JAQUELINE APARECIDA GOMES CARDOSO
TRABALHO FORÇADO NA AMÉRICA LATINA:
Uma Análise Brasil, Bolívia e Peru
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Luiz da Silva Flores
Brasília
2011
ERRATA
FICHA DE AVALIAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA DE TRABALHO DE CURSO
CURSO DE DIREITO – ____ SEMESTRE DE ________
Nome do aluno: Jaqueline Aparecida Gomes Cardoso
Título: Trabalho Forçado na América Latina
1. Professor (a) Orientador: Luiz da Silva Flores
2. Professor (a) Examinador:
3. Professor (a) Examinador:
ITENS AVALIADOS
1º
Examinador
NOTAS
2º Examinador
MÉDIA
ESTRUTURA ADEQUADA DO
TRABALHO
ORGANIZAÇÃO DAS IDÉIAS
DOMÍNIO DO ASSUNTO
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
CAPACIDADE CRÍTICA
APRESENTAÇÃO ORAL
Brasília, ______ de _______________ de _________.
_________________________________________________
Profº. Orientador – Presidente da Banca Examinadora
À minha família e aos amigos que
contribuíram para meu crescimento
pessoal e profissional durante minha
caminhada
em
Brasília
e
em
Florianópolis.
AGRADECIMENTOS
Ao fim da minha jornada quero prestar agradecimento especial a quem
durante este tempo esteve comigo e me ajudou durante os momentos de dificuldade
e também me ofereceu uma mão amiga quando mais precisava.
Agradeço à minha família, que deu todo o suporte necessário, assim como
meus amigos, para que eu conseguisse finalizar esta fase da minha vida, de forma
catártica, sofrendo e me alegrando em cada momento de maneira intensa, sem
meias verdades, como a vida deve ser.
Agradeço à Ana Maria Herrera, amiga e mama colombiana que me deu todo o
suporte não só nos momentos de dificuldade, mas também nos momentos onde a o
ócio criativo se fez necessário para descanso e continuidade do trabalho.
Agradeço à minha mãe, Geni dos Reis, que me apoiou em todas as decisões
que tomei mesmo que muitas delas tenham influenciado de maneira não
convencional à minha estrutura de vida e continuidade dos meus estudos.
Agradeço
à
minha
irmã
Jéssica
Cardoso,
que
me
ajudou
muito,
principalmente nos últimos momentos desta jornada, mesmo com as dificuldades da
distância, mostrando que a família está sempre lá para nos ajudar no que for
necessário.
Agradeço ao Luiz Machado e ao Paulo Sérgio Muçouçah da OIT Brasil, que
durante o curso Diálogos ONU em 2008, me mostraram um lado do Direito no Brasil
que muitas vezes não é discutido em sala de aula, temas como o objeto de estudo
do presente trabalho e acabaram por me inspiraram a pesquisar mais
profundamente sobre o tema.
Agradeço à Simone da Biblioteca da OIT em Brasília, quem se dispôs a enviar
o material necessário para atualização dos dados sobre o trabalho escravo no Brasil.
Agradeço à todos que contribuíram de alguma forma mas que não estão
explicitamente citados nestas páginas, mas que estiveram presente em meu coração
e minha lembrança e que fizeram parte mesmo que de forma indireta desta fase da
minha vida.
“Se Deus é quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprime,
Se ele consente esse crime,
Que se chama a escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.
Se não lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus,
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!"
Tobias Barreto de Meneses
RESUMO
Referência: CARDOSO, Jaqueline Aparecida Gomes. Trabalho forçado na América
Latina: Uma análise Brasil, Bolívia e Peru. Folhas: 74. Curso de Direito –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011.
O trabalho de conclusão de curso se refere à exploração da força de trabalho, conhecida como trabalho escravo ou como trabalho forçado; O estudo é referente à
escravidão contemporânea por meio da análise e comparação entre três Países da
América Latina, o Brasil, o Peru e a Bolívia, demonstrando suas características e a
legislação específica de cada País no tocante ao combate ao Trabalho escravo assim como os atores governamentais e não governamentais atuantes na prevenção e
combate desta, que é uma das formas mais degradantes de exploração da força de
trabalho, e de violação dos Direitos Humanos. O Trabalho dá ênfase às formas de
exploração do trabalho escravo ocorridas na atualidade, e que se revestem de inúmeros meios sutis de coerção de pessoas e ou grupos com alto grau de vulnerabilidade social.
Palavras-chave: Trabalho forçado. Trabalho escravo. Direitos Humanos. América
Latina.
ABSTRACT
Reference: CARDOSO, Jaqueline Aparecida Gomes. Forced labor in Latin America:
An analysis of Brazil, Bolivia and Peru. Sheets: 74. Course of Law – Catholic
University of Brasília, Brasília, 2011.
This thesis project refers to the exploitation of labor force, better known as slavery or
forced labor. The study was based on nowadays slavery, analyzing and comparing
three different backgrounds in Latin American countries, more exactly in Brazil,
Peru and Bolivia, showing up its main characteristics and laws of each country,
making certain emphasis on the fight that has been evolved against forced labor as
well as governmental and nongovernmental organizations which are in charge of
preventing and combat this events. Forced labor is one of the worst forms of
exploitation of labor, and violation of Human Rights. The work makes emphasis the
forms of exploitation of slave labor that occurs today, and which are many subtle
means of coercion against certain groups of people with high social vulnerability.
Keywords: Forced labor. Slave labor. Human Rights. Latin America.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................10
CONTEXTO HISTÓRICO DO TRABALHO ESCRAVO ...............................................................................16
TRABALHO ESCRAVO NA GRÉCIA ANTIGA............................................................................................ 16
Trabalho escravo em Roma ............................................................................................................ 19
Trabalho escravo na América do Sul ............................................................................................................22
Trabalho escravo no Brasil Colonial ........................................................................................................26
OS TERMOS ESCRAVIDÃO X TRABALHO FORÇADO .............................................................................30
DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO PELAS NORMAS INTERNACIONAIS ............................................33
CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO FORÇADO NA CONTEMPORANEIDADE .........................................35
O TRABALHO FORÇADO E O TRÁFICO DE PESSOAS ............................................................................38
TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL ........................................................................41
ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL ................................................................................................ 46
ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL ......................................................................................52
TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO PERU ........................................................................... 52
Legislação sobre trabalho forçado no Peru .................................................................................... 55
TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NA BOLÍVIA ......................................................................58
LEGISLAÇÃO SOBRE O TRABALHO FORÇADO NA BOLÍVIA ................................................................... 62
ATORES E MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO FORÇADO: EXEMPLO BRASILEIRO .........................65
TRATADOS E CONVENÇÕES RATIFICADOS PELOS ESTADOS .................................................................67
DESAFIOS AO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO .............................................................................69
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................70
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem como premissa analisar as
formas de execução de uma prática que vem sendo adotada no Brasil e no Mundo
há séculos, muitas vezes de forma imperceptível aos olhos da sociedade e que
somente há algumas décadas tonou-se pública em território nacional, iniciando-se
assim o combate desta forma degradante de exploração humana, através de
campanhas de combate ao trabalho escravo, além da atualização normativa sobre o
tema e políticas públicas de combate a esta chaga que ainda permanece aberta em
nossa sociedade.
O objetivo deste trabalho é analisar como se caracteriza o trabalho forçado
nos países da América Latina, em específico no Brasil, Peru e Bolívia, fazendo o uso
das legislações dos países em análise e as medidas adotadas pelos governos dos
países em questão, assim como os tratados e acordos internacionais no combate a
esta prática que durante os séculos foi tomando formas diferentes de execução.
Aos olhos da humanidade é inverossímil que ainda ocorra em dias atuais,
uma prática que nos foi passada como história ocorrida há séculos atrás e que
estava presente apenas nos livros de história do Brasil, onde se via com brilho nos
olhos o esplendor da Lei Áurea e a luta dos escravos nas fugas para os quilombos
na tentativa de manterem o que aos seres humanos é nato, a dignidade e a
liberdade.
A lei áurea tornou oficialmente o trabalho escravo proibido no Brasil, sua
promulgação ocorreu em 13 de maio de 1888, há 123 anos, e desde então o
trabalho escravo passou a ser exercido de outras formas, hoje muitos homens,
mulheres, crianças, adolescentes e idosos são ludibriados pela oferta de condições
melhores de vida, ou mesmo pela oportunidade de sustentar a si e a sua família.
Uma das formas utilizadas para a captação das pessoas a serem exploradas
é a utilização das condições de exclusão social, que tornam estas pessoas
vulneráveis à exploração como o baixo índice de IDH, baixo grau de escolaridade,
entre outros fatores como a ameaça, retenção de documentação, quando possuem,
entre outros fatores que serão detalhados no decorrer do trabalho.
11
O trabalho escravo segundo dados da Organização Internacional do trabalho
não é um problema reincidente apenas em cidades isoladas como em fazendas na
região norte do Brasil, mas é um problema global, que ocorre na Ásia e Pacífico, que
ocupam o ranking de casos de trabalho forçado no Mundo, cerca de 9.490.000 de
pessoas, assim como na Europa e EUA, o trabalho forçado está diretamente ligado
ao tráfico de pessoas e exploração sexual.
Nos grandes centros o trabalho forçado também é muito utilizado em grandes
confecções onde a maioria dos trabalhadores ganha salários irrisórios, trabalhando
em condições degradantes.
O trabalho forçado é um mal que deve ser expurgado da sociedade, através
de normas que repreendam os casos de exploração do trabalho escravo, assim
como as politicas de prevenção, que incluem a melhoria da condição de vida dos
grupos que se encontram em vulnerabilidade.
O trabalho escravo, ou trabalho forçado, vai de encontro ao bem mais natural
do ser humano, a sua liberdade, atenta contra a sua dignidade, ferindo-o de tal
forma que o mesmo passa a ser um ser à parte da sociedade.
O trabalho escravo está diretamente ligado a relações de poder, Segundo
Patterson (2008) as facetas do poder são a social, onde está inserido o uso da
violência no controle de outrem, a psicológica, onde entra a capacidade persuasiva
de outrem com o intuito de mudar o modo como é concebido os interesses e
circunstâncias desta, e a outra é a cultural da autoridade, onde transforma-se força
em direito e obediência em dever.
A relação escravista é uma das formas de dominação mais extremas tanto do
ponto de vista do dominador, que possui pleno poder sob o dominado, tanto do
ponto de vista do dominado, no caso o trabalhador escravo, que segundo Patterson
(2008) acaba por perder seu status de cidadão, ocorrendo, portanto a morte social
deste indivíduo mantido sobre estas condições extremas de exploração.
Portanto a abordagem do presente trabalho final se faz através do método
sociológico e comparativo, utilizando as fontes de Direito Internacional assim como o
ordenamento jurídico brasileiro e latino americano a fins de comparação jurídica
entre os países.
No primeiro capítulo far-se-á um breve demonstrativo das formas de trabalho
escravo utilizadas nas civilizações antigas, o trabalho escravo está presente desde o
período neolítico, a primeira análise se faz por meio do estudo do trabalho escravo
12
na Grécia Antiga, onde a sociedade era primordialmente dividida em grupos
familiares, e o trabalhador escravo estava ligado a estes grupos, assim como a
servidão por dívida.
No segundo momento deste capítulo o demonstrativo histórico será feito a
partir da análise de Roma, onde a sociedade mantinha uma divisão social bem
definida, e por meio desta divisão, grande parte da sociedade, incluindo os
trabalhadores escravos eram segregados da sociedade, assim como os prisioneiros
de guerra, e os estrangeiros.
No terceiro momento far-se-á um demonstrativo histórico do período colonial
na América Latina, e do período colonial no Brasil, o período colonial dos países em
análise, Bolívia, Peru e Brasil tem algumas semelhanças, mas também algumas
nuances peculiares a cada País que serão foco do estudo no que se refere às
formas de trabalho escravo.
A escravidão na Bolívia e no Peru tem em comum a colonização espanhola,
que tratou diferentemente seus colonos no tocante à exploração do trabalho em
relação à colonização Portuguesa, que no Brasil optou por um tipo diferente de
escravidão, opção esta que foi determinada por diversos fatores tanto sociais como
econômicos e que terão seu espaço demonstrativo no decorrer do trabalho.
A colonização espanhola na Bolívia e no Peru utilizou a exploração da mãode-obra indígena em praticamente todo o período colonial, já a colonização
portuguesa,
utilizava
primordialmente
a partir de
determinado
período, a
escravização dos negros, não que a escravidão negreira não estivesse presente na
Bolívia e no Peru, mas em termos quantitativos, havia um número bem maior de
indígenas no trabalho servil, fato que pode ser visto como um paralelo histórico e
social do problema da escravidão hoje, tendo em vista que o maior número de
pessoas exploradas hoje nestes países é de origem indígena ou mestiça.
No segundo capítulo, far-se-á uma breve análise do termo trabalho escravo e
trabalho forçado, visto que a classificação dos termos e uso destes tanto no sistema
jurídico como na sociedade se faz necessária para não causar enganos ou
contradições.
A denominação e classificação dos termos tem em si um simbolismo muito
importante principalmente a nível social, pois é através dos termos utilizados é que a
realidade do meio se transforma, assim como a compreensão e desconstrução
destes nomes.
13
Dada à continuação da denominação dos termos passar-se-á a definição de
trabalho forçado hoje pelas normas internacionais, a definição internacional é
primordial, visto que o trabalho forçado é um problema global e está presente em
praticamente todos os países, a unificação do termo, assim como sua caracterização
à nível Mundial, contribui para que os Países mesmo com suas nuances possam
adaptar e incluir características peculiares de sua realidade sem perder a essência
do significado global, que tenta abarcar as mais diversas formas de trabalho
escravos existentes hoje no Mundo.
Portanto, será feito um breve apanhado dos significados atribuídos ao
trabalho forçado pelos Organismos internacionais, assim como as características
peculiares a cada País, já os termos utilizados por estes, terão sua apreciação nos
capítulos seguintes, quando da análise particular de cada País.
O Capítulo seguinte mostra como é caracterizado o trabalho forçado na
contemporaneidade, as formas de utilização do trabalho escravo nos dias atuais, a
maneira como acontece o trabalho forçado, as formas de coerção utilizadas na
contratação dos trabalhadores, e como se dá a continuidade destes trabalhadores
nestas condições de exploração da força de trabalho.
