AS RELAÇÕES DAS CRIANÇAS PORTADORAS DE NECESSIDADES EDUCATIVAS
ESPECIAIS EM ATIVIDADES LÚDICAS: ABORDAGEM DA PSICOMOTRICIDADE
RELACIONAL
Atos Prinz Falkenbach. UNIVATES-Centro
Universitário. Lajeado, Brasil. e-mail:
[email protected], [email protected]
CONTEXTO
O estudo se dá na cidade de Lajeado–Brasil, no Centro Universitário–UNIVATES. Em aulas
de Educação Física, do projeto de Psicomotricidade Relacional do Curso de Educação
Física, estudamos as relações interpessoais e o desenvolvimento do vocabulário psicomotor
de crianças portadoras de necessidades especiais em conjunto com aquelas normais. As
aulas ocorrem uma vez por semana, às quartas-feiras, com temporalidade de 60 minutos.
O grupo das crianças é constituído por portadoras de necessidades especiais e aquelas
normais. O quadro seguinte apresenta as características das crianças protagonistas do
estudo.
QUADRO Nº 1 – CRIANÇAS PROTAGONISTAS DO ESTUDO
Crianças e Data de
Nascimento
A. R.
18/03/1996
J. S.
28/05/1992
M. F.
19/03/1998
S. W.
16/07/1996
A. F.
19/03/1992
M. B. 19/02/1994
G. B. 15/02/1996
Idade
Sexo
Necessidades Especiais
5 anos
9 anos
3 anos
5 anos
9 anos
7 anos
5 anos
Feminino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Síndrome de Down
Síndrome de Down
Síndrome de Down
Deficiência Auditiva
Retardo Neuropsicomotor
Retardo Neuropsicomotor
Retardo Neuropsicomotor e
Hiperatividade
Outra instituição
educacional
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
PROBLEMA E OBJETIVOS
O estudo investiga a prática inclusiva em Educação Física Escolar pela metodologia da
Psicomotricidade Relacional. Descreve e interpreta as relações e o desenvolvimento do
vocabulário psicomotor das crianças portadoras de necessidades educativas especiais em
conjunto com as crianças normais.
A questão central do estudo é: Que relações se estabelecem e que efeitos comportamentais
se evidenciam em crianças portadoras de necessidades educativas especiais submetidas a
um programa de psicomotricidade relacional em conjunto com crianças normais?
A partir do problema apresentamos os objetivos do estudo:
1. observar as relações que as crianças portadoras de necessidades educativas especiais
estabelecem com as crianças normais e das crianças portadoras de necessidades
educativas especiais entre si, em acordo com as rotinas das aulas;
2. estudar os efeitos comportamentais que repercutem no vocabulário psicomotor, a
expressividade simbólica e o movimento técnico, evidenciados pelas crianças portadoras
de necessidades educativas especiais nas aulas.
Com a finalidade de buscar respostas aos objetivos e o problema central organizamos os
pressupostos teóricos para o desenvolvimento da temática. Os temas abarcam o
desenvolvimento humano (Vygotsky, 1997), histórico e atualidades da educação especial,
aspectos básicos da integração educacional (Marchesi e Martín, 1995), a síndrome de Down
(Lefévre, 1988, Mustacchi e Rozone, 1990), a deficiência mental (Vygotsky, 1997), a
deficiência auditiva (Marchesi, 1995), a ludicidade (Santin, 1995), princípios
psicopedagógicos do brincar (Leontiev, 1991), no sentido de serem subsídios para descrever
a temática.
EDUCAÇÃO FÍSICA E PSICOMOTRICIDADE NA PRÁTICA EDUCATIVA DE INCLUSÃO
O estudo é uma necessidade pedagógica atual que é o tema da inclusão. Reúne as crianças
portadoras de necessidades especiais com aquelas normais na classe regular. O estudo, de
corte qualitativo, descreve e interpreta as observações das crianças protagonistas, em
acordo com os pressupostos teóricos. As observações são realizadas durante as aulas e são
utilizados recursos como gravador de áudio, fotografias, filmagens e anotações de campo
(Negrine, 1999).
A finalidade da psicomotricidade relacional, metodologia nas aulas de Educação Física é ser
um meio lúdico-educativo para a criança expressar-se por intermédio do jogo e do exercício.
