Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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Comissão Editorial
Ana Maria Dubeux Gervais
Irenilda de Souza Lima
Gilvandro Sá Leitão Rios
Flávio Henrique Albert Brayner
Guilherme José de Vasconcellos Soares
Fotos
Arquivo PDHC, Cláudio Gomes (PDHC) e Mário Farias (Diaconia).
Projeto Gráfico
Diego Jucá e Alba Almeida
Ficha Catalográfica
J26a
Jalfim, Felipe Tenório, 1962 –
Agroecologia e agricultura familiar em tempos de globalização: o Caso
dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro
/ Felipe Tenório Jalfim. – Recife: Ed. do Autor, 2008.
160p. : il.
Inclui referências.
1. AGRICULTURA FAMILIAR –
BRASIL
–
ASPECTOS SOCIAIS.
2. AGRICULTURA FAMILIAR – ADMINISTRAÇÃO. 3. AVICULTURA –
BRASIL
- ASPECTOS ECONÔMICOS. 4. ECOLOGIA AGRÍCOLA –
BRASIL. 5. AGROSSILVICULTURA – BRASIL. 6. ASSOCIAÇÕES AGRÍCOLAS – BRASIL. 7. ECONOMIA AGRÍCOLA. I. Título.
PeR – BPE 08-0363
CDU 338.1
CDD 338.1
Impressão
Edições Bagaço
Recife, Pernambuco, junho 2008
2
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Índice
Agradecimentos
05
Sobre Parceiros
07
Apresentação
11
Prefácio
Pela Universidade de Córdoba / ISEC
15
Prefácio
Pela Universidade Federal Rural de Pernambuco /
Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LA)
25
1. INTRODUÇÃO
29
1.1. O Problema e sua Relevância para a Agricultura Familiar
33
1.2. Objetivos
41
2. INDUSTRIALIZAÇÃO AGROALIMENTAR
DA AVICULTURA NO BRASIL
43
2.1. A Avicultura no Contexto da Modernização e Internacionalização
da Agricultura Brasileira
43
2.2. A Avicultura no Contexto da Consolidação dos Sistemas
Agroalimentares Globalizados
51
2.2.1. As Limitações Relacionadas ao Modelo Avícola Brasileiro
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O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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3
3. O ENFOQUE AGROECOLÓGICO E O FORTALECIMENTO DA
CRIAÇÃO TRADICIONAL DE AVES COMO ALTERNATIVA AO
MODELO AVÍCOLA BRASILEIRO
3.1. O Conceito da Agroecologia
69
70
3.1.1. Elementos-chave do ponto de vista da Agroecologia para o Estudo
da criação de galinhas de capoeira na Região Semi-árida do Brasil
73
4. A CRIAÇÃO TRADICIONAL DE AVES NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA
BRASILEIRA: UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO
107
4.1. A Criação de Galinha de Capoeira no Brasil: Um Gigante Invisível
108
4.2. Importância dos Sistemas de Criação de Galinha de Capoeira para
os Agricultores Familiares
111
4.3. Características Principais dos Sistemas e Manejo da Criação de
Galinha de Capoeira Dentro da Lógica da Agricultura familiar no Semiárido Brasileiro
119
4.3.1. As Principais Limitações da Criação de Galinha de Capoeira
128
5. CONCLUSÃO
139
BIBLIOGRAFIA
147
4
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Agradecimentos
São tantas as pessoas que contribuíram para a realização deste
trabalho, que me é difícil citá-las sem correr o risco de omitir alguém
que de alguma forma deu uma contribuição importante. Entretanto, apesar disto, na continuação eu tentarei mencionar as pessoas
que a seu modo e em certos momentos de minha caminhada foram decisivas para que eu pudesse conseguir chegar até aqui.
Agradeço aos professores Eduardo Sevilla Guzmán, Roberto
Trujillo e Marta Soler por toda a orientação acadêmica, apoio
profissional e atenção para a etapa de elaboração do presente
trabalho. Neste grupo do ISEC incluo com muito carinho minha
gratidão ao apoio das doutorandas Gloria Patricia Zuluaga e
Mariane Carvalho Vidal e dos doutorandos Marcos B. Figueiredo e Jorge Roberto Tavares de Lima.
Com muito mais ênfase agradeço o incansável apoio que me
foi prestado por Enriqueta Tello García, do México, e Guillermo
Gamarra Rojas, do Brasil, com suas importantes contribuições
teóricas e metodológicas ao presente trabalho.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
5
Agradeço a todos os meus amigos e amigas do Projeto Dom
Helder / Ministério do Desenvolvimento Agrário e entre estes
agradeço de uma maneira bem especial o apoio incondicional
que me deram Espedito Rufino e Fabio Santiago.
Através das pessoas de Félix Moreno e Guilheme Strauch agradeço a todos os demais amigos e amigas do Mestrado em
Agroecologia, que foram incríveis em termos de solidariedade,
companheirismo, amizade e carinho durante os bons e difíceis
momentos vividos durante a etapa presencial do mestrado em
Baeza, Espanha.
Ao final, mas não menos importante, agradeço o apoio constante que me foi prestado por Daniel Blackburn, Yazna Bustamante, Ricardo Blackburn e por meus familiares, sobretudo,
minha esposa Glauce Albuquerque, minha mãe Shirley Jalfim,
minha tia Terezinha Jalfim e minha sogra Judite Albuquerque.
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Sobre Parceiros
O Projeto Dom Helder Camara (PDHC), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), que é resultado de um acordo de empréstimo entre o Fundo Internacional para o Desenvolvimento da agricultura (FIDA) e o MDA, desenvolve ações referenciais para o desenvolvimento sustentável do semi-árido, voltado
para agricultores/as familiares de assentamentos e comunidades
rurais. É missão do PDHC contribuir para o desenvolvimento humano, contemplando o fortalecimento da cidadania e a equidade
de gênero, geração e etnia. É objetivo do PDHC fortalecer processos locais, participativos e solidários de construção social. Esta
construção é feita em parceria com movimentos sociais e organizações não-governamentais, parceiras de execução da assessoria técnica continuada, envolvidas no desenvolvimento territorial,
na perspectiva da convivência com o semi-árido, gerindo recursos
sócio-políticos, ambientais, culturais, econômicos e tecnologias.
Para alcançar os seus propósitos, o PDHC vem ampliando e
fortalecendo suas linhas de ação, a partir de novas iniciativas
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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como o Projeto Manejo Sustentável de Terras do Sertão (Projeto Sertão), complementar e integrado ao PDHC. O Projeto
Sertão é resultado de um acordo de contribuição financeira
não-reembolsável do Governo do Brasil, através do MDA/SDT,
com o Fundo das Nações Unidas para o Meio Ambiente Mundial (Global Environment Facility – GEF);
O objetivo do Projeto Sertão é minimizar as causas e os impactos negativos da degradação de terras e da pobreza rural,
através do desenvolvimento de uma cultura coletiva de gestão
de conhecimento para o manejo sustentável dos recursos naturais que contribua para a melhoria da qualidade de vida e o
bem-estar das pessoas que dependem dos recursos naturais
do semi-árido. A estes objetivos estão associados benefícios
globais, como o uso sustentável da biodiversidade, contribuindo para a preservação ou restauração da função e dos serviços
proporcionados pelos ecossistemas da Caatinga, e o aumento
da fixação de gases de efeito estufa em agroecossistemas e
áreas de conservação e preservação.
O Instituto de Sociologia e Estudos Camponeses (ISEC)
da Universidade de Córdoba é um centro de pesquisa, formação e extensão agrária que desenvolve um programa de
Doutorado em “Agroecologia, Sociologia e Desenvolvimento
Rural Sustentável” na Universidade de Córdoba desde o biênio
1991 -1993, havendo sido reconhecida sua “excelência” pelos
Ministérios da Administração da Educação e Ciência Espanhóis
ao atribuir-lhe a qualificação de Doutorado de Qualidade em todas as convocatórias até agora estabelecidas. A partir de 1996
o ISEC, junto com a Universidade Internacional de Andaluzia,
organiza um “Mestrado por Investigação” sobre Agroecologia
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
e Desenvolvimento Rural Sustentável em Andaluzia e América
Latina. Este Mestrado é coordenado com o citado Programa
de Doutorado, que surgiu da colaboração do Consórcio Latino-Americano de Agroecologia e Desenvolvimento (CLADES)
e da Associação Latino-Americana de Educação Agrícola Superior (ALEAS) com o ISEC. O conteúdo dos oito mestrados
desenvolvidos até o momento possibilitou a realização de mais
de 200 investigações de campo, em mais de 20 países latinoamericanos.
O critério prioritário para a admissão consiste na apresentação
de um Projeto de Investigação que mostre a experiência do
candidato no trabalho com comunidades de base, ainda que
não necessariamente camponesas e/ou indígenas, que desenvolvam experiências agroecológicas com um potencial endógeno transformador.
Ademais dos programas de Mestrado e Doutorado, o ISEC leva
a cabo atividades de pesquisa e extensão agrárias aplicando o
enfoque da Pesquisa – Ação Participativa na qual desaparece a
separação funcional entre os dois tipos de ações referidos.
O Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), funcionando
há mais de trinta anos, tem contribuído para a formação de diversas gerações de professores agrícolas, tanto para as Escolas
Agrotécnicas, como para diversas agências de desenvolvimento
no Brasil. Recentemente vem sendo discutido um novo projeto
político-pedagógico, onde se incluem preocupações na linha de
uma formação referenciada socialmente e de um olhar para a
agricultura a partir da perspectiva de sustentabilidade.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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Dentro desta ótica, o curso vem desenvolvendo opções de ensino, pesquisa e extensão a partir da teorização e de uma prática social em comunidades rurais e urbanas. Para isso, tem
contado com os seguintes apoios: Caixa Econômica Federal,
através do PRODEC, que celebrou convênio para desenvolvimento de trabalhos de organização comunitária e geração
de renda, em conjuntos habitacionais de baixa renda; Instituto
de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, através do PRONERA, para trabalhos nas áreas de assentamento de reforma
agrária em Pernambuco; Prefeituras; Governo do Estado de
Pernambuco; Associação Brasileira das Organizações NãoGovernamentais (ABONG); Instituto de Planejamento de Apoio
ao Desenvolvimento Tecnológico e Científico (IPAD); SUDENE;
DENACOOP do Ministério da Agricultura. Mais recentemente,
vem recebendo apoio do Ministério de Desenvolvimento Agrário, por intermédio do Departamento de Assistência Técnica e
Extensão Rural da Secretaria de Agricultura Familiar, com os
Cursos de Formação de Agentes de Ater na região Nordeste e
o Seminário: “O estado da arte do ensino em Extensão Rural”,
entre outros.
Devem ser destacados, porém, duas parcerias, sempre presentes: O Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá e as
Escolas Agrotécnicas Federais. O primeiro parceiro no trabalho
por uma agricultura sustentável, o que implica um vigoroso repensar sobre o ensino das ciências agrárias que desenvolvemos na UFRPE e o segundo viabiliza as oportunidades de práticas, pelos alunos da Licenciatura, de conteúdo e metodologias
discutidas no curso.
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Apresentação
Os recursos naturais constituem a base dos sistemas produtivos agropecuários e florestais, especialmente em regiões de
práticas agrícolas com baixo nível de utilização de insumos externos. Neste sentido, a degradação desses recursos constitui
um dos problemas prioritários da região semi-árida brasileira,
pois dessa matriz produtiva depende a maior parcela da sociedade local, a agricultura familiar. A produção de alimentos e
outros bens tem como finalidade não só o auto-sustento como
também a geração de renda, elementos indispensáveis para o
bem-estar e para a reprodução do modo de vida da agricultura
familiar na região.
Diversos atores locais de desenvolvimento têm buscado alternativas para reverter os processos históricos de degradação
ambiental, exclusão social e pobreza, promovendo experiências de desenvolvimento local com enfoque agroecológico.
Utilizando-se de uma abordagem territorial, o Projeto Dom Helder Camara (PDHC), nos últimos quatro anos, tem identificado
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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algumas destas experiências, e a partir delas, tem estabelecido relações de parceria com as famílias agricultoras, ONGs
de assessoria técnica, movimentos sociais e sindicatos de
trabalhadores rurais, fortalecendo ações de desenvolvimento
humano integral. Trata-se de abordagens e práticas sociais e
tecnológicas que, aos poucos, ganham densidade geográfica
e adquirem coerência conceitual e metodológica em torno da
Agroecologia. Tais avanços permitem atribuir a essas mobilizações um caráter de construção coletiva da sustentabilidade
sócio-cultural, econômica e ambiental.
O Projeto Manejo Sustentável de Terras no Sertão (Projeto Sertão), desenvolvido no âmbito do PDHC e coerente com a sua
missão de atuar de forma complementar a ele, tem como objeto central o desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis
que gerem benefícios locais e globais. Para tanto, vale-se da
mobilização territorial dos sujeitos e agentes do desenvolvimento em torno de um projeto compartilhado e da utilização de metodologias participativas para geração de conhecimento, tendo
como orientação os princípios da Agroecologia.
Algumas das experiências acima referidas se destacam pelo
seu valor estratégico, especialmente aquelas relacionadas ao
principal fator limitante do ambiente físico do semi-árido, a
água. Exemplos dessas experiências incluem a barragem subterrânea, as barragens sucessivas, a cisterna de placas e suas
variações, os avanços no campo da tecnologia apropriada de
irrigação e manejo da água destinada à produção de hortaliças,
tubérculos, frutas e outros alimentos.
As experiências relacionadas à criação de animais, porém, ain12
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
da carecem de um maior amadurecimento e melhor explicitação
dos conhecimentos existentes, dado que em poucas décadas
tem ocorrido uma transição rápida dos sistemas extensivos tradicionais de criação para sistemas com menor disponibilidade
de áreas livres para o pastoreio e, conseqüentemente, menor
oferta de alimentos. Assim, constitui-se um grande desafio o
desenvolvimento de condições objetivas para que as famílias
agricultoras possam equacionar o processo da degradação de
terras causado principalmente pelo sobre-pastoreio. A questão,
então, é como intensificar os sistemas de criação de animais, de
modo que sejam ecologicamente equilibrados e com resultados
econômicos que continuem propiciando o desenvolvimento da
cultura agroecossistêmica da agricultura familiar.
O presente livro traz uma contribuição para o enfrentamento
desse desafio. Partindo de uma análise focada na compreensão dos sistemas tradicionais de criação de aves no semi-árido
brasileiro, apresenta um enfoque agroecológico que permite um
entendimento aprofundado da lógica camponesa. Apresenta
ainda análises da situação atual e perspectivas dos sistemas
tradicionais frente aos problemas locais e influências sofridas
pelo processo de globalização da agricultura brasileira. Por fim,
traça uma abordagem teórico-metodológica baseada na Agroecologia que vai além dos sistemas tradicionais de aves, isto
é, constitui uma abordagem útil para aqueles interessados em
atuar em qualquer sistema de criação animal agroecológica junto à agricultura familiar.
Consideramos oportuno destacar que, ao apoiar a publicação
deste livro, estamos cumprindo com a missão de sistematização e socialização de conhecimentos relevantes para a inserAgroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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ção da dimensão do desenvolvimento humano sustentável nas
ações da assessoria técnica e dos órgãos oficiais de crédito e
fomento agrícola, que atuam no apoio à agricultura familiar no
semi-árido brasileiro.
Boa leitura a todos e todas.
Espedito Rufino de Araújo
Diretor Projeto Dom Helder Camara / Projeto Sertão
Guillermo Gamarra Rojas
Coordenador Projeto Sertão
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Prefácio
Pela Universidade de Córdoba / ISEC
O presente texto é um Trabalho de fim de mestrado do Programa Inter-Universitário Oficial de Pós-graduação em Agroecologia desenvolvido pelo Instituto de Sociologia e Estudos Camponeses (ISEC) nas Universidades de Córdoba e Internacional de
Andaluzia. Como Diretor Acadêmico deste programa, fico muito
grato em escrever estas linhas para mostrar a configuração teórica que tem gerado o conjunto de pesquisadores participantes
desde 1991; especificando como, neste processo de pesquisa
e docência, cumpriram um papel fundamental investigações
como a realizada por Felipe Tenório Jalfim, que aqui apresentamos.
A evolução dos trabalhos empíricos que se foram realizando
no referido marco acadêmico do ISEC começou movendo-se
teoricamente dentro de uma crítica às Ciências Agropecuárias e Florestais, ante a incapacidade destas para resolver
os problemas sociais e meio-ambientais que iam surgindo
com o processo de cientificação dos recursos naturais que
foram originando as tecnologias que, ditadas pelo mercado,
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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iam sendo geradas. Diante disso, como um grupo de investigadores, começamos a adotar a Perspectiva dos Estudos
Camponeses; que se encontrava no marco interdisciplinar
das Ciências Sociais e que, mediante metodologias participativas fomos evoluindo para a transdisciplinaridade. Tal mudança consistiu, não só em introduzir aqueles elementos das
Ciências Naturais necessários para compreender a natureza
da agricultura industrializada e seu impacto sobre a natureza
e a sociedade, mas também, e, sobretudo, em aceitar o conhecimento local camponês e/ou indígena como um elemento essencial para encarar os estragos que nas sociedades
rurais e camponesas estavam gerando o Neoliberalismo e a
Globalização.
Junto à dimensão agropecuária e florestal, era necessário introduzir a ecológica, não só formada do pensamento científico,
mas também construída a partir do local em forma participativa e, mediante processos de reflexão, perceber a importância
do político. Assim, a busca de soluções às formas de degradação, causadas por este tipo de manejo agroindustrial dos
recursos naturais, levou-nos a desvelar a dualidade da ciência
(como epistemologia e como estrutura de poder), e trabalhando com o povo até configurar nosso enfoque da Agroecología
como pensamento pluriepistemológico que articula os conteúdos históricos das lutas libertadoras dos movimentos sociais
camponeses e indígenas e os saberes locais sobre o manejo
dos recursos naturais com os da ciência, como algo imprescindível para obter a sustentabilidade, em sua dimensão social
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
e política. Como assinalam dois dos primeiros graduados1 de
nosso programa de doutorado, hoje professores do mesmo,
Francisco Roberto Caporal e José Antonio Costabeber, (2002.
“Análise Multidimensional da Sustentabilidade. Uma proposta
metodológica a partir da Agroecologia”. Em: Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre/ RS. V. 3, nº
3; 70-85: 79): “a dimensão política da sustentabilidade tem a
ver com os processos participativos e democráticos que se desenvolvem no contexto da produção agrícola e do desenvolvimento rural, assim como com as redes de organização social e
de representação dos diversos segmentos da população rural.
Nesse contexto, o desenvolvimento rural sustentável deve ser
concebido a partir das concepções culturais e políticas próprias
dos grupos sociais considerando suas relações de diálogo e de
integração com a sociedade maior através de sua representação em espaços comunitários ou em conselhos políticos e
profissionais em uma lógica que considere aquelas dimensões
de primeiro nível como integradoras das formas de exploração
e manejo sustentável dos agroecossistemas”. Entretanto, a natureza do sistema de dominação política em que se encontrem
as experiências produtivas que se articula com a sociedade civil
1 Suas teses de doutorado se encontram entre as dez realizadas nas duas primeiras
promovidas pelo ISEC, cinco das quais foram realizadas por pesquisadores brasileiros,
estando localizadas no Sul do Brasil: quatro no Rio Grande do Sul e uma em Santa
Catarina. Ademais foram desenvolvidas, em sua quase totalidade, para se implementar
de forma coordenada com as organizações de pesquisa e extensão agrária daqueles
estados. Apresentamos a seguir seus títulos, precedidos pelo nome dos autores; as
cifras entre parêntesis correspondem às datas de leitura das mesmas no Programa
de Doutorado: Joao Carlos Canuto, Agricultura ecológica en Brasil (18/02/ 98); José
Antonio Costabeber, Acción social colectiva y procesos de transición agroecológica
en Rio Grande do Sul, Brasil (15/10/98); Francisco Roberto Caporal, La extensión
agraria del sector público ante los desafíos del desarrollo sostenible (13/11/98); Eros
Marión Musoi Integración entre investigación y Extensión agraria en un contexto de
descentralización del estado y sustentabilización de políticas de desarrollo: el caso de
Santa Catarina, Brasil. (6/05/98); Joao Costa Gomes, Pluralismo metodológico en la
producción y circulación del conocimiento agrario. Fundamentación epistemológica y
aproximación empírica a casos del sur de Brasil. (20/10 99)
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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para gerar estas redes de solidariedade tem muito a ver com o
curso seguido pelas estratégias agroecológicas em sua busca
de incidir nas políticas agrárias.
Em geral pode dizer-se que, na situação mundial atual, as dinâmicas de ação agroecológica necessitam romper os marcos de
legalidade para desenvolver seus objetivos; quer dizer que as redes produtivas geradas cheguem a culminar em formas de ação
social coletiva pretendendo adquirir a natureza de movimentos
sociais. Entretanto, como aponta outro dos professores de nosso
programa, Enrique Leff (2002, “Agroecología e saber ambiental”,
em: Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto
Alegre/RS. V. 3, nº 1; 36-51: 47), estes “movimentos sociais associados ao desenvolvimento do novo paradigma agroecológico e a práticas produtivas no meio rural não são senão parte de
um movimento mais amplo e complexo orientado na defesa das
transformações do Estado e da ordem econômica dominante. O
movimento para um desenvolvimento sustentável é parte de novas lutas pela democracia direta e participativa e pela autonomia
dos povos indígenas e camponeses, abrindo perspectivas para
uma nova ordem econômica e política mundial”.
Tanto na América Latina como na Andaluzia, desde meados
dos anos oitenta, pesquisadores que mais tarde se agrupariam em torno do Programa da Agroecologia do ISEC (e ainda
sem estabelecer qualquer coordenação com os nossos trabalhos), fomos desenvolvendo análogos processos de acompanhamento às formas de ação social coletiva que iam gerando
experiências produtivas alternativas ao modo de uso industrial
dos recursos naturais. As ações camponesas e/ou indígenas
em ambos os lados do oceano tinham análoga natureza de luta
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
pela terra pretendendo, além disso, introduzir de forma incipiente propostas produtivas com claros elementos agroecológicos. Nosso trabalho, desde finais dos anos oitenta do século
passado, foi evoluindo desde a observação participante como
método inicial, até formas de interação onde nossa produção
intelectual tomasse caminhos guiados pela dinâmica dos movimentos camponeses e/ou indígenas que acompanhávamos,
ao colaborar com eles na análise das políticas agropecuárias e
florestais que lhes submetiam a situações de clara marginalidade e exploração socioeconômica.
O contato que estabelece uma cooperação definitiva entre os,
em certo sentido dispersos, pesquisadores latino-americanos
e o ISEC, produziu-se como conseqüência de uma estratégia
articulada pelo Consórcio Latino-americano de Agroecologia e
Desenvolvimento (CLADES) para institucionalizar a Agroecologia
na América Latina. Tal estratégia se iniciou com a organização,
em Santiago do Chile, em setembro de 1991, de uma reunião
CLADES-FAO sobre os currículos universitários em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável para introduzir nas
universidades os ensinos deste novo enfoque2, o que não pôde
realizar-se apesar da frenética atividade que exibiu aquele grupo
inicial. Não obstante, foi possível incorporá-lo a nosso programa
de Doutorado da Universidade do Córdoba. A consolidação de2 Aquela reunião deu lugar a uma série de atividades nesta direção; como foi o
Curso que (organizado por Guillermo Hang sobre Agroecología y Desarrollo Sostenible)
administramos Miguel Angel Altieri (sobre os aspectos agronômicos) e eu (sobre os
aspectos sociológicos) na Faculdade de Ciências Agrárias e Florestais da Universidade
de La Plata; de onde uma semana mais tarde teve lugar a X Conferência da Associación
Latinoamericana de Educación Superior (ALEAS) na cidade de Buenos Aires de 23 a
28 de maio de 1993. ALEAS é uma associação formada por todos os reitores das
Faculdades de Ciências Agropecuárias e Florestais da América Latina (em alguns
casos se incluem a Veterinária, rompendo o tradicional corporativismo acadêmico
prevalecente) e conseqüentemente o cenário ideal para apresentar a introdução do
novo enfoque em seus currículos.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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finitiva do grupo latino-americano de professores do ISEC teve
lugar em inícios de 1995, quando se desenvolveu um Ciclo de
Seminários Internacionais de Agroecología e Desenvolvimento
Sustentável na Universidade Internacional da Andaluzia (UIA),
que precederam a criação do Mestrado para a América Latina,
que desde então ali se tem realizado.