O tráfico de pessoas será objeto de análise do capítulo seguinte, o tráfico de
pessoas está fortemente ligado ao trabalho escravo, o que torna a análise do
mesmo essencial não só como forma de caracterizar os meios de coerção desta
prática, mas também como forma de analisar os meios pelos quais é possível
combater a exploração do trabalho escravo.
A seguir a análise será feita com base na caracterização do trabalho forçado
no Brasil, quais os meios de coerção para aliciamento dos trabalhadores, assim
como os fatores de vulnerabilidade que estão associados ao trabalho escravo no
Brasil nos dias atuais.
A maior parte do trabalho escravo nos dias atuais acontece ainda nas zonas
rurais, na exploração madeireira, assim como nas atividades ligadas à pecuária, não
excluindo o trabalho forçado as grandes cidades.
A análise será feita com base nos estudos e estatística oferecidos pelos
diversos órgãos governamentais e não governamentais interessados no debate e
14
combate do trabalho escravo.
O capítulo seguinte tratará da análise jurídica do tema, das normas existentes
no ordenamento jurídico nacional que têm inseridas em seu bojo o trabalho forçado
com seus conceitos e punições a quem utiliza desta forma de exploração.
Logo após, será feita a análise da forma como ocorre o trabalho forçado no
Peru, as formas de exploração destes trabalhadores, assim como a parte
populacional que sofre maiores explorações no País.
O trabalho forçado no Peru será analisado também por seu ordenamento
jurídico para fins de comparação entre a evolução das normas no País no que
concerne ao trabalho forçado contemporâneo.
A análise do trabalho forçado na Bolívia será feita nos capítulo seguintes,
onde serão expostas as formas de trabalho escravo, os meios de coerção assim
como as normas pertencentes ao ordenamento jurídico boliviano no que se refere ao
trabalho escravo no país.
Após a análise dos países e de seus ordenamentos jurídicos far-se-á um
breve expositivo sobre as principais convenções e tratados internacionais que tratam
sobre o tema, as convenções e tratados expostos no referido capítulo foram
ratificados por todos os países em analise, ou seja, Brasil, Peru e Bolívia, tornandoos assim gestores do combate não só do trabalho escravo em seus territórios, mas
também do combate a todas as formas de desrespeito aos direitos humanos, entre
eles o direito a liberdade e a dignidade.
A seguir serão expostos os desafios destes três países no que se referem ao
trabalho forçado, as dificuldades enfrentadas em termos sociais e jurídicos para que
o trabalho forçado seja erradicado de seus territórios.
As práticas de exploração de homens sobre outros remonta à nossos
primórdios, por isso a análise histórica se faz tão importante para compreensão do
presente por meio dos antepassados, o que nos faz tentar achar um ponto de
equilíbrio entre o passado o presente e o futuro, e assim tentar encontrar a quebra
verdadeira de um ciclo, não só de maneira formal, mas também de forma real e
palpável.
15
Com a presente pesquisa pretende-se estabelecer as diferenciações da forma
como o trabalho escravo se apresenta na atualidade e também a forma como os
países em analise trabalham o tema trabalho forçado em seus territórios, assim
como os fatores sociais que levam a subjugação de outrem por meio do trabalho
escravo.
16
CONTEXTO HISTÓRICO DO TRABALHO ESCRAVO
TRABALHO ESCRAVO NA GRÉCIA ANTIGA
Dada à importância da historicidade no Direito, far-se-á uma revisão histórica,
de maneira sucinta, sobre surgimento do trabalho forçado através do estudo do
berço das civilizações, a civilização greco-romana, com vistas a criar um paralelo
entre o trabalho forçado apresentado hoje na sociedade e as formas de escravidão
utilizadas outrora, assim como as transformações ocorridas durante os séculos.
Para desenvolvimento do tema é necessária, portanto, a contextualização da
origem do trabalho escravo, discorrer-se-á neste primeiro capítulo sobre as origens
da exploração do trabalho escravo pelo homem, que segundo pesquisas
arqueológicas surgiu no final do neolítico e início da Idade dos metais, por volta de
6.000 a.C., coincidindo com a descoberta da agricultura quando os homens
passaram de nômades a sedentários. (BELISÁRIO, 2005 apud NETO, 2008).
Desta forma, com o advento das práticas agrícolas, os homens logo
perceberam que era mais interessante poupar a vida dos inimigos, e obriga-los a
trabalhar em seu proveito. (DONKIN, 2003 apud NETO, 2008).
A prática da exploração humana aumenta à medida que o homem, começa a
chegar à região dos Bálcãs, onde se inicia o povoamento e as invasões pelos povos
nômades vindos Oriente, conhecidos como aqueus, onde se juntaram aos pelágios,
que já habitavam a região, formando as micenas, que posteriormente se uniram à
civilização de Creta, formando a civilização creto-micênica, esta civilização chegou
ao auge quando se incorporaram aos jônios e eólios. (ARRUDA; PILETTI, 1997
apud NETO, 2008).
No entanto com a chegada dos dórios, os mesmos guerreiam com a
população que lá se encontrava obrigando-a a fugir para não ser massacrada ou
escravizada, fato conhecido por “Diáspora Grega”, desta forma a população passa a
viver em pequenos grupos conhecidos como genos, grupos onde a base era a
própria família. (NETO, 2008).
Segundo Coulanges (2006) a gens, tinha um caráter patriarcal, era
autossuficiente para cada um de seus membros, a gens era tida também como um
17
sistema universal entre os povos antigos, onde as decisões eram tomada dentro da
própria gens por seu chefe.
A gens pode ser definida por ter uma característica de família que muitas
vezes não estava ligada necessariamente por laço sanguíneo COULANGES a cita
como designada por um parentesco artificial, com culto próprio e a associação
política de várias famílias.
Havia na época uma classe de trabalhadores denominados tetas ou
mercenários. Tratava-se de uma classe de despossuídos composta de homens
livres que se alugavam para sua subsistência. (NETO , 2008).
Neste período, a propriedade era coletiva e não podia ser vendida, transferida
ou dividida, desta forma nos casos de endividamento o devedor garantia o débito
com o próprio corpo, e caso a dívida não fosse saldada indenizaria o credor com
certa soma de trabalho. (GLOTZ, 1973 apud NETO, 2008).
Esta forma garantia de dívida por meio do trabalho, mais tarde oficializou-se
como escravidão por dívida, pois as dívidas que não eram saldadas deixavam o
devedor à mercê do credor. Esta é a relação primeira em relação ao presente
trabalho, visto que em todos os países analisados o trabalho forçado se apresenta
baseado nesta forma de prisão, a dívida.
Na Grécia antiga, o trabalho forçado aparece em pequenos grupos familiares,
onde era comum a figura do amo e do cativo, neste tipo de trabalho escravo era
comum o cativo e seus familiares receberem tratamento cruel pelo chefe da gens,
dentro desta estrutura patriarcal, inclusive a esposa do patriarca era tida como uma
espécie de escrava privilegiada.
Com a quebra da estrutura dos genos, a população começa a dispersar-se e
as famílias então passaram a se dividir assim como as suas propriedades, desta
forma, acontece uma desproporcionalidade na divisão dos bens o que gera um
amento da desigualdade entre os grupos, alguns autores atribuem como fator
determinante para o aumento da escravidão esta desigualdade, visto que os grupos
mais fortes e organizados passam a explorar os outros.
Atenas e Esparta foram as duas cidades-estados mais importantes da
civilização grega, desta, por volta do século VIII a.c., a economia baseava-se na
atividade rural, os proprietários de terras férteis eram chamados de eupátridas,
rendeiros ou assalariados, os escravos eram em sua grande maioria prisioneiros de
guerras (GLOTZ, 1973 apud NETO, 2008).
18
O escravo nesta época era um integrante da família, era uma “espécie de
adoção inferior e trabalhava com os demais membros, o que o possibilitava um
ambiente de afeição mútua” (GLOTZ, 1973 apud NETO, 2008 p. 34).
Os donos de terras pouco férteis, faziam empréstimos com o s eupátridas em
tempos de más colheitas, penhorando a própria terra, e podiam empenhar também o
próprio corpo, tornando-se escravos, que para saldarem a dívida podiam ser
vendidos no exterior (GLOZ,1973 apud NETO, 2008).
A escravidão por dívida se tornou forte no século VII a.c., quando há uma
intensificação da oferta de cereais, concorrendo assim com a produção dos
pequenos lavradores que foram obrigados a pegarem empréstimo com os
eupátridas, garantindo o saldo devedor por meio de suas terras ou de seu próprio
corpo, tornando-os escravos caso a mesma não fosse quitada. (ARRUDA; PILETTI,
1997 apud NETO, 2008).
Esta realidade arcaica não deixa de ter correlação com a realidade do
trabalho forçado contemporâneo, onde a maioria dos trabalhadores forçados se vê
obrigados a trabalhar em condições desumanas em virtude de uma dívida que foi
contraída de forma fraudulenta.
19
Trabalho escravo em Roma
A sociedade romana, nos primeiros séculos, era constituída por classes
sociais bem definidas, separadas num sistema hierárquico determinado pelo
nascimento, fortuna e domicílio da pessoa, dividida assim entre os patrícios, clientes,
plebeus e escravos, segundo Neto (2008).
Neste período, os patrícios, eram descendentes de famílias que fundaram
Roma, portanto, tinham um antepassado considerado divino, cultuavam seus
próprios deuses e agrupavam-se em gens.
Os patrícios, membros dos gens eram conhecidos por gentiles, e o conjunto
destes formava a gentes, ou seja, todo o patriciado, que era a classe dominante.
(ROLIM, 2000 apud NETO, 2008)
Os chefes das gens eram assim como na Grécia considerados pater familiae,
ou seja, tinham plenos poderes sobre seus membros, eram tidos como reis,
sacerdotes, e juízes daquele núcleo, podendo decidir inclusive sobre o direito à vida
de seus membros (COULANGES, 2006).
O status civitatis, qualidade de cidadão romano, era dado apenas aos
patrícios, estes eram os únicos considerados cidadãos, pois podiam cultuar os
deuses da cidade e os antepassados da família, podiam votar e ser votados, possuir
patrimônio e serem titulares de direito. Eram, portanto, a nobreza, detinham posse
da terra, assim como o poder público e a administração da justiça.
Na realidade romana da época, haviam os estrangeiros, conhecidos como
clientes, a clientela não podiam cultuar os mesmos deuses dos patrícios. Mas pelos
conhecimentos que os clientes possuíam, os patrícios os aceitavam como uma
segunda classe, protegida pelos próprios patrícios.
A relação entre os patrícios e os clientes era de troca de obediência e favores,
visto que estes precisavam daqueles para fazer parte dos cultos dos patrícios ao
qual estavam ligados, eram considerados membros da família, assim a quantidade
de clientes que os patrícios possuíam estava ligada ao status destes na sociedade.
(ROLIM, 200 apud NETO, 2008).
A sociedade romana era composta ainda pelos plebeus, que não tinham
direito, e não eram considerados parte do povo romano, não tinham antepassado,
20
segundo COULANGES viviam no Asilo, galpão que ficava nos arredores da cidade
romana, portanto não podiam viver na cidade.
“Para os plebeus não há leis, não há justiça, porque a lei é consequência da
religião, e o processo é um conjunto de ritos. O cliente tem o benefício do direito de
cidadania por intermédio do patrono; para o plebeu esse direito não existe.”
(COULANGES, 2006, p. 375)
Os escravos na sociedade romana não eram considerados membro dela, o
escravo era considerado res, coisa, tudo que é suscetível de apropriação pelo
homem e que se torna objeto de direito porque tem valor econômico, os escravos
entravam no conceito de res corporales, pois podia ser medido, pesado, era fungível
e indivisível. (ROLIM, 2000 apud NETO, 2008).
Portanto, os escravos estavam à mercê de seus proprietários, que detinham
sob eles poderes plenos, inclusive de vida e de morte, podendo vendê-los,
abandoná-los, os escravos se tornavam tal pelo nascimento, pelo aprisionamento
em guerras.
A pessoa tornava-se escrava em razão da condenação a penas capitais, ou
trabalhos forçados, os ladrões flagrados pelas vítimas, os desertores das legiões
romanas, assim como as mulheres que mantinham relação sexual com um escravo,
já que este tipo de relacionamento era ilícito.
Fato histórico que chama a atenção é o de cidadãos romanos que perdiam
sua liberdade, tornando-se escravos, mas devido à cidadania anterior não podiam
ser vendidos em solo romano por seus proprietários, eram vendidos além do rio
Tibre, marca fronteiriça (ROLIM, 2000 apud NETO, 2008).
Havia na época alguns tipos de servidão que muito se assemelham ao
trabalho forçado contemporâneo, onde os homens livres se encontravam em
condições de submissão à outrem, uma delas é a chamada addictus, onde o
devedor ficava sujeitos ao credor até saldarem sua dívida, alguns se submetiam a
esta condição por decisão judicial.
O contrato de servidão do devedor com o credor também era um meio de
garantir a dívida que não sendo quitada autorizaria o credor a aprisionar o devedor
por 60 dias, após este prazo o credor estaria livre para vendê-los, matá-los
(GIORDANI,1968 apud NETO, 2008).
A escravidão denominada de colonos é caracterizada por homens livres que
se transformavam voluntariamente em servos da terra (servi terrae), vinculavam-se
21
às terras que cultivavam, por meio de renda paga aos proprietários, não podendo
delas se afastar, quando esta propriedade era vendida os colonos também seguiam
com a terra.( ROLIM, 2000 apud NETO, 2008).
Havia também um tipo de quase escravidão que era denominada pessoas in
mancipio no qual o chefe da família vendia o próprio filho como forma de garantia de
uma dívida, ou o entregava como forma de pagamento à outrem, o filho também
podia ser entregue como reparação de danos à terceiros, neste caso o filho não
perdia a liberdade mas se encontrava em uma situação de loco-servi, um quase
escravo (NETO, 2008)
A escravidão contemporânea guarda suas raízes indubitavelmente no período
antigo, as terras das Américas foram colonizadas por descendentes destes povos e
portanto, as formas de exploração escravista nos tempos coloniais, assim como a
continuidade da exploração do trabalho forçado nos dias atuais ainda mantem
alguma centelha deste modo arcaico de uso da força de trabalho.
