Memorial da Resistência de São Paulo
PROGRAMA
LUGARES DA MEMÓRIA
RUA MARIA ANTONIA
A Rua Maria Antonia foi um espaço de mobilização estudantil nos anos 1960.
Cravado no centro da cidade, em que estava simbolicamente inscrita uma das
palavras de ordem de 1968: “Sejamos realistas, peçamos o impossível”.
1.
Introdução
A Rua Maria Antonia é uma referência à Dona Maria
Antônia da Silva Ramos (1815 - 1902), senhora da
sociedade paulistana e, filha do senador do Império
João da Silva Machado, o Barão de Antonina. Uma
parte desta chácara foi vendida ao reverendo
Chamberlain, em 1874, área que futuramente viria a
ser o campus da Universidade Mackenzie, sendo
homenageada com o edifício de número 47: o
Edifício Baronesa Maria Antônia.
Na década de 1950 o bairro da Vila Buarque
começou a receber uma grande quantidade de
investimentos imobiliários que levaram à demolição
de grande parte dos antigos casarões que o
caracterizavam. Período este, que estudantes de duas
universidades passaram a dividir a mesma rua: a
Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo.
A Universidade Presbiteriana Mackenzie localizada
entre a Rua Maria Antônia e a Rua Itambé desde
1870, é uma instituição regida pela fé cristã
evangélica prebisteriana, que começou suas
atividades com um casal de missionários, George
Chamberlain e Mary Chamberlain. Gettúlio Vargas,
em 1952, por meio de um decreto o Mackenzie passa
a ser reconhecido como uma universidade.
Do outro lado da Rua Maria Antonia estava a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade e São Paulo. Fundada em 1934, foi
transferida para o prédio somente a partir do ano de
1949, onde lecionaram e estudaram muitas das
principais personalidades brasileiras em vários
campos da política, da cultura e da ciência.
Além das duas universidade nos arredores, havia
Uma rua na contramão. Vindo da Consolação, o
prédio da Faculdade de Filosofia ficava do lado
direito da rua. Do esquerdo estava uma das alas da
Universidade Mackenzie. Situação Topográfica
oposta nessa perspectiva, à posição político-cultural
das duas instituições.
João Quartim de Moraes.
outras faculdades se espalhavam pelo quarteirão, a
Faculdade de Economia e Administração na Rua Dr.
Vila Nova; A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(FAU) na Rua Maranhão; a Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), a Santa
Casa, na Cesário Mota Júnior; A Faculdade de
Medicina, na Dr. Arnaldo; além da Faculdade de
Direito do Largo São Francisco. Isso sem citar os
colégios de ensino regular que circundavam as
Faculdades.
ações simultâneas demonstram o crescimento da
preocupação com a educação. Já em 1927 nasce a
Universidade de Minas Gerais.
Nesse sentido, na rua havia uma grande
concentração de estudantes que se reuniam naquele
local para discussões políticas, etílicas, além desse
período ser marcado intensa produção cultural. Este
espaço
era
chamado
pelos
estudantes
carinhosamente de “Maria Antonia”, que se estendia
para os bares, livrarias e as próprias faculdades.
No Governo Getúlio Vargas, em 1931 foi instituído
o Estatuto das Universidades Brasileiras, que
centralizava a educação superior. Nesse sentido,
havia uma proposta de que as Faculdades de
Filosofia, Ciências e Letras fossem o centro das
Universidades, onde os intelectuais se debruçariam e
proporiam soluções para os problemas nacionais.
Mas para aprofundarmos a análise desse espaço, que
foi um dos epicentros da resistência política e
cultural dos estudantes, precisamos entender
profundamente o histórico da universidade no Brasil
e, os embates que o movimento estudantil e a
juventude travaram naquele período.
Com isso, o projeto da USP, gestado desde os anos
20, concebia a Universidade de São Paulo tendo
como núcleo uma Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, que deveria ser o lugar da “produção do
universal”. Visando a formação das elites dirigentes,
deveriam expressar o “saber desinteressado”, a partir
do qual teriam a visão integrada da totalidade da
sociedade.
A Universidade brasileirai
No Brasil, a Coroa Portuguesa restringiu o ensino
superior a uma série de colégios superiores dirigidos
por jesuítas. Somente com a vinda da Família Real,
1808, que foi estruturado um ensino superior (como
as Academias de Direito de Olinda e São Paulo), mas
apenas “para fins utilitáriosii”. Segundo Florestan
Fernandes, “a sociedade escravista não precisava mais do
que isso [escola superior isolada], pois a função maior que a
escola superior devia atender consistia em servir de elo entre o
desenvolvimento interior da civilização e o fluxo do saber
importado de fora pronto e acabadoiii”. Maria Ligia Coelho
Prado cita algumas justificativas dadas na época pelos
estudiosos para a inexistência de universidades no
país até o início do século XX – para Anísio Teixeira,
se deve pela relação estabelecida entre a universidade
e o sistema colonial, de inspiração positivista.
No ano de 1920 foi criada a primeira universidade do
país, a Universidade do Rio de Janeiro, pela junção
de três institutos de formação superior (Medicina,
Direito e Engenharia). No início do século XX, na
década de 1910, a ideologia positivista perde seu
espaço e, com isso, a questão da educação foi
ganhando mais evidência (na perspectiva liberal, “a
educação é a melhor maneira de formar e, ao mesmo tempo,
disciplinar o cidadãoiv”). Em 1926, foi fundada no Rio a
Associação Brasileira de Educação (ABE) e em São
Paulo, o jornal O Estado de São Paulo realiza um
inquérito sobre o ensino secundário – essas duas
Para Fernando de Azevedo, um dos pensadores do
ensino universitário, a elite intelectual deveria ser
educada antes das massas, “pois cabia às primeiras a
educação das segundas (...); da universidade, idéias e verdades
se disseminariam e se irradiariam, transformando-se em
correntes de opinião de toda a sociedadev”.
