Entrevista Yves De La Taille
Maio 2010
Nova geração,
velhos problemas
As novas gerações de adolescentes trouxeram consigo novas demandas para a escola e para os educadores. Desenvoltos no uso da
tecnologia, participativos, imediatistas, mais do que nunca voltados
para o grupo, os jovens vivem um universo que se choca com o ritmo escolar. O que mudou?
Para o psicólogo Yves de La Taille, é certo que aconteceram transformações. Mas, prudente, para ele não são mudanças na forma de
pensar. “Não estamos diante de uma mutação”, alerta. Para ele, em
vez de procurar sinais de uma nova era na forma pela qual os estudantes veem o mundo, os educadores deveriam atentar para um fenômeno mais profundo e perigoso: a crescente falta de sentido que
afeta toda a sociedade contemporânea – das crianças aos idosos.
“É assustador saber que o suicídio é a primeira causa da morte
de jovens, em todo o mundo, mais do que a guerra”, diz Yves, que
acaba de publicar o livro Do tédio ao respeito de si – formação ética
(Artmed).
Às vésperas de sua apresentação no Fórum SM de Educação, em
São Paulo e no Rio de Janeiro, Yves deu à SM a seguinte entrevista:
SM – Os jovens mudaram e os professores apontam isso. O que
exatamente está acontecendo?
Yves de La Taille – Tenho ouvido dos professores que há mudanças, sem dúvida. Mas precisamos ver exatamente o que é isso. Se
estamos falando do uso de computadores, celulares, notebooks e
outros aparatos tecnológicos, é verdade. Não é possível comparar os
jovens de outros tempos e os de agora. Mas não há mudanças do
ponto de vista cognitivo. Senão, teria havido uma mutação genética.
Muitas vezes, os adultos falam dos jovens como se fossem alienígenas, o que não são.
SM - Há de fato um gap entre os adolescentes e seus professores?
Yves de La Taille – Não sei. Acho que isso depende muito da idade do professor. Duvido que haja um gap entre um educador de 30
anos e seus alunos. Não acho também que seja um problema relevante. Há um movimento de busca por métodos que tentam seduzir
o aluno para que aprenda, quando acho que o problema é mais de
tédio, ou seja, da dificuldade de atribuir sentido às coisas.
SM – Mas por que então os professores acham que algo mudou?
Yves de La Taille – Um pouco por causa da transformação da
questão da autoridade em sala de aula. Os professores tinham uma
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aura de autoridade que lhes permitia pilotar uma sala. Somos de um
tempo em que quando o professor entrava na sala de aula, todos os
alunos ficavam imediatamente de pé. Hoje, o professor entra e ninguém senta... Existe um enfraquecimento do lugar de autoridade
que explica em parte da indisciplina. Eu acrescentaria dois outros
pontos. Há indisciplina no não obedecer. Mas há uma forma que se
traduz pelo desrespeito, o que incomoda bem mais. A pergunta é:
quais são as instituições que cuidam da educação moral? As escolas
cuidam, mas como bombeiros. Não se antecipam ao fogo, apenas
agem quando há foco.
SM – Os educadores reclamam muito que o tempo de concentração dos jovens está menor...
Yves de La Taille – É uma nova característica possível. Mas, veja:
o mundo de hoje tem duas características das quais o jovem é refém. A primeira delas é a predominância da informação sobre o conhecimento, e essa é uma primeira parte da reflexão. É importante
estar antenado, saber o que está acontecendo. Outra perspectiva a
se olhar é a valorização da técnica, do uso do conhecimento, em detrimento do conhecimento. Em ambos os aspectos, é preciso ver que
informação não é conhecimento, e é isso o que mudou. O fato de os
jovens serem “multitarefas”, ou seja, fazerem muitas coisas ao mesmo tempo, não implicaria, naturalmente, pouco aprofundamento.
SM – Então, como diz, o que se atribui ao jovem é uma característica da sociedade de nosso tempo.
