Para gêneros discursivos: Linguística Sistêmico-Funcional
For discourse genres: Functional-Systemic Linguistics
Márcia de Assis Ferreira 1
PUC-Rio/ Colégio Pedro II
Resumo: O artigo visa tornar evidente que a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) se revela uma
teoria em cujos postulados as pesquisas sobre gêneros textuais podem encontrar esteio para consolidar
suas bases. Visto que a LSF leva em consideração os aspectos pragmáticos do uso da língua,
revelando as funções que o código linguístico desempenha nas sociedades, configura-se como forte
aliada para a compreensão formal dos gêneros. Os gêneros, por sua vez, por refletirem,
linguisticamente, seja na estrutura fonológica, seja na gramatical ou semântica, o sistema da língua em
funcionamento, mostram-se igualmente fonte profícua por revelarem as interações, via linguagem
verbal, feitas entre sujeitos. Por objetivar a depreensão de como a configuração linguística é
construída em um gênero em particular, as relações entre uma abordagem funcionalista da língua e
gêneros textuais se mostram bastante produtivas para os estudos da linguagem.
Palavras-chave: gêneros discursivos, Linguística Sistêmico-Funcional, linguagem
Abstract: The article aims at making it clear that the Systemic-Functional Linguistics (SFL) serves
as a theory in which researches on discourse genre may find fertile underpinning to consolidate their
bases. As the SFL takes into account the pragmatic aspects of language use, revealing the roles that
the linguistic code plays in society, it stands out as a strong ally for the formal understanding of
genres. The genres, in turn, for linguistically reflecting, either in phonological, grammar or semantics
structures, the language system in operation, prove to be an equally fruitful source for revealing the
interactions through verbal language among subjects. By targeting the apprehension of how the
language configuration is constructed in a particular gender, the relations between a functionalist and
a gender-based approach to language demonstrate to be very productive for the language studies.
Keywords: discourse genres, Systemic-Functional Linguistics, language
1. Introdução
A breve narrativa feita abaixo sobre o desenho animado da Disney/Pixar Vida de
Inseto tem por objetivo “desenhar” a presença de gêneros discursivos na vida das
comunidades, logo procura evidenciar como, via linguagem verbal e não-verbal, os sujeitos
interagem com o mundo a sua volta, elaborando-o e sendo elaborado por ele.
Na obra mencionada, Flik, uma formiga que se destaca das demais por ser plena de
ideias, intenta libertar a comunidade na qual vivia da opressão de ter de alimentar gafanhotos
que insidiosamente obrigavam o grupo de insetos menores a depositar periodicamente, na
“pedra da oferenda”, alimentos para eles, que não queriam fazer esforço para se alimentarem.
Dentre as tarefas a que se dedicava aquela comunidade, ─ atividades rotineiramente
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executadas, além de ordenadas e estabilizadas ─ a de selecionar, organizar e carregar
alimentos para serem depositados em um local específico (a pedra da oferenda) essa era mais
uma. Nesse sentido, pode-se reconhecer nessa configuração o gênero “depositar comida na
pedra da oferenda para os gafanhotos”. Todos os insetos, dos pequeninos aos anciãos,
dominavam aquele evento e lidavam com ele sem maiores questionamentos: era um ritual.
Até que um dia, Flik, a solerte formiguinha, resolve libertar a sua colônia da opressão
a que era submetida pelos gafanhotos. Para isso, saiu da comunidade e foi à cidade, em busca
de guerreiros que a ajudassem na empreitada. Deixou, então, aquela vida campestre na qual
estava habituado a certas relações já tipificadas e relativamente estáveis, próprias de uma
comunidade rural e adentrou o mundo da cidade grande.
Lá chegando, deparou-se com placas denominando ruas e avenidas, com letreiros
luminosos, com mendigos nos becos, com doenças, com cegos segurando placas de pedido de
contribuição, com fast foods e outdoors, com reuniões em bares, com bancos, com circos,
com documentos, com contratos, enfim, com um mundo desconhecido e repleto de eventos
até então ignorados por ele, vindo de uma comunidade com práticas cultuais e sociais bem
diferentes daquelas encontradas no novo ambiente.
