editorial
Novas estatísticas,
velhas questões
O processo de fragmentação e globalização da pro-
decorrente de um aumento do valor “bruto” das expor-
dução levou a um aumento expressivo do comércio
tações pode ser estimado sem grave distorção. Mas
internacional nas últimas duas décadas. Os bens tran-
não é esse o caso no mundo atual, principalmente
sacionados atravessam diversas vezes as fronteiras,
nos países que participam ativamente das cadeias
incorporando partes, peças e componentes em cada
internacionais de valor.
etapa de produção, além de ser submetidos a novos
processos à medida que aumenta seu estágio de ela-
Em meados de janeiro, a OCDE, em conjunto com a
boração. As estatísticas usuais, que medem os fluxos
OMC, divulgou uma nova base de dados sobre o co-
“brutos” de comércio, registram, portanto, diversas
mércio mundial, registrando os intercâmbios comerciais
vezes o valor dos bens que participam desse processo
entre os 40 países incluídos na seleção (países da
fragmentado e globalizado de produção.
OCDE, BRICS e outros) em termos de valor adicionado. A base de dados, construída a partir de matrizes
O registro convencional das transações continua
insumo-produto dos países contemplados no estudo,
sendo extremamente útil e valioso, pois retrata ade-
discrimina entre 18 setores ou indústrias e apresenta
quadamente a crescente interconexão das economias
estimativas para os anos de 2005, 2008 e 2009. Entre
nacionais e a forma como se desdobra o processo de
os principais indicadores elaborados destacam-se
produção nas “cadeias globais de valor”. No entanto,
o valor adicionado doméstico e importado embutido
essas mesmas estatísticas mostram-se inadequadas
nas exportações de cada país, a parcela de insumos
quando se pretende medir o verdadeiro impacto de
intermediários importados incluída nas exportações e
um aumento ou redução dos fluxos comerciais sobre
o “conteúdo” de serviços embutido nas exportações.
a renda e o emprego dos países que participam do
comércio internacional. Note-se, de fato, que se uma
Vale a pena destacar alguns resultados relevantes
parcela relevante da produção exportável doméstica
para o Brasil e compará-los com os de outros dez
requerer o uso de insumos ou bens intermediários
países, selecionados a partir de critérios diversos e
importados, parte expressiva da receita de exporta-
bastante flexíveis, como tamanho de mercado, grau
ção será redistribuída para o exterior. Em economias
de desenvolvimento, dotação de recursos naturais
relativamente fechadas ou que restringem suas com-
ou proximidade geográfica. Os países selecionados
pras externas à aquisição de bens e serviços finais,
foram os BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul)
o impacto sobre a renda e o emprego domésticos
e Chile, Coreia, México, Turquia, Indonésia e Austrália.
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Destacamos quatro indicadores:
No Brasil, dado verdadeiramente surpreendente, o
valor adicionado pelos serviços alcança 39,8% das

Exportações “brutas” / PIB e Importações “bru-
exportações.
tas” / PIB: Sem qualquer surpresa, haja vista que
esses indicadores são conhecidos, os coeficientes
Não cabe tirar conclusões apressadas dessas estima-
de orientação externa do Brasil (ambos em torno
tivas, que, no caso do valor adicionado pelos serviços,
de 10,2% em 2009) são os menores entre os paí-
mostram-se pouco estáveis quando desagregadas
ses selecionados. Na exportação, a Coreia (48%)
setorialmente. Contudo, é inquestionável que elas re-
detém o coeficiente mais elevado, a África do Sul
tratam o Brasil como uma economia fechada, com redu-
(28,8%) detém o coeficiente mediano e a Austrália
zida participação nos fluxos internacionais de comércio
(18,7%) detém o menor indicador, mas ainda muito
e cujas exportações detêm elevado conteúdo local e
mais elevado que o brasileiro. Na importação, a
baixa participação de bens intermediários importados,
Coreia (44,2%) lidera mais uma vez, com a Turquia
o que explica a força dos interesses protecionistas. O
(22,4%) detendo o valor mediano e a Rússia (19,3%)
retrato é consistente, também, com um país que conta
o menor valor, descontado o Brasil, cujo coeficiente,
com poucos acordos comerciais verdadeiramente re-
como acima assinalado, é praticamente a metade
levantes e que está à margem das cadeias globais de
do russo. A escolha do ano de 2008 (pré-crise)
valor. Ainda que a série estimada seja excessivamente
eleva os indicadores de todos os países, como
curta, os dados de 2005, quando as exportações de
é de se esperar, mas a posição do Brasil não
produtos baseados em recursos naturais ainda não
se altera.
dominavam a pauta, pouco divergem do quadro atual.

Participação do valor adicionado externo nas
Como registrado no comentário de um técnico da
exportações “brutas”: Em 2009, a Coreia (39,6%)
OECD, quando da divulgação dos dados, o eleva-
detém a participação mais elevada, o Chile (19,6%)
do conteúdo doméstico nas exportações pode ser
ocupa a posição mediana e a Rússia (7,2%) registra
considerado um dado positivo, na medida em que o
o menor valor, seguida pelo Brasil (8,6%). De modo
país conserva uma grande parte do valor daquilo que
geral, é baixo o conteúdo importado embutido nas
exporta. De outro lado, conforme também registrado
exportações de países que detêm elevada con-
no comentário, pode ser um dado negativo, se o Brasil
centração de recursos naturais em suas vendas
estiver desaproveitando oportunidades para ser mais
externas. É o caso da Rússia e do Brasil, mas
competitivo, importando bens e serviços intermediários
também da Austrália (12,4%). O quadro não muda
com custo menor.
se considerarmos os dados de 2008.
Ricardo Markwald

Participação de bens intermediários estran-
Diretor Geral da Funcex
geiros reexportados na importação total de
bens intermediários: A China (48,3%) e o México
(45,8%), como esperado, detêm as participações
mais elevadas, enquanto a África do Sul (27,0%)
ocupa a posição mediana e o Brasil (13,7%)
ocupa o último lugar, bastante distante da Austrália (19,0%) e da Rússia (19,3%). Os valores
correspondem a 2009, mas a ordenação é quase
a mesma em 2008.

Participação do valor adicionado por serviços
nas exportações “brutas”: Em 2009, a Índia
(53,7%) detém a participação mais elevada, a
Coreia (37,4%) ocupa a mediana da distribuição e
a Indonésia (21,5%) registra a menor participação.
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