 14 assim ensina acerca do tema ora abarcado:
"A probidade, que há de caracterizar a conduta e os atos das autoridades e
agentes públicos, aparecendo como dever, decorre do princípio da moralidade
administrativa. Na linguagem comum, probidade equivale a honestidade,
honradez, integridade de caráter, retidão. A improbidade administrativa tem um
sentido forte de conduta que lese o Erário Público, que importe em
enriquecimento ilícito ou proveito próprio ou de outrem no exercício do
mandato, cargo, função, emprego público."
Na lição de Raul Machado Horta 15:
"A corrupção é manifestação maligna, que nega a moralidade administrativa.
Na linguagem vernácula, a improbidade designa a desonestidade, a maldade, a
perversidade; equivale ao ímprobo, que conduz ao improbus administrador,
caracterizando, no serviço público, o administrador desonesto."
Prosseguindo, Luiz Manoel Gomes Junior 16 assevera que a moral
administrativa é aquela em que o administrador deve guiar-se pela noção de
moral (comum), contudo, buscando na finalidade do ato o interesse público de
modo que o seu agir seja sempre guiado pelos parâmetros legais, almejando
um resultado o mais satisfatório possível para a coletividade.
E, ainda, conforme posicionamento doutrinário:
"Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo
técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas,
promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios
nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e republicano),
revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas
do Erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo ‘tráfico
de influência’ nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de
poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de
obséquios e privilégios ilícitos." 17
Importante denotar, ainda, o posicionamento de Rodolfo de Camargo Mancuso
18, no sentido de que:
"A moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com
a moralidade comum; ela é composta por regras da boa administração, ou seja,
pelo conjunto das regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção
entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela
idéia de função administrativa."
Por fim, convém esclarecer que o termo probidade provém do latim probitas,
probitatis, e significa: "Quem detém a qualidade de bom".
Portanto, a contrário senso, improbibas, improbitatis, é a má qualidade, a
ausência do que é bom, justo ou digno.
Waldo Fazzio Junior 19 expõe que "improbidade é a palavra derivada do latim
improbitate, significando falta de probidade, desonestidade e desonradez".
3 INFORMAÇÃO HISTÓRICA
3.1 Constitucional
No que concerne ao surgimento da improbidade administrativa em nível
constitucional, podemos observar que, mesmo que implicitamente, encontravase consagrado o princípio da probidade administrativa na Constituição Política
do Império de 1824 20.
Já em 1891 com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
surgiu pela primeira vez, expressamente, a expressão "probidade" 21.
Em seqüência, o princípio da probidade administrativa esteve ainda presente
nas Cartas Políticas de 1934 (art. 57, f), 1937 (art. 85, d), 1946 (art. 89, V),
1967 (art. 84, V) e na EC 01/1969 (art. 82, V).
Já na Constituição Federal de 1988, podemos verificar que o princípio da
improbidade administrativa encontra-se presente nos arts. 14, § 9º, 15, V, 37, §
4º, e 85, V.
3.2 Infraconstitucional
Cumpre-nos asseverar que, em nível infraconstitucional, a improbidade
administrativa consagrou-se com a Lei Federal nº 8.492/1992.
Contudo, anteriormente podemos notar a existência da Lei nº 3.164, de
1º.06.1957 (Lei Pitombo - Godói Ilha) e da Lei nº 3.502, de 21.12.1958 (Lei
Bilac Pinto), sendo estas inclusive revogadas pelo art. 25 da Lei de 1992 22.
4 ANÁLISE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Trata-se de verdadeira lei anticorrupção, cuja ementa lhe confere tal
destinação:
"Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função
Administração Pública direta, indireta ou fundacional e dá outras previdências."
Em grande escala, percebe-se, primeiramente, o escopo de primar pelo
princípio da moralidade, impondo sanções 23 ao descumprimento dos
princípios morais do administrador, que, diga-se de passagem, é diferente do
conceito de moralidade do homem comum.
