CONTRUIR RELAÇÕES ESPACIAIS A PARTIR DO CORPO
Luciene Araújo de Sousa
[email protected]
Emannuelle de Araújo Silva
Jennifer Herta Fernandes de Melo
Jilvânia Alves de Lima
Faculdade Maurício de Nassau - Natal
Resumo
Este trabalho tem como objetivo descrever sobre uma experiência realizada em uma
turma de Educação Infantil da rede municipal de Parnamirim/RN. Trata-se do estudo
da geometria a partir do lúdico e da brincadeira que explorem o esquema corporal,
noções de espaço e lateralidade com a finalidade de o graduando do curso de
Pedagogia da Faculdade Maurício de Nassau de Natal, vivenciar, na prática de sala
de aula de Educação Infantil, os conteúdos referente a percepção do espaço
estudados na disciplina Matemática na Educação Infantil. Metodologicamente
partimos de estudos realizados em sala de aula e da aplicação de duas atividades
Equilibrando e Olha o apito propostas por Smole et al (2002). Essas atividades
tiveram como finalidade propiciar a criança situações de ensino que permitissem
desenvolver, por meio do movimento corporal, noções de lateralidade, equilíbrio,
espaço e de conhecer seu próprio corpo. Consistiram em estimular as crianças a
pensarem que a todo o momento elas estão trabalhando com o espaço, com o
corpo, construindo saberes necessários para a sua formação. A reflexão sobre as
atividades desenvolvidas, a observação e a participação ativa das crianças durante
a realização das atividades, bem como as respostas por elas emitidas, permitem
evidenciar que, além da interação e da empolgação das crianças, o lúdico, os jogos
e as brincadeiras contribuem para o processo de aprendizagem das noções de
espaço desde a primeira infância.
Palavras-chave: Percepção espacial. Atividades corporais. Jogos. Brincadeiras.
1
A geometria surge da necessidade do homem delimitar seu espaço. A
noção de espaço é construída pelas crianças através da percepção dos objetos por
meio da imagem visual. Posteriormente ela consegue deslocar-se por entre os
objetos e seu espaço é ampliado ainda mais, pois, nessa percepção de espaço,
tanto ela como o objeto faz parte do ambiente espacial; e finalmente, a criança
chega a perceber-se como um objeto a mais no espaço.
O ensino da geometria na Educação Infantil tem como objetivo primordial
fazer com que a criança se aproprie do espaço vivenciado por meio de relações que
ela estabelece ao observar e manipular objetos. Ao explorar o espaço, através da
percepção e da coordenação de movimentos, ela avança para o processo
operacionalizado construindo um espaço interior fundamentado em raciocínio,
avançando do concreto para o abstrato. Para que isso aconteça é necessário que o
professor estimule o pensamento da criança com situações de jogos e brincadeiras
de modo que considere a fase de desenvolvimento em que ela se encontra.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
– RCNEI (BRASIL, 2002), o pensamento geométrico compreende as relações e
representações espaciais que as crianças desenvolvem pela exploração sensorial.
Cada criança constrói um modo particular de conceber o espaço por meio das suas
percepções, do contato com a realidade e das soluções que encontra para os
problemas. Ao explorar por meio da percepção e coordenação de movimentos,
descobrem profundidade, analisam objetos, formas, dimensões e organizam
mentalmente seus deslocamentos.
O processo do domínio das relações espaciais nas crianças inicia-se pela
topologia, por meio de noções básicas de vizinhança, contorno, ordem, separação,
continuidade. As crianças facilmente reconhecem ou representam graficamente
essas noções, quando diferenciam figuras fechadas de figuras abertas ou espaço
interior de exterior, quando identificam contornos ou quando reconhecem posições
numa ordem linear. No seu processo de construção do espaço, ela de maneira
equivocada, interpreta dois objetos vizinhos como sendo um só. Após a percepção
da independência entre os objetos é que surgem as noções de perto/longe,
dentro/fora.
2
Relacionando a fase topológica com a capacidade de análise e de acordo
com o pensamento de Bassedas (1999), podemos ressaltar que a criança faz uma
análise da realidade ao fazer abstração dos traços que categorizam os objetos ou
situações diferenciando-as.
Na fase projetiva, o espaço vai sofrer uma ampliação de percepção, ou
seja, a criança começa a perceber que as formas e as dimensões dos objetos
dependem do ponto de vista de quem os observa. Também já compreende que
algumas propriedades permanecem inalteradas enquanto outras desaparecem.
