FÁBIO COUTINHO SILVA ANTES QUE O MUNDO DA LEITURA ACABE: um estudo da recepção de uma obra juvenil na escola pública paulista ASSIS 2011 FÁBIO COUTINHO SILVA ANTES QUE O MUNDO DA LEITURA ACABE: um estudo da recepção de uma obra juvenil na escola pública paulista Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestre em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientador: Ceccantini ASSIS 2011 João Luís Cardoso Tápias Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP S586a Silva, Fábio Coutinho Antes que o mundo da leitura acabe: um estudo da recepção de uma obra juvenil na escola pública paulista / Fábio Coutinho Silva. Assis, 2011 262 f. : il. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Orientador: João Luís Cardoso Tápias Ceccantini 1. Literatura infanto-juvenil. 2. Leitura – Estudo e ensino. 3. Literatura – História e crítica. I. Título. CDD 028.5 801.93 Para Isabella, minha querida esposa, por tantos sonhos. Para Gabriel, meu lindo filho, por todas as alegrias. AGRADECIMENTOS A Deus, pela força de viver. À Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, pelo incentivo concedido através do Programa Bolsa-Mestrado. À Diretoria Regional de Ensino de Avaré, em especial à Terezinha, Mira e Ondina, pela paciência e compreensão. À Escola Estadual “Jardim Primavera”, pela oportunidade concedida e por todo apoio e, de forma particular, à Maristela Bodelão, por acreditar em meu trabalho; às professoras Melita, Erta, Nicole, Amanda e Luana, pela disponibilidade, esforço e paciência; aos queridos alunos do Ensino Fundamental, especialmente aos das turmas de sétima série de 2009, sem os quais este trabalho não existiria. Aos professores Carlos Eduardo Mendes de Moraes, pela orientação inicial; Benedito Antunes, pelas valiosas contribuições; e Sandra Aparecida Ferreira, pelo primeiro e essencial impulso. Ao professor João Luís. C. T. Ceccantini, pela prestimosa orientação, por todo o conhecimento e por apostar em meu potencial. Aos familiares e amigos, por aceitarem minhas constantes ausências. À Isabella Natal, minha maior incentivadora. Adolescente é um substantivo no particípio presente: um ser que está acontecendo. O segredo do adolescente está guardado, há séculos, no DNA da palavra adolescente, para só revelar-se agora, no nosso tempo. O radical vem de verbo latino oleo, -es, -ere, -olui, que quer dizer exalar um perfume, um cheiro, recender – bem ou mal. É a mesma raiz da palavra olor, significando aroma sutil, fragrância. Com a preposição ad como prefixo formou-se o verbo latino adoleo, que quer dizer queimar, fazer queimar, consumir pelo fogo em honra de um deus. [...] O terceiro elemento da fórmula, o esc, só acentua a idéia de processo temporal, de algo que vai acontecendo, como na palavra evanescente – o que se esvai aos poucos. Assim, adolesco, extensão de adoleo, é um verbo de duplo sentido, que significa transformar-se em vapor, em fumaça, e também passar de um estado a outro – crescer, desenvolver-se, tornar-se maior. O elemento ent só vem acentuar mais uma vez o acontecimento temporal: adolescente é aquele mutante que está sendo posto para se consumir ardentemente, enquanto cresce. O particípio passado do mesmo verbo é (pasmem!) adulto. Assim, diante do adolescente, o adulto se arrisca sempre a ser o fósforo queimado, aquele que não fede nem cheira. [...] José Miguel Wisnik SILVA, Fábio Coutinho. Antes que o mundo da leitura acabe: um estudo da recepção de uma obra juvenil na escola pública paulista. [Dissertação de Mestrado]. Assis, 2011. RESUMO O presente trabalho está vinculado ao Grupo de Pesquisa “Leitura e Literatura na Escola”, do Departamento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP), que se consolidou a partir de diversos estudos sobre a recepção de narrativas juvenis por alunos do Ensino Fundamental. A pesquisa-ação incluiu a realização de um trabalho de incentivo à leitura, promovendo o contato dos alunos com narrativas literárias, no Ensino Fundamental II (5ª a 8ª séries, ou 6º ao 9º ano), da Escola Estadual “Jardim Primavera”, da cidade de Cerqueira César. A aplicação do projeto, em parceria com professores da escola, dispôs da carga horária semanal da disciplina de Leitura e Produção de Textos do Ensino Fundamental II, durante o segundo semestre do ano de 2009. Essa parceria demandou também um programa de aperfeiçoamento da prática docente no ensino da leitura, por meio de encontros de formação. Desse modo, o projeto trazia os seguintes objetivos: estudar o papel da literatura infanto-juvenil para a efetiva formação do leitor, buscando contribuir para a superação do baixo desempenho dos alunos das escolas públicas na competência leitora; discutir sobre o aproveitamento de narrativas literárias na sala de aula, abrangendo aspectos ligados à prática docente e às metodologias de ensino da literatura; e analisar as impressões de leitura desses alunos, com base nos postulados da Estética da Recepção (Hans Robert Jauss). Após a aplicação dos projetos de leitura nas doze turmas da escola, procedeu-se a análise dos resultados quantitativos, para a seleção do corpus de análise, em função do que se verificou a possibilidade de um estudo comparativo da recepção nas três turmas de sétima série, para as quais foi oferecida para leitura a obra juvenil Antes que o mundo acabe, de Marcelo Carneiro da Cunha. Os alunos das três turmas preencheram fichas de leitura, participaram de entrevistas gravadas e transcritas e foram submetidos a um questionário socioeconômico amplo. A análise do corpus implicou na tentativa de transferência dos fundamentos da Estética da Recepção para uma leitura interpretativa das fichas e das entrevistas, que se somam aos dados etnográficos, para o levantamento de algumas hipóteses a respeito do horizonte de expectativas dos alunos ou para inferências sobre problemas ou dificuldades na compreensão leitora, frequentemente afetada pelo contexto da formação e das vivências do educando. Por fim, ressalta-se que a pesquisa apoiou-se em dupla perspectiva: a do professor, que vivencia a realidade da escola pública e que, no labor cotidiano da sala de aula, investe nas suas convicções em favor de um ensino público de qualidade; e a do pesquisador, que procura na atividade científica o desenvolvimento profissional, ratificando a necessidade cada vez mais premente de que a produção científica ofereça contribuições reais e imediatas para a sociedade. Palavras-chave: 1. Literatura infanto-juvenil. 2. Leitura – Estudo e ensino. 3. Literatura – História e crítica. ABSTRACT The current work is bonded to the “Reading and Literature at School” Research Group, at the Literature Department of “Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP)”, which consolidated itself from the several studies about the youthful narratives reception by Elementary School pupils. The action research included the performance of a work of literature incentive, promoting the contact between the pupils and the literary narratives, in Elementary School (from level 5 to 8, or 6 to 9), in “Jardim Primavera” Public School, in “Cerqueira César” city. The project application, into partnership with the teachers of the school, disposed of the weekly hours of the “Reading and Writing” subject in Elementary School, during the second semester in 2009. This partnership also demanded an improving program of the teaching practice in reading teaching, by the means of schooling meetings. In this way, the project had the following objectives: studying the children’s literature role to the effective reader schooling, trying to contribute to the surpassing of the pupils with poor performances in reading ability in public schools; discussing about the use of literary narratives in classroom, including aspects bonded to the teaching practice and to the methodologies of literature teaching; and analyzing these pupils’ reading feelings, based on principles of the Reception Aesthetics (Hans Robert Jauss). After the application of the reading projects in eleven different classes of the school, it was carried out the analysis of the quantitative data results to the selection of the corpus of analysis, according to what was observed, the possibility of a comparative study of the acceptance in the three classes of seventh grade, to which it was offered to read the youthful work “Antes que o mundo acabe” (Before the World Ends), by Marcelo Carneiro da Cunha. The pupils from the three classes filled in reading cards, participated of some recorded and transcribed interviews, and they were submitted to a broad socioeconomic questionnaire. The corpus analyses implicated in the transference of the Reception Aesthetics to the interpretative reading of the cards and the interviews added to the data collected through the questionnaires applied to the pupils from the selected classes, to the raising of some hypotheses about the horizons of the students’ expectations or the inferences about the problems or difficulties in reading comprehension, often affected by the context of educatee’s schooling and experiences. Lastly, it’s emphasized that the research was based on a double perspective: the teacher’s one, who experiences the public school reality and, in his everyday work, dedicates himself to a better and qualitative public school teaching; and the researcher one, who searches for a professional development in scientific research, ratifying the increasingly urgent necessity that the scientific production offers real and immediate contributions to the society. Keywords: 1. Children’s literature. 2. Reading – Studying and teaching. 3. Literature – History and criticism. LISTA DE QUADROS Quadro 1-Concepções de leitura e escrita da Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo...................................................................................................... 34 Quadro 2- Gêneros textuais na Proposta Curricular do Estado de São Paulo................ 35 LISTA DE FIGURAS Figura 1- Atividade do Caderno do Aluno, Volume 2, p.3............................................... 41 Figura 2 - Item h, questão 2...............................................................................………… 42 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Fichas de leitura…………………………….…………………………........... 101 Gráfico 2: Leitura integral das obras ………………………………………………........ 102 Gráfico 3: Tempo dedicado à leitura, em semanas ……………….….……..……........... 102 Gráfico 4: Ano de nascimento dos alunos das turmas A, B e C………………………… 125 Gráfico 5: Escolaridade do pai ……………………………………………………......... 126 Gráfico 6: Escolaridade da mãe ……………………………………………….………... 126 Gráfico 7: Renda familiar………………………………………………………….…… 127 Gráfico 8: Comparativo da renda familiar…………...……………..………………….... 128 Gráfico 9: Formação complementar …………………………………………..………... 129 Gráfico 10: Objetos de leitura na casa …………………………….…..……...……...... 130 Gráfico11: Hábitos de leitura dos pais ……………...…………………………...……... 131 Gráfico 12: Hábito de contar histórias nas famílias ………………..…………………... 132 Gráfico 13: O livro como presente ………………………………………………..……. 132 Gráfico 14: Proveniência dos livros na infância ………………………………………... 133 Gráfico 15: Motivação para a leitura……………………………………………………. 134 Gráfico 16: Opinião dos alunos sobre as aulas de Leitura………………………….....… 135 Gráfico 17: Dificuldades durante a leitura dos alunos das turmas A, B e C…………..... 136 Gráfico 18: Dificuldades durante a leitura dos alunos das turmas A, B e C, na comparação entre meninos e meninas…………………………………………………... 137 Gráfico 19: Preferências de leitura na biblioteca dos alunos das turmas A, B e C……... 137 Gráfico 20: Preferências de leitura entre meninos e meninas nas turmas A, B e C.......... 138 Gráfico 21: Hábitos de lazer das turmas A, B e C.................................………………… 139 Gráfico 22: Participação dos anos no preenchimento das fichas e nas entrevistas........... 151 Gráfico 23: Significado da leitura para os alunos das turmas A, B e C………………… 175 Gráfico 24: Variantes da prática de leitura por faixas etárias…………………………… 176 Gráfico 25: Estrutura familiar dos alunos das turmas A, B e C………………………… 181 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Fichas de leitura............................................................................................... 101 Tabela 2 – Participantes de turma A ...........................................................…………….. 148 Tabela 3 – Participantes de turma B ...........................................................…………….. 149 Tabela 4 – Participantes de turma C ...........................................................…………….. 150 Tabela 6 – Número de palavras proferidas ………………………………………….. 171 Tabela 7 – Índices de participações…………………………………………………… 171 Tabela 8 – Número de participações individuais, turma A…………………………… 172 Tabela 9 – Número de participações individuais, turma B…………………………… 172 Tabela 10 – Número de participações individuais, turma C…………………………… 173 Tabela 11 – Preferências dos alunos sobre as obras da biblioteca…………………… 177 LISTA DE ABREVIAÇÕES CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas DE – Diretoria de Ensino DRE – Diretoria Regional de Ensino EF – Ensino Fundamental ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio EM – Ensino Médio HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo LDB – Lei de Diretrizes e Bases (1996) LP – Língua Portuguesa LPT – Leitura e Produção de Textos PC – Professor Coordenador PCLP/SP – Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo PCOP – Professor Coordenador de Oficina Pedagógica PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE – Secretaria Estadual de Educação SEE/SP – Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO. ................................................................................................................. 15 1 A LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL PAULISTA ....................... 25 1.1 Os Projetos de Leitura no Estado de São Paulo .................................................. 25 1.2 A literatura na nova Proposta Curricular de Ensino Fundamental do Estado de São Paulo…… .................................................................................................................... 33 2 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-HISTÓRICA ................................................ 45 Concepções de linguagem, literatura e leitura .................................................... 45 Linguagem ............................................................................................................. 45 Literatura……….. .................................................................................................. 46 Leitura……. ........................................................................................................... 52 2.2 2.2.1 2.2.2 2.2.2.1 2.2.2.2 2.2.2.3 2.2.2.4 2.2.2.5 2.2.2.6 2.2.2.7 2.2.2.8 2.2.3 O Leitor e Estética da Recepção .......................................................................... 57 A Teoria da Recepção e a Pedagogia: uma aproximação possível ........................... 57 Conceitos fundamentais da Estética da Recepção para o trabalho com a leitura ...... 59 Hermenêutica Literária ........................................................................................... 61 Horizonte de expectativas ....................................................................................... 61 Concretização ......................................................................................................... 65 Função comunicativa da obra literária .................................................................... 67 A distância estética ................................................................................................. 69 Experiência estética ................................................................................................ 71 A identificação com a figura do herói ..................................................................... 75 Modalidades de identificação ................................................................................. 76 Para resolver alguns impasses metodológicos ......................................................... 77 3 3.1 A INTERVENÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR .............................................. 79 O espaço de atuação ............................................................................................. 79 3.2 Os impasses político-burocráticos........................................................................ 80 3.3 As professoras e o compromisso do projeto ........................................................ 81 3.4 Os encontros de formação .................................................................................... 82 3.4.1 Primeiro encontro: O que é leitura? ........................................................................ 83 3.4.2 Segundo encontro: A especificidade da leitura literária ........................................... 85 3.4.3 Terceiro encontro: Estética da Recepção – conceitos-chave e o método recepcional….. ..................................................................................................................... 88 3.4.4 Quarto encontro: Análise de uma recepção concretizada ......................................... 90 3.4.5 Quinto encontro: Os livros indicados para a leitura dos alunos................................ 91 4 4.1 A EXECUÇÃO DO PROJETO NAS SALAS DE AULA ................................... 93 A leitura e os impasses.......................................................................................... 93 4.2 As fichas de leitura e a definição do corpus ....................................................... 100 4.3 As entrevistas ...................................................................................................... 105 5 ANÁLISE DOS DADOS QUALITATIVOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA RECEPÇÃO DE ANTES QUE O MUNDO ACABE EM TRÊS TURMAS DE 7ª SÉRIE……………............................................................................................................ 107 5.1 A obra sob a ótica da Estética da Recepção: a distância estética ..................... 107 5.1.1 Uma tímida entrada na história da literatura juvenil brasileira ............................... 108 5.1.2 Outras leituras……............................................................................................... 110 5.1.3 Antes ainda, algumas considerações sobre o gênero.............................................. 112 5.1.4 O horizonte de expectativas na relativização do “fim do mundo” .......................... 116 5.2 5.2.1 5.2.2 5.2.3 A recepção nas 7ªs séries A, B e C ...................................................................... 123 Dados socioeconômicos e hábitos de leitura ......................................................... 123 Fichas de Leitura……. ......................................................................................... 140 Entrevista……….................................................................................................. 147 5.3 5.3.1 5.3.2 5.3.3 5.3.4 Estudo da recepção literária .............................................................................. 174 Horizonte de expectativas ..................................................................................... 175 Concretização ....................................................................................................... 182 Função comunicativa ............................................................................................ 184 Processos de identificação com as personagens .................................................... 187 6 CONCLUSÕES.. ................................................................................................ 189 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 192 ANEXOS……………………….….………………………………………………………..197 APÊNDICES………………………………………………………………………..............245 15 INTRODUÇÃO Nos últimos 30 anos, a leitura tem sido importante objeto de estudo em pesquisas acadêmicas, nas diversas áreas do saber humano. Vale citar o projeto orientado pelas pesquisadoras da Unicamp Norma Sandra de Almeida Ferreira e Renata Pereira Martins (FERREIRA, 2001), que, na virada do milênio, catalogaram 408 produções científicas a esse respeito. Com esse trabalho buscou-se perceber a trajetória da pesquisa brasileira sobre Leitura, presente, principalmente, nos resumos das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas nos programas de Pós-graduação em Educação, Letras, Psicologia, Biblioteconomia e Comunicações, no Brasil, entre os anos de 1980 a 2000; além de mais 22 trabalhos do período de 1965-1979, considerados pelas pesquisadoras precursores do delineamento da Leitura como área específica de reflexão e pesquisa. 1 Grande parte dessas produções volta-se para a Leitura no âmbito escolar, com as mais diversas preocupações e orientações teóricas. É provável que esse fenômeno tenha causas relacionadas não somente à eclosão no Brasil de teorias como a Estética da Recepção, Linguística Textual, Linguística Aplicada, Gêneros do Discurso e Letramento, ao longo das últimas três décadas, mas também a fatores ligados à crise no sistema educacional brasileiro, a chamada “crise da leitura”, motivando pesquisas ligadas a ações públicas e privadas voltadas para a alfabetização e ampliação do acesso nas escolas ao produto cultural escrito. Na década de 70, ações do Governo procuravam suprir as bibliotecas públicas e alimentavam programas de distribuição do livro didático. Algumas ações da iniciativa privada também contribuíam doando livros para escolas carentes. Preocupações com o analfabetismo motivaram, nessa mesma época, programas como o do Movimento Brasileiro de Alfabetização (o MOBRAL), que, em paralelo ao ensino metódico da leitura e escrita, patrocinava nas escolas a leitura de prosa e poesia contemporâneas. Paralelamente, as pesquisas acadêmicas, sobretudo na década de 80, passaram a avaliar os resultados desses programas e indicar novas direções. Nesse momento, a ênfase recaía sobre os recursos humanos, sob o pretexto de que faltavam profissionais capacitados para promover o livro nas bibliotecas e nas escolas, como podemos analisar na 1 (FERREIRA, 2001.) Com informações também disponíveis na homepage < http://www.fe.unicamp.br/alle/catalogo_on-line/abrir.swf>, acesso em 13 de janeiro de 2010. 16 fala de Zilberman a respeito da atuação docente, durante uma mesa-redonda no 6º Congresso da Leitura no Brasil (COLE), realizado em Campinas, em 1987: mais que o pesquisador, o professor está distanciado do volume de conhecimentos a respeito das concepções diferenciadas da leitura, dependendo, de um lado, da formação obtida – que, frequentemente, é muito mais metodológica que teórica – e, de outro, das vivências acumuladas. Por essa razão, seguidamente ele desiste em definitivo da teoria e hipervaloriza a experiência, afastando-se cada vez mais dos fundamentos que lhe ajudariam a entender e provavelmente alterar a sua prática. (ZILBERMAN, 1995, p. 85) Nesta época, o discurso estava muito mais marcado por ideologias de classes, a exemplo da opinião de Ezequiel Theodoro da Silva (1995), em uma conferência de 1984: “Qualquer retrospectiva histórica voltada à análise da presença da leitura em nossa sociedade vai redundar em aspectos de privilégios de classe e, portanto, em injustiça social” (p. 11). Em 1986, o mesmo autor reproduz em seu texto um argumento (que seria repetido pelos movimentos esquerdistas das décadas de 80 e 90) de que os governantes e a elite não desejavam uma sociedade letrada para manipularem mais facilmente as massas: As regras desse jogo são desleais – lutamos contra adversários extremamente poderosos, que não querem, por temerem a perda de seus privilégios, a democratização da sociedade e, consequentemente, da escola, da biblioteca e da leitura. (SILVA, 1995, p. 9) As pesquisas de Vera Teixeira de Aguiar e Maria da Glória Bordini, entre os anos de 1983 e 1986, voltadas para as condições e problemas do ensino de literatura no Rio Grande do Sul, também apresentavam conceitos de leitura e literatura igualmente relacionados aos problemas do conflito de classes. Para elas, é através da leitura que o homem compreende melhor seu presente e seu papel como sujeito histórico e, portanto, compreende o mundo. De modo que ensinar leitura é dar acesso a todos à cultura letrada e dominante no país e, portanto, abrir caminhos para a diminuição da desigualdade social. (AGUIAR; BORDINI, 1993) Em meados da década de 90, em função das exigências de ingresso do país no mercado internacional, além de relações de dependência a organismos financeiros como o Fundo Monetário Internacional (FMI), os altos índices de analfabetismo e os baixos resultados da nossa educação em avaliações externas acumularam uma preocupação inversa àquela denunciada na década de 80: dentro da nova realidade de globalização e neoliberalismo, passou a ser interesse do Governo uma educação forte, com índices positivos na escola básica e mão de obra qualificada. A nova Lei de Diretrizes e Bases (1996) e a 17 elaboração dos Planos Curriculares Nacionais (a partir de 1998) são exemplos dessa preocupação na esfera das políticas públicas do Governo Federal. Contudo, os resultados preponderantemente numéricos do aumento de matrículas na escola e a redução dos índices de evasão e repetência puderam, por um lado, representar um primeiro passo no sentido da democratização do acesso à Educação Básica, mas, por outro lado, ainda não refletiram melhorias na qualidade. 2 Atualmente, ainda que o teor dos discursos tenha sofrido alterações de base, encontramos preocupações semelhantes às da década de 80, no que diz respeito à necessidade de se garantir o acesso aos produtos escritos e a instaurar uma verdadeira igualdade de oportunidades de aprendizagem, garantindo o acesso à leitura dos produtos escritos mais valorizados socialmente. São ações que podem significar a democratização de certos gêneros textuais considerados de prestígio, em especial os literários, e a consequente diversificação dos gêneros estudados na escola. De fato, é isso que notamos nas principais diretrizes governamentais a partir da década de 90. Para que se cumprisse o artigo 22 da LDB/96, onde lemos que “A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania”, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa consideram o texto como unidade básica de ensino e o domínio na aprendizagem da diversidade de gêneros textuais como o meio de se garantir ao educando a plena participação das práticas sociais, que supõem a interação entre os indivíduos por meio de textos orais e escritos. Outro item que deve ser analisado na prescrição da LDB encontra-se no artigo 9º, inciso VI, que atribui à União a incumbência de “assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”. É nesse contexto que assistimos ao surgimento de sistemas de avaliação como o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Brasileira), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e o Provão do Ensino Superior (atual ENADE, Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). A partir de então, as políticas gestoras da educação baseiam-se nos indicadores mensurados pelas avaliações periódicas para definir muitas de suas ações, seja na elaboração 2 Nas avaliações do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2000, 2003 e 2006, o Brasil oscilou no ranking dos países participantes, ocupando as posições 39ª, 38ª e 49ª, respectivamente, no desempenho em Leitura. Na última avaliação, obteve uma média de 392,93 pontos, inferior a 2003 (402,80 pontos). Fonte: Tabelas com os resultados dos países nas edições do PISA 2000-2006, disponível em <http://www.inep.gov.br/download/internacional/pisa/Pisa_desempenho_2006.doc>. 18 de um currículo mínimo comum para o Ensino Básico, seja nas orientações didáticas e metodológicas dadas aos docentes e demais profissionais da educação. No Estado de São Paulo, a Secretaria de Educação implantou em 1996 seu próprio sistema de avaliação do desempenho escolar, o SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento das Escolas de São Paulo), e, igualando os critérios de avaliação às matrizes de referência do SAEB, a partir de 2007, confirma seu compromisso com a melhoria nos índices educacionais mensurados por essas avaliações, ainda que venham demonstrando sucessivamente carências significativas no aprendizado de leitura e cálculos matemáticos (os dois eixos fundamentais definidos desde a LDB/96) 3. Além disso, associa o rendimento de cada escola aos dados relativos ao fluxo (correção idade/série), procurando conter os altos índices de evasão e repetência escolar. A nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo, implementada no ano de 2008, sob um trabalho de orientações em videoconferências, material impresso e capacitações descentralizadas dos profissionais, amparou-se na leitura e na escrita como competências-alvo para todas as disciplinas, procurando dar à sociedade uma resposta positiva nos indicadores educacionais. Com isso, os conteúdos curriculares parecem ter sido alinhados de acordo com as matrizes de referência das avaliações externas, especialmente o SARESP, que estão centradas no diagnóstico de competências e habilidades específicas de leitura e escrita, que, todavia, podem ser desenvolvidas num processo de aprendizagem debruçado sobre textos curtos apenas, preferencialmente aqueles que circulam nos veículos de comunicação em massa (notícias, crônicas, artigos, anúncios publicitários etc.) e que, portanto, estariam mais próximos à suposta realidade do aluno. Nesse contexto, os gêneros literários, ainda que objeto de preocupação em alguns projetos lançados pela SEE/SP (como veremos em capítulo posterior), especialmente as narrativas de maior porte, como os romances e as novelas (inclusive os da literatura infanto-juvenil), passaram a ocupar papel coadjuvante no processo de aprendizagem/desenvolvimento das competências e habilidades de leitura; a leitura de “livros” e as visitas à biblioteca perderam ênfase mesmo nas aulas de Língua Portuguesa, até porque já não atendem diretamente a necessidade de que se atinjam as metas (exclusivamente 3 Na avaliação do PISA 2006, os alunos do Estado de São Paulo permaneceram abaixo da média nacional, nas três áreas (Ciências, Matemática e Leitura) como mostram dados divulgados pelo MEC disponíveis em: http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/internacional/news07_05.htm. Acesso em: 19 numéricas) de desempenho escolar das próximas avaliações. Em 2009, somou-se a inclusão da disciplina Leitura e Produção de Textos na grade curricular do Ensino Fundamental II. Contudo, isso exigia ações que garantissem programas curriculares e metodológicos adequados para esse trabalho, subentendendo-se a formação docente, o que não ocorreu. A queixa dos professores é de que não há Proposta Curricular para LPT4 e as orientações dos PCOPs (Professores Coordenadores da Oficina Pedagógica) são insuficientes, resumindo-se algumas vezes em sugerir que se sigam os tópicos de Língua Portuguesa, privilegiando o trabalho com a leitura e interpretação de textos, algo extremamente amplo e impreciso. Ainda que a leitura seja valorizada na escola, cabe a pergunta: qual é o valor social da leitura literária, sobretudo na comparação ao valor dos demais produtos escritos que circulam na sociedade? De que modo esses valores se combinam ou se conflitam na esfera educacional? Sem pretender responder às questões, lembremos apenas a dimensão polêmica da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e PCN+, documentos que suscitaram manifestações nos jornais e nas revistas acadêmicas (cf. FREDERICO; OSAKABE, 2004), em defesa do ensino de literatura que se encontrava ameaçado, como podemos constatar nos comentários abaixo: Como nos documentos referentes ao ensino secundário, minimiza-se aí a importância da linguagem verbal, e mais ainda, de sua expressão mais refinada, a literatura. […]. Todos esses documentos evidenciam um fato: a Literatura é uma disciplina ameaçada. As diretrizes do MEC não são a causa dessa ameaça; são o sintoma. (PERRONE-MOISÉS, 2006, p. 26-27). Se no Ensino Médio o trabalho com a leitura literária está sempre sob o risco de ser relegado ao segundo plano, no Ensino Fundamental o quadro pode ainda ser pior. Além de priorizar um trabalho amplo sobre os aspectos das diferentes linguagens e dos diversos gêneros que circulam socialmente, a prescrição sobre o trabalho com o texto literário se faz resumidamente da seguinte forma nos PCNs de Ensino Fundamental: O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem. É possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou 4 Em 2010, chegaram às escolas alguns volumes de material didático para esta disciplina (pela época em que esse fato se deu, não foi possível incluir uma análise do material nesta pesquisa). Contudo, alguns problemas impossibilitavam que muitas escolas desenvolvessem um trabalho aproveitando adequadamente esse material: as orientações didáticas para a leitura contavam com um acervo de obras literárias inexistentes em algumas escolas; não houve capacitação necessária para orientar o uso do material; um mesmo volume do “Caderno do Aluno” deveria ser utilizado para 5ª e para a 6ª série, e outro para a 7ª e 8ª séries. 20 seja, tomá-los como pretexto para o tratamento de questões outras (valores morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias. (BRASIL, 1998, p. 27) Vê-se que o projeto é estreito ao definir a literatura meramente como “um tipo particular de uso da linguagem”, com a finalidade de levar o aluno a “reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias”. Se considerarmos ainda que esse uso particular da linguagem (recursos expressivos, efeitos de sentido, sonoridade etc.) pode facilmente ser demonstrado e apreendido pelo trabalho com pequenos poemas ou contos, ou até mesmo com textos publicitários (tarefa aparentemente bem cumprida pelo livro didático), o ensino fica aí desobrigado do trabalho com a leitura literária nas suas mais diversas formas, isentando-se, inclusive, de investir nas obras de maior fôlego, como as novelas e os romances. Voltando à situação paulista, a questão nevrálgica é que a atual Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental não procura criar uma familiaridade com gêneros literários. Nos quatro anos do ciclo II do Ensino Fundamental são apresentados aos alunos, apenas na 5ª série, uma noção genérica de narrativa (resvalando os conceitos de conto, fábula e crônica, apenas). Assim, de que maneira se pretende desenvolver uma leitura independente de obras literárias? Sendo que os procedimentos de leitura dos gêneros maiores (novelas, romances) não estão sendo desenvolvidos nas escolas paulistas, pelo menos a Proposta Curricular não abrange esse objetivo, onde reside sua enorme falta. Atualmente, na rede pública paulista, a oferta de formação continuada para os docentes de Língua Portuguesa e Leitura é restrita5. É certo que cursos de formação poderiam garantir o conhecimento de estratégias para se trabalhar com a literatura, que, teoricamente, deveria suprir a falta constatada. Igualmente, esses professores não trazem da faculdade de Letras esse aprendizado. Sabemos que lá as aulas de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa privilegiam o trabalho com a Língua e as de Metodologia de Ensino da Literatura (quando há) ainda estão presas aos modelos de História da Literatura, algo que vem servindo apenas para os docentes aplicarem no Ensino Médio e que (como se sabe) também não realiza a aproximação entre o jovem e a obra literária. 5 Muitos dos cursos oferecidos possuem baixa adesão dos docentes da rede em virtude da dificuldade em conciliar os horários com a jornada de trabalho, já que a participação não permite ao profissional ser dispensado das aulas e são raros os cursos disponibilizados aos sábados. 21 Por tudo isso, o projeto desenvolvido visou à realização de um trabalho motivado pelas pesquisas do Grupo “Leitura e Literatura na Escola” – vinculado ao Departamento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP) –, que se consolidou a partir dos estudos da recepção de narrativas juvenis por alunos do Ensino Fundamental, com resultados divulgados em considerável número de publicações, como artigos, dissertações, teses e livros. A execução do projeto acompanhou as atividades da terceira fase da ampla pesquisa desenvolvida desde 2006 pelo referido Grupo. Após a fase de levantamento de dados quantitativos das realidades estudadas, sobre as maneiras como se davam as relações entre o aluno e o texto literário (2006-2007), e da etapa de coleta de dados de natureza qualitativa a respeito da recepção das obras literárias (2007-2008), a terceira fase buscou propor e implantar, nas escolas selecionadas, um programa de leitura e de formação de professores, a fim de alcançar melhores resultados na formação dos leitores-alunos. Assim, o projeto realizou entre os alunos do Ensino Fundamental II (5ª a 8ª séries, ou 6º ao 9º ano), da Escola Estadual “Jardim Primavera”, da cidade de Cerqueira César, um trabalho de incentivo à leitura, a fim de que se desenvolvessem nos alunos procedimentos de leitura adequados ao gênero literário, situação de comunicação e objetivos da leitura, estimulando a leitura independente de narrativas literárias. A aplicação do programa, em parceria com professores da escola, pôde ainda dispor da carga horária semanal da disciplina de Leitura e Produção de Textos do Ensino Fundamental II, de acordo com a nova grade curricular (Resolução SE 98, de 23 de dezembro de 2008), conforme acordo estabelecido com a Direção e Coordenação da instituição. Motivados pela crença de que a defasagem dos alunos brasileiros na sua competência leitora e escritora, constatada nas avaliações estaduais, nacionais e internacionais, não será resolvida de maneira cirúrgica, com a atenção voltada para habilidades específicas presentes nos procedimentos de leitura e escrita, procuramos implantar na escola pública selecionada um programa de aperfeiçoamento da prática docente e de formação dos leitores-alunos, inferindo as necessidades destes para uma recepção mais significativa do texto literário em sala de aula, refletindo sobre a recepção de narrativas literárias juvenis e os aspectos ligados à prática docente e às metodologias de ensino da literatura. Há de se levar em conta que aquilo que se almeja alcançar é algo muito amplo e complexo, e que depende também de certa cultura das letras, dentro da qual ler e 22 escrever são atividades com as quais nossos jovens estejam bastante familiarizados e cujos resultados sejam reconhecidos como necessários para a vida social. Nesse propósito, acreditamos, a literatura pode cumprir importante papel. A pesquisa-ação visava a dois sujeitos, professores e alunos, e, portanto, estruturava-se sobre duas dimensões: a da formação dos docentes da disciplina Leitura e Produção de Textos e a da promoção da leitura oferecida aos alunos das 12 turmas de Ensino Fundamental II. A coleta de dados para o estudo da recepção teve início com a aplicação das fichas de leitura em todas as turmas. Inicialmente, essas fichas serviram para uma análise quantitativa, para que se notasse o alcance do projeto no que diz respeito à ocorrência da leitura efetiva: quantos e quais alunos afirmaram/demonstraram (pelos resumos e comentários) ter lido a obra indicada, em quais turmas os resultados teriam sido mais positivos. Com base nessa aferição quantitativa, definiu-se com quais turmas a coleta de dados prosseguiria. No segundo momento, realizaram-se com três turmas selecionadas entrevistas semiestruturadas, gravadas em vídeo, a fim de que se registrassem impressões de leitura mais espontâneas e diversificadas. Por fim, os alunos responderam a um questionário amplo, para diagnóstico das condições sociais e econômicas, dos hábitos de cultura e lazer e das práticas de leitura, para posterior confronto com os resultados qualitativos da recepção. Então, visando à reflexão sobre as possibilidades, os desafios e os frutos do trabalho com a leitura de narrativas literárias na sala de aula, a pesquisa se dividiu em cinco etapas, organizadas nos capítulos que serão apresentados a seguir. No primeiro capítulo, procurei desenvolver uma discussão sobre o contexto em que profissionalmente me situo, inicialmente como professor, e sobre o qual pretendia atuar como pesquisador. A rede pública paulista de ensino (representada aqui pela realidade de uma unidade escolar da cidade de Cerqueira César) foi o cenário da pesquisa e da ação. Logo, cabia analisar de que modo a leitura literária era patrocinada por duas frentes de gestão curricular da Secretaria de Educação do Estado: os projetos de leitura prescritos pela pasta ao longo dos últimos anos e a nova Proposta Curricular (lançada em 2008), concentrando-nos no componente de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II. Cumpre esclarecer que a postura assumida frente à Proposta Curricular do Estado de São Paulo não propõe sua negação, mas se constitui de críticas a ela direcionadas com o propósito de apontar lacunas e experimentar um caminho transformador para um objetivo comum: a formação de uma juventude letrada e iniciada na experiência estética ofertada pela arte literária. 23 O segundo capítulo foi dedicado à explanação de toda fundamentação teórica que orientou a pesquisa. Após definir os conceitos-chave da área de estudos a que pertence o projeto (linguagem, literatura e leitura), buscou-se apresentar os preceitos da Estética da Recepção, extraídos primordialmente dos postulados de Hans Robert Jauss, com algumas contribuições buscadas em Wolfgang Iser. Essa seção é marcada pela tentativa de aproximar a Teoria Recepcional às preocupações pedagógicas que nortearam o projeto de pesquisa. Por fim, realizei um levantamento das pesquisas no Brasil que traçaram percursos semelhantes: a utilização da Estética da Recepção no ensino da leitura literária. No terceiro capítulo, encontra-se um relato do trabalho de intervenção empenhado sobre a realidade escolar, contendo: a descrição da unidade de ensino selecionada (a mesma em que atuo como docente desde 2005), apresentação das dificuldades encontradas para a implantação do projeto e o (mini-)programa de formação dos docentes envolvidos para a execução do projeto de leitura proposto. O quarto capítulo, também em forma de relato, revela como se realizou o projeto de leitura na unidade escolar, levantando dados quantitativos para aferir os resultados do projeto em todas as turmas; refletir sobre os impasses com qual nos deparamos; e explicitar os critérios empregados para se restringir o corpus de análise, quando então ficou definida a realização de um estudo comparativo da recepção nas três turmas de sétima série, a partir da leitura da novela Antes que o Mundo Acabe, de Marcelo Carneiro da Cunha. Na quinta e última parte do trabalho, é desenvolvida a análise do material coletado: as fichas de leitura e as entrevistas transcritas, atividades desenvolvidas nas três turmas selecionadas. O capítulo encontra-se dividido em três seções. Na primeira, realizo um breve estudo da obra lida pelos alunos, conciliando o enfoque da Teoria Recepcional e as discussões em torno do gênero “narrativa juvenil”. Na segunda seção, é feito o levantamento dos dados qualitativos das três entrevistas e dos três conjuntos de fichas de leitura, propiciando a melhor apreciação dos diferentes modos como cada turma de alunos reagiu à leitura da obra, à dinâmica do projeto e ao método utilizado para a coleta de dados. Por fim, a análise propriamente dita, na última seção, procura elaborar parâmetros teóricos fundamentados na Estética da Recepção, para, enfim, empenhar-me numa releitura das entrevistas e das fichas de leitura. Com essa organização, ambicionei demonstrar a complexa vivência de uma pesquisa que surge das motivações pessoais e profissionais de um educador; que busca na academia o amparo teórico e metodológico necessário para uma transformação de sua prática pedagógica; e que pretende oferecer aos demais pesquisadores e professores da área de Letras 24 uma produção científica contextualizada, aliando teoria e prática e encurtando a distância entre a instituição de pesquisa e a instituição pública de ensino. 25 1 A LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL PAULISTA 1.1 Os projetos de Leitura no Estado de São Paulo Os projetos de Leitura desenvolvidos pela SEE/SP, sobretudo na última década, podem ser analisados sob dois enfoques diretamente interessantes para esta pesquisa: 1) como ações de promoção da leitura literária, observando o modo como a literatura concorre com os gêneros textuais não literários e a ênfase que se dá à especificidade do texto literário para o ensino; 2) como ações que propiciam a formação continuada dos docentes de Língua Portuguesa, avaliando as metodologias propostas e a infiltração no meio pedagógico das teorias literárias e das pesquisas acadêmicas sobre o trabalho com a literatura em sala de aula. Realizar um julgamento dos resultados desses projetos é algo complexo, pois quando se trabalha com o processo de formação do leitor literário não se almeja apenas o desenvolvimento de uma competência (saber ler, algo relativamente mensurável), mas a formação de um hábito intelectual fortemente ligado a fatores culturais, familiares e sociais, que ultrapassam, portanto, a dimensão da escola. Além disso, esses projetos precisariam ser avaliados igualmente quanto à ação de formação dos docentes, figura intermediária e fundamental. Devemos, por certo, olhar de modo positivo a soma de ações para a promoção da leitura, sejam elas originadas das políticas educacionais, das pesquisas acadêmicas que realizam intervenções em muitas escolas, ou da boa disposição dos docentes que valorizam momentos de leitura. Contudo, no labor pedagógico de qualquer área do conhecimento, os resultados de qualidade não se dão apenas em função da “boa vontade” do docente, ou mesmo da mera ação propulsora das instituições, mas dependem de metodologias eficazes, orientação teórica, suporte pedagógico e recursos materiais suficientes – tudo isso muito bem articulado às especificidades do contexto sociocultural no qual se pretende atuar. Antes de realizarmos uma descrição básica dos elementos desses projetos, listemos aqueles de maior relevância, que compreendem o período de 2000 a 2009, valendonos da pesquisa realizada por Valdirene Barboza de Araújo Batista, para obtenção do título de mestre, em 2010, no programa de pós-graduação da Unesp de Assis, também sob orientação do prof. Dr. João Luís Ceccantini. Batista destaca os seguintes projetos: 26 - “Ensinar e Aprender: construindo uma proposta” (2000/2001); - “Tecendo Leituras” (2004/2005); - “Ler e Viver: compreensão leitora” (2005); - “Hora da Leitura” (2005/2007); Além desses quatro projetos, vale mencionar a inclusão de “Leitura e Produção de Textos” (desde 2009) como componente curricular do EF II. Para Batista, a implantação e desenvolvimento desses projetos no Estado de São Paulo ligam-se diretamente às discussões ocorridas sobre a necessidade de (re)democratização do ensino, pautadas no questionamento acerca do papel a ser desempenhado pela escola e pela educação, no contexto da nova conjuntura individual, social, política, cultural e econômica na qual o Brasil adentrou após o período ditatorial, mais especificamente, a partir da segunda metade da década de 1980, período em que se passou a almejar mais intensivamente um novo modelo de escola: a “escola democrática”, “inclusiva” e “acolhedora”. (BATISTA, 2010, p. 25) Pelo caráter intervencionista desses projetos, levando para as salas de aula propostas de trabalho com a leitura, pode-se questionar qual era o objetivo prático da SEE, principalmente a partir de 2000, bem como que mudança teria ocorrido para que o trabalho com projetos perdesse seu vigor em 2008. Para isso, precisamos compreender minimamente o contexto em que surgem e como se desenvolviam. A partir de 1996, com seu próprio sistema de avaliação da Educação Básica, o SARESP, o Governo paulista passou a considerar os índices obtidos no rendimento em Leitura e Matemática6 dos alunos de toda a rede para nortear suas ações políticas e orientar as escolas na elaboração de propostas de intervenção técnico-pedagógica. Essa importância dada a um tipo de avaliação padronizada revela alguns valores em jogo, dentre os quais está exatamente a crença (talvez exacerbada) na validade do sistema. Outro valor subjacente, e cada vez mais evidente, é a política do que se chamou nos EUA de Accountability (em tradução literal: prestação de contas), que, aplicada à educação, prevê a responsabilização da escola, com seu gestor e seus professores, pelo desempenho do aluno (RAVITCH, 2010)7. Além de acompanhar as diretrizes do Governo Federal – que, na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), reestruturou o SAEB (1995), aprovou a 6 O componente curricular de Matemática deixou de ser avaliado entre os anos de 2002 a 2004 e, a partir de 2008, Ciências da Natureza e Ciências Humanas passam a ser alternadas na aplicação do SARESP. 7 Cf. AFONSO, Almerindo Janela. Políticas educativas e avaliação educacional. Portugal: Universidade do Minho, 1998. 27 nova LDB (1996)8 e implantou o Exame Nacional do Ensino Médio (1998) –, a evolução do sistema paulista, nas gestões de Mário Covas (1995-2001), Geraldo Alckmin (2001-2006) e José Serra (2007-2010)9, fez notar como as práticas corporativas, com base em avaliações, metas e resultados, foram sendo incorporadas às gestões educacionais e, inevitavelmente, acabaram interferindo no currículo. Nesse sentido, os Projetos são ações direcionadas para a resolução de problemas diagnosticados pelos mecanismos de avaliação e pela análise dos dados do sistema educacional, servindo de complemento ao currículo e, às vezes, de apoio às atividades de gestão escolar. Em finais dos anos 90, há principalmente duas preocupações inadiáveis para o Governo do Estado de São Paulo: os altos índices de evasão e repetência e o baixo desempenho dos alunos na competência leitora. O projeto “Ensinar e Aprender: construindo uma proposta” (2000/2001) faz parte de um programa maior que buscava sanar o primeiro problema: corrigir o fluxo escolar criando salas de aceleração, ou seja, turmas de Ensino Fundamental II com alunos em defasagem escolar (na relação idade/série), atendidos por professores capacitados para essa condição especial e sustentados por um material pedagógico apropriado para a demanda de se cumprir o Ciclo II da Educação Básica em dois anos apenas. A estrutura básica do programa e todo o material didático foram cedidos pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná, que desde 1995 realizava uma reforma em seu sistema de ensino, ao incluir na rede o Projeto Correção de Fluxo Escolar. A menção ao “Ensinar e Aprender” como um projeto de leitura se deve ao fato de que apresentava “uma proposta de renovação pedagógica para todos os componentes curriculares, cujo eixo articulador das disciplinas foi o ensino da leitura e da escrita” (BATISTA, 2010, p. 93), articulando cerca de uma dezena de mini-projetos de leitura ao trabalho nas diversas disciplinas. “Tecendo Leituras” (2004/2005) parte dos resultados insatisfatórios dos alunos da rede nas habilidades de leitura (em especial diante do texto literário), demonstrados nas avaliações do SARESP de 1999 a 2003, e incentiva a leitura de livros do Módulo Clássico10 disponibilizados às escolas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). 8 Lembremos que a LDB/96 determinou a existência nos Estados de sistemas de avaliação para a educação básica. 9 O vice-governador do governo de Alckmin, Claudio Lembo (vice-presidente do partido DEM, aliado ao PSDB), assume o cargo entre 31/3/2006 e 1º/1/2007, assim como Alberto Goldman, vice de Serra, toma conta do governo a partir de 2 de abril de 2010; ambas substituições ocorreram em ocasião de candidatura dos governadores à presidência. 10 Cada escola podia escolher nos catálogos do PNLD livros clássicos da literatura universal e brasileira, em quantidade correspondente a 20% do número de livros didáticos que lhe seriam destinados pelo Programa. 28 Articulava capacitações dos docentes por videoconferências, transmitidas nas Diretorias de Ensino, com apoio dos assistentes técnicos pedagógicos (ATPs, atuais PCOPs) locais; os docentes participantes (que, convocados pelas DEs, ausentavam-se das salas de aula, sendo um ou dois docentes por escola, em média) realizariam com suas turmas de Língua Portuguesa oficinas de leitura. No trabalho com textos mais extensos (novelas, romances ou mesmo contos), valorizava-se a “leitura compartilhada”, que, segundo Batista, “na perspectiva desse Programa, essa metodologia permite que o professor possa ler junto com seus alunos, discutindo, construindo e compartilhando o sentido do texto”; para a SEE, continua Batista, essa estratégia “levaria ao desenvolvimento da competência leitora tanto dos alunos quanto dos professores.” (2010, p. 135) A criação do projeto “Hora da Leitura”, em 2005, levava em conta as seguintes circunstâncias: existência nas escolas de docentes que foram ou que estavam sendo capacitados pelo “Tecendo Leituras”; disponibilidade de um acervo significativo de obras do Módulo Clássico e de outras ofertas do PNLD; disponibilidade na grade semanal de aulas do EF II para a execução do projeto em uma aula (50 minutos) por semana 11; e competência dos diretores de escola para atribuição do projeto aos docentes que tivessem o perfil mais adequado (prescindindo da formação em Letras, desde que fosse alguém “apaixonado” pela leitura). Para Batista (2010, p. 155), a criação do projeto “Hora da Leitura” também encontra justificativa no contexto de implementação das várias ações realizadas por parte da Secretaria de Educação, voltadas para o fomento do livro e da leitura no Estado de São Paulo. Com a implantação desse Projeto a SEE também procura dar uma resposta concreta aos resultados negativos diagnosticados pelas avaliações externas, realizadas tanto no cenário nacional quanto no estadual. O “Hora da Leitura” deveria privilegiar um repertório literário, com autores consagrados e contemporâneos, num trabalho inserido na grade curricular da chamada “parte diversificada”, que funciona como um apoio ao currículo básico, sendo, no caso, uma disciplina complementar de 50 minutos semanais. Batista (2010, p. 156) esclarece que “as escolas deveriam desenvolver o projeto ‘Hora da leitura’ dinamizando o acervo já existente em cada uma delas, utilizando os livros pertencentes ao módulo clássico, ao de ficção e de 11 Na rede pública paulista, a grade do EF II se compõe de 27 aulas e do EM, 30 aulas. Assim, os três horários “livres” do EF são normalmente utilizados para recuperação paralela, ensino religioso (na 8ª série/9º ano) e, entre 2005 e 2007, uma das aulas era ocupada pela “Hora da Leitura”. 29 não ficção.” Contudo, analisando as orientações para as oficinas, os textos prescritivos e alguns textos teóricos utilizados nas reuniões de capacitação (BATISTA, 2010, p. 160-184), notamos dois fatos importantes: a preferência pelo trabalho com textos de pequena extensão, pertencentes à tradição oral e à tradição escrita (contos, crônicas, fábulas, poemas, cordel e músicas, além de parlendas, trava-línguas, provérbios etc.); a concorrência com gêneros não literários, como o anúncio publicitário e os textos jornalísticos, como a notícia e a reportagem, incluindo a charge e a tirinha. Algo que certamente se explica pela organização do trabalho em 50 minutos semanais e a justificável recomendação dos PCNs em se trabalhar com a diversidade de gêneros. A própria configuração das avaliações de Leitura do SARESP motiva a ênfase dada no projeto “Hora da Leitura”. Igualmente, dados os limites práticos da avaliação padronizada, vê-se no SARESP o predomínio de textos curtos, literários e não literários, evitando-se o uso de fragmentos, na tentativa de abordar a diversidade de textos que circulam socialmente, sugerindo a premissa de que o pleno domínio da leitura e compreensão desses textos possa indicar a capacidade do indivíduo de participar das práticas sociais e, portanto, exercer sua cidadania. Não é por acaso que os jornais frequentemente se valem do desempenho dos alunos brasileiros em avaliações dessa natureza, como o ENEM e o PISA, para atestarem as graves desigualdades sociais no país. Segundo Batista (2010), em 2005 havia pelo menos oito projetos de leitura em andamento no Estado de São Paulo, por iniciativa da SEE e da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas). O projeto “Ler e Viver: compreensão leitora” contou ainda com o apoio da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), de modo que esta colaborou na elaboração do material e aquela, na execução do projeto. Diferentemente dos demais projetos apresentados, que mantinham uma relação mais direta com a sala de aula, propondo, por meio de suas oficinas ou cursos, sequências didáticas para o docente desenvolver com seus alunos, “Ler e Viver” se desenvolvia como um projeto de formação continuada, estruturado no sistema de Educação à Distância, por videoconferências, mais encontros presenciais (quinzenais) nas Diretorias Regionais de Ensino, coordenados pelos ATPs locais; os docentes também desenvolviam atividades semanais por meio de um ambiente virtual interativo, moderado por um tutor. Com relação à proposta pedagógica do “Ler e Viver” para o trabalho com a leitura, vale destacar a seguinte passagem de Batista: 30 o docente deve orientar e refletir com seus alunos acerca dos saberes escolhidos para seu ensino, com vistas a possibilitar o desenvolvimento de habilidades de compreensão de diferentes gêneros e estruturas textuais, bem como para a organização progressiva de conhecimentos necessários para a sua compreensão, como as referentes às características de cada texto e às questões gramaticais relevantes no âmbito da leitura de cada um deles, sempre pautado pelos objetivos de leitura de cada indivíduo. (BATISTA, 2010, p. 204) Trabalhando com a noção de gêneros do discurso e, portanto, pautado na perspectiva interacionista da linguagem, o projeto orienta o estudo dos textos valorizando o contexto de produção e recepção, a estrutura composicional e as diferentes estratégias de leitura. Batista chama a atenção para o fato de que o “Ler e Viver” privilegia o ensino de narrativas literárias, primando pela obra original e completa. Para o trabalho com a narrativa literária em sala de aula, o Projeto orienta o professor a desenvolver nos alunos estratégias de compreensão textual, privilegiando a “narração como discurso”, na medida em que é proferido por alguém, para algo, focalizando aspectos “enunciativos”, como quem e como se conta um texto, e “pragmáticos”, envolvendo questões relacionadas ao para que se conta, e que função desempenha esse relato, dando ênfase ao estudo da estrutura narrativa, da renarração, com base no estudo da sequência narrativa (situação inicial, nó da história, ações e reações, desenlace, situação final), e na trama narrativa (BATISTA, 2010, p. 208209). Dessa proposta se verifica o modo como se compreende a leitura literária como um processo centrado no texto, mesmo quando os aspectos “enunciativos” apontam para o lugar que a obra ocupa na sociedade, em termos culturais, ideológicos e políticos. Mas os propósitos desta pesquisa nos levam a valorizar o espaço reservado à literatura, tanto no projeto “Ler e Viver” quanto no “Hora da Leitura”, como ações de formação do professorleitor: ambos partiam da constatação de haver certa deficiência na formação dos docentes de Língua Portuguesa no que diz respeito ao repertório de leituras e às práticas de ensino voltadas para a leitura de textos literários. A oferta de oportunidades para a formação continuada dos docentes da rede estadual paulista acompanha, portanto, o desenvolvimento desses projetos. O documento “Política Educacional da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo”, divulgado em 2003 pelos meios eletrônicos da SEE 12, apresenta o compromisso do Estado com a capacitação de 12 <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ors/PoliticaSEE.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2010. 31 seus profissionais, lançando o Programa de Formação Continuada, ou “Teia do Saber” (como ficou conhecido) que combina ações centralizadas e descentralizadas, isto é, coordenadas, outras executadas, pelos órgãos centrais, como a CENP, e articuladas às ações movidas nas Diretorias Regionais de Ensino. O Programa, além de oferecer cursos específicos, em convênios com programas de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e da Universidade de São Paulo (USP) – e, em 2007, com instituições privadas–, nas diversas áreas de ensino, passou a incorporar alguns programas importantes para a formação e especialização profissional, como Bolsa Mestrado/Doutorado 13 e o PEC Formação Universitária (realizado em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME). No documento referido acima, a SEE confirma sua preocupação com a melhoria da qualidade do ensino ofertado na rede, consciente da importância do desenvolvimento da competência leitora de seus alunos, como no trecho abaixo: As avaliações realizadas pela Secretaria da Educação de São Paulo, assim como outras organizadas em âmbito nacional, vêm seguidamente sinalizando a insuficiência dos nossos alunos em relação à prática da leitura compreensiva. Em atendimento ao apontado por esses indicadores educacionais, a Secretaria vai intensificar seus esforços para que as escolas centrem suas ações visando ao domínio ativo do discurso que inclui a compreensão leitora e a produção de textos. (SÃO PAULO, 2003, p. 30) Em 2005/2006, era desenvolvido nas escolas, nas reuniões de HTPC, o Programa da Formação Continuada “Ensino Médio em Rede”, que, embora fosse direcionado aos doentes das várias áreas, privilegiava o estudo dos gêneros textuais, como uma proposta permanente no ensino de qualquer disciplina. 14 Em uma parceria com o Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL/PUC-SP), a SEE ofereceu entre 2006/2007 um Curso de Aperfeiçoamento de 260 horas, pela Internet, intitulado Práticas de Leitura e Escrita e Escrita na Contemporaneidade, cujos objetivos incluíam “Refletir sobre e exercitar as diferentes capacidades e competências leitoras e de produção de textos e de linguagens, envolvidas na recepção e na produção de discursos em diferentes gêneros que 13 O Programa, inicialmente chamado Bolsa-Mestrado, é mantido até hoje, financiando, inclusive, esta pesquisa de Mestrado. 14 Destaca-se um fascículo sobre o gênero Artigo de Opinião (BARBOSA, J. P. Seqüência Didática - Artigo de Opinião. s/ ed., 2004), um material elaborado de forma competente, baseado na metodologia das sequências didáticas dos educadores suíços Schneuwly e Dolz, que serviu tanto para uma aplicação eficiente em sala de aula como para o aprendizado dos próprios professores. 32 circulam em diversos contextos, suportes e mídias contemporâneos [...]”. 15 O projeto era destinado aos assistentes técnico-pedagógicos (ATPs), supervisores de ensino, professores coordenadores e professores que atuavam no Ensino Médio da rede pública estadual paulista. Ainda em 2007, foi desenvolvido nas Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo – ainda que de modo muito restrito, já que o docente não era dispensado das aulas para os encontros presenciais, o que impediu muitas inscrições – um projeto de capacitação de professores por videoconferências, financiado pelo Itaú Cultural, intitulado “Crônicas na sala de aula”. 16 De fato, até 2006, durante mandato do Governador Geraldo Alckmin, os esforços da SEE, tanto na implantação dos projetos quanto no investimento em formação continuada, são louváveis. Os cursos oferecidos pela “Teia do Saber” e o projeto “Hora da Leitura” foram mantidos apenas até 2007, ano da posse do governador José Serra. A partir de então, com profundas alterações na pasta da SEE, serão intensificados os esforços na reformulação da Proposta Curricular e de ampliação das práticas corporativas para a avaliação periódica da qualidade da educação. As alterações incluíam a centralização das ações da SEE, reduzindo drasticamente os cursos de formação continuada e valorizando o espaço virtual da Rede do Saber, com videoconferências e disponibilização de material digital ou impresso, além da reconfiguração das matrizes de referência do SARESP, permitindo uma melhor comparação aos resultados do SAEB (sistema nacional). Concentremo-nos, a seguir, na análise da nova Proposta Curricular de Língua Portuguesa apresentada pela SEE do governo Serra, questionando, especialmente, como essa proposta reflete nos materiais didáticos oferecidos pela própria Secretaria, no que diz respeito à orientação para o trabalho com a leitura. 15 Retirado de http://www.pucsp.br/pos/lael (acesso 11 de out. 2007) BIGNOTTO, C. C. ; JAFFE, N. . Crônica na Sala de Aula: material de apoio ao professor. 2. ed. São Paulo: Itaú Cultural, 2004. 