SABERES MULTIDISCIPLINARES
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores)
Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr
Alexandre José Alves da Silva
Aline Fonseca Gomes
André José Costa Santos
André Luis Rocha de Souza
Antonio Samuel Souza Teixeira
Camila de Jesus Barreto
Claudia Fardin Soares Pereira
Cláudia Regina Vaz Torres
Danilo Uzêda da Cruz
Flávia de Jesus Figueredo
Heliete Rosa Bento
Kelly Cristina Soares de Jesus
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia
Lídia Boaventura Pimenta
Lívia da Silva Modesto Rodrigues
Luiz Carlos dos Santos
Paulo Eduardo de Oliveira
Sizelides dos Santos de Almeida
Temistocles Damasceno Silva
Yago Santos Pereira Gomes
Vol. 3
Salvador – Bahia
2014
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores)
SABERES MULTIDISCIPLINARES
Vol. 3
Salvador – Bahia
2014
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores)
Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr
Alexandre José Alves da Silva
Aline Fonseca Gomes
André José Costa Santos
André Luis Rocha de Souza
Antonio Samuel Souza Teixeira
Camila de Jesus Barreto
Claudia Fardin Soares Pereira
Cláudia Regina Vaz Torres
Danilo Uzêda da Cruz
Flávia de Jesus Figueredo
Heliete Rosa Bento
Kelly Cristina Soares de Jesus
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia
Lídia Boaventura Pimenta
Lívia da Silva Modesto Rodrigues
Luiz Carlos dos Santos
Paulo Eduardo de Oliveira
Sizelides dos Santos de Almeida
Temistocles Damasceno Silva
Yago Santos Pereira Gomes
SABERES MULTIDISCIPLINARES
Vol. 3
Salvador – Bahia
2014
Todos os direitos autorais deste material são de propriedade dos autores Qualquer parte desta publicação pode ser
reproduzida, desde que citada a fonte. O conteúdo de cada artigo é de inteira responsabilidade do(s) autor (es).
Livro aprovado pelo Conselho Editorial da Revista Acadêmico Mundo (ISSN 2318-1494).
Revisão de Originais e Revisão de Provas
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia
Capa
Josevaldo da Silva do Lago (Revista Acadêmico Mundo)
Editoração Eletrônica
Josevaldo da Silva do Lago
(site. http://www.academicomundo.com.br/revista.html)
Impressão e Acabamentos
Editora JM
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).
Catalogação na Fonte
GOUVEIA, Leandro Carvalho de Almeida. LAGO, Josevaldo da Silva do.
(Org.)
G719
Saberes multidisciplinares V.3. Leandro Carvalho de Almeida Gouveia;
Josevaldo da Silva do
Lago. Salvador: JM Gráfica, 2014.
260p.
1.Turismo - Brasil 2. Proteção Ambiental I. Leandro Carvalho de Almeida
Gouveia
II. Josevaldo da Silva do Lago. III. Título
CDD:
338.344
ISBN 978-85-60753-78-9
JM GÁFICA E EDITORA LTDA.
CNPJ: 00.149.796/0001-49
Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090
e-mail: [email protected]
Impresso no Brasil em julho de 2014 pela JM Editora
CNPJ: 00.149.796/0001-49
e-mail: [email protected]
Tiragem: exemplares
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
10
O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO LOCUS UNIVERSITÁRIO: BREVE INCURSÃO.
13
Luiz Carlos dos Santos
A GESTÃO PÚBLICA UNIVERSITÁRIA
25
Antonio Samuel Souza Teixeira
Aline Fonseca Gomes
O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR NO PROTOCOLO DE KYOTO
33
Sizelides dos Santos de Almeida
A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM EDUCAÇÃO FISICA E OS ESPORTES DE AVENTURA:
POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES
49
André José Costa Santos
Camila de Jesus Barreto
Yago Santos Pereira Gomes
Temístocles Damasceno Silva
UMA REFLEXÃO TEÓRICA DA GESTÃO INTEGRADA PÚBLICO/PRIVADA EM SALVADOR:
PLANEJAMENTO TURÍSTICO
64
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia
O TURISMO E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
83
Heliete Rosa Bento ]
A RELAÇÃO ENTRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA DOS MANGUEZAIS COM A DIVERSIDADE
CULTURAL DA POPULAÇÃO TRADICIONAL QUE HABITA A ILHA DE BOIPEBA
103
Paulo Eduardo de Oliveira
EDUCAÇÃO FINANCEIRA: O PRIMEIRO PASSO PARA CONSUMO CONSCIENTE
125
Bárbara Barbosa Cabral
EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS EM PLANEJAMENTO REGIONAL: UMA SÍNTESE HISTÓRICA
136
Claudia Fardin Soares Pereira
ESTADO E PODER, CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A CRÍTICA AO CONCEITO DE
152
ESTADO
Danilo Uzêda da Cruz
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM UMA PERSPECTIVA PÚBLICA: A EXPERIÊNCIA DA UNEB
182
Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr
Lídia Boaventura Pimenta
Cláudia Regina Vaz Torres
Flávia de Jesus Figueredo
AS ESTRATÉGIAS DO MARKETING VERDE E AS PRÁTICAS DE GESTÃO AMBIENTAL NAS
EMPRESAS DE HIGIENE PESSOAL E COSMÉTICOS LÍDERES NO BRASIL
Kelly Cristina Soares de Jesus
Lívia da Silva Modesto Rodrigues
Alexandre José Alves da Silva
André Luis Rocha de Souza
202
10
APRESENTAÇÃO
O Volume III da Coletânea Saberes Multidisciplinares apresenta trabalhos de 12
pesquisadores, em diferentes áreas do conhecimento, fruto de pesquisas relevantes para o
mundo acadêmico e toda a sociedade .
Luiz Carlos, a partir de estratos teóricos de expoentes da área, traz à baila o significado
da expressão cidadania no locus universitário, onde o conhecimento é produzido, difundido,
socializado, aplicado e recuperado socialmente em processos econômicos, políticos e culturais
em meio a uma disputa pela ampliação do exercício público da cidadania rumo às
transformações do mundo contemporâneo, cabendo à universidade, com suas atividades de
pesquisa, ensino e extensão, colaborar para transformar e melhorar o mundo, contribuindo na
realização das potencialidades humanas no campo das artes, filosofia, ciência e tecnologia,
produzindo conhecimentos que concorram para a realização do viver humano, de forma a
integrar o desenvolvimento local, regional, nacional e global.
Atenciosamente,
Aline Gomes e Antonio Teixeira, discutem a gestão pública, em especial a
universitária, tem buscado novas formas de organização do trabalho, a fim de atuar conforme
práticas inovadoras e que efetivamente contribuam para o desenvolvimento de uma instituição
de ensino superior que agregue valor em seus processos. Sendo que as instituições
burocratizadas, hierarquizadas e impessoais, dão lugar a instituições mais flexíveis,
maleáveis, ajustáveis e identificadas com os interesses dos utilizadores que ambicionam
servir.
Sizelides Almeida, aborda tema que nos últimos anos ganhou destaque mundial: o
aquecimento do planeta terra. A discussão dá-se em torno das mudanças climáticas no âmbito
do Direito Internacional Ambiental. O ponto principal centraliza-se no Princípio do PoluidorPagador e sua aplicabilidade no Protocolo de Kyoto. Discute-se, ainda, se o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo disposto no referido Protocolo é um instrumento que prevê a
proteção do meio ambiente ou se ele promove a compra do direito de poluir.
Temístocles Damasceno, Yago Gomes, Camila Barreto e André Santos delinearam um
relato de experiência sobre as vivências proporcionadas por uma aula de campo da disciplina
Recreação e Lazer do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia – UESB, realizada no município de Itacaré, sul do estado da Bahia. Desta
forma, os pesquisadores retrataram o esporte de aventura como ferramenta pedagógica do
11
processo de formação em educação física bem como apontaram as possibilidades e limitações
desta modalidade esportiva, no que tange: a compreensão das regras, os equipamentos
necessários e a logística que envolve o esporte de aventura.
Leandro Gouveia, identifica as possíveis contribuições de uma gestão turística
integrada público/privada na cidade do Salvador, para compreender a realidade atual e a
complexidade que o tema suscita. Para tanto, foram formulados alguns objetivos específicos:
compreender os termos política, política pública e política de turismo, conhecer o papel do
Estado na atividade turística, discutir a gestão integrada público/privada e identificar as
principais características da gestão turística integrada pública/privado na cidade do Salvador.
Do ponto de vista da metodologia, tratou-se de pesquisa bibliográfica e documental.
Heliete Rosa, busca identificar em que medida a legislação protetiva ao meio ambiente
pode efetivamente garantir que os equipamentos turísticos proporcionem aumento da
qualidade de vida às pessoas diretamente envolvidas e para toda a sociedade. Desta forma,
este artigo apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento econômico na atividade
turística, sob a perspectiva da sustentabilidade, pelas vias da legalidade.
Paulo Oliveira, trabalha a questão: “Como ocorre a relação entre a diversidade biológica
dos manguezais da Ilha de Boipeba com a diversidade cultural da população tradicional que
habita essa localidade”? Os objetivos específicos desta pesquisa são: identificar as relações
existentes entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a diversidade
biológica dos manguezais; compreender como são mantidas as relações existentes entre a
diversidade cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. Para
isso, adotou-se a pesquisa qualitativa e, como método de abordagem, elegeu-se a etnografia.
Bárbara Cabral, discute como as facilidades do crédito e a redução da taxa de juros no
Brasil aumentaram o consumo de bens e serviços por parte das classes mais baixas da
sociedade. A consequência desse estímulo foi um desequilíbrio financeiro das famílias. O
acesso ao crédito é um fator positivo, que promove uma melhora na qualidade de vida dos
indivíduos, entretanto, este precisa ser oferecido ao consumidor, juntamente com um
programa de educação financeira, que estimule o consumo consciente e a sustentabilidade.
Claudia Fardin, apresenta uma breve síntese histórica do planejamento regional no
Brasil, com suas principais concepções, obedecendo o processo histórico percorrido pelo País
desde a década de 30 até os dias atuais. Como pressuposto básico, partiu-se do entendimento
de que o planejamento regional, para atingir a eficácia proposta, deve ser proposto com base
em um território específico, que se delimita sobre uma região (podendo ser esta meso, macro
ou microrregião), obedecendo suas particularidades, seu desenvolvimento histórico e cultural,
12
sua formação econômica, política e social. Embora inúmeras avaliações já tenham sido
realizadas por outros pesquisadores, a proposta atual é sistematizar estas informações para que
elas possam servir de base a uma análise individualizada, em outro contexto, a partir das
principais tendências macroespaciais.
Danilo da Cruz , apresenta uma revisão teórica sobre a questão do estado à luz da teoria
política materialista, tendo em vista o retorno do debate sobre a política, o estado e a ação do
estado no mundo contemporâneo. Essa revisão foi realizada a partir de uma leitura específica
da teoria política marxista, levando em consideração a produção teórica elaborada pelo
chamado marxismo ocidental, à luz das transformações do capitalismo contemporâneo.
Adelmo Schindler Jr, Lídia Pimenta, Cláudia Torres, Flávia Figueiredo, analisam os
procedimentos adotados pela universidade do setor público inerentes à oferta de cursos na
modalidade a distância com a finalidade de possibilitar formação de profissionais em suas
regiões. A opção metodológica é de natureza qualitativa e descritiva, que se mostrou mais
adequada para a proposta apresentada. Os resultados preliminares apontam para a importância
da atuação da UNEB na modalidade a distância e os seus desdobramentos no que diz respeito
à formação de egressos com condições de atuar no contexto local da sua formação,
catalisando os processos sociais, econômicos e financeiros.
Kelly de Jesus, Lívia Rodrigues, Alexandre da Silva e André de Souza, visam analisar
as estratégias mercadológicas e as práticas de responsabilidade ambiental do Marketing Verde
das empresas do segmento de cosméticos, líderes no mercado brasileiro. O principal objetivo
desse estudo é analisar as estratégias mercadológicas das empresas do segmento de
cosméticos, higiene pessoal e perfume líderes no mercado brasileiro, relativas ao Marketing
Verde e seus reflexos no âmbito das práticas de gestão dos recursos ambientais. Para tal fim,
discorreu-se sobre os conceitos de Administração Estratégica e a sua relação com as práticas
de Gestão Ambiental, sua correlação às estratégias do Marketing Verde e as práticas de
Gestão Ambiental e evidenciação às práticas do Marketing Verde nas empresas de segmento
proposto.
13
O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO LOCUS UNIVERSITÁRIO: BREVE
INCURSÃO.
Luiz Carlos dos Santos 1
RESUMO
Objetiva o artigo, elaborado a partir de estratos teóricos, de expoentes da área, trazer à baila o significado da
expressão cidadania no locus universitário, onde o conhecimento é produzido, difundido, socializado, aplicado e
recuperado socialmente em processos econômicos, políticos e culturais em meio a uma disputa pela ampliação
do exercício público da cidadania rumo às transformações do mundo contemporâneo, cabendo à universidade,
com suas atividades de pesquisa, ensino e extensão, colaborar para transformar e melhorar o mundo,
contribuindo na realização das potencialidades humanas no campo das artes, filosofia, ciência e tecnologia,
produzindo conhecimentos que concorram para a realização do viver humano, de forma a integrar o
desenvolvimento local, regional, nacional e global, sem a perda do sentido libertário do conhecimento e de sua
autonomia - que vem se transformando em mera mercadoria ou em fonte principal de lucro -, tanto pela
especialização cada vez maior dos diversos ramos do saber, quanto pela crise epistemológica no estabelecimento
das garantias de validade do conhecimento, entre outros aspectos.
Palavras-chave: Cidadania. Universidade. Conhecimento. Transformação. Autonomia Acadêmica.
ABSTRACT
Objective article, prepared from extracts theoretical exponents of the area, bringing up the meaning of
citizenship in the locus university where knowledge is produced, disseminated, socialized, socially recovered and
applied in the economical, political and cultural amid a dispute over the expansion of the public exercise of
citizenship towards the transformation of the contemporary world, while the university, with its research,
teaching and extension work to improve and transform the world, contributing to the realization of human
potential in the arts , philosophy, science and technology, producing knowledge that contribute to the realization
of human living, to integrate local development, regional, national and global, without the loss of a sense of
knowledge and libertarian autonomy - which is becoming mere commodity or main source of income - both by
increasing specialization of the various branches of knowledge, as the epistemological crisis in establishing the
validity of knowledge guarantees, among other things.
Keywords: Citizenship. University. Knowledge. Transformation. Academic autonomy.
INTRODUÇÃO
De pronto, cabe lembrar que o debate sobre o conceito de cidadania envolve uma série de
ambiguidades e coincidências em sua definição, que vão desde o reconhecimento da existência de
uma cidadania nominal e substancial, passa pelo exame daqueles que estão incluídos e excluídos
da demos, até chegar à fusão da cidadania e da nacionalidade, com os conflitos recorrentes
devidos à exclusão de indivíduos do exercício da cidadania, com base no pertencimento ou não a
uma comunidade nacional. Entretanto, o objetivo deste artigo é tentar atrelar o termo cidadania no
espaço universitário.
1
Doutorando em Planejamento Regional e Urbano (PPDRU), Universidade Salvador (UNIFACS); Doutor em
Ciências Empresariais (UMSA); Mestre em Educação (UQAM); Bacharel em Ciências Contábeis e em Direito
(UFBA); Licenciado em Administração (UNEB); Tecnólogo em Administração Hoteleira (CENTEC). Professor
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: [email protected]; Site: www.lcsantos.pro.br
14
A Universidade deve ser um espaço aberto, plural, laico às discussões que viabilizem o
pleno exercício da cidadania com vistas à superação da excludência ou marginalização que
ainda mantêm grande parte da população alheia ao exercício de seus direitos sociais, políticos e
econômicos e afastada do processo de transformação que se opera em todas as áreas do
conhecimento humano. Se a construção do conceito de cidadania traz em sua história a sombra da
exclusão, as sociedades democratas devem impor a universalização dos direitos que este conceito,
em sua gênese, preconiza.
A universidade como espaço de produção, difusão, socialização e aplicação do
conhecimento pode ser concebida enquanto processo histórico, no qual as teorias que permitem a
emancipação dos homens acabam por mediar ações que ampliam a dominação de alguns
segmentos sobre as sociedades e a natureza. Este processo, segundo Adorno e Horkheimer (1985),
é dialético. A partir dessa premissa, asseveram os mencionados autores que não só nenhum
conhecimento é neutro, como qualquer conhecimento se presta a diversos usos, na medida em que
pode ser recuperado em novas simbioses, as quais agenciam outros processos pragmáticos e
interpretativos, inseridas neste mesmo movimento contraditório.
O saber/conhecimento elaborado na universidade é, de algum modo, recuperado
socialmente em processos econômicos, políticos e culturais em meio a uma disputa pela
ampliação do exercício público da cidadania ou pelo domínio social e tecnológico de certos
segmentos sobre as sociedades e sobre a natureza. É neste conflito que as universidades se
transformam e é a partir dele que se pode refletir sobre os seus desafios contemporâneos.
Todavia, sob a alegação de que a universidade deve captar recursos externos, via
convênios, contratos ou termos assemelhados, para exercer sua autonomia, na dimensão da gestão
financeira, muitas empresas “parceiras”, insatisfeitas com a falta de controle total sobre pesquisas
que consumem elevados financiamentos, também por elas sustentados, passam a investir somas
cada vez mais altas de capital na organização em laboratórios próprios e na promoção da pesquisa
tecnológica e científica, cujos resultados ficam sob seu controle, contratando cientistas e pagandolhes altos salários para produzir conhecimentos a serem aplicados em inovações produtivas conhecimentos esses que se tornam propriedade privada das empresas e que são camuflados dos
concorrentes, ao invés de serem divulgados à comunidade científica para agilizar a investigação.
Com efeito, sob a lógica da disputa do mercado, trata-se de chegar à produção e
comercialização de bens que permitam recuperar os investimentos feitos em pesquisa e
desenvolvimento, alcançando-se um lucro considerável antes que outros produtos semelhantes,
atuantes com propriedades similares, sejam disponibilizados no mercado pelos concorrentes.
Desse modo, o conhecimento é produzido tendo-se como finalidade, basicamente, o lucro e não a
promoção da cidadania ou o progresso da ciência em suas múltiplas áreas. Inúmeras
15
pesquisas, extremamente prioritárias do ponto de vista humanitário, não são desenvolvidas ou
financiadas pelo conjunto destas empresas, uma vez que seus resultados não seriam fonte de lucro.
SINOPSE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS UNIVERSIDADE
Sabe-se que as universidades surgiram na Europa, ainda no período medieval, entre os
séculos XI e XII. Várias de suas características atuais advêm daquele período, a exemplo do
estabelecimento de currículos, provas formais e graduações. Originariamente vinculadas a
organizações religiosas que as controlavam rigidamente, com o passar do tempo foram
conquistando autonomia, não apenas na forma de sua organização e gerenciamento como também
na orientação dos estudos nelas desenvolvidos. As universidades de Bolonha e Paris tornaram-se
exemplares, servindo de modelos a muitas outras organizadas na Europa e, posteriormente, em
outros continentes. No século XVII ocorre a fundação das primeiras universidades nas Américas,
em regiões de colônias inglesas, francesas e espanholas, que após a independência se convertem
nos Estados Unidos, Canadá, México e Peru. As universidades, em todo o mundo, estimularam o
desenvolvimento intelectual e passaram a ser o principal espaço de formação de lideranças
sociais, religiosas e civis.
No século XIX a educação se torna mais laica e aberta e os Estados passam a exercer
maior controle sobre os diversos níveis do ensino, reduzindo o poder das organizações religiosas
nesta matéria. A universidade de Berlim, fundada em 1810, defendendo o princípio da livre
investigação atraía as atenções de professores e estudantes do mundo todo. A livre investigação
valia-se de seminários, laboratórios científicos e estudos monográficos - modelo esse que foi
reproduzido em muitos outros países. As universidades, então, se consolidam com feições
similares às atuais, animadas pela vitalidade do desenvolvimento científico e pela confiança no
progresso.
A concepção alimentada pelos governos nacionais apontava a necessidade de se organizar
um sistema educacional único, com valores e objetivos peculiares às demandas de cada país.
Neste sistema, a universidade cumpriria um importante papel científico e cultural, com o ensino e
pesquisa teoricamente articulando-se a propósitos nacionais. Com efeito, desde a primeira
revolução industrial, a ciência se convertera em um momento importante na circulação do capital,
possibilitando a otimização técnica das performances produtivas, potencializando também a
geração de mais-valia. Marx, no Grundrisse (2011) enfatizará o papel do scientific power no
surgimento e transformação do capitalismo. A partir da revolução industrial as empresas e os
Estados passam a financiar fundações, institutos, universidades e órgãos de investigação científica
com fins pragmáticos, patrocinando experimentos e investigações científicas que produzissem
16
novos conhecimentos aplicáveis à produção e à ação estratégica que permitissem a ampliação do
capital ou o aumento do poderio dos Estados.
No Brasil, surge a primeira universidade, na primeira década do século XX (SPLLER,
2010). Até então, o ensino superior era realizado em instituições de vinculação religiosa, voltados
à filosofia e teologia, ou em Escolas e Faculdades autônomas que atuavam na formação
profissional em várias áreas. Havia, contudo, a compreensão de que a pesquisa científica era um
elemento necessário ao desenvolvimento do país e que o seu aprimoramento necessitava de
organizações institucionais que a abrigassem. Desse modo, similarmente ao que ocorrera na
Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, promoveu-se a criação de universidades que associavam
ensino e pesquisa, visando-se, particularmente, o desenvolvimento de conhecimentos que
contribuíssem com o progresso do país. No caso brasileiro, em particular, a ação universitária se
empenhou em atuar em três esferas: o ensino, formando recursos humanos nas diversas áreas, a
pesquisa, desenvolvendo novos conhecimentos e seus possíveis empregos em diversos campos e
a extensão, realizando atividades junto à comunidade que, conectadas ao ensino e à pesquisa de
novos conhecimentos, colaborem com o desenvolvimento e bem estar dos grupos atingidos.
Atuando nestas três esferas, as universidades, em diversos países, passaram a cumprir uma tarefa
vital e peculiar no cerne das sociedades, sendo responsáveis direta ou indiretamente por grandes
realizações da humanidade.
Durante a segunda guerra mundial e após o seu término, as pesquisas voltadas ao
desenvolvimento científico e tecnológico foram muito encorajadas por Estados e empresas. Em
muitas universidades, no mundo todo, a pesquisa se torna, então, a principal atividade acadêmica,
secundarizando-se o seu papel no ensino. Com a elevação constante dos custos da pesquisa
científica, que vai se especializando em inúmeros ramos, e com a concorrência entre empresas na
aplicação da ciência ao processo produtivo, os pesquisadores e universidades passam a manter
relações cada vez mais estreitas com as organizações.
A ÓTICA TECNOLÓGICA
Entende-se que os processos de desenvolvimento tecnológico de bens tangíveis o
conhecimento tornou-se um insumo pelo qual as empresas pagam altas somas - muitas fusões e
aquisições de empresas visam incorporar distintas tecnologias sob uma mesma corporação -, na
área de produção de bens intangíveis o conhecimento organizado sob certas linguagens é, ele
mesmo, o produto que, como propriedade privada, torna-se a fonte virtual de acumulação do
capital. As empresas produtoras de softwares têm suas equipes de pesquisadores que produzem
conhecimentos que permitem controlar, por exemplo, o funcionamento de hardwares e seus
17
periféricos, com vistas a uma infinidade de usos cada vez mais sofisticados. Como os signos que
codificam esses conhecimentos sob a forma de programas, por exemplo, podem ser replicados
infinitamente e cada cópia tem um custo muito baixo, as empresas que comercializam o
conhecimento enquanto bens intangíveis vão alcançando o topo da lista das companhias mais
ricas e rentáveis do mundo.
Frente a esta transformação no caráter do conhecimento, o sentido de Universitas, que na
origem medieval significava abranger todas as classes de conhecimento, está novamente
desafiado, tanto pela perda do sentido libertário do conhecimento - que vem se transformando em
mera mercadoria ou em fonte principal de lucro -, quanto pela especialização cada vez maior
dos diversos ramos do saber ou, ainda, pela crise epistemológica no estabelecimento das
garantias de validade do conhecimento, entre outros aspectos.
No primeiro caso, os princípios mercadológicos vêm contaminando as teorias,
formalizando basicamente o conhecimento como meio de atingimento de fins econômicos.
Elevadíssimas somas são gastas em Pesquisa & Desenvolvimento, na corrida acelerada pela
inovação tecnológica que permite a certos grupos dominarem mercados no mundo todo e assim
ampliarem seu capital e poder. Necessitando de operadores sempre mais qualificados para atuar
com essas novas tecnologias aplicadas em equipamentos e programas que se obsoletizam
rapidamente, a educação passa a ser vista como formação permanente de capital humano,
reduzida ideologicamente, em grande parte, a mero insumo para o desenvolvimento econômico
dos países. Perde-se a perspectiva da educação para a cidadania que, além da formação
científica e tecnológica, preocupa-se com a formação humana em todas as suas dimensões.
Cabe acrescentar que as novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) não
somente ampliaram o acesso à informação como aumentaram a velocidade de sua circulação,
permitindo a constituição de comunidades de pesquisadores sobre os temas mais diversos. Listas
de discussão, conferências virtuais e outros expedientes permitem um intercâmbio cotidiano e
instantâneo de informações entre pessoas que estejam em qualquer parte do planeta.
Frequentemente, muitos pesquisadores mantém um contato mais intenso com parceiros de outros
países do que com colegas do mesmo setor na universidade. Por outra parte, o aprimoramento de
programas de tradução e a proliferação de sites educativos, permite que estudantes tenham acesso
a textos elaborados sobre os diversos conteúdos de sua formação acadêmica e que muitos blocos
de textos sejam diretamente transportados de sites e enciclopédias eletrônicas a trabalhos
escolares. Tudo isso é importante, porém há de se indagar: Há adequada investigação, análise e
síntese nesses trabalhos?
18
A CIDADANIA COM MEDIAÇÃO
Considerar o conhecimento como mediação de cidadania, em seu sentido mais abstrato,
salvo melhor juízo, significa compreender que uma das condições do exercício da liberdade é o
acesso à informação qualitativamente relevante e quantitativamente suficiente, bem como, à
educação que permita interpretar adequadamente tais informações. Como qualquer objeto permite
gerar infinitos conhecimentos, a pesquisa universitária deve tomar como objetos aqueles que
sejam relevantes à ampliação das liberdades públicas e privadas - considerando as dimensões
econômicas, políticas e culturais deste exercício no contexto social local, nacional e mundial em
que a investigação se desenvolve. Por seu turno, o ensino universitário deve educar o aluno para a
atividade da pesquisa, recuperar os conteúdos historicamente elaborados e realizar os
treinamentos requeridos que possibilitem a cada educando não somente exercer uma atividade
profissional ou científica competente na área de sua formação, mas também um exercício crítico
sobre as dimensões estéticas, éticas, políticas, econômicas e culturais que condicionam seus
exercícios de liberdade, gerando interpretantes semióticos intelectuais, energéticos e afetivos
adequados à construção de uma sociedade democrática e solidária. A extensão universitária, que
completa a tríade, deve permitir a intervenção de professores e estudantes junto às comunidades
não apenas aplicando conhecimentos em atividades que possibilitem às pessoas ampliarem seus
exercícios de liberdade seu desenvolvimento cultural, social, econômico e político, mas também
questionando os próprios limites das teorias e procedimentos assumidos, considerando as
situações, diálogos e resultados dos trabalhos efetivados. A extensão, portanto, é um desafio à
pesquisa e um dos momentos em que o ensino encontra a sua concretude.
O ideal de uma comunidade universitária em que os diversos ramos do saber possam
dialogar fecundamente enfrenta, por sua parte, o desafio de uma especialização cada vez maior e
mais rápida gerando variados ramos específicos nas diversas ciências, ramos esses que também se
autonomizam. Se as próprias ciências particulares, em alguns casos, têm dificuldade de articular
suas próprias especializações, como construir uma Universitas a partir de tantos
conhecimentos fragmentados/pulverizados que se desenvolvem rapidamente com os novos
recursos da Tecnologia da Informação (TI)?
Em face desta especialização dos diversos ramos do saber, alguns defendem a inter, multi
ou transdisciplinaridade como forma de romper os isolamentos. Outros advogam propostas
holísticas no trato do conhecimento - conferindo distintos significados a este termo, alguns dos
quais parecem inaceitáveis, filosófica ou cientificamente. Perceber a complexidade dos
19
fenômenos, abrindo-se a uma interfecundação múltipla das ciências é algo a ser buscado, sem
perder, contudo, a vitalidade que a especialização dos domínios trouxe aos diversos ramos das
ciências em particular.
A CRISE EPISTEMOLÓGICA DA RACIONALIDADE
Frente à crise epistemológica da racionalidade moderna, o debate pós-moderno se
desdobra por duas vertentes. Uma apoia-se na teoria dos jogos de linguagem - afirmando que a
vigência de qualquer conhecimento é provisória e particular, dependendo da disputa comunicativa
no seio de uma comunidade interpretante, enfatizando a importância do dissenso. Outra se assenta
sobre uma peculiar formulação semiótica, argumentando que a representação sempre parcial
sobre signos indiciais permite a construção de inúmeros mapas distintos e válidos sobre um
mesmo objeto, com vistas a variados fins. Ambas operam uma crítica sobre os paradigmas
modernos de validação do conhecimento. Vale aqui citar uma passagem de “A Condição PósModerna”, de Jean-François Lyotard - que se inscreve na primeira vertente. Segundo o citado
autor, a otimização das performances que visam administrar a prova do enunciado científico,
necessária para a sua validação pela comunidade científica, exige gastos cada vez mais elevados.
Assim, sem dinheiro não há como provar um enunciado, e sem prová-lo não se pode considerá-lo
verdadeiro. Com a maior capacidade de administrar a prova aumenta a capacidade de se ter razão,
os jogos da linguagem científica vão tornar-se jogos de ricos, onde o mais rico tem mais
possibilidades de ter razão. Desenha-se uma equação entre riqueza, eficiência e verdade.
[...] O estado e/ou a empresa abandonam a narrativa de legitimação idealista ou
humanista ‘acerca da elaboração científica’ para justificar a nova situação: no
discurso dos capitalistas de hoje, a única situação merecedora de crédito é o
aumento do poderio. Não se pagam sábios, técnicos e aparelhos para saber a
verdade, mas para aumentar o poderio. (p. 46, sd.)
Já outros autores, como Habermas (1984) e Apel (1985), buscam reafirmar a vigência
universal do conhecimento científico e das normas éticas asseverando uma razão comunicativa a
partir do pragmatismo linguístico, desde o qual refutam o ceticismo peculiar às vertentes pósmodernas, afirmando o consenso argumentativo - sob certas condições - como critério
epistemológico para a vigência de enunciados descritivos ou como critério ético para o
estabelecimento de normas morais. Frente aos acordos no seio da comunidade de comunicação
haveria que considerar-se, entretanto, segundo Enrique Dussel (1994), a posição dos afetados,
dominados e excluídos em relação aos consensos nela construídos, para que tais consensos não
sejam expressão estratégica de uma razão cínica que se pretende ética.
20
A UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA E A PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA
UNIVERSITÁRIA.
Ainda no cenário de debate, disputa e indefinições, urge reafirmar argumentativamente
que cabe à universidade, com suas atividades de pesquisa, ensino e extensão, colaborar para
transformar e melhorar o mundo, contribuindo na realização das potencialidades humanas no
campo das letras, artes, filosofia, ciência e tecnologia, produzindo conhecimentos que concorram
para a realização do bem viver humano e para o domínio ecologicamente adequado da natureza.
Para que isso se realize, segundo Cristovam Buarque (2007, p. 67), a “[...] autonomia, a
pluralidade, o caráter público, o contato e a integração com o conjunto da sociedade, o
compromisso com a liberdade, com a verdade e com a qualidade, a postura crítica, a inquietação e
o inconformismo permanentes, a prática da democracia” devem permear a vida universitária.
Inserida em uma realidade social específica, a instituição universitária reflete, de algum
modo, este contexto em que interage com as outras organizações sociais, podendo interferir e
contribuir na transformação dessa realidade ou dela evadir-se em atividades de pesquisas e ensino,
cujos objetos e conteúdos não tenham maior significação neste contexto. Por outra parte, um dos
papéis da universidade é pensar criticamente a própria sociedade em que está inserida, o que
resulta atuar com autonomia frente às demais organizações sociais. Muitas universidades,
contudo, em função da necessidade de financiamento ou por posições políticas e religiosas
subordinam-se a instituições públicas ou privadas, abdicando da sua autonomia crítica. A
liberdade acadêmica de pesquisa acaba restringida em função de interesses econômicos de
empresas que financiam projetos de investigação científica e tecnológica ou pela posição política
e religiosa dos mantenedores de universidades privadas.
O discurso governamental de que “[...] as Universidades devem passar a assumir um papel
de liderança, buscando a associação com o setor produtivo público e privado, para o
desenvolvimento de áreas de pesquisa que tenham o potencial de produzir benefícios econômicos
e sociais para nosso país” (COLLI, 2006, p. 27), passa ao largo desta problemática. De fato,
tergiversando sobre a autonomia, quando trata da sustentação financeira das universidades
públicas, a política de privatização destas entidades aponta as parcerias com empresas privadas
como forma de captação de recursos. Estas parcerias e financiamentos, entretanto, direcionam
acentuadamente as linhas de pesquisa submetendo a liberdade de investigação aos interesses do
mercado.
Por outra parte, a maioria das universidades privadas também não oferece estruturas
adequadas para o desenvolvimento de pesquisas. Nestas condições, inúmeros pesquisadores
21
optam por trabalhar em laboratórios de empresas privadas, conectando suas investigações com
outros projetos em curso. No caso das universidades públicas, como o corte de gastos atinge até
mesmo os próprios salários dos professores, muitos destes optam por trabalhar para grandes
organizações industriais, em tempo integral ou passam a trabalhar como bi ocupantes em escolas
privadas, assumindo uma dupla jornada de trabalho - os denominados ‘dadeiros de aula’ - em
ambos os casos, as universidades públicas perdem em qualidade.
Esta situação de carência de recursos se reflete também na disputa travada nas
universidades públicas (federais, estaduais e municipais) em torno de programas e currículos de
graduação e pós-graduação, na qual se percebe o embate entre os que advogam uma universidade
voltada a formar capital humano, almejando ampliar parcerias com empresas privadas, e outros
que advogam uma educação universitária que, realizando atividades de ensino, pesquisa e
extensão articuladas às necessidades do desenvolvimento local/regional/nacional, contribua
para a realização mais ampla da cidadania.
Neste debate é perceptível que, sob os auspícios das reformas da educação superior, a
autonomia da universidade pública vem sendo perdida, uma vez que em virtude da falta de
recursos que garantam a sua independência, ela vem assumindo tais parcerias com empresas
privadas, colocando-se na função pragmática de formar capital humano ou de desenvolver
conhecimentos que se configurarão em propriedade privada das empresas capitalistas que
financiam as pesquisas. Assim, a questão da liberdade acadêmica e dos fins da produção do
conhecimento em relação à sociedade implica em considerar, necessariamente, o financiamento
da própria atividade universitária.
Entende-se que a liberdade acadêmica dos professores universitários não deve ser
compreendida como um escudo que proteja o descolamento de sua pesquisa no que se refere à
relevância acadêmica dos temas de sua investigação ou às necessidades de elaboração teórica
provenientes do contexto social local/regional/nacional em que se encontra inserida a
universidade. Muitas das necessidades públicas demandam pesquisas pertinentes ao trabalho
universitário. A relevância do conhecimento técnico-científico não se reduz, entretanto, a atender
tais demandas. Investigações sobre temas específicos que nada têm a ver com demandas sociais
imediatas podem ser relevantes academicamente, devendo-se eticamente promover a liberdade
destas pesquisas. Cabe à comunidade universitária, contudo, prestar contas à sociedade de
seu labor investigativo, publicando trabalhos que permitam uma apreciação crítica da
importância, andamento e resultados das pesquisas.
Convém destacar que as universidades brasileiras além de prestarem contas de sua
pesquisa, não podem ficar atreladas aos interesses das grandes corporações em troca de
financiamentos. (JANTSCH, 2012). Elas necessitam considerar, com autonomia, a realidade
22
econômica, política, social e cultural do país se desejam produzir conhecimentos que contribuam
com a sua transformação. Urge enfatizar que, no Brasil, milhões de cidadãos estão excluídos de
garantias preconizadas pela Carta Magna de 1988 - educação, saúde, alimentação e moradia. Do
mesmo modo que a universidade pode contribuir para transformar esta realidade ela pode
colaborar para a sua conservação.
Infelizmente, o campo científico, como locus intelectual, mesmo sob a falácia da
autonomia, é determinado em sua estrutura e em sua função que ocupa no interior do campo do
poder (BORDIEU, 1974). “[...] Também os interesses dos compradores da força de trabalho, os
que dominam o campo da produção econômica, procuram reduzir a autonomia do sistema de
ensino, ampliando sua dependência direta da economia”. (BOURDIEU, 1998, p. 130). Em
decorrência, a universidade como parte do sistema de ensino sofre intensamente o processo de
subordinação ao sistema econômico.
CONCLUSÃO
Dos estudos empreendidos, chega-se a seguinte conclusão - para que a atuação da universidade
seja transformadora é necessário garantir-lhe, além da autonomia e pluralidade, a perspectiva
crítica, a atuação democrática, o caráter público, a busca do conhecimento rigoroso, seguro e
argumentado, o compromisso com a liberdade acadêmica e com a qualidade da pesquisa, do
ensino e da extensão. Em síntese, a universidade colabora com a transformação do país na medida
em que busca alternativas para as grandes questões locais, regionais e nacionais, tanto por meio da
elaboração de conhecimentos científicos e tecnológicos que respondam às necessidades do
desenvolvimento nacional, quanto por intermédio da capacitação de recursos humanos que
possam qualificadamente a atuar na transformação da sociedade, bem como pela implementação
de atividades de extensão, no sentido já indicado. Estes elementos permitem conferir uma
perspectiva própria à inserção da universidade na comunidade global, peculiar aos fenômenos de
mundialização, quando da realização de convênios e intercâmbios - cada vez mais facilitados pelo
aprimoramento das tecnologias de transporte e de transmissão de dados. Se for salutar que a
universidade mantenha parcerias com outras instituições sociais - inclusive empresas privadas - na
efetivação desses propósitos, tais parcerias não podem se converter, de forma alguma, na fonte de
financiamento das atividades universitárias, o que coloca em risco a própria autonomia da
universidade, principalmente na acepção didático-científica.
Constata-se que as universidades estão, progressivamente, sendo reduzidas a formadoras
de profissionais que possam atuar neste novo contexto produtivo, fazendo frente aos desafios da
inovação tecnológica, desconsiderando-se outras dimensões fundamentais à educação para a
23
cidadania. Todavia, mesmo aí, as próprias empresas ou organizações patronais também realizam
a maioria dos cursos de requalificação e de treinamento profissional mantendo, somente em
alguns casos, parcerias com as universidades.
Assim, um dos grandes desafios da educação e da universidade está em ensinar o
educando a localizar, interpretar e reagir às informações disponibilizadas em inúmeros bancos de
dados mediante múltiplos canais de acesso, desenvolvendo o aprendizado da pesquisa, da
capacidade analítica, interpretativa e criativa, da habilidade e atitude em problematizar os objetos
de investigação, construir sínteses de elementos relevantes aos propósitos almejados, posicionarse eticamente frente aos conflitos humanos, comunicar o conhecimento elaborado e transformar
suas próprias ações com base nos graus de criticidade e sensibilidade alcançados.
Estes são alguns dos desafios colocados à universidade frente à problemática do
conhecimento como mediação de cidadania ou como instrumento do capital em meio a atual
revolução tecnológica. Neste momento histórico, novamente a universidade está desafiada a
reafirmar-se, inserida em um quadro complexo e conflituoso no qual, simultaneamente, a ciência
avança com extrema velocidade a par de uma crise de modelos epistemológicos e éticos, em meio
a catástrofes ambientais que resultam do próprio desenvolvimento tecnológico por ela realizado
em função dos interesses dos grandes capitais.
Enfim, corrobora-se Cristovam Buarque (2007) entendendo que a universidade pública,
gratuita e autônoma é um patrimônio imprescindível para a promoção da liberdade e como tal
deve ser preservada. Diferentemente de se tornar um mero instrumento de lucro para iniciativa
privada, as universidades precisam manter-se como espaço de produção, reprodução e
socialização do conhecimento que, interferindo nos processos econômicos, políticos e culturais
em curso na sociedade, colaborem com a ampliação do exercício da cidadania e com a
construção e avanço de um projeto de desenvolvimento nacional voltado à promoção das
liberdades públicas e privadas, enfrentando, desse modo, as diversas formas de exclusão que se
aprofundam no país.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985.
APEL, Karl-Otto. La Transformación de la Filosofia (2 vol.), Madrid: Taurus, 1985.
Buarque, Cristovam. A Aventura da Universidade. Petrópolis: Vozes, 2007.
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.·.
CLEMENTE, Isabel. "20% dos trabalhadores não sabem quem é o presidente". Folha de São
Paulo, ed. 19 dez. 1997, p.1-4
24
COLLI, Juliana. A precarização do trabalho imaterial: o caso do cantor do espetáculo lírico. In:
ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo,
2006.
DUSSEL, Enrique. "Ética da Libertação" In: SIDEKUM, Antonio. Ética do Discurso e Filosofia
da Libertação: Modelos Complementares. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1994.
GALEMBECK, Fernando e PINTO, Luiz Carlos Guedes. Um Projeto para a Universidade.
Disponível em: <http://www.adunicamp.org.br>. Acesso em: 06. dez. 2012.
HABERMAS, Jürgen. The Theory of Communicative Action, Boston: Beacon Press, 1984.
JANTSCH, Ari Paulo. Mercadorização, formação, universidade pública e pesquisa críticoemancipatória: em tempo de realização plena do conceito de capital. In: OLIVEIRA, João
Ferreira de Oliveira; CANTANI, Afrânio Mendes; SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Educação
Superior no Brasil: tempos de internacionalização. São Paulo: Xamã, 2010.
KARL, Marx. Grundrisse. Tradução: Mário Duayer; Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman.
São Paulo: Viramundo, 2011. 792p.
LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. Lisboa: Gradiva, sd.
MANCE, Euclides André. Trabalho, Ciência e Tempo Livre em Karl Marx - Dos Grundrisse
ao Capital. Disponível em: <www.aol.com.br/mance/trabalho.htm>. Acesso: 06 dez. 2012.
________. O Filosofar como Prática de Cidadania. <www.aol.com.br/mance/filosofar.htm>.
Acesso em: 09 dez. 2012.
SPELLER, Paulo. Marcos da educação superior no cenário mundial e suas implicações para o
Brasil. In: OLIVEIRA, João Ferreira de Oliveira; Cantani, Afrânnio Mendes; SILVA JÚNIOR,
João dos Reis. Educação Superior no Brasil: tempos de internacionalização. São Paulo: Xamã,
2010.
SANTOS, Gislene A. (org.). Universidade Formação Cidadã. São Paulo: Cortez, 2008.
SOUZA, Paulo Renato. Por uma nova Universidade. Seminário sobre Ensino Superior. Brasília,
16/12/96. <http://www.adunicamp.org.br/jornal/nova-universidade.htm>. Acesso em: 13. dez.
2012.
25
A GESTÃO PÚBLICA UNIVERSITÁRIA
Antonio Samuel Souza Teixeira 1
Aline Fonseca Gomes2
RESUMO
A gestão pública, em especial a universitária, tem buscado novas formas de
organização do trabalho, a fim de atuar conforme práticas inovadoras e que
efetivamente contribuam para o desenvolvimento de uma instituição de ensino
superior que agregue valor em seus processos. A metodologia utilizada para realizar
esta pesquisa visou descrever a gestão pública, por meio de pesquisas bibliográficas
essencialmente, com natureza qualitativa dos dados. Partindo-se do problema de
pesquisa sobre como pode-se promover melhorias na gestão pública universitária,
foi possível reconhecer a necessidade de se adotar uma nova gestão pública, seja
no modo de conceber os processos acadêmicos e administrativos, mensurando
desempenho e direcionando as práticas para a obtenção de melhores resultados,
seja no desenvolvimento de um programa de valorização do corpo funcional.
INTRODUÇÃO
A administração pública e a gestão pública são temas constantemente
abordados nos meios acadêmico e profissional, logo surgiu o interesse dos autores
em tratar da gestão pública dentro de instituição de ensino superior pública, ao focar
no sentido mais conceitual deste estudo, ou seja, tratar das diferenças entre
administração e gestão no âmbito público, além dos desdobramentos da gestão
pública universitária.
Nesse sentido, buscou-se responder ao seguinte problema de pesquisa: De
que forma pode-se promover melhorias na gestão pública universitária? Tendo-se
por hipótese o fato de que tais melhorias perpassam pela qualificação do corpo de
funcionários, sejam estes professores ou técnicos administrativos, além da criação
1
Administrador pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Mestrando em Negócios
Internacionais pela Universidade do Minho - Portugal, [email protected]
2
Administradora pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Especialista em Política do
Planejamento Pedagógico pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Mestre em Administração
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutora em Desenvolvimento Regional e Urbano pela
Universidade Salvador (UNIFACS), [email protected]
26
de manuais e fluxogramas para descrever o trabalho, e da valorização dos
profissionais que compõem a estrutura administrativa e acadêmica da universidade.
Convém destacar que com o movimento da globalização em um nível mais
elevado de competitividade passou a ser exigido das organizações, inclusive das
instituições públicas, a inovação de processos, produtos e serviços (Rafaelli &
Muller, 2007). Logo, a inovação também auxilia no processo de desenvolvimento e
de melhoria de um processo direcionador à prática de gestão pública mais eficiente.
Em relação aos procedimentos metodológicos adotados, fez a opção por
abordar um estudo descritivo do tipo bibliográfico, por meio de pesquisas em
literaturas da área temática, com natureza qualitativa dos dados, a fim de que fosse
possível a melhor compreensão pelo leitor da parte mais conceitual da pesquisa
sobre gestão universitária, conforme será delineado ao longo deste estudo.
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
As alterações na administração pública têm ocorrido desde 1980 e assim as
mudanças adotadas nos modelos de gestão pública em diferentes países no mundo
inteiro, tem gerado práticas inovadoras nas formas de organização e funcionamento
da administração pública (Simione, 2014). Com essas novas práticas internacionais
surgiu o conceito de New Public Mangament (Nova Gestão Publica - NGP) durante a
década de 1980, afinal houveram críticas ao modelo de bem-estar e à administração
pública que tinha por base os princípios da racionalidade burocrática (Simione,
2014) com isso foram desenvolvidas novas padrões de gestão, como argumentado
por Jones & Kettl (2003), e assim houve a promoção de novos valores resultantes de
uma agrupamento de técnicas e padrões de gestão pública.
Os novos padrões eram fundamentados na necessidade de que houvesse
mais flexibilidade e efetividade na organização e funcionamento do setor público.
Nesses novos padrões houve o realce dos aspectos relacionados com o
empowerment da sociedade e a reorganização nos processos da tomada de
decisões (Simione, 2014).
Convém destacar que a implementação desses novos desafios institucionais
nas políticas públicas nos anos 90 aconteceu graças a influência do argumento
defendido por Denhardt & Denhardt (2000, 2003), que diz respeita a formação de
sociedades democráticas e participativas.
27
Nesse sentido, compreende-se que as diferenças entre a administração
pública e a gestão pública é a de que a primeira trata de um contexto mais amplo,
em que toda a organização está envolvida e que as práticas correspondem ao
direcionamento da organização como um todo. Já a segunda evidencia um projeto
ou um modelo mais específico de melhoria institucional, por exemplo. Porém muitos
autores tratam a administração e gestão como uma só finalidade, enquanto outros,
tratam a gestão com fins à encaminhar soluções para resolver problemas mais
pontuais.
Segundo
Bächtold
(2008)
Administração
Pública
é
o
planejamento,
organização, direção e controle dos serviços públicos, segundo as normas do direito
e da moral, visando ao bem comum. Para Lima (2006), a gestão corresponde
a capacidade de fazer o que precisa ser feito. Nesse sentido, Lima (2006) ainda
afirma que uma organização cuja gestão pública está relacionada à uma alta
capacidade de gestão, relaciona-se com a melhor relação entre recurso, ação e
resultado.
NOVA GESTÃO PÚBLICA
Formulada por J. Pierre, mas citada pelos professores C. Pollit e G.
Bouckaert, existe uma definição onde a Nova Gestão Pública ou NGP é vista como
“a ligação – chave de saída entre o estado e da sociedade civil. Onde, o lado do
governo e da sociedade civil é um via de mão dupla, incluindo as políticas públicas e
as medidas necessárias provenientes de entidades privadas e submetidos a
tomadores de decisão” 3. Assim pode-se perceber que a gestão pública é vista como
uma relação de inputs (solicitações da sociedade civil) e outputs (prestação de
serviços do Estado) (Zaharia, 2012).
O elevado nível de divulgação por parte da mídia sobre a ineficiência da
gestão pública tem evidenciado as oportunidades de melhoria no setor, assim os
gestores tem sido pressionados a buscarem ferramentas de gestão que permitam
uma melhoria e atenue a falta de foco e transparência (Ensslin, Ensslin, & Bortoluzzi,
2011). Graças as críticas sofridas, o surgimento da NGP foi desenvolvida para
3
Pollit, C., Bouckaert, G. (2000). Public management reform: a comparative analysis, Oxford University Press,
New York, translation from English by Stanciu, D., Epigraf Publishin House, Chisinãu, 2004, p.20 apud in Zaharia,
2012.
28
atender a necessidade de reforma na administração pública, isso aconteceu com
base em análises teóricos e empíricas na literatura da administração pública que
ofereceram soluções possíveis e por conseguinte influenciou intensamente nas
profundas reformas acontecidas no século XX (Simione, 2014).
As reflexões geradas, como defende Hood (1994), onde a administração
pública progressiva, o qual tinha como enfase a aplicação de controles processuais
e regras burocráticas, se mostrou ineficaz para lidar com os desafios da época, que
estavam ligados ao crescimento do setor público e o aumento da taxa de despesas
públicas e até mesmo a dificuldade em gerir a administração que se tornava
dispendiosa e ineficiente. Portanto o objetivo da NGP é remodelar e racionalizar o
setor público fundamento no setor privado, onde é considerado a NGP como um
modelo de reorganização notável e de técnicas mais eficientes (Zaharia, 2012).
Segundo o argumento de alguns autores (Barzelay, 2000; Jones & Kettl,
2003), o surgimento da NGP representa um novo padrão ou movimento onde a
administração pública é encarada por meios doutrinas e práticas que se baseiam na
aplicação de normas e técnicas da gestão empresarial, com intuito de promover a
superação das limitações administrativas impostas pela estrutura hierárquica da
burocracia. Nessa atual perspectiva a NGP requer uma modernização e reforma das
normas e técnicas de gestão, para que seja possível responder aos problemas
ocasionados pela redução da capacidade de resposta do Estado e suas instituições
que prestam serviços ao cidadão (Thoonen, 2010).
As mudanças na gestão de políticas públicas e nas áreas ligadas aos
métodos organizacionais, prestação de serviços públicos, relações de trabalho entre
outras têm como propósito a obtenção de melhores resultados no setor público, pois
através de uma série de mecanismos adotados a mudança dos valores essenciais
do ideal típico burocrático da administração como a legalidade, a imparcialidade e
equidade, serão renovados pela eficiência, efetividade e qualidade (Simione, 2014).
De modo geral, pode-se compreender que a NGP altera a ênfase da
administração pública tradicional onde há a mudança do Estado para novos padrões
de gestão pública que, fundamentado por Thoonen (2010) estão voltados para: a
minimização dos custos e maximização da eficiência; atenuação das hierarquias; o
downsizing com intuito de flexibilizar a organização e descentralizar com ações tipo
o abandono dos processos de padronização caraterísticas de administração pública
29
weberiana; controle por resultados e aumento do desempenho; e a direção voltada
para qualidade dos serviços prestados a população.
Portanto, as mudanças representam o surgimento de um novo padrão de
produção de serviços públicos onde a transformação de inputs em outputs dentro de
um ambiente onde a avaliação e mediação de resultados, tem foco na economia e
eficiência dos processos na produção de serviços públicos (Simione, 2014).
GESTÃO PÚBLICA UNIVERSITÁRIA
Nota-se que hoje vive-se em um ambiente rápido e dinâmico, o setor público
e até mesmo o setor da educação é muito influenciado pelas práticas do mundo
empresarial ou de gestão de negócios (Zubair, 2013). Assim o setor da Educação
Pública não poderia permanecer isolado da mudança no setor público e por
conseguinte passou a incorporar práticas de gestão de qualidade (Christensen,
2011). E portanto as reformas no ensino superior tem sido aplicadas em todo o
mundo, com o intuito de promover a ideia de responsabilidade, orientação para o
cliente, responsabilidade, capacidade de resposta e qualidade (Zubair, 2013).
Com o advento da NGP há a necessidade da descentralização na tomada de
decisão nas unidades públicas, a reestruturação da lógica e funcionamento dos
processos, a alteração dos objetivos estratégicos e a preocupação voltada para
maior satisfação dos clientes (Denhardt & Denhardt, 2000). A abordagem da NGP
envolve a ideia de qualidade e Total Quality Management (Gestão Total de
Qualidade – GTQ). Essa vertente alcançou sucesso no ambiente corporativo e
empresarial e agora está sendo implementado no setor público. GTQ tem por busca
principal, a melhoria contínua, e não apenas uma mudança de tempo em um
sistema, sendo assim uma abordagem holística para as operações e gestão (Zubair,
2013). GTQ é sem dúvidas de grande importância para o ensino superior, pois é um
processo focalizado em aumentar a produtividade, reduzir custos e melhorar a
qualidade (James & James, 1998).
Buscando a promoção da melhoria na gestão, Greiling (2005) chama atenção
para os benefícios trazidos através das ferramentas de avaliação de desempenho
que servem de base para à identificação e gerenciamento do alcance dos objetivos.
A avaliação de desempenho é o processo de gestão usado para levantar, assentar e
propagar conhecimento por meio da identificação, composição, mensuração e
30
inclusão dos aspectos essenciais e satisfatórios para mensurar e gerenciar o
desempenho
dos
objetivos
estratégicos
de
um
determinado
contexto
da
organização, seguindo os preceitos e primazias do gestor (Ensslin et al., 2011)
Na preparação dos indicadores, uma função importante é desempenhado
pela formação do quadro de referência que vai gerir a avaliação: para quem, para
quê? Assim prevê-se para avaliar o desempenho por meio dos indicadores que
acontece em duas vias: o comprometimento da instituição de ensino para com a
entidade financiadora (o estado, no caso das instituições públicas) e avaliação de
qualidade garantindo a qualidade a nível institucional (Gherghina, Vãduva, &
Postole, 2009).
Além do mais, os indicadores de desempenho têm algumas características
como (Gherghina et al., 2009):
•
São estatísticos, logo fazem com que seja fornecida de forma objetiva como esta a
performance da instituição educacional e de que possa ser definido seu
desempenho e seja possível fazer comparações inter-institucionais;
•
Permite medir o grau de realização de uma atividade executada pela organização e
ainda possibilidade de relacionar com um padrão;
•
Identifica os resultados, do nível mínimo aceitável até o máximo que pode
alcançado.
Convém ressaltar que com a modernização das universidades públicas
brasileiras em 1968, constantemente aborda-se o debate da gestão pública
universitária com foco em melhorias, conforme Sampaio e Laniado (2009). Logo, a
importância da gestão pública universitária trata da necessidade de se desenvolver
processos eficientes que valorizem a organização no tocante a melhoria das
atividades acadêmicas e administrativas.
A necessidade de otimizar a atividade educacional, a implementação de uma
gestão eficiente, a garantia da qualidade e compatibilidade dos sistemas
educacionais tem incentivado inúmeras investigações. Pois através da adoção de
alguns modelos teóricos organizacionais é possível explicar a funcionalidade do
sistema educativo e é possível estabelecer um sistema de avaliação de
desempenho, afinal cada modelo tem uma filosofia específica sobre o método de
avaliação de desempenho institucional, conceitual e medidor dos indicadores de
desempenho a nível escolar (Gherghina et al., 2009).
31
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gestão pública universitária trata dos procedimentos de gestão em uma
organização de ensino superior do âmbito público, a qual incide aspectos
administrativos e acadêmicos. Assim, com este estudo acredita-se que pode-se
promover melhorias na gestão pública universitária através da adoção de inovação
em processos, da qualificação do corpo de funcionários e da melhoria do sistema de
avaliação de desempenho, incluindo a criação de manuais e fluxogramas para
descrever o trabalho.
Assim, é possível reconhecer a necessidade de se adotar uma nova gestão
pública, a fim de que os processos acadêmicos e administrativos possam ser melhor
mensurados no que se refere ao desempenho, além de direcionar as práticas para a
obtenção de melhores resultados.
Em relação aos resultados do estudo e de algumas limitações, descreve-se
que tal estudo é do tipo teórico, e que o mesmo será desenvolvido direcionando-o a
uma pesquisa empírica.
REFERENCIAS
Barzelay, M. (2000). The new public management: a bibliographical essay for Latin
American (and other) scholars. International Public Management Journal, 3(2), 229–
265.
Bächtold,
Ciro
(2008).
Noções
de
Administração
pública.
Disponível
em:
<http://ftp.comprasnet.se.gov.br/sead/licitacoes/Pregoes2011/PE091/Anexos/servi%
E7o_publico_modulo_I/Nocoes_de_Administracao_Publica.pdf. Acesso em: 01 jul.
2014.
