Cláudia Araujo dos Santos
A AUTONOMIA DA ESCOLA:
A VISÃO DOS GOVERNOS E DOS PROFISSIONAIS DA
EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense, como requisito final para a obtenção do
Grau de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Nicholas Davies
Niterói
2005
{PAGE }
A AUTONOMIA DA ESCOLA:
A VISÃO DOS GOVERNOS E DOS PROFISSIONAIS DA
EDUCAÇÃO
Cláudia Araujo dos Santos
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal
Fluminense - UFF, como requisito final para a
obtenção do grau de Mestre em Educação.
Campo de Confluência: Movimentos Sociais e
Políticas Públicas
Aprovada em _________ de 2005
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Professor Doutor Nicholas Davies (Orientador)
Universidade Federal Fluminense
______________________________________________________
Professora Doutora Márcia Soares de Alvarenga
FFP - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Professora Doutora Estela Scheinvar
FFP - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Professora Doutora Eveline Bertino Algebaile
FFP - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Niterói
2005
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Aos meus pais
José Julio e Deborah e
ao meu marido Robson.
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Agradecimentos
Ao Professor e orientador Nicholas Davies, pela atenção, presença e incentivo.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF.
Aos profissionais entrevistados, pela disponibilidade em participar do estudo.
Aos meus pais, que tanto se sacrificaram para tornar este momento possível.
Ao meu marido, Robson, pelo apoio, incentivo, paciência, atenção e carinho
dedicados durante a elaboração deste e de tantos outros estudos.
A FAPERJ pelo financiamento da pesquisa através do Programa Bolsa nota 10.
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Resumo
O
objetivo
inicial
da
dissertação
consistiu
em
identificar
a(s)
concepção(ões) de autonomia presente nas políticas públicas que interferem
direta ou indiretamente na gestão das unidades escolares, bem como
apreender a(s) concepção(ões) de autonomia da escola para os profissionais
que atuam no seu dia-a-dia.
Nesse sentido, a pesquisa foi realizada em duas etapas. A primeira se
deu através da análise de legislação, de documentos oficiais e de bibliografia
pertinente com destaque para a realidade do Município e do Estado do Rio de
Janeiro. Argumentamos que embora a maioria das políticas estudadas, ainda
que de forma superficial, declarem almejar a autonomia, poucas são as que
expõem a concepção de autonomia das unidades escolares de forma clara e,
principalmente, a forma pela qual as escolas alcançariam essa autonomia.
Na segunda etapa do estudo, realizamos entrevistas com professores,
dirigentes escolares e uma funcionária tecnico-administrativa pertencentes a
diferentes escolas do Município e/ou do Estado do Rio de Janeiro. Nos relatos,
alguns professores afirmaram desconhecer as políticas educacionais o que
pode indicar que a gestão democrática não tem sido uma realidade.
Argumentamos, nas considerações finais, que a autonomia das
unidades escolares está diretamente relacionada ao grau de aprofundamento
da experiência democrática em cada escola e que, portanto, uma escola
efetivamente autônoma seria aquela em que sua gestão baseia-se na ativa
participação de seus membros que, enquanto grupo organizado, interagem
conscientemente com as questões locais, conjunturais e estruturais da
sociedade. Nessa perspectiva, seus membros devem ter consciência do papel
que a escola representa e/ou deve representar tanto para seu público alvo,
quanto para a transformação ou perpetuação das estruturas sociais e ter
consciência desse papel implica, dentre outros fatores, ter ciência das políticas
que regulam o funcionamento das escolas.
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Summary
The first objective of the dissertation consisted of identifying the concept
of autonomy in the public politics that attain direct or indirectly in the
administration of the school units, as well as to apprehend the concept of
school’s autonomy for the professionals that act in your day by day.
In this sense, the research was accomplished in two stages. The first felt
through the legislation analysis, of official documents and of pertinent
bibliography with prominence for the reality of the Municipal district and of the
State of Rio de Janeiro. We argued that although most of the studied politics,
although in a superficial way, announce to long for the autonomy, little are the
ones that expose the conception of autonomy of the school units in a clear way
and, mainly, the form for which the schools would reach that autonomy.
In the second stage of the study, we accomplished interviews with
teachers, school leaders and a technician-administrative employee belonging to
different schools of the Municipal district and the State of Rio de Janeiro. In the
reports, some teachers affirmed to ignore the educational politics what it can
indicate that the democratic administration has not been a reality.
We argued, in the final considerations, that the autonomy of the school
units is directly related to the degree of deep of the democratic experience in
each school and that, therefore, a school indeed autonomous it would be that in
that your administration bases on the active participation of your members that,
while a organized group, they interact consciously with the subjects local, of the
situation and the society structure. In this perspective, your members should be
aware of the paper that the school represents and it should represent so much
for your destined public, as for the transformation or perpetuity of the social
structures and to have conscience of that paper implicates, among other
factors, to have science of the politics that regulate the schools operation.
{PAGE }
Lista de siglas
AAE
ABESC
ADIn
AEC
AELAC
ANC
ANDE
ANDES-SN
ANFOPE
ANPAE
ANPEd
ARENA
BIRD
BMG
CA
CBCE
CEC
CEDES
CEFAM
CEPEC
CES
CF
CGT
CIEP
CNAS
CNBB
CNTE
CNTEE
CONAM
CONARCFE
CONED
CONSED
CONTAG
CONTEE
CPB
CRE
CRUB
CUT
DNTE-CUT
DOU
EC
ECA
EDURURAL
EEx
EM
Associação de Apoio a Escola
Associação Brasileira de Escolas
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Associação de Educação Católica
Associação de Educadores da América Latina e do Caribe
Assembléia Nacional Constituinte
Associação Nacional de Educação
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
Associação Nacional de Política e Administração da Educação
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Aliança Renovadora Nacional
Bando Inter-Americano de Desenvolvimento
Banco Mercantil do Brasil
Classe de Alfabetização
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
Conselho Escola Comunidade
Centro de Estudos de Educação e Sociedade
Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
Centro Polivalente de Educação e Cultura
Centro de Estudos Sociais
Constituição Federal
Central Geral dos Trabalhadores
Centro Integrado de Educação Pública
Conselho Nacional de Assistência Social
Conselho Nacional dos Bispos do Brasil
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Ensino
Confederação Nacional das Associações de Moradores
Comissão Nacional pela Formação dos Educadores
Congresso Nacional de Educação
Conselho Nacional de Secretários de Educação
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Ensino
Confederação de Professores do Brasil
Coordenadoria Regional de Educação
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
Central Única dos Trabalhadores
Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação da Central Única
dos Trabalhadores;
Diário Oficial da União
Emenda Constitucional
Estatuto da Criança e do Adolescente
Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural do
Nordeste
Entidade Executora
Exposição de Motivos / Entidade Mantenedora
{PAGE }
FASUBRA
FBAPEF
FENAJ
FENASE
FENOE
FMI
FNDE
FUNDEF
Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras
Federação Brasileira de Associações de Professores de Educação Física
Federação Nacional dos Jornalistas
Fundação Evangélica de Assistência Social El-Shadai
Federação Nacional dos Orientadores de Ensino
Fundo Monetário Internacional
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
FUNDEPAR Instituto de Desenvolvimento Educacional do Paraná
INEP
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
LDB
Lei de Diretrizes e Bases
MDB
Movimento Democrático Brasileiro
MEC
Ministério da Educação
OAB
Organização dos Advogados do Brasil
ONG
Organização Não-Governamental
PDDE
Programa Dinheiro Direto na Escola
PDT
Partido Democrático Trabalhista
PEC
Projeto de Emenda Constitucional
PEJE
Programa de Educação Juvenil
PL
Projeto de Lei
PLC
Projeto de Lei da Câmara
PLS
Projeto de Lei do Senado
PMDE
Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
PMDB
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNE
Plano Nacional de Educação
PNTE
Programa Nacional de Transporte Escolar
PPP
Projeto Político Pedagógico
PRODASEC Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as
Populações Carentes Urbanas.
PROFIC
Programa de Formação Integral da Criança
Promunicípio Projeto de Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal
PRONASEC Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio
Rural
PSC
Partido Social Cristão
PSDB
Partido da Social Democracia Brasileira
SBF
Sociedade Brasileira de Física
SBPC
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SDP
Sistema Descentralizado de Pagamentos
SEAF
Sociedade de Estudos e atividades Filosóficas
SEPE
Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro
SINASEFE
Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Federal de 1°, 2º e 3º
graus da Educação Tecnológica
STF
Supremo Tribunal Federal
UBES
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UEx
Unidade Executora
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNDIME
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNE
União Nacional dos Estudantes
{PAGE }
Sumário
Lista de Anexos .......................................................................... xi
Introdução ................................................................................... 12
A autonomia e as políticas educacionais ......... 17
Capítulo 1
1.1 – A autonomia e suas releituras ............................. 17
1.2 – O neoliberalismo e a busca da autonomia nas
políticas educacionais ............................................. 21
1.3 A autonomia nas políticas educacionais
brasileiras ............................................................... 26
Capítulo 2
A autonomia das unidades de ensino segundo
as políticas educacionais brasileiras ................ 50
2.1- As propostas federais ............................................
2.1.1 – A Constituição Federal .....................................
2.1.2 - A LDB ................................................................
2.1.3 – O PNE ..............................................................
2.1.4 – O PDDE ............................................................
50
50
53
58
65
2.2- As propostas do Estado do Rio de Janeiro ........... 68
2.2.1 – A Constituição Estadual ................................... 68
2.2.2 – A Lei da Autonomia .......................................... 70
2.3- As propostas do Município do Rio de Janeiro ....... 73
2.3.1 – Lei Orgânica do Município ................................ 73
2.3.2 – O SDP – Sistema Descentralizado de
Pagamentos ................................................................. 74
Capítulo 3
Os olhares de profissionais da educação
sobre a autonomia da escola - uma
“avaliação” das políticas governamentais? ...... 78
Considerações finais – Qual autonomia? ................................... 110
Referências Bibliográficas .......................................................... 114
{PAGE }
Lista de anexos
Anexo
Página
01
Lei Estadual 2.518 de 16/01/1996
121
02
Lei Estadual 3.067 de 25/09/1998
124
03
Transcrição das entrevistas
126
{PAGE }
Introdução
As preocupações que norteiam esse estudo resultam de uma
inquietação presente em pesquisa realizada sobre o uso dos recursos do
PDDE1. Por entendermos que o Programa prometia viabilizar a autonomia das
unidades escolares através da descentralização da gestão de recursos
financeiros, buscamos investigar, através de um estudo de caso, até que ponto
uma unidade escolar teria autonomia na gestão dos recursos oriundos do
PDDE para investir no âmbito pedagógico e constatamos que a autonomia da
escola era restringida em parte, pela omissão de professores e da coordenação
pedagógica em reivindicar recursos para o seu espaço de atuação e, em parte,
pela insuficiência de recursos para o atendimento das “urgências” da escola.
O que seria, portanto, a autonomia da escola? A “liberdade” consentida
de administrar recursos repassados diretamente à escola é condição suficiente
para qualificar uma unidade escolar como autônoma?
Essas e outras questões referentes à autonomia da escola ganharam
destaque no contexto da década de 1990, principalmente na 2º metade,
quando as orientações das reformas educativas brasileiras sofreram mudanças
no
sentido
de
valorizar
a
“desregulamentação
de
serviços
e
[a]
descentralização dos recursos, posicionando a escola como núcleo do sistema”
Oliveira (1997, p. 91).
Com relação às ações de incremento da política de descentralização em
que a autonomia da escola passa a ser evocada como urgente e necessária
para a “democratização da escola”, Draibe (2001) destaca os programas da
merenda escolar (Programa Nacional de Alimentação Escolar), o dinheiro na
escola (Programa Dinheiro Direto na Escola) e a TV-Escola (programa de
capacitação docente à distância).
O Planejamento Político Estratégico de 1995 a 1998 do Ministério da
Educação e do Desporto enfatiza os seguintes aspectos:
1
O “Dinheiro na Escola”: a autonomia e os seus reflexos no processo pedagógico. Monografia
apresentada ao Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da UFRJ
(2001) como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Administração Escolar.
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“- a valorização da escola e de sua autonomia, bem como da
sua responsabilidade para com o aluno, a comunidade e a
sociedade;
- a promoção da modernização gerencial em todos os níveis e
modalidades de ensino, assim como nos órgãos de gestão;
- a progressiva transformação do MEC num organismo eficaz
de formulação, coordenação e acompanhamento de políticas
públicas na área educacional, e a conseqüente redução de seu
papel executivo”. (BRASIL, MEC, 1995, p. 4)
Nesse sentido, buscamos discutir no presente estudo as concepções de
autonomia da escola presentes nas políticas educacionais e a concepção de
autonomia da escola evocada por professores, diretores e outros profissionais
atuantes no dia-a-dia das unidades escolares.
O referencial teórico da pesquisa focalizou o conceito de autonomia e
abordou, consequentemente, questões relativas à descentralização e à gestão
escolar.
Apoiamo-nos em autores como Bastos, Spósito, Coraggio, Davies,
Martins e outros, que têm presente a ambigüidade com que tais conceitos vêm
sendo apropriados no discurso das políticas públicas e, mais especificamente,
nas políticas públicas voltadas para educação.
Segundo Bastos (1999), a promulgação da LBD (Lei 9394/96) não
alterou a situação da educação brasileira no que tange à gestão escolar. Afirma
ainda que as questões que eram antes discutidas não só continuaram as
mesmas, como também agravaram-se os problemas em função das “políticas
neoliberais de educação”. Para ele,
“ ... a autonomia da escola está transformando a gestão
pedagógica da escola em uma gerência de recursos
financeiros; a participação cidadã dos pais e da comunidade
está se transformando numa participação de colaboração com
a direção da escola, e a formação dos profissionais da escola
mais aligeirada e mais despolitizada”. (Bastos, 1999, p. 15)
Bastos alerta ainda para a importância de se considerar as relações de
poder que perpassam as práticas gestionárias, pois estas ultrapassam o âmbito
administrativo, fazendo-se presentes nos aspectos pedagógicos através de sua
materialização “nas relações profissionais do professor com os alunos e a
comunidade ...” (p. 25).
{PAGE }
Um dos argumentos mais utilizados em prol da “urgência” de um projeto
descentralizador, não só para a esfera educacional mas para o próprio Estado
brasileiro, é a percepção da descentralização enquanto processo de
modernização e reestruturação, como único caminho possível para “... vencer a
crise fiscal, retomar o desenvolvimento e adquirir credibilidade para o
enfrentamento da dívida externa com soberania” (Mello, 1990. p. 6).
Buscamos, portanto, identificar a(s) concepção(ões) de autonomia
presente nas políticas públicas que interferem direta ou indiretamente na
gestão das unidades escolares, bem como a(s) concepção(ões) de autonomia
da escola para os profissionais que atuam no dia a dia das escolas. Os
questionamentos sobre a(s) forma(s) pela(s) qual(is) as escolas vivenciam a
suposta autonomia promovida pelas recentes políticas educacionais são alvo
de nosso estudo, que buscou responder às seguintes questões:
•
Qual o significado de autonomia nas políticas educacionais propostas
ou implementadas recentemente?
•
Quais as concepções de autonomia da escola para professores
atuantes nas salas de aula e executores de funções adminstrativopedagógicas e em que medida há o desejo desses profissionais por
essa autonomia?
•
Quais as condições necessárias para que as escolas obtenham
efetivamente
a
autonomia
pretendida
pelos
profissionais
entrevistados?
O estudo constitui, portanto, uma pesquisa qualitativa em que
realizamos entrevistas semi-estruturadas cuja análise buscamos privilegiar a
perspectiva dialética por entendermos tal como Chizzotti (2003, p. 80) que essa
vertente de análise “Valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a
atividade criadora do sujeito que observa, as oposições contraditórias entre o
todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens”.
Segundo Chizzotti (2003, p. 78), os pesquisadores adeptos da pesquisa
qualitativa se dedicam:
[...] à análise dos significados que os indivíduos dão às suas
ações, ..., à compreensão do sentido dos atos e das decisões
{PAGE }
dos atores sociais ou, então, dos vínculos indissociáveis das
ações particulares com o contexto social em que estas se dão.
Nesse sentido, a pesquisa foi realizada através das seguintes etapas:
1. análise de legislação, documentos oficiais e bibliografia com o
objetivo de explicitar a(s) perspectiva(s) de autonomia traduzida(s) nas
principais políticas públicas vigentes, voltadas direta ou indiretamente para
as unidades escolares, com destaque para a realidade do Município e do
Estado do Rio de Janeiro2. Para tanto, tratamos das propostas presentes na
Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
no Plano Nacional de Educação e no Programa Dinheiro Direto na Escola.
No âmbito estadual, estudamos a Constituição do Estado do Rio de Janeiro
e a chamada Lei da Autonomia e, no Município do Rio de Janeiro, nos
debruçamos em sua Lei Orgânica e na proposta do chamado Sistema
Descentralizado de Pagamentos, que estabelece critérios para a utilização
de recursos destinados às escolas municipais.
2. entrevista
com
professores,
dirigentes
escolares
e
uma
funcionária tecnico-administrativa pertencentes a diferentes escolas do
Município e/ou do Estado do Rio de Janeiro, buscando identificar a
concepção de autonomia desses profissionais, e sua visão quanto a forma
pela qual a(s) escola(s) vem vivenciando a autonomia proposta pelas
políticas educacionais.
A dissertação ficou dividida nos seguintes capítulos:
Capítulo 1 - A autonomia e as políticas educacionais – em que
buscamos identificar a origem (epistemológica e política) e a trajetória do
conceito de autonomia, compreender como o conceito figura nas chamadas
políticas educacionais neoliberais e quais as concepções que a autonomia
assume nas políticas educacionais brasileiras.
Capítulo 2 - A autonomia das unidades de ensino segundo as políticas
educacionais brasileiras – em que procuramos identificar na legislação
2
O Município e o Estado do Rio de Janeiro constituíram o espaço de investigação da forma
pela qual as políticas proponentes da autonomia escolar são compreendidas e vivenciadas por
professores atuantes em salas de aula e por profissionais envolvidos com a administração
escolar propriamente dita.
{PAGE }
pertinente,
as
propostas
e/ou
políticas
educacionais
que
tratam
especificamente da autonomia das unidades escolares. Como enfocamos os
casos do Município e do Estado do Rio de Janeiro, estudamos as políticas
dessas esferas, além da legislação federal pertinente ao assunto.
Capítulo 3 - Os olhares de profissionais da educação sobre a autonomia
da escola - uma “avaliação” das políticas educacionais? – em que buscamos
explicitar a(s) percepção(ões) dos profissionais que estão mais diretamente
relacionados com as unidades escolares, sobre as políticas proponentes da
autonomia escolar e sobre suas proposições para o que seria a autonomia
escolar ideal.
Considerações finais – Qual autonomia? – em que apresentamos uma
síntese do conjunto de resultados dos capítulos anteriores e argumentamos
sobre as concepções de autonomia da escola tratadas ao longo do estudo e,
sobre a perspectiva por nós defendida.
{PAGE }
Capítulo 1 – A autonomia e as políticas educacionais
1.1 – A autonomia e suas releituras
O conceito de autonomia aparece na literatura científica de forma difusa
e com diversos significados vinculados ao campo específico de cada
especialista. Nosso objetivo consiste, porém, em entender as concepções
atribuídas ao conceito no que se refere às relações sociais e, mais
especificamente, a essas relações no campo educacional.
Martins (2002) identifica o conceito de autonomia como uma construção
histórica baseada nas diferentes características culturais, econômicas e
políticas que retratam as sociedades em sua trajetória. Figura na literatura
especializada – no que diz respeito a questões de descentralização e
desconcentração de poder - ligado à idéia de participação social ou de
ampliação da participação política.
O desenvolvimento e o exercício da autonomia no campo político surge
ligado à própria construção da noção de democracia em Rousseau (17121778), que, em sua obra O Contrato Social, de 1762, define liberdade ou
autonomia como o princípio inspirador do pensamento democrático. Segundo
Duriguetto (2003, p. 33):
O constructo do sistema político rousseauniano parte da
necessidade da participação ativa individual no processo
político de tomada de decisões. São os indivíduos que devem
criar as leis que regulam suas vidas, e é na legitimidade do
exercício participativo do poder que reside sua concepção de
liberdade, que não é, como para os liberais, a capacidade do
exercício e da satisfação dos interesses individuais. Ao
contrário, liberdade é aqui entendida como um processo sóciohistórico de exercício da autonomia política e da faculdade de
aperfeiçoamento das relações humanas.
No campo da Filosofia, os estudos consultados remetem para a obra do
filósofo Immanuel Kant3, mais especificamente para o livro Fundamentos da
3
Immanuel Kant nasceu em Königsberg, atual Kaliningrado - Rússia, em 1724, falecendo em
1804 aos 80 anos.
{PAGE }
Metafísica dos Costumes, de 1785, como a origem epistemológica do conceito
de autonomia.
Para Kant, a autonomia ou a “vontade” - que é necessariamente boa
enquanto racional - estava ligada à capacidade de escolha orientada por uma
regra universal. Para o filósofo, o indivíduo fazia parte de um todo de sujeitos
conviventes e que necessitavam, portanto, de regras racionais e universais que
garantissem a harmonia dessa convivência.
O conceito de liberdade constitui a chave explicativa da autonomia da
vontade. Ter liberdade corresponderia a ter a capacidade racional e/ou vontade
de adequar as escolhas individuais a uma regra ou lei universal que, enquanto
tal, cumpre a função de “proteger” os interesses individuais, pois, se a mesma
é cumprida em igualdade de condições por todos os indivíduos, ela impede que
haja distinção ou privilégios quanto aos direitos de uns em detrimento dos de
outros.
O indivíduo, enquanto ser racional, é naturalmente dotado de autonomia
ou vontade, autonomia esta que só é praticada na medida em que é concebida
como uma lei ou regra universal ou seja, na medida em que todos os outros
indivíduos possam praticá-la.
Com a idéia de liberdade se acha, contudo, inseparavelmente
unido o conceito de autonomia, e com este o princípio universal
da moralidade, que serve de fundamento à idéia de todas as
ações de seres racionais, do mesmo modo que a lei natural
serve de fundamento a todos os fenômenos. (KANT, p. 109)
Tanto Kant quanto Rousseau defendem a necessidade de princípios
normativos para o convívio social. Para Kant, estes princípios garantiriam os
direitos individuais de forma a promover uma relativa igualdade no convívio
social. Rousseau, por sua vez, propõe o “Contrato Social” a fim de possibilitar a
igualdade tanto na garantia dos direitos individuais, quanto na garantia da
participação política. Nas palavras de Rousseau (1996, p. 35):
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a
pessoa e os bens de cada associação de qualquer força
comum, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça,
portanto, senão a si mesmo, ficando assim tão livre como
dantes”. Tal é o problema fundamental que o Contrato Social
soluciona.
{PAGE }
Cabe destacar a distinção fundamental entre as concepções de
autonomia na perspectiva rousseauniana e a concepção evocada como
sinônimo de descentralização tal como prevista no projeto liberal. Para
Rousseau, a autonomia do indivíduo é essencial e deve se manifestar através
de sua participação política, pois é através da participação de cada indivíduo
que se busca a expressão da vontade coletiva. Já para o projeto liberal, a
liberdade de escolha do indivíduo é a expressão última de sua vontade; dessa
forma, a autonomia seria a garantia da representação dos interesses
individuais; não para a construção da vontade coletiva ou de um “Contrato
Social”, mas para a garantia da auto-afirmação de direitos pessoais em meio a
uma sociedade individualista.
Essa distinção é fundamental para que possamos entender as
concepções
que
o
conceito
de
autonomia
assume
nas
políticas/propostas/projetos implementados nos anos 90, principalmente no que
se refere à(s) reforma(s) de Estado.
Conforme destacado, a autonomia evocada por Kant e Rousseau está
relacionada ao estabelecimento de regras para garantir a harmonia no convívio
de indivíduos. Será somente na segunda metade do século XIX que a idéia de
autonomia passará a ser vinculada a grupos e associações, ou seja, passará a
ser entendida como uma possibilidade em projetos coletivos.
Nesse sentido, Martins anuncia que a autonomia, na perspectiva da
autogestão, aparece na literatura especializada como oriunda da segunda
metade do século XIX, mais especificamente com a Comuna de Paris, em
1871, transformando-se, no início do século XX, em uma das principais
bandeiras dos movimentos operários4.
4
Cabe destacar que, para a autora, a autogestão constitui um processo de auto-administração
coletiva e é nessa perspectiva que classifica a Comuna como uma experiência de autogestão.
O termo propriamente dito foi utilizado inicialmente “para designar a experiência de gestão de
empresa desenvolvida na Iugoslávia a partir de 1951. A partir de 1968, o termo passa a ser
utilizado no espaço acadêmico e sindical para designar uma nova forma de organização
política, econômica e social” (MARTINS, 2002, p. 18).
{PAGE }
Segundo Bottomore (2001, p. 70):
A Comuna de Paris, que durou dois meses, não resultou de
qualquer ação planejada e, em momento algum, beneficiou-se
da liderança de qualquer indivíduo ou organização que
dispusesse de um programa coerente. É significativo, porém,
que um terço dos membros eleitos da Comuna fossem
trabalhadores manuais e em sua maioria estivessem entre a
terça parte dos membros da Comuna que era constituída por
ativistas do ramo francês da Primeira Internacional.
A Comuna de Paris teria, portanto, inaugurado a “nova” perspectiva de
autonomia que traz como fundamento questões referentes à participação e à
representação popular.
Martins enumera alguns dos movimentos de trabalhadores do século
XX, considerados exemplares em sua reivindicação por mudanças valorativas
na representação política e que assumiram, como forma de participação
institucional, a dinâmica autogestionária. São eles: a formação dos comitês de
fábrica no período da Revolução Russa (1917); as experiências de
coletivização de empresas agrícolas e industriais na Revolução Espanhola
(1936-1939); as comunidades de trabalho na França em 1945; a experiência
iugoslava implementada a partir de 1951, por iniciativa do próprio Estado; o
movimento autônomo de trabalhadores na Polônia dos anos 1970; as
experiências de coletivização da economia na Argélia nos anos 1960; os
conselhos de fábrica da Itália nos anos 1920, quando, após uma onda de
greve, os trabalhadores assumiram o controle das fábricas e constituíram em
cada uma delas um conselho que assumiu a direção técnica e administrativa.
(MARTINS, 2002, p. 19).
No campo educacional, a re-significação do termo autonomia se deu,
principalmente, a partir da década de 80 quando, segundo Martins (2002):
A análise da literatura da área e de documentos que informam
as orientações de organismos internacionais indica que o
conceito de autonomia – (re)significado pelas políticas
educacionais vigentes a partir dos anos de 1980 – passou a ser
utilizado, de um lado, como sinônimo de descentralização e
desconcentração e, de outro, como a etapa subseqüente de
processos descentralizadores, a partir dos quais a unidade
escolar estaria finalmente livre para elaborar seu próprio plano
de vôo (MARTINS 2001 apud MARTINS, 2002 p. 48).
{PAGE }
Ainda segundo Martins (id.):
O termo autogestão, significativamente, desapareceu nesse
horizonte colocado pelas diretrizes oficiais em vigor. Também
desapareceu o eixo central conferido, histórica e
filosoficamente, ao conceito de autonomia: a defesa de
conselhos gestores nas instituições de ensino com mandato
revogável e a instauração da auto-avaliação institucional. No
debate da área educacional, o conceito de autonomia vem
sofrendo um processo de sacralização e, ao que tudo indica,
encontra-se reduzido à redefinição de procedimentos
administrativos e financeiros da rede de escolas, com
significativa ampliação de encargos e responsabilidades para
elas.
Nos anos 90 é unânime o discurso em torno da influência do
neoliberalismo nas políticas educacionais, sendo, portanto, fundamental
compreender o objetivo de tais projetos a fim de avaliarmos sua real
interferência nas políticas “proponentes” da autonomia escolar.
1.2 - O neoliberalismo e a busca da autonomia nas políticas educacionais.
Segundo Anderson (1995), o nascimento do neoliberalismo se dá em
1945, na Europa, como uma reação teórica e política contra o Estado
intervencionista do bem estar social. Mas é somente a partir de 1973, com a
crise do modelo capitalista de bem estar, que as idéias neoliberais ganham
terreno através do ataque ao poder dos sindicatos e movimentos operários.
Dentre os principais representantes dessa ideologia Anderson (1995)
cita Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von
Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi e Salvador de
Madariaga.
Milton
Friedman,
importante
economista
e
um
dos
principais
representantes do neoliberalismo, em seu livro Capitalismo e Liberdade de
1962, afirma que o movimento intelectual iniciado entre o final do século XVIII e
início do século XIX defendia a liberdade individual como princípio e valor
último e em nome da liberdade apoiava a redução do papel do Estado na
economia em prol da ampliação do espaço do indivíduo.
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Segundo Bianchetti (1996), o poder, sua concentração e distribuição
consistem no foco central da preocupação neoliberal, para quem “o poder do
Estado, que amplia sua esfera de ação, se transforma em coerção – direta,
intencionada e ilegítima – que obstaculiza a liberdade” (VERGARA, 1984 apud
BIANCHETTI, 1996, p. 79).
O neoliberalismo propõe, dessa forma, a ampliação da ação do mercado
e a redução da intervenção estatal ou a viabilização do chamado Estado
Mínimo que se daria, principalmente, através do corte nos gastos públicos e da
privatização de empresas e funções estatais.
Segundo Draibe (1993), as reformas estruturais preconizadas pelo
neoliberalismo são acompanhadas de reformas sociais que têm tido como
caraterísticas a descentralização, a privatização e a focalização dos programas
sociais em grupos específicos.
A descentralização seria responsável por gerar aumento da eficiência e
eficácia dos gastos públicos, interação, no nível local, dos recursos públicos e
privados, para financiamento das atividades sociais, e a ampliação do uso de
formas alternativas de produção e operação dos serviços, mais facilmente
organizados nas esferas municipais. (DRAIBE, 1993, p. 97).
No campo educacional, o neoliberalismo diagnostica a existência de
uma crise de eficiência, eficácia e produtividade resultante da expansão
desordenada e anárquica dos sistemas educacionais (GENTILI, 1996), que se
materializaria na baixa qualidade do ensino oferecido.
Nesse sentido, Casassus (1990, p. 12) destaca que:
[...] durante a década de 80, as autoridades educacionais nos
países da América Latina estabeleceram um diagnóstico crítico
do estado da oferta educacional em seus países; tais
diagnósticos parecem coincidir num ponto, qual seja, que a
solução para muitas das dificuldades identificadas [...] aponta
para a concepção e implementação de processos de
desconcentração e/ou descentralização desses sistemas.
Sobre os objetivos do processo descentralizador, Hanson (1997)
destaca
8
como
as
principais
metas
motivadoras
das
políticas
de
descentralização educacional: 1) a aceleração do desenvolvimento econômico
via modernização das instituições; 2) o progresso da eficiência gerencial; 3) a
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redistribuição
da
responsabilidade
financeira;
4)
a
promoção
da
democratização; 5) o aumento do controle local; 6) a iniciação da educação
baseada no mercado5; 7) a neutralização dos centros de poder concorrentes –
sindicatos de professores e partidos políticos; e 8) a melhoria da qualidade da
educação.
Percebe-se, contudo, em estudos sobre as experiências de políticas de
descentralização na América Latina, que grande parte desses objetivos não
foram alcançados. O próprio Hanson, referindo-se à melhoria da qualidade da
educação, afirma que:
Infelizmente, os esforços de descentralização não garantem
tais resultados. O que ficou evidente é que algum tipo de
mudança é posta em marcha através da descentralização. O
que acontece em seguida depende do tipo de liderança, da boa
vontade e da colaboração que surgirem em resposta ao
desafio. (HANSON, 1997, p. 23).
A(s) política(s) descentralizadoras avançaram os anos 90, culminando
com os esforços internacionais, implementados via organismos financeiros, de
desresponsabilizar o governo central dos países da América Latina (devedores)
para com os gastos sociais, inclusive e/ou especialmente com a educação.
Lima (2002, p. 45), referindo-se à similaridade de projetos da UNESCO e
do Banco Mundial, destaca que há nos dois projetos:
[...] o estímulo à diversificação das fontes de financiamento
expressa na defesa da necessidade de gerar o impulso do
setor privado e dos organismos não-governamentais (ONGs)
como agentes ativos no terreno educativo tanto nas decisões
como na implementação.
Para Coraggio (1992), existem, contudo, duas correntes antagônicas
que defendem a descentralização na América Latina: a neoliberal, que tem
como representantes o FMI, o Banco Mundial, o BIRD e diversas instâncias da
5
A educação baseada no mercado se daria tal como nos países que utilizam o sistema dos
vales-educação financiados pelo governo. Segundo Hanson, “... os pais podem matricular seus
filhos em escolas públicas ou privadas de sua escolha. (...) A idéia básica é que, tendo as
escolas de competir pelos alunos para sobreviver e prosperar financeiramente, a qualidade da
educação irá melhorar”. (Hanson, 1997, p. 7).
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administração e agências de ajuda dos Estado Unidos6, e a democrática, que
dependeria de profundas mudanças sócio-políticas para se materializar. Para
ambas o processo de descentralização se daria baseado em três eixos: o
econômico, o administrativo e o político. A diferença estaria no eixo norteador
da descentralização.
Para o projeto neoliberal, o eixo administrativo direciona o processo de
descentralização, funcionando como justificador tanto do eixo econômico
quanto da concentração do poder político e repressivo no Estado reformista.
Privilegia-se o nível local do Poder Público enquanto administrador e gestor de
serviços, através de fórmulas e projetos que buscam principalmente a redução
dos investimentos públicos e não a transferência de recursos de um nível para
outro.
Já para o projeto democratizante, a descentralização se basearia no eixo
político, partindo de uma reforma sócio-política que redefinisse o Estado e suas
funções, bem como os valores que regem a sociedade7. Quanto aos eixos
administrativo e econômico, defender-se-ia a descentralização territorial do
Poder Público como estratégia de conscientização local. A idéia seria a de que,
através das experiências de gestão local, seria possível a luta cultural a favor
da participação. Porém, Coraggio alerta para que não se idealize o nível local
como fórmula mágica para a democratização. Segundo o autor:
Porque en um mundo que se centraliza cada vez más, en que
las vidas cotidianas de los habitantes periféricos están cada
vez más determinadas por el impacto sorpresivo de fuerzas
que se ocultan tras el supuesto naturalismo de la crisis,
proponer que nuestras sociedades se retiren a lo local como
ámbito de gestión popular, de democracia, de experimentación
6
Para CORAGGIO, 1992, p. 53: “Este proyecto impone su ritmo y condiciona las políticas
nacionales, porque cuenta con la fuerza que da el poder condicionar créditos o ayudas
internacionales en una época de crisis y erosión de las escasas bases de autonomia y de
estabilidad social de nuestros países y, más recientemente, porque opera en el espacio de
chantaje abierto por la deuda externa y sus recetas: las políticas de “ajuste” y la reforma del
Estado”.
7
Segundo CORAGGIO, 1992, p. 56, a reforma sócio-política implicaria em: “[...] poner al
clientelismo en la mira, luchando en el proprio campo popular contra el imperativo de la
necesidad inmediata y la mercantilización de la politica. El efectivo ejercicio de la soberania
popular, la defensa de los derechos humanos privilegiando el derecho del Estado combinando
las instituciones de la democracia representativa con formas más directas de participación y
gestión, la pluralidad de canales de representación social que superen el reivindicacionismo,
[...]”.
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y reflexión, es poco menos que una trampa. (CORAGGIO,
1992, p.56).
Para o autor, a descentralização pensada como transferência da gestão
dos serviços estatais aos usuários locais é o ideário proposto pelos organismos
internacionais, que legitimam a desestatização e a privatização nos países
periféricos. Coraggio defende, portanto, que a corrente democratizadora deve
se apropriar do processo de descentralização e usá-lo a seu favor através da
incorporação da “... dimensión de autogestión a escalas que permitan mantener
una adecuada visión y práctica respecto al todo”. (p. 57)
Para Arretche (1997), porém, nenhum dos argumentos normalmente
evocados
como
justificadores
das
políticas
de
descentralização
são
sustentáveis. Segundo a autora: “É a concretização de princípios democráticos
nas instituições políticas de cada nível de governo que define seu caráter, e
não a escala ou âmbito das decisões”. (ARRETCHE, 1997, p. 132).
Nesse sentido, entendemos que, apesar de ter se tornado quase um
consenso e de ser defendida por diversas correntes político-ideológicas, a
descentralização, da forma como vem sendo pensada e implementada nas
políticas educacionais, ou seja, entendida como sinônimo de autonomia, está
muito longe de promover a democratização e a melhoria da qualidade da
educação. Tal como Arretche (1997), Davies (1992) e outros autores,
entendemos que não é o nível ou a hierarquia da tomada de decisões que
define seu caráter – democrático ou antidemocrático - mas sim a
intencionalidade das resoluções.
Acreditamos que a descentralização pode ou não contribuir para
viabilizar a autonomia das instituições, constituindo-se, tão somente, como um
instrumental
para
a
implementação
de
projetos.
Nesse
sentido,
o
questionamento sobre a possibilidade da promoção da autonomia deve recair
sobre os objetivos próprios dos projetos (se efetivamente democratizador ou
proponente da participação superficial apenas na execução de funções
previamente determinadas) e não sobre um simples instrumental como a
descentralização.
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O histórico da implementação de reformas descentralizadoras no campo
da educação brasileira é exemplificador desse equívoco – ou estratégia – de
considerar a descentralização como sinônimo de promoção da autonomia.
Veremos que as experiências descentralizadoras durante o período da
ditadura militar em momento algum se aproximam da idéia de promoção da
autonomia. Será somente a partir dos anos 80 que esses conceitos serão
aproximados e até mesmo confundidos, tanto nas políticas educacionais, como
nas reivindicações da sociedade civil. Nos anos 90, quando esses conceitos
passam a ser praticamente sacralizados, veremos como a promessa da
autonomia, via descentralização, torna-se utensílio indispensável para a
empreitada reformista.
1.3 – A autonomia nas políticas educacionais brasileiras
Embora Duarte e Teixeira (1999) destaquem preceitos sobre a
autonomia dos estados subnacionais já no Ato Adicional de 1834 e na
Constituição Republicana de 1891, acreditamos que o período ditatorial (1964 –
1985) represente o melhor marco histórico-político para iniciar a discussão
sobre a autonomia nas políticas educacionais brasileiras. Partimos desse
pressuposto entendendo que, pensar a(s) concepção(ões) de autonomia
presente(s) nessas políticas, pressupõe, necessariamente, uma reflexão sobre
a própria relação/disputa entre Estado e sociedade civil tendo em vista que a
repressão político-ideológica do período ditatorial veio a contribuir para uma
visão restrita de Estado8, levando os movimentos sociais, na sua busca pela
democracia, a uma oposição radical ao Estado e à sua intervenção, inclusive
no campo educacional. Nesse sentido, concordamos com Cunha (1999, p. 377)
quando destaca que:
Não se pode deixar de reconhecer que a ditadura militar foi
vitoriosa na própria ideologia que nasceu para combatê-la: o
anti-estatismo prevalecente em certos setores da sociedade e
até mesmo nas oposições, inclusive das esquerdas que acaba
8
Em que Estado – Poder Público, governo ou classe governante são confundidos ou tidos
como sinônimos.
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por reforçar a ideologia neoliberal, em sua tentativa de fazer do
mercado o regulador legítimo de todas as instâncias da vida
social. (CUNHA, 1999, p. 377)
Com relação às primeiras experiências de políticas descentralizadoras,
implementadas durante o regime militar, Santos Filho (1992) destaca o
Decreto-Lei 200, de 25/02/67, que, embora não se refira diretamente ao campo
educacional, vai nele interferir, e o Promunicípio.
Através do Decreto-Lei 200, de 25/02/679, o então Presidente da
República, General Humberto de Alencar Castelo Branco, baseando-se no
AI410, anuncia no Art. 6º os princípios do funcionamento da administração
federal, dentre os quais, no inciso III, a descentralização.