Pode-se afirmar que se deparou com novos gêneros aos quais teve de se adaptar para
integrar-se àquela nova coletividade. Flik integrou-se, dessa forma, a outras práticas sóciodiscursivas mediadas pela linguagem verbal e não-verbal. Nesse contexto, é que entendemos
gêneros, como atividades sócio-históricas, os quais refletem de um lado as relações entre os
membros de uma comunidade e de outro a sua realização via linguagem.
Interessa-nos, particularmente, a linguagem verbal, nosso objeto de estudo, que se
organiza nas interações estabelecidas no seio da vida em sociedade, nas situações específicas
de comunicação e que se materializam oralmente e por escrito nos enunciados, constituindo
os mais variados gêneros textuais.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é mostrar como a Linguística SistêmicoFuncional, em razão de considerar os aspectos pragmáticos do uso da língua, estudando as
funções que ela desempenha nas sociedades, se mostra teoria de singular importância no
estudo dos gêneros textuais, contribuindo sobremaneira para a compreensão formal dos
gêneros. Por outro lado, gêneros se mostram material bastante caro à aplicação dos postulados
teóricos funcionais porque refletem, linguisticamente, por meio das estruturas fonológicas,
gramaticais e semânticas, o sistema da língua em funcionamento. Por objetivar a depreensão
de como a configuração linguística é construída em um gênero em particular, as relações entre
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uma abordagem funcionalista da língua e gêneros textuais se mostram bastante produtivas
para os estudos da linguagem.
O trabalho se divide em três seções. Uma dedicada à breve revisão teórica de pontos
da teoria funcionalista considerados fundamentais para o escopo deste estudo. Outra em que
são tecidas considerações acerca de algumas abordagens de gênero e, por fim, as
considerações finais em que se procura demonstrar a importância de estudos de gêneros em
perspectiva funcionalista.
2. Funcionalismo
O funcionalismo em Linguística vem propor uma abordagem da língua que não a
considere um elemento autônomo para cuja análise se prescinda da observação do fenômeno
em situações reais de comunicação. Ao contrário disso, em uma perspectiva funcionalista, há
que se levar em conta que as pressões oriundas dos eventos comunicativos influenciarão
inexoravelmente a estrutura gramatical que alicerça qualquer idioma. As raízes dessa teoria
podem ser buscadas na tória sistêmico-estrutural de Firth, na tradição etnográfica de BoasSapir-Worf, no funcionalismo da Escola de Praga, no funcionalismo etnográfico e no
contextualismo de Malinowski da década de 20.
Para interagir socialmente, os usuários de uma língua fazem uso desse objeto uma vez
que a troca no meio social se dá essencialmente via linguagem verbal. Dentre vários
estudiosos que adotaram uma perspectiva funcionalista de abordagem gramatical, Michael
Halliday legou aos estudos da linguagem a gramática sistêmico-funcional, em cuja base
repousa a noção de que a forma está subordinada à função e a de que a organização interna da
linguagem se dá em termos de funções que ela deve desempenhar na vida social. Seu
principal foco é o estudo de como a língua atua no contexto social e a influência desse meio
na configuração da língua, tendo como conceito basilar a ideia de função. Esse termo é
definido pelo teórico como correspondente à noção de uso, acrescentando-se a tal definição a
noção de que se trata de uma propriedade fundamental da língua, caracterizando-se como
elemento ímpar para sua organização. A gramática se constitui, assim, de uma rede de
sistemas de contrastes inter-relacionados.
Halliday (1994) assinala a importância das chamadas Metafunções, que constituem a
estrutura interna da língua. Trata-se da Metafunção Ideacional, da Metafunção Interpessoal e
da Metafunção Textual. Cada uma dessas Metafunções possui um sistema que viabiliza a
realização de seus significados. A Metafunção Ideacional é realizada pelo sistema da
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Transitividade; já a Metafunção Interpessoal ocorre via sistema Modo e a Metafunção Textual
pode ser evidenciada pelo sistema Temático.
A partir das formulações de Halliday & Hasan (1989), Martin (1985) desenvolveu
uma teoria de gêneros e registros. Baseando-se inicialmente em Gregory (Gregory & Carroll,
1978), cuja formulação teórica propõe haver quatro variáveis de registro, o estudioso propõe
três variáveis: campo, relações e modo, defendendo, além disso, a existência de gêneros.
