PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
PROJEÇÃO E IDENTIFICAÇÃO COMO RECURSOS DA
RETÓRICA DO TEXTO PUBLICITÁRIO1
Martin Kuhn2
Coordenador e Professor dos Cursos de Publicidade e Propaganda e Rádio e TV
do Unasp-EC
Flavio Salcedo Rodrigues Moreira3
Aluno dos cursos de Publicidade e Propaganda e Teologia do Unasp-EC
Resumo
O cinema utiliza-se de um importante recurso na transmissão de sua mensagem: a projeçãoidentificação. Ainda assim pouco tem se debatido sobre o conceito de projeção-identificação
como recurso para o desenvolvimento da retórica do texto publicitário. Desta forma, o artigo
debate o seguinte: quais as aproximações e distanciamentos que podemos verificar no
conceito de projeção-identificação como um recurso da retórica do texto publicitário? Para
desenvolver esta questão foi feita uma revisão bibliográfica partir dos autores que falam sobre
projeção-identificação, retórica publicitária e o texto publicitário, tomando como objeto de
analise o comercial comemorativo dos 45 anos do Jornal Zero Hora. Pôde-se observar que a
projeção-identificação é um importante recurso para a persuasão do discurso publicitário, mas
que ainda deve ser mais sistematizado dentro do contexto da publicidade.
Palavras-chave: Texto Publicitário, Projeção-Identificação, Retórica Publicitária.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema o processo de projeção/identificação como
recurso da retórica do texto publicitário. Morin apresenta o conceito de projeção1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 10- CONSUMO, LITERATURA E ESTÉTICAS
MIDIÁTICAS, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de
2014.
2
Professor Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp),
coordenador dos cursos de Publicidade e Propaganda e Rádio e TV do Unasp-EC. E-mail:
[email protected]
3
Aluno dos cursos de Publicidade e Propaganda e Teologia do Unasp-EC. E-mail:
[email protected]
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identificação como um importante recurso do cinema na construção de símbolos
culturais e na transmissão de sua mensagem. Já a publicidade pode ser considerada
como uma importante forma de expressão cultural, um veículo que existe através de
símbolos e com o objetivo de transmitir uma mensagem específica a um público prédeterminado. Ainda assim pouco tem se debatido sobre o conceito de projeçãoidentificação como um recurso para o desenvolvimento da retórica do texto
publicitário. Desta forma, o presente artigo debate o seguinte problema: quais as
aproximações e distanciamentos que podem ser verificadas no conceito de projeçãoidentificação como um recurso da retórica do texto publicitário? Como objetivo geral
este artigo pretende analisar quais as aproximações e distanciamentos verificados no
conceito de projeção/identificação como um recurso da retórica do texto publicitário.
Entre os objetivos específicos pretende-se verificar em que pontos do comercial
comemorativo de 45 anos da Zero Hora é possível encontrar o conceito de projeçãoidentificação como recurso da retórica do texto publicitário. Como objeto de estudo
utilizaremos o anúncio comemorativo de 45 anos do jornal Zero Hora, veiculado na
TV como um filme publicitário de 1 minuto. Para a construção do referencial teórico
sobre projeção e identificação tomaremos como base Edgar Morin e suas obras:
Cultura de Massas do Século XX: Neurose e O Cinema ou o Homem Imaginário. Para
analisar os conteúdos referentes à retórica do texto publicitário utilizaremos
Carrascoza, Negri, Barreto, e demais autores que abordam o assunto.
O CONCEITO DE PROJEÇÃO-IDENTIFICAÇÃO
Edgar Morin, em suas obras Cultura de Massas do Século XX: Neurose (1997)
e O Cinema ou o Homem Imaginário (1970), descreve um processo,que segundo ele,
está na alma e essência do cinema. Segundo Morin (1970) ele o cinema toma
emprestado para si este processo, que tem seu surgimento “no seio da vida”. Esta
teoria baseia-se na capacidade do homem de internalizar fatores exteriores a si através
de uma participação afetiva, passiva ou não. Esta internalização ocorre através da
interação com símbolos exteriores ao homem que fazem parte do seu cotidiano
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(MORIN, 1997). O reconhecimento destes símbolos, processados pela experiência de
vida do indivíduo, seus anseios, valores e o ambiente onde se encontra produz o nível
e o tipo de participação afetiva que o indivíduo terá em relação àquele fato (MORIN,
1970).
