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REMANESCÊNCIA DE MARCAS ORAIS EM TEXTOS ESCOLARES ESCRITOS
Marilze Tavares (UFGD)
Marineide Cassuci Tavares (UEMS)
RESUMO: Fala e escrita são duas modalidades distintas da língua, cujas características devem ser
analisadas tendo em vista um contínuo e não uma dicotomia. No entanto, é preciso considerar que, em
determinados textos escritos, a presença de marcas de oralidade não é adequada, enquanto em outros,
ainda que escritos, essas marcas podem constituir importantes recursos de construção de sentido.
Neste trabalho analisa-se um conjunto de textos escritos por alunos de Ensino Fundamental com o
objetivo de verificar quais marcas de oralidade estariam presentes de forma inadequada nesses textos e
quais as mais frequentes.
PALAVRAS-CHAVE: oralidade, escrita, textos escolares.
ABSTRACT: Speech and writing are two distinct modalities of language, whose characteristics must
be analyzed to a continuous and not a dichotomy. However, it is important to consider that, in certain
texts, the presence of marks of orality is not appropriate, while in others, even when written, these
marks may be important resources for the construction of meaning. In this work, we analyze a set of
texts written by elementary school students with the purpose to verify which marks of oral
communication would be present in an inappropriate way in these texts and what are the most
frequent.
KEYWORDS: orality, writing, school texts, Elementary School
Introdução
Os primeiros estudos sistematizados sobre a língua têm início na Antiguidade,
sendo que os registros mais antigos referem-se aos trabalhos dos hindus, que se debruçaram
principalmente na compreensão de textos sagrados. Pãnini, no século V a.C., organiza a
primeira gramática de que se tem notícia, na qual faz uma descrição detalhada do sânscrito,
antiga língua sagrada. Já no ocidente, por volta do século III a. C., os precursores sobre as
reflexões em torno da linguagem foram os gregos, que realizaram seus estudos com base na
Filosofia, e, em consequência disso, não se tem, ainda, uma visão científica e focada na língua
em si mesma.
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Por meio dos trabalhos que os gregos haviam desenvolvido, os latinos realizaram
estudos sobre sua própria língua, sendo comum a afirmação de que não avançaram muito e
seu modelo de descrição linguística é baseado na que os gregos já haviam organizado.
Para este trabalho, importa registrar que nos estudos realizados desde a
Antiguidade até o período que em se destaca o método comparativista, ou seja, os estudos
linguísticos até o século XIX sempre tomaram como ponto de partida a língua escrita, ficando
a língua falada em segundo plano. Essa opção, obviamente, acabou influenciando a postura e
a prática de quem trabalha com o ensino de língua. Por diversas razões a escrita sempre teve
lugar privilegiado na escola.
Somente com o desenvolvimento dos estudos da Dialetologia e da
Sociolinguística, já no século XIX, que a modalidade falada da língua começa a ser tomada
como objeto de estudo. Isso não significa, no entanto, que a mudança na prática de ensino da
língua ocorreria de forma automática. Em outras palavras, a oralidade continuou, ao que
consta, com pouco espaço no ensino de língua materna.
Neste trabalho, pretende-se refletir sobre o fato de que quando, ao estudante, é
dada a possibilidade de refletir e entender que fala e escrita são duas modalidades igualmente
importantes e que existem características comuns entre as duas, mas também características
próprias de cada uma, sua competência comunicativa poderá ser ampliada mais
satisfatoriamente.
Considerando a hipótese de que os estudantes do ensino fundamental apresentam
dificuldade no que se refere à consciência das distinções entre fala e escrita, o objetivo desse
trabalho é diagnosticar quais características de oralidade são mais empregadas
inadequadamente em textos escritos produzidos em ambiente escolar.
Ainda que existam várias pesquisas já concluídas (artigos, monografia,
dissertações...) a respeito das relações entre fala e escrita, inclusive no contexto escolar, um
diagnóstico como o que resulta de um trabalho como este será sempre útil, uma vez que
propõe uma reflexão que poderá auxiliar na prática docente.
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Fala e escrita: algumas relações
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, documentos oficiais que têm o
objetivo de orientar o ensino no Brasil, asseguram:
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se
almeja não é levar os alunos a falarem certo, mas permitir-lhes a escolha da
forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do
contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a
variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber
coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo saber que
modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa –
dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é
de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada
da linguagem (PCNs, 1998, p.31).
