SABERES MULTIDISCIPLINARES Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores) Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr Alexandre José Alves da Silva Aline Fonseca Gomes André José Costa Santos André Luis Rocha de Souza Antonio Samuel Souza Teixeira Camila de Jesus Barreto Claudia Fardin Soares Pereira Cláudia Regina Vaz Torres Danilo Uzêda da Cruz Flávia de Jesus Figueredo Heliete Rosa Bento Kelly Cristina Soares de Jesus Leandro Carvalho de Almeida Gouveia Lídia Boaventura Pimenta Lívia da Silva Modesto Rodrigues Luiz Carlos dos Santos Paulo Eduardo de Oliveira Sizelides dos Santos de Almeida Temistocles Damasceno Silva Yago Santos Pereira Gomes Vol. 3 Salvador – Bahia 2014 Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores) SABERES MULTIDISCIPLINARES Vol. 3 Salvador – Bahia 2014 Leandro Carvalho de Almeida Gouveia e Josevaldo da Silva do Lago (Organizadores) Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr Alexandre José Alves da Silva Aline Fonseca Gomes André José Costa Santos André Luis Rocha de Souza Antonio Samuel Souza Teixeira Camila de Jesus Barreto Claudia Fardin Soares Pereira Cláudia Regina Vaz Torres Danilo Uzêda da Cruz Flávia de Jesus Figueredo Heliete Rosa Bento Kelly Cristina Soares de Jesus Leandro Carvalho de Almeida Gouveia Lídia Boaventura Pimenta Lívia da Silva Modesto Rodrigues Luiz Carlos dos Santos Paulo Eduardo de Oliveira Sizelides dos Santos de Almeida Temistocles Damasceno Silva Yago Santos Pereira Gomes SABERES MULTIDISCIPLINARES Vol. 3 Salvador – Bahia 2014 Todos os direitos autorais deste material são de propriedade dos autores Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. O conteúdo de cada artigo é de inteira responsabilidade do(s) autor (es). Livro aprovado pelo Conselho Editorial da Revista Acadêmico Mundo (ISSN 2318-1494). Revisão de Originais e Revisão de Provas Leandro Carvalho de Almeida Gouveia Capa Josevaldo da Silva do Lago (Revista Acadêmico Mundo) Editoração Eletrônica Josevaldo da Silva do Lago (site. http://www.academicomundo.com.br/revista.html) Impressão e Acabamentos Editora JM Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP). Catalogação na Fonte GOUVEIA, Leandro Carvalho de Almeida. LAGO, Josevaldo da Silva do. (Org.) G719 Saberes multidisciplinares V.3. Leandro Carvalho de Almeida Gouveia; Josevaldo da Silva do Lago. Salvador: JM Gráfica, 2014. 260p. 1.Turismo - Brasil 2. Proteção Ambiental I. Leandro Carvalho de Almeida Gouveia II. Josevaldo da Silva do Lago. III. Título CDD: 338.344 ISBN 978-85-60753-78-9 JM GÁFICA E EDITORA LTDA. CNPJ: 00.149.796/0001-49 Rua Vital Rego, 13, Barbalho, Salvador, Bahia, CEP 40301-090 e-mail: [email protected] Impresso no Brasil em julho de 2014 pela JM Editora CNPJ: 00.149.796/0001-49 e-mail: [email protected] Tiragem: exemplares SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 10 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO LOCUS UNIVERSITÁRIO: BREVE INCURSÃO. 13 Luiz Carlos dos Santos A GESTÃO PÚBLICA UNIVERSITÁRIA 25 Antonio Samuel Souza Teixeira Aline Fonseca Gomes O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR NO PROTOCOLO DE KYOTO 33 Sizelides dos Santos de Almeida A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM EDUCAÇÃO FISICA E OS ESPORTES DE AVENTURA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES 49 André José Costa Santos Camila de Jesus Barreto Yago Santos Pereira Gomes Temístocles Damasceno Silva UMA REFLEXÃO TEÓRICA DA GESTÃO INTEGRADA PÚBLICO/PRIVADA EM SALVADOR: PLANEJAMENTO TURÍSTICO 64 Leandro Carvalho de Almeida Gouveia O TURISMO E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE 83 Heliete Rosa Bento ] A RELAÇÃO ENTRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA DOS MANGUEZAIS COM A DIVERSIDADE CULTURAL DA POPULAÇÃO TRADICIONAL QUE HABITA A ILHA DE BOIPEBA 103 Paulo Eduardo de Oliveira EDUCAÇÃO FINANCEIRA: O PRIMEIRO PASSO PARA CONSUMO CONSCIENTE 125 Bárbara Barbosa Cabral EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS EM PLANEJAMENTO REGIONAL: UMA SÍNTESE HISTÓRICA 136 Claudia Fardin Soares Pereira ESTADO E PODER, CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A CRÍTICA AO CONCEITO DE 152 ESTADO Danilo Uzêda da Cruz EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM UMA PERSPECTIVA PÚBLICA: A EXPERIÊNCIA DA UNEB 182 Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr Lídia Boaventura Pimenta Cláudia Regina Vaz Torres Flávia de Jesus Figueredo AS ESTRATÉGIAS DO MARKETING VERDE E AS PRÁTICAS DE GESTÃO AMBIENTAL NAS EMPRESAS DE HIGIENE PESSOAL E COSMÉTICOS LÍDERES NO BRASIL Kelly Cristina Soares de Jesus Lívia da Silva Modesto Rodrigues Alexandre José Alves da Silva André Luis Rocha de Souza 202 10 APRESENTAÇÃO O Volume III da Coletânea Saberes Multidisciplinares apresenta trabalhos de 12 pesquisadores, em diferentes áreas do conhecimento, fruto de pesquisas relevantes para o mundo acadêmico e toda a sociedade . Luiz Carlos, a partir de estratos teóricos de expoentes da área, traz à baila o significado da expressão cidadania no locus universitário, onde o conhecimento é produzido, difundido, socializado, aplicado e recuperado socialmente em processos econômicos, políticos e culturais em meio a uma disputa pela ampliação do exercício público da cidadania rumo às transformações do mundo contemporâneo, cabendo à universidade, com suas atividades de pesquisa, ensino e extensão, colaborar para transformar e melhorar o mundo, contribuindo na realização das potencialidades humanas no campo das artes, filosofia, ciência e tecnologia, produzindo conhecimentos que concorram para a realização do viver humano, de forma a integrar o desenvolvimento local, regional, nacional e global. Atenciosamente, Aline Gomes e Antonio Teixeira, discutem a gestão pública, em especial a universitária, tem buscado novas formas de organização do trabalho, a fim de atuar conforme práticas inovadoras e que efetivamente contribuam para o desenvolvimento de uma instituição de ensino superior que agregue valor em seus processos. Sendo que as instituições burocratizadas, hierarquizadas e impessoais, dão lugar a instituições mais flexíveis, maleáveis, ajustáveis e identificadas com os interesses dos utilizadores que ambicionam servir. Sizelides Almeida, aborda tema que nos últimos anos ganhou destaque mundial: o aquecimento do planeta terra. A discussão dá-se em torno das mudanças climáticas no âmbito do Direito Internacional Ambiental. O ponto principal centraliza-se no Princípio do PoluidorPagador e sua aplicabilidade no Protocolo de Kyoto. Discute-se, ainda, se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo disposto no referido Protocolo é um instrumento que prevê a proteção do meio ambiente ou se ele promove a compra do direito de poluir. Temístocles Damasceno, Yago Gomes, Camila Barreto e André Santos delinearam um relato de experiência sobre as vivências proporcionadas por uma aula de campo da disciplina Recreação e Lazer do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, realizada no município de Itacaré, sul do estado da Bahia. Desta forma, os pesquisadores retrataram o esporte de aventura como ferramenta pedagógica do 11 processo de formação em educação física bem como apontaram as possibilidades e limitações desta modalidade esportiva, no que tange: a compreensão das regras, os equipamentos necessários e a logística que envolve o esporte de aventura. Leandro Gouveia, identifica as possíveis contribuições de uma gestão turística integrada público/privada na cidade do Salvador, para compreender a realidade atual e a complexidade que o tema suscita. Para tanto, foram formulados alguns objetivos específicos: compreender os termos política, política pública e política de turismo, conhecer o papel do Estado na atividade turística, discutir a gestão integrada público/privada e identificar as principais características da gestão turística integrada pública/privado na cidade do Salvador. Do ponto de vista da metodologia, tratou-se de pesquisa bibliográfica e documental. Heliete Rosa, busca identificar em que medida a legislação protetiva ao meio ambiente pode efetivamente garantir que os equipamentos turísticos proporcionem aumento da qualidade de vida às pessoas diretamente envolvidas e para toda a sociedade. Desta forma, este artigo apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento econômico na atividade turística, sob a perspectiva da sustentabilidade, pelas vias da legalidade. Paulo Oliveira, trabalha a questão: “Como ocorre a relação entre a diversidade biológica dos manguezais da Ilha de Boipeba com a diversidade cultural da população tradicional que habita essa localidade”? Os objetivos específicos desta pesquisa são: identificar as relações existentes entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais; compreender como são mantidas as relações existentes entre a diversidade cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. Para isso, adotou-se a pesquisa qualitativa e, como método de abordagem, elegeu-se a etnografia. Bárbara Cabral, discute como as facilidades do crédito e a redução da taxa de juros no Brasil aumentaram o consumo de bens e serviços por parte das classes mais baixas da sociedade. A consequência desse estímulo foi um desequilíbrio financeiro das famílias. O acesso ao crédito é um fator positivo, que promove uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos, entretanto, este precisa ser oferecido ao consumidor, juntamente com um programa de educação financeira, que estimule o consumo consciente e a sustentabilidade. Claudia Fardin, apresenta uma breve síntese histórica do planejamento regional no Brasil, com suas principais concepções, obedecendo o processo histórico percorrido pelo País desde a década de 30 até os dias atuais. Como pressuposto básico, partiu-se do entendimento de que o planejamento regional, para atingir a eficácia proposta, deve ser proposto com base em um território específico, que se delimita sobre uma região (podendo ser esta meso, macro ou microrregião), obedecendo suas particularidades, seu desenvolvimento histórico e cultural, 12 sua formação econômica, política e social. Embora inúmeras avaliações já tenham sido realizadas por outros pesquisadores, a proposta atual é sistematizar estas informações para que elas possam servir de base a uma análise individualizada, em outro contexto, a partir das principais tendências macroespaciais. Danilo da Cruz , apresenta uma revisão teórica sobre a questão do estado à luz da teoria política materialista, tendo em vista o retorno do debate sobre a política, o estado e a ação do estado no mundo contemporâneo. Essa revisão foi realizada a partir de uma leitura específica da teoria política marxista, levando em consideração a produção teórica elaborada pelo chamado marxismo ocidental, à luz das transformações do capitalismo contemporâneo. Adelmo Schindler Jr, Lídia Pimenta, Cláudia Torres, Flávia Figueiredo, analisam os procedimentos adotados pela universidade do setor público inerentes à oferta de cursos na modalidade a distância com a finalidade de possibilitar formação de profissionais em suas regiões. A opção metodológica é de natureza qualitativa e descritiva, que se mostrou mais adequada para a proposta apresentada. Os resultados preliminares apontam para a importância da atuação da UNEB na modalidade a distância e os seus desdobramentos no que diz respeito à formação de egressos com condições de atuar no contexto local da sua formação, catalisando os processos sociais, econômicos e financeiros. Kelly de Jesus, Lívia Rodrigues, Alexandre da Silva e André de Souza, visam analisar as estratégias mercadológicas e as práticas de responsabilidade ambiental do Marketing Verde das empresas do segmento de cosméticos, líderes no mercado brasileiro. O principal objetivo desse estudo é analisar as estratégias mercadológicas das empresas do segmento de cosméticos, higiene pessoal e perfume líderes no mercado brasileiro, relativas ao Marketing Verde e seus reflexos no âmbito das práticas de gestão dos recursos ambientais. Para tal fim, discorreu-se sobre os conceitos de Administração Estratégica e a sua relação com as práticas de Gestão Ambiental, sua correlação às estratégias do Marketing Verde e as práticas de Gestão Ambiental e evidenciação às práticas do Marketing Verde nas empresas de segmento proposto. 13 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO LOCUS UNIVERSITÁRIO: BREVE INCURSÃO. Luiz Carlos dos Santos 1 RESUMO Objetiva o artigo, elaborado a partir de estratos teóricos, de expoentes da área, trazer à baila o significado da expressão cidadania no locus universitário, onde o conhecimento é produzido, difundido, socializado, aplicado e recuperado socialmente em processos econômicos, políticos e culturais em meio a uma disputa pela ampliação do exercício público da cidadania rumo às transformações do mundo contemporâneo, cabendo à universidade, com suas atividades de pesquisa, ensino e extensão, colaborar para transformar e melhorar o mundo, contribuindo na realização das potencialidades humanas no campo das artes, filosofia, ciência e tecnologia, produzindo conhecimentos que concorram para a realização do viver humano, de forma a integrar o desenvolvimento local, regional, nacional e global, sem a perda do sentido libertário do conhecimento e de sua autonomia - que vem se transformando em mera mercadoria ou em fonte principal de lucro -, tanto pela especialização cada vez maior dos diversos ramos do saber, quanto pela crise epistemológica no estabelecimento das garantias de validade do conhecimento, entre outros aspectos. Palavras-chave: Cidadania. Universidade. Conhecimento. Transformação. Autonomia Acadêmica. ABSTRACT Objective article, prepared from extracts theoretical exponents of the area, bringing up the meaning of citizenship in the locus university where knowledge is produced, disseminated, socialized, socially recovered and applied in the economical, political and cultural amid a dispute over the expansion of the public exercise of citizenship towards the transformation of the contemporary world, while the university, with its research, teaching and extension work to improve and transform the world, contributing to the realization of human potential in the arts , philosophy, science and technology, producing knowledge that contribute to the realization of human living, to integrate local development, regional, national and global, without the loss of a sense of knowledge and libertarian autonomy - which is becoming mere commodity or main source of income - both by increasing specialization of the various branches of knowledge, as the epistemological crisis in establishing the validity of knowledge guarantees, among other things. Keywords: Citizenship. University. Knowledge. Transformation. Academic autonomy. INTRODUÇÃO De pronto, cabe lembrar que o debate sobre o conceito de cidadania envolve uma série de ambiguidades e coincidências em sua definição, que vão desde o reconhecimento da existência de uma cidadania nominal e substancial, passa pelo exame daqueles que estão incluídos e excluídos da demos, até chegar à fusão da cidadania e da nacionalidade, com os conflitos recorrentes devidos à exclusão de indivíduos do exercício da cidadania, com base no pertencimento ou não a uma comunidade nacional. Entretanto, o objetivo deste artigo é tentar atrelar o termo cidadania no espaço universitário. 1 Doutorando em Planejamento Regional e Urbano (PPDRU), Universidade Salvador (UNIFACS); Doutor em Ciências Empresariais (UMSA); Mestre em Educação (UQAM); Bacharel em Ciências Contábeis e em Direito (UFBA); Licenciado em Administração (UNEB); Tecnólogo em Administração Hoteleira (CENTEC). Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: [email protected]; Site: www.lcsantos.pro.br 14 A Universidade deve ser um espaço aberto, plural, laico às discussões que viabilizem o pleno exercício da cidadania com vistas à superação da excludência ou marginalização que ainda mantêm grande parte da população alheia ao exercício de seus direitos sociais, políticos e econômicos e afastada do processo de transformação que se opera em todas as áreas do conhecimento humano. Se a construção do conceito de cidadania traz em sua história a sombra da exclusão, as sociedades democratas devem impor a universalização dos direitos que este conceito, em sua gênese, preconiza. A universidade como espaço de produção, difusão, socialização e aplicação do conhecimento pode ser concebida enquanto processo histórico, no qual as teorias que permitem a emancipação dos homens acabam por mediar ações que ampliam a dominação de alguns segmentos sobre as sociedades e a natureza. Este processo, segundo Adorno e Horkheimer (1985), é dialético. A partir dessa premissa, asseveram os mencionados autores que não só nenhum conhecimento é neutro, como qualquer conhecimento se presta a diversos usos, na medida em que pode ser recuperado em novas simbioses, as quais agenciam outros processos pragmáticos e interpretativos, inseridas neste mesmo movimento contraditório. O saber/conhecimento elaborado na universidade é, de algum modo, recuperado socialmente em processos econômicos, políticos e culturais em meio a uma disputa pela ampliação do exercício público da cidadania ou pelo domínio social e tecnológico de certos segmentos sobre as sociedades e sobre a natureza. É neste conflito que as universidades se transformam e é a partir dele que se pode refletir sobre os seus desafios contemporâneos. Todavia, sob a alegação de que a universidade deve captar recursos externos, via convênios, contratos ou termos assemelhados, para exercer sua autonomia, na dimensão da gestão financeira, muitas empresas “parceiras”, insatisfeitas com a falta de controle total sobre pesquisas que consumem elevados financiamentos, também por elas sustentados, passam a investir somas cada vez mais altas de capital na organização em laboratórios próprios e na promoção da pesquisa tecnológica e científica, cujos resultados ficam sob seu controle, contratando cientistas e pagandolhes altos salários para produzir conhecimentos a serem aplicados em inovações produtivas conhecimentos esses que se tornam propriedade privada das empresas e que são camuflados dos concorrentes, ao invés de serem divulgados à comunidade científica para agilizar a investigação. Com efeito, sob a lógica da disputa do mercado, trata-se de chegar à produção e comercialização de bens que permitam recuperar os investimentos feitos em pesquisa e desenvolvimento, alcançando-se um lucro considerável antes que outros produtos semelhantes, atuantes com propriedades similares, sejam disponibilizados no mercado pelos concorrentes. Desse modo, o conhecimento é produzido tendo-se como finalidade, basicamente, o lucro e não a promoção da cidadania ou o progresso da ciência em suas múltiplas áreas. Inúmeras 15 pesquisas, extremamente prioritárias do ponto de vista humanitário, não são desenvolvidas ou financiadas pelo conjunto destas empresas, uma vez que seus resultados não seriam fonte de lucro. SINOPSE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS UNIVERSIDADE Sabe-se que as universidades surgiram na Europa, ainda no período medieval, entre os séculos XI e XII. Várias de suas características atuais advêm daquele período, a exemplo do estabelecimento de currículos, provas formais e graduações. Originariamente vinculadas a organizações religiosas que as controlavam rigidamente, com o passar do tempo foram conquistando autonomia, não apenas na forma de sua organização e gerenciamento como também na orientação dos estudos nelas desenvolvidos. As universidades de Bolonha e Paris tornaram-se exemplares, servindo de modelos a muitas outras organizadas na Europa e, posteriormente, em outros continentes. No século XVII ocorre a fundação das primeiras universidades nas Américas, em regiões de colônias inglesas, francesas e espanholas, que após a independência se convertem nos Estados Unidos, Canadá, México e Peru. As universidades, em todo o mundo, estimularam o desenvolvimento intelectual e passaram a ser o principal espaço de formação de lideranças sociais, religiosas e civis. No século XIX a educação se torna mais laica e aberta e os Estados passam a exercer maior controle sobre os diversos níveis do ensino, reduzindo o poder das organizações religiosas nesta matéria. A universidade de Berlim, fundada em 1810, defendendo o princípio da livre investigação atraía as atenções de professores e estudantes do mundo todo. A livre investigação valia-se de seminários, laboratórios científicos e estudos monográficos - modelo esse que foi reproduzido em muitos outros países. As universidades, então, se consolidam com feições similares às atuais, animadas pela vitalidade do desenvolvimento científico e pela confiança no progresso. A concepção alimentada pelos governos nacionais apontava a necessidade de se organizar um sistema educacional único, com valores e objetivos peculiares às demandas de cada país. Neste sistema, a universidade cumpriria um importante papel científico e cultural, com o ensino e pesquisa teoricamente articulando-se a propósitos nacionais. Com efeito, desde a primeira revolução industrial, a ciência se convertera em um momento importante na circulação do capital, possibilitando a otimização técnica das performances produtivas, potencializando também a geração de mais-valia. Marx, no Grundrisse (2011) enfatizará o papel do scientific power no surgimento e transformação do capitalismo. A partir da revolução industrial as empresas e os Estados passam a financiar fundações, institutos, universidades e órgãos de investigação científica com fins pragmáticos, patrocinando experimentos e investigações científicas que produzissem 16 novos conhecimentos aplicáveis à produção e à ação estratégica que permitissem a ampliação do capital ou o aumento do poderio dos Estados. No Brasil, surge a primeira universidade, na primeira década do século XX (SPLLER, 2010). Até então, o ensino superior era realizado em instituições de vinculação religiosa, voltados à filosofia e teologia, ou em Escolas e Faculdades autônomas que atuavam na formação profissional em várias áreas. Havia, contudo, a compreensão de que a pesquisa científica era um elemento necessário ao desenvolvimento do país e que o seu aprimoramento necessitava de organizações institucionais que a abrigassem. Desse modo, similarmente ao que ocorrera na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, promoveu-se a criação de universidades que associavam ensino e pesquisa, visando-se, particularmente, o desenvolvimento de conhecimentos que contribuíssem com o progresso do país. No caso brasileiro, em particular, a ação universitária se empenhou em atuar em três esferas: o ensino, formando recursos humanos nas diversas áreas, a pesquisa, desenvolvendo novos conhecimentos e seus possíveis empregos em diversos campos e a extensão, realizando atividades junto à comunidade que, conectadas ao ensino e à pesquisa de novos conhecimentos, colaborem com o desenvolvimento e bem estar dos grupos atingidos. Atuando nestas três esferas, as universidades, em diversos países, passaram a cumprir uma tarefa vital e peculiar no cerne das sociedades, sendo responsáveis direta ou indiretamente por grandes realizações da humanidade. Durante a segunda guerra mundial e após o seu término, as pesquisas voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico foram muito encorajadas por Estados e empresas. Em muitas universidades, no mundo todo, a pesquisa se torna, então, a principal atividade acadêmica, secundarizando-se o seu papel no ensino. Com a elevação constante dos custos da pesquisa científica, que vai se especializando em inúmeros ramos, e com a concorrência entre empresas na aplicação da ciência ao processo produtivo, os pesquisadores e universidades passam a manter relações cada vez mais estreitas com as organizações. A ÓTICA TECNOLÓGICA Entende-se que os processos de desenvolvimento tecnológico de bens tangíveis o conhecimento tornou-se um insumo pelo qual as empresas pagam altas somas - muitas fusões e aquisições de empresas visam incorporar distintas tecnologias sob uma mesma corporação -, na área de produção de bens intangíveis o conhecimento organizado sob certas linguagens é, ele mesmo, o produto que, como propriedade privada, torna-se a fonte virtual de acumulação do capital. As empresas produtoras de softwares têm suas equipes de pesquisadores que produzem conhecimentos que permitem controlar, por exemplo, o funcionamento de hardwares e seus 17 periféricos, com vistas a uma infinidade de usos cada vez mais sofisticados. Como os signos que codificam esses conhecimentos sob a forma de programas, por exemplo, podem ser replicados infinitamente e cada cópia tem um custo muito baixo, as empresas que comercializam o conhecimento enquanto bens intangíveis vão alcançando o topo da lista das companhias mais ricas e rentáveis do mundo. Frente a esta transformação no caráter do conhecimento, o sentido de Universitas, que na origem medieval significava abranger todas as classes de conhecimento, está novamente desafiado, tanto pela perda do sentido libertário do conhecimento - que vem se transformando em mera mercadoria ou em fonte principal de lucro -, quanto pela especialização cada vez maior dos diversos ramos do saber ou, ainda, pela crise epistemológica no estabelecimento das garantias de validade do conhecimento, entre outros aspectos. No primeiro caso, os princípios mercadológicos vêm contaminando as teorias, formalizando basicamente o conhecimento como meio de atingimento de fins econômicos. Elevadíssimas somas são gastas em Pesquisa & Desenvolvimento, na corrida acelerada pela inovação tecnológica que permite a certos grupos dominarem mercados no mundo todo e assim ampliarem seu capital e poder. Necessitando de operadores sempre mais qualificados para atuar com essas novas tecnologias aplicadas em equipamentos e programas que se obsoletizam rapidamente, a educação passa a ser vista como formação permanente de capital humano, reduzida ideologicamente, em grande parte, a mero insumo para o desenvolvimento econômico dos países. Perde-se a perspectiva da educação para a cidadania que, além da formação científica e tecnológica, preocupa-se com a formação humana em todas as suas dimensões. Cabe acrescentar que as novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) não somente ampliaram o acesso à informação como aumentaram a velocidade de sua circulação, permitindo a constituição de comunidades de pesquisadores sobre os temas mais diversos. Listas de discussão, conferências virtuais e outros expedientes permitem um intercâmbio cotidiano e instantâneo de informações entre pessoas que estejam em qualquer parte do planeta. Frequentemente, muitos pesquisadores mantém um contato mais intenso com parceiros de outros países do que com colegas do mesmo setor na universidade. Por outra parte, o aprimoramento de programas de tradução e a proliferação de sites educativos, permite que estudantes tenham acesso a textos elaborados sobre os diversos conteúdos de sua formação acadêmica e que muitos blocos de textos sejam diretamente transportados de sites e enciclopédias eletrônicas a trabalhos escolares. Tudo isso é importante, porém há de se indagar: Há adequada investigação, análise e síntese nesses trabalhos? 18 A CIDADANIA COM MEDIAÇÃO Considerar o conhecimento como mediação de cidadania, em seu sentido mais abstrato, salvo melhor juízo, significa compreender que uma das condições do exercício da liberdade é o acesso à informação qualitativamente relevante e quantitativamente suficiente, bem como, à educação que permita interpretar adequadamente tais informações. Como qualquer objeto permite gerar infinitos conhecimentos, a pesquisa universitária deve tomar como objetos aqueles que sejam relevantes à ampliação das liberdades públicas e privadas - considerando as dimensões econômicas, políticas e culturais deste exercício no contexto social local, nacional e mundial em que a investigação se desenvolve. Por seu turno, o ensino universitário deve educar o aluno para a atividade da pesquisa, recuperar os conteúdos historicamente elaborados e realizar os treinamentos requeridos que possibilitem a cada educando não somente exercer uma atividade profissional ou científica competente na área de sua formação, mas também um exercício crítico sobre as dimensões estéticas, éticas, políticas, econômicas e culturais que condicionam seus exercícios de liberdade, gerando interpretantes semióticos intelectuais, energéticos e afetivos adequados à construção de uma sociedade democrática e solidária. A extensão universitária, que completa a tríade, deve permitir a intervenção de professores e estudantes junto às comunidades não apenas aplicando conhecimentos em atividades que possibilitem às pessoas ampliarem seus exercícios de liberdade seu desenvolvimento cultural, social, econômico e político, mas também questionando os próprios limites das teorias e procedimentos assumidos, considerando as situações, diálogos e resultados dos trabalhos efetivados. A extensão, portanto, é um desafio à pesquisa e um dos momentos em que o ensino encontra a sua concretude. O ideal de uma comunidade universitária em que os diversos ramos do saber possam dialogar fecundamente enfrenta, por sua parte, o desafio de uma especialização cada vez maior e mais rápida gerando variados ramos específicos nas diversas ciências, ramos esses que também se autonomizam. Se as próprias ciências particulares, em alguns casos, têm dificuldade de articular suas próprias especializações, como construir uma Universitas a partir de tantos conhecimentos fragmentados/pulverizados que se desenvolvem rapidamente com os novos recursos da Tecnologia da Informação (TI)? Em face desta especialização dos diversos ramos do saber, alguns defendem a inter, multi ou transdisciplinaridade como forma de romper os isolamentos. Outros advogam propostas holísticas no trato do conhecimento - conferindo distintos significados a este termo, alguns dos quais parecem inaceitáveis, filosófica ou cientificamente. Perceber a complexidade dos 19 fenômenos, abrindo-se a uma interfecundação múltipla das ciências é algo a ser buscado, sem perder, contudo, a vitalidade que a especialização dos domínios trouxe aos diversos ramos das ciências em particular. A CRISE EPISTEMOLÓGICA DA RACIONALIDADE Frente à crise epistemológica da racionalidade moderna, o debate pós-moderno se desdobra por duas vertentes. Uma apoia-se na teoria dos jogos de linguagem - afirmando que a vigência de qualquer conhecimento é provisória e particular, dependendo da disputa comunicativa no seio de uma comunidade interpretante, enfatizando a importância do dissenso. Outra se assenta sobre uma peculiar formulação semiótica, argumentando que a representação sempre parcial sobre signos indiciais permite a construção de inúmeros mapas distintos e válidos sobre um mesmo objeto, com vistas a variados fins. Ambas operam uma crítica sobre os paradigmas modernos de validação do conhecimento. Vale aqui citar uma passagem de “A Condição PósModerna”, de Jean-François Lyotard - que se inscreve na primeira vertente. Segundo o citado autor, a otimização das performances que visam administrar a prova do enunciado científico, necessária para a sua validação pela comunidade científica, exige gastos cada vez mais elevados. Assim, sem dinheiro não há como provar um enunciado, e sem prová-lo não se pode considerá-lo verdadeiro. Com a maior capacidade de administrar a prova aumenta a capacidade de se ter razão, os jogos da linguagem científica vão tornar-se jogos de ricos, onde o mais rico tem mais possibilidades de ter razão. Desenha-se uma equação entre riqueza, eficiência e verdade. [...] O estado e/ou a empresa abandonam a narrativa de legitimação idealista ou humanista ‘acerca da elaboração científica’ para justificar a nova situação: no discurso dos capitalistas de hoje, a única situação merecedora de crédito é o aumento do poderio. Não se pagam sábios, técnicos e aparelhos para saber a verdade, mas para aumentar o poderio. (p. 46, sd.) Já outros autores, como Habermas (1984) e Apel (1985), buscam reafirmar a vigência universal do conhecimento científico e das normas éticas asseverando uma razão comunicativa a partir do pragmatismo linguístico, desde o qual refutam o ceticismo peculiar às vertentes pósmodernas, afirmando o consenso argumentativo - sob certas condições - como critério epistemológico para a vigência de enunciados descritivos ou como critério ético para o estabelecimento de normas morais. Frente aos acordos no seio da comunidade de comunicação haveria que considerar-se, entretanto, segundo Enrique Dussel (1994), a posição dos afetados, dominados e excluídos em relação aos consensos nela construídos, para que tais consensos não sejam expressão estratégica de uma razão cínica que se pretende ética. 20 A UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA E A PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. Ainda no cenário de debate, disputa e indefinições, urge reafirmar argumentativamente que cabe à universidade, com suas atividades de pesquisa, ensino e extensão, colaborar para transformar e melhorar o mundo, contribuindo na realização das potencialidades humanas no campo das letras, artes, filosofia, ciência e tecnologia, produzindo conhecimentos que concorram para a realização do bem viver humano e para o domínio ecologicamente adequado da natureza. Para que isso se realize, segundo Cristovam Buarque (2007, p. 67), a “[...] autonomia, a pluralidade, o caráter público, o contato e a integração com o conjunto da sociedade, o compromisso com a liberdade, com a verdade e com a qualidade, a postura crítica, a inquietação e o inconformismo permanentes, a prática da democracia” devem permear a vida universitária. Inserida em uma realidade social específica, a instituição universitária reflete, de algum modo, este contexto em que interage com as outras organizações sociais, podendo interferir e contribuir na transformação dessa realidade ou dela evadir-se em atividades de pesquisas e ensino, cujos objetos e conteúdos não tenham maior significação neste contexto. Por outra parte, um dos papéis da universidade é pensar criticamente a própria sociedade em que está inserida, o que resulta atuar com autonomia frente às demais organizações sociais. Muitas universidades, contudo, em função da necessidade de financiamento ou por posições políticas e religiosas subordinam-se a instituições públicas ou privadas, abdicando da sua autonomia crítica. A liberdade acadêmica de pesquisa acaba restringida em função de interesses econômicos de empresas que financiam projetos de investigação científica e tecnológica ou pela posição política e religiosa dos mantenedores de universidades privadas. O discurso governamental de que “[...] as Universidades devem passar a assumir um papel de liderança, buscando a associação com o setor produtivo público e privado, para o desenvolvimento de áreas de pesquisa que tenham o potencial de produzir benefícios econômicos e sociais para nosso país” (COLLI, 2006, p. 27), passa ao largo desta problemática. De fato, tergiversando sobre a autonomia, quando trata da sustentação financeira das universidades públicas, a política de privatização destas entidades aponta as parcerias com empresas privadas como forma de captação de recursos. Estas parcerias e financiamentos, entretanto, direcionam acentuadamente as linhas de pesquisa submetendo a liberdade de investigação aos interesses do mercado. Por outra parte, a maioria das universidades privadas também não oferece estruturas adequadas para o desenvolvimento de pesquisas. Nestas condições, inúmeros pesquisadores 21 optam por trabalhar em laboratórios de empresas privadas, conectando suas investigações com outros projetos em curso. No caso das universidades públicas, como o corte de gastos atinge até mesmo os próprios salários dos professores, muitos destes optam por trabalhar para grandes organizações industriais, em tempo integral ou passam a trabalhar como bi ocupantes em escolas privadas, assumindo uma dupla jornada de trabalho - os denominados ‘dadeiros de aula’ - em ambos os casos, as universidades públicas perdem em qualidade. Esta situação de carência de recursos se reflete também na disputa travada nas universidades públicas (federais, estaduais e municipais) em torno de programas e currículos de graduação e pós-graduação, na qual se percebe o embate entre os que advogam uma universidade voltada a formar capital humano, almejando ampliar parcerias com empresas privadas, e outros que advogam uma educação universitária que, realizando atividades de ensino, pesquisa e extensão articuladas às necessidades do desenvolvimento local/regional/nacional, contribua para a realização mais ampla da cidadania. Neste debate é perceptível que, sob os auspícios das reformas da educação superior, a autonomia da universidade pública vem sendo perdida, uma vez que em virtude da falta de recursos que garantam a sua independência, ela vem assumindo tais parcerias com empresas privadas, colocando-se na função pragmática de formar capital humano ou de desenvolver conhecimentos que se configurarão em propriedade privada das empresas capitalistas que financiam as pesquisas. Assim, a questão da liberdade acadêmica e dos fins da produção do conhecimento em relação à sociedade implica em considerar, necessariamente, o financiamento da própria atividade universitária. Entende-se que a liberdade acadêmica dos professores universitários não deve ser compreendida como um escudo que proteja o descolamento de sua pesquisa no que se refere à relevância acadêmica dos temas de sua investigação ou às necessidades de elaboração teórica provenientes do contexto social local/regional/nacional em que se encontra inserida a universidade. Muitas das necessidades públicas demandam pesquisas pertinentes ao trabalho universitário. A relevância do conhecimento técnico-científico não se reduz, entretanto, a atender tais demandas. Investigações sobre temas específicos que nada têm a ver com demandas sociais imediatas podem ser relevantes academicamente, devendo-se eticamente promover a liberdade destas pesquisas. Cabe à comunidade universitária, contudo, prestar contas à sociedade de seu labor investigativo, publicando trabalhos que permitam uma apreciação crítica da importância, andamento e resultados das pesquisas. Convém destacar que as universidades brasileiras além de prestarem contas de sua pesquisa, não podem ficar atreladas aos interesses das grandes corporações em troca de financiamentos. (JANTSCH, 2012). Elas necessitam considerar, com autonomia, a realidade 22 econômica, política, social e cultural do país se desejam produzir conhecimentos que contribuam com a sua transformação. Urge enfatizar que, no Brasil, milhões de cidadãos estão excluídos de garantias preconizadas pela Carta Magna de 1988 - educação, saúde, alimentação e moradia. Do mesmo modo que a universidade pode contribuir para transformar esta realidade ela pode colaborar para a sua conservação. Infelizmente, o campo científico, como locus intelectual, mesmo sob a falácia da autonomia, é determinado em sua estrutura e em sua função que ocupa no interior do campo do poder (BORDIEU, 1974). “[...] Também os interesses dos compradores da força de trabalho, os que dominam o campo da produção econômica, procuram reduzir a autonomia do sistema de ensino, ampliando sua dependência direta da economia”. (BOURDIEU, 1998, p. 130). Em decorrência, a universidade como parte do sistema de ensino sofre intensamente o processo de subordinação ao sistema econômico. CONCLUSÃO Dos estudos empreendidos, chega-se a seguinte conclusão - para que a atuação da universidade seja transformadora é necessário garantir-lhe, além da autonomia e pluralidade, a perspectiva crítica, a atuação democrática, o caráter público, a busca do conhecimento rigoroso, seguro e argumentado, o compromisso com a liberdade acadêmica e com a qualidade da pesquisa, do ensino e da extensão. Em síntese, a universidade colabora com a transformação do país na medida em que busca alternativas para as grandes questões locais, regionais e nacionais, tanto por meio da elaboração de conhecimentos científicos e tecnológicos que respondam às necessidades do desenvolvimento nacional, quanto por intermédio da capacitação de recursos humanos que possam qualificadamente a atuar na transformação da sociedade, bem como pela implementação de atividades de extensão, no sentido já indicado. Estes elementos permitem conferir uma perspectiva própria à inserção da universidade na comunidade global, peculiar aos fenômenos de mundialização, quando da realização de convênios e intercâmbios - cada vez mais facilitados pelo aprimoramento das tecnologias de transporte e de transmissão de dados. Se for salutar que a universidade mantenha parcerias com outras instituições sociais - inclusive empresas privadas - na efetivação desses propósitos, tais parcerias não podem se converter, de forma alguma, na fonte de financiamento das atividades universitárias, o que coloca em risco a própria autonomia da universidade, principalmente na acepção didático-científica. Constata-se que as universidades estão, progressivamente, sendo reduzidas a formadoras de profissionais que possam atuar neste novo contexto produtivo, fazendo frente aos desafios da inovação tecnológica, desconsiderando-se outras dimensões fundamentais à educação para a 23 cidadania. Todavia, mesmo aí, as próprias empresas ou organizações patronais também realizam a maioria dos cursos de requalificação e de treinamento profissional mantendo, somente em alguns casos, parcerias com as universidades. Assim, um dos grandes desafios da educação e da universidade está em ensinar o educando a localizar, interpretar e reagir às informações disponibilizadas em inúmeros bancos de dados mediante múltiplos canais de acesso, desenvolvendo o aprendizado da pesquisa, da capacidade analítica, interpretativa e criativa, da habilidade e atitude em problematizar os objetos de investigação, construir sínteses de elementos relevantes aos propósitos almejados, posicionarse eticamente frente aos conflitos humanos, comunicar o conhecimento elaborado e transformar suas próprias ações com base nos graus de criticidade e sensibilidade alcançados. Estes são alguns dos desafios colocados à universidade frente à problemática do conhecimento como mediação de cidadania ou como instrumento do capital em meio a atual revolução tecnológica. Neste momento histórico, novamente a universidade está desafiada a reafirmar-se, inserida em um quadro complexo e conflituoso no qual, simultaneamente, a ciência avança com extrema velocidade a par de uma crise de modelos epistemológicos e éticos, em meio a catástrofes ambientais que resultam do próprio desenvolvimento tecnológico por ela realizado em função dos interesses dos grandes capitais. Enfim, corrobora-se Cristovam Buarque (2007) entendendo que a universidade pública, gratuita e autônoma é um patrimônio imprescindível para a promoção da liberdade e como tal deve ser preservada. Diferentemente de se tornar um mero instrumento de lucro para iniciativa privada, as universidades precisam manter-se como espaço de produção, reprodução e socialização do conhecimento que, interferindo nos processos econômicos, políticos e culturais em curso na sociedade, colaborem com a ampliação do exercício da cidadania e com a construção e avanço de um projeto de desenvolvimento nacional voltado à promoção das liberdades públicas e privadas, enfrentando, desse modo, as diversas formas de exclusão que se aprofundam no país. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. APEL, Karl-Otto. La Transformación de la Filosofia (2 vol.), Madrid: Taurus, 1985. Buarque, Cristovam. A Aventura da Universidade. Petrópolis: Vozes, 2007. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.·. CLEMENTE, Isabel. "20% dos trabalhadores não sabem quem é o presidente". 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Acesso em: 13. dez. 2012. 25 A GESTÃO PÚBLICA UNIVERSITÁRIA Antonio Samuel Souza Teixeira 1 Aline Fonseca Gomes2 RESUMO A gestão pública, em especial a universitária, tem buscado novas formas de organização do trabalho, a fim de atuar conforme práticas inovadoras e que efetivamente contribuam para o desenvolvimento de uma instituição de ensino superior que agregue valor em seus processos. A metodologia utilizada para realizar esta pesquisa visou descrever a gestão pública, por meio de pesquisas bibliográficas essencialmente, com natureza qualitativa dos dados. Partindo-se do problema de pesquisa sobre como pode-se promover melhorias na gestão pública universitária, foi possível reconhecer a necessidade de se adotar uma nova gestão pública, seja no modo de conceber os processos acadêmicos e administrativos, mensurando desempenho e direcionando as práticas para a obtenção de melhores resultados, seja no desenvolvimento de um programa de valorização do corpo funcional. INTRODUÇÃO A administração pública e a gestão pública são temas constantemente abordados nos meios acadêmico e profissional, logo surgiu o interesse dos autores em tratar da gestão pública dentro de instituição de ensino superior pública, ao focar no sentido mais conceitual deste estudo, ou seja, tratar das diferenças entre administração e gestão no âmbito público, além dos desdobramentos da gestão pública universitária. Nesse sentido, buscou-se responder ao seguinte problema de pesquisa: De que forma pode-se promover melhorias na gestão pública universitária? Tendo-se por hipótese o fato de que tais melhorias perpassam pela qualificação do corpo de funcionários, sejam estes professores ou técnicos administrativos, além da criação 1 Administrador pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Mestrando em Negócios Internacionais pela Universidade do Minho - Portugal, [email protected] 2 Administradora pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Especialista em Política do Planejamento Pedagógico pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutora em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador (UNIFACS), [email protected] 26 de manuais e fluxogramas para descrever o trabalho, e da valorização dos profissionais que compõem a estrutura administrativa e acadêmica da universidade. Convém destacar que com o movimento da globalização em um nível mais elevado de competitividade passou a ser exigido das organizações, inclusive das instituições públicas, a inovação de processos, produtos e serviços (Rafaelli & Muller, 2007). Logo, a inovação também auxilia no processo de desenvolvimento e de melhoria de um processo direcionador à prática de gestão pública mais eficiente. Em relação aos procedimentos metodológicos adotados, fez a opção por abordar um estudo descritivo do tipo bibliográfico, por meio de pesquisas em literaturas da área temática, com natureza qualitativa dos dados, a fim de que fosse possível a melhor compreensão pelo leitor da parte mais conceitual da pesquisa sobre gestão universitária, conforme será delineado ao longo deste estudo. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA As alterações na administração pública têm ocorrido desde 1980 e assim as mudanças adotadas nos modelos de gestão pública em diferentes países no mundo inteiro, tem gerado práticas inovadoras nas formas de organização e funcionamento da administração pública (Simione, 2014). Com essas novas práticas internacionais surgiu o conceito de New Public Mangament (Nova Gestão Publica - NGP) durante a década de 1980, afinal houveram críticas ao modelo de bem-estar e à administração pública que tinha por base os princípios da racionalidade burocrática (Simione, 2014) com isso foram desenvolvidas novas padrões de gestão, como argumentado por Jones & Kettl (2003), e assim houve a promoção de novos valores resultantes de uma agrupamento de técnicas e padrões de gestão pública. Os novos padrões eram fundamentados na necessidade de que houvesse mais flexibilidade e efetividade na organização e funcionamento do setor público. Nesses novos padrões houve o realce dos aspectos relacionados com o empowerment da sociedade e a reorganização nos processos da tomada de decisões (Simione, 2014). Convém destacar que a implementação desses novos desafios institucionais nas políticas públicas nos anos 90 aconteceu graças a influência do argumento defendido por Denhardt & Denhardt (2000, 2003), que diz respeita a formação de sociedades democráticas e participativas. 27 Nesse sentido, compreende-se que as diferenças entre a administração pública e a gestão pública é a de que a primeira trata de um contexto mais amplo, em que toda a organização está envolvida e que as práticas correspondem ao direcionamento da organização como um todo. Já a segunda evidencia um projeto ou um modelo mais específico de melhoria institucional, por exemplo. Porém muitos autores tratam a administração e gestão como uma só finalidade, enquanto outros, tratam a gestão com fins à encaminhar soluções para resolver problemas mais pontuais. Segundo Bächtold (2008) Administração Pública é o planejamento, organização, direção e controle dos serviços públicos, segundo as normas do direito e da moral, visando ao bem comum. Para Lima (2006), a gestão corresponde a capacidade de fazer o que precisa ser feito. Nesse sentido, Lima (2006) ainda afirma que uma organização cuja gestão pública está relacionada à uma alta capacidade de gestão, relaciona-se com a melhor relação entre recurso, ação e resultado. NOVA GESTÃO PÚBLICA Formulada por J. Pierre, mas citada pelos professores C. Pollit e G. Bouckaert, existe uma definição onde a Nova Gestão Pública ou NGP é vista como “a ligação – chave de saída entre o estado e da sociedade civil. Onde, o lado do governo e da sociedade civil é um via de mão dupla, incluindo as políticas públicas e as medidas necessárias provenientes de entidades privadas e submetidos a tomadores de decisão” 3. Assim pode-se perceber que a gestão pública é vista como uma relação de inputs (solicitações da sociedade civil) e outputs (prestação de serviços do Estado) (Zaharia, 2012). O elevado nível de divulgação por parte da mídia sobre a ineficiência da gestão pública tem evidenciado as oportunidades de melhoria no setor, assim os gestores tem sido pressionados a buscarem ferramentas de gestão que permitam uma melhoria e atenue a falta de foco e transparência (Ensslin, Ensslin, & Bortoluzzi, 2011). Graças as críticas sofridas, o surgimento da NGP foi desenvolvida para 3 Pollit, C., Bouckaert, G. (2000). Public management reform: a comparative analysis, Oxford University Press, New York, translation from English by Stanciu, D., Epigraf Publishin House, Chisinãu, 2004, p.20 apud in Zaharia, 2012. 28 atender a necessidade de reforma na administração pública, isso aconteceu com base em análises teóricos e empíricas na literatura da administração pública que ofereceram soluções possíveis e por conseguinte influenciou intensamente nas profundas reformas acontecidas no século XX (Simione, 2014). As reflexões geradas, como defende Hood (1994), onde a administração pública progressiva, o qual tinha como enfase a aplicação de controles processuais e regras burocráticas, se mostrou ineficaz para lidar com os desafios da época, que estavam ligados ao crescimento do setor público e o aumento da taxa de despesas públicas e até mesmo a dificuldade em gerir a administração que se tornava dispendiosa e ineficiente. Portanto o objetivo da NGP é remodelar e racionalizar o setor público fundamento no setor privado, onde é considerado a NGP como um modelo de reorganização notável e de técnicas mais eficientes (Zaharia, 2012). Segundo o argumento de alguns autores (Barzelay, 2000; Jones & Kettl, 2003), o surgimento da NGP representa um novo padrão ou movimento onde a administração pública é encarada por meios doutrinas e práticas que se baseiam na aplicação de normas e técnicas da gestão empresarial, com intuito de promover a superação das limitações administrativas impostas pela estrutura hierárquica da burocracia. Nessa atual perspectiva a NGP requer uma modernização e reforma das normas e técnicas de gestão, para que seja possível responder aos problemas ocasionados pela redução da capacidade de resposta do Estado e suas instituições que prestam serviços ao cidadão (Thoonen, 2010). As mudanças na gestão de políticas públicas e nas áreas ligadas aos métodos organizacionais, prestação de serviços públicos, relações de trabalho entre outras têm como propósito a obtenção de melhores resultados no setor público, pois através de uma série de mecanismos adotados a mudança dos valores essenciais do ideal típico burocrático da administração como a legalidade, a imparcialidade e equidade, serão renovados pela eficiência, efetividade e qualidade (Simione, 2014). De modo geral, pode-se compreender que a NGP altera a ênfase da administração pública tradicional onde há a mudança do Estado para novos padrões de gestão pública que, fundamentado por Thoonen (2010) estão voltados para: a minimização dos custos e maximização da eficiência; atenuação das hierarquias; o downsizing com intuito de flexibilizar a organização e descentralizar com ações tipo o abandono dos processos de padronização caraterísticas de administração pública 29 weberiana; controle por resultados e aumento do desempenho; e a direção voltada para qualidade dos serviços prestados a população. Portanto, as mudanças representam o surgimento de um novo padrão de produção de serviços públicos onde a transformação de inputs em outputs dentro de um ambiente onde a avaliação e mediação de resultados, tem foco na economia e eficiência dos processos na produção de serviços públicos (Simione, 2014). GESTÃO PÚBLICA UNIVERSITÁRIA Nota-se que hoje vive-se em um ambiente rápido e dinâmico, o setor público e até mesmo o setor da educação é muito influenciado pelas práticas do mundo empresarial ou de gestão de negócios (Zubair, 2013). Assim o setor da Educação Pública não poderia permanecer isolado da mudança no setor público e por conseguinte passou a incorporar práticas de gestão de qualidade (Christensen, 2011). E portanto as reformas no ensino superior tem sido aplicadas em todo o mundo, com o intuito de promover a ideia de responsabilidade, orientação para o cliente, responsabilidade, capacidade de resposta e qualidade (Zubair, 2013). Com o advento da NGP há a necessidade da descentralização na tomada de decisão nas unidades públicas, a reestruturação da lógica e funcionamento dos processos, a alteração dos objetivos estratégicos e a preocupação voltada para maior satisfação dos clientes (Denhardt & Denhardt, 2000). A abordagem da NGP envolve a ideia de qualidade e Total Quality Management (Gestão Total de Qualidade – GTQ). Essa vertente alcançou sucesso no ambiente corporativo e empresarial e agora está sendo implementado no setor público. GTQ tem por busca principal, a melhoria contínua, e não apenas uma mudança de tempo em um sistema, sendo assim uma abordagem holística para as operações e gestão (Zubair, 2013). GTQ é sem dúvidas de grande importância para o ensino superior, pois é um processo focalizado em aumentar a produtividade, reduzir custos e melhorar a qualidade (James & James, 1998). Buscando a promoção da melhoria na gestão, Greiling (2005) chama atenção para os benefícios trazidos através das ferramentas de avaliação de desempenho que servem de base para à identificação e gerenciamento do alcance dos objetivos. A avaliação de desempenho é o processo de gestão usado para levantar, assentar e propagar conhecimento por meio da identificação, composição, mensuração e 30 inclusão dos aspectos essenciais e satisfatórios para mensurar e gerenciar o desempenho dos objetivos estratégicos de um determinado contexto da organização, seguindo os preceitos e primazias do gestor (Ensslin et al., 2011) Na preparação dos indicadores, uma função importante é desempenhado pela formação do quadro de referência que vai gerir a avaliação: para quem, para quê? Assim prevê-se para avaliar o desempenho por meio dos indicadores que acontece em duas vias: o comprometimento da instituição de ensino para com a entidade financiadora (o estado, no caso das instituições públicas) e avaliação de qualidade garantindo a qualidade a nível institucional (Gherghina, Vãduva, & Postole, 2009). Além do mais, os indicadores de desempenho têm algumas características como (Gherghina et al., 2009): • São estatísticos, logo fazem com que seja fornecida de forma objetiva como esta a performance da instituição educacional e de que possa ser definido seu desempenho e seja possível fazer comparações inter-institucionais; • Permite medir o grau de realização de uma atividade executada pela organização e ainda possibilidade de relacionar com um padrão; • Identifica os resultados, do nível mínimo aceitável até o máximo que pode alcançado. Convém ressaltar que com a modernização das universidades públicas brasileiras em 1968, constantemente aborda-se o debate da gestão pública universitária com foco em melhorias, conforme Sampaio e Laniado (2009). Logo, a importância da gestão pública universitária trata da necessidade de se desenvolver processos eficientes que valorizem a organização no tocante a melhoria das atividades acadêmicas e administrativas. A necessidade de otimizar a atividade educacional, a implementação de uma gestão eficiente, a garantia da qualidade e compatibilidade dos sistemas educacionais tem incentivado inúmeras investigações. Pois através da adoção de alguns modelos teóricos organizacionais é possível explicar a funcionalidade do sistema educativo e é possível estabelecer um sistema de avaliação de desempenho, afinal cada modelo tem uma filosofia específica sobre o método de avaliação de desempenho institucional, conceitual e medidor dos indicadores de desempenho a nível escolar (Gherghina et al., 2009). 