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RICARDO AQUILINO
O cérebro foi para a escola
Os professores de colégios públicos e particulares agora têm aulas sobre o
funcionamento cerebral para desenvolver novas e eficazes formas de ensinar
CAMILA GUIMARÃES
30/07/2013 10h29 - Atualizado em 30/07/2013 10h29
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FORMAS E FIGURAS
Carolina Guimarães com seus alunos. Depois de estudar neurociência, ela passou a
enfatizar mais a geometria para estimular a memória das crianças (Foto: Letícia
Moreira/ÉPOCA)
Durante os últimos cinco anos, Claudia Simões Lacerda, de 44 anos, esteve às voltas com
textos sobre como funciona o sistema nervoso humano e como se comportam os neurônios e
são formadas as redes neurais. Faz parte de seu trabalho ler livros e artigos de neurocientistas
como Eric Kandel, Stanislas Dehaene, Nicolas Zavialoff, Roberto Lent ou Ivan Izquierdo. A cada
quinzena, ela se encontra com um grupo que estuda os mesmos princípios da biologia. São
colegas de profissão que se reúnem para discutir o que aprenderam e trocar ideias sobre
como a neurociência pode ajudar a melhorar seu trabalho. Claudia não é neurologista. Nem
psicanalista. Ela trabalha com outra especialidade bastante ligada ao cérebro. É professora de
educação infantil do Colégio Santa Maria, em São Paulo. Faz parte do seleto grupo de
professores brasileiros que levam a sério o uso das descobertas da neurociência na escola.
“Esse conhecimento mudou meu jeito de dar aula”, afirma.
Claudia, professora há 24 anos e formada em pedagogia, já sabia da importância do uso do
desenho para estimular seus pequenos alunos de 3 e 4 anos. Ela aprendeu com a
neurociência que desenhar estimula a formação de estruturas neurais da memória. E que
acumular e consolidar acervos de memória pode ajudar no aprendizado futuro da criança. A
partir daí, Claudia fez ajustes em suas aulas. No projeto em que os alunos plantam uma flor e
observam diariamente seu desenvolvimento, ela introduziu o desenho da planta pelo menos
três vezes por semana. Os alunos também passaram a realizar procedimentos de pesquisa
que lembram os estudos de gente grande. Com a ajuda dela, registram suas impressões num
caderno, onde anotam as mudanças na evolução da planta. “Fazer registros sistemáticos é
fundamental para consolidar a memória”, diz.
>> "Estudei em Michigan sem sair de casa"
A formação da memória é um dos principais focos dos estudos da neurociência, ramo do
conhecimento que estuda o sistema nervoso. Ela ganhou fama na década de 1990, nos
Estados Unidos, tamanha a prioridade dada ao financiamento de pesquisas sobre o
comportamento e as características do cérebro humano. Os resultados dessas pesquisas se
tornaram populares com as imagens luminosas de ressonâncias magnéticas mostrando que
áreas do cérebro são ativadas (ou acendem nos monitores) no exato momento em que se
ouve uma música ou se aprende algo novo. Saber como o cérebro registra novas informações
e como a memória guarda as antigas abre a possibilidade de usar a neurociência em sala de
aula. “Saber como funciona o próprio cérebro e o dos alunos pode ajudar o professor a dar
mais apoio à aprendizagem”, diz a neurocientista e educadora Elvira Souza Lima.
Elvira, também formada em psicologia, pedagogia e sociologia, é quem coorde​
na o grupo de
estudos dos professores do Colégio Santa Maria e de outras escolas particulares de São
Paulo, além de atender redes públicas municipais em Minas Gerais. Seu trabalho é ensinar aos
mestres o que a teoria científica diz sobre o cérebro e ajudá-los a encontrar a melhor prática
dentro da sala de aula.
>> Lise Eliot: "Pais devem evitar rotular os filhos de acordo com o sexo”
Professora há 12 anos, Carolina Guimarães, de 32, trabalha formas geométricas
semanalmente com seus alunos de 5 anos, no Colégio São Luiz, em São Paulo. “A geometria
costumava ficar em segundo plano”, diz. “Mas a percepção das formas é, assim como o
desenho, um estímulo para formar as redes neurais da memória.” Aluna de um dos cursos que
Elvira deu no São Luiz, Carolina teve seu primeiro contato com estudos sobre o cérebro numa
especialização de dois anos, quando estudou neuropediatria.