Segundo Antonio Candido, nos primeiros anos o
posicionamento da Faculdade era de uma atitude
neutra e um olhar relativamente comtemplativo. Já
no fim da década de 1950 começou a fermentar um
empenho da faculdade em mobilizar-se para
participar dos problemas do contexto socio-cultural
vivido.
Movimento Estudantil e a década de 1960
Maria Paula Araújo em Memórias Estudantis – da
fundação da UNE até os nossos dias traz um panorama
da década de 60, que acabou ficando marcada como
um período de florescimento do movimento
estudantil, e acabou promovendo uma importante
revolução comportamental, que afetou jovens do
mundo todo. Essa década alcançou seu auge no ano
de 1968, quando em diversos países do mundo, de
culturas políticas distintas e por motivos variados, os
jovens realizaram manifestações de caráter político e
cultural contra a ordem vigente.
O movimento mais importante deles foi o mês de
maio de 1968 na França, que consistiu em uma greve
geral dos estudantes da Sorbonne, a universidade
mais tradicional de Paris, que gerou um violento
choque com a polícia, além de tomar proporções
nacionais e mundiais. Liderados por Daniel CohnBendit, as correntes ideológicas seguidas pela maior
parte dos estudantes eram a maoísta e a trotskista,
mais à esquerda do Partido Comunista Francês e
desaprovados por este. Apesar de não ter alcançado
seus objetivos e, na conclusão, ter gerado a vitória
dos partidos conservadores nas eleições, o Maio de
68 se tornou um símbolo emblemático do
movimento estudantil em todo o mundo e da
repercussão que ele poderia ter.
A autora destaca a importância das lideranças
esquerdistas desses movimentos, que assumiam
posições mais radicais que os Partidos Comunistas
(PCs) de seus países. Além disso, é o período em que
intelectuais e militantes passam a questionar os
caminhos tomados pela URSS e passam a elaborar
críticas contundentes ao Governo de Stalin e os
caminhos da Revolução de 1917. Sendo assim, esses
jovens acusando os PCs de conservadores e
criticando o imobilismo de suas ações, grande parte
dos militantes rompe ou acabam expulsos do Partido
e passam a buscar novas formas de organização. Nas
palavras da autora, “junto com essa liderança surgia
também um movimento estudantil mais radical, desejoso de
passar para a açãovi”.
Boa parte dessa radicalidade pode ser justificada pela
influência das revoluções de caráter comunista, como
a Revolução Cubana (1959), a Revolução Chinesa
(1949) e a Cultural (1966) e as guerras anticolonialistas da Argélia e do Vietnã. Seus ídolos eram
Che Guevara, Mao Tsé-tung e Ho Chi Minh.
Além da postura política, a década de 60 determinou
um período de revolução dos valores, quando a
“as causas revolucionárias que dividiram a sociedade
global racharam a universidades em várias partes,
soltando o que estava simplesmente justaposto e
fazendo explodir pelos ares um barril de pólvora que
alcançara a combustão inevitável”.
Florestan Fernades.
juventude passou a ter um olhar mais crítico em
relação à sociedade. Surgem movimentos a favor das
minorias, como os Panteras Negras (nos Estados
Unidos) e o feminismo. Além disso, o movimento
hippie, nascido na Universidade de Berkeley, que
negava a sociedade de consumo e pregava a paz
(contra a guerra do Vietnã) e o amor (em prol do
amor livre). Esse movimento ditou a moda e o
comportamento de toda uma geração. A
popularização da pílula anticoncepcional abriu a
possibilidade para a liberdade sexual feminina e uma
discussão mais aprofundada sobre o machismo e a
inserção das mulheres nessa sociedade.
Nos quatro cantos do mundo a década de 60
determinou um período de revolução e na América
Latina não seria diferente.
Ou seja, paulatinamente após a instauração dos
regimes autoritários na América Latina, em especial,
se torna impossível permanecer neutro. Os
estudantes revolucionários ou reformistas se
posicionam contra a ditadura e acreditam que a volta
ao sistema democrático é possível, mesmo que seja
pelo uso da força. Já os jovens mais conservadores se
colocaram ao lado do governo, assumindo um
posicionamento anti-revolucionário. Essa realidade
pode ser estendida para outros países latinoamericanos que viveram sob um governo ditatorial
ou autoritário nesse período. A juventude se viu
impelida a tomar um partido e a se definir
politicamente. Nesse cenário, a militância passa a ser
vista como uma opção atraente, tanto para a
esquerda quanto para a direita (como no caso do
CCC no Brasil).
A militância partidária, especialmente de ideologias
de esquerda, foi muito praticada pelos estudantes
universitários na década de 1960 e 1970. No Brasil, a
declaração do AI-5 mina as ações do movimento
estudantil e, com isso, muitos jovens, que antes
participavam do movimento, entraram para grupos
guerrilheiros urbanos e partiram para a
clandestinidade.
Para muitos homens e mulheres da década de 60,
militância e a revolução se tornaram uma forma de
pertencer e agir no mundo. O compromisso, a
adesão a uma causa, medida por motivações
pessoais, mas também por ideologias, místicas,
utopias, nas quais conflui o individual e do coletivovii.
Com isso, os militantes viam maior importância nas
questões políticas e sociais do que em si mesmo. A
entrada para a militância, muitas vezes, exigia a
renuncia do “eu” e do individualismo, além do
perigo constante das prisões, torturas e assassinatos.
Movimento Estudantil no Brasil
Durante os primeiros quatro anos da ditadura militar,
até dezembro de 1968, o movimento estudantil,
encontrou espaço para respirar, ao contrário do
movimento sindical que foi brutalmente reprimido.