16 33 1.2 A Literatura na nova Proposta Curricular de Ensino Fundamental do Estado de São Paulo A nova Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo (a partir de 2008), na esteira dos Parâmetros Curriculares Nacionais, entende a leitura como uma competência que deve ser vislumbrada juntamente com o processo de desenvolvimento da escrita, ou seja, duas competências que são muitas vezes, de tão unidas, singularizadas pela expressão “competência leitora e escritora”, partindo da premissa de que uma não acontece sem a outra. O que pode parecer tão óbvio em termos conceituais, é na verdade algo que propôs uma mudança importante no âmbito da prática pedagógica: as atividades de escrita na sala de aula eram secundárias e aconteciam desarticuladas de um contexto de produção que supusesse um diálogo com outros textos e, portanto, com a leitura. Na Proposta, assim como nos PCNs, a aprendizagem sobre determinado gênero textual deve supor atividades que simulem e estimulem a produção e a divulgação desse texto na vida social, conduzindo o aprendiz à atividade de escrita significativa dos diversos gêneros. É necessário saber lidar com os textos nas diversas situações de interação social. É essa habilidade de interagir lingüisticamente por meio de textos, nas situações de produção e recepção em que circulam socialmente, que permite a construção de sentidos desenvolvendo a competência discursiva e promovendo o letramento. O nível de letramento é determinado pela variedade de gêneros textuais que a criança ou adulto reconhecem. (PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2008, p. 43) [grifos nossos] O entendimento sobre os conceitos de leitura e escrita parece bem resumido na interpretação que os autores da Proposta Curricular fazem das cinco competências do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), tomadas como referencial teórico para o norteamento curricular proposto. Vale destacar alguns trechos, organizando-os distintamente no quadro abaixo: 34 Ler Escrever Escrever, igualmente, é assumir uma Ler é interpretar (atribuir sentido ou autoria individual ou coletiva (tornar-se significado). responsável por uma ação e suas consequências). É o desenvolvimento da linguagem que possibilita o raciocínio hipotéticodedutivo, indispensável à compreensão de fenômenos. Ler, nesse sentido, é um modo de compreender, isto é, de assimilar Escrever é expressar sua construção ou reconstrução com sentido. experiências ou conteúdos disciplinares (e modos de sua produção). Ler implica também antecipar, de forma comprometida, a ação para intervir no fenômeno e resolver os problemas decorrentes dele. Escrever, por sua vez, significa dominar os muitos formatos que a solução do problema comporta. A escrita permite dominar os códigos que A leitura sintetiza a capacidade de escutar, expressam a defesa ou a reconstrução de supor, informar-se, relacionar, comparar argumentos – com liberdade, mas etc. observando regras e assumindo responsabilidades. Ler, além de implicar em descrever e Escrever é formular um plano para essa compreender, bem como em argumentar a intervenção, levantar hipóteses sobre os respeito de um fenômeno, requer a meios mais eficientes para garantir antecipação de uma intervenção sobre ele, resultados, a partir da escala de valores com tomada de decisões a partir de uma adotada. escala de valores. Fonte: Adaptado da Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Língua Portuguesa, 2008, p. 19- 20) Quadro 1: Concepções de leitura e escrita da Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo 35 A compreensão ampla de leitura (e, por extensão, de escrita) presente nesses enunciados revela uma concepção certamente fundamentada, entre outros autores, nos preceitos de Paulo Freire em que descreve a compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou de linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. (...) A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1989, p. 9) Por hora, é possível assumirmos a opinião de que os problemas, tanto dos PCNs como da PCLP/SP, não reside na sua base conceitual sobre a leitura. Agora vejamos como a proposta paulista organiza os conteúdos curriculares em favor da aplicação desses conceitos. A respeito da abordagem sobre os textos, a Proposta Curricular de Língua Portuguesa para o ciclo Fundamental II organiza os conteúdos em dois eixos, distribuídos nos quatro bimestres: 1º bimestre: Gêneros e tipologias textuais 2º bimestre: Gêneros e tipologias textuais 3º bimestre: Texto, discurso e história 4º bimestre: Texto, discurso e história Nessa organização, podem ser observados gêneros narrativos e literários ou estudos da tipologia narrar/relatar em gêneros não-literários, ao longo dos bimestres das séries do ciclo II, da seguinte maneira: 5ª série 1º bimestre • Traços característicos de textos narrativos · enredo · personagem · foco narrativo · tempo · espaço • Textos narrativos e situações de Comunicação 6ª série 1º bimestre • Traços característicos da tipologia “relatar” nos gêneros “relato oral” e “relato autobiográfico” • Narrar e relatar semelhanças e diferenças • Traços característicos de textos jornalísticos 7ª série 1º bimestre • Traços característicos de textos prescritivos • Gênero textual “anúncio publicitário” 8ª série 1º bimestre • Traços característicos de textos argumentativos • Traços característicos de textos expositivos 36 2º bimestre • Narratividade • Gênero textual “crônica narrativa” • Gênero textual “letra de música” 3º bimestre • Crônica narrativa e letra de música como formas de representação histórica 4º bimestre • Crônica narrativa e letra de música diálogos com outros gêneros 2º bimestre • Gênero textual “notícia” • Gênero textual “relato de experiência” 3º bimestre • Notícia e relato de experiência como formas de representação histórica 4º bimestre • Notícia e relato de experiência diálogos com outros gêneros 2º bimestre • Traços característicos de textos prescritivos • Gênero textual “anúncio publicitário” 3º bimestre • Publicidade e mundo contemporâneo 2º bimestre • Gênero textual “artigo de opinião” • Artigo de opinião em diferentes situações de comunicação 3º bimestre • Debate e artigo de opinião como formas de representação histórica 4º bimestre • Debate e artigo de opinião diálogos com outros gêneros 4º bimestre • Anúncio publicitário e textos prescritivos diálogos com outros gêneros Fonte: Adaptado da Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Língua Portuguesa, 2008, p. 9-19) Quadro 2: Gêneros textuais na Proposta Curricular do Estado de São Paulo Além da escassez dos gêneros literários, representados apenas na 5ª série, a abordagem tipológica predominante no primeiro bimestre não permite ao aluno compreender as situações de comunicação em que essas narrativas são produzidas, não podendo compreender, portanto, em que circunstâncias surgem na sociedade os contos, as novelas e mesmo os romances que eventualmente retira das prateleiras da biblioteca. A preferência pela crônica revela a preocupação de se trabalhar com textos curtos, visando habilidades específicas apontadas pelas matrizes curriculares das avaliações externas. O material de apoio ao docente de Língua Portuguesa, denominado “Caderno do professor”, que apresenta sugestões de atividades que contemplam a Proposta Curricular, traz em sua introdução as competências e habilidades de leitura que devem ser desenvolvidas ao longo do trabalho. Vale destacar algumas: Compreender os textos orais e escritos apresentados em cada série do segundo ciclo do Ensino Fundamental, observando a que gênero pertencem e a que tipologia textual poderiam ser agrupados, de acordo com a função social e comunicativa desses textos; Ler de maneira independente os gêneros estudados a partir da familiaridade que vão construindo com esses gêneros nas diversas situações didáticas propostas pela escola; 37 Desenvolver procedimentos de leitura adequados a cada gênero, situação de comunicação e objetivos da leitura; Articular informações do texto a seus conhecimentos prévios. (SÃO PAULO, 2008a, p. 10) Essas quatro habilidades voltadas à competência leitora são amplas no sentido de que podem ser desenvolvidas sobre qualquer gênero textual, ou ainda supõem que devam ser mais bem trabalhadas justamente sobre uma diversidade de gêneros. Os PCNs destacam certo número de gêneros textuais literários, e sugerem a leitura e escuta de: (escritos) conto, novela, romance, crônica, poema, (e orais) texto dramático, cordel, causos e canção, dentre os quais destaca que devam ser produzidos pelos alunos canção, texto dramático, crônica, conto e poema. Os conteúdos e competências apresentados na PCLP/SP organizam-se no Caderno do Aluno (o material didático disponibilizado pela SEE desde 2009 para todas as disciplinas do EF e do EM) em situações de aprendizagem constituídas de sequências didáticas. As atividades propostas incluem textos curtos, pré-selecionados, alguns deles produzidos pelos autores do material; algumas atividades solicitam a pesquisa por outros textos, em revistas, jornais, livros e outros suportes, bem como sugerem a realização de tarefas em livros didáticos disponíveis nas escolas. É válido para este trabalho analisarmos algumas dessas situações de aprendizagem, verificando os conceitos de leitura e de literatura presentes, os gêneros literários contemplados e as competências e habilidades de leitura ensejadas para a aprendizagem. O corpus dessa análise ficará restrito aos cadernos do Volume 1 e 2, apenas, de 5ª série, onde, conforme visualizado no quadro curricular apresentado, predominam narrativas literárias. No Caderno do Aluno, 5ª série, Volume 1, há seis situações de aprendizagem que procuram abranger dois conteúdos da Proposta: 1) Traços característicos de textos narrativos; e 2) Textos narrativos e situações de comunicação. Dentre os textos apresentados, vale ressaltar, a presença de fábulas, contos, fragmentos de romances e crônicas. Escolhemos analisar primeiramente a Situação de Aprendizagem 3. A sequência didática está organizada da seguinte forma: leitura do conto “Meu tio Jules”, de Guy de Maupassant; duas questões sobre o conto, abordando principalmente o tempo e o espaço narrativos; duas questões para sistematizar os conceitos de tempo psicológico e tempo 38 cronológico; duas questões de síntese das características dos textos narrativos e gêneros literários narrativos; proposta de produção escrita, como continuidade a uma passagem lacunar do conto “Meu tio Jules”; proposta de produção de ilustrações para dois fragmentos (muito curtos) de “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll; pesquisa de contos de fadas com atividade de reescrita e exploração dos aspectos relativos ao tempo; “Estudo da língua”, explorando elementos gramaticais (tempos verbais e advérbios) nas narrativas. Nessas atividades, o objetivo central (analisar elementos constitutivos da narrativa, especialmente o tempo e o espaço) parece muito bem contemplado. No entanto, as questões 6 e 7 solicitam a retomada das situações de aprendizagem anteriores para uma síntese do conteúdo aprendido. A questão de número 6 faz o seguinte comando: “resuma, a seguir, o que compreendeu sobre as características dos textos narrativos”. Vale reproduzir aqui a resposta sugerida no gabarito do professor: Histórias inventadas que apresentam o desenvolvimento de cinco elementos: tempo, espaço, foco, personagens e enredo. Destacamos, ainda, o desenvolvimento de uma intriga elaborada, preocupada em estimular o imaginário do leitor17. Podemos notar nesse item a predominância do conceito tipológico de narrativa, sem atentar para aspectos dos gêneros narrativos, nem para as diversas situações de comunicação em que esses textos são produzidos e consumidos. Na questão 7, pede-se: “Tendo como base seu resumo, circule, na lista de textos narrativos abaixo, os que você já leu”, seguindo-se a lista das seguintes expressões: Conto, Fábula, Conto de fadas, Crônica, Narrativa de terror, Narrativas de mistério, Narrativa de aventuras e História em quadrinhos. Pelos conteúdos desenvolvidos nas situações de aprendizagem anteriores (desconsiderando qualquer outro conhecimento prévio), o aluno estaria apto a assinalar apenas os três primeiros. Mas o problema está em dois fatos dessa questão: 1) agrupa gêneros apenas pelos elementos organizacionais (“tempo, espaço, foco, personagens e enredo”); 2) distingue certas narrativas pelo tema predominante (de terror, de mistério e de aventuras), 17 Disponível para download na “Arquivoteca” do site www.saopaulofazescola.com.br, apenas para os docentes cadastrados na Rede do Saber, sistema informatizado da Secretaria. 39 quando sabemos que pode haver tanto um conto de terror, como uma novela ou um romance; e o mesmo vale para histórias de mistério e de aventuras. Nas palavras de Maria Silvia Cintra Martins, que também se dedicou a analisar os Cadernos do Professor, disponibilizados à rede desde 2008: a tipologia textual aparece de forma relativamente estabilizada e sentimo-nos bem próximos dos tradicionais exercícios de interpretação e de produção de textos de mais de trinta anos atrás, apenas com uma roupagem ligeiramente diferente e com a assimilação canhestra de uma nomenclatura mais atualizada (MARTINS, 2008, p. 536). Nesse sentido, uma das habilidades almejadas na Proposta não está contemplada adequadamente nessa sequência, no que diz respeito à compreensão dos textos orais e escritos observando a que gênero pertencem e a que tipologia textual poderiam ser agrupados, de acordo com a função social e comunicativa desses textos. Nota-se, como foi dito, a predominância do agrupamento tipológico e uma indesculpável confusão nos conceitos de gênero e tipologia. Já os PCNs, na esteira do pensamento bakhtiniano (BAKHTIN, 2000), levavam em conta que Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino (BRASIL, 1998, p. 23). Rojo (2006, p. 26) analisa que “todas estas três dimensões dos gêneros discursivos são determinadas pelos parâmetros do contexto de fala/escrita ou da situação de produção dos enunciados”, ou seja, é imprescindível que se procure observar as diferentes circunstâncias em que os gêneros narrativos são produzidos e o modo peculiar como circulam socialmente. Martins (2008, p. 533), analisando os Cadernos do Professor de Língua Portuguesa, aponta “uma dificuldade inerente a uma condição incipiente de letramento”, na medida em que se trabalha meramente uma “conceituação a respeito dos gêneros do discurso, uma vez que, mais uma vez, tende-se a priorizar as conceituações metalinguísticas, em lugar do trabalho com a linguagem propriamente dita ou com a produção textual enquanto prática discursiva”. E complementa: É dentro dessa linha de proposta pedagógica que os “Cadernos do Professor” [...] apresentam as seqüências didáticas em que se pressupõe que certos 40 gêneros do discurso sejam tematizados e trabalhados em cada nível de ensino, a partir do enfoque de alguns exemplares de textos considerados como representantes típicos de determinado gênero ou de determinada tipologia textual, ou seja: novamente, trabalha-se com padronizações, com idealizações. Há pouca ou nenhuma sugestão que aponte para o que se tem defendido, no mínimo já há vinte e cinco anos, no que diz respeito à aprendizagem significativa, inserida em situações reais de uso da linguagem. Tudo o que os pequenos cadernos trazem é a sugestão para que os alunos discutam certas temáticas entre si em sala de aula, ou que façam certo levantamento junto à comunidade a que pertencem – o que é absolutamente insuficiente para caracterizar minimamente uma prática de letramento genuína, ou o que podemos entender como um projeto de letramento escolar. (MARTINS, 2008 p. 533-4) A Situação de Aprendizagem 4, ainda do Volume 1 do Caderno do Aluno de 5ª série, é intitulada “Procurando textos narrativos na biblioteca”. A sequência está composta das seguintes atividades: leitura de uma crônica de Ignácio de Loyola Brandão, “O homem que entrou pelo cano”; atividades para reflexão sobre o sentido figurado e sentido literal do título; “Pesquisa individual”, que inclui visita à biblioteca ou trabalho com livros trazidos pelo professor, para leitura de narrativas e anotações individuais; atividades sobre pontuação; lição de casa com questões interpretativas sobre a história lida na etapa de pesquisa e exercícios complementares sobre pontuação. Agora, analisando mais atentamente a “Pesquisa individual”, onde se insinua uma atividade que verdadeiramente colocaria os alunos em contato direto com as obras literárias, percebemos que nos dois momentos – nas anotações e na retomada em lição de casa – não há qualquer previsão dos diferentes gêneros narrativos que poderiam ser encontrados pelos alunos. O enunciado de orientação da pesquisa menciona: O professor organizará uma visita à biblioteca ou trará livros para a sala. Leve seu caderno e procure os livros de narrativas (o professor ou o bibliotecário vai orientar como encontrá-los), folheie alguns e vá lendo trechos das histórias. Selecione a que mais despertar sua imaginação e leia por inteiro. (SÃO PAULO, 2008b, p. 36) Em seguida é solicitada uma ficha de leitura muito resumida, com ênfase nas anotações sobre as ações do enredo. Pelo modo como a atividade se organiza (para realização em um curto espaço de tempo: uma ou duas aulas) e pelos conteúdos até então trabalhados, não se imagina que os alunos venham a escolher narrativas de maior porte, como novelas ou romances; tudo indica que estarão orientados para livros de contos, fábulas ou crônicas. Seria interessante que ao menos se aproveitasse a ocasião para se diferenciar nos exemplares escolhidos esses três 41 gêneros já estudados, mas mais uma vez a tipologia genérica (“livros de narrativas) é o que predomina. Por fim, consideremos a Situação de Aprendizagem 1, “Produzindo uma crônica narrativa”, presente no Volume 2, Caderno do Aluno, 5ª série, restringindo-nos à seção “Leitura e Análise de Texto”, onde se procura fazer uma retomada dos diversos gêneros narrativos estudados, a partir do contato direto entre o aluno e os diferentes suportes textuais. A sequência se inicia com o seguinte enunciado: Fonte: SÃO PAULO, Caderno do aluno, 2008b, p. 3 Figura 1: Atividade do Caderno do Aluno 42 Quanto à seleção do material que deve ser distribuído aos alunos, o Caderno do Professor dá a seguinte orientação: Em um primeiro momento, leve para a sala de aula revistas e jornais com crônicas publicadas e diferentes livros: alguns de fábulas, contos ou crônicas, outros de literatura infanto-juvenil que eles provavelmente tenham lido (os chamados paradidáticos, que são narrativas mais longas do que as crônicas), outros que tenham dado origem a filmes ou desenhos animados comuns na TV e alguns romances clássicos que comumente circulam no ensino de Língua Portuguesa em séries mais avançadas do Ensino Fundamental. (SÂO PAULO, 2008a, p. 12-13) O quadro acima reproduzido procura orientar uma leitura atenta à capa, autoria, organização e material utilizado na produção. Uma sequência de itens na questão 2 procura conduzir o aluno à percepção sobre: a) a perecibilidade dos jornais e revistas em contraposição à durabilidade dos livros; b) a “finalidade” (ou função social) dos jornais; e c) as diferentes condições de recepção entre a leitura de uma revista ou de um livro. A questão 3 retoma o conceito de narrativa e solicita que sejam identificadas narrativas curtas e longas dentre os exemplares disponibilizados. As questões 4, 5, 6 e 7 ressaltam a predominância de narrativas em livros e solicitam a localização de narrativas em jornais e revistas, observando tratar-se de textos mais curtos. O que nos chama mais a atenção nessa sequência é o item h da questão 2: h) Todos os livros da atividade anterior apresentam narrativas. Marque os gêneros de narrativa que encontrou nos livros que analisou. I) romance. II) crônica. III) conto. IV) fábula. Fonte: SÃO PAULO, Caderno do aluno, 2008b, p. 4 Figura 2: Item h, questão 2, Partindo do fato de que a escolha dos livros não foi aleatória, todas as alternativas deverão ser marcadas. No entanto, que conceito de “romance” estará nesse momento construído para o aluno? Que conhecimentos prévios são ativados por esse vocábulo? Caso o professor tenha, acidentalmente ou não, trazido para classe uma autobiografia ou mesmo uma publicação científica sobre a história dos índios pataxós, por exemplo (igualmente um livro, com cerca de 200 páginas), o aluno saberia diferenciá-lo de um romance? 43 Acreditamos que somente incluindo no currículo o trabalho com livros de contos, novelas e romances é que se poderia criar uma verdadeira familiaridade com os gêneros narrativos literários, pois permitiria o contato com o texto em sua origem, o livro, vinculado, portanto, a sua real situação de divulgação e recepção. Contudo, esse processo não se concluiria no trabalho com um ou dois volumes didáticos na primeira série do Ensino Fundamental II, mas demandaria um currículo pensado com esses propósitos em toda a Educação Básica. Além disso, os textos curtos, no modo pasteurizado como costumam aparecer nos livros didáticos, sugerem recortes estreitos da realidade, e, no conjunto, formam um mosaico confuso do mundo. A leitura de uma narrativa longa reconstrói um universo, dá ordem ao caos e permite que a criança organize suas ideias e conhecimentos na observação/leitura de um mundo que se lhe apresenta no mergulho provável que realiza ao abrir um livro; esse novo mundo traz ressonâncias com a realidade em que vive, até mesmo na realidade de suas fantasias pueris. Aguiar e Bordini (1988, p.15) afirmam ainda que “A atividade do leitor de literatura se exprime pela reconstrução, a partir da linguagem, de todo o universo simbólico que as palavras encerram e pela concretização desse universo com base nas vivências pessoais do sujeito.” Enquanto uma proposta curricular dedicar um olhar reduzido a habilidades de leitura específicas e limitadas, apenas porque são abrangidas pelas avaliações padronizadas, a formação do leitor na escola será subtraída de sua função social, ao menos no sentido amplo de uma formação que verdadeiramente extrapole os limites das práticas escolares. O investimento da Secretaria na produção dos cadernos dos alunos é certamente uma ação positiva no sentido de buscar melhorias na qualidade do ensino. A implantação de um material consumível, alinhado a uma proposta curricular estadual traz, entre outras vantagens, maior amparo ao professor ao preparar suas aulas, praticidade para os alunos ao desempenharem atividades, equidade de conteúdos entre diferentes unidades de ensino, etc. Obviamente que o projeto ainda carece passar por aperfeiçoamento, sobretudo em questões editoriais e logísticas. Contudo, interessaram-nos, para essa discussão, os aspectos metodológicos e conceituais dos Cadernos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II. Na opinião de Aguiar e Bordini (1993, p. 17), Para que a escola possa produzir um ensino eficaz da leitura da obra literária, deve cumprir certos requisitos como: dispor de uma biblioteca bem aparelhada, na área de literatura, com bibliotecários que promovam o livro literário, professores leitores com boa fundamentação teórica e 44 metodológica, programas de ensino que valorizem a literatura e, sobretudo, uma interação democrática e simétrica entre alunado e professor. [grifos nossos] Sabemos da dificuldade da escola pública cumprir com esses cinco requisitos apontados pelas autoras, mas, no que diz respeito ao assunto em discussão, parece inconcebível que uma proposta curricular não demonstre uma preocupação efetiva com a formação do leitor literário ao longo dos quatro anos finais do Ensino Fundamental. Em face à concepção de leitura presente nos documentos oficiais da educação paulista e nos PCNs, há a necessidade de nos posicionarmos enquanto questionadores dos conceitos vigentes, procurando os fundamentos teóricos que sustentam as ações de promoção da leitura. Em outras palavras, há sempre nas entrelinhas dos textos prescritivos da Educação concepções de linguagem e de literatura que servem às intenções políticas de determinadas épocas. Do modo semelhante, um projeto de pesquisa que busca atuar no cenário educacional, implementando ações que acabam interferindo no percurso de professores e alunos de uma escola, traz igualmente concepções teóricas que merecem ser explicitadas (o que nem sempre é feito nos documentos oficiais) e mesmo postas em debate. Assim, os conceitos de linguagem, literatura e leitura, que serão a partir de agora brevemente explanados, não podem ser isolados da discussão do problema da leitura no contexto escolar, ainda que a natureza política de uma pesquisa-ação force um discurso mais pragmático, de teoria aplicada, onde se torna também quase inevitável o recorte das teorias linguísticas e literárias. 45 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-HISTÓRICA 2.1 Concepções de linguagem, literatura e leitura 2.1.1 Linguagem Sendo a educação uma prática social que ocorre exclusivamente com e pela linguagem, é indispensável definirmos aqui uma compreensão desse conceito. A linguagem se constitui não apenas como um meio da atividade pedagógica, mas como um fim, quando se pensa que o maior objetivo da pedagogia possa ser o desenvolvimento da capacidade do indivíduo em se comunicar/interagir com o mundo em que vive. Como prática de linguagem, portanto, a Educação não escapa dos expedientes teóricos da linguística (e da sociolinguística, da psicolinguística, da filosofia da linguagem etc.). Para os educadores suíços Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly (1999, p. 6), “As práticas de linguagem implicam dimensões, por vezes, sociais, cognitivas e lingüísticas do funcionamento da linguagem numa situação de comunicação particular”. Por essa razão, uma definição de linguagem adequada a esse trabalho afasta-se do fenômeno neurofisiológico da comunicação humana e se aproxima muito mais da dimensão social da prática discursiva, sem descartar seu caráter transdisciplinar, que envolve estudos da Filosofia, Sociologia, Psicologia, História, Antropologia, Semiótica e Linguística. Adotaremos, portanto, a noção de língua como fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo, que varia ao longo do tempo e de acordo com os falantes, manifestando-se no uso e sendo a ele sensível; e a noção de linguagem como “a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade” (BRASIL, 1998, p. 125). Rejeita-se, assim, a ideia de língua como mero código ou sistema de sinais autônomos, totalmente transparente, sem história e fora da realidade social dos falantes. Retomando o conceito de prática de linguagem de Schneuwly e Dolz, devese pensar no papel dos sujeitos do trabalho pedagógico com a leitura e a literatura e as capacidades linguísticas implicadas nesse processo. Segundo afirmam, 46 toda ação de linguagem implica [...] diversas capacidades da parte do sujeito: adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades linguístico-discursivas). (SCHNEUWLY; DOLZ,1999, p. 6) Por essa razão, a atuação docente deve estar alicerçada por uma concepção de linguagem que leve em conta essas dimensões do processo de comunicação. Em outras palavras, o trabalho com o letramento literário deve considerar o desenvolvimento das três capacidades referidas acima: (1) ler enquanto uma ação sobre o mundo lido, (2) que supõe uma capacidade de posicionar-se diante do objeto lido e (3) que colabora no desenvolvimento da capacidade linguístico-discursiva do leitor. 2.1.2 Literatura Antes de discutirmos o conceito de literatura propriamente, cabe-nos esclarecer o sentido de uma expressão utilizada há pouco: letramento literário. Citando Magda B. Soares, Rildo Cosson discorre sobre letramento da seguinte forma: “Trata-se não da aquisição da habilidade de ler e escrever, como concebemos usualmente a alfabetização, mas sim da apropriação da escrita e das práticas sociais que estão a ela relacionadas” (COSSON, 2006, p.11). Nesses termos, notamos o valor social dado às competências de ler e escrever, enquanto meios de participação nas práticas sociais e, portanto, de efetivo desenvolvimento do indivíduo como ser histórico e político. Para o mesmo autor, o letramento literário, além de oferecer uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, também é uma forma de assegurar seu efetivo domínio. Ele considera que “A prática da literatura, seja pela leitura, seja pela escritura, consiste exatamente em uma exploração das potencialidades da linguagem, da palavra e da escrita, que não tem paralelo em outra atividade humana” (ibidem, p. 16). Por isso, vê esse trabalho como tarefa inalienável do educador: “O letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola” (ibidem, p.23). 47 Por fim, adotamos como princípio do letramento literário a construção de uma comunidade de leitores. É essa comunidade que oferecerá um repertório, uma moldura cultural dentro da qual o leitor poderá se mover e construir o mundo e a ele mesmo. Para tanto, é necessário que o ensino da Literatura efetive um movimento contínuo de leitura, partindo do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno. Nesse caso, é importante ressaltar que tanto a seleção das obras quanto as práticas de sala de aula devem acompanhar esse movimento (COSSON, 2006, p.47-48). Para tanto, o professor deve dispor de um conceito de literatura? Existe “um” conceito para esse assunto? A falta de compreensão do que seja a literariedade de um texto prejudica o trabalho com a literatura em sala de aula? Note que essas questões extrapolam a questão o que é literatura?, algo que pertence à teoria literária, pois levam em conta uma discussão que é clichê entre os educadores: a relação entre teoria e prática. Podemos formular a questão dos seguintes modos: no trabalho com a literatura, o docente pode prescindir da teoria literária? O que é mais importante, um repertório vasto de leituras ou uma concepção teoricamente válida para o que seja literatura? O conceito que o professor dispõe de literatura é, em verdade, determinante no seu trabalho, pois ajudará a definir suas escolhas e sua maneira de se expressar diante dos alunos a respeito de uma dada obra ou fato literário. Esse conceito pode ser intuitivo, amparado pelo repertório de leituras literárias, ou sustentado pela formação acadêmica. Se o professor oferece aos alunos Machado de Assis e rejeita completamente que seus alunos leiam (pelo menos em sala de aula) Paulo Coelho, por exemplo, é porque possui “certo” conceito do que seja literatura. Se outro professor põe à mesa Álvares de Azevedo e Stephanie Meyer, pretendendo discutir a relação entre o vampirismo e a literatura romântica, é porque tem “outro” conceito de literatura. Contudo, ambos podem estar perfeitamente amparados pela teoria literária (ou por diferentes teorias) e, portanto, nenhum deles estaria, digamos assim, “errado”. A questão então é saber qual tem sido a evolução da compreensão do que seja o texto literário e de que modo isso pode interferir na atuação do educador. Segundo Eagleton, só a partir do século XIX, especialmente pelo pensamento romântico, é que a palavra “literatura” começa a adquirir o sentido que conhecemos hoje. Antes, incluía todo um conjunto de obras dotadas de certo valor ideológico para a sociedade, incluindo textos da filosofia, da história, cartas e ensaios, e a poesia, “escritos que encerravam os valores e ‘gostos’ de uma determinada classe social” (EAGLETON, 1997, p. 19). 48 Nas últimas décadas do século XVIII, o termo passou a designar uma categoria de textos de escrita “criativa” ou “imaginativa”, que se opunha à escrita utilitária, factual, prosaica. Extremamente arraigados aos valores românticos, os conceitos de criatividade e imaginação, vagos e ambíguos, oscilam no tempo e, hoje em dia, contribuem pouco para definirmos o que seja literatura. Apontam para algo que chamaríamos de “belo” ou “poético” em um texto, remontando-nos à concepção helênica de arte como a contemplação do belo. Essa visão romântica talvez ainda tenha reflexos, atualmente, no senso comum que tende a considerar literária uma escrita que lhe pareça “bonita”. Além disso, a crítica romântica – e, mais tarde, a simbolista – reveste a obra literária de uma áurea de mistério, em que a criação artística é um dom divino e inexplicável, do mesmo modo como a própria arte passou a se preocupar mais com o inefável, o transcendente, o etéreo. Esse entendimento, além de míope para definirmos o que é literatura, pode nos conduzir a uma preferência equivocada pela literatura hermética, de vocabulário rebuscado, seja ela clássica, romântica, simbolista ou parnasiana; de qualquer modo, a literatura moderna poderia estar fatalmente excluída pelas injunções de “gosto”. Basta verificar que grande parte dos alunos não tem sequer conhecimento de haver obras de valor com uma linguagem perfeitamente simples e cotidiana. A dificuldade em considerar literário um poema-piada de Oswald de Andrade ou um “poema sujo” da literatura marginal da década de 70 também revela o quanto essa concepção de escrita bela interfere nas nossas escolhas e, quando assumida por um professor, pode comprometer a recepção de obras que não se enquadrem nessa categoria. Os teóricos do Formalismo Russo, preocupados em desmontar o misticismo predominante na crítica literária romântica, alimentam-se de um espírito científico para chegarem à materialidade do texto literário. Com isso, passam a entender a literatura como uma forma especial de organizar a linguagem. Uma abordagem linguística era manejada por teóricos como Roman Jakobson para explicar essa forma especial, aquilo que chamou de função poética da linguagem, que “consiste na ambiguidade da mensagem mediante o adensamento do significante” (TEIXEIRA, 1998, p. 36). Assim, os formalistas apontam para os níveis semântico, sintático e fonológico do discurso literário. Essa atenção demasiada à forma pode instaurar um novo problema na relação entre o leitor e a literatura: a apreciação da arte literária seria uma capacidade que dependeria dessa apreensão da morfologia linguística da obra, algo para o deleite exclusivo dos leitores iniciados. No entanto, uma evolução importante foi notada por Ivan Teixeira, analisando o ensaio “A arte como procedimento”, escrito em 1917 por Vítor Chklovski, um 49 dos inauguradores do formalismo. Chklovski introduz “a noção de que o valor artístico de uma obra decorre não apenas de sua estrutura verbal, mas também da maneira como é lida.” (TEIXEIRA, 1998, p. 36) Surge daí um conceito funcional de literatura, entendida não mais como um discurso ornado e ficcional que visa à imortalidade, mas como um modo especial de articulação da linguagem, cuja idéia de valor é rigorosamente relativa, pois leva em conta tanto a estrutura verbal do texto quanto a percepção do leitor e o eventual desgaste das formas, que, de estranhas e desautomatizadoras, podem, com o passar do tempo, se tornar corriqueiras e previsíveis. (ibidem, p. 38) Porém, isolado da dimensão social, o leitor pensado pelo formalismo, dono do senso de “estranhamento”, seria exatamente aquele capaz de perceber as nuances formais de uma obra, ou seja, uma espécie de crítico literário. Logo, a literatura entendida como uma escritura “especial”, cuja linguagem é estruturada sobre os desvios à norma, está destituída de papel social e não responde, portanto, à pergunta: “por que lemos literatura?”; Já que não pensa sua relação com o leitor comum ou com o público em geral. Não responde, por exemplo, por que uma obra que formalmente poderia ser considerada menor continua sendo consumida. Aliás, ao falar do desgaste dos estudos formalistas, Vincent Jouve (2002, p. 11) nos diz: “Os teóricos percebem que as duas questões mais importantes que eles se colocam – o que é literatura? como estudar os textos? – significam se perguntar por que se lê um livro.” O fato de considerarem desnecessário analisar a obra no seu contexto histórico – compreensão partilhada também pelos teóricos da Nova Crítica Americana – tornou quase impossível que, por muito tempo, se refletisse sobre a função social da literatura. Curiosamente, esse entendimento da obra literária como um objeto autônomo, separado do autor e do leitor, ou do contexto social e histórico, tem servido ao ensino da literatura há várias décadas como sustento para um método que só aumenta a distância entre a educação e a política. Como revela Eagleton, nos tempos da Guerra Fria, era cômodo distribuir para os alunos um poema para ser examinado, pois a interpretação imanente do texto produz um “equilíbrio delicado de atitudes contrárias, uma reconciliação desinteressada de impulsos opostos” (EAGLETON, 1998, p. 54). Não é de se espantar, portanto, que em muitos manuais didáticos brasileiros do ensino secundário, cujo crescimento editorial se deu exatamente na Ditadura Militar, o conceito de literatura ensinado estivesse impregnado (e muitos manuais são assim até hoje) de excessos da análise formal: metrificação, figuras de linguagem, tipos de discurso e tipos de narrador etc. (E a atenção equivocada para o contexto histórico e a biografia do autor, por influência da crítica positivista do século XIX, coloca esses manuais 50 ainda à parte de uma compreensão da dimensão social, cultural, histórica e política da literatura.) A análise do contexto histórico-social ganha importância, sobretudo no Brasil, na crítica literária de caráter sociológico de Antônio Candido. Em sua publicação de 1965, Literatura e Sociedade, eximia-se da pretensão de criar uma teoria sociológica da literatura (que para ele seria até mais ineficiente quanto a teoria literária isenta da sociologia, ainda que no conjunto de seus escritos se possa extrair um método de abordagem com coeso sustento teórico), pois compreendia que a sociologia “não explica a essência do fenômeno artístico, ajuda a compreender a formação e o destino das obras; e, neste sentido, a própria criação” (CANDIDO, 2000, p. 34)18. Contudo, o conjunto de suas obras dá coordenadas que educam o olhar sobre a arte literária sob o plano das influências exercidas pelos fatores socioculturais. E isso muda, portanto, a nossa maneira de compreender o que se pode chamar de literatura. Para Candido, a literatura (ele menciona arte) é social em dois sentidos: depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. (CANDIDO, 2000, p. 19) Compreende a contribuição dos formalistas, vendo na manifestação literária as dimensões estética e linguística inseparáveis, mas é principalmente interessante a ele “qual a função exercida pela realidade social historicamente localizada para constituir a estrutura da obra” (CANDIDO, 1993, p. 32). Define a comunicação artística como uma tríade indissolúvel entre autor, obra e público, que formam um sistema simbólico de comunicação inter-humana. Para ilustrar, consideremos a generalização que faz do conceito de literatura em uma palestra sobre Direitos Humanos e Literatura: todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. (CANDIDO, 1995, p. 242) Essa compreensão deve ser iluminada pela noção de funções do texto literário, conforme Candido postula em Literatura e Sociedade, obra de 1965 (mas que reúne textos publicados no Brasil desde 1954). Discutindo o problema dos estudos da literatura oral 18 Fizemos uso de uma edição mais recente da obra de 1965. 51 e do folclore, distingue três funções da arte literária (também válidas para a literatura escrita): função total, função social e função ideológica. Por função total compreende a visão de mundo expressa no interior do sistema simbólico de representação literária. Trata-se de uma visão que adquire um valor universal e passa a ser incorporada ao patrimônio cultural da sociedade. A função social da literatura “comporta o papel que a obra desempenha no estabelecimento de relações pessoais, na satisfação de necessidades espirituais e materiais, na manutenção ou mudança de uma certa ordem na sociedade” (CANDIDO, 2000, p. 41). O sistema de ideias, valores, crenças etc., veiculado por qualquer obra literária, é o que constitui sua função ideológica. Em seu ensaio A literatura e a formação do homem, Candido (1972) ressalta a função humanizadora da literatura, na medida em que satisfaz o prazer estético e fantasia do indivíduo (função psicológica); e permite ao homem ver no que lê aspectos de sua própria humanidade, aprimorando sua consciência humana que se modificada pela leitura da obra literária (função formativa). Nesse sentido, entendemos como essencial que, para um trabalho de leitura literária no contexto escolar, seja considerado um conceito de literatura emoldurado por essa compreensão político-social que o próprio trabalho educacional exige. Assim, valendo-nos de Aguiar e Bordini (1993), concluímos que a literatura é uma forma de comunicação que extrai dos processos histórico-político-sociais uma visão típica da existência humana que funciona como jogo em torno da linguagem, das ideias e das formas, sem estar relacionada a um objetivo prático imediato. E na relação do leitor(-aluno) e a obra literária, esta assume um caráter aberto, que permite a sua atualização e a atribuição de vários sentidos possíveis por meio da reconstrução do universo simbólico conforme as vivências pessoais de cada sujeito. Para finalizar, retomemos Cosson (2006, p. 17), ensinando-nos que “na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos.” O autor vê a escolarização da literatura como uma tarefa que contribui para que se cumpra sua função humanizadora: A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro, como também vivenciar essa experiência. [...] É por possuir essa função maior de tornar o mundo compreensível transformando sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas. (ibidem, p. 17) 52 2.1.3 Leitura Em recente pesquisa sobre o panorama da leitura no Brasil, alguns dados causaram entusiasmo naqueles que iniciaram uma análise das estatísticas apresentadas 19. Em resumo, a pesquisa mostrou que os brasileiros estão lendo mais do que talvez se imaginasse. Dentre esses resultados, é positiva a imagem da escola brasileira no seu papel de garantir o acesso à leitura, como no trecho abaixo: A pesquisa evidencia que é a escola quem faz o Brasil ler. O Brasil está estudando e é a partir da escola que os brasileiros entram em contato com o processo da leitura e, por meio dela, acessam os livros, independentemente de sua classe social. (...) Depois da mãe, a professora é a principal incentivadora da leitura (LÁZARO; BEAUCHAMP, 2008, p. 74) Afora certo ufanismo na metonímia “o Brasil ler” e “O Brasil está estudando”, a ênfase no papel da escola é importante, mas os dados não dizem nada de novo, apenas ratificam a ideia de que em um país em que o acesso à cultura é desigual (pois o consumo da cultura é caro e a desigualdade social gritante) a escola assume esse papel de suprimento do que para a família teria um preço alto. Vale notar apenas que, como a pesquisa abrangeu 85% de alunos das escolas públicas, vê-se (aqui com alguma surpresa) que entre 5 e 13 anos, as crianças das classes A e B leem menos que as das classes D e E. Contudo, entre 14 e 17 anos esses dados são invertidos (LÁZARO; BEAUCHAMP, p. 80). E, considerando que a continuidade dos estudos após os 17 será menos frequente entre os jovens de baixa renda, explica-se porque fora da escola o tempo dedicado à leitura praticamente se anula em grande parcela dos entrevistados, enquanto que demonstra uma importante retomada naqueles que fazem curso superior. Assim, concordando ainda com a conclusão dos mesmos analistas, de que “A escola não está formando o leitor, mas dando acesso à leitura” (LÁZARO; BEAUCHAMP, p. 74), esses dados servem para questionarmos então qual conceito de leitura estaria na base da pedagogia brasileira (não a pedagogia dos livros, mas a da sala de aula), para então 19 AMORIN, G. (Org.). Retratos da leitura no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial; Instituto Pró-Livro, 2008. 53 refletirmos sobre um conceito de leitura que sirva melhor para o desenvolvimento de um ensino de formação de jovens com hábito de leitura. Regina Zilberman, na obra Fim do livro, fim dos leitores? (2001), no capítulo “Teorias da leitura: o papel do ensino” (p. 57-72), procura demonstrar qual tem sido a importância dada à leitura na sociedade ocidental e qual o papel da escola nesse processo histórico. Nas escolas da Antiguidade, expandidas a partir do século VI a. C., praticava-se a leitura em voz alta e os livros, comercializados já no século V a. C., tinham a finalidade de educar a elite jovem ateniense. Nessa época, atribuía-se “à leitura e à escrita a tarefa de introduzir a mocidade no mundo cultural e pedagógico” (ibidem, p. 61). Nos séculos seguintes, por meio da poesia e da prosa canônicas, se promovia, simultaneamente, o estudo da língua e da literatura. Horácio, Dionísio de Halicarnasso (séc. I a.C.) e Quintiliano (séc. I d.C.) acreditavam que a poesia devia estar a serviço da aprendizagem sobre a língua e a cultura. No século III d.C, com a substituição do “volumen”, ou rolo, pelo codex, algo próximo do formato de livro como conhecemos hoje, difundia-se a leitura silenciosa e doméstica. Contudo, ressalta que “O estudo da leitura, por sua vez, não requeria um fundamento teórico; mas dependia de uma metodologia eficaz, para se efetivar por meio da alfabetização” (ZILBERMAN, 2001, p. 66). Segundo a autora, apenas no século XVIII, com o processo de industrialização, quando o consumo da leitura se expande de modo arrebatador, é que “pedagogos, teólogos e filósofos produzem manuais em que procuram orientar os consumidores para uma atitude adequada, mais correta, na tentativa de refrear a propagação da literatura popular, antecipação da massificação do século XX” (ibidem, p. 67). Paradoxalmente, se a partir do século XIX o nascimento da teoria literária se alimenta do fenômeno da popularização da leitura e, consequentemente, do desenvolvimento da produção literária, ela também reforçou a divisão entre a literatura (e seus críticos) e os consumidores, já que a literatura canônica muitas vezes se tornava hermética e sua leitura carecia do apoio do conhecimento da literatura, seja na sua história, seja nos procedimentos da crítica literária. Em consequência disso, a escola, desde o século XIX e até os dias atuais, colabora no fortalecimento do cânone, pois é por ele que se pode fazer a leitura exemplar em língua e qualidade artística. Como se viu, há muito tempo que a leitura na escola está para interesses estritamente ligados à aprendizagem da língua e, nesse sentido, é tomada como uma prática obrigatória em todas as etapas do ensino, ainda que sob diferentes enfoques. E a leitura 54 literária, especialmente, às vezes é vista como a filha bastarda do processo educacional, salvo quando (numa perspectiva tradicionalista) serve de exemplo do bom uso do idioma e da bienséance dos costumes.20 Pretende-se com esse apanhado histórico concedido por Zilberman demonstrar que a leitura, no modo como será compreendida nesse trabalho, não tem sido plenamente desenvolvida em seu espaço privilegiado: a escola. Durante a década de 80, as discussões que se faziam no Brasil a respeito do ensino da leitura traziam como pano de fundo uma sociedade fortemente marcada por diferenças de classes. Pesquisadores como Ezequiel Theodoro da Silva e Magda Becker Soares procuravam ver o problema sob a ótica das classes populares. Nas escolas, o ensino da leitura tinha objetivos que respondiam aos interesses das classes mais favorecidas, para quem era vista, segundo Soares, como “uma qualificação necessária para atender ao modo de produção das sociedades contemporâneas e para responder às exigências da cultura dominante que se organiza, fundamentalmente, pela linguagem escrita” (SOARES, 1995, p. 48). Assim, o conceito de leitura próprio às práticas pedagógicas da época relacionava-se ao exercício da norma culta: ler para aprender a falar e escrever melhor, para adquirir o vocabulário da elite social e para participar da circulação de saberes caros a essa mesma elite. Nessa época, observava-se o problema do predomínio da norma culta nas leituras da escola, que para os alunos de classes desfavorecidas implicava num duplo processo: “o aprender a ler e o aprender, simultaneamente, um novo dialeto social” (ibidem, 1995, p. 49). A letra impressa era mitificada, o livro sacralizado na biblioteca (quando havia) e os valores veiculados pelos textos refletiam mais uma vez o modo de ver das elites. Portanto, podemos concluir que nas escolas brasileiras dos anos 80 (e talvez até o início da década seguinte) a leitura poderia ter o seguinte conceito: um processo de decodificação da linguagem escrita que, no plano expressivo, servia ao aprendizado da norma culta e, no plano do conteúdo, servia à absorção de saberes e valores socialmente prestigiados pela classe dominante. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases prevê para o Ensino Fundamental a formação básica do cidadão mediante, como primeiro dentre quatro itens, “o desenvolvimento 20 Segundo Aguiar e Bordini (1993, p.36), esse modelo de ensino de literatura é reflexo da pedagogia jesuítica, em que “a literatura só ingressava como exemplo retórico de execução primorosa da língua portuguesa na Metrópole quando, ao mesmo tempo, trazia normas de moralidade cristã e fidelidade às autoridades constituídas”. 55 da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (Lei 9.394/96, Art. 32, inciso I). Em conformidade com a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais dão diretrizes que norteiam os conteúdos mínimos para o ensino em todas as áreas. Em Língua Portuguesa, os autores da matriz curricular revelam consciência crítica em relação ao ensino tradicional e, no que tange ao nosso tema, acusam a “excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de texto” (BRASIL, 1998, p. 18). Segundo os PCNs, a escola deve garantir o acesso do aluno ao mundo dos textos que circulam na sociedade e seu domínio nos processos de leitura e escrita; a leitura literária, por sua vez, permite o acesso ao patrimônio cultural e deverá igualmente estar presente nas atividades de produção. Dessa forma, a literatura concorre nas práticas de leitura e produção de textos com os textos não literários dos mais variados gêneros. Ainda que falte nos PCNs uma definição clara do que seus autores entendem por leitura, é possível extrair de outros documentos oficiais discursos correlatos e, em geral, percebemos nesses textos a noção de que ler é interpretar. É algo que ultrapassa o nível da decodificação e que, ao atribuir sentido ao texto, nos permite desenvolver nossa capacidade de compreender os fenômenos e resolver problemas. Encontraremos nesses documentos também a ideia de que a leitura precede o texto escrito, na medida em que a situação de produção e recepção de um dado texto interfere no modo como o mesmo será compreendido. Assim, ler o texto supõe previamente ler seu contexto de circulação, localizando nele seus interlocutores e idiossincrasias sociais, culturais e históricas (noções claramente pautadas em preceitos bakhtinianos, pela perspectiva interacionista da linguagem humana). A avaliação do modo como essa concepção chega até a sala de aula tem sido o objetivo de considerável número de pesquisas, do mesmo modo como o mercado editorial dos livros didáticos e o desenvolvimento de métodos de avaliação desses materiais (no caso, o PNLD) revelam o esforço em por em prática a prescrição dos PCNs. Contudo, há uma distância nítida entre as formulações de base dos PCNs e as práticas em sala de aula, tanto pelo que se pode notar nos livros didáticos produzidos deste então, como pelos problemas de formação dos docentes que passaram a atuar com o peso de uma nova linguagem. 21 Willian Cereja, analisando a concepção de leitura presente em uma sequência de atividades de um manual didático de ensino de literatura muito utilizado pelos 21 Ver ROJO, Roxane (org). A Prática de Linguagem em Sala de Aula: praticando os PCNs. Campinas, Mercado de Letras, 2000. 56 professores até os dias atuais (José de Nicola), nota que, para o autor, leitura “equivale a resolver problemas de vocabulário; explicar uma passagem difícil ou obscura; identificar alguns elementos da teoria desenvolvida; verificar se a teoria está devidamente memorizada; abordar o texto de forma simples e direta, mesmo que fragmentada.” (CEREJA, 2004, p. 136) Não é difícil supor que na sala de aula ainda vigorem práticas de leitura baseadas nos processos de decodificação e de verificação da apreensão de certos conteúdos e informações. Nessas práticas, mesmo diante de textos literários, há sempre algo para se “descobrir” pela leitura, para o aperfeiçoamento humano ou para a formação cultural, mas sempre pela informação apreendida, não pela vivência estética ou pelo jogo de representações sociais presentes no ato da leitura. Os estudos sobre os livros didáticos indicados no PNLD das edições de 2002 e de 2005 – conforme Rojo (2003), Costa Val (2003) e Nemi Neto (2007) – demonstram que a dimensão discursiva nem sempre é explorada satisfatoriamente nas atividades de leitura e produção de textos. Uma breve análise das resenhas contidas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: Língua Portuguesa pode indicar que a metodologia discursiva/sócio-construtivista22 se faz atualmente mais presente, ainda que muitos manuais apresentem sérias deficiências didáticas apontadas pelos analistas, ou haja outros que quase negligenciam o “uso situado” do trabalho de leitura/escrita. Diante dessa problemática, que conceito de leitura assumimos para esta pesquisa? Precisamos considerar os diferentes sujeitos leitores durante as etapas do projeto: os leitores-professores, os leitores-alunos e o leitor-pesquisador, para então procurarmos uma concepção ampla de leitura, adiando uma noção específica de leitura literária para o capítulo em que trataremos do método recepcional. Precisamos, portanto, e antes de tudo, considerar a leitura um ato concreto, observável (JOUVE, 2002). Assim, trata-se de um processo que pode ser analisado por pelo menos cinco dimensões: neurofisiológica, cognitiva, afetiva, argumentativa e simbólica 23. Porém, abordar as cinco dimensões neste trabalho nos faria adentrar terrenos que extrapolam 22 Nessa linha estão os educadores do Grupo de Genebra, com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz como principais representantes, que conciliaram Bakhtin e Vygotsky e desenvolveram métodos extremamente didáticos de se trabalharem os diversos gêneros textuais (orais e escritos) no universo escolar. Seus estudos serviram de base para muitas das formulações dos PCNs e, ainda hoje, estão na fundamentação teórica de diversos livros didáticos. 23 Jouve (2002) menciona Thérien (THÉRIEN, Gilles. “Pour une sémiotique de la lexture”. Protée, v. 2-3, 1990). Martins (2003) também compreende a leitura, dentro da perspectiva cognitivo-sociológica, como um processo abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, tanto quanto culturais, econômicos e políticos. 57 os campos de conhecimento em que essa pesquisa atua, ou seja, o campo da Linguística e o da Teoria Literária. Em vista desse recorte necessário, tomaremos como ponto de partida a dimensão simbólica da leitura. “Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de um meio e de uma época. A leitura afirma sua dimensão simbólica agindo nos modelos do imaginário coletivo quer os recuse quer os aceite” (JOUVE, 2002, p. 22). Essa concepção é particularmente interessante na medida em que nos permite pensar na leitura como um ato concreto e historicamente observável, isto é, pensar no lugar social e histórico do sujeito leitor para refletirmos nos modos de recepção de um dado texto. Cada leitor traz consigo o conjunto de suas experiências, valores, crenças, interesses etc., que interfere no modo de apreensão e compreensão do objeto lido e que dialoga simbolicamente com a dimensão social, histórica, cultural e ideológica trazida pelo texto. Segundo Martins (2003, p.33), Esse diálogo é referenciado por um tempo e um espaço, uma situação; desenvolvido de acordo com os desafios e as respostas que o objeto apresenta, em função das expectativas e necessidades, do prazer das descobertas e do reconhecimento de vivências do leitor. Nesse sentido, não nos interessa uma noção de leitura centrada no texto, que atribuiria ao leitor a tarefa de extrair o sentido objetivo que está no texto. Como vimos, esta tem sido exatamente a concepção em que se baseiam muitas das práticas equivocadas na sala de aula, ora nos livros didáticos, ora na postura do professor. Acreditamos, conforme nos resume Cosson (2006, p.39)24, que “o sentido atribuído ao texto não é um gesto arbitrário, mas sim uma construção social”. Assim, ler é um ato social, “resultado de uma série de convenções que uma comunidade estabelece para a comunicação entre seus membros e fora dela” (ibidem, p. 40). 2.2 O Leitor e Estética da Recepção 2.2.1 A Teoria da Recepção e a Pedagogia: uma aproximação possível 24 Menciona LEFFA, Vilson J. Perspectivas no estudo da leitura: texto, leitor e interação social. In: LEFFA, Vilson J. ; PEREIRA, Aracy, E. (Orgs.) O ensino da leitura e produção textual; Alternativas de renovação. Pelotas: Educat, 1999. p. 13-37. 58 Eagleton (1997) sintetiza a história da moderna teoria literária em três fases. Na primeira, que corresponde ao período do Romantismo até séc. XIX, nota-se uma constante preocupação com a figura do autor. Na entrada do século XX, o surgimento da Nova Crítica Americana (e grande parte dos estudos Formalistas), corresponde à segunda fase, em que se dá centralidade ao texto, propondo estudos literários baseados na análise imanente da configuração textual. A terceira fase, com precursores na primeira metade do século XX – como a fenomenologia de Husserl e a hermenêutica de Gadamer –, a Estética da Recepção, a partir da década de 60, é responsável por transferir plenamente a atenção para o leitor, revelando certo esgotamento das abordagens positivistas, marxistas e formalistas do fenômeno literário. É interessante adiantar que, para o mais importante teórico da terceira fase, Hans Robert Jauss, sua teoria nasce exatamente da insatisfação com a metodologia de ensino da literatura vigente na época, nas universidades de seu país: um ensino ainda permeado pela crítica historicista do século XIX; e, pela mesma razão, a entrada da Estética da Recepção no Brasil representará para pesquisadores como Aguiar e Bordini (1993) uma alternativa metodológica para o trabalho com a leitura na sala de aula. A Estética da Recepção, durante a histórica conferência do pesquisador alemão Hans Robert Jauss, em 1967, desponta como uma proposta (ou provocação) à Teoria Literária e à História da Literatura, propondo o estudo do texto literário pela perspectiva do leitor. Atualmente, o método recepcional oferece também dispositivos metodológicos úteis a uma pedagogia da leitura. O deslocamento do foco de análise textual em direção ao leitor faz emergir com muito mais vigor o caráter emancipatório da leitura, aspecto extremamente interessante à pedagogia das últimas décadas. Zilberman (1988), na conclusão de sua obra de referência para a divulgação no Brasil das teorias de Jauss, fala sobre essa atitude crítica: Essa postura é, em si mesma, uma lição: todavia, as idéias que reveste podem igualmente ser transportadas para o ensino, passagem não de todo arbitrária, pois foi a falência de um modelo pedagógico que estimulou o Autor [Jauss] a repensar a ciência literária. (ZILBERMAN,1988,p. 110) Em finais da década de 80, Zilberman pôde atestar a validade da crítica de Jauss à história da literatura, diante do modelo tradicional de ensino que vigorava nas escolas 59 brasileiras. Vinte anos mais tarde, já uma década após os Parâmetros Curriculares Nacionais, o quadro mudou, mas não necessariamente para uma realidade mais positiva, por pelo menos duas situações que podemos aqui resumir. Em primeiro lugar, nos documentos oficiais, como na atual Proposta Curricular do Estado de São Paulo, a leitura é suplantada por conceitos e metodologias disformes, privilegiando os gêneros não literários, debruçando-se exclusivamente sobre textos curtos, de preferência aqueles que circulam nos veículos de comunicação em massa e que, portanto, estariam mais próximos à suposta realidade do aluno. Em resumo, o ensino da literatura tornou-se ainda mais obscuro. Em segundo lugar, acreditando-se coerente com uma valorização do sujeito leitor, algumas vezes a leitura na escola tende a ser vista com uma atividade que não pode ser destituída do prazer, ou este deve ser o único e exclusivo fim: ler por prazer, ou ler por ler. Como se valorizar o ato da leitura, ratificando seu valor subjetivo e humanizador, significasse sua “desdidatização” total. É nesse contexto que a presente dissertação pretende refletir sobre a recepção de uma narrativa juvenil dentro do contexto escolar, conciliando os preceitos da teoria recepcional a uma abordagem metodológica para o ensino da leitura literária no processo de formação do leitor. 2.2.2 Conceitos fundamentais da Estética da Recepção para o trabalho com a leitura Zilberman retoma historicamente as teorias que passaram a colocar o processo da leitura – antes matéria da filosofia, da teologia e da pedagogia – no centro das preocupações dos estudos literários. Em seus trabalhos, localiza os alemães Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, na década de 60 do século XX, como principais expoentes da “reivindicação de uma teoria da literatura que leve em conta, primeiro e primordialmente, o leitor” (ZILBERMAN, 2001, p. 57). Lembra, contudo, que nessa mesma época a linguística também passou a se preocupar com o sujeito do discurso, a partir do que vemos o surgimento da sociolinguística e da psicolinguística. Tomaremos, portanto, como base para essa fundamentação teórica os conceitos desenvolvidos pelos dois autores mencionados por Zilberman, ainda que apresentemos certo predomínio de citações de Jauss. A Estética da Recepção proposta no texto da conferência de Jauss (apresentado em 1967, mas reformulado pelo autor anos mais tarde) propõe um novo modo de 60 compreender a história da literatura. Rejeitando que se estudem as obras pela história de seus autores e dos estilos literários, Jauss entra em contradição com três princípios da crítica literária tradicional: a obra literária não é fechada, concluída, autônoma e independente das interpretações que dela são feitas; não é determinada pelo contexto social de maneira unilateral e objetiva; e a evolução literária não é um processo linear e contínuo. Para Jauss, a historicidade de uma obra não está nos fatos literários (dados biográficos do autor, influências de estilo, representação de uma época), mas na história de suas leituras. Nas palavras do autor, a qualidade e a categoria de uma obra literária não resultam nem das condições históricas ou biográficas de seu nascimento, nem tão-somente de seu posicionamento no contexto sucessório do desenvolvimento de um gênero, mas sim dos critérios de recepção, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à posteridade, critérios estes de mais difícil apreensão. (JAUSS, 1994, p. 7-8) Jauss reconhece méritos na crítica marxista e formalista na atenção dada ao sujeito leitor, porém vê limitações nas abordagens de seus teóricos. No marxismo, o leitor não passa de uma estratificação da sociedade de que participa; no formalismo, é alguém que apenas contempla passivamente o procedimento linguístico da obra, em quem o efeito de “estranhamento” confirma a literariedade do texto lido. Outras abordagens da figura do leitor, ou de instâncias correlatas (leitor implícito, leitor modelo, narratário, narratário interpelado etc.), podem ser analisadas igualmente por suas limitações práticas quando se pretende utilizá-las para um estudo da leitura, assim como expôs Jouve (2002), no capítulo “Um quebra-cabeça teórico: o leitor é pensável?”. São conceitos úteis para o estudo a obra na sua organização interna, mas não se aplicam ao fenômeno da leitura enquanto um processo simbólico e histórico. 