22
Trabalho escravo na América do Sul
A escravidão que na Roma e na Grécia eram primordialmente ligadas à
servidão por dívida, ou a escravidão doméstica, gerada principalmente por
prisioneiros de guerra, na América tornou-se um meio comercial, empresarial de
comércio humano.
Segundo GORENDER (1980, p. 54 apud SOUZA, 1995 p. 22), não que o
escravismo colonial fosse uma invenção fora de qualquer condicionamento histórico.
Bem ao contrário, o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentro de
determinismo socioeconômico rigorosamente definido no tempo e no espaço.
Assim, o escravismo utilizado na Europa, serve apenas como um modo de
comparação levando-se em conta as peculiaridades de cada país.
O comércio de escravos esteve ligada à exploração das terras férteis recémdescobertas no continente Americano, aumentando a produção para a exportação
de produtos como açúcar, tabaco e algodão, a mão de obra negra foi amplamente
utilizada na América do Sul e América do norte.
A chegada dos espanhóis em terras americanas é caracterizada pela
exploração dos nativos, que na época eram considerados pelo rei da Espanha como
vassalos e como tal tinham que arcar com tributos, e como não utilizavam dinheiro, o
pagamento era feito por meio do trabalho compulsório e por sua vez recompensado
com assistência religiosa e material.
Este sistema de exploração era chamado de encomienda, o sistema foi
proibido em 1549, mas os chapetones e os criollos1, não obedeceram às ordens da
coroa e continuaram a explorar os nativos durante seu domínio em terras
americanas.
A escravidão negra efetuou-se primeiro na região das Antilhas, estendendose por toda a América, os Europeus se adaptaram muito bem nesta região, e
puderam ensaiar os métodos de domínio e produção assim como a administração
dos indígenas que lá se encontravam (ARISTIMUNHA, 1995).
1 Chapetones eram os peninsulares que detinham os maiores cargos administrativos nas
colônias, e os criollos eram os nascidos nas Américas, mas que eram proprietários de terras ou minas.
23
No território hoje localizado ao norte da Colômbia, a principal atividade
exploratória da mão-de-obra indígena era a exploração mineira e lavagem de ouro,
com a chegada dos espanhóis, a população indígena sofreu uma baixa
considerável, em virtude das doenças exógenas e condições de exploração.
Segundo ARISTIMUNHA (1995) quando da chegada dos Espanhóis havia em
torno de 100.000 habitantes na região, já e 1554 o número de habitantes caiu pra
30.000, o que mostra como a população indígena foi dizimada, não só pelas
doenças exógenas, mas também pelas condições de exploração do trabalho.
Por conta de ações de protesto na Europa contra a exploração da força de
trabalho dos nativos, Em 1512, com o intento de coibir os abusos registrados contra
os indígenas nas encomiendas e repartimientos são decretadas as Leys de Burgos
que tentavam garantir um tratamento mais humano aos indígenas, proibindo os
castigos e regulamentando as horas de trabalho (ARISTIMUNHA, 1995).
Em nova granada2, no século XVIII, segundo ARISTIMUNHA (1995, p. 43)
coexistiram vários tipos de exploração do trabalho escravo. Desde as formas mais
brutais, nas zonas mineiras, até sua exploração nas fazendas e nas lides
domésticas.
No caso específico do Peru, a mão-de-obra negra foi muito utilizada apesar
de a maioria explorada ser indígena, os escravos trabalhavam em diversas
atividades urbanas, assim como na agricultura e artesanato, segundo Klein (1987,
p.41 apud SOUZA1995, p.23) em meados do século XVI, havia cerca de três mil
escravos no vice-reino, metade em Lima.
A maioria dos negros vindos com os espanhóis para terras peruanas foram
destinados aos trabalhos domésticos, obras públicas e para vendas em centros
urbanos.
O uso da mão-de-obra negra para as atividades urbanas deu-se no contexto
da opção espanhola de perpetuar o sistema de tributação pré-colombiano do Império
Inca, explorando as populações indígenas através da coerção e do trabalho servil
(BARCELOS, 1995 p. 61).
2 Jurisdição colonial do Reino Espanhol, que durou de 1718 a 1822 ocupava o noroeste da
América do Sul, que corresponde ao território moderno do Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela.
Sua capital era Santa Fé de Bogotá, hoje Bogotá, capital da Colômbia,
24
Entre os séculos XVI e XIX, o número do contingente de escravos negros que
alimentavam as colônias inglesas, francesas e luso-espanholas na América, esteve
por perto de 15.000.000, segundo COLMENARES (1979 apud ARISTIMUNHA,
1995, p. 46), já FOGEL e EGERMAN (1988, p. 16 apud ARISTIMUNHA, p. 46)
divergem oferecendo número de 9.375.000 escravos negros.
Ao analisar o fator socioeconômico do escravismo destaca-se que a
rentabilidade do comércio escravista dependia de fatores como:
a) minimização dos gastos com a manutenção do escravo; b) um grau de
autossuficiência ao nível dos insumos locais; c) concentração dos recursos
disponíveis em escravos e meios de produção necessários à produção de
certos tipos de mercadorias, cuja natureza era determinada pela lógica
global do capital mercantil.
Os principais mecanismos de reprodução das relações de produção e do
processo de acumulação estavam constituídos: a) pelo tráfico de escravos
africanos como mecanismo básico para suprir a força de trabalho
necessária; b) pelo que habitualmente se chama o “tratamento” dos
escravos: vigilância, repressão, mecanismos integradores à ordem
escravista... (CARDOSO, 1984, p. 106 apud SOUZA, 1995, p. 25).
Portanto, a exploração da força de trabalho negra se tornava mais relevante
visto que os negros traficados se encontravam em território estranho, assim os
indígenas tinham melhores condições de rebelarem-se contra a exploração do
trabalho, fator preponderante no aumento do tráfico negreiro.
A Venezuela segundo ALVES (1995) foi um dos primeiros países a decretar
oficialmente a abolição da escravidão em seu território, em 1810, no entanto os
escravos libertos oficialmente, os acima de quatorze anos e menores de sessenta
anos eram obrigados a trabalhar no serviço militar, caso houvesse recusa, a
servidão se tornava obrigatória não só para ele, mas para toda a sua família.
Assim o direito de propriedade prevalecia sobre o direito de liberdade, visto
que o próprio governo buscava também se assegurar da permanência do escravo no
seu
lugar de trabalho, a abolição definitiva dos escravos venezuelanos
remanescentes se deu definitivamente em 1854.
A abolição na Colômbia em 1818 também seguiu o mesmo padrão da
Venezuela, já que os escravos libertos eram forçados a trabalhar no processo de
emancipação nacional, e “o governo em 1824 emitia decreto permitindo aos
escravos trocarem de dono, reconhecendo assim a persistência da escravidão, cujos
resquícios ainda se fariam sentir até 1851” (ALVES, 1995, p. 32).
25
Na Argentina, o processo abolicionista foi formalizado em 1813, mas a prática
ainda se fazia presente no território platino, tanto que em 1833, encaminha-se um
Decreto reafirmando a proibição ao comércio de escravos, inclusive até a década de
30 havia anúncios de escravos na imprensa (ALVES,1995 ).
No Uruguai a abolição se deu de forma gradual com a Lei do ventre livre em
1825, a liberdade dos escravos também foi determinada com a formação do Estado
Nacional em 1828, mas o Uruguai na década de 30, ainda negociava escravos com
o Brasil, chegando a tentar implementar de um projeto que visava a importação de
trabalhadores que seriam denominados de colonos africanos (ALVES, 1995).
A legislação que proibia a escravidão no Chile ocorre em 1811, prevendo a
liberdade de ventres e o fim do tráfico negreiro, no entanto “em 1814 é expedido o
Decreto que determinava que escravos libertos que se ocultassem evitando o
alistamento seriam castigados com cem açoites três anos de prisão e perpétua
escravidão ao arbítrio do governo” (EYZAGUIRRE, 1956, p.382 apud ALVES, 1995,
p. 33-34).
O Paraguai determinou o encerramento do tráfico escravista em 1842, e
decretando uma lei que considerava livres os negros nascidos a partir daquele ano,
assim como homens a partir de 25 anos e as mulheres a partir de 24 anos.
A abolição na América latina, segundo os historiadores esteve ligada ao uso
da força escravista nas necessidades militares da época, assim a abolição não
esteve ligada ao respeito aos Direitos Humanos e o seguimento aos ideais
igualitários.
26
Trabalho escravo no Brasil Colonial
Ao chegar ao Brasil as grandes embarcações se depararam com um cenário
onde os índios se mantinham através de um sistema de subsistência voltada para o
plantio e pesca, na qual obtinham o que precisavam para sobreviver nas terras
abundantes do Brasil.
Assim a rotina de vida a qual os índios qual estavam habituados não
favoreceu a força de trabalho que os europeus precisavam para manutenção da
exploração mercantilista que visava à exportação de matéria-prima.
A exploração da mão-de-obra escrava no Brasil no começo da colonização
era a princípio indígena, mas devido a dificuldades como a forte resistência dos
índios que conheciam bem o território no qual estavam inseridos facilitando a fuga
dos mesmos.
Outro fator importante no não uso da força indígena de trabalho foram as
epidemias como sarampo, varíola, gripe, nas quais não tinham defesa biológica para
o combate, dizimando cerca de 60 mil índios, na época a função que exerciam
ligava-se a plantação de gêneros alimentícios o que causou um período de fome na
região do Nordeste (FAUSTO, 1995).
O trabalho escravo era essencialmente rural, acontecia na produção
açucareira e cafeeira, de algodão, exploração de ouro, assim como nas fazendas de
gado, principalmente na região Sul.
A partir de 1570 a Coroa começa a tomar medidas na tentativa de impedir o
morticínio e escravização desenfreada dos índios, mas os mesmos continuam a ser
escravizados em decorrência das guerras defensivas, ou como punição à prática da
antropofagia, ou pelo resgate, a compra de prisioneiros indígenas de outras tribos.
A importação de escravos africanos passa a ser então incentivada pela Coroa
o que gera então o maior tráfico negreiro de toda a história mundial, Segundo Fausto
(1995) registra-se que o número de entrada de escravos no Brasil no período de
1811 a 1830 foi de 75.000.
A colonização em princípio tinha como base as grandes propriedades que
cultivavam gêneros alimentícios para consumo e para exportação tendo como força
27
de trabalho a mão-de-obra escrava, estas propriedades ficaram conhecidas como
plantation.
Vale ressaltar a colonização de tipo plantation, não era exclusiva da Coroa
Portuguesa, mas sim de interesses predominantemente particulares da classe
dominante colonial, dos senhores de engenho, lavradores de cana e de fumo,
comerciantes exportadores.
A legislação da época tratava de maneira diferenciada índios e escravos,
havia leis que protegiam os indígenas contra a escravidão em sua maior parte com
ressalvas já descritas anteriormente, enquanto os negros escravizados não tinham
direito já que juridicamente eram considerados como res, coisa, matéria, e não
pessoa.
Por volta de 1773 havia um critério discriminatório que separava as pessoas
das não-pessoas, gente livre e escravos, segundo FAUSTO (1995) a condição de
livre estava ligada à etnia e à cor, os escravos pela ordem, negros, índios e depois
mestiços.
A escravidão negra era distinta da indígena, pois até a extinção da escravidão
desta, haviam índios cativos e os forros ou administrados, estes estavam sob a
tutela dos colonizadores, mas tinham a proteção religiosa da ordens que colocava
limites à simples exploração dos mesmos, diferente do tratamento dado aos negros
escravos.
Os cativos trabalhavam nos campos, engenhos, minas, na casa-grande,
realizavam tarefas penosas, no transporte de cargas, de pessoas, de dejetos
malcheirosos ou na indústria de construção, foram também artesões, quitandeiros...
(FAUSTO, 1995, p. 50).
O vinculo entre os cativos não se resumia aos senhores, houve na época a
figura do cativo alugado para prestação de serviços a terceiros, nos centros urbanos,
como no Rio de Janeiro, existia a figura do escravo de ganho que permitia o escravo
trabalhar para terceiros ganhando pelo trabalho, enquanto os senhores cobravam
uma quantia fixa paga semanalmente ou diariamente (FAUSTO, 1995).
A abolição da escravidão se deu, assim como em todos os países da América
Latina de forma gradual, em 1826 o Brasil assinou um tratado com a Inglaterra no
qual declarava ilegal o tráfico de escravos vindos de qualquer parte, reservando-se a
Inglaterra a inspecionar os navios em alto-mar.
28
Em 1846, devido ao não cumprimento deste Acordo, ocorre o que ficou
conhecido como Bill Aberdeen, no qual o governo britânico autoriza a marinha
inglesa a tratar os navios negreiros como navios piratas podendo apreendê-los e
julgá-los nos tribunais britânicos.
Os trabalhadores escravos podiam ser alforriados, ou seja, podiam comprar a
sua liberdade, ou o próprio senhor podia alforriá-lo, assim como um terceiro podia
comprar tal liberdade.
Os escravos libertos diferenciavam-se da população livre, visto que até
1865, esta alforria poderia ser revogada pelo antigo senhor sob a simples
alegação de ingratidão. Além disso, no papel ou na prática, a libertação, em
muitos casos, era acompanhada de uma série de restrições, como a de
prestar serviços ao dono por um certo tempo. (FAUSTO, 1995, p.227)
A Lei do ventre livre foi proposta em 1871, na qual eram declarados livres os
filhos de escravas nascidos após a lei, mas estes ficariam em posse dos senhores
de suas mães até completarem oito anos, onde os senhores escolhiam entre
receber uma indenização do Estado ou utilizar os serviços deste até a idade de vinte
um anos, perpetuando as condições que eram impostas por meio das alforrias
oferecidas até o ano de 1865.
As alforrias inseriam os negros escravos em uma condição intermediária entre
os homens escravos e os homens livres, grande parte dos escravos alforriados
estavam localizados nas cidades, segundo Fausto (1995) uma pesquisa realizada
em salvador entre os anos de 1684 e 1785 revela que os escravos alforriados
tinham em média quinze anos.