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS A gestão pública universitária trata dos procedimentos de gestão em uma organização de ensino superior do âmbito público, a qual incide aspectos administrativos e acadêmicos. Assim, com este estudo acredita-se que pode-se promover melhorias na gestão pública universitária através da adoção de inovação em processos, da qualificação do corpo de funcionários e da melhoria do sistema de avaliação de desempenho, incluindo a criação de manuais e fluxogramas para descrever o trabalho. Assim, é possível reconhecer a necessidade de se adotar uma nova gestão pública, a fim de que os processos acadêmicos e administrativos possam ser melhor mensurados no que se refere ao desempenho, além de direcionar as práticas para a obtenção de melhores resultados. Em relação aos resultados do estudo e de algumas limitações, descreve-se que tal estudo é do tipo teórico, e que o mesmo será desenvolvido direcionando-o a uma pesquisa empírica. REFERENCIAS Barzelay, M. (2000). The new public management: a bibliographical essay for Latin American (and other) scholars. International Public Management Journal, 3(2), 229– 265. Bächtold, Ciro (2008). Noções de Administração pública. 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O ponto principal centraliza-se no Princípio do Poluidor-Pagador e sua aplicabilidade no Protocolo de Kyoto. Discute-se, ainda, se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo disposto no referido Protocolo é um instrumento que prevê a proteção do meio ambiente ou se ele promove a compra do direito de poluir. Este estudo analisa a responsabilidade dos países industrializados e em desenvolvimento, no que tange a proteção do meio ambiente natural, em relação aos gases de efeito estufa que provocam a destruição da camada de ozônio. ABSTRACT This article discusses theme that gained worldwide prominence in recent years: the warming of the planet. The discussion takes place about climate change in international environmental law. The main point centers on the Polluter Pays Principle and it's applicability in the Kyoto Protocol. It is argued, even if the Clean Development Mechanism provisions in the Protocol is an instrument that provides for the protection of the environment or if it promotes buying the right to pollute. This study examines the responsibility of developed and developing countries, regarding the protection of the natural environment, in relation to greenhouse gases that cause the destruction of the ozone. Palavras-chave: Protocolo de Kyoto. Commodities Ambientais. Princípio do Poluidor-Pagador. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. SUMARIO: Introdução. 2.Protocolo de Kyoto. 3 Mecanismos de Flexibilização. 3.1 Comércio de emissões – CE. 3.2 Implementação conjunta – IC.3.3 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL . 4. Commodities ambientais/créditos de carbono. 4.1 Sequestro de Carbono. 5 Principio do Poluidor Pagador. 5.1 O princípio do Poluidor-Pagador permite pagar para poluir? . 5.2 Aplicação do princípio do Poluidor-Pagador no Protocolo de Kyoto. 6 Considerações. Referências. _____________________________________ 1 Especialista em Direito Público (Faculdade Maurício de Nassau), Bacharel em Direito (Faculdade Mauricio de Nassau). [email protected] 34 INTRODUÇÃO O estudo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas sim de levar a uma maior reflexão sobre a relação entre o Princípio do Poluidor-Pagador e sua função no Protocolo de Kyoto, tendo em vista a necessidade de proteção do meio ambiente natural contra as agressões provocadas pelo homem. Pretende-se, ainda, rever alguns conceitos correlacionados a importância de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O aquecimento global provocado por gases poluentes, que ocasionam o efeito estufa, tem dificultado a recuperação do meio ambiente degradado. A natureza como titular de bem jurídico deve ser objeto de proteção independentemente de sua relevância econômica para a humanidade. Até recentemente, a exploração desmedida dos recursos naturais tinha como justificativa o desenvolvimento tecnológico e industrial, e, não se pensava que esses recursos poderiam sofrer mudanças que repercutissem em todo ecossistema. Atualmente, diante da realidade que se apresenta, todos ou quase todos estão se preocupando com o futuro do planeta. Apesar dos grandes debates a respeito da proteção do meio ambiente natural e com o aumento constante da temperatura provocada pela poluição atmosférica ocasionada por lançamento de gases de efeito estufa, fez-se necessário instituir um tratado com compromissos e obrigações que determinasse aos países desenvolvidos e em desenvolvimento a redução de quantidade de poluentes despejados no ar. Surge, então, o Protocolo de Kyoto, o qual traz mecanismos de flexibilização que versam sobre os procedimentos adotados por países industrializados e em desenvolvimento para efetivarem a redução desses gases de efeito estufa, bem como, as responsabilidades imputadas àqueles que não cumprirem o que estiver disposto no mencionado instrumento. Responsabilizar o poluidor pelos danos causados ao meio ambiente, seja pela sua conduta lícita ou ilícita, está previsto num dos mais relevantes princípios do Direito Ambiental, o Princípio do Poluidor-Pagador, uma vez que, sua 35 função principal é obrigar ao degradador reparar o dano causado por sua atividade de risco. Neste princípio pode-se encontrar caráter preventivo e também repressivo, com o objetivo de evitar a ocorrência de danos ecológicos. Em meio a tantos questionamentos sobre a proteção do ecossistema, muitos estudiosos tentam analisar se a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador deve ser vista como mais uma forma de se evitar a destruição do meio ambiente natural. E é neste contexto que o presente estudo tentará demonstrar se este princípio permite ou não permite o direito de poluir. Assim, constitui-se que a hipótese deste estudo é a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador, no protocolo de Kyoto, como o meio de se evitar a destruição do meio ambiente natural. Discute-se, ainda, se o Princípio do Poluidor-Pagador permite pagar para poluir, bem como a função do Princípio do Poluidor-Pagador, assim como sua aplicação no Protocolo de Kyoto. Finalizando-se, são apresentadas as considerações finais demonstrando a compreensão sobre o tema estudado. 2 PROTOCOLO DE KYOTO No ano de 1992, na Conferência do Rio – ECO/92, foi aberta para assinatura a primeira medida internacional para tratar do aquecimento do clima no planeta, trata-se da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que teve por objetivo, segundo previsão do seu art. 2º, alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impedisse uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. (BARBOSA; OLIVEIRA, 2006). A referida Convenção assevera que devido à ocorrência de alterações no clima, no que se refere ao aumento da temperatura, faz-se oportuna e necessária à ajuda mútua entre nações, porém de modo distinto, para reduzir os danos ambientais causados pela mudança climática. Esta distinção de responsabilidades está vinculada aos países industrializados e em desenvolvimento e que está prevista no art. 3º desta Convenção-Quadro, tendo em vista que, neste artigo 36 dispõe que os países industrializados são os principais responsáveis pelo lançamento dos gases poluentes na atmosfera. Os principais gases poluentes que provocam o efeito estufa e consequentemente o aquecimento do planeta terra, no entendimento de MACHADO (2007), são: CO2 (dióxido de Carbono, CH4 (metano), N2O (Óxido Nitroso), NFCs (Hidrofluorcarbonos), PFCs (Perflourcarbonos), SF6 (Hexafluoreto de Enxofre). Segundo Ana Maria Nusdeo (2005, p.149), “[...] embora o efeito estufa seja o responsável pelos recentes exemplos de desequilíbrio climático, é sua intensificação que é problemática, uma vez que se trata de um fenômeno natural e essencial à vida na Terra, pois permite a retenção de calor na atmosfera”. As discussões a respeito do aquecimento global continuaram, e em 1997, em Kyoto, no Japão, os países desenvolvidos e em desenvolvimento, aprovaram o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, o qual traz mecanismos que auxiliarão no combate ao lançamento dos gases considerados poluentes e formas para reparar o meio ambiente das agressões sofridas e também quantificar metas de redução da emissão desses gases. Conforme estudo de MACHADO (2007), o Protocolo de Kyoto teve origem na terceira Conferência das Partes-COP (órgão supremo da Convenção do Clima), em conformidade com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em Nova York, em 9 de maio de 1992. Num primeiro momento, cerca de cento e setenta e cinco países assinaram o Protocolo de Kyoto. No entanto, os Estados Unidos, um dos maiores responsáveis pela poluição do planeta, não ratificaram o Tratado, seguidos do Canadá e da Austrália, alegaram que as medidas tomadas naquele documento iriam estagnar sua economia e ainda previa apenas que os países ricos fossem os únicos obrigados a reduzir as emissões de gases poluentes, enquanto que países em desenvolvimento não assumiam qualquer obrigação a este respeito. De certa forma há fundamento no posicionamento desses países, uma vez que a emissão de gases de efeito estufa não se dá apenas pelo desenvolvimento de um dado país ou pelos lançamentos de poluentes no ar por 37 atividades industriais e por produção energética. Cumpre esclarecer que esta liberação de gases de efeito estufa ocorre também pelas queimadas, desmatamento e entre outras formas de degradação do meio ambiente. O Protocolo de Kyoto nasceu da necessidade de por freios aos excessos e ao uso indiscriminado dos recursos naturais existentes neste planeta, reconhecendo que todos os países têm obrigações para com o meio ambiente natural e sua proteção e somente um esforço conjunto será capaz de deter a destruição do Planeta. Entende-se que os países ricos, aqueles que vêm auferindo maiores benefícios econômicos, têm condições financeiras para promover a redução desses gases em pelos menos 5% (cinco por cento) dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012. Enquanto que, os países em via de desenvolvimento têm direito de promover o seu crescimento sócio-econômico de modo sustentável, não sendo necessário impor-lhes redução de emissão dos gases considerados poluentes. 3 MECANISMOS DE FLEXIBILIZAÇÃO Quando da elaboração do Protocolo de Kyoto, diversos assuntos foram discutidos, desde as responsabilidades de cada Estado em cumprir as metas impostas, até os mecanismos de flexibilização para facilitar o cumprimento destas. Além do compromisso para redução da emissão de gases previsto no art. 3º do Protocolo de Kyoto, o art. 10 do mesmo Instrumento dispõe que a responsabilidade dos países em desenvolvimento é reduzir a emissão de poluentes. Os mecanismos de flexibilização são arranjos que facilitam que os países determinados no Protocolo possam atingir limites e metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Tais instrumentos também têm o propósito de incentivar os países emergentes a alcançar um modelo de desenvolvimento sustentável. Três são os mecanismos que permitem aos Países, que não conseguirem atingir as metas de redução da emissão de gases nocivos, poluir além 38 dos limites impostos: Comércio de emissões – CE; Implementação conjunto – IC; e Mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL. 3.1 Comércio de emissões – CE O art.17 do Protocolo de Kyoto prevê o comércio de emissões de gases, o qual estabelece o mercado de créditos de carbono pelos países industrializados. O Comércio Internacional de Emissões é admitido quando ultrapassado o nível de emissão fixado para cada país. Cada Estado terá cotas de emissão, porém se um determinado país poluir menos do que lhe foi imposto, este poderá comercializar o que sobrou com outro país que não conseguiu atingir a meta de redução que lhe foi determinada. No entanto, constata-se que muitos países ricos não fazem o mínimo esforço para cumprir o compromisso de redução de emissão de gases poluentes, pois lhes é mais vantajoso comprar cotas que permitem poluir de outros países, do que promover efetivamente a redução dos poluentes lançados no ar. Neste sentido, observa-se que, para os países desenvolvidos é mais lucrativo poluir e degradar o meio ambiente natural do que reduzir os gases de efeito estufa. 3.2 Implementação conjunta – IC Este mecanismo de flexibilização é mais um mecanismo imposto apenas aos países desenvolvidos. A implementação conjunta tem por finalidade permitir que estes países industrializados e que estejam compromissados com a redução da emissão de gases de efeito estufa, possam financiar projetos de redução da emissão de gases antrópicos em outros países que façam parte do mesmo grupo. Por se tratar de um acordo entre países comprometidos neste mecanismo, os países em desenvolvimento não estão incluídos e não tem qualquer obrigação em financiar projetos de redução de poluentes em outros países. Destarte, este mecanismo de flexibilização prevê acordos de caráter 39 bilateral entre governos, pois uma vez estabelecido possibilitará que os países industrializados possam investir em projetos de redução de gases de efeito estufa em outros países desenvolvidos. 3.3 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL O MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, disposto no art. 12 do Protocolo de Kyoto, é considerado um dos mais importantes, uma vez que ele se volta a investimentos que possibilitem a redução de poluentes por todos os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento, vez que a poluição provocada pelos gases de efeito estufa ultrapassa fronteiras. Este mecanismo surge como mais uma forma de escolha apresentada pelo Protocolo de Kyoto aos países desenvolvidos com o objetivo de fomentar e financiar projetos de redução de emissões em países em via de desenvolvimento que não possuem quaisquer obrigações de evitar, ou até mesmo cortar emissões de gases antrópicos com o fim de obter tecnologias limpas e renováveis. O instrumento consiste na certificação de projetos de redução de emissão de poluentes que provoca o efeito estufa, ou no sequestro dos gases antrópicos, possibilitando o comércio de créditos de carbono que podem ser utilizados nos países desenvolvidos. No entendimento de Rodrigues (2003), o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo prevê a possibilidade dos países em desenvolvimento obterem lucros financeiros com a venda dos seus certificados adquiridos com a redução dos GEE, para os países desenvolvidos que pretendam continuar poluindo o meio ambiente com a emissão desses gases. Estabelece, ainda, que aqueles países promovam a manutenção das florestas, assim como o plantio de novas árvores com o financiamento dos países industrializados. Barbosa et all (2006), enfatiza que os países industrializados, tiveram garantido o cumprimento das obrigações impostas no Protocolo de Kyoto sem que modificassem seus projetos de desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, compensando a poluição causada utilizando-se de certificados de redução de 40 carbono adquiridos por meio de financiamento de projetos implantados em países em desenvolvimento como forma para continuarem poluindo ou aumentando os níveis da poluição. Assim, entende-se que o MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo corresponde a desenvolvimento de projetos ambientais financiados pelos países desenvolvidos nos países em desenvolvimento, ambos integrantes do Protocolo de Kyoto, tornando-se, no entanto, um negócio jurídico bastante promissor aos países industrializados. À medida que países desenvolvidos promovam projetos de redução em países em desenvolvimento e obtenham a efetiva redução dos gases poluentes, terão como bônus Certificados de Emissões pela redução promovida que poderão ser negociados em Bolsas de Valores. Tais certificados lhes darão o direito de quitar seus compromissos assumidos no Protocolo. 4. COMMODITIES AMBIENTAIS/CRÉDITOS DE CARBONO Commodities ambientais são produtos que podem ser vendidos em âmbito internacional nas Bolsas de Valores, transformando-se em dinheiro com grande velocidade no mundo todo. A partir do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, com a comercialização dos créditos de carbono (certificados que permitem o direito de poluir), os recursos naturais foram incluídos como mercadorias passíveis de negociação. Neste contexto Amyra El Khalili (2003), argumenta que: “[...] é um absurdo afirmar que poluição seja mercadoria e chamá-la de commodity ambiental é uma contradição”. No comércio de compra e venda de certificado de emissões é atribuído a cada tonelada de CO2-Dióxido de Carbono o direito a um crédito de carbono àquele que conseguir a redução deste gás. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpos deve ser configurado como Commodities Ambientais, uma vez que esta é passível de comercialização por considerar os recursos naturais bens indisponíveis necessários a sobrevivência da humanidade, como se mercadorias fossem, pois permite o direito de poluir com a 41 venda de certificados de créditos de carbono, transformando-se, assim, em mais uma fonte de lucro para as grandes empresas e investidores. Se por um lado, os créditos podem ser comprados por empresas que não conseguiram a redução da emissão dos gases poluentes, permitindo que elas mantenham ou aumentem a emissão desses gases, por outro lado, outras espresas que conseguiram reduzir a emissão desses gases, que provocam o aquecimento do clima, poderão auferir lucro com a venda dos créditos de carbono. 4.1 Sequestro de Carbono O Protocolo previu no seu art. 12, a criação de sumidouros, também conhecidos como sequestradores de carbono, instituído com a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL. Este processo se dá por meio do plantio de árvores/reflorestamento e pela manutenção das florestas, uma vez que a preservação do verde promove a captura de carbono e consequentemente reduz a quantidade de gases poluentes despejados na atmosfera. O sequestro de carbono pode ser considerado como um investimento na preservação das florestas, assim como, no reflorestamento, pois possibilitará a captação dos gases de efeito estufa que provocam a destruição da camada de ozônio, provocando, desse modo, a redução dos gases poluentes no ar. 5 PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR O princípio do poluidor-pagador é um dos princípios do direito ambiental que impõe a obrigação de reparar o meio ambiente danificado por aquele que lucra com sua atividade econômica, determinado, assim, a recuperar o ecossistema para que o mesmo volte ao status quo ante ou pagamento de indenização em dinheiro, caso esta reparação não seja possível. Deve, também, esse agente efetuar a internalização das externalidades ambientais negativas. A criação do Princípio do Poluidor-Pagador teve por finalidade instituir regras e medidas que coíbam a pratica de agressões contra o meio ambiente 42 natural, especialmente àqueles agentes que lucram economicamente, preocupando-se com o desenvolvimento sustentável. Segundo argumentos de Antunes (2008, p. 23), o princípio do Poluidor-Pagador é um instrumento que: “[...] não pretende recuperar um bem ambiental lesado, mas estabelecer um mecanismo econômico que impeça o desperdício de recursos ambientais, impondo-lhes preços compatíveis a realidade”. O Princípio do Poluidor-Pagador não deseja suportar o prejuízo causado ao ecossistema mediante indenização, mas evitar que o dano ambiental ocorra. Aquele que polui deve arcar pelos danos causados e criar condições que favoreça que o meio ambiente degradado retorne ao seu estágio anterior. No entendimento de Benjamim (1993, p.229), “o objetivo do Princípio do Poluidor-Pagador é fazer com que os cistos das medidas de proteção do meio ambiente –as externalidades ambientais – repercutam nos custos finais de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora”. Atualmente, questiona-se se o princípio do poluidor-pagador é instrumento que impõe limites ao poluidor responsabilizando-o e imputando-lhe sanção pelo ato de poluir, ou se é um instrumento que autoriza a poluição, ou seja, permita ao poluidor a compra do direito de poluir? O Princípio do Poluidor-Pagador tem por finalidade inibir as ações dos poluidores que lucram com suas atividades de risco, além de responsabilizá-los pelos danos causados ao meio ambiente, assim como prevenir e reparar a degradação provocada ao sistema ecológico. Não se deve considerá-lo como um instrumento que permite ao poluidor comprar o direito de poluir. (COLOMBO, 2014) Assim, entende-se que o Princípio do Poluidor-Pagador tem uma correlação direta com o princípio da prevenção e o princípio da reparação. O princípio da prevenção está voltado às medidas eficazes para evitar o dano ambiental, preservado o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, enquanto que o princípio da reparação tem como fim específico à recuperação do o ambiente degradado, fazendo-o retornar ao status quo ante, e obrigando o agressor a arcar pelos danos provocados, ou não sendo possível a recuperação lhe será imputado o pagamento de indenização em dinheiro. 43 5.1 O princípio do Poluidor-Pagador permite pagar para poluir? Correntes doutrinárias divergem quanto à função do Princípio do Poluidor-Pagador- PPP. Questionam se este Princípio permite pagar para poluir. A corrente predominante, defendida pela maioria dos autores, acredita que este princípio em nada permite pagar para poluir, uma vez que sua finalidade precípua é obrigar ao degradador suportar os custos essenciais para a prevenção e precaução dos danos ecológicos, bem como promover a reparação da lesão ambiental, caso ocorra. Na visão de MILARÉ (2007, p. 771), com o PPP: “Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico”. “A ideia do Princípio do Poluidor-Pagador-PPP é diversa da ideia da permissão de poluir[...]. Ele procura implementar medidas preventivas e curativas e não conceder, a quem paga, uma permissão de poluir como aquela que é baseada no mercado de carbono. (FUCHS, 2003, apud BARBOSA E OLIVEIRA, 2006, p.125). Uma segunda corrente, minoritária, defende que este princípio traz consigo o direito de poluir, pois o custo da indenização pela poluição encontra-se embutido em projetos empresarias em caso de lesão ao meio ambiente. Neste contexto, Martin (1990), ressalta que o Princípio do Poluidor-Pagador caracteriza-se como uma compra do direito de poluir. Permanece a inquietante pergunta: o Princípio do Poluidor-Pagador permite pagar para poluir? Necessário se faz esclarecer que a maioria dos autores acredita que este Princípio tem a tarefa de assegurar proteção ambiental antes da sua agressão, bem como argumentam que este instrumento só terá sua aplicação garantida quando os custos da reparação impostos ao poluidor pelo dano causado desestimularem a degradação ambiental. 5.2 Aplicação do princípio do poluidor-pagador no protocolo de 44 kyoto Com a instituição do Protocolo de Kyoto, foi reafirmado que todos os países teriam responsabilidade de proteger o meio ambiente. Esta responsabilidade estava fundamentada na redução das emissões de gases de efeito estufa que provoca o aquecimento climático. Apesar de haver distinção de responsabilidades entre os países industrializados e ricos dos países em desenvolvimento, o referido instrumento prevê para os países industrializados a responsabilidade da redução desses gases, uma vez que eles são os maiores poluidores do planeta, e em relação aos países em desenvolvimento não foi imputada qualquer obrigação pelo simples fato desses países emitirem pouca quantidade de gases por pessoa. Com a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador o que se deseja é que o dano seja evitado e o degradador seja estimulado a não poluir, caso o dano ocorra a responsabilidade do agente poluidor será objetiva, independente de culpa. No entanto, quando se trata do MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, este é considerado um mecanismo que objetiva favorecer o capitalismo atuante, favorecendo a compra e venda de certificados de redução de emissão por empresas que não conseguirem internalizar os custos da poluição, ou seja, reduzir a emissão de gases poluentes. Neste contexto, Rodrigues (2003) faz severas críticas ao afirmar que o MDL não é um instrumento do Princípio do Poluidor-Pagador, nada tem de protecionista, uma vez que seu interesse maior é meramente econômico, e se realmente houvesse entre eles alguma correlação haveria efetivamente a responsabilização dos países industrializados sem qualquer benefício; proibia-se a utilização de matrizes de energia responsáveis pela emissão de gases poluentes; e compensação aos países em desenvolvimento por manter um mínimo de sustentabilidade sem garantir-lhes quaisquer bônus (recompensa). Dessa forma, e diante de tudo o que foi exposto, o MDL - Mecanismo de Desenvolvimento não encontra respaldo no Princípio do Poluidor-Pagador, pois cada função distinta. O primeiro configura-se como um mecanismo de permissão as 45 empresas para comprarem o direito de poluir. O Segundo, enquadra-se como um instrumento que impõe obrigações aos poluidores quando os responsabilizam a preservar e reparar os danos ambientais provocados pelas suas atividades de risco. 3 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES As conferências e os movimentos sociais a favor da proteção e preservação do meio ambiente demonstram a grande preocupação do homem de cuidar do seu habitat. É certo que, devido as grandes quantidades de poluentes lançados na atmosfera, principalmente de gases de efeito estufa, cientificamente já foi comprovado que o aquecimento global provocará danos irreversíveis ao planeta Terra. A criação do Protocolo de Kyoto é considerada um grande avanço para a proteção desses recursos naturais, muito se discutiu a respeito, principalmente no que tange sobre a responsabilização dos países industrializados. A luz do que foi apontado sobre o MDL, constata-se que os países ricos encontraram uma forma de permanecer poluindo e desequilibrando o meio ambiente quando transferem suas responsabilidades aos países em desenvolvimento e mais, formando a partir da comercialização de créditos de carbono uma fonte maior de degradação ambiental, quando compram o direito de continuar poluindo. O fato deste comércio girar em torno da troca de certificados por dinheiro, acredita-se que as commodities ambientais não propiciará nenhum benefício ao meio ambiente, visto que não se pode considerar a poluição como um simples negócio, ou melhor, como mercadoria negociável, ela deve ser tratada como uma questão de saúde pública mundial, devendo ser controlada por uma questão de sobrevivência da espécie humana e das demais espécies encontradas neste Planeta. No que tange ao Princípio do Poluidor-Pagador, este pode ser considerado o mais importante princípio do Direito Ambiental Internacional, pois sua função precípua é o da proteção e reparação do meio ambiente, ele traz consigo 46 meios de coibir as práticas de degradação ambiental, imputando ao poluidor sanções caso venham a agredir o ecossistema causando dano ecológico. Aqui, o Estado não assume o ônus de reparar o dano, transferindo, no entanto, essa responsabilidade ao agente poluidor, obrigando-o a arcar com os custos da poluição por ele provocada. Entende-se que esse instrumento denominado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, entra em choque com o Princípio do Poluidor-Pagador, este tão defendido pela maiorias dos doutrinadores, como um princípio que tem caráter preventivo e repressivo, uma vez que sua função primordial é preservar o meio ambiente, imputando ao poluidor a reparação pelo dano causado e o obrigando a internalizar as externalidades negativas com o fim de evitar a degradação ambiental. Este princípio não confere ao poluidor autorização de poluir, embora exista sempre a possibilidade de alguns empresários incluir no custo dos projetos o valor da possível indenização que teriam que pagar no caso de degradação ambiental. Diante dessa possibilidade dos empresários agregarem aos seus projetos os custos do valor da indenização que terão que pagar pela lesão causada ao ecossistema, percebe-se, no entanto, que o Princípio do Poluidor-Pagador passa a ideia falsa de um princípio que se volta a proteger e reparar o meio ambiente, pois o que se vê na prática é que as questões financeiras têm maior relevância para a economia do Estado do que a preservação da natureza. Neste contexto, chega-se à conclusão de que o Princípio do Poluidor-Pagador resume-se numa autorização da compra do direito de poluir, tendo em vista que, por questões econômicas os degradadores ambientais na medida que arcam com os custos da poluição acreditam que esta se resume numa simples questão de pagamento e acabam utilizando-se desta situação, uma vez que o Estado os autorizam a exercerem suas atividades de risco (econômica), para argumentarem que: “pago, logo tenho o direito de poluir, ou melhor poluo mas pago”. O ideal é que se busque meios eficazes para evitar que a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador seja utilizado de maneira a não beneficiar àqueles 47 que visam apenas um ganho econômico, com ficou evidenciado, na última Conferência em Copenhague, Dinamarca, COP – 15, onde, principalmente, os países desenvolvidos não chegaram a um consenso para diminuir a emissão dos gases poluentes no meio ambiente, gerando, assim, enormes frustrações àqueles que esperavam um desfecho promissor. REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. BARBOSA, Rangel; OLIVEIRA, Patrícia. O direito por um planeta verde: o princípio do poluidor-pagador no protocolo de Quioto. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 44, ano 11, 2006. BENJAMIN, Antonio Herman. Dano ambiental, preservação, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. COLOMBO, Silvana. Aspectos conceituais do princípio do poluidor-pagador. Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande do Sul: Rev. Eletrônica. Mestr. Educ. Ambient.ISSN. 1517.1256, v.13, 2004. Disponível em : http://www.remea.furg.br/edicoes/vol13/art2.pdf. Acesso em: 02 maio.2014. Instituto Carbono Brasil. Disponível em: <http://www.institutocarbonobrasil.org.br/mercado_de_carbono/protocolo_de_quiot o>Acesso em: 25 jun.2014 JAPÃO. Decreto legislativo n. 144, de 20 de junho de 2002. Protocolo de Quioto à convenção-quadro das Nações Unidas sobre mudança do clima. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_quioto1.php>. Acesso em: 05 dez. 2008. KHALILI, Amyra El. O que são créditos de carbono? Revista Eco 21, n. 74, ano XII, 2003. Disponível em: http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./noticias/index.php3&con teudo=./noticias/amyra/creditos.html> Acesso em: 21 mai. 2008. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012. MARTIN, Gilles. Direito do ambiente e dano ecológico. Revista crítica de ciência sociais. Coimbra, v.3, 1990. 48 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento sustentável do Brasil e o protocolo de quieto. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 37, ano 10, 2005 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Protocolo de kyoto e mecanismo de desenvolvimento limpo: uma análise jurídico-ambiental. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO PÚBLICO, 2003, São Paulo. Anais... São Paulo, 2003. Disponível em:<http://www.aprodab.org.br/biblioteca/doutrina/mar01.doc>. Acesso em: 13 abr. 2008. 49 A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM EDUCAÇÃO FISICA E OS ESPORTES DE AVENTURA: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES André José Costa Santos1 Camila de Jesus Barreto1 Yago Santos Pereira Gomes 1 Temístocles Damasceno Silva 2 RESUMO O presente estudo trata-se de um relato de experiência sobre as vivências proporcionadas por uma aula de campo da disciplina Recreação e Lazer do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, realizada no município de Itacaré, situado na Costa do Cacau, sul do estado da Bahia. Desta forma, tal vivência permitiu refletir sobre as possibilidades e limitações dos esportes de aventura, no que tange: a compreensão das regras, os equipamentos necessários e a logística que envolve a prática. Vale destacar que os esportes vivenciados foram: o rafting, o rapel e o trekking. Neste contexto, verificou-se o potencial natural da região para a prática de esportes de aventura, todavia, constatou-se a falta de conhecimento por parte dos discentes acerca da referida temática bem como a necessidade de capacitação dos profissionais que atuam com esportes de aventura na região abordada, no intuito de possibilitar informações e conhecimentos sobre preservação do meio ambiente e equipamentos de segurança de uso pessoal. Por fim, concluiu-se que os cursos de formação em Educação Física precisam repensar o processo de formação de seus respectivos discentes, levando-se em consideração as diversas áreas de atuação, em especial o lazer e os esportes de aventura. Palavras-chave: Formação. Educação Física. Esporte de Aventura. 1. Discentes do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Membros do grupo de pesquisa Corporhis – Corpo, História e Cultura / UESB. 2. Atualmente é discente do curso de mestrado em Desenvolvimento regional e urbano da Universidade de Salvador (Unifacs/BA) e faz parte do corpo docente do curso de licenciatura plena em Educação Fisica/UESB. Pesquisador do grupo de pesquisa Corporhis – Corpo, História e Cultura / UESB. 50 ABSTRACT This study it is an experience report about the experiences provided by a class field of discipline of Recreation and Leisure degree course in Physical Education from the State University of Southwest Bahia - UESB conducted in the city of Itacaré, located in Cocoa Coast, south of Bahia state. Thus, this experience allowed reflect on the possibilities and limitations of adventure sports, regarding: the understanding of the rules, the necessary equipment and logistics which involves the practice. Note that the experienced sports were: rafting, rappelling and trekking. In this context, we found the natural potential of the region for the practice of adventure sports, however, there was a lack of knowledge among students about the thematic as well as the need for training of professionals working with adventure sports addressed in the region, in order to provide information and knowledge about environmental preservation and safety equipment for personal use. Finally, it was concluded that the training courses in physical education need to rethink the process of training their students, taking into account the various areas, particularly leisure and adventure sports. Keywords: Training. Physical education. Adventure Sports. INTRODUÇÃO Pensar a formação profissional do discente de Educação Física, levando-se em consideração as diversas áreas de atuação, se apresenta como uma ação desafiadora. No que diz respeito aos esportes de aventura na natureza, Marinho e Schwartz (2005, p. 03) evidenciam a necessidade: “dos cursos de formação nessas áreas redimensionarem seus enfoques e conteúdos, no sentido de priorizar a sensibilização necessária para se tornarem multiplicadores desses novos valores”. Neste contexto, o município de Itacaré, situado na Costa do Cacau, sul do estado da Bahia é bastante conhecido pelas belas praias, cachoeiras, mata atlântica preservada, rios e manguezais, tendo como principal fonte de economia o turismo, tornando-se assim um cenário perfeito para a prática de diversos esportes de aventura, tais como: rafting, tirolesa, arvorismo, slackline, rapel, trekking, entre outros (ITACARÉ, 2014). Todavia, após buscar em bancos de dados, constatou-se que existem poucas experiências relacionadas à exploração deste espaço, enquanto ferramenta de aprendizagem no que diz respeito ao processo de formação dos estudantes de Educação Física, a partir do componente curricular 51 lazer. Logo, este estudo justifica-se pela necessidade de ampliação do conhecimento dos referidos discentes sobre a temática abordada bem como a possibilidade de refletir sobre o papel dos profissionais que atuam nesta área. Além disso, esta pesquisa poderá proporcionar o reconhecimento do potencial da região enquanto ambiente de aprendizagem do esporte de aventura. Sendo assim, a pesquisa trata-se de um relato de experiência sobre uma aula de campo proporcionada pela disciplina recreação e lazer, do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB Campus de Jequié-BA. Logo, Dyniewicz (2007, p. 117) evidencia que os relatos de experiência podem: “ser definidos como uma metodologia de observação sistemática da realidade, sem o objetivo de testar hipóteses, mas estabelecendo correlações entre achados dessa realidade e bases teóricas pertinentes”. Sendo assim, tal ação permitiu aos discentes terem acesso as possibilidades e limitações dos esportes de aventura, mais precisamente o rapel, o rafting e o trekking. Nesta lógica, o principal intuito da ação foi possibilitar o acesso ao conhecimento sobre tais atividades, no que tange: o papel dos agentes envolvidos na ação, a compreensão das regras de tais esportes, bem como os equipamentos necessários a execução dos referidos esportes. BREVE REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA Ter acesso aos diversos campos de atuação que a Educação Física proporciona durante o período de formação dos estudantes torna-se de suma importância para a práxis pedagógica dos futuros profissionais desta área. Logo tal ação permite a estes indivíduos a ampliação do conhecimento especifico sobre os diversos ramos de atuação da área, possibilitando a formação de um olhar crítico sobre as diferentes temáticas abordadas, tendo, portanto, condições para identificar os problemas recorrentes em sua atuação. Desta forma, para Ghilardi (1998): A Universidade tem como uma de suas principais funções a formação de recursos humanos que vão possibilitar o atendimento às necessidades da 52 sociedade em alguma área específica. Isto quer dizer que a sociedade demanda diferentes tipos de serviços, cada qual com o seu grau de especificidade, e o profissional deve, fundamentado num conhecimento específico a respeito deste serviço, oferecer programas e projetos que possam solucionar problemas existentes (P. 04). Além disso, Okuma (1996 apud GHILARD, l998): [...] aponta uma outra visão a respeito das vivências práticas num curso de formação profissional em Educação Física. Ela nos apresenta que tão importante quanto a aquisição de conhecimento, são as vivências práticas a medida que tais vivências forneçam subsídios necessários para que o graduando aprenda a lidar com pessoas e possa conduzir sua ação profissional num nível de excelência. (P. 7) Em consoante, se faz necessário ressaltar a importância desta vivência para os estudantes da referida área, já que o objeto de estudo deste ofício, são as diferentes manifestações e expressões do conhecimento corporal do movimento humano, como aponta Bracht (2003) em seus estudos sobre as concepções da Educação Física. Neste sentido, o autor constatou que a característica do componente curricular abordado, deverá se relacionar, de forma objetiva, com a sua função social, remetendo-nos às práticas corporais que passam a ser compreendidas como formas de comunicação que constroem cultura e é inevitavelmente direcionada por ela. É notório, contudo, que a Universidade não dá conta da formação plena deste estudante no tempo estimado para sua formação, já que as demandas e conhecimentos nesta ocupação se apresentam de maneira diversa e líquida. Neste sentido, IVO; ILHA; KRUG (2009, p. 2105) afirmam que: “A prática pedagógica do professor passa, portanto a ser construída e reconstruída concomitantemente com as necessidades que se fazem presentes nos processos de ensino-aprendizagem”. Sendo assim, torna-se primordial a busca por uma formação complementar extracurricular, a qual poderá possibilitar a este individuo adquirir conhecimentos 53 que geralmente são ocultados pela grade curricular dos cursos de formação em Educação Física. Para IVO; ILHA; KRUG (2009, p. 2105): “É neste momento que surgem as mais variadas inquietudes na prática pedagógica do acadêmico, pois aqui ocorre o confronto direto entre teoria e prática”. Em contrapartida, Pérez Gómez (1992) sinaliza que o profissional preparado atua refletindo na ação, projetando uma nova realidade, através do diálogo que estabelece com essa realidade social. Neste sentido, no que se refere ao conteúdo relacionado aos esportes de aventura, Marinho e Schwartz (2005) ressaltam a possibilidade de inserção dessa temática no currículo dos cursos de Educação Física, haja vista que tais autoras baseiam-se no acentuado interesse das variadas instâncias (econômica, social, esportiva, etc.) para evidenciar a necessidade de profissionais qualificados e legalmente preparados para exercer tal função. Sendo assim, acredita-se que o docente universitário poderá utilizar a aula de campo como uma possível ferramenta pedagógica de acesso aos conteúdos relacionados aos esportes de aventura, todavia, se faz necessário para este estudo, uma ampliação sobre os conceitos que permeiam tal temática. BREVE REFLEXÃO SOBRE OS ESPORTES DE AVENTURA Ao pensar nas diversas possibilidades que o esporte de aventura pode oferecer aos seus praticantes, destacou-se para esta investigação a elucidação dos conceitos de três modalidades, sendo elas: o rafting, o rapel e o trekking. Logo, espera-se que esta reflexão possa subsidiar o dialogo com os dados que serão apresentados posteriormente, no intuito de aprofundar o olhar sobre o assunto. Neste contexto, o rafting se apresenta como um esporte de aventura praticado em rios que possuem corredeiras adequadas para tal exercício, utilizando-se de botes infláveis e equipamentos de segurança, tais como: capacete e colete salva-vidas. Em consoante, Schwartz e Carnicelli Filho (2005), apontam que este esporte: 54 (...) é praticado em corredeiras de rios com botes que comportam de seis a dez pessoas e que necessita da coordenação das remadas e do entendimento de todos os praticantes durante as quedas dos rios, para que se obtenha sucesso na atividade, acabando por promover sensações únicas de cooperação e trabalho em equipe, pois, a cada descida, as quedas do rio estão diferentes, seja pelo volume de água, seja pelo posicionamento do bote, tornando a aventura sempre cheia de surpresas. Logo, vale destacar a necessidade de utilização do remo para que a ação seja executada, exigindo uma sincronia de movimentos entre os integrantes e ao mesmo tempo possibilitando a garantia das manobras. Além disso, para Marinho (2008, p. 198) a amizade, a confiança, a cooperação e a afinidade ocorrem com frequência nessas práticas, dando a elas um significado singular. Nesta lógica, a prática do rafting, conforme Schwartz e Carnicelli Filho (2006, p. 106), pode: (...) promover diferentes sensações e emoções em seus praticantes, sejam estes experientes ou não, sendo que cada emoção associada a esta experiência, é capaz de desenvolver uma certa função no corpo humano, como, por exemplo, quando se sente medo, situação em que o corpo faz com que os músculos tenham certo tipo de reação e isso promove a preparação para o próximo movimento. Todavia, Marinho (2003 apud BAHIA E SAMPAIO, 2007 p. 183) relatam que: A popularização do termo “adrenalina”, desencadeada principalmente pela mídia, os sentimentos dos praticantes não estão totalmente definidos e outras sensações, como a satisfação, o relaxamento e o bemestar, são pouco registradas nos discursos de quem vivencia tais esportes. Neste sentido, percebe-se a necessidade de aprofundamento cientifico acerca da temática abordada para que se possa esclarecer diversas situações que permeiam a prática dos esportes de aventura, apropriando-se assim deste fenômeno a partir do conhecimento cientifico. 55 No que diz respeito ao rapel, tal atividade consiste na utilização de técnicas verticais para vencer obstáculos naturais como penhascos e paredões, sendo que, é muito utilizado por diversas atividades como escaladas, estudos espeleológicos e em resgate em montanhas, entre outros (NAZARI, 2004). Nesta perspectiva, o Brasil é considerado um país excelente, para pratica do rapel, pois oferece diversas possibilidades territoriais como cachoeiras, cavernas e montanhas. Sendo assim, Jesus (2003) revela que a variedade de paisagens e o clima ameno se inscrevem no rol de atrativos da natureza brasileira. Desta forma, Pimentel (2013) destaca que: Embora a aventura, como experiência subjetiva da busca de emoções frente ao inusitado, talvez seja uma constante antropológica, é na contemporaneidade que se experimenta uma diversificação de atividades de aventura, na perspectiva do lazer. Em tese, elas estão ligadas a sensações de risco e vertigem, exacerbações controladas das emoções e, em muitos casos, congraçamento com a natureza e com outras dimensões sensíveis, cuja busca de revalorização aponta para um diferencial dessas práticas em relação aos esportes convencionais. (p. 688) Logo, é importante ressaltar que a segurança se torna um fator primordial para a prática do rapel, por ser uma técnica que oferece riscos eminentes aos apreciadores. Nesta lógica, Mariano (2011, p. 18) revela que: “O rapel, por ser uma técnica que oferece riscos, só deve ser realizado tomando as devidas precauções de segurança, utilizando equipamentos específicos e inicialmente deve ser feito acompanhado de um instrutor experiente. Ao mesmo tempo, constata-se que: “A maior parte dos acidentes envolvendo altura ocorre por falha humana” (BOMBEIROS MILITARES, 2006). Em relação ao trekking, tais atividades são consideradas excelentes meios de contato com a natureza, sendo que, através delas pode-se ter um conhecimento maior sobre determinada localidade bem como sobre a fauna e a flora, todavia, se faz necessário que haja uma conscientização ecológica, no intuito de conservar os locais explorados. Assim, segundo Oliveira e Bloomfield 56 (1999, p.139) “a implantação de trilhas vem a contribuir para um melhor relacionamento da população local com os recursos naturais de sua região, tomando conhecimento de sua importância através de programas de educação ambiental”. Em contrapartida, Birkby (1997 apud DA SILVA MELLO, 2013) aponta que: A trilha é um recurso para execução de uma viagem entre pontos. É um termo comumente utilizado para as demarcações de trajetos em áreas naturais. A trilha também pode representar um recurso de proteção ao meio ambiente, ainda que nele haja uma pequena degradação. Mas, ao se concentrar na trilha, evita-se que outras áreas sejam trafegadas. Dessa forma, para que a trilha possa ser considerada uma boa estratégia de manejo no ambiente natural, sobretudo em áreas protegidas, é necessário que seja limitada em número e largura, assim como deve ser planejada em termos de acesso. (p. 07) Sendo assim, acredita-se que o esporte de aventura de maneira plena, se apresenta como um elemento da cultura corporal de movimento que possibilita ao seu praticante informações e conhecimentos sobre preservação do meio ambiente bem como um contato direto com a natureza. Entretanto, é necessário que os cursos de formação em Educação Física sejam construídos e reconstruídos a partir das demandas sociais presentes nos processos de ensino-aprendizagem, levando-se em consideração as diversas áreas de atuação, em especial o lazer e os esportes de aventura. ESPORTES DE AVENTURA EM ITACARÉ: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES. A aula de campo sobre esportes de aventura da disciplina recreação e lazer, do curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB (Campus de Jequié-BA) proporcionou vivências significativas acerca do fenômeno abordado. Desta forma, serão relatadas a seguir as possibilidades e limitações evidenciadas sobre tal ação. No primeiro momento os participantes da aula de campo deslocaram-se em destino ao distrito de Taboquinhas, pertencente ao município de Itacaré/BA. Logo, 57 ao chegar ao destino previsto, à recepção foi feita por uma empresa local (responsável pela execução das atividades), onde foram passadas as informações necessárias para a vivência do rafting, tais como: o uso dos equipamentos e a conduta durante a atividade. Em seguida, todos participantes vestiram os equipamentos de segurança necessários, mais especificamente: o capacete e o colete salva-vidas. Após as instruções, dividiu-se o grupo em três equipes, sendo que cada uma foi direcionada a botes diferentes. Vale ressaltar que as ações eram sempre orientadas por instrutores da empresa, sendo que tais informações foram extremamente necessárias para a segurança dos participantes, podendo perceber assim a importância destes profissionais para o desenvolvimento das atividades propostas. No decorrer do trajeto, ao longo do Rio de Contas, pode-se observar a beleza natural da região, além do intenso contato com a natureza, proporcionado pelo referido esporte. Ao descer as corredeiras, os grupos comemoravam com gritos de guerra escolhidos, antecipadamente, por cada “equipe”, sob orientação do instrutor presente no bote, o qual também apresentava curiosidades sobre o lugar e reforçava explicações de como seria a próxima descida, alertando sempre, sobre quais atitudes deveriam ser tomadas no caso de acidentes. Tais dados reforçam o pensamento de Schwartz e Carnicelli Filho (2005, p. 104), os quais afirmam que: Os guias também representam uma parte importante na vivência de situações emocionais, uma vez que orientam os praticantes a agirem nas diversas situações e a se posicionarem adequadamente para garantir a segurança de todos no barco. Com base, muitas vezes, no comando do guia, ou em sua forma de conduzir os participantes, estas emoções são modificadas em intensidade. Em consoante, realizou-se paradas para que os praticantes pudessem banhar-se nas águas do rio, sendo que em determinado momento da atividade, ocorreu o encontro de todos os grupos, para que daquele ponto os interessados pudessem caminhar até uma pedra de aproximadamente 8 metros, efetuando posteriormente saltos no rio. Além das questões emocionais e o aumento da 58 adrenalina, a atividade demonstrava a importância do coletividade e da sincronia das ações de cada indivíduo, para que o todo obtivesse êxito, consolidando assim a participação cooperativa. Nesta perspectiva, Schwartz e Carnicelli Filho (2005, p. 104) evidenciam que: Outra característica bastante atraente em relação ao “rafting” é sua pseudo-imprevisibilidade, decorrente das variações nas condições climáticas e nos rios, como salienta SOUSA (2004), sendo que isto, no olhar da autora, é que quebra a rotina e provoca o espírito aventureiro. Após a realização do rafting, os instrutores conduziram o grupo para outro destino, tendo como objetivo a vivência do rapel. Os participantes foram divididos em pequenos grupos, para que fosse realizada a travessia do rio de contas através de uma canoa, levando-se em consideração o difícil acesso ao local previsto para a execução da atividade. Nessa perspectiva, o rapel fora realizado em uma cachoeira, onde se teve pequenas instruções acerca do comportamento durante a descida. Vale ressaltar que a cachoeira onde ocorreu a execução da atividade possuía aproximadamente 19 metros de altura. Para a descida, foram utilizados equipamentos de segurança, tais como: Baudrier (cadeira necessária para a prática, mas que apresentava estado de conservação aparentemente inadequado), capacete, mosquetões e uma corda fixa cujo seu ponto de apoio era uma árvore. É importante destacar a beleza do local, além da bela vista contemplada do alto da cachoeira. Sendo assim, três instrutores coordenaram as vivências do rapel, sendo que: um instrutor realizava a descida junto com o participante, o outro instrutor ficava em cima da cachoeira dando suporte na verificação da corda e um terceiro instrutor ficava posicionado na chegada, sendo responsável pela corda de segurança do aluno. Desta forma, após a colocação dos equipamentos de segurança (Capacete, Baudrier e mosquetões), o instrutor responsável pela condução das atividades, utilizou como metodologia a orientação da descida da cachoeira até a metade do percurso, sendo que a outra metade seria concluída pelo participante, sem o auxilio do instrutor. Logo, os discentes ao perceberem 59 que terminariam a descida sem a presença do instrutor ficavam receosos, por se sentirem despreparados para tal ação. Vale destacar que um dos instrutores não utilizava equipamentos de proteção individual (EPI”s), creditando a sua segurança ao conhecimento empírico, arriscando assim sua própria vida para a realização da atividade. Neste contexto, de acordo com Marinho e Schwartz (2005, p. 04): “A natureza humana é bastante adepta aos desafios, porém estes, quando ultrapassam os limites da segurança e da organização [...] deixam de caracterizarse enquanto atividade lúdica.” Com isso, é possível verificar que tal negligência pode acarretar em acidentes oriundos da falta de equipamentos de segurança pessoal ou pela falta de avaliação da vida útil dos mesmos. Em relação ao trekking, tal atividade foi realizada com a ajuda de um discente que conhecia o percurso e o percurso delineado foi entre a Praia da Ribeira até a Prainha. Durante o trajeto, foi possível contemplar a beleza natural e deslumbrante do lugar, com a presença de vários riachos, cachoeiras e quedas d’água, percebendo assim, a grande riqueza hídrica do local. Ao caminhar por dentro da Mata, percebeu-se uma grande biodiversidade, o que tornou a caminhada ainda mais agradável, um ambiente perfeito para a prática de arvorismo, contudo, a falta de placas de informação e estrutura no que diz respeito à acessibilidade apresentaram-se como fatores limitantes de fruição desta atividade. Nesta lógica, tal dado vai de encontro ao pensamento de Costa (2012, p.1463), o qual aponta que: Para orientar os visitantes, deve-se classificar as trilhas quanto ao grau de dificuldade, assim estes podem saber quais as exigências psicológicas e físicas que lhe serão exigidas. No Manual do Curso de Condutor de Trilhas, a classificação é feita a partir do nível técnico dos turistas ao longo do trajeto e da intensidade da trilha. Neste contexto, o percurso dentro da Mata Atlântica durou cerca de 40 minutos, sendo que no decorrer do caminho, era possível encontrar pequenos comerciantes, que vendiam água de coco, suco, entre outras mercadorias. Logo, percebeu-se que o difícil acesso a mesma, possibilita a conservação da natureza 60 no referido ambiente, todavia, constatou-se a falta de estrutura no que diz respeito a indicadores das condições de banho no mar, nas praias contempladas pela trilha. Tal ação se torna indispensável para a segurança do banhista, principalmente aqueles que não conhecem e não estão habituados a freqüentá-la, além da ausência de banheiros, que é de suma importância para a preservação da higiene do local. Nesta lógica, Costa (2012) afirma que: O meio ambiente na maioria desses lugares é frágil e precisa ser conservado. Nessas áreas é possível e necessário elaborar projetos de limpeza e conservação. Deve ser evitado o impacto da poluição e da devastação das áreas. A proteção destes lugares depende do comportamento dos visitantes, da sinalização do local e da existência ou não de guias (P. 1463) Ainda assim, a experiência proporcionou um contato singular com o meioambiente, visto que as referidas vivências permitiram reflexões quanto à preservação e o respeito necessário para a convivência harmoniosa com o mesmo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após este estudo, pode-se verificar a possibilidade da ampliação do contato com a natureza bem como o acesso aos conhecimentos que permeiam o esporte de aventura. Além disso, pode-se frisar a oportunidade de adentrar em um campo pouco explorado pelo meio acadêmico. Neste contexto, é importante ressaltar que o saldo da experiência foi positivo, levando em consideração a contribuição das vivências para a formação dos futuros professores. Ao mesmo tempo, constatou-se que a aula de campo se apresenta como uma excelente ferramenta facilitadora do processo de ensinoaprendizagem, no que diz respeito à formação profissional em educação física e os esportes de aventura, haja vista que tal ação, possibilita de maneira lúdica, a compreensão das diversas variáveis que permeiam esta temática. 61 Contudo, não se pode ignorar a importância da qualificação dos profissionais que atuam no ramo dos esportes de aventura, haja vista que os mesmos precisam estar habilitados tecnicamente e psicologicamente para lidar com as diferentes situações possíveis na execução deste oficio. Sendo assim, este fator poderá garantir a segurança dos praticantes, respeitando os riscos que estas práticas expõem aos seus respectivos apreciadores. REFERÊNCIAS BAHIA, M. C.; SAMPAIO, T. M. V. Lazer – Meio Ambiente: em busca das atitudes vivenciadas nos esportes de aventura. 