Entretanto, durante esse período a ditadura buscou
mecanismos que freassem o Movimento,
empurrando-o para a clandestinidade e enfrentandoo com violência.
Com isso, na década de 60 passa a se refletir sobre os
rumos das universidades no país, e como ela poderia
ser melhorada. Segunda Laura da Veiga, as
discussões se centraram em três questões centrais:
autonomia universitária, a estrutura organizacional e
o conteúdo do ensino. Diversas propostas de
reforma universitária foram apresentadas, entre elas a
de Darcy Ribeiro, que gerou a criação da
Universidade de Brasília, a UnB, que era altamente
politizada. Esse projeto era uma junção do modelo
europeu com o norte-americano. A proposta
estudantil era mais radical e propunha “a extinção das
cátedras, a organização do ensino e pesquisa em torno dos
departamentos, a modificação do vestibular, alteração e
planejamento rigoroso da aplicação do orçamento, e a
representação [estudantil] de 1/3 nos órgãos colegiadosviii”.
Entretanto, com o golpe militar de 1964, o projeto
adotado para a reforma foi imposto e se adequava a
ideologia do novo governo. Com a instauração da
ditadura, a repressão, especialmente direcionada aos
órgãos estudantis, aumentou e a construção de um
diálogo foi abolida.
Uma série de leis alterou a cara do movimento
estudantil e da Universidade brasileira. Já em 1964, o
Decreto-Lei 4.464 (9/11/64), conhecido como a Lei
Suplicy, batizada em homenagem ao Ministro da
Educação Flávio Suplicy Larceda determina que
qualquer atividade política estava proibida e define
pré-requisitos para a representação estudantil. Esse
mesmo decreto substitui a UNE (União Nacional
dos Estudantes) pelo DNE (Diretório Nacional dos
Estudantes). A lei, essencialmente visava inibir a
liberdade organização livre dos estudantes, fazendo
com que as instâncias de representação estudantil
tivessem que se submeter ao Ministério da Educação.
Levando a UNE a agir na ilegalidade e atrelando o
movimento estudantil à órgãos do Estado. Sendo
assim, foi implantado: o Decreto-Lei 228 (2/2/67)
extinguia as entidades estudantis, em nível federal e
estadual; e o Decreto-Lei 477 (26/2/69), já após o
AI-5, determina uma posição mais repressiva, ao
proibir qualquer membro de Universidade de se
envolver em atividade antigoverno e estabelece
punições pesadas para os que desobedeciam as leisix.
A atividade estudantil contra a ditadura ganha corpo
em 1966, quando um confronto entre a polícia do
Rio e estudantes assume um caráter violento, e fica
conhecido como o Massacre da Praia Vermelha.
Assim como em outros países que formaram o
movimento estudantil de 1968, ocorreram “rachas”
no Partido Comunista Brasileiro (PCB), desde o
início da década de 60, gerando uma radicalização da
esquerda no país. Dois desses grupos foram muito
importantes para o movimento estudantil, a Ação
Popular (AP) e a Dissidência Comunista da
Guanabara (DC-GB, futuro MR-8), que disputavam
sua liderança. Muitos líderes do Movimento
militavam para esses grupos e compartiam de suas
ideologias.
O Movimento se tornou mais popular ao longo dos
anos de 1966 e 1967, até alcançar a força que teria
em 1968. Foi de fundamental importância o papel
que UME assume no Rio de Janeiro, que, ao enfocar
os interesses mais particulares dos universitários,
ganhou maior amplitude, pois “o movimento teve a
capacidade de articular reivindicações políticas gerais com um
programa que os estudantes passaram a compreenderx”.
Entretanto, aponta Araújo, que o movimento
estudantil não ganhou as mesmas proporções nem o
mesmo semblante em todo o país. Cidades como Rio
de Janeiro e São Paulo apresentaram um movimento
mais bem estruturado, enquanto em Belo Horizonte,
por exemplo, o movimento “se esvaziou
tremendamentexi”, pois não conseguiu sair do
discurso estritamente político.
“o choque da PM foi enviado ao restaurante para
impedir uma manifestação de protesto contra a
guerra do Vietnã e que os policiais foram
surpreendidos por um individuo que estava
infiltrado entre os estudantes”.
Estudante Morto em Choque no Rio. Folha de São
Paulo. 29 de março de 1968
O primeiro incidente brasileiro a sensibilizar a
opinião pública para o movimento estudantil foi a
morte de Edson Luís de Lima Souto (1950 – 1968).
Neste dia, cerca de 300 jovens estavam no
Restaurante Central dos Estudantes, no centro da
Guanabara e os fregueses decidem iniciar uma
„passeata-relâmpago‟ de protesto pela qualidade e o
preço da refeição e pelas más condições de higiene
do estabelecimento que faziam jus ao seu apelido:
Calabouço. No meio da tarde, soldados da Policia
Militar (PM) invadiram o recinto e entraram em
embate corporal com os estudantes.
Na tentativa de fuga, muitos estudantes foram
perseguidos pelas tropas policiais, seis acabaram
feridos e, o secundarista de 18 anos, Edson Luís de
Lima Souto, foi atingido com um tiro no peito. O
corpo do estudante é levado por seus colegas a Santa
Casa da Misericórdia, porém, não conseguiram salválo.
O corpo de Edson Luís foi transferido para a
Assembleia Legislativa pelos próprios estudantes,
impedindo assim que a PM de a ele “outro destino”,
sua necropsia foi feita na própria Assembleia, após
demoradas negociações, na presença do secretário de
Saúde do Estado. Juntamente com ele, é também
levado um dos feridos, Benedito Frazão Dutra,
atingido no supercílio e inconsciente, dado como
morto. Enquanto estavam sendo velados no saguão
do prédio, o colega de sala de Edson desperta e,
sentado na lápide improvisada começa a dizer frases
desconexas. A Ressurreição do rapaz causara um
tremendo alvoroço entre os presentes.
