Eduardo Guerreiro Brito Losao
o
filosó CO
A l e m ã o Christoph T ü r c k e cria
o conceito do "golpe de j u d ô "
para explicar a modernidade
D e p o i s do a p a r e c i m e n t o d e íilósofos como
Karl Marx e Theodor Adorno, q u e reuniam a
formação, integridade e audácia de formular
u m a critica c o n t u n d e n t e d a sua é p o c a , e c o m u m
ouvirmos o impotente lamento de q u e não há
p e n s a d o r e s vivos c o m tal estofo, f u n d a m e n tação, abrangência e radicalidade. Contudo, o
livro do filósofo a l e m ã o C h r i s t o p h Tíircke q u e
a c a b a d e s e r l a n ç a d o no Brasil - Sociedade excitada: filosofia da sensação - é u m a r e s p o s t a d a
s r *
t e o r i a crítica à a l t u r a d o s terríveis
jm*T
d e s a f i o s r e c e n t e s . Para m e l h o r fazer
e n t e n d e r suas idéias, T ü r c k e vale-se
de conceitos como "golpe de j u d ô " e "met r a l h a d o r a a u d i o v i s u a l " . (Continua )
Jornal <5o Brasil Sabado, 2bc<;Seterrfcrocfc 2010
S
22
ociedade excitada prova o quanto o
estado de coisas aluai reconfigura
o c n l c n d i m c n t o d a história e mesmo da pré-história Christoph Türc k e se utiliza d o c o n c e i t o f r e u d i a n o
de compulsão á repetição traumática para
desvelar nada mais n a d a m e n o s q u e a origem
da cultura.
Eis um achado de Turckc: igreja, droga e
c i n e m a s ã o a v e r d a d e i r a t r i n d a d e d a socied a d e excitada. Os f u n d a m e n t a l i s t a s se apegam a ilusões assim como os drogados; para
suportar um mundo regido pelo capital, o
ú n i c o r e c u r s o d e p r a t i c a m e n t e i o d a a pop u l a ç ã o é viciar-se e m g r a n d e s d o s e s d e estímulos audiovisuais.
Evidencia-se. então, u m a t a r e f a difícil para o
c i d a d ã o comum, m a s c u j a n e c e s s i d a d e ninguém
a t é h o j e d e m o n s t r o u c o m clareza: a ascese d e
s u s p e n s ã o d a t o r r e n t e d e estímulos c o m o operação d e "legítima d e f e s a cotidiana".
O q u e a a r t e d e v a n g u a r d a p r o p õ e , d o inicio
d o s é c u l o 2 0 a t é h o j e - f o r m a s de r e s i s t ê n c i a
a o r a p t o da p e r c e p ç ã o f e i t a pela i n d ú s t r i a
cultural - tornou-se de suma importância
para q u e a s p e s s o a s m a n i e n h a m a capacidade
d e concentração, d e parar e refletir, ainda
viva. P r o t e g e r - s e d o s e s t í m u l o s : o q u e constitui o f u n d a m e n t o n e u r o l ó g i c o d a c o n s c i ê n cia t r a n s f o r m o u - s e na c o n d i ç ã o d e sua sobrevivência.
A l e i t u r a da c o n t e m p o r a n e i d a d e f e i t a p o r
C h r i s t o p h T ú r c k e é , s e m d ú v i d a , a m a i s ind i c a d a p a r a e n i e n d e r o q u e se p a s s a t a n t o
p a r a o s q u e d e bom g r a d o o u v e m r á d i o n o s
ônibus e comem numa lanchonete diante de
u m a t e l a d e TV q u a n t o p a r a o s q u e s e i r r i t a m
p r o f u n d a m e n t e c o m essa i m p o s i ç ã o a u t o r i tária d e atenção. S i m p l e s m e n t e , n ã o c o n h e ç o
ninguémquetenhahistorici/adoeformulado
tão a d e q u a d a m e n t e u m problema cotidiano,
constante e fundamental desde o nascimento
do cinema e do rádio.
P e s q u i s a d o r e s d a á r e a d e h i s t ó r i a , sociol o g i a , c o m u n i c a ç ã o , t e o r i a d a l i t e r a t u r a , psic a n á l i s e e teologia t e r ã o m u i t o a g a n h a r com
a l e i t u r a d o livro. T ü r c k e é , c o m c e r t e z a , u m
dos raros pensadores originais e genuinam e n t e críticos e m a t i v i d a d e h o j e .
Eduardo Guerreiro Brito losso f wofewor .ii^urío de
teoria da iitcaii»ada tfRuW RJ.
SodiJ.Uí cidtxli tloiuVi da icraxai
Oinwaii i:rcie. Uucarre. !'*>»;» «mono?win.F»o
F'â-csceFO'línaifleMtrc Frjgllo.328[>fgiit& 9$88
tela
e o toco
Nesta entrevista, T ü r c k e
defende a indústria cultural
E m Sociedade excitada, o senhor
faz u m a leitura d a cultura d e
massa c o n t e m p o r â n e a . Qual a
contribuição específica d o livro
p a r a o assunto?
- A cultura de massa mudou
muitíssimo. Antigamente não
p a s s a v a d e u m e s p a ç o d e informação, de entretenimento,
e n q u a n t o h o j e e m dia p e n e t r o u a v i d a p r o f i s s i o n a l . A tela d o c o m p u t a d o r , o l u g a r o n d e se m a n i f e s t a m o s c h o q u e s
audiovisuais q u e são emitid o s q u a s e 24 h o r a s p o r dia,
tornou-se o foco da sociedad e , o p o n t o de síntese social.