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Revista brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v.20, n.2, p.103-09, abr./jun. 2006 __________________________________. Guias de rafting: perfil e emoções. Revista Digital, Buenos Aires, Ano 10, N° 85, Junho de 2005. 64 UMA REFLEXÃO TEÓRICA DA GESTÃO INTEGRADA PÚBLICO/PRIVADA EM SALVADOR: PLANEJAMENTO TURÍSTICO Leandro Carvalho de Almeida Gouveia 1 RESUMO O Turismo é visto como grande vetor para o desenvolvimento socioeconômico e cultural em diversas cidades brasileiras, principalmente em Salvador, Bahia. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é identificar as possíveis contribuições de uma gestão turística integrada público/privada na cidade do Salvador, para compreender a realidade atual e a complexidade que o tema suscita. Para tanto, foram formulados alguns objetivos específicos: compreender os termos política, política pública e política de turismo, conhecer o papel do Estado na atividade turística, discutir a gestão integrada público/privada e identificar as principais características da gestão turística integrada pública/privado na cidade do Salvador. Do ponto de vista da metodologia, tratou-se de pesquisa bibliográfica e documental. Percebeu-se que o setor privado possui recursos financeiros e responde com velocidade às demandas do setor turístico, enquanto falta interesse coletivo, visão da gestão pública e regulamentação no setor público. Concluise que é imprescindível a discussão sobre a gestão pública e a gestão privada, para que se possam propor soluções viáveis para as demandas e problemas que comprometem o bom desenvolvimento do turismo no estado da Bahia. Palavras-chave: Turismo. Gestão pública. Gestão privada, planejamento turístico, políticas públicas. 1 INTRODUÇÃO No estado da Bahia, a atividade turística tornou-se uma via para o desenvolvimento da região. O modelo de desenvolvimento turístico implantado está atrelado a uma forte intervenção estatal e necessita de revisões, para possibilitar que as regiões e cidades 1 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS), Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social (FVC); Especialista em Metodologia do Ensino Superior (FAMTTIG); Bacharel em Turismo (FVC); Gestor de Negócios e Turismo (FAMETTIG) e Licenciado em Geografia (FACE). [email protected] 65 alcancem maior competitividade turística e possam contribuir de modo mais intenso para o desenvolvimento local (QUEIROZ, 2005). O comprometimento com as questões socioambientais tem distinguido a atividade turística, na forma como é desenvolvida na atualidade. A gestão turística tem o propósito de exigir resultados proficientes, em função do turismo ser uma atividade que envolve diferentes atores e é passível de modificações no meio ambiente. Desse modo, a gestão turística deve estar atenta para uma gestão democrática, que envolva o planejamento e a participação ativa de todos os atores envolvidos em seu desenvolvimento. Nesse sentido, o planejamento torna-se uma dimensão da gestão que deve ser observada, pelo fato da atividade turística envolver diversas questões e nuances. A competência administrativa surge nesse cenário justamente para exigir resultados proficientes e novos modelos de gestão que atendam às necessidades de uma intervenção social responsável e comprometida. Como se trata de atividade que envolve não só o privado como também, e principalmente, o público, as políticas públicas a ela atinentes devem buscar satisfazer ao interesse público e precisam ser direcionadas ao bem comum. No caso específico do turismo, a política envolve o conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas, objetivos e estratégias de desenvolvimento e promoção com o propósito de fornecer uma estrutura que possibilite o desenvolvimento turístico de um local ou região. No caso em foco, a atividade turística, a gestão pública, assim como a gestão privada, devem estar voltadas para o princípio da eficiência, ainda que seus objetivos sejam distintos, pois o fim é o mesmo: proporcionar lazer, cultura, conhecimento e entretenimento de forma integrada e sustentável (BIGNOTO, 1994). Assim, a gestão pública não deve restringir-se ao que está previsto em lei, e a gestão privada deve levar em consideração outros aspectos, além do lucro, e ultrapassar suas próprias limitações. Assim, entendemos que este estudo poderá contribuir com as discussões em torno dos aspectos que envolvem o turismo, que são ainda tímidas, ao colocar em foco as políticas públicas e de turismo, o papel do Estado no desenvolvimento do turismo, assim como a gestão pública e a gestão privada. Esperamos que os questionamentos colocados neste texto possam contribuir, entre outros aspectos, para elevar a competitividade do turismo baiano, levando tanto o segmento público quanto o privado a rever seu próprio papel. Salvador, capital do estado da Bahia é o objeto do presente estudo. Conhecida como a capital da alegria e um dos principais portões de entrada do turismo no Nordeste, a cidade enfrenta algumas dificuldades para o desenvolvimento do turismo. Por um bom tempo, a cidade ocupava o primeiro lugar no turismo receptivo no Nordeste e atualmente já foi ultrapassada por Fortaleza, capital do Ceará. Acredita-se que tais dificuldades estão fortemente vinculadas à gestão do turismo na cidade, tendo em vista que uma recente mudança de governo desatrelou a parceria Estado/Município. 66 O objetivo deste artigo é identificar as possíveis contribuições de uma gestão turística integrada público/privada na cidade do Salvador, para compreender a realidade atual e a complexidade que o tema suscita. Como objetivos específicos, pretendemos compreender os termos política, política pública e política de turismo, conhecer o papel do Estado na atividade turística, discutir a gestão integrada público/privada e identificar as principais características da gestão turística integrada pública/privado na cidade do Salvador. Do ponto de vista da metodologia que norteou o estudo, trata-se de pesquisa bibliográfica de natureza exploratória, a partir de uma abordagem quantitativa e qualitativa, juntamente com um questionário com 13 empresas e órgãos público e privado. O artigo apresenta três seções: na primeira, discutimos o termo política, política pública e política aplicada no turismo; na segunda, destacamos o papel do Estado no turismo; na terceira, tratamos da gestão integrada público/privada e na quarta e última seção, abordamos a cidade de Salvador como centro de desenvolvimento do turismo. 2 POLÍTICA, POLÍTICA PÚBLICA E POLÍTICA DE TURISMO Os termos política, política pública e política aplicada no turismo envolve duas questões básicas: O que se entende como política? Quais as diferenças entre política pública e política privada? Dias (2003, p. 121) apóia-se em Bobbio e Matteucci para explicar o uso do termo política: O termo política é comumente usado para indicar atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, tem como termo de referência a “polis”, ou seja, o Estado. Dessas atividades, o Estado por vezes é o sujeito, quando referidos à esfera da política atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc. Política, em sentido genérico, usualmente indica atividade relativa ao Estado, podendo também referir-se a atividades não estatais, em função de envolver leis, normas e exercício de poder. Azambuja (2008, p. 25) considera que o termo política apresenta cinco acepções: “[...] a primeira é de significação popular e comum; a quinta, científica; mas ambas estão muito próximas no sentido; as três outras são eruditas, aceitas por alguns escritores, conforme pontos de vista doutrinários ou empíricos.” Assim, enquanto alguns a entendem como ações, comportamentos e manobras de alguns homens (políticos) para conquistar o poder, outros, como Maquiavel, a entendem como a arte de conquistar, manter e exercer o poder e outros ainda, como a ciência moral 67 normativa do governo ou da sociedade civil ou estudo das relações em torno do poder (AZAMBUJA, 2008). Com efeito, o termo política pode adquirir várias acepções, a depender do contexto e da perspectiva de análise e de ação. Queremos crer que a gestão turística busca desenvolver uma política que ultrapasse a questão do poder e se preocupe com uma ação sustentável. Política pública, então, é a atividade executada pelo Estado. Em verdade, refere-se a ações que buscam satisfazer ao interesse público e têm que ser direcionadas ao bem comum. Podemos considerar a política pública como o conjunto de ações exclusivas do Estado e, portanto, entendê-la como tudo o que o governo pode ou não fazer. Para atender ao objetivo proposto de promover ações concatenadas visando o bem-estar social, a política pública no turismo deve observar uma série de pré-requisitos, como abordado a seguir. No turismo é muito importante que uma política pública tenha clareza sobre a concepção de turismo que defende, sobre qual a visão de desenvolvimento buscar e sobre quais são seus compromissos. Deve ainda ter como objetivo democratizar o bem público turístico, possibilitando que o lazer e a hospitalidade sejam acessíveis a todos visitantes e cidadãos, não apenas como uma potencialidade, mas como realidade, e que a sociedade organizada incida nessas definições. Para buscar e consolidar a democratização, as políticas públicas de turismo devem: ter normatizações jurídicas; realizar intervenções diretas na forma de linhas de financiamento, implantação de infraestrutura, gerenciamento de informações, treinamento e qualificação de recursos humanos e consolidar diretrizes políticas que não incentivem apenas o turismo nos seus desdobramentos econômicos, mas também nas suas implicações socioculturais centradas na pessoa, ou seja, no turista (GASTAL; MOESCH, 2007, p. 42 apud VIEIRA, 2009, p. 32). Deste modo, o papel que deve desempenhar o poder público não se restringe a uma ação isolada e restrita, mas se trata de uma ação com o dever de propor políticas para o setor, regulamentar na esfera jurídica e criar as condições de infraestrutura necessária para o empreendimento que se propõe. Assim, a política de turismo, de acordo com Goeldner, Ritchie e McIntosh (2002) apud Dias (2003, p. 105), deve ser entendida como: Um conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas, objetivos e estratégias de desenvolvimento e promoção que fornece uma estrutura na qual são tomadas as decisões coletivas e individuais que afetam diretamente o desenvolvimento turístico e as atividades diárias dentro de uma destinação. Ou seja, políticas de turismo devem propiciar a infraestrutura necessária para o bom desempenho das ações voltadas ao turismo. Deste modo, o termo política assume a acepção de ciência moral normativa do governo ou da sociedade civil, tal como entende Azambuja (2008). 68 Ao comentar sobre política de turismo, Beni (2003, p.177) argumenta: A política de turismo é a espinha dorsal do “formular” (planejamento), do “pensar” (plano), do “fazer” (projetos, programas, do “executar” preservação), conservação, utilização e ressignificação dos patrimônios natural e cultural e sua sustentabilidade, do “reprogramar” (estratégia) e do “fomentar” (investimentos e vendas) o desenvolvimento turístico de um país ou de uma região e seus produtos finais. Assim, percebe-se que a política de turismo, com base em uma visão ampla dos fatores e aspectos que estão implicados no processo, respaldada pelo planejamento e por estratégias, deve ser capaz de criar as condições de infraestrutura que promovam o desenvolvimento turístico de forma integrada. Na concepção de Beni (2003), qualquer política de turismo deve alicerçar-se em três elementos: cultural, social e econômico. Com respeito à questão cultural, todos os programas devem se condicionar à política de preservação do patrimônio cultural, artístico, histórico, documental e paisagístico natural do país. A propósito do aspecto social da política de turismo, ela deve envolver-se com as mesmas questões presentes na questão cultural, com a particularidade de abranger suas dimensões globais. O fator econômico faz parte do processo turístico, mas não é a sua principal finalidade. De acordo com Beni (2003, p. 179): A terceira condicionante é a econômica, pela qual, programas e projetos deverão ativar e dinamizar empreendimentos que atuam no setor, com amplo apoio ao comércio, hotelaria, produção especializada e artesanal, transportadores, agências de viagens e quaisquer outras iniciativas válidas no setor, privadas ou públicas. Serão procurados de todas as formas recursos necessários à promoção interna e externa, e investimentos de infraestrutura nos níveis municipal, estadual e federal. O benefício econômico terá que se fazer sentir nos resultados, interna e externamente, com ativação do produto nacional e com aumento de entrada de divisas. Beni (2003) sinaliza que compete aos órgãos institucionais públicos determinar prioridades, criar normas e administrar recursos. Assim sendo, diretrizes e facilidades serão prioridades do governo. Acerca das questões econômicas que envolvem turismo, o entendimento é de que algumas ações são imprescindíveis para o sucesso do turismo, dentre as quais destacamos: a) investimento em infraestrutura de apoio, ou seja, sinalização em pelo menos dois idiomas; b) realização de eventos, com divulgação institucional, buscando com isso um modo efetivo de reduzir a sazonalidade, gerando, por conseguinte, novas oportunidades de comercialização; c) definição de mercados prioritários, inserindo-os numa política de marketing, com o auxílio de representações diplomáticas. Produtos de grande projeção deverão ser os ícones das campanhas; 69 d) possibilitar trabalho conjunto que atenda a diversos entes do turismo, por meio da integração entre poder público e iniciativa privada, por meio de conselhos, grupos de trabalho, fóruns etc. Não obstante, segundo o Ministério do Turismo (2009), o turismo é uma atividade econômica da iniciativa privada. Mas o poder público tem papel essencial na definição de políticas e ações, na organização e mobilização entre os segmentos envolvidos, e na garantia de recursos para infraestrutura, promoção e qualificação. Com o surgimento do Ministério do Turismo em 2003, a nova Política Nacional de Turismo instituiu um modelo de gestão descentralizada, que buscou organizar, articular e integrar os gestores do turismo – públicos, privados e do terceiro setor – nos estados e municípios, especialmente nos que compõem as regiões turísticas. Ainda segundo o Ministério do Turismo (2009, p.7), quando desenvolvido pela iniciativa privada, o turismo tem a missão de participar diretamente do crescimento econômico e gerar dividendos sociais, orientado por políticas públicas claras e auxiliado pelos investimentos públicos. Assim, podemos considerar que, sem esses elementos, fica vazio e insignificante propor-se uma integração do público/privada. E preciso que público e privado encontrem-se numa intercessão e cada qual, mantendo as características próprias, se unam em um projeto comum, visando não só a lucratividade, mas, fundamentalmente, o bem-estar da população e a sustentabilidade. 3 TURISMO É PAPEL DO ESTADO E DO MUNICIPIO NA GESTÃO INEGRADA PÚBLICO PRIVADA O Turismo é extremamente dependente do setor público, pois o Poder Público é o principal responsável pela qualidade do produto turístico. A participação da dos diversos segmentos na implementação de uma política de desenvolvimento que envolva a maioria dos segmentos da sociedade é possível porque a qualidade do produto turístico depende do envolvimento sistêmico dos diversos componentes integrantes do produto global único que é o Turismo. O papel do setor público é facilitar, induzir e organizar, pois a atividade turística, por ser bastante dinâmica, traz benefícios em curto prazo, mas também pode prejudicar o meio ambiente natural e sociocultural com a mesma velocidade. Segundo Dias (2005, 139-140), 70 Mais do que qualquer outra atividade, a intervenção pública é absolutamente necessária no turismo, principalmente pelos seguintes motivos: a) o turismo é uma atividade altamente dinâmica e pode gerar tanto efeitos positivos quanto negativos, e é necessário frear a avidez de lucro para que se possa ter uma atividade sustentável econômica, social e ambientalmente; b) no caso do turismo, os bens públicos são de fundamental importância; tanto a infra-estrutura, a segurança, muitos recursos naturais e culturais dependem do Estado. Além disso, são as administrações públicas que irão cuidar da acessibilidade, salubridade, beleza, segurança, etc. de muitos recursos turísticos. Portanto, para que o turismo desenvolva-se com sucesso, há a necessidade não apenas da intervenção do setor público, mas da parceria entre os diversos segmentos atuantes na atividade, conduzindo a um processo sinérgico, onde o todo é maior que a soma das partes integrantes do sistema. O Estado é um dos principais responsáveis pelo Planejamento Turístico. Entre suas competências e atribuições está zelar pelo planejamento através de políticas e da legislação necessária ao desenvolvimento da infra-estrutura básica, proteção e conservação do patrimônio ambiental (natural e sócio-cultural), bem como criar condições que facilitem e regulamentem o funcionamento dos serviços e equipamentos nas destinações necessários ao atendimento das necessidades e anseios dos turistas, geralmente a cargo de empresas privadas (RUSCHMANN, 2004 p. 67). Atualmente o papel dos municípios tem tomado maior destaque, pois: Partimos da premissa de que, em função do atual processo de globalização, sem descartar o importante papel a ser desempenhado pelos governos nacionais, os municípios devem assumir cada vez mais e intervir decididamente para obter a melhoria da qualidade de vida de suas populações. Num momento em que os processos transacionais tornam-se cada vez mais fortes, os diferentes níveis locais competem entre si no espaço globalizado. Disputam a instalação de plantas industriais, de enormes centros de compra, parques temáticos, fluxo de visitantes, etc. Os processos globais produzem efeitos diretos nas economias locais, e, para fazer frente a essas influências, devem organizar-se para aumentar sua competitividade (DIAS, 2003, p.36). Estas competências incluem a facilitação de consenso em torno de estratégias e objetivos específicos para uma destinação e o fornecimento de uma estrutura para discussões públicas e privadas sobre o papel e as contribuições do setor turístico para a economia e para a sociedade geral, o que de fato é um dos objetivos desta pesquisa. Para que isso ocorra, o Ministério do Turismo através de Fóruns Estaduais e do 71 Conselho Nacional de Turismo promovem e monitoram ações em regiões e roteiros integrados e municípios. Ainda considerando o planejamento do ponto de vista do Estado, percebemos que as dificuldades são agravadas pela própria estrutura do sistema. É muito difícil coordenar um processo que engloba esferas federais, estaduais e municipais. Segundo Dencker, As decisões da comunidade não detêm poder suficiente para contrariar as políticas nacionais e regionais, e ainda há o fato de que muitas vezes as elites locais atuam em beneficio próprio, sem considerar os interesses da comunidade (DENCKER, 2004, p 12). Não obstante, a atividade turística na Bahia tornou-se uma via para o desenvolvimento socioeconômico baiano em razão de a cultura baiana ter muito a oferecer. Tal fato é reiterado no Guia Cultural da Bahia (BAHIA, 1998, p. 11) que evidencia a exploração da cultura baiana como meta maior do turismo: Na Bahia, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, a cultura é o bem maior do seu povo, patrimônio comum a todos os cidadãos – da capital, do litoral e do interior. Berço da cultura brasileira, aqui está um dos mais importantes polos de produção artística e cultural do país, que preserva, mas sabe agregar sem preconceito, valores produzidos pelos movimentos da sociedade contemporânea e suas inovações criativas. Mística e miscigenada, a cultura baiana é única, diferenciada de todo o contexto nacional, pela combinação de três povos que deram origem à sua formação – o branco, o negro e o índio. Dessas contribuições, reunidas, fez sua marca e criou a personalidade que retrata essa diversidade, tão rica quanto dialeticamente harmônica. Alguns fatos marcam o desenvolvimento da história do turismo no estado. Em Salvador, a Prefeitura Municipal recebe em doação o primeiro documento utilizado por órgão do governo do estado para o setor do turismo. Trata-se de um estudo feito por empresa de propaganda, no ano de 1955, intitulado Plano de Turismo da Bahia, cujo objetivo foi chamar à atenção do setor público para o potencial da cidade. Em 1958, o estado incorpora o turismo a seu Programa de Recuperação Econômica; em 1959, o turismo passa a fazer parte do Programa de Desenvolvimento da Bahia (PLANDEB), relativo ao período de 1960/1963 (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999). O resgate histórico desse desenvolvimento traz o registro de fatos relacionados à economia do estado. De acordo com Queiroz (2005), até meados da década de 1950, a economia baiana era agrícola, fundamentada na exportação do cacau. A partir da década de 1960 tem início o processo de industrialização, com a implantação da Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe, e do Centro Industrial de Aratu (CIA). Nos anos setenta, consolida-se o processo de industrialização, com a construção do Polo Petroquímico de Camaçari (COPEC). (QUEIROZ, 2005). 72 Com a industrialização do estado e a consequente urbanização e expansão do setor terciário, a indústria do turismo começa a destacar-se. Ampliação e modernização de infraestrutura hoteleira de Salvador e descoberta de novas cidades como polos turísticos ocorre também na década de setenta, motivada, inicialmente, pela nova classe social que surge com a indústria e representa grande potencial para o consumo de produtos turísticos da Bahia. Efetivamente, a Bahia deu seus primeiros passos na direção da execução e desenvolvimento do turismo, com base no Plano de Turismo do Recôncavo (PTR), concluído no ano de 1970. O plano apresentou como inovação, a análise setorial, ou seja, desenvolveu política específica para determinada região e sua área de atuação abrangeu 38 municípios. Outra novidade foi o fato de o plano ter sido o primeiro voltado exclusivamente para o setor de turismo (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999). No final da década de setenta, o turismo consolidou-se no interior da Bahia, em áreas litorâneas, mais precisamente em Porto Seguro, depois Ilhéus e Valença, expandindo-se pela costa baiana. Outros fatores que contribuíram para a interiorização do turismo no estado foram a construções da BR-101 e a criação da Bahiatursa, que, inicialmente, possuiu função de fiscalização de hotéis e afins. Ainda na mesma década, surgiu o Litoral Norte, que, em sua primeira etapa, abrangeu área compreendida entre Lauro de Freitas e Itacimirim (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999). Na década de setenta, desenvolve-se o “Projeto Baía de Todos-os-Santos”, a pedido da Coordenação do Fomento ao Turismo, com o objetivo de identificar potencialidades turísticas da Baía de Todos-os-Santos e do litoral do Recôncavo, definindo áreas prioritárias para desenvolvimento do setor (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999). A partir da década de 90, o planejamento do turismo na Bahia incorporou uma nova roupagem. Assim como as demais secretarias órgãos estaduais do país, o Estado passou a priorizar o Plano de Desenvolvimento Turístico (Prodetur), programa que extrapola o caráter estritamente turístico e abrange diversos outros setores, desde infraestrutura básica e projetos de qualificação de mão de obra, até implantação de complexos turísticos. O Prodetur/BA é uma parceria entre os governos estadual e federal, coordenada pela Bahiatursa, objetivando melhor aproveitamento de potencialidades naturais, culturais e históricas, além de redimensionar o espaço territorial baiano, mediante o desenvolvimento turístico (BAHIA, 2008; SANTOS, 1999). No caso específico da Bahia, a maior parte das inversões do Prodetur é efetuada na Costa do Descobrimento, principalmente pelo fato desta Costa abrigar o município de Porto Seguro, um dos principais pólos de desenvolvimento turístico no Estado. O estado, logo em 1992/93, contrata, com recursos próprios, uma consultoria para as prefeituras dos municípios dessa Zona Turística, daí resultando um Plano de Referência Urbanístico Ambiental (PRUA) para cada unidade municipal. Entretanto, receosas de perder o controle de sua gestão, as prefeituras recusam-se a transformar os PRUA em Lei, nas Câmaras Municipais (QUEIROZ, 2005). 73 Em 1995 é deflagrado o processo de criação de um Conselho Regional de Turismo (CRT). Implantado em 1997, o CRT vem tentando, juntamente com as prefeituras e a Secretaria da Cultura e Turismo (SCT), realizar um melhor gerenciamento do turismo regional, o que se torna um processo complexo diante da diversidade de interesses, em alguns momentos congruentes e, em outros, divergentes. Com base nessa experiência, outras formas de conselho de turismo passam a ser adotadas no estado, a exemplo da Comissão de Turismo Integrada (CTI) da Costa do Cacau. São também implantados conselhos decorrentes do Programa Nacional de Municipalização Turística da Embratur (PNMT) e, posteriormente, dos Conselhos dos Polos Turísticos. Notamos, entretanto, nesses e em outros exemplos, as dificuldades para o estabelecimento de uma parceria entre os poderes públicos e a sociedade civil organizada e para passar-se de um modelo de gestão centralizada para uma administração descentralizada. A partir do exposto podemos perceber que, no processo de normatização, gerência, fiscalização e apoio ao desenvolvimento do turismo é de fundamental importância a participação do Estado. A respeito dessa participação, Palomo (1985, p. 376) defende: Na política turística, o sujeito ativo pode se identificar com o Estado, representado por um conjunto de organismos. O Estado não pode permanecer indiferente aos movimentos turísticos, devendo apoiar o desenvolvimento dessa atividade, uma vez que conta com os recursos econômicos e detém recursos jurídico-administrativo-policial para sua ordenação e equilíbrio. A importância das políticas públicas para a qualificação das cidades turísticas e para o alcance de competitividade é, sem dúvida, fundamental. Isto, no entanto, não significa dizer que o Estado deve – e pode – ser o único responsável pelas políticas traçadas para o turismo desses destinos. O próprio Palomo (1985), que defende o Estado enquanto sujeito ativo da política turística assinala que o papel desempenhado por essa entidade no turismo deve resumir-se a: estimular e incentivar a iniciativa privada com fins a um desenvolvimento mais intenso e harmônico; prestar ajuda econômica e de orientação nos projetos que promovam efeitos sociais e econômicos benéficos; defender os recursos naturais, históricos e patrimoniais, bem como os direitos dos consumidores turistas; controlar o equilíbrio estrutural e o cumprimento da normativa; criar e articular o marco jurídico para o normal e perfeito desenvolvimento e expansão; e corrigir desajustes mediante ações diretas e indiretas. Ao discutir o papel do Estado no turismo, Hall (2001), tomando como referência a União Internacional de Organizações de Viagens (IUOTO), precursora da Organização Mundial do Turismo (OMT), aponta um conjunto de áreas propícias ao envolvimento do setor público nessa atividade, dentre as quais: coordenação, planejamento, legislação e regulamentação, empreendimentos e incentivos. A estas, Hall (2001) agrega mais duas funções: um papel de turismo social e outro, mais amplo, de proteção de interesses. Após discorrer sobre o turismo e o papel do Estado, na próxima seção, discutiremos a gestão integrada público/privada na exploração do turismo. 74 4 GESTÃO INTEGRADA PÚBLICO/ PRIVADO Como já fora colocado, o atual Plano Nacional de Turismo (PNT), que prevê ações entre os anos de 2007 a 2010, presume um novo modelo de gestão pública, descentralizada e participativa, integrando as diversas instâncias da gestão pública e da iniciativa privada, por meio da criação de ambientes de reflexão, discussão e definição das diretrizes para o desenvolvimento da atividade nas diversas escalas territoriais e de gestão do país (PNT, 2007, p. 43). Nesta escala de relacionamento, os municípios, dentro deste contexto, são incentivados a criar conselhos municipais de turismo e organizarem-se em instâncias de representação regional pública e privada, possibilitando a criação de ambientes de discussão e reflexão adequados às respectivas escalas territoriais, complementando assim, o sistema nacional de turismo (PNT, 2007, p.44). Neste contexto, o PRODETUR – Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – integra a Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento. Este programa foi criado no final da década de 90 e tinha como principal objetivo incrementar os níveis de emprego e renda da população nordestina. Atualmente, o PRODETUR encontra-se na sua segunda fase, o PRODETUR II, e trabalhando o conceito de Pólos Turísticos (espaço geográfico claramente definido, com pronunciada vocação para o turismo, envolvendo atrativos turísticos similares e/ou complementares) e a realização de planejamento participativo, integrado e sustentável para o desenvolvimento do turismo nos pólos turísticos selecionados, visando benefício da população local – desenvolvimento humano e social. Os pólos também buscam a mobilização e integração dos atores locais com foco na atividade turística e nos resultados em benefício da população local (PRODETUR, 2006). Outrossim, a proposição hoje em evidência é a criação de novos modelos de gestão turística, com ampla participação da iniciativa privada e de diversos segmentos da sociedade civil organizada, visando estabelecer políticas de planejamento, desenvolvimento e promoção do turismo. Goeldner, Ritchie e McIntosh (2002, p. 35) assim argumentam sobre a importância de se estabelecerem políticas de planejamento e desenvolvimento de maneira integrada e colaborativa. Como tanto o setor público quanto o privado controlam (e muitas vezes operam) um número significativo de eventos, instalações e programas turísticos, é fundamental que 75 os esforços de formulação de políticas, planejamento e desenvolvimento sejam realizados dentro de uma estrutura organizacional conjunta, cooperativa e colaborativa. O não-reconhecimento da importância dessa realidade conduz apenas ao antagonismo, ao conflito e às estratégias de planejamento e desenvolvimento desarticuladas. Isso porque, explorar o turismo de forma desordenada, sem planejamento, sem uma estrutura ou sistematização de processos envolvendo os diversos atores, pode influenciar de maneira significativa na decisão do turista, uma vez que um sistema complexo, como é o turismo, se não for devidamente conduzido pode vir a demonstrar sinais de vulnerabilidade, inclusive, falir como qualquer outra empresa (GOELDNER; RITCHIE; MCINTOSH, 2002). Em consonância com os estudos de Bignotto (1994), temos que a discussão sobre limites do domínio público e do domínio privado vem ocupando um lugar quase inusitado nos debates dos últimos anos, e isso não somente no Brasil. Para Bignotto (1994), em boa parte das sociedades industrializadas, as fronteiras entre o público e o privado se modificaram de maneira radical, transformando velhos parâmetros, que estabeleciam obrigações e limites do Estado, em peças arcaicas de uma época que não conhecia novas relações econômicas, nem novas formas de organização nas sociedades pós-industriais. Para esse autor, a gestão pública, via de regra, não produz valor agregado e não atua na comercialização de produtos ou serviços, limitando-se a aplicar seus recursos, maciçamente oriundos de tributos, impostos, taxas, contribuições fiscais e para-fiscais, em atividades voltadas para o desenvolvimento e melhoramento das condições de vida de seus cidadãos. Já a administração privada utiliza-se de toda a sua conjuntura estrutural, por meio de pesados investimentos em tecnologia, pesquisa, processos de melhoramentos diversos, marketing, clientela etc., para maximizar, cada vez mais, lucros e todos os outros resultados contábeis. Alguns conceitos sobre os dois tipos de gestão podem servir de parâmetro na pretendida diferenciação entre ambos. Waldo (1997, p. 22, grifo do autor) sustenta que: [...] a administração pública é a ação racional, definida como a ação corretamente calculada para realizar determinados objetivos desejados. A administração pública como estudo e como atividade, é planejada para incrementar a realização dos objetivos; e frequentemente fundem-se os dois, uma vez que, em última análise, o estudo é também uma forma de ação. Como visto, o fim ou finalidade da administração pública é realizar determinados objetivos desejados, sendo necessário um percurso que anteceda essa realização, que passa pelo planejamento e estratégias de ação. No entanto, cabe evidenciar, no que respeita a essa relação público/privada, que as discussões tomam o rumo das relações econômicas que se processam em seu bojo. De acordo com Bignotto (1994, p. 19): 76 [...] a transferência da discussão sobre a natureza do público e do privado para o terreno das relações econômicas efetua uma curiosa inversão de toda a reflexão política clássica. Fazendo do privado, ou daquilo que o caracteriza de maneira inequívoca, a defesa dos interesses econômicos particulares, o parâmetro para a constituição do discurso político, termina-se por reduzir a política ao equilíbrio dos múltiplos interesses. Desse ponto de vista, entendemos que há uma interpretação equivocada sobre as características peculiares à administração pública, uma vez que não se levam em conta as diferenças fundamentais entre o governo e a empresa privada em busca de lucros. Como ressalta Waldo (1997), o que chamam de deficiências e defeitos do procedimento de divisões administrativas são características inerentes à administração pública. Assim sendo, uma repartição não é uma empresa à procura de lucro e, assim sendo, não pode fazer uso de um cálculo econômico ou mesmo de resolver problemas que são próprios de uma empresa industrial. Está fora de cogitação melhorar sua administração, reestruturando-a consoante padrões da empresa privada. É um erro julgar a eficiência de um departamento governamental comparando-o com o funcionamento de uma empresa, sujeito à influência dos fatores do mercado (WALDO, 1997). Ressaltamos que a gestão, seja ela pública ou privada, está passível de negligência culposa, falta de competência ou revela resultado de condições políticas e institucionais especiais. Assim, o que deve ser levado em consideração são os objetivos propostos. Se, na gestão privada, o objetivo é o lucro (em primeira instância), na gestão pública, é a obediência às regras e regulamentos. Surge, então, a necessidade de buscar uma alternativa para compreender o papel a ser ocupado por cada tipo de gestão, ou seja, a redefinição das fronteiras do público e do privado, que Bignotto (1994) caracteriza como o princípio da eficiência. De acordo com o autor, [...] o ponto de partida para a formulação de um princípio de eficiência para medir as atividades do Estado é a ideia de que a finalidade do Estado é tornar as pessoas melhores, o que significa educá-las e fazê-las usar suas melhores qualidades. (BIGNOTTO, 1994, p. 16). Bignotto (1994, p. 16) ainda acrescenta: “[...] a eficácia de um Estado mede-se, portanto, pelo grau de educação de seus cidadãos e pelo esforço público despendido nesse sentido”. É preciso um modelo menos autoritário e centralizador e que contemple, de fato, o envolvimento das comunidades, de forma sustentável, o que é ressaltado pela Organização Mundial de Turismo (1993, p. 51): [...] o desenvolvimento do turismo sustentável pode satisfazer as necessidades econômicas, sociais e estéticas, simultaneamente as integridades cultural e ecológica. Pode ser benéfico aos anfitriões e para os visitantes enquanto protege e melhora a mesma oportunidade para o futuro. Essas são as boas notícias. Contudo, o desenvolvimento do turismo sustentável envolve tomada de medidas políticas vigorosas baseadas em trocas complexas aos níveis social, econômico e ambiental. Assim, relacionando gestão privada com gestão pública, podemos afirmar que tanto a gestão pública quanto a gestão turística devem estar voltadas para o princípio da 77 eficiência, pois, ainda que os objetivos da gestão pública e da privada sejam distintos, o fim é o mesmo: proporcionar lazer, cultura, conhecimento, entretenimento e forma integrada e sustentável. A forma como estão postas as questões público/privada tem determinado uma tendência em considerar que o âmbito de ação do gestor público é vinculado à legislação, que o condiciona à legalidade, ou seja, aos limites que lhe são impostos. Já na gestão privada, o empresário tudo pode, desde que a legislação não proíba legalmente o ato. A ele só não é permitido o que é proibido. Assim, no tocante à gestão turística, entendemos que a gestão pública não deve restringir-se ao que está previsto em lei e a gestão privada deve levar em consideração outros aspectos, além do lucro, e ultrapassar suas próprias limitações. Apesar da existência de divergências doutrinárias sobre diferenças entre gestão pública e gestão privada, não podemos negar que existem e são decisivas no processo de gerenciamento das questões que permeiam o processo de desenvolvimento e promoção do turismo. 5 A CIDADE DE SALVADOR COMO CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO Trazemos nesta seção o caso da cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, como um centro de desenvolvimento do turismo. Esta cidade é eminentemente turística, em função de seu contexto histórico-cultural, fruto de influências não apenas das culturas indígena, portuguesa e africana, como também de outros povos imigrantes que conformam hoje uma cidade miscigenada, dotada de ampla beleza natural e características próprias, que a tornam atrativa para o turismo. Dentre outros aspectos, destacam-se uma vasta costa marítima, a estrutura geológica da área, que permite a plena observação da divisão da cidade de Salvador em duas cidades – Cidade Alta e Cidade Baixa –, além dos indescritíveis apelos e encantos visuais proporcionados por uma arquitetura urbana única e pelo singular modus vivendi de seus habitantes. Salvador possui uma população de 2.998.096 habitantes e uma área de 706.799 km², sendo a principal metrópole da região Nordeste do Brasil e a terceira do país em população, superada apenas por São Paulo e Rio de Janeiro (BRASIL, 2014). O título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade proporcionou a Salvador a condição de tornar-se um dos grandes centros turísticos, já delineado desde a revolução industrial. Como observa Queiroz (2005), a industrialização foi, de fato, a grande propulsora do turismo da capital, tanto em função das transformações urbanas geradas que, em parte, beneficiaram a atividade turística – a exemplo da expansão em direção ao vetor norte da cidade, descortinando novas áreas para o turismo, e da qualificação desse 78 espaço urbano com o novo aporte de recursos gerados – quanto em face da atração direta de visitantes motivados pelo segmento de negócios. Por ter riquezas nos aspectos cultural, étnico, natural e econômico, a cidade de Salvador tem vocação natural e grande potencial turístico. Como considera Coimbra de Sá (2006, p. 6): Um slogan publicitário conhecido que é utilizado pelos órgãos de turismo do estado (que foi altamente divulgado na época da comemoração dos 500 anos de descobrimento do país) é “Bahia, o Brasil nasceu aqui”. Esse slogan é utilizado para remeter não apenas à ideia de “nascimento físico” com a chegada dos portugueses, mas de nascimento cultural, de existência de raízes (principalmente étnicas e culturais). A Bahia seria o local, por excelência, das primeiras miscigenações étnicas e do surgimento da “autêntica” cultura brasileira. Por ser a primeira grande metrópole portuguesa nas Américas, Salvador é uma cidade multicultural, folclórica e cheia de manifestações culturais em função de sua miscigenação de raças e culturas – portugueses, negros e índios. Mendes (2001) considera que, a partir de 1991, o estado da Bahia adotou uma estratégia de desenvolvimento da atividade turística, especialmente para a capital, fundamentada nas belezas naturais e riquezas ecológicas, no patrimônio histórico e na diversidade cultural do estado, acompanhada de uma série de ações que visavam ao estímulo do turismo, como infraestrutura. Deste modo, segundo a autora, foi iniciado o projeto de revitalização do Pelourinho, com a recuperação dos antigos casarões e o redirecionamento das atividades econômicas, além do desenvolvimento de projetos, como o Bahia Azul, cuja meta foi elevar para mais de 90% o saneamento básico na cidade, possibilitando uma redução significativa da poluição da orla marítima, a iluminação da orla da Barra, a revitalização do Dique do Tororó e o reforço da segurança pública, com promoção de eventos de alcance nacional. Dentre outros investimentos do governo nesse período, destaca-se a ampliação do aeroporto de Salvador e a mudança, em meio a protestos e reclamações, do nome de Aeroporto Dois de Julho para Aeroporto Luiz Eduardo Magalhães. A ampliação do aeroporto refletiu a crescente demanda de turistas para a cidade do Salvador, por meio de voos domésticos e internacionais. Destaca-se também a culinária baiana, representada por uma variedade de pratos, destacando-se o acarajé, o vatapá e o caruru. Soma-se a tudo isso, a alegria, a espontaneidade e a receptividade que os soteropolitanos oferecem aos que visitam Salvador. Não se pode deixar de citar as festas populares que fazem parte da tradição, como as festas de largo e o carnaval. Este último, a despeito dos benefícios, causa 79 alguns transtornos para a população, levando muitos moradores a deixarem a cidade, em busca de tranquilidade, em razão de a cidade ser “invadida” por turistas. Ao se observar que existe uma sinergia entre a cultura, o turismo e o lazer no carnaval de Salvador, corre-se o risco de tentar criar um pacote fechado e vender essa imagem para os turistas, como se viu ocorrer com a ação de muitas empresas públicas na divulgação do carnaval na mídia, desvirtuando, muitas vezes, a cultura popular em nome da lucratividade. Conforme Mendes (2001, p. 57): “[...] podemos observar, nas últimas décadas, um forte processo de mercantilização da cultura popular em Salvador. Nesse processo, a cultura é transformada e apresentada como um produto”. Frente a isto, o planejamento estratégico deve ser visto como uma ferramenta de promoção da atividade turística nessa cidade. Mendes (2001) aborda as estratégias que devem ser buscadas no negócio cultural, tentando associar a cultura ao turismo e ao entretenimento. O autor, todavia, ressalta a questão do respeito aos valores, que, em geral, muitos segmentos não observam em suas abordagens. Ao refletirmos o desempenho da indústria cultural, identificamos claramente a relevância da denominada eficácia operacional. Assim, os costumes, a música, a literatura, a cultura do povo pode ser transformada em produto comercializável. Mas só a eficácia operacional não é suficiente, pois isto significaria que qualquer organização sem laços profundos com um determinado povo poderia “empacotar” a cultura e vendê-la. Porém, também, é necessária uma boa dose de diferenciação de produtos e de conhecimento das práticas e valores culturais. (MENDES, 2001, p. 63). O Programa de Desenvolvimento Turístico foi concebido como norteador dos impactos socioeconômicos e ambientais para a gestão turística estadual. Inevitavelmente, a temática abordada apresenta a influência de elementos que tornam essa questão complexa, pois, no caso de Salvador, além de envolver a forma de gestão da cidade, apresenta aspectos como a concorrência vigente no mercado mundial de turismo, o interesse das operadoras de viagem, o desejo dos consumidores turistas, a efetividade do trabalho de promoção e captação de visitantes, intempéries climáticas, insegurança social e política, violência urbana, distâncias culturais, dentre outros. Em Salvador, a competitividade do turismo é um dos fatores que tem na gestão pública um dos seus elementos de suporte. O conjunto de transformações sócio-políticoeconômicas evidencia a importância da competitividade enquanto elemento desencadeador de posições de vanguarda. A busca da competitividade urbana vem permitindo a reestruturação do planejamento como forma de viabilização do desenvolvimento local, além de também estar tornando mais evidentes desigualdades e contrastes existentes entre núcleos dotados de vantagens comparativas. 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presença do Estado é relevante em todas as etapas de manutenção da sustentabilidade do turismo, pois só a ele cabe investir em políticas de infraestrutura pertinentes às demandas detectadas. Se, por um lado, a iniciativa privada responde com velocidade às reivindicações do setor e detém linguagem adequada e recursos financeiros para investir, falta-lhe interesse coletivo, visão da coisa pública e regulamentação, itens próprios dos entes públicos. Por isso, as discussões sobre a gestão pública e a gestão privada se fazem necessárias para propor e encontrar soluções para as demandas e problemas que possam comprometer o bom desenvolvimento do turismo no Estado. A promoção de uma gestão integrada público/privada deve ampliar-se às possibilidades de atrair investimentos, gerar empregos, renovar base produtiva e resolver questões ambientais, dentre outros benefícios, e tal questão encontra-se na base de toda política. Assim, quanto mais o setor público se orienta para a integração com o setor privado, mais benefícios para todos. Na Bahia, o questionamento em relação ao papel do Estado no turismo e a quem deve caber a responsabilidade por instrumentar e colocar em ação a política turística encontra-se em grande efervescência. O debate promovido sobre a necessidade de elevar a competitividade do turismo baiano está levando tanto o segmento público quanto o privado a rever seu próprio papel. As estratégias intervencionistas implementadas pelo governo faz com que o Estado assuma a responsabilidade pelo desempenho quase integral da atividade. É observável que a gestão do turismo em Salvador caminha em busca de consolidar-se e estabelecer-se como uma gestão importante na competitividade turística da cidade do Salvador. No entanto, falta ainda muito a ser revisto e reestruturado para que tal objetivo se estabeleça. Um dos fatores que devem ser observados é o envolvimento de todos na direção de um turismo sustentável, que respeite a realidade de cada comunidade com suas especificidades. Para isso, é preciso um modelo menos autoritário e centralizador, que contemple o envolvimento das comunidades para promover, de forma sustentável, o desenvolvimento do turismo, satisfazendo as necessidades econômicas, sociais, estéticas, culturais e ecológicas. Mas esse desenvolvimento do turismo sustentável vai exigir tomado de decisões políticas, em nível social, econômico e ambiental. Nesse viés, é possível considerar que a gestão do turismo de Salvador não deverá, necessariamente, seguir fórmulas ou modelos pré-existentes, não obstante suas especificidades. No entanto, deve-se buscar conhecer a realidade local, procurar incorporar o território e incluir os atores locais excluídos em função da estreita relação entre a competitividade turística e o desenvolvimento local, sendo necessária a 81 articulação entre a comunidade, a gestão pública e a gestão privada, para que a gestão do turismo na cidade ocorra de maneira que favoreça a todos os envolvidos no processo. Assim, a Bahia, de modo geral, está na rota do turismo cultural, religioso, de negócios, étnico-afro, ecoturismo, dentre outros. Frente a isso, necessário se faz um planejamento bem estruturado, que não dispense o papel tanto da gestão pública quanto da gestão privada, porém respeite a identidade de cada lugar, de cada grupo, assim como de cada cultura e tradição. REFERÊNCIAS AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. 2. ed. São Paulo: Globo, 2008. BAHIA. Bahiatursa: Empresa de Turismo da Bahia. Turismo na Bahia. Salvador, 2008. Disponível em: <www.bahiatursa.ba.gov.ba>. Acesso em: 20 maio 2009. BAHIA. Secretaria de Cultura e Turismo. Coordenação de Cultura. Guia Cultural da Bahia. Salvador, 1998. v. 5, t. 1. BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, Plano de Ação PRODETUR NE-II. Disponível em: http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR.asp. Acesso em novembro de 2006. BENI, Mário Carlos. A política de turismo. In: TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi (Org.). 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Paulo: Pioneira, 1997. 84 O TURISMO E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE Heliete Rosa Bento 1 RESUMO A preocupação em entender o turismo sob a ótica do desenvolvimento econômico sustentável tem proporcionando inúmeras reflexões sobre os rumos que se apresentam para essa atividade. Com a força normativa da Constituição Federal de 1988, a questão ambiental passou a fazer parte não só das agendas governamentais, mas também do planejamento e gestão de numerosas empresas, dentre elas as empresas voltadas para o turismo. As potencialidades para o turismo no Brasil, o qual detém a maior diversidade de recursos naturais do Planeta, têm levado a inúmeras reflexões acadêmicas e ideológicas sobre os processos de desenvolvimento sustentável no setor. O presente trabalho busca identificar em que medida a legislação protetiva ao meio ambiente pode efetivamente garantir que os equipamentos turísticos proporcionem aumento da qualidade de vida às pessoas diretamente envolvidas e para toda a sociedade. Desta forma, este artigo apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento econômico na atividade turística, sob a perspectiva da sustentabilidade, pelas vias da legalidade. Palavras-chave: Turismo. Meio Ambiente. Proteção Legal. 1 INTRODUÇÃO A mudança climática evidente coloca o planeta numa crise ambiental real, ameaçando não só o pleno desenvolvimento, mas também o futuro da humanidade. O desafio é conciliar uma economia sustentável, que exige ações consistentes e compatíveis, tanto com o crescimento, quanto com a preservação da vida na Terra, com os interesses econômicos, exclusivamente individualistas, desvinculados dos interesses coletivos. As potencialidades para o turismo no Brasil, que detém a maior diversidade de recursos naturais do Planeta, tem 67 parques nacionais abertos à visitação e que é considerado pelo Fórum Econômico Mundial a maior potência do planeta em recursos naturais, têm levado a inúmeras reflexões acadêmicas e ideológicas sobre os processos de desenvolvimento sustentável no setor. (PNT, 2013). Reduzir o consumo de recursos naturais e ampliar as ações de reciclagem, sem diminuir a competitividade, passou a configurar como ações estratégicas das principais empresas no mundo, dentre elas, aquelas denominadas por alguns de indústria do turismo. 1 Advogada. Especialista em Direito Ambiental. 85 O direito, posto como um processo de controle social, é endereçado à solução de conflitos de interesses, de valores e de questões sociais. Assim, não poderia permanecer à margem da responsabilidade pela proteção ao meio ambiente e, consequentemente, regulando as atividades econômicas, que representam efetiva ou potencial ameaça ao equilíbrio ecológico. Ainda que incipiente, desde o tempo do Império, já existiam algumas leis, tratando de questões ambientais, regulando, regra geral, interesses individuais, já que a política nacional, para o Brasil - Colônia era basicamente extrativista. Pode-se afirmar que mudanças significativas só vieram a ocorrer na década de quarenta, com a entrada em vigor do Código Florestal de 1946, que foi revogado somente no ano de 2012, com a promulgação da Lei 12.651, que instituiu o novo Código Florestal. Entretanto, o marco do Direito Ambiental é a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA, que, dentre outros avanços significativos, criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente, (SISNAMA) e ainda o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Destaca-se que a mencionada Lei é a única que define meio ambiente, no inciso I do artigo 3º, verbis. “Para os fins previstos nessa Lei, entende-se por meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, um conceito com grande amplitude, que demanda o comprometimento de toda a sociedade, para viabilizar a efetiva proteção e que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 (CF/88). Em 1988, o Direito Ambiental passa a ter status constitucional, cujas diretrizes foram pautadas nos direitos humanos de terceira geração. Assim, apesar do caráter patrimonialista, o texto constitucional estabelece a função social como limite ao direito de propriedade, enfatizando a sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defesa e preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações. A relevância do turismo para o desenvolvimento social e econômico do País determinou que a atividade, que é tratada no artigo 180, fosse inserida no capítulo que versa sobre os princípios gerais da atividade econômica, o que reforça a sua importância para a economia do País. A preocupação em entender o turismo sob a ótica do desenvolvimento econômico sustentável tem proporcionando inúmeras reflexões sobre os rumos, que se apresentam para essa atividade. Com a força normativa da CF/1988, a questão ambiental passou a fazer parte 86 não só das agendas governamentais, mas também do planejamento e gestão de numerosas empresas e dentre elas as empresas voltadas para o turismo. O presente trabalho busca identificar em que medida a legislação protetiva ao meio ambiente pode efetivamente garantir que os equipamentos turísticos proporcionem aumento da qualidade de vida para as pessoas diretamente envolvidas e para toda a sociedade. Desta forma, este artigo apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento econômico na atividade turística, sob a perspectiva da sustentabilidade, pelas vias da legalidade. 2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Ensina Moraes (1994) que, no Brasil, desde a formação colonial, predominaram procedimentos baseados na apropriação de novos lugares com uma ótica predatória, visando usufruir o máximo possível das riquezas naturais. O aparelho de Estado foi construído tendo por referencia o domínio do território e não o bem-estar do povo [...]. A conquista territorial, o padrão dilapidador dos recursos naturais, a dependência econômica externa, a concepção estatal geopolítica, o Estado patrimonialista, a sociedade excludente e a tensão federativa; são características sobre as quais iniciou-se o processo de constituição do Brasil contemporâneo. (1994, p.15) Viola (1987) diz que a industrialização do país incorporou padrões tecnológicos ultrapassados, no que se refere ao meio ambiente, conduzindo o Brasil, a partir da década de 40, à formação de uma base industrial obsoleta, caracterizada por uma incompatibilidade entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico; e que somente no início dos anos 70 começaram a surgir os primeiros sinais de esgotamento do modelo desenvolvimentista acelerado, desencadeado a partir dos anos 40, em que o crescimento econômico intenso (1940-1980) propiciou uma profunda degradação ambiental. Também Vieira e weber (1987) entendem que as autoridades oficiais do país mostravam-se pouco sensibilizadas frente à problemática ambiental. Mesmo o meio ambiente sendo objeto de constantes debates, desde Estocolmo em 1972, os problemas gerados pelo modelo produtivo e de desenvolvimento pareciam muito pouco interiorizados pelas esferas governamentais no país. A preservação do meio ambiente era tratada como a antítese do desenvolvimento almejado. A poluição era entendida como o preço a pagar, pela sociedade brasileira, para sair da condição de subdesenvolvimento. 