Assim, os escravos que estavam localizados nos grandes centros tinham a
possibilidade de melhorar sua condição econômica compravam sua alforria um
Ao fim do período colonial havia um grande número de africanos ou afrobrasileiros libertos ou livres, eram considerados livres formalmente, mas voltavam à
prática escravista por desrespeito ao antigo senhor, assim como não podiam
participar ativamente da vida social por meio da politica.
A promulgação da Lei Áurea em 1888 tornou livres os escravos, mas a
história da escravidão não foi abolida nesta data, não só no Brasil, mas em toda a
América Latina os resquícios dos tempos coloniais ainda encontram-se presentes,
assim como a evolução da forma escravagista mundial.
29
Após a promulgação da Lei Áurea, o destinos dos escravos variou de acordo
com a região em que encontravam, no Nordeste, em geral se transformavam em
dependentes dos grandes proprietários. No Maranhão, os libertos abandonaram as
fazendas de café em decadência, e ocuparam terras desocupadas, tornando-se
assim posseiros das mesmas.
Nas zonas urbanas, o trabalho formal dos escravos libertos foi desprezado
em favor ao trabalho prestado pelos imigrantes que chegavam às cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro, assim, os libertos ocupavam os trabalhos irregulares e mal
pagos.
A preferência ao trabalho dos imigrantes nos centros de desenvolvimento
econômico, e a falta de oportunidades aos escravos libertos gerou segundo
FAUSTO (1995) uma grande desigualdade social da população negra, reforçando o
preconceito contra o mesmo, que era considerado um ser perigoso, propenso ao
crime, principalmente nas regiões de forte imigração.
30
OS TERMOS ESCRAVIDÃO X TRABALHO FORÇADO
É de suma relevância o desdobramento do termo escravidão e sua
comparação com o trabalho forçado exercido contemporaneamente, visto que o
conceito de escravidão toma hoje formas muito diferente do conceito original de
escravidão.
O trabalho escravo em Roma era denominado como servitus ou servus a
partir da Idade Média o servus ressurge por meio do feudalismo na Europa
(GORENDER, 1985 apud NETO, 2008).
Segundo Davis (2001) o camponês ligado ao senhor feudal recebia a
denominação derivada da palavra servus, em inglês, serf e serfdom, em francês serf
e servitude ou servage, em italiano servo e servitú ou servaggio, em espanhol siervo
e servidumbre, em português, servo e servidão.
O termo sclavus surgiu entre os germanos nos séculos 10 e 11 e referia-se
aos cativos de origem eslava, indicavam os cativos de origem estrangeira, que eram
distinguidos do servus de origem germânica (NETO, 2008).
No século 13 os venezianos e os genoveses utilizavam o termo de forma
recorrente na Itália, tendo o mesmo se espalhado pela Itália e todo Ocidente,
inclusive França e Inglaterra para distinguir os servos nativos e os cativos
estrangeiros (FINLEY, 2001 apud NETO, 2008).
O significado da palavra escravo segundo DAVIS (2001) está ligado a três
características, a pessoa submetida ao trabalho escravo é propriedade de outro
homem, sua vontade está sujeita à autoridade de seu proprietário e seu trabalho ou
serviços são obtidos através da coerção.
Todos os significados da palavra escravo sugerem que os homens sempre
reconheceram a escravidão como uma espécie de limite extremo em
matéria de dependência e perda da liberdade natural, como aquela
condição em que o homem chega mais perto ao status de uma coisa.
(DAVIS, 2001 p. 53)
A Anti-Slavery Internacional, dá a seguinte definição para uma das formas de
trabalho forçado, a escravidão por dívida, definindo o que segue:
31
“o estado e a condição resultante do fato de que um devedor tenha se
comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços
pessoais ou de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses
serviços pessoais não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da
dívida ou se a duração desses serviços não for limitada, nem sua natureza
definida.” (FIGUEIRA, 2004 p. 36)
GORENDER (1978, 60-61 apud FIGUEIRA, 2004, p. 37) lembra que
escravidão é o estabelecimento de um direito que torna o homem completamente
dependente de outro, que é senhor absoluto de sua vida e de seus bens.
MARTINS (1999 p. 160-161 apud FIGUEIRA, 2004 p. 38) estabelece uma
distinção entre o trabalhador livre e o trabalhador submetido ao trabalho escravo:
É escravo quem não é senhor de si mesmo, é um dependente de outro e
também sua propriedade. O típico escravo pode ser comprado e vendido,
independentemente de querer ou não. Ele é uma mercadoria como qualquer
outra, destituído de vontade própria ( ...) Um trabalhador vende sua força
de trabalho, em tese por sua própria vontade (...) por isso ele pode e deve
vende-la a quem possa e queira compra-la. Na escravidão, o trabalhador e
a força de trabalho não estavam separados. A própria pessoa do
trabalhador era objeto, coisa, de outrem...
O trabalho forçado do modo como se apresenta hoje tem como premissa os
mecanismos de coerção física, através da violência na relação entre trabalhador e
empregador e também na coerção moral exercida nos casos de escravidão por
dívida.
Ao falar sobre a classificação do trabalho forçado como exploração Esterci
(1994 apud FIGUEIRA, 2004) enfatiza que a melhor forma de classificar esta forma
de exploração é ir além dos conceitos já pré-estabelecidos pelas normas e
convenções para se chegar ao conceito mais amplo e humanitário da questão.
Determinadas relações de exploração são de tal modo ultrajantes que a
escravidão passou a denunciar a desigualdade no limite da desumanização;
espécie de metáfora do inaceitável, expressão de um sentimento de
indignação que, afortunadamente, sob esta forma afeta segmentos mais
amplos do que os obviamente envolvidos na luta pelos direitos.
Esse, talvez é o sentido novo de escravidão, ainda não capturado nas leis
de modo eficaz, mas utilizado por representantes de segmentos os mais
32
diferentes da sociedade quando expostos a determinadas circunstâncias.
(ESTERCI, 1994 p. 44-45 apud FIGUEIRA, 2004, p. 44).
Rezende, também corrobora com a expansão e debate da questão afirmando
que as condutas ainda não expressas pelas normas deveriam ser punidas, visto que
as mesmas eram mais nocivas do que as já criminalizadas, a mesma afirma que a
“definição do que é crime tem também a ver com o que a sociedade concebe como
crime, mesmo que as concepções não sejam unânimes” (ESTERCI e REZENDE,
2004 p. 210 apud FIGUEIRA, 2001 p. 45).
Assim, a classificação de trabalho forçado, ou condição de trabalho análogo a
de escravo, ou trabalho escravo, se referem à mesma condição de trabalho
degradante que será ilustrada a partir do capítulo seguinte com suas nuances não
apenas conceituais, mas também sociais, visto que a denominação é diversa por
parte dos autores, mas a essência do trabalho escravo está presente em todas as
definições.
33
DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO PELAS NORMAS INTERNACIONAIS
O trabalho forçado não segue os mesmos padrões e estereótipos do trabalho
escravo do período da colonização, dos negros vindos da África, imagem gerada
quando se fala em trabalho escravo, no trabalho escravo contemporâneo, não há a
distinção da raça, ou cor, o trabalho escravo contemporâneo, o trabalho forçado está
intimamente ligado a fatores de vulnerabilidade social.
Uma das grandes dificuldades em relação ao combate ao trabalho escravo
esbarra na conceituação do que é caracterizado como trabalho escravo, a
Organização Internacional do trabalho (OIT) define em algumas convenções,
acordos e tratados a conceituação de trabalho escravo.
Para
configurar-se
o
trabalho
escravo
são
necessárias
algumas
características que vão além do trabalho degradante, o trabalho escravo é sempre
um trabalho degradante, mas nem sempre o trabalho degradante é trabalho escravo,
portanto discorrer-se-á sobre o conceito do trabalho escravo em maiores detalhes,
visto ser esta definição essencial para a caracterização do crime e a devida punição
dos responsáveis.
Em 1926, a Convenção sobre a escravidão, o primeiro tratado internacional
contra a escravidão, redigido pela Liga das Nações, instituição antecessora da
Organização das Nações Unidas, em seu artigo 1º definiu que: “Escravidão é o
estado e a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente,
alguns ou todos os atributos do direito de propriedade”.
O trabalho forçado não pode ser caracterizado pelos baixos salários ou más
condições de trabalho. O trabalho forçado representa uma violação aos direitos
humanos, e uma restrição à liberdade humana. A definição da OIT de trabalho
forçado tem dois elementos básicos: trabalho ou serviço imposto sob ameaça de
punição e aquele executado involuntariamente. 3
A Convenção nº 29 de 1930 sobre o Trabalho forçado o define como “todo
trabalho ou serviço que seja exigido a qualquer pessoa, sob ameaça de qualquer
penalidade, e para o qual a essa pessoa não tenha se oferecido voluntariamente”.
3 OIT 2009 Conferência Internacional do Trabalho. 98ª Sessão.
34
Esta definição utilizada pela Convenção nº 29 busca abarcar de forma ampla
toda e qualquer forma de trabalho escravo num âmbito global. Portanto, vale
destrinchar os elementos principais desta definição.
A penalidade mencionada na Convenção, é caracterizada de modo amplo,
podendo ser a perda de direitos e privilégios, assim como violência física ou
psíquica, repressão, ameaças ao trabalhador ou à família deste, danos materiais
relacionados à supostas dívidas contraídas de forma fraudulenta, confisco de
documentação, entre outras.
A oferta voluntária para o trabalho não é requisito que descaracterize o
trabalho forçado, visto que o consentimento para a execução do trabalho é cercado
de várias formas sutis de ludibriar o trabalhador à aceitar tal oferta e só após o início
do trabalho é que o mesmo percebe que está numa situação da qual não pode sair,
devido à fatores diretos e indiretos de coerção.
No que concerne à “oferta voluntária” a OIT defende que os aspectos desta
oferta incluem a forma e o objeto de consentimento; o papel das restrições externas
ou da coerção indireta; e a possibilidade de revogar o consentimento dado
livremente... podendo o mesmo preceito ser irrelevante quando for obtido através de
fraude ou logro (OIT, 2009, p.06 ).
Esta Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1957, assim os Estadosmembros que ratificaram a Convenção se comprometeram a “abolir a utilização do
trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de
tempo possível. ”(OIT, 2010, p. 36).
35
CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO FORÇADO NA CONTEMPORANEIDADE
O trabalho forçado está ligado à práticas abusivas a ele relacionadas, como o
tráfico de seres humanos, a escravidão, práticas análogas à escravidão e outras
formas ilegais de coação ao trabalho, a servidão por dívidas e a exploração laboral,
termos utilizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O trabalho forçado pode ser caracterizado também por meio da natureza
existente entre o trabalhador e o empregador, independente do tipo de atividade
realizada, legalidade ou não da situação, assim como o caráter econômico da
atividade.
Assim, uma mulher que é forçada a prostituir-se, ou uma criança obrigada à
mendicidade, estão ambas em uma situação de trabalho forçado, visto que nestes
casos há a falta da voluntariedade para o trabalho.
A OIT (2005, p. 06) expõe algumas características que servem para identificar
a prática do trabalho forçado, que são a falta de consentimento; servidão por dívida;
rapto ou sequestro; venda de pessoa a outra; confinamento no local de trabalho;
coação psicológica; dívida induzida por falsificação de contas, por preços
inflacionados ou redução do valor dos bens ou serviços produzidos; engano ou
falsas promessas sobre tipos e condições de trabalho; retenção ou não pagamento
de salários; retenção de documentos de identidade ou de pertences pessoais de
valor.
O trabalho forçado consiste na exploração no local onde o serviço é
executado, nesta exploração estão incluídas as práticas de recrutamento abusivas,
negando a liberdade de escolha do trabalhador.
A servidão por dívida é um dos aspectos de trabalho forçado, a servidão por
dívida, esta é definida por meio da Convenção Suplementar para a Abolição da
Escravatura de 1956, para caracterizar a servidão por dívidas e trabalho servil.
“estado ou condição resultante de uma obrigação de um devedor de seus
serviços pessoais, ou daqueles pertencentes a um indivíduo sob o seu
controle, como garantia de uma dívida, se o valor desses serviços,
conforme razoavelmente analisados, não é aplicável para liquidação da
36
dívida, ou que a extensão e a natureza desses serviços não sejam
respectivamente limitadas e definidas” (OIT, 2009 p.08).
A servidão por dívida é uma prática existente ainda em países da Ásia e
América Latina, segundo dados da OIT (2009) já que os trabalhadores recebem um
adiantamento por parte de agiotas que financiam o início do trabalho, ou a viagem
em caso de trabalhadores migrantes.
O trabalho forçado se desenvolve segundo dados da OIT (2009) de diversas
formas e em diversos ambientes, acontece de forma significativa na exploração
madeireira, na exploração de minérios, nas indústrias têxteis, com trabalhadores
marítimos, principalmente na região Ásia, em trabalhos domésticos de crianças,
mulheres, na exploração sexual de mulheres e crianças, na exploração da
mendicância, ou seja, em todos os setores econômicos dos
O presente trabalho irá fundamentar-se em apenas uma das nuances do
trabalho forçado, na exploração de trabalhadores nas zonas rurais, em decorrência
da complexidade que há em torno do trabalho forçado e suas diversas nuances.
O trabalho forçado na América Latina acontece em sua maioria com
trabalhadores migrantes de oficinas de trabalho clandestino, em grupos vulneráveis,
como os trabalhadores domésticos que fazem o caminho migratório nacional ou
internacional em busca de melhoria de vida, na exploração de trabalhadores em
regiões agrícolas remotas e desflorestadas, assim como em indústrias de carvão
vegetal ,gusa, madeira. (OIT, 2009)
A forma mais comum de exploração é por meio da servidão por dívida, onde
os trabalhadores temporários são recrutados através de intermediários informais,
que
ludibriam
os trabalhadores por meio de pagamentos adiantados, e
posteriormente cobram estes valores com juros e custos decorrentes do próprio
trabalho realizado.
O trabalho forçado está ligado intimamente à fatores de desigualdade social
como é o caso do Brasil, onde a maioria dos trabalhadores explorados encontram-se
em situação de miserabilidade o que os força a muitas vezes a retornar ao trabalho
forçado.