Há poucos professores e pedagogos dedicados a estudar e pesquisar neurociência no Brasil.
Em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, a relação entre o conhecimento do
cérebro e o que se aprende na escola está mais avançada. Em 2000, a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou um relatório especial para
defender a importância de integrar o conhecimento gerado pela neurociên​
c ia às práticas
pedagógicas das escolas. A partir de 2007, surgiram publicações científicas respeitadas sobre
o assunto. Na França, o currículo da educação infantil foi feito com base no que se sabe sobre
o desenvolvimento humano.
A maioria das pesquisas feitas sobre aprendizado e cérebro parte do olhar dos neurocientistas.
Ainda não há levantamentos que meçam os
resultados da neurociência na educação.
Sabe-se pouco sobre em que medida esse
conhecimento pode ser eficaz para aumentar
o desempenho escolar das crianças. “Até
agora, só os neurocientistas falaram. Falta
ouvir os pedagogos”, diz Elvira. “A
neurociência vai até a porta da sala de aula. O
que acontece lá dentro é com o professor.”
O perigo neste momento é criar brechas para
mais um modismo inócuo na educação. Algo
na linha daqueles que expõem bebês à música
clássica, na ilusão de que crescerão mais
inteligentes. Ou daqueles que atribuem às
meninas um cérebro mais adequado para
aprender as disciplinas escolares que aos
meninos. Aprofundar os estudos dos
professores em neurociência é uma das
formas de evitar esses modismos. “Os
educadores precisam se apropriar desse
saber para evitar cair em armadilhas”, diz
Claudia Lopes da Silva, da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo.
MENTE
Elvira com professoras, numa aula
sobre neurociência. Ela dá orientação
em escolas particulares e redes
municipais (Foto: Letícia Moreira/
ÉPOCA)
Mesmo que a neurociência não seja a solução
mágica para ensinar melhor, sua chegada às
escolas tem um grande valor. Quando os
professores entram num grupo de estudos, dedicam-se a ler e a refletir sobre sua prática,
entram em contato com conhecimentos científicos recentes, começam a questionar o que
aprenderam na faculdade e já passam a ensinar melhor. Ficam mais empolgados com a
profissão e são estimulados a experimentar novidades na sala de aula. “Na primeira vez que
Elvira mostrou o que acontece no cérebro quando uma criança aprende, a vontade que deu foi
de saber mais, de estudar mais”, afirma Carla Brenes Teixeira, professora de educação infantil
do Colégio Porto Seguro, de São Paulo.
Carla mudou também seu próprio jeito de aprender. Estimulada pelas aulas de neurociência,
adotou em seu dia a dia a mesma prática de registro sistemático usada com os alunos. Ela
escreve tudo: o que foi feito em sala de aula, os resultados dos trabalhos com os alunos,
observações sobre o desempenho das crianças. Antes, escrevia no tablet. Segundo alguns
neurocientistas, como Elvira, a escrita à mão parece ser mais eficaz para ativar as redes de
neurônios associadas à memória. “Agora uso menos o tablet, anoto tudo num caderno”, diz
Carla.
Outro efeito positivo da neurociência sobre o trabalho docente é determinar que toda criança é
capaz de aprender. Quando isso vira um fato científico, o professor muda a maneira de lidar
com alunos com aprendizagem defasada. Há dois anos, Elvira foi chamada pela rede
municipal de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, para ajudar 141 professores a recuperar
alunos do 4o e 6o anos que não sabiam nem sequer ler e escrever. “Ela mudou a organização
do conteúdo das aulas”, diz Léa Alves, coordenadora pedagógica da rede. Se o verbo de ação
mobiliza mais a área cerebral, como diz Elvira, por que não organizar a escrita das crianças a
partir dele? Na hora de orientar uma redação sobre o que cada aluno fez no fim de semana, os
professores passaram a enfatizar os verbos das frases: correr, brincar, viajar etc. A partir
deles, ficou mais fácil para os alunos pôr suas ideias no papel. “São medidas simples com
resultados gigantescos”, diz Léa. A grande mudança está na cabeça do professor.
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