87 Entretanto, devido a pressões internacionais, a questão ambiental adquiriu status de objeto específico da política estatal, ainda que a nível teórico. Em 1973, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA, e daí pra frente outros institutos formais foram surgindo, sem, contudo, adotar-se formas de controle eficaz para prevenção de danos ao meio ambiente. A partir da CF/88, tem-se um dos sistemas jurídicos mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. Nas palavras de Horta (2010), [...] a Constituição da República de 1988 promoveu a incorporação do meio ambiente ao texto constitucional, em decisão que não encontra precedentes nas constituições que a precederam no Direito Constitucional Brasileiro. As referências ao meio ambiente são abundantes e elas percorrem a Constituição em toda a sua extensão, desde os direitos individuais, em título localizado na abertura do documento, para findar no capitulo derradeiro da parte permanente da Lei Fundamental. (2010, p.38) No mesmo sentido, Silva (2012) afirma que a Constituição brasileira é eminentemente ambientalista, não só por ter tratado da questão ambiental em diversos dispositivos, mas também ter por instituído poderes amplos e modernos ao poder público, para o exercício da proteção do meio ambiente e ainda por ter determinado, inclusive, que a proteção do meio ambiente seja uma das finalidades da ordem econômica, conforme disposto no seu artigo 170, que aponta a defesa como um dos princípios da Constituição Federal. Além do núcleo normativo específico no artigo 225, da CF/88, tem-se, no texto constitucional, a questão ambiental como direito fundamental, o que determina de forma implícita a proteção em todos os níveis do meio ambiente. A inserção do direito ao meio ambiente no capítulo da ordem social lhe confere dimensão dos direitos sociais, que, conforme nos ensina Silva (2012, p.53): ”são direitos que cumprem uma função social. Por isso, ao Estado cabe vincular ações à disposição de meios materiais instrumentais capazes de operacionalizá-los em prestação positiva”. Fagúndez destaca que: O Direito, ao reconhecer o meio ambiente como objeto de preocupação e de proteção, dá um passo importante para evolução do seu próprio objeto de conhecimento. Não se trata de uma coisa estática. O ambiente natural é algo vivo, dinâmico, que se renova permanentemente, com a própria vida. Os recursos naturais deverão ser protegidos pela legislação, porque a sociedade terá de ter seus bens maiores protegidos. (2000, p.219) 88 Apesar de todo aparato legal, não houve igual evolução na racionalidade política onde as questões ambientais fossem alvo real de políticas públicas, que incluíssem a primazia ambiental no processo de desenvolvimento do país. Embora a legislação ambiental brasileira seja considerada uma das mais avançadas do mundo, a destruição continua pelo fato de não haver uma estrutura efetiva para fiscalizar e punir quem não cumpre a lei. (MORAES, 1994). Sachs (1997) salienta que as formas estratégicas de intervenção do Estado são essenciais, associadas à criação de instituições capazes de regular, governar e facilitar o funcionamento dos mercados. Em sua ausência, a globalização irá produzir, uma vez mais, um desenvolvimento desigual, daí a necessidade de efetivo controle. Desenvolvimento, no entendimento de Sachs (1997), é um conceito abrangente, diferente de crescimento econômico, ainda que este seja considerado uma condição necessária, mas de forma alguma suficiente. A este respeito, Rattner (1991) acrescenta que o desenvolvimento sustentável não pode ser reduzido apenas à questão do meio ambiente. A visão integrada e holística do mundo, da sociedade e da trajetória dos homens requer, além de educação e conscientização permanentes, diferentes relações de produção e consumo, em todas as suas nuances. Além disso, Godard (1997) chama a atenção no sentido de que, quando uma noção tem uma difusão tão ampla e diversificada quanto a de que hoje goza o desenvolvimento sustentável, isto significa que ela pode satisfazer a projetos e valores de uma grande variedade de atores e de grupos sociais, e que ela prepara o terreno para a formação de novos compromissos em suas relações. Da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO/92 extraiu-se o conceito de desenvolvimento sustentável, consoante Fiorillo (2004, p.118): “o desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”. A implementação do conceito de desenvolvimento sustentável pressupõe a convergência de objetivos das políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e de proteção ambiental. Desse modo, a busca de um equilíbrio entre o desenvolvimento social, crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais exige um planejamento estratégico territorial adequado, que leve em conta os limites da sustentabilidade. Para melhor entender a complexidade do conceito de desenvolvimento sustentável ou eco desenvolvimento, Sachs (2002, p. 85) adota oito critérios validariam o desenvolvimento sustentável: Seriam eles: de sustentabilidade que 89 1) Sustentabilidade Social – Alcance de um patamar razoável de homogeneidade social; distribuição justa de renda; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente; igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais. 2) Sustentabilidade Cultural – Mudanças no interior da continuidade cultural; equilíbrio entre respeito à tradição e inovação; capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno, em oposição às cópias servis dos modelos alienígenas; autoconfiança combinada com abertura para o mundo. 3) Sustentabilidade Ecológica – Preservação do potencial da natureza na sua produção de recursos renováveis; limitação do uso dos recursos não-renováveis; 4) Sustentabilidade Ambiental – Respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. 5) Sustentabilidade Territorial – Configurações urbanas e rurais balanceadas; melhoria do ambiente urbano; superação das disparidades inter-regionais; estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguro para áreas ecologicamente frágeis, (conservação da biodiversidade pelo ecodesenvolvimento). 6) Sustentabilidade Econômica – Desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado; segurança alimentar; capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção; razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica. 7) Sustentabilidade Política (nacional) – Democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos; desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores; nível razoável de coesão social. 8) Sustentabilidade Política (Internacional) – Eficácia do sistema de prevenção de guerras, na garantia de paz e na promoção da cooperação internacional; controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios; controle institucional efetivo da aplicação do princípio da precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais; prevenção das mudanças globais negativas; sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica internacional e eliminação parcial do caráter de commodity da ciência e tecnologia, também como propriedade da herança comum da humanidade. Assim, na perspectiva de desenvolvimento econômico sustentável, faz-se necessário definir estratégias que melhor redimensionem ações que gerem maior equidade social, melhor distribuição de renda e desenvolvimento local, com a consequente elevação das oportunidades para a sociedade. Nesta dimensão a atividade de turismo tem um papel de desenvolvimento econômico relevante, visto que poderá promover mudanças significativas no ambiente em todas as suas dimensões, sem afetar as gerações futuras. 90 3 ATIVIDADE DE TURISMO SUSTENTÁVEL Em 1995 a Organização Mundial do Turismo (OMT) realizou a Conferência Mundial de Turismo Sustentável, em Lanzarote, Espanha, quando foi formulada a Carta do Turismo Sustentável, que, em seu Artigo 1º, diz: O desenvolvimento turístico deverá fundamentar-se sobre critérios de sustentabilidade, ou seja, deverá ser suportável ecologicamente a longo prazo, viável economicamente e equitativo desde uma perspectiva ética e social para as comunidade locais. (Carta do turismo sustentável, 1995) Os fundamentos da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, bem como nas recomendações da Agenda 21 foram incorporados pela Carta do Turismo sustentável e, a partir de então, pretende-se que a atividade do turismo, ao impactar a região, não comprometa a durabilidade dos seus recursos. Apesar da CF/88 consagrar no seu artigo 170, o livre mercado de produção capitalista, porém, determina que tenha por fundamento a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Assim, inobstante o modelo de produção ser o capitalista, a Carta Magna autoriza o Estado a interferir na economia, não somente para reprimir o abuso do poder econômico e para fiscalizar e incentivar determinadas atividades econômicas, mas também para que o desenvolvimento nacional seja equilibrado, conforme previsto no seu artigo 174, verbis: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. [...] (BRASIL, 1988) O texto constitucional evidencia que cabe ao Estado, através do seu poder normativo, definir as bases do planejamento do desenvolvimento nacional, em todos os setores da economia. Destarte, também o turismo foi destacado como um dos fatores para o desenvolvimento social e econômico, no artigo 180 da CF/88, verbis: “Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico”. Desta forma, face às características do Estado brasileiro, em relação as suas potencialidades no que se refere à atividade do turismo, a CF/88 determinou que todos os 91 entes da federação busquem o desenvolvimento social e econômico também através desse setor, formulando políticas publicas que incentivem a esfera privada a investir na indústria do turismo. Em 2008, foi promulgada a Lei 11.771, que instituiu a Política Nacional de Turismo, que define o turismo no seu artigo 2o como ‘as atividades realizadas por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a 1 (um) ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras’ e direciona a atividade turística para o desenvolvimento sustentável, na forma do parágrafo único do seu artigo 3º O poder público atuará, mediante apoio técnico, logístico e financeiro, na consolidação do turismo como importante fator de desenvolvimento sustentável, de distribuição de renda, de geração de emprego e da conservação do patrimônio natural, cultural e turístico brasileiro. (BRASIL, 2008) O paradigma da atividade turística está alicerçado nos princípios constitucionais da livre iniciativa, da descentralização, da regionalização e do desenvolvimento econômicosocial justo e sustentável, conforme disposto no parágrafo único do artigo 4º da Política Nacional de Turismo: “A Política Nacional de Turismo obedecerá aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da descentralização, da regionalização e do desenvolvimento econômico-social justo e sustentável” (BRASIL, 2008) A Politica Nacional de Turismo reitera, nos seus objetivos, a sustentabilidade em todas as suas formas, determinando que o Plano Nacional de Turismo (PNT), cujas metas são revistas a cada quatro anos, sejam sempre pautadas de forma a estimular o desenvolvimento sustentável da atividade turistica. (BRASIL, 2013) Rodrigues e Arlete (2002) entendem que a complexidade da atividade turística determina que não se pode atribuir potencial de sustentabilidade sem levar em conta que é uma atividade econômica que produz espaços, serviços, mas que, também, consome paisagens naturais exóticas, história passada, territórios, dentre outros, devendo, pois, ser articulada com os elementos gerais da produção e do consumo. Assim, o desafio persiste no sentido conciliar os fatores positivos e negativos da atividade, para que o saldo seja positivo e sejam as externalidades minimizadas. Sugere a autora que a sustentabilidade no turismo está pautada na contínua descoberta de paisagens históricas e naturais, de novos lugares rústicos, que, provavelmente, serão transformados para serem consumíveis. Assim, a atividade turística “dirige o consumo aos lugares exóticos, transformando-os para serem comercializáveis, nos padrões de conforto e qualidade de vida do mundo moderno” (RODRIGUES; ARLETE, 2002, p.49). 92 O avanço no desenvolvimento de novas tecnologias de informação faz do turismo uma das mais importantes atividades econômicas do país, o que o coloca como um dos pilares da economia, assumindo um papel relevante no planejamento, haja vista a inegável capacidade de gerar emprego e renda, além dos benefícios em relação à balança comercial pelo ingresso de moeda estrangeira. Para Rodrigues (2007), a partir do turismo, são ampliadas as oportunidades de negócios que envolvem diversos segmentos e setores da sociedade local, possibilitando a geração de benefícios, de maneira mais equânime para todos os envolvidos da atividade, destacando-se a geração de empregos diretos e indiretos. Porém, destaca Sancho (2001) que nem tudo é positivo, pois se apresenta como externalidade o aumento do custo de vida, bem como a especulação imobiliária, o que, em geral, desfavorece os residentes locais. No entanto, ainda assim, a atividade do turismo é fator preponderante de desenvolvimento, já que promove uma distribuição de renda significativa, pois, se por um lado o consumo de turismo é concentrado na classe de famílias com melhor situação financeira; por outro utiliza a mão de obra local, propiciando um aumento da riqueza na região. O turismo tem um papel ainda mais relevante nos países menos desenvolvidos, haja vista a constante busca pelo exótico e destinos que alterem o cotidiano, o que mais uma vez enquadra o Brasil nesta perspectiva. 4 O DIREITO E O TURISMO O artigo 2° da Lei que estabelece a PNMA, desde 1981, tenta conciliar os objetivos de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental com o desenvolvimento socioeconômico, com vistas aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Para atingir os objetivos propostos, o Direito Ambiental contemplado pelo Direito Constitucional é norteado por vários princípios, dentre os quais destaca-se como o mais importante deles o princípio do desenvolvimento sustentável, que procura compatibilizar a atuação da economia com a preservação do meio ambiente, que depende da prevenção, cujo argumento recorrente é a falta pessoal para fiscalizar. Não menos importante é o princípio da responsabilização, mais conhecido como princípio do poluidor-pagador, que determina que o poluidor é obrigado a recuperar o ambiente impactado. Independentemente de culpa, sempre que existam danos significativos 93 ao meio ambiente, existe a obrigação de indenizar, configurado pela responsabilidade civil objetiva. Os princípios têm força normogenética e servem para orientar a formação de todo ordenamento jurídico. Considerando que a constituição é precipuamente principiológica e que boa hermenêutica exige que uma constituição não seja interpretada em partes, mas sim em sua inteireza, na análise do caso concreto, há que se considerar todos os princípios que esteja relacionados à sustentabilidade. Considerando-se que a CF/88 tutela o mercado como um processo estrutural, todos os princípios que norteiam o ordenamento jurídico pátrio devem ser respeitados. A interpretação do princípio da livre iniciativa, apresentado na Carta Maior, não pode ser entendida como uma liberdade sem limites, mas sim, limitada pelos contornos definidos nos demais princípios constitucionais que determinam, em todas as suas nuances, a dignidade da pessoa humana, conforme os ditames da justiça social. Assim, toda a legislação existente, dentre elas, aquelas específicas para o setor de turismo, deve ser interpretada conforme a nova ordem vigente. A livre iniciativa está agora com cunho coletivo e subordinada à função social da propriedade, que pressupõe, necessariamente, a proteção ao meio ambiente. A CF/88, no seu artigo 219, declara que: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico , o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”, o que exige do Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica, a produção de leis que tratem, não somente das infrações à ordem econômica, mas, também, que regule comportamentos, que possam comprometer a estrutura organizativa do mercado, tanto na esfera privada, como no setor público. Destarte, a legislação específica está organizada de modo a proteger a estrutura de mercado, definida de acordo com os ditames do artigo 3º da CF/88, que estabelece, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. Metas essas que podem ser alcançadas com a ajuda da indústria do turismo. A relevância da atividade turística é reforçada no artigo 6º da Lei Suprema, que, ao lado da moradia, alimentação, saúde, educação, trabalho, determina ser também o lazer um dos diretos sociais e, portanto, direito fundamental de todo cidadão. Tendo em vista que o turismo propicia uma das formas de lazer, pode-se inferir que também ele é direito fundamental, enquanto atividade ativa. 94 Na mesma esteira, o artigo 6º, VI, da Lei que instituiu a Política Nacional do Turismo determina que cabe ao PNT “a proteção do meio ambiente, da biodiversidade e do patrimônio cultural de interesse turístico”, portanto, para que o Estado possa cumprir o seu papel de regulador e fiscalizador da atividade econômica, viabiliza diversos instrumentos legais na tentativa de garantir que a atividade turística seja, sempre, mais um fator de desenvolvimento econômico sustentável. Na apresentação do PNT, é reafirmado o propósito de estreitar a parceria com o Ministério do Meio Ambiente, com vistas a desenvolver ações que tenham a sustentabilidade como centro das discussões, numa perspectiva de ampliar a atividade turística para segmentos pouco aproveitados, como as áreas preservadas, os parques nacionais, dentre outras, o que demanda uma fiscalização mais efetiva na ocupação do ambiente. A PNMA, já em 1981, introduziu o gerenciamento ambiental no Brasil e traçou toda a sistemática das políticas públicas brasileiras para o meio ambiente. É, portanto, a norma ambiental mais relevante depois da Constituição Federal de 1988, pela qual foi recepcionada. Milaré (2013) entende que o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, instituído pela PNMA, se constitui no grande arcabouço da gestão ambiental no Brasil, pois envolve todos os entes da federação, num conjunto articulado de órgãos, entidades, normas e práticas instituídas pelo Poder Público, sob a coordenação do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. O CONAMA é um órgão colegiado representativo de cinco setores, a saber: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil e tem por competência, dentre inúmeras outras, a de: estabelecer, mediante proposta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, dos demais órgãos integrantes do SISNAMA e de Conselheiros do CONAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e Municípios e supervisionado pelo referido Instituto. (BRASIL, 1981). A PNMA relaciona, no seu artigo 9º, os instrumentos da Política do Meio Ambiente, para avaliação do impacto ambiental, que consiste no conjunto de procedimentos técnicos e administrativos, que visam à realização de uma análise sistemática das variáveis, que possam causar algum dano ao meio ambiente. O instrumento mais relevante dessa estrutura é justamente o processo de Licenciamento Ambiental, que realiza o controle prévio à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente. 95 Ele autoriza a localização, instalação, ampliação, alteração e o funcionamento de estabelecimentos e atividades, com efetiva ou potencial capacidade poluidora ou que podem, sob qualquer forma, causar algum tipo de degradação ambiental. O Licenciamento Ambiental se divide em três etapas: 1. Licença Prévia - LP – fase preliminar do planejamento da atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados as legislações municipais, estaduais ou federais de uso do solo; 2. Licença de Instalação – LI – autoriza o início da implantação, de acordo com o projeto executivo aprovado; 3. Licença de Operação – LO – autoriza, após as verificações necessárias, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação. Através da Resolução 237/97 do CONAMA foram definidos os empreendimentos e atividades sujeitos ao prévio licenciamento ambiental. Porém, muita controvérsia acontecia a respeito do poder de fiscalização, visto que a CF/88, ao dispor sobre as matérias administrativas, atribuiu competência comum a todos os entes federativos, para fiscalizar o meio ambiente, determinando, ainda, a edição de lei complementar, para fixação das normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Somente em 2011 foi promulgada a Lei Complementar nº 140, que fixa regras de cooperação entre os entes federativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum de proteção do meio ambiente, com vistas a evitar os conflitos de competência e viabilizar a cooperação, de forma a garantir melhores resultados na proteção do meio ambiente. Inobstante a importância da fiscalização, o melhor caminho para a proteção do meio ambiente será sempre o da prevenção e nesse mister o licenciamento exerce um papel preponderante. E para viabilizá-lo o legislador impôs algumas condições, dentre elas destacase o Estudo de Impacto Ambiental - EIA, que contém dados técnicos referentes aos meios físico, biótico e antrópico, a ser analisado e aprovado pelos técnicos, e o RIMA (Relatório de Impacto do Meio Ambiente), que apresenta as conclusões do EIA, de modo que qualquer pessoa possa compreendê-lo. O estudo é formado por um diagnóstico ambiental da área de influência direta e indireta do empreendimento, bem como as medidas compensatórias ou mitigadores dos impactos causados no meio ambiente. O documento deve ser elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, que será a responsável tecnicamente pelos dados apresentados. 96 Ao relatório deve ser dada publicidade através dos meios de comunicação, bem como deverá ser mantida uma cópia para consulta pública. O Relatório não vincula, obrigatoriamente, a decisão a ser tomada pelas autoridades administrativas, mas serve para orientar, ou mesmo responsabilizar, o gestor público, pela tomada de decisões que contrariem o interesse coletivo. Antecipar ou minimizar o impacto ambiental é a razão de ser do Estudo, que, no mínimo, serve de suporte para o planejamento de ações que visem o desenvolvimento sustentável. Em que pese a constitucionalização do direito ambiental e a ampla proteção dada ao meio ambiente, quando da ponderação dos princípios constitucionais, o desafio reside, justamente, na definição de prioridades. Escolher entre o dano ao meio ambiente ou autorizar um projeto que vise reduzir a pobreza, por exemplo, é um dos dilemas do gestor público, razão pela qual, caso opte pelo projeto que impactará o meio ambiente, ainda mais relevante se torna o EIA, pois é através dele que deverá ser apresentada a proposta de minimização do dano. Além dos EIA/RIMA, outros documentos poderão ser exigidos, conforme o tipo de atividade a ser licenciada. Para aquelas atividades que não têm grande capacidade de gerar impactos ambientais, pode ser solicitada a apresentação de um Plano de Controle Ambiental acompanhado do Relatório de Controle Ambiental – PCA/RCA, documentos parecidos com o EIA/RIMA, porém de menor complexidade. O artigo 1º da Resolução nº 1/86 do – CONAMA – fixa o conceito de impacto ambiental: Art. 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. Qualquer que seja o impacto ambiental, sempre caberá a intervenção do poder público. O Licenciamento Ambiental precede a instalação ou alteração de qualquer empreendimento ou de atividade que possa ser considerada efetiva ou potencialmente poluidora, ou, sob qualquer forma, causar degradação ambiental, assim a construção de empreendimentos imobiliários turísticos se sujeitam a todas as diretrizes de promoção e proteção do meio 97 ambiente, devendo, portanto, ser enquadrados em modelos de gestão ambiental, sem o que não lhe será possível receber as respectivas licenças. O processo de Licenciamento Ambiental para empreendimentos turísticos, quando for o caso, passará pela Licença de Localização (LL) e pela Licença de Implantação (LI), e, em alguns casos, pela Licença de Operação (LO), já que, para equipamentos turísticos, entende-se que os impactos da sua operação já estão previstos no projeto executivo, entregue quando da LI. E ainda deverá ser apresentado o EIA/RIMA ou PCA/RCA. Por disposição do CONAMA, os licenciamentos de empreendimentos turísticos são de competência do município onde será instalado o empreendimento. A licença para funcionamento do estabelecimento só será liberada após o término da obra e após o empreendimento ser reavaliado. As atividades de licenciamento e fiscalização ambiental são atividades autônomas, tendo a primeira a função de prevenir danos ao meio ambiente, e a segunda a função de repressão, podendo ambas serem realizadas por qualquer dos entes federativos, embora a função de repressão, por determinação da Lei Complementar 140/11, em princípio, seja do mesmo ente federativo que deu a licença. A CF/88 determina, no artigo 23, ser de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, bem como preservar as florestas, a fauna e a flora. Assim, a atuação de um ente federativo não depende e não afasta a atuação do outro. A competência comum se expressa na possibilidade da prática de atos administrativos por quaisquer das entidades federativas, em perfeita igualdade, de forma cumulativa. Os conflitos de competência, que geravam demandas jurídicas e controvérsias, com a edição da LC 140/11, já não têm razão de existir, pois a competência de cada ente restou esclarecida. O artigo 17 da Lei Complementar 140/11 dispõe que: compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.(BRASIL, 2011) A supramencionada legislação autoriza ainda que qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir 98 representação ao órgão responsável pelo licenciamento para que sejam tomadas as medidas necessárias à proteção ambiental. Enfim, apesar de o Brasil ter ampla legislação protetiva e reconhecida mundialmente, a deficiência reside na falta de eficácia social. Apesar do status constitucional da obrigatoriedade do licenciamento ambiental, a sua efetividade ainda não é a desejável, visto que fatores sociais, econômicos e culturais e as subjetividades interferem no cumprimento das diretrizes legais, especialmente no que se refere à participação popular nas audiências públicas, por ser esse um procedimento que não tem caráter obrigatório. Para a realização de audiência pública, o órgão licenciador tem que entender que a mesma é necessária, ou então que ela seja requerida por entidade civil, pelo Ministério Público ou por um número igual ou superior a 50 cidadãos, num prazo de 45 dias após o recebimento do EIA/RIMA pelo órgão competente de meio ambiente, conforme previsão legal na Resolução do CONANA de nº 09/87. É o licenciamento ambiental para os empreendimentos turísticos indispensável para a definição de uma gestão ambiental sustentável, já que representa a principal medida preventiva aos impactos socioambientais. O aproveitamento econômico do turismo, de forma sustentável e racional, com fundamentos em estudos prévios dos impactos ambientais, promoverá o desenvolvimento social e econômico para a população atual e futuras, o que requer, naturalmente, um planejamento estratégico, que, na esfera pública, se manifesta através do orçamento público, o qual também deve ser aprovado com a participação da população, já que nele estão definidas as prioridades de investimentos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A segurança jurídica é fator preponderante para a construção de um ambiente que viabilize o desenvolvimento da atividade turística de forma sustentável. A razão de ser de toda legislação é garantir ao cidadão o seu direito a um ambiente saudável e sustentável, numa perspectiva de equilíbrio entre as forças econômicas e ambientais, com vistas a atender às necessidades atuais sem comprometer o futuro, daí a importância do licenciamento ambiental que se pauta no princípio da prevenção de possíveis danos. Inobstante todo o aparato legal de que dispõe o Estado, dentre eles o plano diretor da cidade, que tem a função precípua de prevenir, de não permitir qualquer projeto, que possa 99 efetiva ou potencialmente causar qualquer dano ao meio ambiente, ainda assim a degradação ambiental persiste. O próprio Estado, no seu papel legiferante, coloca à disposição do poder econômico instrumentos que viabilizam a alteração do meio ambiente em local específico. O princípio do poluidor – pagador, de certa forma, quase que autoriza o impacto ambiental, já que, se o poluidor apresentar projeto alternativo para minimizar os danos ambientais, de forma global, poderá destruir uma área e compensar a natureza em outra, mas o que foi degradado nunca mais será realmente recuperado. Aos empresários basta transferir o custo do projeto de recuperação para o consumidor. Assim, os custos das medidas de proteção ou recuperação do meio ambiente, as externalidades ambientais, terminam por repercutir nos custos finais de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora, ou seja, ao elaborar um projeto de um empreendimento turístico, que vá impactar o meio ambiente, no preço final do produto ou serviço já estará incluso o custo das medidas de retificação. O atual Plano Nacional de Turismo (2013 – 2022) estabelece metas ousadas para o setor, reconhecendo que os impactos ambientais, políticos, econômicos, sociais e culturais gerados pelo turismo exigem planejamento e gestão, que oriente o desenvolvimento sustentável nos níveis local, regional e nacional. No entanto, apesar de o texto se harmonizar com a Constituição Federal de 1988, a prática se distancia dos dispositivos constitucional e infraconstitucional, já que, para atingir os objetivos de crescimento propostos, as obras autorizadas comprometem o meio ambiente. Não é possível considerar o meio ambiente de forma isolada, mas sim como um valor inerente à condição humana. As catástrofes naturais são respostas à ação do homem, mas a carência de infraestrutura para transportes, a situação econômica do País, a deficitária estrutura de serviços turísticos têm justificado ações que privilegiam a economia em detrimento do meio ambiente. A situação privilegiada do Brasil em termos de recursos naturais tem dificultado a conscientização para a realidade, no que se refere à ocupação do Planeta. 100 REFERENCIAS BENTO, Heliete Rosa. Ordenamento urbano e patrimônio cultural como objeto de crime ambiental- Estudo de Caso: Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, na Praia do Campeche - Ilha de Santa Catarina – Brasil. 2004. 228 p .Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2004. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. ampl. atual. 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Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. 103 A RELAÇÃO ENTRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA DOS MANGUEZAIS COM A DIVERSIDADE CULTURAL DA POPULAÇÃO TRADICIONAL QUE HABITA A ILHA DE BOIPEBA Paulo Eduardo de Oliveira 1 RESUMO Este artigo tem como tema sócio biodiversidade e, como problema de pesquisa, a questão: “Como ocorre a relação entre a diversidade biológica dos manguezais da Ilha de Boipeba com a diversidade cultural da população tradicional que habita essa localidade”? Os objetivos específicos desta pesquisa são: identificar as relações existentes entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais; compreender como são mantidas as relações existentes entre a diversidade cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. Para isso, adotou-se a pesquisa qualitativa e, como método de abordagem, elegeu-se a etnografia. A análise dos dados da pesquisa demonstrou a relação existente entre a diversidade biológica dos manguezais e a diversidade cultural. Tal relação se expressa na linguagem, na gastronomia, na religiosidade, nos festejos tradicionais e nas artes de pesca artesanal. Os autores Freyre (1999), Schaeffer-Noveli (1999), Maneschy (1993), Vannuci (2002), Diegues (2004) e Oliveira (2005) deram suporte teórico a este artigo. Palavras-chave: Sociobiodiversidade. Diversidade tradicional. biológica. Diversidade cultural. População 1 INTRODUÇÃO A escolha do tema deste artigo – sociobiodiversidade – retoma a temática da relação entre a cultura e o meio ambiente. O quadro referencial teórico que aborda a relação entre as diversidades biológica e cultural, enquanto produção do conhecimento científico ainda não está suficientemente acabado para explicar, de forma mais completa, esta relação. A temática da relação entre o Homem e a Natureza e, também, a reciprocidade entre ambos ressurgem após a década de 80 quando as questões ambientais começam a ser discutidas nas grandes convenções e conferências mundiais. A inserção e o reconhecimento da cultura como parte integrante da biodiversidade são também recentes. Para Albagli (1998), cada vez mais a diversidade cultural humana (incluindo a diversidade de línguas, crenças e religiões, práticas de manejo do solo, expressões 1 Professor Titular da UNEB; Doutor em Desenvolvimento Regional; Mestre em Desenvolvimento Sustentável. Pesquisador do GPTURIS-UNIFACS; e-mail: [email protected] 104 artísticas, tipos de alimentação e diversos atributos humanos) é interpretada como sendo um componente significativo da biodiversidade, considerando-se as recíprocas influências entre o ambiente e as culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo ampliado para o de sociobiodiversidade. A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD), no seu artigo 2o, define diversidade biológica como sendo A variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e ecossistemas. (ONU, 2011, p.2). Para Diegues e Arruda (2001), essa variabilidade é entendida apenas como produto da natureza, sem a intervenção humana. Esses autores assinalam também que a diversidade biológica, em muitos casos, não é apenas um produto natural, mas, em muitos casos, um produto da ação das sociedades e culturas humanas, em particular, das sociedades tradicionais não industriais. No entanto, a diversificação das ações humanas sobre os recursos naturais dá origem à diversidade cultural. Em tal diversidade, está inserida também a simbologia dos sujeitos. Diegues e Arruda (2001, p.17) acrescentam: “É uma construção cultural e social [...] as espécies vegetais e animais são objeto de conhecimento, domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das sociedades tradicionais [...]”. Entretanto é necessário que sejam inseridas as práticas milenares humanas de domesticação das espécies biológicas no conceito de diversidade biológica. Por isso, Albagli (1998) ressalta que o conceito de diversidade biológica não se deve restringir somente ao mundo natural; o Homem, também com a sua cultura, faz parte da diversidade planetária e acrescenta: Cada vez mais a diversidade cultural humana – língua, crenças e religiões, práticas de manejo do solo, expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributos – é interpretada como sendo um componente significativo da biodiversidade, consideradas as recíprocas influências entre o ambiente e as culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo ampliado para o de sociobiodiversidade. (ALBAGLI, 1998, p.63). Portanto, a sociobiodiversidade está relacionada com as práticas milenares 105 dos homens exercidas em função dos recursos naturais dos ecossistemas terrestres. Posey (1987), Gómez-Pompa (1971) e Klaus (1992) afirmam que a cultura foi o instrumento de mediação, ficando, então, evidente que o conceito de diversidade biológica está incorporado ao de cultura. Laraia (2001) afirma que cultura é, antes de tudo, a maneira de ser de um povo, diversa da maneira de ser de outro povo; é aquilo que faz com que um povo tenha suas leis, suas instituições, suas organizações, seus costumes e suas crenças. Marconi e Presotto (2001), por sua vez, definem diversidade cultural ou complexos culturais como sendo um conjunto de traços culturais que vão formar um todo funcional; ou, ainda, um grupo de características culturais interligadas, encontradas em uma área cultural. No Brasil, os manguezais, ao longo dos séculos, serviram e servem de cenário para a expressão entre a diversidade biológica e a cultural. Os índios que habitavam o litoral brasileiro, foram os primeiros a utilizar os recursos naturais dos manguezais como fonte de alimentos e deles não retiravam somente peixes, como também caranguejos, siris, aratus, ostras e lambretas. A prova dessa utilização são os sambaquis. Santos (2001, p.29), relatando a ocupação do litoral brasileiro pelos índios, explica a formação dos sambaquis: As áreas litorâneas, recifes e bancos-de-areia permitiam a formação de estuários-de-maré e de manguezais; e nestes os índios coletavam ostras, alimentavam-se delas e atiravam por cima dos ombros as conchas que recobrem o corpo desses animais. Essas acumulações de conchas foram denominadas de sambaquis e testemunharam um modo de vida que durou pelo menos 7.000 anos. Ao longo dos anos, as populações que habitam o entorno dos ecossistemas, em particular os manguezais, estabelecem relação de dependência com seus recursos naturais e, através de sua cultura, elaboram instrumentos e técnicas artesanais para determinar os seus modos de produção e reprodução de suas vidas diárias, ampliando, assim, seu universo socioeconômico.. Com base no cenário acima descrito, foram feitas algumas indagações: Ainda e xis te m re la çõe s e ntre a dive rs ida de biológica dos m a ngue za is e a diversidade cultural da população tradicional que habita a Ilha de Boipeba? Com o a popula çã o da Ilha de Boipe ba e s ta be le ce re la çõe s e ntre a 106 diversidade cultural e biológica dos manguezais? Com base nas indagações acima elencadas, foram elaborados os seguintes pressupostos: Exis te m re la çõe s e ntre a dive rs ida de cultura l da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. A re la çã o e s ta be le cida e ntre a dive rs ida de cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais está nos modos de produção da vida social (cultural, econômica e ambiental). A partir dessa perspectiva, foram elaborados os seguintes objetivos: • Geral Analisar as relações entre a diversidade cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. • Específicos - Identificar as relações existentes entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais; - Entender se as relações existentes entre a diversidade cultural da população de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais estão nos modos de produção da vida social (cultural, econômica e ambiental). Dentro desse contexto, este artigo se estrutura em seis secções: 1ª Introdução – faz uma abordagem do tema e um recorte do problema de pesquisa; 2ª Populações Tradicionais – aborda os aspectos culturais e suas relações com a diversidade biológica; 3ª Populações Tradicionais como produtoras de cultura material e imaterial – descreve os processos envolvidos na produção de cultura material e imaterial pelas populações tradicionais; 107 4ª Metodologia – detalha a metodologia utilizada para descrever a relação entre as diversidades biológica e cultural. 5ª Resultados – é o momento do encontro do pesquisador com seu objeto de pesquisa e, para isso, descreve, analisa e argumenta a relação com a problemática envolvida com o problema investigado; 6ª) Conclusões – corresponde às respostas das questões norteadoras da pesquisa. A análise que envolve a relação entre as diversidades biológica e cultura, tem importância porque os aspectos simbióticos materiais envolvidos na relação entre diversidade biológica e diversidade cultural ainda não foram adequadamente analisados para explicar esta relação. 2 POPULAÇÕES TRADICIONAIS: CARACTERÍSTICAS E CONCEITOS São consideradas populações tradicionais (não indígenas), caiçaras, caipiras, campeiros, babaçueiros, jangadeiros, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos amazônicos, porque, ao longo dos séculos, estabeleceram uma relação de dependência com os recursos naturais de diversos ecossistemas para a sua sobrevivência. Para tal fim, utilizaram técnicas simples para apreensão desses recursos. Antunes (2008) observa que a Lei no 9.985, de 8 de julho de 2000, define população tradicional tendo como parâmetro as suas relações estabelecidas com as florestas: [...] como aquelas que, em principio, encontram seus habitats em florestas nacionais, reservas extrativistas e reservas do desenvolvimento sustentável, ou seja, grupos que são conhecidos como povos da floresta, caiçara ou outros que reconhecidamente, tenham uma forma peculiar e características, distinguindo-os da comunidade nacional. (ANTUNES, 2008, p. 457). Esse conceito associa as populações tradicionais a povos que têm como particularidade os seus modos de vida ligados às florestas, sem considerar os seus modos de produção como tradicionais. 108 Para Rueda (1999), não existe “população tradicional” emoldurada e estereotipada num único conceito; o que existe são populações que, por causa de algumas características comuns, são tidas como “tradicionais”, embora tais pontos comuns não sejam idênticos quantitativa e qualitativamente. Portanto, as diferenças são reais e totalmente justificadas não pelo meio em que essas populações vivem, mas, especialmente, pelo sistema de produção e pelo modo de vida que elas levam. Essas diferenças dependem também do grau de interação com os outros grupos. Logo, o mais correto é associar o conceito de população tradicional à repetição dos seus modos de vida tradicional. Então, para ser considerada como população tradicional, deve ter os atributos acima listados, característicos do modo de vida tradicional, que façam distinção de uma população urbana. Diegues e Arruda (2001) afirmam que as populações tradicionais se caracterizam: – pela importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relação com o mercado; – pela reduzida acumulação de capital; – pela importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio, para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; – pela importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, com a pesca e atividades extrativistas; – pela tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente; – por haver uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, que o produtor e sua família dominam até o produto final; – pelo fraco poder político que, em geral, reside nos grupos de poder dos centros urbanos; e, – pela autoidentificação ou identificação por outros de pertencerem a uma cultura distinta. Entender como as populações tradicionais produzem cultura material e imaterial é importante para explicar como é mantida a sua relação com a diversidade 109 biológica. 3 AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS COMO PRODUTORAS DE CULTURA MATERIAL E IMATERIAL O homem se distingue das outras espécies biológicas pela capacidade de elaborar cultura material e imaterial, como mostra a Figura 1. Meio Ambiente Presença dos Recursos Naturais Molde Natural Influência Influência Remodela o Meio Ambiente Produção de Cultura Material e Imaterial Cultura Figura 1 – Produção de cultura material e imaterial pelas populações tradicionais Fonte: Elaboração própria (212). Como mostra a Figura anterior, ocorre uma relação de reciprocidade entre cultura e meio ambiente. No entanto, a presença de recursos naturais serve de moldes e influencia no desenvolvimento da cultura pelas populações tradicionais. Por sua vez, a cultura remodela o meio ambiente. Arruda (1997), Freyre (1999), Diegues (2000) e Leff (2004) corroboram a visão de que a produção de cultura material e imaterial das populações tradicionais está na dependência da presença dos recursos naturais do meio ambiente. Vale ressaltar que o meio ambiente não é fator determinante, mas ele permite que as populações tradicionais criem possibilidades e estratégias para elaborar cultura. Para isso, dispõem, simultaneamente, de um sistema biológico e um sistema cultural. Através do seu sistema cultural, produz cultura, transformando os fatos sociais em práticas culturais, como demonstra a Figura 2 a seguir. 110 Outros Seres Vivos Homem Práticas Culturais Adaptação Fatos sociais Sistema Biológico Sistema Biológico e Sistema Cultural Natureza Humanização da Natureza Natureza Figura 2 – Humanização da Natureza pelo homem através da cultura Fonte: Elaboração própria (2012). As práticas culturais permitem aos homens humanizar a Natureza e tornar nítida a dependência entre cultura e meio ambiente. Para Kaplan e Manners (1975), o homem é um produto da evolução biológica, mas um produto inteiramente único – único porque ele vem relacionar-se com o seu ambiente por modos que diferem profundamente daqueles de todas as espécies infra-humanas. No nível infra-humano, muitas espécies adaptam-se, em parte, ao seu ambiente total, através de um processo de aprendizado infraespecífico e não cumulativo. Segundo ainda esses autores, o homem, ao adaptar-se ao seu ambiente tal como ele é, cria, cada vez mais, estratégias e possibilidades de modificar e adaptar a si mesmo e a esse ambiente. E o artifício mediador desse processo é o que chamamos de cultura – o mecanismo primário através do qual o homem começa adaptando-se e termina controlando o seu ambiente. Pesquisas realizadas por Moran (1991), Roosevelt (1991) e Furtado (1993) com populações tradicionais que habitam os rios amazônicos, comprovam a utilização de estratégias para sobreviver ao meio ambiente. No entanto, Sanches 111 (2004), realizando pesquisas com a população tradicional que habita a estação ecológica da Juréia-Itatins no Estado de São Paulo, constatou que as estratégias utilizadas para sobreviver ao meio ambiente são: – herança e transmissão do conhecimento através de gerações, a partir de experiências prévias e de observação detalhada sobre os fenômenos naturais e as características biológicas e ecológicas de cada espécie; – o custo-benefício e o tempo alocado de forma otimizada em cada atividade, considerando os fatores socioeconômicos no tempo e no espaço; – o respeito aos calendários ecológicos que regulam a intensidade dessas atividades; – a influência dos aspectos simbólicos – tabus alimentares, crenças e mitos; – a confecção de tecnologias específicas e adaptadas às condições locais. Não restam dúvidas de que, cada vez mais, o ambiente se tornou um ambiente cultural, de tal modo que quaisquer que sejam as mudanças biológicas que possam ocorrer na espécie, a direção da causação parece ser mais da cultura para a biologia, em vez da forma contrária (KAPLAN; MANNERS, 1975). A dependência entre cultura e meio ambiente é evidenciada também por Scherer (2011) em populações tradicionais que habitam os rios amazônicos: O modo de vida desses grupos humanos – chamados também de Povos das Águas, está condicionado ao ciclo da natureza, pois o fenômeno da enchente e da vazante regula em grande parte o cotidiano ribeirinho, de tal modo que o mundo do trabalho obedece ao ciclo sazonal quando desenvolvem as atividades de extrativismo vegetal, agricultura, pesca e caça. Na época da enchente dos rios a cultura da roça, o cultivo da agricultura, para subsistência bem como a pesca e a caça, ficam em grande parte comprometidos. (SCHERER, 2011, p. 2). Fica evidente a relação existente entre a cultura dessas populações e a dependência do meio ambiente. 4 METODOLOGIA Na execução desta pesquisa, foi tomada como enfoque metodológico a 112 pesquisa qualitativa, e a etnografia como método de abordagem. 4.1 O LUGAR DA PESQUISA O trabalho de campo foi desenvolvido (entre os meses de novembro de 2010 e dezembro de 2012) na Ilha de Boipeba, localizada no município de Cairu, Bahia,fazendo parte do complexo da Área de Proteção das Ilhas de Tinharé e Boipeba. A Figura 3 mostra a sua localização. Figura 3 - Mapa de localização da Ilha de Boipeba Boipeba Fonte: Brasil (1995, p.1). 113 4.2 OS PRINCIPAIS LUGARES OBSERVADOS O manguezal e seu entorno, as praias, os estuários são os locais para estabelecer a relação entre a diversidade cultural da população tradicional que habita a Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. Entre esses locais, os manguezais se destacam porque se constituem no substrato natural no qual os pescadores artesanais se organizam para produzirem e reproduzirem a vida, local em que as atividades humanas ganham um sentido social e coletivo. 4.3 SUJEITOS DA PESQUISA Constituíram sujeitos da pesquisa, pescadores e pescadoras artesanais, seus filhos e filhas e parentes próximos que habitam o entorno dos manguezais e estuários adjacentes da Ilha. O processo de pesquisa na comunidade escolhida para este estudo exigiu procedimentos que simbolizam a permissão concedida ao pesquisador pela população estudada 4.4 LEVANTAMENTO DE FONTES DE DADOS Como dados secundários, foram utilizados: dados documentais, censitários, estatísticos oficiais e bibliográficos de diferentes fontes e acervos sobre o tema; os primários constituíram dados de fontes diretas, em que ocorreu uma abordagem participativa dos sujeitos da pesquisa, sendo obtidos por meio dos instrumentos técnicos para a investigação a seguir discriminados. 4.4.1 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS A relação entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais foi interpretada a partir de suas ações e falas e da descrição minuciosa dos lugares observados e, em particular, do trabalho diário nos manguezais e estuários adjacentes de acordo com os procedimentos a seguir: a) ordenação e sistematização dos dados referentes ao contexto sócio- 114 histórico da região Litoral Sul da Bahia e da comunidade de Boipeba, também chamado momento da compreensão da conjuntura socioeconômica e política no qual se inserem os sujeitos da pesquisa, ou seja, a sua participação no processo produtivo, suas condições de reprodução cotidiana; b) classificação e sistematização dos dados obtidos com a etnografia no trabalho de campo; c) a análise e a interpretação exigiram a articulação desses dados com o quadro do referencial teórico, cujo objetivo foi tornar visíveis as questões que cercam a relação entre a diversidade cultural da sociedade tradicional que habita Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais. 5 RESULTADOS A origem da cultura da população da Ilha de Boipeba é o resultado da miscigenação ocorrida entre índios, negros e brancos, ocorrida no início no século XVI durante o período de ocupação da costa brasileira. Cada qual contribuiu com seus traços culturais, tendo a etnia indígena como matriz original. A união desses traços formou um complexo cultural ou diversidade cultural. Essa miscigenação permitiu que a população local elaborasse uma rica diversidade cultural, que se expressa através de elementos imateriais (ritos, crenças, práticas artesanais) e materiais (conjunto de objetos, artefatos de pescas, gastronomia), em consonância com a presença dos recursos naturais dos manguezais. Além disso, a formação étnica dessa população permitiu que os elementos materiais e imateriais formassem uma rede complexa unitária da vida, ou seja, o seu sistema sociocultural. O seu sistema sociocultural estilos de vida, valores, formações ideológicas, práticas artesanais de pesca, artes de elaborar os apetrechos de pesca, que foi construído ao longo da existência dessas populações tradicionais em consonância com o ecossistema manguezal. Portanto, a cultura dessa população é mediada pela relação do tempo com o espaço e, nessa mediação, a diversidade biológica dos manguezais é determinante. 115 Essa relação se expressa na gastronomia, nos ritos e crenças (o simbólico e o mundo do mangue) e nas artes e técnicas de pescas artesanais. 5.1 RITOS E CRENÇAS: O SIMBÓLICO E O MUNDO DO MANGUEZAL O uso da diversidade biológica dos manguezais não é feita somente por técnicas tradicionais para a produção de elementos materiais, mas também por processos simbólicos em que o mundo do mangue serve de cosmovisão. Essa cosmovisão se expressa nos ritos, nas crenças e nas lendas, sendo responsável também pela continuidade da cultura devido ao fato de os membros da comunidade repetirem essas práticas. Então, os fenômenos acontecem de novo, a exemplo dos presentes que são oferecidos anualmente em louvor de Iemanjá, a deusa das águas. Isso se justifica porque essa simbologia é incrustada nos modos de apropriação dos recursos naturais dos manguezais e no seu entorno. Isso se torna evidente devido ao fato de os principais festejos e a religiosidade local apresentarem relações com esse ecossistema. 5.1.1 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS As manifestações culturais da população local se expressam principalmente nas religiosidades e nos festejos. São manifestações cujas raízes são de origem africana, trazem traços com elementos da natureza e, no caso particular da população da Ilha de Boipeba, a diversidade biológica dos manguezais. – Festa de Iemanjá: celebrada no dia de 2 de fevereiro, apresenta raízes africanas. Iemanjá é chamada também de Dona Janaína ou Rainha do Mar. A celebração se inicia um dia antes da festa oficial em que são realizados cultos com cânticos e danças para reverenciar os orixás, em particular, Iemanjá. A Figura 4 a seguir mostra um culto em louvor a Iemanjá. 116 Figura 4 – Cânticos eu louvor a Iemanjá na Ilha de Boipeba. Fonte: Arquivo pessoal (2013). Pela pesquisa de campo, comprova-se que esses cânticos, chamados de chulas, apresentam elementos do mundo simbólico das águas, como os cantados pelo babarolixá Railton Silva num culto de candomblé em louvor a Iemanjá: Ê sereia, Ê mãe d`agua, Peixe marinho borbulhou em cima d`água, Peixe marinho borbulhou em cima d`água, Pisa nas águas para quem sabe andar, Pisa nas águas para quem sabe pisar, Eu ia, Eu vou, Eu ia pisar nas águas – Festa de São Cosme e Damião: o período dos festejos é nos dias 27 setembro e 12 de outubro. É uma festa de louvor aos santos gêmeos Cosme e Damião e às crianças. No sincretismo religioso, esses santos estão associados aos ibejis (orixás de entidades duplas), gêmeos e amigos das crianças, porque têm a capacidade de atender a seus pedidos e, em troca, exigem doces. No dia 27 de setembro, período da noite, dia de louvor aos Santos Cosme e Damião, é realizada uma cerimônia de candomblé onde se oferece o caruru aos devotos. O caruru é um prato típico da culinária baiana, cuja origem é africana. No 117 seu preparo, azeite de dendê, quiabo, pedaços de frango ou peixe, camarão seco e feijão fradinho são os ingredientes básicos. Os temperos – gengibre, cebola, amendoim e pimentão – são de origem africana. Acarajé, abará e vatapá entram como complementos. Para louvar os Santos, o caruru é colado próximo aos manguezais durante o período do festejo. – A Zambiapunga: manifestação folclórica de origem africana, trazida para o Brasil há dois séculos pelos escravos africanos oriundos do Congo e de Angola. Durante o período de carnaval, os participantes do grupo (30 pessoas), composto por jovens e adultos de ambos os sexos, saem pelas ruas da ilha usando fantasias de tecidos como o cetim, de várias tonalidades. Constata-se ainda, pela pesquisa de campo, que os membros do grupo portam enxadas e usam botas. Em conversa, informa a Sra. Anália Menezes Magno, diretora do grupo, que essa indumentária simboliza a revolta dos escravos durante o período em que foram submetidos à escravidão. Mas o destaque da manifestação é o uso, por parte de alguns membros do grupo, de conchas provenientes dos manguezais, que servem de instrumentos de sopro e emitem sons que variam de agudos a graves fortes e dão uma harmonia sonora durante a manifestação folclórica, como retrata a Figura 5 Figura 5 – Foto que retrata os membros do grupo folclórico Zambiapunga utilizando conchas como instrumento musical Fonte: Arquivo pessoal (2012). 118 5.1.2 A GASTRONOMIA: A MOQUECA COM AZEITE DE DENDÊ A relação entre a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba e a diversidade biológica dos manguezais se manifesta também na gastronomia. A dieta dessa população é à base de peixes e mariscos, como mostra a Figura 6 . Figura 6 – Foto da gastronomia da Ilha de Boipeba à base de mariscos e azeite de dendê Fonte: Arquivo pessoal (2012). A diversidade biológica e cultural, presente na gastronomia da população estudada, pode ser observada pela chegada diária, no cais, de canoas com peixes e mariscos, conduzidos por homens adultos e alguns adolescentes que saem para pescar. Em seguida, eles separam os peixes; algumas mulheres levam o pescado para os quintais e começam a limpá-los para o preparo das moquecas e ensopados. Elas também catam os mariscos, principalmente siris, para fazer o “catado de siri” Essa rotina revela a dependência para sobrevivência da população dos recursos aquáticos, em particular o mar, estuários e manguezais. Tal dependência foi evidenciada por Josué de Castro, ao descrever a dieta alimentar das populações que sobrevivem dos recursos dos manguezais e pelas populações que habitam o seu entorno no rio Capibaribe, em Recife: Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupando as patas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem limpos como um copo e com a sua carne feita de lama fazer a carne de seu corpo e a do corpo de seus filhos. (CASTRO, 1967, p.29). 