García González, M.(2011). "Turismo e identidade. As motivações culturais dos visitantes portugueses em relação à Galiza. Turismo e identidade... Primeiras aproximações". In Rebelo, H. (coord.), Lusofonía, Volume I. Tempo de Reciprocidades. Actas do IX Congresso da Associação Internacional de 265 Lusitanistas. Madeira, 4 a 9 de Agosto de 2008 (pp.265-270). Porto: Afrontamento. Turismo e identidade As motivações culturais dos visitantes portugueses em relação à Galiza Primeiras aproximações Marcos Garcia González Grupo GALABRA – Universidade de Santiago de Compostela Palavras-chave: identidade, turismo, Galiza, Portugal, relacionamento Resumo:O Projecto TuI (Turismo e Identidade) tem como objectivo conhecer as atitudes e motivações que os visitantes brasileiros e portugueses têm nas suas viagens à Galiza. A nossa parte da pesquisa divide-se em três fases: (i) conhecer como se criam as expectativas prévias dos visitantes em Portugal; (ii) observar como as expectativas influenciam a imagem da realidade galega durante as estadias e (iii) analisar o grau de satisfação ou insatisfação (e as razões) que estas visitas produzem. Serão abordadas questões como a formulação de hipóteses de trabalho, a construção das bases metodológicas e a escolha dos perfis de visitantes analisados. Ainda, mostrar-se-ão os primeiros resultados desta linha de investigação no total do Projecto, que apontam para a necessidade de análise das ideias em funcionamento no relacionamento entre a Galiza e Portugal para o seu aproveitamento em termos de promoção cultural e turística. 1. Introdução O Projecto TuI foi iniciado pelo Grupo GALABRA da Universidade de Santiago de Compostela em Outubro de 2007, através de um Convénio de Cooperação com a Direcção Geral de Turismo do Governo Galego. O objectivos gerais do Projecto passam por conhecer as atitudes e motivações que os turistas brasileiros e portugueses têm em relação à Galiza. Assim, são estudadas as expectativas que os próprios viajantes têm perante uma possível viagem à Galiza. Por um lado, o Projecto visa conhecer de que modo são criadas essas expectativas quer no Brasil quer em Portugal e a maneira como elas influem na visão da realidade que os visitantes têm na sua estadia na Galiza. Além disso, é também um objectivo fundamental do Projecto analisar os graus de satisfação ou insatisfação obtidos pelos viajantes finalizada a estadia. A presente comunicação apresenta a primeira etapa da pesquisa no que diz respeito à relação dos visitantes portugueses com a Galiza. Assim, são definidos os diferentes perfis analisados dentro do conjunto dos visitantes portugueses, e expostos os resultados preliminares da investigação até agora realizada. 2. Objectivos Específicos Na actuação concreta sobre os visitantes portugueses, existem uns objectivos específicos que são, necessariamente, distintos dos definidos para o estudo do turismo brasileiro. Entre estes objectivos destacam: 3. Observar e analisar os modos que em Portugal há de conhecer a Galiza, e de que maneira é criada a visão desta no seu imaginário; assim, interessa- Lusofonia: Tempo de Reciprocidades 266 4. 5. 6. 7. 8. -nos saber quais são os meios de difusão dessa imagem, e os seus traços definitórios. Obter dados empíricos sobre as possíveis viagens (razões, frequência, expectativas...), e a maneira de as planificar. Definir tipos de perfis de viajantes e modalidades de visita. Neste sentido, pretende-se verificar se as motivações e os objectivos são diferentes (e em que grau) para cada perfil. Conhecer o contraste das expectativas que o visitante tem antes da sua chegada à Galiza com a realidade vivida na estadia; avaliar grau de satisfação ou insatisfação. Classificação das características potencialmente atraentes para os turistas portugueses, assim como dos factores que os visitantes consideraram positivos e negativos durante a estadia ou a planificação. Análise da possível retroalimentação que as visitas provocam no regresso dos viajantes a Portugal: difusão das experiências individuais e condicionamento positivo ou negativo para outros possíveis visitantes. A consecução dos objectivos específicos referidos fornecerá o Projecto de dados necessários sobre os quais abrir novas vias de pesquisa e de actuação. Por um lado, considera-se que a obtenção de informação a respeito da conformação da imagem Galiza (tanto na própria Galiza como em Portugal) permitirá desenhar planos de actuação concretos que –se se considerar preciso– possam transformar essa imagem da Galiza com fins culturais e turísticos. Por outro lado, a obtenção de conhecimento relativo aos modos de funcionamento que os visitantes portugueses têm na Galiza poderá ser útil para a planificação de estratégias dentro do sector turístico; desta maneira, outra das aplicações que emergem da nossa investigação tem a ver com o desenvolvimento das próprias estratégias de actuação sobre o sector turístico português, com o fim de melhorá-lo em termos de qualidade e de mútua satisfação. 