Permite a exploração corporal diversa do espaço, dos objetos e materiais, facilita a
comunicação, potencia atividades grupais e favorece a liberação das emoções e conflitos por
intermédio do vivenciamento simbólico. A metodologia da aula de acordo com Negrine (1995)
possui três âncoras:
•
•
•
comunicação;
exploração corporal;
vivência simbólica;
Negrine (1995) explica que a visão naturalista do movimento compreende a criança como
totalidade que num espaço lúdico-educativo aprende e se desenvolve ao exteriorizar-se. As
atividades expressivas, a plasticidade corporal permite que ela se comunique com os
objetos, com os adultos e com os iguais.
O diferencial da prática pedagógica se situa no nível da intervenção do adulto com as
crianças participantes. Negrine (1995) organiza a metodologia da aula em rotinas que
oportunizam aos professores diferentes estratégias e implicações pedagógicas a fim de
favorecer evolução nos comportamentos das crianças. São os rituais que se caracterizam da
seguinte maneira:
•
rito de entrada introduz a aula, prepara as crianças para o desenvolvimento das
atividades, comentar aquilo o que for mais oportuno e favorecer a comunicação entre as
crianças e com o professor;
•
rito de saída encerra a aula, oportuniza às crianças falarem das suas produções, tendo o
comportamento de escuta como princípio pedagógico a ser adotado.
A dinâmica da aula consiste em oferecer espaço, objetos e materiais para a criança
exteriorizar-se, exercitando ou jogando, individual ou em grupo. O professor atende à
demanda da criança; adota uma postura de ajuda; sugere, desafia, provoca uma atuação
lúdica, sempre em posição de escuta.
Os ritos de entrada e de saída organizam a aula, auxiliam as crianças participantes á:
•
•
•
•
•
compreender e diferenciar os momentos da aula, os momentos de escutar e de projetar
as brincadeiras, os momentos de brincar e de parar de brincar para comunicar e ouvir as
produções;
reunir as crianças do grupo em um círculo permitindo a visualização de todas e facilitando
o processo de comunicação entre as crianças e com os professores;
discernir os momentos que podem servir para brincar de faz-de-conta e de parar de
brincar para tomar outras posturas e atitudes na aula;
exercitar a escuta dos seus pares e do professor, bem como verbalizar os projetos e as
produções desenvolvidas em aula;
desenvolver a capacidade de projeção e de organização das atividades discernindo os
tempos da aula, noção de antes e depois.
A estrutura da aula permite aos professores possibilidades de estrategizar intervenções
pedagógicas em acordo com a circunstância, isto é, auxiliar às crianças em acordo com as
suas necessidades de aprendizagem.
Destacamos que todos os aspectos apresentados se constituem no fundamento para a
provocação relacional entre as crianças, do vivenciamento motriz com diversos modelos, dos
comportamentos diferenciados em acordo com o momento da aula, que requisita ora maior
concentração e projeção, escuta e verbalização, expressividade por intermédio do jogo e do
exercício.
DE UMA CULTURA QUE CLASSIFICA E MENSURA PARA UMA CULTURA QUE REÚNE:
OS RESULTADOS DA COLETA DE INFORMAÇÕES
Falamos de uma cultura que classifica e mensura a partir da histórica segregação da prática
educativa em reunir grupos de crianças portadoras de necessidades educativas especiais em
classes especiais, diferentemente da classe regular que se destina àquelas normais. O
estudo que apresentamos é inovador por reunir e estudar as relações das crianças
portadoras de necessidades educativas especiais com aquelas normais em aulas de
Educação Física. A partir dessas reflexões apresentamos as análises e interpretações
iniciais da coleta de informação que viemos realizando.
Reunir crianças portadoras de necessidades especiais e aquelas normais sugerem desafios
por ser uma prática inovadora. Como dificuldades iniciais na estruturação do grupo das
crianças e o desenvolvimento das aulas assinalamos as que seguem:
•
A dificuldade das crianças portadoras de necessidades especiais participarem das aulas
de característica inclusiva como são as aulas de psicomotricidade relacional.
