O Ceará de Curumins e Curuminhas
O
Ceará
de Curumins e Curuminhas
>> 1
O Ceará de Curumins e Curuminhas
>> 3
Ceará
OC
35 105
37
Cruz
Jijoca de
Jericoacoara
Marco
33
Itarema
103
107
Trairi
Bela Cruz
47
39
Meruoca
AT L
ÂNT
ICO
11
S. Gonçalo
do Amarante
23
9
Paraipaba
Eusébio
Caucaia
101
Itapajé
43
O
19
Morrinhos
31
Umirim
25
Fortaleza
Aquiraz
21
Sobral
Pentecoste
29
109
Tejuçuoca
41
Ibiapina
99
Forquilha
Apuiarés
51
49
91
13
Maranguape
Pacatuba
93
89
Hidrolândia
Croatá
17
Paracuru
45
Viçosa do Ceará
EAN
Pacoti
Guaramiranga
111
15
73
Guaiúba
Horizonte
87
Nova Russas
53
57
Catunda
Ararendá
Mulungu
97
85
83
Itatira
Aratuba
Canindé
95
Itapiúna
55
Tamboril
59
69
ceará
Crateús
Russas
81
113
Quixeramobim
Pedra Branca
125
Alto Santo
79
piauí
Dep. Irapuan
Pinheiro
61
Tauá
67
63
Jucás
Arneiroz
75
Várzea Alegre
123
Lavras da
Mangabeira
65
Campos Sales
115
Assaré
117
Farias Brito
119
Missão Velha
pernambuco
71
Palhano
77
Porteiras
121
Brejo Santo
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Legenda
de 5 a 17/12/2006 - De Caucaia a Guaramiranga
de 5 a 6/12/2006 - De Pacatuba a Fortim
de 13 a 14/12/2006 - De Russas a Horizonte
de 9 a 17/04/2007 - De Maranguape a Itaiçaba
No mapa, o número acima do nome do município corresponde
à página com o registro da entrega do Selo UNICEF
27
Fortim
127
Itaiçaba
>> 5
RIO GRANDE
DO NORTE
paraíba
Título >>
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica >>
Andrea Araujo
Realização >> UNDIME e UNICEF
(Escritório do Ceará, Rio Grande do
Norte e Piauí)
Infográficos >> Cecília Andrade
Coordenação Editorial >>
Ana Márcia Diógenes (UNICEF)
Impressão >> Expressão Gráfica
Coordenação de textos >>
Oswald Barroso
Apoio Editorial >> Emanuelle Lobo
(UNICEF)
Textos >> Oswald Barroso
e Ângela Rodrigues
Fotos >> Evilázio Bezerra
e Felipe Abud
Tiragem >> 1300
Agradecimento >> A todos os
municípios que prepararam
suas festas para receber o Selo
UNICEF com criatividade, afeto
e acolhimento às equipes da
Caravana do Selo UNICEF
2007
Uma caravana
pelos direitos
E
strada, segundo o dicionário Houaiss, tem
dois significados: 1) via de trânsito interligando localidades e 2) caminhos. Se o UNICEF fosse convidado a acrescentar mais um
significado, com certeza a sua equipe seria
unânime: “estrada são caminhos de acesso que nos
permitem desbravar a realidade de cada município,
de cada distrito, e que possibilita um descortinar do
olhar para como se dá, na realidade, a vida de cada
criança e adolescente, em cada lugar”.
Foi em nome desse último significado que o UNICEF escolheu a opção de percorrer quase 10 mil
quilômetros em estradas de asfalto, de calçamento, de piçarra ou terra batida dos estados do Ceará
e Rio Grande do Norte, fazendo o reconhecimento
dos municípios que ganharam o Selo UNICEF Município Aprovado – Edição 2006. Esse reconhecimento poderia acontecer numa grande festa nas
capitais, mas ir a cada um dos municípios possibilitou à equipe que organiza o Projeto Selo UNICEF
conviver, de perto, com o olhar, o rosto, a emoção
e a energia das pessoas que se determinaram a
trabalhar por uma realidade mais saudável para a
infância e adolescência de seu município.
Como crianças e adolescentes não são números ou estatísticas, o Selo UNICEF tem a missão de
fazer com que os indicadores sociais sejam bem
entendidos e transformados em ações práticas que
permitam um desenvolvimento mais saudável nos
cerca de 1.500 municípios que compõem o SemiÁrido Brasileiro. A concretude da necessidade,
urgente, de que se promova uma melhor convivência com as características dessa região, aliada ao
fato de que o município é o lugar primeiro onde as
transformações devem acontecer, faz do Selo UNICEF um dos principais instrumentos de que se vale
o Pacto Nacional Um Mundo para a Criança e do
Adolescente do Semi-Árido. Instrumento de capacitação, mobilização e de mudanças nas prioridades
das políticas públicas.
Essas mudanças podem ser analisadas à luz do
resultado que os municípios obtêm nos dois anos de
cada edição do Selo. Por isso, ser um dos municípios
certificados pelo projeto mexe tanto com a emoção,
gera tanta ansiedade. O anúncio, em novembro de
2006, dos municípios ganhadores, mostrou que, no
Ceará, 41 municípios haviam melhorado mais os
seus indicadores sociais da infância e adolescência
do que outros e que, no Rio Grande do Norte, 15
eram os vencedores. A partir desse número, o UNICEF planejou a Caravana – com dois carros customizados em amarelo, com os mamulengos (símbolo do projeto) desenhados neles, e duas equipes de
profissionais se revezando em cada uma delas - que
percorreu os dois estados, de 5 a 14 de dezembro.
Um dos carros percorreu só o Ceará e o outro se
dividiu entre Rio Grande do Norte e Ceará.
Mas, muitos municípios, inconformados com o
resultado e cônscios de que haviam evoluído os seus
indicadores, pediram a revisão dos dados. Após verificação e correção dos dados pelas secretarias estaduais de Saúde e Educação, a revisão mostrou que
mais 6 municípios no Rio Grande do Norte e 19 do
Ceará também haviam atingido a pontuação mínima
necessária para a obtenção do Selo UNICEF. Como
a Caravana já havia encerrado os dois roteiros, a
solução foi montar uma nova etapa da Caravana,
desta vez com um só carro, customizado em branco
com os mamulengos, para que a entrega do certificado, do troféu e das instruções fosse igual aos dos
municípios antes visitados. O calendário de visitas
aconteceu de 9 a 19 de abril, nos dois estados.
Nas duas etapas da Caravana, a emoção foi a
mesma. Em alguns casos, pelo tempo de espera e
de ansiedade, a comoção foi até maior na segunda
etapa. Tanto em uma como na outra foram visitados de dois a três municípios por dia. Sol, calor, chuva, frio, vento... independente da condição climática,
lá estavam eles, as crianças e adolescentes. E eram
na maior parte das vezes, a maioria nas platéias.
Meninos e meninas ocupavam, com sua beleza e
energia, as ruas, praças, árvores e quintais nas cidades para ver a Caravana passar por seus municípios vencedores.
Foram momentos ímpares de observação da forma com que cada cidade celebra a alegria. As imagens se revezavam entre Prefeitos, Primeiras Damas,
articuladores do Projeto Selo UNICEF, artistas, comunicadores, secretários, técnicos, autoridades, vereadores e comunidades envolvidos com a conquista e
O Ceará de Curumins e Curuminhas
>> 7
a alegria de terem obtido resultados positivos para a
infância e adolescência do lugar. As crianças e adolescentes, juntos, comemoraram o resultado.
Para captar essa magia, o UNICEF convidou quatro profissionais da comunicação. Ângela Rodrigues,
jornalista potiguar, esteve na maioria dos municípios
cearenses; Oswald Barroso, jornalista, teatrólogo e
escritor cearense, esteve em todos do Rio Grande
do Norte e em alguns do Ceará. Os textos de cada
um dos jornalistas estão identificados pelas iniciais
AR e OB, respectivamente. Já o fotógrafo Felipe
Abud foi à maioria dos municípios do estado do Rio
Grande do Norte e alguns do Ceará; Evilázio Bezerra, também fotógrafo, ficou responsável por cobrir
quase todo o Ceará e alguns municípios do Rio Grande do Norte.
Os textos e as imagens registrados por eles podem ser conferidos nesta publicação. Cada texto tem
a data e a hora em que a solenidade aconteceu. Eles
foram agrupados seguindo a ordem cronológica. Mas,
como na primeira etapa da Caravana estávamos com
dois carros saindo para direções diferentes, em alguns dias estivemos em vários municípios ao mesmo
tempo, com equipes diferentes.
Na empreitada, também nos acompanharam profissionais de filmagem. Daniel Cortez e Anderson Fernan-
des, da Cena 7 Produções; e Osvaldo Marinho Junior
e Erica Lima, da AFM Stúdio. No Rio Grande do Norte,
duas técnicas do Governo do Estado, Edivane Vilar e
Ana Xavier, estiveram presentes em vários municípios.
As duas vans que singraram as estradas cearenses e
potiguares foram pilotadas, com segurança, por José
Ferreira Neto e Oswaldo Alves de Mello.
Para a ficha técnica ficar completa, segue o nome
de todos os que integraram a Caravana, nas suas duas
etapas, em ordem alfabética: Aline Andrade, Ana Márcia Diógenes, Boris Diechtiareff, Emanuelle Lobo, José
Arimatéia, José Rodrigues Otaviano, Luciana Bayer,
Morgana Dantas, Patrício Fuentes ( Coordenador do
Escritório do UNICEF para os estados do Ceará, Rio
Grande do Norte e Piauí), Rui Aguiar, Salete Targino e
Tati Andrade.
Depois de tantos quilômetros rodados e das lembranças de pessoas, festas, sorrisos, discursos, fotos e estradas, a imagem que mais vem às nossas
mentes é a da celebração. Celebração pela vida, pela
convivência, pela certeza de ser possível colher resultados positivos das políticas públicas já no presente,
porque a vida de crianças e adolescentes do SemiÁrido tem pressa. E corre por caminhos que todos
sabem quais são: saúde, educação, proteção e renda
para as famílias da região.
Caucaia
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Vendo o
tempo passar
>> Em 05 de dezembro de 2006, às 15h
aucaia um dia foi conhecida por Nova Soure.
O nome atual é uma homenagem aos índios
da Nação Potiguar, também conhecidos por
Caucaias. Além da tribo Tabeba, há poucos resquícios indígenas no município, a maioria está nos
olhos apertados e nos cabelos negros e lisos de
alguns habitantes. Do passado, a cidade ainda conserva a arquitetura dos casarões do século XVIII,
que são visitados por turistas. Apesar de ser vizinha a Fortaleza, Caucaia possui um ar de cidade interiorana, com os moradores sentados nas
calçadas vendo o tempo passar. Nela a correria
da cidade grande dá lugar à tranqüilidade e à calmaria presentes, até mesmo, no falar arrastado e
manso de seus habitantes.
C
Passeando pelas ruas, vimos dois locais que
atraem turistas e enchem de orgulho a população:
a Casa de Câmara e Cadeia, e a igreja da padroeira da cidade, Nossa Senhora dos Prazeres. Em
fevereiro, a cidade se rende em homenagens à padroeira, atraindo fiéis de municípios vizinhos, num
mês inteiro de festas. Ficamos anônimos por pouco tempo. Olhos curiosos logo reconheceram os
mamulengos, pintados em nosso carro. Impossível
o amarelo do carro da Caravana do Selo UNICEF
não chamar atenção. Os batedores estavam à nossa espera e nos conduziram até o local da festa, no
Grêmio de Recreio e Estudos de Caucaia.
Em frente ao Grêmio um aglomerado de pessoas nos aguardava, algumas estavam na ponta dos
pés, olhando de um lado para outro. Não queriam
deixar escapar qualquer detalhe. Decorado por balões coloridos em forma de arco, tapete vermelho
e mamulengos gigantes, o salão estava lotado. Ficamos surpresos com a quantidade de crianças e
de adolescentes. Cada um tinha uma história para
contar sobre sua participação na conquista do Selo.
Com receio de se atrasarem, muitos ainda vestiam
o uniforme escolar. Explicaram que se fossem em
casa trocar de roupa, perderiam o melhor da festa.
E o melhor estava nas apresentações culturais.
A população jovem da cidade se fez presente
não apenas na platéia, mas nos palcos também.
A timidez dos artistas mirins foi deixada de lado e
eles declamaram poesias. Em seguida, colocaram
um boi de brinquedo para dançar e ao som da “Flor
do Mamulengo” dançaram, também. Ao final da
apresentação, quando o grupo já deixava o palco,
uma menina com Síndrome de Down voltou para
o centro e chamou a atenção de todos: “Cadê o
aplauso pessoal?”. Recebeu aplausos e sorrisos.
>> 9
Vestidos de roupa de festa e com a desenvoltura de quem está habituado aos palcos, a prefeita
mirim Sílvia Helena, de 15 anos, e o adolescente Lindemberg, de 16, fazendo o papel de cerimonialistas,
comandaram a festa. A participação dos adolescentes não parou por aí. Após o discurso de agradecimento, a prefeita Inês Arruda fez questão de que os
adolescentes, representando a população jovem do
município, recebessem o troféu do Selo, uma casa
em miniatura de número 227. Nada mais justo que
o Selo fosse recebido por eles. A casa foi erguida
por Sílvia e Lindemberg. Orgulhosa, a menina dizia
que durante seu “mandato” como prefeita-mirim
aprendeu sobre os direitos das crianças e adolescentes e por isso reconhece o significado do Selo.
A passagem por Caucaia ainda não havia terminado, porque a prefeita ainda precisaria deixar o
nome do município estampado no carro da Caravana. Todos no Grêmio saíram para ver e, lá fora, a
‘festa’, ou melhor, o carro, foi cercado pela população. Como quem puxa uma fita de inauguração,
Inês Arruda puxou o adesivo colado ao carro da
Caravana e a cada letra que surgia pediam para a
prefeita fazer pose para fotos. O nome de Caucaia
foi o primeiro a ser colado e marcou o início de uma
longa jornada pelos municípios do Ceará. (AR)
SÃO GONÇALO DO AMARANTE
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A cidade das
águas
>> Em 5 de dezembro de 2006, às 19h
lua apontava no céu quando chegamos em
São Gonçalo do Amarante. Adiantados e
perdidos, paramos na entrada da cidade à
procura de informações sobre o local da festa.
Anderson Lima, de 12 anos, logo se aproximou.
Olhos desconfiados para o carro da Caravana
do Selo UNICEF, parecia buscar na memória o
significado daqueles três mamulengos. Até que
perguntou, ou melhor, afirmou que estávamos lá
para entregar o Selo UNICEF. O menino de olhos
grandes e curiosos fez questão de mostrar que
sabia o significado do Selo. Disse ter aprendido
nos jornais e na escola. Orgulhoso, tirou fotos ao
lado do carro. Despedimos-nos do garoto com a
promessa de que ele apareceria na festa.
A
Seguindo as orientações de Anderson, nos dirigimos para o local da solenidade. Antes, porém,
de chegar ao destino, apreciamos um pouco da
cidade. Cortada por rios e lagoas, São Gonçalo é
famosa por suas igrejas. Duas delas fazem parte
do roteiro dos peregrinos e pagadores de promessas: a capela do santo que dá nome à cidade
e a Igreja de Nossa Senhora da Soledade, ambas construídas no século XVIII por colonizadores
portugueses. Assim como as casas, as igrejas já
estavam decoradas para o Natal. Não era apenas
a lua que iluminava a cidade, as luzes natalinas
estavam em todo lugar, quase transformando a
noite em dia, e servindo para mostrar mais detalhes de São Gonçalo.
A Praça das Crianças foi o local escolhido para
a entrega do Selo UNICEF. Em muitas cidades do
interior, a praça, geralmente vizinha à igreja, é testemunha das conversas de comadres, serve como
ponto de encontro para casais enamorados e para
as festas. São Gonçalo não foge dos costumes.
Para aqueles que chegavam sem saber o que estava acontecendo, os brinquedos, o palco e o telão
sinalizavam que uma festa estava por acontecer.
A faixa celebrando o terceiro Selo de São Gonçalo
explicava o motivo de comemoração. A Praça das
Crianças fazia jus ao nome e estava repleta delas.
Alheias ao que acontecia, as crianças passavam o
tempo entretidas com os brinquedos típicos dos
parques de diversões: pula-pula com bolas coloridas, escorrega e carrossel.
Quando chegamos, a banda ainda ensaiava as
últimas notas e o povo se aproximava tímido. Mal
descemos do carro da Caravana do Selo, o prefeito, Walter Prado, e a articuladora, Gardênia Farias,
vieram em nossa direção. Eufórico, o prefeito acabou revelando que não dormia há dias. O motivo
era a organização da festa. Queria que a passagem por São Gonçalo marcasse a Caravana. Como
chegamos cedo para a festa, foi uma boa oportunidade para conversar com alguns moradores. Em
frente ao carro da Caravana, um grupo de adolescentes tirava fotos. Usavam vários ângulos, mas
sempre com o carro como plano de fundo. Darlan
Dário, o fotógrafo oficial da turma de adolescentes,
queria registrar a passagem da Caravana por São
Gonçalo. “Nem toda cidade é tricampeã.” disse.
Em frente ao palco, a Banda Municipal, formada por adolescentes, deu o pontapé inicial da solenidade com a execução do Hino do Município. A
população, como um coral, acompanhou a banda.
Muitos levaram a mão ao coração e fecharam os
olhos enquanto cantavam. Quando um grupo de
crianças de mãos dadas entrou no palco, fez-se o
silêncio. Era o coral “Cantando e Encantando”, já
famoso na cidade, se preparando para a apresentação. Os pequenos moradores de São Gonçalo,
com suas vozes de crianças, encantaram. “O mundo tem que entender que, pra ser criança, brincar
é um direito”, era o refrão da música cantada pelo
coral. Mais uma vez as atenções se voltaram para
o palco. Era hora da entrega do troféu. O prefeito
foi o primeiro a segurar. Ele ergueu no alto, posando para as fotos. Nos agradecimentos citou o empenho de todos para conquistar o Selo. Deixamos
São Gonçalo debaixo dos fogos de artifício. (AR)
>> 11
PACATUBA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Festa
de praça com retreta
>> Em 5 de dezembro de 2006, às 15h
acatuba, bicampeã do Selo UNICEF, cuja padroeira é Nossa Senhora da Conceição, foi
nossa primeira parada. Cidade bonita, emoldurada por uma serra repleta de flores, conhecida por sua monumental Paixão de Cristo, dirigida por Antony Fernandes e João Antônio Pinto,
assim como pelas águas límpidas do Balneário
das Andréas. É terra de bordadeiras e do Bloco
Carnavalesco Priripau, mas é também berço de
poetas e artistas famosos como Juvenal Galeno,
Arthur Eduardo Benevides, Eduardo Campos e
Carlos Cavalcante. Um dia, um outro poeta, Antônio Girão Barroso, que sempre passava de trem
por sua estação, vindo do Iguatu, escreveu versos
bem moderninhos, que imitavam o barulho da locomotiva, dizendo: “Pacatu-b-a-bá, banana seca é
o pau que rola.” E de fato, banana seca é abundante, até hoje, no município.
P
Pacatuba fica na Região Metropolitana de Fortaleza, mas tem vida própria, com centro comercial
e relações comunitárias de cidade de interior. Em
sua zona rural as casas de farinha estão em plena
atividade e, nos sopés da serra, ainda aparecem
cachorros pretos dos olhos de fogo que somem
por encanto, cobras grandes que puxam as pessoas para o fundo das lagoas e Fogos Fátuos que, feito grandes labaredas, flutuam sobre as águas dos
açudes. No distrito de Monguba, habitam os índios
Pitaguari, do Pajé Barbosa, curandeiro famoso e
devotado à sua gente. Índios alegres, que bebem
pindoba, jenipança, omi e mocororó, e dançam a
Centopéia, o Mocó e o Toré.
Entra-se na cidade por uma avenida larga, que
desemboca na serra. Chegamos à tarde e, entre
carros, motos, bicicletas e grafites, paramos numa
calçada para conversar com dois meninos, Pedro,
de 13 anos e Carlos Henrique, de nove, sobre o
cotidiano deles na cidade.
Chegamos ao abrigo, localizado na praça principal da cidade, onde a festa estava para começar,
e nos deparamos com o Selo UNICEF na figura de
três ‘cabeções’, representando os bonecos, sím-
bolos do projeto. Uma banda tocou o hino do município, que diz: “Teus campos, solo e natureza/São
pedaços d’alma dos teus/Filhos que quedam/
Diante da beleza dos teus antigos tempos/Diante da beleza dos teus lendários trilhos/do velho
trem de ferro de outras eras/Do amor, do calor,
de muitos brilhos.” Depois, palmas, fogos e vivas.
Parecia festa de praça, com retreta e tudo.
>> 13
No palco, o apresentador foi Lauro Jawa, cantor e compositor famoso entre os estudantes de
Fortaleza, no final dos anos 60, que então era conhecido por Lauro Benevides. Ele mudou de nome
e visual, vindo parar na sua Pacatuba, para coordenar a cultura do Plano Diretor do Município. No
palco, virou menino de novo, com seus quase 60
anos de idade, recitando um cordel e declamando
poesias. Gritava: “Boca de forno!” E as crianças
respondiam: “Forno!” Depois, falou sobre o Dia de
Reis e cantou uma canção de abertura de porta,
com a qual recebeu a Caravana do UNICEF, para
dar início à solenidade.
Quando as autoridades citaram os projetos
que se destacaram, as crianças se levantaram
mostrando que vestiam a camisa deles. Um grupo de percussão, composto de crianças, encerrou
a programação artística. O Prefeito, no discurso,
comparou seu trabalho ao do maestro de uma
banda de música. Citou todos os conselhos que o
ajudaram na obtenção do Selo. A festa terminou
com samba, carnaval e Lauro Jawa cantando. A
vereadora mirim e comunicadora, Joice Kelly Nogueira, que toca o programa A Voz e a Vez da Juventude, na Mega Jovem FM, entrevistou a equipe
do UNICEF, com desenvoltura e brilho. (OB)
GUAIÚBA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Como se fosse
festa de debutante
>> Em 5 de dezembro de 2006, às 18h
uaiúba é, como lá se diz, o portal da Serra de
Aratanha. Cidade pequena, desmembrada
de Pacatuba, onde morou Aldemir Martins
e habita Francisco da Costa Silva, Seu Vani, curandeiro e louceiro famoso no distrito de Baú. Lugar
de grandes olarias, orgulhoso de sua paisagem e
de sua cultura, onde pontificam o Boi Esplendor,
conduzido por Maria Zanete Alves de Oliveira e a
quadrilha Perseverança.
G
Chegamos cedo, bem antes da hora marcada, e
saímos andando pela cidade. Paramos na praça e
as crianças nos cercaram, atrás de tirar retratos.
Nunca queriam tirar sós, sempre com os amigos e
amigas, numa brincadeira de algazarra e botar chifres nos outros. Depois, voltaram ao que estavam
fazendo: brincando com os cachorros.
Na hora da festa, chegada triunfal ao Centro
de Arte e Cultura, em cuja fachada está escrito:
Portal da Serra. Entramos com as honras de duas
alas de crianças, banda de percussão, palhaços,
bolas coloridas e foguetes. Crianças se ofereceram
para entrevistas e Érika, uma repórter da equipe,
descobriu sua vocação para trabalhar com elas.
Combinaram as respostas para a gravação sobre
os direitos da criança. Num jogo de perguntas, ela
interrogava: “A criança quer?” E as crianças iam
respondendo. Uma delas, com quem foi acertado
responder: “Moradia”, trocou as palavras e respondeu: “Democracia”. Errou para mais.
Tambores e rodas de capoeira. A coordenadora da culinária mostrou o grupo da 3ª Idade.
O articulador aproveitou a presença do Prefeito e
arranjou um ônibus para levar seus idosos a um
passeio pelas praias de Paracuru e Morro Branco. Encontramos o Secretário de Cultura, Rogério
Jales, e o maestro da Banda Municipal, Márcio
Mendonça. Encontramos, ainda, Roberto Galvão,
um dos ícones das artes plásticas no Ceará, que
também trabalha para o município e é o curador
da preciosa exposição de Chico da Silva, em cartaz
no Centro de Cultura.
A solenidade de entrega do Selo aconteceu no
teatro, com casa cheia. A cerimônia foi conduzida
pelo Prefeito Mirim, Álisson, e pela Vice-Prefeita Mirim, Patrícia. Todos falaram da luta pelos direitos
das crianças. Gustavo, um menino de cinco anos,
que estava sentado na primeira fila, ensinava a
usar o braço da cadeira para escrever, e também
sobre como recolher o braço da cadeira, depois
de usá-lo.
O Selo UNICEF, representado pelos três mamulengos, tornou-se personagem de teatro. A
Companhia “Aos Trancos e Barrancos”, formada por gente muito jovem, mostrou em claro e
escuro como se dá o desrespeito e a conquista
dos direitos das crianças e adolescentes. Trabalho primoroso, com cenas quase mudas, usando
sutileza e economia de gestos. Quando as autoridades foram chamadas ao palco, o Prefeito e
a Vice-Prefeita mirins, assim como os atores da
peça, estavam incluídos.
Em seu discurso, Patrício Fuentes ressaltou, na
apresentação de teatro, a diferença entre o mundo
da sombra e o mundo da luz. Disse que o município de Guaiúba, por seu prefeito ser presidente da
Associação dos Prefeitos e Municípios do Ceará e
ter ganho o Selo UNICEF, tornou-se exemplo para
os demais prefeitos e municípios cearenses. A isto,
o Prefeito Fradique Accioly respondeu emocionado, dizendo que o que estava sendo mostrado no
palco realmente foi o que aconteceu em Guaiúba.
Credenciou as mudanças à comunidade, especialmente às crianças e aos adolescentes. Disse, por
fim, que todo gestor público deveria ser avaliado
pela forma como trata a infância.
A Banda Municipal tocou canções populares na
saída do Centro de Cultura. Tudo lembrava as tertúlias de clubes, nos anos 60. Ao término, a banda,
como se fosse um conjunto para animar festa de
debutantes interpretou uma canção de Roberto
Carlos que diz: “Estrelas mudam de lugar”. O público entrou em delírio e começou a dançar em
pares. (OB)
>> 15
PARACURU
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Bons ventos
nos trazem
>> Em 6 de dezembro de 2006, às 9h
ra noite quando chegamos a Paracuru e pouco vimos da cidade, mas uma brisa fresca
nos deu as boas vindas. Bom começo para a
festa do dia seguinte. Paracuru em Tupi significa
lagarto do mar, mas hoje são os ventos os responsáveis pela fama internacional da cidade. As
aldeias praianas ainda conservam ares de pequenas vilas e pudemos observar homens ao vento
e ao mar. O kitesurfe, esporte da modernidade,
divide espaço com a pescaria artesanal formando
assim o cenário do Lagarto do Mar.
E
Uma carreata pelas ruas da cidade marcou o início da festa. O buzinaço dos carros, aliado aos fogos
de artifício e à banda de música, serviu para despertar a população. Nas calçadas as pessoas acenavam e alguns pequeninos se arriscavam a acompanhar a carreata, uns de bicicleta, outros com o pé no
chão. A ‘jardineira’ que levava o prefeito e a banda
de música parou aqui e acolá dando carona para
os pequenos maratonistas. Chegamos na praça e o
carro da Caravana do Selo UNICEF foi cercado por
meninos e meninas que olhavam curiosos. A praça,
com vista para o mar, estava lotada. Crianças e adultos cantavam o refrão que deu o tom da festa “Paracuru só me faz crescer, pois o Selo UNICEF é vitória
pra mim e pra você”. Fran, cantora da trilha sonora
da festa, tinha à sua frente o coro mais animado.
Ela não foi a única a animar a população. A
garotada do programa de rádio “Ação Criança”
comandou a festa com estilo: eram os maestros
dos apitaços. A cada sinal deles a população apitava, era uma maneira de participar da festa, de
se fazer ouvir. Larissa Magalhães, de 13 anos,
mostrava desembaraço no palco. Acostumada às
quatro paredes do estúdio de rádio, aquela era a
primeira vez que a menina estava diante de uma
multidão. Nem parecia uma estreante. Um pequeno grupo de crianças também chamou nossa
atenção, carregando uma faixa parabenizando a
cidade pelo Selo. Eram os alunos da Escola Professor Ciríaco de Sousa. Os pequeninos pulavam
e as vozes ainda finas gritavam o bicampeonato.
Tivemos a impressão que o motivo de tanta co-
moção era a responsabilidade, tomada por cada
um, com relação ao Selo UNICEF. Nada mais justo que todos participassem da festa.
O sol estava a pino, mas não tirou o ânimo do Seu
João Barbosa. Do alto de seus 86 anos, ele mostrou com quantas gingas se faz uma dança do coco.
Usava uma roupa de festa tão branca que não mostrava o desgaste do tempo, e um chapéu de palha.
Foi com este figurino que Seu João mostrou o gingado aprendido com o pai e hoje repassado para as
crianças da cidade. Diante da apresentação daquele
senhor franzino, que não deixou a alegria ser corroída pelo tempo, era impossível ficar parado. Primeiro,
as pessoas mexiam os pés, tentando acompanhar o
ritmo. A cabeça ia se mexendo também. Em pouco
tempo o corpo todo estava entregue ao ritmo da
dança do coco. Ele conta orgulhoso que os meninos
do Mapeamento Cultural foram à sua casa querendo saber daquela dança já meio esquecida.
A casinha do Selo, amarela como o carro da
Caravana, foi entregue ao prefeito José Ribamar
Batista. Emocionado, ele contou as dificuldades e
os desafios de ser bicampeão. Não esqueceu de
agradecer às autoridades e toda a população, dos
pequeninos aos idosos que, segundo ele, foram responsáveis pela conquista do Selo, cada um fazendo
um pouco e o pouco se tornando muito. Ao final
do discurso lançou o tricampeonato como desafio.
O apitaço foi a maneira que o povo encontrou para
dizer que aceitava o desafio. Já estávamos no carro
da Caravana quando Lidiane Ramos, articuladora
do Selo, nos entregou um CD da Fran. A voz rouca
e contagiante da cantora ainda embalaria a Caravana do Selo por muitas cidades. (AR)
>> 17
PARAIPABA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A cidade das
águas correntes
>> Em 6 de dezembro de 2006, às 15h
hegamos em Paraipaba sabendo a fama que
a cidade possui de ter as praias e um dos
mais belos pores-do-sol do litoral cearense.
Conhecida no idioma indígena como a cidade das
“Águas Correntes”, Paraipaba já foi coberta pelas
águas do Rio Curu, o mesmo rio que inspira os
causos de pescador e as danças folclóricas que
compõem a cultura local. Na cidade de ruas estreitas e de povo sorridente realizava-se uma etapa do
Campeonato Mundial de Surf, durante o qual pessoas de idiomas diferentes falam uma só língua, a
das ondas.
C
A praça principal, palco do carnaval e da festa
da padroeira, estava lotada quando chegamos. Famílias inteiras estavam ali para assistir a entrega
do terceiro Selo UNICEF de Paraipaba. Seu Ferreira, o motorista, estacionou o carro da Caravana
do Selo bem no meio da praça, em frente ao palco,
e descemos sob o barulho dos fogos de artifício.