O Cap. III, Art. 10, trata da descentralização da execução de atividades
na administração federal, que deveria se dar: a) dentro da administração
federal, através da distinção dos níveis de direção e de execução; b) da
administração federal para as unidades federadas e c) da administração federal
para a órbita privada, via contratos e concessões. De acordo com o § 5° do Art.
10:
§ 5º Ressalvados os casos de manifesta impraticabilidade ou
inconveniência, a execução de programas federais de caráter
nitidamente local deverá ser delegada, no todo ou em parte,
mediante convênio, aos órgãos estaduais ou municipais
incumbidos de serviços correspondentes.
Vale ainda destacar o capítulo seguinte, que trata da delegação de
competência. De acordo com o Art. 11:
Art. 11. A delegação de competência será utilizada como
instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo
de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões,
situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a
atender.
9
Publicado no D.O.U. de 27.2.1967 e retificado no D.O.U. de 17.7.1967. Dispõe sobre a
organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e
dá outras providências.
10
O Ato Institucional N. 4, publicado no Diário Oficial de 7.12.66 e retificado no D.O. de
12.12.66, convoca o Congresso Nacional para discussão, votação e promulgação do Projeto de
Constituição apresentado pelo Presidente da República, no período compreendido entre 12 de
dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967. De acordo com o Art. 9º, § 2º o Presidente da
República poderia expedir decretos com força de lei sobre questões administrativas e
financeiras no período pós convocação extraordinária até a reunião ordinária do Congresso
Nacional.
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Está claramente explicitado nesse Decreto-lei a descentralização de
funções meramente executivas da esfera federal, que, no entanto, passa a
concentrar funções de planejamento e de controle. É interessante perceber
como, nesse período, a descentralização pode ser considerada adversa à idéia
de autonomia, caracterizando-se por uma imposição de “novas atribuições”
para as unidades federadas e como uma forma de perpetuação da
dependência destas unidades para com o governo federal.
Nas palavras de Santos Filho (1992, p. 220-1):
[...] essa descentralização assumiu um caráter autoritário e
tecnocrático, onde o que podia ou devia ser descentralizado foi
decidido na cúpula, cabendo aos órgãos descentralizados
apenas o poder de execução das decisões das instâncias
superiores.
Cabe lembrar que a Constituição Federal de 1967 suprimiu a vinculação
de percentual da receita de impostos para a educação nas três esferas do
Poder Público e a EC N. 1, de 1969, restabeleceu a vinculação somente para
os municípios que deveriam aplicar a partir de então, pelo menos 20% de
receita tributária municipal no ensino de 1º grau11.
Conforme Cunha (2002, p. 51):
[...] a centralização promovida pelo regime autoritário fazia com
que uma parcela ínfima da receita de impostos ficasse nos
municípios e nos Estados. Era o governo federal – justamente
a instância político-administrativa isenta de gastos pré-fixados
com o ensino – que recebia a maior parte do bolo tributário.
Também a Lei 5692/7112 determina a descentralização de funções
especificamente executivas para os municípios, cabendo aos Estados o duplo
11
Segundo DAVIES, 2001, p. 1-2 “... a ditadura militar instalada em 1964 iria suprimir [...] essa
obrigatoriedade com a Constituição elaborada em 1967 por um Congresso dócil à ditadura.
Embora a Emenda Constitucional N. 1, de 1969, restabelecesse a vinculação de 20% da
receita tributária no caso dos municípios, as demais esferas de governo (federal e estadual)
deixaram de ser obrigadas de aplicar um percentual mínimo em educação, desvinculação essa
apontada como um das razões para a deterioração da educação pública no período e o
conseqüente favorecimento da iniciativa privada. [...] O restabelecimento da vinculação só foi
acontecer em 1983, com a Emenda Constitucional do Senador João Calmon, que fixou o
percentual mínimo de 13% no caso da União e 25% no caso dos Estados, Distrito Federal e
Municípios”.
12
Lei 5692 de 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases para o Ensino de 1º e 2º graus.
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papel de planejador e executor de funções que contribuam para o
desenvolvimento do ensino de 1º e 2º graus. De acordo com o Art. 5813:
A legislação estadual supletiva, [...], estabelecerá as
responsabilidades do próprio Estado e dos seus Municípios no
desenvolvimento dos diferentes graus de ensino e disporá
sobre medidas que visem a tornar mais eficiente a aplicação
dos recursos públicos destinados à educação.
Parágrafo único – As providências de que trata este artigo
visarão à progressiva passagem para a responsabilidade
municipal de encargo e serviços de educação, especialmente
de 1º grau, que pela sua natureza possam ser realizados mais
satisfatoriamente pelas administrações locais.
Quanto ao Promunicípio - Projeto de Coordenação e Assistência Técnica
ao Ensino Municipal - constituiu, segundo Rosar (1997), o projeto de maior
destaque desenvolvido pelo MEC a partir de 1974, declarando como objetivo
principal solucionar os problemas do ensino municipal, através da articulação
das administrações de Estados e Municípios14.
Ao município caberia a responsabilidade pelo ensino de 1º grau,
enquanto o estado definiria as diretrizes gerais, prestaria assistência técnica e
cooperação financeira. Também no Promunicípio a descentralização não
estava relacionada à promoção da autonomia; instituía-se, na verdade uma
nova forma de controle sobre estados e municípios, principalmente no que diz
respeito ao financiamento da educação. Segundo Rosar (2002, p. 115):
Como se constata, a nível da burocracia do setor da educação,
foram definidos os parâmetros para uma descentralização
centralizada, que pretendia concretizar uma política de
distribuição de recursos com a garantia de manter o controle
sobre os estados e municípios.
ROSAR
(2002)
destaca
outras
experiências
de
projetos
descentralizadores iniciados a partir de meados da década de 70 e início da
década de 80. Além do Promunicípio, o EDURURAL, o POLONORDESTE, o
13
In.: BREJON, Moysés (Org.) Estrutura e Funcionamento do ensino de 1º e 2º graus. 5ª ed.
São Paulo, Pioneira, 1974.
14
Segundo Rosar (2002, p. 114) os problemas do ensino municipal consistiam em:
“inexistência ou inadequação de serviços municipais de educação, insuficiência de recursos
humanos e financeiros, carência de rede física; predominância de professores não titulados;
altas taxas de repetência escolar; elevadas taxas de evasão; acentuada distorção idade-série,
grande número de escolas unidocentes, com classes multisseriadas; currículos e programas
inadequados”.
{PAGE }
PRONASEC, o PRODASEC15 e o Projeto Nordeste, que contaram com
financiamento
do
Banco
Mundial,
trouxeram
em
seu
bojo diretrizes
educacionais definidas pelo próprio Banco. Para a autora, a implantação
desses programas consistiu em uma “estratégia de omissão em relação à
definição de uma política de estado para o ensino rural”. (ROSAR, 2002, p.
118)
Segundo BARRETO E ARELARO (1986) os dados do Censo
Demográfico de 1980 levam a crer que os auxílios financeiros da União que se
deram através de projetos especiais de fomento, não foram suficientes para
alcançar os objetivos propostos. Para as autoras, esses dados
... dão prova da derrocada dessa política educacional ao
indicarem uma taxa de 67,4% de escolarização na faixa de
escolaridade obrigatória, apontando em torno de 7 milhões de
crianças de 7 a 14 anos ainda fora da escola e 32% de
analfabetos nessa idade. Mostram o produto de um ensino
básico que não conseguiu superar gritantes diferenças de
atendimento entre as diversas regiões do país, entre a cidade e
o campo, entre as redes estaduais e municipais de ensino.
BARRETO E ARELARO (1986, p. 11).
Há, contudo, nesse período uma mobilização contrária ao Estado
interventor. Segundo Cunha (1999), as forças oposicionistas aos governos
militares teriam se organizado em duas correntes principais: a primeira, que via
na luta armada instrumento de superação do governo militar; e a segunda, que
acreditava na organização social das massas em defesa das liberdades
democráticas como o caminho para “o restabelecimento do Estado de direito e
da democracia” (CUNHA, 1999, p. 23).
A primeira corrente era composta por alguns partidos de esquerda e a
segunda por “um amplo leque que ia de partidos liberais-democráticos até
socialistas e comunistas, incluindo as forças lideradas pelo Presidente da
República deposto pelos militares - João Goulart - e outros dirigentes políticos
que tiveram seus direitos políticos cassados (Miguel Arraes, Leonel Brizola,
Carlos Lacerda e Juscelino Kubistchek)” (Ibid)
15
EDURURAL - Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural do Nordeste,
PRONASEC – Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio Rural,
PRODASEC - Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações
Carentes Urbanas.
{PAGE }
As
forças
oposicionistas
materializadas
no
MDB
–
Movimento
Democrático Brasileiro, partido criado com remanescentes dos partidos
políticos desfeitos em 1965, foram aos poucos influenciando a opinião pública e
conquistando espaço político em favor de suas propostas16.
Nas eleições municipais de 1976 o MDB e candidatos progressistas da
ARENA conquistaram prefeituras, entre as quais Boa Esperança (ES), Lages
(SC) e Piracicaba (SP), que tiveram seus trabalhos reconhecidos como
modelos de administração democrática. Nos três municípios a educação
ganhou destaque com propostas inovadoras no que diz respeito à participação
popular nas decisões governamentais.
Amoroso Covre, filiado à ARENA, eleito para a prefeitura de Boa
Esperança em 1976, deu início ao planejamento participativo, através da
criação das chamadas comunidades17. Composto pelos líderes comunitários,
representantes dos órgãos públicos e entidades municipais, o Conselho
Municipal de Desenvolvimento tinha a função de:
[...] estudar a realidade sócio-econômica do município,
selecionar os problemas maiores, assim como elaborar e
avaliar os programas de desenvolvimento para serem
implementados pela prefeitura. (CUNHA, 1999, p. 110)
Dessa forma, foram identificados os principais problemas da educação
municipal: a inadequação do currículo da escola da zona rural e o desinteresse
da população pelas escolas. Para solucioná-los, procedeu-se à reforma
curricular da escola rural, enfatizando a realidade do campo sem distorcer o
quadro geral de ensino, e a transferência de todos os estabelecimentos de
ensino do estado, juntamente com os recursos de manutenção, para a
prefeitura de Boa Esperança. Foram acrescentadas 38 escolas às 10
existentes.
Segundo Cunha (1999, p. 112):
16
O Ato Institucional N. 2, de 27 de outubro de 1965 extinguiu os partidos políticos até então
existentes e criou dois partidos que, segundo Horta, (2001, p. 205) consistiam: “um da situação,
a Aliança Renovadora Nacional – ARENA -, e outro de oposição consentida, o Movimento
Democrático Brasileiro – MDB”.
17
Constituíam grupos formados por cerca de 10 ou 12 famílias vizinhas, que elegiam seus
representantes. Os representantes - ou líderes comunitários - formavam três centros
irradiadores, que eram responsáveis pela elaboração do planejamento setorial.
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[...] a iniciativa da administração municipal e a participação
popular convergiram na ampliação e na reforma do ensino
público, desenvolvendo formas inéditas de gestão.
No caso do Município de Boa Esperança, a municipalização das escolas
estaduais contribuiu para a aproximação da população à administração das
mesmas, que caberia a partir de então à Secretaria de Educação municipal.
Já em Lajes, Dirceu Carneiro, do MDB, foi eleito, também em 1976, para
a prefeitura do município e, juntamente com sua equipe, realizaram uma
campanha de mobilização a partir dos núcleos e sub-núcleos do MDB nos
bairros e nos distritos. O objetivo era convencer a população de que, somente
através de organização, era possível alcançar as reivindicações. Segundo
Cunha (1999, p. 112):
Sob o lema “Lages, a força do povo, a população foi levada a
crer que só os setores que se organizassem receberiam apoio.
Assim, o calçamento de ruas, por exemplo, [...], só se faria
depois de formada uma associação de moradores que, pelo
voto dos associados, decidisse quais as ruas a serem calçadas
e as que tinham prioridade no atendimento.
Com relação ao campo educacional, o principal problema do município
consistia na elevada taxa de repetência e de evasão escolar. Buscaram-se,
dessa forma, mudanças tanto no conteúdo quanto na forma de ensinar.
O município de Piracicaba consiste em outra experiência de inovação no
que diz respeito à participação popular.
João Herrmann Neto venceu as eleições para a prefeitura de Piracicaba,
em 1976, também pelo MDB. Após concentrar inicialmente suas prioridades no
saneamento básico, direciona as políticas municipais para habitação popular,
saúde e educação.
Sua equipe pedagógica, composta por pedagogos e cientistas sociais,
contribuiu para a formulação do Plano Municipal de Educação, que culminou na
construção dos Centros Polivalentes de Educação e Cultura – CEPECs, onde
eram desenvolvidas atividades demandadas pela população, tais como
berçário, creche, ensino pré-escolar e educação complementar de 1º grau.
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A seleção de pessoal para os Centros era feita de forma a priorizar os
moradores da localidade e a valorizar sua participação em comissões de bairro
e a seleção de crianças era realizada por comissões de pais.
Em 1982, quando das eleições municipais, havia 11 CEPECs em
funcionamento mas a descontinuidade dos projetos educacionais se mostrava
já naquele período.
Além dos CEPECs, todas as propostas educacionais dos prefeitos de
Piracicaba (SP) e de Lages (SC) foram perdidas com a derrota de seus
proponentes nas eleições de 1982. O curto período de desenvolvimento dessas
experiências, além da oposição partidária dos governadores dos respectivos
Estados em que as experiências municipais ocorreram, teria contribuído para o
impedimento da consolidação das forças políticas que inovaram em suas
propostas para o campo educacional.
Para tratar das experiências estaduais em que se buscou propiciar a
participação popular, cabe esclarecimentos sobre os bastidores políticopartidários do país naquele período.
Após a anistia, houve o retorno de importantes lideranças políticas até
então exiladas e a reforma da lei orgânica dos partidos políticos. Em 1979, o
MDB e a ARENA foram extintos, dando lugar a novos partidos que se
distinguiam, dentre outras características, pela convergência ou divergência do
regime militar.
Em 1982 as oposições conquistaram cargos nas eleições para
governador, para Câmara dos Deputados e para o Senado. Cunha (1999)
estuda os casos dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e
Paraná, que elegeram governadores de partidos opositores ao regime militar e
que tiveram experiências de políticas educacionais inovadoras no mandato
1983-1987.
No Estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, eleito governador pelo
PDT, cria, no início de seu mandato, a Comissão Coordenadora de Educação e
Cultura, que tinha o objetivo de “formular a política do setor e de orientar a sua
execução”. (CUNHA, 1999, p. 129)
{PAGE }
Os principais problemas educacionais do Estado correspondiam às
elevadas taxas de repetência e de evasão escolar que eram atribuídas à
inadequação curricular; assim como a baixa oferta de classes pré-escolares,
pela rede pública.
Nesse sentido, as principais metas educacionais previam: a eliminação
do 3º turno diurno nas escolas públicas; a construção de 3.000 salas de aula;
capacitação docente e a ampliação da rede via implantação de uma nova
concepção de escola de tempo integral – os Centros Integrados de Educação
Pública – CIEPs e de Casas da criança, que prestaria assistência às crianças
de 5 e 6 anos através da educação, saúde e nutrição. (CUNHA, 1999, p. 133).
Uma das grandes contradições no governo Brizola teria sido a relação
da Comissão Coordenadora de Educação e Cultura com o professorado.
Embora o Plano Quadrienal de Educação embutido no Plano Estadual de
Desenvolvimento Econômico e Social já estivesse pronto e aguardando
aprovação do governador, todos os professores do 1º grau das redes estadual
e municipal de educação foram convocados para participar do I Encontro de
Professores de 1º grau, supostamente para a elaboração do Plano Quadrienal.
O Encontro teria como objetivo discutir 45 teses referentes à análise da
situação e dos problemas da escola pública, às metas da programação
educacional do governo, e ao papel e participação dos professores na nova
programação educacional.
Segundo Cunha (1999, p. 138):
[...], as Teses convergiam com os diagnósticos que se vinha
fazendo a respeito do caráter discriminatório da escola [...] e
não pouparam os professores como instrumentos dessa
discriminação, qualificando-os (sem usar esses termos) de
incompetentes, cúmplices e até mesmo de beneficiários do
descaso para com a educação das crianças pobres.
Nesse sentido, contra-argumentaram os professores:
A crítica que fazemos às teses é que nelas não está incluída a
análise sobre a escola no contexto político-social e econômico.
[...] Esquece-se em que tipo de sistema estamos vivendo e que
a questão da evasão escolar não é só rejeição do aluno à
escola, e sim a necessidade premente de trabalho, desde
muito jovem. A escola reflete o sistema e consideramos utópico
construir uma escola-modelo, encarada como a salvação para
{PAGE }
os agudos problemas econômico-sociais que o País está
vivendo [...]. “. (Pólo Tijuca, Escola viva, viva a escola, n° 2, p.
45 apud CUNHA, 1999, p. 139).
As discordâncias entre professores e a administração educacional
perduraram até o final do mandato do governo Brizola, resultando em 4
principais mudanças na política de relacionamento com os professores: a)
renunciou-se à busca de participação de professores, atribuindo à categoria a
qualificação de “elitismo docente”, razão de sua resistência à mudança; b) o
projeto de reforma das escolas foi abandonado e a rede existente julgada
“irrecuperável” em termos físicos e humanos; c) produziu-se uma grande
campanha de divulgação na imprensa norte-americana, européia, e hispanoamericana, sobre à “revolução educacional do terceiro mundo”, que estaria se
processando no Rio de Janeiro como resposta à desaprovação do magistério
estadual, e d) os CIEPs passaram a ser prioridade um.
Com o desentendimento entre os professores e a Administração
Educacional, a comunidade não teve acesso às decisões políticas, resultando
na protelação das eleições para diretores. Além do que, segundo Cunha (1999,
p. 150):
[...] o caráter meramente consultivo do “conselho escolacomunidade”, previsto no regimento dos CIEPs, desestimulou a
institucionalização da participação dos pais de alunos na
gestão das escolas de tempo integral.
No Município do Rio de Janeiro, porém, buscou-se implementar uma
proposta pedagógica para o ensino de 1º grau unificando CIEPs e Escolas
convencionais com a participação dos professores da rede municipal. Houve
ainda concurso unificado de professores para toda a rede e a regulamentação,
em 1984, da eleição de diretores, embora a 1ª eleição só viesse a ocorrer em
1987.
Embora as propostas para a educação fossem inovadoras e a
participação popular figurasse desde o início do Governo Brizola, a
desconsideração das críticas docentes ao projeto acarretou o afastamento
entre a categoria e a administração educacional do Estado, impossibilitando o
avanço no sentido da democratização do espaço escolar através, inclusive, da
eleição para diretores.
{PAGE }
A experiência do Município do Rio de Janeiro mostrou a importância da
efetiva participação dos professores que se deu através da elaboração da nova
proposta pedagógica para o ensino de 1° grau, o que veio a viabilizar a
participação da comunidade na eleição para diretores, pelo menos na
regulamentação da mesma.
Já no Estado de Minas Gerais, o governador eleito pelo PMDB, em
1982, - Tancredo Neves - nomeou, como secretário de educação, um professor
da Universidade Federal de Minas Gerais – Octávio Elísio - que montou sua
equipe com renomados professores da Faculdade de Educação da UFMG.
Vista com desconfiança por diversos setores do estado, dentre os quais
órgãos de segurança do governo militar, esferas do PMDB e grupos
conservadores do estado, principalmente os privatistas, a Secretaria Estadual
de Educação é levada a buscar uma base de sustentação política e o fez da
seguinte forma:
Idealizaram uma ampla consulta a professores, funcionários,
estudantes e seus pais, de modo que os julgamentos e
demandas daí oriundos fundamentassem as políticas
educacionais. (CUNHA, 1999, p. 166)
Com esse intuito, realizou-se o Congresso Mineiro de Educação, que
teria a intenção de mobilizar todas as escolas - municipais e estaduais para a
definição de metas educacionais. Seus objetivos consistiam em diagnosticar a
situação educacional do Estado de Minas Gerais, conhecer as propostas
pedagógicas desenvolvidas nas escolas, e sistematizar as propostas das várias
categorias de pessoal para o estabelecimento de uma política de educação.
Inúmeras propostas foram postas em prática a partir do Congresso,
dentre elas: a delegação de competência às delegacias regionais para que,
juntamente com as comissões municipais e demais órgãos educacionais,
pudessem dinamizar as propostas das unidades escolares e comissões
municipais, e a criação de uma comissão de diretores de cada Delegacia
Regional
de
Ensino,
eleitos
democraticamente,
para
acompanhar
o
encaminhamento e a execução das propostas do I Congresso Mineiro de
Educação.
{PAGE }
A experiência do Congresso incentivou a organização de colegiados nas
unidades escolares, que deveriam ser formados pelo diretor da escola – como
presidente, e por representantes dos trabalhadores das unidades escolares,
alunos, responsáveis pelos alunos e “grupos comunitários”.
Outro resultado foi a revitalização das escolas normais previsto no Plano
Mineiro de Educação pelo qual 31 Escolas Normais da rede estadual foram
transformadas em Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério –
CEFAM, que, dentre outros projetos, realizou, em convênio com universidades,
a habilitação de professores leigos em exercício no segundo segmento do
ensino de 1º grau.
Embora a experiência implementada pela Secretaria Estadual de
Educação de Minas Gerais no Governo Tancredo Neves (1982-85) e Hélio
Garcia (1985-86) tenha sido de incontestável importância, Cunha (1999, p. 187)
destaca como muitas das conquistas desse período se perderam:
Nas eleições de novembro de 1986 para o governo do estado,
o candidato do PMDB, Newton Cardoso, venceu as eleições,
beneficiando-se de práticas populistas sem precedentes em
Minas Gerias e não assumiu compromisso algum com as
políticas educacionais formuladas e implementadas pela
equipe de Tancredo Neves.
(...)
A política educacional do governador Newton Cardoso (se se
pode chamar assim às medidas que foram sendo tomadas na
área) resultaram uma completa demolição do que havia sido
erigido na gestão anterior.
Não há elementos suficientes para que possamos avaliar a concepção
de autonomia buscada naquele período; contudo, talvez a experiência de
Minas Gerais, ao estimular a participação ativa da “comunidade escolar”18 na
elaboração das políticas educacionais do Estado, tenha sido a que mais perto
chegou da democratização da participação no espaço escolar.
No caso do Estado de São Paulo, André Franco Motoro, eleito
governador, também pelo PMDB, em 1982, trazia em sua proposta de governo
18
Entendemos por comunidade escolar o conjunto dos membros que interagem direta ou
indiretamente com o cotidiano das unidades escolares, nesse sentido são integrantes da
comunidade escolar todos os professores, funcionários, alunos e seus responsáveis além de
representes da localidade.
{PAGE }
a promessa sobre três princípios básicos que iriam reger sua atuação:
“participação, descentralização e criação de empregos”.
A secretaria de educação foi ocupada inicialmente por Paulo de Tarso
Santos, que, além da realização de um Fórum Estadual de Educação e a
incorporação do ciclo básico no ensino de 1° grau, iniciou a discussão sobre o
novo estatuto do magistério.
Nos primeiros dias de sua atuação, Paulo de Tarso divulgou um
“Documento Preliminar” para discussão na rede estadual de ensino, propondo:
rumos e possíveis soluções para o debate pelos integrantes do
magistério, compreendendo os seguintes tópicos: qualidade de
ensino, plano de melhoria do ensino, situação do magistério,
ensino de 1º grau, ensino de 2º grau, autonomia da escola”.
(CUNHA, 1999, p. 197)
Partindo da constatação da histórica escassez e má qualidade da escola
pública de 1° grau, o então secretário de educação defendia que:
[...] cada escola, [...], procedesse à identificação dos problemas
que impediam a melhoria do ensino e à reformulação das
possíveis soluções. [...] Neste sentido, a ação da Secretaria de
educação consistiria na criação de condições de sustentação e
apoio ao plano de cada escola. (Id., p. 198)
A intenção de propiciar o debate e o surgimento de propostas a partir do
Documento Preliminar fracassou pois,
Como não havia uma direção, no sentido político e pedagógico
do termo, a Secretaria viu-se afogada numa avalancha de
propostas e reivindicações, que chegavam aos milhares, desde
pedidos de cães de guarda para as escolas até complicados
mecanismos de classificação de cargos”. (Ibid).
O segundo secretário de educação, Paulo Renato Costa Souza,
empossado em 1984, deu continuidade a implantação do ciclo básico e liderou
a implementação do novo estatuto do magistério, que promoveu, dentre outras
modificações, a criação dos conselhos de escola.
Os conselhos eram compostos pelo diretor da escola como presidente,
professores, especialistas e funcionários representando metade dos membros
e, ainda, pais e alunos compondo a outra metade do conselho. Eram de caráter
deliberativo e deveriam ser renovados anualmente.
{PAGE }
Dentre as principais atribuições do conselho, constava: a) a deliberação
sobre diretrizes e metas das escolas, soluções para problemas administrativos
e pedagógicos, integração escola-família-comunidade, definição de prioridades
para aplicação de recursos da escola e sobre a disciplina de funcionários,
servidores e alunos; b) elaborar o calendário escolar; e c) analisar o
desempenho da escola através da apreciação dos relatórios anuais.
Embora a proposta tenha sido inovadora, os conselhos funcionaram em
poucas escolas devido principalmente:
[...] não só a tradição de impermeabilidade da escola diante
dos pais, até mesmo para as mais simples informações, como
também a prioridade que a população dava a outros serviços
públicos (como saúde) e à solução de problemas mais
imediatos (como salário e moradia) quando a participação
tornava-se uma possibilidade objetiva e subjetivamente
reconhecida. (id.)
Em maio de 1986, o terceiro secretário de educação do mandato
Montoro, José Aristodemo Pinotti, assumiu a Secretaria e, a partir de então,
empreendeu o Programa de Formação Integral da Criança – PROFIC, na qual
destacava-se a implantação do regime de 8 horas diárias para o pré-escolar e
para o 1º grau.
A rejeição ao PROFIC se deu inicialmente a partir da própria Secretaria
Estadual de Educação. Segundo Cunha (1999, p. 206), a Professora Mirian
Jorge Warde, titular da Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana de
São Paulo, foi demitida pelas críticas atribuídas ao Programa.
Dizia ela que, como o PROFIC não era um programa de
construção, como o dos CIEPs do Rio de Janeiro, ele não
poderia beneficiar as crianças que pretendia, já que 40% das
escolas estaduais de 1° grau da Grande São Paulo
funcionavam em regime de quatro turnos diários, superlotadas,
sem espaço disponível que pudesse ser ocupado pelos alunos
em regime de tempo integral.
Na gestão do Governador seguinte, Orestes Quércia, apesar de o
PROFIC ter sido desativado, manteve-se “a orientação geral do ciclo básico e
até se corrigiram os equívocos do PROFIC e do Estatuto do Magistério, ...”
(CUNHA, 1999, p. 222).
{PAGE }
Também no Estado de São Paulo, houve importantes iniciativas
direcionadas a ampliar a participação no espaço escolar. Faltou, contudo o
combate às causas que impediam a participação da comunidade na gestão
escolar.
No caso do Estado do Paraná, José Richa, eleito também pelo PMDB,
tomou posse em março de 1983, permanecendo como governador até 1986,
quando assume seu vice, João Elisio Ferraz de Campos.
No campo educacional, suas propostas constituíram:
[...] uma mistura bastante heterogênea de formulações gerais e
propostas específicas. Defendia uma especial “tarefa da escola
numa educação libertária”, para o que se previa a atribuição
“aos grupos sociais organizados a responsabilidade de forjar
seus próprios destinos” e a criação de mecanismos para que a
“comunidade escolar” (pais, mestres, estudantes e servidores)
passassem a ter “participação decisiva na escolha da direção
dos estabelecimentos oficiais de ensino, mediante o sistema de
eleições diretas, nas escolas de todos os níveis de ensino”.
(CUNHA, 1999, p. 233).
Em maio de 1983, Gilda Poli assume a Secretaria Estadual de Educação
e divulga, em seguida, o texto Políticas SEED/PR – fundamentos e explicitação
contendo as propostas de políticas a serem implementadas em seu mandato.
O objetivo principal consistia em assegurar o acesso e a permanência
dos alunos à escola e, principalmente, garantir a qualidade do ensino. Dessa
forma,
[...] o desafio aos professores [era] oferecer às camadas
populares [...] o saber que é oferecido às classes com maior
poder aquisitivo”. A finalidade era a “reconstrução social”, isto
é, a escola deixar de contribuir, pela educação, para que a
maioria da população continuasse a ser alijada dos processos
decisórios,
administrativos,
políticos,
científicos
ou
tecnológicos, em nome de sua “ignorância” ou “incompetência.
(Id., p. 234)
A Secretaria de Educação via a participação popular - ou das
comunidades - como forma de promover a democratização do poder e,
portanto,
[...] insistia para que os professores se propusessem a
aprender junto com os pais, os alunos, os elementos da
“comunidade”, das associações e dos sindicatos, e a ensinar
através de atos objetivados na prática quotidiana o verdadeiro
{PAGE }
significado de governo (ou direção) participativo dos processos
educacionais. (Ibid, p. 235)
Nesse sentido, buscou-se realizar a descentralização da Secretaria de
Educação e a valorização docente. A descentralização administrativa da
Secretaria se deu principalmente, via
“... transferência dos núcleos regionais que tinham sede em
Curitiba para vinte microrregiões. [...] Os núcleos receberam
atribuições novas, como a distribuição de aulas extraordinárias
e de recursos financeiros com verbas de pronto pagamento”.
(Ibid, p. 236)
E a valorização do professorado foi realizada através da:
[...] melhoria do salário, a melhoria das condições físicas no
local de trabalho, tempo pago para a preparação das aulas,
possibilidade de realização de cursos de aperfeiçoamento,
quadro de carreira, concursos públicos, e outras. (Ibid, p. 235)
Em 1993, havia cerca de um milhão e meio de estudantes no ensino de
1º grau no Estado do Paraná. As escolas estaduais atendiam a 56% dos
alunos mas somente 7% da rede estava localizada na zona rural. Eram as
escolas municipais as maiores responsáveis pelos alunos dessa região. Tais
escolas eram, em sua maioria, feitas de madeira e com “uma só sala e um só
professor, situação de cerca de onze mil dos quatorze mil prédios escolares
nos quais se ministrava o ensino de 1º grau no Paraná”. (Cunha, 1999, p. 236)
Diante desse quadro
O governo estadual optou por uma política de expansão do
ensino de 1° grau que priorizava a transferência de recursos
para as prefeituras por intermédio da FUNDEPAR, com a
justificativa de que a compra de material de construção no
local, a contratação e a fiscalização das obras pelo município,
assim como o emprego da mão-de-obra local eram
providências que poderiam reduzir o custo de uma escola em
50% do que se gastaria se a mesma fosse feita pelo governo
do estado. Em conseqüência, parte das novas escolas
construídas ficou com a rede estadual e parte com as redes
municipais. (Id.)
A descentralização continuou a ser incentivada juntamente com a
priorização da expansão do ensino de 1º grau. Nesse sentido, celebrou-se um
convênio entre o governo estadual e 306 municípios que previa:
[...] a transferência de recursos para pagar treze mil
professores e pessoal de apoio contratados pelas prefeituras,
mas que trabalhavam em escolas da rede estadual, [...]
{PAGE }
A FUNDEPAR, encarregada de gerenciar os recursos federais
para a merenda, modificou os critérios de distribuição de modo
a substituir os procedimentos clientelísticos até então
praticados, por um mecanismo de remessa automática dos
alimentos, conforme o número de alunos, [...]. (Ibid. p. 237)
O êxodo rural no Paraná interferiu, contudo, no processo de expansão
do ensino de 1° grau. Segundo Cunha (1999, p. 238-9),
[...] o estado passava por um processo intenso de
concentração da propriedade fundiária, de capitalização
acelerada do campo, que resultava em intensas correntes
migratórias da população expulsa da zona rural para as
cidades ou mesmo para fora de suas fronteiras. [...] Como
resultado, a população rural diminuía e as escolas ficavam
vazias, enquanto as das cidades eram superlotadas.
A experiência do Estado do Paraná no campo educacional ficou ainda
conhecida pelas iniciativas de modificar os regimentos escolares, de forma a
buscar eliminar traços de autoritarismo presentes e pela proposição de eleições
diretas para diretores das unidades escolares.
Apesar de ter tido como objetivo a remoção do caráter autoritário do
texto legal, as mudanças nos regimentos geraram críticas e discordâncias em
parte do professorado e nos diretores, o que levou a Secretaria de Educação a
propor que “no segundo semestre de 1986, se iniciasse a elaboração de novos
regimentos, pretendendo que cada escola elaborasse o seu, reunindo
professores, funcionários, pais e alunos”. (Id. p. 245)
Embora as primeiras eleições para diretores tenham ocorrido em 17 de
junho de 1983, com a participação de aproximadamente 70% dos pais de
alunos, a Associação dos Professores do Paraná contrapôs-se ao processo
eleitoral alegando que a escolha dos diretores não se daria diretamente, mas
por intermédio de uma lista tríplice da qual a Secretaria de Educação
escolheria o nome que lhe conviesse. Outra problemática levantada pela
Associação, dizia respeito à eleição para diretores com voto igualitário entre
professores, alunos do 2º grau e pais de alunos do 1º grau. Reivindicava-se
que o voto de professores deveria valer pelo menos a metade do total de votos.
Diante das reivindicações docentes e da pressão político-partidária para
a nomeação de determinados candidatos das listas tríplices, a Secretaria de
Educação passou a apoiar a eleição direta para diretor de escola, incentivando
{PAGE }
a apresentação de projeto de lei nesse sentido. Finalmente, a Lei (PR) 7.691,
de 21 de novembro de 1984, garantiu a eleição direta para diretor.
As experiências anunciadas mostraram que nem sempre os conceitos
de autonomia e descentralização figuraram como sinônimos nas políticas
educacionais. Embora a Lei 5692/71 em Parágrafo único determinasse a
“progressiva passagem para a responsabilidade municipal de encargo e
serviços de educação, especialmente de 1º grau, que pela sua natureza
possam ser realizados mais satisfatoriamente pelas administrações locais....”
(Brejon, 1974, p. 241) houve, no período ditatorial, a descentralização de
funções executivas para Estados e Municípios e em contrapartida, uma
centralização cada vez maior de funções decisórias no nível federal.
No período da chamada redemocratização brasileira, iniciado com o
mandato do primeiro Presidente civil após o término da ditadura militar (196485), o acesso ao ensino obrigatório permaneceu como um dos maiores
desafios a serem enfrentados pelas novas propostas políticas19.
No I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República 1986/1989
previu-se o desenvolvimento do Programa Descentralização e Participação,
que tinha como justificativa combater a excessiva centralização dos recursos
públicos; a morosidade no que dizia respeito à destinação de recursos para
atividades educacionais e, propiciar a “participação de todos os cidadãos na
formulação e implementação das políticas educacionais” (Id., p. 271).
Segundo Rosar, (2002, p. 128):
A mesma direção das ações desenvolvidas durante os
governos militares manteve-se no período pós-ditadura, no que
diz respeito ao “fortalecimento do processo de municipalização
do ensino [...].
Nesse sentido Cunha (1999, p. 267) afirma que:
19
Segundo BARRETO e ARELARO (1986, p. 14) “O ensino municipal, ao atender sobretudo os
segmentos mais marginalizados da sociedade, em particular os residentes nas áreas rurais,
constitui a mais pobre e precária das redes de ensino no país. A maioria de suas escolas é de
professor único, com classe multisseriada funcionando na casa do professor ou em
dependência cedida pela comunidade. De tão pobres que são, essas redes de ensino
costumam não ter sequer rede física. Assim, das 139.415 unidades escolares de uma sala só,
existentes no Brasil, em 1979, 107.649 (77%) pertenciam às redes municipais.
{PAGE }
No que dizia respeito à transferência de recursos federais para
os níveis inferiores da administração, o MEC levou ainda mais
longe as práticas do último governo militar, de só efetivá-las
para os municípios “fiéis” às orientações político-partidárias dos
ministros, diretamente, sem a intermediação dos governos
estaduais”.
Com relação à elaboração da nova Constituição Federal, ainda em 1985
o Presidente José Sarney criou uma Comissão de Estudos Constitucionais
para elaborar um anteprojeto de Constituição. O anteprojeto foi amplamente
criticado, levando o Presidente da República a não encaminhá-lo para a
Assembléia Nacional Constituinte, que, por sua vez, determinou que a
elaboração da Lei Maior não partiria de qualquer anteprojeto.
As
propostas
educacionais
para
a
nova
Constituição
Federal
representavam diversas correntes de pensamento que se aproximavam, de
acordo principalmente, com a defesa ou o ataque à destinação de recursos
públicos exclusivamente para as instituições públicas de ensino. Várias
propostas foram apresentadas à Assembléia Constituinte, dentre elas a que
resultou dos trabalhos do Fórum Nacional da Educação na Constituinte em
Defesa do Ensino Público e Gratuito20.
A disputa em torno das propostas levadas à Assembléia Constituinte
resultaram, nas palavras de Cunha, (1999, p. 441) na garantia da:
[...] transferência de recursos públicos para as instituições
privadas de ensino sem fins lucrativos, como queria a emenda
CNBB/AEC/ABESC, sem que os beneficiados tivessem,
entretanto, as obrigações de reaplicação dos excedentes do
rendimento (dos lucros, sem eufemismo) na qualidade do
ensino, nem de prestação de contas à “comunidade” [...].
Com relação ao processo de municipalização em andamento antes
mesmo do início dos trabalhos da ANC, a Constituição Federal de 1988 é
freqüentemente apontada como sua incentivadora nos artigos 30 e 21121.
20
Integravam o Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e
Gratuito as seguintes entidades: ANDES, ANPEd, ANDE, CEDES, CONSED, ANPAE, CPB,
CGT, CUT, FASUBRA, OAB, SBPC, SEAF, UBES e UNE.
21
“Art. 30, inciso VI - Compete aos municípios: - manter, com a cooperação técnica e financeira
da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; e Art.
211, § 2º - Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação
infantil”.
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Contudo, concordamos com Davies (1992) quando afirma que essa
interpretação está equivocada pois a própria Constituição Federal, no Art. 208,
prevê como dever do Estado a garantia do ensino fundamental e pré-escolar,
agora educação infantil; a CF não estipula a desobrigação dos Estados para
com o ensino fundamental e tampouco a transferência de sua responsabilidade
para as prefeituras; a determinação da CF sobre a atuação dos municípios
prioritariamente no ensino fundamental e educação infantil não visa impedir a
atuação de Estados e da União nestes níveis, mas evitar a atuação das
prefeituras no ensino médio e superior sem que tenham dado conta do ensino
fundamental e da educação infantil. O autor argumenta ainda que a CF não
prevê que o ensino fundamental e a educação infantil sejam responsabilidade
prioritária dos Municípios, mas sim que estes atuarão prioritariamente nesses
segmentos.
Nesse sentido, após a CF de 88, Estados e Municípios atuavam no
ensino fundamental de acordo com seus acertos até que o debate em torno da
municipalização foi retomado com bastante vigor, a partir da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (9394/96) e do Fundef (9424/96)22. A
municipalização passa, a partir de então, a ser defendida como uma das
principais formas de descentralizar o poder de decisão sobre a gestão das
unidades escolares através da transferência de sua gerência didático/financeira
para os municípios.
Oliveira (2002) enfatiza que, no contexto da década de 1990 no Brasil,
ocorreram
educativas.
mudanças
Essas
mais
reformas
peculiares
são
nas
orientações
caracterizadas,
das
reformas
principalmente,
por
“orientações administrativas cujo referencial é a realidade desenvolvida nas
empresas privadas” (Oliveira,1997, p. 91). Tais orientações vêm a se traduzir,
segundo a autora, no que diz respeito à gestão da educação pública, na
“desregulamentação de serviços e na descentralização dos recursos,
posicionando a escola como núcleo do sistema”.(Id.)
22
Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério.
