Apostila de Sociologia 3º ano do Ensino Médio Professor: Douglas Fernando Blanco Colégio CEC Cianorte 1 velhos ficam nos ―incentivando‖ a casar? ―Não vá ficar pra titia, heim!‖, ―Onde já Sociologia se viu! Todo mundo, um dia, tem que se casar!‖. Com certeza você já ouviu alguém dizendo isso. Os fatos sociais Durkheim acreditava que os acontecimentos sociais – como os crimes, os Pois é. Esses dizeres nos levam a crer que o casamento também é suícidios, a família, a escola, as leis – poderiam ser observados como coisas coercitivo, pois nos vemos ―obrigados‖ a fazer as mesmas coisas que fazem os (objetos), pois assim, seria mais fácil de estudá-los. demais membros do grupo ou da sociedade a que pertencemos. Então ele propôs algumas das regras que identificam que tipo de fenômeno Todo fato que reuna essas três características (generalização, exterioridade e poderia ser estudado pela Sociologia. A esses fenômenos que poderiam ser coerção) é denominado social, segundo Durkheim, e pode ser estudado pela estudados por uma ciência da sociedade ele denominou de fatos sociais. Sociologia. Quanto ao casamento, poderíamos estudar e descobrir, por exemplo, As características dos fatos sociais são: Coletivo ou geral ( generalidade) – quais fatores influem na decisão das pessoas em se casarem e se divorciarem para significa que o fenômeno é comum a todos os membros de um grupo; Exterior ao depois se casarem novamente. indivíduo (exterioridade) – ele acontece independente da vontade individual; Coercitivo (coercitividade) – os indivíduos são ―obrigados‖ a seguir o O que é fato social? comportamento estabelecido pelo grupo. Faça o exercício de localizar os fatos sociais a partir das características que Para entender: exemplo de um fato social: o casamento Durkheim percebeu neles. Recorte de jornais e revistas e traga para que a turma As pessoas pensam, em um dia, se casar. Salvo algumas exceções, pois não discuta se os fatos que você encontrou são sociais e podem ser estudados pela pensamos todos da mesma forma, certo? Mas se fizermos uma pesquisa, veremos Sociologia. que a grande maioria das pessoas deseja se unir a alguém. Então podemos dizer que o casamento é um fato coletivo ou geral, pois existe pela vontade da maioria de um O Suicídio = Fato Social grupo ou de uma sociedade. O que leva uma pessoa a se suicidar? Loucura? Mas ainda que alguém não queira se casar, a grande maioria das pessoas vai continuar querendo, não é mesmo? - Isso significa que o fato social ―casamento‖ é Durkheim utilizou sua teoria para explicar, por exemplo, o suicídio. O que exterior ao indivíduo. O que quer dizer que ele se constitui não como resultado das aparentemente seria um ato individual, para ele, estava ligado com aquilo que intenções particulares dos indivíduos, mas como resposta às necessidades ou ocorria na sociedade. Esse pensador compreende a sociedade como um corpo influências do grupo, da comunidade ou da sociedade.Não é verdade que os mais organizado, um organismo. Assim como a Biologia que compreende o corpo 2 humano e todas suas partes em pleno funcionamento, é de maneira semelhante que consiga realizar os seus desejos, a frustração poderia levá-la a um suicídio. Durkheim entende a sociedade: com suas partes em operação e cumprindo suas Suicídio Anômico: este tipo pode acontecer quando as partes do corpo funções. E, caso a família, a igreja, o Estado, a escola, o trabalho, os partidos social deixam de funcionar e as normas ou laços que poderiam políticos, etc., que são elementos da sociedade com funções específicas, venham a ―abraçar‖(solidarizar) os indivíduos perdem sua eficácia, deixando-os viver de falhar no cumprimento delas, surge no corpo da sociedade aquilo que Durkheim forma desregrada ou em crise. Um exemplo disso pode ser pensado quando, na chamou de anomia, ou seja, uma patologia (doença). Assim, como no corpo nossa sociedade, uma família abandona o filho, ou o idoso, ou o doente. humano, se algo não funcionar bem, em ―ordem‖, significa que está doente. A propósito desse tema, Durkheim verificou que existem três categorias de Max Weber suicídios: Suicídio Altruísta: ocorre quando um indivíduo valoriza a sociedade mais O pensamento deste sociólogo Alemão segue diretrizes diferentes das dos do que a ele mesmo, ou seja, os laços que o unem à sociedade são muito fortes. dois autores que vimos anteriormente. Max Weber (1864-1920), ao contrário de Lembre-se do ocorrido em 11 de Setembro de 2001. Homens, em atos Durkheim e Comte, acreditou na possibilidade da interpretação da sociedade aparentemente ―loucos‖, pilotavam aviões que se chocaram contra o World Trade partindo não dos fatos sociais já consolidados e suas características externas (leis, Center em Nova York. Para Durkheim, os agentes dessa aparente ―loucura‖ instituições, normas, regras, etc), ele propôs começar pelo indivíduo que nela vive, poderiam ser classificados como suicidas altruístas, pois se identificavam de tal ou melhor, pela verificação das ―intenções‖, ―motivações‖, ―valores‖ e forma com o grupo Al Qaeda, ao qual pertenciam, que se dispuseram a morrer por ―expectativas‖ que orientam as ações do indivíduo na sociedade. ele. Da mesma maneira aconteceu com os kamikases japoneses durante a 2º Guerra Sua proposta é a de que os indivíduos podem conviver, relacionar-se e até Mundial (1939-1945) e que, de certa forma, continua acontecendo com os ―homens- mesmo constituir juntos algumas instituições (como a família, a igreja, a justiça), bomba‖ de hoje. Se você assistir ao filme ―O Patriota‖, com Mel Gibson, poderá ver exatamente porque quando agem eles o fazem partilhando, comungando uma pauta um exemplo de alguém que se dispôs a morrer por uma causa que acreditava em bem parecida de valores, motivações e expectativas quanto aos objetivos e relação ao seu país. resultados de suas ações. E mais, seriam as ações recíprocas (repetidas e Suicídio Egoísta: se alguém se desvinculasse das instituições sociais ―combinadas‖) dos indivíduos que permitiriam a constituição daquelas formas (família, igreja, escola, partido político, etc.) por conta própria, para viver de duráveis (Estado, Igreja, casamento, etc.) de organização social. Weber desenvolve maneira livre, sem regras, qual seria o limite para essa pessoa, uma vez que ninguém a teoria da Sociologia Compreensiva, ou seja, uma teoria que vai entender a a controlaria? Pois é, segundo Durkheim, a falta de redes de convívio ou limites para sociedade a partir da compreensão dos ‗motivos‘ visados subjetivamente pelas a ação poderia levar a pessoa a desejar ilimitadas coisas. Mas caso tal pessoa não ações dos indivíduos. 3 Uma crítica de Weber aos positivistas, entre os quais se encontrariam Comte prever, com algum acerto, como as pessoas votarão numa eleição, pesquisando sua e Durkheim, deve-se ao fato de que eles pretendiam fazer da Sociologia uma ciência ―subjetividade‖, ou seja, levantando qual é, naquela ocasião dada, o conjunto de positiva, isto é , baseada nos mesmos métodos de investigação das ciências naturais. valores, motivações, intenções e expectativas compartilhadas pelo grupo de Segundo Weber, as ciências naturais (biologia, física, por exemplo) conseguiriam eleitores em foco, e que servirão para orientar sua escolha eleitoral. Esses explicar aquilo que estudam (a natureza) em termos de descobrir e revelar relações pressupostos estão por detrás das conhecidas ―pesquisas de intenção de voto‖, causais diretas e exclusivas, que permitiriam a formulação de leis de funcionamento bastante frequentes em vésperas de eleições. Segundo Weber, as pessoas podem de seus eventos, como as leis químicas e físicas que explicam o fenômeno da chuva. atuar, em geral, mesclando quatro tipos básicos de ação social. São eles: Mas a ciência social não poderia fazer exatamente o mesmo. Segundo Weber, não A ação racional com relação a fins: o indivíduo age para obter um fim haveria como garantir que uma ação ou fenômeno social ocorreria sempre de objetivo previamente definido. determinada forma, como resposta direta a esta ou aquela causa exclusiva. E para tanto, seleciona e faz uso dos meios necessários e mais adequados do No caso das Ciências Humanas, isso ocorre porque o ser humano possui ponto de vista da avaliação. O que se destaca, aqui, é o esforço em adequar, ―subjetividade‖, que aparece na sua ação na forma de valores, motivações, racionalmente, os fins e os meios de atingir o objetivo. Na ação de um político, por intenções, interesses e expectativas. Embora esses elementos que compõem a exemplo, podemos ver um foco: o de obter o cargo com o poder que deseja com subjetividade humana sejam produtos culturais, quer dizer, produtos comuns fins que dependem do político, de seu caráter. acolhidos e assumidos coletivamente pelos membros da sociedade, ou do grupo, O que Weber pensa sobre a política: ele nos fala no livro Ciência e Política – Duas vocações (2002), que há dois tipos de políticos que por nós são eleitos: ainda assim se vê que os indivíduos vivenciam esses valores, motivações e expectativas de modos particulares. Às vezes com aceitação e reprodução dos a) Os políticos que exercem essa profissão por vocação, ou seja, os que têm valores e normas propostas pela cultura comum do grupo; outras vezes, com o poder como meta para trabalhar arduamente em prol da sociedade que os elegeu. questionamentos e reelaboração dessas indicações e até rejeição das mesmas. estes são os que vivem para a política. Decorre dessa característica (de certa autonomia, criatividade e inventividade do ser b) E os que são políticos sem vocação, ou seja, que olham para a política humano diante das obrigações e constrangimentos da sociedade) a dificuldade de se como se fosse um ―emprego‖ apenas. São aqueles que, uma vez eleitos, geralmente definir leis de funcionamento da ação social que sejam definitivas e precisas. Por se esquecem dos compromissos sociais que assumiram, pouco fazem pelo social, isso, o que a Sociologia poderia fazer, seria desenvolver procedimentos de trabalham apenas para manter-se no poder a fim de continuar ganhando o salário. investigação que permitissem verificar que conjunto de ―motivações‖, valores e Weber diz que estes são os que vivem da política. expectativas compartilhadas, estaria orientando a ação dos indivíduos envolvidos no A ação racional com relação a valores, ocorreria porque, muitas vezes, os fenômeno que se quer compreender. Tomando como exemplo eleições, seria possível fins últimos de ação respondem a convicções, ao apego fiel a certos valores (honra, 4 justiça, honestidade...). Neste tipo, o sentido da ação está inscrito na própria resumidos numa tipologia. conduta, nos valores que a motivaram e não na busca de algum resultado previa e Por exemplo, se há alguém apaixonado que você conheça, qual seria o tipo racionalmente proposto. Por esse tipo de ação podemos pensar as religiões. ideal de ação desta pessoa? A afetiva! Assim sendo, seria ―fácil‖ prever quais Ninguém vai a uma igreja ou pertence a determinada religião, de livre vontade, se seriam as possíveis atitudes desta pessoa: mandar flores e presentes, querer que a não acredita nos valores que lá são pregados. Certo? hora passe logo para estar com ela(e), sonhar acordado e coisas do tipo. E assim Na ação afetiva a pessoa age pelo afeto que possui por alguém ou algo. poderíamos entender, em parte, como se forma a instituição família. Uma coisa liga Uma serenata pode ser vista como uma ação afetiva para quem ama. a outra. A ação social tradicional é um tipo de ação que nos leva a pensar na Outro exemplo. Pode ser que alguém perto de você nem pense em querer se existência de um costume. O ato de tomar chimarrão ou pedir a benção dos pais na apaixonar para não atrapalhar os estudos. Sua meta é a universidade e uma ótima hora de dormir são ações que podem ser pensadas pela ação tradicional. profissão. Então, temos uma ação racional! Para esta pessoa nem adiantaria mandar A idéia de Weber para se entender a sociedade é a seguinte: se quisermos flores ou ―torpedos‖, a opção por não manter um relacionamento afetivo poderia ser compreender a instituição igreja, por exemplo, vamos ter que olhar os indivíduos considerada uma ação racional com relação a um objetivo. Quanto ao sistema que a compõem e suas ações. Provavelmente haverá um grupo significativo de capitalista e o mundo moderno: pessoas que agem do mesmo modo, quer dizer, partilhando valores, desejos e O que pensa Weber? Uma contribuição relevante de Weber, neste caso, é expectativas quanto à religião, o que resultaria no que Weber chama de relação demonstrar que o mecanismo do modo de produção capitalista, no ocidente social. europeu, principalmente, contou com a existência, em alguns países, de um A existência da relação social dos indivíduos, ou seja, uma combinação de conjunto de valores de fundo religioso que ajudou a criar entre certos indivíduos, ações que se orientam para objetivos parecidos, é que faz compreender o ‗porquê‘ da predisposições morais e motivações para se envolverem na produção e no comércio existência do todo, como neste próprio exemplo da igreja. É assim que, as normas, de tipo capitalista. Na crença dos calvinistas, os homens já nasceriam predestinados as leis e as instituições são formas de relações sociais duráveis e consolidadas. à salvação ou ao inferno, embora não pudessem saber, exatamente, seu destino Os tipos de ação, para Weber, sempre serão construções do pensamento, isto particular. Assim sendo, e para fugir da acusação de pecadores e desmerecedores do é, suposições teóricas baseadas no conhecimento acumulado, que o sociólogo fará melhor destino, dedicavam-se a glorificar Deus por meio do trabalho e da busca do para se aproximar ao máximo daquilo que seria a ação real do indivíduo nas sucesso na profissão. circunstâncias ou no grupo em que vive. Com esse instrumento, o sociólogo pode Com o passar dos tempos, essa idéia de que a predestinação e o sucesso avaliar, na análise de um fenômeno, o que se repete, com que intensidade, e o que é profissional seriam indícios de salvação da alma foi perdendo força. Mas o novo ou singular, comparando-o com outros casos parecidos, já conhecidos e interessante é que a ética estimuladora do trabalho disciplinado e da busca do 5 sucesso nos negócios ganhou certa autonomia e continuou a existir independente da SEED-PR, 2ª edição, Governo do Estado do Paraná, 2006.) motivação religiosa. Para Weber, ser capitalista é sinônimo de ser disciplinado no que se faz. IDENTIDADES NACIONAIS - ÉTNICO-RACIAIS E DIFERENÇAS CULTURAIS Seria da grande dedicação ao trabalho que resultaria o sucesso e o enriquecimento. Herança da ética protestante, válida também para os trabalhadores. Mas por que os Quando falamos em ―identidade‖ ou identidades‖ devemos sempre estar católicos e as outras religiões orientais não tiveram parte nesta construção capitalista bastante atentos (as), pois trata-se de um tema que envolve comportamentos, analisada por Weber? Porque a ética católica privilegiava o discurso da pobreza, do sentimentos, o modo de ser, de viver e de amar de cada um, e tudo isso é desapego, reprovando a pura busca do lucro e da usura e não viam o sucesso no ―carregado‖ de uma história de vida, ocorrida dentro de um determinado contexto trabalho como indícios de salvação e nem como forma de glorificar a Deus, como social, com laços familiares e afetivos específicos, recheada de crenças e valores faziam os calvinistas. Assim sendo, sem motivos divinos para dedicarem- se tanto ao peculiares. trabalho, não fizeram parte da lista weberiana dos primeiros capitalistas. Quanto às A identidade de um indivíduo é única, ―identidade designa algo como uma religiões do mundo oriental, a explicação seria de que essas tinham uma imagem de compreensão de quem somos, nossas características definitórias fundamentais como Deus como sendo parte do mundo secular, ao contrário da ética protestante ocidental seres humanos.‖ TAYLOR, Charles. ―A política do reconhecimento‖. In. que o concebia como estando fora do mundo e puro. Assim sendo, os orientais Argumentos filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, p. 241. valorizavam o mundo, pois Deus estaria nele. O Budismo e o Confucionismo são Aprenderemos aqui um pouco mais sobre essas características que nos exemplos do que falamos. E daí a idéia e a prática de não se viver apenas para o definem, em primeiro lugar vamos falar sobre identidade nacional. A caracterização trabalho, mas sim de poder aproveitar tudo o que se ganha pelo trabalho com as da identidade nacional une-se, primeiramente à existência da identidade cultural, coisas desta vida. Em relação ao mundo moderno (científico), Weber demonstrava bem, já sabemos o que é cultura, mas vale lembrar que a cultura é nossa herança um certo pessimismo e não encontrava saída para os problemas culturais que nele social, nesse sentido, como brasileiros e brasileiros que somos, sofremos influências surgiam, assim como para a ―prisão‖ na qual o homem se encontrava por causa do dos portugueses, negros, índios e imigrantes de vários países como os italianos. sistema capitalista. Antes da sociedade moderna, a religião era o que motivava a Temos uma identidade cultural forte, baseada em uma língua comum, na vida das pessoas e dava sentido para suas ações, inclusive ao trabalho. Mas com o miscigenação, comidas típicas, a arte barroca, a natureza exuberante, nossa música pensamento científico tomando espaço como referencial de mundo, certos apegos etc. culturais – crenças, formas de agir – vindos da religiosidade foram confrontados. O Para que exista uma identidade nacional é necessário que o povo possua a problema que Weber via era que a ciência não poderia ocupar por completo o lugar consciência de nação, a nação é uma construção coletiva a partir de uma identidade que a religião tinha ao dar sentido ao mundo. Sociologia / vários autores. – Curitiba: nacional. Desta forma, é imperioso que, além da identidade cultural, exista um 6 projeto nacional de desenvolvimento, a compreensão de identidade nacional também As mulheres a partir do século XIX, e os jovens e as minorias sexuais, a envolve aspectos geográficos, jurídicos ou diplomáticos. Temos exemplos de países partir dos anos de 1960, passaram a demonstrar sua revolta de forma coletiva. No que possuem uma forte identidade cultural, como o Brasil, e outros detentores de século XX os negros e outras etnias demonstraram sua força, nas lutas pelos direitos uma elevada consciência de nação, apesar de não ter um grau elevado de identidade civis nos EUA, pelo fim do apartheid na África do Sul e pelo fim do racismo, no cultural. renascimento do movimento negro no Brasil e na luta dos palestinos. Assim, podemos definir identidade nacional como o somatório de valores Apesar da força social dos movimentos construídos pelos oprimidos, dos culturais resultante da vivência, que, apesar de incluir as diferenças regionais e milhões de vidas sacrificadas em nome da igualdade de direitos e da liberdade, a peculiaridades grupais, é passível de caracterização por um traço que permita a história desses grupos não é animadora. Sabemos que as condições de trabalho definição de um perfil diversificado, contudo hegemônico baseado em habitante melhoraram, mas as melhorias foram limitadas aos países imperialistas centrais, e a (homem), território, instituições, língua, costumes, religiões e história comuns. grande maioria dos trabalhadores ainda é explorada, de forma semelhante ao século XIX.A cada dia morre mais seres humanos de fome que no tempo da escravidão. Os oprimidos ajudaram a fundar partidos, sindicatos e associações, mas a maioria MARCADORES SOCIAIS DE DIFERENÇA destas entidades ainda não conseguiu reverter as condições sub-humanas dos Quando examinamos, fazemos uma análise das sociedades, identificamos subjugados da história. imediatamente a existência de diversidades e desigualdades sociais. Muitas das Muitos indivíduos são submetidos a uma série de discriminações e diferenças entre os indivíduos são de natureza humana como por exemplo, gênero, preconceitos só pelo fato de pertencerem a uma determinada categoria de pessoas. A cor da pele, idade, altura etc. Contudo as desigualdades sociais são produto das opressão, para se justificar, faz uso de um sistema de ideias a que chamamos de relações estabelecidas entre os indivíduos, como vimos anteriormente ao estudarmos ideologia. classes sociais e o sistema capitalista, estas refletem os conflitos de interesses de Existem ao menos cinco situações de desigualdade e opressão: de classe, de grupos ou indivíduos em relação aos outros grupos ou indivíduos que, geralmente, gênero, de geração, de raça/etnia e de orientação sexual. As desigualdades de classe – Como aprendemos, as desigualdades sociais colocam todos na condição de opressores e oprimidos. Historicamente vimos que o capitalismo apresenta um grande conflito: a luta se formaram em consequência da distribuição desigual de renda, do excedente de entre burgueses e proletários. No entanto, a história do século XX apresenta outros riqueza produzido pelas sociedades. As sociedades agrícolas antigas eram capazes conflitos de interesses que vão muito além da divisão da sociedade em classes: de produzir uma quantidade de alimentos superior as necessidades, isso conflitos entre os gêneros (homens e mulheres), adultos e jovens, brancos e não- proporcionou a uma pequena camada da população o privilégio de deixar de brancos, minorias étnicas, heterossexuais e homossexuais. trabalhar e viver do trabalho alheio. 