Dentro do item, vale a pena ressaltar a diferenciação da moral comum e
daquela do administrador; neste sentido, elucida Helly Lopes Meirelles 24:
"A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de
todo ato da Administração Pública. Não se trata - diz Hauriou, o sistematizador
de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida
como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da
Administração’.
[...]
Desenvolvendo o mesmo conceito, em estudo posterior, Welter insiste em que
‘a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum; ela é
imposta por regras de boa administração, ou seja, pelo conjunto de regras
finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal,
mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função
administrativa’."
E continua o citado autor 25:
"O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua
legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais
toda atividade pública será ilegítima.
[...]
A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do ‘bom
administrador’."
Assim, "há diferença entre a moral comum, aquela que deve ser invocada para
o julgamento de atos individuais, daquela aplicável no caso de atos coletivos ou
de lavra de um representante desta coletividade - administrador" 26.
Continuando, há de se convir que o dever de probidade é mais acentuado e
mais refinado do que o dever de moralidade, ou seja, toda improbidade é
imoral, mas nem toda imoralidade é ímproba, esta é mais aguçada do que
aquela.
4.1 A estrutura da Lei de Improbidade Administrativa
Importante, ainda, destacar acerca da estrutura da lei em comento, sendo certo
que nesta seara muito bem explana Raul Machado Horta 27:
"A referida Lei, aplicável aos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e do Território, à Administração direta, indireta ou
fundacional, esgota, atualmente, a tipificação dos atos de improbidade
administrativa, enumerados em doze casos, define os atos de improbidade que
causam prejuízo ao Erário, reunidos em treze modalidades; enumera as
espécies de atos de improbidade, em sete enunciados; particulariza as
cominações por ato de improbidade (art. 12-I-II-III); confia ao Ministério Público
a propositura da ação por improbidade administrativa (art. 17, §§ 1º até 12),
prevê a perda dos bens havidos ilicitamente e o pagamento em favor da
pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (art. 18); admite a perda da função
pública e a suspensão dos direitos políticos, que se efetivam com o trânsito em
julgado da sentença condenatória (art. 20)."
4.2 Alcance da Lei de Improbidade
Já no que concerne ao alcance da Lei de Improbidade, vale a pena expor o
posicionamento de Fernando Rodrigues Martins 28, que assim se posiciona
sobre a responsabilidade do servidor público:
"O prejuízo causado pelo agente público à Administração, para os efeitos da
Lei Federal nº 8.429/92, há de ser aquele, além de caracterizado pela ação ou
omissão dolosa ou culposa, comprovadamente oriundo de ato ilegal. Assim,
danos decorrentes de atos legais, todavia lastreados por culpa - o que
corriqueiramente ocorre no dia a dia da Administração, não são atacáveis pela
Lei da Improbidade Administrativa."
Neste item vale ainda ressaltar que, conforme decidido pelo Superior Tribunal
de Justiça: "O tipo do art. 11 da Lei nº 8.429/92, para configurar-se como ato de
improbidade, exige conduta comissiva ou omissiva dolosa" 29 (grifo nosso).
4.3 Sujeitos do ato de improbidade
Quanto aos sujeitos do ato de improbidade, temos que o art. 1º, caput, da Lei
nº 8.429/1992 inicia dispondo sobre quem pode praticar o ato ímprobo.
Assim, notemos que poderá ser sujeito de improbidade administrativa qualquer
"agente público", sendo este aquele que está devidamente autorizado a
expressar a vontade estatal, desempenhando, assim, função estatal.
Como forma de melhor esclarecer acerca dos conceitos de agente público e
servidor público, ressaltemos os ensinamentos de Celso Bandeira de Melo 30:
"Os servidores públicos são uma espécie dentro do gênero ‘agentes públicos’.
Esta expressão - agentes públicos - é a mais ampla que se pode conceber para
designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem o Poder Público
como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam
apenas ocasional ou episodicamente."