61 2.2.2.1 Hermenêutica Literária A proposta metodológica de Jauss para a análise de um texto traz em seus fundamentos a hermenêutica literária de Hans Georg Gadamer 25, que inclui três atividades intelectuais no processo de leitura: a compreensão, a interpretação e a aplicação. Não se tratam de etapas propriamente subsequentes e independentes, mas complementares e por vezes simultâneas. A compreensão implica em reconhecer as perguntas para as quais o texto é uma resposta na época de seu surgimento (por isso o fundamento hermenêutico); como explica Jauss, “reconstituindo, a partir daí, o horizonte existencial de perguntas e respostas, dentro do qual a obra originalmente se inseriu” (apud ZILBERMAN, 1989, p. 68). A interpretação, que se dá durante a leitura retrospectiva, uma das etapas da compreensão, possibilita rastrear no texto os indícios que nos levam às perguntas, ou às expectativas formais e temáticas dos leitores da época. Jauss (1979, p. 46) nos fala da dupla tarefa da hermenêutica literária – quando é necessário “diferenciar metodicamente os dois modos de recepção” – e do sentido da aplicação, como última etapa do método. Para ele, é necessário: de um lado, aclarar o processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, de outro, reconstruir o processo histórico pelo qual o texto é sempre recebido e interpretado diferentemente, por leitores de tempos diversos. A aplicação, portanto, deve ter por finalidade comparar o efeito atual de uma obra de arte com o desenvolvimento histórico de sua experiência e formar o juízo estético, com base nas duas instâncias de efeito e recepção. [grifos nossos] 2.2.2.2 Horizonte de expectativas Dessa introdução, partimos para um importante conceito da Estética da Recepção: o horizonte de expectativas do leitor. Diante do fato de que Jauss considera o leitor um indivíduo historicamente constituído – o que nos afasta de conceitos mais abstratos como leitor implícito (W. Iser, 1979) ou leitor modelo (Umberto Eco, 1983) –, a análise da recepção 25 Ex-professor de Jauss que, em 1961, publicou Verdade e Método, cuja tradução no Brasil possui a seguinte referência: GADAMER, H.G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1997 62 de uma obra deve buscar conhecer quais são os códigos e experiências acumuladas pelas outras leituras e vivências sociais desse leitor. Nesse sentido, saberemos em que medida uma dada obra é capaz de corresponder ou de romper com as expectativas de seu público. A análise da experiência literária do leitor escapa ao psicologismo que a ameaça quando descreve a recepção e o efeito de uma obra a partir do sistema de referências que se pode construir em função das expectativas que, no momento histórico do aparecimento de cada obra, resultam do conhecimento prévio do gênero, da forma e da temática de obras já conhecidas, bem como da oposição entre a linguagem poética e a linguagem prática. (JAUSS, 1994, p. 27) Aquilo que era a base do conceito de “estranhamento” para os formalistas (“oposição entre a linguagem poética e a linguagem prática”), é apenas um dos eixos do método recepcional. Indo além, procura resgatar o conhecimento prévio do leitor, entendido então como seu “sistema de referências” estéticas e ideológicas, bem como sua posição social e sua participação em uma comunidade historicamente definível. Contudo, Jauss também se afasta da ideia de estudar o leitor real, individualizado, pois entende que a recepção não é um fato exterior ao texto, mas inscrito na sua estrutura formal, na sua linguagem e na sua abordagem temática. Retomando o conceito de compreensão, parte do pressuposto de que uma obra é uma resposta a um conjunto de perguntas do público a que se destina. Dessa forma, é possível rastrear pelo texto os indícios dessas perguntas, isto é, promover a interpretação que nos leva ao horizonte de expectativas dos leitores de sua época. Concordamos que possa haver críticas a esse método, pois essa tentativa de um olhar “de dentro para fora”, isto é, da obra para o seu público, pode ser como o olhar de um peixe, que só conhece o mundo externo nas imagens distorcidas pela refração da superfície aquática. Mas Regina Zilberman (1989, p. 61), na defesa de Jauss, lembra que seu projeto não tem outro objetivo: frisa seguidamente que seu procedimento metodológico é sugerido pela hermenêutica literária e, como tal, visa evidenciar o intercâmbio da obra com o leitor a partir da lógica da pergunta e da resposta embutida no texto, não no destinatário. A mesma autora (1982, p. 103) arrola as seguintes injunções constitutivas do horizonte de expectativas através do qual autor e leitor concebem e interpretam a obra – a última delas foi acrescentada por Aguiar e Bordini (1993, p. 83): - social, pois o indivíduo ocupa uma posição na hierarquia da sociedade; 63 - intelectual, porque ele detém uma visão de mundo compatível, na maior parte das vezes, com seu lugar no espectro social, mas que atinge após completar o ciclo de sua educação formal; - ideológica, correspondente aos valores circulantes no meio, de que se imbui e dos quais não se consegue fugir; - lingüística, pois emprega um certo padrão expressivo, mais ou menos coincidente com a norma padrão privilegiada, o que decorre tanto da sua educação, como do espaço social em que transita; - literária, proveniente das leituras que fez, dos seus gostos e do que o meio em que convive lhe oferece, incluindo a escola; - afetiva, que provoca adesão ou rejeição dos demais. Ainda que não careça de esclarecimento, um exemplo concreto pode servir inclusive para pensarmos na questão prática do ensino. No entendimento de que uma obra é vista enquanto uma resposta a expectativas de seu tempo, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida (publicada em forma de folhetim, entre os anos de 1852 e 1853), merece especial atenção. Considerando o modo como se enquadra na tradição romântica e os vazios e indeterminações espaço-temporais da narrativa, vemos que a imprecisão nas referências ao contexto histórico é elemento constitutivo de sua estrutura, sendo responsável por seu tom burlesco e folclórico. O preenchimento desses vazios torna-se uma atividade muito mais ligada à efervescência da imaginação do leitor, do que uma busca intelectual pelo resgate do referente implícito. Assim, seus vazios são aceitos como peculiaridade estética. Por valer-se da tradição das narrativas populares, negligenciada pela maioria dos românticos, Manuel Antônio de Almeida pinta um Rio de Janeiro arquetípico, universalizante, e por isso eficiente enquanto um modo de transmissão estética, e não documental. Analisemos brevemente algumas das primeiras frases da obra, indicando, entre parênteses, as injunções possíveis. O paradoxo definido Antônio Candido (1993) a respeito dessa obra, ao classificá-la como uma “fábula realista”, é inteiramente útil para compreendermos o jogo das representações engendrado na narrativa. A frase de abertura do romance, “Era no tempo do rei.”26, nos permite inferir a duplicidade dos modos de recepção. O “tempo do rei”, perfeitamente reconhecível pelo leitor da época, que talvez compartilhasse do saudosismo do narrador (injunção afetiva), soa para o leitor contemporâneo como um período remoto, dado pelo pretérito imperfeito, ao modo das fábulas, e cujo distanciamento – mais cultural do que propriamente temporal – virtualiza um sentido universalizante. Isso permite a entrada no texto 26 Todas as citações dessa obra foram retiradas da edição: ALMEIDA, 1997, p. 13 64 pelo olhar fabuloso das narrativas que constituem forçosamente seu repertório: os contos de fadas, desenhos animados, filmes de época etc. (injunção intelectual). O prazer das memórias experimentado por aquele que nos conta nostalgicamente a história (“Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei” 27), revela seu descontentamento diante do momento histórico em se situa (injunção ideológica). Esse posicionamento ideologicamente marcado do narrador pode conduzir o leitor atual a uma tensa tarefa de construção do sentido em dupla perspectiva: por um lado, busca imaginar, com base em seu repertório restrito, os cenários, tipos e costumes do período régio (injunção intelectual), incluindo a compreensão de um modo de falar estranho ao seu uso habitual da língua (injunção linguística); e, por outro, empaticamente tenta projetar nesse processo de ideação a mesma familiaridade com que se expõe o narrador, procurando aderir ao prazer (injunção afetiva) que expressa ao se lembrar de um passado mais “feliz”. Ora, esse prazer pela lembrança do que é familiar, orientado pelo texto, jamais se constrói para o leitor atual em relação ao objeto em si (não vislumbrado por ele): a sociedade da corte carioca; mas, pelo dever de acontecer (pois sem o processo afetivo rejeitam-se os demais), o prazer da lembrança construir-se-á pela familiaridade das imagens fornecidas por outras narrativas: pela História e, principalmente, pelas “estórias” que constituem o horizonte desse leitor contemporâneo. Talvez se possa, portanto, concluir que, em Memórias de um Sargento de Milícias, a fábula supera o realismo e o prazer da imaginação supera o conhecimento de dados históricos. Chega-se, com uma citação de Iser, a uma interessante conclusão a respeito da relação entre a ficção e a realidade: O texto ficcional adquire sua função, não pela comparação ruinosa com a realidade, mas sim pela mediação de uma realidade que se organiza por ela, [...] Como estrutura de comunicação, não é idêntica nem com a realidade a que se refere, nem com o repertório de disposições de seu possível receptor, pois virtualiza tanto a forma de interpretação dominante da realidade, com que cria seu repertório, quanto o repertório das normas e valores de seu possível receptor (ISER, 1979, p. 105). Por fim, o lugar de que nos fala o narrador (e porque não considerar o próprio autor?) deve ser compreendido principalmente no modo como se reflete nessa obra 27 ALMEIDA, 1997, p. 13 65 uma tensão entre sua tendência popularesca (de onde nascem suas indeterminações) e a própria escola romântica em que está inserida (injunção literária), tensão que só poderá ser percebida caso o leitor possua em seu repertório leituras de outras obras da tradição romântica. Assim, vimos como as injunções sociais, intelectuais, ideológicas, linguísticas, literárias e afetivas podem distanciar os modos ou níveis de recepção de uma mesma obra para um leitor da época e, por exemplo, um aluno que hoje se dedique a essa leitura. Do ponto de vista pedagógico, portanto, observamos no caso analisado a importância do processo afetivo que, motivado pelo prazer da narrativa fluida (allegro vivace, como definiu Candido) e pelo rico cenário pitoresco, torna possível uma obra do século XIX se concretizar no horizonte do leitor jovem contemporâneo. Contudo, caso um professor, por exemplo, assuma uma postura historicista, acaba tomando a obra como documento, exigindo dos alunos a busca exaustiva pelo referente histórico de um lugar e de uma época. E, enfim, a percepção estética seria tolhida por uma verticalização do processo intelectual em grau excessivo e desnecessário, deixando de reconhecer o modo como a narrativa dialoga com um universo fabuloso, familiar ao horizonte do aluno. 2.2.2.3 Concretização Há pouco falamos do processo de preenchimento de certas indeterminações referenciais presentes na obra Memórias de um Sargento de Milícias. Vimos também que esse preenchimento por parte do leitor não se dá exclusivamente pelo reconhecimento do referencial objetivo do texto, mas pode ocorrer na sua substituição por outros elementos do horizonte do leitor com o qual mantenha uma relação de proximidade ou equivalência. Chegamos portanto a um segundo tópico do método jaussiano: a concretização. Trata-se de um conceito que passou por algumas reformulações ao longo de duas décadas no Estruturalismo Tcheco e foi oportunamente retomado por Jauss nos anos 60. O conceito foi desenvolvido pelo polonês Ingarden na década de 30, e é retomado e reformulado pelo tcheco F. Vodicka na década de 40. Para Ingarden, concretização corresponde ao preenchimento e atualização, por parte do receptor, dos “pontos de indeterminação e de esquemas potenciais de impressões sensoriais” que permeiam a obra literária (considerada aí como uma estrutura linguístico-imaginária). (CECCANTINI, 1993, p. 255) 66 É preciso acrescentar, como nos explica Ceccantini, que para Vodicka “a concretização depende sobretudo do código introjetado pelo receptor, podendo variar no tempo, entre as classes sociais, em diferentes situações” (ibidem, p. 255). Essa ênfase, muito importante para Jauss, era também valorizada por Iser, para quem o texto é um sistema de combinações forjadas no ato da leitura. Os pontos de indeterminação de Ingarden são chamados por Iser de vazios (Leerstellen) constitutivos do texto, “que assim se oferecem para a ocupação do leitor” (ISER, 1979, p.91). A contribuição de Iser para o conceito de concretização está em afirmar que não há a necessidade se preencherem todos os pontos de indeterminação para a atualização de uma obra. Considerando a literatura moderna, Iser lembra que esta muitas vezes apresenta “incompreensibilidades” declaradas. Mas para assimilarmos melhor essa noção, precisamos esclarecer de que modo, segundo o autor, existe uma assimetria original na relação texto-leitor. Preocupado com as contingências das interações humanas, Iser recupera diversos conceitos da psicologia social e da psicanálise sobre as interações diádicas, extraindo de cada um a validade para a análise da interação entre o texto e o leitor. Dentre esses conceitos, menciona as “metaperspectivas – minha visão da visão... do outro sobre mim.” (ISER, 1979, p. 85). Em vista disso, descreve o processo de preenchimento do vazio resultante do cruzamento de projeções interpessoais. Esse vazio pode corresponder à “inapreensibilidade experiência alheia”, que nos conduz à ação interpretativa: “Disso resulta a necessidade do julgamento interpretativo, que comanda e regula a interação” (ibidem, p. 87). Nas palavras de Lima (1979, p. 23), “Na interação a dois, a cada parceiro é impossível saber como está sendo exatamente recebido pelo outro. [...] A interpretação, portanto, cobre os vazios contidos no espaço que se forma entre a afirmação de um e a réplica do outro”. Mas Iser ressalta que a interação texto-leitor difere consideravelmente dos modelos explicados pela psicologia ou pela psicanálise, pois o discurso não se reestrutura frente à recepção e, além disso, o leitor “nunca retirará do texto a certeza explícita de que a sua compreensão é a justa” (ISER, 1979, p. 87). Isso porque acredita que “os códigos que poderiam regular esta interação são fragmentados no texto e, na maioria dos casos, precisam primeiro ser construídos” (ibidem, p. 88). Dessa reflexão resulta a conclusão de que existe uma assimetria fundamental na relação entre a obra e o leitor. “Diante do texto ficcional, o leitor é forçosamente convidado a se comportar como um estrangeiro, que a todo instante se 67 pergunta se a formação de sentido que está fazendo é adequada à leitura que está cumprindo” (LIMA, 1979, p. 24). A comunicação no processo de leitura é, portanto, para Iser, resultado dos vazios constitutivos do texto, que são constantemente preenchidos pelas projeções do leitor. Contudo, essas introjeções não são completamente subjetivas e aleatórias, mas os próprios vazios funcionam como instâncias de controle, já que são os esquemas textuais que provocam uma variedade de representações do leitor, dando lugar ao campo comum de uma situação comunicacional. 2.2.2.4 Função comunicativa da obra literária A noção exposta acima nos ressalta a função comunicativa da obra literária defendida pela Estética da Recepção, algo que mantém, aliás, relações com o conceito de sistema literário de Antônio Candido (1959), já que “Jauss entende a literatura como um processo de comunicação que envolve sempre três níveis – o autor, a obra e o público ” (CECCANTINI, 1993, p. 262). Mas devemos compreender que, se a obra é capaz de estabelecer uma comunicação entre autor e leitor, esse processo não é unilateral (autor = emissor / leitor = receptor, como no esquema do linguista Roman Jakobson) nem estável, mas ocorre de acordo com duas contingências: primeiro, é uma via de mão dupla, colocando o leitor em uma posição relativamente ativa sobre o texto; e, segundo, se realiza num plano simbólico, variando de acordo com o contexto da recepção. Sobre o primeiro aspecto, Zilberman nos diz De um lado, situa-se o efeito, condicionado pela obra que transmite orientações prévias e, de certo modo, imutáveis, porque o texto conserva-se o mesmo, ao leitor; de outro, a recepção, condicionada pelo leitor, que contribui com suas vivências pessoais e códigos coletivos para dar vida à obra e dialogar com ela. Sobre essa base, de mão dupla, acontece a fusão de horizontes, equivalente à concretização do sentido. (ZILBERMAN, 1989, p. 65) 68 Para Iser (1979, p. 109), “os esquemas do texto tanto apelam para um conhecimento existente no leitor, quanto oferecem informações específicas, através das quais o objeto intencionado – mas não dado – pode ser representado”. Acrescentamos que, se o conjunto de indeterminações de uma obra exige o preenchimento no horizonte da recepção, as orientações do texto correspondem a determinadas intenções do autor; porém, estas intenções chegam até o leitor inevitavelmente intermediadas pela estrutura sígnica da obra. São, portanto, inapreensíveis em uma dimensão objetiva da relação produção/recepção e apenas compreensíveis no plano simbólico dessa relação. Por essa razão, o segundo aspecto é consequência do primeiro, isto é, da intermediação do signo literário: o dialogismo presente no sistema autor-obra-leitor ocorre exclusivamente no plano simbólico do texto, onde cabem não apenas os esquemas textuais e os movimentos interpretativos do leitor, como também toda uma série de outras leituras que já foram feitas sobre a obra; outros discursos, de outros textos, que se manifestam sobre o mesmo tema; as experiências do leitor com outras obras do mesmo gênero, orientando-o na percepção do uso ou da ruptura de certos esquemas tradicionais; e as demais injunções de caráter ideológico, social e cultural. Resta dizer que, retomando a ideia de que a recepção não é um processo exterior ao texto, o estatuto do leitor lhe impõe certas limitações. Precisamos, portanto, relativizar afirmações como esta: “Recebido fora de seu contexto de origem, o livro se abre para uma pluralidade de interpretações: cada leitor novo traz consigo sua experiência, sua cultura e os valores de sua época” (JOUVE, 2002, p. 24). De um lado, os movimentos interpretativos do leitor não são completamente livres e, portanto, nem tão plurais, pois a concretização da obra se dá pela fusão dos horizontes de expectativas de autor e leitor; e, segundo Iser, os esquemas textuais são instâncias de controle da recepção. Além disso, a obra instaura um processo de comunicação capaz de reorganizar a visão de mundo do leitor, interferindo em seu comportamento social, como podemos compreender na seguinte passagem de Jauss28: Através da experiência que lhe transmite sua leitura, ele [o sujeito Leitor] participa de um processo de comunicação em que as ficções da arte intervêm efetivamente na geração, transmissão e motivações do comportamento social. A estética da recepção deve ser capaz de estudar a função social da criação artística e incluí-la objetivamente em um sistema de normas ou horizonte de expectativa, caso ela tenha conseguido captar, onde os 28 Esta e as demais passagens extraídas da versão francesa (JAUSS, 1978) estão em tradução provisória, ainda carecendo de revisão. 69 conhecimentos práticos e modelos de comportamento comunicativo se concretizam, a função mediadora da experiência estética exercida entre eles. (JAUSS, 1978, p. 257)29 Isso quer dizer que o horizonte inscrito no texto, consequente da posição social, histórica, cultural e ideológica do autor, deve ser recuperado igualmente pelos indícios textuais instaurados no processo de comunicação da criação artística. Por isso, Jauss não propõe que se aplique o método hermenêutico ao modo dos teólogos, acreditando poder chegar à intenção e à realidade objetivas do autor. Ao contrário, tem consciência de que a criação artística, como estrutura comunicacional, virtualiza esse horizonte e cria um novo sistema de normas, saberes e modelos de comportamento. Dessa postura, também se percebe o modo como o autor se posiciona frente à crítica literária convencional: A soma – crescente a perder de vista – de “fatos” literários conforme os registram as histórias da literatura convencionais é mero resíduo desse processo, nada mais que passado coletado e classificado, por isso mesmo não constituindo história alguma, mas pseudo-história. (JAUSS, 1994, p.25) 2.2.2.5 A distância estética Contrapondo novamente à história da literatura convencional, Jauss propõe que o julgamento de valor de uma obra literária também seja dado na instância da recepção. Ele compreende que a concretização ocorre em um processo histórico, pois os horizontes de expectativa do autor e o do leitor são atravessados pelas injunções do tempo e do espaço. Logo, a qualidade de uma obra será de acordo com o valor a ela atribuído no percurso de sua recepção ao longo da história. Assim, a relação entre literatura e leitor possui implicações tanto estéticas quanto históricas. A implicação estética reside no fato de já a recepção primária de uma obra pelo leitor encerrar uma avaliação de seu valor estético, pela comparação com outras obras já lidas. A implicação histórica manifesta-se na possibilidade de, numa cadeia de recepções, a compreensão dos primeiros leitores ter continuidade e enriquecer-se de geração em geração, decidindo, 29 “Par l’expérience que lui transmet sa lecture, il [o sujeito leitor] participe à un processus de communication dans lequel les fictions de l’art interviennent effectivement dans la genèse, la transmission et les motivations du comportement social. L’esthétique de la réception devrait pouvoir étudier cette fonction de création sociale de l’art et la formuler objectivement en un système de normes ou horizon d’attente, se elle réussit à saisir, là où le savoir pratique et les modèles de comportement communicationnel se concrétisent, la fonction médiatrice que l’expérience esthétique exerce entre eux. ” 70 assim, o próprio significado histórico de uma obra e tornando visível sua qualidade estética (JAUSS1994, p. 23). É nessa “comparação com outras obras já lidas” e no “significado histórico de uma obra” que se pode mensurar a capacidade determinado texto literário em alterar o horizonte de expectativas de seus leitores em diversas épocas, o que é, para ele, o fator de qualidade estética. Algo só é novo na comparação com o tradicional e a condensação dos sentidos só ocorre porque – emprestando uma expressão de Stanley Fish 30 – participamos de uma “comunidade interpretativa”. Isso porque a concretização (fusão de horizontes de autor e leitor) não se dá somente pelo encontro de expectativas semelhantes, mas pelo confronto demandas estéticas e ideológicas distintas, em que o horizonte simbolicamente construído na obra provoca uma ampliação do horizonte do leitor. São com esses pressupostos que Jauss estabelece o conceito de distância estética, “aquela que medeia entre o horizonte de expectativa preexistente e a aparição de uma obra nova” (JAUSS, 1994, p. 31). A citação abaixo, embora longa, é extremamente válida para esclarecer a questão: A maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico de sua aparição, atende, supera, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para a determinação de seu valor estético. A distância entre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e a “mudança de horizonte” exigida pela acolhida à nova obra, determina, do ponto de vista da estética da recepção, o caráter artístico de uma obra literária. À medida que essa distância se reduz, que não se demanda da consciência receptora nenhuma guinada rumo ao horizonte da experiência ainda desconhecida, a obra se aproxima da esfera da arte “culinária” ou ligeira. (ibidem, p. 31-32) Enquanto que para os formalistas o “estranhamento” era motivado apenas pela organização diferenciada da linguagem, Jauss, sem desconsiderar o efeito estético e de que este varia de acordo com o tempo 31, acredita que “O leitor não está naturalmente isolado no espaço social”32 (JAUSS, 1978, p. 257). Logo, essa distância entre as expectativas do público e a obra implica no rompimento e ampliação de todo um sistema de normas de comportamento social, ou seja, de valores tanto estéticos quanto ideológicos. 30 FISH, Stanley. Is there a text in this class?: the authority of interpretative communities. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1980 31 Retomando as ideias do formalista Chklovski, em “A arte como procedimento”. 32 “Le lecteur n’est naturellement pas isolé dans l’espace social” 71 2.2.2.6 Experiência estética A proposta de Jauss com relação à função comunicativa da arte é eminentemente social. Em seus textos, procurava combater certa tendência da teoria literária que, após a Segunda Guerra Mundial, negava ao público o direito ao prazer estético; tendência, por certo ponto de vista, também alimentada pela própria produção artística da vanguarda europeia pós-guerra, que se tornava cada vez mais ascética, como forma de se contrapor à arte de consumo das massas. A “estética da negatividade”, com seu principal representante Theodor W. Adorno, foi constantemente atacada por Jauss em uma conferência de 11 de abril de 1972, na Universidade de Constança, intitulada “Kleine Apologie der ästhetischen Erfahrung” (“Pequena apologia da experiência estética”) 33. Jauss questiona a relação estabelecida por essa tendência teórica entre o prazer e o consumo ou gosto do kitsch, e ironiza que só não proíbem o prazer na arte de turismo, isto é, aquela que é própria ao consumo burguês. Insiste que a atitude de prazer diante da arte é o fundamento próprio da experiência estética e de onde se compreende a função social da arte e das disciplinas científicas que estão a seu serviço (JAUSS, 1978). Para ele, o prazer experimentado na arte é um modo de reflexão estética e, dessa forma, dirige suas críticas diretamente a Adorno, pois este chega a afirmar que “Quem procura e encontra prazer ante as obras de arte não passa de um idiota (Banause)” (JAUSS, 1979, p. 92). Sobre esse posicionamento de Jauss a respeito da oposição entre uma arte ascética, defendida por Adorno, e a arte das massas, Zilberman nos explica: Jauss não se considera avesso à vanguarda; e, em nenhum dos ensaios, manifesta qualquer simpatia para com a literatura de massa ou a arte popular. Recusa, isto sim, a crença de que a criação experimental não deseja comunicar-se com o público; ou de que este não sinta prazer perante obras originais e avançadas. (ZILBERMAN, 1989, p. 53) Defende que a experiência estética, mesmo das mais espontâneas, instaura a função social da arte, e acrescenta: “a experiência estética não era, desde o princípio, oposta 33 O texto dessa conferência foi mais tarde reformulado por Jauss e a nova versão encontra-se parcialmente traduzida para o português em Lima (1979), com o título “O Prazer Estético e as Experiências Fundamentais da Poiesis, Aisthesis e Katharsis”. Todavia, utilizamos alguns fragmentos da primeira versão, traduzida apenas para o francês, publicada em Jauss (1978). 72 ao conhecimento e à ação” (JAUSS, 1979, p. 95). Em primeiro lugar, vê a função cognitiva implicada no prazer estético como algo superior à abstração do saber conceitual, o que permite considerar, nesse plano, a experiência estética como uma atividade autônoma. Em segundo lugar, ao deslocar o sujeito leitor de sua realidade cotidiana, a arte torna-se libertadora, emancipatória, convocando o indivíduo à ação, já que “a obra se livra de uma engrenagem opressora e, na medida em que recebida, apreciada e compreendida pelo seu destinatário, convida-o a participar desse universo de liberdade” (ZILBERMAN, 1989, p. 54). Essa noção de prazer estético, somada ao conceito de distância apresentado há pouco, faz com que Jauss concorde com Adorno sobre o valor das artes de vanguarda em menosprezo à arte das massas, que vicia nossa percepção e não propõe novas normas de comportamento. Mas discorda de Adorno quando diz que arte de vanguarda não dialoga com o público. Para Jauss, o mundo ficcional, quando proposto na tensão entre os horizontes da produção e recepção, desperta em nós aquilo que Jauss chama – valendo-se de Sartre – de consciência “imaginante”, onde reside a natureza transgressora da experiência estética fornecida pelas grandes obras, incluindo as experimentais: “Afastando a consciência imaginante da obrigação dos hábitos e dos interesses, a atitude de prazer estético permite ao homem aprisionado em sua atividade cotidiana se libertar para outra experiência” 34 (JAUSS, 1978, p. 130). Além do mais, na instância da recepção de uma obra, a concretização da força que nos impele à ação depende em grande medida de outra reação do leitor: a identificação. Para explicar esse processo, Jauss retoma e amplia três conceitos da tradição estética: Poiesis, Aisthesis e Katharsis. Mas procura relacionar essas três atividades à atitude de prazer diante do texto, tanto na dimensão criadora quanto receptora, e resgata (principalmente na segunda versão de seu texto) a evolução do conceito de prazer na história da arte ocidental. É também na reescrita do texto da conferência que Jauss nos expõe com muito mais clareza os três conceitos mencionados. Esse esforço epistemológico sobre o fenômeno do prazer estético, quando decide reescrever seu ensaio para o volume Experiência Estética e Hermenêutica Literária (Ästhetische Erfahfung und literarische Hermeneutik), de 1977, também se deve à publicação, 34 “Dégageant la conscience imageant de la contrainte des habitudes et des intérêts, l’attitude de jouissance esthétique permet à l’homme emprisionné dans son activité quotidienne de se libérer pour d’autre expérience” 73 um ano após a conferência, em 1973, de O prazer do texto, de Roland Barthes. Jauss retoma e critica a visão do semiólogo francês, como no trecho: Não é por acaso que a apologia de Barthes reduz o prazer estético ao regozijo em face da linguagem (uma outra palavra ainda, ainda uma outra festa, p. 17). Por força de não abrir, de forma decisiva, o universo lingüístico auto-suficiente para o mundo da práxis estética, o deleite máximo de Barthes permanece sendo o eros redescoberto do filólogo contemplativo e a sua bem resguardada reserva: o paraíso das palavras (p. 17)35 (JAUSS, 1979, p. 95). Buscando definir em que consiste “a experiência estética original”; como o prazer estético se diferencia do prazer dos sentidos (sendo este último predominante na visão de Barthes); e “como a função estética do prazer se relaciona com outras funções do mundo cotidiano” (ibidem, p. 95), Jauss reconsidera os conceitos de distância estética e de consciência imaginante (Sartre) e rejeita uma crença corrente de que o prazer estético supõe uma contemplação distanciada e desinteressada diante do objeto irreal oferecido pela arte. Recupera a fenomenologia de Moritz Geiser e conclui que, na verdade, o prazer “oscila entre a contemplação desinteressada e a participação experimentadora” (ibidem, p. 98), renovando sua preocupação em colocar o leitor em posição menos passiva diante do texto. Na reação de prazer ante o objeto estético, realiza-se, ao invés, uma reciprocidade entre sujeito e objeto, em que “ganhamos interesse em nossa ausência de interesse”. Este interesse estético se explica de forma mais simples pelo fato de que o sujeito, enquanto utiliza sua liberdade de tomada de posição perante o objeto estético irreal, é capaz de gozar tanto o objeto, cada vez mais explorado por seu próprio prazer, quanto seu próprio eu, que, nesta atividade, se sente liberado de sua existência cotidiana (JAUSS, 1979, p. 97-98). Assim, valorizando a consciência do sujeito e a função libertadora da experiência estética, equaciona a função estética do prazer dentro das três instâncias (JAUSS, 1978, p. 130): Poiesis: consciência de que a atividade criativa constrói um mundo que é a própria obra. (sujeito criador) Aisthesis: consciência de que a atividade receptiva permite a possibilidade de se renovar a percepção do mundo. (sujeito receptor) 35 Jauss cita passagens de R. Barthes, Le plaisir du texte, Paris, 1973. 74 Katharsis: com a experiência subjetiva dando lugar à experiência intersubjetiva (entre o sujeito criador e o sujeito receptor), a experiência estética adere-se a um julgamento exigido pela obra a respeito das normas de ação que ela sugere ao destinatário. A poiesis não se relaciona apenas ao autor, já que se trata de uma consciência demiúrgica em relação ao objeto estético; mas, como nos explica Zilberman (2001, p. 92), se transfere também para o leitor, para quem “corresponde ao prazer de se sentir co-autor da obra”. Agora se compreende porque Jauss, por um lado, concorda com Adorno na superioridade da arte de vanguarda do século XX diante da superficialidade da arte burguesa, e, por outro lado, discorda que a arte moderna não queira se comunicar com seu público: vê no experimentalismo moderno exatamente um convite cada vez mais contundente à participação do leitor no processo de construção de sentido da obra, restaurando a função comunicativa da arte através de uma poiesis participativa na instância da recepção. Jauss procura ampliar o sentido aristotélico da aisthesis ao matizar a percepção sensorial da experiência estética, apontando para diversos níveis perceptivos. Mas, seja qual for o grau dessa percepção, “Legitima-se, desta maneira, o conhecimento sensível, em face da primazia do conhecimento conceitual” (JAUSS, 1979, p. 101). Para o autor, esse conhecimento sensível tem o papel fundamentalmente social ao ampliar nossa percepção do mundo: a contemplação do objeto estético elaborado (nesse sentido superior aos produtos da indústria cultural, mas que não deve ser negado ao público comum), tanto pelo “estranhamento” como pela distância estética , obriga-nos a regular o “foco” de nossa visão e, quando retornamos o olhar para o mundo caótico da realidade, somos capazes de visualizar uma possibilidade de organização da nossa existência. Neste processo, a experiência estética no nível da aisthesis assumiu uma tarefa perante a alienação crescente da existência social que até então nunca lhe tinha sido atribuída na história da arte: contrapor à experiência fragmentada e à linguagem utilitária da “indústria cultural” a função linguisticamente crítica e criativa da percepção estética; e diante do pluralismo dos papéis sociais e perspectivas científicas, preservar a experiência de mundo aos olhos dos outros e, assim, salvaguardar um horizonte comum que a arte pode manter quando o todo cosmológico desaparece. (JAUSS, apud ZILBERMAN, 1989, p. 56) O instante máximo da identificação é para Jauss um processo catártico, mas que não corresponde à aceitação involuntária das normas de comportamento sugeridas pela obra. Como experiência estética comunicativa básica, a katharsis corresponde tanto à tarefa prática das artes como função social – isto é, servir de 75 mediadora, inauguradora e legitimadora de normas de ação –, quanto à determinação ideal de toda arte autônoma: libertar o espectador dos interesses práticos e das implicações de seu cotidiano, a fim de levá-lo, através do prazer de si no prazer no outro, para a liberdade estética de sua capacidade de julgar. (JAUSS, 1979, p. 101-102) Isso significa dizer que a katharsis é um movimento de adesão ao potencial transgressor da experiência estética, onde tanto a assimilação quanto a rejeição de dada norma significam uma tomada de posição. Essa atitude crítica do leitor, por sua vez, é emancipatória e não se realiza senão por dois motivos: pelo estímulo, ou efeito, da obra derivado de sua dimensão criadora (poiesis) e sensorial (aisthesis), o que confere primazia ao prazer estético; ou pelo reconhecimento daquilo que lhe é familiar, por admiração àquilo que lhe parece exemplar ou simpatia àquele que lhe apresenta as normas. 2.2.2.7 A identificação com a figura do herói Na busca de desenvolver uma explicação sobre o modo como a identificação se processa no ato da recepção, Jauss vê a necessidade de “distinguir a aprendizagem pela compreensão do exemplo, ou seja, a assimilação de uma norma, e a obediência mecânica e sem liberdade ou aplicação de uma regra” 36 (JAUSS, 1978, p. 150). Pretende, portanto, definir os vários níveis de recepção e vê na relação entre o leitor e o herói a base para uma tipologia dos modelos de identificação estética. Como nos explica Zilberaman (1989, p. 59), A escolha do herói não é aleatória; conforme escreve em Experiência estética e hermenêutica literária, o herói tipifica “o padrão comunicativo de uma identificação esteticamente mediada” (p. 214). Os heróis se definem, portanto, não apenas por suas ações, mas pelas respostas desencadeadas no público, razão pela qual vêm a constituir o fio teórico escolhido pelo Autor. Na penúltima parte da conferência “Pequena apologia da experiência estética” (JAUSS, 1978, p. 152), Jauss apresenta um quadro dos modelos de identificação, considerando as referências da organização textual, os dispositivos da instância receptiva e as normas de comportamento progressivas e regressivas. 36 “il faut distinguer l’apprentissage par la compréhension de l’exemple, c’est-à-dire l’assimilation d’une norme, et l’obéissance mécanique et sans liberté ou application d’une règle” 76 2.2.2.8 Modalidades de identificação I. Associativa: refere-se ao jogo, à competição vivida pelo herói, em que o leitor assume para si esse papel e é recompensado pelo prazer de viver livremente, mas é regressiva ao motivar uma fascinação coletiva (ou regressão a rituais arcaicos). II. Admirativa: tem como referência o herói perfeito (o sábio, o santo), provocando a admiração do leitor, que experimenta a emulação (seguir o exemplo) de suas ações, tomadas como exemplares; é regressivo por estimular a imitação e o desejo de evasão, o divertimento por meio do extraordinário. III. Por simpatia (simpatética): o herói é imperfeito, corresponde ao homem comum, clamando pela piedade do leitor; é progressiva porque desenvolve o interesse moral (disponibilidade à ação) e a solidariedade; contudo pode recair no sentimentalismo ou na autoafirmação apaziguadora. IV. Catártica: a) o herói em sofrimento apela para a emoção trágica do leitor, mas também para sua abertura interior, sua disponibilidade moral; tem a vantagem do “interesse desinteressado”, da reflexão livre; mas pode ser regressiva no sentido de valorizar o prazer do espetáculo (entrega à ilusão); b) o herói em dificuldade pode se comunicar com o riso do leitor, permitindo-lhe o livre julgamento moral, ainda que possa ser um riso ritual ou riso escarninho, sarcástico (irrisão)37. V. Irônica: o herói fracassado ou o anti-herói é uma provocação ao leitor, através da perplexidade desaprovadora; desenvolve no leitor a criatividade, a sensibilidade da percepção e a reflexão crítica; contudo pode ser regressiva ao estimular o solipsismo, a letargia moral e a indiferença. Ainda que apresente potenciais regressivos em todas as modalidades de identificação, Zilberman (1989, p. 60) observa que em outros escritos Jauss demonstra certa preferência pelas duas últimas, a catártica e a irônica: “uma, por equivaler mais completamente à sua concepção de experiência estética, outra, por ser a reação decorrente de preferências literárias”. 37 Algumas das expressões em destaque estão de acordo com a tradução de Ceccantini (1993, p. 285), outras diferem e correspondem a interpretações do autor desta dissertação a partir da tradução francesa (JAUSS, 1978, p. 152). 77 2.2.3 Para resolver alguns impasses metodológicos Ora, se nos modelos de identificação estão implicados níveis de recepção e se em cada variante há aspectos progressivos e regressivos, está posta, portanto, a grande relatividade da experiência estética. Isto é, o efeito de uma determinada obra dependerá novamente das injunções sociais, intelectuais, ideológicas, linguísticas, literárias e afetivas das quais participe o leitor. Todavia, a metodologia de Jauss, essencialmente hermenêutica, não analisa esse efeito concreto, particularizado no leitor real, mas as variantes de identificação (e seus valores) inscritas no texto. Salvo quando ele é o próprio leitor ou, como na análise de Ifigênia em Táuride, de Goethe, procurando reconstruir as condições históricas e estéticas e analisar o percurso da obra em seus vários instantes de recepção, busca recuperar os testemunhos da recepção da obra desde a época da publicação, em jornais e livros dos séculos XVIII e XIX, em cartas de Goethe a Schiller, chegando ao século XX com as interpretações de Barthes e Auerbach. 38 Assim, na aplicação de seu método hermenêutico acaba se valendo de um conjunto de leitores um tanto privilegiados. Algo válido para se construir um substrato elevado da história da obra, mas duvidoso para refletir sobre os níveis de recepção nos leitores comuns. Aliás, sua inquietação nesse trabalho surge exatamente do fato da obra de Goethe ter se tornado leitura obrigatória nas escolas alemãs, mas não se preocupa em estudar o modo como ela vem sendo concretizada por esses “infelizes” leitores. Algumas experiências brasileiras que se debruçaram sobre a Teoria da Recepção, mais propriamente originadas de certos programas de pós-graduação ou grupos de pesquisa, buscam resolver esse impasse. É claro que se trata de um impasse que, devemos ressaltar, não acometia Jauss, como já foi visto, mas os próprios pesquisadores que investem no aproveitamento de seus preceitos para o estudo da recepção dentre, por exemplo, os leitores escolares. O propósito dessas experiências é, evidentemente, político-pedagógico. Investe-se contra as deficiências do ensino brasileiro com a consciência do papel da leitura num processo transformador. Destacamos aqui os trabalhos do Centro de Pesquisas Literárias (CPL), órgão criado em 1977 e vinculado ao Curso de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, de onde partiram importantíssimos trabalhos 38 No ensaio “De l’Iphigénie de Racine à celle de Goethe”, presente em Jauss, 1978, p. 210-262. 78 como o de Aguiar e Bordini (1993), além de pesquisadoras como Regina Zilberman; as pesquisas de diversos alunos de mestrado e doutorado da Universidade Estadual de Maringá, pertencentes ao Grupo de Pesquisa “Literatura e Ensino” da mesma instituição; e, por fim, o Grupo de Pesquisa (dentro do qual esta pesquisa se desenvolve) “Leitura e Literatura na Escola”, vinculado ao Departamento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP), que se consolidou a partir de diversos estudos sobre a recepção de narrativas juvenis por alunos do Ensino Fundamental, tendo resultado em diversos trabalhos, como artigos, dissertações, teses e livros. 79 3 A INTERVENÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR 3.1 O espaço de atuação A intervenção nas escolas para a formação dos professores e ações junto aos alunos teve como objetivo a ação transformadora, por meio de um programa de estudos ligado ao trabalho com a literatura infantil e juvenil. Logo, a pesquisa percorreu um corpus bibliográfico que contemplasse metodologias de ensino da literatura e a literatura para jovens. Contou ainda com os dados da ampla atividade científica realizada pelo Grupo de Pesquisa “Leitura e Literatura na Escola” (dentro do qual esse projeto também se insere), referentes à natureza quantitativa e qualitativa das leituras realizadas no âmbito escolar de diversas unidades do interior paulista. Em posse do referencial teórico e de uma análise dos dados referidos, puderam ser feitas inferências sobre as necessidades dos alunos – para uma recepção mais significativa do texto literário em sala de aula – e dos professores, do ponto de vista metodológico e de recursos, para a realização de programas de leitura em suas escolas. Assim, nessa etapa de estudos e preparação, foram organizados no início do segundo semestre de 2009, encontros entre o pesquisador e os professores, com a finalidade de promover a elaboração dos mini-projetos que seriam aplicados nas salas de aula. Essas reuniões foram semanais, programadas para acontecerem em cinco encontros, durante o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) desses docentes, conforme acordo estabelecido com a equipe gestora da unidade escolar. Os docentes convidados para participar do programa foram aqueles que ministravam aulas na disciplina Leitura e Produção de Texto da nova grade curricular do Ensino Fundamental II. A Escola Estadual “Jardim Primavera” é de porte médio, atendendo alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, além de comportar turmas de Telessala e Educação de Jovens e Adultos. O prédio tem oito salas de aula disponíveis para cada período e serve a uma comunidade de quatro bairros locais, totalizando aproximadamente 700 alunos. É uma unidade escolar que nasceu da necessidade em atender as comunidades dos bairros mais novos e periféricos, pois a cidade se desenvolveu (hoje com cerca de 16.000 habitantes) e a única escola que o município possuía localizava-se na área central da cidade. Foi criada de acordo com o decreto nº. 49.388 de 21 fev. 2005, iniciando suas atividades em 13 de junho de 80 2005. O terreno fora doado pela Prefeitura Municipal, com uma área total 15.310,88 m2 e área construída de 1.113,84 m2. No ano de 2009, havia 12 turmas de Ensino Fundamental, sendo três para cada série (denominadas, 5as A, B e C; 6as A, B e C, e assim por diante). A disciplina “Leitura e Produção de Texto”, inserida na grade curricular do EF-II nesse ano, era ministrada, em duas aulas semanais para cada turma, por professoras com formação na área de Letras. Assim, a pesquisa-ação previa se inserir no conteúdo dessa disciplina, como forma de mini-projetos de leitura, ocupando um período de aproximadamente seis semanas de aulas, ou seja, 12 horas/aula de trabalho sobre a leitura e as atividades que seriam propostas aos alunos. 3.2 Os impasses político-burocráticos Prevista para o segundo semestre, a aplicação do projeto na escola, devido a fatores externos, começou desde o início a sofrer alterações no seu cronograma original: o retorno às aulas, após o recesso de julho, fora adiado em virtude das ações de prevenção de contágio do vírus “influenza A” (H1N1), o que postergou o início dos trabalhos de orientação dos docentes. Foram quase três semanas de suspensão das atividades, retomadas apenas no dia 17 de agosto. Além disso, nas primeiras reuniões de HTPC após o retorno, havia grande demanda de trabalho aos professores, que deviam replanejar suas atividades dentro de um novo calendário. Assim, as reuniões para a formação dos docentes vinculados ao projeto ficaram adiadas para o mês de setembro. Pelo mesmo motivo de prevenção ao novo vírus, o quadro de docentes da disciplina que acolheu o projeto foi comprometido, já que uma das professoras era gestante e, por recomendação da Secretaria de Saúde (Resolução SS-123, de 11 ago. 2009), não poderia frequentar as salas de aula. Por isso, a docente foi deslocada para outras atividades dentro da escola, conforme previa a Resolução da Secretaria da Educação Nº 59/2009. Como o afastamento da professora não configurava licença-saúde (pois isso lhe significaria prejuízos funcionais), bem como era por tempo indeterminado, as aulas das seis turmas que lhe pertenciam não poderiam ser atribuídas, isto é, deveriam ser ministradas por professores em caráter eventual, sem vínculo. Isso ocasionou em pelo menos dois problemas iniciais: 1) Essa professora detinha seis turmas de “Leitura e Produção de Textos” (LPT), ou seja, a metade das aulas na disciplina, e não se sabia, a partir de então, quem 81 ministraria essas aulas. 2) O caráter eventual não dava nenhuma garantia de continuidade às atividades, já que o docente, sem vínculo, poderia a qualquer momento deixar a escola; além do fato de que o mesmo não era remunerado para participar das reuniões de HTPC, momento em que ocorreriam os encontros de formação. Outra professora, a quem pertenciam as aulas da 5ª série A, pelo número reduzido de aulas na unidade escolar, também estava dispensada das reuniões pedagógicas. Em resumo, somente uma professora efetiva, responsável por quatro turmas as apenas (5 B e C; 6as A e B), poderia estar presente nas reuniões de formação. No entanto, foi possível que a Direção da escola convocasse a gestante para ao menos participar dos encontros, e a docente contratada temporariamente para ministrar LPT na 6ª C, e que também assinava como eventual as aulas das seis turmas vagas, foi convencida a aderir ao projeto, comparecendo às reuniões voluntariamente 39. Alguns dias depois, as seis turmas cujas aulas de Leitura não podiam ser atribuídas, ficaram divididas entre duas docentes contratadas em caráter temporário, e ambas passaram a participar do projeto. Com esse quadro mais ou menos estabilizado, os encontros aconteceriam durante as duas horas de HTPC das segundas-feiras e os projetos seriam levados para as salas de aula pelas três professoras. (No entanto, veremos como que, no período em que o projeto era aplicado com os alunos, em novembro, quando as leituras eram acompanhadas pelas professoras, ocorrerão novas mudanças, com uma sumária substituição das docentes. Algumas turmas chegaram a ter quatro professoras diferentes, só na disciplina LPT, no curto prazo de um mês.) 3.3 As professoras e o compromisso do projeto A equipe era bastante heterogênea. Uma professora efetiva, com mais de dez anos de magistério, que acumula cargos de Português e Inglês; Uma professora temporária, com alguns anos de experiência, porém gestante, afastada da sala de aula; e duas eventuais, recém formadas (a primeira mantinha seu vínculo com a escola porque a ela foram atribuídas as aulas da 6ª C, mas nas demais turmas ministrava suas aulas em caráter eventual). 39 Lembremos que o professor eventual, ou com menos de dez aulas atribuídas, fica dispensado de participar dos HTPCs. 82 Ao contrário de ser um problema, essa heterogeneidade estimulava a troca de experiências e dúvidas. Além do mais, no que se refere ao trabalho com leitura (simplificando aqui como um meio de levar para a sala de aula livros para serem lidos na íntegra, narrativas mais longas, como romances e novelas ou mesmo contos), não havia experiência com esse tipo de atividade, ainda que já tivesse existido, entre 2005 e 2007, em todas as escolas da rede, o projeto “Hora da Leitura”, ministrado em uma aula por semana nas turmas do Fundamental II. Em todos os casos predominavam atividades com textos curtos, muitos do livro didático. Aliás, uma das motivações para a implantação dessa pesquisa-ação na escola foi justamente a constatação de que a obra literária estava distante da sala de aula e os professores não recebiam orientações das equipes pedagógicas, nem das escolas, nem da Diretoria Regional de Ensino (DRE), para trabalharem com livros. Dentro dessa realidade, o material preparado para os encontros de formação procurou considerar: 1) a necessidade de se trabalhar com conceitos básicos, como o de leitura e o de literatura; 2) o desejo das professoras de que se apresentasse uma proposta metodológica clara para o trabalho com a leitura; e 3) instrumentalização da leitura das professoras, para que pudessem ampliar o horizonte de expectativas dos alunos, proporcionado pelas obras que seriam lidas. 3.4 Os encontros de formação O primeiro encontro foi realizado no dia 14 de setembro de 2010, durante a reunião pedagógica de segunda-feira. Nas semanas que se seguiram, houve vezes em que eu solicitara à Coordenação o tempo das reuniões de quarta-feira, para uma continuidade das leituras ou atividades. Ocorreu também o adiamento de um dos encontros, já que na semana de 5 a 9 de outubro os professores estavam dispensados do HTPC para que fizessem a digitação de suas notas bimestrais. Na semana seguinte, os horários de Conselho de Classe dificultaram a oportunidade de reunir todas as professoras, de modo que mais um encontro era adiado. Assim, os cinco encontros planejados foram prolongados de modo mais ou menos irregular para um período de sete semanas, entre 14 de setembro e 28 de outubro. A necessidade de que se continuasse uma leitura, por exemplo, na reunião de quarta-feira esbarrava com o problema da presença das professoras, quando então algumas tarefas deveriam ser feitas ou terminadas “em casa”, o que não era exatamente interessante. 83 Mas por que nem sempre havia tempo para terminarmos as atividades de um encontro nas segundas-feiras? As reuniões pedagógicas das segundas, entre 17 e 19 horas da tarde, eram coletivas, isto é, exigiam a presença de todos os docentes que mantinham na escola uma jornada igual ou superior a dez aulas por semana. Pela duração de duas horas, eram adequadas para as atividades planejadas para os encontros de formação, que sempre incluíam a leitura de um texto teórico (às vezes longo e com alguns conceitos novos ou complexos), um debate e alguma produção. Contudo, ainda que nos tivessem concedido todo esse tempo para nos reunirmos, ao iniciar o HTPC, a Direção sempre solicitava que as professoras de Leitura permanecessem com os demais, para ouvirem alguns informes gerais ou opinarem sobre pontos de interesse coletivo, e só depois disso se encaminhassem para outra sala, onde eu as aguardava. O problema era que esses comunicados coletivos (mais o intervalo para um café, que dividia o HTPC ao meio) já chegaram a durar mais de uma hora, restando um tempo insuficiente para as atividades que eu havia planejado. Cheguei a insistir na exclusividade das duas horas na companhia das professoras de Leitura, sugerindo que comunicados ou decisões importantes lhes fossem repassados em outro momento, por escrito ou de maneira mais resumida, nos dez minutos finais. Nisso notei certa dificuldade prática da Equipe Gestora em me atender: entendiam minhas necessidades, eram complacentes até, mas na reunião seguinte havia o mesmo empecilho. Desse modo, devido a certa irregularidade em que os encontros aconteciam, o relato será feito desconsiderando datas específicas, reforçando apenas que teve início do dia 14 de setembro e se encerrou no dia 28 de outubro, sendo que algumas leituras aconteceram fora das reuniões. 3.4.1 Primeiro encontro: O que é leitura? Nesse encontro, pretendemos lidar com o conceito de leitura em seu sentido amplo e restrito. Num primeiro momento, em caráter de motivação para um debate, fo i oferecido um texto publicitário e assistimos a fragmentos do filme Abril Despedaçado (Walter Salles Jr.). O anúncio publicitário do “Programa de Alfabetização Solidária”, do Governo Federal, trazia uma sequência de letras aleatórias, dispostas em quatro linhas e 84 organizadas em certos agrupamentos semelhantes a palavras (“Kwerldte rosu ju gfedcxii ahetp”). Abaixo, a pergunta: “Entendeu?”, seguida da frase “Você está tendo a mesma sensação que milhões de brasileiros têm todos os dias”. Com esse texto, foi possível discutir com as professoras o conceito básico de leitura, enquanto um processo de decodificação das palavras e frases. Entretanto, foram adiante apontando para a condição de inclusão social proporcionada pela habilidade de ler. De fato, a sensação de exclusão provocada pela organização do anúncio comprova essa interpretação. Do filme Abril Despedaçado, foram selecionadas duas cenas em que o personagem “Menino” (assim ele é chamado), uma criança com aproximadamente 10 anos que, apesar de analfabeto, tem um livro nas mãos e isso lhe proporciona uma rica e imaginativa experiência de “leitura”. Porém, é cruelmente repreendido pelo pai, que vê nisso uma atitude de preguiça e aversão ao trabalho. Essa ação, ambientalizada no árido sertão nordestino de 1910, em uma família pobre, presa a tradições rudimentares, potencializa o valor que o objeto livro adquire para o Menino. Traz consigo a história de uma sereia, com ilustrações repletas de azul. Ele observa as páginas e reinventa a história, e a palavra mar é pronunciada com vigor, como algo que parece eclodir tanto da força fantástica da imagem da sereia quanto do resquício de água nas aquarelas que ilustram o livro. Os olhos do Menino apontam para o horizonte desértico, mas veem a praia e a sereia, esta tão bela quanto a moça que lhe presenteara com o livro. Era uma jovem que viajava com seu irmão, ambos atores itinerantes, passando pela estrada à frente da casa do Menino, lhe chama para pedir informação. Compadecida com aquela criança que nem nome tinha, a moça lhe dá o livro. Sua beleza, com sua pele morena e seus olhos azuis (outra evocação da imagem do oceano), provoca a ingênua paixão do garoto. Depois, essa sua paixão parece se transferir para o livro ganho, como um talismã, um objeto de lembrança e de desejo. Ler, portanto, é possuir aquele livro e alimentar uma imaginação que o transporte para um universo avesso à sua realidade, um universo de fantasia, água, liberdade, amor e ternura. Possuir aquele livro, manuseá-lo, observá-lo, acariciá-lo, não deixa também de ser um modo sublimado de possuir a bela moça, transfigurada na imagem da sereia e no próprio objeto de papel encadernado – relíquia sensual e transcendente –, colocando a leitura no momento crucial em que o Menino começaria a deixar de ser criança, experimentando sensações que seu universo até então não lhe proporcionara. A exibição das cenas causou impacto e suscitou nova discussão. Procurei conduzir a reflexão para notar sobretudo a relação existente entre o ato de ler e as demandas 85 da infinita carência do personagem. Em outras palavras, o livro deve, antes de tudo, atender a uma necessidade profunda do indivíduo. No caso do Menino, atendia a diversas necessidades, a de evasão, a de impulso para o rito de passagem (infância/maturidade) ou a de sublimação da descoberta amorosa. Com essa leitura da cena, as professoras foram levadas a pensar sobre quais carências de seus alunos poderiam ser suplantadas pela literatura, além de notarem que o ato de ler vai muito além da simples decodificação, pois lembremos o fato de que Menino sequer dominava o código escrito. Para formalizar essas questões, seguimos na leitura do capítulo “Ampliando a noção de leitura”, do livro O que é Leitura?, de Maria Helena Martins (2003). Nesse texto, a autora retoma duas concepções de leitura: 1) como decodificação mecânica dos signos linguísticos e 2) como processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, tanto quanto culturais, econômicos e políticos (na perspectiva cognitivo-sociológica). De modo semelhante à leitura que fizemos das cenas do filme, a autora afirma que A função do educador não seria precisamente a de ensinar a ler, mas a de criar condições para o educando realizar a sua própria aprendizagem, conforme seus próprios interesses, necessidades, fantasias, segundo as dúvidas e exigências que a realidade lhe apresenta (MARTINS, 2003, p. 34). Ao final, discutimos sobre as obras literárias que indicaríamos para os alunos. Analisamos as disponibilidades da biblioteca escolar, a lista dos livros que os alunos haviam recebido da SEE em 2008 e alguns títulos interessantes que a biblioteca da UNESP poderia disponibilizar. A decisão seria tomada na próxima reunião. 3.4.2 Segundo encontro: A especificidade da leitura literária Refletir sobre a leitura literária com as professoras demandou que antes pensássemos sobre o próprio conceito de literatura. E dentro do contexto em que esse conceito seria discutido, cabia um enfoque muito mais sociológico do que formalista, sem que se desprezasse, obviamente, a dimensão estética. Em outras palavras, diríamos que uma obra literária dentro da escola não deve ser entendida como um objeto a ser analisado, decomposto, dissecado na busca de conhecer suas regras, suas variantes, seu estilo etc. Ainda que se faça 86 isso, muitas vezes, principalmente no Ensino Médio, é forçoso dizer que esse método (o do ensino da História da Literatura, enquanto uma variação de estilos nas diversas épocas) não tem sido eficiente no sentido de formar leitores. Se por um lado o estilo é aquilo que diferencia a literatura das demais situações de comunicação, por outro será seu papel social que nos interessa para pensarmos lugar da literatura na escola e na vida dos jovens leitores. Por essa razão, o texto escolhido para o segundo encontro foi o ensaio “Direito à Literatura”, do crítico literário e sociólogo Antônio Candido. O autor procura contextualizar a literatura dentre os demais produtos culturais e refletir sobre o acesso que as diversas camadas sociais têm a ela. Assim, desenvolve um raciocínio sobre o papel humanizador da literatura, de modo a constatar o direito universal à experiência estética propiciada pela obra literária. Sobre seu papel social, foi destacado durante a leitura o seguinte fragmento: A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente. (CANDIDO, 1995, p. 244) Na sequência, para refletir sobre o acesso das classes sociais menos favorecidas (como no caso dos alunos com os quais trabalhamos), demos especial atenção ao pensamento de Candido, quando diz que: A organização da sociedade pode restringir ou ampliar a fruição deste bem humanizador. O que há de grave numa sociedade como a brasileira é que ela mantém com a maior dureza a estratificação das possibilidades, tratando como se fossem compressíveis muitos bens materiais e espirituais que são incompressíveis. Em nossa sociedade há fruição segundo as classes na medida em que um homem do povo está praticamente privado da possibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário de Andrade. Para ele, ficam a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção popular, o provérbio. Estas modalidades são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficientes para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é impedida de chegar às obras eruditas. (ibidem, p. 256-257) A leitura do texto foi lenta e, quando necessário, fazíamos pausas para discutir ou reforçar alguma ideia (no entanto, parte da leitura foi terminada em casa, cabendo 87 à próxima reunião, na quarta-feira, apenas discutir questões que lhes foram apresentadas). A participação das professoras era satisfatória, revelando certo prazer em estar refletindo sobre questões mais teóricas de sua área de atuação.40 O texto do Candido não lhes pareceu complexo (sobretudo em função de sua linguagem extremamente clara, visto que se tratava de uma palestra que ministrara em uma Conferência sobre Direitos Humanos), mas trazia determinados conceitos que mereciam ser aprofundados. Após a leitura, foram propostas algumas questões que, consoante ao nosso olhar e às nossas preocupações, em certa medida emanavam do próprio texto: A literatura é um bem cultural indispensável? Qual é a real necessidade que as camadas sociais menos favorecidas teriam pela literatura? É possível arbitrarmos sobre o direito alheio com base no que imaginamos ser essencial para um indivíduo? Vive um povo sem literatura? A literatura é capaz de promover um equilíbrio social? As questões foram debatidas, enquanto trechos do ensaio eram retomados e fatos da realidade dos alunos da escola eram mencionados, para que se pensasse de modo mais concreto e pragmático. Foi possível notar que as professoras mais experientes (aquela que ocupava cargo efetivo há mais de dez anos e uma das cotratadas, a gestante, formada em 2003, que possui uma irmã graduada em Letras pela UNESP e com título de mestre na Universidade Estadual de Maringá) posicionavam-se melhor, manejando com desenvoltura certos conceitos e dispondo de um conhecimento mais aprofundado da realidade dos alunos dentro e fora da sala de aula. (Aliás, a professora gestante, afastada pelo motivo já explicado, foi a que demonstrou mais interesse pelas leituras e atividades. Colaborou em outras etapas do projeto, repassando orientações a professores que eventualmente cobriam a falta do titular, podendo assim dar continuidade à atividade de leitura dos alunos.) Ofereci às professoras outras indicações de obras com as quais poderiam se aprofundar no assunto. Fiz uma breve apresentação de A Leitura, de Vincent Jouve (2002); mostrei-lhes Como um romance, de Daniel Pennac (1993), distribuindo cópias de uma resenha que fiz sobre este último livro. Por fim, expliquei-lhes que refletir sobre a própria experiência de leitura, rememorando-nos de quando e como nos tornamos leitores, é uma tarefa muito elucidativa quando pretendemos nos transformar em promotores da leitura literária. Nesse ponto, entreguei a elas um texto em que faço minhas memórias de leitor, um 40 Sabemos que é raro o contato do professor com materiais de pesquisa e livros de formação. Vemos, por exemplo, nas ocasiões de concurso público, a procura por apostilas de resumos das obras constantes na bibliografia, seja pela dificuldade de se ter acesso à fonte (falta de bibliotecas especializadas, falta de recursos para se comprem esses livros, ou mesmo falta de tempo), ou pela complexidade que essas leituras possam oferecer, em face de uma formação acadêmica desatualizada ou deficitária. 