{PAGE }
Verifica-se, a partir dessa perspectiva, que algumas ações dos órgãos
centrais do nosso sistema educacional – Ministério da Educação e Secretarias
Estaduais e Municipais – são deslocadas diretamente para as escolas, que na
nova ordem passam a se constituir em núcleos de execução, tornando-se um
dos determinantes da descentralização.
No Planejamento Político Estratégico de 1995 a 1998 do Ministério da
Educação e do Desporto destaca-se, dentre outras, a seguinte meta:
- a progressiva transformação do MEC num organismo eficaz
de formulação, coordenação e acompanhamento de políticas
públicas na área educacional, e a conseqüente redução de seu
papel executivo. (BRASIL/MEC, 1995, p. 4)
De acordo com o referido documento, a política do MEC se baseava no
princípio de que:
A heterogeneidade e as dimensões continentais do país,
agravadas pela escassez de recursos, reafirmam a
descentralização da execução como o caminho mais correto
para alcançar os objetivos em cada área. Nesse sentido, o
grande desafio é articular, através de uma política clara de
financiamento/estímulo/orientação/avaliação, as redes de
atendimento federal, estaduais, municipais e privadas. (MEC,
1995, p. 05).
As medidas implementadas nesse período (2ª metade da década de 90)
pelo governo federal - via Ministério da Educação - objetivando fortalecer o
processo de descentralização já em curso concentraram-se em quatro planos
norteadores: 1 - no plano pedagógico, 2 - na dimensão dos recursos e gastos,
3 - no plano da regulação e supervisão do ensino, e 4 - no plano do incremento
da política de descentralização, principalmente dos programas federais de
apoio ao ensino fundamental.
Com relação ao 4º plano norteador, referente às ações de incremento da
política de descentralização, Draibe (2001) destaca como seus integrantes:
•
os programas da merenda escolar - Programa Nacional de
Alimentação Escolar,
•
23
dinheiro na escola - Programa Dinheiro Direto na Escola23
O PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola destaca-se dos demais por prometer a
viabilização da autonomia das unidades escolares no decorrer de sua implementação e
execução. Sua peculiaridade o torna alvo de nosso estudo no capitulo 2.
{PAGE }
•
e a TV-Escola - programa de capacitação docente à distância.
Tal como alegado por diversos autores, entendemos que as políticas
implementadas no final do século XX têm sido fortemente influenciadas por
prescrições de organismos internacionais.
Lima (2002, p. 43) alerta, porém, para o fato de que:
A história destas organizações [Banco Mundial e FMI] está
ligada ao aspecto financeiro, ao fornecimento de empréstimos
aos países periféricos, mas, sobretudo, ao controle econômico,
cultural e político que exercem com os países credores a partir
da exigência de cumprimento de condicionalidades, travestidas
pela imagem de assessorias técnicas.
O fator de maior gravidade consiste no fato de que a exigência da
redução de gastos públicos recai nas políticas sociais e no campo educacional,
inviabilizando a expansão e a melhoria da qualidade da educação pública.
A chegada do século XXI traz algumas novidades no que concerne a
propostas do novo governo24, que, porém, não inovam em seus objetivos e
perpetuam a intencionalidade das reformas postas em prática anteriormente.
No que diz respeito à continuidade e até mesmo ao aprofundamento da
descentralização nos programas/projetos educacionais no governo Lula, há
indícios de que o Ministério da Educação vem incentivando de forma extensiva,
parcerias com Organizações Não-Governamentais - ONGs. Segundo dados do
Manual de orientações para assistência financeira a programas e projetos
educacionais – 2004, desde o ano 2000 o MEC através do FNDE vem
repassando, de forma ininterrupta25, recursos para ONGs, como o que está
previsto para o Programa Nacional de Transporte Escolar26.
Enfatizar a participação social ou a ação voluntária parece ser o lema e
a diretriz para os projetos educacionais voltados para o financiamento e gestão
24
Mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).
No ano de 2003 foram repassados R$ 4.536.947,65 no âmbito do FNDE para 182 ONGs.
(Sítio do FNDE consultado em 13/06/05)
26
“O Programa Nacional de Transporte Escolar – PNTE consiste na assistência financeira para
aquisição de veículos automotores de transporte coletivo, zero quilômetro, destinados,
exclusivamente, ao transporte diário dos alunos com necessidades educacionais especiais,
mantidos por Organizações Não-Governamentais – ONG, filantrópicas e sem fins lucrativos,
mantenedoras de escolas especializadas do ensino fundamental, de modo a garantir o seu
acesso à escola”. (MEC/FNDE, 2004, p. 29)
25
{PAGE }
das unidades escolares. Segundo o texto de apresentação do referido Manual
de 2005:
[...] este Manual estabelece as orientações e diretrizes para a
elaboração e a apresentação de projetos educacionais que
tenham por finalidade pleitear recursos financeiros oriundos
das transferências voluntárias, realizadas pelo MEC/FNDE,
promovendo ações supletivas e redistributivas a estados,
municípios e organizações não-governamentais para o
exercício de 2005. (MEC/FNDE, 2005, p. 10).
Nesse sentido, tem-se apostado na descentralização até mesmo de
funções antes consideradas estratégicas para órgãos governamentais. É o que
ocorreu em caso divulgado pela mídia em julho de 2004, em que uma
Organização Não-Governamental assumiu a Secretaria de Educação de uma
cidade mineira27.
Não nos propusemos aqui a uma avaliação dos projetos/ações do novo
governo, mas consideramos fundamental destacar que, em nome da
descentralização de funções do MEC e do discurso de incentivo à participação
social, estimula-se cada vez mais a interferência de ONGs no funcionamento
das Instituições escolares. O próprio Manual de Orientações para assistência
financeira a programas e projetos educacionais de 2004, bem como o de 2005,
incluem as ONGs, juntamente com estados, Distrito Federal e municípios, na
ordem de possíveis elaboradores de projetos a serem financiados pelo MEC.
Nesse sentido, destacamos que um dos argumentos mais utilizados em
prol da “urgência” de um projeto descentralizador, não só para a esfera
educacional, mas para o próprio Estado brasileiro, é a percepção da
descentralização enquanto processo de modernização e reestruturação, como
único
caminho
possível
para
“...
vencer
a
crise
fiscal,
retomar
o
desenvolvimento e adquirir credibilidade para o enfrentamento da dívida
externa com soberania”. (Mello, 1990. p. 6).
Os autores estudados destacam a ambigüidade conceitual com que a
questão da autonomia e portanto da descentralização vem sendo tratada e
contra-argumentam as principais teses levantadas por defensores das políticas
27
Revista Isto É, Edição 1816 de 28/07/2004. Para sair da UTI - ONG assume Secretaria de
Educação de cidade mineira e cria projeto para superar dificuldades de aprendizagem. Rita
Moraes.
{PAGE }
descentralizadoras, quais sejam, a descentralização como promotora da
democratização, como propiciadora de maior eficiência das políticas públicas e
como indutora da valorização da dimensão local. Tais argumentos não podem
continuar sendo anunciados como resultados de reformas descentralizadoras,
pois são contestados tanto no âmbito conceitual da formulação das políticas,
como nas experiências realizadas.
Argumentamos, portanto, que o conceito de autonomia sofre profundas
transformações no que concerne a seu entendimento, tanto na comparação a
que nos propusemos – na primeira parte desse capítulo - entre sua origem
epistomológica e a interpretação utilizada nas políticas do final do século XX,
como entre as próprias propostas dos anos 90, que apresentam profundas
distorções quanto à interpretação do conceito.
Chamamos atenção para o fato de que os conceitos de descentralização
e municipalização aparecem nas atuais propostas de reforma da política
educacional brasileira interligadas à concepção “utilitária” de autonomia, sendo
classificados como o caminho, quase que exclusivo, para atingir o ideal
autônomo.
Concluímos, portanto, com a perspectiva de que, tal como defende
Coraggio (1992), a descentralização pode constituir um importante instrumento
de implementação de políticas públicas voltadas para a democratização, para o
aperfeiçoamento das instituições e até mesmo para a valorização do âmbito
local. Argumentamos, contudo, que enquanto instrumental, a descentralização
não poderia ou deveria constituir-se como foco das políticas. A questão está no
objetivo das reformas - reformar para descentralizar ou reformar para
democratizar, para melhorar a qualidade da educação e para propiciar a efetiva
autonomia das unidades escolares?
{PAGE }
Capítulo 2 - A autonomia das unidades de ensino segundo as atuais
políticas educacionais brasileiras
“É a concretização de princípios
democráticos nas instituições políticas de
cada nível de governo que define seu
caráter, e não a escala ou âmbito das
decisões” (ARRETCHE, 1997: p. 132).
O presente capítulo tem como objetivo explicitar a(s) perspectiva(s) de
autonomia traduzida(s) nas principais políticas públicas em vigor voltadas direta
ou indiretamente para as unidades escolares, com destaque para a realidade
do Município e do Estado do Rio de Janeiro28. Para tanto, tratamos das
propostas presentes na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, no Plano Nacional de Educação e no Programa Dinheiro
Direto na Escola. No âmbito estadual, estudamos a Constituição do Estado do
Rio de Janeiro e a chamada Lei da Autonomia e, no Município do Rio de
Janeiro, nos debruçamos em sua Lei Orgânica e na proposta do chamado
Sistema Descentralizado de Pagamentos, que estabelece critérios para a
utilização de recursos destinados às escolas municipais.
2.1- As propostas federais
2.1.1 – A Constituição Federal29
Na CF de 5 de outubro de 1988, a questão da autonomia propriamente
dita não figura como uma das mais recorrentes. O termo autonomia é destaque
apenas no Art. 207, referindo-se exclusivamente à autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades.
28
O Município e o Estado do Rio de Janeiro constituíram o espaço de investigação da forma
pela qual as políticas proponentes da autonomia escolar são compreendidas e vivenciadas por
professores atuantes em salas de aula e por profissionais envolvidos com a administração
escolar propriamente dita.
29
A composição da CF, no que concerne ao campo educacional, foi apresentado no capítulo
anterior. Focalizaremos aqui a autonomia escolar na CF.
{PAGE }
Contudo, no Art. 206, onde são definidos os princípios em que se
baseiam o ensino nacional, o inciso VI prevê a “gestão democrática do ensino
público, na forma da lei”.
Para Pinheiro (2001), o fato do princípio da gestão democrática referir-se
somente ao ensino público no texto constitucional, representa um retrocesso
em relação ao debate estabelecido no processo constituinte. Segundo a autora:
Outras duas modificações, atendendo aos interesses do grupo
privado [...], foram as referências apenas ao ensino público
quando se tratasse do “plano de carreira” e da “gestão
democrática do ensino”. Com isso, a escola privada ficou
excluída desses princípios gerais, configurando-se assim a
concepção de dois sistemas de ensino distintos, onde
princípios fundamentais vigoraram apenas para o setor público.
Contraditoriamente, quando se tratou do uso de recursos
públicos, o grupo privado procurou tornar-se semelhante ao
público. (id., p. 283)
Para Oliveira (1996), a incorporação do princípio da gestão democrática
do ensino público ao texto constitucional se deu principalmente através de
reivindicações do movimento docente, que tinha como bandeira a eleição direta
para diretores das escolas. Nesse sentido, Tavares (1990, p. 49 apud
OLIVEIRA, p. 23) considera que:
[...] o princípio da gestão democrática do ensino público é
inédito na história da educação brasileira. [...] De certa forma,
ninguém, naquele momento, teve a ousadia de negar a gestão
democrática enquanto princípio, talvez porque o próprio
processo de elaboração da nova Constituição representava o
resgate da democracia no país.
Embora Pinheiro (2001) entenda que, ao excluir o ensino privado, o Art.
206 representa um ganho para este setor, muito mais do que para as escolas
públicas propriamente ditas, entendemos que a CF de 1988 cria precedentes
para que seja levada adiante a efetivação da autonomia das unidades
escolares. Partimos desse pressuposto entendendo que a gestão democrática,
embora não seja garantia, é condição fundamental para o alcance da
autonomia da escola e que, uma vez garantido na CF, caberia à LDB, o
aprofundamento do princípio da gestão democrática e o estabelecimento das
formas pelas quais esse princípio se efetivaria ao menos nas escolas públicas.
Contudo, como veremos a seguir, nem a LDB promulgada, tampouco o PNELei tratam do princípio da gestão democrática de forma aprofundada.
{PAGE }
Outras questões tratadas na CF que entendemos como diretamente
relacionadas ao debate sobre a autonomia escolar dizem respeito ao
estabelecimento de uma base curricular comum para o ensino fundamental e a
oferta do ensino religioso em escolas públicas.
O Art. 210 da CF determina que: “Serão fixados conteúdos mínimos para
o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Segundo
Cunha (1999), essa determinação converge com as reivindicações de
educadores progressistas que, à época da constituição do texto legal,
defenderam uma base comum nacional para o ensino, em contraposição à tese
do regionalismo e do localismo como determinantes curriculares30.
Referindo-se ao § 1° do mesmo Art., em que o ensino religioso, embora
com matrícula facultativa, passa a constituir disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, Cunha (1999, p. 451) afirma que:
O texto constitucional se confronta com as reivindicações dos
educadores progressistas de que o ensino público seja
totalmente laico. [...] Com isso, incorporou a demanda dos
grupos clericalistas e dos conservadores em geral.
Entendemos que a imposição legal da presença do ensino religioso na
escola pública cerceia a autonomia da escola pois, ainda que abandonemos o
referencial progressista31 e pensarmos a autonomia da escola com base no
referencial de valorização da localidade, a imposição do ensino religioso em
escolas públicas, pode discriminar estudantes de localidades em que não há a
prevalência de indivíduos religiosos.
Como veremos a seguir, houve a tentativa de estruturação de uma LDB
pautada no processo democrático em sua constituição e na perspectiva da
democratização do espaço escolar (principalmente da escola pública).
Contudo, um atropelamento dessas ações e intenções possibilitou o
30
A questão é bastante polêmica pois, como veremos no capítulo 3, alguns professores
entrevistados, defendem que a escola deveria definir o conteúdo programático a ser
trabalhado, exclusivamente de acordo com aspectos relacionados à localidade da escola e à
realidade dos alunos.
31
A defesa do ensino público, gratuito e laico conforme o Fórum Nacional da Educação na
Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito.
{PAGE }
prevalecimento de uma LDB omissa ou superficial em questões importantes,
como a eleição de diretores das unidades escolares.
3.1.2 – A LDB - Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996 e suas versões
antecessoras.
O clima de re(democratização) do país e o processo constituinte
impulsionaram anseios por novas diretrizes para o ensino nacional. As
experiências de “gestão” democratizadora nas prefeituras e nos estados que
elegeram
seus
governantes32
mostraram
a
necessidade
da
construção/elaboração de novos parâmetros legais, que considerassem as
novas perspectivas e necessidades da educação brasileira.
Já em 1987, em meio ao processo de elaboração das propostas
educacionais a serem incorporadas no texto constitucional, deu-se início ao
movimento em prol da elaboração do que seriam as novas diretrizes e bases
da educação nacional.
Tendo sido promulgada a CF em 5 de outubro de 1988, o Deputado
Octávio Elíseo, do PSDB de MG, apresentou à Câmara Federal, em dezembro
do mesmo ano, o primeiro projeto de lei de LDB que recebeu o nº 1.258-A/88.
Embora o texto do projeto tenha resultado, em parte, da mobilização de
um setor progressista da comunidade educacional, não há nele menção sobre
a autonomia das unidades escolares. Tendo em vista tal omissão, poderíamos
interpretar que essa e outras questões seriam definidas em um Plano Nacional
e nos Planos Estaduais e Municipais de Educação.
Art. 15 – As linhas mestras da administração da educação
serão definidas no Plano Nacional de Educação e nos Planos
Estaduais aprovados de 4 em 4 anos pelos respectivos
Conselhos de Educação.
Ao projeto de lei 1258-A/88 foram anexadas 3 emendas do próprio autor,
7 projetos completos de LDB, 17 projetos sobre aspectos específicos da
32
Conforme estudado no capítulo anterior.
{PAGE }
educação nacional e 978 emendas de diversos deputados.
Saviani (2000, p. 57) destaca que
[...] além dessas propostas formalmente registradas na Câmara
dos Deputados, é preciso mencionar que um número incontável
de sugestões dos mais distintos locais também foi levado à
consideração do relator.
A “comunidade” educacional organizou-se através do Fórum em Defesa
da Escola Pública na LDB, que reunia cerca de 30 entidades de âmbito
nacional33. A Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos
Deputados, em 28 de junho de 1990, aprovou o texto substitutivo que ficou
conhecido como “substitutivo Jorge Hage”.
O substitutivo Jorge Hage defende o princípio da gestão democrática em
vários momentos do texto34. O Art. 7º, inciso VI, prevê a gestão democrática
como princípio da educação escolar, abrangendo, portanto, o ensino particular
e não somente o ensino público. Na perspectiva do Substitutivo, as instituições
privadas são incorporadas ao Sistema Nacional de Educação, o que pode ser
considerado um avanço em relação à CF.
O Art. 9° trata dos objetivos e normas do Sistema Nacional de
Educação, dentre os quais: a administração democrática da política
educacional; a participação da comunidade educacional e o fortalecimento das
unidades escolares através da descentralização dos processos de decisão e
execução.
No Art. 15, propõe-se que os sistemas de ensino de Estados e
Municípios se pautem, em sua organização e composição, pelos mesmos
princípios democráticos que o Sistema Nacional de Educação e que todo o
processo se dê através da forma colegiada e representativa, com a
participação das comunidades interna e externa.
33
Eram elas: “ANDE, ANDES-SN, ANPAE, ANPEd, CBCE, CEDES, CGT, CNTE, CNTEEC,
CONAM, CONARCFE (depois ANFOPE), CONSED, CONTAG, CRUB, CUT, FASUBRA,
FBAPEF, FENAJ, FENASE, FENOE (as duas últimas, depois, se integraram à CNTE), OAB,
SBF, SBPC, UBES, UNDIME E UNE, além das seguintes entidades convidadas: CNBB, INEP e
AEC”. Saviani (2000, p. 57).
34
Texto do “Substitutivo Jorge Hage” in Saviani (2000, p. 71).
{PAGE }
O Art. 21 retoma a discussão da elaboração do texto constitucional e
ousa impor, às instituições privadas de ensino que recebem recursos públicos,
as mesmas diretrizes viabilizadoras da democratização da gestão escolar
propostas às escolas públicas. Nesse sentido, conselhos compostos por
representantes das comunidades interna e externa à escola participariam
ativamente da administração escolar em todas as suas dimensões, incluindo-se
o aspecto pedagógico35 e a escolha dos dirigentes36.
No Art. 22, há referência direta à autonomia das unidades escolares
através da previsão de garantia, pelos órgãos normativos dos sistemas de
ensino, da autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira. A
autonomia de gestão financeira37 das escolas é entendida como: a
competência para o ordenamento e a execução de gastos rotineiros de
manutenção e custeio, excetuados os relativos a pessoal.
O Substitutivo Jorge Hage – PL 1.158-B de 1988, foi aprovado pela
Comissão de Educação em 28 de junho de 1990 passando ainda por diversas
comissões na Câmara dos Deputados e obtendo aprovação final em 13 de
maio de 1993.
Durante a tramitação do Substitutivo na Câmara, o senador Darcy
Ribeiro - PDT/RJ deu entrada a um Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, o PL 67/92, em 20 de maio de 1992, na Comissão de Educação do
Senado Federal38.
35
Estamos nos referindo à gestão do ensino conforme o texto legal, que inclui a discussão
ampla dos objetivos e prioridades anuais.
36
No caso das escolas públicas, haveria a opção pelo sistema de mérito através de concurso.
37
Não há menção sobre as concepções de autonomia pedagógica e administrativa da Lei.
38
“Numa sistemática de funcionamento bicameral como é o caso do Parlamento Brasileiro, um
projeto de lei pode ser apresentado e iniciar sua tramitação, (...), em qualquer uma das duas
casas do Congresso. Assim, se um projeto começa a sua tramitação na Câmara dos
Deputados, ao ser aprovado deverá seguir para o Senado que funcionará como casa revisora.
Uma vez aprovado no Senado, havendo alterações, o projeto deve retornar à Câmara para
deliberação final após a qual é encaminhado para sanção ao Presidente da República, que, por
sua vez, detém o direito de veto. Se houver vetos, o projeto deve retornar à Câmara, que pode
manter ou derrubar os vetos. Só então a lei é promulgada. Caso o projeto comece a tramitar no
Senado segue-se o mesmo processo, invertendo-se as posições; nessa hipótese é a Câmara
dos Deputados que desempenha o papel de casa revisora. Formalmente é possível também
que, estando um projeto tramitando em uma das duas casas, surja outro projeto sobre a
mesma matéria na outra casa. Nesse caso prevalece o projeto que for aprovado antes,
transformando a outra casa em câmara revisora”. (SAVIANI, 2000, p. 127).
{PAGE }
Conforme Saviani (2000, p. 129):
[...] o projeto do Senador tem por base uma concepção de
democracia representativa na qual a participação da sociedade
se limita ao momento do voto através do qual se dá a escolha
dos governantes. Uma vez escolhidos, estão eles legitimados
para tomar as decisões em nome de toda a sociedade, não
necessitando mais sequer consultá-la.
No PL 67/92 – Darcy Ribeiro, não há menção à questão da autonomia
escolar e, a gestão democrática aparece de forma limitada no Art. 3º inciso VII
tal como na Constituição Federal:
Art. 3º - O ensino é ministrado com base nos seguintes
princípios:
VII – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
O substitutivo Jorge Hage foi identificado no Senado como PLC –
Projeto de Lei da Câmara nº 101, de 1993, sendo seu novo relator na
Comissão de Educação, o senador Cid Saboia – PMDB/CE.
Dessa forma, apresentou-se um novo substitutivo, que “preservava a
estrutura do projeto aprovado na Câmara, tendo incorporado aspectos
aceitáveis do PLS 67, de 1992, de autoria do senador Darcy Ribeiro” (SAVIANI,
2000, p. 56), sendo encaminhado ao Plenário do Senado em 12 de dezembro
de 1994.
A troca ministerial do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, e
a entrada de Paulo Renato Costa de Souza no Ministério da Educação, causou
um retrocesso na tramitação do então substitutivo Cid Sabóia.
[...] Tal posição se manifesta quando, apenas iniciada a nova
Legislatura, o senador Beni Veras (PSDB-CE) apresenta
requerimento solicitando o retorno do projeto de LDB à
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. [...]
A relatoria do projeto na Comissão de Constituição e Justiça foi
assumida pelo senador Darcy Ribeiro. Consumada a manobra
regimental, o senador dá a conhecer seu parecer em 21 de
março de 1995 (SAVIANI, 2000, p. 159).
O relator Darcy Ribeiro alegou inconstitucionalidades no PLC 101/93 e
no substitutivo Cid Sabóia.
Diante de uma certa comoção que se seguiu à inteira mudança
de rumo a que fora conduzido o projeto de LDB, o senador
Ribeiro foi apresentando sucessivas versões de seu
{PAGE }
substitutivo incorporando emendas que atenuassem de algum
modo as resistências e o mal-estar provocados pela estratégia
acionada que ficou conhecida como “manobra regimental”.
(SAVIANI, p. 160)
A última versão foi aprovada pelo Senado em 8 de fevereiro de 1996 e
retornou à Câmara dos Deputados como substitutivo Darcy Ribeiro, sendo
aprovado, em 17 de dezembro de 1996, na íntegra, pela Câmara, sancionado e
promulgado como a nova LDB – Lei 9.394, em 20 de dezembro de 1996, pelo
Presidente FHC.
No que diz respeito à autonomia das unidades escolares, a Lei é
superficial e não traz em seu texto uma definição clara sobre como se efetivaria
a autonomia das escolas.
O Art. 3°, que define os princípios do ensino nacional, em seu inciso VIII
prevê a “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino”. Esse Artigo é extremamente importante
pois menciona a gestão democrática do ensino público sem referir-se à eleição
direta para diretores indicando, portanto, que não há no Brasil, salvo quando
previsto nas leis estaduais e/ou municipais, a obrigatoriedade da eleição de
diretores tanto em escolas públicas como privadas.
O art. 12, que trata das incumbências dos estabelecimentos de ensino,
encarrega as unidades escolares, dentre outras funções, da elaboração e
execução de sua proposta pedagógica e da administração de pessoal e dos
recursos materiais e financeiros, sem mencionar a participação coletiva nesse
processo.
O Art. 14 joga a responsabilidade pela definição de normas de gestão
democrática para os “sistemas de ensino”39 mas dita os princípios que deve
seguir a gestão democrática, a ser definida e implementada por estados e
municípios. Nesse sentido, são reivindicadas a participação dos profissionais
da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação
das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
39
Entenda-se estados e municípios.
{PAGE }
Embora o Artigo destaque a participação dos profissionais da educação
e das comunidades escolar e local, a referida participação é pré-definida, não
havendo indicação, por exemplo, sobre a participação dos conselhos,
constituídos com representantes das comunidades escolares, na elaboração ou
no acompanhamento da execução do projeto pedagógico das escolas.
Por último, segundo o Art. 15, os sistemas de ensino assegurarão
progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão
financeira às escolas públicas de educação básica. Apesar de tratar
especificamente da autonomia das unidades de ensino, o Art. 15 mantém o tom
superficial da Lei e não determina as formas pelas quais os sistemas de ensino
podem assegurar a autonomia das escolas.
3.1.3 - O Plano Nacional de Educação40
Da mesma forma que a LDB, a elaboração e a aprovação do PNE se
deu em meio a intensas disputas entre propostas de diversos matizes políticoideológicos. Também o PNE aprovado em 2001 mantém a superficialidade com
relação à democratização das unidades escolares e se detém numa visão
limitada do que convencionou-se chamar de gestão democrática.
A movimentação em torno da elaboração do Plano Nacional de
Educação tem início no primeiro semestre de 1997, com a divulgação pelo
MEC do documento – Plano Nacional de Educação/proposta inicial dos
procedimentos a serem seguidos, contendo: estratégias para a elaboração do
PNE, sistemática de trabalho “[com indicação dos] principais interlocutores, a
forma das reuniões previstas e o modo de incorporação das contribuições para
cada um dos itens que integrarão o PNE, [...]” (SAVIANI, 1998, p. 81) e um
cronograma determinando o período entre junho e dezembro de 1997 como
prazo para elaboração do Plano.
40
Aprovado em 9 de janeiro de 2001 pela Lei 10.172.
{PAGE }
Além da “Proposta Inicial”, o MEC divulgou em agosto de 1997 o texto
“Proposta para o Documento: roteiro e metas para orientar o debate sobre o
Plano Nacional de Educação”. Para Saviani (1998, p. 84), a proposta do MEC
se limitava a reiterar a política educacional que vinha sendo conduzida pelo
Ministério e que implicava a compressão dos gastos públicos, a transferência
de responsabilidades, especialmente de investimento e manutenção do ensino
para Estados, Municípios, iniciativa privada e associações filantrópicas, ficando
a União com as atribuições de controle, avaliação, direção e, eventualmente,
apoio técnico e financeiro de caráter complementar.
Em dezembro do mesmo ano, vem a público, sob o título “versão
preliminar para discussão interna”, uma segunda proposta do MEC para o
PNE. Cabe destacar que o Art. 87, § 2º da LDB, determina o prazo de 1 ano, a
contar da data de publicação da própria LDB, para o encaminhamento ao
Congresso Nacional do PNE. Nesse caso, o MEC estava ainda divulgando sua
proposta de PNE no mês limite estabelecido por lei para o envio do Plano ao
Congresso Nacional.
Segundo Neves (2000, p. 163) a realização do I CONED – Congresso
Nacional de Educação41, em Belo Horizonte, em agosto de 1996, é resultado
da insatisfação de organizações de trabalhadores da educação com relação a
explicitação das diretrizes políticas neoliberais através de “instrumentos
governamentais de reforço à exclusão social e educacional”.
Do I CONED resultou a Carta de Belo Horizonte42 e a decisão de “intervir
nas políticas educacionais como a única forma de satisfazer as reais
necessidades da maioria da população” (Id.). Apesar dos resultados do
Congresso, ainda em 1996 o Congresso Nacional aprovou a EC 14 (PEC
30/96) e a Lei 9394 - LDB.
41
Segundo Neves (2000, p. 163) participaram da organização do I CONED: A AELAC, ANDE,
ANDES-SN, CNTE, CONTEE, DNTE-CUT, FASUBRA, SINASEFE, UBES, UNE e UNDIME.
42
“ ... a Carta de Belo Horizonte [...] repudiou as leis já promulgadas no ano de 1995 e os
vários dispositivos legais em tramitação no Congresso Nacional: o parecer n° 72/96, o Projeto
de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Darcy Ribeiro/MEC; o PL n° 1.603/96 –
Projeto de Lei sobre Educação Profissional e organização da Rede Federal de Educação
Profissional; a PEC nº 370/96 – Proposta de Emenda Constitucional desmembrada da PEC
233 a/95, sobre autonomia universitária; a PEC 30/96 – Proposta de Emenda Constitucional no
Senado, aprovada na Câmara (PEC 233 a/95) sobre o financiamento da Educação Básica”.
Neves (2000, p. 164).
{PAGE }
Dando continuidade às propostas aprovadas no I Congresso, realizou-se
entre 6 e 9 de novembro de 1997 o II CONED, quando as entidades reunidas
aprovaram sua proposta de PNE, elaborada a partir de intenso debate e com a
participação de inúmeras entidades cientítico-político-educacionais. O Plano
Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira foi protocolado como
PL nº 4.155/98 no dia 10 de fevereiro de 1998.
Dois dias depois, 12 de fevereiro de 1998, foi encaminhado ao
Congresso Nacional a proposta do MEC para o PNE identificada como o PL n°
4.173/98
No PNE-Coned, a gestão democrática está entre as diretrizes da
proposta juntamente com o ideário da constituição de um Sistema Nacional de
Educação. Parte-se do pressuposto de que todas as instituições de ensino
(públicas e privadas) deveriam fazer parte de um Sistema Nacional de
Educação e que a gestão democrática deveria nortear as relações inter e intra
institucionais.
Na defesa dessas diretrizes, propõe-se:
Revogar imediatamente toda a legislação que impede ou fere a
organização e o funcionamento democrático da educação
brasileira (Lei 9.192/95; Lei 9.131/95; Lei 9.394/96; Emenda
Constitucional 14/96; Lei 9424/96, Decreto 2208/97; entre
outras)43.
No PNE-Coned estão previstas diretrizes específicas para a gestão
democrática da educação, dentre as quais: a descentralização do Estado de
forma a possibilitar a autonomia didático-pedagógica, administrativa e
financeira das instituições educacionais; a revogação das leis contrárias à
gestão democrática dos sistemas de ensino e unidades escolares; a articulação
das diferentes esferas de poder (federal, estadual e municipal), com vistas à
43
A Lei 9.192/95 altera dispositivos da Lei. n° 5.540, de 28 de novembro de 1968, que
regulamentam o processo de escolha dos dirigentes universitários; a Lei 9.131/95 altera os
artigos 6°, 7°, 8° e 9° da Lei n° 4024, de 20 de dezembro de 1961 que tratam do Conselho
Nacional de Educação; a Lei 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional; a Emenda Constitucional 14/96 que modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da
Constituição Federal, e dá nova redação ao art. 60 do ato das Disposições Transitórias criando
o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério e o Decreto 2208/97 que regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996, tratando da educação profissional.
{PAGE }
integração de seus planos de educação; a articulação de cada sistema
educacional considerando as especificidades das unidades e as demandas
educacionais da população; o estímulo da discussão em torno do direito à
participação na tomada de decisão pelos usuários e profissionais da educação
garantindo condições adequadas (informações, locais, horários, materiais etc.)
para o exercício da gestão democrática da educação em nível local e mais
amplo; a utilização dos veículos de comunicação de massa de forma a
incentivar a participação da sociedade na definição das prioridades
educacionais, em âmbito local, regional e nacional, divulgando as experiências
de participação e decisão; a garantia da autonomia político-pedagógica às
instituições educacionais, assegurando-lhes condições materiais e financeiras;
a avaliação das instituições educacionais interna e externamente, via processo
coordenado pelos Conselhos Superiores e Conselhos Sociais (nas instituições
de educação superior) e pelos Conselhos Escolares (nas unidades escolares
de educação básica); e a criação de estratégias para o acompanhamento da
implementação do Plano Nacional de Educação pela sociedade civil
pressionando as diferentes esferas de poder (federal, estadual e municipal)
para que ocorra a necessária integração entre seus Planos de Educação.
Para o cumprimento dessas diretrizes, destacam-se as seguintes metas:
-
a realização de eleições diretas e paritárias de dirigentes
das unidades escolares e universitárias;
Estaduais
a criação do Fórum Nacional de Educação, Fóruns
e
Municipais
acompanhamento,
com
avaliação
e
atribuições
reorientação
deliberativas
das
de
políticas
educacionais e de implementação do PNE, com a participação
democrática de representantes da sociedade civil organizada e da
sociedade política, com garantia de autonomia, orçamento e infraestrutura.
-
a criação dos Conselhos Escolares deliberativos, como
instrumentos de construção coletiva e democrática das propostas
político-pedagógicas das unidades escolares; e
{PAGE }
-
a democratização da composição dos Conselhos Escolares
pelo critério de paridade entre profissionais das escolas e usuários,
garantindo-se a representação de todos os segmentos no seu
interior.
No que diz respeito especificamente ao Ensino Fundamental, propõe-se
dentre outras, a seguinte diretriz:
Reforçar o projeto político-pedagógico da escola, como a
própria expressão da organização educativa da unidade
escolar. Essa organização deve orientar-se pelos princípios
democráticos e participativos, materializados na formação dos
Conselhos Escolares e na escolha de dirigentes pela
comunidade escolar44.
Destacamos ainda as metas com relação ao Ensino Fundamental: a
garantia dos recursos financeiros e materiais necessários à execução do
projeto político-pedagógico das escolas públicas; e a organização de um
sistema de informações estatísticas e de divulgação das avaliações da política
e dos resultados das ações político-pedagógicas no ensino fundamental.
A gestão democrática é valorizada em toda a extensão da Proposta de
PNE e, com relação ao Ensino Fundamental, o Projeto Pedagógico e a efetiva
participação em sua elaboração são tidos como fundamentais.
Já a proposta do MEC, na Exposição de Motivos do PL 4.173/98, – E. M.
Nº 221, de 16 de dezembro de 199745, o Sr. Ministro da Educação, Paulo
Renato Souza, destaca 19 inovações de sua proposta de PNE. A 19ª
“inovação” prevê: “A participação da comunidade na gestão, melhoria da
qualidade e manutenção da escola, sem que se exima o Poder Público de suas
responsabilidades”.
A meta de n° 5, referente ao Ensino Fundamental, prescreve:
Estabelecer medidas para assegurar que, em três anos, todos
os Estados e Municípios tenham estabelecido suas diretrizes
curriculares e que todas as escolas tenham formulado seus
projetos pedagógicos, observando as sugestões dos
parâmetros curriculares nacionais e as diretrizes emanadas do
44
SAVIANI, (1998, p, 145). Anexo XI – Diretrizes e metas do Plano Nacional de Educação
proposto pela oposição.
45
Embora o PL 1.473/98 tenha sido encaminhado ao Congresso Nacional juntamente com a
EM 221 em 12 de fevereiro de 1998.
{PAGE }
Conselho Nacional de Educação, dos Conselhos Estaduais de
Educação e, quando for o caso, dos Conselhos Municipais de
educação.
Nesse Projeto de Lei, as metas 17, 18 e 19 para o Ensino Fundamental
tratam da participação da comunidade na gestão escolar, sem mencionar a
democratização desta gestão. Propõe-se, na verdade, a participação passiva
da comunidade, através do trabalho voluntário e, conforme as metas 5 e 18,
uma pseudo-autonomia na elaboração do projeto pedagógico e da gestão dos
recursos financeiros.
17. Universalizar, em três anos, a instituição de Conselhos
Escolares ou órgãos equivalentes nas escolas, a fim de
assegurar a participação da comunidade na gestão escolar.
18. Assegurar a autonomia das escolas tanto no que diz
respeito ao projeto pedagógico como em termos de recursos
financeiros públicos suficientes para a manutenção do
cotidiano escolar.
19. Valorizar a participação da comunidade na gestão,
manutenção física e melhoria do funcionamento das escolas,
incentivando o trabalho voluntário, sem eximir o Poder Público
das suas obrigações constitucionais.
As duas propostas tramitaram juntas na Câmara dos Deputados, sendo
indicado como relator da Comissão de Educação o deputado Nelson
Marchezan (PSDB/RS) que, “coincidentemente”, fazia parte do partido da base
governista. O relator procedeu à elaboração de relatório que configurou-se em
um substitutivo ao PNE-Coned, vindo a tornar-se o texto-base da lei. Dessa
forma, o substitutivo Nelson Marchezan, como ficou conhecido, tornou-se a Lei
n° 10.172/01 que aprova o Plano Nacional de Educação “acrescidos“ dos vetos
presidenciais.
Os inúmeros vetos atacaram todas as possibilidades de aumento de
recursos para a educação. Nas palavras de Valente, (2002, p. 131):
[...] o governo vetou o que atenua no PNE o seu traço de uma
grande listagem contendo intenções, mais ou menos, genéricas
sobre política educacional. Isto é, vetou tudo o que aproximava
de um plano, dotando-o do principal meio – verbas – para
viabilizar as diretrizes e metas propostas.
Ainda segundo Valente, (2002, p. 109)
Este PNE [aprovado pelo Congresso Nacional] é tributário da
rejeição à construção de um verdadeiro Sistema Nacional de
Educação, postura que, aliás, historicamente tem marcado as
políticas educacionais das classes dominantes. Como
{PAGE }
alternativa ao sistema educacional, reafirmou-se, conferindolhe o estatuto de lei ao Sistema Nacional de Avaliação –
instrumento nuclear da política de ultracentralização da gestão
da educação na União.
Com o discurso de promoção da descentralização, presente no PNE-Lei
aprovado, outorga-se uma autonomia cerceada pelo Sistema Nacional de
Avaliação, o que, na prática, centraliza o planejamento na esfera federal, que é
a instância definidora (de forma isolada) dos objetivos e metas educacionais.
Ainda segundo Valente, (Id.)
O PNE [...] além de reduzir democracia à “participação da
comunidade escolar e da sociedade” na implementação prática
de deliberações definidas na cúpula do Estado, esta é
entendida como algo de interesse exclusivo do ensino público.
Nesse sentido, vejamos o que o PNE, em vigor desde 9 de janeiro de
2001, traz sobre as questões relacionadas à autonomia da escola.
No item 2 – sobre os objetivos e prioridades do PNE destacamos:
- democratização da gestão do ensino público, nos
estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da
participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola e a participação das
comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
Tal como o PL 4.173/98, o Plano não apresenta compromisso com uma
efetiva democratização do espaço escolar e limita sua concepção de gestão
democrática à participação da comunidade escolar na execução de planos
previamente decididos.
Com relação ao Ensino Fundamental, o PNE aprovado traz como uma
de suas diretrizes a participação dos conselhos escolares como “fiscalizadores”
do cumprimento de metas dos Projetos Pedagógicos e não em sua elaboração.
Nesse sentido destacamos a seguinte diretriz do Ensino Fundamental:
Reforçando o projeto político-pedagógico da escola, como a
própria expressão da organização educativa da unidade
escolar, surgem os conselhos escolares, que deverão orientarse pelo princípio democrático da participação. A gestão da
educação e a cobrança de resultados, tanto das metas como
dos objetivos propostos neste plano, envolverão comunidade,
alunos, pais, professores e demais trabalhadores da educação.
Nesse sentido, destacamos as seguintes metas para o ensino
fundamental: assegurar, no prazo de três anos, que todas as escolas tenham
{PAGE }
formulado seus projetos pedagógicos de acordo com as Diretrizes Curriculares
para o ensino fundamental e com os Parâmetros Curriculares Nacionais;
promover, no prazo de dois anos, a participação da comunidade na gestão das
escolas através da instituição de conselhos escolares; e assegurar a elevação
do
desempenho
dos
alunos
via
implantação
de
um
programa
de
monitoramento que utilize os indicadores do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica e dos sistemas de avaliação dos Estados e Municípios.