Christensen, T. (2011). University governance reforms: potential problems of more
autonomy? Higher Education, 62, 503–517.
Denhardt, R., & Denhardt, J. (2000). The new public service: serving rather than steering.
Public Administration Review, 60(6), 549–559.
Denhardt, R., & Denhardt, J. (2003). The new public service: an approach to reform.
International Review of Public Administration, 8(1), 3–10.
32
Ensslin, S. R., Ensslin, L., & Bortoluzzi, S. C. (2011). Gestão Pública com Foco em
Resultados: Evidenciação de Oportunidades de Pesquisa. Revista CAP, 5(5), 126–
136.
Gherghina, R., Vãduva, F., & Postole, M. A. (2009). THE PERFORMANCE
MANAGEMENT IN PUBLIC INSTITUTIONS. Annales Universitais Apulensis Series
Oeconomica, 11(2), 639–646.
Greiling, D. (2005). Performance measurement in the public sector: The German
experience. International Journal of Productivity and Performance Management, 54,
551–567.
Hood, C. (1994). Explaining economic policy reversals. Buckingham: Open University
Press.
James, V., & James, L. (1998). Higher Education and Total Quality Management. Total
Quality Management, 9, 659–668.
Jones, R., & Kettl, D. (2003). Assessing public management reform in an international
context. International Public Management Review, 4(1), 1–18.
Lima, P. D. B. (2006). Excelência em Gestão Pública. Recife: Fórum Nacional de
Qualidade.
Rafaelli, L., & Muller, C. J. (2007). Estruturação de um índice consolidado de
desempenho utilizando o AHP. Gestão & Produção(UFSCAR), 14(2), 2007.
Sampaio, R. M.; Laniado, R. N.. Uma experiência de mudança da gestão universitária: o
percurso ambivalente entre proposições e realizações. Revista de Administração
Pública RAP. Rio de Janeiro 43(1),151-74, jan./fev. 2009.
Simione, A. A. (2014). A modernização da gestão e a governança no setor público em
Moçambique. Revista de Administração Pública - Rio de Janeiro, 48(3), 551–570.
Thoonen, T. (2010). Reforma administrativa analítica. In J. Peters & J. Pierre (Eds.),
Admnistração pública (Unesp., pp. 473–490). São Paulo.
Zaharia, P. (2012). Introduction of the New Public Management in the Romanian and
Swiss Local Public Administration. Economic Insights - Trends and Challenges, I(4),
70–79.
Zubair, S. S. (2013). Total Quality Management in Public Sector Higher Education
Institutions. Journal of Business & Economics, 5(1), 24–55.
33
O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR NO PROTOCOLO DE KYOTO
Sizelides dos Santos de Almeida
1
RESUMO
Este artigo aborda tema que nos últimos anos ganhou destaque mundial: o
aquecimento do planeta terra. A discussão dá-se em torno das mudanças climáticas
no âmbito do Direito Internacional Ambiental. O ponto principal centraliza-se no
Princípio do Poluidor-Pagador e sua aplicabilidade no Protocolo de Kyoto.
Discute-se, ainda, se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo disposto no referido
Protocolo é um instrumento que prevê a proteção do meio ambiente ou se ele
promove a compra do direito de poluir. Este estudo analisa a responsabilidade dos
países industrializados e em desenvolvimento, no que tange a proteção do meio
ambiente natural, em relação aos gases de efeito estufa que provocam a destruição
da camada de ozônio.
ABSTRACT
This article discusses theme that gained worldwide prominence in recent years: the
warming of the planet. The discussion takes place about climate change in
international environmental law. The main point centers on the Polluter Pays
Principle and it's applicability in the Kyoto Protocol. It is argued, even if the Clean
Development Mechanism provisions in the Protocol is an instrument that provides
for the protection of the environment or if it promotes buying the right to pollute. This
study examines the responsibility of developed and developing countries, regarding
the protection of the natural environment, in relation to greenhouse gases that cause
the destruction of the ozone.
Palavras-chave: Protocolo de Kyoto. Commodities Ambientais. Princípio do
Poluidor-Pagador. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
SUMARIO: Introdução. 2.Protocolo de Kyoto. 3 Mecanismos de Flexibilização. 3.1
Comércio de emissões – CE. 3.2 Implementação conjunta – IC.3.3 Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo – MDL . 4. Commodities ambientais/créditos de carbono.
4.1 Sequestro de Carbono. 5 Principio do Poluidor Pagador. 5.1 O princípio do
Poluidor-Pagador permite pagar para poluir? . 5.2 Aplicação do princípio do
Poluidor-Pagador no Protocolo de Kyoto. 6 Considerações. Referências.
_____________________________________
1 Especialista em Direito Público (Faculdade Maurício de Nassau), Bacharel em Direito (Faculdade
Mauricio de Nassau). [email protected]
34
INTRODUÇÃO
O estudo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas sim de levar a
uma maior reflexão sobre a relação entre o Princípio do Poluidor-Pagador e sua
função no Protocolo de Kyoto, tendo em vista a necessidade de proteção do meio
ambiente natural contra as agressões provocadas pelo homem. Pretende-se, ainda,
rever alguns conceitos correlacionados a importância de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
O aquecimento global provocado por gases poluentes, que ocasionam o
efeito estufa, tem dificultado a recuperação do meio ambiente degradado. A
natureza
como
titular
de
bem
jurídico
deve
ser
objeto
de
proteção
independentemente de sua relevância econômica para a humanidade.
Até recentemente, a exploração desmedida dos recursos naturais tinha
como justificativa o desenvolvimento tecnológico e industrial, e, não se pensava que
esses recursos poderiam sofrer mudanças que repercutissem em todo
ecossistema. Atualmente, diante da realidade que se apresenta, todos ou quase
todos estão se preocupando com o futuro do planeta.
Apesar dos grandes debates a respeito da proteção do meio ambiente
natural e com o aumento constante da temperatura provocada pela poluição
atmosférica ocasionada por lançamento de gases de efeito estufa, fez-se
necessário instituir um tratado com compromissos e obrigações que determinasse
aos países desenvolvidos e em desenvolvimento a redução de quantidade de
poluentes despejados no ar.
Surge, então, o Protocolo de Kyoto, o qual traz mecanismos de
flexibilização que versam sobre os procedimentos adotados por países
industrializados e em desenvolvimento para efetivarem a redução desses gases de
efeito estufa, bem como, as responsabilidades imputadas àqueles que não
cumprirem o que estiver disposto no mencionado instrumento.
Responsabilizar o poluidor pelos danos causados ao meio ambiente,
seja pela sua conduta lícita ou ilícita, está previsto num dos mais relevantes
princípios do Direito Ambiental, o Princípio do Poluidor-Pagador, uma vez que, sua
35
função principal é obrigar ao degradador reparar o dano causado por sua atividade
de risco. Neste princípio pode-se encontrar caráter preventivo e também repressivo,
com o objetivo de evitar a ocorrência de danos ecológicos.
Em meio a tantos questionamentos sobre a proteção do ecossistema,
muitos
estudiosos
tentam
analisar
se
a
aplicação
do
Princípio
do
Poluidor-Pagador deve ser vista como mais uma forma de se evitar a destruição do
meio ambiente natural. E é
neste contexto que o presente estudo tentará
demonstrar se este princípio permite ou não permite o direito de poluir.
Assim, constitui-se que a
hipótese deste estudo é a aplicação do
Princípio do Poluidor-Pagador, no protocolo de Kyoto, como o meio de se evitar a
destruição do meio ambiente natural. Discute-se, ainda, se o Princípio do
Poluidor-Pagador permite pagar para poluir, bem como a função do Princípio do
Poluidor-Pagador,
assim
como
sua
aplicação
no
Protocolo
de
Kyoto.
Finalizando-se, são apresentadas as considerações finais demonstrando a
compreensão sobre o tema estudado.
2
PROTOCOLO DE KYOTO
No ano de 1992, na Conferência do Rio – ECO/92, foi aberta para
assinatura a primeira medida internacional para tratar do aquecimento do clima no
planeta, trata-se da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima, que teve por objetivo, segundo previsão do seu art. 2º, alcançar a
estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível
que impedisse uma interferência antrópica perigosa no sistema climático.
(BARBOSA; OLIVEIRA, 2006).
A referida Convenção assevera que devido à ocorrência de alterações no
clima, no que se refere ao aumento da temperatura, faz-se oportuna e necessária à
ajuda mútua entre nações, porém de modo distinto, para reduzir os danos
ambientais causados pela mudança climática. Esta distinção de responsabilidades
está vinculada aos países industrializados e em desenvolvimento e que está
prevista no art. 3º desta Convenção-Quadro, tendo em vista que, neste artigo
36
dispõe que os países industrializados são os principais responsáveis pelo
lançamento dos gases poluentes na atmosfera.
Os principais gases poluentes que provocam o efeito estufa e
consequentemente o aquecimento do planeta terra, no entendimento de
MACHADO (2007), são: CO2 (dióxido de Carbono, CH4 (metano), N2O (Óxido
Nitroso), NFCs (Hidrofluorcarbonos), PFCs (Perflourcarbonos), SF6 (Hexafluoreto
de Enxofre).
Segundo Ana Maria Nusdeo (2005, p.149), “[...] embora o efeito estufa
seja o responsável pelos recentes exemplos de desequilíbrio climático, é sua
intensificação que é problemática, uma vez que se trata de um fenômeno natural e
essencial à vida na Terra, pois permite a retenção de calor na atmosfera”.
As discussões a respeito do aquecimento global continuaram, e em
1997, em Kyoto, no Japão, os países desenvolvidos e em desenvolvimento,
aprovaram o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, o
qual traz mecanismos que auxiliarão no combate ao lançamento dos gases
considerados poluentes e formas para reparar o meio ambiente das agressões
sofridas e também quantificar metas de redução da emissão desses gases.
Conforme estudo de MACHADO (2007), o Protocolo de Kyoto teve
origem na terceira Conferência das Partes-COP (órgão supremo da Convenção do
Clima), em conformidade com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima, adotada em Nova York, em 9 de maio de 1992.
Num primeiro momento, cerca de cento e setenta e cinco países
assinaram o Protocolo de Kyoto. No entanto, os Estados Unidos, um dos maiores
responsáveis pela poluição do planeta, não ratificaram o Tratado, seguidos do
Canadá e da Austrália, alegaram que as medidas tomadas naquele documento
iriam estagnar sua economia e ainda previa apenas que os países ricos fossem os
únicos obrigados a reduzir as emissões de gases poluentes, enquanto que países
em desenvolvimento não assumiam qualquer obrigação a este respeito.
De certa forma há fundamento no posicionamento desses países, uma
vez que a emissão de gases de efeito estufa não se dá apenas pelo
desenvolvimento de um dado país ou pelos lançamentos de poluentes no ar por
37
atividades industriais e por produção energética. Cumpre esclarecer que esta
liberação de gases de efeito estufa ocorre também pelas queimadas,
desmatamento e entre outras formas de degradação do meio ambiente.
O Protocolo de Kyoto nasceu da necessidade de por freios aos excessos
e ao uso indiscriminado dos recursos naturais existentes neste planeta,
reconhecendo que todos os países têm obrigações para com o meio ambiente
natural e sua proteção e somente um esforço conjunto será capaz de deter a
destruição do Planeta.
Entende-se que os países ricos, aqueles que vêm auferindo maiores
benefícios econômicos, têm condições financeiras para promover a redução desses
gases em pelos menos 5% (cinco por cento) dos níveis de 1990 no período de
compromisso de 2008 a 2012. Enquanto que, os países em via de desenvolvimento
têm direito de promover o seu crescimento sócio-econômico de modo sustentável,
não sendo necessário impor-lhes redução de emissão dos gases considerados
poluentes.
3 MECANISMOS DE FLEXIBILIZAÇÃO
Quando da elaboração do Protocolo de Kyoto, diversos assuntos foram
discutidos, desde as responsabilidades de cada Estado em cumprir as metas
impostas, até os mecanismos de flexibilização para facilitar o cumprimento destas.
Além do compromisso para redução da emissão de gases previsto no art. 3º do
Protocolo de Kyoto, o art. 10 do mesmo Instrumento dispõe que a responsabilidade
dos países em desenvolvimento é reduzir a emissão de poluentes.
Os mecanismos de flexibilização são arranjos que facilitam que os
países determinados no Protocolo possam atingir limites e metas de redução de
emissões de gases do efeito estufa. Tais instrumentos também têm o propósito de
incentivar os países emergentes a alcançar um modelo de desenvolvimento
sustentável.
Três são os mecanismos que permitem aos Países, que não
conseguirem atingir as metas de redução da emissão de gases nocivos, poluir além
38
dos limites impostos: Comércio de emissões – CE; Implementação conjunto – IC; e
Mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL.
3.1 Comércio de emissões – CE
O art.17
do Protocolo de Kyoto prevê o comércio de emissões de
gases, o qual estabelece o mercado de créditos de carbono pelos países
industrializados.
O Comércio Internacional de Emissões é admitido quando ultrapassado
o nível de emissão fixado para cada país. Cada Estado terá cotas de emissão,
porém se um determinado país poluir menos do que lhe foi imposto, este poderá
comercializar o que sobrou com outro país que não conseguiu atingir a meta de
redução que lhe foi determinada.
No entanto, constata-se que muitos países ricos não fazem o mínimo
esforço para cumprir o compromisso de redução de emissão de gases poluentes,
pois lhes é mais vantajoso comprar cotas que permitem poluir de outros países, do
que promover efetivamente a redução dos poluentes lançados no ar. Neste sentido,
observa-se que, para os países desenvolvidos é mais lucrativo poluir e degradar o
meio ambiente natural do que reduzir os gases de efeito estufa.
3.2 Implementação conjunta – IC
Este mecanismo de flexibilização é mais um mecanismo imposto apenas
aos países desenvolvidos. A implementação conjunta tem por finalidade permitir
que estes países industrializados e que estejam compromissados com a redução da
emissão de gases de efeito estufa, possam financiar projetos de redução da
emissão de gases antrópicos em outros países que façam parte do mesmo grupo.
Por se tratar de um acordo entre países comprometidos neste
mecanismo, os países em desenvolvimento não estão incluídos e não tem qualquer
obrigação em financiar projetos de redução de poluentes em outros países.
Destarte, este mecanismo de flexibilização prevê acordos de caráter
39
bilateral entre governos, pois uma vez estabelecido possibilitará que os países
industrializados possam investir em projetos de redução de gases de efeito estufa
em outros países desenvolvidos.
3.3 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL
O MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, disposto no art. 12 do
Protocolo de Kyoto, é considerado um dos mais importantes, uma vez que ele se
volta a investimentos que possibilitem a redução de poluentes por todos os países,
sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento, vez que a poluição provocada
pelos gases de efeito estufa ultrapassa fronteiras.
Este mecanismo surge como mais uma forma de escolha apresentada
pelo Protocolo de Kyoto aos países desenvolvidos com o objetivo de fomentar e
financiar projetos de redução de emissões em países em via de desenvolvimento
que não possuem quaisquer obrigações de evitar, ou até mesmo cortar emissões
de gases antrópicos com o fim de obter tecnologias limpas e renováveis.
O instrumento consiste na certificação de projetos de redução de
emissão de poluentes que provoca o efeito estufa, ou no sequestro dos gases
antrópicos, possibilitando o comércio de créditos de carbono que podem ser
utilizados nos países desenvolvidos.
No
entendimento
de
Rodrigues
(2003),
o
Mecanismo
de
Desenvolvimento Limpo prevê a possibilidade dos países em desenvolvimento
obterem lucros financeiros com a venda dos seus certificados adquiridos com a
redução dos GEE, para os países desenvolvidos que pretendam continuar poluindo
o meio ambiente com a emissão desses gases. Estabelece, ainda, que aqueles
países promovam a manutenção das florestas, assim como o plantio de novas
árvores com o financiamento dos países industrializados.
Barbosa et all (2006), enfatiza que os países industrializados, tiveram
garantido o cumprimento das obrigações impostas no Protocolo de Kyoto sem que
modificassem seus projetos de desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico,
compensando a poluição causada utilizando-se de certificados de redução de
40
carbono adquiridos por meio de financiamento de projetos implantados em países
em desenvolvimento como forma para continuarem poluindo ou aumentando os
níveis da poluição.
Assim, entende-se que o MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
corresponde a desenvolvimento de projetos ambientais financiados pelos países
desenvolvidos nos países em desenvolvimento, ambos integrantes do Protocolo de
Kyoto, tornando-se, no entanto, um negócio jurídico bastante promissor aos países
industrializados.
À medida que países desenvolvidos promovam projetos de redução em
países em desenvolvimento e obtenham a efetiva redução dos gases poluentes,
terão como bônus Certificados de Emissões pela redução promovida que poderão
ser negociados em Bolsas de Valores. Tais certificados lhes darão o direito de quitar
seus compromissos assumidos no Protocolo.
4. COMMODITIES AMBIENTAIS/CRÉDITOS DE CARBONO
Commodities ambientais são produtos que podem ser vendidos em
âmbito internacional nas Bolsas de Valores, transformando-se em dinheiro com
grande velocidade no mundo todo.
A
partir
do
Mecanismo
de
Desenvolvimento
Limpo,
com
a
comercialização dos créditos de carbono (certificados que permitem o direito de
poluir), os recursos naturais foram incluídos como mercadorias passíveis de
negociação. Neste contexto Amyra El Khalili (2003), argumenta que: “[...] é um
absurdo afirmar que poluição seja mercadoria e chamá-la de commodity ambiental
é uma contradição”. No comércio de compra e venda de certificado de emissões é
atribuído a cada tonelada de CO2-Dióxido de Carbono o direito a um crédito de
carbono àquele que conseguir a redução deste gás.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpos deve ser configurado como
Commodities Ambientais, uma vez que esta é passível de comercialização por
considerar os recursos naturais bens indisponíveis necessários a sobrevivência da
humanidade, como se mercadorias fossem, pois permite o direito de poluir com a
41
venda de certificados de créditos de carbono, transformando-se, assim, em mais
uma fonte de lucro para as grandes empresas e investidores.
Se por um lado, os créditos podem ser comprados por empresas que não
conseguiram a redução da emissão dos gases poluentes, permitindo que elas
mantenham ou aumentem a emissão desses gases, por outro lado, outras espresas
que conseguiram reduzir a emissão desses gases, que provocam o aquecimento do
clima, poderão auferir lucro com a venda dos créditos de carbono.
4.1 Sequestro de Carbono
O Protocolo previu no seu art. 12, a criação de sumidouros, também
conhecidos como sequestradores de carbono, instituído com a criação do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL. Este processo se dá por meio do
plantio de árvores/reflorestamento e pela manutenção das florestas, uma vez que a
preservação do verde promove a captura de carbono e consequentemente reduz a
quantidade de gases poluentes despejados na atmosfera.
O sequestro de carbono pode ser considerado como um investimento na
preservação das florestas, assim como, no reflorestamento, pois possibilitará a
captação dos gases de efeito estufa que provocam a destruição da camada de
ozônio, provocando, desse modo, a redução dos gases poluentes no ar.
5 PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR
O princípio do poluidor-pagador é um dos princípios do direito ambiental
que impõe a obrigação de reparar o meio ambiente danificado por aquele que lucra
com sua atividade econômica, determinado, assim, a recuperar o ecossistema para
que o mesmo volte ao status quo ante ou pagamento de indenização em dinheiro,
caso esta reparação não seja possível. Deve, também, esse agente efetuar a
internalização das externalidades ambientais negativas.
A criação do Princípio do Poluidor-Pagador teve por finalidade instituir
regras e medidas que coíbam a pratica de agressões contra o meio ambiente
42
natural,
especialmente
àqueles
agentes
que
lucram
economicamente,
preocupando-se com o desenvolvimento sustentável.
Segundo argumentos de Antunes (2008, p. 23), o princípio do
Poluidor-Pagador é um instrumento que: “[...] não pretende recuperar um bem
ambiental lesado, mas estabelecer um mecanismo econômico que impeça o
desperdício de recursos ambientais, impondo-lhes preços compatíveis a realidade”.
O Princípio do Poluidor-Pagador não deseja suportar o prejuízo causado
ao ecossistema mediante indenização, mas evitar que o dano ambiental ocorra.
Aquele que polui deve arcar pelos danos causados e criar condições que favoreça
que o meio ambiente degradado retorne ao seu estágio anterior.
No entendimento de Benjamim (1993, p.229), “o objetivo do Princípio do
Poluidor-Pagador é fazer com que os cistos das medidas de proteção do meio
ambiente –as externalidades ambientais – repercutam nos custos finais de produtos
e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora”.
Atualmente, questiona-se se o princípio do poluidor-pagador é
instrumento que impõe limites ao poluidor responsabilizando-o e imputando-lhe
sanção pelo ato de poluir, ou se é um instrumento que autoriza a poluição, ou seja,
permita ao poluidor a compra do direito de poluir?
O Princípio do Poluidor-Pagador tem por finalidade inibir as ações dos
poluidores que lucram com suas atividades de risco, além de responsabilizá-los
pelos danos causados ao meio ambiente, assim como prevenir e reparar a
degradação provocada ao sistema ecológico. Não se deve considerá-lo como um
instrumento que permite ao poluidor comprar o direito de poluir. (COLOMBO, 2014)
Assim, entende-se que o Princípio do Poluidor-Pagador tem uma
correlação direta com o princípio da prevenção e o princípio da reparação. O
princípio da prevenção está voltado às medidas eficazes para evitar o dano
ambiental, preservado o meio ambiente para as presentes e futuras gerações,
enquanto que o princípio da reparação tem como fim específico à recuperação do o
ambiente degradado, fazendo-o retornar ao status quo ante, e obrigando o agressor
a arcar pelos danos provocados, ou não sendo possível a recuperação lhe será
imputado o pagamento de indenização em dinheiro.
43
5.1 O princípio do Poluidor-Pagador permite pagar para poluir?
Correntes doutrinárias divergem quanto à função do Princípio do
Poluidor-Pagador- PPP. Questionam se este Princípio permite pagar para poluir. A
corrente predominante, defendida pela maioria dos autores, acredita que este
princípio em nada permite pagar para poluir, uma vez que sua finalidade precípua é
obrigar ao degradador suportar os custos essenciais para a prevenção e precaução
dos danos ecológicos, bem como promover a reparação da lesão ambiental, caso
ocorra.
Na visão de MILARÉ (2007, p. 771), com o PPP: “Busca-se, no caso,
imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um
mecanismo de responsabilidade por dano ecológico”.
“A ideia do Princípio do Poluidor-Pagador-PPP é diversa da ideia da
permissão de poluir[...]. Ele procura implementar medidas preventivas e curativas e
não conceder, a quem paga, uma permissão de poluir como aquela que é baseada
no mercado de carbono. (FUCHS, 2003, apud BARBOSA E OLIVEIRA, 2006,
p.125).
Uma segunda corrente, minoritária, defende que este princípio traz
consigo o direito de poluir, pois o custo da indenização pela poluição encontra-se
embutido em projetos empresarias em caso de lesão ao meio ambiente. Neste
contexto, Martin (1990), ressalta que o Princípio do Poluidor-Pagador caracteriza-se
como uma compra do direito de poluir.
Permanece a inquietante pergunta: o Princípio do Poluidor-Pagador
permite pagar para poluir? Necessário se faz esclarecer que a maioria dos autores
acredita que este Princípio tem a tarefa de assegurar proteção ambiental antes da
sua agressão, bem como argumentam que este instrumento só terá sua aplicação
garantida quando os custos da reparação impostos ao poluidor pelo dano causado
desestimularem a degradação ambiental.
5.2 Aplicação do princípio do poluidor-pagador no protocolo de
44
kyoto
Com a instituição do Protocolo de Kyoto, foi reafirmado que todos os
países teriam responsabilidade de proteger o meio ambiente. Esta responsabilidade
estava fundamentada na redução das emissões de gases de efeito estufa que
provoca o aquecimento climático.
Apesar de haver distinção de responsabilidades entre os países
industrializados e ricos dos países em desenvolvimento, o referido instrumento
prevê para os países industrializados a responsabilidade da redução desses gases,
uma vez que eles são os maiores poluidores do planeta, e em relação aos países
em desenvolvimento não foi imputada qualquer obrigação pelo simples fato desses
países emitirem pouca quantidade de gases por pessoa.
Com a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador o que se deseja é que
o dano seja evitado e o degradador seja estimulado a não poluir, caso o dano ocorra
a responsabilidade do agente poluidor será objetiva, independente de culpa.
No entanto, quando se trata do MDL – Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo, este é considerado um mecanismo que objetiva favorecer o capitalismo
atuante, favorecendo a compra e venda de certificados de redução de emissão por
empresas que não conseguirem internalizar os custos da poluição, ou seja, reduzir
a emissão de gases poluentes.
Neste contexto, Rodrigues (2003) faz severas críticas ao afirmar que o
MDL não é um instrumento do Princípio do Poluidor-Pagador, nada tem de
protecionista, uma vez que seu interesse maior é meramente econômico, e se
realmente houvesse entre eles alguma correlação haveria efetivamente a
responsabilização dos países industrializados sem qualquer benefício; proibia-se a
utilização de matrizes de energia responsáveis pela emissão de gases poluentes; e
compensação aos países em desenvolvimento por manter um mínimo de
sustentabilidade sem garantir-lhes quaisquer bônus (recompensa).
Dessa forma, e diante de tudo o que foi exposto, o MDL - Mecanismo de
Desenvolvimento não encontra respaldo no Princípio do Poluidor-Pagador, pois
cada função distinta. O primeiro configura-se como um mecanismo de permissão as
45
empresas para comprarem o direito de poluir. O Segundo, enquadra-se como um
instrumento que impõe obrigações aos poluidores quando os responsabilizam a
preservar e reparar os danos ambientais provocados pelas suas atividades de risco.
3 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
As conferências e os movimentos sociais a favor da proteção e
preservação do meio ambiente demonstram a grande preocupação do homem de
cuidar do seu habitat. É certo que, devido as grandes quantidades de poluentes
lançados na atmosfera, principalmente de gases de efeito estufa, cientificamente já
foi comprovado que o aquecimento global provocará danos irreversíveis ao planeta
Terra.
A criação do Protocolo de Kyoto é considerada um grande avanço para a
proteção desses recursos naturais, muito se discutiu a respeito, principalmente no
que tange sobre a responsabilização dos países industrializados.
A luz do que foi apontado sobre o MDL, constata-se que os países ricos
encontraram uma forma de permanecer poluindo e desequilibrando o meio
ambiente
quando
transferem
suas
responsabilidades
aos
países
em
desenvolvimento e mais, formando a partir da comercialização de créditos de
carbono uma fonte maior de degradação ambiental, quando compram o direito de
continuar poluindo.
O fato deste comércio girar em torno da troca de certificados
por
dinheiro, acredita-se que as commodities ambientais não propiciará nenhum
benefício ao meio ambiente, visto que não se pode considerar a poluição como um
simples negócio, ou melhor, como mercadoria negociável, ela deve ser tratada
como uma questão de saúde pública mundial, devendo ser controlada por uma
questão de sobrevivência da espécie humana e das demais espécies encontradas
neste Planeta.
No que tange ao Princípio do Poluidor-Pagador, este pode ser
considerado o mais importante princípio do Direito Ambiental Internacional, pois sua
função precípua é o da proteção e reparação do meio ambiente, ele traz consigo
46
meios de coibir as práticas de degradação ambiental, imputando ao poluidor
sanções caso venham a agredir o ecossistema causando dano ecológico. Aqui, o
Estado não assume o ônus de reparar o dano, transferindo, no entanto, essa
responsabilidade ao agente poluidor, obrigando-o a arcar com os custos da
poluição por ele provocada.
Entende-se que esse instrumento denominado de Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo, entra em choque com o Princípio do Poluidor-Pagador,
este tão defendido pela maiorias dos doutrinadores, como um princípio que tem
caráter preventivo e repressivo, uma vez que sua função primordial é preservar o
meio ambiente, imputando ao poluidor a reparação pelo dano causado e o
obrigando a internalizar as externalidades negativas com o fim de evitar a
degradação ambiental. Este princípio não confere ao poluidor autorização de poluir,
embora exista sempre a possibilidade de alguns empresários incluir no custo dos
projetos o valor da possível indenização que teriam que pagar no caso de
degradação ambiental.
Diante dessa possibilidade dos empresários agregarem aos seus
projetos os custos do valor da indenização que terão que pagar pela lesão causada
ao ecossistema, percebe-se, no entanto, que o Princípio do Poluidor-Pagador
passa a ideia falsa de um princípio que se volta a proteger e reparar o meio
ambiente, pois o que se vê na prática é que as questões financeiras têm maior
relevância para a economia do Estado do que a preservação da natureza.
Neste contexto, chega-se à conclusão de que o Princípio do
Poluidor-Pagador resume-se numa autorização da compra do direito de poluir,
tendo em vista que, por questões econômicas os degradadores ambientais na
medida que arcam com os custos da poluição acreditam que esta se resume numa
simples questão de pagamento e acabam utilizando-se desta situação, uma vez
que o Estado os autorizam a exercerem suas atividades de risco (econômica), para
argumentarem que: “pago, logo tenho o direito de poluir, ou melhor poluo mas
pago”.
O ideal é que se busque meios eficazes para evitar que a aplicação do
Princípio do Poluidor-Pagador seja utilizado de maneira a não beneficiar àqueles
47
que visam apenas um ganho econômico, com ficou evidenciado, na última
Conferência em Copenhague, Dinamarca, COP – 15, onde, principalmente, os
países desenvolvidos não chegaram a um consenso para diminuir a emissão dos
gases poluentes no meio ambiente, gerando, assim, enormes frustrações àqueles
que esperavam um desfecho promissor.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010.
BARBOSA, Rangel; OLIVEIRA, Patrícia. O direito por um planeta verde: o
princípio do poluidor-pagador no protocolo de Quioto. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 44, ano 11, 2006.
BENJAMIN, Antonio Herman. Dano ambiental, preservação, reparação e
repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador.
Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande do Sul: Rev. Eletrônica.
Mestr. Educ. Ambient.ISSN. 1517.1256, v.13, 2004. Disponível em :
http://www.remea.furg.br/edicoes/vol13/art2.pdf. Acesso em: 02 maio.2014.
Instituto Carbono Brasil. Disponível em:
<http://www.institutocarbonobrasil.org.br/mercado_de_carbono/protocolo_de_quiot
o>Acesso em: 25 jun.2014
JAPÃO. Decreto legislativo n. 144, de 20 de junho de 2002. Protocolo de Quioto à
convenção-quadro das Nações Unidas sobre mudança do clima. Disponível em:
<http://www.onu-brasil.org.br/doc_quioto1.php>. Acesso em: 05 dez. 2008.
KHALILI, Amyra El. O que são créditos de carbono? Revista Eco 21, n. 74, ano
XII, 2003. Disponível em:
http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./noticias/index.php3&con
teudo=./noticias/amyra/creditos.html> Acesso em: 21 mai. 2008.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012.
MARTIN, Gilles. Direito do ambiente e dano ecológico. Revista crítica de ciência
sociais. Coimbra, v.3, 1990.
48
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007.
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento sustentável do Brasil e o
protocolo de quieto. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 37, ano 10, 2005
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Protocolo de kyoto e mecanismo de
desenvolvimento limpo: uma análise jurídico-ambiental. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE DIREITO PÚBLICO, 2003, São Paulo. Anais... São Paulo, 2003.
Disponível em:<http://www.aprodab.org.br/biblioteca/doutrina/mar01.doc>. Acesso
em: 13 abr. 2008.
49
A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM EDUCAÇÃO FISICA E OS ESPORTES DE
AVENTURA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES
André José Costa Santos1
Camila de Jesus Barreto1
Yago Santos Pereira Gomes 1
Temístocles Damasceno Silva 2
RESUMO
O presente estudo trata-se de um relato de experiência sobre as vivências
proporcionadas por uma aula de campo da disciplina Recreação e Lazer do curso
de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia – UESB, realizada no município de Itacaré, situado na Costa do Cacau, sul
do estado da Bahia. Desta forma, tal vivência permitiu refletir sobre as
possibilidades e limitações dos esportes de aventura, no que tange: a
compreensão das regras, os equipamentos necessários e a logística que envolve
a prática. Vale destacar que os esportes vivenciados foram: o rafting, o rapel e o
trekking. Neste contexto, verificou-se o potencial natural da região para a prática
de esportes de aventura, todavia, constatou-se a falta de conhecimento por parte
dos discentes acerca da referida temática bem como a necessidade de
capacitação dos profissionais que atuam com esportes de aventura na região
abordada, no intuito de possibilitar informações e conhecimentos sobre
preservação do meio ambiente e equipamentos de segurança de uso pessoal. Por
fim, concluiu-se que os cursos de formação em Educação Física precisam
repensar o processo de formação de seus respectivos discentes, levando-se em
consideração as diversas áreas de atuação, em especial o lazer e os esportes de
aventura.
Palavras-chave: Formação. Educação Física. Esporte de Aventura.
1. Discentes do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - UESB. Membros do grupo de pesquisa Corporhis – Corpo, História e
Cultura / UESB.
2. Atualmente é discente do curso de mestrado em Desenvolvimento regional e urbano da
Universidade de Salvador (Unifacs/BA) e faz parte do corpo docente do curso de
licenciatura plena em Educação Fisica/UESB. Pesquisador do grupo de pesquisa
Corporhis – Corpo, História e Cultura / UESB.
50
ABSTRACT
This study it is an experience report about the experiences provided by a class
field of discipline of Recreation and Leisure degree course in Physical Education
from the State University of Southwest Bahia - UESB conducted in the city of
Itacaré, located in Cocoa Coast, south of Bahia state. Thus, this experience
allowed reflect on the possibilities and limitations of adventure sports, regarding:
the understanding of the rules, the necessary equipment and logistics which
involves the practice. Note that the experienced sports were: rafting, rappelling and
trekking. In this context, we found the natural potential of the region for the practice
of adventure sports, however, there was a lack of knowledge among students
about the thematic as well as the need for training of professionals working with
adventure sports addressed in the region, in order to provide information and
knowledge about environmental preservation and safety equipment for personal
use. Finally, it was concluded that the training courses in physical education need
to rethink the process of training their students, taking into account the various
areas, particularly leisure and adventure sports.
Keywords: Training. Physical education. Adventure Sports.
INTRODUÇÃO
Pensar a formação profissional do discente de Educação Física, levando-se
em consideração as diversas áreas de atuação, se apresenta como uma ação
desafiadora. No que diz respeito aos esportes de aventura na natureza, Marinho e
Schwartz (2005, p. 03) evidenciam a necessidade: “dos cursos de formação
nessas áreas redimensionarem seus enfoques e conteúdos, no sentido de
priorizar a sensibilização necessária para se tornarem multiplicadores desses
novos valores”.
Neste contexto, o município de Itacaré, situado na Costa do Cacau, sul do
estado da Bahia é bastante conhecido pelas belas praias, cachoeiras, mata
atlântica preservada, rios e manguezais, tendo como principal fonte de economia o
turismo, tornando-se assim um cenário perfeito para a prática de diversos esportes
de aventura, tais como: rafting, tirolesa, arvorismo, slackline, rapel, trekking, entre
outros (ITACARÉ, 2014). Todavia, após buscar em bancos de dados, constatou-se
que existem poucas experiências relacionadas à exploração deste espaço,
enquanto ferramenta de aprendizagem no que diz respeito ao processo de
formação dos estudantes de Educação Física, a partir do componente curricular
51
lazer. Logo, este estudo justifica-se pela necessidade de ampliação do
conhecimento dos referidos discentes sobre a temática abordada bem como a
possibilidade de refletir sobre o papel dos profissionais que atuam nesta área.
Além disso, esta pesquisa poderá proporcionar o reconhecimento do potencial da
região enquanto ambiente de aprendizagem do esporte de aventura.
Sendo assim, a pesquisa trata-se de um relato de experiência sobre uma
aula de campo proporcionada pela disciplina recreação e lazer, do curso de
licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
– UESB Campus de Jequié-BA. Logo, Dyniewicz (2007, p. 117) evidencia que os
relatos de experiência podem: “ser definidos como uma metodologia de
observação sistemática da realidade, sem o objetivo de testar hipóteses, mas
estabelecendo correlações entre achados dessa realidade e bases teóricas
pertinentes”. Sendo assim, tal ação permitiu aos discentes terem acesso as
possibilidades e limitações dos esportes de aventura, mais precisamente o rapel, o
rafting e o trekking. Nesta lógica, o principal intuito da ação foi possibilitar o acesso
ao conhecimento sobre tais atividades, no que tange: o papel dos agentes
envolvidos na ação, a compreensão das regras de tais esportes, bem como os
equipamentos necessários a execução dos referidos esportes.
BREVE
REFLEXÃO
SOBRE
O
PROCESSO
DE
FORMAÇÃO
DOS
ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Ter acesso aos diversos campos de atuação que a Educação Física
proporciona durante o período de formação dos estudantes torna-se de suma
importância para a práxis pedagógica dos futuros profissionais desta área. Logo
tal ação permite a estes indivíduos a ampliação do conhecimento especifico sobre
os diversos ramos de atuação da área, possibilitando a formação de um olhar
crítico sobre as diferentes temáticas abordadas, tendo, portanto, condições para
identificar os problemas recorrentes em sua atuação. Desta forma, para Ghilardi
(1998):
A Universidade tem como uma de suas principais funções a formação de
recursos humanos que vão possibilitar o atendimento às necessidades da
52
sociedade em alguma área específica. Isto quer dizer que a sociedade
demanda diferentes tipos de serviços, cada qual com o seu grau de
especificidade, e o profissional deve, fundamentado num conhecimento
específico a respeito deste serviço, oferecer programas e projetos que
possam solucionar problemas existentes (P. 04).
Além disso, Okuma (1996 apud GHILARD, l998):
[...] aponta uma outra visão a respeito das vivências práticas num curso de
formação profissional em Educação Física. Ela nos apresenta que tão
importante quanto a aquisição de conhecimento, são as vivências
práticas a medida que tais vivências forneçam subsídios necessários
para que o graduando aprenda a lidar com pessoas e possa conduzir sua
ação profissional num nível de excelência. (P. 7)
Em consoante, se faz necessário ressaltar a importância desta vivência
para os estudantes da referida área, já que o objeto de estudo deste ofício, são as
diferentes manifestações e expressões do conhecimento corporal do movimento
humano, como aponta Bracht (2003) em seus estudos sobre as concepções da
Educação Física. Neste sentido, o autor constatou que a característica do
componente curricular abordado, deverá se relacionar, de forma objetiva, com a
sua função social, remetendo-nos às práticas corporais que passam a ser
compreendidas como formas de comunicação que constroem cultura e é
inevitavelmente direcionada por ela.
É notório, contudo, que a Universidade não dá conta da formação plena
deste estudante no tempo estimado para sua formação, já que as demandas e
conhecimentos nesta ocupação se apresentam de maneira diversa e líquida.
Neste sentido, IVO; ILHA; KRUG (2009, p. 2105) afirmam que: “A prática
pedagógica do professor passa, portanto a ser construída e reconstruída
concomitantemente com as necessidades que se fazem presentes nos processos
de ensino-aprendizagem”.
Sendo assim, torna-se primordial a busca por uma formação complementar
extracurricular, a qual poderá possibilitar a este individuo adquirir conhecimentos
53
que geralmente são ocultados pela grade curricular dos cursos de formação em
Educação Física. Para IVO; ILHA; KRUG (2009, p. 2105): “É neste momento que
surgem as mais variadas inquietudes na prática pedagógica do acadêmico, pois
aqui ocorre o confronto direto entre teoria e prática”. Em contrapartida, Pérez
Gómez (1992) sinaliza que o profissional preparado atua refletindo na ação,
projetando uma nova realidade, através do diálogo que estabelece com essa
realidade social.
Neste sentido, no que se refere ao conteúdo relacionado aos esportes de
aventura, Marinho e Schwartz (2005) ressaltam a possibilidade de inserção dessa
temática no currículo dos cursos de Educação Física, haja vista que tais autoras
baseiam-se no acentuado interesse das variadas instâncias (econômica, social,
esportiva, etc.) para evidenciar a necessidade de profissionais qualificados e
legalmente preparados para exercer tal função. Sendo assim, acredita-se que o
docente universitário poderá utilizar a aula de campo como uma possível
ferramenta pedagógica de acesso aos conteúdos relacionados aos esportes de
aventura, todavia, se faz necessário para este estudo, uma ampliação sobre os
conceitos que permeiam tal temática.
BREVE REFLEXÃO SOBRE OS ESPORTES DE AVENTURA
Ao pensar nas diversas possibilidades que o esporte de aventura pode
oferecer aos seus praticantes, destacou-se para esta investigação a elucidação
dos conceitos de três modalidades, sendo elas: o rafting, o rapel e o trekking.
Logo, espera-se que esta reflexão possa subsidiar o dialogo com os dados que
serão apresentados posteriormente, no intuito de aprofundar o olhar sobre o
assunto.
Neste contexto, o rafting se apresenta como um esporte de aventura
praticado em rios que possuem corredeiras adequadas para tal exercício,
utilizando-se de botes infláveis e equipamentos de segurança, tais como:
capacete e colete salva-vidas. Em consoante, Schwartz e Carnicelli Filho (2005),
apontam que este esporte:
54
(...) é praticado em corredeiras de rios com botes que comportam
de seis a dez pessoas e que necessita da coordenação das
remadas e do entendimento de todos os praticantes durante as
quedas dos rios, para que se obtenha sucesso na atividade,
acabando por promover sensações únicas de cooperação e
trabalho em equipe, pois, a cada descida, as quedas do rio estão
diferentes, seja pelo volume de água, seja pelo posicionamento do
bote, tornando a aventura sempre cheia de surpresas.
Logo, vale destacar a necessidade de utilização do remo para que a ação
seja executada, exigindo uma sincronia de movimentos entre os integrantes e ao
mesmo tempo possibilitando a garantia das manobras. Além disso, para Marinho
(2008, p. 198) a amizade, a confiança, a cooperação e a afinidade ocorrem com
frequência nessas práticas, dando a elas um significado singular. Nesta lógica, a
prática do rafting, conforme Schwartz e Carnicelli Filho (2006, p. 106), pode:
(...) promover diferentes sensações e emoções em seus praticantes,
sejam estes experientes ou não, sendo que cada emoção associada a
esta experiência, é capaz de desenvolver uma certa função no corpo
humano, como, por exemplo, quando se sente medo, situação em que o
corpo faz com que os músculos tenham certo tipo de reação e isso
promove a preparação para o próximo movimento.
Todavia, Marinho (2003 apud BAHIA E SAMPAIO, 2007 p. 183) relatam
que:
A popularização do termo “adrenalina”, desencadeada principalmente
pela mídia, os sentimentos dos praticantes não estão totalmente
definidos e outras sensações, como a satisfação, o relaxamento e o bemestar, são pouco registradas nos discursos de quem vivencia tais
esportes.
Neste sentido, percebe-se a necessidade de aprofundamento cientifico
acerca da temática abordada para que se possa esclarecer diversas situações que
permeiam a prática dos esportes de aventura, apropriando-se assim deste
fenômeno a partir do conhecimento cientifico.
55
No que diz respeito ao rapel, tal atividade consiste na utilização de técnicas
verticais para vencer obstáculos naturais como penhascos e paredões, sendo que,
é muito utilizado por diversas atividades como escaladas, estudos espeleológicos
e em resgate em montanhas, entre outros (NAZARI, 2004). Nesta perspectiva, o
Brasil é considerado um país excelente, para pratica do rapel, pois oferece
diversas possibilidades territoriais como cachoeiras, cavernas e montanhas.
Sendo assim, Jesus (2003) revela que a variedade de paisagens e o clima ameno
se inscrevem no rol de atrativos da natureza brasileira. Desta forma, Pimentel
(2013) destaca que:
Embora a aventura, como experiência subjetiva da busca de emoções
frente ao inusitado, talvez seja uma constante antropológica, é na
contemporaneidade que se experimenta uma diversificação de atividades
de aventura, na perspectiva do lazer. Em tese, elas estão ligadas a
sensações de risco e vertigem, exacerbações controladas das emoções
e, em muitos casos, congraçamento com a natureza e com outras
dimensões sensíveis, cuja busca de revalorização aponta para um
diferencial dessas práticas em relação aos esportes convencionais. (p.
688)
Logo, é importante ressaltar que a segurança se torna um fator primordial
para a prática do rapel, por ser uma técnica que oferece riscos eminentes aos
apreciadores. Nesta lógica, Mariano (2011, p. 18) revela que: “O rapel, por ser
uma técnica que oferece riscos, só deve ser realizado tomando as devidas
precauções de segurança, utilizando equipamentos específicos e inicialmente
deve ser feito acompanhado de um instrutor experiente. Ao mesmo tempo,
constata-se que: “A maior parte dos acidentes envolvendo altura ocorre por falha
humana” (BOMBEIROS MILITARES, 2006).
Em relação ao trekking, tais atividades são consideradas excelentes meios
de contato com a natureza, sendo que, através delas pode-se ter um
conhecimento maior sobre determinada localidade bem como sobre a fauna e a
flora, todavia, se faz necessário que haja uma conscientização ecológica, no
intuito de conservar os locais explorados. Assim, segundo Oliveira e Bloomfield
56
(1999, p.139) “a implantação de trilhas vem a contribuir para um melhor
relacionamento da população local com os recursos naturais de sua região,
tomando conhecimento de sua importância através de programas de educação
ambiental”. Em contrapartida, Birkby (1997 apud DA SILVA MELLO, 2013) aponta
que:
A trilha é um recurso para execução de uma viagem entre pontos. É um
termo comumente utilizado para as demarcações de trajetos em áreas
naturais. A trilha também pode representar um recurso de proteção ao
meio ambiente, ainda que nele haja uma pequena degradação. Mas, ao
se concentrar na trilha, evita-se que outras áreas sejam trafegadas.
Dessa forma, para que a trilha possa ser considerada uma boa estratégia
de manejo no ambiente natural, sobretudo em áreas protegidas, é
necessário que seja limitada em número e largura, assim como deve ser
planejada em termos de acesso. (p. 07)
Sendo assim, acredita-se que o esporte de aventura de maneira plena, se
apresenta como um elemento da cultura corporal de movimento que possibilita ao
seu praticante informações e conhecimentos sobre preservação do meio ambiente
bem como um contato direto com a natureza. Entretanto, é necessário que os
cursos de formação em Educação Física sejam construídos e reconstruídos a
partir das demandas sociais presentes nos processos de ensino-aprendizagem,
levando-se em consideração as diversas áreas de atuação, em especial o lazer e
os esportes de aventura.
ESPORTES DE AVENTURA EM ITACARÉ: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES.
A aula de campo sobre esportes de aventura da disciplina recreação e
lazer, do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia – UESB (Campus de Jequié-BA) proporcionou vivências
significativas acerca do fenômeno abordado. Desta forma, serão relatadas a
seguir as possibilidades e limitações evidenciadas sobre tal ação.
No primeiro momento os participantes da aula de campo deslocaram-se em
destino ao distrito de Taboquinhas, pertencente ao município de Itacaré/BA. Logo,
57
ao chegar ao destino previsto, à recepção foi feita por uma empresa local
(responsável pela execução das atividades), onde foram passadas as informações
necessárias para a vivência do rafting, tais como: o uso dos equipamentos e a
conduta durante a atividade. Em seguida, todos participantes vestiram os
equipamentos de segurança necessários, mais especificamente: o capacete e o
colete salva-vidas. Após as instruções, dividiu-se o grupo em três equipes, sendo
que cada uma foi direcionada a botes diferentes. Vale ressaltar que as ações eram
sempre orientadas por instrutores da empresa, sendo que tais informações foram
extremamente necessárias para a segurança dos participantes, podendo perceber
assim a importância destes profissionais para o desenvolvimento das atividades
propostas.
No decorrer do trajeto, ao longo do Rio de Contas, pode-se observar a
beleza natural da região, além do intenso contato com a natureza, proporcionado
pelo referido esporte. Ao descer as corredeiras, os grupos comemoravam com
gritos de guerra escolhidos, antecipadamente, por cada “equipe”, sob orientação
do instrutor presente no bote, o qual também apresentava curiosidades sobre o
lugar e reforçava explicações de como seria a próxima descida, alertando sempre,
sobre quais atitudes deveriam ser tomadas no caso de acidentes. Tais dados
reforçam o pensamento de Schwartz e Carnicelli Filho (2005, p. 104), os quais
afirmam que:
Os guias também representam uma parte importante na vivência de
situações emocionais, uma vez que orientam os praticantes a agirem nas
diversas situações e a se posicionarem adequadamente para garantir a
segurança de todos no barco. Com base, muitas vezes, no comando do
guia, ou em sua forma de conduzir os participantes, estas emoções são
modificadas em intensidade.
Em consoante, realizou-se paradas para que os praticantes pudessem
banhar-se nas águas do rio, sendo que em determinado momento da atividade,
ocorreu o encontro de todos os grupos, para que daquele ponto os interessados
pudessem caminhar até uma pedra de aproximadamente 8 metros, efetuando
posteriormente saltos no rio. Além das questões emocionais e o aumento da
58
adrenalina, a atividade demonstrava a importância do coletividade e da sincronia
das ações de cada indivíduo, para que o todo obtivesse êxito, consolidando assim
a participação cooperativa. Nesta perspectiva, Schwartz e Carnicelli Filho (2005, p.
104) evidenciam que:
Outra característica bastante atraente em relação ao “rafting” é sua
pseudo-imprevisibilidade, decorrente das variações nas condições
climáticas e nos rios, como salienta SOUSA (2004), sendo que isto, no
olhar da autora, é que quebra a rotina e provoca o espírito aventureiro.
Após a realização do rafting, os instrutores conduziram o grupo para outro
destino, tendo como objetivo a vivência do rapel. Os participantes foram divididos
em pequenos grupos, para que fosse realizada a travessia do rio de contas
através de uma canoa, levando-se em consideração o difícil acesso ao local
previsto para a execução da atividade. Nessa perspectiva, o rapel fora realizado
em uma cachoeira, onde se teve pequenas instruções acerca do comportamento
durante a descida. Vale ressaltar que a cachoeira onde ocorreu a execução da
atividade possuía aproximadamente 19 metros de altura. Para a descida, foram
utilizados equipamentos de segurança, tais como: Baudrier (cadeira necessária
para a prática, mas que apresentava estado de conservação aparentemente
inadequado), capacete, mosquetões e uma corda fixa cujo seu ponto de apoio era
uma árvore. É importante destacar a beleza do local, além da bela vista
contemplada do alto da cachoeira.
Sendo assim, três instrutores coordenaram as vivências do rapel, sendo
que: um instrutor realizava a descida junto com o participante, o outro instrutor
ficava em cima da cachoeira dando suporte na verificação da corda e um terceiro
instrutor ficava posicionado na chegada, sendo responsável pela corda de
segurança do aluno. Desta forma, após a colocação dos equipamentos de
segurança (Capacete, Baudrier e mosquetões), o instrutor responsável pela
condução das atividades, utilizou como metodologia a orientação da descida da
cachoeira até a metade do percurso, sendo que a outra metade seria concluída
pelo participante, sem o auxilio do instrutor. Logo, os discentes ao perceberem
59
que terminariam a descida sem a presença do instrutor ficavam receosos, por se
sentirem despreparados para tal ação. Vale destacar que um dos instrutores não
utilizava equipamentos de proteção individual (EPI”s), creditando a sua segurança
ao conhecimento empírico, arriscando assim sua própria vida para a realização da
atividade. Neste contexto, de acordo com Marinho e Schwartz (2005, p. 04): “A
natureza humana é bastante adepta aos desafios, porém estes, quando
ultrapassam os limites da segurança e da organização [...] deixam de caracterizarse enquanto atividade lúdica.” Com isso, é possível verificar que tal negligência
pode acarretar em acidentes oriundos da falta de equipamentos de segurança
pessoal ou pela falta de avaliação da vida útil dos mesmos.
Em relação ao trekking, tal atividade foi realizada com a ajuda de um
discente que conhecia o percurso e o percurso delineado foi entre a Praia da
Ribeira até a Prainha. Durante o trajeto, foi possível contemplar a beleza natural e
deslumbrante do lugar, com a presença de vários riachos, cachoeiras e quedas
d’água, percebendo assim, a grande riqueza hídrica do local.
Ao caminhar por dentro da Mata, percebeu-se uma grande biodiversidade,
o que tornou a caminhada ainda mais agradável, um ambiente perfeito para a
prática de arvorismo, contudo, a falta de placas de informação e estrutura no que
diz respeito à acessibilidade apresentaram-se como fatores limitantes de fruição
desta atividade. Nesta lógica, tal dado vai de encontro ao pensamento de Costa
(2012, p.1463), o qual aponta que:
Para orientar os visitantes, deve-se classificar as trilhas quanto ao grau
de dificuldade, assim
estes
podem
saber
quais
as
exigências
psicológicas e físicas que lhe serão exigidas. No Manual do Curso de
Condutor de Trilhas, a classificação é feita a partir do nível técnico dos
turistas ao longo do trajeto e da intensidade da trilha.
Neste contexto, o percurso dentro da Mata Atlântica durou cerca de 40
minutos, sendo que no decorrer do caminho, era possível encontrar pequenos
comerciantes, que vendiam água de coco, suco, entre outras mercadorias. Logo,
percebeu-se que o difícil acesso a mesma, possibilita a conservação da natureza
60
no referido ambiente, todavia, constatou-se a falta de estrutura no que diz respeito
a indicadores das condições de banho no mar, nas praias contempladas pela
trilha. Tal ação se torna indispensável para a segurança do banhista,
principalmente aqueles que não conhecem e não estão habituados a freqüentá-la,
além da ausência de banheiros, que é de suma importância para a preservação da
higiene do local. Nesta lógica, Costa (2012) afirma que:
O meio ambiente na maioria desses lugares é frágil e precisa ser
conservado. Nessas áreas é possível e necessário elaborar projetos de
limpeza e conservação. Deve ser evitado o impacto da poluição e da
devastação das áreas. A proteção destes lugares depende do
comportamento dos visitantes, da sinalização do local e da existência ou
não de guias (P. 1463)
Ainda assim, a experiência proporcionou um contato singular com o meioambiente, visto que as referidas vivências permitiram reflexões quanto à
preservação e o respeito necessário para a convivência harmoniosa com o
mesmo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este estudo, pode-se verificar a possibilidade da ampliação do contato
com a natureza bem como o acesso aos conhecimentos que permeiam o esporte
de aventura. Além disso, pode-se frisar a oportunidade de adentrar em um campo
pouco explorado pelo meio acadêmico.
Neste contexto, é importante ressaltar que o saldo da experiência foi
positivo, levando em consideração a contribuição das vivências para a formação
dos futuros professores. Ao mesmo tempo, constatou-se que a aula de campo se
apresenta como uma excelente ferramenta facilitadora do processo de ensinoaprendizagem, no que diz respeito à formação profissional em educação física e
os esportes de aventura, haja vista que tal ação, possibilita de maneira lúdica, a
compreensão das diversas variáveis que permeiam esta temática.
61
Contudo, não se pode ignorar a importância da qualificação dos
profissionais que atuam no ramo dos esportes de aventura, haja vista que os
mesmos precisam estar habilitados tecnicamente e psicologicamente para lidar
com as diferentes situações possíveis na execução deste oficio. Sendo assim,
este fator poderá garantir a segurança dos praticantes, respeitando os riscos que
estas práticas expõem aos seus respectivos apreciadores.
REFERÊNCIAS
BAHIA, M. C.; SAMPAIO, T. M. V. Lazer – Meio Ambiente: em busca das atitudes
vivenciadas nos esportes de aventura. Revista Brasileira de Ciências do Esporte,
Campinas,
v.
28,
n.
3,
p.
173-189,
maio
2007.
Disponível
em:
<http://cbce.tempsite.ws/revista/index.php?journal=RBCE&page=article&op=viewF
ile&path%5B%5D=30&path%5B%5D=37>. Acesso em: 06 Maio 2014.
BOMBEIRO MILITAR - Coletânea de Manuais Técnicos dos Bombeiros. São
Paulo. 1ª Edição. 2006.
BRACHT, V. Identidade e crise da Educação Física: um enfoque epistemológico.
In: BRACHT, V. & CRISÓRIO, R. A educação física no Brasil e na Argentina:
identidade, desafios e perspectivas . Rio de Janeiro: PROSUL e Campinas:
Autores associados, 2003.
COSTA, B. Análise de trilha e sugestões de boas práticas. Revista eletrônica em
gestão, educação e tecnologia ambiental. Rio Grande do Sul: UFSM, v(7), nº 7, p.
1461-1478, MAR-AGO, 2012.
DA SILVA MELLO, A. Lazer e educação ambiental: relato de experiências na
formação inicial em educação física. LICERE - Revista do Programa de Pósgraduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, v. 16, n. 2, 2013.
DYNIEWICZ, A. M.; Metodologia da pesquisa em saúde para iniciantes. São
Caetano do Sul, Difusão Editora, 2007.
62
GHILARDI, R. Formação profissional em educação física: a relação teoria e
prática. Motriz, v. 4, n. 1, p. 1-11, 1998.
ITACARÉ.
A
cidade
de
Itacaré.
Disponível
em:
http://www.itacare.com.br/itacare/praias/guia.php?lang=pt&praia=prainha> acesso
em: 24 de julho de 2014.
IVO, A. A. ILHA, F. R. S. KRUG, H. N. Repensando a formação do professor de
educação física a partir do estágio curricular supervisionado: O desenvolvimento e
a articulação dos saberes docentes nas diferentes práticas educativas. Disponível
em: < www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2924_1261.pdfIVO>
acesso em: 05 de Julho de 2014.
JESUS, G. M. de. A leviana territorialidade dos esportes de aventura: Um desafio
à gestão do ecoturismo. In: MARINHO, A.; BRUHNS, H. T. (org.). Turismo, Lazer e
Natureza. Barueri, SP: Manole, 2003.