Foi assim como se gerou a experiência educativa e de pesquisa (os oito primeiros mestrados, prévios ao atual Programa
Oficial de Pós-graduação de Doutorado mais mestrado, tinham
uma natureza do “Master by Research”3, com a possibilidade
de trabalho de campo durante dois anos, antes de apresentar
a Tese), realizada para fortalecer as dinâmicas produtivas que
se estavam levando a cabo, tanto nos diversos países latinoamericanos de onde procediam os alunos – que em sua grande
maioria traziam uma larga experiência das ONGs e/ou Universidades onde desenvolviam suas atividades –, como na Andaluzia, mediante os acompanhamentos que desenvolvíamos
através do ISEC. Estes últimos constituíram o marco da nova
universidade andaluza (UIA) como campo de ação, para mostrar os resultados de nossa interação / pesquisa com as experiências agroecológicas produtivas com que trabalhávamos e
que serviam como como agroecossistemas de gestão familiar
onde se desenvolviam os “trabalhos práticos de campo” dos
distintos cursos administrados.
Foi em certa medida a experiência adquirida como conseqüência das pesquisas realizadas por parte dos alunos no ISEC
(para obter os referidos graus de “Doutor” e “Mestre por In3 Ao adotar-se a modalidade britânica durante o funcionamento como título
universitário próprio da UIA.
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
vestigação”) o que fortaleceu a interação com os movimentos
sociais latino-americanos que realizavam uma agricultura de
base ecológica; permitindo-nos, ao mesmo tempo, uma contrastação com o trabalho que realizávamos na Andaluzia. Este
intercâmbio contribuiu, sem dúvida, para um forte componente
no desenvolvimento de bases teóricas e metodológicas com as
que fundamentamos nossa proposta agroecológica.
É importante ressaltar aqui a participação dos alunos latinoamericanos, em geral, e os brasileiros, em especial, do Programa de Doutorado do ISEC na dinâmica de articulação de
dissidências ao Neoliberalismo e a Globalização econômica
desde os diferentes movimentos sociais, nos que, em não poucos casos, apareciam experiências produtivas que a agroecologia, que estávamos construindo, podia fortalecer. Isso fez com
que nos envolvêssemos naquela dinâmica, que teve diferentes
manifestações em distintos países do mundo, fortalecendo mediante a participação do ISEC os espaços de debate que iam
surgindo. Neste sentido, teve grande interesse nossa participação na dinâmica contra a pretendida bondade do “livre comércio mundial” impulsionada pela articulação transnacional dos
estados no contexto da campanha “50 Anos Bastam” contra
o meio século de existência das instituições financeiras globais
(FMI e BIRD); que culminou no Foro Alternativo “As Outras Vozes do Planeta” que se desenvolveu em Madrid, no outono de
1994. Foi neste contexto, de interação com os movimentos sociais rurais latino-americanos, que surgiu nossa interação com
o Movimento Zapatista; com o qual, por outro lado, as organizações camponesas andaluzas com as que trabalhávamos
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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também mantinham contatos praticamente desde seus inícios4.
Assim, foram na Andaluzia – através da interação ISEC com os
movimentos camponeses – onde apareceram os primeiros comitês de apoio ao EZLN5, primeiro, e ao MST6, depois, que logo
se estenderiam pelo resto da Europa e demais continentes.
Em sua dinâmica de resistência e luta informacional, o EZLN
convocou o II Encontro Intergaláctico contra o Neoliberalismo
e pela Humanidade na Espanha, mediante uma celebração itinerante por várias comunidades que, organizadas pela articulação peninsular de movimentos sociais, eram impulsionadas
pelos comitês zapatistas locais. O ato de “encerramento” teve
lugar no Indiano, sítio cuja propriedade foi obtida após longos
anos de luta com ocupações e prisões de “camponeses sem
terra,” com quem trabalhava o ISEC, convertendo-se em uma
das experiências produtivas agroecológicas nas que se desenvolviam as práticas do Mestrado e Doutorado, junto a outras
cooperativas agroecológicas dentro das quais se desenvolveram as pesquisas, em cuja reflexão e prática sócio-política e
produtiva surgiu um modelo da agroecologia andaluza.
Mas se a contribuição brasileira foi importante na fase inicial de
4 Cf. Eduardo Sevilla Guzmán (2006: Perspectivas agroecológicas desde el
pensamiento social agrario (Córdoba: Servicio de Publicaciones de la Universidad de
Córdoba / Instituto de sociología y Estudios Campesinos; 285: cap. 1) e Sevilla Guzmán
e Joan Martinez Alier, (2006 “New rural social movements and Agroecology” (con Joan
Martínez Alier) editado por P. Cloke, Terry Marsden and P.Mooney, Handbook of Rural
Studies (London: SAGE Publications: 472-483) de onde damos conta desta histórica
relação entre movimentos camponeses de ambos os continentes.
5 Nele teve um papel central Jorge Morett Sánchez, professor de Antropologia da
Universidade de Chapingo e uma das primeiras Teses de doutorado do Programa de
Doutorado do ISEC (Las empresas multinacionales en la agricultura española, lida em
julho de 1997).
6 O estabelecimento do primeiro Comitê de Apoio ao MST se produziu graças
a coragem dos alunos brasileiros do Doutorado do ISEC, especialmente Roberto
Vicentín e Francisco R. Caporal.
22
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
configuração do Mestrado (a partir dos alunos do Doutorado),
por sua contribuição à interação com os movimentos sociais,
esta foi ainda maior quando estes começaram a intervir nas políticas públicas brasileiras, primeiro no Governo do Rio Grande
do Sul (durante sua época de “Estado da Participação Popular”), tentando introduzir a Agroecologia na Extensão Agrária;
depois, no Governo Federal quando do início do governo Lula;
e finalmente, nos últimos anos, ao INTA argentino fortemente
influenciado pelo apoio brasileiro à agricultura familiar. Isso determinou que a maior parte dos professores e um bom número
de estudantes do Programa de Doutorado e Mestrado7 colaborassem ativamente em tais processos.
O fato de que o presente texto seja publicado é especialmente
significativo como amostra da importância da contribuição brasileira ao nosso Programa de Pós-graduação; mais ainda, se se
levar em conta que a pesquisa de Felipe Tenorio Jalfim está ain7 Alguns dos professores e alunos participantes da implementação das referidas
políticas públicas são as seguintes: Miguel Angel Altieri (University of California.
Berkeley); Mirem Etxezarreta (Universidad Autónoma de Barcelona); Roberto García
Trujillo (Universidad de Córdoba); Steve Gliessman (University of California, Santa
Cruz); Manuel González de Molina (Universidad de Granada. Investigador del ISEC);
Enrique Leff Zimmerman (Coordinador de la Red de Formación Ambiental del
Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente PNUMA); Joan Martínez
Alier (Universidad Autónoma de Barcelona); Jan Douwe van der Ploeg (Agricultural
University of Wageningen); Peter Rosset (University of California, Berkeley); María
Salas (Universiteit Nijmegen); Alfred Siemens (University of British Columbia); Hermann
J. Tillman (Universidad de Hohenheim); Victor Manuel Toledo (Centro de Ecología de la
U.N.A.M.-México); Graham Woodgate (Wye College, University of London); Stephan
Rist (Universidad de Berna) e Tomás Rodríguez Villasante (Universidad Complutense
de Madrid); Antonio Lattuca e Graciela Ottmann (CEPAR, Rosario); Carlos Alemany,
José Luis Zubizarreta (INTA, Argentina); Susana Aparicio e Roberto Benencia (UBA,
Argentina). Entre os participantes brasileiros vinculados ao ISEC, como formados ou
com pesquisas em curso, o número é muito maior; entre estes estão: João Carlos
Canuto, João Costa Gomes, Marcos Flavio Silva Borba e Joel Enrique Cardoso
(EMBRAPA), Francisco Roberto Caporal, José Antonio Costabeber (EMATER), Eros
Marión Musoi (EPAGRI); Canrobert Casta Neto (CPDA, Universidade do Rio de Janeiro)
e o importante núcleo da Universidade Federal Rural de Pernambuco, integrado por
Jorge Roberto Tavares de Lima, Marcos B. Figueiredo, Tirso Ramón Rivas e Josenildo
de Sousa e Silva, entre outros.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
23
da em sua fase de gestação. Com efeito, o trabalho possui uma
finura teórica que revela claramente a larga experiência acumulada pelo autor em sua convivência com a agricultura familiar
do semi-árido brasileiro. Sua análise do setor avícola industrial
desvela com contundência as deficiências meio-ambientais que
possui este, ao mostrar a insustentabilidade ecológica e social
que arrasta a trajetória da modernização e globalização da avicultura brasileira. Por outro lado, a aplicação do marco teórico
da Agroecologia à criação de galinhas de capoeira/caipira constitui uma novidade de grande interesse; ao saber selecionar os
elementos - chave que levem à posterior elaboração de uma
consistente proposta. Tal novidade se transforma em algo mais
relevante ainda ao introduzir uma perspectiva de gênero e incorporar como objetivo o empoderamento da mulher, através da
criação de galinhas. Finalmente, sua aproximação à análise da
criação tradicional de galinhas no semi-árido mostra a importância que esta tem para a agricultura familiar, ao mesmo tempo em
que constitui já em si uma válida sistematização para introduzir
um posterior fortalecimento agroecológico de tal manejo.
Eduardo Sevilla Guzmán
Diretor do ISEC / Universidade de Córdoba, Espanha.
24
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Prefácio
Pela Universidade Federal Rural de Pernambuco /
Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LA)
O Livro intitulado “Agroecologia e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização – O Caso dos Sistemas Tradicionais de
Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro”, de autoria de Felipe Tenório Jalfim, objeto de sua dissertação defendida junto à
Universidade de Córdoba, Espanha, pela temática que aborda,
apresenta uma forte intersecção com o Curso de Licenciatura
em Ciências Agrícolas. O livro não somente evoca a importância
da valorização do conhecimento tradicional como conhecimento válido e necessário para o desenvolvimento de agriculturas
sustentáveis, com ênfase o papel da mulher, mas também (re)
coloca no centro da discussão a incompatibilidade do paradigma dominante com os fundamentos da Agroecologia, concebida enquanto paradigma emergente. Neste ínterim o trabalho
questiona os desdobramentos da aplicação do conhecimento
técnico-científico no campo, que se materializou de forma hegemônica e excludente com o advento do modelo agroindustrial. O fato dos riscos da gripe aviária ameaçarem a autonomia
da produção da galinha de capoeira, atividade secular típica da
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
25
agricultura familiar, parece ser bastante revelador nesse sentido, mas sobretudo revela a urgência e a necessidade de se repensar as bases que orientam e estruturam o arcabouço científico e tecnológico do modelo industrial de agricultura, que tem
se colocado pretensamente como caminho único (“universal”)
da agricultura, em detrimento de outros modelos sabidamente
mais sustentáveis.
Não é por acaso que essa reflexão faz eco dentro dos muros da
universidade, em especial no curso de Licenciatura em Ciências
Agrícolas (LA), que tem se pautado não só por desenvolver uma
metodologia diferenciada do ponto de vista pedagógico com a
adoção de eixos integradores e interdisciplinares no processo
de construção do conhecimento, mas também como protagonista de uma articulação com os agricultores camponeses e
movimentos sociais do campo através de mecanismos de troca
de conhecimento entre professores, estudantes e as famílias
camponesas. Exemplo disso são os vários e ricos eventos de
formação social e técnica realizados pelo Curso de LA no âmbito do ensino, como os Estágios de Vivência, Semanas do Meio
Ambiente, Prêmio Mata Atlântica, Seminários sobre Agroecologia e mais recentemente sobre o “Ensino de Extensão Rural no
Brasil”, entre tantas outras atividades que estão contribuindo
para uma formação profissional socialmente referenciada na realidade nordestina e brasileira.
Jorge Luiz Schirmer de Mattos
Coordenação de LA/UFRPE
26
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
1.
Introdução
Por que escrever um livro sobre a criação de galinhas de capoeira no Brasil? Qual a importância de apresentar um trabalho
sobre algo tão inexpressivo, quando existem tantas coisas mais
interessantes e relevantes para serem estudadas e divulgadas
dentro da Agroecologia? Por que estudar esse tipo de criação
de galinha já que atualmente o Brasil é o principal exportador
de frango do mundo? O que tem a ver a modernização e a
globalização da agricultura brasileira com as galinhas do quintal
de uma simples agricultora familiar? Não seria mais racional e
barato para as agricultoras familiares comprar frango e ovos
produzidos pelas granjas industriais que produzir em seus quintais? Que importância tem essa atividade para a agricultura familiar brasileira?
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
29
Tais perguntas, entre tantas outras sobre o tema, as pessoas
me fazem há três anos, quando comecei a compartilhar minha
decisão de que a criação de galinhas de capoeira seria meu
tema de estudo no âmbito de um mestrado em Agroecologia.
As perguntas vinham de todas as direções, inclusive de pessoas alheias às ciências agrárias. Mas, são precisamente as
pessoas desta área as que mais questionam a relevância de
meu tema de estudo.
Entretanto, tais perguntas aumentaram meu interesse e convicção sobre a importância do tema. Ainda que, em realidade, tenho estado interessado neste tema já faz quase 20 anos,
quando fui viver na zona rural da região semi-árida e iniciei uma
larga convivência cotidiana com os agricultores e agricultoras
familiares, onde tive a oportunidade de contribuir em processos
de intercâmbio de conhecimentos como forma de ampliação
da capacidade de resistência dos agroecossistemas tradicionais frente aos efeitos da seca1.
Entre os intercâmbios de conhecimentos que pude vivenciar,
a criação de galinhas de capoeira me chamou a atenção pelo
grande conhecimento das mulheres no manejo de suas galinhas e outras aves, como também por seu interesse em buscar
alternativas para melhorar suas estratégias de produção e comercialização. Já naquele tempo fizemos vários experimentos
participativos e inclusive um diagnóstico sobre a criação de galinhas de capoeira e outras aves.
1 Esta inserção fazia parte de um movimento mais amplo, o qual buscava uma
mudança no enfoque das políticas públicas para esta região; se tratava de mudar o
enfoque de combate à seca para o enfoque de convivência com a seca. Esta visão e
estratégia de ação eram promovidas por uma articulação entre o movimento sindical
dos trabalhadores rurais, as ONGs, as Igrejas e o Projeto Tecnologias Alternativas
(PTA).
30
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Depois desse período, já trabalhando no âmbito governamental2,
fazendo a gestão de fundos de projetos de fomento ao desenvolvimento produtivo e social em comunidades de agricultura familiar e assentamentos da reforma agrária no semi-árido brasileiro,
me reencontrei com as galinhas, ou melhor, com as agricultoras
familiares e seu interesse pela criação de galinhas de capoeira.
Na tarefa cotidiana de analisar e aprovar os projetos me dei conta de aspectos interessantes e, ao mesmo tempo, preocupantes no que tange o âmbito de produção de galinhas de capoeira. Primeiro, percebi uma crescente demanda das agricultoras
familiares por projetos que respondessem a seus desejos de
contribuir para o aumento da renda e da segurança alimentar
de suas famílias. Segundo, notei que a maior parte dos projetos elaborados com o apoio dos/das assessores/as técnicos/
as apresentavam fragilidades metodológicas e técnicas no tema
específico da criação de galinha: consideravam de maneira insuficiente os conhecimentos das mulheres no tema e/ou tendiam
à formulação de sistemas “alternativos” e ecológicos em uma
linha que se aproximava daquela de substituição de insumos, e
em alguns casos, até tentavam reproduzir a lógica industrial de
criação de frangos e/ou de galinhas de postura através de uma
adequação desta às condições da agricultura familiar.
Por outro lado, nossas respostas aos assessores técnicos eram
igualmente genéricas, sem sugerir um caminho a uma criação
2 Projeto Dom Helder Camara (www.projetodomhelder.gov.br), que é resultado de
um acordo de empréstimo entre O Fundo Internacional para o Desenvolvimento da
Agricultura (FIDA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil (MDA). Este
projeto tem por objetivo apoiar ações de desenvolvimento humano sustentável com
foco na agricultura familiar em comunidades rurais e áreas de reforma agrária no semiárido do Brasil. É executado em cooperação com os movimentos sindicais e sociais e
mais de 50 ONGs, que assessoram diretamente cerca de 12.000 famílias.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
31
sustentável de galinhas de capoeira. Mais ainda, diante da escassez de informação sobre o tema, tampouco conseguíamos
ajudá-los indicando-lhes onde buscar as referências teóricas
e metodológicas para a construção de propostas verdadeiramente sustentáveis.
Toda esta situação somada ao recente risco da chegada da gripe aviária no Brasil, e o fato de que as indústrias transnacionais
do frango em geral estão usando a mídia global e os próprios
Estados para colocar a culpa do surgimento e dispersão deste
vírus na criação da galinha de capoeira e nas aves silvestres,
não só consolidou meu interesse e inquietude pelo tema, como
também o fez urgente e insubstituível. Entre outros motivos, porque ele mesmo é bem mais complexo do que parece a primeira
vista e, sobretudo, porque existem poucas e dispersas informações sistematizadas sobre o mesmo desde uma perspectiva
que considere a agricultura familiar3 e/ou a Agroecologia.
O presente trabalho é, portanto, uma primeira aproximação ao
tema, realizada com base na confrontação da informação bibliográfica e demais tipos de literatura disponível com minha experiência adquirida em vários anos de convivência com famílias
de agricultoras familiares na região semi-árida do Brasil.
O trabalho está organizado em cinco partes centrais: esta primeira
propõe o problema de estudo numa dimensão mais ampla e seus
3 É importante ressaltar que neste trabalho se assume o conceito de agricultura
familiar considerando que a agricultura camponesa tradicional no Brasil é a principal
parte dentro desta. Portanto, em vários momentos deste trabalho se utilizam os termos
agricultura familiar e camponesa e suas derivações com o mesmo sentido. O aspectochave utilizado para o conceito de agricultura familiar está centrado naqueles que
manejam a terra, tendo-a ou não sob sua posse, através do emprego predominante
no tempo e espaço da mão-de-obra familiar, buscando alcançar a produção agrícola
e pecuária necessária à sua sobrevivência presente e futura.
32
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
objetivos; na segunda parte, se faz uma análise do setor avícola
industrial e seus riscos ambientais, socioeconômicos e efeitos
sobre a criação de galinhas de capoeira praticada pela agricultura familiar; a terceira apresenta a Agroecologia como resposta,
através de uma construção teórico-metodológica que fortaleça a
criação de galinha de capoeira como alternativa ao modelo avícola industrial e a quarta faz uma primeira aproximação à criação
de aves no semi-árido brasileiro. Finalizando, apresenta-se uma
breve conclusão, onde se propõe elementos para aprofundar o
tema em estudos futuros, a partir de uma perspectiva agroecológica com um enfoque participativo e que leve à ação.
1.1. O Problema e sua Relevância para a Agricultura Familiar
Apesar da grande importância da criação de galinhas de capoeira nos agroecossistemas tradicionais pelo papel que desempenham na soberania alimentar, geração de renda e no empoderamento das mulheres no meio rural brasileiro, historicamente
as políticas públicas têm esquecido esta atividade.
Essa falta de atenção ao setor da agricultura familiar por parte das
políticas públicas não é casual, mas que constitui uma das engrenagens do processo de modernização e
internacionalização da
agricultura
brasileira,
que exclui esse tipo de
organização da produção agrícola.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
33
Neste sentido, o complexo avícola industrial representa aquele
setor que mais incorporou o modelo neoliberal via absorção do
processo de internacionalização da agricultura brasileira, tanto
em investimentos financeiros de empresas transnacionais como
na importação (transferência) de tecnologia dos países ricos.
Portanto, em poucas décadas o modelo industrial se tornou hegemônico na produção de frango e ovos no Brasil. Tal modelo
foi desenvolvido dentro dos paradigmas da “revolução verde” e
do processo de globalização dos sistemas alimentares, tendo
como característica principal a concentração desta atividade
produtiva em mãos de poucas empresas nacionais e transnacionais, em detrimento da participação dos agricultores familiares
na mesma. É uma atividade baseada na concentração e necessidade de investimento de capital financeiro e na dependência
do uso intensivo de insumos externos aos agroecossistemas
e de pacotes tecnológicos importados. Um exemplo disto são
as linhas comerciais de frangos e galinhas de postura no Brasil
que são quase todas importadas. Com efeito, as linhas híbridas
de frango utilizadas no mundo pertencem a umas poucas companhias transnacionais, as quais selecionaram estas raças para
a produção em ambientes controlados e com elevado uso de
ração, insumos e fármacos (Pont Andrés, 2005).
Com o apoio regular de políticas públicas de fomento, com
que as iniciativas da revolução verde historicamente contaram
durante vários governos, e pela intensiva associação às corporações agroalimentares transnacionais, a avicultura industrial
brasileira se desenvolveu rapidamente, chegando hoje a ocupar
o primeiro lugar na exportação de frango no mundo, tanto em
volume de produção como de renda, na frente dos Estados
34
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Unidos. Também ocupa o sétimo lugar quanto ao volume de
ovos produzidos mundialmente. Da mesma maneira, a avicultura industrial já invadiu todo o mercado nos grandes centros
urbanos do Brasil e está se expandindo de maneira rápida e
agressiva para os mercados locais do meio rural.
Tal condição da avicultura industrial brasileira, expressada por sua
contribuição no superávit comercial e pelo aumento nacional no
consumo per carpita de ovo e frango, faz do complexo industrial
avícola um dos ramos mais fortes do agronegócio brasileiro. Isso
lhe permite atuar com uma força econômica e política, influenciando fortemente as políticas públicas para o setor agrário e impondo normas sanitárias cada vez mais restritivas à continuidade
da participação do agricultor familiar na produção de frangos e
ovos, seja para seu autoconsumo, comercialização ou ambos.
Em outras palavras, progressivamente as empresas transnacionais limitam a soberania alimentar nos países em desenvolvimento através de uma defesa de seus interesses corporativos em
detrimento de políticas que estimulem uma produção de alimentos baseada no fortalecimento da agricultura familiar e no manejo
sustentável de seus agroecossistemas (Sevilla Guzmán, 2006a).
A transnacionalização da avicultura nacional, uma vez que estimula fortemente a expansão das empresas do agronegócio
de soja e milho, que estão baseadas em pacotes tecnológicos
que incorporam desde grandes monoculturas mecanizadas aos
cultivos transgênicos, representa uma das expressões recentes
mais perversas do processo de modernização do campo brasileiro. Os impactos negativos da modernização do meio rural
sobre os recursos naturais e as comunidades de agricultura faAgroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
35
miliar são semelhantes em todo o mundo, sobretudo nos países
em desenvolvimento (Toledo, 2006/2007a). Em geral, o modelo
de produção “moderna”, orientada ao mercado, viabiliza-se a
partir de custos ecológicos elevados, de uma especialização
espacial, produtiva e humana. Seus impactos mais fortes estão
relacionados ao esgotamento dos recursos naturais e à tendência de substituir as comunidades de agricultura familiar por
formas “modernas” de produção (Toledo, 2006/2007a).
Ainda que na região Nordeste do Brasil, onde se localiza a maior
parte do semi-árido do país, o setor avícola industrial não tenha
uma capacidade produtiva e de avanço sobre os mercados
comparável às regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, a agricultura familiar desta região também perde cada vez mais espaço
para o setor industrial no mercado de frango e ovos.
Esta perda de mercado do produto da agricultura familiar não
é somente a favor das indústrias localizadas na própria região
Nordeste, que vêm se expandindo amplamente nas últimas
décadas, mas é também a favor das maiores corporações do
frango com sede no Sul e Sudeste do país, que conseguem
exportar frango congelado e uma enorme gama de seus derivados para toda a região Nordeste.
O maior impacto que incide sobre a agricultura familiar está
relacionado à perda progressiva dos mercados locais das pequenas e médias cidades do meio rural, onde historicamente
a agricultura familiar encontra um bom espaço para a venda
de frango e ovos. Isso significa um déficit importante na entrada de renda para as famílias de agricultores familiares, que
seguramente resultam em mudanças e debilidades ainda pou36
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
co conhecidas nas estratégias de diversificação da produção,
construídas durante centenas de anos pelas famílias no manejo
dos agroecossistemas desta região.