A respeito da questão do financiamento e da gestão, destacamos as
seguintes
diretrizes:
a
promoção
da
efetiva
desburocratização
e
descentralização da gestão nas dimensões pedagógica, administrativa e
financeira através do repasse de recursos diretamente às escolas para o
desenvolvimento do essencial da proposta pedagógica, e para despesas
cotidianas; e a implantação da gestão democrática no nível da gestão de
sistemas e das unidades escolares através da formação de conselhos. No
primeiro caso na forma de Conselhos de Educação que reúnam competência
técnica e representatividade dos diversos setores educacionais e, no caso das
escolas, por meio da formação de conselhos escolares de que participe a
comunidade educacional e formas de escolha da direção escolar que associem
a garantia da competência ao compromisso com a proposta pedagógica
emanada dos conselhos escolares e a representatividade e liderança dos
gestores escolares.
Conforme destacado, o PNE aprovado deixa brechas ou omissões em
sua composição e não tem a efetiva democratização do espaço escolar como
meta. Sintomaticamente, também o PNE não torna obrigatória a eleição para
diretores das unidades de ensino, delegando a Estados e Municípios o ônus ou
bônus dessa decisão46.
46
Veremos adiante como essa decisão foi tomada no Estado e no Município do Rio de Janeiro.
{PAGE }
3.1.4 – O PDDE
O Programa Dinheiro Direto na Escola, implantado pelo Ministério da
Educação em 1995, com a denominação de PMDE – Programa de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, passa a utilizar a atual
denominação por força da Medida Provisória nº. 1.784, de 14/12/98, e suas
reedições.
No contexto das mudanças estruturais da década de noventa, o PDDE
foi concebido a partir da perspectiva da descentralização dos recursos federais
com o objetivo de propiciar:
[...] a melhoria da qualidade do ensino fundamental e da
eqüidade da sua oferta, reforçando a autonomia gerencial e a
participação social das unidades escolares, assegurando-lhes
as condições mínimas indispensáveis ao seu bom
funcionamento”. (MEC/FNDE, 2001, p. 7).
Atende às escolas do ensino fundamental do sistema público de ensino
e às escolas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos
ou similar que preste atendimento direto e gratuito ao público, inscritas no
Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.
De acordo com o Art. 2° da Resolução FNDE/CD N° 17, de 9 de maio
de 2005, os recursos do PDDE devem ser destinados para:
[...] cobertura de despesas de custeio, manutenção e de
pequenos investimentos, de forma a contribuir, supletivamente,
para a melhoria física e pedagógica dos estabelecimentos de
ensino beneficiários, devendo ser empregados:
I – na aquisição de material permanente, quando receberem
recursos de capital;47
II – na manutenção, conservação e pequenos reparos da
unidade escolar;
III – na aquisição de material de consumo necessário ao
funcionamento da escola;
IV – na capacitação e aperfeiçoamento de profissionais da
educação;
V – na avaliação da aprendizagem;
VI – na implementação de projeto pedagógico; e
47
De acordo com o § 4° do Art. 5° da Resolução, as escolas com até 50 alunos matriculados
que não possuírem UExs – Unidades Executoras próprias, só receberão recursos destinados à
cobertura de despesas de custeio, o que representa 80% do valor total dos recursos a que
teriam direito.
{PAGE }
VII – no desenvolvimento de atividades educacionais.
Os recursos repassados são calculados com base em uma tabela
elaborada pelo MEC, levando em consideração o número de matrículas no
Censo escolar do ano anterior e a localização geográfica da escola48.
A forma de distribuição dos recursos do Programa se dá através de
depósitos nas contas das chamadas Unidades Executoras (UEx)49, que têm o
poder de utilizá-los de acordo com as decisões da comunidade escolar. As
escolas com menos de 50 alunos que não possuem UEx50 própria, podem
receber os recursos via EEx – Entidade Executora e as que têm mais de 50 e
menos de 99 alunos do ensino fundamental matriculados, só poderão receber
os recursos por intermédio de sua UEx própria ou por meio de consórcios de
escolas formando uma única UEx51.
Embora Draibe (2001, p. 72) proclame que o PDDE contemple
“objetivos de reforço da autonomia da escola e estímulo ao envolvimento e à
maior participação da comunidade escolar”, a legislação pertinente ao
Programa, no geral, faz apenas uma descrição operacional da sistemática do
uso e da prestação de contas dos recursos que chegam às escolas.
De acordo com o Manual de Procedimentos Operacionais relativos às
transferências de recursos às escolas das redes estadual e municipal de
ensino fundamental, aprovado pela Resolução Nº 12 do FNDE, de 10 de maio
de 1995:
48
São três as tabelas referenciais. A primeira corresponde ao “Referencial de cálculo dos
valores a serem repassados às Escolas Públicas situadas nas Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste”, com exceção do Distrito Federal; a segunda ao “Referencial de cálculo dos
valores a serem repassados às escolas Públicas situadas nas Regiões Sul, Sudeste e no
Distrito Federal”, e a terceira tabela corresponde ao “Referencial de cálculo dos valores a
serem repassados às escolas privadas que ministram educação especial”. (RES FNDE/CD N°
17, de 09/05/05).
49
De acordo com o Parágrafo único do Art. 3° (Id.) Unidade Executora – Uex – constitui “o
órgão, entidade ou instituição responsável pelo recebimento, execução e prestação de contas
dos recursos transferidos, pelo FNDE, para o atendimento das escolas beneficiárias do PDDE”
50
As Unidades Executoras – UEXs podem ser: UEx própria – que representa a comunidade
das escolas públicas beneficiárias do PDDE; Entidade executora – EEx – prefeitura municipal e
secretarias de educação estadual e do Distrito Federal, quando recebem e executam os
recursos do PDDE destinados às escolas públicas que não instituíram UEx própria e Entidade
Mantenedora – EM – entidade sem fins lucrativos e inscrita no Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS), responsável pela representação de escolas privadas de educação
especial beneficiárias do PDDE.
51
Até 2003 era permitida a formação de consórcios de até 20 escolas. De 2004 em diante, só é
permitida a congregação de no máximo 5 escolas por UEx.
{PAGE }
Não pode nem deve o Governo Federal criar escolas, mantêlas e remunerar professores. Incumbe-lhe, entretanto, prestar
assistência financeira supletiva aos sistemas estaduais e
municipais de ensino, para que os referidos objetivos sejam
atingidos. (MEC/FNDE, 1995, apresentação)
Diferentemente da perspectiva de autonomia por nós defendida, em que
a democratização da escola é condição fundamental, o PDDE, em articulação
com a trajetória das principais diretrizes das atuais políticas educacionais
brasileiras, refere-se ao termo autonomia como sinônimo de autonomia da
gestão financeira. Parte do pressuposto de que a gestão dos recursos
repassados diretamente às escolas é condição suficiente para que as mesmas
adquiram sua autonomia.
{PAGE }
2.2- As propostas do Estado do Rio de Janeiro
2.2.1 – A Constituição Estadual
Elaborada em 1989 a Constituição do Estado do Rio de Janeiro52 dedica
15 artigos específicos para a educação dos quais destacamos o 307, que prevê
os princípios do ensino, e o 308, que trata da forma pela qual deve ser
efetivado o dever do Estado e dos Municípios com a educação.
Segundo o Art. 307, inciso VI da Constituição Estadual, a gestão
democrática constitui um dos princípios norteadores do ensino público,
devendo ser desempenhada através da participação da sociedade (pais,
professores, estudantes e funcionários), na formulação, acompanhamento e
execução da política educacional, e o Art. 308, inciso XII prevê eleições diretas
para a direção das instituições de ensino mantidas pelo Poder Público53.
No Art. 1° da Lei 2.518 está prevista a eleição direta para os cargos de
Diretor e Diretor Adjunto das instituições de ensino mantidas pelo Poder
Público. Se retomarmos o debate presente na elaboração do Plano Nacional de
Educação54, sobre o Sistema Nacional de Educação, podemos considerar que,
tanto a Constituição quanto a Lei estadual estariam avançando na direção da
formação do que poderia vir a ser um Sistema Estadual de Educação, tendo
em vista que a determinação da eleição direta para a direção das instituições
52
Os artigos que tratam especificamente da educação na Constituição do Estado do Rio de
Janeiro vão do 306 ao 321.
53
As Leis que regulamentam o inciso XII do Art. 308 são: a {HYPERLINK
"/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/141b0b4be49c034e032564f8006957b5?
OpenDocument"}
e
a
{HYPERLINK
"/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/61b83c32953abb860325668e00664fe0?
OpenDocument"}, que dispõe sobre a autonomia das unidades escolares da rede pública do
Estado do Rio de Janeiro. O Art. 308, inciso XII, a lei 2.518 e o Art. 5º, incisos I e II, da Lei 3067
foram suspensos pela liminar deferida pelo STF à Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn
Nº 2997, ajuizada no Supremo Tribunal Federal pelo Partido Social Cristão – PSC em 18 de
setembro de 2003.
54
Estamos nos referindo à proposta de PNE do II CONEd que constituiu o PL nº 4.155/98.
{PAGE }
de ensino55 não se restringiria às escolas públicas, abrangendo, inclusive as
escolas particulares que eventualmente recebessem recursos públicos.
A Lei, porém, descreve os procedimentos a serem adotados nas
eleições para diretores e diretores adjunto apenas nas instituições públicas. Do
Art. 3º ao 1656 são ditadas as regras mais específicas do processo eleitoral
propriamente dito, tais como as exigências para a candidatura57, as atribuições
da comissão eleitoral, a constituição do eleitorado, a forma de apuração dos
votos, além dos casos específicos como as escolas recém-inauguradas e
diretores pertencentes a outra rede pública na segunda matrícula. O Art. 17
prevê a regulamentação da lei pelo executivo no prazo de 90 dias e o Art. 18
revoga as disposições contrárias.
Contudo, a ADIn 2997 ataca o Art. 308, inciso XII da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro, a Lei n° 2.518/96 e a Lei n° 3.067/9858, além de
outras resoluções da Secretaria Estadual de Educação do ano de 1998, com a
argumentação de que tais normas são incompatíveis com a Constituição
Federal, principalmente, com o Art. 37, inciso II.
- a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Dessa forma, em 29 de outubro de 2003, o Supremo Tribunal Federal
suspendeu, com eficácia ex nunc (que não retroage), o inciso XII do artigo 308
da Constituição Estadual, a lei 2.518/96 e os incisos I e II do artigo 5º da Lei
3.067/9859 alegando que o cargo de diretor de unidade escolar classifica-se
55
Cabe esclarecer que não entendemos a eleição de diretores como garantia da efetivação da
autonomia escolar mas como condição primeira para que a mesma possa ser viabilizada; ou
seja, acreditamos que sem eleição não há autonomia das/nas unidades escolares.
56
Os Arts. 2º, 7° e 13 foram vetados pelo Governador Marcelo Alencar.
57
Para candidatar-se, o professor deve, de acordo com o Art. 3°, inciso III, “ser membro do
magistério público estadual;”
58
A Lei 3.067/98 dispõe sobre a autonomia das unidades escolares da rede pública do Estado
do Rio de Janeiro. Tendo em vista sua importância para nosso estudo, ela será tratada
separadamente a seguir.
59
“Ao votar pela concessão da liminar, o ministro Cezar Peluso, relator da ADIn, lembrou da
urgência da decisão pois o mandato dos atuais diretores de unidades escolares do Rio de
Janeiro expirou em setembro, com prorrogação até 31 de outubro, próxima sexta-feira. A
decisão foi unânime”. Notícia da sessão de informação do site do Supremo Tribunal Federal
datada de 29/10/03. www.stf.gov.br.
{PAGE }
como cargo em comissão, cujo provimento é de competência exclusiva do
chefe do Executivo.
{PAGE }
2.2.2 – A Lei da Autonomia
Em 25 de setembro de 1998 foi sancionada, pelo Governador Marcelo
Alencar, a Lei 3.067, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre a
autonomia das unidades escolares da rede pública do Estado do Rio de
Janeiro.
No Art. 1º é anunciada a finalidade da Lei de estabelecer as diretrizes da
autonomia nas escolas públicas estaduais objetivando a gestão democrática, o
melhor aproveitamento dos recursos e a qualidade da educação.
De acordo com o Art. 2º, a autonomia das unidades escolares se dará
através de práticas integradas nas esferas administrativa, financeira e
pedagógica com a participação da comunidade escolar nas chamadas
Associações de Apoio às Escolas – AAEs
Os Arts. 3º e 4º tratam mais especificamente da composição das AAEs,
que devem constituir-se como instituições sem fins lucrativos e acordar com o
Estatuto-Padrão da Secretaria Estadual de Educação – SEE.
Embora a legislação não detalhe a composição dessas Associações,
podemos comparar sua lógica de funcionamento à das Unidades Executoras –
UEXs dos recursos do PDDE60.
O Art. 5º61 trata da autonomia administrativa das escolas públicas do
Estado, que deve basear-se na escolha dos dirigentes pelo voto direto da
comunidade escolar62 e na participação democrática dos alunos e de seus
responsáveis no processo de avaliação do ensino-aprendizagem.
O Art. 5º poderia tornar-se um importante instrumento viabilizador da
efetiva autonomia das unidades escolares. Se entendemos que a avaliação
constitui uma etapa do processo de planejamento e execução do Projeto
Pedagógico, esta não teria razão de ser, caso não houvesse objetivos claros a
serem alcançados com a mesma. Ao especificar a participação de pais e
60
Conforme tratada no sub-ítem 2.1.4
Revogado pela ADIn 2997, juntamente com seus incisos I e II.
62
Conforme a Lei 2518/96, também revogada pela ADIn 2997.
61
{PAGE }
alunos na avaliação do processo ensino-aprendizagem, a legislação vai mais
longe e compele, de forma implícita, as escolas a porem em prática o Projeto
Político Pedagógico.
O Art. 6º trata da autonomia financeira das escolas públicas estaduais,
que se daria mediante o repasse de recursos às AAEs através de Convênio,
Termo de Compromisso e outros ajustes. E o Art. 7º identifica os recursos que
devem ser repassados às escolas via AAEs. São eles: repasses obrigatórios de
recursos do Tesouro Estadual; repasse do Tesouro Nacional destinados às
unidades escolares (recursos do PDDE para o Ensino Fundamental e demais
programas federais); doações, patrocínios e legados, nos termos da legislação
vigente; subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive de
organismos internacionais; incentivos fiscais previstos em lei; rendas
decorrentes das atividades exclusivas das AAEs e outras fontes.
O parágrafo único anuncia que será previsto no orçamento estadual
recursos específicos para a autonomia das escolas e o Art. 8º descreve as
possibilidades de uso dos recursos repassados às AAEs (dentro das atividades
específicas do ensino médio e fundamental) que são: aquisição de merenda,
material permanente e de consumo para os alunos; pequenos reparos e obras
emergenciais; conservação e manutenção das condições de higiene e limpeza
do prédio; programas de capacitação de professores e de agentes comunitários
e programas e projetos vinculados às atividades de ensino-aprendizagem dos
discentes.
Embora os Arts. 6º e 7º, o parágrafo único e o Art. 8º estejam voltados
para o que seria a autonomia financeira das unidades escolares, eles apenas
anunciam a função das AAEs de gestora dos recursos e enumeram as fontes
da verba destinada às escolas. Além de não tratar da questão da autonomia
financeira propriamente dita, os artigos não especificam como as AAEs devem
proceder para gerir os recursos e a quem e como devem prestar contas.
Se analisarmos mais detalhadamente a questão, iremos perceber que:
a) a lei não especifica a composição das AAEs, apenas anunciando que devem
ser compostas por membros da comunidade escolar, b) as AAEs recebem
{PAGE }
todos os recursos das escolas e não há no texto legal um controle mais
criterioso para o acompanhamento dos gastos.
A impressão que se tem da leitura desses Artigos é a de que a
concepção de autonomia financeira utilizada aproxima-se da falta de controle
do uso do dinheiro público, tendo em vista a indeterminação sobre o
acompanhamento do uso desses recursos e de sua prestação de contas. No
Art. 8°, por exemplo, não há definição sobre o uso dos recursos que chegam às
AAEs para a contratação de prestadores de serviços. Se os recursos podem
ser utilizados para conservação e manutenção das condições de higiene e
limpeza do prédio, pode-se supor que haveria essa possibilidade. Além disso,
prevê-se a capacitação de professores e agentes comunitários. A capacitação
de agentes comunitários pode ser considerada uma atividade fora do âmbito
escolar, devendo, dessa forma, estar a cargo de outras fontes de financiamento
que não as destinadas à educação.
O Art. 9º versa sobre a autonomia pedagógica e a relaciona à
adequação
e
desenvolvimento
local
da
proposta
educativa,
com
o
estabelecimento de formas próprias de organização do ensino-aprendizagem, e
de acordo com as diretrizes legais unificadoras do sistema de ensino e as da
Secretaria Estadual de Educação.
Acreditamos que a prática participativa proposta pelos incisos revogados
poderia de fato viabilizar a melhoria/promoção da qualidade de ensino,
primeiramente porque a eleição para diretor pode propiciar um maior
envolvimento da comunidade e a cobrança pela execução das propostas para
melhoria da escola e, porque os principais interessados no sucesso escolar –
alunos e responsáveis - ao participarem da avaliação do processo ensinoaprendizagem teriam a oportunidade de interagir com o Projeto Político
Pedagógico da escola e pressionarem para seu constante aperfeiçoamento.
Tendo em vista que tanto no que diz respeito à autonomia financeira
quanto à autonomia pedagógica a Lei não traz novidades, a conclusão a que
chegamos é a de que a revogação do Art. 5º, que versa sobre a autonomia
administrativa das unidades escolares, tornou a chamada Lei da autonomia
incapaz de atingir os seus objetivos principais.
{PAGE }
Como poderia se dar a autonomia financeira e pedagógica sem a
autonomia administrativa? A pergunta se torna ainda mais pertinente se
levarmos em consideração que a perspectiva de autonomia administrativa da
Lei 3067/98 era fundamentada na eleição direta para diretores das escolas e
na participação efetiva de alunos e responsáveis na avaliação do processo de
ensino-aprendizagem.
3.3- As propostas do Município do Rio de Janeiro
3.3.1 – A Lei Orgânica do Município
A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, promulgada em 5 de
abril de 1990, traz 16 artigos63 específicos sobre educação. Os artigos 321 e
322 tratam exclusivamente da gestão das unidades escolares.
O Art. 321 dita os princípios da educação no Município do Rio de
Janeiro, dentre eles a gestão democrática do ensino público, e o art. 322
descreve os deveres do Município com a educação, sendo um deles a garantia
da eleição direta para diretores64 das unidades escolares da rede pública com a
participação da comunidade escolar.
Nesse sentido, no Município do Rio de Janeiro65 só há eleições para
diretores de escolas públicas por prescrição de sua própria Lei Orgânica. Como
já destacado, não há essa obrigatoriedade na Constituição Federal, na LDB, no
Plano Nacional de Educação ou na Constituição Estadual, cujo artigo referente
à eleição de diretores foi revogado pela ADIn 2997 de 2003.
63
Os artigos que tratam especificamente da educação vão do 320 ao 336.
É exigido para o exercício do cargo de diretor de unidade da rede municipal de ensino
público, a formação pedagógica específica em administração escolar.
65
Tal como outros Municípios em que a Lei Orgânica obrigue a realização de eleições para
diretores das escolas públicas.
64
{PAGE }
3.3.2 – O SDP – Sistema Descentralizado de Pagamentos
O Decreto Municipal 20633, de 18 de outubro de 2001, institui o Sistema
Descentralizado de Pagamento, substituindo o Fundo Rotativo, ou Sistema
Descentralizado de Suprimento de Fundos, regido de acordo com o Decreto
13.891, de 12 de maio de 1995.
O Sistema Descentralizado de Pagamento, tal como o Sistema
Descentralizado de Suprimento de Fundos, não é um programa de
financiamento específico para as escolas. Destina-se à descentralização de
recursos financeiros para órgãos da administração do Município do Rio de
Janeiro com o objetivo de agilizar a realização de pequenas despesas, tais
como aquisição de material de consumo e prestação de pequenos serviços,
despesas emergenciais.
Da mesmo forma como o PDDE, há a exigência da abertura de conta
bancária em nome do Órgão/Unidade Municipal para que os recursos sejam ali
depositados. Sua gestão, porém, não é desempenhada por um conselho mas
sim pelo Titular do Órgão/Unidade Municipal e por outro servidor por ele
indicado.
Os recursos são requisitados pelo Titular da conta, portanto do Órgão a
que os recursos serão destinados, ao Ordenador de Despesas ou autoridade
delegada.
Embora o SDP não tenha objetivos educacionais específicos, tal como o
PDDE, destacamos sua relevância para a administração das escolas
municipais. Como veremos no capítulo 3, o Sistema ou, no caso, a
descentralização da gestão dos recursos da escola é apontado tanto como um
fator propiciador quanto um limitador da autonomia administrativa.
Conforme
anunciado,
procuramos
nesse
capítulo
explicitar
a(s)
perspectiva(s) de autonomia das principais políticas públicas que fazem alusão
direta ou indiretamente às unidades escolares, especialmente às escolas do
Município e do Estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o estudo da
Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, do
Plano Nacional de Educação, do Programa Dinheiro Direto na Escola, da
{PAGE }
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, da Lei da Autonomia, da Lei
Orgânica do Município do Rio de Janeiro e do Sistema Descentralizado de
Pagamentos nos permite argumentar que, embora a maioria dessas políticas66,
ainda que de forma superficial, declarem almejar a autonomia das escolas,
poucas são as que expõem a concepção de autonomia das unidades escolares
de forma clara, e, principalmente, a forma pela qual as escolas alcançariam
essa autonomia.
No nível federal, somente o PNE-Coned – que não chegou a ser
promulgado,
ousou
tratar
minuciosamente
da
autonomia
da
escola,
assegurando, inclusive, condições materiais e financeiras para tal fim. A Lei
Estadual Nº 3067/98, a chamada Lei da autonomia, se aprofundou em instaurar
de fato um processo de implementação da autonomia das unidades de ensino.
Contudo, o art. 5°, que inovava ao propor, aliada à eleição direta para diretores,
a participação de pais e alunos no processo de avaliação do ensinoaprendizagem das escolas públicas estaduais, foi revogado pela ADIn 2997. Ao
questionar a constitucionalidade da eleição de diretores, o Partido Social
Cristão acabou com o que a Lei da Autonomia possuía de mais inovador e
essencial.
Apesar da redefinição do conceito de autonomia da escola presente nas
políticas educacionais a partir da década de 80, tender para uma redução ao
aspecto administrativo-financeiro, conforme alerta Martins (2002); Costa et alii
(1997, p. 22, apud Moreira 1998, p. 166) definem autonomia da escola como:
[...] o reconhecimento ou a construção de sua identidade
institucional; em outras palavras, é a capacidade de elaborar e
executar um projeto educacional único, referido a uma clientela
específica, pautado na participação de todos os atores e
direcionado para objetivos que têm significado para a
comunidade. Pressupõe, também, a ampliação da liberdade de
gestão de recursos materiais, humanos e financeiros, bem
como o aumento de controle sobre a aplicação destes últimos.
À definição de Costa et alii (1997) acrescentamos o necessário
esclarecimento sobre a função do projeto pedagógico. Tendo em vista o caráter
66
Principalmente as que são especificamente voltadas para a Educação – LDB, PDDE, PNE e
a Lei da Autonomia.
{PAGE }
eminentemente político67 do projeto pedagógico, sua elaboração e execução
devem partir de uma concepção de sociedade e, portanto, de uma definição
sobre o papel que alunos e demais membros da comunidade escolar68
representam nessa sociedade e na escola propriamente dita.
Partimos do pressuposto de que a autonomia das unidades escolares
está diretamente relacionada com o grau de aprofundamento da experiência
democrática em cada escola e, dessa forma, concordamos com Coutinho
(2002, p. 17) quando defende que se entendemos a democracia como um
processo e não como um estado, “a democratização só se realiza plenamente
na medida em que combina a socialização da participação política com a
socialização do poder”.
Nesse sentido, compreendemos como autônoma ou possuidora de
autonomia a escola politicamente participada e participativa, ou seja, sua
administração se dá através da ativa participação de seus membros que,
enquanto grupo organizado, interagem conscientemente com as questões
locais, conjunturais e estruturais da sociedade. Portanto, a efetiva autonomia
da escola só se daria em uma gestão genuinamente democrática que extrapole
os limites da gerência de recursos, atingindo todas as dimensões da escola,
inclusive e principalmente a sala de aula69.
Como pudemos perceber, algumas propostas de políticas educacionais
defenderam a democratização do espaço escolar através da eleição de
diretores, como ponto de partida, e da participação coletiva como garantia de
uma gestão democrática aproximando-se, dessa forma, da perspectiva de
autonomia escolar por nós
67
defendida. Contudo, “manobras
políticas”
Na perspectiva da grande política ou alta política, conforme Gramsci. Ver Cadernos do
Cárcere, vol. 3, p. 21-22.
68
Entendemos por comunidade escolar todos aqueles que estão ligados direta ou
indiretamente à unidade escolar; dessa forma professores e demais funcionários, alunos,
responsáveis, moradores da localidade e demais interessados fariam parte da comunidade
escolar.
69
Nesse sentido, Bastos (1999, p. 25), parafraseando Marília Spósito, defende que: “assim
como a administração atinge a totalidade da escola, a gestão democrática não pode ser uma
proposta de democratizar apenas a esfera da administração da escola. [...] Enquanto a
democracia não chegar ao trabalho de sala de aula, a escola não pode ser considerada
democrática. A sala de aula não é só lugar do conteúdo, é também o lugar da disputa pelo
saber, é o lugar da construção da subjetividade, é o lugar da educação política”.
{PAGE }
conseguiram neutralizar o que havia de mais ousado e inovador nessas
propostas70.
Tendo já um panorama das políticas educacionais no que concerne à
autonomia das escolas, tentaremos vislumbrar como se dá a efetivação dessas
políticas no âmbito escolar. Nesse sentido, no capítulo seguinte, buscaremos
entender as concepções de autonomia da escola explicitadas por professores
atuantes em salas de aula e por profissionais envolvidos diretamente com a
administração de unidades escolares.
70
Estamos nos referindo especialmente à proposta da chamada Lei da Autonomia do Estado
do Rio de Janeiro, do Projeto de LDB – Jorge Hage e do PNE CONEd.
{PAGE }
Capítulo 3 – Os olhares de profissionais da educação sobre a
autonomia da escola – uma “avaliação” das políticas educacionais?
Pretendemos identificar, nesse capítulo, a(s) concepção(ões) de
autonomia presente(s) nos discursos de professores, dirigentes e demais
profissionais de unidades escolares e sua avaliação sobre o grau/tipo de
autonomia gozada pelas escolas.
Entendemos que por vivenciar o cotidiano escolar, esses profissionais
constituem uma importante fonte para o entendimento sobre a forma pela qual
as políticas educacionais influenciam a gestão das unidades escolares.
A análise das questões trazidas pelos depoentes constitui um dos
pontos mais importantes de nosso estudo tendo em vista que nos capítulos
anteriores abordamos a questão da autonomia e da autonomia escolar pelos
aspectos histórico, epistemológico e legal, faltando, contudo, compreender o
que profissionais que vivenciam o dia a dia das escolas pensam sobre a
autonomia escolar.
Com esse intuito, entrevistamos 12 profissionais: duas diretoras de
escola, uma coordenadora pedagógica, uma secretária escolar, uma
professora atuante em sala de leituras e sete professores atuantes no ensino
fundamental e no ensino médio.
O critério de escolha dos entrevistados se deu primeiramente pela
facilidade de acesso a essas pessoas por conta da localidade de suas
residências ou de seu local de trabalho71 e, pela busca em diversificar o perfil
dos mesmos tentando ouvir profissionais envolvidos com diversas realidades
em diferentes níveis e modalidades de ensino.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de maio e junho de
2005. A maior parte delas foi gravada individualmente, sendo que em um caso
específico as entrevistadas preferiram falar em grupo e suas respostas foram
71
A maioria dos entrevistados reside ou trabalha em escolas de bairros vizinhos na zona oeste
do Município do Rio de Janeiro.
{PAGE }
gravadas e transcritas dessa forma. Apenas uma professora preferiu
responder por escrito às questões propostas. Durante nossa análise
descreveremos com mais detalhes cada uma das situações.
As questões propostas foram semi-estruturadas e foram solicitadas
inicialmente algumas informações que nos permitiram traçar os perfis dos
depoentes72.
Com relação às perguntas propriamente ditas, formulamos 3 questões
mais diretamente relacionadas à autonomia da escola em que indagamos
sobre a percepção de autonomia; sobre as condições para que a escola se
tornasse autônoma e, sobre o conhecimento do entrevistado a respeito das
políticas/programas proponentes da autonomia da escola. Dessa forma, todos
os entrevistados tiveram contato com o seguinte formulário:
{ EMBED Word.Picture.8 }UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE
CES – FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Mestranda: Cláudia Araujo dos Santos
Professor orientador: Nicholas Davies
Título da dissertação: A autonomia da escola: as visões dos governos e dos profissionais da
educação
Roteiro de entrevista
1.
Perfil do(a) entrevistado(a)
a) Tempo de matrícula na rede pública:__________________________________
b) Função na escola: ________________________________________________
c) Idade: ______________
Sexo: __________________
Professores
d) Disciplina(s) que leciona: ___________________________________________
e) Em qual(is) segmento(s): ___________________________________________
2.
Questões
a) O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
b) O que deveria ser feito ou, quais seriam as condições, para que a autonomia (da forma
como você a concebe) chegasse à escola?
c) Você conhece as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a autonomia da
escola? Caso afirmativo, como tomou conhecimento dos mesmos e como os avalia?
d) Comentários:
72
Entrevistamos somente aqueles que possuíam no mínimo 2 anos de incorporação à rede
pública de educação do Estado ou Município do Rio de Janeiro, entendendo que os
entrevistados deveriam ter tido um tempo mínimo na rede para conhecer um pouco melhor as
especificidades das escolas bem como as políticas que as regem.
{PAGE }
A partir da identificação dos depoentes, criamos o seguinte quadro:
Perfis dos depoentes
Identificação
Idade
Sexo
Função /
disciplina
lecionada
Rede de
atuação
Professora 1
33 anos
Feminino
Professora
Professora 2
38 anos
Professor 3
42 anos
Professor 4
33 anos
Masculino Professor de
Matemática
Município
e Estado
do RJ
Professora 5
31 anos
Feminino
Professora
de Língua
Portuguesa
Município
e Estado
do RJ
Professora 6
33 anos
Feminino
Professora
de História
Município
e Estado
do RJ
7 anos
no
Estado
Professora 7
57 anos
Feminino
Município
do RJ
39 anos
Diretora 1
não
informado
Feminino
Professora
de
Geografia
Diretora
Município
do RJ
31 anos
Coordenadora
Pedagógica
não
informado
Feminino
Coord.
Pedagógica
Município
do RJ
18 anos
Professora da
Sala de
Leituras
não
informado
Feminino
6 anos
Diretora 2
38 anos
Feminino
Atendimento Município
na SL /
do RJ
Professora
de Língua
Portuguesa
Diretora
Estado do
RJ
Secretária
Escolar
48 anos
Feminino
Estado do
RJ
Feminino
Professora Município
do RJ
Masculino Professor de Município
Matemática e Estado
do RJ
Secretária
Escolar
Estado do
RJ
T. de
Matrícula
Níveis e
segmentos de
atuação.
12 anos
1º segmento
do EF
1º segmento
do EF
2º segmento
do EF – PEJE
no Mun. e EM
no Estado
2º segmento
do EF no
Mun. e EM no
Estado
1º segmento
do EF no
Mun. e 2º
segmento do
EF – supletivo
no Estado
2º segmento
do EF no
Mun. e EM no
Estado.
2º segmento
do EF.
6 anos
3 anos
no Mun.
e 2 no
Est.
7 anos
no Mun.
e 3 no
Est.
2 anos
no Mun.
e 3 no
Est.
20 anos
22 anos
Educação
Infantil e 1º
segmento do
EF.
Educação
Infantil e 1º
segmento do
EF.
Educação
Infantil e 1º
segmento do
EF.
2º segmento
do EF até
2004 e EM
atualmente
2º segmento
do EF até
2004 e EM
atualmente
{PAGE }
Cada entrevistado desenvolveu as respostas da forma como melhor lhe
pareceu. Contudo, em função dos argumentos apresentados pelos depoentes,
novas indagações foram apresentadas com o intuito de elucidar os discursos
e/ou apreender mais informações73.
A fim de facilitar a comparação entre as diversas experiências,
trataremos primeiramente dos relatos dos professores atuantes em salas de
aula e em seguida dos demais profissionais.
A Professora 1 atuou até 2002 no 1º segmento do ensino fundamental,
tem 33 anos de idade e 12 anos de matrícula na rede estadual. Encontra-se
atualmente licenciada por motivos médicos.
Para a Professora 1 a autonomia da escola ou a sua ausência estaria
relacionada à impossibilidade de disciplinar os alunos por conta da atuação do
Conselho Tutelar e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aliada à questão
disciplinar, a violência constituiria outro fator contribuinte para a falta de
autonomia da escola. Segundo a Professora 1:
Os maiores problemas que eu percebo, em relação à questão
da autonomia, fica na questão da disciplina. Muitas vezes a
criança se apresenta como problemática onde fica muito difícil
você ter controle sobre a criança e aí tem àquelas coisas que a
escola não pode fazer isso, que você não pode suspender, não
pode transferir para outra escola e etc. E aí se fala logo nos
direitos das crianças, no Conselho Tutelar, no ECA. ...
Hoje em dia, uma coisa que também vejo como grande
problema, que dificulta a autonomia da escola, é a violência.
Antecipando-se à questão seguinte, sobre as condições necessárias
para a autonomia da escola, a Professora 1 sugere que a escola deveria criar
novas formas de avaliação independentemente das regras estabelecidas pela
Coordenadoria e destaca a importância do Projeto Político-pedagógico na
definição de regras da própria escola.
Outra coisa que eu penso com relação à autonomia, é que,
independentemente do que a Coordenadoria esteja mandando
como norma, eu acho que a escola tem que definir outras
73
Cabe destacar que nem todos os entrevistados tiveram um acréscimo de questões. Novas
indagações foram apresentadas aos entrevistados, quando entendíamos no decorrer das
entrevistas que as respostas iniciais sinalizavam com a possibilidade da apresentação de
novas informações. Foi o caso, por exemplo, da Diretora 2 que forneceu informações sobre a
indicação de diretores na rede estadual.
{PAGE }
maneiras de avaliar. Nesse sentido é muito importante a
questão do Projeto Político-pedagógico quando a escola senta
e junto define as normas internas que devem ser seguidas e
respeitadas. Às vezes você percebe que os diretores ficam com
muito medo de autorizar atividades fora da sala de aula.
Quando perguntada sobre as condições para que a escola alcançasse a
autonomia, a Professora 1 defendeu que as leis e as normas deveriam estar
voltadas para a realidade da escola. Nas suas palavras:
Eu não sei bem. Eu acho que às vezes, falta realmente que as
leis, as normas estejam realmente observando a realidade da
escola. As vezes parece que as leis são criadas para crianças
que não existem. ...
Eu acho que é dentro da escola, só quando você está ali no dia
a dia é que você percebe que tem normas que não funcionam.
Então eu acho que, na verdade, todo código - Penal, Civil, ...
hoje em dia no Brasil, se nós formos observar, ele muitas vezes
está muito distante da realidade brasileira e na educação não
está diferente. (...) Acho, que a questão principal seria essa de
algo mais envolvido com a realidade em que a escola está
inserida. Acho que essas leis têm que estar realmente
envolvidas no dia a dia, na realidade escolar.
Sobre as políticas voltadas para a autonomia da escola, a Professora 1
alega estar um pouco desinformada por conta de seu afastamento da escola
mas cita o FUNDEF e critica a metodologia utilizada na avaliação feita pelo
Programa Nova Escola.
Então hoje, com relação às políticas, a gente fala do FUNDEF,
do Nova Escola que eu acho uma furada, um absurdo. A gente
acaba se empolgando muito com o nova escola porque você
fica sonhando com a possibilidade de você ganhar um
dinheirinho a mais. Só que a coisa é muito absurda porque
você percebe que eles lançam o Nova Escola, afirmam que é
em cima do trabalho da escola. Só que a coisa não funciona
assim. Por que na escola em que eu trabalho, é um ambiente
até legal, há muito cuidado com a questão da limpeza, da
organização e eu acho que essas são coisas que poderiam ser
valorizadas.
Ainda sobre o Programa Nova Escola, a Professora 1 destaca a atuação
dos professores e argumenta que as dificuldades por eles enfrentadas
ultrapassam os limites das salas de aula.
Com todas as dificuldades que todas as escolas têm, eu sinto
que lá [na escola em que trabalhou] o pessoal tenta se
envolver muito no que as crianças vivem. Têm professoras que
quando vêem que a coisa está muito complicada, vão até a
casa da criança e descobrem realidades absurdas. Nós
{PAGE }
tínhamos um problema com três crianças que eram irmãs e
tinham uma dificuldade imensa com relação à higiene. Aí nós
decidimos que a gente ia começar a se aproximar para
descobrir como essas crianças viviam e no dia em que nós
fomos até a casa das crianças, nós percebemos o seguinte:
primeiro que quando eles não estão na escola, eles estão
trancados em casa. (...) Quando nós conseguimos destrancar a
porta, no mesmo ambiente em que as crianças ficavam, ficava
uma montoeira de lixo. Como eles queriam ter certeza que no
outro dia teriam dinheiro, então eles iam juntando garrafas,
latas e tudo o que você possa imaginar que eles poderiam
vender no ferro velho tinha ali. Então aquele mal cheiro era
horrível e aí o que é que você faz? Procura o Conselho
Tutelar? Denuncia a situação? Tira a criança dali e a criança
vai ser jogada em um abrigo? Naquele momento a gente
acabou não tendo essa postura mas há poucos meses isso
acabou acontecendo. Eu me lembro que as minhas colegas
estavam meio que tentando fazer campanha para quem
adotaria, quem teria coragem de adotar todos juntos.
Então eu vejo que é muito difícil. Essa bola de neve social,
esses problemas. A desigualdade social bate muito forte na
escola.
Outra questão lembrada pela Professora 1 diz respeito à merenda
escolar cujos recursos, segundo sua opinião, são mal utilizados.
Uma outra coisa que eu acho que deveria ser mais observada
é a questão da merenda escolar que é de péssima qualidade
na maior parte das escolas. Você vê que se eles recebem uma
verba X eu acho que essa verba às vezes é muito mal
direcionada.
Ainda sobre os recursos, a Professora 1 faz sugestões para o uso do
dinheiro da escola:
Uma outra coisa que eu também já vivenciei muito na escola é
a questão da higiene, como eu já coloquei. Quantas vezes é
necessário fazer campanha na escola, por exemplo, por causa
do piolho. Ou você faz uma campanha, você convoca os pais a
comprarem [remédio para combater] e um compra e os outros
não têm condições ou não se interessam. Também são coisas
que o dinheiro da escola deveria ter né? ... acho que os
professores teriam que sentar junto com os pais e direcionar
quais são os maiores problemas que a gente sente hoje, o
uniforme, as vezes a criança não tem mesmo.
Como a Professora 1 mencionou o mau uso de recursos, indaguei sobre
a atuação do CEC na escola, se ele não fazia o acompanhamento dos gastos e
ela respondeu que havia o Conselho mas sua atuação era limitada pelo
desinteresse do próprio grupo. Nas palavras da Professora:
{PAGE }
Existe o Conselho, ele participa mas acaba sendo assim ... o
brasileiro não é acostumado muito a isso entendeu? É aquela
coisa do pessoal ir para a reunião dizendo “Ai, que saco, hoje
tem aquela reunião!” e o que falar está falado e perguntam:
“onde é que eu tenho que assinar? vamos logo que eu tenho
que ir para casa”. Você vê que na maior parte das vezes não
tem aquele envolvimento, eles não questionam muito. Eu acho
muito ruim e vejo que a coisa poderia ter uma qualidade
melhor.