Retomando Malinowski (1923, 1935), o autor distingue contexto de situação e contexto de
cultura, defendendo que em um texto podem-se verificar escolhas linguísticas que dizem
respeito ao campo, relações e modo, elementos condicionantes do contexto de situação.
Outrossim, evidencia que um texto instancia um gênero particular cuja realização condiciona
o contexto de cultura, considerado um sistema de gêneros.
A Linguística Sistêmico-Funcional, doravante designada LSF, ocupa-se das relações
entre texto e contexto no sentido de explorar o “como” dessas relações, ou seja, interessa-se
em verificar como o contexto adentra o texto.
Contexto de cultura, por sua vez, pode ser entendido como tudo aquilo que constitui a história
cultural dos participantes das interações verbais via língua(gem), objeto de análise. Nesse
sentido, confirma-se aqui a ideia de Halliday & Hasan (1989) de que o ambiente imediato não
se mostra suficiente para uma análise linguística que se pretenda mais aprofundada. Já o
contexto de situação se refere não apenas à situação, mas também ao ambiente verbal onde o
texto se insere.
Motta-Roth e Heberle (2005, p. 14-15) tecem a seguinte consideração sobre contexto
de situação, importante para uma distinção mais precisa dos temas:
A teoria sócio-semiótica da linguagem hallidayana define a „ocasião de uso da linguagem‟
(CLORAN, BUTTE e WILLIAMs, 1996, p.69) em termos de „contexto de situação‟ e
„contexto de cultura‟. Cada „contexto de situação‟ é um sistema de relevâncias motivadoras‟
para o uso da linguagem (HASAN, 1996c, p.37), de forma que uma determinada atividade
humana em andamento e a interação entre os participantes são mediadas pela linguagem. Por
conseguinte, a percepção do que é relevante em termos de uso da linguagem em dada situação
é, ao mesmo tempo, um processo individual (pelo pensamento) e compartilhado (pela
interação), que também define o que conta como „contexto‟ (p. 38). Assim, numa relação
dialética, o contexto de situação se constitui uma „força dinâmica‟ na citação e na interpretação
do texto (p. 41).
No entanto, há uma complexidade inerente ao próprio conceito de cultura, o que traz
novamente a necessidade de se apresentarem considerações tecidas por Motta Roth (2005, p.
184-185), julgadas importantes para compreensão de cultura como:
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O conhecimento compartilhado por qualquer grupo social, sobre práticas sociais, (...)
identificado por um recorte geográfico e histórico contra o pano de fundo dos demais locais e
tempos; assim como a cultura acadêmica/universitária pode ser identificada por um recorte
profissional-educacional em relação a outros contextos de trabalho pedagógico; ou a cultura de
um hospital, por um recorte institucional/profissional, que a diferencia daquela de uma escola
ou de uma loja de departamentos e assim por diante.
Todas essas culturas são estruturadas a partir de atividades que fazem nascer comunidades.
(...) „Cultura‟, portanto, é um sistema, um conjunto de processos sociais que são dinâmicos
e sujeitos a mudança, pois, não são fixos dentro de fronteiras sociais, econômicas ou nacionais.
„Cultura‟ é conhecimento aprendido no processo histórico e social, uma rede complexa que liga
o conhecimento, a moral, as crenças, artes, leis, comportamentos ou qualquer outra capacidade
ou hábito que adquirimos como membros de um grupo, com caráter local e dinâmico,
construído via interação linguística (HALLIDAY, 1999. LARAIA, 1986, apud MOTTAROTH, 2005, p. 184-185).
Sobre a relação entre contexto de situação e contexto de cultura cabem ainda as
observações de Motta-Roth e Herbele (2005, p. 15). Tais considerações mostram que “um
conjunto compartilhado de contextos de situação constitui um dado contexto de cultura,
sistema de experiências com significados compartilhados. Assim, o sujeito é constituído pela
soma de suas próprias interações e pelos códigos semióticos em funcionamento nas
comunidades de que participa.”
Nesse sentido, as autoras asseveram que contexto de cultura é o resultado da
padronização do discurso em termos de atos retóricos ou atos de fala, dado que esses são
efetivados via linguagem, cujas características retóricas são recorrentes, e em circunstâncias
específicas.
Outro ponto relevante na LSF se relaciona à noção de registro, suas relações com as
variáveis campo, modo e relação e, por outro lado, a diferença estabelecida por Halliday entre
o aspecto do registro e o do gênero.