O enterro do secundarista é realizado no dia 29 de
março e acompanhado por cerca de 50 mil pessoas
em passeata até o Cemitério São João Batista, no Rio
de Janeiro. Em todo o país acontecem manifestações
protestando contra a morte de Edson Luís e,
obviamente, tais protestos foram violentamente
reprimidos. Sua missa de sétimo dia ocorreu no dia 4
de abril de 1968, na Igreja da Candelária. Na saída da
missa, os presentes foram reprimidos pela Polícia
Militar. A morte do estudante comoveu todo o país.
O estudante paraense, que havia chegado no Rio
para tentar concluir o segundo grau, se transformou
em uma espécie de mártir da resistência a ditaduraxii.
A morte de Edson Luís de Lima Souto foi apenas o
primeiro passo para que a participação popular na
luta de rua em todo o país se ampliasse e se
revoltasse em virtude da violência e repressão vindas
da polícia.
Com isso, o ponto máximo da mobilização estudantil
foi a passeata dos cem mil, uma manifestação
pacífica que contou com amplo apoio da população
carioca. Entretanto, para a autora, “a partir daí o
movimento perdeu o fôlego e o regime começou a recuperar sua
iniciativa políticaxiii”.
- A Reforma Universitária de 1968 Esse foi o maior golpe implantado pela Ditadura, o
Acordo MEC-USAID (Ministério da Educação e
Cultura-United States Agency Internarional for
Development). O convênio entre os dois países
tinha como principal objetivo implantar o modelo
norte-americano nas universidades brasileiras, ao
passo que nossa tradição de ensino era européia. A
intenção era formar quadros técnicos alinhados ao
projeto econômico brasileiro e as políticas
americanas. Assessores dos Estados Unidos foram
contratados para conduzir a substituição do
humanismo europeu pela profissionalização do
modelo americano, que no limite, havia um processo
claro de privatização do ensino brasileiro.
Os anos de 1967 e 1968 marcaram a busca da
recuperação de espaço político pelas forças que
lutavam contra o regime ditatorial, tendo o
movimento pela Reforma Universitária bastante
destaque. A Universidade enfrentava ameaças como
a submissão a uma tutela exterior cega e inflexível, o
radicalismo intelectual era focalizado como um mal
em si mesmo e como perigo à sociedade e, por
último, os professores enfrentavam o fortalecimento
da tentativa de excluir o jovem do fluxo de
reconstrução da sociedade.
Com esse acordo MEC-USAID criaram impasses
para o desenvolvimento do movimento estudantil
brasileiro, que esteve amordaçado por muitos anos.
Neste sentido a Rua Maria Antônia teve um papel
crucial na vida destes estudantes.
Maria Antonia como espaço de resistência
de Educação de Base), o MCP (Movimento de
Cultura Popular), alfabetização de adultos método
Paulo Freire.
Essa articulação orgânica com a sociedade, o que é
antes de qualquer coisa era uma realidade concreta,
de proximidade física, se traduzia numa participação
dos estudantes em movimentos que se articularam
com o povo.
Este espaço adquiria uma
A Rua Maria Antonia foi
personalidade
própria,
um centro de grande
contaminada
pela
agitação política e cultural.
“A Maria Antonia se tornou um dos centros de
efervescência que tomava
Na rua se estabeleceu
uma mentalidade renovada, que a ligou em
conta da faculdade, da
uma
trincheira
de
profundidade a outros grupos sociais. À noite,
participação ativa dos
resistência à ditadura, em
sobretudo, dava a impressão de ser quartel-general
professores, que cedo
que se configurava de
que enquadrava a convivência inquieta de jovens da
haviam constituído no
certa maneira o lugar da
casa e de fora, estes atraídos pela sua capacidade de
Brasil a primeira escola
cumplicidade dos que
aglutinar, e enchendo calçadas e os bares vizinhos
sociológica marxista, sob a
questionavam a ordem
com debates sem fim. Por isso mesmo, quando veio
iniciativa e orientação do
burguesa. Era o palco
o gole militar de 1964, ela foi imediatamente
professor
Florestan
onde
se
ensaiavam
invadida, depredada, com alunos e professores
Fernandes.
atitudes
e
detidos, inquéritos abertos num vasto movimento de
comportamentos
que
A Maria Antônia tornaraintimidação e repressão”.
deveriam concretizar a
se um espaço estratégico
Antonio
Candido.
Maria
Antonia:
uma
rua
na
recusa
da
ordem
do movimento estudantil
contramão
estabelecida. E acima de
brasileiro,
formando
tudo havia o exagero, a
lideranças paulistas que,
afetação, pairava como
ainda que não fossem
algo
importante essa
estudantes da Faculdade,
modalidade de contestação derivava de ideias que
costumavam, pelo menos, frequentá-la, às vezes com
visavam à transformação da sociedade. Cada um
maior assiduidade do que alguns alunos.
julgava que a participação política na transformação
A instituição se prolongava, física e espiritualmente,
do mundo exigia viver concretamente os valores que
“na trindade etílica” constituída pelo Cientísta, pelo Bar
propunha, a consciência crítica somente seria real se
do Meio e pelo Bar do Zé, angulando ainda para a
fosse vital.
parte do edifício que avizinhava, na Dr. Vila Nova,
A universidade era um meio de existir, uma razão de
com o Bar sem Nome. Essa contiguidade apenas
ser e de pensar, que servia de catalisador de toda uma
simbólica definia uma continuidade real e intrínseca,
fermentação ideológica e social, em que
característica da vida universitária.