Conforme seu relato os representantes do CEC não davam importância
para a função do Conselho. As palavras da Professora 1, demonstram que
apesar da participação da comunidade ser defendida com unanimidade pelas
políticas educacionais, não há a preocupação com a conscientização popular
sobre a importância dessa participação.
Nesse sentido, perguntei sobre a atuação do SEPE, se o Sindicato de
alguma forma buscava interferir na situação dessa escola no que diz respeito à
participação ou ao acompanhamento da gestão. Sobre essa questão a
Professora 1 respondeu:
... do SEPE lá na escola, nós não tivemos grandes respostas.
Em alguns momentos nós percebíamos que já aconteceu deles
direcionarem uma greve, de todo mundo se envolver mas que
não tinha muito sentido. Em uma das greves que nós fizemos,
a coisa foi exatamente assim, por uma questão deles mesmos.
Acho que eles iriam entrar em momento de eleição e então eles
precisavam chamar o pessoal a conhecer, a falar em chapa e a
gente viu que a coisa era muito política mesmo, infelizmente.
Não que eu desacredite da política, seria uma ignorância se eu
dissesse isso mas eu compreendo que às vezes, a coisa tem
mesmo que ser com quem está ali, independente de você
pensar sobre quem está direcionando, quem é o coordenador,
quem é o Ministro da Educação. Você que está ali diretamente
com a criança, com os pais, você tem que botar a coisa para
andar.
Conforme a Professora 1, o SEPE parece não ter como meta a
intervenção no que diz respeito à gestão da escola, o que reforçaria a idéia de
que
a
sua
atuação
profissional
pode
ser
realizada
de
forma
individualizada/independente da conjuntura político-educacional.
Da mesma forma que a Professora 1, a Professora 2 trabalha com turma
do 1º segmento do ensino fundamental mas na rede municipal. Ela tem 38
anos de idade e 6 anos de matrícula no Município do Rio de Janeiro.
{PAGE }
Como a Professora 2 preferiu responder às perguntas, por escrito, não
tivemos a chance de incluir novas questões em seu depoimento. Para ela, a
autonomia da escola se expressaria na realização de projetos desvinculados
das instâncias superiores. Nas suas palavras:
Seria a escola poder realizar suas atividades e projetos
desvinculados de órgãos superiores (como a Secretaria de
Educação).
Se diz que a “escola é autônoma”; mas se é, por que há a
necessidade de se comunicar com outros órgãos e não realizar
imediatamente o projeto com a comunidade?
Para que a escola alcançasse a autonomia, a Professora 2 defende o
que parece ser a elaboração do Projeto Político-pedagógico.
O grupo de professores da unidade escolar deveria sentar-se,
reunir-se e discutir as propostas da escola e o que se quer
buscar. A direção também deveria dar liberdade para que isto
acontecesse.
Quanto às políticas proponentes da autonomia escolar, a Professora 2
afirma desconhecê-las.
Para as duas Professoras, atuantes no 1º segmento do ensino
fundamental, a autonomia da escola se daria em duas perspectivas: para a
Professora 1 seria no nível intra-escolar, no âmbito da relação entre
professores, alunos e a função disciplinadora que a escola não estaria
conseguindo exercer. Já a Professora 2, embora atente para a relação
interinstitucional entre a escola e órgãos superiores, o faz na perspectiva de
reivindicar como autonomia a possibilidade da escola realizar projetos de forma
independente ou desvinculada de órgãos superiores.
Sobre as condições necessárias para que a escola alcançasse a sua
autonomia, ambas as Professoras insinuam a importância do Projeto Políticopedagógico como forma de definição de objetivos e metas próprios da escola e
a Professora 2 reivindica ainda a focalização da “realidade da escola” por leis e
normas.
Com relação às políticas ou programas proponentes da autonomia
escolar, a Professora 1 menciona o FUNDEF e o Programa Nova Escola,
criticando esse último pela metodologia utilizada para a avaliação da escola, e
a Professora 2 alegou desconhecer as políticas.
{PAGE }
A Professora 1 tratou ainda do mau uso da verba da merenda e o mau
gerenciamento dos recursos da escola, da falta de interesse dos membros do
CEC e da omissão do SEPE com relação aos problemas de participação na
gestão escolar.
Ambas as entrevistadas parecem desconhecer as políticas federais que
tratam do funcionamento das unidades escolares. A própria LDB foi ignorada
pelas Professoras.
A Professora 1 mencionou o Fundef, que não se refere ao
funcionamento de unidades escolares ou à questões ligadas à autonomia da
escola, e o Programa Nova Escola, que, enquanto programa de avaliação em
larga escala, trabalha com os mesmos parâmetros para avaliar todas as
escolas da rede estadual, o que poderia, de certa maneira, cercear a margem
de autonomia dessas escolas na definição e na execução de seus Projetos
Político-pedagógicos.
O Professor 3 leciona Matemática, tem 42 anos de idade, 3 anos de
matrícula na rede municipal e 2 na rede estadual. Trabalha com turmas de 5ª a
8ª séries do PEJE – Programa de Educação Juvenil do Município do Rio de
Janeiro e com turmas do Ensino Médio na rede estadual.
Para o Professor 3, a autonomia parece estar vinculada à idéia de
liberdade
tanto
na
relação
professor/aluno
quanto
na
relação
Direção/professor. O entrevistado não estabelece uma diferenciação entre a
autonomia da escola e a autonomia nas relações intra-escolares. Nas suas
palavras:
Eu acho que hoje nós poderíamos entender a autonomia, em
primeiro lugar, como a relação do professor com os alunos. [...]
E tem uma autonomia também da Direção com o professor, ...
[que] te dá autonomia para trabalhar o conteúdo das
disciplinas, conversar com eles.
Quando indagado sobre sua concepção de autonomia da escola, ele
afirma não haver tal autonomia por conta da interferência de instâncias
superiores no âmbito escolar, principalmente na escola estadual, através do
controle da freqüência docente e da falta de “autonomia” dos professores para
opinarem sobre a realização de Conselhos de Classe aos sábados.
{PAGE }
Segundo o Professor 3:
... esse Secretário – o Mendonça – ele está sendo bastante
rigoroso na questão da freqüência do professor. Então a escola
não tem muita autonomia para trabalhar independente.
Eu ia falar um negócio sobre a questão do conselho de classe.
Marcaram os conselhos todos no sábado. Então, qual a
autonomia que os professores têm para dizer - nós não
queremos os conselhos no sábado? Se você falta eles cortam
teu ponto. E no meu caso, em que a gente ainda está no
estágio probatório? Como é que eu vou faltar? Então eu acho
que a escola tem muito pouca autonomia para fazer alguma
coisa diferente. ...
Sobre as condições para a autonomia da escola, o Professor 3 é
enfático na defesa de que o programa ou os conteúdos programáticos
deveriam ser definidos pelo professor em função da “realidade da
comunidade”. À primeira vista, a concepção de comunidade evocada seria
sinônimo de localidade mas, na sua exemplificação, o Professor 3 levanta a
questão do aproveitamento dos alunos nos períodos anteriores como condição
para a definição dos conteúdos.
Nas palavras do Professor 3:
Eu acho que uma das autonomias seria os professores, dentro
da realidade da comunidade, dizer o que é que tem que ser
dado e o que não tem que ser dado. Porque, com certeza uma
escola, mesmo sendo do Estado, lá na zona sul ela é uma
escola diferente da de Nilópolis. ...
... eu que cheguei agora [para dar aulas para uma turma de 3º
ano do Ensino Médio] to pegando tudo aquilo que não foi dado
e montei um programa. E aí o que é que acontece? Se você for
pegar os três anos, não bate com o programa da Secretaria
porque cada um fez uma coisa diferente. E aí eu pergunto:
esse programa que foi dado é o mesmo de uma escola em
Anchieta? São realidades diferentes. Então, eu acho que a
autonomia passa por aí, os próprios professores no início do
ano letivo, definir o que é que vai ser dado para as turmas.
Diante dos argumentos apresentados pelo Professor, mencionei o
Projeto Político-pedagógico com o intuito de verificar se ele sustentaria sua
defesa da definição de conteúdos pelos professores. Nesse sentido, ele
respondeu que o PPP deveria nortear a seleção de conteúdos mas que não
haveria a necessária participação dos professores na construção do Projeto.
Nas suas palavras:
{PAGE }
Então é por isso que, quando, a gente define a questão do que
é que deve ser dado, deve-se trabalhar em cima do PPP. E
geralmente, o que eu sinto é que os professores, não se
interessam pelo PPP. ... Mas na verdade, se você tem 20 ou 25
professores em uma reunião, dois ou três dão uma sugestão. ...
Eu acho que, com certeza, a autonomia, o PPP passa por essa
discussão dos professores. Mas muitas vezes se diz o PPP é
isso daqui. Vamos trabalhar isso e só o fulano deu a sugestão
e não foi discutido. Às vezes o professor até tem uma boa
idéia, mas aquilo não é discutido.
Sobre as políticas ou programas que prometem viabilizar a autonomia da
escola, o Professor 3 afirma desconhecê-las. Segundo ele “... eu não sei como
é que a escola, trata dessas questões. Não nos é passado nada, nem no
Município, nem no Estado”.
Diante da negação do Professor 3, perguntei-lhe sobre a gestão dos
recursos com o objetivo de tentar lembrá-lo das leis que regem o financiamento
das escolas mas novamente o Professor afirmou desconhecê-las e, diante da
questão dos recursos ele se remeteu ao FUNDEF, relacionando-o à questão
salarial.
Não, o que a gente comenta mais no Município é sobre o
FUNDEF por que segundo a informação [de um outro
professor], o FUNDEF é um fundo para complementar a renda
do professor. Então se o seu salário é R$ 1.000,00, o FUNDEF
complementaria para R$ 1.200,00 e não está sendo feito isso.
Estão usando o FUNDEF para pagar o salário do professor.
Para voltar à questão da autonomia ou de sua falta na escola, perguntei
ao Professor 3 se havia eleição para diretores no Município do Rio e ele
respondeu que havia tanto no Município quanto no Estado mas seria uma
eleição “direcionada”. No seu entender:
Existe tanto no município quanto no Estado. A comunidade
vota mas o que acontece é que é também uma eleição
direcionada pois geralmente há somente uma chapa onde se
faz um rodízio do mesmo grupo a cada eleição.
Da mesma forma que o Professor 3, o Professor 4 leciona Matemática
na rede municipal, onde trabalha com turmas do 2º segmento do ensino
fundamental, e com turmas do ensino médio na rede estadual. Ele tem 33 anos
de idade e 7 anos de matrícula.
Para o Professor 4, a autonomia da escola se daria na efetivação de
linhas de ação determinadas por professores, alunos, direção, funcionários e
{PAGE }
comunidade em conjunto. Ao que parece, o Professor defende a construção e
a execução do Projeto Político-Pedagógico da escola. Nas suas palavras:
... A autonomia da escola é fazer o que professores, alunos,
diretores, funcionários e comunidade desejam para a
comunidade. Fazer com que a escola sirva a comunidade. Isso
é a autonomia da escola. A escola tem que ter autonomia para
isso. Agora, hoje ela não tem muita autonomia para isso, para
traçar suas próprias linhas de ação muito pela questão política,
né? É a Coordenadoria que quer interferir no trabalho da
escola, ..., que coloca funcionário readaptado lá para a escola,
funcionário que nem a escola quer. Enfim tem inúmeros
problemas políticos que fazem com que a autonomia da escola
não se concretize. Então, a autonomia para mim é isso é a
escola ter a liberdade de se pensar e concretizar aquilo que ela
traçou como linha.
Sobre as condições, para a autonomia da escola o Professor 4
argumenta que a escola deve conhecer sua identidade para poder traçar o seu
Projeto Político-Pedagógico; no entanto, ele reconhece que esse processo
depende de infra-estrutura material, financeira e humana.
Para o Professor:
Eu acho que para ter autonomia ... a escola tem que ter uma
identidade. Não sei se eu estou falando disso agora para você
por que a escola está passando por um processo, a escola do
Município em que eu dou aulas para a 8ª série, de falta de
identidade. (...) Então, qualquer PPP que a gente fique
traçando não dá muito certo. É aluno de uma comunidade aqui,
aluno de uma comunidade ali, alunos de várias comunidades
diferentes.
...
Agora, as condições são muitas. Depende de condições
financeiras também, a escola às vezes tem poucos
profissionais para lidar com os problemas que ela tem. A escola
hoje tem problema de falta de segurança, de falta de inspetor
nos andares, a escola hoje tem problema de falta de professor
de falta de tudo, de falta de equipamento necessário para os
profissionais da cozinha trabalharem ... .
Enfim há de se ter investimento também. Investimento nas
escolas não só na parte salarial mas também na parte
estrutural.
Sobre as políticas e/ou programas que prometem viabilizar a autonomia
da escola, o Professor 4 afirma desconhecê-las. Nas suas palavras:
Não conheço as políticas ou programas que prometem
viabilizar a autonomia. Não conheço. A gente que está em sala
de aula, a gente que vive na sala de aula o dia todo, vai de
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uma escola para outra a gente, de vez em quando, no recreio
quando a gente costuma se encontrar ... Às vezes o que um
professor sabe, passa para o outro. Então, por exemplo, essas
políticas eu não conheço. Não sei se existem ou não.
Diante da negação do Professor 4 sobre o conhecimento das políticas
educacionais, perguntei-lhe sobre a LDB e ele reafirmou não conhecê-la. Nas
suas palavras:
Não peguei essa lei no curso [na licenciatura]. Enfim eu não sei
dessas novas políticas e programas. Isso também não se
comenta na Coordenação Pedagógica. Não se discute as
políticas educacionais nacionais na escola. Não se debate.
Além das questões propostas, o Professor 4 faz críticas à interferência
da Coordenadoria e de políticas que se baseiam em estatísticas para avaliar a
escola. Embora não tenha citado o Programa Nova Escola, os seus
argumentos descrevem os critérios utilizados pelo Programa para avaliar as
escolas do Estado.
Com relação à autonomia da escola, eu acho que hoje
dificilmente você encontra escolas públicas que tenham 100%
de autonomia. É difícil de você encontrar. Sempre tem
influência de Coordenadoria, sempre tem influência de políticas
que só vêem estatísticas e quando isso sai do padrão, sempre
tem auditoria. Na minha escola teve uma. Foi uma equipe da
CRE na escola para verificar como é que estava a questão de
material se estava sendo utilizado, como é que estavam os
conceitos e o aproveitamento dos alunos. Tudo isso porque os
conceitos dos alunos não foram muito bem vistos na CRE da
nossa escola.
Como
o
Professor
afirmou
desconhecer
as
políticas
para
o
funcionamento da escola, indaguei-lhe sobre a gestão de recursos e, segundo
o Professor, a direção da escola apenas comunica o recebimento dos recursos,
mas não fala em valores ou solicita sugestões para o uso da verba.
Nesse sentido, busquei saber da atuação do professor representante
no CEC dessa escola. Segundo o Professor 4, há um professor representante
mas as reuniões do CEC são realizadas em conjunto com professores
representantes de outras escolas e com um representante da CRE –
Coordenadoria Regional de Educação, em que se discute sobre:
.. questão do dinheiro que entra nas escolas e fala-se um
pouco também sobre os problemas das escolas, os problemas
de violência, que geralmente hoje é a tônica. Mas, pelo que ele
[o professor representante no CEC] me passa, as reuniões do
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CEC é mais para eles ficarem dizendo amém ao que é
colocado para eles.
Como não há reuniões do CEC da Escola, perguntei-lhe se os
Conselhos de Classe seriam, portanto, o único momento em que os
professores e a direção se encontravam, mas o Professor afirmou que seria
nos conselhos e nas reuniões do centro de estudos em que são discutidas
questões pedagógicas. Nas suas palavras:
É discutido o pedagógico, por exemplo, a coordenadora tirou
xerox de um livro que falava sobre a relação entre o professor e
o aluno, só, só isso e a gente ia lendo e discutindo o livro e só.
Mas sempre nas discussões recaíamos nos problemas da
escola. Nós desviávamos completamente da leitura do livro.
Era um texto teórico e a gente via alguma coisa lá que tinha
alguma coisa a ver com a gente e aí a gente atropelava.
O Professor 4 fez ainda algumas considerações no término da
entrevista:
Então é isso. Eu me preocupo com a autonomia da escola hoje
porque eu vejo que a escola não tem autonomia nenhuma, por
exemplo, ..., eu, em sala de aula não me sinto com autonomia
de aprovar e reprovar um aluno. Não que isso seja muito
importante, mas isso é uma forma de constatar tanto o seu
trabalho como o aproveitamento do aluno. ... Enfim, eu fico com
pena porque o aluno fica olhando para você, ele fica
desestimulado. ... Esse é o tipo de trabalho que o Município dá,
trabalho em grupo, trabalho em dupla e um copia do outro,
enfim e eu temo muito por isso porque isso é exclusão do
aluno, o aluno está sendo excluído. ... . Ele já é um excluído da
sociedade.
... Então, a escola hoje não tem autonomia, por exemplo para
consertar isso. A escola hoje passa por cima disso tudo. Aliás
passa por cima da escola as políticas educacionais não oficiais,
creio eu. O que são as políticas educacionais não oficiais? São
essas políticas de estatística ...
Ambos os Professores de Matemática afirmam desconhecer as políticas
educacionais que tratariam da autonomia da escola. Apenas o FUNDEF é
citado com referência à sua melhoria salarial74.
Para os dois Professores, a autonomia da escola se daria também no
nível intra-escolar, ou seja, na relação entre professor e alunos e entre a
74
De fato, segundo o Art. 7º da Lei 4.024, de 24 de dezembro de 1996, pelo menos 60 % dos
recursos do FUNDEF devem ser utilizados por Estados, Distrito Federal e Municípios para a
remuneração dos profissionais do magistério atuantes no ensino fundamental público.
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diretoria e os professores, na opinião do Professor 3, e na execução de linhas
de ação traçadas pela comunidade escolar, na avaliação do Professor 4.
Para que a escola alcançasse a sua autonomia, o Professor 3 propõe
que os conteúdos programáticos deveriam ser definidos pelo professor em
função dos conteúdos vistos previamente pelos alunos. Para o Professor 4, a
escola deveria conhecer sua identidade como ponto de partida para traçar suas
metas, o que dependeria, segundo ele, de maior investimento na escola de
forma a proporcionar melhoria salarial e de infra-estrutura (material e humana).
Já a Professora 5, que tem 31 anos de idade, 2 anos de matrícula no
Município do Rio de Janeiro, onde trabalha com turmas do 1° segmento do
Ensino Fundamental, e 3 anos na rede estadual, onde leciona Língua
Portuguesa para turmas do 2º segmento do Ensino Fundamental (Ensino
Supletivo), cogita a autonomia da escola enquanto instituição e propõe uma
forma de independência ou desvinculação da instituição escolar da
interferência do Poder Público. Para ela seria:
... ter a possibilidade de desenvolver projetos, até para lidar
com professores e alunos com a comunidade escolar de forma
geral, independente de políticas ditadas pela Secretaria ou por
algum tipo de governo.
Para que a escola alcançasse a autonomia, a Professora 5 defende que
a “política” não deveria estar “influenciando da maneira como vem
influenciando”. Para ela, a preocupação da Secretaria de Educação e das
políticas educacionais são voltadas para uma rede de escolas, não sendo
capazes portanto, de atender as especificidades das unidades escolares.
Nesse sentido, além de não dar conta das necessidades específicas das
escolas, as “políticas e o governo” seriam responsáveis pela inviabilização de
projetos ao impor exigências padronizadas para escolas que, em tese,
possuem realidades diferentes. Nas palavras da Professora:
A “política” não deveria estar influenciando da maneira como
vem influenciando. Então, às vezes o diretor, professores e os
próprios alunos querem alcançar alguma coisa e dependem do
aval da Secretaria ... A preocupação, às vezes, é muito mais
ampla, no nível de abarcar uma grande quantidade de escolas,
... então a preocupação é mostrar um serviço independente
daquela realidade, daquela escola específica. Então, às vezes,
o que a Secretaria entende, o que a política ou o governo
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entende como bom, muitas vezes não é, porque não se adequa
àquela escola específica. E eu acho que deveria haver uma
coisa assim voltada para a realidade de cada escola. Porque
certamente, uma escola que está situada em uma comunidade
financeiramente melhor estruturada, não é a mesma realidade
de uma escola que está dentro da favela e a comunidade que
pertence, os alunos e a comunidade do entorno, em geral, não
vive da mesma forma e nem tem os mesmos objetivos. Então,
às vezes, é o que eu disse a princípio, o que se enquadra a um
grupo não é o mesmo ao que vai se enquadrar a outro grupo. E
aí, os projetos vão por água abaixo.
Diante da defesa de projetos independentes da interferência das
políticas governamentais que tenderiam a um tratamento igual para escolas
diferentes, perguntei à Professora 5 se na escola em que trabalha havia um
Projeto Político-Pedagógico, com o intuito de verificar como a Professora
percebia a interferência dessas políticas no desenvolvimento do PPP da
escola.
Segundo ela, a escola não tem um Projeto Político-Pedagógico e, por
isso, perde pontos no programa estadual de avaliação escolar - o Nova Escola.
Para a Professora, a direção tenta fazer um bom trabalho mas a escola sofre
com a insuficiência de recursos.
Com o objetivo de verificar se a Professora 5 conhecia as regras de
distribuição dos recursos que chegam à escola, indaguei-lhe se a insuficiência
de recursos se daria em função da escola não atender ao ensino fundamental
regular75. Nas suas palavras:
Por não ter o ensino fundamental regular e porque o Estado
tem uma coisa em relação ao número de turmas. Então, o
prédio é pequeno, atende de C. A. à 8ª série no sistema
supletivo, e ..., as escolas da rede estadual, de um modo geral,
elas são assistidas financeiramente, de acordo com o número
de turmas que elas possuem. Então, você tem vários níveis. Eu
não sei em que nível a minha escola está mas é uma escola de
pequeno porte e por conseguinte, recebe uma verba menor e
por isso muitas coisas que poderiam ser feitas não são.
Segundo a Professora, além de fazer a distribuição de recursos
financeiros de acordo com o número de turmas, o Estado também controla a
quantidade
75
de
funcionários
das
escolas
em
função
desse
número.
Tendo em vista que os recursos do PDDE, por exemplo, são destinados apenas para escolas
com matrículas do ensino fundamental regular.
{PAGE }
No caso da escola em que trabalha, considerada de pequeno porte, esse
critério é utilizado como justificativa para a recusa de solicitações da escola,
inclusive da necessidade de um orientador pedagógico. A falta desse
profissional, aliada à cobrança da Secretaria Estadual de Educação pelo
Projeto Político-Pedagógico da escola, teria levado a diretora a contratar um
profissional para elaborar o Projeto, que ficou inconcluso por falta de verba.
Diante da afirmação sobre a contratação de um profissional para
desenvolver o Projeto Político-Pedagógico, questionei sobre a origem dos
recursos e a Professora confirmou a utilização de recursos da escola. Segundo
a Professora 5:
A direção faz de tudo. Ela tentou chamar uma menina para
desenvolver [o Projeto Político-pedagógico] ... porque ela quis
botar um orientador ou coordenador pedagógico e não pôde.
(...)
Então para o Projeto Político-Pedagógico, a gente fez duas ou
três reuniões, ... . Nós achamos que a coisa ia para frente, mas
aí, por falta de verba, porque a menina estava sendo paga para
desenvolver o projeto, ... com verba que a escola recebia do
governo do Estado.
A professora destaca ainda os empecilhos para a participação docente
em qualquer atividade da escola fora as aulas. Segundo ela, mesmo quando as
aulas são suspensas para a realização de reuniões, não há a possibilidade de
reunir todos os professores.
Então fica difícil. Porque quem é que vai desenvolver? são os
próprios professores? Até sim. Mas tem que ter alguém
mediando ali que tenha uma responsabilidade direta com
aquilo para botar no papel o que está sendo discutido. Que se
dedique àquilo. E a gente também não pode porque o Estado
não deixa você fazer isso. Tirar um dia da semana para tentar
resolver isso. Você tem que dar aulas. Para poder fazer reunião
a gente adianta os tempos dos alunos ... e mesmo assim não é
possível reunir todos os professores pois têm os que não vão
naquele dia da semana. E se não é o seu dia você vai lá? Se o
governo já te paga mal?
A conversa que você escuta é que o salário é muito pouco, o
que é verdade. Então, o cara diz que não está podendo se
responsabilizar com isso não. Às vezes o cara trabalha o dia
inteiro e chaga lá à noite, então quer dizer que às vezes não
tem mesmo como se envolver. ... Então é isso e o Projeto
Político-pedagógico até hoje não saiu do papel.
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Perguntada sobre as políticas educacionais que prometem viabilizar a
autonomia da escola, a Professora 5 alega que não chegaram informações a
esse respeito e que na escola só chegam circulares tratando de mudanças
promovidas pelo Secretário Estadual de Educação – Cláudio Mendonça com
relação à freqüência dos professores e questionários do Programa Nova
Escola, que, segundo a Professora 5, não contribui para a melhoria da escola.
Nesse sentido, ela propõe que:
Deveria haver uma real avaliação, onde se buscasse saber
qual a real deficiência dessa escola. Então vamos avaliar. Já
que ela está assim então porque que está assim? Mas não,
simplesmente vamos dar uma nota para ela, como se isso
fosse resolver o problema.
Partindo da proposição de que não chegam informações sobre as
políticas educacionais na escola, indaguei-lhe sobre a influência do SEPE junto
aos professores a fim de verificar se através do Sindicato essas informações
poderiam chegar aos professores. Mais uma vez o SEPE é relatado como
indiferente à gestão escolar. Segundo a Professora:
O que vai na escola é representante de banco, do BMG, para
você pegar dinheiro emprestado. Agora o SEPE nem aparece
lá. Ele manda sim. Pelo que fiquei sabendo, pelo menos uma
vez ele mandou um panfleto dizendo que haveria greve.
Já a professora 6, que leciona História, tem 33 anos de idade, 7 de
matrícula na rede estadual, onde trabalha com turmas do ensino médio, e com
o 2º segmento do ensino fundamental no Município do Rio de Janeiro. Define a
autonomia da escola como a capacidade de gerir os recursos para o
atendimento de suas necessidades específicas. Para ela:
A autonomia da escola é a capacidade dessa escola gerir os
seus próprios recursos, ou seja, através do dinheiro que o
Estado manda, a escola ter a consciência de como e quais são
as suas áreas de fraqueza e as suas áreas de força e o que
que ela pode investir. Como é que ela pode pegar esse
dinheiro e saber, por exemplo se ela tem que investir mais em
pessoal de apoio, se ela tem que investir mais em merenda ou
se ela tem que investir mais em livros para a biblioteca.
Administrar as suas forças e fraquezas com esse dinheiro vindo
do Estado.
Quanto às condições para que a escola atingisse a sua autonomia, a
Professora 6 foge um pouco da questão da escola propriamente dita e
extrapola na defesa da transparência nos gastos públicos. Nas suas palavras:
{PAGE }
Eu acho que transparência nos gastos públicos porque hoje em
dia falar do que é público vira uma coisa que não é de
ninguém, então por isso as pessoas não têm uma questão da
responsabilidade, da transparência, seja pelo dinheiro público,
pelo bem público. Eu acho que cada vez mais a gente precisa
trabalhar a questão da ética, dos valores a preocupação com o
que é de todos e isso é fundamental para trabalhar qualquer
projeto ligado à educação e ligado à autonomia do ensino
público.
Como a professora destacou em sua fala a questão da defesa do bem
público, indaguei-lhe sobre a “consulta popular” que teria havido nas escolas
estaduais, em lugar da eleição direta para diretores. Para a ela, o fato de não
haver eleições, impede que a comunidade escolar se sinta responsável ou coresponsável pela gestão da escola. Nas suas palavras:
Um grande retrocesso. Voltamos à ditadura. De novo é uma
coisa imposta de cima para baixo ...: e aí você impõe uma
medida “goela” abaixo das pessoas e esquece que as pessoas,
pra participar e para se sentir parte de um processo elas têm
que escolher também. Se não, elas não se sentem
responsáveis. Você tem co-responsáveis por esse processo de
estar na escola e aí a escola não faz o seu processo que é
tornar a vida do outro melhor no sentido de que o aluno tem
que entrar aqui e sair um ser humano melhor. Mas se ninguém
tomar parte ou responsabilidade desse processo acaba virando
um depósito de gente.
Sobre o conhecimento das Políticas proponentes da autonomia da
escola, a Professora 6 faz críticas generalizadas, demonstrando não conhecer
as políticas voltadas para a autonomia da escola.
Eu conheço muito o discurso, a teoria que normalmente são
maravilhosos agora não esquecem de como tem que trabalhar
na prática. Então todo o enunciado, todas as propostas
maravilhosas isso é sempre falado agora eu queria me
aprofundar em algo mais do que só o discurso. Eu queria ver
realmente a prática disso.
Aproveitando sua crítica enfática às “propostas”, que imaginamos
tratar-se das propostas de política educacional, indaguei-lhe sobre a exigência
do Projeto Político-Pedagógico com a condição da indicação de diretores e da
falta de funcionários da área pedagógica. Nas suas palavras:
... uma grande contradição ... Que toda escola precisa de seu
PPP é obvio, mas que ele tem que realmente fazer parte da
prática dessa escola então, aí está a grande contradição. Você
segue a receita de bolo pedindo que a escola desenvolva o seu
projeto, tenha as suas idéias e em compensação você empurra
{PAGE }
de cima para baixo todo o projeto de autonomia ou
administração dessa unidade escolar. Então, por isso, essa
coisa não funciona. ... Então, como é que a escola pode ter
autonomia se, na verdade, continua o retrocesso, continua a
ditadura, continua o impasse ou de novo a recusa em querer
ouvir o outro.
A Professora 7, que leciona Geografia, tem 57 anos de idade e 39 de
matrícula na rede municipal, onde trabalha com turmas do 2° segmento do
Ensino Fundamental. Também pensa a autonomia da escola relacionada à sua
capacidade gestora tanto no nível administrativo quanto no nível pedagógico.
Para ela:
É justamente a escola poder se autogerenciar. De uns tempos
para cá já está havendo um pouco mais de autonomia,
inclusive na questão do currículo. A escola já pode, tendo como
base os Parâmetros Nacionais, estabelecer o seu currículo com
base nas necessidades da escola e todas as características da
comunidade escolar. ...
Com relação às verbas, ... de alguns anos para cá ela [a
escola] recebe verbas para uso próprio, do governo federal e
também do governo municipal. Isso ajudou e muito na questão
de pequenos reparos, pequenas necessidades, necessidades
imediatas da escola que às vezes precisava esperar decisão da
Secretaria de Educação, decisão do Prefeito e agora não.
Sobre as condições para que a escola alcance a autonomia, a
Professora 7 argumenta que deveria haver mais liberdade para que a escola
pudesse fazer parcerias, independentemente de decisões superiores.
Seria isso mesmo, a escola não ficar tão presa a
determinações do órgão central. Tudo bem que o Sistema é
único, o Sistema de Educação do Município é único mas para
isso tem-se o acompanhamento com supervisores da própria
CRE da Coordenadoria de Educação mas é necessário que
realmente a escola pudesse ela mesma fazer as suas parcerias
com a comunidade, com entidades oficiais, sem depender de
autorização de decisões superiores.
Sobre as políticas educacionais, a professora 7 citou o FUNDEF,
confundindo-o aparentemente com o PDDE76, os Parâmetros Curriculares
Nacionais e, no nível municipal, citou Grupos de Trabalho criados pela
Prefeitura para avaliação do Currículo escolar.
76
Os recursos do PDDE são depositados em Contas Corrente das Escolas Públicas que
atendem ao ensino fundamental regular o que não ocorre com os recurso do Fundef em que,
de acordo com o Art. 2º § 1º da Lei 4024/96, a distribuição dos recursos é feita entre o
Governo Estadual e os Governos Municipais.
{PAGE }
A atual política, que eu conheço mais é do Município e que
também está atrelada ao Governo Federal, por exemplo, a
criação do FUNDEF, que é o Fundo de Ensino Fundamental
que é transformado assim ... a ajuda é transformada em
dinheiro, é justamente a verba federal que a escola recebe
para ter um pouco mais de autonomia no gerenciamento das
suas necessidades. No caso, a Prefeitura também ela cria
grupos de trabalho. Agora mesmo, há umas duas semanas eu
fui indicada pela escola para fazer parte do grupo do município
que vai justamente discutir o currículo Multieducação, porque o
currículo usado nas escolas municipais é o Multieducação, que
é adaptado em cada escola através do seu PPP. ...
No nível federal, a autonomia é dada mais nesse sentido
operacional, prático de gerenciar a verba federal. Isso, cada
escola, junto com o seu Conselho Escola-Comunidade, decide
... o uso da verba ... e também os Parâmetros Curriculares
Nacionais, com isso o MEC também quer dar autonomia para a
escola para ela própria criar o seu currículo.
A Professora 7 finaliza a entrevista com os seguintes comentários:
Eu acho que a escola pública ... a gente pode fazer uma escola
pública de qualidade mas, ... às vezes a escola luta por fazer
um bom trabalho mas esbarra numa série de problemas, ..., até
mesmo da comunidade em volta, o despreparo dos professores
de enfrentar problemas que surgem na escola que fogem da
alçada de ser professor. A gente encontra muito e nós somos
despreparados para isso. A gente vai mais na intuição, no bom
senso mas é muito complicado. Mas tenta-se de qualquer
maneira, ainda, fazer uma escola pública de qualidade e
democrática que dê oportunidade a todo mundo.
Sobre as concepções de autonomia da escola evocadas pelos
professores, a maioria deles, - 5 entrevistados trataram como algo que se daria
intra-muros escolares, ou seja, não estabelecem em suas definições vínculos
extra-intitucionais. Ao que parece, a autonomia da escola para esses
professores se daria no interior da escola, independentemente das políticas
e/ou propostas educacionais.
Dois dos professores entrevistados, porém, mencionaram a relação da
escola com as políticas e/ou propostas educacionais mas somente para
reivindicar como autonomia da escola uma independência ou desvinculação da
escola das instâncias superiores e/ou do Poder Público.
Quando perguntados sobre as condições para que a autonomia por eles
proposta chegasse à escola, quatro dos professores mencionaram a relação da
escola com instâncias superiores ou com o Poder Público. Dois dos
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professores reivindicaram leis/propostas que atendessem mais diretamente às
realidades específicas da escola, e os outros dois professores reivindicaram a
previsão de maior liberdade de ação nas determinações dos órgãos superiores
destinadas às escolas.
Dos demais professores – três - que não estabeleceram vinculações
extra-escolares como condição para a autonomia da escola, um extrapolou a
questão da autonomia da escola, fugindo da questão colocada, e dos outros
dois, um professor exaltou a eleição de conteúdos a serem ministrados para as
turmas, pelo professor e pela escola, e o segundo professor mencionou a
construção e a execução do Projeto Político-pedagógico como condição para a
autonomia da escola.
Sobre as políticas educacionais propriamente ditas, três professores
alegaram total desconhecimento de qualquer política educacional. Dos demais
entrevistados, dois mencionaram o Fundef, mas apenas um deles fez
comentário, ainda que superficial, do que seria, em seu entender, o objetivo do
Fundo.
O
Programa
Nova
Escola
também
foi
lembrado
por
dois
entrevistados77, que fizeram críticas radicais aos seus objetivos e sua
metodologia na avaliação das escolas estaduais. E somente uma entrevistada
descreveu o PDDE, embora o tenha denominado de Fundef, e os Parâmetros
Curriculares Nacionais como propostas voltadas para a autonomia da escola.
Vejamos em seguida as questões trazidas pelos demais profissionais
entrevistados.
Foram entrevistadas em conjunto 3 profissionais atuantes em uma
mesma escola da rede municipal que atende ao 1° segmento do ensino
fundamental, a turmas de educação infantil e a uma classe de portadores de
deficiência auditiva. Entrevistamos a diretora da escola78, que tem 31 anos de
matrícula na rede municipal, a Coordenadora Pedagógica, com 18 anos de
matrícula, e a Professora atuante na Sala de Leituras, que tem 6 anos de
matrícula e é formada em Letras.
77
Um dos entrevistados em destaque, mencionou o Fundef e discorreu críticas ao Programa
Nova Escola concomitantemente.
78
Diretora 1
{PAGE }
Para a Diretora 1 e a Coordenadora Pedagógica, a autonomia da escola
corresponderia principalmente, à liberdade de gerenciar os recursos da escola
em função de suas necessidades específicas, enquanto que, para a Professora
da Sala de Leituras, a autonomia se daria no âmbito de sua atuação em
sintonia com os projetos da escola.
Nas palavras das entrevistadas:
Coordenadora Pedagógica - ... seria uma liberdade de você
estar gerenciando os recursos disponíveis, de maneira
responsável, ...
Diretora - Eu concordo porque isso até a gente tem, os
recursos, a gente procura gerenciar mas ainda tem coisas que
a escola tem que submeter a uma avaliação sobre o que pode
e o que não pode, ficando ainda muito dependente.
Professora da Sala de leituras - No meu caso, que estou com
turma, é uma liberdade responsável para atuar de acordo com
a sua informação, com a sua experiência mas de acordo com
os projetos da escola.
A partir da reivindicação pela liberdade na gestão dos recursos da
escola, procurei direcionar as perguntas no sentido de entender de que
maneira a escola poderia ser menos dependente conforme a colocação da
Diretora 1. Nesse sentido perguntei sobre a proveniência dos recursos da
escola e obtive as seguintes respostas:
Diretora 1 - Do PDDE e do SDP [Sistema Descentralizado de
Pagamento] que a Prefeitura do Rio dá para as escolas de
acordo com a necessidade da escola e com o número de
matrículas, uma verba com a natureza de despesa 34, que é
para consumo - material para professor, para alunos, para
secretaria, material de informática, material para a sala de
leitura, e para pequenos consertos. E a natureza 63, que é
para pequenas reformas no prédio, mobiliário ...
Sobre a gestão desses recursos, a Diretora 1 descreve:
[O SDP] substitui o Fundo Rotativo. (...). A gente agora está
recebendo um e na semana que vem a gente vai se reunir com
o CEC para a gente planejar o que vai fazer. Nós terminamos o
planejamento essa semana do PDDE de 2005 e vamos fazer
agora do SDP.
Sobre as condições para que a escola tivesse autonomia, a Diretora 1 e
a Coordenadora reivindicaram maior liberdade para a gestão dos recursos.
Para elas, através de uma margem maior de decisão no âmbito da escola,
haveria a possibilidade de atender às necessidades específicas da escola.
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Diretora 1 - A gente, em parte tem autonomia só que ela é uma
autonomia vigiada, ...
Coordenadora - E eu acho que é muito restrita, por exemplo o
6379 tem que ser só para aquilo.
Diretora 1 - Tinha que ser uma coisa mais aberta, mais ampla
em que você pudesse gerenciar de acordo com as
necessidades totais da escola. (...) , por exemplo, o PDDE ..., a
escola está com dificuldades de fazer passeios porque é difícil
conseguir um ônibus, está muito caro e a nossa escola gosta
muito de passear até porque os professores aproveitam para
engajar isso no projeto (...). Mas, para a gente fazer um
passeio com o PDDE, a gente não pode levar duas ou três
turmas porque todos os alunos da escola têm que ser
contemplados. (...) A gente não pode fazer só passeio, porque
para passear com a escola inteira, a verba ia toda embora.
Coordenadora - Eu acho que ... teria que atender mais às
necessidades específicas da escola. Qual é a necessidade do
momento? Investir mais em aulas-passeio? Que se pudesse ter
essa liberdade porque aqui, já está tudo mais ou menos de
acordo, não temos mais necessidade de tanta obra. Mas se
aquele dinheiro for reservado para obra, tem que ser obra, tem
que ser reparo. Deveria haver mais autonomia na prática, no
dia-a-dia mesmo.