Nesse processo o círculo e a elipse são equivalentes, bem como o quadrado e o
retângulo. Ao desenhar uma casa facilmente a criança obedece a proporcionalidade
das medidas reais. No entanto, “o mesmo já não acontece com o paralelismo, que
deixa de existir para dar a idéia de profundidade [...]” (LORENZATO, 2006, p. 43).
Para o autor, além das medidas, o perpendicularismo é uma outra propriedade que
desaparece no desenho.
Sobre esse aspecto, podemos relacionar os processos discorridos pelo
autor com os estudos de Piaget (apud Fontana, 1997) quando nos diz que a
evolução do desenho acontece concomitante ao desenvolvimento do pensamento e,
principalmente, à evolução do conhecimento sobre o espaço. Isso porque o desenho
envolve sempre a representação de relações espaciais.
Os diferentes estágios que a criança vivencia estariam vinculados aos
diferentes níveis de estruturação do conhecimento espacial e de compreensão das
relações espaciais. Ambos relacionam a escrita do concreto para o abstrato tendo
como eixo o desenvolvimento do pensamento tanto para a evolução do desenho
como para o raciocínio lógico.
Na fase euclidiana, a criança consegue compreender que o espaço é
constituído de objetos e do próprio observador, ambos móveis. A criança entra
nessa fase quando percebe que ângulos, distâncias e formas são conservadas,
mesmo quando as figuras estão ou foram submetidas a movimentos. Nessa fase é
possível a introdução da mediação dos entes geométricos (LORENZATO, 2006).
Em consonância com os autores, Melo (2009), diz que a percepção de
uma determinada quantidade não depende da arrumação, forma ou posição dos
objetos. Em outras palavras, é a capacidade de compreender que o todo se
conserva independentemente do arranjo das partes.
3
De acordo com o RCNEI (BRASIL, 2002), as noções matemáticas
(contagem, relações quantitativas e espaciais etc.) são construídas pelas crianças a
partir das experiências proporcionadas pelas interações com o meio, pelo
intercâmbio com outras pessoas que possuem interesses conhecimentos e
necessidades que podem ser compartilhadas. As crianças têm e podem ter várias
experiências com o universo matemático e outros que lhes permitem fazer
descobertas, tecer relações, organizar o pensamento, o raciocínio lógico, situar-se e
localizar-se espacialmente.
Nesse sentido, a criança deve ser incentivada a explorar o espaço onde
vive com o objetivo de desenvolver o senso espacial. Embora a manipulação de
objetos não seja suficiente para garantir a aprendizagem, deve estar presente, pois
a efetiva aprendizagem se dá pelas ações mentais quando a criança é estimulada a
comparar, distinguir, separar, montar. É vendo, ouvindo e manuseando objetos que
as crianças realizam suas primeiras experiências de vida, com a ajuda da
linguagem. É com o auxilio da percepção espacial que as crianças iniciam suas
descobertas ao se utilizar dessa percepção para tentar ler, escrever, desenhar,
andar, jogar, pintar ou escutar músicas.
Desse modo, a percepção espacial não serve apenas para auxiliar a
criança na exploração das formas geométricas. Segundo o RCNEI (BRASIL, 2002),
a construção de competência matemática pela criança ocorre simultaneamente ao
desenvolvimento de inúmeros outros de naturezas diferentes e igualmente
importantes,
tais
como
comunicar-se
oralmente,
desenhar,
ler,
escrever,
movimentar-se, cantar, etc.
Todavia, para Lorenzato (2006) e Smole et al (2002) algumas habilidades
favorecem a percepção espacial dentre elas, tem-se a discriminação visual que é a
habilidade
de
perceber
semelhanças
ou
diferenças
entre
dois
objetos
tridimensionais. Outra habilidade importante para a construção da noção de espaço
é a memória visual que consiste em lembrar-se daquilo que não está presente, como
por exemplo, pedir para a criança contar o que vêem dentro de sua casa para os
colegas da sala.
De igual modo Bassedas (1999) diz a respeito da função representativa a
qual desenvolve a capacidade de simbolização que se refere ao que não está
presente. O fato de a criança representar algo ausente desenvolve a sua capacidade
cognitiva porque requer um descentramento da situação e dos objetos concretos.