A audiovisualidade determin a c a d a vez m a i s a c a p a c i d a d e d e perceber, d e representar, de imaginar e de pensar. T o d a s e s s a s c a p a c i d a d e s
e l e m e n t a r e s são c a d a vez
mais impelidas, promovidas
e, ao m e s m o t e m p o , t e n d e n ciosamente destruídas pelos
choques q u e essa " m e t r a l h a dora audiovisual" emite
O senhor usa a imagem da "me- A arte está s e m p r e procurando
tralhadora audiovisual" como o"golpe de judô"?
d e s a g r e g a d o r a d a p e r c e p ç ã o . - O "golpe de judô"' é o u t r a
Não existe u m a possibilidade imagem para aquilo q u e chamo
d e esse contato estabelecer "agarrar o freio d e emergênuma mutação qualitativa?
cia". Isso significa f r e a r todos
- N ã o s ã o i m p a c t o s d e d e t e r - esses processos de audiovisuam i n a ç ã o a b s o l u t a . P e l o c o n t r á - l i d a d e c a d a vez m a i s f u g a z e s ,
rio, p o d e m servir, a t é . sob con- f r e a r o e n c a m i n h a r d o progresso
d i ç õ e s f a v o r á v e i s , c o m o esti- i m p e l i d o p e l o s impulsos e chom u l a n t e s p r o d u t i v o s . P e n s o q u e s individuais c a d a vez m a i s
nos g r a n d e s r e a l i z a d o r e s q u e r á p i d o s e p e n e t r a n t e s , a p o n t o
c o n s i d e r a r a m o d i p d e propa- d e c h e g a r a a t i t u d e s de susteng a n d a u m d e s a f i o p a r a c o n t a r tação, " i l h a s s o c i a i s " d e concenu m a h i s t ó r i a e m u m m i n u t o . S e tração, d e tranquilização, d e seisso f o r p o s s í v e l , essa abrevia- d i m e n t a ç ã o . Tal a i t e n ã o ultraç ã o e e s s a c o n d e n s a ç ã o com- passa a v e l o c i d a d e por acelep o r t a r ã o u m novo grau d e in- ração. a n t e s , ela f r e i a , a b r e est e n s i d a d e . Trata-se d e desco- paços para pensar, cria imabrir a f o r ç a da c o n d e n s a ç ã o g e n s - p e n s a m e n t o s . q u e se m a n M a s e s s a f o r ç a n ã o s e d e s e n - t é m n o indivíduo, q u e n ã o foc a d e i a s e n ã o a p a r t i r d e u m a gem, q u e n ã o cessam de inquiep o s t u r a c r í t i c a e m r e l a ç ã o á t a r e o c u p a r as pessoas. Essa é a
"metralhadora
a u d i o v i - q u a l i d a d e d a i m a g e m reflexiva,
s u a l " . ( í o s t o d e c h a m a r e s s a Nesse caso, q u a l q u e r a r i e rer e a ç ã o d e " g o l p e d e j u d ô " , l a t i v a m e n t e b e m - s u c e d i d a trag o l p e a r o i n i m i g o c o m o s ballia n e s s a s ilhas d e s e d i m e n seus próprios meios
tação e sedação
O livro p e n s a a arle a o lado d a
pacificação e n ã o ao lado da vanguarda. Não é u m m o d o d e representá-la c o m o v i t i m a ?
- A arte d e v a n g u a r d a se considerava a i n d a n o e s q u e m a de
u m progresso social h o j e em dia
cada vez mais duvidoso. Eu gostaria d e distinguir e n t r e passiv i d a d e e defesa. 0 " g o l p e de
j u d ô " é d e f e s a , n ã o é passivo.
O senhor trabalha com obras
da dita a l t a c u l t u r a . No fim
do livro, no e n t a n t o , c i t a o
á l b u m The wall,
d e Pink
Kloyd. A i n d ú s t r i a c u l t u r a l é
c a p a ? d e d a r " g o l p e s d e judô" bem-sucedidos?
- M i n h a o p i n i ã o é a de q u e a
i n d ú s t r i a c u l t u r a l é simplesm e n t e inevitável Toda a r t e
q u e se p r o d u z h o j e e m dia t e m
d e s e a r t i c u l a r nos p a d r õ e s d a
indústria cultural, fato esse
q u e A d o r n o , por e x e m p l o , n ã o
a c e i t a v a d e v i d a m e n t e . E l e ainda s o n h a v a em p o s s i b i l i d a d e s
d e s e a r t i c u l a r f o r a d e l a . Beckett e Schónberg. para ele,
e r a m m a n i f e s t a ç õ e s d e resist ê n c i a a r t í s t i c a f o r a dos padrões da indústria cultural. De
c e r t a m a n e i r a , talvez, f o s s e m ,
m a s h o j e e m dia t a l c r i t é r i o n ã o
é m a i s possível. N ã o t e m o s escolha: a indústria cultural é o
c a m p o inevitável no qual o
" g o l p e de j u d ô " t e m de s e r
a p l i c a d o , p a r a o b e m ou p a r a o
mal. Não temosoutro campo de
ação. esta é a condição q u a s e
t r a n s c e n d e n t a l d e aplicá-lo.
Adorno, e m b o r a a u t o r da m a i o r
t e o r i a estética do s é c u l o 20, car e c e u dos m e i o s c o n c e i t u a i s para captar certos artistas como
Hitchcock, q u e fez g r a n d e s
o b r a s de a r t e nos p a d r õ e s d e
Hollywood Pára Adorno, isso foi
impossível; ou a r t e ou Hollywood. M a s até d e Hollywood pod e m d e c o r r e r obras d e arte, e
a t é músicos p o p u l a r e s p o d e m
inventar slogans geniais como
"anothcr brick iii theivall".
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"A tela é o foco". - Eduardo Guerreiro B. Losso