Outro fator ligado à exploração do trabalho escravo é a questão racial, esta
acontece em muitos países da América Latina, na exploração forçada de
trabalhadores de origem indígena, principalmente na Bolívia e Peru.
37
A questão racial está relacionada ao trabalho forçado também nos países da
África, da Ásia e da Europa, como é o caso da Espanha e Portugal, que segundo
dados da OIT, mantinham em fábricas e no cultivo agrícola, migrantes romanis,
conhecidos como ciganos.
Em geral na Europa o trabalho forçado é decorrente de trabalhadores
migrantes, que vem de países menos desenvolvidos e não tem uma qualificação
adequada para ocupar postos de trabalho decentes, nesta região os principais tipos
de trabalho forçado estão ligados à sexual, trabalhos domésticos, inclusive de
crianças e adolescentes, servidão por dívida, retenção salarial e de documentos.
O trabalho forçado não é uma característica de países em desenvolvimento, é
um problema global que acontece inclusive em Países com os maiores índices de
desenvolvimento humano do Mundo como é o caso dos Países nórdicos como a
Finlândia, Noruega e Suíça.
38
O TRABALHO FORÇADO E O TRÁFICO DE PESSOAS
O tráfico de pessoas é uma prática criminosa que está diretamente ligada à
exploração do trabalho forçado, as pessoas que são aliciadas para este fim são em
geral de outros Estados, Municípios e Países.
As pessoas por serem mais vulneráveis à continuidade da exploração pela
falta de vínculos ao local onde o trabalho é exercido, dificultando a quebra do círculo
escravista que utiliza as vulnerabilidades sociais para o exercício da exploração
escravista.
O Protocolo sobre o tráfico de Pessoas 4 em seu artigo 3º define o que é
considerado tráfico de pessoas, os Estados Parte, portanto devem adotar as
medidas legislativas para garantia do estabelecido no Protocolo. A definição de
tráfico de pessoas pelo Protocolo é a seguinte.
a) Por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à
ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios
para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra,
para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a
exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares
à escravatura, a servidão ou a extracção de órgãos;
b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista
qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo, deverá
ser considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios
referidos na alínea a);
c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de uma criança para fins de exploração deverão ser
considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos
meios referidos na alínea a) do presente artigo;
4 Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade Organizada
Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de
Mulheres
e
Crianças.
Disponível
em:
http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-
mpenal/onu/protocolotr%C3%A1ficopt.pdf Acesso em 29 de outubro de 2011.
39
Segundo o relatório global sobre trabalho forçado e tráfico de seres humanos
( OIT, 2005) cerca de 2,4 milhões de pessoas são traficadas dentre as 12,3 milhões
de pessoas que estão em situação de escravidão em todo o Mundo.
Na América Latina estima-se que cerca de 250.000 trabalhadores forçados,
cerca de 20% do total da região são provenientes de outros Estados ou das regiões
fronteiriças. (OIT, 2005)
A maioria das pessoas traficadas o são com a finalidade de exploração
sexual, cerca de 43%, já o tráfico de pessoas coma finalidade de exploração
econômica é de 32% das 2,4 milhões de pessoas traficadas, os maiores números
relativos ao tráfico de pessoas se dá no região da Ásia e Pacífico, com cerca de
1.360.000 pessoas, e nos países industrializados com cerca de 270.000 pessoas,
seguido da América Latina e Caribe.
A grande maioria das pessoas traficadas é do sexo feminino seja para fins de
exploração sexual, cerca de 56%, seja para fins de exploração econômica, contra
cerca de 44% de homens e meninos.
Vale ressaltar que a contagem realizada pela OIT na coleta de dados é feita a
partir do país onde são forçadas a trabalhar (OIT, 2005).
O tráfico de pessoas e o sequestro têm entre si uma ligação muito sutil, os
trabalhadores que são submetidos ao trabalho forçado em outros estados ou Países,
o fazem de forma voluntária, o que não deixa de ser caracterizado como trabalho
forçado, visto que o consentimento no caso do tráfico é feito de forma artificial.
O sistema utilizado para manutenção do trabalhador no sistema de
escravidão é a coerção por meio de violência física, ou violência psicológica, que
incluem as ameaças de denúncia às autoridades no caso de trabalhadores
migrantes ilegais, seja por meio da retenção de salários e documentos dos
trabalhadores.
O combate ao tráfico de pessoas é um das formas de garantir a diminuição da
incidência do uso do trabalho forçado à nível mundial, portanto, tem enorme
relevância não apenas no caso do trabalho escravo, mas também no caso de outras
formas de violação aos Direitos Humanos, visto que impede a continuidade deste
tipo de exploração e coerção.
40
Os países em análise no presente trabalho ratificaram a Convenção da OIT
que se refere ao combate ao trabalho escravo obrigando-se a tomarem as medidas
necessárias de combate ao tráfico de pessoas.
41
TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL
O maior vulto do trabalho forçado no Brasil se dá ainda com os mesmos
objetivos do passado, a expansão da atividade agropecuária, geralmente em regiões
de difícil acesso, como a região da Amazônia Legal; hoje existem trabalhadores nas
mesmas condições ou piores à dos escravos dos períodos colonial e imperial, mas o
mecanismo utilizado na exploração escrava moderna é diferente daqueles períodos,
se dá através da dívida e da fraude na contratação.
O trabalho forçado se desenvolve da seguinte forma, o trabalhador
geralmente é recrutado pelos chamados “gatos5”, que os aliciam para executar
serviços em locais, em sua maioria, distantes, para fazer o chamado ”roçado” das
fazendas, para o trabalhador que está desempregado e precisa sustentar sua família
é aparentemente uma boa oportunidade.
Quando o serviço é contratado os trabalhadores recebem um adiantamento
pelo serviço que será prestado, quando chegam às fazendas são informados de que
devem comprar os materiais que serão utilizados para execução do serviço, como
as inchadas, botas, roupas, o transporte que os levou até o local, medicamentos que
porventura tenham que usar, ou seja, já chegam ao local endividados, não bastasse
a ilegalidade, o valor cobrado por esses materiais é muito superior ao valor cobrado
no mercado, e então o trabalhador se vê com uma dívida maior que o próprio salário
oferecido.
Relatos de desrespeito aos trabalhadores são inúmeros na história
contemporânea, ESTERCI( p. 10 ), ao falar da disputa pela posse de terras no
Araguaia/MT cita que uma grande empresa de desenvolvimento na época, “lançava
mão de contingentes numerosos de trabalhadores, os peões, recrutados em outras
regiões e submetidos a formas de exploração violentas”.
É possível perceber que no Brasil na década de setenta a forma de
endividamento e os termos utilizados para identificar os trabalhadores (peões) e os
5 Empreiteiros contratados pelos fazendeiros ou “posseiros” para execução de um serviço
específico como desmatamento, plantio ou manutenção de pastos, fazer cercas, entre outros.
Binka Le Breton, em Vidas Roubadas cita que o gato é conhecido assim porque sempre cai em
pé!
42
gatos (intermediários) são os mesmos utilizados atualmente, demonstrando a
continuidade de uma cultura de discriminação social e desrespeito aos Direitos
Humanos utilizando-se de pessoas que não têm estudo, muitos sem vínculo familiar,
documentos, ou seja, são pessoas que estão à margem da sociedade.
Na execução do serviço nas fazendas os trabalhadores se deparam com
situações extremas de desprezo à vida humana, sofrem todo o tipo de violência
física e psicológica, há inúmeros relatos de trabalhadores resgatados que foram
obrigados a trabalhar numa jornada muito superior à permitida, a dormir em locais
sujos, muitas vezes sob o sereno e chuva, de não receberem comida adequada e
quando recebiam não tinha o mínimo de nutrientes e higiene necessária, muitos
trabalhadores em tais condições ficam doentes e não recebem cuidados médicos,
ou pior, são descartados por não serem mais produtivos, além de inúmeras outras
barbáries.
Mesmo querendo sair das fazendas depois de constatar as condições de
trabalho, são poucos os que conseguem escapar, os trabalhadores são vigiados por
homens geralmente armados, o que os impossibilita de fugir, outros fatores
impeditivos são a distância destes locais com a cidade mais próxima e o fato de
muitos desses trabalhadores serem de outros Municípios ou Estados, os chamados
“peões de trecho6” e não conhecerem o local onde estão.
O combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil tem seu início em
1994, quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) 7 , as comissões não
governamentais, Center for justice and Internacional Law (CEJIL) e Human Rights
Watch apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), devido à omissão do Brasil
em relação ao caso da fazenda Espírito Santo.
Este foi o caso que tornou público o problema do trabalho forçado no Brasil, o
caso aconteceu em 1989, onde a Polícia Federal depois da denúncia de um
sobrevivente a atentado contra a sua vida e maus-tratos na fazenda, conseguiu
6 Homens que não têm moradia fixa, não têm vínculos familiares, sempre estão viajando de
uma cidade à outra a procura de emprego, muitos não têm documentos de identificação, e por isto
se tornam os preferidos dos empreiteiros.
7 A Comissão Pastoral da Terra é uma organização da Igreja Católica voltada para a Defesa
dos Direitos Humanos e da reforma agrária.
43
escapar com vida depois de levar tiros de fuzil em uma emboscada feita pelos
funcionários da propriedade, na fazenda a Polícia Federal resgatou mais sessenta
trabalhadores.
Na ocasião o Estado Brasileiro foi acusado de violar os artigos I e XXV da
Declaração Americana sobre os Direitos e Obrigações do Homem, além dos artigos
6, 8 e 25 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, explicitados a
seguir:
Artigo I. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sus
pessoa.
Artigo XXV. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos
previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes.
Ninguém pode ser preso por deixar de cumprir obrigações de natureza
claramente civil.
Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que
o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem
protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser posto em liberdade. Tem
também direito a um tratamento humano durante o tempo em que o privarem da sua
liberdade.
O artigo 6 da Comissão Americana sobre Direitos Humanos define as
seguintes normas relativas a proibição à Escravidão e à Servidão, vejamos:
1. ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas
como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as
formas.
2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.
Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade
acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no
sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal
competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade
física e intelectual do recluso.
3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste
artigo:
a) Os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoas reclusa em
cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária
competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e
44
controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem
ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter
privado;
b) o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de
consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;
C) o serviço imposto em caso de perigo ou calamidade que ameace a
existência ou o bem-estar da comunidade; e
d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.
A partir deste ponto o Governo Brasileiro reconhece a reponsabilidade sobre o
caso e firma um acordo de Solução Amistosa, assinada em 2003 na solenidade de
criação da Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRAE).
A CONATRAE é um órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República, tem a função primordial de
monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
O Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo, contém 76 ações,
cuja responsabilidade de execução é compartilhada por órgãos do Executivo,
Legislativo, Judiciário, Ministério Público, entidades da sociedade civil e organismos
internacionais, com o objetivo de erradicar o trabalho escravo no Brasil.
A escravidão contemporânea no Brasil afeta principalmente o trabalhador no
meio rural, em diferentes atividades ligadas à pecuária, às lavouras de algodão,
milho, soja, arroz, feijão, café e extração de látex (matéria-prima da borracha),
madeira, produção de carvão.
Vale ressaltar que o trabalho escravo está presente não só na zona rural, mas
está presente em menor escala também em construções em grandes centros, onde
há a figura do intermediário, que contrata os trabalhadores em outros estados e ao
chegarem ao local de trabalho, estranho ao seu ambiente habitual, tem seus
documentos apreendidos, e executam o serviço em condições de pouca ou
nenhuma segurança no trabalho, o que ocasiona inúmeros acidentes de trabalho,
além de terem seus alojamentos sem nenhum cuidado com a higiene ou o mínimo
de condições para o descanso.
45
Assim como em confecções de roupas no estado de São Paulo8, muitos
destes trabalhadores vêm de outros países da América Latina, são em sua maioria
Bolivianos, uma das causas da escolha destes trabalhadores pode ser o fato de que
este é um dos países com maiores índices de pobreza da América Latina, as
condições sobre o trabalho escravo na Bolívia será explicitado nos capítulos
seguintes.
8 Cf. notícia Estadão, disponível em:
http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,apos-zara-ministerio-investiga-trabalho-escravoem-20-grifes,80796,0.htm Acesso em 20 de setembro de 2011.
46
ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL
Com este quadro de retrocesso acontecendo em larga escala, foram
adotadas medidas que visam erradicar o trabalho forçado no Brasil, a primeira
atitude governamental em relação ao problema foi em 1995 quando o então
Presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu publicamente que o trabalho
forçado de fato acontecia no Brasil, no mesmo ano foi criado o Grupo de
Fiscalização Móvel coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que atua na
fiscalização das fazendas que têm denúncia de trabalho forçado libertando-os de tal
situação.
Em 2003 foi firmado pelo Presidente da República e pelo Diretor-Geral da
OIT/ONU, o compromisso de promover o Trabalho Decente e as metas instituídas na
Agenda de Trabalho Decente, sendo esta uma das prioridades políticas do Governo
Brasileiro, em função deste compromisso foi criado o Plano Nacional para
Erradicação do Trabalho forçado, que contém várias metas e objetivos a serem
cumpridos a curto, médio e longo prazo, 68,4% destas metas foram cumpridas, ou
cumpridas parcialmente, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho9.
A Carta Magna elenca os Princípios fundamentais relativos à República e
dentre eles pode-se destacar os principais preceitos, que deveriam ser o norte das
ações de toda a sociedade brasileira.
O Brasil segundo o artigo 1º da Constituição constitui-se em Estado
democrático de direito, que tem como fundamento a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Estes fundamentos são os alicerces no quais estão contidos todos os preceitos que
regerão as normas da sociedade.
A Constituição em seu artigo 3º estabelece como objetivos fundamentais a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento
social; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades
9 In: 2º Plano Nacional para erradicação do Trabalho Escravo, aprovado em 17 de abril de 2008.
47
sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O parágrafo único do artigo 4º da Constituição estabelece a busca da
integração econômica, politica, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-Americana das nações.
A integração dos países da América Latina por meio da justiça social e da
diminuição das desigualdades sociais tem ainda um caminho longo a ser percorrido,
principalmente no tocante a diminuição do trabalho forçado.