MARIANO, R. Rapel Básico – Manual de técnicas, segurança e equipamentos.
FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2011.
MARINHO, A. Lazer, Aventura e Risco: reflexões sobre atividades realizadas na
natureza. Movimento, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 181-206, 2008.
MARINHO, A.; SCHWARTZ, G. M. Atividades de aventura como conteúdo da
educação física: reflexões sobre seu valor educativo. Revista Digital, Buenos
Aires, Ano 10, N° 88, p. 08, Setembro de 2005.
NAZARI, J. Rapel. Uberlândia - MG: Adventure ECO-SportS, 2004. 11 p.
PÉREZ GÓMEZ, A. O pensamento prático do professor. In: NÓVOA, António.
(Coord). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992,
p. 15-34.
PIMENTEL, G. G. de A. Esportes na natureza e atividades de aventura: uma
terminologia aporética. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Porto Alegre, v. 35, n. 3, set.
2013.
63
SCHWARTZ, G. S.; CARNICELLI FILHO, S. Formação profissional e atividades de
aventura: focalizando os guias de “Rafting”. Revista brasileira de Educação Física
e Esporte, São Paulo, v.20, n.2, p.103-09, abr./jun. 2006
__________________________________. Guias de rafting: perfil e emoções.
Revista Digital, Buenos Aires, Ano 10, N° 85, Junho de 2005.
64
UMA REFLEXÃO TEÓRICA DA GESTÃO INTEGRADA PÚBLICO/PRIVADA
EM SALVADOR: PLANEJAMENTO TURÍSTICO
Leandro Carvalho de Almeida Gouveia 1
RESUMO
O Turismo é visto como grande vetor para o desenvolvimento socioeconômico e
cultural em diversas cidades brasileiras, principalmente em Salvador, Bahia. Nesse
sentido, o objetivo deste artigo é identificar as possíveis contribuições de uma gestão
turística integrada público/privada na cidade do Salvador, para compreender a realidade
atual e a complexidade que o tema suscita. Para tanto, foram formulados alguns
objetivos específicos: compreender os termos política, política pública e política de
turismo, conhecer o papel do Estado na atividade turística, discutir a gestão integrada
público/privada e identificar as principais características da gestão turística integrada
pública/privado na cidade do Salvador. Do ponto de vista da metodologia, tratou-se de
pesquisa bibliográfica e documental. Percebeu-se que o setor privado possui recursos
financeiros e responde com velocidade às demandas do setor turístico, enquanto falta
interesse coletivo, visão da gestão pública e regulamentação no setor público. Concluise que é imprescindível a discussão sobre a gestão pública e a gestão privada, para que
se possam propor soluções viáveis para as demandas e problemas que comprometem o
bom desenvolvimento do turismo no estado da Bahia.
Palavras-chave: Turismo. Gestão pública. Gestão privada, planejamento turístico,
políticas públicas.
1 INTRODUÇÃO
No estado da Bahia, a atividade turística tornou-se uma via para o desenvolvimento da
região. O modelo de desenvolvimento turístico implantado está atrelado a uma forte
intervenção estatal e necessita de revisões, para possibilitar que as regiões e cidades
1
Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS), Mestre em Desenvolvimento
Humano e Responsabilidade Social (FVC); Especialista em Metodologia do Ensino Superior
(FAMTTIG); Bacharel em Turismo (FVC); Gestor de Negócios e Turismo (FAMETTIG) e Licenciado em
Geografia (FACE). [email protected]
65
alcancem maior competitividade turística e possam contribuir de modo mais intenso
para o desenvolvimento local (QUEIROZ, 2005). O comprometimento com as questões
socioambientais tem distinguido a atividade turística, na forma como é desenvolvida na
atualidade.
A gestão turística tem o propósito de exigir resultados proficientes, em função do
turismo ser uma atividade que envolve diferentes atores e é passível de modificações no
meio ambiente. Desse modo, a gestão turística deve estar atenta para uma gestão
democrática, que envolva o planejamento e a participação ativa de todos os atores
envolvidos em seu desenvolvimento.
Nesse sentido, o planejamento torna-se uma dimensão da gestão que deve ser
observada, pelo fato da atividade turística envolver diversas questões e nuances. A
competência administrativa surge nesse cenário justamente para exigir resultados
proficientes e novos modelos de gestão que atendam às necessidades de uma
intervenção social responsável e comprometida.
Como se trata de atividade que envolve não só o privado como também, e
principalmente, o público, as políticas públicas a ela atinentes devem buscar satisfazer
ao interesse público e precisam ser direcionadas ao bem comum. No caso específico do
turismo, a política envolve o conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas,
objetivos e estratégias de desenvolvimento e promoção com o propósito de fornecer
uma estrutura que possibilite o desenvolvimento turístico de um local ou região.
No caso em foco, a atividade turística, a gestão pública, assim como a gestão privada,
devem estar voltadas para o princípio da eficiência, ainda que seus objetivos sejam
distintos, pois o fim é o mesmo: proporcionar lazer, cultura, conhecimento e
entretenimento de forma integrada e sustentável (BIGNOTO, 1994). Assim, a gestão
pública não deve restringir-se ao que está previsto em lei, e a gestão privada deve levar
em consideração outros aspectos, além do lucro, e ultrapassar suas próprias limitações.
Assim, entendemos que este estudo poderá contribuir com as discussões em torno dos
aspectos que envolvem o turismo, que são ainda tímidas, ao colocar em foco as políticas
públicas e de turismo, o papel do Estado no desenvolvimento do turismo, assim como a
gestão pública e a gestão privada. Esperamos que os questionamentos colocados neste
texto possam contribuir, entre outros aspectos, para elevar a competitividade do turismo
baiano, levando tanto o segmento público quanto o privado a rever seu próprio papel.
Salvador, capital do estado da Bahia é o objeto do presente estudo. Conhecida como a
capital da alegria e um dos principais portões de entrada do turismo no Nordeste, a
cidade enfrenta algumas dificuldades para o desenvolvimento do turismo. Por um bom
tempo, a cidade ocupava o primeiro lugar no turismo receptivo no Nordeste e
atualmente já foi ultrapassada por Fortaleza, capital do Ceará. Acredita-se que tais
dificuldades estão fortemente vinculadas à gestão do turismo na cidade, tendo em vista
que uma recente mudança de governo desatrelou a parceria Estado/Município.
66
O objetivo deste artigo é identificar as possíveis contribuições de uma gestão turística
integrada público/privada na cidade do Salvador, para compreender a realidade atual e a
complexidade que o tema suscita. Como objetivos específicos, pretendemos
compreender os termos política, política pública e política de turismo, conhecer o papel
do Estado na atividade turística, discutir a gestão integrada público/privada e identificar
as principais características da gestão turística integrada pública/privado na cidade do
Salvador.
Do ponto de vista da metodologia que norteou o estudo, trata-se de pesquisa
bibliográfica de natureza exploratória, a partir de uma abordagem quantitativa e
qualitativa, juntamente com um questionário com 13 empresas e órgãos público e
privado.
O artigo apresenta três seções: na primeira, discutimos o termo política, política pública
e política aplicada no turismo; na segunda, destacamos o papel do Estado no turismo; na
terceira, tratamos da gestão integrada público/privada e na quarta e última seção,
abordamos a cidade de Salvador como centro de desenvolvimento do turismo.
2 POLÍTICA, POLÍTICA PÚBLICA E POLÍTICA DE TURISMO
Os termos política, política pública e política aplicada no turismo envolve duas questões
básicas: O que se entende como política? Quais as diferenças entre política pública e
política privada?
Dias (2003, p. 121) apóia-se em Bobbio e Matteucci para explicar o uso do termo
política:
O termo política é comumente usado para indicar atividade ou conjunto de
atividades que, de alguma maneira, tem como termo de referência a “polis”,
ou seja, o Estado. Dessas atividades, o Estado por vezes é o sujeito, quando
referidos à esfera da política atos como o ordenar ou proibir alguma coisa
com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo
social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território,
o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos
de um setor da sociedade para outros, etc.
Política, em sentido genérico, usualmente indica atividade relativa ao Estado, podendo
também referir-se a atividades não estatais, em função de envolver leis, normas e
exercício de poder. Azambuja (2008, p. 25) considera que o termo política apresenta
cinco acepções: “[...] a primeira é de significação popular e comum; a quinta, científica;
mas ambas estão muito próximas no sentido; as três outras são eruditas, aceitas por
alguns escritores, conforme pontos de vista doutrinários ou empíricos.”
Assim, enquanto alguns a entendem como ações, comportamentos e manobras de alguns
homens (políticos) para conquistar o poder, outros, como Maquiavel, a entendem como
a arte de conquistar, manter e exercer o poder e outros ainda, como a ciência moral
67
normativa do governo ou da sociedade civil ou estudo das relações em torno do poder
(AZAMBUJA, 2008).
Com efeito, o termo política pode adquirir várias acepções, a depender do contexto e da
perspectiva de análise e de ação. Queremos crer que a gestão turística busca desenvolver
uma política que ultrapasse a questão do poder e se preocupe com uma ação sustentável.
Política pública, então, é a atividade executada pelo Estado. Em verdade, refere-se a
ações que buscam satisfazer ao interesse público e têm que ser direcionadas ao bem
comum. Podemos considerar a política pública como o conjunto de ações exclusivas do
Estado e, portanto, entendê-la como tudo o que o governo pode ou não fazer.
Para atender ao objetivo proposto de promover ações concatenadas visando o bem-estar
social, a política pública no turismo deve observar uma série de pré-requisitos, como
abordado a seguir.
No turismo é muito importante que uma política pública tenha clareza sobre a
concepção de turismo que defende, sobre qual a visão de desenvolvimento buscar e
sobre quais são seus compromissos. Deve ainda ter como objetivo democratizar o bem
público turístico, possibilitando que o lazer e a hospitalidade sejam acessíveis a todos
visitantes e cidadãos, não apenas como uma potencialidade, mas como realidade, e que
a sociedade organizada incida nessas definições.
Para buscar e consolidar a democratização, as políticas públicas de turismo devem: ter
normatizações jurídicas; realizar intervenções diretas na forma de linhas de
financiamento, implantação de infraestrutura, gerenciamento de informações,
treinamento e qualificação de recursos humanos e consolidar diretrizes políticas que não
incentivem apenas o turismo nos seus desdobramentos econômicos, mas também nas
suas implicações socioculturais centradas na pessoa, ou seja, no turista (GASTAL;
MOESCH, 2007, p. 42 apud VIEIRA, 2009, p. 32).
Deste modo, o papel que deve desempenhar o poder público não se restringe a uma ação
isolada e restrita, mas se trata de uma ação com o dever de propor políticas para o setor,
regulamentar na esfera jurídica e criar as condições de infraestrutura necessária para o
empreendimento que se propõe.
Assim, a política de turismo, de acordo com Goeldner, Ritchie e McIntosh (2002) apud
Dias (2003, p. 105), deve ser entendida como:
Um conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas, objetivos e
estratégias de desenvolvimento e promoção que fornece uma estrutura na
qual são tomadas as decisões coletivas e individuais que afetam diretamente
o desenvolvimento turístico e as atividades diárias dentro de uma destinação.
Ou seja, políticas de turismo devem propiciar a infraestrutura necessária para o bom
desempenho das ações voltadas ao turismo. Deste modo, o termo política assume a
acepção de ciência moral normativa do governo ou da sociedade civil, tal como entende
Azambuja (2008).
68
Ao comentar sobre política de turismo, Beni (2003, p.177) argumenta:
A política de turismo é a espinha dorsal do “formular” (planejamento), do
“pensar” (plano), do “fazer” (projetos, programas, do “executar”
preservação), conservação, utilização e ressignificação dos patrimônios
natural e cultural e sua sustentabilidade, do “reprogramar” (estratégia) e do
“fomentar” (investimentos e vendas) o desenvolvimento turístico de um país
ou de uma região e seus produtos finais.
Assim, percebe-se que a política de turismo, com base em uma visão ampla dos fatores
e aspectos que estão implicados no processo, respaldada pelo planejamento e por
estratégias, deve ser capaz de criar as condições de infraestrutura que promovam o
desenvolvimento turístico de forma integrada.
Na concepção de Beni (2003), qualquer política de turismo deve alicerçar-se em três
elementos: cultural, social e econômico. Com respeito à questão cultural, todos os
programas devem se condicionar à política de preservação do patrimônio cultural,
artístico, histórico, documental e paisagístico natural do país. A propósito do aspecto
social da política de turismo, ela deve envolver-se com as mesmas questões presentes na
questão cultural, com a particularidade de abranger suas dimensões globais. O fator
econômico faz parte do processo turístico, mas não é a sua principal finalidade. De
acordo com Beni (2003, p. 179):
A terceira condicionante é a econômica, pela qual, programas e projetos
deverão ativar e dinamizar empreendimentos que atuam no setor, com amplo
apoio ao comércio, hotelaria, produção especializada e artesanal,
transportadores, agências de viagens e quaisquer outras iniciativas válidas no
setor, privadas ou públicas. Serão procurados de todas as formas recursos
necessários à promoção interna e externa, e investimentos de infraestrutura
nos níveis municipal, estadual e federal. O benefício econômico terá que se
fazer sentir nos resultados, interna e externamente, com ativação do produto
nacional e com aumento de entrada de divisas.
Beni (2003) sinaliza que compete aos órgãos institucionais públicos determinar
prioridades, criar normas e administrar recursos. Assim sendo, diretrizes e facilidades
serão prioridades do governo. Acerca das questões econômicas que envolvem turismo, o
entendimento é de que algumas ações são imprescindíveis para o sucesso do turismo,
dentre as quais destacamos:
a) investimento em infraestrutura de apoio, ou seja, sinalização em pelo menos dois
idiomas;
b) realização de eventos, com divulgação institucional, buscando com isso um modo
efetivo de reduzir a sazonalidade, gerando, por conseguinte, novas oportunidades de
comercialização;
c) definição de mercados prioritários, inserindo-os numa política de marketing, com o
auxílio de representações diplomáticas. Produtos de grande projeção deverão ser os
ícones das campanhas;
69
d) possibilitar trabalho conjunto que atenda a diversos entes do turismo, por meio da
integração entre poder público e iniciativa privada, por meio de conselhos, grupos de
trabalho, fóruns etc.
Não obstante, segundo o Ministério do Turismo (2009), o turismo é uma atividade
econômica da iniciativa privada. Mas o poder público tem papel essencial na definição
de políticas e ações, na organização e mobilização entre os segmentos envolvidos, e na
garantia de recursos para infraestrutura, promoção e qualificação.
Com o surgimento do Ministério do Turismo em 2003, a nova Política Nacional de
Turismo instituiu um modelo de gestão descentralizada, que buscou organizar, articular
e integrar os gestores do turismo – públicos, privados e do terceiro setor – nos estados e
municípios, especialmente nos que compõem as regiões turísticas.
Ainda segundo o Ministério do Turismo (2009, p.7), quando desenvolvido pela
iniciativa privada, o turismo tem a missão de participar diretamente do crescimento
econômico e gerar dividendos sociais, orientado por políticas públicas claras e auxiliado
pelos investimentos públicos.
Assim, podemos considerar que, sem esses elementos, fica vazio e insignificante
propor-se uma integração do público/privada. E preciso que público e privado
encontrem-se numa intercessão e cada qual, mantendo as características próprias, se
unam em um projeto comum, visando não só a lucratividade, mas, fundamentalmente, o
bem-estar da população e a sustentabilidade.
3 TURISMO É PAPEL DO ESTADO E DO MUNICIPIO NA GESTÃO
INEGRADA PÚBLICO PRIVADA
O Turismo é extremamente dependente do setor público, pois o Poder Público é o
principal responsável pela qualidade do produto turístico. A participação da dos
diversos segmentos na implementação de uma política de desenvolvimento que envolva
a maioria dos segmentos da sociedade é possível porque a qualidade do produto
turístico depende do envolvimento sistêmico dos diversos componentes integrantes do
produto global único que é o Turismo. O papel do setor público é facilitar, induzir e
organizar, pois a atividade turística, por ser bastante dinâmica, traz benefícios em curto
prazo, mas também pode prejudicar o meio ambiente natural e sociocultural com a
mesma velocidade.
Segundo Dias (2005, 139-140),
70
Mais do que qualquer outra atividade, a intervenção pública é absolutamente
necessária no turismo, principalmente pelos seguintes motivos:
a)
o turismo é uma atividade altamente dinâmica e pode gerar tanto
efeitos positivos quanto negativos, e é necessário frear a avidez de
lucro para que se possa ter uma atividade sustentável econômica,
social e ambientalmente;
b) no caso do turismo, os bens públicos são de fundamental importância;
tanto a infra-estrutura, a segurança, muitos recursos naturais e
culturais dependem do Estado. Além disso, são as administrações
públicas que irão cuidar da acessibilidade, salubridade, beleza,
segurança, etc. de muitos recursos turísticos.
Portanto, para que o turismo desenvolva-se com sucesso, há a necessidade não apenas
da intervenção do setor público, mas da parceria entre os diversos segmentos atuantes
na atividade, conduzindo a um processo sinérgico, onde o todo é maior que a soma das
partes integrantes do sistema.
O Estado é um dos principais responsáveis pelo Planejamento Turístico. Entre suas
competências e atribuições está zelar pelo planejamento através de políticas e da
legislação necessária ao desenvolvimento da infra-estrutura básica, proteção e
conservação do patrimônio ambiental (natural e sócio-cultural), bem como criar
condições que facilitem e regulamentem o funcionamento dos serviços e equipamentos
nas destinações necessários ao atendimento das necessidades e anseios dos turistas,
geralmente a cargo de empresas privadas (RUSCHMANN, 2004 p. 67). Atualmente o
papel dos municípios tem tomado maior destaque, pois:
Partimos da premissa de que, em função do atual processo de globalização,
sem descartar o importante papel a ser desempenhado pelos governos
nacionais, os municípios devem assumir cada vez mais e intervir
decididamente para obter a melhoria da qualidade de vida de suas populações.
Num momento em que os processos transacionais tornam-se cada vez mais
fortes, os diferentes níveis locais competem entre si no espaço globalizado.
Disputam a instalação de plantas industriais, de enormes centros de compra,
parques temáticos, fluxo de visitantes, etc. Os processos globais produzem
efeitos diretos nas economias locais, e, para fazer frente a essas influências,
devem organizar-se para aumentar sua competitividade (DIAS, 2003, p.36).
Estas competências incluem a facilitação de consenso em torno de estratégias e
objetivos específicos para uma destinação e o fornecimento de uma estrutura para
discussões públicas e privadas sobre o papel e as contribuições do setor turístico para a
economia e para a sociedade geral, o que de fato é um dos objetivos desta pesquisa.
Para que isso ocorra, o Ministério do Turismo através de Fóruns Estaduais e do
71
Conselho Nacional de Turismo promovem e monitoram ações em regiões e roteiros
integrados e municípios.
Ainda considerando o planejamento do ponto de vista do Estado, percebemos que as
dificuldades são agravadas pela própria estrutura do sistema. É muito difícil coordenar
um processo que engloba esferas federais, estaduais e municipais.
Segundo Dencker,
As decisões da comunidade não detêm poder suficiente para contrariar as
políticas nacionais e regionais, e ainda há o fato de que muitas vezes as
elites locais atuam em beneficio próprio, sem considerar os interesses da
comunidade (DENCKER, 2004, p 12).
Não obstante, a atividade turística na Bahia tornou-se uma via para o desenvolvimento
socioeconômico baiano em razão de a cultura baiana ter muito a oferecer. Tal fato é
reiterado no Guia Cultural da Bahia (BAHIA, 1998, p. 11) que evidencia a exploração
da cultura baiana como meta maior do turismo:
Na Bahia, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, a cultura é o bem
maior do seu povo, patrimônio comum a todos os cidadãos – da capital, do
litoral e do interior. Berço da cultura brasileira, aqui está um dos mais
importantes polos de produção artística e cultural do país, que preserva, mas
sabe agregar sem preconceito, valores produzidos pelos movimentos da
sociedade contemporânea e suas inovações criativas. Mística e miscigenada,
a cultura baiana é única, diferenciada de todo o contexto nacional, pela
combinação de três povos que deram origem à sua formação – o branco, o
negro e o índio. Dessas contribuições, reunidas, fez sua marca e criou a
personalidade que retrata essa diversidade, tão rica quanto dialeticamente
harmônica.
Alguns fatos marcam o desenvolvimento da história do turismo no estado. Em Salvador,
a Prefeitura Municipal recebe em doação o primeiro documento utilizado por órgão do
governo do estado para o setor do turismo. Trata-se de um estudo feito por empresa de
propaganda, no ano de 1955, intitulado Plano de Turismo da Bahia, cujo objetivo foi
chamar à atenção do setor público para o potencial da cidade. Em 1958, o estado
incorpora o turismo a seu Programa de Recuperação Econômica; em 1959, o turismo
passa a fazer parte do Programa de Desenvolvimento da Bahia (PLANDEB), relativo ao
período de 1960/1963 (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999).
O resgate histórico desse desenvolvimento traz o registro de fatos relacionados à
economia do estado. De acordo com Queiroz (2005), até meados da década de 1950, a
economia baiana era agrícola, fundamentada na exportação do cacau. A partir da década
de 1960 tem início o processo de industrialização, com a implantação da Refinaria
Landulfo Alves, em Mataripe, e do Centro Industrial de Aratu (CIA). Nos anos setenta,
consolida-se o processo de industrialização, com a construção do Polo Petroquímico de
Camaçari (COPEC). (QUEIROZ, 2005).
72
Com a industrialização do estado e a consequente urbanização e expansão do setor
terciário, a indústria do turismo começa a destacar-se. Ampliação e modernização de
infraestrutura hoteleira de Salvador e descoberta de novas cidades como polos turísticos
ocorre também na década de setenta, motivada, inicialmente, pela nova classe social que
surge com a indústria e representa grande potencial para o consumo de produtos
turísticos da Bahia.
Efetivamente, a Bahia deu seus primeiros passos na direção da execução e
desenvolvimento do turismo, com base no Plano de Turismo do Recôncavo (PTR),
concluído no ano de 1970. O plano apresentou como inovação, a análise setorial, ou
seja, desenvolveu política específica para determinada região e sua área de atuação
abrangeu 38 municípios. Outra novidade foi o fato de o plano ter sido o primeiro
voltado exclusivamente para o setor de turismo (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999).
No final da década de setenta, o turismo consolidou-se no interior da Bahia, em áreas
litorâneas, mais precisamente em Porto Seguro, depois Ilhéus e Valença, expandindo-se
pela costa baiana. Outros fatores que contribuíram para a interiorização do turismo no
estado foram a construções da BR-101 e a criação da Bahiatursa, que, inicialmente,
possuiu função de fiscalização de hotéis e afins. Ainda na mesma década, surgiu o
Litoral Norte, que, em sua primeira etapa, abrangeu área compreendida entre Lauro de
Freitas e Itacimirim (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999).
Na década de setenta, desenvolve-se o “Projeto Baía de Todos-os-Santos”, a pedido da
Coordenação do Fomento ao Turismo, com o objetivo de identificar potencialidades
turísticas da Baía de Todos-os-Santos e do litoral do Recôncavo, definindo áreas
prioritárias para desenvolvimento do setor (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999).
A partir da década de 90, o planejamento do turismo na Bahia incorporou uma nova
roupagem. Assim como as demais secretarias órgãos estaduais do país, o Estado passou
a priorizar o Plano de Desenvolvimento Turístico (Prodetur), programa que extrapola o
caráter estritamente turístico e abrange diversos outros setores, desde infraestrutura
básica e projetos de qualificação de mão de obra, até implantação de complexos
turísticos. O Prodetur/BA é uma parceria entre os governos estadual e federal,
coordenada pela Bahiatursa, objetivando melhor aproveitamento de potencialidades
naturais, culturais e históricas, além de redimensionar o espaço territorial baiano,
mediante o desenvolvimento turístico (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999).
No caso específico da Bahia, a maior parte das inversões do Prodetur é efetuada na
Costa do Descobrimento, principalmente pelo fato desta Costa abrigar o município de
Porto Seguro, um dos principais pólos de desenvolvimento turístico no Estado. O
estado, logo em 1992/93, contrata, com recursos próprios, uma consultoria para as
prefeituras dos municípios dessa Zona Turística, daí resultando um Plano de Referência
Urbanístico Ambiental (PRUA) para cada unidade municipal. Entretanto, receosas de
perder o controle de sua gestão, as prefeituras recusam-se a transformar os PRUA em
Lei, nas Câmaras Municipais (QUEIROZ, 2005).
73
Em 1995 é deflagrado o processo de criação de um Conselho Regional de Turismo
(CRT). Implantado em 1997, o CRT vem tentando, juntamente com as prefeituras e a
Secretaria da Cultura e Turismo (SCT), realizar um melhor gerenciamento do turismo
regional, o que se torna um processo complexo diante da diversidade de interesses, em
alguns momentos congruentes e, em outros, divergentes. Com base nessa experiência,
outras formas de conselho de turismo passam a ser adotadas no estado, a exemplo da
Comissão de Turismo Integrada (CTI) da Costa do Cacau. São também implantados
conselhos decorrentes do Programa Nacional de Municipalização Turística da Embratur
(PNMT) e, posteriormente, dos Conselhos dos Polos Turísticos. Notamos, entretanto,
nesses e em outros exemplos, as dificuldades para o estabelecimento de uma parceria
entre os poderes públicos e a sociedade civil organizada e para passar-se de um modelo
de gestão centralizada para uma administração descentralizada.
A partir do exposto podemos perceber que, no processo de normatização, gerência,
fiscalização e apoio ao desenvolvimento do turismo é de fundamental importância a
participação do Estado. A respeito dessa participação, Palomo (1985, p. 376) defende:
Na política turística, o sujeito ativo pode se identificar com o Estado,
representado por um conjunto de organismos. O Estado não pode permanecer
indiferente aos movimentos turísticos, devendo apoiar o desenvolvimento
dessa atividade, uma vez que conta com os recursos econômicos e detém
recursos jurídico-administrativo-policial para sua ordenação e equilíbrio.
A importância das políticas públicas para a qualificação das cidades turísticas e para o
alcance de competitividade é, sem dúvida, fundamental. Isto, no entanto, não significa
dizer que o Estado deve – e pode – ser o único responsável pelas políticas traçadas para
o turismo desses destinos. O próprio Palomo (1985), que defende o Estado enquanto
sujeito ativo da política turística assinala que o papel desempenhado por essa entidade
no turismo deve resumir-se a: estimular e incentivar a iniciativa privada com fins a um
desenvolvimento mais intenso e harmônico; prestar ajuda econômica e de orientação
nos projetos que promovam efeitos sociais e econômicos benéficos; defender os
recursos naturais, históricos e patrimoniais, bem como os direitos dos consumidores
turistas; controlar o equilíbrio estrutural e o cumprimento da normativa; criar e articular
o marco jurídico para o normal e perfeito desenvolvimento e expansão; e corrigir
desajustes mediante ações diretas e indiretas.
Ao discutir o papel do Estado no turismo, Hall (2001), tomando como referência a
União Internacional de Organizações de Viagens (IUOTO), precursora da Organização
Mundial do Turismo (OMT), aponta um conjunto de áreas propícias ao envolvimento
do setor público nessa atividade, dentre as quais: coordenação, planejamento, legislação
e regulamentação, empreendimentos e incentivos. A estas, Hall (2001) agrega mais duas
funções: um papel de turismo social e outro, mais amplo, de proteção de interesses.
Após discorrer sobre o turismo e o papel do Estado, na próxima seção, discutiremos a
gestão integrada público/privada na exploração do turismo.
74
4 GESTÃO INTEGRADA PÚBLICO/ PRIVADO
Como já fora colocado, o atual Plano Nacional de Turismo (PNT), que prevê ações
entre os anos de 2007 a 2010, presume um novo modelo de gestão pública,
descentralizada e participativa, integrando as diversas instâncias da gestão pública e da
iniciativa privada, por meio da criação de ambientes de reflexão, discussão e definição
das diretrizes para o desenvolvimento da atividade nas diversas escalas territoriais e de
gestão do país (PNT, 2007, p. 43).
Nesta escala de relacionamento, os municípios, dentro deste contexto, são incentivados
a criar conselhos municipais de turismo e organizarem-se em instâncias de
representação regional pública e privada, possibilitando a criação de ambientes de
discussão e reflexão adequados às respectivas escalas territoriais, complementando
assim, o sistema nacional de turismo (PNT, 2007, p.44).
Neste contexto, o PRODETUR – Programa de Desenvolvimento do Turismo no
Nordeste – integra a Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento. Este
programa foi criado no final da década de 90 e tinha como principal objetivo
incrementar os níveis de emprego e renda da população nordestina. Atualmente, o
PRODETUR encontra-se na sua segunda fase, o PRODETUR II, e trabalhando o
conceito de Pólos Turísticos (espaço geográfico claramente definido, com pronunciada
vocação para o turismo, envolvendo atrativos turísticos similares e/ou complementares)
e a realização de planejamento participativo, integrado e sustentável para o
desenvolvimento do turismo nos pólos turísticos selecionados, visando benefício da
população local – desenvolvimento humano e social. Os pólos também buscam a
mobilização e integração dos atores locais com foco na atividade turística e nos
resultados em benefício da população local (PRODETUR, 2006).
Outrossim, a proposição hoje em evidência é a criação de novos modelos de gestão
turística, com ampla participação da iniciativa privada e de diversos segmentos da
sociedade civil organizada, visando estabelecer políticas de planejamento,
desenvolvimento e promoção do turismo. Goeldner, Ritchie e McIntosh (2002, p. 35)
assim argumentam sobre a importância de se estabelecerem políticas de planejamento e
desenvolvimento de maneira integrada e colaborativa.
Como tanto o setor público quanto o privado controlam (e muitas vezes operam) um
número significativo de eventos, instalações e programas turísticos, é fundamental que
75
os esforços de formulação de políticas, planejamento e desenvolvimento sejam
realizados dentro de uma estrutura organizacional conjunta, cooperativa e colaborativa.
O não-reconhecimento da importância dessa realidade conduz apenas ao antagonismo,
ao conflito e às estratégias de planejamento e desenvolvimento desarticuladas.
Isso porque, explorar o turismo de forma desordenada, sem planejamento, sem uma
estrutura ou sistematização de processos envolvendo os diversos atores, pode
influenciar de maneira significativa na decisão do turista, uma vez que um sistema
complexo, como é o turismo, se não for devidamente conduzido pode vir a demonstrar
sinais de vulnerabilidade, inclusive, falir como qualquer outra empresa (GOELDNER;
RITCHIE; MCINTOSH, 2002).
Em consonância com os estudos de Bignotto (1994), temos que a discussão sobre
limites do domínio público e do domínio privado vem ocupando um lugar quase
inusitado nos debates dos últimos anos, e isso não somente no Brasil.
Para Bignotto (1994), em boa parte das sociedades industrializadas, as fronteiras entre o
público e o privado se modificaram de maneira radical, transformando velhos
parâmetros, que estabeleciam obrigações e limites do Estado, em peças arcaicas de uma
época que não conhecia novas relações econômicas, nem novas formas de organização
nas sociedades pós-industriais.
Para esse autor, a gestão pública, via de regra, não produz valor agregado e não atua na
comercialização de produtos ou serviços, limitando-se a aplicar seus recursos,
maciçamente oriundos de tributos, impostos, taxas, contribuições fiscais e para-fiscais,
em atividades voltadas para o desenvolvimento e melhoramento das condições de vida
de seus cidadãos. Já a administração privada utiliza-se de toda a sua conjuntura
estrutural, por meio de pesados investimentos em tecnologia, pesquisa, processos de
melhoramentos diversos, marketing, clientela etc., para maximizar, cada vez mais,
lucros e todos os outros resultados contábeis.
Alguns conceitos sobre os dois tipos de gestão podem servir de parâmetro na pretendida
diferenciação entre ambos. Waldo (1997, p. 22, grifo do autor) sustenta que:
[...] a administração pública é a ação racional, definida como a ação
corretamente calculada para realizar determinados objetivos desejados. A
administração pública como estudo e como atividade, é planejada para
incrementar a realização dos objetivos; e frequentemente fundem-se os dois,
uma vez que, em última análise, o estudo é também uma forma de ação.
Como visto, o fim ou finalidade da administração pública é realizar determinados
objetivos desejados, sendo necessário um percurso que anteceda essa realização, que
passa pelo planejamento e estratégias de ação. No entanto, cabe evidenciar, no que
respeita a essa relação público/privada, que as discussões tomam o rumo das relações
econômicas que se processam em seu bojo.
De acordo com Bignotto (1994, p. 19):
76
[...] a transferência da discussão sobre a natureza do público e do privado
para o terreno das relações econômicas efetua uma curiosa inversão de toda a
reflexão política clássica. Fazendo do privado, ou daquilo que o caracteriza
de maneira inequívoca, a defesa dos interesses econômicos particulares, o
parâmetro para a constituição do discurso político, termina-se por reduzir a
política ao equilíbrio dos múltiplos interesses.
Desse ponto de vista, entendemos que há uma interpretação equivocada sobre as
características peculiares à administração pública, uma vez que não se levam em conta
as diferenças fundamentais entre o governo e a empresa privada em busca de lucros.
Como ressalta Waldo (1997), o que chamam de deficiências e defeitos do procedimento
de divisões administrativas são características inerentes à administração pública.
Assim sendo, uma repartição não é uma empresa à procura de lucro e, assim sendo, não
pode fazer uso de um cálculo econômico ou mesmo de resolver problemas que são
próprios de uma empresa industrial. Está fora de cogitação melhorar sua administração,
reestruturando-a consoante padrões da empresa privada. É um erro julgar a eficiência de
um departamento governamental comparando-o com o funcionamento de uma empresa,
sujeito à influência dos fatores do mercado (WALDO, 1997).
Ressaltamos que a gestão, seja ela pública ou privada, está passível de negligência
culposa, falta de competência ou revela resultado de condições políticas e institucionais
especiais. Assim, o que deve ser levado em consideração são os objetivos propostos. Se,
na gestão privada, o objetivo é o lucro (em primeira instância), na gestão pública, é a
obediência às regras e regulamentos.
Surge, então, a necessidade de buscar uma alternativa para compreender o papel a ser
ocupado por cada tipo de gestão, ou seja, a redefinição das fronteiras do público e do
privado, que Bignotto (1994) caracteriza como o princípio da eficiência. De acordo com
o autor, [...] o ponto de partida para a formulação de um princípio de eficiência para
medir as atividades do Estado é a ideia de que a finalidade do Estado é tornar as pessoas
melhores, o que significa educá-las e fazê-las usar suas melhores qualidades.
(BIGNOTTO, 1994, p. 16). Bignotto (1994, p. 16) ainda acrescenta: “[...] a eficácia de
um Estado mede-se, portanto, pelo grau de educação de seus cidadãos e pelo esforço
público despendido nesse sentido”.
É preciso um modelo menos autoritário e centralizador e que contemple, de fato, o
envolvimento das comunidades, de forma sustentável, o que é ressaltado pela
Organização Mundial de Turismo (1993, p. 51):
[...] o desenvolvimento do turismo sustentável pode satisfazer as
necessidades econômicas, sociais e estéticas, simultaneamente as
integridades cultural e ecológica. Pode ser benéfico aos anfitriões e para os
visitantes enquanto protege e melhora a mesma oportunidade para o futuro.
Essas são as boas notícias. Contudo, o desenvolvimento do turismo
sustentável envolve tomada de medidas políticas vigorosas baseadas em
trocas complexas aos níveis social, econômico e ambiental.
Assim, relacionando gestão privada com gestão pública, podemos afirmar que tanto a
gestão pública quanto a gestão turística devem estar voltadas para o princípio da
77
eficiência, pois, ainda que os objetivos da gestão pública e da privada sejam distintos, o
fim é o mesmo: proporcionar lazer, cultura, conhecimento, entretenimento e forma
integrada e sustentável.
A forma como estão postas as questões público/privada tem determinado uma tendência
em considerar que o âmbito de ação do gestor público é vinculado à legislação, que o
condiciona à legalidade, ou seja, aos limites que lhe são impostos. Já na gestão privada,
o empresário tudo pode, desde que a legislação não proíba legalmente o ato. A ele só
não é permitido o que é proibido.
Assim, no tocante à gestão turística, entendemos que a gestão pública não deve
restringir-se ao que está previsto em lei e a gestão privada deve levar em consideração
outros aspectos, além do lucro, e ultrapassar suas próprias limitações. Apesar da
existência de divergências doutrinárias sobre diferenças entre gestão pública e gestão
privada, não podemos negar que existem e são decisivas no processo de gerenciamento
das questões que permeiam o processo de desenvolvimento e promoção do turismo.
5 A CIDADE DE SALVADOR COMO CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DO
TURISMO
Trazemos nesta seção o caso da cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, como
um centro de desenvolvimento do turismo. Esta cidade é eminentemente turística, em
função de seu contexto histórico-cultural, fruto de influências não apenas das culturas
indígena, portuguesa e africana, como também de outros povos imigrantes que
conformam hoje uma cidade miscigenada, dotada de ampla beleza natural e
características próprias, que a tornam atrativa para o turismo.
Dentre outros aspectos, destacam-se uma vasta costa marítima, a estrutura geológica da
área, que permite a plena observação da divisão da cidade de Salvador em duas cidades
– Cidade Alta e Cidade Baixa –, além dos indescritíveis apelos e encantos visuais
proporcionados por uma arquitetura urbana única e pelo singular modus vivendi de seus
habitantes.
Salvador possui uma população de 2.998.096 habitantes e uma área de 706.799 km²,
sendo a principal metrópole da região Nordeste do Brasil e a terceira do país em
população, superada apenas por São Paulo e Rio de Janeiro (BRASIL, 2014).
O título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade proporcionou a Salvador a
condição de tornar-se um dos grandes centros turísticos, já delineado desde a revolução
industrial. Como observa Queiroz (2005), a industrialização foi, de fato, a grande
propulsora do turismo da capital, tanto em função das transformações urbanas geradas
que, em parte, beneficiaram a atividade turística – a exemplo da expansão em direção ao
vetor norte da cidade, descortinando novas áreas para o turismo, e da qualificação desse
78
espaço urbano com o novo aporte de recursos gerados – quanto em face da atração
direta de visitantes motivados pelo segmento de negócios.
Por ter riquezas nos aspectos cultural, étnico, natural e econômico, a cidade de Salvador
tem vocação natural e grande potencial turístico. Como considera Coimbra de Sá (2006,
p. 6):
Um slogan publicitário conhecido que é utilizado pelos órgãos
de turismo do estado (que foi altamente divulgado na época da
comemoração dos 500 anos de descobrimento do país) é “Bahia,
o Brasil nasceu aqui”. Esse slogan é utilizado para remeter não
apenas à ideia de “nascimento físico” com a chegada dos
portugueses, mas de nascimento cultural, de existência de raízes
(principalmente étnicas e culturais). A Bahia seria o local, por
excelência, das primeiras miscigenações étnicas e do surgimento
da “autêntica” cultura brasileira.
Por ser a primeira grande metrópole portuguesa nas Américas, Salvador é uma cidade
multicultural, folclórica e cheia de manifestações culturais em função de sua
miscigenação de raças e culturas – portugueses, negros e índios.
Mendes (2001) considera que, a partir de 1991, o estado da Bahia adotou uma estratégia
de desenvolvimento da atividade turística, especialmente para a capital, fundamentada
nas belezas naturais e riquezas ecológicas, no patrimônio histórico e na diversidade
cultural do estado, acompanhada de uma série de ações que visavam ao estímulo do
turismo, como infraestrutura. Deste modo, segundo a autora, foi iniciado o projeto de
revitalização do Pelourinho, com a recuperação dos antigos casarões e o
redirecionamento das atividades econômicas, além do desenvolvimento de projetos,
como o Bahia Azul, cuja meta foi elevar para mais de 90% o saneamento básico na
cidade, possibilitando uma redução significativa da poluição da orla marítima, a
iluminação da orla da Barra, a revitalização do Dique do Tororó e o reforço da
segurança pública, com promoção de eventos de alcance nacional.
Dentre outros investimentos do governo nesse período, destaca-se a ampliação do
aeroporto de Salvador e a mudança, em meio a protestos e reclamações, do nome de
Aeroporto Dois de Julho para Aeroporto Luiz Eduardo Magalhães. A ampliação do
aeroporto refletiu a crescente demanda de turistas para a cidade do Salvador, por meio
de voos domésticos e internacionais.
Destaca-se também a culinária baiana, representada por uma variedade de pratos,
destacando-se o acarajé, o vatapá e o caruru. Soma-se a tudo isso, a alegria, a
espontaneidade e a receptividade que os soteropolitanos oferecem aos que visitam
Salvador. Não se pode deixar de citar as festas populares que fazem parte da tradição,
como as festas de largo e o carnaval. Este último, a despeito dos benefícios, causa
79
alguns transtornos para a população, levando muitos moradores a deixarem a cidade, em
busca de tranquilidade, em razão de a cidade ser “invadida” por turistas.
Ao se observar que existe uma sinergia entre a cultura, o turismo e o lazer no carnaval
de Salvador, corre-se o risco de tentar criar um pacote fechado e vender essa imagem
para os turistas, como se viu ocorrer com a ação de muitas empresas públicas na
divulgação do carnaval na mídia, desvirtuando, muitas vezes, a cultura popular em
nome da lucratividade. Conforme Mendes (2001, p. 57): “[...] podemos observar, nas
últimas décadas, um forte processo de mercantilização da cultura popular em Salvador.
Nesse processo, a cultura é transformada e apresentada como um produto”.
Frente a isto, o planejamento estratégico deve ser visto como uma ferramenta de
promoção da atividade turística nessa cidade. Mendes (2001) aborda as estratégias que
devem ser buscadas no negócio cultural, tentando associar a cultura ao turismo e ao
entretenimento. O autor, todavia, ressalta a questão do respeito aos valores, que, em
geral, muitos segmentos não observam em suas abordagens.
Ao refletirmos o desempenho da indústria cultural, identificamos claramente a
relevância da denominada eficácia operacional. Assim, os costumes, a música, a
literatura, a cultura do povo pode ser transformada em produto comercializável.
Mas só a eficácia operacional não é suficiente, pois isto significaria que qualquer
organização sem laços profundos com um determinado povo poderia “empacotar” a
cultura e vendê-la. Porém, também, é necessária uma boa dose de diferenciação de
produtos e de conhecimento das práticas e valores culturais. (MENDES, 2001, p. 63).
O Programa de Desenvolvimento Turístico foi concebido como norteador dos impactos
socioeconômicos e ambientais para a gestão turística estadual. Inevitavelmente, a
temática abordada apresenta a influência de elementos que tornam essa questão
complexa, pois, no caso de Salvador, além de envolver a forma de gestão da cidade,
apresenta aspectos como a concorrência vigente no mercado mundial de turismo, o
interesse das operadoras de viagem, o desejo dos consumidores turistas, a efetividade do
trabalho de promoção e captação de visitantes, intempéries climáticas, insegurança
social e política, violência urbana, distâncias culturais, dentre outros.
Em Salvador, a competitividade do turismo é um dos fatores que tem na gestão pública
um dos seus elementos de suporte. O conjunto de transformações sócio-políticoeconômicas evidencia a importância da competitividade enquanto elemento
desencadeador de posições de vanguarda. A busca da competitividade urbana vem
permitindo a reestruturação do planejamento como forma de viabilização do
desenvolvimento local, além de também estar tornando mais evidentes desigualdades e
contrastes existentes entre núcleos dotados de vantagens comparativas.
80
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença do Estado é relevante em todas as etapas de manutenção da sustentabilidade
do turismo, pois só a ele cabe investir em políticas de infraestrutura pertinentes às
demandas detectadas. Se, por um lado, a iniciativa privada responde com velocidade às
reivindicações do setor e detém linguagem adequada e recursos financeiros para
investir, falta-lhe interesse coletivo, visão da coisa pública e regulamentação, itens
próprios dos entes públicos. Por isso, as discussões sobre a gestão pública e a gestão
privada se fazem necessárias para propor e encontrar soluções para as demandas e
problemas que possam comprometer o bom desenvolvimento do turismo no Estado.
A promoção de uma gestão integrada público/privada deve ampliar-se às possibilidades
de atrair investimentos, gerar empregos, renovar base produtiva e resolver questões
ambientais, dentre outros benefícios, e tal questão encontra-se na base de toda política.
Assim, quanto mais o setor público se orienta para a integração com o setor privado,
mais benefícios para todos.
Na Bahia, o questionamento em relação ao papel do Estado no turismo e a quem deve
caber a responsabilidade por instrumentar e colocar em ação a política turística
encontra-se em grande efervescência. O debate promovido sobre a necessidade de
elevar a competitividade do turismo baiano está levando tanto o segmento público
quanto o privado a rever seu próprio papel. As estratégias intervencionistas
implementadas pelo governo faz com que o Estado assuma a responsabilidade pelo
desempenho quase integral da atividade.
É observável que a gestão do turismo em Salvador caminha em busca de consolidar-se e
estabelecer-se como uma gestão importante na competitividade turística da cidade do
Salvador. No entanto, falta ainda muito a ser revisto e reestruturado para que tal
objetivo se estabeleça. Um dos fatores que devem ser observados é o envolvimento de
todos na direção de um turismo sustentável, que respeite a realidade de cada
comunidade com suas especificidades.
Para isso, é preciso um modelo menos autoritário e centralizador, que contemple o
envolvimento das comunidades para promover, de forma sustentável, o
desenvolvimento do turismo, satisfazendo as necessidades econômicas, sociais,
estéticas, culturais e ecológicas. Mas esse desenvolvimento do turismo sustentável vai
exigir tomado de decisões políticas, em nível social, econômico e ambiental.
Nesse viés, é possível considerar que a gestão do turismo de Salvador não deverá,
necessariamente, seguir fórmulas ou modelos pré-existentes, não obstante suas
especificidades. No entanto, deve-se buscar conhecer a realidade local, procurar
incorporar o território e incluir os atores locais excluídos em função da estreita relação
entre a competitividade turística e o desenvolvimento local, sendo necessária a
81
articulação entre a comunidade, a gestão pública e a gestão privada, para que a gestão
do turismo na cidade ocorra de maneira que favoreça a todos os envolvidos no processo.
Assim, a Bahia, de modo geral, está na rota do turismo cultural, religioso, de negócios,
étnico-afro, ecoturismo, dentre outros. Frente a isso, necessário se faz um planejamento
bem estruturado, que não dispense o papel tanto da gestão pública quanto da gestão
privada, porém respeite a identidade de cada lugar, de cada grupo, assim como de cada
cultura e tradição.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. 2. ed. São Paulo: Globo, 2008.
BAHIA. Bahiatursa: Empresa de Turismo da Bahia. Turismo na Bahia. Salvador,
2008. Disponível em: <www.bahiatursa.ba.gov.ba>. Acesso em: 20 maio 2009.
BAHIA. Secretaria de Cultura e Turismo. Coordenação de Cultura. Guia Cultural da
Bahia. Salvador, 1998. v. 5, t. 1.
BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, Plano de Ação PRODETUR NE-II.
Disponível em: http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR.asp. Acesso em
novembro de 2006.
BENI, Mário Carlos. A política de turismo. In: TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi (Org.).
Turismo: como aprender, como ensinar. 3. ed. São Paulo: Senac, 2003. v. I. p. 277-202.
BIGNOTTO, Newton. Da eficiência do público e do privado. Cad. Esc. Legisl., Belo
Horizonte, v. 1, n.2, p. 9-20, jul./dez. 1994.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidade de Salvador: dados
estatísticos. Brasília, 2006.
Brasil. Ministério do Turismo. Secretaria de Políticas de Turismo Programa de
Qualificação a Distância para o Desenvolvimento do Turismo: formação de gestores
das políticas públicas do turismo / autoria do conteúdo técnico-científico Alexandre
Panosso Netto, Francisco José Pereira da Silva, Luiz Gonzaga Godoi Trigo. –
Florianópolis : SEAD/FAPEU/UFSC, 2009.
COIMBRA DE SÁ, Natalia. A baianidade como produto turístico: uma análise da
ação dos órgãos oficiais de turismo na Bahia. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - INTERCOM, 29., 2006, Brasília. Anais... Brasília:
INTERCOM, 2006. p. 1-15.
DIAS, Reinaldo. Introdução ao estudo do Turismo. São Paulo: Atlas, 2005.
82
______. Planejamento do turismo. Atualizado com o Plano Nacional de Turismo
(2003-2007). São Paulo: Atlas, 2003.
GOELDNER, Charles R.; RITCHIE, J. Brent; MCINTOSH, Robert W. Turismo:
Princípios, práticas e filosofias. 8. ed. São Paulo: Bookman, 2002.
HALL, Colin Michael. Planejamento turístico: políticas, processos e
relacionamentos. Tradução Edite Sciulli.. São Paulo: Contexto, 2001. Coleção Turismo
Contexto.
HOUAISS Eletrônico. Dicionário Houaiss
monousuário 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
da
língua
portuguesa.
Versão
MENDES, Victor Marcelo Oliveira. Salvador: Cultura, turismo e desenvolvimento
econômico. 2001. 121 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) –
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional,Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: <http://teses.ufrj.br/IPPUR_M/
VictorMarceloOliveiraMendes.pdf> Acesso em: 5 maio 2010.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Planejamento para
desenvolvimento de turismo sustentável em nível municipal. Canadá, 1993.
o
QUEIROZ, Lucia Maria Aquino de. A gestão pública e a competitividade de cidades
turísticas: a experiência da cidade do Salvador. 2005. 631 f. Tese (Doutorado em
Planificação Territorial e Desenvolvimento Regional) – Universitat de Barcelona,
Barcelona, 2005.
RUSCHMANN, Doris van der Meene. Turismo e planejamento sustentável: a
proteção do meio ambiente. Campinas, SP: Papirus, 2004.
PALOMO, Manoel Figuerola. Teoria econômica del turismo. Madrid: Alianza
Universidad Textos, 1985.
SANTOS, Sérgio V. T. O desenvolvimento turístico na Bahia. Salvador: FIB, 1999.
VIEIRA, Leonora Guedes. Política pública do turismo: uma análise comparativa de
modelos de implementação Brasil e França. 2009. 102 f. Dissertação (Mestrado
Profissional em Turismo) – Centro de Excelência em Turismo, Universidade de
Brasília, Brasília, 2009.
WALDO, Dwight. Problemas e aspectos da administração pública. S. Paulo:
Pioneira, 1997.
84
O TURISMO E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
Heliete Rosa Bento 1
RESUMO
A preocupação em entender o turismo sob a ótica do desenvolvimento econômico sustentável tem
proporcionando inúmeras reflexões sobre os rumos que se apresentam para essa atividade. Com a força
normativa da Constituição Federal de 1988, a questão ambiental passou a fazer parte não só das agendas
governamentais, mas também do planejamento e gestão de numerosas empresas, dentre elas as empresas
voltadas para o turismo. As potencialidades para o turismo no Brasil, o qual detém a maior diversidade de
recursos naturais do Planeta, têm levado a inúmeras reflexões acadêmicas e ideológicas sobre os processos de
desenvolvimento sustentável no setor. O presente trabalho busca identificar em que medida a legislação
protetiva ao meio ambiente pode efetivamente garantir que os equipamentos turísticos proporcionem aumento da
qualidade de vida às pessoas diretamente envolvidas e para toda a sociedade. Desta forma, este artigo apresenta
algumas reflexões sobre o desenvolvimento econômico na atividade turística, sob a perspectiva da
sustentabilidade, pelas vias da legalidade.
Palavras-chave: Turismo. Meio Ambiente. Proteção Legal.
1 INTRODUÇÃO
A mudança climática evidente coloca o planeta numa crise ambiental real, ameaçando
não só o pleno desenvolvimento, mas também o futuro da humanidade. O desafio é conciliar
uma economia sustentável, que exige ações consistentes e compatíveis, tanto com o
crescimento, quanto com a preservação da vida na Terra, com os interesses econômicos,
exclusivamente individualistas, desvinculados dos interesses coletivos.
As potencialidades para o turismo no Brasil, que detém a maior diversidade de
recursos naturais do Planeta,
tem 67 parques nacionais abertos à visitação e que é
considerado pelo Fórum Econômico Mundial a maior potência do planeta em recursos
naturais, têm levado a inúmeras reflexões acadêmicas e ideológicas sobre os processos de
desenvolvimento sustentável no setor. (PNT, 2013).
Reduzir o consumo de recursos naturais e ampliar as ações de reciclagem, sem
diminuir a competitividade, passou a configurar como ações estratégicas das principais
empresas no mundo, dentre elas, aquelas denominadas por alguns de indústria do turismo.
1
Advogada. Especialista em Direito Ambiental.
85
O direito, posto como um processo de controle social, é endereçado à solução de
conflitos de interesses, de valores e de questões sociais. Assim, não poderia permanecer à
margem da responsabilidade pela proteção ao meio ambiente e, consequentemente, regulando
as atividades econômicas, que representam efetiva ou potencial ameaça ao equilíbrio
ecológico.
Ainda que incipiente, desde o tempo do Império, já existiam algumas leis, tratando de
questões ambientais, regulando, regra geral, interesses individuais, já que a política nacional,
para o Brasil - Colônia era basicamente extrativista. Pode-se afirmar que mudanças
significativas só vieram a ocorrer na década de quarenta, com a entrada em vigor do Código
Florestal de 1946, que foi revogado somente no ano de 2012, com a promulgação da Lei
12.651, que instituiu o novo Código Florestal.
Entretanto, o marco do Direito Ambiental é a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política
Nacional do Meio Ambiente - PNMA, que, dentre outros avanços significativos, criou o
Sistema Nacional do Meio Ambiente, (SISNAMA) e ainda o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA).
Destaca-se que a mencionada Lei é
a única que define meio
ambiente, no inciso I do artigo 3º, verbis. “Para os fins previstos nessa Lei, entende-se por
meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, um
conceito com grande amplitude, que demanda o comprometimento de toda a sociedade, para
viabilizar a efetiva proteção e que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988
(CF/88).
Em 1988, o Direito Ambiental passa a ter status constitucional, cujas diretrizes foram
pautadas nos direitos humanos de terceira geração. Assim, apesar do caráter patrimonialista, o
texto constitucional estabelece a função social como limite ao direito de propriedade,
enfatizando a sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de
defesa e preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações.
A relevância do turismo para o desenvolvimento social e econômico do País
determinou que a atividade, que é tratada no artigo 180, fosse inserida no capítulo que versa
sobre os princípios gerais da atividade econômica, o que reforça a sua importância para a
economia do País.
A preocupação em entender o turismo sob a ótica do desenvolvimento econômico
sustentável tem proporcionando inúmeras reflexões sobre os rumos, que se apresentam para
essa atividade. Com a força normativa da CF/1988, a questão ambiental passou a fazer parte
86
não só das agendas governamentais, mas também do planejamento e gestão de numerosas
empresas e dentre elas as empresas voltadas para o turismo.
O presente trabalho busca identificar em que medida a legislação protetiva ao meio
ambiente pode efetivamente garantir que os equipamentos turísticos proporcionem aumento
da qualidade de vida para as pessoas diretamente envolvidas e para toda a sociedade. Desta
forma, este artigo apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento econômico na
atividade turística, sob a perspectiva da sustentabilidade, pelas vias da legalidade.
2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Ensina Moraes (1994) que, no Brasil, desde a formação colonial, predominaram
procedimentos baseados na apropriação de novos lugares com uma ótica predatória, visando
usufruir o máximo possível das riquezas naturais.
O aparelho de Estado foi construído tendo por referencia o domínio do território e
não o bem-estar do povo [...]. A conquista territorial, o padrão dilapidador dos
recursos naturais, a dependência econômica externa, a concepção estatal geopolítica,
o Estado patrimonialista, a sociedade excludente e a tensão federativa; são
características sobre as quais iniciou-se o processo de constituição do Brasil
contemporâneo. (1994, p.15)
Viola (1987) diz que a industrialização do país incorporou padrões tecnológicos
ultrapassados, no que se refere ao meio ambiente, conduzindo o Brasil, a partir da década de
40, à formação de uma base industrial obsoleta, caracterizada por uma incompatibilidade
entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico; e que somente no início dos anos 70
começaram a surgir os primeiros sinais de esgotamento do modelo desenvolvimentista
acelerado, desencadeado a partir dos anos 40, em que o crescimento econômico intenso
(1940-1980) propiciou uma profunda degradação ambiental.
Também Vieira e weber (1987) entendem que as autoridades oficiais do país
mostravam-se pouco sensibilizadas frente à problemática ambiental. Mesmo o meio ambiente
sendo objeto de constantes debates, desde Estocolmo em 1972, os problemas gerados pelo
modelo produtivo e de desenvolvimento pareciam muito pouco interiorizados pelas esferas
governamentais no país. A preservação do meio ambiente era tratada como a antítese do
desenvolvimento almejado. A poluição era entendida como o preço a pagar, pela sociedade
brasileira, para sair da condição de subdesenvolvimento.
87
Entretanto, devido a pressões internacionais, a questão ambiental adquiriu status de
objeto específico da política estatal, ainda que a nível teórico. Em 1973, foi criada a Secretaria
Especial do Meio Ambiente - SEMA, e daí pra frente outros institutos formais foram
surgindo, sem, contudo, adotar-se formas de controle eficaz para prevenção de danos ao meio
ambiente.