Ademais, o art. 2º define especificamente o conceito de agente público. Já o
art. 3º estende a terceiros, mesmo que não agentes públicos, a
responsabilidade pelo ato de improbidade.
E ainda, em recente decisão o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:
"São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os
servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de
agente público, insculpido no art. 2º da Lei nº 8.249/92. Deveras, a Lei Federal
nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de
probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na
relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção
de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do
funcionário público contido no Código Penal (art. 327).
Hospitais e médicos conveniados ao SUS que, além de exercerem função
publica delegada, administram verbas publicas, são sujeitos ativos dos atos de
improbidade administrativa. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do
STJ, nas hipóteses em que se afirma a qualidade, em tese, de agente público
passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a
aferir a exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao
ordenamento." 31
Temos, ainda, que para adequada aplicação de qualquer dispositivo legal no
que concerne aos sujeitos ativos abarcados pela Lei de Improbidade,
necessário que se faça uma conjugação com a redação dada pelo art. 70,
parágrafo único, da Constituição Federal, entendendo-se daí, ainda mais, como
potenciais agentes do ato de improbidade: "Qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiros, bens e valores público ou pelos quais a União responda, ou que, em
nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária".
Prosseguindo, temos que pode ser sujeito passivo na relação jurídica
decorrente do ato de improbidade administrativa toda e qualquer pessoa
jurídica integrante da "Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer
dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de
Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para
cuja criação ou custeio o Erário haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual" 32.
Desta forma, nota-se que a definição de sujeitos passivos trazida pela Lei de
Improbidade Administrativa é um tanto quanto ampla, possibilitando, assim,
sem sombra de dúvidas, a garantia pela probidade, pela honestidade e
integridade da Administração Pública.
4.4 Penalidades impostas pela Lei de Improbidade
Corolário maior da imposição de penalidade àqueles que cometem atos de
improbidade administrativa é encontrado na primeira parte do art. 37, § 4º, da
Constituição Federal, no qual se determina que: "Os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao Erário [...]".
No que se refere ao tema ora em análise, Alexandre de Moraes 33 resume as
penalidades impostas pelo texto da Lei de Improbidade da seguinte forma:
"A conduta do administrador público em desrespeito ao princípio da moralidade
administrativa enquadra-se nos denominados atos de improbidade, previstos
pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e sancionados com a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e
o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei [...]."
Em análise à lei em comento, podemos observar em seu contexto, em especial
no que disciplina o art. 12 - a gravidade das cominações, eis que de maneira
mais analítica podemos elencar as penalidades como: integral reparação do
dano, perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, e, ainda, proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos.
Contudo, conforme elucidado na doutrina:
"Identificado o bem jurídico e positivada a norma proibitiva que visa a preserválo, é imprescindível que seja estabelecida a reprimenda em que incidirá o
infrator. A sanção deve guardar relação com o ilícito praticado, variando
qualitativa e quantitativamente conforme a lesividade da conduta.
Essa regra abstrata de proporção não deve ser concebida em um sentido
material, conforme fora acolhido pelas mais remotas tradições ocidentais com a
adoção do Talião - era a conhecida fórmula olho por olho, dente por dente. A
proporção haverá de se refletir em um sentido psicológico, estabelecendo um
efeito moral entre o ilícito e a sanção [...]." 34
Antes de analisarmos cada sanção, importante destacar a possibilidade de
declaração de indisponibilidade de bens, este é o regramento do art. 7º da Lei
de Improbidade Administrativa 35.
Note-se que tal possibilidade deverá estar adequada à previsão do parágrafo
único do mencionado artigo, qual seja, "a indisponibilidade a que se refere o
caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento
do dano, ou sobre acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito".
Assim, conforme manifestação jurisprudencial, "a decretação de
indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade
administrativa deve observar o teor do art. 7º, parágrafo único, da Lei nº
8.429/92" 36.