4
A decomposição de campo é a habilidade de isolar o campo visual em
subpartes, ou seja, é a focalização da parte no todo. Para favorecer o
desenvolvimento dessa habilidade podem-se dar contornos incompletos para serem
completados ou para montagem de painéis.
A habilidade de conservação de forma e de tamanho consiste em
perceber que os objetos possuem propriedades invariantes. Quanto mais
experiências geométricas as crianças vivenciarem mais elas descobrem que a forma
e o tamanho dos objetos não se modificam apesar das posições do objeto e do
observador.
De acordo com Melo (2009), há sete esquemas básicos importantes para
a aprendizagem do conhecimento matemático, e entre eles podemos enfatizar o
esquema de conservação que afirma que a quantidade não depende da arrumação,
forma ou posição dos objetos.
Outra habilidade importante para o desenvolvimento da percepção do
espaço é visual motora a qual permite que a criança realize ações de olhar e agir ao
mesmo tempo. Uma forte expressão desta etapa é o andar, outro é o ato de ligar
pontos. O olhar e o fazer são exigidos simultaneamente em brincadeiras como pular
corda, amarelinha e andar de bicicleta são exemplos.
A equivalência por movimento é a habilidade que permite identificar a
equivalência entre duas figuras desde que uma delas seja movimentada podendo
ser de translação, de rotação e de reflexão. Quando a criança reconhece a
equivalência entre duas figuras, significa dizer que ela consegue perceber que
ambas são iguais, estando apenas colocadas em posições diferentes.
Sobre a importância dos jogos e das brincadeiras para o processo de
aprendizagem da criança podemos explicitar as atividades que foram desenvolvidas
em sala de aula, uma prática bastante significativa para a turma, como trabalhar a
lateralidade,
pesos
e
medidas,
noções
de
perto/longe,
dentro/fora,
em
cima/embaixo, na frente/atrás, entre outras noções. Essas noções foram aprendidas
de maneira lúdica e significativa, não ficou apenas em anotações, o objetivo era o
aprendizado prático, em que a turma pudesse se envolver e participar como um
todo.
A criança conhece o espaço através do movimento, noções de
proximidade, separação, vizinhança, continuidade, organizam-se em uma relação de
pares de oposição (parecido, diferente, todo, dentro, fora, pequeno, grande) de
5
acordo com as explorações corporais que ela faz. Desse modo, é a partir da
realização de atividades sistematizadas que agreguem essas noções de espaço que
a criança começa a ter conhecimento do seu próprio corpo.
A atividade proposta para o nosso grupo foi Equilibrando e Olha o Apito, o
alvo era que as crianças construíssem noções de lateralidade, equilíbrio, espaço,
bem como conhecer seu próprio corpo. Consistia em estimular a criança a perceber
que a todo o momento ela trabalha com o espaço, com o corpo, construindo saberes
necessários para a sua formação.
Iniciamos o desenvolvimento da atividade com uma explicação para as
crianças sobre o porquê de estarmos na sala de aula e o que iríamos fazer. Um
ponto a ser destacado é que uma das componentes do nosso grupo ensina a essas
crianças junto à outra professora que também estava no local.
Foi utilizada nessa atividade materiais como: cartolina colo set, cartolina
guache, papel madeira, papel crepom, palavras impressas, tesoura, cola, folhas A4,
coleção de cera e um apito. Todas as atividades foram desenvolvidas de acordo
com o que propõe Smole et al (2002).
A princípio explicamos para a turma o significado das figuras que estavam
no cartaz e o que cada cor representava. Ao mostrar o cartão às crianças, com as
posições indicadas para o equilíbrio, elas deveriam se equilibrar na parte correta do
corpo sem que nenhuma outra parte de seu corpo tocasse no chão. E ao apitar, elas
mudariam de posição de acordo com as indicações apresentadas no cartaz.
As crianças participaram da atividade com afetividade e interesse. Ficaram
curiosas para saberem o que aconteceria e motivadas para participarem da
brincadeira. Sentimo-nos realizadas com o resultado apresentado pelas crianças,
um momento rico de aprendizagem para todos nós. Mas também houve algumas
dificuldades, devido à localização da escola ser em Parnamirim, e nós residirmos em
Natal, além de as crianças terem algumas dificuldades para distinguir a lateralidade
de acordo com as cores (vermelho-direito e azul-esquerdo).