88 trabalho que havia sido entregue para a disciplina “Literatura e Ensino”, do primeiro semestre do curso de Mestrado. Sugeri então que cada uma fizesse suas memórias, mas, como o nosso tempo de reunião já se esgotava, pedi que produzissem o texto em casa e depois poderíamos lê-los no próximo encontro. (Contudo, na semana seguinte, as professoras se justificaram que não tiveram tempo para a tarefa.) Ao final do encontro, discutimos sobre os livros que seriam lidos pelos alunos de 5ª a 8ª séries. Apresentei-lhes algumas obras da literatura juvenil e as professoras opinaram sobre cada uma. Ficou então resolvida a seguinte lista: 5ª série: Reinações de Narizinho – Vol. 2 – Monteiro Lobato (2007) 6ª série: A Marca de uma Lágrima – Pedro Bandeira (1991) 7ª série: Antes que o Mundo Acabe – Marcos Carneiro da Cunha (2000) 8ª série: Capitães de Areia – Jorge Amado (2008) 3.4.3 Terceiro encontro: Estética da Recepção – conceitos-chave e o método recepcional Nesse terceiro encontro, esteve presente a PCOP de Biologia da DRE. Sua visita era a propósito de acompanhar os projetos desenvolvidos na escola a fim de que se desenvolvam competências e habilidades consideradas falhas na formação de nossos alunos, conforme indicativos da avaliação do SAREP de 2008. Assim, quis conhecer melhor o projeto de leitura que desenvolvíamos. A essa altura, as professoras já apresentavam interesse no trabalho com a leitura na sala de aula, sabiam da importância do contato com a literatura no desenvolvimento e na aprendizagem do educando. Mas a principal dificuldade estava em saber “como” trabalhar. Debatemos sobre suas experiências, ou que conhecessem, quanto ao uso do livro literário nas aulas de Língua Portuguesa ou em Leitura, na escola pública ou nas particulares, sobre o que achavam dessas experiências, sobre seus resultados, seus possíveis métodos e os modos de avaliação empregados. Falou-se, por exemplo, da tradicional “ficha de leitura”, aplicada comumente nas escolas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental I, e das listas de livros exigidas pelos professores de Ensino Médio em função das indicações para os 89 exames de vestibular. Todas concordavam que nenhum desses modos era eficiente no sentido de formar o gosto pela leitura, nem mesmo em tornar o aluno mais apto a uma leitura eficaz. Referiam-se aos subterfúgios dos estudantes para driblar o problema, como fichas de leitura preenchidas a partir da contracapa de um livro ou dos vastos resumos de obras para vestibular encontrados na Internet. Concluíram ainda que, nos casos mais felizes, principalmente nas escolas particulares, a formação do hábito de leitura era uma soma entre o incentivo da escola (exigindo certo número de leituras por ano) e o papel da família, apoiando, cobrando ou sendo um modelo, quando alguns pais, por exemplo, com maior tempo de escolaridade e maior acesso ao consumo de bens culturais, são leitores assíduos. Mas não viam o professor como uma peça imprescindível nesse processo, já que não se sentiam capazes de convencer os alunos a lerem, pois estes o faziam apenas sobre um sistema rígido de cobrança ou por vontade própria. Essa situação pode revelar alguns fatores da parte dos docentes, entre eles: a) carência de metodologias seguras para o trabalho com a literatura (problemas de sua formação, tanto de base como continuada); b) assimilação indireta, parcial e muitas vezes distorcida das teorias e metodologias já difundidas; c) descrença no próprio trabalho com a literatura entre os mais jovens, sobrevalorizando a gramática e a produção de textos; d) e, no Ensino Médio, trabalha-se com a história dos autores e estilos, sem que ocorra o verdadeiro enfrentamento com o texto artístico. Dessa forma, nesse encontro procuramos apresentar conceitos fundamentais da Estética da Recepção e uma possibilidade metodológica para o uso desses fundamentos no ensino da leitura. A obra A formação do leitor: alternativas metodológicas, de Vera Teixeira Aguiar e Maria da Glória Bordini, publicada em 1988, foi utilizada no segundo momento do encontro. O livro, direcionado especialmente para professores, estudantes de Letras e pesquisadores, foi produzido a partir de pesquisas desenvolvidas, em meados da década de 80, sobre as condições e problemas do ensino de literatura no Rio Grande do Sul pelo Centro de Pesquisas Literárias (CPL/PUCRS). Sua publicação procura recuperar o longo trajeto da pesquisa realizada de forma sistematizada, “num texto de caráter teórico-pedagógico”, tudo o que foi pensado e comprovado (AGUIAR; BORDINI, 1993, p.7). A pesquisa buscava dar conta da realidade das salas de aula e oferecer aos leitores contribuições práticas para alicerçar alternativas metodológicas para o ensino de leitura/literatura. Com esses pressupostos e objetivos, as autoras apresentam cinco métodos de ensino de literatura, com fundamentação teórica diferenciada, objetivos e parâmetros de 90 avaliação específicos, etapas de sistematização das atividades em sala de aula e exemplos de aula para os três níveis curriculares do Ensino Fundamental e Médio (na ocasião, 1º e 2º graus). Sendo eles: Método Científico, Método Criativo, Método Recepcional, Método Comunicacional e Método Semiológico. A apresentação desse livro no terceiro encontro teve como objetivo ressaltar que o professor deve adotar uma concepção teórica que direcione o seu trabalho com o texto literário em sala de aula e acima de tudo deve ter consciência da finalidade educacional que o move, pois só assim poderá promover leitores com a capacidade de transformar a sociedade. Fizemos a leitura do capítulo “Método Recepcional”, atendo-nos às partes em que ele se divide: “Fundamentação teórica”; “Objetivos e critérios de avaliação”; “Etapas de desenvolvimento: técnicas”; e “Exemplos de unidades de ensino”. Na discussão, fizemos algumas ressalvas ao método, devido ao fato de pertencer a uma obra escrita há mais de vinte anos, de modo que determinadas sugestões de atividades talvez hoje não se adaptem aos alunos da escola pública, atualmente muito mais heterogênea. Fizemos inferências sobre possibilidades de aplicação de projetos que se pautassem nas etapas do Método Recepcional e a impressão geral das professoras foi positiva quanto a essa proposta. Ao final, entreguei a elas um artigo de minha autoria, como leitura complementar, em que disserto sobre a recepção de um clássico da literatura brasileira para a juventude atual dentro do contexto escolar, procurando desenvolver uma análise incitada por uma experiência em sala de aula com a leitura de Memórias de um Sargento de Milícias por alunos de uma 7ª Série/8º Ano da rede privada. 3.4.4 Quarto encontro: Análise de uma recepção concretizada Na semana que se seguiu ao terceiro encontro, os alunos iniciaram a leitura das obras. Por isso, antes do início da leitura de formação, as professoras relataram a maneira como os alunos receberam o projeto. Nesse encontro, fizemos a leitura do artigo “A Marca de uma Lágrima de Pedro Bandeira: entre o coração dos leitores e o da literatura”, escrito pelo Prof. Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini (2008). A intenção era oferecer às professoras um texto científico em que se analisasse a recepção de uma obra no contexto escolar, na aplicação de projetos semelhantes 91 ao que promovíamos em nossa escola. Além disso, A Marca de uma Lágrima era uma das escolhidas para nossos alunos, indicada para a leitura dos alunos das 6 as séries. Com relação ao artigo de Ceccantini, o objetivo principal era estabelecer algumas relações entre dados referentes a autor, obra e público [...]. São abordados depoimentos de Pedro Bandeira a propósito de seu projeto literário, aspectos temáticos e formais da obra e impressões de leitura de alunos da 6ª série do Ensino Fundamental de escolas públicas de Tupã (Oeste paulista). (CECCANTINI, 2008, p. 106) 3.4.5 Quinto encontro: Os livros indicados para a leitura dos alunos Paralelamente à leitura dos alunos, as professoras tomavam conhecimento das obras, liam e comentavam suas impressões. Nesse encontro, o objetivo era fornecer a elas leituras complementares, ensaios críticos, análises e estudos sobre cada um dos livros. Cada professora receberia o material conforme a(s) série(s) em que lecionava. Lamentavelmente, era possível mais uma vez notar que nem todas elas dispunham de um tempo extra para seus estudos. Especialmente a professora efetiva, que acumulava cargo de Português e Inglês, com uma jornada semanal de aproximadamente 60 horas, demonstrava, a esta altura, pouco ânimo nas reuniões. Percebi que as obras estavam sendo lidas pelas docentes na sala de aula, enquanto os alunos faziam sua leitura também. Por essa razão, fiz uma breve apresentação de cada um dos textos, procurando incentivá-las a estudá-los. Para aprofundar o entendimento de Reinações de Narizinho, disponibilizei o artigo “A recepção de Reinações de Narizinho por futuros educadores”, de Zila Letícia Goulart Pereira Rego (2008). A autora trata de uma experiência com a obra de Lobato com alunos de um curso de Pedagogia em Porto Alegre, refletindo sobre questões ligadas à formação dos professores e do papel destes enquanto mediadores dos processos de circulação e promoção do “nosso maior clássico infantil” (REGO, 2008, p. 131). Além do artigo de Ceccantini sobre A Marca de uma Lágrima, as professoras que lecionavam nas 6as séries receberam estudo de Sônia Ap. Benites (2008) sobre a intertextualidade presente no livro de Pedro Bandeira. Ela procura esclarecer aquilo que o autor anuncia no posfácio: A Marca de uma Lágrima foi uma tentativa de realizar uma adaptação moderna para a peça Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand. Benites também 92 analisa as impressões de leitura de alunos de uma 6ª Série/7º Ano de uma escola do interior do Estado de São Paulo. O livro Antes que o Mundo Acabe, de Marcelo Carneiro da Cunha, tem sido muito bem acolhido por leitores jovens e adultos. O entusiasmo que o escritor do Rio Grande do Sul provoca, inclusive em especialistas, pode ser notado no maravilhoso estudo que Maria Alice Faria (2008) faz dessa obra, no artigo “O Literário e o Pedagógico no Fio da Navalha”. A professora da UNESP de Marília 41 analisa cuidadosamente a estrutura narrativa do livro, seus personagens, a linguagem e os temas, além de estabelecer aproximações com o cinema de Michelangelo Antonioni (Blow Up, 1967), como uma provável influência que corroborou com o trabalho do autor gaúcho. Faria analisa também 36 textos de alunos, contendo um resumo e um comentário, sobre a leitura do livro de Carneiro da Cunha. As professoras receberam ainda outro estudo sobre o livro lido pela 7ª série, o artigo “Uma questão de patos: relações entre O apanhador no campo de centeio e Antes que o mundo acabe”, de Benedito Antunes (2006). Sobre o romance Capitães de Areia, não foram encontrados estudos voltados para questões de ensino ou para a recepção. Mas em matéria de aprofundamento da leitura, de modo didático e acessível, serviu-nos um “Roteiro de leitura”, de Álvaro Cardoso Gomes42. O professor da USP é minucioso em seu estudo e, no capítulo “Diálogos”, estabelece relações entre o livro de Jorge Amado e a realidade do menor abandonado no Brasil, dialogando com o filme Pixote, a lei do mais fraco, com o massacre da Candelária de 1993 e com uma entrevista de um menor de rua, que no mesmo ano da chacina vivia na Praça da Sé e estava a caminho da FEBEM para se proteger da ameaça de morte. Os textos foram entregues às professoras para que contribuíssem no amadurecimento da leitura dos livros lidos pelos alunos. Expliquei a elas que essa instrumentalização da leitura seria importante para o momento em que realizaríamos as entrevistas e as atividades em sala de aula. 41 Falecida em 2005, inclusive sem que tivesse terminado o artigo, o qual, mesmo sem a conclusão, fora publicado em forma de homenagem. 42 GOMES, Álvaro Cardoso. Roteiro de leitura: Capitães de Areia de Jorge Amado. São Paulo: Ática, 2001. 93 4 4.1 A EXECUÇÃO DO PROJETO NAS SALAS DE AULA A leitura e os impasses Os mini-projetos foram aplicados pelos docentes envolvidos em suas respectivas turmas. O cronograma inicial previa a duração de seis semanas, incluindo as seguintes etapas: 1) apresentação aos alunos das obras literárias selecionadas e solicitação de leitura; 2) realização da leitura em sala de aula durante quatro semanas (ou 8 horas/aula); 3) coleta de dados sobre a leitura, através de entrevistas com os alunos e preenchimento de fichas; 4) desenvolvimento de atividades para ampliação do horizonte de expectativas: outras leituras e procedimentos que amadureçam a compreensão da obra, que estabeleça diálogos com o contexto de recepção; 5) encontro dos docentes para uma avaliação dos resultados do programa, com elaboração de um documento que apresente os dados coletados e as impressões dos professores e dos alunos. O material necessário, que se constitui das obras literárias a serem lidas pelos alunos, contaria inicialmente com a disponibilidade da biblioteca escolar e com a lista de livros dos kits enviados pela SEE em dezembro do ano anterior (2008), em que cada aluno recebeu cerca de três títulos de literatura brasileira. No esgotamento dessas duas fontes, seriam providenciados empréstimos a partir de bases bibliotecárias da Universidade. A exigência era de que houvesse certo número de exemplares para cada título, para que fossem levados para a classe e cada aluno, ou pelo menos cada dupla de alunos, tivesse um exemplar em mãos para realizar a leitura de modo mais confortável e proveitoso. Primeiramente notou-se a existência de poucos exemplares repetidos na biblioteca da escola, o que inviabilizou a utilização do acervo local para o projeto. Em seguida, recorreu-se à lista de obras distribuídas pela SEE. Esses livros encontravam-se em posse dos alunos, de modo que a escolha de algum suporia que se solicitasse a cada um que trouxesse de casa para utilizar no período que durasse o projeto. Os kits estavam distribuídos, no Ensino Fundamental, da seguinte maneira 43: 43 A distribuição das obras para os alunos ocorreu no final de 2008, de forma que, em 2009, os alunos da 5ª série não haviam sido atendidos e a posição dos títulos avançou em relação à série. Os alunos da 6ª série, que possuíam Reinações de Narizinho, por exemplo, receberam-no ao final da 5ª série. 94 6ª série Juca Pirama e os Timbiras - Gonçalves Dias Comédias para ler na Escola - Luís Fernando Veríssimo Reinações de Narizinho (vol 1 e 2) - Monteiro Lobato 7ª série Papéis avulsos - Machado de Assis Memórias inventadas - Manoel de Barros O Coruja - Aluísio Azevedo 8ª série Poemas de Álvaro de Campos - Fernando Pessoa A mulher do vizinho - Fernando Sabino Capitães da areia - Jorge Amado Notamos algumas inadequações entre os títulos e a idade/série dos alunos, como Reinações de Narizinho, para os alunos de 12 anos, e O Coruja, para a 7ª Série. Além disso, o projeto escolheu trabalhar com narrativas longas, novelas ou romances, o que reduzia as possibilidades, já que excluíamos contos e crônicas. Diante dessas limitações na utilização dos kits, seria viável a inclusão de apenas duas obras: Reinações de Narizinho (Vol. 2) para a 5a série – nesse caso, pediríamos exemplares emprestados para os alunos das 6 as séries – e Capitães de Areia para a 8ª série. Para 6ª e 7ª séries deveríamos analisar os livros disponíveis na biblioteca da UNESP. Dentre as obras trazidas de lá, as professoras apreciaram A Marca de uma Lágrima, para 6ª série, e Antes que o Mundo Acabe, para a 7ª, e assim estava completa a relação das obras para o projeto. Considerando o fato de que havia um número limitado de exemplares, que deveriam ser oferecidos para todas as turmas de cada série, as leituras deveriam ocorrer na escola. Os professores foram orientados para buscar criar um ambiente agradável e silencioso na sala de aula, poderiam remover os alunos para o pátio ou outros espaços do prédio. Infelizmente, na escola não há sala de leitura e a biblioteca é muito pequena, dividindo seu espaço com a sala de informática. 44 44 Em realidade, no projeto inicial do prédio escolar, inaugurado em 2005, havia uma sala de leitura, nas mesmas dimensões das salas de aula, com mesas maiores, e uma sala de informática, muito espaçosa para esse fim. De qualquer modo, os livros foram organizados na sala de informática, a partir de 2006, junto aos computadores, com as mesas grandes ocupando todo o espaço restante, já que a sala de leitura passou a servir como sala de aula devido à demanda crescente de matrículas. 95 Pelo cronograma inicial, os alunos deveriam iniciar a leitura no dia 6 de outubro. Porém, para a semana que viria a seguir (dias 13 a 16) a coordenação estabeleceu horários de Conselhos de Classe que, suspendendo algumas aulas para promover reuniões com a presença de alunos e pais, interromperia as atividades do projeto e um intervalo de uma semana na leitura poderia dificultar para os alunos o aproveitamento da atividade. Então, os livros seriam levados para a sala de aula somente a partir do dia 19 de outubro. Com esse adiamento, ficou combinado que os professores de Língua Portuguesa (LP) das turmas cederiam o tempo de uma aula por semana para dar continuidade às leituras, pois assim o aluno se dedicaria à leitura por aproximadamente três horas semanais, tempo que considerávamos suficiente para se concluir a etapa em três semanas, isto é, nove aulas para os alunos lerem os livros. Resolvidas essas questões, as professoras foram orientadas para começarem a levar os exemplares dos livros para a sala de aula e solicitarem a leitura para os alunos. As orientações que se seguem foram repassadas a elas oralmente e por escrito (APÊNDICE B). A proposta de leitura deveria ser feita para os alunos explicando-lhes que se tratava de um projeto a ser desenvolvido dentro da disciplina de Leitura e Produção de Textos. A primeira atividade era a leitura (em sala de aula, em um período máximo de três semanas) de um livro selecionado pelos professores, que estiveram por um mês na preparação do projeto. Tínhamos o objetivo de oferecer um livro cuidadosamente selecionado pelos professores, visando uma maior aproximação dos alunos com a obra literária, estimulando o hábito de leitura. Além de realizar entre os eles um trabalho de desenvolvimento da competência leitora e escritora. As professoras explicaram ainda aos alunos que, num segundo momento, colheríamos suas impressões de leitura por meio de uma entrevista e por produções escritas, para a constituição de um material que serviria à pesquisa desenvolvida pelo “Prof. Fábio” no curso de Mestrado da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Nessa apresentação, a professora deveria garantir que sua opinião, sua interpretação e impressões sobre a obra não interferissem no modo de ler dos alunos. O propósito se justifica na intenção de, posteriormente, colher as impressões de leitura dos alunos em um nível mais “puro” possível. As docentes receberam instruções de que, antes de iniciar a leitura propriamente dita, seria interessante que fossem respondidas oralmente questões relacionadas às expectativas dos alunos motivadas pelo título, pela capa etc. Poderiam ser questionados se 96 conheciam o autor, se já haviam lido algo dele (ou sobre ele), se apreciavam suas obras, e outras perguntas dessa natureza. Ainda explorando o chamado paratexto45, poderia ser lido coletivamente o conteúdo da orelha, da contracapa etc., sempre priorizando nesse primeiro momento o debate oral e as impressões e expectativas dos alunos. A leitura da obra deveria ser, preferencialmente, silenciosa, respeitando o ritmo e o modo individuais de leitura. Sempre que necessário, poderiam ser formadas duplas exclusivamente para que se compartilhasse um mesmo exemplar, com algumas sugestões de critérios para a formação dos pares, como aproximar alunos com ritmo de leitura semelhante; um aluno com dificuldades de leitura (especialmente aquele que ainda está em fase de desenvolvimento da alfabetização) poderia ser pareado a algum colega que fizesse a leitura em voz alta (mas além da escuta, era importante que acompanhasse o texto, olhando as palavras lidas). O uso de dicionários deveria ser livre e estimulado, mas não cobrado como forma de atividade. Era importante lembrar aos alunos de que muitas palavras têm seu significado inferido pelo contexto, prescindindo da consulta, e que as interrupções constantes poderiam atrapalhar o fluxo da leitura. Assim os livros eram levados para as salas de aula em duas aulas de LPT e uma aula de Língua Portuguesa por semana. Contudo, as três semanas previstas não foram suficientes para que os alunos terminassem a leitura, por diversas razões. Nas 5as séries A, B e C, e nas 6as séries A e B, as faltas das professoras durante as duas primeiras semanas não garantiram que o cronograma fosse seguido. As professoras eventuais não recebiam orientações das PCs sobre a continuidade das atividades do projeto, caso eu não me encontrasse na escola. Nas 8as séries, cujas aulas não podiam ser atribuídas, havia desde o início certa indefinição sobre quais professoras ministrariam essas aulas em caráter eventual. Na primeira semana, apenas na 8ª C foi iniciada a leitura e a professora queixou-se do desinteresse e da indisciplina dos alunos. Na semana seguinte (26 a 30 de outubro), as demais turmas passaram a ler, mas não se cumpriram as três aulas 45 “Aquilo que rodeia ou acompanha marginalmente um texto e que tanto pode ser determinado pelo autor como pelo editor do texto original. O elemento paratextual mais antigo é a ilustração. Outros elementos paratextuais comuns são o índice, o prefácio, o posfácio, a dedicatória ou a bibliografia. O título de um texto é o seu elemento paratextual mais importante e mais visível, constituindo, como observou Roland Barthes, uma espécie de ‘marca comercial’ do texto.” (CEIA, Carlos. In: E-Dicionário de Termos Literários, disponível em http://www.edtl.com.pt/index.php). Acesso em 29 de janeiro de 2011. 97 semanais, pois houve o feriado da segunda-feira (antecipação do Dia do Funcionário Público do dia 28) e as professoras de LP das oitavas não cederam suas aulas por falha de comunicação, já que não tivemos HTPC na segunda-feira daquela semana, quando todos nos encontrávamos e podíamos combinar o cronograma semanal. Na terceira semana, uma sumária troca das professoras das sétimas e oitavas séries prejudicou imensamente a continuidade das atividades do projeto em pelo menos a metade das turmas. Nesse período, uma determinação da Secretaria da Educação criou um novo tipo de contratação de docentes temporários, denominados “Categoria F”. Os professores dessa categoria, convocados para atribuição de aulas na DRE, tinham direito a pelo menos 12 horas de trabalho. Caso não houvesse a disponibilidade de aulas a serem atribuídas, os docentes deveriam cumprir essas horas nas unidades escolares de suas sedes, em atividades pedagógicas ou substituições eventuais de aulas vagas. Assim, duas novas professoras passaram a ministrar as aulas das seis turmas que pertenciam à gestante afastada. O absurdo da situação estava no fato de que, se por um lado era um direito justo e garantido das professoras, por outro não havia o compromisso do Estado com as condições de trabalho, comprometendo diretamente a qualidade das aulas, já que essas constantes trocas feriam a continuidade dos programas curriculares e dos projetos. Um caso limite ocorrido na unidade foi a divisão das duas aulas semanais de LPT da 8ª B entre as duas novas docentes, para que se cumprisse a atribuição de 12 horas de trabalho a cada uma. A entrada de novas professoras temporárias demandou mais um período de orientação e capacitação para a continuidade das atividades do projeto. Mas até que isso acontecesse (e até que eu próprio me inteirasse das mudanças, soubesse da presença das professoras e da maneira como as turmas ficavam distribuídas), em algumas turmas a leitura foi interrompida (sobretudo nas oitavas, pois nas sétimas eu lecionava LP e utilizei algum tempo de minhas aulas para compensar o atraso). Nessa terceira semana (2 a 6 de novembro), uma das professoras, que havia retornado de uma licença-saúde, privilegiou nas 6as A e B, onde também ministrava LP, um trabalho de preparação dos alunos para a avaliação do SARESP, que aconteceria nos dias 10, 11 e 12 de novembro, de modo que nesse intervalo os alunos dessas turmas quase não leram. O mesmo aconteceu nas aulas de Língua Portuguesa das 8as B e C, onde a mesma professora lecionava. Com tudo isso, apenas alguns alunos da 6ª C e das sétimas haviam terminado a leitura no tempo previsto. Nesse momento, os alunos começaram a preencher a ficha de leitura, que tinha como propósito recolher um material escrito sobre as primeiras 98 impressões e avaliar, a partir do resumo e do comentário, o grau de compreensão que cada um teve do livro. Para as demais turmas, as professoras receberam a orientação de que aplicassem a ficha no momento em que apenas uma minoria da turma ainda se encontrasse na etapa de leitura, e assim iam fazendo. A quarta semana prosseguiu normalmente nessas quatro turmas, para que os demais concluíssem o livro, já que o SARESP fora adiado para os dias 17, 18 e 19. Mas nas demais salas repetiam-se os problemas. Aliás, as sétimas e oitavas séries sofreram nova substituição de professores, pois aquelas que pertenciam à Categoria F e ministravam suas aulas para cumprirem com a jornada semanal foram convocadas para nova atribuição de aulas, quando passaram a trabalhar em cidades vizinhas com uma jornada superior e aulas que lhes davam vínculo e outras garantias, de modo que foram forçadas a abandonar as aulas em nossa escola. Na semana de aplicação da avaliação externa, as leituras foram praticamente interrompidas, pois eram três dias de provas, ocupando quase toda grade de horários, já que os alunos teriam apenas as duas últimas aulas de cada dia, após cada etapa da prova, de modo que se encontravam bastante exaustos. Na quinta semana, entre os dias 23 e 27 de outubro, realizei as entrevistas coletivas com as turmas que haviam terminado a leitura: 6ª C e 7 as A, B e C. Eram conversas gravadas em vídeo com duração média de uma hora cada. Via-se pelas fichas de leitura que, dentre os alunos das demais turmas, poucos haviam concluído a leitura. Na semana que se seguia, já não seria mais possível realizar as entrevistas com eles, visto que a partir do dia 2 de dezembro começariam as provas bimestrais, organizadas em um calendário especial que ocupava todas as aulas até o dia 9 de dezembro. Por isso, pedi que aplicassem a ficha de leitura, mesmo nos casos em que poucos alunos tivessem lido o livro inteiro, para posterior levantamento dos resultados nessas turmas. Portanto, as turmas com as quais realizamos a entrevista coletiva foram: 6ª C, 7ª A, 7ª B e 7ª C. A professora dessas turmas recebeu algumas atividades para realizar com os alunos com o intuito de aprofundar a compreensão dos leitores sobre o livro e alguns temas nele tratados, estabelecendo diálogos entre a obra e outros textos. Para que a professora trabalhasse na 6ª C, foi-lhe entregue uma orientação didática com a qual estimularia os alunos à produção de texto poético e a consequente utilização dos recursos da linguagem literária, visto que a protagonista de A Marca de uma Lágrima escrevia poemas ao longo de toda a história, e fazia isso com muita paixão. Para as sétimas, a atividade seria um debate motivado pela condição de adolescente do protagonista, 99 Daniel, de 15 anos, que vive alguns dos conflitos sociais e psicológicos comuns dessa fase. Fariam uma reflexão sobre o rótulo “aborrecente” e, em seguida, a leitura do artigo “Passagem pela adolescência”, de Rosely Sayão.46 Para finalizar, seria proposto para os alunos que produzissem um texto do gênero entrevista. A situação-proposta era ficcional e deveria ser dada com o seguinte enunciado: Imagine que você seja Rosely Sayão, psicóloga e autora de uma coluna na revista Pais & Filhos. Para uma edição da revista, que trazia como tema de capa o título “A difícil arte de ser adolescente”, Sayão realizou uma entrevista com Daniel Vaz Hauser, um adolescente de 15 anos que tinha uma bela história para contar. Em dupla, elabore as perguntas de Rosely Sayão e as repostas de Daniel. Atenção! As perguntas da psicóloga devem tocar nos temas debatidos em aula (responsabilidades, erros, amadurecimento, solidão, diálogo, o papel dos pais e professores), que se resumem pelas “transformações por que passa um adolescente de classe média alta, em consequência de situações conflituosas que surgem em sua vida, equilibrada até então – e seu consequente amadurecimento.”47 As respostas devem se basear nas vivências do personagem Daniel. Com essa atividade se pretendia aprofundar a compreensão do tema central do livro, estimular a empatia entre os jovens leitores e o protagonista, além de desenvolver a capacidade argumentativa dos alunos. Tanto para A Marca de uma Lágrima, quanto para Antes que o Mundo Acabe, havia outras indicações de atividades, porém não foram repassadas devido ao calendário de aulas, quando já começaram a ser suspensas atividades pedagógicas e iniciado um período de avaliações finais, fechamento de notas e conselhos de classe. Por esse mesmo motivo, não foi possível recolher resultados das atividades propostas, pois em alguns casos elas não foram concluídas até a etapa de produção. Assim, os dois últimos objetivos do projeto (desenvolvimento de atividades para ampliação do horizonte de expectativas e um encontro dos docentes para uma avaliação dos resultados do programa) infelizmente não foram desenvolvidos. Concluindo, o material recolhido para a análise na pesquisa se resume às fichas de leitura e as entrevistas gravadas com quatro turmas. Nas demais classes, havia certo número de fichas preenchidas, mas em muitas delas os alunos relatavam não ter lido o livro por completo, o que nos serviu como critério para descartá-las do corpus de pesquisa, como será melhor explicitado no capítulo seguinte. 46 47 Publicado na Folha de S. Paulo, São Paulo 21 de fev. de 2008, Caderno Equilíbrio, p. 12. FARIA, 2008, p. 230 100 4.2 As fichas de leitura e a definição do corpus O registro escrito das primeiras impressões de leitura era composto de respostas dissertativas a cinco perguntas, com identificação do aluno, além do título livro lido e autor. O aluno deveria primeiramente informar se fez a leitura integral da obra e durante quantas semanas participou dessa atividade. Em seguida, caso não tivesse realizado a leitura do livro todo, deveria se justificar. Perguntou-se também se sentiu vontade de reler alguma parte e se chegou a fazê-lo, explicando os motivos. Depois, era solicitado que fizesse um resumo da história e que deixasse um comentário sobre o livro (APÊNDICE C). Ao tomarmos as fichas de leituras que haviam sido entregues pelas professoras das doze turmas, o quadro geral demonstrava uma situação bastante diversificada. Como já dito, apenas os alunos da 6ª C e das três turmas de 7ª série haviam, em grande maioria, lido o livro inteiro e preenchido as fichas dentro do prazo razoável para que se realizassem as entrevistas. Apenas na quinta semana após o início da leitura, momento em que as entrevistas começaram a ser gravadas, é que os alunos das demais turmas preencheram as fichas, porém não houve tempo, na semana que se seguiu, para a realização das entrevistas em virtude do calendário de provas finais da escola, que ocupava quase toda a grade de horários. Curiosamente, a maioria das fichas foram preenchidas na quinta semana e, no entanto, muitos alunos afirmaram terem terminado ou abandonado a leitura já na terceira semana. Isto é, houve aí um intervalo (a quarta semana) em que, em algumas turmas, não se leu nem se cumpriu nenhuma atividade do projeto. Em vista disso, com a ausência do registro oral, ou seja, da entrevista com os alunos, definiu-se inicialmente a exclusão das turmas da 5ª série, das 6as A e B e de todas as oitavas séries, para a constituição do corpus de análise. No entanto, uma leitura mais detalhada de todas as fichas revela alguns aspectos interessantes do alcance do projeto e da maneira como alguns problemas de organização afetaram nos resultados quantitativos. O quadro abaixo procura mapear a situação geral, apresentando o número de alunos de cada turma, o número de fichas marcadas (preenchidas ou com inscrições inconclusas), as fichas completas (com os campos preenchidos de modo satisfatório), e as fichas incompletas (excluía-se, por exemplo, aquelas que traziam um resumo da história que se tratasse de mera cópia de uma parte da história). 101 Tabela 1: Fichas de leitura Turmas Nº de alunos 5ª A 5ª B 5ª C 6ª A 6ª B 6ª C 7ª A 7ª B 7ª C 8ª A 8ª B 8ª C 32 30 31 31 30 30 36 34 30 33 38 35 Fichas marcadas 29 25 25 27 14 26 26 30 24 23 0 0 Completas Incompletas 14 7 17 23 8 23 16 24 16 10 0 0 15 18 8 4 6 3 10 6 8 13 0 10 Em termos percentuais, notamos uma realidade bastante heterogênea, como podemos visualizar no gráfico abaixo. Gráfico 1: Fichas de leitura Outra análise, considerando o número de alunos que afirmam ter lido o livro integralmente e o tempo que levaram para fazer isso, revela desníveis semelhantes. Reunindo esses dados ao tempo que cada aluno das turmas levou para concluir ou abandonar a leitura, temos os seguintes resultados. 102 Gráfico 2: Leitura integral das obras Gráfico 3: Tempo dedicado à leitura, em semanas Observação: A diferença resultante do cruzamento dos dois dados, na 5ª A e na 5ª C, corresponde ao número de alunos que não responderam em que semana terminaram ou abandonaram a leitura. 103 Nas quintas séries, as fichas estavam preenchidas, mas revelavam que grande parcela das crianças não havia lido o livro por completo, mesmo transcorridas já cinco semanas, ou então afirmavam terem lido inteiro sem que fossem capazes de elaborar um breve resumo da história; copiavam um fragmento do texto ou dos paratextos (contracapa, por exemplo). Dentre esses alunos menores, muitos apresentavam respostas padronizadas, o que sugere certa displicência com a atividade, copiando de um colega a resposta ou reproduzindo alguma dica ou explicação da professora. Havia na ficha, e as professoras foram orientadas sobre isso, um claro incentivo à sinceridade, de modo que o aluno se sentisse à vontade para confessar não ter lido o livro ou não ter gostado, mas nas quintas séries parece que isso não foi levado em conta, tanto por parte dos alunos quanto das professoras, o que demandou certo cuidado na leitura das fichas para que não se reproduzissem resultados falseados. Nas oitavas, o quadro era ainda mais peculiar, principalmente, como vimos, por terem sido as turmas que mais sofreram com a troca de professoras. Apenas na 8ª A havia algumas fichas preenchidas, porém nelas via-se o mesmo problema das leituras não concluídas. Mas com um dado interessante: os alunos foram plenamente sinceros e utilizaram da ficha para manifestarem-se contra a ideia de ler em sala de aula, queixando-se das conversas que desconcentravam, da falta de conforto, ou do próprio livro (Capitães de Areia, Jorge Amado), que para alguns não despertou interesse. Nas demais turmas de oitava série, as fichas estavam todas em branco ou apenas com identificação do aluno. O resultado positivo na 6ª série A, em termos de leitura integral (65%) e de apreciação da leitura (muitos afirmaram terem gostado d’A Marca de uma Lágrima, de Pedro Bandeira), esbarrou com a questão prática dos prazos e, tendo concluído a leitura apenas na quinta semana, foi impossível, infelizmente, realizar a entrevista com esses alunos. É a turma em que, como já relatado no capítulo anterior, a professora interrompeu a leitura para privilegiar a preparação para o SARESP. O mesmo ocorreu na 6ª B, onde a leitura praticamente não foi retomada e pouquíssimos alunos chegaram até o fim da obra. Ainda que pertencesse à mesma professora da 6ª A, vemos em ambas as turmas resultados muito díspares. Nas quintas séries B e C, cujas aulas de LPT também eram ministradas pela docente mencionada acima, os dados apresentam contrastes semelhantes (quanto à leitura integral: 10% contra 52%, respectivamente). Na 5ª A, a outra docente faltou durante as três semanas seguidas em que a leitura deveria acontecer, de modo que o projeto foi conduzido por professoras eventuais e os resultados se mostram igualmente insatisfatórios. 104 Em síntese, no que diz respeito a esses dados quantitativos, a turma que demonstrou melhor desempenho foi a 6ª C: 67% dos alunos leram o livro inteiro, dos quais quase todos concluíram ainda na terceira semana. Nas turmas das sétimas séries encontramos valores positivos no preenchimento das fichas (74% das fichas marcadas estão completas, representando mais da metade do número de alunos de cada turma) e resultados medianos na leitura integral: 43%, em média, dos alunos das três turmas. Sobre o fato de terem terminado a leitura na quarta semana, principalmente a 7ª B, e boa parte dos alunos da 7ªA, é devido às trocas de professoras que relatamos há pouco. Em uma das turmas, a professora recém-chegada não foi informada sobre o projeto e, mesmo sob o pedido dos alunos, durante a terceira semana os livros não foram levados para a sala nas aulas de LPT, apenas por mim nas aulas de LP, até que se resolvesse o problema de comunicação. Mas, sobretudo pelo fato de ter realizado as entrevistas nas três sétimas séries, os dados quantitativos dessas turmas, ainda que abaixo do esperado, indicam a possibilidade de um estudo mais cuidadoso da recepção, pois permitem a comparação de três realidades distintas na leitura de uma mesma obra. Além disso, a entrevista tende a compensar o que falta mostrada nas fichas, visto que aquele aluno que deixou seu registro escrito incompleto, ou mesmo que não o tenha feito, não estava impedido de se manifestar oralmente (às vezes era assim que ele se desempenharia melhor); e mesmo o aluno que não tenha lido o livro integralmente está sujeito identificação com as personagens e pode deixar impressões válidas para nossa análise. Por essa razão, privilegiando a comparação dos dados qualitativos extraídos das fichas e das transcrições das entrevistas, decidiu-se, por fim, pela exclusão da 6º C do corpus de nosso estudo. Não temos dúvida de que, caso na 6ª A houvesse sido feita a entrevista, a aproximação dos dados dessas duas turmas poderia resultar em conclusões interessantes, pois nelas o número de alunos alcançados foi bem superior às sétimas séries. Mas acreditamos que esses indicadores quantitativos já são suficientes para se concluir que, dada a dimensão do projeto, eram previstos produtos variados, cujos denominadores estão afetados por diferentes injunções: as condições sociais, políticas, pedagógicas e metodológicas da relação professor/aluno em cada uma das turmas nunca são as mesmas. O comprometimento de cada docente varia e o dos alunos, também; a falta de apoio da escola, na dificuldade em disponibilizar o tempo de formação para os docentes envolvidos ou em lidar com o problema das ausências e trocas dos professores, é sem dúvida uma questão de política educacional importante (além de algumas fragilidades da máquina estatal que permite 105 essas ausências ou, às vezes, até colabora com as trocas, como foram os casos das mudanças na contratação em pleno período letivo e da impossibilidade de se atribuírem as aulas daquela docente que se encontrava afastada). Assim o corpus ficou constituído das 59 fichas de leitura das 7as A, B e C (excluímos, então, aquelas consideradas incompletas) e as transcrições das entrevistas com os alunos das três turmas. 4.3 As entrevistas As entrevistas foram realizadas durante aquela que seria a quinta semana após o início das leituras dos alunos. No dia 24 de novembro a conversa com a 7ª A foi gravada e, no dia 27, com os alunos das sétimas B e C. Cada entrevista tem em média uma hora de duração e foram feitas em vídeo, capturadas por uma câmera filmadora doméstica que utilizava a tecnologia de mini-DVDs. Na primeira gravação, com a sétima A, um aluno do ensino médio ofereceu ajuda, de modo que o aparelho ficara em sua mão, mas o inconveniente dessa estratégia foi que nem sempre se dava conta de mover a câmera, enfocando o aluno que se pronunciava, deixando a câmera posicionada em direção do entrevistador; isso dificultou, no momento da transcrição, a identificação do autor de algumas “vozes”. Nas duas seguintes entrevistas, com a turma em círculo, a câmera permaneceu na mão do entrevistador, de modo mais prático para que o foco ficasse sempre voltado para o aluno que falava, facilitando a transcrição. Eram entrevistas semi-estruturadas, em que o entrevistador dispõe de um roteiro previamente elaborado (APÊNDICE D), mas pode, de acordo com o andamento da conversa, adiantar-se a qualquer tema ou retornar a qualquer pergunta; além disso, as questões estavam dispostas no roteiro, porém eram reelaboradas no instante da entrevista, para que pudessem ser adequadas na linguagem de acordo com o nível de compreensão da turma. Desse modo, havia um clima espontâneo nos questionamentos e nas colocações dos alunos e – como eu também lecionava para esses alunos (inclusive em etapas anteriores) – pode-se notar até alguma descontração e familiaridade nos diálogos. A performance dos alunos de cada turma nas respostas é, como não podia deixar de ser, bastante pluralizada. Encontramos uma participação ativa de uma média de 15 alunos por classe, o que significa pouco mais de cinquenta por cento de integrantes das turmas 106 manifestando-se oralmente durante a conversação gravada. Tanto é possível encontrar alunos que não se expressaram de maneira satisfatória no registro escrito (ficha de leitura) e na entrevista tiveram importante participação, quanto o inverso: na 7ª B, por exemplo, os alunos foram, em geral, “monossilábicos” durante a gravação, mas relativamente expressivos nas fichas de leitura. Esse fato representa a importância do uso de métodos variados do registro das impressões dos alunos. Outro recurso interessante é a entrevista individualizada, que permite ter uma amplitude incomparável na captação de leituras particulares. Contudo, a dimensão de nosso projeto inviabilizava sua realização. Caso esta pesquisa fosse realizada em apenas uma das turmas, previamente selecionada, seria valioso que se registrassem diferentes momentos da troca professor(pesquisador)/alunos. Por exemplo, na apresentação do livro, com as primeiras expectativas, e numa fase intermediária da leitura. Porém, mais uma vez ressaltamos que este projeto, antes de tudo, procurava atender a um problema do sistema como um todo: a falta de um conteúdo curricular para a disciplina de Leitura e Produção de Textos, procurando oferecer aos docentes de todas as turmas do ensino fundamental de uma escola a oportunidade de levar para a sala de aula uma narrativa de ficção. Nesse sentido, os dados quantitativos levantados há pouco nos proporcionaram uma visão ampla dos investimentos e dos impasses da questão e, pelo mesmo motivo, a análise qualitativa não pode ser excessivamente restritiva: precisa ser, na medida do possível, ampla. De onde se definiu o estudo comparativo de três turmas que, em números, tiveram desempenhos semelhantes na leitura, e o que se procurará observar na análise das fichas e das entrevistas é a “qualidade” da leitura em cada turma. 107 5 ANÁLISE DOS DADOS QUALITATIVOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA RECEPÇÃO DE ANTES QUE O MUNDO ACABE EM TRÊS TURMAS DE 7ª SÉRIE 5.1 A obra sob a ótica da Estética da Recepção: a distância estética Primeiramente, cabe ressaltar que o recorte realizado no corpus desta pesquisa, privilegiando os resultados colhidos nas turmas de 7ª série, não se deve a critérios ao nível da recepção. Isto é, não se pretende concluir que a leitura da obra Antes que o mundo acabe obteve mais sucesso em função de uma maior qualidade estética ou de melhor adequação ao público leitor, na comparação com os demais títulos escolhidos para o projeto. Não que se queira descartar a possibilidade de que tenha havido maior identificação entre leitor e obra nas turmas selecionadas, com receio de se questionar a qualidade (inquestionável, aliás) de um Monteiro Lobato, um Pedro Bandeira ou um Jorge Amado – afinal de contas, o sucesso do projeto (não exatamente do livro, adiantemos) teria ocorrido na leitura de um certo Marcelo Carneiro da Cunha –, apenas devemos definir que essa possibilidade não será computada em nossa análise porque pode, na verdade, ser inconclusiva, devido à complexidade do fenômeno da identificação em uma esfera de recepção concreta e coletiva, quanto mais se quisermos relacioná-lo ao julgamento de valor de uma obra na comparação com outras. Devemos, portanto, relembrar que o recorte se deu por razões muito mais práticas (já expostas no capítulo 4), concernentes ao resultado das ações pedagógicas do período de aplicação do projeto nas salas de aula. Por isso, repito, nas sétimas séries obtivemos certo sucesso do projeto, não necessariamente do livro. Feita essa ressalva, nos propomos a uma breve análise de Antes que o mundo acabe, obra do escritor gaúcho Marcelo Carneiro da Cunha, que esteve nas mãos de oitenta e cinco alunos com idade média de 13 anos, em uma das séries finais do Ensino Fundamental II. 108 5.1.1 Uma tímida entrada na história da literatura juvenil brasileira Num primeiro momento, para prepararmos uma discussão sobre o horizonte de expectativas em torno de Antes que o mundo acabe, é válido fazer algumas inferências sobre a repercussão da obra desde sua época de publicação, considerando alguns aspectos indicadores. Seu lançamento se deu em 2000, sendo a quarta obra do autor pela Editora Projeto, de Porto Alegre.48 No mesmo ano, recebeu o selo “Altamente recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil e, a partir disso, foi selecionado para os seguintes catálogos: FNLIJ, para a Feira de Bologna, em 2001; Passaporte para a Leitura, em Espírito Santo, 2004; e no catálogo do PNBE, em 2006. Dez anos depois do lançamento, na sua 12ª edição, continua disponível para venda em importantes sites do mercado livreiro. Fora isso, é difícil avaliar o modo como o livro em questão tem sido consumido pelos jovens leitores. É possível supor um alcance editorial maior no mercado gaúcho, onde o próprio autor tem participado de alguns projetos (como o Programa “Fome de Ler”, em 2004, coordenado por Ângela da Rocha Rolla, da Universidade Luterana do Brasil, em Guaíba, RS), concedendo palestras e visitando escolas, o que encerra uma forma de divulgação de seus trabalhos e, portanto, resulta em retorno nas vendas desta e das demais obras suas. Na mídia impressa de circulação nacional, em uma busca nas versões eletrônicas dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão, as referências ao livro Antes que o mundo acabe são raras. No caderno Folha Teen, de 3 de julho de 2000, na seção “Estante”, há uma resenha, assinada por Luís Augusto Fisher, com o título “Carta do pai desconhecido transforma vida de um teen” (ANEXO A), que, dentre outros elogios, resume a obra como uma “narrativa sensacional”. 49 Outras menções aparecem apenas após a realização de uma adaptação cinematográfica, dirigida por Ana Luiza Azevedo, com produção da Casa de Cinema de Porto Alegre. O filme teve seu projeto inscrito no concurso da Ancine em 2003, começou a ser rodado em 2007, mas, após sua conclusão, enfrentou dificuldades na distribuição. Apenas em meados de 2009 o problema foi resolvido e, em 14 de maio de 2010, chegou aos cinemas distribuído pela Imagem Filmes. 48 A primeira obra do autor é 1987, Noites do Bonfim (novela, Ed. Artes e Ofícios), e seu último trabalho é Super (novela, Ed. Record, 2010), completando um total de 16 títulos, entre novelas, romances, contos e um livro infantil. Já trabalhou como roteirista de curtas-metragens premiados e para um especial de TV. 49 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm0307200022.htm>, acesso em 02 jun. 2010. 109 Algumas peculiaridades desse fato são válidas para a nossa análise. A saber, o filme desponta ao lado de outros do gênero, isto é, voltados ao público jovem, como As melhores coisas do mundo (direção de Laís Bodanzky), A Casa Verde (Paulo Nascimento), Mamonas, prá sempre! (Cláudio Khans), Desenrola (Rosane Svartman) e Eu e o meu guardachuva (Toni Vanzolini), todos com estreias entre abril e outubro de 2010, revelando uma tendência relativamente nova do mercado cinematográfico nacional50. Em função disso – ainda que a referência ao livro e ao autor, em nosso caso, seja apenas uma nota de rodapé nas reportagens –, a obra adquire certa visibilidade, reforça seu diálogo com outras produções culturais do momento e pode, com tudo isso, vir a ganhar novos leitores. Outro fato é o julgamento de valor implícito em uma adaptação, ou seja, supõe-se que diretor, produtor, roteirista etc. não invistam na filmagem de uma obra literária que não traga em si qualidades consideráveis; além disso, o clichê “o livro é sempre melhor do que o filme” pode suscitar a curiosidade dos espectadores pela versão literária original. Mas isso, é claro, se o filme for apreciado pelo público e pela crítica. (Sabemos que uma “boa” adaptação – boa dentro de valores específicos do mercado cinematográfico – tem o poder de alavancar as vendas de um livro, mas não tem o poder, seja boa ou má, de destruir ou substituir uma obra que já seja consagrada.) 51 E o filme, é bom? Antes mesmo da distribuição oficial, participou de alguns festivais e tem sido muito bem acolhido pela crítica e pelo público jovem e infantil. 52 Essa valorização da obra escrita, em consequência de uma adaptação para o cinema, também ocorre pelas declarações de alguns leitores privilegiados. Nos festivais e cerimônias de estreia, diretor, produtor e roteirista não escapam das perguntas de seus entrevistadores: Por que resolveram adaptar essa obra? Foi difícil transportar o enredo para um roteiro de cinema?, entre outras. É o que podemos ver em alguns registros dessas ocasiões, a propósito de Antes que o mundo acabe, hoje disponíveis em materiais de divulgação do filme, e que podem ser acessados pelo canal que a equipe mantém no 50 Conforme matéria da Folha de S. Paulo, com o título “Quero ser grande” (no caderno Ilustrada, dia 16 de abril de 2010, p. E1 e E4). Nessa matéria encontramos também uma referência ao filme, mas não ao livro de Carneiro da Cunha. 51 Sobre essa questão, vale lembrar um fato controverso: o fenômeno Cidade de Deus. O filme, de 2002, não só fez crescer as vendas do livro homônimo de Paulo Lins, como também levou o autor a reeditá-lo, cortando partes, para deixá-lo mais próximo à adaptação de Fernando Meirelles. 52 No 2º Festival Paulínia de Cinema venceu nas categorias Melhor Filme de Ficção (prêmio da crítica), Melhor Direção (Ana Luíza Azevedo), Melhor Fotografia (Jacob Solitrenick), Melhor Direção de Arte (Fiapo Barth), Melhor Figurino (Rosângela Cortinhas), Melhor Música (Leo Henkin); Na 3ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, conquistou Prêmio Itamaraty de Melhor Longa de Ficção Brasileiro. Todos em 2009. 110 YouTube53. Nesta página de compartilhamento de vídeos (um eficiente meio de contato com o público jovem), todos podem assistir a uma matéria em que Giba Assis Brasil, responsável pela montagem do longa, conta do contato que teve com o livro, ao lê-lo para seus filhos, falando de seu fascínio pela obra e da acolhida entusiasmada de seus ouvintes (aliás, ressalta que tinha o hábito de ler toda noite para seus filhos, comentário que colabora no engrandecimento do contato com a versão literária e com a literatura em geral). Nesse e em outros vídeos, vemos a diretora Ana Luiza Azevedo tecendo vários comentários elogiosos à obra de Carneiro da Cunha e o roteirista Jorge Furtado contando que, em feiras de livros e em escolas por onde passa, crianças vêm lhe dizer que adoram o livro. Encerrando esse (extenso) parênteses sobre o longa-metragem, cabe ponderar que avaliar e medir os efeitos reais que o lançamento no cinema trará, a partir de agora, sobre a propagação e mesmo sobre a interpretação da obra Antes que o mundo acabe é outro trabalho que, apesar de interessante, não cabe a essa pesquisa. Além de não nos ser útil, em vista do fato de que nossos alunos-leitores não acompanharam essa repercussão nem assistiram ao filme. Contudo, são inegáveis as considerações sobre o julgamento de valor implicado em todo esse processo, que certamente nos aponta para o grande potencial dessa obra no diálogo que é capaz de tramar com o universo jovem ou adolescente. 5.1.2 Outras leituras Outro dado da repercussão da obra é anterior ao filme, mas posto a seguir propositalmente. Refere-se ao universo acadêmico e a pesquisas (embora escassas) vinculadas a trabalhos de formação de leitores que incluam a obra de Carneiro da Cunha no rol de livros indicados para a leitura escolar. Exclusivamente, menciona-se o projeto “De mãos dadas: leitura e produção de textos no Ensino Fundamental”, coordenado pelos professores Dr. João Luís C. T. Ceccantini e Dr. Rony Farto Pereira, da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, câmpus de Assis. Na sua segunda fase de atuação, entre 2003 e 2004, o grupo de pesquisa desenvolveu um trabalho de formação de docentes e de aplicação de leituras em salas de aula de escolas da Diretoria de Ensino da Região de Ourinhos (SP), envolvendo alunos e professores de 34 instituições da rede pública estadual. Na grade de livros escolhidos para 53 Ver vídeos em <http://www.youtube.com/antesqueomundoacabeo>, acesso em: 02 jun. 2010. 111 esse projeto, aparece Antes que o mundo acabe, ao lado de Por parte de pai (Bartolomeu Campos Queirós, Ed. RHJ) e Tudo ao mesmo tempo agora (Ana Maria Machado, Ed. Ática), indicados para os alunos da sétima série. Nosso interesse nas atividades desse projeto se focaliza especialmente em dois artigos produzidos por pesquisadores que, por estarem ligados aos trabalhos de pesquisa dos coordenadores Ceccantini e Pereira, se dispuseram a analisar a obra de Carneiro da Cunha, sendo que um desses artigos traz dados concretos da recepção que se deu em uma das turmas vinculadas à pesquisa, em 2004. 54 Faremos agora um apanhado de aspectos interessantes dessas duas produções e o conteúdo das análises nos servirá de base para a discussão a que nos dedicaremos daqui a pouco. O primeiro trabalho, de Benedito Antunes, intitula-se “Uma questão de patos: relações entre O apanhador no campo de centeio e Antes que o mundo acabe” (2006). Antunes estabelece uma aproximação entre o livro de Carneiro da Cunha e o do escritor norteamericano Jerome David Salinger (1919-2010), obra de 1951, com tradução brasileira de 1965. A comparação leva em consideração principalmente três aspectos: a temática, “eles têm em comum o drama existencial vivido por personagens adolescentes num determinado momento de suas vidas” (ANTUNES, 2006, p. 16); o público jovem como alvo da leitura, sendo a obra do brasileiro produzida com esse fim e a do americano constituída historicamente como uma obra muito apreciada por jovens de diferentes épocas; e uma cena relativamente comum às duas narrativas: “quando a personagem principal, em uma situação de conflito pessoal e existencial, dirige-se a uma praça ou parque e se ocupa, entre outras coisas, dos patos que ali vivem” (ANTUNES, loc.cit.). Apesar de curto (11 páginas), o artigo traz uma análise rica no seu método metonímico, ou centrífugo: parte de uma cena e acaba nos dando uma complexa visão da totalidade. É valiosa também por se debruçar em aspectos temáticos, estruturais, linguísticos e ideológicos das duas obras, que nos permitem questionar sobre a natureza da literatura juvenil. O segundo artigo, de Maria Alice Faria (2008), é consideravelmente mais detido, com uma análise detalhada, diria completa, dos elementos da narrativa de Antes que o mundo acabe. Possui 49 páginas em que se divisam dois momentos de estudo: análise do livro (35 páginas) e análise da recepção (14 páginas), esta última, incompleta55, elaborada a partir 54 Outros artigos em que diferentes estudiosos analisam a recepção de obras no projeto “De mãos dadas”, incluindo a primeira fase, em 2002, nas escolas de Tupã (SP), podem ser lidos em Ceccantini e Pereira (2008). 55 É forçoso incluirmos aqui a nota dos organizadores do livro a respeito das condições de publicação desse trabalho: “Este artigo de autoria de Maria Alice Faria (1930-2005), com trecho final inconcluso, foi reproduzido 112 de 36 produções de textos que trazem a leitura de alunos envolvidos no projeto mencionado anteriormente. Com o título “O literário e o pedagógico no fio da navalha”, a discussão está marcada pela preocupação em analisar dialeticamente o gênero de narrativa juvenil, confrontando considerações sobre seu caráter estético e pedagógico. A primeira parte do artigo está organizada em dez tópicos: “Análise do livro” (na verdade uma apresentação da obra, fazendo um resumo da narrativa e localizando-a dentro da produção nacional de literatura para jovens), a estrutura narrativa, o tema principal, as personagens (em especial atenção, com 16 páginas), linguagem e estilo, temas pedagógicos, fotografia, intertexto e cinema, paratexto e, por fim, projeto gráfico. Na segunda parte apresenta a leitura dos alunos, tece considerações sobre o gênero “resumo de narrativa” (onde não poupa críticas aos procedimentos didáticos empregados nesse registro das impressões dos alunos), a compreensão da história e da estrutura narrativa por parte de seus jovens leitores, o processo de identificação com as personagens e os comentários de alunos e alunas. Faria pretende mostrar de que modo a qualidade estética da obra analisada lhe confere o poder de ser pedagógica e, ao mesmo tempo, eficiente experiência literária para o jovem leitor. Ou, para ir adiante, reflete sobre a medida em que sua eficiência pedagógica está exatamente relacionada à rica experimentação estética proporcionada por uma narrativa habilmente construída. 5.1.3 Antes ainda, algumas considerações sobre o gênero Para se pensar como Antes que o mundo acabe pode ser um conjunto de respostas às expectativas do público a que se destina em determinada época, é inevitável que primeiramente se faça uma breve reflexão sobre a classificação que lhe cabe de “narrativa juvenil”, um “gênero posto à prova”, como bem observam Ceccantini e Pereira, em função de sua “zona de fronteira, espaço intermediário e transitório” (2008, p. 9) entre a infância e a vida adulta. Silva (2009, p. 32) coloca a questão nos seguintes termos: aqui na íntegra, não apenas por sua excelente qualidade, mas como uma pequena homenagem a uma incansável militante pela leitura e pela formação de leitores no Brasil (nota dos organizadores).” 113 A denominação “juvenil” aponta para o reconhecimento que se tem da adolescência em nossa sociedade. Até pouco tempo, ou se era criança, ou se era adulto – e é assim que vemos os heróis das histórias de fadas, transformando-se de meninos frágeis e desajeitados em homens viris e independentes, quase da noite para o dia. Hoje, o adolescente tem toda uma produção cultural, com jornais, revistas, diversões voltadas para ele, assim como serviços especializados, na forma de clínicas médicas e psicológicas que se debruçam sobre problemas próprios dessa fase de transição entre a infância e a vida adulta. A literatura acompanha esse caudal. Vemos com isso o modo como a relação entre literatura e mercado modaliza a constituição do gênero e, retomando as injunções do horizonte de produção/recepção (cf. capítulo 2.2.2.2.), afeta as dimensões intelectuais, ideológicas, linguísticas e literárias de uma obra que se ofereça ao público jovem. Mas afinal, o que é “jovem”? Cademartori (2009, p. 61) propõe essa reflexão. Para ela, retomando as definições da Organização Mundial da Saúde, se um adolescente está entre os 10 e 20 anos e o jovem entre 15 e 25 anos, é “evidente a falta de correspondência entre o que convencionamos ser o destinatário da chamada literatura juvenil e as definições do que seja adolescente e jovem”, e conclui que “É a partir da escola que se pensa e conceitua o que seja literatura juvenil, e isso, por si só, revela o caráter instrumental que lhe é atribuído”. (Essa definição também ajuda a compreender a frequência com que autores de narrativas juvenis escolhem a escola como cenário principal das ações de seus personagens.) E em função da grande escala de produções literárias que têm a escola como seu principal destino, “costuma-se rotular de juvenil a literatura endereçada a alunos das séries finais do ensino fundamental e àqueles que frequentam o ensino médio”. Com isso, há grande esforço do mercado editorial em atender esse filão relativamente novo. Mas a compreensão sobre esse gênero já consolidado em nosso sistema literário não pode se reduzir às contingências mercadológicas e escolares. Há de se admitir uma considerável presença de uma produção de qualidade, que vence o mero instrumentalismo pedagógico (algumas vezes sem abandoná-lo também) e propicia riquíssimas experiências de leitura, tendo importante participação na formação de leitores. Segundo Ceccantini e Pereira (2008, p. 8), os textos juvenis sofrem muitas vezes uma tripla injustiça: por parte da indústria cultural, que os vê como “mera leitura de entretenimento com que são boa parte das vezes consumidos na voracidade”; por parte da própria escola, que deles se apropria com pragmatismo, “transformando-os em simples meios para cumprir as mais variadas tarefas escolares”; e pela crítica literária, que os trata de modo ascético e “se limita a 114 desnudar tecnicamente processos de construção e a realizar julgamentos de valor assentados em critérios por vezes bastante cristalizados e fora de contexto”. A qualidade estética de uma obra juvenil poderá então ser pensada de acordo com seu potencial de identificação com o próprio público, ao mesmo tempo que é capaz de elaborar a linguagem em favor dessa identificação e em favor da sugestão poética – sem a qual anula-se a experiência estética. Do ponto de vista temático e ideológico, deve contribuir positivamente no complexo processo de amadurecimento do jovem leitor sem a voz do adulto impaciente com os dilemas adolescentes, com pressa em superá-los, mas com a sensibilidade de compreendê-los a fundo e de dedicar suas tramas ao jogo sufocante de dúvidas, anseios, medos, descobertas, impulsos, cobranças e prazeres de uma fase da vida em que o que se deseja, em realidade, não são respostas para um futuro incerto – “o que vou ser quando crescer?” –, mas para o presente: “o que está acontecendo comigo agora?”, “por que crescer é tão doloroso?”, “por que aumentam as cobranças?” e, em contrapartida, “por que aumentam meus desejos e minha curiosidade?”, “por que não me aceitam como sou?”, “por que eu devo ter uma opinião sobre tudo?”. Enfim, são inumeráveis as questões para as quais uma obra juvenil deva ser uma resposta. Não adianta mostrar ao jovem aquilo que ele já sabe: que é bom se divertir entre amigos; que “ficar” é legal, mas namorar tem suas vantagens por escapar das temíveis rejeições; que os adultos não o entendem; que a escola muitas vezes tolhe seus ímpetos criativos; que é preciso preservar a natureza, usar camisinha, fugir das drogas, estudar mais, ler mais. Não que o jovem fuja de pensar em questões políticas, sociais, culturais e afetivas, mas o didatismo mal disfarçado lhe faz torcer o nariz, e daí chamamos de rebeldia uma atitude que em realidade é uma resposta à fragilidade de nossos argumentos. Já que entramos nesse tópico sobre o caráter utilitário da literatura juvenil, cumpre-nos concluir a questão de um modo, digamos, mais dialético. Toda obra literária é, como vimos em Jauss, um veículo de transmissão de normas de comportamento, de padrões estéticos e ideológicos, e isso não é exclusividade da literatura infanto-juvenil nem da literatura engajada. De outra forma, se a semiologia bakhtiniana nos ensinou que nenhum enunciado é neutro, o enunciado literário o será menos ainda, já que procura extrair do signo a condensação histórica de sentidos, e sua polifonia revela a materialização de diversas vozes sociais em constante confronto ideológico. Por último, nas palavras de Candido (1995, p. 243), “Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentidos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles”. Portanto, se é indissociável da literatura sua força de 115 inculcamento ideológico, em que reside o problema comum a muitas obras juvenis no seu caráter pedagógico, instrumental, utilitário? Pensando nessa questão, Pinto (2008, p. 125) conclui que “o problema do discurso utilitário, presente em alguns textos ficcionais, não está na utilização desse discurso como instrumento de educação do leitor, mas em privilegiar essa função em detrimento da função propriamente estética”. Em seguida, com base em formulações de Edmir Perroti, Marisa Lajolo, Fúlvia Rosemberg e Antônio Candido, o autor sistematiza as características de um texto ficcional marcado excessivamente pela função utilitária: - não possui uma dinâmica dramática intrínseca; - obedece a razões externas à configuração estética; - apresenta-se fechado, com a transmissão de certezas e alinhamentos rígidos de mundo; - o narrador assume a postura de um mau professor, aquele que considera o aluno vazio; - cabe ao leitor a posição de ouvinte; - procura ser “eficaz” e agir diretamente sobre o leitor; - apresenta, não raras vezes, uma visão maniqueísta da realidade (PINTO, 2008, p. 127). Assim, podemos compreender o horizonte de expectativas de uma narrativa juvenil em dupla perspectiva. Primeiro, a manutenção de um status quo, a problematização superficial de questões sociais ou afetivas e a configuração estética que tende para a simplificação formal e estrutural, são elementos que também vão de encontro com o gosto do jovem leitor – pensemos, por exemplo, nos best-sellers amplamente consumidos por esse público. Mas essas são expectativas pensadas sob a ótica de mercado que, em uma sociedade do fast-food, oferece a identificação instantânea, o prazer rápido do reconhecimento do familiar, o “mais do mesmo”. Não colabora nem para a formação do indivíduo, nem para assegurar uma experiência estética marcante, capaz de revelar ao jovem leitor o poder transformador da arte, o que lhe tornaria um leitor constituído, que buscará novas experiências independentemente dos modismos do mercado editorial. Por outro lado, uma obra juvenil que atenda a objetivos pedagógicos – já que a escola é seu destino privilegiado – e de formação do leitor deve, nos planos temático, ideológico e estético, provocar uma mudança no horizonte do jovem. Contudo, para ser capaz de tal façanha, precisa conquistar esse leitor. Essa conquista em realidade tem início na experiência estética, isto é, no prazer da leitura que emana da força do texto, ao nível da 116 experiência sensorial da aisthesis, para então conduzir o leitor à identificação catártica que, por não ser ingênua, lhe confere a liberdade de julgamento e o impele à ação transformadora da sua percepção do mundo. Para Cademartori (2009, p. 60), “O que pode provocar a adesão [do jovem leitor] e o despertar de sentidos múltiplos é a força textual, a sedução do relato, a literatura, enfim, esse mundo muito maior que o nosso bairro”. Por fim, já que essa discussão não pode escapar do discurso pedagógico (que, aliás, está na base desta pesquisa), gostaria de concluir com um argumento que reforça a importância da escolha cuidadosa da parte do professor por obras juvenis de qualidade estética. Antunes (2008), no artigo “Literatura na escola: disciplina e prazer”, postula o pressuposto do trabalho docente com as seguintes ponderações: Ensinar a ler literatura – e, da perspectiva do professor de literatura, a escola deve fazer isso – passa pela educação do gosto. O espontâneo, socialmente falando, não precisa ser cultivado na escola. Acreditar que se transmite o gosto pela literatura deixando os alunos lerem livremente é conveniente para quem já é leitor e não tem obrigação de formar outros leitores. Para o professor de literatura, essa concepção é insuficiente, pois ele aposta que na escola seja possível aperfeiçoar o ser humano, formá-lo para a vida. Parafraseando um raciocínio de Antônio Candido, se a literatura é um direito do homem, à escola cabe tornar o homem um cidadão capaz de exercitar esse direito. (ANTUNES, 2008, p. 149-150) 5.1.4 O horizonte de expectativas na relativização do “fim do mundo” Situando Antes que o mundo acabe na discussão desenvolvida acima, recorramos à apresentação de Maria Alice Faria: Com domínio seguro da construção de uma narrativa mais ou menos complexa e de uma linguagem literária inovadora nessa faixa de obras literárias, linguagem adequada tanto em relação às personagens como aos jovens leitores, para quem o livro foi escrito, Carneiro da Cunha consegue equilibrar o literário e o pedagógico com grande competência (FARIA, 2008, p. 226). Diante da dificuldade em se realizar uma análise ampla da obra em pauta, sem apenas refazer o caminho de Faria, optamos por rastrear no texto um aspecto não explorado pela autora, pelo menos não objetivamente: as normas de comportamento sugeridas na construção das personagens que, em função dos processos de identificação analisados por Faria, regulam a recepção e agem no sentido de ampliar o horizonte de expectativas do leitor. 