A todo este processo Morin (1970) chamou de projeção-identificação. E ao
cinema atribuiu o título de promotor por excelência deste processo. Para Morin (1970)
este processo é composto de alguns elementos que auxiliam e potencializam seus
efeitos sobre o espectador. Estes elementos são: Projeção, Identificação, Participação
Afetiva, Imaginário Estético e Participação, Processo de Aceleração e de
Identificação, Gama antropológica das projeções identificações e Técnica da
Satisfação Afetiva. É a partir destes elementos, que serão trabalhados mais a frente,
que desenvolveremos nossa analise.
RETÓRICA DO TEXTO PUBLICITÁRIO
Para Aristóteles a retórica era “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada
caso, pode ser capaz de gerar a persuasão [...] descobrir o que é próprio para
persuadir. Por isso [...] ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 33). Esta definição é importante para compreender como a
retórica lança as bases para a construção do discurso publicitário. Graças à sua
ambivalência a retórica pode auxiliar as mais diversas formas de discursos para gerar
persuasão em seu público alvo. Uma destas formas de discurso é a retórica
publicitária, que tem como interesse primordial persuadir seus espectadores
(CARRASCOZA, 2002). A argumentação publicitária utiliza recursos advindos da
retórica e “recursos estilísticos e argumentativos da linguagem cotidiana”
(TAVARES, 2006, p. 117). Estes recursos da linguagem cotidiana podem ser verbais,
utilizando palavras através de textos, roteiros, narrações. Ou não, através da utilização
de imagens, símbolos. É aí que localizamos o texto publicitário como exemplo claro
de um recurso da linguagem cotidiana, expresso de forma verbal. Além do mais, o
texto publicitário se vale de outras técnicas, como as sonoras e visuais, para
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amplificar seus resultados. Ora ele pode ser encontrado em anúncios impressos,tipo
visual, em jingles e spots, tipo sonoro, ou em comerciais para TV e cinema, que
envolvem o visual e o sonoro. Segundo Negri (2011, p. 54) o texto publicitário é o
“corpo verbal de um anúncio publicitário”, em qualquer um dos tipos de anúncios já
citados. Na maioria das vezes é o texto publicitário que age como o esqueleto para a
organização da mensagem e é quem direciona a escolha dos símbolos utilizados pelos
recursos visuais e sonoros. Ele possui suas próprias regras e formatos de construção,
mas ainda assim baseia-se nos princípios da retórica e nas ferramentas linguísticas.
No caso deste artigo tomaremos como objeto de análise o texto publicitário utilizado
na construção dos comerciais para TV, o roteiro. Para Mendes (2010, p. 7) é no
roteiro “que a história adquire consistência”. Desta forma analisaremos a seguir o
roteiro do filme publicitário comemorativo de 45 do jornal Zero Hora à luz do
conceito de projeção-identificação e da retórica do texto publicitário.
O COMERCIAL DE ZERO HORA 45 ANOS
O comercial que será utilizado como objeto de estudo deste artigo será o VT4
produzido pela Cápsula Produtora, em 2009, a pedido do jornal Zero Hora para
comemoração dos seus 45 anos. Este VT tem um minuto de duração e foi muito
impactante para os leitores do jornal, pois tocou em assuntos que estavam em pauta
durante aquele período. Além disso o comercial utilizou imagens e símbolos icônicos
da cultura gaúcha, a quem se destinava. Mas devemos dar o credito do sucesso do VT
ao texto publicitário de seu roteiro. Foi baseado nele que toda construção simbólica
foi feita e foi ele que despertou as emoções e convidou à ação os espectadores do
comercial. O texto utilizado no comercial foi o seguinte:
Pense em tudo o que você gostaria de ler em Zero Hora nos próximos 45
anos:
Mais um ano sem mortes no trânsito
Estado comemora despoluição dos rios
4
Utilizaremos como nomenclatura para se referir aos filmes publicitários o termo VT, utilizado pelos
profissionais da área.