A partir da CF/88, tem-se um dos sistemas jurídicos mais abrangentes e atuais do
mundo sobre a tutela do meio ambiente. Nas palavras de Horta (2010),
[...] a Constituição da República de 1988 promoveu a incorporação do meio
ambiente ao texto constitucional, em decisão que não encontra precedentes nas
constituições que a precederam no Direito Constitucional Brasileiro. As referências
ao meio ambiente são abundantes e elas percorrem a Constituição em toda a sua
extensão, desde os direitos individuais, em título localizado na abertura do
documento, para findar no capitulo derradeiro da parte permanente da Lei
Fundamental. (2010, p.38)
No mesmo sentido, Silva (2012) afirma que a Constituição brasileira é eminentemente
ambientalista, não só por ter tratado da questão ambiental em diversos dispositivos, mas
também ter por instituído poderes amplos e modernos ao poder público, para o exercício da
proteção do meio ambiente e ainda por ter determinado, inclusive, que a proteção do meio
ambiente seja uma das finalidades da ordem econômica, conforme disposto no seu artigo
170, que aponta a defesa como um dos princípios da Constituição Federal.
Além do núcleo normativo específico no artigo 225, da CF/88, tem-se, no texto
constitucional, a questão ambiental como direito fundamental, o que determina de forma
implícita a proteção em todos os níveis do meio ambiente. A inserção do direito ao meio
ambiente no capítulo da ordem social lhe confere dimensão dos direitos sociais, que,
conforme nos ensina Silva (2012, p.53): ”são direitos que cumprem uma função social. Por
isso, ao Estado cabe vincular ações à disposição de meios materiais instrumentais capazes de
operacionalizá-los em prestação positiva”.
Fagúndez destaca que:
O Direito, ao reconhecer o meio ambiente como objeto de preocupação e de
proteção, dá um passo importante para evolução do seu próprio objeto de
conhecimento. Não se trata de uma coisa estática. O ambiente natural é algo vivo,
dinâmico, que se renova permanentemente, com a própria vida. Os recursos naturais
deverão ser protegidos pela legislação, porque a sociedade terá de ter seus bens
maiores protegidos. (2000, p.219)
88
Apesar de todo aparato legal, não houve igual evolução na racionalidade política onde
as questões ambientais fossem alvo real de políticas públicas, que incluíssem a primazia
ambiental no processo de desenvolvimento do país. Embora a legislação ambiental brasileira
seja considerada uma das mais avançadas do mundo, a destruição continua pelo fato de não
haver uma estrutura efetiva para fiscalizar e punir quem não cumpre a lei. (MORAES, 1994).
Sachs (1997) salienta que as formas estratégicas de intervenção do Estado são
essenciais, associadas à criação de instituições capazes de regular, governar e facilitar o
funcionamento dos mercados. Em sua ausência, a globalização irá produzir, uma vez mais,
um desenvolvimento desigual, daí a necessidade de efetivo controle.
Desenvolvimento, no entendimento de Sachs (1997), é um conceito abrangente,
diferente de crescimento econômico, ainda que este seja considerado uma condição
necessária, mas de forma alguma suficiente. A este respeito, Rattner (1991) acrescenta que o
desenvolvimento sustentável não pode ser reduzido apenas à questão do meio ambiente. A
visão integrada e holística do mundo, da sociedade e da trajetória dos homens requer, além de
educação e conscientização permanentes, diferentes relações de produção e consumo, em
todas as suas nuances.
Além disso, Godard (1997) chama a atenção no sentido de que, quando uma noção
tem uma difusão tão ampla e diversificada quanto a de que hoje goza o desenvolvimento
sustentável, isto significa que ela pode satisfazer a projetos e valores de uma grande variedade
de atores e de grupos sociais, e que ela prepara o terreno para a formação de novos
compromissos em suas relações.
Da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO/92 extraiu-se o
conceito
de
desenvolvimento
sustentável,
consoante
Fiorillo
(2004,
p.118):
“o
desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”.
A implementação do conceito de desenvolvimento sustentável pressupõe a
convergência de objetivos das políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e de
proteção ambiental. Desse modo, a busca de um equilíbrio entre o desenvolvimento social,
crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exige um planejamento estratégico
territorial adequado, que leve em conta os limites da sustentabilidade.
Para melhor entender a complexidade do conceito de desenvolvimento sustentável ou
eco desenvolvimento, Sachs (2002, p. 85) adota oito critérios
validariam o desenvolvimento sustentável: Seriam eles:
de sustentabilidade que
89
1) Sustentabilidade Social – Alcance de um patamar razoável de homogeneidade social;
distribuição justa de renda; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente;
igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais.
2) Sustentabilidade Cultural – Mudanças no interior da continuidade cultural; equilíbrio
entre respeito à tradição e inovação; capacidade de autonomia para elaboração de um projeto
nacional integrado e endógeno, em oposição às cópias servis dos modelos alienígenas;
autoconfiança combinada com abertura para o mundo.
3) Sustentabilidade Ecológica – Preservação do potencial da natureza na sua produção de
recursos renováveis; limitação do uso dos recursos não-renováveis;
4) Sustentabilidade Ambiental – Respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas
naturais.
5) Sustentabilidade Territorial – Configurações urbanas e rurais balanceadas; melhoria do
ambiente urbano; superação das disparidades inter-regionais; estratégias de desenvolvimento
ambientalmente seguro para áreas ecologicamente frágeis, (conservação da biodiversidade
pelo ecodesenvolvimento).
6) Sustentabilidade Econômica – Desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado;
segurança alimentar; capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção;
razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica.
7) Sustentabilidade Política (nacional) – Democracia definida em termos de apropriação
universal dos direitos; desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto
nacional, em parceria com todos os empreendedores; nível razoável de coesão social.
8) Sustentabilidade Política (Internacional) – Eficácia do sistema de prevenção de guerras,
na garantia de paz e na promoção da cooperação internacional; controle institucional efetivo
do sistema internacional financeiro e de negócios; controle institucional efetivo da aplicação
do princípio da precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais; prevenção das
mudanças globais negativas; sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica
internacional e eliminação parcial do caráter de commodity da ciência e tecnologia, também
como propriedade da herança comum da humanidade.
Assim, na perspectiva de desenvolvimento econômico sustentável, faz-se necessário
definir estratégias que melhor redimensionem ações que gerem maior equidade social, melhor
distribuição de renda e desenvolvimento local, com a consequente elevação das oportunidades
para a sociedade. Nesta dimensão a atividade de turismo tem um papel de desenvolvimento
econômico relevante, visto que poderá promover mudanças significativas no ambiente em
todas as suas dimensões, sem afetar as gerações futuras.
90
3 ATIVIDADE DE TURISMO SUSTENTÁVEL
Em 1995 a Organização Mundial do Turismo (OMT) realizou a Conferência Mundial
de Turismo Sustentável, em Lanzarote, Espanha, quando foi formulada a Carta do Turismo
Sustentável, que, em seu Artigo 1º, diz:
O desenvolvimento turístico deverá fundamentar-se sobre critérios de
sustentabilidade, ou seja, deverá ser suportável ecologicamente a longo prazo,
viável economicamente e equitativo desde uma perspectiva ética e social para as
comunidade locais. (Carta do turismo sustentável, 1995)
Os fundamentos da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
bem como nas recomendações da Agenda 21 foram incorporados pela Carta do Turismo
sustentável e, a partir de então, pretende-se que a atividade do turismo, ao impactar a região,
não comprometa a durabilidade dos seus recursos.
Apesar da
CF/88 consagrar no seu artigo 170, o
livre mercado de produção
capitalista, porém, determina que tenha por fundamento a valorização do trabalho humano e a
livre iniciativa. Assim, inobstante o modelo de produção ser o capitalista, a Carta Magna
autoriza o Estado a interferir na economia, não somente para reprimir o abuso do poder
econômico e para fiscalizar e incentivar determinadas atividades econômicas, mas também
para que o desenvolvimento nacional seja equilibrado, conforme previsto no seu artigo 174,
verbis:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento
nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e
regionais de desenvolvimento. [...] (BRASIL, 1988)
O texto constitucional evidencia que cabe ao Estado, através do seu poder normativo,
definir as bases do planejamento do desenvolvimento nacional, em todos os setores da
economia. Destarte, também o turismo foi destacado como um dos fatores para o
desenvolvimento social e econômico, no artigo 180 da CF/88, verbis: “Art. 180. A União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator
de desenvolvimento social e econômico”.
Desta forma, face às características do Estado brasileiro, em relação as suas
potencialidades no que se refere à atividade do turismo, a CF/88 determinou que todos os
91
entes da federação busquem o desenvolvimento social e econômico também através desse
setor, formulando políticas publicas que incentivem a esfera privada a investir na indústria do
turismo.
Em 2008, foi promulgada a Lei 11.771, que instituiu a Política Nacional de Turismo,
que define o turismo no seu artigo 2o como
‘as atividades realizadas por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares
diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a 1 (um) ano, com
finalidade de lazer, negócios ou outras’ e direciona a atividade turística para o
desenvolvimento sustentável, na forma do parágrafo único do seu artigo 3º O poder
público atuará, mediante apoio técnico, logístico e financeiro, na consolidação do
turismo como importante fator de desenvolvimento sustentável, de distribuição de
renda, de geração de emprego e da conservação do patrimônio natural, cultural e
turístico brasileiro. (BRASIL, 2008)
O paradigma da atividade turística está alicerçado nos princípios constitucionais da
livre iniciativa, da descentralização, da regionalização e do desenvolvimento econômicosocial justo e sustentável, conforme disposto no parágrafo único do artigo 4º da Política
Nacional de Turismo: “A Política Nacional de Turismo obedecerá aos princípios
constitucionais
da livre iniciativa,
da descentralização,
da
regionalização
e
do
desenvolvimento econômico-social justo e sustentável” (BRASIL, 2008)
A Politica Nacional de Turismo reitera, nos seus objetivos, a sustentabilidade em
todas as suas formas, determinando que o Plano Nacional de Turismo (PNT), cujas metas
são revistas a cada quatro anos, sejam sempre pautadas de
forma a estimular o
desenvolvimento sustentável da atividade turistica. (BRASIL, 2013)
Rodrigues e Arlete (2002) entendem que a complexidade da atividade turística
determina que não se pode atribuir potencial de sustentabilidade sem levar em conta que é
uma atividade econômica que produz espaços, serviços, mas que, também,
consome
paisagens naturais exóticas, história passada, territórios, dentre outros, devendo, pois, ser
articulada com os elementos gerais da produção e do consumo. Assim, o desafio persiste no
sentido conciliar os fatores positivos e negativos da atividade, para que o saldo seja positivo e
sejam as externalidades minimizadas.
Sugere a autora que a sustentabilidade no turismo está pautada na contínua descoberta
de paisagens históricas e naturais, de novos lugares rústicos, que, provavelmente, serão
transformados para serem consumíveis. Assim, a atividade turística “dirige o consumo aos
lugares exóticos, transformando-os para serem comercializáveis, nos padrões de conforto e
qualidade de vida do mundo moderno” (RODRIGUES; ARLETE, 2002, p.49).
92
O avanço no desenvolvimento de novas tecnologias de informação faz do turismo uma
das mais importantes atividades econômicas do país, o que o coloca como um dos pilares da
economia, assumindo um papel relevante no planejamento, haja vista a inegável capacidade
de gerar emprego e renda, além dos benefícios em relação à balança comercial pelo ingresso
de moeda estrangeira.
Para Rodrigues (2007), a partir do turismo, são ampliadas as oportunidades de
negócios que envolvem diversos segmentos e setores da sociedade local, possibilitando a
geração de benefícios, de maneira mais equânime para todos os envolvidos da atividade,
destacando-se a geração de empregos diretos e indiretos.
Porém, destaca Sancho (2001) que nem tudo é positivo, pois se apresenta como
externalidade o aumento do custo de vida, bem como a especulação imobiliária, o que, em
geral, desfavorece os residentes locais. No entanto, ainda assim, a atividade do turismo é
fator preponderante de desenvolvimento, já que
promove
uma distribuição de renda
significativa, pois, se por um lado o consumo de turismo é concentrado na classe de famílias
com melhor situação financeira; por outro utiliza a mão de obra local, propiciando um
aumento da riqueza na região.
O turismo tem um papel ainda mais relevante nos países menos desenvolvidos, haja
vista a constante busca pelo exótico e destinos que alterem o cotidiano, o que mais uma vez
enquadra o Brasil nesta perspectiva.
4 O DIREITO E O TURISMO
O artigo 2° da Lei que estabelece a PNMA, desde 1981, tenta conciliar os objetivos de
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental com o desenvolvimento
socioeconômico, com vistas aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da
vida humana. Para atingir os objetivos propostos, o Direito Ambiental contemplado pelo
Direito Constitucional é norteado por vários princípios, dentre os quais destaca-se como o
mais importante deles o princípio do desenvolvimento sustentável, que procura compatibilizar
a atuação da economia com a preservação do meio ambiente, que depende da prevenção, cujo
argumento recorrente é a falta pessoal para fiscalizar.
Não menos importante é o princípio da responsabilização, mais conhecido como
princípio do
poluidor-pagador, que determina que o poluidor é obrigado a recuperar o
ambiente impactado. Independentemente de culpa, sempre que existam danos significativos
93
ao meio ambiente, existe a obrigação de indenizar, configurado pela responsabilidade civil
objetiva.
Os princípios têm força normogenética e servem para orientar a formação de todo
ordenamento jurídico. Considerando que a constituição é precipuamente principiológica e que
boa hermenêutica exige que uma constituição não seja interpretada em partes, mas sim em
sua inteireza, na análise do caso concreto, há que se considerar todos os princípios que esteja
relacionados à sustentabilidade. Considerando-se que a CF/88 tutela o mercado como um
processo estrutural, todos os princípios que norteiam o ordenamento jurídico pátrio devem ser
respeitados.
A interpretação do princípio da livre iniciativa, apresentado na Carta Maior, não pode
ser entendida como uma liberdade sem limites, mas sim, limitada pelos contornos definidos
nos demais princípios constitucionais que determinam, em todas as suas nuances, a dignidade
da pessoa humana, conforme os ditames da justiça social. Assim, toda a legislação existente,
dentre elas, aquelas específicas para o setor de turismo, deve ser interpretada conforme a
nova ordem vigente. A livre iniciativa está agora com cunho coletivo e subordinada à função
social da propriedade, que pressupõe, necessariamente, a proteção ao meio ambiente.
A CF/88, no seu artigo 219, declara que: “O mercado interno integra o patrimônio
nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e
socioeconômico , o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de
lei federal”, o que exige do Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade
econômica, a produção de leis que tratem, não somente das infrações à ordem econômica,
mas, também, que regule comportamentos, que possam comprometer a estrutura organizativa
do mercado, tanto na esfera privada, como no setor público.
Destarte, a legislação específica está organizada de modo a proteger a estrutura de
mercado, definida de acordo com os ditames do artigo 3º da CF/88, que estabelece, dentre os
objetivos da República Federativa do Brasil, a garantia do desenvolvimento nacional; a
erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e
regionais. Metas essas que podem ser alcançadas com a ajuda da indústria do turismo.
A relevância da atividade turística é reforçada no artigo 6º da Lei Suprema, que, ao
lado da moradia, alimentação, saúde, educação, trabalho, determina ser também o lazer um
dos diretos sociais e, portanto, direito fundamental de todo cidadão. Tendo em vista que o
turismo propicia uma das formas de lazer, pode-se inferir que também ele é direito
fundamental, enquanto atividade ativa.
94
Na mesma esteira, o artigo 6º, VI, da Lei que instituiu a Política Nacional do Turismo
determina que cabe ao PNT “a proteção do meio ambiente, da biodiversidade e do patrimônio
cultural de interesse turístico”, portanto, para que o Estado possa cumprir o seu papel de
regulador e fiscalizador da atividade econômica, viabiliza diversos instrumentos legais na
tentativa de garantir que a atividade turística seja, sempre, mais um fator de desenvolvimento
econômico sustentável.
Na apresentação do PNT, é reafirmado o propósito de estreitar a parceria com o
Ministério do Meio Ambiente, com vistas a desenvolver ações que tenham a sustentabilidade
como centro das discussões, numa perspectiva de ampliar a atividade turística para segmentos
pouco aproveitados, como as áreas preservadas, os parques nacionais, dentre outras, o que
demanda uma fiscalização mais efetiva na ocupação do ambiente.
A PNMA, já em 1981, introduziu o gerenciamento ambiental no Brasil e traçou toda a
sistemática das políticas públicas brasileiras para o meio ambiente. É, portanto, a norma
ambiental mais relevante depois da Constituição Federal de 1988, pela qual foi recepcionada.
Milaré (2013) entende que o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA,
instituído pela PNMA, se constitui no grande arcabouço da gestão ambiental no Brasil, pois
envolve todos os entes da federação, num conjunto articulado de órgãos, entidades, normas e
práticas instituídas pelo Poder Público, sob a coordenação do Conselho Nacional do Meio
Ambiente - CONAMA.
O CONAMA é um órgão colegiado representativo de cinco setores, a saber: órgãos
federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil e tem por competência,
dentre inúmeras outras, a de:
estabelecer, mediante proposta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, dos demais órgãos integrantes do
SISNAMA e de Conselheiros do CONAMA, normas e critérios para o
licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido
pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e Municípios e supervisionado pelo
referido Instituto. (BRASIL, 1981).
A PNMA relaciona, no seu artigo 9º, os instrumentos da Política do Meio Ambiente,
para avaliação do impacto ambiental, que consiste no conjunto de procedimentos técnicos e
administrativos, que visam à realização de uma análise sistemática das variáveis, que possam
causar algum dano ao meio ambiente.
O instrumento mais relevante dessa estrutura é justamente o processo de
Licenciamento Ambiental, que realiza o controle prévio à instalação de qualquer
empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente.
95
Ele autoriza a localização, instalação, ampliação, alteração e o funcionamento de
estabelecimentos e atividades, com efetiva ou potencial capacidade poluidora ou que podem,
sob qualquer forma, causar algum tipo de degradação ambiental.
O Licenciamento Ambiental se divide em três etapas:
1.
Licença Prévia - LP – fase preliminar do planejamento da atividade,
contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização,
instalação e operação, observados as legislações municipais, estaduais ou
federais de uso do solo;
2.
Licença de Instalação – LI – autoriza o início da implantação, de acordo
com o projeto executivo aprovado;
3.
Licença de Operação – LO – autoriza, após as verificações necessárias, de
acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação.
Através da Resolução 237/97 do CONAMA foram definidos os empreendimentos e
atividades sujeitos ao prévio licenciamento ambiental. Porém, muita controvérsia acontecia a
respeito do poder de fiscalização, visto que a CF/88, ao dispor sobre as matérias
administrativas, atribuiu competência comum a todos os entes federativos, para fiscalizar o
meio ambiente, determinando, ainda, a edição de lei complementar, para fixação das normas
para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Somente em 2011 foi promulgada a Lei Complementar nº 140, que fixa regras de
cooperação entre os entes federativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da
competência comum de proteção do meio ambiente, com vistas a evitar os conflitos de
competência e viabilizar a cooperação, de forma a garantir melhores resultados na proteção do
meio ambiente.
Inobstante a importância da fiscalização, o melhor caminho para a proteção do meio
ambiente será sempre o da prevenção e nesse mister o licenciamento exerce um papel
preponderante. E para viabilizá-lo o legislador impôs algumas condições, dentre elas destacase o Estudo de Impacto Ambiental - EIA, que contém dados técnicos referentes aos meios
físico, biótico e antrópico, a ser analisado e aprovado pelos técnicos, e o RIMA (Relatório de
Impacto do Meio Ambiente), que apresenta as conclusões do EIA, de modo que qualquer
pessoa possa compreendê-lo.
O estudo é formado por um diagnóstico ambiental da área de influência direta e
indireta do empreendimento, bem como as medidas compensatórias ou mitigadores dos
impactos
causados no meio ambiente. O documento
deve ser elaborado por equipe
multidisciplinar habilitada, que será a responsável tecnicamente pelos dados apresentados.
96
Ao relatório deve ser dada publicidade através dos meios de comunicação, bem como
deverá ser mantida uma cópia para consulta pública. O Relatório não vincula,
obrigatoriamente, a decisão a ser tomada pelas autoridades administrativas, mas serve para
orientar, ou mesmo responsabilizar, o gestor público, pela tomada de decisões que contrariem
o interesse coletivo. Antecipar ou minimizar o impacto ambiental é a razão de ser do Estudo,
que, no mínimo, serve de suporte para o planejamento de ações que visem o desenvolvimento
sustentável.
Em que pese a constitucionalização do direito ambiental e a ampla proteção dada ao
meio ambiente, quando da ponderação dos princípios constitucionais, o desafio reside,
justamente, na definição de prioridades. Escolher entre o dano ao meio ambiente ou autorizar
um projeto que vise reduzir a pobreza, por exemplo, é um dos dilemas do gestor público,
razão pela qual, caso opte pelo projeto que impactará o meio ambiente, ainda mais relevante
se torna o EIA, pois é através dele que deverá ser apresentada a proposta de minimização do
dano.
Além dos EIA/RIMA, outros documentos poderão ser exigidos, conforme o tipo de
atividade a ser licenciada. Para aquelas atividades que não têm grande capacidade de gerar
impactos ambientais, pode ser solicitada a apresentação de um Plano de Controle Ambiental
acompanhado do Relatório de Controle Ambiental – PCA/RCA, documentos parecidos com o
EIA/RIMA, porém de menor complexidade.
O artigo 1º da Resolução nº 1/86 do – CONAMA – fixa o conceito de impacto
ambiental:
Art. 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer
alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada
por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que,
direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
Qualquer que seja o impacto ambiental, sempre caberá a intervenção do poder público.
O Licenciamento Ambiental precede a instalação ou alteração de qualquer empreendimento
ou de atividade que possa ser considerada efetiva ou potencialmente poluidora, ou, sob
qualquer forma, causar degradação ambiental, assim a construção de empreendimentos
imobiliários turísticos se sujeitam a todas as diretrizes de promoção e proteção do meio
97
ambiente, devendo, portanto, ser enquadrados em modelos de gestão ambiental, sem o que
não lhe será possível receber as respectivas licenças.
O processo de Licenciamento Ambiental para empreendimentos turísticos, quando for
o caso, passará pela Licença de Localização (LL) e pela Licença de Implantação (LI), e, em
alguns casos, pela Licença de Operação (LO), já que, para equipamentos turísticos, entende-se
que os impactos da sua operação já estão previstos no projeto executivo, entregue quando da
LI. E ainda deverá ser apresentado o EIA/RIMA ou PCA/RCA.
Por disposição do CONAMA, os licenciamentos de empreendimentos turísticos são
de competência do município onde será instalado o empreendimento. A licença para
funcionamento do estabelecimento só será liberada após o término da obra e após o
empreendimento ser reavaliado.
As atividades de licenciamento e fiscalização ambiental são atividades autônomas,
tendo a primeira a função de prevenir danos ao meio ambiente, e a segunda a função de
repressão, podendo ambas serem realizadas por qualquer dos entes federativos, embora a
função de repressão, por determinação da Lei Complementar 140/11, em princípio, seja do
mesmo ente federativo que deu a licença.
A CF/88 determina, no artigo 23, ser de competência da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas, bem como preservar as florestas, a fauna e a flora. Assim, a atuação
de um ente federativo não depende e não afasta a atuação do outro. A competência comum se
expressa na possibilidade da prática de atos administrativos por quaisquer das entidades
federativas, em perfeita igualdade, de forma cumulativa. Os conflitos de competência, que
geravam demandas jurídicas e controvérsias, com a edição da LC 140/11, já não têm razão de
existir, pois a competência de cada ente restou esclarecida.
O artigo 17 da Lei Complementar 140/11 dispõe que:
compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso,
de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental
cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.(BRASIL,
2011)
A supramencionada legislação autoriza ainda que qualquer pessoa legalmente
identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir
98
representação ao órgão responsável pelo licenciamento para que sejam tomadas as medidas
necessárias à proteção ambiental.
Enfim, apesar de o Brasil ter ampla legislação protetiva e reconhecida mundialmente,
a deficiência reside na
falta de eficácia social. Apesar do status constitucional da
obrigatoriedade do licenciamento ambiental, a sua efetividade ainda não é a desejável, visto
que fatores sociais, econômicos e culturais e as subjetividades interferem no cumprimento
das diretrizes legais, especialmente no que se refere à participação popular nas audiências
públicas, por ser esse um procedimento que não tem caráter obrigatório.
Para a realização de audiência pública, o órgão licenciador tem que entender que a
mesma é necessária, ou então que ela seja requerida por entidade civil, pelo Ministério
Público ou por um número igual ou superior a 50 cidadãos, num prazo de 45 dias após o
recebimento do EIA/RIMA pelo órgão competente de meio ambiente, conforme previsão
legal na Resolução do CONANA de nº 09/87.
É o licenciamento ambiental para os empreendimentos turísticos indispensável para a
definição de uma
gestão ambiental sustentável, já que representa a
principal medida
preventiva aos impactos socioambientais. O aproveitamento econômico do turismo, de forma
sustentável e racional, com fundamentos em estudos prévios dos impactos ambientais,
promoverá o desenvolvimento social e econômico para a população atual e futuras, o que
requer, naturalmente, um planejamento estratégico, que, na esfera pública, se manifesta
através do orçamento público, o qual também deve ser aprovado com a participação da
população, já que nele estão definidas as prioridades de investimentos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança jurídica é fator preponderante para a construção de um ambiente que
viabilize o desenvolvimento da atividade turística de forma sustentável. A razão de ser de toda
legislação é garantir ao cidadão o seu direito a um ambiente saudável e sustentável, numa
perspectiva de equilíbrio entre as forças econômicas e ambientais, com vistas a atender às
necessidades atuais sem comprometer o futuro, daí a importância do licenciamento ambiental
que se pauta no princípio da prevenção de possíveis danos.
Inobstante todo o aparato legal de que dispõe o Estado, dentre eles o plano diretor da
cidade, que tem a função precípua de prevenir, de não permitir qualquer projeto, que possa
99
efetiva ou potencialmente causar qualquer dano ao meio ambiente, ainda assim a degradação
ambiental persiste.
O próprio Estado, no seu papel legiferante, coloca à disposição do poder econômico
instrumentos que viabilizam a alteração do meio ambiente em local específico. O princípio do
poluidor – pagador, de certa forma, quase que autoriza o impacto ambiental, já que, se o
poluidor apresentar projeto alternativo para minimizar os danos ambientais, de forma global,
poderá destruir uma área e compensar a natureza em outra, mas o que foi degradado nunca
mais será realmente recuperado.
Aos empresários basta transferir o custo do projeto de recuperação para o consumidor.
Assim, os custos das medidas de proteção ou recuperação do meio ambiente, as
externalidades ambientais, terminam por repercutir nos custos finais de produtos e serviços
cuja produção esteja na origem da atividade poluidora, ou seja, ao elaborar um projeto de um
empreendimento turístico, que vá impactar o meio ambiente, no preço final do produto ou
serviço já estará incluso o custo das medidas de retificação.
O atual Plano Nacional de Turismo (2013 – 2022) estabelece metas ousadas para o
setor, reconhecendo que os impactos ambientais, políticos, econômicos, sociais e culturais
gerados pelo turismo exigem planejamento e gestão, que oriente o desenvolvimento
sustentável nos níveis local, regional e nacional. No entanto, apesar de o texto se harmonizar
com a Constituição Federal de 1988, a prática se distancia dos dispositivos constitucional e
infraconstitucional, já que, para atingir os objetivos de crescimento propostos, as obras
autorizadas comprometem o meio ambiente.
Não é possível considerar o meio ambiente de forma isolada, mas sim como um valor
inerente à condição humana. As catástrofes naturais são respostas à ação do homem, mas a
carência de infraestrutura para transportes, a situação econômica do País, a deficitária
estrutura de serviços turísticos têm justificado ações que privilegiam a economia em
detrimento do meio ambiente.
A situação privilegiada do Brasil em termos de recursos naturais tem dificultado a
conscientização para a realidade, no que se refere à ocupação do Planeta.
100
REFERENCIAS
BENTO, Heliete Rosa. Ordenamento urbano e patrimônio cultural como objeto de crime
ambiental- Estudo de Caso: Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, na Praia do
Campeche - Ilha de Santa Catarina – Brasil. 2004. 228 p .Tese (Doutorado em Engenharia de
Produção) Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. ampl.
atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ . Acesso em: 15 jun. 2014.
______. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CONAMA. Resolução n° 237/1997. ).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 15 jun. 2014.
______. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CONAMA. Resolução n° 01/1986. ).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 15 jun. 2014.
______. MINISTÉRIO DO TURISMO, Plano Nacional do Turismo 2013 -2016).
Disponível em: http:// http://www.turismo.gov.br/ /. Acesso em: 15 jun. 2014.
______. Lei Nº 10.257, de 10/7/2001 (Estatuto da Cidade). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ Acesso em: 15 jun. 2014.
______. Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008, dispõe sobre a Política Nacional de
Turismo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 15 jun. 2014.
______. Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, dispõe sobre normas de
cooperação ente os entre federativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em:
15 jun. 2014.
______. Decreto nº 7.994, de 24 de abril de 2013, aprova o Plano Nacional de Turismo.
(PNT) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 15 jul. 2014.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:
Livraria Almedina, 2003.
CONFERÊNCIA MUNDIAL DE TURISMO SOSTENIBLE, 1., 1995, Lanzarote, Ilhas
Canarias, Espanha. Carta del Turismo Sostenible. Lanzarote, Ilhas Canarias, Espanha: [s.n.],
1995. p.1-5.
ECO-92 - Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), Agenda 21. 3. ed. Brasília: Senado Federal,
2001.
FAGUNDEZ, Paulo Roney Ávila. Reflexões sobre o direito ambiental. In: LEITE José
Rubens Morato (org.) Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação José
Boiteux, 2000.
101
FERNANDES, Edésio . Apresentação. Um Novo Estatuto para as Cidades Brasileiras. In:
OSÓRIO, L. M. (Org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as
Cidades Brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2002.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. In: Curso de Direito Ambiental Brasileiro. Saraiva:
São Paulo, 2004.
GODARD, O. O desenvolvimento sustentável. Paisagem intelectual. In: Faces do trópico
úmido: conceitos e novas questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. E. Castro e F.
Pinton (Orgs). Belém: UFPA, 1997. (pp.107-130).
HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros,
2012.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MORAES, ANTONIO C.R. Meio ambiente e ciências humanas. São Paulo:
Hucitec, 1994.
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem econômica e financeira e a nova
Constituição. [s.n.t.].
RATTNER, H. Tecnologia e desenvolvimento sustentável: uma avaliação critica. Revista
de Administração, São Paulo, v.26, n.1, pp.5-11, janeiro/março 1991.
RODRIGUES, ARLETE M. Desenvolvimento sustentável e atividade turística. In:
RODRIGUES, Adyr B. Turismo e desenvolvimento local. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
p.42-54. (Geografia: teoria e realidade).
RODRIGUES, A. B. Território, patrimônio e turismo de base local: uma relação inequívoca.
In: SEABRA, G. (Org.).
Turismo de base local: identidadecultural e desenvolvimento
regional. João Pessoa: Universitária UFPB, 2007.
SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1997.
______. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Tradução de José Lins
Albuquerque Filho. 4. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
SANCHO, A. Introdução ao turismo. Traduzido por Dolores Martin Rodrigues. São Paulo:
Roca, 2001.
______. Direito ambiental constitucional. 4 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2012.
102
SOUSA, Tauan Odilon dos Reis. Turismo no litoral norte da Bahia, licenciamento
ambiental e sustentabilidade.2013.130 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento
Regional e Urbano) - PPDRU – UNIFACS, Salvador- Bahia, 2013.
VIEIRA, Paulo F; WEBER, Jacgues.( Org.). Gestão de recursos renováveis e
desenvolvimento: novos desafios para a pesquisa. São Paulo: Cortez, 1997.
VIOLA, Eduardo J. et al. O movimento ecológico no Brasil (1974-I986): do ambientalismo à
ecopolítica. In: PADUA, José Augusto [org.]. Ecologia e Política no Brasil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.
103
A RELAÇÃO ENTRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA DOS MANGUEZAIS COM A
DIVERSIDADE CULTURAL DA POPULAÇÃO TRADICIONAL QUE HABITA A
ILHA DE BOIPEBA
Paulo Eduardo de Oliveira 1
RESUMO
Este artigo tem como tema sócio biodiversidade e, como problema de pesquisa, a questão: “Como
ocorre a relação entre a diversidade biológica dos manguezais da Ilha de Boipeba com a diversidade
cultural da população tradicional que habita essa localidade”? Os objetivos específicos desta
pesquisa são: identificar as relações existentes entre a diversidade cultural da população da Ilha de
Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais; compreender como são mantidas as relações
existentes entre a diversidade cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos
manguezais. Para isso, adotou-se a pesquisa qualitativa e, como método de abordagem, elegeu-se a
etnografia. A análise dos dados da pesquisa demonstrou a relação existente entre a diversidade
biológica dos manguezais e a diversidade cultural. Tal relação se expressa na linguagem, na
gastronomia, na religiosidade, nos festejos tradicionais e nas artes de pesca artesanal. Os autores
Freyre (1999), Schaeffer-Noveli (1999), Maneschy (1993), Vannuci (2002), Diegues (2004) e Oliveira
(2005) deram suporte teórico a este artigo.
Palavras-chave: Sociobiodiversidade. Diversidade
tradicional.
biológica. Diversidade
cultural.
População
1 INTRODUÇÃO
A escolha do tema deste artigo – sociobiodiversidade – retoma a temática da
relação entre a cultura e o meio ambiente. O quadro referencial teórico que aborda a
relação entre as diversidades biológica e cultural, enquanto produção do
conhecimento científico ainda não está suficientemente acabado para explicar, de
forma mais completa, esta relação. A temática da relação entre o Homem e a
Natureza e, também, a reciprocidade entre ambos ressurgem após a década de 80
quando as questões ambientais começam a ser discutidas nas grandes convenções
e conferências mundiais. A inserção e o reconhecimento da cultura como parte
integrante da biodiversidade são também recentes.
Para Albagli (1998), cada vez mais a diversidade cultural humana (incluindo a
diversidade de línguas, crenças e religiões, práticas de manejo do solo, expressões
1
Professor Titular da UNEB; Doutor em Desenvolvimento Regional; Mestre em Desenvolvimento
Sustentável. Pesquisador do GPTURIS-UNIFACS; e-mail: [email protected]
104
artísticas, tipos de alimentação e diversos atributos humanos) é interpretada como
sendo um componente significativo da biodiversidade, considerando-se as
recíprocas influências entre o ambiente e as culturas humanas. Desse modo, o
conceito de biodiversidade vem sendo ampliado para o de sociobiodiversidade.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD), no seu artigo 2o, define
diversidade biológica como sendo
A variabilidade de organismos vivos de todas as origens,
compreendendo, dentre outros, os ecossistemas aquáticos e os
complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a
diversidade dentro de espécies, entre espécies e ecossistemas.
(ONU, 2011, p.2).
Para Diegues e Arruda (2001), essa variabilidade é entendida apenas como
produto da natureza, sem a intervenção humana. Esses autores assinalam também
que a diversidade biológica, em muitos casos, não é apenas um produto natural,
mas, em muitos casos, um produto da ação das sociedades e culturas humanas, em
particular, das sociedades tradicionais não industriais.
No entanto, a diversificação das ações humanas sobre os recursos naturais
dá origem à diversidade cultural.
Em tal diversidade, está inserida também a
simbologia dos sujeitos. Diegues e Arruda (2001, p.17) acrescentam: “É uma
construção cultural e social [...] as espécies vegetais e animais são objeto de
conhecimento, domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das
sociedades tradicionais [...]”.
Entretanto é necessário que sejam inseridas as práticas milenares humanas
de domesticação das espécies biológicas no conceito de diversidade biológica.
Por isso, Albagli (1998) ressalta que o conceito de diversidade biológica não
se deve restringir somente ao mundo natural; o Homem, também com a sua cultura,
faz parte da diversidade planetária e acrescenta:
Cada vez mais a diversidade cultural humana – língua, crenças e religiões,
práticas de manejo do solo, expressões artísticas, tipos de alimentação e
diversos outros atributos – é interpretada como sendo um componente
significativo da biodiversidade, consideradas as recíprocas influências entre
o ambiente e as culturas humanas. Desse modo, o conceito de
biodiversidade vem sendo ampliado para o de sociobiodiversidade.
(ALBAGLI, 1998, p.63).
Portanto, a sociobiodiversidade está relacionada com as práticas milenares
105
dos homens exercidas em função dos recursos naturais dos ecossistemas terrestres.
Posey (1987), Gómez-Pompa (1971) e Klaus (1992) afirmam que a cultura foi
o instrumento de mediação, ficando, então, evidente que o conceito de diversidade
biológica está incorporado ao de cultura.
Laraia (2001) afirma que cultura é, antes de tudo, a maneira de ser de um
povo, diversa da maneira de ser de outro povo; é aquilo que faz com que um povo
tenha suas leis, suas instituições, suas organizações, seus costumes e suas
crenças. Marconi e Presotto (2001), por sua vez, definem diversidade cultural ou
complexos culturais como sendo um conjunto de traços culturais que vão formar um
todo funcional; ou, ainda, um grupo de características culturais interligadas,
encontradas em uma área cultural.
No Brasil, os manguezais, ao longo dos séculos, serviram e servem de
cenário para a expressão entre a diversidade biológica e a cultural. Os índios que
habitavam o litoral brasileiro, foram os primeiros a utilizar os recursos naturais dos
manguezais como fonte de alimentos e deles não retiravam somente peixes, como
também caranguejos, siris, aratus, ostras e lambretas. A prova dessa utilização são
os sambaquis. Santos (2001, p.29), relatando a ocupação do litoral brasileiro pelos
índios, explica a formação dos sambaquis:
As áreas litorâneas, recifes e bancos-de-areia permitiam a formação
de estuários-de-maré e de manguezais; e nestes os índios coletavam
ostras, alimentavam-se delas e atiravam por cima dos ombros as
conchas que recobrem o corpo desses animais. Essas acumulações
de conchas foram denominadas de sambaquis e testemunharam um
modo de vida que durou pelo menos 7.000 anos.
Ao longo dos anos, as populações que habitam o entorno dos ecossistemas,
em particular os manguezais, estabelecem relação de dependência com seus
recursos naturais e, através de sua cultura, elaboram instrumentos e técnicas
artesanais para determinar os seus modos de produção e reprodução de suas vidas
diárias, ampliando, assim, seu universo socioeconômico..
Com base no cenário acima descrito, foram feitas algumas indagações:
 Ainda e xis te m re la çõe s e ntre a dive rs ida de biológica dos m a ngue za is e a
diversidade cultural da população tradicional que habita a Ilha de Boipeba?
 Com o a popula çã o da Ilha de Boipe ba e s ta be le ce re la çõe s e ntre a
106
diversidade cultural e biológica dos manguezais?
Com base nas indagações acima elencadas, foram elaborados os seguintes
pressupostos:
 Exis te m re la çõe s e ntre a dive rs ida de cultura l da população de Boipeba e a
diversidade biológica dos manguezais.
 A re la çã o e s ta be le cida e ntre a dive rs ida de cultural da população de
Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais está nos modos de
produção da vida social (cultural, econômica e ambiental).
A partir dessa perspectiva, foram elaborados os seguintes objetivos:
•
Geral
Analisar as relações entre a diversidade cultural da população de Boipeba e a
diversidade biológica dos manguezais.
•
Específicos
- Identificar as relações existentes entre a diversidade cultural da população
da Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais;
- Entender se as relações existentes entre a diversidade cultural da população
de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais estão nos modos de produção
da vida social (cultural, econômica e ambiental).
Dentro desse contexto, este artigo se estrutura em seis secções:
1ª Introdução – faz uma abordagem do tema e um recorte do problema de
pesquisa;
2ª Populações Tradicionais – aborda os aspectos culturais e suas relações
com a diversidade biológica;
3ª Populações Tradicionais como produtoras de cultura material e imaterial –
descreve os processos envolvidos na produção de cultura material e imaterial pelas
populações tradicionais;
107
4ª Metodologia – detalha a metodologia utilizada para descrever a relação
entre as diversidades biológica e cultural.
5ª Resultados – é o momento do encontro do pesquisador com seu objeto de
pesquisa e, para isso, descreve, analisa e argumenta a relação com a problemática
envolvida com o problema investigado;
6ª) Conclusões
– corresponde às respostas das questões norteadoras da
pesquisa.
A análise que envolve a relação entre as diversidades biológica e cultura, tem
importância porque os aspectos simbióticos materiais envolvidos na relação entre
diversidade biológica e diversidade cultural ainda não foram adequadamente
analisados para explicar esta relação.
2 POPULAÇÕES TRADICIONAIS: CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS
São consideradas populações tradicionais (não indígenas), caiçaras, caipiras,
campeiros,
babaçueiros,
jangadeiros,
quilombolas,
pescadores
artesanais,
ribeirinhos amazônicos, porque, ao longo dos séculos, estabeleceram uma relação
de dependência com os recursos naturais de diversos ecossistemas para a sua
sobrevivência. Para tal fim, utilizaram técnicas simples para apreensão desses
recursos.
Antunes (2008) observa que a Lei no 9.985, de 8 de julho de 2000, define
população tradicional tendo como parâmetro as suas relações estabelecidas com as
florestas:
[...] como aquelas que, em principio, encontram seus habitats em
florestas nacionais, reservas extrativistas e reservas do
desenvolvimento sustentável, ou seja, grupos que são conhecidos
como povos da floresta, caiçara ou outros que reconhecidamente,
tenham uma forma peculiar e características, distinguindo-os da
comunidade nacional. (ANTUNES, 2008, p. 457).
Esse conceito associa as populações tradicionais a povos que têm como
particularidade os seus modos de vida ligados às florestas, sem considerar os seus
modos de produção como tradicionais.
108
Para Rueda (1999), não existe “população tradicional” emoldurada e
estereotipada num único conceito; o que existe são populações que, por causa de
algumas características comuns, são tidas como “tradicionais”, embora tais pontos
comuns não sejam idênticos quantitativa e qualitativamente.
Portanto, as diferenças são reais e totalmente justificadas não pelo meio em
que essas populações vivem, mas, especialmente, pelo sistema de produção e pelo
modo de vida que elas levam. Essas diferenças dependem também do grau de
interação com os outros grupos.
Logo, o mais correto é associar o conceito de população tradicional à
repetição dos seus modos de vida tradicional.
Então, para ser considerada como população tradicional, deve ter os atributos
acima listados, característicos do modo de vida tradicional, que façam distinção de
uma população urbana.
Diegues e Arruda (2001) afirmam que as populações tradicionais se
caracterizam:
– pela importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de
mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relação
com o mercado;
– pela reduzida acumulação de capital;
– pela importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às
relações de parentesco ou compadrio, para o exercício das atividades econômicas,
sociais e culturais;
– pela importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, com a
pesca e atividades extrativistas;
– pela tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado
sobre o meio ambiente;
– por haver uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o
artesanal, que o produtor e sua família dominam até o produto final;
– pelo fraco poder político que, em geral, reside nos grupos de poder dos
centros urbanos; e,
– pela autoidentificação ou identificação por outros de pertencerem a uma
cultura distinta.
Entender como as populações tradicionais produzem cultura material e
imaterial é importante para explicar como é mantida a sua relação com a diversidade
109
biológica.
3 AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS COMO PRODUTORAS DE CULTURA
MATERIAL E IMATERIAL
O homem se distingue das outras espécies biológicas pela capacidade de
elaborar cultura material e imaterial, como mostra a Figura 1.
Meio Ambiente
Presença dos
Recursos
Naturais
Molde Natural
Influência
Influência
Remodela o
Meio Ambiente
Produção de
Cultura Material e
Imaterial
Cultura
Figura 1 – Produção de cultura material e imaterial pelas populações tradicionais
Fonte: Elaboração própria (212).
Como mostra a Figura anterior, ocorre uma relação de reciprocidade entre
cultura e meio ambiente. No entanto, a presença de recursos naturais serve de
moldes e influencia no desenvolvimento da cultura pelas populações tradicionais.
Por sua vez, a cultura remodela o meio ambiente. Arruda (1997), Freyre (1999),
Diegues (2000) e Leff (2004) corroboram a visão de que a produção de cultura
material e imaterial das populações tradicionais está na dependência da presença
dos recursos naturais do meio ambiente.
Vale ressaltar que o meio ambiente não é fator determinante, mas ele permite
que as populações tradicionais criem possibilidades e estratégias para elaborar
cultura. Para isso, dispõem, simultaneamente, de um sistema biológico e um sistema
cultural. Através do seu sistema cultural, produz cultura, transformando os fatos
sociais em práticas culturais, como demonstra a Figura 2 a seguir.
110
Outros Seres Vivos
Homem
Práticas
Culturais
Adaptação
Fatos
sociais
Sistema
Biológico
Sistema
Biológico e
Sistema
Cultural
Natureza
Humanização
da Natureza
Natureza
Figura 2 – Humanização da Natureza pelo homem através da cultura
Fonte: Elaboração própria (2012).
As práticas culturais permitem aos homens humanizar a Natureza e tornar
nítida a dependência entre cultura e meio ambiente.
Para Kaplan e Manners (1975), o homem é um produto da evolução biológica,
mas um produto inteiramente único – único porque ele vem relacionar-se com o seu
ambiente por modos que diferem profundamente daqueles de todas as espécies
infra-humanas. No nível infra-humano, muitas espécies adaptam-se, em parte, ao
seu ambiente total, através de um processo de aprendizado infraespecífico e não
cumulativo.
Segundo ainda esses autores, o homem, ao adaptar-se ao seu ambiente tal
como ele é, cria, cada vez mais, estratégias e possibilidades de modificar e adaptar
a si mesmo e a esse ambiente. E o artifício mediador desse processo é o que
chamamos de cultura – o mecanismo primário através do qual o homem começa
adaptando-se e termina controlando o seu ambiente.
Pesquisas realizadas por Moran (1991), Roosevelt (1991) e Furtado (1993)
com populações tradicionais que habitam os rios amazônicos, comprovam a
utilização de estratégias para sobreviver ao meio ambiente. No entanto, Sanches
111
(2004), realizando pesquisas com a população tradicional que habita a estação
ecológica da Juréia-Itatins no Estado de São Paulo, constatou que as estratégias
utilizadas para sobreviver ao meio ambiente são:
– herança e transmissão do conhecimento através de gerações, a partir de
experiências prévias e de observação detalhada sobre os fenômenos naturais e as
características biológicas e ecológicas de cada espécie;
– o custo-benefício e o tempo alocado de forma otimizada em cada atividade,
considerando os fatores socioeconômicos no tempo e no espaço;
– o respeito aos calendários ecológicos que regulam a intensidade dessas
atividades;
– a influência dos aspectos simbólicos – tabus alimentares, crenças e mitos;
– a confecção de tecnologias específicas e adaptadas às condições locais.
Não restam dúvidas de que, cada vez mais, o ambiente se tornou um
ambiente cultural, de tal modo que quaisquer que sejam as mudanças biológicas
que possam ocorrer na espécie, a direção da causação parece ser mais da cultura
para a biologia, em vez da forma contrária (KAPLAN; MANNERS, 1975).
A dependência entre cultura e meio ambiente é evidenciada também por
Scherer (2011) em populações tradicionais que habitam os rios amazônicos:
O modo de vida desses grupos humanos – chamados também de
Povos das Águas, está condicionado ao ciclo da natureza, pois o
fenômeno da enchente e da vazante regula em grande parte o
cotidiano ribeirinho, de tal modo que o mundo do trabalho obedece
ao ciclo sazonal quando desenvolvem as atividades de extrativismo
vegetal, agricultura, pesca e caça. Na época da enchente dos rios a
cultura da roça, o cultivo da agricultura, para subsistência bem como
a pesca e a caça, ficam em grande parte comprometidos.
(SCHERER, 2011, p. 2).
Fica evidente a relação existente entre a cultura dessas populações e a
dependência do meio ambiente.
4 METODOLOGIA
Na execução desta pesquisa, foi tomada como enfoque metodológico a
112
pesquisa qualitativa, e a etnografia como método de abordagem.
4.1 O LUGAR DA PESQUISA
O trabalho de campo foi desenvolvido (entre os meses de novembro
de 2010 e dezembro de 2012) na Ilha de Boipeba, localizada no município de Cairu,
Bahia,fazendo parte do complexo da Área de Proteção das Ilhas de Tinharé e
Boipeba. A Figura 3 mostra a sua localização.
Figura 3 - Mapa de localização da Ilha de Boipeba Boipeba
Fonte: Brasil (1995, p.1).
113
4.2 OS PRINCIPAIS LUGARES OBSERVADOS
O manguezal e seu entorno, as praias, os estuários são os locais para
estabelecer a relação entre a diversidade cultural da população tradicional que
habita a Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais.
Entre esses locais, os manguezais se destacam porque se constituem no
substrato natural no qual os pescadores artesanais se organizam para produzirem e
reproduzirem a vida, local em que as atividades humanas ganham um sentido social
e coletivo.
4.3 SUJEITOS DA PESQUISA
Constituíram sujeitos da pesquisa, pescadores e pescadoras artesanais, seus
filhos e filhas e parentes próximos que habitam o entorno dos manguezais e
estuários adjacentes da Ilha.
O processo de pesquisa na comunidade escolhida para este estudo exigiu
procedimentos que simbolizam a permissão concedida ao pesquisador pela
população estudada
4.4 LEVANTAMENTO DE FONTES DE DADOS
Como dados secundários, foram utilizados: dados documentais, censitários,
estatísticos oficiais e bibliográficos de diferentes fontes e acervos sobre o tema; os
primários constituíram dados de fontes diretas, em que ocorreu uma abordagem
participativa dos sujeitos da pesquisa, sendo obtidos por meio dos instrumentos
técnicos para a investigação a seguir discriminados.
4.4.1 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
A relação entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a
diversidade biológica dos manguezais foi interpretada a partir de suas ações e falas
e da descrição minuciosa dos lugares observados e, em particular, do trabalho diário
nos manguezais e estuários adjacentes de acordo com os procedimentos a seguir:
a) ordenação e sistematização dos dados referentes ao contexto sócio-
114
histórico da região Litoral Sul da Bahia e da comunidade de Boipeba, também
chamado momento da compreensão da conjuntura socioeconômica e política no
qual se inserem os sujeitos da pesquisa, ou seja, a sua participação no processo
produtivo, suas condições de reprodução cotidiana;
b) classificação e sistematização dos dados obtidos com a etnografia no
trabalho de campo;
c) a análise e a interpretação exigiram a articulação desses dados com o
quadro do referencial teórico, cujo objetivo foi
tornar visíveis as questões que
cercam a relação entre a diversidade cultural da sociedade tradicional que habita
Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais.
5 RESULTADOS
A origem da cultura da população da Ilha de Boipeba é o resultado da
miscigenação ocorrida entre índios, negros e brancos, ocorrida no início no século
XVI durante o período de ocupação da costa brasileira. Cada qual contribuiu com
seus traços culturais, tendo a etnia indígena como matriz original. A união desses
traços formou um complexo cultural ou diversidade cultural.
Essa miscigenação permitiu que a população local elaborasse uma rica
diversidade cultural, que se expressa através de elementos imateriais (ritos, crenças,
práticas artesanais) e materiais (conjunto de objetos, artefatos de pescas,
gastronomia), em consonância com a presença dos recursos naturais dos
manguezais.
Além disso, a formação étnica dessa população permitiu que os elementos
materiais e imateriais formassem uma rede complexa unitária da vida, ou seja, o seu
sistema sociocultural.
O seu sistema sociocultural estilos de vida, valores, formações ideológicas,
práticas artesanais de pesca, artes de elaborar os apetrechos de pesca, que foi
construído ao longo da existência dessas populações tradicionais em consonância
com o ecossistema manguezal.
Portanto, a cultura dessa população é mediada pela relação do tempo com o
espaço e, nessa mediação, a diversidade biológica dos manguezais é determinante.
115
Essa relação se expressa na gastronomia, nos ritos e crenças (o simbólico e
o mundo do mangue) e nas artes e técnicas de pescas artesanais.
5.1 RITOS E CRENÇAS: O SIMBÓLICO E O MUNDO DO MANGUEZAL
O uso da diversidade biológica dos manguezais não é feita somente por
técnicas tradicionais para a produção de elementos materiais, mas também por
processos simbólicos em que o mundo do mangue serve de cosmovisão.
Essa cosmovisão se expressa nos ritos, nas crenças e nas lendas, sendo
responsável também pela continuidade da cultura devido ao fato de os membros da
comunidade repetirem essas práticas. Então, os fenômenos acontecem de novo, a
exemplo dos presentes que são oferecidos anualmente em louvor de Iemanjá, a
deusa das águas.
Isso se justifica porque essa simbologia é incrustada nos modos de
apropriação dos recursos naturais dos manguezais e no seu entorno. Isso se torna
evidente devido ao fato de os principais festejos e a religiosidade local apresentarem
relações com esse ecossistema.
5.1.1 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS
As manifestações culturais da população local se expressam principalmente
nas religiosidades e nos festejos. São manifestações cujas raízes são de origem
africana, trazem traços com elementos da natureza e, no caso particular da
população da Ilha de Boipeba, a diversidade biológica dos manguezais.
– Festa de Iemanjá: celebrada no dia de 2 de fevereiro, apresenta raízes
africanas. Iemanjá é chamada também de Dona Janaína ou Rainha do Mar. A
celebração se inicia um dia antes da festa oficial em que são realizados cultos com
cânticos e danças para reverenciar os orixás, em particular, Iemanjá. A Figura 4 a
seguir mostra um culto em louvor a Iemanjá.
116
Figura 4 – Cânticos eu louvor a Iemanjá na Ilha de Boipeba.
Fonte: Arquivo pessoal (2013).
Pela pesquisa de campo, comprova-se que esses cânticos, chamados de
chulas, apresentam elementos do mundo simbólico das águas, como os cantados
pelo babarolixá Railton Silva num culto de candomblé em louvor a Iemanjá:
Ê sereia,
Ê mãe d`agua,
Peixe marinho borbulhou em cima d`água,
Peixe marinho borbulhou em cima d`água,
Pisa nas águas para quem sabe andar,
Pisa nas águas para quem sabe pisar,
Eu ia,
Eu vou,
Eu ia pisar nas águas
– Festa de São Cosme e Damião: o período dos festejos é nos dias 27
setembro e 12 de outubro. É uma festa de louvor aos santos gêmeos Cosme e
Damião e às crianças. No sincretismo religioso, esses santos estão associados aos
ibejis (orixás de entidades duplas), gêmeos e amigos das crianças, porque têm a
capacidade de atender a seus pedidos e, em troca, exigem doces.
No dia 27 de setembro, período da noite, dia de louvor aos Santos Cosme e
Damião, é realizada uma cerimônia de candomblé onde se oferece o caruru aos
devotos. O caruru é um prato típico da culinária baiana, cuja origem é africana. No
117
seu preparo, azeite de dendê, quiabo, pedaços de frango ou peixe, camarão seco e
feijão fradinho são os ingredientes básicos. Os temperos – gengibre, cebola,
amendoim e pimentão – são de origem africana. Acarajé, abará e vatapá entram
como complementos.
Para louvar os Santos, o caruru é colado próximo aos manguezais durante o
período do festejo.
– A Zambiapunga: manifestação folclórica de origem africana, trazida para o Brasil
há dois séculos pelos escravos africanos oriundos do Congo e de Angola. Durante o período
de carnaval, os participantes do grupo (30 pessoas), composto por jovens e adultos de
ambos os sexos, saem pelas ruas da ilha usando fantasias de tecidos como o cetim, de
várias tonalidades.
Constata-se ainda, pela pesquisa de campo, que os membros do grupo portam
enxadas e usam botas. Em conversa, informa a Sra. Anália Menezes Magno, diretora do
grupo, que essa indumentária simboliza a revolta dos escravos durante o período em que
foram submetidos à escravidão.
Mas o destaque da manifestação é o uso, por parte de alguns membros do grupo, de
conchas provenientes dos manguezais, que servem de instrumentos de sopro e emitem
sons que variam de agudos a graves fortes e dão uma harmonia sonora durante a
manifestação folclórica, como retrata a Figura 5
Figura 5 – Foto que retrata os membros do grupo folclórico Zambiapunga utilizando conchas
como instrumento musical
Fonte: Arquivo pessoal (2012).
118
5.1.2 A GASTRONOMIA: A MOQUECA COM AZEITE DE DENDÊ
A relação entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a
diversidade biológica dos manguezais
se manifesta também na gastronomia. A
dieta dessa população é à base de peixes e mariscos, como mostra a Figura 6 .
Figura 6 – Foto da gastronomia da Ilha de Boipeba à base de mariscos e azeite de dendê
Fonte: Arquivo pessoal (2012).
A diversidade biológica e cultural, presente na gastronomia da população
estudada, pode ser observada pela chegada diária, no cais, de canoas com peixes e
mariscos, conduzidos por homens adultos e alguns adolescentes que saem para
pescar. Em seguida, eles separam os peixes; algumas mulheres levam o pescado
para os quintais e começam a limpá-los para o preparo das moquecas e ensopados.
Elas também catam os mariscos, principalmente siris, para fazer o “catado de siri”
Essa rotina revela a dependência para sobrevivência da população dos
recursos aquáticos, em particular o mar, estuários e manguezais. Tal dependência
foi evidenciada por Josué de Castro, ao descrever a dieta alimentar das populações
que sobrevivem dos recursos dos manguezais e pelas populações que habitam o
seu entorno no rio Capibaribe, em Recife:
Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupando as
patas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem limpos como
um copo e com a sua carne feita de lama fazer a carne de seu corpo
e a do corpo de seus filhos. (CASTRO, 1967, p.29).
119
É dessa dependência que ainda sobrevivem os pescadores da Ilha de
Boipeba como relatam a Sra. Fabíola e o Sr. Leonardo:
Todos os meus filhos foram criados no peixe e marisco. (Fabíola
Santos, ex- pescadora, 76 anos).
As espécies que eu mais pego, sororoca, guaricema e tainha, é para
comer e vender. A gente come mais peixe e marisco. (Leonardo
Silva, pescador artesanal, 46 anos, entrevista direta, 2012).