117 Verifiquemos, a princípio, a existência de uma dinâmica dramática intrínseca – retomando a formulação de Pinto (2008) – ao projeto do livro. A trama tem em seu núcleo os dilemas vividos por Daniel, um adolescente de quatorze anos que começa a sofrer as consequências do seu próprio crescimento. Vê que a vida não é nada simples e o mundo cobra dele atitudes e decisões para as quais ainda não se sente pronto. Daniel mora com a mãe e o padrasto – aquela, arquiteta de prestígio; este, engenheiro com doutorado –; estuda em um colégio particular de tradição jesuítica; tem um amigo, Lucas, que é bolsista no colégio e passou toda a infância num orfanato; e tem uma namorada (que ele não sabe bem se é namorada ou “ficante”), a Mim, que é líder de uma banda de rock e capitã do time feminino de futebol. Demonstra ser um jovem inteligente, que se expressa com clareza, posiciona-se criticamente diante das opiniões da mãe e do autoritarismo da avó. Com a narrativa em primeira pessoa, conhecemos Daniel muito de perto. É ele que nos conta do seu primeiro dilema: ir até a casa do amigo Lucas e tentar consolar o rapaz, que está passando por problemas desde que fora acusado de roubar os microscópios do laboratório da escola. Já nesse primeiro episódio, vemos um Daniel hesitante, inseguro nas relações afetivas, incapaz de amparar o amigo porque ainda não sabe se posicionar diante da questão: será que foi mesmo Lucas o ladrão dos microscópios? Atrapalha-se na conversa e acaba deixando o amigo ainda mais chateado. Ao lado dele está Mim, quem na verdade “segura as pontas”. Ao contrário de Daniel, é segura de si, e mais tarde cobra do namorado um posicionamento: – O que você acha? A gente tem que achar alguma coisa, entendeu? – Como assim, achar? A gente não sabe o que aconteceu. – Por isso mesmo. A gente tem que achar, porque a gente nunca vai saber a verdade. Se ele é teu amigo, você não precisa saber. Você tem que achar... O que você acha? Eu nunca tinha pensado nisso antes. Que a gente tem que achar, independente de saber ou não saber. Isso era complicado, porque eu não sabia o que achar. O Luke era um cara complicado, mas ladrão? Eu não achava que ele era ladrão. (p. 36)56 Outro problema passa a cobrar sérias decisões de Daniel: a chegada de uma carta, da Tailândia, remetida por outro Daniel, seu pai biológico que nunca conhecera. O 56 Todos os fragmentos da obra de Cunha foram retirados da 4ª edição, de 2003. 118 suficiente para terminar de romper com a vida aparentemente equilibrada que levava. Para esse novo dilema, abrir ou não abrir o envelope, não pode contar com sua mãe, que se desestrutura diante dessas situações; nem com Mim, que começa a se aborrecer com sua falta de ação; nem com Lucas, que está afastado e com problemas aparentemente maiores do que o seu; e o único a lhe dar apoio é Antônio, que encarna a figura do bom padrasto, ou do pai ideal, que sabe se sentar aos pés da cama do garoto e conversar de igual para igual. Abre a carta e vai aos poucos conhecendo o pai biológico, que é repórter fotográfico e ativista multiculturalista em um projeto chamado “Antes que o mundo acabe”. A partir de então, inicia com ele uma troca de correspondências que definirá os rumos da sua vida, mas em uma sequência de acontecimentos com intensos relevos de inquietações. Um dos primeiros confrontos de expectativas está no próprio título e nos sentidos que ele adquire ao longo da narrativa. Antes da leitura, pode sugerir mais uma história em que veremos o fim do mundo, ou sua ameaça iminente, como consequência de um colapso da natureza, algo tão explorado pela mídia e pela produção cinematográfica norteamericana. O rompimento dessa interpretação ocorre em duas etapas. Primeiro, vemos o mundo particular de Daniel ruindo à beira das suas relações afetivas. Diante da dificuldade em ajudar o amigo, diz: A conversa com o Lucas me deixou super mal e eu fui pra casa, achando a vida uma coisa muito complicada, tudo dando em confusão ao mesmo tempo. (p. 8) Logo em seguida, chega a casa e descobre a primeira carta, mas não se encoraja em abri-la. Em uma conversa com a Mim, desabafa: Eu não sabia, era verdade. O que a gente faz quando o mundo desaba na nossa cabeça? Acha um pato, acerta ele e vai preso. Fim dos problemas. (p. 14) Ainda no dilema do amigo Lucas e com sua expulsão do colégio: Isso tudo era demais, e eu decidi que nada podia ser pior do que isso. Que a minha vida tinha ficado de cabeça pra baixo mesmo. Que eu precisava ir pra casa, pra ter um pouco de tranqüilidade e paz, com a minha família. (p. 39) Eu queria colocar fogo naquele negócio todo [na escola]. (p. 57) 119 A segunda relativização do fim do mundo está no projeto para o qual o pai de Daniel trabalha: fotografar as diversas culturas do mundo, “Antes que a globalização faça tudo virar um shopping” (p. 64). Em outra carta, o pai explica: Inventaram a globalização, que é um nome legal pra um mercadão que querem que o mundo vire. (p. 119) O nosso projeto é isso, Daniel. Fotografar o mundo, antes que o mundo acabe. Assim, um dia, quem sabe, com essas fotos, quando o pessoal cansar de um mundo onde tudo é igual a igual, quem sabe, quando eles quiserem de novo reconstruir as diferenças, então eles vão ter ao menos essas fotos, que vão mostrar o mundo como era. (p. 121) É, portanto, o fim de um mundo que se pretende valorizar nessa narrativa: multicultural, com respeito às diferenças e à vida humana. O interessante da narrativa é o modo como o autor consegue criar as correspondências entre o micro e o macrocosmo, isto é, entre o plano das relações pessoais do garoto e o contexto global tangenciado pelo enredo. No microcosmo de Daniel encontramos a mesma conjuntura de confronto de ideologias explicada pelo pai. Daniel é um adolescente normal, que compartilha de certos valores comuns a essa estratificação social, isto é, aquilo que do ponto de vista do mercado global, pode receber o nome de teens: uma massa de consumidores de marcas produzidas por multinacionais. Comprei uma Coca-Cola, eu sempre saio com um troco na meia, em caso de emergência. Uma vez torci o tornozelo longe de casa e não tinha como pagar um táxi pra voltar, um saco. Desde aquele dia eu sempre levo dinheiro e nunca mais torci o tornozelo. (p. 27) Ao mesmo tempo, possui referências culturais que não o permitem ser um teen tipicamente fútil e superficial. Há uma mistura de preocupações comuns e incomuns, indicando ser uma personagem aberta para novas formas de pensar. A gente se preocupando com o jogo do sábado, com um CD novo do R.E.M., que é a segunda banda mais max que eu conheço, com a prova de geografia no colégio, e, no outro dia, pimba, todo vai pro espaço. (p. 29) Sabemos que R.E.M. é uma banda muito apreciada no Brasil por jovens de pelo menos de meia década anterior ao lançamento do livro e, se é possível outra relação, uma das músicas de maior sucesso do grupo americano (que, aliás, não era assim tão pop) chama- 120 se “Losing my religion” (“Perdendo minha religião”57), quase um hino para uma geração de jovens que, após a Guerra Fria e durante os massacres dos conflitos no Kuwait, no início dos anos 90, ansiava por mudanças. Outras referências de Daniel vinham de sua criação. A mãe teria sido hippie na década de 70 e mantinha opiniões feministas e preocupações ecológicas. O padrasto foge dos padrões convencionais de consumo. [...] e chocolate quente de Antônio é uma coisa de outro mundo. Ele não pega Nescau ou Toddy e vai misturando leite, nada disso. Ele raspa chocolate meio amargo, um pouco de chocolate branco, e mistura aos poucos [...]. Café e a mesma coisa. Ele nunca faz Nescafé ou um café comum. Nada disso. Ele compra café em grão, da Colômbia, ou do cerrado de Minas Gerais [...] (p. 52) Em outra esfera, o respeito às diferenças já fazia parte do repertório ideológico de Daniel. Afinal, era o melhor amigo de Lucas, aquele que sofria discriminação no colégio por ser “um pobre no reino dos ricos” (p. 35), e com isso comprava desafetos com Strosmann, um modelo de neonazista adolescente em colégio de elite. O problema é que ele é mesmo nazista. O Strosmann lê aqueles livros que dizem que nunca mataram aqueles judeus todos nos campos de concentração, sabem? Cara, eu odeio esse tipo de gente. (p. 34) Aqui já é possível entender como as ideias antiglobalização do pai produzirão efeito sobre o protagonista. Contudo, Daniel nunca fez o papel de jovem radicalmente consciente e preocupado com as questões políticas, sociais e culturais mais sérias. Há certo esforço (mas não muito convincente) na composição da personagem, para pintá-lo de maneira mais sutil, quase fugindo dos estereótipos exagerados do politicamente correto. Por outro lado, poderíamos questionar: não seria o próprio adolescente falando, tentando convencer o leitor de que é difícil assumir certas crenças, ser diferente num universo que lhe cobra aparência e comportamentos padronizados? De qualquer forma, é nítida a tentativa de mostrar algum desprendimento ou demora em assumir um comportamento radical. Sem ainda resolver a questão, podemos desde já concordar que o politicamente correto levado a fundo nessa personagem soaria um tanto forçado. Então, não nos surpreende 57 Canção de 1991, vencedora do Grammy em 1992. A banda lançou seu primeiro disco em 1983, depois mantém uma média de um título a cada dois anos, com último em 2008. Mas o maior sucesso de vendas está nos álbuns da primeira metade da década de 90: Out of Time (1991), Automatic for the People (1992) e Monster (1994). 121 um leve machismo na passagem em que, chateado pelo comprometimento de Mim com a banda, desabafa: Antônio dia que era tudo mais simples no passado. As mulheres não tinham profissão, essas coisas todas. Viviam para gente, pra nós, homens, quero dizer. Não tinha essa coisa de garota ter banda e pegar estrada. Não tinha essa coisa de ficar com o coração na boca, pensando em coisas tipo com quem a garota da gente podia estar ficando. Claro que naquele tempo só a gente podia ficar, e as mulheres é que ficavam em casa [...]. Claro que eu sei que isso era errado, e que hoje a gente tem igualdade, essas coisas. Mas que é uma droga é. (p. 74) E, como adolescente, ainda possui um raciocínio egocêntrico, o que dificulta achar um equilíbrio entre as reivindicações sociais e as carências individuais: Quando inventaram essa conversa de igualdade, ninguém pensou no que ia dar, isso é o que eu acho. Eu morro de ciúmes da Mim, é isso, pronto. (p. 74) Daniel concorda com alguns discursos, mas os considera caros demais para comprá-los para si, desdenhando e mostrando distanciamento: “igualdade, essas coisas”, “essa conversa de igualdade”. Em outras passagens, não vê coerência naquelas que cultivam os ideais feministas e expõe a figura da mãe de modo depreciativo: Ela estava com um livro, achei que era uma das escritoras feministas intimistas dela. Eu já li umas escritoras feministas e achei todas muito, muito chatas. Minha mãe me olha feio, diz que eu sou um insensível, como todos os homens, menos o Antônio. O Antônio diz que ela é uma chata como todas as feministas. As coisas lá em casa são sempre assim, cheias de conflitos. (p. 30-31) Vê-se que sua relativa descrença nos ideais de igualdade tem o apoio do padrasto e, mais tarde, do pai, que vai igualmente ironizar o passado hippie da mãe. Nota-se também o desprendimento com os valores ecológicos em função de considerar seu drama pessoal mais importante: Eles têm patos no lago, e eu podia acertar uma pedra em um pato e acabar preso. Aqui na cidade é assim, o pessoal leva esse negócio de ecologia super a sério. Mas eu tava tão abalado que até ir preso podia ser uma boa ideia. Comecei a procurar um pato. (p. 14) 122 Porém, Daniel precisa levar a sério as ideias do pai, para que seu projeto e o próprio livro tenham crédito na visão do leitor. E um dos elementos persuasivos da narrativa é justamente o processo pelo qual Daniel passou para se convencer de tais ideais. Primeiro teve que acreditar (e não foi fácil) que o pai, apesar de tê-lo abandonado, era um “cara legal”. Isso até mesmo Antônio o ajudará a enxergar. Depois, precisou ver nos propósitos do trabalho do pai uma motivação não só altruísta, humanitária, mas pessoal também. Como no trecho abaixo: Fiquei ali pensando. Não no que V [seu pai, pelo sobrenome Vaz] tinha falado. Sobre o mundo, quero dizer, antes que ele acabe. Isso eu até penso também, mas eu não conheço o mundo pra saber. Era outra coisa. O que ele falou, sobre o que existe nas fotos e o que não existe nelas. Eu já falei pra vocês que havia alguma coisa as minhas fotos que me deixava doido, porque eu sabia que havia alguma coisa lá, que eu não conseguia ver. (p. 121) O pai tentava nas cartas aperfeiçoar o olhar do garoto para as diversidades no mundo, para a riqueza do trabalho fotográfico no registro dessa diversidade. Mas esse processo se converte para a vida pessoal de Daniel, empregando a técnica do “olhar” para a solução do problema de seu amigo, pois será com uma imagem capturada por sua câmera que descobrirá o verdadeiro culpado pelo roubo, Strosmann. Carneiro da Cunha parece ter consciência de que uma norma de comportamento será creditada se resultar para o jovem num significado pessoal, íntimo, para isso tudo. Retomando Antunes (2006, p. 23), “o livro não esconde sua estrutura um tanto pedagógica: quer mesmo fazer a cabeça do leitor, quer convencê-lo do politicamente correto”, mas o faz por meio de uma personagem complexa e, exatamente por isso, convincente; que não esconde suas fraquezas, instabilidades, seu egocentrismo e suas necessidades adolescentes; mas que ao mesmo tempo é sensível e possui valores suficientes (em uma medida equilibrada) para se afastar de comportamentos não desejáveis. Nas palavras de Faria (2008, p. 230), “O autor alerta os adolescentes, e até com certa insistência, sobre as dificuldades da vida de hoje, em particular no relacionamento com a família.” E no trecho a seguir, também utilizado por Faria, há um retrato muito amplo dos problemas da idade, na voz de Daniel: – Mãe, tem cara na minha aula que apanha em casa. Tem garoto que rouba som de carro pra ver se vai preso e consegue a atenção dos pais. Tem garota que dá pra qualquer um, mesmo, qualquer um, só pra ter quem converse com 123 ela. Tem um monte de gente bem legal, e tem história maluca, tudo junto. Acho que vou bem, pelo menos comparando com o resto. (p. 32) A clareza com que esse garoto vê o seu redor não parece incoerente, diante das demais qualidades e suas determinações de meio apresentadas anteriormente. A habilidade na construção da personagem está na força dos argumentos, na perfeita imbricação das camadas de sua personalidade: a camada psicológica, afetiva, intelectual, cultural e social. Sempre em equilíbrio. Por exemplo, se a posição social privilegiada de Daniel é o que lhe confere a cultura e o conhecimento de que dispõe, ele não deixa de demonstrar seu desconforto diante da elite superficial das pessoas do colégio. Com tudo isso, muito mais do que um didatismo fácil, procurando incutir no leitor normas de comportamentos politicamente corretos de modo sentencioso, professoral, o autor dá voz a uma personagem em processo de transformação, algo tão perfeitamente adolescente que não convoca o leitor para o mesmo equívoco do julgamento pronto, mas o faz refletir, como Daniel o fez, no valor de certas verdades; estimula, portanto, o raciocínio crítico e a leitura crítica. E a leitura crítica, para Ana Maria Machado (2002, p. 99), Significa que não se lê para concordar servilmente em atitude reverente, mas também não se lê para discordar e refutar num eterno desafio. [...] Mas exige o tempo todo que a admiração se misture com um contraponto crítico que atualize a leitura, e que é feito de toda a bagagem leitora que cada novo leitor traz a esse encontro. Foi assim que Daniel leu as cartas de seu pai (admiração e crítica) e assim também leu o mundo a sua volta, o próximo e o distante. E é com a mesma postura que o leitor é convidado a ler a obra. 5.2 A recepção nas 7ªs séries A, B e C 5.2.1 Dados socioeconômicos e hábitos de leitura Os alunos das turmas selecionadas foram submetidos a um questionário socioeconômico amplo, com 137 questões, afim de que se realizasse um mapeamento completo dos dados econômicos, familiares, culturais, sociais, escolares e de hábitos de 124 leitura (APÊNDICE A). Enfim, a pesquisa de caráter etnográfico servirá de base para algumas hipóteses a respeito do horizonte de expectativas dos alunos ou para inferências sobre problemas ou dificuldades na compreensão leitora, frequentemente afetada pelo contexto da formação e das vivências do educando. As questões se dividem em cinco temas: “A família”, “Dados econômicos”, “Dados culturais”, “Dados da vida escolar” e “Dados sobre a experiência leitora”. Noventa e sete por cento das perguntas foram propostas em múltipla escolha, para facilitar o levantamento das estatísticas em uma realidade tão ampla. O conteúdo de muitas das questões foi baseado em outros modelos já conhecidos do meio escolar, como os questionários socioeconômicos do SARESP e do ENEM, ambos de 2008; recorremos também ao aproveitamento de algumas questões da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” (AMORIN, 2008) e da pesquisa de Schubert (2007), da Universidade Estadual de Londrina. Oitenta e cinco alunos (50 meninos e 35 meninas) responderam às questões, quinze a menos do que o número de matriculados nas três turmas de sétima série, o que corresponde a evadidos e faltantes, algo de certa forma comum nas semanas finais do período letivo. São turmas relativamente homogêneas, com predominância de aspectos positivos, como a presença de 67% de alunos com idade adequada para a sétima série, isto é, nascidos entre 1996 e 97. Apenas 27% teriam um ano de atraso nos estudos e 5%, dois anos. Os alunos da 7ª série A estudam no período diurno, enquanto que os das turmas B e C, no período vespertino. Dentre aqueles que responderam ao questionário socioeconômico, contam-se na turma A 18 meninos e 10 meninas; na turma B, 17 meninos e 12 meninas; e na turma C, 15 meninos e 13 meninas. Vê-se que na 7ª A a predominância masculina é mais acentuada, além de ser a turma onde se concentra maior número de estudantes com algum atraso no fluxo (relação idade/série): apenas 39% estão na série adequada para a idade, enquanto que 46% estão atrasados em um ano e 11%, em dois anos, ou seja, acima da média geral58, como mostra o gráfico abaixo (considerando, como já dito, adequados aqueles que nasceram entre 96 e 97): 58 Para entender a importância política dos dados relativos ao fluxo, vale lembrar que, a partir de 2009, a concessão de bônus salarial aos docentes passou a seguir o critério de mérito, reduzindo o peso a frequência do professor (número de faltas/dias de trabalho por ano). No sistema meritocrático, além de submeter o docente a uma avaliação trienal, o valor do bônus é calculado de acordo com o Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo), que combina o desempenho dos alunos na avaliação do SARESP e os dados de fluxo escolar (evasão e repetência). 125 Gráfico 4: Ano de nascimento dos alunos das turmas A, B e C. Os dados econômicos são relativamente favoráveis, ainda que seja uma escola de bairros periféricos: 82% dos alunos têm pais trabalhando e 64% veem suas mães com emprego fora de casa. Contudo, nos dados relativos à escolaridade dos mesmos, revelase a origem humilde dessas famílias. Entre os homens, 52% estudaram apenas até a quarta ou oitava série do ensino fundamental e são 63% das mães que chegaram até as mesmas etapas de estudos. Com ensino médio completo são apenas 13% dos pais e 7% das mães, como vemos mais detalhadamente nos seguintes gráficos. 126 Gráfico 5: Escolaridade do pai Gráfico 6: Escolaridade da mãe 127 Nesse aspecto, a 7ª A é a turma que apresenta os piores resultados, na comparação com as demais sétimas séries analisadas. Dentre os pais, somando aqueles que estudaram até a 4ª série e aqueles que concluíram o Ensino Fundamental II (8ª série), temos na turma A uma massa de 68%. Além disso, apenas 11% dos alunos dessa turma souberam informar que o pai chegara a concluir o Ensino Médio. No caso das mães, os números são um pouco mais elevados: 72% não chegaram a estudar no Ensino Médio (das quais a metade parou na 4ª série do EF I) e essa etapa final da educação básica só chegou a ser concluída por 3% dessas mulheres. Ressalta-se ainda, na visualização dos gráficos acima, que, nas três turmas, ensino superior completo corresponde a apenas 3% dos pais e 4% das mães. Com relação à renda familiar, há certa desigualdade, já que mais da metade das famílias vive com arrecadação mensal entre seiscentos a dois mil reais, contra 14% que vivem com cerca de um salário mínimo ou até menos (9%). Gráfico 7: Renda familiar Na comparação entre as três turmas, encontramos uma considerável discrepância. Percebemos que 56% dos alunos da 7ª B pertencem a famílias com renda superior a mil reais, contra 36% da 7ª A e 39% da 7ª C. Dentre os alunos da 7ª B também notamos o menor percentual de famílias sobrevivendo com aproximadamente um salário mínimo (7% apenas marcaram entre R$ 401 e R$ 600). Isolando os 84% de alunos que declararam renda familiar entre R$401 e R$ 3000, temos o seguinte gráfico comparativo das 128 três turmas, confirmando a posição mais confortável das famílias da 7ª B, seguida da 7ª A e, por último, da 7ª C. Gráfico 8: Comparativo da renda familiar Em média, 84% moram em casa própria, ainda que grande parte das moradias seja de construções populares. O microcomputador está em pelo menos 36% dessas casas, sendo que 24% dispõem de acesso à internet. 48% têm dois televisores e 18% chegam a esbanjar três ou mais aparelhos. Sobre o acesso à cultura e lazer como cinema, teatro e exposições de arte, não lhes foi questionado, já que a cidade não oferece essas opções e, na região, a realidade não é muito diferente. Mas quanto à procura por formação complementar aos estudos, vemos uma preferência (ou por maior disponibilidade desses serviços) por cursos de informática, sempre com índices mais elevados entre as meninas. 129 Gráfico 9: Formação complementar Quanto à estrutura familiar, um dado que será importante para relacionarmos aos temas afetivos do livro estudado, 96% dos alunos moram com a mãe, 59% contam com o pai biológico na casa e 20% confirmaram a presença de um padrasto. A avó compartilha o mesmo teto em 12% dos lares (avô, apenas 2%) e é de se supor que algumas delas (ainda que poucas) sejam as figuras maternas na casa, já que 4% dos alunos não moram com a mãe e ninguém afirmou morar com uma madrasta. Além disso, 14% desses adolescentes convivem com outras pessoas, dentre tios, sobrinhos e cunhados. Nessa conjuntura, é sintomático que 85% tenham irmãos por perto, sendo que muitos afirmaram ter 2 ou 3. Questionados sobre a presença de objetos de leitura na casa, percebemos números muito baixos. Nenhum dos itens está presente em pelo menos metade das casas. Há uma predominância de bíblias, livros de poesia e histórias em quadrinhos, mas em todos os casos em números são inferiores a 25% dos lares. 130 Gráfico 10: Objetos de leitura na casa Podemos ainda questionar os dados acima inferindo que tipo de relação os alunos mantêm com esses gêneros e de que modo a cultura escolar interfere em suas respostas. De fato, os alunos reconhecem os diferentes gêneros aos quais são expostos ou apenas os suportes? Conseguiriam identificar realmente do que se trata “poesia”, por exemplo? Ou não seriam respostas condicionadas a fatores como o tamanho do texto, utilização de gêneros em outros locais de socialização e a representação social desses gêneros e não o contato efetivo com eles? Nesse contexto, os pais não representam papel muito significativo enquanto exemplos de praticantes da leitura: 46% dos pais e 29% das mães não leem em casa. 131 Gráfico 11: Hábitos de leitura dos pais Contudo, é significativo o número de mães que leem revistas e livros de ficção (44%, somando os resultados das duas respostas) e de pais que acompanham as notícias pelo jornal impresso (28%), ainda que provavelmente corresponda às publicações da imprensa local. Quando a pergunta se estende para irmãos e avós, a realidade se mantém, com algumas variações no tipo de leitura apenas. As mães e avós têm importante papel na prática de contar histórias, como vemos abaixo. 132 Gráfico 12: Hábito de contar histórias nas famílias O livro também não é um objeto comumente tomado como uma forma de presentear esses jovens. Gráfico 13: O livro como presente Mas, ao mesmo tempo, os livros que se encontram na casa têm sido fundamentalmente importantes na experiência leitora desses alunos durante a infância, o que denuncia certa ineficiência das bibliotecas das escolas do Ensino Fundamental I. 133 Gráfico 14: Proveniência dos livros na infância Mas o papel da escola na formação desses leitores se mostrou gravemente questionável, sobretudo por revelar que o professor tem desempenhado pouco seu papel de indicar leituras: 56% dos alunos afirmam procurar livros na biblioteca escolar por vontade própria, enquanto que apenas 12% se sentem motivados pela indicação do professor. 134 Gráfico 15: Motivação para a leitura Quando analisamos suas respostas sobre as visitas à biblioteca, temos: 25% afirmaram ir “sempre” à sala de leitura, enquanto que 68% fazem isso “de vez em quando” e 7%, nunca. Porém, como os próprios alunos afirmaram em outra questão, é comum levarem o livro para casa, mas não o ler. Logo, ir à biblioteca (sempre ou de vez em quando) e escolher livros por “vontade própria” são atitudes que podem ser analisadas também sobre a ótica da cultura escolar. “Vontade própria” parece uma expressão que muito mais aponta um comportamento comum de adolescentes, isto é, funciona como uma salvaguarda diante do mundo adulto (e escolar) que tanto lhe impõe deveres. Por outro ângulo, nos perguntaríamos em que medida essas respostas não indicam aquilo que os jovens entrevistados respondem em função do que acreditam que o professor (ou, no caso, o pesquisador) deseja ouvir. Essas informações não contradizem completamente às respostas que os alunos deram quando lhes foi pedido que opinassem sobre a atuação dos docentes da disciplina LPT. Por meio desses dados, vemos que, na opinião de 26% dos alunos (considerando as três turmas, com diferentes professores), nunca é feita a indicação de um livro para leitura. Outras respostas podem ser verificadas no gráfico abaixo. 135 Gráfico 16: Opinião dos alunos sobre as aulas de leitura, considerando as três turmas, com diferentes docentes. Nesse contexto, com número considerável de alunos com problemas de atraso escolar, com poucas referências em casa de pais que estudaram, ou que tenham hábitos de leitura, e vivendo em famílias de baixa renda, é de se supor encontrarmos defasagem de aprendizagem, na leitura ou na produção de textos.59 E quando questionamos os alunos dessa turma sobre as dificuldades que enfrentam durante a leitura, apenas 32% afirmaram não ter dificuldade alguma. Os demais apontaram seus problemas no contato com o texto, sendo que muitos marcaram mais do que uma alternativa. Vejamos o gráfico. 59 Para exemplificar, as fichas de leitura (que serão analisadas no próximo capítulo) confirmam isso: há problemas na escrita (com desvios ortográficos não esperados para a etapa de ensino) e, das 56 produções analisadas, oito alunos afirmam não ter compreendido partes do livro (a maioria na turma A) e outros apresentam no resumo dados incompatíveis com a história lida ou demonstraram ter compreendido muito pouco do que leram. 136 Gráfico 17: Dificuldades de leitura nas turmas A, B e C. Notemos que, subtraindo os 4% que declararam problemas com a baixa visão e aqueles que afirmaram não possuir dificuldade alguma (32%), as dificuldades de leitura podem ser atribuídas a 64% dos alunos, seja pelo ritmo, pela concentração, falta de paciência, seja pelas dificuldades em compreender o que se lê. A “falta de paciência” foi a alternativa mais marcada, de alguma forma se conclui que o maior problema talvez seja a falta de hábito de leitura. Na comparação das dificuldades de meninos e meninas, veem-se os seguintes resultados: 137 Gráfico 18: Dificuldades durante a leitura dos alunos das turmas A, B e C, na comparação entre meninos e meninas. Para inferirmos sobre as expectativas desses alunos em relação à leitura, perguntamos sobre suas preferências quando vão à biblioteca. Gráfico 19: Preferências de leitura na biblioteca dos alunos das turmas A, B e C. 138 Com esses dados, fica evidente a preferência dos meninos para narrativas de suspense e investigação e das meninas por poesia; elas marcaram a alternativa “outra”, muitas delas escrevendo na linha ao lado a palavra “romance”. (A questão subentendia romance na alternativa “narrativa de ficção”, mas talvez esteja mal elaborada para os alunos, que frequentemente confundem o gênero romance com a temática romântica.) Gráfico 20: Preferências de leitura entre meninos e meninas nas turmas A, B e C. O interesse maior das meninas para a pesquisa escolar é reforçado pelas respostas em que 31% delas afirmam que “muitas vezes” leem para aprender coisas úteis, e 66% fazem isso “às vezes”. Já os meninos, 28% acreditam que “nunca” se aprendem coisas úteis pela leitura. Paradoxalmente, em uma outra pergunta, quase todos (88% de meninos e 94% de meninas) veem a leitura como uma fonte de conhecimento para a vida, mas as discrepâncias de gênero aparecem nas seguintes opiniões sobre o significado da leitura. Nos demais hábitos de lazer, com alguma surpresa descobrimos que 29% afirmaram não gostar de ficar na internet, número maior do que aqueles que confessaram gostar de ler livros, gibis e revistas. 139 Gráfico 21: Hábitos de lazer das turmas A, B e C. Mas vale ressaltar que, com relação ao gosto pela leitura e outros hábitos ligados à cultura e ao entretenimento, é maior a proporção de meninas que compartilham de uma opinião afirmativa, exceto brincar com jogos eletrônicos e estudar. 140 5.2.2 Fichas de Leitura Num quadro geral, as cinquenta e seis fichas de leitura preenchidas pelos alunos das três turmas de sétima série sugerem que a repercussão do livro foi positiva: apenas cinco alunos foram diretos em declarar que não gostaram do livro, enquanto que outros explicaram que não apreciaram algumas partes apenas. Contudo, foi possível notar nos resumos a dificuldade desses mesmos alunos em compreender o que leram, também porque, como confessaram, pularam várias partes da história ou não terminaram a leitura. 60 Não senti vontade de reler mas o professor obrigo (m11a) 61 Eu não li calsa que eu achei já o começo muito chato na primeira página (m4b) Eu pulei algumas páginas , porque eu não queria ler (…) não gostei muito do livro (f11b) Eu não gostei do livro porque não entendi nada (m11c) Dentre as qualidades que destacaram da obra, estão as correspondências com a realidade e com o público adolescente. Achei interesante e legal que isto pode ser fato real esta história pode acontecer e que é uma história bem a propriada para adolecente. (m5a) Eu gostei muito do livro ele é muito bom porque este livro fala sobre o nosso mundo. (m16a) Achei muito legal, apropriado pra noça idade. (m10a) 60 Para indicar os alunos nas transcrições de fragmentos das fichas, a fim de preservar a identidade dos mesmos, procederemos na utilização do seguinte código: m ou f, para os gêneros masculino e feminino, número correspondente à ordem alfabética da lista dos entrevistados (por gênero) e letra correspondente à turma: a, b ou c; nas entrevistas, M ou F maiúsculas. Na transcrição das fichas, mantivemos os desvios ortográficos produzidos pelo aluno, exceto o emprego de maiúsculas e minúsculas, pois nem sempre a distinção era evidente. 61 Ainda que possa parecer uma defesa capciosa do próprio pesquisador (pois, sabendo que havia apenas professoras com a disciplina de leitura, “professor” só poderia se referir a mim, enquanto docente de Língua Portuguesa das turmas, e que também reservava alguns momentos das aulas para a leitura), cabe justificar que não havia nenhuma imposição da leitura, muito menos para releitura. Mas, como qualquer atividade dentro de uma sala de aula, reconhece-se certa noção “dever” da parte do aluno, sobretudo para aquele que, em posturas mais condescendentes, não vê alternativa senão cumprir o que o professor pede. Até porque temos consciência, como disse Penac, de que “o verbo ler não suporta o imperativo” (1998, p. 13). 141 Basta saber se esta historia é real? (m1a) É muito legal, porque fala sobre cada vida em cada parte do mundo! É muito legal mesmo! (f1b) O livro é legal, interesante ajuda a gente a querer mudar o mundo só que o livro é muito grande (f4b) Eu gostei de ler o livro porque ele e muito importante para os jovem de hoje em dia (f7c) Achei muito legal uma maneira de alertar as pessoas que sejam que as diferenças existem e precisam ser respeitadas porque um mundo igual seria muito chato. É uma reflecção de o que estamos fazendo com o mundo. (f9c) Nesse sentido, o livro parece ter atendido ao horizonte de expectativas desses alunos, ainda que essa conclusão possa ser precipitada, carecendo analisar outros exemplos e principalmente a entrevista. Trinta alunos confirmaram ter feito a releitura de algumas partes da narrativa, porque não haviam compreendido direito determinada passagem ou por simples prazer. Porque eu não entendi direito da pag. 71 à pag 84. Sim [fez a releitura] e entendi melhor. (m1a) Quando o pai de Daniel mandou a carta eu achei interesante. (f2a) Sim! A carta de Daniel porque estava muito intereçante, sim fiz releitura. (f6b) Sim porquê eu não entendi algumas parte e fiz a leitura de novo. (m6b) Sim, li a metade da pagina que fala da guerra entre a Índia e o Paquistão (m11b) Sim! Porquê eu gostei da parte em que o pai do Daniel liga para ele (f11b) Sim a parte que eles descobrem que o Lucas é inocente é muito interessante, fiz duas vezes (f4c) Sim! Porquê eu achei muito interessante, emocionante. Fiz e tive vontade de ler de novo, após a releitura. (f6c) Sim! Porquê e muito legal algumas partes, como quando ele [Daniel] recebe a caixa (f7c) Alguns alunos disseram que houve o desejo de reler, mas não o fizeram, por falta de tempo ou ânimo. Além das justificativas para a releitura, o comentário final de cada aluno é uma boa medida para se verificar a apreciação da obra. 142 Eu adorei achei muito interessante mais no começo é tudo muito complicado chegando no fim já facilita mais. Não gostei dos palavrões. (f4c) É um livro bom e eu gostaria de ler novamente (m6c) Muito legal, emocionante, me senti arrepiado ao ler. (m9c) Encontramos nas fichas, principalmente nas da turma A, algumas queixas a respeito da extensão do livro. Muito bom gostei, mas é muito longo. (f2a) O livro foi muito interesante e faisis [fácil] de entender mais tinha muita pagina. (m7a) O livro Antes que o Mundo Acabe é muito intereçante, mas muito grande (f6b) (…) não gosto de ler livro comprido (f1c) Curiosamente, o tamanho do livro é reconhecido por uma aluna como algo positivo, como uma superação. Foi legal eu nunca li um livro inteiro daquele tamanho, foi diferente. (f9a) Outros se queixaram de que o tempo não fora suficiente para terminar a leitura. A professora me deu este questionário antes de eu terminar o livro (f1b) Eu gostei muito do livro pena que não deu tempo de ler inteiro (f10b) Eu achei o livro muito legal pena que não deu para terminar (m2c) Não, eu tive pouco tempo para ler (f9c) Mas que dificuldades os alunos teriam diante uma narrativa de 138 páginas, isto é, nem tão longa para os padrões de uma novela? Aliás, o texto inclui cartas, fotos e legendas, com espaços em branco, bom distanciamento entre linhas e margens razoáveis. Primeiramente, dentre algumas dessas dificuldades, notamos algumas trocas entre as personagens, mesmo em casos de alunos que se mostraram capazes de mencionar detalhes do enredo. Uma confusão comum ocorreu entre as personagens Daniel e Lucas. Tinha um menino que se chamava Lucas a menina que se chamava Mim. Que era namorada do Daniel. Daniel era amigo de Lucas o pai do Lucas era fotografo e tinha deixado ele junto com a mãe dele porque queria sair para o mundo para fotografar. (f6a) [A história] É de um cara que na escola acusaram ele de roubar um microscopio, então ele saiu da escola e resolveu virar fotografo então ele 143 resolveu viver algumas aventuras pelo mundo, ele também tinha uma namorada e um filho (m4c) No segundo exemplo a confusão é bem maior: primeiro porque o centro do enredo não é a história de Lucas; em segundo lugar, é Daniel quem se torna fotógrafo, mas não após uma saída da escola; e, por último, quem vivia “pelo mundo” era Daniel-pai. Dois alunos, em especial, parecem infantilizar o protagonista. Ele tem uma namorada, bem não é bem uma namorada para o Daniel e perto da casa da vó Milo tinha uma praça onde ele sempre brincava. (m8a) A história Ante que o Mundo Acabe tinha um menino chamado Daniel que gostava muito o fazer fotografia. Ele era um menino especial para seus amigos eles todo o dia eles brincava (m5b) Outros casos, em que o aluno recria episódios, indicam tanto a confusão de sua memória como a dificuldade em apreender certas referências do enredo, como o país em que se encontrava o pai, a Tailândia. A historia começa com Daniel que não conhecia o seu pai ele acreditava que seu pai fosse Antonio mais estava enganado porque o pai dele era o Daniel ele morava na Malasia e tirava fotos dos moradores de lá. (m12a) Daniel nunca soube de seu pai. Até seu pai mandar uma carta com algumas fotos da Malasia lugar onde ele estava. (f9a) Fala sobre o pai de Daniel que está na Malaria que manda fotos de árvores, matos e o Daniel fica bravo porque o pai dele manda fotos esquisitas sobre árvores e matos etc. (m11b) É válido reproduzirmos um resumo completo, de um aluno que apresenta algumas trocas, mas ao mesmo tempo demonstra um nível interessante de compreensão. O Lucas estava com problemas na escola e com a namorada e vivia com a mãe e o padrasto; Daniel recebeu uma carta junto com fotos de arvores, muitas arvores e uma selva; e ele se perguntou “porque meu pai tinha mandado aquelas fotos todas? será que ele é maluco”? E ele resolveu ir direto a carta para ver o que dizia e leu mais duas vezes, pois era a primeira vez que seu pai falava com ele e ficou pensando qual o motivo da carta mandada depois mandou fotos para seu pai, depois a Mim viajou para um festival de rock em Belo Horizonte e mandou postais, e-mail falando da cidade e do festival, depois seu pai o convidou para vir com ele pro México pois ele ia fazer uma expedição pro sul do México e fotografar aldeias e gentes; para poder conquistar a confiança do filho. (m1a) Inicialmente, o aluno confunde as histórias de Lucas e de Daniel. Em seguida, recria a passagem da chegada da carta, mencionando detalhes inexistentes, porém coerentes. É um dos poucos textos em que se incluem episódios do desfecho da história, como este o faz citando detalhes do destino de Mim (ainda que não tenha contextualizado essa 144 personagem) e do convite final que o pai faz ao filho. Mas há aqui um fato interessante: em “para poder conquistar a confiança do filho” destacamos que esse leitor foi um dos poucos também a elaborar inferências sobre as ações do enredo. Não que isso lhe confira uma posição de leitor mais evoluído que os demais, pois a atividade de resumo não estimulava nem cobrava tais interpretações, porém é de se supor que o estímulo venha da própria experiência de leitura, visto como um processo da concretização orientado no texto: motivado pelo desfecho, o aluno parece torcer pela reconstituição da relação pai e filho, vendo a confiança como uma disposição imprescindível. Na instância do próprio texto, essa concretização estaria prevista no modo como a confiança veio sendo construída ao longo de toda comunicação por cartas e, definitivamente, tem no desfecho o aval da mãe e do padrasto, os primeiros a concordar que Daniel viajasse com o pai. De fato, alguns alunos destacaram esse relacionamento pai e filho como tema central do livro, sendo o que mais lhes chamou a atenção. Interesante essa historia de pai e filho. (f2a) Essa é uma história muito diferente das outras que eu já tinha lido, a história de um menino que não tinha pai (…) ele achava que o pai dele tinha abandonado ele e depois ele ficou sabendo que o pai dele tinha feito isso pro bem dele. (f3a) E o Daniel queria ser como seu pai e seu pai não abandonou o Daniel porque nunca teve conhecido e o Daniel explicou para sua mãe que seu pai nunca abandonou porque nunca teve conhecido. (m1b) Esse livro foi bom porque mostras as relações de um menino como sua família , amigos e mesmo longe de seu pai que ele nem conhecia ele ergue a cabeça e seguiu em frente lutando e fazendo de tudo para conhecer seu pai. (m2b) O Daniel era um garoto que nunca conhecei seu pai. Sempre morou com seu pai adotivo, mas um dia seu verdadeiro pai que se chamava Daniel o mandou uma carta da Tailândia mas ele não quis ler a carta porque nunca tinha tido noticia dele. (m3c) No exemplo da aluna f3a, em que percebemos alguns problemas de apreensão das ações do enredo (a aluna se esquece do padrasto Antônio, que Daniel tratava por pai), notamos também o modo como a aluna se convenceu da explicação trazida na penúltima carta (p. 76), assim como o aluno m1b (ainda que este apresentes graves problemas no domínio do código escrito). Na verdade, Daniel Vaz, o pai, defende que não teria abandonado seu filho, primeiro porque não poderia abandonar algo que nunca teve – argumento considerado por Faria (2008, p. 241) um tanto capcioso. Depois, explica que a 145 paternidade não se conciliava com a vida de um fotógrafo que enfrentaria guerras para cumprir uma missão humanitária. Logo, não teria sido exatamente para o bem de Daniel, mas a aluna parece bem convencida de que seu pai não agiu por maldade. Esse episódio parece ter impressionado outro aluno, que reproduz parte da carta em seu resumo. O pai de Daniel mandou uma carta para Daniel, depois de 15 anos ele disse o seguinte na carta. Eu nunca te abandonei, você ou vocês, não de verdade. Como eu poderia abandonar o que eu nunca tive e foi escrevendo tudo que tinha direito. (m2a) Outro aspecto peculiar da estrutura narrativa é a presença de dois narradores. Poucos alunos se esforçaram em deixar isso claro no resumo. Contava a história de um menino que a vida dele estava normal depois o pai dele começou a mandar cartas dizendo sobre sua vida, também o amigo dele era suspeito de ter roubado materiais da sala de ciências da escola. Ele conta sobre sua vida diz sobre sua namorada Mim e conta como é a história dele que depois que a vida dele mudou completamente. Nas cartas o pai dele conta que teve malaria e como é no país onde ele tá. (f8a) Ele foi para a escola com sua namorada começou a contar o que tinha acontecido. Seu pai lhe mandou fotos juntos com a carta e continuo mandando mais cartas para Daniel. (m9b) […] com o tempo seu pai escreveu para ele sobre o que ele fazia em outros países fotografar as coisa do mundo e ele foi repodendo e enviando fotos de onde ele vive e muitas cartas (m6c) No primeiro exemplo, vemos, a princípio, a falta do sujeito da primeira oração (“Contava a história de um menino”) e destacam-se algumas ambiguidades no pronome ele/dele. No segundo período, pelo menos para a aluna parece estar claro referir-se ao Daniel adolescente (“Ele conta sobre sua vida diz sobre sua namorada Mim”) e a duplicidade de pontos de vista e de espaços fica mais bem definida com a última frase, ressaltando o papel do pai em relatar sua vida pelas cartas. Nos dois outros exemplos, não fica claro o fato de Daniel ser o narrador da própria história, exceto no interior do próprio enredo, em discurso direto, contando para a namorada sobre a chegada da carta do pai. Um texto talvez melhor desenvolvido nessa questão talvez seja o que segue: É um garoto chamado Daniel que conta sua história que seu pai chamava Daniel mais ele nunca o conheceu pois ele era fotografo e viajava por vários paises e cidades. (…) Seu pai continua a escrever para seu filho, contando sobre o lugar onde ele estava, e que ele sabe de tudo ocorre com ele. (f9a) 146 Agora passemos à descrição da entrevista, onde o estímulo a determinadas respostas pode nos oferecer dados mais relevantes sobre a recepção. 147 5.2.3 Entrevista As entrevistas foram realizadas com cada turma nas seguintes datas: turma A, 24 de novembro; turmas B e C, 27 de novembro de 2009 (Cf. capítulo 4.3.). Na média geral, houve a participação ativa de pouco mais de 50% dos estudantes presentes nas classes. Alguns, que não haviam preenchido a ficha de leitura, ou cujos textos foram considerados insuficientes para a análise, manifestaram-se oralmente de modo proveitoso. Assim como outros, cujas fichas foram estudadas, não se manifestaram durante a entrevista. Esse fato revela a importância de utilizarmos variados procedimentos na coleta de dados. Na comparação entre as duas atividades, fichas e entrevistas, nas três turmas, temos as seguintes tabelas de alunos participantes, identificados com seus respectivos códigos utilizados nas transcrições. 148 Tabela 2 – Participantes da Turma A Turma A Alunos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Total Percentual Participantes Fichas Entrevista m1a M1a m2a M2a f1a F1a f2a F2a Não Participou F3a Não Participou F4a f5a Não Participou Não Participou M3a Não Participou M4a m5a M5a Não Participou M6a m7a Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou m8a Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou M9a f6a Não Participou m10a Não Participou Não Participou F7a f8a Não Participou Não Participou Não Participou m11a Não Participou m12a Não Participou m13a M13a Não Participou M14a Não Participou Não Participou Não Participou M15a f9a F9a m16a M16a 16 17 53% 57% 149 Tabela 3 – Participantes da Turma B Turma B Alunos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 Total Percentual Participantes Fichas Entrevista f1b F1b Não Participou Não Participou f2b F2b f3b F3b f4b F4b f5b Não Participou f6b F6b m1b Não Participou Não Participou Não Participou m2b M2b m3b M3b m4b Não Participou Não Participou Não Participou f7b F7b f8b Não Participou Não Participou Não Participou m5b Não Participou m6b M6b f9b F9b f10 Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou m7b M7b m8b Não Participou Não Participou Não Participou m9b Não Participou m10b Não Participou m11b M11b f11b F11b m12b M12b 23 14 72% 44% 150 Tabela 4 – Participantes da Turma C Turma C Alunos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 Total Percentual Participantes Fichas Entrevista Não Participou Não Participou f1c F1c Não Participou Não Participou Não Participou M1c f2c F2c m2c M2c m3c Não Participou m4c M4c Não Participou F3c Não Participou M5c m6c M6c m7c M7c Não Participou Não Participou f4c F4c Não Participou Não Participou m8c Não Participou Não Participou F5c f6c F6c f7c F7c Não Participou F8c m9c M9c m10c Não Participou f9c F9c Não Participou Não Participou f10c F10c Não Participou Não Participou m11c Não Participou m12c M12c 17 18 61% 64% 151 Enquanto que na turma A se pode notar certo equilíbrio entre a expressão oral e a expressão escrita (ainda que com participação mediana nas duas atividades), na turma B observamos o contraste: menor desenvoltura na participação oral e um número maior de fichas preenchidas. Já a turma C se destacou pela participação oral, na comparação com as demais classes. Obviamente que esses dados não indicam a qualidade e o aproveitamento das impressões de leitura, mas sinalizam para diferenças que poderão ser mais cuidadosamente analisadas. Então, para visualizarmos melhor essa comparação, disponhamos do gráfico abaixo. Gráfico 22: Participação dos alunos no preenchimento das fichas e nas entrevistas 5.2.3.1 Apreciação da leitura Na entrevista, quando questionados se gostaram, de um modo mais geral, da história que leram, as respostas não são muito significativas, pois são curtas e os alunos, na maior parte das vezes, não sabem explicar sua opinião. M13a: ah não gostei. F7a: até onde eu li eu gostei professor. 152 M11b: interessante. F9b: ((fez que não sabe com a cabeça)) ah professor interessante também. M5c: ah achei legal porque contava uma coisa de adolescente (influindo a não matar aula). M4c: eu achei legal porque têm adolescentes e nós estamos nessa fase também falando do que acontece com ele. Ao responder do que não gostaram, os alunos apresentam aspectos bem diversos. M2b: de ele [Daniel] não morar com o pai dele. M5c: tinha alguns palavrões. (…) porque é uma coisa pra todo mundo ler vai que tem gente que não gosta de ler assim:: (…) incentiva. F8c: é porque é muito grande é muito chato. (aluna)62: ai tinha muitas páginas. 5.2.3.2 Compreensão Um aluno da turma A ressalta a dificuldade de compreender o livro. M2a: não tem parte que eu menos gostei não tem (parte) que eu não entendi. Pesquisador: qual? M2a: o amigo do Daniel lá não sei começa a falar lá eu não entendo essa parte. Essa fala é elucidativa com relação à questão observada nas fichas: a introdução da história, a partir do problema vivido por Lucas, com a posterior definição do protagonista Daniel, parece ter confundido alguns leitores, como confirmam as seguintes falas: M15a: eu também professor é difícil começa uma história e a gente se perde na história dele. M2a: ah porque começa a falar sobre um assunto lá depois o Daniel escreve uma carta (eu não entendo essa parte) e ele começa a escrever uma carta lá. F4b: porque é muito grande passa um tempo você esquece o que você lê. F2b: porque como fala da vida de uma pessoa (tem momentos diferentes) ( ) dos seus amigos. 62 Algo comum em transcrições de gravação, mesmo em vídeo, nem sempre era possível identificar o aluno que pronunciou determinada frase. 153 F3c: é complicado porque às vezes a gente tem que voltar em partes pra saber como é aquela outra parte que vem na frente. M5c: complicado porque às vezes fala de uma parte assim e depois voltava. Os níveis de compreensão da leitura dos alunos podem ser analisados também pela maneira como se mostram capazes ou não de resumir a história que leram, mencionar detalhes do enredo, estabelecer relações lógicas (causa/consequência, por exemplo). Na entrevista, inclusive para que a continuidade da conversa fosse garantida (já que, como se viu nas fichas, alguns alunos não leram a obra integralmente, ou “pularam” páginas), algumas vezes era solicitado aos alunos que resumissem passagens da história. Vejamos primeiramente como essa conversa ocorreu com a turma A. Apesar de extensa, a sequência precisa ser reproduzida quase integralmente, suprimindo, quando possível, apenas as falas do entrevistador (pois, como se pode verificar no anexo, a recontagem da história careceu de seguidas perguntas do entrevistador, para estimular a continuidade das falas dos alunos). Pesquisador: é:: afinal de contas só para nós retomarmos... esse livro conta a história de quem? Todos: Daniel. Pesquisador: Daniel qual que é a história do Daniel? quem poderia me fazer um breve resumo? ((Pesquisador repete a pergunta)) M15a: sobre as aventuras dele. (…) M16a: que ele era um garoto normal e (que começou a receber uns envelopes). (…) do pai dele. (…) Pesquisador: e por que os envelopes do pai mudaram a vida dele? M15a: porque ele não conhecia o pai. Pesquisador: e com quem ele vivia? M15a: mãe. (…) avó. (…) M14a: avô. (…) M2a: padrasto. Pesquisador: padrasto e:: o que aconteceu na vida dele após a chegada da carta do pai? acho que então o M15a e o M16a deram um bom começo o que aconteceu após na vida do Daniel depois da chegada da carta do pai? M15a: ele ficou mais feliz sabendo que ele tinha pai que ele pensou que tava morto Pesquisador: ele de cara assim ficou feliz? M15a: é mais ou menos. M16a: ele não sabia (de quem) a carta tava vindo (…) M2a: ele não sabia o nome do pai dele aí veio uma carta com o nome dele mesmo ele não achava:: achou estranho (…) Pesquisador: (…) e o que o pai dele falava nestas cartas? (…) F1a: sobre as aventuras do pai dele. (…) tirar fotos. (aluno): tirar fotos do mundo. F1a: é:: paisagens. (…) M2a: tirava foto do mundo ah saía viajar pelo mundo e tirava foto porque ele era fotógrafo. 154 É possível verificar que, em certos momentos, recontar se torna recriar a história numa perspectiva colaborativa entre as falas de cada sujeito: a informação de um aluno elucida fatos do enredo para outro aluno, ou enseja a criação de fatos coerentes, mas incompatíveis com a história contada na obra. Por exemplo, na sequência em que enumeram as pessoas que viviam com Daniel (M15a: mãe… avó… / M14a: avô), um aluno inclui o avô inexistente no enredo, por mero estímulo a partir da sequência mãe e avó. Assim como as intervenções do aluno M15a (M15a: ele ficou mais feliz sabendo que ele tinha pai que ele pensou que tava morto / Pesquisador: ele de cara assim ficou feliz? / M15a: é mais ou menos.), a expressão “mais ou menos” não passa de uma tentativa de amealhar sua resposta, tornando-a coerente com a pergunta do entrevistador. Com um desempenho menos satisfatório, a turma B parecia pouco familiarizada com a história lida. Os alunos diziam não se lembrar de muitos detalhes da história e, às vezes, mostravam-se muito alheios às personagens e às situações representadas na história. Essa percepção, no decorrer da conversa gravada, me levou a recontar para eles toda a trama, sobretudo o desfecho, uma atitude necessária para que a entrevista pudesse, a certa altura, ser continuada, tal era o modo como os alunos pareciam desconhecer fatos do enredo. Mas antes de tratar da maneira como os alunos da turma B compreenderam o desfecho (e comparando com as turmas A e C), vejamos como a complicação central do enredo pôde ser recontada por esses leitores. Pesquisador: e mesmo que tenha achado complicado vamos falar alguma coisinha sobre o livro o livro conta a história de quem? F4b: de um garoto chamado Daniel. Pesquisador: e o que acontece com esse garoto F4b? F4b: ah sei lá professor. Pesquisador: quem poderia brevemente falar um pouquinho sobre a história do Daniel? F4b: ele não conheceu o pai dele. (…) F3b: até que o pai dele mandou um envelope e tava escrito que ele foi conversar com a Mim conta pra ela o que estava acontecendo e se deveria ou não abrir o envelope. Pesquisador: e ai quem remenda a história? como segue depois disso M2b o que acontece depois? M2b: não lembro. Pesquisador: M6b o que acontece em seguida? M6b: não sei. Pesquisador: até agora contamos o quê? F11b repita agora o que já foi contado F11b: não sei professor. Vale destacar que, durante a entrevista com a turma B, os alunos se mostravam pouco à vontade com a situação. Estavam mais quietos do que o costume e 155 concediam respostas muito curtas (posteriormente veremos dados mais específicos sobre isso). É curioso notar que, em toda a gravação, a expressão “não sei” foi empregada como resposta 14 vezes; “sei lá”, 6 vezes; e “não (me) lembro”, 5 vezes. 63 Principalmente a expressão “sei lá” parece sugerir uma postura de displicência em relação à atividade que se realizava, ou à obra lida. Para a continuidade do resumo, foi preciso fazer a retomada do que já havia sido contado. Pesquisador: não então vamos retomar o que já foi dito até agora ele não conhecia o pai e quando já tinha lá seus quantos anos seus quinze anos o pai começou a lhe mandar algumas cartas e aí como a F3b falou não sabia se devia abrir ou não primeiro a carta e aí continua essa comunicação por cartas? essa comunicação em cartas entre ele e o pai dele termina como? (aluno): o pai dele enviando a foto dele para o filho. Pesquisador: enviar fotos dele para o filho e o que essas fotos têm haver com a história? e se perguntasse assim então o pai dele envia fotos pelas cartas e essas fotos vão ter alguma importância para ele ou não? F4b: ((sim com a cabeça)) Pesquisador: qual a importância que vai ter para ele? F4b: ele vai conhecer a história do pai dele. Nota-se como as respostas são imprecisas ou equivocadas (enviando a foto dele, por exemplo, pois o pai não envia sua foto para Daniel). Sobre a importância das fotos, nenhum comentário ou explicação, apenas um gesto afirmativo e, após novo estímulo, uma resposta no mínimo óbvia: ele vai conhecer a história do pai dele. Agora vejamos o mesmo momento da entrevista com a turma C. Pesquisador: quem consegue fazer esse breve resumo? M4c? M4c: é culpado de um roubo né do laboratório da escola dele né aí ele foi expulso. Pesquisador: quem foi expulso? M4c: o Daniel. Pesquisador: não:: aí confundiu um pouquinho quem poderia emendar aí um pouquinho? F9c? F9c: ai professor tá bom o Daniel ele descobre que o pai dele começa a escrever pra ele. (…) Pesquisador: F1c quem é o Daniel? F1c: um menino que estava confuso pelo roubo do laboratório e que o amigo dele não era o ladrão. (…) M2c: o amigo dele estava sendo acusado de roubar o laboratório. Pesquisador: ô M6c o que aconteceu com o amigo do Daniel? 63 Contagem realizada com o mecanismo “Localizar” do editor de texto (Microsoft Word 2007) sobre a transcrição da entrevista. Só para efeito de comparação, na turma A, temos: “não sei”, 7 vezes; “sei lá”, 1 vez; “não (me) lembro”, 2 vezes. Na turma C, encontramos números ainda menores: “não sei”, 6 vezes; “sei lá”, nenhuma vez; “não (me) lembro”, 2 vezes. 156 M6c: o Lucas? ele foi acusado de roubar o laboratório foi expulso da escola e o Daniel lutou pra justificar que ele era inocente para ele poder voltar para escola. Pesquisador: essa é a história do Lucas e a história do Daniel? M6c: o Daniel era um menino (que não lembro o que) com o pai dele viajava pelo mundo depois mostrava para as pessoas as fotos que ele tirava e o Daniel cresceu até os quinze anos com a mãe dele e o padrasto. Afora a confusão inicial entre as personagens Daniel e Lucas, as alunas F9c e F1c, e os alunos M2c e M6c demonstraram maior conhecimento da história lida. M6c, sobretudo (que, como veremos mais tarde, confessou grande simpatia pela obra) apresentou um bom resumo da trama central. A dinamicidade dos diálogos captados nessa entrevista mostra a postura interessada dos alunos: havia aqueles sempre dispostos a corrigir uma informação do colega ou dar continuidade a uma fala incompleta. Em seguida, pedindo para que os alunos falassem sobre a história do pai de Daniel, a aluna F9c resume: F9c: o pai dele pegou malária na Ásia aí ele lembrou que tinha um filho e começou a trocar cartas com o Daniel e o Daniel começava a enviar fotos e cartas para ele aí assim ele contava a vida dele inteira pro pai dele. Pesquisador: e até então ele conhecia o pai? F9c: não ele não conhecia o pai só que aí ele começou a escrever carta e a conhecer melhor o pai dele depois no fim do livro ele foi morar com o pai dele. Um dado curioso nessa fala é a precisão espacial da informação da aluna, tomando como referência a Ásia, já que o pai de Daniel encontrava-se na Tailândia. Com frequência os alunos confundiam o país com Malásia ou, pior, com o nome da doença adquirida pelo pai, malária.64 O modo como os alunos puderam compreender o desfecho da história de Daniel (com alguns vazios, como serão vistos em 5.3.) também nos sinaliza para diferentes desempenhos de leitura. Visto que se tratava de um momento da entrevista em que o aluno era incitado a recontar passagens do enredo, é necessário reproduzir fragmentos maiores de cada uma das turmas. Turma A: Pesquisador: (…) qual foi o final da história então vamos por partes então namoro de Daniel e Mim como termina a história? (aluno): ela vai ao festival e:: M15a: aí ele vai ao festival e:: 64 Inclusive em uma fala minha, durante a gravação na turma C, quando me referia ao país onde o pai reside, digo Malásia, ao que imediatamente sou corrigido por uma aluna (Pesquisador: (…) o pai tá lá na Malásia? (aluna): na Tailândia. Pesquisador: isso na Tailândia). 157 Pesquisador: ela foi e ele ficou não é? e eles ficaram separados ele ficou sozinho ou arrumou alguém? ((pausa)) ele arrumou alguém arrumou uma garota (que lembra um pouco ela também) história do:: Daniel e seu pai como termina a história? de Daniel e seu pai? M15a: Daniel continua mandando cartas para ele. M16a: ele virou fotógrafo. Pesquisador: Daniel filho? M16a: é ele virou fotógrafo. Pesquisador: de que maneira ele virou fotógrafo? M14a: o pai dele mandava a foto daí mandava onde ele ia daí o filho dele gostou e virou fotógrafo. Pesquisador: virou fotógrafo e mais no final da história M11a? M1a: ( ) convidando para ir pra uma excursão. (aluno): na África. Pesquisador: para ir para uma excursão ( ) não era na África onde que era? M1a: ( ). Pesquisador: o M1a tem razão? no final da história o pai manda uma carta (convidando-o para ir para a excursão)? mas houve só o convite? M15a: não mandou a passagem também. Pesquisador: passagem também o que mais que ele ganhou? (aluno): uma câmera. Pesquisador: uma câmera um colete ele foi para o México com o pai. M15a: mas o pai dele morava no México? Pesquisador: não ele não morava em nenhum lugar. M15a: ah:: então o pai dele estava no México. Pesquisador: (o pai dele ia para o) México e o chamou agora o que vocês acharam desse final? M16a que parece estar bem por dentro o que você achou do final? M16a: eu gostei professor porque o Daniel virou fotógrafo. Contou-se com a participação de poucos alunos nessa etapa da conversa (principalmente M15a e M16a, que se demonstraram bastante ativos no restante da entrevista). As pausas após uma pergunta do entrevistador indicam a hesitação dos alunos, que, depois de alguns instantes, eram interpretadas como desconhecimento pela resposta. Os mesmos alunos que colaboraram com esse momento da conversa revelavam dúvidas essenciais sobre o enredo (onde o pai de Daniel morava) e sobre o desfecho (como termina o namoro entre Daniel e Mim). Ainda sobre o desfecho, os alunos não parecem se recordar do modo como Daniel recebeu o convite para uma expedição no México com o pai (o envio de uma caixa, contendo colete, câmera e outros equipamentos, e a conversa por telefone). Turma B: Pesquisador: agora como termina a história a gente tem que amarrar algumas histórias nesse livro tem a história do Lucas o que havia acontecido com o Lucas mesmo? (alguns alunos): estava sendo acusado de roubo. Pesquisador: e precisava do apoio de Daniel como termina essa história do Lucas? ((pausa)) e a história do Daniel com o pai dele vocês se lembram? 