7 As várias classes sociais dominantes se caracterizaram por apropriarem-se, de raros e relevantes momentos. Esta é a exclusão mais sistemática já praticada na em modo e em tempos diversos, do excedente de riqueza produzida pelas classes história da humanidade. A herança desta história de dominação masculina se subalternas. O sistema econômico dominante em cada época se esforça em manter expressa hoje de diversas formas, entre elas: o uso da violência institucionalizada e separadas as classes sociais e reduzir ao mínimo as possibilidades de ascensão doméstica, a legislação discriminante, dependência econômica ao marido e ao pai, social. Isso ocorre através do sistema escolar, à separação territorial de classes além é claro da coisificação da mulher etc. sociais: Rio de janeiro – Zona Oeste, favelas, subúrbios, zona norte e zona sul, à Chamamos machismo à ideologia que, através de diversas formas, os ideologia etc. homens justificam a opressão que exercem. Entretanto as características do sistema Contudo o sistema capitalista fez da ilusão da ascensão social ou da capitalista favorecem a inserção da mulher no mercado de trabalho e isso fez com mobilidade social um dos pilares de sua ideologia. Hoje, haveriam três classes que elas pudessem sair em parte é claro, do próprio isolamento. fundamentais nos países imperialistas e no Brasil se seguirmos as teorias de Marx: o As primeiras revoltas contra a opressão feminina ocorreram no final do proletariado, a burguesia e a pequena burguesia. Mas com a realidade imposta pelo século XIX, a partir dos movimentos pelo voto universal (sufragistas) e daqueles neoliberalismo1, encontramos também milhões de indivíduos totalmente excluídos ligados ao movimento operário. Não podemos esquecer que durante a Revolução de qualquer relação social, política e econômica. francesa as mulheres foram de extrema importância para o movimento, inclusive As desigualdades de gênero – Desde a antiguidade várias sociedades foram as peixeiras de Paris, em marcha para Versalhes que retiraram rei e rainha do mantiveram a supremacia masculina, esta dominação provocou a exclusão palácio a força, e também foram as mulheres que foram as ruas reclamando do sistemática das mulheres da política, do governo, da literatura, da arte, com exceção preço do pão e muitas outras atrocidades cometidas pelos monarcas deste período Luís XVI e Maria Antonieta. 1 Essas lutas ganharam maior impulso nos anos de 1960, quando os espaços Podemos definir o neoliberalismo como um conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado), pois este princípio garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país. Surgiu na década de 1970, através da Escola Monetarista do economista Milton Friedman, como uma solução para a crise que atingiu a economia mundial em 1973, provocada pelo aumento excessivo no preço do petróleo. Características do Neoliberalismo (princípios básicos): - mínima participação estatal nos rumos da economia de um país; - pouca intervenção do governo no mercado de trabalho; - política de privatização de empresas estatais; - livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização; - abertura da economia para a entrada de multinacionais; - adoção de medidas contra o protecionismo econômico; - desburocratização do estado: leis e regras econômicas mais simplificadas para facilitar o funcionamento das atividades econômicas; diminuição do tamanho do estado, tornando-o mais eficiente; - posição contrária aos impostos e tributos excessivos; - aumento da produção, como objetivo básico para atingir o desenvolvimento econômico; - contra o controle de preços dos produtos e serviços por parte do estado, ou seja, a lei da oferta e demanda é suficiente para regular os preços; - a base da economia deve ser formada por empresas privadas; conquistados pelas mulheres representaram uma transformação sem precedentes na própria condição feminina. Mas infelizmente a discriminação persiste e se manifesta desde piadas até mesmo na legislação contrária ao divórcio que ainda sobrevive em muitos países, na violência doméstica, na discriminação no local de trabalho etc. Mas as mulheres aqui no Brasil tiveram uma conquista recente e muito 8 importante: a Lei Maria da Penha 2- a lei número 11.340 decretada pelo Congresso emprego, a situação dos estagiários etc. Nacional e sancionada pelo então presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da A desigualdade racial – Esse tipo de opressão é bem antigo, quando Silva em 7 de agosto de 2006; dentre as várias mudanças promovidas pela lei está o haviam diversas etnias que guerreavam entre si. Entretanto estes conflitos não aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no ocasionavam grandes tragédias, como as que ocorreram e ocorrem ainda hoje. Além âmbito doméstico ou familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, disso não tinham como consequência a dominação de uma etnia pela outra.Com a e já no dia seguinte o primeiro agressor foi preso, no Rio de Janeiro, após tentar divisão da sociedade em classes, verificou-se o estabelecimento da condição de estrangular a ex-esposa. escravos para os derrotados. A palavra escravo tem origem no nome do povo As desigualdades de geração – A especificidade da opressão sobre os Eslavo, entre o qual na antiguidade se recrutava o maior número de escravos. Após jovens é sua transitoriedade. Uma vez adulto, o jovem poderá se transformar em os grandes impérios submeteram povos inteiros à escravidão ou ao pagamento de opressor, esquecendo as próprias condições nas quais viveu como oprimido. Apesar tributos para sustentar os governos dominadores. disso os jovens sempre se rebelaram diante das regras sociais impostas. A sua luta, A luta dos povos e etnias oprimidas em determinadas sociedades marcou contudo, foi, até pouco tempo, escondida e isolada no espaço doméstico. O advento épocas e não há perspectivas de sua eliminação no atual sistema capitalista. Em do sistema escolar de massa fez com que eles se encontrassem, criando espaços épocas passadas eram nações dominadas pelo centro econômico europeu ( chineses, coletivos como manifestações, ocupações, contestações, greves, expressões culturais indianos, africanos). alternativas. Esta opressão consiste frequentemente em sufocar costumes, hábitos sociais Habitualmente, os jovens se organizam em associações bem estruturadas, e, por conseguinte, a língua, a religião, a cultura e a história. Em determinadas como grêmios escolares, DCEs, DCAs, centros sociais etc. caracterizadas por um situações, a exploração econômica de uma etnia sobre outra se expressa através de baixo grau de formalismo ( larga participação etc.). A opressão contra jovens se discriminações no mercado de trabalho. Esta opressão sempre provocou reações, manifesta hoje na sociedade através da discriminação no trabalho ( baixos salários, como lutas por um autogoverno ou pela autodeterminação dos povos. Nações e desemprego, exploração), na limitação dos direitos civis (violência doméstica, etc.). etnias oprimidas como os palestinos e os negros no Brasil, têm obviamente culturas Felizmente este quadro já vem se modificando a bastante tempo, embora ainda próprias, elaborando, assim, suas próprias ideias. existam algumas questões a serem examinadas amplamente, como o primeiro O nacionalismo dos povos oprimidos e a autoestima dos negros brasileiros não podem ser confundidos com aquele nacionalismo que oprime ou com o racismo 2 A introdução da lei diz: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. às avessas, pois estes são também opressores, já que significam, no fundo, a dominação de um grupo, ou nação sobre os outros. A desigualdade de orientação sexual - A opressão contra gays e lésbicas 9 se expressa sob todas as formas socioeconômicas, em todas as sociedades, através da orientação sexual. Porém, se há oprimidos, existem também os opressores. Estes se obrigação de seus membros de aderir a heterossexualidade. Quem se opõe ao padrão encontram geralmente nos heterossexuais, eles encontram uma série de falsas de ―normalidade‖ estabelecido, ou seja, a heterossexualidade sempre é punido ou vantagens de natureza quase exclusivamente psicológica para contribuir com a considerado portador de uma doença, vítima de discriminação. opressão. Esta discriminação variou de intensidade nas diferentes épocas, mantendo Tornar os homossexuais alvo de chacota e mostrar, em público, o desprezo porém, uma absoluta continuidade, o famoso escritor Oscar Wilde sofreu com a para com eles, assegura a própria identidade heterossexual para si mesmo e para os condenação a partir do parágrafo 175 3foi julgado culpado de "práticas estranhas à outros, mantendo assim a participação na ―normalidade‖ sexual dominante. natureza" e condenado a dois anos de trabalhos forçados pelo tribunal de Old Baley. Concluindo, alguns indivíduos recebem salários menores que outros mesmo A condição de gay ou lésbica é atacada de forma sistemática pela sociedade. Só o tendo a mesma qualificação profissional, pois os fatores que determinam essa fato de haver grupos sociais que colocam em discussão a heterossexualidade é visto situação estão nas diversidades de etnia, gênero, orientação sexual e de geração. Ou por muitos como um atentado. seja, essas diferenças entre os indivíduos são transformadas, nas relações sociais, A discriminação não é obviamente operativa se gays e lésbicas mantiverem em desigualdades. Portanto, quando ouvimos piadas, frases discriminatórias sobre na clandestinidade a própria orientação sexual. É no momento em que se assumem mulheres, judeus, adolescentes, jovens, homossexuais e negros, elas reforçam e publicamente que começa a guerra contra eles. Essa discriminação atua em todos os refletem as desigualdades sociais. setores: no local de trabalho, onde, além de correrem o risco de demissão, são Negros e negras não são ―incapazes‖, ―ignorantes‖, ―primitivos‖, molestados pelos outros trabalhadores (as); na sociedade, que os impede de ter ―bandidos‖, etc., e que por isso recebem menores salários que os brancos. É o qualquer posto de comando; na família, em que a declaração de homossexualidade modelo capitalista que se aproveita da ideologia da inferioridade racial para chega a gerar crises e chantagens de várias naturezas. explorar ainda mais os trabalhadores e trabalhadoras e extrair mais-valia maior. As A discriminação opera com tal violência, física e psicológica, que o mulheres não são inferiores intelectualmente aos homens, não são apenas objetos, indivíduo não tem coragem de reconhecer nele mesmo a própria essência de sua nem todas são fúteis e desatentas, afinal existem homens com as mesmas características, portanto essas não são características exclusivas das mulheres e não 3 O Parágrafo 175, conhecido formalmente como §175 StGB e também como "Section 175" na língua inglesa, foi uma medida do Código Criminal Germânico em vigor de 15 de maio de 1871 a 10 de março de 1994. O Parágrafo 175 considerava as relações homossexuais como crime, sendo que nas primeiras edições também criminalizava as relações sexuais humanas com animais, conhecidas como bestialidade. O dispositivo legal sofreu várias emendas ao longo do tempo. Quando os nazistas assumiram o poder em 1935, as condenações através do Parágrafo 175 aumentaram na ordem de magnitude de 10 vezes. 10 são gerais, as mulheres possuem raciocínio lógico, senso de direção, essas afirmações infundadas só servem para reforçar a dominação masculina. Enfim, no mundo do trabalho, em qualquer profissão, além das desigualdades de classe, certos indivíduos podem sofrer duas, três, quatro ou cinco vezes mais exploração e as desigualdades sociais. reinado de Luís XIV (16381715). A concentração de poderes no Estado absolutista é bem expressa pela frase atribuída a esse rei: "O Estado sou eu!" (L'etat c'est moi!). COMO SURGIU O ESTADO MODERNO Assumindo o controle das atividades econômicas, o Estado intervinha nas O Estado moderno surgiu da desintegração do mundo feudal e das relações concessões dos monopólios, fixava preços e tarifas, administrava a moeda e os políticas até então dominantes na Europa. No período medieval, o poder estava nas metais preciosos. O acúmulo desses "bens" era a expressão máxima da riqueza de mãos dos senhores feudais, que mantinham o controle sobre a maior parte das terras um país. O Estado absolutista assumia também a responsabilidade de centralizar e e sobre toda a sociedade. praticar a justiça e de cuidar do contingente militar, criando exércitos profissionais. Esse tipo de dominação foi pouco a pouco sendo minado pelas revoltas sociais Para financiar essas atividades, foram criados os impostos gerais. dos camponeses, pela recusa ao pagamento de impostos feudais e pelo crescimento O absolutismo colocou frente a frente os interesses dos estamentos feudais das cidades e do comércio, que apressou a desagregação dos feudos. Paralelamente, dominantes (a nobreza e o clero) e os da burguesia, a classe em ascensão naquela a partir do século XIV, ocorreu um processo de centralização e concentração: época. Tais interesses eram referentes à justiça, à administração do patrimônio ● Das Forças Armadas e do monopólio da violência; público e à administração econômica. ● Da estrutura jurídica, isto é, dos Juízes e dos tribunais em várias instâncias; ● Da cobrança de impostos - um signo do poder e, ao mesmo tempo, o meio de O Estado liberal assegurar a manutenção das Forças Armadas, da burocracia e do corpo jurídico; ● De um corpo burocrático para administrar o patrimônio público, como as O liberalismo emergiu no século XVIII como reação ao absolutismo, tendo estradas, os portos, o sistema educacional, a saúde, o transporte, as comunicações como valores primordiais o individualismo, a liberdade e a propriedade privada. e outros tantos setores. Ganhou projeção como adversário da concentração do poder pelo Estado, prin- A centralização e a concentração desses poderes e instituições caracterizam o cipalmente no que dizia respeito às atividades econômicas, no contexto do chamado Estado moderno, que assumiu diferentes formas até hoje. capitalismo concorrencial. Nessa fase do capitalismo, os resquícios feudais foram sendo extintos, enquanto o capital industrial se implantava e o trabalho assalariado tornava-se fundamental para o desenvolvimento da indústria. O Estado absolutista O Estado liberal apresentava-se como representante de toda a sociedade, tendo o Surgido no contexto da expansão do mercantilismo, o Estado absolutista foi papel de "guardião da ordem": não lhe caberia intervir nas relações entre os implantado primeiro em Portugal, no final do século XIV; com a Revolução de Avis. indivíduos, mas manter a segurança para que todos pudessem desenvolver Adotado depois em vários lugares da Europa, teve seu ponto alto na França, no livremente suas atividades. Com o Estado liberal, estabeleceu-se a separação entre o 11 público e o privado. Politicamente, o Estado liberal se fundamenta na ideia de soberania popular. A O Estado fascista e o Estado soviético: No começo do século XX, esgotado pelas expressão mais clara dessa idéia se encontra nas constituições liberais, como a do próprias condições sociais e econômicas que o geraram, o Estado liberal não dava Brasil, na qual se lê, no artigo: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio mais conta da realidade e das interesses da burguesia. A partir da Primeira Guerra de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Isso Mundial, surgiram duas novas formas de organização estatal: o Estado fascista e o significa que, numa eleição, os votantes se pronunciam elegendo os representantes Estado soviético. da vontade popular. O Parlamento é, assim, a instituição central do Estado liberal. O Estado fascista foi organizado nas décadas de 1920 e 1930, primeiro na Itália De acordo com o pensamento liberal, o Estado não deve intervir nas atividades e depois na Alemanha (com o nazismo) e em vários países europeus, com pequenas econômicas. A famosa fórmula laissez-faire, laissez-passer ("deixai fazer, deixai diferenças. O Estado soviético decorreu da primeira experiência socialista, iniciada passar") expressa bem a concepção de que as atividades econômicas não devem ser em 1917, na Rússia. Por meio dela procurava-se fazer frente às condições precárias reguladas pelo Estado, mas por si mesmas, ou seja, pelo mercado - a mão invisível, de vida das classes trabalhadoras. É bom lembrar que as idéias socialistas já de acordo com Adam Smith (1723-1790). A plena liberdade para a produção e a estavam presentes em toda a Europa havia mais de meio século e se concretizavam circulação de mercadorias garantiria, conforme o pensamento liberal, o progresso naquele momento com a Revolução Russa. ' das empresas e das nações, contribuindo até para a paz mundial. O que distinguia basicamente os regimes fascista e soviético, no início, era o Essas concepções do pensamento liberal começaram a ruir no final do século projeto político que cada um apresentava. No Estado fascista, a participação política XIX e caíram definitivamente por terra com a Primeira Guerra Mundial (19141918). significava plena adesão ao regime e a seu líder máximo, ou seja, ninguém podia Isso aconteceu porque a intensa concorrência entre as empresas foi provocando o fazer qualquer crítica ou oposição ao governo. Na Rússia pós-revolucionária, o desaparecimento das pequenas firmas, que faliam ou eram compradas pelas maiores. desafio era criar mecanismos efetivos de participação dos camponeses, operários e A concentração ficou tão grande e o capital na mão de tão poucos que a concorrência soldados, desde que fossem organizados no interior do Partido Comunista, que era a passou a ser entre países, e não mais só entre empresas. estrutura política dominante. A "guerra" de mercado chegou às vias de fato, ou seja, transformou-se numa Essas duas forças políticas se confrontaram durante a Segunda Guerra Mundial guerra de verdade entre os países. As crises econômicas se tornaram freqüentes e a (1939-1945). No final do conflito, os vitoriosos dividiram-se em dois blocos: o competição entre as nações ficou ainda maior. A eclosão da Primeira Guerra teve socialista, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o origem nessas disputas entre as nações européias. capitalista, sob o comando dos Estados Unidos. Os dois haviam se aliado para participar da guerra e da derrocada do fascismo-nazismo. A URSS organizava-se como um Estado planificado e centralizado, cujos órgãos Os Estados nacionais no século XX 12 estavam ligados ao Partido Comunista. Não havia possibilidade de participar para sair da profunda depressão desencadeada pela crise de 1929. No período politicamente se não fosse nesse partido, pois somente ele era permitido. posterior à Segunda Guerra Mundial, ela se consolidou nos Estados Unidos e em Vários outros países da Europa adotaram essa forma de organização do poder: boa parte dos países da Europa. Polônia, Hungria, Iugoslávia, Tchecoslováquia e a chamada Alemanha Oriental. O Estado do bem-estar tinha como finalidade e característica básica a Fora da Europa, outros Estados socialistas foram criados mediante processos intervenção estatal nas atividades econômicas, regulando-as, subsidiando-as, revolucionários, como a China continental (1949) e Cuba (1959), adotando o regime executando grandes investimentos e obras, redistribuindo rendimentos, visando socialista proposto pelo modelo de Estado soviético. sempre, pelo menos teoricamente, ao bem-estar da maioria da população. A idéia Com o processo de globalização crescente e em decorrência de problemas era romper com o centenário princípio do liberalismo, que rejeitava qualquer função internos, a partir de 1985 a URSS entrou em processo de dissolução. O Estado intervencionista do Estado. Com base nesse conceito, os capitalistas modernos soviético começou a ruir nos países que o adotavam. A queda do Muro de Berlim, propunham moradia digna, educação básica pública, assistência à saúde, transporte em 1989, assinalou de modo emblemático o fim do Estado soviético e o coletivo, lazer, trabalho e salário, seguro-desemprego, enfim, um mínimo de bem- questionamento do poder concentrado num só partido. Essa forma de organização estar econômico e social. Isso foi feito com investimentos maciços por parte do estatal continua vigente, com variações, em Cuba, no Vietnã, na Coréia do Norte e Estado, que redimensionava suas prioridades para proporcionar trabalho e algum na China, com a manutenção de um partido único e a planificação central da rendimento à maior parte da população, a fim de que ela se tornasse consumidora e, economia. assim, possibilitasse a manutenção da produção sempre elevada. Configurou-se o O Estado do Bem-estar social. O bloco dos países capitalistas, após a Segunda Guerra Mundial, tentou reconstruir a economia ocidental com novas bases. Dis- que alguns chamam de "cidadania do consumidor", ou seja, a cidadania entendida como um mecanismo de mercado. seminou-se então a forma de organização estatal chamada de Estado do bem-estar Enquanto isso, nos países periféricos, como os da América Latina, o que se viu social ou simplesmente Estado social. Esse modelo permitia enfrentar, por um lado, foi uma variedade de formas governamentais, entre as quais as ditaduras que se os movimentos de trabalhadores que exigiam melhores condições de vida e, por implantaram por meio de golpes militares. Esses golpes eram deflagrados como se outro, as necessidades do capital, que buscava alternativas para a construção de uma fossem constitucionais, isto é, como se estivessem de acordo com a lei. Uma vez no nova ordem econômica mundial diante do bloco socialista. poder, os golpistas exerciam todo o controle sobre os indivíduos e os grupos As bases teóricas do Estado do bem-estar foram apresentadas na década de 1930 organizados da sociedade. pelo economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (1936). Como forma de organização estatal, a teoria começou a ser esboçada quando o governo estadunidense estabeleceu políticas 13 O chamado Estado neoliberal A partir da década de 1970, após a crise do petróleo, houve nova necessidade de Os neoliberais diziam que era necessário ter mais rapidez para tomar decisões no mudança na organização estatal. O capitalismo enfrentava então vários desafios. As mundo dos negócios e que o capital privado precisava de mais espaço para crescer. empresas multinacionais precisavam expandir-se, ao mesmo tempo em que havia um Reforçavam assim os valores e o modo de vida capitalistas, o individualismo como desemprego crescente nos Estados Unidos e nos países europeus; os movimentos elemento fundamental, a livre iniciativa, o livre mercado, a empresa privada e o grevistas se intensificavam em quase toda a Europa e aumentava o endividamento poder de consumo como forma de realização pessoal. dos países em desenvolvimento. Com essas propostas, o que se viu foi a presença cada vez maior das grandes Os analistas, tendo como referência os economistas Friedrich Von Hayek (1899- corporações produtivas e financeiras na definição dos atos do Estado, fazendo com 1992) e Milton Friedman (1912-2006), atribuíam a crise aos gastos dos Estados com que as questões políticas passassem a ser dominadas pela economia. Além disso, o políticas sociais, o que gerava déficits orçamentários, mais impostos e, portanto, que era público (e, portanto, comum a todos) passou a ser determinado pelos aumento da inflação. Diziam que a política social estava comprometendo a liberdade interesses privados (ou seja, por aquilo que era particular). do mercado e até mesmo a liberdade individual, valores básicos do capitalismo. Por causa disso, o bem-estar dos cidadãos deveria ficar por conta deles mesmos, já que O neoliberalismo e o Estado neoliberal se gastava muito com saúde e educação públicas, com previdência e apoio aos O neoliberalismo compreende a liberação crescente e generalizada desempregados idosos. Ou seja, os serviços públicos deveriam ser privatizados e das atividades econômicas, compreendendo a produção, distribuição, pagos por quem os utilizasse. Defendia-se assim o Estado mínimo, o que significava troca e consumo. Funda-se no reconhecimento da primazia das voltar ao que propunha o liberalismo antigo, com o mínimo de intervenção estatal na liberdades relativas às atividades econômicas como pré-requisito e vida das pessoas. fundamento da organização e funcionamento das mais diversas Nasceu dessa maneira o que se convencionou chamar de Estado neoliberal. As formas de sociabilidade; compreendendo não só as empresas, expressões mais claras da atuação dessa forma estatal foram os governos de corporações e conglomerados, mas também as mais diferentes Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos. Mas instituições sociais. "Neo" liberalismo porque se impõe e generaliza mesmo no período desses governos o Estado não deixou de intervir em vários em escala mundial, alcançando inclusive os países nos quais se havia aspectos, mantendo orçamentos militares altíssimos e muitos gastos para amparar as experimentado ou continua a experimentar-se o regime socialista ou o grandes empresas e o sistema financeiro. Os setores mais atingidos por essa "nova" planejamento econômico centralizado. Sob o neoliberalismo, reforma- forma de liberalismo foram aqueles que beneficiavam mais diretamente os se o Estado. O poder estatal é liberado de todo e qualquer empreen- trabalhadores e os setores marginalizados da sociedade, como assistência social, dimento econômico ou social que possa interessar ao capital privado habitação, transportes, saúde pública, previdência e direitos trabalhistas. racional e transnacional. Trata-se de criar o "Estado mínimo", que 14 apenas estabelece e fiscaliza as regras do jogo econômico, mas não O PODER E O ESTADO joga. Tudo isso baseado no pressuposto de que a gestão pública ou estatal de atividades direta e indiretamente econômicas é pouco eficaz, Norbert Elias diz, em seu livro A sociedade dos indivíduos, que há uma ou simplesmente ineficaz. O que está em causa é a busca de maior e tendência nas ciências sociais de não considerar o Estado como objeto da So- crescente produtividade, competitividade e lucratividade, tendo em ciologia. Ele afirma que isso vem de uma antiga tradição intelectual que vê o Estado conta os mercados nacionais, regionais e mundiais. Daí a impressão como algo extra-social ou até oposto à sociedade. Desde o século XVIII, o termo de que o mundo se transforma no território de uma vasta e complexa "sociedade" - ou "sociedade civil" - era usado como contraposição a "Estado", pois fábrica global, ao mesmo tempo em que shopping center global e havia interesse da classe em ascensão, a burguesia, em acentuar essa separação. Disneylândia global. Com isso, procurava-se destacar a idéia de que uma classe apenas, a nobreza, IANNI, Octávio. Capitalismo, violência e terrorismo. detinha o monopólio do poder do Estado. Essa idéia de separação entre sociedade e Estado dominou por muito tempo e prejudicou a compreensão de que o Estado é uma organização encarregada de Estado e liberdade determinadas funções e que sua constituição é um processo histórico como tantos Depois que nos livrarmos do preconceito de que tudo o que faz o outros. Vamos verificar como os grandes autores da Sociologia abordaram essa Estado e a sua burocracia é errado, malfeito e contrário à liberdade, e questão: de que tudo o que é feito pelos indivíduos particulares é eficiente e As teorias sociológicas clássicas sobre o Estado sinônimo de liberdade - poderemos enfrentar adequadamente o verdadeiro problema. Reduzido a uma só frase, o problema consiste em Marx, Durkheim e Weber, os três autores clássicos da Sociologia, tiveram, cada que, em nosso mundo moderno, tudo é político, o Estado está em toda um a seu modo, uma vida política intensa e fizeram reflexões importantes sobre o parte e a responsabilidade política acha-se entrelaçada em toda a Estado e a democracia de seu tempo. Vamos ver o que pensavam sobre esses temas. estrutura da sociedade. A liberdade consiste não em negar essa Karl Marx: Tendo escrito sobre as questões que envolvem o Estado num período interpenetração, mas em definir seus usos legítimos em todas as em que o capitalismo ainda estava em formação, Marx não formulou uma teoria esferas, demarcando limites e decidindo qual deve ser o caminho da específica sobre o Estado e o poder. Num primeiro momento, ele se aproximou da penetração, e, em última análise, em salvaguardar a responsabilidade concepção anarquista, definindo o Estado como uma entidade abstrata, em pública e a participação de todos no controle das decisões. contradição com a sociedade. Seria uma comunidade ilusória, que procuraria conciliar os interesses de todos, mas principalmente daqueles que dominavam 15 economicamente a sociedade. Estado e burguesia No livro A ideologia alemã, escrito em 1847 em parceria com Friedrich Engels, Marx identificou a divisão do trabalho e a propriedade privada, geradoras das “Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi classes sociais, como a base do surgimento do Estado, que seria a expressão acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida jurídico-política da sociedade burguesa. A organização estatal apenas garantiria as pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui condições gerais da produção capitalista, não interferindo nas relações econômicas. república urbana independente, ali terceiro estado tributário da Em 1848, no Manifesto comunista, Marx e Engels afirmaram que os dirigentes do monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da Estado moderno funcionavam como um comitê executivo da classe dominante nobreza na monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes (burguesia). monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do Nos livros escritos entre 1848 e 1852, ―As lutas de classe na França” e ―O de- mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva zoito brumário de Luís Bonaparte”, analisando uma situação histórica específica, no Estado representativo moderno. O executivo no Estado moderno não é Marx declara que o Estado nasceu para refrear os antagonismos de classe, e, por senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe isso, é o Estado da classe dominante. Mas existem momentos em que a luta de burguesa.” (MARX, Karl - Manifesto comunista). classes é equilibrada e o Estado se apresenta com independência entre as classes em conflito, como se fosse um mediador. Para Karl Marx o Estado é, portanto, uma organização cujos interesses são os da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia. Analisando a burocracia estatal, Marx afirma que o Estado pode estar acima da Émile Durkheim. Ao analisar a questão da política e do Estado, Durkheim luta de classes, separado da sociedade, como se fosse autônomo. É nesse sentido que teve como referência fundamental a sociedade francesa de seu tempo. Como sempre pode haver um poder que não seja exercido diretamente pela burguesia. Mesmo esteve preocupado com a coesão social, inseriu-a de forma clara na questão. Para dessa forma, o Estado continua criando as condições necessárias para o de- ele, o Estado é fundamental numa sociedade que fica cada dia maior e mais senvolvimento das relações capitalistas, principalmente o trabalho assalariado e a complexa, devendo estar acima das organizações comunitárias. propriedade privada. Durkheim dizia que o Estado "concentrava e expressava a vida social". Sua No livro A guerra civil na França, escrito em 1871, Marx analisa a Comuna de função seria eminentemente moral, pois ele deveria realizar e organizar o ideário do Paris e volta a olhar a questão do Estado de uma perspectiva que se aproxima da indivíduo e assegurar-lhe pleno desenvolvimento. E isso se faria por meio da anarquista. O desaparecimento do Estado seria resultante da transferência do poder educação pública voltada para uma formação moral sem fins conceituais ou reli- para a federação de associações dos trabalhadores. giosos. De acordo com o filósofo, o Estado não é antagônico ao indivíduo. Foi o Estado que emancipou o indivíduo do controle despótico e imediato dos grupos 16 secundários, como a família, a Igreja e as corporações profissionais, dando-lhe um juntos, e nós mesmos empregamos a palavra nesse sentido. Eis o que espaço mais amplo para o desenvolvimento de sua liberdade. define o Estado. É um grupo de funcionários sui generis, no seio do qual Para Durkheim, na relação entre o Estado e os indivíduos, é importante se elaboram representações e volições que envolvem a coletividade, saber como os governantes se comunicam com os cidadãos, para que estes embora não sejam obra da coletividade. Não é correto dizer que o acompanhem as ações do governo. A intermediação deve ser feita por canais como Estado encarna a consciência coletiva, pois esta o transborda por todos os jornais e a educação cívica ou pelos órgãos secundários que estabelecem a ponte os lados. É em grande parte difusa; a cada instante há uma infinidade de entre governantes e governados, principalmente os grupos profissionais organizados, sentimentos sociais, de estados sociais de todo o tipo de que o Estado só que são a base da representação política e da organização social. percebe o eco enfraquecido. Ele só é a sede de uma consciência Quando se refere aos sistemas eleitorais, Durkheim critica os aspectos numéricos do que se entende por democracia. Tomando como exemplo as eleições especial, restrita, porém mais elevada, mais clara, que tem de si mesma um sentimento mais vivo.” (DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia). de 1893 na França, declara que havia no país, naquele ano, 38 milhões de habitantes. Tirando as mulheres, as crianças, os adolescentes, todos os que eram impedidos de votar por alguma razão, apenas 10 milhões eram eleitores. Desses 10 milhões, foram Para Durkheim, portanto, o Estado é uma organização com um conteúdo inerente, ou seja, os interesses coletivos. votar em torno de 7 milhões. Os deputados eleitos, ou seja, os vencedores das Max Weber: Cinquenta anos depois da publicação do Manifesto comunista, por eleições, somaram 4.592.000 de votos e os que não venceram tiveram 5.930.000 de Marx e Engels, num momento em que o capitalismo estava mais desenvolvido e votos, número superior ao dos vencedores. Conclui Durkheim: ―se nos ativermos às burocratizado, Weber escreveu sobre as questões do poder e da política. considerações numéricas, será preciso dizer que nunca houve democracia‖. Questionava: como será possível o indivíduo manter sua independência diante dessa total burocratização da vida? Esse foi o tema central da Sociologia política weberiana. Estado e interesses coletivos Se Durkheim tinha como foco a sociedade francesa, Weber manifestava uma “Como é necessário haver uma palavra para designar o grupo preocupação específica com a estrutura política alemã, mas levava em conta especial de funcionários encarregados de representar essa autoridade [a também o sistema político dos Estados Unidos e da Inglaterra. Além disso, estava "autoridade soberana" a cuja ação os indivíduos estão submetidos], atento ao que acontecia na Rússia, principalmente após a revolução de 1905. conviremos em reservar para esse uso a palavra Estado. Sem dúvida é Para ele, na Alemanha unificada por Otto Von Bismarck, o Estado era fun- muito freqüente chamar-se de Estado não o órgão governamental, mas a damentado nos seguintes setores da sociedade: o Exército, os junkers (grandes sociedade política em seu conjunto, o povo governado e seu governo proprietários de terras), os grandes industriais e a elite do serviço público (alta 17 burocracia). Em 1917, escrevendo sobre Bismarck, dizia que este havia deixado uma eliminado, e surgiria uma situação que poderíamos designar como nação sem educação e sem vontade política, acostumada a aceitar que o grande líder "anarquia", no sentido específico da palavra. Hoje, porém, temos de decidisse por ela. dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o Ao analisar o Estado alemão, Weber afirma que o verdadeiro poder estatal está monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado nas mãos da burocracia militar e civil. Portanto, para ele, o "Estado é uma relação de território. O Estado é considerado como a única fonte do "direito" de homens dominando homens" mediante a violência, considerada legítima, e "uma usar a violência. Daí „política‟, para nós, significar a participação no associação compulsória que organiza a dominação". Para que essa relação exista, é poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados necessário que os dominados obedeçam à autoridade dos que detêm o poder. Mas o ou entre grupos dentro de um Estado.” (WEBER, Max. Ensaios de que legitima esse domínio? Para Weber há três formas de dominação legítima: a sociologia.) tradicional, a carismática e a legal. A dominação tradicional é legitimada pelos costumes, normas e valores tradicionais e pela "orientação habitual para o conformismo". É exercida pelo Para Max Weber, portanto, o Estado é uma organização sem conteúdo inerente; apenas mais uma das muitas organizações burocráticas da sociedade. patriarca ou pelos príncipes patrimoniais. Democracia, representação e partidos políticos A dominação carismática está fundada na autoridade do carisma pessoal (o "dom da graça"), da confiança na revelação, do heroísmo ou de qualquer qualidade As diversas formas que o Estado assumiu na sociedade capitalista estiveram de liderança individual. É exercida pelos profetas das religiões, líderes militares, ligadas à concepção de soberania popular, que é a base da democracia. Mas tal heróis revolucionários e líderes de um partido. soberania só se torna efetiva com a representação pelo voto. Para ampliar o número A dominação legal é legitimada pela legalidade que decorre de um estatuto, da de pessoas com direito de votar e ser votadas foram necessárias muitas lutas. Isso competência funcional e de regras racionalmente criadas. Está presente no compor- significa que o liberalismo só se tornou democrático porque foi forçado a isso. Na tamento dos ―servidores do Estado‖. época do liberalismo clássico, somente o homem adulto economicamente independente tinha instrução e era considerado capaz de discernimento para tomar decisões políticas. Desse modo, a representação durante muito tempo foi bastante Estado e política restrita. “„Todo o Estado se funda na força‟, disse Trotski em Brest-Litovsk. Tomemos como exemplo a Inglaterra, a pátria do parlamentarismo e da Isso é realmente certo. Se não existissem instituições sociais que democracia moderna. Logo após a chamada Revolução Gloriosa (1688), que conhecessem o uso da violência, então o conceito de „Estado‟ seria limitou os poderes do rei e atribuiu ao Parlamento autoridade sobre o governo, 18 somente 2 % da população tinha direito de voto. Em 1832, quase 150 anos depois, senador ou mesmo presidente da República são necessários determinados atributos após uma reforma eleitoral, esse índice subiu para 5%. As mulheres só que, normalmente, só os membros das classes