Quase não ouvimos o que a articuladora Helena
Maia dizia, mas os gestos eufóricos e abraços calorosos dispensavam palavras. Além da articuladora, uma comissão formada pela prefeita Joana Batista e pelos secretários municipais foi até o carro
da Caravana do Selo UNICEF nos receber. Todos
usavam camiseta e boné com os mamulengos,
símbolos do Selo.
O Hino do Município, executado pela Banda
Municipal, oficializou o início da festa e depois as
atenções convergiram para o palco. Era a vez das
crianças e adolescentes mostrarem seu talento.
Na coxia, os coordenadores de cada apresentação
repetiam os passos da dança ou a letra da música, uma segurança para os mais esquecidos. Ao
lado do palco, um grupo de adolescentes chamava atenção mesmo antes de se apresentar. Elas
apontavam e riam umas das outras. O motivo era
a tinta preta que cobria rostos e braços e as tornavam irreconhecíveis. Os vestidos de chita florida
completavam o visual das “nêgas do coco”. Uma
das mais sorridentes era Jessirlane Souza, 12
anos. A menina explicou que era costume dançar
na beira do rio, visto que a dança do coco é uma
homenagem aos pescadores da região. Durante a
apresentação, elas contiveram as gargalhadas e
contagiaram a população com o ritmo. As danças
contemporâneas também tiveram vez. O batidão
do funk e do rap, que conquistou jovens de norte
a sul, empolgou os adolescentes na platéia e até
mesmo os mais idosos ou contidos.
Encerradas as apresentações culturais era
hora do momento mais esperado, segundo as
palavras do cerimonialista. Tati Andrade explicou
como funciona o Selo UNICEF e entregou o troféu para a prefeita que o segurou, junto com três
crianças que estavam no palco. Os pequeninos
estavam cansados, mas não pouparam sorrisos
na hora das fotos. No agradecimento, Joana citou os esforços dos secretários para atingir as
metas estabelecidas e convidou a articuladora
para falar. Empolgada, Helena brincou de cerimonialista provocando a população. “Paraipaba é
tricampeã ou não é?” A resposta foi imediata. No
discurso, a articuladora ressaltou a redução da
mortalidade infantil, meta que, segundo ela, foi alcançada com a ajuda de todos, dos médicos aos
pais das crianças.
Enquanto a prefeita deixava o nome da cidade
estampado no carro da Caravana, um senhor observava de longe. Depois, ele logo se aproximou e
as mãos calejadas, botas e chapéus denunciavam
que Expedito Ferreira era trabalhador da terra. Tinha saído de longe para assistir a entrega do Selo
UNICEF. Dizia não saber bem o que significava,
mas reconhecia o merecimento da cidade. Via que
seus netos e outras crianças estavam sendo bem
cuidadas e que para ele isso fazia a cidade merecedora de prêmio. Expedito sumiu no meio da multidão por alguns instantes e voltou de mãos dadas
com o neto Gustavo. Tinha um pedido especial, que
foi atendido. Abraçado com o neto, tirou uma foto
ao lado do carro da Caravana. Mais uma vez o sinal afirmativo e o sorriso largo estavam presentes.
Deixamos Paraipaba admirando o pôr-do-sol que
faz a fama da cidade. (AR)
>> 19
PENTECOSTE
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A terra do
peixe
>> Em 6 de dezembro de 2006, às 19h
tradição religiosa de Pentecoste começa
com o nome da cidade, uma referência ao
fato de a primeira missa celebrada na região ter sido consagrada ao Espírito Santo. Ainda
hoje suas festas religiosas atraem pessoas de
municípios vizinhos. Quase todo mês a cidade homenageia um santo, um dia para agradecer as
chuvas e outro para homenagear a padroeira da
cidade. A terra do peixe, como é conhecida, espalhou faixas pela cidade anunciando o bicampeonato do Selo UNICEF.
A
Sozinho, em frente a uma platéia composta na
maioria por adultos, o adolescente David Castro,
de 11 anos, pediu licença para falar, ou melhor,
declamar a poesia “Identidade”, de Pedro Bandeira. Havia decorado, na noite anterior, palavra por
palavra e não esqueceu nenhuma delas na hora
de se apresentar. Mais que declamar os versos, o
garoto interpretava e compreendia muito bem do
que tratava o poema. “Mas o que importa / O que
pensam de mim/ Eu sou eu, sou assim, /sou menino”. Ao final da apresentação David se inclinou
para a frente e recebeu aplausos demorados.
As ruas de Pentecoste estavam vazias, não havia sinal das pessoas nem mesmo nas calçadas,
ponto de bate-papo no início da noite. Certamente
porque era hora do jantar quando chegamos. Nosso destino era o clube da AABB local, que recebe
alguns dos forrós mais animados da cidade. Na
entrada do clube, além do prefeito, duas personagens muito conhecidas dos nordestinos nos aguardavam: Magelo e Karine interpretavam Lampião e
Maria Bonita. Mais calmo e sorridente que os verdadeiros reis do cangaço, o casal dava boas vindas
com alegria.
Muitos dos adolescentes que participaram do
Mapeamento Cultural, do Programa de Rádio e do
projeto de Meio Ambiente estavam prestigiando a
passagem da Caravana pela cidade. Gleyson Soares, de 16 anos, era um dos mais entusiasmados. Dizia que por ter participado do Mapeamento
se sentia premiado também. Este também era o
sentimento das adolescentes Carolina Teixeira,
de 13 anos, e Sandra Sousa, de 17. Nos últimos
dois anos elas estiveram envolvidas com o grêmio
escolar, promovendo palestras sobre sexualidade,
ações relativas ao meio ambiente e maior interação entre pais e alunos. As meninas não esconderam o contentamento ao saberem que as ações
das quais participaram tiveram impacto positivo
para a cidade.
Todos estavam acomodados quando um grupo de crianças ficou diante do palco. Atentos aos
movimentos das mãos da professora, os pequeninos cantaram o Hino do Município. Muitos sorriam
para as câmeras enquanto os pais tiravam fotografias. As crianças e adolescentes de Pentecoste por diversas vezes roubaram a cena durante
a solenidade. A apresentação do grupo de teatro
alertou pais e crianças sobre a importância do livro. Os atores mirins travaram uma batalha contra
o vilão da estória, o Doutor TV, que tentava atrofiar
o cérebro da criançada. Um dos atores, Manoel
Mendonça, de 11 anos, parecia muito consciente da mensagem que o grupo tentava passar. Na
entrevista, o garoto tinha o discurso na ponta da
língua. Para ele, tão importante quanto arrancar
risadas é passar uma mensagem que as pessoas
possam aplicar no cotidiano.
No discurso do prefeito, João Bosco Tabosa, o
tom era de alívio por conseguir manter o município
com o Selo. Citou os avanços na área de saúde e
educação e a importância do reconhecimento do
Selo UNICEF para Pentecoste. Não deixou de mencionar os esforços dos secretários e dos adolescentes que, de alguma forma, tinham contribuído
para o bicampeonato. (AR)
>> 21
caucaia
EUSÉBIO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Domingo no
parque de diversões
>> Em 6 de dezembro de 2006, às 9h
ntramos pelo Litoral Leste do Ceará, região
de turismo por excelência. Começamos por
Eusébio, cidade bem nova, que tem crescido,
assustadoramente, devido a chegada de grandes
indústrias e empreendimentos imobiliários. Aos
que passam pela estrada que atravessa sua
sede, antes de cruzar o Circo Tupiniquim, Eusébio engana. Parece, à primeira vista, um lugar em
construção, ou uma cidade feita para atrair turistas, com centros artesanais e culinários, onde os
destaques são a tapioca, servida de mil formas, e
as pistas de vaquejada.
E
Quem chega a ultrapassar essa vitrine, porém,
consegue conhecer o verdadeiro Eusébio, com
seus bairros de nomes exóticos (Urucunema, Havaí etc.), suas comunidades acolhedoras (Pedra,
Alto Santo, Guaribas, Tamantanduba etc.) e seus
sítios aprazíveis. Lá estão suas bordadeiras, rendeiras, tapeceiras, doceiras e cozinheiras. Em
Tamantaduba, se homenageia, durante o mês de
outubro, Nossa Senhora Aparecida, numa festa típica de padroeira, com quermesse e disputa entre
os partidos azul e vermelho, animada pelo famoso
sanfoneiro Raimundo Antônio, morador do bairro
de Lagoinha. Em Guaribas, as crianças brincam de
peteca de palha de milho, raminho e de mangaba
mole, uma brincadeira de roda, na qual se canta:
“A mangaba é mole/vem do tabuleiro/pra fazer
mangaba/pra vender na feira”.
Chegamos, numa manhã de sol, mais adiantados que de costume, ao local da festa. No pólo
de lazer da cidade o palco fixo ainda estava sendo
preparado. Diante dele, uma grande clareira de
sol, rodeada de mangueiras e cajueiros, à sombra
dos quais, a criançada e os adultos se protegiam
do calor que fazia. Buzinamos para anunciar a
chegada do carro da Caravana do Selo UNICEF,
mas a meninada estava bem concentrada numa
peça em que os personagens, meninos com
enormes cabeças de esponja, dublavam uma história de pintos, galos e galinhas, que se passa
obviamente num galinheiro. Carrinhos distribuindo churros, pipocas, picolés e algodão doce, as
bolas coloridas e o pula-pula inflável, lembravam
um parque de diversões, ou uma manhã de sol
na Beira-Mar de Fortaleza, com seu trenzinho de
brincadeira.
Havia uma infinidade de meninos e meninas,
com o rosto pintado como de palhaço, usando
trajes sem identificação precisa. Supondo que
sejam de teatro, talvez de uma peça natalina, perguntamos a um menino, que estava de túnica e
turbante, com uma espada na mão, que personagem representava. Ele respondeu ser um soldado
egípcio. Já uma menina, ao seu lado, que parecia Nossa Senhora, se disse a Chapeuzinha Azul.
Deduzimos que aquelas eram apenas fantasias,
como as de carnaval. As crianças é que atribuíam
a cada uma delas um personagem, conforme a
identificavam.
Todos fizeram questão de tirar fotos com a
equipe do UNICEF, tanto em um grupo enorme,
quanto aos pares. A solenidade começou com uma
apresentação da Fanfarra Gloriosa do Eusébio, orgulhosa em sua farda azul e branco. Uma moça,
a Andréa, contou-nos que trabalha num centro de
assistência a pessoas com distúrbios mentais, existente na cidade. Estava ali com o seu pessoal. Eles
recusaram o picolé, mas adoraram os churros.
O ritual de entrega do Selo foi conduzido com
habilidade, tirando alegria daquela clareira de sol.
Para finalizar, um conjunto infantil de flautas se
apresentou e o Prefeito foi até o carro colorido
da Caravana do Selo UNICEF, para afixar o nome
Eusébio, marcando nossa passagem por mais um
município. (OB)
>> 23
AQUIRAZ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Vesperal de
circo
>> Em 6 de dezembro de 2006, às 15h
hegamos bem adiantados para aproveitar os
encantos do município. Depois de visitarmos
seu centro histórico, bem antigo, porque Aquiraz foi a primeira vila do Ceará, fomos à Tapera das
Artes, uma ONG, e à casa de cultura, muito ampla,
moderna e ativa. Acertamos os últimos detalhes
para a solenidade de entrega do Selo UNICEF e
caímos em campo. Nosso destino era a Lagoa da
Encantada, onde vivem os Jenipapo-Kanindé, da
Cacique Pequena. Dizem que a lagoa guarda uma
cidade de ouro, protegida por suas águas escuras,
contra a cobiça dos brancos. A estrada labiríntica,
porém, por veredas de areia solta, nos fez perder
o caminho e desistir do destino.
C
Poderíamos, então, ir à Prainha, visitar seu Centro de Rendeiras e ver suas jangadas de velas pintadas; ao Barro Preto, visitar Elinaldo Miranda da
Costa, o Sapinho, Mestre de Caninha Verde, ou à
Praia do Presídio, para conversar com o pessoal
do Bloco do Boi Pelado, mas preferimos ir ao Iguape, praia onde mora Klévia Cardoso da Silva. Líder
do Grupo de Dança do Coco do Iguape, Klévia, junto
com a Cacique Pequena e a Prefeita Ritelza, forma
a tríade de mulheres mais conhecidas do município. Como a fome apertou, fomos primeiro comer
uma peixada no Seu João do Caranguejo. Recebeu-nos o próprio, um senhor muito solícito, que
a todo pedido nosso, respondia: “Deixe comigo!”.
Tanta era sua solicitude que foi lá dentro e voltou
com sua pasta de dentes, para emprestar. Não
usamos, mas o peixe estava ótimo!
De volta, quando paramos numa fonte natural
para nos abastecermos de água, encontramos
uma família que fazia piquenique na beira da estrada. A filha do casal, cara de curuminha, brincava com um sagüi, chamado Papito, que ganhou
o nome porque, morta a mãe, ficou desmamado,
sendo criado comendo papinha na mão dos pais
adotivos. Voltamos à Tapera das Artes e conversamos com as meninas que assistiam aula de
informática. A adolescente coordenadora falou
do seu trabalho e disse, entre outras coisas, que
aquela era uma forma de ocupar o tempo ocioso
das crianças. Respondemos, ponderando que é
preciso deixar um tempinho para o ócio. Prontamente, Ana Amélia Resende, uma das diretoras
da Tapera, consertou, assegurando que as crianças também tinham tempo para brincar com jogos eletrônicos.
Voltamos à praça e a festa já troava alto. Gente
por todo canto, crianças principalmente. Apresentava-se o Circo Respeitável Público, do Conjunto
Palmeiras. Como sempre primoroso. Chegamos
na apresentação de Ana Karine, a Menina de Borracha. A platéia ocupava a sombra do mangueiral
frente ao palco, enquanto a Banda de Pífanos da
Tapera das Artes atacava de baião e as crianças
cantavam: “Ela só quer, só pensa em namorar”. O
UNICEF escolheu sua passagem por Aquiraz para
comemorar os seus 60 anos. Por isto a festa foi
dupla. Em entrevista para a televisão, a Prefeita fez
questão de aparecer cercada de crianças.
Os números artísticos foram vários: chorinho,
marchas e canções de roda. Todos interpretados por crianças e adolescentes. Elas cantaram
o Hino do Município que pede: “Serenai verdes
mares de Aquiraz!” Ao ouvir o apelo, um palhaço
perna-de-pau suspirou: “Oh, serenata!” Uma mocinha paquerava o palhaço e outra reclamava: “O
palhaço está de serviço, menina!” Já um menino
ameaçou dar uma rasteira no outro palhaço, chamando a atenção dos organizadores. Nesta hora,
umas meninas aproveitaram para subir no palco
e, lá de cima, dar adeus às amigas. A Prefeita,
esfuziante, mostrou o troféu para a platéia e proclamou que a cultura abre as portas da liberdade.
Patrício Fuentes disse tratar-se de um Selo concedido por uma instituição das Nações Unidas.
Buquês de flores foram oferecidos às autoridades. A Prefeita distribuiu o seu com a platéia. A
Banda tocou “Atirei o Pau no Gato” e o palhaço
regeu, fazendo mugango atrás do maestro. Klévia
dançou o coco com seu grupo de jangadeiros e
uma fanfarra de sons fez a farra. (OB)
>> 25
FORTIM
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Festa de
natal e cortejo
>> Em 6 de dezembro de 2006, às 19h
igreja de Nossa Senhora do Amparo, padroeira de Fortim, fica de costas para a cidade.
Sua fachada, no entanto, se abre para a paisagem larga do Rio Jaguaribe em sua foz. Ao lado
dela foi instalada a “Vila UNICEF – Fortim Me Faz
Crescer”, feito um arraial de São Pedro, lembrando a festa que no município se faz com regata
de jangadas e procissão de barcos, bandeirinhas
coloridas e barracas, com prendas e comidas. Sítio enfeitado de bananeiras, parecido com o de
Judas, na Semana Santa. Festa comunitária feita
as de Nossa Senhora, que em Pontal de Maceió é
das Graças, no distrito de Viçosa é da Conceição
e na sede do município é do Amparo. Nas barracas, se podia encontrar os bordados da Fazenda
Chapéu, os trançados de palha das mulheres do
Pontal de Maceió e do Córrego do Mosquito e os
cordéis do poeta e repentista de Guajiru, Geraldo
Alencar Santos.
A
No Pontal de Maceió se conta que há muitos
e muitos anos atrás, uma princesa, vítima de um
homem malvado, foi encantada em serpente e
aprisionada dentro de uma oiticica. Durante a noite, dizem também, o interior da oiticica fica claro
como o sol e ouve-se a voz da princesa, oferecendo
ouro a quem tome o seu lugar, porque só assim
seu encanto será quebrado. A Vila do UNICEF de
Fortim é um lugar assim encantado, onde as crianças são como príncipes e princesas, que reinam
felizes. Tanto é que, dentre as barracas, a mais
visitada era a da Secretaria de Saúde, onde numa
cena de brinquedo, uma mãe, representada por
um manequim, embalava uma boneca que fazia as
vezes de seu filho recém-nascido.
Tanto o palco, de cortinas ainda fechadas,
com estrelas douradas, luzes piscando, decoração vermelha e branca, quanto do lado, a vela de
jangada feito um pinheiro, tudo dizia que a festa
era de Natal. Até porque os músicos da banda de
forró ostentavam gorros de Papai Noel. O tema ficou mais explícito quando as cortinas se abriram.
Sobre a jangada, apareceu o bom velhinho e, no
centro do palco, uma lapinha viva. Uma criança
entrou vestida de anjo, anunciando a perseguição
de Herodes. Maria tomou o Menino nos braços e,
junto com José, seguiu a Estrela. O coral infantil
cantou uma música de pastoril: “Boa noite a todos na minha chegada...”.
A solenidade de entrega do Selo aconteceu em
ambiente natalino. Depois do Hino Nacional, um locutor resumiu a história do UNICEF e chamou as
autoridades. Sara, uma menina da comunidade de
Barra, emocionou a todos, cantando lindamente
“Sementes do Amanhã”. Depois o Grupo “Raio de
Sol” dançou uma canção que pede: “Eu só queria/
Que você fosse um dia/Ver as praias bonitas/Do
meu Ceará”. Em seguida, o mais bonito: meninos
e meninas, do Projeto Que História É Essa?, mostraram a arte de contar histórias. Cada criança iniciando uma delas, como a da Dona Baratinha, a do
Pai Francisco, ou a que começa assim: “Era uma
vez uma bruxa, com uma faca na mão (suspense),
passando manteiga no pão.”
O troféu saiu em cortejo pela multidão, ao som
de música carnavalesca. Fogos de artifício, como
uma apoteose, fizeram a festa virar carnaval. Em
sua fala, o Prefeito mostrou uma caneta com o
nome do UNICEF, com a qual assinou sua posse.
Contou que a recebeu naquele mesmo dia, junto
com a recomendação de que cuidasse bem das
crianças e adolescentes. Isto acontecera há dois
anos e seu compromisso com o UNICEF - simbolizado por aquela caneta que, desde então, guarda
com todo carinho - se mantinha até aquele dia.
A solenidade terminou com a banda marcial
tocando parabéns e em forró, ao som da Banda
“Mil”. Antes de irmos embora visitamos dois famosos lugares da cidade, a Calçada das Cascavéis,
guardada por senhoras simpáticas, e a árvore do
saber, onde está escrito: “Aqui você fica sabendo o
que aconteceu, o que vai acontecer e o que talvez
nunca aconteça”. (OB)
>> 27
TEJUÇUOCA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A morada do
lagarto
>> Em 7 de dezembro de 2006, às 9h
ormimos em Tejuçuoca, também conhecida
por morada do lagarto no idioma indígena.
Quando chegamos, a escuridão escondeu
as belezas do local em que ficamos hospedados,
mas a manhã do dia seguinte ficou reservada para
as surpresas. Tivemos tempo para tirar fotos e
Aline Andrade ficou encantada com uma avestruz.
Foi ali que conhecemos um pouco do artesanato
local, como os bordados de desenhos singelos e
coloridos que estampam roupas e cortinas.
D
Foi um longo caminho até a cidade, a estrada
de barro vermelho formando um contraste belo
com o céu azul. Algumas vezes passamos por
ônibus que levavam crianças para a escola. Elas
acenaram sorridentes, não pareciam saber que
estávamos para entregar o Selo, mas certamente os mamulengos chamaram a atenção. Cercada
pelas serras da Catirina e do Macaco, Tejuçuoca
é uma cidade pequena. Suas ruas estreitas, de pedra, emolduram as casas de estilo neoclássico. O
município tem apenas 17 anos de emancipação
política, mas apesar da pouca idade estava comemorando o tetracampeonato no Selo UNICEF.
Pegamos as ruas do centro da cidade em direção à Escola São Pedro, um prédio colorido no
fim de uma rua. Chegamos na hora da merenda
dos estudantes, e muitos assistiram a solenidade
com um prato na mão. A quadra estava lotada,
os uniformes denunciavam que alguns vinham de
outras escolas da região. Ninguém quis perder a
entrega do Selo.
Em frente à quadra um carrinho de madeira
pintado em cores fortes era ponto de parada para
algumas crianças. Como um baú, a carroça se
abria e expunha os livros. No acervo, estórias de
fadas, duendes, trabalho infantil e meio ambiente.
Cadeiras e mesas estavam à disposição para tornar a leitura mais agradável. Clara Braga, de 11
anos, e Reginaldo Mendes, de 13, eram os responsáveis pela distribuição dos livros. Os dois ainda
exerciam o papel de contadores de estórias para
os mais pequeninos.
Do distrito de Raimundo Sales Neto, apareceu
a Ajama Show, Associação dos Jovens Artistas
Malaquianos. O grupo reúne a meninada do distrito e ensina teatro, cordel, poesia e dança. Cerca
de 50 crianças e adolescentes deixam a ociosidade de lado para participar das atividades do grupo. Durante a solenidade, o Ajama Show preferiu
apresentar uma peça teatral. No palco, um pouco
da história da cidade e de seu povo trabalhador.
Natália Borges, de16 anos, contou que a população revive um pouco de sua história no palco.
>> 29
Na mesa das autoridades, o prefeito Eduardo Siqueira dividia espaço com os secretários,
a articuladora, os vereadores e a prefeita mirim. Cumprindo ‘mandato’ há quatro anos, a
adolescente Julimeire Costa, de 16 anos, não
escondia o contentamento em fazer parte da
mesa. Tímido, o prefeito falou pouco no discurso, mas não esqueceu de agradecer àqueles que tornaram o tetracampeonato possível,
das crianças aos secretários. Num discurso
forte, um vereador destacou o projeto “Câmara nas Escolas”, idealizado por ele, que contribuiu para o aumento de adolescentes eleitores. Tejuçuoca tem um dos melhores índices
de adolescentes cadastrados no Tribunal Regional Eleitoral.
Deixamos a escola sob os aplausos da criançada
e o barulho dos fogos de artifício. Encerramos nossa passagem por Tejuçuoca saboreando o animal
que faz a fama do município Ceará afora: o bode.
Na saída da cidade, uma placa, exibindo o animalsímbolo do município se despedindo dos visitantes,
rendeu uma foto. (AR)
itapajé
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A pedra
do pajé feiticeiro
>> Em 7 de dezembro de 2006, às 15h
or trás de montanhas cinzentas, emolduradas por um céu azul de nuvens brancas, encontramos Itapajé. As pedras que cercam
a cidade se perdem de vista, mas uma delas fica
ali, visível, qualquer que seja a localização. É a
Pedra do Frade, ou Pajé Feiticeiro no idioma indígena. Reza a lenda que a cidade do poeta Quintino Cunha testemunhou um amor proibido, como
o de Romeu e Julieta, mas desta vez as tribos
dos Manassés e Tupinambás foram as famílias
rivais. Na esperança de viver o amor com tranqüilidade, o casal tentou fugir, mas no caminho
encontrou a fúria do Pajé e seu feitiço. O feitiço
virou contra o feiticeiro e hoje só resta o Pajé
em forma de pedra.
P
Em frente ao ginásio Saraivão fomos recebidos por batuques ritmados. O município substituiu o barulho dos fogos pela banda de percussão
formada por crianças e adolescentes. Estavam
vestidos com túnicas cor da pele, bordadas com
flores num ponto cheio e colorido. As túnicas
eram fruto do trabalho das mulheres bordadeiras
que conquistaram para a cidade o título de capital
do bordado. Os tambores de alfaia produziam um
som que convidava para a dança. Formado apenas por meninos, que tinham o semblante sério e
compenetrado em fazer uma boa apresentação,
o grupo mudava o ritmo a cada apito e movimentar de mãos do instrutor. Xote, baião, maracatu e
axé eram parte do repertório.
Dentro do ginásio, mais festa. Apesar do calor,
as crianças e adolescentes não desanimaram. A
atenção da criançada se dividia entre as apresentações culturais e os pernas-de-pau que andavam
de um lado para outro no ginásio. Enquanto contava como aprendeu a se equilibrar em cima do
pedaço de madeira, o adolescente Rafael Gomes,
de 14 anos, continuava a entreter as crianças que
o cercavam. Fazia caras e bocas e até arriscou
dançar um pouco. No comando da festa estava
um palhaço muito animado que conseguia conter
a energia das crianças com brincadeiras. Antônio
Julian deixou o papel de coordenador do Mapea-
mento Cultural para se transformar em Gil, o animador de circo.
Nos festejos de Itapajé houve espaço para
todo tipo de manifestação artística. Desde a
dança contando a estória do Pajé Feiticeiro, até
a exposição dos trabalhos manuais feitos por
crianças do projeto “Criando Arte”. Pensando no
Natal, crianças do projeto prepararam cartões
natalinos, com desenhos delicados e mensagens
de paz. De olho no movimento da banca, Joerlane,
de 12 anos, disputava com as amigas quem tinha
o cartão mais bonito. No camarim improvisado, algumas meninas davam os últimos retoques na maquiagem e no cabelo. Junto com elas, somente um rapaz, Aldemir
Pereira, sabia de cor o que representava a dança
que estava prestes a apresentar. Mais uma vez a
população contava a lenda do amor proibido dos
índios. Maria Cláudia, de 13 anos, dizia que nunca
é demais contar uma estória bonita, especialmente se é tão presente na cultura de um povo.
Antes de entregar o Selo, Tati Andrade brincou com a criançada entusiasmada. Queria saber
quem tinha passado de ano e a resposta veio num
coro barulhento. A platéia itapajeense marcou a
Caravana. No discurso, o prefeito Kelson Gomes
dedicou o Selo às crianças e adolescentes. De tão
alto não precisou fazer muito esforço para erguer
o troféu e posar para a foto do tricampeonato. Enquanto tirava o adesivo que cobria o nome de Itapajé do carro da Caravana do Selo UNICEF, Kelson
anunciou que pretende repetir o ato na próxima
edição do Selo.
Os festejos de Itapajé foram coroados com
uma carreata pelas ruas da cidade, com carros,
motos e bicicletas. Do alto dos sobrados comerciais, Evilázio Bezerra tirou uma foto. Foi o registro final da nossa passagem pela cidade do Pajé
Feiticeiro. (AR)
>> 31
itarema
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Forró
no fim de noite
>> Em 7 de dezembro de 2006, às 20h
o longo da Caravana nos perdemos várias
vezes nas cidades à procura do local dos festejos e em Itarema não foi diferente. Desta
vez antes de abordarmos alguém à cata de informações aconteceu o contrário. Quando paramos
o carro da Caravana do Selo UNICEF, pensando
como encontrar a direção correta, um homem
sorridente se aproximou e tomou a iniciativa para
uma conversa. Já tinha visto a Caravana na televisão, mas queria ter certeza que estávamos ali
para entregar o Selo. Suas instruções para achar
o caminho foram precisas, “quando encontrarem a
multidão é sinal que chegaram”.
A
feitos com canetas nanquim estavam expostos.
Mostravam as culturas indígena, européia e negra, lado a lado, compondo o retrato cultural de
Itarema. Dois adolescentes, Francisco, de 14
anos, e Shélida, de 15, explicavam a quem chegava um pouco do que aprenderam ao longo de
cinco meses de Mapeamento. Apesar da pouca
idade, Francisco mostrou sabedoria ao dizer que
conhecer a história do município era preservá-la
para as gerações futuras. Sob o olhar atento do
coordenador do Mapeamento, Alexandre Mulato,
os adolescentes mostraram os brinquedos que
um dia fizeram a alegria dos pais, avós e até mesmo bisavós.
Itarema tem as ruas largas e em alguns pontos
a areia fina e branca da praia as invade. Não foi
tão difícil como pensávamos encontrar o local da
solenidade. Bastou seguir um grupo de pessoas
para encontrarmos a multidão da qual havíamos
ouvido falar. Quando o carro da Caravana apontou
na rua do Ginásio João Damasceno Rios, ouvimos
os fogos de artifício. Parecia que tínhamos ensaiado, tão sincronizados foram os fogos. Além do prefeito Robério Monteiro e da Primeira-Dama Flávia,
centenas de pessoas aguardavam a chegada da
Caravana. Carrinhos de pipoca, espetinho e sorvete completaram o cenário defronte ao ginásio.
A solenidade oficial tinha começado e a platéia
ouvia concentrada o que as autoridades tinham a
dizer. Sentados em frente ao palanque, um menino
e uma menina, em trajes de gala, pareciam imersos num universo próprio. Estavam tão compenetrados que não perceberam quando esta jornalista
sentou ao lado e espiou um pouco do que liam.
Para não atrapalhar a concentração dos dois, limitei-me a perguntar nome e idade. Durante a
apresentação, Thiago Tales, de oito anos e Odaíza
Pereira, de 9, mostraram que toda concentração
valeu a pena. As crianças surpreenderam o público tal a habilidade com que leram os textos.
A quadra esportiva transformou-se em um
belo salão de festas. O palanque estava enfeitado
com balões azuis e amarelos, e com o nome Selo
UNICEF em letras garrafais. As cadeiras no meio
do ginásio não eram suficientes para o número
de pessoas presentes. Muitas ocupavam as arquibancadas, tentando encontrar o melhor lugar
para não perder nenhum detalhe da solenidade.
O prefeito contou que desde o anúncio dos premiados em Brasília estava em polvorosa. Naquele
mesmo dia um carro de som espalhou pela cidade a notícia do bicampeonato de Itarema. A comemoração começou muito antes da chegada da
Caravana no município.
Para o prefeito, aquela noite significava o encerramento de um ciclo iniciado há dois anos, quando
decidiram participar do Selo UNICEF a favor das
crianças e adolescentes. No discurso, Robério justificou a grandiosidade da festa. Para ele, o cumprimento das metas estabelecidas merecia uma
comemoração que agradasse o principal interessado no Selo: o povo de Itarema. Como brinde à
população, foi oferecido um forró no final da solenidade. Não havia maneira melhor de terminar uma
sexta-feira. (AR)
Uma exposição do Mapeamento Cultural no
canto do ginásio atraia quem chegava. Desenhos
>> 33
CRUZ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Um muro de
ônibus escolares
>> Em 8 de dezembro de 2006, às 9h
o caminho para Cruz tomamos conhecimento da origem do município. Em torno
da cruz onde jazia o corpo de um retirante
nordestino, foram surgindo algumas casas, que
logo se tornaram um vilarejo. A área foi crescendo e deu origem a um município de ruas arborizadas e povo alegre. Da história triste resta apenas
o nome da cidade, uma forma de não deixar esquecida a realidade que ainda faz parte do cotidiano de muitos nordestinos.