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Paz nos estádios
Última criança gaúcha sem escola é matriculada
Consumo de drogas no RS é reduzido a zero
100% dos gaúchos são doadores de órgãos5
Nós não vamos publicar nada disso. A menos que aconteça. A menos que
você faça acontecer. Com suas ideias, com seus atos, você pode mudar a
realidade. E aí, pode ter certeza, nós vamos noticiar. Esse vai ser sempre o
nosso papel. Seja no papel, na internet, no celular. Ou no que a tecnologia
inventar. A gente só não pode gerar um fato. A gente não pode criar uma
notícia. Mas você pode! Zero Hora, 45 anos.
Este foi o texto utilizado pelo VT. Ele trata de temas que eram notícias
frequentes do jornal. Mas ao invés de apresentar as notícias reais – que não eram nada
animadoras – o VT mostra possíveis notícias que todos os espectadores gostariam de
receber através do jornal. Então o texto publicitário do anúncio, através da locução,
faz um convite para que os espectadores sejam os agentes criadores da notícia e que
através de suas ações tornassem todas aquelas expectativas reais. Como dito por
Sandman (1993, p. 34) sobre o discurso publicitário “ele manifesta a maneira de ver o
mundo de uma sociedade em um certo momento histórico”, e foi isto que o texto
publicitário deste roteiro fez.
PROJEÇÃO E IDENTIFICAÇÃO
Daqui em diante o artigo se dedicará a esboçar mais amplamente os processos
envolvidos teoria de Morin sobre projeção-identificação e quais suas aproximações e
distanciamentos da retórica do texto publicitário. Morin afirma que projeção é:
Um processo universal e multiforme. As nossas necessidades, aspirações,
desejos, obsessões, receios, projetam-se, não só no vácuo dos sonhos e
imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os seres (MORIN,
197, p. 105).
Sobre este fato ele argumenta o ser humano tem a tendência de projetar àquilo
que está a sua volta seus juízos de valores, anseios e desejos. Para Morin isto causa
5
Os textos em itálico não foram apresentados pela locução do VT, mas apareceram em lettering nas
cenas.
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uma distorção na nossa forma de ver o mundo. Todas as nossas percepções são
moldadas pelas projeções de nossos fatores interiores.
Ainda sobre a projeção Morin diz que ela pode desenvolver três aspectos:
automorfismo, antropomorfismo ou de desdobramento. O automorfismo é “quando
atribuímos a alguém, que entretanto vamos julgando, as tendências que nos são
próprias” (Fulchignoni apud Morin, 1970, p. 106). Laplanche e Pontalis (1986, p.479)
também trabalham na psicologia com este conceito e o apresentam da seguinte forma:
“O indivíduo atribui a outrem as tendências, os desejos, etc., que desconhece em si
[...]. Conteúdos inconscientes que foram recalcados deslocam-se para o meio externo
e são dirigidos a outros (sujeitos e/ou objetos) como estratégia de satisfação”.
Já sobre a projeção antropomórfica verificamos que isto ocorre quando
atribuímos a coisas materiais “traços de caráter ou tendências propriamente humana”
(Morin, 1970, p. 106). Esta compreensão se aproxima da que Jung (2001) utiliza para
o conceito de projeção.
No desdobramento verificamos um passo além na escala da projeção. É
quando “a projeção do nosso próprio ser individual numa visão alucinatória em que
nosso espectro corporal nos parece” (Morin, 1970, p. 106). Morin classifica esta fase
como sendo puramente imaginaria. Este processo ocorre quando o individuo projetase para fora de seu próprio corpo e o observa, além de suas atitudes e
comportamentos, como se fosse uma terceira pessoa, um espectador de si mesmo.
Cabe ressaltar que o cinema – até o momento em que Morin formulou sua teoria –
tomou para seu estudo e prática a primeira fase, a projeção automórfica.
É este tipo de projeção que também verificamos no texto publicitário. Quando
o espectador projeta sobre o anúncio publicitário seus valores e anseios. Para que isto
ocorra o texto publicitário trabalha com a emoção e a razão (CARRASCOZA, 2004),
dando ênfase a este último. Kirkpatrick (1997, p. 27) fala que o apelo à emoção “é um
apelo por valores, aquilo que os consumidores valorizam e estão a procura nos
produtos”. Foi este o conceito utilizado no VT analisado. O texto do anúncio trouxe
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ao espectador valores importantes do produto. O jornal se apresentou como um
veículo confiável, já que não inventaria notícias por melhores que fossem. Além disso
os valores e anseios por mudança na condição social dos espectadores foi tocado,
ainda que estes estivessem latentes em seus portadores.