Equilibrando e olha o apito
Para realizar essas atividades são necessários os cartões e o cartaz. As
atividades foram realizadas no pátio da escola. Antes de propor as atividades para
6
as crianças, explicamos, mais uma vez, os significados dos sinais que estavam
expostos no cartaz (Figuras 1 e 2) e o que cada cor representava.
Figura – 1
Figura – 2
A atividade foi desenvolvida em dois momentos: o 1º exercitava o
equilíbrio e o reconhecimento das partes do corpo indicado pelo cartaz; no 2º além
dessas referências já trabalhadas, acrescentamos as cores e a lateralidade, ou seja,
a criança deveria identificar a cor correspondente à lateralidade da parte do corpo
que iria equilibrar-se, sem cair e sem tocar no chão. De inicio mostramos um cartão
simples e pedimos para os alunos se equilibrem de acordo com o que está indicado
no cartão como, por exemplo, apoiar os dois joelhos e a cabeça no chão, conforme
mostra a Figura – 3:
Figura – 3
7
Ao ouvir o som do apito os alunos teriam que identificar pela cor a
lateralidade, parte do corpo a qual se equilibraria, sem cair e sem tocar no chão.
Propomos um problema de cada vez, em seguida fizemos alguns questionamentos
como: o que foi fácil? O que foi difícil? Como fazer pra não cair?
Com
a
aplicação
dessa
atividade,
trabalhamos
o
equilíbrio,
o
reconhecimento do corpo, as cores e a lateralidade. Para realizá-la as crianças
foram estimuladas a fazerem movimentos corporais que contribuiu para o
desenvolvimento da percepção espacial, bem como da coordenação visual-motora
ao olharem para os cartões e tentarem se equilibrarem.
Depois da atividade pedimos às crianças que desenhassem o que viram
de mais interessante. A principio elas não sabiam bem o que desenhar então as
ajudamos levantando questionamentos como: o que vocês viram durante a
atividade? Logo elas respondiam: mão, pé, joelho, cabeça,.... O que nos chamou a
atenção foi que elas desenharam o joelho, cotovelo, cabeça e nádegas de acordo
com os cartões que usamos para elas se equilibrarem. Foi uma relação bastante
significativa, como podemos perceber nos desenhos de João e Letícia (Figura – 4).
Figura – 4
A nossa participação na aplicação dessas atividades nos fizeram perceber
o quanto é importante que o futuro professor tenha durante a sua formação superior
o aprofundamento teórico e prático. A aproximação entre esses dois espaços de
formação lhe permitirá ampliar seus conhecimentos para saber aplicá-los a prática
educacional. Observamos esse fato em nossa prática, ao estudar textos
8
relacionados à matemática na educação infantil, que foi bastante significante para o
levantamento de idéias durante os momentos de sala de aula com as crianças.
Ao realizarmos as atividades com as crianças nos sentimos responsáveis
pela sua aprendizagem, levantamos questionamentos, as estimulamos, dando dicas,
idéias, elogiando seus desenhos. Ao refletirmos sobre essa experiência prática
percebemos que o planejamento de ensino é imprescindível no processo de ensino
e de aprendizagem.
As atividades realizadas ajudaram as crianças em seu desenvolvimento de
noções de espaço, lateralidade (direito-esquerda), pois ao participarem da
brincadeira perceberam que se ficassem juntas demais não teriam como equilibrarse, pois machucaria o próximo.
Podemos concluir que o trabalho de intervenção realizado com crianças
de 4 a 5 anos nos possibilitou mergulhar em um mar de encantamentos e vislumbrar
o verdadeiro significado de ser educador. Foi uma experiência significante em nossa
formação, que estará guardada em nossa caminhada.
REFERÊNCIAS
BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. - Aprender e ensinar na educação infantil.
Tradução de Cristina M. de Oliveira. – Porto Alegre: Artmed, 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF,
2002.
FONTANA, R; CRUZ M. N. da.- Psicologia e Trabalho Pedagógico – São Paulo:
Atual, 1997, p.144-166.
LORENZATO, Sergio. Educação infantil e percepção matemática. Campinas, SP:
Autores Associados, 2006. (Coleção Formação de Professores).
MELO, Maria José M. D. de. A construção do Conceito de número. Natal/ RN,
2009 (mimeo).
9
SMOLE, Kátia Stocco, DINIZ, Maria Inez; CÂNDIDO, Patrícia. Coleção Matemática
de 0 a 6: figuras e formas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 25-43.
10
Download

Luciene Araújo de SousaLuciene Araújo de Sousa - SBEM-RN