Ademais dos processos até agora mencionados, a criação de
galinha de capoeira desenvolvida pela agricultura familiar tende, geralmente, a ser considerada como uma atividade marginal, com pouca ou nenhuma importância socioeconômica
nos agroecossistemas. Este fato tem ocorrido de forma geral,
simplesmente por ser uma atividade de responsabilidade das
mulheres agricultoras, em um contexto de uma sociedade rural
marcada pelo patriarcado e machismo. Tal sociedade historicamente faz invisível o papel que têm as mulheres no desenvolvimento da agricultura. Portanto, parece que tal fato tem contribuído também para o afastamento dos meios acadêmicos, da
investigação aplicada e da extensão rural. Ou seja, o fato de ser
uma atividade considerada marginal, invisível do ponto de vista
socioeconômico, não agrega reconhecimento e status acadêmico, técnico e científico a quem se envolva com este tema.
Por outro lado, na região semi-árida4 do Brasil (figura 1), apesar
do contexto adverso ocasionado pelos motivos acima men4 Vale salientar que dados do INCRA/FAO (Guanziroli, 2000) demonstram que a região
Nordeste possui 2.055.157 estabelecimentos familiares, quer dizer, 49,6% do total de
estabelecimentos familiares do Brasil. Como o semi-árido brasileiro representa 59,25%
da área total do Nordeste do Brasil (CNRBC, 2004) e nas demais regiões do Nordeste
predominam os latifúndios e fazendas pecuárias, pode-se concluir que a maior parte
dos estabelecimentos familiares do Nordeste se concentra na região semi-árida. Esta
região é caracterizada por uma precipitação média abaixo de 800 mm ao ano, com
médias anuais inferiores a 400 mm, com chuvas que se distribuem de forma irregular no
tempo e espaço, com ocorrências de grandes períodos de secas. A evapotranspiração
potencial é elevada, cerca de 3.000mm anuais. É uma área heterogênea de paisagens
e povos diversos, com áreas densamente povoadas e grandes vazios demográficos
(Gamarra-Rojas, 2006). A Caatinga é a vegetação predominante no semi-árido e se
caracteriza por ser uma vegetação que varia de savanas arbustivas a bosques secos,
passando por afloramentos rochosos dominados por cactos e bromélias, até bosques
perenes de altitude (Velloso, Sampaio & Pareyn, 2002).
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
37
cionados, percebe-se que as mulheres agricultoras continuam
buscando inúmeras maneiras de resistir ao avanço do modelo
hegemônico de criação de aves, como também de todas as
outras dificuldades para a própria reprodução social da agricultura familiar, inerentes ao contexto da globalização. Ademais,
nesta região, a criação de galinha de capoeira representa para
muitas mulheres uma oportunidade, entre outras, em sua luta
por uma maior autonomia econômica e reconhecimento social.
Figura 1: Localização da Região Semi-árida de Brasil
Región Semiárida de Brasil
Fonte: Fernández de Lima (2007)
Neste sentido, já existem avanços em experiências que têm
ampliado a ocupação de espaços nos mercados locais de frangos e ovos através da comercialização em feiras agroecológicas. São processos em que se destacam formas organizadas
e coletivas de produção e comercialização, realizados por grupos organizados de mulheres agricultoras. Estes grupos buscam novas formas de organização social que contribuam para
o processo de empoderamento das mulheres e para a criação
de alternativas de venda de seus produtos através de mecanismos que confiram uma maior visibilidade e valorização de seus
produtos frente aos produtos industriais. Mas, a forma predominante de comercialização da produção de ovos e frangos da
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
agricultura familiar é a forma tradicional, ou seja, através da venda individualizada e direta ao consumidor nas feiras livres.
Estes processos de acesso a mercado têm, neste momento,
um duplo papel para a agricultura familiar:
• Manter vivos os costumes da população urbana das
pequenas cidades do semi-árido brasileiro em seguir
dando preferência ao sabor da carne e ovos das
galinhas de capoeira em detrimento daqueles industriais. Com isso se evita a perda deste fator importante
de vantagem competitiva da avicultura tradicional frente à
avicultura industrial.
• Vinculado com este papel de manutenção dos hábitos alimentares locais, que estão relacionados com o sabor, a
consistência e a coloração dos frangos e ovos provenientes da criação de galinha de capoeira, a comercialização
em espaços orgânicos e agroecológicos ajuda também
a estimular o interesse do consumidor urbano por um tipo
de alimento mais saudável e ligado ao fortalecimento dos
sistemas agroalimentares locais, que reforçam a economia e agricultura local (Menezes, 2005).
Internamente aos agroecossistemas, a criação de aves tem
um papel fundamental no auto-abastecimento alimentar e na
cultura agroecosistêmica de produção da agricultura familiar,
baseada na diversificação produtiva, que é integrada por uma
série de plantas e animais, e sustentada na utilização dos
insumos locais, em maior parte disponíveis em sua própria
terra.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
39
O enfoque deste trabalho, portanto, está livre da miopia científica,
política e cidadã provocada pela grande geração de renda para o
país aportada pelo rápido crescimento do modelo hegemônico de
produção industrial de ovos e frango. A preocupação aqui é primeiro buscar uma compreensão, ainda que básica, sobre os traços
centrais dos limites e riscos socioeconômicos e ambientais que leva
consigo tal modelo para a sustentabilidade da agricultura brasileira
e segundo, e mais importante neste trabalho, é contribuir para o
fortalecimento de uma alternativa ao modelo vigente que não tenha
influências socioeconômicas e ambientais negativas e ao mesmo
tempo favoreça a inclusão social, econômica e cultural da agricultura familiar nas diferentes regiões do país, principalmente naquelas
alienadas historicamente das políticas e processos de desenvolvimento humano, como é o caso da região semi-árida do Brasil.
1.2. Objetivos
O objetivo geral deste trabalho é elaborar uma reflexão teóricometodológica sobre a criação de galinha de capoeira no semiárido brasileiro, considerando o contexto da modernização e
globalização da agricultura brasileira.
Este objetivo geral é baseado nos seguintes objetivos específicos e hipóteses:
A) Caraterizar a avicultura industrial no Brasil e suas limitações ecológicas e socioeconômicas;
Este objetivo parte da hipótese de que a modernização e
globalização da avicultura brasileira vêm construindo um
40
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
modelo de sistema agroalimentar insustentável e que entre
suas influências, afeta diretamente o atual e futuro
desempenho da criação de galinhas de capoeira e seu
papel na segurança alimentar e na geração de renda da
agricultura familiar.
B) Buscar e organizar elementos para uma proposta teóricometodológica desde uma perspectiva agroecológica para
o estudo da criação de galinhas de capoeira no semiárido brasileiro.
C) Fazer uma primeira aproximação sobre os benefícios
ecológicos, econômicos e socioculturais reportados para
os sistemas tradicionais de criação de aves no semi-árido
brasileiro.
Para os objetivos B e C, a hipótese é que, interagindo com as
conseqüências do avanço da avicultura industrial, a criação de
galinha de capoeira tem um papel nos agroecossistemas tradicionais que é pouco conhecido, valorizado e apoiado pelos
diversos setores que se relacionam com a agricultura familiar
do semi-árido. Por tanto, é fundamental a construção de uma
base teórico-metodológica desde uma perspectiva agroecológica que contribua para o avanço e fortalecimento desta atividade como um sistema agroalimentar sustentável para esta
região.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
41
42
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
2.
Industrialização Agroalimentar
da Avicultura no Brasil
Com o objetivo de entender o contexto em que se insere a
agricultura familiar e sua atividade de criação de galinhas de
capoeira dentro da modernização e globalização da agricultura
brasileira, o presente texto analisa os traços centrais do processo histórico de formação do complexo agroindustrial avícola
brasileiro, suas características atuais e seus principais limites
desde uma perspectiva agroecológica.
2.1. A Avicultura no Contexto da Modernização e Internacionalização da Agricultura Brasileira
Desde o período da colonização do Brasil a agricultura brasileira
tem se desenvolvido a partir de elementos que misturam uma
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
43
associação entre degradação do meio-ambiente e crescimento
das desigualdades sociais no campo. Isso está relacionado a
um modelo predatório de agricultura que sempre esteve subordinado às lógicas econômicas externas, orientadas para a
transferência de riqueza, independente dos impactos negativos
nos setores ambientais e sociais gerados ao largo dos anos
(Almeida, Petersen & Cordeiro, 2001).
Este processo histórico de incorporação da economia brasileira à economia mundial, através da agricultura, teve seu início
no século XVI. Em grande medida, a formação do modelo predatório da agricultura brasileira começou no período colonial,
atravessou as décadas de monarquia independente e tem sua
herança presente nos dias de hoje, sem mudanças significativas em sua lógica de funcionamento (Pádua, 2002).
O cultivo da cana-de-açúcar nas regiões úmidas de solos férteis, baseado na monocultura para a exportação, no latifúndio
e no trabalho escravo e depois no trabalho assalariado em condições miseráveis, caracteriza bem o modelo hegemônico de
agricultura que se estabeleceu no Brasil.
Paralelamente a esse processo de formação da agricultura brasileira, ocorreu a ocupação do campo por famílias que tinham
um duplo propósito, por um lado, abastecer seu autoconsumo e, por outro, atender à demanda de produção de alimentos
para abastecimento das populações locais. O desenvolvimento
deste tipo de agricultura nas diferentes regiões do Brasil, e que
sempre ocuparam as terras consideradas inadequadas para os
cultivos comerciais e de exportação, formaram ao longo dos
séculos o campesinato brasileiro.
44
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Este tipo de agricultura, com um propósito de reprodução social e abastecimento local de alimentos, tem sido baseado no
emprego de mão-de-obra familiar, numa forte dependência do
conhecimento dos recursos naturais locais (Gamarra-Rojas et
al., 2002) e, por conseguinte, uso mínimo de insumos externos
à propriedade, que sob condições de suficiente disponibilidade
de área e continuidade da transmissão da cultura, em diversas
regiões do país, permite o manejo da terra e demais recursos
naturais de forma sustentável a largo prazo.
O uso do termo camponês no Brasil foi historicamente evitado
pelas oligarquias dominantes do setor agrário. Em geral, os termos empregados para esta categoria social representavam um
sentido de desdenho e atraso. A partir da ditadura militar, que
teve início na década de sessenta, o governo militar estimulou
o uso dos termos pequeno produtor e pequeno agricultor, com
a intenção de apagar por definitivo o termo camponês, o qual
de alguma forma lembrava e o associava às “Ligas Camponesas”, que foi o primeiro movimento social do campo de dimensão
política nacional na luta pela terra no Brasil (Lima & Figueiredo,
2006). A partir dos anos 90 ganha terreno o uso do termo Agricultura Familiar (agricultor/a familiar), tanto por investigadores de
múltiplas áreas como pelas representações dos trabalhadores/
as rurais. Esta categoria de natureza um tanto genérica incorpora
os camponeses e vários outros tipos de populações tradicionais
do campo, e em certo grau os trabalhadores/as assalariados do
campo, com o propósito de legitimação política e acesso destes às políticas públicas. Este período corresponde à criação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
45
As mudanças mais profundas no modelo de agricultura brasileira, e, por conseguinte na organização física, técnica e socioeconômica do espaço rural brasileiro como um todo, ocorreram a
partir da segunda metade do século XX, especialmente a partir
dos anos 70, com o processo conhecido por modernização conservadora. Moderna, pelo uso intensivo de tecnologia e capital
contemporâneos, e conservadora, por manter ou aprofundar o
status quo nos sistemas agrários.
A modernização conservadora da agricultura brasileira foi parte
de um processo mais amplo de internacionalização do padrão
industrial de agricultura euro-americana à agricultura dos países subdesenvolvidos da Ásia, África e América Latina, sob o
paradigma de desenvolvimento da agricultura conhecido como
“revolução verde”. Resumindo, este paradigma trouxe em seu
marco conceitual a universalização de pacotes tecnológicos
que permitiam maximizar a produtividade agrícola independente das condições ecológicas, além de não tomar em conta os
aspectos sociais e culturais de cada país e suas regiões.
Assim a modernização conservadora da agricultura brasileira
teve como característica central a transformação da agricultura
tradicional em “moderna” através da incorporação dos pacotes tecnológicos, de mudanças produtivas e de relação com os
mercados, mas sem promover mudanças na estrutura agrária
vigente (Canuto, 1998). De acordo com este mesmo autor (Canuto, 1998. p.31), “A modernização agrícola significou uma reestruturação não somente da economia, mas também de um
conjunto de valores sociais e culturais.” Ou seja, a modernização
estimulou e ampliou uma visão de agricultura baseada na maximização dos resultados econômicos no curto prazo em detri46
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
mento dos equilíbrios dos processos naturais, sobretudo entre
os agricultores patronais1; estabelecendo valores de competitividade e do uso industrial dos recursos naturais, sem nenhuma
preocupação sobre os aspectos sociais e ecológicos relacionados com a agricultura.
O patrocínio do Estado brasileiro foi decisivo para a industrialização de sua agricultura. Assim, o Estado por um lado abandonou à sua própria sorte os agricultores familiares, sobretudo
os mais pobres, e as regiões menos favorecidas em termos de
solos, clima e propriedades da terra - como o caso dos agricultores familiares e da região semi-árida. Por outro, estimulou e
apoiou a modernização dos agricultores patronais, assim como
as regiões com condições ambientais e socioeconômicas mais
favoráveis à industrialização – como o Sudeste e Sul do Brasil.
Este apoio ocorreu desde a readequação da estrutura para a
produção, transporte e comercialização em escala industrial até
o sistema de crédito, ensino e assistência técnica, com a missão de garantir a consolidação do novo modelo agrícola (Araújo, 2002).
Neste contexto, e praticamente na mesma ordem cronológica
acima citada, surge o complexo industrial avícola brasileiro. Seus
primeiros passos foram ao final da década de 50. Em 1963 já
estavam instaladas no Brasil nove empresas norte-americanas
especializadas em genética de aves para a produção industrial,
mas o crescimento acelerado do complexo avícola ocorreu na
1 No Brasil se usa o conceito de agricultura patronal para caracterizar o modelo de
agricultura cujo processo de produção agrícola e/ou pecuária é levado a cabo com
separação da gestão e trabalho, emprega predominantemente o trabalho assalariado
e tem sua ênfase na produção especializada, baseada na dependência de insumos
externos e é totalmente destinada ao mercado.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
47
década de 70 (Sorj, Pompermayer & Coradini, 1982). “Em 1973,
já existiam dezoito empresas produtoras de matrizes no Brasil,
nove das quais eram empresas estrangeiras operando diretamente no país e uma empresa trabalhando com linha própria, a
Granja Guanabara” (Sorj, Pompermayer & Coradini, 1982. p.14).
Entre todos os setores agropecuários do Brasil, o setor avícola
foi o que teve resultados mais exitosos em termos da incorporação da lógica de funcionamento do processo de modernização
e internacionalização da agricultura. Dito de outra maneira, foi o
setor com maior capacidade de importar tecnologia e desenvolver um sistema agroalimentar muito lucrativo para vários ramos
do setor industrial e comercial. Alcançou a máxima artificialização na produção de um ser biológico, as galinhas, em escala e
processo de produção similar aos processos industriais de qualquer matéria prima inanimada.
Uma produção em escala industrial somada a um trabalho de
melhoramento genético possibilitou respostas rápidas nos níveis
de produtividade da avicultura de postura e de carne, ampliando
o interesse de investimentos privados e públicos neste setor. Figueiredo (2005) aponta que em poucas décadas a evolução do
consumo per capita de carne de frango no Brasil cresceu de 14
kg/habitante/ano para 34 kg/habitante/ano. Ademais, ocupou
uma posição que o destaca como um dos maiores países exportadores de frango do mundo.
Assim, em menos de duas décadas ocorreram mudanças
profundas na avicultura nacional, tornando marginal a forma
tradicional de abastecimento de carne e ovos aos mercados,
sobretudo os urbanos. Consolidou-se como um complexo
48
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
agroindustrial altamente tecnificado e de uso intensivo de capital. Tal complexo se formou sob uma forte dependência direta
do avanço de uma ampla cadeia mercantil, na sua maior parte ligada a empresas multinacionais ou associações do capital
destas com de grandes empresas nacionais, nos campos da
indústria de produtos químicos, rações, máquinas e equipamentos, genética de aves e pacotes tecnológicos importados,
principalmente dos Estados Unidos, Europa, Japão e Israel.
A modernização do setor avícola se concentrou inicialmente no
eixo Sul e Sudeste do Brasil, onde emergiam os grandes centros urbano-industriais, por um lado, e onde as condições climáticas e de solos foram favoráveis para a produção de grãos
de milho e soja dentro dos padrões “modernos”.
Estas regiões, sobretudo a região Sul, contavam com a presença de pequenos agricultores com condições socioeconômicas
favoráveis a aceitar uma relação comercial com as indústrias
avícolas sob condições de subordinação financeira e tecnológica, introduzida através do modelo de integração contratual
agricultor-indústria (Sorj, Pompermayer, Coradini, 1982).
Neste novo sistema o agricultor utiliza sua terra, normalmente faz uso de um empréstimo bancário para a construção do
aviário, e fica como responsável para a engorda dos frangos
- a parte mais difícil, com mais riscos e menos rentabilidade
financeira na cadeia produtiva. Os insumos (pintinhos, fármacos, ração, etc.) e serviços (assistência técnica e transporte)
são abastecidos pelas indústrias integradoras. Assim, na integração, o agricultor, chamado de “integrado”, aparece na base
da cadeia produtiva através de uma subordinação contratual
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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aos interesses produtivos, financeiros e padrões tecnológicos
das indústrias de abate/processamento e distribuição.
O modelo de integração promoveu um movimento de concentração na produção de frangos por unidade de produção agrícola,
pois, dada sua escala industrial, obviamente apenas uma parcela
pequena de agricultores familiares teve a possibilidade de atender aos interesses e requisitos das indústrias integradoras.
O modelo de integração contratual aplicado pela indústria avícola
brasileira2 somente foi bem aceito por agricultores do tipo familiar
na região Sul do Brasil. Isso, principalmente, foi devido às características de elevado custo de investimento inicial e dependência
de uma produção intensiva de grãos, uma indústria e pacote tecnológico com pouca aplicabilidade para os agricultores familiares
de outras regiões, sobretudo no Norte e Nordeste do país.
Na realidade, diante do novo modelo de produção avícola altamente especializado em tecnologia e de investimento intensivo
de capital, a integração apareceu como a única oportunidade que teve uma pequena parcela da agricultura familiar para
encaixar-se na “moderna” cadeia avícola. Este fato pode ser
comprovado ao comparar a avicultura de corte com a de postura. Como a avicultura de postura não desenvolveu o modelo
de integração - porque a produção de ovos tem um mercado
apenas como produto natural, sem oferecer oportunidades de
agregar valor através do processamento industrial - os agricultores familiares ficaram afastados desta cadeia produtiva, que
foi dominada por grandes empresas avícolas. Um bom exemplo
2 A integração contratual já era adotada pelo setor avícola em países desenvolvidos
antes de chegar ao Brasil.
50
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
para entender tal fato é o caso do Estado do Paraná, que em
2003 estava como 6º produtor brasileiro de ovos, com quatro
milhões de galinhas alojadas em apenas 120 granjas de postura
(Governo do Paraná, 2003).
Com efeito, o modelo da integração contratual desenvolvido no
complexo industrial avícola brasileiro é apenas uma particularidade de uma lógica mais ampla da internacionalização dos sistemas agroalimentares. Por tanto, sua lógica e princípios não são
uma invenção da indústria avícola brasileira, senão um elemento
central da estratégia neoliberal de integração vertical das explorações agrárias com os setores não agrários (indústria, empresas
e comércio), sobre a qual Sevilla Guzmán (2006a, p.161) faz uma
reflexão sociológica esclarecedora:
[...] a integração vertical, que tem lugar no seio do sistema agroalimentar, como o processo de estabelecimento de centros de decisão e coordenação (geralmente fora do setor agrário) a que se vê
submetida à produção agrária como conseqüência da imposição de
condições com respeito aos inputs utilizados, as técnicas de produção empregadas e a quantidade e qualidade dos processos de
trabalho desenvolvidos nas explorações agrárias (Sevilla Guzmán,
2006ª. p.161).
2.2. A Avicultura no Contexto da Consolidação dos Sistemas
Agroalimentares Globalizados
Durante a última década do século XX e nos primeiros anos do
século XXI ocorreram mudanças relevantes no setor da indústria
avícola nacional, especialmente no setor de carne de frango. As
principais indústrias avícolas brasileiras se consolidaram como
modernas corporações globais, com uma cultura transnacioAgroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
51
nal. Quer dizer, se ajustam à estratégia das grandes corporações agroalimentares globais, sobretudo ao jogo do avanço
de dominação quase monopolizada dos mercados nacionais e
internacionais. Assim, se começa um mecanismo de fusões e
aquisições entre indústrias nacionais com internacionais e também onde as indústrias mais fortes deslocam as mais fracas ou
as absorvem como próprias.
A competição entre as maiores indústrias avícolas do frango
para ampliar sua expansão nos mercados nacional e internacional está promovendo novas mudanças neste setor. A principal
característica destas mudanças está no fato de que a expansão
de mercados não significa oportunidades para ampliar a pequena participação do agricultor familiar na produção do frango
senão uma tendência de incorporação progressiva do médio e
grande empresário rural da região Centro Oeste do país, onde
se encontra a expansão da produção de soja e milho, baseada
em grandes áreas de monocultura.
Com isto, se busca agora um modelo ainda mais atrativo para as
empresas em termos de redução do custo final do frango para
a indústria integradora. Para isso, o objeto do ajuste segue as
tendências dos sistemas agroalimentares globalizados, de reduzir
seus custos de produção através da máxima automação e artificialização dos processos envolvidos na produção dos alimentos.
Com efeito, as principais indústrias avícolas do frango iniciaram
novos investimentos em mega-projetos de produção e processamento do frango numa lógica de redução dos custos implicados em todo o processo de produção, processamento e distribuição do frango e seus derivados. Os elementos centrais desta
52
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
nova estratégia são: maior integração geográfica e financeira
com os agricultores patronais proprietários de monoculturas de
soja e milho, reduzindo custos com logística e transações, o
que ademais possibilita às grandes indústrias utilizar a capacidade dos agricultores patronais de buscar empréstimos através
dos canais públicos de crédito para investimento na estrutura produtiva e o capital de giro necessário à fase de engorda
do frango; maior lucro com o aumento da escala de produção
industrial, através do emprego de novas técnicas sofisticadas
para aumentar a densidade de aves, a climatização e tamanho
dos aviários e, ao final, alcançar um uso mais intensivo da automação com o objetivo de alcançar a máxima substituição da
mão-de-obra familiar e assalariada (Fernandes Filho, 2004).
Por sua vez, o setor avícola de ovos, apesar de suas diferenças
em termos de integração indústria de processamento com agricultor, segue uma lógica similar ao complexo avícola do frango.
Assim, aumenta a concentração de aves por unidade produtiva
em escalas cada vez maiores em mãos de poucas empresas
avícolas, com maior capacidade logística de compra de ração
e distribuição da produção e uso sofisticado dos avanços nos
pacotes tecnológicos, especialmente das tecnologias de automação.
Com o processo de globalização dos sistemas alimentares da
avicultura nacional, o grande poder econômico e político do
setor avícola nacional3 se potencializa, por um lado, devido à
3 O complexo avícola industrial brasileiro está organizado já faz tempo em dois
tipos de organizações corporativas para a defesa conjunta de seus interesses: uma
que congrega todos os segmentos do sistema agroalimentar do Frango e Ovos
(com organizações nos níveis estadual e federal) e outra que congrega o setor de
exportadores de frango.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
53
força de novas empresas transnacionais e, por outro, por sua
exigência de maior apoio por parte do governo federal em razão
de sua contribuição para o saldo positivo da balança comercial
do Brasil e elevação do consumo per capita interno de carne
de frango e ovos. Este fato refletiu diretamente em sua capacidade de influenciar as políticas públicas para a agricultura, especialmente na quantidade e disponibilidade de investimentos
financeiros para desenvolver o setor avícola. Assim, no início
do século XXI o complexo industrial avícola se torna uma força econômica e política sem precedentes na historia brasileira,
sendo cada vez mais “soberano” frente aos governos estaduais
e ao governo nacional e conseguindo formular e implementar
políticas de acordo com seus interesses de expansão e resultados econômicos, independente do mandato dos governos de
servir aos interesses do povo.