Diretora - Então, é uma liberdade, é um dinheiro que você tem,
que você tem liberdade para gerenciar aquela verba mas não é
uma liberdade total. Acho que o diretor deveria ter uma
liberdade mais ampla para gerenciar da forma como ele
achasse melhor.
Como a liberdade no uso dos recursos foi bastante exaltada, questioneilhe sobre a prestação de contas. A esse respeito a Diretora 1 argumenta ser
um processo trabalhoso e que toma um tempo que o diretor não tem para
gastar.
Diretora 1 - A prestação de contas é bem complicada. Uma
coisa também, muito difícil, no gerenciamento das verbas é a
questão da cobrança de tomada de preços. Nós tivemos uma
experiência no ano passado do PDDE, que geralmente em
junho a gente manda o planejamento e em julho, o dinheiro
está na conta e aí você tem de julho a 31 de outubro para
prestar contas e no ano passado, o PDDE só saiu após 15 de
outubro e a gente só teve aquele espaço de 15 dias para você
refazer o trabalho, gerenciar e prestar contas e aí ficou
complicado porque a gente fez uma tomada de preços em julho
e tudo aumentou muito, e quando chegou em outubro, já não
dava para fazer as mesmas coisas.
E o SDP também, na questão da tomada de preços. Se você
vai fazer um serviço de obras, você tem que pesquisar dois,
79
Referindo-se a uma especificidade do uso dos recursos oriundos do SDP.
{PAGE }
três profissionais, se você vai comprar material você tem que
ter três pesquisas e isso toma muito tempo e o diretor não tem
tempo para isso. Eu acho que aí é que está a questão pior do
gerenciamento dessas verbas. (...)
Sobre as políticas voltadas para a autonomia da escola, a Coordenadora
e a Diretora 1 mencionaram o PDDE e o SDP e disseram ter tomado
conhecimento dessas políticas em reuniões, seminários e circulares da
Secretaria Municipal de Educação.
Coordenadora – Até cursos eles estabeleceram. Até que as
informações chegam.
Diretora – Até porque, a gente não é formado em contabilidade
e tem que gerenciar isso como se fosse um contador e tem as
questões dos tributos que é bem complicado e a gente tem que
ter aquilo tudo na cabeça, prazos para o pagamento dos
tributos, percentual do que é que vai descontar na nota fiscal,
nos recibos e é bem complicado.
A partir da declaração do conhecimento sobre o funcionamento das
políticas de financiamento das unidades escolares, questionei as entrevistadas
sobre a participação dos responsáveis na gestão dos recursos80. Segundo a
Diretora 1 e a Coordenadora, a participação da comunidade parece ser uma
rotina na administração da escola.
Diretora 1 – A escola tem o CEC ... Por exemplo, nas reuniões
de pais, a mãe representante dos responsáveis participa
juntamente com a direção, para prestar contas aos pais. ...
Temos uma reunião marcada com o CEC para planejar o SDP
e ver o planejamento do PDDE se vai continuar o mesmo ou se
a gente vai dar uma mexida.
Coordenadora – Agora, durante esses anos todos, a gente têm
zelado muito pela transparência e por ouvir a comunidade. O
que o professor precisa, o que é que vai facilitar o processo
ensino-aprendizagem, o que é que vai ser bom para o aluno?
Porque a gente acha que a escola tem que ser prazerosa, você
tem que chegar e se sentir bem e aí é o que a gente têm feito
com esses recursos, investindo mesmo na questão de que
tanto aluno, responsáveis, professores e funcionários em geral,
terem prazer em estar na escola.
Conforme destacado anteriormente, a Diretora 1, a Coordenadora
Pedagógica e a Professora da Sala de leituras foram entrevistadas em grupo e
trabalham juntas em uma mesma escola da rede municipal. Cabe destacar que
80
Tendo em vista que para receber os recursos do PDDE, as escolas públicas de ensino
fundamental regular são obrigadas a ter uma unidade executora composta por representantes
da comunidade escolar.
{PAGE }
as relações estabelecidas nesse tipo de escola são muito específicas. A
presença diária dos professores, a carga horária da equipe de direção de 40
horas semanais e o interesse dos pais/responsáveis dos alunos pela escola
são fatores que contribuem para que haja uma gestão participativa.
As entrevistadas a seguir, embora tenham feito suas declarações em
separado, atuam também em uma mesma escola da rede estadual que até
2004 atendia ao 2º segmento do ensino fundamental e ao ensino médio,
passando a trabalhar somente com o ensino médio a partir de então. Foram
entrevistadas: a Diretora81, que tem 38 anos de idade e 20 de matrícula, e a
Secretária Escolar, que tem 48 anos de idade e 22 de matrícula.
Também para a Diretora 2, a autonomia da escola estaria relacionada à
maior liberdade no gerenciamento dos recursos da escola. No entanto, a
Diretora 2 reivindica maior participação no sentido da escola propor para a
Secretaria de Educação o valor necessário para se manter.
Para mim a autonomia teria que ser ampla, geral e irrestrita.
Quando você fala em autonomia, é você poder fazer o que é
necessário com as verbas que são recebidas, prestando
contas, é lógico, ...
A autonomia para mim, seria a autonomia não só no sentido de
verbas, que é a autonomia de você poder comprar o que é
necessário e não ser restrito ... porque é restrito em algumas
coisas, você pode comprar 40% de material didático, 30 % de
material permanente. Então você tem uma certa restrição para
comprar e, às vezes, não é isso o que você vê na escola. Você
vê que é necessário comprar um determinado material, um
determinado objeto que custa, às vezes, 50% da verba mas é
necessário e você não vai comprar, não pode comprar porque
você não tem autonomia para comprar? Porque existe uma
restrição de valores para você comprar? Então isso não é
autonomia.
Como a insuficiência de recursos e a falta de liberdade no
gerenciamento dos mesmos foram destacadas pela Diretora 2, questionei-lhe
sobre a origem e o período em que o dinheiro chega até a escola; obtendo a
seguinte resposta:
A verba de manutenção é do Estado e a verba de Merenda é
federal. Agora existe um calendário. O Secretário de Educação,
esse ano, publicou um calendário das verbas. Então, mais ou
81
Diretora 2
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menos de dois em dois meses, é depositada a verba tanto de
merenda quanto a de manutenção mas mesmo assim, o
dinheiro não é suficiente porque, por exemplo, eu lido com uma
média de 500 alunos, são 11 turmas de 2° grau e a verba de
merenda é de R$ 4.000,00 que, hipoteticamente, para o Estado
tem que dar para manter esses alunos por um mês e meio a
quase dois meses comendo o que no cardápio seria não só a
merenda do cardápio como teria que ter suco, uma fruta ... só
que não dá. ....
Na verdade eu tenho que fazer um cardápio alternativo, que
pegue alguma coisa do cardápio do Estado mas ... que seja um
cardápio um pouco mais barato para que todos consigam
comer todos os dias. ... . Além disso eu é que tenho que fazer
levantamento de preços e comprar. Para isso existe autonomia,
de executar.
Agora, deveria existir também autonomia no sentido de nós
propormos para a Secretaria, qual o valor necessário da verba
para manter esses alunos durante esse período. Nós é que
deveríamos dizer – Olha, o valor necessário é tanto! e não eles
acharem ... eles estipulam o valor per capita, a per capita do
aluno é menos de R$ 1,00 por aluno. Eles acham que com
menos de R$ 1,00 o aluno pode fazer uma refeição por dia,
uma refeição completa. Agora a gente faz o que é possível
para que as pessoas não fiquem sem a merenda.
Nesse sentido, existe uma certa autonomia, porque eu posso
fazer o que for necessário. Mas eu acho que a autonomia
deveria ser de nós podermos chegar até as autoridades
competentes e colocarmos para elas quanto é realmente
necessário para cumprir aquele programa que a Secretaria
coloca.
Sobre as condições necessárias para que a escola tivesse autonomia, a
Diretora 2 sugere maior participação dos diretores no processo de tomada de
decisão da Secretaria de Educação.
Eu acho que os diretores deveriam ser mais ouvidos pelos
órgãos competentes, pela própria Secretaria, pelo próprio
Governo do Rio porque nós que estamos dentro da escola, ...,
nós sabemos o que é necessário e quando é necessário ou
não é para cumprir as normas que a Secretaria exigir. Mas a
gente não é perguntado sobre isso. A gente só é solicitado
para realizar as coisas necessárias, a gente trabalha, faz
relatórios, tem que mandar documento daqui documento dali,
fichas. Só que você não é solicitada na hora de propor. Quando
eles propõem uma determinada coisa você não é perguntada
se aquilo vai ser realmente eficaz, se não vai ser. .... A gente
participa de cumprir as decisões não participa da escolha das
decisões. Seria importante ouvir os diretores porque a gente
que está aqui na escola a gente sabe da realidade do que
precisa e do que não precisa.
{PAGE }
E sobre as políticas educacionais, a Diretora 2 cita a criação das
Associações de Apoio à Escola, conforme a chamada Lei da Autonomia - Lei
3.067/98.
Os programas de trazer a autonomia para a escola, primeiro a
Secretaria lançou a questão da escola fazer uma AAE, que é
uma Associação de Apoio à Escola ... [em que] os membros
dessa associação ... são professores, funcionários, alunos, as
pessoas que participam da AAE, que assinam, que verificam,
que fiscalizam são pessoas da comunidade de dentro da
escola. ... Isso foi uma coisa boa que o Estado fez porque foi
uma coisa que oficializou essa autonomia da escola, porque
antigamente ... você recebia a verba, [que] era chamada de
empenho e aí você recebia o empenho, gastava e prestava
contas mas não tinha associação e você não tinha talão de
cheques, não tinha conta em banco.
Era o empenho que chegava e você tinha que gastar com os
fornecedores que já eram determinados e acabou. Agora não,
com a Associação você tem tudo legalizado, talão de cheques,
conta em banco, cartão do banco, extrato no final do mês.
Então você controla tudo, o banco manda para você e você
controla.
Além das questões inicialmente propostas, indagamos à Diretora 2
sobre a escolha de diretores nas escolas estaduais e ela descreve o processo:
A última eleição foi feita em 2001. Era para ter sido feita em
2003 e foi adiada e aí em 2004 eles decidiram que seria por
indicação. Desde 2001 que não tem eleição direta. O SEPE
brigou, brigou mas não adiantou.
No ano passado foi feita uma consulta aos alunos e
professores ... . Só que essa consulta muitas vezes não foi
respeitada. Teve escolas em que o diretor que venceu na
consulta popular não foi o que ficou na direção da escola. O
que ficou foi o que foi indicado pelo político ou pelo Secretário
ou sei lá por quem. Na verdade houve vários casos desses.
Aqui até que não houve isso porque só houve uma
candidatura. ... Mas teve escolas em que havia mais de uma
candidatura, e quem foi oficializado não foi quem ganhou a
“eleição” da escola.
... E houve casos de diretores que foram tirados, por algum
motivo, perseguição ou sei lá o quê e foi colocada uma outra
pessoa no lugar dele também de fora, escolhida pela
Coordenadoria. Isso aconteceu em escolas grandes, escolas
com um número de alunos muito grande, escolas de três
turnos, CIEPs e a gente até acha assim, não pode nem falar
muito sobre isso mas é uma questão de poder econômico.
Algumas escolas foram escolhidas porque têm uma verba alta.
As escolas que gerem verbas altas e têm um número de alunos
muito grande, as escolas com três turnos, muitos funcionários
então essas escolas foram deixadas realmente para as
{PAGE }
pessoas que eles escolheram. Mas houve casos também de
escolas pequenas em que a direção foi trocada porque havia
diretores que não eram bem quistos.
A Diretora 2 considera que a substituição da eleição de diretores pela
“consulta popular” constituiu um passo contrário à autonomia da escola, pois o
controle da Secretaria de Educação sobre as atividades das escolas e dos
diretores foi aumentada. Para a Diretora 2:
Aí, agora existe aquela cobrança em cima do diretor que ficou
de que: - Você foi indicado. Você não pode fazer isso ou aquilo
sem comunicar, sem passar por nós porque ... você não foi
eleito. É como se nós fôssemos representantes da Secretaria.
Eu não me considero representante da Secretaria eu sou
representante de uma comunidade. A partir do momento que
aquela comunidade não quiser mais, eu estou fora, mesmo que
a Secretaria diga que eu tenho que ficar, eu não sou obrigada.
...
E as escolas estão sendo muito cobradas. Esse ano tem uma
cobrança da Secretaria muito grande sobre o diretor. Acho que
eles estão cobrando demais e não estão dando condições para
cumprir o que eles estão pedindo e isso se deve à mudança do
Secretário.
Para a Secretária Escolar, atuante na mesma escola que a Diretora 2, a
autonomia da escola se daria no âmbito de uma gestão livre da intervenção de
instâncias superiores. Para ela:
Uma escola autônoma é ela poder resolver tudo. Eu acho que
é isso, sem intervenção porque uma escola não pode ser igual
a outra porque vai de acordo com a clientela. Não é mais
aluno, é clientela. E aí eles impõem coisas que de uma escola
para outra não dá para fazer o mesmo trabalho porque
modifica muito.
Sobre as condições para a autonomia, a Secretária Escolar propõe que
a escola deveria trabalhar em função “da comunidade, da clientela sem
comparação de bairros, de municípios”. Pelo seu discurso parece haver uma
crítica ao padrão de avaliação do Programa Nova Escola, que, no entanto, não
foi citado.
E, quanto às políticas educacionais, a Secretária Escolar embora não
declare desconhecê-las, faz considerações inexpressivas.
As concepções de autonomia da escola para as Diretoras, para a
Coordenadora, para a Professora da Sala de Leituras e para a Secretária
Escolar, vão ao encontro de uma perspectiva interinstitucional de autonomia,
{PAGE }
ou seja, que leva em consideração as relações da unidade escolar com outras
instituições. Para a maioria das entrevistadas, a autonomia da escola se
expressaria em uma liberdade maior para gerenciar os recursos da escola.
Somente a Professora da Sala de Leituras propôs a autonomia da escola como
uma atuação em sintonia com o Projeto Político-Pedagógico.
Sobre as condições para a autonomia, as entrevistadas diversificam
suas respostas. A Diretora 1 e a Coordenadora Pedagógica mantiveram sua
proposta no nível institucional e insistem na liberdade para gerir os recursos da
escola. A Professora da Sala de Leituras, não opinou quando as questões
passaram a exigir um conhecimento maior do funcionamento administrativo da
escola.
Já a Diretora 2 extrapola o limite institucional e reivindica maior
participação dos diretores na formulação, no planejamento das Secretarias de
Educação. Para a Secretária Escolar, contudo, a condição para a autonomia da
escola estaria dentro da própria instituição, através de seu trabalho voltado
para a comunidade mas sem uma suposta comparação de bairros, de
municípios, que poderíamos entender como uma crítica aos critérios de
avaliação do Programa Nova Escola.
Sobre as políticas educacionais, a Diretora 1 e a Coordenadora
Pedagógica citaram o PDDE e o SDP, enquanto a Diretora 2 mencionou as
Associações de Apoio à Escola criadas pela Lei da Autonomia. A Secretária
Escolar, embora não o tenha declarado, demonstrou desconhecer as políticas
educacionais.
Conforme anunciado, pretendemos nesse capítulo identificar as
concepções de autonomia de professores, dirigentes e outros profissionais de
unidades escolares; bem como sua avaliação sobre o grau/tipo de autonomia
gozada pelas escolas. Para tanto nos lançamos a seguinte questão: “Os
olhares de profissionais da educação sobre a autonomia da escola poderia ser
uma “avaliação” das políticas educacionais?”
A essa pergunta respondemos enfaticamente que não. Muitas questões
importantes foram levantadas pelos depoentes, mas grande parte deles
afirmou desconhecer as políticas educacionais. Até mesmo a LDB e o Plano
{PAGE }
Nacional de Educação não foram citados, dificultando a expectativa de uma
avaliação das políticas em vigor.
Os resultados das entrevistas serviram, contudo, como uma avaliação
da forma pela qual as políticas e/ou propostas educacionais supostamente
“viabilizadoras” da autonomia da escola têm influenciado o cotidiano escolar. A
constatação do desconhecimento dos professores sobre essas políticas por si
indicam que a gestão democrática não tem sido uma realidade.
A maioria dos entrevistados apresentou uma concepção de autonomia
da escola voltada para questões intra-escolares. Algumas propostas, contudo,
consideraram as relações extra-escolares mas com o intuito de reivindicar uma
desvinculação da escola de instâncias superiores como expressão de sua
autonomia.
Somente uma Diretora de escola da rede do Estado do Rio de Janeiro
reivindicou
maior
participação
dos
diretores
na
formulação
das
regras/resoluções determinadas pela Secretaria de Educação.
A reivindicação da suposta incapacidade das políticas, leis, propostas e
similares em dar conta dos problemas específicos das unidades escolares foi
praticamente unânime nas entrevistas e, baseando-se nesse pressuposto,
alegou-se em alguns casos a necessária independência da instituição escolar
das instâncias superiores.
Entendemos, contudo, que os problemas específicos enfrentados por
cada escola podem não ser tão específicos ou particulares. Nesse sentido, a
violência, a indisciplina, a falta de expectativa dos jovens com relação a seu
futuro, a situação de extrema pobreza econômica e cultural de muitos dos que
conseguem chegar às salas de aula, o despreparo de professores e demais
profissionais da educação, a falta de recursos financeiros, humanos e
estruturais por que a escola tem passado, o desinteresse da sociedade pela
instituição escolar, o desencanto e a falta de compromisso de alguns
professores, são problemas que atingem muitas escolas públicas brasileiras.
Embora muitos dos entrevistados tenham alegado o desconhecimento
das políticas e/ou propostas educacionais, seus depoimentos tenderam a
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reforçar a perspectiva da escola como núcleo de execução. Não houve,
principalmente nos discursos dos professores, um posicionamento contrário a
essa
perspectiva.
Não
houve,
por
exemplo,
nenhum
discurso
que
argumentasse a necessidade de mudanças estruturais na fundamentação das
leis e políticas educacionais vigentes.
A impressão que se tem a partir da leitura das entrevistas é a de que em
primeiro plano, a perspectiva de focalização da localidade presente nas falas,
produziu um isolamento ou uma falsa independência da instituição escolar das
características sócio-econômicas e culturais do país e, portanto, do públicoalvo das escolas públicas. É como se o quadro de desigualdade social
brasileira não interferisse diretamente no funcionamento das unidades
escolares, no seu cotidiano e, dessa forma, a própria escola teria condições ou
a obrigação, de dar conta desses problemas.
Conforme declarado no capítulo anterior, entendemos como autônoma a
escola politicamente participada e participativa cuja administração é baseada
na ativa participação de seus membros que, enquanto grupo organizado,
interagem conscientemente com as questões locais, conjunturais e estruturais
da sociedade.
Nessa perspectiva, para que a escola exerça sua autonomia, seus
membros devem ter consciência do papel que ela representa e/ou deve
representar tanto para àqueles que a procuram quanto para a transformação
ou perpetuação das estruturas sociais. Ter consciência do papel da escola
implica, dentre outros fatores, ter ciência das políticas que regulam o
funcionamento das escolas e, dessa forma, ter condições pelo menos de
avaliar essas políticas.
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Considerações finais - Qual autonomia?
Definir o conceito de autonomia não constitui uma tarefa fácil. Conforme
tratado no primeiro capítulo, no que se refere a questões de descentralização e
desconcentração de poder, o conceito surge ligado à idéia de participação
social ou ampliação da participação política confundindo-se com a construção
da perspectiva rousseauneana de democracia.
Cabe, portanto, enfatizar a distinção fundamental entre as concepções
originárias de autonomia e, a concepção evocada como sinônimo de
descentralização tal como prevista no projeto liberal em que a autonomia seria
a garantia da representação dos interesses individuais, da auto-afirmação em
meio a uma sociedade individualista.
Somente a partir da segunda metade do século XIX, que a autonomia
passa a ser entendida como uma possibilidade em projetos coletivos através
da autogestão, envolvendo questões sobre a participação e a representação
popular.
No campo educacional, o ideal de autonomia da instituição escolar na
perspectiva da autogestão sofre uma re-significação na década de 80 e passa
a ser utilizado como sinônimo de descentralização e/ou desconcentração.
A partir da perspectiva neoliberal das políticas educacionais dos anos
90, constata-se a existência de uma crise de eficiência, eficácia e produtividade
materializada
na
baixa
qualidade
do
ensino.
A
solução
estaria
na
implementação de processos de desconcentração e/ou descentralização dos
sistemas escolares embora estudos sobre as experiências de políticas de
descentralização na América Latina, tenham revelado que seus objetivos não
foram alcançados, principalmente no que concerne à melhoria da qualidade do
ensino,.
Nesse sentido, entendemos tal como Arretche (1997), Davies (1992) e
outros autores, que não é o nível ou a hierarquia da tomada de decisões que
define seu caráter – democrático ou antidemocrático - mas a intencionalidade
{PAGE }
das resoluções. A descentralização pode ou não contribuir para a autonomia
das instituições, constituindo apenas, um instrumental para a implementação
de projetos. Dessa forma, o questionamento deve recair sobre os objetivos
próprios dos projetos (se efetivamente democratizador ou proponente da
participação superficial, apenas na execução de funções previamente
determinadas).
O histórico da implementação de reformas descentralizadoras no campo
da educação brasileira é exemplificador do equívoco – ou estratégia – de
considerar a descentralização como sinônimo de promoção da autonomia. As
experiências descentralizadoras durante o período da ditadura militar são
avessas à idéia de promoção da autonomia. Somente a partir dos anos 80 que
esses conceitos são aproximados e até mesmo confundidos, tanto nas
políticas educacionais, como nas reivindicações da sociedade civil.
Nos anos 90, esses conceitos passam a ser praticamente sacralizados
e a promessa da autonomia, via descentralização, torna-se utensílio
indispensável para a empreitada reformista que chega ao século XXI na forma
de incentivo à participação social e à ação voluntária na gestão das unidades
escolares.
No Capítulo 2, vimos que houveram tentativas de estruturação de
propostas de políticas educacionais pautadas no processo democrático tanto
em sua constituição quanto na perspectiva da democratização do espaço
escolar (principalmente da escola pública). Contudo, o atropelamento dessas
ações e intenções possibilitou o prevalecimento de leis que, em alguns casos,
primam pela omissão e/ou pela superficialidade em questões centrais para a
definição de rumos da escola pública.
Conforme destacado, tanto a LDB, quanto o PNE-Lei não têm a efetiva
democratização do espaço escolar como meta pois, não asseguram a
obrigatoriedade da eleição para diretores das unidades de ensino, delegando a
Estados e Municípios o ônus ou bônus dessa decisão e não tratam
objetivamente da questão da autonomia escolar.
No Estado do Rio de Janeiro, a chamada Lei da Autonomia, também
tornou-se incapaz de atingir os seus objetivos principais pois, a perspectiva de
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autonomia administrativa da Lei 3067/98 era fundamentada na eleição direta
para diretores das escolas e na participação efetiva de alunos e responsáveis
na avaliação do processo de ensino-aprendizagem previstos nos incisos
revogados por uma ADIn.
Somente no Município do Rio de Janeiro há a obrigatoriedade da eleição
de diretores por conta da previsão em sua Lei Orgânica.
Embora a maioria das políticas estudadas, ainda que de forma
superficial, declarem almejar a autonomia das escolas, poucas são as que
expõem a concepção de autonomia das unidades escolares de forma clara, e,
principalmente, a forma pela qual as escolas alcançariam essa autonomia.
No Capítulo 3 identificamos que há um grande desconhecimento das
políticas educacionais, principalmente por parte dos professores. Grande parte
deles afirmou desconhecer as políticas educacionais e até mesmo a LDB e o
Plano Nacional de Educação deixaram de ser citados o que dificulta uma
avaliação das políticas em vigor.
As entrevistas serviram, contudo, como uma avaliação da forma pela
qual as políticas e/ou propostas educacionais supostamente “viabilizadoras” da
autonomia da escola têm influenciado o cotidiano escolar. A constatação do
desconhecimento dos professores sobre essas políticas por si indicam que a
gestão democrática não tem sido uma realidade.
A maioria dos entrevistados apresentou uma concepção de autonomia
da escola voltada para questões intra-escolares. Somente uma Diretora de
escola reivindicou maior participação dos diretores na formulação das
regras/resoluções determinadas pela Secretaria de Educação.
A suposta incapacidade das políticas, leis, propostas e similares em dar
conta dos problemas específicos das unidades escolares constituiu uma fala
praticamente unânime nas entrevistas e, baseando-se nesse pressuposto,
chegou-se a reivindicação de uma independência da instituição escolar das
instâncias superiores.
Entendemos, contudo, que os problemas supostamente específicos
enfrentados por cada escola podem não ser tão específicos ou particulares.
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Nesse sentido, a violência, a indisciplina, a falta de expectativa dos jovens com
relação a seu futuro, a situação de extrema pobreza econômica e cultural de
muitos dos que conseguem chegar às salas de aula, o despreparo de
professores e demais profissionais da educação, a falta de recursos
financeiros, humanos e estruturais por que a escola tem passado, o
desinteresse da sociedade pela instituição escolar, o desencanto e a falta de
compromisso de alguns professores, são problemas que atingem muitas
escolas públicas brasileiras.
Embora muitos entrevistados tenham alegado o desconhecimento das
políticas educacionais, seus depoimentos tenderam a reforçar a perspectiva da
escola como núcleo de execução. A impressão que se tem a partir da leitura
das entrevistas é a de que em primeiro plano, a perspectiva de focalização da
localidade presente nas falas, produziu um isolamento ou uma suposta
independência da instituição escolar dos graves problemas sociais decorrentes
da má distribuição da renda nacional.
Concluímos com a defesa de que a autonomia das unidades escolares
está diretamente relacionada ao grau de aprofundamento da experiência
democrática em cada escola. Nesse sentido, concordamos com Coutinho
(2002, p. 17) quando argumenta que, se entendemos a democracia como um
processo e não como um estado, “a democratização só se realiza plenamente
na medida em que combina a socialização da participação política com a
socialização do poder”.
Nesse sentido, defendemos como ideal de escola autônoma, a escola
que é politicamente participada e participativa, cuja administração baseia-se na
ativa participação de seus membros que, enquanto grupo organizado,
interagem conscientemente com as questões locais, conjunturais e estruturais
da sociedade.
Nessa perspectiva, para que a escola exerça sua autonomia, seus
membros devem ter consciência do papel que ela representa e/ou deve
representar tanto para seu público alvo, quanto para a transformação ou
perpetuação das estruturas sociais. Ter consciência do papel da escola implica,
dentre outros fatores, ter ciência das políticas que regulam o funcionamento
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das escolas e, dessa forma, ter condições pelo menos de avaliar essas
políticas.
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{PAGE }
ANEXO 01
{PAGE }
LEI Nº 2518, DE 16 DE JANEIRO DE 199682.
Regulamenta o Inciso XII do Artigo 308 da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro que estabelece eleições diretas para as direções das
instituições de ensino mantidas pelo Poder Público com a participação
da comunidade escolar.
O Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta
e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - Os cargos de Diretor e de Diretor Adjunto das instituições de ensino
mantidas pelo Poder Público serão preenchidos mediante eleições diretas,
livres e secretas, realizadas no âmbito de cada unidade.
Art. 2º - V E T A D O.
Art. 3º - Para candidatar-se, deverá o professor:
I - contar, no mínimo, 2 (dois) anos de magistério público, com pelo menos 1
(um) ano de regência de turma;
II - estar em exercício na unidade escolar ou dela não estar afastado por mais
de 1 (um) ano;
III - ser membro do magistério público estadual;
IV - não estar respondendo a inquérito administrativo, nem ter tido participação
comprovada em irregularidade administrativa.
§ 1º - Aos especialistas de educação não será exigido o tempo de regência de
que trata o inciso I deste artigo.
§ 2º - Dos candidatos aos cargos de Diretor e Diretor Adjunto das unidades
escolares especais será exigido exercício em Educação Especial.
§ 3º - Não se admitirá ao professor candidatar-se em mais de uma chapa na
unidade escolar em que esteja concorrendo, ou em mais de uma unidade
escolar.
Art. 4º - A inscrição de chapas será feita até 15 (quinze) dias antes do início do
pleito perante a comissão eleitoral.
§ 1º - No ato da inscrição, a chapa apresentará seu programa de gestão e os
currículos profissionais dos seus componentes.
§ 2º - Será de 10 (dez) dias o período de inscrição de chapas.
Art. 5º - A Comissão eleitoral a que se refere o artigo anterior será constituída,
preferencialmente, de representantes de todos os segmentos da comunidade
escolar e será eleita em assembléia geral convocada especificamente para
este fim, até 30 (trinta) dias antes do início do pleito.
Parágrafo único - O presidente da Comissão Eleitoral será eleito por seus
membros.
Art. 6º - São atribuições da Comissão Eleitoral:
I - fixar as normas sobre a propaganda e o bom andamento do processo
eleitoral, nestas Incluído, obrigatoriamente, em debate público entre a
comunidade escolar e a(s) chapa (s) concorrente (s);
II - comunicar por ofício ao respectivo órgão local da Secretaria de Estado de
Educação a(s) chapas inscritas
seu(s) programa(s) de gestão e os currículos profissionais dos candidatos;
82
Disponível em { HYPERLINK http://www.alerj.rj.gov.br/processo2htm }. Acessado em
10/09/2005
{PAGE }
III - providenciar as listagens dos eleitores;
IV - providenciar ampla divulgação do pleito, suas regras e datas;
V - zelar pela legalidade e probidade do pleito;
VI - acolher e julgar recursos interpostos pelas chapas concorrentes ou por
eleitores;
VII - proclamar o resultado do pleito e registrá-lo em ata, a qual será
encaminhada em cópia ao órgão local da Secretaria Estadual de Educação.
Art. 7º - VETADO
Art. 8º - São eleitores para os fins desta Lei:
I - os professores e os servidores públicos com funções administrativas lotados
e em efetivo exercício na unidade escolar;
II - os alunos matriculados na unidade escolar, a partir da 5º série ou que,
Independentemente da série que estejam cursando, tenham, no mínimo, 12
(doze) anos de idade;
III - um responsável por aluno matriculado nas escolas de pré-escolar e/ou de
1º grau, independentemente da série que esteja cursando.
§ 1º - Cada eleitor terá direito a apenas um voto na mesma unidade escolar.
§ 2º - Nas escolas supletivas, de ensino regular para jovens e adultos e nos
colégios de 2º grau, os responsáveis por alunos não têm direito ao voto.
§ 3º - Os professores e servidores públicos cedidos ou amparados poderão
optar pelo voto em sua unidade de origem ou naquela em que se encontrem
em exercício.
§ 4º - São assegurados os votos dos analfabetos e dos portadores de
deficiência visual.
§ 5º - Não será admitido o voto por procuração ou por correspondência.
§ 6º - Ao professor com duas matriculas e facultado o voto, em ambas as
unidades, se estiver em exercício em unidades diversas.
Art. 9º - Os votos serão ponderados na proporção de 50% (cinqüenta por
cento) do total de votantes dos segmentos professor e servidor administrativo e
50% (cinqüenta por cento) do total de votantes dos demais segmentos.
§ 1º - O quorum mínimo; eleitoral para que seja referendado o pleito será de
30% (trinta por cento) do universo de eleitores da unidade escolar;
§ 2º - Se ao pleito concorrer apenas 1 (uma) chapa, exigir-se-á, além do
quorum previsto, o voto favorável da maioria absoluta do total de votos em
cada urna;
§ 3º - O cálculo para apuração do percentual de votos de cada chapa
observará a seguinte fórmula, tantas vezes tantas forem as chapas
concorrentes:
- 50 X Nº de votos da chapa na Urna A + total de prof. e servidores votantes
- 50 x Nº de votos da chapa na Urna B = total de alunos e responsáveis
votantes
- = Percentual de votos de uma chapa
§ 4º - Considerar-se-á eleita a chapa que obtiver maior percentual.
Art. 10 - Caso não seja atingido o quorum legal, será realizado novo escrutínio
no prazo de 30 (trinta) dias, facultando-se a inscrição de novas chapas até 15
(quinze) dias antes de sua realização.
Parágrafo único - Não sendo atingido o quorum de acordo com o previsto no
"caput” deste artigo, caberá à Secretaria de Estado de Educação a Indicação e
nomeação da futura direção.
{PAGE }
Art. 11 - Cada chapa poderá credenciar até 3 (três) fiscais para acompanhar o
processo eleitoral.
Art. 12 - As cédulas a serem utilizadas no pleito serão confeccionadas
conforme modelo publicado pela Secretaria de Estado de Educação.
Art. 13 - . . . VETADO. . .
Art. 14 - Nas unidades onde, por ausência de chapas concorrentes, não houver
eleições, a Secretaria de Estado de Educação decidirá sobre o preenchimento
dos cargos de direção para o próximo biênio.
Art. 15 - Nas escolas recém-inauguradas será nomeada, pela Secretaria de
Estado de Educação, uma direção provisória até a data das eleições gerais.
Art. 16 - A segunda matrícula dos eleitos, se for o caso, será transferida para a
unidade onde exercerão seus cargos de direção, durante todo o período do
mandato.
Parágrafo único - Caso o eleito seja servidor do quadro de outra rede pública
de ensino na segunda matricula, o Governo do Estado providenciará sua
requisição.
Art. 17 - O Poder Executivo regulamentará, no prazo de 90 (noventa) dias a
contar de sua publicação, o que for necessário a execução desta Lei.
Art. 18 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1996.
MARCELLO ALENCAR
Governador
{PAGE }
ANEXO 02
{PAGE }
LEI Nº 3067, DE 25 DE SETEMBRO DE 199883.
Dispõe sobre a autonomia das unidades escolares da
Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro e dá outras
providências.
O Governador do Estado do Rio de Janeiro,
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta
e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - Esta Lei estabelece as diretrizes da autonomia das Unidades
Escolares da Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro, visando à gestão
democrática, ao melhor aproveitamento dos recursos e à qualidade da
educação.
Art. 2º - A autonomia das Unidades Escolares far-se-á através de um conjunto
de práticas integradas, nas esferas administrativas, financeira e pedagógica,
com a participação dos diversos segmentos da comunidade escolar, através
das Associações de Apoio às Escolas - AAEs.
Art. 3º - Cada unidade Escolar da Rede Pública do Estado do Rio de Janeiro
será assistida por uma única Associação de Apoio à Escola - AAE, respeitadas
as seguintes exigências:
I - Instituição sob a forma de sociedade civil, sem fins lucrativos;
II - Compromisso de destinar os benefícios de suas atividades à Unidade
Escolar a que estiver vinculada;
III - Reconhecimento do Estatuto-Padrão, na forma como fixado pela Secretaria
de Estado de Educação;
IV - Obrigação de prestação de contas dos recursos e bens repassados, a
qualquer
título;
V - Previsão estatutária de, no caso de sua extinção, reverter todo o seu
patrimônio ao Estado, vinculada a sua utilização à respectiva Unidade Escolar.
Art. 4º - As Associações de Apoio às Escolas - AAEs, organizadas segundo as
diretrizes
desta
Lei,
gozarão
dos
seguintes
benefícios:
I - Gratuidade de emolumentos e outras quaisquer despesas nos atos
necessários à sua constituição e subseqüentes alterações, inclusive as
publicações necessárias à validade de seus atos e existência legal, perante as
Serventias Judiciais e Órgãos do Estado, da Administração Direta e Indireta;
II - Assistência e orientação dos órgãos próprios da Administração Pública do
Estado do Rio de Janeiro, no que for compatível com a legislação vigente;
III - Reconhecimento da condição de entidades de utilidade pública, para todos
os fins de direito.
Art. 5º - A autonomia administrativa das Unidades Escolares da Rede Pública
do Estado do Rio de Janeiro compreende:
I - Escolha dos seus dirigentes pelo voto direto dos seus professores, demais
profissionais de ensino, alunos e seus responsáveis, nos termos do disposto na
Lei nº 2518, de 16 de janeiro de 1996, e sua regulamentação.
83
Disponível em { HYPERLINK http://www.alerj.rj.gov.br/processo2htm }. Acessado em
10/09/2005.
{PAGE }
II - Participação democrática dos responsáveis legais pelos alunos e dos
discentes no processo de avaliação do ensino-aprendizagem;
Art. 6º - A autonomia financeira das Unidades Escolares da Rede Pública farse-á através do repasse de recursos às Associações de Apoio às Escolas AAEs, mediante Convênio, Termo de Compromisso e outros Ajustes.
Art. 7º - São considerados recursos destinados às Unidades Escolares da rede
pública do Estado os repassados às Associações de Apoio às Escolas - AAEs,
nas seguintes condições:
I - Repasses obrigatórios de recursos do Tesouro Estadual;
II - Repasse do Tesouro Nacional destinados às Unidades Escolares;
III - Doações, patrocínios e legados, nos termos da legislação vigente;
IV - Subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive de
organismos internacionais;
V - Incentivos fiscais previstos em lei;
VI - Rendas de qualquer espécie decorrentes das atividades exclusivas das
Associações de Apoio às Escolas - AAEs;
VII - Outras fontes.
Parágrafo único - O orçamento estadual consignará, anualmente, dotação
específica destinada à autonomia das Unidades Escolares.
Art. 8º - Os recursos financeiros e outros bens repassados a qualquer título
para as Associações de Apoio às Escolas - AAEs, serão destinados às
atividades próprias do ensino médio e fundamental, entre as quais:
I - Aquisição de merenda e material permanente e de consumo para os alunos,
inclusive uniforme escolar;
II - Pequenos reparos e obras emergenciais do prédio;
III - Conservação e manutenção das condições de higiene e limpeza do prédio;
IV - Programas de capacitação de professores e de agentes comunitários;
V - Programas e projetos vinculados às atividades de ensino-aprendizagem dos
discentes.
Art. 9º - A autonomia pedagógica das Unidades Escolares da Rede Pública do
Estado do Rio de Janeiro compreende a adequação e o desenvolvimento local
da proposta educativa, com o estabelecimento de formas próprias de
organização do ensino-aprendizagem, observadas as diretrizes legais
unificadoras do sistema de ensino e as da Secretaria de Estado de Educação.
Art. 10 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1998.
MARCELLO ALENCAR
Governador
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ANEXO 03
{PAGE }
Entrevistas
Entrevistado 1 – (14/05/05)
f)
Tempo de matrícula na rede pública: 3 anos no Município do Rio de Janeiro e 2
anos na rede estadual.
g)
Função na escola: Professor
h)
Idade: 42 anos
i)
Disciplina(s) que leciona:
Sexo:
Masculino
Matemática
j)
Em qual(is) segmento(s): _5ª a 8ª séries no PEJ – Projeto Educação Juvenil do
Município e com Ensino Médio no Estado.
Autonomia.
Eu acho que hoje nós poderíamos entender a autonomia, em primeiro lugar, como a
relação do professor com os alunos. Você tendo um diálogo maior, também não se fechar só
nas disciplinas, procurar orientar o aluno. Por exemplo: com os alunos do terceiro ano eu dou
uma matéria, mas eu procuro mostrar que aquilo vai servir para ele, não é simplesmente um
número, contas, fórmulas. Que aquilo dali, por mais que o cara pense – Para quê que eu estou
estudando isso? Então é mostrar para o aluno, principalmente porque em primeiro lugar é
aquele aluno que não tem idéia do todo, não sabe o que vai fazer quando terminar o segundo
grau. Então eu falo com eles, vocês têm que compreender bem o português porque, vocês têm
que saber fazer bem uma redação, vocês têm que compreender bem o português para poder
interpretar um problema matemático. Se um dia você for pensar em ser um jornalista você tem
que escrever bem, não pode escrever uma frase errada. Têm que conhecer principalmente ....
no texto matemático, você tem que saber interpretar para não escrever uma bobagem.
Então, eu acho que a autonomia ela começa primeiro na relação do professor com o
aluno. Procurar orientar esse aluno para frente. E tem uma autonomia também da Direção com
o professor, é uma escada. Da Direção com o professor, te dá autonomia para trabalhar o
conteúdo das disciplinas, conversar com eles. Acho então que seria isso.