proprietárias possuem, como nível conquistariam o direito de votar em 1928. universitário, experiência administrativa, etc. A ação e o discurso contra a presença Podemos entender muito melhor a "igualdade política" defendida pelo de trabalhadores, ou daqueles que defendem seus direitos, no Parlamento ou em pensamento liberal, que é a base ideológica do sistema capitalista, quando lemos o cargos executivos, é algo muito antigo, mas está presente na sociedade que disseram grandes pensadores liberais, como Benjamin Constant (1787-1874), contemporânea em geral, e muito claramente no Brasil. Immanuel Kant (1724-1804) e Edmund Burke (1729-1797). Muitas pessoas também pensam que só se pode fazer política institucional O pensador francês Benjamin Constant afirmava que as pessoas condenadas por meio dos partidos políticos. Mas os partidos nasceram por causa da pressão pela penúria ao trabalho diário e a uma situação de eterna dependência não estavam exercida por quem não tinha acesso ao Parlamento. No início do Estado liberal, a mais bem informadas acerca dos assuntos públicos que uma criança; por isso, não idéia de partido era inaceitável, pois se considerava que o Parlamento devia ter podiam desfrutar o direito eleitoral. Era necessário ter o tempo livre indispensável unidade de formação e pensamento, não comportando divisões ou "partes" (o que a para adquirir os conhecimentos e os critérios justos. Só a propriedade proporcionava palavra partido expressa) . Votavam e eram votados, na prática, apenas os que esse tempo livre e deixava os indivíduos em condições de exercitar os direitos possuíam propriedades e riqueza, ou seja, aqueles que podiam viver para a política, políticos. já que não precisavam se preocupar com seu sustento. Assim, o Parlamento reunia Immanuel Kant, filósofo alemão, afirmava que para exercer os direitos políticos era necessário não ser criança ou mulher. Mas não bastava a condição de os proprietários. Estes discutiam as leis que regeriam a sociedade como um todo com base na visão deles. homem; era preciso ser senhor de uma propriedade que lhe desse sustento. O Somente quando outros setores da sociedade começaram a lutar por par- dependente, o criado e o operário não podiam ser membros do Estado e não estavam ticipação na vida política institucional, principalmente os trabalhadores or- qualificados para ser cidadãos. ganizados, os partidos políticos começaram a aparecer e a defender interesses Edmund Burke, pensador inglês de visão conservadora, ao analisar os perigos da Revolução Francesa para a sociedade burguesa, afirmava que somente uma diferentes: de um lado, o daqueles que queriam mudar a situação e, de outro, o daqueles que queriam mantê-la. elite tinha o grau de racionalidade e de capacidade analítica necessário para Pelas razões expostas, o pensador francês Claude Lefort, em seu livro A in- compreender o que convinha ao bem comum. Afirmava ainda que a propriedade venção democrática (1983), afirma que é uma aberração considerar a democracia garantia a liberdade, mas exigia a desigualdade. uma criação da burguesia. Essa classe sempre procurou impedir que o liberalismo Essas idéias ainda estão presentes nos dias de hoje, expressando-se, por se tornasse democrático, limitando o sufrágio universal e a ampliação de direitos, exemplo, quando se afirma que o povo não sabe votar, que para ser deputado, como os de associação e de greve, e criando outras tantas artimanhas para excluir a 19 maior parte da população da participação nas decisões políticas. Por isso, para ele, a últimos vinte anos, traíram as expectativas da maioria da população, principalmente democracia é a criação contínua de novos direitos. Não é apenas consenso, mas das classes populares. principalmente a existência de dissenso. As revelações mais freqüentes de corrupção permitem concluir que os go- Alguns autores procuram analisar os aspectos institucionais da questão vernantes legitimamente eleitos usam o mandato para enriquecer à custa do povo e democrática. Para Joseph Schumpeter, Giovani Sartori, Robert Dahl, Adam dos contribuintes. Há também o desrespeito dos partidos por seus programas Przeworski, Guillermo O'Donnell, entre outros, há a necessidade de serem eleitorais logo após as eleições, o que faz os cidadãos sentirem-se pessimamente preenchidos alguns critérios para haver democracia num país: representados e acreditarem cada vez menos na democracia representativa. ● Eleições competitivas, livres e limpas para o Legislativo e o Executivo; ● Direito de voto, que deve ser extensivo à maioria da população adulta, ou seja, A sociedade disciplinar e a sociedade do controle cidadania abrangente no processo de escolha dos candidatos; ● Proteção e garantia das liberdades civis e dos direitos políticos mediante Até aqui vimos análises sobre o poder e a política que privilegiam suas relações instituições sólidas, isto é, liberdade de imprensa, liberdade de expressão e com o Estado. Mas existem pensadores que analisam a questão do poder e da organização, direito ao habeas corpus e outros que compreendem o componente política de modo diferente: não dão primazia às relações com o Estado, mas a liberal da democracia; elementos que estão presentes em todos os momentos de nossa vida. Entre eles, ● Controle efetivo das instituições legais e de segurança e repressão - Poder Judiciário, Forças Armadas e Forças Policiais. Isso possibilitaria avaliar o genuíno destacamos os franceses Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (19251995). poder de governar das autoridades eleitas, sem que estas fossem ofuscadas por Foucault se propôs analisar a sociedade com base na disciplina no cotidiano. atores políticos não eleitos, como as instituições apontadas, que muitas vezes Para ele, todas as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem. dominam nos bastidores. Assim acontece na família, na escola, nos quartéis, nos hospitais, nas prisões, etc., Essas condições institucionais garantiriam a efetivação da democracia representativa. pois o fundamental é distribuir, vigiar e adestrar os indivíduos em espaços determinados. Diz ele que, além dos aspectos institucionais ou até jurídicos dessas O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos propõe outros elementos para instituições, esse poder desenvolve-se por meio de gestos, atitudes e saberes. É o analisar a questão da democracia e da representação. Ele afirma que a democracia no que chama de "arte de governar", entendida como a racionalidade política que mundo contemporâneo nos oferece duas imagens muito contrastantes. Por um lado, determina a forma de gestão das condutas dos indivíduos de uma sociedade. Nesse a democracia representativa é considerada internacionalmente o único regime sentido, ele afirma: "nada é político, tudo é politizável, tudo pode tornar-se político legítimo. Por outro, existem sinais de que os regimes democráticos, nos político". 20 Seguindo as pistas de Foucault, Deleuze declara que vivemos ainda numa manhã ou pela tarde, desta ou daquela maneira, para ter uma vida mais saudável. sociedade disciplinar, mas já estamos percebendo a emergência de uma sociedade de Tome tal remédio para isso, mas não tome para aquilo". Os controles nos alcançam controle. em todos os momentos e lugares. Não há possibilidade de fuga. A sociedade disciplinar é a que conhecemos desde o século XVIII. Ela procura Se na sociedade disciplinar o elemento central de produção é a fábrica, na de organizar grandes meios de confinamento: a família, a escola, a fábrica, o exército e, controle é a empresa, algo mais fluido. Se a fábrica já conhecia o sistema de em alguns casos, o hospital e a prisão. O indivíduo passa de um espaço fechado para prêmios, a empresa o aperfeiçoou como uma modulação para cada salário, outro e não pára de recomeçar, pois em cada instituição deve aprender alguma coisa, instaurando um estado de eterna instabilidade e desafios. Se a linha de produção é o principalmente a disciplina específica do lugar. coração da fábrica, o serviço de vendas é a alma da empresa. O marketing é agora o Na sociedade disciplinar, a fábrica, por exemplo, é um espaço fixo e confinado instrumento de controle social por excelência - possui natureza de curto prazo e onde se produzem bens. A fábrica concebe os indivíduos como um só corpo, com a rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina é de dupla vantagem de facilitar a vigilância por parte dos patrões, que controlam cada longa duração, infinita e descontínua. elemento na massa, e de facilitar a tarefa dos sindicatos, que mobilizam uma massa de resistência. O lugar do marketing em nossa sociedade é evidente, uma vez que'somos todos vistos como consumidores. O convencimento é ao mesmo tempo externo (pela O que nos identifica, na escola, no exército, no hospital, na prisão ou nos bancos, recepção da mensagem) e interno (pela própria natureza do convencimento). Ao ser é a assinatura e o número na carteira de identidade e na carteira profissional, além de interiorizada, a coerção afinal aparece como um imperativo. Se tudo pode ser diversos outros documentos. comprado e vendido, por que não as consciências, os votos e outras coisas mais? A A sociedade do controle está aparecendo lentamente, e alguns de seus indícios já corrupção em todos os níveis ganhou nova potência. são perceptíveis. Nela são usadas formas ultra-rápidas de controle, quase como O que nos identifica cada vez mais é a senha. Cada um de nós é apenas um prisões ao ar livre, na expressão de Theodor Adorno. Os métodos são de curto prazo número, parte de um banco de dados de amostragem. A quantidade de senhas de e de rotação rápida, mas contínuos e ilimitados. São permanentes e de comunicação que necessitamos para nos relacionar virtualmente com as pessoas ou com instantânea. Como não têm um espaço definido, podem ser exercidos em qualquer instituições é enorme e, sem elas, ficamos isolados. lugar. Exemplos de modos de controlar as pessoas constantemente são as avaliações permanentes e a formação continuada. Se na sociedade disciplinar há sempre um indivíduo vigiando os outros em várias direções num lugar confinado, na sociedade do controle todos olham para o Outra forma de controle contínuo são os "conselhos" a respeito da saúde que mesmo lugar. A televisão é um bom exemplo disso, pois milhares de pessoas estão estão presentes em todas as publicações, na televisão e na internet: "Não coma isso sempre diante do aparelho. Na final do campeonato mundial de futebol em 2006, porque pode engordar ou aumentar o nível de colesterol ruim. Faça exercícios pela cerca de um bilhão e meio de pessoas estavam conectadas ao jogo. 21 é que essas câmeras, que capturam imagens a até dois quilômetros, intimidam os bandidos e auxiliam a polícia. Estado de exceção Giorgio Agamben chama de Estado de exceção o tipo de governo Giorgio Agamben, filósofo italiano, era professor convidado da dominante na política contemporânea, que transforma o que deveria ser universidade de Nova York. Depois do ataque às torres gêmeas do World uma medida provisória e excepcional em técnica permanente de governo. Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de Para Agamben, o Estado de exceção significa simplesmente a 2001, ao voltar de suas férias na Itália, Aganiben desistiu de lecionar suspensão do ordenamento jurídico: a anulação dos direitos civis do naquela universidade, porque lhe foram impostas várias Condições, no cidadão e seu estatuto jurídico corno indivíduo. Ele defende a idéia de que aeroporto, para que entrasse no país: fichamento, coleta de impressões o paradigma político do Ocidente não é mais a cidade, mas o campo de digitais, revista e outras exigências. Ele disse que não se submeteria às concentração. imposições, pois eram procedimentos aplicados a criminosos na prisão, e contemporâneas, engendradas por um Estado policial protetor, fazem da não a cidadãos livres. Esse fato teve grande repercussão internacional, política do terror e da insegurança o princípio gestor, estimulando, cada pois com sua postura Agamben questionava o que estavam fazendo com vez mais, a privatização dos espaços e o confinamento no interior deles. Vistas por essa ótica, as práticas de exceção cidadãos em todo o mundo. O filósofo observa que hoje os cidadãos são continuamente controlados PODER, POLÍTICA E ESTADO NO BRASIL e consideram isso normal. É o primeiro passo para que os regimes democráticos se tornem autoritários, com a carapaça de democracia. Por mais de 300 anos, enquanto na Europa constituíam-se Estados Olhe a sua volta e observe que está sendo filmado em todos os lugares. absolutistas e depois liberais, o Brasil permaneceu como colônia de Portugal — Há câmeras nas entradas e elevadores dos edifícios residenciais e portanto, submetido ao Estado portugês. Com a independência, em 1822, instituiu- comerciais, nos bancos, nas ruas e também nos corredores das se no Brasil um Estado monárquico do tipo liberal, mas com uma contradição universidades. imensa, que perduaria por mais 66 anos: a escravidão. Após a proclamação da Você sabia que somente na Inglaterra foram instalados 4,5 milhões de República, em 1889, o Estado brasileiro assumiu diferentes feições ao longo do câmeras de vigilância na última década e que um habitante de Londres é tempo, caracterizando-se como oligárquico, ditorial ou liberal, sempre à sombra do filmado trezentas vezes por dia? Mas não é só lá. Em Clementina, uma poder dos militares, cujas intervenções e golpes foram frequentes. Só a partir da cidade de 6 mil habitantes no interior de São Paulo, foram montadas torres Constituição de 1988 o país passou a conviver com a perspectiva de um Estado de 25 metros com câmeras para fazer a vigilância da cidade. A justificativa 22 democrático duradouro, mas também com uma política econômica neoliberal, sem Dom Pedro tinha o poder absoluto com uma maquiagem liberal, já que havia uma ter efetivamente passado por um Estado de bem-estar social. constituição no país. Parecia que existia um parlamentarismo, mas, de fato, quem exercia o poder era o imperador. Depois da abdicação de Dom Pedro I, com as Regências e o governo de Dom Pedro O Estado até o fim do século XIX II, a estrutura política do Brasil manteve-se igual. Podemos dizer que o Brasil conheceu várias formas de organização do Estado, de acordo com os caminhos que a história política do país traçou. Talvez o Brasil tenha sido o único país do mundo em que uma constituição liberal coexistiu com a escravidão. Isso é uma grande contradição, pois a Entre 1500 e 1822. Todas as decisões políticas relacionadas à colônia de constituição liberal dispõe que todos os indivíduos são iguais perante a lei, e a Portugal na América eram tomadas pelo soberano português, que mantinham um escravidão é a negação disso. A permanência dessa contradição se explica pelo fato Estado absolutista; os moradores da colônia só cumpriam decisões. Foi assim que de a escravidão ser um dos elementos estruturais do Império. Ela foi abolida, em aconteceu com praticamente todas as iniciativas políticas daquela época, desde a 1888, e a monarquia caiu em seguida. implantação das capitanias hereditárias — que, conforme o próprio nome diz, passavam de pai para filho — até a instituição do Governo Geral. Ou seja, toda a O Estado republicano estrutura de poder na colônia estava ligada diretamente ao rei de Portugal. Isso ficou mais claro quando, em 1808, Dom João VI foi obrigado por Napoleão a vir para o O Estado que nasceu com a implantação da República no Brasil , resultante Brasil, transplantando para cá forma de Estado vigente em Portugal. Esse período der mais uma tentativa da classe dominante para manter seu poder; caracterizou-se durou independência. como liberal conservador. Desde sua implantação, os militares tiveram sempre uma Entre 1822 e 1889. Da independência à República, havia no país um Estado presença marcante na estruturação política nacional e estiveram no posto máximo imperial constitucional com os poderes Executivo (Conselho de Estado), Legislativo de comando— a Presidência da República — ou nos bastidores, influindo nas (assembleia Geral, composta do Senado e da Câmera dos Deputados) e Judiciário principais (Supremo Tribunal de Justiça). No entanto, havia algo diferente no Brasil de Dom Tivemos, nesse londo período de República, diferentes momentos de poder: o do Pedro I: o poder Moderador, exercido pelo imperador. poder oligárquico (um governo de grupos), exercido pelos grandes proprietários de pouco, pois logo veio a decisões políticas. O poder Moderador ficava acima dos outros três, pois o imperador nomeava terras, as ditaduras explícitas, os momentos de governos democráticos liberais com os integrantes do Conselho de Estado (o Executivo) e do Senado, escolhia os restrições, etc. Enfim, vivemos situações em que a democracia esteve sempre por membros do Supremo Tribunal, podia dissolver a Câmera dos Deputados e utilizar um fio. as Forças Armadas quando achasse conveniente para manter a segurança do Império. 23 República Velha: o Estado oligárquico (de1889 a 1930). Enquanto na Europa e nos Estados Unidos já havia um desenvolvimento industrial significativo e um Estado liberal democrático estruturado, o Brasil era um país essencialmente agrário, com um Estado oligárquico que excluía a participação popular. marcante a chamada política do café com leite, que expressou a presença dominante dos estados de São Paulo e Minas Gerais no executivo federal. O coronelismo era uma forma de poder econômico, social e político encarando pelo proprietário rural, que controlava os meios de produção, e os A República no Brasil surgiu de um movimento da cúpula militar, sem a moradores da zona rural e das pequenas cidades do interior. A prática político-social participação da população. Segundo o jornalista republicano Aristide Lobo, em sua dos coronéis mantinha uma articulação local-regional e regional-federal, como nos coluna "Cartas do Rio", escrita no dia da proclamação publicada no Diário tempos de Império. Popular do dia 18 de novembro de 1889, "o povo assistiu bestializado, atônito, surpreso sem conhecer oque significava", ao movimento que derrubou a monarquia. O período Vargas (de 1930 e 1945). Dois golpes de Estados delimitam esse período: um para colocar Getúlio Vargas no poder e outro para derrubá-lo. Após um período de governo provisório, entre 1889 e 1891, houve a A atuação parlamentar praticamente não existiu no período Vargas e, promulgação de uma constituição, em 1891, que criava a República Federativa do quando houve, sempre esteve atrelada ao governo central. O Brasil teve duas Brasil. Isso significava que o Brasil era um conjunto de províncias (os atuais constituições: a de1934 (que tinha um fundamento liberal e durou muito pouco) e a estados), as quais tinham autonomia e uma constituição própria que definia o de 1937 (que foi imposta por Getúlio Vargas, com inspiração fascista e autoritária). Judiciário, as Forças Armadas, os códigos eleitorais e a capacidade de criar Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder estabeleceu-se o que a impostos. Mas o poder da União ficava resguardado, pois ela podia intervir nas Sociologia chamou de populismo: uma relação de poder em que o governo buscava províncias para assegurar a ordem, a estabilidade e o pacto federativo. o apoio dos trabalhadores e também da burguesia industrial (setor que de fato O poder nesse período caracterizava-se por duas práticas: a política dos governadores e o coronelismo. representava). Com isso, Getúlio criou uma divergência com o setor agrário dominante, já que seu objetivo era implantar uma nova ordem industrial. À exceção do período 1889-1894, quando os militares estiveram no Para alguns autores brasileiros, como Helio Jaguaribe e Guerreiro Ramos, o comando da República, a chamada política dos governadores procurava evitar traço marcante do populismo de Vargas foi a liderança carismática. Para outros disputas entre o governo central e os estaduais, garantindo assim a manutenção e o estudiosos, como Francisco Weffort, tratava-se de um fenômeno de massas e de predomínio da máquina administrativas federal. Essa política expressava um acordo classes, com certo traço manipulador. Já de acordo com Octávio Ianni, foi um entre o governo federal e as mais fortes oligarquias regionais, através da destinação fenômeno ideologicamente baseado no nacionalismo, com uma política que de verbas da União para obras públicas estaduais; em troca recebia o apoio dos envolvia todas as classes sociais, portanto, um movimento policlassista. deputados e senadores para aprovação dos projetos de interesses do Executivo. Foi Em termos econômicos, havia um compromisso entr o governo e as elites urbanas de industrializar o país, utilizando para isso a modernização da estrutura 24 estatal e também a incorporação, de modo controlado e subordinado, das emergentes Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce, e nacionalizou a massas urbanas. O Estado aparecia como o principal agente investidor na produção e o refino de petróleo com a criação da Petróleo Brasileiro S.A infraestrutura processo. (Petrobras). O objetivo era diminuir as importações que, na época, ainda abrangiam Sem perder de vista seu caráter autoritário e a repressão que desencadeou os bens de consumo duráveis, como as geladeiras, os fogões e os eletrodoméstico de necessária a esse no Estado Novo, Getúlio Vargas deixou um legado de leis trabalhistas e a concepção de um país com um projeto nacional que continuou nos anos seguintes. todos os tipos. Com Juscelino Kubitscheck, finalmente se implantou a indústria nacional A República com a marca Vargas: o Estado liberal (de 1945 a de bens duráveis, graças à estruturação da tríplice aliança, a conjugação entre o 1964). Terminada a Segunda Guerra Mundial, iniciava-se no Brasil um período de Estado, o capital nacional e o capital estrangeiro, que possibilitou um grande 19 anos de democracia liberal, delimitado por golpes militares. O primeiro deles foi desenvolvimento econômico e industrial no Brasil. O exemplo mais claro dessa o que derrubou Getúlio Vargas, em 1945, e o último, o que depôs João Goulart, seu aliança foi a implantação da indústria automobilística nacional, com a ainda das seguidor político, em 1964. grandes montadoras de veículos, como a Volkswagem, a Ford e a General Motors. 