Prosseguindo, importante observarmos a sistemática presente no analisado
regramento legal, uma vez que elenca separadamente de maneira objetiva e
clara a sanção exata a cada conduta desenvolvida.
Desta forma, todo aquele agente público que desempenhar conduta prevista no
art. 9º da Lei nº 8.429/1992 estará sujeito às penalidades do inciso I do art. 12,
qual seja: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos
direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes
o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de dez
anos.
E, ainda, todo aquele agente público enquadrado nas condutas especificadas
no art. 10 da referida Lei Federal será punido pelas penas previstas no inciso II
do mesmo diploma legal, sendo: ressarcimento integral do dano, perda dos
bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil
de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de
cinco anos.
Temos, ainda, que o agente público que praticar conduta tipificada no art. 11 da
Lei de Improbidade Administrativa a ele poderão ser aplicadas as previsões do
inciso III, que são: ressarcimento integral do dano, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de três anos.
Por fim, no tópico, acrescente-se, ainda, os ensinamentos de Odete Medauar
37:
"Por seu lado, o § 4º do art. 37 (da Constituição Federal) prevê, para os atos de
improbidade administrativa dos agentes políticos em geral, a suspensão dos
direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o
ressarcimento ao Erário, na forma e gradação indicadas em lei. Essa lei, de nº
8.429, foi editada em 02.06.1992; além de caracterizar como de improbidade
administrativa os atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º) e que
acarretam prejuízo ao Erário (art. 10), o referido texto assim qualifica também
os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11),
como, por exemplo: retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício
(II), negar publicidade dos atos oficiais (IV), frustrar a licitude de concurso
público (V), deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo (VII).
Desse modo, a Lei nº 8.429/92 inseriu, nos casos de improbidade
administrativa, condutas que não implicam necessariamente locupletamento de
caráter financeiro ou material." (grifo nosso)
Ressalta-se que algumas das sanções elencadas no art. 12 da Lei de
Improbidade não são aplicadas, quais sejam:
a) ao Presidente da República - perda da função pública e suspensão dos
direito políticos -, eis que são regidas pela Constituição Federal ao disciplinar a
cassação do Chefe do Executivo - arts. 85 e 86 e pela Lei Federal nº
1.079/1950;
b) aos membros do Congresso Nacional (Senadores e Deputados Federais) perda da função pública;
c) aos sucessores (art. 8º) - entendemos abranger apenas o ressarcimento dos
danos e o perdimento de bens.
4.5 Da aplicação das penalidades
Notemos a previsão do parágrafo único do art. 12 38, que, em análise,
percebemos a alusão ao princípio da proporcionalidade.
Importante destacarmos que não obstante a gravidade e severidade das penas
impostas no art. 12, houve por bem o legislador ordinário em deixar expresso a
necessária proporção entre a extensão do dano e a fixação da pena.
Na verdade, nem haveria necessidade de tal previsão, uma vez que o juiz
deverá, em regra, atentar-se ao referido princípio, conforme explicitado pelo
Ministro Gilmar Mendes em voto de vista (STF, HC 82.424/RS) que:
"Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando
verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre
distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso
relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que
integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas
parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (A
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Direitos
fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há
de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do
conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigurase adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto
é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e
proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada
entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio
contraposto).
Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a
todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o
legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito
constitucional e teoria da constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed., p. 264)."
Segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves 39:
"O princípio da proporcionalidade impõe a obrigação de que o Poder Público
utilize os meios adequados e interdite o uso de meios desproporcionais."
E ainda continuam os citados doutrinadores:
"O Poder Judiciário deve velar sempre pela plenitude da Constituição,
impedindo que os direitos fundamentais sejam atingidos pelos excessos
praticados pelo legislador sob o singelo argumento de estar atuando no campo
de liberdade aberto por aquela.
[...]