2.2.1. As Limitações Relacionadas ao Modelo Avícola Brasileiro
A análise teórica das limitações do modelo avícola brasileiro que se segue está centrada em dois aspectos: primeiro,
no manejo do componente principal do processo industrial
avícola, a galinha, pois o sistema avícola se baseia técnica e
cientificamente na máxima obtenção de resposta produtiva
por unidade animal, a galinha de postura ou frango, em relação aos insumos e técnicas de manejo que são aplicadas;
segundo, em relação à lógica mais ampla em que se baseia
o sistema agroalimentar avícola transnacional e seus impactos socioeconômicos e ambientais.
54
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
As limitações Internas às Plantas Industriais
A artificialização rápida e profunda do processo de produção avícola industrial tem realizado mudanças fundamentais
nos hábitos das galinhas, que são submetidas a um estresse
extremo devido aos crescentes níveis de confinamento e outras práticas de manejo, buscando a máxima produção em
um menor tempo possível (Trujillo, 1996). Ademais das condições físicas e ambientais em que são criadas, as galinhas
de postura e frangos das criações industriais são linhas híbridas com alto grau de seleção e homogeneização genética
obtidas como forma de expressar uma máxima produção de
carne ou de ovos.
Com o avanço da Etologia já se sabe que o estresse provoca
sofrimento e dor nos animais, e entre outros efeitos fisiológicos os levam a uma redução de sua capacidade imunológica
contra as doenças infecciosas (Trujillo, 1996). Para Sousa
(2005, p. 01) “O sofrimento também resulta de privação física
ou psicológica dos animais confinados, tais como ausência
de espaço, isolamento social, impossibilidade de mover-se,
monotonia e outros”.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
55
Nos sistemas avícolas industrializados, a falta de respeito às
necessidades de comportamento das aves se agrava fortemente, quando está aliada a um alto nível de homogeneização genética, resultado de anos de seleção genética de
linhas especializadas para a máxima capacidade produtiva,
obviamente com perdas genéticas para as características de
resistência às doenças. Com efeito, é crescente a fragilidade
das aves criadas de acordo com os sistemas industrializados ante o surgimento de doenças, o que faz freqüente o
uso progressivo de fármacos, tanto em caráter preventivo
– o uso dos antibióticos promotores de crescimento, APCs
– quanto em caráter curativo, ambos buscam garantir os níveis esperados de desempenho das aves.
Apesar de que ainda pouco se conhece a respeito dos efeitos sobre a saúde humana dos resíduos provenientes da
ampla gama de fármacos usados na avicultura industrial, já
se sabe que o uso contínuo dos APCs significa um risco tanto para a saúde dos animais como para os humanos. Dado
56
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
que os APCs são a base dos mesmos antibióticos usados
em tratamento humano, seu uso contínuo permite a geração de bactérias com genes de resistência aos antibióticos,
que teoricamente podem ser transferidas a outras bactérias
dos animais e, mesmo diante de controvérsias entre cientistas, as bactérias do trato digestivo humano (Fiorentin, 2005).
Para melhor entender o significado dos riscos de tal fato, é
importante observar o que expressa este autor:
Em 1999, a Comunidade Européia baniu o uso de tilosina, virgianamicina, espiramicina e bacitracina de zinco como APCs. Esta atitude foi parte de um plano para a proibição total do uso de APCs em
2006. Em nível mundial, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
recomendou, no ano de 2000, que classes de antibióticos usados
em humanos como terapia não devam ser usados como APCs,
permeando uma fronteira entre a postura européia, de precaução,
e a norte-americana, de liberação, enquanto não se obtenha uma
conclusão definitiva. O problema, entretanto, é que há 30 anos
uma nova classe de antibióticos não é descoberta e aquelas classes existentes têm representantes sendo usados tanto em animais
como em humanos (Fiorentin, 2005. p.02).
Portanto, a tripla combinação entre condições de estresse,
elevada densidade populacional e homogeneização genética a
que estão submetidas as aves leva a um risco permanente de
insegurança biológica nos sistemas avícolas industrializados,
de tal forma que a produção nestas condições
é alheia a um esquema
que tenha uma base de
sustentabilidade ecológica e deixa de ser um
modelo de sistema de
produção de alimentos Fonte: http://www.goveg.com/photos_chicken03.asp
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
57
que contribui para a soberania alimentar de um país. Tampouco pode ser um modelo de produção considerado eticamente defensável, pois não é aceitável que as aves sejam vistas
como “máquinas vivas” de fazer ovos e carne, ou como uma
simples matéria prima sem vida.
Neste sentido, com o surgimento da gripe aviária em vários
países asiáticos e europeus cresce a dúvida na sociedade
sobre quem são as verdadeiras vítimas do vírus (H5N1) da
gripe aviária: a indústria avícola? As aves silvestres? Ou as
criações de galinhas de capoeira?
Até o momento, apesar de que a gripe aviária tem aparecido
de forma concentrada nas plantas altamente tecnificadas das
indústrias avícolas dos países afetados, estranhamente a culpa
vem recaindo sobre as aves de capoeira e sobre as aves silvestres, pois são o setor mais vulnerável de ser utilizado pelos
grandes meios de comunicação para justificar dita doença, partindo de informações um tanto precipitadas por parte dos meios
científicos e governos envolvidos diretamente com a crise.
Não obstante, as últimas investigações e evidências demonstraram que as aves de capoeira e as aves silvestres, em vez
de culpadas são as verdadeiras vítimas da gripe aviária. Esta
afirmação se baseia na hipótese de que o vírus H5N1 da gripe aviária é resultado de um processo de mutação genética.
Isto ocorreu a partir de uma transmissão de uma cepa menos
patogênica do vírus - que sempre conviveu naturalmente entre as populações de aves silvestres - para aves criadas em
regime industrial, onde o vírus encontrou condições ideais
para evoluir rapidamente para formas muito patogênicas e
58
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
altamente contagiantes. Com tanta mobilização de produtos
da indústria avícola, dentro e fora dos países, foi fácil para a
nova cepa deste vírus encontrar o caminho de volta às aves
silvestres, que ainda não tem defesa contra esta nova cepa,
mas também para as criações de galinhas de capoeira, sobretudo nos países em que os agricultores familiares fazem
uso de ração e pintinhos de um dia comprados diretamente
à indústria avícola (GRAIN, 2006).
A FAO e a Organização Mundial para a Saúde Animal expressaram recentemente que existem evidências de uma possível
adaptação do H5N1 às galinhas de capoeira, mutando para
cepas menos patogênicas, e também de que a permanência
do vírus em pequenas explorações de aves de capoeira depende de reabastecimento (GRAIN, 2006). A explicação para
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
59
isso pode ser a maior variedade genética, baixa densidade e
condições mais naturais da criação de aves de capoeira, que
permitem o desenvolvimento de uma imunidade natural nas
aves em liberdade. Neste sentido, em Laos, onde 90% do
abastecimento do frango é produzido pela criação de capoeira, a gripe aviária quase não afetou este sistema de criação,
estando os poucos casos registrados muito concentrados
nos aviários industriais, enquanto, nos grandes centros industriais de frango da Ásia, a gripe afetou fortemente as grandes plantas, e os casos mais graves da gripe aviária nas criações de galinhas de capoeira ocorreram exatamente perto
dos grandes centros industriais de frangos (GRAIN, 2006).
O complexo avícola brasileiro, ante a possibilidade da entrada
do vírus da gripe aviária, considera em sua estratégia de biossegurança a elaboração de uma legislação específica para a
criação de galinha de capoeira e avicultura familiar, cuja intenção é colocar limites na forma como se faz a criação de
galinhas e outras aves em sistemas tradicionais, assim como
em sua possibilidade de acesso aos mercados (UBA-ABEF,
2005). Esta intenção, vinculada a um conceito de “modernidade” do campo, significa um risco à cultura agroecossistêmica
da agricultura familiar, à conservação da biodiversidade das
variedades locais de galinhas e à soberania alimentar do país.
No caso da entrada do vírus, é muito previsível que no Brasil
se repita o mesmo que vem ocorrendo na maioria dos países
em que o vírus já se disseminou. Quer dizer, a força econômica e política das corporações transnacionais e nacionais
atribuirão a presença da doença à criação de galinhas de
capoeira e as aves silvestres, para forçar os Estados a pro60
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
moverem uma série de ações que justifiquem erradicar ou
impor limites que tornem a criação de galinhas de capoeira
inviável.
Assim como nos outros países em que o vírus H5N1 já é uma
realidade, se impõe medidas que não implicam na mudança
do atual modelo de máxima artificialização do sistema de
criação de aves, o que representaria um erro técnico-sanitário para um efetivo combate à gripe aviária. Ademais, seria
um risco desde o ponto de vista socioeconômico e ecológico. Socioeconômico, porque a criação de galinha de capoeira representa uma fonte de geração de renda e alimentos
de alta qualidade para a maior parte da agricultura familiar
do Brasil e ecológico porque medidas inibidoras poderiam
significar uma drástica redução da variedade genética das
variedades locais de galinhas do Brasil, com conseqüências
diretas na redução da biodiversidade.
As Limitações Externas às Plantas Industriais
A insustentabilidade do complexo avícola brasileiro não se
restringe apenas aos limites sócio-ecológicos até agora aqui
mencionados recorrentes do grau de artificialização e crueldade a que são submetidas as galinhas, com o objetivo de
alcançar um alto nível de produtividade.
A primeira limitação que ultrapassa as fronteiras das plantas
industriais relacionasse à sua enorme dependência do abastecimento de soja para manter os altos níveis de proteína na
dieta de uma grande concentração de aves por unidade de
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
61
produção e região. Este fato estimula a criação de elos do
sistema agroalimentar avícola que possam atuar em escalas e ritmos produtivos capazes de atender à demanda do
complexo industrial avícola por soja em termos de tempo,
quantidade e preços, de tal maneira que permita à indústria
ganhar escala em suas operações. Neste sentido, a indústria
avícola mundial é atualmente um dos principais responsáveis
pela abertura de novas fronteiras agrícolas visualizando a expansão do cultivo de soja, geralmente através de grandes
propriedades agrícolas, de caráter empresarial, e com adoção de pacotes tecnológicos de cultivo baseados na monocultura, mecanização pesada e uso excessivo de fertilizantes
químicos e agrotóxicos.
O caso brasileiro é muito representativo neste sentido. Com
a impossibilidade de crescimento da produção de soja e milho na região Sul, via aumento de produtividade e incorporação de novas áreas de cultivo, o complexo industrial avícola
e seu setor de fabricação de ração, passaram a ocupar as
áreas do bioma cerrado4, no oeste do estado da Bahia e sul
do estado do Piauí (ambos localizados no Nordeste do Brasil) e ainda com mais força na região Centro Oeste do Brasil.
Como se verifica na tabela 1, entre os anos 1976/1977 e
2004/2005 a área plantada de soja na região Centro Oeste
cresceu de 378 mil para quase 11 milhões de ha. Em apenas
28 anos essa região passou por um crescimento do cultivo
de soja da ordem de 2.772 %, com um crescimento médio
anual de 12,74%, sendo hoje a região que mais contribuiu
4 O Cerrado brasileiro ocupa cerca de dois milhões de km2 e é considerado
uma das savanas mais ricas do mundo em termos de diversidade vegetal e animal
(Capobianco, 2002)
62
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
para que Brasil chegasse à posição de um dos maiores exportadores de soja do mundo.
Fonte: http://www.cooplantio.com.br/?on=galeria&in=foto&id=276
Na região Nordeste ocorreu o mesmo processo de expansão concentrada da produção de soja, alcançando uma área
de 521.900 ha em poucos anos de estabelecimento deste
cultivo nesta região (tabela 1), sendo o oeste da Bahia responsável por cerca de 73% da produção do Nordeste.
As nefastas conseqüências ambientais da monocultura de
soja no Brasil são já bastantes conhecidas, mas vale a pena
Tabela 1. Crescimento da superfície de cultivo de soja nas diferentes regiões do Brasil
Cultivo de soja no Brasil - Colheitas 1976/77 e 2006/07 (Em mil ha)
REGIÃO
1976/77
NORTE
NORDESTE
CENTRO OESTE
SUDESTE
SUL
BRASIL
0,00
0,00
378,00
530,00
6.041,00
6.949,00
2004/05
Crescimento
Crescimento
acumulado (%) médio anual (%)
521,9
1.442,10
10.857,00
2.772,22
12,74
1.891,60
256,91
4,65
8.588,50
42,17
1,26
23.301,10
235,32
4,42
Fonte: Adaptado de CONAB, 2006.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
63
aqui fazer algumas considerações sobre o caso específico
da região Centro Oeste, no contexto já mencionado de expansão da soja muito estreitamente associada ao novo modelo avícola industrial brasileiro.
O cerrado da região Centro Oeste, apesar de sua ocupação agrícola recente, em comparação com os outros biomas
brasileiros, só tem hoje ao redor de 50% de seu ecossistema
natural preservado (Pádua, 2002). É a região com a menor
participação da agricultura familiar do país, provocada pelo
êxodo rural em conseqüência da concentração de terra nas
mãos dos grandes latifundiários (pecuaristas) e dos empresários da soja. O avanço da monocultura de soja em grandes extensões de terra provocou uma redução do emprego
rural de 1,5 milhões em 1985 para 1,2 milhões e um índice
perto de 90% de urbanização nesta região (Luchiezi Jr., Pufal
& Gonçalves, 1999).
Este deslocamento maciço de agricultores familiares e trabalhadores rurais do campo, para viver em condições de marginalidade nos grandes centros urbanos, em realidade não
é uma exclusividade apenas do Centro Oeste e sim uma realidade nacional, resultante do modelo de modernização do
meio rural brasileiro, através da industrialização e internacionalização de sua agricultura, tal como se pode verificar nos
dados apresentados por Mazzeto Silva (2001, p.25 apud Pádua, 2002. pp.197-198), “entre 1985 e 1995, por exemplo,
cerca de 5,5 milhões de ocupações em atividades agrícolas
foram eliminadas, passando de 23,4 para 17,9 milhões de
pessoas ocupadas”.
64
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Apesar do ufanismo da indústria avícola na divulgação de
números aparentemente elevados de empregos envolvidos
em todo o complexo avícola industrial, a realidade é que a
tendência atual deste setor na sua lógica de produção, processamento e distribuição do frango e produtos derivados
está baseada exatamente na diminuição da ocupação da
mão-de-obra e número de famílias envolvidas nesta atividade. Neste sentido, o novo modelo de integração vertical de
produção do frango busca o agricultor patronal. Com isso
tenta, basicamente, a diminuição de elos do sistema agroalimentar, principalmente daqueles com menor capacidade
de angariar investimentos públicos e absorver as inovações
tecnológicas requeridas para aumentar a produtividade, tais
como a automação e o aumento do número de aves por
planta avícola – via aumento da planta avícola e da densidade animal.
Ademais de não envolver novos agricultores com perfil que
se aproxime ao de agricultores familiares, como foi sua lógica inicial na região Sul do Brasil, a lógica de expansão da
produção integrada de frangos apresenta um risco para os
agricultores familiares que já estão integrados: o risco de
que a rentabilidade dos agricultores familiares não seja mais
atrativa para a indústria integradora e, por conseguinte estes
podem ser substituídos por agricultores patronais.
No setor industrial do ovo o cenário não é diferente do setor do frango. Os produtores de ovos com características
mais próximas a um perfil de agricultor familiar já não podem
mais competir com as grandes indústrias de produção de
ovos, altamente automatizadas, com lucros baseados numa
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
65
elevada escala de produção. Ademais, a comercialização é
também um fator limitante para o agricultor familiar envolvido
com o “moderno” sistema de produção de ovos. A relação
de venda é direta com o setor atacadista ou com as redes de
supermercados, que não só praticam uma relação de preços, prazos de pagamentos e outras exigências contratuais
inviáveis para os agricultores familiares, como cada vez mais
buscam concentrar suas operações comerciais com as explorações de produção de ovos em larga escala e boa estrutura para a distribuição.
66
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
67
68
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
3.
O Enfoque Agroecológico e o
Fortalecimento da Criação
Tradicional de Aves como Alternativa ao
Modelo Avícola Brasileiro
O modelo avícola industrial impulsionado pelas grandes corporações nacionais e transnacionais provoca manifestações ecológicas e sociais, e especialmente riscos de progressiva perda
de auto-suficiência alimentar nos níveis familiar, local, regional e
nacional. Para o “confronto” da avicultura em nível familiar com
esse modelo industrial, na continuação se buscam elementos
teórico-metodológicos a partir da Agroecologia que permitam
elaborar estudos e/ou ações que fortaleçam a capacidade da
agricultura familiar de continuar e melhorar seus sistemas de
criação de galinha de capoeira numa perspectiva de consolidar a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares da região
semi-árida.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
69
3.1. O Conceito da Agroecologia
Neste tópico se expõe resumidamente o enfoque epistemológico alternativo que representa a Agroecologia. Destacam-se os
conceitos da Agroecologia que mais se aproximam à perspectiva teórico-metodológica que se busca apresentar neste trabalho para um estudo e/ou ação junto à agricultura familiar da
região semi-árida do Brasil, com o tema galinha de capoeira.
Portanto, a idéia é que os conceitos apresentados sejam utilizados, detalhando a certo grau suas bases teórico-metodológicas
à medida que se apresentam nos itens que seguem, tais como:
empoderamento das mulheres, o papel dos animais nos agroecossistemas da agricultura familiar, os saberes tradicionais, a
conservação da biodiversidade e os sistemas agroalimentares
locais.
A Agroecologia em sua forma letrada surgiu no final dos anos
setenta como uma maneira de enfrentar o surgimento dos primeiros impactos ecológicos provocados pela modernização da
agricultura. Entretanto, este surgimento da Agroecologia em
realidade se tratava de um redescobrimento da Agroecologia.
Pois esta já era a base de conhecimento e práticas que norteavam a agricultura desenvolvida por diversas culturas tradicionais
em diferentes partes do mundo (Guzmán Casado, González de
Molina & Sevilla Guzmán, 2000).
Na sua trajetória a Agroecologia assumiu um enfoque integral
dos processos agrários, buscando a complementaridade entre
vários ramos da ciência, tomando como fundamento teóricometodológico central de sua ação a uma agricultura susten70
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
tável o resgate e valorização dos sistemas de conhecimento
e práticas agrícolas das culturas da agricultura familiar, locais
e indígenas, transmitidas e conservadas por gerações. Isto
ocorre dentro da ciência estabelecida, num processo que gera
um contraponto à base de formulação da ciência convencional, que tende a marginalizar estes conhecimentos da agricultura familiar por não terem sido construídos a partir das bases
teórico-metodológicas aceitas pela mesma (Guzmán Casado,
González de Molina & Sevilla Guzmán, 2000).
Neste sentido, nas últimas décadas a Agroecologia penetrou os
diferentes ramos da ciência com um enfoque epistemológico
alternativo ao conhecimento científico, mas “aberto e não se
considera como o único, mas busca estabelecer uma relação
de diálogo com outros enfoques, inclusive o convencional” (Figueiredo & Lima, 2006. p.35).
Como resultado deste avanço da Agroecologia em diferentes
ambientes científicos, que experimentaram variados graus de
interações com as comunidades tradicionais e os movimentos
sociais do campo, surgiram diferentes percepções e definições
sobre o conceito da Agroecologia. Para efeito da perspectiva
teórico-metodológica do presente trabalho se assume aqui
duas definições de Agroecologia correspondentes e complementares: a elaborada por Sevilla Guzmán (2006b) e a apresentada por Rosset & Altieri (2002), as quais são, respectivamente,
apresentadas a seguir:
A Agroecologia pode ser definida como o manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo (Sachs,1992; Toledo,1990)
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
71
desde os âmbitos da produção e a circulação alternativa de seus
produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e consumo que contribuam para encarar a crise ecológica e social, e com
isso a restaurar o curso alterado da co-evolução social e ecológica (Norgaard, 1994). Sua estratégia tem uma natureza sistêmica,
ao considerar a propriedade, a organização comunitária, e o resto
dos marcos de relação das sociedades rurais articulados em torno
à dimensão local, onde se encontram os sistemas de conhecimento
(local, agricultor familiar e/ou indígena) portadores do potencial endógeno que permite incrementar a biodiversidade ecológica e sociocultural (Altieri, 1987;1990; 1991 y1997; Gliessman, 1990 e 1998)
(Sevilla Guzmán, 2006b. p.202).
A Agroecologia vai mais além de uma visão unidimensional dos agroecossistemas – a genética, a agronômica, a edáfica, etc. – e promove
um entendimento entre seus níveis ecológico e social de co-evolução
e sua estrutura e função. Em vez de enfocar apenas em um componente do agroecossistema em particular, a Agroecologia enfatiza as
inter-relações entre todos os componentes e as complexas dinâmicas dos processos ecológicos. (Rosset & Altieri, 2002. p.335).
72
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
3.1.1. Elementos-chave do Ponto de Vista da Agroecologia para o
Estudo da Criação de Galinhas de Capoeira na Região Semi-árida
do Brasil.
Tomando como contexto mais amplo a breve análise das
influências do setor avícola industrial transnacional sobre a
criação de galinhas de capoeira praticada pela agricultura familiar, e partindo do conceito da Agroecologia, apresentado
acima, a tentativa a seguir é fazer uma rápida consideração
aos elementos-chave para uma abordagem mais direta da
perspectiva Agroecológica à criação de aves de capoeira na
região semi-árida brasileira através de um estudo e/ou ação
que possa fortalecer esta atividade como um recurso importante dos agroecossistemas tradicionais e, ademais, como
uma alternativa ao modelo industrial.
A tentativa, portanto, é enfocar a análise do aspecto específico – os animais e mais ao centro a galinha de capoeira
– relacionando-o aos fatores mais amplos, e vice-versa, que
determinam suas formas de manejo, manutenção, e desempenho, sobretudo, a partir de uma visão que busca resgatar
o saber do agricultor familiar, especialmente das mulheres, a
partir de uma perspectiva de ação sistêmica e transformadora das desigualdades, baseada teórica e metodologicamente na Agroecologia.
O Empoderamento das Mulheres
Uma abordagem agroecológica a respeito do estudo/ação
sobre a criação de galinhas de capoeira no semi-árido do
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
73
Brasil deve considerar que se trata de uma atividade produtiva que faz parte de agroecossistemas de grupos sociais que
vivem sob processos históricos de exclusão social, política e
econômica e, ademais, é uma atividade que tem uma particularidade importante: está a cargo das mulheres dentro de
uma cultura eminentemente patriarcal.
Neste contexto, o estudo do tema galinha de capoeira numa
perspectiva agroecológica não tem sentido se não leva em
conta que os avanços nesta atividade dependem de processos que contribuam à promoção de mudanças favoráveis
nos estados de poder das mulheres agricultoras e suas famílias: ou seja, no empoderamento das mulheres em suas relações com os homens, especialmente seus maridos, e frente
às injustas relações nos campos social, econômico e político
em que estão inseridas.
Aqui se alude ao poder com um significado que se aproxima à perspectiva Freiriana5, na que o aumento do poder de
um necessariamente não implica na diminuição do poder de
outro. A partir deste sentido se assume um conceito de empoderamento como o processo pelo qual as pessoas e/ou
grupos sociais conseguem avanços em confrontar os grandes desequilíbrios de poder a que estão submetidos através
do aumento de suas capacidades de questionar e resistir ao
poder imposto sobre eles.
5 Poder no sentido usado por Paulo Freire, como um aumento da conscientização
e desenvolvimento de uma faculdade crítica entre os marginalizados e os oprimidos.
Este é o poder de fazer e de ser capaz, no sentido de sentir-se com mais capacidade
no controle das situações. Refere-se ao reconhecimento das capacidades de tais
grupos para assim desempenhar um papel ativo nas iniciativas de desenvolvimento.
Implica superar décadas de aceitação passiva e fortalecer as habilidades dos grupos
marginalizados para que se envolvam como atores legítimos no desenvolvimento
(Freire apud Oakley & Clayton, 2003).
74
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Este conceito e as muitas outras compreensões sobre o significado do empoderamento se apresentam como um processo
dinâmico, o qual de acordo com Oakley & Clayton (2003), pode
ser mais bem esclarecido ao se buscar a identificação de suas
dimensões, que na visão destes autores podem ser resumidas
em dimensões psicológicas, culturais, sociais, econômicas, organizacionais e políticas, tal como se apresentam na tabela 2.