Conforme observado em campo, o preparo dos alimentos tem forte tradição
indígena e africana, utilizando-se leite de coco, azeite de dendê, pimenta, entre
outros temperos. Como já foi afirmado por Freyre (1999), as tribos indígenas que
habitaram o Nordeste brasileiro tinham como hábito a conservação da caça e da
pesca em caldos grossos apimentados, fato também expresso nas narrativas:
As receitas do siri catado, do caranguejo e de peixes são: pimenta,
sal, cebola, azeite de dendê, óleo de coco e molho de pimenta arribasaia. (Marina Oliveira, 39 anos, dona de casa, entrevista direta,
2012).
A moqueca aqui é preparada com todos os temperos. Mas o que dá
gosto mesmo é a pimenta arriba saia. (Sandra Silva Pereira, 40 anos,
pescadora e dona de casa, entrevista direta 2012).
Os peixes, crustáceos e moluscos e suas respectivas formas de preparos,
além de evidenciar os hábitos alimentares, traduzidos na sua culinária típica,
mostram também o elo entre a diversidade biológica dos manguezais e a
diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba.
5.1.3 A PESCA NOS MANGUEZAIS: CENÁRIO DAS ARTES E TÉCNICAS DE
PESCAS ARTESANAIS
Os recursos naturais dos manguezais possibilitaram aos homens que habitam
o entorno desse ecossistema na Ilha de Boipeba, elaborarem instrumentos
artesanais simples, compatíveis com esses recursos. Tais instrumentos (munzuás,
jererés, puçás e redes) também fizeram com que eles elaborassem técnicas
seletivas de pesca artesanal para um determinado recurso desse ecossistema; a
120
exemplo da pesca com rede para peixes, da pesca com jereré para siris e da pesca
com munzuás também para siris, o que permitiu uma integração equilibrada da sua
cultura com os recursos naturais dos manguezais. Essas técnicas de pesca ainda se
mantêm; são artefatos e instrumentos artesanais que não causam poluição nem
degradação ambiental, estando, assim, em harmonia com os recursos naturais dos
manguezais, assegurando e mantendo a relação entre as diversidades biológica e
cultural. Para Diegues (1994), são várias as formas tradicionais de pesca artesanal
em águas estuarinas e costeiras praticadas, no litoral brasileiro, por pescadores
artesanais (o viveiro, o cerco, o jiqui) e, ao longo dos anos, vêm contribuindo para a
manutenção da diversidade biológica dos ambientes costeiros, por serem técnicas
seletivas que não degradam e poluem o meio ambiente.
O emprego desses instrumentos e as técnicas artesanais de pesca foram
herdados de gerações passadas, revelando fortes traços indígenas. Tais
instrumentos e práticas artesanais de pesca são descritos a seguir;
– Pesca com munzuá: o munzuá consiste em uma armadilha confeccionada
em fibra vegetal, a cana-brava-do-brejo. Apresenta orifícios de vários tamanhos, que
também vão determinar o tamanho da peça. Os munzuás são colocados em
pesqueiros específicos nos manguezais, quando a maré está baixa. Quando esta
enche, os siris entram na armadilha e não mais conseguem sair. É uma pesca
seletiva, pois o tamanho do siri que entra na armadilha é determinado pelo tamanho
do orifício do munzuá. É uma arte de pesca praticada pela maioria dos homens e
algumas mulheres. A esse respeito, dona Maria do Carmo diz:
Eu boto mais munzuá no mangue. A espécie que mais pego para
vender é o siri; utilizo o munzuá como instrumento de pesca. O
munzuá é mais para pegar siri. (Maria do Carmo, 33 anos, pescadora
artesanal, entrevista direta, 2012).
121
Figura 7 – Pescador artesanal praticando pesca de siri com munzuá
Fonte: Arquivo pessoal (2012)
A Figura acima mostra um pescador artesanal praticando a pesca artesanal
com o munzuá.
– Pesca com Jereré: é praticada, sobretudo, por mulheres e crianças. Utilizase o jereré, artefato que consiste em uma circunferência de madeira e arame,
costurada com uma rede de pano ou nylon; no seu interior, é colocada uma isca de
peixe, sendo jogado no manguezal, quando a maré esta cheia, para a coleta de siri.
– Pesca com Linha: o sistema de pesca artesanal com linha é também
bastante difundido entre os pescadores da ilha. É praticada mais pelos homens,
dentro dos manguezais e no seu entorno. É uma modalidade de pesca de baixo
impacto e é seletiva, pois o tamanho do peixe e a espécie a ser capturada são
determinados pelo tipo de isca e o tamanho do anzol;
– Pesca com jiqui: o jiqui consiste em um cercado quadrangular, cujas
laterais são forradas por redes confeccionadas com tecido de algodão. Esse
instrumento é colocado dentro dos canais dos manguezais ou nos estuários
adjacentes, sendo colocada uma isca de peixe no seu interior. Crustáceos, moluscos
e peixes entram no jiqui e não mais podem sair, pois a abertura de saída é menor
122
do que a de entrada. É outra técnica de baixo impacto, pois não consome energia e
não degrada a natureza.
Observou-se, também, que os pescadores utilizam outros instrumentos de
pesca, por exemplo, o samburá, construído de fibras vegetais, extraídas da canabrava, todo entrelaçado com essas fibras; sua finalidade é transportar peixes,
anzóis, linhas e iscas de peixes; a zagaratea, feita com diversas varas tiradas do
mangue e amarradas ao longo de uma vara central para servir de amarração para
as embarcações. Esse instrumento é usado para fixar ou amarrar as canoas no
fundo dos manguezais e estuários adjacentes; o puçá, artefato que apresenta um
aro em forma de circunferência, sendo nele amarrada uma rede de algodão. Tem
como função pegar peixes dentro das redes, na gamboa; a canoa, meio de
locomoção utilizado pela população local, é confeccionada com madeira, sendo
utilizado um único tronco escavado; e o remo é feito de madeira, reto e longo, e
manipulado pelo pescador para locomover a canoa.
Essas práticas tradicionais exercidas em consonância com a diversidade
biológica dos manguezais vêm sendo modificadas devido ao crescimento acentuado
da atividade turística nas últimas décadas.
6
CONCLUSÕES
A população da Ilha de Boipeba ainda mantém traços da cultura tradicional,
que vem assegurando a relação de reciprocidade entre a sua diversidade cultural
e
a diversidade biológica dos manguezais, estabelecida pela capacidade de
produzir cultura. Isso só foi possível devido à elaboração e à perpetuação de
saberes tradicionais
que foram passados de
geração a geração, através de
distintas formas de expressão
A cultura local é expressa nos instrumentos de pesca, nas práticas de pesca
artesanal, na gastronomia, no cotidiano, nos festejos e religiosidade.
Os recursos naturais dos manguezais e a diversidade cultural da população
da Ilha de Boipeba vêm sendo inseridos na economia global como matéria-prima
para a elaboração de diversos produtos turísticos. Daí a implementação de projetos
de infraestrutura de acesso, hidrovias e aerovias, para articular a Ilha de Boipeba
123
com outros territórios,
em nível local, regional e global, com a finalidade de
aumentar o fluxo de turistas para essa localidade.
A consequência do aumento do número de turistas causa a ruptura da relação
entre as diversidades biológica e cultural porque a atividade turística é desenvolvida
de forma não planejada para preservar essas diversidades.
REFERÊNCIAS
ALBAGLI, S. Geopolítica da biodiversidade. Brasília: IBAMA, 1998.
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 11.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2008.
ARRUDA, Reinaldo S. V. Populações tradicionais e a proteção dos recursos naturais
em Unidades de Conservação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO, 1., 1997, Curitiba. Anais... Curitiba, 1997. v. 1: Conferências e
Palestras, p. 262-276.
BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Ilhas de Tinharé e Boipeba.
Brasília, 1995. 1 CD ROOM.
CASTRO, J. Homens e caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1967.
DIEGUES, A C. O mito da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB da Universidade
de São Paulo, 2004.
DIEGUES, A C. Conhecimento e manejo tradicionais: ciência e biodiversidade. São
Paulo: NUPAUB, 2000.
DIEGUES, A. C.; ARRUDA, R. S. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil.
Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001.
FREYRE, G. Casa Grande & Senzala. 35. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.
FURTADO, Lourdes Gonçalves. Pescadores do Rio Amazonas: um estudo
antropológico da pesca ribeirinha numa área amazônica. Belém: Museu Paraense
Emílio Goeldi, 1993.
GÓMEZ-POMPA, A. Posible papel de la vegetación secundaria en la evolución de la
flora tropical. Biotrópica, 1971, v.3, n.2, p. 125-135, 1971.
KAPLAN, D.; MANNERS, R. Teoria da cultura. Tradução Zilda Calcenik. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1975.
KLAUS, A. Taming the wilderness myth. BioScience, [s.l.], v.42, n.4, p. 271-279, Apr.
1992.
LARAIA, R.B. Cultura, um conceito antropológico. 15. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.
LEFF, Henrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade
poder. 3. ed. Tradução de Lúcia Mathilkde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2004.
124
MANESCHY, M. C. Pescadores nos manguezais: estratégias técnicas e relações
sociais de produção na captura do caranguejo. In: FURTADO, G. L.; LEITÃO, W.;
Povo das águas: realidade e perspectiva na Amazônia. Belém: Museu Emílio-Goeldi,
1993. p.19-62.
MARCONI, A. M.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2001.
MORAN, Emílio F. O estudo da adaptação humana em ecossistemas amazônicos.
In: NEVES, Walter (Org.). Origens, adaptações e diversidade biológica do homem
nativo da Amazônia. Belém: MPEG/CNPq/SCT/PR. 1991. p.161-178.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. A fragilidade da relação entre a diversidade biológica
e cultural nos manguezais da ilha de Sapinhos, no município de Maraú, Bahia. 2005.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável)-Fundação Universidade
de Brasília, Brasília, 2005.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a diversidade biológica.
Disponível em: < http://.onu.brasil.org.br >. Acesso em: 4 jan.2011.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A CULTURA. Convenção para a
salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org>. Acesso em: 18 jan.2013.
POSEY, D. Manejo da floresta secundária, capoeiras, campos e cerrados Kayapó.
In: RIBEIRO, B. G. (Coord.). Suma etnológica brasileira. 2.ed. Petrópolis: Vozes; Rio
de Janeiro: Finep, 1987. v.1. p-173-185.
ROOSEVELT, Anna C. Determinismo ecológico na interpretação do
desenvolvimento. In: NEVES, Walter (Org.). Origens, adaptações e diversidade
biológica do homem nativo da Amazônia. Belém: MPEG/CNPq/SCT/PR. 1991.
p.103-141.
RUEDA, R. P. Populações
IBAMA/CNPT, 1999.
tradicionais
e
educação
ambiental.
Brasília:
SANCHES, Rosely Alvim. Caiçaras e a estação ecológica de Juréia-Itatins: litoral sul
de São Paulo: Annablume: Fapesp, 2004.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do
século XXI. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SCHAEFFER-NOVELLI, Y. Perfil dos sistemas litorâneos brasileiros, com especial
ênfase sobre o ecossistema manguezal. Bol. Inst. Oceanogr., v.7 n.2, p.1-16, 1999.
SCHERER, Elenise. O defeso e a defesa do meio ambiente. Disponível em: < www.
anppas.org.br/encontro_anual >. Acesso em: 11 jan. 2011.
VANNUCI, M. Manguezais e sua importância: uma visão geral. In: RAMOS, Sérgio
(Org.). Manguezais da Bahia: breves considerações. Ilhéus: UESC, 2002. p.13-28.
125
EDUCAÇÃO FINANCEIRA: O PRIMEIRO PASSO PARA CONSUMO
CONSCIENTE
Bárbara Barbosa Cabral 1
RESUMO
As facilidades do crédito e a redução da taxa de juros no Brasil, aumentaram o consumo de
bens e serviços por parte das classes mais baixas da sociedade. Esse estímulo gerou um
desequilíbrio financeiro das famílias. O acesso ao crédito é um fator positivo, que promove
uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos, entretanto, precisa ser oferecido ao
consumidor, juntamente com um programa de educação financeira, que estimule o consumo
consciente e a sustentabilidade. A educação tem papel fundamental nesse processo,
principalmente a financeira, que permite o desenvolvimento de habilidades nos indivíduos
para que eles possam tomar decisões acertadas e conscientes, que os permitam fazer uma boa
gestão de suas finanças pessoais, além de contribuir para o equilíbrio financeiro da sociedade
através do consumo consciente.
Palavras-chave: Taxa de juros. Educação Financeira. Consumo Consciente.
ABSTRACT
The Credit facilities and the reduction of interest rates in Brazil, increased consumption of
goods and services by the lower classes of society. This stimulus generated a financial
imbalance families. Access to credit is a positive factor that promotes an improved quality of
life of individuals, however, needs to be offered to the consumer along with a financial
education program that encourages responsible consumption and sustainability. Education has
a fundamental role in this process, mainly financial, which allows the development of skills in
individuals so they can make informed decisions and conscious that allow them to make a
good management of your personal finances, as well as contributing to the financial stability
of society through conscious consumption.The credit facilities and the reduction in interest
rates in Brazil have increased the consumption of goods and services on the part of the lower
classes of society.
Keywords: Interest rates. Financial Education. Responsible Consuption.
1
Mestra em Desenvolvimento Regional e Urbano, pela UNIFACS, 2011, pós graduada em Metodologia do
Ensino superior e Marketing estratégico pela Cenid Business School, 2001, graduada em Ciências Econômicas
Pela UCSAL, 1996.
126
INTRODUÇÃO
A crescente facilidade de acesso ao crédito tem aumentado consideravelmente o nível
de endividamento das famílias brasileiras. O crédito facilitado atua como um mecanismo de
estímulo ao consumo de bens e serviços, principalmente por parte das classes mais baixas da
sociedade, que possuem uma demanda reprimida por conta da baixa renda.
As taxas de juros cobradas no país estão em um nível mais baixo se for considerada a
sua tendência histórica de taxas altas. Mas em relação a outros países emergentes, essas taxas
ainda são muito altas. Hausmann (2008), refere-se a alta
na taxa de juros como uma
importante restrição ao desenvolvimento econômico do país. Portanto, é necessário entender
que fatores podem estimular a redução da taxa de juros de modo que o país possa convergir
para a taxa de juros das outras economias emergentes.
Dentre os argumentos que buscam explicar as taxas de juros historicamente altas no
país, pode-se citar a política fiscal e o baixo nível de poupança doméstica. Hausmann (2008),
argumenta que o Brasil tem um nível de poupança doméstica relativamente baixo e que essa é
a principal restrição ao crescimento do país e a razão para a alta na taxa de juros.
De acordo com Rossetti(1990), quanto maior a taxa de juros, mais dispostos estariam
os consumidores a poupar e menos dispostos a investir. Isso aumentaria as suas reservas e
reduziria o seu nível de endividamento. Essa atitude positiva, entretanto, estaria associada a
um consumo consciente e a um equilíbrio nos investimentos. A teoria clássica de
investimento e poupança, afirma que se a demanda por investimento excede a oferta de
poupança doméstica, a taxa de juros se eleva desequilibrando o mercado.
Nesse contexto, o aumento da poupança doméstica está diretamente relacionado ao
aumento da taxa de juros. Entretanto, a má distribuição de renda que atinge o país restringe as
possibilidades de reserva do consumidor. A redução dos juros por sua vez estimula a busca
por parte dos consumidores de baixa renda, por empréstimos pessoais para quitar dívidas e
adquirir bens e serviços. Essa busca por sua vez, termina mergulhando o consumidor em
dívidas que nunca conseguem ser pagas, gerando um ciclo vicioso de desequilíbrio financeiro.
O acesso ao crédito é um fator positivo, que promove uma melhora na qualidade de
vida dos indivíduos, através da aquisição da casa própria, o acesso à educação e a realização
de desejos pessoais. Esse acesso, entretanto, precisa ser oferecido ao consumidor, juntamente
com um programa de educação financeira, que estimule o consumo consciente e a
127
sustentabilidade. A liberação sem direcionamento de demandas altamente reprimidas, como é
o caso do Brasil, gera uma forte probabilidade de descontrole financeiro, e o crédito passa de
fator positivo a aliado da formação de dívida pessoal, do pagamento de juros altos e do
aumento das desigualdades na distribuição da renda.
Reconhecendo esse fato, construiu-se esse estudo através de levantamento de dados
encontrados na literatura já existente. Foram realizadas pesquisas bibliográficas, onde foram
consultados livros, sites e artigos originais e de revisão sobre a educação financeira e sua
relação com o consumo consciente.
Buscou-se investigar a relação direta entre o consumo consciente e a sustentabilidade,
bem como o quanto a educação financeira ajuda o consumidor a reavaliar a aquisição de bens
e serviços e seus investimentos, evitando a formação de dívidas.
De acordo com pesquisa feita pelo IGBE (2009), 85% das famílias brasileiras tem
algum tipo de problema financeiro. Esses problemas não dizem respeito apenas à baixa renda,
mas também a problemas ligados à má administração dos recursos financeiros. Ao contrário
do que a maioria das pessoas pensa, os problemas financeiros não são exclusividade das
pessoas de baixa renda.
Conforme Massaro (2010), com a estabilização da economia e da moeda, as pessoas
estão se sentindo mais a vontade para gastar. E o comércio, por sua vez, aproveita para
oferecer mais créditos e aquecer o mercado.
Segundo Kiyosaki (2000), a educação financeira deveria ser ensinada às pessoas desde
os primeiros anos de vida. Considerando que muitos pais não têm conhecimento para passar
essas informações para os filhos, a educação financeira deveria ser matéria obrigatória nas
escolas, desde o ensino fundamental. Atualmente, algumas escolas já estão inserindo a
Educação Financeira na grade curricular, porém estas poucas iniciativas ainda são
insuficientes para prevenir um problema tão grande uma vez que muitos jovens já enfrentam
problemas com as dívidas.
AS BASES DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA
De maneira tradicional, a educação financeira está vinculada ao acúmulo ou gasto
planejado do dinheiro. Este é colocado como um fator central sem discussões a cerca da sua
origem e aplicação, nem tampouco sobre as consequências que a poupança e o investimento
128
podem gerar para o indivíduo, sua família e a sociedade A partir da preocupação com a
família e a sociedade, a educação financeira refere-se ao planejamento pela perspectiva do
consumo consciente, é através do consumo consciente que a educação financeira se conecta
ao desafio da sustentabilidade.
Para a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico-OCDE (2005),
a Educação Financeira pode ser definida como o processo em que os indivíduos melhoram a
sua compreensão sobre produtos financeiros, seus conceitos e riscos, de maneira que, com
informação e recomendação claras possam desenvolver as habilidades e a confiança
necessárias para tomarem decisões fundamentadas e com segurança, melhorando seu bemestar financeiro.
Atualmente, o orçamento familiar está comprometido pelo impulso das famílias por
comprarem imediatamente o que querem, em detrimento da possibilidade de planejarem a
compra ao longo do tempo. Por isso, a administração do orçamento familiar deve partir de
uma consciência comum a cerca da perfeita utilização dos recursos disponíveis, além de ser
objetiva e estar clara para todos os membros da família.
Para Kiyosaki (2000), a educação financeira traz um padrão de vida desejável e
proporciona a sua manutenção. O que todos querem ser é abastados e isso exige conhecimento
sobre dinheiro: é o que se chama ‘inteligência financeira’. D’Aquino (2008) cita que é
importante que as crianças saibam o valor do dinheiro em relação ao trabalho, e que o
consumo deve vir após as necessidades básicas. Segundo a autora, as famílias desejam ter
cada vez mais dinheiro, mas dificilmente elas se propõem a ensinar seus filhos como tratá-lo
corretamente, consequentemente, não há educação financeira; não se aprende como ganhar,
poupar, gastar ou doar dinheiro.
Na realidade, não é quanto dinheiro se ganha que faz a diferença, mas quanto dinheiro
se guarda ou, ainda, quanto o dinheiro trabalha aumentando-o, e por quantas gerações ele se
manterá. Para isso exige-se planejamento, a base de toda a educação, que, segundo Tiba
(2002), deve ser iniciada na infância, pois as crianças que aprendem a administrar bem a
mesada tendem a ter, no futuro, melhor qualidade de vida do que aquelas que gastam mais do
que podem.
129
O direito à educação infantil, de acordo com Hill (2009), vai de zero a seis anos de
idade e está explícito na Constituição Federal, no artigo 208, inciso IV, bem como na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que afirma que a ação de educação infantil é
complementar à da família e comunidade.
Esses aspectos legais evidenciam a participação e a responsabilidade dos pais na
educação dos filhos desde seu nascimento, e implica também em educação financeira. A
educação financeira, segundo Hill (2009), pode ser definida como a habilidade que os
indivíduos apresentam de fazer escolhas adequadas ao administrar suas finanças pessoais
durante o ciclo de sua vida.
Para Kiyosaki (2000), a mesada faz parte do processo educativo e exemplos práticos,
como o que os pais realizam diariamente em suas vidas, podem ajudar a formar a
personalidade financeira, mas o que se verifica na atualidade é um contingente de jovens
analfabetos financeiros, sem o conhecimento de como o dinheiro funciona. Como
consequência, muitos estão totalmente despreparados para enfrentar o mundo financeiro, que
atualmente dá mais ênfase ao consumo, à despesa, do que à poupança.
Como cita D’Aquino (2008), torna-se dever dos pais desenvolver a consciência
financeira dos filhos, e seria satisfatório se as escolas complementassem esse
desenvolvimento. O processo de educação financeira é longo, de aproximadamente vinte
anos, e depende de ensinamentos e coerência. Uma das razões pelas quais os ricos ficam mais
ricos e os pobres mais pobres, conforme pesquisa de Kiyosaki (2000), é que grande parte da
classe média luta constantemente com as dívidas e o assunto dinheiro muitas vezes não é
ensinado nem em casa nem na escola, que se concentra nas habilidades acadêmicas e
profissionais, mas não nas habilidades financeiras.
130
A figura 1 demonstra o ciclo de vida de uma pessoa relacionada ao aspecto financeiro
Figura 1 – ciclo de vida de uma pessoa
$
Renda
+++++++++++++
Consumo
Nascimento
Morte
16ª
20-25ª
60-65a
Fonte: Clark (2004)
A Figura 1 mostra que o maior consumo do indivíduo está entre vinte e sessenta e
cinco anos, tendo seu pico por volta dos quarenta e dois anos. De acordo com Clark (2004),
falta de conhecimentos básicos é prejudicial para um bom planejamento dos gastos ou para
evitar a decisão errada de investir ou de tomar um empréstimo. Assim, quanto mais cedo se
aprende a trabalhar com o dinheiro, melhor.
D’Aquino (2008) menciona que sempre haverá uma situação de escolhas envolvida
em cada ato de consumo, porque a população não foi educada para perceber o uso do dinheiro
como resultado das escolhas que faz, ou a considerar o que deixou de ganhar quando fez uma
opção. O modo como cada um lida com o dinheiro, em larga extensão, foi construído até por
volta da idade de seis anos.
Para Aquino (2008),enquanto a vontade é passageira, o desejo se sustenta ao longo do
tempo. Então, um jeito interessante de distinguir vontade e desejo, do ponto de vista do
consumo infantil, é deixar que a criança espere algum tempo para ganhar o que pede. O
131
importante é educá-la para aprender a esperar pela realização dos desejos. Nesse mesmo
sentido, marcar datas para o recebimento dos presentes permite que a criança tenha tempo
para receber e fortalecer seus desejos.
Assim, o ato de educar financeiramente é o ponto de partida para criar indivíduos
conscientes da importância do dinheiro para a sua vida. É importante ensinar a crianças a
comprar itens de forma planejada, a fazer escolhas que lhe proporcione
um melhor
investimento de sua renda. A criança deve estar organizada e comprometida com a sua
estabilidade financeira, para que o seu consumo seja cada vez mais consciente e que a partir
da sua organização possa ser percebido que as ações individuais ao longo do tempo irão se
expandir para a sociedade gerando um bem estar comum.
PLANEJAMENTO E CONSUMO CONSCIENTE
A análise da educação financeira e da sua relação com o consumo consciente, coloca
em evidência um ponto em comum entre estes estudos que a questão da escassez. Em toda
forma de utilização do dinheiro, seja ela de uso individual (dinheiro e crédito),ou de uso
coletivo (recursos naturais e sociais), estamos tratando do uso de recursos limitados.
De acordo com Rossetti(1990), As necessidades dos seres humanos são ilimitadas,
enquanto os recursos são escassos, cabendo a economia a difícil tarefa de estabelecer a
perfeita alocação entre ambos. Partindo-se desse pressuposto, o consumo exagerado, sem
consciência ou preocupação com a sustentabilidade, ao longo do tempo, irá exaurir os
recursos naturais. Essa mesma teoria pode ser aplicada à utilização dos recursos financeiros.
O consumo desenfreado de bens e serviços estimula o aumento do preço dos produtos, que
por sua vez elevam o nível de inflação, desvalorizam a renda pessoal disponível e lançam os
consumidores aos empréstimos pessoais, aos cartões de crédito, a utilização de limites de
cheque especial, que no final desse ciclo terão um grande desequilíbrio financeiro.
Para o Ministério do Meio Ambiente, o consumo consciente é uma contribuição
voluntária, cotidiana e solidária do cidadão para garantir a sustentabilidade da vida no planeta.
É ampliar os impactos positivos e diminuir os negativos causados pelo consumo dos cidadãos
no meio ambiente, na economia e nas relações sociais. O Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA), por exemplo, indica que a utilização de bens e serviços precisa
132
cumprir com necessidades básicas e proporcionar melhor qualidade de vida. Ao mesmo
tempo, o produto ou serviço deve minimizar o uso de recursos naturais, materiais tóxicos,
diminuir a emissão de poluentes e a geração de resíduos.
De acordo com o Ministério do Meio ambiente, o consumidor consciente por sua vez
é aquele que leva em conta, ao escolher os produtos que compra, o meio ambiente, a saúde
humana e animal, as relações justas de trabalho, além de questões como preço e marca. Por
meio de cada ato de consumo, o consumidor consciente busca o equilíbrio entre a sua
satisfação pessoal e a
sustentabilidade, maximizando as consequências positivas e
minimizando as negativas de suas escolhas de consumo, não só para si mesmo, mas também
para as relações sociais, a economia e a natureza.
Desse modo, o consumo consciente está diretamente associado ao planejamento, uma
vez que este analisa todas as variáveis envolvidas em um processo e direciona o indivíduo a
partir de suas metas para objetivos que lhe tragam um melhor retorno e mantenham os
processos em equilíbrio. De acordo com Zadnowcz (2000), planejamento significa traçar
metas, elaborar planos direcionados a peculiaridades do projeto que se almeja pôr em prática.
Já as finanças são um método de administração dos recursos disponíveis, encaixando-se no
meio empresarial ou particular, discutindo a distribuição e aplicação dos recursos, seja ele um
salário de específica pessoa ou faturamento de uma organização. Ao juntar os dois conceitos
entende-se que o planejamento financeiro é o ato de estabelecer o modo pelo qual os objetivos
financeiros podem ser alcançados.
O planejamento financeiro, de acordo com Santos (1984), significa ordenar a vida
financeira de tal maneira que permita ao indivíduo ter reservas para os imprevistos e
sistematicamente construir um patrimônio, seja ele financeiro ou imobiliário, que garanta
fontes de renda suficientes para propiciar uma vida tranquila e confortável.
Assim, segundo Santos (1984), ter um orçamento escrito e formalmente organizado é
uma condição necessária para se ter um planejamento financeiro satisfatório. Muitas pessoas
chegam a elaborar um orçamento, mas desistem ao verificar que ele não funciona a contento.
Um bom planejamento financeiro pessoal começa pela criação de um orçamento pessoal
confiável, o que significa previsões com um satisfatório grau de precisão.
133
Para algumas pessoas, as previsões mais incertas são as de renda. Entre elas se destaca
aquela cuja renda é formada principalmente por comissões ou bônus. Nesses casos, Santos
(1984) menciona que o melhor a fazer é trabalhar com três hipóteses de renda anual: a
provável, a otimista e a pessimista. Assim, as despesas obrigatórias ficariam atreladas à
previsão pessimista. Um valor mais elevado de gastos seria realizado caso se confirmasse a
previsão provável ou a otimista.
Quanto às despesas, se há um orçamento detalhado e disciplina na sua execução, não
haveria, na maioria dos casos, porque haver surpresas nos valores realizados, entretanto
Santos (1984) destaca que muitas pessoas se deparam com o fato de as despesas projetadas
serem sempre superadas. Isso acontece, geralmente, por que o orçamento de despesas foi
elaborado de modo incompleto. Esse desequilíbrio por sua vez, gera um efeito em cadeia, a
partir do momento em que reconhecemos viver em um mundo sistêmico e interdependente,
onde os efeitos das ações de cada indivíduo afetam todo o conjunto e, por meio desse,
retornam ao próprio indivíduo. Nesse contexto, a noção de interdependência geraria no
indivíduo o estímulo ao consumo consciente. Esse protagonismo por sua vez, é o caminho
pelo qual cada consumidor consegue perceber o poder da sua decisão cotidiana e passa a
tomá-las de modo consciente para a construção de uma sociedade economicamente
desenvolvida e mais igualitária.
O desenvolvimento econômico, que segundo Hewlett (1981) é usualmente definido
como um aumento significativo na renda real per capita de uma nação, tem como propósito a
obtenção de melhor alimentação, saúde, educação, melhores condições de vida e uma gama
cada vez mais ampla de oportunidades de trabalho e de lazer para as pessoas desta nação. Em
essência, desenvolvimento significa a transformação das estruturas econômicas da sociedade,
a fim de se atingir um novo nível de capacidade produtiva, e isso requer níveis sem
precedentes de poupança e de investimento.
CONCLUSÃO
A facilidade de obter crédito no Brasil, principalmente para os consumidores de baixa
renda, cresce a cada ano, mas esse fato não torna as pessoas mais ricas, ao contrário aumenta
a inadimplência no país e o empobrecimento da sociedade. A causa dessa instabilidade
134
financeira deve-se à necessidade do indivíduo do consumo imediato e sem planejamento e da
sua dificuldade de fazer contas.
O consumo de bens e serviços é essencial para o crescimento do país. O retorno do
dinheiro às empresas a partir do pagamento realizado com os salários recebidos pelas famílias
faz com que o país cresça e se desenvolva. Esse consumo entretanto precisa ser consciente,
pois a inadimplência, por sua vez, atrasa o crescimento à medida que impede que os
fornecedores invistam na geração de novos bens e serviços.
As compras mais conscientes, os investimentos apropriados e o bom aproveitamento
do crédito melhoram a qualidade de vida. A partir dessas ações a situação financeira familiar
progride e gera um efeito em cadeia de cesso à educação, à saúde e a moradia. A estabilidade
e o progresso financeiro melhoram a produtividade das pessoas por estarem mais satisfeitas.
Todos esses aspectos conduzem ao crescimento e ao desenvolvimento do país.
Uma vez mais a educação financeira pode ser definida como um conjunto de medidas
que objetivam criar e transmitir informações financeiras aos
indivíduos, a fim de lhes
proporcionar a capacidade de distinguir as principais vantagens e os principais riscos de suas
escolhas, dando-lhes a percepção de que seu bem-estar financeiro influencia no bem-estar
econômico da sociedade.
Concluiu-se, portanto, que a educação financeira aprendida desde a infância fornece o
conhecimento necessário para que no futuro os indivíduos obtenham não apenas o equilíbrio
do orçamento familiar, mas também recursos que proporcionem sua independência financeira.
Quanto antes for aprendido a praticar os ensinamentos financeiros, mais as pessoas terão
subsídios para analisar racionalmente os seus recursos.
Adotar o consumo consciente e evitar atitudes que gerem situações de risco em
investimentos, empréstimos e outras transações financeiras no seu dia a dia, impedirá que no
futuro isso possa comprometer a sua vida pessoal ou o equilíbrio da sociedade, haja visto que
o sistema econômico gera entre as famílias e as empresas um ciclo onde as atitudes
financeiras individuais positivas ou negativas terminam por atingir toda a sociedade.
135
REFERÊNCIAS
CHERRY, R. T. Introdução à administração financeira. São Paulo: Atlas, 1977.
CLARK, R.L. The economics of an aging society. Malden, Massachusetts: Blackwell Publishers Ltd,
2004.
Consumo consciente. Disponível em :<http://mma.gov.br>. Acesso em:18.de Jul. de 2013 às 15 hs e
11 min.
D’AQUINO, C. Educação financeira: como educar seu filho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
Educação financeira. Disponível em:< http://ocde. Org.br>, Acesso em 18 de Jul. de 2013 às 16 hs. e
10min.
GITMAN, L. Princípios da administração financeira. São Paulo. Harbra, 1997.
HAUSMAN, D. M., Fairness and Social Norms,” Philosophy of Science, 75(5), pp. 850–860, 2008.
HEWLETT, S.A. Dilemas do desenvolvimento: O Brasil do século XX. Zahar. 1981.
HILL, N. Quem pensa enriquece. São Paulo: Fundamento Educacional, 2009.
KIYOSAKI, R. T. Pai rico pai pobre: o que os ricos ensinam a seus filhos sobre dinheiro.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
KIYOSAKI, R. T.; LECHTER, S. L. Independência financeira: o guia do pai rico. Rio
de Janeiro: Campus, 2001.
MASSARO, André. Mone fit. O método para criar riquezas e manter a boa forma financeira. Matrix.
2010.
MEYER, Jean. Gerência financeira: controle orçamentário. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1972.
Necessidades básicas e bens e serviços. Disponível em:< http:// pnuma.org.br>, acesso em 18de
Jul.d.2013 às 15hs e 30min.
ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 1990.
SANTOS, E. O. Administração financeira da pequena e média empresa: manual do investidor do
Instituto de Estudos Financeiros (IEF). São Paulo: Atlas, 1984.
.
TIBA, I. Quem ama educa. São Paulo: Gente, 2002.
TIER, M. Investimentos: os segredos de George Soros e Warren Buffett e o que você pode realmente
aprender com os investidores mais bem sucedidos do mundo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
ZADNOWCZ, J. E. Planejamento financeiro e orçamento. 3. ed. Porto Alegre: Sagra
Luzzatto,2000.
136
EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS EM PLANEJAMENTO REGIONAL: UMA
SÍNTESE HISTÓRICA
Claudia Fardin Soares Pereira 1
RESUMO
Este artigo apresenta uma breve síntese histórica do planejamento regional no Brasil, com
suas principais concepções, obedecendo o processo histórico percorrido desde a década de 30
até os dias atuais. Embora inúmeras avaliações destes programas tenham sido realizadas por
outros pesquisadores, nossa proposta é sistematizar estas informações, definindo as principais
tendências macroespaciais. Para isso, partimos do entendimento de que todo planejamento,
para atingir a eficácia proposta, deve ser proposto com base em um território específico, que
se delimita sobre uma região (podendo ser esta meso, macro ou microrregião), com suas
particularidades, seu desenvolvimento histórico e cultural, sua formação econômica, política e
social. Foram elencados os principais programas que tiveram como propósito promover o
desenvolvimento econômico regional, reduzir as desigualdades espaciais, ampliar a integração
territorial nacional, desconcentrar o desenvolvimento econômico e corrigir os desequilíbrios
setoriais e sociais, quando regionalmente considerados. O trabalho foi desenvolvido através
da análise de pesquisa documental, a partir de livros, artigos, teses e documentos oficiais.
Palavras-chave: Planejamento regional. Desenvolvimento regional. Território. Região.
I - PLANEJAMENTO: A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO
Sem grandes variações entre os autores, nos dicionários da língua portuguesa, o verbete
‘planejar’ significa fazer ou traçar um plano, uma estratégia, planificar, projetar 2. Na prática,
para os fins deste artigo, entende-se que planejar estrategicamente é um ato que significa
propor ações para a interferência específica em determinado espaço de tempo, num dado
território. Ou seja, parte-se de uma necessidade concreta, pautada sobre uma realidade
observada e mapeada, para então serem traçados objetivos e metas para o alcance de um
determinado fim.
1
Economista. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Salvador – UNIFACS. E-mail:
[email protected].
2
Para se chegar à conclusão do significado do termo ‘planejar’, foram utilizados como base os dicionários da
língua portuguesa: Aurélio, Michaelis e Houaiss.
137
Conforme o entendimento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2014):
O planejamento pode ser entendido como o exercício de escolha consciente de ações
que aumentem as chances de obter um resultado específico. É uma atividade
dinâmica que se opõe ao improviso total, buscando orientar as decisões a partir das
informações disponíveis. O planejamento governamental acrescenta ao conceito as
características da esfera pública, tornando a atividade ainda mais complexa. Para
realizá-la, é preciso conhecimento aprofundado sobre as razões do estágio de
desenvolvimento nacional, as formas de operação do Estado e as circunstâncias e
possibilidades
políticas
de
atuação.
(BRASIL.
Disponível
em:
<http://www.planejamento.gov.br/includes/faq/faq.asp?sub=7>.
Acesso
em:
14.07.2014)
O planejamento deve ser o instrumento pelo qual se torna possível a necessária distribuição,
no território, dos elementos e fatores de produção, da administração de recursos e dos
resultados em função de determinados objetivos, previamente estipulados, pelo qual é
possível o mapeamento das etapas necessárias ao desenvolvimento do país ou região. Deve
ser o resultado de um processo de decisão político-social, que deve desenvolver-se voltado
para o futuro.
A
implementação
de
um
processo
de
desenvolvimento
territorial
pressupõe
o
desencadeamento de ações de caráter estratégico, como: gestão social dos territórios,
fortalecimento das redes sociais de cooperação, dinamização da economia e articulação
interinstitucional.
Na atualidade, com a evolução do conceito e das práticas em planejamento, as melhores
políticas públicas implementadas pelos sistemas políticos contemporâneos são resultantes de
uma complexa e contínua interação entre diversos atores, dentro e fora do governo, com a
participação ampla de vários segmentos da sociedade, tanto em seu processo de construção
quanto na tomada de contas e avaliação dos resultados, nos campos políticos, econômicos e
sociais.
II – ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA REGIONAL
Inicialmente, é preciso entender que o planejamento governamental deve ser resultado de um
processo, elaborado enquanto política regional a ser implementado sobre um território
específico, de modo a produzir resultados positivos em termos econômicos, políticos e/ou
sociais.
138
Para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, “o planejamento pode ser entendido
como a escolha consciente de ações que aumentem as chances de obter no futuro algo
desejado no presente. É uma atividade que orienta possibilidades, arranjos institucionais e
políticos. Planejar é um processo, enquanto o plano é um registro momentâneo deste processo
e o planejador é seu facilitador.” (BRASIL, 2012b, p. 13)
Ao pensar o planejamento é imprescindível levar em conta os aspectos espacial, territorial e
temporal.
Milton Santos, ao definir os três elementos, esclarece que o tempo é responsável pela
materialização da história de determinado território e este precisa ser compreendido sob a
perspectiva do uso - o todo complexo onde se tece uma trama de reações complementares e
conflitantes. Deve ser entendido, então, como uma totalidade que vai do global ao local
(SANTOS, 2005). Ao mesmo tempo, o espaço precisa ser respeitado, “uma vez que ele
cristaliza os momentos anteriores e é o lugar de encontro entre esse passado e o futuro,
mediante as relações sociais do presente que nele se realizam.” (SANTOS, 1994, p. 122)
A construção do planejamento é uma tarefa contínua e dinâmica, pois “a cada momento
histórico cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema temporal e no sistema
espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os
demais elementos do todo (SANTOS, 1985, p. 9).
Neste sentido, a política pública só consegue alcançar seus objetivos quando estiver
intimamente atrelada ao conceito de território, cuja identidade está intimamente ligada à
noção de história, cultura, espaço, tempo, recursos naturais, suas limitações e imposições,
suas vantagens naturais e as adquiridas ao longo de processo de sua formação, e o seu povo,
que nasceu, cresceu e se estabilizou na localidade, e os outros que ali se fixaram, com suas
histórias e tradições, e com o passar do tempo receberam influências e influenciaram o
contexto social, ou seja, esta política deve ser elaborada respeitando o contexto social.
O território aqui deve ser entendido como um “espaço físico, geograficamente definido,
geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a
economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições e uma população com grupos
sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de
processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade,
coesão social, cultural e territorial.” (BRASIL. 2004, p. 4)
139
Quando a sociedade se territorializa, o faz com todas as suas complexidades e contradições,
numa dinâmica que envolve, além do espaço construído e do tempo específico, também o
processo de sua formação econômica, social, política, o elemento humano, com suas lutas,
conquistas, vitórias e frustrações, práticas e produções. Essa construção nos remete ao
conceito de região, que para Pacheco, ao se apropriar do entendimento de Ann Markusen,
deve ser considerado como uma sociedade historicamente desenvolvida e territorialmente
contínua que possui o ambiente físico, socioeconômico, o meio político e cultural, e a
estrutura espacial independente de outras regiões e outras unidades territoriais principais
(cidades e nações). (MARKUSEN apud PACHECO, 1996)
Na contemporaneidade o conceito de região assumiu uma maior complexidade, uma vez que
as tradicionais concepções de região baseadas na individualidade/singularidade devem ceder
espaço para as regiões particulares, articuladas a espaços mais abrangentes de caráter
estadual, nacional e internacional. Novas conjunturas políticas e econômicas, como o
processo de globalização, propõem a substituição do conceito de região pelo de rede, pois
pressupõem articulações funcionais por meio de pontos de confluência de informações,
capital, ideias, pessoas e mercadorias, oriundas de espaços próximos e longínquos.
Num país de grandes proporções territoriais, como o Brasil, as desigualdades regionais
constituem um enorme obstáculo ao seu desenvolvimento, conspirando contra a construção de
uma Federação solidária e progressista. Por um longo tempo, o país deixou de influir de
forma planejada no desenvolvimento de suas regiões, resultando no aprofundamento de
índices de desigualdades que causaram transtornos sociais agudos e acirraram movimentos
regionais desfavoráveis ao desenvolvimento sustentável do país.
No atual mundo globalizado, as áreas que apresentam melhores condições de atração
locacional são as que possuem atributos vantajosos de infraestrutura, recursos humanos,
tecnologia e qualidade de vida. As áreas excluídas da dinâmica de mercado tendem a
permanecer à margem dos fluxos econômicos principais e a apresentar menores níveis de
renda e bem-estar.
III - O PLANEJAMENTO REGIONAL NO BRASIL
140
No Brasil, a ideia e a prática do planejamento, enquanto mecanismo para a promoção de
desenvolvimento, remonta aos anos de 1930 3, conforme uma tendência observada em outros
países da América Latina e Europa, como mecanismo para atingir o modelo de progresso
econômico e social adotado mundialmente. Nesta época, que se estende até meados da década
de 50, esta atividade assume uma forma não-sistêmica. O planejamento adquire uma postura
focada na modernização política e econômica do país, com ações nas áreas de investimento,
crescimento econômico e desenvolvimento social, sob a intervenção estatal.
Algum tempo depois, o processo de industrialização adotado pelo País, baseado no modelo de
substituição de importações, porém, resultou no afloramento de alguns pontos frágeis no
território nacional, que poderiam levar ao comprometimento da proposta de crescimento
estabelecida pelos planos de governo, tornando necessária uma intervenção estratégica que
permitisse a integração entre as diversas regiões brasileiras. Conforme dispõe Diniz (1991, p.
3):
“As experiências de industrialização substitutiva de importações, aceleradas pelos
estrangulamentos externos provocados pelas duas guerras mundiais e pela crise de
1929, a tomada da consciência da situação de atraso relativo à América Latina, a
sistematização teórica e empírica da CEPAL, enfatizaram a importância dos planos
de desenvolvimento nacionais, com ênfase na industrialização e na construção de
infraestrutura. De forma semelhante, a observação de que haviam amplas regiões
estagnadas dentro dos maiores países, levou vários governos a assimilar as
experiências internacionais, criando instituições ou definindo programas de
desenvolvimento regional.”
Alguns territórios começam a chamar a atenção do governo federal, por destoarem do
progresso alcançado pelos principais centros do País, refletindo um quadro de atraso
econômico, pobreza e marginalização.
Para estas regiões, o discurso do desenvolvimento regional começa a ser adotado e são
elaborados planos e mecanismos de incentivos visando o combate às desigualdades políticoinstitucionais e econômico-sociais, com o objetivo de inseri-las no mesmo nível e dinamismo
já alcançado pelos estados do Sudeste e Sul do País.
3
Ainda no século XIX, no Brasil, o problema regional já chamava atenção, principalmente em virtude das
constantes secas e dos problemas sociais que assolaram a região Nordeste e a dimensão continental da
Amazônia, com uma demanda constante por políticas de controle territorial. Porém, ainda não pode-se falar em
planejamento regional esta época. O que observa-se é a criação de estratégias para o combate a problemas
pontuais. É deste período a criação da Comissão Imperial (1877), cuja preocupação se concentrava na busca de
soluções para o problema decorrente das secas. No início dos anos de 1900 foi criada a Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS) e, posteriormente, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). Em 1945 dá
origem ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que tem se dedicado, principalmente, à
construção de açudes para abastecimento da região, piscicultura e irrigação de culturas. Para a Amazônia foi
criada a Superintendência de Defesa da Borracha, em 1912. (SILVA, 2005; MIRANDA NETO, 1991)
141
Assim, para atender às demandas da região Amazônica, em 1942 foi criado Banco de Crédito
da Borracha S/A, que deveria fornecer assistência financeira e técnica para as atividades de
extração, comércio e industrialização da borracha. Posteriormente, em 1950, foi transformado
em Banco de Crédito da Amazônia S/A, ampliando sua atuação para atender as atividades
agrícolas, pecuárias, industriais, melhorias dos meios de transporte, etc. Em 1966, foi
transformado em Banco da Amazônia S/A, atuando como banco de desenvolvimento regional.
Para o Nordeste foi criada, em 1945, a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF),
que deveria assegurar o suprimento de energia elétrica à região, dando suporte ao seu
desenvolvimento socioeconômico. Em 1948, foi instituída a Comissão do Vale do São
Francisco (CVSF), com vistas no desenvolvimento da agricultura, indústria, irrigação e
transportes, ao incremento da imigração e da colonização, à assistência às famílias a ao apoio
à educação e a saúde. Em 1967, esta Comissão foi extinta e, em seu lugar, foi criada a
Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), substituída, em 1974, pela
Companhia de Desenvolvimento do vale do São Francisco (CODEVASF), cujo objetivo se
voltou para a coordenação de programas e projetos de organismos públicos e privados, a nível
federal, estadual e municipal (SOUZA, 1985).
Após a segunda guerra mundial, o país passou a assumir uma postura voltada para a
modernização, priorizando a expansão e a consolidação do capitalismo internamente. Para tal,
tornou-se necessário promover um planejamento territorial em escala regional. (IANNI, 1986)
Porém, uma discussão mais direcionada para a elaboração de políticas de planejamento
regional no Brasil data dos anos de 1950, decorrente de algumas teorias de desenvolvimento
regional, como a teoria dos polos de desenvolvimento (HESPANHOL, 1999), que traz como
pressuposto o fato de o crescimento econômico se dar em determinados pontos de um
território, daí se expandindo com efeitos variáveis sobre o conjunto da economia.
Nas palavras de Perroux (1962), “o crescimento não surge em todos os lugares ao mesmo
tempo. Na realidade, ele se manifesta em pontos ou polos de crescimento, com intensidades
variáveis. O crescimento se transmite através de diversos canais e com efeitos variáveis para o
conjunto da economia”. (PERROUX, 1962, p. 20)
Neste período começam a ser elaborados os estudos do Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), coordenados pelo economista Celso Furtado, que,
como consequência, resultou na criação da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste - SUDENE. A partir de então, o aspecto territorial passa a ser predominante para a
142
identificação dos problemas da região Nordeste e para a construção de uma política que
buscasse a integração e o dinamismo regional (COHN, 1978).
A elaboração das políticas regionais, naquele momento, aconteceu de forma centralizada,
ficando a cargo dos órgãos federais, que também foram os responsáveis pela sua execução,
com a colaboração dos estados e municípios – modelo que se estendeu até a década de 80.
Estes planos visavam a atuação em áreas de como infraestrutura, investimentos diretos no
setor produtivo e políticas de concessão de incentivos fiscais (GALVÃO & VASCONCELOS,
1999).
É do início da década de 50 a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), para a
prestação de assistência financeira e técnica a empreendimentos de interesse econômico e
social localizados na região Nordeste, nos estados compreendidos no Polígono das Secas.
Em 1953, com o objetivo de promover o planejamento e desenvolvimento da região Norte, foi
criada a Amazônia legal, que incluía parte dos estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais
aos limites da Amazônia, ampliando as pesquisas sobre a fronteira agrícola. Porém, a baixa
produtividade agrícola e a alta de preços provocada pela crise do petróleo levaram à relativa
perda de interesse na área por parte do governo federal, fazendo com que o projeto não
alcançasse os objetivos almejados.
Durante o período de1956-1960, foi elaborado o Plano de Metas, para atuar em pontos
vulneráveis da economia brasileira, através de investimento em infraestrutura, sob a
coordenação do Estado, com a criação de um parque industrial nacional, expansão da
indústria pesada, da indústria de materiais elétricos e do setor automotivo (LAFER, 1975).
Entre suas metas estava o investimento nas áreas de energia, transportes, alimentação,
indústrias de base e educação. Para dar suporte ao plano foram criados órgãos paralelos à
administração, entre os quais estava a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE, em 1959, com o objetivo de resolver o problema da seca na região Nordeste,
através do financiamento ao desenvolvimento industrial. Sua função era definir e implementar
políticas socioeconômicas para a região Nordeste.
Aos mesmos moldes da SUDENE, em 1966 foi criada a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, para dar apoio financeiro à região Amazônica.
Estes modelos foram reproduzidos em outras regiões, através da Superintendência de
Desenvolvimento do Extremo-Sul – SUDESUL, da Superintendência de Desenvolvimento do
Centro-Oeste –SUDECO – e da Secretaria Especial da Região Sudeste – SERSE.
143
Tais políticas resultaram no aumento da produção industrial e no crescimento do PIB. Porém,
na prática, as regiões beneficiadas continuaram em situação de desigualdade se comparadas às
demais do País.
Neste período, o País sofreu os efeitos da alta taxa de inflação e do elevado desemprego, ao
mesmo tempo que se verificou uma desarticulação e desestruturação em sua política interna,
com falta de apoio ao governo por parte de diversos segmentos da sociedade.
Na década de 60, sob o regime militar, o governo federal adotou um discurso mais efetivo de
correção das desigualdades no interior país, preocupação que se expressou em todos os planos
nacionais de desenvolvimento elaborados a partir de então. Havia uma clara necessidade de
implementação de políticas de integração nacional que visassem a unificação das regiões
Nordeste, Centro-Oeste e Norte, o que aconteceria com a instalação de polos industriais que
permitissem a dinamização e o estímulo à economia local. (FURTADO, 1989)
As políticas de governo voltaram sua atenção para as áreas consideradas periféricas, com alto
nível de pobreza. Foram dados incentivos públicos à industrialização dessas regiões, fazendo
uso do discurso da modernização. Na prática, porém, o que se pôde verificar foi o grande
incentivo à implantação de indústrias de base, que em sua maioria funcionavam
principalmente como fornecedoras de insumos industriais para outras regiões do país,
principalmente o Sudeste, o que contribuía ainda mais para uma polarização entre as regiões
brasileiras. (CANO, 1997; DINIZ, 2001)
A partir da década de 60, há uma preocupação grande com a ocupação da região CentroOeste, através sobretudo das oportunidades advindas da agricultura.
Durante o governo militar, as políticas assumiram uma postura de correção de desigualdade
observadas dentro do território brasileiro, através de uma política desenvolvimentista baseada
no modelo da Teoria dos Polos de Desenvolvimento. O governo se respaldava na necessidade
de uma política de integração que fortalecesse a unificação das regiões Nordeste, CentroOeste e Norte, com a instalação de “polos industriais”, promovendo assim o dinamismo e o
estímulo à economia local para atingir o grau de desenvolvimento observado no Sudeste e Sul
do País.
As políticas regionais no País se concentraram nas regiões consideradas periféricas, com
elevado grau de pobreza, para transformá-las em regiões promissoras. As ações para isto
estavam no incentivo à industrialização.
144
Adotando o modelo proposto pela Cepal, o nordeste passou a receber os maiores estudos
sobre desenvolvimento regional, com elaboração de propostas e planos de ação. Segundo
Oliveira (1987), para aquela Comissão, o desenvolvimento deveria ser impulsionado
primordialmente pela industrialização, que lançaria as bases para a superação da pobreza e do
subdesenvolvimento, através de uma ação estatal de planejamento e com uma política de
incentivos.
O setor industrial teria um papel fundamental na economia nordestina conduzindo-a ao
desenvolvimento. Objetivou-se então criar mecanismos de incentivo às indústrias de bases,
aproveitando os recursos minerais disponíveis. Referente às indústrias de base, deu-se
destaque à exploração de minerais destinados a produção de fertilizantes, e a exploração de
calcário, para a produção de cimento.
A indústria implantada no Nordeste acabou por desempenhar um papel de fornecedora de
insumos industriais para outras regiões, especificamente a Sudeste.
Em 1967, todos os organismos regionais passaram a integrar o Ministério do Interior do
Governo Federal, que ficava encarregado de elaborar e executar o planejamento regional no
País, com a colaboração de estados e municípios, em áreas de como infraestrutura,
investimentos diretos no setor produtivo e políticas de concessão de incentivos fiscais,
enquanto os órgãos a ela pertencentes passavam a ser meros executores das políticas traçadas
a nível central. (GALVÃO & VASCONCELOS, 1995)
Para o período de 1968-1970 foi elaborado o Programa Estratégico de Desenvolvimento PED, composto por diretrizes de políticas econômicas e setoriais, vetores de desenvolvimento
regional, cujo objetivo era compor um projeto nacional de desenvolvimento, com a
participação do setor estatal no preenchimento dos chamados “espaços vazios” da economia.
Nesta época, foram implementados alguns planos setoriais ou regionais, como o Programa de
Integração Nacional – PIN, para o fornecimento de incentivos fiscais para a promoção da
agroindústria, e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do
Norte e do Nordeste – PROTERRA – voltado à questão da reforma agrária. O objetivo maior
do governo, porém, era recuperar a aceleração do desenvolvimento econômico, estabilizar
preços e controlar a inflação, com o fortalecimento da empresa privada e ampliação do
mercado interno. Desta época é o início da construção de estradas como a
TRANSAMAZÔNICA e a Cuiabá-Santarém, para promover a união física e econômica das
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estimulando a migração entre seus estados.
145
A partir da década de 70, os setores da indústria ligados à agricultura começaram a despontar
com certa importância no cenário econômico nacional, e o governo federal passou a dispensar
especial interesse na expansão agrícola e agroindustrial do Centro-Oeste do País, com
inúmeras ações na área de infraestrutura (estradas, energia, tecnologia) da região, utilizandose da associação ao capital privado, nacional e estrangeiro e do incentivo fiscal.
Neste período foram criados, por exemplo: o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste
– PRODOESTE, para dinamizar o desenvolvimento econômico dos estados do Mato Grosso
do Sul, Goiás e Distrito Federal, com atuação nas áreas de infraestrutura e obras de
saneamento; o Programa Especial para o Vale do São Francisco – PROVALE, para acelerar o
desenvolvimento socioeconômico da região do Vale do São Francisco; o Programa de
Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE, para promover a
modernização das atividades agropecuárias do Nordeste através de recursos do PINPROTERRA; o Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal – PRODEPAN,
elaborado para promover o aproveitamento econômico dos recursos naturais locais, com
ações na área de transportes terrestres, energia elétrica e indústrias de base; o Programa
Desenvolvimento dos Cerrados – POLOCENTRO, que estimulava investimentos nas áreas de
pesquisa, experimentação, florestamento/reflorestamento, assistência técnica e fortalecimento
da infraestrutura de apoio; e o Programa Especial de Desenvolvimento da Região de Grande
Dourados – PRODEGRAN, para ampliar a produção de cereais e oleaginosas.
Ao final da década de 70, o planejamento brasileiro sofre uma interrupção, sendo substituído
por diagnósticos setoriais e políticas de curto prazo.
Até meados dos anos 80, os planos e programas federais estavam direcionados à promoção da
integração entre as regiões para o desenvolvimento nacional, com o governo federal
assumindo um papel de ator principal no processo político de intervenção territorial.
Após a queda do governo militar, em 1985, mudanças estruturais passaram a ser observadas
na condução do processo de desenvolvimento regional. A ascendência de uma onda
neoliberal, que seguia a ordem mundial vigente, organizava-se sob a égide da globalização e
da minimização da intervenção do Estado na economia.
A partir de então se deu a ascensão de outro paradigma na política brasileira. Se num primeiro
momento, o governo brasileiro procurou promover a integração do território nacional como
medida para atingir o desenvolvimento econômico e social do país, posteriormente, sob outro
prisma, foi adotada uma estratégia do planejamento territorial, que objetivava o
146
desenvolvimento de cada uma das regiões de forma seletiva, dando atenção prioritária a seus
problemas e particularidades.
Na década de 1990, as atividades econômicas ganharam amplitude territorial, marcada pela
vocação local, onde se verifica a preocupação com um planejamento que varia de território
para território, de acordo com os problemas detectados, as atividades econômicas ali
estabelecidas. Os planos setoriais substituem os planejamentos regionais, sob uma intervenção
fragmentada, elaborados para segmentos específicos da economia e da sociedade, sob a forma
de projetos e políticas públicas.
Verifica-se o declínio do planejamento de médio e longo prazo e a perda relativa da
capacidade de atuação das Agências de Desenvolvimento Regional.
Para atender às questões da Amazônia, foi elaborado o Zoneamento Ecológico e Econômico
(ZEE), que consistia em um estudo sobre a necessidade da adoção de política de gestão
territorial para a normatização da exploração dos recursos naturais potenciais da região,
aliando crescimento econômico e conservação dos recursos naturais e do meio ambiente.