158 M12b: o pai dele envia uma foto pra ele e aí acaba o livro. Pesquisador: com a foto que ele enviou? M12b: é. Pesquisador: e ele não vê o pai mais? M12b: não sei. Pesquisador: como termina a história do Daniel e do pai dele? M2b: eles se falam por telefone. Pesquisador: e daí? de fato a última conversa é por telefone mesmo o que acontece nessa conversa por telefone M2b? M2b: ah não lembro. Pesquisador: agora que o M2b já deu um bom gancho no final da história eles se falam por telefone até então era só por cartas não é? por que eles se falaram por telefone? você se lembra F2b? F2b: ((não com a cabeça)) Pesquisador: e o que esse telefonema foi falado do que? ((silêncio)) bom primeiro eu diria que eu vou ter que fazer uma retomada desse final que parece que não ficou bem compreendido para vocês para depois perguntar se vocês gostaram ou não desse fim vamos lá […] [segue com o entrevistador fazendo o resumo] Vê-se apenas por esse fragmento a frequência maior com que os alunos da turma B silenciavam após a pergunta do entrevistador (o que sugere, a princípio, o desconhecimento da resposta).65 A única informação pertinente relativa ao desfecho foi dada pelo aluno M2b (eles se falam por telefone.). Para as outras perguntas do entrevistador, predominam respostas negativas, em que os alunos confessam não se lembrar da história. A foto a que se referem aparece na última página do livro e traz Daniel trajado como um repórter fotográfico, ao lado de um jatinho, com a legenda: “Aeroporto de San Cristobal, Chiapas, México. EU”. Logo, ela é peça chave para se compreender a aceitação do convite, isto é, o desfecho da história. Na fala dos alunos, fica evidente a dificuldade que tiveram em compreender esse dado. (Em outro momento da entrevista, a aluna F9b diz não se lembrar da fotografia de Daniel, nem de Mim) Turma C: Pesquisador: como o foi o final da história F1c? ((pausa)) vamos dividir por partes a história do Lucas como terminou? F1c: com ele conversando com o Daniel e ele foi descobrindo que ele não tinha roubado nada. Pesquisador: e na escola o que aconteceu? F4c: quando ele fez o discurso todo mundo ficou emocionado. Pesquisador: alguém se emocionou também ao ler ou não? 65 Somente para efeitos estatísticos, os números relativos a esta questão também são relevantes. Os momentos das entrevistas com as três turmas identificados como ((pausa)) ou ((silêncio)), indicadores de hesitação por parte dos entrevistados, somam-se na seguinte proporção: 7ª A, três vezes; 7ª B, dezoito vezes; e 7ª C, quatro vezes. Em resumo, são obviamente denunciadores muito mais do pouco envolvimento dos alunos da turma B, seja com a leitura do livro, com o projeto como um todo, ou com as circunstâncias da entrevista, de modo que uma definição mais precisa deva ser adiada para a análise que faremos posteriormente. 159 ((F4c levanta a mão)) Pesquisador: e a história do Daniel com o pai como terminou? antes do pai desculpa Daniel com a Mim? F9c: a Mim terminou com ele para viajar com a banda dela. (…) Pesquisador: e a história do:: Daniel com o pai dele como terminou? M2c: ah não sei professor. F3c: terminou eles comendo comida. Pesquisador: M4c como terminou a história do Daniel com o pai dele? M4c: (ele não foi morar com ele) mas gostou quando começou a conversar melhor. Pesquisador: quem mais pode colocar algum detalhe aí? F4c: o pai convidou ele para fotografar. Pesquisador: e:: F4c: ele aceitou só que eu não gostei disso. (…) Pesquisador: para onde que ele foi mesmo? M6c: para o México. Pesquisador: e o que ele foi fazer com o pai? ((pausa)) fotografar também não é? As meninas, principalmente, responderam às demandas com propriedade (exceto F3c), com segurança nas respostas. Essa participação produtiva parece ensejar aos alunos a uma posição mais confortável para se expressarem, tanto que a aluna F4c apressa-se em opinar sobre o desfecho da história, ainda que sua avaliação não tivesse sido solicitada (ele aceitou só que eu não gostei disso). Para compararmos a maneira como os alunos da turma C foram capazes de observar detalhes do livro, como as imagens e as legendas, notemos a prontidão com que o aluno M6c menciona México como o país para o qual Daniel e seu pai viajaram. Em outro momento, os alunos foram capazes de descrever e avaliar as fotografias das personagens. Pesquisador: aparecem fotos de dois personagens ali não aparece? F1c: sim. Pesquisador: de quem? F1c: da Mim. (aluno): Daniel. Pesquisador: e as fotos que apareceram ajudaram vocês a compor o personagem ou atrapalharam a vocês imaginarem? F10c: ajudou a entender um pouco mais sobre os personagens. Pesquisador: vocês se lembram como era a foto da Mim? M2c: ela estava olhando para uma foto tocando guitarra no quarto dela. Pesquisador: isso ajudou a entender ou atrapalhou a imagem que você tinha da Mim? M2c: ajudou porque dá pra ver que ela gosta de rock é animada curte a vida. Pesquisador: e a foto do Daniel como foi que apareceu? F8c: ele tava de colete de fotógrafo e uma câmera pendurada. Pesquisador: e a imagem dele a fisionomia isso atrapalhou ou ajudou F8c? e antes de vocês terem visto a foto bateu com o que vocês estavam imaginando ou não? M4c: sim porque no final já estava contando que ele ia ser fotógrafo. 160 A descrição e a apreciação do aluno M2c a respeito da fotografia em que figura a personagem Mim são claras e precisas. A aluna F8c se lembra com detalhes da imagem de Daniel e M4c deixa evidente ter compreendido a importância dessa fotografia para inferir o desfecho da história (sim porque no final já estava contando que ele ia ser fotógrafo). 5.2.3.3 Identificação com as personagens A identificação dos alunos com as personagens da história era abordada por diferentes perguntas. Algum de vocês achou alguma personagem parecida com vocês mesmos? Qual? No que ela é parecida? Alguma personagem lembrou pessoas que vocês conhecem? Qual? De que personagem vocês mais gostaram, na história? Por quê? De que personagem vocês menos gostaram? Por quê? Se pudessem ter uma personagem como amigo ou amiga, qual seria? Por quê? Em outros momentos da entrevista, perguntava-se: Qual foi a personagem mais interessante para vocês? Por quê? Se vocês fossem explicar para uma pessoa que não conhece como ele é, o que vocês diriam dele, como o descreveriam? Na turma A, na pergunta sobre uma personagem que tenha considerado parecida consigo mesmo ou com alguém que conhecessem, não houve nenhuma resposta significativa. Apenas na questão sobre alguma personagem de quem mais tenham gostado é que obtivemos o seguinte diálogo: F3a: Mim. Pesquisador: por quê? F3a: ai professor porque eu achei ela ( ). Pesquisador: ela o quê? F3a: ai professor não sei também acho que eu me identifiquei mesmo. Na pergunta sobre uma personagem que escolheriam como amigo(a), três alunos da turma A respondem: M3a: a Mim. Pesquisador: por quê? M3a: ah sei lá. (…) é porque ela tem atitude. M5a: o Daniel. Pesquisador: por quê? 161 M5a: ((fez que não sabe com a cabeça)) F2a: ah professor eu escolhi a Mim. Pesquisador: Mim por quê? F2a: porque ela é amiga. Pedindo para que descrevessem o protagonista, percebemos alguns adjetivos previsíveis. M2a: ah é um garoto normal assim. M15a: moleque bom estudioso. Sobre o Daniel-pai: M2a: ah que ele sofre muito por não conhecer o filho ah:: é isso professor. (…) que ele sofre muito porque não pode vir até o Brasil conhecer o filho. Sobre a Mim: F3a: é uma menina muito centrada muito decidida ela centra no que ela quer. Desses exemplos, ressaltemos que um aluno gostaria de ter a Mim como amiga, com uma explicação curta, porém válida (é porque ela tem atitude). Agora, se considerarmos as falas das meninas sobre a Mim, as respostas podem ser mais substanciais (porque ela é amiga / é uma menina muito centrada muito decidida ela centra no que ela quer). Em seguida, interrogando se os alunos não gostaram de algum personagem, um menino manifesta não ter gostado de Lucas, porque este seria ladrão. Outros alunos corrigem a informação, esclarecendo que ele não era ladrão, ao que o aluno se explica: M4a: parece que antes disso já tinham dito que ele já tinha cometido outro roubo por isso que ele ( ) acha que:: não achavam que era ele? Percebe-se que este aluno talvez possa se recordar de alguns detalhes da história, especialmente do momento em que o narrador parece mesmo estar em dúvida se o amigo teria sido capaz de ter cometido o roubo. Contudo, o aluno parece se enganar no julgamento e na compreensão maior do modo como essas dúvidas são colocadas: Daniel, o narrador, sabe que Lucas tinha um passado obscuro, talvez por isso fosse imprevisível, mas tem receio de formar uma opinião segura sobre o amigo, sente dificuldades em se comprometer. Como vimos, será a namorada que lhe vai cobrar um posicionamento, inclusive como prova de sua amizade; para ela, Daniel devia ter uma opinião clara. Ela [a Mim] foi embora, e eu fiquei ali pensando. O que ela falou sobre a gente ter que achar as coisas, sei lá, aquilo tinha mexido comigo. Eu até 162 achava que eu tinha que achar alguma coisa sobre o Lucas. Mas o quê? O que eu sabia dele, de verdade? Eu sabia que a história dele tinha sido difícil, muito mais complicada até do que a minha. (p. 37) Na turma B, a conversa se mostrou infrutífera quando os alunos eram questionados se acharam as personagens da história parecidas com eles mesmos. Depois de relembrá-los das personagens, a pergunta sobre o desejo de ser amigo ou amiga de uma das personagens não resultou muitas respostas satisfatórias. Na questão sobre qual personagem acharam mais interessante, na turma A, apenas um aluno apontou o pai de Daniel (o fotógrafo), mas não soube justificar. Na turma B, temos as seguintes respostas: Pesquisador: agora:: qual foi o personagem mais interessante para vocês? (…) F4b: do Daniel pai. (…) ah sei lá porque ele mora fora (não conhecia o filho dele) demorou para mandar carta. F9b: Daniel. Pesquisador: Daniel pai ou filho? F9b: filho. Pesquisador: por quê? F9b: porque sim. Os alunos da turma A não foram capazes de descrever personagens mais secundários como o padrasto Antonio e a mãe de Daniel. Pesquisador: (…) e que vocês diriam do padrasto do Daniel? M15a: nada não fala nada dele. Pesquisador: e a mãe de Daniel? M2a: não fala nada quase. Na turma B, as identificações são igualmente ligeiras, centradas nos protagonistas. Ao perguntarmos se se consideram parecidos com alguma personagem, ouvimos: M2b: com o Daniel é por causa que ele não mora com o pai dele eu também não moro com o meu. F2b: me pareço [com a Mim] porque ela gosta de rock e porque eu também gosto de rock Interrogando sobre a personagem de quem mais gostaram e quem gostariam de ter como amigo(a), vemos que a justificativa é, na maior parte das vezes, imprecisa. F3b: eu gostei do Daniel também professor. (…) porque as coisas que falam dele é muito interessante. M7b: Daniel. (…) porque eu tenho um amigo que nem ele. 163 M3b: o Lucas. (…) porque ele dá conselho pro Daniel. F2b: eu gostaria de ter uma amiga igual a Mim porque ela é bem interessante F7b: do Daniel. Pesquisador: por quê? F7b: não sei. Nas situações em que era solicitado para descreverem as personagens, os alunos da turma B demonstravam pouco se lembrar de detalhes da história que leram, mencionando aspectos mais superficiais, como no exemplo abaixo, sobre o padrasto Antonio: F2b: o Daniel gostava dele [de Antonio] porque quando a mãe dele estava doente ele fazia de tudo pra ela aí a mãe dele se sentia feliz do lado dele. Vale a pena reproduzir o momento da conversa em que procuramos falar um pouco das personagens centrais. Pesquisador: (...) então vamos falar um pouquinho do Daniel que é o personagem central da história vamos imaginar que vocês falariam do Daniel para alguém F9b o que você falaria? F9b: ah não sei. Pesquisador: não sabe F4b? F4b: ah não sei também. Pesquisador: ê mas vocês estão difíceis hein? e da Mim o que vocês falariam da Mim? você vai contar para alguém que não conhece a Mim você precisa fala dela para as pessoas:: F3b: eu ia falar que ela é legal que ela gosta de rock. Pesquisador: e se tivessem que falar do pai do Daniel vocês falariam o que? M12b: que ele estava na Tailândia que ele era fotógrafo. Pesquisador: mais algum personagem que vocês gostariam de falar? F1b: falaria do Strosmann. Pesquisador: o que você falaria do Strosmann? para alguém que você não conhece? F1b: eu ia fala que eu gostei do nome dele. Pesquisador: e do personagem. F1b: eu ia falar que ele era briguento hein. Pesquisador: se você fosse falar do Strosmann falaria o que hein F4b? F4b: que ele era briguento. M12b: ah que ele foi bater no Daniel. Pesquisador: vocês conhecem algum tipo como o Strosmann ou não? F4b: aham:: Pesquisador: como é esse tipo? F4b: tipo cara mandão assim que quer se achar. Bem se nota o predomínio de respostas muito curtas, revelando pequeno envolvimento dos alunos com a atividade. A descrição das personagens não ultrapassa traços generalizantes e superficiais, permitindo supor, em alguns casos, tratar-se de mera repetição 164 do que se ouviu, como na sequência das falas de F1b (eu ia falar que ele era briguento hein) e F4b (que ele era briguento). Na turma C, com notável espontaneidade, os alunos foram mais generosos nas suas respostas. Tratando da possibilidade de achar alguma personagem parecida consigo mesmos ou com alguém que conhecem, a conversa se deu da seguinte maneira. Pesquisador: (…) alguém se achou parecido com algum personagem ali? F8c: a Mim Pesquisador: Por que F8c? F8c: ai não sei. Pesquisador: porque F5c você se acha parecida com a Mim? F5c: porque a maioria das coisas que ela gosta de fazer eu gosto ela gosta de rock eu gosto também ela mata aula (pra jogá bola). F9c: a mãe dele [de Daniel] parece com minha mãe porque ela é muito emotiva. (…) ah qualquer coisinha ela chora. Procurando saber de qual personagem gostaram mais, disseram: M6c: do Lucas. (…) porque ele era diferente era legal ele era bem amigo do Daniel. M2c: Mim. (…) porque ela era roqueira. M5c: Mim porque ela tinha um estilo legal. M4c: gostei do personagem do Daniel [pai] porque ele é aventureiro. Questionados sobre a personagem de quem não gostaram, ouvimo-los falar do vilão Strosmann e da avó autoritária. M4c: do Strosmann. (…) porque ele gostava de bater no Daniel gostava de bater no Lucas. F4c: da avó dele. (…) porque ela é muito mandona. Sobre a personagem que gostariam de ter como amigo(a): (alguns alunos): Mim. Pesquisador: por que M7c? M7c: porque ela é muito linda. M5c: a Mim porque ela é bem divertida. M1c: Daniel. (…) por que ele é aventureiro. F9c: o Lucas. (…) ah porque eu gostei dele. F4c: o Antônio porque ele era bastante compreensivo. Nas falas em que revelam a personagem que acharam mais interessante, lemos: 165 M4c: gostei do pai do Daniel. (…) porque ele é mais aventureiro gosta de fotografar. F1c: o padrasto de Daniel porque ele era cozinheiro e gostava de Daniel. E quando deviam descrever essas personagens, ouvimos, sobre Daniel: M5c: o Daniel é um amigo fiel que dá para confiar e ser amigo dele. F4c: que ele é um menino interessante e legal. Sobre a Mim: M2c: é uma menina muito legal. (…) ela é interessante amiga. M5c: ela é uma menina interessante divertida e gostava das artes. F1c: gostava do Daniel como amigo. Sobre o pai de Daniel: Pesquisador: e o que vocês falariam do pai do Daniel? F1c: que é chato porque agora que ele quis ver o filho dele. M5c: medroso porque quando ele era pequeno (ele pensou que a mãe dele ia pedir pensão) e ele tentou esquecer um pouco mas:: Pesquisador: mas:: M4c: mas ele mandava pensão para o filho. Sobre as pessoas da escola de Daniel: F9c: eles não tinham prova de que era o Lucas que roubava. F1c: acusaram ele sem saber só acusaram ele porque ele tinha costume de roubar as coisas dos outros. M4c: ele era o único que estava na sala quando o roubo aconteceu e por isso ele foi culpado. Outras perguntas na entrevista que apontavam para processos de identificação levavam os alunos a perceberem semelhanças entre as situações vividas pelas personagens e suas próprias vidas. Algum de vocês já viveu uma situação semelhante à de Daniel? Ou conhecem alguém que já tenha vivido uma situação assim? Vocês já passaram por uma situação assim? Algum de vocês já viveu ou vive uma situação semelhante a de Daniel e gostaria de comentar com a turma? Falando da condição em que se encontrava o protagonista: a ausência do pai biológico, seu repentino aparecimento aos quinze anos e a comunicação por cartas, ouvimos o seguinte relato de uma aluna da turma A: F2a: eu não moro com meu pai. (…) dois pais tenho meu padrasto e meu pai não mora com minha mãe. (…) ele [o pai biológico] me manda carta. Pesquisador: e quando você leu o livro te tocou assim de alguma maneira? F2a: é meio parecido. (…) Pesquisador: mas o que isso significou para você? isso te deixou triste alegre ansiosa? 166 F2a: triste né. (…) Pesquisador: já teve momento de o pai começar a mandar carta (desde criancinha)? F2a: ele manda carta mas minha mãe não pode contar para meu padrasto. (…) minha mãe contou o ano passado. No relato de outros alunos, vemos certa motivação para falar do assunto: F3a: não professor eu tinha um padrasto mas agora não tenho mais. M15a: eu tenho um amigo que ele mora em São Paulo a mãe dele mora em Avaré mora ele o padrasto e a avó a avó dele é doente e ele mora lá e não sabe quem é o pai. Na turma B, apenas uma aluna diz conhecer uma amiga que não mora com o pai, embora no questionário socioeconômico apenas 18 alunos tenham afirmado morar com o pai em casa (a partir disso se calcula que, dentre os 29 alunos que responderam o questionário, 11 não moram com o pai, sendo 6 alunos confirmaram a presença de um padrasto na família). Apesar disso, os alunos não se manifestaram sobre o assunto, expondo, na entrevista, a situação familiar em que viviam. Na turma C, os relatos são igualmente simples, mas apontam para a possibilidade de aproximação entre a estrutura familiar representada na obra e a realidade comum dos adolescentes entrevistados. F9c: eu conheci meu pai quando eu tinha seis anos. Pesquisador: seis anos e aí você achou a sua história parecida com a de Daniel ou não? F9c: não. M4c: eu tenho uma história assim conheci meu pai com seis anos também aí eu fui morar em São Paulo. F4c: um (amigo) que não conheceu o pai. Pesquisador: e veio conhecer depois? F4c: não. Pesquisador: e está com quantos anos essa pessoa? F4c: treze. Quando questionados sobre a situação de Daniel e Mim, que procuraram dar apoio ao amigo Lucas, na difícil situação de ser injustamente acusado de roubo na escola, um aluno conta: M2c: ah um colega meu lá que estava passando por uma situação difícil aí eu fui dar um apoio pra ele porque ele estava precisando. Pesquisador: e que apoio foi esse? M2c: apoio moral dica assim sabe? 167 5.2.3.4 Normas de comportamento Em função do relativo pedagogismo infiltrado na narrativa de Antes que o Mundo Acabe, analisado em capítulo anterior, o comportamento das personagens, seus hábitos, valores e atitudes acabam sugerindo ao leitor certas normas de comportamento. A assimilação ou a recusa dessas normas são processos naturais de toda leitura e ambas as atitudes estão relacionadas à própria experiência estética, em virtude do fato de que o prazer estético, para Jauss, não se afasta do conhecimento e da ação, conferindo à arte o potencial emancipatório. Nas entrevistas, os alunos eram motivados a emitirem opiniões sobre as ações das personagens e sobre os valores implícitos em suas atitudes. Vejamos, inicialmente, como avaliavam a configuração familiar que envolvia o protagonista. Pesquisador: (…) vocês consideram essa família normal? (aluno): sim. (outro aluno): não. M3a: sim é normal cê ter o pai e a mãe separados o que mais tem no mundo é isso. Pesquisador: (…) e o que vocês acharam de ter o Antônio como padrasto do Daniel? M2a: eu achei legal o Antonio como padrasto do Daniel. Pesquisador: você acha que ele é um bom padrasto? M2a: ((sim com a cabeça)) Na turma B, ouvimos: Pesquisador: (…) vocês acham isso uma família normal ou diferente? F4b: meio diferente professor porque família é pai mãe e irmã ah sei lá. Pesquisador: isso para você é normal ou diferente F4b? F4b: normal. M12b: diferente. Pesquisador: por que diferente? M12b: porque família tem pai e mãe não tem padrasto. Pesquisador: ah:: e alguém vive em uma família assim sem pai com padrasto? F4b: eu. Pesquisador: e com avó? quem mais tem uma família parecida com a de Daniel? que mora com mãe e padrasto? e com pai e madrasta? (aluno): eu morava. Pesquisador: e você achava normal? (aluno): ((fez não com a cabeça)) Pesquisador: você achava diferente? F4b: eu acho normal mas é diferente. E na turma C: Pesquisador: acham uma família normal ou diferente? quem acha normal? M6c: ah é normal só o abandono é diferente. (…) 168 Pesquisador: (…) você acha sua família normal ou diferente então? F4c: diferente. (…) porque normal é um pai uma mãe e um filho. (…) M1c: eu moro com minha mãe meu pai e meu irmão. Pesquisador: isso é uma família normal? M1c: é. M2c: eu moro com minha mãe meu padrasto e minha mãe e vivo duas vidas uma com minha mãe e outra com meu pai. Pesquisador: e você acha sua família parecida com a de Daniel? e é normal ou diferente? M2c: parecida e normal. Ainda sobre o problema da estrutura familiar, vale notar a apreciação que os alunos fizeram do desfecho da história. Pesquisador: vocês mudariam o final para terminar de outra maneira? (…) M3a: o pai dele professor ( ) que o pai dele voltasse com a mãe e o padrasto. Pesquisador: por que você gostou [do final] F4b? F4b: porque ele encontrou o pai. F4c: eu não gostei porque ele foi viajar com o pai dele e ele nem conhecia o pai dele. M5c: sim gostaria que a família ficasse todo mundo junto. Pesquisador: você queria quem junto? M5c: o pai do Daniel a mãe e o Daniel. Pesquisador: e o padrasto? M5c: não ele não é nada é o Daniel que é o mais falado na história. Os comentários dos alunos a respeito do relacionamento entre Daniel e Mim revelam a visão previsível dos adolescentes sobre o namoro e sobre o “ficar”. Pesquisador: (…) como era o relacionamento de Daniel e Mim o que eles eram afinal? (aluno): namorados. Pesquisador: eram namorados Daniel e Mim? Todos: eram. F9a: não eram enrolados. Pesquisador: por que eram enrolados? F9a: ((fica de cabeça baixa)) Pesquisador: (…) e o que vocês acham disso? F4b: legal porque não tem responsabilidade. Pesquisador: é:: F1b? F1b: muito bom. F9c: eles tinham um tipo de um (enrosco) não tinham um relacionamento fixo. Pesquisador: como é que a gente chama isso F8c? F8c: ficante. (…) Pesquisador: e o que vocês acham disso desse ficar e não namorar? F8c? 169 F8c: legal. Pesquisador: por que legal? F8c: porque se você quiser terminar primeiro você vai ter que terminar para depois ficar. Pesquisador: mas você está falando do ficar ou do namorar? F8c: ficar. (…) M2c: ficar é legal porque você não tem compromisso você ficou com uma pessoa hoje amanhã você pode ficar com outra. (…) F3c: é por causa desse compromisso que eu não gosto de namorar. Outros aspectos do comportamento adolescente foram comentados pelos alunos. Na turma B, dois alunos afirmam ter gostado do episódio em que ocorre uma briga entre Daniel e Strosmann: M3b: da parte da briga também. Pesquisador: por quê? M3b: ah não sei é legal. Pesquisador: e do que vocês não gostaram do livro por exemplo ai professor não gostei disso do que vocês menos gostaram hein? F4b do que você menos gostou? M2b do que você mais gostou? M2b: da briga. Na turma C, um aluno se queixa da presença de alguns palavrões no texto e sua opinião é muito elucidativa sobre a crença que os leitores possuem na capacidade dos livros (e talvez da arte em geral) em influenciar comportamentos: Pesquisador: (…) do que menos vocês gostaram? M5c: tinha alguns palavrões. Pesquisador: por exemplo:: M5c: ai esqueci tinha uns tipo filha da::: Pesquisador: e por que você não gostou? M5c: porque tem algum livro que tem isso? Pesquisador: então você acha que em livro não pode haver palavrões? M5c: é. Pesquisador: por que não pode haver palavrões no livro? M5c: porque é uma coisa pra todo mundo ler vai que tem gente que não gosta de ler assim:: Pesquisador: e para você por que você acha isso ruim? M5c: incentiva. No mais, os comentários dos leitores sobre as personagens mais secundárias foram superficiais, isto é, algo que houvesse de incomum, impróprio, exemplar ou depreciativo nas atitudes de alguma dessas personagens, passara talvez desapercebido na leitura desses jovens. Ressalta-se apenas a reprovação de alguns alunos diante da tardia decisão de Daniel-pai em procurar pelo filho. Contudo, outros alunos confessavam admiração pela mesma personagem em seu perfil aventureiro. A incapacidade da mãe de Daniel em ajudá-lo nos dilemas vividos em virtude do reaparecimento do pai foi julgada apenas por uma 170 aluna (F9c: ai professor ela era muito chorona qualquer coisinha ela chorava parece minha mãe). De modo geral, fica evidente sobretudo que o apelo latente que o livro faz para a valorização dos laços afetivos, familiares e fraternais, atingiu os leitores em questão, o que se percebe pelo desejo manifesto por alguns em ver a família (pai, mãe e filho) reconstituída. Por outro lado, esses mesmos alunos não se sensibilizaram diante da figura amistosa do padrasto Antonio, ignorado na idealização que fizeram de um desfecho que julgaram mais feliz. Quanto aos laços de amizade, pôde-se notar a caracterização que fizeram de Mim, Daniel e Lucas, apreciando gestos altruístas, ainda que esses leitores não tenham sido capazes de avaliar a imaturidade inicial de Daniel, hesitante a frente do problema sofrido pelo amigo Lucas. 171 5.2.3.5 Dados quantitativos das entrevistas As tabelas abaixo mostram aquilo que é perceptível na leitura das entrevistas: a diferença qualitativa da leitura entre as turmas B, A e C, nessa ordem, progressivamente. Isso pode ser comprovado pelo número de palavras emitidas pelos alunos durante cada entrevista, pela extensão média das respostas, pelo número de participações individuais etc. Esses dados foram obtidos a partir de um trabalho de transposição das falas para planilhas (Microsoft Office Excel), utilizando funções matemáticas de contagem de palavras e médias aritméticas. Tabela 6 – Número de palavras proferidas 7ª A Número de Palavras Extensão média das respostas (em número de palavras) Número de respostas com mais de 5 palavras Com menos de 10 palavras Com menos de 3 palavras Número de enunciados proferidos pelos alunos 7ª B 1437 6,0 93 41 75 241 7ª C 1018 5,5 67 25 67 186 2490 8,1 166 78 70 306 Tabela 7 – Índices de participações 7ª A Número de participantes ativos na entrevista Número médio de participações por aluno Número de alunos com menos de 10 participações Número de alunos com mais de 9 participações Número de alunos com mais de 19 participações 7ª B 17 11,4 10 7 3 7ª C 14 11,9 7 7 3 18 15,6 7 11 6 172 Tabela 8 – Número de participações individuais, turma A Turma A Alunos Participantes da Entrevista Códigos 1 M1a 2 M2a 3 F1a 4 F2a 5 F3a 6 F4a 8 M3a 9 M4a 10 M5a 11 M6a 17 M9a 20 F7a 25 M13a 26 M14a 28 M15a 29 F9a 30 M16a Número de participações 3 48 6 11 12 1 14 8 1 8 1 7 1 21 39 2 11 Tabela 9 – Número de participações individuais, turma B Turma B Participantes da Número de Entrevista participações Alunos Códigos 1 F1b 3 F2b 4 F3b 5 F4b 7 F6b 10 M2b 11 M3b 14 F7b 18 M6b 19 F9b 25 M7b 30 M11b 31 F11b 32 M12b 4 13 23 42 1 21 14 7 5 9 10 2 4 12 173 Tabela 10 – Número de participações individuais, turma C Turma C Alunos Participantes da Entrevista Códigos 2 F1c 4 M1c 5 F2c 6 M2c 8 M4c 9 F3c 10 M5c 11 M6c 12 M7c 14 F4c 17 F5c 18 F6c 19 F7c 20 F8c 21 M9c 23 F9c 25 F10c 28 M12c Número de participações 15 13 5 47 21 18 32 21 1 29 16 1 5 18 4 24 8 2 174 5.3 Estudo da recepção Antes da análise propriamente dita, é útil explicitarmos quais ferramentas teóricas e metodológicas serão aplicadas, considerando o eixo teórico básico do projeto. A atividade compreenderá a tentativa de transferência dos fundamentos da Estética da Recepção para uma releitura interpretativa das fichas e das entrevistas, que se somam aos dados etnográficos colhidos nos questionários aplicados aos alunos das turmas selecionadas. Assim, retomando a descrição realizada na seção anterior (Cf. 5.2), a interpretação que se pretende dos dados coletados será subdividida nos seguintes itens fundamentais: 1) Horizonte de expectativas; 2) Concretização; 3) Função comunicativa; e 4) Processos de identificação; Apoiaremo-nos também nas formulações de Jouve (2002) sobre a leitura “inocente” e a leitura “experiente”, no sentido de que a primeira é entendida como aquela em que o leitor é capaz de acompanhar apenas o desenvolvimento linear da narrativa; e a segunda se configura “quando o leitor, ou melhor, o ‘releitor’, pode utilizar seu conhecimento aprofundando do texto para decifrar as primeiras páginas à luz do desfecho” (ibidem, p. 28). No entanto, restringimos o sentido de “releitor” ao considerarmos como uma “releitura” o momento da elaboração do resumo do enredo nas fichas de leitura e o momento do debate nas entrevistas gravadas, já que o aluno deve por seu conhecimento adquirido sobre o livro a serviço de uma compreensão menos superficial e de uma reorganização dos elementos apreendidos outrora espontaneamente. Também nos será muito útil a categorização que Vera Maria Tietzmann Silva (2009) elabora sobre os tipos de leitores, pensando nas fases pelas quais o estudante da Educação Básica deve passar. Pré-leitor (apenas ouve uma narrativa a ser lida ou contada; ou lê uma narrativa guiado pela sequência de suas imagens ou, ainda, com a ajuda de um adulto); Leitor iniciante (lê sem ajuda de textos breves e facilitados); Leitor em processo (lê textos de dificuldade média, seja em relação ao vocabulário, à construção narrativa ou ao uso da linguagem); Leitor fluente (lê textos mais extensos e complexos); Leitor competente (lê textos mais complexos e é capaz de reconhecer artifícios de construção, bem como estabelecer conexões entre diversas leituras); Leitor crítico (lê com total autonomia textos de qualquer extensão, identificando alusões e subentendidos, assim como estabelecendo relações entre o texto lido e a realidade que conhece em suas vivências diárias de 175 cidadão, sendo inclusive, capaz de emitir juízos críticos sobre o texto lido). (SILVA, 2009, p. 25) 5.3.1 Horizonte de expectativas Com base nos dados socioeconômicos dos alunos estudados, sondando os valores cultivados por eles, poder-se-ia inferir o provável conhecimento que os mesmos disponham sobre o gênero literário estudado, sobre os procedimentos narrativos, sobre os temas e estilos mais apreciados etc.; além de nos fornecer pistas sobre as injunções de caráter social, intelectual, ideológico e afetivo presentes no ato da leitura. Com isso, refletiríamos sobre a medida com que a obra corresponde, rompe e amplia o horizonte dos alunos. Os dados do questionário socioeconômico demonstram que o objeto livro ocupa um reduzido espaço na vida desses jovens, tanto porque as visitas à biblioteca são pouco incentivadas (por pais e professores), comoporque o consumo desse bem cultural não seja propriamente valorizado, principalmente em famílias de baixa renda e com pouco nível de instrução. Gráfico 23: Significado da leitura para os alunos das turmas A, B e C. 176 A leitura, no sentido amplo, é qualificada pelos alunos principalmente pela relação com o conhecimento e com o prazer. Visivelmente dispensam-na como uma prática obrigatória e os aspectos negativos (esforço, tempo e tédio) são apontados por uma minoria média de 27%. Por outro lado, realizando um recorte daqueles não consideraram a leitura uma atividade prazerosa, 29%, pode-se inferir que boa parte dos que reconhecem sua importância para o conhecimento talvez o façam à distância, isto é, acham-na interessante, útil ao amadurecimento intelectual, mas não a praticam ou leem por obrigação. Na avaliação que os alunos fizeram sobre o contato com a leitura nos diferentes períodos da vida, constata-se um aspecto positivo: é progressiva a aproximação dos jovens entrevistados com a leitura, sobretudo com a entrada na puberdade. Gráfico 24: Variantes da prática de leitura por faixas etárias Na perspectiva dos alunos, a fase pela qual passavam à época da pesquisa correspondia ao período em que, em sua maioria, mais liam (na interpretação que pode ser feita da série “Lia menos do que hoje”, representada pela cor verde). Em torno de 30% apenas afirmaram que liam mais antes da idade que possuíam na ocasião da entrevista, isto é, antes dos 13 anos de idade. De qualquer modo, ainda nessa época, liam pouco, visto que, em outra pergunta, apenas 31% afirmaram frequentar a biblioteca sempre, sendo que muitos admitiram que frequentemente não liam os livros que levavam para casa, ou liam-nos parcialmente apenas. 177 Sobre suas preferências ao retirarem livros da biblioteca escolar, grande parte opta por poesia (31%) e narrativas de ficção (24%). Quando questionados sobre os gêneros que gostariam de ter a disposição em maior número na biblioteca da escola, temos as seguintes respostas: Tabela 11 – Preferências dos alunos sobre as obras da biblioteca aventuras/ policiais/suspense histórias em quadrinhos poesia romances literatura juvenil ficção científica pesquisa escolar religiosa literatura infantil 46% 41% 33% 31% 28% 28% 21% 8% 7% Com isso, se pode concluir que há significativa expectativa por parte dos alunos por um contato maior com a literatura, na forma de poesia ou de narrativa. As histórias em quadrinhos ocupam ainda posição privilegiada entre suas preferências, o que sinaliza para a necessidade de projetos de leitura que propiciem a esses leitores a passagem de textos “facilitados” para aqueles de estrutura mais complexa. A respeito das possíveis injunções (sociais, intelectuais, ideológicas, culturais e afetivas) que atuam sobre a leitura, relembremos os dados já mencionados (conf. capítulo 5.2.1.1.). No quadro social, pudemos notar uma realidade complexa: heterogeneidade na divisão de classes econômicas (com predominância de famílias de baixa renda); pais com baixa instrução escolar, mas que vivem atualmente uma condição relativamente favorável no mercado de trabalho; são adolescentes com pouco acesso aos produtos culturais mais sofisticados, bem como meios de formação intelectual complementar. Conciliando esses dados às respostas dadas na entrevista e nas fichas de leitura, é possível estabelecer algumas relações. As questões ligadas às classes sociais representadas no livro não foram comentadas pelos alunos nas entrevistas. Deve-se reforçar que a questão compreende uma dimensão que possui certa importância no enredo: o protagonista Daniel, estudante de um colégio particular tradicional, é o melhor amigo de Lucas, que fora menor abandonado e, sendo adotado por um casal de classe média, passa a estudar no mesmo colégio na condição 178 de bolsista. No resumo que devia ser feito na ficha de leitura, apenas uma aluna e um aluno da turma C ressaltam a condição social de Lucas: Lucas foi incriminado de roubar uns telescópios da escola cortaram a bolsa dele por isso ele foi estudar em um escola pública, pois seus pais adotivos não tinham dinheiro para pagar a escola. (f4c) Eu contaria que o Lucas foi adotado de uma Febem que ficou amigo do Daniel (m8c) Daniel expõe uma visão crítica sobre a sua escola e as pessoas desse meio, demonstrando desprezo pela elite ostensiva e indiferente, da mesma maneira como ironiza o ideal de uma escola de “alto nível”. No entanto, quando questionados, na entrevista, sobre o que acharam das pessoas da escola de Daniel, os alunos se limitam a queixar-se da injustiça sofrida por Lucas, devido à acusação de que havia roubado os microscópios, sem relacionar o fato a qualquer indício de preconceito social, ainda que essa interpretação esteja claramente sugerida pelo próprio narrador, que ressalta a discriminação de que o amigo é vítima frequentemente no colégio. A injunção intelectual implicada na atividade leitora poderá ser melhor analisada no capítulo em que trataremos da concretização da leitura. Por hora, ressalta-se que muitos alunos consideraram a obra de 136 páginas longa e muitos confessaram ter feito a leitura parcial. A partir disso, antevemos prováveis deficiências com relação às competências mobilizadas para a experiência de leitura de uma narrativa literária mais extensa do que os contos com os quais talvez estejam mais habituados nos livros didáticos. Apenas na turma C algumas alunas comentaram durante a entrevista que já haviam lido obras mais extensas, tendo mencionado livros da série Harry Potter e o romance Capitães de Areia, de Jorge Amado. O sistema de referências de Antes que o Mundo Acabe oscila entre o familiar e o novo, em relação ao provável conhecimento de mundo do jovem leitor. Ao lado das referências familiares temos: a. as práticas sociais (escola, principalmente) e padrões de consumo (“coca-cola”, cybercafé, escola privada etc.) tipicamente valorizados pelos adolescentes; b. estrutura familiar e relações afetivas (namoro, amizade, paternidade); c. cenário urbano; d. linguagem informal; 179 e. temas como ecologia, feminismo, neonazismo (e bullying), drogas, sexualidade e desigualdade social. Na esfera das referências novas (não familiares) encontramos: a. certos padrões de consumo menos convencionais (como já comentado a respeito do gosto musical de Daniel e da culinária de Antônio); b. noções geográficas e políticas sobre a Ásia e o Oriente Médio; c. temas como globalização, multiculturalismo, conflitos civis; d. reportagem fotográfica e técnicas de fotografia. A novela traz em seu projeto uma proposta multiculturalista, por meio da figura de Daniel-pai, um repórter fotográfico que resolve viajar pelo mundo registrando imagens das diversas culturas, principalmente minoritárias, exóticas e distantes do mundo ocidental capitalista. Nesse aspecto, agrega um sistema de referências distanciado talvez do universo cultural dos alunos que participaram dessa experiência de leitura. Aliás, é de se imaginar que o único reconhecimento provável que os mesmo possam ter das culturas mencionadas na narrativa seja em função do que veem pela televisão ou pelo currículo escolar, especialmente nas disciplinas de Geografia e História. De qualquer maneira, trata-se, evidentemente, de um conhecimento restrito. No entanto, a estrutura narrativa parece dar conta disso. A entrada nesse universo multicultural é gradual: a própria estranheza de Daniel ao reconhecer um envelope remetido da Tailândia parece criar uma correspondência com a surpresa que isso possa causar no jovem leitor. O amplo universo é aberto também para Daniel através das cartas do pai, que vai pacienciosamente lhe contando as peculiaridades de uma selva na Tailândia; depois, rememora sua passagem pelo Líbano e outros países. O jovem protagonista, ainda que demonstre possuir uma bagagem cultural privilegiada, revelase ignorante de muitas das informações trazidas pelas cartas e generosas legendas que acompanhavam as fotografias. Vislumbrado pelas novidades, pesquisa, procura por um jornalista amigo de Antônio, a fim de obter mais informações. Enfim, cumpre o papel didático ao corresponder às exigências do jovem leitor (estratégia habilmente mobilizada pelo autor), que passa então a participar desse feliz momento de Daniel, em sua descoberta de um mundo 180 maior que seu bairro 66. Nesse momento da narrativa, a sugestão de uma norma de comportamento é evidente: incute a noção de que o conhecimento está à disposição do jovem (na internet, nas bibliotecas e nos adultos), mas sinaliza (um recado importante aos agentes da Educação formal) que o adolescente precisa também de motivações íntimas para se instruir, desenvolver a paixão pelo aprendizado. Ao tratar dessa passagem nas entrevistas, não se reconhece o efeito talvez pretendido pelas cenas em que Daniel vai a uma biblioteca e a um cybercafé pesquisar e na qual conversa com um jornalista sobre as guerras no Líbano. Pelo menos os alunos da turma A não se lembravam desses fatos; na turma B, um aluno se recordava do episódio do jornalista, mas se equivocou na explicação sobre que tipo de ajuda Daniel buscava; na turma C, um aluno apresenta uma explicação singela sobre globalização (M1c: é um mundo ligado com o outro é um país ligado com o outro.) e outros dois negam que o desconhecimento desses assuntos tivesse atrapalhado a leitura. Mas vale reproduzir o trecho da entrevista da turma C, verificando mais uma vez o melhor desempenho dos alunos dessa turma. Pesquisador: mas se houve dificuldade em compreender essas coisas isso atrapalhou ou dificultou a compreensão do livro? M12c isso atrapalhou ou não? M12c: ((faz não com a cabeça)) Pesquisador: M6c? M6c: não precisou daquilo para entender o livro. Pesquisador: e o Daniel ele sabia o que eram essas coisas? o Daniel sabia o que era globalização fundamentalismo guerra no Irã Líbano? e o que ele fez? F4c: ele pesquisou. Pesquisador: e como ele pesquisou? quando o pai dele falou da guerra do Líbano o que ele fez? (alguns alunos): procurou um jornalista. Pesquisador: como ele chegou ao jornalista? F9c: ele foi até o escritório e encontrou o jornalista. Do ponto de vista afetivo, a composição familiar comum a esses jovens aponta para uma aproximação interessante para o que se encontra no enredo do livro lido, como podemos visualizar no gráfico abaixo: 66 Em uma referência ao título de um dos capítulos de Cademartori (2009), “O mundo é maior que meu bairro”, ao tratar da literatura juvenil. 181 Gráfico 25: Estrutura familiar dos alunos das turmas A, B e C. A ausência do pai biológico e a presença de um padrasto em casa são situações vividas por uma parcela significativa desses adolescentes. Certamente que a identificação com o quadro familiar vivido pela personagem Daniel não se daria de forma direta, mas pode suscitar durante a leitura um diálogo com valores em comum e alimentar anseios pré-existentes pela reestruturação familiar. Podemos retomar as impressões que apresentaram nas fichas e entrevistas sobre as perspectivas sociais e afetivas, principalmente, em função da leitura de Antes que o Mundo Acabe. Recordemos que alguns alunos manifestaram o desejo de que o desfecho da história apresentasse a reconciliação da família original de Daniel (ignorando, inclusive, a presença do padrasto). Outros se mostraram bastante condescendentes e compreensivos com a figura de Daniel-pai, desculpando-o pela longa ausência. Muitos apontaram a relação pai e filho como tema central da história. 182 5.3.2 Concretização Aqui nos propomos a avaliar de que modo esses alunos foram capazes de transferir para a obra suas experiências e seus conhecimentos em favor da compreensão, preenchendo vazios ou pontos de indeterminação, ora da estrutura narrativa, ora da caracterização das personagens; avaliando as capacidades de interpretação, de produção inferências, de apreensão dos detalhes e de elaboração de relações lógicas entre elementos do enredo. Contudo, sem perder de vista de que modo esses movimentos interpretativos estão previstos ou orientados no próprio texto literário. A estrutura da narrativa em Antes que o Mundo Acabe possui relativa complexidade, devido aos seguintes itens: a. ocasionais rupturas da linearidade narrativa (por digressões ou flash backs); b. presença de dois narradores: Daniel (o filho), o jovem que relata seus acontecimentos e compartilha com o leitor suas dúvidas, anseios e outras emoções, e Daniel (o pai) que, por meio de cartas, conta sua história presente e passada; c. duplicidade de tempo (o presente dos acontecimentos e o passado das memórias, principalmente do pai, mas também na voz do padrasto) e de espaço (uma cidade brasileira onde se encontra o jovem e a Tailândia que abriga temporariamente o pai, que, aliás, também relata suas viagens por vários lugares do mundo); d. constantes monólogos interiores do narrador adolescente, que algumas vezes suspende a lógica dos acontecimentos e instaura a dúvida sobre a continuidade dos fatos; e. diversidade de gêneros textuais (a própria novela, as cartas, fotografias, as legendas que acompanham as imagens e até mesmo um texto instrucional, em que Daniel dá dicas, aprendidas com seu pai, sobre como fotografar bem). Notam-se também alguns vazios ou pontos de indeterminação. O modo como se desvendou o responsável pelo roubo dos microscópios, por exemplo, fica implícito na passagem em que Daniel volta-se para uma fotografia que tirou do colégio e nota a ausência do vilão Strosmann no local em que deveria estar; o que não está dito, mas subentendido pelo contexto e pela sequência, e explicado (sem muita clareza) apenas dois 183 capítulos mais tarde. Outro caso: a decisão final do protagonista em aceitar o convite do pai para uma expedição no México é revelada pela foto de Daniel, trajado como um fotógrafo profissional, ao lado de um jatinho, com uma legenda que informa o Aeroporto de San Cristobal, no México, e a identificação “EU”. Sobre a confusão no resumo dos alunos ao citar os personagens, principalmente Daniel e Lucas, podemos analisar que, apesar das marcas muito explícitas de um narrador em primeira pessoa, Lucas ocupa, na abertura do livro, o centro do relato, pois o narrador inicia contando que precisa ir à casa do amigo para lhe dar apoio. O nome Lucas (com as variações Luke, Luca, Lucão e Maluke) é dito vinte e uma vezes durante o primeiro capítulo; nove vezes antes que o nome Daniel seja pronunciado na própria fala, como se, finalmente, o narrador estivesse se apresentando ao leitor: “Sou eu, Daniel. A gente é amigo, lembra?” (p. 6). Somando o fato de que, a partir do segundo capítulo, a história de Lucas será colocada em segundo plano, em virtude da chegada da carta, e o nome Daniel poucas vezes será dito (devido ao relato em primeira pessoa), é provável que em uma leitura pouco concentrada, ao longo de algumas dezenas de páginas, o aluno mantenha na memória a centralidade da figura de Lucas. Algo que em um texto curto, como um conto, talvez não acontecesse, por facilitar a retomada de suas partes. Assim sendo, uma estrutura narrativa mais ou menos complexa poderia oferecer certa dificuldade para leitores “inocentes” (Jouve) ou “iniciantes” (Silva), obrigandoos à releitura. Além disso, consideraríamos o “leitor fluente” aquele capaz de ler textos mais extensos e complexos até mesmo que a novela estudada. Mesmo quando o assunto é o relacionamento entre Daniel e Mim, a conversa demonstra que os alunos não se puseram a refletir muito no que liam. Os alunos não foram capazes de explicar porque Daniel não se sentia bem com a situação indefinida no relacionamento, nem puderam relacionar o desprendimento de Mim, que investia muito mais nos seus compromissos particulares, especialmente a banda de rock, do que no namoro. Assim como não foram capazes de perceber que Daniel foi incapaz de dar a ajuda necessária para o amigo Lucas, quando este precisou. Aliás, é certo sentimento de culpa que motiva o protagonista a esforçar-se ao máximo para limpar o nome do amigo no colégio, algo que só ocorre no final da história. No início, Daniel foi recalcitrante, atrapalhado, e contou com a compreensão de Lucas de que não podia fazer nada. Mas tudo isso passou despercebido pelos leitores em questão. E na compreensão de passagens um pouco mais complexas do enredo, como a revelação do verdadeiro ladrão, poucos alunos contribuíram, cabendo apenas àqueles que 184 demonstraram na ficha e na entrevista terem lido (realmente) o livro inteiro e um nível de interpretação mais satisfatório. No desfecho, quando são narradas de maneira frenética as surpresas pelas quais passa o protagonista (ao chegar a casa, vê a mãe ao telefone, conversa com o pai e recebe o convite para uma expedição ao México, junto com o presente que se encontra sobre a mesa: um kit de fotógrafo), as dificuldades de compreensão são as mesmas. Muitos alunos não apreenderam o fato de que o convite fora feito em um telefonema, nem compreenderam a presença de uma fotografia na última página, em que a legenda revelava a decisão de Daniel, viajando para o México com o pai. 5.3.3 Função comunicativa Como consequência do item anterior, a função comunicativa de uma obra pode ser medida pelo seu potencial em dialogar com o público leitor. Em nosso caso específico, poderíamos observar as nuances dessa comunicação estabelecida entre uma obra declaradamente juvenil e os leitores que, ao mesmo tempo particularizados, são representantes do público juvenil. Vimos nas fichas de leitura alguns alunos destacarem o potencial de Antes que o mundo acabe em dialogar com os leitores adolescentes, exemplificando a função comunicativa da obra juvenil. Por outro lado, notou-se como as dificuldades em enfrentar uma narrativa “longa” (para os padrões com os quais esses jovens leitores estão habituados) interferem na concretização do sentido da obra, distorcendo fatos e personagens. Tomemos por premissa a ideia de que sem a concretização (em sentido estrito: sem compreender o que se lê) não há diálogo eficiente entre obra e leitor, de modo que a função comunicativa da obra não se evidencia. Ressalta-se que a maior dificuldade em encontrar indícios seguros para esta questão é que são raros os alunos que fizeram apreciações críticas sobre a obra, sobre a linguagem ou sobre o enredo. Na maior parte das vezes, empregavam apenas elogios resumidos a certos clichês típicos, como “interessante”, “muito bom”, “legal” etc., expressões de sentido vago e que denunciam imaturidade crítica. A participação dos alunos, especialmente na entrevista, pode ser um indicador interessante para se analisar o potencial da obra em se comunicar com os leitores. Ou seja, levantamos a hipótese de que o nível de “animação” das conversas indica o prazer 185 que a leitura proporcionou. Valendo-se disso, constatamos que a função comunicativa da obra (ainda que inscrita nas suas qualidades temáticas e estilísticas) não é algo dado, pronto e imutável. Sofre variações de acordo com as injunções sociais, intelectuais, culturais, linguísticas e afetivas de determinado grupo de leitores ou de um leitor específico. Mas, além disso, tratando-se de uma turma de alunos, a função comunicativa sofre também a interferência das relações de grupo (por exemplo, o potencial de alguns alunos em exercer influência sobre a opinião dos demais), da relação entre o professor e a classe (incluindo o modo como este apresentou o livro e deu sequência à leitura), da prévia apreciação que os alunos tenham do professor, da escola, da atividade de leitura, do livro, do autor, enfim, seus preconceitos e valores pré-concebidos. Essas considerações tornam-se importantes sobretudo quando nos preocupamos em compreender as razões que justifiquem as diferentes maneiras como cada uma das turmas entrevistadas reagiu à leitura. Em síntese, perguntaríamos: por que razão os alunos da turma C foram tão mais participativos e generosos em suas respostas, tão mais competentes em suas apreciações, do que os alunos da turma B? Por que os alunos da turma B deixaram transparecer que pouco compreenderam da obra, que quase não a leram praticamente, e que a conversa sobre o livro não os animava? Por que os alunos da turma A, ainda que pouco tenham compreendido do que leram, foram relativamente ainda mais participativos que a turma B? Para esclarecer a problemática que aqui se coloca e restringirmos o foco de análise, tomemos como ideia base a crença de que a função comunicativa de uma obra só se evidencia na leitura concreta promovida por uma comunidade de leitores. Mas, analisando os diferentes desempenhos das três turmas de alunos, reforçamos o conceito de que essa função não reside na obra em si, mas no denominador casual que se encontra entre a obra (com seu potencial comunicativo) e o horizonte de expectativas dos seus leitores reais. Nesse termos, constatamos que o potencial que a obra Antes que o Mundo Acabe manifesta em se comunicar com o público juvenil dos nossos tempos encontrou respostas mais significativas na turma C, para a qual o gosto pela leitura ficou mais evidente, tomando como indícios o interesse dos alunos em falar sobre a história, sobre as personagens; a habilidade de comparar os fatos do enredo com suas próprias vidas, projetando seus anseios na experiência de leitura; considerando o nível de compreensão mais satisfatório, quando estabeleciam relações entre as ações do enredo, faziam inferências e mostravam-se capazes de preencher certos pontos de indeterminação da narrativa. Elementos não identificáveis na turma B, e reconhecíveis, em proporção muito menor, na turma A. 186 Não pretendemos, portanto, adentrar no terreno incerto dos valores, das experiências anteriores de leitura e das dimensões socioafetivas (em relação a si mesmos, à escola e aos professores) de cada uma das turmas, a fim de se explicitarem as variantes que determinaram os diferentes resultados nas três turmas, posto que, além de exaustiva, essa análise demandaria o conhecimento de dados não coletados, por meio das fichas, das entrevistas ou do questionário socioeconômico. O que se pode inferir é em que estágio, no processo de formação de leitores, se encontra a maioria de cada uma das turmas. Isso é possível porque, retomando os postulados de Jauss, o prazer não se desvincula do conhecimento, e este último alia-se à compreensão do que se lê. Logo, não se pode ter prazer na leitura de algo que não se compreende. Assim, nossa hipótese maior, para explicar as diferentes maneiras como cada turma reagiu ao potencial comunicativo inegável de Antes que o Mundo Acabe, está na própria condição em que cada turma se encontra no processo de desenvolvimento da competência leitora, transitando entre a leitura fluente, a competente e a crítica, nos termos de Vera Maria Tietzmann Silva (2009). Na turma C poderíamos identificar um maior número de leitores competentes, que leem textos mais complexos e são capazes de reconhecer os artifícios de construção narrativa, e mesmo alguns que se enquadrariam no perfil do leitor crítico, que, retomando a descrição de Silva, lê com total autonomia textos de qualquer extensão, identificando alusões e subentendidos, assim como estabelecendo relações entre o texto lido e a realidade que conhece em suas vivências diárias de cidadão, sendo inclusive, capaz de emitir juízos críticos sobre o texto lido (ibidem, p. 25) Os alunos da turma A são, como vimos, bastante heterogêneos, o que talvez explique o desempenho médio razoável, com diferentes performances de leitura. E a constatação a que podemos chegar, ao refletir sobre o caso da turma B, seria que alguns alunos talvez ainda estejam no estágio que a autora denomina de leitor em processo, aquele que seria capaz de ler apenas “textos de dificuldade média, seja em relação ao vocabulário, à construção narrativa ou ao uso da linguagem” (ibidem, p. 25). Assim, a dificuldade que esses alunos encontraram para compreender a leitura (algo observável na entrevista, Cf. seção 5.2.3.2), seria a principal causa para a apatia que notamos ao falarem do livro, o desinteresse pela reflexão e o pouco envolvimento com a própria circunstância da entrevista. 187 5.3.4 Processos de identificação com as personagens Motivados a falar das personagens da obra estudada, os alunos nos dão pistas sobre os processos de identificação, e seus vários níveis, presentes no ato da leitura. E é o modo como essa identificação ocorre (associativa, admirativa, simpatética, catártica e irônica) que determina o poder que a obra exerce em influenciar seu leitor, na proposta de normas de comportamento e na assimilação de ideologias. No questionário socioeconômico, os alunos nos fornecem dados sobre suas preferências e hábitos de leitura, o que possibilitará compreender tanto o nível de recepção (menos ou mais crítica, passando da identificação admirativa para a catártica, por exemplo) quanto às correlações possíveis entre a obra e o universo dos leitores. As personagens formam um grupo variado: adolescentes (dois meninos e uma menina), adultos (mãe, padrasto, pai e avó), além de tipos básicos do universo escolar. Contudo, no plano mais profundo da caracterização e das ideologias implícitas no discurso do narrador (ou dos narradores), há uma predominância masculina, como apontou Faria (2008, p. 244); é possível também visualizarmos uma dinâmica (às vezes tensa, às vezes não) entre gerações (avó, pais e filho); notamos ainda a presença de arquétipos (o aventureiro no pai fotógrafo, que esteve na guerra do Líbano, o “bom-mocismo” do jovem Daniel) e estereótipos (o “bad boy” Strosmann, a avó durona, a garota roqueira, o garoto pobre, bolsista em colégio de ricos que sofre discriminação); mas, acima dos tipos planos, há personagens esféricos, que será o caso de Daniel-pai (que se apresenta em franco processo de regeneração de sua paternidade) e do protagonista, obviamente. Vemos que Mim pareceu uma personagem interessante para essas alunas, revelando uma identificação admirativa, mas também chamou a atenção dos meninos por ser integrante de uma banda de rock. Mas notamos que as falas não são muito esclarecedoras sobre o modo como essa identificação interfere no processo de leitura. Isto é, trata-se de uma identificação meramente associativa, em que o leitor assume para si o papel do protagonista e é recompensado pelo prazer de (re)viver livremente. As indicações de alguns alunos parecem aleatórias, pelo menos não sabem explicitar as razões de determinadas escolhas. Questionando de outra maneira, quando pedimos para que o aluno descrevesse um personagem como se fosse falar para uma pessoa que não tenha lido o livro, a caracterização do protagonista é muito superficial, ainda que seja, 188 evidentemente, por qualificativos, o que nos permite classificar no tipo admirativo (provocando a admiração do leitor, que toma as ações do herói como exemplares) Alguns apontaram o Daniel-pai como o personagem mais interessante, e então notamos o ângulo pelo qual normalmente veem essa figura: pelo sofrimento e pela isenção da culpa. Nesse caso, é evidente a simpatia (identificação simpatética) do leitor com esse personagem, tendo piedade pelo herói imperfeito. Na ficha de leitura, houve aluno que incluísse um trecho da carta do pai, justificando que não teria abandonado seu filho. No entanto, cabe-nos destacar que os três tipos de identificação encontrados nesses fragmentos da entrevista com a sétima série A, associativa (com relação à condição vivida pelo protagonista), admirativa (diante de Daniel e de Mim) e simpatética (na contemplação do sofrimento do pai), correspondem a processos mais singelos, ao nível da leitura inocente. Por isso, tendem aos aspectos regressivos desses processos: fascinação coletiva, imitação, evasão, sentimentalismo e autoafirmação apaziguadora. Não que o livro não dê entradas para identificações catárticas ou irônicas, que conduzem à reflexão livre, à disponibilidade moral; que desenvolvem a criatividade do leitor, a sensibilidade e a reflexão crítica. Como vimos, há ambiguidades interessantes na construção dos heróis (pai e filho não são figuras perfeitas). Contudo, são nuances no plano da sugestão e, portanto, perceptíveis apenas para o leitor competente (Silva, 2009), aquele que é capaz de reconhecer artifícios da construção narrativa. De fato, o sentimentalismo e o anseio apaziguador, consequências da identificação simpatética, parecem explicar certo desconforto dos alunos diante da situação de separação dos pais de Daniel. Quase se esquecem da figura do padrasto, que era a grande referência paterna para Daniel, e gostariam de ver, como já analisamos, a reconstituição da família original. 189 6 CONCLUSÕES Queremos saber, O que vão fazer Com as novas invenções Queremos notícia mais séria Sobre a descoberta da antimatéria e suas implicações Na emancipação do homem Gilberto Gil Já foi dito que um projeto de pesquisa dessa natureza sempre apresenta motivações políticas e ideológicas muito evidentes. Uma dessas motivações é a crença de que a atividade científica deve dispor de uma franca função social. O comprometimento político também se revela no interesse em atuar sobre o contexto de um serviço público (em nosso caso, a Educação, mas igualmente acompanhamos trabalhos acadêmicos que realizam intervenções na área da Saúde Pública, Assistência Social, Segurança etc.). O posicionamento, que pessoalmente aqui é assumido, rejeita a ideia de que a academia possa debruçar-se exclusivamente sobre as elucubrações teóricas – principalmente, talvez, no campo das Humanidades –, ignorando a realidade social em que a instituição está inserida. Em se tratando de uma instituição pública de ensino superior, esse compromisso se torna ainda mais necessário. Numa época em que as grandes indústrias e empresas são compelidas a desenvolver projetos sociais, educacionais, ecológicos, nos municípios em que se instalam, a produção científica de um país com graves desigualdades como o Brasil estaria, no mínimo, na contramão do progresso social e econômico se se dedicasse prioritariamente à teoria pura. Em razão desse posicionamento, cumpre-nos refletir sobre quais contribuições concretas o projeto pôde oferecer à realidade social e educacional em que atuou. Porém, temos consciência de que alguns desses resultados não são mensuráveis, por exemplo, se nos questionamos: algum aluno desenvolveu realmente o gosto pela leitura, em razão da oportunidade que lhe oferecemos? Algum aluno passou a ler mais? Se a leitura oferecida não mudou seus hábitos, pelo menos contribuiu no seu desenvolvimento intelectual, cultural, afetivo? E as professoras envolvidas no projeto, o que aprenderam de fato com os encontros de formação? Quais ganhos a escola pode computar em consequência do projeto nela 190 desenvolvido? E, por fim, o professor-pesquisador pôde colher resultados para seu desenvolvimento profissional e intelectual? Pensando primeiramente na condição dos alunos, é essencial acreditarmos que a experiência estética oferecida pela leitura é um acontecimento importante na formação dos seres humanos. Mas para avaliar a experimentação estética no universo complexo da recepção, contamos apenas com os indícios da apreciação dos leitores diante das obras e, a partir daí, inferimos a ocorrência do triplo prazer definido por Jauss: o prazer criativo (poiesis), o sensitivo (aisthesis) e o emancipatório (katharsis). Por outro lado, considerando o postulado de Jauss de que o prazer não é um ato desinteressado, mas alia-se ao conhecimento e dele depende para a compreensão, pode-se supor de que modo as dificuldades de leitura (verificáveis nos registros escritos e orais e declaradas nos questionários socioeconômicos) prejudicam a fruição estética. Por essa razão, notamos as dificuldades em se promover a leitura no contexto escolar, ambicionando voos emancipatórios dos jovens alunos. Ainda que o projeto alcançasse uma segunda etapa, na qual se pensaria em intervenções mais diretas no desenvolvimento da competência leitora (buscando amenizar as dificuldades de leitura identificadas), há de se conformar que as meras ações de qualquer projeto, sozinhas, não bastariam. A diversidade de pesquisas sobre o assunto aponta para a complexidade de um projeto amplo para uma efetiva promoção da leitura na escola, devendo envolver diversas linhas de ação: formação de docentes; bibliotecas bem estruturadas (incluindo a formação do bibliotecário) e abastecidas de um acervo de qualidade; educação de base eficiente (garantindo, por exemplo, a alfabetização de todos os alunos até os sete anos), incentivos para a leitura em casa e para a valorização do livro fora da escola. Mas, além de tudo isso, parece iminente uma rediscussão sobre o lugar da literatura não apenas na escola como também na sociedade. Duas recentes publicações, Literatura em Perigo, de Todorov (2009), e Literatura para quê?, de Compagnon (2009), manifestam preocupações sobre o lugar da literatura na sociedade contemporânea, e seus autores chegam a tocar em questões ligadas ao ensino. Ainda que ambos discutam o problema de um modo, ao meu ver, um pouco distanciado da realidade das escolas, a publicação desses dois livros e sua tradução para o Brasil revelam como a questão é ainda muito premente, reforçando a justificativa das pesquisas na área. Ainda sobre os resultados do projeto em favor do desenvolvimento dos alunos envolvidos, lembremos que alguns deles confessaram nunca haver lido um livro inteiro 191 e a chance de fazê-lo em sala de aula (algo que, é claro, não necessitaria de nenhum projeto acadêmico para se realizar), pelo menos a chance oferecida por iniciativa dessa pesquisa, pôde adquirir talvez algum significado pessoal à formação desses leitores. Para mencionar um fato que motiva essas conclusões, recordo-me de uma fala de um dos alunos, simples, mas valiosa para o humilde orgulho de um docente. Pesquisador: (...) o que vocês acharam da ideia de trazer um livro para ler na sala de aula? quem vai responder? M6c? M6c: da hora. Pesquisador: o que é da hora M6c? M6c: a história que você trouxe. Pesquisador: o que você achou da ideia de escolher um livro não do livro em si ainda depois a gente fala do livro o que você achou do professor trazer um livro para vocês lerem? M6c: nova porque ninguém tinha feito isso com a gente ainda. A atividade de docência no ensino público nos acrescenta um importante sentimento humanitário, que estimula ações para a transformação não do sistema (algo que implica em ações políticas e administrativas), mas dos indivíduos com quem nos relacionamos mais diretamente. Isto é, almejamos a transformação de cada aluno, individualmente. Assim, um aluno apenas por quem o docente possa se sentir responsável direto em sua emancipação intelectual pode ser estatisticamente um dado insignificante, mas pessoal e profissionalmente é o que, muitas vezes, renova as nossas convicções educacionais e humanitárias. A contribuição que se pretendeu oferecer à escola e seus docentes da área era modesta: implementar o currículo do Ensino Fundamental com uma proposta à disciplina de Leitura e Produção de Textos. Procurava preencher algumas lacunas, seja no preparo das professoras para o trabalho com a leitura, seja no currículo oficial que, como foi exposto, traz uma indesculpável obliteração das narrativas literárias. Por fim, creio ter demonstrado neste trabalho uma dupla perspectiva: a do professor, que vivencia a realidade da escola pública e que, no labor cotidiano da sala de aula (em nenhum momento interrompido), investe nas suas convicções em favor de um ensino público de qualidade; e a de pesquisador, que procura na atividade científica o desenvolvimento profissional, porém ratificando a necessidade cada vez mais premente de que a produção científica ofereça soluções reais e imediatas para a sociedade. 