Para aprender a “adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o
estilo”, os estudantes necessitam saber que existem diferenças, por exemplo, entre a
modalidade escrita e a modalidade falada da língua. Uma das distinções mais evidentes é que
na fala, o planejamento é local, já que o texto é construído durante o processo de formulação.
Nesse sentido, é natural que um mesmo conteúdo seja repetido mais de uma vez e de
diferentes formas a depender da reação do ouvinte – tudo para que a interação seja garantida.
Já um texto escrito pode ser planejado previamente, e por isso é possível apagar ou substituir
palavras e expressões quantas vezes o autor julgar necessário.
Ainda sobre a questão do planejamento das duas modalidades, Galembeck
(1997, p. 76), acrescenta:
(...) o texto falado é planejado localmente, no momento de sua execução:
nele o planejamento e a execução se confundem. Esse fato faz com que o
texto falado apresente pausas indicativas de planejamento, as quais
funcionam como ‘brechas’ para que o ouvinte possa tomar a palavra.
Dessa forma, no ensino de língua materna, é preciso considerar que a fala é
diferente da escrita sob muitos aspectos; mas uma influencia a outra, especialmente a fala na
escrita. E isso pode ser um problema, se a fala interferir de forma inadequada nos textos que
devem, essencialmente, se constituir com as características da modalidade escrita. Segundo
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Marcuschi, “a escrita, enquanto manifestação formal dos diversos tipos de letramento, é mais
do que uma tecnologia”. O autor considera ainda que, em uma sociedade como a nossa,
atualmente, seja nos centros urbanos ou em áreas rurais, a escrita é um bem indispensável
para enfrentar situações do cotidiano. “Neste sentido, pode ser vista como essencial à própria
sobrevivência no mundo moderno” (2001, p.16).
O fato de este trabalho centrar-se no diagnóstico de marcas da oralidade em textos
escritos não significa, em nenhuma medida, que se está valorizando a escrita em detrimento
da oralidade. Na verdade, entende-se que, ainda que a avaliação que dela foi feita, a tenha
conferido um status mais elevado, não há nenhuma característica imanente à escrita que a
torna superior à fala. A esse respeito, após expor o que frequentemente se tem dito sobre a
escrita, Marcuschi declara de forma objetiva a sua posição: “Na sociedade atual, tanto a
oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e
seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários” (p. 22).
Assim, uma e outra possuem funções e usos distintos, e é nesse sentido que os
PCNs esclarecem:
Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a
língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar
o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que aqui se
chama de competência lingüística e estilística. (PCNs, 1998, p. 23)
Quanto mais os estudantes – ou mesmos usuários da língua de modo geral –
forem conscientes no tocante às diferenças entre, por exemplo, a norma considerada culta e a
considerada popular, o estilo formal e o estilo informal, a modalidade falada e a modalidade
escrita, mais opções de escolha terão e, em consequência, mais competentes no que se refere
ao uso da língua serão. Dessa forma, sendo o foco do trabalho a interferência inadequada da
oralidade em textos escritos pelos estudantes, será útil então, propor que reflitam sobre as
características de cada modalidade.
Conforme já mencionado, a forma do planejamento é o ponto de partida para se
analisarem as outras distinções, uma vez que as repetições, as digressões, as pausas, os
truncamentos – exemplos de características da fala – estão associados ao planejamento.
Assim, em um texto escrito, não sendo recursos expressivos e, portanto, intencionais, o autor
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pode, a partir de revisão e reescrita, eliminar o que for capaz de perceber como marca
imprópria para um texto escrito.
Além da questão do planejamento, outra característica bastante distintiva entre
fala e escrita é a forma de interação de cada uma. No primeiro caso, a interação ocorre face a
face, ou seja, os interlocutores estão na presença um do outro; já no segundo caso, a interação
ocorre, mas, geralmente, há que se considerar a distância espaço-temporal.
De acordo com Fávero, Andrade e Aquino (1999, p.74), “para o
estabelecimento das relações entre fala e escrita (...), é preciso considerar as condições de
produção”. As autoras apresentam essas condições em um quadro que está, ligeiramente
adaptado, reproduzido a seguir.