Tabela 2. As dimensões do empoderamento
As dimensões do empoderamento
Psicológicas
Identidade e auto-imagem
Criação de Espaços
Aquisição de conhecimentos
Culturais
Redefinição de normas e regras de gênero
Recriação de práticas culturais
Sociais
Liderança em atividades comunitárias
Ações por seus direitos
Inclusão Social
Alfabetização
Econômicas
Obtenção de segurança econômica
Posse de bens e produtos
Habilidades empresariais
Organizacional
Identidade coletiva
Estabelecimento de uma
organização representativa
Liderança organizacional
Políticas
Participação em instituições locais
Negociação de poder político
Acesso ao poder político
Fonte: Oakley & Clayton (2003)
Partindo da proposição já mencionada sobre poder e empoderamento, seccionado em dimensões, pretende-se fazer
uma breve análise sobre a promoção de mudanças favoráveis nos estados de poder das mulheres agricultoras com
ênfase6 nas dimensões culturais e sociológicas do empoderamento. Ressaltando-se que o objetivo aqui não é aprofundar o tema do empoderamento da mulher, senão apenas fa6 Esta ênfase se deve ao fato que as outras dimensões são mais especificamente
apresentadas nos itens em que se trata sobre biodiversidade, saberes tradicionais
e sistemas agroalimentares locais, nos quais sempre se refere como protagonista
principal a mulher, já que é esta a principal responsável pela criação de galinha de
capoeira nos agroecossistemas familiares
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
75
zer uma aproximação à importância do empoderamento das
mulheres para alcançar avanços no desempenho da criação
da galinha de capoeira e em seu papel dentro dos agroecossistemas familiares.
Sobre a dimensão psicológica e cultural, é importante entender que na região semi-árida do Brasil o patriarcado representa uma forte expressão da construção cultural em seu
meio rural. Por outro lado, as mulheres e a própria sociedade
desta região têm uma trajetória ainda recente e difusa em
processos que garantam avanços substantivos na perspectiva de equidade nas relações de gênero, mesmo que existam importantes conquistas de direitos sociais das mulheres
agricultoras como fruto das lutas de suas organizações representativas, e dos movimentos sociais e sindicais do campo.
Consequentemente, as mulheres não têm uma expressiva
força na tomada de decisão mais ampla, no manejo interno
dos agroecossistemas como também em sua relação com
o exterior em diversas situações sociais e econômicas, sobretudo nos aspectos da comercialização. Ademais, vivem
numa condição de desvalorização de sua auto-estima e com
poucas possibilidades de aproveitamento das oportunidades
de aquisição de novos conhecimentos.
Em outras palavras, dentro das famílias da agricultura familiar existe uma separação sexual do trabalho, culturalmente
bem definida, onde as mulheres estão a cargo da casa (e ai
se incluem todas as responsabilidades tradicionais de uma
dona de casa, com uma particularidade no semi-árido, que
76
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
é o transporte e tratamento da água para que esteja sempre
disponível em quantidade e qualidade) e do quintal, onde
têm, junto com os jovens a responsabilidade sobre o manejo
cotidiano dos animais menores, ou seja, os porcos, ovinos,
caprinos7 e, principalmente, do manejo das aves e da comercialização na própria comunidade e mais frequentemente na
feira municipal8. Por sua vez, os homens ficam a cargo dos
animais maiores e dos cultivos9 e seus respectivos processos de comercialização.
Dentro desta divisão de responsabilidades o que normalmente ocorre é que para a maioria dos homens as aves de capoeira não representam uma prioridade em sua forma de pensar
a administração geral do agroecossistema e, consequentemente, das tomadas de decisões com respeito aos tipos de
cultivos que vai plantar e estruturas relacionadas à melhoria
do padrão atual de desempenho da criação de aves. É comum ouvir a seguinte afirmação dos homens sobre a galinha
de capoeira: “sobre a galinha eu só me meto quando ela está
no prato”. Assim, as mulheres pouco conseguem influenciar
na lógica sobre o manejo geral do agroecossistema, especialmente no que concerne aos aspectos sobre o que, como
e onde plantar tendo em conta seus interesses próprios com
7 No caso destas três espécies de animais, os ovinos e caprinos e porcos, os homens
ficam a cargo das providências externas ao quintal, como as providências a respeito
de forragens e cuidar das cercas para conter os animais. Como se tratam de animais
que representam um valor monetário mais elevado por unidade animal, geralmente, no
momento da comercialização os homens assumem esta responsabilidade.
8 Mesmo dentro dos espaços dos quintais ou perto das fontes de água, as mulheres
também, com muita freqüência, se dedicam à produção de hortaliças, frutas e plantas
medicinais.
9 É importante mencionar que cabe às mulheres contribuir com sua mão-de-obra
nos vários momentos de cultivo, especialmente em alguns dos trabalhos mais duros,
como a colheita do feijão, mas a elas não cabe a decisão sobre o que, como e onde
cultivar.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
77
a continuidade ou
expansão da criação de galinhas e
outras aves.
Isto significa que
a tomada de decisões e atitudes das
mulheres a respeito da criação de aves de capoeira depende diretamente da
construção de novas relações culturais dentro das famílias e
dos grupos sociais locais. Mas quais são os caminhos para
alcançar estas mudanças? Ou seja, a partir de quais abordagens teórico-metodológicas se podem alcançar estas mudanças?
Não se pretende responder estas questões aqui, não pelo
fato que não se deseje e tampouco não exista inquietude
para tal, mas simplesmente por tratar-se de um assunto que
o autor ainda encontra limites para aprofundá-lo. Mas a tentativa aqui é de ressaltar e trazer para o centro do debate
que, desde uma perspectiva agroecológica, não se fortalece
esta atividade, a criação de galinhas de capoeira, sem que
seja uma ação baseada no empoderamento das mulheres
em dimensões culturais e psicológicas de tal maneira que
tenham as condições de auto-estima, valorização de seu
trabalho e especialmente o aumento de sua capacidade e
espaço para as tomadas de decisões nos diferentes níveis,
desde seu agroecossistema até as relações sociais e econômicas mais complexas com o exterior em que estão inseridas.
78
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
O Papel dos Animais nos Agroecossistemas da Agricultura Familiar
Desde a perspectiva agroecológica, para levar a cabo uma
ação direta junto aos sistemas de criação de aves de capoeira, é básico ter uma compreensão sobre o funcionamento
do agroecossistema em estudo como um todo.
Não obstante, o papel que têm os animais dentro dos agroecossistemas é ainda pouco estudado no âmbito da Agroecologia. Assim, para aprofundar o conhecimento sobre o
sistema de criação das aves10, antes de tudo é fundamental
entender qual é a lógica da inserção de todos os tipos de
animais e o papel que desempenham nos agroecossistemas
da agricultura familiar.
Em geral, os sistemas de criação de animais praticados pelos agricultores familiares apresentam uma complexidade de
10 Ver no item 2.3 mais detalhes sobre uma abordagem Agroeocológica sobre a
criação de aves de capoeira
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
79
significados, funções, interações, sinergias e complementaridades dentro dos agroecossistemas. Algumas destas são
apresentadas a seguir, com a ressalva de que as mesmas representam uma generalização de aspectos que ocorrem em
diferentes níveis de intensidade entre os sistemas de criação
de animais da agricultura familiar:
• Os agricultores familiares fazem uso de uma apropriada
combinação entre os espaços internos do agroecossistema e não raramente com as vizinhanças do
agroecossistema;
• Os agricultores familiares utilizam uma combinação de
várias espécies diferentes de animais com o objetivo de
explorar uma ampla gama de oferta de alimentos disponíveis em seus agroecossistemas e obter diferentes produ
tos de origem animal para o autoconsumo e geração de
renda (Reijntjes, Haverkort & Waters-Bayer, 1992);
• A atenção e decisões do agricultor familiar em termos de
manejo e tamanho do rebanho, especialmente em relação à alimentação empregada, responde, entre outros
80
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
aspectos, a uma combinação entre o nível do produto
(alimento), o serviço esperado do animal, da condição fisiológica do animal e de acordo com a possibilidade de acesso aos alimentos nas diferentes épocas
do ano e a disponibilidade de mão-de-obra familiar (Melo
& Tonneau, 2002);
• Os agricultores familiares manejam os animais com a
preocupação de uma interação entre os animais e
plantas em termos do uso espacial e temporal das áreas
de cultivo e pastoreio, visando o máximo aproveitamento dos recursos locais para a alimentação dos
animais e ao mesmo tempo para a reposição dos
nutrientes no solo necessários ao bom crescimento e
produção dos cultivos; assim, as aves podem ser manejadas de diferentes formas de acordo com sua
possibilidade de integração positiva ou negativa com o
cultivo, por exemplo, os guinés podem significar uma
interação negativa para determinados cultivos em
diferentes épocas do ano, como podem representar
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
81
uma relação positiva ao controlar pragas de forma
natural11.
• Os sistemas da agricultura familiar buscam utilizar e selecionar tipos e variedades raciais de animais que
apresentam uma maior adaptação fisiológica ao ambiente em que vivem, sobretudo fazendo um processo
de seleção dentro dos próprios rebanhos daqueles
animais que conseguem reunir uma boa produção
dentro dos padrões locais de clima, topografia, vegetação, presença de parasitas externos e predadores,
recursos forrageiros e as possibilidades econômicas de
uso de insumos externos para o trato destes animais;
11 No sul do Brasil existe uma experiência muito exitosa no controle da principal
praga do cultivo da erva mate (Hedypathes betulinus Ordem: Cerambycidae) através
da criação de guinés (Mallmann et al., 2001)
82
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
• Associado à prática do policultivo, os animais fazem
parte de uma estratégia de diversificação da produção
da agricultura familiar que permite uma maior resistência
e resiliência do agroecossistema como um todo frente
aos distúrbios internos e externos aos agroecossistemas;
• Nos agroecossistemas da agricultura familiar os animais
são utilizados para acelerar os ciclos de nutrientes,
sobretudo na recuperação de perdas de nutrientes em
sistemas de policultivos de ciclo rápido, como nas
hortas familiares;
• Os animais servem como um elemento de estabilização
econômica do agroecossistema da agricultura familiar,
possibilitando, por um lado, uma entrada constante
de renda na propriedade, e por outro, a formação de um
estoque que serve como economia para os momentos
de investimentos planejados, como a compra de um utensílio doméstico, e para os gastos extraordinários não
previsíveis, como uma doença de membros da família;
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
83
• Os agricultores familiares apresentam uma ética em sua
relação com os animais. Buscam neles uma parte importante de sua alimentação e geração de renda, mas
para isso não expõem os animais a situações de
crueldade e de uma vida marcada pelo sofrimento; ou
seja, não têm os animais como máquinas disponíveis
para seus objetivos, como nos sistemas industriais.
Pelo contrário, os agricultores familiares põem nomes
em seus animais. Os tratam com respeito em reconhecimento à contribuição que estes fazem para sua
sobrevivência. Na prática, cuidam dos animais com uma
preocupação ética. Por isso fazem todo o esforço ao
seu alcance para oferecer aos animais as condições
mais apropriadas às necessidades comportamentais e
alimentares dos animais.
Entretanto, temos que considerar que em muitos casos o
agricultor familiar tem enfrentado determinadas condições
de pressão externa, especialmente de natureza econômica,
que o levam a uma co-evolução negativa com a natureza,
onde se vem colocando em xeque o próprio agroecossistema e a reprodução social devido, por exemplo, à exploração
dos recursos naturais através do excesso de pastoreio e outras práticas equivocadas de manejo animal.
Em resumo, a importância de agroecossistemas diversificados
em termos da criação de animais pode ser bem caracterizada
através dos benefícios ecológicos, sociais e econômicos que
oferecem diretamente para as famílias e, consequentemente, para a sustentabilidade de seus agroecossistemas. Neste
sentido, um bom exemplo pode ser observado na tabela 3,
84
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
que apresenta um tipo de hierarquia dos benefícios que cada
espécie de animal e suas diferentes categorias oferecem para
determinados tipos de agroecossistemas na Índia.
Tabela 3. Matriz de atribuição de valores a benefícios de produtos da criação de
animais por membros de tribos em Khahad Udaipur (%)
Benefícios
Esterco
Leite
Manteiga Líquida
Renda
Carne* (P/ Consumo Doméstico)
Tração Animal
Couro
Ativo Líquido**
Búfalo
15
25
30
25
Vaca
20
12,5
12,5
50
5
5
Boi***
15
80
5
Cabra
5
12,5
5
50
5
5
5
12,5
Aves
50
50
Fonte: Conroy (2005)
*
Em algumas áreas/sociedades da Índia, existe entre os criadores de cabras o costume de não
consumir suas próprias cabras. Assim, a interpretação do dado sobre a carne necessita atenção.
**
Como este não é um produto tangível, os criadores de cabras não podem identificá-lo sem indução. Neste exemplo os criadores foram induzidos deliberadamente pela equipe de investigadores, que queria saber a importância relativa das vendas para enfrentar as emergências
versus as vendas para maximizar a renda líquida.
*** Aqui se refere a bubalinos e bovinos castrados para o uso como animal de tração.
Para entender estes papéis através da análise da tabela 3,
pode-se fazer uma interpretação do papel que cumpre cada
animal dentro dos agroecossistemas estudados por Conroy
(2005), por intermédio da Matriz de Atribuição de Valores, que
é um tipo de ferramenta metodológica que permite obter uma
visão dos próprios agricultores familiares sobre as vantagens
de se criar diferentes tipos de animais. Esta análise permite as
seguintes interpretações, apresentadas no Box 01:
Box 1.
Análise do papel dos animais a partir da Matriz de Atribuições de Valores.
O Búfalo
Tem um propósito múltiplo, sendo um bom provedor de esterco (15 %
dos benefícios), mas seu forte é a produção de leite, sobretudo para
fazer um tipo de manteiga, muito apreciado localmente (somados o leite
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
85
e a manteiga se alcançam 55% dos benefícios deste tipo de animal).
Entretanto, não se espera com esse animal uma boa liquidez em momentos
de contingência. Tal fato pode sugerir dois motivos: um relacionado à
dificuldade de venda imediata em momentos de emergência (A própria
liquidez do animal) e a outra devido à dificuldade de substituí-lo, devido
à necessidade de um elevado investimento para a futura recomposição
do rebanho e porque a reprodução desta espécie é mais demorada,
diferentemente das espécies de menor porte, como a cabra. Mas, todos
estes fatores podem ocorrer ao mesmo tempo, ou seja, é a combinação
dos fatores descritos que determina a estratégia de não optar pelo búfalo
para as contingências. Ademais dos aspectos mencionados, o búfalo é um
animal importante na geração de renda para a família (25% dos benefícios);
A Vaca
Tem um papel semelhante ao descrito para o búfalo, mas na estratégia
local se destaca sua importância na geração de renda líquida;
O Boi
Aparece claramente com o objetivo de potencializar a força de trabalho da
família (80% dos benefícios). É o animal que serve para vários dos trabalhos com os cultivos e para o transporte da produção. Com o boi também
se busca os benefícios de seu esterco (15 % dos benefícios);
A Cabra
É possível verificar que se espera uma multiplicidade de objetivos para este
animal, mas é central seu papel na geração de renda imediata (50% dos
benefícios), na oferta de leite (12,5 % dos benefícios) e como ativo líquido
(12,5% dos benefícios), ou seja, como um bem que estará disponível para
gerar renda em situações imprevistas;
As Aves de Capoeira
Percebe-se que estas cumprem uma função bem definida na geração de
renda imediata (50% dos benefícios) e autoconsumo (50% dos benefícios).
Neste caso não se trabalha com elas com a expectativa de um “tipo de
poupança” para o uso em pequenos gastos imprevisíveis, papel que é esperado unicamente das cabras.
Partindo de uma das considerações de Gliessman sobre
agroecossistemas sustentáveis, pode-se chegar a uma
conclusão lógica de que a criação dos animais domésticos numa perspectiva agroecológica deve integrar-se nos
agroecossistemas cumprindo uma função ecológica em
86
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
sua relação com os diversos cultivos e espaços naturais,
ou manejados de forma similar à função dos animais silvestres nos ecossistemas naturais. Assim, desde a dimensão ecológica da Agroecologia, os agricultores familiares
têm desenvolvido tipos de manejo e formas de integração
da criação de animais domésticos em seus agroecossistemas que, em certo grau, estão de acordo com tal busca de
semelhança com os ecossistemas naturais. Em outras palavras, em geral, as formas de criação de animais praticadas pelos agricultores familiares tendem a poucas perdas
de nutrientes para fora do agroecossistema e ao mesmo
tempo fazem uso de práticas de integração animal / cultivo
que tendem a acelerar a recuperação dos nutrientes que
se perdem; ou seja, a criação de animais ajuda a promover
um bom ciclo de nutrientes e energia dentro do agroecossistema.
Neste sentido, voltando a fazer referência direta ao caso
da criação das aves de capoeira, esta atividade pode até
ser a principal do agroecossistema, mas numa perspectiva agroecológica não faz sentido que seja o único tipo
de criação dentro do agroecossistema (Guelber Sales,
2005).
De fato não é raro encontrar agroecossistemas da agricultura
familiar na região semi-árida que têm na criação de galinhas
de capoeira sua atividade mais importante, mas esta sempre
vem integrada a outros tipos de criação e cultivos. Isto é
comum para as agricultoras familiares viúvas, separadas ou
as que seus maridos migraram em busca de trabalho nas
grandes cidades do Brasil.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
87
Os Saberes Tradicionais
Conforme foi enfatizado na discussão do conceito de Agroecologia, os saberes tradicionais são fundamentais numa
abordagem agroecológica. Portanto, um estudo e/ou ação
com o propósito de fortalecer a criação de aves de capoeira
no semi-árido deve ter como premissa básica que “deve-se
aprender dos agricultores familiares” (Villasante, 2003. p.1).
Dito de outra forma, deve-se reconhecer e potencializar o
conhecimento tradicional, isto é, “o conjunto de saberes e
o saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural,
transmitido oralmente, de geração em geração” (Diegues &
Arruda, 2001. p. 31).
Desde a perspectiva agroecológica, a atividade de investigação, de geração de conhecimentos não é uma exclusividade da ciência convencional. Pelo contrário, é uma atividade
cotidiana dos agricultores familiares. Estes sempre estão se
deparando com problemas que afetam seus cultivos e cria-
88
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
ções de animais, imaginam prováveis causas que geram os
problemas, implementam ações para atacar as causas, e,
depois de tudo isso, refletem sobre os efeitos dos resultados
de sua ação (Hocdé, 1997).
Mas os conhecimentos tradicionais estão mais além da experimentação empírica, pois também se baseiam “numa matriz sociocultural ou cosmovisão contrária à teorização e abstração” (Altieri, 1990 e Toledo, 1992 apud Sevilla Guzmán,
2006/2007a. p.03), frutos de sua cultura local e de anos de
uma convivência muito íntima com a natureza.
O próprio autor do presente trabalho pôde conviver no semiárido brasileiro12 com muitos agricultores familiares com conhecimentos muito particulares e complexos em suas relações com o ambiente semi-árido. Como exemplo, conviveu
com agricultores familiares radiestesistas13, que localizavam
a água armazenada nos aqüíferos para indicar a melhor posição de escavação de poços usando sua habilidade especial
de captação de energia magnética sinalizada pelo movimento de uma rama em forma de “Y” agarrada entre suas mãos.
Nesta região também conheceu agricultores familiares que
12 Entre os anos 80 e 90, o autor viveu treze anos em uma propriedade situada
em uma comunidade rural do semi-árido chamada Lagoa do Urubu, aí se localizava
o Centro de Tecnologías Alternativas de Ouricuri (CTA), que fazia parte do Projeto
Tecnologias Alternativas. O CTA se transformou na ONG CAATINGA < http://www.
caatinga.org.br/ >, que faz um trabalho muito valioso de Agroecologia e convivência
com o semi-árido, reconhecido em todo o Brasil.
13 Radiestesia é o uso da sensibilidade humana às radiações. (do latim radius - radio,
radiação - e do grego aisthesis – sensação). Os radiestesistas usam esta capacidade
para encontrar fontes de água, mineral e na agricultura há milênios. Os exércitos
romanos durante seus deslocamentos usavam os radiestesistas para encontrar
água usando um galho de árvore. Durante a idade media o uso da radiestesia foi
condenado pela inquisição como prática de magia negra (Vhaney, s.f.; Radiestesia
On-line, s.f.). Atualmente existe no Brasil uma organização que se dedica a cultivar
esta sensibilidade, aliada aos conhecimentos do relevo, etc.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
89
faziam a previsão do inverno do ano seguinte por meio de
uma análise complexa de observação entre os fatores bióticos do ecossistema local e o universo, isto é, faziam uma
triangulação entre o comportamento das formigas, com o de
certas plantas da caatinga e a posição das estrelas. Em ambos os exemplos o grau de acerto era impressionante. Mas
talvez, com os efeitos da mudança climática estes conhecimentos se tornem cada vez mais impraticáveis.
Como enfatizam (Reinjtjes, Harverkort & Waters-Bayer, 1992.
p.35) “a maior parte das tecnologias agrícolas atualmente em
uso no mundo foram desenvolvidas por agricultores e não por
cientistas educados no âmbito do sistema formal”. De fato,
são estes sistemas agrícolas desenvolvidos pelos agricultores que abastecem a demanda por alimentos da maior parte
da população humana (Reinjtjes, Harverkort & Waters-Bayer,
1992). Neste sentido, Gliessman (2001:566 apud Figueiredo
& Lima, 2006. p.38) afirma que “os agroecossistemas tradicionais oferecem exemplos abundantes de práticas agrícolas
sustentáveis, e de como os sistemas socioculturais, políticos e
econômicos se encaixam na equação da sustentabilidade”.
Tomando estas premissas como base, o ponto de partida
num estudo e/ou ação sobre os sistemas de criação de aves
de capoeira é compreender que as decisões referentes ao
manejo e os tipos de sistemas de criação de aves de capoeira que fazem as agricultoras familiares do semi-árido não
ocorrem por casualidade, senão pelo acúmulo de conhecimento de varias gerações com esta atividade a partir de uma
combinação entre uma complexidade de fatores socioeconômicos, ecológicos e climáticos, sendo este último muito
90
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
especial em função dos limites naturais que impõe a própria
condição de semi-aridez.
Assim, numa abordagem agroecológica sobre este tema é
fundamental que seja aprofundado e valorizado o conhecimento existente sobre cada aspecto do manejo e, especialmente, da lógica geral que norteia o sistema e as decisões
das agricultoras familiares de cada localidade específica,
tanto a respeito dos limites do próprio agroecossistema,
como ao respeito das influências e pressões de seu exterior,
especialmente nas relações com a comunidade em que se
localizam e com o mercado local.
Para levar a cabo uma metodologia baseada na Agroecologia três aspectos são imprescindíveis:
• Uma abordagem metodológica sistêmica, que rompa
com o enfoque positivista e fragmentado da ciência
convencional, evitando cair no risco de ver a criação
de galinhas como um sistema isolado, sem considerar
seu papel integral ao agroecossistema. Assim, se tem
que buscar aprofundar junto às agricultoras familiares
as melhores formas de integração entre os fluxos e
ciclos naturais em que as aves estão envolvidas dentro
dos agroecossistemas. Ademais, não se pode impor às
aves situações fora de seu comportamento natural, ou
cair no erro da introdução de tecnologias pouco manejáveis e insumos pouco accessíveis às famílias;
• Assumir uma visão da experimentação participativa
entre os agricultores/as familiares não só como um
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
91
processo de geração de novos conhecimentos de
técnicas e procedimentos de manejo animal e de cultivo
agrícola, mas além disto como um fortalecimento da
prática e percepção do agricultor/a familiar de que eles
mesmos são os principais protagonistas capazes de
solucionar seus próprios problemas (PDHC, 2006).
Ademais, que considere uma ação orientada e articulada a processos em rede entre agricultores/as familiares, envolvidos diretamente com suas comunidades,
associações comunitárias, organizações sindicais e aos
movimentos sociais.
• Uma abordagem metodológica participativa e transformadora, que por sua vez permita que o conhecimento técnico dialogue e se complemente com o saber
do agricultor familiar, sem imposição de uma lógica
externa.
Só a partir deste tipo de abordagem teórico-metodológica é
possível alcançar mudanças verdadeiramente sustentáveis,
que de fato contribuam para a construção de soluções para
os problemas e aproveitamento das potencialidades da criação tradicional de aves que a credencie como uma alternativa real ao modelo de avicultura industrial e globalizada.