Já no caso da identificação ocorre o processo contrário. Neste, o individuo
"incorpora o meio ambiente no próprio eu e integra-o afetivamente" (Cressey apud
Morin, 1970, p. 106). É ao adquirir traços exteriores - sentimentos, ideias,
comportamentos - e incorpora-los em nossa conduta e juízo de valores mediante um
processo afetivo que se dá a identificação. Verificamos este fato quando observamos
várias pessoas adquirirem valores, vestimentas, expressões ou comportamentos de um
personagem de novela.
É este convite que o VT faz. De que sua mensagem seja integrada
afetivamente e reproduzida na vida dos espectadores. O texto do roteiro do VT
convida os telespectadores a se tornarem os atores das transformações sociais que o
jornal sugere e que “inconscientemente” eles anseiam. Por isso que para Barreto
(2004), o VT publicitário, a partir de seu roteiro, deve ser construído de forma que o
espectador se identifique com situações de sua vida. À época que o VT de Zero hora
foi produzido todos os assuntos apresentados em seu texto publicitário eram comuns
nos noticiários do RS. Desta forma, ao apresentar situações do cotidiano dos
telespectadores, o VT conseguia fazer com que eles se identificassem com sua
mensagem.
PARTICIPAÇÃO AFETIVA
Para Morin a participação afetiva permeia todo processo de projeçãoidentificação. É ela que desperta e mantém o processo em funcionamento e confere a
ele um peso que causa marcas indeléveis no indivíduo. É quando o sentimento é
desperto que a projeção-identificação começa, mas também é através da projeçãoidentificação que a participação afetiva pode começar. Por isso Morin adverte em seu
texto que tanto um termo como o outro poderia ser utilizado sem distinção em seu
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trabalho. Morin (1970, p. 110) utiliza o exemplo do amor como projeçãoidentificação suprema. Como ponte para o cinema, Morin propõem que assim como
transferimos sentimentos e conferimos alma aos objetos da pessoa amada, seus
símbolos, efetuamos uma participação emotiva. Da mesma forma fazemos isso com o
cinema e seus símbolos , as imagens, roteiros e mensagens. É neste vai e vem de
projeções-identificações e participações afetivas que se desenvolve, segundo Morin, a
magia que permeia a vida, e consequentemente, o cinema.
No contexto do VT de Zero Hora, os espectadores conferem alma aos
símbolos apresentados no vídeo (imagens, roteiros, mensagens) ao se projetaridentificar na história apresentada. Por falar de questões vividas pelos telespectadores
o reconhecimento dos símbolos é fácil e produz uma profunda identificação. Ao
apresentar questões do cotidiano dos telespectadores e lhes inundar a mente com
imagens icônicas do seu contexto cultural, o VT fez com que seus sentimentos
despertados, dando início ao processo de projeção-identificação.
PARTICIPAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
Morin também afirma que, sendo este um processo de desenvolvemos dia a
dia,
as
projeções-identificações
distorcem
nossa
realidade.
Ele
coloca
o
comportamento humano comparado ao de um ator. Morin diz que desenvolvemos
“uma personalidade de confecção, ready made” (MORIN, 1970, p. 112).
Desenvolvemos nosso comportamento como se estivéssemos atuando em uma
realidade criada por nossas projeções-identificações:
Vestimo-la como se veste um fato e vestimos um fato com quem desempenha
um papel. Representamos um papel na vida, não só perante os outros, mas
também (e sobretudo) perante nós próprios. O vestuário (esse disfarce), o
rosto (essa máscara), as palavras (essa convenção), o sentimento da nossa
importância (essa comédia), tudo isso alimenta, na vida corrente, esse
espetáculo que damos a nós próprios e aos outros, ou seja, as projeçõesidentificações imaginárias.
É devido este processo de transformação do real em fictício que é possível
fazer o caminho inverso. Quando observamos na tela do cinema suas imagens e as
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identificamos com as da vida real, despertamos nossas projeções-identificações da
vida real e acabamos ativando nossa participação afetiva. Morin trabalha muito o
conceito de ativação deste processo através identificação de imagens no écran do
cinema. Mas também devemos dar o devido crédito ao roteiro cinematográfico, que
organiza e estrutura as ideias desenvolvidas no filme. É a partir do roteiro, antes de
tudo, que a história é projetada e, posteriormente, as imagens são construídas.