Fala
Escrita
Interação face a face
Interação à distância
Planejamento simultâneo à produção
Planejamento anterior à produção
Criação coletiva, passo a passo
Criação individual
Impossibilidade de apagamento
Possibilidade de revisão
Impossibilidade de consulta a outros textos
Possibilidade de consulta
Possibilidade
de
reformulação
pelos
Possibilidade de reformulação apenas pelo
interlocutores
escritor
Acesso imediato às reações do interlocutor
Impossibilidade de acesso imediato às reações
do interlocutor
Marcas do processo de criação à mostra
Marcas do processo de criação ocultas; mostrase apenas o resultado
Na sequência, apresentam-se os aspectos metodológicos deste trabalho.
Considerações sobre os textos escolares analisados
O corpus deste trabalho se constitui por 100 textos produzidos por alunos do
Ensino Fundamental, do 6º ao 9º ano, recolhidos por uma professora de língua portuguesa de
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uma escola da rede pública municipal de Dourados – MS, cujo nome não será revelado. De
acordo com a professora, as redações são resultados de uma atividade rotineira de sala de
aula, ou seja, não foram coletados especificamente para servirem aos objetivos deste trabalho.
Quando os textos foram solicitados à professora, ela informou que já tinha em seu armário
uma quantidade razoável e gentilmente os deixou à disposições para serem fotocopiados;
explicou que pretendia corrigi-los e devolvê-los aos alunos em breve.
Os alunos, autores dos textos, apresentam características socioeconômicas
semelhantes: a maioria é filho de pais com escolaridade média ou baixa, que são trabalhadores
no comércio ou na indústria, por exemplo.
Os textos recolhidos, que compõem o corpus deste trabalho, foram numerados
de 01 a 100, e os nomes de seus autores não serão utilizados. Após cada trecho transcrito
como exemplo, segue o número que identifica o texto e o ano escolar do autor, por exemplo:
(texto 04, 6º ano).
Convém mencionar que algumas marcas de textos essencialmente falados, como
pausas e alongamentos, não se verificam nos textos escritos (a menos que o autor, queira
produzir determinado efeito de sentido com isso). Na amostra analisada também não se
verificaram digressões, o que pode ser explicado pelo fato de que os estudantes produziram
textos muito curtos, e, ao que parece, procurando obedecer ao comando da professora.
Se considerarmos, porém, como marcas de oralidades em textos escritos a
repetição, o emprego de marcadores conversacionais, a ausência de pontuação, o uso de
expressões tipicamente orais, as inadequações morfossintáticas, a escrita fonética, a presença
de fenômenos que denotam variação linguística e são comuns na fala coloquial (como, por
exemplo, apócope ou queda do /r/ final, eliminação de marcas redundantes de plural,
neutralização das vogais /e/ e /i/, /o/ e /u), o resultado surpreende: todos os textos analisados,
independentemente do ano escolar de seu autor, apresentam remanescências de oralidade. Em
nenhum dos textos, essas marcas parecem ter finalidades estilísticas, ou seja, não foram
utilizadas conscientemente com o objetivo de produzir determinados efeitos de sentido, o que
poderia demonstrar competência no uso da língua.
A seguir, apresenta-se uma relação de exemplos de trechos dos textos dos alunos
nos quais pode ser observada ao menos uma marca de oralidade. É preciso esclarecer que, em
alguns casos, há várias marcas no mesmo trecho. No que se refere às questões de inadequação
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quanto às convenções ortográficas, serão destacadas apenas aquelas que podem ser
influenciados pela oralidade.
Seguem os exemplos:
1) Nossa tem muita jente que fala o que você pensa ele ficam eles ficam
brincando você nunca vai sair da escola. É mais eu sou brasileiro e nunca desisto (texto 05, 7º
ano).
2) Bom eu gostaria muito de ter uma oficina mecânica para motos por que é meu
sonho, desde pequeno eu gosto de moto então agora que eu tenho tanta adimiração por moto
então eu quero ter minha mecânica de moto (texto 06, 8º ano).
3) Eu gostaria de abrir meu próprio restaurante ganha bastante dinhero e ajuda
todos que acreditaram que eu seria capaz de conceguir (texto 07, 8º ano).
4) E levar a minha vida bem de boa com minha mulher e meus filhos sempre
perto da minha família viajando e curtindo a vida (texto 08, 8º ano).
5) A professora, também é muito legal o nome dela é Solange. A professora tem
vez que brinca com agente (texto 12, 7º ano).
6) Era uma vez um cachorrinho que não tinha familia (...) Mas so que um dia que
uma familia ficaram com do dele e levaram ele pra casa e deram comida para ele deram
banho fizeram tratamento e ele fico gordo forte e viveram felizes para sempre (texto 31, 6º
ano).