192 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRIL DESPEDAÇADO. 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São Paulo: Senac, 2001. 197 ANEXOS 198 ANEXO A: Resenha de Luís Augusto Fisher, publicada na Folha Teen, de 3 de julho de 2000, na seção “Estante”. 199 ANEXO B Transcrição das entrevistas realizadas na 7ª A, na 7ª B e na 7ª C. 200 Transcrição da entrevista realizada com os alunos do 7ª série A da E.E. “Jardim Primavera” Livro: Antes que o mundo acabe Entrevistador: Fábio Coutinho Silva Entrevistados: Alunos (identificados pelo primeiro seguinte código: M ou F, para o sexo, número correspondente à ordem alfabética da lista dos entrevistados e letra correspondente à turma: a, b ou c) Turma A Participantes da Entrevista Alunos Códigos M1a 1 M2a 2 F1a 3 F2a 4 F3a 5 F4a 6 Não Participou 7 M3a 8 M4a 9 M5a 10 M6a 11 Não Participou 12 Não Participou 13 Não Participou 14 Não Participou 15 Não Participou 16 M9a 17 Não Participou 18 Não Participou 19 F7a 20 Não Participou 21 Não Participou 22 Não Participou 23 Não Participou 24 M13a 25 M14a 26 Não Participou 27 M15a 28 F9a 29 M16a 30 Total 17 Percentual 57% Pesquisador: ó então pessoal ah... é uma entrevista coletiva sobre o livro Antes que o mundo acabe que vocês estiveram lendo ao longo das três últimas semanas como é a entrevista coletiva? é uma conversa em sala de aula e eu farei umas perguntas para vocês sobre o livro vocês vão respondendo a medida que se sintam a vontade não é... muitas das respostas são coletivas está bem? é assim gostei ou não gostei ou (não sei) uma pessoa ou outra explica qualquer coisa ok? certo? (um aluno): está filmando já? Pesquisador: está filmando. (aluno): (estou com medo) de cometer um erro aí... oh... 201 Pesquisador: Oh:: pessoal a primeira coisa que eu gostaria de saber de vocês é o que vocês acharam dessa ideia do professor de leitura escolher um livro para que vocês lessem na sala de aula... o que vocês acharam disso? quem vai falar? o que achou do professor de leitura no caso escolher um livro para que vocês lessem em classe? (aluno): ah...sim... F7a: a professora deveria ter deixado a gente escolher o livro. Pesquisador: ô... pessoal só refazendo um pouquinho as regras a gente não vai conseguir escutar o que um fala se o outro estiver comentando e o tempo inteiro dando risada não é? (aluno): é mesmo professor. Pesquisador: certo. (aluno): meu deus até na gravação tem indisciplina na sala. Pesquisador: F9a voltando aí porque que você não achou legal? F7a: ah professor porque o senhor deveria ter deixado a gente escolher o livro para a gente ler. Pesquisador: e quem achou legal? M2a: eu. Pesquisador: porque M2a? M2a: porque ninguém tinha lido um livro inteiro aqui na sala... quase ninguém tinha lido um livro inteiro. Pesquisador: quem nunca havia lido um livro inteiro aqui na sala? ((M2a levanta a mão)) Pesquisador: um livro inteiro assim? ((Pesquisador pergunta novamente)) Pesquisador: bom... em um aspecto mais geral o que vocês acharam do livro que a gente leu? vamos começar pela F9a que não gostou da ideia de escolherem um livro para ela. F7a: não professor o livro é bem legal o comecinho dele eu achei interessante mas eu não terminei de ler. Pesquisador: quem mais? quem mais vai falar? (aluno): o livro é muito grande. Pesquisador: a pergunta ainda é o que acharam do livro? (aluna): legal interessante o livro. Pesquisador: vamos lembrar aquela regrinha levantar a mão e aguardar a vez para responder? ((pausa na gravação)) Pesquisador: bom mas se não responderam o que acharam do livro (se ficou difícil de entender) então eu pergunto de maneira mais clara gostaram da história que leram? quem gostou? gostou Marcelo? M13a: ah não gostei. Pesquisador: gostaram da história que leram? F7a: até onde eu li eu gostei professor. Pesquisador: hein? porque você gostou M2a? M2a: ah porque:: ( ) aquele assunto. Pesquisador: ih... o que você menos gostou na história? M2a: não tem parte que eu menos gostei não tem (parte) que eu não entendi não. Pesquisador: qual? M2a: o amigo do Daniel lá não sei começa a falar lá eu não entendo essa parte. Pesquisador: quem poderia falar a parte que mais gostou ou que menos gostou? ((Pesquisador repete a mesma pergunta)) M15a: o cachorrinho professor. Pesquisador: o cachorrinho? 202 M15a: um cachorrinho assim na foto ((gesto com as mãos)) depois em baixo tem uns negócio assim. Pesquisador: então foi isso e tem alguma coisa que você menos gostou? M15a: ah:: tem não professor. Pesquisador: não? ih:: algum de vocês achou assim que algum personagem alguma personagem fosse parecida com vocês? M15a: não. Pesquisador: alguém achou algum personagem na história parecido assim consigo mesmo? M15a: nada. Pesquisador: personagem da história? M15a: ah da história:: Pesquisador: alguém achou nossa:: esse personagem é parecido comigo alguém achou isso? (aluno): não. Pesquisador: alguém achou isso durante a leitura? (aluno): ((fez não com a cabeça)) Pesquisador: e se eu pedisse para pensar isso agora? acharia algum personagem parecido com você? não? (aluno): ((fez não com a cabeça)) Pesquisador: tem algum personagem que lembrou alguém que vocês conhecem nossa (aquele) parece fulano parece beltrano hein? quem pode pensar agora um personagem que parecesse alguém que conhecesse? (aluna): (comigo?) Pesquisador: (comigo) vamos relembrar um pouquinho quem são os personagens ali? quem é o personagem central? M4a? M2a: Lucas. Pesquisador: Lucas? (aluno): o pai do Daniel, Daniel Vaz, a Mim o Antonio. Pesquisador: o Antonio o que o Antonio é? (aluno): o Antonio é:: (outro aluno): padrasto. (aluno): é o pai/padrasto do Daniel. Pesquisador: padrasto do Daniel quem mais? ok já é suficiente então eu vou repetir as duas perguntas quem é:: achou algum desses personagens parecido consigo mesmo? M15a: o carinha que faz pãozinho professor. Pesquisador: quem faz pãozinho? M15a: ah não sei. Pesquisador: quem que faz pães na história? M14a: o M16a. Pesquisador: quem faz pães na história? tem alguém que faz pães na história e não é o padeiro? M2a: ah:: o Antonio. Pesquisador: o Antonio o padrasto do Daniel ih:: quem ali na história faz vocês lembrarem alguém que vocês conhecem? não ninguém? ninguém conhece alguém como o Daniel? (aluno): não. Pesquisador: não? alguém como Daniel alguém como a Mim? uma garota catorze anos roqueira conhece? (aluno): de doze anos. Pesquisador: alguém conhece alguém como o Antonio? (aluno): eu não conheço. Pesquisador: o padrasto que lê muito bonzinho. 203 (aluno): meu padrasto. Pesquisador: ok é:: de que personagem desses que a gente relembrou de qual personagem que vocês mais gostaram? levantem a mão para opinar por favor. M6a:Daniel. Pesquisador: por quê? M2a: acho que o Antonio. Pesquisador: por que M2a? M2a: ah porque ele faz as comidas lá. Pesquisador: quem mais pode dizer isso qual o personagem que mais gostou? (aluno): o avô dele. Pesquisador: levanta a mão para falar M4a quer dizer M16a. F3a: Mim. Pesquisador: por quê? F3a: ai professor porque eu achei ela ( ). Pesquisador: ela o quê? F3a: ai professor não sei também acho que eu me identifiquei mesmo. Pesquisador: eu vou pedir para vocês falarem (por exemplo) eu não gostei de fulano:: M4a: do Lucas. Pesquisador: por quê? M4a: porque ele era ladrão. Pesquisador: mas ele era ladrão? M4a: tinha uma parte que ele era. Pesquisador: que parte era isso e quem desvenda a história no final era o Daniel? é :: o que vocês acham::: o Lucas foi ladrão ou não? ((algumas respostas não)) Pesquisador: o que aconteceu no final? M2a: descobriram não foi? Pesquisador: e quem era o ladrão dos microscópios? M14a: ladrão dos microscópios? Pesquisador: é o Lucas estava sendo acusado de ter roubado o microscópio do laboratório da escola quem que no final foi...? M14a: Daniel. Pesquisador: que descobriram que:: (aluno): Daniel não a Mim. M4a: parece que antes disso já tinham dito que ele já tinha cometido outro roubo por isso que ele ( ) acha que não achavam que era ele? Pesquisador: pode ser agora:: só que não foi ele o M2a lembrou alguém do nome esquisito quem tinha nome esquisito lá? M2a: eu não lembro o nome dele (mas) ele tinha um nome bem esquisito. Pesquisador: Strosmann, não é? não é que o Lucas ele havia roubado qual é a história do Lucas? alguém se lembra? ((Pesquisador repete a pergunta)) o que ele era na infância? (aluno): o que ele era na infância? Pesquisador: é alguém que perdeu os pais e ficou órfão desde cedo os irmãos foram adotados na hora mas ele ficou em casa de abrigo teve sim alguns problemas passou pela FEBEM pela fundação pelo bem estar do menor é:: que chamava FEBEM hoje Fundação Casa e depois ele foi adotado por um casal de idosos de classe média e aí esse casal o tratou muito bem e o mantinham naquela escola mas talvez por essa história de alguém que foi um menor abandonado de alguém que passou pela FEBEM certamente agora se vocês pudessem ter algum personagem como amigo ou como amiga qual seria? M4a: Daniel. 204 Pesquisador: por que M4a? M4a: porque é meu xará. Pesquisador: ah:: xará quem mais? se pudessem ter algum personagem como amigo ou como amiga quem que vocês teriam? M15a: o Antonio. Pesquisador: por quê? M15a: faz doce. Pesquisador: F9a se você pudesse ter um personagem ali como amigo ou amiga quem você teria? F9a: não sei professor. Pesquisador: não sabe? quem você teria F1a? F1a: não sei. Pesquisador: mas é tão difícil escolher um amigo assim? M3a quem você teria como amigo...? M3a: a Mim. Pesquisador: por quê? M3a: ah sei lá. (aluno): é porque ela é mulher. M3a: é porque ela tem atitude. Pesquisador: ela tem atitude só como amiga ou namoro também? M3a: só como amiga. Pesquisador: ah está bem M5a quem você teria como amigo ou amiga? M5a: o Daniel. Pesquisador: por quê? M5a: ((fez que não sabe com a cabeça)) Pesquisador: por que você escolheu o Daniel e não outro? e F2a? F2a: ah professor eu escolhi a Mim. Pesquisador: Mim por quê? F2a: porque ela é amiga. Pesquisador: ah porque ela é uma boa amiga você acha isso? agora vocês acharam o livro complicado ou fácil de entender? Todos: fácil. Pesquisador: por que complicado( )? muitas palavras que você não entendeu? (aluno): ((fez que sim com a cabeça)) Pesquisador: quem mais achou complicado? (aluno): eu. Pesquisador: por que você achou complicado? M13a. M9a: muita palavra que não dá para entender. Pesquisador: quem mais achou complicado? M14a: eu. Pesquisador: por que M15a? M14a: ai:: é que não da pra entender nada não professor e não terminei de lê também. M15a: eu também professor é difícil começa uma história (e a gente se perde na história dele). Pesquisador: há muitas histórias? M15a: é. Pesquisador: e quem achou fácil que leu e compreendeu facilmente quem? F1a achou fácil? F1a: achei fácil. Pesquisador: leu a história compreendeu direitinho? M2a: eu achei difícil. 205 Pesquisador: achou difícil M2a? M2a: ah porque começa a falar sobre um assunto lá depois o Daniel escreve uma carta (eu não entendo essa parte) e ele começa a escrever uma carta lá. Pesquisador: e a história como um todo? M2a: ai:: Pesquisador: conseguiu acompanhar a história inteira? M2a: ((faz sim com a cabeça)) Pesquisador: é:: afinal de contas só para nós retomarmos... esse livro conta a história de quem? Todos: Daniel. Pesquisador: Daniel qual que é a história do Daniel? quem poderia me fazer um breve resumo? ((Pesquisador repete a pergunta)) M15a: sobre as aventuras dele. Pesquisador: que aventuras ele vive? M16a: que ele era um garoto normal e (que começou a receber uns envelopes). Pesquisador: e de quem era os envelopes? M16a: do pai dele. Pesquisador: do pai do (chamado)? M16a: Daniel. Pesquisador: e por que os envelopes do pai mudaram a vida dele? M15a: porque ele não conhecia o pai. Pesquisador: e com quem ele vivia? M15a: mãe. Pesquisador: mãe. M15a: avó. Pesquisador: avó. M14a: avô. Pesquisador: avô. M2a: padrasto. Pesquisador: padrasto e:: o que aconteceu na vida dele após a chegada da carta do pai? acho que então o M15a e o M16a deram um bom começo o que aconteceu após na vida do Daniel depois da chegada da carta do pai? M15a: ele ficou mais feliz sabendo que ele tinha pai que ele pensou que tava morto Pesquisador: ele de cara assim ficou feliz? M15a: é mais ou menos. M16a: ele não sabia (de quem) a carta tava vindo Pesquisador: ele não sabia por quê? M2a: ele não sabia de quem. Pesquisador: não sabia de quem? M2a: ele não sabia o nome do pai dele aí veio uma carta com o nome dele mesmo ele não achava:: achou estranho Pesquisador: por isso ele não entendeu? M2a: é. Pesquisador: e o que mais aconteceu após a vinda das cartas veio uma carta veio quantas cartas? veio uma carta só? (alguns alunos): não. M2a: veio duas cartas. Pesquisador: duas e o que o pai dele falava nestas cartas? F1a fala mais alto. F1a: sobre as aventuras do pai dele. Pesquisador: e que aventuras o pai dele vivia? 206 F1a: tirar fotos. (aluno): tirar fotos do mundo. F1a: é:: paisagens. Pesquisador: M2a o que o pai dele fazia? M2a: tirava foto do mundo ah saía viajar pelo mundo e tirava foto porque ele era fotógrafo. Pesquisador: ah ele era fotógrafo e isso tem alguma coisa a ver com o título do livro? M2a: tem. Pesquisador: o que tem a ver? M2a: ai eu li uma parte lá que ele falava uma frase antes que o mundo acabe não entendi também. Pesquisador: qual é a relação entre o que o pai fazia e o título do livro? M6a:ele passava pelo mundo inteiro. Pesquisador: passava pelo mundo inteiro e porque que tirava os ( ) bom vocês acham que histórias como a de Daniel que vivia com a mãe e o padrasto não conhecia o pai e depois de quinze anos só é que veio conhecer o pai por carta é:: acham que histórias como essa acontecem na vida real? Todos: sim. Pesquisador: acontece? vocês conhecem alguma? e onde se passa a história de Daniel? M2a: na escola. Pesquisador: muitas das coisas acontecem na escola? M15a: na casa. (outros alunos): na rua e na pracinha. Pesquisador: mais algum lugar alguma cidade algum país algum estado? M2a: tem um país lá que eu não lembro o nome acho que é Tailândia. Pesquisador: é Tailândia é onde está o pai dele e o Daniel filho qual cidade? (aluno): São Paulo. Pesquisador: não é dito qual cidade não é mas parece ser uma cidade como? (aluna): uma cidade grande. Pesquisador: e agora na opinião de vocês qual é o assunto principal do livro se fosse resumir esse livro em duas linhas esse livro fala sobre o quê? M2a: a vida do Daniel. Pesquisador: F3a repete por favor. F3a: a história do Daniel com o pai dele. Pesquisador: a história do Daniel com seu pai. F3a: que ele não conhecia. Pesquisador: que ele não conhecia então ( )? F3a: ai professor:: do Daniel que não conhecia o pai. Pesquisador: que outro tema vocês acham que está presente na história? M3a: do abandono dos pais. Pesquisador: aonde (teria) o abandono dos pais ali? M3a: ah professor é que ele tinha padrasto o pai dele não morava com ele é abandono. Pesquisador: tem mais alguém ali que tem essa situação de abandono? M2a: Lucas? Pesquisador: Lucas também algum de vocês já viram uma situação semelhante a de Daniel? conhece alguém que vive em uma situação semelhante a de Daniel? F7a: como assim professor? (outro aluno): a F2a. F2a: eu não moro com meu pai. Pesquisador: e conhece? F2a: não. 207 Pesquisador: então é uma situação um pouco parecida com a de Daniel? F2a: eu tenho dois pais ué. Pesquisador: como assim dois pais? F2a: dois pais tenho meu padrasto e meu pai não mora com minha mãe. Pesquisador: que é seu pai biológico? F2a: ele me manda carta. Pesquisador: e quando você leu o livro te tocou assim de alguma maneira? F2a: é meio parecido. Pesquisador: mas o que sentiu? você leu a história o que significou a história de alguém parecida com a sua? F2a: com a minha não é (por causa do meu pai). Pesquisador: mas o que isso significou para você? isso te deixou triste alegre ansiosa? F2a: triste né. Pesquisador: agora é o seguinte vamos falar alguns temas que estão ali no livro o tema central está ali dentro do que procura contar essa dificuldade do adolescente que era um garoto normal como alguém aqui falou e:: de repente as coisas começaram a mudar existem alguns temas que estão presentes aí e que são importantes a gente conversar por exemplo como era o relacionamento de Daniel e Mim o que eles eram afinal? (aluno): namorados. Pesquisador: eram namorados Daniel e Mim ? Todos: eram. F9a: não eram enrolados. Pesquisador: por que eram enrolados? F9a: ((fica de cabeça baixa)) Pesquisador: a F9a tem razão em dizer que eles eram enrolados porque eles eram enrolados ao invés de serem namorados? (aluno): porque um tinha vergonha do outro. M4a: porque pensavam que eles eram irmãos? ah falaram aqui:: Pesquisador: o que Daniel pensava do relacionamento deles? M4a: que Mim era como uma irmã (pra ele). Pesquisador: ele pode até ter pensado isso mesmo e sobre namoro o que ele pensava? M15a: que eles eram muito pequenos. Pesquisador: o que Mim achava da ideia do namoro? vamos fechar essa questão de uma vez que termo vocês usam para dizer que uma pessoa não está namorando mas também não ficou só uma vez? Todos: que está ficando. Pesquisador: talvez a gente possa olhar Daniel e Mim como ficantes mesmo agora o Daniel gostava desta situação de ficantes ou queria namoro? um por vez:: M15a Daniel gostava de situação de ficantes? M15a: não. Pesquisador: por quê? M15a: porque ele queria namorar sério. Pesquisador: e Mim? M15a: ela não queria. Pesquisador: Mim não queria namoro sério não é? o que vocês acharam disso? M2a: achei que os dois se gostavam sério então tinha que namorar sério. Pesquisador: o que vocês acharam dessa situação? (aluno): ah hoje em dia tá tudo assim mesmo. 208 Pesquisador: saindo do negócio de namoro de ficar falando da amizade e a amizade entre Daniel e Lucas o que vocês acharam vocês acham que o Daniel conseguiu dar apoio ao Lucas quando ele precisou? Todos: sim. Pesquisador: sim? M2a: porque Daniel ajudou o Lucas na hora que ele tava precisando. Pesquisador: e do que Lucas precisava? M2a: de apoio de conselho. Pesquisador: porque ele precisava... F1a: (de conselho). Pesquisador: por que o Lucas precisava de conselho aquela hora? (aluno): para ajudar ele. Pesquisador: para ajudar o que de ruim o Lucas passava? M6a: acusavam ele de ladrão. Pesquisador: e o papel de Daniel nessa história da acusação que o Lucas recebia de ladrão foi importante ou não? (aluna): foi. Pesquisador: por quê? M15a: porque era uma prova. Pesquisador: o que era uma prova? M15a: para o Daniel? Pesquisador: é quase isso porque Daniel ajudou Lucas nessa história de acusação que ele recebia? M15a: porque ele sabia que o Lucas não era ladrão. Pesquisador: mas antes de saber que o Lucas era inocente qual foi a importância de Daniel na inocentação de Lucas? M14a: ajudar a descobrir quem era o ladrão:: investigando. Pesquisador: mas de que maneira ocorreu essa investigação? M14a: os dois se juntaram assim e (descobriram) alguma coisa. Pesquisador: de que maneira o Daniel descobriu que o Lucas não era ladrão? M6a: eles estavam seguindo o Strosmann. Pesquisador: e daí? M6a: e daí ele descobriu que o Strosmann é o ladrão. Pesquisador: de que maneira ele descobriu? qual foi a prova do crime que o Strosmann era o ladrão? mas qual foi a prova? M3a: ele viu o Strosmann tirando foto. Pesquisador: tirando foto? o Daniel tirou foto? M16a: eles tiraram foto deste aí. Pesquisador: Strosmann. M16a: é esse aí. Pesquisador: e pela foto descobriram que era o Strosmann? M16a: ((sim com a cabeça)) Pesquisador: o M3a passou muito perto é isso aí mesmo através de uma foto que ele descobriu que era o Strosmann o ladrão mas só para esclarecer para a gente continuar a conversa não porque ele fotografou o Strosmann mas tirou uma foto que o Strosmann deveria aparecer mas não apareceu e era responsável lá pelo armário ( ) ele tinha a chave que dava acesso aos equipamentos e aí Daniel tirou uma foto que tinha que aparecer os materiais e não apareceu então quer dizer que ele não estava ali e que tinha alguém ali em seu lugar já que depois que o Lucas saiu da escola outras coisas com o Daniel (prosseguiram) então aí por acaso tirando a foto o Daniel descobriu. 209 M3a: ( ) Pesquisador: depois que o Daniel tirou essa foto o que ele fez? M3a: ele foi falar com a diretora. Pesquisador: o que mais? M3a: ele foi limpar a barra do amigo dele. Pesquisador: beleza então agora é:: a família do Daniel na maneira como nós vimos que ela é resumindo então como é a família do Daniel? (aluno): separada. M2a: ele mora com a mãe o padrasto e com a avó. Pesquisador: mora com a mãe o padrasto e com a avó quem mais é da família? M15a: o pai:: e a namorada dele. Pesquisador: o pai que:: M15a: que mora em outro país. Pesquisador: que mora em outro país ok vocês consideram essa família normal? (aluno): sim. (outro aluno): não. M3a: sim é normal cê ter o pai e a mãe separados o que mais tem no mundo é isso. Pesquisador: é normal ter pai e mãe separados e o que vocês acharam de ter o Antonio como padrasto do Daniel? M2a: eu achei legal o Antonio como padrasto do Daniel. Pesquisador: você acha que ele é um bom padrasto? M2a: ((sim com a cabeça)) Pesquisador: e o comportamento da mãe? não sei se vocês se lembram quando o pai verdadeiro começa a mandar cartas o que vocês acharam do comportamento da mãe? M14a: ela ficou preocupada professor. Pesquisador: mas o que você achou da maneira como ela se comportou? F3a: ela não soube disfarçar que ela estava nervosa. Pesquisador: ela não soube disfarçar que ela estava nervosa... M14a: ela não queria contar a verdade que ele era o pai dele. Pesquisador: por muito tempo ela não quis é::: agora... algum de vocês já viveu uma situação semelhante a de Daniel mas vamos ampliar um pouquinho a questão se nessa condição de ter um pai verdadeiro um padrasto ou uma mãe verdadeira uma madrasta alguém pode ampliar a questão assim e o verdadeiro reaparece e de alguma maneira tumultua a casa? F3a? F3a: não professor eu tinha um padrasto mas agora não tenho mais. M15a: eu tenho um amigo que ele mora em São Paulo a mãe dele mora em Avaré mora ele o padrasto e a avó a avó dele é doente e ele mora lá e não sabe quem é o pai. Pesquisador: o pai não apareceu ainda? M15a: não. Pesquisador: mas essa situação do pai verdadeiro aparecer... isso tumultua um pouco a vida? M15a: é. Pesquisador: já teve momento de o pai começar a mandar carta (desde criancinha)? F2a: ele manda carta mas minha mãe não pode contar para meu padrasto. Pesquisador: mas desde que você era criança você mandava carta para ele ou não? F2a: não minha mãe contou o ano passado. Pesquisador: o ano passado que você ficou sabendo isso tumultuou um pouco a vida ou não? F2a: não. Pesquisador: ô:: pessoal o pai do Daniel falava nas cartas quem se lembra dessa parte o pai de Daniel falava nas cartas de coisas como globalização multinacionais multiculturalismo vocês sabem o que é isso? (um aluno): o quê? 210 Pesquisador: globalização multiculturalismo multinacional sabem? (alguns alunos): não. Pesquisador: tem alguma ideia do que seja isso? (alguns alunos): não. Pesquisador: não:: isso de não saber o que o pai falava na carta dificultou a compreensão da história ou deu para passar por cima e compreender a história? F7a: dificultou. Pesquisador: e o Daniel compreendia o que era tudo isso? ((Pesquisador repete a pergunta)) o pai falava de globalização de multiculturalismo de multinacionais e coisas que o preocupavam (por inteiro) o Daniel lendo essas cartas ele sabia o que era essas coisas que o pai falava? (alguns alunos): não. Pesquisador: e o que ele fez? M14a: ele não sabia se era verdade ou não e foi perguntar para a mãe dele. Pesquisador: foi perguntar para a mãe dele o que mais que ele fez? M14a: ele queria conversar com o pai de todo o jeito. Pesquisador: ele foi conversar com mais alguém sobre isso? (aluno): Mim. Pesquisador: com a Mim com quem mais? (aluno): com outros amigos. Pesquisador: que mais Daniel fez? quando começaram a aparecer aquele monte de nomes de países o que ele fez? (aluna): pesquisou. Pesquisador: ele começou a olhar mas não sabia onde ficava:: M3a: pesquisou no mapa mundi. Pesquisador: quando ele começou a ouvir das guerras naquelas regiões o que ele fez? (aluno): ligou para o pai dele. Pesquisador: mas o pai dele mandava carta ele conversou com um jornalista amigo do Antonio que explicou para ele sobre as guerras do Líbano ele teve longas conversas com o jornalista que explicou para ele tudo sobre as guerras que aconteciam naquela região é:: agora de outra maneira perguntada agora qual o personagem mais interessante para vocês? M2a: o Daniel e o pai dele. (outro aluno): o pai dele. Pesquisador: o pai verdadeiro? M2a: é. Pesquisador: por quê? não sabe? e se vocês fossem explicar de uma pessoa (como) Daniel se você fosse explicar de como é o Daniel como você explicaria M2a se você fosse explicar para alguém de que maneira você explicaria? M2a: ah é um garoto normal assim. M15a: moleque bom estudioso. Pesquisador: como você explicaria o Daniel M16a? M15a: moleque bom estudioso. Pesquisador: que outro adjetivo a gente pode dar ao Daniel ou como podemos explicar sobre ele? e se a gente fosse explicar o pai do Daniel (volta no M2a) ô M2a se você fosse explicar para alguém que não conhece como é o Daniel pai o que você diria dele? M2a: ah que ele sofre muito por não conhecer o filho ah:: é isso professor. Pesquisador: é isso o que mais vocês diriam do pai do Daniel? M2a: que ele sofre muito porque não pode vir até o Brasil conhecer o filho. Pesquisador: agora vamos mudar de personagem o que vocês diriam sobre Mim? hein? F3a o que você falaria sobre Mim? 211 F3a: ah ela é uma menina bem ( ) decidida sobre o que ela quer. Pesquisador: repita F3a por favor. F3a: é uma menina muito centrada muito decidida ela centra no que ela quer. Pesquisador: e o que ela queria? F3a: ai:: ajudar o Daniel. Pesquisador: mas tinha um projeto tinha uma:: um objetivo qual era o objetivo dela ô Flavio? M6a: ter uma banda de rock. Pesquisador: e ela conseguiu esse objetivo ou não? M6a: daí:: Pesquisador: não chegou ao final da história não é... mas ela conseguiu ter uma banda de rock ou não? (alguns alunos): conseguiu. Pesquisador: o que ela fez no final? (aluna): foi a um festival. Pesquisador: foi a um festival onde? (aluno): em São Paulo? Pesquisador: Belo Horizonte é:: e que vocês diriam do padrasto do Daniel? M15a: nada não fala nada dele. Pesquisador: e a mãe de Daniel? M2a: não fala nada quase. Pesquisador: como é que chamava a mãe do Daniel? ((pausa)) não tinha nome perceberam que não tinha nome? M2a: é só falava a mãe do Daniel só. Pesquisador: é só falava os traços não é a Mim também só para ( ) o que vocês acharam do final da história a gente tenta hoje recuperar um pouquinho qual foi o final da história então vamos por partes então namoro de Daniel e Mim como termina a história? (aluno): ela vai ao festival e:: M15a: aí ele vai ao festival e:: Pesquisador: ela foi e ele ficou não é? e eles ficaram separados ele ficou sozinho ou arrumou alguém? ((pausa)) ele arrumou alguém arrumou uma garota (que lembra um pouco ela também) história do:: Daniel e seu pai como termina a história? de Daniel e seu pai? M15a: Daniel continua mandando cartas para ele. M16a: ele virou fotógrafo. Pesquisador: Daniel filho? M16a: é ele virou fotógrafo. Pesquisador: de que maneira ele virou fotógrafo? M14a: o pai dele mandava a foto daí mandava onde ele ia daí o filho dele gostou e virou fotógrafo. Pesquisador: virou fotógrafo e mais no final da história M11a? M1a: ( ) convidando para ir pra uma excursão. (aluno): na África. Pesquisador: para ir para uma excursão ( ) não era na África onde que era? M1a: ( ). Pesquisador: o M1a tem razão? no final da história o pai manda uma carta (convidando-o para ir para a excursão)? mas houve só o convite? M15a: não mandou a passagem também. Pesquisador: passagem também o que mais que ele ganhou? (aluno): uma câmera. Pesquisador: uma câmera um colete ele foi para o México com o pai. M15a: mas o pai dele morava no México? 212 Pesquisador: não ele não morava em nenhum lugar. M15a: ah:: então o pai dele estava no México. Pesquisador: (o pai dele ia para o) México e o chamou agora o que vocês acharam desse final? M16a que parece estar bem por dentro o que você achou do final? M16a: eu gostei professor porque o Daniel virou fotógrafo. Pesquisador: esse final deixou você triste alegre ansioso? M16a: não deixou nada professor. Pesquisador: não? M16a: ansioso. M14a: eu gostei do final porque ele encontrou o pai virou fotógrafo começou a (falar) com o pai. Pesquisador: e você M1a o que achou do final? M1a: ah eu gostei. Pesquisador: você mudaria alguma coisa? M1a: não. Pesquisador: vocês mudariam o final para terminar de outra maneira? M3a: eu... Pesquisador: você M3a o que você mudaria? M3a: o pai dele professor ( ) que o pai dele voltasse com a mãe e o padrasto. M6a:que o pai dele voltasse com a mãe dele Pesquisador: a linguagem acharam o livro fácil ou difícil de ler? (aluna): fácil. Pesquisador: difícil ou fácil de ler pelas palavras? M2a: pelas palavras eu achei fácil não tinha palavra difícil de ler. Pesquisador: e como era o modo de falar deles? M2a: formal? Pesquisador: oi? M2a: formal? Pesquisador: como era o modo de falar dele? quem contava a história? M2a: Daniel. Pesquisador: Daniel e como era o modo dele falar de que maneira Daniel falava? M14a: pelas cartas. Pesquisador: alguns até se espantaram pela maneira que ele fala palavrinhas ou palavrões? de que maneira o Daniel falava? M14a: palavrões:: tinha umas palavrinhas muito educadas lá:: ((fala baixinho para o colega do lado)) filho da puta, biscate. Pesquisador: bom já que a gente conversou bastante durante essa entrevista o que vocês acham do livro após entrevista a entrevista ajudou a entender alguma coisa do livro? M15a: ajudou muito para quem não tinha lido o livro ficou mais claro. Pesquisador: para quem não tinha lido ficou mais claro? M15a: o que aconteceu sim. Pesquisador: aham:: agora falando um pouquinho das ilustrações havia ilustrações no livro? Todos: havia. Pesquisador: havia fotos vocês gostaram das fotos? M14a: eu gostei professor muito interessante. Pesquisador: do que vocês gostaram? M14a: as paisagens assim. (aluno): o rio. M6a: o pai dele mandava as fotos e escrevia embaixo onde era o lugar e contava a história. 213 Pesquisador: foi disso que você gostou é:: vocês acham melhor livros com ou sem ilustrações? (aluna): sem. Pesquisador: por quê? F7a: porque fica mais fácil porque desenho é mais para criança para ler assim::: Pesquisador: quem prefere livro com ilustração? ((F4a levanta a mão)) Pesquisador: por quê F4a? F4a: porque dá para a gente perceber mais a situação ( ). Pesquisador: aparecem fotos de dois personagens ali quais personagens aparecem ali? Todos: Mim e o Daniel. Pesquisador: a Mim e o Daniel a foto ajudou a vocês a construírem o personagem do Daniel e da Mim ou atrapalhou? F9a: ((sim com a cabeça)) Pesquisador: por que F7a? ((pausa)) até o momento que apareceu a imagem de Mim vocês faziam a imagem dela não é a gente vai construindo a imagem da personagem daí aparece a foto da Mim o que vocês acharam disso a hora que apareceu a foto da Mim? M15a: eu não vi a foto dela. Pesquisador: e que hora aparece a foto dela? (aluno): no final. Pesquisador: no final e quando lá no finalzinho você viu a foto do Daniel o que você achou? hein? achou um cara bonito? vocês repararam que no início de cada capítulo havia uma ilustração o que tinham nestas ilustrações M2a? M2a: desenho professor. Pesquisador: e eram desenhos de que maneira? M2a: ( ) os pequenininhos lá. Pesquisador: os pequenininhos lá ok três minutinhos para terminar quero só fechar com vocês o seguinte pegando o livro assim na mão sem ler o que vocês acharam do livro do formato do livro da capa? M14a: eu achei que ia ser muito interessante e que eu ia gostar. Pesquisador: o que mais sobre o pegar o livro sobre a capa a grossura? M2a: eu achei que ia ser difícil de ler hein. Pesquisador: ah é por quê? M2a: porque tinha muita página. Pesquisador: e o que mais chamou a atenção no livro? (aluno): as imagens. M14a: a quantia de folhas eu pensei que ia demorar pra ler. Pesquisador: o que vocês acharam que parece ser um livro novinho ou de uma velharia? M14a: uma velharia porque só velho lê os livros dessa grossura. Pesquisador: o que mais vocês acharam? estou com o livro aqui. M2a: parece livro antigo. Pesquisador: se vocês pudessem conversar com o autor do livro o que vocês diriam para ele? (aluno): nada. M3a: diminuiria um pouco. F3a: que da parte que eu li eu gostei. Pesquisador: e vocês acham que o autor conhece alguém realmente chamado Daniel? (alguns alunos): sim. M2a: acho que para ele ser criativo tinha que ter conhecido alguém (como o Daniel) Pesquisador: e o que vocês acharam da entrevista? (aluno): legal importante. 214 Pesquisador: importante por quê? ((várias falas)) então ok obrigadão. 215 Transcrição da entrevista realizada com os alunos do 7ª série B da E.E. “Jardim Primavera” Livro: Antes que o mundo acabe Entrevistador: Fábio Coutinho Silva Entrevistados: Alunos (identificados pelo primeiro seguinte código: M ou F, para o sexo, número correspondente à ordem alfabética da lista dos entrevistados e letra correspondente à turma: a, b ou c) Turma B Alunos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 Total Percentual Participantes da Entrevista Códigos F1b Não Participou F2b F3b F4b Não Participou F6b Não Participou Não Participou M2b M3b Não Participou Não Participou F7b Não Participou Não Participou Não Participou M6b F9b Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou M7b Não Participou Não Participou Não Participou Não Participou M11b F11b M12b 14 44% Pesquisador: vamos começar então vamos fazer uma conversa sobre o livro que vocês leram na aula de leitura e um pouquinho na aula de português não é qual o nome do livro mesmo? Todos: Antes que o mundo acabe. Pesquisador: e o nome do autor? Todos: Marcelo Carneiro. Pesquisador: Marcelo Carneiro e o último sobrenome? 216 (aluno): da Cunha. Pesquisador: agora a partir desse momento vamos começar a levantar a mão para responder nós vamos começar a fazer perguntas mais coletivas mesmo a primeira pergunta é mais sobre o projeto mesmo o que vocês acharam da ideia de os professores trazerem um livro para a sala de aula para que vocês lessem quem levantar a mão para dar a primeira opinião o que vocês acharam disso trazer um livro na sala pra ler? F3b? F3b: achei muito legal professor. Pesquisador: por quê? F3b: porque é uma coisa diferente que a gente faz. Pesquisador: quem mais? tem que pensar no que é diferente de você ir até a biblioteca e escolher seu livro. M12b: se fosse história em quadrinhos seria mais da hora. Pesquisador: por quê? M12b: porque era mais engraçado. Pesquisador: o fato de ter escolhido um livro para vocês e não ter deixado vocês irem a biblioteca para cada um pegar o que quer e ter escolhido um livro para todo mundo ler o que vocês acharam disso? o que vocês acham disso todo mundo ler o mesmo livro? M7b: é bom porque todo mundo fala sobre o mesmo livro todo mundo comenta. Pesquisador: e vocês comentaram discutiram o livro ou não? M7b: só com o M12b que eu discuti. Pesquisador: quem mais conversou com o colega sobre o que estava lendo? de um modo mais geral assim qual a opinião de vocês o que acharam do livro? levanta a mão para responder o que você achou do livro M11b? M11b: interessante. Pesquisador: o que você achou do livro F9b? F9b: ((fez que não sabe com a cabeça)) ah professor interessante também. Pesquisador: o que você achou interessante? F9b: sobre o que fala ele. Pesquisador: e sobre o que fala? F9b: fala de um menino ( ). Pesquisador: e aí você achou isso interessante por quê? F9b: porque fala sobre a vida pessoal de uma pessoa. Pesquisador: ok e o que mais vocês gostaram da história vamos modificando a pergunta para facilitar falando do que mais gostou para depois falar do que menos gostou ô M7b do que você mais gostou? M7b: ah:: das briga lá. Pesquisador: das brigas de quem? M7b: das brigas do Daniel com o Strosmann. Pesquisador: e a F3b gostou de quê? F3b: das cartas que o pai do Daniel mandou pra ele. Pesquisador: o que dizia ela? F3b: diz que ele é um fotógrafo. Pesquisador: e a F2b o que mais gostou? F2b: eu gostei que tinha uma adolescente de uma banda de rock. Pesquisador: quem mais gostou de alguma coisa que se destacou no livro? M3b do que você mais gostou? M2b? M2b: uma coisa. Pesquisador: uma coisa você gostou? M3b: da parte da briga também. Pesquisador: por quê? 217 M3b: ah não sei é legal. Pesquisador: e do que vocês não gostaram do livro por exemplo ai professor não gostei disso do que vocês menos gostaram hein? F4b do que você menos gostou? M2b do que você mais gostou? M2b: da briga. Pesquisador: também? M2b: é. Pesquisador: e do que você não gostou? M2b: de ele não morar com o pai dele. Pesquisador: quem mais pode dizer alguma coisa falando dos personagens em geral? algum de vocês se achou parecido com algum daqueles personagens algum de vocês poderia dizer que achou algum daqueles personagens parecido consigo mesmo? F3b: eu achei o Daniel porque meu pai também não mora comigo. Pesquisador: ah:: achou alguma coisa parecida com ele quem achou algum personagem ali dentro parecido consigo mesmo qualquer um vamos lembrar rapidinho quem são os personagens? (aluno): Daniel Lucas Mim. M2b: Antônio Strosmann. Pesquisador: quem mais vamos falar de novo Daniel Lucas Mim Antônio Strosmann a mãe do Daniel o pai verdadeiro do Daniel o padrasto quem mais tinha? a avó do Daniel também já deu quem se achou parecido com um daqueles personagens lá Daniel com quem você se achou parecido ali? M2b: com o Daniel é por causa que ele não mora com o pai dele eu também não moro com o meu. Pesquisador: e algum personagem ali é parecido com alguém que vocês conhecem? com amigo amiga pai mãe tia vizinho alguém é parecido ali com alguém que vocês conhecem? F6b tem alguém ali que se parece com alguém que você conhece? F6b: não. Pesquisador: lembra alguém ali que você conhece F4b? F4b: não. Pesquisador: lembra ali sua mãe sua tia sua amiga F7b? F7b: não. Pesquisador: quem acha que tem algum personagem que se parece? F3b: a F2b tá falando que se parece com a Mim. Pesquisador: você conhece alguém ou se parece com ela? F2b: me pareço porque ela gosta de rock e porque eu também gosto de rock Pesquisador: então qual personagem? F2b: a Mim. Pesquisador: então vamos mudar um pouco a pergunta de qual personagem vocês mais gostaram da história? (alguns alunos): Daniel. Pesquisador: F4b? F4b: o que professor. Pesquisador: de qual personagem você mais gostou? F4b: Daniel. Pesquisador: por quê? F4b: ah sei lá professor não sei. Pesquisador: quem mais gostou também mais do Daniel? F4b? F4b: ah eu gostei. F3b: eu gostei do Daniel também professor. 218 Pesquisador: por quê? F3b: porque as coisas que falam dele é muito interessante. Pesquisador: pode citar alguma coisa por exemplo? F3b: as cartas do Daniel. Pesquisador: do Daniel pai ou do Daniel filho? F3b: do Daniel pai. Pesquisador: então você gostou das cartas do Daniel pai? F3b: (as cartas dele explicando) porque não mora com o Daniel. Pesquisador: de outra maneira então porque assim vai facilitando para vocês um pouquinho aliás:: qual personagem vocês menos gostaram não gostei de fulano de quem vocês não gostaram F11b tem algum personagem que você não gostou? F11b: não. Pesquisador: e de que você gostou? F11b: do Daniel. Pesquisador: por quê? F11b: não sei. Pesquisador: vocês não sabem vamos imaginar então voltamos a falar depois desse personagem que vocês estão citando se eu perguntasse da seguinte maneira então outra maneira de perguntar se vocês pudessem ter algum daqueles personagens ali como amigo ou como amiga quem seria? (alguns alunos): Daniel. Pesquisador: M7b. M7b: Daniel. Pesquisador: por quê? M7b: porque eu tenho um amigo que nem ele. Pesquisador: M3b? M3b: o Lucas. Pesquisador: por quê? M3b: porque ele dá conselho pro Daniel. Pesquisador: e ninguém consegue ter um amigo como o Antônio a Mim a mãe do Daniel ou do Lucas F2b. F2b: eu gostaria de ter uma amiga igual a Mim porque ela é bem interessante Pesquisador: mais alguém hein? F7b de quem você gostaria de ser amiga ali? F7b: do Daniel. Pesquisador: por quê? F7b: não sei. Pesquisador: gente vocês sabem quando a gente faz algumas escolhas a gente sabe o porquê fez uma escolha se eu te pedisse para você explicar o porquê é amiga da F7b você saberia não saberia? F7b: porque ela é legal. Pesquisador: e se eu te pedisse para explicar o por que ela é legal você também ia saber não é se não a amizade acabaria agora então o que tem de legal no Daniel que vocês gostariam de ser amigo dele? ((pausa)) então me parece que a gente deve conversar um pouquinho sobre a maneira como você compreendeu o livro eu vou perguntar o seguinte acharam que é um livro complicado ou fácil de entender? (alguns alunos): complicado. Pesquisador: por que M7b? M7b: ah::: Pesquisador: por que M12b? M12b: tem palavras difíceis. 219 Pesquisador: quem mais achou complicado o livro? F4b? F4b: porque é muito grande passa um tempo você esquece o que você lê. Pesquisador: passa um tempo você esquece o que lê quem mais achou complicado? achou complicado F2b? F2b: ((sim com a cabeça)) Pesquisador: por quê? F2b: porque como fala da vida de uma pessoa (tem momentos diferentes) ( ) dos seus amigos. Pesquisador: ok e do:: M2b você achou complicado ou fácil? M2b: fácil. Pesquisador: fácil quem mais achou fácil o livro leu tranquilo entendeu o que estava ali? ((pausa)) quem achou complicado o que torna ele complicado de entender? (aluno): o tamanho. Pesquisador: o tamanho de ser grande F3b: as palavras. Pesquisador: as palavras por quê? F3b: porque a gente não conhece não sabe o significado dela. Pesquisador: e mesmo que tenha achado complicado vamos falar alguma coisinha sobre o livro o livro conta a história de quem? F4b: de um garoto chamado Daniel. Pesquisador: e o que acontece com esse garoto F4b? F4b: ah sei lá professor. Pesquisador: quem poderia brevemente falar um pouquinho sobre a história do Daniel? F4b: ele não conheceu o pai dele. Pesquisador: ele não conhecia o pai dele? F4b: é. F3b: até que o pai dele mandou um envelope e tava escrito que ele foi conversar com a Mim conta pra ela o que estava acontecendo e se deveria ou não abrir o envelope. Pesquisador: e ai quem remenda a história? como segue depois disso M2b o que acontece depois? M2b: não lembro. Pesquisador: M6b o que acontece em seguida? M6b: não sei. Pesquisador: até agora contamos o quê? F11b repita agora o que já foi contado F11b: não sei professor. Pesquisador: não então vamos retomar o que já foi dito até agora ele não conhecia o pai e quando já tinha lá seus quantos anos seus quinze anos o pai começou a lhe mandar algumas cartas e aí como a F3b falou não sabia se devia abrir ou não primeiro a carta e aí continua essa comunicação por cartas? essa comunicação em cartas entre ele e o pai dele termina como? (aluno): o pai dele enviando a foto dele para o filho. Pesquisador: enviar fotos dele para o filho e o que essas fotos têm haver com a história? e se perguntasse assim então o pai dele envia fotos pelas cartas e essas fotos vão ter alguma importância para ele ou não? F4b: ((sim com a cabeça)) Pesquisador: qual a importância que vai ter para ele? F4b: ele vai conhecer a história do pai dele. Pesquisador: ah sim e vocês acham que histórias igual a de Daniel acontecem na vida real? Todos: sim. Pesquisador: quem poderia falar sobre alguma coisa? M2b acha que histórias assim acontecem? M2b: não sei acho que sim. 220 Pesquisador: você conhece alguma parecida? M2b: acho que eu só que não moro com o pai a F3b ham:: conheço. Pesquisador: alguém que passa quinze anos sem conhecer o pai e só depois que passa a conhecer acontecem histórias assim vocês veem histórias assim em algum lugar F3b? F3b: de uma amiga. Pesquisador: que tem uma história parecida? F3b: é. Pesquisador: a gente vai voltar nisso ainda agora onde passa a história? onde se passa? em termos de região estado país onde se passa a história de Daniel? onde vocês acham que ela se passa? isso fica claro no livro ou não? fala sobre... ou cidade ou não? (aluno): não só falava que ele estava na Tailândia. Pesquisador: mas esse estava o pai de Daniel e o Daniel filho? mais parece uma cidade de que tipo? (aluno): uma selva. Pesquisador: não:: o pai de Daniel o Daniel ele estava em uma cidade de que tipo? (aluno): pobre. Pesquisador: pobre por quê? o que você se lembra de pobreza na cidade onde o Daniel filho estava oh:: é um dado vamos completar aqui tudo indica ser uma cidade grande não é escolas grandes tem parques ele anda pela cidade em um determinado tempo da história então tinha que ser uma cidade grande ele fotografa o centro da cidade que você vê que é um centro movimentado não é dada qual a cidade não é dada essa informação alguns fala que parece São Paulo ou Rio de Janeiro mas ele não fala qual cidade é a gente sabe que o autor é de Porto Alegre não é e capital de qual estado? (aluno): estado do Rio Grande do Sul. Pesquisador: estado do Rio Grande do Sul ok então a única coisa que a gente sabe é isso mas não sabemos no livro qual é a cidade na opinião de vocês qual é o assunto principal do livro se você está lendo o livro e alguém te pergunta você está lendo esse livro que legal e ele fala do que qual que é o assunto principal do livro? M3b: de um projeto. Pesquisador: que projeto é esse? M3b: ( ) Pesquisador: e o que é esse projeto? M3b: ((fez não com a cabeça)) F4b: fala sobre um rapaz que queria conhecer o pai dele. Pesquisador: então para você esse é o tema central quem pode completar isso esse livro fala do quê? ((pausa)) quem tem uma história parecida com a de Daniel que ficou um tempo sem ver o pai e só depois conheceu? F3b: a minha amiga que não conhece o pai dela só depois ela foi conhecer. Pesquisador: e ela tem quantos anos? F3b: doze. Pesquisador: até hoje não conheceu ainda? F3b: ele mora na China. Pesquisador: ah:: ele mora na China. F4b: minha amiga professor não conhece nem o pai nem a mãe dela. Pesquisador: nem virá a conhecer também? F4b: não sei não. Pesquisador: quem mais conhece uma história parecida? (aluna): minha irmã. Pesquisador: sua irmã ela não conhece quem? (aluna): o pai dela. 221 Pesquisador: quantos anos ela tem hoje? (aluna): dezessete. Pesquisador: e não conhece o pai dela quem mais? vamos falar um pouquinho sobre o Daniel e a Mim? como é o relacionamento deles? qual era o relacionamento de Daniel e Mim? M3b? M3b: amizade. Pesquisador: amizade tinha mais alguma coisa que amizade? F2b: eles estavam namorando. Pesquisador: quem discorda que eles estavam namorando? F4b: eles quem? Pesquisador: Daniel e Mim? eles eram namorados a gente pode chamá-los de namorados? ((pausa)) e se alguém o chamam de ficantes estaria correto ou não? ou se eu perguntasse assim eles eram namorados ou ficantes? e por que eles eram ficantes? (aluna): porque eles se beijavam. Pesquisador: eles se beijavam ficavam eles não tinham um namoro sério não é? compromisso fixo eles eram aquilo que vocês podem chamar de ficantes mas essa situação:: o que o Daniel achava disso? F4b: ele não gostava. Pesquisador: e ela? e Mim gostava da situação de eles não terem um namoro comprometido? o que Mim achava disso? ((silêncio)) e o que vocês acham disso? F4b: legal porque não tem responsabilidade. Pesquisador: é:: F1b? F1b: muito bom. Pesquisador: quem não acha isso legal? M6b você não acha isso legal? M6b: não. Pesquisador: prefere ser ficante ou namorado? M6b: não sei. Pesquisador: mas agora você sabe? M6b: não sei. Pesquisador: mas agora você sabe e da amizade como era a amizade entre o Daniel e o Lucas? ((pausa)) vocês se lembram? vocês não tinham falado do Lucas até agora vamos perguntar de outra maneira o Daniel soube dar apoio ao Lucas quando ele precisou? (alguns alunos): sim. Pesquisador: de que apoio do Lucas precisava M6b? M6b: eu não lembro. Pesquisador: vocês se lembram? que problema o Lucas estava passando para precisar do apoio do amigo? F7b? F7b: ele estava sendo acusado de roubar um negócio da escola. Pesquisador: ele estava sendo acusado de roubar os microscópios da escola e aí ele precisava do apoio do Daniel não é? e o Daniel soube dar esse apoio para ele ou não? ((pausa)) alguém já passou por uma situação assim teve um amigo em uma situação difícil e precisou dar um apoio para ele não assim de roubar alguma coisa alguém que já esteve em uma situação difícil e precisa de um apoio de você como amigo? hein? ((silêncio)) vamos falar da família do Daniel agora como era a família do Daniel? como ela era formada primeiro? F2b: pelo padrasto e pela mãe. Pesquisador: tinha mais alguém na casa dele tinha a mãe o padrasto a avó e quem mais é da família do Daniel? além da mãe padrasto e avó? ((pausa)) o pai não é vocês acham isso uma família normal ou diferente? F4b: meio diferente professor porque família é pai mãe e irmã ah sei lá. Pesquisador: isso para você é normal ou diferente F4b? F4b: normal. 222 M12b: diferente. Pesquisador: por que diferente? M12b: porque família tem pai e mãe não tem padrasto. Pesquisador: ah:: e alguém vive em uma família assim sem pai com padrasto? F4b: eu. Pesquisador: e com avó? quem mais tem uma família parecida com a de Daniel? que mora com mãe e padrasto? e com pai e madrasta? (aluno): eu morava. Pesquisador: e você achava normal? (aluno): ((fez não com a cabeça)) Pesquisador: você achava diferente? F4b: eu acho normal mas é diferente. Pesquisador: ah:: é normal para você tranquilo mas é diferente das outras famílias ah:: vocês lembram do Antônio? quem era o Antônio? F2b: padrasto. Pesquisador: lembraram-se do Antônio agora o padrasto do Daniel? F2b: o Daniel gostava dele porque quando a mãe dele estava doente ele fazia de tudo pra ela aí a mãe dele se sentia feliz do lado dele. Pesquisador: como você acha que ele cumpria o papel de padrasto do Daniel cumpria bem ou não? F2b: cumpria bem porque o Daniel gostava dele como se fosse o pai verdadeiro dele não como o pai verdadeiro mais como um pai. Pesquisador: o que o Antônio fez quando o Daniel estava muito mal e não sabia se abria ou não abria a carta? ((pausa)) o que Antônio tinha de especial vocês se lembram de alguma característica dele? ((silêncio)) ih:: qual foi o comportamento da mãe quando o pai verdadeiro começou a mandar cartas para o Daniel? vocês se lembram como a mãe se comportou? ((silêncio)) agora o pai de Daniel ele enviou cartas para ele e falava nessa carta como o M3b mencionou do projeto que ele tinha não é em outros países do mundo:: como chamava o projeto mesmo? M3b: antes que o mundo acabe. Pesquisador: antes que o mundo acabe e nessas cartas o pai de Daniel falava de coisas como globalização multiculturalismo multinacionais guerra no Líbano vocês sabem o que é isso? (alguns alunos): não. Pesquisador: globalização multiculturalismo vocês sabem o que é isso ou tenham uma ideia do que seja isso? quem não sabe o que é isso? ((alguns levantam a mão)) Pesquisador: agora a pergunta é o seguinte isso atrapalhou a compreensão do livro ou foi indiferente não interferiu? M12b: atrapalhou. Pesquisador: o que você acha F3b? F3b: não atrapalhou. Pesquisador: por que não? F3b: porque não. Pesquisador: quem mais acha que isso de não saber o que são essas coisas do pai de Daniel quem mais acha que isso atrapalhou a compreensão do livro? e para quem isso não atrapalhou deu para passar por cima disso numa boa? o Daniel sabia o que eram essas coisas quando ele começa a receber as cartas do pai? ((silêncio)) M12b: não. Pesquisador: quem tinha falado de jornalista aqui? F2b: o M2b. 223 Pesquisador: você tinha falado M2b? o Daniel conversou com algum jornalista? M2b: amigo dele. Pesquisador: por que ele conversou com esse jornalista? M2b: para ajudar o Daniel a encontrar o pai dele. Pesquisador: agora:: qual foi o personagem mais interessante para vocês? É diferente de eu perguntar qual vocês mais gostaram. F4b: do Daniel pai. Pesquisador: por que F4b? F4b: ah sei lá porque ele mora fora (não conhecia o filho dele) demorou para mandar carta. Pesquisador: quem mais acha esse ou outro personagem interessante? F9b qual personagem você achou interessante na história? F9b: Daniel. Pesquisador: Daniel pai ou filho? F9b: filho. Pesquisador: por quê? F9b: porque sim. Pesquisador: ê:: porque sim... então vamos falar um pouquinho do Daniel que é o personagem central da história vamos imaginar que vocês falariam do Daniel para alguém F9b o que você falaria? F9b: ah não sei. Pesquisador: não sabe F4b? F4b: ah não sei também. Pesquisador: ê mas vocês estão difíceis hein? e da Mim o que vocês falariam da Mim? você vai contar para alguém que não conhece a Mim você precisa fala dela para as pessoas:: F3b: eu ia falar que ela é legal que ela gosta de rock. Pesquisador: e se tivessem que falar do pai do Daniel vocês falariam o quê? M12b: que ele estava na Tailândia que ele era fotógrafo. Pesquisador: mais algum personagem que vocês gostariam de falar? F1b: falaria do Strosmann. Pesquisador: o que você falaria do Strosmann? para alguém que você não conhece? F1b: eu ia fala que eu gostei do nome dele. Pesquisador: e do personagem. F1b: eu ia falar que ele era briguento hein?. Pesquisador: se você fosse falar do Strosmann falaria o que hein F4b? F4b: que ele era briguento. M12b: ah que ele foi bater no Daniel. Pesquisador: vocês conhecem algum tipo como o Strosmann ou não? F4b: aham:: Pesquisador: como é esse tipo? F4b: tipo cara mandão assim que quer se achar. Pesquisador: agora como termina a história a gente tem que amarrar algumas histórias nesse livro tem a história do Lucas o que havia acontecido com o Lucas mesmo? (alguns alunos): estava sendo acusado de roubo. Pesquisador: e precisava do apoio de Daniel como termina essa história do Lucas? ((pausa)) e a história do Daniel com o pai dele vocês se lembram? M12b: o pai dele envia uma foto pra ele e aí acaba o livro. Pesquisador: com a foto que ele enviou? M12b: é. Pesquisador: e ele não vê o pai mais? M12b: não sei. 224 Pesquisador: como termina a história do Daniel e do pai dele? M2b: eles se falam por telefone. Pesquisador: e daí? de fato a última conversa é por telefone mesmo o que acontece nessa conversa por telefone M2b? M2b: ah não lembro. Pesquisador: agora que o M2b já deu um bom gancho no final da história eles se falam por telefone até então era só por cartas não é? por que eles se falaram por telefone? você se lembra F2b? F2b: ((não com a cabeça)) Pesquisador: e o que esse telefonema foi falado do quê? ((silêncio)) bom primeiro eu diria que eu vou ter que fazer uma retomada desse final que parece que não ficou bem compreendido para vocês para depois perguntar se vocês gostaram ou não desse fim vamos lá então a história do Lucas o Daniel que havia recebido fotos do pai e havia se sentido um pouco animado em fazer fotografias também pegou uma máquina fotográfica e começou a fazer fotos a fotografar a cidade a escola enfim tinha várias fotos e tinha uma foto da escola também de uma pessoa da escola uma dessas fotos ele ficou muito intrigado tinha alguma coisa naquela foto que ele não sabia o que aí ele lembrou que o pai dele disse muitas vezes para tirar fotografia a gente deve pensar não naquilo que vai aparecer dentro da foto mas aquilo que e:: vou tirar aquilo que vai ficar de fora do quadro ((faz gestos)) então ele começou a se perguntar assim o que não estava na foto aí no que ele voltou naquela foto que ele estava intrigado e percebeu naquela foto o quê? vocês se lembram desse episódio agora? o que ele percebeu naquela foto? ((silêncio)) ele percebeu naquela foto deveria parecer no fundo o Strosmann que era alguém responsável pela sala de materiais que tinha as chaves porque era muito envolvido com a educação física e o Strosmann não aparecia na foto ele tinha que aparecer naquele lugar onde ele deveria estar e não aparecia por essa razão o Strosmann era o principal culpado por esse roubo era o principal suspeito pelo roubo dos materiais já que depois o Lucas foi expulso outras coisas também sumiram da escola e ai com essa foto ele descobre que foi o Strosmann o culpado pelo roubo dos microscópios ele vai até o Strosmann faz uma pressão sobre ele o obriga a ir lá e contar tudo para o diretor e o Strosmann diz que ele é vítima que ele era viciado em craque que o pai dele tinha cortado a grana que tinha cortado o dinheiro e ele vai conta tudo para o diretor o Daniel vai até o diretor e (pede) que a direção faça uma reunião com todo mundo e que peça desculpas para o Lucas publicamente aí isso acontece é uma parte muito emocionante da história o Lucas faz um discurso contando que ele era um garoto abandonado que viveu no orfanato e depois foi adotado pelos pais que o criavam naquele momento então a história do Lucas encerra assim e o Daniel teve uma participação importante na resolução do caso do Lucas e a história do Daniel termina como? vamos pegar do gancho que o Daniel deixou para a gente ele recebe no final um telefonema só que enquanto ele está falando com o pai no telefone tem uma caixa na sala chegou uma caixa com um embrulho pelo correio vai lá e abre a caixa ele foi abriu a caixa e tinha o quê? lembram? o que tinha dentro da caixa? não? havia um colete de fotógrafo com todos os bolsinhos adequados para guardar os filmes e coisas e tal usado mais por profissional que era o presente que ele estava dando para o Daniel e mais do que isso no telefonema também o que mais que ele faz então? depois que ele deu o presente para o filho o que ele faz? se lembram? não? ele convida o filho para viajar com ele o pai do Daniel havia saído da Ásia onde ele estava ele tinha vindo para um trabalho aqui na América Central ele ia fotografar Peru México Machu Picchu o império dos incas aí ele convida o Daniel para ir para a expedição com ele fotografar e o Daniel topa ou não topa? ele vai ou não vai? ele vai ele topa ele vai com o pai a última fotografia que aparece no livro é a do Daniel vestido com o colete do lado de um jatinho escrito México já é o Daniel lá no México com o pai quem tira aquela fotografia será? M2b: o pai dele. 225 Pesquisador: o pai dele a história do Daniel se encerra assim ele vai por fim o padrasto e a mãe deram apoio eles estavam ao lado do embrulho eles já tinham conversado entre si com o resumo que eu contei para vocês no final gostaram do final desse jeito ou não? (alguns alunos): sim. Pesquisador: por que você gostou F4b? F4b: porque ele encontrou o pai. Pesquisador: quem não gostou desse final? ah:: faltou contar uma coisinha desse final e ele e a Mim? ((pausa)) M2b: ele se separam. Pesquisador: como eles se separam M2b? M2b: ah em uma discussão. Pesquisador: mas como eles se separaram? (aluno): ( ). Pesquisador: eles se separam sim mas não foi bem uma discussão foi uma separação bem fria assim ela foi para Belo Horizonte em um festival se lembram disso? e ai o que aconteceu? chegaram a trocar uns emails falando como estava por lá e onde Daniel ficou ele acaba arrumando outra namoradinha como ele falou que não tinha o estilo da Mim alguém que não era certamente tão atraente quanto Mim mas ele acabou arrumando outra namoradinha agora falando um pouquinho do livro em si enquanto volume capa papel desculpa ainda não é esse assunto é sobre a linguagem do livro vocês acharam a linguagem do livro fácil ou difícil de ler? como era a linguagem do Daniel? era ele que contava a história não é? era um adolescente que usava palavras difíceis? em M3b? M3b: ((balança a cabeça simbolizando que não sabe)) Pesquisador: como era? M3b: era fácil de entender. Pesquisador: e:: porque era fácil de entender? M3b: ( porque tinhas algumas palavras difíceis mas tinha algumas fáceis também) Pesquisador: vocês já tinham lido um outro livro com a linguagem assim fácil de compreender? ou não? não? e agora que a gente já conversou um pouquinho sobre o livro ele parece ser menos complicado ou não? F4b: agora tá menos complicado. Pesquisador: se vocês fossem reler o livro:: F4b: aí dá pra entender mais coisa. Pesquisador: quem mais achou que ficou menos complicado? quem acha que essa conversa podia ter acontecido no meio da leitura? F4b: eu. Pesquisador: seria bom F4b? F4b: porque aí eu teria entendido mais. Pesquisador: o livro tinha muitas fotos não é essas fotos chamaram a atenção de vocês ou não? gostaram das fotos? F4b: ah são fotos diferentes não são qualquer foto. Pesquisador: mostravam o que essas fotos? F4b: ah o que eu vi mostrava umas mulheres ( ). (aluno): outras culturas. Pesquisador: outras culturas vocês acham melhor livro com ou sem ilustração? Todos: com. Pesquisador: por quê? (alunos): porque dá para entender melhor. Pesquisador: mas esse livro não tem exatamente ilustrações tem fotos o que vocês acham melhor livros com ilustrações ou com fotos? 226 (alunas): os dois. M7b: com foto porque tira de lá mesmo né. Pesquisador: já tinham lido algum livro com fotos e não ilustrações? ((pausa)) apareciam fotos de dois personagens ali dentro não aparecia de quem? M7b: da Mim e do Daniel. Pesquisador: vocês acham que essas fotos dos dois personagens ajudaram vocês a construírem uma imagem deles ou atrapalharam? M3b: ajudou. Pesquisador: e antes de aparecer a imagem da Mim vocês tinham uma imagem dela na cabeça não tinham? e quando apareceu uma imagem da Mim o que aconteceu? o que aconteceu F9b bateu com o que você tinha pensado dele ou não? F9b: não vi a foto dela. Pesquisador: e do Daniel você viu? F9b: ((faz não com a cabeça)) Pesquisador: quem lembra da foto do Daniel? ((M3b levanta a mão)) Pesquisador: bateu com o que você imaginava dele? M3b: ((faz não com a cabeça)) Pesquisador: não bateu? M3b: ah não dá pra saber. Pesquisador: mas a imagem que aparece ali é um Daniel ou não tem nada a ver com o personagem? ((M3b faz não com a cabeça)) F4b: ai professor eu não me lembro da imagem. Pesquisador: vocês repararam que no começo de cada capítulo havia uma ilustração? o que eram essas ilustrações M3b? M3b: (eram desenhos no início do capítulo). Pesquisador: e porque tinham essas ilustrações? M3b: porque no livro ia falar sobre cartas que iam ser escritas o que tinha o microfone ia falar do show da Mim. Pesquisador: ah:: sim M7b você percebeu essas pequenas ilustrações? M7b: eu percebi. Pesquisador: como eram as ilustrações das cartas do pai? não? a do pai era sempre um planeta terra na frente com uma máquina fotográfica como se fosse um logotipo do projeto que aparece desde da capa já aparece esse logotipo agora pegando o livro na mão assim sem ler o que vocês acharam da capa da grossura das páginas de dentro das imagens das letras o que vocês acharam disso do livro assim no seu modo de pegar e ler? F4b: ah sei lá igual aos outros. Pesquisador: igual aos outros e nessa comparação vocês acharam que é um livro gostoso bonito e comparando com outros livros da biblioteca ele parece um livro novo velho ou resistente atraente? F4b: atraente. Pesquisador: velharia ou não? acham que essa aparência do livro é importante ou não? quando vocês estão ali na biblioteca tem livros muito antigos de capas amareladas e livros mais novos não é? e vocês acham que um livro ele tem outra utilidade além de ler pode servir de abanador de protetor de chuva encosto de porta reparo de mesa acham que o livro pode ter outra utilidade ou não? nunca deram outra utilidade ao livro? (aluno): espanta mosquito. F4b: enfeite de estante. Pesquisador: ah enfeitar estante em casa de quem aqui livro é enfeite de estante? 