1946 a 1950. Governo do general Eurico Gaspar Dutra, eleito pelo voto popular. Essas empresas instalaram-se no Brasil com o apoio do governo federal, que desenvolveu uma indústria siderúrgica, ampliava a produção de petróleo e construía 1951 a 1954. Governo de Vargas, eleito pelo voto popular. estradas, enquanto o capital nacional participava com as indústrias subsidiárias, 1954. Suicídio de Vargas. produzindo peças, equipamentos e acessórios para os automóveis e caminhões. 1954 a 1955. Governo de transição. tentativa de golpe para impedir a posse de Kubitschek. O final dessa fase chegou com o golpe militar de 1964, que derrubou João Goulart. O golpe estava sendo tomado havia tempo, desde a renúncia de Jânio 1956 a 1960. Governo de Kubitschek, eleito pelo voto popular. Quadros, em 1961; só demorou para ser posto em prática por causa das divergências 1961. Governo e renúncia de Jânio Quadros. Posse de João Goulart. entre os militares mais guardados e também entre os líderes civis. Um novo período Implantação do parlamentarismo. ditatorial se iniciava no Brasil. 1963. Volta do presidencialismo, com Goulart no comando. A República dos generais (de 1964 e 1985). Por que houve o golpe militar 1964. Deposição de Goulart por golpe militar em 1º de abril. em 1964? Segundo os golpistas, o objetivo era acabar com a anarquia e a O Estado estruturou-se com uma nova constituição em 1964, considerada insegurança que levariam o país ao comunismo; os militares argumentavam também politicamente liberal, mas que permitia a intervenção na economia, principalmente que era a única maneira de deter a inflação, que estava absurdamente alta, e de na infraestrutura necessária ao processo de industrialização. No esforço de avançar no processo de industrialização já em curso. industrialização, o governo investiu em empresas siderúrgicas, como a Companhia 25 Politicamente, podemos dizer que essa fase divide-se em três momentos: de 1964 a 1968, de 1969 a 1973 e de 1974 a 1984. ascensão, tanto no plano eleitoral quando no dos movimentos populares, com a emergência de manifestações reivindicatórias, principalmente nas grandes cidades, No primeiro momento, os militares editaram o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que suspendeu os direitos políticos de centenas de pessoas. Foram extintos os por melhores condições de vida e de trabalhadores, com nova configuração, reestruturou-se gradativamente. partidos políticos e criado o bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional Diante dessa situação, no governo do general Ernesto Geisel (1974 a 1979) (Arena), de apoio ao governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de foram dados os primeiros passos para a "abertura" do país. Inicialmente, Geisel oposição consentida. Todas as eleições diretas para cargos executivos foram precisou conter os vários setores das Forças Armadas que queriam a continuidade suspensas. do regime militar; depois, iniciou uma longa trajetória pra promover uma transição Nesses primeiros aos de golpe, ocorreram muitos atos públicos, principalmente de estudantes e trabalhadores, contra o regime militar. Os lenta e gradual para a democracia representativa, sob a vigilância dos militares, tentando conter as manifestações políticas das ruas. movimentos foram permitidos inicialmente, mas depois passaram a ser reprimidos Nessa última fase da ditadura aconteceu alguns fatos importantes que com violência. A edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5)), em 13 de dezembro de merecem ser lembradas. Em 1978 foi extinto o AI-5, o ato institucional dos 1969, marcou o endurecimento do regime anulou a Constituição. militares que tolhera radicalmente a liberdade no país. Em 1979 foi aprovada a lei O segundo momento correspondeu aos chamados "anos de chumbo", pois da anistia, e centenas de exilados voltaram ao Brasil. Também nesse ano foi nessa fase houve intensa representação aos movimentos organizados e às restabelecido o pluripartidarismo, o que abriu a vida política para outros partidos. O manifestações públicas e censura prévia à imprensa. O endurecimento aumentou a Partido Democrático Social (PDS) substituiu a Arena, e o MDB transformou-se no oposição ao regime, com a organização de movimentos guerrilheiros na cidade e no Partido Democrático Brasileiro (PMDB). Nasceram o Partido Democrático campo. Os militares reagiram com violência, colocando em prática as torturas, Trabalhista (PDT) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 1982, o Partido dos assassinatos e desaparecimentos de ativistas de esquerda e de pessoas que eles Trabalhadores (PT) teve seu registro aceito. diziam conspirar contra a segurança nacional. No último governo militar, o do general João Baptista Figueiredo, agravou- Também nesse segundo momento o país iniciou um processo que foi se a crise econômica e intensificaram-se os mivimentos grevistas e as manifestações designado de "milagre econômico", pois houve um crescimento expressivo da de protesto. Em 1984, uma campanha por eleições diretas para preidente da produção nacional. República, conhecida como Diretas Já, agitou o país, e uma emenda à constituição Os últimos dez anos do regime militar (1974-1984) foram críticos para sua foi votada comesse objetivo, mas não conseguiu ser aprovada no Congresso. Os manutenção, pois em termos econômicos iniciava-se uma crise internacional militares decidiram que o governo deveria ter um civil na liderança, mas eleito decorrente internamente. E, politicamente, a oposição ao regime iniciava sua indiretamente pelo Congresso Nacional, isso ocorreu. 26 Como vimo até aqui, o Estado brasileiroteve poucos momentos de efetica Durante o mandato de Sarney, em 1988, foi promulgada a nova democracia representativa, mesmo com a existência de uma constituiçã que Constituição brasileira, chamada de Constituição cidadã, fato considerado sepropunha definir os direitos dos cidadãos. Na prática, essa constituição estava fundamental para o desenvolvimento de uma democracia estável no Brasil. sempre a serviço daqueles que ocupavam o poder e de quem os sustentava. Os governantes seguintes, eleitos pelo voto popular, puderam atuar sem a O retorno à democracia (de 1985 a nossos dias). Após abertura, o Brasil viveua fase do Estado liberal democrático, que procurou definir as bases vigilância das Forças Armadas. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário desenvolveram suas atividades plenamente. democráticas de convivência política. Essa fase se iniciou com a eleição indireta, Numa situação de alta inflação, concentração de renda e desigualdade pelo Colégio Eleitoral, do primeiro presidente civil que deveria substituir os social, a preocupação fundamental do Estado nesse período foi a redução e o militares no governo. controle da inflação. Para isso, muitos planos econômicos foram criados, como o 1985 a 1990. Governo de José Sarney, eleito indiretamente como vice- Plano Cruzado, o Plano Collor, o Plano Bresser e o Plano Real, mas somente o presidente de Tancredo Neves. último, criado no governo Itamar Franco pelo então ministro da Fazenda, Fernando 1990 a 1992. Governo de Fernando Collor de Melo, eleito pelo voto popular e cassado pelo Congresso por corrupção. Henrique Cardoso, alcançou os objetivos proposto. Sem ter havido no Brasil um Estado do bem-estar social, o Estado 1992 a 1995. Governo de Itamar Franco, vice de Collor. neoliberal que se implantou a partir do governo Collor-Itamar criou, pelas políticas 1995 a 2003. Governo de Fernando Henrique Cardoso, eleito pelo voto que desenvolveu, um "Estado do mal-estar social". Vamos examinar as políticas popular. implantadas. 2003 a 2010. Governo de Luiz Inacio Lula da Silva, eleito pelo voto Na tentativa de integrar a economia do país à globalização, o popular. Estado neoliberal promoveu a privatização de empresas estatais O candidato eleito, Tancredo Neves, procurou demonstrar que formaria um (nos setores de siderurgia, energia e comunicações) e abriu o governo novo, mas na verdade ele era um político de confiança dos militares, ou mercado nacional a produtos estrangeiros, derrubando barreiras às seja, era a garantia de que não haveria revanchismo contra eles. No entanto Tancredo economias mais poderosas do mundo. morreu antes de tomar posse; quem assumiu foi o vice, José Sarney. Ex-presidente e No sistema financeiro, foi permitida a livre atuação dos bancos e o depois dissidente do PDS (partido governista), Sarney criara a Frente Liberal (mais movimento de capitais no mercado inteiro; renunciou-se ao tarde PFL), partido pelo qual se tornou vice-presidente na chapa de Tancredo controle da moeda nacional e da política cambial, atrelando a Neves. moeda nacional ao dólar, para facilitar as transações no mercado financeiro. 27 Foram tirados dos trabalhadores direitos que tinham resultado de sociedade. o alargamento do poder econômico do Estado implica a muitas lutas. Alteraram-se os contratos de trabalhos, o limite de expansão de Executivo; implica o alargamento do poder político e horas na jornada de trabalho, as férias remuneradas, além do sistema cultura, por suas implicações não só econômicas, mas também de aposentadorias. Também foram criadas aposentadorias privadas, políticas e culturais [...]. que muito beneficiaram o setor financeiro. À medida que se alarga o poder estatal, redefine-se e modifica-se a Incentivou-se criação de escolas particulares e, com isso, houve uma relação do Estado com a sociedade, compreendendo as diversidades e proliferação de faculdades e universidades particulares no Brasil. as desigualdades sociais, econômicas e outras. Na prática, dissocia-se Essa expansão só foi possível porque foi financiada pelo Estado em o poder estatal de amplos setores da sociedade civil. Operários, detrimento das universidades públicas. camponeses, empregados, funcionários e outros, compreendendo Ampliou-se a presença das empresas que administram planos de saúde, ficando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para os mais pobres. negros, mulatos, índios, cablocos, imigrantes e outros, sentem-se deslocados, não representados, alienados do poder. ___________________________________________________________________ No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que sucedeu ao Fernando Henrique Cardoso, foi nesessário manter e ampliar políticas de compensação à _____ IANNI, Octávio. Estado e capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 259-60. concentração de renda e às desigualdades sociais, quecontinuavam muito grandes. Assim, criaram-se políticas sociais visando amenizar a situação precária da maior CAPÍTULO 13 parte da população brasileira. Essas políticas compensatórias, como o Bolsa Família A DEMOCRACIA NO BRASIL e o aumento do salário mínimo acima da inflação, entre outras, lentamente estão provocando uma diminuição, ainda que pequena, da desigualdade social no Brasil. Analisar a questão da democracia no Brasil significa examinar não somente as instituições políticas e as regras existentes, mas também a maneira de se viver a Cenário Do Estado no Brasil democracia. Pode-se dizer que ela é ainda uma possibilidade, pois as forças de Estado, capital e sociedade manutenção de práticas antigas são muito grandes. Vejamos alguns aspectos dessa O forte comprometimento do Estado com o capital implica a expansão questão no Brasil. do Poder Executivo, em determinado do Legislativo. Em um país de tradição política autoritária, no qual predominam o pensamento e a Democracia e representação política prática que privilegiam a missão "civilizatória" do Estado na 28 Como vimos, a democracia pode ser entendida de várias maneiras. Vamos destacar duas delas para examinar como a democracia desenvolveu-se no Brasil. A luta por direitos civis, políticos e sociais. Após a proclamação da República surgiram vários movimentos que procuravam criar espaços de As regras institucionais. No Brasil, a ampliação da participação política é participação política. um processo recente. Os detentores do pode, a serviço de uma minoria, por muito Os movimentos de trabalhadores sempre estiveram à frente dese processo, tempo mantiveram a maioria da população fora do processo eleitoral. Só para termos principalmente na luta por melhores salários e condições de trabalho. Outras lutas uma ideia, da proclamação da República, em 1889, até 1945, o número de eleitores foram desenvolvidas, mas sempre eram reprimidas, pois a questão dos direitos, por foi somente de 5% da população aproximadamente, com pequenas variações. Em muito tempo, foi vista como um caso de polícia ou uma concessão por parte dos 1960, esse índice havia subido para 18%. Em 1980, 47% da população podia poderosos ou do Estado. Somente nos últimos anos os movimentos sociais tiveram participar das eleições. Sempre houve um percentual significativo (de 15% a 20%) espaços institucionais, quer por meio de leis, quer mediante organizações que lutam de ausências. Ou seja, cem anos se passaram para que a população pudesse pela garantia dos direitos. participar majoritariamente das eleições no Brasil. A maior participação institucional nas decisões políticas foi uma conquista Houve evolução também na consciência do eleitor, em relação ao tempo em da população, que se mobilizou organizadamente em diversas instituições, e não que se comprava voto dos mais pobres. Essa prática diminuiu gradativamente, à uma concessão dos poderosos. Pode-se dizer que no Brasil existem muitas leis que medida que se intensificou o processo de urbanização e diminuiu a pressão dos geram direitos, mas estes com frequência não são garantidos. Assim, os grupos que "coronéis" e seus comandados sobre a população rural, que ainda era maioria em reclama, lutam e exigem que seus direitos sejam observados são vistos pormuitos 1960. Contribuiu para essa evolução o desenvolvimento das regras eleitorais e das governantes e por setores conservadores da população como baderneiros e técnicas de votar, principalmente o voto secreto com cédulas únicas imprenssas pelo insensíveis aos esforços do governo em fazer o melhor. governo central e a introdução de urnas eletrOnicas. Colaboraram ainda a fixação de regras mais claras e a fiscalização da Justiça Eleitoral. A democracia no Brasil é algo muito recente e ainda está consolidando. Ela continuará crescendo se as regras institucionais para as eleições e o exercício do No entanto, essas mudanças não foram suficientes para acabar com as práticas clientelísticas ainda presentes no cotidiano político dos brasileiros. poder forem ampliadas, para possibilitar a participação da população, e se os movimentos sociais tiverem mais liberdade para lutar pela manutenção dos direitos Sobre a capacidade de governar, o que podemos observar é que, fundamentais e a criação de novos direitos. Somente quando a maioria da população recentemente, depois da Constituição de 1988, poder político civil deixou de ser tiver educação de qualidade, condições de se alimentar adequadamente e condições vigiado pelos militares, que, desde o início da República, estiveram à frente dos decentes de vda social, poderemos ter democracia no Brasil. Enquanto isso, temos governos ou ficaram nos bastidores influindo diretamente na condução da política uma democracia "capenga". nacional. 