7) Em um dia o macaco fez uma armadilha fez um buraco na porta da casa da
velha e colocou folhas em cima e chamou a velha lá de fora e a véia saiu e caiu no buraco a
véia falou macaco me tira da qui o macaco falou aguenta velhinha que eu já vou aí (...) (texto
32, 6º ano).
8) A amizade é uma coisa que tem que ser verdadeira mas tem algumas pessoas
que tem a amizade muito falsa (texto 37, 6º ano).
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9) Eu tenho vários objetivos para o futuro: Para 2011: Irei fazer uma prova para
ganhar bolsa de estudo no Objetivo, pois eles treina para o vestibular da Federal (texto 41, 9º
ano).
10) Pra mim ter amizade é muito importante para mim agora amizade para mim
é uma coisa de muito valor que nos não arruma em qualquer lugar (...) amigos são aqueles
que nós não vive sem (texto 42, 7º ano).
11) Não quero ficar dependendo dos outros para nada, por isso que eu quero
isso para mim para que as pessoas olhem e falem, tenho orgulho dessa menina, pois se
esforsou muito (texto 45, 8º ano).
12) Agora eu sei oque eu quero fazer, mas eu ainda acho que quando eu crescer
eu vou ser ou professor ou talvez quem sabe um veterinário (...) mas se surgir uma profissão
que eu goste aí não sei o que eu vou fazer quando crescer (texto 49, 9º ano).
13) E pra tudo isso tenho que pedir a deus que me de força pra alcançar todos os
meus objetivo. E parte mais importante, ajudar a minha família que foram as pessoas que
mais me ajudarão e apoiarão eu quando eu mais precisei (texto 50, 7º ano).
14) Bom, isso foi um resumo da minha história, o que pretendo ser, o que
pretendo pra mim. (texto 62, 8º ano).
15) Para chegar em qualquer lugar tenho que batalhar e estudar muito. Pretendo
ser uma grande pediatra, mas sei que para chegar lá vou te que ter muita força de vontade
(62, 8º ano).
16) Meu objetivo maior é me formar na faculdade (...) e ter uma situação estável
me casa (texto 63, 8º ano).
17) Se eu for fazer uma facudade, eu vou querer fazer Educação Física, aí eu ia
me casar cedo porque eu não quero ser igual a minha mãe eu quero ter mais de um filho
(texto 65, 8º ano).
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18) Bom, eu ainda não pensei muito no que eu quero para o meu futuro (texto 65,
8º ano).
19) E talvez mais pra frente vou prestar vestibular para outra coisa que eu goste
(Texto 66, 9º ano).
20) A minha professora ela é muito especial para todos nós por que sem o
português nós não sabe de nada minha melhor aula é português e matemática (texto 85, 6º
anos).
21) Não gosto de apilidos e nem de fofocas. Eu espero do futuro muinta paz,
amor, carinho. Eu espero que eu passe de ano (texto 88, 6º ano).
22) Pretendo trabalha em uma empresa que meche com microcomputador e eu
vou criar um microsoft de utima geração (texto 89, 8º ano.
23) A Maria Eduarda tem duas amiga que se chama Flavia e daiane um dia a
Flávia chamou a Daiane para ir no rodeio de Dourados (...) No outro dia ela falou que foi no
rodeio e aí eu falei: Você não ia ir mais no rodeio? Flavia disse: Agente foi meia noite. Aí eu
falei que não queria mais a amizade dela (texto 90, 6º ano).
24) Eu vou gostar muinto da aula de inglês e de todas as aula (texto 92, 6º ano).
25) O meu nome tá ali em cima bom eu moro no Isidro Pedroso nunca reprovei
agora estou no 6º ano (texto 96, 6º ano).
Nos trechos apresentados, um dos problemas mais recorrentes é a ausência ou
inadequação dos sinais de pontuação. Como se sabe, a expressividade da língua oral se
constitui, sobretudo, por meio de pausas, entonações, gesticulações, expressão facial. Isso é
possível, como já mencionado neste trabalho, porque os interlocutores estão “em presença”,
ou seja, a interação ocorre em concomitância de espaço e de tempo. Já na língua escrita
grande parte da expressidade dar-se-á pelo uso adequado da pontuação.