Mas nós estamos nos referindo aqui à questão da escola. Para você o que seria uma
escola que têm autonomia?
Eu acho que, por exemplo, hoje o Estado, com o pouco tempo que eu tenho, eu vejo
que ele está muito atrelado à direção superior. Eu acho que a escola hoje quase não tem
autonomia para fazer muita coisa não.
Também no Município é assim?
No Município, é um pouco mais flexível por causa do PEJ. Mas eu vejo também, que
no curso normal – de 5ª a 8ª - ele também tem um peso de lá de cima, de quem está na
Secretaria de Educação. Ela coloca algumas questões que têm que ser seguidas e poucas
pessoas questionam e quem questiona, às vezes é visto como àquele que está complicando.
Agora, por exemplo, o Estado, com esse Secretário – o Mendonça – ele está sendo bastante
rigoroso na questão da freqüência do professor. Então a escola não tem muita autonomia não
para trabalhar independente.
Eu ia falar um negócio sobre a questão do conselho de classe. Marcaram os conselhos
todos no sábado. Então, qual a autonomia que os professores têm para dizer nós não
queremos os conselhos no sábado? Se você falta eles cortam teu ponto. E no meu caso em
que a gente ainda está no estágio probatório? Como é que eu vou faltar? Então eu acho que a
escola tem muito pouca autonomia para fazer alguma coisa diferente. Tem sempre alguém que
está olhando e questionando o de cima. Porque que vai fazer isso? Mas isso leva a alguma
coisa?
{PAGE }
Acaba interferindo também no pedagógico, dentro da sala de aula.
É, você tem um programa para ser cumprido e se ficar falando muito em vestibular, o
programa não anda, não é? Eu acho que tá fraco. A escola não tem muita autonomia não.
O que deveria ser feito ou, quais seriam as condições, para que a autonomia
(da forma como você a concebe) chegasse à escola?
Eu acho que para ela chegar à escola, essa autonomia, eu acho que primeiro, por
exemplo, vem a questão do programa. O programa que é dado para os alunos já é
predeterminado. Eu acho que uma das autonomias seria os professores, dentro da realidade
da comunidade, dizer o que é que tem que ser dado e o que não tem que ser dado. Porque,
com certeza uma escola, mesmo sendo do Estado, lá na zona sul ela é uma escola diferente
da de Nilópolis. è outra realidade, não é?
Eu peguei essa turma de terceiro ano, e o que eles falaram para mim? A professora do
1º ano só deu função o ano todo, o professor do 2º ano procurou dar algumas coisas que eles
deveriam ter visto no primeiro mas não deu o que tinha que ser dado no segundo. E eu que
cheguei agora, to pegando tudo aquilo que não foi dado e montei um programa. E aí o que é
que acontece? Se você for pegar os três anos, não bate com o programa da Secretaria porque
cada um fez uma coisa diferente. E aí eu pergunto: Esse programa que foi dado é o mesmo de
uma escola em Anchieta? São realidades diferentes. Então, eu acho que a autonomia passa
por aí. Os próprios professores no início do ano letivo, definir o que é que vai ser dado para as
turmas.
Mas isso também passa por um projeto da escola não é? É o que eles chamam
de projeto pedagógico.
Então é por isso que, quando, a gente define a questão do que é que deve ser dado,
deve-se trabalhar em cima do PPP. E geralmente, o que eu sinto é que os professores, não se
interessam pelo PPP. Um ou outro professor diz que tem que fazer isso no dia das mães,
dentro do que a gente planejou no início. Mas na verdade, se você tem 20 ou 25 professores
em uma reunião, dois ou três dão uma sugestão. ... Então eu acho que 80 ou 90 % vão dizer.
O que resolver está resolvido. Principalmente àqueles professores mais antigos. O cara já está
de saco cheio. A gente que está entrando novo, ainda tem um pique, ainda dá uma sugestão,
ainda fala alguma coisa. Eu acho que, com certeza, a autonomia, o PPP passa por essa
discussão dos professores. Mas muitas vezes se diz o PPP é isso daqui. Vamos trabalhar isso
e só o fulano deu a sugestão e não foi discutido. Ás vezes o professor até tem uma boa idéia,
mas aquilo não é discutido.
Você conhece as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola? Caso afirmativo, como tomou conhecimento dos mesmos e
como os avalia?
Eu não sei, respondendo a letra c, eu não sei como é que a escola, trata dessa
questões. Não nos é passado nada nem no Município, nem no Estado. Para você ter uma
idéia, ontem, no Município, eu falei para os professores recém chegados, que sexta-feira que
vem é o Conselho de Classe. Então a gente já vai adiantando durante a semana para quando
chegar na sexta, já está tudo encaminhado e não deixar tudo para a última hora. E aí eles
perguntaram, mas tem conselho? E eu disse, sim tem. O aluno para ser promovido de uma
unidade para a outra, tem que haver um conselho. Isso não foi passado para vocês? Não.
Então, quer dizer isso é uma falha de quem? da coordenação pedagógica escola. Quando o
cara chegou, teria que ser explicado como funciona o PEJE. Pra gente foi explicado a metade
e a outra metade a gente aprendeu com o caminhar da coisa.
Agora, realmente eu não conheço a política dos governos. Eu consegui um estatuto do
município. Um estatuto simplificado que tem a questão das faltas do horário, com o tipo de
licença que se tem direito, mas é o básico e no Estado nem isso.
Mas na escola não se fala na questão da gestão de recursos?
Não, o que a gente comenta mais no Município sobre o FUNDEF. Por que, segundo a
informação do Professor de História, o FUNDEF, é um fundo para complementar a renda do
professor. Então se o seu salário é 1000, o FUNDEF complementaria para 1200 e não está
{PAGE }
sendo feito isso. Estão usando o FUNDEF para pagar o salário do professor. No ano passado,
eu fiz um curso de extensão, pelo Município, lá na PUC. O dia da formatura foi um dia todo,
várias turmas se formaram. Mas o que eu quero dizer é que qualquer professor da rede poderia
ter dado esse curso. Poderia ter sido um professor mais experiente. .....
No Município há eleição para diretores?
Existe tanto no município quanto no Estado. A comunidade vota mas o que acontece é
que é também uma eleição direcionada pois geralmente há somente uma chapa onde se faz
um rodízio do mesmo grupo a cada eleição.
Entrevistado 2 – (14/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública:_2 anos no Município do Rio de Janeiro e
3 anos na rede estadual..
b)
Função na escola: __Professor
a)
Idade: ____31 anos___
b)
Disciplina(s) que leciona: _____Língua Portuguesa
c)
Em qual(is) segmento(s): _5ª a 8ª séries - ensino supletivo.
Sexo: ___Feminino__________
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
É ter a possibilidade de desenvolver projetos, até para lidar com professores e alunos
com a comunidade escolar de forma geral, independente de políticas ditadas pela Secretaria
ou por algum tipo de governo.
O que deveria ser feito para viabilizar a autonomia da escola, da forma como
você a concebe? Em outras palavras, quais as condições necessárias para essa
autonomia?
A “política” não deveria estar influenciando da maneira como vem influenciando. Então,
às vezes o diretor, professores e os próprios alunos querem alcançar alguma coisa e
dependem do aval da Secretaria que muitas vezes também, não está interessada em
responder àquelas questões. A preocupação, às vezes, é muito mais ampla, no nível de
abarcar uma grande quantidade de escolas, de mostrar trabalho então a preocupação é
mostrar um serviço independente daquela realidade, daquela escola específica. Então, às
vezes, o que a Secretaria entende, o que a política ou o governo entende como bom, muitas
vezes não é, porque não se adequa àquela escola específica. E eu acho que deveria haver
uma coisa assim voltada para a realidade de cada escola. Porque certamente, uma escola que
está situada em uma comunidade financeiramente melhor estruturada, não é a mesma
realidade de uma escola que está dentro da favela e a comunidade que pertence, os alunos e a
comunidade do entorno, em geral, não vive da mesma forma e nem tem os mesmos objetivos.
Então, às vezes, é o que eu disse a princípio, o que se enquadra a um grupo não é o mesmo
ao que vai se enquadrar a outro grupo. E aí, os projetos vão por água abaixo.
Hoje você está trabalhando em uma escola só. Essa escola tem um Projeto
Pedagógico?
Pois é, essa escola chegou até a perder pontos, pelo o que eu fiquei sabendo na última
avaliação do Nova Escola, por não ter um Projeto Político Pedagógico. Então a gente
conversou com a direção, por ser também uma escola de pequeno porte, em comparação com
colégios estaduais. Porque a escola não é uma escola estadual. Ela é uma escola municipal
que tem o prédio cedido ao governo do Estado. Então a minha escola funciona no prédio da
Prefeitura. O dia em que a prefeitura decidir que não vai ceder o prédio ao Estado, acaba a
escola naquela localidade. O espaço físico da escola acaba e nesse caso ou se vai buscar um
outro espaço físico ou, cada professor vai procurar uma outra escola. É o que aconteceu com o
Manoel Maurício [escola estadual que funcionava em prédio cedido parla prefeitura no horário
{PAGE }
noturno e teve seu funcionamento interrompido no prédio municipal] que acabou se mudando
para um lugar distante e muitos professores saíram por esse motivo.
Então, a escola em que eu trabalho até que se tenta fazer alguma coisa. A gente
observa boa vontade por parte da direção e até recursos financeiros que a escola recebe é
muito pouco, mas o que ela pode fazer ela procura fazer de bem para os alunos.
Porque não tem o Ensino Fundamental regular não é?
Por não ter o Ensino Fundamental regular e porque o Estado tem uma coisa em
relação ao número de turmas. Então, o prédio é pequeno, atende de CA à 8ª série no sistema
supletivo, e pelo o que eu fiquei sabendo, as escolas da rede estadual, de um modo geral, elas
são assistidas financeiramente, de acordo com o número de turmas que elas possuem. Então,
você tem vários níveis. Eu não sei em que nível a minha escola está mas é uma escola de
pequeno porte e por conseguinte, recebe uma verba menor e por isso muitas coisas que
poderiam ser feitas não são. A direção faz de tudo. Ela tentou chamar um menina para
desenvolver... porque ela quis botar um orientador ou coordenador pedagógico e não pôde.
Porque tinha determinadas características e os professores não queriam aceitar, quem quis
aceitar não podia. Então a política entrou novamente no setor e impediu que isso acontecesse
para o bem da comunidade em geral.
Então para o Projeto Político Pedagógico, a gente fez duas ou três reuniões, a menina
fez as perguntas básicas para se desenvolver um projeto. Nós achamos que a coisa ia para
frente, mas aí, por falta de verba, porque a menina estava sendo paga para desenvolver o
projeto,
Com verba da escola?
... com verba que a escola recebia do governo do Estado.
A diretora não conseguiu que fosse para a escola um pedagogo?
Não conseguiu. Ela não conseguiu e então teve que chamar uma pessoa de fora para
poder desenvolver já que a nossa escola não tinha uma pessoa e parece também que, por
exemplo, até a quantidade de diretores, de tipo de pessoal que vai trabalhar, depende da
quantidade de turmas de que nível está enquadrada a escola e a nossa escola não tem direito
nem ao Adjunto.
Então fica difícil. Porque quem é que vai desenvolver? são os próprios professores?
Até sim. Mas tem que ter alguém mediando ali que tenha uma responsabilidade direta com
àquilo para botar no papel o que está sendo discutido. Que se dedique àquilo. E a gente
também não pode porque o Estado não deixa você fazer isso. Tirar um dia da semana para
tentar resolver isso. Você tem que dar aulas. Para poder fazer reunião a gente adianta os
tempos dos alunos para poder depois fazer a reunião. E mesmo assim não é possível reunir
todos os professores pois têm os que não vão naquele dia da semana. E se não é o seu dia
você vai lá? Se o governo já te paga mal? ...
Então a gente não consegue reunir todo mundo. No período da páscoa no ano
retrasado, eu falei para uma das colegas – Puxa, não teremos nada aqui na escola? na
semana do meio ambiente, não tem nada na escola ? Porque não tem uma pessoa, por
exemplo, um coordenador pedagógico que possa desenvolver um projeto, fazer alguma coisa.
Aí o que aconteceu. Eu dava aula no primeiro tempo, no segundo tempo ia ensaiar os alunos.
Porque também existe muito disso – como você já está há muito tempo no magistério, muitas
pessoas acham que não devem se envolver. A conversa que você escuta é que o salário é
muito pouco o que é verdade. Então, o cara diz que não está podendo se responsabilizar com
isso não. Ás vezes o cara trabalha o dia inteiro e chaga lá à noite, então quer dizer que ás
vezes não tem mesmo como se envolver. E aí o que aconteceu. Eu e essa colega que somos
de matrícula nova, fomos nós que acabamos fazendo e ficou tudo em cima da gente e ficou
pesado para a gente também. E nesse dia (que a gente fez uma apresentação na Lona
Cultural) não conseguimos levar todos os professores. Depois, na semana do meio ambiente,
também não conseguimos que todos os professores participassem. O pessoal fala – é minha
folga, não venho não! Sinto muito, não vai dar para vir não. Então o que se pode fazer?
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Então é isso. E o Projeto Político Pedagógico até hoje não saiu do papel. E aí a gente
vai tentando fazer alguma coisa. Os meus alunos quando vão chegando essas datas
perguntam, e aí professora, vamos fazer o quê? Eles queriam que eu levasse o Pedro (filho
recém nascido da professora) botava no carrinho e um deles ficasse de babá para poder fazer
alguma coisa para a Páscoa. E realmente não teve nada.
Você conhece as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola? Caso afirmativo, como tomou conhecimento dos mesmos e
como os avalia?
Sobre a autonomia da escola não chegou nada. O que chega para a gente são
algumas circulares do que mudou ou do que o Cláudio Mendonça vai fazer ou vai deixar de
fazer. Tipo faltas. que a partir de tantas faltas ..... é isso que chega. E chegou alguma coisa
sobre o ensino supletivo propriamente dito com orientações sobre alguns tópicos que deveriam
ser abordados porque iria mudar alguma coisa dentro do próprio ensino. Sobre o que você
deveria privilegiar ou não dentro de cada disciplina. Além disso chegam questionários de
avaliação pelo que parece faz parte do Nova Escola. É muita avaliação para pouca ação no
meu entender. Por exemplo, o Nova Escola vai a cada escola, pelo o que entendi, pelo menos
na minha escola foram umas duas ou três vezes. E pega questionário, e preenche
questionário, e manda para o MEC e envia pelo correio, e no final das contas fica tudo como já
relatei.
Deveria haver uma real avaliação onde se buscasse saber qual a real deficiência dessa
escola. Então vamos avaliar. Já que ela está assim então porque que está assim? Mas não,
simplesmente vamos dar uma nota para ela, como se isso fosse resolver o problema.
E ainda tem um acréscimo ao salário.
... que também é uma absurdo, e eu não concordo com isso. Eu fiquei sabendo que o
Garotinho falou que já estávamos ganhando demais. E eu acredito que nós professores não
somos uma classe. Se fôssemos uma classe, diante dessa afirmação do Garotinho a gente já
teria se manifestado porque ele acha que está pagando muito.
A noite, não vai nenhum representante do SEPE à escola?
O que vai na escola é representante de banco, do BMG, para você pegar dinheiro
emprestado, agora o SEPE nem aparece lá. Ele manda sim. Pelo que fiquei sabendo, pelo
menos uma vez ele mandou um panfleto dizendo que haveria greve. Mas não vai. E outra
coisa, eu tenho uma amiga lá na escola que faz greve. Ela vai e entra de cabeça. Mas olha só,
vamos analisar. Por isso é que eu falo que não é claro. O que é que adianta fazer greve em
uma escola em que só um professor faz? e o resto diz que não vai fazer porque depois tem que
repor as aulas. E realmente tem que repor. O que já está errado, porque se é uma greve não
tem que repor nada. Mas acontece que vai haver a cobrança para que você reponha. Eu sou
favorável à greve eu não fiz da última vez porque eu estava em estágio probatório e não pode
fazer. Mas agora eu não estou mais. Mas vamos avaliar do que adianta eu fazer a greve se os
outros não vão fazer? adianta alguma coisa? Não adianta nada. E o que acontece, para os
alunos você não quer trabalhar. Você é preguiçoso, você não quer nada. Quantas linhas você
viu no jornal, o Dia, por exemplo, a respeito da greve dos professores? você ouviu? Não tem
nada só saiu a respeito do professor que foi espancado. Só por isso.
Entrevistadas 3, 4 e 5 – (17/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública: _31 anos, 18 anos e 6 anos
b)
Função na escola: Diretora, Coordenadora Pedagógica e Professora da Sala
de leituras
c)
Idade: ___________
d)
Disciplina(s) que leciona: ______________________________
Sexo: ___Feminino__________
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e)
Em qual(is) segmento(s) do Ensino Fundamental: _1° segmento do ensino
fundamental, educação infantil e classe de deficiente auditivo
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
(Coordenadora Pedagógica) - Na minha opinião seria uma liberdade de você estar
gerenciando os recursos disponíveis, de maneira responsável, mas seria uma liberdade. Que
os órgãos superiores dessem liberdade para estar gerenciando esses recursos de uma forma
responsável.
(Diretora) - Eu concordo porque isso até a gente tem, os recursos, a gente procura
gerenciar mas ainda tem coisas que a escola tem que submeter a uma avaliação sobre o que
pode e o que não pode ficando ainda muito dependente.
Os recursos que vocês recebem são provenientes do PDDE.
(Diretora) - Do PDDE e do SDP [Sistema Descentralizado de Pagamento] que a
Prefeitura do Rio dá para as escolas de acordo com a necessidade da escola e com o número
de matrículas, uma verba com a natureza de despesa 34 que é para consumo - material para
professor, para alunos, para secretaria, material de informática, material para a sala de leitura,
e para pequenos consertos. E a natureza 63 que é para pequenas reformas no prédio,
mobiliário ...
O SDP substitui o Fundo Rotativo?
(Diretora) - Substitui o Fundo Rotativo. Esse é o SDP. A gente agora está recebendo
um e na semana que vem a gente vai se reunir com o CEC para a gente planejar o que vai
fazer. Nós terminamos o planejamento essa semana do PDDE de 2005 e vamos fazer agora do
SDP.
Professora, e a sua perspectiva de autonomia?
(Professora da Sala de leituras) - No meu caso, que estou com turma, é uma liberdade
responsável para atuar de acordo com a sua informação, com a sua experiência mas, de
acordo com os projetos da escola, no meu caso, o projeto da sala de leitura. O projeto da sala
de leitura está intimamente ligado com o projeto político pedagógico da escola mas dentro
desse projeto a gente tem uma liberdade pois cada um tem o seu toque pessoal, as suas
experiências.
O que deveria ser feito para que a escola alcançasse a autonomia?
(Diretora) - A gente, em parte tem autonomia só que ela é uma autonomia vigiada, ...
(Coordenadora) - E eu acho que é muito restrita, por exemplo, o 63 tem que ser só
para aquilo.
(Diretora) - Tinha eu ser uma coisa mais aberta, mais ampla em que você pudesse
gerenciar de acordo com as necessidades totais da escola. E aquilo vem para determinadas
coisas, por exemplo, o PDDE. A gente terminou o planejamento e a gente até pode modificar
esse planejamento mas tem que ser mais ou menos àquilo que se planejou. Não pode fugir,
por exemplo, a escola está com dificuldades de fazer passeios. Porque é difícil conseguir um
ônibus, está muito caro e a nossa escola gosta muito de passear até porque os professores
aproveitam para engajar isso no projeto para se trabalhar no dia a dia. Mas, para a gente fazer
um passeio com o PDDE, a gente não pode levar duas ou três turmas porque todos os alunos
da escola têm que ser contemplados e a verba, às vezes, a gente têm outras necessidades
também com a verba e não podemos gastar em passeio. A gente não pode fazer só passeio,
porque para passear com a escola inteira, a verba ia toda embora.
(Coordenadora) - Eu acho que eles até tentam, mas teria que atender mais às
necessidades específicas da escola. Qual é a necessidade do momento? investir mais em
aulas-passeio? Que se pudesse ter essa liberdade. Porque aqui, já está tudo mais ou menos
de acordo, não temos mais necessidade de tanta obra. Mas se àquele dinheiro for reservado
para obra, tem que ser obra, tem que ser reparo. Deveria haver mais autonomia na prática, no
dia a dia mesmo.
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(Diretora) - Então, é uma liberdade, é um dinheiro que você tem, que você tem
liberdade para gerenciar àquela verba mas não é uma liberdade total. Acho que o diretor
deveria ter uma liberdade mais ampla para gerenciar da forma como ele achasse melhor.
(Coordenadora) - De acordo com as necessidades específicas da escola.
E a prestação de contas?
(Diretora) - A prestação de contas é bem complicada. Uma coisa também, muito difícil,
no gerenciamento das verbas é a questão da cobrança de tomada de preços. Nós tivemos uma
experiência no ano passado do PDDE, que geralmente em junho a gente manda o
planejamento e em julho, o dinheiro está na conta e aí você tem de julho à 31 de outubro para
prestar contas e no ano passado, o PDDE só saiu após 15 de outubro e a gente só teve àquele
espaço de 15 dias para você desfazer o trabalho, gerenciar e prestar contas e aí ficou
complicado porque a gente fez uma tomada de preços em julho e tudo aumentou muito, e
quando chegou em outubro, já não dava para fazer as mesmas coisas.
E o SDP também, na questão da tomada de preços. Se você vai fazer um serviço de
obras, você tem que pesquisar dois, três profissionais, se você vai comprar material você tem
que ter três pesquisas e isso toma muito tempo e o diretor não tem tempo para isso. Eu acho
que aí é que está a questão pior do gerenciamento dessas verbas.
(Coordenadora) - A questão do imediato, tem que ser para agora, para hoje ...
(Diretora) - e a gente não tem tempo para ficar fazendo essas pesquisas de preço. A
tomada de preço demora, por exemplo, na semana passada, eu pedi a um Senhor, para vir
fazer um orçamento de manutenção que estou precisando fazer no parquinho e ele ficou de me
dar o orçamento no início dessa semana, hoje é sexta-feira e ele ainda não veio trazer o
orçamento e aí complica porque você vai esbarrar com o prazo que você tem lá na frente para
entregar toda a prestação de contas.
Vocês conhecem as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola?
(Coordenadora) - Sim, o PDDE, o SDP...
E como vocês tomaram conhecimento dos mesmos?
(Diretora) - Através de reuniões, seminários, circulares da Secretaria...
(Coordenadora) - Até cursos eles estabeleceram. Até que as informações chegam.
(Diretora) - Até porque, a gente não é formado em contabilidade e tem que gerenciar
isso como se fosse um contador e tem as questões dos tributos que é bem complicado e a
gente tem que ter aquilo tudo na cabeça, prazos para o pagamento dos tributos, percentual do
que é que vai descontar na nota fiscal, nos recibos e é bem complicado.
E a participação dos responsáveis?
(Diretora) - A escola tem o CEC – Conselho Escola Comunidade, que é formado pelo
segmento professor, pelo segmento aluno, responsáveis, funcionários e uma pessoa que
responde pela associação de moradores. Por exemplo, nas reuniões de pais, a mãe
representante dos responsáveis participa juntamente com a direção, para prestar contas aos
pais. Na última reunião que foi em maio, nós prestamos contas do PDDE de 2004. Além disso,
a gente se reúne, agora na terça-feira temos uma reunião marcada com o CEC para planejar o
SDP, ver o planejamento do PDDE, se vai continuar o mesmo ou se a gente vai dar uma
mexida.
(Coordenadora) - Agora, durante esses anos todos, a gente têm zelado muito pela
transparência e por ouvir a comunidade. O que o professor precisa, o que é que vai facilitar o
processo ensino-aprendizagem, o que é que vai ser bom para o aluno? Porque a gente acha
que a escola tem que ser prazerosa, você tem que chegar e se sentir bem e aí é o que a gente
têm feito com esses recursos, investindo mesmo na questão de que tanto aluno, responsáveis,
professores e funcionários em geral, terem prazer em estar na escola.
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Entrevistada 6 – (18/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública: _12 anos______________
b)
Função na escola: Professora
c)
idade: _33 anos_
d)
Disciplina(s) que leciona: ________todas__________________
Sexo: ___Feminino__________
e)
Em qual(is) segmento(s) do Ensino Fundamental: 1° segmento do ensino
fundamental
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
Os maiores problemas que eu percebo, em relação à questão da autonomia, fica na
questão da disciplina. Muitas vezes a criança se apresenta como problemática onde fica muito
difícil você ter controle sobre a criança e aí tem àquelas coisas que a escola não pode fazer
isso, que você não pode suspender, não pode transferir para outra escola e etc. E aí se fala
logo nos direitos das crianças, no Conselho Tutelar, no ECA.
Eu concordo que a gente tenha realmente que seguir alguns parâmetros porque senão
a coisa fica sem medidas. É claro que você tem que ter um limite e para disciplinar o aluno
você tem que saber até onde você pode ir já que você não é pai nem mãe. Mas você tem que
ter liberdade para disciplinar uma criança.
Hoje em dia, uma coisa que também vejo como grande problema, que dificulta a
autonomia da escola, é a violência. Um exemplo é o da minha irmã que trabalha há uns três
anos no município do Rio de Janeiro. Nesses dias, ela puniu um aluno e ele fez um desenho
para ela de uma criança apontando uma arma para outra pessoa. E ele disse: Eu vou te matar
tia. Então chega um momento em que você pensa será que eu não posso mais punir?
Outra coisa que eu penso com relação a autonomia, é que independentemente do que
a Coordenadoria esteja mandando como norma, eu acho que a escola tem que definir outras
maneiras de avaliar. Nesse sentido é muito importante a questão do Projeto Político
Pedagógico quando a escola senta e junto define as normas internas que devem ser seguidas
e respeitadas. Às vezes você percebe que os diretores ficam com muito medo de autorizar
atividades fora da sala de aula.
O que deveria ser feito ou, quais seriam as condições, para que a autonomia
(da forma como você a concebe) chegasse à escola?
Eu não sei bem. Eu acho que ás vezes, falta realmente que as leis, as normas estejam
realmente observando a realidade da escola. As vezes parece que as leis são criadas para
crianças que não existem. Quando a gente pára para perceber qual o público que a gente
atende numa escola pública, por exemplo, que você chega e a criança, muitas vezes, não tem
lápis, vai com um chinelo e esse chinelo arrebenta e passa a aula inteira falando que o chinelo
está arrebentado. Então eu penso. Bem, primeiro eu tenho que resolver o problema do chinelo
para poder continuar a aula.
Por exemplo, quando você tem crianças que os pais estão presos, crianças que a mãe
é prostituta e a criança convive com essa realidade. Eu acho que é dentro da escola, só
quando você está ali no dia a dia é que você percebe que tem normas que não funcionam.
Então eu acho que, na verdade, todo código, Penal, Civil, hoje em dia no Brasil, se nós formos
observar, ele muitas vezes está muito distante da realidade brasileira e na educação não está
diferente. Acho que tem coisas que são positivas, por exemplo, os temas transversais eu acho
que são positivos. Agora, por exemplo, quando se começou a falar que o professor que não
tivesse faculdade não poderia continuar dando aula. Muitos professores dão aulas de manhã, à
tarde e à noite.
Acho, que a questão principal seria essa de algo mais envolvido com a realidade em
que a escola está inserida. Acho que essas leis têm que estar realmente envolvidas no dia a
dia, na realidade escolar.
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Você conhece as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola? Caso afirmativo, como tomou conhecimento dos mesmos e
como os avalia?
Hoje, eu posso dizer que eu não estou tão informada de como a coisa está
acontecendo. A partir de meados de 2002 em diante, praticamente eu já não consegui render
muito como professora pois eu já estava passando muito mal e logo depois entrei de licença
médica. Depois de muitas ida e vindas de hospitais, foi detectado que eu tinha um cisto e fui
operada para extrair esse cisto e depois de 40 dias decorridos da cirurgia, a biópsia confirmou
que era um câncer. Então, desde 2003 que eu estou afastada. Mas eu percebo que, com as
amigas que converso que, existem muitas coisas difíceis. Infelizmente, ainda está muito difícil
sobreviver no ambiente escolar. As vezes você vai quase que empurrando com a barriga sem
saber o que fazer. As vezes você vê professores desesperados. Hoje em dia, eu fico muito
triste quando eu percebo que por um lado talvez eu não esteja voltando mais à sala de aula,
mas por outro lado, eu percebo também que é muito difícil. Os médicos que me acompanham,
acreditam muito na possibilidade da vida que eu tive, tenha sido o que fortaleceu à chegar ao
problema que eu tive. Que quando eu fui operada eu já estava com um câncer de ovário de
quase 12 cm. Então a vida que eu levei e pela minha personalidade acho que foi algo muito
negativo porque eu quero muito abraçar o mundo. Aquela coisa de levar problema de criança
para casa, e tentar resolver. Já aconteceu várias vezes de eu chegar a trazer criança para
passar o final de semana na minha casa.
Então hoje, com relação às políticas, a gente fala do FUNDEF, do nova escola que eu
acho uma furada, uma absurdo. A gente acaba se empolgando muito com o nova escola
porque você fica sonhando com a possibilidade de você ganhar um dinheirinho a mais. Só que
a coisa é muito absurda porque, você percebe que eles lançam o Nova Escola, afirmam que é
em cima do trabalho da escola. Só que a coisa não funciona assim. Por que na escola em que
eu trabalho, é um ambiente até legal, há muito cuidado com a questão da limpeza, da
organização e eu acho que essas são coisas que poderiam ser valorizadas. Com todas as
dificuldades que todas as escolas têm, eu sinto que lá o pessoal tenta se envolver muito no que
as crianças vivem. Têm professoras que quando vêem que a coisa está muito complicada, vão
até a casa da criação e descobrem realidades absurdas. Nós tínhamos um problema com três
crianças que eram irmãs e tinham uma dificuldade imensa com relação à higiene. Aí nós
decidimos que a gente ia começar a se aproximar para descobrir como essas crianças viviam e
no dia em que nós fomos até a casa das crianças, nós percebemos o seguinte: primeiro que
quando eles não estão na escola, eles estão trancados em casa. A mãe, era totalmente
desequilibrada, ela usava drogas pesadas, o pai era alcoólatra e vivia catando lixo para
sobreviver. Quando nós conseguimos destrancar a porta, no mesmo ambiente em que as
crianças ficavam, ficava uma montoeira de lixo. Como eles queriam ter certeza que no outro dia
teriam dinheiro, então eles iam juntando garrafas, latas e tudo o que você possa imaginar que
eles poderiam vender no ferro velho tinha ali. Então aquele mal cheiro era horrível e aí o que é
que você faz? Procura o conselho tutelar? Denuncia a situação? Tira a criança dali e a criança
vai ser jogada em um abrigo? Naquele momento a gente acabou não tendo essa postura mas
há poucos meses isso acabou acontecendo. Eu me lembro que as minhas colegas estavam
meio que tentando fazer campanha para quem adotaria, quem teria coragem de adotar todos
juntos.
Então eu vejo que é muito difícil. Essa bola de neve social, esses problemas. A
desigualdade social bate muito forte na escola.
...
Uma outra coisa que eu acho que deveria ser mais observada é a questão da merenda
escolar que é de péssima qualidade na maior parte das escolas. Você vê que se eles recebem
uma verba X eu acho que essa verba às vezes é muito mal direcionada.
Havia o Conselho Escola Comunidade? Ele não participava da fiscalização do
uso dos recursos?
Existe o conselho, ele participa mas acaba sendo assim ... o brasileiro não é
acostumado muito a isso entendeu? É aquela coisa do pessoal ir para a reunião dizendo “Ai,
que saco, hoje tem aquela reunião!” e o que falar está falado e perguntam: “onde é que eu
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tenho que assinar? vamos logo que eu tenho que ir para casa”. Você vê que na maior parte
das vezes não tem aquele envolvimento, eles não questionam muito. Eu acho muito ruim e vejo
que a coisa poderia ter uma qualidade melhor.
Uma outra coisa que eu também já vivenciei muito na escola é a questão da higiene,
como eu já coloquei. Quantas vezes é necessário fazer campanha na escola, por exemplo, por
causa do piolho. Ou você faz uma campanha, você convoca os pais a comprarem [remédio
para combater] e um compra e os outros não têm condições ou não se interessam. Também
são coisas que o dinheiro da escola deveria ter né ... acho que os professores teriam que
sentar junto com os pais e direcionar quais são os maiores problemas que a gente sente hoje,
o uniforme, as vezes a criança não tem mesmo.
...
Agora, também do SEPE lá na escola, nós não tivemos grandes respostas. Em alguns
momentos nós percebíamos que já aconteceu deles direcionarem uma greve, de todo mundo
se envolver mas que não tinha muito sentido. Em uma das greves que nós fizemos, a coisa foi
exatamente assim por uma questão deles mesmos. Acho que eles iriam entrar em momento de
eleição e então eles precisavam chamar o pessoal a conhecer, a falar em chapa e a gente viu
que a coisa era muito política mesmo infelizmente. Não que eu desacredite da política, seria
uma ignorância se eu dissesse isso mas, eu compreendo que as vezes, a coisa tem mesmo
que ser com quem está ali independente de você pensar sobre quem está direcionando, quem
é o coordenador, quem é o ministro da educação. Você que está ali diretamente com a criança,
com os pais, você tem que botar a coisa para andar.
...
Eu compreendo que quando o diretor está fazendo um bom trabalho, um trabalho
realmente envolvido com a escola, a coisa anda muito bem. Tem um CIEP aqui no Paiol [Bairro
no Município de Nilópolis] em que eles dão um banho. Por tudo os pais estão na escola.
Qualquer festinha que as crianças queiram fazer os pais vão, eles são convidados à assistir as
aulas ... e eu acho que é por aí porque, quando os pais estão dentro da escola eles começam a
ver o lado do professor.
Entrevistada 7 – (18/06/05) – por escrito
a)
Tempo de matrícula na rede pública:________6 anos
b)
Função na escola: ____Professora
c)
Idade: ____38 anos_
k)
Disciplina(s) que leciona: ________Todas
l)
Em qual(is) segmento(s) do Ensino Fundamental: ____1° segmento
Sexo: __Feminino
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
Seria a escola poder realizar suas atividades e projetos desvinculados de órgãos
superiores (como a Secretaria de Educação).
Se diz que a “escola é autônoma”; mas se é, por que há a necessidade de se
comunicar com outros órgãos e não realizar imediatamente o projeto com a comunidade?
O que deveria ser feito ou, quais seriam as condições, para que a autonomia
(da forma como você a concebe) chegasse à escola?
O grupo de professores da unidade escolar deveria sentar-se, reunir-se e discutir as
propostas da escola e o que se quer buscar. A direção também deveria dar liberdade para que
isto acontecesse.
Você conhece as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola? Caso afirmativo, como tomou conhecimento dos mesmos e
como os avalia?
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busca.
Não, de política pública não tenho conhecimento, mas entendo e percebo que se
Comentários:
Uma coisa que muito me preocupa e que quase não percebo, é o interesse dos
professores em permitir o desenvolvimento do senso e pensamento crítico dos alunos.
Alguns professores (grande maioria) entra em sala, “entorna”/”despeja” seu conteúdo e
não dá ao aluno a oportunidade de expressar-se ou até mesmo de concordar/discordar de
algo. Para eles (os professores), só eles têm razão, têm voz e têm vez.
Entrevistada 8 – (19/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública:__20 anos
b)
Função na escola: ____Diretora 7 anos
c)
Idade: ____38 anos_
d)
Disciplina(s) que leciona: ______________________________________
Sexo: __Feminino___________
e)
Em qual(is) segmento(s) do Ensino Fundamental: a escola trabalha somente
com EM desde 2004_
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
Para mim a autonomia teria que ser ampla, geral e irrestrita. Quando você fala em
autonomia, é você poder fazer o que é necessário com as verbas que são recebidas, prestando
contas, é lógico, você tem que prestar contas de tudo que é comprado de tudo que é feito na
escola; prestar contas não só para a comunidade como para o próprio governo do que você
compra mas você ter autonomia de poder fazer as coisas necessárias e não é esse o tipo de
autonomia que existe no Estado hoje em dia. A autonomia para mim, seria a autonomia não só
no sentido de verbas, que é a autonomia de você poder comprar o que é necessário e não ser
restrito ... porque é restrito em algumas coisas, você pode comprar 40% de material didático,
30 % de material permanente então você tem uma certa restrição para comprar e, às vezes,
não é isso o que você vê na escola. Você vê que é necessário comprar um determinado
material, um determinado objeto que custa, às vezes, 50% da verba mas é necessário e você
não vai comprar, não pode comprar porque você não tem autonomia para comprar? Porque
existe uma restrição de valores para você comprar? Então isso não é autonomia.
Existe essa restrição de valores. Quando fala em verba de merenda, em verba de
manutenção a verba de merenda você pode gastá-la toda com merenda e a manutenção
também. Se você tiver que comprar merenda com a manutenção, você pode mas você não
pode comprar as coisas de manutenção com a merenda o que já é também uma restrição. Se
eu preciso de um objeto na escola, por exemplo, a gente está precisando agora de uma TV de
29 polegadas, que é cara, entendeu? e eu não posso tirar um dinheiro, se estiver sobrando da
merenda para comprar essa televisão porque o dinheiro da merenda é só para a merenda.
Quais as origens dos recursos e quando chegam à escola?
A verba de manutenção é do Estado e a verba de Merenda é federal. Agora existe um
calendário. O Secretário de Educação, esse ano, publicou um calendário das verbas. Então,
mais ou menos de dois em dois meses, é depositada a verba tanto de merenda quanto a de
manutenção mas mesmo assim, o dinheiro não é suficiente porque, por exemplo, eu lido com
uma média de 500 alunos, são 11 turmas de 2° grau e a verba de merenda é de R$ 4.000,00
que, hipoteticamente, para o Estado tem que dar para manter esses alunos por um mês e meio
a quase dois meses comendo o que no cardápio seria não só a merenda do cardápio como
teria que ter suco, uma fruta ... só que não dá. Se você for fazer exatamente o que está no
cardápio, não dá o dinheiro não dá. Imagina você gastar R$ 4.000,00 com 500 pessoas por
quase dois meses. Na verdade, eu é que tenho que fazer o cardápio. Eu tenho que fazer uma
cardápio alternativo, que pegue alguma coisa do cardápio do Estado mas que não seja, é claro,
um cardápio sem nutrientes mas que seja um cardápio um pouco mais barato para que todos
consigam comer todos os dias. Se eu fosse fazer o cardápio exatamente como o Estado quer,
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eles vão comer durante duas semanas e acabou e aí eles vão passar um mês sem comer.
Além disso eu é que tenho que fazer levantamento de preços e comprar. Para isso existe
autonomia, de executar.
Agora, deveria existir também autonomia no sentido de nós propormos para a
Secretaria, qual o valor necessário da verba para manter esses alunos durante esse período.
Nós é que deveríamos dizer – Olha, o valor necessário é tanto! e não eles acharem ... eles
estipulam o valor pela percapita, a percapita do aluno é menos de R$ 1,00 por aluno. Eles
acham que com menos de R$ 1,00 o aluno pode fazer uma refeição por dia, uma refeição
completa. Agora a gente faz o que é possível para que as pessoas não fiquem sem a merenda.
Nesse sentido, existe uma certa autonomia, porque eu posso fazer o que for
necessário. Mas eu acho que a autonomia deveria ser de nós podermos chegar até as
autoridades competentes e colocarmos para elas quanto é realmente necessário para cumprir
aquele programa que a Secretaria coloca.
Então a escola não tem espaço para propor nada?
Não, você não tem espaço para propor. Você simplesmente recebe uma listagem com
os valores e acabou.
O que deveria ser feito ou, quais seriam as condições, para que a autonomia
(da forma como você a concebe) chegasse à escola?