3. Metodologia Nos diferentes trabalhos sobre sistemas culturais, o Grupo GALABRA utiliza uma metodologia concreta de análise, com o fim de conhecer o funcionamento dos diversos processos que estão em jogo na criação e difusão de ideias. Com base fundamentalmente em trabalhos de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1988, p. ex.) e Itamar Even-Zohar (EVEN-ZOHAR, 1997; 2005), esta metodologia permite analisar a cultura como um sistema complexo, no qual todos os elementos do sistema desempenham uma função. No nosso caso, a atenção à imagem –à sua criação e promoção– que da Galiza existe nos diferentes sectores da sociedade portuguesa é realizada através da análise de diversos produtos culturais como guias turísticos ou notícias relacionadas em jornais e televisão (veja-se PRITCHARD e MORGAN, 2003, sobre o caso galês, entre outros). Dada a complexidade e heterogeneidade dos sistemas culturais, a presente pesquisa limita a análise àqueles produtos de maior difusão, sendo obtida outra informação necessária através de entrevistas qualitativas. Estas permitem ter acesso a dados que dizem respeito às ideias que estão em jogo antes e durante as visitas, favorecendo a obtenção de informação específica dirigida para os objectivos do Projecto. Turismo e identidade... 267 Além disso, são tidos em conta diversos aspectos metodológicos de outras aproximações ao turismo, desde perspectivas como a antropologia (PEREIRO, 2005) ou a sociologia (LAMONT, 2002; ROSS WHITE e WHITE, 2004). Neste sentido, diferentes trabalhos sobre a relação entre o turismo e a identidade nacional analisam a importância deste sector na configuração da própria identidade. ZUELOW (2006), por exemplo, mostra como a promoção da saia escocesa como elemento nacional triunfou, sendo hoje um traço definitório da identidade. 4. Hipóteses de Trabalho Numa fase inicial da nossa investigação, considerou-se oportuno –através de conhecimentos individuais e do próprio grupo– formular hipóteses gerais a respeito das visitas de portugueses à Galiza. Assim, partimos da base de que as principais características turístico-culturais que atraiam os visitantes portugueses1 eram (i) a paisagem (sobretudo litoral, no turismo de sol e praia), (ii) a gastronomia (onde também destaca o marisco) e (iii) a religião (ligada ao património cultural de Santiago de Compostela). Em relação às modalidades de viagem, as nossas hipóteses destacavam a importância das excursões de grupos organizados e das estadias de fim-de-semana, o turismo de verão (de sol e praia) e o turismo religioso a Santiago de Compostela. Além disso, considerámos também a existência de um turismo de classe alta (que procura o sector balnear, do golfe, etc.) e, em menor medida, de estadias de turismo rural. Expostas as bases nas quais nos sustentámos, resolveu-se efectuar um conjunto de tarefas que permitissem verificar se as hipóteses criadas eram ou não certas, e em que grau. 4.1. Verificação das Hipóteses A criação da imagem Galiza e a sua promoção em termos turísticos examinou-se através de diversos elementos existentes no mercado português; assim, foram analisados diferentes guias turísticos da Galiza e da Espanha à venda nas livrarias portuguesas, campanhas e informação turística gerada na Galiza e distribuída em Portugal bem como elementos de informação geral criados pelos próprios portugueses a respeito da comunidade galega. Para conhecer as modalidades de viagem de que os visitantes portugueses usufruem, realizou-se uma recolha e análise de dados quantitativos gerados por organismos –fundamentalmente públicos– da Galiza e de Portugal. Além disso, estabeleceu-se uma rede de contactos com agentes turísticos e culturais galegos e portugueses com o fim de obter informação a respeito dos próprios tipos de viagens realizados no sentido Portugal-Galiza. Finalmente, as atitudes, expectativas e grau de satisfação dos visitantes portugueses estão actualmente a ser verificadas de duas maneiras: 6. Observação e acompanhamento de visitantes portugueses durante as suas visitas. 7. Realização de entrevistas qualitativas a um conjunto previamente delimitado de indivíduos de cada um dos perfis definidos. 1 E que, além disso, eram provavelmente as mais promovidas desde as instituições galegas e espanholas a respeito não apenas do turismo português, mas da criação de uma imagem geral da Galiza. 