•
•
preconceito social de instituições educacionais e familiares na participação das crianças
portadoras de necessidades especiais em atividades inclusivas.
deslocamento das crianças de casa até o local das sessões deve ser feito pelos
responsáveis, dificuldade no caso de não possuírem condução própria ou outros meios.
Outro ponto das análises dizem respeito às relações e o vocabulário psicomotor das crianças
portadoras de necessidades educativas especiais em acordo com a rotina da aula de
Educação Física. Primeiramente em relação aos momentos dos ritos de entrada e de saída:
O COMPORTAMENTO DE ATENÇÃO, ESCUTA E COMUNICAÇÃO NOS RITOS:
São objetivos pertinentes à cada criança no rito de entrada:
•
•
•
•
•
•
•
Para G. B. desejamos que se sinta bem no grupo e que inicie a acompanhar com o olhar
a fala dos colegas;
A. já pode comunicar em poucas palavras os seus projetos;
J. deve ficar com o rosto erguido e falar, em poucas palavras, seu projeto;
M. pode acompanhar com os olhos a fala de cada criança do grupo e expressar
vocalizações;
A. R. exercita iniciativa para falar dos próprios projetos e não repetir a fala do professor;
S. exercita clareza na sua forma de comunicar;
G. e M. B. devem exercitar comportamento de escuta dos seus colegas, bem como a
projeção das atividades que vão brincar;
As descrições das observações ilustram os comportamentos de atenção, escuta e
comunicação das crianças protagonistas do estudo:
“O professor passa a palavra para S. e o provoca perguntando se vai brincar com A. Este se
coloca para frente e manifesta: “Oh, oh!”, dirigindo-se para S. A. é todo sorriso e vibra com as
mãos e o corpo para que S. o veja. Quando o professor passa a palavra para A. insiste muito
para que fale, é quando A. aponta para S. e diz “correr”! A. em seguida aponta para a escada
e torna a olhar para S.. O olhar de A. se dirige ora para o professor, ora para S.” (Obs. G. nº
63 de 11/07/01).
A. gosta de participar das brincadeiras com S., e expressa isso no rito. Chamar a atenção de
A. para S. é uma estratégia para provocar a sua verbalização.
J. B. em relação à mãe e o exercício de confiança e de autonomia no grupo:
“J. B. está sentado no colo da mãe junto ao círculo. J. B. levanta, mas sua mãe o puxa de
volta. J. B. segura o seu par de tênis na mão. O professor chama a atenção para que fale, J.
B. diz” não, não!”. (...) No momento de começar a brincar, se despede da mãe e começa a
chorar. (...) A mãe o acompanha nos legos, nesse momento se acalma e brinca com a mãe”.
(Obs. G. nº 19 de 04/04/01).
A observação, de 11/04 relata que J. B. com bico no rito de entrada, chora no colo do
professor. No momento de brincar começa a sorrir como é descrito:
“Ao iniciarem as brincadeiras o professor começa a jogar bambolês para ele, primeiramente
se esquiva de todos, depois sorri. Olha para os professores jogando os bambolês e sorri.
Senta-se sobre as pernas e sorrir apontando para os bambolês. Pega um dos bambolês e o
entrega para a professora” (Obs. G. nº 26 de 11/04/01).
A relação de confiança na aula e o brincar são elementos fundamentais na ação da criança e
isso repercute em uma exploração e expressividade da mesma, aspecto importante para
suas novas aprendizagens motoras e relacionais.
NO DESENVOLVIMENTO DAS SESSÕES
a. as relações entre as crianças
O pai relata na entrevista que:
“Junto aos familiares A. se relaciona muito bem com o irmão menor de quatro anos, juntos
mantêm uma atividade diversa e fraterna, de auxílio e cooperação mútua. Me chama a
atenção como o pequeno possui maior capacidade de tolerância e de paciência com o irmão
do que nós adultos”. (E. nº 01 de A. em 22/03/01).
O memorial da mãe de uma criança do Grupo B descreve:
“Quando perguntamos em relação aos colegas da turma nos diz da seguinte maneira: tenho
amigos na rodinha que ainda não falam direito, mas estão aprendendo”. (M. nº 2 de D. E. em
31/05/01)
A escuta das crianças entre si é provocador de mudanças no comportamento em uma ordem
binária:
• As crianças normais são provocadas a escutar, compreender e interpretar o silêncio e as
diferentes formas de comunicação, por gestos, pelo olhar ou sons diversos;
• As crianças portadoras de necessidades especiais são estimuladas pela fala dos demais.