Em suma, trata-se de um princípio de controle cuja aplicação é imprescindível
à supremacia da Constituição, coexistindo com a liberdade de conformação do
legislador conferida por esta." 40
Já no que concerne ao posicionamento jurisprudencial, este encontra-se há
tempos consolidado e não destoa da doutrina, eis que:
"As sanções do art. 12 da Lei nº 8.249/92 não são necessariamente
cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa claro
o parágrafo único do mesmo dispositivo.
No campo sancionatório, a interpretação deve conduzir à dosimetria
relacionada à exemplariedade e à correação da sanção, critérios que compõem
a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudencial do E. STJ
(Precedentes)." 41
E ainda:
"A aplicação das sanções da Lei nº 8.429/92 deve ocorrer à luz do princípio da
proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em relação ao ato
ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a imunidade. Para decidir pela
cominação isolada ou conjunta das penas previstas no art. 12 e incisos, da Lei
de Improbidade Administrativa, deve o magistrado atentar para as
circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta,
a média da lesão ao Erário, o histórico funcional do agente público etc." 42
(grifo nosso)
Desta forma e levando-se em consideração a finalidade da reprimenda, temos
que impreterível a observância do princípio da proporcionalidade, devendo
sempre ser considerada a extensão do dano causado na aplicação das
penalidades.
Por fim, podemos citar os ensinamentos da jurisprudência ainda no sentido de
que:
"Quanto à alegação de excessivo rigor das penas, em face do princípio da
proporcionalidade, cabe ao Juiz graduá-las de forma razoável e adequada,
levando em conta a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido
pelo agente, consoante o que dispõe o parágrafo único do art. 12 da Lei nº
8.249/92, de modo a tornar eficaz a providência jurisdicional e a desestimular a
prática de novos atos de improbidade administrativa." 43
Nem há que se admitir a consideração apenas à caracterização da conduta,
sob pena de ferirmos o próprio Sistema Democrático.
5 DA AÇÃO PREVISTA NA LEI DE IMPROBIDADE
Sem sombra de dúvidas, a Lei de Improbidade veio ao encontro dos anseios
populares, contudo, tão importante quanto o resguardo do direito é a garantia
de sua aplicação.
Diante disto, surge a dúvida de qual seria o procedimento judicial adequado
para a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa?
Inicialmente cumpre asseverar que a Lei nº 8.429/1992 não estabelece,
precisamente, a via adequada a ser utilizada para a aplicação da sanção por
atos de improbidade, podendo ser considerada obscura sob o esse prisma.
Conforme podemos perceber o Diploma Legal em apreço possui apenas
tímidas referências processuais, sendo quase que em sua totalidade dotada de
cunho material, como será melhor analisado a seguir.
5.1 Aspectos preliminares da efetiva aplicação da Lei de Improbidade
Notemos que, conforme já abordado, a Lei Federal nº 8.429/1992 não chega a
ser omissa quanto aos regramentos processuais aplicáveis à espécie 44,
contudo, não dispensa maiores preocupações quanto à via adequada para o
acesso ao Judiciário.
Diante da análise das previsões de natureza processual inseridas na Lei de
Improbidade, passemos a analisar qual seria a via adequada para a aplicação
da Lei nº 8.249/1992.
5.2 Da Ação Civil Pública
Seguindo a lição de posicionamento doutrinário 45, temos que:
"Ação civil é a que tem por objeto uma lide civil. É ação não penal pública por
seu conteúdo porque objetiva proteger interesses difusos ou coletivos.
Se toda ação civil, mediatamente, persegue a consecução do interesse público,
na órbita processual civil, seu objetivo imediato é, em geral, a dedução de uma
pretensão menor, isto é, particular. Quando, no entanto, a própria pretensão
geradora da lide deflui de interesses difusos ou coletivos, estamos em face de
ação civil pública.