268 Lusofonia: Tempo de Reciprocidades 4.2. Definição dos Perfis Da análise dos dados quantitativos e das informações obtidas através dos contactos com agentes turísticos, foram definidos os perfis dos visitantes portugueses sobre os quais fazer uma série de entrevistas qualitativas. No processo de definição dos perfis, tiveram-se em conta três factores fundamentais: (i) o tipo de alojamento ocupado, (ii) as características do consumo (estabelecimentos frequentados, serviços utilizados, compras realizadas...) e (iii) o meio de transporte utilizado. Com base nestes factores, discriminaram-se os seguintes perfis: Visitantes de excursões em fins-de-semana/pontes: caracterizam-se pelo alojamento em hotéis de até 3 estrelas, visitas breves a localidades do litoral (passeios em barco) e a Santiago de Compostela e pela utilização do autocarro como meio de transporte. Além disso, são maioritariamente pessoas reformadas. Viagens de classe média: definem-se pelas reservas de hotéis (estadias breves) ou apartamentos (estadias mais longas); o tipo de consumo é mais diverso,2 (frequência a restaurantes, cafetarias...) e utilização de veículo próprio. A respeito da idade, podemos dizer que esta não costuma ser menor de 30 anos nem superior aos 60, sendo muitas vezes acompanhados de crianças. Turismo de luxo: este perfil caracteriza-se pelo alojamento em hotéis de luxo/com encanto ou Paradores, pelo consumo de produtos com prestígio (restaurantes de luxo, casinos, SPA...) e por deslocar-se também em veículo próprio. Podemos definir uma variante deste perfil através do alojamento próprio (segunda residência) ou de familiares e amigos; de modo geral, este tipo de visitante supera os 35 anos. Turismo rural: definido pelo aluguer de casas rurais e/ou albergues do interior da Galiza. O tipo de consumo está relacionado com o entorno das férias e varia entre os restaurantes de cozinha tradicional até aos balneários. O transporte utilizado costuma ser o veículo próprio. Existe também uma variante deste perfil que podemos denominar Turismo de neve, que aproveita a proximidade do porto de montanha de Manzaneda. De modo similar ao segundo perfil definido, a idade vai também dos 30 aos 60 anos, embora se tenha notado uma menor presença de crianças nestes viajantes. Turismo jovem/de mochila: as características de alojamento deste perfil variam entre a utilização de pensões/albergues ou parques de campismo, consumindo habitualmente em supermercados e cafetarias. O meio de transporte pode ser transporte público ou veículo próprio e a idade é compreendida entre os 18 e os 35 anos. Definidos os perfis, a investigação continuou com o estabelecimento de tarefas específicas que permitam o contacto directo com membros de cada um dos grupo; assim, para cada um dos perfis está-se a criar uma rede de contactos e estabelecimentos que facilitem a nossa aproximação dos visitantes com o fim de realizarmos as entrevistas qualitativas. 2 Uma vez que não existe uma dependência do grupo, como o perfil anterior. Turismo e identidade... 269 5. Primeiros Resultados Na primeira fase da pesquisa, os resultados obtidos foram aqueles referidos à importância quantitativa do turismo português na Galiza; a este respeito, podemos destacar que: 2. O turismo é um sector de grande importância na Galiza, supondo 12% do Produto Interior Bruto e 13% do emprego. 3. Espanha é o destino estrangeiro mais escolhido pelos portugueses, com aproximadamente um 40%. Dos portugueses que visitam a Espanha, mais de 40% fazem-no na Galiza. 4. O turismo português é o que mais visita a Galiza (mais de 17%, sem ter em conta viagens de um único dia). 5. Existem um grande número de empresas que organizam viagens à Galiza desde todo o Portugal continental, especialmente entre os meses de Abril e Novembro. Assim mesmo, conseguiram-se dados relativos à própria imagem da Galiza gerada pelas instituições dedicadas ao turismo; neste sentido, destaca a importância da paisagem (litoral e de montanha) e da gastronomia na oferta turística galega. Por outro lado, o carácter místico, religioso e puro ocupa um papel preponderante na criação da própria imagem, manifestado nas alusões ao Caminho de Santiago e à região de Fisterra e nalguns traços diferenciadores do povo galego (referências á espiritualidade e cultura próprias, etc.). O contacto directo com visitantes forneceu-nos também informação relativa às motivações das suas viagens, embora estejamos ainda numa fase inicial a este respeito. Destes contactos com o primeiro dos perfis analisados (excursões de fim-de-semana/pontes) pudemos inferir que: Para este perfil o destino não costuma ser um dos aspectos fundamentais da viagem (mas sim a própria viagem). Há uma importante motivação religiosa, simbolizada em Santiago de Compostela e na sua sé. Encontram similitudes com Portugal (alguns aspectos da língua e da arquitectura), mas não encontram muitas diferenças nas ideias de Galiza e Espanha. O grau de satisfação costuma ser elevado; contudo, há indícios que parecem indicar que a satisfação deve-se mais à própria viagem e à convivência dentro do grupo do que ao destino específico. Até este momento, foram também analisadas algumas entrevistas qualitativas do que denominámos turismo de classe média; as impressões mais salientáveis a este respeito foram as seguintes: 4. 