O Título II estabelece os direitos e garantias fundamentais, o artigo 5º, caput,
consagra o princípio da igualdade e garante a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, de modo específico assegura no inciso III
que ninguém poderá ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante; o inciso XIII estabelece a liberdade no exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, estabelecendo também a punição na ofensa de qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
O trabalho é definido pela Constituição como um direito social em seu artigo
6º, no artigo 7º são elencados os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, dentre
eles está a percepção de salário nunca inferior ao mínimo legal, que deve garantir as
necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene.
O artigo 193 da Carta Magna estabelece o trabalho como base da ordem
social tendo como objetivo o bem-estar e a justiça social. Os preceitos elencados na
Constituição têm como objetivo o bem-estar do ser humano em todas as suas
vertentes.
COMPARATO (2001) afirma que direitos fundamentais são os direitos
humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas.
Uma das medidas adotadas pelo Brasil no combate ao trabalho escravo é a
Medida Provisória nº 74, de outubro de 2002, que estabelece a modificação da
legislação referente ao seguro-desemprego para abarcar os trabalhadores
resgatados das condições de trabalho escravo, estabelecendo o direito à percepção
48
do seguro-desemprego nos três meses subsequentes no valor de um salário mínimo
cada, assim como a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho, sendo
estes encaminhados ao Ministério do trabalho e emprego para qualificação
profissional.
O Código Penal em seu artigo 149, fala sobre as penas de reduzir alguém a
condição análoga à de escravo e estabelece pena de reclusão de dois a oito anos.
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitandoo a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto.
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente
à violência.
o
§ 1 Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
o
local de trabalho. § 2 A pena é aumentada de metade, se o crime é
cometido: I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Em outubro 2011, o Ministério do Trabalho publicou a Instrução Normativa nº
91,10 onde dispõe sobre a fiscalização para a erradicação do trabalho escravo,
estabelece já em seu artigo 1º, a ofensa aos preceitos fundamentais contidos na
Carta Magna e nas normas Internacionais. Destaca-se:
Art. 1º. O trabalho realizado em condição análoga à de escravo, sob todas
as formas, constitui atentado aos direitos humanos fundamentais e fere a
dignidade humana, sendo dever do Auditor-Fiscal do Trabalho colaborar
para a sua erradicação.
O artigo 3º estabelece o que é considerado trabalho forçado, considerando-o
o trabalho realizado em condição análoga à de escravo a que resulte na submissão
de trabalhador a trabalhos forçados; na submissão de trabalhador a jornada
exaustiva; na sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; na
restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja por
10 Instrução Normativa nº 91, de 05 de outubro de 2011. Disponível em:
http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D32DC09BB0132DFD134F77441/in_20111005_91.pdf
Acesso em 28 de outubro de 2011.
49
meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de trabalho; na
vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu preposto,
com o fim de retê-lo no local de trabalho; Assim como na posse de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o
fim de retê-lo no local de trabalho.
A Instrução normativa faz a hermenêutica das expressões utilizadas, portanto,
segundo a Instrução:
a) “trabalhos forçados” – todas as formas de trabalho ou de serviço exigidas
de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha
oferecido espontaneamente, assim como aquele exigido como medida de
coerção, de educação política, de punição por ter ou expressar opiniões
políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político,
social e econômico vigente, como método de mobilização e de utilização da
mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico, como meio para
disciplinar a mão-de-obra, como punição por participação em greves ou
como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa;
b) “jornada exaustiva” - toda jornada de trabalho de natureza física ou
mental que, por sua extensão ou intensidade, cause esgotamento das
capacidades corpóreas e produtivas da pessoa do trabalhador, ainda que
transitória e temporalmente, acarretando, em consequência, riscos a sua
segurança e/ou a sua saúde;
c) “condições degradantes de trabalho” – todas as formas de desrespeito à
dignidade humana pelo descumprimento aos direitos fundamentais da
pessoa do trabalhador, notadamente em matéria de segurança e saúde e
que, em virtude do trabalho, venha a ser tratada pelo empregador, por
preposto ou mesmo por terceiros, como coisa e não como pessoa;
d) “restrição da locomoção do trabalhador” - todo tipo de limitação imposta
ao trabalhador a seu direito fundamental de ir e vir ou de dispor de sua força
de trabalho, inclusive o de encerrar a prestação do trabalho, em razão de
dívida, por meios diretos ou indiretos, por meio de e coerção física ou moral,
fraude ou outro meio ilícito de submissão;
e) “cerceamento do uso de qualquer meio de transporte com o objetivo de
reter o trabalhador” – toda forma de limitação do uso de transporte,
particular ou público, utilizado pelo trabalhador para se locomover do
50
trabalho para outros locais situados fora dos domínios patronais, incluindo
sua residência, e vice-versa;
f) “vigilância ostensiva no local de trabalho” – todo tipo ou medida de
controle empresarial exercida sobre a pessoa do trabalhador, com o objetivo
de retê-lo no local de trabalho;
g) “posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador” – toda forma
de apoderamento ilícito de documentos ou objetos pessoais do trabalhador,
com o objetivo de retê-lo no local de trabalho;
A Instrução abrange também a tomada das medidas administrativas
independente de o fato ser reconhecido ou não em âmbito penal, conforme define o
artigo 4º. Assim como abrange o tráfico de pessoas e insere sua definição para
efeitos da abrangência da lei em caso de constatação de trabalhadores inseridos no
tráfico de pessoas para este fim.
§ 1º. Considera-se tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho
em condição análoga à de escravo, conforme definido no Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, promulgado por meio do
Decreto nº 5.017, de 12 de Março de 2004, “o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à
ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude,
ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à
entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins
de exploração que incluirá, no mínimo, a exploração do trabalho ou serviços
forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura ou a servidão”.
O trabalho efetivo contra o trabalho forçado é feito por meio do Ministério do
Trabalho a quem cabe a Fiscalização da prática do trabalho escravo, adotando
medidas de combate descritas em Lei e adotando de imediato nos casos de
constatação do trabalho forçado a paralização das atividades até então realizadas
de forma irregular, como a regularização dos contratos dos trabalhadores, dos
créditos trabalhistas e recolhimento do FGTS e Contribuição Social, assim como o
51
retorno dos trabalhadores ao local de origem ou local seguro como hotel ou abrigo
público.
Entretanto, a realidade social e jurídica hoje está longe de alcançar tais
preceitos de forma igualitária e justa, o Brasil avançou muito se comparado a outros
Países da América latina no diz respeito ao trabalho forçado, mas os fatores que
levam a exploração do trabalho forçado são inúmeros e complexos, vão além da
conceituação e formalização destes no ordenamento jurídico.
O art. 3º da Lei nº 7.347/1985, estabelece a condenação do explorador em
dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer. O dinheiro, no caso,
deve se destinar à recomposição do bem jurídico coletivo lesado. A obrigação de
fazer ou não fazer, por sua vez, engloba todas as medidas e providências tendentes
a devolver a dignidade ao trabalhador, tais a determinação de registro do contrato de
trabalho na Carteira respectiva, a cessação de descontos salariais indevidos, a
retirada
de
seguranças
que
estiverem
intimidando
os
trabalhadores
ou
constrangendo sua liberdade de ir e vir, a observância do salário mínimo, da jornada
de trabalho legal e de outros direitos reconhecidos aos trabalhadores, a oferta de
condições de trabalho mínimas envolvendo água potável, alojamento, transporte
adequado, equipamentos de proteção individual e coletiva de trabalho, entre outros
direitos difusos e coletivos.
52
ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL
TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NO PERU
O trabalho forçado no Peru acontece em sua maioria, na extração de
madeiras de luxo na região amazônica, uma das grandes diferenças encontradas
entre o trabalho forçado no Brasil e no Peru é a exploração dos povos indígenas
naquele país, segundo dados do Banco Mundial 31,3% da população vivem abaixo
da linha da pobreza11, o que os coloca em um nível de vulnerabilidade ainda maior.
Segundo dados da Antislavery (2006) e da OIT (2005) desde a década de
sessenta, a maior parte do trabalho forçado acontece em atividades de exploração
ilegal na região amazônica.
O valor das madeiras de luxo, como mogno e cedro, levou a uma
intensificação da exploração madeireira na região amazônica, grande parte da
exploração acontece em áreas ilegais, o que torna a mão-de-obra de baixíssimo
custo, um lucrativo negócio para os madeireiros da região.
A maioria da exploração madeireira ilegal ocorre em terras indígenas, que têm
muito pouco ou nenhum contato com o mundo exterior. Cerca de dois terços dos
trabalhadores escravos recrutados são integrantes de grupos étnicos, o trabalho
acontece dentro de suas terras ou nas cercanias destas.
A estimativa da OIT é que 33.000 pessoas são forçadas a trabalhar na
Amazônia Peruana, principalmente nas cidades de Ucayali, Madre de Dios, Loreta,
Pucallpa, Atalaya e Puerto Maldonado.
Existem duas principais formas de trabalho forçado em atividades de
exploração madeireira na Amazônia Peruana, na primeira as comunidades indígenas
são contratadas para fornecer madeira a partir de suas terras e na segunda os
donos de madeireiras contratam indígenas e os mestiços para trabalhar em seus
campos.
11 Dados do Banco Mundial. Disponível em: http://datos.bancomundial.org/pais/peru
Acesso em 15/10/2011.
53
Segundo dados do Plano Nacional na luta contra o trabalho forçado, cerca de
80% dos trabalhadores que são explorados na extração de madeira são de origem
mestiça, ou da região da Alto andina, cerca de 20% é indígena, a mão-de-obra
destes trabalhadores é pouco ou nada qualificada, nos acampamentos onde ficam
alojados os trabalhadores sofrem todo o tipo de maltrato, como também lhes é
restringida a liberdade de movimentos, assim como a retenção de seus documentos.
12
Ambas as formas empregadas na exploração do trabalho forçado utilizam o
mesmo meio de fraude, a servidão por dívida, que neste caso pode ser passado
para a geração seguinte. O trabalho forçado está geralmente associado à falta de
remuneração, à prostituição de mulheres nos campos e condições subumanas de
trabalho.
Os Intermediários abordam as comunidades indígenas com ofertas de bens
básicos como arroz, sal, botas, ou bens públicos como construção de escola ou
campo de jogos ou dinheiro, os intermediários firmam contrato verbal ou escrito no
qual a comunidade concorda em fornecer uma quantidade de madeira de qualidade
específica.
Um dos fatores determinantes na exploração é a falta de conhecimento sobre
o valor monetário do dinheiro, do valor da madeira, dos bens básicos que lhe são
oferecidos, assim os intermediários elevam o valor destes bens, enquanto
subvalorizam madeira extraída. Assim, quando os trabalhadores indígenas retornam
com a quantidade acordada de madeira, a mesma é qualificada como de qualidade
inferior e, portanto, não vale tanto como combinado, devendo os mesmos saldar o
valor devido com mais madeira ou trabalhando nos campos.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores vão acumulando dívidas com os
intermediários através da compra de alimentos básicos e os seus produtos. Como
eles não sabem o custo destes produtos lhes é cobrados cerca de três a cinco vezes
o preço real. Assim o valor recebido inicialmente, agora se torna uma dívida que
deve ser paga por meio do fornecimento de mais madeira.
12 Cf. Plan Nacional para la lucha contra el trabajo forzoso. Disponível em:
http://www.mintra.gob.pe/trabajo_forzoso/ Acesso em 20 de outubro de 2011.
54
Segundo estudo realizado pela OIT (2005), na Amazônia Peruana, os
intermediários repetidamente adiam o pagamento final da em madeira entregue,
continuando a desvalorizar a madeira entregue pelas comunidades. Outro fator é a
exclusividade na entrega da madeira explorada, visto que as comunidades firmam
contratos ilegais onde não lhes é permitido vender sua madeira, ou trabalhar para
qualquer outra pessoa.
55
Legislação sobre trabalho forçado no Peru
A Constituição Peruana de 1993 proíbe a escravidão, servidão e o tráfico de
seres humanos em todas as suas formas, proíbe também qualquer trabalho sem
consentimento e sem recompensa e esta deve ser justa e suficiente. Estas normas
constitucionais, no entanto, não são consagrados na legislação.
A legislação peruana em comparação à legislação brasileira tem mais
números de leis sobre o trabalho escravo, inclusive na legislação trabalhista, há um
artigo no código penal e três na constituição do país. A Constituição define o
seguinte:
O artigo 2, inciso 24, alínea b, fala sobre os direitos fundamentais da pessoa
humana e nele está contido o direito à liberdade, onde especifica-se:
No se permite forma alguna de restricción de la libertad personal, salvo en
los casos previstos por la ley. Están prohibidas la esclavitud, la servidumbre
y la trata de seres humanos en cualquiera de sus formas.13
O artigo 23 da Constituição Peruana define o seguinte:
...Ninguna relación laboral puede limitar el ejercicio de los derechos
constitucionales, ni desconocer o rebajar la dignidad del trabajador.
Nadie está obligado a prestar trabajo sin retribución o sin su libre
consentimiento.14
O Código penal Peruano em seu artigo 168 define a pena para o trabalho
forçado, mas este não contém em seu bojo a definição do trabalho forçado.
13 Tradução do original (grifo meu). Não é permitida qualquer forma de restrição da liberdade pessoal
a não ser nos termos da lei. É proibida escravidão, a servidão e o tráfico de seres humanos sob qualquer forma.
14 Tradução do original (grifo meu). “Nenhuma relação laboral pode limitar o exercício dos
direitos constitucionais, nem ignorar ou diminuir a dignidade do trabalhador. Ninguém é obrigado a
trabalhar sem remuneração ou sem seu livre consentimento”.
56
Artículo 168.- Atentado contra la libertad de trabajo y asociación
Será reprimido con pena privativa de libertad no mayor de dos años el que
obliga a otro, mediante violencia o amenaza, a realizar cualquiera de los
actos siguientes:
1. Integrar o no un sindicato
2. Prestar trabajo personal sin la correspondiente retribución.
3. Trabajar sin las condiciones de seguridad e higiene industriales
determinadas por la autoridade.