O cinema é envolvente. É quase impossível sair de uma sessão de cinema
indiferente ao que assistimos. Isso se dá pelo fato de que, segundo Morin, as
participações afetivas foram tão marcantes, despertaram projeções-identificações tão
reais, que é como se tivéssemos vivido o filme. À essa experiência Morin criou duas
categorizações: praticamente vivido e afetivamente vivido. A primeira é referente
àquilo que vivemos na realidade, no dia a dia. A segunda categoria está relacionada
com aquilo que vivemos através da fantasia, como nos filmes e novelas, por meio de
nossos sentimentos, ou seja, uma participação afetiva. Ambas vivências são
compreendidas através da projeção-identificação, mas uma tem a ver com a vida real
e outra com a vida das telas.
É aí que surge mais uma diferença. Na categoria do praticamente vivido, o ser
humano tem a capacidade de interação e a possibilidade de intervir. Ele não é um
mero espectador, mas pode se tornar o ator principal de sua própria história. Já na
categoria do afetivamente vivido a interação não passa do campo emocional. Desta
forma o cinema é o promotor maior desta segunda prática. Sentado, em uma poltrona,
em um ambiente escuro, o espectador não pode fazer nada, além de observar.
Impossibilitado de atuar fisicamente ele desenvolve sua participação de forma afetiva.
Este é o único recurso que lhe resta. Sendo assim, o cinema potencializa todo o
processo de projeção-identificação/participação afetiva para criar a experiência do
afetivamente vivido, o que muitas vezes, é realidade vivida naquele momento. O
espectador vive a vida do personagem. Isto se configura em um ato eminente de
projeção-identificação/participação afetiva.
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A ausência ou o atrofiamento da participação motriz, prática ou ativa (cada
um destes adjetivos tem mais valor que os outros, segundo o seu caso
particular), está estreitamente ligada à participação psíquica e afetiva. Não
podendo exprimir-se por atos, a participação do espectador interioriza-se. [...]
A ausência de participação prática determina, portanto, uma participação
afetiva intensa: operam-se verdadeiras transferências entre a alma do
espectador e o espetáculo do écran (MORIN, 1970, p. 118).
Morin afirma que esta incapacidade de participação prática leva o ser humano
a demonstrações afetivas extremas. Mas aqui, a primeira vista, surge o primeiro
distanciamento entre a teoria da projeção-identificação e a retórica do discurso
publicitário. Já que a teoria apresentada por Morin prioriza imobilidade prática diante
dos estímulos do cinema e a retórica do texto publicitário convida à ação.
No cinema o ambiente é construído para causar a imobilidade. Já a televisão
proporciona a possibilidade de movimentação e a interação com outros estímulos.
Mas a questão aqui é que a retórica do texto publicitário trabalha para criar uma
projeção-identificação que crie sulcos profundos de participação emotiva em seu
espectador, levando-o assim, a ação. Desta forma vemos que há uma vantagem em se
apropriar deste processo, pois ao efetuarmos a projeção-identificação/participação
afetiva através do texto publicitário na televisão, ou em qualquer outro meio de
participação pratica, temos um veículo que proporciona uma válvula de escape, um
canal para que o espectador dê vazão aos sentimentos despertados e aja de acordo
com o apelo do texto publicitário.
O cinema convida a imobilidade porque é um fim em si mesmo. É um ciclo
fechado. Ele é preparado para emitir uma mensagem que comece, se desenvolva e
acabe ali, dentro da sala de projeções. De sua existência o espectador só levará as
lembranças, quer sejam emocionais quer sejam mentais. Com a publicidade seu fim se
dá no ato de consumo, geralmente em outro lugar diferente daquele onde a mensagem
é apresentada. Ou seja, os anúncios publicitários são convites à ação (MENDES,
2010). O VT analisado não seria diferente. Através do processo de identificaçãoprojeção podemos fazer com que a mensagem apresentada pelo texto publicitário
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continue vivo na mente do consumidor (BARRETO, 2004) e se converta na prática do
que foi proposto pelo VT.