A Conservação da Biodiversidade
Com o alerta crescente da estreita dependência da sociedade
dos recursos biológicos para a economia, alimentação, nutri92
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
ção e saúde humana e animal, sua preservação se tornou um
foco de preocupação imediata motivando ações dirigidas a
uma melhor compreensão da biodiversidade e dos modos de
preservá-la (Gamarra-Rojas & Gamarra-Rojas, 2002).
Toledo (2006/2007b) demonstrou com propriedade que a
conservação da diversidade biológica mundial depende diretamente dos processos econômicos, políticos e sociais que
atuam sobre a ampla diversidade cultural da espécie humana
representada pelos povos indígenas14 existentes no planeta;
ou seja, a biodiversidade esta vinculada à diversidade cultural e vice-versa. A partir desta visão, Toledo (2006/2007b) reforça um conceito mais amplo sobre biodiversidade, no qual
considera a variedade de paisagens, ecossistemas, espécies
e genes, incluindo seus diferentes processos funcionais.
Entre os esforços nos diferentes níveis de conservação da
biodiversidade, se torna cada vez mais importante a conservação da diversidade genética na agricultura (diversidade de
cultivos e animais domesticados), sendo um fator fundamental para as bases da sustentabilidade dos agroecossistemas
tradicionais (Toledo, 2006/2007b; Boef, 2007).
14 Para Toledo (2006-2007b, p.3) “os povos indígenas podem ter todos ou alguns
dos seguintes critérios: (a) são descendentes dos habitantes originais de um território
que tem sido submetido (overcome) por conquista; (b) são “povos ecossistêmicos”,
tais como agricultores permanentes ou nômades, pastores, caçadores e coletores,
pescadores ou artesãos, que adotam uma estratégia de uso múltiplo de apropriação
da natureza; (c) praticam uma forma de produção rural de pequena escala com
trabalho intensivo que produz poucos excedentes e em sistemas com necessidades
energéticas baixas; (d) não tem instituições políticas centralizadas, organizam suas
vidas em nível comunitário, e tomam decisões com base no consenso; (e) compartilham
linguagem, religião, valores morais, crenças, roupas e outras características de
identificação, assim como uma relação com um território particular; (f) têm uma visão
do mundo diferente, que consiste em uma atitude não materialista, de posse da terra
e dos recursos naturais baseada em um intercâmbio simbólico com o universo natural;
(g) vivem subjugados por uma cultura e sociedade dominantes; e (h) se compõe de
indivíduos que subjetivamente se consideram a si mesmos como indígenas”.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
93
Entretanto, o significado da variação dentro das espécies é
mais difícil de ser avaliada e entendida que a variação entre
espécies. Também as relações entre conservação e uso sustentável da biodiversidade intragenérica em agroecossistemas
complexos, como os sistemas da agricultura familiar, são ainda pouco claras. Talvez seja por isto que estes dois aspectos,
que andam juntos, também tenham recebido menos atenção
e incentivos por parte da ciência e órgãos de fomento oficiais
(Gamarra-Rojas & Gamarra-Rojas, 2002). Mais ainda, quando se fala de perda genética na agricultura é muito comum
dar muita ênfase às perdas nos cultivos, mas os animais domésticos geralmente são esquecidos neste âmbito. Os riscos
da perda de diversidade de espécies e de raças animais têm
sido reconhecidos pela FAO apenas há pouco tempo. Este
reconhecimento, ainda que tardio, tem estimulado os países
para a manutenção desta valiosa fonte de recursos genéticos
de espécies e raças (Schiere, 2007). Com efeito, dados da
FAO apontam que nos últimos 50 anos o número de raças
tem diminuído de forma acelerada, e menciona que ao redor
de 30% das raças de mamíferos e aves domésticas (1200 a
1500 raças) podem ser perdidas definitivamente (LEAD, s.f.).
As possíveis causas do rápido processo de erosão genética nos animais domésticos são diversas (tabela 4). A principal causa é determinante para uma reação em cadeia, entre
varias outras causas, é sem duvida a pressão exercida pelo
padrão tecnológico reducionista da modernização da agricultura, que centra todos os esforços em desenvolver animais
geneticamente uniformes e que respondam ao alto uso de insumos e ração, dentro de “ambientes controlados”; ou seja,
94
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
que adeqüem-se aos padrões da criação intensiva industrial
e à lógica econômica dos sistemas agroalimentares hegemônicos atuais. Neste processo, os demais atributos genéticos
e fenotípicos dos animais são completamente esquecidos, e
considerados indesejáveis. Fazendo um paralelo com o caso
das frutas oriundas da região Nordeste do Brasil, que estão
em franco processo de erosão e extinção, em parte devido a
sua substituição por frutas mais homogêneas e mais difundidas pelos órgãos de fomento agrícola (Gamarra-Rojas & Gamarra-Rojas, 2002). Um diagnóstico participativo realizado em
agroecossistemas da agricultura familiar do semi-árido da Paraíba (Gamarra-Rojas et al., 2004), motivou uma revalorização
destas frutas por parte das famílias agricultoras a partir de uma
discussão coletiva das funções e usos múltiplos das plantas e
seus frutos nos agroecossistemas, tradições e economia rural
ou, como dizem alguns autores, “as frutas nativas passaram
de testemunhas da fome a delícias requintadas da mesa”.
Pelos motivos já comentados no primeiro capítulo deste trabalho15, após 400 anos de introdução dos animais domésticos
pelos portugueses na região semi-árida16 a ciência convencional ainda não reconhece, nem dá o devido valor, à existência
de raças locais de galinhas, apesar das diversas evidências
de sua existência, diversidade, valor e utilidade. Tomando
os ovinos e caprinos como referencia, estes já têm raças locais oficialmente reconhecidas, as quais são bem definidas e
caracterizadas por sua adaptação à oferta de alimentos da
15 O fato de ser uma atividade considerada marginal, invisível do ponto de vista
socioeconômico, não conduz a um reconhecimento ou status acadêmico, técnico ou
científico a quem se envolva com este tema.
16 Com exceção do pato (Cairina moschata L.) os demais animais domésticos foram
introduzidos.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
95
vegetação nativa e, sobretudo às condições de semi-aridez.
Como exemplo, os ovinos que formaram a raça Morada Nova
para se adaptar ao ambiente semi-árido perderam toda a lã,
diminuíram de tamanho e desenvolveram mecanismos de armazenamento de gordura na base de sua calda.
Tabela 4. Possíveis causas da erosão genética dos animais domésticos
Causa
Apoio Inadequado
Descrição
Falta de reconhecimento do valor das raças indígenas e de sua
importância na adaptação ao nicho. Incentivos para introduzir raças
exóticas e mais uniformes, dos países industrializados.
Seleção enfocada
no produto final
Ênfase indevida sobre um produto final ou característica, levando à
rápida disseminação de uma raça de animal em detrimento de outras.
Alterações no uso
da terra
Conversão de pastagens e sistemas mistos em terras agrícolas,
reservas de caça e uso industrial.
Mudanças nos
conhecimentos
A idéia de que o “moderno/importado é melhor” levou à perda do
conhecimento sobre as práticas reprodutivas do gado tradicional e
à erosão da diversidade dos animais domésticos.
Mudanças nas
Tecnologias
A substituição dos animais de tração e carga por maquinaria,
levando as alterações permanentes nos sistemas agrários, a
inseminação artificial e a transferência de embriões conduzindo à
rápida substituição das raças autóctones.
Mudanças na
Economia
Diminuição da viabilidade econômica dos sistemas de produção
pecuária tradicionais
Intensificação
Efetivos pecuários que dependem da intervenção veterinária e de
condições de alimentação melhoradas. Pesados investimentos
em medidas sanitárias preventivas e curativas, e na alimentação,
alojamento e manejo. Espécies e raças locais multifuncionais
substituídas por outras com elevadas produtividades de leite, carne
e ovos (incluso raças exóticas puras e seus cruzamentos).
Cruzamentos
Predominância de machos reprodutores de algumas raças
selecionadas em programas gerais de reprodução pode levar à
perda de características apresentadas pelas raças especializadas.
Fonte: Adaptado de ITDG apud LEAD (s.f).
Independente do reconhecimento de raças locais de galinha
pela ciência convencional, existe um patrimônio genético valioso nesta região, formado por diferentes variedades locais
reconhecidas pelas mulheres. Estas variedades foram selecionadas por centenas de anos em dois sentidos. Por um
96
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
lado, devido à imposição natural do meio e, pelo outro, por
intermédio dos objetivos particulares das agricultoras familiares. No sentido natural, muitos fatores podem ser apontados, tais como a presença de predadores, doenças, o tipo
de vegetação, mas o principal fator é a rigidez do clima semi-árido, com temperaturas muito elevadas durante a maior
parte do ano associada à baixa umidade do ar. Acentuamse estas condições com períodos de secas muito severas e
anos com invernos com chuvas torrenciais. Por outro lado, a
seleção realizada pelas agricultoras familiares seguiu critérios
que geralmente combinam os aspectos de resistência aos
rigores mencionados do meio, à capacidade de produção de
carne e/ou ovos. O mais comum é o duplo propósito (carne
e ovos) aliado à capacidade reprodutiva da galinha (choco e
criação dos pintinhos).
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
97
Esta co-evolução mulher / natureza contribui de maneira estratégica para a preservação de uma agrobiodiversidade de
galinhas com boa adaptação genética às condições socioeconômicas e ecológicas do semi-árido. Entretanto, isto é
pouco percebido e valorizado pelos agentes externos que
de alguma forma interagem com as agricultoras familiares.
A partir daí, surgem influências externas, fortes e tentadoras,
tanto para estes agentes externos envolvidos no assessoramento técnico como para as agricultoras familiares, em
relação às raças exóticas, especialmente aquelas que supostamente são associadas a uma elevada capacidade de
produção de ovos e rusticidade.
Entre todos os temas sobre a criação de galinhas de capoeira, a questão da conservação da diversidade genética
existente e as possibilidades para a definição/caracterização de raças locais é uma área em que há muito o que
fazer e, sobretudo, que aprender desde uma perspectiva
agroecológica. Por exemplo, numa pesquisa participativa,
recentemente iniciada no contexto do Projeto Dom Helder
Camara, as agricultoras familiares expressaram um grande interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre as
raças locais realizando uma pesquisa sistemática em colaboração com os técnicos. Mas, elas vão mais além, pois
pretendem utilizar estes conhecimentos para realizar intercâmbios de matrizes e reprodutores para melhorar suas
próprias raças.
Um possível itinerário metodológico com o objetivo de uma
primeira aproximação ao tema seria uma aprendizagem sobre
como buscar mecanismos que potencializem a manutenção
98
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
das variedades locais de galinhas. Isso frente ao desafio que
normalmente as agricultoras apresentam como demandas
aos técnicos, ou seja, como garantir uma oferta mais regular
de ovos para que além da produção para o autoconsumo se
possa aumentar a oferta de ovos em quantidade suficiente
para a geração de renda. Para isto, é importante considerar
dois aspectos metodológicos:
• Primeiro, é necessário buscar ampliar a valorização do
trabalho que elas têm feito com a seleção de suas
aves;
• Segundo, deve-se buscar ampliar seus conhecimentos
a partir de vários mecanismos de aprendizagem,
sobretudo através do intercâmbio de experiências entre
agricultoras familiares com amplo conhecimento
acumulado na criação de galinhas de capoeira e na
experimentação participativa com grupos de mulheres
dentro e entre comunidades/grupos de mulheres.
Os Sistemas Agroalimentares Locais
Os sistemas agroalimentares industrializados, no marco da
expansão do neoliberalismo e globalização, estão conseguindo cada vez mais uma dinâmica de substituição dos padrões locais e regionais de produção e consumo de alimentos por um sistema alimentar maciço e global (Gliessman,
2002; Sevilla Guzmán, 2006c).
Este modelo agroalimentar, entre outras características, por
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
99
um lado, leva a um crescente distanciamento dos processos
naturais como base da produção alimentar, ao mesmo tempo
em que não considera os impactos ambientais conseqüentes
dele (Soler Montiel, 2004) e, por outro, promove uma relação de
subordinação e dependência do setor agrário aos setores não
agrários do sistema agroalimentar17, de modo a criar condições
socioeconômicas e ecológicas bastante adversas para os agroecossistemas tradicionais, aumentando os problemas de desigualdade no campo, especialmente através da concentração
da terra nas mãos de poucos, dos recursos naturais e materiais
necessários à produção agrícola, como também o acesso às
políticas públicas para o meio agrário e ao mercado. (Gliessman, 2002; Sevilla Guzmán, 2006a; Soler Montiel, 2004).
Em geral, a criação de galinha de capoeira é praticada na
agricultura familiar do semi-árido brasileiro sem significativas
necessidades de uso de insumos externos18 e, portanto, aparentemente estaria de certa maneira livre de uma relação com
o exterior que conduza a uma subordinação e dependência
direta dos setores não agrários do sistema agroalimentar
avícola industrial. Por outro lado, não se deve desenvolver
qualquer estudo e/ou ação sobre a criação de galinha de capoeira considerando que devido ao pouco uso dos insumos
externos esta atividade esteja isolada da influência dos fatores socioeconômicos e políticos do modelo agroalimentar
17 De acordo com Whatmore (1994) e Canãda (1997), citados por Soler Montiel
(2004), quando se fala de maneira geral do sistema agroalimentar pode-se identificar
os seguintes setores: o setor agrário, o conjunto de setores de “inputs” agrários, a
indústria de transformação alimentícia, o setor da distribuição alimentícia e o setor de
restaurantes e hotelaria.
18 Para uma melhor compreensão desta afirmação veja os argumentos
apresentados no item 3 - a avicultura tradicional no semi-árido de Brasil. Uma primeira
aproximação.
100
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
globalizado. Pelo contrário, a influência nesta atividade talvez
seja maior que nas outras atividades do agroecossistema da
agricultura familiar, porque em oposição à criação da galinha
de capoeira está toda a força econômica e política do setor
da avicultura industrial, que atua de maneira muito eficiente
dentro da lógica da ocupação absoluta do mercado, mediante mecanismos que pouco a pouco tendem a neutralizar e
até impossibilitar que as famílias agricultoras tenham acesso
aos mercados, assunto este já bastante discutido em outros
itens deste trabalho.
Frente a este contexto, um dos desafios que se deve propor num estudo e/ou ação sobre a criação das galinhas de
capoeira no semi-árido corresponde às estratégias de resistência da agricultura familiar e da busca de alternativas ao
modelo agroalimentar avícola industrial.
Como forma de aproximação a este tema, na continuação se
faz algumas considerações sobre a estratégia que parece ser
mais tangível para a agricultura familiar com o mercado neste
momento. Trata-se do avanço nos canais curtos de comercialização de frangos e ovos, sobretudo aqueles orientados
para a ocupação dos sistemas agroalimentares locais.
As cadeias curtas de comercialização são essenciais na busca da sustentabilidade dos agroecossistemas da agricultura
familiar. Esta estratégia contribui grandemente para a diminuição do alto grau de concentração de poder que o mercado exerce sobre a determinação de processos de produção
agrícola em ritmos e condições que rompem com os equilíbrios sociais no meio rural e com os ciclos naturais necesAgroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
101
sários para a sustentabilidade
dos
agroecossistemas.
Em outras palavras,
a ocupação dos
mercados
locais
pela agricultura familiar estimula uma
produção local baseada na biodiversidade agrícola necessária para a recuperação e manutenção da complexidade e equilíbrio dos agroecossistemas (Soler Montiel, 2004).
Neste sentido, os canais curtos de comercialização centrados no mercado local promovem um ciclo virtuoso entre
campo e cidade para a sustentabilidade dos agroecossistemas nos seguintes aspectos:
• São mais acessíveis a uma gestão direta pela agricultura
familiar, permitindo uma maior participação do agricultor familiar no valor agregado do produto e preços
menores para os consumidores;
• Estimulam a criar uma alimentação mais saudável para
as famílias urbanas, baseada em gêneros alimentícios
ecologicamente mais apropriados às condições de
produção do território, que por sua vez retro-alimenta
uma demanda de produção local diversificada, a qual
possibilita uma maior oportunidade de participação no
mercado, inclusive das famílias que produzem determinado tipo de produto em menor escala;
102
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
• Promove um reforço direto da economia do território como um todo através da aproximação econômica
entre campo e cidade. Ao aumentar a geração de
renda no meio rural de um território se fortalece também
o meio urbano do próprio território, uma vez que, ao
contrario das cadeias longas de comercialização, o
recurso financeiro gerado pela produção agrícola não é
exportado para longe do território;
Em uma perspectiva agroecológica é importante apontar que
um estudo e/ou ação junto a um processo de promoção de
avanços da agricultura familiar nos canais curtos de comercialização, a princípio, não deveria ser trabalhado através de
uma visão de nicho de mercado dentro do sistema agroalimentar hegemônico, globalizado19. Se se assume a perspectiva de nicho de mercado, se considera que o modelo atual é
aceitável e sem possibilidades de construção de alternativas
que levem à mudanças no mesmo modelo no futuro20. Este
posicionamento é importante porque destaca o fato de que
o nicho de mercado normalmente se relaciona a uma oportunidade de solução / saída da crise para poucos, enquanto
a Agroecologia busca alternativas para uma agricultura sustentável; ou seja, com uma ampla oferta de oportunidades
econômicas que levem as famílias agricultoras a uma vida
mais digna, baseada em processos socioeconômicos e ecológicos sustentáveis.
19 Aqui se faz uma proposição por analogia e semelhança com a opinião de Soler
(2004, p.24) sobre a agricultura ecológica em uma perspectiva de nicho de mercado
na globalização.
20 Aqui também se faz uma proposição por analogia e semelhança com a opinião
de Soler (2004, p.24) sobre a agricultura ecológica em uma perspectiva de nicho de
mercado na globalização.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
103
Outro aspecto importante a considerar é que o enfoque de
nicho de mercado tende a uma aproximação de um tipo de
agricultura que não parte da abordagem da Agroecologia,
pelo contrario, se aproxima de uma abordagem classificada
por Rosset & Altieri (2002) como agricultura de substituição
de insumos. O resultado é que, ao aproximar-se da abordagem de substituição de insumos, não se consegue romper
com a dependência de insumos externos ao agroecossistema, mesmo que agora estes ofereçam impactos ambientais
menos danosos, e principalmente não se busca a essência
da base ecológica da Agroecologia que é a biodiversidade
ecossistêmica, os benefícios da integração entre animais e
cultivos que elevam dentro do agroecossistema os tipos de
interações complexas e os sinergismos que resultam numa
maior resiliência e resistência dos mesmos (Rosset & Altieri,
2002).
Baseado numa abordagem agroecológica o estudo e/ou
ação sobre a criação de galinhas no semi-árido, em sua relação com os mercados locais através dos canais curtos de
comercialização, deve ser abordado tecnicamente com foco
no fortalecimento dos sistemas da agricultura familiar de
produção de carne e ovos através de adequações possíveis
nos atuais sistemas de criação, isto é, que não criem novos
tipos de dependência externa em função da orientação do
mercado.
Ao final, mas não menos importante, a abordagem deve entender os canais curtos de comercialização, especialmente por meio da participação dos agricultores/as familiares
nas feiras locais, sejam elas agroecológicas ou tradicionais,
104
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
como um espaço estratégico para uma reconstrução cultural
de convivência social entre o mundo rural e o urbano. Um
espaço de troca de saberes entre dois mundos que possibilite, entre outros aspectos, que estes se conheçam melhor, se
identifiquem e se complementem como parte de um mesmo
território, que na maioria das vezes está isolado e sem políticas públicas adequadas e que favoreçam sua autonomia
e desenvolvimento sustentável. Espaço que fortaleça socialmente, culturalmente e politicamente estes cidadãos/ãs urbanos e rurais sobre as buscas de solução para problemas
comuns, como, por exemplo, o problema comum às mulheres do campo e da cidade em suas situações altamente desfavoráveis nas relações de gênero, e até problemas exclusivos de uma das partes, buscando aí encontrar os elos de
solidariedade perdidos entre os cidadãos urbanos e rurais.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
105
106
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
4.
A Criação Tradicional de Aves
na Região Semi-árida Brasileira:
Uma Primeira Aproximação
A falta de registros estatísticos em todos os níveis sobre a
produção de galinhas de capoeira, de acordo com as características específicas das famílias agricultoras brasileiras, faz
invisível o papel que desempenha esta estratégia de produção tanto no interior como no exterior da unidade familiar.
Por conta disto, seus aportes socioeconômicos, ambientais
e culturais não são reconhecidos e, portanto, não existe um
desenho de política pública que fortaleça este tipo de atividade.
Por isto, o presente trabalho busca elaborar uma aproximação
teórico-metodológica, que considere as particularidades deste
sistema de produção de galinha de capoeira e mostre a granAgroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
107
de importância que tem o setor, tanto para a economia familiar
como para a nacional.
4.1. A Criação de Galinha de Capoeira no Brasil: Um Gigante
Invisível
Devido a importância do papel que tem a criação de galinhas
de capoeira nas estratégias de vida dos agricultores familiares
e sua importância para as populações locais em regiões onde
sua economia é essencialmente agrícola, em muitas partes do
mundo existem dados estatísticos específicos sobre este tipo
de criação, como o tamanho do rebanho nacional, a renda que
gera, entre outros. Por exemplo, do total de galinhas criadas na
África se sabe que 80% são galinhas de capoeira (Guéye, 1998
apud Pedersen, 2002) e no Sudeste da Ásia este valor se situa
entre os 50% e 80% (Aini, 1990 apud Pedersen, 2002).
Entretanto, na América Latina, sobretudo no Brasil, não existem
dados estatísticos oficiais que, desde as escalas nacional, regional, estadual e municipal, permitam conhecer a evolução do rebanho, a produção de carne e ovos, entre outros registros específicos da criação de galinha de capoeira no âmbito da agricultura
familiar. Isso torna difícil estimar o aporte socioeconômico que
ingressa a produção nacional de ovos e carne, fato que, em grande medida, a torna invisível para a sociedade e, por conseguinte,
para a definição de políticas públicas para o fortalecimento desta
atividade.
No Brasil os dados estatísticos oficiais sobre a produção de frango e ovos são registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia
108
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
e Estatística (IBGE), através de dois mecanismos: um através do
Censo Agropecuário, que se faz a cada 10 anos, e o outro é o
censo anual de Produção Pecuária Municipal (PPM). No Censo Agropecuário, a metodologia aplicada para o levantamento e
análise da informação sobre a avicultura não considera a existência dos sistemas de produção avícola que são muito diferentes,
ou seja, existe um sistema intensivo, que adota o modelo tecnológico industrial e outro tradicional, que cria galinhas de capoeira.
O que apenas se considera é a condição do agricultor em relação
se tem ou não a propriedade da terra e alguns dados relacionados às aves que possui (tamanho do rebanho, venda, produção,
etc.). Portanto, é compreensível que nos resultados da análise é
difícil perceber qual é a situação de cada tipo de sistema, o industrial e o tradicional. Por exemplo, não é possível saber a evolução do rebanho de galinhas de capoeira em um determinado
município (ou em qualquer outra escala) porque para este tipo de
criação se realiza um levantamento em campo e análise onde se
misturam e se confundem dados referentes a agricultores do tipo
familiar, mas que têm uma criação em forma industrial, e mesmo
se misturam os dados referentes aos agricultores patronais que
têm na avicultura sua única atividade produtiva.
No caso da Produção Pecuária Municipal – PPM, a metodologia deixa claro que a criação de galinhas de capoeira não é
objeto de estudo. Exemplo disto, é que no PPM ficam fora do
levantamento os dados das granjas avícolas com menos de
10.000 galinhas poedeiras (IBGE, 2002).
Entretanto, existem evidências de que a participação da criação de galinhas de capoeira na produção nacional de carne e
ovos, sobretudo nas regiões rurais mais pobres do país, não é
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
109
algo que possa ser considerado insignificante. Pelo contrário,
é uma atividade muito presente e que tem uma importância
socioeconômica estratégica no modo de vida de agricultores
familiares.