N
A festa estava prevista para as 9 da manhã e,
pouco antes da hora marcada, a estátua de São
Francisco de Assis, na entrada do município, nos
deu boas vindas. Não foi difícil encontrar o local escolhido para a entrega do Selo. A Praça dos Três
Poderes fica em frente à Prefeitura, um prédio de
três andares com arquitetura moderna. Quando
chegamos só víamos ônibus escolares. Eram tantos que formavam um muro ao redor da praça. O
articulador Raí disse que estudantes das zonas rural e urbana estavam ali. Tinha feito questão que os
festejos pelo bicampeonato fossem assistidos por
eles. O esforço do articulador encorajou os pais
que também se deslocaram para a solenidade.
O palco estava montado de frente para a Prefeitura, de modo que da sacada do prédio era possível assistir de camarote a solenidade. Decorado
com tecido colorido, o palco tinha como pano de
fundo uma janela com os mamulengos de braços
abertos. “Cruz me faz crescer” eram os dizeres do
painel. Na Praça dos Três Poderes quem fez sucesso foram três meninas-bonecas sentadas na
beira do palco. Elas usavam vestidos de chita com
bolinhas brancas, e cada uma tinha o cabelo de lã
de uma cor diferente, preto, vermelho e amarelo.
Com o forte calor que fazia, algumas vezes elas
apoiavam os rostos nas mãos cansadas .
Faixas espalhadas pela praça e camisetas especialmente produzidas para a ocasião não deixavam esquecer que aquele era o segundo Selo
de Cruz. As apresentações infantis também não
deixavam passar em branco o bicampeonato. Sentados no gramado, embaixo das árvores altas,
alguns adolescentes do grêmio escolar e do programa de rádio tentavam ver o que se passava no
palco. Apesar da pouca visibilidade, eles estavam
livres do sol escaldante de dezembro. Acompanhado do professor, o adolescente José Jocivan, de
16 anos, explicou o funcionamento da rádio e seu
papel no programa. Na fala do garoto era possível
sentir o orgulho de ter participado do projeto.
>> 35
Do mesmo modo, no sorriso aberto de Raí estava estampada a animação. Era impossível não
notar que mesmo durante a solenidade o articulador não parava, acertando alguns detalhes para as
apresentações e conferindo se estava tudo certo.
Ainda arrumou tempo para prestar atenção nas
atuações das crianças e adolescentes. De fato, ele
estava vivendo intensamente cada minuto daquele dia. No discurso não cansava de repetir que os
esforços ao longo dos últimos dois anos valeram a
pena, principalmente porque os maiores beneficiados eram os pequeninos do município.
Um misto de alegria e alívio deu o tom do discurso do prefeito Jonas Muniz. Depois que a cidade conquistou o primeiro Selo houve a cobrança
pelo segundo, por isso a expectativa era inevitável.
A multidão não economizava nos aplausos e assovios, um reflexo de aprovação ao gestor. Em frente
ao carro da Caravana do Selo UNICEF, prefeito e
Primeira Dama ergueram o troféu do Selo. Era o
retrato do bicampeonato. (AR)
JIJOCA DE JERICOACOARA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Muito mais que
dunas
>> Em 8 de dezembro de 2006, às 15h
edra furada, dunas douradas que se perdem de vista e praias paradisíacas são as
primeiras imagens que vêm à mente quando
se pensa sobre Jijoca de Jericoacoara. Durante
nossa passagem pelo município, ficou claro que o
município é muito mais que um paraíso turístico.
Jijoca mais parece uma vila, onde o tempo passa
devagar e o povo fala manso, sem pressa. A sensação é de que aproveita melhor a vida. As ruas são
estreitas, talvez porque não haja muitos carros na
cidade. A bicicleta parece ser o meio de transporte mais usado entre os habitantes. Sempre se via
uma em frente às escolas, no mercadinho, na porta das casas.
P
Chegamos no meio da tarde, quando o sol começava a esconder-se por trás das dunas. Nosso
destino era o Núcleo de Arte, Educação e Cultura
– Neac. As colunas altas e as escadarias na frente
do prédio lembram um palácio. O local fora inaugurado recentemente e ainda cheirava a tinta fresca.
A articuladora do Selo, Maria Vera Vasconcelos,
nos conduziu num passeio pelo local. Ali as expressões culturais afloravam nas mãos da população
jovem. Teatro, música, artes plásticas e artesanato num mesmo espaço e à disposição das crianças e adolescentes.
Na sala de artes plásticas cerca de cinco crianças não viam o tempo passar. Alunos do curso de
pintura, eles colocavam na tela imagens de Jijoca. A igreja de Santa Luzia, o pôr-do-sol e a lagoa
ganhavam novas cores e perspectivas do ponto
de vista dos pequenos artistas. Não precisavam
de um retrato para o desenho, bastava fechar os
olhos para que surgisse na mente o traçado. Valdeci Alves era um dos mais dedicados. Em apenas
um mês de curso o garoto já exibia quadros com
traços firmes e precisos. Algumas salas adiante,
adolescentes ensaiavam passos de dança e na outra tiravam os primeiros sons da flauta.
Quando as portas do teatro se fecharam, as
cortinas vermelhas do palco se abriram, revelando a Orquestra Sinfônica e o Coral Municipal, am-
bos compostos por crianças e adolescentes. Sob
a regência de Gildson Carvalho, eles cantaram e
tocaram versões de Luiz Gonzaga e Beatles, reis
do baião e do rock, numa mesma apresentação.
O maestro era exigente, por algumas vezes gritava e nos movimentos rápidos de suas mãos se via
que ele passava uma mensagem. A versão clássica para uma composição do rei do baião rendeu
pedidos de bis. Deixaram o palco com o público
aplaudindo de pé. Nos fundos do teatro, meninos
suados, ávidos para se livrarem da gravata e da
camisa. No bate-papo com alguns deles, se descobre um pouco de seus sonhos e expectativas.
Para tocar na entrega do Selo, Valdécio Pessoa,
de 16 anos, teve que percorrer 22 km de bicicleta, um exercício forçado que é cumprido diariamente para participar dos ensaios. Não precisou pensar muito para dizer que estava correndo
atrás de um sonho.
A adolescente Jackeana Brandão, de 17 anos,
era a cerimonialista. Sozinha no palco a menina não
teve dificuldades com a função. Depois de receber
o certificado e o troféu do Selo, o prefeito Sérgio
Jimenez foi convidado para falar. Quase não conseguia ler o discurso. Havia esquecido os óculos em
casa, mas não hesitou em pedir emprestado os de
Tati Andrade. O momento rendou boas imagens e
risadas. A fala do prefeito foi rápida. No papel apenas os nomes das pessoas que precisava agradecer e algumas brincadeiras para descontrair a
platéia. De bom humor, Sérgio tirou lentamente o
adesivo com o nome da cidade. A cada letra uma
pose para as fotografias.
Nossa passagem por Jijoca de Jericoacoara
foi breve, não sobrou tempo para ver o sol “mergulhar” no mar chamando a noite, mas foi o suficiente para prover de boas lembranças o resto da
viagem. Para os que não conheciam o município, o
tão aguardado passeio pelas praias do município
ficou para a próxima viagem. (AR)
>> 37
MORRINHOS
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Festa na
praça
>> Em 8 de dezembro de 2006, às 20h
orrinhos é uma cidade acolhedora e de
povo sorridente. Quando chegamos já tinha anoitecido e a população começava a
se recolher em casa, mas fomos bem recebidos
pelo clima ameno e vento fresco. Durante nosso
passeio pela cidade ficou a impressão que em toda
esquina tinha uma praça. Todas com um jardim
bem cuidado, árvores decoradas com luzes coloridas e casais namorando aqui e acolá. A praça para
entrega do primeiro Selo UNICEF do município ficava próxima ao centro comercial. Era a maior de
todas, mas naquele dia a quantidade de pessoas
era tão grande que até pareceu pequena.
M
Sexta-feira é dia de festa, talvez por isso a praça estava tão cheia de gente. Na maioria eram
adolescentes e jovens que ficavam em volta dos
carros assistindo as disputas do som com maior
potência. O ritmo não poderia deixar de ser o forró
em alto e bom som para quem quisesse, ou não,
ouvir. Além dos carros, motoqueiros e pedestres
tomavam conta das ruas ao redor da praça, provocando um pequeno congestionamento. O movimento nas ruas era tanto que Ferreira, o motorista, precisou dar várias voltas até encontrar o local
ideal para estacionar. Achou uma vaga espaçosa
entre o palco e a quadra poliesportiva, ao alcance
da vista de qualquer pessoa. O carro da Caravana
do Selo UNICEF tomou grande parte do espaço em
frente ao palco e, outra vez, foi o centro das atenções na festa.
Como a noite já estava avançada, eram poucas
as crianças nos festejos de Morrinhos. Aquelas
que conseguiram sair de casa passaram a maior
parte do tempo se divertindo no parque de diversões montado na praça. O carrossel, o bate-bate
e a roda gigante eram os brinquedos mais procurados pelas crianças. Por alguns minutos, Evilázio Bezerra, o fotógrafo, voltou à infância e fez
um passeio na roda gigante. O momento rendeu
uma foto panorâmica da festa. O parque de diversões não foi o único a fazer sucesso. Aline Andrade
conquistou admiradores e recebeu até um bilhete
marcando encontro na entrada da roda gigante.
Ela não apareceu ao encontro, mas o bilhete ficou
guardado como lembrança de nossa passagem
por Morrinhos.
O tamanho do palco não foi suficiente para abrigar todos os participantes do Grupo de Teatro do
Município, mas nada que impedisse os adolescentes de mostrarem seus talentos. O palco era tão
pequeno que a escada acabou se transformando
em coxia improvisada para os atores que se amontoavam aguardando o momento de entrar em
cena. Também era ali que eles davam os últimos
retoques na maquiagem e figurino. Gravidez na
adolescência foi o tema escolhido pelo grupo. De
forma engraçada eles mostraram os desafios da
maternidade precoce. Longe do tablado, Mendson
Silveira e Iran Nascimento, atores do grupo de teatro, contaram as dificuldades e o prazer de fazer
arte. Os dois representavam o pensamento das
35 crianças e adolescentes que formam o Grupo
de Teatro do Município, jovens artistas que fazem
de qualquer local um espaço para a arte.
Franzé da Aurora, homem de voz grave e sorriso fácil, era o mestre de cerimônia dos festejos.
Conhecido locutor de rádio na região, Franzé arrancava aplausos e assovios da platéia sempre
que ficava no meio do palco. Para chamar as autoridades Franzé fazia uma apresentação cheia de
floreios. A primeira a falar foi Tati Andrade. Brincou com a platéia para em seguida destacar os
índices do município e lançar o convite para que
participem da próxima edição do Selo. Com o troféu e certificado em mãos, o prefeito Airton Júnior
lembrou que quando passava pelos municípios que
exibiam a placa de Município Aprovado sentia uma
pontinha de inveja, o que serviu de incentivo para
continuar a se inscrever no Selo. Agora, Morrinhos, também, poderia exibir, orgulhoso, sua conquista. Deixamos a praça quando uma banda de
forró começava a chamar o povo para a dança. A
noite ainda era uma criança para as pessoas que
estavam na praça. (AR)
>> 39
forquilha
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Cidade nova e
canteiro de sonhos
>> Em 9 de dezembro de 2006, às 9h
encontro das águas do Rio Madalena com
o Riacho Oficina forma o desenho de uma
forquilha, originando assim o nome do município. A cidade fica ao lado de Sobral. Por isto,
por muitos anos, as duas cidades estavam sob o
comando do mesmo gestor. A emancipação política conquistada em 1985 trouxe o progresso para
Forquilha e orgulho para os moradores que há tanto queriam autonomia. Conta o prefeito, Edmundo
Rodrigues, que a cidade é tão nova que é difícil encontrar entre os moradores um forquilhense.
O
Não foi difícil identificar a entrada de Forquilha.
Um monumento de ferro, no formato do utensílio
que dá nome à cidade, fica na entrada do município
dando as boas vindas aos visitantes. Ao lado dele,
uma faixa que divulgava o bicampeonato no Selo
UNICEF dava a certeza que tínhamos chegado ao
nosso destino. Naquele sábado de manhã a cidade ainda estava acordando, o comércio abria as
portas aos poucos clientes que tinham despertado
tão cedo. Chegamos fazendo buzinaço para acordar a cidade.
Nossa parada era a Escola Modelo, um prédio
novo no alto de uma ladeira de onde se avista boa
parte de Forquilha. O dia estava ideal para as crianças dormirem até um pouco mais tarde, porém
muitas delas já estavam em frente à escola nos
aguardando. O carro da Caravana do Selo UNICEF
foi cercado pela criançada que prestava atenção
em todos que desciam, cada um era acompanhado por um grupo de crianças escola adentro. A decoração do ginásio era de balões azuis e amarelos,
disputados pelas crianças que competiam para
ver quem conseguia mais balões. O público parecia
estar dividido entre crianças e adultos. No centro
da quadra, as cadeiras pequenas e coloridas eram
ocupadas pelas crianças, enquanto o público mais
velho ficava na arquibancada.
Um tablado de madeira fez o papel de palco,
ideal para que as crianças tivessem uma visão
privilegiada do que acontecia. Muita coisa boa foi
apresentada no tablado. Acompanhado pelas palmas da platéia, o repentista Francisco Neto, um
seguidor do mestre Patativa do Assaré, improvisou
suas rimas, numa cantoria rápida embalada pelo
violão. Tão animados quanto Francisco estavam
os rapazes do “Penetras do Forró”. Formada por
irmãos com deficiência visual, a banda mostrou,
além do talento, muita força de vontade. Quando a
música fez os mais entusiasmados arriscarem alguns passos, o locutor lembrou a entrega do Selo.
O arrasta pé ia ficar para depois.
>> 41
O mestre de cerimônias chamou o prefeito
ao palco e acabou revelando um apelido inusitado: Edmundo ‘Pitbull’ Rodrigues. Agora estava
explicado o porquê de tantos desenhos de ‘pitbulls’ de olhos azuis nos muros da cidade. O
prefeito aceitava de bom grado o apelido peculiar. Na fala de Edmundo o tom era de satisfação
pelo reconhecimento do trabalho desenvolvido
no município. Falou dos projetos realizados pelas secretarias e da vontade de participar das
próximas edições do Selo. Encerrou o discurso
convidando para a carreata do bicampeonato.
As crianças ocuparam as carrocerias das camionetes num instante. Elas pulavam e gritavam a cada
estouro dos fogos de artifício, a cada morador que
passava na rua. Seguimos os carros pelas ruas de
Forquilha. A cidade já estava bem acordada e ao longo da carreata alguns carros e motos se juntaram
a nós. Antes de deixar o município, visitamos a horta
cultivada por adolescentes dos Canteiros Encantados. Havia um pouco de tudo, alface, couve, agrião
e por aí vai. O produto mais importante não estava
visível aos olhos, eram os sonhos e anseios de cada
adolescente envolvido no projeto. Esperamos que
aquela horta renda muitos ‘frutos’. (AR)
SOBRAL
O Ceará de Curumins e Curuminhas
,
Onde
Didi
deu suas primeiras cambalhotas
>> Em 9 de dezembro de 2006, às 15h
obral tem muitas histórias para contar. Foi
nos céus daquela cidade calorosa que o
cientista Albert Einstein comprovou a teoria da relatividade. Ali nasceu o Embaixador do
UNICEF no Brasil, Renato Aragão, que embora
sem nenhuma promessa anterior, era aguardado pelas crianças em várias cidades por onde a
Caravana passou. Ferreira, o motorista, que por
diversas vezes fez papel de guia turístico, disse
que alguns parentes de Didi ainda moram num
dos casarões bem conservados do centro. Em
Sobral o ‘trapalhão’ deu os primeiros passos na
vida artística. Ou seriam cambalhotas?
S
Vestido com roupas de agricultores e com enxadas na mão, um grupo de meninos e meninas
dançou o cotidiano do homem do semi-árido. Na
letra da música a espera da chuva, o cultivo da
terra e a colheita. Mostrou a bravura do homem
nordestino mesmo diante das dificuldades. Cada
adolescente ou criança presente na solenidade tinha uma participação no tetracampeonato de Sobral. Eles estavam recebendo o troféu também.
Representando os 70 adolescentes que realizaram o Mapeamento Cultural, Thaís, Alex, Karlene
e Sávio contavam as descobertas feitas nos últimos meses. Histórias esquecidas, imagens resgatadas nos desenhos e o passado preservado.
Chegamos em Sobral no auge do calor que tanto faz a fama do lugar. Nossa passagem pela fidelíssima cidade, como era conhecida antigamente,
incluiu um passeio no centro comercial. Naquele
dia, a impressão que dava era que Sobral inteira
resolveu adiantar as compras de Natal, pois era
um mar de gente pelas ruas, todos com sacolas
de todos os tipos e cores. Deixamo-nos ‘perder’
nos cem metros do Beco do Cotovelo. Perdidos
entre as ruas movimentadas do centro, encontramos um local em que as pessoas pareciam alheias
ao que acontecia em volta, imersas no dominó e na
conversa sem pressa com os amigos. A vontade
era de sentar ali e deixar o tempo passar devagar.
Pena que o passeio foi cronometrado por seu Ferreira, que já estava a postos buzinando em alto e
bom som. O passeio estava bom, mas era preciso
pegar o rumo para o Centro de Convenções.
Fora do auditório, uma roda de capoeira se
abria. Ouvíamos palmas, som do berimbau e
cantoria. No centro da roda, as duplas mostraram seus gingados. Abram alas que a Legião
Brasileira de Capoeira vai passar! De tão pequena quase não se via Clarice, que aos três anos
era a mais nova do grupo. Mas nem por isso
a menina mostrava menos ginga. Clarice tinha
a timidez típica das crianças na presença de
estranhos. Escondia-se atrás da perna da tia a
cada pergunta, mas bastava pedir que mostrasse seu gingado e a menina se punha a dançar
capoeira. O adiantar da hora não permitiu que o
grupo se apresentasse no auditório. Mas lá fora
era possível assistir um show particular, a título
de ensaio.
Deparamos-nos com um prédio de arquitetura
moderna, muito diferente dos casarões históricos que tínhamos visto até então. Em frente ao
salão Saturno, local da solenidade, painéis enormes mostravam os projetos nos quais crianças
e adolescentes do município estavam envolvidos.
Meio ambiente, cultura, educação, esporte, projetos para todos os gostos e idades. Mesmo sendo
um sábado à tarde o auditório ficou lotado. Alguns
ficaram em pé e outros dividiram as cadeiras com
os amigos. O espírito acolhedor do sobralense acomodou todo mundo.
Em frente ao carro da Caravana do Selo UNICEF, Francisco Ivanildo, de 13 anos, entrevistou
Tati Andrade. Gravador em punho, o adolescente
tinha as perguntas prontas num pedaço de papel.
Como um jornalista experiente, também fez perguntas ao prefeito e chamou a atenção dos outros
‘colegas’ de profissão. O prefeito Leônidas Menezes afixou o nome de Sobral no carro da Caravana.
Passamos por mais uma cidade da nossa jornada
pelo Ceará. (AR)
>> 43
meruoca
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Recebidos pelos
Beatles
>> Em 9 de dezembro de 2006, às 19h
estrada que nos levou até Meruoca é cheia
de surpresas. Subimos a serra no fim de
tarde, quando o pôr-do-sol dá ao céu um colorido diferente. A cada curva sinuosa a natureza
nos surpreendia com uma paisagem ainda mais
bonita. Dizem que lá, do alto de uma pedra, é possível ver as dunas de Jericoacoara. Cada ponto
da serra é cenário de uma lenda diferente. Numa
gruta vive uma princesa encantada, uma cobra
de veado de 18 metros esconde-se numa loca de
pedra e uma loura nua aparece sobre uma colina
em dias de lua cheia. Por azar não encontramos
nenhum desses personagens.
A
Meruoca é cheia de casas coloridas, coladas
umas às outras, e ruas de pedras. A população
se divide entre o campo e a cidade, num equilíbrio
perfeito. O comércio local se resume a algumas
quitandas. Certamente a proximidade de Sobral
desencoraja os moradores a incrementar o comércio. Esta combinação de cidade tranqüila com
o clima ameno atrai turistas de todo o Ceará. Sentimos na pele o frio que faz o sucesso da cidade.
Tínhamos saído de Sobral e naquela noite ninguém
estava preparado para o frio serrano.
Em frente à praça principal, um palco estava montado e algumas pessoas, na maioria
adolescentes, aguardavam o início de uma
festa. À espera da banda, o público escutava
um funk em volume máximo. Seu Ferreira por
pouco não parou o carro da Caravana do Selo
UNICEF pensando que tínhamos chegado ao
local da festa. Mas nosso destino era o Centro
de Treinamento Sobralense, mais conhecido
por Cetreso, que fica no meio de uma ladeira
colado às outras casas. Quando chegamos, a
Banda Municipal já estava a postos, por isso
bastou o carro da Caravana apontar no começo da ladeira para que tocasse uma música dos Beatles. Mais uma vez chegamos em
grande estilo.
A banda tocou mais alguns ritmos antes de
entrarmos. O maxixe e o samba animaram quem
estava por perto. Olhando a quantidade de pessoas fora do Cetreso, era de se imaginar que não
caberiam todas. A fachada do local se resumia a
uma porta e janela estreitas. Não fosse o nome
em frente poderia se pensar que era apenas
mais uma casa. À medida que entrávamos mais
salas iam se revelando ao longo dos corredores
compridos. No meio, um espaço para plantas e
árvores frutíferas. Ninguém perdeu a festa.
Todos estavam acomodados no auditório quando se ouviu ao fundo uma loa. Um boi muito colorido e enfeitado, seguido por meninos, invadiu o
auditório. Antes mesmo de começarem a se apresentar, arrancaram aplausos da platéia. Sinal que
eram conhecidos entre os meruoquenses. O reisado Arco Íris cantou uma loa engraçada e o boi
dançou desde o forró até o samba. O grupo existe
há apenas três anos, e nasceu a partir da iniciativa de Francisco Eliomar, de 13 anos, que depois
de assistir uma apresentação de reisado resolveu
montar o próprio grupo. Convidou amigos da vizinhança e desde então o menino passou a ser conhecido por Eliomar do Boi. Alguns pedaços de madeira e um tecido deram origem ao primeiro boi.
Na mesma noite em que foi construído dançou até
deixar a garotada cansada. O material frágil não
resistiu por muito tempo. Nem por isso o grupo desanimou, e confeccionou um segundo, com ferro.
A dedicação dos garotos do Arco Íris foi parar no
CD e no DVD do Mapeamento Cultural. No final da
apresentação recebemos um desses CD´s, para
com outros, compor a trilha sonora da Caravana.
Nos discursos os secretários tiveram espaço
para falar do trabalho desenvolvido. Cada um contou as dificuldades e metas alcançadas. O prefeito
João Coutinho preferiu falar pouco e receber logo
o troféu, adesivando em seguida o nome do município no carro da Caravana. (AR)
>> 45
viçosa do ceará
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Carnaval
fora de época
>> Em 10 de dezembro de 2006, às 10h
içosa é a primeira cidade da serra de Ibiapaba. Vista do alto parece com aquelas cidades que existem apenas na imaginação dos
pintores. Passear por suas ruas limpas e repletas
de flores é uma viagem ao passado. Casarões e
prédios históricos bem conservados passam a
sensação de que acabaram de ser construídos.
Cada esquina tem uma história para contar, seja
a do casarão que hospedou o Conde D’eu, seja as
das igrejas construídas pelos jesuítas. Difícil não se
encantar pelo município.
V
Eram tantas atrações na festa que ficava até
difícil prestar atenção em só uma. No palco e
fora dele só se via a cultura e a alegria que tanto
atraem os visitantes a Viçosa. A mata fechada
com árvores altas, formando um plano de fundo
bonito para o palco, combinava com as danças
apresentadas pelas crianças, que pediam mais
cuidado com o meio ambiente. As irmãs Edna e
Márcia Rodrigues, do programa de rádio Sintonia
Jovem, comandaram juntas a solenidade no papel
de mestres de cerimônia. Agitaram a platéia, ao
lado de adolescentes vestidos de índios.
Na entrada de Viçosa a movimentação era
grande para um domingo de manhã. De longe
avistamos uma fila de carros parada no acostamento e tentamos entender o que acontecia.
Daniela, a articuladora do Selo, veio em nossa
direção e explicou que estavam à nossa espera
para uma carreata pela cidade. Tomamos nosso
lugar, logo atrás de um trio elétrico muito enfeitado que tinha o axé e as músicas do Grupo Rebelde como repertório. Em cima do trio, crianças
e adolescentes brincavam de palhaços, Emílias
e outras personagens do universo infantil. Entre
uma música e outra gritavam ‘Uh, é UNICEF! Uh,
é UNICEF’, como um grito de guerra. Aline Andrade e Tati Andrade não pensaram duas vezes,
subiram no trio e, contagiadas pelo ritmo, não
pararam de pular.
Longe do público, o prefeito José Firmino tinha um jeito reservado, daqueles que economizam nas palavras. Com um microfone na mão
porém não poupou palavras, discursando sobre
o bicampeonato. Destacou ações inéditas desenvolvidas em Viçosa, onde as agentes de saúde usam moto. Sentadas debaixo da árvore, as
agentes vibraram quando foram citadas. Daniela, a articuladora do Selo, preferiu falar do orgulho pelo bicampeonato e como cada um teve
participação na conquista. Os grupos do Mapeamento Cultural, Meio Ambiente e Grêmio Escolar
usavam camisetas, como que para marcar presença e mostrar sua participação na conquista
de mais um Selo para o município.
Os festejos de Viçosa aconteceram no Pólo
Turístico e Artesanal Igreja do Céu. Dois caminhos levam até o Pólo: os 334 degraus da escadaria ou as ruas tortuosas passando pelos
prédios antigos. Ninguém quis arriscar as escadarias. Então subimos pouco a pouco as ruas
de Viçosa até chegar à festa. A brinquedoteca
e uma feira de artesanatos e quitutes do município davam à festa um ar de quermesse. Era
criança correndo para tudo quanto é lado. Só paravam na hora de ter o rosto pintado. Ao fundo,
a igreja de Nossa Senhora das Vitórias, com um
Cristo de braços abertos, abençoando Viçosa. O
local não podia ter sido mais apropriado para os
festejos do bicampeonato.
Antes de deixar Viçosa, uma parada na casa
dos sabores e cheiros. A Casa dos Licores, comandada por “Seu” Alfredo, o anjo do pife, é um convite
à boa música e à comida. As paredes são repletas de licores, doces e geléias de todos os tipos,
do chão até o teto. Por sorte tivemos a chance
de conversar um pouco com aquele senhor de 92
anos e fala mansa, que contou ter aprendido a tocar com um curumim. Entre um assunto e outro,
um sopro vigoroso e dedilhado ágil no pife de taboca entoou o “Xote das meninas”. Enquanto Alfredo
tocava, nós nos deliciávamos com as petas molhadas na geléia de pimenta. (AR)
>> 47
croatá
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Miniaturas do
troféu
>> Em 10 de dezembro de 2006, às 15h
roatá exibia orgulhosa uma réplica gigante do
troféu do Selo UNICEF Edição 2000 na entrada
da cidade. Cercada por um jardim com flores
coloridas, a casa representava o tetracampeonato
do município. Ali, dois carros de polícia estavam a
nossa espera. Sob a escolta deles chegaríamos ao
local da festa, o Espaço Cultural. Durante o caminho
o carro da Caravana do Selo UNICEF deu algumas
voltas pelas ruas da cidade e vez por outra acionava
a buzina. O barulho tirava as pessoas de casa naquele domingo à tarde e encorajava a criançada a
correr atrás do carro da Caravana.
C
Encontramos Croatá vazia. Nas ruas um ou
outro morador colocava uma cadeira na calçada
para assistir televisão. Assim espantava o calor
abafado e observava o movimento. Dizem que em
cidades do interior somente missa e festa tiram o
povo de casa. Nas ruas do entorno do Espaço Cultural o cenário era outro. Tivemos a impressão que
toda população estava concentrada naquele ponto
da cidade. Crianças e adultos apertaram o passo
quando viram a Caravana chegar para os festejos.
Por certo queriam garantir visão privilegiada. Não
era horário de missa, mas tiramos os croatenses
de casa. Com tantas faixas espalhadas pela cidade
ficava difícil não se contagiar pela comemoração
do tetracampeonato do município.
O Espaço Cultural de Croatá é um galpão aberto, e uma mistura de cores e formas na decoração
dava uma cara alegre ao ambiente. Chitas estampadas e balões coloridos estavam espalhados pelo
salão. As crianças até arriscavam pegar os balões
para iniciar uma nova brincadeira. Na sala atrás do
tablado, uma fila se formara. A euforia era muita,
mas ninguém ousava furar a fila. Ali uma equipe da
prefeitura distribuía as camisetas ‘Croatá me faz
crescer’, com a casa 227 estampada.
As cadeiras dispostas no salão não foram suficientes para acomodar todo mundo, mas cada um
deu seu jeitinho. Ora dividindo a cadeira com amigos, ora sentando no colo deles ou em pé, tentando
achar melhor localização para não perder nada. No
tablado ficavam as autoridades. O espaço em frente
a ele ficou reservado para a cultura de Croatá.
Na primeira apresentação, as crianças do “Vamos Fazer Arte” mostraram seu talento. Sopros
suaves na flauta davam o tom das canções. Na segunda, ao som de “Flor do Mamulengo”, um rapaz
virava uma boneca de pano de um lado para o outro, jogava para cima e sacudia com tal força que
dava a impressão de que os braços desgrudariam
do corpo. A boneca mantinha a cabeça encostada
no ombro do garoto, enquanto o corpo se remexia,
ganhando vida ao som da música. Algumas vezes
a boneca piscava, mas os movimentos eram tão
perfeitos que custava acreditar que era uma menina, não de pano, mas de carne e osso. Somente
no final da apresentação a boneca ganhou vida em
definitivo e transformou-se em adolescente pedindo aplausos pelo talento.
A prefeita Aurineide adiou um pouco a entrega do troféu e certificado por mais uma conquista no Selo. Antes de receber o troféu oficial,
ela fez questão de entregar uma réplica aos secretários, vereadores, ao articulador e a tantos
outros que participaram da conquista. Foi uma
maneira de agradecer e mostrar que cada um
teve seu papel no tetracampeonato. Em discurso
inflamado, um dos vereadores também agradeceu à prefeita e agitou a platéia. Com o fim da solenidade deu-se início à festa da culinária. Duas
barracas eram disputadas pelo público. Nem
mesmo a fila extensa tirava o ânimo das pessoas. Picolés, pipocas, cocadas, bolos de banana
e macambira estavam tão gostosos que valia a
pena a espera. (AR)
>> 49
hidrolândia
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Cadê
Didi, Didi, Didi
>> Em 10 de dezembro de 2006, às 20h
idi, Didi, Didi”. Um coro de centenas de
crianças gritava pelo nome do personagem de Renato Aragão, Embaixador do
UNICEF no Brasil. Enquanto Seu Ferreira estava à
procura de um local para estacionar, as crianças
seguiram e subiram no carro da Caravana do Selo
UNICEF. Tentavam enxergar além do adesivo, alguns até diziam ter visto Renato Aragão, que não
acompanhava a Caravana.