Eu acho que os diretores deveriam se mais ouvidos pelos órgãos competentes, pela
própria Secretaria, pelo próprio Governo do Rio porque nós que estamos dentro da escola, no
dia a dia da escola, nós sabemos o que é necessário e quando é necessário ou não é para
cumprir as normas que a Secretaria exigir. Mas a gente não é perguntado sobre isso. A gente
só é solicitado para realizar as coisas necessárias, a gente trabalha, faz relatórios, tem que
mandar documento daqui documento dali, fichas. Só que você não é solicitada na hora de
propor. Quando eles propõe uma determinada coisa você não perguntada se aquilo vai ser
realmente eficaz, se não vai ser. Por exemplo, o próprio cardápio deveria ser feito em conjunto
com as escolas para saber o que os alunos gostam, o que eles não gostam, o que possível, o
que não é possível. Em determinadas áreas, por exemplo, com escolas da zona sul a
alimentação é totalmente diferente de uma escola aqui na periferia. A alimentação que eles
procuram aqui não é a alimentação que um aluno de uma escola pública lá de dia na zona sul
quer. Lá eles querem simplesmente um lanchinho porque eles têm dinheiro para comprar
merenda e normalmente a escola tem uma cantina e alguns alunos nem merendam então a
alimentação é outra. Agora aqui não, à noite você tem que dar janta porque as pessoas vêm
sem jantar, as pessoas vêm direto do trabalho sem se alimentar e as vezes a única refeição
que eles fazem durante o dia é aqui. Então eu não concordo com esse negócio de dar
lanchinho. E aí eu acho complicado essa coisa de não participar também das decisões da
Secretaria. A gente participa de cumprir as decisões não participa da escolha das decisões.
Seria importante ouvir os diretores porque a gente que está aqui na escola a gente sabe da
realidade do que precisa e do que não precisa.
Você conhece as atuais políticas e/ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola? Caso afirmativo, como tomou conhecimento dos mesmos e
como os avalia?
Os programas de trazer a autonomia para a escola, primeiro a Secretaria lançou a
questão da escola fazer uma AAE que é uma Associação de Apoia à Escola que é uma
associação registrada em cartório, documentada com ata, onde as pessoas, os membros
dessa associação são escolhidas entre os membros da escola. São professores, funcionários,
alunos, as pessoas eu participam da AAE, que assinam, que verificam, que fiscalizam são
pessoas da comunidade de dentro da escola. Então, isso foi uma forma que o Governo criou
de autonomia, uma forma de autonomia dentro da legislação que você teria que formar essa
AAE e através dessa AAE é que você gere os recursos da escola que chegam através do
Estado ou do Governo Federal. Você gere através da AAE porque no final de cada semestre,
você tem que prestar contas e o pessoal da AAE tem que assinar essa prestação de contas,
essa prestação de contas é colocada no quadro do lado de fora para saber no que é que foi
gasto e a escola é informada sobre o que é que o diretor fez com aquele dinheiro. Não é o
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diretor que assina sozinho também, o diretor assina junto com outra pessoa da escola, no caso
outro professor ou secretária alguma pessoa, outro co-responsável assina junto com o diretor.
Nenhum diretor assina sozinho o cheque na hora de compra qualquer coisa. Então na hora de
prestar contas ele não responde sozinho pelo o que ele fez. A AAE é responsável também pelo
o que é feito porque, porque eles são informados das compras que estão sendo feitas e no final
é prestado contas, é feita uma reunião com a AAE para que eles assinem a ata concordando
com àquela prestação de contas. Isso foi uma coisa boa que o Estado fez porque foi uma coisa
que oficializou essa autonomia da escola, porque antigamente as escolas não tinham essa
autonomia assim legalizada. Você recebia a verba, não era dentro da Associação, era
chamado de empenho e aí você recebia o empenho, gastava e prestava contas mas não tinha
associação e você não tinha talão de cheques, não tinha conta em banco. Era o empenho que
chegava e você tinha que gastar com os fornecedores que já eram determinados e acabou.
Agora não, com a Associação você tem tudo legalizado talão de cheques, conta em banco,
cartão do banco, extrato no final do mês então você controla tudo, o banco manda para você e
você controla. Ficou melhor, ficou muito melhor porque é uma coisa que você consegue
controlar legalmente e você consegue provar legalmente, na hora de prestar contas o que é
que você fez com aquele dinheiro porque tem pessoas por detrás também que assinam àquela
prestação de contas. Então isso foi bom. Nesse ponto foi bom. Agora, existe outros lados da
autonomia que não são respeitados. Porque, essa AAE deveria ter toda autonomia, como eu te
falei antes. A autonomia comprar, de fazer o que fosse necessário. Por exemplo, se você faz
uma festa na escola ou arrecada dinheiro com algum bazar ou alguma coisa, você não pode
depositar esse dinheiro nessa conta. Essa conta poderia ter sido feita para você também poder
depositar e usar normalmente esse dinheiro, porque é um dinheiro que vem da escola mas
esse dinheiro não pode ser misturado porque se faltar ou sobrar um centavo no final da
prestação de contas, você é cobrado e tem que fazer tudo de novo. Na prestação de contas
tem que dar certinho, você tem que zerar o extrato então, na verdade, essa é uma autonomia
relativa porque a AAE tem autonomia mas só para gerir a verba do Estado porque na hora de
gerir a verba da escola, você não pode misturar. Você não pode misturar esse dinheiro na
conta. Deveria poder usar a conta normalmente para você fazer qualquer coisa qualquer
movimentação. Aí, a escola é obrigada a abrir uma outra conta, de poupança ou alguma coisa
assim para gerir os recursos que obtém de outros meios que são festas ou venda de alguma
coisa, bazar.
Existe também agora no Estado, uma coisa de ... você não tem mais autonomia para
chegar e permitir que uma pessoa faça uma palestra na escola, ou fazer uma divulgação de um
livro. Mesmo que não seja para cobrar do aluno, só o fato de divulgar o material, não pode
mais. Isso tem que ser passado pela Coordenadoria e pela Secretaria de Educação para que
eles dêem a autorização. Então, que autonomia que o diretor tem dentro da escola?
E o Projeto Pedagógico, como fica?
E o Projeto Pedagógico, que é cobrado pela própria Secretaria, que nós temos que
fazer todo início de ano, entregar ... . Dentro do Projeto Pedagógico a gente coloca que a gente
vai fazer ou trabalhar educação ambiental, doenças sexualmente transmissíveis logo você
deveria poder ter o direito de estabelecer que você vai fazer uma palestra sobre isso, que você
vai chamar pessoas para demonstrar material sobre aquilo. Você não está obrigando o aluno a
comprar nada ou pedindo dinheiro, você só está demonstrando alguma coisa, falando sobre o
assunto ou demonstrando material, só que você não tem mais autonomia para isso. Atualmente
você não pode mais permitir esse tipo de coisa dentro da escola porque eles dizem que é
comércio e não pode. E aí, compromete o Projeto Pedagógico da escola.
Mesmo que um professor que você conheça venha falar sobre algum assunto
do Projeto da escola?
Não pode mais. Tem que pedir permissão à Coordenadoria. Eles vão querer ver o
projeto da pessoa, vão querer ver todo o trabalho que a pessoa tem. Se está fazendo
mestrado, se está fazendo algum coisa ligada àquela palestra, por que vai dar àquela palestra.
Agora é assim.
Pode ser uma forma de controle político?
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É, de repente também porque eles podem estar cerceando ou querendo verificar quem
é que está trabalhando dentro da escola, está falando o quê, se é para fazer de repente
campanha de algum candidato ou contra a ação do Governo, entendeu? Isso é uma forma de
controle do que acontece dentro da escola, que não deveria existir. A escola não tem
autonomia de fazer, de cumprir o seu projeto pedagógico que é exigido pela própria secretaria?
E é mandado no começo do ano para a Secretaria eles sabem que o projeto está lá. Está todo
escrito. Por exemplo, eu tenho no Projeto pedagógico essa questão do pré-vestibular. É feito
todos os sábados aqui na escola, com professores voluntários da comunidade, e alguns
professores da escola porque nem todos querem participar, eles não são obrigados, não estão
ganhando nada com isso.
A carga horária dos professores que participam do pré-vestibular não conta
como carga horária da escola?
Não, a carga horária não conta. Eles são voluntários porque a carga horária do sábado
não conta como carga horária para o Estado. E as pessoas da comunidade que vêm ajudar,
que vêm dar aulas é totalmente de graça. Não é cobrado nada nem do aluno. Só que o Estado,
nesse sentido, não dá nenhum apoio por que você não pode pedir nada. Você deveria pedir um
apoio para cumprir o projeto que é um projeto que atende não só ao aluno da escola como
atende à comunidade. Eu tenho aqui mais de 20 alunos que são de fora, que são da
comunidade, que estão assistindo o pré-vestibular para que tenham condições de fazer uma
boa prova do ENEM ou o vestibular. E no ano passado a gente teve um bom resultado. Os
alunos que fizeram o pré-vestibular, todos eles que fizeram ou passaram na prova do ENEM e
estão fazendo faculdade pelo Pró-Uni ou passaram no próprio vestibular da UERJ, UFRJ.
Praticamente, a gente faz isso às escondidas. Porque se o Estado souber que eu estou
fazendo um trabalho sem autorização, eles são capazes até de punir.
Mesmo estando previsto o pré-vestibular no projeto pedagógico?
Mesmo assim ... teria que mandar um projeto específico para a Secretaria, informando
sobre isso, entendeu? para que eles aprovassem ou não. E aí, até você esperar a aprovação
chega o final do ano e você não tem aula nenhuma porque tudo é muito moroso, as coisas
demoram muito para acontecer. Se eu mando um projeto pedindo autorização e espero eles
aprovarem, não aprontava nunca. Porque até eles lerem e chegar nas mãos de quem
realmente tem que aprovar, aí já era o final do ano. Aí vai pedir currículo [dos professores], vai
pedir se tem habilitação disso, habilitação daquilo, vai pedir seguro porque esse professor não
vai poder ... ele pode estar dentro da escola, pode estar dando aula e se acontecer alguma
coisa ele pode processar o Estado. Para o Estado tem toda essa burocracia. Então, eu não vou
fazer todo esse processo para mandar para eles porque não tem como, não ia nem ser
aprovado.
Então você também é voluntária ao trabalhar aos sábados para o prévestibular?
É, porque eu venho para cá, trabalhar sábado sem receber nada e a gente ainda tira
xerox para esses alunos sem cobrar, e faz lanche ainda, com o que sobra de merenda. Eu
economizo e dou um lanche no sábado para eles não ficarem também com fome. Mas, vai
falar isso para o Estado! Não pode. Isso não pode chegar no ouvido da governadora. Se as
coisas fossem mais fáceis, mais simples não deveria haver esse tipo de burocracia para você
informar alguma coisa dentro do projeto mas por causa da burocracia você acaba sendo
obrigada a não informar.
A Secretaria de Educação costumava mandar temas a serem desenvolvidos
durante o ano letivo, ela continua mandando?
Continua mandando só que atualmente, a própria Secretaria promove cursos que são
pagos pela Secretaria em convênio com alguns órgãos ou com a UERJ e esses cursos são
oferecidos aos professores só que existe uma restrição, só pode ser professor de matrícula e
normalmente eles querem que esse professor seja obrigado a assistir o curso sem dar
nenhuma ajuda de custo, sem oferecer nada para o professor assistir ao curso, nem
alimentação e o professor não quer. Simplesmente ele não é obrigado. É fora do horário dele,
fora do horário de aula e aí o professor não vai querer porque, ele poderia estar fazendo isso
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mas como que ele vai largar o emprego dele, que ele ganha em outro lugar para fazer o curso
de graça pelo Estado? Mesmo sendo aperfeiçoamento as pessoas não querem. Porque o
Município quando faz um curso de aperfeiçoamento, ela paga para o pessoal fazer o curso,
paga a despesa do pessoal, paga para o profissional fazer o curso porque aí ele não está
perdendo e abona também a falta dele num outro local. Mas o Estado não. Quer que o
professor seja obrigado a fazer o curso de reciclagem fora de seu horário, sem ganhar nada,
num lugar longe, as vezes distante e complicado para ele chegar e não pode ser todo
professor. Ás vezes o professor que está interessado, eu já tive muitos professores
interessados em cursos dados pelo Estado, que não puderam fazer. Por quê? Porque não são
de matrícula. Eles só querem professor de matrícula. Aí o professor de contrato que está
interessado, que quer se aperfeiçoar e quer se reciclar até para ajudar a escola não pode
porque o curso não é para professor contratado. Mas se o professor está dentro dessa escola,
deveria ser para qualquer curso. Se o professor é contratado? Quem contratou foi o Estado.
Ele está dentro da escola, ele está fazendo um trabalho, ele participa do projeto? Ele está
inserido no projeto da escola então, nada mais lógico do que ele fazer também o curso porque
está interessado em trazer para a escola àquele trabalho. Só que não é permitido ao professor
de contrato. E como atualmente, a maioria dos professores de algumas escolas do Estado são
de contrato, pelo menos aqui eu tenho mais professores de contrato do que de matrícula. A
maioria das escolas que são de difícil acesso, que são à noite e em locais de difícil acesso, só
têm mais é contrato. Então, o que acontece, se eu tenho poucas matrículas e mais contratos, é
lógico que estes professores estão compromissados com o projeto da escola e eles são muito
mais compromissados, às vezes do que os próprios professores de matrícula. Alguns já estão
no Estado há algum tempo já relaxaram e aí esse professor que quer melhorar, que quer fazer
um trabalho bom pela escola, ele não pode porque não é permitido que ele faça reciclagem.
Há dois meses atrás, tinha que enviar um professor para fazer um treinamento para um
campeonato de xadrez que iria haver e aí eu queriam que eu mandasse um professor de
matrícula de Matemática ou de Educação Física. Eu não tinha. Quem eu tenho de matrícula de
Matemática, não quis. Só tem uma professora e ela não quis. Ela disse que não tinha tempo e
que não ia fazer. Aí, eu mandei um professor de contrato de Educação Física, que é a área
dele e ele até se interessou em fazer o treinamento e em trazer o xadrez para a escola
participar do campeonato. Eles não permitiram. Mandei ofício, mandei o professor, ele esteve
duas vezes no curso e eles disseram que ele não podia fazer e aí a escola ficou de fora. O
campeonato que nós vamos fazer aqui é um campeonato interno porque não tem como
participar de um campeonato do Estado, da Secretaria, porque é todo cheio de uma burocracia,
todo cheio de complicações que a gente não consegue cumprir. Para concorrer com outras
escolas não vai ser possível. Além disso, o horário que o Estado coloca, as vezes, para
determinados trabalhos é inviável. Eles colocam campeonatos de dia, que o aluno da noite não
pode assistir porque ele trabalha, eles colocam peça de teatro, palestras, chamam a escola
para assistir durante o dia, na parte da tarde, no horário da manhã que o aluno da noite não
pode participar porque ele trabalha. E aí depois ficam criticando que a escola não participa de
nada, que as escolas não vão às palestras, não mandam os alunos para as peças de teatro,
que o aluno do Estado não participa de nada mas é lógico, os horários são totalmente
inviáveis.
O Estado deveria viabilizar também, o transporte público como o Município viabiliza. No
Município se torna muito mais fácil. A diretora do Município manda um ofício para a CRE, a
CRE entra em contato com a empresa de ônibus e manda o ônibus para buscar os alunos e o
Estado não tem isso. O Diretor é que tem que correr atrás de um ônibus, conseguir um ônibus
de graça ou pagar para a empresa fazer o transporte dos alunos.
E isso cabe na prestação de contas do uso dos recursos da escola?
Eu faço. Se cabe ou não, se eles vão permitir ou não, eu coloco a nota fiscal do ônibus,
para que que foi feito, para que que foi chamado àquele ônibus, a data dessa nota fiscal, o
valor e mando na prestação de contas.
Você já teve alguma prestação de contas devolvida?
Não, graças a Deus. Nesse sentido, não. Não teve nenhuma devolvida por causa disso
porque eu envio a nota fiscal e justifico que é uma atividade prevista no projeto.
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E a escolha de diretores, como tem sido feita?
No ano passado foi feita uma consulta aos alunos e professores para ver se eles
concordavam com àquela determinada direção ou não. Só que essa consulta, muitas vezes
não foi respeitada. Teve escolas em que o diretor que venceu na consulta popular não foi o que
ficou na direção da escola. O que ficou foi o que foi indicado pelo político ou pelo Secretário ou
sei lá por quem. Na verdade houve vários casos desse. Aqui até que não houve isso porque só
houve uma candidatura. Então, foi oficializada a candidatura que houve, que os alunos
concordaram e a própria Secretaria concordou. Mas teve escolas que não, que havia mais de
uma candidatura, e quem foi oficializado não foi quem ganhou na “eleição” da escola.
Aconteceu indicações de diretores de fora das escolas?
Aconteceu de serem mandados diretores para algumas escolas porque onde não
houve indicação de ninguém, onde o diretor não quis continuar e nenhuma pessoa se
candidatou houve a indicação de uma pessoa de fora. A Coordenadoria que indicou uma
pessoa para assumir àquela escola. E houve casos de diretores que foram tirados, por algum
motivo, perseguição ou sei lá o quê e foi colocada uma outra pessoa no lugar dele também de
fora, escolhida pela Coordenadoria. Isso aconteceu em escolas grandes, escolas com um
número de alunos muito grande, escolas de três turnos, CIEPs e a gente até acha assim, não
pode nem falar muito sobre isso mas é uma questão de poder econômico. Algumas escolas
foram escolhidas porque têm uma verba alta. As escolas que gerem verbas altas e têm um
número de alunos muito grande, as escolas com três turnos, muitos funcionários então essas
escolas foram deixadas realmente para as pessoas que eles escolheram. Mas houve casos
também de escolas pequenas em que a direção foi trocada porque havia diretores que não
eram bem quistos.
Aí, agora existe aquela cobrança em cima do diretor que ficou de que: - Você foi
indicado. Você não pode fazer isso ou aquilo sem comunicar, sem passar por nós porque você
foi indicado por nós, você não foi eleito. Eles estão sempre falando isso. É como se nós
fôssemos representantes da Secretaria. Eu não me considero representante da Secretaria eu
sou representante de uma comunidade. A partir do momento que aquela comunidade não
quiser mais, eu estou fora mesmo que a Secretaria diga que eu tenho que ficar, eu não sou
obrigada. Eu fiquei por uma questão até ... me candidatei de novo, meu marido nem queria,
porque ele acha que é muito trabalhoso, cansativo, desgasta pra caramba e a gente não
descansa nada, não tem final de semana, não tem nada, é preocupação o tempo todo,
cobrança. Apesar de todo o trabalho que a gente tem á cobrança é muito grande em cima da
gente, não só da Secretaria como dos alunos. Ele queria que eu não me candidatasse mas
acontece que foi toda uma comunidade que pediu para que eu continuasse. Eles disseram que
se mudasse a direção muitos professores não ficariam e muitos funcionários não ficariam. As
pessoas ficam com medo de que venha alguém de fora, alguém estranho e aí, com o fato de vir
alguém de fora, as pessoas querem sair.
E as escolas estão sendo muito cobradas. Esse ano tem uma cobrança da Secretaria
muito grande sobre o diretor. Acho que eles estão cobrando demais e não dando condições
para cumprir o que eles estão pedindo e isso se deve à mudança do Secretário.
E a eleição para diretores não acontece desde 2003, não é?
A última eleição foi feita em 2001. Era para ter sido feita em 2003 e aí foi adiada, não
foi feita e aí em 2004 eles decidiram que seria por indicação. Desde 2001 que não tem eleição
direta. O SEPE brigou, brigou mas não adiantou.
Entrevistada 9 – (19/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública: __desde 83 – 22 anos
b)
Função na escola: ____Secretária escolar
c)
Idade: ____48 anos_
d)
Disciplina(s) que leciona: ______________________________________
Sexo: __Feminino___________
{PAGE }
e)
Em qual(is) segmento(s): a escola trabalha somente com EM desde 2004_
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
Uma escola autônoma é ela poder resolver tudo. Eu acho que é isso, sem intervenção
porque uma escola não pode ser igual a outra porque vai de acordo com a clientela. Não é
mais aluno é clientela. E aí ele impõem coisas que de uma escola para outra não dá para fazer
o mesmo trabalho porque modifica muito.
O que você acha que deveria ser feito para a escola atingir essa autonomia?
Se pudéssemos, o corpo docente pudesse trabalhar em função da comunidade, da
clientela sem essa comparação de bairros, de municípios, de nada disso. Cada um pudesse
gerir a sua autonomia, fazer o seu trabalho.
Você conhece as políticas que prometem trazer a autonomia para a escola?
É o que mais tem.
Como é que você tomou conhecimento delas?
Através do noticiário, dos discursos é o que mais a gente houve mas ninguém faz
nada. Só prometem.
Comentários
coisa.
Seria tão bom se dessem autonomia para a gente. A gente ia poder resolver tanta
Entrevistada 10 – (19/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública:__7 anos
b)
Função na escola: ____Professora
c)
Idade: ____33 anos_
d)
Disciplina(s) que leciona: ___________História___________________
e)
Em qual(is) segmento(s): ensino fundamental e médio
Sexo: __Feminino___________
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
A autonomia da escola é a capacidade dessa escola gerir os seus próprios recursos;
ou seja, através do dinheiro que o Estado manda, a escola ter a consciência de como e quais
são as suas áreas de fraqueza e as suas áreas de força e o que que ela pode investir. Como é
que ela pode pegar esse dinheiro e saber, por exemplo se ela tem que investir mais em
pessoal de apoio, se ela tem que investir mais em merenda ou se ela tem que investir mais em
livros para a biblioteca. Administrar as suas foças e fraquezas com esse dinheiro vindo do
Estado.
O que deveria se feito para que a escola atingisse esse ideal de autonomia?
Eu acho que transparência nos gastos públicos porque hoje em dia falar do que é
público vira uma coisa que não é de ninguém, então por isso as pessoas não têm uma questão
da responsabilidade, da transparência, seja pelo dinheiro público, pelo bem público. Eu acho
que cada vez mais a gente precisa trabalhar a questão da ética, dos valores a preocupação
com o que é de todos e isso é fundamental para trabalhar qualquer projeto ligado à educação e
ligado à autonomia do ensino público.
E como você vê essa questão de não haver mais a eleição para diretores?
Um grande retrocesso. Voltamos à ditadura. De novo é uma coisa imposta de cima
para baixo e aí o luxo é dizer assim: “Há que se cuidar do broto para que a vida nos dê flor e
fruto” [fazendo referência a um cartaz da Secretaria de Educação] e aí você impõe uma medida
“guela” à baixo das pessoas e esquece que as pessoas, pra participar e para se sentir parte de
um processo elas têm que escolher também se não elas não se sentem responsáveis. Você
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tem co-responsáveis por esse processo de estar na escola e aí a escola não faz o seu
processo que é tornar a vida do outro melhor no sentido de que o aluno tem que entrar aqui e
sair um ser humano melhor. Mas se ninguém tomar parte ou responsabilidade desse processo
acaba virando um depósito de gente.
Você conhece as atuais políticas ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola?
Eu conheço muito o discurso, a teoria que normalmente são maravilhosos agora não
esquecem de como tem que trabalhar na prática. Então todo o enunciado, todas as propostas
maravilhosas isso é sempre falado agora eu queria me aprofundar em algo mais do que só o
discurso. Eu queria ver realmente a prática disso.
E como você tomou conhecimento desse discurso?
Através da mídia. Principalmente em ano de eleição para justificar os gastos ou os
desvios de verbas então, a todo momento a mídia é capaz de fazer um marketing e dizer que
está fazendo isso e que está fazendo aquilo outro e acaba manipulando uma população mas
na verdade, algo efetivo e prático a gente não percebe.
Como é que você vê a exigência de que a escola monte seu PPP com toda
essa condição que temos hoje; com o diretor que não é eleito, com a falta de
funcionários da área pedagógica?
De novo uma grande contradição e de novo um grande e gigante pé de barro. Que toda
escola precisa de seu PPP é obvio, mas que ele tem que realmente fazer parte da prática
dessa escola então, aí está a grande contradição. Você segue a receita de bolo pedindo que a
escola desenvolva o seu projeto, tenha as suas idéias e em compensação você empurra de
cima para baixo todo o projeto de autonomia ou administração dessa unidade escolar então,
por isso, essa coisa não funciona. É como assim, eu estou obrigando alguém a ser espontâneo
então cadê o ato dele ser espontâneo? Não existe. Então, como é que a escola pode ter
autonomia se, na verdade, continua o retrocesso, continua a ditadura, continua o impasse ou
de novo a recusa em querer ouvir o outro. E aí se pergunta porque é que esse negócio não dá
certo.
Entrevistada 11 – (19/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública:__39 anos
b)
Função na escola: ____Professora
c)
Idade: ____57 anos_
d)
Disciplina(s) que leciona: ___________Geografia___________________
e)
Em qual(is) segmento(s): 2º segmento do ensino fundamental
Sexo: __Feminino___________
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
É justamente a escola poder se autogerenciar. De uns tempos para cá já está havendo
um pouco mais de autonomia, inclusive na questão do currículo. A escola já pode, tendo como
base os Parâmetros Nacionais, estabelecer o seu currículo com base nas necessidades da
escola e todas as características da comunidade escolar. Mas ainda falta muito por que apesar
de a Secretaria de Educação dizer que as escolas têm autonomia, elas ainda ficam muito
presas a certas normas e documentos que não dão justamente ao diretor e aos professores a
real autonomia de trabalharem somente em cima daquilo que é realmente necessário. Parece
que depois que a informática chegou às escolas, mais papel se criou. A informática foi criada,
foi institucionalizada nas escolas para diminuir o trabalho, para racionalizar o trabalho mas
quanto mais informatizado, mais papel se tem que preencher; os diretores, pelo menos de duas
a três vezes por semana são tirados da escola para reuniões ou no nível intermediário e as
vezes até no nível central e isso dificulta muito o acompanhamento da escola, o próprio
gerenciamento da escola.
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Com relação à verbas, até há alguns anos a escola era realmente muito presa . Não
tinha direito de fazer nada. Dependia de determinações legais da prefeitura mas já de alguns
anos para cá ela recebe verbas para uso próprio, do governo federal e também do governo
municipal. Isso ajudou e muito na questão de pequenos reparos, pequenas necessidades,
necessidades imediatas da escola que as vezes precisava esperar decisão da Secretaria de
Educação, decisão do Prefeito e agora não. Dependendo do tamanho da escola, da quantidade
de alunos as verbas são maiores e com isso se consegue realmente de pronto atingir algumas
necessidades mais prementes da escola.
O que deveria ser feito ou, quais seriam as condições, para que a autonomia
(da forma como você a concebe) chegasse à escola?
Seria isso mesmo, a escola não ficar tão presa à determinações do órgão central. Tudo
bem que o Sistema é único, o Sistema de Educação do Município é único mas para isso tem-se
o acompanhamento com supervisores da própria CRE da Coordenadoria de Educação mas é
necessário que realmente a escola pudesse ela mesma fazer as suas parcerias com a
comunidade, com entidades oficiais sem depender de autorização, de decisões superiores.
Você conhece as atuais políticas ou programas que prometem viabilizar a
autonomia da escola?
A atual política, que eu conheço mais é do Município e que também está atrelada ao
Governo Federal, por exemplo, a criação do FUNDEF que é o Fundo de Ensino Fundamental
que é transformado assim ... a ajuda é transformada em dinheiro, é justamente a verba federal
que a escola recebe para ter um pouco mais de autonomia no gerenciamento das suas
necessidades. No caso, a Prefeitura também, ela cria grupos de trabalho. Agora mesmo, há
umas duas semanas eu fui indicada pela escola para fazer parte do grupo do município que vai
justamente discutir o currículo Multieducação, porque o currículo usado nas escolas municipais
é o Multieducação que é adaptado em cada escola através do seu PPP. Então, eu não sei
ainda o que vem de novidade que venha a aumentar essa autonomia porque ainda não houve
nenhum encontro dos professores que foram indicados em suas escolas para discutir, para
avaliar e até mesmo reformular esse currículo. A gente espera que, com base nisso, seja
realmente dada um pouco mais de autonomia à escola.
Isso no nível da Secretaria de Educação?
No nível da Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro. No nível federal, a
autonomia é dada mais nesse sentido operacional, prático de gerenciar a verba federal. Isso,
cada escola, junto com o seu Conselho Escola Comunidade, decide ... O CEC é formado por
pais, professores, alunos, funcionários e um elemento da comunidade escolar, da associação
de moradores que está mais ali dentro da escola. Então, são eles, juntamente com a direção
que decidem o uso da verba do dinheiro mesmo em si e também os Parâmetros Curriculares
Nacionais, com isso o MEC também quer dar autonomia para a escola para ela própria criar o
seu currículo. Mas é como eu disse a gente ainda depende muito do que a Secretaria de
Educação estabelece. Certas normas, por exemplo, nem todos os professores concordam com
o atual processo de avaliação, como ele é feito, também, o caso da educação por ciclos em
que a criança de primeira à terceira série, se não me engano, não é reprovada. Nós recebemos
na 5ª série alunos praticamente analfabetos, que mal sabem assinar o nome e a gente sabe
que muito disso está nessas mudanças de progressão, ciclo e nós queríamos que isso
mudasse, que a escola tivesse realmente autonomia para reverter isso.
Comentários
Eu acho que a escola pública ... a gente pode fazer uma escola pública de qualidade
mas, a sociedade atual está muito complicada mesmo e as vezes a escola luta por fazer um
bom trabalho mas esbarra numa série de problemas, as vezes, até mesmo da comunidade em
volta, do despreparo dos professores de enfrentar problemas que surgem na escola que fogem
da alçada de ser professor. A gente encontra muito e nós somos despreparados para isso. A
gente vai mais na intuição, no bom senso mas é muito complicado. Mas tenta-se de qualquer
maneira, ainda, fazer uma escola pública de qualidade e democrática que dê oportunidade a
todo mundo.
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Entrevistado 12 – (19/06/05)
a)
Tempo de matrícula na rede pública:__7 anos
b)
Função na escola: ____Professor
c)
Idade: ____33 anos_
d)
Disciplina(s) que leciona: ___________Matemática___________________
e)
Em qual(is) segmento(s): 2º segmento do ensino fundamental
Sexo: __Masculino_________
O que seria a autonomia da escola, no seu entender?
No meu entender autonomia da escola. Bom, o que é a escola? A escola são os
professores, alunos, funcionários, diretores e a comunidade. O que é a autonomia da escola? A
autonomia da escola é fazer o que professores, alunos, diretores, funcionários e comunidade
desejam para a comunidade. Fazer com que a escola sirva a comunidade. Isso é a autonomia
da escola, a escola tem que ter autonomia para isso. Agora, hoje ela não tem muita autonomia
para isso, para traçar suas próprias linhas de ação muito pela questão política, né? É a
Coordenadoria que quer interferir no trabalho da escola, é a Coordenadoria que acha que não
acha que o trabalho da escola está certo, que coloca funcionário readaptado lá para a escola,
funcionário que nem a escola quer. Em fim tem inúmeros problemas políticos que fazem com
que a autonomia da escola não se concretize. Então, a autonomia para mim é isso é a escola
ter a liberdade de se pensar e concretizar aquilo que ela traçou como linha.
O que deveria se feito para que a autonomia da escola fosse alcançada?
As condições e o que deveria ser feito. Eu acho que para ter autonomia eu acho que a
escola tem que ter uma identidade. Não sei se eu estou falando disso agora para você por que
a escola está passando por um processo, a escola do Município em que eu dou aulas para a 8ª
série, de falta de identidade. Está faltando identidade a ela. Então, qualquer PPP que a gente
fique traçando não dá muito certo. É aluno de uma comunidade aqui, aluno de uma
comunidade ali, alunos de várias comunidades diferentes.
Eu acho que para chegar essa autonomia à escola, ele tem que ter primeiro uma
identidade. Buscar essa identidade. Tendo uma identidade, ... isso aí também tem que partir
dos professores esse entendimento, não é só de mim, ela começa a traçar planos, linhas de
ação da própria escola. Isso o que eu falo acho que parte mais dos professores. Eu acho que
são os profissionais da escola que têm que convidar a comunidade à entrar na escola para
desenvolver esse projeto. Agora, as condições são muitas. Depende de condições financeiras
também, a escola as vezes tem poucos profissionais para lhe dar com os problemas que ela
tem. A escola hoje tem problema de falta de segurança, de falta de inspetor nos andares, a
escola hoje tem problema de falta de professor de falta de tudo, de falta de equipamento
necessário para os profissionais da cozinha trabalharem ... .
Em fim há de se ter investimento também. Investimento nas escolas não só na parte
salarial mas também na parte estrutural.
Eu não sei se estou fugindo da pergunta mas eu volto para o valor da identidade da
escola. Ela tem que buscar sua identidade para traçar um projeto junto com todos para que
essa autonomia chegue à escola e, de uma certa forma, eu acho que quando a identidade
chega a uma escola e ela chega a sua autonomia, eu acho que a Coordenadoria ou até mesmo
as instâncias superiores não se metem muito no trabalho não. Quando ela vê que trabalho está
dando certo, as coordenadorias não se metem muito no trabalho que está sendo feito na
escola.
Você conhece as atuais políticas de autonomia?
Não conheço as políticas ou programas que prometem viabilizar a autonomia. Não
conheço. A gente que está em sala de aula, a gente que vive na sala de aula o dia todo, vai de
uma escola para outra a gente de vez em quando, no recreio quando a gente costuma se
encontrar com alguns professores porque nem todos os professores se encontram. Lá o recreio
é dividido, o recreio só vai para algumas séries por uma hora e para outras séries em outra
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hora e isso de uma certa forma, eu acho prejudicial porque isso evita da gente discutir
questões. As vezes o que um professor sabe, passa para o outro. Então, por exemplo, essas
políticas eu não conheço. Não sei se existem ou não.
Você fez a licenciatura ...
Na UERJ.
Depois de 1996?
Eu acabei em 1996.
Então você não estudou a nova LDB?
Não peguei essa lei no curso. Em fim eu não sei dessas novas políticas e programas.
Isso também não se comenta na Coordenação Pedagógica. Não se discute as políticas
educacionais nacionais na escola. Não se debate.
Comentários
Com relação à autonomia da escola, eu acho que hoje dificilmente você encontra
escolas públicas que tenham 100% de autonomia. É difícil de você encontrar. Sempre tem
influência de Coordenadoria, sempre tem influência de políticas que só vêem estatísticas e
quando isso sai do padrão, sempre tem auditoria. Na minha escola teve uma. Foi uma equipe
da CRE na escola para verificar como é que estava a questão de material se estava sendo
utilizado, como é que estavam os conceitos e o aproveitamento dos alunos tudo isso porque os
conceitos dos alunos não foram muito bem visto na CRE da nossa escola. Claro que lá de cima
vem uma preocupação mas a preocupação deles a gente sabe que é com as estatísticas. Eles
têm que mostrar serviço para alguém lá de cima poder mantê-los no cargo.
Com relação aos recurso da escola vocês não têm acesso à forma como esses
recursos são usados?
Não, a gente não tem aceso a isso não. Vez em quando, a direção comunica pra a
gente que vai chegar uma verba para a escola.
Não fala em valores?
Não, não fala em valores.
Não pergunta se tem sugestões para o uso dos recursos?
Não. Na escola municipal nunca teve isso.
Existe professor representante no CEC?
Existe. Mas o que acontece nas reuniões do CEC é o seguinte. Parece que , segundo
esse professor representante, tem um representante da escola, que é ele, das outras escolas
da região e um representante da Coordenadoria.
Nas reuniões do CEC?
Nas reuniões do CEC.
Mas não há reunião interna do CEC?
Não. Só reunião geral com outros representantes de CECs de outras escolas.
E o que é discutido nessas reuniões?
Pelo o que ele me fala, questão do dinheiro que entra nas escolas e fala-se um pouco
também sobre os problemas das escolas, os problemas de violência, que geralmente hoje é a
tônica. Mas, pelo o que ele me passa as reuniões do CEC é mas para eles ficarem dizendo
amem ao que é colocado para eles.
Então vocês só se reúnem com a dirão da escola na época do conselho de
classe?
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Exatamente ou quando se tem o centro de estudos que é um a programação feita ... o
centro de estudos pega-se um dia na semana para se fazer o estudo mas não é feito todas as
semanas não. Agora, por exemplo, nesse ano, tiveram dois centros de estudo só.
E o que é discutido?
É discutido o pedagógico, por exemplo, a coordenadora tirou xerox de um livro que
falava sobre a relação entre o professor e o aluno, só, só isso e a gente ia lendo e discutindo o
livro e só. Mas sempre nas discussões recaíamos nos problemas da escola. Nós desviávamos
completamente da leitura do livro. Era um texto teórico e a gente via alguma coisa lá que tinha
alguma coisa haver com a gente e aí a gente atropelava.
Então é isso. Eu me preocupo com a autonomia da escola hoje porque eu vejo que a
escola não tem autonomia nenhuma, por exemplo, eu não tenho autonomia, eu, em sala de
aula não me sinto com autonomia de aprovar e reprovar um aluno. Não que isso seja muito
importante, mas isso é uma forma de constatar tanto o seu trabalho como o aproveitamento do
aluno. Me dá pena ver, por exemplo, hoje eu estava comentando isso com a professora de
ciências. Eu estava na escola do Estado dando aula para o 1° ano e já estava chegando perto
da semana de provas e lá a maioria esmagadora dos alunos vêm do Município do Rio em que
se aprova automaticamente e uma aluna não sabia fazer, por exemplo, conta de multiplicar
nem de dividir estando no 1º ano do 2º grau. Aí eu estava resolvendo uma equação com ela,
coisa que se aprende na 5ª série, e chegou em um momento em que chegamos lá em 20
dividido por cinco. Eu disse para ela: - Faça essa conta para mim. Ela demorou um pouco e me
perguntou: - Professor, dá 1? Aí eu falei não e perguntei: - Você sabe a tabuada de cinco? Ela
disse que achava que sim então eu pergunte a tabuada para ela e ela não soube responder.
Em fim, eu fico com pena porque o aluno fica olhando para você, ele fica desestimulado. Eu
pergunte para ela como é que ela conseguiu, mas eu perguntei não de forma ofensiva, como é
que ela conseguiu estar lá. Se o professor não ensinava aquilo para ela. Ela respondeu que o
professor ensinava mas ela fazia um trabalho e estava tudo bem. Esse é o tipo de trabalho que
o Município dá, trabalho em grupo, trabalho em dupla e um copia do outro, em fim e eu temo
muito por isso porque isso é exclusão do aluno, o aluno está sendo excluído. Eu sinto que ele é
um aluno excluído, ele vai ser excluído. Ele já é um excluído da sociedade. Para mim, ele já é.
Então, esses alunos são excluídos da sociedade. Então, a escola hoje não tem
autonomia, por exemplo para consertar isso. A escola hoje passa por cima disso tudo. Aliás
passa por cima da escola por políticas educacionais não oficiais, creio eu. O que são as
políticas educacionais não oficiais? São essas políticas de estatística - eu quero estatística, eu
quero número de aprovações e não interessa como. Isso, para mim é política não oficial.
Porque se a gente fosse realmente ler a política oficial, eu acho que seria o correto, eu acho
até que eu vou sugerir isso nas próximas reuniões, ler a lei mesmo, ler a lei e refletir sobre a lei.
Eu acho que é mais importante a gente debater isso, e também jogar na nossa realidade, quer
dizer, fazer um paralelo, a gente pode ir debatendo isso e realidade, debatendo isso e
realidade e ver ... porque muitos professores não sabem o que é a LDB. É incrível isso. Eu, por
exemplo, sou um que não sei o que é a LDB direito. Até mesmo para a gente não engolir mais
sapo como a gente tem engolido muitas vezes.
Você fala em autonomia da escola mas o profissional não tem autonomia e quando o
profissional não tem autonomia na escola é porque, ... a autonomia que eu estou dizendo não é
a liberdade de se fazer o que quer, é a liberdade dirigida. A liberdade responsável. Hoje, o
profissional não tem direito em opinar.
Você falou da questão do dinheiro, da verba; a gente não sabe de verba, muito pouco.
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Cláudia Araujo dos Santos A AUTONOMIA DA ESCOLA: A VISÃO