Convém ressaltar que a situação em que o texto é construído o marca de tal forma que
se configura como caracterizadora do ambiente textual, relacionando-se, necessariamente às
categorias campo, relação e modo, integrantes do sistema semântico. Nesse sentido é que o
autor enfatiza que
O contexto da cultura determina a natureza do código. Como uma língua se manifesta através
de seus textos, a cultura se manifesta através de suas situações; assim, atendendo ao texto em
situação, uma criança compreende o código e, ao usar o código para interpretar o texto, ela
compreende a cultura. Dessa forma, para o indivíduo, o código engendra a cultura, e isso
proporciona uma inércia poderosa para o processo de transmissão (HALLIDAY, 1994).2
2
Trecho original: “The context of culture determines the nature of the code. As a language is manifested through
its texts, a culture is manifested through its situations; so by attending to text-in-situation a child construes the
code, and by using the code to interpret text he construe the culture. Thus for the individual, the code engenders
the culture, and this gives a powerful inertia to the transmission process” (HALLIDAY, 1994).
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O registro pode ser entendido, dessa forma, como produto da combinação do aspecto
situacional com o aspecto semântico. Sua realização em termos linguísticos é
operacionalizada por meio da estrutura léxico-gramatical, envolvendo, necessariamente as três
variáveis gramaticais: transitividade, modo e tema, concretamente estruturadas na interação
social dos os usuários da língua.
A noção de registro é cara a Halliday já que o estudioso assevera a estreita relação
entre o uso da língua e o a finalidade social desse uso. O que determina o registro é a
finalidade com que a língua está sendo usada, seu objetivo em dado contexto de situação e o
efeito de sentido pretendido, como deixa patente quando postula que “Um registro pode ser
definido como a configuração de recursos semânticos que o membro de uma cultura
tipicamente associa a um tipo de situação. É o potencial do significado que é acessível num
dado contexto social” (HALLIDAY, 1978, p. 110).3
Dessa forma, podem-se encontrar diferentes registros em uma língua, porquanto as
situações de comunicação, os contextos de situação e os contextos de cultura são múltiplos. A
despeito dessa multiplicidade, certamente há regularidades nas atividades sociais, o que
implica a possibilidade de se depreenderem padrões. Nesse sentido é que Halliday aponta para
a existência de classes de textos pertencentes a um mesmo registro, que está ligado mais
diretamente ao contexto de situação.
Com relação ao conceito de gênero, ainda que os funcionalistas não tenham
engendrado uma definição explícita para o termo, ofereceram, por outro lado, elementos
basilares, tais como a noção de “estrutura genérica do texto” ou
“elemento da estrutura da estrutura textual”, os quais permitem compreensão de sua
operacionalidade .
Nesse contexto, Halliday (1978) relaciona gênero às características textuais que
determinarão um modo discursivo, como se pode depreender das noções expressas nas
seguintes passagens:
A fim de dar uma completa caracterização da textura, teríamos de fazer referência também à
"estrutura" genérica, a forma que um texto tem como uma propriedade de seu gênero.
(...)
A estrutura genérica está fora do sistema lingüístico; é a linguagem como a projeção de uma
estrutura de alto nível semiótico. Não é simplesmente uma característica dos gêneros literários;
existe uma estrutura genérica em todos os discursos, incluindo a conversa informal mais
espontânea (...). O conceito de estrutura genérica pode ser interposto dentro do quadro geral do
3
Trecho original: “A register can be defined as the configuration of semantic resources that the member of a
culture typically associates with a situation type. It is the meaning potential that is accessible in a given social
context” (HALLIDAY, 1978, p. 110).
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conceito de registro, a padronização semântica que é caracteristicamente associada com o
"contexto da situação" de um texto (HALLIDAY, 1978, 134-135).4
É importante mencionar que, na perspectiva da LSF, gênero situa-se fora do sistema
linguístico, embora seja operacionalizado via sistema lingüístico. Para o estudioso, gênero
representa a projeção de uma estrutura semiótica de nível superior, tendo em vista o fato de
todo e qualquer discurso conter uma estrutura genérica.