227 ((alguns alunos levantam a mão)) Pesquisador: sobre o autor agora vamos imaginar o seguinte se vocês tivessem diante do autor o que vocês perguntariam para o ele? vai a F3b que já falou bastante hoje. F3b: perguntaria de onde veio a inspiração dele para fazer esse livro. Pesquisador: e você F2b? F2b: ah não sei professor. Pesquisador: quem falaria algo pro autor? F2b: de onde ele tirou a ideia de por uma banda de rock. Pesquisador: ok vocês acharam que o autor conheceu realmente um Daniel? F4b: eu acho que sim. Pesquisador: por que você acha que sim? F4b: ah:: porque pra ele ter se inspirado tanto pra fazer essa história. Pesquisador: quem mais acha que não que ele não conheceu um Daniel? M2b: eu acho que sim. Pesquisador: por quê? M2b: por causa da fotografia. Pesquisador: e quem acha que não precisou conhecer um Daniel para fazer a história? quem pensa assim? Fala F7b. F7b: ah professor sei lá:: Pesquisador: agora o que vocês acharam dessa entrevista? F7b: ah legal mais dá vergonha de falar. Pesquisador: dá vergonha de falar e a entrevista ajudou a compreender alguma coisa do livro ou não? hein?? vamos começar pelo M11b que disse que não se lembrava de muita coisa do livro a entrevista ajudou você a lembrar ou a compreender alguma coisa do livro? M11b: não. Pesquisador: para quem que ajudou? F7b? ((F7b fez não com a cabeça)) Pesquisador: e:: a entrevista mudou a opinião de alguém sobre o livro? eu não gostava do livro e passei a gostar ou eu não gostava do livro e agora não gosto mais mudou a opinião de alguém ou não? M2b: passei a entender melhor o livro. Pesquisador: o que você não havia compreendido antes por exemplo? M2b: ah não lembro. Pesquisador: não? M3b alguma coisa que não havia compreendido e agora passou a compreender? M3b: ((fez sim com a cabeça)) Pesquisador: o que por exemplo? M3b: (eu não lembrava de alguns detalhes do livro). Pesquisador: ok vamos fazer um parâmetro de quem gostou e não gostou do livro vou dar uma passada só. ((dá um giro com a câmera)) ((quase todos levantaram a mão)) Pesquisador: e:: quem não gostou? ((menos da metade levanta a mão)) Pesquisador: vocês acham que um livro pode ter diferentes opiniões sobre quem gostou ou quem não gostou? isso é normal? (aluna): sim. Pesquisador: isso é bom ou ruim? certo ou errado? F4b: certo. Pesquisador: por que um mesmo livro pode ter quem goste ou quem não goste? F4b: porque tem pessoas que tem gostos diferentes. 228 Pesquisador: então ok gente muito obrigado eu só lamento vocês terem falado muito pouco obrigado. 229 Transcrição da entrevista realizada com os alunos da 7ª série C da E.E. “Jardim Primavera” Livro: Antes que o mundo acabe Entrevistador: Pesquisador Coutinho Silva Entrevistados: Alunos (identificados pelo primeiro seguinte código: M ou F, para o sexo, número correspondente à ordem alfabética da lista dos entrevistados e letra correspondente à turma: a, b ou c) Turma C Alunos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 Total Percentual Participantes da Entrevista Códigos Não Participou F1c Não Participou M1c F2c M2c Não Participou M4c F3c M5c M6c M7c Não Participou F4c Não Participou Não Participou F5c F6c F7c F8c M9c Não Participou F9c Não Participou F10c Não Participou Não Participou M12c 18 64% Pesquisador: pessoal vamos ter agora uma conversa sobre o livro que vocês leram durante a aula de leitura como que chama o livro mesmo? Todos: Antes que o mundo acabe Pesquisador: e será ao modo de entrevista ou seja eu faço algumas perguntas para vocês cada um me dá uma resposta posso às vezes continuar estendendo uma questão ou às vezes pedir para um aluno ou outro responder mesmo levantando a mão ou às vezes vou chamar mas a princípio vou contar bastante com a boa vontade de vocês bastante com quem se disponha a responder ok? bom para começar o que vocês acharam da ideia de trazer um livro para ler na sala de aula? quem vai responder? M6c? 230 M6c: da hora. Pesquisador: o que é da hora M6c? M6c: a história que você trouxe. Pesquisador: o que você achou da ideia de escolher um livro não do livro em si ainda depois a gente fala do livro o que você achou do professor trazer um livro para vocês lerem? M6c: nova (porque ninguém tinha feito isso com a gente ainda) Pesquisador: se eu perguntar de outra maneira então? (aluna): achei diferente. Pesquisador: por quê? F3c: achei diferente ah porque não é sempre (que tem isso). Pesquisador: quem mais que pode fala isso o que achou da ideia de trazer um livro para vocês lerem? M2c? M2c: achei bom professor porque desenvolve a leitura o conhecimento da gente e:: só. Pesquisador: só? e:: agora sim o que vocês acharam do livro como um todo? M1c: interessante. Pesquisador: por que M1c? M1c: ah não sei explicar. Pesquisador: F3c? F3c: ah por que não sei. Pesquisador: não? o que você achou do livro? F3c: mais ou menos Pesquisador: por quê? F3c: porque é muito comprido é chato ler. Pesquisador: M5c? M5c: ah achei legal porque contava uma coisa de adolescente (influindo a não matar aula). Pesquisador: ah:: então está bom M4c? M4c: eu achei legal porque têm adolescentes e nós estamos nessa fase também falando do que acontece com ele. Pesquisador: e você gostou da história que leu? M4c: ((fez sim com a cabeça)) Pesquisador: quem mais gostou? M2c: da capa. Pesquisador: por que M2c? M2c: porque é bem colorida. Pesquisador: quem mais F5c? F5c: das cartas. Pesquisador: de quem que eram as cartas mesmo? F5c: de quem era mesmo? ah:: do Daniel. Pesquisador: por que você gostou das cartas? F5c: porque eu gostei porque eu só li as cartas. M5c: eu gostei das cartas também porque algumas tinham fotos e falava onde ele estava. Pesquisador: ah igual ao M5c (quem) gostava das fotos que trazia nas cartas? M2c: também gostei das fotos professor. Pesquisador: quem pode falar outra coisa de que mais gostou? F4c: eu gostei da hora que ele ajudou o amigo dele que estava sendo acusado de roubo aí ele ajudou a descobrir que não era ele. Pesquisador: ah legal e do que menos vocês gostaram? M5c: tinha alguns palavrões. Pesquisador: por exemplo:: M5c: ai esqueci tinha uns tipo filha da::: 231 Pesquisador: e por que você não gostou? M5c: porque tem algum livro que tem isso? Pesquisador: então você acha que em livro não pode haver palavrões? M5c: é. Pesquisador: por que não pode haver palavrões no livro? M5c: porque é uma coisa pra todo mundo ler vai que tem gente que não gosta de ler assim:: Pesquisador: e para você por que você acha isso ruim? M5c: incentiva. Pesquisador: incentiva a falar palavrão e do que menos gostaram eu vou sempre repetindo a pergunta por que F8c? F8c: é porque é muito grande é muito chato. Pesquisador: chato por ser grande ou grande por ser chato? F8c: é ah as duas coisas. (aluna): ai tinha muitas páginas. Pesquisador: quantas páginas tinha mesmo? (alunos): cento e dezesseis ai por aí. (aluna): ai é muita página. Pesquisador: muita quem já leu um livro desde tamanho ou maior que esse? F7c: ai eu já li um mas esse era legal. Pesquisador: qual é o nome? F7c: ai esqueci. Pesquisador: era tão legal que você esqueceu. (aluna): eu já li Capitães de areia. Pesquisador: Capitães de areia o que você ganhou o ano passado? (aluna): aham:: Pesquisador: gostou? (aluna): ah é meio complicado. F8c: (ai eu li um o ano passado). (aluno): O coruja. F8c: é acho que é esse ai. F4c: eu li o Harry Potter. Pesquisador: é grande não é? F4c: é e o Crepúsculo também. Pesquisador: e lá não foi difícil ler inteiro? F4c: foi. Pesquisador: agora falando sobre os personagens tem algum personagem ali dentro que você achou parecido com você mesmo? M2c: Daniel. Pesquisador: cada um fala por si alguém se achou parecido com algum personagem ali? F8c: a Mim Pesquisador: Por que F8c? F8c: ai não sei. Pesquisador: não sabe? alguma coisa? quem mais se achou parecido com algum personagem ali dentro? F3c: (a F5c se parece com a menina roqueira) Pesquisador: porque F5c você se acha parecida com a Mim? F5c: porque a maioria das coisas que ela gosta de fazer eu gosto ela gosta de rock eu gosto também ela mata aula (pra jogá bola). Pesquisador: está ok e vocês acharam algum personagem parecido com alguém que vocês conhecem? 232 F7c: Daniel parecido com o M5c. Pesquisador: oh vamos sair um pouco de Daniel e Mim e tinha mais personagens ali não tinha? (alguns alunos): a mãe dele o Strosmann a avó. Pesquisador: pensem nos outros personagens também algum personagem é parecido com alguém que vocês conhecem? F9c: a mãe dele parece com minha mãe porque ela é muito emotiva. Pesquisador: emotiva como? F9c: ah qualquer coisinha ela chora. Pesquisador: quem mais vocês acham parecido com alguém que vocês conhecem? ((silêncio)) agora de qual personagem vocês mais gostaram? M6c? M6c: do Lucas. Pesquisador: por quê? M6c: porque ele era diferente era legal ele era bem amigo do Daniel. M2c: Mim. Pesquisador: por quê? M2c: porque ela era roqueira. M5c: Mim porque ela tinha um estilo legal. M4c: gostei do personagem do Daniel porque ele é aventureiro. Pesquisador: o qual Daniel então? M4c: o filho. Pesquisador: que outro personagem mais alguém gostou? F6c? F6c: ah eu não vou falar. F5c: ah ela gostou do Daniel porque ele é bonito. Pesquisador: e como você sabe que ele é bonito? F5c: porque eu o vi pessoalmente. Pesquisador: ué ele pode ser bonito por que não? F5c: porque ele tem o olho verde. Pesquisador: porque tem uma foto no final não é? ok e de qual personagem vocês menos gostaram? M4c: do Strosmann. Pesquisador: por quê? M4c: porque ele gostava de bater no Daniel gostava de bater no Lucas. Pesquisador: e vocês conhecem alguém parecido com o Strosmann? F5c: eu conheço. Pesquisador: aquele tipo assim jiu- jitsu? F5c: não chato mesmo. Pesquisador: de qual outro personagem vocês não gostaram? F4c: da avó dele. Pesquisador: por quê? (aluna): porque ela é muito mandona. Pesquisador: ah a F2c que está bem quietinha de qual personagem você gostou? F2c: nenhum. Pesquisador: então tem algum de quem você menos gostou? F2c: de todos. Pesquisador: por quê? F2c: porque é chato tudo. Pesquisador: por que todos são chatos? F2c: porque não tem nada a ver. Pesquisador: não tem nada a ver com o quê? 233 F2c: não tem nada a ver com nada. Pesquisador: se vocês pudessem ter um personagem como amigo ou como amiga qual seria? (alguns alunos): Mim. Pesquisador: por que M7c? M7c: porque ela é muito linda. M5c: a Mim porque ela é bem divertida. M1c: Daniel. Pesquisador: por quê? M1c: por que ele é aventureiro. Pesquisador: quem mais gostaria de ter um personagem como amigo? F9c? F9c: o Lucas. Pesquisador: por quê? F9c: ah porque eu gostei dele. Pesquisador: F4c? F4c: o Antônio porque ele era bastante compreensivo. Pesquisador: quem que era o Antônio mesmo? F4c: era o padrasto do Daniel. Pesquisador: o que mais ele era sem ser compreensivo? ((pausa)) Agora vamos comentar sobre a leitura desse livro vocês acharam esse livro complicado ou fácil de entender? M2c: complicado. Pesquisador: por quê? M2c: porque é chato. Pesquisador: isso não explica o porquê é complicado. F3c: é complicado porque às vezes a gente tem que voltar em partes pra saber como é aquela outra parte que vem na frente. M5c: complicado porque às vezes fala de uma parte assim e depois voltava. M1c: complicado porque tinha muitas páginas. Pesquisador: e quem achou fácil? M4c: eu achei fácil porque é um livro (de adolescente) não é? Pesquisador: você achou a história fácil de entender porque é parecida e quem mais achou fácil não achou difícil de ler o livro? em termos numéricos não vou contar não mas quem achou fácil levanta a mão. ((poucos levantaram a mão)) Pesquisador: quem achou fácil porque achou? M6c: as palavras são fáceis de entender tudo. Pesquisador: ah:: as palavras mas ainda não estou falando da linguagem o que vocês acharam da linguagem que o Daniel usa? M2c: difícil. Pesquisador: por que M2c? M2c: por que é difícil. Pesquisador: então ainda na história vamos voltar a falar um pouquinho da história conta a história de quem? (alguns alunos): do Daniel. Pesquisador: vou pedir para F4c falar um pouquinho o que acontece com Daniel? fala um pouquinho resuma brevemente. F4c: ((faz não com a cabeça)) Pesquisador: quem consegue fazer esse breve resumo? M4c? M4c: é culpado de um roubo né do laboratório da escola dele né aí ele foi expulso. Pesquisador: quem foi expulso? M4c: o Daniel. 234 Pesquisador: não:: aí confundiu um pouquinho quem poderia emendar aí um pouquinho? F9c? F9c: ai professor tá bom o Daniel ele descobre que o pai dele começa a escrever pra ele. Pesquisador: quem gostaria de fazer um resuminho do Daniel? então vamos por meio de pergunta quem é o Daniel? M2c: um personagem. Pesquisador: F1c quem é o Daniel? F1c: um menino que estava confuso pelo roubo do laboratório e que o amigo dele não era o ladrão. Pesquisador: o que é essa história do amigo dele e do roubo do laboratório quem pode explicar? M2c: o amigo dele estava sendo acusado de roubar o laboratório. Pesquisador: ô M6c o que aconteceu com o amigo do Daniel? M6c: o Lucas? ele foi acusado de roubar o laboratório foi expulso da escola e o Daniel lutou pra justificar que ele era inocente para ele poder voltar para escola. Pesquisador: essa é a história do Lucas e a história do Daniel? M6c: o Daniel era um menino (que não lembro o que) com o pai dele viajava pelo mundo depois mostrava para as pessoas as fotos que ele tirava e o Daniel cresceu até os quinze anos com a mãe dele e o padrasto. Pesquisador: ok então tem uma coisinha que a gente precisa completar ainda a relação entre o Daniel e o pai quem pode falar por favor? já que o livro tem várias histórias tem a história do Lucas tem a história do Daniel tem a história do pai dele a história entre o Daniel e o pai dele quem pode falar? F10c? F9c: o pai dele pegou malária na Ásia aí ele lembrou que tinha um filho e começou a trocar cartas com o Daniel e o Daniel começava a enviar fotos e cartas para ele aí assim ele contava a vida dele inteira pro pai dele. Pesquisador: e até então ele conhecia o pai? F9c: não ele não conhecia o pai só que aí ele começou a escrever carta e a conhecer melhor o pai dele depois no fim do livro ele foi morar com o pai dele. Pesquisador: agora a pergunta é a seguinte vocês acham de que ele não conhecia o pai veio conhecer o pai com quinze anos de idade pelas cartas que o pai mandou é:: acham que histórias como essa acontecem na vida real? M6c: acontecem. Pesquisador: de não conhecer o pai (morar com) a mãe só conhecer mais tarde? M5c: muitas histórias acontecem isso. Pesquisador: o que vocês acham que acontece na vida real? M5c: algumas coisas assim do pai dele lembrar do filho depois de muito tempo. Pesquisador: então você acha quinze anos muito tempo para um pai lembrar de um filho? M5c: é muito tempo pra um pai lembrar de um filho. Pesquisador: e onde se passa a história? vocês pensaram nisso durante a leitura? (aluna): na casa e na (escola). Pesquisador: não em termos de cidade estado? (aluno): em São Paulo. (outro aluno): no Rio de Janeiro. Pesquisador: a gente pode saber com certeza ou não? o pai tá lá na Malásia? (aluna): na Tailândia. Pesquisador: isso na Tailândia mas onde está Daniel a gente tem certeza durante a leitura ou não? mas parece ser uma cidade como? (aluno): pequena. 235 M5c: as fotos que ele tira não é de cidade pequena é de cidade famosa que vai turista pra tirar bastante foto. Pesquisador: ele tira foto do centro tudo indica ser uma cidade grande na verdade o autor não colocou onde se passa a história mas o autor Marcelo Carneiro da Cunha ele é de Porto Alegre então certamente que ele procurou a referência da cidade de Porto Alegre para por no livro mas ele deixa a referência de uma cidade grande Porto Alegre é capital de:: (aluna): Rio Grande do Sul. Pesquisador: na opinião de vocês qual é o assunto principal desse livro esse livro fala principalmente do quê? M4c? M4c: adolescência. Pesquisador: adolescência quem aponta outro assunto? M6c? M6c: abandono dos pais. Pesquisador: você percebeu isso em que aspecto da história? quem foi abandonado ali na história? M6c: Daniel. Pesquisador: tem mais alguma história de abandono ali dentro? M6c: da mãe do Daniel que foi abandonada pelo pai dele. Pesquisador: e fora o Daniel tem mais alguma história de abandono dentro da história? F4c: do Lucas. Pesquisador: do Lucas por quê? (aluno): porque ele não tem pai nem mãe. F9c: ele era órfão aí depois ele foi adotado. Pesquisador: algum de vocês já viveram alguma situação semelhante a de Daniel? (aluno): como assim professor? Pesquisador: alguém vive ou viveu a história de Daniel de ter pai desconhecido só conhecêlo com uma idade mais avançada? F9c: eu conheci meu pai quando eu tinha seis anos. Pesquisador: seis anos e aí você achou a sua história parecida com a de Daniel ou não? F9c: não. Pesquisador: quem mais tem e gostaria de falar? M4c: eu tenho uma história assim conheci meu pai com seis anos também aí eu fui morar em São Paulo. Pesquisador: e essa comunicação por carta assim alguém tem uma história parecida nesse sentido também ou não? M1c: eu tive. Pesquisador: mas não com pai e mãe? M1c: não. Pesquisador: e alguém conhece alguém que viveu em uma situação parecida? F4c: eu conheço. Pesquisador: parecida de que jeito? não precisa dar nome não. F4c: um (amigo) que não conheceu o pai. Pesquisador: e veio conhecer depois? F4c: não. Pesquisador: e está com quantos anos essa pessoa? F4c: treze. Pesquisador: e ainda não conhece o pai? F4c: não. Pesquisador: ok agora é o seguinte para falar de alguns outros temas do livro vamos falar um pouquinho sobre Daniel e a Mim o que eles eram? alguém? F3c: namorados. 236 Pesquisador: namorados? M5c: dois casais divertidos. Pesquisador: um casal só. M5c: é ele e ela. Pesquisador: um casal só mas eles eram namorados mesmo? F9c: eles tinham um tipo de um (enrosco) não tinham um relacionamento fixo. Pesquisador: como é que a gente chama isso F8c? F8c: ficante. Pesquisador: ficante o que o Daniel achava desta situação de eles serem ficantes? ele gostava disso não gostava? F3c: não porque ele queria namorar com ela. Pesquisador: e ela? F3c: não queria. Pesquisador: por que ela não queria? F3c: porque se não ia atrapalhar a banda dela. Pesquisador: e o que Mim achava dessa situação de ficantes? ou o que ela achava do namoro? F3c: ela gostava. F5c: ela gostava porque se não ia atrapalhar a vida dela. Pesquisador: por que não ia dar certo? F5c: por causa da banda. F1c: porque ele não gostava de rock e ela adorava. Pesquisador: não falava que não gostava mas vamos deixar mais claro. F9c: ela ia viajar e ia deixar ele lá. Pesquisador: e isso aconteceu? (alunas): aconteceu. Pesquisador: e o que vocês acham disso desse ficar e não namorar? F8c? F8c: legal. Pesquisador: por que legal? F8c: porque se você quiser terminar primeiro você vai ter que terminar para depois ficar. Pesquisador: mas você está falando do ficar ou do namorar? F8c: ficar. Pesquisador: quem mais pode falar? M2c? M2c: ficar é legal porque você não tem compromisso você ficou com uma pessoa hoje amanhã você pode ficar com outra. Pesquisador: foi isso que você quis dizer F8c? F8c: ((F8c faz sim com a cabeça)) Pesquisador: F3c? F3c: é por causa desse compromisso que eu não gosto de namorar. Pesquisador: vamos falar um pouquinho sobre a amizade ali dentro como era a amizade entre o Daniel e o Lucas? F1c: uma amizade boa os dois não brigavam um defendia o outro. M5c: ele gostava do Lucas porque ele ajudou o Lucas sair daquela confusão lá que eles achavam que ele tinha roubado. Pesquisador: M12c o que você achava da amizade do Lucas e do Daniel? M12c: legal. Pesquisador: vocês acham que o Daniel soube dar apoio ao Lucas quando ele precisava? F4c: sim. Pesquisador: em todo o momento? F9c: ele acreditou que ele não tinha roubado. 237 Pesquisador: mas desde o começo? F9c: não no comecinho ele falou que ele desconfiava dele. Pesquisador: e o que fez que ele acreditasse? F9c: ele começou a tirar fotos. F4c: é que o pai dele escreveu uma carta que dizia que o que importava mais era não o que estava na foto mas o que não estava aí ele descobriu que quem roubava lá não estava na foto. Pesquisador: mas sobre o apoio dele para o Lucas na amizade dele e do Lucas o que ajudou a ele acreditar mais no Lucas e dar um apoio maior? F1c: ele conhecia Lucas e sabia que ele não era capaz de fazer isso. Pesquisador: vamos ser claro então? ele não pensou isso desde o começo não é? F9c: no começo ele pensava assim porque o Lucas aprontava muito e podia ter roubado as coisas lá. Pesquisador: ele tinha certeza que ele tinha roubado? F9c: não ele não tinha certeza. Pesquisador: e o que fez com que ele mudasse de opinião? (aluno): a carta. Pesquisador: não foi a carta o que fez que ele mudasse de opinião? vou esclarecer para vocês foi um certo chacoalhão que ele recebeu da Mim o que ela falou para ele? F1c: que era para os dois conversarem aí depois que os dois conversaram ele acreditou. Pesquisador: foi um empurrão para que ele mudasse de posição não é ok e quem já passou por uma situação assim igual a essa de Daniel e Mim? M2c: ah um colega meu lá que estava passando por uma situação difícil aí eu fui dar um apoio pra ele porque ele estava precisando. Pesquisador: e que apoio foi esse? M2c: apoio moral dica assim sabe? F3c: como é a pergunta? Pesquisador: se já teve que dar um apoio moral para algum amigo? F3c: já. Pesquisador: como era a família do Daniel? F8c? F9c: a mãe dele era muito emotiva o padrasto dele (dava apoio pra ele) e a avó dele era muito rígida. Pesquisador: quem mais faz parte da família dele? F4c: o pai. Pesquisador: o pai que:: M4c: e a vó dele que achava que (parecia que) morava no exército. Pesquisador: acham uma família normal ou diferente? quem acha normal? M6c: ah é normal só o abandono é diferente. Pesquisador: só o abandono e o que vocês acham do Antônio nessa função de padrasto? M5c: eu acho ele mais legal que o pai dele. Pesquisador: por quê? M5c: porque ele gostava do Daniel ele o achava mais divertido. Pesquisador: a pergunta é o que vocês achavam do Antônio no papel de padrasto do Daniel? F4c: ele dava força para o Daniel. F1c: ele ajudava o Daniel mesmo não sendo filho dele. Pesquisador: e o que vocês acharam do comportamento da mãe do Daniel em relação ao reaparecimento do pai de Daniel quando o pai começou a mandar as cartas? M5c: ela não gostou. Pesquisador: por que ela não gostou? M5c: ela pensou assim que ele deveria ter lembrado dele antes não depois que passou tudo aquilo ia lembrar. 238 M4c: ela queria esconder o pai dele já que ele estava feliz com o padrasto porque procurar o pai. Pesquisador: a F9c que achou a mãe dele parecida com a mãe dela o que achou da atitude da mãe? F9c: ai professor ela era muito chorona qualquer coisinha ela chorava parece minha mãe. Pesquisador: e algum de vocês já viram uma situação semelhante a de Daniel assim da presença de um padrasto de uma avó assim em casa alguém tem uma situação semelhante de uma formação de família assim? F4c: ((levanta a mão)) Pesquisador: formação da família de Daniel padrasto mãe avó em casa pai longe quem tem uma formação de família assim? F4c: meu pai não mora junto eu não conheço ele desde de pequena e ele não mora longe eu moro com minha avó minha mãe e meu padrasto também morava. Pesquisador: e porque você achou a família de Daniel diferente então? você acha sua família normal ou diferente então? F4c: diferente. Pesquisador: quando a gente acha diferente é porque é diferente de alguma coisa não é e porque você acha diferente? F4c: porque normal é um pai uma mãe e um filho. Pesquisador: tem gente que acha mãe filho e cachorro normal não é? vai da visão de cada um. M1c: eu moro com minha mãe meu pai e meu irmão. Pesquisador: isso é uma família normal? M1c: é. M2c: eu moro com minha mãe meu padrasto e minha mãe e vivo duas vidas uma com minha mãe e outra com meu pai. Pesquisador: e você acha sua família parecida com a de Daniel? e é normal ou diferente? M2c: parecida e normal. Pesquisador: agora o pai de Daniel nas cartas que ele manda fala assim de coisas como globalização multiculturalismo multinacionais vocês sabem o que é isso? mais ou menos? M6c: ((faz sim com a cabeça)) Pesquisador: quem sabe o que é globalização por exemplo? já estudaram isso na escola? mas saberiam definir o que é globalização? M1c: é um mundo ligado com o outro é um país ligado com o outro. Pesquisador: mas se houve dificuldade em compreender essas coisas isso atrapalhou ou dificultou a compreensão do livro? M12c isso atrapalhou ou não? M12c: ((faz não com a cabeça)) Pesquisador: M6c? M6c: não precisou daquilo para entender o livro. Pesquisador: e o Daniel ele sabia o que eram essas coisas? o Daniel sabia o que era globalização fundamentalismo guerra no Irã Líbano? e o que ele fez? F4c: ele pesquisou. Pesquisador: e como ele pesquisou? quando o pai dele falou da guerra do Líbano o que ele fez? (alguns alunos): procurou um jornalista. Pesquisador: como ele chegou ao jornalista? F9c: ele foi até o escritório e encontrou o jornalista. Pesquisador: então a atitude é essa ele não sabia o que era e pesquisou e o que vocês compreenderam a respeito do pai de Daniel? o que ele fazia? M2c: era fotógrafo. 239 Pesquisador: fotógrafo de quê? M2c: do mundo inteiro. Pesquisador: o que ele fotografava no mundo? M4c: imagens do momento paisagens. M5c: florestas. Pesquisador: o que mais? M6c: como era o mundo. Pesquisador: como era o mundo e porque ele fazia essas fotografias? F1c: para o filho dele (ver) as fotos. Pesquisador: mas ele trabalhava nisso como ele ia ganhar dinheiro tirando fotos para o filho? F4c: ele fazia isso para apresentar o mundo e mostrar como é bonito. Pesquisador: quem mais pode comentar o trabalho do pai? isso tem alguma coisa a ver com o título? M2c: tem porque isso era uma forma de expressão para o próprio filho dele. F4c: era porque ele trabalhava para um jornal que chamava:: Pesquisador: não era um jornal era um... F4c: era um projeto que chamava antes que o mundo acabe. Pesquisador: um projeto falando agora mais um pouco dos personagens mas diferente do gostei e não gostei o mais interessante curioso que chamou a atenção? M4c: gostei do pai do Daniel. Pesquisador: por quê? M4c: porque ele é mais aventureiro gosta de fotografar. Pesquisador: ok quem mais? F1c: o padrasto de Daniel porque ele era cozinheiro e gostava de Daniel. Pesquisador: e se vocês fossem falar do Daniel para alguém como uma pessoa que existe e vocês fossem falar para alguém que vocês não conhecem como vocês falariam? M5c: o Daniel é um amigo fiel que dá para confiar e ser amigo dele. Pesquisador: quem mais? F4c: que ele é um menino interessante e legal. Pesquisador: e o que vocês falariam da Mim? M2c: é uma menina muito legal. Pesquisador: e que mais além do legal que estava proibido falar? M2c: ela é interessante amiga. M5c: ela é uma menina interessante divertida e gostava das artes. F1c: gostava do Daniel como amigo. Pesquisador: e o que vocês falariam do pai do Daniel? F1c: que é chato porque agora que ele quis ver o filho dele. Pesquisador: mas você vai falar para alguém que não conhece o pai do Daniel o que você diria dele? F1c: ah não sei. Pesquisador: o que vocês diriam do pai do Daniel? M5c: medroso porque quando ele era pequeno (ele pensou que a mãe dele ia pedir pensão) e ele tentou esquecer um pouco mas:: Pesquisador: mas:: M4c: mas ele mandava pensão para o filho. Pesquisador: e o que vocês falariam das pessoas da escola do Daniel? F9c: eles não tinham prova de que era o Lucas que roubava. F1c: acusaram ele sem saber só acusaram ele porque ele tinha costume de roubar as coisas dos outros. M4c: ele era o único que estava na sala quando o roubo aconteceu e por isso ele foi culpado. 240 Pesquisador: ok e agora falar um pouquinho sobre o final da história vocês gostaram do final da história? (aluna): não. Pesquisador: como o foi o final da história F1c? ((pausa)) vamos dividir por partes a história do Lucas como terminou? F1c: com ele conversando com o Daniel e ele foi descobrindo que ele não tinha roubado nada. Pesquisador: e na escola o que aconteceu? F4c: quando ele fez o discurso todo mundo ficou emocionado. Pesquisador: alguém se emocionou também ao ler ou não? ((F4c levanta a mão)) Pesquisador: e a história do Daniel com o pai como terminou? antes do pai desculpa Daniel com a Mim? F9c: a Mim terminou com ele para viajar com a banda dela. F1c: ( ). Pesquisador: e a história do:: Daniel com o pai dele como terminou? M2c: ah não sei professor. F3c: terminou eles comendo comida. Pesquisador: M4c como terminou a história do Daniel com o pai dele? M4c: (ele não foi morar com ele) mas gostou quando começou a conversar melhor. Pesquisador: quem mais pode colocar algum detalhe aí? F4c: o pai convidou ele para fotografar. Pesquisador: e:: F4c: ele aceitou só que eu não gostei disso. Pesquisador: então vamos para o gostou ou não gostou quem gostou das histórias assim como foram? F9c: eu não gostei porque queria que ele tivesse ficado com a Mim não que ela tivesse ido viajar. F4c: eu não gostei porque ele foi viajar com o pai dele e ele nem conhecia o pai dele. M4c: mas o pai dele começou a mandar cartas para ele para conhecê-lo melhor. Pesquisador: mas você gostou do final de ele ter ido com o pai dele? M4c: ((faz sim com a cabeça)) Pesquisador: para onde que ele foi mesmo? M6c: para o México. Pesquisador: e o que ele foi fazer com o pai? ((pausa)) fotografar também não é ? e alguém gostaria de dar um outro final? M12c: não gostei de como foi. M5c: sim gostaria que a família ficasse todo mundo junto. Pesquisador: você queria quem junto? M5c: o pai do Daniel a mãe e o Daniel. Pesquisador: e o padrasto? M5c: não ele não é nada é o Daniel que é o mais falado na história. F5c: professor a Mim consegue fazer o show dela no final? Pesquisador: ela vai para o festival e faz o show manda um email para ele você se lembra? o que vocês acharam da linguagem do livro acharam muitas palavras difíceis ou vocês acharam o livro difícil de ler quanto a linguagem? F8c: eu achei difícil (tem coisa) que não dá para entender. Pesquisador: e no aspecto geral uma média assim tinha uma linguagem fácil ou difícil? F8c: fácil. Pesquisador: por que fácil F8c? F8c: porque tinha algumas que já eram conhecidas e outras que não eram. 241 F9c: não era uma linguagem formal era mais uma linguagem informal ele falava como a gente fala no dia a dia. Pesquisador: e vocês lembram de um outro livro que tenha uma linguagem assim? M2c: eu li esses tempos atrás. Pesquisador: qual o nome do livro? M2c: ai eu não lembro. Pesquisador: foi aquele que a gente leu na quinta série o Tchau? não o Bife e a Pipoca tem uma linguagem assim também não é? agora vamos falar um pouquinho das ilustrações vocês notaram as fotos que haviam no livro? agora a pergunta vai ser da seguinte maneira as fotos impressionaram vocês de que aspecto? gostaram de que aspecto? não gostaram? M1c: as fotos mostram diversas culturas. Pesquisador: você gostou não gostou? M1c: ah eu gostei. Pesquisador: o que você gostou? (aluno): de ver as pessoas lá que você não conhece. Pesquisador: quem que havia falado sobre os textos que estavam embaixo das fotos? M5c? M5c: ah eu achei legal porque não tinha só a foto lá para você ver contava a história dele. Pesquisador: e depois o Daniel veio a se tornar fotógrafo o que vocês acharam dessa parte do livro dessa profissão de fotógrafo que impressão vocês tiveram disso? M2c: uma impressão boa não é porque vai que no futuro isso pode ser uma profissão. Pesquisador: que impressão vocês tiveram da profissão de fotógrafo observando o pai do Daniel depois o Daniel também que se sentiu entusiasmado a fazer isso? F10c: o Daniel se inspirou no pai dele. Pesquisador: e o que você achou disso? F10c: legal. Pesquisador: ok vocês acham um livro melhor com ou sem ilustrações? (alguns alunos): com. F10c: isso ajuda a interagir na leitura. M5c: ajuda a entender o livro melhor. Pesquisador: e um livro com fotos é comum verem um livro com fotos? M2c: não. Pesquisador: e o que vocês acharam? (aluno): legal. (outro aluno): muito louco. Pesquisador: aparecem fotos de dois personagens ali não aparece? F1c: sim. Pesquisador: de quem? F1c: da Mim. (aluno): Daniel. Pesquisador: e as fotos que apareceram ajudaram vocês a compor o personagem ou atrapalharam a vocês imaginarem? F10c: ajudou a entender um pouco mais sobre os personagens. Pesquisador: vocês se lembram como era a foto da Mim? M2c: ela estava olhando para uma foto tocando guitarra no quarto dela. Pesquisador: isso ajudou a entender ou atrapalhou a imagem que você tinha da Mim? M2c: ajudou porque dá pra ver que ela gosta de rock é animada curte a vida. Pesquisador: e a foto do Daniel como foi que apareceu? F8c: ele tava de colete de fotógrafo e uma câmera pendurada. Pesquisador: e a imagem dele a fisionomia isso atrapalhou ou ajudou F8c? e antes de vocês terem visto a foto bateu com o que vocês estavam imaginando ou não? 242 M4c: sim porque no final já estava contando que ele ia ser fotógrafo. Pesquisador: mas e a questão da aparência física? M4c: mudou por causa que você começa a imaginar um (tipo de menino) depois já passou para os quinze anos. Pesquisador: aí na foto ele já estava um rapagão não é? agora as fotos do livro ajudaram a compreender o livro os personagens de que maneira? M6c: ajudou porque eu já tinha uma ideia de como era e as fotos ajudaram. Pesquisador: vocês repararam que no início de cada capítulo havia uma pequena ilustração? quem se lembra delas? não? eu não posso mostrar porque:: se alguém por acaso não lembra é porque não causou nenhum impacto cada início de capítulo tinha um pequeno desenho que ajudava a (entender) um acontecimento da história no capítulo da chegada das cartas do pai era o desenho de uma cartinha todo capítulo que era a chegada da carta do pai era um desenho que era um logotipo assim do projeto antes que o mundo acabe era o desenho de um planeta com uma câmera fotográfica em cima então cada capítulo tinha um desenho apontando para aquilo que ia acontecer ok lembrando do livro quando vocês estavam com ele na mão o que vocês acharam do formato do livro da grossura dele do papel da capa das páginas das imagens do tamanho das letras qual foi a impressão visual do livro? M1c: se as letras fossem um pouquinho maior dava pra entender um pouquinho melhor também. Pesquisador: as letras eram pequenas o que mais vocês acharam? F7c: tem muita folha. Pesquisador: achou grande o que mais? M2c: as letras eram boas para entender. Pesquisador: vocês notaram havia um único tipo de letra do início ao fim ou não? M5c: mudava quando ele escrevia no livro das letras de quando ele escrevia nas cartas. Pesquisador: por que você acha que acontecia isso? (aluno): para dar a impressão que foi outra pessoa que escreveu. Pesquisador: e de que maneira se dava essa impressão? (aluno): porque era uma letra comum não era letra digitada era letra de mão não de forma. M6c: era letra de máquina de escrever. Pesquisador: vocês se lembram de outro livro que tenha impressionado vocês pelo jeito que ele era pelo gosto de pegar por ser bonito pela capa por alguma coisa assim ou não? M2c: o Harry Potter. Pesquisador: o que você gostou nele? M2c: do jeito dele o marca páginas. Pesquisador: vocês apreciam isso pegar um livro folhear ou é indiferente e nesse livro Antes que o mundo acabe o que mais chamou a atenção? F8c: as imagens. Pesquisador: uma edição aqui na sala estava com um marca página diferente vocês se lembram? M2c: lembro professor de um lado tinha um marca páginas e do outro um negócio para destacar uma lente de uma câmera. Pesquisador: e o que vocês acharam disso? M2c: legal professor porque dava pra entender uma profissão de fotógrafo. Pesquisador: e para que mais servia aquele marca páginas? F8c: ah olha assim. Pesquisador: olha assim o quê? e para que olhar o mundo quadrado? M2c: para ter uma visão melhor para tirar foto. Pesquisador: agora comparando esse livro com outros que vocês já viram na biblioteca vocês consideram esse livro novo moderninho? 243 F7c: moderno. M9c: acho moderno por causa das palavras que tem no livro. Pesquisador: mas nos aspecto visual assim vocês acham que isso faz diferença ou não? entre o livro ter um aspecto mais moderno ou velharia? acha que isso faz diferença na leitura? F3c: não. Pesquisador: vocês acham que o livro pode ter mais de uma utilidade a não ser ler pode servir de assento de protetor de chuva de abanador de lugar para tomar notas não é? (alguns alunos): não. Pesquisador: alguém já usou um livro para algo parecido? M2c? M2c: para tampar a chuva. F5c: para me abanar. Pesquisador: agora um pouquinho sobre o autor se vocês pudessem conversar com o autor do livro o que vocês perguntariam para ele? M5c: falaria para ele cortar os palavrões. Pesquisador: que mais? F5c: como é que ele conseguiu fazer o livro as ideias que ele teve. M2c: ia falar para ele reduzir um pouquinho o texto. Pesquisador: quem mais diria alguma coisa ou perguntaria algo? M9c: ( ) F10c: de onde surgiu a inspiração para fazer o livro. M2c: se quando ele não tinha nada para fazer se ele gostou de fazer o livro? Pesquisador: por que quando não tinha nada para fazer? M2c: porque as vezes ele não tinha nada para fazer surgiu a inspiração e ele fez livro. M9c: eu ia perguntar se ele se inspirou em algo. Pesquisador: algo o quê? M9c: alguma coisa a pessoa sempre se inspira. F3c: ia falar que ele podia ter se inspirado na adolescência. Pesquisador: na adolescência dele? F3c: ou de alguém. Pesquisador: vocês acham que ele realmente conheceu um Daniel? M2c: eu acho que sim. Pesquisador: por quê? M2c: ué o porque eu não sei professor....mas eu acho que sim as vezes ele pode ter conhecido alguém e ido lá e feito o livro. Pesquisador: quem mais acha isso? quem acha que não? M6c você acha que não? por quê? M6c: vou saber deu a louca na cabeça dele ele foi lá e fez. Pesquisador: agora vamos falar dessa entrevista para encerrar o que vocês acharam dessa nossa conversa da entrevista sobre o livro? M2c: bom porque é uma forma melhor de entender o livro. Pesquisador: quem não gostou pode falar a entrevista ajudou a entender melhor os personagens? F5c: ajudou. Pesquisador: ajudou a compreender. M6c: ajudou porque quase nenhum professor faz isso. Pesquisador: mas sobre compreender o livro ajudou? M6c: ajudou foi bom. Pesquisador: algum de vocês mudou de ideia em relação ao livro após a entrevista? F8c: eu achava chato e agora eu achei legal. Pesquisador: por quê? F8c: porque quando eu estava lendo eu não entendia nada. 244 Pesquisador: o que por exemplo você não entendia? F5c: eu não entendia que o Daniel era namorado da Mim eu não entendia nada porque as vezes o Daniel ( ) ai eu não entendia. M2c: eu não entendia a parte da carta depois que nós conversamos eu entendi. F10c: eu achava ele chato agora eu acho legal. Pesquisador: e quem quer reler o livro? F10c: deus me livre. M2c: eu quero. Pesquisador: vocês acham que é possível haver ideias (diferentes) sobre o mesmo livro? F10c: é porque cada um tem sua própria opinião. Pesquisador: e isso é certo ou errado? M2c: ah professor cada um tem seu gosto não é tem gente que gosta tem gente que não gosta. Pesquisador: então como no caso desse livro que várias pessoas leram aqui (mais) a sétima A sétima B mais ou menos umas cem pessoas leram o livro porque elas podem ter impressões diferentes do mesmo livro isso é bom ou ruim? por quê? M2c: é bom porque você vai entender o que cada um achou porque se a pessoa não gostou do livro você vai fazer o quê? Pesquisador: por que é importante ouvir a opinião de quem não gostou? M9c: porque pode ajudar a completar na próxima vez. Pesquisador: então a gente vai encerrar por aqui mais uma vez muito obrigado vocês se comportaram direitinho durante a entrevista. 245 APÊNDICES 246 APÊNDICE A – Questionário aplicado aos alunos As questões deste questionário estão com base em outros que foram consultados e de onde algumas questões foram adaptadas, como é o caso dos questionários socioeconômicos do SARESP 2009 e ENEM 2008. Outras questões foram adaptadas da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” (AMORIM, 2008), para possível aproximação da realidade local à nacional. QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO DOS ALUNOS Nome _________________________________________ Bairro ______________________________ Nível : ( ) 5ª série ( ) 6ª série ( ) 7ª série ( ) 8ª série Turma: ( ) A ( ) B ( ) C 1. Qual o seu sexo? (A) Feminino. (B) Masculino. 2. Em que ano você nasceu? (A) Após 1997. (B) Em 1996. (C) Em 1995. (D) Em 1994. (E) Em 1993. (F) Em 1992. (G) Em 1991. (H) Entre 1985 e 1990. (I) Antes de 1985. 3. Como você se considera: (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena. A família 4. Nome do PAI ou responsável: __________________________________________ (A) Não estudou. (B) Da 1ª à 4ª série do ensino fundamental (antigo primário). (C) Da 5ª à 8ª série do ensino fundamental (antigo ginásio). (D) Ensino médio (2º grau) incompleto. (E) Ensino médio (2º grau) completo. (F) Ensino superior incompleto. (G) Ensino superior completo. (H) Pós-graduação. (I) Não sei. 5. Nome da MÃE ou responsável: ________________________________________ (A) Não estudou. (B) Da 1ª à 4ª série do ensino fundamental (antigo primário). (C) Da 5ª à 8ª série do ensino fundamental (antigo ginásio). (D) Ensino médio (2º grau) incompleto. 247 (E) Ensino médio (2º grau) completo. (F) Ensino superior incompleto. (G) Ensino superior completo. (H) Pós-graduação. (I) Não sei. 6. Qual é o local de nascimento de seu pai? (A) Cerqueira César. (B) Outra cidade do interior de São Paulo. Qual? _________________________ (C) Outro estado do Brasil. Qual? _____________ (D) Outro país. (E) Não sabe. 7. Qual é o local de nascimento de sua mãe? (A) Cerqueira César. (B) Outra cidade do interior de São Paulo. Qual? _________________________ (C) Outro estado do Brasil. Qual? _____________ (D) Outro país. (E) Não sabe. 8. Qual é o local do seu nascimento? (A) Cerqueira César. (B) Outra cidade do interior de São Paulo. Qual? _________________________ (C) Outro estado do Brasil. Qual? _______________ (D) Outro país. (E) Não sabe. 9. A maior parte de sua vida, você morou ou mora: (A) na cidade. (B) na zona rural (sítio) 10. Há quanto tempo você mora na cidade de Cerqueira César? (A) Sempre morou dentro da cidade de Cerqueira César. (B) Menos de 5 anos. (C) Mais de 5 anos. (D) Mais de 10 anos. (E) Não sabe. Dados Econômicos 11. Seu pai (ou responsável) trabalha? (A) Sim (B) Não O que ele faz?_____________________________________ 12. Sua mãe (ou responsável) trabalha? (A) Sim (B) Não O que ela faz?____________________________________ 13. Você trabalha fora de casa? (A) Sim (B) Não Onde?______________________ Em quê?__________________________________________ 14. Você trabalha em casa? (A) Sim (B) Não Em quê?__________________________________________ 248 15. Na sua casa moram além de você: (marque mais do que uma opção, se for o caso) (A) pai (B) padrasto (C) mãe (D) madrasta (E) avô (F) avó (G) irmãos. Quantos? __________________ (H) outras pessoas. Quem?______________________________________________ 16. Somando a sua renda com a renda das pessoas que moram com você, quanto é, aproximadamente, a renda familiar? (Considere a renda de todos que moram na sua casa.): (A) até R$ 200,00 (B) de R$ 201,00 a R$400,00 (C) de R$ 401,00 a R$ 600,00 (D) de R$ 601,00 a R$ 1.000,00 (E) de R$ 1001,00 a 2.000,00 (F) de R$ 2001,00 a 3.000,00 (G) de R$ 3001,00 a 4.000,00 (H) mais de R$ 4001,00 Como é sua casa? 17. Própria. 18. Construção popular (BNH, CDHU) 19. É em rua calçada ou asfaltada. 20. Tem água corrente na torneira. 21. Tem eletricidade. 22. É situada em comunidade rural. Quais e quantos dos itens abaixo há em sua casa? 23. TV 24. Videocassete e/ou DVD 25. Rádio 26. Microcomputador 27. Máquina de lavar roupa (automática) 28. Geladeira 29. Telefone fixo 30. Telefone celular 31. Acesso à Internet 32. TV por assinatura Sim (A) (A) (A) (A) (A) (A) Não (B) (B) (B) (B) (B) (B) 1 2 3 ou mais Não tem (A) (A) (A) (A) (B) (B) (B) (B) (C) (C) (C) (C) (D) (D) (D) (D) (A) (B) (C) (D) (A) (A) (A) (A) (A) (B) (B) (B) (B) (B) (C) (C) (C) (C) (C) (D) (D) (D) (D) (D) Assinale, no quadro abaixo, a(s) atividade(s) ou o(s) curso(s) que você realiza ou realizou fora da sua escola nos últimos 2 anos. 33. Curso de língua estrangeira (inglês, espanhol etc.) 34. Curso de computação ou informática 35. Atividade artística (pintura, música, dança, teatro etc.) 36. Esportes, atividades físicas (musculação, karatê, jiu-jítsu etc) Sim Não (A) (A) (A) (A) (B) (B) (B) (B) 249 Dados culturais Quando está em casa, gosta de: Sim, muito 37. jogar com meus(minhas) amigos(as). 38. ouvir música. 39. assistir à televisão. 40. brincar com meus jogos eletrônicos. 41. ler (livros de histórias, gibis, revistas). 42. ficar na internet. 43. ajudar nas tarefas da casa. 44. arrumar minhas coisas. 45. estudar (fazer a lição, pesquisar etc.) 46. conversar com as pessoas da minha família. 47. ouvir histórias da família. Alguém em sua família costuma ler em casa? (marque mais de uma resposta, se for o caso) 48. O pai. O que lê? 49. A mãe. O que lê? 50. Irmão(ã). O que lê? 51. Avô. O que lê? 52. Avó. O que lê? Jornais (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) Revistas de informação geral (Veja, Istoé, Época etc.) (B) (B) (B) (B) (B) Sim, só um pouco (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) Não gosto (C) (C) (C) (C) (C) (C) (C) (C) (C) (C) (C) Revistas de humor / quadrinhos Romances, livros de ficção Não lê. (C) (C) (C) (C) (C) (D) (D) (D) (D) (D) (E) (E) (E) (E) (E) 53. Há em sua casa objetos de leitura? (marque mais do que uma opção, se for o caso) (A) bíblia (B) revistas religiosas (C) livros de poesia (D) romances (E) revistas de atualidades (F) jornais (G) revistas em quadrinho (H) almanaques (I ) outros ______________________ 54. Alguém em sua família lhe contava, ou lhe conta histórias? Quem? (marque mais do que uma opção, se for o caso) (A) o pai (B) a mãe (C) a avó (D) o avô (E) ninguém (F) outra pessoa _______________________ 55. Cite uma ou mais história(s) de que você se recorda? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________ 56. Que sentimento essa(s) história(s) causava(m), ou causa(m) em você? 250 (A) Medo (B) Alegria (C) Tristeza (D) Outros __________________________ 57. Alguém já lhe deu um livro de presente? (A) Apenas uma vez. (B) Algumas vezes. (C) Várias vezes. (D) Nunca ganhei. 58. Se já ganhou livro(s) de presente, quem lhe deu? (A) o pai (B) a mãe (C) a avó (D) o avô (E) um tio ou uma tia (F) um amigo(a) (G) nunca ganhei livros (H) outra pessoa ________________________ 59. Cite uma (ou mais) história(s) que VOCÊ LEU (na infância) __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________ 60. Do que falava(m) a(s) história(s)? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________ 61. O(s) livro(s) que você lia na infância: (A) era(m) seu(s) ou de alguém de sua casa (B) foi (foram) retirado(s) na biblioteca escolar (C) foi (foram) emprestado(s) por um amigo (D) foi (foram) retirado(s) da biblioteca da cidade Dados da vida escolar Leia as frases abaixo e diga se concorda ou discorda. 62. Minha escola é um lugar agradável 63. Eu me considero um bom(boa) aluno(a). 64. Eu gosto das atividades que faço na classe. 65. Eu gosto de ficar na escola. 66. O que eu faço na escola é perda de tempo. 67. Minha escola me deixa chateado. Concordo plenamente (A) (A) (A) (A) (A) (A) Concordo em parte (B) (B) (B) (B) (B) (B) Discordo (C) (C) (C) (C) (C) (C) 68. Agora, vamos falar das aulas de Língua Portuguesa na sua escola. Seu professor de Língua Portuguesa (A) foi o mesmo durante todo ano. 251 (B) foi substituído em períodos de licença-saúde ou afastamento. (C) deixou as aulas durante o ano e foi substituído por outro. Quanto ao modo como trabalha, seu professor de Língua Portuguesa (em 2009) 69. Costuma aguardar muito tempo até que os alunos façam silêncio para iniciar a aula. 70. É exigente com relação ao trabalho dos alunos. 71. Incentiva os alunos a melhorarem o seu desempenho. 72. É atencioso e auxilia os alunos a realizarem suas tarefas. 73. Explica a matéria até que todos os alunos entendam. 74. Passa lição de casa. 75. Corrige as lições de casa. 76. Mostra interesse no aprendizado de todos os alunos. 77. Quando falta, deixa tarefas para que um professor eventual trabalhe. 78. Dá aos alunos oportunidade de participarem e expressarem suas opiniões. 79. Propõe atividades de produção de textos. 80. Devolve as produções de textos corrigidas. 81. Indica livros de literatura para ler. 82. Indica jornais e revistas para ler. 83. Explica como se deve ler um texto. 84. Incentiva a leitura em voz alta, dando sugestões para melhorar o desempenho de cada aluno. Em todas ou quase todas as aulas Em algumas aulas Nunca (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (A) (B) (B) (C) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (A) (A) (A) (A) (B) (B) (B) (B) (B) (C) (C) (C) (C) (C) (A) (B) (C) 85. Agora, vamos falar das aulas de Leitura e Produção de Textos na sua escola. Sua professora de Leitura e Produção de Textos (A) foi o mesmo durante todo ano. (B) foi substituído em períodos de licença-saúde ou afastamento. (C) deixou as aulas durante o ano e foi substituído por outro. Quanto ao modo como trabalha, seu professor de Leitura e Produção de Textos (em 2009) 86. Costuma aguardar muito tempo até que os alunos façam silêncio para iniciar a aula. 87. É exigente com relação ao trabalho dos alunos. 88. Incentiva os alunos a melhorarem o seu desempenho. 89. É atencioso e auxilia os alunos a realizarem suas tarefas. 90. Quando falta, deixa tarefas para que um Em todas ou quase todas as aulas Em algumas aulas Nunca (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) 252 professor eventual trabalhe. 91. Incentiva a leitura em voz alta, dando sugestões para melhorar o desempenho de cada aluno. 92. Traz textos impressos ou xerocados para as atividades. 93. Passa textos longos na lousa, pedindo para os alunos copiarem. 94. Mostra interesse no aprendizado de todos os alunos. 95. Dá aos alunos oportunidade de participarem e expressarem suas opiniões. 96. Propõe atividades de produção de textos. 97. Devolve as produções de textos corrigidas. 98. Indica livros de literatura para ler. 99. Indica jornais e revistas para ler. 100. Explica como se deve ler um texto. 101. Utiliza filmes, trechos de filmes e músicas em suas aulas. 102. Utiliza textos dos livros didáticos. 103. Utiliza os livros que os alunos ganharam da escola em final de 2008. 104. Traz outros livros para a sala de aula (poesias, contos, romances etc.) 105. Faz a leitura de textos para que os alunos apenas escutem uma história. 106. Fala para os alunos da importância da leitura na vida das pessoas. 107. Demonstra ser uma pessoa que gosta de ler e que lê com frequência. (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (A) (A) (A) (A) (B) (B) (B) (B) (B) (C) (C) (C) (C) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) (A) (B) (C) Dados sobre a experiência leitora Você costuma ler: 108. somente para tarefas escolares 109. para me distrair/divertir 110. para aprender religião 111. para aprender coisas úteis Muitas vezes sim (A) (A) (A) (A) A leitura significa para você: 112. Uma fonte de conhecimento para a vida 113. Uma fonte de conhecimento e atualização profissional 114. Uma fonte de conhecimento para a escola/faculdade 115. Uma atividade interessante 116. Uma atividade prazerosa 117. Uma prática obrigatória 118. Algo que produz cansaço/exige muito esforço 119. Algo que ocupa muito tempo Às vezes Nunca (B) (B) (B) (B) (C) (C) (C) (C) Sim (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) Não (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) 253 (A) 120. Uma atividade entediante Em que época de sua vida você leu mais? (deixe sem responder a etapa em que ainda não viveu) Lia mais do que hoje em dia (A) (A) (A) (A) 121. entre 6 e 8 anos (do “pré” à 2ª série) 122. entre 9 e 10 anos (na 3ª e na 4ª séries) 123. entre 11 e 12 anos (na 5ª e na 6ª séries) 124. entre 13 e 14 anos (na 7ª e na 8ª séries) (B) Lia o mesmo tanto que hoje (B) (B) (B) (B) Lia menos do que hoje (C) (C) (C) (C) 125. Você sente alguma dificuldade para ler? (marque mais do que uma opção, se for o caso) (A) Não tem dificuldade alguma (B) Lê muito devagar (C) Não compreende a maior parte do que lê (D) Não tem paciência para ler (E) Não consegue se concentrar (F) Não lê por limitações físicas como a baixa visão (G) Não é alfabetizado ou ainda não sabe ler 126. Você frequenta a biblioteca da escola e retira livros: (A) sempre (B) de vez em quando (C) nunca Quando retira livros da biblioteca e leva para a casa, você: 127. lê apenas trechos ou capítulos. 128. lê o livro inteiro de uma só vez. 129. lê o mesmo livro mais de uma vez. 130. lê partes do livro mais de uma vez. 131. lê pulando páginas. 132. lê mais de um livro ao mesmo tempo. 133. leva o livro para casa, mas não lê. Frequentemente Às vezes (A) (A) (A) (A) (A) (A) (A) (B) (B) (B) (B) (B) (B) (B) 134. Que tipo de leitura você procura na biblioteca: (A) narrativa de ficção (B) detetive/policial (C) poesia (D) religiosa (E) escolar (F) autoajuda (G) Outra __________________________ 135. Cite uma ou mais leituras que você tenha feito em livros retirados da biblioteca de sua escola. __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ _______________________________________ 136. Por que você fez essas leituras? 254 (A) trabalho escolar (B) indicação de amigos (C) indicação do professor (D) vontade própria 137. Que gênero de leitura você gostaria de encontrar mais na biblioteca da escola? (marque mais do que uma opção, se for o caso) (A) pesquisa escolar (B) romances (C) poesia (D) aventuras/ policiais/suspense (E) literatura infantil (F) literatura juvenil (G) ficção científica (H) histórias em quadrinhos (I) religiosa (J) Outra(s) __________________________ 255 APÊNDICE B – Orientações repassadas às docentes para aplicação do projeto em sala de aula. INSTRUÇÕES PARA APLICAÇÃO DO PROJETO DE LEITURA O projeto é coordenado pelo Prof. Fábio e se resume pela implantação na escola de um programa de aperfeiçoamento da prática docente no ensino da literatura, bem como à elaboração e aplicação de projetos de leitura que visem melhores resultados na formação dos leitores-alunos, inferindo as necessidades destes para uma recepção mais significativa do texto literário em sala de aula. Tem também o objetivo de discutir a recepção de narrativas literárias entre os jovens alunos, abrangendo aspectos ligados à prática docente e às metodologias de ensino da literatura. Os docentes incluídos no programa de aperfeiçoamento são aqueles que ministram aulas de Leitura e Produção de Textos nesta unidade e participam do HTPC, momento em que ocorrem as leituras, discussões e o planejamento das ações do projeto. A fase do projeto de que tratam estas instruções é da aplicação das leituras em sala de aula, coordenadas por cada docente durante as aulas de Leitura e Produção de Textos. Os livros estão destinados às turmas na seguinte disposição: 9 5ª série: Reinações de Narizinho – Vol. 2 – Monteiro Lobato 9 6ª série: A Marca de uma lágrima – Pedro Bandeira 9 7ª série: Antes que o mundo acabe – Marcos Carneiro da Cunha 9 8ª série: Capitães de Areia – Jorge Amado Antes e durante as leituras dos alunos, deverão ser observadas as seguintes orientações: Apresentação do projeto 1. A proposta de leitura deverá ser feita para os alunos com os seguintes esclarecimentos: 1.1. Trata-se de um projeto a ser desenvolvido dentro da disciplina de Leitura. A primeira atividade é a leitura um livro selecionado pelos professores que estiveram há cerca de um mês na preparação do programa. 1.2. A leitura deverá ocorrer na sala de aula, em um período máximo de 3 semanas. 1.3. Os objetivos da leitura são: 1.3.1. Oferecer um livro cuidadosamente selecionado pelos professores, visando uma maior aproximação dos alunos com a obra literária, estimulando o hábito de leitura. 1.3.2. Realizar entre os alunos do Ensino Fundamental II (5ª a 8ª séries) da escola um trabalho de desenvolvimento da competência leitora e escritora. 1.3.3. Colher impressões de leitura dos alunos por meio da expressão oral ou escrita, para a constituição de um material que servirá à pesquisa desenvolvida pelo Prof. Fábio no curso de Mestrado da Universidade Estadual Paulista (UNESP). 256 Introdução à leitura 2. A apresentação do livro deverá ser feita pelo(a) professor(a) de modo superficial, garantindo que sua opinião, sua interpretação e impressões não interfiram no modo de ler dos alunos. O propósito se justifica na intenção de, posteriormente, colher as impressões de leitura dos alunos em um nível mais “puro” possível. 2.1. Antes de iniciar a leitura propriamente dita, é interessante que sejam respondidas ORALMENTE questões relacionadas às expectativas dos alunos motivadas pelo título, pela capa etc. 2.2. Podem ser questionados se conhecem o autor, se já leram algo dele (ou sobre ele), se apreciam suas obras, e outras perguntas dessa natureza. 2.3. Ainda explorando o chamado paratexto, pode ser lido coletivamente o conteúdo da orelha, da contracapa etc., sempre priorizando nesse primeiro momento o DEBATE ORAL. 3. A leitura da obra ocorrerá, de preferência, silenciosamente, respeitando o ritmo e o modo individuais de leitura. Acompanhando as leituras 4. Sempre que necessário, serão formadas duplas exclusivamente para que compartilhem um mesmo exemplar. Algumas sugestões de critérios para a formação dos pares: 4.1. Aproximar alunos com ritmo de leitura semelhante; 4.2. Alunos com ritmo de leitura diferentes (isso permitirá um maior equilíbrio no andamento geral); 4.3. Um aluno com dificuldades de leitura (especialmente aquele que ainda está em fase de desenvolvimento da alfabetização) poderá ser pareado a algum colega que faça a leitura para ser escutada pelo primeiro. 5. Talvez o professor ache interessante pedir para que os alunos registrem a cada dia a página em que a leitura foi interrompida (cada um pode criar seu “paginômetro”), para que a continuidade seja garantida com mais tranquilidade. 6. O uso de dicionários deve ser livre e estimulado, mas não deve ser cobrado como forma de atividade. É importante nessa questão lembrar aos alunos de que muitas palavras têm seu significado inferido pelo contexto, prescindindo da consulta, e que as interrupções constantes podem atrapalhar a fruição da leitura. Cronograma 7. O tempo semanal dedicado à leitura deve seguir a meta de três aulas por semana, sempre completadas com a concessão de uma ou duas aulas semanais pelo docente de Língua Portuguesa. 8. O término das leituras está marcado para o dia 06 de novembro, ao fim de três semanas ou 9 aulas. Organização geral 257 9. Os exemplares permanecerão armazenados na Secretaria da Escola e devem ser solicitados pelo docente aos funcionários Ana Carolina e Alex. 10. Há em cada caixa uma ficha de controle para a conferência do número de exemplares originais e de cópias. Nessa ficha o docente pode também registrar a retirada de algum volume para a sua leitura, jamais disponibilizando o empréstimo aos alunos. 11. O docente envolvido no projeto deverá manter contato com o(a) professor(a) de Língua Portuguesa da respectiva turma, solicitando a cada semana a continuidade da leitura em uma ou duas aulas, conforme a necessidade. 258 APÊNDICE C - Modelo da ficha de leitura Aluno(a): _______________________________________ Turma: _____ Livro: _________________________________ Autor: _____________________________________ O escritor francês Daniel Pennac, em seu livro intitulado Como um Romance, define dez “Direitos imprescritíveis do leitor”. Dentre eles, convém ao nosso caso que se destaquem aqui pelo menos cinco: O direito de não ler. O direito de pular páginas. O direito de não terminar um livro. O direito de reler. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível) O último, que merece uma explicação, faz referência ao prazer da leitura, sobretudo por certo deslumbramento que a literatura pode causar no leitor iniciante. Com isso queremos que nessa primeira atividade se sinta no direito à total sinceridade. 1. Realizou a leitura integral do livro indicado? Terminou na primeira, segunda ou terceira semana? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 2. Caso não tenha lido o livro inteiro, explique brevemente suas razões. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 3. Sentiu vontade de reler alguma parte? Por quê? Fez a releitura? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 259 4. Agora faça um resumo da história, da maneira como você a contaria para alguém. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 5. Deixe um comentário sobre o livro. _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ 260 APÊNDICE D ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS ALUNOS CUNHA, Marcelo Carneiro da. Antes que o mundo acabe. 4 ed. Porto Alegre: Editora Projeto, 2003. 144p. A. PRIMEIRO BLOCO: A escolha 1. O que vocês acharam de o professor mandar a classe toda ler um livro? B. SEGUNDO BLOCO: Impressões subjetivas (leitura afetiva) 1. Identificação com o livro em geral: a. O que vocês acharam do livro? Por quê? b. O que vocês mais gostaram na história que leram? Por quê? c. O que vocês menos gostaram? Por quê? 2. Identificação com as personagens em geral: a. Algum de vocês achou alguma personagem parecida com vocês mesmos? Qual? No que ela é parecida? b. Alguma personagem lembrou pessoas que vocês conhecem? Qual? c. De que personagem vocês mais gostaram, na história? Por quê? d. De que personagem vocês menos gostaram? Por quê? e. Se pudessem ter uma personagem como amigo ou amiga, qual seria? Por quê? C. TERCEIRO BLOCO: Aprofundando a leitura Item especial: Entendimento da estrutura do livro a. Vocês acharam o livro complicado ou fácil de entender? Por quê? b. Este livro conta a história de quem? c. Qual é a história de Daniel? O que acontece com ele? d. Vocês acham histórias como essa acontecem na vida real? Por quê? e. Onde se passa essa história? 1. Discutindo e compreendendo os TEMAS: a. Na opinião de vocês, qual é o assunto principal do livro? b. Algum de vocês já viveu uma situação semelhante à de Daniel? Ou conhecem alguém que já tenha vivido uma situação assim? namoro/“ficar” a. Como era o relacionamento entre Daniel e Mim? b. Eram namorados, “ficantes”, o que eram? c. Daniel gostava dessa situação? E Mim, o que achava? d. O que vocês acharam disso? amizade e. Como era a amizade entre Daniel e Lucas? f. Vocês acham que Daniel soube dar o apoio de que Lucas precisava? g. Vocês já passaram por uma situação assim? pais separados h. Como era a família de Daniel? Vocês a consideram normal? (o que é uma família normal?) i. O que vocês acham do Antônio como padrasto do Daniel? 261 j. Como vocês veem o comportamento da mãe de Daniel em relação ao reaparecimento de seu pai verdadeiro? Acham que ela agia corretamente? k. Algum de vocês já viveu ou vive uma situação semelhante a de Daniel e gostaria de comentar com a turma? globalização/multiculturalismo l. O pai de Daniel fala de coisas como globalização, multinacionais, multiculturalismo... vocês sabem o que é isso? Têm uma ideia? m. Isso dificultou a compreensão da história ou não interferiu? n. Daniel compreendia o que era tudo isso? O que ele fez? o. O que vocês compreenderam do trabalho do Daniel-pai? 2. Discutindo e compreendendo as PERSONAGENS a. Qual foi a personagem mais interessante para vocês? Por quê? b. Se vocês fossem explicar para uma pessoa que não conhece como ele é, o que vocês diriam dele, como o descreveriam? c. E da Mim, o que vocês acham? d. O que diriam sobre o pai de Daniel? e. E das pessoas da escola de Daniel, o que acham? 3. O final do livro a. Vocês gostaram do final do livro? Por quê? Alguém não compreendeu? b. Esse final deixou vocês: tristes? ansiosos? angustiados? alegres? indiferentes? c. Vocês mudariam o final? d. Como vocês gostariam que o livro acabasse? D – QUARTO BLOCO: Aspectos formais 1. A linguagem do livro: foi fácil de ler? Vocês encontraram palavras difíceis? 2. O que vocês acharam do jeito de Daniel falar? Acham adequado para um livro? 3. Quem conta a história do livro? Vocês lembram de algum outro livro em que a história é contada de um jeito assim? 4. Agora, que nós já falamos bastante sobre o livro, ele parece menos complicado? A discussão ajudou a entender o livro? Alguém mudou de opinião sobre ele? Alguém gostaria de lê-lo de novo? E – QUINTO BLOCO: A ilustração 1. As fotos desse livro impressionaram vocês? Vocês gostaram delas? De que aspectos? 2. Vocês acham melhor ler livro com ilustração ou sem? É bom ter ilustrações ou fotos? Por quê? 3. Vocês já leram outro livro em que as ilustrações são fotos? 4. As fotos não atrapalham a ideia que vocês vão fazendo das personagens? O que acharam das fotos da Mim e do Daniel? 5. As fotos desse livro ajudaram vocês a compreenderem a história? A compreenderem melhor as personagens? Em quê? 6. Vocês repararam nas pequenas ilustrações no início de cada capítulo? O que acharam? F – SEXTO BLOCO: Aspectos sensoriais 1. Pegando o livro na mão, olhando para ele sem ler, o que vocês acharam do formato? da grossura? do papel da capa e das páginas de dentro? das imagens? do tamanho das letras? 262 2. Vocês se lembram de algum livro que tenha impressionado vocês pelo jeito que ele era? Por ser gostoso de pegar, por ser bonito? Nesse caso, o que ele tinha de bonito e gostoso? 3. Nesse livro, algum aspecto chamou mais a atenção de vocês? 4. Comparando com outros livros que vocês já viram, o jeito deste livro parece: moderninho? velharia? resistente? atraente? 5. Vocês acham que um livro pode ter alguma outra utilidade que não seja a de ler? Como assento, protetor de chuva, abanador, lugar para tomar notas... Vocês já usaram algum livro assim? G – SÉTIMO BLOCO: O autor 1. Se vocês pudessem conversar com o autor do livro, que gostariam de dizer a ele? O que perguntariam a ele? 2. Vocês acham que o autor realmente conheceu Daniel? Ou ele é inventado? H – OITAVO BLOCO: A entrevista 1. O que vocês acharam desta entrevista coletiva? 2. A entrevista ajudou vocês a compreenderem melhor a história e as personagens? Ou atrapalhou? 3. Algum de vocês mudou de ideia depois desta entrevista? 4. Vocês acham que a gente pode ter ideias diferentes sobre um mesmo livro? Vocês acham isso certo ou errado? Por quê? 5. Quem está com a razão, quando as ideias são diferentes? 6. Por que será que quando várias pessoas leem um livro, elas podem ter impressões diferentes? Gostar ou não gostar? Ver as coisas de um jeito ou de outro? Isso é bom?