Ganham de empréstimo comportamentos de escuta e de atenção a partir dos modelos
das demais crianças.
b. a influência entre as crianças no grupo
O relato que segue descreve as inter-relações entre as crianças e a imitação na atividade do
brincar:
“A.R. está na companhia de duas colegas na casa. Uma colega inicia a brincar de fazer
comida com os legos e o cubo como fogão. A.R. Observa e começa a pegar pedaços de
legos. Oferece-me alguns pedaços. Expresso satisfação e ela sorri pegando mais, ao mesmo
tempo que olha a colega brincar no fogão. Vai à janela e olha os colegas pulando e os
chama para entrar junto na casa”. (Obs. G. nº 72 em 17/10/01).
A imitação do modelo que o outro faz serve de empréstimo às novas idéias das crianças,
essas aprendem olhando o que outros fazem, acrescentando aprendizados novos como
verdadeiras zonas de desenvolvimento próximo que se despertam nas crianças (Vygostsky,
1997).
“O professor chama a atenção de M. para a brincadeira que faz com S., M. observa e pega
um bastão para fazer igual, mas o bastão é pesado. A professora busca baguetes sintéticos
e então começa a brincar de espada com a professora” (Obs. G. nº 59 em 04/07/01).
“O professor joga a bola gigante, com auxílio do bastão na companhia de J.. A. L., S. e D. se
aproximam para jogar junto. Passam a bola para o professor que distribui para os demais na
roda. O professor vai saindo da brincadeira e permanecem as quatro crianças jogando umas
para as outras” (fotografia geral nº 32 em 13/06/2001).
As inter-relações das crianças ajudam no desenvolvimento do vocabulário psicomotor das
crianças protagonistas, favorecem novos comportamentos naquelas sem problemas
aparentes como descrevemos:
a. os modelos diversos de brincar e de expressão favorecem a aquisição de um novo ritmo
de brincar, idéias novas para a atividade corporal das crianças portadoras de
necessidades especiais;
b. as crianças normais ganham comportamentos de escuta, de descentralização e de
cooperação na inter-relação com aquelas portadoras de necessidades especiais;
c. as crianças normais imprimem um ritmo novo para as atividades daquelas portadoras de
necessidades especiais, fazendo-as ganhar em curiosidade, iniciativa, à fazer novas
experiências e investigações corporais;
d. a organização para brincar avança os comportamentos iniciais das crianças protagonistas,
possibilitando o discernimento de momentos de brincar e de parar de brincar, de escutar e
de falar, de guardar os materiais e de preparar-se para nova atividade.
REFERÊNCIAS
LEONTIEV, A.N. (1991). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In
VYGOSTSKY, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Ícone. P. 59-83.
MARCHESI, A. (1995). Comunicação, linguagem e pensamento das crianças surdas. In
COLL, César, PALACIOS, J.; e MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação:
necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Vol. 3. Porto Alegre: Artes
Médicas. P.198 – 214.
--------------- e MARTÍN, E. (1995). Da terminologia do distúrbio às necessidades
educacionais especiais. In COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento
psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Vol. 3.
Porto Alegre: Artes Médicas. P.7 – 23.
MUSTACCHI, Z. e ROZONE, G. (1990). Síndrome de down: aspectos clínicos e
odontológicos. São Paulo: CID.
NEGRINE, A. (1995). Aprendizagem e desenvolvimento
alternativas pedagógicas. v.3, Porto Alegre: Prodil.
infantil:
psicomotricidade:
-----------------. Instrumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa. In MOLINA,
Vicente. E TRIVIÑOS, A. (org.) (1999). A pesquisa qualitativa em educação física:
alternativas metodológicas. Porto Alegre: Editora da UFRGS. P. 61 – 94.
VYGOTSKY, L.S. (1997). Obras Escogidas: fundamentos de defectología. Tomo V. Madrid:
Visor.
WERNECK, C. (1995). Muito prazer, eu existo: um livro sobre as pessoas com síndrome de
Down. Rio de Janeiro: Memnon.
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