(COSTA, 1995).
No Nordeste, o Projeto Áridas, do início da década de 90, refletiu o esforço na promoção de
uma redefinição das políticas de desenvolvimento a serem implementadas para a região até o
ano de 2020. Sua estratégia baseava-se na formulação de um conceito de desenvolvimento
específico para aquela sociedade e o cenário onde estava inserida; elaboração de planos de
desenvolvimento a partir da análise das tendências econômicas e políticas nacionais e da
simulação das condições de sustentabilidade futura dos ecossistemas; definição de estratégias
básicas de desenvolvimento nas áreas geoambiental, socioeconômica, científico-tecnológica e
político-institucional,
articuladas
entre
si,
compondo
uma
estratégia
global
de
desenvolvimento; definição de programas prioritários (PROJETO ÁRIDAS, 1995, p. 27).
Deste projeto foi formulada a “Estratégia de Desenvolvimento Sustentável”, documento este
que serviria de base para a criação do “Plano de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste”.
Outro exemplo de planejamento regional foi o Projeto Ceres, elaborado para obter o
desenvolvimento e a integração econômica das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
promovendo a interiorização do desenvolvimento do País, através de estudos sobre o
potencial e limites de expansão da atividade agrícola da região. Este projeto deveria dar
origem à formulação de diagnósticos permanentes, implementação de planos de
desenvolvimento e avaliação dos resultados obtidos. (GALVÃO & VASCONCELOS, 1995).
147
Em período mais recente duas iniciativas de planejamento regional merecem destaque no
País, que são a criação dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, que serviriam
de referência à elaboração das ações do Plano Plurianual 1996-1999, e as Regiões de
Referência, constantes na publicação do Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento,
de 2008, que propõem uma base territorial regional para a ação do Estado, a serem adotadas
pelo Plano Plurianual 2008-2011.
Os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento foram propostos para direcionar o
investimento público e privado nas áreas produtivas, sociais, ambientais e de informação e
conhecimento, dando suporte à elaboração do Programa Brasil em Ação, elaborado para o
período de 1996-1999, levando em consideração os limites observados na dinâmica
econômica do país, incluindo a noção de regionalização territorial. A meta a ser atingida pela
economia seria a integração das regiões e sua inserção internacional seriam fatores para
alavancar a competitividade brasileira por meio da redução das disparidades regionais.
O estudo redividiu o território nacional em nove Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento, cada um correspondendo a uma grande rota de transporte: Arco – Norte,
Madeira – Amazonas, Araguaia – Tocantins, Oeste, Sudoeste, Transnordestino, São
Francisco, Rótula, Mercosul. Esta proposta, porém, foi abandonada para dar lugar ao debate
de criação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), entre 2004 e 2007.
Mais recentemente, estudos sobre os Macro-Eixos de Desenvolvimento Nacional procuram
delimitar os problemas e construir políticas de desenvolvimento para os segmentos regionais,
sendo também um dos subsídios à construção e elaboração dos planos plurianuais de governo.
Em 2007, foi instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR (BRASIL,
2007), estruturada sobre bases territoriais e intersetoriais, nas escalas macrorregionais e subregionais, devendo ser executada mediante a elaboração e execução de planos, programas,
ações, voltada prioritariamente para o Semiárido, a Região de Fronteira e as Regiões
Integradas de Desenvolvimento – RIDE’s, além de outras que venham a ser consideradas
igualmente de impacto para o território nacional.
“A PNDR tem o duplo propósito de reduzir as desigualdades regionais e de ativar os
potenciais de desenvolvimento das regiões brasileiras, explorando a imensa e
fantástica diversidade que se observa nesse país de dimensões continentais. O foco
das preocupações incide, portanto, sobre a dinamização das regiões e a melhor
distribuição das atividades produtivas no território.” (MINISTÉRIO DA
INTEGRAÇÃO
NACIONAL.
Disponível
em:
http://www.integracao.gov.br/politica-nacional-de-desenvolvimento-regional-pndr.
Acesso em: 26.08.2014)
148
O documento propõe uma variedade de recortes regionais, que melhor identifica os espaços
territoriais e denota certo avanço na identificação das desigualdades regionais. Porém, para
que haja maior eficiência no trato destas questões, é preciso ficar atento à necessidade de
abordar a problemática de forma dinâmica, que envolve também nas escalas mesorregional,
microrregional, intraurbana e outras que se fizerem necessárias. É necessário incluir outros
recortes que contemplem as desigualdades socioeconômicas existentes.
Em 2008 o Governo Federal elaborou o estudo “Dimensão Territorial para o Planejamento”,
apresentando uma visão estratégica, de longo prazo, sobre o território nacional, cujas ações
têm desdobramentos até o ano de 2027, com a proposta de alternativas para o
desenvolvimento sustentável das regiões e redução de desigualdades sociais e regionais no
território nacional, através de sete diretrizes: superação das desigualdades sociais e regionais;
fortalecimento da unidade (coesão) social e territorial; promoção do potencial de
desenvolvimento das regiões; valorização da inovação e da diversidade cultural e étnica da
população brasileira; promoção do uso sustentável dos recursos naturais encontrados no
território brasileiro; apoio à integração sul-americana; apoio à inserção competitiva e
autônoma do país no mundo globalizado. (BRASIL, 2008).
Embora este estudo não tenha sido adotado pelo PPA 2008-2011, a proposta dos macropolos
foi considerada como espaço elegível no âmbito da PNDR II (2012-2015), associada ao Plano
Mais Brasil.
Com esta exposição, pode-se observar as inúmeras tentativas do governo federal em retirar do
atraso econômico e social algumas regiões do País, promovendo ações de desenvolvimento.
Porém, o que se verifica na prática é a falta de continuidade dos programas adotados, que são
modificados a cada gestão para atender ao plano de governo do gestor eleito, impossibilitando
a adoção de políticas de longo prazo, de caráter continuado.
IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O planejamento regional no País tem passado por um processo de evolução em sua
metodologia de construção ao longo do tempo.
149
Os programas de desenvolvimento, num primeiro momento, ao atender os interesses do
capital, foram responsáveis pelo surgimento de desequilíbrios variados nas regiões nacionais.
A busca pela superação deste problema tem resultado na formulação de políticas regionais,
sem que possa ser observado uma linearidade em sua construção ou nas ações por elas
propostas.
No governo, planos nacionais e regionais foram criados, simultaneamente, como o objetivo de
promover o desenvolvimento nacional e territorial e superar as crises econômicas e sociais
geradas em decorrência das políticas nacionais adotadas.
Sinteticamente, podemos dividir o processo de elaboração de políticas de planejamento
regional em dois momentos distintos: do período que se estende dos anos 50 até meados dos
anos 80, quando o Estado atuou de forma centralizada, estratégica e institucionalizada. Este
modelo, porém, se modificou no início dos anos 90, quando os planos nacionais e regionais
começaram a dar lugar a planos setoriais, com intervenção fragmentada em políticas e
projetos dirigidos a determinadas áreas de atuação.
Inúmeras foram as políticas adotadas com o objetivo de promover a melhor distribuição de
recursos dentro do País, ao longo do tempo, porém, muitas delas aconteceram de forma
descontinuada e sem que seus objetivos fossem atingidos. Porém, é preciso ressaltar que o
debate sobre as questões regionais é necessário, para se alcançar o equilíbrio nacional
proposto, perseguindo o objetivo elencado pela Constituição Federal de 1988, de redução das
desigualdades regionais e sociais entre as regiões brasileiras, num esforço contínuo e conjunto
entre o Estado e a sociedade civil organizada, na geração de bem-estar social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Modelo de Planejamento Governamental. Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão. Brasília: Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos,
2012b.
____________________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG.
Secretaria de Planejamento e Investimento – SPI. Estudo da dimensão territorial para o
planejamento. Volume I – Sumário Executivo. Brasília, DF: BRASIL/MPOG/SPI, 2008.
150
Disponível
em:
http://www.planejamento.gov.br/planejamentoterritorial,
acessado
em
27.08.2014.
____________________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de
Planejamento e Investimentos Estratégicos. Planejamento Estratégico Municipal e
Desenvolvimento Territorial. Brasília/DF, fevereiro de 2014.
____________________. Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA/SDT. PRONAT:
Referências para o apoio ao Desenvolvimento Territorial. Brasília/DF, outubro de 2004.
CANO, Wilson. Concentração e desconcentração econômica regional no Brasil: 1970/95.
Campinas, SP, n. 8, 1997.
COHN, Amélia. Crise regional e planejamento: o processo de criação da Sudene. São
Paulo, Perspectiva, 1978.
COSTA, Wanderley Messias da. As Possibilidades de Planejamento Ambiental no Brasil.
Universidade de São Paulo, mimeo. 1995.
DINIZ, Clélio Campolina. A questão regional e as políticas governamentais no Brasil.
Texto para discussão n. 159. Belo Horizonte: CEDEPLAR/FACE/UFMG, 2001.
GALVÃO, Antônio Carlos F.; VASCONCELOS, Ronaldo R. Política regional à escala subregional: uma tipologia territorial como base para um Fundo de Apoio ao Desenvolvimento
Regional. Brasília: IPEA, 1999. (Texto para discussão n. 665).
HESPANHOL, A. N. A atuação do Estado no processo de desenvolvimento brasileiro. In:
MENEGUETTE JÚNIOR, M.; ALVES, N. (Orgs.). FCT 40 anos, perfil científicoeducacional. Presidente Prudente: UNESP/FCT, 1999.
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1986.
LAFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1973.
LAVINAS, Lena; NABUCO, Maria Regina. Regionalização: problemas de método. Espaço
& Debates, São Paulo, n. 38, p.21-26, 1994.
OLIVEIRA, Francisco. A economia brasileira: crítica à razão dualista. 5ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1987.
PACHECO, Carlos Américo. A questão regional brasileira pós-1980: desconcentração
econômica e fragmentação da economia nacional. 1996. Tese (Doutorado em Ciências
151
Econômicas) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP,
1996.
PERROUX, F. Le Capitalisme. Paris: Prense Universitaire de France, 1962.
PROJETO ÁRIDAS. Nordeste: uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Brasília,
Ministério do Planejamento e Orçamento, 1995.
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2005.
____________________. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.
____________________. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico
informacional. São Paulo: HUCITEC, 1994.
SOUZA, G. S. Organização cooperativa nos projetos de colonização do Vale do São
Francisco. Fortaleza, BNB, Etene - Codevasf, 1985.
152
ESTADO E PODER, CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A CRÍTICA AO
CONCEITO DE ESTADO
Danilo Uzêda da Cruz 1
RESUMO
Esse artigo apresenta uma revisão teórica sobre a questão do estado à luz da teoria política
materialista, tendo em vista o retorno do debate sobre a política, o estado e a ação do estado
no mundo contemporâneo. Essa revisão foi realizada a partir de uma leitura específica da
teoria política marxista, levando em consideração a produção teórica elaborada pelo chamado
marxismo ocidental, à luz das transformações do capitalismo contemporâneo.
INTRODUÇÃO
O intenso debate ao longo dos anos 1970 e 1980 sobre a existência ou não de uma teoria
marxista de Estado ou uma doutrina política marxiana sobre o Estado combinaram com um
período de grandes mudanças na vida social. As transformações oriundas da desestruturação
do padrão de acumulação notadamente desenvolvidas a partir do período pós-guerra, com
reorientações e mudanças significativas nas relações de produção, nos padrões de consumo,
nas formas de sociabilidade e de socialização e nas diversas esferas da economia e política
mundial, recolocaram a questão do Estado e sua relação com a sociedade. É, portanto, nos
anos 1970 e 1980 que se percebeu a crise secular que o capitalismo entrou e ainda encontrase. Essa crise levou o sistema soviético, juntamente com suas contradições internas, a ruína; a
posição hegemônica dos Estados Unidos foi questionada por outros competidores, Japão e
Europa ocidental particularmente, que reestruturaram o padrão fordista de produção. Os
países periféricos, já não podem ser completamente identificados com de “Terceiro Mundo”,
nem os países ricos como de “Primeiro Mundo”. Não sem antes um olhar mais aprimorado
que permita perceber os bolsões de pobreza e extrema miséria que o padrão de acumulação
criou internamente, obrigando governos a pensarem políticas sociais redistributivas com mais
1
Mestrando em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS); Especialista em Docência do Ensino
Superior (FTC); Licenciado em História (UEFS); Graduando em Ciências Sociais (UFBA); Pesquisador do
Instituto de Pesquisas Sociais (IPS); Técnico em Desenvolvimento Regional da Companhia de Ação e
Desenvolvimento Regional do Governo do Estado da Bahia (CAR). Correio eletrônico:
[email protected]
153
seriedade e clareza. Ao mesmo tempo populações inteiras de países pobres são tornadas
descartáveis, não como exército de reserva, o lúpem proletariado clássico dá lugar aos
inimpregáveis, Populações que não tiveram ou não reorganizaram seu padrão de produção são
desligados do restante do mundo em plena era da conexão (HIRSH, 1998; MARQUES,
1997). A intervenção estatal nas esferas sociais se torna tanto mais necessária quanto
fragmentada e assimétrica, fazendo confundir ou ocultar as relações entre política e economia,
democracia e capitalismo.
Segundo o historiador Hobsbawm (2008) um período marcado por um intensa transmutação
da forma de reprodução do capital, de grande resistência popular e social aos avanços do
capital sobre o trabalho, de grave e duradoura crise do primeiro e de intensa organização e
desorganização dói segundo. Foram os últimos 30 anos do século XX um intenso período de
criatividade do capital e dos trabalhadores em geral, mobilizando dimensões antes impensadas
no processo de reprodução do capital e de seus grupos sociais. Essa crise esteve expressa no
desmantelamento do modelo soviético após longos anos de embate ao capital e de
fornecimento de modelos aos diversos Estados. Nos anos 1980 o colapso da URSS também
faz colapsar alternativas socialistas em todo o mundo, ao menos daqueles que resistiam em
manutenção de um modelo anacrônico de política, de Estado e de controle social
(HOBSBAWM, 1995 e 2008). Mas significou ainda uma desestruturação do pensamento de
esquerda e de suas experiências de Estado.
Se é justo dizer que o capital se movimentou com vistas a manutenção do que lhe é
fundamental – o controle sobre o trabalho, sua única fonte de lucro –, é tão rela afirmar que as
formas de dominação e suas instituições também se modificaram. A Europa e a América do
Norte foram o centro dessa transformação molecular. Contudo, tanto sofreram reflexos dessa
transformação, quanto criações das formações sociais determinadas na América Latina e nos
países do chamado Terceiro mundo também marcaram o período.
Para os países da América Latina a expressão real dessa reorientação do capital esteve
expressa na instauração de golpes militares apoiados pelo capital internacional, em particular
pelos Estados Unidos. No Brasil o golpe militar de 1964-1985, além de incrementar a
burocratização e o aparelho repressivo do Estado não significou um maior e efetivo
crescimento econômico. Consolidou uma luta armada de resistência ao Estado militar
autoritário e violento, e apoiado por uma burguesia liberal vacilante.
154
A crise de acumulação molecular do capital iniciada nos anos 1970 e 1980 também provocou
uma desordem nas tradicionais estruturas social, econômica e na teoria política, nossa
preocupação central aqui. Além de inaugurar um processo mais amplo de internacionalização
do capital e de globalização financeira a crise que se instala no capitalismo provocou
paralelamente uma discussão teórica sobre o Estado e seu papel na mediação e regulação da
vida social.
Esse clima político e social contribuiu para rupturas no campo das ciências sociais e de sua
produção teórica. O aparente esgotamento de modelos explicativos metateóricos tanto
funcionalistas quanto marxistas, vis a vis o mundo em constantes e graves mudanças,
proporcionou uma busca de novos caminhos e perspectivas para a teoria social, em particular
para o aprofundamento da teoria política e as relações entre estado e sociedade. A busca
teórica, diante de modelos aparentemente esvaziados de concreticidade histórica, era pela
convergência teórica e pela busca de modelos e caminhos explicativos que incorporassem
essas novas dimensões sociais surgidas do período de reestruturação econômica, de revolução
cultural, e principalmente de complexificação da vida social.
Conforme Marques,
“(...)Nessa perspectiva de diálogo e convergência de olhares, merecem
destaque, dentre as questões a serem rediscutidas, o Estado e seu papel na
condução das políticas, seja pelos impasses e limites colocados aos Estados
nacionais pelo processo de globalização da economia, seja pelo ataque
neoliberal às estruturas de welfare state e à valorização de posturas teóricas
pró-mercado (...)”(MARQUES, 1997, p. 67).
As leituras contemporâneas desse campo do conhecimento sobre essa relação entre Estado e
seu papel na mediação, regulação, da vida social, aparecem introduzindo um novo debate, não
tanto sobre a natureza do Estado e sim sobre o Estado em Ação.
Ainda assim, uma produção intensa se deu buscando identificar os contornos e o miolo da
crise do capital e seu caráter sistêmico, que obrigou todos os países a reestruturarem suas
políticas econômicas, bem como sua relação com as demandas sociais a fim de garantir os
compromissos da burguesia com os princípios liberalizantes.
Para Hobsbawm (1998), o pensamento marxista e marxiano são fundamentais para pensar a
história e a teoria política. Seja porque ele nos oferece um método analítico, seja porque traz
elementos fundamentais para a explicação do processo histórico de formação da sociedade
capitalista, seus conflitos internos e formas de dominação. As relações sociais de classe no
155
Estado capitalista não escondem ou imiscuem os outros e relevantes conflitos criados ou
aprofundados com o Estado capitalista. Então também importante é compreender como esses
conflitos e o conflito de classe é controlado,
“(...)mediante uma espécie de válvula de segurança, como em tantos
tumultos plebeus urbanos nas cidades pré-industriais, ou institucionalizado
com “rituais de rebelião”(...) ou por outras maneiras; mas as vezes não pode
ser controlado. O Estado normalmente legitimará a ordem social mediante o
controle do conflito de classe no âmbito de um quadro estável de instituições
e valores, pairando ostensivamente acima e fora delas”(HOBSBAWM, 1998,
p. 167).
No entanto, no capitalismo contemporâneo o Estado amplia essa função, e em alguns
momentos pode perdê-la, funcionando como uma “conspiração dos ricos em seu próprio
benefício, quando não, de fato, como causa direta das desgraças dos pobres.” (HOBSBAWM,
1998:168). Se essa relação entre um Estado “acima das classes” e outro “desgraçado” para os
pobres é concreta, nos parece que se complexifica, como dissemos acima, a medida que o
capitalismo se metamorfoseia, e o próprio Estado moderno se transforma.
O longo período de acumulação flexível (ARRIGHI, 2010) e de flexibilização do trabalho,
fruto da crise sistêmica ou molecular do capital (MESZÁROS, 2005), transformaram o Estado
moderno nas diversas perspectivas, mas ainda atendendo, como de fato é sua natureza, ao
capital. Novas institucionalidades e outras formas de participação da gestão pública são
também produtos dessa reorientação da forma política do capital. O território por excelência é
o Estado nacional, e dele derivam todas as discussões sobre sistema político, políticas
públicas.
Nesse sentido explicar o Estado capitalista sob uma perspectiva marxista nos parece ser o
ponto inicial para compreensão das transformações e mutações do Estado capitalista
contemporâneo e sua expressão nas políticas públicas de desenvolvimento territorial, nosso
objetivo, seja porque “(...) o Estado é produto, é consequência, é uma construção de que se
vale uma dada sociedade para se organizar como tal” (MARX e ENGELS, 1975, p. 111), seja
porque esse Estado contemporâneo mesmo, produto das relações sociais determinadas,
condicionadas não somente pelo puro modelo de produção (mas também por ele), por suas
determinantes sociais e históricas, expressa a forma capitalista de organização política não
para servir de árbitro entre as classes, acima deles, portanto, mas para imprimir ao conjunto
das relações sociais as regras, normas, leis, instituições, valores, credenciais, corporações, etc,
seja porque faz-se necessário compreender e explicar o horizonte da sociedade civil nas
156
esferas de participação e disputa política, como conselhos, associações, conferências,
planejamentos e orçamentos participativos, ações públicas, etc., na perspectiva da disputa por
hegemonia ou manutenção do atual estado de coisas.
O QUE NOS DIZ MARX E ENGELS
A teoria materialista do Estado tem nas formulações de Marx e Engels o arcabouço teóricometodológico inicial de sua formulação, quebrando uma tradição hegeliana e construindo uma
nova abordagem sobre o Estado e sua relação com a sociedade civil. Os fundadores do
materialismo histórico e dialético invertem a relação do Estado e sociedade civil, percebendoos como fenômenos da relação social, internos aos sistemas de relações sociais, portanto parte
e produto da forma como a sociedade capitalista encontrou para garantir a reprodução do
capital, e consequentemente a sua reprodução com classe dominante.
Para Bobbio (2006), a despeito do que dizem alguns intérpretes de Marx e Engels, o conjunto
de teorias, ideias e projeções teóricas de Marx e Engels, caminham no sentido de
compreender o sentido da vida associativa e da política, portanto trazem, ainda que não
contenha a teoria de Marx – com a de Engels – um texto completo sobre o Estado, ambos
teóricos buscam compreender a dinâmica do Estado e sua relação com a sociedade,
incorporando o primeiro à dimensão estrutural da segunda. Ao romper com uma tradição
teórica que fundamentou os textos de Maquiavel a Rousseau, passando por Hobbes e Locke,
além dos alemães, Hegel e Kant, Marx e Engels elaboraram uma teoria do Estado (BOBBIO,
2006; CODATO, 1999; HOBSBAWM, 1998), que em geral é uma crítica à compreensão do
Estado nesse s autores precedentes, é uma crítica ao Estado burguês em particular, e,
principalmente, corresponde a uma teoria para um Estado transitório e sua superação, aliais
como condição sine qua para a superação das classes sociais.
Para Codato uma crítica contemporânea da corrente hoje predominante na análise de Ciência
Política – o neo-institucionalismo, sustenta que a visão que Marx possuía do Estado “(...)era
pobre e esquemática e que não haveria nas suas obras um tratamento mais detido do problema
que fosse além da mera constatação da natureza de classe dos processos de dominação
política(...)”(CODATO, 1999, p. 3). Contudo o mesmo Codato nos oferece uma importante
contribuição para pensarmos a Teoria Materialista do Estado, sobretudo, por que:
“(...) o que se pode encontrar nas suas obras principais são: (i) ou conceitos
no “estado prático”, isto é, presentes em toda argumentação mas não
teoricamente elaborados (pois foram pensados para dirigir a atividade
157
política revolucionária numa conjuntura concreta); (ii) ou elementos de
conhecimento teórico da práxis política e da superestrutura do Estado não
inseridos, entretanto, num discurso ordenado; (iii) ou, ainda, uma concepção
implícita do lugar e da função da estrutura política na problemática marxista
– mas não um tratamento orgânico do problema do Estado(...)”(CODATO,
1999, p. 3).
A obra de Marx e Engels oferece então uma ampla contribuição, igualmente no que diz
respeito a “(...) determinação da natureza de classe dos processos de dominação política (...)”.
(CODATO e PERISSINOTTO, 2000, p. 2) como a leitura de processos concretos e
historicamente determinados, possibilitando a análise do Estado em ação, suas instituições,
disputas políticas e processos de hegemonia e contra-hegemonia nos mais internos aparelhos e
instituições estatais. Essa posição teórica fundamenta a interpretação de que o Estado não é
ele mesmo produto de um consenso 2, ou representante de toda a “sociedade”, ou ainda do
“interesse nacional”. Ele é antes uma estrutura de poder que concentra, resume e se põe em
movimento a força política da classe dominante (CODATO e PERISSINOTTO, 2000) 3. O
Estado surge em Marx com um duplo papel: de controle dos aparelhos de Estado e, num papel
exterior as classes de garantia da hegemonia da classe dominante, passando assim do “a quem
serve” a compreensão mais elástica de “como se movimenta, atua e opera” o Estado
capitalista.
Para autores clássicos do pensamento marxista ocidental como Poulantzas e Jessop, tentar
encontrar um documento que em um só texto traduza o pensamento político de Marx e Engels
é um equívoco típico da academia. Esse documento não é possível porque as análises de Marx
não tinham um caráter a-histórico, traduziam, via de regra, interpretações dialéticas sobre o
mundo político. (POULANTZAS, 1977 e JESSOP, 2009). Ao teorizar sobre um aspecto “em
geral”, Marx refletia sobre contradições concretas historicamente determinadas. Assim o
2
Seja na perspectiva liberal de Rousseau ou na perspectiva do socialismo utópico libertário de Saint-Simon e
Fourrier.
3
Nesse texto os autores elaboraram uma síntese interessante sobre o pensamento marxista e sua teoria política. O
debate central, ao revisitar Marx e Engels em suas principais elaborações teórico-metodológicas sobre o Estado,
fundamentou-se na construção da natureza do Estado para o pensamento marxiano. Para os autores essa teoria se
permaneceu incompleta nos autores fundadores do materialismo histórico e dialético, possibilitou aos marxistas
o aprofundamento a partir dos textos clássicos, transitando da “natureza do Estado” para a percepção do “estado
em ação”, ou do reforço de correntes de pensamento “neomarxistas” para a revisão do pensamento político
marxiano. Sendo assim: “em meados dos anos setenta, notadamente na Itália, a literatura que se incorporou à
vaga “revisionista” enfatizou a incipiência da teoria política marxista. Segundo Norberto Bobbio, o fato de Marx
não ter redigido o livro planejado sobre o Estado (...) só confirmou o tratamento enviesado que o problema
recebeu por parte da dessa tradição teórica”. CODATO, A. e PERISSINOTO, R. M. Estado e teoria política
contemporânea. Comunicação. Curitiba, UFPR. 2000, p.3. Contudo para os autores esse aprofundamento está
mesmo nas obras de Marx e Engels, como veremos mais adiante.
158
Esatado não é atemporal, na teoria marxista, como veremos mais adiante, trata-se antes de um
Estado em particular.
Esse posicionamento teórico e metodológico na leitura dos textos de Marx e Engels não é por
acaso. A crítica central de uma tradição não marxista, sobretudo aquela que se constituiu na
corrente neo-institucionalista, é a de apontar a inexistência de uma teoria marxista de Estado,
e de indicar que quando o fenômeno político aparece nos textos de Marx não observa o papel
das instituições ou do “Estado em ação”, permanecendo preso a uma análise a-temporal e
genérica (DUMÉNIL, 2011).
Porém os principais autores e pesquisadores da obra marxiana e engelsiana destacam três
textos fundamentais para a compreensão do pensamento político não a cerca do Estado
moderno em geral e sim suas formações históricas específicas, traduzindo, desse modo, a
perspectiva anotada anteriormente e a permanente distinção entre a “natureza” e o “Estado
historicamente determinado” como condicionantes dialéticas do percurso teórico de Marx e
Engels. A complexidade e profundidade das interpretações de Marx e Engels sobre a natureza
do Estado e a forma política assumida pelo capital permeando suas instituições e relações
sociais, ainda que delineadas ao longo de toda a obra teórica de ambos, estão mais explícitas
em três textos fundamentais publicados a partir de 1848, na Nova Gazeta Renana e em
publicações independentes posteriormente, a saber: Lutas de Classe na França de 1848 a
1850, A Guerra Civil na França e o 18 de Brumário de Luis Bonaparte.
Antes, contudo, textos precedentes e de grande contribuição teórica ao conjunto da obra de
Marx e Engels já haviam tratado, fragmentariamente, do Estado, de uma teoria do Estado ou
da relação com a sociedade civil, ora incorporando-a (como em Contribuição à crítica da
filosofia do direito de Hegel) ora dotando-lhe de autonomia relativa (como em Sagrada
Família) ou com parte “acima” da sociedade e determinante em uma sociedade historicamente
determinada (Ideologia Alemã). E já em 1848, no Manifesto Marx e Engels afirmam que:
“(...) Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi acompanhada foi
acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida
pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui
república urbana independente, ali terceiro estado tributário da monarquia;
depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da monarquia feudal ou
absoluta, base principal das grandes monarquias, a burguesia, com o
estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou,
finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno.
O executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir os
159
negócios comuns de toda a classe burguesa.(...)” (MARX e ENGELS, 2007,
p. 41-2)
Para Engels (1984), O Estado:
“(...)não é, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para
dentro; tampouco é a 'realização da idéia moral 'nem a 'imagem e realidade
da razão ', como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade quando esta
chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a revelação de que essa
sociedade se envolveu numa irremediável contradição consigo mesma e está
dividida em antagonismos irreconciliáveis que não consegue eliminar. Mas
para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos
antagônicos, não se devorem e não afundem a sociedade numa luta estéril,
torna-se necessário um poder situado aparentemente acima da sociedade,
chamado para amortecer o choque e mantê-lo dentro dos limites da 'ordem '.
Esse poder, nascido da sociedade mas que se distancia cada vez mais dela é
o Estado (...) [Ele] torna-se um Estado em que predomina a classe mais
poderosa, a classe econômica dominante (...) O Estado antigo era acima de
tudo o Estado dos proprietárias de escravos para manter subjugados a estes,
enquanto o Estado feudal era o órgão da nobreza para dominar os
camponeses e os servos, e o Estado moderno é o instrumento de que se serve
o capital para manter a exploração sobre o trabalho assalariado (...) [Um]
traço característico do Estado é a instituição de uma força pública que já não
mais se identifica com o povo em armas (...) Para sustentar essa força
pública, são exigidas contribuições por parte dos súditos do Estado: os
impostos.” (ENGELS, 2000, p. 191-3).
O Estado, como afirma Engels, não surgiu de fora para dentro, ou existe eternamente: ele é
senão o produto das contradições internas de cada sociedade em cada período histórico, que
necessita, dialeticamente, de um elemento exterior que viabilize a dominação de classe.
Já em “A guerra civil na França”, Marx reafirma as bases do estatais, uma vez que
“(...) o poder estatal centralizado, com seus órgãos onipresentes, com seu
exército, polícia, burocracia, clero e magistratura permanentes – órgãos
traçados segundo um plano de divisão sistemática e hierárquica do trabalho –
tem sua origem nos tempos da monarquia absoluta e serviu a nascente
sociedade da classe média como uma arma poderosa em sua luta contra o
feudalismo. (...)” (MARX, 2011, p. 54).
O processo de formação do Estado a serviço da manutenção da classe dominante, que teve na
Revolução Francesa, nos diz Marx (2011), “a enorme vassoura” que “varreu todas as relíquias
de tempos passados” 4, estabelecendo uma nova classe dominante, obrigando, dessa forma, o
Estado a reestruturar-se, e se colocar a serviço dessa nova classe dominante. O Estado aqui
4
“(...) Seu desenvolvimento, no entanto, permaneceu obstruído por todo tipo de restos medievais, por direitos
senhoriais, privilégios locais, monopólios municipais e corporativos e códigos provinciais. A enorme vassoura
da Revolução Francesa do século XVIII varreu todas essas relíquias de tempos passados, assim limpando ao
mesmo tempo o solo social dos últimos estorvos que se erguiam ante a superestrutura do edifício do Estado
moderno(...)” MARX: 2011, p. 54.
160
não é apenas o sustentáculo de para uma nova sociedade moderna que surge, mas também o
instrumento de sua reprodução.
LÊNIN E O ESTADO
Se não está em nosso horizonte aprofundar em sua totalidade o pensamento marxiano sobre o
Estado, apontando apenas algumas características gerais de sua teorização política, tampouco
pretende-se exaurir toda a concepção marxista sobre o Estado. Contudo não poderíamos
seguir adiante sem apontar esses elementos centrais da teoria de Lênin sobre o Estado que
convergiram para a teoria marxista do Estado nos tempos contemporâneos, fundamentando de
forma significativa o conjunto das análises do materialismo histórico e dialético no mundo do
século XX, incorporando diversos elementos teóricos e analíticos a partir de uma concretude
histórica mundial e russa em particular. A compreensão do Estado moderno e a necessidade
histórica do empreendimento imperialista dos Estados capitalistas nos finais do século XIX e
século XX, bem como a concepção de dominação de classe e também necessária tomada
abrupta do poder do Estado pelo proletariado, não seria possível sem as análises presentes nos
textos leninistas, que incorporaram as principais teorizações de Marx e Engels à luz de uma
realidade histórica nova que se apresentava tanto para a Rússia revolucionária como para
diversas partes do mundo.
A extensa bibliografia de Lênin contrasta com sua morte prematura. São inúmeros escritos
políticos teóricos e de análise de conjuntura, cuja profundidade e relevância fizeram-se sentir
ao longo do século XX fundamentando programas de partidos revolucionários, programas
estatais e incontáveis teses e pesquisas acadêmicas. Em nosso propósito duas tomam relevo,
por se tornarem clássicas no pensamento político marxista, e por tratarem de forma mais
sistemática a questão do Estado, com a introdução – fundamental – da questão do dominação
de classe na análise do estado, justificando inclusive as razões pelas quais os trabalhadores
deveriam lutar pelo poder político na Rússia czarista.
São dois textos que traremos à baila para tratar da concepção leninista sobre o Estado. O
primeiro texto de Lênin, as “Teses” ou “As tarefas do proletariado em nossa revolução”, foi
escrito em 1917 em pleno processo revolucionário e busca identificar o problema da
transformação do partido, o papel do proletariado na revolução e da tomada do poder pelas
classes trabalhadoras. O segundo, “o Estado e a revolução”, escrito nos meses de setembro de
161
1917, Lênin busca expor didaticamente o conjunto teórico esboçado por Marx ao longo das
obras escritas nos anos 1848-1871, já mencionadas acima. 5
Aparentemente, segundo Johnstone (1985), parece paradoxal que Lênin tenha dado pouca ou
nenhuma importância ao problema do poder na sociedade pós-capitallista. Para o autor, a
explicação não está apenas no fato do materialismo histórica calcar suas análises na
experiência concreta.
“(...)é necessário lembrar que, sobretudo até 1914, a atividade
principal de Lênin fora dirigida, (...) mais no sentido do
desenvolvimento na Rússia de uma revolução democrático-burguesa
do que de uma revolução socialista.(...)”(JOHNSTONE, 1985, p. 120).
As formulações explicitadas por Marx e Engels em sua teoria política são o centro da teoria
política também em Lênin, exposta em sua obra O Estado e A Revolução. O processo
histórico que levou Lênin as conclusões sobre a formação do Estado e sua natureza, contudo,
apontam dimensões e formações históricas diversas daquela identificada por Marx e Engels
nos textos clássicos 6. Daí a necessidade mais premente de partir de uma análise
contextualizada dos regimes políticos, totalitários ou democráticos, ao contrário de Marx e
Engels que partiram da natureza do Estado em si.
Na obra de Lênin fica claro, contudo a função do Estado como aparelho repressivo da
burguesia, e o papel dessa classe como núcleo central do Estado burguês. Desse modo não há
outra alternativa, nos diz Lênin (2007), do que apoderar-se do Estado, da máquina do Estado,
transformando-se em classe dominante 7 e estabelecendo-se o seu domínio político.
5
Ambos os textos inauguram um amplo debate entre os marxistas sobre o papel da classe trabalhadora, dos
operários em geral, na consolidação do socialismo como momento de transição historicamente determinado para
uma sociedade sem Estado. Como veremos ao longo do texto a abordagem leninista da teoria política marxista
influencia de maneira decisiva pensadores importantes dentro do pensamento marxista, sendo o principal deles
Antonio Gramsci. Os dois textos surgem em um Lênin maduro que já aponta as questões centrais do Estado e da
revolução em processo na Rússia, identificando os papeis do partido verdadeiramente revolucionário e suas
tarefas na construção de uma sociedade igualitária, bem como o enfrentamento ao capitalismo e a revolução
permanente como condição necessária ao sucesso do socialismo e do comunismo. Textos anteriores já
trabalhavam a questão do Estado e sua contradição fundamental na sociedade. Para o conjunto das obras de
Lênin, ver: LENIN, V. I. Obras escolhidas, volumes I, II e III. (em particular volumes I e II). São Paulo : Alfa
Ômega, 1982 e 1988.
6
Ainda que Marx e Engels elabore análises para o Estado em geral em alguns momentos, a produção teórica está
centrada na conjuntura da Europa revolucionária dos anos 1848, e analisando o caso concreto da França entre os
anos 1848 e 1871, a partir de um processo revolucionário burguês e a dinâmica das classes no Estado, como
vimos acima. Lênin, em pleno processo revolucionário da Revolução Soviética, partirá da análise de uma
sociedade sob o regime czarista, sem o desenvolvimento capitalista-industrial clássico, ou significativo.
7
O Estado como classe dominante. VER: JOAHNSTONE, 1985, p. 12.
162
Lênin incorpora em o Estado e a Revolução a necessidade histórica de transformar a classe
trabalhadora em classe dominante, demonstrando que:
“(...) sem a transformação do proletariado em classe dominante, a
resistência, “inevitável”, “desesperada”, da burguesia não pode ser
derrubada. (...) O proletariado tem necessidade do poder de Estado, de uma
organização centralizada da força, de uma organização da violência, tanto
para reprimir a resistência dos exploradores como para dirigir a grande
massa da população (...) (LÊNIN, 2007, p. 340).
A constituição do proletariado em uma “unidade de força”, em uma “centralidade da
repressão violenta” não é contudo uma condição permanente. Trata-se antes de garantir o
domínio político para exercer o domínio econômico. Essa relação não pode ser duradoura,
segundo Lênin (2007), mas também não pode ser esquecida, como a experiência da Comuna
de Paris.
A ditadura do proletariado é, portanto, uma condição necessária que permitirá aos
trabalhadores a transformação de todos os meios de produção, que antes eram de posse da
burguesia, em meios de produção do Estado, em propriedade do Estado. Essa provisoriedade
da posse do poder político nas mãos do proletariado, segundo Lênin (2007) é o tempo
necessário para a conversão econômica de uma Estado sem classes. O Estado só existe,
aponta, porque existe conflito entre classes. A superação ou a supressão das classes em uma
sociedade específica carregará com ela a necessidade do Estado. Para Lênin (2007) não há
outro objetivo em deter o poder político senão a supressão do próprio Estado, na destruição do
aparelho do Estado.
O texto de o Estado e a Revolução, como apontamos mais acima é uma releitura analítica, à
luz da realidade revolucionária da Rússia, dos clássicos textos de Marx sobre a Luta de
Classes na França, a Guerra Civil na França e o 18 de Brumário de Luís Bonaparte. E
aprofunda identificando como a experiência da Comuna de Paris possibilitou aos
trabalhadores a descoberta de uma fórmula, de uma forma política, na qual se poderia efetuar
a emancipação econômica do trabalho, efetuando assim a emancipação e tornando o Estado
desnecessário à formação social seguinte. (JOAHNSTONE, 1985, p. 122). O Estado e a
Revolução é um texto que identifica dois elementos teórico-práticos, aprofundando a primeira
leitura de Marx e Engels: a necessidade de dominação proletária do aparelho de Estado, e sua
163
destruição, não definhamento 8, mas destruição do arcabouço burocrático, violento e repressor
do Estado, em uma sociedade sem classes.
Mas somente em 1919, em uma conferência pronunciada por Lênin na Universidade
Sverdlov 9 em 11 de julho daquele ano, que Lênin expõe de maneira histórica a questão do
Estado abordando as transformações e, novamente resenhando as obras clássicas do marxismo
ocidental, dessa vez enfatizando a necessidade da burocratização do Estado socialista antes de
sua destruição total.
“(...) A teoria do Estado serve para justificar os privilégios sociais, a
existência da exploração, a existência do capitalismo, razão pela qual seria o
maior dos erros esperar imparcialidade neste problema, abordando-o na
crença de que quem se julga cientista possa apresentar uma concepção
puramente científica do assunto. Quando se tenham familiarizado com o
problema do Estado, com a doutrina do Estado e com a teoria do Estado, e o
tenham aprofundado suficientemente, descobrirão sempre a luta entre classes
diferentes, uma luta que se reflete ou se exprime num conflito entre
concepções sobre o Estado, na apreciação do papel e da significação do
Estado(...).”(LÊNIN, 1919).
Essa compreensão é completada pela afirmação, mais contundente de que:
“(...)Se vocês considerarem o Estado do ponto de vista desta divisão
fundamental, verão que, antes da divisão da sociedade em classes, como já
tenho dito, não existia qualquer Estado. Mas, quando surge e se afiança esta
divisão da sociedade em classes, quando surge a sociedade de classes,
também surge e se afiança o Estado. A história da humanidade conhece
dezenas e centenas de países que tenham passado ou estão a passar na
atualidade pela escravatura, o feudalismo e o capitalismo. Em cada um deles,
apesar das enormes mudanças históricas que tiveram lugar, apesar de todas
as vicissitudes políticas e de todas as revoluções relacionadas com este
desenvolvimento da humanidade e com a transição da escravatura ao
capitalismo, passando pelo feudalismo e até chegar à atual luta mundial
contra o capitalismo, vocês perceberão sempre o surgimento do Estado. Este
sempre se caracterizou como um determinado aparelho com relativa
autonomia em relação à sociedade, consistindo num grupo de pessoas
dedicadas exclusiva ou quase exclusivamente ou principalmente a governar.
Os homens dividem-se em governados e em especialistas em governar, que
se colocam por cima da sociedade e são chamados governantes,
representantes do Estado. Este aparelho, este grupo de pessoas que governa
os demais, toma posse sempre de certos meios de coerção e de violência
física, que se exprime sobre os homens primitivos, através dos tipos mais
aperfeiçoados de armas, na época da escravatura, ou nas armas de fogo
inventadas na Idade Média ou, por último, nas armas modernas, que, no
século XX, são verdadeiras maravilhas da técnica e se baseiam integralmente
nas últimas conquistas da tecnologia moderna. Os métodos de violência
8
Sobre a controvérsia de Lênin com marxistas contemporâneos ver LÊNIN, 2007; JOAHNSTONE, 1985;
DURIGUETTO e MONTAÑO, 2011.
9
http://pcb.org.br/fdr, em 20.10.2011.
164
mudaram, mas em toda a parte existiu um Estado, existiu em cada sociedade
um grupo de pessoas que governavam, mandavam, dominavam e que, para
conservarem o seu poder, dispunham de um aparelho de coerção física, de
um aparelho de violência, com as armas que correspondiam ao nível técnico
da dada época. E apenas examinando estes fenômenos gerais, perguntandonos por que não existiu Estado algum quando não havia classes, quando não
havia exploradores e explorados e por que ocorreu quando surgiram as
classes; só assim é que acharemos uma resposta definida à pergunta de qual
é a essência e a significação do Estado (...).”(LÊNIN, 1919)
É interessante que ao longo de toda a sua produção teórica dedicada a análise do Estado Lênin
não abandona ou descuida dessa perspectiva da necessidade de desburocratização da vida
social, sendo ela mesma uma elemento de dominação irrelevante na sociedade comunista
avançada.
O ESTADO AMPLIADO GRAMSCIANO
Enquanto Marx e Engels trataram conjuntamente de um contexto social-histórico na realidade
concreta do capitalismo concorrencial, no século XIX e ainda elaboravam tendo como
horizonte o capitalismo monopolista, os desdobramentos da 1ª Guerra mundial, da Revolução
russa, e mesmo das condições do Estado italiano. A forma de socialização política
desenvolvida na Itália, distinta do conjunto da Europa caracteriza a necessidade de uma
análise histórica concreta, o que Gramsci faz, a partir das “pistas” teóricas de Marx e,
principalmente, Lênin, radicando, como acrescenta Lukacs (1974), a total fidelidade com o
método materialista dialético, de captar a dinâmica, os processos, de novas realidades as
novas (ou outras) determinações. A análise gramsciana não será, desse modo, um mero
compêndio das informações de Marx, Engels e Lênin, orientando toda a sua formulação para
a compreensão da situação concreta e histórica, da realidade italiana e europeia, mas também
das sociedades do capitalismo desenvolvido no seu tempo. (COUTINHO, 2007). No ambiente
geográfico vivenciado por Gramsci,
“(...) já se generalizou uma maior complexidade do fenômeno estatal: ele
pôde assim ver que, com a intensificação dos processos de socialização da
participação política, que tomam corpo nos países “ocidentais” sobretudo a
partir do último terço do século XIX (formação de grandes sindicatos e de
partidos de massa, conquista do sufrágio universal, etc) surge uma esfera
social nova, dotada de leis e de funções relativamente autônomas e
específicas, tanto em face do mundo econômico quanto dos aparelhos
repressivos do Estado(...)”. (COUTINHO, 2007, p. 124).
A contribuição de Antonio Gramsci, nesse sentido, pode ser lida em três conjuntos de
documentos, organizados em português pela primeira vez pelo cientista político Carlos
165
Nelson Coutinho. São os Cadernos do Cárcere, em seis volumes; as Cartas do Cárcere, em
dois volumes; e, nos Estritos Políticos, também em dois volumes.
Como analisa Coutinho (2007) todo o empreendimento teórico de Gramsci se dá de forma
original na análise do Estado e da sociedade civil. Gramsci empreende, a partir dos clássicos
uma leitura dinâmica do Estado moderno incorporando os conceitos de hegemonia como a
superação da necessidade de choque frontal com a classe dominante para a tomada do Estado.
Essa movimentação, conquistada passo a passo, se dá no campo da sociedade civil, das
instituições privadas, das organizações, como parte do arcabouço estatal, “(...) uma rede de
organizações
(associações,
sindicatos,
partidos,
movimentos
sociais,
organizações
profissionais, atividades culturais, meios de comunicação, sistema educacional e eleitoral,
parlamentos, igrejas, etc.)”. (DURIGUETTO e MONTAÑO, 2010, p. 43). Nessa esfera que as
classes e suas frações se enfrentam, no campo de forças, à guisa de conquistar ou manter a
hegemonia.
E Coutinho (2007) ainda acrescenta: “(...) o conceito de sociedade civil como portadora
material da figura social da hegemonia, como esfera de mediação entre infraestrutura
econômica e o Estado em sentido estrito (...) tomará corpo ao longo dos Cadernos (...)”. Será
com base nesse conceito que Gramsci enriquecerá a teoria marxista do Estado, corroborando
com o conjunto da teoria marxista de Estado,
“(...) o de que a produção e reprodução da vida material, implicando-a
produção e reprodução das relações sociais globais, é o fator
ontologicamente primário na explicação da história. Fixar corretamente esse
ponto me parece essencial para avaliar de modo justo não só o lugar de
Gramsci na evolução do marxismo, mas também seu conceito de sociedade
civil: Gramsci não inverte nem nega as descobertas essenciais de Marx, mas
a “apenas” as enriquece, amplia e concretiza, no quadro de uma aceitação
plena do método do materialismo histórico (...)”. (COUTINHO, 2007, p.
123),
Para Gramsci (2002), a dinâmica política observada na sociedade civil proporciona que se
enxergue a ampliação do fenômeno estatal, e a sociedade política o “lugar onde a classe
dominante impõe coercitivamente a sua dominação”. Visto que:
“(...) na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à
noção de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, que Estado =
sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de
coerção)(...)”(GRAMSCI, 2000, p. 44).
166
É, portanto, pelo conceito de sociedade civil que chegaremos ao conceito de Estado ampliado
gramsciano.
Segundo Bobbio (1999) a sociedade civil em Gramsci faz parte do momento superestrutural
da sociedade. A sociedade civil, diz Bobbio, compreende não mais todo o conjunto das
relações materiais, mas sim todo o conjunto das relações ideológico-culturais; não mais toda a
vida comercial e industrial, mas toda a vida espiritual e intelectual (...)” (BOBBIO,1999, p.
55). Ao que Coutinho (2007) contrapõe veementemente, afirmando que não há contraposição
entre as duas esferas, antes elas se intercruza, e interpenetram, condicionando-se. E vai mais
além: associa a teoria gramsciana da sociedade civil a possibilidade de perceber uma
mediação, uma regulação, entre as estruturas sociais e o Estado.
Mas essa análise nos parece reduzida ou incompleta. Bobbio ao realizar uma leitura liberal do
pensamento de Gramsci enfatiza a separação entre sociedade política e sociedade civil. Mas a
compreensão que temos segue em sentido complementar, posto que para Gramsci, o elemento
essencial está em perceber como a sociedade civil nas sociedades contemporâneas
complexificam essa compreensão, situando-se como palco do pluralismo e da disputa por
conservação ou por conquista hegemônica. Essa dinâmica só pode ser percebida se
reforçarmos o papel da decisão da hegemonia, contratos, consensos e dissensos. A sociedade
civil é a esfera onde as classes e frações de classe, como observou Marx (2012), se organizam
no sentido de defenderem suas posições. Sua função ultrapassa a esfera produtiva, mas a
contempla, “(...) pois lá é onde se decide a hegemonia(...)”(SEMERARO, 1999, p. 76).
A sociedade civil na acepção gramsciana faz parte do Estado, o compõe. Uma vez que é
permeada pelos interesses e conflitos que das classes e frações de classes que estruturam dada
sociedade. Por meio da sociedade civil é que a classe dominante se faz hegemônica e busca a
sociedade política. Por meio do Estado, que a classe dominante orienta sua hegemonia,
mesclando direção política e consenso, excetuando-se as ditaduras, onde essa hegemonia se
dá por uso da coerção (COUTINHO, 2007, p. 128). A novidade reside no fato desse espaço da
hegemonia ser um espaço autônomo, não residual, e de especificidade na manifestação.
Em Gramsci, a sociedade civil é o lugar sine qua das disputas políticas, do campo de forças.
A sociedade política é o lugar da direção, da coerção e da ditadura. Segundo Coutinho (2007)
essa distinção é meramente metodológica, uma vez que os processos interagem de forma
dialética, condicionando-se mutuamente.
167
Fato importante para nossa reflexão é o papel desse espaço na construção da hegemonia, e do
Estado restrito. A perspectiva, inovadora até então, para a sociedade civil como parte do
próprio Estado, que se articula para garantir ou ampliar a hegemonia de determinada classe,
fazendo uso de suas instituições, parlamento, associações, exige um dado desenvolvimento ou
fortalecimento desta sociedade para competir ou disputar processos de hegemonia.
(GRAMSCI, 1999,2000, 2001, 2002).
Parece-nos importante ainda precisar melhor o que Gramsci quer então nos dizer, e acrescenta
a teoria materialista do Estado, à medida que confere a própria sociedade civil um papel ou
uma função com chama, na constituição do Estado ampliado, que é como ele se apresenta em
uma realidade concreta. Desse modo, nos diz Gramsci:
“(...) Eu amplio muito – aponta Gramsci em suas Cartas – a noção de
intelectual e não me limito à noção corrente, que se refere aos grandes
intelectuais. Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de
Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura,
ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de
produção e a economia de um dado momento) e não como um equilíbrio da
sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social
sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas
privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc) (...)” (GRAMSCI,
2005, p. 84).
Assim sendo,
“(...) o Estado em sentido amplo, “com novas determinações”, comporta
duas esferas principais: a sociedade política, que é formada pelo conjunto
dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio
legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos de
coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar; e a
sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações
responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o
sistema escolar, as Igrejas, os partidos, os sindicatos, as organizações
profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras,
meios de comunicação de massa, etc) (...)”.(GRAMSCI, 2005, p.84).
Estado é portanto sociedade civil + sociedade política, “hegemonia escudada na coerção”,
sendo mais que o aparelho estatal burocrático e militar, vis a vis “(...) por “Estado” deve-se
entender, além do aparelho de governo, também o aparelho “privado” de hegemonia ou
sociedade civil. (...)” (GRAMSCI, 2005). Para Gramsci o Estado não é somente o aparelho
repressivo da burguesia, ele inclui ainda a hegemonia burguesa em sua superestrutura, em
seus aparelhos públicos e em seus aparelhos privados de hegemonia (sociedade civil).
168
Ao longo dos “Escritos políticos”, de 1910-1920, Gramsci também desenvolve importante
contribuições teórico-metodológicas sobre o Estado. Enquanto nos chamados “Cadernos do
Cárcere” toda a produção aparece dispersa e em um conjunto de notas, nesses escritos elabora
de forma mais completa e complexa respostas a questões da realidade empírica, e elaborações
teóricas, sobre temas variados. Nos interessa aqui o conjunto de textos que Gramsci elaborou
discutindo o papel do Estado, sua natureza e sua formação histórica determinada.
“(...) E, dado que o Estado é uma soberania organizada em poder, não se é
concreto sem uma concepção geral do conceito de soberania, sem uma
adequação da própria energia individual ao ato universal que opera através
da soberania e se expressa em todo o complexo mecanismo da administração
estatal (...)” (GRAMSCI, 2004, p. 222).
A necessidade do uso da força, combatida por Gramsci, é justificada na tomada do poder.
Uma vez que: “(...) para suprimir o Estado (...) é necessário um tipo de Estado capaz de obter
tal objetivo; de que, para suprimir o militarismo, pode ser necessário um novo tipo de exército
(...)” (GRAMSCI, 2004, p. 255).
Gramsci (2004), continua refletindo sobre a questão da militarização do novo Estado, uma vez
que é contrário ao princípio ético do socialismo a imposição da violência, mas “(...)O
proletariado é pouco experiente na arte de governar e de dirigir; a burguesia irá opor uma
formidável resistência, aberta ou sub-reptícia, violenta ou passiva , ao Estado socialista.
(...)”.(GRAMSCI, 2004, p. 255).
E é possível que, mesmo o Estado socialista, se veja diante da necessidade histórica de impor
o Estado socialista ao conjunto da sociedade, se vendo “(...) diante da cruel necessidade de
impor com a força armada disciplina e a fidelidade, de suprimir uma parte para salvar o corpo
social da degradação e da depravação (...)” (GRAMSCI, 2004, p. 257). É a condição anterior
de existência de propriedade privada que coloca a questão nesses termos, em termos
desiguais. A necessidade, portanto, da violência legítima contra uma minoria privilegiada, e
em condições sociais de privilégio, faz com que a própria luta seja também desigual.
Mas enquanto os clássicos do marxismo identificam o Estado ao aparelho repressivo
necessário para a dominação de classe, para Gramsci, essa necessidade é transitória. A
sociedade civil é o exercício das mediações, das regulações de classe, sendo ainda o lugar do
convencimento, do exercício da dominação do Estado. A transição, um Estado de transição,
ao contrário de ser abrupto, deve contemplar esferas de convencimento, tendo em vista que
169
sem a construção de hegemonia de classe o único caminho é a força, a coerção, a ditadura
(GRAMSCI, 2005).
Parece-nos que as incorporações de Gramsci ao pensamento marxista, seja na introdução
ampliada do conceito de hegemonia identificando a sociedade civil e suas organizações como
parte da esfera estatal; seja na percepção do Estado como instrumento fundamental para o
controle da dominação e perpetuação da classe dominante no poder, desfazendo
historicamente o Estado como instância de coerção e uso da força e violência; e, como
importante contribuição a teoria política constante nos Cadernos, não somente por sua
condição de produção, mas sobretudo por sua coesão teórica (COUTINHO, 2011),
incorporando os diversos elementos do político as relações sociais e a compreensão integral
do Estado e da sociedade civil como partes cada uma da totalidade da vida social.
Como Marx, Engels e Lênin, Gramsci projeta uma sociedade sem classes, por conseguinte
sem Estado. Essa afirmação ganha corpo em Gramsci porque consegue perceber a
importância da sociedade civil na construção de uma hegemonia (BOBBIO, 1997). Uma
determinada sociedade política absorvida pela sociedade civil, no interior da esfera estatal.
Esse conjunto de conceitos e definições gramscianas como aprofundamento da teoria
materialista do Estado que serão de grande importância pra os teóricos do marxismo
contemporâneo, sobretudo na análise em perspectiva do Estado em ação.
TEORIA POLÍTICA MATERIALISTA CONTEMPORÂNEA
O desenvolvimento crítico das teorias políticas marxistas, sobretudo a partir das releituras dos
clássicos por marxistas contemporâneos após os anos 1970 e 1980, possibilitou dois tipos
centrais de análises: uma que permaneceu no estudo da natureza do Estado de classe,
aprofundando elementos de sua estrutura (POULANTZAS, 1977; HIRSH, 1975;
ALTHUSSER, 1985); e oura que desenvolveu os estudos a partir do conceito de Estado
ampliado gramsciano ou na perspectiva do “Estado em ação” (COUTINHO, 2007; 2011;
DURIGUETTO, 2007; HOBSBAWM, 1998; HIRSH, 2010; MASCARO, 2013). Ambas as
correntes, contudo, passaram a dialogar no período da convergência teórica, mormente nos
anos 1990, e de reestabelecimento das análises marxistas pós-URSS.
Essa seção pretende identificar como algumas dessas contribuições repercutiram a partir de
suas análises na Teoria materialista do Estado, contribuindo para a compreensão e explicação
170
da relação entre a natureza do Estado de classe e a ampliação da participação e do pluralismo
da sociedade civil como fundamental para o processo de democratização das instituições e da
ampliação da esfera participativa e das políticas públicas. Destacaremos aqui duas
interpretações e atualizações do pensamento marxista para uma realidade concreta do mundo
contemporâneo, pós-fordista, que incorpora o elemento da sociedade à teoria política do
Estado moderno.
A teoria política de Poulantzas, em particular sua teoria sobre o Estado capitalista moderno,
base sobre a qual erige e fundamenta a análise sobre um Estado concreto e historicamente
determinado, tem sido revisitada no debate contemporâneo sobre Estado. Suas considerações
consideradas originais e contemporâneas (!), tem alimentado o debate em torno do
pensamento marxista, uma vez que consegue perceber na formulação do Estado a dialética
ontológica na formação do Estado Moderno capitalista, operando as diversas dimensões com
o direito, economia, política e cultura (MOTTA, 2009; HIRSH, 2010). Essa contribuição ao
pensamento e teoria marxista contemporânea, que ultrapassa o reducionismo do marxismo
vulgar e contrapõe de forma dialética o liberalismo, superando a concepção liberal de Estado,
faz de Poulantzas o teórico central na concepção materialista do Estado.