Ação civil pública, no caso de improbidade administrativa, é ação civil de
interesse público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um
instrumento para a proteção de um bem, cuja preservação à toda a
coletividade." (grifo nosso)
Em concordância com a adequação da via da ação civil pública para se
questionar atos de improbidade administrativa, assim se manifesta Alexandre
de Moraes 46:
"A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao
Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos
poderes púbicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio
público por ato de improbidade, quanto a aplicação das sanções do art. 37, §
4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de
sua conduta irregular.
[...]
Conclui-se, portanto, que a Lei da Ação Civil Pública é a lei processual, pelo
que a hipótese motivadora da ação possibilitadora da condenação por ato de
improbidade administrativa se baseia nas disposições da Lei nº 8.429/92,
norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as
sanções previstas constitucionalmente no art. 37, § 4º, da Constituição Federal
[...]."
E, ainda, é o raciocínio que se extrai do posicionamento de Rodolfo de
Camargo Mancuso 47, no sentido de que:
"[...] o valor jurídico tutelado na ação civil pública é o ‘Erário’, ou seja, o aspecto
pecuniário do ‘patrimônio público’, seja porque o inciso 4º do art. 1º da Lei nº
7.347/85 dá abertura para ‘qualquer outro interesse difuso ou coletivo’, seja
porque a Lei nº 8.249/92 (sobre atos de improbidade administrativa e
enriquecimento ilícito) aparece vocacionada à preservação desse bem, e seu
art. 17 legitima o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada à
propositura da ação."
O raciocínio mencionado é confirmado pelo posicionamento jurisprudencial: "O
Ministério Público é parte legítima para promover ação civil pública visando o
ressarcimento de dano ao Erário municipal" 48.
Ademais, o posicionamento jurisprudencial demonstra-se no sentido de que:
"Administrativo e processual. Improbidade administrativa. Ação Civil Pública
1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa,
anseio popular e, a fortiori, difuso.
2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso,
que viabiliza multifária legitimação, dentre outras, a do Ministério Público como
o mais adequado órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão.
3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão
substancial. Ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções
correspondentes.
4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o
assegura, é licito que o interesse difuso à probidade administrativa seja
veiculado por meio da ação civil pública, máxime porque a conduta do Prefeito
interessa à toda a comunidade local, mercê de a eficácia erga omnes da
decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de novéis demandas.
5. As conseqüências da ação civil pública quanto ao provimento jurisdicional
não inibe a eficácia da sentença que pode obedecer à classificação quinária ou
trinária das sentenças.
6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório,
constitutivo, auto-executável ou mandamental.
7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o
pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na
categorização da demanda.
8. A Lei de Improbidade Administrativa, juntamente com a lei da ação civil
pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de
Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso,
compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e, sob
esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se." 49 (grifo
nosso)
Prosseguindo, e já adentrando à polêmica que se pretende instaurar, vale a
pena transcrever o posicionamento 50 extraído do Tribunal de Justiça deste
Estado acerca do tema:
"A mencionada ação, ‘dado o seu caráter excepcional [...] só pode ser admitida
nos casos, expressamente permitidos na legislação em vigor (v., a respeito,
Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz et al. - A ação civil pública e a tutela
jurisdicional dos interesses difusos e Édis Milaré - A ação civil pública na nova
ordem constitucional - este reportando-se ao conceito de tipicidade versado por
Mário Vellani - Sulla tipicità dellázione civile del público ministero) e aduzindo
verbis: ‘De se ter presente, finalmente, que os casos nos quais se admite o
exercício da ação civil pública devem, necessariamente, vir explicitados na lei,
por representarem exceção aos princípios da iniciativa da parte e do
dispositivo, vigente no processo civil’. Cuida-se da tipicidade ou taxatividade da
ação civil pública. Daí ser ela conceituada como o ‘direito expresso em lei [...]’
autor invocado, ainda, observa que também na ação civil pública prevalece,
como é óbvio, a regra da demanda." (grifo nosso)
Diante da análise quanto à ação civil pública, surge a dúvida: Seria esta a via
adequada para aplicação da Lei de Improbidade, em especial suas
penalidades?