“conscientização” e “participação” eram as palavras
A Maria Antonia foi uma trincheira de resistência à
de ordem. Faculdade de Filosofia servia de
ditadura. Segundo Frei Beto, essa resistência se fez
catalisador de toda uma fermentação ideológica e
em três etapas: primeiro, de crítica acadêmica ao
social, em que “conscientização” e “participação”
novo modelo político e econômico imposto pela
eram as palavras de ordem.
ditadura. Numa segunda do enfrentamento para se
Naquela atmosfera desenvolviam-se projetos que
evitar a reforma proposta pelo MEC-USAID. Essa
integravam estudo-arte-povo: os CPCs (Centro
reivindicação se materializou em mobilizações de rua
Populares de Cultura) da UNE, o MEB (Movimento
e confronto com as forças repressivas: passeatas e
incêndio de viaturas. Numa terceira, já não mais a
contestação ao regime, mas a própria natureza do
sistema capitalista, correspondendo à passagem de
muitos estudantes à clandestinidade e a sua inserção
em movimentos de guerrilha.
Em reivindicação contra os acordos MEC-USAID,
os estudantes reivindicavam antes de tudo, a abertura
de vagas, a ampliação co corpo docente, o aumento
de verbas, recursos e recursos para educação, além
de criar cursos básicos para integração de toda
universidade. No limite, as reivindicações pretendiam
acabar com a tirania do sistema de cátedras e
visavam instaurar os departamentos com seus
colegiados. Marilena Chauí aponta que se lutava
contra uma universidade elitista e de classe. O que
se visava era uma Universidade Crítica, Livre. E, a
partir de junho de 1968, os estudantes passam a
ocupar o prédio da Faculdade de Filosofia, e nesse
espaço se discutia apaixonadamente se discute dia e
noite, a universidade que se tinha e a universidade
que era almejada.
Rafael Rosa Hagemeyer, esta rua era “vista como uma
verdadeira entidade dotada de espírito, a Maria Antônia
tinha um coração, um centro de circulação de todo o movimento
- e, portanto, centro de difusão imagética. Esse centro era o
saguão central, donde partiam duas grandes escadarias para as
Outubro de 1968. Domingo dia 3. Fervilha a
Universidade Crítica: seminários, mesas,
mesas-rendodas, conferências, grupos de
trabalho analisam os caminhos abertos pela
guerrilha, inventam-se codinomes em segredo
passa-se o “ponto”. Isolada por guarnições
militares que ocupam suas duas pontas, a
Maria Antonia está inundada de sol e pelos
acordes da Internacional. Será a luta final.
Mas não aquela que libertaria os filhos da
terra.
Marilena Chauí. Maria Antonia: Uma rua na contramão
salas de aula. No vão da escadaria, naqueles dias de
ocupação, pendia um enorme pano vertical, trazendo em
vermelho o desenho de um homem armado de uma baioneta e
a frase: „A UNE luta, o povo luta‟. (...). Entre os vizinhos
da Maria Antônia, eram os donos dos bares os que pareciam
mais satisfeitos com a ocupação, pois garantia o movimento
comercial num período considerado normalmente fraco como o
das férias de julho. Lá os estudantes bebiam, discutiam e
cantavam principalmente sambas antigos „ou de Chico
Buarque‟, o que para os padrões estéticos, de acordo com a
produção musical do autor deste período, eram sambas que
soavam também bastante antigosxiv”
Batalha da Maria Antônia
A rua Maria Antonia foi um centro de grande
agitação política e cultural, por conta de sua
localização que haviam duas Universidades de
posições opostas em relação ao Regime que se
instalara em 1964. De um lado o Mackenzie traduziu
muito bem a posição da fina flor da burguesia que
começava a desfrutar do “milagre” econômico da
ditadura e tinha o reduto ideológico de formação de
seus melhores quadros, tendo apoio do aparelho
repressivo. Do outro a extinta Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São
Paulo, onde borbulha o espírito revolucionário da
época, escapando daquilo que no fundo sempre fora
a tradição brasileira, de escolas estanques e poderosas
(Direito, Medicina, Politécnica), na Maria Antonia
acontecia uma universidade. O histórico de
desentendimentos e provocações entre a Faculdade
de Filosofia e a Universidade Mackenzie é longo,
mais se intensificaram com o Golpe de 1964. No
mesmo ano o CCC passou a se sentir fortalecido
com essa mudança e invadiu a Faculdade de Filosofia
quebrando vidraças, móveis e espancando
estudantes. Em 1966, quando Luís Travassos foi
eleito da UEE (extinta na época) repetiu-se a invasão
e foi destruída uma urna de votação. Quando José
Dirceu assumiu a presidência da UEE também
houve brigas.
Sendo assim, a vivência das duas universidades eram
mundos completamente distintos, separados por
uma única linha, a Rua Maria Antônia. Em outubro
de 1968, esta linha foi rompida, conflito conhecido
como “Batalha da Maria Antônia”.
A discussão que se fazia no ano de 1968 aludia sobre
o futuro do movimento estudantil. Em outubro,
algumas semanas antes do XXX Congresso da UNE
(União Nacional dos Estudantes), os estudantes da
USP realizavam na rua, um pedágio para arrecadar
fundos para a entidade. Alguns estudantes de faixa
etária entre 15 e 16 anos pediam dinheiro para o
congresso que, supostamente, teria de ser
clandestino. Em meio ao pedágio, os secundaristas
pararam o carro de alguns estudantes do Mackenzie,
estes reagiram com muita indignação. Houve aqueles
que ameaçaram descer do carro e partir para briga.
Começaram os insultos e as agressões verbais, eis
que então aparece o ovo, “estourou na cabeça de uma
estudante (da filosofia). Depois vieram outras explosões, de
coquetéis Molotov, bombas, rojões, mais tiros de revólver, para
transformar um pedaço da Rua Maria Antônia, no centro de
São Paulo, num campo de batalha”.