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A análise do material demonstra que grande parte dos estudantes tem
dificuldades com a pontuação, principalmente, quando deseja reproduzir discursos diretos. Na
amostra transcrita, essa dificuldade foi observada mais significativamente nos trechos 01, 02,
07, 10, 25.
A transferência de expressões típicas da oralidade ou de gíria para a
modalidade escrita também foi um fenômeno comum observado nos corpus em análise. Nos
trechos verificou-se, por exemplo, o uso das seguintes expressões: “bem de boa” e “curtindo a
vida”, “muito legal”, “só que um dia”, “mais pra frente”, “chegar lá”, respectivamente nos
trechos 04, 05, 06, 15, 19.
As formas reduzidas são muito frequentes na língua falada, o que não constitui
problema, inclusive porque essa modalidade é mais dinâmica. O uso em textos escritos que
requeiram o mínimo de formalidade, no entanto, é desaconselhável. O emprego de “pra” foi
verificado nos trechos 10, 13, 14 e 19, e o uso de “tá” no trecho 25.
A utilização de marcadores conversacionais ou de marcas interacionais
também foi verificada nos textos escritos dos estudantes. Foram observados os seguintes:
“nossa”, no trecho 01; “bom”, nos trechos 02, 14 e 18; “aí” nos trechos 12, 17 e 23. Registrase que o marcador conversacional “aí” também é utilizado como recurso para dar
continuidade ao texto, o que poderia ser feito com conjunções.
Os estudantes devem ser advertidos, porém, que a conjunção “e”, quando muito
repetida nos textos escritos, também denota falta de habilidade quanto ao uso de elementos de
coesão, o que se observa nos trechos 4, 6, e 7.
Ainda que tenha ocorrido apenas em um dos trechos selecionados (trecho 25),
é importante mencionar que o uso de alguns dêiticos também demonstra a falta de habilidade
dos estudantes no que se refere às distinção entre fala e escrita. Quando o aluno escreve “O
meu nome tá ‘ali’ em cima”, não se está levando em conta o fato de que elementos expressos
por dêitico fazem sentido apenas no contexto físico da oralidade, e por isso há que se
considerar que o leitor não está presente ou que o texto pode ser lido em outro momento e em
outro local. Nesse caso, faz-se útil discutir com os alunos as diferenças nas “condições de
produção” dos textos falados e escritos.
Alguns equívocos ortográficos se constituem como fenômenos fonoortográficos e podem ser associados à questão da oralidade, é o que ocorre nos seguintes
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trechos: 07, “da qui”, 12, “oque”, 23 “agente”. No primeiro caso, observa-se uma
segmentação vocabular inadequada e no segundo e no terceiro, ocorre o inverso, ou seja,
trata-se de “juntura intervocabular”.
Da mesma forma, isto é, a fala também influencia as falhas ortográficas nos
trechos 21, “apilidos” e “muinta”; 17, “facudade”; 22, “utima”. O que ocorre com o primeiro
vocábulo é comum porque, na língua portuguesa falada na maioria das regiões do Brasil, é
normal a redução do “e” para “i” (assim como de “o” para “u”) em alguns contextos
fonológicos, originando o que os linguístas chamam de harmonização vocálica ou de
neutralização. No caso de “muinta”, a consoante inicial, que é nasal, acaba influenciando
também a nasalização da vogal. O aluno, no entanto, deve ser alertado para o fato de que, de
acordo com a convenção ortográfica não se pode inserir o “n” no registro escrito. A ausência
do “l” em “facudade” e “utima” também demonstra que se transferiu para a escrita o que se
tem com frequência na fala.
Muitas pesquisas sobre línguas faladas já comprovaram que a ausência do “r” é
um fenômenos normal na fala dos brasileiros, de todas as classes sociais e em todas as
regiões. A esse respeito, transcrevem-se as palavras de Bortoni-Ricardo (2004, p. 85): “(...) o
/r/ pós-vocálico, independentemente da forma como é pronunciado, tende a ser suprimido,
especialmente nos infinitivos verbais (correr > corrê; almoçar > almoçá; desenvolver >
desenvolvê; sorrir > sorri)”. A autora explica ainda que quando o fonema é suprimido, a
sílaba final fica mais alongada e mais intensa. Dessa forma, o estudante, que não ouve, nem
usa mais esse fonema na fala, acredita, inconscientemente, que ele também é dispensável na
escrita, como se verificou nos trechos 03, “ganha” (ganhar), 15, “te” (ter), 2, “trabalha” (por
trabalhar).