“D
Nada abalou a alegria das crianças pela festa.
No minuto seguinte já corriam em direção às outras atrações na praça. Tinha um pouco de tudo,
pipoca que saia quentinha do carrinho prateado e
música no volume máximo convidando para dançar. Os adolescentes aproveitavam para paquerar.
Cada um, à sua maneira, encontrava um jeito de
curtir os festejos. Fábia Silva aproveitou para levar
o filho João para passear. Mesmo sem entender
o que acontecia, o menino de dois anos aplaudia
sempre que ouvia as palmas da platéia.
Quando o prefeito Afrânio Martins chegou
acompanhado da família, um empolgado morador
da cidade correu para abraçar seu filho caçula. O
menino respondeu ao gesto com um sorriso meio
assustado. Mais acostumado com o entusiasmo
da população, Afrânio parou algumas vezes para
receber o carinho dos fãs. A distância era pequena, mas havia tanta gente que ficou a impressão
de que o caminho era bem mais longo.
Um coreto decorado por balões fez o papel
de palco. De qualquer posição se podia ver o que
nele se passava. Ainda assim, alguns se arriscavam subindo nos bancos e nas partes mais altas
da praça, em busca de um ângulo melhor. Comandado pela presidente do COMDICA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), Flávia Rachel, um coral de crianças
subiu no coreto tomando quase todo o espaço.
As autoridades se apertaram num canto para
dar lugar a atração do momento. O coral cantou e seduziu o público com vozes disciplinadas
e alegria no sorriso.
No minuto seguinte as atenções se voltaram
para outra apresentação. Desta vez as crianças
não subiram no coreto, mas ficaram ali, no espaço que a multidão cedeu. O grupo de Reisado tinha saído de uma fazenda distante, especialmente
para se apresentar na entrega do primeiro Selo de
Hidrolândia. Aos dez anos, Jonas Alves, hipnotizado pelos movimentos do Boi, decidiu entrar para o
grupo. Passados dois anos, o menino ainda se diz
seduzido pelo Boi e pelos aplausos que conquista
ao final de cada apresentação. Ao ouvir a história
do amigo, Benício Santos, de 14 anos, foi logo dizendo que o Reisado vicia. Falou com tanta propriedade que ficou difícil não acreditar no garoto.
>> 51
Antes mesmo de começar a falar, o prefeito
foi saudado com aplausos. No discurso, Afrânio
referiu-se diversas vezes à sensação de dever
cumprido e à superação de obstáculos, como a
implantação do COMDICA e a redução da mortalidade infantil. Cada meta citada tinha como
resposta os gritos e aplausos da população. O
discurso foi coroado com um show pirotécnico,
que numa profusão de cores e formas deixou o
céu de Hidrolândia ainda mais iluminado naquela
noite de domingo.
Em Hidrolândia não fomos recepcionados pela
escolta policial, mas fomos acompanhados por ela
até a cidade seguinte. Ao longo dos trinta quilômetros até Santa Quitéria seguimos o azul e vermelho
da luz do carro de polícia. Fechamos o domingo
com uma pequena aventura. (AR)
CATUNDA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Cidade de
curvas femininas
>> Em 11 de dezembro de 2006, às 9h
atunda é uma cidade pequena, de ruas estreitas. O comércio se resume a uma ou
outra quitanda. Há muito tempo a cidade
era chamada Madalena e talvez por isso, suas
ruas sejam tão sinuosas quanto as curvas femininas. As casas geminadas quase sempre têm
uma árvore plantada na calçada, embaixo da
qual os moradores gostam de observar o tempo passar, admirando os rostos diferentes dos
visitantes e o céu azul de poucas nuvens. O primeiro Selo do município estava estampado nos
carros e ônibus escolares. Para onde quer que
se olhasse, uma faixa, um adesivo ou uma camiseta contava o feito de Catunda no Selo UNICEF.
Daquela maneira nenhum morador esquecia a
conquista da cidade.
quele dia, mas a mãe de primeira viagem acabou
ficando para a festa e foi premiada no sorteio
com um kit para seu bebê.
Em frente ao posto de gasolina, na entrada do
município, uma carreata já estava a postos. Carros, motos, ônibus escolares e até mesmo bicicletas faziam parte da carreata. Um carro soltava
fogos abrindo espaço pelas ruas de Catunda, para
anunciar que a Caravana do Selo UNICEF estava
passando. Embaixo de uma árvore, na calçada,
um senhor meio sisudo, que observava todo aquele burburinho em plena segunda-feira, foi clicado
pelas lentes do Evilázio Bezerra. A travessura do
nosso fotógrafo lhe rendeu uma tapinha de repreensão nas costas. Não foi preciso andar muito,
porém, para percorrer as principais ruas de Catunda. Logo chegamos ao nosso destino, a Fábrica
de Arte e Cultura - FAC.
Os discursos das autoridades mostraram
as realizações de cada secretaria. Projetos de
educação, saúde e lazer que permitiram que Catunda pudesse celebrar seu primeiro Selo UNICEF. Por trás das palavras, o desejo de manter
o reconhecimento e ultrapassar mais desafios.
Para o prefeito Francisco Ernani, o bi, o tri e o
tetra são agora desafios a serem vencidos pelos moradores e gestores públicos. A fixação do
nome de Catunda no carro da Caravana do Selo
UNICEF foi, sem dúvida, um dos pontos altos da
festa. Bastou anunciar que o prefeito deixaria
marcado o nome no carro da Caravana, para
que meninos e meninas corressem eufóricos
em direção ao veículo. O prefeito fez surgir, letra
por letra, o nome do município no carro. Com o
troféu na mão, posou para as fotos ali mesmo,
cercado pela criançada alegre.
C
A fachada simples da FAC esconde um interior alegre, com piscinas e muitas salas para as
atividades. É ali que muitos moradores do município dão vazão à arte, seja na música, nos trabalhos manuais ou na dança. Numa sala pequena, as mulheres do projeto GestAção trabalham
as peças miúdas do “biscuit”. Laços, pirulitos e
flores enfeitam os potes e outros objetos que
compõem um enxoval de bebê. Mesmo com quase nove meses de gestante, a dona-de-casa Ana
Paula foi até lá para mais um dia de aula. Por
conta dos festejos do Selo não houve aula na-
Um dos únicos salões cobertos do FAC foi escolhido para a entrega do Selo. O sol forte e o calor
impediram que a entrega fosse realizada ao ar livre. Assim como as autoridades na mesa, a platéia
se espremia para que mais pessoas pudessem
assistir a solenidade. As apresentações culturais
mostraram, sobretudo, as danças. À primeira vista
era difícil encontrar algo em comum entre a capoeira e o hip-hop, mas cada um, à sua maneira, tinha algo que provocava um brilho no olhar de seus
participantes. No fim das contas o público também
era tomado por aquele encantamento e acabava
aderindo ao ritmo.
Partimos de Catunda com o mesmo calor humano e climático com que fomos recebidos. Sol a
pino e crianças se despedindo como se há muito
nos conhecêssemos. (AR)
>> 53
TAMBORIL
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Um congresso de
escritores mirins
.>> Em 11 de dezembro de 2006, às 15h
hegamos a Tamboril com tempo suficiente
para uma parada de descanso. Um banho
gelado seguido de um cochilo na rede ajudou a amenizar o calor da cidade. Houve até pausa para uma partida de jogos de mesa durante o
almoço. Luciana Bayer se revelou uma excelente
jogadora e derrotou até Seu Ferreira, o motorista.
Como pano de fundo, o cenário do sertão cearense. O sol estava tão forte que ficou difícil não fazer
careta sem os óculos escuros. A mata ainda estava seca pela falta de chuva, mas o céu era um
dos mais belos entre as cidades que passamos.
Nuvens tão brancas que mais pareciam bolas de
algodão flutuando na imensidão do céu azul.
Antes mesmo da festa pela comemoração
do tetracampeonato no Selo UNICEF começar,
fomos recebidos com uma pequena celebração
reservada para as autoridades e nossa equipe.
Foi uma ótima oportunidade para conhecer quem
faz e como se faz a política do município. A Secretária de Saúde, Adelaide Rodrigues, contou como
chegou aos 98% de crianças vacinadas. Entre os
secretários, ela era das mais animadas com as
metas atingidas. Mas cada um tinha seus números e projetos para serem apresentados, sempre
a favor das crianças e adolescentes e de olho na
manutenção do Selo UNICEF. Desde a primeira
edição do Selo Tamboril vem acumulando o título.
E não quer mais ficar sem ele.
A cidade, que leva nome de peixe e árvore, estava quieta naquela segunda-feira. Nas ruas o comércio fechara para o almoço, um costume ainda
muito comum nas cidades interioranas. Apesar da
referência ao peixe, é da terra que se obtém o sustento do município. Diferentes culturas do algodão
e pecuária movimentam a economia local desde o
século XVIII até os dias atuais. É das fazendas que
saí o sustento da maioria das famílias da região.
Certamente é de seu histórico rural que tantos
meninos de Tamboril tiram a inspiração para se
tornarem autênticos vaqueiros sertanejos, desejo
tantas vezes expresso pelas crianças e adolescentes do município.
Usando roupas de vaqueiro e com um bode
a tiracolo, um menino foi para o meio do ginásio
declamar uma poesia. O garoto só não contava
com a astúcia do bode que conseguiu fugir e depois correr atrás do poeta mirim. Como numa
cena de circo, o menino deixou o ginásio perseguido pelo bode furioso. O momento arrancou
boas risadas da platéia e rendeu boas imagens
aos fotógrafos. O ginásio também foi palco para
a boa música. Um grupo de flautistas mostrou
que os adolescentes de Tamboril também sabem fazer arte.
C
Chegamos na escola quando outro evento já
estava em andamento. O Projeto Leitura e Escrita
reunia crianças e adolescentes em torno da mesma paixão pela literatura. Os livros dos pequenos
escritores de Tamboril estavam expostos nos diversos painéis espalhados pela escola. Algumas
vezes, um autor de livro estava admirando o próprio trabalho, como se não acreditasse que tinha
lançado um livro. Na autobiografia, o pequeno
Venilson, de nove anos, contava sua evolução de
menino, que gostava de brincar com carrinhos, à
“gente grande e responsável” como dizia. Na quadra da escola centenas de crianças e adolescentes e seus professores participavam do congresso
de escritores mirins.
Nas palavras do prefeito José Jeová, o mesmo
discurso dos secretários pela manutenção do Selo
UNICEF. Modesto, o prefeito disse que ainda há
muito a ser feito e que cada Selo é uma batalha
por índices cada vez melhores. No dia do aniversário de 60 anos do UNICEF nossa jornada contemplou um dos municípios que, por mais vezes, foi
agraciado pelos cuidados dedicados às crianças e
adolescentes. O céu, outrora azul, ganhava os tons
vermelhos e laranjas do pôr do sol, quando partimos. Hora de por, mais uma vez, o pé na estrada,
rumo a outro município vencedor. (AR)
>> 55
ARARENDÁ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Quadrilha
e preocupações sociais
>> Em 11 de dezembro de 2006, às 20h
placa de boas vindas tinha ficado alguns metros para trás quando tivemos nossa primeira “recepção” em Ararendá. Nada de faixas,
escolta policial ou carreata, apenas a cena cotidiana de uma boiada comandada por um vaqueiro
solitário que passou à nossa frente. Os bois tomavam conta da estrada vazia no fim de tarde alaranjado e andavam sem pressa de chegar ao seu
destino. Como em outras vezes na nossa jornada
escutamos os gritos de “Pára, pára seu Ferreira”,
do fotógrafo Evilázio Bezerra. Em busca do melhor
ângulo para fotografia, ele tentou tanger os bois.
Com gritos e indicações de braço parecia um maestro regendo a boiada. Nem hesitou em subir na
garupa de uma bicicleta para tirar a foto. Do carro
da Caravana do Selo UNICEF observamos, às gargalhadas, as peripécias do nosso fotógrafo.
A
Ararendá parece perdida no meio do sertão de
Crateús. No linguajar Tupi significa pouso dos papagaios e araras, mas no entardecer vimos apenas a
revoada de uns pequenos pássaros. O município é
jovem, apenas 17 anos. Segundo os moradores, as
festas são raras e, por isso, em busca de animação,
os mais jovens caem na estrada procurando diversão nas cidades vizinhas. As crianças, no entanto,
não precisam ir para longe. Nas ruas de pedra, com
pouco movimento, elas encontram o local ideal para
brincadeiras com bola e esconde-esconde. O rio Canabrava também atrai as crianças para uma pescaria ou um mergulho nos dias mais quentes.
O local da entrega do Selo fica exatamente no
centro da cidade, tão bem localizado que as pessoas chegaram aos grupos, caminhando. Como o
clube abriga as eventuais festas e forrós, sua estrutura se constitui em um palco e um salão para
dança. Na porta do clube, a prefeita Tânia Paiva
e seus colaboradores nos aguardavam com sorrisos nos rostos e abraços apertados. Um tapete
vermelho se abriu para a Caravana, assim como a
multidão abriu caminho para a nossa passagem. A
maioria das pessoas estava bem vestida, homens
de roupa social e algumas mulheres até exibiam os
vestidos de festa, cheios de brilho e fitas.
Nas apresentações, Ararendá mostrou a cultura e o talento de sua gente. Os “anarriês” da
quadrilha do Grupo Raízes do Sertão contagiaram
o público. Enquanto as moças e rapazes do grupo
dançavam, a platéia batia palmas ritmadas pela
música alegre. Difícil esquecer as saias das meninas rodopiando pelo salão. Ainda ofegante por
conta da dança, Diego Paixão, de 17 anos, explicou que a quadrilha é uma das maiores expressões culturais do município. Segundo o adolescente, ganhar prêmios nos concursos de quadrilha é
quase uma obrigação para os participantes.
>> 57
O Grupo Raízes de Arte e Cultura mostrou o
talento dos adolescentes na arte cênica. Escrita
por Camila Rodrigues, de 18 anos, a peça retratava a exploração sexual infanto-juvenil, numa tentativa de alertar a todos sobre o problema. A jovem
escritora mostrou preocupação com os problemas que afligem a adolescência, como gravidez
precoce, drogas e exploração do trabalho. Com
algumas passagens cômicas, segundo a autora,
para deixar a peça mais leve, o grupo prendeu a
atenção da platéia.
As atrações foram muitas, mas havia chegado o momento tão esperado da noite. Tati
Andrade destacou as ações do município. Convidada para falar, a prefeita elogiou o trabalho
de seus colaboradores e o esforço da articuladora Djanaine. Na voz embargada de Tânia,
a emoção pelo Selo. Saímos do clube quando
a banda de forró convidava a todos para um
arrasta-pé. Deixamos a festa para o povo de
Ararendá, mas levamos conosco o som animado da quadrilha. (AR)
CRATEÚS
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Um lugar
cheio de graça
>> Em 12 de dezembro de 2006, às 9h
egundo a denominação dos índios Tapuios,
Crateús significa lugar muito seco. De fato,
o sol sempre a pino no céu azul confere à
cidade um clima seco, árido. Nada que ofusque a
beleza da cidade ou tire o ânimo do povo acolhedor
e simpático. As árvores, muito altas nas avenidas,
protegem um pouco do sol e deixam Crateús mais
bela. O município já viveu muitas histórias. Entre
outras, a passagem da Coluna Prestes, que ali travou combates, tendo por marco e testemunho, o
chamado Cemitério dos Revoltosos, na Boa Vista.
S
O carro do Corpo de Bombeiros estava a postos para a carreata, com o prefeito José Almir e
sua equipe em local de destaque. Andamos pelas
avenidas de Crateús até o Teatro Municipal Rosa
Moraes. É um prédio imponente e muito bem conservado, numa rua cheia de casarões antigos. Percebemos a valorização da cultura do município no
cuidado com os prédios históricos e nos projetos
voltados para a preservação da arte. As crianças
e os adolescentes, cada um à sua maneira, cuidam
da arte e do patrimônio cultural de sua cidade.
O público foi chegando devagar da carreata. Aos
poucos ocupou as cadeiras do teatro. No centro do
palco, ouvindo atenta às últimas instruções de um
professor, estava a menina Joana Souza, de dez
anos. Não fazia nem quatro meses que ela tocava
violão, mas estava ali, cheia de coragem, para sua
primeira apresentação no teatro. Seu rosto sério e
sereno mostrava uma menina compenetrada e dedicada à arte. O violão que empunhava era para adultos, mal cabia nos braços pequenos da menina. Ela,
porém, deu um jeito para acolhê-lo no colo. Nas primeiras notas que tirou de seu violão ficou a dúvida se
ela conseguiria tocar até o final. Bastou sua voz forte
ecoar pelo teatro e a dúvida se dissipou. Cantou uma
canção de Bruno e Marrone, sua dupla preferida.
Cerca de cinco ou seis palhaços que andavam
pelo teatro puxavam os aplausos e alegravam as
crianças, fazendo um show particular. Tinta colorida no rosto, roupas de cores vibrantes e voz nasalada faziam os palhaços tão parecidos, que mais
pareciam gêmeos. Não se reconhecia menino ou
menina, salvo pelo estilo do brinco na orelha ou pelo
esmalte nas mãos. De vez em quando, os palhaços
mostravam novas habilidades: um era malabarista, outro equilibrista. Antônia Bezerra, de 13 anos,
era um dos palhaços de múltiplos talentos. No
camarim, com a ajuda da tia, ela removeu apressadamente a maquiagem do rosto, passou loção,
sabonete e água. Fez tudo muito ligeiro para poder
entrar em cena mais uma vez, agora como cantora. Sem a pesada maquiagem, a menina exibiu um
rosto cândido, com o sorriso largo, daqueles que
conquistam fácil. Cantando, Antônia emocionou.
>> 59
Naquela manhã, Paulo e Fernanda estavam anônimos na platéia, mas são adolescentes bem conhecidos no município. No programa de rádio Sintonia
Jovem eles deixam de lado a timidez e incorporam
locutores que atraem a audiência. Ainda não sabiam
da boa nota que o programa conquistou na avaliação
e, por is so, vimos em primeira mão, a reação dos
adolescentes com o resultado. O mais falante era
Paulo, de 16 anos. Com ar de adulto, o garoto contou como os temas abordados no Sintonia Jovem
ajudam a conscientizar a população de Crateús.
No palco, Tati Andrade cativou a meninada. Explicou a origem do Selo e falou dos destaques do
município. Foi uma aula de Selo UNICEF. O prefeito
José Almir subiu animado, louco para levantar alto
o troféu e deixar o nome do município estampado
no carro da Caravana do Selo UNICEF. Falou da
felicidade que é receber o prêmio e garantiu que
na próxima edição a cidade vai conquistar mais um
Selo. Em frente ao carro da Caravana José Almir
era todo sorriso e tirou fotos com o troféu em uma
mão e o nome Crateús na outra. (AR)
TAUÁ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Vozes delicadas
cantam em latim
>> Em 12 de dezembro de 2006, às 16h
o caminho para Tauá a equipe comentava
que viajar para aquela cidade dos Inhamuns
era sempre uma festa, principalmente pela
mais saborosa carne de carneiro. Chegamos no
inicio da tarde e comprovamos que o carneiro assado da cidade faz jus à fama. Conferimos ainda,
mais tarde, a receptividade do povo na solenidade
de entrega do segundo Selo UNICEF a Tauá.
N
O bicampeonato do município foi comemorado
com uma carreata pelas ruas da cidade, com direito a fogos de artifício, anunciando nossa passagem. Talvez pelo nome curto, sem muitos floreios,
um visitante de primeira viagem possa imaginar
Tauá como um vilarejo perdido no meio do sertão.
Mas encontramos uma cidade organizada, com
ruas limpas, praças bem iluminadas e arborizadas.
A imaginação nos prega muitas peças. Empolgados pela movimentação diferente, os moradores
entravam em ritmo de festa e logo estavam acenando ou tomando lugar na carreata. Paramos a
cidade em plena tarde de terça-feira.
Em frente ao ginásio a queima de fogos continuou, desta vez anunciando o início da festa. Eufóricas, as crianças corriam de um lado para outro,
sempre em busca de uma novidade ou de uma
brincadeira diferente. O secretário da cultura, Radi
Rocha, deixou de lado o cargo para incorporar o
papel de mágico. Ele mesmo comandou as brincadeiras com a criançada. Com muito humor, controlou até mesmo os travessos. Mais parecia um
maestro conduzindo a multidão. Numa conversa
com Radi, descobrimos que ele era do Rio Grande
do Norte. Saído de Natal há mais de trinta anos,
ele encontrou em Tauá o local ideal para viver. Sob
o seu comando acontecem algumas das mais famosas festas populares da região.
Tinha de tudo na festa: mágico, pernas de pau e
orquestra. O ginásio acabou se transformando num
grande circo, nem parecia dia de semana. Cada um
tinha dado um jeitinho de participar da festa do município. Os adolescentes Luiz Inari, 14 anos, e Janiele Rocha, 16 anos, estavam ali por um motivo especial. Ambos participam há três anos do programa
de rádio “Tauá no Universo da Arte”, e também se
sentiam premiados com o Selo. Famosos até mesmo entre os adultos que assistem ao programa, os
adolescentes tinham na ponta da língua o discurso
de satisfação pelo Selo. Nem era preciso falar muito, a risada solta dos dois denunciava a alegria.
>> 61
Um grupo de meninas tímidas tomou posição
no centro do ginásio e não tirava os olhos de uma
senhora idosa cujas costas curvaram-se com o
tempo. Só quando a mulher de olhar paciente começou a fazer movimentos com as mãos, num
balé aéreo, percebeu-se que era a regente do grupo. As vozes delicadas das meninas entoaram as
ladainhas que embalam as novenas da cidade há
294 anos. O Coral Sedes Sapientiae tinha percorrido uma boa quantidade de quilômetros do distrito de Marrecas até Tauá, especialmente para
cantar na festa do Selo. A regente Maria Albetisa
contou que chamou algumas meninas do vilarejo
para manter a tradição de seus antepassados.
Com orgulho, frisou que comanda o único coral
em latim da região. Uma das adolescentes, Adriana Caracas, disse ter tomado gosto por aqueles
cantos tão diferentes dos que costumava ouvir.
A prefeita Patrícia Costa recebeu das mãos de
Tati Andrade o troféu do Selo UNICEF e contou as
conquistas e desafios do projeto do UNICEF para
o Semi-Árido. Segundo Patrícia, mudar a qualidade
de vida das crianças e adolescentes é um trabalho
silencioso e lento, mas que renderá muitos frutos
no futuro. Deixamos o ginásio com as estrelas
apontando no céu e um vento fresco batendo no
rosto. (AR)
ARNEIROZ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A ciranda
tomou conta
>> Em 13 de dezembro de 2006, às 9h
ma faixa com os dizeres: “Caravana do Selo
seja bem vinda”, foi nossa primeira recepção
em Arneiroz, logo na entrada da cidade. A
festa pelo primeiro Selo do município prometia muita animação naquela manhã. Quando chegamos ao
centro de Arneiroz, o comércio abria devagar as
portas e os feirantes arrumavam lentamente suas
mercadorias no interior das barracas. Pudemos
parar numa praça e observar as pessoas andando
pelas ruas de pedra. O sol ainda não tinha dado as
caras e o tempo nublado dava um tom nostálgico
à paisagem.
U
Essa impressão logo se dissipou assim que começou o buzinaço da carreata. O barulho dos carros, motos e fogos despertou os sonolentos. Alguns
subiram na garupa das motos, outros ficaram espiando na janela. Seguimos até o ginásio de uma
escola que fica no alto de uma ladeira, de onde se
pode admirar os morros verdes que cercam Arneiroz. Decorado por bandeiras coloridas que lembravam cordéis, o ginásio estava lotado de crianças.
Muitas, ainda no colo das mães, chacoalhavam bandeirinhas. O espaço da frente estava reservado às
crianças um pouco maiores, que ocupavam cadeiras pequenas, apropriadas aos seus tamanhos.
O Hino Municipal, executado pela banda de música, deu o pontapé inicial à solenidade. Apesar da
pouca idade, as crianças conheciam muito bem o
hino e cantaram juntas. Uma mão pequenina balançando uma bandeirinha, enquanto a outra se
punha sobre o coração. Escutamos alguns gritos
de “Viva Arneiroz”, após o hino. Nas apresentações artísticas, os pequeninos mostraram surpreendente talento. Com a ajuda de uma professora,
elas apresentaram um número, tendo por tema:
“Oito Jeitos de Mudar o Mundo”, que incentivava a
cuidar melhor do planeta.
Durante nossa viagem pelo Ceará encontramos
muitos adolescentes engajados em projetos culturais. Em Arneiroz não foi diferente. Conhecemos o
Grupo “Arte Jucá”, que reúne adolescentes e jovens em torno das mais diferentes manifestações
artísticas: da dança, ao teatro, poesia e música. Lá,
há espaço para tudo. Na sua participação, o grupo arrancou risadas da platéia, fazendo a paródia
musical do grupo Calypso. A cantora Mazé Cavalcanti também mostrou todo seu talento. Dona de
uma voz grave e marcante, comoveu o público com
canções românticas. Compositora que é, escreveu
uma música especialmente para a ocasião: “Criança e adolescente/Esse é nosso refrão/Lutar por
seus direitos/É nossa missão/Parabéns ao prefeito/E ao povão”. Mais uma canção para compor
a trilha sonora da Caravana.
>> 63
O prefeito José Ney recebeu o troféu, já
pensando nas próximas edições do Selo. Para
ele, a sensação de conquistar o primeiro foi
tão boa que quer repetir a dose. Em frente ao
carro da Caravana do Selo UNICEF ganhou os
parabéns de algumas crianças e adultos. Era
difícil deixar de notar a emoção nos olhos marejados de José Ney. Após a entrega do troféu,
o mestre de cerimônias chamou toda a equipe
da Caravana para uma homenagem.
Quando pensamos que a festa tinha acabado,
mais surpresa. Uma ciranda se abriu no centro
da quadra, primeiro com meia dúzia de pessoas,
que giraram de um lado para outro, ao som de
uma gravação de Lia de Itamaracá. Uma a uma, as
pessoas foram se chegando, até que o espaço pareceu pequeno demais e formou-se outra ciranda.
Cada uma girava para um lado, numa brincadeira
que arrancou sorrisos. Ana Márcia Diógenes, Luciana Bayer e Salete Targino caíram na roda e se
deixaram levar pela dança. Foi difícil ir embora e
ganhar a estrada novamente. (AR)
CAMPOS SALES
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Boneca
de carne e osso
>> Em 13 de dezembro de 2006, às 15h
uitos moradores mais antigos ainda
chamam Campos Sales de Várzea das
Vacas, seu nome original. Isto porque ali
sempre foi terra de fazendas de criação. Hoje, a
zona urbana do município é bem desenvolvida,
com um comércio movimentado, fato que ficou
evidente durante a carreata que nos recebeu.
Mais uma vez, um ginásio abrigou a entrega do
Selo UNICEF. Em Campos Sales, transformaram
o local numa grande arena de festa pelo bicampeonato no Selo. Tinha orquestra de música, cabine de rádio e até show musical. Uma tenda no
canto do ginásio se transformou na filial da rádio Espaço Jovem Vez e Voz. Diante do público,
os adolescentes fizeram um programa de rádio
ao vivo, no papel de cerimonialistas da festa. No
estúdio improvisado tanto deram entrevistas,
como entrevistaram. Sanchaine Andrade, de 18
anos, se dividiu entre a apresentação de xaxado
e a condução da rádio. Corria de um lado para
outro, tentando dar conta dos dois. No fim das
contas, deu por cumprida a missão.
M
O pequeno Damião Fialho pediu para cantar, fez
o pedido ao prefeito, lançou desafios, dizia que cantava como ninguém e que já tinha cantado em toda
região, até mesmo em Juazeiro do Norte. Apesar da
pouca idade, oito anos, o menino era despachado,
como dizem no interior. Damião não se deixou intimidar pela quantidade de gente e se pôs a cantar.
Pequeno e franzino tinha uma voz de adulto. Depois
de sua apresentação, o garoto tornou-se o centro
das atenções. Foi difícil conseguir a entrevista, mas
com respostas rápidas e curtas, ele disse que gosta de Aviões do Forró, ganhou prêmios e adora sair
pelo mundo cantando. Olhar para Damião é ver um
pequeno grande notável.
Nos bastidores, uma caixa de madeira chamava
a atenção. Vestida de bailarina, uma menina jogou o
corpo dentro da caixa, foi dobrando as pernas até
que seu corpo todo estivesse bem acomodado, como
se isso fosse possível naquela caixa pequena. Por
fim fechou os olhos, bem lentamente, como fazem
aquelas bonecas de plástico. Vez por outra, os abria
de forma melindrosa, para conferir se tinha chegado
o momento de se apresentar. Quando os primeiros
acordes da música foram ouvidos, um adolescente
vestido de palhaço arrastou até o meio do ginásio a
caixa de madeira. Foi puxando as pernas, depois os
braços, até que, de uma vez só, puxou para junto de
si o corpo da bailarina. Durante a apresentação, a
menina-boneca rolava no chão, saltitava, rodopiava,
sempre sob os olhares atentos do público. Aos últimos acordes da música, a bailarina foi perdendo a
força, até se transformar em boneca e voltar para
dentro da caixa.
>> 65
Em Campos Sales os moradores parecem ter,
na sua maioria, alguma veia artística. Meninos e
meninas da Associação Comunitária do Guarani
entraram em cena vestidos de cangaceiros, com
roupas pesadas, chapéus e sandálias de couro. À
frente do grupo ficou uma menina de olhos tímidos.
Era Bruna, de doze anos. Abriu a maleta e tirou
uma flauta doce. Nela, soprou os primeiros acordes
de “Asa Branca”. Em seguida, as outras crianças
e adolescentes do projeto continuaram. Algumas
fechavam os olhos como que para sentir melhor a
música. Orgulhoso, o regente Alex Bezerra acompanhava as canções com o violão. Tocam das músicas
clássicas ao xaxado, disse depois da apresentação.
O prefeito Paulo Ney não tirava os olhos do troféu. Já com ele em mãos, disse estar recebendo um
certificado de reconhecimento pelo seu trabalho,
melhor prêmio que um gestor poderia receber. Nos
últimos anos, viu a união de organizações governamentais e não governamentais em prol da criança
e do adolescente e, naquela tarde quente de dezembro, recebia a recompensa pelo trabalho. (AR)
jucás
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Pra tudo terminar
em forró
>> Em 13 de dezembro de 2006, às 20h
inda em Campos Sales, encontramos o articulador de Jucás, José Helder. Foi nos buscar
no município vizinho para ter a certeza de que
não nos perderíamos no caminho. E foi um longo caminho. A estrada até o município tetracampeão do
Selo é cheia de curvas, num sobe e desce que lembra uma montanha russa, mas que no fim da tarde
ganha um cenário bonito. Antes mesmo da entrega
do Selo, fomos recebidos com festa, pelo acolhedor
José Helder e pelo prefeito Gabriel Facundo.