Os estudantes da USP possuíam o apoio das
organizações de esquerda (principalmente da ALN) e
os estudantes do Mackenzie recebiam o apoio das
organizações de direita (principalmente o CCC). A
direita contava com um arsenal maior de armas e
munição, optando inclusive por ácidos e armas de
fogo. Entretanto, com o avanço dos estudantes da
filosofia para os portões da universidade rival, a
reitora do Mackenzie, Esther de Figueiredo Ferraz,
em contato com o governador Abreu Sodré, sentiu
necessidade de solicitar a presença da polícia. Nesse
telefonema, ela dizia que a universidade estava
prestes a ser invadida e que o patrimônio seria
depredado. Imediatamente um contingente com mais
de cem homens da Guarda Civil dirigiu-se à Maria
Antônia, munidos de todo o aparato repressivo
(cassetetes, bombas de efeito moral, máscaras de gás,
gás lacrimogêneo, entre outros). Todavia, o objetivo
da Guarda parecia não ser o de apartar uma briga de
estudantes, mas sim proteger o patrimônio do
Mackenzie, e para isso centenas de homens da
guarda entram na universidade e perfilam-se por toda
sua extensão, posicionando-se em cima dos muros,
perto dos portões e por todo o pátio. Aos poucos, os
estudantes de esquerda sentiram-se obrigados a
recuar. Não havia como enfrentar o CCC e a polícia
de uma só vez e, além disso, foi um momento
oportuno para que os estudantes apagassem o fogo
que se alastrava pelo prédio da USP, provocado por
bombas incendiárias vindas do Mackenzie.
Como resultado, a batalha entre as universidades
terminou com um grande numero de feridos e um
estudante morto: seu nome era José Guimarães(4 de
julho de 1948 – 3 de outubro de 1968), era um
estudante secundarista do Colégio Maria Cintra (que
anteriormente havia estudado no Colégio
Mackenzie), foi morto por um membro do CCC e
alcaguete policial do Deops de nome Osni Ricardo.
José Dirceu procurou conferir significado àquela
morte. Da janela de um prédio da Rua Maria
Antônia, tomando a camisa ensanguentada do
colega, ele discursava: ‟Jorge, o rapaz morto, é um
segundo Édson Luís. Vamos às ruas!xv‟.
Convocando os estudantes, a sair da Maria Antônia e
ganhar às ruas da cidade em uma manifestação com
caixões vazios, velas e uma bandeira negra, partindo
da Praça da República às 5 horas da tarde. Não foi
uma decisão aceita por todos, pois sair de lá seria
entregar a vitória ao CCC. Após muita discussão,
muitos ficaram, porém não havia mais como salvar o
ilustre prédio da Maria Antônia e o orgulho da
Não é o caso de avaliar o que se perdeu. Nada
seria mais terrível do que as gerações repetiremse umas às outras. Mas há que se constar
também que tudo isso que tentamos descrever e
compreender não se acabou naturalmente, no
ritmo dissolvente do tempo. Houve a ação
violenta daqueles que usurparam lugares na
história, o que nos impele de lembrar a Maria
Antonia com a tranquilidade com que se
concede, na memória, um lugar àquilo que
passou. Pelo contrário, aqui a memória sofre o
desconforto da incompletude, como se lembrar
fosse presentificar a ausência, procurar o vazio
ou contemplar uma morte prematura. Assim,
na impossibilidade de antecipar realidades,
nada mais seria mais odioso, em relação à
experiência da Maria Antonia procurar
extrair ensinamentos ou avaliar resultados.
Resta apenas a memória retorcida ante o
inconclusivo e o sentimento – como estranho
afeto suspenso no ar – da perda do irrealizado.
Franklin Leopoldo. Maria Antonia: Uma rua na
contramão
esquerda estudantil. Os estudantes que seguiram José
Dirceu, na presença da polícia em suas manifestações
no centro da cidade, tombaram uma viatura da
polícia e a queimaram, enquanto os policiais fugiam.
Não foi a primeira invasão do CCC à Faculdade de
Filosofia. Foi o primeiro enfrentamentos efetivos
entre um grupo paramilitar, apoiado pela polícia,
com a esquerda que discutia entre seus muros suas
dificuldades e semelhanças. No fim da famosa
batalha, a Rua Maria Antônia se transformou
completamente.
O antigo prédio, totalmente devastado, só voltou a
ser ocupado muitos anos depois. Em 1985, o edifício
principal foi tombado pelo Condephaat (Conselho
de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico) por sua importância histórica, e
atualmente ele é o Centro Cultural Maria Antônia.
Apesar desse ter sido um confronto importante, o
acontecimento mais marcante desse ano para o
movimento estudantil tenha sido o XXX Congresso
da UNE, realizado em outubro em Ibiúna, interior
de São Paulo, que decidiria a próxima liderança da
organização “clandestina”. Logo em seus primeiros
dias, o local foi descoberto pela polícia e todos seus
participantes foram presos – incluindo praticamente
toda a liderança estudantil do país. Essas prisões
fizeram com que o movimento perdesse força e se
dispersasse.
Para concluir esse ano de efervescência política, o
Ato Institucional n° 5 (conhecido por AI-5) foi
decretado em dezembro, que autorizava o governo a
adotar medidas de exceção, como colocar o
Congresso Nacional em recesso e legislar em seu
lugar e a suspensão temporária dos direitos e
garantias fundamentais. Durante os anos em que o
AI-5 vigorou, a ditadura militar brasileira viveu seus
anos mais repressivos.