119 É dessa dependência que ainda sobrevivem os pescadores da Ilha de Boipeba como relatam a Sra. Fabíola e o Sr. Leonardo: Todos os meus filhos foram criados no peixe e marisco. (Fabíola Santos, ex- pescadora, 76 anos). As espécies que eu mais pego, sororoca, guaricema e tainha, é para comer e vender. A gente come mais peixe e marisco. (Leonardo Silva, pescador artesanal, 46 anos, entrevista direta, 2012). Conforme observado em campo, o preparo dos alimentos tem forte tradição indígena e africana, utilizando-se leite de coco, azeite de dendê, pimenta, entre outros temperos. Como já foi afirmado por Freyre (1999), as tribos indígenas que habitaram o Nordeste brasileiro tinham como hábito a conservação da caça e da pesca em caldos grossos apimentados, fato também expresso nas narrativas: As receitas do siri catado, do caranguejo e de peixes são: pimenta, sal, cebola, azeite de dendê, óleo de coco e molho de pimenta arribasaia. (Marina Oliveira, 39 anos, dona de casa, entrevista direta, 2012). A moqueca aqui é preparada com todos os temperos. Mas o que dá gosto mesmo é a pimenta arriba saia. (Sandra Silva Pereira, 40 anos, pescadora e dona de casa, entrevista direta 2012). Os peixes, crustáceos e moluscos e suas respectivas formas de preparos, além de evidenciar os hábitos alimentares, traduzidos na sua culinária típica, mostram também o elo entre a diversidade biológica dos manguezais e a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba. 5.1.3 A PESCA NOS MANGUEZAIS: CENÁRIO DAS ARTES E TÉCNICAS DE PESCAS ARTESANAIS Os recursos naturais dos manguezais possibilitaram aos homens que habitam o entorno desse ecossistema na Ilha de Boipeba, elaborarem instrumentos artesanais simples, compatíveis com esses recursos. Tais instrumentos (munzuás, jererés, puçás e redes) também fizeram com que eles elaborassem técnicas seletivas de pesca artesanal para um determinado recurso desse ecossistema; a 120 exemplo da pesca com rede para peixes, da pesca com jereré para siris e da pesca com munzuás também para siris, o que permitiu uma integração equilibrada da sua cultura com os recursos naturais dos manguezais. Essas técnicas de pesca ainda se mantêm; são artefatos e instrumentos artesanais que não causam poluição nem degradação ambiental, estando, assim, em harmonia com os recursos naturais dos manguezais, assegurando e mantendo a relação entre as diversidades biológica e cultural. Para Diegues (1994), são várias as formas tradicionais de pesca artesanal em águas estuarinas e costeiras praticadas, no litoral brasileiro, por pescadores artesanais (o viveiro, o cerco, o jiqui) e, ao longo dos anos, vêm contribuindo para a manutenção da diversidade biológica dos ambientes costeiros, por serem técnicas seletivas que não degradam e poluem o meio ambiente. O emprego desses instrumentos e as técnicas artesanais de pesca foram herdados de gerações passadas, revelando fortes traços indígenas. Tais instrumentos e práticas artesanais de pesca são descritos a seguir; – Pesca com munzuá: o munzuá consiste em uma armadilha confeccionada em fibra vegetal, a cana-brava-do-brejo. Apresenta orifícios de vários tamanhos, que também vão determinar o tamanho da peça. Os munzuás são colocados em pesqueiros específicos nos manguezais, quando a maré está baixa. Quando esta enche, os siris entram na armadilha e não mais conseguem sair. É uma pesca seletiva, pois o tamanho do siri que entra na armadilha é determinado pelo tamanho do orifício do munzuá. É uma arte de pesca praticada pela maioria dos homens e algumas mulheres. A esse respeito, dona Maria do Carmo diz: Eu boto mais munzuá no mangue. A espécie que mais pego para vender é o siri; utilizo o munzuá como instrumento de pesca. O munzuá é mais para pegar siri. (Maria do Carmo, 33 anos, pescadora artesanal, entrevista direta, 2012). 121 Figura 7 – Pescador artesanal praticando pesca de siri com munzuá Fonte: Arquivo pessoal (2012) A Figura acima mostra um pescador artesanal praticando a pesca artesanal com o munzuá. – Pesca com Jereré: é praticada, sobretudo, por mulheres e crianças. Utilizase o jereré, artefato que consiste em uma circunferência de madeira e arame, costurada com uma rede de pano ou nylon; no seu interior, é colocada uma isca de peixe, sendo jogado no manguezal, quando a maré esta cheia, para a coleta de siri. – Pesca com Linha: o sistema de pesca artesanal com linha é também bastante difundido entre os pescadores da ilha. É praticada mais pelos homens, dentro dos manguezais e no seu entorno. É uma modalidade de pesca de baixo impacto e é seletiva, pois o tamanho do peixe e a espécie a ser capturada são determinados pelo tipo de isca e o tamanho do anzol; – Pesca com jiqui: o jiqui consiste em um cercado quadrangular, cujas laterais são forradas por redes confeccionadas com tecido de algodão. Esse instrumento é colocado dentro dos canais dos manguezais ou nos estuários adjacentes, sendo colocada uma isca de peixe no seu interior. Crustáceos, moluscos e peixes entram no jiqui e não mais podem sair, pois a abertura de saída é menor 122 do que a de entrada. É outra técnica de baixo impacto, pois não consome energia e não degrada a natureza. Observou-se, também, que os pescadores utilizam outros instrumentos de pesca, por exemplo, o samburá, construído de fibras vegetais, extraídas da canabrava, todo entrelaçado com essas fibras; sua finalidade é transportar peixes, anzóis, linhas e iscas de peixes; a zagaratea, feita com diversas varas tiradas do mangue e amarradas ao longo de uma vara central para servir de amarração para as embarcações. Esse instrumento é usado para fixar ou amarrar as canoas no fundo dos manguezais e estuários adjacentes; o puçá, artefato que apresenta um aro em forma de circunferência, sendo nele amarrada uma rede de algodão. Tem como função pegar peixes dentro das redes, na gamboa; a canoa, meio de locomoção utilizado pela população local, é confeccionada com madeira, sendo utilizado um único tronco escavado; e o remo é feito de madeira, reto e longo, e manipulado pelo pescador para locomover a canoa. Essas práticas tradicionais exercidas em consonância com a diversidade biológica dos manguezais vêm sendo modificadas devido ao crescimento acentuado da atividade turística nas últimas décadas. 6 CONCLUSÕES A população da Ilha de Boipeba ainda mantém traços da cultura tradicional, que vem assegurando a relação de reciprocidade entre a sua diversidade cultural e a diversidade biológica dos manguezais, estabelecida pela capacidade de produzir cultura. Isso só foi possível devido à elaboração e à perpetuação de saberes tradicionais que foram passados de geração a geração, através de distintas formas de expressão A cultura local é expressa nos instrumentos de pesca, nas práticas de pesca artesanal, na gastronomia, no cotidiano, nos festejos e religiosidade. Os recursos naturais dos manguezais e a diversidade cultural da população da Ilha de Boipeba vêm sendo inseridos na economia global como matéria-prima para a elaboração de diversos produtos turísticos. Daí a implementação de projetos de infraestrutura de acesso, hidrovias e aerovias, para articular a Ilha de Boipeba 123 com outros territórios, em nível local, regional e global, com a finalidade de aumentar o fluxo de turistas para essa localidade. A consequência do aumento do número de turistas causa a ruptura da relação entre as diversidades biológica e cultural porque a atividade turística é desenvolvida de forma não planejada para preservar essas diversidades. 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A educação tem papel fundamental nesse processo, principalmente a financeira, que permite o desenvolvimento de habilidades nos indivíduos para que eles possam tomar decisões acertadas e conscientes, que os permitam fazer uma boa gestão de suas finanças pessoais, além de contribuir para o equilíbrio financeiro da sociedade através do consumo consciente. Palavras-chave: Taxa de juros. Educação Financeira. Consumo Consciente. ABSTRACT The Credit facilities and the reduction of interest rates in Brazil, increased consumption of goods and services by the lower classes of society. This stimulus generated a financial imbalance families. Access to credit is a positive factor that promotes an improved quality of life of individuals, however, needs to be offered to the consumer along with a financial education program that encourages responsible consumption and sustainability. Education has a fundamental role in this process, mainly financial, which allows the development of skills in individuals so they can make informed decisions and conscious that allow them to make a good management of your personal finances, as well as contributing to the financial stability of society through conscious consumption.The credit facilities and the reduction in interest rates in Brazil have increased the consumption of goods and services on the part of the lower classes of society. Keywords: Interest rates. Financial Education. Responsible Consuption. 1 Mestra em Desenvolvimento Regional e Urbano, pela UNIFACS, 2011, pós graduada em Metodologia do Ensino superior e Marketing estratégico pela Cenid Business School, 2001, graduada em Ciências Econômicas Pela UCSAL, 1996. 126 INTRODUÇÃO A crescente facilidade de acesso ao crédito tem aumentado consideravelmente o nível de endividamento das famílias brasileiras. O crédito facilitado atua como um mecanismo de estímulo ao consumo de bens e serviços, principalmente por parte das classes mais baixas da sociedade, que possuem uma demanda reprimida por conta da baixa renda. As taxas de juros cobradas no país estão em um nível mais baixo se for considerada a sua tendência histórica de taxas altas. Mas em relação a outros países emergentes, essas taxas ainda são muito altas. Hausmann (2008), refere-se a alta na taxa de juros como uma importante restrição ao desenvolvimento econômico do país. Portanto, é necessário entender que fatores podem estimular a redução da taxa de juros de modo que o país possa convergir para a taxa de juros das outras economias emergentes. Dentre os argumentos que buscam explicar as taxas de juros historicamente altas no país, pode-se citar a política fiscal e o baixo nível de poupança doméstica. Hausmann (2008), argumenta que o Brasil tem um nível de poupança doméstica relativamente baixo e que essa é a principal restrição ao crescimento do país e a razão para a alta na taxa de juros. De acordo com Rossetti(1990), quanto maior a taxa de juros, mais dispostos estariam os consumidores a poupar e menos dispostos a investir. Isso aumentaria as suas reservas e reduziria o seu nível de endividamento. Essa atitude positiva, entretanto, estaria associada a um consumo consciente e a um equilíbrio nos investimentos. A teoria clássica de investimento e poupança, afirma que se a demanda por investimento excede a oferta de poupança doméstica, a taxa de juros se eleva desequilibrando o mercado. Nesse contexto, o aumento da poupança doméstica está diretamente relacionado ao aumento da taxa de juros. Entretanto, a má distribuição de renda que atinge o país restringe as possibilidades de reserva do consumidor. A redução dos juros por sua vez estimula a busca por parte dos consumidores de baixa renda, por empréstimos pessoais para quitar dívidas e adquirir bens e serviços. Essa busca por sua vez, termina mergulhando o consumidor em dívidas que nunca conseguem ser pagas, gerando um ciclo vicioso de desequilíbrio financeiro. O acesso ao crédito é um fator positivo, que promove uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos, através da aquisição da casa própria, o acesso à educação e a realização de desejos pessoais. Esse acesso, entretanto, precisa ser oferecido ao consumidor, juntamente com um programa de educação financeira, que estimule o consumo consciente e a 127 sustentabilidade. A liberação sem direcionamento de demandas altamente reprimidas, como é o caso do Brasil, gera uma forte probabilidade de descontrole financeiro, e o crédito passa de fator positivo a aliado da formação de dívida pessoal, do pagamento de juros altos e do aumento das desigualdades na distribuição da renda. Reconhecendo esse fato, construiu-se esse estudo através de levantamento de dados encontrados na literatura já existente. Foram realizadas pesquisas bibliográficas, onde foram consultados livros, sites e artigos originais e de revisão sobre a educação financeira e sua relação com o consumo consciente. Buscou-se investigar a relação direta entre o consumo consciente e a sustentabilidade, bem como o quanto a educação financeira ajuda o consumidor a reavaliar a aquisição de bens e serviços e seus investimentos, evitando a formação de dívidas. De acordo com pesquisa feita pelo IGBE (2009), 85% das famílias brasileiras tem algum tipo de problema financeiro. Esses problemas não dizem respeito apenas à baixa renda, mas também a problemas ligados à má administração dos recursos financeiros. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, os problemas financeiros não são exclusividade das pessoas de baixa renda. Conforme Massaro (2010), com a estabilização da economia e da moeda, as pessoas estão se sentindo mais a vontade para gastar. E o comércio, por sua vez, aproveita para oferecer mais créditos e aquecer o mercado. Segundo Kiyosaki (2000), a educação financeira deveria ser ensinada às pessoas desde os primeiros anos de vida. Considerando que muitos pais não têm conhecimento para passar essas informações para os filhos, a educação financeira deveria ser matéria obrigatória nas escolas, desde o ensino fundamental. Atualmente, algumas escolas já estão inserindo a Educação Financeira na grade curricular, porém estas poucas iniciativas ainda são insuficientes para prevenir um problema tão grande uma vez que muitos jovens já enfrentam problemas com as dívidas. AS BASES DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA De maneira tradicional, a educação financeira está vinculada ao acúmulo ou gasto planejado do dinheiro. Este é colocado como um fator central sem discussões a cerca da sua origem e aplicação, nem tampouco sobre as consequências que a poupança e o investimento 128 podem gerar para o indivíduo, sua família e a sociedade A partir da preocupação com a família e a sociedade, a educação financeira refere-se ao planejamento pela perspectiva do consumo consciente, é através do consumo consciente que a educação financeira se conecta ao desafio da sustentabilidade. Para a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico-OCDE (2005), a Educação Financeira pode ser definida como o processo em que os indivíduos melhoram a sua compreensão sobre produtos financeiros, seus conceitos e riscos, de maneira que, com informação e recomendação claras possam desenvolver as habilidades e a confiança necessárias para tomarem decisões fundamentadas e com segurança, melhorando seu bemestar financeiro. Atualmente, o orçamento familiar está comprometido pelo impulso das famílias por comprarem imediatamente o que querem, em detrimento da possibilidade de planejarem a compra ao longo do tempo. Por isso, a administração do orçamento familiar deve partir de uma consciência comum a cerca da perfeita utilização dos recursos disponíveis, além de ser objetiva e estar clara para todos os membros da família. Para Kiyosaki (2000), a educação financeira traz um padrão de vida desejável e proporciona a sua manutenção. O que todos querem ser é abastados e isso exige conhecimento sobre dinheiro: é o que se chama ‘inteligência financeira’. D’Aquino (2008) cita que é importante que as crianças saibam o valor do dinheiro em relação ao trabalho, e que o consumo deve vir após as necessidades básicas. Segundo a autora, as famílias desejam ter cada vez mais dinheiro, mas dificilmente elas se propõem a ensinar seus filhos como tratá-lo corretamente, consequentemente, não há educação financeira; não se aprende como ganhar, poupar, gastar ou doar dinheiro. Na realidade, não é quanto dinheiro se ganha que faz a diferença, mas quanto dinheiro se guarda ou, ainda, quanto o dinheiro trabalha aumentando-o, e por quantas gerações ele se manterá. Para isso exige-se planejamento, a base de toda a educação, que, segundo Tiba (2002), deve ser iniciada na infância, pois as crianças que aprendem a administrar bem a mesada tendem a ter, no futuro, melhor qualidade de vida do que aquelas que gastam mais do que podem. 129 O direito à educação infantil, de acordo com Hill (2009), vai de zero a seis anos de idade e está explícito na Constituição Federal, no artigo 208, inciso IV, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que afirma que a ação de educação infantil é complementar à da família e comunidade. Esses aspectos legais evidenciam a participação e a responsabilidade dos pais na educação dos filhos desde seu nascimento, e implica também em educação financeira. A educação financeira, segundo Hill (2009), pode ser definida como a habilidade que os indivíduos apresentam de fazer escolhas adequadas ao administrar suas finanças pessoais durante o ciclo de sua vida. Para Kiyosaki (2000), a mesada faz parte do processo educativo e exemplos práticos, como o que os pais realizam diariamente em suas vidas, podem ajudar a formar a personalidade financeira, mas o que se verifica na atualidade é um contingente de jovens analfabetos financeiros, sem o conhecimento de como o dinheiro funciona. Como consequência, muitos estão totalmente despreparados para enfrentar o mundo financeiro, que atualmente dá mais ênfase ao consumo, à despesa, do que à poupança. Como cita D’Aquino (2008), torna-se dever dos pais desenvolver a consciência financeira dos filhos, e seria satisfatório se as escolas complementassem esse desenvolvimento. O processo de educação financeira é longo, de aproximadamente vinte anos, e depende de ensinamentos e coerência. Uma das razões pelas quais os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres, conforme pesquisa de Kiyosaki (2000), é que grande parte da classe média luta constantemente com as dívidas e o assunto dinheiro muitas vezes não é ensinado nem em casa nem na escola, que se concentra nas habilidades acadêmicas e profissionais, mas não nas habilidades financeiras. 130 A figura 1 demonstra o ciclo de vida de uma pessoa relacionada ao aspecto financeiro Figura 1 – ciclo de vida de uma pessoa $ Renda +++++++++++++ Consumo Nascimento Morte 16ª 20-25ª 60-65a Fonte: Clark (2004) A Figura 1 mostra que o maior consumo do indivíduo está entre vinte e sessenta e cinco anos, tendo seu pico por volta dos quarenta e dois anos. De acordo com Clark (2004), falta de conhecimentos básicos é prejudicial para um bom planejamento dos gastos ou para evitar a decisão errada de investir ou de tomar um empréstimo. Assim, quanto mais cedo se aprende a trabalhar com o dinheiro, melhor. D’Aquino (2008) menciona que sempre haverá uma situação de escolhas envolvida em cada ato de consumo, porque a população não foi educada para perceber o uso do dinheiro como resultado das escolhas que faz, ou a considerar o que deixou de ganhar quando fez uma opção. O modo como cada um lida com o dinheiro, em larga extensão, foi construído até por volta da idade de seis anos. Para Aquino (2008),enquanto a vontade é passageira, o desejo se sustenta ao longo do tempo. Então, um jeito interessante de distinguir vontade e desejo, do ponto de vista do consumo infantil, é deixar que a criança espere algum tempo para ganhar o que pede. O 131 importante é educá-la para aprender a esperar pela realização dos desejos. Nesse mesmo sentido, marcar datas para o recebimento dos presentes permite que a criança tenha tempo para receber e fortalecer seus desejos. Assim, o ato de educar financeiramente é o ponto de partida para criar indivíduos conscientes da importância do dinheiro para a sua vida. É importante ensinar a crianças a comprar itens de forma planejada, a fazer escolhas que lhe proporcione um melhor investimento de sua renda. A criança deve estar organizada e comprometida com a sua estabilidade financeira, para que o seu consumo seja cada vez mais consciente e que a partir da sua organização possa ser percebido que as ações individuais ao longo do tempo irão se expandir para a sociedade gerando um bem estar comum. PLANEJAMENTO E CONSUMO CONSCIENTE A análise da educação financeira e da sua relação com o consumo consciente, coloca em evidência um ponto em comum entre estes estudos que a questão da escassez. Em toda forma de utilização do dinheiro, seja ela de uso individual (dinheiro e crédito),ou de uso coletivo (recursos naturais e sociais), estamos tratando do uso de recursos limitados. De acordo com Rossetti(1990), As necessidades dos seres humanos são ilimitadas, enquanto os recursos são escassos, cabendo a economia a difícil tarefa de estabelecer a perfeita alocação entre ambos. Partindo-se desse pressuposto, o consumo exagerado, sem consciência ou preocupação com a sustentabilidade, ao longo do tempo, irá exaurir os recursos naturais. Essa mesma teoria pode ser aplicada à utilização dos recursos financeiros. O consumo desenfreado de bens e serviços estimula o aumento do preço dos produtos, que por sua vez elevam o nível de inflação, desvalorizam a renda pessoal disponível e lançam os consumidores aos empréstimos pessoais, aos cartões de crédito, a utilização de limites de cheque especial, que no final desse ciclo terão um grande desequilíbrio financeiro. Para o Ministério do Meio Ambiente, o consumo consciente é uma contribuição voluntária, cotidiana e solidária do cidadão para garantir a sustentabilidade da vida no planeta. É ampliar os impactos positivos e diminuir os negativos causados pelo consumo dos cidadãos no meio ambiente, na economia e nas relações sociais. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), por exemplo, indica que a utilização de bens e serviços precisa 132 cumprir com necessidades básicas e proporcionar melhor qualidade de vida. Ao mesmo tempo, o produto ou serviço deve minimizar o uso de recursos naturais, materiais tóxicos, diminuir a emissão de poluentes e a geração de resíduos. De acordo com o Ministério do Meio ambiente, o consumidor consciente por sua vez é aquele que leva em conta, ao escolher os produtos que compra, o meio ambiente, a saúde humana e animal, as relações justas de trabalho, além de questões como preço e marca. Por meio de cada ato de consumo, o consumidor consciente busca o equilíbrio entre a sua satisfação pessoal e a sustentabilidade, maximizando as consequências positivas e minimizando as negativas de suas escolhas de consumo, não só para si mesmo, mas também para as relações sociais, a economia e a natureza. Desse modo, o consumo consciente está diretamente associado ao planejamento, uma vez que este analisa todas as variáveis envolvidas em um processo e direciona o indivíduo a partir de suas metas para objetivos que lhe tragam um melhor retorno e mantenham os processos em equilíbrio. De acordo com Zadnowcz (2000), planejamento significa traçar metas, elaborar planos direcionados a peculiaridades do projeto que se almeja pôr em prática. Já as finanças são um método de administração dos recursos disponíveis, encaixando-se no meio empresarial ou particular, discutindo a distribuição e aplicação dos recursos, seja ele um salário de específica pessoa ou faturamento de uma organização. Ao juntar os dois conceitos entende-se que o planejamento financeiro é o ato de estabelecer o modo pelo qual os objetivos financeiros podem ser alcançados. O planejamento financeiro, de acordo com Santos (1984), significa ordenar a vida financeira de tal maneira que permita ao indivíduo ter reservas para os imprevistos e sistematicamente construir um patrimônio, seja ele financeiro ou imobiliário, que garanta fontes de renda suficientes para propiciar uma vida tranquila e confortável. Assim, segundo Santos (1984), ter um orçamento escrito e formalmente organizado é uma condição necessária para se ter um planejamento financeiro satisfatório. Muitas pessoas chegam a elaborar um orçamento, mas desistem ao verificar que ele não funciona a contento. Um bom planejamento financeiro pessoal começa pela criação de um orçamento pessoal confiável, o que significa previsões com um satisfatório grau de precisão. 133 Para algumas pessoas, as previsões mais incertas são as de renda. Entre elas se destaca aquela cuja renda é formada principalmente por comissões ou bônus. Nesses casos, Santos (1984) menciona que o melhor a fazer é trabalhar com três hipóteses de renda anual: a provável, a otimista e a pessimista. Assim, as despesas obrigatórias ficariam atreladas à previsão pessimista. Um valor mais elevado de gastos seria realizado caso se confirmasse a previsão provável ou a otimista. Quanto às despesas, se há um orçamento detalhado e disciplina na sua execução, não haveria, na maioria dos casos, porque haver surpresas nos valores realizados, entretanto Santos (1984) destaca que muitas pessoas se deparam com o fato de as despesas projetadas serem sempre superadas. Isso acontece, geralmente, por que o orçamento de despesas foi elaborado de modo incompleto. Esse desequilíbrio por sua vez, gera um efeito em cadeia, a partir do momento em que reconhecemos viver em um mundo sistêmico e interdependente, onde os efeitos das ações de cada indivíduo afetam todo o conjunto e, por meio desse, retornam ao próprio indivíduo. Nesse contexto, a noção de interdependência geraria no indivíduo o estímulo ao consumo consciente. Esse protagonismo por sua vez, é o caminho pelo qual cada consumidor consegue perceber o poder da sua decisão cotidiana e passa a tomá-las de modo consciente para a construção de uma sociedade economicamente desenvolvida e mais igualitária. O desenvolvimento econômico, que segundo Hewlett (1981) é usualmente definido como um aumento significativo na renda real per capita de uma nação, tem como propósito a obtenção de melhor alimentação, saúde, educação, melhores condições de vida e uma gama cada vez mais ampla de oportunidades de trabalho e de lazer para as pessoas desta nação. Em essência, desenvolvimento significa a transformação das estruturas econômicas da sociedade, a fim de se atingir um novo nível de capacidade produtiva, e isso requer níveis sem precedentes de poupança e de investimento. CONCLUSÃO A facilidade de obter crédito no Brasil, principalmente para os consumidores de baixa renda, cresce a cada ano, mas esse fato não torna as pessoas mais ricas, ao contrário aumenta a inadimplência no país e o empobrecimento da sociedade. A causa dessa instabilidade 134 financeira deve-se à necessidade do indivíduo do consumo imediato e sem planejamento e da sua dificuldade de fazer contas. O consumo de bens e serviços é essencial para o crescimento do país. O retorno do dinheiro às empresas a partir do pagamento realizado com os salários recebidos pelas famílias faz com que o país cresça e se desenvolva. Esse consumo entretanto precisa ser consciente, pois a inadimplência, por sua vez, atrasa o crescimento à medida que impede que os fornecedores invistam na geração de novos bens e serviços. As compras mais conscientes, os investimentos apropriados e o bom aproveitamento do crédito melhoram a qualidade de vida. A partir dessas ações a situação financeira familiar progride e gera um efeito em cadeia de cesso à educação, à saúde e a moradia. A estabilidade e o progresso financeiro melhoram a produtividade das pessoas por estarem mais satisfeitas. Todos esses aspectos conduzem ao crescimento e ao desenvolvimento do país. Uma vez mais a educação financeira pode ser definida como um conjunto de medidas que objetivam criar e transmitir informações financeiras aos indivíduos, a fim de lhes proporcionar a capacidade de distinguir as principais vantagens e os principais riscos de suas escolhas, dando-lhes a percepção de que seu bem-estar financeiro influencia no bem-estar econômico da sociedade. Concluiu-se, portanto, que a educação financeira aprendida desde a infância fornece o conhecimento necessário para que no futuro os indivíduos obtenham não apenas o equilíbrio do orçamento familiar, mas também recursos que proporcionem sua independência financeira. Quanto antes for aprendido a praticar os ensinamentos financeiros, mais as pessoas terão subsídios para analisar racionalmente os seus recursos. Adotar o consumo consciente e evitar atitudes que gerem situações de risco em investimentos, empréstimos e outras transações financeiras no seu dia a dia, impedirá que no futuro isso possa comprometer a sua vida pessoal ou o equilíbrio da sociedade, haja visto que o sistema econômico gera entre as famílias e as empresas um ciclo onde as atitudes financeiras individuais positivas ou negativas terminam por atingir toda a sociedade. 135 REFERÊNCIAS CHERRY, R. T. Introdução à administração financeira. São Paulo: Atlas, 1977. CLARK, R.L. The economics of an aging society. Malden, Massachusetts: Blackwell Publishers Ltd, 2004. Consumo consciente. Disponível em :<http://mma.gov.br>. Acesso em:18.de Jul. de 2013 às 15 hs e 11 min. D’AQUINO, C. Educação financeira: como educar seu filho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. Educação financeira. Disponível em:< http://ocde. Org.br>, Acesso em 18 de Jul. de 2013 às 16 hs. e 10min. GITMAN, L. Princípios da administração financeira. São Paulo. 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Para isso, partimos do entendimento de que todo planejamento, para atingir a eficácia proposta, deve ser proposto com base em um território específico, que se delimita sobre uma região (podendo ser esta meso, macro ou microrregião), com suas particularidades, seu desenvolvimento histórico e cultural, sua formação econômica, política e social. Foram elencados os principais programas que tiveram como propósito promover o desenvolvimento econômico regional, reduzir as desigualdades espaciais, ampliar a integração territorial nacional, desconcentrar o desenvolvimento econômico e corrigir os desequilíbrios setoriais e sociais, quando regionalmente considerados. O trabalho foi desenvolvido através da análise de pesquisa documental, a partir de livros, artigos, teses e documentos oficiais. Palavras-chave: Planejamento regional. Desenvolvimento regional. Território. Região. I - PLANEJAMENTO: A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO Sem grandes variações entre os autores, nos dicionários da língua portuguesa, o verbete ‘planejar’ significa fazer ou traçar um plano, uma estratégia, planificar, projetar 2. Na prática, para os fins deste artigo, entende-se que planejar estrategicamente é um ato que significa propor ações para a interferência específica em determinado espaço de tempo, num dado território. Ou seja, parte-se de uma necessidade concreta, pautada sobre uma realidade observada e mapeada, para então serem traçados objetivos e metas para o alcance de um determinado fim. 1 Economista. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Salvador – UNIFACS. E-mail: [email protected]. 2 Para se chegar à conclusão do significado do termo ‘planejar’, foram utilizados como base os dicionários da língua portuguesa: Aurélio, Michaelis e Houaiss. 137 Conforme o entendimento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2014): O planejamento pode ser entendido como o exercício de escolha consciente de ações que aumentem as chances de obter um resultado específico. É uma atividade dinâmica que se opõe ao improviso total, buscando orientar as decisões a partir das informações disponíveis. O planejamento governamental acrescenta ao conceito as características da esfera pública, tornando a atividade ainda mais complexa. Para realizá-la, é preciso conhecimento aprofundado sobre as razões do estágio de desenvolvimento nacional, as formas de operação do Estado e as circunstâncias e possibilidades políticas de atuação. (BRASIL. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/includes/faq/faq.asp?sub=7>. Acesso em: 14.07.2014) O planejamento deve ser o instrumento pelo qual se torna possível a necessária distribuição, no território, dos elementos e fatores de produção, da administração de recursos e dos resultados em função de determinados objetivos, previamente estipulados, pelo qual é possível o mapeamento das etapas necessárias ao desenvolvimento do país ou região. Deve ser o resultado de um processo de decisão político-social, que deve desenvolver-se voltado para o futuro. A implementação de um processo de desenvolvimento territorial pressupõe o desencadeamento de ações de caráter estratégico, como: gestão social dos territórios, fortalecimento das redes sociais de cooperação, dinamização da economia e articulação interinstitucional. Na atualidade, com a evolução do conceito e das práticas em planejamento, as melhores políticas públicas implementadas pelos sistemas políticos contemporâneos são resultantes de uma complexa e contínua interação entre diversos atores, dentro e fora do governo, com a participação ampla de vários segmentos da sociedade, tanto em seu processo de construção quanto na tomada de contas e avaliação dos resultados, nos campos políticos, econômicos e sociais. II – ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA REGIONAL Inicialmente, é preciso entender que o planejamento governamental deve ser resultado de um processo, elaborado enquanto política regional a ser implementado sobre um território específico, de modo a produzir resultados positivos em termos econômicos, políticos e/ou sociais. 138 Para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, “o planejamento pode ser entendido como a escolha consciente de ações que aumentem as chances de obter no futuro algo desejado no presente. É uma atividade que orienta possibilidades, arranjos institucionais e políticos. Planejar é um processo, enquanto o plano é um registro momentâneo deste processo e o planejador é seu facilitador.” (BRASIL, 2012b, p. 13) Ao pensar o planejamento é imprescindível levar em conta os aspectos espacial, territorial e temporal. Milton Santos, ao definir os três elementos, esclarece que o tempo é responsável pela materialização da história de determinado território e este precisa ser compreendido sob a perspectiva do uso - o todo complexo onde se tece uma trama de reações complementares e conflitantes. Deve ser entendido, então, como uma totalidade que vai do global ao local (SANTOS, 2005). Ao mesmo tempo, o espaço precisa ser respeitado, “uma vez que ele cristaliza os momentos anteriores e é o lugar de encontro entre esse passado e o futuro, mediante as relações sociais do presente que nele se realizam.” (SANTOS, 1994, p. 122) A construção do planejamento é uma tarefa contínua e dinâmica, pois “a cada momento histórico cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais elementos do todo (SANTOS, 1985, p. 9). Neste sentido, a política pública só consegue alcançar seus objetivos quando estiver intimamente atrelada ao conceito de território, cuja identidade está intimamente ligada à noção de história, cultura, espaço, tempo, recursos naturais, suas limitações e imposições, suas vantagens naturais e as adquiridas ao longo de processo de sua formação, e o seu povo, que nasceu, cresceu e se estabilizou na localidade, e os outros que ali se fixaram, com suas histórias e tradições, e com o passar do tempo receberam influências e influenciaram o contexto social, ou seja, esta política deve ser elaborada respeitando o contexto social. O território aqui deve ser entendido como um “espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial.” (BRASIL. 2004, p. 4) 139 Quando a sociedade se territorializa, o faz com todas as suas complexidades e contradições, numa dinâmica que envolve, além do espaço construído e do tempo específico, também o processo de sua formação econômica, social, política, o elemento humano, com suas lutas, conquistas, vitórias e frustrações, práticas e produções. Essa construção nos remete ao conceito de região, que para Pacheco, ao se apropriar do entendimento de Ann Markusen, deve ser considerado como uma sociedade historicamente desenvolvida e territorialmente contínua que possui o ambiente físico, socioeconômico, o meio político e cultural, e a estrutura espacial independente de outras regiões e outras unidades territoriais principais (cidades e nações). (MARKUSEN apud PACHECO, 1996) Na contemporaneidade o conceito de região assumiu uma maior complexidade, uma vez que as tradicionais concepções de região baseadas na individualidade/singularidade devem ceder espaço para as regiões particulares, articuladas a espaços mais abrangentes de caráter estadual, nacional e internacional. Novas conjunturas políticas e econômicas, como o processo de globalização, propõem a substituição do conceito de região pelo de rede, pois pressupõem articulações funcionais por meio de pontos de confluência de informações, capital, ideias, pessoas e mercadorias, oriundas de espaços próximos e longínquos. Num país de grandes proporções territoriais, como o Brasil, as desigualdades regionais constituem um enorme obstáculo ao seu desenvolvimento, conspirando contra a construção de uma Federação solidária e progressista. Por um longo tempo, o país deixou de influir de forma planejada no desenvolvimento de suas regiões, resultando no aprofundamento de índices de desigualdades que causaram transtornos sociais agudos e acirraram movimentos regionais desfavoráveis ao desenvolvimento sustentável do país. No atual mundo globalizado, as áreas que apresentam melhores condições de atração locacional são as que possuem atributos vantajosos de infraestrutura, recursos humanos, tecnologia e qualidade de vida. As áreas excluídas da dinâmica de mercado tendem a permanecer à margem dos fluxos econômicos principais e a apresentar menores níveis de renda e bem-estar. III - O PLANEJAMENTO REGIONAL NO BRASIL 140 No Brasil, a ideia e a prática do planejamento, enquanto mecanismo para a promoção de desenvolvimento, remonta aos anos de 1930 3, conforme uma tendência observada em outros países da América Latina e Europa, como mecanismo para atingir o modelo de progresso econômico e social adotado mundialmente. Nesta época, que se estende até meados da década de 50, esta atividade assume uma forma não-sistêmica. O planejamento adquire uma postura focada na modernização política e econômica do país, com ações nas áreas de investimento, crescimento econômico e desenvolvimento social, sob a intervenção estatal. Algum tempo depois, o processo de industrialização adotado pelo País, baseado no modelo de substituição de importações, porém, resultou no afloramento de alguns pontos frágeis no território nacional, que poderiam levar ao comprometimento da proposta de crescimento estabelecida pelos planos de governo, tornando necessária uma intervenção estratégica que permitisse a integração entre as diversas regiões brasileiras. Conforme dispõe Diniz (1991, p. 3): “As experiências de industrialização substitutiva de importações, aceleradas pelos estrangulamentos externos provocados pelas duas guerras mundiais e pela crise de 1929, a tomada da consciência da situação de atraso relativo à América Latina, a sistematização teórica e empírica da CEPAL, enfatizaram a importância dos planos de desenvolvimento nacionais, com ênfase na industrialização e na construção de infraestrutura. De forma semelhante, a observação de que haviam amplas regiões estagnadas dentro dos maiores países, levou vários governos a assimilar as experiências internacionais, criando instituições ou definindo programas de desenvolvimento regional.” Alguns territórios começam a chamar a atenção do governo federal, por destoarem do progresso alcançado pelos principais centros do País, refletindo um quadro de atraso econômico, pobreza e marginalização. Para estas regiões, o discurso do desenvolvimento regional começa a ser adotado e são elaborados planos e mecanismos de incentivos visando o combate às desigualdades políticoinstitucionais e econômico-sociais, com o objetivo de inseri-las no mesmo nível e dinamismo já alcançado pelos estados do Sudeste e Sul do País. 3 Ainda no século XIX, no Brasil, o problema regional já chamava atenção, principalmente em virtude das constantes secas e dos problemas sociais que assolaram a região Nordeste e a dimensão continental da Amazônia, com uma demanda constante por políticas de controle territorial. Porém, ainda não pode-se falar em planejamento regional esta época. O que observa-se é a criação de estratégias para o combate a problemas pontuais. É deste período a criação da Comissão Imperial (1877), cuja preocupação se concentrava na busca de soluções para o problema decorrente das secas. No início dos anos de 1900 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) e, posteriormente, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). Em 1945 dá origem ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que tem se dedicado, principalmente, à construção de açudes para abastecimento da região, piscicultura e irrigação de culturas. Para a Amazônia foi criada a Superintendência de Defesa da Borracha, em 1912. (SILVA, 2005; MIRANDA NETO, 1991) 141 Assim, para atender às demandas da região Amazônica, em 1942 foi criado Banco de Crédito da Borracha S/A, que deveria fornecer assistência financeira e técnica para as atividades de extração, comércio e industrialização da borracha. Posteriormente, em 1950, foi transformado em Banco de Crédito da Amazônia S/A, ampliando sua atuação para atender as atividades agrícolas, pecuárias, industriais, melhorias dos meios de transporte, etc. Em 1966, foi transformado em Banco da Amazônia S/A, atuando como banco de desenvolvimento regional. Para o Nordeste foi criada, em 1945, a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), que deveria assegurar o suprimento de energia elétrica à região, dando suporte ao seu desenvolvimento socioeconômico. Em 1948, foi instituída a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), com vistas no desenvolvimento da agricultura, indústria, irrigação e transportes, ao incremento da imigração e da colonização, à assistência às famílias a ao apoio à educação e a saúde. Em 1967, esta Comissão foi extinta e, em seu lugar, foi criada a Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), substituída, em 1974, pela Companhia de Desenvolvimento do vale do São Francisco (CODEVASF), cujo objetivo se voltou para a coordenação de programas e projetos de organismos públicos e privados, a nível federal, estadual e municipal (SOUZA, 1985). Após a segunda guerra mundial, o país passou a assumir uma postura voltada para a modernização, priorizando a expansão e a consolidação do capitalismo internamente. Para tal, tornou-se necessário promover um planejamento territorial em escala regional. (IANNI, 1986) Porém, uma discussão mais direcionada para a elaboração de políticas de planejamento regional no Brasil data dos anos de 1950, decorrente de algumas teorias de desenvolvimento regional, como a teoria dos polos de desenvolvimento (HESPANHOL, 1999), que traz como pressuposto o fato de o crescimento econômico se dar em determinados pontos de um território, daí se expandindo com efeitos variáveis sobre o conjunto da economia. Nas palavras de Perroux (1962), “o crescimento não surge em todos os lugares ao mesmo tempo. Na realidade, ele se manifesta em pontos ou polos de crescimento, com intensidades variáveis. O crescimento se transmite através de diversos canais e com efeitos variáveis para o conjunto da economia”. (PERROUX, 1962, p. 20) Neste período começam a ser elaborados os estudos do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), coordenados pelo economista Celso Furtado, que, como consequência, resultou na criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE. A partir de então, o aspecto territorial passa a ser predominante para a 142 identificação dos problemas da região Nordeste e para a construção de uma política que buscasse a integração e o dinamismo regional (COHN, 1978). A elaboração das políticas regionais, naquele momento, aconteceu de forma centralizada, ficando a cargo dos órgãos federais, que também foram os responsáveis pela sua execução, com a colaboração dos estados e municípios – modelo que se estendeu até a década de 80. Estes planos visavam a atuação em áreas de como infraestrutura, investimentos diretos no setor produtivo e políticas de concessão de incentivos fiscais (GALVÃO & VASCONCELOS, 1999). É do início da década de 50 a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), para a prestação de assistência financeira e técnica a empreendimentos de interesse econômico e social localizados na região Nordeste, nos estados compreendidos no Polígono das Secas. Em 1953, com o objetivo de promover o planejamento e desenvolvimento da região Norte, foi criada a Amazônia legal, que incluía parte dos estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais aos limites da Amazônia, ampliando as pesquisas sobre a fronteira agrícola. Porém, a baixa produtividade agrícola e a alta de preços provocada pela crise do petróleo levaram à relativa perda de interesse na área por parte do governo federal, fazendo com que o projeto não alcançasse os objetivos almejados. Durante o período de1956-1960, foi elaborado o Plano de Metas, para atuar em pontos vulneráveis da economia brasileira, através de investimento em infraestrutura, sob a coordenação do Estado, com a criação de um parque industrial nacional, expansão da indústria pesada, da indústria de materiais elétricos e do setor automotivo (LAFER, 1975). Entre suas metas estava o investimento nas áreas de energia, transportes, alimentação, indústrias de base e educação. Para dar suporte ao plano foram criados órgãos paralelos à administração, entre os quais estava a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, em 1959, com o objetivo de resolver o problema da seca na região Nordeste, através do financiamento ao desenvolvimento industrial. Sua função era definir e implementar políticas socioeconômicas para a região Nordeste. Aos mesmos moldes da SUDENE, em 1966 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, para dar apoio financeiro à região Amazônica. Estes modelos foram reproduzidos em outras regiões, através da Superintendência de Desenvolvimento do Extremo-Sul – SUDESUL, da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste –SUDECO – e da Secretaria Especial da Região Sudeste – SERSE. 143 Tais políticas resultaram no aumento da produção industrial e no crescimento do PIB. Porém, na prática, as regiões beneficiadas continuaram em situação de desigualdade se comparadas às demais do País. Neste período, o País sofreu os efeitos da alta taxa de inflação e do elevado desemprego, ao mesmo tempo que se verificou uma desarticulação e desestruturação em sua política interna, com falta de apoio ao governo por parte de diversos segmentos da sociedade. Na década de 60, sob o regime militar, o governo federal adotou um discurso mais efetivo de correção das desigualdades no interior país, preocupação que se expressou em todos os planos nacionais de desenvolvimento elaborados a partir de então. Havia uma clara necessidade de implementação de políticas de integração nacional que visassem a unificação das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte, o que aconteceria com a instalação de polos industriais que permitissem a dinamização e o estímulo à economia local. (FURTADO, 1989) As políticas de governo voltaram sua atenção para as áreas consideradas periféricas, com alto nível de pobreza. Foram dados incentivos públicos à industrialização dessas regiões, fazendo uso do discurso da modernização. Na prática, porém, o que se pôde verificar foi o grande incentivo à implantação de indústrias de base, que em sua maioria funcionavam principalmente como fornecedoras de insumos industriais para outras regiões do país, principalmente o Sudeste, o que contribuía ainda mais para uma polarização entre as regiões brasileiras. (CANO, 1997; DINIZ, 2001) A partir da década de 60, há uma preocupação grande com a ocupação da região CentroOeste, através sobretudo das oportunidades advindas da agricultura. Durante o governo militar, as políticas assumiram uma postura de correção de desigualdade observadas dentro do território brasileiro, através de uma política desenvolvimentista baseada no modelo da Teoria dos Polos de Desenvolvimento. O governo se respaldava na necessidade de uma política de integração que fortalecesse a unificação das regiões Nordeste, CentroOeste e Norte, com a instalação de “polos industriais”, promovendo assim o dinamismo e o estímulo à economia local para atingir o grau de desenvolvimento observado no Sudeste e Sul do País. As políticas regionais no País se concentraram nas regiões consideradas periféricas, com elevado grau de pobreza, para transformá-las em regiões promissoras. As ações para isto estavam no incentivo à industrialização. 144 Adotando o modelo proposto pela Cepal, o nordeste passou a receber os maiores estudos sobre desenvolvimento regional, com elaboração de propostas e planos de ação. Segundo Oliveira (1987), para aquela Comissão, o desenvolvimento deveria ser impulsionado primordialmente pela industrialização, que lançaria as bases para a superação da pobreza e do subdesenvolvimento, através de uma ação estatal de planejamento e com uma política de incentivos. O setor industrial teria um papel fundamental na economia nordestina conduzindo-a ao desenvolvimento. Objetivou-se então criar mecanismos de incentivo às indústrias de bases, aproveitando os recursos minerais disponíveis. Referente às indústrias de base, deu-se destaque à exploração de minerais destinados a produção de fertilizantes, e a exploração de calcário, para a produção de cimento. A indústria implantada no Nordeste acabou por desempenhar um papel de fornecedora de insumos industriais para outras regiões, especificamente a Sudeste. Em 1967, todos os organismos regionais passaram a integrar o Ministério do Interior do Governo Federal, que ficava encarregado de elaborar e executar o planejamento regional no País, com a colaboração de estados e municípios, em áreas de como infraestrutura, investimentos diretos no setor produtivo e políticas de concessão de incentivos fiscais, enquanto os órgãos a ela pertencentes passavam a ser meros executores das políticas traçadas a nível central. (GALVÃO & VASCONCELOS, 1995) Para o período de 1968-1970 foi elaborado o Programa Estratégico de Desenvolvimento PED, composto por diretrizes de políticas econômicas e setoriais, vetores de desenvolvimento regional, cujo objetivo era compor um projeto nacional de desenvolvimento, com a participação do setor estatal no preenchimento dos chamados “espaços vazios” da economia. Nesta época, foram implementados alguns planos setoriais ou regionais, como o Programa de Integração Nacional – PIN, para o fornecimento de incentivos fiscais para a promoção da agroindústria, e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste – PROTERRA – voltado à questão da reforma agrária. O objetivo maior do governo, porém, era recuperar a aceleração do desenvolvimento econômico, estabilizar preços e controlar a inflação, com o fortalecimento da empresa privada e ampliação do mercado interno. Desta época é o início da construção de estradas como a TRANSAMAZÔNICA e a Cuiabá-Santarém, para promover a união física e econômica das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estimulando a migração entre seus estados. 145 A partir da década de 70, os setores da indústria ligados à agricultura começaram a despontar com certa importância no cenário econômico nacional, e o governo federal passou a dispensar especial interesse na expansão agrícola e agroindustrial do Centro-Oeste do País, com inúmeras ações na área de infraestrutura (estradas, energia, tecnologia) da região, utilizandose da associação ao capital privado, nacional e estrangeiro e do incentivo fiscal. Neste período foram criados, por exemplo: o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste – PRODOESTE, para dinamizar o desenvolvimento econômico dos estados do Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, com atuação nas áreas de infraestrutura e obras de saneamento; o Programa Especial para o Vale do São Francisco – PROVALE, para acelerar o desenvolvimento socioeconômico da região do Vale do São Francisco; o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE, para promover a modernização das atividades agropecuárias do Nordeste através de recursos do PINPROTERRA; o Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal – PRODEPAN, elaborado para promover o aproveitamento econômico dos recursos naturais locais, com ações na área de transportes terrestres, energia elétrica e indústrias de base; o Programa Desenvolvimento dos Cerrados – POLOCENTRO, que estimulava investimentos nas áreas de pesquisa, experimentação, florestamento/reflorestamento, assistência técnica e fortalecimento da infraestrutura de apoio; e o Programa Especial de Desenvolvimento da Região de Grande Dourados – PRODEGRAN, para ampliar a produção de cereais e oleaginosas. Ao final da década de 70, o planejamento brasileiro sofre uma interrupção, sendo substituído por diagnósticos setoriais e políticas de curto prazo. Até meados dos anos 80, os planos e programas federais estavam direcionados à promoção da integração entre as regiões para o desenvolvimento nacional, com o governo federal assumindo um papel de ator principal no processo político de intervenção territorial. Após a queda do governo militar, em 1985, mudanças estruturais passaram a ser observadas na condução do processo de desenvolvimento regional. A ascendência de uma onda neoliberal, que seguia a ordem mundial vigente, organizava-se sob a égide da globalização e da minimização da intervenção do Estado na economia. A partir de então se deu a ascensão de outro paradigma na política brasileira. Se num primeiro momento, o governo brasileiro procurou promover a integração do território nacional como medida para atingir o desenvolvimento econômico e social do país, posteriormente, sob outro prisma, foi adotada uma estratégia do planejamento territorial, que objetivava o 146 desenvolvimento de cada uma das regiões de forma seletiva, dando atenção prioritária a seus problemas e particularidades. Na década de 1990, as atividades econômicas ganharam amplitude territorial, marcada pela vocação local, onde se verifica a preocupação com um planejamento que varia de território para território, de acordo com os problemas detectados, as atividades econômicas ali estabelecidas. Os planos setoriais substituem os planejamentos regionais, sob uma intervenção fragmentada, elaborados para segmentos específicos da economia e da sociedade, sob a forma de projetos e políticas públicas. Verifica-se o declínio do planejamento de médio e longo prazo e a perda relativa da capacidade de atuação das Agências de Desenvolvimento Regional. Para atender às questões da Amazônia, foi elaborado o Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE), que consistia em um estudo sobre a necessidade da adoção de política de gestão territorial para a normatização da exploração dos recursos naturais potenciais da região, aliando crescimento econômico e conservação dos recursos naturais e do meio ambiente. (COSTA, 1995). No Nordeste, o Projeto Áridas, do início da década de 90, refletiu o esforço na promoção de uma redefinição das políticas de desenvolvimento a serem implementadas para a região até o ano de 2020. Sua estratégia baseava-se na formulação de um conceito de desenvolvimento específico para aquela sociedade e o cenário onde estava inserida; elaboração de planos de desenvolvimento a partir da análise das tendências econômicas e políticas nacionais e da simulação das condições de sustentabilidade futura dos ecossistemas; definição de estratégias básicas de desenvolvimento nas áreas geoambiental, socioeconômica, científico-tecnológica e político-institucional, articuladas entre si, compondo uma estratégia global de desenvolvimento; definição de programas prioritários (PROJETO ÁRIDAS, 1995, p. 27). Deste projeto foi formulada a “Estratégia de Desenvolvimento Sustentável”, documento este que serviria de base para a criação do “Plano de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste”. Outro exemplo de planejamento regional foi o Projeto Ceres, elaborado para obter o desenvolvimento e a integração econômica das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, promovendo a interiorização do desenvolvimento do País, através de estudos sobre o potencial e limites de expansão da atividade agrícola da região. Este projeto deveria dar origem à formulação de diagnósticos permanentes, implementação de planos de desenvolvimento e avaliação dos resultados obtidos. (GALVÃO & VASCONCELOS, 1995). 