Yves de La Taille – Sim, essa é uma característica mais geral, de
toda a sociedade. Há uma visão utilitária do saber, expressa pela
pergunta: para que serve isso? Ora, para que interessa saber se a Terra é redonda, se você vai à balada como se ela fosse chata? Contudo,
as crianças têm uma natural curiosidade e querem saber como é o
mundo. Quando muitas das coisas que são ensinadas não têm finalidades imediatas, sobrevem o tédio. E o tédio também é um problema da sociedade. E, do meu ponto de vista, muito grave. Há uma
cultura do tédio, que já afeta as crianças, que se caracteriza pela busca constante do entretenimento. O tédio é velho como a humanidade, mas a cultura do tédio é o que caracteriza a pós-modernidade. As
pessoas buscam desesperadamente por atividade, por mais superficiais que possam ser. Existe um burburinho, uma não vontade de
se concentrar que tem a ver com nossa sociedade fragmentada, pósmoderna. Na França se fala disso também. Muitas vezes, esse estado
de coisas descamba para a violência. O mundo está mais violento
entre cidadãos. Antes se matava entre países, agora entre cidadãos.
SM – Isso tem a ver com a elevação do número de suicídios entre adolescentes, que você tem citado?
Yves de La Taille – Tudo leva a crer que haja uma relação entre
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o suicídio e o tédio, expresso pela falta de sentido. Estamos em um
pico planetário. O candidato maior ao suicídio é o homem velho, depois da aposentaria. Mas hoje o idoso está tendo uma companhia
trágica, o jovem. Se associar a depressão, a busca de divertimento, as
drogas, sim, alguma relação com o tédio é muito provável. No tédio,
o tempo não passa por não ter sentido. Quando a vida tem sentido,
você espera, tem paciência.
SM – A mídia influencia esse estado de coisas?
Yves de La Taille – A influência da mídia talvez se verifique no
tema da superficialidade, mas não pelo aspecto do valor. Claro, a mídia influencia o consumo, e os valores nos quais se apoia são muito
claros, e estão caracterizados nas propagandas. A propaganda propõe valores, notadamente ligados à vaidade. Mas, no conjunto, a influência maior da mídia vem pelo relativismo. Veja um telejornal. Um
tsunami aqui, um massacre ali, tudo sonso, sem relevo, horizontal. A
mídia contribui para a “horizontalização” de valores. A propaganda
passa uma imagem de infância, de homem, de mulher – todos dizem
que a propaganda não cria, apenas referenda isso. É uma mentira. O
que ela propõe não é confrontado em nenhuma instância. Trabalhar
sobre a mídia na escola seria uma bela empreitada. A escola precisa
aprender a convencer? Sim, mas sem truques, sem retóricas.
SM – Nesse caso, qual deveria ser o caminho adotado pelas
escolas?
Yves de La Taille – Entre todas as instituições sociais, a escola
é uma das que mais podem atuar. Afinal, escolas são verdadeiras
usinas de sentido, e precisam trabalhar sobre isso. Qual o caminho?
Não sei, sou psicólogo, não educador. Mas acho que uma pista está
no poder da pergunta. Afinal, o que levou os homens aos avanços?
Perguntas que alguém fez sobre o mundo, a Terra, as estrelas, os
fenômenos. A escola precisa recuperar a capacidade de fazer boas
perguntas, que estão plenas de sentido, e isso significa também dotar o conhecimento de sentido para a vida do jovem, que está, sim,
interessado no tema da moral.
SM – Os jovens estão abertos a isso?
Yves de La Taille – Tenho certeza de que sim. Em 2005, realizei uma
pesquisa a pedido da Fundação SM, e vimos que os jovens dão grande
valor às virtudes morais, como a solidariedade, a justiça. É um tema
que mobiliza os jovens, e pode ser trabalhado em qualquer disciplina.
SM – Você sempre é chamado a conversar com escolas... Estamos caminhando para a frente, na Educação?
Yves de La Taille – Se estamos caminhando, não sei. Tomara que
sim. O que é positivo é que o tema está aí. Acho que avançamos bastante na Educação Infantil. Mas há um trabalho essencial a se fazer
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no Ensino Fundamental. No Ensino Médio, da forma como a escola
está organizada hoje, é mais difícil, porque o vestibular determina
tudo o que vai ser ensinado. Mesmo o ENEM, que era um bom exame, tornou-se um exame de concorrência. Mas, no Ensino Fundamental, há tempo para um trabalho formativo mais amplo. Não há
desculpa para não se dar muita atenção a esse tema fundamental.
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