Além do mais, há soluções práticas para haja o processo do emocionalmente
vivido e que ele se concretize no praticamente vivido. Mendes (2010) ressalta que os
filmes publicitários de 1 minuto, como é ocaso do VT analisado neste artigo, tem um
“potencial dramático da narrativa” maior que o de filmes publicitários de 30
segundos. Percebemos que neste formato a oportunidade de criar vínculos emocionais
com o espectador. Desta forma podemos verificar que a desvantagem entre
participação afetiva VS tempo que um filme publicitário possui em relação a um filme
de cinema pode ser reduzida ao serem adotados formatos com maior duração, como
os filmes de 1 minuto, por exemplo.
IMAGINÁRIO ESTÉTICO E PARTICIPAÇÃO
Em seu texto Morim afirma que o cinema desenvolve um imaginário estético
que excite o processo de imaginação-participação, produzindo assim uma participação
mais exacerbada. Cada detalhe estético é medido e planejado com o fim de explodir
no espectador na única forma de participação que lhe resta: a afetiva. Desta forma, é
através do reconhecimento dos símbolos apresentados nas imagens detalhadamente
montadas que o afetivamente vivido toma proporções ainda maiores.
No VT que analisamos podemos observar como o texto publicitário do roteiro
influenciou na construção do imaginário estético de toda peça. Quando o texto
apresenta, por exemplo: “Paz nos estádios” as cenas do VT mostram as bandeiras de
Gremio e Internacional e um casal de namorados de mãos dadas. Estas imagens fazem
com que a memória simbólica dos espectadores desperte. As emoções aflorecem ao
ver a bandeira de seu time ao lado da do adversário e ao ver um casal representando a
boa convivência. Este é apenas um exemplo dos recursos do imaginário estético
utilizados no VT analisado. Sem dúvida a publicidade pode se valer, ou já se vale
deste conceito, para despertar a emoção em seus espectadores.
PROCESSOS DE ACELERAÇÃO E DE INTENSIFICAÇÃO
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Para Morin (1970, p. 121) “as técnicas do cinema são provocações,
acelerações e intensificações da projeção-identificação”. Nestas técnicas ele enquadra
os movimentos e os enquadramentos das câmeras, o tratamento das cores e
iluminação das cenas, o ritmo e a ação, a grandeza do plano e o dinamismo musical.
Juntos estes fatores tem o poder de acelerar e intensificar o processo de projeçãoidentificação e as participações emocionais dos espectadores.
A publicidade também se vale destes recursos, principalmente a veiculada
através da TV. Para Sampaio (2002, p. 87) a publicidade televisiva exerce grande
influencia sobre seus telespectadores devido a “possibilidade de uso de mensagens
com som, imagens, cores e movimentos”. Todos estes recursos estão a serviço do
texto publicitário em forma de roteiro. Apesar do roteiro dos VTs publicitários não
serem tão longos e detalhistas quanto os de filmes de cinema, ele também dá ao
telespectador a oportunidade de interagir e se envolver com a mensagem que é
apresentada (BARRETO, 2004) através de técnicas cinematográficas.
GAMA ANTROPOLÓGICA DAS PROJEÇÕES-IDENTIFICAÇÕES
Há dentro do processo de projeção-identificação uma série de possibilidades.
O autor da teoria nos contempla em seu texto algumas delas. A primeira, e mais
obvia, é a que o “espectador tende a incorporar-se e a nele incorporar as personagens
do écran em função de semelhanças físicas ou morais que nelas encontre” (MORIN,
1970, p. 127). A isto Morin (1970) chama de gama antropológica de projeçõesidentificações. Verificamos este fato quando homens tendem a preferir heróis
masculinos e mulheres “as vedetas femininas”.
Há ainda outro tipo, chamado de projeção-identificação polimórfica. Nesta o
espectador tende a se identificar com aquele personagem que lhe é diferente, seja em
características físicas ou comportamentos. Neste, Morin apresenta como exemplo
meninos de Roma ou paris que de faroeste, simulando serem cowboys ou pelesvermelhas. E ele vai mais longe. Cita o exemplo de “meninas pretensiosas
apaixonadas pelo operário que expulsariam de suas casas, industriais e generais
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cheios de terna amizade pelo vagabundo cuja existência real nem sequer merece seu
desprezo” (MORIN, 1970, p. 128). É a magia do cinema em encantar “não só com o
herói à minha semelhança, mas também com o herói à minha dessemelhança”
(MORIN, 1970, p. 128). É nessa conduta paradoxal que Morin afirma que o cinema
quebra “nitidamente com as participações da vida real” (MORIN, 1970, p. 128).