5.3 Da Ação Popular
Neste item há de se verificar o posicionamento de Rodolfo de Camargo
Mancuso 51 acerca da possibilidade de se questionar atos de improbidade
administrativa por meio da via da ação popular, uma vez que:
"Presente a ampliação do objeto da ação popular, a partir do novo conceito
inserto no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, impende destacar um
aspecto muito importante: se a causa da ação popular for um ato que o autor
reputa ofensivo à moralidade administrativa, sem outra conotação de palpável
lesão ao Erário, cremos que em princípio a ação poderá vir a ser acolhida, em
restando provada tal pretensão, porque a atual CF erigiu a ‘moralidade
administrativa’ em fundamento autônomo para a ação popular."
Luiz Manoel Gomes Junior 52, alicerçado em posicionamentos doutrinários 53,
entende ser perfeitamente possível a invocação das regras da Lei de
Improbidade em sede de Ação Popular.
Justifica o citado autor dois pontos a embasar a possibilidade da aplicação da
Lei nº 8.429/1992 em sede de Ação Popular.
O primeiro em virtude do fato de que a probidade administrativa decorre da
moralidade administrativa, chegando ainda a afirmar que:
"Admitir outra posição seria consentir que a Constituição permite o ataque
através de Ação Popular quando presente o minus - imoralidade administrativa
- mas não quando ocorrer o plus - improbidade administrativa -, raciocínio sem
sustentáculo normativo." 54
O segundo porque, em última análise referida Lei Federal 55, busca a proteção
ao Patrimônio Público, devendo, assim, ser os atos que afrontem a moralidade
administrativa atacados via Ação Popular, mesmo porque a legitimação de
mencionada demanda é ampla, diferente do que ocorre com a Ação Civil
Pública.
Ademais, como muito bem destacado pelo mencionado autor 56, o Supremo
Tribunal Federal já admitiu Ação Popular pautada apenas em ato lesivo e
imoral 57.
Mas realmente seria a Ação Popular a demanda apta a questionar atos de
improbidade?
5.4 Da efetiva aplicação da Lei de Improbidade
Sabemos que tanto a Ação Civil Pública quanto a Ação Popular têm como
escopo maior a proteção ao bem público.
Em última análise, é este o objetivo principal da Lei de Improbidade, uma vez
que visa à proteção dos atos probos e, assim, o combate à imoralidade, mais
precisamente à improbidade, zelando, assim, pela preservação da coisa
comum.
Em conseqüência, parece-nos claro que os atos de improbidade poderiam ser
atacados por meio das mencionadas vias, seguindo-se assim os respectivos
ritos processuais.
Contudo, em análise técnica do dispositivo legal de improbidade, deparamonos com situação que causa-nos uma certa indagação, e, portanto,
entendemos merecer melhor atenção.
O art. 17 da Lei nº 8.249/1992 determina que:
"A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar." (grifo nosso)
Ora, em assim sendo, verifica-se que referido artigo determina expressamente,
que a ação principal terá o rito ordinário.
Nem há de se falar que o art. 17 seria aplicado apenas quando utilizada a
medida cautelar prevista no art. 16, pois, se assim entendermos, chegaríamos
à aberração de consentir que, quando ajuizada ação cautelar, a principal (que
discutirá o próprio ato de improbidade) terá o rito ordinário, e, quando não
ajuizada a medida prévia, o rito poderá ser diverso.
Partindo dessa premissa, poderíamos entender não ser possível a persecução
judicial por meio da via da Ação Popular, isto por dois motivos:
O primeiro em razão da própria disposição do art. 17, uma vez que determina,
expressamente, que a ação principal terá o rito ordinário, e a ação popular
somente terá o rito ordinário após a resposta.