29 voto, com uma estruturação burocrática na qual aparecem os administradores Os partidos políticos no Brasil partidários, os técnicos de marketing, os institutos de pesquisa e os elaboradores de Os partidos políticos no Brasil foram, em sua maioria, representantes dos programas de governo que, muitas vezes, são contrataddos para fazer o partido setores dominantes da economia na sociedade. Até 1930, os partidos eram apenas ganhar eleições. Em artigo publicado na revista Política Democrática em março de agregados de oligarquias locais e regionais que se organizavam para tirar vantagens 2007, Ricci diz que "grande parte dos brasileiro que assistiram aos depoimentos de do Estado. Havia apenas uma exceção: o Partido Comunista do Brasil (PCB), criado dirigentes partidários envolvidos diretamente nos inúmeros casos de corrupção que em 1922, que se propunha ser a voz dos trabalhadores. assolaram a política nacional nunca havia sequer visto de relance as figuras de Pode-se dizer que só depois da ditadura de Vargas formaram-se partidos administração que, de fato, movimentam fotunas, articulam negociações e acordos, nacionais. Os principais eram a União Democrática Nacional (UDN), que definem e conduzem empresas de marketing político, comandam o cotidiano representava a burguesia industrial e as classes médias urbanas, o Partido Social partidário". Democrático (PSD), que representava os setores rurais e semirurais, e o Partido Assim, os partidos perderam a capacidade de politizar a sociedade, ou seja, Trabalhista Brasileira (PTB), que representava o sindicalismo e o movimento não alimentsm debates políticos que possibilitem à população identificar as trabalhista. O PCB permanecia ativo, mas cassado em 1947, passou a atuar diferenças nos projetos para a sociedade brasileira. O PT talvez tenha sido o último clandestinamente. a tentar, mas, ao assumir o governo, também abandonou esse caminho. Em 1966, entretanto, com a nova ditadura mlitar, todos os partidos foram No plano interno, quando observamos a tomada de decisões para a escolha cassados e, em seu lugar, foi imposta uma estrutura bipartidária, como vimos — dos candidatos de um partido, o que constatamos é a falta de democracia e a pouca com a Arena, que apoiava e defendia o regime militar, e o MDB, de oposição, ainda vontade para promover a alternância entre diversas facções. que controlava pelos militares. Os partidos políticos caracterizam-se cada vez menos como representantes Com as mudanças econômicas e política — pricipalmente a emergência dos de determinados setores e interesses, apresentando-se sem uma definição muito movimentos sociais e a luta pela redemocratização — e o fim do período autoritário, clara. As diferenças entre um e outro são praticamente dissolvidas, pois há uma desenvolveu-se uma nova estrutura partidária no Brasil. Diversos partidos se fragmentação de interesses internos que os limites dos partidos não comportam. organizaram, além dos já mencionados (PMDB, PT, PDT e PTB), como o Partido da Assim, no cotidiano do Parlamento brasileiro, o que se vê são grupos que se reúnem Frente Liberal (PFL) — hoje Democratas — e o Partido da Social Democracia em torno de corporações de interesses — os grupos (bancadas) ruralista, Brasileira (PSDB), registrados, respectivamente, em 1986 e 1988. evangélicos, sindicalista ou grupos regionais, como os dos paulista, mineiros, O sociólogo brasileiro Rudá Ricci, analisando os atuais partidos políticos, afirma que eles se transformaram em imensas máquinas empresariais em busca do 30 gaúchos, nordestinos. Ou seja, são grupos que geram verdadeiras oligarquia setoriais. O Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmeras de restante da populção. Para esclarecer essas característica das relações entre o Estado Vereadores — o Legislativo brasileiro em seus vários níveis — são as instituições e a sociedade no Brasil, vamos examinar a relação entre o que é público e o que é políticas com o mais baixo índice de credibilidade nacional. As instituições da privado. democracia representativa, portanto, ainda são vistas como espaços para conchavos, Privativação do público. Podemos dizer que houve no Brasil uma corrupção e negocatas, e poucos de seus membros têm credibilidade perante a apropiação privada do que é público, ou seja, quem chegava ao poder tomava conta população. do público como se fosse seu. Dessa forma, a instituição que deveria proteger a Além disso, a erosão progressiva dos poderes do Parlamento se estabelece maioria da população — o Estado — adotou como princípio o favorecimento dos quando sua função, na maioria das vezes, se limita a ratificar o que o Poder setores privados, que dominaram economicamente a sociedade. O Estado Executivo envia para ser analisado, por meio de projetos de lei ou, atualmente, de beneficiava esses setores e também era beneficiado por eles, que lhe davam medidas provisórias. A pauta de discussçoes fica na dependência da maior ou menor sustentação. sensibilidade do governante em relação às questões que afetam a maioria da população brasileira. Para o restante da sociedade, as políticas públicas foram sendo desenvolvidas na forma de "doação" ou de dominação, em nome da tranquilidade social. Isso não significa que a população tenha sido sempre passiva. Ao contrário, muitas ações do Estado resultaram da pressão dos movimentos sociais no país. Algumas reflexões sobre o Estado e a sociedade no Brasil A política do favor, o clientelismo. A relação entre público e privado no Como vimos, o Estado é uma organização criada pela sociedade por Brasil também pode ser caracterizada como uma política do favor. Ela se diferentes percursos. A estrutura estatal criada após a independência se manteve até a desenvolveu desde o período colonial e apresenta-se hoje como um dos suportes das proclamação da República, em 1889. Depois disso, muitas transformações relações políticas nacionais entre os que têm o poder político e os que têm o poder ocorreram, mas algumas característica permaneceram, tornando a estrutura estatal do econômico. Brasil a expressão da articulação do novo com o velho. Essa troca de favores políticos por benefícios econômicos é também O Estado no Brasil sempre se sobrepôs à sociedade, como se fosse algo fora conhecida como clientelismo. Ela pode ser observada, por exemplo, na distribuição dela. Nós aprendemos desde cedo que tudo depende do Estado e que nada podemos pelo poder público de concessões de emissoras de rádio e canais de televisão ou fazer sem a presença dele, matribuindo-lhe a responsabilidade pelos problemas da financiamentos para empresas, sempre em busca de apoio e sustentação de um sociedade e por suas soluções. Assim, se culpamos o estado pelas dificuldades que partido, de uma organização ou de uma família no poder. Isso não ocorre somente enfrentamos, também dele esperamos socorro e proteção — o que vale tanto para os nos setores considerados da sociedade; é uma prática utilizada também pelos setores proprietários de terras, os empresários indusstriais e os banqueiros quanto para o considerados modernos, que sempre encontraram no Estado um aliado nos 31 momentos de crise. Quantas vezes ouvimos dizer que o governo socorreu Quando ocorrem atos de corrupção na administração pública, a reação determinadas empresas e bancos que estavam em situação precária ? Quantas vezes costuma ser marcada pel moralismo, que se caracteriza por atribuir ao caráter assistimos ao Estado oferecer financiamento com juros baixíssimos para grandes pessoal do funcionário ou político envolvido a responsabilidade pela malversação empresários que estavam quase falindo ? dos recursos públicos. Não se procura evidenciar as relações políticas, econômicas, Instalou-se no Brasil um capitalismo sem riscos, pois o poder público sempre esteve pronto para salvar aqueles que se punham em perigo. sociais e culturais que estão na raiz das práticas de favorecimento e tráfico de influência. Assim, há uma simplificação desse fato, pois se acredita que bastaria São os setores envolvidos na troca de favores os primeiros a questionar o Estado quando este procura aplicar recursos em educação, saúde, habitação ou fazer um governo com os homens e mulheres "de bem" para que tudo fosse resolvido. transporte para beneficiar a maioria da população. A economia e muitos outros A corrupção existe em todos os países do mundo, tanto nas estruturas setores da sociedade se modernizaram, mas as práticas políticas no Brasil, com estatais como nas empresas privadas. No Brasil, ela se mantém no sistema de poder raríssimas exceções, continuam a reproduzir as velhas relações políticas, cm poucas porque, como vimos, o favor e o clientelismo continuam presentes. O combate à modificações. corrupção requer a criação de mecanismo que a coíbam, garantindo que os A política do favor aparece também no cotidiano, na relação dos indivíduos envolvidos sejam julgados e condenados por seus atos. E isso tem sido feito com a com o poder público. Ela acontece na busca de ajuda para resolver problemas, ajuda de funcionários públicos, promotores e juízes que não aceitam mais velhas emergências de trabalho, saúde, etc. Expressa-se ainda na distribuição de verbas práticas. assistenciais e nas promessas de construção de escolas, de posto de saúde e de A despolitização e a economia como foco.: Com a ampliação das doação de ambulâncias, feitas às pessoas ou às instituições por vereadores, transformações produtivas e financeiras no mundo, principalmente depois da deputados e senadores. Tudo para render votos futuros. década de 1980, a questão política no Brasil está cada vez mais dependente das Nepotismo e corrupção: Muita coisa mudou na administração pública questões financeiras. Conforme o sociólogo Marco Aurélio Nogueira, a política desde as reformas administrativas de Getúlio Vargas e de outros governos, que brasileira, nos últimos anos, resume-se uma tentativa de estabilização monetária, na instituíram gradativamente concursos públicos para a maioria dos postos de trabalho qual o mercado está acima do Estado, o econômico acima do político, o e procuram implantar uma administração com certo grau de profissionalização, no especulativo acima do produtivo e o particular acima do geral. sentido definido por Max Weber, com a impessoalidade da função pública. Mesmo Além das condições anteriormente mencionadas (clientelismo e favor), isso assim, sabemos que ainda há casos de manipulação nos concursos públicos e a também gera uma despolitização crescente, pois a política estaria neutralizada e prática do nepotismo, ou seja, o emprego ou o favorecimento de parentes em cargos esvaziada como instrumento de mediação entre o individual e o coletivo, campo de públicos, ainda que isso seja proibido por lei. discussão das ideias e de projetos políticos divergentes e em conflito. Novamente 32 aparece um paradoxo no Brasil: foi o país onde houve nos últimos anos o maior tema, reuniu os diferentes significados de "cultura" em três grupos, por ele crescimento do eleitorado e, ao mesmo tempo, uma despolitização enorme. designados cultura-valor, cultura-alma coletiva e cultura-mercadoria. Cultura-valor é o sentido mais antigo e aparece claramente na ideia de CULTURA E IDEOLOGIA É comum ouvirmos dizer que um indivíduo é culto porque fala vários idiomas ou conhece muitas obras de literatura e de arte. Costuma-se dizer, ainda, que uma pessoa não é culta se não domina determinados conhecimentos. Indo além do plano individual, há quem compare diferentes povos e afirme que a cultura de um é mais sofisticada e complexa que a de outro. Esse tipo de avaliação, baseada no senso comum, comporta elementos ideológicos que nos levam a pensar na possível superioridade de alguns indivíduos ou de determinados povos em relação a outros.Afinal, o que significam cultura e ideologia, termos tão usados em nosso "cultivar o espirito". É o que permite estabelecer a diferença entre quem tem cultura e quem não tem ou determinar se o indivíduo pertence a um meio culto ou inculto, definindo um julgamento de valor sobre essa situação. Nesse grupo inclui-se o uso do termo para indentificar, por exemplo, quem tem ou não cultura clássica, artística ou cientifica. O segundo significado, designado cultura-alma coletiva, é sinônimo de "civilização". Ele expressa a ideia de que todas as pessoas, grupos e povos têm cultura e identidade cultural. Nessa acepção, pode-se falar de cultura negra, cultura chinesa, cultura marginal, etc. Tal expressão presta-se assim aos mais diversos usos cotidiano e nas ciências humanas ? por aqueles que querem dar um sentido para a ação dos grupos aos quais pertencem, com a intenção de caracterizá-los ou identificá-los. Dois conceitos e suas definições O terceiro sentido, o de cultura-mercadoria, corresponde à "cultura de massa". Ele não comporta julgamento de valor, como o primeiro significado, nem Cultura e ideologia talvez sejam os conceitos mais amplos da ciências sociais, com diferentes definições. Neste capítulo, vamos examinar os significados e usos desses conceitos de acordo com diferentes autores. delimitação de um território específico, como o segundo. Nessa concepção, cultura compreende bens ou equipamentos - como os centros culturais, os cinemas, as bibliotecas -, as pessoas que trabalham nesses estabelecimento, e os conteúdos teóricos e ideológicos de produtos - como filmes, disco e livros - que estão à Os significados de cultura disposição de quem quer e pode comprá-los, ou seja, que estão disponíveis no mercado. O emprego da palavra cultura, no cotidiano, é objeto de estudo de diversas ciências sociais. Felix Guattari, pensador frânces (1930-1992) interessado nesse As três concepções de cultura estão presentes em nosso dia a dia, marcando sempre uma diferença bastante clara entre as pessoas - seja no sentido mais elitista (entre as que têm e as que não têm uma cultura clássica e erudita, por exemplo), 33 seja no sentido de identificação com algum grupo específico, seja ainda em relação à sem preocupações com suas origens. Concebia as culturas como sistemas funcionais possibilidade de consumir bens culturais. Todas essas concepções trazem uma carga e equilibrados, formados por elementos interdependentes que lhes davam valorativa, dividindo indivíduos, grupos e povos entre os que têm e os que não têm características próprias, principalmente no tocante às necessidades básicas, como cultura ou, mesmo, entre os que têm uma cultura superior e os que têm uma cultura alimento, proteção e reprodução. Por ser interdependentes, esses elementos nao inferior. poderiam ser examinados isoladamente. Duas antropólogas estadunidenses, Ruth Benedict (1887-1948) e Margareth Mead (1901-1978), procuraram investigar as relações entre cultura e personalidade. Cultura segundo a Antropologia Benedict desenvolveu o conceito de padrão cultural, destacando a O conceito de cultura com frequência é vinculado à Antropologia, como se prevalência de uma homogeneidade e coerência em cada cultura. Em suas fosse específico dessa área do conhecimento. Por isso, vamos verificar como os pesquisas, identificou dois tipos culturais extremos: o apolínico, representado por antropólogos, partindo de uma visão universalista para uma visão particularista, indivíduos conformistas, tranquilos, solidários, respeitadores e comedidos na definiram esse conceito. expressão de seus sentimentos, e odionisíaco, que reunia os ambiciosos, agressivos, Uma das primeiras definições de cultura apareceu na obra do antropólogo inglês individualistas, com uma tendência ao exagero afetivo. De acordo com ela, entre os Edward B. Tylor (1832-1917). De acordo com esse autor, cultura é o conjunto apolínicos e os dionisíacos haveria tipos intermediários que mesclariam algumas complexo de conhecimento, crenças, arte, moral e direito, além de costumes e características dos dois tipos extremos. hábitos adquiridos pelos indivíduos em uma sociedade. Trata-se de uma definição Mead, por sua vez, investigou o modo como os indivíduos recebiam os universalista, ou seja, muito ampla, com a qual se procura expressar a totalidade da elementos de sua cultura e a maneira como isso formava sua personalidade. Suas vida social humana, a cultura universal. pesquisas tinham como objeto as condições de socialização da personalidade Já o antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942), que desenvolveu a maior feminina e da masculina. Ao analisar os Arapesh, os Mundugumor e os Chambuli, parte de seus trabalhos nos Estados Unidos, tinha uma visão particularista. Ele três povos da Nova Guiné, na Oceania, Mead percebeu diferenças significativas. pesquisou as diferentes formas culturais e demonstrou que as diferenças entre o Entre os Arapesh não havia diferenciação entre homens e mulheres, pois ambos grupos e sociedades humanas eram culturais, e não biológicas. Por isso, recusou eram educados para ser dóceis e sensíveis e para servir aos outros. Também entre os qualquer generalização que nçao pudesse ser demonstrada por meio da pesquisa Mundugumor não havia diferenciação: indivíduos de ambos os sexos eram concreta. treinados para a agressividade, caracterizando-se por relações de rivalidade, e não Bronislaw Malinowski (1884-1942), antropólogo inglês, afirmava que, para de afeição. Entre os Chambuli, finalmente, havia diferença entre homens e fazer uma análise objetiva, era necessário examinar as culturas em seu estado atual, mulheres, mas de modo distinto do padrão que conhecemos: a mulher era educada 34 para ser extrovertida, empreendora, dinâmica e solidária com os membros de seu O homem é como um jogador quem tem nas mãos, ao se instalar à mesa, sexo. Já os homens eram educados para ser sensíveis, preocupados com a aparência cartas que ele não inventou, pois o jogo de cartas é um dado da história e da e invejosos, oque os tornava inseguros. Isso resultava em uma sociedade em que as civilização [...]. Cada repartição das cartas resulta de uma distinção contingente mulheres detinham o poder econômico e garantiam o necessário para a sustentação entre os jogadores e se faz à sua revelia. Quando se dão as cartas, cada sociedade do grupo, ao passo que os homens se dedicavam às atividades cerimoniais e assim como cada jogador as interpreta nos termos de diversos sistemas, que podem estéticas. ser comuns ou particulares: regras de um jogo ou regras de uma tática. E sabe-se Baseada em seus achados, Mead afirmou que a diferença das personalidades bem que, com as mesma cartas, jogadores diferentes farão partidas diferentes, ainda não está vinculada a característica biológicas, como o sexo, mas à maneira como em que, limitados pelas regras, não possam fazer qualquer partida com determinadas cada sociedade a cultura define a educação das crianças. cartas. Para Claude Lévi-Strauss (1908-2009), antropólogo que nasceu na Bélgica, ____________________________________________________________ mas desenvolveu a maior parte de seu trabalho na França, a cultura deve ser Lévi-Strauss, Claude. Antropologia estrutural. In: Cuche, Denys. A noção de cultura considerada como u conjunto de sistemas simbólicos, entre os quais se incluem a nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999. p. 98. linguagem, as regras matrimoniais, a arte, a ciência, a relegião eas normas econômicas. Esses sistemas se relacionam e influenciam a realidade social e física Convivência com a diferença: o etnocentrismo das diferentes sociedades. A grande preocupação de Lévi-Strauss foi analisar o que era comum e Ter uma visão de mundo, avaliar determinado assunto sob certa ótica, constante em todas as sociedades, ou seja, as regras universais e os nascer e conviver em uma classe social, pertencer a uma etnia, ser homem ou elementos indispensáveis para a vida social. Um desses elementos seria a proibição mulher são algumas das condições que nos levam a pensar na diversidade humana, do incesto (relações sexuais entre irmãos ou entre pais e filhos), presente em todas cultural e ideológica, e, consequentemente, na alteridade, isto é, no outro ser as sociedades. Partindo dessa preocupação, ele desenvolveu amplos estudos sobre humano, que é igual a cada um de nós e, ao mesmo tempo, diferente. mitos, demonstrando que os elementosessenciais da maioria deles se encontram em todas as sociedades ditas primitivas. Observa-se, no entanto, grande dificuldade na aceitação das diversidade em uma sociedade ou entre sociedades diferentes, pois os sere humanos tendem a tomar seu grupo ou sociedade como medida para avaliar os demais. Em outras palavras, cada grupo ou sociedade considera-se superior e olha com desprezo e desdém os Universalidade e particularidade das culturas outros, tidos como estranhos ou estrangeiros. Para designar essa tendência, o 35 sociólogo estadunidense William G. Summer (1840-1910) criou em 1906 o cultura identificada com os segmentos populares e outra, superior, identificada com termo etnocentrismo. as elites. Manifestações de etnocentrismo podem ser facilmente observadas em nosso A cultura erudita abrangeria expressões artística como a música clássica de padrão cotidiano. Quando lemos notícias sobre crises enfrentadas por povos de outros europeu, as artes plásticas — escultura e pintura — , o teatro e a literatura de países, por exemplo, com frequência estabelecemo comparações entre a cunho universal. Esses produtos culturais, como qualquer mercadoria, podem ser cultura deles e a nossa, considerando a nossa superior, principalmente se as comprados e, em alguns casos, até deixados de herança como bens físicos. diferenças forem muito grandes. Na história não faltam exemplos desse tipo de A chamada cultura popular encontra expressão nos mitos e contos, danças, comparação: na Antiguidade os romanos chamavam de "bárbaros" aqueles que não músicas — de sertaneja a cabloca —, artesanato rústico de cerâmica ou de madeira eram de sua cultura; no Renascimento, após os contatos com culturas diversas e pintura; corresponde, enfim, à manifestação genuína de um povo. Mas não se propriciadas pela expansão marítima, os europeus passaram a chamar os povos restringe ao que é tradicionalmente produzido no meio rural. Inclui também americanos de "selvagens", e assim por diante. expressões urbanas recentes, como os grafites, o hip-hop e os sincretismos musicais O etnocentrismo foi um dos responsáveis pela geração de intolerância e oriundos do interior ou das grandes cidades, o que demonstra haver constante preconceito - cultural, religioso, étnico e político -, assumindo diferentes expressões criação e recriação no universo cultural de base popular. Nesse universo quem cria é no decorrer da história. Em nossos dias ele se manifesta, por exemplo, na ideologia o povo, nas condições possíveis. A palavra folclore (do inglês folklore, junção racista da supremacia do branco sobre o negro ou de uma etnia sobre as outras. de folk, "povo", e lore, "saber") significa "discurso do povo", "sabedoria do povo" Manifesta-se também, num mundo que é globalizado, na ideia de que a cultura ou "conhecimento do povo". ocidental é superior, e os povos de culturas diferentes devem assumi-la, modificando Para examinar