Com a intenção de ilustrar e entender melhor o significado do
tamanho do rebanho de aves de capoeira no universo do rebanho nacional de aves do último censo agropecuário, apresentase aqui um exercício lógico-dedutivo baseado na semelhança
do tamanho dos rebanhos de aves de capoeira obtido em dois
estudos de agroecossistemas realizados em diferentes comunidades de agricultura familiar da região Nordeste do Brasil. Estes
estudos, que foram realizados em distintas localidades e com
um intervalo de 15 anos entre eles (Jalfim, Siderski & CastelloBranco, 1991; Gamarra-Rojas et al., 2006), coincidentemente
reportam uma média de aves por família muito próxima, isto é,
de 30 e 36,6 cabeças adultas por família. A partir destes dados
pode-se estabelecer um panorama geral, sem pretensões nem
precisões estatísticas, sobre o tamanho do rebanho de aves
de capoeira da agricultura familiar nesta região do Brasil. Assim, retomando a média obtida dos dois estudos citados, de
33.3 aves, e multiplicando este valor pelo número de famílias
agricultoras existentes no Nordeste do Brasil21, de dois milhões
de famílias, resulta um total aproximado de 66,6 milhões de
aves. Então, pode-se deduzir que no último censo agropecuário, de 1996, apenas a agricultura familiar do Nordeste estava
contribuindo com o 9,3 % do total do rebanho nacional de aves
(718.538.029 aves)22. Em relação ao Nordeste do Brasil isto
21 Os dados do INCRA/FAO (Guanziroli, 2000) demonstram que a região Nordeste
possui 2.055.157 estabelecimentos da agricultura familiar.
22 Dados do Censo Agropecuário do Brasil 1996 (IBGE, s.f.a).
110
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
equivale a 64,6 % de todo o rebanho da região (103.058.191
aves)23 que estaria sendo manejado em nível de agricultura familiar. Tal contribuição certamente não é tão pequena, como
alguns setores sugerem que seja.
4.2. Importância dos Sistemas de Criação de Galinha de Capoeira para os/as Agricultores/as Familiares
Dado que a criação tradicional de galinha é uma atividade muito
presente nos agroecossistemas da agricultura familiar, em todas
as regiões do Brasil e na maior parte dos países em desenvolvimento do mundo, é possível, em primeira instância, evidenciar
elementos comuns e centrais na lógica da agricultora familiar
para a produção de galinhas de capoeira:
• É uma atividade majoritariamente a cargo das mulheres;
• São sistemas de criação baseados no uso mínimo de
recursos externos à propriedade, através do aproveitamento dos recursos locais, sejam as sobras da cozinha,
a produção de grãos própria e dos alimentos disponíveis
no meio ambiente (insetos, larvas, minhocas e vegetais
diversos) que são obtidos pelas próprias galinhas;
• São sistemas de criação estabelecidos em perfeita
harmonia com as demais atividades da propriedade, seja
no uso da mão-de-obra, espaços e interações com os
cultivos e com a estratégia mais ampla de produção
diversificada;
23 Dados do Censo Agropecuário do Brasil. Região Nordeste 1996 (IBGE, s.f.b).
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
111
• A produção da galinha tem duplo propósito, ovos e
carne, para o autoconsumo, que em geral é uma
prioridade, e para a geração de renda;
• A comercialização serve, por um lado, como uma
complementação regular do total da renda familiar, feita
de forma regular, em consonância com a disponibilidade de grãos, e, por outro lado, a galinha, como uma
forma de poupança, é transformada em dinheiro para
uso imediato em momentos de gastos adicionais
(doenças, festas, etc.).
A partir destes elementos centrais e comuns na criação tradicional de aves no Brasil, busca-se a seguir a construção de
uma breve análise sobre a importância dos sistemas de criação
de galinha de capoeira e outras aves desde as condições socioeconômicas, culturais e ambientais e da lógica da agricultura
familiar predominante na região semi-árida brasileira.
Nesta região, as aves de capoeira, assim como os outros animais (caprinos, ovinos e bovinos), formam parte de uma estratégia de produção diversificada, que integra de forma eficiente
o uso dos espaços e os fluxos de matéria e energia entre a
produção animal e vegetal, dentro das famílias de agricultores
familiares.
Com efeito, a produção de aves de capoeira segue tendo um
papel importante na alimentação e fonte de renda das famílias,
inclusive em situações especiais em que os agroecossistemas
de uma determinada comunidade têm uma atividade produtiva
central, dentro de sua estratégia de geração de renda, como se
112
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
pode ver no exemplo da tabela 5, onde se pode observar que,
em agroecossistemas baseados no cultivo de caju (Anacardium
occidentale L.), a comercialização predominante é a da castanha (Gamarra-Rojas et al., 2006).
Tabela 5. Volumes e valor da produção no sistema agro-pastoril de caju na comunidade Galho do Angico, Caraúbas, estado de Rio Grande do Norte, 2006.
Produto
Produção anual
da Comunidade*
Castanha de
caju fresca
200 - 250 t
Pedúnculo seco
de caju
180 - 225 t
Preço Unitário
Valor da
Valor Anual
Volume Anual
(R$)
da Produção Comercializado Comercialização
(R$/ano)
(R$/ano)
200.000 - 300.000
200.000 - 300.000 1,00 - 1,50/kg
200 - 250 t
200.000 - 375.000
200.000 - 375.000
144 – 180 t
21.600 - 27.000
28.800 - 36.000
0,15 - 0,20/kg
36 – 45 t
5.400 - 6.750
7.200 - 9.000
0,15 - 0,20/kg
27.000 - 33.750
36.000 – 45.000
-
-
7,5 – 12,5 t
1.200 - 2.000
1.500 - 2.500
4,00 - 5,00/caixa
(0,16 – 0,20/kg)
Feijão
15,0 t (250 sacos
de 60 kg)
22.500 - 25.000
12.500 – 15.000
4,5 t
6.750 - 7.500
3.750 - 4.500
90,00-100,00/saco
50,00-60,00/saco
Milho
3,0 t
(50 sacos de 60 kg)
-
-
-
-
3,75 t (150 baldes
de 25 kg)
6.000
10.500
3,75 t (150 baldes
de 25 kg)
6.000
10.500
40,00 - 70,00/balde
(1,60 - 2,8/kg)
Caju de mesa
Mel de abelha
90.000 - 105.000 30-40 cabeças 21.000 - 24.500
67.500 – 75.000 (10 @/cabeça) 15.750 - 17.500
60,00 - 70,00/@
45,00 - 50,00/@
Bovinos (adultos
e bezerros)
150 cabeças
Galinhas (adultos)
600 cabeças
-
120 - 180 cabeças
1.200 - 1.800
10,00/cabeça
Guinés (adultos)
500 cabeças
-
150 – 200 cabeças
1.200 - 1.600
8,00/cabeça
Fonte: Gamarra-Rojas et al., 2006.
Entretanto, desde o ponto de vista quantitativo, qual é realmente
a contribuição da criação de galinhas e outras aves na alimentação e geração de renda numa família da agricultura familiar?
Frente à escassez de pesquisas e dados bibliográficos no Brasil
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
113
a este respeito, por motivos já discutidos neste trabalho não é
possível esboçar um quadro demonstrativo sobre o tema. Entretanto, apesar de tal dificuldade de informações zootécnicas
e socioeconômicas, sobretudo no que concerne à avicultura
tradicional em agroecossistemas da agricultura familiar do semi-árido brasileiro, a seguir se busca fazer um exercício teórico
de um caso, de caráter aproximativo, com a finalidade de não
deixar neste trabalho a pergunta do parágrafo anterior sem nenhuma tentativa de resposta.
Este exercício teórico é apenas uma aproximação, que busca
resgatar a partir do caso específico dos agroecossistemas centrados no caju24 (dados da tabela 5), elementos transcendentes
e em ordem de importância, que permitam criar uma visualização de uma possível dinâmica mensal do rebanho de aves
numa família da comunidade Galho do Angico e deste modo
definir os dados centrais dos aspectos produtivo e econômico,
resultantes desta atividade avícola.
É importante ressaltar que este é um exercício teórico com certos limites que derivam da escassez de referências técnicas
para esta análise; da falta de detalhes sobre a composição do
rebanho de aves analisado e; pelas distorções relacionadas à
tentativa de demonstrar uma distribuição equilibrada de resultados produtivos e financeiros ao largo dos meses do ano, quando se sabe que, em realidade, as produções sofrem variações
24 Pequenas unidades de produção familiar, com 1 a 20 ha, localizadas no semiárido do estado do Rio Grande do Norte, cujo agroecossistema predominante é
constituído por um componente arbóreo agrícola (caju), um componente herbáceo
arbustivo de cultivos anuais (principalmente milho, feijão, algodão e gergelim) e perenes
(forragens), um componente de pecuária (bovino, ovino, caprino, galinha, guinés e
abelha africanizada) e um componente florestal (caatinga em diferentes estados de
conservação ou regeneração) (Gamarra-Rojas et al., 2006).
114
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
mensais em função de diversos fatores, como a própria estratégia das famílias no manejo reprodutivo das aves em função da
oferta de alimentos e estações do ano.
Para o exercício se tomou como referências: os rebanhos de
aves adultas da tabela 5; alguns poucos índices técnicos disponíveis na literatura e outros criados a partir da experiência
pessoal do autor com o tema. Todos estes índices técnicos se
encontram nas notas explicativas da tabela 6.
Tabela 6. Exercício teórico de visualização de uma possível dinâmica mensal do rebanho de aves adultas numa família da comunidade Galho do Angico, Caraúbas, RN.
Tipo de Rebanho
ave
médio por Consufamília1
mo2
Galinha 20,00
4,00
Guiné
16,60
2,00
Total
36,60
6,00
Destino das aves do rebanho
Repro- Venda3 Perda4 Matrizes (postura
dutor
e reprodução)5
0,40 2,00
12,60
1,00
0,50 1,60
11,50
1,00
0,90 3,60
24,10
2,00
Destino dos ovos produzidos
Consu- Repro- Perda de Venda10
mo7
dução8
ovos9
41,41
12,00
5,92
59,00
60,20
12,00
3,80
0,00
101,61 24,00
9,72
59,00
Fonte: Elaboração própria, 2007.
Notas explicativas da tabela 6:
1)
Na comunidade existem 30 famílias com um rebanho total de 600 galinhas e 500 guinés, o que
confere as respectivas médias de 20 galinhas e 16,6 guinés por família;
2)
Considerado um consumo ao redor de seis aves por mês, ou seja, quatro galinhas e dois guinés
(dados próprios);
3)
De acordo com a tabela 6, pode-se estimar uma média ao redor de 2% e 3%, respectivamente, do
total do rebanho de galinhas e guinés sendo comercializados ao mês;
4)
Estima-se uma média de 10% de perdas (mortalidade, perdas por predadores e outros) em ambos
os rebanhos (dados próprios);
5)
Chega-se ao número estimado de matrizes (galinhas e guinés) subtraindo-se os rebanhos médios de
galinhas e guinés de seus respectivos descartes (vendas e autoconsumo), reprodutores e perdas;
6)
A partir da referência de produção de 100 a 127 ovos/ano/galinha de capoeira (Guelber Sales,
2005), e ao redor de 80 ovos/ano/guiné (Mallmann et al., 2001), se assume no cálculo uma média
de 113.5 ovos/ano/galinha e, por conseguinte, 9,4 ovos/mês/galinha que se multiplica por 12,6
matrizes de galinhas e se chega a uma produção total de 118,4 ovos/mês. Para as guinés se faz o
mesmo raciocínio a partir de 11,5 matrizes, chegando-se à produção de 76 ovos/mês.
7)
Jalfim, Siderski & Castello Branco (1991) encontraram dados de 62% a 68% de autoconsumo de
ovos para rebanhos em que os guinés, perus e patos representavam apenas 3,5% do total das
aves. Este percentual, porém, para os ovos das galinhas no caso aqui analisado pode ser menor,
ao redor de 35%, por duas razões: primeiro, porque em geral as mulheres agricultoras familiares não
têm o costume de comercializar os ovos de guinés, ficando os mesmos destinados ao autoconsumo
e reprodução; segundo, porque o rebanho de guinés representa 45% do rebanho no caso analisado.
Assim o consumo de ovos de guinés é o total de ovos produzidos menos os destinados à reprodução
e perdas;
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
115
8)
Uma média de 12 ovos para reprodução ao mês (dados próprios);
9)
Uma média de 5% de perdas de ovos de galinhas e guinés (dados próprios);
10) A venda de ovos das galinhas é o resultado do número total de ovos produzidos ao mês menos o
autoconsumo, perdas e ovos para a reprodução
Podem-se verificar através do exercício apresentado na tabela 6 os seguintes resultados: as famílias possuem um rebanho
médio de 36,6 aves adultas, destas 20 são galinhas e 16,6 são
guinés. Com este rebanho é possível que uma família tenha
mensalmente um autoconsumo de quatro aves e uma venda de
quase uma (0,9) ave. É possível um consumo mensal ao redor
de 101 ovos e venda de 59 ovos. Monetarizando-se a venda e
o autoconsumo de carne e ovos25 e deste resultado subtraindose o custo de produção26 pode-se concluir que esta atividade
gera renda numa ordem mensal de R$ 71,40 (aproximadamente US$ 38) por família, o que representa para a família 18,78%
do salário mínimo.
Quais seriam os significados dos resultados deste exercício?
Por que famílias tipicamente agricultoras familiares, como as da
comunidade Galho do Angico, continuam dando importância à
criação das aves, já que elas estão envolvidas com tantas outras atividades que geram muito mais renda, como o caju, e que
ocupam praticamente toda a mão-de-obra familiar?
Desde uma perspectiva agroecológica não existe uma única
resposta. Seguramente são varias as razões e motivações que
interagem na lógica e condição do agricultor familiar em cada
25 Os preços considerados são: ovo R$ 0,20 a unidade; galinha R$10,00 a unidade
e guinés R$ 8,00 a unidade.
26 O milho é praticamente o único insumo usado. Mesmo sendo produzido pelas
famílias, representa um custo de produção. Considera-se aqui um uso mensal de
60kg e o preço de R$ 0,41 por kg.
116
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
região. Algumas razões e motivações, porém, podem ser aqui
destacadas:
• Socioeconômica – a lógica da agricultura familiar de produção tende a uma economia de auto-abastecimento;
ou seja, busca sua auto-suficiência alimentar (Toledo et
al., 2000). Por este motivo se verifica sempre uma
prioridade para o autoconsumo, como no caso do
exercício feito para a comunidade de Galho do Angico.
Neste caso, se percebe que se a família comprasse o
equivalente de sua produção teria teoricamente que
gastar perto de R$ 71,40 por mês, o que significa um
valor razoável para a situação em que vivem muitas
famílias na região semi-árida do Brasil. Nesta região se
verifica que a renda per capita está entre as mais baixas
do Brasil e a maioria das pessoas vive com uma renda
inferior a R$ 90,00 mensais (CNRBC, 2004); A isto se
soma que, apesar de não ser uma grande renda bruta,
é uma renda que leva em si muito pouco esforço
produtivo em termos de dedicação da mão-de-obra
familiar e investimentos financeiros. Este fato, ainda que
não seja uma percepção linear das famílias, pode ser
uma justificativa para a continuidade desta atividade;
• Social e ecológica - as famílias agricultoras em seu
processo de có-evolução com a natureza, especialmente em condições climáticas demasiadas instáveis,
como no caso do semi-árido brasileiro, aprenderam que
quanto maior é a diversificação produtiva de seus
agroecossistemas menor é o grau de risco de perdas
capazes de desequilibrar sua base de produção para
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
117
o autoconsumo e geração de renda; portanto, as aves
de capoeira fazem parte desta estratégia, fundamental
para a resiliência e sustentabilidade de seus agroecossistemas;
• Cultural – o manejo das aves é realizado pelas
mulheres (mães e filhas). Estas acumularam durante gerações um conhecimento muito detalhado sobre
o comportamento das aves e de como manejá-las em
estreita relação com os recursos locais disponíveis e as
características meio ambientais próprias do clima semiárido do Brasil. A partir deste conhecimento elas buscam
com a criação de aves uma maior segurança alimentar
para sua família e uma geração de renda sob seu controle, com o objetivo imediato de comprarparte dos gêneros alimentícios que não são produzidos dentro de seus
agroecossistemas, como, por exemplo, o café, e, principalmente, com a finalidade de criar um tipo de poupança
que serve para os momentos de maior necessidade da
família (Freire et al., 2005). Ademais, a carne e os ovos de
aves de capoeira apresentam sabores muito apreciados
pelos agricultores familiares, ou seja, os agricultores familiares seguem dando preferência ao sabor da carne e ovos
de aves de capoeira e não aos frangos e ovos das granjas industriais. Outro fator cultural importante é que para
as mulheres um quintal sem galinhas não tem beleza, “não
é um sítio de verdade, não nos sentimos no campo” (dona
Maria de Loudes, agricultora familiar da comunidade
Lagoa do Urubu, município de Ouricuri, região semi-árida
do Estado de Pernambuco).
118
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
4.3. Características Principais dos Sistemas e Manejo da
Criação de Galinha de Capoeira Dentro da Lógica da Agricultura Familiar no Semi-árido Brasileiro.
O tamanho do rebanho e o grau de detalhes nas práticas de
manejo das aves de capoeira dependem inicialmente do domínio da agricultora familiar sobre as atividades que desenvolvem
em seu quintal (hortas, criação de outros animais menores, presença de instalações etc.) e, sobretudo, do tempo de que dispõe para a atividade de criação de aves. Com efeito, o tempo
é um fator fundamental. Ademais das atividades domésticas e
dos cuidados com a família, geralmente é função da mulher a
busca e o manejo da água potável e da lenha para cozinhar. A
mulher agricultora familiar também está envolvida em algumas
etapas dos cultivos, especialmente no plantio e na colheita, e,
em muitos casos, em todas as etapas.
Entretanto, além destes fatores, cada detalhe do manejo e do
tipo de sistema adotado está integrado à lógica de produção
diversificada do agroecossistema, que normalmente adotam os
agricultores familiares. Neste sentido, a atividade de criação de
aves às vezes aparece como a principal dentro do agroecossistema. De fato não é raro encontrar agroecossistemas da agricultura familiar na região semi-árida que têm na criação de galinha
de capoeira sua atividade mais importante. Isto é comum em
agroecossistemas manejados por agricultoras familiares viúvas,
separadas ou por aquelas cujos maridos emigraram às grandes
cidades do Brasil em busca de trabalho. Vale salientar que na
lógica da agricultura familiar a criação de galinhas e outras aves
não aparece como a única atividade econômica.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
119
Os manejos e tipos de sistemas adotados pelas agricultoras
familiares são reflexos, portanto, de um conjunto de fatores internos e externos aos agroecossistemas e de um domínio de
conhecimentos de uma complexidade de fatores ecológicos,
climáticos e socioeconômicos, assim como do comportamento
da ave num agroecossistema especifico.
Para facilitar a compreensão sobre o significado desta complexidade de conhecimentos que as mulheres acumularam durante gerações, na continuação se faz uma caracterização dos
principais tipos de sistemas de criação de galinhas de capoeira
existentes na região semi-árida, exemplificando um pouco as
práticas e lógicas centrais de manejo que aplicam as mulheres.
Manejo no sistema da criação “solta” durante todo o ano.
No sistema de criação solta as aves ficam livres ao redor da
casa durante o dia. Ao anoitecer elas se recolhem espontaneamente, seja num galinheiro ou numa árvore próxima à
casa. Só em situações específicas é que existe reclusão das
aves: para a “terminação” (engorda e “limpeza”); para colocar as aves para chocar e para submeter a ave a determinados tipos de estresse para que saiam do estado de choco e
voltem a por mais rapidamente.
Neste sistema, as aves buscam por si mesmas uma parte
importante dos alimentos na área situada em torno da casa.
O raio de ação das aves pode variar com o tipo de ambien120
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
te (um raio menor se a casa está
cercada por bosque, por exemplo), mas em geral a galinha busca seus alimentos “escavando” e
“pastoreando” num raio de mais
ou menos 200m. Já o peru e a
guiné exploram uma área muito
maior, não sendo raro encontrar
o peru a 500m da casa. Nestas
caminhadas as aves consomem
insetos, larvas, sementes, folhas, gramíneas, flores, etc. Esta
dieta em “self-service” lhes proporciona energia, mas, sobretudo proteínas, vitaminas e sais minerais (Jalfim, Siderski &
Castello Branco, 1991).
A área em torno da casa é uma fonte de alimento que varia
durante o ano. Alcança seu máximo de rendimento durante
o inverno27 e início do verão28. Pouco a pouco a oferta diminui, até que a situação se torna crítica na eventualidade
de uma seca. As famílias que criam aves estão plenamente
conscientes das diferenças na oferta do meio e levam isto
em consideração ao fornecer outros alimentos ao plantel.
Entretanto, é importante destacar que as agricultoras familiares nunca deixam de fornecer algum tipo de alimentação,
inclusive durante o inverno, quando a oferta do meio é maior
(Jalfim, Siderski & Castello Branco, 1991).
27 Em toda a região Nordeste do Brasil a expressão inverno corresponde à estação
das chuvas.
28 O verão corresponde à estação do ano sem chuvas, mas vale ressaltar que esta
estação sem chuvas não equivale à seca. De acordo com Duarte (1999, p.12) “uma
seca pode caracterizar-se tanto pelo baixo nível da precipitação anual em relação à
média de um ano de chuvas normais, quanto pela distribuição irregular das chuvas
durante o período chuvoso”.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
121
As mulheres desenvolvem uma estratégia de alimentação
das aves em função da época do ano. No inverno se encontram as fórmulas mais variadas. Os ingredientes podem ser:
melancia (a polpa, a casca, as sementes), restos de comida,
feijão cozido; abóbora, etc. Entretanto, é importante dizer
que nenhuma destas dietas inclui todos os ingredientes: em
geral se fornece milho e mais dois ou três alimentos.
No verão cresce a importância da alimentação proporcionada pela família à medida que diminui a oferta do meio. O milho continua presente e a melancia, restos de comida e feijão
cozido, na medida da disponibilidade. O sorgo e a mandioca
como possibilidade alternativa durante o verão. Em situação
de seca a oferta do meio diminui muito mais, até quase desaparecer.
Mas a estratégia da alimentação fornecida às aves não
contempla somente o aspecto da composição da dieta. As
quantidades fornecidas também têm seu papel. Em geral a
quantidade fornecida é inversamente proporcional à disponibilidade natural de alimento. Assim, a necessidade é menor
no inverno e início do verão. Nesta época a quantidade e a
freqüência do milho na alimentação fornecida são menores.
É importante ressaltar que, nesta época, o milho é escasso
(a colheita é no verão) e caro.
No verão aumenta a importância da alimentação fornecida
pela agricultora familiar. Aumentam as quantidades fornecidas e a importância do milho. Na seca este processo se
acentua, diminuindo as alternativas e aumentando a dependência em relação ao milho.
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Oferecer alimento, porém, não é a única estratégia usada
pelas agricultoras familiares para enfrentar os problemas da
criação de aves. Existe também um manejo do tamanho e
da idade do rebanho. Assim, o rebanho cresce ao final do inverno até meados do verão, quando chega ao seu máximo.
A partir deste momento o tamanho diminui num ritmo determinado, em grande parte, pelas reservas de milho ou dos
substitutos diretos, como o sorgo (Jalfim, Siderski & Castello
Branco, 1991).
Por outro lado, não é raro encontrar rebanhos bastante jovens. Este efeito, provocado através de uma estratégia de
renovação acelerada, também tem como conseqüência uma
diminuição da demanda de alimentos, sendo que os animais
jovens (até 18 meses, para galinhas) têm uma taxa de conversão mais eficiente que os animais mais velhos.
Entretanto, às vezes estas estratégias não conseguem manter a criação. Acontece, então, que nestas ocasiões a agricultora familiar se desfaz do plantel ficando somente com “a
semente”29.
O guiné e o peru têm uma sensibilidade diferente frente à
escassez de milho. Enquanto que o peru é um consumidor
de milho e não consegue sobreviver sem ele, o guiné resiste
melhor. Assim, quando falta milho, a redução do plantel afeta
mais as galinhas e os perus. Seria possível até dizer que o
guiné é menos dependente em relação ao milho e, por isto,
o mesmo resiste mais tempo em situação de crise.
29 A expressão “a semente” significa, neste caso, o número mínimo de animais
necessários para renovar a criação quando a disponibilidade de alimento seja maior.
Por exemplo, 1 galo e 2 ou 3 galinhas.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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As agricultoras familiares tratam as criações de maneira diferenciada no tema alimentação. Os que merecem menos
atenção são os frangos: recebem só milho. Por outro lado
os pequenos perus e os pintinhos de guinés têm um cardápio especial, que pode incluir: o ovo cozido despedaçado,
farinha de mandioca com leite, milho moído com leite. Para
os pintinhos de guiné as mulheres preferem utilizar o cupim
branco, pois sabem que é só este tipo de cupim que serve
para alimentação deles. O cupim branco só se encontra em
algumas espécies de árvores, por isso, não é fácil de encontrar. Não havendo o cupim branco, faz-se a substituição
pelos alimentos recém citados (Jalfim, Siderski & Castello
Branco, 1991).