O segundo, porque, mesmo a Ação Popular tendo como objetivo primordial a
proteção do Bem Público, o cidadão não estaria legitimado para questionar ato
de improbidade, uma vez que o legislador entendeu por bem legitimar apenas o
Ministério Público e a pessoa jurídica interessada.
Quanto à Ação Civil Pública o raciocínio não é diverso, pois, mesmo, tendo o
art. 17 legitimado o Ministério Público a ajuizar a ação, temos que os atos de
improbidade também não poderiam ser enfrentados por meio desta via.
Aliás, este é o posicionamento da jurisprudência pátria, eis que:
"[...] a ação civil pública pode ser utilizada em casos de improbidade
administrativa, sendo meio legal idôneo para o Ministério Público pleitear as
cominações legais previstas na Lei nº 8.429/92.
Sem dúvida, a repressão à improbidade administrativa é uma das formas de
defesa do patrimônio público e a gestão honesta da coisa pública é exemplo de
interesse difuso. O patrimônio público e a probidade administrativa são valores
de enorme importância e pertencem a toda a sociedade. Assim, no caso em
exame, está-se diante de interesses difusos e coletivos de toda a coletividade
de Sabino." 58
Tal entendimento justifica-se uma vez que, conforme já exposto anteriormente,
a Ação de Improbidade tem, por determinação legal - art. 17 -, o rito ordinário,
não sendo possível, desta forma, adotarmos o rito da Ação Civil Pública.
Contudo, data maxima venia aos posicionamentos menos liberais a contrario
sensu 59, entendemos que a Lei de Improbidade poderá ser invocada tanto por
meio da via da Ação Civil Pública quanto a Ação Popular, e, claro, pela via
Ordinária da Ação de Reparação de Danos, sendo tais vias aptas inclusive
para a aplicação das penalidades previstas no regramento da Lei de
Improbidade.
Ressalte-se que, se assim não fosse, seria o caso de reconhecimento de
carência de ação em face ao autor, tendo em vista a falta do interesse de agir,
uma vez que inadequada a via eleita, em sede de Ação Civil Pública ou Ação
Popular, sendo certo que caberia ao autor trilhar o caminho da Ação Ordinária
de Reparação de Danos, pleiteando a aplicação das regras da Lei da
Improbidade Administrativa, mas não buscar a aplicação das penalidades
previstas nestas 60.
E mais, pois, se demonstrada a ausência de um dos elementos indispensáveis
ao preenchimento das condições da ação - interesse de agir -, não restaria
outro caminho, senão a extinção do feito, sem análise de mérito, nos exatos
termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.
CONCLUSÃO
Em assim sendo, podemos concluir que a Lei de Improbidade é de grande valia
na tentativa do combate aos atos de corrupção no País. Contudo, em virtude
do seu restrito caráter processual, uma vez que referida lei não traz previsão
expressa acerca da via adequada capaz de proporcionar sua efetiva aplicação,
não obstante polêmica levantada no decorrer do presente estudo 61,
entendemos que a Lei de Improbidade poderá ser invocada em sede de Ação
Civil Pública ou Ação Popular, cuja finalidade primordial, em ambas, é a
proteção do Bem Público.
Quanto ao ajuizamento de Ação Ordinária de Improbidade Administrativa,
maiores discussões não há, sendo perfeitamente possível, estando, contudo,
legitimados o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada.
No mais, não obstante entendermos perfeitamente possível e legal a utilização
da via e, por conseguinte, o rito da Ação Civil Pública e Ação Popular para
promover o ressarcimento do Erário Público, os posicionamentos e as teses
não se encontram solidificados, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Apesar de estarmos presenciando uma evolução no sentido de maior
efetividade no combate aos administradores ímpetos, infelizmente o combate à
corrupção é ainda pouco utilizado.
Por fim, tanto como profissionais da área do Direito quanto como cidadãos
temos o dever e a honra de cooperar para uma efetiva aplicação da Lei de
Improbidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Coimbra: Almedina, 1996.
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PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JUNIOR,
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