La misma pena se aplicará al que incumple las resoluciones consentidas o
ejecutoriadas dictadas por la autoridad competente; y al que disminuye o
distorsiona la producción, simula causales para el cierre del centro de
trabajo o abandona éste para extinguir las relaciones laborales .15
O artigo 25 da Lei de inspeção trabalhista ( ) fala das infrações relacionadas à
matéria trabalhista, o artigo define como infração muito grave, o trabalho forçado,
seja ele remunerado ou não, assim como a captação de pessoas com este fim, No
original “El trabajo forzoso, sea o no retribuido, y la trata o captación de personas
con dicho fin.”16
Por meio do Decreto Supremo nº 001-2007-TR, foi criada a Comissão
Nacional para a luta contra o trabalho forçado, com o objetivo de ser a instância de
coordenação permanente das políticas de ação em matéria de trabalho forçado, a
comissão é presidida pelo Ministério do Trabalho e promoção do emprego(Ministerio
de trabajo y Pomoción del Empleo) 17 e está integrada pelos representantes
Ministeriais dos diversos setores.
15 Tradução do original (grifo meu). Artigo 168 – Atentado contra a liberdade laboral
e sindical: Será punido com pena de prisão não superior a dois anos, quem, obriga outro mediante
violência ou ameaça, para realizar qualquer dos seguintes atos: 1. Integrar ou não uma associação;
2. Fornecer trabalho pessoal sem remuneração adequada; 3. Trabalhar sem as condições de
segurança e higiene industrial determinadas pela autoridade. A mesma pena aplica-se a quem
viola as
resoluções proferidas
pela
autoridade
competente, e
ao
que diminui ou
distorce produção, simula os motivos do fechamento do centro de trabalho ou abandona este para
terminar as relações de trabalho.
16 O Trabalho forçado seja ou não remunerado, ou o tráfico e recrutamento de pessoas com
este fim.
17 Cf. Membros da Comissão Nacional para a luta contra o trabalho forçado . Disponível em:
http://www.mintra.gob.pe/trabajo_forzoso/ Acesso em 20 de outubro de 2011.
57
O Peru também conta com um Plano de Ação contra o trabalho forçado,
criado através do Decreto Supremo nº 009-2007-TR, que identifica o problema até
então enfrentado, da falta de uma política e estrutura institucional coordenadas com
o foco no combate ao trabalho escravo, assim como a falta de informações sobre o
trabalho forçado no País.
O plano tem como objetivo de identificar e quantificar as formas e de trabalho
escravo e onde ocorrem, os dados iniciais do Plano remetem ao Trabalho realizado
em conjunto com a OIT, no qual foi identificado o trabalho forçado na Amazônia
Peruana, assim como em outras atividades econômicas como o trabalho doméstico,
a pesca artesanal, agricultura e a exploração de minérios.
O Plano propõe uma série de medidas que visam a investigação de causas o
registro centralizado dos casos de trabalho forçado, assim como ações que visem a
educação e sensibilização da população, inclusive nas escolas, assim como adequar
a legislação às normas internacionais de combate ao trabalho escravo, além da
fiscalização e supervisão conjunta institucional.
Assim, os avanços no combate ao trabalho forçado no Peru avançou muito no
que concerne ao início da tomada de medidas no que se refere ao trabalho forçado,
mas está longe do que seria ideal na luta contra o trabalho forçado, visto que há a
continuidade do trabalho forçado, mesmo com o avanço normativo sobre o tema.
58
TRABALHO FORÇADO CONTEMPORÂNEO NA BOLÍVIA
A Bolívia possui um dos maiores índices de pobreza da América Latina,
números do Banco Mundial indicam que 60,1% da população está abaixo da linha
da pobreza, o que demonstra à vulnerabilidade da população a submissão ao
trabalho forçado.
O trabalho forçado na Bolívia acontece em três áreas principais, nas
indústrias de cana-de-açúcar, nas indústrias de castanha-do-pará e em fazendas
particulares na região de Chaco, o trabalho acontece em geral da forma utilizada
globalmente, pela servidão por dívida.
A região de Santa Cruz é a de maior produção de cana-de-açúcar, é uma
região de baixa densidade demográfica, não oferecendo a quantidade de
trabalhadores suficientes para a realização da colheita, o que faz com que os
trabalhadores sejam recrutados em outras regiões.
Grande parte destes trabalhadores é da região de Chuquisaca e Potosí, onde
o índice de pobreza é maior, assim como há um grande número de indígenas na
região.
O sistema de retenção e continuidade do trabalhador nestas áreas está ligado
a servidão por dívida, que faz com que o trabalhador que executou o trabalho
anteriormente em determinada colheita seja obrigado a trabalhar nas próximas
devido às dividas que angariou no trabalho passado.
O pagamento do salário é feito de forma adiantada, sendo proibida a
devolução do mesmo quando os trabalhadores recrutados veem a possibilidade de
trabalharem por um salário melhor, ficando desta forma presos ao que foi
anteriormente acertado.
Os trabalhadores muitas vezes levam consigo a família para o local de
trabalho, o que gera a exploração de suas esposas e também de suas crianças, já
que as mesmas trabalham e recebem em média ¼ do salário pago ao homem ou
não recebem salário algum pelo trabalho desenvolvido.
A contratação dos trabalhadores é feita seguindo uma hierarquia, as
empresas açucareiras contratam um intermediário para entrega de determinada
quantidade de açúcar, este intermediário por sua vez, subcontrata alguém para
59
recrutamento dos trabalhadores nas cidades, este subcontratante pode ser
comparada ao gato18, nas fazendas brasileiras.
O subcontratante em geral é uma pessoa familiarizada com a região e com os
trabalhadores que serão recrutados, o que os faz ganhar a confiança dos mesmos, o
subcontratante muitas vezes é o dono da loja dos materiais onde os trabalhadores
são obrigados a comprar seus materiais de trabalho que são vendidos por um valor
muito acima do mercado, criando o círculo da servidão por dívida.
Cerca de 60 por cento do salário dos trabalhadores é gasto com os débitos
transferidos ao trabalhador, outra forma de retenção do trabalhador é por meio de
uma poupança forçada, onde cerca de 30 por cento do salário fica retido, com o
argumento de que o dinheiro lhes será entregue ao fim do contrato de trabalho, mas
como os trabalhadores já chegam ao local endividados dificilmente o dinheiro que
ganhem será suficiente para quitar as dívidas ou ao menos assegurar um lucro ao
final.
Os trabalhadores para quitar as dívidas são obrigados a voltar na outra
temporada para trabalharem em troca do pagamento ou continuam a trabalhar em
outra plantação, caso o trabalhador venha a falecer a dívida contraída é repassada
ao seus dependentes.
A Organização Internacional do trabalho estima que cerca de 33,000 pessoas
trabalham na colheita de cana de açúcar, dos quais 18,000 são homens e 15.000
são mulheres e crianças (das crianças, 7.000 são menores de 14 anos de idade), a
OIT estima que, em 2003, havia 21,000 trabalhadores forçados, incluindo mulheres e
crianças, que trabalham na área de Santa Cruz. Destes 15.000, Cidade foram
recrutados a partir de sua casa, enquanto 6,000 foram para as plantações a procura
de trabalho (BEDOYA; GARLAND, 2005, p. 2 apud SHARMA, 2006 p. 3).
A maioria dos trabalhadores são povos de origem indígena, como acontece
em geral nos países da América Latina, a dívida é criada inicialmente pelo
adiantamento de dinheiro entregue aos mesmos, ou pelo fornecimento de bens
18 Segundo (FIQUEIRA, 2004) Empreiteiro contratado para desflorestamento, feitura e
conservação de pastos e cercas ou outros serviços para fazendeiros e empresas agropecuárias na
Amazônia. Muitas vezes anda armado, trabalha com parentes e com uma rede de “fiscais”.
60
como alimentos, e posteriormente há a cobrança de juros destes valores
anteriormente entregues.
A dívida é um mecanismo de controle e prisão do trabalhador, visto que este
não pode sair do local de trabalho sem o devido pagamento dos bens
superfaturados que lhes foram entregues anteriormente.
O trabalho forçado na Bolívia acontece também em grande parte da produção
de castanha, a Bolívia é a maior produtora de castanha-do-pará do Mundo,
perdendo inclusive para o Brasil, os locais de colheita e produção da castanha-dopará acontece na Amazônia Boliviana em locais de difícil acesso por conta da
extensão das áreas.
O recrutamento dos trabalhadores para a extração das castanhas acontece
por meio de um contrato de pagamento relacionado a quantidade produzida, que em
geral tem seu peso alterado para diminuir os custos com o trabalhador.
As condições de trabalho são degradantes, os trabalhadores tem jornada de
aproximadamente 12 horas, todo o trabalho de extração é eito por eles, um
trabalhador sozinho produz por dia cerca de três caixas de castanhas,
aproximadamente 69 quilogramas, já com a família esta produção duplica.
Os trabalhadores a cada duas semanas levam a produção para peso e
pagamento, e para isso tem que caminhar muitas horas pela mata, as condição dos
acampamentos é precária, não há agua potável, assim como alimentação adequada,
inclusive para o frio e chuva,
Outra forma de trabalho forçado na Bolívia é realizada em fazendas privadas
realizado pelo povo Guarani em fazendas privadas a grande parte das fazendas das
províncias do Chaco como a região: Santa Cruz, Chuquisaca e Tarija.
A população indígena em sua grande parte guarani é explorada através do
trabalho em fazendas particulares por meio de um sistema parecido com o sistema
feudal do século passado, que foi muito utilizado na região quando da colonização
espanhola na região, onde o servo é visto como parte da propriedade como uma
coisa, res.
Nas fazendas em que desenvolvem o trabalho, eles produziram milho,
amendoim e pimenta, já nas fazendas maiores cuidam também do gado. No entanto,
O número de guaranis expostos ao trabalho forçado nas fazendas varia de acordo
com o tamanho da fazenda, algumas segundo dados da OIT chegam a ter 100
famílias trabalhando.
61
Portanto, através dos dados da Anti Slavery e da OIT é possível perceber que
o sistema de exploração é muito comum nas áreas rurais, principalmente da
Amazônia Boliviana.
Onde as vítimas da exploração sofrem não apenas pela condição de
vulnerabilidade social da pobreza, mas também por uma questão racial, da condição
indígena que os coloca como servos, em continuação de um sistema anteriormente
utilizado pelas colônias.
62
LEGISLAÇÃO SOBRE O TRABALHO FORÇADO NA BOLÍVIA
A Constituição Política da Bolívia determina as normas e direitos
fundamentais que estão ligados ao trabalho forçado, como o direito ao trabalho
digno, remuneração justa, assim como as condições básicas de proteção ao
trabalhador em seu ambiente de trabalho.
A sessão III trata dos direitos ao trabalho e emprego, o primeiro artigo do
capítulo, o artigo 46, a Constituição determina o que segue:
Artículo 46. I. Toda persona tiene derecho:
1. Al trabajo digno, con seguridad industrial, higiene y salud ocupacional, sin
discriminación, y con remuneración o salario justo, equitativo y satisfactorio,
que le asegure para sí y su familia una existencia digna.
2. A una fuente laboral estable, en condiciones equitativas y satisfactorias.
II. El Estado protegerá el ejercicio del trabajo en todas sus formas.
III. Se prohíbe toda forma de trabajo forzoso u otro modo análogo de
explotación que obligue a una persona a realizar labores sin su
consentimiento y justa retribución.19
Fato importante é que a Constituição da Bolívia é bem recente e por isso traz
em seu bojo os preceitos internacionais relacionados ao trabalho escravo e também
a proteção contra a exploração infantil que é uma das formas comuns de
exploração, não apenas no campo, mas também nos grandes centros.
O trabalho infantil também está presente na maioria dos trabalhos realizados
nas indústrias de cana-de-açúcar, de castanhas-do-pará, assim como nas minas na
19 Tradução do original (grifo meu) Artigo 46. I. Toda pessoa tem direito a:
1. Trabalho decente, com a segurança industrial, saúde ocupacional e segurança, sem
discriminação, e com remuneração ou salário justo, equitativo e satisfatório, que assegure para
si e sua família uma existência digna.
2. A uma oferta de trabalho estável em condições equitativas e satisfatórias.
II. O Estado deverá proteger o exercício do trabalho em todas as suas formas.
III. É proibida todas as formas de trabalho forçado ou outros modos análogos de exploração que
obrigue uma pessoa a executar trabalhos sem o seu consentimento e uma remuneração justa.
63
extração de zinco, estanho e prata, o trabalho realizado pelas crianças nestas áreas
é de alto risco, não só para as mesmas, mas também para seus parentes, as
crianças não tem escolha, pois os pais em geral já trabalham nas plantações e nas
minas.
As crianças sofrem acidentes por conta dos materiais que são usados para
cortar as nozes e a cana-de-açúcar, assim como sofrem com uma infinidade de
doenças relacionadas ao clima, à fumaça que respiram nas minas, ou em acidentes
com as explosões realizadas para extração do minério, já que elas ajudam
diretamente na colocação dos explosivos.
A legislação constitucional explicita a intenção em seu artigo 61 de proteger e
criar medidas que possam por fim ao trabalho forçado e ao infantil que é uma das
piores formas de exploração segundo dados da Organização Interacional do
Trabalho.
Artículo 61. I. Se prohíbe y sanciona toda forma de violencia contra las
niñas, niños y adolescentes, tanto en la familia como en la sociedad.
II. Se prohíbe el trabajo forzado y la explotación infantil. Las actividades que
realicen las niñas, niños y adolescentes en el marco familiar y social estarán
orientadas a su formación integral como ciudadanas y ciudadanos, y tendrán una función formativa.Sus derechos, garantías y mecanismos institucionales de protección serán objeto de regulación especial.20
Há também na legislação fundamental o preceito de respeito ao trabalho por
meio da não acumulação de riquezas pela iniciativa privada, obrigando às
organizações econômicas a contribuir com o trabalho digno e a erradicação da
pobreza.
Artículo 312. I. Toda actividad económica debe contribuir al fortalecimiento
de la soberanía económica del país. No se permitirá la acumulación privada
de poder económico en grado tal que ponga en peligro la soberanía
económica del Estado.
20 Tradução do original (grifo meu) Artigo 61. I. Se proíbe e pune todas as formas de violência
contra crianças e adolescentes na família e na sociedade.