Para Poulantzas (1977) o Estado Moderno capitalista atende a uma dupla função, a saber: uma
lógica interna normativa, que abrange as instituições jurídicas, processos de tomada de
decisão, e os elementos de sua própria reprodução; e, o Estado como força repressora,
utilizando-se dos meios jurídicos e mecanismos normativos elaborados em seu interior, seja
no sentido de exploração das classes sociais, seja no sentido de garantia da hegemonia da
classe dominante. (POULANZTAS, 1977; MOTTA, 2009; HIRSH, 2010). Uma releitura,
portanto, dos conceitos trazidos pelo próprio Marx, por Gramsci, e uma atualização crítica ao
pensamento que lhe foi contemporâneo de Althusser. Para tanto o Poulantzas (2000) define o
conceito de Estado com as contribuições reelaboradas a partir desse conceito inicial,
aproximando-se criticamente de categorias teóricas clássicas do marxismo como alienação,
reificação e consciência; aprofundando e atualizando o conceito de hegemonia em Gramsci
(2002), ampliando essa categoria e sendo capaz de captar o conteúdo de práxis política a
partir do próprio Estado moderno capitalista 10.
10
Publicado pela primeira vez em 1968 na França. No Brasil a edição composta pela Livraria Martins Fontes
chega nos anos 1977. Essa abordagem de Nicos Poulantzas exerce uma forte influência no pensamento político
brasileiro, ampliando a concepção de Estado na teoria materialista e inserindo novos elementos de análise, como
a concepção das instituições, novos atores, compreensão do estado como resultado do conflito de classes. Mas a
171
Na abordagem de Poulantzas (1977 e 2000) será a formulação crítica sobre o Estado
Capitalista elaborada pelo materialismo histórico e dialético de Marx e Engels que
possibilitará a compreensão mais ampliada sobre o Estado moderno em formação, a partir de
análises concretas de processos históricos determinados. Estado e capital formas
historicamente determinadas de existência social, são fenômenos relacionais. É produto de
relações sociais, cristalizados na complexidade dessas relações, e por elas determinadas
(HISRSH, 2010). A compreensão a partir do método dialético elaborada por Poulantzas
permite uma compreensão em profundidade dessa relação social com a formação do Estado
capitalista.
O conceito de Estado, então, encetado por Poulantzas parte da compreensão de que este é “o
lugar no qual se reflete o índice de dominância e sobredeterminação que caracteriza uma
formação social” (POULANTZAS, 1977, p. 43), repercutindo a contradição ontológica
característica do Estado capitalista 11 e sua superação, na dimensão de emancipação coletiva.
E continua analisando os mecanismos estatais que o regulam, para somente então,
recuperando o pensamento marxiano, afirmar que o tensionamento dessa relação social em
sua forma política (Estado Capitalista) é sobremaneira inconciliável, mormente por sua
característica central: a relação de dominação e subordinação – sempre na forma de violência,
que o Estado Capitalista incorpora a dinâmica histórica das sociedades. Para
Poulantzascombina duas citações dos clássicos do marxismo para explicitar sua concepção do
Estado, e aprofunda-la, apropriando-a a contemporaneidade. Dessa forma, em uma citação do
próprio Engels, Poulantzas apresenta:
“(...) O Estado é antes de tudo um produto da sociedade em um estágio
determinado do seu desenvolvimento: é o testemunho de que esta sociedade
está envolvida em uma insolúvel contradição consigo mesma, encontrandose cindida em oposições inconciliáveis que é impotente para conjurar (...)”.
(ENGELS apud POULANTZAS, 1977, p. 46).
Outrossim, para Lênin,
“(...) O Estado é ...o sumário dos combates práticos da humanidade. Assim,
o Estado político exprime nos limites da sua forma sub specie rei publicae
(sob o ângulo político) todos os combates, necessidades e interesses sociais”.
Lenin dirá, de uma forma lapidar, que o político compreendendo aqui o
“novidade” é a inserção do tema da autonomia relativa e do bloco de poder, incorporando uma leitura
gramsciana do Estado.
11
Poulantzas faz referência expressa a condição de ser sobretudo um Estado privado. (POULANZTAS, 1977, p.
44)
172
Estado e a luta política de classe é o “econômico condensado
“(POULANTZAS, 1977, p. 47)
Já expomos mais acima essas duas concepções. Trouxemos novamente a baila por tratar-se do
ponto indiciário pelo qual Poulantzas reinicia a análise sobre o Estado capitalista: uma
contradição inconciliável e produto dos embates de classe, condensando na forma política
toda a economia, todo o modo de produção. Para Poulantzas, o pensamento engelsiano
considera de um lado o Estado e sua relação social como uma relação de dominação política
de classe e a o conflito político determinado e n’outro lado expõe a intensa relação
contraditória existente entre o Estado e dominação política mesma da sociedade capitalista.
Será essa complexidade que definirá a questão na natureza do Estado capitalista. O pano de
fundo para Poulantzas é a questão do poder e a dominação é o exercício do poder na
sociedade capitalista, condensada, como afirmou Lênin, na forma do Estado e suas
instituições, completa Poulantzas.
O poder encouraçado no Estado, para novamente retornar a uma acepção gramsciana
transborda uma certa concepção de poder seja como tomada de decisão, exercício do
comandar, e enquanto o exercício de funções para um sistema social determinado.
Contrastando com essas perspectivas apontadas, Poulantzas (2000) anota que é preciso, então,
compreender o “Estado” e o “poder” não como categorias residuais de uma sociedade em
transição, são elas mesmas o crucial na compreensão de como as classes dominantes exercem
e se mantém dominantes operando “de cima”, mas também o lugar privilegiado onde
interpenetram toda a sociedade. O poder condensado na forma de Estado é, sobretudo, o lugar
da práxis dominante. Esse é o ponto chave na compreensão da natureza do Estado em
Poulantzas.
É a expressão de uma certa “prática de classe” que constitui o poder no Estado capitalista. E
estas relações entre as classes se constituem em relação de poder, e em relação ao poder
dominante. Interpenetrados e condicionantes, classe e poder, constituem faces de um mesmo
lugar: o campo da relação política entre Estado e sociedade. É nas práticas de classe que
podemos enxergar as relações de poder.“(...) O Estado, afirma Poulantzas, cumpre o seu papel
na medida em que trabalha para a construção dessas práticas(...)”. E continua, ele, o Estado,
“(...) trabalha ativamente para a reprodução desta divisão no próprio seio do
processo de produção e, para além disso, no conjunto da sociedade, ao
mesmo tempo por aparelhos especiais que intervêm na qualificação,
formação da força de trabalho (escola, família, redes diversas de formação
173
profissional), e pelo conjunto de seus aparelhos (partidos políticos burgueses
e pequenos burgueses, sistema parlamentar, aparelhos culturais, imprensa,
mídias)”. (POULANTZAS, 2000, p. 58-9).
Com isso Poulantzas não quer afirmar da impossibilidade de que essas relações sempre
existiram ou nunca deixarão de existir, elas são produto do desenvolvimento histórico, e sua
dialética permite afirma que as relações de poder e portanto o conflito de forças entre as
classes, a luta de classes propriamente dita, se situa nos níveis políticos e ideológicos, como
veremos abaixo em sua afirmação, porque:
“(...) não é de maneira alguma admitir que as classes sociais estejam
estabelecidas em relações de poder ou que delas possam ser derivadas. As
relações do poder, tendo com campo as relações sociais, são relações de
classe e as relações de classe são relações de poder, na medida em que o
conceito de classe social indica os efeitos da estrutura sobre as práticas, o de
poder os efeitos da estrutura sobre as relações entre praticas das classes em
“luta” (...)”. (POULANTZAS, 1977, p. 99).
Divergindo de um campo do marxismo que diagnosticou o poder como a capacidade do
exercício da força, do pode próprio para a realização ontológica de classe, seguindo seus
objetivos e finalidades enquanto classe para si, Poulantzas (2000) redimensiona essa relação
de poder como a necessidade material de uma classe sobrepor-se a outra, ou a outras,
ultrapassando assim a concepção de que é no Estado ou na sociedade política que se
operariam as transformações, ele adverte que o poder se caracteriza como poder de classe,
“(...)ve esta é a base fundamental do poder em uma formação social dividida
em classes cujo motor é a luta de classes; o poder político, fundamentado no
poder econômico e nas relações de exploração, é primordial na medida em
que sua transformação condiciona toda modificação essencial dos outros
campos do poder (...)”. (POULANTZAS, 2000, p.43).
e, “(...) no modo de produção capitalista ocupa campo e lugar específico em relação a outros
campos do poder(...)”. (POULANTZAS, 2000, p.43). Esse lugar específico, ou especial como
encontramos em algumas traduções livres, é o Estado, “o lugar central do exercício do poder
político (...)” (POULANTZAS, 2000, p.43).
Por meio do estado a relação de poder expressa nas contradições da sociedade capitalista
apresenta-se com métodos e técnicas de exercício do poder de forma muito peculiar e
particular ao Estado moderno capitalista. Essas características concentram-se em dispositivos
específicos, constritos, precisos e inscritos no tecido do Estado capitalista, configurados no
174
modo estrutural de reprodução do capital. Essa permanente e dialética interpenetração e
distanciamento da sociedade das coisas do Estado é condicionada e condiciona na relação
social as diversas dimensões sociais, fazendo parte do conjunto das instituições e das esferas
sociais. A compreensão da esfera menos aparente na relação de poder faz-se necessária de
modo a desvelar as relações contraditórias de todo o conjunto da sociedade.
“(...) O papel do Estado,(...)”, resume Poulantzas,
“(...) como fator de coesão desta superposição complexa nos diversos
modos de produção reconhece-se aqui como decisivo: é particularmente
nítido, na verdade, durante o período de transição, caracterizado por uma
não- correspondência particular entre propriedade e apropriação real dos
meios de produção. (...)”.(POULANTZAS,1977, p.45).
De outro modo, não se reconhece, por conta de uma constante superposição de formações
sociais, que interesses de classe estão condensados em uma formação política determinada. É,
contraditoriamente, é também, função do Estado esquadrinhar essa dimensão, possibilitando o
exercício do poder sobre as outras classes dominadas, seja em sua função instrumental,
econômica mais estrutural, garantindo o controle dos meios de produção; seja em seu nível ou
função imanente política ao nível das lutas políticas de classe, garantindo o consenso e
impondo sua vontade as demais classes quando o consenso não é possível, e para isso utilizase dos instrumentos formais de repressão e controle; seja no plano ou nível ideológico,
criando condições superestruturais para a dominação de classe e imposição do consenso
Somente com a compreensão da dinâmica que Poulantzas recupera de Gramsci, direção e
consenso, que é possível identificar a perspectiva da manutenção hegemônica de classe.
Ao aproximar-se da análise dos aparelhos ideológicos de Estado – AIEs, Poulantzas também
dialoga com Althusser (1985), e seu texto clássico Ideologia e Aparelhos Ideológicos do
Estado. Para Poulantzas o texto de Althusser consegue sistematizar a centralidade da teoria
política de Estado ao empreender um esforço teórico-metodológico na análise do
funcionamento do Estado (POULANTZAS, 1977). Desse modo encontramos em Althusser a
compreensão do funcionamento do Aparelho de Estado compreendendo do Governo, a
administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc., essas relações constituem os
Aparelhos Repressivos de Estado 12. Reafirma, portanto, a necessidade repressiva, violenta do
12
Althusser identifica o conjunto de aparelhos presentes no Aparelho de Estado: o AIE religioso ( o sistema das
diferentes igrejas), o AIE escolar ( o sistema das diferentes escolas públicas e particulares), o AIE familiar, o
AIE jurídico, o AIE político ( o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos), o AIE sindical, o
AIE da informação (imprensa, rádio – televisão, etc.), e, o AIE cultural (Letras, Belas Artes, desportos, etc.)
(ALTHUSSER, 1978, p.43-4).
175
Estado capitalista. Poulantzas, ampliando essa concepção, identifica como um dos aspectos
presentes no Estado, que não opera somente a partir da violência, da força e da coerção. A
dinâmica presente no Aparelho de Estado compreende ainda a dinâmica do consenso e da
construção de hegemonia de classe.
Em um campo próximo, mas bem particular, Hirsh (2010) desenvolve a análise de que o
Estado “(...) é a expressão de uma forma social determinada que assumem as relações de
domínio, de poder e de exploração nas condições capitalistas.”(HIRSH, 2010, p.24). Portanto,
“(...) Relações capitalistas podem se formar inteiramente quando a força de
coerção física se separa de todas as classes sociais, inclusive das classes
economicamente dominantes: isso ocorre precisamente sob a forma do
Estado. Aqui fica claro por que Max Weber podia falar do “monopólio da
força física legitimada” como característica decisiva do Estado capitalista
(...)”. (HIRSH, 2010, p.29).
E, mais adiante, acrescenta “(...) A função central do aparelho de força estatal consiste na
garantia da propriedade privada sobre os meios de produção como precondição da exploração
mercantil da força de trabalho (...)” (HIRSH, 2010, p.29).
Para Hirsh (2010), como Mescaro (2013) a forma política de expressão do capitalismo é o
Estado. Desse modo, a forma social,
“(...) caracterizam relações objetivas exteriores e reificadas face aos
indivíduos, em que a sua ligação social manifesta-se disfarçada, não
transparente. Sob as condições capitalistas, a sociabilidade não pode ser
gerada de outro modo. As relações entre os indivíduos devem assumir o
aspecto de relações objetivadas, ou seja, a própria existência social aparece
para o indivíduo como coisa, como fetiche difícil de ser visualizado,
ocultando aquilo que o engendra e o move (...).” (HIRSH, 2010, p.30).
Enquanto a forma política,
“(...) ou o Estado, é ela mesma marte integrante das relações de produção
capitalistas. A Particularidade do modo de socialização capitalista reside na
separação e na simultânea ligação entre “Estado” e “sociedade”, “política” e
“economia”. A economia não é o pressuposto da política, nem estrutural nem
histórico (...) (HIRSH, 2010, p.31).
O Estado capitalista é a forma política das relações históricas determinadas e, ainda que
insuficientes, para identificar todas as instituições, processos e dinâmicas dos sistemas de
estados e suas inter-relações com as diversas esferas da sociedade, e mesmo para identificar as
ações do Estado ou o estado em Ação por meio das políticas públicas e do “governo”, nos
serve como horizonte teórico pelo qual caminharemos ao longo do texto.
176
Desse modo quando afirmamos que a forma política se orienta e ultrapassa a autonomização
da força física coercitiva diante “dos indivíduos, grupos ou classes sociais”(HIRSH, 2010,
p.32), estamos levando em consideração que o Estado ao se autonomizar, ainda que
relativamente, coloca seu aparelho em função da preservação dos interesses sociais
dominantes. Entendendo que os diversos feixes de poder e de dominação em uma sociedade
determinada podem inclusive impulsionar determinada ação Estatal em contradição com
grupos e/ou elites localmente dominantes, ensaiando protestos e embargos da classe
econômica local. O relevante é perceber que essa estrutura estatal, conforme aponta Hirsh,
está condicionada a uma dinâmica mais ampla, cujas relações sociais capitalistas permitem ao
grupo dominante o domínio naquele momento determinado.
Dito de outro modo: se o Estado capitalista, suas relações e dinâmicas institucionais e sociais,
não é uma maquinação ou um “instrumento consciente”, para usar uma expressão do próprio
Hirsh, tampouco é uma materialização ou a significação da vontade coletiva ou popular, no
sentido mesmo cunhado por Rousseau, de “vontade geral”. Ora, se não é o Estado um produto
arquitetônico nem da vontade coletiva o que se tem então? Como definir concretamente o
conjunto das instituições, aparelhos e burocracias no seio de uma formação social
determinada?
Trata-se, pois de perceber o Estado como relação social entre os mesmos indivíduos,
instituições, grupos e classes sociais, cuja expressão dá-se um uma relação material de força
em busca da hegemonia de classe. Tornada material porque essas relações socialmente e
historicamente determinadas só são possíveis por mecanismos “burocráticos e políticos
próprios dos sistemas das instituições, organizações e aparelhos políticos e ideológicos (...)”.
(HIRSH, 2010, p.37). Tanto que as alterações dos campos de força, nas disputas contrahegemônicas, mesmo entre frações de classe, reorientam políticas estatais e toda a sua
aparelhagem concorre para isso. 13
13
“Desse modo, mesmo em sua forma parlamentar-democrática, o Estado é um “Estado de Classe”. Mas ele não
é – a não ser em casos excepcionais – o simples “instrumento” de uma classe ou fração de classe. Sua
“especificidade” e sua autonomia relativa frente às forças sociais em luta tornam possível a sua existência
enquanto lugar de articulação de compromissos e equilíbrios sociais, sem os quais nenhuma sociedade capitalista
poderia sobreviver duradouramente. Apenas no interior e através de seus aparelhos pode formar-se algo como a
política comum das classes e frações de classes dominantes, mas ao mesmo tempo concorrentes e em luta, e eles
também preparam o arcabouço institucional para uma vinculação tanto repressiva, como material-ideológica das
classes dominadas e exploradas. Sem isso o domínio de classe burguês enquanto “unidade de coerção e
consenso” (Gramsci) não teria base nem duração. Argumento presente em HIRSH, 2010, p. 37.
177
Quando, no constante embate entre capital e trabalho, há conquistas políticas – salariais,
ampliação de direitos, previdência, maior participação decisória ou alguma política pública
estruturante ou redistributiva, etc – que proporcione melhoria da qualidade de vida da classe
trabalhadora em geral, alteram-se as relações de força e de poder dentro da dinâmica política,
cujo resultado pode proporcionar uma maior organização ou enfrentamento ao capital, como
também pode provocar alguma rearticulação do capital para recompor essa perda política,
econômica ou ideológica. O mesmo pode acontecer no sentido inverso, provocando uma
desestruturação completa das articulações dos trabalhadores. Dessa forma, as concessões do
capital ao trabalho, ou conquistas do trabalho diante do capital, podem ser analisadas em uma
via de mão dupla, pois:
“(...) Quando essas relações de força movem-se, ou seja, quando em uma
situação de crise econômica, o capital vê seu lucro consideravelmente
prejudicado em razão de concessões sociais, e os assalariados estão
politicamente enfraquecidos pelo desemprego, modifica-se todo espaço e
conteúdo da política estatal, e assim também a posição relativa e o
significado de cada aparelho do Estado. O desenvolvimento do capitalismo
global desde os anos 1970, caracterizado pela chamada crise do bem-estar
sócia, oferece um significativo exemplo sobre isso (...)” (HIRSH, 2010,
p.38).
Daqui podemos compreender a necessidade de “descer” ao nível das instituições políticas
para entendê-las e explicá-las em seu funcionamento e lógica internas. A expressão de uma
política pública não constitui apenas uma ação do governo em sua gestão, ou dos interesses de
uma classe dirigente. A perspectiva apontada por Hirsh denota a necessidade, mesmo do
Estado capitalista e principalmente ele, de testar estratégia de consenso e coerção, exercício
do poder e pactuação, seja por meio de sua estrutura formal, ou seja criando novas estruturas
estatais com vistas a dar conta das demandas sociais impeditivas do desenvolvimento pleno
da classe dirigente, em nosso caso específico a burguesia. Desse modo, as relações formais de
“(...)uma estrutura estatal concreta, seu aparelho e funcionamento, não confunde-se com a
com a forma política capitalista, sendo o primeiro “(...) uma expressão institucional de
estruturas sociais existentes atrás dele(...)” (HIRSH, 2010, p.46).
E ainda:
“(...) As determinações formais capitalistas – econômicas e políticas –
atravessam todas as áreas sociais, marcam então tanto as burocracias de
Estado como o sistema partidário, as associações de interesses e a mídia, as
instituições econômicas e até a família. Assim, o conjunto complexo
envolvendo “Estado” e “sociedade civil” constituem sistema dependente um
do outro, e ao mesmo tempo forma uma relação contraditória, englobando as
178
instituições existentes. “Estado” e “sociedade civil” não formam uma
oposição simples, mas uma unidade contraditória condicionada.
(...)”(HIRSH, 2010, p.46).
A necessidade de criação de novas instituições estatais (no conceito de Estado ampliado e
restrito) emerge no Estado pós-fordista como uma estratégia manutenção do controle e da
dominação política. O desenvolvimento capitalista aponta para uma maior inserção do Estado
na sociedade, a “despeito de toda a retórica neoliberal” (HIRSH, 2010, p.194). A
“desregulamentação” significa, em profundidade, mais controle e regulação estatal. A não
intervenção, mais intervenção, e por aí segue. O Estado está cada vez maios presente, nos
afirma Hirsh (2010), modificando as instituições e formas de inserção das demandas e do
Estado de compromisso. “Em conjunto”, afirma Hirsh,
“(...)a privatização imposta no curso da transformação neoliberal pode assim
ser considerada como uma nova configuração e uma extensão do “Estado
ampliado”. “Estado” e “sociedade civil” se entrecruzam de um modo ainda
mais intenso e complexo. A consequência disso é que, no contexto das
“parcerias” público-privadas e dos sistemas de negociação estatais-privados,
não apenas os processos políticos decisórios se tornam menos transparentes
e incontrolados, como também a responsabilidade política volatiza-se em
redes públicas difusas(...)”(HIRSH, 2010, p.195).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O panorama à guisa de revisão esboçado acima, diz respeito a um retorno do político e da
política no debate sobre as transformações do capitalismo contemporâneo, cuja expressão
política tem se apresentado de forma crucial no Estado e nas suas instituições, repercutindo
sobretudo nas políticas públicas e no exercício do poder político.
Desse modo buscamos apresentar as principais formulações do chamado marxismo ocidental,
mormente o europeu, a partir das formulações de Marx e Engels sobre o Estado e a forma que
assume sob o capital. Deixamos de fora, para um outro momento de também revisão o
conjunto de autores latino-americanos, em particular os brasileiros, que produziram uma
importante crítica sobre o Estado capitalista e sua repercussão na economia dependente ou
periférica. Essa contribuição será alvo de outro artigo, cuja elaboração encontra-se em curso,
pretendendo atualizar o debate à luz da teoria dos debates sobre globalização, imperialismo e
teoria da dependência e como esses paradigmas teóricos repercutem no fazer do Estado
brasileiro contemporâneo.
179
REFERÊNCIAS
ARRIGHI, Giovani. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São
Paulo: Boitempo, 2008.
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. 8ª.
Reimpressão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
BOBBIO, Norberto. Nem com Marx, nem contra Marx. São Paulo: UNESP, 2006.
CODATO, Adriano Nervo e PERISSINOTTO, Renato Monseff. Estado e teoria política
contemporânea: as lições de Marx.
CODATO, Adriano Nervo. O espaço político segundo Marx. Crítica Marxista, São Paulo, v.
32, p. 33-56, 2011.
DUMÉNIL, Gérard; LÖWY, Michael; RENAULT, Emmanuel. Ler Marx. São Paulo:
Editora UNESP, 2011.
HARVEY, David. Condição Pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. 20ª Edição. São Paulo: Loyola, 1992
HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Tradução Luciano Cavini Martorano.
Rio de Janeiro: Revan, 2010
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. 2a. Edição. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HOBSBAWM, Eric J. Globalização, Democracia e terrorismo. São Paulo: Cia das Letras,
2007.
HOBSBAWM, Eric. (org.). História do Marxismo. Vol. V: o marxismo na época da
terceira internacional. A revolução de outubro. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1985.
HOSBAWM, Eric. Sobre História. Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. 1ª edição ampliada e atualizada.
180
São Paulo: Boitempo, 2012.
MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo Editorial.
5ª reimpressão. 2007.
MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011.
MARX, Karl. As lutas de classes na França. São Paulo: Boitempo, 2012.
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2ª edição. São Paulo: Expressão
popular, 2008.
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. 1ª reimpressão. São Paulo: Boitempo,
2006.
MARX, Karl. e ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. Crítica da mais recente filosofia
alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em
seus diferentes profetas. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, Karl. e ENGELS, Friedrich. A sagrada família ou a crítica da Crítica critica:
contra Bruno Bauer e consortes. São Paulo: Boitempo, 2003.
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2007.
MÉSZAROS, István. Para Além do Capital. Rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo, 2002.
MONTAÑO, Carlos e DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. 2ª
edição. São Paulo: Cortez, 2011.
MOTTA, Luís Eduardo. Nicolas Poulantzas 30 anos depois. Revista de Sociologia Política.
Curitiba, v. 17, n. 33, p. 221-228, jun. 2009.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
181
POULANTZAS, Nicos. As classes sociais no capitalismo de hoje. Rio de Janeiro: Zahar,
1978.
POULANTZAS, Nicos. Elementos de análise sobre a crise do Estado. In: POULANTZAS,
Nicos (org.). O Estado em Crise. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Novas direções. São Paulo: Martins
Fontes, 1977.
WOOD, Meiksins Ellen. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo
histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.
ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011.
182
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM UMA PERSPECTIVA PÚBLICA: A EXPERIÊNCIA DA
UNEB
Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr 1
Lidia Boaventura Pimenta 2
Cláudia Regina Vaz Torres 3
Flávia de Jesus Figueredo 4
RESUMO
As discussões sobre a educação a distância estão em voga no atual cenário. Desta forma
as considerações acerca deste modelo de educação servem de base para verificação de
cenários em que as tecnologias de informação e comunicação potencializam estratégias
de ensino e aprendizagem, atreladas ao crescimento econômico no contexto regional. O
objetivo deste estudo é analisar os procedimentos adotados pela universidade do setor
público inerentes à oferta de cursos na modalidade a distância com a finalidade de
possibilitar formação de profissionais em suas regiões. A opção metodológica é de
natureza qualitativa e descritiva, que se mostrou mais adequada para a proposta
apresentada. Os resultados preliminares apontam para a importância da atuação da
UNEB na modalidade a distância e os seus desdobramentos no que diz respeito à
formação de egressos com condições de atuar no contexto local da sua formação,
catalisando os processos sociais, econômicos e financeiros.
Palavras-chave: Universidade. Educação a Distância. Formação
1
Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano - UNIFACS; Mestre em
Contabilidade (FVC); Especialista em Administração Hospitalar (SÃO CAMILO);
Graduado em Ciências Contábeis (UNIFACS) . Coordenador Pedagógico do Curso de
Ciências Contábeis EAD - UNIFACS. Professor do Curso de Ciências Contábeis EAD e
Presencial. Membro do Grupo de pesquisa: NUPPEAD – UNIFACS. E-mail:
[email protected]
2
Doutora e Mestre em Educação – UFBA. Graduada em Administração ( UNIFACS ).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologia Aplicadas à
Educação (Gestec) - Mestrado Profissional da UNEB; Membro do Grupo de Pesquisa
Educação, Universidade e Região (EduReg) - UNEB; Assessora da Pró-Reitoria de
Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (PPG) - UNEB. E-mail: [email protected]
3
Doutora e Mestre em Educação – UFBA. Graduada em Pedagogia (UCSAL) e
Psicologia (UFBA). Professora da UNEB e UNIFACS. Membro do Grupo de Pesquisa
Reconcâvo – UNEB. E-mail: [email protected]
4
Graduanda em Administração - UNIFACS; Bolsista de Iniciação Científica - FAPESB.
E-mail: [email protected]
183
ABSTRACT
Discussions about distance education are highlighted in the present scenario. Therefore,
the analysis about this education model is the starting point for verification of scenarios
in which information technologies and communication strategies empower teaching and
learning, linked to economic growth in the regional context. The purpose of this study is
to analyze the procedures adopted by public University to offer distance courses in
order to enable training of professionals in their own regions. The methodological
approach is qualitative and descriptive nature, which was more suitable for the proposal.
Preliminary results indicate the importance of UNEB performance in distance education
and its consequences to be capable of training graduates able to work on their own
regions.
Key Words: University. Distance Education. Training
INTRODUÇÃO
A instituição universitária possui a importante missão de qualificar e formar
permanentemente as pessoas, bem como impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento
científico, proporcionando a descoberta e a aplicação de novas tecnologias. A missão
acadêmica, científica e social coloca a universidade na condição de elemento
participante da promoção do desenvolvimento econômico e social e na construção da
cidadania, em decorrência do exercício do profissional formado ou qualificado.
A ação da universidade efetivada por meio das suas funções – ensino, pesquisa e
extensão - além de contribuir para o avanço da ciência e da tecnologia, em observância
aos padrões atuais de desenvolvimento, também tem o desafio de acompanhar e
interagir com os efeitos que este desenvolvimento imprime na organização social, meio
ambiente e nas pessoas (ICO & FIALHO, 2000).
Neste contexto, a própria instituição universitária coloca em prática novas tecnologias
quando cria o ambiente virtual de estudo, expandindo a sala de aula concentrada nas
quatro paredes para a sala de aula virtual por meio da modalidade a distância, a fim de
ampliar a oportunidade de acesso ao ensino superior sem que o estudante tenha que sair
do município onde reside e trabalha, com o intuito de permitir a fixação dos novos
184
profissionais no local onde vive, fortalecendo as relações familiares, comerciais, sociais
dentre outras.
A iniciativa de formar cidadãos em profissionais na perspectiva de que estes possam
atuar em diversos setores dos respectivos municípios fomenta a questão problema deste
artigo: como a universidade pertencente ao setor público implementa o ensino superior
na modalidade a distância a fim de possibilitar a formação de profissionais em suas
regiões?
Em atenção ao objetivo da pesquisa, a saber: analisar os procedimentos adotados pela
universidade do setor público inerentes à oferta de cursos na modalidade a distância
com a finalidade de possibilitar formação de profissionais em suas regiões delimita-se
como opção metodológica de natureza descritiva. A escolha encontra respaldo na
definição expressa por Gil (2002), a qual viabiliza a realização do estudo das
características de determinada população ou fenômeno, estabelecendo relações entre as
varáveis identificadas na intenção de proporcionar a reflexão da realidade do universo a
ser pesquisado.
Em relação à abordagem que orienta a análise das informações e dados coletados
durante a pesquisa adota-se a qualitativa, que se preocupa com o fenômeno, isto é, a
interpretação de um fato realizada por um observador envolve a obtenção de dados
descritivos, coletados no contato direto do pesquisador com a situação estudada, cuja
maior ênfase está mais no processo do que o resultado (GIL,2002), situação idêntica à
delimitada na questão problema aqui apresentada.
O presente artigo está dividido em seis partes distintas. Na primeira seção apresenta-se a
introdução ao tema proposto, seguida da seção que aborda a evolução histórica da
educação a distância no mundo e no Brasil. Na terceira seção o estudo relata a dinâmica
de funcionamento da educação a distância no ensino superior, seguida da quarta e quinta
seções referentes, respectivamente ao funcionamento da Universidade Aberta do Brasil
(UAB) e a UAB no estado da Bahia: a experiência da UNEB, sendo apresentadas as
considerações finais na última parte.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO MUNDO
185
Em observância à questão problema e objetivos estabelecidos neste artigo, a discussão
sobre a oferta da modalidade a distância no ensino por instituições universitárias,
apresenta-se em primeiro momento breve histórico de experiências estrangeiras
concernentes ao emprego da citada modalidade a partir de referências na literatura.
Neste contexto, os Estados Unidos da América aponta como sendo o país que primeiro
promove algum tipo de inserção da nova modalidade de ensino por meio do anúncio de
aulas por correspondência no ano de 1728, sob a responsabilidade da Gazeta de Boston.
Seguindo a mesma tendência, em 1840 a Grã Bretanha anuncia aulas de taquigrafia por
correspondência.
Ainda no século XIX outra experiência em relação à utilização modalidade a distância é
identificada na oferta dos cursos preparatórios para concursos, curso de contabilidade e
até de segurança de minas nos Estados Unidos da América em 1891. Já no século XX
há relatos de disponibilização de cursos de extensão nas universidades de Oxford e
Cambridge, e em seguida nas universidades de Chicago e Wisconsin (LITTO e
FORMIGA, 2009).
Em 1924 é criada a escola de Alemã de negócios por correspondência e em 1928 a rádio
BBC de Londres começa a transmitir cursos para a educação de adultos. Registra-se
ainda a utilização de metodologia semelhante durante a segunda guerra mundial para o
ensino por correspondência e no pós-guerra foram envidados esforços no sentido de
ensinar os novos recrutas na recepção do Código Morse (LITTO e FORMIGA, 2009).
A partir da década de 60, esclarecem os autores, percebe-se um aumento substancial da
modalidade a distância na oferta de cursos do ensino médio e superiores precipuamente
na Europa e depois em outros continentes, com diversos métodos de abordagem, a
saber: em Cuba com a implantação, em 1979, da Faculdade de Estudos Dirigidos da
Universidade de Havana; nos Estados Unidos responsável por mais de uma centena de
Universidades e escolas de ensino médio e educação profissional que ofertam a
educação a distância; Canadá que a partir de 1976 promoveu uma articulação de tutores
e estudantes alinhados por uma grande rede de telefones; Austrália com dezena de
ofertas de cursos dedicados da educação fundamental e Pós-Graduação; Bangladesh que
a partir de 1985 oferece cursos de pós-graduação pelo National Institute os Educational
Media and Technology (NIEMT); China onde, em 1951, foi instituído o Departamento
186
de Educação por Correspondência da Universidade do Povo e, atualmente, funciona o
sistema Chinês de Universidades pela Televisão (Dianda), que abriga 30.000 (trinta mil)
grupos de tutores para acompanharem 300.000 (trezentos mil) estudantes.
Este breve relato permite inferir que a educação a distância está presente em vários
países nas suas muitas possibilidades de oferta para os estudantes ou interessados na
capacitação ou atualização. Este é um cenário que dificilmente retrocederá, conquanto a
educação presencial esteja em pleno funcionamento, apenas trata-se de potencial de
capilaridade importante em termos de educação que abrange simultaneamente
significativo número de pessoas, preservando, necessariamente a qualidade (LITTO e
FORMIGA, 2009).
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL
De acordo com Alves (2007) a atuação do Brasil em educação a distância pode ser
dividida em três momentos. A fase inicial é reconhecida a partir de registros
encontrados referentes a anúncios de cursos profissionalizantes por correspondência
antes de 1900, bem como a instalação das Escolas Internacionais, em 1904, filial de
uma organização americana, mediante a oferta de cursos destinados aos interessados em
formação na área de serviços e comércio.
O segundo momento começa com a inauguração, em 1923, da Rádio Sociedade do Rio
de Janeiro, que desempenhou importante função permitindo a educação popular por
meio do moderno sistema de difusão utilizado no Brasil e no mundo na ocasião.
Ressalte-se que a mencionada rádio, de iniciativa privada, sofreu o efeito de pressões
governamentais, considerando as preocupações com a possível publicação de conteúdos
revolucionários. Assim, em decorrência das exigências de difícil cumprimento, a rádio
foi doada, em 1936, para o Ministério da Educação e da Saúde, órgão responsável na
época pela educação nacional (ALVES, 2007).
Observa-se que a educação via rádio sucede a educação via correspondência. Em 1937,
foi implantado o Serviço de Radiodifusão Educativa do citado Ministério, o qual
possibilitou a implementação de várias iniciativas de educação a distância, a exemplo:
187
Escola Rádio-Postal, A Voz da Profecia sob a coordenação da Igreja Adventista (1943),
a Universidade do Ar criada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC), escolas radiofônicas coordenadas pela diocese de Natal. Registra-se que a
educação via rádio teve o início de sua queda a partir de 1969 sob a vigência do regime
militar.
O autor enfatiza, ainda, a atuação do Instituto Monitor (1939) e o Instituto Universal
Brasileiro (1941) que capacitaram para o mercado de trabalho, no segmento da
educação profissional básica.
Ao contrário do cinema, a televisão é uma importante ferramenta para a educação a
distância. O Código Brasileiro de Telecomunicações em 1967 evidenciou que deveria
haver transmissão de programas educativos pelas emissoras de radiodifusão, bem como
pelas televisões educativas expressando o uso do veículo com fins educativos (ALVES,
2007).
O Sistema Avançado de Tecnologias Educacionais, criado em 1969, incluiu a ação do
rádio e televisão para fins educacionais, a qual foi disciplinada por portaria do
Ministério das Comunicações que definiu o período obrigatório e gratuito para que as
emissoras comerciais transmitissem programas educativos.
No terceiro momento, de acordo com Alves (2007) da educação a distância no Brasil, as
emissoras de televisão foram desobrigadas a transmitir dos programas educacionais,
quando foi reformulado o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa, onde a
Fundação Roquete Pinto assume a coordenação das ações. Contudo, transmissão dos
programas acontecia em horários que não atendiam à demanda dos possíveis estudantes
usuários.
Há que se ressaltar a atuação da Fundação Roberto Marinho com a transmissão dos
telecursos, que ainda hoje atendem várias pessoas com a finalidade de obter a
certificação pelo Poder Público. Assim como as TVs Universitárias, o Canal Futura, a
TV Cultura, dentre outras, pertencentes ao sistema fechado de televisão.
Adicionalmente, registra-se a TV Escola, mantida pelo Governo Federal, que produz
programas interessantes, e por satélite. Vale ressaltar que os correios possibilitam o
188
acesso das escolas, contudo é necessária a interlocução com as emissoras abertas ou a
cabo para que a população em geral tenha acesso.
Em 1971 foi criada a Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT) por um
grupo de profissionais da área de radiodifusão e de tecnologias aplicadas à educação,
responsável pela promoção de estudos e debates concernentes a política pública para a
educação brasileira e pioneira na oferta de programas de pós-graduação a distância,
após o credenciamento, em 1980, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Ensino Superior (CAPES). Todavia a atuação na pós-graduação foi interrompida em
1985, tendo em vista que não foi promulgada norma específica por parte da Secretaria
de Educação Superior (SESu) e da CAPES, a qual foi solicitada em parecer do
Conselho Federal de Educação à época.
Nesta mesma esteira de pensamento, Alves (2007) destaca também a ação do Instituto
de Pesquisas Avançadas em Educação (IPAE) e da Associação Brasileira de Educação
a Distância (ABED). Para o autor, o IPAE teve grande influencia na dinamização da
educação a distância no Brasil, bem como participou da formulação de dispositivos
constantes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O mencionado instituto
continua em funcionamento, promovendo a difusão da produção científica, cujo acervo
sobre a educação a distância é o mais completo do país. Por seu lado, a ABED colabora
no desenvolvimento da educação a distância no Brasil, promovendo a articulação de
instituições e profissionais brasileiros e estrangeiros.
Em relação ao desempenho de instituições de educação superior brasileiras em
educação a distância, o autor menciona a Universidade Federal de Mato Grosso,
primeira a implantar cursos de graduação na modalidade a distância e a Universidade
Federal do Pará, que recebeu o primeiro parecer oficial de credenciamento exarado pelo
Conselho Nacional de Educação, ainda em 1998.
A modalidade a distancia de ensino é mencionada pela primeira vez na legislação
brasileira na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 4.024, de 20
de dezembro de 1961. A LDB nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996),
dispõe sobre o funcionamento da modalidade a distância nos cursos de graduação e pósgraduação, assim como na educação básica, desde o ensino fundamental ao médio,
como na de jovens e adultos e educação especial. A definição da citada modalidade foi
189
efetivada por meio do Decreto Federal nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, o qual
regulamenta o art. 80 da LDB vigente, conforme a seguir descrito:
[...] caracteriza-se a educação a distância como modalidade
educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos
de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e
tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e
professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou
tempos diversos.
§ 1o A educação a distância organiza-se segundo metodologia,
gestão e avaliação peculiares, para as quais deverá estar prevista a
obrigatoriedade de momentos presenciais para:
I - avaliações de estudantes;
II - estágios obrigatórios, quando previstos na legislação
pertinente;
III - defesa de trabalhos de conclusão de curso, quando
previstos na legislação pertinente; e
IV - atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando
for o caso.
Em complementação, o Art. 2º do mesmo Decreto estabelece que a modalidade de
educação a distância poderá ser ofertada nos seguintes cursos: a) educação básica, na
condição de complementação de aprendizagem ou em situações emergenciais; b)
educação de jovens e adultos; c) educação especial, respeitadas as especificidades legais
pertinentes; d) educação profissional, abrangendo os cursos e programas para técnicos,
de nível médio e tecnológicos, de nível superior; e) educação superior, abrangendo os
seguintes cursos sequenciais, de graduação, de especialização e programas de pósgraduação (mestrado e doutorado).
Nesta linha de ação, o Ministério da Educação (MEC) publicou portaria que normatiza a
adoção parcial da modalidade a distância em cursos de graduação, independentemente
de credenciamento pela União. Isso se aplica a vinte por cento dos conteúdos de cursos
reconhecidos.
Atualmente, o Brasil possui 158 instituições credenciadas pelo Governo Federal para
oferecer cursos de graduação e pós-graduação lato sensu na modalidade a distância. Na
educação básica verifica-se pouco mais de cem instituições, cujos atos de permissão são
expedidos pelos respectivos Sistemas de Ensino dos Estados e Distrito Federal.
190
DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO
ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
Para entender o emprego da modalidade a distância pela universidade pertencente ao
setor público especificamente na área do ensino, na perspectiva de que a iniciativa
proporcionará a manutenção do novo profissional em sua cidade de origem, é condição
conhecer as especificidades da modalidade em discussão.
Neste sentido, caracteriza-se que a modalidade presencial proporciona a convivência de
diversos sons e situações nas instalações da unidade escolar, a exemplo de conversas
nos corredores, o vai e vem de pessoas usando uniformes, expressão de
sentimentos (KENSKY, 2003). Neste espaço com perfil próprio acontece o processo
ensino-aprendizagem. Para Costa apud Kensky (2003, p. 53): “ O ambiente influencia o
processo de aprendizagem dos alunos [...] as instalações condicionam a integração da
comunidade acadêmica com a sua produção e pesquisa”.
Em contraponto, o autor ressalta que a modalidade a distância exige do estudante o
desafio de praticar o autodidatismo, ou seja, depende dele desenvolver seu próprio
método de estudo, escolher o momento mais conveniente e incrementar a prática da
leitura. Desta maneira, a exemplo das salas virtuais e fóruns, no sistema de
aprendizagem virtual são os instrumentos que possibilitam ao estudante estabelecer o
sentimento de pertencimento em relação à instituição universitária na qual está
matriculado. Assim, depreende-se que as ferramentas tecnológicas adequadas e a
compreensão da dinâmica do processo de aprendizagem por todos os atores inseridos na
modalidade a distância são necessários à efetivação do referido processo ensinoaprendizagem.
Ainda no pensar de Kensky (2003), a tecnologia pode ser compreendida como o estudo
dos processos técnicos de um determinado ramo de produção industrial ou demais
ramos. Esta breve definição visa permitir o entendimento de que o aparato tecnológico
utilizado no processo educacional na modalidade a distância mostra-se imprescindível
para que os instrumentos de interação virtuais possam viabilizar a capilaridade do ponto
de vista espacial e beneficiar maior número de pessoas. Registra-se que, em um
191
contexto maior, a tecnologia está presente no cotidiano há muito tempo, seja na
medicina com a utilização de próteses, exames complexos, na mecânica, na física,
dentre outras áreas.
As tecnologias da informação e comunicação promoveram transformações na
organização e processos comunicacionais da sociedade em razão das demandas do
mundo globalizado e capitalista em que as funções e processos sociais das grandes
empresas, mercado financeiro, meios de comunicação e serviços educacionais
necessitam das redes de informação e internet como base tecnológica para promover o
acesso ilimitado a informação e comunicação.
Com ênfase nos instrumentos virtuais utilizados na modalidade a distância, os sistemas
de gerenciamento de conteúdo e o processo de ensino e aprendizagem são conhecidos
por diversas denominações, tais como Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA),
Learning Management System (LMS), Course Management System ou Content
Managment System (CMS), Learning Content and Management System (LCMS), que
tem dinâmica própria no sentido de garantir interação entre estudantes, tutores e
professores, por meio de ferramentas, a exemplo de vídeo aula (TORI, 2010).
A modalidade a distância para muitos autores significa educação independente de
distâncias, onde o estudante aprende e desenvolve competências, habilidades, atitudes e
hábitos a fim de assegurar seu processo de aprendizagem e desta maneira aprender a
estudar no tempo e local que lhe é possível, com o acompanhamento dos professores
orientadores ou tutores, a distância e ora presencialmente, apoio de sistemas e materiais
didáticos específicos.
O diferencial em relação à educação presencial consiste no compromisso do professor
que atua na modalidade a distância em estabelecer uma relação com o estudante, mesmo
que sob a utilização da tecnologia. Para tanto, é necessário o conhecimento e domínio
das linguagens e tecnologias, e predisposição para a nova forma de convivência.
Nesse sentido as Tecnologias de informação e comunicação abriram perspectivas para a
educação, através da criação de ambientes de aprendizagem colaborativos e do
192
intercâmbio de saberes que ocorrem pela interação e interatividade das ferramentas
tecnológicas.
As ferramentas virtuais que existem na educação a distância
proporcionam a aprendizagem coletiva em rede e uma nova relação com a imagem, com
o texto e com o conhecimento.
A ESTRUTURA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL (UAB)
Em complementação à discussão concernente a experiência com a modalidade a
distância no Brasil, registra-se a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Na
Inglaterra, o desempenho da atuação da Open University no início dos anos 70, motivou
vários países a promover discussões quanto à nova modalidade de ensino.
É interessante comentar que o termo "aberta", utilizado na denominação Open
University,
[...] se aplica à nova universidade em vários sentidos. Primeiramente
no sentido social, pois se dirige a todas as classes sociais, permitindo
que as pessoas possam completar seus estudos em suas próprias
casas sem exigência de frequência às aulas, a não ser uma ou duas
semanas por ano. Em segundo lugar, do ponto de vista pedagógico,
na medida em que a matrícula na Universidade está aberta a todo
indivíduo, maior de 21 anos, independente da apresentação de
certificado de instrução anterior e de qualquer exame de admissão.
Finalmente, ela se chama "aberta" no sentido de que seus cursos,
pelo rádio e pela televisão, estão abertos ao interesse e à apreciação
do público em geral. (ALVES, 2007, p. 12).
Neste sentido, em 1972, foi apresentada na Câmara de Deputados a proposta de criação
de programa que permitisse a frequência livre em cursos de nível universitário, contudo
não houve tramitação no legislativo, sendo arquivado o processo. Em seguida, no ano
de 1974, há nova iniciativa de criação da Universidade Aberta, com a seguinte definição
"entende-se por Universidade Aberta a instituição de nível superior, cujo ensino seja
ministrado através de processos de comunicação a distância". Porém o Projeto de Lei
que subsidiava a proposta também foi arquivado, em decorrência de parecer exarado
pelo Conselho Federal de Educação, à época.
193
Em 2005 a Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi criada vinculada ao Ministério da
Educação, com o objetivo articular e integrar um sistema nacional de educação superior
a distância, bem assim de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de
educação superior gratuita nas diversas regiões do país (ZUIN, 2006).
Trata-se de um sistema composto por universidades mantidas pelo setor público com a
finalidade de oferecer cursos de nível superior na modalidade a distância para a
população que tem dificuldade de acesso à educação superior. Contudo, a prioridade
consiste em atender os professores atuantes na educação básica e na sequência os
dirigentes, gestores e técnicos integrantes do quadro de servidores da rede pública dos
estados, municípios e do Distrito Federal, em atenção ao que dispõe o Art. 62 da LDB
vigente (BRASIL, 1996). Neste contexto, a UAB fortaleceu a escola no interior do
Brasil, minimizou a concentração de oferta de cursos de graduação nos grandes centros
urbanos e evitou o fluxo migratório para as grandes cidades.
O Sistema UAB, assim denominado pelo ato de instituição, o Decreto Federal
5800/2006 (BRASIL, 2006), possui em sua estrutura polos de apoio para o
desenvolvimento de atividades pedagógicas presenciais, onde os estudantes entram em
contato com tutores e professores, bem como têm acesso a biblioteca e laboratórios de
informática, biologia, química e física.
A proposta do Sistema UAB também prevê a disseminação e o desenvolvimento de
metodologias educacionais com inserção de temáticas integrantes das práticas nas redes
de ensino pública e privada de educação básica no Brasil, a exemplo de: educação de
jovens e adultos, educação ambiental, educação patrimonial, educação para os direitos
humanos, educação das relações étnico-raciais, de gênero e orientação sexual. O
Sistema apoia o desenvolvimento de pesquisas em metodologias inovadoras de ensino
superior a partir das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), incentiva a
colaboração entre a União e os entes federados e estimula a criação de centros de
formação permanentes integrados aos mencionados polos de apoio presencial,
instalados em diversos municípios da federação.
UAB NO ESTADO DA BAHIA: A EXPERIÊNCIA DA UNEB
194
Na direção para o desenvolvimento da questão norteadora deste artigo, ou seja, a
atuação da universidade pertencente ao setor público na implementação do ensino
superior na modalidade a distância a fim de possibilitar a formação de profissionais em
suas regiões, relata-se a iniciativa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em
participar da Universidade Aberta do Brasil (UAB), interagindo com o seu sistema
multicampi e multiregional de funcionamento.
A UNEB foi criada em 1983, como autarquia vinculada à Secretaria da Educação do
Estado da Bahia, cuja reitoria está instalada na cidade de Salvador, o campus I. Sua
estrutura organizacional é composta por campi, sendo que na ocasião do início de suas
atividades já possuía faculdades instaladas nos municípios de Alagoinhas, Juazeiro,
Jacobina, Santo Antonio Jesus, Caetité e Senhor do Bonfim, totalizando sete campi,
com forte ênfase na oferta de cursos de graduação para a formação de professor
(BAHIA, 1983; 1997; 2006).
A Universidade representa a oferta da educação superior no interior do estado. Nesta
situação a distância é física entre os seus campi. A UNEB adotou nova estrutura
organizacional após a promulgação da Lei Estadual nº 7.176, de 10 de setembro de
1997, que reestruturou as quatro universidades mantidas pelo Governo do Estado da
Bahia, estabelecendo a adoção de “estrutura orgânica com base em departamentos”,
havendo, portanto, sensíveis modificações na nomenclatura dos órgãos que
configuravam a estrutura anterior (BAHIA, 1997).
Após a reestruturação, a base de sua estrutura acadêmica da UNEB é o Departamento,
em substituição às unidades universitárias, antes representadas por faculdades ou
centros. A base orgânica em Departamentos institui o sistema binário na estrutura da
universidade, composto por nova cadeia de instâncias de decisão: Conselhos Superiores,
Reitoria, Conselho de Departamento, Departamento e Colegiado de Curso, em
substituição ao citado sistema ternário (Conselhos Superiores, Reitoria, Faculdades,
Departamentos e Colegiados de Curso).
Desta forma, os departamentos assumem o papel administrativo além da função
acadêmica. Ao longo da década de 90 foram criados os campi e seus departamentos nas
195
cidades de Paulo Afonso, Barreiras, Teixeira de Freitas, Serrinha, Guanambi, Itaberaba,
Conceição do Coité, Valença, Irecê, Bom Jesus da Lapa, Eunápolis e Camaçari. Já nos
anos 2000, chegou a vez dos campi em Brumado, Ipiaú, Euclides da Cunha, Seabra e
Xique-Xique. O total de 24 campi, com instalações de sala de aula, bibliotecas,
laboratórios, dentre outras, presentes em 19 dos 27 territórios de identidade delimitados
pela Secretaria de Planejamento do estado da Bahia (PIMENTA, 2008).
A instituição universitária na qual a distância física entre a reitoria e algumas das
unidades corresponde a 875Km, com a expertise em articular a integração de suas
atividades no sentido de garantir a identidade institucional, inova em 2006 quando
insere na estrutura acadêmica a oferta da modalidade a distância, após obter seu
credenciamento junto ao MEC, por meio da Portaria nº 4019, de 23 de novembro de
2005, de acordo com as instruções previstas no Decreto Federal nº 5622/2005, já
mencionado neste artigo e Portaria Normativa nº 2, Ministério da Educação, de 10 de
janeiro de 2007.
Neste contexto, em 2006, o Conselho Universitário (CONSU) cria os cursos na
modalidade a distância, de graduação em Administração - bacharelado, oferecido pelo
Departamento de Ciências Humanas (DCH) - Campus V, em Santo Antônio de Jesus,
com a oferta de 500 vagas e o curso de Pós–Graduação lato sensu em Educação a
Distância: formação de professores da UNEB - especialização, vinculado ao
Departamento de Educação/Campus I – Salvador.
No exercício de 2008, são criados 8 cursos de graduação listados no Quadro I, contudo
somente os cursos de Licenciatura em Matemática Graduação, Licenciatura em História
Graduação e Licenciatura em Química têm autorização para funcionamento. Em 2009,
o CONSU autoriza a oferta de cursos dos demais cursos criados em 2008, assim como,
cria e autoriza o funcionamento de outros cursos de graduação em Ciências da
Computação e Educação Física, ambos como licenciatura. A própria resolução registra
que os cursos serão oferecidos segundo os respectivos projetos pedagógicos e em
conformidade com as instruções do Sistema Universidade Aberta Brasil, tendo em vista
a celebração a celebração de parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de
196
Pessoal de Nível Superior (CAPES), o MEC e o Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE).
No mesmo ano, foram reformulados os projetos dos cursos de graduação em Letras e
Biologia, sendo criados os cursos de Letras Vernáculas, Letras com Inglês, Letras com
Espanhol e Ciências Biológicas, conforme Resolução do CONSU nº 712/2009. De
igual modo, foram promovidas alterações na estrutura curricular do curso de Pós–
Graduação lato sensu em Educação a Distância: formação de professores da UNEB –
especialização, quando este passa a ser denominado curso de Pós–Graduação lato sensu
em Educação a Distância, a fim de atender ao público em geral e criados três novos
cursos lato sensu.
QUADRO 1 - Oferta de cursos da UNEB
Ano
2006
2008
2009
2013
Curso
Bacharelado /Administração
Especialização / Educação a Distância: formação de professores da UNEB
Licenciatura / Biologia*
Licenciatura / Pedagogia
Licenciatura / Geografia
Licenciatura / Letras*
Licenciatura / Matemática
Licenciatura / História
Licenciatura / Química
Licenciatura / Física
Licenciatura / Ciências da Computação
Licenciatura / Educação Física
Licenciatura / Ciências Biológicas
Licenciatura / Letras Vernáculas
Licenciatura / Letras com Inglês
Licenciatura / Letras com Espanhol
Especialização / Educação a Distância
Especialização / Gestão Pública
Especialização / Gestão Pública Municipal
Especialização / Gestão Pública em Saúde
Especialização / Interdisciplinar em Estudos Sociais e Humanidades
Quadro I – Cursos na modalidade a distância oferecidos pela Universidade do Estado da Bahia
Fonte: Elaborado pelos autores
Considerando o modelo multicampi, no qual é estruturada a UNEB, os cursos na
modalidade a distância foram vinculados aos departamentos, unidades acadêmicas e
administrativas da instituição universitária, a fim de auxiliar a integração dos estudantes
197
e tutores com a dinâmica do funcionamento da universidade e viabilizar o apoio
presencial aos polos, conforme deliberação do Conselho Universitário nº 933/2012.
Verifica-se a atenção da Universidade quanto a existência de estrutura que respalde a
realização de estudos e provimento de instrumental, didático e tecnológico, com vistas à
implementação da nova modalidade. Desta forma, o referido CONSU, cria o Núcleo de
Educação a Distância (NEAD) no Departamento de Educação/Campus I – Salvador, em
2008 e, em seguida, também cria Programa de Gestão dos Projetos e Atividades na
modalidade Educação a Distância, vinculados à Reitoria, abrangendo as atividades de
ensino de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão, decorrentes de celebração de
convênios com as esferas Federal, Estadual e Municipal, de forma articulada com as
respectivas pró-reitorias e departamentos (BAHIA, 2008; 2009).
Em 2014, no sentido de consolidar a estrutura que apoie e estimule o emprego da
modalidade a distância o Conselho Universitário criou e implantou a Unidade
Acadêmica de Educação a Distância (UNEAD), órgão que compõe a Administração
Superior da Universidade responsável pelo gerenciamento, assessoramento, execução,
acompanhamento, controle e avaliação das ações relacionadas a modalidade a distância.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No momento atual, pode-se inferir de forma consubstanciada, notadamente com o apoio
da literatura sobre a educação a distância, que a experiência da forma colaborativa de
construção de conhecimento está sendo largamente utilizada, e que dificilmente
retrocederá do ponto de vista da sua atuação. Percebe-se no campo empírico que muitas
instituições de ensino superior estão ofertando a modalidade supracitada, preservando as
suas particularidades e diferenças entre si, oferecendo ao estudante um conjunto de
modelos, dentro do que estabelecem as diretrizes dos órgãos reguladores, conquanto a
questão central seja a experiência da UNEB, perceber as diversas ofertas existentes
nesta modalidade auxilia a discussão em relação ao cerne da questão formulada neste
artigo.
Ainda nesta esteira de pensamento e considerando que no passado a educação superior
no estado da Bahia era unicamente ofertada na sua capital, depois passando para o
198
modelo multicampi traduziu, naquele momento, um avanço do ponto de vista da atuação
da educação superior nas regiões que abrigaram estes campi, fazendo com que a
formação loco regional se fortalecesse em um movimento de retroalimentação entre
crescimento
e
desenvolvimento
endógeno.
Atualmente
experimenta-se
outra
alavancagem, visto que o alcance que permeia a modalidade a distância avança ainda
mais através das características específicas desta modalidade. A UNEB junto à
Universidade Aberta do Brasil, garante que a educação superior tenha uma abrangência
capaz de mitigar as assimetrias econômico e sociais nas regiões de sua abrangência, isso
pela própria capilaridade e pelo empoderamento de saber.