Eggins (1994) menciona que gênero e contexto de cultura são sinônimos e aponta para
a maior abstração associada à noção de gênero, indicando que “Gênero, portanto, pode ser
entendido como um amplo arcabouço que atribui finalidade às interações de tipos
particulares, adaptável a diversos contextos de situação em que é utilizado” (EGGINS, 1994,
p. 32).5
Em linhas gerais, gênero é relacionado ao contexto de cultura, o que faz com que os
autores ligarem a aspectos macro-estruturais ou padrões discursivos genéricos.
3. Gêneros
Na seara dos estudos sobre a linguagem, a noção de que atividades sociais resultam
linguisticamente em textos orais e escritos nos possibilita postular algumas considerações
iniciais acerca de uma série de questões relacionadas às atividades que se realizam pela
linguagem verbal, as quais se enquadram no que se convencionou chamar de gêneros.
Importa assinalar inicialmente a dificuldade em se constituir um conceito único de
gênero, que consiga abranger a diversidade de elementos que o constituem. Se por um lado,
considera-se como critério definidor a interação e alternância de interlocutores em um evento
comunicativo, por outro não se pode perder de vista que o modo como a informação é
organizada cognitivamente em dado contexto ou ainda a o fato de a linguagem ocorrer em
4
Trecho original: “In order to give a complete characterization of texture, we should have to make reference also
to „generic‟ structure, the form that a text has as a property of its genre. (…) The generic structure is outside the
linguistic system; it is language as the projection of a higher-level semiotic structure. It is not simply a feature of
literary genres; there is a generic structure in all discourse, including the most informal spontaneous conversation
(…). The concept of generic structure can be brought within the general framework of the concept of register,
the semantic patterning that is characteristically associated with the „context of situation‟ of a text”
(HALLIDAY, 1978, 134-135).
5
Trecho original: “Genre, then, can be thought of as the general framework that gives purpose to interactions of
particular types, adaptable to the many specific contexts of situation that they get used in” (EGGINS, 1994, p.
32)”
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forma de ritual, ou seja, em forma de práticas consagradas pelo uso e/ou por normas, se
mostram também como possibilidades conceituais que não podem ser ignoradas.
A despeito dessa complexidade, cabe traçar um panorama genérico − todavia longe de
totalizante − das concepções modernas em torno de gêneros textuais tendo em vista o escopo
deste trabalho.
Na Austrália da década de 70 e 80, a compreensão sobre gêneros teve ascendência da
teoria Sistêmico-Funcional de Michal Halliday. Os estudos desse lingüista, como já foi
evidenciado na seção anterior, encontra, na perspectiva sócio-semiótica, o ponto de partida
para se entender a linguagem, configurando-se dessa forma uma visão funcionalista da
mesma.
Martin & Rose (no prelo) também viram que a relação entre o contexto e a linguagem
se revela estreita, o que os leva à concepção de gênero como processo social com objetivos
específicos e desenvolvimento atrelado ao vínculo entre o sistema social e o semiótico.
Gêneros foram relacionados ainda aos propósitos comunicativos como se pode
observar em Swales (1997) e Bhatia (1990), em seus estudos sobre línguas para fins
específicos. O primeiro autor aponta também que os gêneros compreendem uma classe de
eventos comunicativos e constituem a base lógica de sua estruturação. Tais eventos fazem
parte de uma comunidade cujos membros partilham o mesmo intento discursivo.
É conveniente ressaltar que outros estudiosos compartilham a concepção de gênero
como ação comunicativa e componente indispensável da interação social. A despeito de
diferenças que se podem observar nas abordagens sobre gênero, a ideia de ação comunicativa
e elemento de interação parece representar um vínculo comum a unir as diferentes concepções
sobre o assunto.
Praticamente, toda literatura sobre gênero cita a clássica definição de Bakhtin (2003).
O autor afirma que os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados, elaborados nos
campos de utilização da língua tanto na sua modalidade oral quanto na escrita. Parte do
pressuposto de que as atividades humanas são permeadas pelo uso da linguagem cujo caráter
e forma são múltiplos. Com efeito, a língua é expressa em forma de enunciados que têm
conteúdo temático, estilo e dada construção composicional. Em que pese a sua face
individual, os campos onde são utilizados elaboram o que o estudioso denomina, conforme
visto acima, de tipos relativamente estáveis.