II. Se proíbe o trabalho forçado e a exploração infantil. As atividades realizadas pelas crianças e
adolescentes no âmbito familiar e social serão destinadas à sua formação integral como cidadãos e
terão uma função formativa. Seus direitos, garantias e mecanismos institucionais serão objeto de
regulamentação especial.
64
II. Todas las formas de organización económica tienen la obligación de
generar trabajo digno y contribuir a la reducción de las desigualdades y a la
erradicación de la pobreza.21
A legislação Penal Boliviana em seu capítulo IV trata dos delitos contra a
liberdade de trabalho, mas não há nada específico na legislação penal que trate
sobre o trabalho forçado, o único artigo que pode ser interpretado de maneira
análoga é o artigo 303 que trata dos atentados contra a liberdade de trabalho. O
artigo define o que segue:
Artículo 303. (Atentado contra la libertad de trabajo). El que impidiere,
obstaculizare o restringir ela libertad de trabajo, frofesión u ofício, comercio
o indústria, incurrirá em reclusión de uno a três años.22
Além da legislação nacional boliviana, o Estado ratificou os principais tratados
contra o trabalho forçado, no entanto, a exploração ainda continua existindo, o que
demonstra a necessidade de políticas públicas no combate ao trabalho forçado.
Uma das grandes questões observadas na pesquisa é o número de
trabalhadores bolivianos sendo explorados não apenas em seu país de origem, mas
em todos os países da América Latina, inclusive no Brasil, segundo dados da OIT,
há um grande número de famílias bolivianas trabalhando em fábricas têxteis
clandestinas em vários estados Argentinos23, assim como em fábricas em São
Paulo24
21 Tradução do original (grifo meu) Toda a atividade econômica deve contribuir para o
fortalecimento da soberania econômica do país. É proibida a acumulação de poder
econômico privado de forma que coloque em risco a soberania econômica do Estado. II. Toda a
forma de organização econômica tem a obrigação de gerar trabalho digno e contribuir com a redução
das desigualdades e a erradicação da pobreza.
22 Tradução do original (grifo meu) Artigo 303(Atentados contra a liberdade do trabalho)
Quem impedir obstaculizar ou restringir a liberdade de trabalho, profissão, oficio, comércio ou
indústria, incorrerá em reclusão de um a três anos.
23 Cf. Capítulo p.
24 Cf. Notícia em anexo.
65
ATORES E MEDIDAS DE COMBATE AO TRABALHO FORÇADO: EXEMPLO
BRASILEIRO
O Combate ao trabalho escravo no Brasil se evidencia por meio da
articulação de vários atores que trabalham em conjunto, segundo a OIT (2010)
destaca-se o Governo Brasileiro, os diversos órgãos do poder público, assim como
grupos organizados da sociedade civil, a Comissão Pastoral da Terra, sindicatos e
Cooperativas de trabalhadores rurais, assim como instituições financeiras e
Universidades que subsidiam por meio de pesquisas as ações contra a exploração
do trabalho escravo.
O Brasil conta com um grupo Executivo de Repressão ao trabalho forçado
(GERTRAF) e conta com representantes de sete Ministérios, o Ministério da Justiça,
do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, da Agricultura e do
Abastecimento, da Indústria do comércio e do Turismo, da Política Fundiária, da
Previdência e Assistência Social e Ministério do Trabalho e Emprego.
A inclusão de normas legislativas sem as devidas administrativas para
execução das mesmas pode torna-las uma letra morta, por isso são necessárias
inúmeras ações conjuntas com o objetivo de erradicar o trabalho escravo, No Brasil
pode-se destacar o Plano de Erradicação do Trabalho escravo.
Em 2008, foi aprovado o 2º Plano de Erradicação do Trabalho Escravo com
base nos resultados alcançados no 1º Plano, onde constatou-se que houve avanço
no que se refere a fiscalização e capacitação de atores para o combate ao trabalho
escravo, bem como a conscientização dos trabalhadores sobre os seus direitos, mas
avançou menos no que diz respeito às medidas para a diminuição da impunidade e
para garantir emprego e reforma agrária nas regiões fornecedoras de mão-de-obra
escrava 25.
O Brasil hoje é um dos países mais ativos no combate a esta prática, por
meio da Agenda de Trabalho Decente nas Américas houve a formulação da Agenda
Nacional de Trabalho Decente que tem como pilares estratégicos o respeito às
25 Cf. 2º Plano Nacional para erradicação do Trabalho Escravo, página 08.
66
normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos
fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de
negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição
efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em
matéria de emprego e ocupação); promoção do emprego de qualidade; extensão da
proteção social e diálogo social.
A Agenda Nacional de Trabalho Decente tem seu corpo formado a partir de
três prioridades que são gerar mais e melhores empregos, com igualdade de
oportunidades e de tratamento; erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho
infantil, em especial em suas piores formas; fortalecer os atores tripartites e o
diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.
A erradicação do trabalho escravo como uma das prioridades da Agenda
Nacional do Trabalho Decente é promovida através da cooperação técnica exercida
entre a Organização Internacional do Trabalho e o Governo Brasileiro, por meio de
políticas públicas, prevenção, conscientização, combate e análise do cumprimento
das metas estabelecidas, com a gestão do Comitê Executivo que compõe-se de
Ministérios e Secretarias Especiais da Presidência da República.
Uma das medidas adotadas que são de extrema relevância no processo de
limpeza institucional contra as formas de exploração e os atores que favorecem o
trabalho forçado é a inelegibilidade adotada em casos de condenação por crime de
redução de outrem à condição análoga a de escravo, conforme a Lei Complementar
nº 135 de 2010.
A Lista suja é uma das medidas adotadas pelo Governo Federal Brasileiro por
meio do Ministério do Trabalho e Emprego através da Portaria Interministerial n.º 2,
de 12 de maio de 2011 como forma de coibir e punir administrativamente os
envolvidos na exploração do trabalho escravo, assim como dar vistas à sociedade
das empresas que financiam o trabalho escravo.
67
TRATADOS E CONVENÇÕES RATIFICADOS PELOS ESTADOS
As principais normas Internacionais que se referem ao combate ao trabalho
escravo foram a primeira Convenção sobre a escravidão é a de 1926, editada pela
Liga das Nações, a Convenção nº 29 sobre o trabalho forçado26 pelo qual os Países
membros da Organização Internacional do Trabalho que ratificarem a Convenção se
comprometem a erradicar o trabalho forçado ou obrigatório, sob todas as suas
formas, no mais breve espaço de tempo, conforme o artigo 1º da presente
Convenção.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que rege todos os
direitos humanos fundamentais como a liberdade a igualdade, a justiça universal,
nesta Declaração encontra-se os mais altos valores que devem nortear toda a
legislação de proteção aos Direitos do ser humano. Em seu preâmbulo anuncia:
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua
fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa
humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em
uma liberdade mais ampla (...)
A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum
a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que
cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por promover o
respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os
povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição. (ONU, 1948)
A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de
Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, adotada em
26 Cf. Texto da Convenção n.º 29 da OIT sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório. Disponível
em:
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/etfps-conv-29.html
Acesso em 29 de outubro de 2011.
68
Genebra, em 1956, entrou em vigor no Brasil em 6 de janeiro de 1966, a mesma foi
promulgada pelo Decreto Presidencial nº 58.563 de 1º de junho de 1966. A mesma
convenção Suplementar também foi ratificada pela Bolívia.
A Convenção n.º 105 da OIT sobre a Abolição do Trabalho Forçado de 1959,
27, estabelece a proibição do trabalho forçado principalmente nos casos onde se
pretende o desenvolvimento econômico, como meio de disciplina no trabalho, como
forma e discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
Devido ao contexto em que a Convenção foi editada, no contexto póssegunda guerra mundial, a parte de maior relevância e que acontece em larga
escala, principalmente na América Latina é a condição de trabalho forçado em razão
de discriminação social e racial, visto que a maior parte dos trabalhadores é de
origem humilde, ou são de indígena.
O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade
organizada transnacional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de
pessoas, em especial de mulheres e crianças, que tem como objetivo prevenir e
combater o tráfico de pessoas.
27Cf. Texto da Convenção n.º 105 da OIT sobre a Abolição do Trabalho Forçado Disponível
em:
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/etfps-conv-
105.html Acesso em 29 de outubro de 2011.
69
DESAFIOS AO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
O consenso sobre as causas estruturais que geram o trabalho escravo estão
longe de serem unânimes, nos países em desenvolvimento estuda-se a questão da
pobreza e da desigualdade social, sem deixar de lado a discriminação em relação
aos grupos étnicos e vulneráveis.
A globalização é um dos fatores que segundo a OIT (2005) que cria novas
formas de trabalho escravo, necessitando de ações a níveis mundiais para o
enfrentamento da questão.
No Brasil, um dos grandes entraves no combate ao trabalho escravo está na
aprovação do projeto de lei que autoriza a expropriação de terras em caso de
trabalho escravo, esta medida alcançaria de forma inequívoca grande parte dos
envolvidos no ciclo escravista vivido hoje no Brasil.
A proposta de emenda à Constituição, a PEC 438/2001 está em tramitação na
câmara desde 2001 após ser aprovada no Senado Federal, a proposta estabelece a
expropriação de terras, a pena de perdimento da gleba onde for constada a
exploração de trabalho escravo.
Nos países da América Latina, assim como no Brasil, um dos grandes
desafios é a diminuição das desigualdades sociais que acabam por permitir a
entrada e a volta destes trabalhadores à exploração nos locais de trabalho
anteriormente encontrados e resgatados.
Assim, devido a complexidade das causas e medidas conjuntas que se deve
adotar no combate ao trabalho escravo a nível local e global as medidas adotadas
pelos países ainda se encontra tratando as consequências do trabalho escravo e
não as possíveis causas originais do problema como a pobreza, falta de acesso à
educação entre outros fatores de exclusão social.
70
CONCLUSÃO
O tema abordado faz referência à exploração da mão-de-obra forçada, o que
é designado pelas normas internacionais como trabalho forçado, ou trabalho escravo
em termos nacionais.
O trabalho forçado é uma prática que se constitui hoje em uma forma de
exploração que atenta contra todas as formas de proteção aos Direitos Humanos e
Direitos Trabalhistas.
A análise do conteúdo presente na pesquisa foi feita por meio do método
histórico, sociológico e comparativo abordado as formas existentes do trabalho
forçado hoje no Brasil, Peru e Bolívia, utilizando a comparação para análise dos três
países em questão.
O objetivo do trabalho era analisar como se dava o trabalho nos países
escolhidos e analisar a forma como os entes governamentais destes países lidavam
com questão por meio de seu ordenamento jurídico, assim como a análise destas
normas por meio das normas internacionais relacionadas ao trabalho escravo.
Um dos entraves à pesquisa foi o acesso aos dados relacionados ao trabalho
escravo por fontes diferentes à Organização Internacional do Trabalho no Peru e na
Bolívia, já o Brasil conta com um banco de dados, por meio do Ministério do
Trabalho que facilita a quantificação do trabalho escravo no Brasil hoje.
Contudo, por meio da análise feita tendo como base os dados fornecidos pela
OIT no Peru e na Bolívia é possível chegar a conclusão de que o trabalho forçado
nestes dois Países tem como um dos fatores o preconceito racial em relação aos
indígenas.
No entanto, não é possível chegar à conclusão de que o preconceito racial
seja fator determinante para a exploração da mão-de-obra escrava, visto que os dois
Países tem um alto índice de pobreza em todo o seu território, e este é um dos
fatores ligados à vulnerabilidade social que coloca estas pessoas nesta condição
desumana de trabalho.
Os esforços relacionados à inclusão do trabalho forçado na legislação de
todos os países analisados se mostram presentes, no entanto, a simples inclusão do
trabalho escravo na legislação destes países se mostrou insuficiente para acabar
71
com o trabalho escravo, já que a há a necessidade de um trabalho conjunto entre os
setores governamentais para execução destas normas, assim como políticas
públicas de combate ao trabalho escravo em todos os territórios.
Como o trabalho forçado é uma prática relacionada à fatores como a pobreza,
baixo grau de escolaridade e outros fatores a estes relacionados, a pesquisa
mostrou que não só a classificação, determinação de punição e outras formas de
coerção pela norma são suficientes.
Constatou-se que em todos os países, procura-se tratar as consequências
doa atos, mas não há muitos esforços no que se refere à busca das raízes de tais
problemas com o fim de extirpar o mal pela raiz, ou seja, tratar as causas do
problema, além de suas consequências.
O Peru e o Brasil foram os países analisados que mais tomaram medidas no
combate ao trabalho escravo, o que pode ser percebido no decorrer do trabalho é
que as formas de coerção e de uso do trabalho escravo não sofrem grandes
modificações entre os países analisados.
Em todos os países analisados as formas de coerção se dão pelo logro para
aceitação do trabalho, logo depois o empregado se vê obrigado a continuar nas
funções degradantes em que se encontra, seja pela dívida, seja pela coerção física
ou psicológica que lhes é ministrada.
Após o termino da pesquisa verificou-se que é necessário uma continuação
da mesma no que se refere às causas e meios de combate ao trabalho escravo,
com suas nuances e características peculiares a cada país e região, visto que a
pesquisa em questão tratou da comparação entre as formas de trabalho forçado e a
legislação nacional, assim como os atores atuantes no combate ao trabalho escravo
à nível regional e global.
Conclui-se que são necessárias mais pesquisas sobre o tema para determinar
as causas específicas do trabalho escravo de acordo com a região analisada, para
então propor meios de solução para as causas que levam a exploração do trabalho
forçado à nível regional, nacional e internacional.
72
REFERÊNCIAS
ALVES, Francisco das Neves. A Abolição da escravatura negra na América Latina: desenvolvimento, modalidades e heranças. In: Aspectos da escravidão na
América espanhola. Coord. Earle Diniz Macarthy Moreira. Porto Alegre: Associação
dos Pós-Graduandos em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, 1996.
ARISTIMUNHA, Cláuda Porcellis. Aspectos da democracia e tráfico de escravos
africanos introduzidos em Nova granada. In: Aspectos da escravidão na América
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Jaqueline Aparecida Gomes Cardoso