A
Andando pelas ruas de Jucás, vimos de perto a
preparação da festa na praça do centro da cidade.
Acertavam os últimos detalhes, passagem de som
no palco e checagem da iluminação da praça. A
cidade tem fama de saber fazer uma boa festa.
Durante dez dias ela pára em torno da festa da
padroeira Nossa Senhora do Carmo, atrai pessoas dos municípios vizinhos e, segundo contam os
moradores, até estrangeiros. Com tanta fama de
festeira, dela só podíamos esperar boa coisa.
Articulador desde sua primeira edição, José
Helder vestia, literalmente, a camisa do Selo. Em
seu carro, estavam estampados os adesivos das
edições anteriores. “Agora falta a casa amarela”
disse ele. Com esta mesma empolgação vimos o
prefeito Gabriel contar a satisfação em ser tetracampeão no Selo. O mais jovem prefeito do Ceará
não cansava de repetir que Jucás estava entre os
poucos municípios cearenses a receber o Selo em
todas as edições. Ele disse que já pensava nos desafios da próxima edição do Selo.
As crianças e adolescentes do município tomaram conta do palco. Primeiro as bailarinas, depois
um coral de meninas de vozes muito agudas. Graciosas, as bailarinas em movimentos suaves dançaram ao som de músicas muito delicadas. As mães
de algumas assistiam da platéia com um sorriso
largo no rosto, cheias de orgulho. O coral cantando
“Quero ter um milhão de amigos” também emocionou. Teíza Matias, de quinze anos, está no Coral há
cinco e já tem todas as músicas decoradas. Nem
precisou espiar no livro de cantos. Acostumada a
se apresentar em público, Vanessa Cristina, de 15
anos, só falava na alegria que era cantar na festa
do tetra. Enquanto cantava, seu corpo balançava
timidamente de um lado para outro ao som da música, assim como seus olhos vivos.
Ao som do “Tema da Vitória”, aquele tocado nas manhãs de domingo sempre que Ayrton
Senna ganhava uma corrida, o Prefeito deixou o
palco em direção ao carro da Caravana do Selo
UNICEF. Abraçado pela multidão, quase não conseguiu chegar ao seu destino. Deixou estampado
o nome do município tetracampeão e, ainda com
o “Tema da Vitória”, em alto e bom som, estourou
uma garrafa de champanhe. Foi chuva de champanhe no público e no carro. Seu Ferreira, o motorista, levou as mãos à cabeça, olhos que não
queriam acreditar no que estava acontecendo.
Depois, confessou que estava pensando no trabalho que seria lavar o carro.
Era quase fim de festa, o champanhe tinha
sido estourado e uma grande cortina vermelha
escondia o palco. Ao ser entrevistado, Alan Carlos, um adolescente de quinze anos, demonstrava certa impaciência. O rapaz olhava de um lado
para outro, parecia louco para ir embora, mas
ainda teve calma para falar sobre o programa de
rádio do qual participava. Contou que o programa levava muito mais que música aos ouvintes.
Segundo ele, transmitia cidadania, educação e informação. O sorriso no rosto de Alan só apareceu
quando foi avisado que a entrevista tinha acabado. Perguntado sobre o porquê de tanta pressa,
ele respondeu: “Vou para casa trocar de roupa
para vir pro forró”. Pelo visto a festa estava apenas começando. (AR)
>> 67
RUSSAS
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Como programa de
auditório
>> Em 13 de dezembro de 2006, às 18h
erra de muita cultura, a vocação de Russas
parece ser a do teatro e do repente. Tanto
que lá existem a Praça José Carlos Matos,
teatrólogo russano que fez história no Brasil, e um
sem número de grupos cênicos, como o Oficarte,
o Arco Íris, o Novo Reflexo, a Cia. de Mamulengo
e o Flor do Mamulengo. No repente, basta citar
a dupla de emboladores Beija-Flor e Vem Vem,
famosa no Estado, e o cantador José Rodrigues
da Silva. Mas sobra lugar, também, para os Bois,
pois é de lá o Boi Pai do Campo, do Mestre Ozano,
um dos mais antigos do Ceará, que está sendo
recuperado para as crianças, por Osmarina Leite
dos Santos. Como é de lá o Boi Russano, da comunidade de João de Deus, liderado pelo artista
múltiplo, José de Arimatéia Araújo, o Beija Flor.
T
Existem ainda poetas muitos e não poderia ser
diferente, porque em Russas nasceu Francisco
Carvalho, o maior poeta vivo do Estado. E escultores em madeira, como o mestre santeiro Zé Régis.
A mais notável expressão cultural de Russas na
atualidade, porém, talvez seja a orquestra Som das
Carnaubeiras, formada por crianças. Sediada no
Distrito de Flores, a orquestra foi criada por Talvanes Moura e Andréa Menezes. Toca um repertório
finíssimo e tem uma afinação primorosa. Seu bom
gosto se estende até aos trajes, inspirados nos
Bois tradicionais da região.
Por isto, chegamos à Russas cheios de expectativas. O Prefeito e a Primeira Dama foram
nos recepcionar no hotel. Na praça, o palco estava armado de lado da Matriz e a festa havia
começado. O Grupo Timbaleira comandava uma
“swingada de domingo”, como dizem por lá. A performance vocal do locutor, chamando a galera de
cada colégio, recordava os programas de auditório das rádios antigas ou, como alguém lembrou,
o Domingão do Faustão. Na platéia, as crianças
agitavam bandeirinhas enquanto, no palco, um coral delas cantava o Hino de Russas. A valorização
do hino municipal foi observada em quase todos
os municípios do Ceará.
Depois da encenação de um diálogo, uma menina mostrou no telão os feitos da Prefeitura, numa
linguagem técnica e de números. Contou que entre os registros do Mapeamento Cultural, foi feito
o do Boi Russano Infantil. Ela falava enquanto o
Boi entrava para fazer uma demonstração. Na
repartição do bicho, a parte do peito ficou para o
Prefeito. Depois, um grupo de meninas apresentou o maracatu contemporâneo, Catu Macã.
Até que chegou a hora dos discursos e o locutor chamou a Secretária de Educação Lindalva
Pereira Carmo. Ela começou dizendo que as verdadeiras autoridades, naquele dia, eram as crianças
e adolescentes. Disse que o Selo significa: “Vocês
estão no rumo certo, continuem. A vitória é de todos nós. Vestimos a camisa das crianças e dos
adolescentes e fizemos um gol”. Afirmou que a
criança só será o futuro se for o presente. Citou
Gabriela Mistral, dizendo que “nós somos culpados de muitos erros e de muitas faltas, mas nosso
principal crime é abandonar as crianças, negligenciando a fonte da vida”.
A solenidade de entrega do Selo foi conduzida
com habilidade e empolgação. O Prefeito Mirim,
Jorge Luís, um garoto de uns onze anos, disse,
muito sério, que o que mais lhe preocupava na
condução do município era a saúde, “porque era
uma área delicada”. O locutor apresentou triunfalmente o Prefeito. “Com vocês o nosso Prefeito, Raimundinho!” Palmas e foguetório. O Prefeito
fez silêncio, o rosto no telão. O “Tema da Vitória”,
de Ayrton Senna, subiu de volume. O Prefeito falou pausadamente. Agradeceu a Deus e ao povo
russano, “que contribuíram para a conquista do
Selo”. E disse: “Todos devem colaborar para que
eu resolva os problemas da cidade”. Ressaltou a
chegada do Tiro de Guerra e de seu comandante
Sargento Moura. Chamou ao palco Dezim Bandeira, um poeta da cidade, nascido em Timbaúba e
fez questão de tirar fotos com ele. (OB)
>> 69
PALHANO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Parecido com
aula espetáculo
>> Em 14 de dezembro de 2006, às 10h
m Palhano, a festa de entrega do Selo foi uma
aula-espetáculo de criatividade e delicadeza.
Talvez porque lá seja terra de artesãs de linha e palha, gente de mãos sensíveis e rápidas:
labirinteiras, bordadeiras de mão e crochê, rendeiras, tapeceiras e trançadeiras de palha de carnaúba ou de milho. No município há também vaquejadas, curandeiras e cruzeiros muitos, revelando um
certo pendor para a valentia e para a religiosidade,
mas até aí o povo de lá mostra uma tendência para
o lúdico e para a festa. Não bastasse se brincar o
carnaval de noite na avenida, se brinca também
de dia, nos rios e açudes. E na festa da padroeira,
Nossa Senhora da Conceição, os roceiros aproveitam para fazer uma experiência: se a bandeira da
santa, no momento do hasteamento, ficar dobrada
no mastro, não há inverno, mas se ao contrário,
ficar aberta ao vento, haverá bom inverno.
E
A cidade é bem bonita, cheia de casarões antigos e fachadas bem desenhadas. Mulheres passeiam de sombrinha pelas ruas. Chegamos ao
local da festa e fomos recebidos com uma roda
de capoeira infantil. Estávamos no Centro Multifuncional de Feiras e Eventos, que parecia um colégio.
Entramos no auditório onde se daria a solenidade,
e Jesus já estava lá, inocente de tudo, dormindo no
colo da mãe. Na platéia, havia crianças espalhadas
por todo canto: grupos de flauta, quadrilhas, dançarinos de forró, carnaval, banda de música, uma
fada e um Papai Noel inflável.
Os apresentadores, muito desinibidos, eram
crianças ligadas a projetos de teatro e comunicação. As autoridades chamadas não couberam no
palco e se espalharam pela platéia. Foram cantados os hinos do Brasil e do Ceará (que belo hino!).
Um coral de crianças subiu ao palco e entoou,
lindamente, o Hino de Palhano. Com o auxílio de
uma fada e sua varinha mágica, os apresentadores regeram a aula, chamando os grupos de
crianças um a um: banda de música tocando Cisne Branco, forró, quadrilha, carnaval. No meio de
todo este barulho, impassível, Jesus dormia em
sua lapinha de papelão pintado. A Prefeita Mirim,
a Lisete, foi chamada para discursar. Falaram
também a articuladora do Selo UNICEF no município e a Primeira Dama.
Jesus, recém-nascido, dormindo, estava ali. A
Primeira-Dama destacou a condição de professor
do Prefeito. Lembrou que Lucas, o recém-nascido,
que fazia as vezes de Jesus na Lapinha Viva, ao
lado do palco, nascera no dia 8 de Novembro. Ela
chamou a fada Carolina que, num passe de mágica, faz aparecer o troféu. Tocaram o “Tema da
Vitória” e o troféu saiu passeando. Todos gritaram:
“Palhano!” O troféu foi mostrado a todos. Ele tem a
forma de uma casinha de madeira verde, amarela,
azul e branca, com três crianças na janela,
O troféu retornou e a Prefeita Mirim o passou
às mãos do Prefeito Francisco Lucilane. Ele, que
estava meio ansioso, tanto que adiou a entrevista
à nossa repórter, se entusiasmou. Mesmo assim,
ainda relutou em falar. Pediu ajuda à PrimeiraDama e, com ela, saiu levando o troféu, no meio
do povo. Jesus continuava dormindo. Rui Aguiar
perguntou pelo significado do troféu e alguém disse: “Toda criança tem direito a um lar”. Jesus dormia e sonhava. No discurso do Oficial do UNICEF
foi lembrado à mãe de Jesus, Osaneide, que fazia
Nossa Senhora, as obrigações em amamentar e
vacinar. São José se chamava Iuri e era bem mais
novo que ela. Jesus abriu os olhos. Rui propôs Lucas como criança símbolo do Selo e que, “da próxima vez, ele carregue o troféu”.
Crianças mostraram pequenos cartazes que
diziam: “Bom dia! Sorria”, “Que Alegria, Sua Presença!”, “Você Faz Parte Desta Vitória!” O Prefeito
destacou a importância de Stela Naspolini, já falecida, e que integrava a equipe do Selo UNICEF
quando este foi criado. Terminou, dizendo: “O Selo
UNICEF para nós vai ter a mesma força que o brasão do município, e o colocaremos em nosso peito”. Ouvindo aquilo, um antigo morador do lugar,
Raimundo Veinho, chorou. (OB)
>> 71
HORIZONTE
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Aniversário de
criança
>> Em 14 de dezembro de 2006, às 16h
onta-se, na comunidade de Catolé, que certo
fazendeiro do lugar apaixonou-se por uma de
suas escravas, de nome Joaquina. Sabedora
daquilo, a esposa do fazendeiro pagou um de seus
empregados para punir a escrava. Joaquina foi
amarrada ao rabo de um cavalo e arrastada até
morrer. Daí ficou conhecida como Joaquina Arrastada. Por ter sofrido muito e injustamente, virou santa.
Os moradores de Catolé passaram a ir, todas as segundas-feiras, ao lugar onde ela morrera, e rezar um
terço. Ali, levantaram um marco onde as pessoas
depositam suas promessas. Muitas são atendidas.
C
Esta foi uma das muitas manifestações registradas pelas crianças e adolescentes que fizeram o
Mapeamento Cultural do município, e que deram a
Horizonte o prêmio de melhor Mapeamento Cultural
do seu grupo, além do quarto Selo UNICEF seguido.
O Mapeamento indicou que Horizonte é terra de parteiras, curandeiros e curandeiras, além de espaço
de tolerância étnica, que abriga comunidades quilombolas e diversos terreiros de religiões afro-brasileiras. Tanto são prestigiados os grupos tradicionais,
como os Bois Chicozão de Timbaúba e Dourado,
quanto a Cia. de Dança de Horizonte e do Grupo de
Teatro Arte Brasil. Apareceram, também, brincadeiras como a do “elástico”, em Alto Alegre, na qual
as crianças saltam cantando: “Um homem bateu
em minha porta e eu abri/Senhores e senhoras ponham a mão no chão/Senhores e senhoras pulem
num pé só/Senhores e senhoras dêem uma rodadinha e vão pro olho da rua”. Ou a do Caí no Poço, de
Canavieira dos Pinheiros, na qual um dos brincantes
sai da roda dizendo: “Caí no poço”. No que os outros
perguntam: “Água aonde?” E ao responder: “No pescoço”, foi indicado para beijar uma menina.
Na praça principal da cidade, o cenário estava armado para uma festa de criança, aniversário,
parque de diversões, um domingo no parque, talvez,
pela presença do pula-pula inflável e da banda de música. Vânia Dutra, a Primeira-Dama, chegou vestida
de Mamãe Noel e mostrou um helicóptero que sobrevoava a praça. Vontade ela teve de estar lá, com
o Papai Noel, mas não deixaram. A criançada gritava
enlouquecida, acenando para o bom velhinho, que
botou a cabeça na porta do helicóptero. Uma banda tocou dobrados e depois, no palco, um coral de
crianças com gorro de Papai Noel entoou canções
natalinas, no alfabeto dos surdos-mudos.
Os números artísticos se sucederam. O Grupo
de Teatro Horizontal interpretou o poema Diálogo
ao Telefone, de Carlos Drummond de Andrade.
Apresentou-se o Balé da Academia de Artes Vânia Dutra com o Coral Olho D`Água, interpretando “Canção do Anel”. Entre um e outro número,
aparecia o Palhaço Tripinha. De vez em quando o
locutor dava o aviso de um menino perdido. Com
o gorro do Papai Noel, as autoridades subiram
no palco e cantaram o Hino do Município, junto
com as crianças. O locutor anunciou que o Papai
Noel já estava em terra e as crianças ficaram ouriçadas. Vânia Dutra falou ao microfone, dizendo
que o Selo é mérito de toda a população. Patrício
Fuentes, por sua vez, afirmou que Horizonte é um
prato fundo de cultura. Em seguida, elogiou sua
própria equipe e fez votos de que Horizonte seja
pentacampeão do Selo UNICEF.
Papai Noel chegou, trazendo o Troféu do Selo
UNICEF, feito um presente, em seu saco. Choveu
papel prateado, do palco, sobre a multidão. Enfim, falou o Prefeito Chico César. Agradeceu a todos e fez
um discurso explicativo. Citou a taxa de mortalidade
infantil, que em Horizonte é de 10 por mil crianças;
em São Paulo é de 12 e em todo o Ceará, de 20.
Para terminar, Vânia deu novos avisos de crianças
perdidas e de avós procurando netos, feito numa
“radiadora” de quesmesse. Terminada a solenidade,
a criançada foi para a brincolândia falar com Papai
Noel e os adultos ficaram na praça, assistindo um
show de David Duarte. (OB)
>> 73
VÁRZEA ALEGRE
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Caminhada
circense
>> Em 14 de dezembro de 2006, às 10h
árzea Alegre é um dos poucos municípios cearenses que possui o mesmo nome desde sua
fundação. Com nome tão inspirador, ninguém
se atreveu a propor mudança. As estórias engraçadas e inusitadas que surgiram em Várzea Alegre
renderam o título curioso de terra dos contrastes.
Foram causos como o do cego da Boa Vista que
morreu afogado na Lagoa Seca ou da luz elétrica
que só funcionava durante o dia, que trouxeram essa
fama. Zé Felipe, caminhoneiro que percorreu os locais mais longínquos do Nordeste, contribuiu para
propagar a fama da cidade por onde passava. E ela
foi tão longe que rendeu até mesmo uma reportagem internacional.
V
Nossa passagem por Várzea Alegre não poderia,
então, deixar de apresentar um contraste. Apesar
da distância do inverno o dia estava nublado, mas
nada que ofuscasse a comemoração pela conquista
do primeiro Selo UNICEF do município. A alegria estava presente não apenas no nome da cidade, mas
no rosto amistoso dos moradores. Paramos em
frente à Prefeitura, um prédio histórico de janelas
grandes, onde Pedro Roque, articulador do município, nos recebeu.
Os festejos na cidade começaram com uma
grande passeata pelas ruas. Pernas-de-pau e palhaços repentistas davam à passeata ares circenses.
Apesar do caminho relativamente longo, as crianças
mostraram fôlego e não pararam de cantar e dançar. As gêmeas Rafaelle e Danielle, de apenas sete
anos, estavam entre as mais animadas. Com vestidos coloridos e rodados, as meninas não deixaram
de pular um minuto sequer. O entusiasmo da criançada contagiou até adultos mais contidos e tímidos.
Convidada para subir no trio elétrico improvisado,
Salete Targino não pensou duas vezes. Em cima do
carro ergueu o troféu e animou o grito de comemoração: “Selo UNICEF”. Sob o comando dos palhaços
repentistas, os participantes da passeata cantavam:
“Dá um orgulho danado ser várzea-alegrense” e “só
ganha Selo UNICEF quem dá um passo à frente”. O
trânsito e o comércio pararam para ver não apenas
a banda, mas a Caravana passar.
Fogos de artifício anunciaram nossa chegada
no clube. A solenidade tinha o radialista mirim, Ítalo Feitosa, como um dos cerimonialistas. Quando
acompanhou a equipe do UNICEF para o anúncio
dos vencedores, em Brasília, o garoto de 14 anos
soube em primeira mão que o município havia conquistado o Selo. No salão do clube, a platéia ficou no
meio, as autoridades ficaram de um lado e o palco
na direção oposta. As atenções ainda estavam voltadas para a mesa das autoridades, quando escutamos uns estrondos compassados. Era o grupo
de reisado que tinha acabado de subir ao palco e
pisava firme no chão. Usava roupas negras, botas
pesadas e máscaras. A música tinha percussão
firme, mas os movimentos ordenados deram uma
delicadeza à apresentação. No camarim é que se
podia ver que no grupo só havia mulheres. A exceção estava no pequeno Daniel, de 4 anos, o bendito
fruto entre elas. Francisca Alencar contou que o
grupo era apenas uma das várias manifestações
culturais do Sítio Roçado de Dentro.
O ponto alto da solenidade foi a entrega do troféu
e do certificado. Depois de ensaiar por algumas vezes o texto, Aline Vieira, de onze anos, leu para todos
o que estava escrito no certificado. Em seguida, o
salão silenciou. O prefeito José Helder ia começar
a falar e todos pareciam aguardar seu discurso. A
platéia escutou palavra por palavra do discurso do
Prefeito, que viu no Selo um desafio a ser enfrentado com afinco e determinação. O silêncio se desfazia em aplausos a cada agradecimento aos secretários, a cada pausa no discurso emocionado. As
salvas de palmas eram intensas e entusiasmadas.
Na expressão de cada um se via a convicção e a
certeza de que a cidade mereceu o Selo. (AR)
>> 75
PORTEIRAS
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Iluminada pelo
natal
>> Em 14 de dezembro de 2006, às 19h
or muito tempo Porteiras se resumia a um
grande roçado, tendo como demarcador de
terras, duas porteiras, a de dentro e a de
fora. Daí a origem deste nome tão incomum. Pensando nesta referência rural é possível imaginar
uma cidade pequena, quase uma fazenda de largas porteiras se abrindo para seus visitantes. Mas
o que se encontra é uma cidade com avenidas largas e bem desenvolvida.
P
Logo na entrada, vimos Lúcia acenar freneticamente. A camiseta, com os três mamulengos
do Selo, serviu para identificar que ela estava ali
para nos recepcionar. Alegria na voz apressada e
sorriso para todos. Era noite, mas Porteiras tinha
um clarão que não vimos em nenhuma outra cidade. Postes, árvores e todos os pontos altos ostentavam uma decoração natalina. Sinos, botas,
bengalas e tantos outros objetos que lembram o
Natal estavam espalhados pela cidade. Iluminando não apenas Porteiras, mas o coração de quem
tinha esquecido que o Natal estava próximo. Da
janela do carro, observamos, boquiabertos, a decoração feita com tanto cuidado e esmero. O município não podia ter nos recebido em hora mais
apropriada. Certamente a festa não teria tanta
magia se fosse durante o dia.
Andamos pela cidade com a sensação de que
tínhamos visto tudo, de que não poderia haver mais
surpresas. Estávamos enganados. Os festejos pelo
tricampeonato começaram com uma pequena caminhada. A distância era curta, mas cheia de encantos. Numa pequena praça, vimos um enorme
boneco de neve, centro das atenções no jardim
florido e bem cuidado. Ali tiramos fotos. Por instantes, voltando a ser criança, cada um fazia pose
com o boneco gigante.
Para chegarmos à praça Luis Caldas Santos
não demorou muito. No local, pessoas de todas
as idades encontravam diversão. Os mais jovens
aproveitavam para namorar sob o olhar vigilante
dos mais velhos. As crianças se revezavam para
tirar fotos no trenó do Papai Noel. Preocupado
com a grama, o jardineiro controlava a entrada da
criançada. Parecia até fila em parque de diversões
pelo brinquedo mais emocionante.
A agitação dos festejos estava concentrada
numa das quadras poliesportivas. Tinha um pequeno palco montado e o locutor prometia às crianças
presentes de Natal. Ferreira, nosso motorista, conseguiu abrir caminho entre a multidão e colocar o
carro da Caravana do Selo UNICEF bem no centro
da quadra, recebendo toda atenção possível. Foi
para ver aquele carro colorido que Jaiane Souza,
de cinco anos, pediu para subir nas costas do pai.
Pediu com um jeito tão gracioso que José Cipriano
não negou o pedido. Do alto, a menina apontava as
atrações e acenava para o irmão. Soltava umas
gargalhadas tão gostosas que não tinha como não
rir junto.
Dividindo o palanque com as autoridades locais,
Ana Márcia Diógenes elogiou o desempenho do
município no Selo. O público aplaudia, entusiasmado pela vitória. Telma, a articuladora do município,
falou dos direitos da infância e adolescência. Mostrou que cuidar dos mais jovens assegura o futuro
da população. Fábio Pinheiro, prefeito de Porteiras,
parecia não gostar de falar muito, culpa da timidez,
mas como disse um dos moradores, ele é homem
de fazer e não de falar. Estava bastante satisfeito
com o tricampeonato, conseqüência de uma política pública voltada para a criança e o adolescente.
Os adolescentes do Mapeamento Cultural assistiram atentos às apresentações de flauta e
karatê. Viviane, uma garota de 13 anos, contou
o que mais tinha aprendido ao longo do Mapeamento: os sabores e as histórias de Porteiras.
O mais falante era Thiago, de 16 anos, cujo sotaque destoava dos outros adolescentes. Ainda
mantinha aquele modo de falar, quase cantando,
dos paulistas. Como foi parar na região do Cariri?
Os pais do garoto deixaram a selva de pedra em
busca de mais qualidade de vida. Encontraram?
“Moro numa cidade reconhecida três vezes pelo
Selo UNICEF”, foi a resposta. (AR)
>> 77
DEPUTADO IRAPUAN PINHEIRO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Agitação
no centro da cidade
>> Em 15 de dezembro de 2006, às 15h
estrada que percorremos para chegar até
Deputado Irapuan Pinheiro parece ter apenas
a cidade como destino. A cada curva fomos
apresentados a um cenário bucólico, com as cores
muito vivas do interior cearense. Não havia grandes
propriedades rurais, apenas pequenos pedaços de
chão no qual famílias inteiras depositam suas energias e sonhos. As propriedades quase sempre se
resumiam a uma solitária casa de taipa e a alguns
jumentos tentando encontrar alimento nas pastagens secas.
A
Paramos pela estrada, ora à cata de informações, ora para as fotos de Evilázio Bezerra. Depois
de alguns dias de andança pelo Ceará, éramos
conhecidos antes mesmo de chegar às cidades.
Em Irapuan Pinheiro não foi preciso explicações, o
carro amarelo era nosso cartão de visitas. Já sabiam de cor a direção que deveríamos tomar para
encontrar os festejos do município. Eram tão gentis
que, além do sorriso, abriam suas casas, servindo
água gelada para aliviar o calor.
rádio, um grupo de meninas dançou, inspirado nos
versos da canção “Depende de Nós”.
Wellio, Marcelo e Cheiliane nada tinham em comum, não participaram do Mapeamento Cultural,
programa de rádio ou qualquer outra atividade. Estavam ali apenas para festejar Irapuan Pinheiro, uma
vez que, segundo os adolescentes, a cidade estava
em polvorosa desde o anúncio dos vencedores do
Selo. Eles partilhavam a expectativa de que a premiação iria ajudar as crianças e adolescentes do município ainda mais. A preocupação com o futuro dos
mais jovens, naqueles adolescentes, mostrava, de
certa forma, uma ansiedade com o próprio futuro.
>> 79
No centro da cidade tinha, como se diz no interior, uma agitação. Era criança fazendo barulho
com apitos, palhaços, pernas de pau e até queima
de fogos esperando a chegada da Caravana. Fora
do carro sentíamos aquele calor do sertão, mas
também a acolhida do povo de Irapuan Pinheiro.
Eram abraços e apertos de mão fortes de um lado,
olhares ternos e sorrisos alegres que dispensavam palavras, por outro. Não foi preciso ouvir muito para sabermos que éramos bem vindos. O sol
ainda estava a pino, o que desencorajava qualquer
caminhada mais longa. Porém, não foi preciso andar muito para chegar ao Centro Social Urbano,
local dos festejos.
Como em outras cidades, Ana Márcia Diógenes perguntou o significado do número 227,
inscrito no troféu. Fez-se silêncio, um olhava para
o rosto do outro tentando encontrar resposta.
Falando baixo, quase para si mesmo, o Prefeito Claudenilton disse se tratar de um artigo da
Constituição. Os ouvidos atentos de Ana Márcia
escutaram a resposta, mas ela queria ouvir em
alto e bom som. Ainda hesitante, com medo de
errar, Claudenilton repetiu sua resposta. A pergunta já tinha sido feita, repetidamente, ao longo
da Caravana, mas aquela era a primeira vez que
obtivemos resposta do próprio prefeito.
Logo o Centro Social ficou lotado. É um espaço
aberto, mas fica do lado do sol e a platéia sentia
o calor do sertão queimar-lhe as costas. Isso não
espantou as pessoas da festa. Sentados em frente
ao palco, os pequeninos se esbaldavam com a pipoca que era distribuída. Tinham visão privilegiada
do que acontecia no palco. Enquanto alguns adolescentes faziam entrevistas para um programa de
No discurso, o Prefeito disse que muitos perguntavam se haveria premiação em dinheiro. Para
Claudenilton, o maior prêmio era saber que fazia a
política certa para as crianças e adolescentes do
município. A partir de então, não olharia as placas
de outros municípios aprovados com uma pontinha
de inveja. Já tinha a sua, logo na entrada da cidade,
ao alcance da vista de todos. (AR)
QUIXERAMOBIM
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Forró
na praça
>> Em 15 de dezembro de 2006, às 19h
m é pouco, dois é bom, três é ótimo ser
tricampeão na conquista da cidadania de
crianças e adolescentes”, dizia uma faixa
em frente à praça onde aconteceriam os festejos
por mais um Selo UNICEF, para Quixeramobim. Se
sexta-feira já é dia de festa, Quixeramobim caprichou
naquela noite estrelada. Paramos embaixo do arco
de balões coloridos montado na praça. Ao descermos do carro da Caravana, fomos recebidos por bonecos gigantes, como os do carnaval de Olinda, que
com suas mãos gigantes fizeram cafuné, apertaram
as nossas e dançaram axé.
“U
A festa tinha começado logo cedo. As pessoas
foram chegando à praça, ficando, e quando perceberam, a festa já estava rolando. A cidade estava acostumada a grandes eventos, pois recebera o Festival
Internacional de Trovadores e Repentistas. Agora,
tinha pressa por mais um. Não era difícil encontrar
algo para se divertir na praça. As crianças tinham à
disposição todo tipo de passatempo. Do lápis e papel
para os desenhos aos brinquedos do parque de diversões, cheios de cores e vida. Já os adolescentes
andavam em grupos, observando o que acontecia,
dançando diante das caixas de som ou assistindo as
atrações do palco. Difícil era ficar parado.
Camisa listradas, estilo marinheiro e jeito extrovertido. Esta é a imagem que guardamos de José
Álvaro, um menino de nove anos. Metido a artista,
como ele mesmo disse, resolveu montar uma banda. Como o dinheiro era curto, transformou latas de
tinta, correntes de bicicleta e até tampa de panela
em instrumentos musicais. Formou a banda Carimbar e passou a se apresentar no comércio da mãe,
cobrando cinqüenta centavos o ingresso. A fama
correu longe e naquela noite a banda fez sua primeira apresentação para um grande público, todos em
suas camisas de marinheiro. Os meninos correram
para montar os instrumentos feitos de pedaços de
ferro-velho que ninguém queria. A principio era difícil
acreditar que sairia som dos instrumentos improvisados, mas pouco a pouco eles soltaram as notas e
as bailarinas foram logo dançando. Juntou um, dois,
três casais e pronto, o forró já tinha começado.
No palco era uma emoção atrás da outra. As
dançarinas e toda equipe da Associação Pestalozzi
encantaram pela dedicação, mostrando amor à arte
e ao próximo. Delicadas, mostraram talento e do que
são capazes. Depois da apresentação, Anne Welles,
9 anos, não largava a professora. Estava agradecida,
quase como se o mérito da apresentação não fosse
seu. Longe dos palcos, contou como gosta de ir às
aulas e da dança, e falou do quanto tinha gostado de
se apresentar naquela noite. No vocabulário simples
mas objetivo das crianças definiu a noite, a festa e a
dança como legais.
>> 81
O articulador Antônio Marcos fez um discurso
apaixonado, provocou uma verdadeira histeria na
população quando mencionou os obstáculos vencidos e bradou a frase da faixa na entrada da festa.