Como gama antropológica de projeção-identificação do VT analisado
podemos observar a escolha dos personagens apresentados durante o VT. Eles
representam em boa parte o biótipo das diversas etnias que habitam o solo gaúcho.
Além da identificação com o tipo físico, há a identificação emocional e ideológica. Na
identificação emocional apresentada observamos que o VT utiliza símbolos icônicos
da cultura gaúcha, como a bandeira de times locais e imagens de ruas famosas da
capital. Ainda neste contexto há utilização de emoções representadas pelas relações
humanas. Nas imagens do VT vemos pais e filhos e casais de namorados como uma
ilustração dos sentimentos que o texto queria representar. Já sobre a identificação
ideológica verificamos no próprio texto publicitário do VT a declaração por “desejos”
que faziam parte contexto emocional dos espectadores naquele momento. Estes
desejos, como o de ter 100% dos gaúchos como doadores de órgãos, gerou a
incorporação da mensagem pela semelhança ideológica. Desta forma o VT trabalha
com a identificação física, emocional e ideológica de seus espectadores.
TÉCNICA DA SATISFAÇÃO AFETIVA
Morin dá mais um fator que compõem a existência do cinema, é a Técnica da
Satisfação Afetiva. O cinema se vale desta técnica quando propõem sanar nossas
necessidades afetivas. É quando o cinema nos proporciona viver mil vidas
extraordinárias como uma solução à uma existência monótona. Este é o suprir de
nossas experiências emocionais, é, como o termo já diz, a satisfação afetiva de forma
objetiva. Isto fica claro ao analisarmos a categorização dos filmes: drama, suspense,
comédia, romance, terror. O tipo de emoção que será satisfeita vem no “rótulo” do
filme.
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Na produção dos VTs publicitários não há uma categorização estrita do tipo de
expressão representada por eles (BARRETO, 2004). O que existe são tipos mais
abrangentes de classificações para o tipo de linguagem emocional que será
apresentada. Tampouco há na publicidade veiculada pela TV a possibilidade do
espectador escolher qual tipo de linguagem emocional virá no VT a seguir. Por isso
ao construir uma peça publicitária devemos nos preocupar em proporcionar a
satisfação afetiva específica de nosso público alvo. Isto deve ocorrer através da
observação de quais são os anseios emocionais dele. Esta preocupação foi bem
trabalhada pelo VT da Zero Hora, pois desenvolveu em seu texto publicitário questões
que faziam parte do contexto emocional dos espectadores. Para concluir o processo de
satisfação afetiva do VT apresentou a possibilidade de um novo futuro, com os
problemas que faziam parte daquele presente solucionados e com os espectadores
como os personagens principais desta transformação.
CONCLUSÕES
Por fim, entendemos que o cinema é o que é graças ao processo de projeçãoidentificação e às participações afetivas que levam o espectador a viver
emocionalmente o que é lhe apresentado na tela. Todas suas técnicas, toda sua
construção simbólica é planejada para que o espectador submerja emocionalmente e
se projete naquilo que contempla e se identifique, por semelhança ou dessemelhança,
com os “heróis” do filme.
Da mesma forma a publicidade, através do texto publicitário, tem a intenção
de fazer com que o espectador assimile suas sugestões através de suas de uma ligação
afetiva mediante a utilização de suas técnicas de retórica e recursos linguísticos.
Percebemos através deste trabalho que existem muitas aproximações entre o conceito
de projeção-identificação de Morin e as aplicações do texto publicitário. Ao olharmos
a projeção-identificação como um processo presente no cotidiano das relações e
comunicações humanas podemos utilizá-lo como uma ferramenta na potencialização
do discurso publicitário.
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Referências
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
BARRETO, Tiago. Vende-se em 30 segundos. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2004.
CARRASCOZA, João Anzanello. A Evolução do Texto Publicitário. Futura: São
Paulo, 2002.
_______________. Razão e sensibilidade no texto publicitário. São Paulo: Futura,
2004.
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