criticamente essa diferenciação, voltemos ao termo cultura, suas crenças, normas e valores. Essa forma de etnocentrismo pode levar a agora segundo a análise do pensador brasileiro Alfredo Bosi. De acordo com Bosi, consequências séries em nossa convivência com os outros e nas relações entre os não há no grego uma palavra específica para cultura; há, sim, uma palavra que se povos. aproxima desse conceito, que é paideia, "aquilo que se ensina à criança", "aquilo que deve ser trabalhado na criança até que ela se transforme em adulta". A palavra cultura vem do latim e designa "o ato de cultivar a terra", "de cuidar do que Cultura erudita e cultura popular se planta", ou seja, é o trabalho de preparar o solo, semear e fazer tudo para que A separação entre cultura popular e erudita, com a atribuição de maior valor uma planta cresça e dê frutos. à segunda, está relacionada à divisão da sociedade em classes, ou seja, é resultado e Cultura está assim vinculada ao ato de trabalhar, a determinada ação, seja a manifestação das diferenças sociais. Há, de acordo com essa classificação, uma de ensinar uma criança, seja a de cuidar de um plantio. Se pensarmos nesse sentido 36 original, todos têm acesso à cultura, pois todos podem trabalhar. Para escrever um Para Bosi, a cultura é alguma coisa que se faz, e não apenas um produto que romance, é preciso trabalhar uma narrativa; para fazer uma toalha de renda, uma se adquire. E por isso que não tem sentido comparar cultura popular com cultura música, uma mesa de madeira ou uma peça de mármore, é necessário trabalhar. Para erudita. Quando afirmamos que ter cultura significa ser superior e não ter cultura Bosi, isso é cultura. E é por essa razão que os produtos culturais gerados pelo significa ser inferior, utilizamos a condição de posse de cultura como elemento para trabalho chamam-seobras, que vem de opus, derivado do verbo operar, ou seja, é o diferenciação social e imposição de uma superioridade que não existe. Isso processo de fazer, de criar algo. é ideologia. Se uma pessoa compra um livro, um disco, um quadro ou uma escultura, vai ao teatro ou a exposições, adquire, mas não produz cultura, ou seja, ela pode possuir A ideologia, suas origens e perspectivas ou ter acesso aos bens culturais gerados pelo trabalho, sem produzilo-los. Esses bens servem para proporcionar deleite e prazer, e são usados por algumas pessoas para A ideia de cultura nasce da análise das sociedades antigas, mas o conceito afirmar e mostrar que "possuem cultura", quando são apenas consumidores de uma de ideologis é um produto essencialmente moderno, pois antes da Idade Moderna as mercadoria como qualquer outra. Não ter acesso a esses bens não significa, portanto, explicações da realidade eram dadas pelos mitos ou pelo pensamento religioso. não ter cultura. Uma das primeiras ideias sobre ideologia foi expressa por Francis Bacon Bosi chama a atenção para o fato de haver em muitos países órgãos públicos (1561-1626), em seu livro Novum organum (1620). Ele não utilizava o termo que procuram desenvolver ações para "conservar a cultura popular original", com ideologia, mas, ao recomendar um estudo baseado na observação, declarava que, até certo receio de que ela não resista ao avanço da indústria cultural. Ora, os produtos aquele momento, o entendimento da verdade estava obcurecido por ídolos, ou seja, são criados em determinadas condições, remodelando-se continuamente, como por ideias erradas e irracionais. ocorre com as festa, as músicas, as danças, o artesanato e outras tantas O termo ideologia foi utilizado inicialmente pelo pensador francês Destutt manifestações. Nesse sentido, é necessário analisar a cultura como processo, como de Tracy (1754-1836), em seu livro Elementos de ideologia (1801), no sentido de ato de trabalho no tempo que não se extingue. A criação cultural não morre com seus "ciência da gênese das ideias". Tracy procurou elaborar uma explicação para os autores, e basta que o povo exista para que ela sobreviva. Entenda-se aqui povo não fenômenos sensíveis que interferem na formação das ideias, ou seja, a vontade, a como uma massa amorfa e homogênea de oprimidos submissos, mas como um razão, conjunto de indivíduos, com ideias próprias e capacidade criativa e produtiva, que Um segundo sentido de ideologia, o de "ideia falsa" ou "ilusão", foi utilizado por resiste muitas vezes silenciosamente, sobretudo por meio da produção cultural, Napoleão Bonaparte num discurso perante Conselho de Estado, em 1812. Napoleão como seus cantos e festa. afirmou nesse discurso que seus adversários, que questionavam e perturbavam a sua 37 a percepção e a memória. ação governamental, eram apenas metafísicos, pois o que pensavam não tinha só se afogavam porque estava possuídos pela ideia de gravidade. Se abandonassem conexão com o que estava acontecendo na realidade, na história. essa ideia, estariam livres de qualquer afogamento. Mark não diz se esse homem foi Auguste Comte (1798-1857), em seu Curso de filosofia positiva (1830- bemsucedido na luta contra a ilusão de gravidade nem se trntou testar sua teoria. 1842), retomou o sentido de ideologia utilizado por Tracy — o de estudo da Émile Durkheim, ao discutir a questão da objetividade científica em seu formação das ideias, partindo das sensações (relação do corpo com o meio) — e livroAs regras do método sociólogico (1895), afirma que, para ser o mais acrescentou outro, o de conjunto de ideias de determinada época. precisopossível, o cientista deve deixar de lado todas as pré-noções, as noções Karl Marx também não apresentou uma única definição de ideologia. No livro A ideologia alemã (1846), ele se referiu à ideologia como um sistema vulgares, as ideias antigas e pré-científicas e as subjetivas. São essas ideias que ele entende por ideologia, ou seja, o contrário de ciência. elaborado de representações e de ideias que correspondem a formas de consciência Karl Mannheim (1893-1947) talvez seja o sociólogo depois de Marx que que os homens têm em determinada época. Ele afirmou ainda que as ideias mais tenha influenciado a discussão sobre ideologia. No livro Ideologia e dominantes em qualquer época são sempre as de quem domina a vida material e, utopia (1929), ele conceitua duas formas de ideologia: a particular e a total. A portanto, intelectual. particular corresponde à ocultação da realidade, incluindo mentiras conscientes e Marx desenvolveu a concepção de que a ideologia é a inversão da realidade, no ocultamentos subconscientes e inconscientes, que provocam enganos ou mesmo sentido de reflexo, como na câmera fotográfica, em que a imagem aparece autoenganos. A ideologia total é a visão de mundo (consmovisão) de uma classe "invertida". Contrapondo-se a muitos autores que acreditavam que as ideias socialou de uma época. Nesse caso, não há ocultamento ou engano, apenas a transformavam e definiam a realidade, Marx afirmava que a existência socail reprodução das ideias próprias de uma classe ou ideias gerais que permeiam toda a condicionavam a consciência dos indivíduoas sobre a situação em que viviam. sociedade. a vida Assim, para Marx, as ideologias não são meras ilusões e aparências — e muito menos o fundamento da história —, mas são uma realidade objetiva e atuante. Para Mannheim, as ideologias são sempre conservadoras, pois expressam o pensamento das classes dominantes, que visam à estabilização da ordem. Em No mesmo livro de Marx, pode-se encontrar a explicação de que a ideologia é resultante da divisão entre o trabalho manual e o intelectual. O trabalho intelectual contraposição, ele chama de utopia o que pensam as classes oprimidas, que buscam a transformação. esteve nas mãos da classe dominante e , assim à medida que pôde "emancipar-se" da realidade concreta em que foi produzido e se transformar em teoria pura, pôde A ideologia e o grupo social tembém transformar-se em teoria geral para todas as sociedades, sem levar em conta a história de cada uma delas. Essa emancipação das ideias é muito bem Todos nós participamos de certos grupos de ideias [...]. São espécies de exemplificada por Marx. Ele se refere a um indivíduo que afirmava que os homens "bolsões" ideológicos, onde há pessoas que dizem coisas em que nós também 38 acreditamos, pelas quais também lutamos, que têm opiniões muito parecidas com as sociais ou sentimentais. Podemos dizer que há um modo capitalistade viver, de nossas. Há alguns autores que dizem que na verdade nós não falamos de fato o que sentir e de pensar. acreditamos dizer, haveria certos mecanismos, certas estruturas que "falariam por nós". A expressão de ideologia na sociedade capitalista pressupõe a elaboração de um discurso homogêneo, pretensamente universal, que, buscando identificar a Ou seja, quando damos nossas opiniões, quando participamos de algum acontecimento, de alguma manifestação, temos muito pouco de nosso aí, conceitos realidade social com o que as classes dominantes pensam sobe ela, oculta as contradições existentes e silencia outros discursos e representações contrárias. que já circulam nesses grupos. Ideologia não é , portanto um fato individual, não Esse discurso não leva em conta a história e destaca categorias genéricas atua inclusive de forma consciente na maioria dos casos. Quando pretendemos — a família ou juventude, por exemplo —, passando, em cada caso, uma ideia de alguma coisa, quando defendemos uma ideia, um interesse, uma aspiração, uma unidade, de uniformidade. Ora, existem famílias com constituições diferentes e em vontade, um desejo, normalmente não sabemos, não temos consciência de que isso situações econômicas e sociais diversas. Há jovens que vivem nas periferias das ocorre dentro de um esquema maior, [...] do qual somos apenas representantes — cidades ou zona rural, enfrentando dificuldades, bem como jovens que moram em repetimos conceitos e vontades, que já existiam anteriormente. bairros luxuosos ou condomínios fechados, desfrutando de privilegiada situação ____________________________________________________________ econômica ou educacional. Portanto, não existe a família e a juventude, mas Marcondes Filho, Ciro. Ideologia: o que todo cidadão precisa saber sobre. São famílias e jovens diversos, cada qual com sua história. Paulo: Global, 1985. p. 20. Outra manifestação ideológica na sociedade capitalista é a ideia de que Depois de Mannheim, muitos outros pensadores estudaram e utilizaram o vivemos em uma comunidade sem muitos conflitos e contradições. As expressões conceito de ideologia, mas todos eles tiveram como referência os autores que mais claras disso são as concepções de nação ou de região como determinado país citamos. ou dado espaço geográfico. Essas concepções passavam a visão de que há uma comunidade de interesses e propósitos partilhados por todos os que vivem num país A ideologia cotidiano ou num espaço específico. Ficam assim obscurecidas as diferenças sociais, econômicas e culturais, os conflitos entre os vários grupos e classes, enfatizando-se Em nosso cotidian, ao nos relacionarmos com as outras pessoas, exprimimos uma unidade que não existe. Um exemplo disso é a atribuição de determinadas por meio de ações, palavras e sentimentos uma série de elementos ideológicos. características a toda uma região que tem em seu interior uma diversidade muito Como vivemos em uma sociedade capitalista, a lógica que a estrutura, a da grande. mercadoria, permeia todas as nossas relações, sejam elas econômicas, políticas, Mas existem outras formas ideológicas que são desenvolvidas sem muito alarde e quem penetram nosso cotidiano. Uma delas é a ideia de felicidade. 39 Felicidade, para muitos, é um estado relacionado ao amor, mas também significa como inferiores e oxóticos, como o conhecimento das civilizações ameríndias, estabilidade financeira e profissional, bem-estar existencial e material. É um orientais e árabe. conjunto de situações, mas normalmente a mais focalizada é a amorosa. E os filmes, as novelas, as revista, apesar de todas as condições adversas que um indivíduo possa SOCIOLOGIA NO BRASIL enfrentar, estão sempre reforçando o lema: "o amor vence todas as dificuldades". Talvez a maior de todas as expressõesideológicas que encontramos em nosso Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a ―engatinhar‖ a partir da cotidiano seja a ideia de que o conhecimento científico é verdade inquestionável. década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes. Apesar de alguns Muitas pessoas podem não acreditar em uma explicação oferecida por campos do autores da sociologia dizerem que não há uma data correta que marca o seu começo conhecimento que não são considerados científicos, mas basta dizer que se trata de em solo brasileiro, essa época parece ser a mais adequada para se falar em início resultado de pesquisa ou informação de um cientista para que a tomem como dos estudos sociológicos no Brasil. verdade e passem a orientar suas práticas cotidianas por ela. Isso aparece Fases da sua implantação principalmente quando as informações e notícias são veiculadas pelos meios de Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil como comunicação e se referem à saúde. Da busca do sentido da vida às possibilidades de ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com o sociólogo brasileiro sucesso, a ciência é vista como uma grande solução para todos os problemas, males Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três delas, as quais se complementam: e enigmas. A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil Ora, nada está mais distante do conhecimento científico do que a ideia de A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por aqueles verdade absoluta e apretensão de explicar todas as coisas. A ciência nasceu e se autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre a nossa realidade, desenvolveu questionando as explicações dadas a situações e fenômenos, e continua com um caráter mais voltado à Literatura do que para a Sociologia. Desta geração se desenvolvendo com base no questionamento de seus próprio resultados. O de autores, queremos destacar Euclides da Cunha (1866-1909). Cunha nasceu pensamento científico é histórico e tem sua validade temporária, sendo a dúvida seu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro, além de ter estudado Matemática e valor maior. Ciências Físicas e Naturais. Porém, o que gostava de fazer, como profissional, era o Mas o conhecimento científico, quando analisado da perspectiva de um jornalismo. pensamento hegemônico ocidental, torna-se colonialista, pois o que é particular Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como (ocidental) se universaliza e se transforma em um paradigma que nega outras formas correspondente do jornal ―O Estado de São Paulo‖. Nessa função foi enviado para a de explicar e conhecer o mundo. Assim, desqualifica outras culturas e saberes, tidos Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões. 40 Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha estava atraso para o desenvolvimento da nação. fazendo revelações quanto à organização da República que estava sendo Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana que não justamente valorizando as características do negro, do índio e do mestiço conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo. A observação de Euclides da acrescentando, ainda, a ideia de que a mistura dessas raças seria a ―força‖, o ponto Cunha e as revelações que faz quanto à sociedade brasileira em Os Sertões, positivo, da nossa cultura. transforma esta obra em um dos referenciais de início do pensamento sociológico no Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a Brasil. constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma harmoniosa A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil união entre o branco (de origem europeia), o negro (de origem africana), o índio (de Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer origem americana) e o mestiço, ressaltando que essa ―mistura‖ contribuiu, em pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas, começa a termos de ricos valores, para a formação da nossa cultura. ser levada em conta. Existem vários autores desta geração que poderíamos E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil referenciar, como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começam a aparecer no Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc. No entanto, cenário brasileiro. Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de vamos nos fixar em um deles, o qual pode ser visto como um exemplo clássico do diferentes instituições universitárias, fundadas a partir de 1930 e inauguram estilos pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre. mais ou menos independentes de fazer Sociologia. Dessa forma, e Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual progressivamente, a intelectualidade sociológica no Brasil começa a ganhar corpo. demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação da sociedade Também começam a surgir estilos ou tendências, o que fez com que surgissem agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças ajudou a diferentes ―escolas‖ de Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, compor a sociedade brasileira. Belo Horizonte e em outros lugares. Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, Dos autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar Oliveira no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia, como na Viana, Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, dentre vários outros. Mas Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em 1987. vamos nos deter na obra do sociólogo paulista Florestan Fernandes (1920- Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existe-te na época, importada 1995), importante nome da Sociologia crítica no Brasil.Qual é a proposta de Sociologia que ele apresenta? da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão racista, a mistura de Florestan Fernandes foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento raças seria a causa de uma formação ―defeituosa‖ da sociedade brasileira, e um sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar essa realidade. O 41 objetivo deste autor foi de, numa intensa busca investigativa e crítica, ir além das AUTOR 1 – reflexões já existentes. Florestan Fernandes tinha como metodologia ―dialogar‖, de SENZALA” GILBERTO FREYRE – LIVRO “CASA GRANDE E maneira muito crítica, com a produção sociológica clássica, como com as obras de Durkheim, Weber e Marx. Mas veja, o diálogo não se dava somente com aqueles autores, pois a lista de clássicos, principalmente modernos, é bem extensa. Florestan Casa-Grande & Senzala é um livro escrito pelo autor brasileiro Gilberto Freyre, e publicado em 1 de dezembro de 1933. também mantinha contínuo diálogo com o pensamento crítico brasileiro. Autores Até pouco antes do período em que o livro foi escrito, a Antropologia como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior, fazem parte de sua lista de européia tendo como preceito as idéias evolucionistas de Charles Darwin, atribuia a interlocutores. O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho de humanidade uma escala evolucionista, na qual as características raciais análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente aquelas expressavam o garu de evolução de cada grupo. Assim, as tribos selvagens mais travadas pelos setores populares. atrasadas da Australia, África e Américas, representavam o mais baixo grau na Um outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de ―norte‖ crítico orientador de seu escala evolutiva. Já o europeu branco e civilizado, e instruído, representava o mais alto grau de desnvolvimento que o homem pode alcançar. Também se acreditava que questões climáticas e ambientais fossem pensamento. As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil determinantes para o desenvolvimento de um povo. Nos países tropicais, por foram, também, uma espécie de ―motor‖ para os trabalhos de Florestan. Mas não exemplo, o calor, a humidade, as matas, e as doenças, tornariam a população apenas para ele, pois serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil preguiçosa e indolente. como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois essas Era necessário, portanto, que os povos mais evoluidos, levassem até os transformações se intensificaram muito por causa do aumento da industrialização e selvagens as noções básicas de civilidade, cultura, religião e desenvolvimento, para da urbanização. que estes compreendessem e incorporassem (mesmo que a força), as noções Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan inaugura essênciais de evolução, que os europeus preconizavam e defendiam. também tinha o ―olhar‖ voltado aos mais diversos grupos e classes existentes na Essas idéias tiveram grande repercussão no Brasil, pois a maior parte dos sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos indígenas e sobre as relações intelectuais da época, explicavam o atraso brasileiro a partir da degradação raciais em São Paulo, por exemplo, tiveram o mérito de fornecer explicações que se promovida pela mistura da raça européia – trazida pelos portugueses, que se contrapunham às explicações dadas pelas classes dominantes da sociedade miscigenaram – com raças menos evoluidas, como o índio e o negro. Gilberto brasileira. Freyre, entretano, ao viajar para Europa e América do Norte, toma contacto com novas tendências da Antropologia, em que os antropólogos modernos (como por 42 exemplo, Levi-Staruss e Radcliff-Brown), defendiam que não havia uma diferença CRÍTICAS entre as raças, em termos de escala evolutiva – raças mais e menos desenvolvidas – apenas diferenças culturais e econômicas, a serem respeitas e compreendidas. Entretanto, na opinião de outros sociólogos contemporâneos, alguns deles Através de seu livro, Freyre destaca a importância da casa grande na ligados à esquerda do movimento negro e de uma linha mais marxista e menos formação sociocultural brasileira bem como a da senzala que complementaria a culturalista, o ideal da miscigenação adquiriria uma nova roupagem na obra ―Casa primeira. Alem disso em Casa Grande E Senzala enfatiza a questão da formação da Grande e Senzala‖, passando a ser vista como mecanismo de um processo, o qual sociedade brasileira, tendo em vista a miscigenação que ocorreu principalmente teria como fim a democracia racial (expressão usada por Gilberto Freyre só muito entre: Branco, os negros e os indígenas. Destacando a importância da predisposição mais tarde). dos portuguese de, ao contrário dos ingleses e espanhóis, em prociar com a população local. Segundo Clóvis Moura, "Gilberto Freyre caracterizou a escravidão no Brasil como composta de senhores bons e escravos submissos". O mito do bom Na opinião de Freyre, a própria estrutura arquitetônica da Casa-Grande senhor de Freyre seria uma tentativa no sentido de interpretar as contradições do expressaria o modo de organização social e política que se instaurou no Brasil, qual escravismo como simples episódio sem importância, e que não teria o poder de seja o do patriarcalismo. Isto posto que tal estrutura seria capaz de incorporar os desfazer a harmonia entre exploradores e explorados durante aquele período. vários elementos que comporiam a propriedade funciária do Brasil colônia. Do mesmo modo, o patriarca da terra era tido como o dono de tudo que nela se Tais criticas vieram em especial da chamada Escola Paulista da Sociologia, que acusavam Freyre de ―mascarar‖ o preconceito racial no Brasil. encontrasse como escravos, parentes, filhos, esposa, etc. Este domínio se estabelece de maneira a incorporar tais elementos e não de excluí-los. Tal padrão se expressa na AUTOR 2 – SERGIO BUARQUE DE HOLANDA – LIVRO RAÍZES DO Casa-Grande que é capaz de abrigar desde escravos até os filhos do patriarca e suas BRASIL respectivas famílias. Neste livro o autor tenta também desmistificar a noção de determinação Raízes do Brasil marcou profundamente a historiografia brasileira, pela racial na formação de um povo no que dá maior importância àqueles culturais e ousadia e tenacidade do autor em empregar conceitos, à época, inovadores da ambientais. Com isso refuta a ideia de que no Brasil se teria uma raça inferior dada a sociologia contemporânea para analizar a formação da Nação. miscigenação que aqui se estabeleceu. Antes, aponta para os elementos positivos que Defende que a formação da economia colonial, caracterizada pelas grandes perpassam a formação cultural brasileira composta por tal miscigenação fazendas de engenho, criou traços de autossuficiência, similares a organização (notadamente entre portugueses, índios e negros). feudal da Idade Média, quando cada feudo era autônomo e isolado, sem interferência de um governo central, que à época, muitas vezes sequer existia. Isto 43 teria dificuldader a centralização político-administrativa do Brasil, favorecendo as encaradas com desconfiança e antipatia pelos espanhóis e portugueses. Nunca eles diferenças regionais e a fragilidade do Governo Central. se sentiram muito à vontade em um mundo onde o mérito e a responsabilidade Além disso, outra questão importante é a criação do conceito do homem cordial, individuais não encontrassem pleno reconhecimento. que provocou muita polêmica ao defender que o Brasil, pelas características pouco Nas nações ibéricas, à falta dessa racionalização da vida, que tão cedo ―preconceituosas‖ do português ―aventureiro‖ (conceito famoso, desenvolvido por experimentaram algumas terras protestantes, o princípio unificador foi sempre Holanda), teria uma forma de orgaqnização social ―aberta‖ a aceitação de idéias e representado pelos governos. Nelas predominou, incessantemente, o tipo de tendências exógenas (externas). organização política artificialmente mantida por uma força exterior, que nos Além disso, o autor utilza-se pioneiramente de aspestos teórico e modelos da obra de tempos modernos, encontrou uma das suas formas características nas ditaduras Max Weber para analisar o Brasil. militares. Trecho de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda: Um fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia “...somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.... Toda hierarquia funda-se desses povos é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no necessariamente em privilégios. E a verdade é que, bem antes de triunfarem no culto ao trabalho. ... Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mundo as chamadas ideias revolucionárias, portugueses e espanhóis parecem ter mais nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo sentido vivamente a irracionalidade específica, a injustiça social de certos pão de cada dia. O que ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor, privilégios, sobretudo dos privilégios hereditários. exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação. E assim, enquanto povos O prestígio pessoal, independente do nome herdado, manteve-se continuamente nas protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se épocas mais gloriosas da história das nações ibéricas. Um dos pesquisadores mais ainda largamente no ponto de vista da antiguidade clássica. O que entre elas notáveis da história antiga de Portugal salientou, com apoio em ampla predomina é a concepção antiga de que o ócio importa mais que o negócio e de que documentação, que a nobreza, por maior que fosse a sua preponderância em certo a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor. tempo, jamais logrou constituir ali uma aristocracia fechada; a generalização dos Também se compreende que a carência dessa moral do trabalho se ajustasse bem a mesmos nomes a pessoas das mais diversas condições- observa- não é um fato novo uma reduzida capacidade de organização social. O certo é que, entre espanhóis e na sociedade portuguesa; explica-o assaz a troca constante de indivíduos, de uns portugueses, a moral do trabalho representou sempre fruto exótico. Não admira que se ilustram de outros que voltam à massa popular donde haviam saído. que fossem precárias, nessa gente, as ideias de solidariedade. A verdadeira, a autêntica nobreza já não precisa transcender ao indivíduo; há de Raízes do Brasil, obra símbolo de uma época, foi publicada em 1936 sob a depender das suas forças e capacidades, pois mais vale a eminência própria do que autoria de Sérgio Buarque de Holanda. O livro, curto, claro, discreto e objetivo, a herdada. Efetivamente, as teorias negadoras do livre arbítrio foram sempre divide-se em sete capítulos que, juntos, teorizam sobre nossa formação histórica e 44 social. Herança colonial, o capítulo 3, tematiza a estrutura rural da sociedade colonial. O declínio da mesma se deu a partir de 1850 em função do fim do tráfico escravo, que era sua base de sustentação desde o século XVI. Nesse contexto, se RESUMO DO LIVRO estabelece uma nova dicotomia, a relação rural-urbano, que se manifesta igualmente O capítulo 1 caracteriza a Península Ibérica assinalando que o seu no universo mental, onde a visão de mundo tradicional entra em conflito com desenvolvimento, por se dar em um território fronteiriço, não ocorreu da mesma valores modernos. O malogro de Mauá, em tempos onde o patriarcalismo e o forma que em outros países europeus. Esse fato deu à região uma série de personalismo eram hegemônicos, aponta para a incompatibilidade das estruturas características peculiares, que seriam trazidas ao Brasil no bojo das grandes nacionais com as práticas mais ―industrializantes‖. Aqui, a fazenda, vinculada a conquistas marítimas. Entre esses aspectos singulares estava a cultura da uma idéia de nobreza, ainda predomina sobre a cidade. Estreitamente ligado ao personalidade, na qual o apego pelo prestígio pessoal resultava na ausência de uma capítulo anterior, ―O semeador e o ladrilhador‖, um dos mais brilhantes do livro, moral de culto ao trabalho, diferente dos países protestantes. Daí teria origem uma estabelece uma nova oposição. O espanhol, ou o ladrilhador, se caracterizava por outra característica importante: a fraqueza das instituições e falta de organização tornar suas cidades um exemplo de racionalidade, onde a linha reta obtinha o social. Em contrapartida, o fato de os hispânicos não conceberem uma disciplina triunfo. O semeador, ao contrário, representava o português, aferrado ao litoral, que baseada em consentimento coletivo, gerava entre eles um paradoxal senso de construía cidades irregulares, nascidas e crescidas sem o mínimo planejamento. A obediência. origem desses traços lusitanos era explicada pelo seu desejo de fazer fortuna rápida, No capítulo 2, seguindo o paradigma das tipologias weberianas, são dispensando o trabalho regular. construídos os modelos do trabalhador e do aventureiro. O primeiro, único que O quinto capítulo, um dos mais discutidos, aborda alguns elementos que poderia colonizar o Brasil justamente por possuir uma excepcional adaptabilidade, definiriam (não de forma absoluta) a identidade nacional. Apropriando-se de um caracterizava-se por buscar novas experiências, ignorar fronteiras e viver de conceito de Ribeiro Couto[1], Sérgio Buarque afirma que o "homem cordial" é horizontes distantes. Já o segundo era marcado pelo esforço persistente, por resultado da cultura patrimonialista e personalista própria da sociedade brasileira. A conseguir tirar proveito das insignificâncias e ver antes a parte que o todo. A grande nossa cordialidade enfatizava o predomínio de relações humanas mais simples e lavoura, principal unidade produtiva da colônia, se constituiu não com base em um diretas que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade. A plano preconcebido pelos portugueses, mas sim ao sabor das condições primitivas dificuldade de constituição de um Estado ―civil‖ brasileiro se expressava no fato de do meio. O uso de escravos foi a forma escolhida para o trabalho, o que também se que essa instituição não era (e não é) um prolongamento da família. A hegemonia de adequava à repulsa lusitana pela atividade manual e contribuía para diminuir ainda valores familiares e patriarcais, vinculadas também ao homem cordial, impedem mais a necessidade de cooperação entre os conquistadores. uma distinção clara entre a noção de público e privado. 45 O sexto capítulo debate as consequências da presença lusitana na na nossa política? configuração da sociedade brasileira, a partir da vinda da família real para o Brasil. No campo da historiografia, apesar de empreender uma análise histórico- Apesar do choque causado aos velhos padrões coloniais, a permanência do psicológica, o autor consegue captar um aspecto típico da chamada história das personalismo português determina alguns traços da nossa intelectualidade, ou seja, o mentalidades, que ganhará destaque nos anos sessenta, ou seja, um elemento que conhecimento (superficial) era importante apenas na medida em que dava prestígio e pertence ao campo do estrutural, da longa duração: ―A influencia dessa colonização diferenciação. O apego às idéias fixas e simplórias facilitava o trânsito do litorânea, que praticavam, de preferência, os portugueses, ainda persiste até nossos positivismo entre nossos pensadores. A decorrência disso na vida política dias. Quando hoje se fala em ―interior‖, pensa-se, como no século XVI, em região correspondeu à ausência de um espírito democrático, demonstrando a necessidade escassamente povoada e apenas atingida pela cultura urbana‖ (p. 101). de transformar o paradigma dos movimentos reformistas, feitos, até então, somente de cima pra baixo. Um segundo ponto que considero de extrema relevância na obra é a utilização do conceito weberiano de tipo ideal, que, de forma geral, seria a O sentido marcadamente político da obra aparece em ―Nossa revolução‖, construção ideal de como se desenvolveria uma forma particular de ação social se onde o autor demonstra a diferença das revoluções ocorridas aqui na América em ela fosse feita racionalmente em direção a um fim. Nesse sentido, o tipo ideal é um comparação com os movimentos europeus. E no caso brasileiro, apesar do urbano ir conceito vazio de conteúdo real que procura servir de horizonte para uma assumindo a sua independência em face do rural, esse processo ainda não está comparação com os fenômenos históricos. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque completo. Somente quando aniquilarmos as raízes ibéricas de nossa cultura e traduz essa metodologia através de um mapeamento dos pares antagônicos como, propiciarmos a emergência das outras camadas sociais, aí sim teríamos finalmente por exemplo, o trabalhador e o aventureiro, o rural e o urbano, o impessoal e o concluído a nossa ―revolução‖. É evidente, nos alerta Sérgio Buarque, que ao afetivo, etc. Como foi afirmado, essas tipificações são ideais. O autor nos alerta que ocorrer esse processo, as resistências conservadoras poderão surgir, no entanto, elas não ―possuem existência real fora do mundo das idéias‖ (p. 44/45). ainda podemos acreditar que uma democracia efetiva se concretize na América Outro elemento levantado, ainda dentro da ótica weberiana, é a utilização, Latina. E é pela defesa desse ideal que o caráter político de Raízes do Brasil salta por meio de uma metodologia comparativa, dos conceitos de patrimonialismo e aos olhos em seu último capítulo, finalizando um trabalho de peso na nossa burocracia para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no historiografia. Tais traços, afirma Sérgio, ainda não foram superados, pois essas modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão: ―para o funcionário patrimonial, a ―sobrevivências arcaicas, o nosso estatuto de país independente até hoje não própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as conseguiu extirpar‖ (p. 180). A argúcia dessa percepção pode ser utilizada até o funções, os empregos e os benefícios que deles aufere-se relacionam-se a direitos presente, pois certamente ainda convivemos com essa realidade. O que dizer de pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro casos de nepotismo ou de uso de dinheiro público em benefício pessoal, tão banais Estado burocrático, em que prevalecem as especializações das funções e o esforço 46 para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos‖ (p. 146). Ao que parece, muito mais inovador que o uso desses instrumentos para a análise de nossa formação histórica e social, é o fato de, até os anos trinta, Sérgio Buarque ter sido o primeiro a empreender uma tentativa de aplicar os conceitos de Max Weber dentro da historiografia brasileira. Mais uma grande questão que se evidencia em Raízes do Brasil é a presença de elementos modernistas na obra. A crítica ferrenha elaborada por Sérgio à intelectualidade brasileira, é produto do contexto literário modernista em que estava inserido. Quando ele afirma que: ―é freqüente, entre os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares‖ (p. 155), coloca em questão o próprio exercício da atividade intelectual, que até então se preocupava apenas com as reflexões vindas de fora, sem pensar o Brasil a partir da sua própria cultura. E essa aproximação com a nossa nacionalidade, exigência dos ―modernos‖, estava relacionada com a busca por uma identificação do novo intelectual com a cultura popular. No que tange à necessidade moderna de construir um sentimento de brasilidade, desligado da visão de mundo puramente européia, Sérgio Buarque foi um dos primeiros a dizer claramente que ―o próprio povo brasileiro tinha de assumir as rédeas do seu destino‖, aniquilando as suas raízes ibéricas, exacerbando assim um claro traço nacionalista. QUADRO RESUMO DAS PRINCIPAIS INTERPRETAÇÕES SOBRE O BRASIL SEGUNDO BERNARDO RICÚPERO AUTOR LIVRO AVALIADO CONTEXTO HISTÓRICO EM QUE A OBRA FOI INFLUÊNCIA TEÓRICA RELEVANTE PRINCIPAL PERÍODO HISTÓRICO ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA TEORIA DO AUTOR 47 MUDANÇAS NA HISTÓRIA BRASILEIRA / PRINCIPAIS CRÍTICAS OUTROS ASPECTOS RELEVANTES ESCRITA GILBERTO FREYRE CASA GRANDE E SENZALA (1900-1987) (1933) SERGIO BUARQUE DE HOLANDA (1902 -1982) RAIZES DO BRASIL (1936) ANALISADO ESCRITO LOGO APÓS O GOLPE DE GETULIO EM 1930, TRANSIÇÃO DO PODER RURALISTA PARA A BURGUESIA INDUSTRIAL. NOVAS ESCOLAS DA ANTROPOLOGIA EUROPÉIA E AMERICANA, QUE VALORIZAVAM A CULTURA LOCAL, CONTRA O MODELO EVOLUCIONISTA RADICAL QUE INDICAVA OS EUROPEUS COMO OS MAIS DESENVOLVIDOS BRASIL COLONIA / IMPÉRIO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS PERDENDO AS CONQUISTAS DEMOCRÁTICAS, E SE SUBMENTENDO AS DITADURAS QUE VIERAM ANTES DA 2ª. GUERRA SOCIOLOGIA DE MAX WEBER /MOVIMENTO MODERNISTA QUE VALORIZAVA A CULTURA POPULAR BRASILEIRA / BRASIL COLONIAL COMO UMA REALIDADE PRÓXIMA AO FEUDALISMO. FAZENDA DE ENGENHO ERA UMA UNIDADE INDEPENDENTE DENTRO DA NAÇÃO, SEM CONEXÃO COM O PODER POLÍTICO. BRASIL COLONIA CONSEQUÊNCIAS MISCIGENAÇÃO COMO FORMA DE APRIMORAÇÃO DA RAÇA / CONTRA O PRECONCEITO RACIAL E A APOLOGIA DAS RAÇAS PURAS / COLONIZAÇÃO DE OCUPAÇÃO (EUA) X COLONIZAÇÃO DE EXPLORAÇÃO (BRASIL) AS RELAÇÕES FAMILIARES E PATRIARCALISTAS IMPEDIRAM UM DESENVOLVIMENTO DAS INSTITUIÇÕES, COMO GOVERNO, DEMOCRACIA, ETC / O BRASIL ASSUME CARACTERÍSTICAS TÍPICAS DO FEUDALISMO, ONDE A AUTO-SUFICIENCIA ECONÔMICA ―ENGESSA‖ AS RELAÇÕES SOCIAIS MAIS AMPLAS, AS CLASSES SOCIAIS E A LUTA IDEOLÓGICA PELO ESTADO. VALORIZAÇÃO DAS RAÍZES ÉTNICAS E CULTURAIS BRASILEIRAS / ARGUMENTOS CONTRA O PRECONCEITO RACIAL. TRECHOS EM QUE O PRÓPRIO AUTOR DEMONSTRA PRECONCEITO / ENFRAQUECE A LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL É SEM DÚVIDA O PRIMEIRO GRANDE ESTUDO BRASILEIRO CONTRA O PRECONCEITO RACIAL. DEMONSTRA QUE O BRASIL POSSUI UMA PERSONILIDADE CUTURAL PRÓPRIA / JUSTIFICA A FRAGILIDADE DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS NO BRASIL A PARTIR DE ELEMENTOS HISTÓRICOS. ANÁLISE EXCESSIVAMENTE CULTURALISTA, DESCONSTRÓI A IDEIA DA UNIDADE DA CLASSE DOMINANTE QUE APESAR DE AUTOSSUFICIENTE NAS FAZENDAS DEPENDIA DA COROA E DA DOMINAÇÃO PORTUGUESA DEFINIU AS RAÍZES DA CULTURA BRASILEIRA, E A FRAGILIDADE DE NOSSAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS. centralidade do mundo do trabalho. 7a. ed. ampl. – São Paulo: Cortez; Referências Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2000. TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. Volume único. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Editora Saraiva. São Paulo, 2010. Universitária, 1997. ANTUNES, R., 1995. Adeus ao trabalho? 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