Destarte, a modalidade de educação a distância, tende a garantir oportunidades aos
menos abastados de aprender, mesmo que estejam isolados geograficamente, bastando
ter acesso à rede. Mesmo o ensino tradicional/presencial sendo ainda o mais procurado,
o modelo a distância vem se firmando exatamente pela sua abrangência, sobretudo em
um estado com uma imensa superfície territorial em que muitos não teriam condições de
se aproximar de curso superior, sem a oferta destes na modalidade a distância, em que
pese a atuação da UNEB no estado da Bahia, no modelo multicampi. Assim sendo, pela
própria metodologia utilizada na abordagem em que a educação a distância é alicerçada,
pode-se inferir que a atuação da UNEB na modalidade a distância, leva a educação
superior aos que estão afastados geograficamente dos grandes centros, oportunizando a
formação de um grande número de pessoas através do acesso à educação superior de
qualidade, sendo um balizador no desenvolvimento loco regional, considerando a
liberdade de escolha dos diversos cursos oferecidos pela instituição no estado da Bahia.
REFERÊNCIAS
ALVES, João Roberto Moreira. A História da Educação a Distância no Brasil. In:
Carta Mensal Educacional. Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação. Ano 16 - nº
82
junho
de
2007.
Disponível
em
<http://www.ipae.com.br/pub/pt/cme/cme_82/index.htm> Acesso em: 23 ago. 2014.
BAHIA. Lei Delegada nº 66 de 1º de junho de 1983. Cria a Universidade do Estado da
Bahia - UNEB e dá outras providências.
______. Lei Estadual nº 7.176, de 10 de setembro de 1997. Reestrutura as
Universidades Estaduais da Bahia e dá outras providências.
199
______. UNEB. Resolução n.º 377/2006. Autoriza a criação e o funcionamento do
Curso de Graduação em Administração na modalidade a distância. DCH/Campus V –
Santo Antônio de Jesus.
______. Resolução n.º 402/2006. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de
Especialização em Educação a Distância: Formação de Professores da UNEB.
DEDC/Campus I – Salvador.
______. Resolução nº 599/2008. Cria e autoriza o funcionamento do Núcleo de
Educação a Distância (NEAD) do Departamento de Educação/Campus I – Salvador
______. Resolução nº. 600/2008. Cria os cursos de graduação de cursos, na
modalidade a Distância, vinculados ao Departamento de Educação (DEDC)/Núcleo de
Educação a Distância (NEAD), Campus I – Salvador.
______. Resolução nº. 601/2008. Altera o quantitativo de vagas do Curso de
Especialização em Educação a Distância: Formação de Professores da UNEB e dá
outras providências. DEDC/Campus I – Salvador.
______. Resolução nº. 709/2009. Cria e implanta, em caráter provisório, a Gestão dos
Projetos e Atividades de Educação a Distância, no âmbito da Universidade, vinculada à
Reitoria e dá outras providências.
______. Resolução nº. 712/2009. Autoriza a oferta de cursos de que trata a Resolução
nº 600/2008, também, pelo Programa Gestão de Programas e Atividades na modalidade
à Distância (PGPAEaD), aprovado pelo Resolução nº 709/2009 e dá outras
providências.
______. Resolução nº. 713/2009. Cria e autoriza o funcionamento de cursos, na
modalidade à distância a serem ofertados a partir de 2010, pelo Programa Gestão de
Programas e Atividades na modalidade à Distância (PGPAEaD), aprovado pelo
Resolução nº 709/2009 e dá outras providências.
______. Resolução nº. 714/2009. Autoriza a oferta de cursos de que tratam as
Resoluções do CONSU nº 599/2008 e 601/2008, também, pelo Programa Gestão de
Programas e Atividades na modalidade à Distância (PGPAEaD), aprovado pelo
Resolução nº 709/2009 e dá outras providências.
______. Resolução nº. 716/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de
Especialização em Gestão Pública, na modalidade à Distância e dá outras providências.
______. Resolução nº. 717/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de
Especialização em Gestão Púbica Municipal, na modalidade à distância e dá outras
providências.
______. Resolução nº. 718/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de
Bacharelado em Administração Pública, na modalidade à distância e dá outras
providências.
200
______. Resolução nº. 719/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de
Especialização em Gestão em Saúde, na modalidade a distância e dá outras
providências.
______. Resolução Nº. 801/2010. Atualiza os endereços dos Polos de funcionamento
dos Cursos de Graduação, na modalidade a distância, na forma que indica.
______. Resolução Nº. 933/2012. Aprova a Vinculação dos Cursos de Graduação na
modalidade a distância, oferecidos pela UNEB, por meio do Sistema UAB aos
Departamentos que indica.
______. Resolução Nº. 965/2013. Autoriza a criação e funcionamento do Curso de PósGraduação lato sensu na modalidade a distância – Especialização Interdisciplinar em
Estudos Sociais e Humanidades, e dá outras providências. DCH/Campus I – Salvador.
______. Resolução Nº. 1051/2014. Aprova a criação e implantação da Unidade
Acadêmica de Educação a Distância (UNEAD) da UNEB.
BRASIL. Decreto Federal nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Dispõe sobre o Sistema
Universidade Aberta do Brasil (UAB). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5800.htm. Acesso
em 08 de setembro de 2014.
______. Decreto Federal nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80
da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional.
______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
______. Ministério de Educação. Portaria Normativa N. 2, de 10 de janeiro de
2007. Dispõe sobre os procedimentos de regulação e avaliação da educação superior na
modalidade a distância.
______. Portaria n.º 4.019 de 22 de novembro de 2005. Credencia, pelo prazo de 5
(cinco) anos, a Universidade do Estado da Bahia, mantida pelo Governo do Estado da
Bahia, para oferta de cursos superiores a distância.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2002. p. 41 – 57.
ICÓ, José Antônio e FIALHO, Nádia Hage. Universidades estaduais, emprego e
desenvolvimento. Revista Baiana de Tecnologia TECBAHIA. v. 14, n. 3, p. 112-117,
2000.
KENSKY, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presencial e a distância. São Paulo:
Papirus, 2003.
201
LITTO, Fredric Michael e FORMIGA, Manuel Marcos Marciel. Educação a
Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009
PIMENTA, Lídia Boaventura. Processo Decisório na Universidade multicampi:
dinâmica dos Conselhos Superiores e órgãos de execução. 209f. Tese (Doutorado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
TORI, Romero. Educação sem distância: As tecnologias interativas na redução de
distância em ensino e aprendizagem. São Paulo: Senac 2010.
ZUIN. Antônio A. S. Educação a distância ou educação distante? O Programa
Universidade Aberta do Brasil, O tutor e o professor virtual. Educ. Soc., Campinas,
vol. 27, n. 96 – Especial, p. 935-954, 2006. Disponível em
<http://www.cedes.unicamp.br>, acesso em 27 de NOV de 2012.
202
AS ESTRATÉGIAS DO MARKETING VERDE E AS PRÁTICAS DE GESTÃO
AMBIENTAL NAS EMPRESAS DE HIGIENE PESSOAL E COSMÉTICOS LÍDERES
NO BRASIL
Kelly Cristina Soares de Jesus 1
Lívia da Silva Modesto Rodrigues2
Alexandre José Alves da Silva3
André Luis Rocha de Souza4
RESUMO
O presente estudo visa analisar as estratégias mercadológicas e as práticas de responsabilidade
ambiental do Marketing Verde das empresas do segmento de cosméticos, líderes no mercado
brasileiro. O principal objetivo desse estudo é analisar as estratégias mercadológicas das
empresas do segmento de cosméticos, higiene pessoal e perfume líderes no mercado
brasileiro, relativas ao Marketing Verde e seus reflexos no âmbito das práticas de gestão dos
recursos ambientais. Para tal fim, discorreu-se sobre os conceitos de Administração
Estratégica e a sua relação com as práticas de Gestão Ambiental, sua correlação às estratégias
do Marketing Verde e as práticas de Gestão Ambiental e evidenciação às práticas do
Marketing Verde nas empresas de segmento proposto. O campo empírico do estudo permeou
duas das mais conceituadas empresas do ramo de cosméticos no Brasil que buscam trabalhar a
sua imagem organizacional junto aos conceitos que envolvem questões ligadas à
sustentabilidade: a Natura e o Grupo O Boticário. O trabalho foi realizado a partir da pesquisa
exploratória de natureza bibliográfica, consultando dados secundários, tais como: livros,
artigos científicos, monografias e dissertações, para fundamentar o referencial teórico sobre o
assunto e elaborar as conceituações por diversos autores, tendo como método utilizado o
bibliográfico e documental. O estudo discorre sobre os conceitos de Administração
Palavras-chave: Marketing Verde. Gestão Ambiental. Cosméticos e Higiene Pessoal.
___________________
1
Bacharel em Administração (IFBA).
2
Doutoranda em Geologia pela UFBA, Mestre em Contabilidade (FVC), especialista em Auditoria e em
Impactos Ambientais e Recuperação de áreas Degradadas. Bacharel em Ciências Contábeis e Administração.
Professora dos cursos de Graduação em Ciências Contábeis da UNEB – Universidade do Estado da Bahia e do
Curso de Bacharelado em Administração do IFBA.
3
Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas e Pós-Doutor em Geociências pela UFBa/The
University of Vermont . Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em
Geociências pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Curso de Graduação de Administração do
IFBA.
4
Doutorando em Engenharia da Produção, pela Universidade Federal da Bahia, PEI. Atualmente é Professor
Efetivo e Pesquisador do Instituto Federal da Bahia - IFBA, do Curso de Bacharelado em
Administração. Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação Visconde de Cairu. Especialista em Finanças
Empresariais pela Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração. Mestre em Administração, pela
Universidade Federal da Bahia, NPGA.
203
Estratégica e a sua relação com as práticas de Gestão Ambiental, considerando as
contribuições dos diversos autores, teóricos da área, bem como a importância das Estratégias
do Marketing Verde e sua correlação com as práticas de Gestão Ambiental e apresenta as
práticas do Marketing Verde nas empresas de segmento de cosméticos, higiene pessoal e
perfume líderes no mercado brasileiro a partir dos relatórios socioeconômicos divulgados
pelas empresas.
1 INTRODUÇÃO
A Administração enquanto área de conhecimento tem sua evolução apresentada desde
os primórdios da humanidade e o surgimento das especializações tornou-se uma necessidade
eminente face ao desenvolvimento da sociedade e da economia. A mercadologia é uma dessas
importantes áreas da administração que também vem se desenvolvendo desde a sociedade
primitiva. Nesta época, não havia tantos desejos e necessidades por parte das pessoas, pois o
que era importante para suas necessidades básicas estava ao alcance de todos.
A atividade mercadológica era vista como uma relação de troca, mas foi a partir da
Revolução Industrial, no século XVIII que o marketing obteve sua evolução significativa,
houve um grande avanço econômico para os países industrializados possibilitando a evolução,
desenvolvimento e riqueza para essas nações. O surgimento da produção em massa, a
ampliação
dos
negócios
e
dos
estabelecimentos
comerciais
proporcionaram
o
desenvolvimento da população e das relações de consumo e como consequência as práticas
mercadológicas também se modificaram acompanhando o processo de mudança do mundo
globalizado. Segundo Kotler e Armstrong (2002, p.14), a economia atravessou grandes
mudanças nas últimas duas décadas. As distâncias geográficas e culturais se encolheram, esse
fator permitiu que as empresas aumentassem sua área de atuação de mercado, compra e
fabricação, e o resultado foi um ambiente mercadológico mais complexo.
Na atualidade as organizações se deparam com grandes desafios como a grande
concorrência do mercado, as constantes mudanças organizacionais e o rápido avanço da
tecnologia. Esse cenário exige dessas organizações um diferencial competitivo para conseguir
se destacar, manter e atrair clientes. As estratégias de marketing promovidas por essas
organizações são consideradas como direcionadores que poderão ajudar na resolução desses
novos desafios.
Estudar os fatores que levam o consumidor a adquirir um determinado produto e as
estratégias que as empresas podem utilizar para maximizar seus resultados, criando um
relacionamento com seus consumidores é indispensável para um administrador. Desse modo,
o estudo da área mercadológica e especificamente o Marketing nos ensina que há fatores que
204
podem influenciar na compra de um produto. As práticas mais recentes que envolvem o
conceito de sustentabilidade surgiram como novas vertentes que tem influenciado o
consumidor, contribuindo para aprofundamento dos estudos sobre os conteúdos da
Administração Mercadológica, considerando a aplicação da Administração Estratégica, da
Gestão Ambiental e do Marketing Verde.
Nesse contexto, as organizações têm desenvolvido estratégias de produção e
comercialização de produtos objetivando atingir as necessidades dos consumidores e ao
mesmo tempo diminuir o impacto ambiental. Foi a partir desse crescimento da valorização de
produtos e serviços ambientalmente corretos que surge essa nova prática mercadológica o
Marketing Verde. Mudanças significativas afetaram o processo de produção das empresas a
partir desse novo conceito, sendo o Marketing Verde utilizado como um diferencial entre as
empresas que buscam o sucesso na melhoria da qualidade de vida dos seus clientes e da
sociedade. As estratégias de Marketing Verde representam nova vertente à exploração do
segmento de “produtos verdes”, proporcionando melhorias na imagem institucional, com o
intuito de influenciar na decisão de compra dos seus clientes e sua consciência pelo consumo
mais sustentável.
2 ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Com o surgimento das fábricas e a invenção da máquina a vapor e sua utilização na
produção, no século XVIII, teve início a Revolução Industrial. Isso impulsionou uma nova
forma de produção que modificou os padrões econômicos e sociais da época. Foi a partir
dessa época que surgiram ideias de organização racional da sociedade e do trabalho.
Segundo Carvalho (2008, p.11) esses acontecimentos propiciaram condições
favoráveis à criação de estudos científicos, porque eram necessários ao aperfeiçoamento da
produção nas empresas. O surgimento das teorias administrativas, por estudiosos como
Taylor, Fayol entre outros, neste período, começou a suprir a ausência de bases científicas
para a administração dando visibilidade e credibilidade à nova ciência.
A Administração busca estudar as necessidades sociais e técnicas da organização, seu
conjunto de diretrizes, cultura, processos, recursos e capital, possibilitando a realização de seu
negócio de forma estruturada, integrada e consolidada. Faganelo e Machado (2008, p. 3).
Maximiliano apud Carvalho salienta que:
Administrar é um trabalho em que as pessoas buscam realizar seus objetivos
próprios ou de terceiros (organizações) com a finalidade de alcançar as metas
traçadas. Dessas metas fazem parte as decisões que formam a base do ato de
administrar e que são as mais necessárias. O planejamento, a organização, a
205
liderança, a execução e o controle são considerados decisões e/ou funções, sem as
quais o ato de administrar estaria incompleto. (CARVALHO, 2008, p.11)
Após a observação dos primeiros estudos científicos chegou-se à conclusão que
Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso de recursos com a
finalidade de alcançar os objetivos das organizações. (CARVALHO, 2008, p.11).
2.1 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Inicialmente o conceito de estratégia era muito utilizado pelo exército para comandar
ou conduzir seus soldados, representava um meio de vencer uma ameaça. Mas foi a partir da
primeira metade do XX que as organizações passaram a utilizar a estratégia empresarial como
ferramenta de gestão para reduzir os riscos e as incertezas do ambiente. Após Segunda Guerra
Mundial surgiram ameaças externas, o comércio internacional foi ampliado e as organizações
passaram a competir globalmente. Nesse período as organizações começaram a se preocupar
em estabelecer estratégias para atingir seus resultados e medir seu desempenho.
Estudos mais profundos sobre a Administração Estratégica tiveram início em 1950
quando a Fundação Ford e a Carnegie Corporation realizaram um estudo com o objetivo de
avaliar os currículos das Escolas de Administração norte-americanas. Foi a partir desse estudo
que se ouviu falar da Administração Estratégica. As Escolas de Administração verificaram
que deveriam incluir em seus currículos a disciplina de política de negócios que mais tarde
veio a se transformar na disciplina de Administração Estratégica. Esses estudos possibilitaram
outras pesquisas, que colaboraram para a fundamentação dos conceitos, das ferramentas e dos
processos da Administração Estratégica. Nesse contexto, se deu a evolução do pensamento
estratégico como um processo de gestão empresarial.
Segundo Samuel Certo et al (2010, p. 4) a Administração Estratégica é definida como
o processo contínuo e circular que visa manter a organização como um conjunto
adequadamente integrado ao seu ambiente. Para Faganelo e Machado (2008, p. 3) a
“Administração Estratégica é um conjunto de orientações, decisões e ações que determinam o
desempenho de uma empresa a longo prazo”.
Esses conceitos afirmam que as empresas necessitam se antecipar e se preparar para as
constantes mudanças e, assim, evitar futuros problemas. Isso pode ser alcançado por meio de
planejamento e desenvolvimento visando à implementação efetiva da Administração
Estratégica.
206
2.2 ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA E GESTÃO AMBIENTAL
Ao longo das ultimas décadas os impactos ambientais tem comprometido a qualidade
de vida do homem, isso foi consequência de um modelo de crescimento econômico adotado
que se fundamenta no aumento da produção sem pensar em seus custos para o ambiente e a
sociedade, foi a nesse contexto que o homem começou a repensar seu modelo de
desenvolvimento. Para Seiffert a preocupação com a conservação e a preservação da
qualidade ambiental vem se tornando um tema cada vez mais importante e presente na vida
dos cidadãos em vários países do mundo. Isto é resultado da evolução dos desgastes ao
ambiente gerados ao longo dos anos, particularmente pela operação dos processos industriais,
que geram degradação ambiental tanto em sua operação diária quanto em casos de acidentes
ambientais. (2011, p.7)
Quando as organizações identificaram que a qualidade de vida homem estava sendo
comprometida, devida há má utilização dos recursos naturais, passaram a observar uma
necessidade de mudar essa realidade, buscando através da Gestão Ambiental diminuir ou
eliminar os desequilíbrios ambientais. Desta forma, essas organizações passaram a reconhecer
que o desenvolvimento das suas atividades influenciavam diretamente o meio ambiente.
Seiffert (2011, p.50) afirma que a Gestão Ambiental:
Caracteriza-se pela forma como a organização se mobiliza, interna e externamente,
para a conquista da qualidade ambiental desejada. Ela consiste em um conjunto de
medidas que visam ter controle sobre o impacto ambiental de uma atividade. Dessa
forma, para que a empresa passe a realmente trabalhar com a Gestão Ambiental,
deve, inevitavelmente, passar por uma mudança em sua cultura organizacional e
empresarial.
Para Dahlstrom (2011, p.33), o planejamento estratégico refere-se ao processo
de como a organização se adapta ao meio ambiente e as atividades corporativas. Ao
incorporar a sustentabilidade no processo de planejamento estratégico, a empresa aumenta sua
capacidade de interagir de forma eficaz com o meio ambiente.
Na medida em que a empresa preocupa-se com um modelo de negócio que avalia as
consequências e os impactos de suas decisões e ações não apenas com as questões financeiras,
ou seja, a organização contempla aspectos sociais e ambientais, ela se compromete com o
futuro e, portanto, com a sustentabilidade. A Gestão Ambiental busca o equilíbrio nas
relações econômica, ambientais e sociais. Isso contribui para o desenvolvimento sustentável,
uma vez que passa a utilizar o conceito de sustentabilidade. (ALIGLERI, 2009, p. 16).
Em 1987, a ONU (Organização das Nações Unidas), elaborou um relatório
definindo a sustentabilidade como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente
207
sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer as suas próprias
necessidades. Com a publicação desse relatório as organizações começaram a adotar a noção
de sustentabilidade derivada do foco no Tripé Bottom Line ou tripé da sustentabilidade. A
figura 1 descreve a busca da sustentabilidade, onde afirma que para a corporação alcançar a
sustentabilidade ela deve direcionar suas ações a favor do desenvolvimento social, econômico
e ambiental.
Desempenho
Social
Desempenho
Econômico
Desempenho
Ambiental
Figura 1: Tripé da Sustentabilidade.
Fonte: Adaptado de Dahlstrom, 2011, p.7.
Segundo Dahlstrom, a organização sustentável deve gerar níveis aceitáveis de
desempenho econômico, estimular o desempenho social em sua interação com clientes,
fornecedores, consumidores e outros grupos de interesse. Também é de grande importância
para a empresa que busca a sustentabilidade que ela possua a capacidade de atingir níveis
aceitáveis de desempenho ambiental ao longo da cadeia de suprimentos, desde a obtenção de
matéria-prima até o descarte pós-consumo. (Dahlstrom, 2011, p.7-8).
2.2.1 PORQUE SE PREOCUPAR COM A GESTÃO EMBIENTAL?
O tema Gestão Ambiental nas organizações vem ganhando força e consequentemente
influencia cada vez mais em suas decisões estratégicas.
O crescimento das questões
ecológicas dentro da organização ocorre quando a empresa percebe a importância das
melhorias ambientais gerando assim uma excelente oportunidade para o negócio com a
redução nos custos. Para Donaire (2008, p. 89) qualquer melhoria que possa ser conseguida
no desempenho ambiental da empresa sempre representará algum ganho de energia ou de
matéria contida no processo de produção.
Para orientar a organização que deseja atingir padrões elevados de Gestão Ambiental
as normas da Organização Internacional de Normalização (ISO) possuem um papel
importante para auxiliá-la, pois elas orientam as organizações na direção correta para alcançar
a Gestão Ambiental. A ISO utiliza-se de diversos padrões para monitorar e controlar a
208
interação dos setores organizacionais com o meio ambiente. A norma ISO 14000 padroniza a
Gestão Ambiental e dela derivou a norma mais atual de Gestão Ambiental a ISO 14001:2004
que estabelece uma estrutura para que uma organização possa controlar a influência de suas
atividades, produtos e serviços, aumentando continuamente seu desempenho ambiental.
Segundo Donaire (2008, p.91) as exigências da legislação ambiental passaram a
estabelecer normas de atuação que resultaram em repercussões em nível interno nas
organizações interessadas em solucionar seus problemas ambientais. Esses instrumentos, e
outros aqui não citados, dão diretrizes que, de certa forma, orientam e ajudam a compreender
a importância da responsabilidade entre as ações empresariais e o meio ambiente.
3 MARKETING VERDE
A Administração de Marketing possui como objeto de estudo as mais diversas áreas
das ciências como as humanas e as naturais, pois, tem como objetivo conhecer o
comportamento humano e, a partir disso, criar produtos e serviços que atendam as suas
necessidades. Cobra (2009, p. 39) confirma que o marketing busca preciosas informações em
áreas que se apoiam, de um lado em patamares cientifico como estatística, matemática,
antropologia, psicologia, sociologia, e do outro lado, utiliza a arte expressa pelo design de
produtos, embalagens, logotipo, propaganda etc.
A Associação Americana de Marketing (AMA) define marketing como: o processo de
planejamento e execução, desde a concepção, o preço, a promoção e a distribuição de bens e
serviços, para criar trocas que satisfaçam os objetivos individuais e organizacionais.
Kotler e Armstrong já o apresentam como:
“o processo social e gerencial através do quais indivíduos e grupos obtêm aquilo que
desejam e de que necessitam, criando e trocando produtos e valores uns com outros
(...) o marketing consiste em ações com a finalidade de obter uma resposta desejada
de um público-alvo sobre algum produto, serviço, idéia ou outro objeto qualquer (...)
marketing significa administrar mercados para chegar a trocas, com o propósito de
satisfazer as necessidades e desejos do homem. (Kotler e Armstrong, 2003, p.3; 7-8)
Para Shimoyama, et at (2002, p.2), o marketing tornou-se uma força difundida e
influente em todos os setores da economia. Desta forma passou de uma imagem de algo
antiético e desnecessário e passou a ser visto como um instrumento essencial para a formação
e manutenção dos negócios empresariais. Seus conceitos passaram a ser aplicados não mais
apenas por empresas com fins lucrativos, mas também pelos os mais variados tipos de
organizações como times de futebol, igrejas, governos e organizações não governamentais,
gerando as diversas especializações como marketing esportivo, institucional entre outros.
209
Portanto, Marketing é quando uma organização busca estrategicamente no mercado, as
informações necessárias para o desenvolvimento e distribuição de produtos ou serviços que
visem atender as demandas dos consumidores, com isso promove a satisfação dos seus
clientes mediante a confiança na marca e o desenvolvimento de produtos e serviços de
qualidade. Dahlstrom (2011, p.107), afirma que uma organização de sucesso deve descobrir e
identificar dentro do mercado o que seus consumidores procuram.
3.1 ESTRATÉGIAS DE MARKETING (4 Ps)
A organização trabalha em um ambiente dinâmico, onde os valores globais que afetam
o marketing como orientações do cliente, mudanças na economia, impactos ambientais,
aumento da concorrência global e uma série de outras variáveis, políticos e sociais
influenciam significativamente a relação de consumo. Essas influências exigem que os
administradores de marketing reformulem as estratégias e seus objetivos, e implementem
práticas inovadoras, pois mudanças rápidas podem tornar as estratégias de sucesso de ontem
rapidamente desatualizadas. Contudo, esses novos cenários também oferecem oportunidades
de marketing. Kotler e Armstrong (2003, p.13) afirmam que hoje examinamos com mais
cuidado as principais tendências e forças que estão mudando o marketing e desafiando sua
estratégia: o crescimento do marketing sem fins lucrativos, a rápida globalização, a economia
mundial em mutação e o apelo para ações de maior responsabilidade social e ambiental.
Depois de decidir sua estratégia de a empresa está apta para começar a planejar o mix
de marketing ou composto de marketing. Kotler e Armstrong (2003, p.31) definem o mix de
marketing como o grupo de variáveis controláveis de marketing que a empresa utiliza para
produzir a resposta que deseja no mercado-alvo. Esse composto consiste nas ações da
organização com a intenção de influenciar a preferência por seu produto. O composto de
marketing se reúnem em quatro variáveis, conhecidas como os quatro “Ps”: Produto, Preço,
Praça e Promoção, configurando os elementos necessários atingir seus objetivos, não apenas
ofertando um produto e sim benefícios aos consumidores, criando, assim, valor para a
empresa. Portanto, para Kotler e Armstrong (2003, p.32), “empresas vencedoras serão aquelas
que conseguirem atender mais economicamente e convenientemente as necessidades do
consumidor”.
210
3.2 ADMINISTRAÇÃO MERCADOLÓGICA E GESTÃO AMBIENTAL
A Administração Mercadológica desempenha um importante papel para a organização,
pois auxilia a alcançar suas metas de faturamento e de lucros através da identificação das
necessidades dos consumidores. As estratégias de marketing são também influenciadas pela
Gestão Ambiental, afetam diretamente os indivíduos e a sociedade, de modo que necessitam
ter uma perspectiva do potencial impacto tanto socioambiental quanto competitivo de suas
ações (Aligleri, 2009, p.135). Portanto, para esses consumidores os esforços empresariais de
desenvolvimento e consumo de produtos ecologicamente corretos podem oferecer a
possibilidade de redução dos problemas ambientais e a melhoria na sua qualidade de vida.
Assim segundo Kotler e Armstrong (2003, p. 479; 481), o sistema de marketing não deve ser
o de maximizar o consumo, e sim a qualidade de vida do consumidor. Entende-se por
qualidade de vida não só apenas a quantidade e qualidade de bens e serviços de consumo
como também a qualidade do meio ambiente.
De acordo com essa realidade as empresas respondem a esse movimento com o Marketing
Verde, desenvolvendo produtos ecologicamente mais seguros, embalagens recicláveis, maior
controle da poluição e operações mais eficientes. Constatamos que na ultima década somou-se
ao tradicional marketing para o consumidor o marketing sustentável ou verde que, em
princípio, permite que as organizações não sejam apenas lucrativas, mas também, ao mesmo
tempo, ambientalmente responsáveis. Para isso é necessário repensar a atividade produtiva e
mercadológica, a fim de que se possam encontrar soluções viáveis para o conflito capital e
natureza, isso se chama Marketing Verde. (Mazza, 2011, p.190)
3.3 CONCEITO DE MARKETING VERDE
As empresas comprometidas com o meio ambiente tentam não apenas desenvolver
uma consciência ambiental, mas de fato preservar o ambiente. Mercados ambientalmente
corretos são aqueles em que compradores e vendedores são caracterizados pela prática de
atividades que demonstram o respeito á natureza e à sua diversidade, incentivam e utilizam
recursos renováveis, combatem o desperdício de recursos e praticam um descarte adequado
dos resíduos. (Mazza, 2011, p.189).
O Marketing Verde segundo OTTMAN (1993, p.43) apud Mazza (2011, p.191) tem
por estrutura dois pontos fundamentais: a) O desenvolvimento de produtos que equilibrem
necessidades dos consumidores com um impacto mínimo sobre o ambiente e tenham preço
211
viável; e b) Projeção de uma imagem de alta qualidade, incluindo sensibilidade ambiental,
quanto aos atributos de um produto.
Segundo Dahlstrom (2011, p.5-6) é o desenvolvimento e a comercialização de
produtos destinados a minimizar os efeitos negativos sobre o meio ambiente, ou seja, são
todos os esforços para consumir, produzir, distribuir, promover, embalar e recuperar o
produto de forma que sejam sensíveis as preocupações ecológicas. Essa definição reconhece a
necessidade de considerar a produção, a distribuição e a recuperação de produtos como
componentes integrados do esforço de planejamento da gestão de marketing.
O meio ambiente, as economias em desenvolvimento, os consumidores, a estratégia
corporativa, o produto, os processos de produção e a cadeia de suprimentos são influenciados
e beneficiados com o Marketing Verde, que também tem implicações para o mercado
financeiro. Investidores são atraídos para fundos verdes especializados que apresentam
carteiras de ações de empresas ecologicamente conscientes. (Dahlstrom, 2011, p.8; 11).
Portanto, as iniciativas de Marketing Verde contribuem significativamente para Gestão
Ambiental e consequentemente para o meio ambiente por meio da incorporação de estratégias
que agregam valor aos produtos e serviços ofertados aos consumidores.
3.3.1 ESTRATÉGIAS DE MARKETING VERDE (4 Ps)
A estratégia de Gestão Ambiental é o processo onde a organização consegue ajustar
suas ações ao meio ambiente. Ao incorporar o conceito de sustentabilidade no processo de
Administração Estratégica, a empresa aumenta sua capacidade de interagir de forma eficaz
com o meio ambiente. Dentro desse processo, as estratégias de Marketing Verde permitem
uma melhoria contínua na interação da organização com o meio ambiente.
Segundo o estudo das áreas mercadológicas as estratégias de marketing são traçadas a
partir de uma combinação de quatro elementos (produto, preço, praça e promoção)
denominada de Mix de Marketing, que se correlacionam diretamente ao conceito de
Marketing Verde, conforme exposto:
Produto: Um produto ambientalmente correto é o que satisfaz as necessidades e as
expectativas do consumidor e, ao mesmo tempo, não agride o meio ambiente. Para Mazza
(2011, p.193-194), um produto considerado verde deveria contar com todas ou pelo menos
algumas das seguintes características: material reciclável, uso reduzido de recursos, redução
no consumo de energia, uso eficiente da água, redução de resíduos, longa vida do produto,
possibilidade de reuso e que seja degradável. Aligleri, afirma que o “desafio dos gestores de
212
marketing é criar produtos que agreguem benefícios de longo prazo, reduzam o estresse do
cliente e aliviem a responsabilidade dos consumidores, sem reduzir as suas qualidades”.
(2009, p.142).
Preço: Segundo Calomarde (2000) apud Silva (2009, p.6), “o estabelecimento do
preço de um produto verde, além de incluir os custos normais de produção, também deve
levar em conta os valores ambientais que ele possui”. Portanto, o preço de um produto
ambientalmente correto não é diferente dos outros produtos, ele também deverá refletir o
valor percebido pelo consumidor, entretanto, sua competitividade no mercado está
relacionada ao nível de informações a respeito dos benefícios ambientais nele agregados.
A estratégia de preço deve refletir os valores ambientais agregados ao produto, sua
funcionalidade e os custos para sua produção. Contudo, sua fixação acima de um patamar que
os consumidores estariam dispostos a pagar poderá funcionar como inibidor ao consumo e,
por outro lado, se estiver muito abaixo da média de mercado, poderá ser interpretado como
sinônimo de produto de baixa qualidade. (SILVA, 2009, p.6-7).
Promoção: representa como a empresa se comunica com o mercado e com seu público
interno e externo, com o objetivo de promover a sua marca. Significa que, as estratégias
promocionais sustentáveis de uma organização devem começar de dentro para fora. É
necessário transmitir a seus stakeholders os valores organizacionais e as ideias
ambientalmente positivas, com a intenção de criar uma cultura ambientalmente responsável.
Aligleri (2009, p.138), afirma que uma empresa pode ter uma causa socioambiental para
fortalecer a sua imagem, mas precisa integrar essa percepção à identidade da empresa. Isto é,
inserir a questão ambiental tanto nas estratégias organizacionais como nas diferentes
atividades realizadas no cotidiano do negócio.
Praça: é para o marketing a forma como os produtos são distribuídos no mercado. A
estratégia de distribuição deve relacionar a produção com o consumo, assim tornando possível
a disponibilidade do produto para o consumidor. De acordo com Calomarde (2000, p. 129)
apud Silva (2009, p.7) “a distribuição tem por objetivo levar os produtos do produtor ao
consumidor no tempo, lugar e quantidade adequados”.
Para o Marketing Verde essa definição deve levar em consideração também a coleta
dos resíduos de materiais sólidos e líquidos desde o inicio até o fim da vida do produto,
trabalhando desta forma com a logística reversa. Para Dias (2007) apud Silva (2009, p.7) é
fundamental para um canal de distribuição de produtos verdes que durante seu escoamento o
consumo de recursos seja minimizado e a geração de resíduos diminuída.
213
Percebe-se que é fundamental elaborar um sistema eficiente de distribuição e logística
reversa para os todos os resíduos gerados dos produtos, a exemplo o gerenciamento da rota
dos caminhões para entrega, propiciando a redução de custos, eliminação de desperdício com
combustíveis e maximização da capacidade de utilização dos caminhões com reflexos sobre a
eficiência da logística e no atendimento ao cliente. Dahlstrom (2011, p.15), afirma que
empresas que adotam estratégias sustentáveis ou verdes para a produção e distribuição de
produtos alimentares garantem um nível de segurança na qualidade do produto e promovem
melhoria da qualidade de vida dos seus consumidores. Portanto, embora os componentes do
mix de marketing trabalhados sejam apresentados separadamente, essas estratégias
mercadológicas devem, a partir dos objetivos da organização, estar sincronizadas para
produzir os resultados desejados para a empresa.
4
MERCADO
BRASILEIRO
DE
PRODUTOS
PARA
HIGIENE
PESSOAL, COSMÉTICOS E PERFUMES
A história do uso de cosméticos é antiga, foram encontrados indícios do uso de
cosméticos até antes mesmo de Cristo em sociedades Egípcias, Indígenas e Gregas. Essas
sociedades usavam cosméticos em rituais tribais, cerimônias religiosas, sepultamentos entre
outros, mas foi na Idade Moderna que a venda pública de cosméticos, pomadas, óleos,
depilatórios, águas aromáticas, sabonetes e outros artigos de beleza se tornaram intensos.
Segundo a ABIHPEC - Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal,
Perfumaria e Cosméticos, o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de itens de
cosméticos, higiene pessoal e perfumaria do mundo ficando atrás apenas dos Estados Unidos
e Japão e é também um dos maiores fabricantes desta indústria, sendo o sétimo produtor
mundial de cosméticos, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália.
Nos últimos 16 anos, o faturamento deste setor passou de R$ 4,9 bilhões para R$ 29,4 bilhões,
crescendo em média 10% ao ano e empregando cerca de 5,7 milhões de pessoas. Dados da
ABIHPEC revelam que no Brasil existem mais de 1.600 empresas atuando no mercado, sendo
que 20 empresas representam 73 % do faturamento total.
Segundo uma pesquisa realizada pela revista EXAME em 2012 no Brasil as cinco
maiores empresas de cosméticos eram responsáveis pela metade do mercado de produtos de
higiene pessoal, perfume e cosméticos. São elas: a Natura que possui 14,5% do mercado; a
Unilever que detém 10,7%; a Avon, que mesmo com uma queda nas vendas de 19% em 2011,
214
possui 8,8% da parcela do mercado; a Procte&Gamble com 8,3%; e o Grupo Boticário que
possui 8,2% do mercado brasileiro.
Esse desenvolvimento ocorreu devido a diversos fatores como à crescente participação
da mulher brasileira no mercado de trabalho, os homens passaram a cuidar melhor da saúde e
da aparência, o aumento da expectativa de vida da população, surgimento de novas
tecnologias que possibilitaram o aumento da produtividade e o lançamento de novos produtos.
Segundo a ABIHPEC, os lançamentos de novos produtos são responsáveis por cerca de 35%
do faturamento bianual do setor de cosméticos no Brasil. Isso implica a necessidade das
empresas de, a cada quatro anos, reformularem quase completamente seus portfólios,
tornando assim o mercado de cosméticos, higiene pessoal e perfumaria dinâmico e atrativo
para o público que se destina mediante adoção de estratégica de Marketing Verde e de
inovações em seus processo produtivos.
Nesse sentido, a busca por inovação nas indústrias de produtos para higiene pessoal,
cosméticos e perfumes vai desde a formulação de novos produtos ao design das embalagens
utilizadas. A ABDI destaca que, neste setor, a tecnologia e o design da embalagem são
estratégicos para o produto e fatores de diferenciação, como também são decisivos no
marketing, sendo na maioria dos produtos de cosméticos o custo da embalagem maior que o
custo do produto.
4.1. O CAMPO EMPÍRICO
O objeto de pesquisa deste trabalho possui como referência as empresas Natura e o Grupo O
Boticário. A seleção dessas duas organizações para esse estudo ocorreu a partir das imagens
organizacionais e atuação no cenário da indústria brasileira de produtos de higiene pessoal,
cosmético e perfumaria. Elas estão entre as cinco maiores empresas do setor e correspondem
juntas há 22,7% do mercado nacional. O critério de seleção adotado foi estudar as maiores
empresas brasileiras líderes no setor.
4.1.1 A NATURA S.A
É a maior fabricante brasileira de cosméticos e produtos de higiene e beleza. Líder no
setor de venda direta no Brasil, com uma receita anual superior a R$ 6 bilhões. Sediada em
Cajamar, São Paulo, a companhia conta com quase 7 mil colaboradores e 1,5 milhão de
consultoras e consultores, que atuam no Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Colômbia e
França. Segundo a Natura o desenvolvimento sustentável orienta a maneira de a empresa
215
fazer negócios desde sua fundação. Os princípios que norteiam o desenvolvimento de
produtos da empresa são: responsabilidade ambiental, embalagens com menor quantidade de
materiais, embalagens recicladas e recicláveis, refis para todos os itens e fórmulas
biodegradáveis.
Em 2004 a Natura abriu seu capital passando a integrar o Novo Mercado da Bovespa.
Em 2005, como reconhecimento ao compromisso que a empresa tem com a sustentabilidade,
as ações da Natura foram incluídas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa
de Valores de São Paulo (Bovespa), cuja finalidade é reconhecer as companhias com os
melhores desempenhos em todas as dimensões da atuação empresarial, assumindo o
compromisso de adotar práticas mais rígidas do que as exigidas pela legislação. Em 2010
implementa o uso do refil ecologicamente correto.
Segundo informações dos relatórios analisados a Natura adota a inovação como um
dos pilares para o alcance deste desenvolvimento sustentável. No ano passado, destinou R$
146,6 milhões e lançou 164 itens, atingindo um índice de inovação, percentual da receita
proveniente de produtos lançados nos últimos 2 anos, de 64,8%. Segundo a revista EXAME
na Natura cerca de 3% da receita líquida têm sido investidos em inovação. Como resultado
dessa política, em agosto de 2011 a companhia inaugurou em Manaus, o Núcleo de Inovação
Natura Amazônia (Nina), que trabalha em parceria com instituições de pesquisa e
universidades locais para descobrir novos ingredientes e formulações. O objetivo é o
crescimento para os próximos dez anos, de 10% para 30% a quantidade de produtos
fabricados com matérias-primas oriundas da Amazônia.
4.1.2 GRUPO O BOTICÁRIO
Em 1977, o farmacêutico, Miguel Krigsner abre uma pequena farmácia de
manipulação em Curitiba/PR. Investindo na elaboração de cosméticos naturais, manipulados
artesanalmente, os clientes puderam contar com produtos para cabelos, cremes e desodorantes
com fórmulas exclusivas. Para homenagear os “Boticas” antigos farmacêuticos deu nome a
farmácia de O Boticário. Dois anos mais tarde foi inaugurada a primeira loja no Aeroporto
Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais/PR. E este pequeno espaço foi
determinante para o futuro da empresa, já que seus clientes eram passageiros e equipes de
bordo das companhias que não compravam apenas para uso pessoal como também para
presentear e revender em suas cidades de origem. Hoje o Grupo O Boticário conta com o mais
de 5.700 colaboradores, 900 franqueados, além de consultoras, representantes comerciais e
fornecedores que compõem uma grande rede.
216
O Grupo O Boticário hoje possui quatro marcas: O Boticário; Eudora; Quem disse
Berenice? e The Beauty Box. A marca O Boticário possui um portfólio de mais de 1.100
produtos entre cosméticos, maquiagem e perfumaria. A empresa é a maior rede de franquias
do país e a maior do mundo em perfumaria e cosméticos, atuando com cerca de 3.550 lojas no
Brasil e com presença também em outros nove países. Segundo o Grupo as questões ligadas à
sustentabilidade permeiam desde a concepção dos produtos, até o relacionamento com todos
os públicos. De acordo com a empresa a sustentabilidade é o ponto de partida para obter
resultados positivos em todos os aspectos. O Grupo salienta que ao minimizar os impactos
ambientais, promovem a qualidade de vida das pessoas e contribuem para um planeta mais
sustentável.
4.1.3 ESTRATÉGIAS DE MARKETING VERDE DA NATURA E DO GRUPO O
BOTICÁRIO
As estratégias de Marketing Verde apresentadas a seguir são a essência dos princípios
de Gestão Ambiental das empresas Natura e do Grupo O Boticário, analisadas a partir do
composto mercadológico, considerando os Relatórios de Sustentabilidade do ano de 2012
disponibilizados pelas empresas em seus canais eletrônicos. Utilizamos indicadores separados
entre os quatro elementos da Estratégia de Marketing Verde, são eles:
Tabela 01: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Produto
4Ps
Indicadores
Produto
Uso Racional
Energia
Análise
da
A Natura utilizar energia de fontes renováveis como as fornecidas por
PCHs. E a construção do Ecoparque terá uma maior eficiência no uso da
energia elétrica. O Boticário busca através de ações a redução do consumo
de energia em todas as instalações e possui no Paraná uma usina para
geração de energia elétrica.
Redução na Emissão
de GEEs
A Natura conseguiu de 2006 a 2012 reduzir por quilo de produto 28,4% de
CO2. O Boticário relata que sua redução foi de 76% na planta de São Jose
dos Pinhais.
Uso Racional
Água
Tanto a Natura quanto o Grupo O Boticário adotam medidas que buscam a
eficiência dos seus recursos hídricos. Ambas possuem ações semelhantes
como: controle do consumo em suas instalações e de seus fornecedores e
utilizam água da chuva em alguns processos.
Fornecedor
ambientalmente
responsáveis
da
As duas organizações possuem critérios para a seleção de fornecedores que,
dentre outros aspectos, desempenham ações sustentáveis em seus processos.
217
Desenvolvimento de
embalagens
eficientes
Desenvolvem embalagens eficientes e comercializam embalagens refis.
Destacando da Natura os refis ecoeficientes e as embalagens da linha SOU e
Natura EKOS. No Grupo O Boticário a Marca “Quem disse, Berenice?” as
embalagens além de usarem menos plásticos seus designes são projetadas
para facilitar a saída do produto.
Gestão de resíduos
Possuem como política a reciclagem dos resíduos gerados em suas
produções, contudo, segundo o relatório da Natura seu índice de geração de
resíduos subiu de 20,01 gramas por unidade produzida para 25,56 gramas em
2012. O Boticário relata que em 2012 foram 97% dos resíduos reciclados.
Contudo, o volume de resíduos não reutilizados foram de 254,19t, 65% maior
que 2011.
Fonte: a autora
A Natura, além de promover ações de redução no consumo, procura adquirir energia
de fontes renováveis e de menor impacto socioambiental, fornecidas por Pequenas Centrais
Hidrelétricas (PCHs). De acordo com ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica as
PCHs é toda usina hidrelétrica de pequeno porte cuja capacidade instalada seja superior a 1
MW e inferior a 30 MW. Além disso, a área do reservatório deve ser inferior a 3 km². Com
relação ao consumo de energia, a empresa investiu, nos últimos quatro anos, em novas fontes
energéticas e em ecoeficiência para cortar parte das emissões de gases que causam o efeito
estufa. Esse trabalho resultou em uma redução de 7,4% das emissões absolutas de CO2 da
empresa.
A Natura estabeleceu o compromisso de reduzir um terço das suas emissões relativas
de Gases de Efeito Estufa até o final de 2013. De acordo com a empresa a Gestão das
emissões de carbono considera impacto da extração de matérias-primas, fornecedores,
processos internos e pós-consumo de produtos e serviços. Com isso em 2012, a Natura
reduziu 4% das suas emissões relativas (quilo de CO2 por quilo de produto faturado),
totalizando 28,4% desde 2006.
Tabela 02: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Preço
Preço
4Ps
Indicadores
Análise
Redução no Preço
Ambas as empresas possuem uma política de redução de custos com
embalagens que é repassado ao consumidor e representam uma redução
média de 22% no preço das embalagens refis. Além disso, a Natura
desenvolveu uma linha de produtos, para cabelo e corpo, que possui uma
redução média de 50% no preço.
Redução de Custos
O relatório da Natura evidencia uma redução dos custos por mercadoria
vendida de 29,4% valor menor que o ano anterior.
No relatório do Boticário não foram encontrados dados relativos à redução de
custos na produção além da redução com a produção de embalagens.
Fonte: a autora
218
O Custo dos produtos vendidos diminuiu para 29,4% em 2012, comparado a 29,8% em
2011, essa diminuição foi evidenciada na redução de custos no processo de produção e ganhos
de escala. As embalagens de refis por utilizar menos matéria-prima possuem em média um
preço 20% menor que as embalagens comuns. A linha SOU, por exemplo, consome menos
recursos e possui uma redução de 50% no preço.
Tabela 03: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Praça
4Ps
Indicadores
Praça
Gestão dos impactos
na distribuição dos
produtos
Análise
A Natura descentraliza sua distribuição entre 8 centros no país.
O Boticário realiza um acompanhamento do consumo de diesel dos veículos
que distribuem os produtos.
Logística Reversa
Tanto a Natura quanto o Grupo Boticário possuem programas de coleta das
embalagens vazias dos produtos e enviam para a reciclagem.
Construção
Ambientalmente
Consciente
Ambas se preocupam com a construção eficiente de suas instalações. A
Natura inaugurará em 2014 o Ecoparque que em sua construção se
preocupará com a racionalização dos recursos desde a construção até uso da
água da chuva no processo produtivo. O Grupo Boticário adota medidas
como: utilização de materiais mais eficientes na construção de suas
instalações, reutilização da água, uso de lâmpadas mais econômicas e
mobiliário com certificação de Manejo Florestal.
A Natura investiu 437 milhões de reais em infraestrutura e logística no ano de 2012. A
empresa conta com oito centros de distribuição no Brasil e outros seis nos demais países onde
opera: Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e França. Segundo a Natura o plano para
descentralização da logística e da produção em outros países da América Latina tem aliado
ganhos na emissão de carbono e redução de custo dos produtos.
A distribuição dos produtos é efetuada por meio de vendas diretas por Consultores (as)
Natura. A Natura alcançou a marca recorde de 4,5 milhões de produtos separados e
preparados para transporte em um único dia. Em comparação com 2011 a Natura obteve um
crescimento de 1,7%, essa variação se deve principalmente pela otimização dos Centros de
Distribuição e pela formação de estoques para o atendimento eficiente da demanda.
A Natura desenvolve uma experiência na Colômbia desde 2010, na qual as consultoras
e consultores coletam material de embalagens para a reciclagem. Em 2012 foram coletadas
219
322 toneladas de embalagens vazias, volume 37% superior a 2011, quando o total foi de 235
toneladas. Os resíduos recolhidos são enviados pela Natura a empresas parceiras para a
reciclagem. No Brasil, uma ação semelhante foi realizada entre 2009 e 2012, na qual o
Movimento Natura mobilizava os consultores e consultoras para recolherem as embalagens
vazias de seus consumidores. A iniciativa, entretanto, não se mostrou viável na escala
necessária para gerar um impacto significativo e está sendo revista. Em 2012 foram
arrecadadas 12 toneladas de embalagens vazias – no acumulado de 2009 a 2012, o volume
total foi de 438 toneladas.
A Natura inaugurou em 2012 o Núcleo de Inovação Natura Amazônia (NINA) em
Manaus, trata-se de um centro de conhecimento que pretende formar uma rede de pesquisas
com o objetivo de transformar a região em referência em biotecnologia. No mesmo ano, dá
início a construção do Ecoparque em Benevides, PA com previsão para inaugurar no início de
2014. O Ecoparque terá uma área de 172 hectares para acomodar outras empresas interessadas
em fazer o uso sustentável dos ativos da sociobiodiversidade. O projeto buscará conectar
empresas com necessidades complementares, gerando sinergia e maior eficiência no uso dos
recursos. Assim essas empresas poderão usar como insumo o que a outras descartou. A
construção está sendo projetada com importantes diferenciais para racionalização dos recursos
naturais e energéticos desde os materiais de construção e acabamentos a tecnologias como o
uso da água da chuva no processo produtivo.
Tabela 04: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Promoção
Promoção
4Ps
Indicadores
Análise
Construção da marca
sustentável
As duas procuram promover suas diretrizes institucionais através de slogans
como na Natura com "Bem Estar Bem" e no Grupo Boticário com "Beleza é
o que a gente faz".
Mensagens
ambientalmente
responsáveis
Tanto a Natura quanto o Boticário procuram informar seu público sobre
temas relacionados ao meio ambiente. A Natura, possui um programa de
televisão. O Grupo Boticário distribui informativos em suas lojas e busca
orientar seu público interno por meio do Guia Prático.
Educação ambiental
para os seus públicos
De forma semelhante às duas organizações trabalham para que seus públicos
tenham acesso às informações sobre temas ligados a educação ambiental.
Suas ações consistem em treinamentos e reuniões com seus públicos internos
e ações educativas para seu público em geral.
Segundo a Natura sua marca é líder no setor de cosméticos no Brasil, é a preferida de
46,5% dos consumidores. A empresa, afirma que, construiu sua marca comprometida com o
220
desenvolvimento sustentável e a promoção do bem estar bem. Através do Relatório Anual
busca divulgar suas ações de sustentabilidade a empresa busca monitorar o índice de lealdade
dos diferentes públicos. Para as CNs (Consultoras e Consultores) e CNOs (Consultoras
Natura Orientadoras) que em 2012 cresceu significativamente, chegando a 24% e 40%,
respectivamente. Entre os colaboradores, o nível de lealdade subiu dois pontos após dois anos
de queda e somou 72%. O resultado, entretanto, está abaixo da meta estipulada para o
período, de 74%. A figura abaixo mostra os índices de satisfação e lealdade registrados pela
natura em 2012.
A Natura busca divulgar suas ações com o programa “Aqui Tem Natura” na TV
Record e em outros canais de TV por assinatura. Este programa apresenta atrações sobre
temas relacionados ao bem-estar, a beleza, a cultura, ao empreendedorismo e as questões
socioambientais. Outra forma de comunicar suas ações ambientalmente responsáveis é através
do Relatório Anual de Sustentabilidade, disponível no site da empresa. Para a Natura a
educação pode promover a ampliação da consciência sobre o valor das relações e da
sustentabilidade. Segundo a empresa a promoção de ações educativas com os principais
públicos com os quais a empresa se relaciona faz parte dos seus objetivos. Um exemplo desse
posicionamento aconteceu durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20, realizada em junho de 2012. Na ocasião, a Natura produziu conteúdos
especiais para seus colaboradores veiculados no canal de TV corporativo, intranet e no mural
a fim de engajá-los nos temas discutidos. Um ciclo de cinco palestras com especialistas reuniu
o público interno, fornecedores, consultoras e consultores para propor reflexões sobre o
evento. Ainda faz parte da estratégia, conscientizar e engajar os públicos de relacionamento
da empresa sobre a correta destinação dos resíduos e desafiar projetos internos para que
considerem resíduos em sua concepção.
5. CONCLUSÃO
O principal objetivo dessa pesquisa foi analisar as estratégias mercadológicas das
empresas Natura e Grupo O Boticário, empresas do segmento de cosméticos, higiene pessoal
e perfume, líderes no mercado brasileiro, cujo estudo refere-se às estratégias de Marketing
Verde e seus reflexos nas práticas de gestão dos recursos ambientais. A pesquisa destacou as
novas teorias sobre o uso dos conceitos de Marketing Verde apresentando contribuições de
teóricos da área sobre o assunto.
221
Ficou evidenciado na pesquisa a crescente preocupação das empresas no
desenvolvimento de produtos que aproveitem de forma mais eficiente a matéria-prima,
utilizem menos recursos naturais e que não agridam o ambiente. Foram apresentados
indicadores relativos à redução do consumo de plásticos e papel, de controle de energia
elétrica e água, e mecanismos para a mensuração e redução da emissão de Gases de Efeito
Estufa (GEEs), e outros procedimentos importantes como critérios para a seleção de
fornecedores ambientalmente responsáveis, que promovam a reciclagem e reutilização dos
resíduos gerados.
No relatório de sustentabilidade analisado foi constatado que as empresas repassam
aos consumidores parte dos benefícios gerados com a redução dos custos com embalagens.
Essa redução pode variar entre 20% a 50% no valor do produto final, o que se caracteriza
como um efeito positivo do marketing verde, pois o desenvolvimento da estratégia de preço
reflete a intenção da organização em oportunizar a compra de produtos ambientalmente
responsáveis a maior um número de consumidores e fortalecer seus vínculos com uma cadeia
produtiva sustentável e de tecnologias limpas.
Referente às ações de distribuição analisadas tanto a Natura quanto o Grupo O
Boticário foi verificado que essas empresas possuem estratégias semelhantes para minimizar
os impactos na distribuição dos produtos e se preocupam com o retorno das embalagens para
a reciclagem. Um eficiente sistema de distribuição e logística reversa é fundamental para
proporcionar a redução de custos, evitar desperdícios e melhorar o atendimento ao cliente.
Ainda referente ao estudo da estratégia de Praça, ambas as empresas se preocupam
com a construção eficiente de suas instalações, suas ações consistem, basicamente, no uso
eficiente dos recursos naturais como: madeira, água e energia.
As estratégias de promoção usada pelas empresas visam não apenas informar seu
cliente sobre sua preocupação com o meio ambiente, mas também comunicar e educar seu
público sobre ações de responsabilidade ambiental. Esse tipo de comunicação é importante
para o processo de introdução dos produtos ambientalmente corretos no mercado e na
formação de novos hábitos e comportamentos de compra, podendo até influenciar no
reconhecimento da marca.
A junção dessas estratégias torna possível às empresas terem um melhor
posicionamento frente ao público e permitem a elaboração de planos mais consistentes para
atingir as metas da organização. Anualmente, as organizações divulgam em seus sites para
toda a comunidade relatórios com resultados dessas ações estratégicas. Esse feito reflete o
comprometimento da organização com a melhoria de suas ações.
222
Finalmente, cabe ressaltar que embora o principal objetivo dessa pesquisa tenha sido
alcançado, a mesma apresenta uma restrição referente ao fato dos relatórios não possuírem um
padrão para a divulgação dos dados, isso impossibilitou uma melhor análise e comparação da
eficiência coorporativa, sendo necessários estudos complementares futuros para melhor
análise das empresas com ênfase na temática abordada.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Estudo Prospectivo
Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. / Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. – Brasília: Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2009.
ALIGLERI, Lilian; Aligleri, Luiz Antonio; Kruglianskas, Isak. Gestão Socioambiental –
Responsabilidade e sustentabilidade do negócio. Ed. Atlas, 2009.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA
E COSMÉTICOS. Disponível em: http://www.abihpec.org.br/. Acesso em 02/02/2014.
CERTO, Samuel C.; Peter, J. P. Administração Estratégica: planejamento e implantação
de estratégias; tradução e adaptação Reynaldo C. Marcondes, Ana Maria R. Cesar. 3 ed. –
São Paulo : Pearson Education do Brasil, 2010.
DAHLSTROM, Robert. Gerenciamento de Marketing Verde. Tradução EZ2 Translate;
revisão técnica Valéria Neder Lopes. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
DONAIRE, Denis. Gestão Ambiental na empresa. 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2008.
GRUPO O BOTICÁRIO. Disponível em: http://www.grupoboticario.com.br. Acesso em
10/02/2014
GUIA EXAME 2013. Sustentabilidade: as 61 empresas mais sustentáveis do Brasil e as
vencedoras em 20 setores, mais os destaques em 7 categorias. Ed. Abril, Nov/2013.
KOTLER, Philip; Armstrong, Gary. Princípios de marketing. 9. ed. São Paulo: Pretice Hall,
2003.
MAZZA, Luciano. Sustentabilidade e produção: teoria e prática para uma gestão
sustentável. Mercados Verdes: conceitos e casos. João Amato Neto, organizador – São
Paulo: Atlas, 2011.
NATURA. Disponível em: http://www.natura.net/br/index.html. Acesso em 10/02/2014.
223
SEIFFERT, Mari Elizabete Bernadini. Gestão Ambiental: instrumentos, esferas de ação e
educação ambiental. 2ª. Ed. – São Paulo: Atlas, 2011.
SHIMOYAMA; Cláudio Santana. Zela; Douglas Ricardo. Administração de Marketing Marketing / Fae Business School. Curitiba: Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom
Jesus, 2002. (Coleção gestão empresarial, 3).
Download

SABERES MULTIDISCIPLINARES