Outro aspecto singular da concepção sobre gêneros em Bakhtin (1981, 2003) é a noção de que
a linguagem apresenta caráter dialógico, o que implica toda enunciação ser um diálogo,
porquanto os enunciados pressupõem outros que o antecederam e que o sucederão
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posteriormente (“já ditos” de outros discursos) e é sempre endereçada a outro. Assim os
gêneros revelam uma face social, característica importante na seara dos estudos sobre esse
tema.
Convém assinalar que a concepção bakhtiniana de par com a concepção funcionalista
atrela a língua aos usos que dela são feitos nas atividades humanas e postula que os eventos
comunicativos, analisados isoladamente, não configuram a realidade desse sistema. Há que se
considerarem os enunciados que, segundo Bakhtin (2003) “refletem as condições específicas
e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos gramaticais da língua,
mas acima de tudo por sua construção composicional”.
O estudioso enfatiza a imperiosa necessidade de que o estudo da natureza do
enunciado se faça mister, visto que os gêneros do discurso manifestam-se por meio desses
enunciados. Outrossim, aponta que há gêneros primários e secundários. Aqueles têm origem
em eventos de comunicação mais instantâneos. Já estes, ditos complexos pelo autor, refletem
condições de interação cultural cujo grau de complexidade se mostra mais alto, mais
desenvolvido e organizado.
Interessante pontuar que os gêneros secundários (romances, pesquisas científicas,
grandes gêneros publicitários, etc.) absorvem e reelaboram os primários que, por sua vez se
transformam, perdendo “o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais
alheios” (BAKHTIN, 2003, p. 263).
Já aqui se pode estabelecer a importância de uma teoria como a da sistêmico-funcional
no estudo de gêneros. Dada a natureza lingüística do enunciado e a incorporação de gêneros
primários por secundários e aquilo que resulta dessa absorção, a compreensão do registro
(contexto de situação) presente nos secundários contribui para explicitar a configuração do
gênero. Retomando o que se postulou sobre registro na seção anterior, pode-se inferir que a
depreensão do registro revela-se basilar na análise, visto que são as escolhas no nível do
registro que vão resultar na estrutura textual. Nesse sentido, operam também as variáveis
campo, modo e relação. Considerando-se ainda o registro como uma instanciação do gênero, a
sua organização de acordo com as escolhas no nível do campo, das relações e do modo acaba
refletindo a multiplicidade metafuncional ao nível da linguagem.
Por outro lado, gêneros se mostram material profícuo para a teoria funcionalista por
representarem usos da língua, em situações reais de comunicação, as quais surgiram de
necessidades e atividades sócio-culturais. Dessa forma, os sistemas representados por meio
das Metafunções viabilizam os significados linguisticamente representados.
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Na esteira de Bakhtin, Bazerman (1997) torna patente a noção de que na concepção
dos gêneros há que se levar em consideração não apenas o seu aspecto formal, mas,
sobretudo, a ideia de que eles se configuram como verdadeiras molduras das ações sociais,
pois engendram forma de vida.
Compartilhando com muitos desses autores a noção de que gêneros têm sua definição
com base em sua materialidade sócio-historicamente condicionada, Marcuschi (2002)
considera que a forma, a função e o suporte em que o gênero se encontram são seus
determinantes. Além disso, o autor ressalta a ideia de que não se pode dissociar a
comunicação verbal dos gêneros por meio do qual ela se atualiza. Assim, Marcuschi aponta
que “os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo
e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo”. (MARCUSCHI, 2002, p. 22)
É esse autor também que traça um histórico bastante pertinente acerca dos gêneros.
Evidencia que a sua presença em culturas que prescindiam de cultura escrita era limitada.
Com o advento da escrita alfabética por volta do século VII a.C., houve uma proliferação de
gêneros orais e também dos de forma escrita. Com a invenção da imprensa, sua expansão é
ainda maior e daí para frente não pararam de se multiplicar.
Marcuschi ressalta ainda o papel de grande influência da tecnologia eletrônica na
proliferação de gêneros, bem como a continuidade da expansão com o advento da internet.
Convém ressaltar que o estudioso torna clara que a caracterização de gêneros se atrela muito
mais as suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais e não ao seu aspecto formal.