Era a comemoração emocionada pelo tricampeonato. Pediu silêncio em memória da idealizadora
do Selo UNICEF, Stela Naspolini. Naquele momento Ana Márcia Diógenes, Salete Targino e Luciana
Bayer baixaram a cabeça, como se lembrassem a
companheira de trabalho de tantos anos.
A sensação de prazer pelo dever cumprido era
citada repetidamente pelo prefeito Edmilson Júnior.
Ao receber o troféu, ergueu acima da cabeça como
se nem ele acreditasse que Quixeramobim havia
conquistado o terceiro Selo UNICEF. Disse que o
Selo é um guia para saber se alguém está no caminho certo da garantia dos direitos das crianças e
adolescentes. Ao lado da prefeita mirim, Iana Lemos,
fez surgir, pouco a pouco, o nome do município no
carro da Caravana. Deixamos a cidade com a sensação de haver cumprido nossa meta em mais um
município da rota do Selo. (AR)
canindé
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Sob as vistas de
São Francisco
>> Em 16 de dezembro de 2006, às 10h
o alto de Canindé, a imagem de São Francisco de Assis domina imponente, ao alcance
da vista em qualquer um de seus bairros.
Parece abençoar e vigiar a cidade, observando
tudo lá de cima. É lá que, diariamente, centenas de
peregrinos e pagadores de promessas vão rezar
ao santo que atendeu suas preces. Muitos usam
roupas marrons, como a bata do santo. Ao alcance da vista de todos também está a igreja de São
Francisco. O reflexo do Sol faz com que sua abóbada fique ainda mais brilhante.
N
Partimos rumo ao Pólo de Atendimento e Núcleo de Artes José Freire de Freitas, onde se daria
a solenidade. A cidade parece girar em torno da
peregrinação a São Francisco. São lojas com o
santo em miniatura e tudo quanto é produto que
se pode comercializar em torno da devoção, que
atrai tanta gente desde o século XVIII. Faixas espalhando a notícia do Selo UNICEF penduradas nos
postes, em frente às escolas ou lugares outros
que atraíssem movimento. Não tinha como não
estar sabendo do bicampeonato de Canindé.
Decorado com chita, o pequeno tablado do Pólo
de Atendimento ganhou um colorido bonito. As cores fortes do tecido conferiram um ar alegre à decoração. Dois palhaços muito engraçados foram os
responsáveis pelo cerimonial e também pelas boas
risadas durante a festa. Até inventaram um repente. “Para ganhar o Selo UNICEF, tem que ter política pública sim”, dizia um dos refrãos improvisados.
A dupla entrava e saia de cena sempre brincando
com a platéia e até mesmo com as autoridades.
Sem dúvida eles tinham talento para a arte circense. A banda de música encarregou-se de tocar para
a ocasião. Os hinos nacional, estadual e municipal
estavam na ponta da língua dos estudantes, que
acompanharam o som dos trompetes e tambores.
As escolas do município levaram seus estudantes, ostentando seus uniformes, uma forma de
mostrar a quais escolas pertenciam. Membro do
grêmio estudantil, Francisco, de 14 anos, contou o
que aprendeu ao participar ativamente da gestão
escolar. Segundo o menino, a experiência ajudou
na construção de uma outra imagem do funcionamento da escola e a perceber que seu papel como
estudante vai além de freqüentar as aulas. Era o
discurso de quem havia sido seduzido pelos movimento estudantil. Ao seu lado, Vitor, de 12 anos,
também acreditava que a criação do grêmio ajudou na conquista do Selo.
>> 83
Quem também marcou presença foram os estudantes do projeto Agente Jovem, que realizaram
o Mapeamento Cultural. Canindé respira cultura,
de acordo com Misac Braga. O garoto, de 15 anos,
antes pouco conhecia da história do município e
naquele dia citava as inúmeras manifestações que
encontrou e as impressões que lhe causaram. Já
Jucélio confessou pensar que não havia cultura
em Canindé, antes do Mapeamento. O que acha
agora? Perguntamos. “Tem um bocado de coisa.
Posso ficar aqui por horas falando das festas, dos
trabalhos dos artesãos e dos cantores da cidade”.
A festa em Canindé foi rápida. Parecia que a
cidade tinha pressa em receber logo o troféu,
mas na verdade é porque sabia que estávamos
na estrada há um bom tempo e tínhamos mais
municípios a percorrer. Com o troféu em mãos,
Glauber Monteiro, prefeito do município, falou de
sua alegria e satisfação em receber aquele prêmio tão cobiçado pelos gestores públicos. Dividiu
o troféu com as mães que colaboraram, seja levando os filhos para a escola, para o posto de
saúde, ou amamentando-os. Ao lado do prefeito,
a articuladora Sônia constatou que a participação
e dedicação de todos foram primordiais para o
bicampeonato. (AR)
aratuba
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Notáveis
artistas mirins
>> Em 16 de dezembro de 2006, às 16h
ntes de chegarmos a mais pacata cidade
do Maciço de Baturité, percorremos a serra
por uma estrada estreita e arriscada. A mata
fechada formava um túnel verde, deixando tudo escuro em pleno dia. Algumas vezes, víamos o sol por
entre as montanhas. Então, o que era escuro se revelava um cenário de contemplação. Vimos o cultivo
das flores nas encostas da serra, tão bem cuidadas
que a vontade era que não as tirassem dali.
A
Aratuba é pequena, todos se conhecem e,
em poucos instantes, andando pelas ruas da cidade a gente logo se sente íntimo das pessoas.
Não foi difícil encontrar o local da festa: a praça
São Francisco fica no pé de uma ladeira. Primeiro apareceu a praça e, atrás dela, ia surgindo
a igreja de São Francisco, ladeada por coqueiros muito altos e com uma escadaria branca na
frente. Era difícil não se admirar com aquela arquitetura tão bem conservada.
Era um sábado à tarde, mais do que calmo e
tranqüilo. A praça foi transformada em arena de
circo. Havia pernas de pau, brinquedos e balões
coloridos por todos os lados. Dava vontade de ser
criança novamente. Emocionado, o prefeito José
Wolner se envolveu com a festa. Perguntava o que
podia fazer, checava se estava tudo pronto. Disse
que era uma forma de manter a mente ocupada,
não pensar tanto no prêmio que estava prestes a
receber. Falava no quanto se sacrificou para tornar o tricampeonato possível. Nas noites mal dormidas em busca das metas a serem cumpridas.
No fim das contas, chegou à conclusão que valeu a
pena todo o esforço.
Uma casa em frente à praça se transformou
no ponto de apoio para os organizadores dos
festejos. Foi ali que encontramos Lívia, vestida
de bailarina e toda contente pelos gracejos que
recebia. A menina de cinco anos, portadora de
Síndrome de Down, parecia a mais serelepe entre as bailarinas. Entre os beijos e abraços que
mandava para todos, dizia que não estava com
vergonha e que gosta de dançar. O entusiasmo
de Lívia encorajou Vivian a conversar com a equi-
pe da Caravana. Também queria dizer que gosta
de dançar. A professora foi logo dizendo que elas
são assim, basta uma perder a vergonha que as
outras logo se colocam a tagarelar também. Na
hora da apresentação, a platéia intimidou as meninas. Lívia virou-se de lado, ficou de costas para
o público e se pôs a dançar, alheia à festa. Os emboladores mirins deram show nas rimas rápidas embaladas pelo pandeiro. Jefereson
e Wander, ambos com 12 anos, tinham apenas
seis meses de prática, mas mostraram que conseguiam improvisar, até mesmo de acordo com o pedido do freguês. Em frente à platéia, fizeram rimas
sobre o Selo UNICEF. Os garotos disseram ter ficado conhecidos na região, ao mostrar a cultura da
serra. Ensaiam três vezes por semana, embolando
sobre diferentes temas. Vimos naqueles meninos
a vontade de preservar o que aprenderam com os
avós. Era a geração do futuro mantendo as tradições do passado.
O grupo de dança moderna começou causando
estranheza, com rostos pintados de branco e roupas pretas. Bastou a música começar para o público se admirar com os passos e a música arrojados. Francisco arrancou gritos pela maneira como
parecia deslocar o braço e o recolocar no lugar.
Longe dos palcos, o adolescente nos mostrou um
pouco mais de suas habilidades como contorcionista. Em poucos segundos, colocava o pé atrás da
nuca, sem que esboçasse sinal de dor. Disse que é
o único de toda a cidade com aquelas habilidades.
José Wolner recebeu o troféu das mãos de Ana
Márcia Diógenes, depois de ouvir elogios sobre o
desempenho do município no Selo. Com ajuda da
articuladora Velbia, ergueu o troféu num gesto
emocionado. Atrás da igreja, surgiram os fogos, o
grand finale para a festa do tricampeonato de Aratuba. Foi difícil deixar aquela cidade tranqüila, de
povo acolhedor. Mas a noite estava começando e
prometia muita coisa na vizinha Mulungu. (AR)
>> 85
mulungu
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Dança de
meninos e meninas
>> Em 16 de dezembro de 2006, às 20h
aímos de amores por Mulungu antes mesmo
de conhecer a área urbana do município. Paramos num dos pontos de onde se observa toda
a beleza da Serra de Baturité e do sertão nordestino.
Vimos um anoitecer cinzento, banhado por uma neblina leve, que ocultava o verde e mandava o ar quente para longe. Do alto da serra, muitas paisagens podem ser vislumbradas. De seus mirantes se avista,
ao longe, Canindé. Visto à distância, não parece tão
grande. Além disso, nos sítios por onde passamos,
se pode assistir o beneficiamento da cana-de-açúcar, vê-la transformar-se no mel e no melaço que,
quando puxado, perde a cor escura para o branco
do alfenim.
C
A comemoração pelo primeiro Selo do Município
foi realizada numa praça, escondida depois de uma
curva sinuosa. O cair da noite chegou trazendo um
frio cortante. Enquanto sofríamos com a mudança
tão brusca de temperatura, os moradores estavam
tão habituados ao clima que não se deixaram abalar.
Estavam mais preocupados em garantir a pipoca e
o algodão doce. A pequena Morgana, de sete anos,
era uma das crianças que se divertiam nos brinquedos colocados à disposição dos pequenos.
A praça era minúscula, o palco ocupava boa
parte de seu espaço. Mas, apesar disso, as apresentações culturais se desenrolaram no chão, bem
próximo do público. Um grupo de meninas da escola
Maria Amélia Pontes, entrou em cena para dançar
o Pastoril. Giravam as saias brancas para os lados e
cantavam graciosamente. Era preciso chegar perto
para escutar as vozes doces das meninas do Pastoril. Na platéia, Alana imitava os movimentos da dança
das meninas, tentando rodar a saia, que puxava levemente de um lado para outro. A imitação acabou em
brincadeira para a menina de oito anos.
Vestidas com uma longa bata, as crianças do Coral Infantil “Encantar” chegaram devagar, tímidas e
intimidadas com a platéia. Soltaram as vozes pouco
a pouco, observando primeiro a reação da platéia.
Ao final da apresentação, até arriscaram alguns passos de dança, enquanto cantavam. Em pouco mais
de dois meses participando do coral, Alex, 11 anos,
contabilizava os eventos que tinha participado. Dizia
que, sempre que havia festa, o coral estava lá, marcando presença, encantando o público.
Do assentamento Souza vieram os adolescentes e jovens do Grupo de Teatro “Gruteaço”. Encenaram uma peça na qual uma matuta tentava
entender o que era o “tal” Selo UNICEF. “Alguém
conhece o Selo UNICEF aí?”, perguntaram. E pouco
a pouco, contando com a atenção do público, eles
explicaram o Selo, sua origem, critérios de avaliação e importância. Além da peça, especialmente
produzida para a ocasião, o Gruteaço trabalha com
temas para conscientizar a platéia. Meio ambiente,
gravidez na adolescência e direitos humanos estão
entre os assuntos abordados. A preocupação com
temas sociais enche de orgulho Veridiane Alves,
de 14 anos. Nos palcos, a menina de olhos vivos
diz sentir-se realizada. Aos onze anos, Juceline reconheceu ter crescido muito através do teatro. “É
ali que aprendo e ensino alguma coisa”, falou.
No palanque, Ana Márcia Diógenes citou os números que renderam a Mulungu o primeiro Selo
UNICEF. A cada meta alcançada, o povo aplaudia, e
mais que isso, balançava a cabeça afirmativamente, como se soubesse de todos aqueles números.
Tim Martins, o prefeito, reafirmou seu compromisso com os direitos dos meninos e meninas de Mulungu. Agradeceu o compromisso e dedicação dos
secretários para atingir as metas. Enquanto deixava o nome do município no carro da Caravana do
Selo UNICEF, uma cortina de fogos de artifício deixou o céu colorido, encerrando nossa passagem
pelo município. (AR)
>> 87
guaramiranga
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Encontro das duas
caravanas
>> Em 17 de dezembro de 2006, às 9h
té aqui, foram mais de 6 mil quilômetros
rodados depois de 14 dias percorrendo os
municípios cearenses, na primeira etapa da
Caravana. Ao longo da viagem, fizemos um pouco
de mapeamento cultural, gastronômico e climático. Em cada cidade, uma surpresa, uma memória.
Pôr-do-sol à beira da estrada, escolta policial, se
deliciar com o alfenim feito, minutos antes, na nossa frente. Em cada parada, uma coisa nova para
aprender e, ao final desta primeira etapa da jornada, muito conhecimento acumulado. No município
que está acostumado a grandes festivais de artes,
fomos nós que fizemos a festa. Guaramiranga testemunhou o encontro dos dois carros da Caravana
que tinham um só objetivo: entregar o Selo UNICEF,
município por município, no Ceará e no Rio Grande
do Norte, de norte a sul, de leste a oeste.
A
A cidade é pequena. Nela, a distância se mede
na base do tempo de caminhada, cinco minutos até
o teatro, sete até a padaria. Talvez por isso tinha
tanta gente naquele dia. Tudo é tão perto que valia a
pena conferir a festa do tricampeonato. O clima frio
de domingo, com a neblina ainda cobrindo a cidade,
convidava para um sono prolongado. Mas em frente
ao Teatro Raquel de Queiroz a movimentação era
grande. Na porta, o tradicional tapete vermelho foi
substituído por flores, nada mais apropriado para
uma cidade da serra. Três adolescentes, cada um
representando um Selo conquistado, recebiam os
convidados com flores. Mais uma vez nos deparamos com a hospitalidade cearense, hábito tão arraigado na cultura do povo. O teatro se transformou
numa grande arena de festas, com tecidos coloridos decorando as paredes e teto.
Para comandar a festa, Janaiane e Antônio, de
treze anos, deixaram de ser adolescentes para encarnar o papel de palhaços animadores da festa,
provocadores de gargalhadas rasgadas. Janaiane
tinha sido convidada na noite anterior, fez tudo de
improviso, sem medo de errar. Perguntada se a
falta de ensaios não atrapalhou o desempenho, a
menina lembrou do famoso jeitinho brasileiro. A
criatividade do nosso povo é, com certeza, um dos
nossos maiores patrimônios. Antônio contou que
gosta dos desafios e, principalmente, de fazer palhaçadas na frente das autoridades sem ser reprimido por isso. Os palhaços contaram piadas, riram
de si mesmos e da platéia. Agradaram a todos.
O prefeito Francisco Hilton viu na festa a coroação de uma administração pública voltada para
crianças e adolescentes. Pediu união em prol dos
direitos dos pequenos e agradeceu a responsabilidade com que sua equipe encarou o compromisso
de manter o Selo. Lembrou-se de pedir desculpas
àqueles que, por falha da memória, não foram
mencionados no discurso. Cada um tinha sua parcela de participação e não poderia ficar de fora na
hora da comemoração. Jadson, articulador do município, vê o Selo como uma competição saudável
entre os municípios, onde todos querem ser reconhecidos, mas para isso precisam cuidar bem das
crianças e adolescentes. E quem ganha com isso
são os meninos e as meninas beneficiados pelas
políticas públicas.
O discurso de Ana Márcia Diógenes emocionou ao lembrar que cada edição do Selo traz à
tona uma sensação diferente: é o prefeito que chora por conquistar pela primeira vez, ou o que se
entristece por não receber o Selo. No palco, ela
chamou um a um os participantes da Caravana do
Selo UNICEF. A equipe que percorreu os confins do
Ceará e do Rio Grande do Norte estava toda reunida. Para encerrar a festa, mais estrondos. Desta
vez eram os tambores, num ritmo que acelerava
o coração. Invadiram as portas, o som tomando
conta do lugar, e foram andando até o palco onde
receberam os aplausos da platéia. Fora do teatro
mais festa, desta vez com fogos de artifício e os
dois carros da Caravana frente a frente, como
num beijo. Era o fim da primeira etapa de uma jornada que movimentou os municípios cearenses.
Levantamos muita poeira naquelas duas semanas.
E mais poeira estava a nos esperar na segunda
etapa da Caravana. (AR)
>> 89
maranguape
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A cidade
verde
>> Em 9 de abril de 2007, às 9h
hegamos a Maranguape bem cedo, dando
início assim à segunda etapa da entrega do
Selo UNICEF. Demos uma volta no centro
e paramos na praça, porque estávamos adiantados. Neblinava e nuvens carregadas escureciam o
tempo. Friinho bom. Impossível não reparar numa
marca do município: camionetas rurais, antigas,
bem conservadas e alimentadas a gás de cozinha,
ainda muito ativas. Ursos grandes de pelúcia, com
seus ursinhos, todos muito bonitos e coloridos,
contrastavam com a simplicidade sisuda do homem que os carregava. Nem parecia um vendedor
de sonhos infantis. Decerto vinha de longe e estava
cansado. O verde das serras envolvia a cidade,
feito uma moldura.
C
Fomos para a praça onde se daria a solenidade de entrega do Selo. Um palanque armado
frente a um espaço apinhado de gente. Uma fanfarra de adolescentes e um grupo de palhaços
nos receberam festivamente. Entre eles estava
Davidson, ator e um dos organizadores do evento.
Além deles, as crianças do grupo do Mapeamento Cultural do Sítio Cachoeira, onde existe o belo
trabalho de um ecomuseu.
A banda de música municipal, com um saxofone em destaque, puxou canções que lembraram
as tertúlias de anos atrás. O nome de Capistrano
de Abreu era a designação de uma escola de ensino fundamental, enquanto um conjunto de flautas tocava um xaxado que se queixava, dizendo
que a “saudade amarga que nem jiló”. Estávamos
na proximidade da Páscoa e uma das apresentadoras da solenidade, perguntou parodiando conhecida canção: “Coelhinho da Páscoa, que trouxe para nós?’ Ao que ela mesma respondeu: “O
Selo UNICEF!”.
Enquanto a chefe do gabinete, a primeira dama
e o representante dos vereadores falavam, a criançada brincava nas laterais do largo, cheio de gente,
que se abria em frente ao palanque. Tati Andrade,
em sua fala, destacou que entre os anos de 2003
e 2005, Maranguape reduziu em 50% seu índice
de mortalidade infantil. Até por isto, comemorava
naquele dia o tricampeonato do Selo UNICEF.
Mesmo com a neblina insistente, ninguém retirou o pé da praça. Ficou pela beira, onde há uns
abrigos de parada de ônibus. Fotógrafos e cinegrafistas, em grande número, postados frente ao
palanque-palco mal deixaram que se visse a dança
moderna do Colégio São José que, na verdade, era
um carimbó dançado por três adolescentes muito graciosas. Depois de falarem as demais autoridades, inclusive o Prefeito, a equipe do UNICEF
comandou a solenidade de entrega do certificado
e do troféu, como sempre ao som do “Hino da Vitória”, lembrando Ayrton Senna.
Ao final da festa, duas boas surpresas. Dona
Graça, a diretora do Ecomuseu de Maranguape,
contou dos seus trabalhos e da Festa do Feijão,
que haveria em Cachoeira, no dia 21 de Abril. Nilson Santiago, assessor de articulação e mobilização da Secretaria Municipal de Educação, também falou, contando sobre o Projeto Semeando,
por ele tocado. Trata-se de um trabalho de resgate da floresta nativa através do lançamento de sementes de Ipê, característicos da Mata Atlântica.
A idéia é que, depois, muitas destas mudas sejam
transferidas para a zona urbana do município.
O projeto, representado na ocasião por muitas
crianças vestidas com sua camisa, pretende, ainda, lançar uma cartilha de educação ambiental,
que deverá ser adotada no ensino fundamental.
Enquanto conversávamos, fanfarras e bandas tocavam, juntas, Parabéns para a cidade. (OB)
>> 91
pacoti
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Natureza
em festa
>> Em 9 de abril de 2007, às 15h
o meio dia de nove de abril já estávamos em
Pacoti. Procuramos um restaurante para
almoçar e, por coincidência, estava lá a articuladora do Selo na cidade. Resultado: ganhamos
um descanso na Casa de Apoio, da Secretaria de
Educação, antes de sairmos para o cortejo que
nos esperava na entrada da cidade. Estudantes,
professores e autoridades já estavam a postos
para comemorar o tetracampeonato do Selo, com
faixas e cartazes ostentando dizeres como “Criança instruída, nação desenvolvida”, “A escola não
está no futuro, é o futuro que está na escola”, e
“No jardim da vida, a educação é um dos principais
nutrientes. Quando cultivado com dedicação, os resultados são as mais belas flores.”
A
Todos se preparavam para o cortejo, com girassóis enormes, estandartes, bandeiras, bonecos
gigantes, pompons e bolas coloridas. A defesa do
meio ambiente era uma constante: “Lixo, uma indústria de soluções”, “A Terra é o paraíso do sistema solar”. Até que um grupo de batedores, em
motos, puxou a passeata. Depois, vinha um caminhão de bombeiros, com uma bandinha tocando
em cima, e o carro da Caravana do Selo UNICEF.
Em seguida, as alas representando as escolas e
movimentos sociais com faixas: “A escola é o campo; palco onde se estréia o futuro”, “Projeto lixo, um
verdadeiro luxo”.
A cidade parou para ver o cortejo passar, ao
som de marchinhas carnavalescas e foguetes, que
deixavam os cachorros muito assustados. Em frente ao ginásio esportivo, crianças já brincavam em
um parque de diversões inflável, quando a festa chegou. Fomos recebidos por palhaços, que traziam flores na lapela com a frase: “Pacoti, cultura à flor da
pele.” Dentro do ginásio, mais faixas: “Na cidade feliz,
as crianças e adolescentes têm seus direitos garantidos – Município Verde!” As crianças gritavam
nas arquibancadas, enquanto a bandinha tocava “O
teu cabelo não nega”, de Lamartine Babo. Os palhaços perna-de-pau ensaiavam passos desajeitados, enquanto a melodia mudava para: “Eu mato, eu
mato, quem roubou minha cueca para fazer pano
de pato”. Ao fundo o sol assistia tudo, lançando seus
raios sobre a floresta majestosa.
Abrindo o show, ou melhor, a solenidade, dois
apresentadores, como animadores de auditório,
ressaltaram o verde e a felicidade como marcas
de Pacoti. Ao anunciarem o nome das autoridades presentes, as crianças aplaudiram cheias de
energia. Um a um, desfilaram com sua postura característica, as autoridades do município: o juiz, o
padre, o vereador, o prefeito e os secretários, o
presidente do sindicato, além de, é claro, o prefeito
mirim. Todos de pé cantaram o Hino Nacional, até
mesmo o palhaço perna-de-pau, que pôs, inclusive,
a mão no peito, em posição solene, como uma espécie de continência civil. O Hino Nacional foi reproduzido em gravação, já o de Pacoti foi interpretado
pelos alunos da Escola de Arte Colméia, vestidos
de coroinha de igreja, em coral de vozes, acompanhados por flautas e violões.
Em seguida, o corpo de atores e atrizes do
mesmo Projeto Colméia, formado por crianças e
adolescentes, apresentaram “Flor de Lótus”, um
espetáculo de teatro e dança sobre a diversidade
étnica e cultural, em que as crianças numa coreografia complexa fazem e desfazem um intrincado
de fios, tecendo com eles uma rede multicolorida. Caiu a tarde e o friozinho da serra chegou.
Falaram as autoridades. Enfatizaram o fato de
Pacoti ter reconquistado o Selo e a dificuldade
de melhorar o que já é bom. O Prefeito disse ser
um funcionário da Prefeitura que está 24 horas à
disposição do povo. Pacoti já é tetra, mas no final
da festa todos gritaram pedindo o Pentacampeonato do Selo. (OB)
>> 93
itapiúna
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Xote e baião na
sanfona
>> Em 9 de abril de 2007, às 19h
cidade fez uma festa simples, na pracinha. Por motivo de luto familiar, a Primeira
Dama e o Prefeito pediram desculpas pelo
não comparecimento. Chegamos já escuro. Antes
passamos na casa de Mestre Renato, na entrada da
cidade. Ele faz os mais belos bichos de brinquedo da
região. São Bois, Burras e Pintas, especialmente, em
miniatura e em tamanho grande, para brincar no seu
Reisado ou nos Reisados dos municípios vizinhos. Ficou contentíssimo e fez este jornalista ler parte de
sua história, como está registrada no livro Memória
do Caminho, que escrevi depois de percorrer quase
todo o Ceará, com a Secretaria de Cultura.
A
Na pracinha, imperavam as letras e sons de
uma campanha contra o trabalho infantil. Em um
cartaz estava escrito: “Maria tem apenas 12 anos,
é empregada doméstica e de noite vai para a escola, mas não aprende porque está cansada.” Outro
cartaz replicava: “Criança, tempo para escola, tempo para brincar.” Os sons eram transmitidos pelas
rádios Planalto e Sertão Nordestino e pediam proteção e direitos para as crianças. De resto, a pracinha transformou-se em uma feira educativa-cultural. Uma barraca divulgava a educação ambiental
nas escolas, desenvolvendo temas relacionados ao
lixo, ao desmatamento, à escassez da água, aos
agrotóxicos, à necessidade de reflorestamento, às
queimadas, às matas ciliares e à importância das
hortaliças. A barraca seguinte mostrava os feitos
do Projeto Convivendo com o Semi-Árido, desenvolvido pelo Colégio Demócrito Rocha. Havia ainda as
barracas do Projeto Crescer com Arte, a da Saúde
e a do Artesanato. No centro da praça, uma roda
de capoeira reunia crianças e adolescentes, assistida por um ajuntamento de meninos e meninas,
agitando bandeirinhas.
Dois adolescentes do Projeto Amigos da Leitura,
Heloísa e Washington, fizeram as vezes de apresentadores. O Vice-Prefeito presidiu a solenidade e
quando Daniele da Cruz, articuladora local do Selo
UNICEF, anunciou que a apresentadora é neta de
Maria do Flávio, todos aplaudiram entusiasticamente. Formou-se uma roda, no centro da praça, e um
menino dançou forró com uma enorme boneca hu-
mana retirada de dentro de um baú. A menina que
fazia a boneca foi aplaudida mais freneticamente
ainda. Em sua fala, Tati Andrade destacou o fato de
Itapiúna ter ganho o Selo pela quarta vez. É tetra!
O Secretário Luís Antônio, da Educação, lamentou o
fato de Itapiúna não ter ganho logo no primeiro momento. Culpa de os dados da saúde e da educação
terem sido fornecidos com erros. De fato, Itapiúna
tem 100% de suas escolas com água filtrada.
>> 95
Enquanto foi lida a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, os idosos prestavam atenção, os
adolescentes namoravam e as crianças brincavam.
Elas têm direito. Depois que o troféu foi entregue, estouraram os fogos e todos aplaudiram. A articuladora do Selo UNICEF anunciou uma nova atração “Um
Ato pela Paz”, feito pelas alunas da Escola Recanto
das Crianças. O Secretário de Cultura, José Aldemir
Lima, disse reservadamente para a equipe do UNICEF sobre sua intenção em pedir o tombamento da
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do distrito
de Itans, que tem 268 anos de existência. Uma adolescente tocou um xote e um baião na sanfona e a
apresentadora, depois de advertir as crianças sobre
o perigo de pisar nos fios, agradeceu a participação
de todos e deu por encerrada a solenidade.
Antes de nos despedirmos da cidade, visitamos o Projeto Programa Tindolêlê, que tem em
sua sede um verdadeiro estúdio de televisão,
onde já foram gravados, em DVD, duas edições
de um programa infantil. Luís Emanuel, o apresentador e criador do programa, é ainda bem jovem
e desenvolve uma linguagem que mistura Xuxa,
Castelo Ra-tim-bum e cenários de ficção científica. No adeus, todos quiseram tirar fotos com a
Caravana do Selo UNICEF. (OB)
itatira
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Os quatro elementos
do mundo
>> Em 10 de abril de 2007, às 9h
ormimos em Canindé e no dia seguinte, 10
de abril, partimos para Itatira. O mapeamento indicava que lá era terra de reisados, o que aguçou nossa curiosidade. Os mais
conhecidos são o de Lagoa Seca e o de São Gonçalo, no distrito de Cachoeira. Soubemos, também pelo Mapeamento Cultural, da existência do
Grupo Teatral Balada, de inúmeras quadrilhas
de São João, de um Pastoril na Paróquia do Menino Deus, do Grupo de Capoeira Negaça e da
Missa do Vaqueiro na Lagoa do Mato. Quanto à
origem da cidade, conta-se que, em 1869, quando Itatira ainda era Serra do Machado, Antônio
Alves Guerra, senhor absoluto do lugar, frente a
dificuldades imensas, pediu ajuda em oração ao
Menino Jesus, para vencer com seu caminhão a
subida íngreme da Serra. Prometeu que se sua
prece fosse atendida, edificaria no alto da serra
uma capela para o Santo Menino. Parece que
seu velho Ford ganhou força e, no ano seguinte,
a capela começou a ser edificada.
D
Aos mapeadores da cultura, Dona Antonieta
Barbosa, da localidade de Queimada da Onça,
também do distrito de Cachoeira, narrou como se
brinca de Cobra Cega. Uma criança fica de olhos
vendados no meio do círculo. Uma outra pergunta: “Cobra Cega, de onde tu vens?”. Ela responde: “Do castelo”. Pergunta-se de novo: “O que tu
trazes pra mim?” Ela responde: “Cravo e Canela”.
Então a criança que faz as perguntas coloca a
mão na cabeça da Cobra Cega e diz: “ Então, bumba nela!”. Todas as crianças do círculo colocam a
mão na cabeça dela e, em seguida se espalham,
enquanto a Cobra Cega tenta agarrar uma delas.
A que for pegue vai para o centro da roda e a
brincadeira se reinicia.
Ainda estávamos vencendo a serra que o Ford
de Seu Antônio Guerra subiu por milagre, quando
encontramos o caminhão que vinha trazendo os
representantes do Distrito de Cachoeira para a
festa. Em cima do pau-de-arara, no alto da coberta, vinha o Boi de Mestre Zé Dêga. Evilázio Bezerra
pediu uma parada para fotografar. Os brincantes
do reisado, que traziam o Boi, começaram a se
desculpar pela forma extravagante de carregar
uma bagagem. Só depois compreenderam que o
UNICEF queria fotografar o Boi de brinquedo.