Manejo no sistema de criação “presa” no inverno
Em algumas situações o campo de cultivo fica perto do
quintal, o que obriga às agricultoras familiares a prenderem
as aves no chiqueiro ou galinheiro. Isto ocorre basicamente
em duas situações: uma é quando no processo de rotação
das áreas de pousio, chega o ano em que o cultivo se faz
perto do quintal; outra está relacionada ao tamanho da propriedade, pois quando esta é pequena, sem possibilidade
de fazer a prática do pousio, durante o período das chuvas
se faz o plantio em áreas muito perto do raio de ação das
aves.
O confinamento das aves, geralmente, é necessário até depois da colheita. Quando as aves são soltas, as práticas de
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
manejo se parecem com o modo do sistema de solta durante todo ano.
Que conseqüências, no entanto, trazem este sistema para a
alimentação das aves? O meio já não proporciona alimentos
para o rebanho durante o tempo que permanece preso. A
ave se torna assim totalmente dependente da alimentação
fornecida por quem cria. A composição da alimentação fornecida pelas agricultoras familiares neste caso não é muito diferente das que se criam soltas: elas fornecem milho,
melancia, mandioca. A diferença é, sobretudo nas quantidades fornecidas e em particular na quantidade de milho,
que cresce significativamente. Esta reclusão traz outras
conseqüências. Comumente as galinhas não chocam nem
põem quando estão presas. Neste caso, o plantel consome
principalmente milho e não existe retorno econômico (Jalfim,
Siderski & Castello Branco, 1991).
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
125
Confinar as galinhas no inverno pode ter um efeito no manejo
do tamanho do rebanho. Em primeiro lugar, porque faz crescer o consumo de milho no inverno. Também o fato de que
as galinhas não choquem durante o inverno pode retardar o
início do ciclo anual de crescimento do rebanho.
Frente a esta situação as mulheres podem adotar duas estratégias: primeiro, reduzir o rebanho através do consumo e
venda da maior parte do mesmo, deixando apenas a “semente”, momento em que fazem um cuidadoso processo de
seleção. Selecionam as melhores galinhas e galos, ficando
“aquelas mais bonitas, maiores, boas poedeiras e cuidadosas com seus pintinhos. São as que darão origem às novas
criações no final da última colheita” (Freire et al., 2005); segundo, fazer uma libertação controlada das aves. Isto significa confinar as aves somente durante alguns períodos específicos. Estes correspondem a etapas do ciclo dos cultivos,
sobretudo do feijão: o plantio, a floração, o crescimento da
vagem e durante a colheita.
As agricultoras familiares que necessitam confinar suas aves
no inverno, não adotam a criação de guinés. Em primeiro lugar, porque é literalmente muito difícil manter estas galinhas
presas durante o inverno, e também porque só põem ovos
“no mato”.
Manejo no sistema da criação totalmente “presa”
Em muitas das regiões mais densamente povoadas do semi-
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
árido brasileiro, como a do Brejo Paraibano30, a conjugação
de fatores como: i) o reduzido tamanho das propriedades,
de um a cinco hectares, e ii) a maior disponibilidade de umidade, devido a um clima mais ameno em regiões de maior
altitude e índices pluviométricos mais elevados que a média
da região ou por ter acesso à água de irrigação pela proximidade a rios temporários, provocam uma configuração
particular das propriedades e consequentemente dos meios
de vida e/ou da organização da produção dos agricultores
familiares.
Nestas condições, de reduzida disponibilidade de terra e
maior disponibilidade de umidade nos solos para os cultivos,
“o campo e o quintal se confundem no espaço, comprometendo a estruturação e a organização das atividades ao
redor da casa” (Freire et al., 2005). Configuram-se, assim,
conflitos de propósitos no núcleo familiar, que provocam a
necessidade de ajustes nas atividades produtivas e de reprodução do modo de vida.
A respeito da alimentação e manejo do rebanho, as mulheres tentam fornecer uma dieta variada para as galinhas, mas
existe uma forte dependência do milho durante todo o ano.
30 A Região Nordeste do Brasil, especialmente sua porção ocidental, apresenta uma
climatologia complexa, devido principalmente à sua posição geográfica em relação
aos diversos sistemas de circulação atmosférica, apresentando uma extraordinária
variedade de climas, que se reflete grandemente em sua precipitação, com pouca
diferenciação térmica (Nimer, 1977). Na porção ocidental do Nordeste existem
cadeias de serras onde sobressaem blocos residuais dispersos de até 1000 a 2000
m de altitude (Moreira, 1977), os denominados “brejos de altitude”. Nestes “brejos” se
desenvolvem bosques de altitude de composição florística única, com alta diversidade,
e onde a precipitação é muito superior à do semi-árido circundante, chegando a
1300 mm anuais (Melo, 1988). Assim, os “brejos” são áreas de ocupação antiga,
fundamentalmente devido às boas condições para o desenvolvimento da agricultura
e, consequentemente, apresentam elevada densidade demográfica.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
127
Esta situação implica, por um lado, em rebanhos pequenos
e pouco produtivos, pelos motivos explicados acima para a
criação presa durante o inverno, e, por outro, muito caros
em termos de demanda de milho e mão-de-obra. Mas, em
geral, as mulheres não desistem facilmente desta atividade
e certamente deve haver casos de êxito em manejar as aves
sob estas condições.
4.3.1. As Principais Limitações da Criação de Galinha de Capoeira
As limitações aqui consideradas são vistas, por um lado,
a partir dos elementos internos que interagem nos agroecossistemas, ou seja, o funcionamento dos próprios sistemas de criação de aves descritos acima em sua relação
com o agroecossistema do qual faz parte e, por outro, partindo das influências externas que direta ou indiretamente
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
influem no desempenho dos sistemas de criação de capoeira.
Em relação aos elementos internos que interagem nos agroecossistemas, uma limitação central é a base da alimentação
das aves. Este é sem duvida um problema muito importante. Existe uma grande dependência da atividade em relação
ao milho. Esta característica é tão forte que poucas mulheres conseguem imaginar que é possível manter um plantel de
aves sem milho. A produção de milho na propriedade é fundamental para esta criação, e esta produção é imprevisível,
dada justamente à irregularidade dos invernos. A alternativa de
comprar milho para sustentar as aves é cara, sobretudo porque quando falta é quando o preço do milho é mais elevado.
Por sua vez, este problema da disponibilidade de alimentos
para as aves não depende somente do desejo e atitude das
mulheres para buscar alternativas ao milho e outras saídas
em termos de cultivo que estejam direcionados para as aves,
mas é um problema que depende de avanços numa relação
de gênero que ainda é desfavorável para as mulheres. Este
tipo de limitação cultural não só afeta diretamente a solução
deste problema central para o avanço do desempenho da
criação de galinha de capoeira, senão também com relação
aos outros níveis de tomadas de decisão e ações desenvolvidas pelas mulheres, como a necessidade de uma maior
organização para alcançar uma relação mais justa e eficiente
com o mercado local.
O tema da organização social para enfrentar as diversas dificuldades com a criação de aves é um tema muito delicado
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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para o avanço desta atividade. Normalmente, os projetos que
tentam melhorar as condições de criação através do aumento da produtividade e de um melhor acesso aos mercados
têm por tendência agrupar os rebanhos de aves num só local
da comunidade, numa área coletiva e com uma dinâmica de
manejo que envolve todas as mulheres também em trabalhos
do tipo coletivo, em diferentes tipos de arranjo de emprego
da mão-de-obra, sejam dias alternados de trabalho, tarefas
específicas de trabalho, etc. A experiência do autor em acompanhar estes tipos de experiências coletivas tem demonstrado que tais iniciativas começam muito bem, com muita motivação por parte do grupo, mas com o tempo tais projetos
tendem a fracassar e entre as causas para isto estão:
• a ruptura com o uso da mão-de-obra da mulher que
antes era integrada a suas tarefas domésticas e passa
a uma dinâmica de trabalho que aumenta sua jornada
diária de trabalho, sobretudo com deslocamentos até o
ponto de criação;
• os problemas inter-pessoais decorrentes das cobranças
por falhas no manejo, tarefas planejadas e não cumpridas e diversos problemas comuns no cotidiano de
uma criação de aves num sistema que exige cuidados
mais detalhados; e
• o desequilíbrio na divisão das responsabilidades, que
geram, por um lado, insatisfação naqueles mais sobrecarregados e, por outro, críticas daqueles que estão
com pouco poder de decisão dentro do grupo.
130
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Por outro lado, os projetos que mais apresentaram êxito foram aqueles que buscaram a melhoria da produtividade e
desempenho geral das criações, a partir de trabalhos que
não modificavam a dinâmica normal de criação feita nos próprios quintais das mulheres. Concentravam os esforços de
organização coletiva estrategicamente apenas na solução
das questões-chave, como a comercialização e a produção, armazenamento e transformação dos alimentos para
as aves.
Outras limitações, mais pontuais, mas não menos importantes, são os problemas com as perdas provocadas pelos predadores e algumas doenças. São comuns nestes sistemas
as mortes de aves pela ação de raposas, gatos do mato, etc.
A ação dos predadores também provoca perdas consideráveis de ovos. As doenças que provocam mais perdas, como
por exemplo, a doença de Newcastle, provavelmente são
doenças que poderiam ser evitadas com medidas simples,
como a prática de vacinação periódica dos rebanhos (Jalfim,
Siderski & Castello Branco, 1991).
Finalmente, uma grande limitação à criação de galinha é a
progressiva aproximação das áreas de cultivo aos quintais.
Este processo tem basicamente duas razões, que muitas vezes se misturam: primeiro, surge como um resultado de uma
diminuição do tempo do pousio, ou seja, devido às perdas
de fertilidade e poucas terras disponíveis, as áreas perto do
quintal são cada vez mais utilizadas a menores intervalos de
tempo. Segundo, como resultado das sucessivas partilhas
das propriedades, objetivando atender à demanda dos filhos
para a constituição de novas famílias, que tornam as novas
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
131
propriedades demasiado pequenas. Como já foi destacada
neste trabalho, a necessidade de criar as aves presas é uma
limitação muito séria para a lógica da agricultura familiar de
criação de aves, isto porque, por um lado, esta prática torna os sistemas, nos moldes atuais, ainda mais dependentes
do milho, o que piora o problema da alimentação. Por outro
lado, a prática de criar “preso” torna mais grave e mais evidente o problema de doenças e reduz a produção a níveis
economicamente inviáveis para as famílias.
Do ponto de vista das questões externas que direta ou indiretamente influem no desempenho dos sistemas de criação
de galinhas de capoeira podem-se enumerar vários aspectos, mas aqui destacamos apenas três importantes:
A. O acesso ao mercado
Existe um mercado local (no nível comunitário e municipal)
onde as agricultoras familiares comercializam a produção
da criação de aves. Entretanto, como já foi bastante discutido neste trabalho, cada vez mais este mercado vem sendo
invadido pelos produtos das granjas industriais, que fazem
uma competição muito dura em termos de preços e logística
de distribuição. O consumo maciço e freqüente dos ovos e
carne industriais já começa a promover perceptíveis mudanças na preferência dos consumidores jovens, que passam a
dar prioridade ao sabor destes produtos em detrimento dos
produtos das aves de capoeira. Esta mudança não é um fato
irreversível, mas é uma limitação que oferece um sério risco
132
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
de uma grande perda de mercado em médio e longo prazo,
caso não haja uma consistente melhora e ampliação das iniciativas de reação que estão em curso.
B. Chegada do vírus da gripe aviária.
Ademais do problema acima mencionado, a eventual entrada do vírus da gripe aviária no país seguramente irá promover uma série de medidas do governo brasileiro sobre a
biossegurança da avicultura industrial nacional que estarão
relacionadas também com a criação de aves de capoeira da
agricultura familiar. Pelas razões anteriormente expostas no
capítulo sobre a avicultura industrial brasileira, é muito provável que, caso apareçam focos de gripe aviária no Brasil,
as medidas de biossegurança teriam repercussões muito
severas no acesso dos produtos da avicultura familiar ao
mercado local e inclusive sobre a própria produção para o
auto-abastecimento.
C. Interação com os resultados e produtos da investigação
Em relação aos pequenos e grandes ruminantes, já se tem
um amplo conhecimento técnico e científico sobre a lógica
do manejo destes sistemas de criação e existem os mais
variados trabalhos sobre suas limitações e aproveitamento
de suas potencialidades. No semi-árido do Brasil, inclusive
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
133
existe um centro da EMBRAPA31 dedicado exclusivamente à
investigação com caprinos e ovinos. Entretanto, apesar da
importância da criação de galinhas nos agroecossistemas
familiares, bastante explicitada por grupos organizados de
mulheres agricultoras familiares e amplamente evidenciada
neste trabalho, ainda são raros e muito pontuais os trabalhos
técnico-científicos que consideram os sistemas da agricultura
familiar de criação de galinhas (e outras aves), a lógica de manejo que derivam dos conhecimentos das mulheres, assim
como sua contribuição para a sustentabilidade destes agroecossistemas, seus limites e as potencialidades que oferecem
para contribuir para a soberania alimentar desta região.
É importante mencionar que a EMBRAPA tem um centro exclusivo para investigações com suínos e aves32, situado na
região Sul do Brasil, mas até o momento tem produzido poucos trabalhos sobre a criação tradicional de aves, e estes,
ainda que sejam importantes, são muito restritos à realidade
desta região e em geral tendem a propostas que levam a fortes mudanças nos sistemas tradicionais, ainda baseadas em
um paradigma técnico-científico que pouco reconhece ou
não reconhece os saberes locais das agricultoras familiares.
De fato, a principal investigação deste centro da EMBRAPA que tenta se aproximar da agricultura familiar parece ser
o desenvolvimento de um sistema de produção chamado
de colonial, com uma versão para corte e outra para pos31 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. É a principal organização do
governo brasileiro para investigação no setor agropecuário nacional. “São 41 Unidades
distribuídas pelo País e a Sede está localizada em Brasília (DF). São mais de dois mil
investigadores trabalhando em diferentes temas, produtos e ecossistemas, aliando
agricultura, pecuária, agroindústria e meio ambiente.”
32 Centro de investigação chamado de EMBRAPA Suínos e Aves (http://www.cnpsa.
embrapa.br/>)
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
tura. Estes são caracterizados como sistemas intermediários entre o tradicional e o industrial. Para estes sistemas
se desenvolveram linhas híbridas de corte e postura, com
maior resistência que as linhas híbridas industriais e uma capacidade produtiva de carne e ovos que se aproxima destas
últimas. Ainda que estes trabalhos respondam parcialmente a demandas das famílias de agricultores familiares, ainda
refletem o paradigma da máxima produtividade. Assim, se
anteriormente havia uma recomendação técnica para que as
galinhas nestes sistemas tivessem acesso a áreas de parque
verde cercado, atualmente as recomendações técnicas mudaram e não se inclui mais a liberdade das galinhas, como
se pode ver na mais recente circular técnica de EMBRAPA
sobre este sistema, onde se afirma:
As poedeiras coloniais Embrapa 051 são aves para a produção de
ovos, recomendadas para sistemas alternativos, diversificando a pequena propriedade. Depois do período de postura, as aves abatidas
podem servir para o consumo domestico e (ou) industrial. Este sistema de produção inclui um galinheiro telado com cortinas laterais, para
a criação confinada, com baixa densidade (Avila et al., 2006. p.1).
Desta maneira, no contexto nacional de investigação agropecuária são raros os trabalhos científicos com o tema galinha de capoeira. Além de poucos, menos ainda são aqueles baseados num paradigma técnico-científico que permite
uma abordagem mais próxima do reconhecimento da lógica
do manejo utilizado pelas mulheres, sobretudo no máximo
aproveitamento dos recursos locais33.
33 Neste sentido se considera que a EMBRAPA Meio-Norte, localizada na região
semi-árida, tem desenvolvido uma interessante investigação sobre Validação de um
Sistema Alternativo de Criação de Galinha de Capoeira. Disponível no site:
http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/AgriculturaFamiliar/
RegiaoMeioNorteBrasil/GalinhaCaipira/index.htm
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
135
No caso das ONGs, também são recentes e poucos os trabalhos de investigação participativa com o tema galinha de
capoeira. Na região semi-árida, existem alguns trabalhos interessantes com sistemas de criação de aves de capoeira
a partir de uma abordagem conceitual e metodológica mais
próxima à Agroecologia. A maioria dos trabalhos tem como
eixo central melhorar a capacidade de produção de ovos
e carne das criações tradicionais objetivando alcançar um
melhor acesso das famílias aos mercados locais. Geralmente, estes trabalhos respondem parcialmente a demandas de
famílias e grupos de mulheres por novos conhecimentos e
propostas para alcançar avanços no manejo tradicional, de
maneira que obtenham maior produção e melhor distribuição ao longo do ano. A outra parte dos trabalhos realizados por ONGs busca melhorar o desempenho da criação de
aves desde uma perspectiva que tenta alcançar um aperfeiçoamento na produção a partir, principalmente, dos próprios
conhecimentos das agricultoras familiares em sua lógica
tradicional de manejar seus rebanhos de aves, tendo como
objetivo principal manter uma produção suficiente para garantir o autoconsumo e, quando seja possível, gerar algum
excedente para a comercialização.
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
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O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
5.
Conclusão
O presente trabalho expõe alguns aspectos da trajetória da modernização e globalização da avicultura brasileira que denotam
indícios da formação de um tipo de sistema agroalimentar incompatível com a sustentabilidade ecológica, que é socialmente excludente e que oferece riscos para a soberania alimentar
do país.
Foi visto também que este modelo hegemônico de produção
avícola exerce forte influência direta e indireta sobre a criação
de galinhas de capoeira, com diferentes tipos de repercussões
e restrições para o avanço desta, ainda pouco conhecidos por
este e demais estudos no campo das ciências agrárias. Tais
influências representam riscos imprevisíveis para a continuidade
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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desta importante atividade dentro dos agroecossistemas tradicionais e sistemas agroalimentares em que se insere a agricultura familiar do semi-árido em particular e do Brasil como um
todo.
Por outro lado, o presente estudo apresenta informações básicas sobre a criação de galinhas de capoeira que apontam para
a importância desta atividade para a formação de um tipo de
sistema agroalimentar local estratégico para a agricultura familiar do semi-árido, com potencial para, por um lado, fortalecer a
resiliência e resistência dos agroecossistemas tradicionais e, por
outro, contribuir para resgatar uma relação mais próxima entre
os habitantes dos meios urbanos e rurais, favorecendo também
uma alimentação mais sadia.
Entretanto, como foi demonstrado neste trabalho, existe muito
por fazer sobre este tema. Os desafios são enormes e o tema
ainda é pouco atrativo para os diferentes tipos de atores científicos, políticos, econômicos e sociais que atuam junto à agricultura familiar.
Diante de tais fatos e da relevância e carência do tema, comprovado pelo presente estudo, é fundamental o avanço dos diferentes segmentos que atuam diretamente junto à agricultura
familiar buscando aplicar os conceitos e bases científicas da
Agroecologia para contribuir para o desenvolvimento da criação
tradicional de aves. Por um lado, os setores governamentais
(Universidades, Embrapa, centros estaduais de investigação e
extensão rural e programas e projetos do governo federal) e,
por outro lado, a sociedade civil organizada (movimentos sociais e sindicais, setores das Igrejas e ONGs relacionadas com
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Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
a agricultura familiar, associações rurais, sobretudo aquelas organizadas na Articulação do semi-árido brasileiro – ASA).
Ademais da defesa técnico-política do tema para a soberania
alimentar nacional, todos estes atores podem contribuir para o
futuro da atividade da criação de galinha de capoeira no Brasil através da investigação participativa, que se aproxima das
características de uma Investigação e Ação Participativa (IAP).
Portanto, a maior parte destes atores públicos, governamentais
e não governamentais, poderiam estimular e desenvolver projetos de pesquisa participativa no futuro, encaminhados a pelo
menos dois objetivos gerais:
A. Um maior conhecimento e compreensão das formas de
manejo da agricultura familiar da criação de aves de
capoeira numa zona típica do semi-árido do Brasil;
B. Acompanhar um processo participativo de diagnóstico,
intercâmbio de experiências e desenho de ações
destinadas tanto a melhorar o manejo como a comercialização dos produtos avícolas por parte das mulheres
agricultoras.
Estes objetivos gerais podem ser vistos como pontos de partida, já que no processo de investigação poderão ser ampliados, melhorados ou mudados devido ao caráter participativo
de construção da proposta de pesquisa. Da mesma forma, os
objetivos específicos, planejamento das ações e processo de
monitoramento e avaliação podem ser elaborados a partir de
aspectos metodológicos centrais de uma IAP, outras metodologias de experimentação participativa e dos elementos teóricoAgroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
141
metodológicos que foram construídos no presente trabalho.
Para isto, na investigação devem ser consideradas as seguintes
premissas metodológicas:
• o objeto da investigação deve ser definido pelas agricultoras familiares, consideradas como investigadoras,
mediante o assessoramento do técnico¬/a responsável
pela investigação do estudo (“investigador de fora”);
• “o investigador de fora” tomará conhecimento da
realidade na qual vai trabalhar1 através de estudos
prévios, dados secundários, oficinas e entrevistas com
as/os lideres locais;
• a equipe de investigação estará formada pelo “investigador de fora” e pelas agricultoras familiares, seus
representantes diretos (movimentos sociais, sindicatos,
associações, entre outros) e ONGs de assessoria técnica;
• o planejamento da investigação será elaborado pela
equipe acima mencionada;
• os objetivos da investigação serão definidos pelas agricultoras familiares a partir dos aspectos da realidade que
lhes são prioritários;
• não existirá uma etapa de “trabalho de campo” como na
investigação convencional, e sim uma geração de conhe1 Estas investigações podem ser realizadas em municípios do semi-árido que
apresentam uma condição socioeconômica e ambiental, sobretudo climática, típica
do semi-árido brasileiro e onde já existam processos iniciados de grupos de mulheres
agricultoras que já estão organizadas e buscando formas de melhorar sua inserção
nas cadeias curtas de comercialização de frangos e ovos de galinha de capoeira. Um
bom exemplo seria a zona do Sertão do Cariri, localizada no semi-árido do Estado da
Paraíba,
142
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
cimento desde a ação da investigação onde os
diferentes membros da equipe se beneficiarão mutuamente das experiências entre eles;
• apesar da perspectiva adotada, se admite que possam
ser utilizadas também técnicas que se enquadrem nas
perspectivas estrutural e distributiva, de acordo com a
caracterização feita por Sevilla Guzmán (2006/2007b),
como o questionário, a observação participativa e a
entrevista;
• a análise dos dados será realizada através de técnicas
que utilizam o diálogo com a participação de todos;
• quando apenas uns poucos representantes da comunidade se incorporem à investigação, a equipe procederá
a “devolução” dos resultados através de reuniões amplas,
das quais se espera um efeito de “feedback” para
validação dos dados e onde “técnicas simples” de comunicação serão utilizadas;
• As propostas de ação serão definidas em função das
necessidades das agricultoras familiares interessadas na
pesquisa;
• produção de materiais didáticos e de informação pertinentes para cada tipo de público envolvido direta ou
indiretamente com a pesquisa.
Complementarmente e dialogando com a equipe de investigação, “o investigador de fora” deverá desenvolver um marco teórico e metodológico da Agroecologia, especialmente sobre a
Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:
O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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investigação participativa, e sistematizar os aportes teóricos e
metodológicos dos estudos sobre gênero que possam contribuir para fazer visível o trabalho e o conhecimento das mulheres.
Sob esta perspectiva, se assumirá que a compreensão da realidade estudada se alcança necessariamente, através de uma
ampla reflexão e integração entre os conhecimentos das próprias agricultoras familiares e aqueles técnicos/as e pessoas
envolvidas na pesquisa, onde todos se assumem como investigadores do tema em estudo. Por conseguinte, haverá, em certo grau, nesta investigação uma ruptura epistemológica com
as ciências agropecuárias e florestais convencionais (Sevilla,
2006/2007b). Tal perspectiva de investigação terá um significado dinâmico da compreensão da realidade estudada, a qual
será uma visão com limitação espacial, temporal e provisória;
e como tal faz parte de um momento histórico de determinado
grupo social.
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O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.
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