Tal premissa condiciona sua contemplação muito mais no que diz respeito a “seus usos e
condicionamentos sócio-pragmáticos caracterizados como práticas sócio-discursivas. Quase
inúmeros em diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e assim
como surgem, podem desaparecer” (p.20).
Trabalhos há que enxergam os gêneros como ação retórica, ou seja, modos pelos quais
os indivíduos, em sua atividade social logram certos resultados. Nesse sentido, evidencia-se
que, por meio do discurso oral e escrito, pessoas conseguem que “coisas sejam feitas”. Martin
(1985) aponta que a linguagem pode ter como objetivo fazer com que o outro realize ações.
Portanto, pode-se conceber a ideia de que as pessoas usam a linguagem de acordo com
seus propósitos, conteúdos que querem veicular, tipo de papel que desempenham na
configuração social e contexto sócio-histórico a que pertencem, modalidade oral ou escrita em
que a comunicação se dá. Nesse sentido, cabe evidenciar a importância das experiências
anteriores com gêneros para poder se integrar às situações comunicativas com alguma
expectativa de sucesso.
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Dessa forma, gêneros se revelam elementos constitutivos das culturas e das
sociedades, revelando-lhes várias facetas e aspectos, bem como os modos de usos da língua
nesses contextos.
4. Considerações Finais
Levando-se em conta o que foi visto até aqui, importa retomar que abordar a língua
sob ponto de vista sistêmico-funcional implica conceber que cada forma resulta da função que
o item ou a estrutura gramatical desempenham no evento comunicativo oral ou escrito. Para
além do aspecto forma/função, há que se considerar ainda que as formas lingüísticas e as
respectivas funções que delas provêm estão necessariamente atreladas à esfera social onde a
comunicação via linguagem verbal se realiza. Nesse sentido, uma análise do objeto que o
isole do ambiente onde ele efetivamente é usado não pode contribuir para a compreensão de
seu funcionamento.
A teoria sistêmico-funcional aborda o fenômeno da linguagem verbal considerando as
relações interdependentes entre língua e contexto. Na perspectiva que se delineia, tomando-se
como suporte de análise do objeto o enfoque funcionalista, a estrutura lingüística se organiza
no contexto em que a interação entre usuários de uma língua ocorre, porque a situação
comunicativa assim o exige. Dado ponto de vista implica entender que a gramática é
engendrada em função do uso da língua nas sociedades.
Admitindo-se a linguagem verbal como elemento sócio-semiótico, Halliday concebe
que a experiência da realidade que se manifesta via língua é socialmente construída e está
sempre sujeita a processos de transformação. Com efeito, se gêneros são fenômenos
históricos, coletivos, relacionados em sua formação com a cultura de cada comunidade,
estabilizando os eventos comunicativos e se realizam via linguagem verbal, na compreensão
de um há que se reportar ao outro elemento, por estarem estreitamente relacionados.
Partindo de uma base semântica para análise das formas linguísticas, a teoria
sistêmico-funcional se revela, portanto, bastante eficiente no que se relaciona aos estudos dos
gêneros, visto que explora o texto, levando em conta a função que determinada configuração
linguística desempenha naquele gênero e como ela é construída. Nesse sentido, pode-se
verificar que a língua assume a forma que assume em determinado gênero em função do uso
em um contexto, o que permite estabelecer um comportamento homogêneo, embora não
“engessado” das estruturas lingüísticas. Afinal, os gêneros são diversificados, parafraseando
Marcuschi (2002), sua plasticidade, maleabilidade e dinamicidade caracterizam-nos, o que
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revela não serem, todavia, estanques tampouco enrijecedores das atividades dos indivíduos
nos grupos sociais a que pertencem. Nesse sentido, cabe evidenciar que o modo como a
língua fá-los emergir também é diferenciada. Certamente que não se postula aqui a ideia de
uma babel, até porque há estabilidade relativa sem a qual formas de organização da linguagem
não poderiam ser consideradas representações de um dado gênero textual.
Portanto, trabalhos que visem à análise de gêneros textuais têm na LSF pontos
importantes de contribuição para detalhamento de certos aspectos formais relacionados à
construção do texto e suas relações com os contextos sócio-culturais em que tais textos são
efetivamente produzidos, estabilizando-se como gêneros.
Referências
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Recebido em 08/06/2010.
Aprovado em 23/06/2010.
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Para gêneros discursivos: Linguística Sistêmico