Frio de serra e tempo nublado, a festa foi no
Centro Comunitário da cidade. Antes houve alvorada, missa e cortejo em comemoração. Entre
as autoridades, estavam Cláudia Guerra, a única
mulher Secretária municipal de Agricultura no
Estado, e Ivaildo, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais. O Hino do Ceará teve uma
bela interpretação por coral e banda, o mesmo
acontecendo com o Hino do Município, cuja letra a pequena multidão cantou com vibração e
entusiasmo, dando um viva final a Itatira. Atrás
do palco, um pé de cajá inundava o ambiente
com seu perfume, quando professoras e crianças da Escola de Lagoa do Mato encenaram um
número sobre a necessidade de preservação do
meio-ambiente.
Muita gente ficou com os olhos cheios d’água,
quando Ênio, 9 anos, um menino com necessidades especiais, fazendo o papel de ar, disse, superando suas limitações: “Eu sou o ar/Ninguém me
tira/Sem mim/Nada respira.” Ao final, recebeu
um abraço emocionado da mãe. Todos choraram
e o Prefeito Antônio Almir pediu que as crianças
tratassem com carinho seus colegas de escola
necessitados de cuidados especiais. Muitos ressaltam o papel de Luciglauba, a articuladora local,
na conquista do Selo. Quando o Prefeito e a Primeira Dama levantaram o troféu, a apresentadora vibrou como quem anuncia um gol. O Prefeito
saiu pulando no meio das crianças com o troféu
nas mãos. “É o Menino Deus abençoando Itatira!”,
gritou a locutora. Todos cantaram a Oração de
São Francisco. Em seguida, o Swing Dance, em
trajes havaianos e chapéu de palha, proclamou
que “Juntos construiremos nossos sonhos” e
dançou: “Ceará, um canto de amor e luz.” (OB)
>> 97
APUIARÉS
O Ceará de Curumins e Curuminhas
O maracatu
infantil
>> Em 10 de abril de 2007, às 15h
povo de Apuiarés jura que a verdadeira história da Loura do Banheiro se deu num grupo
escolar chamado São Sebastião, existente no
município. Acontece que os romeiros de Canindé
passavam por Apuiarés, em sua caminhada, para
pernoitar. De uma feita, entre o grupo de romeiros
havia uma moça, que era loura. Eles pernoitaram
na tal Escola São Sebastião e a moça, de noite,
teve vontade de ir ao banheiro. Lá, sentiu-se mal e
desmaiou, dentro do banheiro mesmo. Como naquela noite ninguém mais foi ao banheiro e o grupo
de romeiros, de madrugada, partiu sem a loura,
só no outro dia, quando os alunos da escola chegaram e um deles foi ao banheiro, encontraram a
loura, já morta. A partir daquele dia todos evitavam
entrar no banheiro, para fazer lá seja o que fosse.
Até que em 1990, uma aluna desavisada entrou
e quando foi tentar sair, a porta não abriu. Pediu
socorro, gritando: “A Loura do Banheiro, a Loura
do Banheiro!” Foi quando uma alma caridosa destrancou a porta e a menina escapou por um triz. A
história se espalhou e foi comentada em todas as
escolas do Ceará, assustando as crianças.
O
Também é do Mapeamento Cultural uma sobre
o Jacu, um pássaro da cor preta, semelhante ao
Urubu, só que muito mais bonito. Ele era abundante em Apuiarés e conhecido por gostar de guaiúba.
Antigamente, quando havia muitos Jacus no município, eles moravam às margens do Rio Curu, que
só tinha água no período invernoso, pois não havia
ainda o açude General Sampaio. Também se concentravam na Fazenda Sabiaguaba, porque gostam muito da fruta da dita planta que dava nome à
fazenda. O menino Felipe Braz, que tinha 14 anos
quando participou do Mapeamento, escreveu que
os Jacus são importantes porque lembram os índios e os negros, primeiros habitantes do lugar.
Felipe lamenta ser hoje raro “ver um Jacu voando
por aqui”. Ele mesmo só conhece presos em gaiolas, mesmo assim poucos.
Tentamos alcançar Apuiarés por um atalho
carroçável, mas atolamos o carro da Caravana do
Selo UNICEF e, pela primeira vez, chegamos um
pouco atrasados, quando a festa já troava no ginásio coberto da cidade. A atração maior foi um maracatu mirim, organizado por Belisa Guedes. Ainda novo na cidade, o maracatu é conhecido pelas
crianças e adolescentes como a dança da boneca
da cara preta. Tudo muito lindo, inclusive o nome
do Selo UNICEF bordado no estandarte.
>> 99
O Hino do Município foi executado por um coral
de criancinhas de menos de cinco anos de idade.
Depois, uma banda de lata formada por adolescentes, com a ajuda de um grupo de flautas, fez
a garotada dançar frevo. Encontramos um grupo de adolescentes com dizeres na camisa, que
chamavam a atenção. Estava escrito em letras
enormes: “Sou da Turma do Baseado... (e mais
embaixo, com letras menores, completando a frase) na educação, no amor à vida...”. Que alivio!
A presença dos idosos era muito forte. Eles,
assim como crianças e jovens, estavam bem
concentrados em cada detalhe da festa. Em sua
fala, Tati Andrade agradeceu a Alonso, o morador da cidade que nos ajudou, como batedor, a
vencer os atoleiros e desvios da carroçável que
vai de Paramoti a Apuiarés. Lá fora, já próximo
ao final da festa, quando o Prefeito estava colocando o adesivo com o nome do município no
carro da Caravana, chegou um roceiro de 72
anos de idade, Damião Moreira de Sousa, atraído pelo papocar de fogos. “Houve festa, eu estou
dentro!”, confessou. (OB)
UMIRIM
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Infância
de flores e borboletas
>> Em 10 de abril de 2007, às 20h
lugar, em 1873, ganhou o nome de Riacho
da Sela, por motivo de uma sela perdida por
um cavaleiro ao atravessar o riacho, que lá
existe. Depois, em 1937, passou a se chamar Riachuelo, em homenagem não ao seu riacho, como
pode parecer, mas à batalha naval da Guerra do
Paraguai. Porém voltou a riacho ou rio pequeno
em 1943, agora em língua Tupi, como Umirim, município desmembrado de Uruburetama. É terra da
Dança de São Gonçalo de Açudinho e do poeta Luiz
Gonzaga Lima, que foi homenageado por Cândida
Galeno, faz parte da galeria de honra da casa de
Juvenal Galeno e, uma vez, louco de amor, escreveu: “Fujo de ver-te, fujo de avistar-te!/E conservo o
teu vulto em minha mente./Fujo de ver-te, dolorosamente!/E te vejo, mulher, em toda parte!”
e o adolescente Cristiano. Ela ressaltou as notas
altas de Umirim. Foi exibido um quadro feito de raízes e tecidos vegetais representando uma criança
remando um barco, de autoria de Vanderlândia
Madeira, artista orgulho da cidade, que já ganhou,
inclusive, o 1º Prêmio em um concurso de presépios da Cearte.
É o berço natal do grupo teatral Trupe Trama
Astral Arte, formado por crianças e adolescentes, e onde há uma brincadeira de Boi, no distrito
de São Joaquim, cujo mestre é Seu Batista. Cidade dos “Trakinas”, grupo musical de meninos que
utiliza materiais reciclados para fazer barulho e
graça. Meninos e meninas que gostam de brincar
de Grilo, aquela brincadeira em que se pergunta:
“Cadê o grilo?” E o outro responde: “Tá lá atrás!”
Mas que também gostam de brincar de amarelinha, cavalo de pau, esconde-esconde, pega-pega,
cai no poço e outras.
Quando da entrega do troféu, ao lado do palco,
uma banda de música tocou o “Tema da Vitória”
dedicado a Ayrton Senna e, em seguida, um belo
repertório de cantigas de roda. O Prefeito Antônio Brito, depois de agradecer a todos, disse que
“somente apoiando a família, chega-se à criança
e ao adolescente”. Enfim, apresentaram-se as
crianças do Centro Educacional Infantil Tia Maria.
Ficamos sabendo o que representavam: a primeira, uma flor; a segunda, uma abelha; e a terceira,
o profeta da verdade com um livro. A professora
conduziu a apresentação fazendo uma espécie
de mímica, que as crianças repetiam. As meninas
eram lindas e o gestual enternecia a todos. Na
seqüência, dois meninos tocaram uma melodia
usando, ao mesmo tempo, o mesmo violão. Por
fim, apresentou-se o grupo de terapia ocupacional fazendo uma coreografia coletiva, que parecia
uma ginástica rítmica.
O
Na porta de Umirim, duas imagens de Nossa
Senhora, coladas de costas uma para a outra,
guardam os caminhos: uma voltada para a entrada
e outra para a saída da cidade. Quando chegamos,
na boca da noite, as crianças já estavam todas na
pracinha em frente à Igreja. Algumas se vestiam
de flores e borboletas. O palanque das autoridades
e a bancada da orquestra estavam enfeitados de
bolas coloridas. Da sacada dos sobrados ao redor
da praça, o povo esperava pela hora da festa. Umirim só tem 22 anos de existência e já é bicampeã
do Selo UNICEF
Liberados das aulas, os estudantes não cessavam de chegar para a festa. Tati Andrade decorou
o nome dos apresentadores: a menina Natanaele
>> 101
Terminada a solenidade, como de costume, meninos e meninas partiram vorazmente para a decoração colorida, brincando de estourar bolas. (OB)
TRAIRI
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Crianças
dançam coco em Alagadiço
>> Em 11 de abril de 2007, às 9h
ormimos em uma pousada na maravilhosa
praia de Fleicheiras. Chovia, e para o outro
dia bem cedo estava marcada a festa do
Selo. No Pólo de Atendimento Maria Silva Sales
chamava a atenção a pintura mural da fachada, de
autoria da menina Vanessa Gadelha de Freitas, no
mais autêntico estilo infantil. Trata-se de um prédio
novo com um ginásio esportivo recém inaugurado.
Entramos e já um coral de jovens, afinadíssimo, se
apresentava entoando canções religiosas. O espaço estava decorado com bolas de soprar coloridas
que, provavelmente, seriam estouradas no final
pela criançada. Por toda a borda do palco, belas
flores de plástico. Encontramos Moisés do Coco
de Alagadiço preocupado com as crianças do seu
grupo cultural, divididas entre o bom comportamento e a vontade de sair para ganhar pipoca.
Todos se levantaram para ver melhor o espetáculo, sem que para tal houvesse necessidade de conclamação. As crianças se apresentaram em dupla
e, em seguida, fizeram uma grande roda. Moisés
elogiou o Prefeito e a Primeira Dama, antes de reivindicar um centro cultural de Dança do Coco, na
localidade de Alagadiço.
O locutor pediu que todos ficassem de pé para
receber o Prefeito Mazim, que passou cumprimentando com um aperto de mão a todos, no percurso
até ao palco. Um jogral de crianças disse versos
de Tiago de Melo: “Fica decretado que agora vale
a verdade, que agora vale a vida”. Em seguida declamaram um texto parodiando conhecida canção
de John Lennon: “Imagine uma Escola”. Da lista
de mais de uma dezena de autoridades citadas,
o Padre foi o mais aplaudido. Gravações reproduziram o Hino Nacional e do Ceará para, no final, a
criançada aplaudir com um apitaço. Bonita mesmo foi a apresentação do Hino do Trairi, celebrando a natureza, na interpretação do Coral do Pólo
de Atendimento às Crianças e Adolescentes. No
número seguinte, quatro minúsculas meninas da
Creche Tio Patinhas, vestidas com as cores nacionais, dublaram uma canção falando dos cuidados
que as crianças devem ter com seu País. Ao final,
mostraram a Bandeira brasileira.
A menina Jamile e o menino Marcos, mestres de cerimônia, chamaram o número seguinte.
Ao som de um teclado eletrônico, interpretando
“Aquarela do Brasil”, um grupo mirim mostrou figuras típicas das diferentes regiões brasileiras:
um índio para o Amazonas, rendeiras e jangadeiros para o Nordeste, um boiadeiro para o CentroOeste, um executivo e uma passista de carnaval,
para o Sudeste, e gaúchos dançando o Pau de
Fitas, para o Sul. No desfecho, mostraram as
bandeiras do Brasil e do Trairi, esta última tendo
um escudo com desenhos de um caju, um pé de
cana, um boi e uma jangada.
D
Foi anunciada, finalmente, a atração principal:
Seu Moisés, com seu Coco de Lagoa, da comunidade de Alagadiço. Brincantes de três gerações e
uma grande família. Avô, filho e neto. Seu Moisés
puxou a toada, acompanhado da ‘orquestra’ do
coco: “É na pancada do caixão/É no retinir do ganzá/É na rima do repente/Que faz o povo dançar.”
>> 103
Em seguida, as autoridades destacaram o tricampeonato do Selo UNICEF. Falaram, entre outros,
Marília Lídia, representando as crianças; um vereador, o Secretário de Educação, que homenageou
Antenor Naspolini, presente à ocasião, louvando o
trabalho feito por ele quando esteve à frente do UNICEF. Tati Andrade, como depois o Prefeito, mereceu
fogos, ao ter anunciada a sua fala. Ela perguntou se
as crianças haviam aceitado o desafio lançado pelo
UNICEF. Em coro, elas responderam que sim. O Prefeito saudou a todos e a todas. Falou rapidamente e
mereceu estrondosa salva de fogos. (OB)
MARCO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Passeio na praça
no sábado à tarde
>> Em 11 de abril de 2007, às 16h
ma das histórias mais tristes de Marco é
a da localidade por nome Solidão. Conta-se
que em certo local do distrito de Mocambo,
uma pobre moça engravidou e por isto foi expulsa da casa de seus pais. Refugiou-se num lugar
distante e abandonado, passando a viver isolada
no interior de uma humilde casa de taipa. Ali, teve
seu filho, mas os dois, não resistindo à solidão em
que passaram a viver, acabaram por morrer, tendo sido comidos pelos urubus. Daí o nome do lugar. Entre as histórias colhidas pelas crianças e
adolescentes que fizeram o Mapeamento Cultural,
conta-se também um fato passado com um papagaio, animal criado pela família Oliveira. Acontece
que, todas as noites, a família tinha o costume de
cantar o Ofício de Nossa Senhora. De tanto ouvir, o
papagaio aprendeu e passou a cantar o Ofício junto
com a família. Só que, certo dia, por esquecimento
da família, o papagaio dormiu fora de casa, veio um
gavião e o levou. Daí em diante, muitas pessoas
contam que passaram a ouvir o cântico do papagaio de noite voando pela cidade. E foi assim até
que um dia o canto silenciou e todos concluíram
que o papagaio havia morrido.
U
Céu lavado, tempo bonito para chover. Na entrada da cidade um outdoor enorme ostentava a
logomarca do Selo. Na praça, enquanto as autoridades do lugar e alguns políticos dos municípios
vizinhos se revezavam ao microfone, no alto de um
palanque com serviço de som ultra sofisticado,
uma pequena multidão passeava como num sábado à tarde. “Gente Pequena Também Tem Direito”,
dizia um cartaz conduzido por um grupo de meninas que iria apresentar uma coreografia dançada sobre os direitos das crianças. Ao lado, outro
grupo, nesse caso de professoras, vestia camisas
verdes com os dizeres: “Amazônia Para Sempre”.
Elas faziam parte da Campanha da Fraternidade
pelo meio ambiente.
Enquanto foguetes espocavam saudando os
oradores, as praças, as pessoas, as bancas e as
barracas viviam suas próprias vidas. Uma banca
de cachorro quente e pastel, outra de jogo de
bozó com escudos de times de futebol, uma do
Brechó da Tia Néa, outra da Secretaria de Ação
Social, com salgados. Entre as pessoas passeava
uma mãe com uma criança de colo vestida de coelhinha (afinal, estávamos perto da Páscoa). Aliás,
o que não faltava era mãe com criança pequena.
>> 105
De longe, uma voz grave puxou uma toada de
capoeira, para a apresentação do grupo da Escola São Francisco. Fomos até lá para ver quem
era o dono de voz tão bela e acabamos por verificar tratar-se de uma gravação. Em seguida,
apresentou-se um poeta da localidade de Solidão.
Um lugar com tal nome só pode dar muito poeta.
Depois, apresentaram-se crianças muito pequenas de uma creche, em um musical sobre os direitos da infância. “O primeiro direito da criança é
nascer”, grita uma delas ao microfone. Outra proclamou: “Baixinhos unidos jamais serão vencidos”.
Ao final, todas gritaram juntas: “Toda criança tem
direito de ser criança”.
Tati Andrade entrega o Selo ao Prefeito, que sai
com a Primeira Dama pelo meio da multidão. Grande espocar de fogos. Um deputado promete para
depois da solenidade, forró com a Banda Santana.
Quando deixamos a praça fomos visitar o Centro
de Convivência de Idosos, um empreendimento de
iniciativa da Primeira Dama, que produz um belo
artesanato. (OB)
BELA CRUZ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A história do
boi calçado
>> Em 11 de abril de 2007, às 19h
ntre as muitas histórias mapeadas em Bela
Cruz, está a do Boi Calçado, que deu nome
à localidade de Poços do Calçado, existente
naquele município. Conta-se que em um lugar por
nome Poços morava um pequeno criador de gado,
que entre seu rebanho tinha um boi muito formoso, que chamava a atenção por ter nas patas uma
malha na forma de uma bota ou calçado. Certa
vez, ao conduzirem a boiada, os vaqueiros tiveram
que atravessar o dito poço que dava nome ao lugar e, por infelicidade, o Boi Calçado teve suas patas presas nas pedras e morreu afogado. A partir
deste dia, o local ganhou a denominação de Poços
do Calçado, lugar bonito e bom para pescaria.
E
No caderno do Mapeamento Cultural está assentado também existir a Praça dos Amores, num
texto que é quase poesia: “Lembranças, saudades,
paixões e amores, corações e cores, o primeiro
amor, amor colegial, paqueras e um lugar especial
para encontro de casais apaixonados”. Quem na
cidade de Bela Cruz não passou ou freqüentou por
algum tempo a “Praça dos Amores”? Melhor perguntar: Quem nunca marcou encontro lá?” Além
de namoros, seus bancos e espaços abrigam
senhoras e senhoritas fazendo crochê, crianças
brincando, conversas entre jovens e paqueras.
E foi beleza o que encontramos ao entrar na cidade: dois arcos como portas, um triangular e outro
de Nossa Senhora de Fátima; uma avenida muito
bem iluminada, uma bela praça e uma bela igreja. No calçadão atrás da igreja, o cenário armado
com o brasão do município, ilustrado por uma cruz,
uma carnaubeira e um cajueiro, bancos, balões e
um telão, onde as crianças olhavam um vídeo documentário. Outras crianças, muito pequenas, ainda
chegavam em cortejo, quando a banda puxou um
dobrado saudando nossa entrada. Nos bancos, em
frente ao calçadão, muitos idosos, entre eles um
grupo de mulheres vestidas de baianas, com trajes
tão brancos e rendados que fazia gosto.
O repertório da banda também fazia gosto.
Entre outros, o Hino da Itália e Ronda, de Paulo
Vanzolini. Chegaram as autoridades e ela tocou “A
Banda”, de Chico Buarque. Na barraca da bibliote-
ca ambulante Prof. Nicácio, criancinhas liam livros
infantis, enquanto outras pulavam macaca, num
gramado próximo. Bela Cruz se intitula Município
Verde e, na praça, há um conjunto de lixeiras, muito novas e coloridas. Meninas com colantes para
balé clássico esperavam a hora de suas apresentações. A Banda atacou de Vassourinhas e elas,
discretamente, ensaiavam passos de frevo. Mas foi
delas o primeiro número após a apresentação das
autoridades. Dançaram com arcos de flores.
>> 107
O segundo número foi das baianas. Desfilaram
com os produtos da terra: caju, mandioca, carnaúba, leite, louça de barro, crochê, bordados, pinturas,
rezas, lendas e crenças. Cantaram: “Nosso direito
vem/Se não vier nosso direito/O Brasil perde também.” Depois, o Trio Parada Dura, do mesmo Grupo de Convivência da Terceira Idade, formado por
Paulo da Silva, no berimbau de lata, Manuel Egídio,
no tambor, e Maria, no triângulo, puxou um baião, e
as baianas dançaram soltas, feito num maracatu.
Depois dos idosos, as meninas e meninos da
Creche Criança Feliz disseram umas frases decoradas e cantaram lindamente “Parabéns Pra
Você”. Em seguida, os adolescentes do Grupo de
Dança do CIACA desenvolveram uma bela e longa
coreografia. Só depois teve início a solenidade da
entrega do Selo propriamente. Na platéia, um sujeito aproximou-se do carro da Caravana do Selo UNICEF e perguntou se ele ia ficar em Bela Cruz. No
palco, Tati Andrade vacilou em chamar o prefeito
pelo apelido de Cachimbão, mas ele disse que assumia o apelido sem problemas. Junto com a Primeira Dama, o prefeito levantou o troféu, enquanto um
saxofonista executou o “Tema da Vitória”. (OB)
IBIAPINA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Festa no friozinho
da serra
>> Em 12 de abril de 2007, às 15h
s descrições de Ibiapina, feitas por ilustres
escritores, foram devidamente registradas
pelo Mapeamento Cultural do município.
Padre Sadoc de Araújo disse: “A cidade, construída na Zona da Mata, é cercada de vegetação
luxuriante, no meio de verdadeiros jardins naturais onde sopra constantemente brisa amena e
sadia. O clima se apresenta delicioso e o panorama verde e deslumbrante”. O escritor e poeta
Pedro Ferreira descreveu Ibiapina entre cafezais
viridentes e olentes e afirmou que nossos olhos
se abismam com os painéis lindos e soberbos
que não se descrevem. Já Domingos Olímpio, escritor que dispensa comentários, confessou que
tinha tido “um grande sentimento de alívio ao
receber as primeiras rajadas frescas e puras,
já ao início da subida da montanha íngreme e espessa, mataria exuberante, onde ouvia o rumor
das cascatas”.
A
Chegamos, sol a pino, pouco depois do almoço,
após atravessar as paisagens da serra, descritas
pelos cronistas. Quase meio dia e, ainda assim,
dava para sentir o frescor do clima. Estávamos
bem adiantados para a festa. A cidade começava
a se movimentar, ainda lentamente, retornando
ao trabalho depois do almoço. Paramos à sombra
da Igreja de São Francisco, onde mulheres, com o
uniforme da limpeza pública, varriam tranquilamente a rua. Saímos a passear pelo centro da cidade,
mas logo ouvimos foguetes, sinal de que alguém
havia nos descoberto.
Seguimos em direção ao ginásio esportivo,
onde a solenidade ocorreria. No caminho cruzamos com um carro de som propagando a canção
feita especialmente para o evento e com grupos
de crianças e adolescentes que caminhavam na
mesma direção. No ginásio, tudo já estava pronto:
o palanque com os balões coloridos e a figura dos
três bonecos do Selo UNICEF, um saxofone compondo um fundo musical, o nome das autoridades
na mesa, os bonecões do Mosquito da Dengue e
do Mickey, e uma comissão de meninas com a camisa do Selo UNICEF para nos receber. Tudo já
muito bem organizado, tanto que pela primeira vez
a festa começou adiantada.
Em seguida, um humorista, de nome Mastrogilda, tentou animar o auditório com seu show
de humor. Depois, resolveu chamar as crianças
ao palco para dublar cantoras. Colocou-lhes perucas e uma delas, em vez de dublar a canção
proposta, gritou chamando as amigas. Já outro
menino tomou o microfone e deu os parabéns
ao município pela conquista do Selo. Mastrogilda,
reagindo, pediu que as crianças se balançassem.
Por fim, transformou-se em um palhaço.
>> 109
Na solenidade, as autoridades da mesa eram
na grande maioria mulheres. O ponto alto da programação artística foi um musical do Projeto de
Reciclagem Arte na Lata, no qual belas mocinhas
com trajes feitos de lixo reprocessado desfilaram,
ao som de um batuque. Em sua fala, a articuladora local do Selo UNICEF, proclamou “Está nos
jornais, queiram ou não queiram, Ibiapina ganhou
o Selo!”. E garantiu enfática: “Enquanto eu estiver
viva, vou lutar por Ibiapina!” Em seguida, o Prefeito
falou e tudo foi festa, começando pelo leruá do
Sítio de Taquara. Na saída, quando todos já abandonavam o ginásio, um menino (aquele mesmo da
apresentação de Mastrogilda) pegou o microfone
e gritou de novo: “ Parabéns, Ibiapina!” (OB)
NOVA RUSSAS
O Ceará de Curumins e Curuminhas
A força das
mãos
>> Em 12 de abril de 2007, às 19h
e acordo com o Mapeamento Cultural feito por
crianças e adolescentes do município, Nova
Russas é considerada a capital do crochê, devido à qualidade e quantidade das artesãs dedicadas
a este ofício existentes em seu território. Chama-se
Nova Russas porque a primeira capela existente no
lugar foi construída pelo Padre Joaquim Ferreira de
Castro, filho da Vila de São Bernardo de Russas, que
em torno dela levantou um povoado em homenagem
à sua cidade natal. Eram terras da fazenda Curtume,
que, como o nome diz, dedicava-se à criação do gado
e à curtição de couro e peles.
D
Faz parte do Mapeamento uma relação de palavras e expressões usadas no município, como: Aluirse: ficar mais atenta. Apragatar-se: se esborrachar
no chão. Aresia: dizer besteira. Arregalado: muito
aberto. As oiças: os ouvidos. Atentar cão com reza:
perturbar. Atubibada: perturbada. Barriga de soro
azedo: barriga grande. Bater a biela: morrer. Batoré: baixinho. Capar o gato: sair rapidamente. Sebite
baleado: diz-se de pessoas muito magras. Chorar a
morte da bezerra: ficar com o olhar perdido. Curiar:
cubar o movimento. Dar um pulinho aí: passar rapidamente por aí. De fora a parte: extra. De meia
tigela: produtos sem qualidade. Dia de São Nunca
à tarde: nunca vai acontecer. No tempo do bumba:
muito antigamente. Dou o maior dez: equivalente a
gosto muito. Ficar no caritó: não casar. Estar com
a macaca: estar de mau humor. Ficar num pé e
noutro: diz-se de alguém que está muito ansioso.
A noite da entrega do Selo iniciou-se com um cortejo festivo pela cidade, durante o qual brincamos de
dar adeus às pessoas que pararam nas calçadas.
Atrás de nós vinha um carro alegre cheio de crianças e gente fantasiada de bichos. Durante o percurso, cruzamos com um rapaz que se imagina dirigindo
uma moto invisível em alta velocidade pelas ruas da
cidade. A festa foi na sede da Secretaria de Cultura,
que funciona numa espécie de centro cultural. Tudo
muito novo e bem cuidado. Logo na entrada, uma comissão de recepção formada por jovens perfilados
garbosamente, com belos uniformes e ostentando
bandeiras, recebia a todos. Após a chegada, uma
jovem senhora, elegantemente vestida, abriu a cerimônia, anunciando a execução dos hinos nacional e
municipal, pela banda municipal.
Em seguida, todos se dirigiram ao anfiteatro, localizado na parte posterior do edifício. Arquibancadas
cheias, a seqüência de espetáculos é apresentada
pela dupla de locutoras da Estação Jovem, Karine
e Karol. As duas estavam nervosas, mas viu-se que
elas se juntavam, dando-se às mãos, até as vozes
ficarem mais seguras e claras. O primeiro número
mostrou um grupo de jovens dançando uma coreografia sobre a defesa do meio ambiente, tendo por
trilha sonora Carmina Burana, ópera que tematiza a
tragédia dos que buscam a riqueza sem limites.
>> 111
Depois, Fernando Mendes, um menino de 9
anos, cantou à capela, o tema da Campanha da
Fraternidade, acompanhado pelas palmas da platéia. Também muito aplaudidos foram os estudantes que dublaram uma banda de forró, o menino
e a menina que quase perderam o fôlego ao declarar os direitos das crianças, as meninas do Núcleo de Arte Educação e Cultura, que dançaram
vários ritmos com muita graça, e o grupo de teatro infantil que imitou bonecos. Aliás, Nova Russas
deu mostras que sabe aplaudir seus artistas.
Ana Márcia Diógenes, que a tudo observara, antes de entregar o troféu, usou o exemplo das duas
meninas apresentadoras, Karine e Karol, para dizer
que a luta pelo Selo é um dar as mãos, como elas
fizeram, para que a força de cada um seja transmitida a todos, formando uma grande corrente, no caso,
em favor das crianças e adolescentes. (OB)
PEDRA BRANCA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Santuário de
Santa Rita
>> Em 13 de abril de 2007, às 14h
inda hoje está lá na praça principal da cidade, ao lado da igreja matriz, a pedra branca
que dá nome ao município. Era ponto de encontro de vaqueiros e viajantes que passavam por
aquele sítio de árvores de copas enormes e sombra generosa. Acontece que na imaginação dos sitiantes, aquelas copas imensas assemelhavam-se
a grandes perucas, daí que puseram no lugar a
denominação de Tabuleiro da Peruca, só posteriormente sendo substituído por Pedra Branca.
A
Consta do Mapeamento Cultural feito pelas
crianças e adolescentes, ainda, uma outra história
relativa a origem de nomes, no caso à denominação da Serra de Santa Rita, em que Pedra Branca está situada. Conta a história que um rapaz
dos sertões de Senador Pompeu era apaixonado
por uma linda jovem serrana, de nome Rita, moradora de paragens próximas a tal pedra branca.
Como na história de Romeu e Julieta, também
na de Tabuleiro da Peruca, as famílias dos dois
apaixonados eram inimigas e não aprovavam tal
namoro. Certo dia, forçados pela situação e tomados de amor, os jovens combinaram um encontro
secreto num certo desvão da serra, onde teria
início a fuga para um lugar distante. Chegando
ao local combinado, porém, o apaixonado rapaz
deparou-se com o corpo de sua amada, jogado
ao chão, trazendo as marcas da mordida fatal de
uma serpente. Desesperado, o jovem, usando de
uma arma branca, colocou-se ao lado do cadáver
de sua amada e deu fim à vida.
Após dias aflitivos de buscas, os pais dos jovens
sacrificados encontraram os corpos dos filhos
abandonados sobre uma pedra. Retiraram os dois
separadamente, porque nem mesmo após o fato
suas famílias se reconciliaram. Ele foi sepultado em
Senador Pompeu e ela em Pedra Branca. Daquele
dia em diante, contam os mais velhos, quem passasse pelo local do acontecimento, ouvia a voz da
jovem pedindo que enterrassem seu amado junto
a ela. Tempos depois, naquele lugar, fui construído
um cemitério, o mais antigo da cidade, tendo ao
seu lado uma capela, dedicada a Santa Rita, onde
os enamorados desditosos costumam fazer pro-
messas e orar pela alma da santa menina, especialmente no 22 de maio, dia de sua morte.
A cidade fica no alto da Serra de Santa Rita
e seu clima é um alívio naquele sertão. Por isto,
mesmo naquele começo de tarde, os meninos se
espalhavam na praça principal da cidade na hora
de ir para o ginásio esportivo. Fizemos o mesmo,
mas quando chegamos o ginásio já estava entupido de gente. Logo na entrada um cartaz, em
nome de Piaget, dizia: “A arte não entra na criança, sai dela.”