5. 6. 7. Os galegos são vistos como um povo celta. A Galiza tem um forte carácter místico. O peixe e o marisco é o mais destacado da gastronomia galega. Há uma semelhança entre a Galiza e o norte de Portugal, em relação à paisagem, à arquitectura, à configuração do espaço social e a outros elementos gastronómicos como o cozido galego. 8. A língua é vista como uma variedade do espanhol; diferente deste, mas a um nível similar ao do açoriano ou do mirandês. 270 Lusofonia: Tempo de Reciprocidades 6. Conclusões O trabalho de pesquisa até agora desenvolvido proporcionou-nos um conjunto de conclusões que apontam em vários sentidos. Por um lado, confirma-se que o sector turístico joga um importante papel na conformação de imagens a respeito da própria identidade galega e da sua relação com outras como a portuguesa, a espanhola ou a brasileira. Além disso, o facto de o destino não ser a motivação fundamental para as excursões analisadas condiciona o tipo de viagem oferecido, sendo frequentemente de baixa qualidade e sem propósito aparente de melhoria nem de adaptação ao viajante. Neste sentido, observa-se que aqueles indivíduos que a priori têm uma maior analogia com a Galiza, não dispõem de possibilidades de relacionamento social com a comunidade receptora. Da mesma maneira, o facto de a região norte de Portugal ter acesso às diferente televisões espanholas, favorece o atenuamento dos traços comuns entre as duas comunidades, devido à difusão de uma imagem homogénea da Espanha. Verifica-se, portanto, que nas relações culturais e turísticas entre a Galiza e Portugal não estão a ser aproveitadas as semelhanças entre a Galiza e Portugal (facto que, dependendo do perfil do visitante, chega a ser prejudicial para as próprias relações). Assim, julga-se oportuno o desenho de planos turísticos acordes com os diferentes tipos de perfis existentes, bem como o potenciamento de visitas menos agressivas para as comunidades receptoras, transformadas eventualmente em simples focos de atracção turística sem planificação. Por outro lado, considera-se que é necessária uma análise das ideias em funcionamento nas relações entre a Galiza e Portugal que permitirá criar as já citadas estratégias de planificação turística e cultural que favoreçam não apenas os sectores turísticos de ambos os países mas também a própria relação do turismo com a comunidade receptora. Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre (1988). La Distinction. Tradução espanhola: La distinción: criterios y bases sociales del gusto, Madrid: Taurus. EVEN-ZOHAR, Itamar (1997). Polisistemas de Cultura, edição on-line acessível em http:// www.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/polisistemas_de_cultura2007.pdf _______ (2005). “Idea-makers, culture entrepreneurs, makers of life images, and the prospects of success”', in Papers in culture research, edição on-line acessível em: http://www.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/papers/idea-makers.pdf LAMONT, Michelle (2001). “Culture and identity” in TURNER J. (ed.), Handbook of sociological theory, New York: Kluwer Acad./Plenum, pp. 171-85. PEREIRO, Xerardo (2005). “Imagens e narrativas turísticas do 'outro': Portugal-Galiza, Portugal-Castela e Leão” in PARDELLAS, X. (dir.) Turismo e natureza na Eurorrexión Galicia e Norte de Portugal, Vigo: Universidade de Vigo, pp. 57-79. Acessível em: http://home.utad.pt/~xperez/ficheiros/publicacoes/turismo_cultural/Artigo_ima gens_turisticas_Xulio_Pardelas_Setembro2005.pdf PRITCHARD, Annette e Nigel MORGAN (2003). “Mythic Geographies of Representation and Identity: Contemporary Postcards of Wales” in ROBINSON, Mike e Alison PHIPPS (ed.) Tourism and Cultural Change, 1 (2), pp. 111-130. ROSS WHITE, Naomi e Peter B. WHITE (2004). “Travel as transition. Identity and Place” in Annals of Tourism Research, 31, pp. 200-218. ZUELOW, Eric G. (2006). “ 'Kilts versus Breeches': The Royal Visit, Tourism, and Scottish National Memory” in Journeys: The International Journal of Travel and Travel Writing, 7 (2), pp. 33-53.