147 Em período mais recente duas iniciativas de planejamento regional merecem destaque no País, que são a criação dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, que serviriam de referência à elaboração das ações do Plano Plurianual 1996-1999, e as Regiões de Referência, constantes na publicação do Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, de 2008, que propõem uma base territorial regional para a ação do Estado, a serem adotadas pelo Plano Plurianual 2008-2011. Os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento foram propostos para direcionar o investimento público e privado nas áreas produtivas, sociais, ambientais e de informação e conhecimento, dando suporte à elaboração do Programa Brasil em Ação, elaborado para o período de 1996-1999, levando em consideração os limites observados na dinâmica econômica do país, incluindo a noção de regionalização territorial. A meta a ser atingida pela economia seria a integração das regiões e sua inserção internacional seriam fatores para alavancar a competitividade brasileira por meio da redução das disparidades regionais. O estudo redividiu o território nacional em nove Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, cada um correspondendo a uma grande rota de transporte: Arco – Norte, Madeira – Amazonas, Araguaia – Tocantins, Oeste, Sudoeste, Transnordestino, São Francisco, Rótula, Mercosul. Esta proposta, porém, foi abandonada para dar lugar ao debate de criação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), entre 2004 e 2007. Mais recentemente, estudos sobre os Macro-Eixos de Desenvolvimento Nacional procuram delimitar os problemas e construir políticas de desenvolvimento para os segmentos regionais, sendo também um dos subsídios à construção e elaboração dos planos plurianuais de governo. Em 2007, foi instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR (BRASIL, 2007), estruturada sobre bases territoriais e intersetoriais, nas escalas macrorregionais e subregionais, devendo ser executada mediante a elaboração e execução de planos, programas, ações, voltada prioritariamente para o Semiárido, a Região de Fronteira e as Regiões Integradas de Desenvolvimento – RIDE’s, além de outras que venham a ser consideradas igualmente de impacto para o território nacional. “A PNDR tem o duplo propósito de reduzir as desigualdades regionais e de ativar os potenciais de desenvolvimento das regiões brasileiras, explorando a imensa e fantástica diversidade que se observa nesse país de dimensões continentais. O foco das preocupações incide, portanto, sobre a dinamização das regiões e a melhor distribuição das atividades produtivas no território.” (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Disponível em: http://www.integracao.gov.br/politica-nacional-de-desenvolvimento-regional-pndr. Acesso em: 26.08.2014) 148 O documento propõe uma variedade de recortes regionais, que melhor identifica os espaços territoriais e denota certo avanço na identificação das desigualdades regionais. Porém, para que haja maior eficiência no trato destas questões, é preciso ficar atento à necessidade de abordar a problemática de forma dinâmica, que envolve também nas escalas mesorregional, microrregional, intraurbana e outras que se fizerem necessárias. É necessário incluir outros recortes que contemplem as desigualdades socioeconômicas existentes. Em 2008 o Governo Federal elaborou o estudo “Dimensão Territorial para o Planejamento”, apresentando uma visão estratégica, de longo prazo, sobre o território nacional, cujas ações têm desdobramentos até o ano de 2027, com a proposta de alternativas para o desenvolvimento sustentável das regiões e redução de desigualdades sociais e regionais no território nacional, através de sete diretrizes: superação das desigualdades sociais e regionais; fortalecimento da unidade (coesão) social e territorial; promoção do potencial de desenvolvimento das regiões; valorização da inovação e da diversidade cultural e étnica da população brasileira; promoção do uso sustentável dos recursos naturais encontrados no território brasileiro; apoio à integração sul-americana; apoio à inserção competitiva e autônoma do país no mundo globalizado. (BRASIL, 2008). Embora este estudo não tenha sido adotado pelo PPA 2008-2011, a proposta dos macropolos foi considerada como espaço elegível no âmbito da PNDR II (2012-2015), associada ao Plano Mais Brasil. Com esta exposição, pode-se observar as inúmeras tentativas do governo federal em retirar do atraso econômico e social algumas regiões do País, promovendo ações de desenvolvimento. Porém, o que se verifica na prática é a falta de continuidade dos programas adotados, que são modificados a cada gestão para atender ao plano de governo do gestor eleito, impossibilitando a adoção de políticas de longo prazo, de caráter continuado. IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS O planejamento regional no País tem passado por um processo de evolução em sua metodologia de construção ao longo do tempo. 149 Os programas de desenvolvimento, num primeiro momento, ao atender os interesses do capital, foram responsáveis pelo surgimento de desequilíbrios variados nas regiões nacionais. A busca pela superação deste problema tem resultado na formulação de políticas regionais, sem que possa ser observado uma linearidade em sua construção ou nas ações por elas propostas. No governo, planos nacionais e regionais foram criados, simultaneamente, como o objetivo de promover o desenvolvimento nacional e territorial e superar as crises econômicas e sociais geradas em decorrência das políticas nacionais adotadas. Sinteticamente, podemos dividir o processo de elaboração de políticas de planejamento regional em dois momentos distintos: do período que se estende dos anos 50 até meados dos anos 80, quando o Estado atuou de forma centralizada, estratégica e institucionalizada. Este modelo, porém, se modificou no início dos anos 90, quando os planos nacionais e regionais começaram a dar lugar a planos setoriais, com intervenção fragmentada em políticas e projetos dirigidos a determinadas áreas de atuação. Inúmeras foram as políticas adotadas com o objetivo de promover a melhor distribuição de recursos dentro do País, ao longo do tempo, porém, muitas delas aconteceram de forma descontinuada e sem que seus objetivos fossem atingidos. Porém, é preciso ressaltar que o debate sobre as questões regionais é necessário, para se alcançar o equilíbrio nacional proposto, perseguindo o objetivo elencado pela Constituição Federal de 1988, de redução das desigualdades regionais e sociais entre as regiões brasileiras, num esforço contínuo e conjunto entre o Estado e a sociedade civil organizada, na geração de bem-estar social. REFERÊNCIAS BRASIL. Modelo de Planejamento Governamental. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília: Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, 2012b. ____________________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG. Secretaria de Planejamento e Investimento – SPI. Estudo da dimensão territorial para o planejamento. 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Fortaleza, BNB, Etene - Codevasf, 1985. 152 ESTADO E PODER, CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A CRÍTICA AO CONCEITO DE ESTADO Danilo Uzêda da Cruz 1 RESUMO Esse artigo apresenta uma revisão teórica sobre a questão do estado à luz da teoria política materialista, tendo em vista o retorno do debate sobre a política, o estado e a ação do estado no mundo contemporâneo. Essa revisão foi realizada a partir de uma leitura específica da teoria política marxista, levando em consideração a produção teórica elaborada pelo chamado marxismo ocidental, à luz das transformações do capitalismo contemporâneo. INTRODUÇÃO O intenso debate ao longo dos anos 1970 e 1980 sobre a existência ou não de uma teoria marxista de Estado ou uma doutrina política marxiana sobre o Estado combinaram com um período de grandes mudanças na vida social. As transformações oriundas da desestruturação do padrão de acumulação notadamente desenvolvidas a partir do período pós-guerra, com reorientações e mudanças significativas nas relações de produção, nos padrões de consumo, nas formas de sociabilidade e de socialização e nas diversas esferas da economia e política mundial, recolocaram a questão do Estado e sua relação com a sociedade. É, portanto, nos anos 1970 e 1980 que se percebeu a crise secular que o capitalismo entrou e ainda encontrase. Essa crise levou o sistema soviético, juntamente com suas contradições internas, a ruína; a posição hegemônica dos Estados Unidos foi questionada por outros competidores, Japão e Europa ocidental particularmente, que reestruturaram o padrão fordista de produção. Os países periféricos, já não podem ser completamente identificados com de “Terceiro Mundo”, nem os países ricos como de “Primeiro Mundo”. Não sem antes um olhar mais aprimorado que permita perceber os bolsões de pobreza e extrema miséria que o padrão de acumulação criou internamente, obrigando governos a pensarem políticas sociais redistributivas com mais 1 Mestrando em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS); Especialista em Docência do Ensino Superior (FTC); Licenciado em História (UEFS); Graduando em Ciências Sociais (UFBA); Pesquisador do Instituto de Pesquisas Sociais (IPS); Técnico em Desenvolvimento Regional da Companhia de Ação e Desenvolvimento Regional do Governo do Estado da Bahia (CAR). Correio eletrônico: [email protected] 153 seriedade e clareza. Ao mesmo tempo populações inteiras de países pobres são tornadas descartáveis, não como exército de reserva, o lúpem proletariado clássico dá lugar aos inimpregáveis, Populações que não tiveram ou não reorganizaram seu padrão de produção são desligados do restante do mundo em plena era da conexão (HIRSH, 1998; MARQUES, 1997). A intervenção estatal nas esferas sociais se torna tanto mais necessária quanto fragmentada e assimétrica, fazendo confundir ou ocultar as relações entre política e economia, democracia e capitalismo. Segundo o historiador Hobsbawm (2008) um período marcado por um intensa transmutação da forma de reprodução do capital, de grande resistência popular e social aos avanços do capital sobre o trabalho, de grave e duradoura crise do primeiro e de intensa organização e desorganização dói segundo. Foram os últimos 30 anos do século XX um intenso período de criatividade do capital e dos trabalhadores em geral, mobilizando dimensões antes impensadas no processo de reprodução do capital e de seus grupos sociais. Essa crise esteve expressa no desmantelamento do modelo soviético após longos anos de embate ao capital e de fornecimento de modelos aos diversos Estados. Nos anos 1980 o colapso da URSS também faz colapsar alternativas socialistas em todo o mundo, ao menos daqueles que resistiam em manutenção de um modelo anacrônico de política, de Estado e de controle social (HOBSBAWM, 1995 e 2008). Mas significou ainda uma desestruturação do pensamento de esquerda e de suas experiências de Estado. Se é justo dizer que o capital se movimentou com vistas a manutenção do que lhe é fundamental – o controle sobre o trabalho, sua única fonte de lucro –, é tão rela afirmar que as formas de dominação e suas instituições também se modificaram. A Europa e a América do Norte foram o centro dessa transformação molecular. Contudo, tanto sofreram reflexos dessa transformação, quanto criações das formações sociais determinadas na América Latina e nos países do chamado Terceiro mundo também marcaram o período. Para os países da América Latina a expressão real dessa reorientação do capital esteve expressa na instauração de golpes militares apoiados pelo capital internacional, em particular pelos Estados Unidos. No Brasil o golpe militar de 1964-1985, além de incrementar a burocratização e o aparelho repressivo do Estado não significou um maior e efetivo crescimento econômico. Consolidou uma luta armada de resistência ao Estado militar autoritário e violento, e apoiado por uma burguesia liberal vacilante. 154 A crise de acumulação molecular do capital iniciada nos anos 1970 e 1980 também provocou uma desordem nas tradicionais estruturas social, econômica e na teoria política, nossa preocupação central aqui. Além de inaugurar um processo mais amplo de internacionalização do capital e de globalização financeira a crise que se instala no capitalismo provocou paralelamente uma discussão teórica sobre o Estado e seu papel na mediação e regulação da vida social. Esse clima político e social contribuiu para rupturas no campo das ciências sociais e de sua produção teórica. O aparente esgotamento de modelos explicativos metateóricos tanto funcionalistas quanto marxistas, vis a vis o mundo em constantes e graves mudanças, proporcionou uma busca de novos caminhos e perspectivas para a teoria social, em particular para o aprofundamento da teoria política e as relações entre estado e sociedade. A busca teórica, diante de modelos aparentemente esvaziados de concreticidade histórica, era pela convergência teórica e pela busca de modelos e caminhos explicativos que incorporassem essas novas dimensões sociais surgidas do período de reestruturação econômica, de revolução cultural, e principalmente de complexificação da vida social. Conforme Marques, “(...)Nessa perspectiva de diálogo e convergência de olhares, merecem destaque, dentre as questões a serem rediscutidas, o Estado e seu papel na condução das políticas, seja pelos impasses e limites colocados aos Estados nacionais pelo processo de globalização da economia, seja pelo ataque neoliberal às estruturas de welfare state e à valorização de posturas teóricas pró-mercado (...)”(MARQUES, 1997, p. 67). As leituras contemporâneas desse campo do conhecimento sobre essa relação entre Estado e seu papel na mediação, regulação, da vida social, aparecem introduzindo um novo debate, não tanto sobre a natureza do Estado e sim sobre o Estado em Ação. Ainda assim, uma produção intensa se deu buscando identificar os contornos e o miolo da crise do capital e seu caráter sistêmico, que obrigou todos os países a reestruturarem suas políticas econômicas, bem como sua relação com as demandas sociais a fim de garantir os compromissos da burguesia com os princípios liberalizantes. Para Hobsbawm (1998), o pensamento marxista e marxiano são fundamentais para pensar a história e a teoria política. Seja porque ele nos oferece um método analítico, seja porque traz elementos fundamentais para a explicação do processo histórico de formação da sociedade capitalista, seus conflitos internos e formas de dominação. As relações sociais de classe no 155 Estado capitalista não escondem ou imiscuem os outros e relevantes conflitos criados ou aprofundados com o Estado capitalista. Então também importante é compreender como esses conflitos e o conflito de classe é controlado, “(...)mediante uma espécie de válvula de segurança, como em tantos tumultos plebeus urbanos nas cidades pré-industriais, ou institucionalizado com “rituais de rebelião”(...) ou por outras maneiras; mas as vezes não pode ser controlado. O Estado normalmente legitimará a ordem social mediante o controle do conflito de classe no âmbito de um quadro estável de instituições e valores, pairando ostensivamente acima e fora delas”(HOBSBAWM, 1998, p. 167). No entanto, no capitalismo contemporâneo o Estado amplia essa função, e em alguns momentos pode perdê-la, funcionando como uma “conspiração dos ricos em seu próprio benefício, quando não, de fato, como causa direta das desgraças dos pobres.” (HOBSBAWM, 1998:168). Se essa relação entre um Estado “acima das classes” e outro “desgraçado” para os pobres é concreta, nos parece que se complexifica, como dissemos acima, a medida que o capitalismo se metamorfoseia, e o próprio Estado moderno se transforma. O longo período de acumulação flexível (ARRIGHI, 2010) e de flexibilização do trabalho, fruto da crise sistêmica ou molecular do capital (MESZÁROS, 2005), transformaram o Estado moderno nas diversas perspectivas, mas ainda atendendo, como de fato é sua natureza, ao capital. Novas institucionalidades e outras formas de participação da gestão pública são também produtos dessa reorientação da forma política do capital. O território por excelência é o Estado nacional, e dele derivam todas as discussões sobre sistema político, políticas públicas. Nesse sentido explicar o Estado capitalista sob uma perspectiva marxista nos parece ser o ponto inicial para compreensão das transformações e mutações do Estado capitalista contemporâneo e sua expressão nas políticas públicas de desenvolvimento territorial, nosso objetivo, seja porque “(...) o Estado é produto, é consequência, é uma construção de que se vale uma dada sociedade para se organizar como tal” (MARX e ENGELS, 1975, p. 111), seja porque esse Estado contemporâneo mesmo, produto das relações sociais determinadas, condicionadas não somente pelo puro modelo de produção (mas também por ele), por suas determinantes sociais e históricas, expressa a forma capitalista de organização política não para servir de árbitro entre as classes, acima deles, portanto, mas para imprimir ao conjunto das relações sociais as regras, normas, leis, instituições, valores, credenciais, corporações, etc, seja porque faz-se necessário compreender e explicar o horizonte da sociedade civil nas 156 esferas de participação e disputa política, como conselhos, associações, conferências, planejamentos e orçamentos participativos, ações públicas, etc., na perspectiva da disputa por hegemonia ou manutenção do atual estado de coisas. O QUE NOS DIZ MARX E ENGELS A teoria materialista do Estado tem nas formulações de Marx e Engels o arcabouço teóricometodológico inicial de sua formulação, quebrando uma tradição hegeliana e construindo uma nova abordagem sobre o Estado e sua relação com a sociedade civil. Os fundadores do materialismo histórico e dialético invertem a relação do Estado e sociedade civil, percebendoos como fenômenos da relação social, internos aos sistemas de relações sociais, portanto parte e produto da forma como a sociedade capitalista encontrou para garantir a reprodução do capital, e consequentemente a sua reprodução com classe dominante. Para Bobbio (2006), a despeito do que dizem alguns intérpretes de Marx e Engels, o conjunto de teorias, ideias e projeções teóricas de Marx e Engels, caminham no sentido de compreender o sentido da vida associativa e da política, portanto trazem, ainda que não contenha a teoria de Marx – com a de Engels – um texto completo sobre o Estado, ambos teóricos buscam compreender a dinâmica do Estado e sua relação com a sociedade, incorporando o primeiro à dimensão estrutural da segunda. Ao romper com uma tradição teórica que fundamentou os textos de Maquiavel a Rousseau, passando por Hobbes e Locke, além dos alemães, Hegel e Kant, Marx e Engels elaboraram uma teoria do Estado (BOBBIO, 2006; CODATO, 1999; HOBSBAWM, 1998), que em geral é uma crítica à compreensão do Estado nesse s autores precedentes, é uma crítica ao Estado burguês em particular, e, principalmente, corresponde a uma teoria para um Estado transitório e sua superação, aliais como condição sine qua para a superação das classes sociais. Para Codato uma crítica contemporânea da corrente hoje predominante na análise de Ciência Política – o neo-institucionalismo, sustenta que a visão que Marx possuía do Estado “(...)era pobre e esquemática e que não haveria nas suas obras um tratamento mais detido do problema que fosse além da mera constatação da natureza de classe dos processos de dominação política(...)”(CODATO, 1999, p. 3). Contudo o mesmo Codato nos oferece uma importante contribuição para pensarmos a Teoria Materialista do Estado, sobretudo, por que: “(...) o que se pode encontrar nas suas obras principais são: (i) ou conceitos no “estado prático”, isto é, presentes em toda argumentação mas não teoricamente elaborados (pois foram pensados para dirigir a atividade 157 política revolucionária numa conjuntura concreta); (ii) ou elementos de conhecimento teórico da práxis política e da superestrutura do Estado não inseridos, entretanto, num discurso ordenado; (iii) ou, ainda, uma concepção implícita do lugar e da função da estrutura política na problemática marxista – mas não um tratamento orgânico do problema do Estado(...)”(CODATO, 1999, p. 3). A obra de Marx e Engels oferece então uma ampla contribuição, igualmente no que diz respeito a “(...) determinação da natureza de classe dos processos de dominação política (...)”. (CODATO e PERISSINOTTO, 2000, p. 2) como a leitura de processos concretos e historicamente determinados, possibilitando a análise do Estado em ação, suas instituições, disputas políticas e processos de hegemonia e contra-hegemonia nos mais internos aparelhos e instituições estatais. Essa posição teórica fundamenta a interpretação de que o Estado não é ele mesmo produto de um consenso 2, ou representante de toda a “sociedade”, ou ainda do “interesse nacional”. Ele é antes uma estrutura de poder que concentra, resume e se põe em movimento a força política da classe dominante (CODATO e PERISSINOTTO, 2000) 3. O Estado surge em Marx com um duplo papel: de controle dos aparelhos de Estado e, num papel exterior as classes de garantia da hegemonia da classe dominante, passando assim do “a quem serve” a compreensão mais elástica de “como se movimenta, atua e opera” o Estado capitalista. Para autores clássicos do pensamento marxista ocidental como Poulantzas e Jessop, tentar encontrar um documento que em um só texto traduza o pensamento político de Marx e Engels é um equívoco típico da academia. Esse documento não é possível porque as análises de Marx não tinham um caráter a-histórico, traduziam, via de regra, interpretações dialéticas sobre o mundo político. (POULANTZAS, 1977 e JESSOP, 2009). Ao teorizar sobre um aspecto “em geral”, Marx refletia sobre contradições concretas historicamente determinadas. Assim o 2 Seja na perspectiva liberal de Rousseau ou na perspectiva do socialismo utópico libertário de Saint-Simon e Fourrier. 3 Nesse texto os autores elaboraram uma síntese interessante sobre o pensamento marxista e sua teoria política. O debate central, ao revisitar Marx e Engels em suas principais elaborações teórico-metodológicas sobre o Estado, fundamentou-se na construção da natureza do Estado para o pensamento marxiano. Para os autores essa teoria se permaneceu incompleta nos autores fundadores do materialismo histórico e dialético, possibilitou aos marxistas o aprofundamento a partir dos textos clássicos, transitando da “natureza do Estado” para a percepção do “estado em ação”, ou do reforço de correntes de pensamento “neomarxistas” para a revisão do pensamento político marxiano. Sendo assim: “em meados dos anos setenta, notadamente na Itália, a literatura que se incorporou à vaga “revisionista” enfatizou a incipiência da teoria política marxista. Segundo Norberto Bobbio, o fato de Marx não ter redigido o livro planejado sobre o Estado (...) só confirmou o tratamento enviesado que o problema recebeu por parte da dessa tradição teórica”. CODATO, A. e PERISSINOTO, R. M. Estado e teoria política contemporânea. Comunicação. Curitiba, UFPR. 2000, p.3. Contudo para os autores esse aprofundamento está mesmo nas obras de Marx e Engels, como veremos mais adiante. 158 Esatado não é atemporal, na teoria marxista, como veremos mais adiante, trata-se antes de um Estado em particular. Esse posicionamento teórico e metodológico na leitura dos textos de Marx e Engels não é por acaso. A crítica central de uma tradição não marxista, sobretudo aquela que se constituiu na corrente neo-institucionalista, é a de apontar a inexistência de uma teoria marxista de Estado, e de indicar que quando o fenômeno político aparece nos textos de Marx não observa o papel das instituições ou do “Estado em ação”, permanecendo preso a uma análise a-temporal e genérica (DUMÉNIL, 2011). Porém os principais autores e pesquisadores da obra marxiana e engelsiana destacam três textos fundamentais para a compreensão do pensamento político não a cerca do Estado moderno em geral e sim suas formações históricas específicas, traduzindo, desse modo, a perspectiva anotada anteriormente e a permanente distinção entre a “natureza” e o “Estado historicamente determinado” como condicionantes dialéticas do percurso teórico de Marx e Engels. A complexidade e profundidade das interpretações de Marx e Engels sobre a natureza do Estado e a forma política assumida pelo capital permeando suas instituições e relações sociais, ainda que delineadas ao longo de toda a obra teórica de ambos, estão mais explícitas em três textos fundamentais publicados a partir de 1848, na Nova Gazeta Renana e em publicações independentes posteriormente, a saber: Lutas de Classe na França de 1848 a 1850, A Guerra Civil na França e o 18 de Brumário de Luis Bonaparte. Antes, contudo, textos precedentes e de grande contribuição teórica ao conjunto da obra de Marx e Engels já haviam tratado, fragmentariamente, do Estado, de uma teoria do Estado ou da relação com a sociedade civil, ora incorporando-a (como em Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel) ora dotando-lhe de autonomia relativa (como em Sagrada Família) ou com parte “acima” da sociedade e determinante em uma sociedade historicamente determinada (Ideologia Alemã). E já em 1848, no Manifesto Marx e Engels afirmam que: “(...) Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi acompanhada foi acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui república urbana independente, ali terceiro estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir os 159 negócios comuns de toda a classe burguesa.(...)” (MARX e ENGELS, 2007, p. 41-2) Para Engels (1984), O Estado: “(...)não é, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é a 'realização da idéia moral 'nem a 'imagem e realidade da razão ', como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a revelação de que essa sociedade se envolveu numa irremediável contradição consigo mesma e está dividida em antagonismos irreconciliáveis que não consegue eliminar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos antagônicos, não se devorem e não afundem a sociedade numa luta estéril, torna-se necessário um poder situado aparentemente acima da sociedade, chamado para amortecer o choque e mantê-lo dentro dos limites da 'ordem '. Esse poder, nascido da sociedade mas que se distancia cada vez mais dela é o Estado (...) [Ele] torna-se um Estado em que predomina a classe mais poderosa, a classe econômica dominante (...) O Estado antigo era acima de tudo o Estado dos proprietárias de escravos para manter subjugados a estes, enquanto o Estado feudal era o órgão da nobreza para dominar os camponeses e os servos, e o Estado moderno é o instrumento de que se serve o capital para manter a exploração sobre o trabalho assalariado (...) [Um] traço característico do Estado é a instituição de uma força pública que já não mais se identifica com o povo em armas (...) Para sustentar essa força pública, são exigidas contribuições por parte dos súditos do Estado: os impostos.” (ENGELS, 2000, p. 191-3). O Estado, como afirma Engels, não surgiu de fora para dentro, ou existe eternamente: ele é senão o produto das contradições internas de cada sociedade em cada período histórico, que necessita, dialeticamente, de um elemento exterior que viabilize a dominação de classe. Já em “A guerra civil na França”, Marx reafirma as bases do estatais, uma vez que “(...) o poder estatal centralizado, com seus órgãos onipresentes, com seu exército, polícia, burocracia, clero e magistratura permanentes – órgãos traçados segundo um plano de divisão sistemática e hierárquica do trabalho – tem sua origem nos tempos da monarquia absoluta e serviu a nascente sociedade da classe média como uma arma poderosa em sua luta contra o feudalismo. (...)” (MARX, 2011, p. 54). O processo de formação do Estado a serviço da manutenção da classe dominante, que teve na Revolução Francesa, nos diz Marx (2011), “a enorme vassoura” que “varreu todas as relíquias de tempos passados” 4, estabelecendo uma nova classe dominante, obrigando, dessa forma, o Estado a reestruturar-se, e se colocar a serviço dessa nova classe dominante. O Estado aqui 4 “(...) Seu desenvolvimento, no entanto, permaneceu obstruído por todo tipo de restos medievais, por direitos senhoriais, privilégios locais, monopólios municipais e corporativos e códigos provinciais. A enorme vassoura da Revolução Francesa do século XVIII varreu todas essas relíquias de tempos passados, assim limpando ao mesmo tempo o solo social dos últimos estorvos que se erguiam ante a superestrutura do edifício do Estado moderno(...)” MARX: 2011, p. 54. 160 não é apenas o sustentáculo de para uma nova sociedade moderna que surge, mas também o instrumento de sua reprodução. LÊNIN E O ESTADO Se não está em nosso horizonte aprofundar em sua totalidade o pensamento marxiano sobre o Estado, apontando apenas algumas características gerais de sua teorização política, tampouco pretende-se exaurir toda a concepção marxista sobre o Estado. Contudo não poderíamos seguir adiante sem apontar esses elementos centrais da teoria de Lênin sobre o Estado que convergiram para a teoria marxista do Estado nos tempos contemporâneos, fundamentando de forma significativa o conjunto das análises do materialismo histórico e dialético no mundo do século XX, incorporando diversos elementos teóricos e analíticos a partir de uma concretude histórica mundial e russa em particular. A compreensão do Estado moderno e a necessidade histórica do empreendimento imperialista dos Estados capitalistas nos finais do século XIX e século XX, bem como a concepção de dominação de classe e também necessária tomada abrupta do poder do Estado pelo proletariado, não seria possível sem as análises presentes nos textos leninistas, que incorporaram as principais teorizações de Marx e Engels à luz de uma realidade histórica nova que se apresentava tanto para a Rússia revolucionária como para diversas partes do mundo. A extensa bibliografia de Lênin contrasta com sua morte prematura. São inúmeros escritos políticos teóricos e de análise de conjuntura, cuja profundidade e relevância fizeram-se sentir ao longo do século XX fundamentando programas de partidos revolucionários, programas estatais e incontáveis teses e pesquisas acadêmicas. Em nosso propósito duas tomam relevo, por se tornarem clássicas no pensamento político marxista, e por tratarem de forma mais sistemática a questão do Estado, com a introdução – fundamental – da questão do dominação de classe na análise do estado, justificando inclusive as razões pelas quais os trabalhadores deveriam lutar pelo poder político na Rússia czarista. São dois textos que traremos à baila para tratar da concepção leninista sobre o Estado. O primeiro texto de Lênin, as “Teses” ou “As tarefas do proletariado em nossa revolução”, foi escrito em 1917 em pleno processo revolucionário e busca identificar o problema da transformação do partido, o papel do proletariado na revolução e da tomada do poder pelas classes trabalhadoras. O segundo, “o Estado e a revolução”, escrito nos meses de setembro de 161 1917, Lênin busca expor didaticamente o conjunto teórico esboçado por Marx ao longo das obras escritas nos anos 1848-1871, já mencionadas acima. 5 Aparentemente, segundo Johnstone (1985), parece paradoxal que Lênin tenha dado pouca ou nenhuma importância ao problema do poder na sociedade pós-capitallista. Para o autor, a explicação não está apenas no fato do materialismo histórica calcar suas análises na experiência concreta. “(...)é necessário lembrar que, sobretudo até 1914, a atividade principal de Lênin fora dirigida, (...) mais no sentido do desenvolvimento na Rússia de uma revolução democrático-burguesa do que de uma revolução socialista.(...)”(JOHNSTONE, 1985, p. 120). As formulações explicitadas por Marx e Engels em sua teoria política são o centro da teoria política também em Lênin, exposta em sua obra O Estado e A Revolução. O processo histórico que levou Lênin as conclusões sobre a formação do Estado e sua natureza, contudo, apontam dimensões e formações históricas diversas daquela identificada por Marx e Engels nos textos clássicos 6. Daí a necessidade mais premente de partir de uma análise contextualizada dos regimes políticos, totalitários ou democráticos, ao contrário de Marx e Engels que partiram da natureza do Estado em si. Na obra de Lênin fica claro, contudo a função do Estado como aparelho repressivo da burguesia, e o papel dessa classe como núcleo central do Estado burguês. Desse modo não há outra alternativa, nos diz Lênin (2007), do que apoderar-se do Estado, da máquina do Estado, transformando-se em classe dominante 7 e estabelecendo-se o seu domínio político. 5 Ambos os textos inauguram um amplo debate entre os marxistas sobre o papel da classe trabalhadora, dos operários em geral, na consolidação do socialismo como momento de transição historicamente determinado para uma sociedade sem Estado. Como veremos ao longo do texto a abordagem leninista da teoria política marxista influencia de maneira decisiva pensadores importantes dentro do pensamento marxista, sendo o principal deles Antonio Gramsci. Os dois textos surgem em um Lênin maduro que já aponta as questões centrais do Estado e da revolução em processo na Rússia, identificando os papeis do partido verdadeiramente revolucionário e suas tarefas na construção de uma sociedade igualitária, bem como o enfrentamento ao capitalismo e a revolução permanente como condição necessária ao sucesso do socialismo e do comunismo. Textos anteriores já trabalhavam a questão do Estado e sua contradição fundamental na sociedade. Para o conjunto das obras de Lênin, ver: LENIN, V. I. Obras escolhidas, volumes I, II e III. (em particular volumes I e II). São Paulo : Alfa Ômega, 1982 e 1988. 6 Ainda que Marx e Engels elabore análises para o Estado em geral em alguns momentos, a produção teórica está centrada na conjuntura da Europa revolucionária dos anos 1848, e analisando o caso concreto da França entre os anos 1848 e 1871, a partir de um processo revolucionário burguês e a dinâmica das classes no Estado, como vimos acima. Lênin, em pleno processo revolucionário da Revolução Soviética, partirá da análise de uma sociedade sob o regime czarista, sem o desenvolvimento capitalista-industrial clássico, ou significativo. 7 O Estado como classe dominante. VER: JOAHNSTONE, 1985, p. 12. 162 Lênin incorpora em o Estado e a Revolução a necessidade histórica de transformar a classe trabalhadora em classe dominante, demonstrando que: “(...) sem a transformação do proletariado em classe dominante, a resistência, “inevitável”, “desesperada”, da burguesia não pode ser derrubada. (...) O proletariado tem necessidade do poder de Estado, de uma organização centralizada da força, de uma organização da violência, tanto para reprimir a resistência dos exploradores como para dirigir a grande massa da população (...) (LÊNIN, 2007, p. 340). A constituição do proletariado em uma “unidade de força”, em uma “centralidade da repressão violenta” não é contudo uma condição permanente. Trata-se antes de garantir o domínio político para exercer o domínio econômico. Essa relação não pode ser duradoura, segundo Lênin (2007), mas também não pode ser esquecida, como a experiência da Comuna de Paris. A ditadura do proletariado é, portanto, uma condição necessária que permitirá aos trabalhadores a transformação de todos os meios de produção, que antes eram de posse da burguesia, em meios de produção do Estado, em propriedade do Estado. Essa provisoriedade da posse do poder político nas mãos do proletariado, segundo Lênin (2007) é o tempo necessário para a conversão econômica de uma Estado sem classes. O Estado só existe, aponta, porque existe conflito entre classes. A superação ou a supressão das classes em uma sociedade específica carregará com ela a necessidade do Estado. Para Lênin (2007) não há outro objetivo em deter o poder político senão a supressão do próprio Estado, na destruição do aparelho do Estado. O texto de o Estado e a Revolução, como apontamos mais acima é uma releitura analítica, à luz da realidade revolucionária da Rússia, dos clássicos textos de Marx sobre a Luta de Classes na França, a Guerra Civil na França e o 18 de Brumário de Luís Bonaparte. E aprofunda identificando como a experiência da Comuna de Paris possibilitou aos trabalhadores a descoberta de uma fórmula, de uma forma política, na qual se poderia efetuar a emancipação econômica do trabalho, efetuando assim a emancipação e tornando o Estado desnecessário à formação social seguinte. (JOAHNSTONE, 1985, p. 122). O Estado e a Revolução é um texto que identifica dois elementos teórico-práticos, aprofundando a primeira leitura de Marx e Engels: a necessidade de dominação proletária do aparelho de Estado, e sua 163 destruição, não definhamento 8, mas destruição do arcabouço burocrático, violento e repressor do Estado, em uma sociedade sem classes. Mas somente em 1919, em uma conferência pronunciada por Lênin na Universidade Sverdlov 9 em 11 de julho daquele ano, que Lênin expõe de maneira histórica a questão do Estado abordando as transformações e, novamente resenhando as obras clássicas do marxismo ocidental, dessa vez enfatizando a necessidade da burocratização do Estado socialista antes de sua destruição total. “(...) A teoria do Estado serve para justificar os privilégios sociais, a existência da exploração, a existência do capitalismo, razão pela qual seria o maior dos erros esperar imparcialidade neste problema, abordando-o na crença de que quem se julga cientista possa apresentar uma concepção puramente científica do assunto. Quando se tenham familiarizado com o problema do Estado, com a doutrina do Estado e com a teoria do Estado, e o tenham aprofundado suficientemente, descobrirão sempre a luta entre classes diferentes, uma luta que se reflete ou se exprime num conflito entre concepções sobre o Estado, na apreciação do papel e da significação do Estado(...).”(LÊNIN, 1919). Essa compreensão é completada pela afirmação, mais contundente de que: “(...)Se vocês considerarem o Estado do ponto de vista desta divisão fundamental, verão que, antes da divisão da sociedade em classes, como já tenho dito, não existia qualquer Estado. Mas, quando surge e se afiança esta divisão da sociedade em classes, quando surge a sociedade de classes, também surge e se afiança o Estado. A história da humanidade conhece dezenas e centenas de países que tenham passado ou estão a passar na atualidade pela escravatura, o feudalismo e o capitalismo. Em cada um deles, apesar das enormes mudanças históricas que tiveram lugar, apesar de todas as vicissitudes políticas e de todas as revoluções relacionadas com este desenvolvimento da humanidade e com a transição da escravatura ao capitalismo, passando pelo feudalismo e até chegar à atual luta mundial contra o capitalismo, vocês perceberão sempre o surgimento do Estado. Este sempre se caracterizou como um determinado aparelho com relativa autonomia em relação à sociedade, consistindo num grupo de pessoas dedicadas exclusiva ou quase exclusivamente ou principalmente a governar. Os homens dividem-se em governados e em especialistas em governar, que se colocam por cima da sociedade e são chamados governantes, representantes do Estado. Este aparelho, este grupo de pessoas que governa os demais, toma posse sempre de certos meios de coerção e de violência física, que se exprime sobre os homens primitivos, através dos tipos mais aperfeiçoados de armas, na época da escravatura, ou nas armas de fogo inventadas na Idade Média ou, por último, nas armas modernas, que, no século XX, são verdadeiras maravilhas da técnica e se baseiam integralmente nas últimas conquistas da tecnologia moderna. Os métodos de violência 8 Sobre a controvérsia de Lênin com marxistas contemporâneos ver LÊNIN, 2007; JOAHNSTONE, 1985; DURIGUETTO e MONTAÑO, 2011. 9 http://pcb.org.br/fdr, em 20.10.2011. 164 mudaram, mas em toda a parte existiu um Estado, existiu em cada sociedade um grupo de pessoas que governavam, mandavam, dominavam e que, para conservarem o seu poder, dispunham de um aparelho de coerção física, de um aparelho de violência, com as armas que correspondiam ao nível técnico da dada época. E apenas examinando estes fenômenos gerais, perguntandonos por que não existiu Estado algum quando não havia classes, quando não havia exploradores e explorados e por que ocorreu quando surgiram as classes; só assim é que acharemos uma resposta definida à pergunta de qual é a essência e a significação do Estado (...).”(LÊNIN, 1919) É interessante que ao longo de toda a sua produção teórica dedicada a análise do Estado Lênin não abandona ou descuida dessa perspectiva da necessidade de desburocratização da vida social, sendo ela mesma uma elemento de dominação irrelevante na sociedade comunista avançada. O ESTADO AMPLIADO GRAMSCIANO Enquanto Marx e Engels trataram conjuntamente de um contexto social-histórico na realidade concreta do capitalismo concorrencial, no século XIX e ainda elaboravam tendo como horizonte o capitalismo monopolista, os desdobramentos da 1ª Guerra mundial, da Revolução russa, e mesmo das condições do Estado italiano. A forma de socialização política desenvolvida na Itália, distinta do conjunto da Europa caracteriza a necessidade de uma análise histórica concreta, o que Gramsci faz, a partir das “pistas” teóricas de Marx e, principalmente, Lênin, radicando, como acrescenta Lukacs (1974), a total fidelidade com o método materialista dialético, de captar a dinâmica, os processos, de novas realidades as novas (ou outras) determinações. A análise gramsciana não será, desse modo, um mero compêndio das informações de Marx, Engels e Lênin, orientando toda a sua formulação para a compreensão da situação concreta e histórica, da realidade italiana e europeia, mas também das sociedades do capitalismo desenvolvido no seu tempo. (COUTINHO, 2007). No ambiente geográfico vivenciado por Gramsci, “(...) já se generalizou uma maior complexidade do fenômeno estatal: ele pôde assim ver que, com a intensificação dos processos de socialização da participação política, que tomam corpo nos países “ocidentais” sobretudo a partir do último terço do século XIX (formação de grandes sindicatos e de partidos de massa, conquista do sufrágio universal, etc) surge uma esfera social nova, dotada de leis e de funções relativamente autônomas e específicas, tanto em face do mundo econômico quanto dos aparelhos repressivos do Estado(...)”. (COUTINHO, 2007, p. 124). A contribuição de Antonio Gramsci, nesse sentido, pode ser lida em três conjuntos de documentos, organizados em português pela primeira vez pelo cientista político Carlos 165 Nelson Coutinho. São os Cadernos do Cárcere, em seis volumes; as Cartas do Cárcere, em dois volumes; e, nos Estritos Políticos, também em dois volumes. Como analisa Coutinho (2007) todo o empreendimento teórico de Gramsci se dá de forma original na análise do Estado e da sociedade civil. Gramsci empreende, a partir dos clássicos uma leitura dinâmica do Estado moderno incorporando os conceitos de hegemonia como a superação da necessidade de choque frontal com a classe dominante para a tomada do Estado. Essa movimentação, conquistada passo a passo, se dá no campo da sociedade civil, das instituições privadas, das organizações, como parte do arcabouço estatal, “(...) uma rede de organizações (associações, sindicatos, partidos, movimentos sociais, organizações profissionais, atividades culturais, meios de comunicação, sistema educacional e eleitoral, parlamentos, igrejas, etc.)”. (DURIGUETTO e MONTAÑO, 2010, p. 43). Nessa esfera que as classes e suas frações se enfrentam, no campo de forças, à guisa de conquistar ou manter a hegemonia. E Coutinho (2007) ainda acrescenta: “(...) o conceito de sociedade civil como portadora material da figura social da hegemonia, como esfera de mediação entre infraestrutura econômica e o Estado em sentido estrito (...) tomará corpo ao longo dos Cadernos (...)”. Será com base nesse conceito que Gramsci enriquecerá a teoria marxista do Estado, corroborando com o conjunto da teoria marxista de Estado, “(...) o de que a produção e reprodução da vida material, implicando-a produção e reprodução das relações sociais globais, é o fator ontologicamente primário na explicação da história. Fixar corretamente esse ponto me parece essencial para avaliar de modo justo não só o lugar de Gramsci na evolução do marxismo, mas também seu conceito de sociedade civil: Gramsci não inverte nem nega as descobertas essenciais de Marx, mas a “apenas” as enriquece, amplia e concretiza, no quadro de uma aceitação plena do método do materialismo histórico (...)”. (COUTINHO, 2007, p. 123), Para Gramsci (2002), a dinâmica política observada na sociedade civil proporciona que se enxergue a ampliação do fenômeno estatal, e a sociedade política o “lugar onde a classe dominante impõe coercitivamente a sua dominação”. Visto que: “(...) na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção)(...)”(GRAMSCI, 2000, p. 44). 166 É, portanto, pelo conceito de sociedade civil que chegaremos ao conceito de Estado ampliado gramsciano. Segundo Bobbio (1999) a sociedade civil em Gramsci faz parte do momento superestrutural da sociedade. A sociedade civil, diz Bobbio, compreende não mais todo o conjunto das relações materiais, mas sim todo o conjunto das relações ideológico-culturais; não mais toda a vida comercial e industrial, mas toda a vida espiritual e intelectual (...)” (BOBBIO,1999, p. 55). Ao que Coutinho (2007) contrapõe veementemente, afirmando que não há contraposição entre as duas esferas, antes elas se intercruza, e interpenetram, condicionando-se. E vai mais além: associa a teoria gramsciana da sociedade civil a possibilidade de perceber uma mediação, uma regulação, entre as estruturas sociais e o Estado. Mas essa análise nos parece reduzida ou incompleta. Bobbio ao realizar uma leitura liberal do pensamento de Gramsci enfatiza a separação entre sociedade política e sociedade civil. Mas a compreensão que temos segue em sentido complementar, posto que para Gramsci, o elemento essencial está em perceber como a sociedade civil nas sociedades contemporâneas complexificam essa compreensão, situando-se como palco do pluralismo e da disputa por conservação ou por conquista hegemônica. Essa dinâmica só pode ser percebida se reforçarmos o papel da decisão da hegemonia, contratos, consensos e dissensos. A sociedade civil é a esfera onde as classes e frações de classe, como observou Marx (2012), se organizam no sentido de defenderem suas posições. Sua função ultrapassa a esfera produtiva, mas a contempla, “(...) pois lá é onde se decide a hegemonia(...)”(SEMERARO, 1999, p. 76). A sociedade civil na acepção gramsciana faz parte do Estado, o compõe. Uma vez que é permeada pelos interesses e conflitos que das classes e frações de classes que estruturam dada sociedade. Por meio da sociedade civil é que a classe dominante se faz hegemônica e busca a sociedade política. Por meio do Estado, que a classe dominante orienta sua hegemonia, mesclando direção política e consenso, excetuando-se as ditaduras, onde essa hegemonia se dá por uso da coerção (COUTINHO, 2007, p. 128). A novidade reside no fato desse espaço da hegemonia ser um espaço autônomo, não residual, e de especificidade na manifestação. Em Gramsci, a sociedade civil é o lugar sine qua das disputas políticas, do campo de forças. A sociedade política é o lugar da direção, da coerção e da ditadura. Segundo Coutinho (2007) essa distinção é meramente metodológica, uma vez que os processos interagem de forma dialética, condicionando-se mutuamente. 167 Fato importante para nossa reflexão é o papel desse espaço na construção da hegemonia, e do Estado restrito. A perspectiva, inovadora até então, para a sociedade civil como parte do próprio Estado, que se articula para garantir ou ampliar a hegemonia de determinada classe, fazendo uso de suas instituições, parlamento, associações, exige um dado desenvolvimento ou fortalecimento desta sociedade para competir ou disputar processos de hegemonia. (GRAMSCI, 1999,2000, 2001, 2002). Parece-nos importante ainda precisar melhor o que Gramsci quer então nos dizer, e acrescenta a teoria materialista do Estado, à medida que confere a própria sociedade civil um papel ou uma função com chama, na constituição do Estado ampliado, que é como ele se apresenta em uma realidade concreta. Desse modo, nos diz Gramsci: “(...) Eu amplio muito – aponta Gramsci em suas Cartas – a noção de intelectual e não me limito à noção corrente, que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de produção e a economia de um dado momento) e não como um equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc) (...)” (GRAMSCI, 2005, p. 84). Assim sendo, “(...) o Estado em sentido amplo, “com novas determinações”, comporta duas esferas principais: a sociedade política, que é formada pelo conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-militar; e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa, etc) (...)”.(GRAMSCI, 2005, p.84). Estado é portanto sociedade civil + sociedade política, “hegemonia escudada na coerção”, sendo mais que o aparelho estatal burocrático e militar, vis a vis “(...) por “Estado” deve-se entender, além do aparelho de governo, também o aparelho “privado” de hegemonia ou sociedade civil. (...)” (GRAMSCI, 2005). Para Gramsci o Estado não é somente o aparelho repressivo da burguesia, ele inclui ainda a hegemonia burguesa em sua superestrutura, em seus aparelhos públicos e em seus aparelhos privados de hegemonia (sociedade civil). 168 Ao longo dos “Escritos políticos”, de 1910-1920, Gramsci também desenvolve importante contribuições teórico-metodológicas sobre o Estado. Enquanto nos chamados “Cadernos do Cárcere” toda a produção aparece dispersa e em um conjunto de notas, nesses escritos elabora de forma mais completa e complexa respostas a questões da realidade empírica, e elaborações teóricas, sobre temas variados. Nos interessa aqui o conjunto de textos que Gramsci elaborou discutindo o papel do Estado, sua natureza e sua formação histórica determinada. “(...) E, dado que o Estado é uma soberania organizada em poder, não se é concreto sem uma concepção geral do conceito de soberania, sem uma adequação da própria energia individual ao ato universal que opera através da soberania e se expressa em todo o complexo mecanismo da administração estatal (...)” (GRAMSCI, 2004, p. 222). A necessidade do uso da força, combatida por Gramsci, é justificada na tomada do poder. Uma vez que: “(...) para suprimir o Estado (...) é necessário um tipo de Estado capaz de obter tal objetivo; de que, para suprimir o militarismo, pode ser necessário um novo tipo de exército (...)” (GRAMSCI, 2004, p. 255). Gramsci (2004), continua refletindo sobre a questão da militarização do novo Estado, uma vez que é contrário ao princípio ético do socialismo a imposição da violência, mas “(...)O proletariado é pouco experiente na arte de governar e de dirigir; a burguesia irá opor uma formidável resistência, aberta ou sub-reptícia, violenta ou passiva , ao Estado socialista. (...)”.(GRAMSCI, 2004, p. 255). E é possível que, mesmo o Estado socialista, se veja diante da necessidade histórica de impor o Estado socialista ao conjunto da sociedade, se vendo “(...) diante da cruel necessidade de impor com a força armada disciplina e a fidelidade, de suprimir uma parte para salvar o corpo social da degradação e da depravação (...)” (GRAMSCI, 2004, p. 257). É a condição anterior de existência de propriedade privada que coloca a questão nesses termos, em termos desiguais. A necessidade, portanto, da violência legítima contra uma minoria privilegiada, e em condições sociais de privilégio, faz com que a própria luta seja também desigual. Mas enquanto os clássicos do marxismo identificam o Estado ao aparelho repressivo necessário para a dominação de classe, para Gramsci, essa necessidade é transitória. A sociedade civil é o exercício das mediações, das regulações de classe, sendo ainda o lugar do convencimento, do exercício da dominação do Estado. A transição, um Estado de transição, ao contrário de ser abrupto, deve contemplar esferas de convencimento, tendo em vista que 169 sem a construção de hegemonia de classe o único caminho é a força, a coerção, a ditadura (GRAMSCI, 2005). Parece-nos que as incorporações de Gramsci ao pensamento marxista, seja na introdução ampliada do conceito de hegemonia identificando a sociedade civil e suas organizações como parte da esfera estatal; seja na percepção do Estado como instrumento fundamental para o controle da dominação e perpetuação da classe dominante no poder, desfazendo historicamente o Estado como instância de coerção e uso da força e violência; e, como importante contribuição a teoria política constante nos Cadernos, não somente por sua condição de produção, mas sobretudo por sua coesão teórica (COUTINHO, 2011), incorporando os diversos elementos do político as relações sociais e a compreensão integral do Estado e da sociedade civil como partes cada uma da totalidade da vida social. Como Marx, Engels e Lênin, Gramsci projeta uma sociedade sem classes, por conseguinte sem Estado. Essa afirmação ganha corpo em Gramsci porque consegue perceber a importância da sociedade civil na construção de uma hegemonia (BOBBIO, 1997). Uma determinada sociedade política absorvida pela sociedade civil, no interior da esfera estatal. Esse conjunto de conceitos e definições gramscianas como aprofundamento da teoria materialista do Estado que serão de grande importância pra os teóricos do marxismo contemporâneo, sobretudo na análise em perspectiva do Estado em ação. TEORIA POLÍTICA MATERIALISTA CONTEMPORÂNEA O desenvolvimento crítico das teorias políticas marxistas, sobretudo a partir das releituras dos clássicos por marxistas contemporâneos após os anos 1970 e 1980, possibilitou dois tipos centrais de análises: uma que permaneceu no estudo da natureza do Estado de classe, aprofundando elementos de sua estrutura (POULANTZAS, 1977; HIRSH, 1975; ALTHUSSER, 1985); e oura que desenvolveu os estudos a partir do conceito de Estado ampliado gramsciano ou na perspectiva do “Estado em ação” (COUTINHO, 2007; 2011; DURIGUETTO, 2007; HOBSBAWM, 1998; HIRSH, 2010; MASCARO, 2013). Ambas as correntes, contudo, passaram a dialogar no período da convergência teórica, mormente nos anos 1990, e de reestabelecimento das análises marxistas pós-URSS. Essa seção pretende identificar como algumas dessas contribuições repercutiram a partir de suas análises na Teoria materialista do Estado, contribuindo para a compreensão e explicação 170 da relação entre a natureza do Estado de classe e a ampliação da participação e do pluralismo da sociedade civil como fundamental para o processo de democratização das instituições e da ampliação da esfera participativa e das políticas públicas. Destacaremos aqui duas interpretações e atualizações do pensamento marxista para uma realidade concreta do mundo contemporâneo, pós-fordista, que incorpora o elemento da sociedade à teoria política do Estado moderno. A teoria política de Poulantzas, em particular sua teoria sobre o Estado capitalista moderno, base sobre a qual erige e fundamenta a análise sobre um Estado concreto e historicamente determinado, tem sido revisitada no debate contemporâneo sobre Estado. Suas considerações consideradas originais e contemporâneas (!), tem alimentado o debate em torno do pensamento marxista, uma vez que consegue perceber na formulação do Estado a dialética ontológica na formação do Estado Moderno capitalista, operando as diversas dimensões com o direito, economia, política e cultura (MOTTA, 2009; HIRSH, 2010). Essa contribuição ao pensamento e teoria marxista contemporânea, que ultrapassa o reducionismo do marxismo vulgar e contrapõe de forma dialética o liberalismo, superando a concepção liberal de Estado, faz de Poulantzas o teórico central na concepção materialista do Estado. Para Poulantzas (1977) o Estado Moderno capitalista atende a uma dupla função, a saber: uma lógica interna normativa, que abrange as instituições jurídicas, processos de tomada de decisão, e os elementos de sua própria reprodução; e, o Estado como força repressora, utilizando-se dos meios jurídicos e mecanismos normativos elaborados em seu interior, seja no sentido de exploração das classes sociais, seja no sentido de garantia da hegemonia da classe dominante. (POULANZTAS, 1977; MOTTA, 2009; HIRSH, 2010). Uma releitura, portanto, dos conceitos trazidos pelo próprio Marx, por Gramsci, e uma atualização crítica ao pensamento que lhe foi contemporâneo de Althusser. Para tanto o Poulantzas (2000) define o conceito de Estado com as contribuições reelaboradas a partir desse conceito inicial, aproximando-se criticamente de categorias teóricas clássicas do marxismo como alienação, reificação e consciência; aprofundando e atualizando o conceito de hegemonia em Gramsci (2002), ampliando essa categoria e sendo capaz de captar o conteúdo de práxis política a partir do próprio Estado moderno capitalista 10. 10 Publicado pela primeira vez em 1968 na França. No Brasil a edição composta pela Livraria Martins Fontes chega nos anos 1977. Essa abordagem de Nicos Poulantzas exerce uma forte influência no pensamento político brasileiro, ampliando a concepção de Estado na teoria materialista e inserindo novos elementos de análise, como a concepção das instituições, novos atores, compreensão do estado como resultado do conflito de classes. Mas a 171 Na abordagem de Poulantzas (1977 e 2000) será a formulação crítica sobre o Estado Capitalista elaborada pelo materialismo histórico e dialético de Marx e Engels que possibilitará a compreensão mais ampliada sobre o Estado moderno em formação, a partir de análises concretas de processos históricos determinados. Estado e capital formas historicamente determinadas de existência social, são fenômenos relacionais. É produto de relações sociais, cristalizados na complexidade dessas relações, e por elas determinadas (HISRSH, 2010). A compreensão a partir do método dialético elaborada por Poulantzas permite uma compreensão em profundidade dessa relação social com a formação do Estado capitalista. O conceito de Estado, então, encetado por Poulantzas parte da compreensão de que este é “o lugar no qual se reflete o índice de dominância e sobredeterminação que caracteriza uma formação social” (POULANTZAS, 1977, p. 43), repercutindo a contradição ontológica característica do Estado capitalista 11 e sua superação, na dimensão de emancipação coletiva. E continua analisando os mecanismos estatais que o regulam, para somente então, recuperando o pensamento marxiano, afirmar que o tensionamento dessa relação social em sua forma política (Estado Capitalista) é sobremaneira inconciliável, mormente por sua característica central: a relação de dominação e subordinação – sempre na forma de violência, que o Estado Capitalista incorpora a dinâmica histórica das sociedades. Para Poulantzascombina duas citações dos clássicos do marxismo para explicitar sua concepção do Estado, e aprofunda-la, apropriando-a a contemporaneidade. Dessa forma, em uma citação do próprio Engels, Poulantzas apresenta: “(...) O Estado é antes de tudo um produto da sociedade em um estágio determinado do seu desenvolvimento: é o testemunho de que esta sociedade está envolvida em uma insolúvel contradição consigo mesma, encontrandose cindida em oposições inconciliáveis que é impotente para conjurar (...)”