Pode-se afirmar que os casos de segmentação inadequada, junção inter-vocabular,
redução ou supressão de letras evidencia o que se poderia chamar de uma escrita fonética, u
seja, o aluno escreve da maneira como ele ouve e fala.
No que se refere às inadequações morfossintáticas, as ocorrências mais
significativas nos trechos selecionados são as inadequação quanto à concordância verbal
padrão, que foram observadas no trecho 01, “eles fica”, no trecho 06, “uma familia ficaram
com do dele”; no trecho 10, “nós não arruma em qualquer lugar” e “nós não vive sem”, no
trecho 20, “nós não sabe de nada”.
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A esse respeito, observa-se que as pesquisas sobre língua falada no Brasil também
apontam para uma simplificação dos paradigmas verbais, sobretudo na língua falada, em
momentos não monitorados. Nesse caso, assim como em outros já descritos neste trabalho, o
importante é discutir com o aluno sobre a existência de um registro oral, coloquial, nãomonitorado (aquele que ele já domina) que se opõe a outro, escrito, que pode necessitar de
mais formalidade e monitoração (aquele que a escola pretende que ele domine). O estudante
deve saber que ter habilidades no uso dos dois registros é ter sua competência de
comunicação ampliada.
Ao se encerrar a análise dos trechos, é preciso registrar que, obviamente, nem
todas as marcas de oralidade do conjunto composto pelos 100 textos recolhidos foram
exemplificadas, inclusive, nos trechos selecionados, seria possível destacar outros indícios de
oralidade que não foram aqui analisadas. Tratou-se, portanto, de fornecer apenas uma amostra
do que ocorre na escrita de alunos do ensino fundamental. Essa amostra também tem o valor
de diagnóstico.
Considerações finais
É possível concluir que, ainda que, na escola, o trabalho com a modalidade escrita
sempre tenha ocupado um espaço superior em relação à fala, é na produção escrita
(provavelmente de todos os gêneros) que os estudantes mostram-se mais inseguros ou
apresentam as maiores dificuldades. Convém registrar, que um dos estudantes do 7º ano,
tendo apresentado um texto muito curto, na mesma folha deixou o seguinte recado para a sua
professora: “Professora, me desculpa, mas só consigo escrever isso”. O mesmo aluno talvez
não tenha dificuldades para falar.
Por essa razão, o professor necessita ter consciência e conhecimento dos
problemas dos estudantes em relação à produção escrita e deve ter condições de sistematizar
ou classificar as dificuldades para, a partir daí, organizar as atividades adequadas. Nesse
sentido, Bortoni-Ricardo (2004, p.100), lembra que “(...) os chamados erros que nossos
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alunos cometem têm explicações no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Portanto,
podem ser previstos e trabalhados por meio de uma abordagem sistêmica”.
Uma das propostas mais difundidas por pesquisadores que se ocupam desse tema
é o que Marcuschi (2002) chama de retextualização, ou seja, atividades ou exercícios de
transformação entre as modalidades. Assim, poderiam ser eficientes atividades de elaboração
textual, que partissem de situações de fala, para gradativamente, alcançarem a produção
escrita. Convém lembrar que o inverso, isto é, a conversão da escrita em fala, já é comum uma
vez que constantemente as pessoas lêem jornais, revistas, textos da internet e contam
oralmente e espontaneamente o que leram.
Exercícios como esse, segundo Favero, Andrade e Aquino (1999, p. 83), fariam
com que os alunos percebessem efetivamente como se constroem e se formulam esses textos.
Essas autoras inclusive dão exemplos de aplicação dessas operações de transformação de
texto falado em textos escritos como sugestão de atividade para sala de aula. Outra
possibilidade é a reescrita, isto é, quando já se tem um texto que nasceu escrito, mas com
características indevidas de fala, após as orientações do professor, o aluno poderá reescrevêlo, tentando aproximá-lo mais dos padrões da escrita.
Acredita-se que se os alunos entenderem o processo de construção de cada texto,
terão dado muitos passos em direção ao aprendizado da produção de textos adequados às
diferentes exigências com as quais terão que se deparar durante sua vida prática.
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HALLIDAY, M.A.K. Spoken and written Language. Oxford: Oxford V. Press, 1989.
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Paulo: s.c.p., 1989 (Tese de doutorado apresentada à Universidade de São Paulo).
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