A principal atração, porém, ficou para depois. A
preliminar foi feita pelo Coral Criança Feliz. Depois,
a Vice-Prefeita e o Secretário de Cultura anunciaram os vencedores dos prêmios de redação sobre
a escola como uma riqueza universal, e de desenho
sobre a Páscoa, promovidos pelo poder municipal.
Ana Márcia Diógenes procurou explicar de modo
que as crianças entendessem o Projeto do Selo
UNICEF. Depois, como de costume, das mãos das
autoridades o troféu foi entregue às crianças, que
o carregaram pelo ginásio, em meio à multidão.
Entre encabulado e emocionado, o Prefeito admitiu
que não gostava muito de falar e preferia comemorar. Do mesmo jeito os meninos e meninas, quando sorriam pra gente, escondiam o rosto, numa
timidez cheia de charme.
Os idosos, em grupo, saíram no meio do show,
acompanhando o Prefeito que foi pôr o nome da cidade no carro da Caravana do Selo UNICEF. Cercaram-no pedindo ingresso para ir no trenzinho em
passeio que ocorreria depois do show. Enquanto
dentro do ginásio bonecos dialogavam com o apresentador, no calçamento defronte, o menino José
Antônio Gomes da Silva, de 11 anos, conhecido
como Zezinho, cantava para a equipe do UNICEF
a música “ Desejo de Menina”, um dos hits da canção sertaneja. Ele costuma cantar na Rádio AM
Trapiá. (OB)
>> 113
ASSARÉ
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Cidade com a
poesia no ar
>> Em 14 de abril de 2007, às 9h
brincadeira de “Caí no Poço” é própria para
meninos e meninas que estão querendo
namorar, conta Luciana Feitosa, uma das
adolescentes que fez o Mapeamento Cultural de
Assaré. Começa-se por bem escolher o lugar,
uma calçada ou uma praça, onde não haja adultos por perto. Os meninos ficam de um lado e
as meninas do outro. Então, alguém, que fica de
fora, vai por trás tapando os olhos de quem ela
escolhe. Pode-se começar pelo grupo das meninas ou dos meninos. Tapa-se os olhos de um e
pede-se que ele escolha uma pessoa do grupo
oposto. Se for um menino, ele vai escolher uma
menina. Só que antes elas trocam de lugar, para
confundir o menino que está com os olhos tapados. Ele vem com os olhos tapados, escolhe
uma menina e pergunta: “Caí no poço?” A escolhida responde: “Caiu!” Ele retruca: “Quem tira?”.
“Meu bem”, ela responde. E ele: “Dizei com o
quê”. Ela responde “Escolhendo ou um beijo, ou
um abraço ou um aperto de mão”.
A
Então, ele abre os olhos e fica sabendo qual
a menina que escolheu. Decide, então, se vai pagar ou não a prenda pedida pela menina. Claro
que, quando a menina escolhida gosta muito do
menino, pede um beijo. Se ele também gostar da
menina, escolhe pagar a prenda. Se gosta pouco,
a menina pede um abraço. Se não gosta nada,
pede um aperto de mão. O menino escolhe pagar
a prenda ou não. Esta brincadeira, repara Luciana, serve para os jovens começarem a demonstrar seus sentimentos, quando não têm coragem
de os declarar frente a frente.
Na estrada encontramos um vaqueiro e Evilázio Bezerra, o fotógrafo, fez parar o carro da
Caravana do Selo UNICEF para fotos. O vaqueiro
trazia uma bandeira vermelha sinalizando a presença da boiada que ajudava a conduzir. Posou
pacientemente para as fotos, mesmo que isto
atrasasse seu trabalho. Tratava-nos com reverência, talvez por sermos pessoas da cidade grande.
Em seu uniforme de couro, ostentando sua rubra
bandeira, sobre seu possante cavalo, não tinha
idéia da potência estampada em sua figura.
No palanque armado para a festa, a Banda
Manoel de Bento nos recebeu tocando “Amigos
para Sempre”. Embaixo, o povo espalhava-se pelas
sombras das árvores e marquises ou se protegia
do sol, embaixo de sombrinhas. Apresentaramse, depois, as meninas do Balé Cantiga de Roda,
graciosíssimas em suas roupas de palhaços ou
em suas malhas coloridas, desenvolvendo coreografias de xotes e baiões. Um deles dizia: “ela
só quer, só pensa em namorar”. De resto, tudo
é Patativa, o clima de poesia, a voz do locutor, os
versos de “Menino de Rua”, recitados e cantados
por Marciana: “Menino de rua/de ti não esqueço/aqui ofereço/meu canto de dor”. Até o nome
da rádio FM, que transmitia a festa, leva o nome
de Patativa.
Só quem se rivaliza com o poeta símbolo da
cidade é a canção “Flor do Mamulengo”, que
depois de interpretada com muita vibração por
Paula Pio vira mote para os discursos das autoridades que estavam no palco. Após enaltecer
o trabalho com as gestantes, crianças, idosos
e pessoas necessitadas de cuidados especiais,
o Prefeito cantou emocionado “Flor do Mamulengo”. Ao lado dele, sua irmã, tirando lições da
letra da canção, conclamou todos a se apaixonarem pelo município e se confessou, ela própria,
apaixonadíssima por Assaré.
Ana Márcia Diógenes, falando pelo UNICEF,
também louvou Assaré, “onde se respira poesia”,
e convocou ao palanque uma criança que tivesse
nascido em 1999, ano de lançamento da primeira edição do Selo UNICEF. Apareceu Aline, que
naquele dia estava completando oito anos. Todos
cantaram parabéns, e Aline, não sem dificuldades, leu o Certificado do Selo UNICEF, ganho pelo
município. Ao final, a banda tocou “Assaré Querido”, uma espécie de hino informal da cidade, em
ritmo de frevo, e todos saíram dançando pela rua.
Até os pais do Prefeito. (OB)
>> 115
FARIAS BRITO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Rumo ao
tetra
>> Em 14 de abril de 2007, às 15h
lista de brincadeiras infantis levantadas pelas
crianças e adolescentes que fizeram o Mapeamento Cultural de Farias Brito é numerosa.
Senão, vejamos: brincadeiras de elástico, mata,
pião, bila, roda, trancelim, bola, bonecas, bicicleta,
esconde-esconde, bicheira, duro, chicote ou cinturão queimado, jogar pedra, casinha, anel, rua colorida, dança das cadeiras, adedonha ou stop, dono da
calçada, pular de corda, mamãe eu posso, carrinho
de rolimã, lata, telefone sem fio, verdade ou desafio,
macaca, carrinhos de madeira e cobra cega. Uma
delas, bem interessante, é esta de nome “adedonha”. Naiara Araújo, uma menina de apenas 8 anos
de idade, nos contou como se brinca: “Pode ter muitas pessoas. Aí faz uma roda em pé ou sentado.
Cada uma bota as mãos para trás e grita “adedonha”, ou “stop” e coloca um número com os dedos.
Cada número é uma letra (contando pelo alfabeto).
Com a letra que parar, a gente escreve um nome,
seja de pessoa, cor, cidade ou fruta. Se os nomes
forem iguais, vale cinco pontos, se forem diferentes,
vale 10. Se a pessoa não souber, vale zero. No final,
se soma. Vence quem fizer mais pontos.”
A
Já sobre a brincadeira de “rua colorida”, quem
falou foi Aline Lacerda, de 17 anos. “De um lado da
rua fica uma pessoa de costas que vai dizer uma cor.
As pessoas que estão do outro lado vão ver se têm
a cor na roupa. Se tiverem, quem tiver passa para o
outro lado. Se não, passa de um pé só, sem cair. Se
cair vai dizer qual é a cor pros outros”. As crianças
também recolheram muitas histórias. Entre elas,
conta-se que em Malhada da Pedra, localidade próxima à estrada que vai da Vila Umari ao Distrito de
Quincuncá, há uma pedra encantada, proveniente da
virada de carro de um casal que ia para um casamento e nela o carro encantou-se. Contam, também,
que a noiva, encantada junto com o carro, costuma
aparecer sobre a pedra nas noites de lua cheia.
Farias Brito, antiga Quixará, tem dois espaços
culturais: o Memorial Marieta Pereira Gomes (mãe
do atual prefeito) e o Centro de Cultura Rosemberg
Cariry, novinhos em folha. A solenidade de entrega
do Selo, entretanto, foi no ginásio esportivo da cidade. Chegamos e um palhaço fazia a apresentação,
enquanto dois outros, de pernas de pau, passeavam
pelo ginásio. A banda de música, de fardamento
novo, para início de conversa, tocou o Hino do Município. Em seguida, três adolescentes, que fazem
a locução do programa de rádio “Fazendo Zoada”,
assumiram a condução da solenidade. Chamaram
as autoridades e a menina apresentadora, muito a
vontade, perguntou: “Prefeito, o que você tem para
nos dizer?”. O Prefeito deitou lá sua prosa, mas João
Frutuoso, o Secretário de Agricultura, preferiu dizer
sua fala em versos.
>> 117
As crianças do distrito de Quiquincá apresentando o que colheram no Mapeamento Cultural,
além de peças de artesanato, mostraram danças
indígenas, ao som de “Meu Amor é Canibal”. As peças tinham lá seus traços indígenas, mas a dança
era axé. Antes do Grupo de Flautas do Distrito de
Nova Betânia mostrar seu número, os apresentadores chamaram pelo nome cada um dos participantes. Gesto bonito, como bonita foi a apresentação de “Sabiá”, de Chico Buarque e Antônio Carlos
Jobim. Enquanto isto, duas meninas cercaram os
palhaços, tentando uma paquera: “Êi, Palhaço!” Ana
Márcia Diógenes pediu que Gabriela, uma menina
de 9 anos, lesse o certificado do Selo. Ela o fez com
a maior competência, inclusive ao ler o nome em
francês da representante do UNICEF no Brasil.
“Beleza, somos tricampeões do Selo!”, gritou o
palhaço, para perguntar, em seguida: “Quem quer
lanche, quem quer suco?”. Todos responderam:
“Eu”. E o palhaço: “Pois vão comprar!”. Mas saiu
lanche sim para a garotada, e o locutor finalizou
a solenidade, despedindo-se: “Até 2008. Rumo ao
tetra!”. (OB)
MISSÃO VELHA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Cordel de vaqueiro e
quadrilha
>> Em 14 de abril de 2007, às 19h
N
o Distrito de Gameleira, houve no passado
uma epidemia de doenças venéreas, tão
assombrosa, que seus moradores fizeram
uma promessa a São Sebastião: se o santo desse fim à peste, ganharia uma festa anual. Como,
de fato, a peste acabou, São Sebastião passou a
ser comemorado com missa, novena, quermesse, cortejo do pau do santo e tudo o mais que requer uma festa de padroeiro. Seu cortejo, animado por uma banda cabaçal, vai da igreja até uma
grande gameleira, árvore que dá nome ao distrito. Já na localidade de Quimani, onde também se
comemora o dia de São Sebastião, as crianças
se divertem. Juntam-se 30 pessoas e desfilam
em cortejo no terreiro ao redor da calçada da capela e, depois, vão brincar nos parques e circos
armados na praça.
No Mapeamento Cultural do município está
assentada a toponímia do Riacho da Pia, um
pequeno rio que passa na localidade de Terra
Vermelha, dentro do território de Missão Velha.
Conta-se que um senhor, por nome Antônio Pia,
era um dos homens que sempre ajudava a levar
o corpo dos mortos até seu local de destino. Porém, só até certo ponto, pois quando chegava a
um riacho, ele sempre voltava, nunca atravessava. Quando ele morreu, como de costume se fazia
com os mortos, cinco homens se encarregaram
de levar seu corpo ao cemitério. Nem assim, ele
atravessou o riacho. Foi só o féretro chegar ao
local da travessia e estancou. O corpo pesou tanto que os carregadores não agüentaram. Então
colocaram o corpo dele no lombo de uma égua.
Ao tentar atravessar o dito riacho, porém, a égua
arriou e, dizem, quebrou o espinhaço. Resultado,
enterraram Antônio ali mesmo na beira do curso
d’água, que passou a se chamar Riacho da Pia.
Assim, chegamos à Missão Velha cheios de
curiosidades. Era noite e fomos recebidos por foguetes. Seguimos em um cortejo que tinha um
pouco de tudo, apitaço, alas de colegiais, grupos de folguedos, crianças fantasiadas (anões
da Branca de Neve, vaqueiro, mulher rendeira,
até padre), bandas cabaçais e um carro de som
reproduzindo a canção tema da festa que dizia:
“Minha Missão Velha/sei que tu és bela/resolvi
falar de ti/tão pequenina e bonita/parece uma
canafita/na porta do Cariri”. Depois, seguimos
entre barracas de quitutes e artesanato por ruas
embandeiradas, até chegarmos à Praça da Estação, onde o palanque estava armado. Vestido de
palhaço, o apresentador do Forrozão “Namoro
Novo” comandava o espetáculo agitadíssimo!
No meio da movimentação, um cartaz dizia:
“Para ir ao país da cultura, pegue o bonde da
leitura”. O grupo de flautas da ONG União Popular Pela Vida, acompanhado por um violão, tocou
“Amigos Para Sempre” e, pela primeira vez na
viagem, ouvimos um número ser aplaudido em
cena aberta. Em seguida, veio um cordel apresentado pelos adolescentes do Cento de Apoio
Jovem, intitulado “Missão de Ouro, ganhamos um
tesouro”, que contava a história do município desde as lavras de ouro até o Selo UNICEF. O texto
é ótimo e as crianças interpretavam vestidas a
caráter: vaqueiro, noivo, mateus, matuta de quadrilha etc. Com graça e expressão citaram comidas, personagens, belezas naturais e atrações
culturais do município. “Graças às missões e ao
ouro, ganhamos nosso tesouro”, terminaram.
Vieram as crianças do Coral Irmã Luiza Maria
e vestidas em cetim azul e amarelo, entoaram o
Hino do Município. Eram muito pequenas e foram
aplaudidíssimas.
Quando Ana Márcia Diógenes chamou uma
menina nascida em 1999, ano de lançamento
do Selo UNICEF, para entregar o troféu ao Prefeito, apareceu Milena. Parecia combinado, mas
não era, pois na hora o Prefeito, que é médico,
lembrou-se que fizera o parto dela. Os dois se
abraçaram. Foi tão bonito, que o apresentador,
imitando locutor de vaquejada, gritou: “Aí, Missão
Velha!”. Várias pessoas choravam. (OB)
>> 119
BREJO SANTO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Bonecas e meninos que
encantam
>> Em 15 de abril de 2007, às 9h
o mapeamento do município está registrada a história do batizado da Calunga Naira,
narrada pela própria dona da tal boneca.
Disse ela, Filomena, que a calunga era uma boneca de porcelana em forma de bebê, olhos azuis,
cabelos castanhos, boca rosada, bem rechonchuda e perninha encolhida, como se estivesse esperneando. As meninas gostavam tanto dela que
resolveram batizá-la. Na sala de visitas da casa
da mãe de Filomena prepararam a festa, mesa
enfeitada com papel de seda colorido, doces e refrigerantes. Vestiram a calunga com roupinha de
bebê, sapato de lã, touca e camisinha cor-de-rosa,
enfeitada com renda e bicos brancos. Depois, foram em cortejo à casa do Padre Pedro.
N
Chegaram, ele estava sentado em sua cadeira,
sereno como sempre, parecendo um santo. Certamente meditava sobre as coisas de Deus. Perguntou: “O que vocês querem, assim tão bonitas,
com essa calunga nos braços?”. “Batizá-la, Pe.
Pedro”. “Mas eu não posso fazer isso, minhas filhas, pois ela é apenas um brinquedo!”. “Oh, Padre
Pedrinho, de faz de conta!”. As meninas tanto imploraram, que o Padre cedeu. Colocou água numa
bacia, pediu que as meninas se aproximassem e
perguntou o nome da calunga. Fez o batizado, improvisando na hora: “Naira, eu te batizo/Pela tua
formosura/Não te dou os santos óleos/Porque
tu não és criatura.” As meninas ficaram mortas
de satisfeitas. Voltaram pra casa e fizeram a festa. Hoje, a calunga encontra-se no memorial do
Padre Pedro, pra todo mundo ver.
Foi também uma boneca que nos recebeu
naquela manhã, em Brejo Santo. Uma menina
pintada com boca miúda, sardas, fita no cabelo
e vestido muito colorido, feito uma boneca. Foi
ela, Carla Úrsula que puxou o cortejo pelas ruas,
depois da carreata. Manhã de domingo, gente
sentada na calçada, debulhando milho e feijão,
meninos se danando e o povo acenando para a
nossa caravana. No ginásio, depois da exibição da
Banda Municipal, a menina boneca, feito apresentadora, chamou as autoridades para compor a
mesa. Anunciou o Coral AABB, que cantou linda-
mente; os lutadores de karatê, a dança do “Pisa o
milho peneira o xerém”, e um menino de 10 anos
de idade, todo de branco, que comoveu a todos,
cantando uma canção de Gonzaguinha. Acompanhado por um teclado e pelo violão do pai, Ébano
Henrique virou a principal atração da festa. Cantou até quando quis, porque as palmas sempre
pediam mais.
Embaixo, no meio da quadra, era palhaço e bola
pra todo lado. Palhaço de muleta, de perna-depau, acrobata e andando pelo chão normalmente.
E palhaça também. Palhaça brincando com bola
e dando bola pra menino ficar alegre. Um menino
pôs duas bolas dentro da camisa, como se fossem imensos seios, e saiu correndo pela quadra.
Uma menina grande furou a bola de um meninozinho pequeno e ele ficou duro de decepção.
Nem reclamou. A professora, comovida, veio em
seu socorro e ele ganhou outra bola. De alegria,
encheu os olhos d`água.
Convidados por Rui Aguiar, as crianças, que
estavam indóceis nas arquibancadas, invadiram
a quadra, fizeram uma grande roda e tocaram
a carregar o troféu do Selo. Um ancião de 100
anos se juntou a uma criança recém-nascida.
Uma das mais queridas professoras de Brejo
Santo, Marineuza Santana, falou da emoção que
lhe acompanhou durante aquele dia. Começou
dizendo: “Acordei ao som dos fogos e da banda
de música”. Depois disse versos celebrando a
alegria da cidade naquela manhã. Na hora da entrega do certificado do Selo, em vez do “Tema da
Vitória”, Ébano Henrique cantou Gonzaguinha, na
canção que diz: “Viver e não ter a vergonha de ser
feliz...”. A pedidos, cantou temas sacros e outros.
Terminou a solenidade e ele continuou cantando.
Depois ficamos sabendo que Ébano é filho do cantor e compositor Evaldo Henrique Lima e neto do
sanfoneiro Raimundo Henrique Siqueira, o Toso
de Mauriti! (OB)
>> 121
LAVRAS DA MANGABEIRA
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Quatro festas para
o Selo
>> Em 15 de abril de 2007, às 16h
ontam os mais antigos que, no Sítio Barro
Branco, distrito de Iborepi, havia uma menina, muito bonita e inteligente, que era o
orgulho de seus pais. Um dia a menina foi acometida de uma doença, por todos desconhecida.
Como não existia médico no lugar e com medo
de contágio, os vizinhos exigiram que os pais a
isolassem. Com muito desgosto, o pai construiu
uma casa no alto da serra e lá colocou a menina,
trancada à chave. Todos os dias ele subia a serra,
levando comida para a filha. Até que uma vez ele
chegando na dita casa, não encontrou a menina.
Achou esquisito, pois ele era o único a possuir a
chave da casa. Procurou a menina por todo canto
e não achou. Desceu a serra e ficou intrigado.
Depois de algum tempo, o pai da menina teve um
sonho. Ela apareceu e pediu que ele a fosse visitar
no alto da serra. Dia seguinte, o pai foi. No local
da casa encontrou uma grande roseira, nunca
vista por ali, que florava em plena seca. Consta
no Mapeamento Cultural do município, feito para
o Selo UNICEF pelas crianças e adolescentes, que
aquela roseira existe até hoje, florindo no inverno
e na seca.
C
No Mapeamento está registrado, ainda, que
no Sítio Taquari, distrito de Mangabeira, existe
uma umarizeira que, em fevereiro de 2005, passou uma semana chorando. Do fato, os roceiros
da localidade concluíram que aquele não seria um
ano invernoso. Já no distrito de Quitaús há um
riacho por nome Rosário, onde foram construídos
três açudes. Diziam que em um deles, o Açude do
Dão, morreu uma criança pagã, isto é, que não
havia sido batizada e que, por isso, virara bicho,
passando a habitar o fundo do açude. O povo do
lugar, tanto acreditava nesse fato que, certa vez,
funcionários de uma construtora foram sangrar
o açude e juntou-se uma multidão na borda, para
ver se o tal bicho aparecia.
Encantados por essas histórias, chegamos
domingo à tarde e, no centro antigo de Lavras
da Mangabeira, o povo, banhado e penteado, com
suas roupas de passeio, dirigia-se para a praça
onde uma das festas já havia começado. Uma
das festas, porque foram quatro, naquela tarde
e noite, na cidade. A primeira na praça, defronte
à Prefeitura, animada pelo grupo de palhaços Tio
Bibi, do Crato. De cima do carro de som (tipo trio
elétrico) um dos palhaços animava a garotada:
“Agite as mãos, seu cara de mamão. Agite o pé,
seu cara de chulé. Agite a cabeça, mas não enlouqueça”. Depois, o palhaço provocou uma menina:
“Oi, tudo legal, sua cara de mingau!”. E recebeu
a resposta que não queria: “Cara de mingau é
tu!”. Embaixo, na multidão, dois meninos passaram, cada qual, com um passarinho na mão: um
gola e um cabocolino. Então, outro garoto falou:
“Solta os bichinhos, porque eles não querem ficar
presos não!”. Os dois, que planejaram colocar os
passarinhos numa gaiola, desistiram e soltaram
os bichinhos.
Ainda na praça em frente à Prefeitura, foi colocado o nome da cidade no carro da Caravana do
Selo UNICEF, em meio ao entusiasmo dos funcionários e das funcionárias da Prefeitura. Em seguida, enquanto as crianças continuavam na praça,
os adultos se dirigiram à sede da Secretaria de
Ação Social, onde se deu a solenidade de entrega do Selo. O auditório estava enfeitado, mas era
pequeno para a multidão. Apresentou-se o Grupo
“Som Doce de Minha Flauta” interpretando Asa
Branca. Em seguida, foi exibido um vídeo documentário sobre o trabalho da secretaria e vieram
os discursos.
Maria Jaqueline Sá, a Secretária de Ação
Social, muito emocionada, falou de sua tristeza
quando soube que Lavras não estava entre os
nomes dos municípios anunciados em novembro
de 2006. Foi consolada, na ocasião, pela Prefeita, que disse: “Nós não trabalhamos para ganhar
o Selo, mas para melhorar a vida das crianças”.
Porém agora, quando a vitória chegou, após a
revisão das notas do município, todos comemoraram. Tanto que dali saíram para a praça, onde
numa terceira festa, foi entregue o troféu. Já a
quarta festa, foi à noite, num grande forró na praça. (OB)
>> 123
ALTO SANTO
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Terra de gente
vibrante
>> Em 16 de abril de 2007, às 15h
ntre os tipos populares, no Mapeamento, foi
registrada a figura de Lafaiete Anselmo Pereira, o primeiro vereador negro do município. Aconteceu quando ele tinha apenas 18 anos e
trabalhava na roça, colhendo milho e algodão para
o senhor Manoel Cardoso. Este tal senhor, que
era político, observando a inteligência de Lafaiete,
sugeriu que ele se candidatasse, em seu lugar, a
vereador. Assim Lafaiete fez. Candidatou-se e venceu, quatro vezes seguidas, sempre em primeiro
lugar, chegando a ser Presidente da Câmara de
Vereadores. Além disso, Lafaiete foi o primeiro
chofer de praça de Alto Santo, o segundo motociclista, dono da primeira loja de peças para veículos e do primeiro posto de lavagem.
E
Se Lafaiete Anselmo Pereira estava presente
à festa de entrega do Selo, não ficamos sabendo.
Mas no ginásio onde aconteceu a festa havia meia
cidade. Foguetes, bonecos gigantes e cabeções nos
receberam. Alguns muito esquisitos: uma baiana,
um palhaço, um arlequim, uma velha dando língua,
um matuto, um velho, uma negra doida e um lá com
a boca aberta. Encontramos Toinho do Boi, rodeado de papangus e destes tipos acima descritos,
comandando todos eles. Esta turma toda pertence à Companhia de Bonecos Gigantes de Quixeré,
município que fica bem próximo dali. Em seguida, a
banda tocou um frevo falando das belezas de Alto
Santo, e os bonecos se danaram a dançar.
O primeiro número apresentado pelas crianças
foi uma peça contando a linda história do amor
entre dois bonecos falantes: um soldadinho de
chumbo e uma bailarina de porcelana. O figurino
dos pequenos atores era um encanto, assim como
a cenografia. Eles estavam dublando. O segundo
número, porém, foi de viva voz. Kely Suzy, uma
menina de 12 anos, tocando o seu próprio violão,
interpretou “Onde Canta o Sabiá”, música que descreve a beleza do sertão. Em seguida, atendendo
a pedidos, interpretou uma canção que entre seus
versos fala de “quem pensa que a vida é feita de
ilusão...”, para depois afirmar que “é preciso saber
viver”. Todos cantaram com ela, inclusive, um grupo de idosos sentados em cadeiras especiais.
Após os números artísticos, vieram os discursos, todos muito vibrantes. Falou o Presidente da
Câmara de Vereadores, Francisco Rogério Filho,
que tudo comparava com uma estrada sendo percorrida. Falou o Padre Juliano, lembrando os anos
de seca e de fome, com direito à canção de São
Francisco como fundo musical. Falou a Secretária
de Cultura, Alexandrina Neves, que destacou os
meninos e meninas participantes do Mapeamento
Cultural. Falou Sandra Soares, articuladora local do
Selo UNICEF, que enalteceu as conquistas do Conselho Municipal em Defesa da Criança e do Adolescente. Falaram as secretárias de Educação e de
Saúde, conclamando todos a se empenharem na
obtenção das metas do Selo para 2008. O Prefeito, numa cadeira de rodas, acompanhou a vibração
dos demais. Contou de sua luta, “quando minha mulher tentou organizar um grupo da terceira idade,
só compareceram nove pessoas para a primeira
reunião. Hoje, fazemos reuniões com 200.”
Na hora da entrega do Selo, a trilha sonora foi
“Amigos Para Sempre”. A temperatura do ambiente, que já era alta, aumentou em muitos graus, tal a
vibração alcançada. Rui Aguiar pediu palmas para todos os que contribuíram para a conquista do Selo: as
mães que amamentaram, os meninos que não faltaram aula, os agentes de saúde, os educadores infantis, o vizinho que denunciou a mulher que espancava
o filho, as crianças e adolescentes do Mapeamento,
do programa de rádio, enfim, para todos os que gritaram feito uma torcida: “Alto Santo, Alto Santo!”. (OB)
>> 125
itaiçaba
O Ceará de Curumins e Curuminhas
Feito miolo de
aroeira preta
>> Em 17 de abril de 2007, às 9h
egundo o povo do município, e isso está registrado no seu Mapeamento Cultural, o inventor
do avião nasceu em Itaiçaba, mais precisamente na comunidade de Rancho do Povo, e se chama Zé Rapadura. De acordo com o que o jornalista
aposentado Humberto Rocha, 70 anos de idade,
revelou aos adolescentes mapeadores da cultura,
José Almeida, o Zé Rapadura, inventou o avião, segundo ele próprio, tendo como referência o urubu
ou, como disse: “baseado no vôo do urubu”. Inventou
ali mesmo em Itaiçaba e depois viajou para o Rio de
Janeiro, onde deu parte de seu invento a Santos Dumont. Daí, aquele, muito espertamente, teria vendido
a idéia a uma empresa, que produziu o avião, e até
hoje o tal lá é tido como o pai da aviação.
S
Os pais ficaram na arquibancada. Na quadra,
crianças, adolescentes, autoridades, grupos artísticos, professores, idosos e os estandes das diferentes secretarias municipais. No da agricultura,
artesanato e mel. No da saúde, uma mãe dando
de mamar, ao vivo. No da ação social, desenho
em tecido. No da educação, uma brinquedolândia.
A banda de música executou o Hino Nacional, regida pelo maestro Enelruy. Intercalada por um discurso, a programação artística continuou com a
encenação do sonho de uma menina, que dormia
com seu ursinho. No sonho, comandado por uma
linda fada, entraram palhaços, meninas pulando
cordas, brincadeiras de bambolê, skate, futebol,
arraia, confetes, pompons e cirandas.
Também consta do Mapeamento a história do
Cavalo da Meia-Noite. Revelou a senhora Lúcia Rosa
Barbosa Lima, a Lúcia de Totó, que antigamente as
mulheres de Itaiçaba faziam serões, reunidas nas
calçadas para trançar chapéus de palha. Passavam
a noite em claro e, vez em quando, ao dar meia-noite,
ouvia-se o barulho das patas de um cavalo em louca
disparada, sem que se visse o cavalo ou cavaleiro.
As mulheres ficavam intrigadas, pois nenhuma conseguia dar uma explicação satisfatória para o fato.
“Isso só pode ser assombração”, comentavam. Até
que um dia se descobriu o motivo daquela marmota: um dos figurões da cidade tinha uma namorada,
ali bem próximo. Usava um gravador para provocar
aquele ruído e afastar as mulheres que, assombradas, corriam para dentro de casa. Sem ser visto, podia calmamente visitar sua namorada.
Durante a condução da solenidade, Rui Aguiar
revelou que para a reconquista do Selo por Itaiçaba, o cadastramento eleitoral de adolescentes foi
decisivo. As crianças ouviram tudo, atentas e bem
comportadas. Gente bonita, mais presença de louros que nas outras cidades. Interessante é que,
ali, as crianças não estouraram os balões coloridos. Pelo contrário, guardaram com o maior zelo.
Itaiçaba nos recebeu com seu famoso artesanato de palha, exposto na entrada do ginásio esportivo, onde ocorreu a festa. Bolsas, tapetes, jogos de
mesa, uma coleção completa de artefatos coloridos
e perfeitamente executados. A meninada espalharase pela antiga escola cenecista, onde está localizado
o ginásio esportivo. Preparava-se e brincava com a
corda solta. Pintado na parede, chamava a atenção
o letreiro: “Pensa nisso e amarás a tua escola que
tem para tua comunidade a mesma importância que
a casa para a família e o ninho para as aves”.
Quem entregou o troféu ao Prefeito, foi o Júnior,
um menino risonho, usuário de cadeira de roda. O
pessoal da arquibancada foi convocado a descer de
lá, invadir a quadra e participar da festa. A criançada ajudou: “Desce, desce!”. Muitos desceram, outros
não. Os adolescentes gritaram: “Itaiçaba, Itaiçaba!”.
Por fim, o Prefeito falou: “Pessoas de alta periculosidade comemoraram a perda de Itaiçaba no Selo
UNICEF (antes da cidade recorrer). Mas tenho uma
estrutura de miolo de aroeira preta, para agüentar o
tranco!” E tudo virou festa, puxada a frevo. (OB)
>> 127
Realização:
Apoio:
Download

Versão PDF