. (ENGELS apud POULANTZAS, 1977, p. 46). Outrossim, para Lênin, “(...) O Estado é ...o sumário dos combates práticos da humanidade. Assim, o Estado político exprime nos limites da sua forma sub specie rei publicae (sob o ângulo político) todos os combates, necessidades e interesses sociais”. Lenin dirá, de uma forma lapidar, que o político compreendendo aqui o “novidade” é a inserção do tema da autonomia relativa e do bloco de poder, incorporando uma leitura gramsciana do Estado. 11 Poulantzas faz referência expressa a condição de ser sobretudo um Estado privado. (POULANZTAS, 1977, p. 44) 172 Estado e a luta política de classe é o “econômico condensado “(POULANTZAS, 1977, p. 47) Já expomos mais acima essas duas concepções. Trouxemos novamente a baila por tratar-se do ponto indiciário pelo qual Poulantzas reinicia a análise sobre o Estado capitalista: uma contradição inconciliável e produto dos embates de classe, condensando na forma política toda a economia, todo o modo de produção. Para Poulantzas, o pensamento engelsiano considera de um lado o Estado e sua relação social como uma relação de dominação política de classe e a o conflito político determinado e n’outro lado expõe a intensa relação contraditória existente entre o Estado e dominação política mesma da sociedade capitalista. Será essa complexidade que definirá a questão na natureza do Estado capitalista. O pano de fundo para Poulantzas é a questão do poder e a dominação é o exercício do poder na sociedade capitalista, condensada, como afirmou Lênin, na forma do Estado e suas instituições, completa Poulantzas. O poder encouraçado no Estado, para novamente retornar a uma acepção gramsciana transborda uma certa concepção de poder seja como tomada de decisão, exercício do comandar, e enquanto o exercício de funções para um sistema social determinado. Contrastando com essas perspectivas apontadas, Poulantzas (2000) anota que é preciso, então, compreender o “Estado” e o “poder” não como categorias residuais de uma sociedade em transição, são elas mesmas o crucial na compreensão de como as classes dominantes exercem e se mantém dominantes operando “de cima”, mas também o lugar privilegiado onde interpenetram toda a sociedade. O poder condensado na forma de Estado é, sobretudo, o lugar da práxis dominante. Esse é o ponto chave na compreensão da natureza do Estado em Poulantzas. É a expressão de uma certa “prática de classe” que constitui o poder no Estado capitalista. E estas relações entre as classes se constituem em relação de poder, e em relação ao poder dominante. Interpenetrados e condicionantes, classe e poder, constituem faces de um mesmo lugar: o campo da relação política entre Estado e sociedade. É nas práticas de classe que podemos enxergar as relações de poder.“(...) O Estado, afirma Poulantzas, cumpre o seu papel na medida em que trabalha para a construção dessas práticas(...)”. E continua, ele, o Estado, “(...) trabalha ativamente para a reprodução desta divisão no próprio seio do processo de produção e, para além disso, no conjunto da sociedade, ao mesmo tempo por aparelhos especiais que intervêm na qualificação, formação da força de trabalho (escola, família, redes diversas de formação 173 profissional), e pelo conjunto de seus aparelhos (partidos políticos burgueses e pequenos burgueses, sistema parlamentar, aparelhos culturais, imprensa, mídias)”. (POULANTZAS, 2000, p. 58-9). Com isso Poulantzas não quer afirmar da impossibilidade de que essas relações sempre existiram ou nunca deixarão de existir, elas são produto do desenvolvimento histórico, e sua dialética permite afirma que as relações de poder e portanto o conflito de forças entre as classes, a luta de classes propriamente dita, se situa nos níveis políticos e ideológicos, como veremos abaixo em sua afirmação, porque: “(...) não é de maneira alguma admitir que as classes sociais estejam estabelecidas em relações de poder ou que delas possam ser derivadas. As relações do poder, tendo com campo as relações sociais, são relações de classe e as relações de classe são relações de poder, na medida em que o conceito de classe social indica os efeitos da estrutura sobre as práticas, o de poder os efeitos da estrutura sobre as relações entre praticas das classes em “luta” (...)”. (POULANTZAS, 1977, p. 99). Divergindo de um campo do marxismo que diagnosticou o poder como a capacidade do exercício da força, do pode próprio para a realização ontológica de classe, seguindo seus objetivos e finalidades enquanto classe para si, Poulantzas (2000) redimensiona essa relação de poder como a necessidade material de uma classe sobrepor-se a outra, ou a outras, ultrapassando assim a concepção de que é no Estado ou na sociedade política que se operariam as transformações, ele adverte que o poder se caracteriza como poder de classe, “(...)ve esta é a base fundamental do poder em uma formação social dividida em classes cujo motor é a luta de classes; o poder político, fundamentado no poder econômico e nas relações de exploração, é primordial na medida em que sua transformação condiciona toda modificação essencial dos outros campos do poder (...)”. (POULANTZAS, 2000, p.43). e, “(...) no modo de produção capitalista ocupa campo e lugar específico em relação a outros campos do poder(...)”. (POULANTZAS, 2000, p.43). Esse lugar específico, ou especial como encontramos em algumas traduções livres, é o Estado, “o lugar central do exercício do poder político (...)” (POULANTZAS, 2000, p.43). Por meio do estado a relação de poder expressa nas contradições da sociedade capitalista apresenta-se com métodos e técnicas de exercício do poder de forma muito peculiar e particular ao Estado moderno capitalista. Essas características concentram-se em dispositivos específicos, constritos, precisos e inscritos no tecido do Estado capitalista, configurados no 174 modo estrutural de reprodução do capital. Essa permanente e dialética interpenetração e distanciamento da sociedade das coisas do Estado é condicionada e condiciona na relação social as diversas dimensões sociais, fazendo parte do conjunto das instituições e das esferas sociais. A compreensão da esfera menos aparente na relação de poder faz-se necessária de modo a desvelar as relações contraditórias de todo o conjunto da sociedade. “(...) O papel do Estado,(...)”, resume Poulantzas, “(...) como fator de coesão desta superposição complexa nos diversos modos de produção reconhece-se aqui como decisivo: é particularmente nítido, na verdade, durante o período de transição, caracterizado por uma não- correspondência particular entre propriedade e apropriação real dos meios de produção. (...)”.(POULANTZAS,1977, p.45). De outro modo, não se reconhece, por conta de uma constante superposição de formações sociais, que interesses de classe estão condensados em uma formação política determinada. É, contraditoriamente, é também, função do Estado esquadrinhar essa dimensão, possibilitando o exercício do poder sobre as outras classes dominadas, seja em sua função instrumental, econômica mais estrutural, garantindo o controle dos meios de produção; seja em seu nível ou função imanente política ao nível das lutas políticas de classe, garantindo o consenso e impondo sua vontade as demais classes quando o consenso não é possível, e para isso utilizase dos instrumentos formais de repressão e controle; seja no plano ou nível ideológico, criando condições superestruturais para a dominação de classe e imposição do consenso Somente com a compreensão da dinâmica que Poulantzas recupera de Gramsci, direção e consenso, que é possível identificar a perspectiva da manutenção hegemônica de classe. Ao aproximar-se da análise dos aparelhos ideológicos de Estado – AIEs, Poulantzas também dialoga com Althusser (1985), e seu texto clássico Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Para Poulantzas o texto de Althusser consegue sistematizar a centralidade da teoria política de Estado ao empreender um esforço teórico-metodológico na análise do funcionamento do Estado (POULANTZAS, 1977). Desse modo encontramos em Althusser a compreensão do funcionamento do Aparelho de Estado compreendendo do Governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc., essas relações constituem os Aparelhos Repressivos de Estado 12. Reafirma, portanto, a necessidade repressiva, violenta do 12 Althusser identifica o conjunto de aparelhos presentes no Aparelho de Estado: o AIE religioso ( o sistema das diferentes igrejas), o AIE escolar ( o sistema das diferentes escolas públicas e particulares), o AIE familiar, o AIE jurídico, o AIE político ( o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos), o AIE sindical, o AIE da informação (imprensa, rádio – televisão, etc.), e, o AIE cultural (Letras, Belas Artes, desportos, etc.) (ALTHUSSER, 1978, p.43-4). 175 Estado capitalista. Poulantzas, ampliando essa concepção, identifica como um dos aspectos presentes no Estado, que não opera somente a partir da violência, da força e da coerção. A dinâmica presente no Aparelho de Estado compreende ainda a dinâmica do consenso e da construção de hegemonia de classe. Em um campo próximo, mas bem particular, Hirsh (2010) desenvolve a análise de que o Estado “(...) é a expressão de uma forma social determinada que assumem as relações de domínio, de poder e de exploração nas condições capitalistas.”(HIRSH, 2010, p.24). Portanto, “(...) Relações capitalistas podem se formar inteiramente quando a força de coerção física se separa de todas as classes sociais, inclusive das classes economicamente dominantes: isso ocorre precisamente sob a forma do Estado. Aqui fica claro por que Max Weber podia falar do “monopólio da força física legitimada” como característica decisiva do Estado capitalista (...)”. (HIRSH, 2010, p.29). E, mais adiante, acrescenta “(...) A função central do aparelho de força estatal consiste na garantia da propriedade privada sobre os meios de produção como precondição da exploração mercantil da força de trabalho (...)” (HIRSH, 2010, p.29). Para Hirsh (2010), como Mescaro (2013) a forma política de expressão do capitalismo é o Estado. Desse modo, a forma social, “(...) caracterizam relações objetivas exteriores e reificadas face aos indivíduos, em que a sua ligação social manifesta-se disfarçada, não transparente. Sob as condições capitalistas, a sociabilidade não pode ser gerada de outro modo. As relações entre os indivíduos devem assumir o aspecto de relações objetivadas, ou seja, a própria existência social aparece para o indivíduo como coisa, como fetiche difícil de ser visualizado, ocultando aquilo que o engendra e o move (...).” (HIRSH, 2010, p.30). Enquanto a forma política, “(...) ou o Estado, é ela mesma marte integrante das relações de produção capitalistas. A Particularidade do modo de socialização capitalista reside na separação e na simultânea ligação entre “Estado” e “sociedade”, “política” e “economia”. A economia não é o pressuposto da política, nem estrutural nem histórico (...) (HIRSH, 2010, p.31). O Estado capitalista é a forma política das relações históricas determinadas e, ainda que insuficientes, para identificar todas as instituições, processos e dinâmicas dos sistemas de estados e suas inter-relações com as diversas esferas da sociedade, e mesmo para identificar as ações do Estado ou o estado em Ação por meio das políticas públicas e do “governo”, nos serve como horizonte teórico pelo qual caminharemos ao longo do texto. 176 Desse modo quando afirmamos que a forma política se orienta e ultrapassa a autonomização da força física coercitiva diante “dos indivíduos, grupos ou classes sociais”(HIRSH, 2010, p.32), estamos levando em consideração que o Estado ao se autonomizar, ainda que relativamente, coloca seu aparelho em função da preservação dos interesses sociais dominantes. Entendendo que os diversos feixes de poder e de dominação em uma sociedade determinada podem inclusive impulsionar determinada ação Estatal em contradição com grupos e/ou elites localmente dominantes, ensaiando protestos e embargos da classe econômica local. O relevante é perceber que essa estrutura estatal, conforme aponta Hirsh, está condicionada a uma dinâmica mais ampla, cujas relações sociais capitalistas permitem ao grupo dominante o domínio naquele momento determinado. Dito de outro modo: se o Estado capitalista, suas relações e dinâmicas institucionais e sociais, não é uma maquinação ou um “instrumento consciente”, para usar uma expressão do próprio Hirsh, tampouco é uma materialização ou a significação da vontade coletiva ou popular, no sentido mesmo cunhado por Rousseau, de “vontade geral”. Ora, se não é o Estado um produto arquitetônico nem da vontade coletiva o que se tem então? Como definir concretamente o conjunto das instituições, aparelhos e burocracias no seio de uma formação social determinada? Trata-se, pois de perceber o Estado como relação social entre os mesmos indivíduos, instituições, grupos e classes sociais, cuja expressão dá-se um uma relação material de força em busca da hegemonia de classe. Tornada material porque essas relações socialmente e historicamente determinadas só são possíveis por mecanismos “burocráticos e políticos próprios dos sistemas das instituições, organizações e aparelhos políticos e ideológicos (...)”. (HIRSH, 2010, p.37). Tanto que as alterações dos campos de força, nas disputas contrahegemônicas, mesmo entre frações de classe, reorientam políticas estatais e toda a sua aparelhagem concorre para isso. 13 13 “Desse modo, mesmo em sua forma parlamentar-democrática, o Estado é um “Estado de Classe”. Mas ele não é – a não ser em casos excepcionais – o simples “instrumento” de uma classe ou fração de classe. Sua “especificidade” e sua autonomia relativa frente às forças sociais em luta tornam possível a sua existência enquanto lugar de articulação de compromissos e equilíbrios sociais, sem os quais nenhuma sociedade capitalista poderia sobreviver duradouramente. Apenas no interior e através de seus aparelhos pode formar-se algo como a política comum das classes e frações de classes dominantes, mas ao mesmo tempo concorrentes e em luta, e eles também preparam o arcabouço institucional para uma vinculação tanto repressiva, como material-ideológica das classes dominadas e exploradas. Sem isso o domínio de classe burguês enquanto “unidade de coerção e consenso” (Gramsci) não teria base nem duração. Argumento presente em HIRSH, 2010, p. 37. 177 Quando, no constante embate entre capital e trabalho, há conquistas políticas – salariais, ampliação de direitos, previdência, maior participação decisória ou alguma política pública estruturante ou redistributiva, etc – que proporcione melhoria da qualidade de vida da classe trabalhadora em geral, alteram-se as relações de força e de poder dentro da dinâmica política, cujo resultado pode proporcionar uma maior organização ou enfrentamento ao capital, como também pode provocar alguma rearticulação do capital para recompor essa perda política, econômica ou ideológica. O mesmo pode acontecer no sentido inverso, provocando uma desestruturação completa das articulações dos trabalhadores. Dessa forma, as concessões do capital ao trabalho, ou conquistas do trabalho diante do capital, podem ser analisadas em uma via de mão dupla, pois: “(...) Quando essas relações de força movem-se, ou seja, quando em uma situação de crise econômica, o capital vê seu lucro consideravelmente prejudicado em razão de concessões sociais, e os assalariados estão politicamente enfraquecidos pelo desemprego, modifica-se todo espaço e conteúdo da política estatal, e assim também a posição relativa e o significado de cada aparelho do Estado. O desenvolvimento do capitalismo global desde os anos 1970, caracterizado pela chamada crise do bem-estar sócia, oferece um significativo exemplo sobre isso (...)” (HIRSH, 2010, p.38). Daqui podemos compreender a necessidade de “descer” ao nível das instituições políticas para entendê-las e explicá-las em seu funcionamento e lógica internas. A expressão de uma política pública não constitui apenas uma ação do governo em sua gestão, ou dos interesses de uma classe dirigente. A perspectiva apontada por Hirsh denota a necessidade, mesmo do Estado capitalista e principalmente ele, de testar estratégia de consenso e coerção, exercício do poder e pactuação, seja por meio de sua estrutura formal, ou seja criando novas estruturas estatais com vistas a dar conta das demandas sociais impeditivas do desenvolvimento pleno da classe dirigente, em nosso caso específico a burguesia. Desse modo, as relações formais de “(...)uma estrutura estatal concreta, seu aparelho e funcionamento, não confunde-se com a com a forma política capitalista, sendo o primeiro “(...) uma expressão institucional de estruturas sociais existentes atrás dele(...)” (HIRSH, 2010, p.46). E ainda: “(...) As determinações formais capitalistas – econômicas e políticas – atravessam todas as áreas sociais, marcam então tanto as burocracias de Estado como o sistema partidário, as associações de interesses e a mídia, as instituições econômicas e até a família. Assim, o conjunto complexo envolvendo “Estado” e “sociedade civil” constituem sistema dependente um do outro, e ao mesmo tempo forma uma relação contraditória, englobando as 178 instituições existentes. “Estado” e “sociedade civil” não formam uma oposição simples, mas uma unidade contraditória condicionada. (...)”(HIRSH, 2010, p.46). A necessidade de criação de novas instituições estatais (no conceito de Estado ampliado e restrito) emerge no Estado pós-fordista como uma estratégia manutenção do controle e da dominação política. O desenvolvimento capitalista aponta para uma maior inserção do Estado na sociedade, a “despeito de toda a retórica neoliberal” (HIRSH, 2010, p.194). A “desregulamentação” significa, em profundidade, mais controle e regulação estatal. A não intervenção, mais intervenção, e por aí segue. O Estado está cada vez maios presente, nos afirma Hirsh (2010), modificando as instituições e formas de inserção das demandas e do Estado de compromisso. “Em conjunto”, afirma Hirsh, “(...)a privatização imposta no curso da transformação neoliberal pode assim ser considerada como uma nova configuração e uma extensão do “Estado ampliado”. “Estado” e “sociedade civil” se entrecruzam de um modo ainda mais intenso e complexo. A consequência disso é que, no contexto das “parcerias” público-privadas e dos sistemas de negociação estatais-privados, não apenas os processos políticos decisórios se tornam menos transparentes e incontrolados, como também a responsabilidade política volatiza-se em redes públicas difusas(...)”(HIRSH, 2010, p.195). CONSIDERAÇÕES FINAIS O panorama à guisa de revisão esboçado acima, diz respeito a um retorno do político e da política no debate sobre as transformações do capitalismo contemporâneo, cuja expressão política tem se apresentado de forma crucial no Estado e nas suas instituições, repercutindo sobretudo nas políticas públicas e no exercício do poder político. Desse modo buscamos apresentar as principais formulações do chamado marxismo ocidental, mormente o europeu, a partir das formulações de Marx e Engels sobre o Estado e a forma que assume sob o capital. Deixamos de fora, para um outro momento de também revisão o conjunto de autores latino-americanos, em particular os brasileiros, que produziram uma importante crítica sobre o Estado capitalista e sua repercussão na economia dependente ou periférica. Essa contribuição será alvo de outro artigo, cuja elaboração encontra-se em curso, pretendendo atualizar o debate à luz da teoria dos debates sobre globalização, imperialismo e teoria da dependência e como esses paradigmas teóricos repercutem no fazer do Estado brasileiro contemporâneo. 179 REFERÊNCIAS ARRIGHI, Giovani. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2008. ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. 8ª. Reimpressão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. BOBBIO, Norberto. Nem com Marx, nem contra Marx. São Paulo: UNESP, 2006. CODATO, Adriano Nervo e PERISSINOTTO, Renato Monseff. Estado e teoria política contemporânea: as lições de Marx. CODATO, Adriano Nervo. O espaço político segundo Marx. Crítica Marxista, São Paulo, v. 32, p. 33-56, 2011. DUMÉNIL, Gérard; LÖWY, Michael; RENAULT, Emmanuel. Ler Marx. São Paulo: Editora UNESP, 2011. HARVEY, David. Condição Pós-moderna. 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São Paulo: Boitempo, 2011. 182 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM UMA PERSPECTIVA PÚBLICA: A EXPERIÊNCIA DA UNEB Adelmo Fernando Ribeiro Schindler Jr 1 Lidia Boaventura Pimenta 2 Cláudia Regina Vaz Torres 3 Flávia de Jesus Figueredo 4 RESUMO As discussões sobre a educação a distância estão em voga no atual cenário. Desta forma as considerações acerca deste modelo de educação servem de base para verificação de cenários em que as tecnologias de informação e comunicação potencializam estratégias de ensino e aprendizagem, atreladas ao crescimento econômico no contexto regional. O objetivo deste estudo é analisar os procedimentos adotados pela universidade do setor público inerentes à oferta de cursos na modalidade a distância com a finalidade de possibilitar formação de profissionais em suas regiões. A opção metodológica é de natureza qualitativa e descritiva, que se mostrou mais adequada para a proposta apresentada. Os resultados preliminares apontam para a importância da atuação da UNEB na modalidade a distância e os seus desdobramentos no que diz respeito à formação de egressos com condições de atuar no contexto local da sua formação, catalisando os processos sociais, econômicos e financeiros. Palavras-chave: Universidade. Educação a Distância. Formação 1 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Urbano - UNIFACS; Mestre em Contabilidade (FVC); Especialista em Administração Hospitalar (SÃO CAMILO); Graduado em Ciências Contábeis (UNIFACS) . Coordenador Pedagógico do Curso de Ciências Contábeis EAD - UNIFACS. Professor do Curso de Ciências Contábeis EAD e Presencial. Membro do Grupo de pesquisa: NUPPEAD – UNIFACS. E-mail: [email protected] 2 Doutora e Mestre em Educação – UFBA. Graduada em Administração ( UNIFACS ). Professora do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologia Aplicadas à Educação (Gestec) - Mestrado Profissional da UNEB; Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Universidade e Região (EduReg) - UNEB; Assessora da Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (PPG) - UNEB. E-mail: [email protected] 3 Doutora e Mestre em Educação – UFBA. Graduada em Pedagogia (UCSAL) e Psicologia (UFBA). Professora da UNEB e UNIFACS. Membro do Grupo de Pesquisa Reconcâvo – UNEB. E-mail: [email protected] 4 Graduanda em Administração - UNIFACS; Bolsista de Iniciação Científica - FAPESB. E-mail: [email protected] 183 ABSTRACT Discussions about distance education are highlighted in the present scenario. Therefore, the analysis about this education model is the starting point for verification of scenarios in which information technologies and communication strategies empower teaching and learning, linked to economic growth in the regional context. The purpose of this study is to analyze the procedures adopted by public University to offer distance courses in order to enable training of professionals in their own regions. The methodological approach is qualitative and descriptive nature, which was more suitable for the proposal. Preliminary results indicate the importance of UNEB performance in distance education and its consequences to be capable of training graduates able to work on their own regions. Key Words: University. Distance Education. Training INTRODUÇÃO A instituição universitária possui a importante missão de qualificar e formar permanentemente as pessoas, bem como impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento científico, proporcionando a descoberta e a aplicação de novas tecnologias. A missão acadêmica, científica e social coloca a universidade na condição de elemento participante da promoção do desenvolvimento econômico e social e na construção da cidadania, em decorrência do exercício do profissional formado ou qualificado. A ação da universidade efetivada por meio das suas funções – ensino, pesquisa e extensão - além de contribuir para o avanço da ciência e da tecnologia, em observância aos padrões atuais de desenvolvimento, também tem o desafio de acompanhar e interagir com os efeitos que este desenvolvimento imprime na organização social, meio ambiente e nas pessoas (ICO & FIALHO, 2000). Neste contexto, a própria instituição universitária coloca em prática novas tecnologias quando cria o ambiente virtual de estudo, expandindo a sala de aula concentrada nas quatro paredes para a sala de aula virtual por meio da modalidade a distância, a fim de ampliar a oportunidade de acesso ao ensino superior sem que o estudante tenha que sair do município onde reside e trabalha, com o intuito de permitir a fixação dos novos 184 profissionais no local onde vive, fortalecendo as relações familiares, comerciais, sociais dentre outras. A iniciativa de formar cidadãos em profissionais na perspectiva de que estes possam atuar em diversos setores dos respectivos municípios fomenta a questão problema deste artigo: como a universidade pertencente ao setor público implementa o ensino superior na modalidade a distância a fim de possibilitar a formação de profissionais em suas regiões? Em atenção ao objetivo da pesquisa, a saber: analisar os procedimentos adotados pela universidade do setor público inerentes à oferta de cursos na modalidade a distância com a finalidade de possibilitar formação de profissionais em suas regiões delimita-se como opção metodológica de natureza descritiva. A escolha encontra respaldo na definição expressa por Gil (2002), a qual viabiliza a realização do estudo das características de determinada população ou fenômeno, estabelecendo relações entre as varáveis identificadas na intenção de proporcionar a reflexão da realidade do universo a ser pesquisado. Em relação à abordagem que orienta a análise das informações e dados coletados durante a pesquisa adota-se a qualitativa, que se preocupa com o fenômeno, isto é, a interpretação de um fato realizada por um observador envolve a obtenção de dados descritivos, coletados no contato direto do pesquisador com a situação estudada, cuja maior ênfase está mais no processo do que o resultado (GIL,2002), situação idêntica à delimitada na questão problema aqui apresentada. O presente artigo está dividido em seis partes distintas. Na primeira seção apresenta-se a introdução ao tema proposto, seguida da seção que aborda a evolução histórica da educação a distância no mundo e no Brasil. Na terceira seção o estudo relata a dinâmica de funcionamento da educação a distância no ensino superior, seguida da quarta e quinta seções referentes, respectivamente ao funcionamento da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a UAB no estado da Bahia: a experiência da UNEB, sendo apresentadas as considerações finais na última parte. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO MUNDO 185 Em observância à questão problema e objetivos estabelecidos neste artigo, a discussão sobre a oferta da modalidade a distância no ensino por instituições universitárias, apresenta-se em primeiro momento breve histórico de experiências estrangeiras concernentes ao emprego da citada modalidade a partir de referências na literatura. Neste contexto, os Estados Unidos da América aponta como sendo o país que primeiro promove algum tipo de inserção da nova modalidade de ensino por meio do anúncio de aulas por correspondência no ano de 1728, sob a responsabilidade da Gazeta de Boston. Seguindo a mesma tendência, em 1840 a Grã Bretanha anuncia aulas de taquigrafia por correspondência. Ainda no século XIX outra experiência em relação à utilização modalidade a distância é identificada na oferta dos cursos preparatórios para concursos, curso de contabilidade e até de segurança de minas nos Estados Unidos da América em 1891. Já no século XX há relatos de disponibilização de cursos de extensão nas universidades de Oxford e Cambridge, e em seguida nas universidades de Chicago e Wisconsin (LITTO e FORMIGA, 2009). Em 1924 é criada a escola de Alemã de negócios por correspondência e em 1928 a rádio BBC de Londres começa a transmitir cursos para a educação de adultos. Registra-se ainda a utilização de metodologia semelhante durante a segunda guerra mundial para o ensino por correspondência e no pós-guerra foram envidados esforços no sentido de ensinar os novos recrutas na recepção do Código Morse (LITTO e FORMIGA, 2009). A partir da década de 60, esclarecem os autores, percebe-se um aumento substancial da modalidade a distância na oferta de cursos do ensino médio e superiores precipuamente na Europa e depois em outros continentes, com diversos métodos de abordagem, a saber: em Cuba com a implantação, em 1979, da Faculdade de Estudos Dirigidos da Universidade de Havana; nos Estados Unidos responsável por mais de uma centena de Universidades e escolas de ensino médio e educação profissional que ofertam a educação a distância; Canadá que a partir de 1976 promoveu uma articulação de tutores e estudantes alinhados por uma grande rede de telefones; Austrália com dezena de ofertas de cursos dedicados da educação fundamental e Pós-Graduação; Bangladesh que a partir de 1985 oferece cursos de pós-graduação pelo National Institute os Educational Media and Technology (NIEMT); China onde, em 1951, foi instituído o Departamento 186 de Educação por Correspondência da Universidade do Povo e, atualmente, funciona o sistema Chinês de Universidades pela Televisão (Dianda), que abriga 30.000 (trinta mil) grupos de tutores para acompanharem 300.000 (trezentos mil) estudantes. Este breve relato permite inferir que a educação a distância está presente em vários países nas suas muitas possibilidades de oferta para os estudantes ou interessados na capacitação ou atualização. Este é um cenário que dificilmente retrocederá, conquanto a educação presencial esteja em pleno funcionamento, apenas trata-se de potencial de capilaridade importante em termos de educação que abrange simultaneamente significativo número de pessoas, preservando, necessariamente a qualidade (LITTO e FORMIGA, 2009). EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL De acordo com Alves (2007) a atuação do Brasil em educação a distância pode ser dividida em três momentos. A fase inicial é reconhecida a partir de registros encontrados referentes a anúncios de cursos profissionalizantes por correspondência antes de 1900, bem como a instalação das Escolas Internacionais, em 1904, filial de uma organização americana, mediante a oferta de cursos destinados aos interessados em formação na área de serviços e comércio. O segundo momento começa com a inauguração, em 1923, da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que desempenhou importante função permitindo a educação popular por meio do moderno sistema de difusão utilizado no Brasil e no mundo na ocasião. Ressalte-se que a mencionada rádio, de iniciativa privada, sofreu o efeito de pressões governamentais, considerando as preocupações com a possível publicação de conteúdos revolucionários. Assim, em decorrência das exigências de difícil cumprimento, a rádio foi doada, em 1936, para o Ministério da Educação e da Saúde, órgão responsável na época pela educação nacional (ALVES, 2007). Observa-se que a educação via rádio sucede a educação via correspondência. Em 1937, foi implantado o Serviço de Radiodifusão Educativa do citado Ministério, o qual possibilitou a implementação de várias iniciativas de educação a distância, a exemplo: 187 Escola Rádio-Postal, A Voz da Profecia sob a coordenação da Igreja Adventista (1943), a Universidade do Ar criada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), escolas radiofônicas coordenadas pela diocese de Natal. Registra-se que a educação via rádio teve o início de sua queda a partir de 1969 sob a vigência do regime militar. O autor enfatiza, ainda, a atuação do Instituto Monitor (1939) e o Instituto Universal Brasileiro (1941) que capacitaram para o mercado de trabalho, no segmento da educação profissional básica. Ao contrário do cinema, a televisão é uma importante ferramenta para a educação a distância. O Código Brasileiro de Telecomunicações em 1967 evidenciou que deveria haver transmissão de programas educativos pelas emissoras de radiodifusão, bem como pelas televisões educativas expressando o uso do veículo com fins educativos (ALVES, 2007). O Sistema Avançado de Tecnologias Educacionais, criado em 1969, incluiu a ação do rádio e televisão para fins educacionais, a qual foi disciplinada por portaria do Ministério das Comunicações que definiu o período obrigatório e gratuito para que as emissoras comerciais transmitissem programas educativos. No terceiro momento, de acordo com Alves (2007) da educação a distância no Brasil, as emissoras de televisão foram desobrigadas a transmitir dos programas educacionais, quando foi reformulado o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa, onde a Fundação Roquete Pinto assume a coordenação das ações. Contudo, transmissão dos programas acontecia em horários que não atendiam à demanda dos possíveis estudantes usuários. Há que se ressaltar a atuação da Fundação Roberto Marinho com a transmissão dos telecursos, que ainda hoje atendem várias pessoas com a finalidade de obter a certificação pelo Poder Público. Assim como as TVs Universitárias, o Canal Futura, a TV Cultura, dentre outras, pertencentes ao sistema fechado de televisão. Adicionalmente, registra-se a TV Escola, mantida pelo Governo Federal, que produz programas interessantes, e por satélite. Vale ressaltar que os correios possibilitam o 188 acesso das escolas, contudo é necessária a interlocução com as emissoras abertas ou a cabo para que a população em geral tenha acesso. Em 1971 foi criada a Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT) por um grupo de profissionais da área de radiodifusão e de tecnologias aplicadas à educação, responsável pela promoção de estudos e debates concernentes a política pública para a educação brasileira e pioneira na oferta de programas de pós-graduação a distância, após o credenciamento, em 1980, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Todavia a atuação na pós-graduação foi interrompida em 1985, tendo em vista que não foi promulgada norma específica por parte da Secretaria de Educação Superior (SESu) e da CAPES, a qual foi solicitada em parecer do Conselho Federal de Educação à época. Nesta mesma esteira de pensamento, Alves (2007) destaca também a ação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação (IPAE) e da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Para o autor, o IPAE teve grande influencia na dinamização da educação a distância no Brasil, bem como participou da formulação de dispositivos constantes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O mencionado instituto continua em funcionamento, promovendo a difusão da produção científica, cujo acervo sobre a educação a distância é o mais completo do país. Por seu lado, a ABED colabora no desenvolvimento da educação a distância no Brasil, promovendo a articulação de instituições e profissionais brasileiros e estrangeiros. Em relação ao desempenho de instituições de educação superior brasileiras em educação a distância, o autor menciona a Universidade Federal de Mato Grosso, primeira a implantar cursos de graduação na modalidade a distância e a Universidade Federal do Pará, que recebeu o primeiro parecer oficial de credenciamento exarado pelo Conselho Nacional de Educação, ainda em 1998. A modalidade a distancia de ensino é mencionada pela primeira vez na legislação brasileira na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. A LDB nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), dispõe sobre o funcionamento da modalidade a distância nos cursos de graduação e pósgraduação, assim como na educação básica, desde o ensino fundamental ao médio, como na de jovens e adultos e educação especial. A definição da citada modalidade foi 189 efetivada por meio do Decreto Federal nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, o qual regulamenta o art. 80 da LDB vigente, conforme a seguir descrito: [...] caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. § 1o A educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares, para as quais deverá estar prevista a obrigatoriedade de momentos presenciais para: I - avaliações de estudantes; II - estágios obrigatórios, quando previstos na legislação pertinente; III - defesa de trabalhos de conclusão de curso, quando previstos na legislação pertinente; e IV - atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso. Em complementação, o Art. 2º do mesmo Decreto estabelece que a modalidade de educação a distância poderá ser ofertada nos seguintes cursos: a) educação básica, na condição de complementação de aprendizagem ou em situações emergenciais; b) educação de jovens e adultos; c) educação especial, respeitadas as especificidades legais pertinentes; d) educação profissional, abrangendo os cursos e programas para técnicos, de nível médio e tecnológicos, de nível superior; e) educação superior, abrangendo os seguintes cursos sequenciais, de graduação, de especialização e programas de pósgraduação (mestrado e doutorado). Nesta linha de ação, o Ministério da Educação (MEC) publicou portaria que normatiza a adoção parcial da modalidade a distância em cursos de graduação, independentemente de credenciamento pela União. Isso se aplica a vinte por cento dos conteúdos de cursos reconhecidos. Atualmente, o Brasil possui 158 instituições credenciadas pelo Governo Federal para oferecer cursos de graduação e pós-graduação lato sensu na modalidade a distância. Na educação básica verifica-se pouco mais de cem instituições, cujos atos de permissão são expedidos pelos respectivos Sistemas de Ensino dos Estados e Distrito Federal. 190 DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL Para entender o emprego da modalidade a distância pela universidade pertencente ao setor público especificamente na área do ensino, na perspectiva de que a iniciativa proporcionará a manutenção do novo profissional em sua cidade de origem, é condição conhecer as especificidades da modalidade em discussão. Neste sentido, caracteriza-se que a modalidade presencial proporciona a convivência de diversos sons e situações nas instalações da unidade escolar, a exemplo de conversas nos corredores, o vai e vem de pessoas usando uniformes, expressão de sentimentos (KENSKY, 2003). Neste espaço com perfil próprio acontece o processo ensino-aprendizagem. Para Costa apud Kensky (2003, p. 53): “ O ambiente influencia o processo de aprendizagem dos alunos [...] as instalações condicionam a integração da comunidade acadêmica com a sua produção e pesquisa”. Em contraponto, o autor ressalta que a modalidade a distância exige do estudante o desafio de praticar o autodidatismo, ou seja, depende dele desenvolver seu próprio método de estudo, escolher o momento mais conveniente e incrementar a prática da leitura. Desta maneira, a exemplo das salas virtuais e fóruns, no sistema de aprendizagem virtual são os instrumentos que possibilitam ao estudante estabelecer o sentimento de pertencimento em relação à instituição universitária na qual está matriculado. Assim, depreende-se que as ferramentas tecnológicas adequadas e a compreensão da dinâmica do processo de aprendizagem por todos os atores inseridos na modalidade a distância são necessários à efetivação do referido processo ensinoaprendizagem. Ainda no pensar de Kensky (2003), a tecnologia pode ser compreendida como o estudo dos processos técnicos de um determinado ramo de produção industrial ou demais ramos. Esta breve definição visa permitir o entendimento de que o aparato tecnológico utilizado no processo educacional na modalidade a distância mostra-se imprescindível para que os instrumentos de interação virtuais possam viabilizar a capilaridade do ponto de vista espacial e beneficiar maior número de pessoas. Registra-se que, em um 191 contexto maior, a tecnologia está presente no cotidiano há muito tempo, seja na medicina com a utilização de próteses, exames complexos, na mecânica, na física, dentre outras áreas. As tecnologias da informação e comunicação promoveram transformações na organização e processos comunicacionais da sociedade em razão das demandas do mundo globalizado e capitalista em que as funções e processos sociais das grandes empresas, mercado financeiro, meios de comunicação e serviços educacionais necessitam das redes de informação e internet como base tecnológica para promover o acesso ilimitado a informação e comunicação. Com ênfase nos instrumentos virtuais utilizados na modalidade a distância, os sistemas de gerenciamento de conteúdo e o processo de ensino e aprendizagem são conhecidos por diversas denominações, tais como Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), Learning Management System (LMS), Course Management System ou Content Managment System (CMS), Learning Content and Management System (LCMS), que tem dinâmica própria no sentido de garantir interação entre estudantes, tutores e professores, por meio de ferramentas, a exemplo de vídeo aula (TORI, 2010). A modalidade a distância para muitos autores significa educação independente de distâncias, onde o estudante aprende e desenvolve competências, habilidades, atitudes e hábitos a fim de assegurar seu processo de aprendizagem e desta maneira aprender a estudar no tempo e local que lhe é possível, com o acompanhamento dos professores orientadores ou tutores, a distância e ora presencialmente, apoio de sistemas e materiais didáticos específicos. O diferencial em relação à educação presencial consiste no compromisso do professor que atua na modalidade a distância em estabelecer uma relação com o estudante, mesmo que sob a utilização da tecnologia. Para tanto, é necessário o conhecimento e domínio das linguagens e tecnologias, e predisposição para a nova forma de convivência. Nesse sentido as Tecnologias de informação e comunicação abriram perspectivas para a educação, através da criação de ambientes de aprendizagem colaborativos e do 192 intercâmbio de saberes que ocorrem pela interação e interatividade das ferramentas tecnológicas. As ferramentas virtuais que existem na educação a distância proporcionam a aprendizagem coletiva em rede e uma nova relação com a imagem, com o texto e com o conhecimento. A ESTRUTURA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL (UAB) Em complementação à discussão concernente a experiência com a modalidade a distância no Brasil, registra-se a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Na Inglaterra, o desempenho da atuação da Open University no início dos anos 70, motivou vários países a promover discussões quanto à nova modalidade de ensino. É interessante comentar que o termo "aberta", utilizado na denominação Open University, [...] se aplica à nova universidade em vários sentidos. Primeiramente no sentido social, pois se dirige a todas as classes sociais, permitindo que as pessoas possam completar seus estudos em suas próprias casas sem exigência de frequência às aulas, a não ser uma ou duas semanas por ano. Em segundo lugar, do ponto de vista pedagógico, na medida em que a matrícula na Universidade está aberta a todo indivíduo, maior de 21 anos, independente da apresentação de certificado de instrução anterior e de qualquer exame de admissão. Finalmente, ela se chama "aberta" no sentido de que seus cursos, pelo rádio e pela televisão, estão abertos ao interesse e à apreciação do público em geral. (ALVES, 2007, p. 12). Neste sentido, em 1972, foi apresentada na Câmara de Deputados a proposta de criação de programa que permitisse a frequência livre em cursos de nível universitário, contudo não houve tramitação no legislativo, sendo arquivado o processo. Em seguida, no ano de 1974, há nova iniciativa de criação da Universidade Aberta, com a seguinte definição "entende-se por Universidade Aberta a instituição de nível superior, cujo ensino seja ministrado através de processos de comunicação a distância". Porém o Projeto de Lei que subsidiava a proposta também foi arquivado, em decorrência de parecer exarado pelo Conselho Federal de Educação, à época. 193 Em 2005 a Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi criada vinculada ao Ministério da Educação, com o objetivo articular e integrar um sistema nacional de educação superior a distância, bem assim de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior gratuita nas diversas regiões do país (ZUIN, 2006). Trata-se de um sistema composto por universidades mantidas pelo setor público com a finalidade de oferecer cursos de nível superior na modalidade a distância para a população que tem dificuldade de acesso à educação superior. Contudo, a prioridade consiste em atender os professores atuantes na educação básica e na sequência os dirigentes, gestores e técnicos integrantes do quadro de servidores da rede pública dos estados, municípios e do Distrito Federal, em atenção ao que dispõe o Art. 62 da LDB vigente (BRASIL, 1996). Neste contexto, a UAB fortaleceu a escola no interior do Brasil, minimizou a concentração de oferta de cursos de graduação nos grandes centros urbanos e evitou o fluxo migratório para as grandes cidades. O Sistema UAB, assim denominado pelo ato de instituição, o Decreto Federal 5800/2006 (BRASIL, 2006), possui em sua estrutura polos de apoio para o desenvolvimento de atividades pedagógicas presenciais, onde os estudantes entram em contato com tutores e professores, bem como têm acesso a biblioteca e laboratórios de informática, biologia, química e física. A proposta do Sistema UAB também prevê a disseminação e o desenvolvimento de metodologias educacionais com inserção de temáticas integrantes das práticas nas redes de ensino pública e privada de educação básica no Brasil, a exemplo de: educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação patrimonial, educação para os direitos humanos, educação das relações étnico-raciais, de gênero e orientação sexual. O Sistema apoia o desenvolvimento de pesquisas em metodologias inovadoras de ensino superior a partir das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), incentiva a colaboração entre a União e os entes federados e estimula a criação de centros de formação permanentes integrados aos mencionados polos de apoio presencial, instalados em diversos municípios da federação. UAB NO ESTADO DA BAHIA: A EXPERIÊNCIA DA UNEB 194 Na direção para o desenvolvimento da questão norteadora deste artigo, ou seja, a atuação da universidade pertencente ao setor público na implementação do ensino superior na modalidade a distância a fim de possibilitar a formação de profissionais em suas regiões, relata-se a iniciativa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em participar da Universidade Aberta do Brasil (UAB), interagindo com o seu sistema multicampi e multiregional de funcionamento. A UNEB foi criada em 1983, como autarquia vinculada à Secretaria da Educação do Estado da Bahia, cuja reitoria está instalada na cidade de Salvador, o campus I. Sua estrutura organizacional é composta por campi, sendo que na ocasião do início de suas atividades já possuía faculdades instaladas nos municípios de Alagoinhas, Juazeiro, Jacobina, Santo Antonio Jesus, Caetité e Senhor do Bonfim, totalizando sete campi, com forte ênfase na oferta de cursos de graduação para a formação de professor (BAHIA, 1983; 1997; 2006). A Universidade representa a oferta da educação superior no interior do estado. Nesta situação a distância é física entre os seus campi. A UNEB adotou nova estrutura organizacional após a promulgação da Lei Estadual nº 7.176, de 10 de setembro de 1997, que reestruturou as quatro universidades mantidas pelo Governo do Estado da Bahia, estabelecendo a adoção de “estrutura orgânica com base em departamentos”, havendo, portanto, sensíveis modificações na nomenclatura dos órgãos que configuravam a estrutura anterior (BAHIA, 1997). Após a reestruturação, a base de sua estrutura acadêmica da UNEB é o Departamento, em substituição às unidades universitárias, antes representadas por faculdades ou centros. A base orgânica em Departamentos institui o sistema binário na estrutura da universidade, composto por nova cadeia de instâncias de decisão: Conselhos Superiores, Reitoria, Conselho de Departamento, Departamento e Colegiado de Curso, em substituição ao citado sistema ternário (Conselhos Superiores, Reitoria, Faculdades, Departamentos e Colegiados de Curso). Desta forma, os departamentos assumem o papel administrativo além da função acadêmica. Ao longo da década de 90 foram criados os campi e seus departamentos nas 195 cidades de Paulo Afonso, Barreiras, Teixeira de Freitas, Serrinha, Guanambi, Itaberaba, Conceição do Coité, Valença, Irecê, Bom Jesus da Lapa, Eunápolis e Camaçari. Já nos anos 2000, chegou a vez dos campi em Brumado, Ipiaú, Euclides da Cunha, Seabra e Xique-Xique. O total de 24 campi, com instalações de sala de aula, bibliotecas, laboratórios, dentre outras, presentes em 19 dos 27 territórios de identidade delimitados pela Secretaria de Planejamento do estado da Bahia (PIMENTA, 2008). A instituição universitária na qual a distância física entre a reitoria e algumas das unidades corresponde a 875Km, com a expertise em articular a integração de suas atividades no sentido de garantir a identidade institucional, inova em 2006 quando insere na estrutura acadêmica a oferta da modalidade a distância, após obter seu credenciamento junto ao MEC, por meio da Portaria nº 4019, de 23 de novembro de 2005, de acordo com as instruções previstas no Decreto Federal nº 5622/2005, já mencionado neste artigo e Portaria Normativa nº 2, Ministério da Educação, de 10 de janeiro de 2007. Neste contexto, em 2006, o Conselho Universitário (CONSU) cria os cursos na modalidade a distância, de graduação em Administração - bacharelado, oferecido pelo Departamento de Ciências Humanas (DCH) - Campus V, em Santo Antônio de Jesus, com a oferta de 500 vagas e o curso de Pós–Graduação lato sensu em Educação a Distância: formação de professores da UNEB - especialização, vinculado ao Departamento de Educação/Campus I – Salvador. No exercício de 2008, são criados 8 cursos de graduação listados no Quadro I, contudo somente os cursos de Licenciatura em Matemática Graduação, Licenciatura em História Graduação e Licenciatura em Química têm autorização para funcionamento. Em 2009, o CONSU autoriza a oferta de cursos dos demais cursos criados em 2008, assim como, cria e autoriza o funcionamento de outros cursos de graduação em Ciências da Computação e Educação Física, ambos como licenciatura. A própria resolução registra que os cursos serão oferecidos segundo os respectivos projetos pedagógicos e em conformidade com as instruções do Sistema Universidade Aberta Brasil, tendo em vista a celebração a celebração de parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de 196 Pessoal de Nível Superior (CAPES), o MEC e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No mesmo ano, foram reformulados os projetos dos cursos de graduação em Letras e Biologia, sendo criados os cursos de Letras Vernáculas, Letras com Inglês, Letras com Espanhol e Ciências Biológicas, conforme Resolução do CONSU nº 712/2009. De igual modo, foram promovidas alterações na estrutura curricular do curso de Pós– Graduação lato sensu em Educação a Distância: formação de professores da UNEB – especialização, quando este passa a ser denominado curso de Pós–Graduação lato sensu em Educação a Distância, a fim de atender ao público em geral e criados três novos cursos lato sensu. QUADRO 1 - Oferta de cursos da UNEB Ano 2006 2008 2009 2013 Curso Bacharelado /Administração Especialização / Educação a Distância: formação de professores da UNEB Licenciatura / Biologia* Licenciatura / Pedagogia Licenciatura / Geografia Licenciatura / Letras* Licenciatura / Matemática Licenciatura / História Licenciatura / Química Licenciatura / Física Licenciatura / Ciências da Computação Licenciatura / Educação Física Licenciatura / Ciências Biológicas Licenciatura / Letras Vernáculas Licenciatura / Letras com Inglês Licenciatura / Letras com Espanhol Especialização / Educação a Distância Especialização / Gestão Pública Especialização / Gestão Pública Municipal Especialização / Gestão Pública em Saúde Especialização / Interdisciplinar em Estudos Sociais e Humanidades Quadro I – Cursos na modalidade a distância oferecidos pela Universidade do Estado da Bahia Fonte: Elaborado pelos autores Considerando o modelo multicampi, no qual é estruturada a UNEB, os cursos na modalidade a distância foram vinculados aos departamentos, unidades acadêmicas e administrativas da instituição universitária, a fim de auxiliar a integração dos estudantes 197 e tutores com a dinâmica do funcionamento da universidade e viabilizar o apoio presencial aos polos, conforme deliberação do Conselho Universitário nº 933/2012. Verifica-se a atenção da Universidade quanto a existência de estrutura que respalde a realização de estudos e provimento de instrumental, didático e tecnológico, com vistas à implementação da nova modalidade. Desta forma, o referido CONSU, cria o Núcleo de Educação a Distância (NEAD) no Departamento de Educação/Campus I – Salvador, em 2008 e, em seguida, também cria Programa de Gestão dos Projetos e Atividades na modalidade Educação a Distância, vinculados à Reitoria, abrangendo as atividades de ensino de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão, decorrentes de celebração de convênios com as esferas Federal, Estadual e Municipal, de forma articulada com as respectivas pró-reitorias e departamentos (BAHIA, 2008; 2009). Em 2014, no sentido de consolidar a estrutura que apoie e estimule o emprego da modalidade a distância o Conselho Universitário criou e implantou a Unidade Acadêmica de Educação a Distância (UNEAD), órgão que compõe a Administração Superior da Universidade responsável pelo gerenciamento, assessoramento, execução, acompanhamento, controle e avaliação das ações relacionadas a modalidade a distância. CONSIDERAÇÕES FINAIS No momento atual, pode-se inferir de forma consubstanciada, notadamente com o apoio da literatura sobre a educação a distância, que a experiência da forma colaborativa de construção de conhecimento está sendo largamente utilizada, e que dificilmente retrocederá do ponto de vista da sua atuação. Percebe-se no campo empírico que muitas instituições de ensino superior estão ofertando a modalidade supracitada, preservando as suas particularidades e diferenças entre si, oferecendo ao estudante um conjunto de modelos, dentro do que estabelecem as diretrizes dos órgãos reguladores, conquanto a questão central seja a experiência da UNEB, perceber as diversas ofertas existentes nesta modalidade auxilia a discussão em relação ao cerne da questão formulada neste artigo. Ainda nesta esteira de pensamento e considerando que no passado a educação superior no estado da Bahia era unicamente ofertada na sua capital, depois passando para o 198 modelo multicampi traduziu, naquele momento, um avanço do ponto de vista da atuação da educação superior nas regiões que abrigaram estes campi, fazendo com que a formação loco regional se fortalecesse em um movimento de retroalimentação entre crescimento e desenvolvimento endógeno. Atualmente experimenta-se outra alavancagem, visto que o alcance que permeia a modalidade a distância avança ainda mais através das características específicas desta modalidade. A UNEB junto à Universidade Aberta do Brasil, garante que a educação superior tenha uma abrangência capaz de mitigar as assimetrias econômico e sociais nas regiões de sua abrangência, isso pela própria capilaridade e pelo empoderamento de saber. Destarte, a modalidade de educação a distância, tende a garantir oportunidades aos menos abastados de aprender, mesmo que estejam isolados geograficamente, bastando ter acesso à rede. Mesmo o ensino tradicional/presencial sendo ainda o mais procurado, o modelo a distância vem se firmando exatamente pela sua abrangência, sobretudo em um estado com uma imensa superfície territorial em que muitos não teriam condições de se aproximar de curso superior, sem a oferta destes na modalidade a distância, em que pese a atuação da UNEB no estado da Bahia, no modelo multicampi. Assim sendo, pela própria metodologia utilizada na abordagem em que a educação a distância é alicerçada, pode-se inferir que a atuação da UNEB na modalidade a distância, leva a educação superior aos que estão afastados geograficamente dos grandes centros, oportunizando a formação de um grande número de pessoas através do acesso à educação superior de qualidade, sendo um balizador no desenvolvimento loco regional, considerando a liberdade de escolha dos diversos cursos oferecidos pela instituição no estado da Bahia. REFERÊNCIAS ALVES, João Roberto Moreira. A História da Educação a Distância no Brasil. In: Carta Mensal Educacional. Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação. Ano 16 - nº 82 junho de 2007. Disponível em <http://www.ipae.com.br/pub/pt/cme/cme_82/index.htm> Acesso em: 23 ago. 2014. BAHIA. Lei Delegada nº 66 de 1º de junho de 1983. Cria a Universidade do Estado da Bahia - UNEB e dá outras providências. ______. Lei Estadual nº 7.176, de 10 de setembro de 1997. Reestrutura as Universidades Estaduais da Bahia e dá outras providências. 199 ______. UNEB. Resolução n.º 377/2006. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de Graduação em Administração na modalidade a distância. DCH/Campus V – Santo Antônio de Jesus. ______. Resolução n.º 402/2006. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de Especialização em Educação a Distância: Formação de Professores da UNEB. DEDC/Campus I – Salvador. ______. Resolução nº 599/2008. Cria e autoriza o funcionamento do Núcleo de Educação a Distância (NEAD) do Departamento de Educação/Campus I – Salvador ______. Resolução nº. 600/2008. Cria os cursos de graduação de cursos, na modalidade a Distância, vinculados ao Departamento de Educação (DEDC)/Núcleo de Educação a Distância (NEAD), Campus I – Salvador. ______. Resolução nº. 601/2008. Altera o quantitativo de vagas do Curso de Especialização em Educação a Distância: Formação de Professores da UNEB e dá outras providências. DEDC/Campus I – Salvador. ______. Resolução nº. 709/2009. Cria e implanta, em caráter provisório, a Gestão dos Projetos e Atividades de Educação a Distância, no âmbito da Universidade, vinculada à Reitoria e dá outras providências. ______. Resolução nº. 712/2009. Autoriza a oferta de cursos de que trata a Resolução nº 600/2008, também, pelo Programa Gestão de Programas e Atividades na modalidade à Distância (PGPAEaD), aprovado pelo Resolução nº 709/2009 e dá outras providências. ______. Resolução nº. 713/2009. Cria e autoriza o funcionamento de cursos, na modalidade à distância a serem ofertados a partir de 2010, pelo Programa Gestão de Programas e Atividades na modalidade à Distância (PGPAEaD), aprovado pelo Resolução nº 709/2009 e dá outras providências. ______. Resolução nº. 714/2009. Autoriza a oferta de cursos de que tratam as Resoluções do CONSU nº 599/2008 e 601/2008, também, pelo Programa Gestão de Programas e Atividades na modalidade à Distância (PGPAEaD), aprovado pelo Resolução nº 709/2009 e dá outras providências. ______. Resolução nº. 716/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de Especialização em Gestão Pública, na modalidade à Distância e dá outras providências. ______. Resolução nº. 717/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de Especialização em Gestão Púbica Municipal, na modalidade à distância e dá outras providências. ______. Resolução nº. 718/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de Bacharelado em Administração Pública, na modalidade à distância e dá outras providências. 200 ______. Resolução nº. 719/2009. Autoriza a criação e o funcionamento do Curso de Especialização em Gestão em Saúde, na modalidade a distância e dá outras providências. ______. Resolução Nº. 801/2010. Atualiza os endereços dos Polos de funcionamento dos Cursos de Graduação, na modalidade a distância, na forma que indica. ______. Resolução Nº. 933/2012. Aprova a Vinculação dos Cursos de Graduação na modalidade a distância, oferecidos pela UNEB, por meio do Sistema UAB aos Departamentos que indica. ______. Resolução Nº. 965/2013. Autoriza a criação e funcionamento do Curso de PósGraduação lato sensu na modalidade a distância – Especialização Interdisciplinar em Estudos Sociais e Humanidades, e dá outras providências. DCH/Campus I – Salvador. ______. Resolução Nº. 1051/2014. Aprova a criação e implantação da Unidade Acadêmica de Educação a Distância (UNEAD) da UNEB. BRASIL. Decreto Federal nº 5.800, de 8 de junho de 2006. Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5800.htm. Acesso em 08 de setembro de 2014. ______. Decreto Federal nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. ______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ______. Ministério de Educação. Portaria Normativa N. 2, de 10 de janeiro de 2007. Dispõe sobre os procedimentos de regulação e avaliação da educação superior na modalidade a distância. ______. Portaria n.º 4.019 de 22 de novembro de 2005. Credencia, pelo prazo de 5 (cinco) anos, a Universidade do Estado da Bahia, mantida pelo Governo do Estado da Bahia, para oferta de cursos superiores a distância. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 41 – 57. ICÓ, José Antônio e FIALHO, Nádia Hage. Universidades estaduais, emprego e desenvolvimento. Revista Baiana de Tecnologia TECBAHIA. v. 14, n. 3, p. 112-117, 2000. KENSKY, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presencial e a distância. São Paulo: Papirus, 2003. 201 LITTO, Fredric Michael e FORMIGA, Manuel Marcos Marciel. Educação a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009 PIMENTA, Lídia Boaventura. Processo Decisório na Universidade multicampi: dinâmica dos Conselhos Superiores e órgãos de execução. 209f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. TORI, Romero. Educação sem distância: As tecnologias interativas na redução de distância em ensino e aprendizagem. São Paulo: Senac 2010. ZUIN. Antônio A. S. Educação a distância ou educação distante? O Programa Universidade Aberta do Brasil, O tutor e o professor virtual. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 96 – Especial, p. 935-954, 2006. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>, acesso em 27 de NOV de 2012. 202 AS ESTRATÉGIAS DO MARKETING VERDE E AS PRÁTICAS DE GESTÃO AMBIENTAL NAS EMPRESAS DE HIGIENE PESSOAL E COSMÉTICOS LÍDERES NO BRASIL Kelly Cristina Soares de Jesus 1 Lívia da Silva Modesto Rodrigues2 Alexandre José Alves da Silva3 André Luis Rocha de Souza4 RESUMO O presente estudo visa analisar as estratégias mercadológicas e as práticas de responsabilidade ambiental do Marketing Verde das empresas do segmento de cosméticos, líderes no mercado brasileiro. O principal objetivo desse estudo é analisar as estratégias mercadológicas das empresas do segmento de cosméticos, higiene pessoal e perfume líderes no mercado brasileiro, relativas ao Marketing Verde e seus reflexos no âmbito das práticas de gestão dos recursos ambientais. Para tal fim, discorreu-se sobre os conceitos de Administração Estratégica e a sua relação com as práticas de Gestão Ambiental, sua correlação às estratégias do Marketing Verde e as práticas de Gestão Ambiental e evidenciação às práticas do Marketing Verde nas empresas de segmento proposto. O campo empírico do estudo permeou duas das mais conceituadas empresas do ramo de cosméticos no Brasil que buscam trabalhar a sua imagem organizacional junto aos conceitos que envolvem questões ligadas à sustentabilidade: a Natura e o Grupo O Boticário. O trabalho foi realizado a partir da pesquisa exploratória de natureza bibliográfica, consultando dados secundários, tais como: livros, artigos científicos, monografias e dissertações, para fundamentar o referencial teórico sobre o assunto e elaborar as conceituações por diversos autores, tendo como método utilizado o bibliográfico e documental. O estudo discorre sobre os conceitos de Administração Palavras-chave: Marketing Verde. Gestão Ambiental. Cosméticos e Higiene Pessoal. ___________________ 1 Bacharel em Administração (IFBA). 2 Doutoranda em Geologia pela UFBA, Mestre em Contabilidade (FVC), especialista em Auditoria e em Impactos Ambientais e Recuperação de áreas Degradadas. Bacharel em Ciências Contábeis e Administração. Professora dos cursos de Graduação em Ciências Contábeis da UNEB – Universidade do Estado da Bahia e do Curso de Bacharelado em Administração do IFBA. 3 Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas e Pós-Doutor em Geociências pela UFBa/The University of Vermont . Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Curso de Graduação de Administração do IFBA. 4 Doutorando em Engenharia da Produção, pela Universidade Federal da Bahia, PEI. Atualmente é Professor Efetivo e Pesquisador do Instituto Federal da Bahia - IFBA, do Curso de Bacharelado em Administração. Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação Visconde de Cairu. Especialista em Finanças Empresariais pela Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração. Mestre em Administração, pela Universidade Federal da Bahia, NPGA. 203 Estratégica e a sua relação com as práticas de Gestão Ambiental, considerando as contribuições dos diversos autores, teóricos da área, bem como a importância das Estratégias do Marketing Verde e sua correlação com as práticas de Gestão Ambiental e apresenta as práticas do Marketing Verde nas empresas de segmento de cosméticos, higiene pessoal e perfume líderes no mercado brasileiro a partir dos relatórios socioeconômicos divulgados pelas empresas. 1 INTRODUÇÃO A Administração enquanto área de conhecimento tem sua evolução apresentada desde os primórdios da humanidade e o surgimento das especializações tornou-se uma necessidade eminente face ao desenvolvimento da sociedade e da economia. A mercadologia é uma dessas importantes áreas da administração que também vem se desenvolvendo desde a sociedade primitiva. Nesta época, não havia tantos desejos e necessidades por parte das pessoas, pois o que era importante para suas necessidades básicas estava ao alcance de todos. A atividade mercadológica era vista como uma relação de troca, mas foi a partir da Revolução Industrial, no século XVIII que o marketing obteve sua evolução significativa, houve um grande avanço econômico para os países industrializados possibilitando a evolução, desenvolvimento e riqueza para essas nações. O surgimento da produção em massa, a ampliação dos negócios e dos estabelecimentos comerciais proporcionaram o desenvolvimento da população e das relações de consumo e como consequência as práticas mercadológicas também se modificaram acompanhando o processo de mudança do mundo globalizado. Segundo Kotler e Armstrong (2002, p.14), a economia atravessou grandes mudanças nas últimas duas décadas. As distâncias geográficas e culturais se encolheram, esse fator permitiu que as empresas aumentassem sua área de atuação de mercado, compra e fabricação, e o resultado foi um ambiente mercadológico mais complexo. Na atualidade as organizações se deparam com grandes desafios como a grande concorrência do mercado, as constantes mudanças organizacionais e o rápido avanço da tecnologia. Esse cenário exige dessas organizações um diferencial competitivo para conseguir se destacar, manter e atrair clientes. As estratégias de marketing promovidas por essas organizações são consideradas como direcionadores que poderão ajudar na resolução desses novos desafios. Estudar os fatores que levam o consumidor a adquirir um determinado produto e as estratégias que as empresas podem utilizar para maximizar seus resultados, criando um relacionamento com seus consumidores é indispensável para um administrador. Desse modo, o estudo da área mercadológica e especificamente o Marketing nos ensina que há fatores que 204 podem influenciar na compra de um produto. As práticas mais recentes que envolvem o conceito de sustentabilidade surgiram como novas vertentes que tem influenciado o consumidor, contribuindo para aprofundamento dos estudos sobre os conteúdos da Administração Mercadológica, considerando a aplicação da Administração Estratégica, da Gestão Ambiental e do Marketing Verde. Nesse contexto, as organizações têm desenvolvido estratégias de produção e comercialização de produtos objetivando atingir as necessidades dos consumidores e ao mesmo tempo diminuir o impacto ambiental. Foi a partir desse crescimento da valorização de produtos e serviços ambientalmente corretos que surge essa nova prática mercadológica o Marketing Verde. Mudanças significativas afetaram o processo de produção das empresas a partir desse novo conceito, sendo o Marketing Verde utilizado como um diferencial entre as empresas que buscam o sucesso na melhoria da qualidade de vida dos seus clientes e da sociedade. As estratégias de Marketing Verde representam nova vertente à exploração do segmento de “produtos verdes”, proporcionando melhorias na imagem institucional, com o intuito de influenciar na decisão de compra dos seus clientes e sua consciência pelo consumo mais sustentável. 2 ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA Com o surgimento das fábricas e a invenção da máquina a vapor e sua utilização na produção, no século XVIII, teve início a Revolução Industrial. Isso impulsionou uma nova forma de produção que modificou os padrões econômicos e sociais da época. Foi a partir dessa época que surgiram ideias de organização racional da sociedade e do trabalho. Segundo Carvalho (2008, p.11) esses acontecimentos propiciaram condições favoráveis à criação de estudos científicos, porque eram necessários ao aperfeiçoamento da produção nas empresas. O surgimento das teorias administrativas, por estudiosos como Taylor, Fayol entre outros, neste período, começou a suprir a ausência de bases científicas para a administração dando visibilidade e credibilidade à nova ciência. A Administração busca estudar as necessidades sociais e técnicas da organização, seu conjunto de diretrizes, cultura, processos, recursos e capital, possibilitando a realização de seu negócio de forma estruturada, integrada e consolidada. Faganelo e Machado (2008, p. 3). Maximiliano apud Carvalho salienta que: Administrar é um trabalho em que as pessoas buscam realizar seus objetivos próprios ou de terceiros (organizações) com a finalidade de alcançar as metas traçadas. Dessas metas fazem parte as decisões que formam a base do ato de administrar e que são as mais necessárias. O planejamento, a organização, a 205 liderança, a execução e o controle são considerados decisões e/ou funções, sem as quais o ato de administrar estaria incompleto. (CARVALHO, 2008, p.11) Após a observação dos primeiros estudos científicos chegou-se à conclusão que Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso de recursos com a finalidade de alcançar os objetivos das organizações. (CARVALHO, 2008, p.11). 2.1 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA Inicialmente o conceito de estratégia era muito utilizado pelo exército para comandar ou conduzir seus soldados, representava um meio de vencer uma ameaça. Mas foi a partir da primeira metade do XX que as organizações passaram a utilizar a estratégia empresarial como ferramenta de gestão para reduzir os riscos e as incertezas do ambiente. Após Segunda Guerra Mundial surgiram ameaças externas, o comércio internacional foi ampliado e as organizações passaram a competir globalmente. Nesse período as organizações começaram a se preocupar em estabelecer estratégias para atingir seus resultados e medir seu desempenho. Estudos mais profundos sobre a Administração Estratégica tiveram início em 1950 quando a Fundação Ford e a Carnegie Corporation realizaram um estudo com o objetivo de avaliar os currículos das Escolas de Administração norte-americanas. Foi a partir desse estudo que se ouviu falar da Administração Estratégica. As Escolas de Administração verificaram que deveriam incluir em seus currículos a disciplina de política de negócios que mais tarde veio a se transformar na disciplina de Administração Estratégica. Esses estudos possibilitaram outras pesquisas, que colaboraram para a fundamentação dos conceitos, das ferramentas e dos processos da Administração Estratégica. Nesse contexto, se deu a evolução do pensamento estratégico como um processo de gestão empresarial. Segundo Samuel Certo et al (2010, p. 4) a Administração Estratégica é definida como o processo contínuo e circular que visa manter a organização como um conjunto adequadamente integrado ao seu ambiente. Para Faganelo e Machado (2008, p. 3) a “Administração Estratégica é um conjunto de orientações, decisões e ações que determinam o desempenho de uma empresa a longo prazo”. Esses conceitos afirmam que as empresas necessitam se antecipar e se preparar para as constantes mudanças e, assim, evitar futuros problemas. Isso pode ser alcançado por meio de planejamento e desenvolvimento visando à implementação efetiva da Administração Estratégica. 206 2.2 ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA E GESTÃO AMBIENTAL Ao longo das ultimas décadas os impactos ambientais tem comprometido a qualidade de vida do homem, isso foi consequência de um modelo de crescimento econômico adotado que se fundamenta no aumento da produção sem pensar em seus custos para o ambiente e a sociedade, foi a nesse contexto que o homem começou a repensar seu modelo de desenvolvimento. Para Seiffert a preocupação com a conservação e a preservação da qualidade ambiental vem se tornando um tema cada vez mais importante e presente na vida dos cidadãos em vários países do mundo. Isto é resultado da evolução dos desgastes ao ambiente gerados ao longo dos anos, particularmente pela operação dos processos industriais, que geram degradação ambiental tanto em sua operação diária quanto em casos de acidentes ambientais. (2011, p.7) Quando as organizações identificaram que a qualidade de vida homem estava sendo comprometida, devida há má utilização dos recursos naturais, passaram a observar uma necessidade de mudar essa realidade, buscando através da Gestão Ambiental diminuir ou eliminar os desequilíbrios ambientais. Desta forma, essas organizações passaram a reconhecer que o desenvolvimento das suas atividades influenciavam diretamente o meio ambiente. Seiffert (2011, p.50) afirma que a Gestão Ambiental: Caracteriza-se pela forma como a organização se mobiliza, interna e externamente, para a conquista da qualidade ambiental desejada. Ela consiste em um conjunto de medidas que visam ter controle sobre o impacto ambiental de uma atividade. Dessa forma, para que a empresa passe a realmente trabalhar com a Gestão Ambiental, deve, inevitavelmente, passar por uma mudança em sua cultura organizacional e empresarial. Para Dahlstrom (2011, p.33), o planejamento estratégico refere-se ao processo de como a organização se adapta ao meio ambiente e as atividades corporativas. Ao incorporar a sustentabilidade no processo de planejamento estratégico, a empresa aumenta sua capacidade de interagir de forma eficaz com o meio ambiente. Na medida em que a empresa preocupa-se com um modelo de negócio que avalia as consequências e os impactos de suas decisões e ações não apenas com as questões financeiras, ou seja, a organização contempla aspectos sociais e ambientais, ela se compromete com o futuro e, portanto, com a sustentabilidade. A Gestão Ambiental busca o equilíbrio nas relações econômica, ambientais e sociais. Isso contribui para o desenvolvimento sustentável, uma vez que passa a utilizar o conceito de sustentabilidade. (ALIGLERI, 2009, p. 16). Em 1987, a ONU (Organização das Nações Unidas), elaborou um relatório definindo a sustentabilidade como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente 207 sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer as suas próprias necessidades. Com a publicação desse relatório as organizações começaram a adotar a noção de sustentabilidade derivada do foco no Tripé Bottom Line ou tripé da sustentabilidade. A figura 1 descreve a busca da sustentabilidade, onde afirma que para a corporação alcançar a sustentabilidade ela deve direcionar suas ações a favor do desenvolvimento social, econômico e ambiental. Desempenho Social Desempenho Econômico Desempenho Ambiental Figura 1: Tripé da Sustentabilidade. Fonte: Adaptado de Dahlstrom, 2011, p.7. Segundo Dahlstrom, a organização sustentável deve gerar níveis aceitáveis de desempenho econômico, estimular o desempenho social em sua interação com clientes, fornecedores, consumidores e outros grupos de interesse. Também é de grande importância para a empresa que busca a sustentabilidade que ela possua a capacidade de atingir níveis aceitáveis de desempenho ambiental ao longo da cadeia de suprimentos, desde a obtenção de matéria-prima até o descarte pós-consumo. (Dahlstrom, 2011, p.7-8). 2.2.1 PORQUE SE PREOCUPAR COM A GESTÃO EMBIENTAL? O tema Gestão Ambiental nas organizações vem ganhando força e consequentemente influencia cada vez mais em suas decisões estratégicas. O crescimento das questões ecológicas dentro da organização ocorre quando a empresa percebe a importância das melhorias ambientais gerando assim uma excelente oportunidade para o negócio com a redução nos custos. Para Donaire (2008, p. 89) qualquer melhoria que possa ser conseguida no desempenho ambiental da empresa sempre representará algum ganho de energia ou de matéria contida no processo de produção. Para orientar a organização que deseja atingir padrões elevados de Gestão Ambiental as normas da Organização Internacional de Normalização (ISO) possuem um papel importante para auxiliá-la, pois elas orientam as organizações na direção correta para alcançar a Gestão Ambiental. A ISO utiliza-se de diversos padrões para monitorar e controlar a 208 interação dos setores organizacionais com o meio ambiente. A norma ISO 14000 padroniza a Gestão Ambiental e dela derivou a norma mais atual de Gestão Ambiental a ISO 14001:2004 que estabelece uma estrutura para que uma organização possa controlar a influência de suas atividades, produtos e serviços, aumentando continuamente seu desempenho ambiental. Segundo Donaire (2008, p.91) as exigências da legislação ambiental passaram a estabelecer normas de atuação que resultaram em repercussões em nível interno nas organizações interessadas em solucionar seus problemas ambientais. Esses instrumentos, e outros aqui não citados, dão diretrizes que, de certa forma, orientam e ajudam a compreender a importância da responsabilidade entre as ações empresariais e o meio ambiente. 3 MARKETING VERDE A Administração de Marketing possui como objeto de estudo as mais diversas áreas das ciências como as humanas e as naturais, pois, tem como objetivo conhecer o comportamento humano e, a partir disso, criar produtos e serviços que atendam as suas necessidades. Cobra (2009, p. 39) confirma que o marketing busca preciosas informações em áreas que se apoiam, de um lado em patamares cientifico como estatística, matemática, antropologia, psicologia, sociologia, e do outro lado, utiliza a arte expressa pelo design de produtos, embalagens, logotipo, propaganda etc. A Associação Americana de Marketing (AMA) define marketing como: o processo de planejamento e execução, desde a concepção, o preço, a promoção e a distribuição de bens e serviços, para criar trocas que satisfaçam os objetivos individuais e organizacionais. Kotler e Armstrong já o apresentam como: “o processo social e gerencial através do quais indivíduos e grupos obtêm aquilo que desejam e de que necessitam, criando e trocando produtos e valores uns com outros (...) o marketing consiste em ações com a finalidade de obter uma resposta desejada de um público-alvo sobre algum produto, serviço, idéia ou outro objeto qualquer (...) marketing significa administrar mercados para chegar a trocas, com o propósito de satisfazer as necessidades e desejos do homem. (Kotler e Armstrong, 2003, p.3; 7-8) Para Shimoyama, et at (2002, p.2), o marketing tornou-se uma força difundida e influente em todos os setores da economia. Desta forma passou de uma imagem de algo antiético e desnecessário e passou a ser visto como um instrumento essencial para a formação e manutenção dos negócios empresariais. Seus conceitos passaram a ser aplicados não mais apenas por empresas com fins lucrativos, mas também pelos os mais variados tipos de organizações como times de futebol, igrejas, governos e organizações não governamentais, gerando as diversas especializações como marketing esportivo, institucional entre outros. 209 Portanto, Marketing é quando uma organização busca estrategicamente no mercado, as informações necessárias para o desenvolvimento e distribuição de produtos ou serviços que visem atender as demandas dos consumidores, com isso promove a satisfação dos seus clientes mediante a confiança na marca e o desenvolvimento de produtos e serviços de qualidade. Dahlstrom (2011, p.107), afirma que uma organização de sucesso deve descobrir e identificar dentro do mercado o que seus consumidores procuram. 3.1 ESTRATÉGIAS DE MARKETING (4 Ps) A organização trabalha em um ambiente dinâmico, onde os valores globais que afetam o marketing como orientações do cliente, mudanças na economia, impactos ambientais, aumento da concorrência global e uma série de outras variáveis, políticos e sociais influenciam significativamente a relação de consumo. Essas influências exigem que os administradores de marketing reformulem as estratégias e seus objetivos, e implementem práticas inovadoras, pois mudanças rápidas podem tornar as estratégias de sucesso de ontem rapidamente desatualizadas. Contudo, esses novos cenários também oferecem oportunidades de marketing. Kotler e Armstrong (2003, p.13) afirmam que hoje examinamos com mais cuidado as principais tendências e forças que estão mudando o marketing e desafiando sua estratégia: o crescimento do marketing sem fins lucrativos, a rápida globalização, a economia mundial em mutação e o apelo para ações de maior responsabilidade social e ambiental. Depois de decidir sua estratégia de a empresa está apta para começar a planejar o mix de marketing ou composto de marketing. Kotler e Armstrong (2003, p.31) definem o mix de marketing como o grupo de variáveis controláveis de marketing que a empresa utiliza para produzir a resposta que deseja no mercado-alvo. Esse composto consiste nas ações da organização com a intenção de influenciar a preferência por seu produto. O composto de marketing se reúnem em quatro variáveis, conhecidas como os quatro “Ps”: Produto, Preço, Praça e Promoção, configurando os elementos necessários atingir seus objetivos, não apenas ofertando um produto e sim benefícios aos consumidores, criando, assim, valor para a empresa. Portanto, para Kotler e Armstrong (2003, p.32), “empresas vencedoras serão aquelas que conseguirem atender mais economicamente e convenientemente as necessidades do consumidor”. 210 3.2 ADMINISTRAÇÃO MERCADOLÓGICA E GESTÃO AMBIENTAL A Administração Mercadológica desempenha um importante papel para a organização, pois auxilia a alcançar suas metas de faturamento e de lucros através da identificação das necessidades dos consumidores. As estratégias de marketing são também influenciadas pela Gestão Ambiental, afetam diretamente os indivíduos e a sociedade, de modo que necessitam ter uma perspectiva do potencial impacto tanto socioambiental quanto competitivo de suas ações (Aligleri, 2009, p.135). Portanto, para esses consumidores os esforços empresariais de desenvolvimento e consumo de produtos ecologicamente corretos podem oferecer a possibilidade de redução dos problemas ambientais e a melhoria na sua qualidade de vida. Assim segundo Kotler e Armstrong (2003, p. 479; 481), o sistema de marketing não deve ser o de maximizar o consumo, e sim a qualidade de vida do consumidor. Entende-se por qualidade de vida não só apenas a quantidade e qualidade de bens e serviços de consumo como também a qualidade do meio ambiente. De acordo com essa realidade as empresas respondem a esse movimento com o Marketing Verde, desenvolvendo produtos ecologicamente mais seguros, embalagens recicláveis, maior controle da poluição e operações mais eficientes. Constatamos que na ultima década somou-se ao tradicional marketing para o consumidor o marketing sustentável ou verde que, em princípio, permite que as organizações não sejam apenas lucrativas, mas também, ao mesmo tempo, ambientalmente responsáveis. Para isso é necessário repensar a atividade produtiva e mercadológica, a fim de que se possam encontrar soluções viáveis para o conflito capital e natureza, isso se chama Marketing Verde. (Mazza, 2011, p.190) 3.3 CONCEITO DE MARKETING VERDE As empresas comprometidas com o meio ambiente tentam não apenas desenvolver uma consciência ambiental, mas de fato preservar o ambiente. Mercados ambientalmente corretos são aqueles em que compradores e vendedores são caracterizados pela prática de atividades que demonstram o respeito á natureza e à sua diversidade, incentivam e utilizam recursos renováveis, combatem o desperdício de recursos e praticam um descarte adequado dos resíduos. (Mazza, 2011, p.189). O Marketing Verde segundo OTTMAN (1993, p.43) apud Mazza (2011, p.191) tem por estrutura dois pontos fundamentais: a) O desenvolvimento de produtos que equilibrem necessidades dos consumidores com um impacto mínimo sobre o ambiente e tenham preço 211 viável; e b) Projeção de uma imagem de alta qualidade, incluindo sensibilidade ambiental, quanto aos atributos de um produto. Segundo Dahlstrom (2011, p.5-6) é o desenvolvimento e a comercialização de produtos destinados a minimizar os efeitos negativos sobre o meio ambiente, ou seja, são todos os esforços para consumir, produzir, distribuir, promover, embalar e recuperar o produto de forma que sejam sensíveis as preocupações ecológicas. Essa definição reconhece a necessidade de considerar a produção, a distribuição e a recuperação de produtos como componentes integrados do esforço de planejamento da gestão de marketing. O meio ambiente, as economias em desenvolvimento, os consumidores, a estratégia corporativa, o produto, os processos de produção e a cadeia de suprimentos são influenciados e beneficiados com o Marketing Verde, que também tem implicações para o mercado financeiro. Investidores são atraídos para fundos verdes especializados que apresentam carteiras de ações de empresas ecologicamente conscientes. (Dahlstrom, 2011, p.8; 11). Portanto, as iniciativas de Marketing Verde contribuem significativamente para Gestão Ambiental e consequentemente para o meio ambiente por meio da incorporação de estratégias que agregam valor aos produtos e serviços ofertados aos consumidores. 3.3.1 ESTRATÉGIAS DE MARKETING VERDE (4 Ps) A estratégia de Gestão Ambiental é o processo onde a organização consegue ajustar suas ações ao meio ambiente. Ao incorporar o conceito de sustentabilidade no processo de Administração Estratégica, a empresa aumenta sua capacidade de interagir de forma eficaz com o meio ambiente. Dentro desse processo, as estratégias de Marketing Verde permitem uma melhoria contínua na interação da organização com o meio ambiente. Segundo o estudo das áreas mercadológicas as estratégias de marketing são traçadas a partir de uma combinação de quatro elementos (produto, preço, praça e promoção) denominada de Mix de Marketing, que se correlacionam diretamente ao conceito de Marketing Verde, conforme exposto: Produto: Um produto ambientalmente correto é o que satisfaz as necessidades e as expectativas do consumidor e, ao mesmo tempo, não agride o meio ambiente. Para Mazza (2011, p.193-194), um produto considerado verde deveria contar com todas ou pelo menos algumas das seguintes características: material reciclável, uso reduzido de recursos, redução no consumo de energia, uso eficiente da água, redução de resíduos, longa vida do produto, possibilidade de reuso e que seja degradável. Aligleri, afirma que o “desafio dos gestores de 212 marketing é criar produtos que agreguem benefícios de longo prazo, reduzam o estresse do cliente e aliviem a responsabilidade dos consumidores, sem reduzir as suas qualidades”. (2009, p.142). Preço: Segundo Calomarde (2000) apud Silva (2009, p.6), “o estabelecimento do preço de um produto verde, além de incluir os custos normais de produção, também deve levar em conta os valores ambientais que ele possui”. Portanto, o preço de um produto ambientalmente correto não é diferente dos outros produtos, ele também deverá refletir o valor percebido pelo consumidor, entretanto, sua competitividade no mercado está relacionada ao nível de informações a respeito dos benefícios ambientais nele agregados. A estratégia de preço deve refletir os valores ambientais agregados ao produto, sua funcionalidade e os custos para sua produção. Contudo, sua fixação acima de um patamar que os consumidores estariam dispostos a pagar poderá funcionar como inibidor ao consumo e, por outro lado, se estiver muito abaixo da média de mercado, poderá ser interpretado como sinônimo de produto de baixa qualidade. (SILVA, 2009, p.6-7). Promoção: representa como a empresa se comunica com o mercado e com seu público interno e externo, com o objetivo de promover a sua marca. Significa que, as estratégias promocionais sustentáveis de uma organização devem começar de dentro para fora. É necessário transmitir a seus stakeholders os valores organizacionais e as ideias ambientalmente positivas, com a intenção de criar uma cultura ambientalmente responsável. Aligleri (2009, p.138), afirma que uma empresa pode ter uma causa socioambiental para fortalecer a sua imagem, mas precisa integrar essa percepção à identidade da empresa. Isto é, inserir a questão ambiental tanto nas estratégias organizacionais como nas diferentes atividades realizadas no cotidiano do negócio. Praça: é para o marketing a forma como os produtos são distribuídos no mercado. A estratégia de distribuição deve relacionar a produção com o consumo, assim tornando possível a disponibilidade do produto para o consumidor. De acordo com Calomarde (2000, p. 129) apud Silva (2009, p.7) “a distribuição tem por objetivo levar os produtos do produtor ao consumidor no tempo, lugar e quantidade adequados”. Para o Marketing Verde essa definição deve levar em consideração também a coleta dos resíduos de materiais sólidos e líquidos desde o inicio até o fim da vida do produto, trabalhando desta forma com a logística reversa. Para Dias (2007) apud Silva (2009, p.7) é fundamental para um canal de distribuição de produtos verdes que durante seu escoamento o consumo de recursos seja minimizado e a geração de resíduos diminuída. 213 Percebe-se que é fundamental elaborar um sistema eficiente de distribuição e logística reversa para os todos os resíduos gerados dos produtos, a exemplo o gerenciamento da rota dos caminhões para entrega, propiciando a redução de custos, eliminação de desperdício com combustíveis e maximização da capacidade de utilização dos caminhões com reflexos sobre a eficiência da logística e no atendimento ao cliente. Dahlstrom (2011, p.15), afirma que empresas que adotam estratégias sustentáveis ou verdes para a produção e distribuição de produtos alimentares garantem um nível de segurança na qualidade do produto e promovem melhoria da qualidade de vida dos seus consumidores. Portanto, embora os componentes do mix de marketing trabalhados sejam apresentados separadamente, essas estratégias mercadológicas devem, a partir dos objetivos da organização, estar sincronizadas para produzir os resultados desejados para a empresa. 4 MERCADO BRASILEIRO DE PRODUTOS PARA HIGIENE PESSOAL, COSMÉTICOS E PERFUMES A história do uso de cosméticos é antiga, foram encontrados indícios do uso de cosméticos até antes mesmo de Cristo em sociedades Egípcias, Indígenas e Gregas. Essas sociedades usavam cosméticos em rituais tribais, cerimônias religiosas, sepultamentos entre outros, mas foi na Idade Moderna que a venda pública de cosméticos, pomadas, óleos, depilatórios, águas aromáticas, sabonetes e outros artigos de beleza se tornaram intensos. Segundo a ABIHPEC - Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de itens de cosméticos, higiene pessoal e perfumaria do mundo ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Japão e é também um dos maiores fabricantes desta indústria, sendo o sétimo produtor mundial de cosméticos, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália. Nos últimos 16 anos, o faturamento deste setor passou de R$ 4,9 bilhões para R$ 29,4 bilhões, crescendo em média 10% ao ano e empregando cerca de 5,7 milhões de pessoas. Dados da ABIHPEC revelam que no Brasil existem mais de 1.600 empresas atuando no mercado, sendo que 20 empresas representam 73 % do faturamento total. Segundo uma pesquisa realizada pela revista EXAME em 2012 no Brasil as cinco maiores empresas de cosméticos eram responsáveis pela metade do mercado de produtos de higiene pessoal, perfume e cosméticos. São elas: a Natura que possui 14,5% do mercado; a Unilever que detém 10,7%; a Avon, que mesmo com uma queda nas vendas de 19% em 2011, 214 possui 8,8% da parcela do mercado; a Procte&Gamble com 8,3%; e o Grupo Boticário que possui 8,2% do mercado brasileiro. Esse desenvolvimento ocorreu devido a diversos fatores como à crescente participação da mulher brasileira no mercado de trabalho, os homens passaram a cuidar melhor da saúde e da aparência, o aumento da expectativa de vida da população, surgimento de novas tecnologias que possibilitaram o aumento da produtividade e o lançamento de novos produtos. Segundo a ABIHPEC, os lançamentos de novos produtos são responsáveis por cerca de 35% do faturamento bianual do setor de cosméticos no Brasil. Isso implica a necessidade das empresas de, a cada quatro anos, reformularem quase completamente seus portfólios, tornando assim o mercado de cosméticos, higiene pessoal e perfumaria dinâmico e atrativo para o público que se destina mediante adoção de estratégica de Marketing Verde e de inovações em seus processo produtivos. Nesse sentido, a busca por inovação nas indústrias de produtos para higiene pessoal, cosméticos e perfumes vai desde a formulação de novos produtos ao design das embalagens utilizadas. A ABDI destaca que, neste setor, a tecnologia e o design da embalagem são estratégicos para o produto e fatores de diferenciação, como também são decisivos no marketing, sendo na maioria dos produtos de cosméticos o custo da embalagem maior que o custo do produto. 4.1. O CAMPO EMPÍRICO O objeto de pesquisa deste trabalho possui como referência as empresas Natura e o Grupo O Boticário. A seleção dessas duas organizações para esse estudo ocorreu a partir das imagens organizacionais e atuação no cenário da indústria brasileira de produtos de higiene pessoal, cosmético e perfumaria. Elas estão entre as cinco maiores empresas do setor e correspondem juntas há 22,7% do mercado nacional. O critério de seleção adotado foi estudar as maiores empresas brasileiras líderes no setor. 4.1.1 A NATURA S.A É a maior fabricante brasileira de cosméticos e produtos de higiene e beleza. Líder no setor de venda direta no Brasil, com uma receita anual superior a R$ 6 bilhões. Sediada em Cajamar, São Paulo, a companhia conta com quase 7 mil colaboradores e 1,5 milhão de consultoras e consultores, que atuam no Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Colômbia e França. Segundo a Natura o desenvolvimento sustentável orienta a maneira de a empresa 215 fazer negócios desde sua fundação. Os princípios que norteiam o desenvolvimento de produtos da empresa são: responsabilidade ambiental, embalagens com menor quantidade de materiais, embalagens recicladas e recicláveis, refis para todos os itens e fórmulas biodegradáveis. Em 2004 a Natura abriu seu capital passando a integrar o Novo Mercado da Bovespa. Em 2005, como reconhecimento ao compromisso que a empresa tem com a sustentabilidade, as ações da Natura foram incluídas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), cuja finalidade é reconhecer as companhias com os melhores desempenhos em todas as dimensões da atuação empresarial, assumindo o compromisso de adotar práticas mais rígidas do que as exigidas pela legislação. Em 2010 implementa o uso do refil ecologicamente correto. Segundo informações dos relatórios analisados a Natura adota a inovação como um dos pilares para o alcance deste desenvolvimento sustentável. No ano passado, destinou R$ 146,6 milhões e lançou 164 itens, atingindo um índice de inovação, percentual da receita proveniente de produtos lançados nos últimos 2 anos, de 64,8%. Segundo a revista EXAME na Natura cerca de 3% da receita líquida têm sido investidos em inovação. Como resultado dessa política, em agosto de 2011 a companhia inaugurou em Manaus, o Núcleo de Inovação Natura Amazônia (Nina), que trabalha em parceria com instituições de pesquisa e universidades locais para descobrir novos ingredientes e formulações. O objetivo é o crescimento para os próximos dez anos, de 10% para 30% a quantidade de produtos fabricados com matérias-primas oriundas da Amazônia. 4.1.2 GRUPO O BOTICÁRIO Em 1977, o farmacêutico, Miguel Krigsner abre uma pequena farmácia de manipulação em Curitiba/PR. Investindo na elaboração de cosméticos naturais, manipulados artesanalmente, os clientes puderam contar com produtos para cabelos, cremes e desodorantes com fórmulas exclusivas. Para homenagear os “Boticas” antigos farmacêuticos deu nome a farmácia de O Boticário. Dois anos mais tarde foi inaugurada a primeira loja no Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais/PR. E este pequeno espaço foi determinante para o futuro da empresa, já que seus clientes eram passageiros e equipes de bordo das companhias que não compravam apenas para uso pessoal como também para presentear e revender em suas cidades de origem. Hoje o Grupo O Boticário conta com o mais de 5.700 colaboradores, 900 franqueados, além de consultoras, representantes comerciais e fornecedores que compõem uma grande rede. 216 O Grupo O Boticário hoje possui quatro marcas: O Boticário; Eudora; Quem disse Berenice? e The Beauty Box. A marca O Boticário possui um portfólio de mais de 1.100 produtos entre cosméticos, maquiagem e perfumaria. A empresa é a maior rede de franquias do país e a maior do mundo em perfumaria e cosméticos, atuando com cerca de 3.550 lojas no Brasil e com presença também em outros nove países. Segundo o Grupo as questões ligadas à sustentabilidade permeiam desde a concepção dos produtos, até o relacionamento com todos os públicos. De acordo com a empresa a sustentabilidade é o ponto de partida para obter resultados positivos em todos os aspectos. O Grupo salienta que ao minimizar os impactos ambientais, promovem a qualidade de vida das pessoas e contribuem para um planeta mais sustentável. 4.1.3 ESTRATÉGIAS DE MARKETING VERDE DA NATURA E DO GRUPO O BOTICÁRIO As estratégias de Marketing Verde apresentadas a seguir são a essência dos princípios de Gestão Ambiental das empresas Natura e do Grupo O Boticário, analisadas a partir do composto mercadológico, considerando os Relatórios de Sustentabilidade do ano de 2012 disponibilizados pelas empresas em seus canais eletrônicos. Utilizamos indicadores separados entre os quatro elementos da Estratégia de Marketing Verde, são eles: Tabela 01: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Produto 4Ps Indicadores Produto Uso Racional Energia Análise da A Natura utilizar energia de fontes renováveis como as fornecidas por PCHs. E a construção do Ecoparque terá uma maior eficiência no uso da energia elétrica. O Boticário busca através de ações a redução do consumo de energia em todas as instalações e possui no Paraná uma usina para geração de energia elétrica. Redução na Emissão de GEEs A Natura conseguiu de 2006 a 2012 reduzir por quilo de produto 28,4% de CO2. O Boticário relata que sua redução foi de 76% na planta de São Jose dos Pinhais. Uso Racional Água Tanto a Natura quanto o Grupo O Boticário adotam medidas que buscam a eficiência dos seus recursos hídricos. Ambas possuem ações semelhantes como: controle do consumo em suas instalações e de seus fornecedores e utilizam água da chuva em alguns processos. Fornecedor ambientalmente responsáveis da As duas organizações possuem critérios para a seleção de fornecedores que, dentre outros aspectos, desempenham ações sustentáveis em seus processos. 217 Desenvolvimento de embalagens eficientes Desenvolvem embalagens eficientes e comercializam embalagens refis. Destacando da Natura os refis ecoeficientes e as embalagens da linha SOU e Natura EKOS. No Grupo O Boticário a Marca “Quem disse, Berenice?” as embalagens além de usarem menos plásticos seus designes são projetadas para facilitar a saída do produto. Gestão de resíduos Possuem como política a reciclagem dos resíduos gerados em suas produções, contudo, segundo o relatório da Natura seu índice de geração de resíduos subiu de 20,01 gramas por unidade produzida para 25,56 gramas em 2012. O Boticário relata que em 2012 foram 97% dos resíduos reciclados. Contudo, o volume de resíduos não reutilizados foram de 254,19t, 65% maior que 2011. Fonte: a autora A Natura, além de promover ações de redução no consumo, procura adquirir energia de fontes renováveis e de menor impacto socioambiental, fornecidas por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). De acordo com ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica as PCHs é toda usina hidrelétrica de pequeno porte cuja capacidade instalada seja superior a 1 MW e inferior a 30 MW. Além disso, a área do reservatório deve ser inferior a 3 km². Com relação ao consumo de energia, a empresa investiu, nos últimos quatro anos, em novas fontes energéticas e em ecoeficiência para cortar parte das emissões de gases que causam o efeito estufa. Esse trabalho resultou em uma redução de 7,4% das emissões absolutas de CO2 da empresa. A Natura estabeleceu o compromisso de reduzir um terço das suas emissões relativas de Gases de Efeito Estufa até o final de 2013. De acordo com a empresa a Gestão das emissões de carbono considera impacto da extração de matérias-primas, fornecedores, processos internos e pós-consumo de produtos e serviços. Com isso em 2012, a Natura reduziu 4% das suas emissões relativas (quilo de CO2 por quilo de produto faturado), totalizando 28,4% desde 2006. Tabela 02: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Preço Preço 4Ps Indicadores Análise Redução no Preço Ambas as empresas possuem uma política de redução de custos com embalagens que é repassado ao consumidor e representam uma redução média de 22% no preço das embalagens refis. Além disso, a Natura desenvolveu uma linha de produtos, para cabelo e corpo, que possui uma redução média de 50% no preço. Redução de Custos O relatório da Natura evidencia uma redução dos custos por mercadoria vendida de 29,4% valor menor que o ano anterior. No relatório do Boticário não foram encontrados dados relativos à redução de custos na produção além da redução com a produção de embalagens. Fonte: a autora 218 O Custo dos produtos vendidos diminuiu para 29,4% em 2012, comparado a 29,8% em 2011, essa diminuição foi evidenciada na redução de custos no processo de produção e ganhos de escala. As embalagens de refis por utilizar menos matéria-prima possuem em média um preço 20% menor que as embalagens comuns. A linha SOU, por exemplo, consome menos recursos e possui uma redução de 50% no preço. Tabela 03: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Praça 4Ps Indicadores Praça Gestão dos impactos na distribuição dos produtos Análise A Natura descentraliza sua distribuição entre 8 centros no país. O Boticário realiza um acompanhamento do consumo de diesel dos veículos que distribuem os produtos. Logística Reversa Tanto a Natura quanto o Grupo Boticário possuem programas de coleta das embalagens vazias dos produtos e enviam para a reciclagem. Construção Ambientalmente Consciente Ambas se preocupam com a construção eficiente de suas instalações. A Natura inaugurará em 2014 o Ecoparque que em sua construção se preocupará com a racionalização dos recursos desde a construção até uso da água da chuva no processo produtivo. O Grupo Boticário adota medidas como: utilização de materiais mais eficientes na construção de suas instalações, reutilização da água, uso de lâmpadas mais econômicas e mobiliário com certificação de Manejo Florestal. A Natura investiu 437 milhões de reais em infraestrutura e logística no ano de 2012. A empresa conta com oito centros de distribuição no Brasil e outros seis nos demais países onde opera: Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e França. Segundo a Natura o plano para descentralização da logística e da produção em outros países da América Latina tem aliado ganhos na emissão de carbono e redução de custo dos produtos. A distribuição dos produtos é efetuada por meio de vendas diretas por Consultores (as) Natura. A Natura alcançou a marca recorde de 4,5 milhões de produtos separados e preparados para transporte em um único dia. Em comparação com 2011 a Natura obteve um crescimento de 1,7%, essa variação se deve principalmente pela otimização dos Centros de Distribuição e pela formação de estoques para o atendimento eficiente da demanda. A Natura desenvolve uma experiência na Colômbia desde 2010, na qual as consultoras e consultores coletam material de embalagens para a reciclagem. Em 2012 foram coletadas 219 322 toneladas de embalagens vazias, volume 37% superior a 2011, quando o total foi de 235 toneladas. Os resíduos recolhidos são enviados pela Natura a empresas parceiras para a reciclagem. No Brasil, uma ação semelhante foi realizada entre 2009 e 2012, na qual o Movimento Natura mobilizava os consultores e consultoras para recolherem as embalagens vazias de seus consumidores. A iniciativa, entretanto, não se mostrou viável na escala necessária para gerar um impacto significativo e está sendo revista. Em 2012 foram arrecadadas 12 toneladas de embalagens vazias – no acumulado de 2009 a 2012, o volume total foi de 438 toneladas. A Natura inaugurou em 2012 o Núcleo de Inovação Natura Amazônia (NINA) em Manaus, trata-se de um centro de conhecimento que pretende formar uma rede de pesquisas com o objetivo de transformar a região em referência em biotecnologia. No mesmo ano, dá início a construção do Ecoparque em Benevides, PA com previsão para inaugurar no início de 2014. O Ecoparque terá uma área de 172 hectares para acomodar outras empresas interessadas em fazer o uso sustentável dos ativos da sociobiodiversidade. O projeto buscará conectar empresas com necessidades complementares, gerando sinergia e maior eficiência no uso dos recursos. Assim essas empresas poderão usar como insumo o que a outras descartou. A construção está sendo projetada com importantes diferenciais para racionalização dos recursos naturais e energéticos desde os materiais de construção e acabamentos a tecnologias como o uso da água da chuva no processo produtivo. Tabela 04: Estudo das Estratégias de Marketing Verde da Natura e do Grupo O Boticário - Promoção Promoção 4Ps Indicadores Análise Construção da marca sustentável As duas procuram promover suas diretrizes institucionais através de slogans como na Natura com "Bem Estar Bem" e no Grupo Boticário com "Beleza é o que a gente faz". Mensagens ambientalmente responsáveis Tanto a Natura quanto o Boticário procuram informar seu público sobre temas relacionados ao meio ambiente. A Natura, possui um programa de televisão. O Grupo Boticário distribui informativos em suas lojas e busca orientar seu público interno por meio do Guia Prático. Educação ambiental para os seus públicos De forma semelhante às duas organizações trabalham para que seus públicos tenham acesso às informações sobre temas ligados a educação ambiental. Suas ações consistem em treinamentos e reuniões com seus públicos internos e ações educativas para seu público em geral. Segundo a Natura sua marca é líder no setor de cosméticos no Brasil, é a preferida de 46,5% dos consumidores. A empresa, afirma que, construiu sua marca comprometida com o 220 desenvolvimento sustentável e a promoção do bem estar bem. Através do Relatório Anual busca divulgar suas ações de sustentabilidade a empresa busca monitorar o índice de lealdade dos diferentes públicos. Para as CNs (Consultoras e Consultores) e CNOs (Consultoras Natura Orientadoras) que em 2012 cresceu significativamente, chegando a 24% e 40%, respectivamente. Entre os colaboradores, o nível de lealdade subiu dois pontos após dois anos de queda e somou 72%. O resultado, entretanto, está abaixo da meta estipulada para o período, de 74%. A figura abaixo mostra os índices de satisfação e lealdade registrados pela natura em 2012. A Natura busca divulgar suas ações com o programa “Aqui Tem Natura” na TV Record e em outros canais de TV por assinatura. Este programa apresenta atrações sobre temas relacionados ao bem-estar, a beleza, a cultura, ao empreendedorismo e as questões socioambientais. Outra forma de comunicar suas ações ambientalmente responsáveis é através do Relatório Anual de Sustentabilidade, disponível no site da empresa. Para a Natura a educação pode promover a ampliação da consciência sobre o valor das relações e da sustentabilidade. Segundo a empresa a promoção de ações educativas com os principais públicos com os quais a empresa se relaciona faz parte dos seus objetivos. Um exemplo desse posicionamento aconteceu durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em junho de 2012. Na ocasião, a Natura produziu conteúdos especiais para seus colaboradores veiculados no canal de TV corporativo, intranet e no mural a fim de engajá-los nos temas discutidos. Um ciclo de cinco palestras com especialistas reuniu o público interno, fornecedores, consultoras e consultores para propor reflexões sobre o evento. Ainda faz parte da estratégia, conscientizar e engajar os públicos de relacionamento da empresa sobre a correta destinação dos resíduos e desafiar projetos internos para que considerem resíduos em sua concepção. 5. CONCLUSÃO O principal objetivo dessa pesquisa foi analisar as estratégias mercadológicas das empresas Natura e Grupo O Boticário, empresas do segmento de cosméticos, higiene pessoal e perfume, líderes no mercado brasileiro, cujo estudo refere-se às estratégias de Marketing Verde e seus reflexos nas práticas de gestão dos recursos ambientais. A pesquisa destacou as novas teorias sobre o uso dos conceitos de Marketing Verde apresentando contribuições de teóricos da área sobre o assunto. 221 Ficou evidenciado na pesquisa a crescente preocupação das empresas no desenvolvimento de produtos que aproveitem de forma mais eficiente a matéria-prima, utilizem menos recursos naturais e que não agridam o ambiente. Foram apresentados indicadores relativos à redução do consumo de plásticos e papel, de controle de energia elétrica e água, e mecanismos para a mensuração e redução da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs), e outros procedimentos importantes como critérios para a seleção de fornecedores ambientalmente responsáveis, que promovam a reciclagem e reutilização dos resíduos gerados. No relatório de sustentabilidade analisado foi constatado que as empresas repassam aos consumidores parte dos benefícios gerados com a redução dos custos com embalagens. Essa redução pode variar entre 20% a 50% no valor do produto final, o que se caracteriza como um efeito positivo do marketing verde, pois o desenvolvimento da estratégia de preço reflete a intenção da organização em oportunizar a compra de produtos ambientalmente responsáveis a maior um número de consumidores e fortalecer seus vínculos com uma cadeia produtiva sustentável e de tecnologias limpas. Referente às ações de distribuição analisadas tanto a Natura quanto o Grupo O Boticário foi verificado que essas empresas possuem estratégias semelhantes para minimizar os impactos na distribuição dos produtos e se preocupam com o retorno das embalagens para a reciclagem. Um eficiente sistema de distribuição e logística reversa é fundamental para proporcionar a redução de custos, evitar desperdícios e melhorar o atendimento ao cliente. Ainda referente ao estudo da estratégia de Praça, ambas as empresas se preocupam com a construção eficiente de suas instalações, suas ações consistem, basicamente, no uso eficiente dos recursos naturais como: madeira, água e energia. As estratégias de promoção usada pelas empresas visam não apenas informar seu cliente sobre sua preocupação com o meio ambiente, mas também comunicar e educar seu público sobre ações de responsabilidade ambiental. Esse tipo de comunicação é importante para o processo de introdução dos produtos ambientalmente corretos no mercado e na formação de novos hábitos e comportamentos de compra, podendo até influenciar no reconhecimento da marca. A junção dessas estratégias torna possível às empresas terem um melhor posicionamento frente ao público e permitem a elaboração de planos mais consistentes para atingir as metas da organização. Anualmente, as organizações divulgam em seus sites para toda a comunidade relatórios com resultados dessas ações estratégicas. Esse feito reflete o comprometimento da organização com a melhoria de suas ações. 222 Finalmente, cabe ressaltar que embora o principal objetivo dessa pesquisa tenha sido alcançado, a mesma apresenta uma restrição referente ao fato dos relatórios não possuírem um padrão para a divulgação dos dados, isso impossibilitou uma melhor análise e comparação da eficiência coorporativa, sendo necessários estudos complementares futuros para melhor análise das empresas com ênfase na temática abordada. REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Estudo Prospectivo Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. / Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. – Brasília: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2009. ALIGLERI, Lilian; Aligleri, Luiz Antonio; Kruglianskas, Isak. Gestão Socioambiental – Responsabilidade e sustentabilidade do negócio. Ed. Atlas, 2009. 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