Até o ano 1969 diversas leis que diziam respeito às
universidades foram aprovadas – elas restringiram as
ações do movimento estudantil e reestruturaram o
ensino superior. Alguns itens da proposta dos
estudantes foram atendidos, como a definição dos
departamentos como unidade básica de ensino e
pesquisa (Decreto-Lei 252 de 67), a extinção das
cátedras e a alteração do vestibular (Decreto-Lei
5.540 de 68). Tentou-se despolitizar o ambiente
universitário, proibindo atividades políticas (DecretoLei 4.464 de 64) e a participação de um membro da
comunidade universitária em ações antigoverno
(Decreto-Lei 477 de 69)xvi.
Portanto, a reforma universitária de 69, buscou-se
unir três fontes de inspiração. A primeira delas
retomava questões da época da criação da USP –
nesta perspectiva, “a verdadeira Universidade deveria ser
capaz de pesquisar e ensinarxvii”. Sua inspiração vinha da
UnB, excetuando as propostas de democracia e
participações internas. A segunda foi inspirada no
Relatório Meira Matos, de 1967. Esse relatório
apresentava a preocupação com a segurança nacional
e demonstrava uma mentalidade repressivaxviii. A
terceira fonte foi um acordo entre a UNAID (Agency
for International Development dos Estados Unidos) e o
MEC, que estabeleceria um relatório com uma
avaliação das Universidades brasileiras e com
propostas de aprimoramento. Eles estabelecem
soluções inspiradas no modelo universitário norteamericano, que são aplicados aqui, como o curso
semestral, o campus universitário e a extinção da
cátedra.
Além disso, muitos professores foram aposentados
compulsoriamente por decreto, em especial
professores da Universidade de São Paulo, como foi
o caso de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Singer,
XXX Congresso da UNE
“Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado clandestinamente num sitio, em Ibiúna, no Sul do
Estado, foram presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS” (Folha de São Paulo, 13/10/68, p.16,
“CONGRESSO DA UNE: TODOS PRESOS”).
O XXX Congresso da UNE é realizado no dia 12 de Outubro de 1968, em um sítio do Bairro dos Alves, a uns vinte
quilômetros do centro de Ibiúna pela estrada de São Sebastião.
O local é invadido por agentes do DOPS, que prenderam os participantes, entre os quais, estavam Vladimir Palmeira,
José Dirceu e Franklin Martins. Os mais de 700 estudantes foram levados para o Presídio Tiradentes.
etc.
Entretanto, a política nacionalista assumida pelo
militares pôde ser aproveitada na Universidade,
buscou-se aprimorar certos pontos do ensino
superior, apesar da forte repressão, como com a
criação de cursos de pós-graduação e da carreira de
pesquisador. Como conseqüência dessa mentalidade,
após os 21 anos de ditadura militar, a Universidade
brasileira não teve dificuldades de se reerguer.
Cidade Universitária
Os anseios do Regime estava em excluir do centro da
cidade, a Faculdade, e como era um plano antigo, ela
foi paulatinamente sendo transferida para a Cidade
universitária. O sonho de uma „cidade universitária‟
espontânea morreu. Na Maria Antonia acontecia
uma universidade. Ela tinha uma escala humana,
quando a não compartimentação geográfica entre os
diferentes cursos metaforizava a convivência
intelectual.
A Universidade de São Paulo, a partir desse
momento apressou sua mudança para a Cidade
Universitária, no Butantã, onde permanece até os
dias atuais
Marilena Chauí, consegue em seu depoimento
colocar em palavras o que significou organicamente a
mudança da Universidade para o isolamento da
Cidade Universitária. Entre uma escola e outra, terrenos
vagos onde o olhar poderia encontrar repouso, se fizessem
paisagem em vez de desolação. Avenidas que desembocam em
praças circulares, curva atrás de curva. “Me disseram que é
para os automóveis que poderão ser alcançados em caso de
subversão e fuga”. O isolamento é a regra. Cada unidade
centrada em si mesma, nada sabe do que vai pelas outras. Sem
a bela recolhida quietude do claustro, sem o vívido burburinho
da cidade, uma favela habitada por pequenos funcionários,
num extremo a Escola de Polícia, na entrada, agora cercada
de grades e portões, ergue-se o campus universitário. Nele não
há relação com o mundo circundante. Apressadas as pessoas o
atravessam rumo ao trabalho, uma divindade taylorista tendo
tomado todas as precauções para que reine o ritmo de uma
empresa”.
Sobre o silêncio e o medo, entre 1969 e 1984, erguese a universidade modernizada, onde se fará dos
conselhos departamentais e interdepartamentais, das
congregações, das comissões, do Conselho
Universitário, da administração, uma intricada rede
de poder burocrático fortemente centralizado, em
nome da eficiência, modernização, flexibilidade
administrativa e formação de recursos humanos de
alto nível para o desenvolvimento do país.
Entretanto os estudantes buscavam e paulatinamente
foram encontrando novas formas de organização
dentro da Universidade para tentar, nos seus limites,
se contrapor contra o regime ditatorial.
A memória de luta na Maria Antonia, no entanto, é
perpetuada em cada ato de autoritarismo que
Atuem, exagerem, sejam justos e injustos.
Aproximem a faculdade da realidade social. Essa é
uma luta constante, para transformar a sociedade.”
Antonio Candido. Ato Público contra a Polícia
Militar na Cidade Universitária em 2009.
acontece na Universidade. A memória de uma
universidade orgânica está na fala dos professores,
como Antonio Candido, que em 2009 se posicionou
contra a entrada da Polícia Militar na cidade
Universitária.
Apesar das grandes críticas levantadas contra os
estudantes, estes ainda seguem buscando alternativas
e formas de organização e de contraposição à uma
sociedade injusta e de uma universidade ainda elitista
e excludente, escondida sob o manto da
meritocracia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMENDOLA, Gilberto;
Maria Antônia. A
história de uma guerra. Editora: Letras do Brasil, São
Paulo, 2008.
PASSOS, Júlia. Trabalho de Conclusão da Disciplina
História das Ideias, Ministrada em agosto de 2007,
pela Professora Maria Lígia Coelho Prado.
CARDOSO, Irene de Arruda Ribeiro. Maria Antônia
– a interrogação sobre um lugar a partir de depoimentos
SEVILLANO, Daniel Cantinelli. Somos os filhos da
revolução: Estudantes, Movimentos Sociais,
Juventude e o fim do regime militar (1977 - 1985).
Dissertação de Mestrado em História Social.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, 2010.
FERNANDES, Florestan. A Questão da USP. São
Paulo-SP. Brasiliense, 1984.
HAGEMEYER, Rafael Rosa. Movimento Estudantil de
68: imagens da Paixão. Dissertação de Mestrado Curso de pós-graduação do Departamento de
História da Universidade Federal do Paraná, Curitiba
- Paraná, 1997.
MÜLLER, Angélica. A Resistência do movimento
estudantil brasileiro contra o regime ditatorial e o
retorno da UNE à cena pública (1969-1979).
Doutorado em História Social. Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo - SP, 2010.
PAULINO, Leopoldo. Tempo de Resistência. São Paulo
- SP. 6ª Edição, 2006.
SANTANA, Flávia de Angelis. Atuação política do
movimento estudantil no Brasil: 1964-1984.
Dissertação de Mestrado em História Social.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, 2007.
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo (org.). Maria
Antonia: uma rua na contramão. São Paulo, Nobel,
1998.
VALLE, Maria Ribeiro do. "1968: o diálogo é a
violência. Movimento Estudantil e Ditadura Militar no
Brasil". Campinas: Unicamp, 1999.
Internet
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_09101968.shtml
GilbertoAmendola. A Guerra da Maria Antônia.v.22. Disponível em:
http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/22/artigo150222-1.asp.
O Triste Fim do Bar Riviera – Disponível em:
http://josekuller.wordpress.com/2008/10/06/o-triste-fim-do-bar-riviera/ Acesso em:
Janeiro/2011
Vídeos
Florestan:Evocação na Contramão
http://blip.tv/videotecabnm/florestan-fernandes-evoca%C3%A7%C3%A3o-nacontram%C3%A3o-4548895
Importante professor da Maria Antonia, que fora aposentado compulsoriamente pela
Ditadura. Imagens que marcaram a vida de Florestan: o senado, a universidade, a família. O
cordel revela o ponto de vista do povo sobre a história recente do Brasil, com suas lutas e
desafios, que como Florestan, insistia em lutar contra as correntes.
Memórias do Movimento Estudantil
http://blip.tv/videotecabnm/mem%C3%B3ria-do-movimento-estudantil-4559033
A Batalha da Maria Antonia – Documentário
http://www.youtube.com/watch?v=ijC0_1FnLhI
Gênero: documentário longa-metragem
Direção: Renato Tapajós
Produtora: Tapiri Cinematográfica
Vídeo sobre a Batalha da Maria Antonia
http://www.youtube.com/watch?v=bqhdIDPYTnU&feature=related
Video que retrata o inicio da revolução estudantil, ano marcado como o ano que não
terminou, 1968, e sua ligação com a batalha ocorrida na Rua Maria Antônia entre alunos das
Universidades Mackenzie e USP.
Acervos Digitais
Jornal da Tarde
04/10/1968 – “Até anoitecer tudo era guerra”
O Estado de S. Paulo
04/10/1968 – “Conflito estudantil acaba em morte”
04/10/1968 – “Os conflitos duraram um dia inteiro”
08/08/1977–“Juristas divulgam hoje sua „Carta‟”
Revista Veja:
Edição n° 5 –09/10/1968- “A Batalha dos Estudantes”
Júlia Passos. Trabalho de Conclusão da Disciplina História das Ideias, Ministrada em agosto de 2007, pela Professora Maria
Lígia Coelho Prado
ii FERNANDES, Florestan. “USP: passado e presente”. In: Vários, Universidade Brasileira: organização e problemas. Editora SBPC, São
Paulo – 1985, p. 103.
iii FERNANDES, Florestan, op.cit., p. 104.
iv PRADO, Maria Ligia Coelho, op.cit.,p. 629.
v PRADO, Maria Ligia Coelho, op.cit.,p. 631.
vi ARAUJO, Maria Paula. Memórias Estudantis: da fundação da UNE até nossos dias. Editora Ediouro, Rio de Janeiro – 2007, p. 163.
vii RUIZ, Esther e PARIS, Juana. “Ser militantes em los sesenta”. In: Vários. Histórias de la Vida Privada em el Uruguay. Ed.
Taurus, p. 271.
viii VEIGA, Laura da. “Reforma Universitária na década de 60: origens e implicações político institucionais”. In: Vários,
Universidade Brasileira: organização e problemas. Editora SBPC, São Paulo – 1985, p. 93.
ix VEIGA, Laura da., op. cit., p. 93.
x ARAUJO, Maria Paula, op. cit., p. 172.
xi ARAUJO, Maria Paula, op. cit., p. 173.
xii Desta forma, no dia 28 de março de 2008, foi inaugurada no local de sua morte, uma escultura em homenagem aos 40 anos
da morte de Edson Luís, por iniciativa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
xiii ARAUJO, Maria Paula, op. cit., p. 180.
xiv (HAGEMEYER, 1997, p.71-72).
xv Maria Antonia. A história de uma Guerra.
xvi VEIGA, Laura da, op. cit., p. 93.
xvii VEIGA, Laura da, op. cit., p. 95.
xviii VEIGA, Laura da, op. cit., p. 96.
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Rua Maria Antônia - Memorial da Resistência de São Paulo